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FUNDAÇÃO EDSON QUEIROZ
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA - UNIFOR
CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - CCJ
PROGRAMA DE S-GRADUAÇÃO EM DIREITO CONSTITUCIONAL
A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O
SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO
BRASILEIRO
Roberta Madeira Quaranta
Fortaleza - CE
Agosto, 2009
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ROBERTA MADEIRA QUARANTA
A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O
SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO
BRASILEIRO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Direito como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre
em Direito Constitucional, sob a
orientação da Profa. Dra. Joyceane
Bezerra de Menezes.
Fortaleza - Ceará
2009
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___________________________________________________________________________
Q1a Quaranta, Roberta Madeira.
A atividade dos notários e registradores e o sistema de responsabilidade
civil no direito brasileiro / Roberta Madeira Quaranta. - 2009.
197 f.
Dissertação (mestrado) Universidade de Fortaleza, 2009.
“Orientação: Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes.”
1. Notários e registradores Brasil. 2. Registros públicos. 3. Serviço
público.
4. Responsabilidade civil. I. Título.
CDU 347.961(81)
___________________________________________________________________________
3
ROBERTA MADEIRA QUARANTA
A ATIVIDADE DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES E O
SISTEMA DE RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO
BRASILEIRO
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profa. Dra. Joyceane Bezerra de Menezes
UNIFOR
_____________________________________________
Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça
UNIFOR
_____________________________________________
Prof. Dr. Juvencio Vasconcelos Viana
UFC
Dissertação aprovada em: 31/08/2009
À minha mãe, pelo exemplo que
sempre foi em minha vida e por ser o
alicerce de tudo que sou e acredito.
AGRADECIMENTOS
À memória de meus avós, Afonso dos Santos Madeira e Conceny Hemerly
Madeira, que permanecem vivos em meu coração, por todo o amor e carinho que
sempre me dedicaram.
Ao meu marido, Mozart Gomes de Lima Neto, por seu amor, por sua amizade e
por tudo que ainda iremos construir juntos.
Aos meus filhos, Pedro e Laura, pela coragem, foa e perseverança que suas
existências despertam em mim e pelo amor incondicional que nutro por cada um deles.
Às minhas irmãs, porque, apesar das diferenças, nós nos entendemos e
sempre estamos dispostas a lutar pela felicidade umas das outras.
À minha companheira de mestrado, Cecília Barroso de Oliveira, pelas aulas
compartilhadas e pelas várias noites em claro estudando juntas para realização
deste sonho.
À Defensoria Pública do Estado do Ceará, pelo apoio financeiro na
concretização deste trabalho.
À Universidade de Fortaleza, pela oportunidade que me deu de desenvolver
este estudo, bem como de exercer a atividade de ensino jurídico.
À minha orientadora, Professora Doutora Joyceane Bezerra de Menezes, cujo
destaque no meio acadêmico apenas reflete sua dedicação, esforço e amor pelo
estudo do Direito.
À minha amiga Paula Campos Fiúza, pela fidelidade e companheirismo
demonstrados durante tantos anos de amizade.
6
Aos professores integrantes da banca examinadora, Profa. Dra. Joyceane
Bezerra de Menezes, Profa. Dra. Maria Lírida Calou de Araújo e Mendonça e Prof.
Dr. Juvencio Vasconcelos Viana, pela atenção em compor a banca examinadora.
À Professora Núbia Maria Garcia Bastos, pela criteriosa revisão metodológica e
pela cordialidade.
RESUMO
A presente pesquisa analisa a atividade dos notários e registradores em correlação
com o sistema de responsabilidade civil no direito brasileiro, sob a perspectiva do
direito constitucional das obrigações. A Constituição de 1988, ao explicitar a
natureza privada em que se exercem as atividades notariais e de registro e ao exigir
o concurso público para que nelas se possa ingressar, deflagrou um processo de
incremento de tais atividades, iniciando a modificação da percepção social a respeito
de sua importância e incentivando o aprimoramento das habilidades técnicas que
envolvem esta profissão. Entretanto, ainda assim, observa-se que muitos
particulares se veem experimentando prejuízos em decorrência de atos praticados
pelos oficiais das serventias extrajudiciais não-oficializadas, bem como por seus
prepostos. Para a resolução desses problemas, deverão estes agentes delegados
de serviço público responder de maneira direta e subjetiva, como se denota da
interpretação sistemática do art. 22 da Lei 8.935/94, tomando-se como base o
disposto no § do art. 236 da CF. Outro fator a justificar tal entendimento é que o
desempenho autônomo dessas atividades só se justifica se a atuação se der por
conta própria e pela assunção de riscos do delegado. Por outro lado, caso seja este
insolvente, haverá a responsabilidade do Poder Público, em decorrência do
equívoco na delegação ou omissão na exigência de caução. Responderá o ente
estatal pela falha originária, ocorrida quando do exercício do poder delegante, mas
não pelo erro causador do dano. Dessa forma, o ente estatal responderá de maneira
subsidiária, ainda que objetivamente, em face da incidência da regra insculpida no §
6º do art. 37 da mesma Carta Política.
Palavras-chave: Atividade notarial e de registro. Delegação. Serviço Público.
Responsabilidade Civil. Sistemas de aferição.
ABSTRACT
This research analyzes the activity of notaries and registrars in correlation with the
system of civil liability under Brazilian law, from the perspective of constitutional
obligations. The 1988 Constitution, in explaining the private nature in which they
carry out activities notary and registration and to require a public tender that it can
join them, unleashed a process of increase of such activities, initiating change in
social perceptions regarding the importance of such activities and encouraging the
improvement of technical skills involved in this profession. However, still, it is
observed that many individuals find themselves experiencing losses due to acts
committed by officers of the court serventias not made official, as well as their
agents. To solve these problems, these agents should be delegated public service to
respond directly and subjective, as it denotes the systematic interpretation of art. 22
of Law No. 8935/94, taking as basis the provisions of § 1 of Art. 236 CF. Another
factor to justify such an understanding is autonomous performance of these activities
is justified only if the action is der own account and risk taking by the delegate.
Moreover, this case is insolvent, there will be the responsibility of the Government,
due to misunderstanding in the delegation or omission in the requirement of
collateral. Respond to state entity for failure originates, which occurred when the
exercise of delegating, but not by mistake that caused the damage. Thus, the state
entity will respond subsidiary, even though objectively, given the impact of the rule
inscribe in § 6 of art. 37 of the Charter Policy.
Keywords: Activity notarial and registration. Delegation. Public Service. Liability.
Benchmarking systems.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 11
1 A ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO NO BRASIL ............................................ 15
1.1 A evolução histórica do sistema registral e do notariado ........................................... 17
1.1.1 Origens do notariado ....................................................................................... 18
1.1.2 Evolução do sistema registral .......................................................................... 24
1.2 A disciplina do sistema notarial e de registro na Constituição Federal e nos demais
diplomas legais pátrios............................................................................................... 28
1.3 A atividade notarial e de registro como serviço público ............................................ 36
1.4 A função notarial e registral como método eficiente e adequado de preveão de
litígios exercio da jurisdição voluntária ............................................................. 44
1.5 Princípios informativos da atividade notarial e de registro ........................................ 51
1.5.1 Princípio da publicidade .................................................................................. 55
1.5.2 Princípio da fé pública ..................................................................................... 57
1.5.3 Princípio da segurança jurídica........................................................................ 58
1.5.4 Princípio da imparcialidade ............................................................................. 60
1.5.5 Princípio da cautelaridade ............................................................................... 63
1.5.6 Princípio da tecnicidade................................................................................... 65
1.5.7 Princípio rogatório ........................................................................................... 67
1.5.8 Princípio da autonomia funcional .................................................................... 68
2 NUANCES DO SISTEMA NOTARIAL E DE REGISTRO NO DIREITO BRASILEIRO .... 70
2.1 Natureza jurídica da atividade notarial e de registro e de seus delegados titulares do
serviço ......................................................................................................................... 70
2.2 O entendimento dos Tribunais acerca das leis de organização judiciária estaduais e
os serviços notariais e de registro .............................................................................. 83
10
2.3 A contraprestação referente à prática de atos de competência das serventias
extrajudiciais e sua respectiva natureza jurídica ................................................ 89
2.4 Possibilidade de redução ou isenção legal dos emolumentos devidos às serventias
extrajudiciais .............................................................................................................. 97
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES NO
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .......................................................... 105
3.1 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro ......................................... 105
3.1.1 Elementos constitutivos ................................................................................. 112
3.1.2 Modalidades de responsabilidade civil .......................................................... 120
3.2 Teorias que fundamentam a responsabilidade civil .................................................. 122
3.2.1 Teoria subjetiva ............................................................................................. 122
3.2.2 Teoria objetiva sem culpa (teoria do risco) ................................................... 127
3.3 A responsabilidade civil do Estado .......................................................................... 133
3.3.1 Antecedentes históricos ................................................................................. 134
3.3.2 A responsabilidade civil do Estado na CF de 1988 ....................................... 140
3.4 Sistema de responsabilidade civil dos notários e registradores ....................................... 145
3.4.1 Critérios para aferição da responsabilidade civil dos notários e
registradores: uma análise fundamentada dos artigos 37, § , e 236, §1°,
da CF e o respectivo regramento infraconstitucional conferido à matéria .... 147
3.4.2 O Código de Defesa do Consumidor e sua inaplicabilidade no sistema de
responsabilidade civil dos notários e registradores ....................................... 166
3.4.3 A responsabilização subsidiária do Estado pelos danos decorrentes dos
atos notariais e de registro praticados nas serventias não-oficializadas ........ 171
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 182
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 189
INTRODUÇÃO
As funções inerentes à dinâmica diária das atividades notariais e de registro,
embora pouco conhecidas, mesmo entre os operadores do direito, revestem-se de
imensa importância, especialmente no tocante às relações negociais, eis que se
voltam para a garantia de autenticidade, segurança, publicidade e eficácia dos
negócios jurídicos.
1
A previsão constitucional de tais serviços só corrobora a importância que
ostentam na sociedade, dispondo o art. 236 da Constituição Federal de 1988 que
serão exercidos em caráter privado, por intermédio de delegação do Poder Público,
a qual se operará dentre pessoas previamente aprovadas em concurso público de
provas e títulos. Contudo, o texto constitucional remeteu para as vias ordinárias
diversas questões de fundamental importância no trato da matéria, como será
oportunamente pontuado.
Restam, por parte da doutrina e jurisprudência pátrias, dúvidas das mais
variadas, ainda mais se forem levados em consideração os contornos atípicos de
que se revestem tais atividades. O principal embróglio verificado diz respeito ao
regime jurídico ao qual estão submetidos os titulares delegados das serventias
extrajudiciais (notários e registradores), especialmente no que tange ao sistema de
responsabilidade civil respectivo.
O interesse pela presente temática surgiu tendo em vista a escassez
doutrinária acerca dos pontos que serão objeto de análise, bem como devido à
inconstância dos posicionamentos jurisprudenciais existentes sobre questões
correlatas às atividades notariais e de registro e o sistema de responsabilidade civil
no ordenamento jurídico brasileiro.
Dentro desse contexto, busca-se mostrar que as atividades notariais e de
registro encontram-se regidas por um sistema jurídico híbrido, possuindo diversos
_______________
1
Modalidade de ato jurídico que tem por escopo a modificação, aquisição, resguardo, transmissão ou
extinção de direitos. (STOLZE et al., 2008, p. 296-298).
12
institutos com características peculiares, não se coadunando, portanto, às regras
gerais que regulamentam o ordenamento pátrio.
A pesquisa enquadra-se em área relativa ao Direito Público, haja vista que a
responsabilização do Estado e de seus agentes delegados é estudo afeto à area de
direito blico. Ademais, notários e registradores, conforme será observado, devem
ser considerados como agentes delegados prestadores de serviços públicos.
2
Os
principais pontos objetos de análise na presente dissertação m como fonte as
disposições contidas no art. 236 da Constituição de 1988, que, juntamente com a Lei
8.935/94 (a qual, além de regulamentar o mencionado art. 236 da Constituição
Federal, estabelece o estatuto dos notários e registradores), formam o arcabouço
legislativo dos oficiais de registros públicos.
Objetivou-se, especificamente, encontrar respostas para os seguintes
questionamentos: São os notários e registradores considerados servidores públicos?
Qual o regime jurídico a que se submetem esses profissionais? Como será aferida a
responsabilidade civil em caso de danos sofridos pelos utentes dos serviços
notariais e de registros, ocasionado pelos delegados titulares das serventias
extrajudiciais ou seus respectivos prepostos? Nesse caso, de que modo responderá
o Estado, diante da delegação que concedeu, nos termos do art. 236, caput, da CF
de 1988?
Para a realização do presente trabalho, utilizou-se como metodologia
pesquisas bibliográfica e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada com base
em livros e artigos científicos constantes de revistas especializadas e publicações
avulsas sobre os temas referentes às Atividades Notariais e de Registros, ao
Regime Jurídico aplicável às mesmas, à Responsabilidade Civil dos Notários e
Registradores, e também à Responsabilidade Civil do Estado, frente aos atos
praticados pelos delegatários de serviços públicos. A pesquisa documental deu-se
mediante a análise da legislação que trata da atividade notarial e de registro e da
responsabilidade civil, bem como das decisões proferidas pelos tribunais pátrios,
dando-se maior ênfase aos acórdãos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça e
_______________
2
É assim que dispõe o caput do art. 236 da Constituição Federal de 1988 e o art. da Lei 8.935/94,
no sentido de que os notários (ou tabeliães) e os registradores (ou oficiais de registro) são
profissionais do direito, dotados de fé pública, que exercem em caráter privado os serviços notariais
e de registro, por delegação do poder público.
13
Supremo Tribunal Federal, que tratam do regime jurídico atinente aos oficiais de
registros públicos, máxime no que tange à responsabilização civil respectiva.
Procurou-se seguir uma sequência gica na estruturação deste trabalho, que
foi dividido em três capítulos. Para tanto, foram esclarecidos alguns pontos, sem os
quais a compreensão do estudo restaria prejudicada.
Assim, no primeiro capítulo, buscou-se, inicialmente, explicitar a relevância
sociojurídica dos serviços notariais e de registro, perfazendo-se, para tanto, breve
digressão histórica acerca de sua evolução. Nesse capítulo, busca-se esclarecer
noções essenciais para a compreensão do tema deste trabalho, tais como em que
consistem as atividades de registros públicos, se são elas consideradas serviços
públicos e quais os princípios pelos quais se regem.
No segundo capítulo, buscou-se definir o regime jurídico em que estão
inseridos os oficiais de notas e registros. Procurou-se mostrar as nuances que
envolvem a presente temática, bem como a dificuldade enfrentada pelos estudiosos
do tema e Tribunais em enquadrar esses profissionais em uma categoria jurídica
específica. Também nesse capítulo apresentou-se o entendimento dos Tribunais
acerca das leis de organização judiciária estaduais e os serviços notariais e de
registro, a natureza judica da contraprestação referente à prática de atos de
competência das serventias extrajudiciais, bem como a possibilidade (ou não) de lei
reduzir ou isentar a cobrança dos emolumentos devidos às serventias extrajudiciais.
No terceiro capítulo, procurou-se perquirir acerca das noções gerais de
responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no tocante a
certos pontos que se reputam de inquestionável importância, tais como: seus
elementos constitutivos, as modalidades de responsabilidade civil, as teorias que
fundamentam o sistema, bem como a responsabilidade civil do Estado, passando
pela sua evolução histórica e desaguando no modo como a mesma encontra-se
positivada na Constituição Federal de 1988.
Nesse último capítulo, ainda, demonstrou-se especificamente o sitema de
responsabilidade civil do Estado e dos titulares das delegações notariais e de
registro, em face de prejuízos ocasionados por estes e seus respectivos prepostos
- no desempenho das atividades funcionais que lhe são atribuídas. Fez-se uma
14
análise fundamentada dos artigos 37, § 6º, e 236, §1°, da CF/1988, bem como do
respectivo regramento infraconstitucional conferido à matéria. Ainda buscou-se
demonstrar o pensamento dos adeptos de ambas teorias (subjetiva e objetiva) para
aferição da responsabilização civil dos notários e registradores. Finalmente, esse
capítulo terceiro debruçou-se sobre alguns temas que vêm recebendo destaque no
trato das matérias, tais como, a impossibilidade de imputação de responsabilidade
ao notário ou registrador por ato praticado antes de sua investidura na delegação
estatal (sucessão nos ofícios), a inaplicabilidade da legislação consumerista às
atividades notariais e de registro (inclusive no que diz respeito à responsabilidade
civil dos notários e registradores), bem como a responsabilização subsidiária (e não
direta) do Estado pelos danos decorrentes dos atos notariais e de registro praticados
nas serventias não-oficializadas.
1 A ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO NO BRASIL
As funções inerentes à dinâmica diária das atividades notariais e de registro
são pouco conhecidas, mesmo entre os operadores do direito. Consistem em
serviços organizados de forma técnica e administrativa, voltados para a garantia de
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Ademais, a publicidade
advinda de tais atividades gera, inegavelmente, a preservação da ordem social.
Dentro do ramo de serviços de notas e registros, observam-se várias espécies
de profissionais, consoante leitura do art. da Lei nº 8.935/94 (Lei dos Notários e
Registradores), a saber: tabeliães de notas; tabeliães e oficiais de registro de
contratos marítimos; tabeliães de protesto de títulos; oficiais de registro de imóveis;
oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas juridicas; oficiais de
registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; e oficiais de registro de
distribuição.
Em que pese a similaridade no desempenho de suas respectivas funções, cada
profissional possui atividades que lhe são peculiares e exclusivas, as quais se
revestem dos atributos necessários para as especificidades de cada ramo.
Justamente pela importância que ostentam na sociedade é que os serviços
notariais e de registro possuem previsão constitucional, estando regulamentados no
art. 236 da CF de 1988, que estabelece que serão prestados em caráter privado, por
intermédio de delegação do Poder Público. Prevê o texto constitucional, outrossim, o
modo de ingresso nessas atividades, bem como remete para a lei ordinária várias
questões de fundamental importância no trato da matéria, como será oportunamente
pontuado.
Nesse sentido, devem as serventias extrajudiciais se organizar de modo a
utilizar todo o aparato técnico e científico para a realização de suas funções,
16
objetivando a eficiência na administração dos serviços oferecidos à população, cujo
rol encontra-se expresso no ordenamento jurídico.
No que tange, especificamente, à relevância social de tais serviços, notários e
registradores desempenham atividade potencialmente inibidora de litigiosidade,
evitando que muitos conflitos cheguem às portas do Judiciário, minorando, assim, os
problemas relativos ao acesso à já assoberbada justiça. A recente edição da Lei nº.
11.441, de 4 de janeiro de 2007 (que alterou dispositivos do Código de Processo
Civil Brasileiro), possibilitando a realização de inventário, partilha, separação
consensual e divórcio consensual por via administrativa) é prova bastante e
suficiente do que ora se afirma.
A essa intervenção do Estado nos negócios jurídicos celebrados entre os
particulares dá-se o nome de administração pública de interesses privados, o que,
irrefutavelmente, constitui uma das grandes atribuições dos notários e registradores.
1
Outro exemplo da função social de tais atividades diz respeito ao papel social e
político dos registradores de imóveis, conforme preleciona Ricardo Dip (2005,
p.139), com bastante propriedade:
Nessa linha de consideração, dizer, como se afirmou no já referido Encontro
de Morélia, que o registrador de imóveis é, pela razão primeiríssima de seu
ofício tal a aferível da própria história da publicidade imobiliária -, um
garante direto da propriedade predial particular e, bem por isso, um garante
mediato das liberdades concretas do povo, é, de fato, reconhecer que sua
missão política essencial se remete fundamentalmente à função plenária-
pessoal e social do domínio privado. Em outros termos, a função de
garantia direta da propriedade imobiliária particular e de garantia mediata
das liberdades concretas assina ao registrador predial um específico papel
político, que é indissociável da teleologia da instituição registraria, ainda que
a secundar a função política ou social do domínio privado. [...] Essas
referidas funções instrumentais de garantia, tendo por objeto material a
propriedade privada, devem reconduzir-se, no plano de sua justificação, ao
conceito de licitude e de função social do domínio particular, de tal modo
que a função política dos registradores esteja em garantir, juridicamente, na
normalidade da vida social, o exercício pleno da propriedade privada, tanto,
de um lado, nos marcos de uma dimensão pessoal naturalmente lícita pois
não se ordenam os homens para a polis, tal que fosses apenas partes da
cidade -, quando, de outro lado, nos lindes do uso da propriedade retamente
ordenada ao prius do bem comum político.
_______________
1
Na esteira desse pensamento, Antônio Carlos de Araújo Cintra e outros (2000, p.106) asseveram
que ―existem atos jurídicos da vida dos particulares que se revestem de importância que transcende
os limites da esfera de interesse das pessoas diretamente empenhadas, passando a interessar
também à própria coletividade‖. Devido a isso, por mais que pareçam pertencer à esfera particular
do indivíduo, necessitam da participação, direta ou indireta, do Estado para que sejam aptos à
produção de efeitos jurídicos.
17
O serviço notarial, consoante ensina Walter Ceneviva (2002, p. 22), constitui-se
como a atividade de agente público, autorizado legalmente, de redigir, formalizar e
autenticar instrumentos que corporificam atos jurídicos extrajudiciais do interesse
dos solicitantes, com pública, sendo tais funções também permitidas às
autoridades consulares brasileiras, na forma da legislação especial.
Defende que as atribuições dos notários decorrem da crescente necessidade
de investir uma pessoa de pública, para que os seus atos conduzam as
características essenciais à produção dos efeitos jurídicos, provando de maneira
segura e clara a existência do direito neles contantes. Devido a isso, afirma que o
notário constitui ―a ponte entre a lei e a declaração‖.
Os registros, por sua vez, dedicam-se, como regra, ao assentamento de títulos
de interesse privado ou público, para garantir a oponibilidade a todos os terceiros
com a publicidade que lhes é inerente, garantindo, por consequência, a
autenticidade, a eficácia e a segurança dos atos da vida civil a que se referem.
1.1 A evolução histórica do sistema registral e do notariado
A história do sistema registral e do notariado confunde-se com a própria
história do Direito e da vida em sociedade, uma vez que tais atividades
―representam fundamental elemento de conservação da memória de um povo‖
(BENÍCIO, 2005, p.15), relatando, através dos tempos, a evolução do direito e da
própria humanidade.
Os aspectos históricos que fazem referência ao surgimento das atividades
notariais e de registro o bastante antigos, remontando aos primórdios da
civilização. Fabrício Andrade Ferreira Girardin Pimentel (2008, p. 57) assevera que:
[...] na Mesopotâmia indícios de procedimentos voltados para a
publicidade registral, bem como antes do Código de Hamurábi (c. 1700 a.C).
informações acerca de contratos de transmissão imobiliária lavrados por
escribas (notários) em tabuletas de argila, entregues aos compradores em
um recipiente contendo a inscrição da tampa; muitas vezes, cópias dessas
tabuletas eram guardadas por autoridades públicas (registros públicos).
2
_______________
2
O autor segue fazendo uma exposição acerca da evolução da atividade notarial e de registro no
Antigo Egito, Grécia, Idade Média, até chegar a Carlos Magno, no século VIII.
18
À época da Antiguidade as relações negociais eram decididas em festas
públicas que, dado o seu cater publicista, faziam com que a feitura dos contratos e
demais negócios jurídicos se tornasse conhecida por todos. Com o passar do tempo e
a crescente evolução e complexidade dos indivíduos, tais fatos passaram a reclamar
outros instrumentos para que fosse obtida a sua ―perpetuação no tempo‖, mormente
após o surgimento do papel e da escrita. (ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. 2-3).
Destes anseios é que surgiram os serviços ―registrais‖, popularmente
conhecidos no Brasil como ―cartórios‖, instituições responsáveis pelo registro,
manutenção e conservação dos acontecimentos e documentos.
Constituídos pelo Estado de modo a assegurar e transmitir a verdade da
existência de certos fatos e atos jurídicos, lavrar instrumentos de negócios jurídicos,
atestar a identidade dos indivíduos, das firmas e assinaturas, bem como registrar os
diversos títulos de direitos, conservando-os e perpetuando seus respectivos efeitos
no tempo, os tabelionatos de notas e as serventias registrais sofreram grandes
mudanças em sua estrutura técnica e organizacional ao longo dos anos.
3
1.1.1 Origens do notariado
A função notarial surgiu com a necessidade de criar meios para fixar e
perpetuar os convênios e de redigir os atos jurídicos que as partes queriam celebrar.
Leonardo Brandelli (2007, p. 3) relata ser a atividade notarial anterior ao surgimento
do próprio Direito, ou seja, assim como o próprio, ―egressa das necessidades
sociais‖.
