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Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Faculdade de Ciências e Letras
Campus de Araraquara - FCL/CAr
Democracia, participação e representação os espaços
deliberativos no Brasil: a experiência do Conselho Municipal
de Saúde de Araraquara (2001-2007)
Agnes Cruz de Souza
Orientadora: Maria Teresa Miceli Kerbauy
Araraquara
Maio/ 2008
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Agnes Cruz de Souza
Democracia, participação e representação os espaços
deliberativos no Brasil: a experiência do Conselho Municipal
de Saúde de Araraquara (2001-2007)
Dissertação apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Sociologia
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP)
Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara
FCL/CAr, como requisito para a obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Maria Teresa Miceli Kerbauy
Araraquara
Maio/ 2008
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Democracia, participação e representação os espaços
deliberativos no Brasil: a experiência do Conselho Municipal
de Saúde de Araraquara (2001-2007)
por
Agnes Cruz de Souza
Dissertação apresentado ao Curso de Pós-Graduação em Sociologia
da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita (UNESP)
Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara
FCL/CAr, como requisito para a obtenção do título de Mestre.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Maria Teresa Miceli Kerbauy – Orientadora (UNESP)
Prof.ª Dr.ª Luciana Ferreira Tatagiba (UNICAMP)
Prof.º Dr.º Marco Aurélio Nogueira de Oliveira e Silva (UNESP)
Araraquara
Maio/ 2008
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"Meu ideal político é a democracia, para que todo
homem seja respeitado como indivíduo e nenhum
venerado." [Albert Einstein]
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Agradecimentos
O fruto de nossas conquistas não poderia se concretizar, se não tivéssemos ao
nosso lado, pessoas fundamentais nessa empreitada. Dessa maneira, este trabalho não
teria sido finalizado sem o apoio dos que tanto me ajudaram, estando presentes ou não
em sua realização.
Aos meus pais e irmão que, mesmo ausentes deste processo de trabalho,
estiveram sempre confiantes e na torcida para que eu conseguisse alcançar meus
objetivos.
Ao meu querido leitor, crítico, incentivador e companheiro de todas as horas,
você, Rogério. Sem o seu amor e compreensão, esta difícil jornada não seria a mesma.
À minha orientadora Maria Teresa Miceli Kerbauy, agradeço, com muito
carinho por acolher tão atenciosamente minhas idéias, ajudando-me a desenvolvê-las
com sugestões valiosas e criteriosas. Registro aqui minha grande admiração, tanto pela
sua pessoa, quanto pelo seu trabalho. Estar ao seu lado durante este tempo, ensinou-me
muito além do que os “bancos acadêmicos” podem nos proporcionar.
Aos professores da banca de qualificação, Márcia Teixeira de Souza e Marco
Aurélio Nogueira, exemplares mestres de minha graduação e pós-graduação, pelas
atenciosas e valiosas observações, sem as quais, este trabalho não seria concretizado.
À professora Luciana Tatagiba (UNICAMP) pela gentil e solícita aceitação em
participar da banca de defesa e por sua grande contribuição para o trabalho.
A todos os conselheiros municipais e funcionários da Secretaria de Saúde de
Araraquara, pela compreensão, acolhimento e atenção dada ao trabalho por meio dos
questionários, entrevistas, cessão de documentos sempre com simpatia e presteza.
Agradeço, em especial ao Paulo Telarolli, pela paciência em ceder-me toda a
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documentação necessária à pesquisa.
Aos professores da Unesp, pela dedicação, ensinamentos acadêmicos e de
vida. Aqui não poderia deixar registrar, em especial, minha grande estima por vocês:
Milton Lahuerta, Marco Aurélio Nogueira, Maria Orlanda Pinassi, Márcia Teixeira de
Souza, Fernanda Peixoto, Dagoberto Fonseca, Marcos Vinícius Cunha, José Antonio
Segatto e Heitor Frúgoli. Seus ensinamentos me tocaram e suas lições foram, continuam
e serão inesquecíveis: verdadeiros mestres.
Ao professor Eduardo Noronha (UFSCAR) pelas valiosas contribuições e
diálogos proporcionados em sua disciplina, que muito contribuíram para este trabalho.
À Flávia Serete pela leitura atenta da dissertação, com importantes
contribuições para o texto.
À turma de mestrado em Sociologia de 2006, pelas trocas proporcionadas de
idéias, alegrias, angústias, tristezas, feijoadas e muito truco (apesar de ser uma
espectadora...). Foi um ano de muitas risadas que nos ajudaram a alcançar o que tanto
queríamos.
À querida amiga Cíntia Capelari Aguiar, pela amizade, companheirismo,
paciência, apoio, risadas e compartilhamento das angústias que nos assolam nesse duro
processo de realização do trabalho acadêmico. Não foi fácil me agüentar, eu sei...
Ao amigo sempre presente apesar da distância e dos projetos que escolhemos
para nossas vidas, José Carmo de Oliveira Júnior. Sem a sua amizade e apoio, talvez não
estivesse chegado até aqui.
Aos meus estimados tios Antonia e Maurício, por sempre acreditarem e
confiarem em meus projetos. Aos meus primos queridos: Ângela, Andrezza e Marcel, “em
ordem de nascimento”, que sempre me incentivaram.
Aos grandes amigos que conheci na vida universitária e que certamente
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ficarão, sempre em meu coração: Cristiane Cusin, Luciano Freitas, Márcia Regina Freitas,
Regina Mendes, Adriana Simões, Marina de Fátima, Chandeller, Suzana Scarpinatti e
Cristina Maria.
A Capes, pela concessão da bolsa de estudos durante o período do Mestrado.
Ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da FCL, pela oportunidade de
desenvolvimento deste trabalho. Carinho especial à funcionária Cristina, que hoje não
pertence mais ao departamento, mas que muito nos ajudou, não somente
burocraticamente falando. Precisamos de mais “Cris” no funcionalismo público...
À secretária Selma Chicarelli, do departamento de Antropologia, Política e
Filosofia pela atenção e dedicação.
Para não correr o risco de ser injusta e deixar de fora da lista alguém
estimado, gostaria de não citar os nomes de vários outros amigos, mas deixar registrado
que foram muitos os que ajudaram de forma direta ou indireta para esta etapa concluída.
A todos aqui mencionados, meus agradecimentos sinceros.
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Sumário
Lista de Quadros e Tabelas ........................................................................................................... 10
I. Resumo ....................................................................................................................................... 11
Abstract .......................................................................................................................................... 12
II. Introdução e Justificativa............................................................................................................. 13
Capítulo 1- Participação e representação na democracia........................................................ 18
1.1 – Teoria democrática e participação: perspectivas....................................................................18
1.2 – Democracia e participação: séculos XVII ao XIX .................................................................. 18
1.3 – Teorias realistas/elitistas do século XX e o declínio da participação .................................... 30
1.4 – Participação: volta à pauta .................................................................................................... 34
2 - Representação política, democracia e participação ................................................................. 44
2.1 – Representação política e governos representativos..................................... ........................ 44
2.2 A democracia participativa e representativa: perspectiva de análise e
conciliação...................................................................................................................................... 51
Capítulo 2 – O processo democrático brasileiro e a política de saúde .................................. 62
2.1 – O sistema político brasileiro: os caminhos da democracia e da reforma estatal .................. 62
2.2 – A Reforma do Estado e a forma de governar ....................................................................... 65
2.3 – A participação, os atores da sociedade civil e os governos locais ....................................... 70
2.4 – A consolidação democrática e a sociedade civil ................................................................... 77
2.5 – A Saúde no Brasil e a descentralização de sua política ....................................................... 81
2.5.1 – Política de Saúde brasileira: antecedentes da descentralização ....................................... 83
2.5.2 – A descentralização na política de saúde – caminhos constitucionais ............................... 87
2.5.3 – A participação em saúde e os Conselhos como mecanismos da sociedade civil ..............89
Capítulo 3 – Os Conselhos: limites e possibilidades ................................................................95
3.1 – Introdução aos Conselhos: buscando seu significado .......................................................... 95
3.2 – Os Conselhos Municipais: história, surgimento, natureza, composição e funções................99
3.3 – A participação: quem são os participantes dos conselhos gestores ................................... 105
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3.4 – Limites e possibilidades dos Conselhos: o retrato participativo ...........................................109
Capítulo 4 – A experiência de Araraquara................................................................................ 124
4.1 – Caracterização do Município de Araraquara ...................................................................... 124
4.2 – A Saúde em Araraquara ..................................................................................................... 125
4.3 – O Conselho Municipal de Saúde ........................................................................................ 128
4.4 – A Participação e Representação no CMS de Araraquara ...................................................133
4.4.1 – Perfil dos Conselheiros do CMS de Araraquara .............................................................. 134
4.4.2 – A Representação dos Conselheiros no CMS de Araraquara .......................................... 139
4.4.3 – O processo decisório no CMS de Araraquara ................................................................. 160
a) Frequência dos Conselheiros às reuniões do CMS ................................................................ 162
b) A participação dos segmentos no orçamento anual do CMS ................................................. 166
c) Instituição de debates, apresentação de temas para discussão e contestação no CMS ........ 168
d) Propostas apresentadas por segmento ................................................................................... 172
e) Assuntos sobre os quais mais se delibera ...............................................................................174
f) Deliberação por tipo e grau de contestação ..............................................................................176
g) Análise da Prestação de Contas ..............................................................................................180
Capítulo 5 – Considerações Finais ...........................................................................................186
Bibliografia.....................................................................................................................................194
Anexos ..........................................................................................................................................201
Questionário – Perfil dos Conselheiros do CMS de Araraquara ................................................. 202
Roteiro de Entrevista com Conselheiros ..................................................................................... 205
Roteiro de Análise do Processo Decisório do CMS (2001-2007) ................................................ 206
10
Lista de Quadros e Tabelas
Quadro 1 – Número de Conselhos Municipais por tipo .....................................................98
Tabela 1 – Escolaridade dos conselheiros por segmento ...............................................135
Tabela 2 – Renda dos Conselheiros por segmento ........................................................ 137
Tabela 3 – Filiação Partidária dos conselheiros por segmento ...................................... 138
Quadro 2 – Representação da Gestão 2001-2003 do CMS de Araraquara – Titulares . 144
Quadro 3 - Representação da Gestão 2003-2005 do CMS de Araraquara – Titulares... 145
Quadro 4 - Representação da Gestão 2006-2007 do CMS de Araraquara – Titulares... 146
Quadro 5 – Representação do CMS de Araraquara – Suplentes de órgãos/entidade
diferente do Titular por Segmento .................................................................................. 147
Tabela 4 – Participação em Gestões Anteriores do CMS de Araraquara ...................... 158
Tabela 5 – Participação em outros Conselhos ............................................................... 159
Tabela 6 Frequência dos Conselheiros por Segmento às Reuniões do CMS de
Araraquara ................................. .................................................................................... 163
Tabela 7 Apresentação de pareceres, temas, esclarecimentos sobre o debate instituído,
por segmento .................................................................................................................. 169
Tabela 8- Participação no debate (intervenções) durante todas as gestões (2001-2001)
por segmento .................................................................................................................. 171
Tabela 9 – Contestações por segmento (2001-2007) .................................................... 172
Tabela 10- Propostas apresentadas por segmento (2001-2007) ................................... 173
Tabela 11- Assuntos sobre os quais mais se delibera no CMS (2001-2007) ................ 175
Tabela 12 – Deliberação por tipo (2001-2007) ............................................................... 177
Tabela 13- Contestação por segmento no CMS (2001-2007) ........................................ 178
Tabela 14 – Prestação de contas no CMS (2001-2007) ................................................. 178
11
I. RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo a análise, através da experiência participativa
institucionalizada nos Conselhos Municipais, mais especificamente os Conselhos
Municipais de Saúde, de como se dá a dinâmica de funcionamento no interior dos
mesmos entre os diferentes segmentos (gestores, trabalhadores, prestadores de serviços
e usuários) que os compõe, levando em consideração a existência de duas lógicas nestes
espaços: a lógica participativa e a lógica representativa. Nosso objeto de estudo é o
Conselho Municipal de Saúde do Município de Araraquara. O período definido para a
pesquisa foi o de 2001 a 2007, que compreende três composições e mandatos do
Conselho. Neste período o executivo municipal foi exercido pelo PT (Partido dos
Trabalhadores). Para a realização do trabalho, fizemos os levantamentos bibliográficos da
temática abordada para a pesquisa. A análise empírica constou de consultas às atas das
reuniões do CMS no período delimitado (2001-2007), consultas aos regimentos internos
de cada gestão analisada, a lei de criação e suas alterações, além da realização de
entrevistas com os conselheiros e aplicação de questionários. Outro recurso utilizado para
a pesquisa foi a observação direta das reuniões ordinárias e extraordinárias do CMS.
Palavras-chave: participação, representação, conselhos municipais, democracia, políticas
públicas e saúde.
12
Abstract
This study aims to examine, through the participatory experience institutionalized in the
Municipal Councils, specifically the Municipal Councils Health, in what way is it the
dynamics operating within the same between different segments (managers, employees,
service providers and users) that composes, taking into account the existence of two
approaches in these areas: the rationale and logic participatory representative. Our object
of study is the Municipal Council of Health of the city of Araraquara. The period set for the
search was from 2001 to 2007, which includes three compositions and mandates of the
Council. During this period the Executive has been exercised by the PT (Workers' Party).
To carry out the work, we have the bibliographical survey of the theme addressed to the
search. The empirical analysis consisted of queries to the minutes of meetings of the CMS
delimited period (2001-2007), consultations with internal rules of each management
examined, the law of creation and its amendments, in addition to the completion of
interviews with the advisers and application of questionnaires . Another feature used for
the search was the direct observation of the ordinary and extraordinary meetings of the
CMS.
Key Works: participacion, representation, municipal councils, democracy, public policy and
health.
13
II. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA
Este trabalho teve como objetivo a análise das dinâmicas do espaço
deliberativo existentes no interior do Conselho Municipal de Saúde de Araraquara,
procurando mostrar como, nesta arena, se lida com a questão da participação e
representação em sua lógica de funcionamento.
O intervalo delimitado para a pesquisa foi o dos anos de 2001 a 2007. Este
período corresponde a três gestões do Conselho: de 2000 a 2002, de 2003
a 2005 e de
2006
a 2007 e a duas gestões municipais petista no executivo.
A análise do cotidiano dos Conselhos Municipais, ressaltando a questão da
participação e da representação significou um esforço na tentativa de apresentação das
diferentes experiências a partir de seus contextos locais, ressaltando características
diversas e contribuindo para os estudos de caso em seus variados espaços, levando em
conta o fato de que muitas das experiências participativas encontram-se em andamento e
muito ainda pode ser examinado através de outras variáveis explicativas que a ampla
literatura sobre o assunto nos apresenta.
A escolha do município de Araraquara para a realização desta pesquisa deve-
se ao fato de que, com a disseminação das experiências participativas nos diversos
municípios do país, boa parte da literatura privilegia as capitais brasileiras e torna-se
relevante analisar os municípios do interior do Estado de São Paulo, com porte
habitacional diferenciado, contribuindo para o conjunto destas experiências.
Um segundo fator importante que levou à escolha do município foi o de que o
mesmo aderiu à gestão plena de saúde no ano de 1998, ou seja, próximo da promulgação
da legislação do CMS, quando a prefeitura era administrada por Waldemar de Santi (PP).
A partir daí o município passa a ser, de fato, o gestor do sistema responsável pelo
14
atendimento das necessidades e demandas de saúde da população.
Quanto ao objeto de estudo, especialmente pelo Conselho Municipal de Saúde,
a escolha se deve à importância da saúde enquanto política social, pela abrangência de
suas funções normativas, fiscalizadoras e deliberativas, e pela institucionalização da
participação de diferentes segmentos da sociedade civil.
Os Conselhos são constituídos e definidos como órgãos permanentes e
deliberativos, com representantes do poder público, dos prestadores de serviços de
saúde, dos profissionais de saúde e dos usuários dos serviços, atuando na formulação de
estratégias e no controle da política de saúde, tendo sua representação paritária 50%
(cinquenta por cento) dos assentos reservados aos gestores públicos, prestadores de
serviços e trabalhadores e 50% (cinquenta por cento) reservados aos usuários
(segmentos da sociedade civil organizada).
Enquanto espaços de deliberação e 141participação, o modelo de Conselhos
Municipais na área de saúde foi um dos mais antigos, sendo os primeiros a se
disseminarem pelo país.
Criado por lei em 1991 e iniciando efetivamente suas atividades em 1997, o
Conselho Municipal de Araraquara conta com uma trajetória de tempo relevante de
funcionamento, principalmente porque a partir da habilitação municipal à gestão plena de
saúde, uma das exigências é que o Conselho Municipal de Saúde delibere e interfira
diretamente na política de saúde do município.
Nossa hipótese parte da premissa de que nestes espaços concedidos aos
diferentes Conselhos criados por legislação federal, e em nosso caso específico de
estudo, o Conselho de Saúde, a conciliação entre as lógicas participativa e representativa
pode definir uma participação (do ponto de vista dos segmentos que compõem o
Conselho) e representação limitada e complexa no que se refere à formulação, estrutura e
15
organização destes órgãos enquanto política pública e espaços de deliberação.
Partindo da hipótese do trabalho, algumas questões foram importantes para
guiar e orientar nossas investigações: quem participa dos Conselhos e quem
representam? Como são dadas as diferenças entre o que a legislação federal e as
normas, leis de criação, regimentos internos estabelecem para estes espaços e as
práticas cotidianas efetivas existentes? democratização dessa política pública através
da experiência conselhista? As questões acima procuram contextualizar-se em nosso
trabalho a partir da lógica participativa e representativa que é encontrada nestes espaços.
No espaço dos Conselhos a conjugação da lógica participativa, onde, de
um lado, tem-se o agrupamento de diferentes segmentos (50 % integrando gestores,
trabalhadores e prestadores de serviços em saúde e 50 % pertencente aos usuários dos
serviços de saúde) compondo o processo deliberativo dos Conselhos e, por outro lado,
essa institucionalidade é submetida à lógica representativa, onde os diferentes segmentos
têm o papel de representar seus órgãos e/ou entidades.
Porém, em que pese a importância de novos modelos de reorganização dos
serviços de saúde, no caso da criação dos Conselhos e a participação institucionalizada
da sociedade civil organizada, deve-se verificar, de antemão, se, o cotidiano destes
espaços não é modificado de forma a se estabelecerem as regras e rotinas, sobretudo no
que diz respeito a disseminação e clareza de informações que possam instrumentalizar
especialmente os usuários nas reuniões dos mesmos.
O maior risco, decorrente dos limites ao funcionamento dos Conselhos é a
transformação dos mesmos em estruturas formais subordinados às rotinas administrativas
das Secretarias Municipais, que nada farão além de responder aos procedimentos de
aprovação de contratos e prestação de contas exigidas nos convênios estabelecidos com
os programas estaduais e federais (SANTOS JUNIOR, RIBEIRO e AZEVEDO, 2004;
16
AVRITZER: 2002; TATAGIBA: 2002; GOHN: 2001).
Dessa forma, o cotidiano destas experiências interage com a lógica da
participação, privilegiando os canais que consolidam a inserção da sociedade civil
organizada em políticas públicas deliberativas; e com a gica do sistema representativo
tradicional, que através do Executivo e Legislativo, se responsabilizam por indicações de
conselheiros que deverão compor a representação no CMS e por conseqüência o controle
da participação. Não se pode deixar de levar em conta que os espaços criados nas duas
lógicas acima serão, na prática, destacados pela existência de entraves formais em sua
ordenação. Nesse sentido, torna-se relevante analisar as dimensões destes limites e
problemas enfrentados nos Conselhos (PINTO: 2004).
Acreditamos que, além da conjugação de duas lógicas (participativa e
representativa) no espaço destinado aos Conselhos e no seio das propostas que
advogam o aumento da participação, não se está apenas preocupado com o número de
vezes que o cidadão participa, mas às formas como participa e mais especificamente, em
nome de que e de quem estão participando. Torna-se, dessa forma, importante destacar
como se compõe a representação dos diferentes segmentos que formam o Conselho
regido para o estudo de caso (PINTO: 2004).
No esforço de delinear, em termos gerais, os principais obstáculos existentes
na institucionalização dos Conselhos Municipais, surgem a assertiva de que os mesmos
são palcos de conflitos para a esfera pública. Os desafios que a prática tem colocado à
concepção e aos modelos teóricos de constituição e funcionamento desses espaços
públicos são inúmeros.
Seguindo esta preocupação, o presente trabalho lançará mão de um
arcabouço teórico que privilegie o tema da democracia, participação e representação e
indique os principais limites existentes nos espaços deliberativos consolidados com a
17
criação dos Conselhos Municipais.
Como procedimento metodológico, para a realização desta pesquisa adotamos
os levantamentos bibliográficos da temática abordada para a pesquisa, além do trabalho
empírico. Neste fizemos a consulta às atas das reuniões do CMS do período delimitado
para a pesquisa (2001-2007), consultamos os regimentos internos de cada gestão
analisada, a lei de criação e suas alterações, além da aplicação de questionários e
realização de entrevistas com os conselheiros. Outro recurso utilizado para a pesquisa foi
a observação direta das reuniões ordinárias e extraordinárias do CMS.
Nossa exposição está organizada em cinco capítulos.
No primeiro, procuramos discutir a temática teórica relacionada à democracia,
participação e representação.
No segundo capítulo, reservamos espaço para uma breve caracterização do
processo democrático no Brasil, procurando apontar como este se em nosso país e
destacando a importância dos Conselhos neste contexto. Abordaremos a política de
Saúde e seu processo de descentralização no Brasil, dando atenção para o nosso objeto
de estudo: os Conselhos.
No terceiro capítulo, analisamos questões a respeito da organização, estrutura
e funções dos Conselhos e também as possibilidades e limitações existentes nestas
instâncias.
No quarto capítulo, fizemos a análise da experiência do Conselho Municipal de
Saúde de Araraquara, dando atenção aos dados coletados empiricamente na pesquisa.
No quinto capítulo, tecemos as considerações finais.
18
Capítulo 1 – Participação e representação na Democracia
1.1 – Teoria democrática e participação: perspectivas
1.2 – Democracia e participação: séculos XVII ao XIX
Democracia, desde os tempos do grego Heródoto, significa “governo do povo”.
A ideologia democrática identifica no povo a fonte de todo o poder político. A legitimidade
de um governo democrático, portanto, está na aquiescência do povo quanto ao modo de
condução dos negócios comuns.
Na Grécia antiga, o modelo democrático em sua forma autêntica, exercia-se
através da participação direta dos cidadãos, porém não devemos deixar de destacar que
essa democracia remetia-se a uma parcela minoritária da população: homens livres,
proprietários, atenienses etc. Considerada a estrutura grega da época (hierarquizada,
estamental, delimitadora da participação) os limites de cidadania apresentados pareciam
adequados.
Um longo período de tempo, mas sobretudo, profundas transformações na
estrutura social, separa o modelo clássico de democracia de suas versões modernas e
contemporâneas. Uma infinidade de sistemas foram denominados de democracia. Deve-
se, portanto, levar em conta que há neste sentido, uma discordância quanto ao que
podemos chamar de democracia enquanto algo universal. Mas hoje, no entanto, as
democracias têm um aspecto destacado como quase universal. Porém, trata-se de
fenômeno recente.
Antes disso, a aplicação democrática a diferentes tipos políticos apresentava
diferenças e do ponto de vista histórico, foi relativamente sem importância em
19
determinadas épocas. Mesmo na Grécia, a democracia teve seu período de auge.
Posteriormente, ao final do século XIX e no início do culo XX firmou-se na prática.
Podemos identificar no Pós-Primeira Guerra Mundial que sua desaprovação foi
substituída pela aprovação generalizada.
Em meio às diferentes manifestações democráticas, uma preocupação por
parte deste trabalho em analisar de que maneira a participação política vincula-se às
teorias democráticas modernas e contemporâneas. Para isso, algumas questões são
fundamentais: de que maneira articula-se democracia e participação? Como construir
bases para o entendimento do papel exercido pela democracia? Até que ponto ela
permite a participação?
Podemos dizer que hoje, a democracia constitui-se amplamente na prática,
mas enquanto teoria, deixa dúvidas quanto à existência de sistemas não democráticos.
Porém, é fato, o ressurgimento democrático, o que não o torna uma exceção, mas, quase
uma regra no mundo contemporâneo.
Sabemos que no decorrer da história do homem, diversas visões a respeito da
democracia e participação foram descritas, e, em diferentes épocas elas tiveram sua
especificidade. Para entendermos os diferentes sentidos desse movimento, deve-se levar
em conta as referências a respeito da realidade dos autores que o abordam, sua época e
os discursos recorrentes. Muitos estão dialogando diretamente com seu tempo,
procurando interpretá-lo, outros, estão contestando as visões proeminentes de sua época,
criticando o status quo e ultrapassando ou revolucionando as barreiras da história de seu
tempo.
O importante, ao traçarmos a relação entre democracia e participação, é o
entendimento do contexto que a envolve. Faremos, dessa forma, um esforço de esboçar
interpretações da temática democrática e as virtudes da participação, para que possamos,
20
nas palavras de Norberto Bobbio, verificar a dinâmica e as transformações da democracia
contemporânea.
Enquanto terminologia corrente da ciência política, a participação política pode
servir para identificar e designar uma infinidade de atividades: voto, militância,
participação em manifestações, contribuições em agremiações políticas, discussão de
acontecimentos políticos, participação num comício ou reunião, apoio a determinado
candidato, pressão sob dirigentes políticos, informações políticas, participação
institucional em políticas públicas, etc.
Nesse sentido, no que diz respeito à política, o princípio da participação é tão
antigo quanto à democracia, porém, tornou-se mais complexo, em conseqüência da
escala de abrangência dos governos modernos. Abordaremos, dessa forma, as diferentes
concepções que a participação incorporou nas teorias democráticas.
Durante os séculos XVII e XVIII, no pensamento democrático ocidental, a
participação política esteve ancorada na visão relacionada à igualdade de todos diante
do poder. Autores importantes como Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu e Jean-
Jacques Rousseau foram fundamentais neste sentido.
Thomas Hobbes, em sua obra Leviatã (1998), explana seus pontos de vista
sobre a natureza humana e a necessidade de governos e sociedades. No estado natural,
enquanto alguns homens podem ser mais fortes ou inteligentes do que outros, nenhum se
ergue tão acima dos demais de modo que outro homem lhe possa fazer mal. Por isso,
cada um de nós tem o direito a tudo, e, uma vez que todas as coisas são escassas, existe
uma constante guerra de todos contra todos. Porém, os homens tem um desejo que é
também interesse próprio, de acabar com a guerra, e, por isso, formam sociedades,
entrando num contrato social.
O autor defendia a idéia segundo a qual os homens só poderiam viver em paz
21
se concordassem em submeter-se a um poder absoluto e centralizado. Para ele, a Igreja
e o Estado Cristãos formavam um mesmo corpo, encabeçado pelo monarca, que teria o
direito de interpretar as Escrituras, decidir questões religiosas e presidir os cultos. Com
isso, surgiria em sua teoria a figura do Leviatã, simbolizando o Estado absoluto. Em sua
alegoria, o Leviatã apresenta inúmeras cabeças e ele impunha os símbolos de dois
poderes: o civil e o religioso (HOBBES: 1998).
De acordo com Hobbes, tal sociedade necessitaria de uma autoridade à qual
todos os membros deveriam render o suficiente da sua liberdade natural, por forma a que
a autoridade pudesse assegurar a paz interna e a defesa comum. Este soberano, quer
seja um monarca ou uma assembléia (que pode até mesmo ser composta de todos, caso
em que seria uma democracia), deveria ser o Leviatã, uma autoridade inquestionável.
John Locke, contribui para o pensamento democrático na medida em que
privilegia a sociedade liberal (capitalista), tratando essencialmente dos conceitos de
liberdade, leis e propriedade. Embora a preocupação central do autor não ao encontro
da igualdade, seu pensamento foi fundamental para analisar o processo de constituição
da propriedade liberal (burguesa) em contraposição à sociedade feudal decadente.
Valorizando o trabalho e a sociedade industrial insurgente, Locke encontra no
Estado a sustentação dos direitos, protegendo os interesses humanos na posse de bens
e propriedades. Cabe ao Estado garantir a segurança do homem, que acumula suas
propriedades em função de seu trabalho.
O homem, em seu estado de natureza, tem perfeita liberdade e gozo de seus
direitos e privilégios. Porém, por natureza, ele deve preservar sua propriedade (que
segundo Locke se resume à liberdade, a vida e os bens) de prejuízos ou danos causados
por outros que desejem o que possui.
Para Locke, quando os homens renunciam a seus poderes (no caso, as
22
propriedades) a passagem que se do Estado de natureza para a sociedade política é
dada quando a transferência de seus bens à esta última. Em sua concepção, a
constituição da sociedade política representou a renúncia da liberdade no estado de
natureza e a aceitação de regras fundamentais para a manutenção e bom funcionamento
do pacto do Estado Moderno. Dessa maneira, Locke defendia uma característica presente
nas democracias modernas: o princípio da maioria, que não representava a vontade de
todos, mas sustentava a maioria de proprietários, pois para estes, o Estado moderno foi
criado.
Outra característica importante destacada por Locke é a função das leis. Elas
devem ser estabelecidas e promulgadas visando um caráter universalizante e o acordo
com o interesse geral. Essas leis devem ser elaboradas pelos representantes que são
escolhidos pelo povo (sem deixar de destacar que o povo a ser defendido por essas leis
são preferencialmente os proprietários e suas vontades).
Enfatizando a importância das leis, o autor privilegia o sistema legislativo e
destaca alguns elementos fundamentais de sua teoria democrática:
a constituição do legislativo é o primeiro ato fundamental da sociedade, por
meio da qual se provê a continuação da união de todos sob a direção de
pessoas e vínculos de leis estabelecidas pelos que estão autorizados a
fazê-la, mediante o consentimento e a designação por parte do povo, sem
o que nenhum homem ou grupo de homens pode ter autoridade para fazer
leis que obrigue a todos os restantes (LOCKE, 1963, p. 136).
Montesquieu ressalta que a igualdade democrática deve ser amparada pelas
leis. O autor parte do pressuposto de que a necessidade de um controle externo para
que o sistema político funcione, propondo assim, a criação de regras que estabelecessem
limites aos detentores do poder, e sua solução encontra-se na divisão administrativa de
poderes: legislativo, executivo (que depende do direito das gentes) e o judiciário (que
depende do direito civil). Segundo o autor, isso garantiria um bom funcionamento dos
governos (MONTESQUIEU: 1963).
23
Segundo sua classificação da divisão de poderes, ele ressalta suas funções:
pelo primeiro, o príncipe ou o magistrado faz leis por certo tempo ou para
sempre e corrige ou ab-roga as que estão feitas. Pelo segundo, faz a paz
ou a guerra, envia ou recebe embaixadas, estabelece a segurança e
previne invasões. Pelo terceiro, pune os crimes ou julga as querelas dos
indivíduos. Chamaremos este último de poder de julgar e, o outro o poder
Executivo do Estado (MONTESQUIEU, 1963, p.16).
A garantia de liberdade e igualdade prezadas por Montesquieu, segundo Didieu
(1980) consolida-se com a bem sucedida organização da divisão dos poderes e seu
cumprimento pelo governo, havendo com isso a conservação de valores como a harmonia
de todas as forças compostas na sociedade como um todo.
A partir do desenvolvimento das idéias democráticas da teoria moderna
ocidental (caso em que destacamos a importância de Hobbes, Locke e Montesquieu), a
participação política nos séculos XVII e XVIII apresentou-se, nas palavras de Santos
(1998, p. 6-7) como uma ficção da igualdade do povo diante do governo. Tal ficção
tornou-se essencial para que o povo fosse inventado de forma legítima e ligado ao poder
institucionalizado. A democracia constituía-se no formato da representação de poucos
(oligarquia), onde o povo tinha liberdade para a escolha de seus representantes, fixando
na sociedade uma diferença entre as classes existentes e principalmente na dualidade
representantes e representados, escondendo uma diferença latente e real no que diz
respeito aos produtores de poder.
A representação da democracia nos séculos XVII e XVIII confundia-se com a
noção de autorização, dada a ênfase do conceito hobbesiano de representação. Os
representantes são autorizados a agir em nome do povo, que o escolhe. Assim, o povo
não age por si mesmo, mas em nome de seus representados. (PITKIN: 1967). Dessa
maneira, a representação como forma de governo foi tratada com grande fôlego. Muitos
estudiosos debruçaram-se à essa compreensão, ou seja, como a representação se
caracterizava no processo de constituição e organização dos diferentes governos.
24
Na contramão dessa corrente encontra-se Rousseau. Para o autor, a
passagem do poder ao soberano representante e a lógica contratualista não respondem
às necessidades humanas. Nesse sentido, Rousseau abole a idéia de governo
representativo, pois o poder é dado de forma horizontal, admitindo a vontade geral. A
vontade humana não pode ser representada e a soberania trata-se de um ser coletivo e
não individual regendo vontades alheias. O poder pode transmitir-se, mas não a vontade
(ROUSSEAU: 1999).
Obra de referência de Rousseau, Do Contrato Social (1999) inaugura uma
tradição no pensamento social: como os homens podem construir vínculos
interdependentes da sociedade, isto é, como tornar coeso o conjunto fragmentado da
vontade dos homens na construção de uma sociedade ativa e cooperativa.
Rousseau ocupa um lugar de destaque entre os autores que inovaram a forma
de se pensar a política, principalmente quando propõe o exercício da soberania pelo povo
como principal condição para sua libertação.
O autor enfatiza que as convenções legitimam qualquer autoridade entre os
homens. Como destaca: “Visto que o homem tem autoridade natural sobre seus
semelhantes e que a força não produz nenhum direito, restam as convenções como
base de toda a autoridade legítima existente entre os homens” (ROUSSEAU, 1999, p. 61).
Para Rousseau, a organização política se enraíza profundamente na ordem
social. Dessa forma, ele vai propor uma sociedade una, onde o pertencimento do espaço
é de todos e toda sua confiança é depositada no homem. Ou seja, o autor estabelece a
idéia de que o homem é um ser ativo e político e vai então propor essa sociedade una
agindo de forma convergente.
Há, segundo Rousseau, alguns princípios para a garantia dessa sociedade: um
deles é o espaço geográfico, que deve ser bem localizado, com um número pequeno de
25
habitantes. Nesse espaço os indivíduos são associados, onde a comunidade deve ser
igual para todos. A expressão da sociedade organizada politicamente significa sua
vontade geral sendo representada através de um corpo moral e coletivo. A matriz é a
sociedade que pode tomar várias decisões. O soberano é o corpo moral e político, onde
os particulares compõem e formam o corpo soberano (totalidade dos súditos).
Para Rousseau, a vontade geral tende à igualdade e a idéia principal do autor é
a de que os cidadãos participem da vida política. Com isso, dentro do núcleo teórico do
autor, as formas clássicas de governo teriam um papel secundário dentro do Estado. Elas
poderiam variar ou combinar-se de acordo com as características do país (território,
costumes, tradições). Segundo o autor, o povo pode manter-se soberano desde que os
governantes sejam caracterizados como “funcionários do povo” (WEFFORT: 2003).
O sistema de participação apresentado por Rousseau é dado na tomada de
decisões e como destacada nas teorias do governo representativo, tem a função de
proteção dos interesses individuais e privados, garantindo assim um bom governo.
Pateman destaca:
Uma vez estabelecido o sistema participativo (e este é o ponto de maior
importância), ele se torna auto-sustentável porque as qualidades exigidas
de cada cidadão para que o sistema seja bem sucedido, são aquelas que o
próprio processo de participação desenvolve e estimula; quanto mais o
cidadão participa, mais ele se torna capacitado para fazê-lo. Os resultados
humanos obtidos no processo de participação fornecem uma importante
justificativa para um sistema participativo (PATEMAN, 1992, p. 39).
Dessa forma, o pensamento de Rousseau valoriza a soberania do povo, sua
participação na vida política e sua principal contribuição para a temática da democracia,
talvez seja esta, embora o autor tenha construído seu modelo argumentativo sem
acompanhar o desenvolvimento de instituições democráticas e que a cidade-estado que
ele tinha como hipotética não fosse a moderna, sua teoria traz, levando-se em conta a
leitura de que o autor faz de sua época, as discussões básicas sobre a questão da
26
participação num Estado democrático (PATEMAN: 1992).
Rousseau defende um modelo de democracia em que sempre se preocupa
com a garantia da vontade geral, que não significa a de todos. Por isso, ele acredita na
participação constante do conjunto de pessoas em assembléias, buscando, na medida do
possível, o consenso, pois o que deve ser manifestado nas assembléias é a vontade geral
e não os longos debates, as dissensões e o tumulto, característicos de interesses
particulares. Sintetizando, Pateman destaca:
Rousseau pode ser considerado o teórico, por excelência da participação.
A compreensão da natureza do sistema político que ele descreve em O
Contrato Social é vital para a teoria da democracia participativa. Toda a
teoria política de Rousseau apóia-se na participação individual de cada
cidadão no processo político de tomada de decisões, e, em sua teoria, a
participação é bem mais do que um complemento protetor de uma série de
arranjos institucionais: ela também provoca um efeito psicológico sobre os
que participam, assegurando uma inter-relação contínua entre
funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes psicológicas dos
indivíduos que integram dentro delas. É a ênfase nesse aspecto da
participação e sua posição no centro de suas teorias que constituem a
contribuição distintiva dos teóricos da democracia participativa para a
teoria democrática como um todo (PATEMAN, 1992, p. 35).
Outro pensador, importante expoente da soberania popular no século XIX, é
Aléxis de Tocqueville. Diferentemente de Rousseau, o autor traz suas contribuições para
o tema de democracia e participação, saindo de seu país, a França. A partir da análise
feita pelo autor na América do Norte, mais especificamente nos Estados Unidos, constrói
sua argumentação teórica baseado nesta sociedade, mas procurando construir um
modelo democrático.
Umas das questões chave de discussão de Tocqueville é a manutenção das
liberdades individuais de dois modos: via ação política dos cidadãos e sua participação
nos negócios públicos. A participação política do cidadão também era associada pelo
autor à vitalidade do espírito humano e sua capacidade de desenvolver e compreender a
vida coletiva em prol da privada (DIAS: 2002).
27
Frey (2000), destaca que Tocqueville é um dos autores que privilegia
sobremaneira a ação política do homem enquanto cidadão e sua liberdade. Para ele, sua
teoria “ (...) consiste na esperança por ele depositada na ação política de homens dotados
de espírito cívico, perseguindo o ideal de liberdade (...) que é consequência de sua
avaliação de que as condições sociais, econômicas e políticas são fatores determinantes
e condicionantes da atividade pública” (p. 85).
Os estudos de Tocqueville compreendem a abrangência e descrição de
hábitos, costumes, estrutura social e organização social dos Estados Unidos. O autor
busca encontrar uma coexistência entre o processo de desenvolvimento igualitário e a
manutenção da liberdade a partir de realidades concretas.
Para elaborar seu estudo, o autor faz uma abordagem histórica do surgimento
dos Estados Unidos, relatando os costumes, hábitos e cultura ligando a democracia com
a organização da vida social, isto é, segundo Tocqueville, há, entre os norte-americanos,
uma igualdade de condições e as práticas sociais democráticas eram visíveis. O autor
destaca a importância dos governos locais fundados nas instituições de autogoverno do
povo e da fonte de valorização da idéia de liberdade. Em sua obra, Democracia na
América, Tocqueville revitaliza a participação do povo e a dimensão política. Os costumes
rígidos, religião, educação política, liberdade de direitos, disciplina, acatamento de leis
divinas, foram o principal conjunto da análise dos costumes norte-americanos para
demarcar as práticas políticas democráticas naquela sociedade (TOCQUEVILLE: 1997).
A abordagem da questão da liberdade e igualdade para Tocqueville, refere-se
à democracia. Isto é, analisando a sociedade norte-americana de meados de 1830, o
autor identificava um processo de igualização crescente onde a liberdade era preservada,
ou seja, a democracia se realizava com liberdade.
Através de sua obra, o autor não só pretendeu mostrar a realidade dos Estados
28
Unidos, mas construir um modelo e definição para as democracias modernas. Podemos
afirmar que Tocqueville buscou o empreendimento de um modelo democrático, traçando
assim, um processo de caráter universal. A democracia não corresponderia para
Tocqueville a um sistema político, mas um modo de vida que gradualmente se
desenvolvia pela liberdade. Com isso, ele apontou o desenvolvimento da democracia
como inevitável para organizar-se as relações entre Estado e sociedade.
O autor justificava a presença de um governo centralizado onde houvesse
fraqueza no exercício da cidadania. A prática deste exercício manifestava-se como única
maneira possível de garantir a superação do predomínio do auto-interesse, no sentido
mais estreito, e a sua substituição pelo interesse bem compreendido, abria possibilidades
para uma prática de perseguição do bem-estar público na sociedade. Tocqueville ressalta
que “(...) embora as instituições de caráter liberal possam ajudar a manutenção das
liberdades fundamentais, é na ação política dos cidadãos que está posta a garantia de
sua real existência na democracia” (TOCQUEVILLE apud QUIRINO, 2002, p. 157).
Tocqueville, ao desenvolver sua argumentação, reconhece a diversidade de
interesses, mas não aceita as soluções contratualistas, que, de certo modo, sacrificam a
liberdade individual em nome da pacificação dos conflitos de interesse por meio de um
Estado sobre posto à sociedade. Segundo Frey,
A chave para a arbitragem de conflitos de interesses Tocqueville não
busca em uma força externa no Estado -, mas sim dentro da própria
sociedade. É a virtude que deve ser fomentada para as sociedades
poderem chegar a alcançar a liberdade, o que na sociedade mercantil-
burguesa se possível se os cidadãos passarem a identificar o
exercício da liberdade política na esfera pública com seus próprios
interesses privados (FREY, 2000, p. 87).
Teórico que não deixa de lado a representação política, Stuart Mill (1981)
busca articular os mecanismos representativos com a valorização da atividade pública
dos cidadãos, responsável pelo seu aprimoramento moral.
Contemporâneo da Revolução Industrial e das grandes mudanças políticas
29
ocorridas na Inglaterra do culo XIX, Mill observou transformações importantes como o
surgimento da classe operária, da burguesia industrial e financeira; e a universalização da
economia de bases monetárias, ou seja, a construção de uma nova ordem moderna
(BALBACHEVSKY:1989).