4
Cláudio Martins (1974, p.47-48) salienta que bem cedo, ante a necessidade
cada vez maior, tornou-se necessário disciplinar os relacionamentos sociais das
pessoas, bem como as relações decorrentes dos direitos destas sobre os bens,
_______________
3
No prefácio do livro ―Órgãos de Pública‖ de João Mendes de Almeida Júnior (1963), João Mendes
de Almeida Neto faz uma verdadeirantese da evolução dessas atividades no Brasil.
4
Para Brandelli (2007, p. 3), através dos tempos, os notários têm relatado, por intermédio da
documentação de atos, a evolução tanto da humanidade, quanto do direito, registrando na história
os grandes acontecimentos. Afirma que ―a atividade notarial é atividade pré-jurídica, egressa das
necessidades sociais‖. Acredita-se que esta afirmação é digna de contradita, uma vez que se a
função notarial e de registro visa à redação de atos jurídicos, tal pressupõe a existência do
direito. No mesmo sentido, vide Décio Antônio Erpen (2006, p. 48).
19
tendo isso sido efetuado por intermédio de interpostas pessoas que, em razão da
confiança que inspiravam no povo, gozavam de prestígio e credibilidade.
5
Nos primórdios da sociedade, antes mesmo do surgimento da escrita, referidos
negócios - realizados entre os indivíduos - se constituíam através dos mbolos e
eram eternizados na memória pelos sacerdotes (sacerdotes memoristas)
6
, pessoas
dotadas de integridade e respeito, cujo prestígio era a garantia maior das relações
negociais. Após essa fase surgiu o ―reinado da palavra, como a mais imponente
forma de declaração de vontade.
Com o passar dos anos e o crescente desenvolvimento da sociedade e das
relações negociais, aflorou a necessidade de provarem-se as convenções através de
meios mais eficazes, ou seja, menos vulneráveis que meras palavras, de modo a
imprimir maior segurança jurídica aos partícipes. Surgiram os documentos escritos
por particulares que possuíam conhecimento da caligrafia. Mais tarde, esta atividade
de escrita se profissionalizaria e personificaria o papel dos servidores oficiais.
Cabe ressaltar que a atividade notarial, até meados do século treze,
aproximadamente, mantinha forte raízes com a atividade jurisdicional, haja vista que
as autoridades judiciais haviam de participar do ato notarial, a fim de conferir-lhe o
caráter público.
7
Ocorre que, pela quantidade de atribuições, as autoridades do Poder Judiciário
foram, pouco a pouco, delegando tais funções, surgindo uma classe autônoma,
formada por oficiais públicos. Daí por diante, estes passaram a agir de modo
independente na prestação dos serviços notariais e de registro, tornando-se
delegados imediatos do Estado, no que tange às funções de notas e registros
públicos.
_______________
5
Foi Justiniano I, imperador bizantino, também unificador do Império Romano cristão, o responsável
pela promoção da transformação da atividade notarial em profissão regulamentada. (MARTINS,
1974, p. 7).
6
Nesse sentido, podemos afirmar que o memorista, segundo lição de Cláudio Martins (1974, p. 47),
foi o primeiro indivíduo a exercer, embora de forma rudimentar, a função notarial, tendo sido
mantida essa intervenção sacerdotal até o advento da escrita, que trouxe para os negócios jurídicos
importantíssimas modificações.
7
Mais uma razão para refutarmos o argumento de Brandelli (2007, p. 03), no sentido de ser a
atividade notarial pré-jurídica.
20
No Brasil, a atividade notarial surgiu e se desenvolveu graças ao período das
grandes navegações, quando o tabelião fazia parte da tripulação das expedições,
sendo encarregado de registrar e formalizar todos os acontecimentos havidos durante
as longas viagens, desde os mais relevantes, até os pertencentes ao cotidiano das
embarcações. Pero Vaz de Caminha foi o primeiro tabelião a chegar ao Brasil, a quem
coube redigir o único documento oficial do qual se tem conhecimento acerca da posse
de terras no momento do descobrimento do país. (BRANDELLI, 2007, p. 22-24).
8
As Ordenações Filipinas vigoraram no país até o início do século XX, diante da
situação de colônia ostentada pelo Brasil. O direito português era, portanto, aplicado
em solo brasileiro da mesma forma que o era em Portugal, inclusive no que dizia
respeito ao notariado. Em que pese essas circunstâncias, as normas que formavam
os sistemas jurídicos dos serviços judiciais e extrajudiciais no Império possuíam
características próprias, vez que ―não se acomodaram jamais, às ordenações
reinícolas, como é comum se ouvir.‖ (MELO JÚNIOR, 1998, p. 250).
Nesse sentido, o autor acima citado ensina que é preciso refletir acerca do
entendimento comumente propalado de que o notariado brasileiro teve as mesmas
características do português. A par da influência inicial que o modelo do notariado
em Portugal teve sobre o brasileiro, a evolução da atividade notarial no Brasil seguiu
rumos próprios, que distanciaram-na dos seus ancestrais, como demonstra:
[...] o nosso notariado em 497 anos de história nacional desviou-se muito
dos seus ancestrais portugueses. A par disso, nula foi a sua evolução. De
um lado, numa perspectiva imediata, o notariado estava submetido à
crescente teia normativa local, que, dia após dia, agigantava-se,
confundindo o próprio poder julgador. Do outro lado, mediatamente, o
notariado via-se tolhido pelas ordenações reinóis, que, ligadas às surgentes
normações da Colônia, inviabilizavam o desenvolvimento autônomo da
administração desses serviços. (MELO JÚNIOR, 1998, p.177-179).
Entretanto, cabe observar que a construção de um sistema jurídico que
regulamentasse essas atividades o seguia uma ordem gica e razoável. Nesse
sentido, havia normas de inferior hierarquia que revogavam outras, de etiologia
superior, bem como normas locais que dispunham sobre o múnus notarial de forma
concomitante (e diversa) às do Reino. Dessa forma, não era do conhecimento de
ninguém o sistema que regia aqueles homens dos cartórios de tabelião. Havia um
_______________
8
Leonardo Brandelli (2007, p. 23-34), em nota de rodapé, transcreve ipsi litteris a carta de Pero Vaz
Caminha, a qual denomina de ―certidão de nascimento do Brasil.‖
21
verdadeiro caos institucional a respeito das atividades notariais, o qual somente não
se deixava transparecer por serem estas inexpressivas dentro do contexto social da
época. (MELO JÚNIOR, 1998, p. 179).
Na fase inicial da atividade no Brasil, os recursos humanos não anunciavam
melhorias na qualidade e na prestação dos serviços, seja no campo notarial, seja em
outras áreas de interesse coletivo. (MELO JÚNIOR, 1998, p. 181). Desta feita, os
tabeliães eram nomeados pelo Rei, como bem denota Brandelli (2007, p.35):
[...] o provimento dos cargos de tabelião dava-se por meio de doações,
sendo o donatário investido de um direito vitalício, ou até mesmo por
compra e venda ou sucessão causa mortis, o que não é de se estranhar,
haja vista que esta era a forma de provimento de todos os cargos públicos
na América colonial e também na Espanha. Dessa forma, por óbvio, não
havia como exigir preparo e aptidão tão necessários para o exercício da
função, sendo ela entregue, não raras vezes, a pessoas que não lhe eram
merecedoras, juntando-se ao notariado uma série de cargos públicos de
menor expressão.
Não havia a cultura da importância dos notários para a redação dos
documentos oficiais dos países, até o momento em que se iniciaram as grandes
disputas pela posse de terras pelos grandes países colonizadores, tais como
Portugal, Espanha, Inglaterra, dentre outros. Tanto é verdade o ora afirmado, que
não existiam maiores preocupações acerca da qualificação técnica desses
profissionais.
Melo Junior (1998, p.185-186), citando Isidoro Martins Júnior (1979, p.104-
105), exemplifica tal situação dando conta de que o provimento do cargo de tabelião
dava-se por mera liberalidade dos donatários das quinze capitanias existentes,
mediante o pagamento de pensão de quinhentos réis por ano. Os donatários eram
soberanos, nos termos das Cartas de Doações. Após realizada a dotação da
capitania respectiva, ao agraciado incidia a responsabilidade exclusiva sobre ―tudo o
mais‖. Isso acabava por gerar uma forte concentração de poder - o que acarretava
arbitrariedades na concessão de funções tão importantes a pessoas não tão
merecedoras -, bem como a inércia absoluta das atividades notariais.
Prossegue o autor ressaltando a influência exercida pela Igreja na estrutura
das instituições coloniais, com nítidos relexos na praxe tabelional‖, tudo com os
beneplácitos da Corte Portuguesa. Assim, diante de tanta má influência, como bem
22
ressalta, o notariado no Brasil não teve a mesma evolução experimentada na
Europa e em outros países sul-americanos, embora no Brasil Império a instituição
notarial caminhasse para a construção equilibrada de uma estrutura saudável e
evoluída do notariado. (MELO JUNIOR,1998, p.190).
Foi a partir de dois grandes marcos, quais sejam, a Constituição de 1824 e o
surgimento do sistema legiferante brasileiro, com o advento dos Códigos Comercial
e Criminal, que o notariado local iniciou o processo de independência funcional,
―quebrando as amarras‖ que até então o prendia ao sistema português. Foi
justamente a partir da proclamação da República, especialmente após o ano de
1930, que o notariado brasileiro iniciou seu processo de completa desestruturação,
em face do espírito iconoclasta que dominou a nação a partir de então. (MELO
JÚNIOR, 1998, p. 250).
Em 11 de outubro de 1827 foi editada, no Brasil, uma lei regulando o
provimento dos Ofícios da Justiça e da Fazenda. Por esse regulamento, passou-se a
proibir a transmissão dos ofícios notariais como se propriedade fossem, exigindo-se,
outrossim, a transmissão destes a pessoas dotadas de idoneidade, a título de
serventia vitalícia. Ainda que a situação do notariado tenha observado alguma
melhora em rao da citada inovação legal, não se exigiu qualquer qualificação para
o preenchimento das vagas, sequer, experiência no ofício notarial, o que,
indubitavelmente, fez com que o Brasil se mantivesse alheio aos avanços
experimentados por outros países. Observou-se, outrossim, que não houve
preocupação em se instituir nenhuma organização profissional corporativa.
9
(BRANDELLI, 2007, p. 38)
Com o advento do Código Civil Brasileiro de 1916, diversos atos passaram a
exigir a forma pública do instrumento contratual para a sua validade plena. Tal
tendência foi acompanhada por outros regramentos legais pátrios (inclusive mantida
com o novel CCB), embora somente com a Constituição Federal de 1988 tenha sido
estabelecido um divisor de águas para a atividade dos notários, consoante será
_______________
9
A propósito, Mello Júnior (1998, p. 253), ressalta que a formação de uma autarquia e a inauguração
de escolas, visando à formação e o aperfeiçoamento técnico e jurídico dos notários (e seus
auxiliares) seriam soluções a serem adotadas urgentemente para a institucionalização efetiva do
notariado brasileiro, contribuindo para que este consiga de desprender de forma definitiva do Poder
Judiciário, bem como da mistura indevida que se costuma fazer entre as funções desse Poder e a
atividade dos registradores.
23
abordado oportunamente. Sintetizando a evolução histórica desse sistema,
Regnoberto Marques de Melo Júnior (1998, p.255) afirma:
O notariado brasileiro contemporâneo é herança da forma de governo
republicana, que, interrompendo a construção de um direito nacional levado
a efeito com o Império, nos impingiu abruptamente um modelo importado de
regime federalista centralizado, outorgando aos Estados-Membros a
regularização dos notariados, como se estes fossem órgãos do Judiciário.
Especialmente após Getúlio Vargas,os notários brasileiros
descaracterizaram-se completamente, regendo a instituição uma confusa
estratificação de normas administrativas, exaradas pelo Poder Judiciário dos
Estados. A recente Lei federal 8.935, de 1994, nada mais fez do que
ratificar essa situação, de vez que manteve o notariado numa humilhante
situação de subserviência institucional e funcional em relação ao mesmo
Poder Judiciário.
Desta feita, ressalta o autor (1998, p. 195-196) que, desde a proclamação da
República até o surgimento da Lei 8.935/94, o sistema notarial brasileiro sofreu
diversas modificações e incertezas de sua manutenção, eis que sempre esteve
entregue às leis estaduais de organização judiciária que, sendo formuladas pelos
detentores do poder da situação, ofereciam toda série de irregularidades,
desmandos e benefícios aos ―amigos e familiares‖. Dessa forma, contribuiu-se para
a cultura do nepotismo, que muito tempo predominou nessa área de atuação,
chegando muitos a afirmar não haver um modelo de instituição notarial brasileira, e
sim uma cópia mal feita do notariado europeu medieval.
10
Cláudio Martins (1974, p.50), sintetizando estudo acerca da origem e evolução
histórica do notariado, assevera que a história desse instituto assinala períodos de
declínio, como ocorre nos Estados anglo-saxões, que lhe o reconhecem a
autonomia. Não obstante, a função notarial nunca decaiu de seu altíssimo sentido de
imprescindibilidade social, seja de qual forma for: sob o domínio da autoridade
religiosa como ocorreu na Idade Média ou sob a influência de sua configuração
secular, tal como chegou até o Brasil.
11
Para o autor, os percalços pelos quais
_______________
10
Assevera Melo Júnior (1998, p. 251), que ―os concursos públicos presididos pelos Tribunais de
Justa, pelo menos no Estado do Ceará, são eivados de pública suspeita. Nos últimos três concursos
para ‗rendosas‘ serventias da Capital e interior, somente foram aprovados em primeiro lugar, e
portanto providos nos cargos, filhos de desembargadores que exerciam comando nos órgãos
administrativos do Judiciários (como Presidência, Corregedoria, Diretorias dos Fóruns, etc.)‖.
11
Hércules Alexandre da Costa Benício (2005, p. 46-47), citando o constitucionalista Pinto Ferreira
(1995, p. 467-469) certifica que a evolução do notariado no direito luso brasileiro apresenta a
existência de três etapas históricas, quais sejam: ―O primeiro período foi aquele em que o titular do
ofício de justiça era o proprietário (muito embora o escrivão não pudesse vender, renunciar nem
transpassar o ofício sem licença especial do Rei), prolongando-se o direito costumeiro de sucessão
dos cartórios. O tabelião recebia a serventia a título de doação, era vitalício e não poderia ser
24
atravessa dita atividade em alguns países, não lhe estorvam o prestígio ascendente,
como fator da mais alta valia no universo das relações consensuais.
Por sua vez, Melo Júnior (1998, p.253) demonstra preocupação com o
desconhecimento que possui o Brasil acerca das funções notariais, vez que
―ninguém ama o que não conhece.‖ Prossegue afirmando que não lhe causará
admiração a exclusão do notariado em uma próxima Constituição, ante a
degeneração ética e cultural do país. Nesse sentido, o processo evolutivo da
atividade notarial confunde-se com o da própria sociedade onde encontra-se
inserida.
1.1.2 Evolução do sistema registral
O modelo primitivo do que atualmente denomina-se de registros públicos
remonta à época da pré-história, onde as gravuras confeccionadas nas cavernas
representavam o cotidiano. Desde aqueles tempos, havia pinturas rupestres que
pareciam indicar atividade registral, deixando a sensação de que contava o número
de habitantes de determinado aglomerado social.
Com a invenção do calendário pelos egípcios, bem como da escrita pelos
fenícios, durante a era da antiguidade oriental, avistou-se um novo rumo para a
evolução da atividade registral, mormente no que concerne às atividades comerciais
da época.
Com a Idade dia e o consequente declínio das atividades comerciais, o
hábito do registro comercial tornou-se esquecido, relegado ao tempo. Com o fim
desse período de trevas, deu-se o renascimento das relações comerciais entre as
grandes nações e o surgimento das corporações de ofício e das ligas de
afastado senão por meio de sentença judicial confirmada pela Relação. Na segunda etapa, aboliu-
se toda vinculação do direito de propriedade às serventias, com a Lei de 11 de outubro de 1827,
que ‗determina a fôrma por que devem ser providos os officios de Justiça e Fazenda‘. Com a edição
desta lei, ficou determinado que: Art. 1º Nenhum officio de Justiça, ou Fazenda, seja qual for a sua
qualidade, e denominação, se conferido a título de propriedade. Art. Todos os officios de
Justiça, ou Fazenda, serão conferidos, por títulos de serventias vitalicias, ás pessoas, que para
elles tenham a necessaria idoneidade, e que os sirvam pessoalmente; salvo o accesso regular, que
lhes competir por escala nas repartições, em que o houver. O terceiro período caracteriza-se pela
constitucionalização da vitaliciedade dos aludidos titulares, consagrada pela Constituição de 1946
que, em seu art. 187, determinou serem vitalícios somente os magistrados, os ministros do
Tribunal de Contas, os titulares de ofício de justiça e os professores catedráticos.‖
25
comerciantes a denominada burguesia. Nesse sentido, os denominados registros
de comércio‖ voltaram a ter utilidade.
No Brasil, o registro comercial oficial, instituído por ocasião do 2
o
Império,
precedeu o surgimento do registro civil oficial, que somente foi criado após a
Proclamação da República. Isso ocorreu porque, após a consolidação dos Estados
Nacionais, percebeu-se a necessidade de haver uma disciplina da atividade
comercial pelo Estado, advindo da criação de órgãos próprios para o registro dos
comerciantes e das respectivas atividades comerciais.
Dessa forma, as pessoas jurídicas organizadas sob a forma de sociedades
comerciais possuíam um sistema próprio de registro, que lhes era peculiar. No que
diz respeito às fundações privadas, sociedades não empresárias e associações,
caberia o respectivo registro ao ofício de registro civil das pessoas jurídicas, que
somente logrou regulamentação por ocasião do Código de Beviláqua, conforme
ensinamento de Walter Ceneviva (1999, p. 224):
Diversamente do registro do comércio o registro civil de pessoa jurídica veio
regulado no Código Civil (art. 18 e 19), em parte revogado. Começa a
existência da pessoa jurídica de direito privado com a inscrição de seu
contrato, ato constitutivo, estatuto ou compromisso, no registro regulado
pela Lei n. 6.015. Sendo necessária autorização ou aprovação por
autoridade governamental, precederá qualquer registro, a cuja margem
serão averbadas as alterações pelas quais passe a pessoa jurídica.
com relação à prática registral de pessoas naturais, aduz-se que o primeiro
registro de que se tem notícia ocorreu na Roma Antiga, a partir da experiência dos
censos demográficos, usualmente realizados à época. Essa modalidade registral
viria a ser tratada de forma mais cautelosa pela Igreja durante toda a Idade Média,
adentrando a era Moderna. Nesse tempo, o sacramento do batismo era considerado
como sendo ―o registro da pessoa natural.‖
No Brasil, foi no segundo Império, com a separação do Estado da Igreja, que
observou-se a perda, por parte desta, do monopólio do registro civil das pessoas
naturais, atribuição que passaria a pertencer ao Estado, tornando-se, portanto,
oficial. A partir da Proclamação da República, poucas foram as alterações dos
serviços confiados ao registro civil. (BENÍCIO, 2005, p. 47). No tocante à evolução
do registro imobiliário, Maria Helena Diniz (2000, p. 15) esclarece que:
26
[...] na Antiguidade não se falava em propriedade individual de imóveis, pois
homens, que viviam em grupos, ocupando, em comum, as casas, apenas
individualizavam os bens de consumo, como roupas, armas etc. Somente
quando a terra passou a ser explorada para fins comerciais, aquele que a
tornava produtiva ficou sendo não só seu dono, como também de seus
frutos e produtos, mas essa ocupação não recebia proteção jurídica, por
não haver ainda uma sociedade politicamente organizada.
Pontua a autora que, com o descobrimento do Brasil, deu-se início à história da
propriedade imobiliária, uma vez que todas as terras passaram para o dominio
público. A Coroa Portuguesa instituiu a propriedade privada através de doações por
ela feitas, de modo a estimular a ocupação e desbravamento das terras tupiniquins
por aqueles que aqui aportavam.
Como bem salienta Benício (2005, p. 48), o direito de conceder sesmarias
(terras consideradas incultas ou abandonadas, que o Rei português cedia a
particulares em condições econômicas de cultivá-las) cabia aos delegados
designados pelo Rei, que ficavam na Colônia (Brasil). Os capitães donatários
poderiam doar essas terras a quem pretendesse cultivá-las, sob pena de vê-las
retornar à Coroa.
12
Prossegue o autor apontando que o sistema de concessão de terras através de
sesmarias foi suspenso por intermédio da Resolução datada de 17 de julho de 1822.
Com o advento da Lei 601, de 18 de setembro de 1850, denominada de Lei da
Terra, criou-se a categoria de terras devolutas representando os imóveis públicos e
não comprometidos no domínio privado. Com o fim das sesmarias e a criação da Lei
da Terra, em 1850, surgiram os registradores imobiliários, responsáveis pelos
registros de atos e vontades das partes interessadas na transferência da
propriedade imóvel. (BENÍCIO, 2005, p. 48). A Lei da Terra também instituiu, em seu
artigo 13, o registro paroquial, feito pelos vigários, dentro das respectivas paróquias,
assentos estes que ostentavam valor probante para fins jurídicos e possuíam
finalidade declaratória.
13
(BENÍCIO, 2005, p. 47).
_______________
12
Em 1530, por meio de Carta Régia, foi nomeado o primeiro desses delegados, Martim Afonso de
Souza, com competência para distribuir terras que fosse descobrindo. Com a implantação das
Capitanias Hereditárias, a tarefa de delegado sesmeiro passou a ser exercida pelos donatários e,
posteriormente, aos Governadores-Gerais do Brasil.
13
Benício (2005, p. 47) esclarece, citando José Renato Nalini (1998, p. 45) que ―O Brasil Colônia e
Imrio viveu a experiência do Estado confessional. E por isso o registro paroquial o chamado
registro do vigário sempre foi aceito e ostentou valor probante para fins jurídicos.
27
Os registros de títulos, documentos e outros papéis, segundo ensina Paulo
Roberto de Carvalho Rêgo (2002, on line), alcançaram a condição de serviços
sistematizados no Brasil por intermédio da regulação disposta nos títulos 78 e 80, do
Livro I das Ordenações Filipinas. Tais serviços eram atribuídos, à época, aos
Tabeliães de Notas. O autor enfatiza que:
Com o desenvolvimento da sociedade, os serviços de registros públicos,
pouco a pouco, foram especializando-se e, em razão de suas finalidades
específicas, foram segmentados por naturezas (Registro de Hipotecas,
posteriormente Registro de Imóveis; Registro de Títulos, Documentos e
outros Papéis e Civil de Pessoas Jurídicas, etc.). Assim, no ano de 1903,
pelo Decreto Federal 973, foi criado, na cidade do Rio de Janeiro, então
Distrito Federal, o serviço público correspondente ao primeiro ofício
privativo e vitalício do registro facultativo de títulos, documentos e
outros papéis, para autenticidade, conservação e perpetuidade dos
mesmos e para os efeitos previstos no artigo da Lei 79, de 1892.
Posteriormente, face ao sucesso da medida e à necessidade de sua
implantação, outras unidades foram criadas nos demais Estados Federados.
Em 28 de setembro de 1906, foi instalado em São Paulo o primeiro ofício de
registro de títulos e documentos e civil das pessoas jurídicas. Em de
janeiro de 1916, revogando as Ordenações, Alvarás, Leis e outras normas,
foi sancionada a Lei 3071, consolidando o digo Civil brasileiro, que,
em seu Livro III, Título I, Capítulo IV (arts. 129 e seguintes), disciplinou os
meios de prova dos atos jurídicos, regulando os institutos. Sucederam-se
as normas, até que, em 31/12/1973, foi sancionada a Lei n° 6.015, que vige
até o momento, disciplinando, nos seus arts. 127 e ss. o registro de títulos
e documentos. (grifo intencional).
Pimentel (2008, p.61-63), em apertada síntese acerca do histórico do Registro
de Títulos e Documentos, diz que a história dessa espécie registral no Brasil nasceu
da necessidade de se abarcar - de maneira fácil e rápida - na mesma esfera de força
probante pertencente aos documentos públicos, os documentos particulares que
atendessem a certos requisitos mínimos e que, uma vez registrados, passariam
igualmente a ter força erga omnes.
Finalmente, no que diz respeito ao registro de protesto de títulos cambiais,
José de Mello Junqueira (2002, on line) conta que não havia nenhuma norma a
respeito do protesto no Brasil, até o advento do Código Comercial de 1850 e do
Regulamento 737. Segundo o autor, ―vigia o alvará de 1789, que regulava a
denúncia dos protestos, preponderando os usos e costumes do Comércio.‖ A
verdade é que a origem mais remota da evolução do protesto deu-se a partir da
evolução das cambiais, iniciada em 1300.
28
O Código Comercial Brasileiro fez, então, referência a essa espécie de serviço
extrajudicial, qual seja, o protesto de títulos cambiais, considerando este ato
necessário para os casos de recusa de aceite e recusa de pagamento. O ato de
protesto teve outras normas regulamentadoras, a saber: Lei Uniforme de Genebra,
de 1930; Leis especiais das duplicatas (Lei 5.474/68); Lei do cheque (Lei
7.357/85) e Lei de Falências (Decreto-Lei 7.661/45). Em todas as legislações
disciplinadoras do protesto, sempre houve referência aos títulos de crédito.
Diante disso, afirma-se que o legislador pátrio, sempre quando se referiu ao
protesto, o fez com base nos títulos cambiais ou a eles similares, salvo raras
exceções, dentre as quais pode-se citar: admissão do protesto do Contrato de
Câmbio (art. 75 da Lei 4.728/65) na falência, de outros títulos, conforme dispõe o
artigo10 do Decreto-lei 7.661/45, do contrato de alienação fiduciária (art. 2°, § 2°,
Decreto-lei 911/69) e, também, dos contratos de Compra e Venda com Reserva de
Domínio (art. 1.071 do CPC). Fora desses casos, o ato de protesto sempre ficou
restrito aos títulos cambiariformes.
Ademais, por oportuno, vale salientar que o Decreto nº 135, de 10 de janeiro de
1890, criou o primeiro ―lugar oficial privativo dos protestos de letras na capital
federal. (BENÍCIO, 2007, p. 49).
1.2 A disciplina do sistema notarial e de registro na Constituição
Federal e nos demais diplomas legais pátrios
A promulgação da Constituição Federal Brasileira, ocorrida em 5 de outrubro
de 1988, trouxe profundas alterações para a disciplina dos registros blicos no
país, tendo sido fixadas as diretrizes básicas, bem como os princípios fundamentais
da matéria no ordenamento jurídico pátrio.
Tais atividades possuem expressa previsão na Carta Magna de 1988, que, no
caput do art. 236, prevê que ―os serviços notariais e de registro o exercidos em
caráter privado, por delegação do Poder Público.‖
Os notários e registradores o profissionais do direito que prestam serviço
público, por delegação do Poder Estatal, consoante preleciona o dispositivo legal
acima transcrito. Desta forma, cabe consignar que, a partir da Carta Magna de 1988,
29
optou o constituinte originário brasileiro, de forma bastante clara, pelo regime privado
para o exercício das atividades cartorárias. Desta feita, tolheu a oficialização dos
tabelionatos e dos cartórios registrais, em contraste com a estatização estabelecida
pelo art. 31 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para as serventias
do foro judicial, a saber: ―Serão estatizadas as serventias do foro judicial, assim
definidas em lei, respeitados os direitos dos atuais titulares.‖ Flauzilino Araújo dos
Santos (1997, on line), ao dissertar acerca do tema, observa que:
[...] a atual Carta Maior efetivamente elevou ao patamar constitucional a
atividade notarial e registral mas que, a rigor, preexistia e a fez
desprender do Poder Judiciário. Consagrou-se, todavia, o óbvio, ao se
proclamar que a atividade tinha o caráter privado, exercida ‗por delegação
do Poder Público‘ como que se o Constituinte estivesse promovendo a
delegação naquele momento. Ela, repito, se inserira na interação social,
uma vez que se cuidava de verdadeira instituição da comunidade,
verdadeiro corpo social, não efêmero, advindo, não de ato administrativo ou
da vontade política do governante, mas sim de um fenômeno sócio-jurídico,
institucionalizado pela interação social, objetivando a segurança nas
relações dos indivíduos em sociedade.
No mesmo sentido, Décio Antônio Erpen (2006, p. 48-49) prescreve que a atual
Carta Maior, de forma efetiva, elevou ao patamar constitucional a autonomia das
atividades notarial e de registro, embora essa independência existisse no plano
legal, retirando as amarras que as ligavam ao Poder Judiciário. Quando o
constituinte originário proclamou que tais atividades tinham caráter privado, sendo
exercidas por ―delegação do Poder Público‖, diz o autor que, na verdade, em nada
inovou. Com efeito, a delegação existia, estando inserida no ―tecido jurídico-
social‖, haja vista que se cuidava de verdadeira instituição da comunidade,
verdadeiro corpo social permanente, advindo de um fenômeno sociojurídico, e não
de um ato administrativo ou da vontade política isolada de um governante.
Mais de seis anos após o advento da ―Carta Cidadã‖, foi editada a Lei
8.935/94 (Lei Orgânica dos Notários e Registradores), que veio regulamentar o art.
236 do texto constitucional, inaugurando uma nova fase para as atividades notariais
e de registro no Brasil, tirando-as do obscurantismo, verdadeira ―zona cinzenta‖, que
pairou sobre elas durante anos, inclusive dentre os próprios operadores do direito,
tornando-as mais conhecidas por todos.
Somente a título ilustrativo, antes da edição da Lei dos Notários e
Registradores sequer a nomenclatura dos ocupantes dessas atividades era
30
conhecida pela maioria dos brasileiros, inclusive por aqueles que faziam parte do
mundo jurídico. Brandelli (2007, p.47), ao comentar a situação dos notários, destaca
as inovações trazidas pelo já mencionado estatuto legal:
A citada lei orgânica e o art. 236 da Constituão trouxeram profundas e
importantíssimas inovações. A primeira delas, embora pouco significativa do
ponto de vista material, parece ser de grande importância para uma função
calejada pelo desconhecimento a respeito de sua estrutura. Trata-se da
designação técnica do titular da função notarial, definida pela Lei nº 8.935/94:
tabelião ou notário. Para que um profissional possa ser valorizado e valorizar-
se é preciso, antes de mais nada, que tenha uma designação. É fato
pitoresco, mas até hoje muitas pessoas não sabem quem é o titular da função
notarial.: chegam ao tabelionato reclamando pelo escrivão, pelo oficial, pelo
oficial maior, pelo dono, mas raramente pelo tabelião ou pelo notário. O que
era grave, porém, é que no mundo jurídico havia desconhecimento acerca do
titular da fuão notarial, existindo normas que a ele se referiam como
escrivão ou oficial, e, neste ponto, a nova lei deu o norte correto: o
profissional delegado da fuão notarial é o notário ou tabelião.
As atividades notariais e as registrárias não se confundem, tal como explicita a
Lei nº 8.935/94, que em seu art. dispõe: Notário, ou tabelião, e oficial de registro,
ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado
o exercício da atividade notarial e de registro. O artigo enquadra na expressão
―notários‖ os tabeliães de notas, tabeliães de registro de contratos marítimos e
tabeliães de protesto de títulos, definindo como ―oficiais de registro‖ os titulares das
serventias de registro de imóveis, registro de títulos e documentos e civis das
pessoas jurídicas, registro das pessoas naturais e de interdições e tutelas e,
finalmente, registro de distribuição.
Hércules Benício (2005, p. 19) informa que muitos autores defendem a tese de
que houve atecnia no tocante aos oficiais de protesto de títulos, uma vez que a lei
deveria ter tratado os mesmos como registradores e não propriamente como
tabeliães, sob o argumento de que o protesto de um título aproxima-se mais do
registro de documento com subsequente notificação (publicidade) da dívida.
Argumenta-se que é justamente por isso que a Lei 9.492/97, muito embora
se refira constantemente à figura do ―tabelião de protesto‖, determina, no parágrafo
único do art. 9º, que ―qualquer irregularidade formal observada pelo tabelião obstará
o registro do protesto.‖
Por outro lado, para os defensores da natureza ―notarial‖ da atividade de
protesto, o Min. Ilmar Galvão, quando do julgamento da Medida Cautelar em Ação
31
Direta de Inconstitucionalidade (ADInMC) 2.415/SP, em seu voto, ao transcrever
passagem da petição do Colégio Notarial (figurante como amicus curiae), consignou
que:
A atividade do tabelião de protesto de letras e títulos não é, porém, uma
atividade de registro; ela não retrata, pura e simplesmente, uma realidade já
existente, como é próprio aos atos registrais, mas, pelo contrário, perfaz a
criação de algo novo, um instrumento, a partir da consecução de um ato
jurídico ‗stricto sensu‘ de natureza notarial, considerado o adjetivo em
sentido amplo.
Outra inovação da lei foi o esclarecimento de diversos pontos controversos,
que há muito norteavam os debates acerca da natureza jurídica das atividades
notariais e de registro.
Consoante já afirmara a Constituição Federal de 1988, a Lei 8.935/94
esclareceu não serem os notários e registradores funcionários públicos, mas sim
agentes delegados do Poder Público, uma vez que encarregados de exercer função
tipicamente pública, qual seja, a atividade notarial e de registro. Reflexo do não
enquadramento dos titulares das serventias na categoria de servidores públicos, era
a previsão de que exerceriam tais atividades na condição de particulares,
executando serviço público em nome próprio, por sua conta e risco, não havendo
qualquer relação de hierarquia ou subordinação com relação ao Estado, e sim uma
atividade de fiscalização e regulamentação deste com relação àqueles.
A propósito, a independência funcional dos titulares dos serviços notariais e
registrais, após o advento da Constituição Federal de 1988 e da Lei 8.935/94,
restou patente. Ricardo Dip (1997, p.48-49) leciona que ―o registrador não é mero
executor de ordens superiores concretas a respeito de um registro; é, ao invés, o juiz
de sua efetivação‖.
José Renato Nalini (1997, p. 82-89) ressalta que, ainda que exerçam função
pública, os notários e registradores não se econtram subordinados ao Estado
através de uma relação hierarquizada: ―Ora, o delegado não tem subordinação
hierárquica em relação ao Estado. Exerce as suas funções com liberdade e
autonomia.‖ Mais adiante, comparando tais atividades com a de magistrado, observa
não ser verdade que o delegado de serviços extrajudiciais seja desprovido de
discricionariedade.
32
Assinala o autor que, dentre os operadores do Direito, o delegado é um dos
mais categorizados, possuindo incumbências bastante aproximadas às dos juízes,
uma vez que, em sendo notário, possui várias funções, dentre as quais a de
aconselhar juridicamente as partes, de modo a encontrar no ordenamento a forma
mais adequada de instrumentalizar suas vontades. Nesse sentido, ―a qualificação
dos títulos, conferida ao registrador, não prescinde do exercício de autoridade
jurídica, exingindo-se-lhe trabalho interpretativo em tudo semelhante ao do julgador
quando faz incidir a vontade da lei ao caso concreto.‖ (NALINI, 1997, p. 89).
Muito embora sejam exercidos em caráter privado, através de delegação do
Poder Público, os serviços notariais e de registro possuem nítidas características de
serviço público, consoante será demonstrado no decorrer do presente estudo.
Os serviços prestados pelas serventias são remunerados, pelos usuários, com
o pagamento dos respectivos emolumentos, cuja individualização e cobrança,
previstas no art. 236, § 2
o
da CF/1988, foram regulamentadas pela Lei n
o
10.169/2000, que dispôs sobre as normas gerais para a fixação dos emolumentos
no âmbito dos Estados-membros.
A utilização dos emolumentos como contraprestação por um serviço blico
prestado por tais delegatários, além do alicerce constitucional, pode ser vislumbrada
através da sistemática estabelecida pela Lei nº. 8.935/1994 que, dentre outras
coisas, veda a imposição de novas despesas ao usuário em decorrência da
realização das diligências necessárias ao preparo dos atos notariais e de registro.
A Constituição Federal, ainda, dispôs no § do art. 236 que o ingresso nas
atividades notariais e de registro depende de concurso público de provas e títulos,
não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de
provimento ou remoção, por mais de seis meses.
Referida previsão, além de garantir a observância do princípio da isonomia, s
fim aos antigos apadrinhamentos concedidos às famílias abastadas de exercerem a
prestação dos serviços dessa natureza, tão somente pelo fato de manterem bom
relacionamento com os detentores do poder. Os abusos eram tão grandes que os
privilégios concedidos às referidas famílias permaneciam mesmo após o óbito dos
titulares, haja vista que a família permanecia prestando tais serviços, ou seja, havia
33
uma espécie de hereditariedade na transmissão dos direitos, como se a serventia
notarial ou de registro fizesse parte do acervo patrimonial deixado pelo de cujus.
É claramente percepvel que se deve exigir um mínimo de condições
específicas (qualificação) àqueles que exercerão uma função de tamanha importância
para a administração dos interesses dos particulares e para a preservação da ordem
na feitura e aperfeiçoamento dos negócios jurídicos, sendo correto, sim, o emprego de
um critério que discrimine (selecione), objetivando atingir esta segurança.
Por derradeiro, é importante mencionar que incumbe ao Poder Judiciário a
realização dos concursos públicos para preenchimento das serventias notariais e de
registro, cabendo a este poder, inclusive, a outorga das delegações aos aprovados
no certame, bem como a fiscalização do exercício destes nas atividades em
comento. O concurso terá que contar, ainda, em todas as suas fases de execução,
com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um
notário e de um registrador.
14
Desta forma, de se observar a existência de um serviço público essencial,
que é prestado por particulares por intermédio de delegação do Poder Público.
Ocorre que tal delegação se de forma sui generis, ou seja, por meio de concurso
público e não de licitação. O art. 236 da CF/88, por mais que determine a outorga da
delegação pelo Poder Público, não esclarece a qual dos Poderes (cuja divisão é
feita somente a título acadêmico, eis que o Poder Estatal é uno e soberano)
pertence a respectiva incumbência.
Tal lacuna, até a regulamentação do retroenfocado dispositivo constitucional,
ocorrida por ocasião da edição da Lei dos Notários e Registradores (Lei
8.935/94), ensejou diversos e acirrados debates doutrinários e jurisprudenciais, em
razão de uns entenderem ser de competência do Poder Executivo outorgar a
delegação; outros defenderem competir tal atribuição ao Poder Judiciário.
Atualmente tal queso encontra-se superada e pacificado restou o
entendimento de que a incumbência para processamento das outorgas de delegação
_______________
14
A disposição contida no § do art. 236 da CF, exigindo concurso público para ingresso nas
funções notariais e de registro, foi regulamentada pelos artigos 14 a 19 da Lei 8.935/94 (Lei dos
Notários e Registradores).
34
compete ao Poder Judiciário.
15
A doutrina pátria aponta diversos artigos da Lei
8.935/94 que levam a esta sistemática conclusão. Isso pode ser demonstrado através
do entendimento esposado por Celso Antônio Bandeira de Mello, em trechos de
parecer formulado a pedido da ANOREG (Associação dos Notários e Registradores
do Brasil), citado em artigo de autoria de Ivana H. Ueda Resende (2003, on line):
A teor da Lei 8.935, compete ao Poder Judiciário realizar os concursos
públicos para provimento de tais serviços (art. 15) e, através do Juízo
competente, fixar os dias e horários em que serão prestados os serviços
notariais e de registro (art. 4°); receber o encaminhamento feito pelo titular
dos nomes de seus substitutos (art. 20,§2°); resolver as dúvidas levantadas
pelos interessados e que lhe serão encaminhadas pelos notários e
registradores (art. 30, XIII); fixar as normas técnicas de obrigatória
observância naqueles serviços (art. 30, XIV); aplicar aos notários e oficiais
de registro, em caso de infrações disciplinares, assegurada ampla defesa,
as penalidades previstas de repreensão, multa, suspensão e perda da
delegação (art. 34 c/c 31, 32 e 33), dependendo esta última de sentença
transitada em julgado ou de processo administrativo, assegurado amplo
direito de defesa (art. 35), bem como, designar interventor para responder
pela serventia (arts. 35,§1° e §1° do 36) quando suspendê-lo
preventivamente (art. 36 e §1° do art. 36); exercer, através do juízo
competente, como tal considerado aquele assim definido na órbita estadual
ou distrital, a fiscalização dos atos notariais e de registro, sempre que
necessário ou quando da inobservância de obrigação legal destes agentes
ou seus prepostos (art. 37); remeter ao Ministério Público cópias e
documentos necessários à denúncia, quando em autos ou papéis que
conhecer, verificar a existência de crimes de ação pública (parágrafo único
do art. 37); zelar para que os serviços notariais ou de registro sejam
prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo
sugerir à autoridade competente planos de adequada e melhor prestação
deles (art. 38); propor à autoridade competente a extinção do serviço
notarial ou de registro e anexação de suas atribuições a outro da mesma
natureza, quando verificada a absoluta impossibilidade de se prover por
concurso blico a titularidade dele, por desinteresse ou inexistência de
candidatos (art. 44).
_______________
15
Nesse sentido manifestou-se o C. Supremo Tribunal Federal: ―EMENTA:- Recurso extraordinário.
Mandado de segurança. Provimento n 8/95, de 24 de março de 1995, do Desembargador Corregedor-
Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Alegação de que o ato impugnado contraria a Lei
n.º 8.935, ao declarar que este diploma atribuía 'a fiscalizão dos serviços notariais' ao Poder
Judicrio, quando a compencia a ele reservada restringe-se exclusivamente aos atos não ao serviço,
enquanto estrutura administrativa e organizacional. 3. Sustentação da necessidade da distinção entre
fiscalização dos atos notariais, que constitui atribuão natural do poder concedente, exercida por
intermédio do Poder Judicrio, e a fiscalizão administrativa, interna. 4. Transformação constitucional
do sistema, no que concerne à execução dos serviços públicos notariais e de registro, não alcançou a
extensão inicialmente pretendida, mantendo-se, em conseqüência, o Poder Judiciário no controle do
sistema. A execução, modo privato, de serviço público não lhe retira essa conotação específica. 5. Não
de se ter como ofendido o art. 236 da Lei Maior, que se compõe também de parágrafos a integrarem
o conjunto das normas notariais e de registro, estando consignada no § 1º, in fine, do art. 236, a
fiscalização pelo Poder Judiciário dos atos dos norios e titulares de registro. 6. Recurso extraordinário
o conhecido. (RE 255124, Relator(a): Min. RI DA SILVEIRA, Tribunal Pleno, julgado em
11/04/2002, DJ 08-11-2002 PP-00026 EMENT VOL-02090-05 PP-00887, 2009, on line).
35
Embora a competência delegante, no que diz respeito às serventias notariais e
de registro, seja do Poder Judiciário, responsável pela instauração do concurso
público constitucionalmente exigido, bem como pela respectiva fiscalização da
prestação de tais serviços, não é certo afirmar que notários e registradores
pertençam a este poder.
Exemplo disso é que a disposição constitucional reguladora das atividades
notariais e de registro (art. 236 da CF de 1988) localiza-se, topograficamente,
afastada das Seções referentes à organização do Poder Judiciário (arts. 92 a 126),
demonstrando, assim, que os serviços notariais e de registro não compõem a
estrutura orgânica do Poder Judiciário, bem como que seus titulares (notários e
registradores) gozam de independência no desempenho de suas atribuições.
(BENÍCIO, 2005, p. 54).
Para Décio Antônio Erpen (1999, p.103-104), quando os juristas enfrentaram o
tema da localização de tais funções, ainda na fase pré-constituinte, vislumbravam
que os serviços notariais e de registro não integravam o Poder Judiciário, bem como
que o pertenciam a nenhum outro Poder. Na visão desse autor, a subtração de tal
atividade da esfera do Poder Judiciário, sem o deslocamento para outro poder, a
clara ideia de que passaram os Serviços Notariais e Registrais a serem tratados como
Instituições da Comunidade, e não mais como órgãos do Poder, em qualquer de suas
modalidades. A omissão, pois, de sua existência, em qualquer órgão da
Administração Pública, não constitui desaviso do Constituinte, mas, antes, consciente
e oportuno posicionamento científico, consagrando a autonomia da atividade.
Não obstante, o Código de Divisão e Organização Judiciária do Estado do
Ceará, editado pela Lei 12.342/94, prevê os serviços notariais e de registro no
Livro II, que dispõe sobre a Organização Judiciária, especificamente no Título V,
denominado Da organização, classificação, atribuição e disciplina dos serviços
auxiliares do Poder Judiciário‖, e mais precisamente nos Subtítulos III, que dispõem
acerca ―Dos Serviços Notariais e de Registros da Comarca de Fortaleza, exercidos
em caráter privado por delegação do Poder Judiciário do Estado do Ceará e sob sua
fiscalização‖; Subtítulo V, ―Dos Serviços Notariais e de Registros dos Termos
Judiciários‖; e Subtítulo VI, ―Dos Serviços de Registros dos Distritos Judiciários.‖ A
36
análise dessa lei estadual demonstra que o legislador considerou os notários e
registradores insertos na estrutura organizacional do Poder Judiciário.
Como se verá, a Constituição Federal deixou à legislação ordinária, bem como
aos intérpretes, difíceis questões a respeito do regime jurídico aplicável a tabeliães e
registradores titulares de serventias não-oficializadas. Dentre essas questões está o
problema central do presente trabalho, qual seja, a discussão sobre a
responsabilidade civil do Estado e dos titulares de cartórios não-oficializados
(notários e registradores), decorrente de prejuízos causados por estes agentes
públicos (e seus prepostos) no desempenho de suas atividades funcionais, bem
como diversas outras problemáticas que se seguem no segundo e terceiro capítulos.
1.3 A atividade notarial e de registro como serviço público
Antes de iniciar-se a abordagem do tema proposto no presente tópico, cabe
ponderar ainda que de modo perfunctório - sobre o conceito de serviço público.
Afinal, o que é serviço público?
A primeira dificuldade que enfrentam os que tentam definir serviço público diz
respeito à ―propalada oscilação história‖ de seu conceito. (AGUILLAR, 1999, p. 112).
Tendo-se em vista que os conceitos existentes acerca de serviço público oscilam
historicamente (assim como igualmente - oscilam em virtude de serem
provenientes desta ou daquela escola do pensamento jurídico), conforme seja
adotada esta ou aquela postura sobre o tema, adotar-se-á um ou outro conceito,
mais restrito ou mais abrangente, levando-se em consideração ainda diversos e
diferentes elementos definitórios. Devido a isso, procuram os autores fornecer uma
noção estável de serviço público, menos sujeita às alterações verificadas no
contéudo concreto dessas atividades.
16
Ocorre que, a despeito dos esforços empreendidos, segundo pontua Fernando
Herren Aguillar (1999, p. 114), os próprios conceitos tido como estáveis parecem
defasar com o passar do tempo, seja pela alteração dos fatores que num dado
momento haviam conduzido os juristas a optar neste ou naquele sentido, seja pelo
_______________
16
Exemplo disso seria um conceito que considera como serviço público as ―atividades de interesse da
coletividade‖.
37
falseamento de sua concepção, produzido por eventuais teorias concorrentes (e
discordantes).
Joyceane Bezerra de Menezes (2004, p. 109) aduz que o serviço público retira
sua razão de ser da noção de interesse público, ou seja, do interesse da
coletividade. Sendo assim, assevera que, da mesma forma pela qual os interesses
da coletividade se transformam no tempo, em função das especificidades de cada
sociedade, não se faz possível enumerar de modo genérico e universal o que se
considera por serviço público.
Odete Medauar (2003, p. 215-217) aponta a França como berço da noção de
serviço público, asseverando que, no início do século XX, com Duguit e Jèze, deu-se
início à chamada Escola do Serviço Público, resultando no enraizamento desse
conceito no ordenamento francês, fenômeno este que logo depois se expandiria
para o mundo ocidental.
17
Citando a clássica conceituação de Duguit (Traité de droit
constitutionnel, ed. 1927), pontua que o serviço público é toda atividade que tem sua
realização assegurada, disciplinada e controlada pelos governantes, vez que seu
exercício mostra-se imprescindível à efetivação e ao desenvolvimento da
interdependência social, não podendo se concretizar a não ser com a intervenção da
força governamental.
A doutrina portuguesa, por sua vez, na voz de Rodrigo Gouveia (2001, p. 20),
distingue serviço público de ―serviços de interesse geral‖, categoria esta em que
melhor se enquadrariam, para o caso específico de Portugual, os serviços notariais e
de registro. O doutrinador, citando Pedro Gonçalves (1999, p. 25), define serviço
público com sendo ―uma actividade de que a administração é titular e por cujo
exercício é responsável (responsabilidade de execução).‖
Por outro lado, os serviços de interesse geral, na visão de Gouveia (2001, p. 17),
o aqueles que satisfazem necessidades sicas da generalidade dos cidadãos,
quer sejam elas de ordem sociocultural ou econômica, cuja existência se mostre
essencial à vida, à saúde ou à participação social dos indivíduos. Prossegue
_______________
17
Agustín Gordillo (2003, p. VI 1) também aponta a França como local de nascimento da noção de
serviço público: La noción de servicio público nac y floreció en Francia caracterizada como
actividad de determinado tipo realizada por la administración en forma directa, o indirectamente a
través de concesionarios y fue el concepto que sirvió para la construcción del viejo derecho
administrativo‖.
38
ressaltando que a qualificação de um serviço como sendo de interesse geral não é
estanque, devendo ser aferida de conformidade com um determinado nível de
desenvolvimento da sociedade, ou seja, o conceito irá evoluir e tornar-se mais
abrangente de acordo com o que seja considerado, em uma determinada sociedade,
como imprescindível à vida, à saúde ou à participação social.