Mill conduz a teoria social da perspectiva descendente para a ascendente . O
autor é o grande representante do pensamento liberal democrático. Com ele, o liberalismo
despe-se de seu ranço conservador, defensor do voto censitário e da cidadania restrita,
para incorporar em sua agenda todo um elenco de reformas (como o voto universal e a
emancipação da mulher) (BALBACHEVSKY, 1989, p. 195).
O autor esforça-se por enquadrar e responder às demandas do movimento
operário inglês, daí seu compromisso com o pensamento liberal e os ideais democráticos
do século XIX. A participação política, segundo Mill, não é e não pode ser encarada como
um privilégio de poucos, pois o tratamento das coisas públicas dizem respeito a todos.
Daí a preocupação do autor em dotar o Estado Liberal de mecanismos capazes de
institucionalizar esta participação ampliada.
A noção de democracia defendida pelo autor é dada como uma forma de
autodeterminação moral em que, a utilidade de democracia, bem como sua defesa, estão
ancoradas nas possibilidades que esse regime oferece ao desenvolvimento das
capacidades de cada cidadão. Um bom governo seria capaz de desenvolver-se através
de suas instituições e da participação dos cidadãos nos negócios públicos, do tipo correto
de caráter individual, contribuindo, com isso, para a educação política dos indivíduos de
forma que aprenderiam a agir, não de maneira parcial e pessoal para com os deveres da
sociedade.
Às teorias apresentadas, salvo suas particularidades, existem alguns pontos
convergentes, no que se refere à participação política. Cada uma à sua maneira, preza a
30
atividade política como base para o enriquecimento humano, enfatizando a importância do
papel do Estado na ampliação da participação de seus cidadãos e a função educacional
dessa participação. Deve-se também destacar que uma preocupação por parte dos
autores em destacar uma noção de bem blico que pode adquirir-se através dessa
participação política. Outro aspecto importante diz respeito à validade da participação
enquanto resultados satisfatórios para a maioria, explicando o efeito psicológico da
participação sobre os seus atores (DIAS: 2002, BENEVIDES: 2003).
A partir do século XIX, em sua passagem para o culo XX, uma mudança
teórica nos rumos da democracia insurgente, indicando o declínio das teorias antes
apresentadas. A noção de soberania popular, participação e envolvimento dos cidadãos
perde ênfase para um melhor aperfeiçoamento democrático: as teorias chamadas
realistas ou elitistas.
1.3- Teorias realistas/elitistas do século XX e o declínio da participação
Joseph A. Schumpeter, seguindo na vertente argumentativa dos autores
considerados como elitistas ou realistas, preocupa-se com a natureza da democracia e
com os debates de sua época. Em sua obra Capitalismo, Socialismo e Democracia
(1973), o autor procura demonstrar o significado de um sistema democrático. Segundo
Schumpeter “a democracia é um método político, ou seja, certo tipo de arranjo
institucional para se alcançarem decisões políticas legislativas e administrativas - e,
portanto, não pode ser um fim em si mesma, não importando as decisões que produza
sob condições históricas dadas” (p. 304).
O autor acentua em seu trabalho a contestação quanto à democracia remeter
ao governo do povo, pois, existem imprecisões devido a não haver possibilidade técnica
31
de o povo governar. Na verdade, o autor acredita num governo aprovado pelo povo. O
mesmo pode partilhar da atividade de dirigir, influenciar ou controlar, mas nunca governar.
Com isso, Schumpeter constrói sua crítica às teorias clássicas do século XVIII.
Ao questionar a teoria clássica, Schumpeter destaca dois eixos crítico-
argumentativos: primeiramente, a idéia do bem comum com a concordância de todos os
cidadãos e a possibilidade de se conseguir essa unidade, quando da existência de uma
diversidade de indivíduos. Ele aponta que mesmo havendo um bem comum aceitável e
definido, isso não implicaria em respostas definidas para questões isoladas. Um conceito
que abrangesse a vontade do povo não seria sustentável, pois exigiria um bem comum
determinado e unicamente percebido por todos.
O segundo eixo do qual o autor parte, está relacionado à questão do indivíduo
pensado sob a ótica racional. Schumpeter (1973) argumenta que os indivíduos não têm
preferências definidas, são alheios à questões políticas, facilmente persuadidos e tendem
a ceder a preconceitos ou impulsos fora da racionalidade. “A vontade do povo é o
produto, não o motor do processo político” (p. 329). Ou seja, o ponto essencial da crítica
do autor com relação às teorias clássicas é o de que o cidadão comum demonstra
desinteresse pela política e tem senso de responsabilidade reduzido e ausência de
vontade efetiva, pois, falta-lhe bom senso em assuntos políticos.
À democracia compete um sistema para a tomada de decisões políticas e o
indivíduo adquire poder de decidir mediante uma luta competitiva pelos votos do eleitor,
isto é, o método democrático consiste na luta pela liderança política através de eleições e,
a principal função do cidadão seria eleger seu líder, dado o desinteresse e incapacidade
para a política. Em síntese, segundo Schumpeter (1973), o “(...) método democrático é o
arranjo institucional para se chegar a decisões políticas que realiza o bem comum
fazendo o próprio povo decidir as questões por meio da eleição de indivíduos que devem
32
reunir-se para realizar as vontades do povo” ( p. 313).
Schumpeter, ao demolir as duas principais colunas que davam sustentação à
teoria clássica (bem comum e vontade do povo), põe abaixo também, em consequência, a
tão celebrada soberania popular, reduzindo-a ao processo eleitoral e justificação da
racionalidade política, enquanto decorrente da presença de elites políticas no governo
(AVRITZER, 2000, p. 27).
Outro importante expoente da argumentação realista é Max Weber. O autor
discute a democracia, relacionando seu significado a partir da reflexão sobre a teoria
clássica da democracia e a relação estabelecida com a soberania popular.
Os principais temas pelos quais Weber se debruçou contribuem para que, de
seus trabalhos, pudéssemos extrair as idéias do autor com relação à democracia
moderna. Primeiramente, Weber está preocupado com o intenso processo de
racionalização e burocratização existente nas sociedades modernas. Isso o autor verificou
nas mais diferentes instâncias da sociedade: no Estado, em empresas, nas universidades
etc.
Dessa forma, para o que se refere à democracia, Weber a enxerga a partir da
ampliação do sufrágio universal, pensando no sistema parlamentarista alemão, ligando-o
necessariamente ao processo democrático e à intensa racionalização e burocratização.
Quando o autor relaciona democracia e parlamentarismo, ele está preocupado com a
qualidade dos líderes. Nesse sentido, para Weber, na democracia, os regimes políticos
são sustentados por uma elite política. Daí a preocupação do autor em descrever tipos
ideais de líderes. Sua discussão estará referida aos tipos de dominação que os mesmos
podem exercer: dominação carismática, tradicional ou racional-legal.
Para Weber, a responsabilidade do exercício da política, sendo remetida a
uma elite preparada para lidar com a realidade governamental, retira do povo a
33
responsabilização para a habilidade política. Segundo o autor, o sufrágio popular legitima
a competitividade entre as elites para o governo democrático.
Pode-se verificar na teoria política weberiana que o elemento de legitimação da
força é a conquista da legitimidade. Dessa maneira, Weber vai recolocar em pauta a
discussão a respeito das maiorias e minorias. O governo/poder não é atividade para
muitos, mas sim para poucos. A legitimidade com a qual Weber está preocupado deriva
das condições estabelecidas pela dominação de alguém, que seria, então, um bem
necessário.
Weber, ao analisar as sociedades modernas identifica nas mesmas, o processo
democrático e o aumento da burocratização e racionalização. Ele afirma que, com a
democracia, a burocracia e a racionalidade se intensificam, sendo expoentes da
representação das maiorias e minorias, construindo uma argumentação elitista com
relação ao governo e ao processo democrático.
Para Sartori (1965), as teorias realistas ou elitistas são superiores às versões
democrático-participativas com requisitos que ressaltam uma teoria descritiva e
normativa, sendo aplicável a sistemas políticos de longa escala.
O autor argumenta que elementos presentes nas argumentações de
Schumpeter e Weber são importantes para a teoria democrática. Dessa forma, a defesa
de Sartori encontra-se numa democracia competitiva, criticando a democracia
participativa. Nesse sentido, ele separa a democracia dos antigos, que não pode ser
comparada à dos modernos.
Ao elaborar seu arcabouço teórico, o autor ressalta a importância da liderança
para a democracia. Com isso, a qualidade democrática é delegada à qualidade da
liderança. A democracia deve apresentar-se enquanto um sistema que seleciona minorias
concorrentes eleitas, onde o valor central é a igualdade de mérito. Os líderes devem estar
34
entre os mais qualificados e capazes para os melhores resultados.
Analisando as teorias da democracia realista, a participação política é deixada
em segundo plano em nome de uma solução representativa. Governos ficam limitados a
atuar e fiscalizar os processos políticos renovando seus representantes. A soberania
popular é substituída pela nacional (governamental) e seus representantes são os mais
legítimos para representar a vontade do povo que autoriza e escolhe-os.
1.4 – Participação: volta à pauta
Alguns autores, criticando as idéias elitistas da democracia, têm retornado ao
tema da participação na teoria democrática. Procurando destacar o lugar da participação
numa teoria moderna e viável, Pateman (1992) defende a democracia participativa,
baseada na argumentação de que as teorias elitistas fundam-se numa crítica de aspecto
irrealista dos clássicos.
Carole Pateman, tem como ponto referencial de sua obra Participação e Teoria
Democrática, a temática da participação nas democracias. As sociedades democráticas
devem ser contempladas pela participação dos cidadãos, procurando estabelecer um elo
entre diferentes leituras sobre o tema e tentando inserir o debate para a sociedade atual,
identificando na participação e seu lugar, como viáveis na sociedade atual e os seus
problemas para a teoria política.
Para discutir democracia e participação, Pateman revisita as teorias que intitula
recentes da democracia, para construir sua crítica, demonstrando que autores como
Schumpeter, Berelson, Dahl, Sartori e Eckstein configuram a noção de teoria clássica da
democracia como um mito e onde os mesmos ressaltam a teoria do governo
representativo como a base da democracia contemporânea, porém, Pateman verifica que,
35
como sugerem muitas das obras recentes, a teoria do governo representativo não
representa toda a teoria democrática.
O ponto essencial de Pateman é a retomada de clássicos como Rousseau,
Stuart Mill e G. H. Cole (este em obra mais recente) para discutir a participação na
sociedade industrial, elucidando o tema da participação em locais de trabalho, esferas
não governamentais e na esfera nacional. Para validar suas hipóteses com relação à
participação, Pateman aponta uma pesquisa feita na Noruega mostrando demandas
existentes de participação em níveis administrativos, destacando a autogestão de
trabalhadores e o papel dos sindicatos.
Segundo Pateman, a participação evidencia um aspecto essencial do acesso
dos indivíduos nas sociedades democráticas modernas, isto é, a possibilidade de se
alterar a atividade política participando de um contexto que lhes diga respeito diretamente
e, com isso, o cidadão comum pode capacitar-se e opinar no desempenho como
representantes. Havendo possibilidades e oportunidades para a participação dos
cidadãos, há maiores chances de educação para o cidadão público.
A participação, portanto, tem um foco central dentro da construção teórica de
Carole Pateman na democracia contemporânea. A autora aponta em seu método que a
participação pode ser aplicada às circunstâncias de uma sociedade industrial e identifica
grande importância ao processo democrático participativo na medida em que toma
exemplos da prática de participação na Europa.
Pateman apóia-se em Rousseau, Mill e Cole para mostrar que nas sociedades
modernas industriais,
(...) aprende-se a participar participando, e de que o sentimento de eficácia
tem mais probabilidade de se desenvolver em um ambiente participativo.
Além disso, as evidências indicam que a experiência de uma estrutura de
autoridade participativa também poderia ser efetiva na diminuição da
tendência para atitudes não democráticas por parte dos indivíduos
(PATEMAN, 1992, pg. 139).
36
Robert Dahl (2005) enquadra-se na ramo da teoria política contemporânea que
reconhece a democracia como constituída de, pelo menos duas dimensões: a competição
e a participação política. Em sua obra, Poliarquia: participação e oposição, o autor
trabalha com a hipótese de que a democracia consiste em um processo de progressiva
ampliação da competição política e do direito de participação.
O autor considera que as democracias existentes são aproximações do ideal
democrático, que para o mesmo a democracia é hipotética e consiste num sistema
político responsivo aos cidadãos. A questão da participação é inserida no processo
político quando Dahl (2005) destaca que “uma característica chave da democracia é a
contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos, considerados
politicamente iguais” (p. 25) .
Dahl (2001) apresenta cinco características para a participação democrática:
participação efetiva, igualdade de voto, entendimento esclarecido, controle do programa
de planejamento e inclusão dos adultos nas decisões coletivas que digam respeito aos
seus interesses.
A democracia para Dahl (2001, p. 67) apresenta-se como uma forma de governo
que constitui um processo de tomada de decisões que dá a oportunidade aos cidadãos de
apresentarem seus pontos de vista, deliberarem e discutirem a busca de um consenso
sobre as regras e leis que regerão suas vidas.
O autor retoma Rousseau quando destaca que a participação democrática é afim
ao desenvolvimento moral e capacita o indivíduo a viver com responsabilidade. Essa
participação tem função educativa enquanto ação responsável, social e política.
Segundo Dahl, todos os adultos devem ser considerados bem preparados para
participar do processo democrático do governo. O conhecimento formal e educação cívica
37
são fundamentais neste processo.
Quando analisamos a participação em Dahl, não se pode deixar de ressaltar
que esta é conciliada ao sistema representativo e numa contraposição entre participação
e eficácia política.
Quanto menor a unidade democrática, maior seu potencial para a
participação do cidadão e menor a necessidade de que os cidadãos
deleguem as decisões do governo a representantes. Quanto maior a
unidade, maior sua capacidade para tratar de problemas importantes para
os cidadãos e maior a necessidade dos cidadãos delegarem as decisões a
representantes (DAHL, 2001, p. 125).
Putnam (1996), destaca em seu trabalho a importância da democracia vista
pela incorporação, a partir dos atores políticos, de um sistema de valores e
comportamentos democráticos. Assim, ele analisa a participação da sociedade, discutindo
o processo de envolvimento dos cidadãos no desempenho institucional. Com esse autor,
a participação é colocada em debate a partir da perspetiva da cultura cívica dos cidadãos,
onde a história e o contexto social podem auxiliar ou não no êxito das instituições.
Argumentando através do arcabouço do desempenho institucional,
representando as correntes do novo institucionalismo sociológico, Putnam tem grande
importância quando nos referimos aos aspectos da participação política. Preocupado com
o desempenho das instituições democráticas e visando observar o impacto da
descentralização na política regional italiana, o autor teve como propósito investigar a
natureza da vida cívica na lógica da ação coletiva e no processo histórico do país.
Entendendo os contextos social, econômico e cultural como fundamentais para o bom
funcionamento das instituições, o autor destaca neste processo, a importância da
comunidade cívica, ou seja, a cidadania caracterizada pela participação nos negócios
públicos.
Com a introdução dos conselhos regionais na Itália, ocorreu uma mudança na
cultura política das elites que representavam o poder. A descentralização administrativa
38
forneceu mais autonomia, acessibilidade aos cidadãos e líderes comunitários ao governo
aumentando a satisfação dos eleitores em relação ao desempenho do governo regional.
No trabalho do autor é recorrente a verificação de que a participação nas
regiões menos cívicas é, muitas vezes, induzida por práticas clientelistas e personalistas
e não por compromissos com as questões políticas. nas regiões mais cívicas, os
contatos pessoais com os governantes não têm a mesma intensidade e é ressaltada pelo
autor a maior participação dos cidadãos nos negócios públicos. Putnam atenta também
para o fator da diferenciação entre as elites políticas nas regiões mais cívicas e menos
cívicas. Na primeira, uma relação vertical de dependência, a política é mais elitista,
enquanto que na segunda, as elites apóiam a igualdade política e aceitam a idéia de
participação popular nos negócios regionais. Segundo o autor, o civismo nas regiões
italianas tem a ver com a igualdade e o engajamento para que se verifique sua eficácia.
Para Putnam, a superação dos dilemas da ação coletiva e oportunismo,
dependem do contexto social mais amplo e, nesse sentido, o autor destaca a importância
do capital social, isto é, as características da organização social como confiança, normas
e sistema que contribuam para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações
coordenadas.
Muitos dos teóricos da democracia que defenderam uma visão ampliada da
participação, partiam do princípio de que a participação ativa dos cidadãos nas
questões políticas, é primordial para a democracia. Tocqueville, analisando o
associativismo norte-americano, confirma a importância da complementariedade entre
práticas democráticas na sociedade e nas instituições da democracia.
Putnam demonstra que é possível que os indivíduos possam agir mediados por
uma lógica cooperativa, dependendo do contexto societal e do estoque de capital social.
Os sistemas de associações cívicas onde se desenvolve uma cultura de participação e de
39
cooperação, podem ser um dos caminhos para o fortalecimento da democracia.
Segundo D´Araújo (2003), o conceito de capital social reforçou a idéia do
aprimoramento dos mecanismos de relação entre Estado e sociedade. Apesar do
montante de críticas recebidas, o conceito chamou a atenção para a importância da
cooperação e confiança entre as pessoas e entre estas e as instituições. Aqui, reforça-se
a idéia de cooperação entre Estado, sociedade e mercado para a promoção do bem
público. A participação do cidadão contribui e é importantíssima para uma boa
representação política.
Habermas trata da participação, anexando aos processos de elaboração
teórica e prática da democracia à compatibilização da complexidade da administração
estatal, restabelecendo a relação entre racionalidade individual e bem comum.
O autor faz uma diferenciação entre a modernização do Estado e da economia
dos processos de racionalização e democrático da sociedade. Dessa diferenciação entre
a administração e a sociedade o autor descreve dois tipos de racionalidade: a sistêmica e
comunicativa. Na primeira tem-se a burocratização da esfera administrativa estatal
moderna e, na segunda, a racionalidade comunicativa seria a estrutura da esfera pública,
espaço discursivo onde a esfera privada age como pública na formação da vontade e de
valores democráticos que se reproduzem comunicativamente. Habermas baseia-se nas
condições comunicativas nas quais pode ocorrer uma formação discursiva da vontade e
da opinião de um público formado pelos cidadãos de um Estado.
Habermas retoma o projeto histórico-filosófico da modernidade atribuindo à
opinião pública a função de legitimar o domínio político por meio de um processo crítico
de comunicação sustentado nos princípios de um consenso racionalmente motivado.
Segundo o ponto de vista habermasiano, a linguagem é concebida como
garantia de democracia, isto é, uma forma política derivada de um livre processo
40
comunicativo dirigido a conseguir acordos consensuais em decisões coletivas. O conceito
de ação comunicativa pressupõe a linguagem como meio de entendimento para as
negociações de situações que possam ser compartilhadas por todos (HABERMAS: 2002).
Para Habermas, a linguagem é capaz de explicar os três mundos existentes
(da vida, social e subjetivo), onde os valores e normas democráticas são construídos sem
a interferência da burocratização presente no sistema administrativo. A esfera pública
seria o local no qual os atores envolvem-se em discursos onde são presentes a ação
comunicativa. Para o autor o que legitima a política deliberativa tem a ver com a estrutura
da formação da opinião e da vontade dependente dos níveis discursivos do debate
público e dos que participam e estabelecem as regras comunicativas.
A política encontra sua validade ligada à qualidade do processo de
argumentação e discussão típicos da democracia. A racionalidade, para Habermas, é
vista como possibilidade de formas de ação coletiva e compartilhamento de valores entre
os atores e o bem comum surgindo da pluralidade dos atores que participam.
Habermas preocupa-se com a diferenciação entre o sistema econômico e
administrativo e a sociedade civil (base social das esferas públicas autônomas) para
mostrar que a influência da esfera pública transforma-se em poder político via processo
democrático e sistema político em geral, dando-se na forma de Estado de direito. Dessa
forma, o Estado de direito é indispensável.
Tendo na política uma dimensão prática e moral, os atores presentes no
processo discursivo acessam os saberes necessários à resolução das grandes questões,
pois a análise e interpretação se dão diante do entendimento dos atores no mundo da
vida.
O autor sustenta sua teoria em prol da integração social e, como consequência,
da democracia e da cidadania. A teoria que possibilita a resolução de conflitos vigentes na
41
sociedade e, não como uma simples solução, mas como a melhor solução, é aquela que
resulta do consentimento de todos os concernidos. Sua maior relevância está em
pretender o fim da arbitrariedade e coerção nas questões que circundam toda a
comunidade, propondo uma maneira de haver uma participação mais ativa e igualitária de
todos os cidadãos nos litígios que os envolvem. Essa forma defendida por Habermas é o
agir comunicativo que se ramifica no discurso.
Habermas associa democracia à comunicação livre de coações, enfatizando
uma esfera pública onde se desenvolveriam as relações comunicativas e as interações
sociais, possibilitando a discussão de interesses presentes na sociedade de modo
racional, com a finalidade de produzir normas ético-jurídico universais. O pressuposto de
que, potencialmente, todos os membros da sociedade têm condições e o direito de
participar da situação dialógica necessária para repensar e reorientar a dinâmica das
sociedades atuais, configura o componente radicalmente democrático de sua teoria.
Segundo Avritzer (1996, p. 123), Habermas uma solução ao problema da
participação tendo como argumento, a noção de que existem blicos não
institucionalizados capazes de se organizar no nível da sociedade forçando a
compatibilidade entre esfera pública e sistema político. Com isso, o autor abre um espaço,
dentro de sua teoria democrática, onde prevê a participação de movimentos sociais e da
sociedade civil, mostrando que, ao conceber a formação democrática enquanto vontade
pública, ela se dá de acordo e a partir de diferenciados centros.
Um ponto importante na teoria de Habermas é o de que o sistema político é
dependente de redes periféricas de comunicação, estas presentes na esfera blica.
Porém, sua teoria defende que o sistema político pode agir, enquanto a esfera pública
reage à pressão de situações problemáticas na sociedade como um todo e estimula
opiniões influentes, buscando direcionar o sistema administrativo (HABERMAS: 2003).
42
Dessa maneira, o autor não apresenta uma teoria que compatibilize a interação
da sociedade nos aparelhos governamentais, pois, seu conceito de esfera pública, não
produz deliberação ou decisão, mas sim posições baseadas no consenso insurgente do
processo de interação social, sendo assim, seu principal papel é o de influenciar nas
decisões administrativas.
Os atores representantes da sociedade civil devem preservar a infra-estrutura
comunicativa (própria do mundo da vida) e ampliá-la, produzindo assim, pequenas
esferas públicas ligadas à vida cotidiana, que devem: “(...) reforçar a pressão exercida
pelos problemas, ou seja, ela não pode limitar-se a percebê-los e a identificá-los,
devendo, além disso, tematizá-los, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente
e eficaz, a ponto de serem assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar”
(HABERMAS, 2003, p. 91).
Com isso, percebe-se que Habermas limita de certa maneira os atores da
sociedade civil. Tanto do ponto de vista da complexidade de transformarem-se em
estruturas formalizadas, quanto da impossibilidade de atuarem enquanto poder
administrativo. Daí o autor ressaltar que sua influência se diante dos mecanismos
institucionalizados estatais constitucionais (AVRITZER e COSTA: 2004) .
Questão importante, que é deixada à tona por Habermas, é a necessidade de
horizontalizar os processos decisórios ou as possibilidades de promover processos de
aprendizado (no sentido de alfabetização política) a partir da interação da sociedade civil
e Estado (espaços institucionalizados no âmbito/esfera local), permitindo a vivência da
noção de poder (AVRITZER e COSTA: 2004).
Avritzer e Costa (2004) destacam que a democracia deliberativa, atualmente,
deve “conectar os processos de discussão e deliberação pública, de sorte a permitir que o
debate político gerasse, não apenas possibilidades de consenso, mas transparência no
43
exercício do poder” (p. 09). Assim, a análise da democracia deliberativa deve estender a
racionalidade comunicativa aos processos decisórios, assegurando institucionalmente a
existência dos fóruns de deliberação.
Para melhor compreender a noção de democracia deliberativa, com vistas à
criação contemporânea dos conselhos de políticas públicas, objeto de nosso trabalho, sua
idéia básica foi desenvolvida por Nobre (2004):
Somente podem ser ditas válidas (isto é, vinculantes moralmente) aquelas
normas (isto é, regras gerais de ação e arranjos institucionais) que
poderiam receber a anuência de todos aqueles afetados por suas
consequências, se tal acordo fosse alcançado como o resultado de um
processo de deliberação que tenham as seguintes características: 1) a
participação na deliberação é regulada por normas de igualdade e simetria;
todos têm as mesmas chances de iniciar atos de fala, questionar,
interrogar e abrir o debate; 2) todos têm o direito de questionar os tópicos
fixados no diálogo e 3) todos têm o direito de introduzir argumentos
reflexivos sobre as regras do procedimento discursivo e o modo pelo qual
elas são aplicadas ou conduzidas (p. 34).
Ressaltando a importância dos Conselhos, Ugarte (2004, p. 98) destaca
algumas críticas à teoria deliberativa, mas enfatiza a importância de dois eixos que
permeiam a participação nestes espaços: 1) todos devem participar da tomada de
decisões coletivas (tanto os destinatários, quanto seus representantes) e 2) a tomada de
decisões deve ser resultante de um intercâmbio de argumentos entre os participantes,
respeitando os critérios de imparcialidade e de racionalidade. Dessa forma, a importância
da participação incorporada à democracia via processo decisório nos Conselhos são
relevantes para nosso trabalho.
Assim, é importante ressaltar que no Brasil, o processo de participação nos
Conselhos e a interação Estado x Sociedade surge a partir do sistema político como
aposta democrática potencializadora da democratização do Estado com a incorporação
de demandas da sociedade. Cabe verificar o que seus diferenciados contextos vêm
apresentando às suas realidades locais.
44
Analisaremos no próximo tópico, a relação entre as experiências participativas
e o sistema representativo existente em sua lógica: como a representação política
adquire, no decorrer das teorias e práticas democráticas, novos contornos.
2. Representação Política , Democracia e Participação
2.1 Representação política e governos representativos
Tanto em implicações teóricas, quanto práticas, a representação política,
remete-se, sem dúvida à elementos presentes na história política moderna. Porém, se
tomarmos - nas democracias ocidentais a opinião corrente, as representações, estarão
ligadas às assembléias eleitas enquanto representantes concretos da representação
política, mas o conteúdo exato desse conceito permanece bastante controverso (BOBBIO,
MATEUCCI e PASQUINO: 1986).
O aspecto central que define a forma de governo representativo provém do fato
de que governantes e governados encontram-se separados pelo mecanismo da
representação política. Esse mecanismo tem como principal característica transformar
representantes e representados em entidades políticas portadoras de autonomia, onde
governados detém menor capacidade de influenciar os primeiros.
Enquanto conceito, a representação pode estar associada à ação ficcional,
supondo uma inautenticidade do movimento ou uma ação que não pode ser baseada na
realidade, mas uma interpretação “mais ou menos literal” do real ou da própria ficção
(Dias, 2004, p. 238). A representação depende do recurso da aparência, cenário, figurino,
e cálculo para tornar-se convincente. Seu conceito não pode distanciar-se da idéia de
tradução. A aparência enquanto sustentação da representação, constrói a ação ficcional
(PITKIN apud DIAS, 2004, p. 238).
45
Ao revisitar o conceito de representação em atual artigo, Pitkin (2006, p. 16-17,
21) reforça que é um caso instrutivo [a representação], pois seu significado é altamente
complexo e abstrato. A representação trata-se de um fenômeno cultural e político e,
portanto, humano. Podemos limitar seu foco de análise conjugando a representação a
incursões em nossa história sociopolítica tendo como interesse primário a representação
política. Para entender o conceito é necessário ter em mente o desenvolvimento histórico
de instituições e o desenvolvimento correspondente no pensamento interpretativo sobre
aquelas instituições.
Segundo Lavalle, Houtzager e Castello (2006, p. 64), da perspectiva pós-
moderna, “a representação é interpretada como uma ficção em crise devido a causas
acolhidas de modo entusiasta” e assim, a sociedade acaba por tornar-se não
representável, inaugurando a era da política e da democracia pós-representativa.
Para Pitkin, no século XVII, Hobbes nos a primeira idéia de representação
na teoria política. “Hobbes define a representação em termos dos aspectos formais da
agência legal, especialmente em termos de autorização: um representante é alguém que
recebe autoridade para agir por outro, quem fica então vinculado pela ação do
representante como se tivesse sido a sua própria” (PITKIN, 2006, p. 28).
Dias (2004, p. 239) destaca que Hobbes no Leviatã, trata o representante como
alguém que é autorizado pela transferência de autoridade. A constituição da
representação implica em posse e transferência de autoridade, sendo esta nada mais que
o direito de agir. Nesse sentido a autora destaca a obra de Hobbes enquanto “teoria do
consentimento” na fundamentação do poder político, deixando em aberto a questão da
representação como tradutora da vontade dos representados.
O tipo de representação apresentada por Hobbes é absoluta “na qual o
consentimento do representado é o suficiente para que as ações do representante sejam
46
o espelho das suas próprias ações” (DIAS, 2004, p. 234).
Hobbes, delimitando a multidão de indivíduos a um soberano que representa,
coloca-o como “a pessoa de todos”. Ao ser autorizado o representante adquire direitos e
poderes, além de novas obrigações. Estabelece-se dessa maneira, uma relação entre
representantes e representados, baseada na força do soberano.
Na vertente oposta desse movimento está Rousseau (1999). O autor
argumenta em termos de vontade e está é essencialmente pessoal. Uma pessoa pode ter
vontade em lugar de outras, mas não garantia de que essa vontade coincidirá com a
de outros. Dessa maneira, as pessoas são livres quando se auto-governam. A auto-
representação faz parte da base de crenças do autor enquanto condição de legitimidade
política, pois a vontade não se representa. Com isso, o autor nega a possibilidade de a
representação apresentar-se como princípio político válido.
Para Pitkin (2006, p. 30), embora o desenvolvimento do conceito moderno de
representação, ao menos em seus aspectos políticos significativos, estivesse
essencialmente acabado no século XVII, seu desenvolvimento na teoria política mal tinha
começado. Sua elaboração ganhou corpo nas teorias democráticas do século XVIII e XIX:
(...) sufrágio, divisão em distritos e a proporcionalidade, os partidos
políticos e os interesses e políticas, a relação entre as funções legislativas
e executivas e as instituições legislativas e executivas. Essas lutas
políticas precipitaram um corpo considerável de literatura, sistematizada de
tempos em tempos, enriquecida e direcionada pela teoria política (PITKIN,
2006, p. 30).
Um dos expoentes do século XVIII que vai tratar da representação, é Stuart Mill
(1981), porém, articula a mesma a mecanismos participativos do cidadão no governo
1
. Ao
opor liberdade e autoridade, o autor trabalha com a noção de cisão entre o indivíduo e o
poder, e, a partir daí destaca a existência de dois mundos: o social e o político, e neste,
procura conciliar um mecanismo institucional que perpasse por esses dois mundos.
1
O tema da participação do cidadão na vertente de Stuart Mill fora destacado em tópico anterior. Daremos prioridade
nesse espaço do trabalho às suas contribuições a respeito do governo representativo.
47
Segundo Stuart Mill, a representação será responsável pela neutralização da
tensão existente entre o decisão individual e a coletiva, estabilizando a vida social. Pérez
(2000) destaca que o autor trata de construir,
(...) uma engenharia institucional que não destrua a diversidade social,
afirmadora de liberdade individual. que se fabricar uma instituição
ordenadora (o que virá a ser o governo representativo) que expresse e
contenha a diversidade social. A diferença deverá instituir e constituir o
órgão ordenador de modo a espelhar a sociedade (PÉREZ, 2000, p. 125).
O melhor governo para Stuart Mill é aquele em que a soberania vigora via
comunidade. Sendo esta povoada por pessoas que apresentam diferenças entre si, e, ao
mesmo tempo não havendo critérios para estabelecer-se a superioridade de uns sobre
outros, todos têm o direito de ser representados num órgão que seja ordenador.
O governo representativo deve apresentar um quadro de valores que
represente o tecido social, satisfazendo algumas condições como: “a) “que o povo esteja
disposto a recebê-lo” (o governo representativo); b) “que esteja disposto e seja capaz de
fazer o que for necessário para preservá-lo; e c) “que esteja disposto e seja capaz de
cumprir com os deveres e desempenhar as funções que lhe impõe” (MILL apud PÉREZ,
2000, p. 126)
Segundo o autor, o parlamento deve ser o espelho da sociedade em sua
complexidade e diversidade. A representação deve ser, dessa forma, anterior à decisão.
Quando estão todos representados, o que deve valer é o princípio da maioria, o sendo
a minoria esmagada. Para Mill,
em qualquer democracia realmente igual, toda e qualquer seção deve ser
representada, não desproporcionalmente. Maioria de eleitores terá sempre
maioria de representantes, mas a minoria dos eleitores deverá ter sempre
uma minoria de representantes. Homem por homem, deverá ser
representada tão completamente como a maioria. A menos que tal não se
dê, não governo igual, mas governo de desigualdade e de privilégio:
uma parte do povo manda na outra; retirar-se-á de certa porção da
sociedade a parte justa e igual de influência e representação,
contrariamente a todo governo justo, mas acima de tudo, contrariamente
ao princípio da democracia, que reconhece a igualdade como o próprio
fundamento e raiz (MILL apud PÉREZ, 2000, p. 126-127)
.
48
Desse modo, Stuart Mill, na defesa do governo representativo, prioriza a
democracia indireta, fazendo com que a democracia direta não perca sua substância,
que o cidadão deve envolver-se moral e educacionalmente com o governo. O indivíduo
estará representado na esfera pública por um igual, implicando assim no reconhecimento
de uma racionalidade individual a uma racionalidade coletiva.
Ao tratar da representação política, Pérez (2000) ainda focaliza, no que se
refere à representação, uma fértil comparação entre Stuart Mill e Robert Dahl, quanto à
proposição dos autores ao qualificarem as democracias modernas antes como governo
de minorias do que de maiorias,
Dahl caracteriza a poliarquia: é um sistema no qual todos os grupos ativos
e legítimos da população podem se fazer ouvir em algum estágio crucial do
processo de tomada de decisões (...) Veja-se que, diferentemente de Mill
para o qual a unidade analítica era baseada no indivíduo-, Dahl identifica
no grupo a origem do mundo político. Claro que há uma adesão anterior do
indivíduo a esses grupos, mas o porquê desta adesão parece não
ultrapassar os limites do interesse. Em Mill, os indivíduos eram
representados; em Dahl, são os grupos representados (p. 129).
Urbinati (2006), argumenta que, a representação pode apresentar-se através
de três teorias representativas: jurídica, institucional e política. Segundo a autora, as três
teorias
pressupõem concepções específicas de soberania e política e
consequentemente, relações entre Estado e sociedade específicas. Todas
elas podem ser usadas para se definir democracia (respectivamente direta,
eleitoral e representativa). Contudo, somente a última faz da representação
uma instituição consonante com uma sociedade democrática e pluralista
2
(p. 197).
As teorias jurídica (trata a representação como um contrato privado de
concessão de autoridade) e institucional, segundo Urbinati (2006) estão interligadas, pois
ambas estão baseadas numa analogia Estado/sociedade (pessoa) enquanto uma
concepção voluntarista de soberania e expressas numa linguagem formalista. A lógica
2
Segundo nota da própria autora, as três concepções são identificáveis nos escritos dos autores por ela optados em seu
trabalho: Rousseau, Siéyès e Condorcet.
49
jurídica prevê a relação representante e representado de maneira individualista e não-
política, “na medida em que supõe que os eleitos julgam as qualidades pessoais dos
candidatos, ao invés de suas idéias políticas e projetos” (p. 198).
Contudo, a teoria jurídica contribuiu para a justificação da representação e dos
direitos políticos, da cidadania e dos processos de tomada de decisão. Sua base de
fundamentação tornou-se o pilar do governo representativo liberal e, posteriormente, da
democracia eleitoral. Segundo Urbinati (2006),
Ela é baseada em um dualismo bem definido entre o Estado e sociedade;
faz da representação uma instituição centrada rigorosamente no Estado,
cuja relação com a sociedade é deixada ao juízo do representante (tutor);
e restringe a participação popular a um mínimo procedimental (eleições
como a nomeação de magistrado) (p. 199).
Dois cenários figuram das teorias jurídica e institucional: de um lado, quando
Rousseau afirma que a representação não tem lugar no discurso de legitimação política,
e, de outro, na medida em que Siéyès argumenta que a representação edifica as
instituições na medida em que delega aos súditos a escolha de seus legisladores
(URBINATI, 2006, p. 200).
A terceira teoria da representação, a política, rompe com os dois modelos
anteriores (jurídica e institucional), na medida em que é vista dinamicamente. A
representação é tida enquanto um processo político estruturado na circularidade entre
instituições e sociedade, e dessa forma, não pertence aos agentes ou instituições
governamentais.
O culo XX é marcado por características que revelam a circularidade entre
as instituições e a sociedade: sufrágio universal com transferência democrática do Estado
e da sociedade, crescimento da opinião pública e da vida associativa. Para Urbinati,
A teoria da representação política argumenta que, em um governo que
deriva sua legitimidade de eleições livres e regulares, a ativação de uma
corrente comunicativa entre a sociedade política e a civil é essencial e
constitutiva, não apenas inevitável. Invertendo a máxima sustentada pelas
duas teorias prévias, ela argumenta que a generalidade da lei e os critérios
50
de imparcialidade derivados da cidadania nem deveriam nem necessitam
ser realizados às custas da visibilidade política do homem” (URBINATI,
2006, p. 202).
O cidadão, na teoria da representação política, segundo a autora, influi de
várias formas: pela comunicação e influência da mídia, através dos movimentos sociais e
dos partidos políticos. Esse é o tom da representação numa sociedade democrática, e em
suas palavras, Urbinati (2006, p. 202) diz que é “tornar o social político”.
A autora afirma que “a representação política não elimina o centro de gravidade
da sociedade democrática (o povo), ao mesmo tempo em que despreza a idéia de que os
eleitores, em vez de os cidadãos, ocupem este centro, de que o ato de autorização seja
mais importante do que o processo de autorização” (p. 203).
Manin (1995), ao traçar o perfil e o papel da representação ao longo da história
política ocidental no século XVIII, busca aspectos em comum capazes de caracterizar um
modelo representativo de governo
3
. Segundo o autor, quatro princípios permeiam o
modelo representativo de governo: a escolha de representantes pelos representados, a
independência parcial dos representantes com relação à vontade dos representados, a
liberdade de opinião pública e o uso do debate como recurso para a tomada de decisões.
A representação política constitui-se, de maneira geral, num modelo dominante
por uma dualidade que coloca como centro a organização das democracias
contemporâneas, cristalizadas nos séculos XVIII , XIX e XX, que entrelaçaram o
legislativo enquanto fonte de representação, políticos eram eleitos, estabelecia-se a
relação eleitores e eleitos e /ou eleições e eleitores, e, mais tarde, os partidos políticos de
massa tornaram-se as instâncias supremas de mediação e ordenamento da relação entre
representantes e representados. Segundo Lavalle, Houtzager e Castello,
Essa configuração da representação política, consubstanciada na fórmula
“governo representativo”, estabelece definições claras quanto a quem
3
Ao fazer uma caracterização geral de aspectos em comum dos governos representativos, Manin rebusca as obras de
Burke, Stuart Mill, Os Federalistas (Madison, Hamilton e Jay) e Siéyès. (MANIN: 1995)
51
representa (o político), mediante que mecanismo é autorizado a
representar e a que tipo de sanção ou controle estará submetido (as
eleições), quem é representado (o eleitor), e de alguma forma, ainda que
muito vaga, qual o conteúdo ou mandato a ser representado (programa,
promessas de campanha) (LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006,
p. 57-58).
O modelo acima descrito permite a visibilidade de uma montagem processual
de representação política que é submetida a especificações definidas por um “sistema
empírico de funcionamento” e ressalta a atuação em favor dos interesses do
representado.
Nesse sentido, a representação é ancorada num sistema que não lança mão
de parâmetros externos para agir ou funcionar e a ação é centrada em critérios de
comportamento e atitudes tomadas pelo representado eleito em relação às necessidades,
preferências e anseios dos governados (LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006, p.
58).
2.2 - A Democracia Participativa e Representativa: perspectiva de análise
A representação política principalmente sua reconfiguração e alargamento
tornou-se um tema emergente nos debates da teoria democrática nas últimas décadas.
Há, de um lado, fatores como a crise do Estado de Bem-estar, o abandono do
desenvolvimentismo nas políticas econômicas que eclodiram na democracia de massas e,
de outro, o vivenciamento em inúmeros países da abertura do poder Executivo à
participação de atores da sociedade civil investidos juridicamente como representantes de
segmentos determinados e interesses populares na implementação e deliberação de
políticas públicas, que contribuíram para essa reconfiguração.
Nesse sentido, é importante lembrar, sobre os espaços deliberativos dos
Conselhos, a sua dupla ótica: os sistemas participativo e representativo. A partir da
52
década de 90, a participação vem sendo amparada e institucionalizada em suas diversas
dimensões no âmbito das democracias representativas.
Segundo Jacobi, de acordo com a afirmação acima “(...)entretanto, o que se
observa é que em geral, as propostas participativas ainda permanecem mais no plano da
retórica do que na prática” (JACOBI, 2000, p. 11).
Com isso, as interações entre Estado e sociedade em espaços deliberativos,
as relações estabelecidas entre órgãos públicos e movimentos que representam os
usuários, tornam-se, cada vez mais complexas e as assessorias especializadas e
articulações interinstitucionais ganham maior importância.
Os limites presentes no sistema democrático representativo possibilitam, em
tese, o engajamento da sociedade civil na formulação de políticas públicas,
O que se verifica é a implementação de propostas de participação, com
algumas exceções, tem esbarrado numa série de entraves, entre os quais
se destacam a falta de agilidade nas decisões, o pouco empenho do corpo
de funcionários e principalmente a ausência de critérios de representação
e de canais administrativos que garantam o suporte institucional à
interação com grupos mais organizados e os movimentos populares
(JACOBI, 2000, p.11).