Assim, ao contrário do que ocorre com o serviço público em sentido restrito, os
serviços de interesse geral não são tarefas por cujo o exercício seja responsável a
administração. Muito pelo contrário. Podem estes ser prestados por entidades
privadas. É justamente esse o ponto nodal que faz surgir referido conceito, uma vez
que se considera que a administração deixou de ser responsável pela execução de
tais serviços (o que excluiria seu enquadramento da categoria de serviços públicos
propriamente ditos).
No Brasil, diferentemente do que ocorre em Portugal, o termo serviço público
não é tomado em sentido estrito, sendo considerado como toda atividade material de
titularidade do Estado, podendo o mesmo, entretanto, exercê-la de maneira direta ou
indireta (hipótese que se verifica pela via da delegação lato sensu). A vigente
Constituição Federal Brasileira dispõe no art. 175 ser de incumbência do Poder
Público, na forma da lei, a prestação de serviço blico, diretamente ou por
intermédio de particulares (sob o regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação). Com relação às atividades econômicas, estas também poderão
ser exercidas diretamente pelo Estado, nos limites estabelecidos pelo texto
constitucional.
18
A propósito, Joyceane Bezerra de Menezes (2004, p. 107) esclarece que no
Brasil, assim como em outros Estados de cunho capitalista, ―o serviço público é
compreendido, tradicionalmente, em oposição às atividades econômicas, como
função estatal típica, embora a sua prestação possa ser realizada por particulares.
19
_______________
18
Art. 175 da CF/88: ―Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de
atividades econômicas pelo Estado será permitida quando necessária aos imperativos da
segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.‖
19
A realização de funções públicas por particulares não é algo novo, vez que estes sempre
assumiram um múnus público. Desde à época Colonial se observava, dentro do sistema de
Capitanias Hereditárias, a delegação de atribuições essencialmente públicas à iniciativa privada.
(AGUILLAR, 1999, p. 118).
39
Considera-se de grande valia para a temática sob enfoque, as ponderações
formuladas por Cristiane Derani (2002, p. 70), as quais traz-se à baila:
Serviço Público é atividade de interesse coletivo, de natureza econômica ou
não, decorre do exercício do Poder Público, funda-se na solidariedade
social e objetiva coesão social. Quando de natureza econômica, retira a
atividade econômica, total ou parcialmente, do mercado e passa a ser uma
atividade econômica em regime diferenciado.
Hely Lopes Meirelles (1994, p.432) fornece uma conceituação bastante
esclarecedora acerca do que realmente representa o serviço público:
Serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus
delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades
essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do
Estado. [...] O que prevalece é a vontade soberana do Estado, qualificando
o serviço como público ou de utilidade pública, para sua prestação direta ou
indireta, pois serviços que, por natureza, são privativos do Poder Público
e só por seus órgãos devem ser executados, e outros são comuns ao
Estado e aos particulares, podendo ser realizados por aquele e estes. Daí
essa gama infindável de serviços que ora estão exclusivamente com o
Estado, ora com o Estado e particulares e ora unicamente com particulares.
Para Medauar (2002, p.264), os serviços públicos se constitutem como
atividades que propiciam de maneira direta bens e benefícios aos administrados,
excluindo da abrangência do termo aquelas funções de preparação de
infraestruturas (arquivo, arrecadação de tributos). Abrangem prestações específicas
para determinados indivíduos, tais como luz, água e telefone, bem como prestações
genéricas, como o exemplos os serviços de iluminação pública e de limpeza de
ruas. Dessa forma, no momento em que a atividade de prestação recebe a
qualificação de serviço público, consequências advêm, em especial quanto ao
regime jurídico, mesmo que fornecida por particulares.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 99), após tecer apontamentos acerca
da evolução do serviço público no tempo, tanto no que tange à sua abrangência
quanto no que diz respeito à sua natureza jurídica, termina por considerá-lo como
sendo toda atividade material que a lei atribui ao Estado, devendo o mesmo exercê-
lo de forma direta ou indireta, por meio de seus delegados, com o intuito de
satisfazer concretamente as necessidades coletivas, sob o regime jurídico total ou
parcialmente público.
40
Apesar da existência de uma infinidade de conceitos oferecidos para serviço
público, denota-se um elemento comum em todos eles o atendimento das
necessidades coletivas. (MENEZES, 2004, p. 109). Assim, percebe-se que o serviço
público não pode ser definido, senão em virtude do interesse coletivo. É desta noção
que ele tira o seu fundamento, a sua razão de existir. (DERANI, 2002, p. 55).
É justamente nesse sentido que Bandeira de Mello (2009, p.668-669) conceitua
o serviço público, a partir da análise de seu substrato material. Segundo o autor, a
atividade estatal denominada de serviço público consiste em prestações - de
utilidade ou comodidade material, fruíveis de modo singular - oferecidas aos
administrados em geral, ―que o Estado assume como próprias, por serem reputadas
imprescindíveis, necessárias, ou apenas correspondentes às conveniências básicas
da Sociedade, em dado tempo histórico.‖
Traçadas essas considerações acerca do conceito de serviço público, que
como ressaltado não encontra uniformidade doutrinária, especialmente no tocante à
respectiva classificação, passa-se a analisar o papel da atividade notarial e registral e
sua localização no grande universo de serviços públicos, prestados pelo Estado de
forma direta ou conjuntamente com os particulares. A CF/88, em seu art. 236, dispõe:
Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter
privado, por delegação do Poder Público. §1
o
Lei regulará as atividades,
disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, oficiais de
registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo
Poder Judiciário. §2
o
Lei Federal estabelecerá normas gerais para a fixação
de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de
registro.§3
o
O ingresso na atividade notarial e de registro depende de
concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer
serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de
remoção, por mais de seis meses. (Grifou-se)
Dessa forma, a Carta Magna de 1988 expressamente atribuiu à atividade
notarial e de registro um certo aspecto privatístico, especialmente quando
determinou que estas seriam exercidas em caráter privado; por outro lado,
asseverou que o exercício destas atividades dar-se-á por delegação do Poder
Público.
Entende-se que o fato de a atividade notarial e registral ser exercida em caráter
privado, não significa que encontra-se desvinculada das atividades estatais. Muito
pelo contrário, trata-se de intervenção do Estado nos negócios jurídicos celebrados
41
no âmbito privado que, devido à tamanha importância, reveste-se do caráter de
estatalidade. Ora, o texto constitucional apenas fez com que a delegação restasse
explicitada, que notários e registradores continuam exercendo função pública. Se
assim não fosse, não haveria a necessidade de delegação. (ALVES, 2002, p. 94).
Outro não é o entendimento de José Cretella Júnior (1993, p. 4.611):
Relembre-se que o serviço público tem esse caráter, não em si e por si, em
essência serviço público material mas em razão de quem o fornece. Se
o Estado titulariza certo serviço ensino, transporte, a atividade é,
formalmente, serviço público. Os serviços notariais e de registro cabem, por
sua relevância, ao Estado, mas os Poderes Públicos, por delegação,
permitem que sejam exercidos em caráter privado.
Na seara jurisprudencial, o C. Supremo Tribunal Federal,
20
na pessoa do
Ministro Djaci Falcão, em seu voto condutor, já assentou entendimento de que ―entre
nós, não se pode negar o caráter de serviço público dos ofícios de justiça e de
notas‖, pontuando que estes ―quer no foro judicial, seja no chamado foro
extrajudicial, desempenham uma função eminentemente pública.
Não há dúvida quanto à natureza jurídica da função notarial e de registro: trata-
se de função estatal. O Estado, usando de seu poder de descentralização
administrativa, preferiu repassar a execução de tais atividades a particulares, através
de delegação que observará a norma constitucional pregadora da obrigatoriedade
de concurso público para ingresso ou remoção. Vale salientar que os particulares,
aos quais forem delegadas tais atividades, as exercerão em caráter privado, ou seja,
como um verdadeiro ―negócio‖, expressão esta que, apesar de não ser
recomendada pelo Supremo Tribunal Federal - STF, é a que melhor se coaduna com
a realidade das serventias.
Por oportuno, destaca-se que as atividades notariais e de registro constituem-
se como serviços públicos próprios, uma vez que atendem às necessidades
coletivas e são executadas indiretamente pelo Estado, o qual as delega pela via do
concurso público aos particulares. (DI PIETRO, 2004, p. 103).
21
(Grifo intencional).
_______________
20
Vide: Rp 891, RTJ 68/295.
21
Na mesma classificação de serviço público operada por Meirelles (1996, p. 297 e segs.), serviço
público impróprio são aqueles que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade,
mas satisfazem a interesses comuns de seus membros e por isso a Administração os presta
remuneradamente, por seus órgãos, ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas,
sociedades de economia mista, fundações governamentais) ou delega a sua prestação a
42
A respeito, Ceneviva (2002, p. 23-24), dissertando sobre a discussão que se
instalou no Brasil e no exterior acerca da qualificação jurídica das funções do
tabelião, ressalta que a Lei n. 8.935/94 resolveu o problema, afirmando que notários
e registradores são profissionais do direito, mas praticantes de serviço do interesse
público. Acresce que o serviço notarial e de registros confere garantia às pessoas
naturais ou jurídicas, bem como ao direito que lhes corresponde, ressaltando que a
garantia referida é, ainda, própria do serviço público. Gera responsabilidades para o
Estado e para os titulares dos respectivos serviços em caso de danos aos terceiros
que nelas confiarem.
Neste diapasão, faz-se necessário transcrever trecho do Informativo 5 do
Supremo Tribunal Federal, que mostra com clareza a natureza de serviço público da
atividade notarial e de registro:
Por maioria, o Tribunal indeferiu medida cautelar em ação direta ajuizada
pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG-BR,
contra os arts 1º, e da Lei 9.534/97, que prevêem a gratuidade do
registro civil de nascimento, do assento de óbito, bem como da primeira
certidão respectiva. Considerou-se não caracterizada a relevância jurídica
da tese de ofensa ao art. 5º, LXXVI, da CF (são gratuitos para os
reconhecidamente pobres, na forma da lei: a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito;‘) uma vez que este dispositivo constitucional reflete o
mínimo a ser observado pela lei, não impedindo que esta garantia seja
ampliada, indistintamente. Considerou-se, também, que a União Federal
poderia ter isentado a cobrança de emolumentos sobre os mencionados
serviços uma vez que se trata de um serviço público, ainda que prestado
pelos cartórios mediante delegação. Vencidos os Ministros Maurício Corrêa
e Marco Aurélio, que deferiam a cautelar, por entenderem configurada a
violação do princípio da razoabilidade ao fundamento de que as normas
impugnadas inviabilizariam o funcionamento dos cartórios de notas e
registros civis. (ADInMC 1.800-UF, rel. Min. Nelson Jobim, 6.4.98). (grifou-
se)
Outra não poderia ser a conclusão. No instante em que determinada atividade
passa a ser qualificada como serviço público, passa a reger-se por regime jurídico
específico, demarcado por normas de observância cogente. (MENEZES, 2004, p.
139). Embora sejam as atividades notariais e de registro exercidas em caráter
privado, possuem nítida feição publicista, razão pela qual submetem-se a regime
jurídico híbrido, não se aplicando, em sua inteireza, o direito comum, tal qual
aplicado às empresas privadas.
concessionários, permissionários ou autorizatários.‖ A conceituação de Hely Lopes Meirelles
confere, quanto ao conteúdo, com a de Di Pietro (2004, p.103), se diferenciando da mesma tão-
somente no tocante à nomenclatura.
43
Nesse sentido, sendo prestadores de função pública, o podem os notários e
registradores exercê-la de forma indiscriminada e desprovida de controle. Ao
contrário, submetem-se esses profissionais à supervisão, orientação e fiscalização
de órgãos do Poder Judiciário, especialmente designados para tanto, a fim de que
sejam avaliados no cumprimento de suas funções, como forma de averiguação da
qualidade dos serviços, condizente com o merecimento das delegações às quais
lhes foram conferidas.
A todos os argumentos até então expendidos, no sentido de demonstrar o
enquadramento dos serviços de registros públicos na categoria de ―serviços
públicos‖, acrescente-se o fato de que a Lei 8.935/94, em seu art. 30, elenca
como um dos deveres dos notários e dos registradores, dentre outros, o de atender
às partes com eficiência, urbanidade e presteza, princípios estes inerentes aos
serviços públicos.
Ademais, o próprio art. 236, §3
o
, da CF/88, quando veda que as serventias
notariais e de registro fiquem vagas por mais de seis meses sem a abertura de
concurso público para ingresso ou remoção nessas atividades, não quer dizer outra
coisa, senão proclamar o princípio da continuidade dos serviços blicos, outra viga
mestra no trato dessa matéria na Administração Pública. Transcreve-se trecho de
um acórdão de julgamento do Pleno do Supremo Tribunal Federal
22
nesse sentido:
EMENTA:- Recurso extraordinário. Mandado de segurança. Provimento n.º
8/95, de 24 de março de 1995, do Desembargador Corregedor-Geral de
Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. 2. Alegação de que o ato
impugnado contraria a Lei n.º 8.935, ao declarar que este diploma atribuía 'a
fiscalização dos serviços notariais' ao Poder Judiciário, quando a
competência a ele reservada restringe-se exclusivamente aos atos não ao
serviço, enquanto estrutura administrativa e organizacional. 3. Sustentação
da necessidade da distinção entre fiscalização dos atos notariais, que
constitui atribuição natural do poder concedente, exercida por intermédio do
Poder Judiciário, e a fiscalização administrativa, interna. 4. Transformação
constitucional do sistema, no que concerne à execução dos serviços
públicos notariais e de registro, o alcançou a extensão inicialmente
pretendida, mantendo-se, em conseqüência, o Poder Judiciário no controle
do sistema. A execução, modo privato, de serviço público não lhe retira essa
conotação específica. 5. Não de se ter como ofendido o art. 236 da Lei
_______________
22
Contrariamente, o Min. Carlos Britto, no julgamento da ADI 302/ RN, cuja relatoria coube ao Min.
Marco Aurélio Mello, posicionou-se no sentido de que ―os serviços notariais e de registro são típicas
atividades estatais, mas o são serviços blicos.‖ Asseverou que, não obstante a jurisprudência
da Corte seja no sentido de que tais atividades são serviços públicos, ela vem admitindo a
incidência de taxa sobre as atividades notariais e de registro, tendo por base de cálculo os
emolumentos que são cobrados pelos titulares das serventias como pagamento do trabalho que
eles prestam aos tomadores dos serviços cartorários.
44
Maior, que se compõe também de parágrafos a integrarem o conjunto das
normas notariais e de registro, estando consignada no § 1º, in fine, do art.
236, a fiscalização pelo Poder Judiciário dos atos dos notários e titulares de
registro. 6. Recurso extraordinário não conhecido.(RE 255124/RS. Rel. Min.
Néri da Silveira. Publicação: DJ 8.11.2002. Julgamento 11.4.2002. Tribunal
Pleno). (Grifou-se)
Conclui-se ser incontestável a natureza pública do serviço prestado pelos
notários e registradores, tanto é que, mesmo tal prestação tendo caráter
essencialmente privado, recebe estrita fiscalização do Poder que a delega o
Judiciário o que consiste em uma derivação lógica de sua natureza e da
importância que ostenta perante o organismo social. Some-se a tudo isso o fato de
que, após o advento da Constituição Federal de 1988, os serviços notariais e de
registro afirmaram-se como funções da soberania política, ou, como ali se aduz,
como serviços públicos, razão pela qual desempenham suas funções na condição
de delegados.
23
Cabe consignar, por derradeiro, que, embora sejam as atividades notariais e de
registro consideradas como serviços públicos, não se enquadram na categoria de
―serviçoblico de ordem material da Administração Pública (direta ou indireta)‖.
Trata-se de atividade atípica, com regramento próprio e específico, razão pela qual,
consoante sedemonstrado, o preceito contido no § 6º do art. 37 da CF não se aplica
aos notários e registradores, vez que o texto constitucional, em seu art. 236, § 1º,
remeteu para a via ordinária o trato de referida questão. (ERPEN, 2006, p. 50-52).
1.4 A função notarial e registral como método eficiente e adequado
de prevenção de litígios exercício da jurisdição voluntária
foi dito que a atividade notarial e de registro, ainda que exercida em caráter
privado, se constitui como serviço público. Em verdade, esta consubstancia-se como
espécie de intervenção do Estado nos negócios jurídicos celebrados no âmbito
privado, revestindo-os do manto de estatalidade em função da importância que
ostentam. Assim se pronunciou o Ministro Garcia Vieira, do Superior Tribunal de
Justiça, em despacho proferido no Agravo de Instrumento 63.723 MG (DJU de
5.4.1995, p. 8.498), cujo trecho transcreve-se:
_______________
23
Esta conclusão decorre do texto constitucional (art. 236, caput) de da Lei dos Notários e
Registradores (Lei 8.935/94, art 3º).
45
As serventias notariais ou registrárias, previstas na Lei de Registros
Públicos, são exercidas em caráter privado, porque recebem retribuição não
oficial, mas sim oriunda de pagamento pelas partes interessadas. Mas isto
não desnatura a natureza dos serviços, sabidamente públicos. Ditos
serviços se inserem na administração pública de interesses privados, como
ocorre com as escrituras públicas, o casamento, o protesto, o registro de
imóveis, etc. Nestes atos há intervenção do Estado, porque sua importância
ultrapassa os limites da esfera dos interesses individuais, atingindo seara na
qual prepondera o interesse social da própia coletividade.
Pensar dessa forma faz com que seja dada oportunidade às instituições
notariais e de registro para demonstrar o seu amplo papel social e a gama de
atribuições que lhes são inerentes, uma vez que podem agir como verdadeiros
órgãos de pacificação social, sempre que não haja conflito de interesses
propriamente dito. Tal postura acarretará uma desoneração do já tão moroso e
atribulado Judiciário Brasileiro, a quem cabe, atualmente, uma grande parcela
desses afazeres de índole meramente administrativa (inseridos no âmbito da função
jurisdicional voluntária, ou graciosa), e não jurisdicional propriamente dita.
A dicotomia existente na doutrina do direito processual civil com relação aos
tipos de jurisdição - contenciosa e voluntária - é clássica e vem desde muito
tempo sendo estudada.
A jurisdição contenciosa é atividade inerente ao Poder Judiciário, com o
Estado-juiz atuando substitutivamente às partes na solução dos conflitos, mediante o
proferimento de sentença de mérito que aplique o direito ao caso concreto.
a jurisdição voluntária, não é, para grande parte da doutrina, considerada
jurisdição na específica acepção do termo, correspondendo mais à uma
administração pública de interesses privados, quando exercida no âmbito judicial.
Consoante ensinamentos,
24
a jurisdição voluntária não é jurisdição e nem é
voluntária. Explicaca-se: a uma, porque sua índole não é jurisdicional, a duas,
porque, em muitos casos, a intervenção dos juízes é imposta pela lei, sob pena de
sanções pecuniárias ou privação do fim esperado.
Desta forma, o que se pode concluir é que a denominada ―jurisdição voluntária‖
deve ser entendida como exercício de função jurisdicional em um sentido mais
_______________
24
Dentre os quais podemos citar o pensamento de José Eduardo Carreira Alvin (2006, p. 55-66),
Ovídio A. Baptista da Silva (2006, p. 29), dentre outros.
46
amplo desse vocábulo.
25
Ora, a administração pública de interesses privados, nesse
sentido, não é atribuição exclusiva de órgãos pertencentes ao Poder Judiciário.
Nesse sentido, vê-se que os atos notariais e registrais constituem espécie desta
categoria de atuação pública.
A atividade notarial e de registro caracteriza-se por sua natureza cautelar, ou
seja, preventiva de litígios, situando-se na área de realização espontânea do Direito.
Vários são os atos dessa natureza que o praticados nas serventias extrajudiciais.
A esse propósito, alerta Moacyr Amaral Santos (2008, p. 78):
A fim de assegurar a ordem jurídica, intervém o Estado até mesmo na
administração dos mais diversos interesses privados, pelos mais diferentes
órgãos. Por outras palavras, considerando a significação que têm para o
Estado determinadas categorias de interesses privados, a lei lhe confere o
poder de intervir na sua administração, conquanto com isso venha a limitar
a autonomia da vontade dos respectivos titulares. Essa intervenção, de
natureza administrativa, faz o Estado e pelos mais diferentes órgãos,
diversos dos órgãos jurisdicionais, em numerosas espécies de interesses.
Assim, no que concerne às pessoas físicas, a lei tutela o fato do
nascimento, ou do óbito, pelo termo respectivo em registro próprio; o
reconhecimento de filho, ou no próprio termo de nascimento, ou por
escritura pública, ou por testamento etc. No que concerne à formação das
pessoas jurídicas, a tutela do Estado se faz pela exigência do registro do
ato constitutivo, estatuto ou contrato no Registro Civil das Pessoas
Jurídicas, tratando-se de sociedade ou associações civil, ou arquivamento
dos estatutos ou outro ato constitutivo na Junta Comercial, tratando-se de
sociedade comercial; prescreve as cautelas para a formação das fundações
e atribui ao Ministério Público a fiscalização dos seus atos. A propriedade é
tutelada pela inscrição no Registro Imobiliário não dos atos respeitantes
à sua alienação, como das restrições que a onerem; numerosos atos
jurídicos somente m validade quando formados por escritura pública etc.
Em todos esses exemplos, estamos a ver o Estado, por diferentes órgãos,
que não órgãos jurisdicionais, a administrar interesses privados, de certo
modo, limitando, assim, a autonomia da vontade dos respectivos titulares.
Nesses casos dá-se administração de interesses privados por órgãos
públicos. (Grifou-se).
Outra acepção acerca da matéria ora enfocada é dada por Mírian Saccol
Comassetto (2002, p.114-119) para quem o notário ou tabelião é um agente delegado,
dotado de pública, responsável pela prática de atos que se filiam à administração
pública de interesses privados, estando suas funções, portanto, intimamente ligadas
com a designão de jurisdição voluntária. A atividade notarial é desenvolvida com
vistas a prevenir litígios, buscando a realização do direito dos particulares de forma
pacífica, ou seja, espontânea. A designação ―administração pública de interesses
privados‖, atividade exercida pelo Estado para com a sociedade, se configura como
_______________
25
Tal pensamento é compartilhado por Cassio Scarpinella Bueno (2008, p. 17).
47
categoria genérica de tutela administrativa, onde pode-se encontrar a jurisdição
volunria e a atividade notarial como espécies desse gênero, sendo certo ressaltar
que esta última sempre se realizada pela via extrajudicial. (grifo intencional).
Brandelli (2007, p. 159-161), assevera que deve haver a possibilidade de
realização espontânea do direito subjetivo pela adesão dos indivíduos, de forma livre
e voluntária, às normas de conduta ditadas pela atividade legiferante. Para fazer tal
assertiva, parte da premissa de que o ordenamento jurídico é instrumento de
pacificação e equilíbrio social, que torna viável a vida em sociedade, ressaltando,
ainda, que o exercício de direito subjetivo mediante a imposição direta do ente
estatal, por intermédio do juiz, se constitui como exceção. O normal é que os
indivíduos componentes de uma sociedade organizada cumpram normalmente os
preceitos normativos.
Prossegue, explanando que se a forma normal de realização do direito fosse
por meio da via judicial, restaria inviável ou, no mínimo, caótica a vida no seio social.
Caso o ordenamento jurídico fosse concebido como um direito universalmente
desobedecido e, por via de consequência, universalmente aplicado pelos órgãos
jurisdicionais, restaria, ele próprio, carente de sentido, uma vez que a aplicação
judicial não é fundamento da validade jurídica, e sim sinal dela.
A norma jurídica, sendo uma previsão, pertence ao mundo ético e, portanto, é um
dever-ser. Existe a opção de cumprí-la ou não. Partindo dessa possibilidade‖, torna-se
oportuno lembrar que o campo da licitude, o qual faz parte do Direito, é terreno para o
qualo se cogita a coação. Cite-se, por exemplo, um exemplo corriqueiramente citado
pelo Prof. Arnaldo Vasconcelos em suas aulas de Epistemologia Judica: um
passageiro ra um taxista e pede para ser levado a determinado lugar. Tão logo o
serviço é prestado, o taxista recebe o preço da avença verbal, ou seja, a quantia
correspondente ao valor da corrida. Houve nesse caso, inequivocamente, relação
judica (contrato), portanto existiu o Direito (que também é fato).
O lugar da coação, no exemplo acima citado, seria observado somente caso
um dos contratantes optasse para o campo da ilicitude (falta de pagamento por parte
do passageiro, desvio injustificado de caminho para que o taxímetro registrasse valor
mais alto, algum outro tipo qualquer de fraude, etc), podendo ensejar imputações de
48
ordem civil e penal. então se forcejaria por cogitar que a coação pudesse não
necessariamente o fosse em algum momento ser exercida pelo Estado. Logo,
tendo a coação caráter aleatório e acidental, não pode constituir essência do Direito.
Nesse sentido, Arnaldo Vasconcelos (1996, p.75) cita Eugen Ehrlich,
lembrando sua advertência no sentido de que:
[...] a função principal do Direito o consiste, absolutamente, em resolver
conflitos, e sim em assegurar as condições de manutenção e de
desenvolvimento pacífico da sociedade. Nem tampouco a sanção, condição
exclusiva do exercício da coação, apresenta as virtudes que se chega a
atribuir-lhe. Ela não é senão o ‗remédio heróico‘ a que se refere Haesaert
(1948, p. 98), apenas ministrado excepcionalmente, ‗quando o Direito se
encontra doente, ou seja, no caso em que sua função normal, que consiste
em realizar sua ordem característica, está perturbada‘. (Aditou-se)
Na esteira do que foi propalado até o presente momento, afirma-se que no
ordenamento jurídico brasileiro encontram-se vários exemplos de atos próprios de
―administração pública de interesses privados‖, que, por não demandarem
homologação judicial para a produção dos respectivos efeitos, demonstram
nitidamente a importância da atuação de notários e registradores no exercício desse
mister. Dentre eles pode-se citar, com base nos ensinamentos de Moacy Amaral
Santos (2008, p. 80), a constituição de associações ou sociedades, que não
reclamam a intervenção dos órgãos jurisdicionais, a emancipação, separação
consensual, as partilhas amigáveis, etc.
A propósito desses atos, importante fazer alusão à Lei 11.441, de 04 de
janeiro de 2007, que, alterou dispositivos do Código de Processo Civil, possibilitando
a realização de inventário, partilha, separação consensual e divórcio consensual por
via administrativa, desde que todas as partes envolvidas sejam capazes e não exista
testamento. A lei em alusão foi regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça
(CNJ), por intermédio da Resolução n° 35, de 24 de abril de 2007.
Pelo interesse que a maria traz, merecem ser transcritos os dispositivos
alterados no Código de Processo Civil Brasileiro pelo supramencionado diploma legal:
Art. 982. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao
inventário judicial; se todos forem capazes e concordes, poderá fazer-se o
inventário e a partilha por escritura pública, a qual constituirá título hábil
para o registro imobiliário.
Parágrafo único. O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as
partes interessadas estiverem assistidas por advogado comum ou
49
advogados de cada uma delas, cuja qualificação e assinatura constarão do
ato notarial.
Art. 983. O processo de inventário e partilha deve ser aberto dentro de 60
(sessenta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12
(doze) meses subseqüentes, podendo o juiz prorrogar tais prazos, de ofício
ou a requerimento de parte.
[...]
Art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não
havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos
legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da
qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens
comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo
cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado
quando se deu o casamento.
§ 1o A escritura não depende de homologação judicial e constitui título
hábil para o registro civil e o registro de imóveis.
§ 2o O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem
assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cuja
qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
§ 3o A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se
declararem pobres sob as penas da lei.
ainda, em fase de tramitação, um Projeto de Lei, apresentado pela
Secretaria de Reforma do Judiciário SRJ, que pretende conferir nova redação ao
artigo 1.526 da Lei n
o
10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil. A
alteração proposta visa permitir que a habilitação para o casamento seja realizada
pessoalmente perante o oficial de registro, após audiência do Ministério Público,
sendo os autos submetidos ao Poder Judiciário somente em caso de impugnação do
pedido ou da documentação pelo próprio oficial de registro, do Parquet ou de
terceiros, buscando-se, assim, a desoneração da estrutura do Judiciário, permitindo
que a realização do respectivo ato ocorra diretamente nos cartórios de registro civil,
sem a necessidade de intervenção judicial.
Maria Berenice Dias (2008, p. 151) fala da desnecessidade de chancela judicial
no caso de habilitação de casamento onde não haja qualquer empecilho formal para
o ato. Segundo ela, a exigência mantida no Código Civil de 2002 mostra-se de todo
descabida, sendo de ordem meramente burocrática,o se justificando em face das
providências acautelatórias exercidas pela atividade fiscalizatória do Ministério
Público e do oficial de registro civil. Ademais, aduz que a falta de clareza legal
acerca da autoridade competente para a homologação da habilitação do casamento
faz com que seja possível que as justiças estaduais, por meio de provimento
administrativo, atribuam a função de homologação à autoridade que celebra o
casamento, ou seja, ao juiz de paz, havendo necessidade de pronunciamento
judicial somente nos casos de oposição de impedimentos ou impugnação.
50
Comentando sobre a separação e os divórcios efetuados pela via extrajudicial,
a autora acima citada menciona que alguns doutrinadores sustentam a tese de que,
mesmo tendo a Lei 11.441 mencionado que tais atos ―poderão ser realizados por
escritura pública‖, quando as partes cumprirem todos os requisitos legais para a
formalização da separação ou do divórcio, o uso desse instrumento será obrigatório,
não podendo haver recurso à via judicial. A alegação para tanto, consoante essa
parte da doutrina, consiste no fato de inexistir interesse de agir, condição essencial
da ação, que, não estando presente, gera a carência da demanda, com base no art.
267, VI, do Código de Processo Civil Brasileiro. (DIAS, 2008, p. 559).
Não se partilha deste entendimento, haja vista que a Constituição Federal
dispõe em seu art. 5º, inc. XXXV, que ―a lei não excluirá da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito.‖ Dessa forma, a categorização de atos notariais
e registrais como atos de administração pública de interesses privados, não deverá
excluir a opção da via judicial (jurisdição voluntária) para se obter o mesmo efeito.
A própria resolução 35, citada, oriunda do Conselho Nacional de Justiça,
ao disciplinar a aplicação da Lei 11.441/07 pelos serviços notariais e de registro,
prevê na redação de seu artigo a faculdade que têm os interessados na opção
pela via judicial ou extrajudicial, podendo ser solicitada, a qualquer momento, a
suspensão, pelo prazo de 30 dias, ou a desistência da via judicial, para promoção da
via extrajudicial.
Afirma-se que é perceptível uma tendência em se criar mecanismos para
desoprimir ao máximo o Judiciário, excessivamente sobrecarregado. A Lei
11.441/2007 é certamente uma destas medidas, mas outros dispositivos também
visam minimizar a problemática da superdemanda que dificulta a fluência da
prestação jurisdicional no país. Atendo-se à matéria objeto do presente trabalho,
pode-se citar aqui, a Lei 10.931/2004, que trouxe em seu art. 213 o seguinte texto:
Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:
II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de
medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com
planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado,
com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos
confrontantes.
51
Com a redação do artigo, denota-se um fator importantíssimo no que tange à
contribuição para o desacúmulo de processos junto ao Judiciário: questões
administrativas provenientes dos cartórios extrajudiciais passaram a não mais serem
resolvidas por este Poder e sim pelo próprio ofício extrajudicial. Isso representou um
avanço enorme para as pessoas que se deparavam com quaisquer dos problemas
cadastrados no art. 213, posto que sempre tinham que ser submetidos ao Juízo, a
fim de que o mesmo dissesse sobre a solução. Percebeu-se que esses assuntos
levados à apreciação do Poder Judiciário poderiam ser fácil e rapidamente
resolvidos pelo oficial registrador. Ao revés andava a lei, que determinava o trâmite
judicial para tanto, fazendo com que problemas de menor complexidade se
amontoassem a outros tantos processos nas varas designadas e ali permanecessem
por meses, ou mesmo anos, até sua completa solução.
Tal situação feria de morte o princípio da celeridade processual, principalmente
a administrativa, que não deixava fluir o trâmite no cartório extrajudicial. Assim,
com o advento da Lei 10.931/2004, este quadro melhorou significativamente e hoje,
pelo menos no que tange aos assuntos elencados no art. 213, não mais
necessidade de intervenção judicial para a respectiva resolução. Deve-se lembrar,
contudo, que ainda assuntos emanados dos cartórios extrajudiciais que
necessitam da intervenção do Poder Judiciário, tais quais cancelamento de
matrícula, problemas de identificação de área, divergências entre matrículas ou
transcrições, enfim, temas que geralmente são levados a juízo por meio de
suscitação de dúvida para que o magistrado decida.
1.5 Princípios informativos da atividade notarial e de registro
A palavra princípio, filosoficamente, significa origem, que tanto pode ser a de
um ser ou coisa, como a origem, o começo de um determinado conhecimento. Para
Ferreira (1999, p. 529), ―princípio é o momento ou local ou trecho em que algo tem
origem, começo; causa priria.‖ No Direito, os princípios desenvolveram três
funções básicas, a saber: 1) função fundamentadora: os princípios atuariam como
ideias básicas de fundamento para o direito positivo; 2) função orientadora da
interpretação: os princípios agiriam como vetores na busca do sentido e alcance das
normas; 3) função de fonte subsidiária: ao ocorrerem lacunas na lei, os princípios
52
serviriam como elementos integradores do direito. Porém, como afirmado por José
de Albuquerque Rocha (2003, p. 43):
[...] a mais essencial função dos princípios é qualificar a realidade, ou seja, é
valorar a realidade, é atribuir-lhe um valor, ao indicar ao interprete ou ao
legislador que a realidade deve ser tratada normativamente de acordo com
o valor que o princípio lhe confere. Isso significa que as funções dos
princípios, em relação às normas jurídicas, são uma derivação lógica de sua
função essencial de qualificação da realidade. Ou seja, os princípios têm
função de fundamentação das normas justamente porque elas não podem
contrariar o valor por eles proclamado; têm função supletiva porque a norma
do caso concreto deve ser formulada em atenção aos valores neles fixados.
Nesse sentido, princípios de uma ciência são as proposições básicas,
fundamentais, picas, que condicionam todas as estruturações subsequentes.
Situam-se entre os valores e as normas, isto é, representam o marco inicial na
escala de concreção do direito. Por isso eles são munidos do mais alto grau de
abstração, o que lhes confere maior campo de abrangência. (CRETELLA JÚNIOR,
2003, p. 03). Daí por que os princípios atuam como diretrizes na elaboração de
normas jurídicas, fazendo o papel de coordenadores de regras jurídicas. No
entendimento de Miguel Reale (1998, p.305-322):
Princípios são verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como
tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas
também por motivos de ordem pratica de caráter operacional, isto é, como
pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da praxis.
Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos (2006, p. 337) ressaltam que o
estabelecimento de força normativa aos princípios denota-se como fenômeno
recente. Os princípios tiveram que conquistar o status de norma jurídica, superando
o antigo entendimento de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética,
sem eficácia jurídica ou aplicabilidade (direta e imediata).
Compartilhando desse entendimento, Humberto Ávila (2004, p.70-72) assevera
que os princípios são normas imediatamente finalísticas, que exigem a delimitação
de um estado ideal de coisas a ser buscado, por meio de comportamentos
necessários a essa realização. Aduz, ainda, que embora sejam os princípios
relacionados a valores, não se confundem com estes.
26
Enquanto aqueles se situam
_______________
26
Paulo Bonavides (1994, p.251-252), discorrendo sobre a colisão de princípios, afirma que essa se
resolve na dimensão do valor, a saber: ―Mas onde a distinção entre regras e princípios desponta
com mais nitidez, no dizer de Alexy, é ao redor da colisão de princípios e do conflito de regras.
Comum a colisões e conflitos é que duas normas, cada qual aplicada de per si, conduzem a
53
no plano deontológico (e por isso estabelecem a obrigatoriedade de adoção de
condutas necessárias à promoção gradual de um estado de coisas), os valores
situam-se no plano axiológico e, em decorrência disso, somente atribuem uma
qualidade positiva a determinado elemento.
Robert Alexy (2008, p.85-103), ressalvando a longevidade e frequente
utilização desta temática, destaca alguns (dentre os diversos) critérios utilizados
para se distinguir regras de princípios. Segundo ele, o mais utilizado seria o da
generalidade, segundo o qual, os princípios são normas com alto grau de
generalidade, o que não se verifica com relação às regras. Ademais, enquanto os
princípios se ―constituem como normas que ordenam que algo seja realizado na
maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes‖,
estabelecendo, portanto, ―mandamentos de otimização‖, as regras se apresentam
como normas que o satisfeitas ou não satisfeitas, ou seja, ―contêm [...]
determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível.
Barcellos e Barroso (2006, p.338-339) são bem elucidativos quando abordam o
tema. Entendem que regras são, em geral, relatos objetivos, descritivos de
determinadas condutas, aplicando-se a um conjunto delimitado de situações.
Ocorrendo a hipótese cuja previsão encontra-se nela descrita, a regra deverá incidir,
por meio do tradicional mecanismo da subsunção. ―A aplicação de uma regra se
opera na modalidade tudo ou nada: ou ela regula a matéria em sua inteireza ou é
descumprida.
27
Sendo assim, na hipótese de conflito entre duas regras, somente
uma poderá ser considerada válida, de modo a prevalecer sobre a outra.
Por outro lado, os princípios, por conterem um maior grau de abstração,
poderão se aplicar a um conjunto mais amplo, por vezes indeterminado, de
situações. Desta forma, sua aplicabilidade deverá ser aferida mediante o uso da
resultados entre si incompatíveis, a saber, a dois juízos concretos e contraditórios de dever-ser
jurídico. Distinguem-se, por conseguinte, no modo de solução do conflito. Afirma Alexy: ‗Um conflito
entre regras somente pode ser resolvido se uma cláusula de exceção, que remova o conflito, for
introduzida numa regra ou pelo menos se uma das regras for declarada nula (ungültig)‘.
Juridicamente, segundo ele, uma norma vale ou não vale, e quando vale, e é aplicável a um caso,
isto significa que suas conseqüências jurídicas também valem. Com a colisão de princípios, tudo se
passa de modo inteiramente distinto, conforme adverte Alexy. A colisão ocorre, p.ex., se algo é
vedado por um princípio, mas permitido por outro, hipótese em que um dos princípios deve recuar.
Isto, porém, não significa que o princípio do qual se abdica seja declarado nulo, nem que uma
cláusula de exceção nele se introduza.‖
27
Nesse sentido, vide Dworkin (2002, p.43).
54
ponderação, ou seja, ―à vista do caso concreto, o intérprete irá aferir o peso que
cada princípio deverá desempenhar na hipótese, mediante concessões recíprocas, e
preservando o ximo de cada um, na medida do possível.
28
Ana Paula de
Barcellos (2006, p. 55), dissertando sobre o uso da ponderação dentro do texto
constitucional, aduz que:
De forma muito geral, a ponderação pode ser descrita como uma técnica de
decisão própria dos casos difíceis (do inglês hard cases), em relação aos
quais o raciocínio tradicional da subsunção não é adequado. [...] A
subsunção o tem instrumentos para produzir uma conclusão que seja
capaz de considerar todos os elementos normativos pertinentes; sua gica
tentará isolar uma única norma para o caso. Quando se trabalha com a
Constituição, no entanto, o é possível simplesmente escolher uma norma
em detrimento das demais: o princípio da unidade, pelo qual todas as
disposições constitucionais têm a mesma hierarquia e devem ser
interpretadas de forma harmônica, não admite essa solução.
Álvaro Melo Filho (1986, p.12), por sua vez, afirma que ―nenhuma interpretação
será havida por jurídica e, portanto, por boa, se ela direta ou indiretamente
desconsiderar um princípio‖. Na análise de qualquer embróglio jurídico, por mais
simplório que possa parecer, deve o hermeneuta se socorrer dos princípios, a fim de
verificar para qual sentido eles apontam. Ressalta o autor (1986, p. 26) que:
O princípio possui uma função especificadora dentro do ordenamento jurídico:
ele é de grande valia para a exegese e perfeita aplicação, assim dos simples
atos normativos que dos próprios mandamentos constitucionais. O menoscabo
por um prinpio importa na quebra de todo o sistema jurídico. É que o direito
forma um sistema, é um axioma que nem sequer precisa ser demonstrado, já
porque axioma (de universal acatamento, diga se de passagem), pela
proibição gica do regressum ad infinitum (da infinita reciclagem das premissas
eleitas).
A violação de um princípio mostra-se como ato de gravidade ímpar, haja vista
que implica ofensa a todo um sistema de comandos, globalmente considerado, e
não apenas a um determinado mandamento obrigatório (tomado isoladamente).
Conforme aduzido, os princípios jurídicos, em geral, m aplicabilidade em
quaisquer circunstâncias (levando-se em conta critérios temporais e locais), não
aludindo de forma específica a nenhuma hipótese em concreto. Possuem uma
acepção bastante ampla e generalizada, situando-se na base de toda disciplina e
_______________
28
Acerca do assunto, Willis Santiago Guerra Filho (2006, p. 519) adverte que um dos traços distintivos entre regras e
princípios aponta para uma característica de destaque desses últimos, qual seja, sua relatividade. Assim, não há
princípio do qual se possa pretender seja adotado de forma absoluta, em todas e quaisquer hipóteses. Para o autor, a
obediência unilateral e irrestrita a uma determinada pauta valorativa acaba por infringir outra. Desta feita, há
necessidade lógica e axiológica de se postular um princípio da proporcionalidade, para que as normas tendenciosas a
sofrer colisão, como é o caso dos princípios, possam ser respeitadas.
55
ocupando posição de preeminência nos vastos campos de atuação do Direito.
Justamente por isso, vinculam, de maneira inexorável, a interpretação e a aplicação
das normas jurídicas.
Feita essa breve introdução acerca do conceito de princípio, faz-se necessário
reconhecer sua imensa importância, não para o ramo do Direito Notarial e
Registral, como para o ordenamento jurídico com um todo.
Não se deve perder de vista que, embora as atividades notariais e de registro
sejam exercidas em caráter privado, são elas conferidas aos titulares através de
delegação do Poder Público. Em razão disso, o de ser obedecidos, quando no
exercício de tais atribuições, os princípios do Direito Administrativo. Alerta-se para o
fato de que os princípios norteadores da atividade notarial e registral não se limitam
aos que serão elencados neste trabalho, uma vez que não consenso doutrinário
acerca do rol em questão. Entretanto, para o objetivo proposto, serão abordados
aqueles considerados mais importantes pela doutrina pátria.
Por fim, serão traçadas considerações somente acerca dos princípios
aplicáveis a ambos os ramos das atividades estudadas no presente trabalho, sem
levar em conta os que se mostram específicos a um ou ao outro ramo dessas
funções.
1.5.1 Princípio da publicidade
O caráter de publicidade das atividades notariais e de registro justifica-se pela
própria natureza de suas funções, as quais, como explanado em momento
anterior, revestem-se de caráter eminentemente público. Por revestirem-se tais
serviços de funções públicas, próprias e características do Estado, demandam um
maior interesse da comunidade no controle de sua execução e organização, bem
como no cumprimento regular e contínuo das atividades.
Assim, José Afonso da Silva (2000, p.653) aduz que a publicidade, desde
sempre, foi tida como um princípio inerente à Administração, uma vez que o Poder
Público, justamente por ser ―público‖, deve pautar sua atuação com a maior
transparência possível, de modo que os administrados possam ter conhecimento do
que os administradores estão fazendo.
56
Nesse sentido, o princípio da publicidade denota-se em norma de observância
básica por todos os serviços notariais e de registro. A realização de um ato de tal
natureza, por si só, gera publicidade e, em consequência disso, presume-se que, a
partir daí, passa a ser de conhecimento de todos. Isso se com a matrícula do
imóvel, com seu respectivo registro ou averbação, com a ata notarial, com o registro
de casamento, interdição, registro de pessoas jurídicas, dentre outros. Walter
Ceneviva (2002, p. 24-26), ao discorrer sobre o princípio em estudo, assevera:
[...] O vocábulo publicidade compreende realidades jurídicas diversas, tanto
no direito público quando no direito privado, podendo ser obrigatória ou
facultativa. [...] Publicar, enquanto serviço público, é ação de lançar, para
fins de divulgação geral, ato ou fato juridicamente relevante em livro ou
papel oficial, indicando o agente que neles interfira (ou agentes que
interfiram), com referência o direito ou ao bem da vida mencionado. [...] A
publicidade legal própria da escritura notarial registrada é, em regra,
passiva, estando aberta aos interessados em conhecê-la, mas obrigatória
para todos, ante a oponibilidade afirmada em lei. As exceções confirmam a
regra. Assim é com a publicidade do loteamento, prevista na Lei n. 6.766/79
- Lei do Parcelamento do Solo Urbano, cujo art. 19 impõe a divulgação ativa
do empreendimento, para assegurar aos terceiros o direito de impugnarem
o pedido de registro. No mesmo sentido, a incorporação condominial.
A publicidade, portanto, é a regra. Quaisquer que sejam os atos característicos
ou o fim dos assentamentos constantes nas principais leis que formam o arcabouço
jurídico dos atos notariais e registrais no país, a saber, Lei 6.015/1973 (Lei dos
Registros Públicos), Lei n] 8.935/94 (Lei dos Notários e Registradores), Lei
8.934/94 (Lei de Registro Mercantil) e Lei nº 9.492/95 (Lei de Protesto), devem estar
abertos de maneira permanente ao conhecimento de todos que assim o desejarem,
salvo pouquíssimas exceções. Ceneviva (1999, p.36-37) observa, ainda, que:
A publicidade registrária se destina ao cumprimento de tríplice missão: a)
transmite ao conhecimento de terceiros interessados ou não interessados a
informação do direito correspondente ao conteúdo do registro. b) sacrifica
parcialmente a privacidade e a intimidade das pessoas, informando sobre
bens e direitos seus ou que lhes sejam referentes, a benefício das garantias
advindas do registro; c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou
de fiscalização pública.
Embora esse princípio encontre previsão constitucional, como citado, e seja
de extrema importância para assegurar, dentre outras coisas, a própria moralidade
da execução dos serviços, somente passou a ter previsão expressa, no que tange à
matéria registral e notarial, com a edição das Leis 8.934 e nº 8.935, ambas
editadas em 1994, o que, diga-se de passagem, causava imensa estranheza aos
doutrinadores.
57
Antes disso, a publicidade era exigida pela Lei de Registros Públicos (Lei
6.015/73) de forma tímida, mormente pela leitura dos artigos 16 a 21, que compõem
o Capítulo IV do Título I da citada lei, denominado ―Da Publicidade.
29
Desta feita, quaisquer que sejam os casos e as características dos atos
praticados em razão da função notarial ou registral, devem estes revestir-se, com
poucas exceções (ex. registros ligados à filiação e à adoção podem ser
certificados a requerimento da parte ou mediante autorização judicial), ao integral
conhecimento de todos, devendo permanecer os registros e assentamentos
permanentemente abertos, independentemente de maiores exigências formais.
1.5.2 Princípio da fé pública
A pública, conforme Walter Ceneviva (2008, p. 14), corresponde à especial
confiança atribuída por lei ao que o oficial declare ou faça no exercício de sua
função, com presunção de verdade, bem como afirma a eficácia de negócio jurídico
ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário. Silvio
Rodrigues (2004, p.268) assevera que como goza ele de fé pública, presume-se
que o conteúdo do documento seja verdadeiro, até prova em contrário.
Nesse sentido, a atividade notarial e de registro constitui-se como um
verdadeiro exemplo de serviço público, o que foi tratado anteriormente, prestado
através de atos complexos dotados de fé pública.
João Mendes de Almeida Junior (1963, p. V), dissertando sobre os órgãos
notariais e de registro, acentua que a idéia de tem como notas características a
sinceridade de quem afirma e a adesão confiante do espírito de quem recebe a
afirmação. Continua seu pensamento afirmando que:
como instituição de direito público, esses órgãos estão investidos da função
necessária para transmitir aos cidadãos aquela sinceridade indispensável
_______________
29
Conforme observa Walter Ceneviva (1999, p. 36-37), ―A publicidade es no rol dos instrumentos legais
de garantia dos atos jurídicos submetidos a registro. Em estranhável omissão, o legislador só passou a
referir a publicidade como elemento essencial dos registros públicos, nas Leis n. 8.934 e 8.935,
dispondo sobre o assentamento de pessoas jurídicas de direito mercantil e sobre a atividade profissional
dos notários e registradores. A publicidade registraria se destina ao cumprimento da tríplice missão: a)
transmite ao conhecimento de terceiros interessados ou o interessados a informação do direito
correspondente ao conteúdo do registro; b) sacrifica parcialmente a privacidade e a intimidade das
pessoas, informando sobre bens e direitos seus ou que lhes sejam referentes, a benefício das garantias
advindas do registro; c) serve para fins estatísticos, de interesse nacional ou de fiscalização blica.
58
para o equilíbrio social. Por isso, nenhum Estado organizado prescinde
deles embora os organize de maneira diversa, quanto à forma e o exercício.