Muitos autores afirmam que, a democracia representativa consolidada em torno
do século XX, o deu conta dos problemas contingentes do mundo contemporâneo, e,
com os seus limites, e até uma crise no sistema de representação, a solução encontrada
foi unir formas de participação, criando novos instrumentos de ação junto à representação
(DIAS: 2004; NOGUEIRA: 2004; PINTO: 2004; URBINATI: 2006; LAVALLE,
HOUTZAGER e CASTELLO: 2006).
Tomando-se o aspecto central do governo representativo enquanto a relação
entre governantes e governados, sendo que, os segundos escolhem os primeiros na
representação de suas vontades, interesses e bem comum, essa capacidade de
53
representação será mais intensa, quanto maior for a articulação política entre os cidadãos
visando manifestar uma opinião que lhe és comum diante de seus governados.
O modelo democrático contemporâneo tem como princípio e norte o exercício
da vontade do povo na execução do bem comum e o mecanismo responsável pela
efetivação desse princípio, é o da escolha dos representantes pelos representados.
Segundo Dias,
Desse sistema democrático, portanto, origina-se o modelo representativo,
cujo princípio de ação governamental e obediência cidadã é regulado pela
capacidade do representante em traduzir a vontade popular sob a forma de
políticas públicas. Entretanto, democracia e governo representativo não
são sinônimos, são dimensões independentes que podem ou não reunir-se
em mesmo fenômeno (DIAS, 2004, p. 237).
Dias (2004) argumenta que o governo representativo como forma de
democracia possível, não é mais uma questão introdutória para comparar democracia
direta e indireta. O importante é destacar a noção de representação política como um
“divisor de águas” entre o significado de governo democrático e sua versão moderna.
Genericamente, Bobbio (1986, p. 44) define a democracia representativa como
deliberação coletiva (que se refere à coletividade inteira) onde as decisões são tomadas
não diretamente por aqueles que dela faz parte, mas, por pessoas eleitas para esta
finalidade. Para discutir a questão da democracia, Bobbio demonstra que a democracia
representativa exige ser “ladeada ou mesmo substituída pela democracia direta”.
O autor afirma que democracia direta e democracia representativa não são dois
sistemas alternativos (ou seja, onde existe uma não existe a outra), mas trata-se de dois
sistemas que podem ser integrados reciprocamente. Pode-se afirmar, segundo Bobbio
que as duas formas de democracia são necessárias, embora não sejam em si mesmas
suficientes. É possível perceber similaridades em suas formulações sobre a
complementariedade e democracia representativa e democracia direta ou participativa.
54
Ao longo do século XX, modalidades de participação
4
desafiaram o instituto da
representação enquanto referência chave da democracia moderna (Nogueira, 2004, p.
134). Como aponta o autor,
Aos poucos a democracia representativa liberal foi mostrando seus limites
e sua dificuldade de conviver com as sociedades sempre mais pluralistas,
complexas, fragmentadas e solicitantes. Pressões derivadas de novos
arranjos societais, das novas formas de economia, das lutas sociais e dos
meios de cultura, comunicação e informação acabaram por colocar em
xeque a idéia de que “as deliberações que dizem respeito à coletividade
inteira” devem ser tomadas “não diretamente por aqueles que dela fazem
parte, mas por pessoas eleitas para esta finalidade” (BOBBIO apud
NOGUEIRA, p. 134).
Pitkin (2006, p. 43) ressalta que recentemente questionamentos dos
pressupostos tidos pelo arcabouço do governo representativo, e, destacando o
pensamento de Hannah Arendt, quando esta demonstra que a questão da representação
(enquanto questão crucial e problemática da política moderna desde as revoluções do
século XVIII) implica em uma decisão sobre a dignidade do próprio domínio político.
Nesse sentido, a participação democrática direta proporciona uma alternativa real para o
dilema.
Pérez (2000) ao priorizar a questão da representação e da racionalidade, faz
uma analogia entre Stuart Mill e Robert Dahl. Para o autor, ambos tratam da questão
representativa, argumentando-a sob a lógica da participação dos cidadãos. Uma das
semelhanças apontadas entre os dois autores é a de que há,
(...) uma necessidade de cultura propícia à confirmação de uma ordem
democrática, aponta o processo de socialização. A existência de uma rede
de hábitos e atitudes inculcados na sociedade consubstanciam os
controles internos, elementos centrais, mais do que dispositivos
institucionais, à estabilidade sócio-política. Os mecanismos institucionais
a representação, por exemplo, são vicários de um a priori: o apoio da
população (p. 128).
4
Ao relacionar os temas da participação e democracia, Nogueira (2004) descreve alguns dos tipos de participação que
foram palco do século XX: a participação assistencialista, a participação corporativa (estas modalidades inserem-se
no que o autor denomina de “dimensão pré-política da agregação moderna”), a participação eleitoral e a participação
política (esta última, se trata de um complemento e superação tanto da participação eleitoral, quanto da corporativa).
(p. 130-133)
55
Dias (2004) destaca como ponto central de sua análise, a questão da crise de
legitimidade das democracias representativas, seja pela incapacidade de fornecer
respostas adequadas à população, ou pela reprodução de ciclos viciosos na esfera
institucional
5
.
A autora propõe que, nesse sentido, a criação de mecanismos de participação
direta da sociedade sobre a distribuição das políticas públicas pode ser encarado como
uma solução para a percepção da referida crise, “(...) na medida em que amplia a
percepção dos representantes com relação à realidade objetiva dos governados, assim
como admite a instauração de ciclos virtuosos na esfera pública através do funcionamento
de múltiplas instâncias de controle social” (DIAS, 2004, p. 236).
A democratização da gestão e a formação de ciclos virtuosos, segundo Dias,
podem reverter o quadro geral da crise de legitimidade das democracias contemporâneas
haja vista as suas mazelas e origens. Há, para a autora, caminhos possíveis,
Se, por um lado, o isolamento do Estado, a opacidade de seus
mecanismos decisórios e o risco de utilização privada dos recursos
públicos que inauguram o ciclo vicioso na política contemporânea, é
razoável supor que uma maior transparência em suas deliberações e a
abertura de canais para o controle social da esfera pública venham a
ocasionar a reversão de tendências inerentes a esse ciclo. (DIAS, 2004, p.
247)
Bobbio (1986, p. 52-55), ao destacar a complementariedade entre democracia
representativa e participativa, demonstra que não se trata de fazer uma escolha entre as
duas formas, que são necessárias e podem integrar-se. O processo de democratização
consiste na extensão do poder ascendente (poder político que vai de baixo para cima)
5
Dias destaca que os ciclos viciosos da política referem-se essencialmente: a) falta de transparências dos governos
(enclausuramento estatal); b) desinteresse da população (afastamento da população da esfera pública) e c) a
imoralidade do segredo político. A autora ressalta que a “imoralidade do segredo político” impede que os cidadãos
estejam informados e tenham capacidade de interagir e julgar ou selecionar governos. O século XX, com a
consolidação da democracia, traz para si juntamente a ampliação da esfera do segredo nos Estados democráticos.
Dessa maneira o Estado é marcado pela incapacidade em informar seus cidadãos. Paralelamente às esferas do
segredo democrático, Dias ainda demonstra que fatores como o mau uso dos recursos políticos, a descrença nas
instituições democráticas, a apatia política e o terreno infértil da participação política, conferem mais estimativas aos
ciclos viciosos da política (DIAS, 2004, p. 244-245).
56
que antes era ocupado pela sociedade política, para o campo da sociedade civil nas suas
diferentes articulações e movimentos. Isto é, ocorre a ocupação da democracia
representativa de novos espaços de democratização das relações sociais. Ele destaca,
Em outras palavras, podemos dizer que o que acontece hoje quanto ao
desenvolvimento da democracia não pode ser interpretado como a
afirmação de um novo tipo de democracia, mas deve ser entendido como a
ocupação, pelas formas ainda tradicionais de democracia, como é a
democracia representativa, de novos espaços, isto é, de espaços até
agora dominado por organizações de tipo hierárquico ou burocrático
(BOBBIO, 1986, p. 55).
Contudo, Bobbio (1986, p. 57) não presencia a passagem da esfera
democratização da sociedade (na esfera familiar, escolar, empresarial) para sua
incorporação na esfera política. Para o autor, os dois grandes representantes do poder
ascendente (controle burocrático do Estado moderno e a administração pública) não
passaram pelo processo de democratização.
Quando Bobbio escreve sua obra, de fato as grandes mudanças na relação
entre Estado e Sociedade ainda não estavam bem definidas. Daí o autor ressaltar tão
fortemente a diferença entre a participação do cidadão e as formas burocráticas de ação
estatal.
Segundo o estudo de Pinto (2004), quando se pensa na dúbia relação entre
participação e representação, devem-se levar em conta algumas questões que são
centrais para o debate.
Uma delas remete-se a verificar as experiências participativas e a democracia
representativa, pois em muitos casos esta relação ou não existe ou ela é de
enfrentamento nas instâncias políticas.
Outra questão importante diz respeito à independência da participação em
relação aos partidos políticos, ou seja, segundo Pinto, essa situação
(...) oriunda, seja da tradição, seja do descrédito, ou mesmo da total falta
57
de espaço aos partidos existentes, apresenta um novo cenário, o qual
pode ser analisado por duas perspectivas: despartidarização da política ou
partidarização da sociedade. Em qualquer um dos casos a consequência
parece ser a deslegitimação do espaço da política institucional (PINTO,
2004, p. 100).
A autora destaca que, segundo algumas experiências práticas com relação à
questão da participação e representação,
(...) parece haver uma característica comum apesar da imensa diversidade
entre elas: em todas elas o princípio de democracia participativa aparece
como um antídoto à democracia representativa. Em nenhum dos casos a
participação reforça a representação ou busca melhorar sua qualidade; ao
contrário, procura isolá-las ou reduzir seu poder, caracterizando-se como
um pólo de tomada de decisão e iniciativa política independente que
pressiona de “fora” (PINTO, 2004, p. 102).
Discutindo a questão da participação, Pinto retoma a questão de que é
importante verificar, além do número de vezes que o cidadão participa, em nome de quem
ele está falando, isto é, quem ele está representando dentro dos espaços públicos, pois
os grupos que se apresentam nestes espaços institucionais podem permitir cenários
perversos como a constituição de guetos ou o atendimento de demandas sociais ligadas à
sua identidade enquanto representação. Isso pode garantir uma reprodução de
desigualdades dentro dos espaços deliberativos e uma maior ou menor influência de um
segmento ou outros.
Segundo a autora, a discussão sobre a participação e representação deve ser
vista a partir da premissa das dificuldades encontradas nesse processo, pois barreiras,
sobretudo circunstâncias de mudança radical, onde ao menos em tese seriam mais
necessárias, pois “sobre o alcance da democracia participativa, parece mais razoável
pensar que a resposta não se encontra na restrição das possibilidades, mas na
capacidade de desenvolver instrumentos de interação entre a sociedade civil e a política
institucional” (PINTO, 2004, p. 111).
58
Retomando um estudo de Iris Young
6
, Pinto (2004, p. 103) destaca que os
princípios de participação e representação, têm trazido para as atuais teorias e práticas
democráticas um potencial positivo com relação à melhoria nas condições de justiça e
inclusão.
Urbinati (2006, p. 191) privilegia a investigação das condições que tornam a
representação democrática num modo de ativar a participação política de maneira que
esta possa desembocar numa variedade de formas de controle e supervisão dos
cidadãos.
Em seu trabalho, a autora argumenta que a democratização e o processo
representativo compartilham de uma genealogia e não são antitéticos. Segundo sua
reflexão, ela sustenta que “a representação estimula um ganho de política em relação ao
ato sancionador pelo qual os cidadãos soberanos ratificam e recapitulam, com
regularidade cíclica as ações e promessas de candidatos e representantes” (URBINATI,
2006, p. 194).
A autora propõe em seu estudo uma revisão da representação
7
, afirmando que
a representação democrática merece ser revista a partir das noções de representação e
de soberania. Esse exercício é necessário devido a três fatores: a) a representação faz
parte da história e das práticas democráticas; b) diferentes teorias de representação são
possíveis, dependendo da relação Estado e sociedade civil e c) a relação Estado e
sociedade civil chama a atenção para o papel da ideologia e do partidarismo na política,
que segundo Urbinati, trata-se de um aspecto que a teoria política contemporânea deixa
de considerar (URBINATI, 2006, p. 194).
Preocupado com as transformações na representação do século XX, mais
especificamente a elucidação da conexão entre a reforma da democracia e as
6
Autora faz uma discussão a respeito da obra Inclusion and democracy, de Iris Young.
7
Esta revisão fora destacada em item anterior deste trabalho.
59
transformações em curso na representação política, o trabalho de Lavalle, Houtzager e
Castello busca analisar as mudanças no sentido da pluralização dos atores com
investidura para a realização da representação e a diversificação dos lugares em que é
exercida. Sobre as mudanças na democracia, os autores ressaltam,
A representação política nas democracias contemporâneas sofreu
transformações profundas no último quartel do século XX: partidos
políticos de massa perderam centralidade como ordenadores estáveis das
identidades e preferências do eleitorado; a personalização midiática da
política sob a figura de lideranças plebiscitárias tornou-se um fenômeno
comum; mudanças no mercado de trabalho tornaram instáveis e fluídas as
grandes categorias populacionais, outrora passíveis de representação por
sua posição na estrutura ocupacional; e, se isso não bastasse, uma vaga
de inovações institucionais tem levado a representação política, no Brasil e
mundo afora, a transbordar as eleições e o legislativo como locus de
representação, enveredando para o controle social e para a representação
grupal nas funções executivas de governo (LAVALLE, HOUTZAGER e
CASTELLO, 2006, p. 49).
A reforma da democracia encontra seus pilares especialmente nos espaços de
“pluralização dos atores da representação”. Segundo os autores, trabalhos recentes que
têm se dedicado ao tema da representação, pouco se preocuparam com a reforma
democrática, sua qualidade e seu processo de transformação. Pouca atenção é dada à
questão da representação. Muitos estudos restringem-se às mazelas e limitações ou à
valorização das democracias participativas. Os autores destacam,
(...) essas agendas centradas em dinâmicas societárias para pensar a
reforma da democracia têm prestado pouca ou nenhuma atenção às
transformações da representação e, em geral, têm-lhes passado
despercebido o papel dos atores da sociedade civil enquanto atores que
realizam funções de representação política (LAVALLE, HOUTZAGER e
CASTELLO, 2006, p. 77).
Elaborando uma agenda de reflexão sobre o tema da representação política
nas instâncias participativas, os autores sustentam que o fenômeno do alargamento da
representação em andamento, guarda semelhanças com a idéia de “representação
virtual” de Edmund Burke. Ao resgatar essa noção, os autores procuram focalizar um
horizonte analítico de sugestão e reelaboração da relação ampliação da democracia x
60
representação política.
Segundo os autores, o melhor dispositivo para a garantia de autenticidade da
representação (e sua representatividade) seria a existência de um compromisso
“representativo genuíno”. O “sentimento” ou “compromisso” de representar alguém
retomam o que Edmundo Burke concebe como representação virtual, que “(...) é aquela
em que comunhão de interesses e empatia de sentimentos e desejos entre aqueles
que atuam em nome de quaisquer pessoas e as pessoas em nome das quais elas atuam
embora os primeiros (fiduciários) não tenham sido, de fato, escolhidos pelos segundos
(BURKE apud LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006, p. 89).
A ligação entre representação virtual e inclusão política é tornada essencial, e
atual em sua peculiaridade, na medida em que, de acordo com os autores, se
(...) levadas em consideração sua sintonia com o debate sobre as minorias
e aprofundamento da democracia, bem como sua semelhança com os
usos contemporâneos da idéia mais ampla de advocacy arguir em favor
de algo ou alguém, defender, mediante argumento, recomendar a adesão
ativa de uma causa, justificar publicamente o valor de algo ou alguém
(
LAVALLE, HOUTZAGER e CASTELLO, 2006, p. 91).
Dessa forma, os autores defendem que, as práticas de representação virtual
podem transformar-se em modalidades distintas de representação política “real”, se a
sociedade for um elo e objeto de pressão dos seus públicos, do Estado e de seus atores.
Lüchmann (2007), ao analisar o fenômeno da representação no interior das
instâncias participativas, enxerga nesse processo uma inovação e ao mesmo tempo
reprodução de práticas institucionais. Segundo a autora, “(...) neste último par de
décadas, as relações entre participação e representação no interior dessas experiências
(...) muito menos do que oposição, estes instrumentos estabelecem combinações e
articulações que desenham um processo de concomitante inovação e reprodução das
práticas e orientações político institucionais” (p. 140).
A autora também enfatiza que a conciliação entre participação e representação
61
rompe e supera a idéia da representação eleitoral, conjugando, dessa forma, diferentes
práticas representativas e participativas.
é bastante extenso o repertório de experiências nos governos locais que
incluem a participação nos espaços deliberativos de discussão e decisão de políticas
públicas, a exemplo dos Conselhos Gestores, nosso objeto de estudo. Na maioria dos
casos, a participação ocorre por meio do instrumento da representação. Ao cotidiano dos
Conselhos, a interação das lógicas participativa e representativa concebem, por um lado,
a participação dos usuários (sociedade civil organizada), e por outro, a representação
baseada na indicação de conselheiros.
Procuramos privilegiar as análises que vêem na idéia de participação da
população a democratização da política enquanto sistema, e das relações sociais,
visando superar os limites dos mecanismos de representação política.
62
Capítulo 2 – O processo democrático brasileiro e a política de saúde
2.1 - O sistema político brasileiro: os caminhos da democracia e reforma estatal
Na história brasileira, o sistema político foi instável durante a maior parte do
século XX. A diversidade de momentos políticos pelos quais o Brasil foi administrado
aponta para esse fator. Pensar em nosso processo de democratização e reforma estatal,
remete-nos a destacar algumas das peculiaridades presentes nesse contexto.
No período da República Velha (1889-1930), o poder local instaurou-se a partir
de acordos entre oligarquias dos diferentes estados, baseado no sistema coronelista e
nas trocas de apoio político por cargos, verbas, votos, melhorias materiais etc.
Durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), o poder era essencialmente
centralizado, anulando a Federação enquanto pluralidade de centros de poder e decisão.
A centralização estatal é reorganizada, tendo, no intervencionismo em diversos setores da
vida sócio-econômica e política, a principal diretriz. O presidente nomeava interventores
nos estados e municípios, bloqueando qualquer processo eleitoral democrático e político.
Houve predomínio do regime corporativista, com breves períodos de intenção
democrática e autoritarismo.
Durante o período populista (1946-1964), que sucede à Era Vargas, resgatou-
se a autonomia municipal, porém a legitimação de governos pautou-se fundamentalmente
na doação paternalista de direitos às classes populares urbanas.
A euforia democrática do pós Segunda Guerra Mundial influenciou o processo
de democratização pelo qual o país passaria, porém, com a predominância de um período
instável de populismo. Os anos 50 seriam marcados por diversos conflitos sócio-políticos,
com tentativas de golpes, sendo consolidado em 1954 um dos principais resultados dos
63
acontecimentos: o suicídio do presidente Getúlio Vargas.
Seus sucessores colocariam em prática a política populista, mas o período
seguiu com grande instabilidade e ameaça de golpes por parte de setores conservadores
da sociedade. Os anos de 1955 a 1960 seriam marcados por uma relativa estabilidade
democrática. Porém, nos anos seguintes, o clima golpista e de instabilidade política volta
à tona, sendo instaurado em 1964 um regime autoritário militar no país.
De 1964 a 1985, sob o regime militar, o país teve a mais longa e drástica
experiência autoritária e a centralização política volta à cena com relativas diferenças em
relação ao período Vargas. Mantiveram-se as eleições parlamentares e para a maioria
das prefeituras (exceto a das grandes cidades, áreas de segurança nacional). Esse
período ficou caracterizado pelo consentimento limitado aos partidos do Executivo
Federal.
Com o Congresso fechado, eleições suspensas, medidas arbitrárias, novos
atos institucionais, extinção dos partidos políticos e cassações, dentre outras restrições,
criou-se uma ampla legislação de exceção, militarizou-se o Estado e a sociedade civil
passou a ser criminalizada. Nesse período, o processo político brasileiro caminhou na
contramão democrática.
Para combater a ditadura, diferentes forças foram conjugadas, em especial, a
força política e a sociedade civil em geral que, através de embates eleitorais,
mobilizações, campanhas, greves, protestos, movimentos sociais procurou articular-se
pela volta à democracia. Houve então, nesse processo, uma ampla reorganização da
sociedade civil com a conquista do estado de direito democrático.
Com o fim da ditadura militar, em 1985, o país retorna ao sistema político
democrático, tendo como principal fruto das lutas pela democratização, a Carta
Constitucional de 1988 que estabelece plenamente os direitos de cidadania, promovendo
64
a igualdade de participação juntamente ao regime democrático representativo instalado,
pautando-se, dessa forma, nos princípios da soberania popular. A década de 80 vai
marcar, em termos federativos, o estabelecimento da luta pela democratização em
conjunto com o fortalecimento dos entes federados, essencialmente o município, cujas
conquistas estão expressas na Constituição de 1988.
Entender as transformações políticas pelas quais passaram o Brasil, e, como,
nesse contexto, se o processo de democratização, é de fundamental importância para
averiguarmos de que maneira ocorre a reforma do Estado brasileiro.
Segundo Diniz (2001, p. 17), uma das peculiaridades que se refere ao caso
brasileiro na reforma do Estado, é a “coincidência entre momentos marcantes de reformas
institucionais, com destaque para a reforma do Estado, e a implementação de regimes
autoritários". As duas experiências de relevância para a reforma do aparelho estatal antes
da chamada Nova República, segundo a autora, foram efetivadas sob regimes fortemente
autoritários.
Os dois casos emblemáticos destacados por Diniz (2001, p. 17) são, numa
primeira etapa, o Governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, assumindo o poder após a
Revolução de 30, apoiado por “uma ampla coalizão comprometida com um projeto
modernizante, que culminou com a ditadura estadonovista”; e na segunda etapa, o
governo militar, de 1964 a 1985. A autora ainda destaca que, “em contraste, entre 1945 e
1964, os governos democráticos que se sucederam no poder não realizaram nenhum
experimento de vulto no tocante à reforma do Estado, preservando-se em suas grandes
linhas, o padrão anterior”.
Para Kinzo (2001, p. 09), a democratização brasileira
8
que se iniciou com a
8
Em seu artigo Kinzo (2001) privilegia a abordagem do período ditatorial brasileiro, procurando identificar em seus
diferentes estágios, quais caminhos foram percorridos no sentido de introduzir a democracia em nosso país,
destacando a peculiaridade desse processo. Para isso a autora divide sua análise em três fases: a primeira
corresponde aos anos de 1974 a 1982, onde a principal característica foi a distensão gradual e segura”; a segunda
65
restauração do governo civil, após o período militar, não foi produto de uma ruptura com a
antiga ordem. A reconstrução de nosso sistema político foi pautada por acomodações e
entrelaçamento de práticas e estruturas, tanto novas, quanto antigas. Como destaca a
autora.
(...) combinação esta que estruturou as opções e estratégias seguidas
pelos principais atores do processo político. Salientar este ponto não
significa desconsiderar os avanços democráticos conquistados, os quais
são, em grande medida, o produto da dinâmica política introduzida pelo
próprio processo de democratização. Observando o sistema político
brasileiro de hoje, não como negar que se trata de um regime com
claros contornos de uma democracia (KINZO, 2001, p. 09)
É importante destacar que a redemocratização brasileira, como ressaltado por
Kinzo (2001), envolveu, simultaneamente um misto de continuidade e inovações políticas.
Porém, a democracia no país não se limitou apenas à continuidade da antiga política.
Através da Constituinte, propostas de fortalecimento da influência de diferentes atores
sociais em várias instituições vieram à tona. Retomaremos em sessão posterior a
discussão.
2.2 - A Reforma do Estado e a forma de governar
Intensificada nos anos 90, a revisão do papel do Estado constitui um processo
de longo prazo, envolvendo diferentes estágios. A ampliação da participação, na América
Latina como um todo, foi uma das dimensões evidentes, tanto no processo de
democratização, quanto na reforma estatal. O ideário participacionista, vem, dessa forma,
acompanhado de mudanças no significado da relação estabelecida entre Estado e
sociedade. Segundo Souza e Carvalho (1999),
fase remete-se aos anos de 1982 a 1985, caracterizada pela nova fase das eleições, aos novos partidos e políticos que
ganharam sua volta ao cenário brasileiro e ao movimento das Diretas Já e a terceira fase, de 1985 a 1990,
correspondente à Nova República, peculiarmente, resultado de um acordo entre os setores moderados da oposição e
dissidentes do governo, a elaboração da Carta Constitucional e os reflexos em nossa sociedade.
66
Apesar do reconhecimento do papel da retórica em relação aos modelos
de reforma, o debate político, institucional e administrativo dos anos 80 e
90 trouxeram um novo enfoque para a atuação dos governos e da
sociedade. Este enfoque se pauta pela visão da reforma do Estado como
um processo que se destina não apenas a apoiar ações unicamente
voltadas para o governo, mas que envolvam outros atores políticos e
sociais, bem como estimulem a participação das esferas subnacionais, do
setor privado (lucrativo ou não) e da sociedade civil na formulação e
implementação de políticas (p. 191).
A crise eclodida em finais da década de 70
9
tem indicado pelo menos duas
perspectivas no que se refere à reforma e políticas públicas estatais: uma relaciona-se à
crise fiscal e forma de intervenção estatal, e a outra, liga-se à como lidar com a crise
(SIMIONATTO: 2006).
A primeira perspectiva é fundamentada na crise fiscal do Estado e seu modo
de intervenção nos sistemas econômico e social, onde a maioria dos países tenta
adaptar-se às novas condições da economia mundial (eliminação das funções
governamentais, cortes em despesas com custeio e investimentos, redução da folha de
pessoal, privatização, desregulamentação e descentralização). A segunda perspectiva,
trata das consequências da crise, com a ação reguladora do mercado em substituição aos
mecanismos de regulação estatal ,e nessa perspectiva, o debate sobre direitos sociais e
políticas públicas é inserido de acordo com os organismos internacionais, reorientado as
relações Estado/sociedade/mercado (SIMIONATTO, 2006, p. 01; SOUZA e CARVALHO,
1999, p. 187).
Segundo Diniz (2001, p. 18-19), o Estado brasileiro encontrava-se numa crise
de governabilidade
10
, ligada, não ao excesso de suas demandas, mas ao
enclausuramento da cúpula burocrática do poder decisório das elites que se fortaleceram
desproporcionalmente no Poder Executivo, enfraquecendo, dessa maneira, os suportes
9
A agenda política da década de 70 é apresentada sob a perspectiva da necessidade estatal em controlar o que
desestabilizava a democracia: o nível de interferência da sociedade sobre os governos. Política e economicamente,
sobressai-se a ordem política e a intervenção estatal na economia e regulando a vida social.
10
Para Diniz (2001), governabilidade refere-se às condições sistêmicas mais gerais sob as quais se o exercício do
poder numa dada sociedade (p. 21).
67
institucionais da democracia. O déficit democrático de nosso país, segundo a autora,
encontrava-se no padrão tecnocrático de formação das políticas e no insulamento
burocrático, sendo justificado pelos riscos que a democracia empregava à racionalidade
econômica.
O principal problema apontado por Diniz (2001, p. 21) no que se refere à crise
da governabilidade, encontrava-se na pouca e escassa capacidade de fazer valer
decisões e a falta de capacidade decisória.
Podemos destacar que no plano nacional, o país passava por uma
necessidade de mudança imposta pelos diversos planos de estabilização financeira mal
sucedidos e, no plano internacional, o Brasil encontrava-se vulnerável devido à crise de
sua dívida externa.
Dessa forma, as discussões referentes à reforma do Estado
11
brasileiro entram
na pauta política, essencialmente no que se refere às competências estatais,
financiamentos e gastos.
Segundo Simionatto (2006, p. 01), as principais diretrizes dos organismos
internacionais recomendam a reforma estatal orientada para o mercado (com o abandono
dos instrumentos de controle político) e a restrição na alocação de recursos públicos
(principalmente na área social).
As orientações expressas pelo Banco Mundial com relação às funções do
Estado são: a) estabelecimento de um ordenamento jurídico básico, b) manutenção de
um conjunto de políticas macroeconômicas, c) investimentos em serviços sociais básicos
e infra-estrutura, d) proteção dos grupos vulneráveis e e) defesa do meio ambiente
(SIMIONATTO, 2006, p. 01).
A agenda programática do Banco Mundial, expressa um novo conteúdo na
11
A reforma estatal, e consequentemente, as políticas públicas, precisam ser compreendidas num contexto de crise
global do capitalismo e de sua absorção pelas organizações internacionais da incidência destas últimas nas agendas dos
Estados nacionais (SIMIONATTO, 2006, p. 01).
68
execução das políticas públicas, invertendo a premissa do pacto keynesiano. As bases
incidentes em seu programa destacam três características: a redução de gastos públicos,
a realocação de recursos para a manutenção de superávits na balança comercial e
reformas visando o aumento da eficiência do sistema econômico.
Com as reformas propostas pelo Banco Mundial, os Estados nacionais
inserem-se no processo de globalização capitalista e o Estado o é mais entendido
como um provedor de serviços públicos, mas um promotor e regulador, estabelecendo
suas funções de acordo com a sua capacidade.
Há, porém, segundo Simionatto, uma contrapartida do Banco Mundial no que
se refere à relação Estado/Sociedade. Como ressalta a autora: “a eficiência do Estado é
maior quando escuta a opinião do setor empresarial e da cidadania em geral” (BANCO
MUNDIAL apud SIMIONATTO, p. 02). Considera-se assim, que essa forma de
participação possibilita atender os grupos minoritários e mais pobres que, dificilmente
conseguem interferir nas esferas mais altas de poder. Ainda enfatiza,
Sob o discurso da transparência, afirma a necessidade de processos
consultivos, que conferem à sociedade civil, incluindo sindicatos e
empresas privadas a oportunidade de participação e controle das ações
governamentais. É nesse bojo que se inscrevem a descentralização e uma
concepção de participação centrada no húmus comunitário...
(SIMIONATTO, 2006, p. 02).
Segundo Diniz (2001. p. 21), a proposta de mudança presente no ideário da
reforma estatal que irá trazer consequências para a democracia, está, principalmente, na
concepção de que a governabilidade do Estado depende de sua capacidade em
diversificar os espaços de negociação e inclusão de diferentes atores, o que representa
um aumento da participação. É importante ainda, de acordo com a autora, o reforço das
instituições representativas através dos instrumentos de responsabilização da
administração pública por controle parlamentar.
A participação embutida no ideários das agências internacionais, reforçando o
69
neoliberalismo com ênfase na valorização da questão social, tem como norte orientador o
risco que a pobreza pode trazer e traduzir-se especialmente num risco à governabilidade
e à estabilidade política. A participação surge como antídoto ao problema de
equacionamento das políticas de combate à pobreza tendo em vista a baixa capacidade
de investimentos nas área social.
Não se pode deixar de ressaltar que a participação na década de 90, é
associada à governabilidade num contexto de escassez de recursos públicos. Dessa
forma, recai sobre o debate da privatização, sendo que esta requer o envolvimento da
política social na produção e/ou distribuição de bens e serviços dos setores privados
lucrativos e não lucrativos. Com isso, a privatização envolve as organizações sociais,
movimentos, entidades, etc no atendimento aos segmentos mais necessitados da
população, bem como na fiscalização da aplicação dos recursos existentes. (TATAGIBA,
2005, p. 13).
Dentre os mecanismos de participação destacados, encontram-se os
Conselhos de Políticas Públicas, objeto de estudo de nossa pesquisa. Cabe verificar,
diante do contexto da Reforma do Estado, o papel estimado a estes espaços, tal qual a
idéia de participação impressa ao seu funcionamento teórico e prático, pois, ao mesmo
tempo em que se estabelece essa possibilidade de participação na esfera pública, de
longa data reivindicada pelos segmentos progressistas da sociedade civil, “(...) as
orientações alertam, entretanto, sobre a necessidade de imposição de limites nas
reivindicações que podem chegar ao Estado pela excessiva influência dos grupos mais
agressivos” (SIMIONATTO, 2006, p. 02).
A noção de participação impressa nas reformas dos anos 90 trouxe como norte
de orientação a sua indispensabilidade para a execução das políticas públicas, trazendo
para a discussão os ideais de participação e consequentemente, eficiência dessas
70
políticas. Com isso, a questão da descentralização ganha espaço importante nesse
sentido, vindo a atender às expectativas dos ajustes propostos pelas agências
internacionais, e também de maior participação por parte dos atores da sociedade.
2.3 - A participação, os atores da sociedade civil e os governos locais
A perspectiva da participação de novos atores sociais na efetiva influência das
decisões políticas foi, além de um ajuste econômico estatal, principalmente, uma defesa
das demandas de mobilizações da sociedade em prol de um espaço de reconhecimento
nas políticas públicas. Atentaremos para este último enfoque.
Todo o processo de mudança no cenário da participação não foi gerado
espontaneamente, nem harmoniosamente, mas a partir da revitalização da sociedade do
final da década de 70, trazendo para a discussão o destaque para que novos atores
pudessem limitar e controlar as ações do Estado.
Segundo Gohn (2004, p. 60), dois aspectos são importantes quando pensamos
na dinâmica que envolve o processo de participação da sociedade. O primeiro, refere-se
ao fato de haver uma herança anterior acumulada de experiências de participação
provindas do campo democrático, e em particular pelos movimentos sociais e
organizações que assessoravam a estes movimentos; e, em segundo, teve-se de ter
vontade política para que um novo espaço público, de caráter não-estatal, se implantasse.
Esse espaço surge enquanto agente de mudança, de decisão, exigindo a construção de
regras claras de institucionalidade para que a participação numa instância democrática
fosse realizada e pudesse operar.
O contexto autoritário brasileiro, produzindo uma não participação civil, fez
emergir da sociedade um conjunto de renovações no campo dos movimentos sociais e,
71
consequentemente, a constituição de um espaço público plural.
Na década de 70, o conceito de sociedade civil foi associado ao vocabulário
político com a intenção de mobilizar-se contra o estado militar, alterando o status vigente
na luta pela democracia, com políticas públicas que atendessem às reais necessidades
da população. De acordo com Tatagiba (2005, p. 17-18), a participação significava a ação
de contestação dos “sem voz”, atentando para valores como “cidadania ativa”, “soberania
popular”, “autogoverno”, “autonomia da sociedade” e “emancipação”.
Ainda sobre a década de 70, Avritzer (2002) destaca que houve o
desenvolvimento e o processo de formação de associações comunitárias
independentemente do sistema político, nas palavras do autor:
Elas reivindicavam autonomia de organização em relação ao Estado,
questionaram a presença de mediadores políticos e uma tradição de
considerar serviços urbanos um favor a ser oferecido pelo Estado (...)
Novas formas de ação coletiva emergiram no decorrer do processo
brasileiro de democratização. Em nível urbano, novas associações
comunitárias surgiram, botando em questão o padrão disponível de relação
entre Estado e sociedade e introduzindo elementos de renovação cultural
como a organização democrática em nível local (p. 571-572).
A luta pelo ideal democrático e participativo exerceu-se sobre o processo
político e a abertura ao se organizar contra o Estado autoritário. Segundo Kinzo (2001, p.
09), o ativismo da sociedade civil brasileira também foi presente na Assembléia Nacional
Constituinte de 1986/1987, sobre a permanência de alguns problemas intocados. A
Constituição Federal representou um alargamento do pacto republicano sob condições
democráticas. Os trabalhos descentralizados na elaboração da Carta Constitucional
tiveram como procedimento a abertura para a sociedade, grupos organizados direta e
indiretamente.
Difundido como um dos principais requisitos para uma efetiva democratização
do Estado, o projeto descentralizador, correspondeu, por um lado, a uma ampliação das
competências municipais no setor social e, por outro, numa intensificação da vida local.
72
No Brasil, até o final da década de 70, o modelo de gestão pública baseava-se
na concentração do poder decisório e executivo no âmbito federal, definindo-se
atribuições e competências “residuais” para as esferas estadual e municipal. Esse
processo modifica-se com a crise do modelo existente e as mudanças no desenho
político-institucional. A descentralização e o aumento do protagonismo dos governos
locais constituíram-se como princípios hegemônicos nos processos de reforma do setor
público. De acordo com Rolnik e Somekii (2000, p.83) “(...) a descentralização passou a
ser entendida enquanto dimensão essencial para se superar o regime autoritário anterior”.
A partir da década de 80, começa a aumentar a participação dos estados e
municípios nos fundos federais, notadamente a partir da Constituição de 1988 que,
gradualmente, aprofunda o processo de descentralização no país, trazendo grandes
consequências para a Federação brasileira e a criação de mecanismos de participação. A
inovação da Carta de 88 encontra-se na afirmação do Município como integrante e agente
autônomo da Federação, significando, dessa maneira, a transferência para a esfera
municipal dos serviços prestados que, antes, não eram de sua alçada.
Não se pode deixar de destacar que a descentralização respondeu à duas
demandas: uma, a que atendia à necessidade da demanda populacional para entrar no
aparelho estatal e direcioná-lo; a outra, que respondia à crise fiscal e à necessidade de
racionalização de gastos, compartilhando os mesmos com as demais esferas
subnacionais. Complementando o cenário, havia pressões externas por reformas
institucionais, participação de novos atores sociais e reformulações nas organizações.
Segundo Nogueira (2004): “(...) não se tratava, portanto, de mera opção programática ou
preferência ideológica, mas de imposição da realidade” (p. 55).
O princípio da participação consagrou-se para além da dimensão do voto.
Artigos constitucionais, como o de número 14, que incluíram mecanismos como o
73
plebiscito, referendum e participação popular, entre outros, responsabilizaram-se pela
entronização do controle social nas políticas blicas. Como ressaltou Benevides (1998,
p. 129), por meio destes mecanismos, a Constituição trouxe para a cena a participação
semidireta como combinação da democracia representativa e participativa.
A partir dos resultados destes novos arranjos federativos, pode-se afirmar que,
na década de 90, o país viveu concretamente um movimento de fortalecimento da
autonomia local diante das demais unidades da Federação e a participação no processo
decisório teve cunho positivo no conjunto de transformações. Durante o processo de
democratização e depois do processo constituinte, houve o surgimento de uma variedade
de espaços de participação dos atores da sociedade civil influenciando as decisões de
políticas públicas.
Os debates que tiveram como tema a descentralização, trouxeram como o seu
principal arcabouço de sustentação a relação desta com a democratização do Estado. Ou
seja, o debate processou-se na redemocratização e na viabilidade da democracia sob o
processo decisório descentralizado. Nesse sentido, a mesma torna-se essencialmente
resposta a uma situação de centralização que decorreu de um processo histórico de
nosso país, tornando-se a descentralização uma aproximação à idéia de democratização.
Arretche (1996, p. 46) demonstra que “(...) mais próxima de formas de
democracia direta, a vida democrática em âmbito municipal poderia representar uma
alternativa aos limites e vícios postos pelas instituições nacionais da democracia
representativa”.
O estudo de Borja e Castells (1996, p. 161) mostra que os processos de
democratização política e descentralização da América Latina na década de 80,
revalorizaram os governos locais, pois, como destacaram “(...) o princípio da proximidade
é um elemento essencial da legitimação democrática”. Segundo os autores:
74
(...) a cidade, entendida não somente como território que concentra um
importante grupo humano e uma grande diversidade de atividades, mas
também como um espaço simbiótico (poder político-sociedade civil) e
simbólico (que integra culturalmente, identidade coletiva a seus
habitantes e tem valor de marca e de dinâmica com relação ao exterior)
converte-se num âmbito de respostas possíveis aos propósitos
econômicos, políticos e culturais de nossa época. Citemos (...) a
configuração dos novos espaços e mecanismos que estimulem a
participação política, facilitem a relação entre administrações e
administrados e promovam a organização dos grupos sociais (BORJA e
CASTELLS, 1996, p. 161).
Rolnik e Somekii (2000), ao destacarem o papel da descentralização, ressaltam
que, uma das vertentes que a envolve é a tendência democratizante, “(...) que considera a
descentralização uma possibilidade de tornar o governo mais acessível ao cidadão,
aumentando a participação direta da cidadania e o controle e responsabilização social” (p.
83).
Segundo Dagnino (2002b, p. 288), quando analisamos a relação entre
participação e descentralização, esta pode assumir a forma de uma “(...)
complementaridade, por assim dizer instrumental”. A autora destaca que esta, se por
uma “confluência perversa” entre um projeto participatório pela cidadania e
democratização de um Estado mínimo em relação à garantia dos direitos. “A perversidade
está colocada no fato de que, apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos
os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva”.
Para Arretche (1996, p. 47), a descentralização e participação podem ser
analisadas partindo do pressuposto de que, a realização do ideal democrático, depende
da possibilidade de que tais princípios e valores políticos possam se realizar em
instituições políticas concretas, mais do que no âmbito de abrangência delas. Para a
autora, existe um limite à possibilidade da efetivação democrática, pois, uma
dependência de que haja a instauração de instituições viabilizadoras desses ideais
democráticos concretamente e não formalmente.
75
Não podemos deixar de destacar, como demonstram alguns autores, que a
descentralização e sua efetivação apresentam distâncias relativas. Alguns dos fatores são
de ordem econômica e política, como apontado por Souza e Carvalho (1999): o Estado
desconsiderou a heterogeneidade econômica e institucional dos municípios em relação às
suas capacidades efetivas de executar as políticas públicas, bem como a idéia de que a
descentralização fixou-se no ajuste fiscal.
As esferas subnacionais enfrentaram muitas dificuldades no início da década
de 90, ao assumirem as responsabilidades pelos serviços sociais (principalmente nas
áreas de saúde e educação), onde, boa parte dos recursos financeiros provinham de
contribuições sociais arrecadadas pelo governo federal. Porém, os gastos com serviços
sociais tiveram aumento efetivo, devido ao incremento de transferências federais, que
assumiram a responsabilidade por sua provisão.
A área da saúde, que enfrentara alguns problemas enquanto serviço social,
encontrou o equacionamento dos mesmos na década de 90, quando da criação do SUS
(Sistema Único de Saúde), no artigo 198 da Constituição. Porém, apesar de tratar-se de
norma constitucional, somente a partir dos anos 90, a municipalização da saúde foi
consolidada.