O art. da Lei dos Notários e Registradores prevê que ―notário, ou tabelião, e
oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de pública,
a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.‖ A pública é
característica essencial ao serviço realizado pelos notários e registradores, pois
confere aos assentamentos praticados e às certidões lavradas as qualidades de
certeza e veracidade de seus conteúdos.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AGRAG-146785 / DF, que teve
como relator o Ministro Celso de Mello, proferiu entendimento no sentido de que a
função certificante, enquanto prerrogativa institucional, constitui-se como emanação
da própria autoridade estatal, destinando-se a gerar situação de certeza jurídica,
desde que exercida por determinados agentes a quem se outorgou, ministerio legis,
o privilégio da fé pública.
Também já decidiu o pleno do Pretório Excelso, refletindo em seu magistério
jurisprudencial, que os notários públicos e os oficiais registradores são órgãos da fé
pública instituídos pelo Estado‖ e desempenham, nesse contexto, ―função
eminentemente pública‖, o que, inclusive, foi debatido em momento anterior deste
trabalho.
30
1.5.3 Princípio da segurança jurídica
A Lei dos Notários e Registradores, em seu art. 1º, enfatiza que as
serventias extrajudiciais, instituídas pelo Poder Público para o desempenho de
funções técnico-administrativas, destinam-se a garantir a publicidade, autenticidade,
segurança e eficácia dos atos jurídicos.
Dúvida não se tem de que a segurança jurídica é a razão existencial do
sistema registral e notarial. Referidas atividades surgiram na história dos povos,
justamente a fim de garantir segurança aos negócios travados pelos particulares
entre si e entre estes e o Poder Público. A tão propalada segurança jurídica, antes
de ser um fato no mundo jurídico, é um fato no mundo dos próprios fatos, a legitimar
_______________
30
(RTJ 67/327), Rel. Ministro Djaci Falcão.
59
e a exigir a existência dos serviços notariais e de registro. Leonardo Brandelli (2007,
p.3-6) afirma ser a atividade notarial algo pré-jurídico, ou seja, egresso das
necessidades sociais. Nesse sentido:
A necessidade humana de segurança e certeza, caracterizada pela
necessidade de estabilidade nas relações, sejam estas jurídicas ou não,
amparou esse requerimento social pelo surgimento de um agente que
pudesse perpetuar no tempo os negócios privados, assegurando os direitos
deles derivados. A atividade notarial o é, assim, uma criação acadêmica,
fenômeno comum no nascimento dos institutos jurídicos do direito romano-
germânico, tampouco uma criação legislativa. É, sim, uma criação social,
nascida no seio da sociedade, a fim de atender ás necessidades desta
diante do andar do desenvolvimento voluntário das normas jurídicas. O
embrião da atividade notarial, ou seja, o embrião do tabelião, nasceu do
clamor social, para que, num mundo massivamente iletrado, houvesse um
agente confiável que pudesse instrumentaziar, redigir o que fosse
manifestado pelas partes contratantes, a fim de perpetuar o negócio jurídico,
tornando menos penosa a sua prova, uma vez que as palavras voam ao
vento.
Ricardo Dip (2002, p.82-83), por sua vez, afirma que:
[...] as notas e os registros públicos, no aspecto funcional, apresentam-se,
com efeito, na tradição jurídico-política, tanto comparatística, quanto
brasileira, como serviços de soberania política e não meramente de
soberania social na distinção feliz de Vásquez de Mella. Equivale a dizer
que, tradicionalmente, se afirmaram entre nós, como funções valiosíssimas
para a segurança jurídica e que convinha integrar, de algum modo, no
complexo de atividades do Poder Político. [...] Por certo, pode-se afirmar
que as funções das notas e dos registros, tal como indica a Constituição
Federal de 1988, se remetem necessariamente a órgãos privados e que se
vocacionam a exercitar serviços blicos. Não seria, ainda, demasiado
acrescentar que seu fim genérico é a segurança jurídica embora isso
não coubesse inferir exclusivamente da dogmática de estrito nível
constitucional, mas, sim, da conjunção dessa normativa com um dado
supraconstitucional chamado a justificar a previsão e a existência das
funções notariais e registrais.
Almeida nior (1963, p. XXI) informa que, dentre as funções dos
serventuários, as de notários ressaltam pelo caráter preventivo de segurança jurídica
que conferem aos atos nos quais há intervenção desses órgãos da fé pública. Dessa
forma, vinculando-se ao negócio jurídico realizado pelos interessados, o tabelião de
notas, sob sua responsabilidade e através de sua intervenção, autoriza o Estado a
agir, quer na identificação das partes, quer pela presunção da licitude do negócio
jurídico, tudo de maneira segura.
Continua o autor a refletir que, por meio da pública que conferem aos atos,
esses profissionais do Direito revestem as relações jurídicas da certeza e
estabilidade necessárias à realidade cotidiana dos seres humanos, pessoal e
60
socialmente considerados.
31
Se a busca por segurança é comum a toda forma de
vida e, portanto, também para o homem; se a sociabilidade é inerente à natureza
humana; se os pactos (negócios jurídicos), em seu sentido amplo, o manifestação
de sociabilidade, o notário, ao conferir certeza aos contratos, harmoniza essas duas
dimensões características de todo ser humano: a sociabilidade e a segurança.
(ALMEIDA JÚNIOR, 1963, p. XXI).
O Estado moderno consagra o princípio constitucional da segurança jurídica. O
grande volume de tráfego negocial exige que o ordenamento jurídico esteja investido
de mecanismos que permitam aos cidadãos adotar suas decisões em um marco de
juridicidade plena. Desta forma, as atividades desenvolvidas através do sistema
notarial e de registro visam a resguardar e a assegurar não somente a segurança
jurídica das pessoas que diretamente participam do ato jurídico, mas também de
todos os terceiros de boa fé, ou seja, da sociedade como um todo.
1.5.4 Princípio da imparcialidade
A imparcialidade traduz-se em princípio dos mais importantes da Administração
Pública, tendo referido princípio recebido tal denominação, pela primeira vez, no art.
37 da Constituição Federal de 1988.
32
Consoante explorado em momento anterior, historicamente, os notários e
registradores têm exercido suas funções de modo bastante símile e conexo com os
órgãos de Administração da Justiça, tanto é que em vários ordenamentos jurídicos
são estes profissionais assim considerados.
Os serviços notariais e de registro, portanto, atuam (pelo menos devem atuar)
de forma imparcial, objetivando a prevenção de litígios que possam surgir através
das relações negociais. Devem os titulares das delegações manter uma postura
acima dos interesses pertencentes às partes, agindo com absoluta independência
funcional e imparcialidade. Possuem a obrigação de tratar as partes com igualdade,
esclarecendo as dúvidas que se fizerem presentes e prestando-lhes todas as
_______________
31
Ver Gattari (1992, p.5-18) que discorre com bastante propriedade acerca da segurança jurídica
dentro do direito notarial.
32
A respeito do assunto, ver Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2004, p. 71).
61
informações necessárias. A almejada igualdade no tratamento deve ser aquela do
ponto de vista material, ou seja, no sentido da isonomia.
Perceba-se que a aplicação deste princípio o significa igualdade absoluta
entre todos, mas sim um tratamento igualitário àqueles que se encontrem em
situações idênticas. Assim, haverá ofensa a esse preceito constitucional se o
tratamento desigual não levar ao nivelamento de condições. Nesse sentido, quando
a relação posta sob a apreciação de um notário ou de um registrador se mostrar
eminentemente díspar, deverão estes empreender esforços no sentido de proteger‖
a hipossuficiência do polo mais fraco, de modo a adequar as desigualdades
existentes e garantir que este, verdadeiramente, tenha sua vontade preservada na
realização do negócio jurídico.
Pode-se aferir a necessidade da observância do princípio da imparcialidade (ou
impessoalidade) através de alguns dispositivos legais, tais como o art. 27 da Lei dos
Notários e Registradores, que assim dispõe:
Art. 27. No serviço de que é titular, o notário e o registrador não poderão
praticar, pessoalmente, qualquer ato de seu interesse ou de interesse de
seu cônjuge ou de parentes, na linha reta, ou na colateral, consangüíneos
ou afins, até o terceiro grau.
Outra, também, não é a razão de ser do previsto no art. 30, inciso VI, da
mesma legislação, ao determinar o dever de sigilo profissional dos notários e oficiais
de registro com relação à documentação e aos assuntos de natureza reservada dos
quais tenham conhecimento em razão do exercício da função. Brandelli (2007, p.
133), ao discorrer acerca da necessária e cogente imparcialidade que deve nortear
as atividades notariais, aduz:
O tabelião deve estar acima dos interesses envolvidos, sendo obrigação sua
proteger as partes com igualdade, dando-lhes todas as explicações
necessárias e oportunas, e livrando-as com imparcialidade dos enganos que
podem engendrar sua ignorância ou até mesmo uma possível presença de
-fé. Ele deve, em igual medida e com a mesma lealdade, tratar com
esmero tanto o cliente habitual como o acidental; o que o elege como o que
o aceita; o que o paga como o que se beneficia de sua atividade sem
despesa alguma. É notário das partes e de nenhuma em particular: preside
as relações dos particulares, e sua posição eqüidista dos diversos
interessados.
Através da equidistância que manterão com relação aos que os procuram, é
que os notários e registradores exercerão uma verdadeira função acautelatória de
62
interesses, prevenindo os leigos e ―desavisados‖ dos enganos que podem ludibriar a
vontade na feitura dos negócios e atos jurídicos, bem como livrá-los, até mesmo, da
presença da má-fé.
Antonio Fernandéz De Buján (2007, p. 345) traduz com bastante propriedade a
situação espanhola no que tange à imparcialidade que deve pautar a atuação
desses profissionais, bem como o papel de assessoramento das partes, próprio da
natureza de suas funções. Transcreve-se, pois, suas palavras:
La configuración institucional de los Notarios como agentes de La JV, y por
ende la posibilidad que se reconoce a los justiciables para acudir de forma
opcional a La actuación notarial, entre uno de los rios operadores jurídicos
posibles, em determinadas matérias, constituye por todo ello uno de los
cleos esenciales del texto prelegislativo, lo que supone, por outra parte, no
lo devolver a estos funcionários públicos, al propio tiempo que
profesionales del derecho, un protagonismo en esta materia que ya les había
sido atribuido por la historia, sino también el reconocimiento de uma titularidad
que les corresponde por su propia naturaleza, en atención al desempeño de
funciones de autenticación, notificación, documentacíon y garantía de
derechos, lo que hace que el notário actual, em palabras de Rodríguez
Adrados, no sea un mero fedatario blico, sino que ejerce un oficio público
en cuanto a su función certificante y autorizante, al próprio tiempo que realiza
un juicio de legalidad del acto en que interviene y de asesoramiento de los
intervinientes, com sometimiento al control o revisión judicial.
A propósito, tendo em vista o fato de o notariado europeu se portar de forma
imparcial na conexão de interesses públicos e privados, tudo aliado ao respeito e
prestígio de que gozam no seio da comunidade, bem como por garantirem
segurança e estabilidade jurídica aos atos por eles praticados, é que os mesmos
vêm recebendo grande destaque na mídia internacional, decorrente da projeção
político-jurídico-institucional surgida com a União Europeia, onde se comportam
como verdadeiros agentes de viabilização e harmonização dos procedimentos e
regras jurídicas transnacionais que estão sendo criadas.
A imparcialidade deve ser entendida como a não sujeição ou vinculação aos
interesses das partes e a independência como a não sujeição a ditames de superior
hierárquico ou qualquer terceiro que afete a livre decisão no âmbito de suas
atividades. Necessário se faz, pois, que o ordenamento jurídico garanta aos notários
e registradores meios para que exerçam o mister que lhes foi delegado com
imparcialidade, impedindo as situações de conflito de interesses.
63
1.5.5 Princípio da cautelaridade
Quando foi abordada a atuação da função notarial e registral na seara da
jurisdição voluntária, mencionou-se que esta se caracteriza por sua natureza
cautelar (preventiva de conflitos), situando-se na área de realização espontânea do
Direito.
A função dos notários e registradores é a de prevenir e precaver os riscos
futuros que a incerteza jurídica possa trazer. Devem agir com prudência,
combatendo incertezas e prevenindo os seus destinatários de riscos. foi tratado
neste trabalho que a cautela gerada pelos serviços notariais e de registro não atinge
somente as partes figurantes nos negócios jurídicos, mas também a terceiros e,
consequentemente, a toda a sociedade.
Referido princípio apresenta-se no direito notarial por seu caráter jurídico-
cautelar, haja vista a função dos notários de orientar as partes de modo imparcial -
na realização de suas respectivas vontades, atribuindo-lhes forma e documentando
os instrumentos do ato jurídico, com a finalidade primordial de constituição de prova.
Essa prévia orientação é a marca registrada da cautelaridade inerente a esta função.
Leonardo Brandelli (2007, p.131) assevera que o munus notarial opera dentro
da esfera de realização voluntária do direito, sem que haja necessidade de ingresso
na via judicial. Nesse sentido, o notário ajusta juridicamente os negócios privados,
de modo que estes venham a se enquadrar no ordenamento jurídico vigente,
prevenindo que vícios futuros sejam apontados, bem como evitando, ao ximo, a
instauração de lides sobre referida questão. O autor ressalta o mister de prudência
inerente à função dos notários, asseverando que esta é observada mais nele do que
na maioria dos profissionais do direito, justamente pelo sentido cautelar que rege tais
atividades.
É certo que, antes da prática do ato, os notários e registradores terão que
considerar todos os elementos componentes dos atos jurídicos que estão sendo
submetidos à sua apreciação, procurando na qualificação que é inerente ao
exercício de suas funções, bem como na prática diária, as cautelas necessárias a
manter a regularidade e evitar as nulidades capazes de prejudicar a intenção das
64
partes. João Mendes de Almeida Júnior (1963, p. XXII), acerca de tais cautelas,
leciona que:
As cautelas dividem-se em cautelas necessárias, cautelas abundantes e
cautelas legais. Cautelas necessárias são aquelas que promovem o cômodo
e evitam o dano; cautelas abundantes são aquelas que, conquanto
dispensáveis, o deixam de contribuir para maior clareza do direito;
cautelas legais são as expressamente recomendadas com decreto irritante,
isto é, sob pena de nulidade, costumam ser denominadas cautelas de
rigor. A jurisprudência euremática divide-se em euremática geral e
euremática especial. A euremática geral trata das cautelas relativas a todos
os atos e fatos jurídicos; a euremática especial trata das cautelas relativas a
uma certa e determinada espécie de atos ou fatos jurídicos, a um certo e
determinado título de direito. Neste último sentido se diz, por exemplo, a
euremática da compra e venda, a euremática da hipoteca, a euremática do
processo criminal, a euremática da falência, etc.
Ressalta-se ser tão flagrante a importância da atuação da instituição notarial na
realização do Direito, a ponto de ser possível afirmar que uma sociedade evoluída e
bem organizada não pode subsistir sem tal instituição.
No que diz respeito ao direito registral, além do efeito constitutivo que possui o
registro público, acautela a situação jurídica dos que ali figuram, bem como de
terceiros que pretendem realizar e/ou fazer perpetuar os mais diversos atos/fatos
ocorridos na órbita jurídica, tanto de natureza negocial, tal como a compra e venda
de um imóvel, por exemplo, como de natureza pessoal, tal qual o casamento,
nascimento e óbito de um índivíduo.
Desta feita, tanto a função notarial, quanto a registral caracterizam-se por sua
natureza cautelar, preventiva de conflitos, devendo as respectivas instituições ser
mais utilizadas nos atos de jurisdição voluntária, tendo em vista o assoberbamento
de ações impetradas perante o Poder Judiciário. Melhor seria que muitas dessas
atribuições inerentes aos atos acautelatórios, próprios da jurisdição voluntária,
fossem transferidos para esses agentes delegados do Poder Público, dotados de
pública.
Ricardo Dip (2005, p. 18), com relação à atividade de registro, acentua que tão
relevante são tais funções, que se pode estender aos registradores o que
Monasterio Galli, citado por Castán Tobeñas (1946, p.31), disse com relação aos
notários, ou seja, que constituem uma verdadeira Magistratura da paz jurídica. No
65
mesmo sentido, De Buján (2007, p.345), ao discorrer sobre o tema referente ao
notariado e à jurisdição voluntária, assevera:
Notarios y a Registradores de La Propiedad y Mercantiles, em atención a su
especialización, a su considerción de relevantes operadores jurídicos el
orden extraprocesal, y a la paz social y seguridad jurídica preventiva que
supone su intervención como garantes de la legalidad.
Notários e registradores, exercendo suas atribuições de maneira proba e
qualificada, como verdadeiros profissionais do direito que são, revestem os atos
inerentes às suas funções de segurança jurídica, de forma a conferir-lhes a máxima
eficácia de que são merecedores, alcançando, com isso, o interesse e a satisfação
das partes. Em consequência, as partes deixam de recorrer a outras medidas para
resguardar os seus direitos subjetivos privados, podendo-se citar, dentre elas, os
processos judiciais. Com isso pode-se afirmar que tais profissionais exercem uma
espécie de magistratura precautória.
1.5.6 Princípio da tecnicidade
As atividades inerentes aos registros públicos, sejam elas exercidas pelos
notários ou pelos registradores propriamente ditos, requerem cautela e técnica, de
modo que possam, efetivamente, assegurar a vontade jurídica das partes,
acautelando e pacificando socialmente. Técnica é entendida como o lado material de
uma arte ou ciência; conjunto de processos de uma arte; prática; norma;
especialização. Por outro lado, técnico é aquele que é perito numa arte ou ciência;
pessoa especializada. (BUENO, 2000, p. 746).
O notário e o registrador são técnicos, técnicos jurídicos, haja vista que,
segundo consta da própria Lei 8.935/94, ―notário, ou tabelião, e oficial de registro,
ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado
o exercício da atividade notarial e de registro.
33
Por outro lado, a mesma lei define a
natureza do serviço como técnico, ao dispor que ―serviços notariais e de registro são
os de organização técnica e administrativa, destinados a garantir a publicidade,
autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.
34
_______________
33
Art. 3º da Lei n° 8.935/94.
34
Art.1º da Lei n° 8.935/94.
66
Como profissionais do direito que são, faz-se necessário que notários e
registradores possuam conhecimentos satisfatórios e complexos da ciência jurídica.
O lastro jurídico há de ser compatível com a relevância das funções exercidas.
Leonardo Brandelli (2007, p.137) apregoa que o despreparo técnico que
durante muito tempo funcionou como uma mancha‖ no currículo das atividades
notariais e de registro, decorrente do ranço de privilégios e apadrinhamentos com
relação à distribuição das titularidades dessas funções, encontra-se sendo
contornado, dia após dia, desde o advento da Carta Magna de 1988, que passou a
exigir concurso blico para ingresso nas funções e, consequentemente, para
outorga das delegações. A propósito do tema, observa:
A função a cargo do notário tem acentuado caráter técnico. É evidente que
grande parte da atuação notarial depende de perfeição do tecnicismo, isto é,
depende do conhecimento por parte do notário dos institutos jurídicos e dos
modos de realizão do direito, por meio de suas formas, fórmulas, conceitos
e categorias. Deve o notário ser um profundo conhecedor dos meios de
realização prática do direito, especialmente o notarial. Dse depreende que
a técnica que deve ter o tabelião o é uma técnica qualquer, mas a técnica
jurídica, conseqüência direta da sua condão de profisisonal do direito e do
caráter judico da função notarial. A atuação notarial hodierna consiste,
primordialmente, em assessorar juridicamente as partes do negócio jurídico,
qualificando juridicamente tal negócio e instrumentalizando-o. É evidente que
para lograr tal intento, não bastará que o notário seja somente um
conhecedor dos institutos jurídicos (o que deve ser), necessitando que seja
ainda um hábil manejador da arte de implementação na práxis destes
institutos; precisa conhecer os meandros da materializão dos institutos
jurídicos.
Mais uma vez, de forma bem oportuna, Ricardo Dip (2005, p.13-34), ao
discorrer sobre o chamado ―saber registral‖, acentua que:
Operável é tanto o fazer, quanto o agir. Aquele, o facere, dirigido pela arte,
é uma atividade que se exercita sobre matéria pertencente ao mundo
exterior; o agere, dirigido pela prudência, é uma atividade que se executa
dentro do homem mesmo. Por isso, o saber operável do direito não é,
própria e primeiramente, um saber artístico ou técnico, em que se exerça
uma atividade peiética, de fazer alguma coisa sobre matéria no mundo
exterior. Antes, o saber jurídico propriamente operável é um saber
prudencial, porque se volta à consecução do bem, não do apenas útil, não
do somente eficaz.
Na esteira do pensamento esposado, afirma que o saber do registrador visa a
decidir, hic et nunc, se um determinado título ou não de ser registrado, conforme
requerido. Ademais, objetiva saber se o registro, ou a respectiva irresignação a este,
é ou não um ato adequado à preservação da segurança jurídica, concluindo que o
67
saber prático do registrador não seja um simples saber técnico ou artístico, mas que
antes de qualquer coisa é um saber de prudência.
Cláudio Martins (1974, p.16) chega mesmo a afirmar que, em virtude do
verdadeiro assessoramento jurídico, muitos consideram o notário, por exemplo,
como um verdadeiro ―arquiteto do Direito‖. Na apresentação da obra ora reportada, o
estudioso faz um desabafo, observando que a profissão notarial (e entende-se que
isso serve também para a registral) somente terá seu estatuto justo, capaz de
integrar o oficial público a um elevado patamar que lhe cabe no processo de
desenvolvimento do país, no dia em que for compreendido que cartório não é
prebenda e que o notário tem que ser, necessariamente, um profissional do Direito,
portador de formação jurídica adequada.‖
1.5.7 Princípio rogatório
O princípio rogatório encontra contornos bem explícitos e é de fácil
entendimento, tanto na área notarial, quanto registral. Relativamente ao ato registral,
este é, como regra, de iniciativa exclusiva do interessado, sendo vedado que o ato
seja praticado ex officio pelo registrador. Isto pode ser bem explicitado através da
própria Lei de Registros Públicos ao determinar que, salvo as anotações e as
averbações obrigatórias, os atos de registro serão praticados por ordem judicial, a
requerimento verbal ou escrito dos interessados ou a requerimento do Ministério
Público, quando a lei autorizar.
35
Tal regra, como quase todas as outras, comporta exceções. Desta forma, no
registro de imóveis, a tulo exemplificativo, será feita, ex officio, a averbação dos
nomes dos logradouros decretados pelo Poder Público.
36
Ceneviva (2008, p.32), ao
comentar o retromencionado art. 13 da LRP, assevera que:
[...] o inciso II do art. 13 tem o maior elastério: ao menos para a
manifestação da vontade de obter um registro, não estabelece a lei
qualquer formalidade. Basta que se manifeste a vontade ainda que
verbalmente, dela não restando sinal outro senão o registro feito e a
satisfação das custas correspondestes. Cabem duas ponderações:
interessado no inciso II é o detentor de interesse juridicamente protegido;
nada obstante seu significado econômico ou de outra natureza; o
requerimento verbal é admitido salvo se a forma escrita, pública ou
_______________
35
Lei de Registros Públicos (L. 6015/73), art. 13, I, II e III.
36
Lei de Registros Públicos (L. 6015/73), art. 167, II, item 13.
68
particular, tiver previsão legal, como acontece com a emancipação (CC/02,
art 5°, parágrafo único, I) e com o reconhecimento de filho (CC/02, art.
1.609).
Dessa forma, o registro poderá ser provocado por qualquer pessoa, cabendo-
lhe, entretanto, o pagamento das despesas respectivas.
37
Com relação aos atos
notariais, outro não é o entendimento, ou seja, até mesmo para que se faça garantir
a imparcialidade, é necessário que os notários ajam sempre sob provocação das
partes interessadas.
Da mesma maneira que no caso dos registradores, o requerimento, para pôr
em prática a feitura dos atos notariais, prescinde de maiores formalidades, podendo
ser expresso de maneira tácita, verbal ou escrita, sendo corriqueiramente utilizada a
forma verbal (expressa).
1.5.8 Princípio da autonomia funcional
O princípio da autonomia funcional, denominado por muitos de princípio da
independência,
38
preconiza que a atuação dos notários e registradores haverá de ser
feita de modo independente, desvinculado de qualquer subordinação hierárquica.
O caráter privatístico conferido às atividades notariais e de registro a partir da
promulgação do texto constitucional de 1988 veio a reforçar a autonomia desses
serviços com relação ao Poder Judiciário, nada obstante a previsão do § do art.
236 da CF, no sentido de que a orientação e a fiscalização dos atos continuem
sendo competência deste Poder. Consoante o texto do Estatuto dos Notários e
Registradores, Lei 8.935/94, referidos profissionais gozam de independência
quando no exercício de suas atribuições, percebendo emolumentos integrais pelos
atos praticados em suas respectivas serventias, havendo possibilidade de perda
da delegação nos casos previstos legalmente.
39
Ademais, cumpre ressaltar que os notários e os oficiais de registro podem, para
o desempenho de suas funções, contratar escrevente, dentre eles escolhendo os
_______________
37
Lei de Registros Públicos (L. 6015/73), art. 217.
38
Como exemplo disso, vide Juliana Follmer (2004, p. 94).
39
Art. 28 da Lei 8.935/94.
69
substitutos, e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e
sob o regime da legislação trabalhista.
40
Outro exemplo claro da aplicação do princípio em tela encontra-se no fato de
ser de responsabilidade exclusiva do respectivo titular o gerenciamento
administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro, inclusive no que
tange às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer
normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração
de seus prepostos, de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.
41
Finalmente, é da incumbência dos notários e registradores praticar,
independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à
organização e execução dos serviços,
42
sendo facultado aos mesmos realizar todas
as gestões e diligências necessárias ou convenientes para o preparo dos atos a si
atribuídos.
43
Dessa forma, pode-se afirmar que, indubitavelmente, a partir da
promulgação da Constituição Federal de 1988, houve significativo acréscimo da
responsabilidade conferida aos titulares das serventias extrajudiciais não-
oficializadas, como consectário lógico do aumento da independência de suas
funções.
_______________
40
Art. 20, caput, da Lei 8.935/94.
41
Art. 21 da Lei 8.935/94.
42
Art. 41 da Lei 8.935/94.
43
Art. 7°, parágrafo único e art. 41, ambos da Lei 8.935/94.
2 NUANCES DO SISTEMA NOTARIAL E DE REGISTRO NO
DIREITO BRASILEIRO
Após o advento da Constituição Federal de 1988 não restam quaisquer dúvidas
de que notários e registradores enquadram-se na categoria de agentes públicos que,
por delegação do poder público, exercem atividade estatal em regime privado,
categorizando, portanto, uma classe submetida a regime jurídico especial e
anômalo.
Ainda é tímida a doutrina a respeito do regime jurídico ao qual estão
submetidos notários e registradores no Brasil. Os Tribunais, por seu turno, ao longo
dos tempos e, principalmente, a partir da promulgação da atual Carta da República,
têm se mostrado vacilantes no entendimento acerca do assunto, ou seja, as
matérias relacionadas a estas atividades muitas vezes são objeto de verdadeiras
―montanhas-russas jurisprudenciais.‖
É que, pelo fato de as atividades notariais e de registro situarem-se na
chamada ―zona fronteiriça entre o público e o privado‖, os entraves observados pelos
que pretendem realizar uma categorização de seu regime jurídico se potencializam.
É neste panorama de escassez doutrinária e divergências jurisprudenciais que
serão analisadas as particularidades que devem ser compreendidas acerca da
matéria, a fim de possibilitar uma compreensão sistêmica dessa categoria de
serviços públicos, de maneira que, ao final, fique claro qual é o regime de
responsabilidade civil ao qual estão submetidos notários e registradores e o porquê
dessa conclusão.
2.1 Natureza jurídica da atividade notarial e de registro e de seus
delegados titulares do serviço
Como dito, compreender a natureza jurídica do vínculo existente entre o Estado
e as atividades notariais e de registro faz-se imprescindível para se chegar a
71
qualquer conclusão acerca da responsabilidade civil dos delegados das respectivas
serventias.
Tal ocorre porque a maior parte da doutrina considera a natureza jurídica da
atividade notarial e de registro e, consequentemente, de seus delegados titulares
dos serviços, ponto primordial para a caracterização da responsabilidade civil.
Dentro desse contexto, existem duas correntes que denotam maior importância no
trato do assunto em questão,
1
a saber:
Os adeptos da doutrina majoritária entendem estar os notários e registradores
inseridos dentro da categoria de servidores públicos. Ocorre que, mesmo no bojo da
presente corrente, ainda existem divergências, vez que alguns poucos doutrinadores
sustentam serem tais profissionais enquadrados como servidores públicos stricto
sensu, enquanto outros com maior razão - entendem serem os notários e
registradores agentes delegados de um serviço público, ou seja, inseridos dentro da
categoria de servidores públicos lato sensu.
2
Por outro lado, a corrente minoritária sustenta que os delegados das serventias
notariais e de registro apresentam uma natureza jurídica atípica, diante das diversas
peculiaridades que os caracterizam. Esta vertente tem como um de seus maiores
defensores Décio Antônio Erpen.
Por oportuno, traz-se à colação trechos do acórdão do Supremo Tribunal
Federal, proferido por ocasião do julgamento do RE n°.178.236/RJ, datado de
07.03.1996, cuja relatoria coube ao Ministro Otávio Gallotti. No caso posto sob
apreciação do Judiciário, o titular do 15° Tabelionato de Notas da cidade do Rio de
Janeiro RJ propôs ação, em junho de 1989, visando a que o Poder Público se
_______________
1
Há, ainda, uma terceira corrente, de menor expressão doutrinária, que sustenta serem notários e
registradores agentes que desempenham serviço eminentemente privado, assemelhando-se aos
denominados ―profissionais liberais‖. Esta corrente, cuja expressão maior no Brasil é a figura de
Cláudio Martins (1974, p.70-71) critica o fato de que ―muitos entendem que a pública é
emanação do poder certificante do Estado e por delegação deste o notário a exerceria‖. Diante
desta perspectiva, o notário seria considerado mero funcionário público, pois estaria exercendo,
pela via da delegação, uma função pública. Ocorre que também o corretor oficial, o tradutor público,
o leiloeiro e o médico certificam comde ofício, e nem por isso são tais profissionais considerados
funcionários públicos. A tese esposada por Cláudio Martins não parece ser a mais compatível com
o texto constitucional assinalado no art. 236, donde se retira que certificar ou dar é poder do
Estado que, em face da atipicidade da função, a delega a outros agentes públicos.
2
Tese atualmente dominante junto ao C. Supremo Tribunal Federal, como será demonstrado no
decorrer dessa exposição. Vale ressaltar, por oportuno, que mesmo antes da mudança de
entendimento do Pretório Excelso, Ricardo Dip já defendia esse entendimento.
72
abstivesse de decretar sua aposentadoria compulsória, posto que atingiria os
setenta anos naquele mesmo mês.
A ação foi julgada improcedente, tanto pelo juízo monocrático, quanto pela
Câmara Criminal do TJRJ, sob o fundamento de que, sendo os notários e
registradores servidores públicos, estariam enquadrados no comando normativo
inserido no art. 40, II, da CF/88,
3
submetidos, portanto, à aposentadoria compulsória
por implemento de idade.
A questão chegou ao Pretório Excelso, em grau de Recurso Extraordinário,
sendo aduzido o inconformismo do sucumbente com base na equivocada
interpretação feita pelos órgãos judiciários do art. 236 da Carta Magna. Aduzia o
recorrente que a partir do advento da nova ordem constitucional, a atividade notarial
e de registro teria sido ―privatizada‖, bem como que, mesmo ante a natureza pública
de tais serviços, teriam os respectivos titulares deixado de ser considerados como
servidores blicos. Argumentou-se, ainda, que tais atividades, embora fossem
delegadas pelo Poder Público, não teriam o caráter de publicização, como no caso
das concessões e permissões.
Ao final, após ardentes debates, foram vencidos os Ministros Marco Aurélio,
Francisco Rezek e Sepúlveda Pertence época Presidente da Corte), tendo o STF
considerado que os serventuários de notas e de registro estariam sujeitos à
aposentadoria por implemento de idade, nos termos dos artigos 40, II, e 236, e seus
respectivos parágrafos, todos da Constituição Federal de 1988. Para tanto, levou-se
em consideração, primordialmente, o fato de serem tais profissionais ocupantes de
cargos púbicos criados por lei, submetidos à permanente fiscalização do Estado e
diretamente remunerados à conta de receita pública (custas e emolumentos fixados
por lei), bem como providos por concurso público.
Esse entendimento prevaleceu durante algum tempo, ainda após a
promulgação da Emenda Constitucional de 20, ocorrida no ano de 1998, que
alterou a redação do mencionado art. 40 da CF. Tanto é verdade que, já no ano de
1999, o Tribunal continuava a julgar no mesmo sentido, como se denota da análise
_______________
3
O comando constitucional vigente àquela época antes da promulgação da emenda constitucional
20/98 - dispunha da seguinte redação: ―Art. 40. O servidor se aposentado: [...] II
compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.‖
73
do RE 234.935/SP, que teve como relator o Ministro Celso de Mello, ausente
justificadamente no julgamento relatado no parágrafo anterior:
Serventuário extrajudicial (Oficial Registrador/Tabelião de Notas). Sua
qualificação como servidor público. Atividade estatal. Função pública.
Sujeição à mesma disciplina constitucional aplicável aos demais servidores
públicos, em tema de aposentadoria compulsória (70 anos de
idade). Precedentes do Supremo Tribunal Federal. RE não conhecido. - Os
Oficiais Registradores e os Tabeliães de Notas - que são órgãos da
pública e que desempenham atividade de caráter eminentemente estatal -
qualificam-se, no plano jurídico--administrativo, como servidores públicos,
sujeitando-se, em conseqüência, ao mesmo regime constitucional de
aposentação compulsória, por implemento de idade (70 anos), aplicável aos
demais agentes públicos. - O regime instituído pela vigente Constituição
Federal (art. 236) não afetou a condição jurídico--administrativa dos
Serventuários extrajudiciais, cuja qualificação, como servidores públicos, foi
preservada, em seus aspectos essenciais, pela Lei Fundamental
promulgada em 1988.
Havia uma resistência da Corte Suprema em alterar o entendimento outrora
fixado, mesmo diante das modificações verificadas no enquadramento jurídico da
categoria dos delegados de serventias extrajudiciais com a promulgação da EC
45/2004, mormente no aspecto referente à submissão destes à aposentadoria
compulsória, bem como também em outros fatores intimamente ligados à natureza
jurídica desses profissionais.
Assim, o termo ―servidor‖, constante do caput do art. 40 do texto constitucional,
foi susbstituído pela expressão ―servidores titulares de cargos efetivos‖. Quando a
nomenclatura usada referia-se somente a ―servidor‖, dava-se azo para uma
interpretação extensiva, de modo a enquadrar algumas categorias de agentes
públicos. Com a promulgação da emenda, o dispositivo constitucional
retromencionado passou a vigorar com o seguinte texto:
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações,
é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados
critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste
artigo.
§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata
este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos
valores fixados na forma do § 3º: [...]
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos
proporcionais ao tempo de contribuição; [...]
4
_______________
4
Atualmente, esse mesmo dispositivo constitucional já sofreu outras mudanças, passando a ter a
seguinte redação: ―Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da Uno, dos Estados, do Distrito
74
Dessa forma, o equívoco ora relatado restou sanado quando da decisão
proferida no julgamento da ADIn 2.602/MG, ocorrido na sessão plenária de 3 de abril
de 2003, sob a relatoria do Min. Moreira Alves. Durante vários anos, o STF
praticamente ignorou a inovação constitucional ao examinar casos concretos
levados pela via do Recurso Extraordinário. Ocorre que, com o exame abstrato da
constitucionalidade de um provimento baixado pelo Tribunal de Justiça de Minas
Gerais, não houve outra saída, senão a análise de tal vexata quaestio frente ao art.
40, II, da Carta Constitucional, já alterado pela EC n° 20.
Nesta ocasião, o Supremo Tribunal Federal deferiu, à unanimidade de votos, o
pedido liminar deduzido pela Associação de Notários e Registradores do Brasil
ANOREG/BR, no sentido de declarar a inconstitucionalidade do Provimento 55,
de 5 de julho de 2001, da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Referido ato normativo determinava que os juízes diretores do foro das comarcas
mineiras exercessem rigorosa fiscalização quanto ao implemento da idade de 70
(setenta) anos pelos oficiais de registro e tabeliães e que exarassem o ato de
declaração de vacância do serviço notarial ou de registro, bem como que
designassem, por meio de portaria, o substituto mais antigo que estivesse em
exercício legal, a fim de responder pelo expediente do respectivo serviço.
Posteriormente, no mesmo STF, na sessão plenária de julgamento da
Reclamaçao 3.966 MC/SP, em 16 de fevereiro de 2006, cuja relatoria coube ao
próprio Ministro Celso de Mello, tal entendimento foi reiterado. Na fundamentação do
acórdão proferido, o relator proclamou o seguinte:
[...] o Supremo Tribunal Federal em face de suas decisões plenárias
proferidas na ADI 2.891/RJ e na ADI 2.602/MG tem concedido liminares, em
ordem a suspender a eficácia de atos que, indevidamente, reconheceram a
submissão de Oficiais Registradores e Notários Públicos à cláusula de
aposentadoria compulsória, por implemento de idade, não obstante a
substancial modificão que, na disciplinação desse tema, a EC 20/98, em
inovador tratamento da matéria ora em exame, introduziu na regra inscrita no
Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundões, é assegurado regime de previdência
de caráter contributivo e solidário, mediante contribuão do respectivo ente público, dos servidores
ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equibrio financeiro e atuarial
e o disposto neste artigo. § Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este
artigo seo aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§
e 17: [...] II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de
contribuão‖. Ainda assim, as alterações ocorridas em seu texto, por ocaso da promulgação da
Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, não exerceram influência no que diz respeito
à exclusão dos norios e registradores do seu âmbito de abrangência.
75
art. 40, II, da Constituão da República (Rcl 2.399-MC/RJ, Rel. Min. JOAQUIM
BARBOSA - Rcl 2.714- -MC/SC, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Rcl 2.837-
MC/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO Rcl 2.898-MC/SP, Rel. Min. CEZAR
PELUSO - Rcl 3.027-MC/SP, Rel. Min. CEZAR PELUSO - Rcl 3.123-MC/SP,
Rel. Min. CARLOS VELLOSO Rcl 3.640-MC/SP, Rel. Min. CARLOS
VELLOSO, v.g.). Inevel reconhecer, pois, que o tema versado na presente
sede processual reveste-se de expressiva significão jurídica, eis que - não
obstante anterior jurisprudência firmada por esta Suprema Corte (RTJ 162/772-
773, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI - RTJ 167/329- -330, Rel. Min. MARCO
AURÉLIO - RE 234.935/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.) - sobreveio,
como precedentemente acentuado, importante modificão introduzida pela EC
20/98, que representa, na perspectiva da maria em análise (pretendida
inaplicabilidade, aos Oficiais Registradores e aos Norios Públicos, da cláusula
pertinente à aposentadoria compulsória, por implemento de idade), o próprio
fundamento em que se apóia a pretensão deduzida pela parte ora reclamante‘.
Impende destacar, bem por isso, neste ponto, ante a extrema idoneidade de
seu autor, a autorizada lão de WALTER CENEVIVA (Lei dos Notários e dos
Registradores Comentada‘, p. 231/232, 3ª ed., 2000, Saraiva), para quem o
delegado incumbido da atividade notarial ou de registro - precisamente por não
se qualificar como servidor titular de cargo efetivo - acha-se excldo do regime
judico-constitucional da aposentadoria compulsória por implemento de idade,
notadamente em face das substanciais inovações resultantes da promulgação
da EC 20/98. Esse entendimento - fundado no que hoje dispõe a Carta
Política, em texto que traduz ‗jus novum resultante da superveniente
promulgação da EC 20/98 - encontra apoio no autorizado magisrio de
CIO ANTÔNIO ERPEN (‗Da Responsabilidade Civil e do Limite de Idade
para Aposentadoria Compulsória dos Notários e Registradores, in‘ Revista de
Direito Imobiliário, vol. 47/103-115), refletindo-se, por igual, na valiosa lição de
JOSÉ TARCÍZIO DE ALMEIDA MELO (Reformas‘, p. 263 e 268/269, 2000, Del
Rey), que assim examinou o tema: ‗A Constituição Federal, em seu art. 236,
transformou os notários e registradores em agentes delegados do Poder
Público, em caráter privado. A Lei n. 8.935, de 19 de novembro de 1994,
regulamentou a matéria. Em sua jurispruncia, o STF considerou notários e
registradores como servidores blicos, lato sensu, e mandou aplicar-lhes o
regime previdenciário e a aposentadoria, na forma da redação original do art.
40 da Constituição. Com a alteração do art. 40, pela Emenda n. 20, a atuação
do regime previdencrio daquele artigo foi restringida aos titulares de cargos de
provimento efetivo, servidores públicos em sentido estrito. [...] Com a Emenda
Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, a norma restritiva de direito
teve o seu reduto diminuído, com destinação aos servidores, stricto sensu,
titulares de cargos efetivos da Uno, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídas suas autarquias e fundações. Tal
superveniência constitucional consolidou o art. 39 da Lei n. 8.935/94 que, ao
tratar da extinção da delegão e, particularmente, da aposentadoria do notário
e do registrador, contemplou a aposentadoria facultativa e excluiu a
aposentadoria compulsória. O § , inciso II, do mencionado artigo, com a
redação da Emenda n. 20, e berço constitucional da aposentadoria
compulsória, menciona os servidores abrangidos pelo regime de previdência de
que trata o artigo, os quais, conforme o caput, são os servidores titulares
de cargos efetivos. Pode-se argumentar que antigos serventuários sejam
abrangidos pelo mesmo regime previdencrio, por força de norma anterior. Sob
o aspecto previdenciário, estariam equiparados aos titulares de cargos efetivos.
Entretanto, a aposentadoria compulsória não se destinou mais a eles, uma vez
que a norma restritiva referiu-se apenas aos que, encontrando-se naquele
regime previdencrio, sejam titulares de cargos efetivos. (Grifou-se).
76
Ao final, a medida cautelar foi negada não pelo mérito em si, mas por ter o
relator vislumbrado não incorrer a situação configuradora do requisito do periculum
in mora, pressuposto indispensável para ocorrência da necessidade de tal decisão.
Assim, atualmente, de acordo com o entendimento do Supremo Tribunal
Federal e da doutrina majoritária - que consideram os notários e registradores como
agentes públicos - superado está o entendimento de que seriam estes passíveis de
aposentadoria compulsória por implemento de idade. São os mesmos considerados
agentes delegados de serviço público, ou seja, particulares em colaboração com o
Poder Público. Ademais, cumpre ressaltar que notários e registradores não se
sujeitam, outrossim, ao ―teto do funcionalismo público‖, cuja limitação encontra-se
prevista no inciso XI, art. 37, da CF de 1988.
Ricardo Dip (2002, p.87-88), antes mesmo da mudança interpretativa ocorrida
no âmago do Pleno do Supremo Tribunal Federal, proclamava a inserção de notários
e registradores na categoria de agentes em colaboração com o Poder Público,
rechaçando a tese de que seriam os mesmos servidores públicos. Vale a transcrição
de seus dizeres:
Repito: por mais se queira reinstalar essa discussão sobre o molde orgânico
privatístico dos registros e das notas, discussão em que se vêem insinuados
o gosto pelo autoritarismo ou, em aparente oposto, a conspiração pela
anomia, o fato é que a Constituição Federal de 1988 acolheu, entre nós, a
gestão privada dos serviços notariais e registrários (art. 236, caput) e, ao
fazê-lo, abdicou de incluir notários e registradores no quadro tanto dos (a)
agentes políticos porque, em síntese, não se dirigem a formar a superior
vontade estatal , seja dos (b) servidores públicos porque, em resumo,
não são pagos pelos cofres públicos , contando-os, isto sim, entre os (c)
particulares colaboradores do Poder Público, a exemplo dos tradutores e
intérpretes públicos, dos leiloeiros, dos reitores de universidades privadas
etc., pessoas que exercitam função Pública em nome próprio, ainda que sob
a fiscalização do Poder Público. Dessa maneira, consagrou-se
constitucionalmente o que era indicação de parte valiosa da doutrina
pátria (brevitatis causa: Hely Lopes Meirelles, Oswaldo Aranha Bandeira de
Mello, Celso Antônio Bandeira de Mello, Pinto Ferreira, Maria Sylvia Zanella
Di Pietro).
Traz-se à colação, por oportuno, decisão deveras recente acerca do assunto
em comento, a saber:
O artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição do Brasil, na redação que lhe foi
conferida pela EC 20/98, está restrito aos cargos efetivos da União, dos
Estados-membros, do Distrito Federal e dos Municípios incluídas as
autarquias e fundações. Os serviços de registros públicos, cartorários e
notariais são exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público
77
serviço público não-privativo. Os notários e os registradores exercem
atividade estatal, entretanto não são titulares de cargo público efetivo,
tampouco ocupam cargo público. Não são servidores públicos, não lhes
alcançando a compulsoriedade imposta pelo mencionado artigo 40 da
CB/88 aposentadoria compulsória aos setenta anos de idade. (ADI 2.602,
Rel. p/ o ac. Min. Eros Grau, julgamento em 24-11-05, DJ de 31-3-06)
Recurso que não demonstra o desacerto da decisão agravada. Servidores
de notários e registradores das serventias extrajudiciais. Não são servidores
públicos. Aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade. Art. 40 da
Constituição Federal. Inaplicabilidade. Precedentes. (AI 655.378-AgR, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgamento em 26-2-08, DJE de 28-3-08).
Di Pietro (2004, p. 437), ao tratar dos particulares em colaboração com o Poder
Público, assevera que dentro desta categoria estão inseridas as pessoas físicas que
prestam serviços ao Estado, sem vínculo empregatício, com ou sem remuneração.
Ressalta, ainda, que podem fazê-lo sob diversos títulos, inclusive, sob delegação do
Poder blico, ―como se com os empregados das empresas concessionárias e
permissionárias de serviços públicos, os que exercem serviços notariais e de registro
(art. 236 da Constituição), os leiloeiros, tradutores, intérpretes públicos‖. Tais
profissionais exercem função pública, em nome próprio, sem a existência de vínculo
empregatício, porém, sob fiscalização do Poder Público (no caso de notários e
registradores tal fiscalização dá-se por intermédio do Poder Judiciário). Ademais, a
remuneração que recebem não é paga pelos cofres públicos, mas pelos terceiros
usuários de tal serviço.
Outro não é o entendimento de Diógenes Gasparini (2007, p.166-168), que,
dissertanto sobre o que chama de ―agentes de colaboração‖, classifica-os como
sendo de várias espécies, apontando que a doutrina vem indicando serem estes
enquadrados da seguinte forma: os que colaboram por vontade própria; os que
colaboram compulsoriamente; e os que colaboram com a concordância da
Administração blica, estando os notários e registradores, segundo o autor,
inseridos nessa última categoria.
Tratando especificamente do tema, assevera o doutrinador que os últimos,
colaboradores com a concordância da Administração Pública, são os que lhe
prestam serviços ante sua expressa aquiescência. São os contratados e os
delegados de função, ofício ou serviço público‖, complementando que:
[...] nesse último caso são chamados de concessionários, permissionários
ou autorizatários. Entre os delegados de função ou ofício público, estão
os tabeliães, juízes de paz, os titulares de serventias públicas não
78
oficializadas, os diretores de faculdades particulares, os leiloeiros, os
comissários de menores, os despachantes policiais e aduaneiros. (Grifou-
se).
Verifica-se, portanto, que o se pode negar o caráter privado das atividades
desenvolvidas pelos titulares dos ―Órgãos da Pública.‖
5
Nesse contexto, não se
admite, igualmente, enquadrar essa categoria como servidores públicos (na acepção
estrita do termo), haja vista que, embora exerçam relevante serviço público, o fazem
por delegação em serventias extrajudiciais, à sua conta e risco, com remuneração
paga, inclusive, pelos particulares. Ademais, submetem-se ao Regime Geral da
Previdência Social RGPS.
6
Acrescente-se que, recentemente, o STF entendeu que incide o Imposto sobre
Serviços de Qualquer Natureza ISS (ou ISSQN) sobre os serviços de registros
públicos, cartorários e notariais, declarando a constitucionalidade dos itens 21 e 21.1
da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003 (que permitem a tributação dos
serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo ISSQN). Para o Tribunal,
as pessoas exercentes da atividade notarial e registral não estão imunes à
tributação, eis que desenvolvem os respectivos serviços com intuito de obtenção de
lucros. Com efeito, segundo o Ministro Joaquim Barbosa, relator da ADI n° 3.089;
[...] a imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de
entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com
inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou
delegação, devidamente remunerados. Não diferenciação que justifique
a tributação dos serviços blicos concedidos e a não-tributação das
atividades delegadas. (ADI 3.089, Rel. p/ o ac. Min. Joaquim Barbosa,
julgamento em 13-2-08, DJE de 1º-8-08).
7
Ainda tratando das correntes doutrinárias ora estudadas, impende-se afirmar
que a posição minoritária sustenta que tais serviços possuem natureza atípica,
diante das diversas peculiaridades que os caracterizam.
Referida corrente, como ressaltado, é capitaneada por Décio Antônio Erpen
8
(2006, p. 49). Sustenta o autor que os atos praticados pelos notários e registradores
são atos típicos de direito material, de cidadania e não de ordem administrativa.
_______________
5
Cfr. ALMEIDA JÚNIOR (1963).