Nas palavras de Arretche (2002, p. 96), com o estabelecimento de regras
universais via portarias ministeriais, reduziu-se o caráter incerto e politizado das
transferências fazendo com que os governos aderissem ao sistema
12
.
No que se refere ao âmbito dos governos locais, tomando emprestadas as
palavras de Gohn, é sob o signo da contraditoriedade, crises, mudanças,
esperanças/desesperanças, avanço da globalização e exposição de seus efeitos na área
social, gerando um aumento da pobreza, que se inicia o século XXI (GOHN, 2004, p. 62).
12
Segundo a autora, 99% dos municípios estavam habilitados ao SUS no ano de 2000 (Arretche, 2000, p. 96).
76
Entretanto, ao mesmo tempo, um ressurgimento de resistências políticas,
econômicas e culturais, especialmente verificadas no plano local. É nesta esfera que se
apresentam muitas novidades na atualidade, tanto na área política da gestão pública, com
os processos de descentralização e inovações de várias ordens, como na área do social.
Segundo Gohn (2004),
É na esfera pública local, mais especificamente, do poder local, que
progressivamente foram sendo construídas novas formas de fazer política
e surgindo novos modelos de gestão, da mesma forma que em passado
recente experiências desenvolvidas no seio da sociedade civil, a partir dos
movimentos sociais, fundadas na esperança, na crença em um novo devir,
na utopia, construíram novos caminhos para a transição política brasileira,
do autoritarismo à redemocratização (p. 62).
Tonella, identificando a contraditoriedade dos novos tempos e incluindo a
importância do município frente à globalização crescente, ressalta
Em um cenário global de aumento das desigualdades sociais, de crescente
desemprego e escassez de financiamento dos programas de inclusão
social, os espaços de atuação dos governos locais tornaram-se limitados,
e muitos investiram no envolvimento de amplos segmentos sociais (...)
(2006, p. 33).
Nos anos 90 do culo XX, o poder local passa a ser visto, por um lado, como
sede política e administrativa do governo municipal, e, por outro, como dinamizador das
mudanças sociais por meio das novas formas de participação e organização popular. Nas
palavras de Gohn,
(...) o poder local passou a ser visto como espaço de gestão público-
administrativa e não como simples sede das elites (econômicas, sociais e
políticas). Mudanças na conjuntura política e no cenário econômico
explicam tais alterações (...). O poder local foi redefinido como sinônimo de
força social organizada, enquanto forma de participação da população na
direção da (...) capacidade de gerar processos de desenvolvimento auto-
sustentável com a mediação de agentes externos (2004, p. 63).
O arcabouço institucional que envolve o surgimento dos conselhos, objeto
efetivo de nosso interesse, ambienta-se no participacionismo da Constituição de 88 e a
década de 90 será caracterizada pela regulamentação nacional das diversas políticas
77
sociais. Dessa maneira, os conselhos são transformados no formato institucional que
materializa os artigos da Constituição Federal que estabelecem essa participação,
presentes em diversos capítulos,
(...) na saúde, como “participação da comunidade” (...); na assistência
social, como “participação da população por meio de organizações
representativas na formulação das políticas e controle das ações em todos
os níveis” de governo (...); e na educação, como “gestão democrática do
ensino público” (SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO, 2004, p. 22).
2.4 – A consolidação democrática e a sociedade civil
A participação da sociedade civil e suas contribuições para a democratização e
consolidação democrática, bem como os limites dessa participação foram revistos pela
vasta literatura sobre o tema. Ressaltaremos algumas dessas contribuições, mapeando
as diferentes abordagens sobre o assunto.
Utilizando o conceito de esfera pública de Habermas, Avritzer (1995) contribui
para o tema da democratização brasileira, destacando, dessa forma, a contribuição dos
novos atores nesse contexto.
Segundo o autor, a democratização é compreendida pela convivência de duas
culturas políticas: “(...) uma semidemocrática e predominante no nível do mundo da vida e
da sociedade civil” (AVRITZER, 1995, p. 118). Para Avritzer, a sociedade é portadora da
cultura política democrática e, nesse ínterim, temos a instauração de um sistema
democrático. Vetos relacionados às forças econômicas e políticas tradicionais seriam os
principais empecilhos ao seu insucesso.
Alguns estudos relativos aos movimentos sociais, têm destacado a capacidade
de ampliação do político, a transformação de práticas políticas dominantes, o aumento da
cidadania e inserção política de atores historicamente excluídos da cena política. Muitos
destes estudos utilizam-se da teoria habermasiana de esfera pública.
78
Dagnino (2000, p. 81-87), destaca a possibilidade de que novos atores venham
a exercer o controle democrático sobre o Estado. Segundo a autora, os movimentos
sociais brasileiros contribuíram para uma nova significação às relações entre cultura e
política na luta pela democratização. Com isso, desenvolveu-se uma concepção de
democracia que ultrapassava os limites institucionais, buscando a democratização da
sociedade civil como um todo. A apropriação das noções de cidadania foram
fundamentais para os movimentos sociais em sua luta por direitos iguais, garantindo que
fosse consolidada a operacionalização da visão ampliada de democracia.
A utilização do novo conceito de cidadania, segundo a autora, expressava-se
em cinco pontos: a) redefinição de direitos; b) constituição de sujeitos sociais ativos
(agentes políticos); c) busca por participação para a transformação da sociedade e das
relações de poder; d) novo projeto de sociabilidade; e) cidadania não restringe-se
somente às relações com o Estado, mas deve ser estabelecida no interior das sociedades
(DAGNINO, 2000, p. 86-89).
A autora ainda ressalta que “(...) definir a sociedade civil como arena e alvo de
luta política pela hegemonia significa, necessariamente, reconhecer sua natureza
contraditória e heterogênea e recusar sua mistificação como pólo virtuoso contra um
Estado diabólico” (DAGNINO, 2000, p. 73). Dada a ênfase na sociedade, a isso não
pressupõe-se a recusa da institucionalidade política e do Estado, mas implica numa
reivindicação radical de sua transformação.
Análises como a de Avritzer e Santos (2002), contribuíram para a discussão a
respeito dos espaços de participação democrática, enquanto geradores de processos que
recuperam a idéia da argumentação, baseada nos conceitos habermasianos.
Para Avritzer e Santos (2002), ao longo do século XX, o debate sobre a
democracia foi permeado por uma intensa disputa. Dessa forma, a democracia esteve
79
ancorada em dois pilares, ou duas formas complementares de hegemonia:
Uma primeira forma de hegemonia baseada na suposição de que a
solução do debate europeu do período entre guerras teria sido o abandono
do papel da mobilização social e da ação coletiva na construção
democrática; uma segunda forma de hegemonia é aquela que supunha a
solução elitista para o debate sobre a democracia, com a consequente
supervalorização do papel dos mecanismos de representação, poderia ser
hegemônica sem que esses últimos precisassem ser combinados com
mecanismos societários de participação (AVRITZER e SANTOS, 2002, p.
43).
Os autores, em sua análise, propõem uma visão contra-hegemônica da
democracia, isto é, ela iria contemplar a necessidade de ampliação do político e da
democracia representativa, pois esta, não aborda três, das suas principais funções: a) a
autorização, b) a representação de múltiplas identidades e c) a prestação de contas
13
.
Segundo os autores, o processo de democratização que iniciou-se na Europa em fins dos
anos 70 e, na América Latina, nos anos 80, são responsáveis por recolocar em pauta
questões sobre a democracia.
As mudanças configuradas a partir dos anos 80, permeiam três importantes
dimensões: a primeira, repõe no debate a relação entre procedimento e participação
social; a segunda, a auto-participação social e sua redefinição sobre a adequação da
solução não participativa e burocrática no nível local e; a terceira, discute a relação entre
representação e diversidade cultural e social.
Na primeira dimensão, a da relação entre procedimento e participação social,
os autores destacam que a teoria hegemônica da democracia, reduziu o
procedimentalismo ao processo eleitoral, sem responder se este esgotava o processo de
autorização por parte dos cidadãos e se esgotava a representação da diferença. Dessa
maneira, há a necessidade de se introduzir uma nova gramática social e forma de
relacionamento entre a sociedade e o Estado, possibilitando a mudança dessas relações
13
Segundo os autores, esta última só fora introduzida nos debates democráticos muito recentemente.
80
(AVRITZER e SANTOS, 2002, p. 46 e 54).
A segunda dimensão, que prevê a redefinição sobre a adequação da solução
não-participativa e burocrática ao nível local, para os autores, durante muito tempo,
defendeu-se a substituição dos mecanismos de soberania popular pelo aumento do
controle burocrático sobre a política. Os novos movimentos mostram que o conhecimento
detido pelos atores sociais pode ser apropriado pela burocracia para a solução de gestão.
Segundo ressaltam os autores: “A maior parte das experiências participativas nos países
recém-democratizados do Sul tem o seu êxito relacionado à capacidade dos atores
sociais de transferirem práticas e informações do nível social para o administrativo”
(AVRITZER e SANTOS, 2002, p. 54). Ao discutirem a participação e burocracia, os
autores estão propondo uma interrupção com a visão realista de Weber e Schumpeter,
quando estes vêem a impossibilidade de uma participação política ampliada na moderna
e complexa sociedade.
Na terceira dimensão, que privilegia a relação problemática entre
representação, diversidade cultural e social, os autores afirmam que a conciliação e
articulação entre democracia representativa e participativa, pode ativar a defesa de
identidades e interesses sociais dos menos desfavorecidos. A democracia participativa é
por mérito, o campo onde a emancipação social pode se reinventar (AVRITZER E
SANTOS, 2002, p. 50 e 54).
Para Avritzer e Santos (2002), a participação social ampliada e os movimentos
sociais podem ser objeto de disputas políticas, pois
“(...) estão sujeitos à vulnerabilidade e ambiguidade, quando são
descaracterizados por via da cooptação por grupos sociais superincluídos
e por via da integração em contextos institucionais que lhe retiram o seu
potencial democrático e de transformação das relações de poder” (p. 60).
Evidencia-se, a partir do trabalho dos autores, uma defesa da democracia
participativa, atuando em complementaridade com a democracia representativa. As novas
81
experiências de participação ampliam os espaços de influência da sociedade civil e
superam as teorias realistas, que vêem, na indispensabilidade burocrática e limites à
representação, seu norte de orientação.
Bobbio (1986, p. 52-54) argumenta no sentido de que, entre democracia
representativa e participativa, não uma alternativa entre as mesmas, mas trata-se de
elementos complementares e necessários, sendo possível a integração entre ambas.
Para o autor, o processo de democratização consiste na extensão do poder ascendente,
aonde o mesmo vem de baixo para cima. Há, dessa forma, a ocupação da democracia
representativa dos novos espaços de democratização das relações pessoais.
Não podemos deixar de ressaltar que, como lembrou Dagnino (2002, p. 300),
as inovações participativas da década de 90 trazem em seu escopo limites e
tencionamentos. A participação da sociedade civil nos espaços públicos revela um
processo de construção democrática brasileira não linear, contraditório e fragmentado.
Analisar as experiências participativas nos leva a enxergá-las como
institucionalidades portadoras de limites, mas também de potencialidades, dada sua
expansão no cenário brasileiro. Estes espaços, apesar das ressalvas, têm trazido para o
debate, questões que antes estavam fora de discussão e pouco refletidas devido ao
nosso passado recente autoritário. Seu estudo deve precaver-se, dessa maneira, de uma
valorização extremada, apontando para os riscos que podem decorrer nas novas relações
estabelecidas e no contexto institucional.
2.5 - A Saúde no Brasil e a descentralização de sua política
É importante destacar que, quanto ao poder local, a descentralização teve
como foco o redirecionamento do papel destinado aos municípios, com relação à
82
redistribuição do orçamento municipal, ordenando os serviços públicos, surgindo como
alternativa para que os próprios beneficiários [municípios] garantam seu controle, a
recuperação da racionalidade da decisão local. No plano da administração, a
descentralização significa, teoricamente, a ampliação dos direitos dos cidadãos, a
autonomia da gestão municipal, a participação da sociedade civil e a potencialização de
melhor uso e redistribuição eficientes dos parcos recursos municipais (JACOBI: 1990).
Representando a descentralização não somente uma opção político
administrativa, mas um processo de mudança qualitativa no plano do território, um dos
maiores desafios no contexto desta transição é o estabelecimento de novas regras de
convivência entre as instâncias de poder e a sociedade civil em geral. Seguindo a lógica
da descentralização e privilegiando essencialmente o poder local, isto é, a esfera
municipal, o presente trabalho pretende elucidar como se deu este processo na política
de saúde.
Mudanças significativas foram trazidas para essa política social, na medida em
que a Carta Constitucional de 1988 prevê a Saúde como direito de todos e dever do
Estado, enquanto acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção,
proteção e recuperação da saúde, destacando a criação do Sistema Único de Saúde
(SUS) e na década de 90, a Lei Orgânica da Saúde (LOS), definindo os princípios básicos
do novo sistema: a descentralização de corte municipalizante (VIANA: 1996; CONH e
ELIAS: 1999).
Interessa-nos enfocar neste contexto de descentralização da política de saúde,
a difusão, na década de 90, dos Conselhos Municipais (criados nas esferas federal,
estadual e municipal), mais especificamente os Conselhos Municipais de Saúde.
83
2.5.1 - Política de Saúde Brasileira: Antecedentes da descentralização
Ainda no século XIX, os serviços de saúde no Brasil surgem, apresentando
uma organização insatisfatória, predominantemente baseada na política médica, isto é, de
função e responsabilidade individual, onde, cada um deveria garantir a manutenção e
comportamentos adequados à prevenção, e as políticas eram baseadas, estritamente, no
controle de doenças endêmicas
14
, nos setores urbanos vinculados à higienização das
classes populares.
Durante o século XX (nas três primeiras décadas), prevaleceu o modelo
baseado no controle endêmico e de generalização de medidas imunizatórias. Segundo
Gershman e Santos (2006, p. 179), a política de saúde pública passa a ser prioridade na
política governamental a partir de 1920. Segundo as autoras:
Essa agenda estabelecia uma clara distinção entre ações relacionadas à
saúde pública e a proteção médico-assistencial individual, e era reforçada
por uma recusa programática arraigada de profissionais ligados à saúde
pública de incorporarem ações curativas ao campo da saúde pública
(Gershman e Santos, 2006, p. 180)
A política de saúde da época concentrava o centro decisório em tecnocratas e
adotava igualmente um sentido repressivo de intervenção com uma estrutura
administrativa centralizada, tecnocrática e corporativista, sem vistas à participação
popular nas políticas do setor.
Nesse sentido, até o ano de 1930, os trabalhadores contavam com benefícios
previdenciários concedidos por algumas das grandes empresas existentes e, em outros
casos, pelas CAPs
15
(Caixa de Aposentadoria e Pensões). Porém, a maior parte dos
trabalhadores não recebia tais benefícios, recorrendo então aos serviços de saúde pública
14
Diz-se de doença permanentemente e própria de uma determinada região na qual ocorre constantemente.
15
As CAPs foram instituídas em 1923 no país. São agregadas inicialmente às empresas ferroviárias, estendendo-se aos
poucos às demais categorias profissionais. O seu principal objetivo era a prestação de assistência médica e
fornecimento de medicamentos com preços menores, além das aposentadorias e pensões. Organizavam-se por
empresas através de um contrato compulsório e sob a forma de contribuição.
84
ou atendimento com profissionais particulares.
No período seguinte, durante os anos de 1946-1964, a medicina previdenciária
consolida-se com os grupos de trabalhadores das cidades. O governo tratou de conduzir
a política de saúde e o artifício utilizado para tal foram os IAPs (Institutos de
Aposentadorias e Pensões), reverberando o poder centralizado. Houve também nesse
período uma conjugação de práticas clientelistas, na medida em que os sindicatos
estavam ligados aos Institutos.
Ainda, no desenrolar deste período, podemos destacar uma expansão em ritmo
acelerado da medicina previdenciária com o crescimento de redes blicas subnacionais
(estaduais e municipais) no atendimento de pronto-socorro. Ao final do período, inicia-se a
discussão a respeito do papel do Estado-nação na construção de um sistema de saúde
efetivo. As lutas sociais surgem para intervir na saúde e a III Conferência Nacional de
Saúde (1963) foi o palco dos debates, porém, com o golpe de 1964, interrompeu-se de
forma brusca o processo que se estruturava.
Com os militares no poder, houve, como nos diversos campos da
administração pública em geral, mudanças na política de saúde. As mudanças diziam
respeito à generalização do modelo de cuidados individuais, orientando o crescimento da
produção em quantidade dos atos médicos com a construção de hospitais, laboratórios e
serviços privados financiados pelo Estado ditatorial.
A política de saúde, então, caracterizou-se pela centralização decisória e
operacional, com a institucionalização do INAMPS (Instituto Nacional de Assistência
Médica da Previdência Social) que atuava na área de atenção médica após a criação do
SINPAS (Sistema Nacional da Previdência e Assistência Social). Dessa maneira, a gestão
centralizadora dos serviços médicos estava atrelada à Previdência Social, além da
caracterização dos serviços reforçarem o cunho privatista de atendimento.
85
Segundo Gershman e Santos (2006, p. 181), a unificação da Previdência, em
1967, significou uma tentativa de transformações na trajetória da política de saúde, dados
que, com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões, acabava-se com
benefícios diferenciados por categorias profissionais e limitava-se, dessa forma, o poder
dos sindicatos politicamente. Nas palavras das autoras:
Os recursos foram centralizados na Previdência, possibilitando seu
direcionamento para a compra de serviços privados de assistência médica.
O afastamento dos trabalhadores da condução das entidades sindicais,
das decisões e dos rumos da política previdenciária deu lugar ao
estabelecimento de relações diretas da Previdência com prestadores e
produtores de insumos (Gershman e Santos, 2006, p. 181).
De acordo com Gerschman e Santos (2006), a caracterização da política de
saúde da década de 1970
16
:
(...) abrangia dois elementos principais: um processo de expansão da
cobertura, evidenciado pela capitalização da saúde na compra de serviços
ao setor privado e por programas como o Programa Nacional de
Imunização; e projetos alternativos (...) como o Programa de Interiorização
de Ações de Saúde (PIASS), capitaneados pelo recém-surgido “Partido
Sanitário” que questionava o modelo adotado de Saúde (p. 181).
Numerosas críticas foram realizadas ao modelo descrito, principalmente, com
relação à centralização da política de saúde e a privatização das ações pelo INAMPS, que
se converteram em múltiplos esforços no sentido da unificação das ações entre os níveis
de governo e as ações do Ministério da Saúde (MS) e INAMPS, sendo estes implantados,
sem obterem grandes resultados, em meados dos anos de 70 e 80 até a instituição das
Ações Integradas de Saúde (AIS).
Com as AIS, dava-se a relação diretamente entre a esfera federal e o municipal
via ex-INAMPS. Eram firmados convênios com os municípios promovendo a transferência
de recursos financeiros e a estruturação de instâncias para a participação
institucionalizada da sociedade. O intuito das ações foi, de certa maneira, tornar
homogêneas a oferta dos serviços de saúde e suas condições nos âmbitos estaduais e
16
Estruturada no Governo Geisel (1974-1979).
86
municipais, desenvolvendo ambos os sistemas: regional e local. Permitiu-se, através das
AIS o desenvolvimento de ações e condições para a averiguação de resultados e o
controle de usuário, reorganizando o setor através da hierarquização das ações e
serviços e, consequentemente, sua regionalização, criando mecanismos de
gerenciamento local.
Na segunda metade da cada de 80, esse processo evoluiu para o SUDS
(Sistema Único Descentralizado de Saúde) que envolvia transferências financeiras e da
rede física (hospitais, ambulatórios do ex-INAMPS) da União para os Estados com o
estabelecimento de convênios (CONH e ELIAS: 1999)
Até meados dos anos 80, os serviços dicos foram caracterizados pela
massificação do acesso, vigorando o modelo centralizador sem princípios
universalizantes. A unificação do sistema de saúde começaria a ganhar expressão a
partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, num clima de
esperanças e de participação dos setores organizados da sociedade. Foi um marco
importante na elaboração de um conjunto de princípios para a Reforma Sanitária
17
.
Podemos apontar que, no que se refere à política de saúde, as décadas de 80
e 90 caracterizaram-se pelo processo de transformações no sistema de saúde, marcado
pela descentralização, reforçada e institucionalizada na Carta Constitucional de 1988,
com o advento do SUS (Sistema Único de Saúde). A criação do Sistema Único de Saúde
ocorreu no bojo do processo de democratização do país.
17
A Reforma Sanitária foi um movimento que na década de 70 agregou médicos sanitaristas, estudantes e
representantes da sociedade civil organizada e propôs modificações amplas no sistema de saúde vigente no país,
abrangendo não somente instituições prestadoras de serviços como também setores ligados à produção. O tema será
retomado adiante neste mesmo trabalho.
87
2.5.2 - A descentralização na política de saúde – caminhos constitucionais
Como fora mencionado anteriormente, as ações em direção às transferências
de atribuições e encargos da esfera federal para os estados e municípios iniciam-se
durante o governo militar com o projeto inicial das AIS e posteriormente, na segunda
metade dos anos 80 com a criação do SUDS. Podemos indicar que as AIS fortalecem os
municípios e o SUDS, os estados.
A partir da promulgação da Constituição de 1988 e a criação do SUS
(responsável pela provisão universal, gratuita e integral de ações e serviços de saúde),
amplia-se o processo de descentralização. De acordo com Gershman e Santos, para o
surgimento do SUS: “(...) Destacaram-se nesse processo atores que anteriormente tinham
menos peso no cenário nacional, como políticos das esferas subnacionais de governo e o
“Partido Sanitário”, cuja atenção era legitimada pela forte tradição sanitarista nacional”
(2006, p. 182). Após a inserção desses grupos, na década de 80 os mesmos passam a se
fazer presentes no cenário organizacional dos Ministérios da Saúde, Previdência e
Assistência Social, ocupando posições importantes nestes órgãos.
Os alicerces do SUS baseiam-se essencialmente na: descentralização,
atendimento integral e participação social
18
. A criação do SUS traz um arcabouço legal
até então inexistente na política de saúde com a complementação através de decretos,
portarias e normas das três esferas de governo, conjugando maior racionalidade dos
serviços públicos.
Na década de 90, a política de saúde conta com um conjunto de medidas na
direção da “municipalização da saúde” através da formulação e implementação de
instrumentos reguladores próprios: aprovação da Lei Orgânica da Saúde e as Normas
18
O Artigo 198 da Constituição de 1988 estabelece as seguintes diretrizes para o SUS: I- descentralização, com direção
única em cada esfera de governo; II- atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais e III- participação da comunidade.
88
Operacionais Básicas (CONH e ELIAS: 1999).
As Normas Operacionais Básicas podem inserir-se no que Viana (2002) intitula
de estratégia de compensação das diferenças regionais, como proposto na criação do
SUS, orientando, principalmente, a formulação de mecanismos que: criam e ampliam as
funções dos Conselhos de Saúde e das Comissões Tripartite e Bipartite (CIT e CIB); as
transferências financeiras; o Piso Assistencial Básico (PAB), incentivam o
desenvolvimento e capacidades gestoras no processo de habilitação de modalidades
previstas as Normas de 1993 e 1996 para municípios e estados.
Relataremos brevemente, as resoluções das NOBs de 1991, 1993 e 1996:
NOB 01/1991: estabelece regras de transferência de recursos entre a União, a
habilitação para a provisão dos serviços e as competências entre as esferas de governo
federativos. Essa norma introduz o conceito de município e estados habilitados ao SUS,
prevendo a formação de um fundo setorial e o funcionamento dos Conselhos Municipais;
NOB 01/1993: regulamenta o processo de descentralização da gestão de serviços e
ações no âmbito do SUS, descreve os modelos de assistência com escalas de gestão
19
redefine competências das esferas de governo, o financiamento das ações de saúde, o
controle social, a constituição e funcionamento dos Fundos e cria instâncias de
negociação governamentais: Comissão Tripartite Intergestoras
20
e Comissão Bipartite
Intergestoras
21
;
19
As três situações de transição previstas com as responsabilidades inerente a cada um são 1) Incipiente: autorização
do credenciamento, controle e avaliação dos serviços ambulatoriais e hospitalares do município, distribuição de cota
de AIH (Ações de Internações Hospitalares), gerenciamento da rede ambulatorial pública existente no município,
reorganização do modelo de assistência, incorporação de ações de vigilância epidemiológica e sanitária à rede de
serviços, desenvolvimento de capacitação para programas, acompanhar, avaliar e controlar suas ões de saúde; 2)
Parcial: todas as previstas na situação anterior, acrescidas do recebimento dos recursos financeiros referentes à
diferença entre o teto fixado pela Comissão Bipartite e o efetivamente gasto na assistência ambulatorial e hospitalar,
aprofundamento das responsabilidades em relação à vigilância epidemiológica e sanitária; 3) Semiplena: exercendo
a totalidade de suas responsabilidades no gerenciamento e no reordenamento do modelo assistencial. Mantém-se a
série histórica de gastos realizados como base para o cálculo do teto financeiro, determinado pela Comissão
Bipartite, a ser repassado diretamente para o município.
20
Formada por representantes do Ministério da Saúde (MS) , CONASS (Conselho Nacional dos Secretários Estaduais
de Saúde) e CONASEMS (Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde).
21
Formada por representantes das Secretarias Estaduais de Saúde e membros indicados pela entidade de representação
89
NOB 01/1996: ampliação da responsabilidade municipal e estadual com um conjunto
de mudanças no modelo de assistência, fortalecendo a atenção básica e primária das
ações de saúde coletiva e reduz as condições de habilitação
22
, criação do PAB, incentivo
à adoção do Programa de Saúde da Família (PSF) e Programa de Agentes Comunitários
(PAC).
2.5.3 A participação em Saúde e os Conselhos como mecanismo da sociedade
civil
Pretendemos aqui, recuperar brevemente os antecedentes históricos da
contextualização dos Conselhos de Saúde na luta da sociedade pela redemocratização
do país, mostrando seu papel e as formas de associação na política de saúde.
Em nosso país, até a década de 70, existiram mecanismos de participação
institucional da sociedade civil, porém, na área previdenciária. Trabalhadores tinham
benefícios oferecidos pela previdência social, contudo, somente os que estavam inseridos
no mercado de trabalho formal e que pagavam contribuições gozavam destes direitos. O
regime militar suprimiu qualquer tipo de participação e organização dos trabalhadores
contribuintes em órgãos decisórios ou até consultivos da previdência.
A partir de 1974, começam a surgir as iniciativas para envolver a comunidade
na política de saúde, ou seja, a população era, até então, excluída dos serviços de saúde
que ligavam-se ao setor previdenciário.
Através das Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs) instituídas a partir de
1923, havia eleições de representação de trabalhadores, no entanto, somente os
dos Secretários Municipais de Saúde.
22
As novas modalidades são: 1) Gestão Plena de Atenção Básica (GPAB) e Gestão Plena do Sistema Municipal
(GPSM) e para os Estados 2) Gestão Avançada do Sistema Estadual (GASE) e Gestão Plena do Sistema Estadual
(GPSE).
90
contribuintes nos órgãos dessas instituições. Os Institutos de Aposentadoria e Pensões
(IAPs), da mesma maneira, possuíam mecanismos de participação, mas não tinham
autonomia perante o Estado, assim como as CAPs. Eram autarquias ligadas ao Ministério
do Trabalho e dessa forma, o governo intervinha e interferia na escolha dos
representantes dos trabalhadores.
Após 1945, o fortalecimento do movimento sindical, contudo, com o regime
militar, há a centralização das instituições políticas, estimulando a provisão de serviços
privados. Assim, foram fechados os mecanismos de participação de trabalhadores nos
órgãos de classe.
Em meados de 1974, iniciativas para a promoção de políticas para a expansão
da provisão de ações e serviços de saúde o intensificadas. Um novo conjunto de
iniciativas visando a melhoria e modificação dos serviços de saúde, partiu das Secretarias
Municipais, como principais protagonistas. Algumas Secretarias implementaram políticas
visando os cuidados primários em saúde, tendo a preocupação de envolver os usuários
dos serviços nas decisões tomadas pelas Secretarias (como no Movimento de Saúde da
Zona Leste de SP, com membros eleitos diretamente pela população e, posteriormente,
reconhecidos pela Secretaria Estadual de Saúde, ou como estratégias de luta operária na
fábrica e em outras experiências nas décadas de 60 e 70
23
.
Até o início dos anos 80, a política de saúde ainda mantinha seu caráter
centralizador, com a mescla de saúde previdenciária e pública, atuando paralelamente.
Com a crise econômica e o aumento dos custos dos serviços, houve o fortalecimento de
propostas de administração e de líderes dos movimentos popular e sindical, visando a
reorganização da política de saúde, tornando-a universal, descentralizadora e melhor
23 Nas cidades do Estado de São Paulo: Osasco, Campinas e Piracicaba, no Espírito Santo em Boa Esperança e em
Mato Grosso na cidade de Porto Alegre do Norte. Estas cidades tiveram experiências pioneiras a partir dos
movimentos sociais e muitas delas sendo incorporadas pelos governos locais, à época, com direção do MDB e
inclusive da ARENA (TEIXEIRA: 2002).
91
integrada. Com a defesa da democratização do acesso aos serviços, houve também a
assertiva e importância do estímulo à participação dos usuários.
Medidas foram tomadas pelo governo na primeira metade dos anos 80 no
sentido de liberalizar o regime militar, procurando, dessa forma, constituir canais de
participação. Uma das características de grande importância na luta pela democratização
do Sistema de Saúde, foi a criação de mecanismos de participação e intervenção da
comunidade nas políticas do setor.
Neste sentido, surge também o movimento de reforma sanitária como um
conjunto organizado de pessoas e grupos, partidários ou não articulados em torno do
projeto de reverter o sistema de saúde vigente. Fruto de lutas e mobilização de
trabalhadores de saúde e do movimento popular, nasce o movimento sanitário.
A produção intelectual da época também foi de grande importância na medida
em que intelectuais, pesquisadores e professores, na mesma vertente, criticam o modelo
de saúde que prevalecia, denunciando as condições da população e propondo
alternativas para a construção de uma nova política de saúde.
Podemos destacar ainda, neste mesmo período, alguns avanços com relação à
implementação de políticas de saúde alternativas às impostas pela ditadura militar, tanto
através da extensão universitária, como a partir das Secretarias Municipais de Saúde,
onde o movimento tinha certo controle político sobre as prefeituras, fosse mesmo através
da ocupação de cargos técnico-administrativos no Ministério da Previdência Social.
O Movimento Popular em Saúde (MOPS) organizou-se, originalmente, nos
bairros pobres das periferias das grandes cidades e/ou favelas localizadas nos centros
urbanos, principalmente, dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais,
composto por médicos sanitaristas, estudantes, religiosos, militantes, católicos,
integrantes de partidos políticos clandestinos e população carente.
92
Com a mobilização ao redor dos problemas sociais, no início da década de 80,
em meio às eleições para os governos estaduais favoreceu-se, além das reformas no
setor de saúde em todo o país, também a interação do MOPS com o Movimento da
Reforma Sanitária (intelectuais e médicos sanitaristas).
A criação dos Conselhos Municipais forneceu, ao processo democrático, uma
resposta para as dificuldades que setores da sociedade civil enfrentavam diante do
regime autoritário, quanto à participação e interferência nas políticas sociais. Dessa
forma, sua criação proporcionou uma maior clareza e discussão, tanto quanto a
deliberação das diferentes políticas, inserindo a participação dos segmentos da sociedade
civil organizada.
O Movimento Sanitarista havia realizado uma primeira experiência de gestão
compartilhada, em 1981, através do Conselho Consultivo de Administração de Saúde
(CONASP), de composição mista entre Estado e sociedade civil
24
.
Os Conselhos então, nascem como novos arranjos institucionais, destinados a
dotar o Estado de ânimo institucional e estrutura organizacional para implementar
políticas sociais universalistas, tal como preconizadas na Carta Constitucional de 1988.
Esta reforma deu-se no sentido de ajustar o sentido público do Estado, bem como a
induzir uma maior responsabilidade perante o conjunto da sociedade, participando nos
espaços deliberativos dos Conselhos (CARVALHO: 1998).
Os Conselhos de Saúde são, na verdade, expressões institucionais de um
processo mais amplo de reordenamento das relações entre Estado e sociedade, com
influência de fatores internos e externos ao aparelho estatal. Portanto, este processo, que
não se restringiu somente à área da saúde, acelerou-se no final dos anos 80 e início dos
anos 90, instituindo no país, um novo padrão de políticas sociais, caracterizado pela
24
Ver: CUNHA, E. S. M. & JARDIM, L. S. Conselhos de Políticas. meo. Disponível em<http:
www.democraciaparticipativa.org> Acesso em 25/09/2006.
93
extensão universal dos direitos e, portanto, das prestações sociais. (CARVALHO: 1998)
O surgimento dos Conselhos na área social da saúde, remonta ao final da
década de 70 que é marcado pelo movimento sanitarista em prol da descentralização da
política nacional de saúde e universalização do acesso aos serviços. São tomadas
medidas rumo à descentralização a partir da criação das Ações Integradas de Saúde
(AIS) e do Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS) com o reforço das
funções do Estado, porém, em 1991 o governo federal reassume a administração e o
repasse de recursos estabelecendo uma relação direta com os municípios, reduzindo a
participação dos governos estaduais (ARRETCHE: 1996; ALMEIDA: 1996).
Há, dessa maneira, um processo negociado de institucionalização progressiva da
descentralização com a Lei Orgânica da Saúde (LOS) e, posteriormente, com as Normas
Operacionais Básicas (NOB) conferindo a criação de Conselhos em âmbito nacional,
estadual e municipal, sendo responsáveis pelas diretrizes políticas do setor. Ou seja, o
município, no caso da criação dos Conselhos Municipais de Saúde, surge, como gestor
específico dos serviços com a adesão ao SUS (Sistema Único de Saúde), bem como, as
responsabilidades e as formas de repasses de recursos que lhe cabem.
Para que o município possa aderir ao processo de municipalização dos serviços de
saúde, ele tem que instituir um órgão local (o Conselho Municipal de Saúde) e encarregá-
lo da gestão da política de saúde. Esse Conselho deve ser constituído por gestores,
trabalhadores da saúde, prestadores de serviços em saúde e usuários e deve ter
representação paritária, ou seja, 50% da composição dos Conselhos de Saúde é formada
por gestores, trabalhadores e prestadores de serviços e 50% é composta pelos usuários
dos serviços de saúde.
Nesse sentido, não podemos deixar de destacar o fator de que os Conselhos
surgem de uma demanda ativada pelo governo federal, essencialmente para o repasse de
94
verbas aos municípios, ou seja, os Conselhos Municipais foram criados como exigência
formal de acesso aos programas federais. Assim, embora na contramão da cultura política
do país, o advento dos Conselhos de Saúde como fenômeno nacional, foi fruto de forte
inclusão legal e administrativa, originada na esfera federal, num contexto político de um
projeto de remodelagem institucional do Estado, visando, via descentralização e
participação, habilitá-lo para a implementação de políticas sociais universalistas
(CARVALHO: 1998).
95
Capítulo 3 – Conselhos: sua importância, limites, lacunas, desafios e
potencialidades destes espaços
3.1 – Introdução aos Conselhos: buscando seu significado
A partir dos anos 90, o Brasil presenciou a emergência de instâncias
participativas que introduziram os cidadãos enquanto atores ativos e decisivos no
processo decisório em diversas áreas e níveis da administração pública. A ampla
literatura sobre o assunto tem destacado as experiências de conselhos gestores de
políticas públicas (SANTOS JUNIOR, RIBEIRO E AZEVEDO, 2004; CORTES, 2002a;
TATAGIBA, 2002; GOHN, 2001 /2005; FUKS e PERISSINOTO, 2006; TONELLA, 2006)
em diversas áreas de políticas sociais.
A organização da sociedade para associar-se à Constituição por meio da
formulação de mecanismos de participação, instituindo a possibilidade de apresentar
emendas à mesma e de tomar parte em plenárias, permitiu a inclusão de propostas
reformistas no texto da Constituição Federal de 1988.
Os anos 90, do ponto de vista dos canais de participação institucionalizada na
gestão pública, foram marcados pela institucionalização e difusão dos Conselhos
Municipais. Na verdade, a participação da sociedade na formulação e gestão de políticas
públicas começa a ser legitimada na Carta Constitucional de 1988 quando se estabelece
como fundamento do sistema de governo do país a soberania e a cidadania, nas quais, o
poder pode ser exercido por meio dos representantes eleitos na forma de sufrágio
universal com o voto direto e secreto e como participação direta
25
.
Os arranjos participativos foram introduzidos no plano municipal quando a
25
Ver: Benevides (1998).
96
noção de democratização local ganhou força com o processo de mudança institucional,
de iniciativa federal, que surgiu através da discussão sobre a reforma estatal e a
redemocratização brasileira.
Além de reconhecer novos atores sociais como interlocutores dos poderes
estabelecidos, não se pode deixar de destacar que, nos anos 90, os Conselhos surgem
definidos como estratégia de modernização do Estado e ampliação de sua legitimidade
política. Dessa forma, a participação inseria-se num projeto de partilha da
responsabilidade na gerência dos bens públicos (TÓTORA e CHAIA, 2004, p. 200).
Os Conselhos são espaços blicos que sinalizam a representação de
interesses coletivos na cena política e na definição da agenda pública, apresentando um
caráter híbrido, ou seja, é parte do Estado e da sociedade civil. Sua estrutura é
legalmente definida e institucionalizada e sua ação converge em conjunto com o aparato
estatal na elaboração e gestão de políticas sociais.
A principal tarefa dos Conselhos é definir estratégias para garantir o direito
universal às políticas públicas por meio das seguintes atribuições: definir diretrizes das
políticas e o formato de implementação das mesmas; formular planos com prioridades,
metas e recursos; estabelecer parâmetros de qualidade dos serviços públicos; monitorar e
avaliar as políticas sociais e tornar públicas as ações do governo e os direitos do cidadão.
Seguindo esta preocupação, é fundamental a reflexão no sentido de que os Conselhos
Municipais, apesar de atrair a diversidade dos movimentos sociais e populares, a isso,
não se permite afirmar que esses espaços constituem esferas blicas ampliadas
(CORTES, 2002a; GOHN: 2001; SANTOS: 2005; SANTOS JUNIOR, AZEVEDO e
RIBEIRO, 2004; TATAGIBA: 2002).
Os Conselhos, portanto, são esferas públicas que renovam a institucionalidade
democrática, mas não são estáticos, pois estão ancorados na cultura política local
97
expressa no perfil dos governos e secretarias municipais, no perfil associativo e nas
experiências de relação entre governo e sociedade.
A afirmação da esfera blica implica não a incorporação da diversidade da
organização social, mas envolve pré-requisitos como: a representatividade e capacidade
de articulação de interesses dos segmentos sociais, a autonomia dos Conselhos em
relação ao poder público e o caráter público das ações dos conselheiros e do conselho, o
que pressupõem a publicização de suas decisões.
A criação e a disseminação dos Conselhos Municipais resultam da emergência,
no Brasil, dos ideais de reforma das instituições de governo local, onde uma busca
pelo aumento da participação direta da sociedade na gestão municipal e a eficiência,
tanto quanto a efetividade das políticas públicas que vêm sendo descentralizadas desde a
segunda metade dos anos 80 (SANTOS JUNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO, 2004, p. 12).
Segundo Dagnino (2002, p. 13), “(...) os anos 90 trazem consigo uma aposta generalizada
na possibilidade de uma atuação conjunta, de 'encontros' entre o Estado e a sociedade
civil”.
Segundo Tatagiba (2002, p. 54) “os conselhos gestores de políticas blicas
são espaços públicos de composição plural e paritária entre Estado e sociedade civil, de
natureza deliberativa, cuja função é formular e controlar a execução das políticas
públicas”. Ou seja, os Conselhos sinalizam a representação de interesses coletivos na
cena política e na definição da agenda pública, apresentando um caráter híbrido, ou seja,
é parte do Estado e parte da sociedade civil. Sua estrutura é legalmente definida e
institucionalizada e sua ação converge em conjunto com o aparato estatal na elaboração
e gestão de políticas sociais.
Nesse sentido, as arenas que têm seu lugar nos Conselhos Municipais, têm sido
verificadas pela intensificação da institucionalização dos mesmos pelos governos locais.
98
Hoje, o Brasil possui uma infinidade de Conselhos, nas mais diversas áreas sociais e
além da difusão dos mesmos, deve-se averiguar a maneira como estes Conselhos vêm
operando como espaços deliberativos nos governos locais.
Dados de Pesquisa realizada pelo IBGE (2001, Perfil dos Municípios Brasileiros),
apontados no quadro abaixo, mostram a dimensão do processo de expansão dos
Conselhos nos municípios brasileiros
26
.
Quadro 1 – Número de Conselhos Municipais por tipo
Tipos de Conselhos Número/Percentual
Saúde 5.426 (97,6%)
Assistência Social 5.178 (93,1%)
Direitos das Crianças e Adolescente 4.306 (77,5%)
Educação 4.072 (73,3%)
Emprego/trabalho 1.886 (33,9%)
Meio Ambiente 1.615 (29,1%)
Turismo 1.226 (22,1%)
Conselho de desenvolvimento econômico 924 (16,6%)
Cultura 734 (13,2%)
Habitação 628 (11,3%)
Política Urbana ou Desenvolvimento Urbano 334 (6,0%)
Transporte 270 (4,9%)
Conselhos de Orçamento 271 (4,9%)
Outros 1.346 (24,19%)
Fonte: IBGE (2003). Pesquisa 2001: Perfil dos Municípios Brasileiros.
O caráter obrigatório destes espaços para a formulação das políticas sociais,
transformou os conselhos gestores em institucionalidades essenciais e indispensáveis
para o repasse de recursos do governo federal aos Estados e Municípios. Nas palavras
26 Segundo dados do IBGE (2005), o total de municípios brasileiros é de 5563.
99
de rtes (2002a, p. 269), “Pela lei, esses fóruns devem participar do estabelecimento de
estratégias, decidir sobre a alocação de recursos financeiros e monitorar a implementação
de políticas”.
Averiguaremos no próximo item, o surgimento dos Conselhos, sua história,
importância no cenário brasileiro, bem como sua natureza, funções e composições.
3.2 - Os Conselhos Municipais: história, surgimento, natureza, composição e
funções
Os Conselhos o são novidade na história, porém, têm adquirido, com o
passar do tempo, novas configurações e sentidos. De acordo com Tótora e Chaia (2004)
a primeira aparição histórica conselhista deu-se após a Revolução Francesa, assim que a
Comuna de Paris organizou o Conselho Revolucionário Municipal. Segundo as autoras
“(...) ao lado da Comuna de Paris, e independente dela, organizaram-se as Sociedades
Populares, cujo objetivo era a discussão política, e não constituir grupos de pressão à
Assembléia Nacional” (p. 194).
Baseadas no estudo de Hannah Arendt
27
, as autoras enfatizam que, as
aparições históricas desses últimos dois séculos, podem ser elucidadas nas seguintes
experiências: a) Comuna de Paris (1871); b) os sovietes da Rússia (1905-1917); c) na
Alemanha (1918-1919); d) na Hungria (1956); e) na Revolução Espanhola e f) nos
conselhos de operários em Turim, na Itália.
Segundo Tótora e Chaia (2004, p. 195), a leitura de Hannah Arendt sobre a
emergência dos conselhos contém duas dimensões de análise: a primeira, no sentido do
agir político, “(...) enquanto experimentação, imprevisibilidade e do seu potencial de
27 Da Revolução, São Paulo: Ática, 1988.
100
criação de uma nova forma política”. A segunda, refere-se a uma nova forma de governo,
a República, dando oportunidade aos cidadãos de participarem das negociações públicas.
Segundo Arendt, a República seria a única forma de governo onde a liberdade poderia de
fato existir.
Para Arendt, segundo a proposta de Tótora e Chaia (2004, p. 197), as
experiências históricas que podem ser retidas a partir dos conselhos são a sua
descontinuidade e seu caráter espontâneo. Historicamente, suas principais características
são,
(...) destaca-se a de serem órgãos de ação política e não correias de
transmissão das decisões tomadas em instâncias centralizadas de poder.
Os Conselhos não se organizavam para ser simples órgãos de execução,
mas como espaço público de ação e discussão. O que os conselhos
almejavam era a criação de espaço onde a liberdade podia se efetivar
através da participação direta dos cidadãos nos assuntos públicos.
Tratava-se, portanto, de uma democracia direta (TÓTORA e CHAIA, 2004,
p. 197).
A partir dos anos 80, os conselhos surgem na cena política brasileira de forma
diferenciada da história a aqui relatada. Visualizam-se através da articulação política
para o gerenciamento das políticas sociais em âmbito municipal, estadual e federal. Os
conselhos também estão inseridos na ordem constitucional da Carta de 1988 e na Lei
Orgânica dos Municípios de 1990, combinado, dessa forma, participação da sociedade
civil organizada com mecanismos de representação política.
Não se pode deixar de mencionar que os conselhos surgem, também,
relacionados aos movimentos sociais, dando um sentido político à participação,
construindo a ponte entre a participação popular, em espaços autônomos, pressionando o
poder político e a conquista de direitos.
A perspectiva da participação de novos atores sociais na efetiva influência das
decisões políticas foi, além de um ajuste econômico estatal, principalmente, uma defesa
das demandas de mobilizações da sociedade em prol de um espaço de reconhecimento
101
nas políticas públicas.
Todo o processo de mudança no cenário da participação não foi gerado
espontaneamente, nem harmoniosamente, mas a partir da revitalização da sociedade do
final da década de 70, trazendo para a discussão o destaque para que novos atores
pudessem limitar e controlar as ações do Estado.
Destacando o surgimento dos Conselhos em nosso país, Gohn (2001) ressalta
que o cenário brasileiro apresenta-se com três tipos de conselhos: a) aqueles criados pelo
poder Executivo (Exemplo: Conselhos Comunitários dos anos 70); b) os conselhos
populares (do fim da década de 70 e início da década de 80) e c) os institucionalizados
(criados a partir das Leis Orgânicas Municipais e Conselhos Gestores setorializados),
sendo estes últimos, nosso principal foco.
Os Conselhos ainda podem distinguir-se pela função de controlar e fiscalizar o
poder público. Exemplos disso são os Conselhos Municipais de Saúde, que passaram a
ser exigência para repasse de recursos e gerenciamento do SUS. De acordo com a Lei
8.080/90: “Os recursos financeiros do Sistema Único de Saúde (SUS), serão depositados
em conta especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob fiscalização do
Conselho de Saúde” (Lei 8.080/90, art. 33).
A importância da participação popular neste espaço pode ser entendida ao
considerarmos a amplitude do atendimento na área de saúde pública e o número de
cidadãos que dependem desse serviço. Segundo Côrtes (2002a, p. 177), um número
significativo de usuários do SUS (principalmente os que recorrem aos casos emergenciais
ou de alta complexidade), mesmo com a expansão da cobertura de planos privados ou
recursos próprios de parcela da população.
Segundo a autora, de 70% a 80% dos procedimentos hospitalares no país e
mais de 90% dos relacionados aos casos de alta complexidade e custo, são financiados
102
com recursos públicos. Diante da importância do SUS e da transferência para os
municípios da provisão dos serviços, o estudo dos Conselhos Municipais é importante
para que se conheça como estão operando estas esferas no sentido da fiscalização dos
recursos.
Tatagiba (2002, p. 48-50) classifica os conselhos de acordo com a proposta do
estudo “Conselhos Municipais e Políticas Sociais” (IBAM, IPEA, Comunidade Solidária,
1997). Com isso, os conselhos são divididos em três tipos: os conselhos de programas;
os conselhos de políticas e os conselhos temáticos.
Os conselhos de programas vinculam-se a programas governamentais
concretos de acesso a bens e serviços. Segundo Tatagiba, (2002, p. 49) “(...) a
participação aqui, em geral, além de acolher a clientela-alvo ou beneficiária, contempla
também as parcerias e sua potência econômica e política”. Os exemplos desses
conselhos são: Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural, de Alimentação,
Escolar, de Habitação, de Emprego, de Distribuição de Alimentos etc.
Os conselhos de políticas o os que estão ligados às políticas públicas “mais
estruturadas ou concretizadas em sistemas nacionais”. São previstos em legislação,
podem ter ou não caráter obrigatório e fazem parte do sistema nacional, sendo portadores
de atribuições legais na formulação, implementação das políticas, planejando e
fiscalizando ações. Como destaca a autora, são conselhos “(...) concebidos como fóruns
públicos de captação de demandas e negociação de interesses específicos dos diversos
grupos sociais e como uma forma de ampliar a participação dos segmentos com menos
acesso ao aparelho de Estado” (TATAGIBA, 2002, p. 49). São exemplos desse tipo de
conselho: Conselhos de Saúde, de Assistência Social, de Educação e Direitos da Criança
e do Adolescente. Tatagiba ainda destaca que trata-se de conselhos que visam a
universalização e garantia dos direitos referidos, zelando por sua vigência, formulação
103
das políticas e sua execução.
Os conselhos temáticos não têm nenhuma vinculação ou com um sistema ou
legislação nacional. Em sua maioria, existem na esfera municipal, segundo iniciativa do
poder local ou estadual. São vinculados a idéias ou movimentos temáticos em geral,
acolhendo seu tema para a agenda. Os exemplos desse tipo de conselho são: os de
Direito da Mulher, de Cultura, de Esportes, de Transportes, de Patrimônio Cultural, de
Urbanismo.
Sendo nossa preocupação central neste trabalho os conselhos de políticas,
ainda na tentativa de caracterização dos conselhos gestores, Tatagiba (2002, p. 53-55)
diferencia os mesmos de outros modelos existentes: os comunitários, os populares e os
de administração.
A autora ressalta que são espaços inéditos, pois, sendo “(...) diferenciados de
outras experiências de conselhos (...) são espaços públicos com composição plural e
paritária” (TATAGIBA, 2002, p. 54). Supondo que a paridade é uma compatibilidade com
a deliberação, o grande desafio dos conselhos é construir mecanismos que permitam aos
diferentes segmentos e atores envolvidos expressar e sustentar publicamente sua
diferença no processo deliberativo.
Outra característica importante encontra-se no processo dialógico enquanto
instrumento de resolução de conflitos, que segundo a autora são próprios à diversidade
de interesses. Dessa maneira, práticas como o clientelismo, troca de favores e cooptação
seriam uma contraposição desse processo, daí a importância da publicidade como
elemento diferenciador dos conselhos na construção de acordos.
Os conselhos gestores são instâncias deliberativas, abrangentes e
permanentes, com competência legal para a formulação e fiscalização de políticas. As
atribuições dos conselhos não são restritas à formulação de sugestões ou o
104
encaminhamento de demandas, mas, segundo SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO,
(...) a deliberação das diretrizes das políticas temáticas, a aprovação da
normatização e da regulação das ações do governo, e a aprovação da
proposta orçamentária, e incidem, portanto, na definição de
macroproriedades e na formulação de políticas públicas regulatórias (2004,
p. 23).
Segundo Tatagiba (2002, p. 55) há nos conselhos, uma característica
essencial, que aponta no sentido da democratização da gestão política. Nas palavras da
autora, “a competência legal de deliberar sobre as políticas públicas é a principal força
dos conselhos enquanto espaços potencialmente capazes de induzir à reforma
democrática do Estado”.
É importante lembrar que os espaços concedidos aos conselhos m caráter
semi-representativo, geralmente com mandatos sociais não remunerados. São canais que
prevêem a participação de cunho voluntário e não contemplam a eleição direta, em
sufrágio universal, dos seus integrantes. Seus representantes não são remunerados
Os conselhos são portadores de autonomia ou semi-autonomia em relação ao
governo, segundo SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO (2004, p. 24). Para os
autores, apesar da vinculação com os órgãos públicos, os conselhos têm autonomia em
suas atribuições, definindo regras e dinâmicas de funcionamento. Isso os torna
ambivalentes e uma forma particular do controle público não-estatal. São instituições
“híbridas” (parte do Estado e parte da sociedade).
Ainda segundo os autores, os conselhos são movidos por quatro princípios
importantes: a) a representatividade das instituições do Poder Executivo (democracia
representativa); b) o compromisso político do governo com essas esferas públicas, do
qual depende o cumprimento das decisões tomadas em seu interior; c) a organização da
sociedade em associações civis (representação direta) e d) a representatividade e
autonomia das organizações sociais em relação ao governo (SANTOS JÚNIOR,
105
AZEVEDO e RIBEIRO, 2004, p, 25).
De acordo com Boschi (1999), em sua sintetização do que corresponda aos
conselhos e da qual compartilhamos, insere-se na idéia de que
Os Conselhos tendem a ser percebidos como instrumentos importantes
para a promoção da descentralização administrativa, a ampliação da
participação popular no processo decisório e a introdução de maior eficácia
na implementação das políticas públicas. Sua função deliberativa ou
consultiva, sua composição interna e seu grau de flexibilidade para
incorporar novas representações coletivas, sugerem, no entanto, maiores
ou menores chances de esses objetivos serem alcançados (p.11).
3.3 – A participação: quem são os participantes dos conselhos gestores
Sendo os Conselhos produtos de diferenciadas experiências práticas e objeto
de pesquisas na área de Ciências Sociais, representam a expressão de uma nova
institucionalidade, provindos essencialmente do processo constituinte brasileiro pós-
ditadura militar, e, fazem parte da descentralização das políticas públicas, onde, Estados
e Municípios tem a responsabilidade na decisão das políticas sociais.
Diversos estudos debruçaram-se sobre o retrato da participação nos Conselhos
gestores. Dentre eles, destacamos o estudo de Santos Júnior, Ribeiro e Azevedo (2004)
que avalia sistematicamente estes espaços, no que se refere à participação.
Segundo os dados da pesquisa realizada pelos autores
28
, a participação nos
conselhos retrata uma relativa uniformidade no perfil dos conselheiros, diferente da
heterogeneidade da sociedade brasileira. Há uma grande diversidade de segmentos
(instituições do governo, patronais, sindicais, sociedade civil e usuários) e a
representação social está ligada aos segmentos com maior capacidade de organização e
28 A pesquisa dos autores fez parte do Projeto: Metrópoles, Desigualdades Socioespaciais e Governança Urbana,
coordenado pelo IPPUR/UFRJ, FASE, PUC/BH e PUC/SP, através do Programa de Apoio aos Núcleos de Excelência
(PRONEX). Os autores realizaram as pesquisas sobre os conselhos em diferentes cidades e Estados: Região
metropolitana do Rio de Janeiro (RM's), Belo Horizonte, São Paulo, Recife e Belém, e posteriormente em Curitiba e
Porto Alegre.
106
presença na vida pública.
Dados apresentados no estudo de Coelho (2004, p. 260), confirmam, que, nos
Conselhos de Saúde
29
de São Paulo, a participação “(...) está tomando corpo em um
grupo de “novos incluídos” - “os excluídos organizados” - que chegam a essa situação,
sobretudo, através dos vínculos que já mantinham com os atores estatais”.
A escolaridade dos conselheiros é apresentada com dia geral de conclusão
do ensino médio e também de curso superior e pós-graduação. Os autores destacam que,
quanto à sociedade civil, os índices educacionais são mais baixos do que os dos
conselheiros governamentais. Esse dado estende-se ao quesito renda. O rendimento
médio dos conselheiros encontra-se acima de cinco salários mínimos, sendo superior ao
da população brasileira.
Outro dado importante é a cultura cívica e associativa dos conselheiros,
refletidas na filiação partidária. O índice é alto com relação à filiação dos conselheiros, se
comparados à média da população brasileira. Trata-se de um grupo de cidadãos
informados sobre assuntos gerais (jornais), o engajados politicamente, pois seu
associativismo liga-se à capacitação técnica e política com atividades como seminários,
cursos, oficinas, etc.
Dados com relação à escolaridade, renda, engajamento político e
associativismo de conselheiros apontados pela literatura sobre o assunto, destacam que
esses perfis diferem dos dados populacionais brasileiros (POZ e PINHEIRO, 1998;
PERISSINOTO, 2002; COELHO, 2004, SANTOS, 2004; SANTOS JÚNIOR, AZEVEDO e
RIBEIRO, 2004; TONELLA, 2006). Com base em dados do IBGE em cinco capitais
brasileiras, os conselhos estudados por Fuks, Perissinoto e Ribeiro (2003, p. 128),
29 Os dados apresentados na pesquisa da autora são provindos de Conselhos Municipais de Saúde localizados na Zona
Leste de São Paulo: Moóca, Vila Formosa, Sapopemba e São Mateus.
107
apresentam-se como verdadeiras “comunidades cívicas”.
Ainda, de acordo com os autores, os dados levantados com relação ao perfil
dos conselheiros apontam que “nesses conselhos encontra-se um grupo com
características que indicam terem os seus membros um perfil de elite” (FUKS,
PERISSINOTO e RIBEIRO, 2003, p. 127).
Na mesma linha argumentativa, segue o trabalho de Santos nior, Ribeiro e
Azevedo (2004, p. 28). Os autores afirmam que, apesar de tratar-se [os conselheiros] de
uma “elite social”, não assume o pressuposto do argumento elitista que versa sobre a
incapacidade da população (massas) e a superioridade das elites políticas. A estrutura
presente nos atuais conselhos mostra o reflexo de nossa estrutura social, onde os
extratos médios da população mostram a carência e desigualdade existente em nossa
sociedade.
Incentivos à associação cívica e investimentos no modelo participativo, podem
superar o problema da falta de representação social nos conselhos gestores. Para Gohn
(2004, p. 61), a inserção de diferentes setores (grupos sociais e indivíduos) torna-se
primordial para a democracia participativa.
A inclusão da diversidade de segmentos sociais nas arenas dos conselhos,
garante a pluralidade democrática, mesmo levando-se em consideração que se trata
também de um desafio para a dinâmica destes espaços institucionais. Esta dimensão é
tratada por Santos (2004, p. 139) quando analisa a tensão existente no formato
participativo dos conselhos. Segundo o autor, seu formato é vulnerável à apresentação de
demandas e encontra-se voltado para a luta pela obtenção de bens que visam à garantia
de direitos que possuem uma dimensão normativa ou ideológica, com a atração de
movimentos neocorporativos.
108
Segundo o estudo de Santos (2004, p. 131-160), o aperfeiçoamento da
representação social nos conselhos é permeado por limites quanto à dimensão
institucional da participação, mas pode haver superação dos mesmos quando o
conselheiro, por meio de sua base social, aproxima-se da sociedade, tem capacidade de
mobilização e proposição, divulgando as ações e descentralizando suas atividades
Mesmo tratando-se de uma “elite social” que participa dos conselhos, a isso
não significa dizer que existe uma homogeneidade entre os segmentos ali representados
no que tange à cultura política. Fuks, Perissinoto e Ribeiro (2003) ressaltam a importância
de se atentar para as diferenças entre os segmentos em relação à cultura política e as
consequências de uma distribuição de recursos desigual para a participação política nos
conselhos. Como destacam os autores,
(...) observamos que o grupo analisado já é, em si, a expressão de uma
certa desigualdade no interior da sociedade brasileira no que diz respeito à
posse de recursos de cultura política, e portanto, de incentivos de ativismo
político (...) Constatamos que, embora dispersas, as desigualdades
existem (2003, p. 143).
Os grupos que fazem parte dos segmentos dos conselhos gestores
relacionam-se numa arena de conflitos, que a investigação política o precede, e, dessa
maneira, é importante considerar a distribuição da cultura política entre os segmentos
conselhistas. De acordo com o estudo de Fuks, Perissinoto e Ribeiro (2003, p. 143), as
diferenças existentes entre os segmentos devem ser consideradas ao analisarmos o
processo decisório nos conselhos e a influência que exercem no debate, fiscalização e
formulação das políticas sociais. Segundo os autores, é necessária a consideração da
“(...) cultura política como um recurso desigualmente distribuído entre os grupos que
compõem as comunidades analisadas e que, portanto, pode ser uma das bases da
desigualdade política”.
109
O estudo de Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004) também confirma a
existência de uma cultura política arraigada no espaço dos conselhos e a diferenciação
existente entre essas parcelas e a população brasileira em geral, bem como sua
diversidade de representação. Os autores enfatizam que,
Não obstante essa diversidade, a representação social nos conselhos
municipais se mostra limitada aos segmentos sociais com capacidades de
organização e presença na cena pública, constituídos por aqueles com
maior renda e maior escolaridade. Não é de estranhar tal fato, uma vez
que a vida cívica nas metrópoles brasileiras ainda é marcada pela maior
presença destes segmentos nas formas associativas, enquanto amplas
parcelas da população vivem em um quadro de apatia política. (Santos
Júnior, Azevedo e Ribeiro, 2004, p. 27).
No próximo item, faremos um balanço da bibliografia que versa sobre a
participação nos conselhos e destacaremos as principais potencialidades, desafios e
limites presentes nesses espaços institucionais.
3.4 – Limites e possibilidades dos Conselhos: o retrato participativo
Com a introdução de novos espaços de deliberação pública no Brasil, não
podemos deixar de destacar que, o estudo das possibilidades democratizantes dos
mesmos, deve atentar para as condições locais de influenciar essa dinâmica. Segundo
Santos Júnior, Ribeiro e Azevedo,
Dito de outra forma, se a institucionalidade democrática refere-se
fundamentalmente ao sistema legal no plano nacional, o exercício efetivo
da cidadania política encontra-se, em grande medida, atrelado à dinâmica
democrática local (SANTOS JUNIOR, RIBEIRO e AZEVEDO, 2004, p. 16).
Cumpre saber se os novos espaços participativos e de debates públicos
implantados no nível municipal, vêm propiciando um padrão novo de interação entre
governo/sociedade e superando sua função gerencial das políticas públicas, quando
pensadas: seu papel descentralizador e o ajuste fiscal. Passados alguns anos destas
110
experiências, muitas análises podem mostrar os limites e possibilidades destes arranjos
para o aperfeiçoamento democrático.
Os Conselhos não são constituídos como órgãos autônomos do poder instituído,
mas como um projeto de modernização do Estado e da política tradicional, fazendo parte
de um contexto de redução das políticas públicas e escassez de financiamento.
Apesar de a existência dos conselhos indicar avanços na luta pela
democratização das políticas sociais e, principalmente, nos processos decisórios, muitos
estudos têm demonstrado a persistência da centralidade e do protagonismo estatal na
elaboração das prioridades de pauta e definição das políticas públicas.
Segundo Tótora e Chaia (2004), o fato de os conselhos canalizarem suas
forças, menos para a promoção de políticas sociais, e mais para a legitimação da ordem
vigente, seria uma explicação para os limites da atuação destes espaços. Apesar das
virtudes da descentralização, os conselhos fazem parte de uma hierarquia administrativa,
onde o governo monopoliza, tanto recursos, como o aparelho burocrático.
Com isso, cabe assinalar o que alguns trabalhos apontam sobre as
limitações dos Conselhos: parte dos segmentos sociais não tem sua agenda de
demandas representada nessas arenas; a abertura da participação não parte de um
projeto local, mas sim, como impulsionada pelo governo federal, vinculado às políticas
públicas de descentralização; a capacidade decisória nos Conselhos Municipais, as
desigualdades econômicas e sociais entre municípios e o processo burocrático em sua
institucionalização (DAGNINO, 2002; GOHN, 2001; SANTOS JUNIOR, AZEVEDO e
RIBEIRO, 2004; TATAGIBA, 2002).
O estudo de Tatagiba (2002), buscando compreender até onde se pode falar
em constituição de novas tendências na produção de políticas públicas no Brasil, a partir
111
de uma análise comparada da bibliografia secundária a respeito dos conselhos gestores
(pesquisas nas áreas de: saúde, assistência social e defesa dos direitos da criança e do
adolescente), demonstra os principais obstáculos percorridos e encontrados na literatura
sobre o assunto.
Dentre os motivos que bloqueiam os conselhos de assumir efetivamente seu
papel enquanto política pública com atribuições legais, há a expressão de diferentes
formas que dependem da cultura política ou do contexto e conjuntura local.
A principal característica que torna os conselhos uma experiência inovadora é
a de que os mesmos são arranjos participativos e espaços públicos com composição
paritária e plural.
Tatagiba (2002) ressalta que, a paridade, na prática, é uma realidade
consistente nestas arenas, tratando-se de aspecto obrigatório. Porém, a autora destaca
que, a igualdade numérica da composição nos conselhos não corresponde a algo
suficiente para a deliberação de políticas sociais e para a simetria entre Estado e
sociedade civil, uma vez que, algumas variáveis interferem nesse processo, tais como:
“(...) a) a dificuldade dos atores, tanto governamentais quanto não-governamentais, em
lidar com a pluralidade; b) a relação conselheiro-entidade; e c) a qualificação dos
conselheiros para o exercício de suas funções” (TATAGIBA, 2002, p. 57).
A autora afirma que, o equilíbrio nas relações de interesses dos segmentos
presentes nos conselhos deve ser construído no cotidiano das práticas e articulações
internas no interior dos conselhos. A existência de uma diversidade interna abre a
possibilidade de ltiplas clivagens e articulações no desenvolvimento dos processos
deliberativos.
Santos (2004, p . 134) ressalta que uma das questões de grande importância
112
nos conselhos é a escolha das organizações participantes, uma vez que estes não se
propõem a ser espaços estritamente de representação de interesses corporativos, não
devendo por isso, absorver somente um conjunto de representações (como sindicais, ou
patronais), mas uma diversidade de organizações, promovendo, dessa forma, uma maior
interação e equilíbrio na participação.
Com isso, à heterogeneidade de interesses presentes na participação
conselhista de ambos os atores (governamentais ou não-governamentais), a paridade
deve relacionar-se “(...) não apenas ao reconhecimento da legitimidade da representação
do 'outro', mas também à capacidade de estabelecer com ele acordos contingentes em
torno de demandas específicas” (TATAGIBA, 2002, p. 59).
Outro importante destaque de Tatagiba é a “função pedagógica” dos conselhos
gestores. Nesse aspecto a autora destaca, tanto os limites apresentados aos conselhos,
quanto os caminhos que permeiam a cidadania e a novas formas democráticas. Nas
palavras da autora,
Os conselhos, a despeito de suas limitações, assumem hoje no Brasil uma
importante “função pedagógica” no sentido da construção da cidadania e
da reinvenção dos padrões de convivência democrática. Em vários
estudos, essa “função pedagógica” foi destacada, apontando para um
renovado campo de expectativas acerca dos resultados do envolvimento
institucional” (TATAGIBA, 2002, p. 63).
Destacando a relação existente entre os conselheiros e suas entidades
representativas, a análise da literatura demonstra um frágil vínculo entre os
representantes governamentais e seus órgãos. De acordo com Tatagiba (2002, p. 63),
“Os conselheiros governamentais tendem a defender nos conselhos suas próprias
opiniões e não as propostas e posicionamentos resultantes da discussão com as
agências estatais envolvidas”.
Quanto à representação não-governamental, não houve grande diferenças com
relação ao destaque acima. A constatação também indica a fragilidade de nculos entre
113
os conselheiros e suas entidades representativas. A autora demonstra que
(...) as entidades, movimentos e ONG's indicam ou elegem seus
representantes e então tendem a se afastar do cotidiano dos conselhos.
Com isso, os conselheiros acabam emitindo sua própria opinião sobre
determinado tema, resultando de seu acúmulo pessoal ou da sua adesão à
proposta defendidas no calor do debate” (TATAGIBA, 2002, p. 66).
A respeito da relação dos conselheiros com suas entidades, Santos (2004)
destaca que a participação abre um leque de possibilidades e estas se consolidam
com a interlocução entre as respectivas bases. De acordo com o autor,
Se por um lado, o formato da participação institucional pode favorecer a
ampliação de práticas democráticas, estimulando a participação social, por
outro, para cumprir esse papel, dependerá da capacidade de as
organizações sociais representarem interesses sociais amplos (SANTOS,
2004, p. 155-156).
Perissinoto (2002, p. 175), ainda ressalta a importância da legitimidade das
“bases”. O autor demonstra que, o que legitima a representação são as bases do
movimento, que devem escolher seus representantes e estes, por sua vez, “serão os
responsáveis por seus atos políticos”.
Tatagiba (2002, p. 67) também destaca os conselhos, enquanto criadores de
uma rede de solidariedade e de mobilização social ao redor de temas específicos, com
diferenciadas estratégias comunicativas. Isso permite uma maior interação entre o público
e os conselheiros. Artifícios como a internet, intensificaram a comunicação e informações
prestadas à sociedade. As conferências e eventos também estariam nesse patamar,
contribuindo para que não se perpetue o isolamento político e sim haja o seu rompimento.
O aspecto destacado acima, também fez parte do universo analisado por
Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004). Os autores evidenciam que, a experiência dos
conselheiros
(...) incentiva práticas sociais propícias à instauração de relações
baseadas na racionalidade comunicativa prevista por Habermas (...)
capazes de gerar os entendimentos necessários à formação democrática
114
da vontade e à legitimação do exercício do poder
político (SANTOS
JÚNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO, 2004, p. 48).
Para Tatagiba (2002, p. 68), a questão da representatividade nos Conselhos
apresenta também um foco paradoxal. Ao discutir a representatividade dos conselheiros,
a autora procura registrar que se torna muito difícil hoje, “(...) mesmo para o mais bem
intencionado dos governos, ou para a mais participativa das comunidades, fazer-se
representar de forma qualificada nos conselhos hoje em funcionamento”.
A afirmação de Tatagiba (2002) atenta para o fato da sobrecarga de trabalho
remetida aos conselheiros. Na medida em que muitas entidades e órgãos representativos
se fazem presentes em diversos conselhos ao mesmo tempo, os problemas decorrentes
dessa “explosão dos espaços participativos” podem transparecer na participação.
Segundo propõe a literatura, nas palavras da autora,
Analisando os problemas decorrentes dessa explosão dos espaços
participativos, alguns estudos caminham no sentido de propor que as
entidades, os movimentos e as ONG's façam uma análise de
custo/benefício e escolham os conselhos em que vale a pena participar,
priorizando os espaços que ofereçam maiores potencialidades de
transformação das agências estatais via produção de políticas.
(TATAGIBA, 2002, p. 68).
Tonella (2006, p. 112), ao analisar os Conselhos Gestores do Paraná (em seis
municípios da região de Maringá
30
), observa que, nos conselhos estudados, em especial
os de menor população, há situações de dupla, tripla e até quádrupla representação. Nas
palavras da autora,
(...) Cada área de política social estabelece na legislação específica um
número determinado de conselheiros, sem que sejam discutidos, no
conjunto, se a sociedade local conta de absorver e fornecer quadros
para uma participação de qualidade (TONELLA, 2006, p. 112).
Ainda, sobre a questão da super-representação nos conselhos, a autora
destaca que diferenças significativas no que se refere à participação do setor
30 Os municípios estudados por Tonella foram: Maringá, Sarandi, Paiçandu, Marialva, Mandaguari e Mandaguaçu.
115
governamental e do não-governamental,
Participar das reuniões de conselho se configura em apenas mais uma
atividade do funcionário público e as reuniões ocorrem muitas vezes em
seu horário de expediente. Para os representantes das entidades, a
participação é voluntária e implica muitas vezes em um esforço extra em
termos de tempo e de deslocamento. A sobrecarga de atividades parecer
ser uma das responsáveis pela rotatividade de conselheiros (TONELLA,
2006, p. 113).
Nogueira (2004, p. 155), ao discutir os problemas da gestão participativa, indica
que os obstáculos e dificuldades são existentes no contexto da participação de novos
atores e destes com relação à questão da representação nos espaços deliberativos.
O autor destaca que o participante, essencialmente aquele que representa a
sociedade civil, deve arcar com os “custos da participação”. Nogueira (2004, p. 155)
enfatiza que, “(...) no mundo moderno, a participação resulta de uma complicada
operação pedagógica, política e ideológica. Aquele que participa não o faz sem ônus, sem
algum “sacrifício”. Quando esse ônus cresce demais, a participação reflui”.
Um outro aspecto importante para o andamento do processo decisório é a
qualificação dos conselheiros, que, segundo Tatagiba, a ausência de qualificação torna-se
um empecilho à relação Estado e sociedade, quando o questionamento gira em torno da
dificuldade de se estabelecer um diálogo profícuo entre todos os segmentos
representantes do conselho. A qualificação dos conselheiros torna-se, dessa forma, a
solução para a diminuição do problema do desconhecimento técnico. A autora afirma,
Os conselhos gestores são arranjos institucionais inovadores, dentre
outros motivos, por permitir que setores tradicionalmente excluídos
possam influenciar no processo de produção das políticas públicas. As
regras de composição dos conselhos visam justamente cumprir essa
expectativa. Contudo, esse procedimento não é capaz de assegurar que
esses setores ocupem de forma eficaz esse espaço e neles realizem os
seus interesses. O grande desafio presente nas experiências participativas
é construir mecanismos capazes de minorar os efeitos das desigualdades
sociais no interior dos processos deliberativos, de forma a permitir que a
construção dos acordos não esteja sujeita à influência de fatores
endógenos como o poder, a riqueza ou as desigualdades sociais pré-
116
existentes (TATAGIBA, 2002, p. 71).
O estudo de Fuks (2002, p. 266), demonstra igualmente a importância da
qualificação dos conselheiros para uma melhoria na apreensão do conhecimento técnico-
científico. Embora a qualificação seja um grande obstáculo dos conselhos, ela estimula os
grupos da sociedade civil a valorizá-la e qualificar-se, melhorando o perfil desses
conselheiros, portando-os de mecanismos de maior e melhor intervenção nas políticas
públicas.
Gohn (2001), ao construir o panorama dos conselhos, e especificamente o
caso brasileiro, indica como uma das principais necessidades e lacunas presentes em seu
modelo, a falta de qualificação dos conselheiros. A autora destaca que a falta de
qualificação dos conselheiros esbarra em problemas da “(...) existência de concepções
oportunistas, que não se baseiam em postulados democráticos e vêem os conselhos
apenas como instrumentos/ferramentas para operacionalizar objetivos predefinidos...” (p.
90). Nesse sentido, a qualificação dos conselheiros torna-se arma de fundamental defesa
destes.
A inovação dos conselhos, segundo Tatagiba, encontra-se presente na medida
em que estes espaços públicos consagraram-se como dialógicos. Porém, empecilhos
que tem limitado a fala e excluem alguns assuntos das discussões do conselho. De
acordo com o levantamento da literatura, a autora identificou haver alguns elementos que
favorecem essa limitação, e entre eles “(...) a definição de assuntos pertinentes ou
relevantes, o controle dos executivos sobre a agenda temática dos conselhos e a recusa
do Estado em partilhar o poder de decisão” (TATAGIBA, 2002, p. 77).
Segundo a análise de Tatagiba (2002, p. 77), o primeiro obstáculo é a definição
dos assuntos para as discussões e a agenda temática dos conselhos, que, muitas vezes,
117
é remetida ao controle do Executivo. Esse entrave torna o processo decisório centralizado
e sem a função dialógica enquanto espaço público. Isso se dá, devido a existência, em
vários conselhos analisados, de o regimento interno assegurar ao presidente do conselho
a prerrogativa da elaboração da pauta de discussões. alguns casos em que a mesa
diretora do conselho é composta de maneira paritária entre os segmentos por meio de
votação entre o plenário, e dessa forma, a pauta detém maior clareza e discussão. O
Conselho Municipal de Saúde de Araraquara, objeto de nossa pesquisa, no período de
2001 a 2006, seguiu o modelo regimental que dava ao presidente do Conselho a
prerrogativa sobre as pautas. A partir de 2006, um novo regimento informando a
paridade na mesa diretora do Conselho.
Uma segunda lacuna presente nos encontros entre Estado e sociedade civil, é
a recusa do Estado em partilhar o poder diante do processo decisório. Segundo Tatagiba
(2002, p. 79), “(...) os governos têm resistido de forma mais ou menos acentuada
dependendo da natureza do governo e do seu projeto político às novas formas de
fiscalização, controle e participação da sociedade civil no processo de produção de
políticas públicas”.
Esse fato compromete a efetivação da participação da sociedade civil nos
conselhos porque limita a inclusão de assuntos que contemplem o interesse e as
necessidades da maioria da população, transformando os conselhos em meros canais de
homologação de assuntos do interesse do governo. Tatagiba destaca,
A relação entre Estado e sociedade civil nos conselhos se dá num contexto
permeado de referências autoritárias. O enorme poder de controle dos
governos sobre os conselhos coloca muitas dúvidas acerca das reais
condições de estes virem a exercer sua vocação deliberativa que costuma
depender da importância que o projeto político do governo em cada caso
específico, confere ao princípio da participação social (TATAGIBA, 2002, p.
88).
118
Medida importante, que pode auxiliar as entidades sociais com relação aos
assuntos tratados nos conselhos são as atas das reuniões. Elas podem ser importantes
aliadas, que muitos dos conselheiros podem ter dificuldades em acompanhar os
assuntos discutidos e apresentados.
Com relação às atas das reuniões, alguns limites podem ser observados. De
acordo com Perissinoto (2004), o maior deles reside no fato de que as atas são registros
filtrados das discussões que ocorreram nas plenárias. Nem sempre todos os
argumentos e todos os dados importantes podem ser encontrados. De qualquer forma,
as atas das reuniões permitem captar o “conselho em ação”, podendo ser importante
recurso nos processos decisórios.
Ao analisar os fóruns participatórios no Brasil, Côrtes (2005) destaca que
uma literatura cética sobre o assunto
31
. O ceticismo dessa bibliografia é fundamentado na
desconfiança sobre a capacidade dos fóruns participativos e às propostas de democracia
participativa. De acordo com essa literatura, uma impossibilidade de estes espaços
terem a capacidade de democratizar o sistema político através da inclusão das demandas
dos setores sociais mais frágeis social e economicamente. Segundo Côrtes,
Para estes autores, tendo em vista o caráter da vida cívica e o desenho
institucional dos fóruns e das áreas de política pública nas quais elas se
encontram, seriam limitadas as possibilidades de competição universal por
participação ou de evitar a captura do processo de decisão por atores com
maiores recursos de poder (CÔRTES, 2005, p. 18).
Para Côrtes (2005, p. 18), a colaboração desses estudos para a análise dos
fóruns participativos, estaria no fato de alertar para a questão de que eles não produzem
necessariamente formas mais democráticas de relação entre Estado e sociedade.
31 A autora analisa as obras de Theda Skocpol e Fiorina Morris. As obras analisadas são: FIORINA, Morris. A dark
side of civic engagement. In: Theda Skocpol e Morris P. Fiorina (orgs.) Civic Engagement in American democracy.
Washington, Brookings/Sage. p. 395-425, 1999 e SKOCPOL, Theda. Advocates without members: The recent
transformation of American civic life. In: Theda Skocpol e Morris P. Fiorina (orgs.). Civic Engagement in American
democracy. Washington, Brookings/Sage. p. 461-509, 1999. No Brasil, a autora analisa o trabalho de Pinto (2004).
119
Segundo a literatura, esses fóruns não oferecem oportunidades universais de participação
aos cidadãos e as agendas e dinâmicas de funcionamento dos mesmos estariam
controladas principalmente por representantes governamentais, por profissionais ou por
grupos sociais, política e economicamente fortes. Essa literatura demonstra o que
diversos estudos de caso têm apontado, especialmente com relação aos conselhos
gestores de políticas públicas.
Mesmo tendo sido apontados os diversos entraves e problemas associados
aos conselhos, em especial o controle dos governos, Tatagiba (2002, p. 88) destaca que
alguns estudos vêm apontando os “resultados pedagógicos” da participação e dos seus
efeitos na construção de novos sujeitos políticos, contrariando o padrão de referências
autoritárias e ressaltando uma tendência, ainda possuidora de fragilidades, de
democratização das relações sociais e políticas no Brasil.
Essa participação tem levado a questionamentos sobre a tradição política entre
nós. Segundo Tatagiba (2002, p. 88), houve maior exigência de transparência,
publicização das ações do Estado, de suas contas, apresentação de critérios de acordos
estabelecidos e a sociedade tem exigido e construído relações mais simétricas, rompendo
com a tradição de passividade, cumplicidade e desmando. Assim, os conselhos
apresentam-se como espaços geradores de aprendizados de convivência democrática
por parte do Estado e da sociedade.
A pesquisa de Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004) em conselhos de
importantes cidades brasileiras corrobora, de certa forma, a análise de Tatagiba quanto
ao aprendizado político nestas arenas e a possibilidade de mudança na relação
Estado/sociedade. De acordo com os autores,
Na prática, a dinâmica dos conselhos tem propiciado moleculares mas
importantes aprendizados da alteridade, elemento fundamental para que
os conflitos de interesses e de demandas possam ser gerenciados de
120
forma democrática e ao mesmo tempo racional (...) Não podemos deixar
de perceber os ganhos pedagógicos obtidos, dos agentes do poder público
e das tradicionais elites políticas com contato direto, sistemático e
institucionalizado com os representantes dos grupos populares e de sua
demandas (SANTOS JUNIOR, AZEVEDO e RIBEIRO, 2004, p. 48).
Segundo os autores, a análise da dinâmica presente nos conselhos estudados,
confirma os “ganhos pedagógicos” da experiência participativa. Conforme registros de
Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004):
Pudemos perceber esta pedagogia em prática em decisões de
credenciamento ou descredenciamento de convênios com o setor privado
e entidades sem fins lucrativos; definição de regras normativas para os
serviços públicos; definição de prioridades de investimento. Ou, ainda, na
enorme legitimidade hoje encontrada nos municípios dos discursos
denunciadores das práticas de desvios dos recursos oriundos dos fundos
federais, seja pelo desvio para outros setores de intervenção da
Prefeitura, seja pelas práticas do clientelismo ou simplesmente pela
corrupção” (p. 49).
Tanto no campo teórico, quanto no prático, a questão da natureza deliberativa
dos conselhos tem estado presente na discussão, sempre permeado por muita
controvérsia. Em alguns casos, um conselho bem sucedido pode não ter sua ação
deliberativa relacionada à deliberação (induzindo o Estado à ação), mas ao controle social
do Estado (no sentido de fiscalização, impedindo o Estado de transgredir regras)ou a
“uma eficiente vocalização de demandas” (Tatagiba, 2002, p. 91).
As motivações, em geral, para a natureza das deliberações nos conselhos, são
permeadas pelas diversas constatações da literatura sobre o tema da dinâmica de
funcionamento dos conselhos: centralidade estatal na elaboração das pautas, ausência
de capacitação dos conselheiros, problemas com a representatividade, dificuldade em
lidar com a pluralidade de interesses, manutenção de padrões clientelistas na relação
Estado/Sociedade, recusa o Estado em partilhar o poder, etc. Indo além destes motivos, a
bibliografia vincula a fragilidade deliberativa dos conselhos à sua ambígua inserção no
conjunto da burocracia estatal e à questão da existência e efetividade dos fundos.
pouca clareza com relação à divisão de funções entre os conselhos e as
121
instituições administrativas e burocráticas quanto à definição, execução e
acompanhamento das políticas públicas na legislação vigente. De acordo com Tatagiba,
(...) na ausência desse marco legal – e da natureza ambígua da expressão
formular políticas públicas essa divisão das funções acaba ocorrendo a
partir dos acordos possíveis de serem estabelecidos em cada contexto
específico e em cada conjuntura particular, variando à medida que se
altera o jogo de correlações de forças entre os participantes (TATAGIBA,
2002, p. 96).
A partir desse cenário, o grande risco para o sucesso dessas experiências
participativas é o posicionamento marginal dos conselhos na estrutura de poder estatal,
com efeito democratizante baixo ou mínimo sobre as instituições do Estado.
A incerteza com relação às verdadeiras funções e poderes deliberativos dos
conselhos é um dos fatores que, segundo o estudo de Coelho (2004, p. 262), limitam sua
ação. Ao analisar os conselhos de saúde do município de São Paulo a autora demonstra
que “o espaço político reservado aos conselhos é ainda bastante incipiente”. Segundo a
autora,
Não se trata de esperar que as posições dos conselhos prevaleçam sobre
as do secretário ou da prefeita, mas de reconhecer que, mesmo sendo
consultados sobre importantes decisões referentes à política de saúde do
município, contam com poucos recursos políticos para vocalizar suas
posições quanto a essas questões (COELHO, 2004, p. 262).
Ainda, à fragilidade dos conselhos, não se pode deixar de destacar a questão
da gestão e controle dos fundos. Na literatura um consenso sobre a grande resistência
dos governos, especialmente os municipais, em instituir mecanismos mais transparentes
e democráticos de financiamentos e repasse de recursos. Com isso, “(...) as
acomodações políticas, as trocas eleitoreiras e a corrupção continuam imperando como
matriz que orienta a destinação das verbas públicas, em acordos na maioria dos casos
não-publicizáveis”. Portanto, os fundos, com sua exigência de publicização, chocam-se
com uma cultura política marcada pela apropriação privadas dos bens públicos.
122
(TATAGIBA, 2002, p. 97).
Um ponto em comum na bibliografia diz respeito às características das áreas
de políticas sociais. Segundo Côrtes (2002a, p. 190-191), em seu estudo sobre os
Conselhos de Saúde e Assistência Social de Porto Alegre, a dinâmica de funcionamento
destes é influenciada pelas características institucionais de cada área, ou seja, elas
definem o modo de organização e financiamento dos serviços.
De acordo com os dados de sua pesquisa, o Conselho Municipal de
Assistência Social de Porto Alegre: “(...) sua principal função tem sido cartorial e
administrativa, concedendo e cassando registros, definindo critérios e classificando
entidades para orientar o repasse de recursos públicos a prestadores de serviços
privados” (CÔRTES, 2002a, p. 191).
Com relação a programas, projetos e ações, na Assistência Social, a
presença de projetos e programas específicos, enquanto que, na Saúde, há tabelas
fixadas nacionalmente e, assim que fixadas, elas fazem parte da rotina administrativa da
Secretaria Municipal de Saúde, responsável por tratar da relação com prestadores
contratados.
A história do conselho de saúde é fruto da luta política existente no setor.
Surge, então, como órgão institucionalizado que teve origem em articulação das forças
sociais dos usuários e o aprofundamento do processo de reforma na saúde.
O caso do conselho de Assistência social, se diferencia da saúde, na medida
em que tal conselho trata-se de uma medida nova, não existente ainda, portanto, insere-
se num cenário de pouca tradição político-participativa dos usuários.
Procuramos privilegiar neste capítulo, algumas informações e generalizações a
respeito dos conselhos gestores. Sem dúvida, os limites, constrangimentos e entraves
123
são inúmeros a essas instâncias participativas, mas não podemos deixar de destacar os
avanços alcançados por parte destas arenas. Nas palavras de Dagnino (2002):
(...) a avaliação frequentemente negativa e o tom crítico que permeiam
parte significativa dos estudos de caso podem indicar que os parâmetros
dessa avaliação receberam uma forte influência das expectativas geradas
com a constituição dessas experiências” (DAGNINO, 2002, p. 296).
Dessa forma, não podemos enxergar nesses espaços, por um lado, a solução
dos problemas apresentados pela democracia brasileira, e, por outro, a sacralização dos
mesmos como fantoches democráticos.
124
Capítulo 4 – A experiência do Conselho Municipal de Saúde de
Araraquara
4.1 – Caracterização do município de Araraquara
Araraquara é um município do Estado de São Paulo, localiza-se a 277 km. da
capital. Sua população é estimada, segundo dados do IBGE de 2006 em 199.657
habitantes. O município, juntamente com São Carlos, compreende uma população de
aproximadamente 850.000 habitantes, uma região com os maiores índices de
desenvolvimento humano do país.
A cidade possui um distrito, o de Bueno de Andrada, a noroeste do distrito
sede. A microrregião de Araraquara pertence à mesorregião de Araraquara. Segundo
dados do IBGE, sua população foi estimada em 493.407 habitantes e está dividida em
quinze municípios. Possui uma área total de 6. 265, 500 km². Os demais municípios são:
Américo Brasiliense, Boa Esperança do Sul, Borborema, Dobrada, Gavião Peixoto,
Ibitinga, Itápolis, Matão, Motuca, Nova Europa, Rincão, Santa Lúcia, Tabatinga e Trabiju.
Fundada em 22 de agosto de 1817, a cidade possui características marcantes,
tais como: o alto índice de desenvolvimento humano, sua urbanização e arborização,
grande instalação de jardins, praças e vias públicas limpas. A cidade também é sede da
12a. Região administrativa do Estado de São Paulo, dotada de recursos para o amplo
atendimento às necessidades de sua população.
A estrutura industrial do município está baseada essencialmente na agro-
indústria da cana-de-açúcar e da laranja. ainda outros setores importantes na
economia local como o setor metal mecânico e a indústria têxtil.
O ensino superior também é destaque na cidade. As principais Universidades e
Faculdades são: A Unesp Universidade Estadual Paulista, a Uniara Centro
125
Universitário de Araraquara, a Unip – Universidade Paulista e as Faculdades Logatti.
A cidade é atualmente administrada pelo prefeito Edson Antonio da Silva (PT) e
o vice-prefeito é Sérgio de Oliveira Médici (PSB). O município é administrado pelo atual
prefeito desde 2001, quando assumiu o poder, reelegendo-se nas eleições de 2004.
4.2 - A Saúde em Araraquara
Araraquara constitui a Região Administrativa Central do Estado de São Paulo,
sendo responsável pelo atendimento da região em saúde, atendendo um universo de
cidades que envolvem sua microrregião.
A rede básica de Saúde de Araraquara iniciou-se em 1981, durante a
administração do prefeito Waldemar De Santi32 (PP) com o Pronto Socorro Municipal. Em
1983 foram inauguradas duas unidades básicas de Saúde: o Centro Municipal de Saúde
do “Jardim Selmi Dei” e Centro Municipal de Saúde “Jardim América”, oferecendo
atendimento na saúde do adulto e da criança.
Em 1985 e 1986, durante a administração do prefeito Clodoaldo Medina são
inauguradas mais quatro Unidades sicas de Saúde nos bairros: Jardim Paulistano,
Cecap, Santa Lúcia e Parque das Laranjeiras, formando o Cinturão da Saúde, cobrindo a
periferia da cidade com Unidades Básicas de Saúde (UBS).
De 1989 a 1992, na gestão Waldemar De Santi, foram inauguradas mais seis
UBS's: Vila Xavier, Jardim Iguatemi, Selmi Dei IV, Vila Melhado e Parque Residencial São
Paulo. Neste período também foi inaugurada a Unidade de Saúde Rural no Assentamento
Bela Vista. Nesta Unidade, em parceria com a UNESP é implantado o atendimento
odontológico. Nesta época havia sido implantado o Programa de Assistência à Saúde
32 Waldemar De Santi administrou a cidade de Araraquara no período de 01/02/1977 a 31/01/1983.
126
da Mulher em todas as unidades.
Em 1998, durante a gestão de Waldemar de Santi (PP) o município assume a
gestão plena do sistema de saúde, sendo implantados os seguintes serviços: Unidade de
Avaliação e controle, Informatização da Rede sica, Programas do Ministério da Saúde:
Controle da Diabete e Hipertensão Arterial e implantação de Equipes do Programa Saúde
da Família (PSF) nos Bairros Vale do Sol e no Distrito de Bueno de Andrada.
De 2001 a 2005 ocorre a implantação de mais sete equipes do PSF em quatro
novas unidades: Jardim Maria Luiza, Jardim Marivan, Jardim Ieda e Jardim Pinheiros.
Duas equipes do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) são criadas nas
Unidades Básicas do Parque Residencial São Paulo e Parque das Laranjeiras.
As UBS possuem área de abrangência delimitada, atendendo as famílias na
atenção básica, voltadas aos Programas como Saúde do Adulto (Hipertensão Arterial e
Diabetes Mellitus), Saúde da Criança e Saúde da Mulher.
O município conta também, ainda na área de atenção básica, com o Pronto
Socorro na Vila Melhado (inaugurado em Agosto de 2006, com a transferência dos
serviços prestados na região central para este bairro) e Vila Xavier, que se inserem no
pronto atendimento nas áreas de clínica médica, pediatria e odontologia.
O município possui serviços especializados que atendem dando suporte à rede
básica, tais como: especialidades dicas no Núcleo de Gestão Assistencial, Centro de
Referência do Jovem e do Adolescente e Centro Regional de Reabilitação de Araraquara,
assim como o NIS [Núcleo Integrado de Saúde] (atendimento nas áreas de: saúde mental
infantil e adulto, saúde do Idoso e neonatologia para recém-nascidos com risco) do Selmi
Dei e do Jardim Iguatemi.
A rede municipal de saúde de Araraquara organiza-se da seguinte maneira:
Treze (13) Unidades Básicas de Saúde (Bairros: Jardim Paulista, Jardim América,
127
Jardim Roberto Selmi Dei I, Parque Residencial São Paulo, Vila Xavier, Santa
Angelina, Parque das Laranjeiras, Jardim Santa Lúcia, Vila Melhado, Cecap, Jardim
Iguatemi e Yolanda Ópice)
Oito (08) unidades do (PSF) Programa de Saúde da Família (Bairros: Vale do Sol,
Jardim Hortênsias, Bueno de Andrada [Distrito], Bela Vista, Jardim Ieda, Jardim Maria
Luiza, Jardim Marivan e Jardim Pinheiros)
Dois (02) Pronto-Socorros (Bairros: Vila Melhado e Vila Xavier)
Uma (01) Clínica de Diagnósticos
Uma (01) Central de Ambulância
Um (01) Centro Regional de Reabilitação
Um (01) Centro de Atendimento Psicossocial
Um (01) Centro de Referência do Jovem e do Adolescente
Um (01) Centro de Referência de Saúde do Trabalhador
Um (01)Núcleo de Gestão Assistencial (NGA 3)
Uma (01) Central de Medicamentos – e uma (01) unidade da Farmácia Popular
A Divisão de Saúde Pública conta com a Vigilância Sanitária, Vigilância
Epidemiológica, Controle de Vetores e Centro de Controle de Zoonoses.
dois (02) Núcleos Integrados de Saúde (NIS) nos Bairros: Jardim Roberto
Selmi Dei III e Jardim Iguatemi.
A rede particular de prestadores de serviços conta com três (03) Hospitais
Filantrópicos (Santa Casa de Misericórdia, Beneficência Portuguesa e Cairbar Schuttel),
sete (07) prestadores de serviços laboratoriais e tratamento de reabilitação e de média e
alta complexidade tecnológica. Os hospitais filantrópicos são responsáveis pelos serviços
de alta complexidade e as clínicas prestam atendimento especializado em métodos e
diagnósticos no setor secundário.
128
4.3 - O Conselho Municipal de Saúde
O Conselho Municipal de Saúde do município de Araraquara foi criado pelo
Decreto 6136 de junho de 1991 e foi instituído como órgão colegiado, integrante da
estrutura básica do Departamento de Saúde e Promoção Social do município, ao qual
compete, segundo sua legislação, as seguintes determinações básicas:
Atuar na formulação, estratégia e no controle da execução da Política Municipal de
Saúde;
Estabelecer diretrizes a serem observadas na elaboração dos planos de saúde, em
função das características epidemiológicas e da organização dos serviços;
Fiscalizar o fundo de Saúde;
Aprovar o Plano de Saúde municipal, incluindo o orçamento anual de custeio e
investimento:
Aprovar a Prestação de Contas:
Atuar e acompanhar a atuação do poder privado na área de saúde credenciada
mediante contrato ou convênio:
Articular-se com os órgãos de Saúde, dos níveis estaduais e federais
33
;
O Conselho Municipal de Saúde passa a incorporar funções deliberativas e de
participação na execução da política de saúde a partir do ano de 1997, quando a cidade
passa pela municipalização da gestão dos serviços de saúde, assumindo-a a partir de
1998.
A composição dos membros do Conselho (conselheiros), até o ano de 2005 era
de trinta e quatro (34) efetivos e igual número de suplentes, distribuída sua constituição
33 Fonte: Lei de Criação 6136 de junho de 1991 obtida na Secretaria Municipal de Saúde de Araraquara.
129
de forma paritária dezessete (17) membros divididos entre gestores, trabalhadores e
prestadores de serviços; e dezessete (17) representando os usuários. A partir da
Alteração de lei 6377, de 09 de fevereiro de 2006, o número de membros efetivos
passa a ser de trinta e seis (36) e igual número de suplentes, divididos paritariamente
entre os segmentos: dezoito (18) entre gestores, trabalhadores e prestadores de serviços
em saúde e dezoito (18) representantes dos usuários dos serviços.
Sobre o processo de escolha dos conselheiros, é importante lembrar que, de
acordo com Coelho e Verrísimo (2004, p. 105-106), o Brasil conta com uma legislação
que franqueia ao espaço de participação nos processos de definição e gestão via
Conselhos Municipais, a novidade da inclusão de setores tradicionalmente excluídos do
processo de formulação e gestão das políticas públicas para torná-los parte desse ínterim.
Os representantes no Conselho de Saúde o indicados, por escrito, pelos
seus respectivos segmentos, de acordo com a sua organização ou seus fóruns próprios e
independentes. Nas Conferências Municipais de Saúde do município, são votados e
escolhidos os segmentos (organizações e entidades) que farão parte do Conselho.
Os representantes do governo o indicados pelo Prefeito; os prestadores de
serviços e os profissionais são eleitos nas associações que previamente fazem parte da
composição do conselho. Os usuários são escolhidos entre as entidades da sociedade
civil. É importante esclarecer que, embora o regimento interno do CMS apresente as
resoluções a respeito da escolha dos representantes de cada segmento no Conselho,
trata-se de um processo pouco documentado. Os conselheiros confirmam os
procedimentos descritos acima, mas o cotidiano das reuniões demonstra que, os mesmos
fogem as regras quando vistos pela ótica prática.
O trabalho de Luchmann, contribui para a discussão do processo de escolha
dos conselheiros, na medida em que, para a autora, diferenças ou especificidades
130
ligadas ao número de assentos, perfil dos segmentos representados e dos mecanismos
de escolha de representantes. Segundo Luchmann, (...) alguns setores escolhem seus
representantes em assembléias ou fóruns abertos. Outros segmentos estão de
antemão inseridos (pela legislação) na composição dos conselhos (...) os mecanismos de
escolha oscilam de caso a caso...” (LUCHMANN, 2007, p. 153).
O estudo de Santos (2004, p. 132) destaca que, com relação à representação
social, “(...) os conselhos são instâncias de participação semidireta, ou seja, não é a
população ou os indivíduos que são chamados a participar desses espaços, mas as
instituições sociais interessadas”. De acordo com o autor,
As instituições devem ser eleitas em fórum próprio do segmento social que
representam, sem a interferência do poder público. A autonomia da
sociedade civil para escolher seus representantes é um princípio básico
para a garantia da representação social. Cada instituição tem direito a um
voto, independente do número de participantes e da natureza da
organização (...). A legitimidade das instituições de se candidatarem a
uma vaga no conselho coloca outras dimensões para a questão da
representatividade (não se restringe à base social participante dessas
instituições), como o tipo de trabalho desenvolvido, a contribuição na
discussão política ou até mesmo a disposição de participar de articulações
com outras organizações da sociedade civil. A eleição das organizações
representantes da sociedade civil em fóruns próprios aponta para um tipo
de representação que vai além da própria instituição do conselheiro, tendo
em vista que este precisa se legitimar diante de um segmento social
(SANTOS, 2004, p. 133).
As reuniões do CMS de Araraquara acontecem uma vez por mês (reuniões
ordinárias) e quando necessário, ou, dependendo da pauta, são convocadas sessões
extraordinárias. Como o Conselho não conta com uma estrutura física própria, as
reuniões acontecem na Secretária de Saúde do município. algumas comissões
permanentes no CMS (Fiscal) e de acordo com as pautas, a formação de comissões
temáticas para as discussões, todas com formação paritária.
A presidência do Conselho desde a sua formação até o ano de 2006, foi
131
atribuída à Secretaria Municipal, tendo como membro nato e, obrigatoriamente seu
presidente, o Secretário Municipal de Saúde. A partir de 2006, com a publicação da lei
6377 de 09 de fevereiro de 2006, a formação da mesa diretora do Conselho, inclusive o
cargo da presidência passa a ser paritário. Com isso, a mesa é composta por um
representante dos gestores, um dos prestadores de serviços, um dos profissionais de
saúde e dois representantes dos usuários e eleitos pela plenária do CMS para um
mandato de dois anos, assim como os demais membros.
Passo importante para o funcionamento do conselho, é a elaboração das
pautas de discussão, pois, o assunto considerado relevante, por parte de quem as define,
é que entra em discussão para a votação em assembléia.
De acordo com as informações dos entrevistados, uma unanimidade dos
segmentos em apontar a Presidência do Conselho e sua Secretaria Executiva, como os
principais responsáveis pela elaboração das pautas nas três gestões. O diferencial
encontra-se no fato de, as duas primeiras gestões terem como presidente do CMS a
Secretária Municipal de Saúde. na última gestão, a mesa diretora do CMS é formada
paritariamente, cabendo, de toda forma, a esses representantes, a confecção das pautas.
Seguem abaixo, alguns relatos de entrevistados quando questionados Quem
elabora normalmente as pautas das reuniões?:
“No caso, a Secretária de Saúde, sempre foi ela. Nas outras gestões
também” (Conselheira representante dos trabalhadores da saúde).
“A Eliana (Secretária de Saúde). Na gestão dela, sempre ela, os
conselheiros podiam pedir inclusão de pauta, mas a pauta mínima
era elaborada pela Eliana, mas isso não impedia que nenhum dos
conselheiros interviessem nas pautas, era aberto (Conselheira
representante dos prestadores de serviços).
“Quem elabora invariavelmente era a Secretária de Saúde”
(Conselheiro representante dos usuários).
132
A Eliana (Secretária de Saúde), sempre” (Conselheiro
representante dos usuários).
Não há, dessa forma, no CMS de Araraquara, a elaboração de uma pauta pelo
plenário, de acordo com os entrevistados e a observação das reuniões, mas sim, a
inclusão de assuntos. Todos os conselheiros presentes têm que votar durante a reunião,
se incluirão ou não na pauta o assunto solicitado por algum conselheiro, e o mesmo fica
relegado às reuniões seguintes, de acordo com o que se estabelece entre os conselheiros
presentes à reunião em questão. A observação das reuniões e os diversos registros nas
atas do CMS demonstram haver o procedimento e as votações, porém, poucas vezes
esse assunto incluído retorna ao plenário, devido a prioridades de discussão, prazos, etc
e o fato de a pauta ter sua elaboração feita pela mesa diretora do conselho.
De acordo com a literatura, esse é um fator que pode constranger a discussão
de assuntos importantes para o município, em prol de prazos estabelecidos
especialmente pelo governo federal ou estadual em relação à política de saúde. É um fato
que permite visualizar o Conselho, de acordo com Tonella (2006, p. 111) estabelecendo
“(...) o cumprimento burocrático de prazos e exigências dos outros níveis de poder...”.
Retomaremos essa discussão no trabalho quando da análise do processo decisório e os
assuntos mais discutidos no CMS.
Os conselheiros, para que possam fazer parte do Conselho devem comparecer
às reuniões plenárias, pois, após três faltas consecutivas sem justificativa são
imediatamente desligados deste. O CMS não conta com funcionários exclusivos e não
dispõe de orçamento próprio, ficando à mercê da Secretaria Municipal de Saúde.
Nossa investigação também teve a preocupação de analisar de que forma os
representados levam às resoluções às suas entidades e órgão representativos, ou seja,
tomando emprestadas as palavras de Tatagiba (2002), a necessidade de uma via de mão
133
dupla entre representantes e representados. As entrevistas feitas com conselheiros de
todos os segmentos apontam uma unanimidade em levar as pautas de discussão para as
entidades que representam. Porém, alguns trechos das entrevistas mostram que, nem
sempre isto ocorre, quando os entrevistados são novamente abordados sobre a questão,
mas de outra maneira (Você discute coletivamente as pautas das reuniões do CMS?):
“Discuto nas reuniões mensais da APCD. Entre o segmento dos
Trabalhadores não discussão. O grupo não é muito unido”
(Conselheira representante dos trabalhadores da saúde).
“Discuto as pautas em reuniões da diretoria e em reuniões técnicas
da entidade. A Diretoria Executiva de uma entidade, ela tenta ver o
que é do interesse dela, ela não tem aquela visão do Conselheiro.
Dependendo do assunto terão aqueles que vão interessar a diretoria
da entidade. Então eu passo isso nas reuniões...” (Conselheira
representante dos prestadores de serviços).
“Não acontecia com frequência, eu não vou mentir para você. As
APMS's são muito representativas e expressivas na cidade em
termos numéricos (...) mas por exemplo, eu levava as reivindicações
das escolas, como na área odontológica, quando as escolas do
Estado precisavam de tratamento” (Conselheiro representante dos
usuários).
“De verdade? Não, pois a entidade faz parte de tantos conselhos,
que a saúde acaba não sendo o mais importante, até porque tem
tanto assunto complicado, técnico, sabe?” (Conselheiro
representante dos usuários).
4.4 – A Participação e a Representação no CMS de Araraquara
Ao cotidiano dos Conselhos, a interação das lógicas participativa e
representativa concebe, por um lado, a participação dos usuários (sociedade civil
organizada) e, por outro, a representação baseada na indicação de conselheiros. Os
134
princípios de participação e representação têm trazido para as atuais teorias e práticas
democráticas um potencial de investigação dessas experiências. Apesar de sua novidade
institucional, é importante lembrarmos dos moldes dessas arenas e como se ativaram de
fato, ou seja, a simples existência estrutural não garante sua efetividade concreta.
Os Conselhos, na maioria dos municípios brasileiros, são antes, resultado de
uma exigência burocrática das normas operacionais básicas editadas pelo Ministério da
Saúde, do que uma discussão e formulação dessas instâncias. É importante nos
lembrarmos do fato de os Conselhos, apesar de, na área de Saúde, ser um dos mais
antigos formatos do modelo (conselhos populares e comunitários), a partir da década de
90 surgem impulsionados pelo governo federal, em virtude do processo de
descentralização da política de saúde, onde há, dessa maneira, a burocratização e a
tecnização de critérios de repasse de verbas aos municípios
Faremos, a seguir, a análise de alguns aspectos do CMS de Araraquara,
atentando para a questão da participação e da representação neste espaço.
4.4.1- Perfil dos Conselheiros do CMS de Araraquara
É importante apresentar quem são os atores políticos que participam destes
arranjos institucionais e como a posse de recursos individuais e políticos podem interferir
na atuação política dos segmentos no Conselho (FUKS, PERISSINOTO e RIBEIRO:
2003).
Os dados abaixo o fruto de questionários entregues aos conselheiros no
decorrer das reuniões ordinárias e extraordinárias do CMS, realizadas no período de
janeiro de 2006 a dezembro de 2007, portanto, da última gestão do conselho. Ao todo,
135
foram entrevistados vinte e seis (26) conselheiros, representando em números, os
seguintes segmentos: dois (02) gestores, seis (06) prestadores de serviços, seis (06)
profissionais de saúde e doze (12) usuários.
O universo representado pelos conselheiros do CMS apresenta, com relação
ao sexo, a seguinte proporção: 42,3% representam o sexo feminino, enquanto que 57,7%
o sexo masculino. Podemos, dessa forma, verificar a existência de certo equilíbrio com
relação ao sexo dos participantes, embora a maioria seja representada pelo sexo
masculino. A média de idade dos conselheiros é de 43 anos, sendo que, cinco (05) tem
idade entre os 20 e 40 anos, quinze (15) tem idade entre 40 e 60 anos e seis (06) tem
idade entre 60 e 80 anos. Trata-se de um grupo de pessoas maduras, com idade superior
a quarenta (40) anos.
Quesito importante para identificarmos o universo representativo dos conselhos
é o nível de escolaridade dos conselheiros. A tabela abaixo indica esses números, de
acordo com o segmento:
Tabela 1 – Escolaridade dos conselheiros por segmento
________________________________________________________________________
Segmento
___________________
_
Escolaridade
Governo
Trabalhadores
em
Saúde
Prestadores de
Serviços
Usuários
_________
___________
_________
______________
______________
______________
Ens. Fund. Incompleto - - - 33,4 (%)
Ens. Fund. Completo - - - 8,33 (%)
Ens. Médio Incompleto - 16,7 (%) - 8,33 (%)
Ens. Médio Completo - 16,7 (%) 16,7 (%) 16,6 (%)
Ens. Sup. Incompleto - 16,7 (%) - 33,3 (%)
Ens. Superior Completo
100 (%) 49,9 (%) 83,3 (%) -
Outros - - - -
____________________
_________
______________
______________
______________
Fonte: Questionários de Pesquisa.
A escolaridade dos conselheiros é constituída em sua maioria pelo ensino
136
superior completo (50%), seguidos de ensino médio completo (19,2%), ensino
fundamental completo (8%). As demais porcentagens apresentam-se da seguinte
maneira: superior incompleto (3,9%), ensino fundamental incompleto (15,4%).
O segmento governamental apresenta o maior e mais homogêneo nível de
escolaridade, sendo que, todos os representantes apresentam ensino superior. Entre os
trabalhadores em saúde, a maior parte de seus membros apresenta o ensino superior
(49,9%), seguidos em medidas iguais (16,7% em cada um) os níveis de ensino médio
incompleto, ensino médio completo e ensino superior incompleto. Os prestadores de
serviços se encontram com alto nível de escolaridade: 83,3% têm ensino superior
completo, enquanto que 16,7% têm o ensino dio completo. Entre os usuários
encontramos maior heterogeneidade escolar, porém, em sua maior parcela estão, de um
lado, os que têm ensino superior incompleto (33,3%) e semelhante porcentagem com
ensino fundamental incompleto (33,4%), e, de outro, com iguais percentagens (8,33) os
que têm o ensino fundamental completo e ensino médio incompleto, enquanto que 16,6%
têm o ensino médio completo.
De acordo com a bibliografia, com relação ao quesito escolaridade, podemos
verificar que os membros do CMS fazem parte de uma “elite”, estando assim,
diferenciados dos índices da população brasileira em geral, embora tenhamos apontado
as homogeneidades e heterogeneidade presentes nos diferentes segmentos.
137
Tabela 2 – Renda dos conselheiros por segmento
________________________________________________________________________
Segmento
____________________
Renda
Governo
Trabalhadores
em
Saúde
Prestadores de
Serviços
Usuários
____________________
_________
______________
______________
______________
De 1 a 5 salários - 50,0(%) 16,6 (%) 58,3 (%)
De 5 a 10 salários - 16,6 (%) 50,0 (%) 33,4 (%
De 10 a 15 salários 50,0 (%) 16,6 (%) - 8,3 (%)
Superior a 15 salários 50,0 (%) 16,8 (%) 33,4 (%) -
_____________________________________________________________________________
Fonte: Questionários de Pesquisa.
Entre os que responderam à questão relativa à renda, o segmento dos usuários
e o de trabalhadores da saúde em sua maioria, possuem renda entre 1 e 5 salários
mínimos. O setor governamental divide-se entre: metade que recebe de 10 a 15 salários e
metade que possui renda superior a cinco salários. Entre os trabalhadores da saúde,
encontram-se em semelhante porcentagem (16,6%) os que possuem renda entre 5 a 10
salários, 10 a 15 salários e superior a 15 salários. Os prestadores de serviço apresentam
maior quantidade de representantes que possuem de 5 a 10 salários, seguidos de 33,4%
que possui o superior a 15 salários, enquanto que 16,6% possui de 1 a 5 salários.
Embora grande parte dos conselheiros represente a faixa de acinco salários,
a média salarial varia num universo de pessoas mais maduras, vinculados a profissões
diversas como lavrador, auxiliar de enfermagem, do lar, ajudante de serviços,
aposentados.
Dentre os cargos que recebem maiores salários estão os de médicos,
psicólogos, cirurgiões-dentistas, advogados, assistentes sociais, diretores técnicos etc.
Como aponta a bibliografia a respeito do perfil dos conselheiros (em especial os
segmentos governamentais, trabalhadores e prestadores de serviços), estamos diante de
um grupo de pessoas que, de acordo com a média nacional, estão no topo da base social
138
no que se refere aos salários recebidos. O segmento dos usuários, representa, no
universo do CMS, o que podemos aproximar da sociedade brasileira, apresentando
menores salários, portanto, o grupo com menor renda.
Tabela 3 – Filiação partidária dos conselheiros por segmento
_______________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Governo 50,0
Trabalhadores em Saúde 16,6
Prestadores de Serviços 33,3
Usuários 33,3
Fonte: Questionários de Pesquisa.
De acordo com os questionários, a maioria dos conselheiros (de todos os
segmentos) apresenta muito interesse por política (tanto nacional, municipal e estadual) e
em relação aos meios utilizados para se informar, todos os segmentos utilizam-se dos
diversos meios de informação como TV, rádio, internet, livros, jornais, revistas, escola etc.
Sobre os partidos políticos, todos os conselheiros têm preferências partidárias, sendo que
31% são filiados, fazendo parte de algum tipo de associação e consideram de extrema
importância a participação nos Conselhos. Apresenta-se entre os conselheiros um perfil
de cidadãos informados, com grande interesse por assuntos de política, confirmando
assim os levantamentos da bibliografia sobre o tema.
Um outro dado importante sobre os conselheiros é que a maioria não é
principiante nos mandatos. Muitos conselheiros, ou fizeram parte do CMS em outras
gestões, ou participaram ou participam de algum outro conselho. Esses dados serão
retomados posteriormente neste capítulo.
De acordo com as entrevistas realizadas com os conselheiros, houve
139
unanimidade de respostas com relação à capacitação dos mesmos. Os conselheiros
afirmam ter participado pelo menos uma vez ou mais, de cursos de capacitação
oferecidos pela Secretaria Municipal e Estadual de Saúde. As principais capacitações das
quais os conselheiros participaram foram as Conferências Municipais, fóruns de
discussão e cursos de capacitação. De acordo com informação cedida pela Secretária
Municipal, o CMS de Araraquara organiza, de dois em dois anos cursos de capacitação
para os conselheiros
34
. As Conferências Municipais são organizadas pela Secretaria
Municipal de Saúde em conjunto com o Conselho de Saúde, acontecendo em períodos de
três anos alternados.
4.4.2 - A Representação dos Conselheiros no CMS de Araraquara
Os espaços concedidos aos Conselhos agregam, em seu interior, um conjunto
heterogêneo de órgãos e entidades representativas. Procuramos identificar e conhecer,
quais são os principais órgãos que discutem as políticas públicas de saúde no município
de Araraquara nas gestões analisadas. Para isso, faremos menção ao trabalho Luchmann
(2007), que discute a representação nas instâncias participativas, elucidando o papel dos
conselhos gestores nesse ínterim.
De acordo com Luchmann (2007, p. 149), o repertório de experiências no
âmbito local, com relação à participação nos espaços de discussão e decisão de políticas
públicas como os Conselhos, é bastante extenso no Brasil. Na maioria dos casos, a
participação ocorre por intermédio do instrumento da representação.
Passada mais de uma cada da implementação e institucionalização desses
espaços participativos, observa-se uma ampla listagem de desafios e limites à sua
34 Um deles foi organizado entre os meses de setembro a novembro de 2006, do qual tive a oportunidade de participar
como ouvinte. O cronograma da capacitação constava dos seguintes assuntos e datas: 30/09/2006 – Problemas de saúde
e políticas públicas; 14/10/2006 Sistema Único de Saúde (SUS); 28/10/2006 Controle Social de Planejamento;
11/11/2006 – Planejamento em Saúde e 25/11/2006 – Controle das Políticas e ações do SUS.
140
capacidade de promover alterações significativas quanto ao aprofundamento democrático.
De acordo com Luchmann (2007),
A ênfase dada à participação tende a obscurecer, no plano analítico, não
apenas os impactos e influências do modelo de representação eleitoral
sobre a participação, como os mecanismos e representação no interior dos
próprios espaços participativos, ou seja, p&r, cujas especificidades dizem
respeito não apenas às diferenças com relação ao modelo de r
(representação) (LUCHMANN, 2007, p. 150, grifo nosso).
Para a autora, existem importantes características que mostram como o
processo de representação no interior das experiências participativas
35
, apresentam
diferentes modalidades, que se apresentam nas formas de:
(...) participação e representação individual e coletiva; voluntária (e,
portanto, radicalmente diferente da atuação política profissional e com
todas as consequências desta implicação) e com escolha de
representantes mediante processos de escolha variados (fóruns, eleições,
indicações etc) (LUCHMANN, 2007, p. 150).
Segundo Luchmann (2007, p. 150), esse conjunto de características “(...)
parece suficiente para imprimir algumas especificidades deste tipo de representação...”. A
autora demonstra, porém, que diante dessas características, apesar de suas múltiplas
configurações e orientações, a relativa consolidação de dois modelos expressivos que
apresentam algumas diferenciações. Os modelos, segundo Luchmann são os conselhos
gestores e o orçamento participativo.
Quanto à experiência conselhista, “(...) o modelo dos conselhos (...) está
pautado na idéia de participação coletiva, ou seja, pela representação das organizações
da sociedade civil”. O orçamento participativo apresenta “(...) a configuração de uma
'esfera pública essencialmente plebéia', desenha um modelo que parece apresentar maior
combinação entre participação direta (...) e mecanismos de representação (...) também
35 ,Os estudos da autora concentram-se nos conselhos gestores e no orçamento participativo.
141
ancorado no instrumento da representação coletiva” (LUCHMANN, 2007, p. 150-151).
Conforme a autora destaca, os dois meios de participação e representação
(conselhos e OP) compartilham, de maneira geral, das características por ela esboçadas,
enquanto que,
(...) as diferenças quanto ao peso e à maior ou menor combinação entre a
participação e representação individual e coletiva, constituem-se, no meu
entender, em elemento analítico importante no que se refere ao debate
acerca da legitimidade da representação – seja por delegação de mandato,
no caso do OP, seja por critérios de expertise ou qualificação, no caso dos
conselhos, nos espaços de participação (LUCHMANN, 2007, p. 151).
Para Luchmann (2007, p. 151), a diversidade de regras e critérios de
representação no interior dos espaços participativos instaura uma confusa compreensão
acerca dos critérios de legitimidade políticas destes espaços”. No caso dos conselhos,
que o amparados por legislação nacional e que apresentam caráter decisório mais
estruturado e sistêmico, estes são: previstos para atuarem nas três esferas de governo
(municipal, estadual e federal); o portadores de atribuições legais de formulação e
implementação das políticas blicas com práticas de planejamento e fiscalização de
suas ações. Tratam-se também de fóruns públicos que captam demandas e pactos de
interesses de diversos grupos sociais, ampliando a participação de segmentos com menor
acesso ao aparelho estatal. Ainda, estão voltados para a garantia universal dos direitos
sociais.
A relação da participação e representação nos conselhos, tem, segundo a
autora, duas características essenciais: a participação de entidades ou organizações da
sociedade civil e a paridade na representação entre sociedade e Estado.
A autora destaca que a representação presente nos conselhos mantém certos
limites, frutos de uma representatividade que “(...) alimenta certa confusão no
entendimento acerca dos critérios de legitimidade que estes espaços carregam”
142
(LUCHMANN, 2007, p. 153).
Esta representação que se configura no espaço dos conselhos não apresenta,
destarte, similaridades com o processo eleitoral que identifica o representado (eleitor),
mas “(...) esboça uma idéia difusa dele mesmo, podendo ser, tanto um segmento (ou
vários setores da população), quanto à própria entidade indicada para assumir a
representação” (LUCHMANN, 2007, p. 154). Dessa forma, a composição do conselho
conjuga a participação coletiva com a representação coletiva. A representação, segundo
Luchmann, imprime, dessa maneira:
Aqui, a representação por entidades, ou organizações da sociedade civil,
está difusamente ancorada na legitimidade destas organizações em
promover, de diferentes formas, a defesa das variadas “causas' sociais e
de demandas e interesses de grupos e setores sociais historicamente
excluídos do processos de decisão política. Poder-se ia dizer, portanto,
que a representação nos conselhos apresenta maior grau de
independência, na medida em que está relacionada com a formulação de
políticas públicas e, portanto, pautada na perspectiva de representação de
interesses gerais (LUCHMANN, 2007, p. 154-155).
De acordo com Luchmann (2007), tanto os conselhos, quanto o orçamento
participativo, apresentam novos critérios de representação, pois, constituem-se como
exemplos de práticas de participação e representação que apresentam especificidades
com relação ao modelo da representação eleitoral, incorporando elementos de
participação (individual ou coletiva) direta, ou pela criação de novos espaços e critérios de
representação.
Não se pode deixar de destacar que, mesmo em se tratando de experiências
que trazem em seu interior um novo conceito de representação, este reveste-se na
filtragem da representação, se lembrarmos que, nos conselhos, os segmentos são
representados pelas organizações ou conselheiros que se fazem presentes por meio de
sua lógica associativa, onde o campo representativo dá espaço a setores com maior nível
socioeconômico e cultural de acordo com os dados analisados anteriormente por meio de
143
nosso estudo do Conselho de Saúde de Araraquara.
Há, contudo, levando-se em conta as ressalvas aqui destacadas, nestes
espaços de participação e deliberação, a criação, ou, nas palavras de Luchmann (2007, p.
162) “algumas novidades e especificidades” que parecem desenhar um novo referencial
de análise sobre a representação política. Sobre esse aspecto, a autora levanta duas
dimensões: uma, que se refere à dimensão da participação e representação coletiva, e a
outra, que prevê a necessidade de focar as relações entre os próprios representados.
Visando levantar algumas das questões ressaltadas por Luchmann (2007), no
que se refere à representação dentro das esferas de participação, apresentaremos a
composição do CMS de Araraquara, procurando mostrar como se configura o universo
representativo nesta arena de deliberação. Para este propósito, serão destacados três
quadros, cada um representando uma das gestões do CMS de Araraquara: no Quadro 2,
apresentaremos a representação da gestão 2001-2003; no Quadro 3, a gestão 2003-
2005, e, finalmente, no Quadro 4, a última gestão analisada, de 2006-2007.
As representações dos três quadros referem-se aos titulares na cadeira do
conselho. Em seguida, apresentaremos a relação, em cada gestão, quando houver um
suplente em qualquer dos segmentos que represente outro órgão, diferente do titular.
Esse resgate é importante, pois, na medida em que o titular o comparece às reuniões,
quando sua ausência não é justificada, deve ser precedida pelo seu suplente. Esse
destaque terá lugar no quadro 5.
144
Quadro 2. Representação da Gestão 2001 – 2003 do CMS de Araraquara – Titulares
Segmento dos Gestores Número
Órgão
Quantidade
Secretaria Municipal de Saúde 2
Secretaria Estadual de Saúde 2
Secretaria Municipal de Assistência Social 1
Secretaria Municipal de Educação 1
Total 6
Segmento dos Prestadores de Serviços
Santa Casa de Misericórdia (Filantrópico) 1
Beneficência Portuguesa (Filantrópico) 1
Maternidade Gota de Leite 1
Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel (Filantrópico) 1
Universidade Estadual Paulista/ Unesp (Público) 1
USP/ Serviço Especial de Saúde/ SESA (Público) 1
Total 6
Segmento dos Trabalhadores
Associação Brasileira de Enfermagem 1
Associação Paulista de Medicina 1
Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas Araraquara 1
Associação Farmacêutica de Araraquara 1
Sindicato dos Trabalhadores de Saúde 1
Total 5
Segmento dos Usuários
Sindicatos
36
2
Associação Comercial 1
Associação de Portadores de Deficiência
37
3
Organizações Não-Governamentais (Ong's)
38
2
Associações de Moradores
39
3
Clubes de Serviços (Lions Clube) 1
Entidades Sociais
40
3
Associações de Pais e Mestres (APM's)
41
2
Total 17
Fonte: Portaria nº 11.858 de 05 de março de 2001.
36 Sindicato dos Metalúrgicos de Araraquara e Sindicato dos Servidores Municipais de Araraquara.
37 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), União dos Deficientes Físicos de Araraquara (UDEFA) e
Instituto dos Cegos Santa Luzia.
38 Grupo de Apoio aos Portadores do Vírus HIV (GASPA) e Centro de Defesa dos Direitos da Mulher CEDRO
MULHER.
39 CMSC Parque das Laranjeiras, , Sociedade Amigos do Bairro de Santa Angelina (SABSA) e Associação de Amigos
do Bairro dos Machados.
40 Associação de Aposentados e Pensionistas de Araraquara, Lar e Internato Otoniel de Camargo e Casa da Criança
Cristo Rei.
41 APM da Escola ETE Anna de Oliveira Ferraz e APM da Escola Estadual Lysanias de Oliveira Campos.
145
Quadro 3. Representação da Gestão 2003 – 2005 do CMS de Araraquara – Titulares
Segmento dos Gestores Número
Órgão
Quantidade
Secretaria Municipal de Saúde 2
Secretaria Estadual de Saúde 2
Secretaria Municipal de Assistência Social 1
Secretaria Municipal de Educação 1
Total 6
Segmento dos Prestadores de Serviços
Santa Casa de Misericórdia (Filantrópico) 1
Beneficência Portuguesa (Filantrópico) 1
Maternidade Gota de Leite 1
Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel (Filantrópico) 1
Universidade Estadual Paulista/ Unesp (Público) 1
USP/ Serviço Especial de Saúde/ SESA (Público) 1
Total 6
Segmento dos Trabalhadores
Associação Brasileira de Enfermagem 1
Associação Paulista de Medicina 1
Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas Araraquara 1
Associação Farmacêutica de Araraquara 1
Sindicato dos Trabalhadores de Saúde 1
Total 5
Segmento dos Usuários
Sindicatos
42
2
Associação Comercial 1
Associação de Portadores de Deficiência
43
3
Organizações Não-Governamentais (Ong's)
44
2
Associações de Moradores
45
3
Clubes de Serviços (Lions Clube) 1
Entidades Sociais
46
3
Associações de Pais e Mestres (APM's)
47
2
Total 17
Fonte: Portaria nº 13.764 de 12 de março de 2003
42 Sindicato dos Metalúrgicos de Araraquara e Sindicato dos Servidores Municipais de Araraquara.
43 Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Araraquara (APAE), União dos Deficientes Físicos de
Araraquara (UDEFA) e Instituto dos Cegos Santa Luzia.
44 Grupo de apoio aos Portadores do Vírus HIV (GASPA) e Centro de Defesa dos Direitos da Mulher.
45 CMSC Parque Laranjeiras, Sociedade Amigos do Bairro de Santa Angelina (SABSA) e Associação de Amigos do
Bairro dos Machados.
46 Associação de Aposentados e Pensionistas de Araraquara, Lar e Internato Otoniel de Camargo e Casa da Criança
Cristo Rei.
47 APM da Escola Estadual Profº. Lysanias de Oliveira Campos, APM da Escola Estadual Antonio J. de Carvalho e
APM da Escola ETE Profa. Anna de Oliveira Ferraz.
146
Quadro 4. Representação da Gestão 2006 – 2007 do CMS de Araraquara – Titulares
Segmento dos Gestores Número
Órgão
Quantidade
Secretaria Municipal de Saúde 3
Secretaria Estadual de Saúde 1
Total 4
Segmento dos Prestadores de Serviços
Hospital Psiquiátrico Espírita Cairbar Schutel (Filantrópico) 1
Universidade Estadual Paulista/ Unesp (Público) 1
USP/ Serviço Especial de Saúde/ SESA (Público) 1
Associação de Pais e Amigos do Excepcional/ APAE (Filantrópico) 1
Centro Universitário de Araraquara/Uniara (Privado) 1
Total 5
Segmento dos Trabalhadores
Associação Brasileira de Enfermagem 1
Associação Paulista de Medicina 1
Associação Paulista de Cirurgiões Dentistas Araraquara 1
Associação Farmacêutica de Araraquara 1
Sindicato dos Trabalhadores de Saúde 2
Sindicato dos Odontologistas 1
Conselhos Gestores das Unidades de Saúde
48
2
Total 9
Segmento dos Usuários
Conselhos Gestores das Unidades de Saúde
49
9
Sindicatos
50
2
Associação de Portadores de Deficiência
51
2
Associação de Portadores de Patologias
52
2
Clubes de Serviços ( Lions Clube) 1
Entidade Assistencial (Lar e Internato Otoniel de Camargo) 1
Entidade Religiosa (Pastoral da Criança) 1
Total 18
Fonte: Portaria nº 17.332 de 19 de julho de 2006.
48 Os conselheiros representam as Unidades de Saúde do município: Urgência e Emergência – Pronto Socorro Central
e Unidade Básica de Saúde Selmi-Dei IV
49 Os conselheiros representam as Unidades de Saúde e PSF's do município localizados em: Centro de Saúde Santa
Lúcia, Centro de Saúde Laranjeiras, PSF Jd. Pinheiros, Centro de Saúde Vila Xavier, Centro de Saúde Selmi Dei
IV, Centro de Saúde Jd. América, PSF Maria Luiza, PSF Jd. Ieda e PSF Assentamento Bela Vista.
50 Sindicato dos Bancários de Araraquara e Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Ferroviárias da Zona Paulista.
51 Instituto dos Cegos Santa Luzia e Portadores de Paralisia Cerebral (AAPPC).
52 RNP+SOL (DST/AIDS) e Comunidade Terapêutica Luz à Vida.
147
Quadro 5 - Representação do CMS de Araraquara Suplentes de órgãos/entidades
diferente do Titular por segmento
53
Gestão 2001-2003
Segmento dos Usuários
Órgão Quantidade
Sindicatos
54
2
Organizações Não-Governamentais (Ong's)
55
1
Associações de Moradores
56
1
Entidades Sociais
57
1
Associações de Pais e Mestres (APM's)
58
2
Total 7
Gestão 2003-2005
Segmento dos Usuários
Órgão Quantidade
Sindicatos
59
2
Associações de Moradores
60
1
Associações de Pais e Mestres (APM's)
61
1
Total 4
Gestão 2006-2007
Segmento dos Prestadores de Serviços
Órgão Quantidade
Santa Casa de Misericórdia de N. Sra. de Fátima e Beneficência Portuguesa
(Filantrópico)
1
União dos Deficientes Físicos de Araraquara (UDEFA) (Filantrópico) 1
UNIMAGEM – Diagnóstico por Imagem (Privado) 1
Total 3
Segmento dos Trabalhadores
Conselhos Gestores das Unidades de Saúde
62
2
53 Com relação aos suplentes da gestão 2001-2003, somente no segmento dos usuários as entidades e órgãos eram
diferentes da dos titulares.
54 Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de Araraquara e Sindicato dos Trabalhadores em Empresas
Ferroviárias.
55 Liga Araraquarense de Combate ao Câncer.
56 CMSC Assentamento Bela Vista.
57 Casa Comunitária Nossa Senhora das Graças.
58 APM da Escola Estadual João Batista de Oliveira e APM da Escola Estadual Antonio J. De Carvalho.
59 Sindicato dos Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de Araraquara e Sindicato dos Trabalhadores em Empresas
Ferroviárias.
60 CMSC Assentamento Bela Vista.
61 APM da Escola Estadual Antonio J. De Carvalho.
62 Vigilância em Saúde e PSF/PACS – PSF Marivan.
148
Total 2
Segmento dos Usuários
Conselhos Gestores das Unidades de Saúde
63
1
Sindicatos
64
1
Associação de Portadores de Patologias
65
2
Entidade Assistencial (Lar Nosso Ninho Therezinha Maria Auxiliadora) 1
Entidade Religiosa (Igreja Batista Renovada) 1
Total 6
Fonte: Portaria nº 17.332 de 19 de julho de 2006.
Os quadros apresentados procuram dar conta do universo de representação
presente no CMS de Araraquara, com base no período delimitado para a pesquisa (2001-
2007). Cabe informar que os conselheiros dos respectivos órgãos representativos são os
titulares, cabendo a cada um deles um suplente (que, quando de órgão diferente do
titular, estão apresentados no quadro 5).
É importante destacar que, nas gestões de 2001-2003 e de 2003-2005, o
número de representantes do CMS é de 34 (trinta e quatro) membros, enquanto que, na
gestão 2006-2007, esse número é modificado para 36 (trinta e seis) membros
66
.
Analisando os quadros e suas respectivas composições, as duas primeiras
gestões apresentam composições semelhantes no que se refere aos órgãos/entidades
representativos que participam do CMS. Com isso, as discussões na arena do CMS estão
permeadas por este universo de representantes durante os anos que cobrem as duas
gestões.
Porém, a gestão de 2006 a 2007 apresenta diferenciais composições em
diversos segmentos, sofrendo assim mudanças significativas nesse sentido. No segmento
dos gestores, a saída das Secretarias de Assistência Social e de Educação,
63 Centro de Saúde Vila Xavier.
64 Sindicato dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo de Ribeirão Preto.
65 Liga Araraquarense de Combate ao Câncer e Associação Promocional Imaculada Conceição (ICON).
66 Modificação expressa na Alteração de Lei 6377 de fevereiro de 2006 (Documento fornecido pela Secretaria
Municipal de Saúde de Araraquara)
149
permanecendo somente as Secretarias Municipal e Estadual de Saúde.
Há, dessa maneira neste segmento, a preponderância dos profissionais,
técnicos ligados à área da saúde. Como alguns trabalhos apontam, esse fator é
importante na medida em que o presidente do Conselho é necessariamente o Secretário
Municipal de Saúde e isso o é um diferencial no CMS de Araraquara. Porém, na última
gestão (2006-2007), uma mudança significativa no Conselho a este respeito. A
presidência do Conselho e os cargos auxiliares entraram no critério de paridade, ou seja,
não é mais o Secretário de Saúde quem assume a presidência do Conselho, mas todos
os segmentos, de maneira paritária, onde as eleições tornaram-se abertas para isso no
CMS a partir de decisão tomada pelos conselheiros
67
na V Conferência de Saúde,
realizada no ano de 2005.
Na medida em que avança o processo de descentralização (especialmente se
tomarmos como parâmetro a criação e expansão dos diferentes conselhos municipais)
mais importante se torna o papel do gestor municipal no conjunto do sistema em relação
às possibilidades de efetividade institucional.
Outro fato importante com relação à preponderância da área da saúde no
segmento dos gestores é a questão da elaboração das pautas das reuniões. Isso implica
num predomínio por parte desse segmento na elaboração das pautas de discussão, que,
segundo as entrevistas concedidas para o trabalho, há uma unanimidade em apontar o
segmento como o responsável pelas mesmas, na figura da presidência do Conselho.
Com isso, cabe também ressaltar que, o predomínio dos gestores na
presidência do Conselho durante a maior parte do período pesquisado, indica também um
fator de destaque na literatura sobre o tema, pois, grande concentração de
informações em poder dos conselheiros ligados a esse segmento.
67 A mudança com relação à presidência do Conselho e seus auxiliares encontra-se no último regimento interno do
CMS de Araraquara, datado de 30/08/2006 (Documento fornecido pela Secretaria Municipal de Saúde)
150
Quanto aos prestadores de serviços, também há mudanças em relação à
representação. Verifica-se a inserção da APAE (Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais) e da Uniara (Centro Universitário de Araraquara - Universidade de
Araraquara) e a saída de representantes da Maternidade Gota de Leite, Santa Casa de
Misericórdia e Beneficência Portuguesa
68,
O segmento dos prestadores de serviços, com as mudanças evidenciadas na
saída da Santa Casa, Beneficência Portuguesa e Maternidade Gota de Leite
69
, mostra, na
inclusão de membros da Uniara e APAE, um predomínio do setor filantrópico e privado no
Conselho em relação aos prestadores da iniciativa pública, com dois representantes
titulares.
Um balanço geral das entrevistas, análise das atas e pautas de discussão do
CMS indica que um dos assuntos mais tratados e polêmicos referem-se à Santa Casa e
Beneficência Portuguesa, ambos os hospitais responsáveis por boa parte dos serviços
prestados pelo SUS no município. Sobre os assuntos discutidos no conselho,
analisaremos posteriormente o processo decisório do CMS, voltando ao tema.
É importante destacar o esvaziamento da participação desse segmento
(ligados aos dois hospitais) enquanto representativo no palco de debates do Conselho a
partir de 2006, mas não podemos nos esquecer de que seus representantes estiveram
presentes durante todo o período inicial delimitado para a pesquisa. Também não se pode
deixar de mencionar a importância do segmento dos prestadores na arena deliberativa do
Conselho. Grande número de informações também é delegada a esse segmento.
No segmento dos trabalhadores da saúde a inclusão de mais órgãos: o
68 Estas entidades aparecem representadas enquanto suplentes e não mais como titulares do cargo de conselheiros no
segmento dos prestadores de serviços. Os dois hospitais são suplentes do Hospital Espírita Cairbar Schutel (titular),
sendo representado por uma única conselheira: Solange Moura Nunes, ou seja, a conselheira representa dentro do
CMS como suplente a Santa Casa e a Beneficência Portuguesa.
69 O estabelecimento deixou de funcionar no ano de 2006.
151
Sindicato dos Odontologistas e os Conselhos Gestores das Unidades de Saúde.
Podemos notar que, no segmento dos trabalhadores, um predomínio, em todas as
gestões, de associações (farmacêuticos, cirurgiões dentistas, enfermagem e medicina),
ambas no âmbito privado, havendo somente o reforço da iniciativa pública com a inserção
em 2006 dos trabalhadores da saúde ligados aos Conselhos Gestores das Unidades de
Saúde. Observa-se a também a inserção de trabalhadores ligados ao Sindicado de
Saúde.
Pode-se afirmar haver certo equilíbrio na representação dos trabalhadores, no
sentido da iniciativa blica, particular e filantrópica. Como nos demais segmentos
anteriores, os trabalhadores da área detém grande número de informações e estão
presentes na política de saúde, que fazem parte da estrutura de saúde vigente no
município. Trata-se de segmento importante no processo deliberativo dos Conselhos.
Após analisar as representações dos gestores, prestadores de serviços e
trabalhadores da saúde, é importante lembrar que, à dinâmica dos trabalhos nos
Conselhos é presente em sua organização a influência das burocracias públicas. Com
isso, a arena destinada aos Conselhos é conjugada à discussão de temas específicos,
essencialmente em se tratando de saúde, e se, levarmos em conta esse fator, estes
espaços deveriam favorecer atores que tem grande conhecimento e são especializados
em temas particulares. Porém, esta não é a realidade destes espaços. Sua novidade
institucional encontra-se justamente no fato de incluir paritariamente o segmento dos
usuários, representantes da sociedade civil. Analisemos sua representação no CMS.
O segmento dos usuários foi talvez, o que apresentou maiores mudanças em
sua composição com relação às outras gestões. Foram eliminados da representação no
CMS a Associação Comercial, as Ong's, Associações de Moradores e as Associações de
Pais e Mestres, enquanto que, foram incluídos conselheiros representando os Conselhos
152
Gestores das Unidades de Saúde e duas entidades: uma assistencial e outra religiosa.
O principal fator de destaque na representação dos usuários, além da retirada
de diversos órgãos antes representados, foi a super-representação dos membros ligados
aos Conselhos Gestores.
Cabe mencionar o papel dos Conselhos Gestores das Unidades de Saúde para
o entendimento da representação no CMS de Araraquara. Eles foram criados pela atual
gestão do governo municipal com o intuito de ser um órgão subordinado ao CMS,
diagnosticando a situação das unidades de saúde do município e tendo a representação
dos usuários da comunidade. Tratou-se então de uma iniciativa da atual administração e
que trouxe para a representação do CMS os membros participantes dos Conselhos
Gestores das Unidades de Saúde.
No ano de 2001, foram criados os Conselhos Gestores das Unidades de Saúde
para possibilitar a participação da população na formulação de políticas públicas na
saúde. Nestes Conselhos a população se reúne para definir as diretrizes das unidades de
saúde.
São órgãos auxiliares e colegiados, de natureza consultiva e fiscalizadora,
subordinados ao Conselho Municipal de Saúde. A composição dos Conselhos Gestores é
paritária, ou seja, o número de funcionários representados tem que ser igual ao de
representantes da comunidade. O Conselho Gestor teo mero de membros fixados a
critério da Unidade de Saúde e respeitadas suas características, assegurando a paridade
de 50% (cinquenta por cento) para representantes da população, entre os usuários do
SUS, e 50% (cinquenta por cento) para os servidores municipais da respectiva unidade.
Nas eleições do Conselho Gestor, os representantes dos servidores da
unidade são eleitos pela categoria, através de eleição direta e secreta entre seus pares e
os membros indicados pela comunidade são escolhidos através de eleição direta, que é
153
organizada pela Coordenadoria de Participação Popular (ligada ao Orçamento
Participativo, instituído pelo governo municipal no ano de 2001), juntamente com as
associações de moradores dos bairros atendidos na respectiva unidade, aberta à
população da área geográfica de sua abrangência, sob a coordenação da Secretaria
Municipal de Saúde e do Conselho Municipal de Saúde.
Sobre a representação dos Conselhos Gestores, há registros em atas das
reuniões do CMS que levantam a polêmica entre os conselheiros. É importante relembrar,
ainda que, a inclusão dos Conselhos Gestores no CMS foi fruto de deliberação da V
Conferência Municipal de Saúde de Araraquara
70
, realizada em dezembro de 2005, que
deu conta da nova composição do Conselho para o ano de 2006. Esta resolução
encontra-se na Lei de Reformulação do Conselho de 13/02/2006.
Vejamos alguns registros das atas anteriores à V Conferência Municipal de
Saúde, que justamente tinham como pauta a mesma, que é realizada pelo CMS. Constam
em atas dos conselhos as seguintes discussões envolvendo os Conselhos Gestores:
“(...) o conselheiro Marcelo Lopes (usuários) iniciou sua fala
abordando sua preocupação de como vai ser realizado o processo
para a composição do novo Conselho Municipal de Saúde (...) os
Conselhos Gestores vão participar das plenárias 'sendo um peso
absurdo e exagerado que os conselheiros não tem claro como será
esse processo' (...) O conselheiro também colocou que o
envolvimento do Orçamento Participativo é voltado para alguns
interesses e que não é contra os Conselhos Gestores, mas que
gostaria de uma definição clara 'das regras do jogo' e que todos
tenham os mesmos pesos nas deliberações...
71
(Ata CMS
21/11/2005, grifo nosso).
Na mesma ata, após constar que a discussão era polêmica, seguem registros
70 De acordo com o regimento interno do CMS, os membros do conselho não são eleitos na Conferência de Saúde, mas
sim em fóruns próprios dentro de cada segmento. Apenas os segmentos (entidades e órgãos) são eleitos na
Conferência.
71 Quando é citado pelo conselheiro o envolvimento do Orçamento Participativo, ele refere-se ao fato de os Conselhos
Gestores estarem ligados à Coordenadoria de Participação Popular, que faz parte do Orçamento Participativo, criado
pelo governo municipal no ano de 2001, na gestão do PT.
154
sobre outros conselheiros a respeito do assunto:
“A conselheira Rosana Nasser informou que a participação da
Associação de Pais e Mestres é legítima” (Ata CMS – 21/11/2005).
“O conselheiro Feiz Mattar (usuários) também colocou que não é
contra os Conselhos Gestores” (Ata CMS 21/11/2005, grifo
nosso).
“O conselheiro Walter Manso Figueiredo (Prestador serviços) disse
não ter nada contra os Conselhos Gestores, mas que o Conselho
Municipal de Saúde deveria ter cuidado de como se fará o processo
de composição do mesmo e reiterou sua preocupação” (Ata CMS
21/11/2005, grifo nosso).
Em ata do dia 12 de dezembro de 2005, entre outras discussões, a polêmica
dos Conselhos Gestores continua fazendo parte dos questionamentos de muitos
conselheiros:
“Rosana Nasser (trabalhadores) disse que não concorda com as
nove vagas destinadas para o segmento dos usuários, sendo que
instituições que os representam em diversos segmentos da
sociedade. Izaias (usuários) acha que tem que ter mais espaço
para as Associações. Maria José Carlos (usuários) disse que são
poucos os Usuários no Conselho Municipal de Saúde e são esses
que verdadeiramente 'brigam' por um melhor atendimento no SUS.
Dr. Walter Figueiredo (prestador serviços) expôs que Conselho
Gestor e Usuários são duas coisas distintas e disse ter dúvida no
que se entende por Entidade Assistencial referendado na Proposta
de Lei (Ata CMS – 21/11/2005, grifos nossos).
Dentre as principais mudanças existentes no CMS, a que mais chamou-nos a
atenção foi a super-representação dos Conselhos Gestores no segmento dos usuários, e
isso também foi ressaltado pelos conselheiros de outros segmentos, quando concederam
entrevistas e foram perguntados sobre a participação e influência dos diferentes
segmentos, apresentando suas impressões sobre tais mudanças:
155
“Nós estamos num CMS muito apático. O antigo era melhor. Nesse
Conselho novo, as pessoas estão de figura e aquele pessoal dos
Conselhos Gestores (usuários), não sei... Não sei até quando vai
funcionar. Muita gente (usuário) passa três, quatro anos sentada ali
nas cadeiras e nada... As pessoas entram e uma rotatividade
muito grande” (Conselheira Representante do Segmento de
Prestadores de Serviços).
A seguir, uma conselheira, representante dos trabalhadores da saúde também
relata sobre o mesmo assunto,
“Eu acho que todos os segmentos têm uma influência e todas elas
são positivas. Talvez, os usuários – hoje em dia a tendência é
colocar os usuários das unidades gestoras de saúde eu concordo
que eles são usuários legítimos, mas eles deveriam estar mais
preparados para participar do CMS. As vezes eles não influenciam
muito por não saber como resolver a situação. Na verdade eles
poderiam ter uma influência maior por causa de serem eles os
usuários legítimos deveriam influenciar, mas isso se perde um
pouco. Eles não sabem como funciona o CMS etc” (Conselheira
Representante dos Trabalhadores da Saúde).
Outro conselheiro, representante dos usuários, quando foi perguntado sobre a
questão da paridade, relatou sobre os Conselhos Gestores,
“Olha, eu sou a favor da paridade, em tese, sou a favor. Mas há uma
distorção disso aqui em Araraquara. Aqui você tem uma distorção
dessa participação. O poder público constituiu os Conselhos
Gestores das Unidades de Saúde e hoje essa idéia de paridade está
comprometida. Esses representantes dos Conselhos Gestores
pouco participam e foram incluídos na representação do segmento
dos usuários, mas eles estão na verdade representando o poder
público....” (Conselheiro Representante dos Usuários).
De acordo com as entrevistas e com os dados relacionados a respeito da
representação dos usuários, fazem-se necessários alguns esclarecimentos. Na Lei nº.
6377, aprovada em 09 de fevereiro de 2006, que coincide com a reformulação do quadro
de componentes do Conselho Municipal, em seu artigo 5º. Se estabelece:
156
Art. 5º. O Conselho Municipal de Saúde terá a seguinte composição:
I 18 (dezoito) representantes dos segmentos organizados de usuários do
Sistema Único de Saúde, sendo 09 (nove) do segmento Usuário das
Unidades de Saúde, 02 (dois) de portadores de patologia, 02 (dois) de
portadores de deficiência, 02 (dois) de sindicatos de trabalhadores, 01
(um) de entidades assistenciais, 01 (um) de organizações religiosas e 01
(um) de clubes de serviços.
Conforme indica o artigo presente na lei de reformulação do Conselho, a
representação dos usuários incorpora 9 (nove) representantes dos Usuários das
Unidades de Saúde. Embora não especificado na Lei, isso ficou retratado na inserção,
dentro dessa representação dos Conselhos Gestores das Unidades de Saúde, ou seja,
esses representantes são provindos desse órgão colegiado criado pelo governo
municipal.
Ainda, sobre a representação dos usuários, é importante destacarmos que, é
razoável supor que os atores da sociedade civil, carecem de informações, influência e
organização e que geralmente estão dispersos e estes são, sem dúvida, fatores que
impedem, senão até prejudicam o processo decisório e de deliberações nos Conselhos.
Algumas das entrevistas deixam claro, senão, o fato do desconhecimento desses atores
com relação ao processo decisório, mas ainda ressaltam, de acordo com as entrevistas,
os pormenores da questão, repito aqui algumas das passagens das entrevistas:
“(...) O poder público constituiu os Conselhos Gestores das
Unidades de Saúde e hoje essa idéia de paridade está
comprometida. Esses representantes dos Conselhos Gestores
pouco participam e foram incluídos na representação do segmento
dos usuários, mas eles estão na verdade representando o poder
público....” (Conselheiro Representante dos Usuários).
“Nesse Conselho novo, as pessoas estão de figura e aquele pessoal
dos Conselhos Gestores (usuários), não sei...” (Conselheira
Representante dos Prestadores de Serviços).
157
Talvez, os usuários hoje em dia a tendência é colocar os usuários
das unidades gestoras de saúde eu concordo que eles são
usuários legítimos...” (Conselheira Representante dos Trabalhadores
da Saúde).
A escolha autônoma pela sociedade das organizações que farão parte dos
conselhos é condição fundamental para a existência, de fato, de uma instância de
participação colegiada. Santos (2004, p. 133) afirma:
Essa questão diz respeito aos princípios básicos da representatividade das
organizações e da autonomia da sociedade em relação ao Estado. A
indicação dos conselheiros e suas respectivas organizações pelo poder
público ferem o próprio sentido da representação da sociedade civil, na
medida em que a participação está aberta aos atores considerados
“confiáveis” pelo poder público, o que, de alguma forma, contribui para
reproduzir o núcleo de poder existente (SANTOS, 2004, p. 133)
.
Ao analisarmos o processo de escolha dos representantes para a composição
do CMS, nos auxiliou para a compreensão da ação das organizações da sociedade civil
no município. De acordo com as informações que obtivemos na Secretaria de Saúde, os
gestores foram responsáveis pela indicação de quais segmentos iriam participar ou não
do Conselho. As organizações e entidades foram convidadas para participar da
constituição do CMS e a escolha dos representantes ficou a cargo de cada segmento. No
entanto, as entrevistas com alguns conselheiros demonstram que houve indicação de
pessoas ligadas aos gestores para ocupar cargos de conselheiro, contrariando as
informações da Secretaria.
Os trechos das entrevistas selecionadas para ilustrar o fato da super-
representação nos Conselhos Gestores, na verdade, além de apontarem esse fato,
trazem para a discussão outros problemas também enfrentados no conselho.
Elencaremos alguns deles e faremos, no próximo item, o esforço de tematizá-los, a fim de
retratar algumas das faces do processo decisório no CMS de Araraquara durante o
período estudado.
158
Dentre as dificuldades apontadas pelos conselheiros, podemos destacar o
papel representativo dos segmentos dentro do Conselho, e, se ambos, estão de fato
representando suas entidades e ainda, aque ponto a participação e a influência dos
segmentos é positiva ou não.
também a evidência da dificuldade enfrentada entre os diferentes
segmentos, quanto ao desconhecimento que alguns apresentam diante do processo
deliberativo, das discussões em pauta e do próprio Conselho em si.
Um outro fator destacado pela Conselheira representante do segmento dos
prestadores de serviços é a questão do número de gestões em que os conselheiros
participaram no CMS. De acordo com os dados coletados em questionário aplicado aos
conselheiros, a tabela abaixo apresenta a proporção de número de vezes que participou
em diferentes gestões do CMS:
Tabela 4 – Participação em Gestões Anteriores do CMS de Araraquara
________________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Governo 100
Trabalhadores em Saúde 60,0
Prestadores de Serviços 40,0
Usuários 58,5
Fonte: Pesquisa
Os números acima indicam o que muitos estudos de caso vêm explorando
nestas experiências, onde muitos conselheiros passam anos representando seus
segmentos dentro dos conselhos, tornando-se, muitas vezes, membros “natos”. Tatagiba
(2002, p. 68) lembra que, acerca da representatividade dos conselheiros: “(...) é preciso
registrar que, seria muito difícil, mesmo para o mais bem intencionado dos governos, ou
para a mais participativa das comunidades, fazer-se representar de forma qualificada nos
159
inúmeros conselhos hoje em funcionamento”. Há, entre os conselheiros entrevistados,
declarações de pertencerem ao CMS desde o seu início, em 1991, quando o conselho foi
criado.
Outro dado importante é o número de conselheiros que, além de comporem a
representação no CMS de Araraquara, ainda fazem parte de outros Conselhos. A tabela
abaixo procura mensurar esses dados.
Tabela 5 – Participação em outros Conselhos
________________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Governo -
Trabalhadores em Saúde 7,69
Prestadores de Serviços 15,4
Usuários 11,54
Fonte: Pesquisa
De acordo com os dados da tabela, com exceção do segmento governamental,
todos os demais segmentos fazem parte de outros conselhos gestores. O trabalho de
Tonella (2006, p. 112-113) sobre os Conselhos do Paraná, indica que casos de muitos
conselheiros com representação em diversos conselhos. De acordo com a autora, isso
pode prejudicar o andamento do processo deliberativo, na medida em que a participação
em diversos conselhos exige um conhecimento específico de cada área social, que possui
legislações diferenciadas e pode prejudicar tanto a absorção e o fornecimento de dados
para uma participação de qualidade nestes espaços.
De acordo com Tatagiba (2002. p. 68), ainda é importante lembrar que, a
representação em diversos conselhos também leva à sobrecarga de trabalho dos
160
conselheiros que atuam em muitos conselhos ao mesmo tempo.
Um outro fator, que é provindo da participação em diversos conselhos, é a
rotatividade dos conselheiros, pois, muitos, não conseguem administrar sua
representação. Isso é um fato importante, na medida em que se observa, através da
leitura e levantamento das atas das reuniões de todo o período estudado no CMS de
Araraquara, recorrentes informes de mudanças de conselheiros dos segmentos de
trabalhadores em saúde, prestadores de serviços, e em especial os representantes dos
usuários.
Os diversos fatores explicitados nas entrevistas têm o sentido de mostrar que
os segmentos têm diferentes maneiras de lidar com sua representação enquanto
conselheiro e as dificuldades entre eles estão explícitas, como aponta a literatura sobre o
tema. Procuraremos, no próximo item visualizar como se operacionaliza o processo
decisório do CMS de Araraquara, o que se discute, e que tipo de participação e
representação podemos encontrar nessa arena.
4.4.3 – O processo decisório no CMS de Araraquara
Após apresentar os atores políticos e o seu papel representativo no CMS de
Araraquara, cabe verificar como opera o processo decisório neste espaço deliberativo,
atentando para a sua dinâmica de funcionamento, canalizando a identificação do tipo de
participação existente, a qualidade da mesma, ampliar nossa análise para visualizar o
conselho em ação e verificar o espaço ocupado nas pautas das reuniões.
Para levantar os dados a seguir, utilizamos a análise documental como técnica,
as entrevistas realizadas e as atas das reuniões do CMS. Nosso objetivo foi analisar a
161
dinâmica do conselho e apontar suas possibilidades e limites na constituição de uma
esfera democrática, verificando como a lógica participativa e a representativa dão corpo
ao cotidiano da arena decisória, avaliando, a capacidade deliberativa e propositiva em
relação a política pública de saúde. A partir dos dados e do arcabouço teórico utilizado,
procuramos observar quais os mecanismos que impedem ou contribuem para essa
dinâmica.
É importante mencionar, sobre nossa opção metodológica de consulta às atas
que, em detrimento de outras técnicas, ela apresenta vantagens e limites. Dentro da
análise documental, um dos limites é a abrangência do seu conteúdo, onde muitas vezes
não estão ou são relatados os acontecimentos, as discussões, assuntos e idéias
debatidas. Reverberando Perissinoto (2002), com todos os problemas que as atas
representam, elas apresentam o conselho em ação.
Com isso, a equação pluralidade/deliberação nas experiências participativas
dos Conselhos, deve apontar para um movimento de renovação e de reacomodação dos
instrumentos de ação política no interior das práticas institucionais da sociedade
brasileira, indicando que, muito menos que oposição, estes instrumentos estabelecem
combinações entre participação e representação.
Recai, ao conjunto dos diferenciados contextos, apresentar, de que maneira
isso se configura, ou reiterando as palavras de Luchmann (2007, p. 165), “(...) uma
representação legítima requer uma participação ativa por parte dos indivíduos, grupos e
organizações sociais”. Comecemos por essa identificação... Procuraremos analisar nas
próximas páginas a operacionalização da participação e da representação no CMS de
Araraquara, contribuindo para o conjunto das experiências de participação, sabendo-se
que sua generalização torna-se, no mínimo, apressada, pois, cada arena detém aspectos
peculiares de dinâmicas e a verificação de seu cotidiano pode contribuir para uma melhor
162
absorção desse quadro.
A análise do processo decisório no CMS de Araraquara, teve como orientação,
questões relacionadas, principalmente: ao compromisso dos conselheiros, tanto com sua
participação, quanto à representação no conselho; como cada segmento participa e de
que maneira; como são e quais são os debates; o que se delibera ou não; como e quais
os assuntos mais importantes inseridos no debate e como procedem as questões
relativas aos gastos, recursos e orçamentos.
Com isso, organizamos a apresentação em tópicos, na seguinte sequência:
a) Frequência dos Conselheiros por gestão;
b) Participação dos segmentos no orçamento do CMS;
c) Debates, temas, discussões e contestações no CMS;
d) Propostas apresentadas por segmento;
e) Assuntos sobre os quais mais se delibera no CMS;
f) Deliberação por tipo e grau de contestação e
g) Prestação de Contas.
a) Frequência dos Conselheiros às reuniões do CMS
Para realizarmos a análise da frequência dos conselheiros às reuniões,
utilizamo-nos de informações obtidas pelo acesso, via Secretaria Municipal de Saúde, às
listas de presença das atas das reuniões, identificados nas tabelas 6, 7 e 8.
163
Tabela 6 Frequência dos Conselheiros por segmento às Reuniões do CMS de
Araraquara
________________________________________________________________________
Segmento/Gestão 2001-2003 2003-2005 2006-2007
Quantidade (%) Quantidade (%) Quantidade (%)
____________________
_________________
_________________
_________________
Gestor 100 100 100
Trabalhadores 90,0 92,0 85,0
Prestadores de Serviços
85,0 88,0 82,0
Usuários 78,0 75,0 67,0
________________________________________________________________________
Fonte: Listas de presença das Atas das reuniões do CMS.
É importante considerarmos, ao verificar a frequência dos conselheiros, que
esse fator não se torna suficiente para a análise do cotidiano do Conselho. Sua
observação contribui no sentido de identificarmos se estamos diante de um conselho que,
de fato reúne-se para deliberar os assuntos que são sua pauta, e, até que ponto, pode-se
visualizar o compromisso dos representantes com assento no CMS.
Outro destaque importante, de acordo com Tatagiba (2002) é o de que, a
igualdade numérica não permite afirmar que essas esferas estão cumprindo seu papel
deliberativo. A simples presença dos conselheiros não espelha o que de fato é o cotidiano
conselhista.
Os dados apresentados na tabela confirmam que o gestor municipal esteve
presente ou representado por meio de funcionários da Secretaria Municipal de Saúde em
todas as reuniões das gestões analisadas.
Entretanto, é importante esclarecer que a frequência dos gestores nem sempre
correspondeu à frequência dos titulares. De acordo com as atas, identificamos em
algumas reuniões o envio de funcionários da Secretaria Municipal de Saúde para
substituí-los. De acordo com algumas entrevistas, alguns assuntos não eram deliberados
devido à ausência do presidente do conselho, inclusive as atas registram esse fato.
164
A frequência dos trabalhadores oscilou, respectivamente nas três gestões em
90%, 92% e 85%. os prestadores de serviços, apresentaram a seguinte frequência na
ordenação das gestões: 85%, 88% e 82%. O segmento dos usuários apresenta, dentre os
demais segmentos o de menor frequência, embora isso não identifique sua menor
participação. Temos aqui um número de representantes que são paritários aos três
segmentos acima citados. Com isso, sua frequência indica, na ordem das gestões: 78%,
75% e 67%. Torna-se importante resgatar, sobre a participação e presença dos usuários,
as diferenças com relação ao seu compromisso com o CMS, as dificuldades encontradas
por alguns dos representantes em fazer-se presente nas reuniões, e outros fatores em
destaque nos levantamentos da literatura sobre a questão.
Pode-se tomar como base para a boa frequência dos segmentos, o
compromisso do CMS em enviar as pautas de reunião com antecedência de uma semana
da reunião. Esse dado fora confirmado pelos conselheiros, assim como a própria
Secretaria Municipal de Saúde, através do secretário de gabinete, disponibilizou para a
pesquisa todas as convocações para as reuniões via e-mail. Dessa maneira, os
conselheiros eram informados por meio de suas entidades sobre a data e pauta das
reuniões, tanto ordinárias, quanto extraordinárias.
Sobre a presença dos conselheiros, mais especificamente, a lista assinada
pelos mesmos, cabe alguns esclarecimentos, que, não se tratavam de uma regra, mas
digamos, de alguns desvios das mesmas, não identificado no segmento dos gestores.
Sobre a presença dos conselheiros, a verificação das listagens aponta, em alguns casos,
a assinatura de outra pessoa, ou seja, não correspondente ao nome da lista. Com isso,
entre os segmentos dos trabalhadores, prestadores e usuários também identificamos a
prática de encaminhar outras pessoas para que o conselheiro não fosse alertado ou até
afastado do CMS por suas faltas sem justificativa.
165
A consulta às atas apontam também um problema recorrente às reuniões do
CMS: muitos conselheiros o ficavam até o final das reuniões, prejudicando o processo
decisório e as deliberações. Segundo registro em ata de 14/04/2004, demonstra a
situação em relação à presença dos conselheiros até o final da reunião. Um representante
dos usuários: “Solicitou que este assunto seja discutido na próxima reunião extraordinária
e que se cumpra o regimento. Que com três faltas consecutivas o conselheiro seja
substituído, bem como a lista de presença ser passada no final das reuniões...” (Ata CMS
– 14/04/2004).
Uma das consequências da saída dos conselheiros antes do término das
reuniões, desemboca nas “alternativas” encontradas para a aprovação dos assuntos que
exigiam prazos ou, de acordo com a Secretaria de Saúde, “tratavam de assuntos
urgentes”. Em ata de reunião realizada em 17/12/2003 o relato da solução do CMS
diante de aprovação a respeito de valores de exames suplementares e custos de
aparelhos para os mesmos: “Como não havia quorum suficiente para aprovação, ficou
determinado por unanimidade pelo Conselho Municipal de Saúde que os conselheiros que
se ausentaram antes do término da reunião do Conselho assinariam a aprovação
posteriormente” (Ata CMS - 17/12/2003).
Ainda com relação às reuniões do CMS, de acordo com a documentação
analisada, as reuniões agendadas aconteceram, com a inclusão, de reuniões
extraordinárias quando necessário nas três gestões. Durante o período, embora o
levantamento da frequência se mostre positivo, algumas reuniões não foram realizadas
devido à falta de quorum.
No entanto, casos específicos foram verificados: no ano de 2004, durante o
mês de outubro, não foi realizada nenhuma reunião; ainda, em 2005, de acordo com a
documentação, dos meses de abril a julho, o CMS não realizou nenhuma reunião e, em
166
2006, durante o “período da reformulação do Conselho” (informação fornecida pela
Secretária de Saúde), os meses de março e abril não apresentaram nenhuma reunião. Tal
fato aponta que houve um prejuízo da participação e do controle social, inclusive das
deliberações da política de saúde municipal.
Em entrevista à Secretária de Saúde, quando questionada a respeito desses
“buracos” nas reuniões, a resposta obtida foi que “em alguns meses muitos eventos e
os conselheiros encontram-se ocupados e isso inviabilizava as reuniões”. Entrevistas com
os conselheiros representantes dos demais segmentos afirmam que, as comissões do
Conselho, mesmo sem reuniões, continuavam trabalhando em prol do CMS.
b) A participação dos segmentos no orçamento anual do CMS
Elaborar as estratégias para a política de saúde é uma das principais
prerrogativas do conselho municipal. Importante mecanismo desse processo é a
aprovação do orçamento do Conselho. O gestor deve apresentar a proposta ao Conselho
e por meio da interlocução dos segmentos, melhorar e aprovar seu orçamento.
Como ressalta Tatagiba (2002), com relação à discussão dos gastos e
orçamentos nos conselhos gestores, a assimetria entre os representantes do governo, de
um lado, com tempo disponível, assessoria, equipamentos e informações, e os
representantes da sociedade, de outro lado, sem as mesmas condições, podem
comprometer a participação da sociedade civil.
A elaboração e discussão do orçamento denota o momento de principais
disputas ao redor da distribuição de recursos entre os segmentos representados no CMS.
Na análise da documentação e das reuniões, a incorporação de demandas e negociação
de interesses ocorreu a partir da formação de três comissões com formação paritária para
167
a elaboração do orçamento municipal da saúde. Aqui, cabe destacar que os
representantes que se sentiam melhor preparados e detinham certo conhecimento,
conformavam essa composição.
Com relação ao orçamento no CMS, os principais problemas apresentados
nas entrevistas e registrados na atas que discutiam o orçamento, estavam
essencialmente ligados ao desconhecimento com relação às tabelas, custos, enfim,
dificuldades de entendimento técnico e conhecimentos específicos. Destacamos as
declarações de alguns conselheiros:
“Essa questão de se os assuntos foram discutidos de forma clara:
esquece... Não se entende clara e perfeitamente os assuntos. Você
chega para os Conselheiros e fala para eles as contas, aí eles
perguntam: O que é o CMS? Ou seja, tem um palavreado em que as
pessoas se perdem. Faz na sua pesquisa um levantamento de
quantos termos técnicos eles usam nas reuniões. Então é toda uma
situação em que a matéria discutida fica complicada. Com relação
aos usuários, a escolaridade é pequena, aliás, não vou falar da
escolaridade, mas a situação é complicada e não há clareza na
prestação de contas. o clareza na aprovação das peças
orçamentárias: é tudo muito confuso, é complicado, a gente aprende
diariamente, mas a prestação de contas é muito complexa”
(Conselheira representante dos prestadores de serviços).
“Não clareza nas contas” (Conselheiro representante dos
prestadores de serviços).
“Eu acho que geralmente as dificuldades são maiores com relação à
aplicação de recursos. Nem sempre todos concordam com os
recursos da maneira que a gestão aplica. conflitos sobre como a
gestão administra os recursos. Por exemplo o Plano Anual. Você
as provisões de gastos e é tudo uma maravilha e chega no meio do
ano e quase nada foi cumprido. Agora, como a Secretária era
Presidente, ela tendia a fazer o Plano de uma maneira a não gerar
questionamentos. Agora a questão vai ficar pior. [com relação à
nova composição da mesa diretora paritária]” (Conselheiro
representante dos trabalhadores da saúde, grifo nosso).
168
“O orçamento sempre foi muito complicado, mas confesso que eu
era uma pedra no sapato da presidência do conselho, eu estudava
de fato a peça orçamentária e muitas vezes brigava diretamente com
a mesa diretora” (Conselheiro representante dos usuários).
“Nesses orçamentos, tabelas, sinto-me como um peixe fora d'água.
Entende?” (Conselheira representante dos usuários).
As comissões, sem dúvida, trouxeram para o espaço do CMS uma maneira útil
de lidar com assuntos tão importantes, e ao mesmo complicados para a discussão como
os orçamentos e gastos. A formação das comissões especiais paritárias favoreceu a
participação ampla dos segmentos do conselho e tiveram efeitos positivos, porém, alguns
fatores ainda obstaculizam uma ocupação mais efetiva das comissões por parte dos
conselheiros, como por exemplo, fatores como a falta de tempo, a falta de capacitação
para a compreensão da complexidade da contabilidade e o desconhecimento técnico da
área de saúde. No entanto, as comissões de orçamento representam a possibilidade, com
ressalva para seus limites, de uma ampliação da participação, envolvendo os segmentos
do CMS nas mesmas.
c) Instituição dos debates, apresentação de temas para discussão e contestação no
CMS
O cotidiano dos conselhos se apresenta enquanto arena, por definição, da
instituição de debates a respeito das políticas sociais. O conhecimento a respeito da
instituição dos mesmos nos permite visualizar de que maneira o CMS, por meio de seus
conselheiros agem. A participação no processo decisório torna-se mais evidente quando
analisamos a inserção dos debates e em torno de que neles são gerados.
De acordo com a análise das atas, a instituição do debate dispensa tabelas. O
169
segmento dos gestores é o principal responsável pela instituição do debate dentro do
CMS, uma vez que é o responsável pelas atas, como já discutido no capítulo. Nas
primeiras gestões, é importante recordar que o presidente do CMS tinha como seu
representante a própria secretária de saúde. a partir de 2006, a mesa diretora
apresenta-se de maneira paritária, porém, de qualquer modo, os debates normalmente se
iniciavam com a palavra do gestor, pois, tendo em vista que o início da composição
paritária da mesa diretora requereu auxílio, essencialmente do gestor e da Secretaria
Municipal de Saúde.
Após a instituição do debate, é importante conhecer a apresentação dos temas,
discussões ou esclarecimentos dos conselheiros
72
no CMS. Os dados são fornecidos por
meio da tabela 7.
Tabela 7 Apresentação de pareceres, temas e esclarecimentos sobre o debate
instituído, por segmento
________________________________________________________________________
Segmento/Gestão 2001-2003 2003-2005 2006-2007
Quantidade (%) Quantidade (%) Quantidade (%)
____________________
_________________
_________________
_________________
_
Gestor 36,0 34,5 29,7
Trabalhadores 11,0 9,80 11,0
Prestadores de Serviços
15,0 13,0 9,10
Usuários 38,0 42,7 50,2
________________________________________________________________________
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
Pode-se notar que o gestor, por meio de seus técnicos e dos conselheiros, tem
uma grande influência na apresentação de pareceres, temas e esclarecimentos que serão
colocados em votação. Porém, os usuários detêm grande influência nesse quadro. No
72 Para a realização destes levantamentos, consideramos, através das atas das reuniões, os segmentos que pediam a
fala, que eram identificados nas atas e fizemos a aplicação e contagem de acordo com o segmento do conselheiro.
170
entanto, vamos aos dados por gestão.
A gestão 2001-2003, apresenta uma sequência respectiva de análise dos
dados, caracterizada por: 38% dos usuários, seguidos de 36% dos gestores, 15% dos
prestadores de serviços e por último, os trabalhadores da saúde, com 11% de
questionamentos.
Na gestão 2003-2005, a seguinte apresentação: em primeiro, os usuários,
com 42,7, em segundo, os gestores com 34,5%, em terceiro, os prestadores de serviços
com 13% e em último os trabalhadores, com 9,8%.
Na recente gestão, de 2006-2007, a tabela ilustra: os usuários com 50,2%, os
gestores com 29,7%, os trabalhadores com 11%, e os prestadores de serviços com 9,1%.
Os gestores são o segundo segmento que mais se manifesta com respostas às
intervenções apresentadas pelos demais segmentos com relação ao debate gerado.
Prestadores e trabalhadores apresentam importância de terceiro e quarto lugar
respectivamente nas primeiras duas gestões, enquanto que na última os trabalhadores
ocupam o terceiro e os prestadores o último.
Apesar de certa homogeneidade com relação às três primeiras gestões,
percebemos que, os assuntos apresentados no CMS, geram debates e, os segmentos,
de maneira geral, interferem no mesmo, seja por meio de pareceres ou esclarecimentos.
A análise dos dados permite visualizar uma participação ampliada dos usuários. Com
relação aos trabalhadores, sua atuação é mais baixa nas duas primeiras gestões,
enquanto que, na última, apresenta uma maior participação em relação às anteriores.
Cabe, neste momento da pesquisa, tecer esclarecimentos sobre as tabelas
futuras que serão apresentadas. A partir do levantamento de dados com relação às
demais questões priorizadas para o trabalho (sobre o processo decisório), o levantamento
por gestão, se mostrou relativamente similar entre as mesmas. As tabelas apresentadas a
171
seguir, permearão o universo total de gestões, e, com isso, os dados serão agrupados a
partir das informações obtidas durante todo o período de análise, isto é, pelo período de
2001 a 2007.
Tendo por base o número de intervenções totais por segmento durante o
período estudado, nas três gestões (2001-2007), temos o seguinte quadro de
intervenções ilustrado na tabela a seguir.
Tabela 8 Participação no debate (intervenções) durante todas as gestões (2001-
2007) por segmento
________________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Gestor 18,9
Trabalhadores 16,0
Prestadores de Serviços 13,8
Usuários 51,3
________________________________________________________________________
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
De acordo com a tabela 8, os usuários representam mais da metade (51,3%)
do debate (intervenções) que ocorreram no CMS. A participação do governo, aparece em
seguida, com percentual de 18,9%. Após os gestores, aparecem os trabalhadores, com
16% e os prestadores de serviços, com 13,8%. Esses números conferem, se levarmos em
conta o critério de paridade, uma ampla participação dos usuários na arena conselhista e,
em relação aos prestadores de serviços uma participação menor que os outros atores
(gestores e trabalhadores).
Do total de assuntos apresentados durante as três gestões do CMS de
Araraquara, 59% deles foram objeto de debate. Com isso, o conselho apresenta um
172
potencial positivo de discussão a respeito dos principais temas tratados.
Além da participação no debate geral do CMS é importante conhecermos o
grau de contestação dos segmentos. Trata-se de importante artifício para as negociações
no processo decisório. Para esses dados, agruparemos todo o período estudado. Os
números são apresentados na tabela 13.
Tabela 09 – Contestações por segmento (2001-2007)
________________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Gestor 15,5
Trabalhadores 14,9
Prestadores de Serviços 10,1
Usuários 59,5
________________________________________________________________________
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
As contestações apontam os usuários como principal referência, com
percentual de contestação de 59,5%. Em seguida, acompanhados pelos gestores, com
15,5% das contestações, em terceiro, os trabalhadores (14,9) e em último os prestadores
de serviços (10,1%). É importante ressaltar que, de 59% dos assuntos que geraram
debate, 32% deles foram objeto de contestação pelos conselheiros.
O universo dos debates e contestações existentes no CMS poderão ser
visualizados com maior aproveitamento de nossa análise, quando destacaremos a seguir,
os principais assuntos e propostas discutidos e as deliberações observadas.
d) Propostas apresentadas por segmento
Para levantar os dados da tabela abaixo, listamos as principais propostas do
173
período e agrupamos em três grupos: A, B e C (apresentados na legenda da tabela). De
maneira geral, as propostas apresentadas permearam esses assuntos.
Tabela 10 – Propostas apresentadas por segmento (2001-2007)
________________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Gestor 45,0 42,0 28,0
Trabalhadores 10,0 32,0 26,0
Prestadores de Serviços 35,0 14,0 15,0
Usuários 10,0 12 ,0 31,0
________________________________________________________________________
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
Legenda:
A = Propostas relativas a repasses financeiros, gastos, orçamentos.
B = Propostas relativas à organização dos serviços de saúde.
C = Propostas de capacitação e ampliação da participação.
De acordo com a tabela 10, o segmento dos gestores, com relação aos três
conjuntos de propostas evidenciadas no CMS, representam os maiores percentuais
comparados aos demais segmentos.
Nas propostas relativas à repasses financeiros, gastos e orçamentos (A),
depois dos gestores, os prestadores de serviços apresentam o segundo maior número de
propostas (35%), enquanto que trabalhadores e usuários apresentam percentual
semelhante (10%).
As propostas que visam a organização dos serviços de saúde, têm
preponderância de maiores percentuais entre os gestores (42%) e trabalhadores (32%).
Os dados demonstram o que a literatura sobre o tema evidencia sobre a preponderância
174
do setor ligado à política social, que o detentores dos conhecimentos técnicos. Tendo
assim, maior capacidade propositiva pelo fato de estarem ligados cotidianamente à área
de saúde. os prestadores de serviços, apresentam 14% de propostas, enquanto os
usuários encontram-se na última posição com 12%.
no último quesito de propostas, aquelas relativas à capacitação e ampliação
da participação, o quadro inverte-se, na medida em que os usuários apresentam grande
número (31%), superior aos gestores (28%). Na sequência seguem os prestadores de
serviços (26%) e os trabalhadores, com o mais baixo percentual de propostas (15%).
e) Assuntos sobre os quais mais se delibera
A partir das propostas apresentadas, foi possível classificar os assuntos sobre
os quais mais se delibera no CMS de Araraquara. Os dados extraídos das atas de
reuniões permitiram a classificação dos assuntos em: estrutura da participação,
capacitação, discussão de políticas públicas, programas, convênios e contratos,
credenciamento, finanças, denúncias, irregularidades e outros.
175
Tabela 11 – Assuntos sobre os quais se delibera no CMS (2001-2007)
________________________________________________________________________
Assuntos Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Estrutura da Participação
10,0
Capacitação
2,0
Discussão de Políticas Públicas
15,0
Programas
13,0
Convênios e Contratos
14,0
Credenciamento
13,3
Finanças
15,7
Denúncias/Irregularidades
12,0
Outros
5,0
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
Pelos dados acima apresentados, podemos visualizar, em ordem de
importância, as seguintes porcentagens de assuntos mais discutidos no CMS de
Araraquara:
1º) Finanças (15,7%);
2º) Discussão de Políticas Públicas (15%);
3º) Convênios e Contratos (14%);
4º) Credenciamento (13,3%);
5º) Programas (13%);
6º) Denúncias/Irregularidades (12%);
7º) Estrutura de Participação (10%);
176
8º) Outros (5%) e
9º) Capacitação (2%).
Durante o período analisado, o Conselho dedicou-se majoritariamente a
assuntos relacionados às finanças, políticas blicas, convênios e contratos,
credenciamento, programas, denúncias/irregularidades e estrutura de participação.
Tendo em vista os assuntos tratados no CMS, cabe inferir o tipo de deliberação
praticada pelos conselheiros.
f) Deliberação por tipo e grau de contestação
A análise do tipo de deliberação existente nos auxilia na visualização da
constatação dos assuntos mais debatidos no CMS. A qualidade da deliberação pode ser
avaliada de acordo com os tipos de decisão (PERISSINOTO: 2004).
Os tipos de decisões variam de acordo com o seu impacto sobre a gestão. As
moções e os encaminhamentos, por exemplo, são considerados uma modalidade fraca,
pois, não interferem nos procedimentos da gestão. As aprovações de propostas são
consideradas intermediárias porque interfere na rotina da gestão da política de saúde.
a prestação de contas e as resoluções são consideradas fortes devido à mudanças que
podem causar à rotina do gestor, se consideradas e constatadas irregularidades, na
prestação de contas, por exemplo, ou se for uma deliberação que vise a mudança em
algum problema de saúde (PERISSINOTO: 2004).
177
Tabela 12 – Deliberação por tipo (2001-2007)
________________________________________________________________________
Deliberação Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Moção
73
5,7
Aprovação
74
40,2
Resolução
75
9,8
Prestação de Contas
76
21,3
Encaminhamentos 23,0
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
De acordo com Perissinoto (2004), a análise das deliberações por tipo no CMS
de Araraquara apontam uma maior prevalência de modalidades intermediárias e fortes no
processo decisório. As modalidades intermediárias e fortes representam,
respectivamente: aprovação (40,2%), resolução (9,8%) e prestação de contas (21,3%).
Apesar da preponderância entre aprovação (modalidade intermediária) e prestação de
contas, os encaminhamentos (23%), considerados modalidades fracas também tiveram a
representação semelhante e pouco superior à prestação de contas, ficando as moções
(5,7%) com menor margem de deliberação.
É importante agregar a este quadro de tipo de deliberação, como se procede
73 A moção corresponde às propostas que se apresentam em assembléias, sobre o estudo de uma questão ou proposta.
74 A aprovação são todas as decisões tomadas pelo conselho que, não são de ordem formal (como os encaminhamentos
e as moções), ou de ordem substantiva (como as resoluções e a prestação de contas). Os exemplos de aprovação são:
o processo de escolha de representantes para atuar junto a um órgão, aprovar proposta de formação de comissão,
aprovar uma proposta de organização da Conferência Municipal de Saúde.
75 Ato da assembléia regulando certa matéria.
76 Cabe informar sobre a prestação de contas que, durante o período estudado (2001-2007), a dinâmica do Conselho
reservava o espaço de mais de uma reunião para a aprovação das contas do conselho, tamanha a complexidade de
seu entendimento e deliberação. Com isso, muitas reuniões serviam para a apreciação e esclarecimentos e,
dependendo da dinâmica e questionamentos ou esclarecimentos, sua pauta era transferida à reuniões posteriores.
178
no processo decisório, o grau de contestação dos segmentos. Essas manifestações
permitem-nos evidenciar o padrão de atuação no CMS. Dessa maneira, é importante
identificar se, diante das deliberações, debates, discordâncias ou questionamentos.
Esses fatores denotam a natureza da participação e o engajamento dos conselheiros na
discussão sobre as propostas apresentadas.
A qualidade da participação e da representação no CMS está relacionada,
diretamente ao grau de contestação pública dos conselheiros. Assim, o exercício da
crítica ou questionamentos e até discordâncias dos assuntos e propostas debatidos nos
Conselhos ganham maior “ação”, na medida em que os mesmos são, mais ou menos
democráticos quando fornecem condições para o desenvolvimento do debate em torno de
questões fundamentais do seu campo de atuação.
Nesse sentido, analisamos a natureza das manifestações de contestações por
segmento nas reuniões para saber se, enquanto instituição, o CMS funcionou como um
espaço de debate e participação sobre a política de saúde. As manifestações são
elencadas da seguinte forma: reivindicações (solicitações e pedidos de diferentes
naturezas), questionamentos (dúvidas e perguntas), discordâncias e reclamações
(denúncias).
Tabela 13 – Contestação por segmento no CMS (2001-2007)
________________________________________________________________________
Segmento Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
A B C D
Gestor 0 0 0 0
Trabalhadores
15,0 21,0 0 12,0
Prestadores de Serviços
20,0 0 58,0 18,0
Usuários
65,0 60,0 42,0 70,0
________________________________________________________________________
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
179
Legenda:
A = Reivindicações
B = Questionamentos
C = Discordâncias
D= Reclamações
De acordo com o levantamento das atas, e dos dados obtidos através da tabela
13, a maioria das intervenções
77
ficou ancorada ao representantes da sociedade civil, aos
prestadores de serviços e em último, aos trabalhadores. Do montante de intervenções
obtidas na pesquisa, um indicativo da participação dos usuários, no sentido de tecer,
em primeiro lugar reclamações (70%), reivindicações (65%), questionar (60) ou discordar
(42%) em menor proporção. Muitas vezes as contestações dos usuários permeavam o
universo direcionado à conduta, procedimento do gestor e organização dos serviços.
Essas contestações também são caras aos prestadores de serviços, conforme pode-se
observar pela análise a seguir.
Os prestadores surgem como atores que também tem grande influência nas
contestações, principalmente no que se refere às discordâncias (58%), seguidos por
reivindicações (20%) e reclamações (18%), não apresentando questionamentos, dados
seu conhecimentos amplos das discussão que são parte do processo decisório.
Os trabalhadores apresentam respectivamente, 15% de reivindicações, 21% de
questionamentos e 12% de reclamações, sem apresentar índices de discordâncias nos
trabalhos do CMS. Suas ponderações baseavam-se essencialmente em questionar
orçamentos, finanças, planos anuais, organização dos serviços, indicando seu
conhecimento da área e pontuando-os nesse sentido.
É importante registrar que, diante do montante de contestações dos diversos
77 Cabe destacar que, diante dos tipos de deliberação e debate, foram identificados, em número de intervenções:
reivindicações (24), questionamentos (58), discordâncias (15) e reclamações (48). É diante desse número de
intervenções que geramos os 100% que representam cada uma.
180
segmentos,e, a partir da análise das atas e da dinâmica das reuniões, ocorria, muitas
vezes, a falta de clareza, por parte do gestor, na tomada de providências com relação ao
conjunto de contestações . Publicamente havia o comprometimento do gestor para a
próxima reunião, mas concretamente, os casos mais questionados mereciam a formação
de comissões ou eram encaminhados às pautas, outros, aos poucos eram deixados de
lado. Com isso, é fato que, mesmo havendo um grau de contestação razoável por parte
dos segmentos, estes, muitas vezes ficavam como registro nas atas, tendo em vista suas
pautas e urgências de deliberação.
g) Análise da Prestação de contas
Ponto importante do processo deliberativo nos Conselhos é o
acompanhamento da movimentação financeira dos Fundos Municipais de Saúde (FSM).
Neste ponto, privilegiamos a investigação das formas de acompanhamento e controle
sobre os Fundos.
Sobre o Fundo de Saúde
78
, a recomendação legal é a de que a auditoria e o
controle sejam feitos pelo Conselho de Saúde. Relatórios de gestão, planos e metas
alcançadas também são previstos e devem ser acompanhados e analisados pelo
Conselho.
Aqui, cabe mencionar o que a literatura sobre o tema destaca: o grande desafio
em fiscalizar as atribuições da gestão da política de saúde. Essas atribuições do
Conselho constituem-se na fiscalização sobre as ações burocráticas, técnicas e
financeiras e que condicionam os investimentos em compra de equipamentos,
78 Trata-se de uma conta única para onde fluem todos os recursos para a saúde.
181
construções, folha de pagamento de funcionários, materiais de consumo etc, isto é, todo o
conjunto complexo de iniciativas necessário ao orçamento, que sai do papel e gera um
resultado.
Tabela 14– Prestação de Contas do CMS (2001-2007)
________________________________________________________________________
Prestação de Contas Quantidade (%)
____________________________________
____________________________________
Aprovada sem discussão* 41,0
Aprovada com discussão 59,0
Reprovadas -
________________________________________________________________________
Fonte: Atas das reuniões do CMS.
*As discussões incluem discordâncias e questionamentos
Os dados da tabela indicam que a maior parte da prestação de contas foi
aprovada com discussão (59%), discordâncias ou questionamentos. Porém, não podemos
deixar de levar em conta o percentual, diante das contas apresentadas ao Conselho, de
41% de aprovação sem discussão.
O fato de a maior parte das discussões serem permeadas por discussão
aponta que o CMS encontra-se ativo no questionamento de suas contas. No entanto, não
podemos deixar de destacar que as aprovações sem discussão constituem um universo
amplo, numericamente falando. Isso recai no que a literatura e parte das entrevistas
indicam sobre o complexo mundo dos números e tabelas de prestação de contas dos
conselhos.
É importante mencionar que as questões de ordem cnica não são novidade
nestes espaços deliberativos e o fato de, identificarmos um grande percentual de
182
aprovação sem discussão, como destaca Chauí, (1993, p. 11), desemboca na dificuldade
que uma pessoa comum, ou que desconhece o assunto, sentir-se à vontade para
discordar ou colocar seu ponto de vista, pois “(...) a condição para o prestígio e para a
eficácia da competência como discurso do conhecimento depende da afirmação tácita e
da aceitação tácita da incompetência dos homens enquanto sujeitos sociais e políticos”.
Alguns dos trechos das entrevistas destacam esse fato, entre outros relacionados à
prestação de contas:
“(...) os conflitos são maiores com relação à aplicação de recursos.
Nem sempre todos concordam com os recursos da maneira que a
gestão aplica (...) Agora, como a Secretária era Presidente, ela
tendia a fazer as tabelas de orçamentos de uma maneira a não gerar
questionamentos” (Conselheira representante dos Trabalhadores da
Saúde).
“Geralmente isso [contas] sempre gera algum atrito porque a gestão
sempre tende a defender a prestação de contas e começam os
atritos. Nem sempre os usuários atentam para a prestação de
contas. A maioria não se interessa e acaba sendo influenciada pelo
resto” (Conselheiro representante dos Trabalhadores da Saúde).
“Atualmente o tema mais polêmico á a prestação de contas”
(Conselheiro representante dos usuários).
Não se entende clara e perfeitamente os assuntos. Vochega para
os Conselheiros e fala para eles as contas, aí eles perguntam: O que
é o CMS? Ou seja, tem um palavreado em que as pessoas se
perdem. Faz na sua pesquisa um levantamento de quantos
termos cnicos eles usam nas reuniões. Então é toda uma situação
em que a matéria discutida fica complicada. Com relação aos
usuários, a escolaridade é pequena, aliás, não vou falar da
escolaridade, mas a situação é complicada e não há clareza na
prestação de contas. o clareza na aprovação das peças
orçamentárias: é tudo muito confuso, é complicado, a gente aprende
diariamente, mas a prestação de contas é muito complexa”
(Conselheira representante dos Prestadores de Serviços).
“Não clareza nas contas. Eu sou “regularmente” informada, mas
não me sinto bem informada” (Conselheira representante dos
usuários)
183
“(...) eu não entendo por exemplo de contabilidade. A Comissão
Fiscal é muito complexa. Eu não entendo 50% das coisas do CMS.
É complexo, é complicado” (Conselheiro representante dos
usuários).
Alguns dos pontos destacados nas entrevistas, também estiveram presentes
nas pautas das reuniões e nas suas dinâmicas. Em vários momentos da fala dos usuários
não havia interlocução registrada quanto ao que eles colocavam, ou havia respostas que
se utilizavam do jargão técnico-científico ou político-administrativo como discursos.
Como diversos trabalhos sobre os conselhos apontam, há, em sua dinâmica o
fator de “urgência” de prazos estabelecidos para certas deliberações. O jargão técnico,
junto com a urgência, foi, inúmeras vezes, utilizado para silenciar o conselho e se deu por
várias vezes na apreciação de contas que passavam pelo CMS, sempre havia certa
urgência devido aos prazos governamentais, e em algumas situações solicitava-se o voto
de confiança dos conselheiros em relação às contas para sua aprovação.
Ainda, é importante mencionar o fato de que, o Secretário de Saúde do
Município, em sua maioria, presidente do conselho e ligados à área médica, aumenta
mais a proporção de dificuldade de diálogo com outros segmentos que desconhecem os
termos científicos, devido à autonomia desse profissional com relação aos assuntos
tratados, principalmente as contas, tornando-se assim, sua palavra, a final.
Nos conselhos, é de fundamental importância que o tempo não seja um fator
de impedimento para a realização de reuniões, e, mais ainda de acompanhamento de
documentos e tabelas orçamentárias. Por isso, além da presença dos técnicos às
reuniões, o envio, com antecedência dos balancetes de prestação de contas é essencial
para o aperfeiçoamento do processo decisório. Neste ponto cabe informar que os
conselheiros entrevistados forma unânimes em responder afirmativamente ao
184
recebimento antecipado das tabelas e orçamentos a serem aprovados pelo CMS.
Para um melhor andamento dos trabalhos de prestação de contas do CMS,
foram formadas diversas comissões para analisarem os balancetes que seriam objeto de
discussão e aprovação. A constituição das comissões de maneira paritária entre os
segmentos, facilitou, de certa forma, no estudo e compreensão das informações
prestadas e a serem discutidas. O ponto positivo das comissões encontrou-se no fato de,
as mesmas elaborarem pareceres que se submetiam ao plenário, sendo aprovados e
transformados em resolução.
Ao término da apresentação da pesquisa empírica no CMS de Araraquara,
cabem algumas considerações que, se levadas em conta, podem auxiliar na
compreensão da complexidade dos métodos aplicados (consulta à documentação, atas
das reuniões, questionários e entrevistas) para a confecção dos dados apresentados e
das lacunas apresentadas.
Muitos dados foram gerados a partir da adaptação de alguns assuntos
(debates, temas, discussões) que nem sempre eram especificados nas ata de reuniões. A
análise da participação dos segmentos, devemos registrar que, de acordo com o que
algumas das entrevistas apontam, muitos representantes do conselho, especialmente os
usuários, não participavam efetivamente do processo decisório. Ainda, sobre a
participação dos diferentes segmentos, é importante mencionar que muitas vezes os
debates, discussões, contestações, posicionamentos e esclarecimentos eram gerados,
pelos mesmos representantes, ressaltando o que a literatura aponta sobre os “membros
natos” nos conselhos e também o fator do conhecimento técnico e científico.
À abertura de espaços de participação e representação dos segmentos
excluídos das políticas públicas, enquanto inovação institucional, ainda que
indispensáveis, não são suficientes para uma efetiva participação. Esta, exige a
185
qualificação dos atores envolvidos e a democratização das informações sobre os gastos
para que estes espaços não se transformem em arenas de homologação, mas em
construtores de mecanismos e aprimoramento participativo.
Cumpre destacar ainda, a importância dos estudos particularizados das
experiências conselhistas em seus contextos locais e seu cotidiano, para que as análises
sobre o tema possam revelar diferenciadas arenas, ou confirmar, cada uma, a seu modo,
o que a literatura aponta.
186
Capítulo 5 – Considerações Finais
O presente estudo teve como proposta a análise empírica do Conselho
Municipal de Saúde do município de Araraquara, atentando para sua dupla ótica:
participativa e representativa, e, levando em consideração, sua capacidade propositiva e
deliberativa no que se refere à política de saúde do período delimitado para a pesquisa.
Tendo em vista a participação política de diferentes segmentos nos conselhos,
o exercício de lançar um olhar sobre as experiências participativas na gestão pública
assume relevância particular em relação aos conselhos de saúde. A partir da Constituição
de 1988, o SUS ganha legalidade e a participação da comunidade passa a integrar o
artigo 198. Porém, é com a regulamentação do SUS que tal participação é
institucionalizada por meio de instâncias colegiadas.
Para apontar os dados referentes à dinâmica de funcionamento dos conselhos
e a desigualdade na participação política verificada, recorremos a grande parte das
variáveis discutidas pela literatura que estuda os arranjos participativos que se difundiram
no cenário político brasileiro dos anos 90, procurando mostrar como elas influenciam a
formação de diferentes padrões de ação política.
É importante destacar que as disparidades regionais e a heterogeneidade da
sociedade brasileira não permitem que façamos uma transposição da experiência do
Conselho Municipal de Saúde de Araraquara para outras cidades, sem a devida atenção
ao contexto local. Embora, grande parte dos municípios brasileiros conte com os
conselhos gestores nas mais diferentes áreas de políticas sociais, isto não significa
afirmarmos que estamos diante de modelos de gestão democrática. Assim, como
destacam Santos Júnior, Azevedo e Ribeiro (2004), existe, na análise das diferentes
experiências, um vínculo entre o exercício da cidadania ligado à dinâmica democrática
187
municipal. Desse modo, o sucesso ou não do potencial deliberativo dos conselhos, deve
ser analisado, tendo em vista os contextos socioeconômicos, políticos e cultural da
cidade.
Nesse sentido, desejamos, com o nosso estudo, identificar a dinâmica de
funcionamento existente no CMS entre os diferentes segmentos, levando em
consideração a existência da lógica participativa e representativa neste espaço, ou seja,
há, de um lado, há o agrupamento de diversos segmentos compondo o processo
deliberativo nos conselhos e, de outro lado, a institucionalidade destas arenas conta com
uma lógica representativa, na qual os conselheiros tem o papel de representação de sua
entidades e órgãos. Dessa forma, compreendemos que os conselhos são espaços onde a
participação tem o intermédio da representação como principal instrumento.
Tivemos como preocupação, trazer à tona a discussão sobre a representação
existente nos Conselhos. De acordo com o trabalho de Luchmann (2007), enxergamos
nestas instâncias de participação, instrumentos de representação que, não podem ser
comparados aos modelos existentes (como o de representação eleitoral). Os
mecanismos de representação nos conselhos têm sua especificidade e trata-se de um
processo diferenciado.
De acordo com Luchmann (2007, p. 151), essa representação apresenta-se
como diferenciada, na medida em que certa complexidade na identificação da
“compreensão dos critérios de legitimidade política destes espaços”, uma vez que a
diversidade de regras e critérios representativos nem sempre estão às claras, porém, há,
ao mesmo tempo apresentação de “algumas novidades e especificidades”, que, segundo
a autora, desenham um novo parâmetro da representação política.
Com isso, a relação entre participação e representação nos conselhos
apresenta dois elementos importantes: a participação dos órgãos e entidades e a
188
paridade na representação dos mesmos. Procuramos identificar como se caracteriza esse
universo representativo no CMS de Araraquara, na tentativa apresentar o “corpo” de
conselheiros e suas respectivas representações neste espaço.
Procuramos analisar em nosso trabalho: a composição e representação do
CMS nas gestões estabelecidas para a pesquisa; levantar os dados referentes à
composição da mesa diretora e elaboração de pautas das reuniões; traçar o perfil dos
conselheiros; destacar a representação de cada segmento nas gestões e, elucidar fatores
de importância no processo decisório do CMS.
O perfil dos conselheiros do CMS de Araraquara, apresenta, de acordo com a
literatura sobre o assunto, um universo de pessoas maduras, com salário, escolaridade e
recursos políticos e intelectuais acima dos níveis populacionais brasileiros. As diferenças
de recursos com relação aos segmentos retomam a bibliografia, na medida em que
diferentes posses, tanto de recursos políticos, quanto de materiais, e o grau varia de
acordo com os órgãos e entidades que os conselheiros representam. Acreditamos que o
perfil dos conselheiros confirma dados da literatura recorrente sobre os conselhos, além
de espelhar a arena por nós escolhida para a pesquisa.
Privilegiamos em nosso trabalho, aspectos que retomam a participação e a
representação no espaço dos conselhos. Registraremos inicialmente os quesitos
analisados com relação à participação no CMS, para posteriormente analisarmos a
representação.
O CMS de Araraquara conta com uma legislação que potencializa esse espaço
enquanto uma arena de decisões e deliberações sobre a política de saúde do município.
Cabe ressaltar alguns dos aspectos da participação neste espaço, retomando o trabalho
empírico de pesquisa.
A análise documental demonstrou que, com relação aos assuntos e pautas de
189
reuniões do CMS, a elaboração das mesmas recai sobre o segmento do gestor
(representando inicialmente a presidência do conselho nas duas primeiras gestões) e
sobre a mesa diretora (no caso da última gestão, onde a mesa é paritária). De qualquer
maneira, a concentração das pautas é concedida aos especialistas da área de saúde,
dando respaldo à literatura que constata esse fato em muitos conselhos. Verificamos
também que, a inclusão de pauta é legitima no conselho (inclusive consta do regimento
interno), mas, muitas vezes apresenta-se de maneira confusa e inconclusa, como
demonstramos no capítulo 4.
Em relação às discussões dentro do espaço do CMS, verificamos que há uma
ampla participação dos segmentos, porém, os limites são demonstrados no cotidiano de
assuntos e temas debatidos: o gestor detém a inclusão dos temas para a discussão, e as
dificuldades na participação, especialmente com relação ao segmento dos usuários são
inúmeras, embora o conselho conte com uma estrutura de capacitação periódica para os
mesmos.
Outro fator destacado no trabalho, que diz respeito à participação, é a presença
dos conselheiros em outros conselhos, causando uma sobrecarga de trabalho e
desembocando em problemas apontados na pesquisa: muitos conselheiros não ficam nas
reuniões a o final, há ausência dos mesmos, mas muitos conselheiros “enviam”
substitutos para assinarem a lista de presença, além do comprometimento da participação
e também a rotatividade de conselheiros, prejudicando, de certa maneira o andamento
das decisões do CMS. Ainda sobre a participação dos conselheiros, cabe destacar que
muitos, estão há muito tempo no próprio CMS, indicando também a existência dos
“membros natos” no conselho, como destacou Tatagiba (2002).
Fator de preocupação em nosso trabalho, foi trazer à tona o processo de
representação existente no conselho. Além da lógica participativa, esse espaço traz
190
consigo uma “novidade” em termos de representação e, buscamos analisar como esse
processo se dá no CMS de Araraquara.
Iniciamos nossa análise destacando o processo de escolha dos representantes
do CMS. Como destaca a literatura e nossos estudos puderam observar, trata-se de, uma
representação complexa (Luchmann: 2007). Com pouco material que indique com clareza
o processo de escolha dos representantes, ficamos destinados à análise documental e
entrevistas com os conselheiros. Mesmo com a confirmação pelos conselheiros dos
procedimentos de escolha relatados no regimento interno, nossa pesquisa indicou que, a
representação, muitas vezes indica uma participação confusa, onde, até mesmo os
representantes dos gestores, quando têm seu representante legítimo no conselho, em
caso de falta, envia outras pessoas para as reuniões, o que, também ocorre com os
outros segmentos. Esse fator, além de prejudicar a participação no CMS, mascara a
representação, pois, torna-se complexa e confusa.
Fizemos o levantamento da representação em todas as gestões do CMS,
visando apresentar este universo representativo e o conjunto de órgãos e entidades que
discutem a saúde municipal. Acreditamos que esse resgate é importante na visualização
da composição do conselho, além de indicar, de acordo com os componentes do
conselho, os assuntos e interesses presentes nessa arena.
Verificamos também, um outro fator: a presença das entidades e órgãos
também recai sobre a representação, na medida em que, muitas delas passam anos no
conselho. Isso torna o processo decisório definido por esses segmentos, embora,
escolhidos na Conferência Municipal de Saúde. Esse fato encontra-se presente na
composição das duas primeiras gestões (2001-2003 e 2003-2005) do CMS: o conselho
apresentou as mesmas entidades e órgãos na representação, porém, quando houve a
mudança dos mesmos (para outros órgãos e entidades) na última gestão (2006-2007),
191
verificamos mudanças principalmente no segmento dos usuários (com a inclusão dos
Conselhos Gestores). A inclusão dos Conselhos Gestores gerou, de acordo com os
levantamentos da pesquisa, recorrentes polêmicas em diversos aspectos do conselho,
deixando vidas sobre a clareza dos processos de escolha dos conselheiros e sobre a
própria participação dos mesmos, como relatado no capítulo empírico.
Trabalhamos com a hipótese de que, nos espaços concedidos aos diferentes
conselhos, a conciliação entre as lógicas participativa e representativa poderia definir uma
participação e representação limitadas, com relação aos segmentos que compõe o
conselho, e complexa, no que diz respeito à formulação, estrutura e organização destes
órgãos enquanto espaços de deliberação das políticas públicas.
Ao longo do desenvolvimento do estudo e dos resultados obtidos, nossa
hipótese foi confirmada, na medida em que a análise empírica demonstrou haver
limitações na participação e mecanismos que tornam complexas a representação
existente na arena do CMS.
Para não corrermos o risco de fadar as experiências de participação e
representação nos conselhos a alternativas de participação e representação limitadas,
peculiares e complexas, o destaque do processo decisório é importante para que
tenhamos uma idéia das ações destes espaços. Procuramos, com isso, demonstrar, quais
caminhos desenham este cenário.
A análise do processo decisório permitiu o enfoque do CMS de Araraquara em
ação. Ao verificarmos os destaques do trabalho empírico, observamos que diversos
entraves fazem parte da realidade do CMS.
O primeiro destaque foi para a presença dos conselheiros. Houve a
constatação de que a falta de quorum nas reuniões e a não realização das mesmas por
determinados períodos, tanto quanto o envio de substitutos para os debates, foram
192
práticas constantes.
Em relação aos orçamentos do CMS, a falta de clareza, tanto na explicitação
dos mesmos quanto o seu entendimento por parte dos conselheiros marcou o cotidiano
do Conselho. Apesar da formação das comissões, isso não correspondeu a um avanço
em termos de clareza orçamentária.
Nesse sentido, cabe observar que os cursos de capacitação promovidos em
todas as gestões analisadas, ainda apresentaram pouca relevância quando se confirma a
superioridade e supremacia técnica para as deliberações.
O aspecto acima destacado confirma-se quando constatamos, em relação aos
debates e propostas apresentadas, o segmento dos gestores segue como o maior
propositor dos debates e esclarecimentos gerados no CMS, confirmando o que a
literatura que versa sobre essas experiências afirma sobre a questão da área de
conhecimento técnico e específico do conselho a saúde portando amplo
conhecimento e consequentemente, maior número de proposições para o debate. Aqui é
importante recordarmos o fator da elaboração das pautas no CMS.
A prestação de contas no CMS, apresentou, aspectos positivos e negativos. A
maior parte das contas foi aprovada com discussões (59%). Porém, 41% aprovou-se sem
discussões. Isso mostra um paradoxo do CMS, embora a formação de comissões para
estudar e apresentar ao CMS foi fator positivo diante das dificuldades encontradas pelos
segmentos com relação ao assunto, de acordo com a pesquisa e a literatura recorrente.
Acreditamos que o debate acerca dos conselhos permite diversos caminhos de
análise. Os limites e potencialidades destes espaços são apresentados de acordo com as
peculiaridades de cada experiência e as propostas analisadas pelos diferentes trabalhos
na área. Muitas vezes, a pesquisa à qual nos propomos realizar esbarra em limites
impostos pela realidade empírica, trazendo o choque entre teoria e prática.
193
que se destacar que, a fragilidade dos mecanismos representativos
encontra-se ainda presente, considerando-se as demandas de nossa população, porém, a
discussão não se esgota. As análises sobre os conselhos gestores ainda encontram-se
em construção, permitindo ainda diversos enfoques pouco explicitados no entendimento
destas instâncias participativas. Procuramos, com nosso trabalho, contribuir para mais
uma, das muitas configurações que os conselhos possam apresentar.
194
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201
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2006 (p. 191-228).
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Volume).
______ Os Clássicos da Política. 10ª. Ed. São Paulo: Ática, 2002. (Segundo Volume).
202
Anexos
203
Questionário – Perfil dos Conselheiros do CMS de Araraquara
Pesquisa de Mestrado: Democracia, participação e representação os espaços deliberativos no
Brasil: a experiência do Conselho Municipal de Saúde de Araraquara (2001-2007)
Pesquisadora: Agnes Cruz de Souza
Professora Orientadora: Maria Teresa Miceli Kerbauy
(Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Unesp – Araraquara
Identificação, renda e escolaridade
1) Qual seu segmento?
( ) Gestor
( ) Prestador de Serviços
( ) Trabalhador de Saúde
( ) Usuário
2) Entidade/Órgão que representa?
______________________________________
3) Sexo: ( ) Masc. ( ) Fem.
4) Idade: _____ anos.
5) Escolaridade:
( ) Ens. Fund. Incompleto
( ) Ens. Fund. Completo
( ) Ens. Médio Incompleto
( ) Ens. Médio Completo
( ) Ens. Superior Incompleto
( ) Ens. Superior Completo
( ) Outros. Qual (is)? ____________________
6) Qual sua profissão? ___________________
7) Qual sua renda?
( ) De 1 a 5 salários
( ) De 5 a 10 salários
( ) De 10 a 15 salários
( ) Outras. Qual (is)? ____________________
Informação, participação e interesse político
8) Quais os meios de comunicação que você
mais utiliza:
( ) Amigos ( ) Vizinhos ( ) Família
( ) Rádio ( ) Jornais ( ) Escola
( ) TV ( ) Revistas ( ) Livros
( ) Outros. Qual (is)? ____________________
9) Tem interesse por assuntos de política?
( ) Política municipal
( ) Política estadual
( ) Política federal
( ) Não
( ) Outros. Qual (is)_______________________
10) Tem preferência partidária:
( ) Sim ( ) Não
11) Se filiado a algum partido. Qual?__________
12) Essa é a sua primeira representação no
CMS?
( ) Sim ( ) Não
13) Se a resposta acima foi não, você já
participou:
( ) Em gestões anteriores do CMS
( ) Outros Conselhos Municipais.
Qual (is)? _______________________________
( ) Outro tipo de representação.
Qual (is)? _______________________________
14) Como você avalia sua participação no CMS?
( ) Importante
( ) Gratificante
( ) Motivadora
( ) Cansativa
( ) Outros. Qual (is)? _____________________
15) Participa de algum tipo de associação?
( ) Sim ( ) Não
Quais:
( ) Ong´s
( ) Partido político
( ) Atividade religiosa
( ) Atividade cultural
( ) Esportes
( ) Associação de moradores
( ) Associação profissional
( ) Sindicatos
( ) Outras. Qual (is)? _____________________
204
Roteiro - Entrevista com Conselheiros
Pesquisa de Mestrado: Democracia, participação e representação os espaços deliberativos no
Brasil: a experiência do Conselho Municipal de Saúde de Araraquara (2001-2007)
Pesquisadora: Agnes Cruz de Souza
Professora Orientadora: Maria Teresa Miceli Kerbauy
(Programa de Pós-Graduação em Sociologia – Unesp – Araraquara
Nome:__________________________________________________________________
Segmento e instituição que representa_________________________________________
Local:_____________________________________________ Data: _____/_____/______
1) O que, na sua opinião, significa participar, como conselheiro no CMS?
2) Você é a favor da paridade na representação do CMS?
3) Qual a relação existente entre os representantes do seu segmento e a Presidência do
Conselho?
4) Incluindo esta gestão, em quantas gestões a sua entidade/órgão já participou do CMS?
5) Você discute coletivamente a pauta antes da reunião do CMS?
6) Quem elabora normalmente as pautas das reuniões?
7) Como se a o processo de escolha dos representantes no conselho em sua
entidade/órgão?
8) Você acha que algum segmento tem obtido maior sucesso no processo de tomada de
decisões? Qual? Por quê?
9) Se a resposta anterior for “SIM”. Qual segmento?
10) Você acha que algum dos membros do CMS tem obtido maior sucesso no processo
de tomada de decisões? Qual o membro mais influente? Por quê?
11) Na sua opinião, quem apresentou mais assuntos para serem debatidos e decididos no
CMS?
12) Com relação à sua participação no CMS, como você avalia o seu poder de influenciar
as decisões?
13) Na gestão (ões) em que participou do CMS, você identifica (ou) a existência de
conflitos no interior do CMS?
14) Se a resposta anterior for “SIM”. De que tipo? E com relação a qual dos
205
segmentos?
15) Como você avalia a influência dos diferentes segmentos dentro do CMS?
16) Na sua opinião, quais são os temas mais polêmicos dentro do CMS.
17) Os temas mais polêmicos foram amplamente discutidos? Qual o posicionamento em
geral dos diferentes segmentos?
18) Na sua opinião, os assuntos, propostas e principais temas discutidos no CMS foram
feitos de forma clara e acessível a todos os conselheiros (especialmente com relação aos
orçamentos, planos de saúde, finanças e prestação de contas)? (Avaliação das
decisões tomadas)
19) Você se sente bem informado sobre as questões que são objeto do debate nas
reuniões do CMS?
20) Você acha que deve haver algum tipo de capacitação para os conselheiros?
21) Na sua opinião, houve respeito às deliberações do CMS por parte da Secretaria de
Saúde? Da Secretaria de Finanças? E da administração Municipal (Prefeitura)?
206
Roteiro de análise do processo decisório do CMS (2001-2007)
a) Frequência dos Conselheiros por gestão levantamento da presença dos
conselheiros por segmento – utilização da lista de presença das reuniões do período;
b) Participação dos segmentos no orçamento do CMS coleta de depoimentos de
entrevistas e análise documentação (atas, regimento interno);
c) Debates, temas, discussões e contestações no CMS coleta dos assuntos em atas
das reuniões e nas pautas do CMS;
d) Propostas apresentadas por segmento - coleta dos assuntos por meio das atas das
reuniões;
e) Assuntos sobre os quais mais se delibera no CMS coleta e levantamento de
dados das atas das reuniões;
f) Deliberação por tipo e grau de contestação - coleta dos assuntos por meio das atas
das reuniões;
g) Prestação de Contas forma de organização (análise documental) e depoimentos
dos conselheiros.
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