6
Lei dos Notários e Registradores (L.8935/94), art. 50.
7
No mesmo sentido: RE 557.643-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 10-2-09, Turma, DJE
de 13-3-09.
8
Décio Antônio Erpen é reconhecido na doutrina pátria como o maior defensor desse entendimento.
79
Ademais, acrescenta que o ingresso em tais atividades se pela via do concurso
público, bem como que estas são fiscalizadas pelo Estado, através do Poder
Judiciário. Afirma que tais serviços revestem-se de verdadeiras instituições da
comunidade, estando inseridos dentro do corpo jurídico-social, advindo, não de ato
administrativo ou de vontade política isolada, mas sim de um fenômeno sociojurídico
institucionalizado pela convivência, objetivando a segurança nas relações dos
indivíduos em sociedade.
Assim, faz-se necessário observar que a expressão ―caráter privado‖ conduz à
transposição dos serviços notariais e de registro da seara do direito público para o
direito privado, que tais profissionais atuam em recinto particular, contratam seus
empregados pelo regime da CLT (Consolidação das Leis de Trabalho), bem como
contribuem para o RGPS (Regime Geral da Previdência Social).
Por outro lado, existem algumas peculiaridades, próprias da categoria, cuja
abordagem faz-se necessária, vez que preceitos administrativos aplicáveis, em tese,
somente aos servidores públicos foram mantidos. O maior exemplo desse fato é o
meio pelo qual se dá o ingresso em tais atividades, qual seja, o concurso público.
Com efeito, a delegação de um serviço público, em regra, não é deferida a
alguém através de concurso, e sim por meio de licitação. -se, pois, que a forma
pela qual os notários e registradores exercem tais atividades possui nítidas
características privatísticas, mas o modo pelo qual ingressam assume contornos
idênticos aos dos servidores públicos.
Visando a regulamentar a interpretação da norma que dispõe a respeito da
necessidade de concurso público para outorga das Delegações de Notas e de
Registro (art. 236, §3º da CF), o Conselho Nacional de Justiça CNJ
9
veio a editar a
_______________
9
Após o advento da promulgação da Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2004, foi
criado o Conselho Nacional de Justiça CNJ. O inciso III do §do art. 103-B prevê o seguinte:
―Art. 103-B [...] §4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do
Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras
atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura: [...] III - receber e conhecer das
reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços
auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro que atuem por
delegação do poder público ou oficializados, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional
dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso e determinar a remoção, a
disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço
e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa.‖ (grifo intencional).
80
Resolução 81, datada de 9 de junho de 2009, que, outrossim, estabeleceu uma
minuta de edital, a servir de modelo para os certames futuros.
Com efeito, as circunstâncias que nortearam a presente iniciativa foram muitas,
a saber: 1) a proclamada necessidade de concurso público para ingresso na
atividade notarial e de registro, nos termos do § do artigo 236 da Constituição
Federal, o se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de
concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses; 2) a falta de Lei
Complementar Federal que delegue a Estados ou ao Distrito Federal poderes para
legislar sobre ingresso, por provimento ou remoção, no serviço de notas ou de
registro (artigo 22, XV e parágrafo único, da Constituição Federal de 1988); 3) o
necessário cumprimento da norma do art. 37 da CF; 4) o fato de que os concursos
públicos para outorga de delegação de serviços notariais e de registro o vinham
observando um padrão uniforme, sendo, por consequência, objeto de inúmeros
procedimentos administrativos junto ao CNJ e de inúmeras medidas judiciais junto
aos Tribunais Superiores e, finalmente; 5) a existência de grande número de
unidades de serviços extrajudiciais, a natureza multitudinária das controvérsias
sobre o tema e o interesse público de que o entendimento amplamente
predominante passe a ser aplicado de maneira uniforme para todas as questões
envolvendo a mesma matéria, dando-se ao tema a natureza de processo objetivo e
evitando-se contradições geradoras de insegurança jurídica.
Dentre os pontos mais importantes da Resolução em comento, destacam-se os
seguintes comandos: a necessidade de que os concursos deverão ser realizados
semestralmente, ou em prazo inferior, caso estejam vagas ao menos três
delegações de qualquer natureza; que sejam ultimados impreterivelmente em 12
(doze) meses, a contar da primeira publicação do respectivo edital de abertura do
concurso, sob pena de apuração de responsabilidade funcional; o Tribunal de
Justiça disponibilizará para todos os candidatos os dados disponíveis sobre a
receita, despesas, encargos e dívidas das serventias colocadas em concurso.
Sem embargo do que já foi explanado, outra Resolução do CNJ, editada na
mesma data, a de 80, declarou a vacância dos serviços notariais e de registro
ocupados em desacordo com as normas constitucionais pertinentes à matéria,
estabelecendo regras para a preservação da ampla defesa dos interessados, para o
81
período de transição e para a organização das vagas do serviço de notas e registro
que serão submetidas a concurso público.
Alegou-se, para tanto, que para fins de delegação de serviço notarial e de
registro inexiste a figura da remoção por permuta; a possibilidade de se tornar
estável o delegado; bem como que não Lei Complementar Federal delegando a
Estados ou ao Distrito Federal poderes para legislar sobre ingresso por provimento
(ingresso inicial) ou remoção no serviço de notas ou de registro (artigo 22, XXV, e
parágrafo único da Constituição Federal).
Outro fator que justificou a medida foi a existência de inúmeros precedentes
jurisprudenciais - monocráticos e colegiados do STF, no sentido de que a atual
ordem constitucional estabeleceu que a investidura na titularidade de unidade do
serviço, cuja vacância tenha ocorrido após a promulgação da Constituição Federal
de 1988, depende da realização de concurso público para fins específicos de
delegação, inexistindo direito adquirido ao que dispunha o artigo 208 da Constituição
Federal de 1967, na redação da EC 22/1982, quando a vaga ocorreu na vigência
da Constituição Federal de 1988.
Diante de tudo o que foi exposto, faz-se necessário reconhecer a natureza
híbrida de tais atividades, a fim de que não se caia na contradição de se afirmar
terem os notários e registradores natureza jurídica de servidor público de forma
pura e simples -, ainda mais se for levado em consideração o fato de que, por outro
lado, a delegação por eles titularizada se de modo especial, diferentemente do
que ocorre nos casos de delegação de um serviço público por concessão ou
permissão.
10
Para tanto, deve ser levado em conta o reiterado entendimento do Supremo
Tribunal Federal, no sentido de incluir os notários e registradores na categoria de
agentes públicos (servidores públicos em sentido amplo - particulares em
colaboração com o poder público), que agem em colaboração com o Poder Público
_______________
10
Enquanto a concessão e a permissão, delegações por excelência, são formas de o Estado repassar ao
particular a prestação de determinados serviços (através de contrato, com pvio procedimento licitario),
a delegação havida no âmbito das atividades notariais e de registro se faz mediante concurso blico de
provas e tulos (CF, art. 236, § ), o que só corrobora, como já explanado, a natureza jurídica híbrida
destas atividades. Some-se a isso o fato de que a Lei 8.935/94, em seu art. 25, determina a proibição de
acumulação do exercício da atividade notarial ou de registro com a de qualquer outro cargo público.
82
através do instituto da delegação (que se opera pela via do concurso blico para
ingresso e remoção). Tal acepção faz com que o Estado seja responsabilizado de
forma direta e solidária pelos prejuízos advindos do desempenho funcional de tais
agentes (conforme estabelecido no § 6º, do art. 37, da Constituição Federal).
Outro ponto a ser levado em consideração diz respeito à natureza jurídica
híbrida de que são detentores esses profissionais de categorização atípica
necessitando, em virtude disso, de um sistema próprio de responsabilidade civil.
Estes pontos serão analisados no último capítulo do presente estudo.
Cabe destacar ainda, por oportuno, que o entendimento dominante firmado
pela doutrina e jurisprudência pátria é no sentido de que as serventias extrajudiciais
(denominadas popularmente como cartórios) o possuem personalidade jurídica,
constituindo unidades de serviços que, como dito, pela via do concurso público, são
atribuídas a determinadas pessoas, a fim de que estas, titularizando o cartório, por
delegação do Poder Público, desempenhem suas atividades funcionais, nos termos
do artigo 22 da Lei nº 8.935/94. As serventias extrajudiciais somente possuem
inscrição no CNPJ/MJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) para efeitos fiscais.
Ainda assim, mesmo para efeitos tributários, faz-se certo afirmar que os
haveres auferidos por atos praticados nas serventias devem ser contabilizados como
receita da pessoa física do delegado extrajudicial, devendo este recolher o IRPF
Imposto sobre a Renda de Pessoa Física, o que só reforça a tese sustentada de que
os cartórios não têm personalidade de pessoa jurídica.
Esse vem sendo, inclusive, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo - TJSP em diversos julgados, sempre no sentido de ser o cartório
extrajudicial parte ilegítima para figurar no polo passivo de ação de indenização
(ressarcitória), uma vez que se trata de ente despersonalizado, uma organização
técnica e administrativa que se atribui função pública, não dentendo, portanto,
capacidade de ser parte em Juízo.
11
_______________
11
Vide os julgamentos proferidos no Agravo de Instrumento n° 8513455300 e n° 6073555300;
Apelação n°7187331100; Apelação com revisão n°5411484500, 6039574800 e 3438075300,
dentre outros.
83
O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, vem adotando posicionamento no
sentido de permitir o ajuizamento de ações contra as serventias extrajudiciais,
12
equiparando-as às pessoas formais, que, embora não detentoras de personalidade
jurídica, possuem a denominada ―personalidade judiciária‖, a exemplo do espólio, da
massa falida, do condomínio etc.
2.2 O entendimento dos Tribunais acerca das leis de organização
judiciária estaduais e os serviços notariais e de registro
Tema debatido nos Tribunais e que, invarialvelmente, tende a voltar a ser
foco de debates doutrinários e jurisprudenciais, é o que diz respeito à criação,
desmembramento, desdobramento, organização territorial e extinção das serventias
extrajudiciais.
O Pretório Excelso vem entendendo que, com base na interpretação dos
dispositivos do art. 96, incisos I, alínea ―b‖, e II, alíneas ―b‖ e ―d‖, a propositura de
projetos legislativos atinentes a estas matérias compete, privativamente, aos
Tribunais de Justiça Estaduais.
Somente a título ilustrativo, faz-se oportuno transcrever dois artigos do Código
de Organização Judiciária do Estado do Ceará, Lei Estadual 12.342, de 28 de
julho de 1994, que tratam, especificamente, da criação de ―cargos‖ de notários e
registradores nas Comarcas da Capital e do interior do Estado, a saber:
Art. 524. São criados na Comarca da Capital, não remunerados pelos cofres
públicos: I dois (02) cargos de Notários (9° e 10° Notários de Fortaleza); II
dois (02) cargos de Oficial de Registro de Imóveis (5° e Oficiais de
Registro de Imóveis de Fortaleza); III um (01) cargo de Oficial de Oficial do
Registro Civil do Distrito do Mucuripe.
[...]
Art. 526 Ficam criados os seguintes cargos, não remunerados pelos cofres
blicos, e sem a acumulação da função de escrivão, a serem preenchidos
por concurso público de provas e títulos: I Cargos de Primeiro Notário: a)
vinte e quatro (24) nas comarcas definidas no art. 513; b) um (01) na
Comarca de Maracanaú; II Cargos de Segundo Notário: a) vinte e quatro
(24) nas comarcas definidas no art. 513; b) um (01) na Comarca de
Maracan; III Cargo de Terceiro Notário: Um (01) na Comarca de Juazeiro
do Norte; IV Cargo de Quarto Notário: Um (01) na Comarca de Sobral.
foi dito o bastante, e assim preleciona o próprio texto constitucional, que a
atividade notarial e de registro é delegada pelo Poder Público, não compondo a
_______________
12
REsp 476.531 RJ, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma do STJ.
84
Administração autárquica (indireta), sendo seu exercício efetuado de maneira
privada, à conta e risco do delegado titular da serventia. Devido a isso, a norma
aplicável ao caso de fato - é a do artigo 96, I, b‖ e ―d‖, que aduz competir aos
tribunais organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos jzos que lhes
forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva, bem
como propor a criação de novas varas judiciárias.
A iniciativa de lei referente à criação, desmembramento, desdobramento,
organização territorial e extinção das serventias extrajudiciais será feita pelos
respectivos Tribunais de Justiça Estaduais, atendendo-se a critérios de
discricionariedade administrativa, ou seja, competindo ao órgão judiciário averiguar
acerca da conveniência e oportunidade de tais medidas, uma vez que presunção
de legitimidade e veracidade do ato administrativo e do ato legislativo, concorrentes
para a edição da lei para tais fins.
Dito isso, revela-se oportuno mencionar que, ainda hoje, em alguns Estados da
Federação, como é o caso de Santa Catarina, existe lei que estabelece ser de
competência dos governadores a outorga da delegação dos serviços notariais e de
registro. Também no Piauí (Constituição Estadual, art. 75, §2º, inc. II, alínea ―a‖),
compete privativamente ao governador deflagrar processo legislativo tendente a criar
ou extinguir os serviços notariais e registrais.
O Supremo Tribunal Federal já se viu instado a exarar decisão a esse respeito,
por ocasião do julgamento das ADIns 865/MA, que teve como relator o Ministro
Celso de Melo (Plenário de 7/10/1993, acórdão publicado no DJU de 8/4/1994) e
1935/RO, cuja relatoria coube ao Ministro Carlos Velloso (Plenário de 29/8/2002,
Informativos STF nº 279).
Referido tribunal, em ambos os julgamentos, firmou entendimento unânime de
que os serviços notariais e de registro são considerados serviços auxiliares da
justiça para os efeitos de que trata a alínea b‖, do inc. II, do art. 96, da Constituição
Federal. Dessa feita, houve por bem em externar que a criação, o provimento e a
instalação das serventias extrajudiciais pelos Estados-membros não implicam
85
usurpação da matéria reservada à lei nacional pelo art. 236 da Carta Federal.
13
Traz-
se à colação, por oportuno, transcrição do dispositivo constitucional em tela:
Art. 96. Compete privativamente:
[...]
II - ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais
de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no
art. 169:
[...]
b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços
auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do
subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores,
onde houver;
Noticia o Informativo 279, sob o tulo Crião de Cartórios e Competência, que:
[...] o Tribunal afastou a alegada inconstitucionalidade formal por vício de
iniciativa, porquanto a norma impugnada [Lei nº 769/97 do Estado de
Rondônia, criando os e Ofício de Protestos de Títulos da Comarca de
Porto Velho] trata de matéria de organização judiciária, cuja iniciativa
legislativa pertence aos tribunais de justiça, consoante dispõe o art. 96, II,
alíneas b e d, da CF/88 que outorgam competência privativa aos tribunais
para propor ao Poder Legislativo a criação de cargos dos serviços auxiliares
dos juízes de direito que lhe forem vinculados, bem como a alteração da
organização e divisão judiciárias.
Diante de tudo o que foi exposto, vê-se que no caso de criação de cargos de
notários e registradores, não será aplicado o art. 61, §1°, II, ―a‖ da Constituição
Federal, que dispõe ser de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que
disponham sobre a criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração.
Cumpre-se perquirir, antes de se encerrar a abordagem realizada no presente
tópico, acerca da necessidade (ou não) de lei formal para a criação de serventias
notariais e de registro. Referida questão, também, foi objeto de análise por parte
da Corte Suprema Constitucional, quando do julgamento da ADInMC 1583/RJ, que
teve como relator o Ministro Néri da Silveira, hoje aposentado.
A retromencionada Adin foi perpetrada pela Associação dos Notários e
Registradores do Brasil ANOREG/BR, objetivando a declaração de
inconstitucionalidade de dois provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do
_______________
13
Os Ministros do STF referiam-se ao disposto no art. 236, §2° do texto constitucional: Lei federal
estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos
serviços notariais e de registro.‖
86
Estado do Rio de Janeiro, cujo objeto de atuação era a transformação de algumas
sucursais de cartórios em novas serventias extrajudiciais.
O Corregedor-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sua
manifestação acerca do pleito declaratório, alegou, em síntese, que com a
proclamação do novo regime constitucional reservado aos notários e registradores,
estes perderam a característica de funcionários blicos, passando a ser
considerados como delegatários de função pública, em regime privado. Ressalvou,
ainda, que os conceitos doutrinários de delegação afastam entendimento que
pretenda atribuir caráter de órgão administrativo aos ofícios de notas e de registro,
que, por essa razão, prescindiriam da intervenção legislativa para a sua criação,
ainda que se admita a elaboração de lei como procedimento preferencial.
Assim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu a medida através de
sua composição unânime, entendendo que tal matéria estaria dentro do rol da
reserva legal. Destaca-se trecho do voto proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence:
Não posso negar a relevância da argüição de inconstitucionalidade. Os
ofícios do notariado e dos registros públicos são órgãos do Estado, na
medida em que instrumentos do desempenho de funções públicas:
organismos dotados de pública, está dito, hão de ser serviços estatais.
Não importa que por essa sobrevivência inqualificável no setor dos tempos
de patrimonialização do Estado, como preceitua este melancólico art. 236
da Constituição, se cuide de funções públicas ‗exercidas em caráter privado
por delegação do Poder Público‘. Por que são públicos, é que, para exercê-
los em caráter privado, dependem os titulares cartorários, da delegação do
Estado. São, pois, órgãos da administração. E assim, à primeira vista, a
mim me parece que a instituição dos ofícios é objeto de reserva de lei no
art. 48, inciso XI, da Constituição: trata-se de criar órgãos públicos.
Ainda que, à primeira vista, tenha o tribunal esposado entendimento nesse
sentido, posteriormente, no julgamento da ADIn 2415/SP, tal questão sofreu uma
reviravolta, tendo o STF entendido que os Tribunais de Justiça dos Estados, por
mero ato administrativo normativo, m competência para criar e extinguir serviços
notariais, prescindindo de lei em sentido estrito para tanto. Foram vencidos os
ministros Marco Aurélio, Maurício Corrêa e Néri da Silveira.
A mudança radical no entendimento da maioria dos ministros deu-se com a
prolação do entendimento do Ministro Ilmar Galvão, relator da mencionada Ação
Declaratória de Inconstitucionalidade. Vejam-se, pois, alguns trechos da citada
decisão:
87
O ingresso no exercício das referidas funções opera por meio da delegação
conferida a quem se houver habilitado para o mister, por meio de concurso
público de provas e títulos, instituto que, no caso, faz as vezes da licitação
exigida pelo art. 175 da Carta, para a concessão de serviços públicos. [...] é
fora de vida que a sua instituição independerá de ato do Poder
Legislativo, estando condicionada tão-somente à investidura de um titular,
mediante delegação, depois de devidamente aprovado em concurso público
de provas e títulos, realizado pelo Poder Judiciário (art. 15 da Lei
8.935/94) ou de ato de remoção praticado na conformidade da lei estadual
(art. 18 da mesma Lei 8.935/94). O mesmo se dá com outros serviços
públicos, como, v. g., o de transporte coletivo ou o de energia elétrica, que
independem de lei, encontrando-se a sua execução na dependência tão-
somente do ato concessório, que é formalizado em favor do vencedor da
respectiva licitação. [...] o está prevista na Constituição nenhuma
competência específica para medidas dessa natureza [criação de serviços
notariais e de registro por lei], que não se confundem, em absoluto, com a
criação de cargo público, inexistindo dúvida de que se trata de atribuições a
cargo dos próprios tribunais que se acham, hoje, constitucionalmente
investidos do poder de organizar os serviços dos juízos que lhes forem
vinculados (art. 96, I, b), parecendo, por isso, verdadeiro despropósito
afirmar que lhes falece competência para delegar, acumular e desmembrar
serviços que outra coisa não são senão serviços auxiliares dos juízos,
conquanto prestados por particulares.
Cumpre-se ressaltar que, nesse novo julgamento, o próprio Ministro Sepúlveda
Pertence, cujas palavras proferidas no julgamento anterior seguem transcritas no
presente tópico, teria voltado atrás do entendimento por ele expendido no voto
proferido por ocasião do julgamento da ADInMC 1583/RJ, dispondo, no que diz
respeito à natureza dos serviços notariais e de registro, tratar-se de exercício em
caráter privado por delegação do Poder Público, nos moldes estabelecidos pelo
texto consitucional. Afirmou que, sendo unidades de um serviço público, cuja divisão,
subdivisão, acumulação ou desacumulação jamais se consideraram sujeitas à
reserva de lei, os serviços notariais e de registro não podem ser confundidos com
cargos públicos.
A decisão proferida em sede de medida cautelar em ação direta de
inconstitucionalidade (ADInMC) 2415/SP, tamanha sua repercussão e
importância, foi noticiada no Informativo STF nº 254, estando ali consignado o
entendimento do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser constitucional a
expedição de ato administrativo por Tribunal (no caso concreto o Tribunal de Justiça
de São Paulo), com vistas a reorganizar as delegações notariais e de registros,
criando e extinguindo unidades, bem como acumulando e desacumulando serviços
por elas prestados. Decidiu-se, ainda, que os serviços notariais e de registro não são
cargos públicos, afastando, à primeira vista, a tese de inconstitucionalidade por
88
ofensa ao princípio da reserva legal, que deve ser, simetricamente, observado nos
Estados-membros e municípios, insculpido nos incs. X e XI, do art. 48, da
Constituição Federal.
Discorda-se do entendimento de que as serventias extrajudiciais, não sendo
órgãos públicos, podem ser criadas, modificadas e extintas por atos administrativos.
Melhor razão entende-se haver nos votos vencidos deste julgamento, que noticiam
terem os cartórios natureza semelhante a de órgãos públicos, uma vez que
constituem entrelaçamentos, ou seja, ramificações de competências administrativas
públicas, cujas atribuições deverão advir da lei.
O Min. Marco Aurélio, em seu voto dissidente, argumentou de forma bastante
coerente no sentido de que não é possível chegar-se à definição de competências
jurídicas mediante simples ato administrativo, citando vários atos definidos pela Lei
8.935/94 como sendo de competência do Poder Judiciário, asseverando que,
dentre estes, não se encontram as atribuições de criar, organizar, agrupar e extinguir
serventias. Afirmou que o ato de criar novas serventias, bem como extinguir as
existentes, dada a importância e envergadura desses serviços, (serviços públicos,
competências públicas) não pode dispensar o instrumento legal.
O próprio Min. Marco Aurélio, ainda por ocasião do julgamento da Medida
Cautelar na referida ADIn 1583/RJ, lembrou que desmembrar e extinguir serventias,
bem como tratar da acumulação e desacumulação de seus serviços, são atos que
envolvem muito poder, ou seja, trata-se de função deveras importante a ser exercida
na organização do Estado por um único homem, qual seja, o Corregedor Geral de
Justiça, por mero ato administrativo.
Ora, a tese levantada pelo douto ministro mostra-se mais passível de
concordância, uma vez que, caso seja admitido que os Corregedores-Gerais das
Justiças dos respectivos Estados federados e do Distrito Federal tenham tamanho
poder, sob o fundamento de que os cartórios não o órgãos públicos, mas sim
meras delegações do Poder Público, implantar-se-á no Brasil uma onda de
instabilidade na organização de tais serviços, de cunho essencial, ainda mais se for
considerada a efemeridade do mandato dessas autoridades.
89
Haja vista terem os serviços notariais e de registro natureza jurídica de
unidades de atribuições para o desempenho de serviço público, sob o regime
especial (híbrido) de delegação que não se enquadra em categoria ordinária de
concessão de serviços públicos afigura-se prudente que sejam interpretadas as
regras que dispõem sobre as serventias extrajudiciais como se fossem órgãos
públicos, exigindo-se, assim, prestígio ao princípio da reserva de lei insculpida nos
incs. X e XI, do art. 48 da Constituição Federal, princípio este a ser observado, por
simetria, nos Estados-membros e Municípios.
Por fim, alerta-se no sentido de ressaltar a falta de nitidez com que a matéria
relativa à delegação das atividades notariais e de registro está tratada na
Constituição Federal (art. 236), sendo tal erro acompanhado pela lei que
regulamentou o dispositivo constitucional supra, Lei 8.935/94. Disso resulta a
impossibilidade de se chegar a um entendimento claro e reiterado de alocação das
serventias extrajudiciais na esfera pública ou privada, gerando, por conseguinte,
inúmeros entraves de ordem doutrinária e jurisprudencial no trato da matéria.
2.3 A contraprestação referente à prática de atos de competência
das serventias extrajudiciais e sua respectiva natureza jurídica
É bem sabido que a questão referente à contraprestação paga pelos usuários
dos serviços notariais e de registro apresenta-se como fonte inesgotável de polêmica
e preocupação para toda a sociedade. Com efeito, existem várias questões a serem
levantadas quando se fala na chamada elite dos marajás do carimbo (BENÍCIO,
2007, p. 110) ou, utilizando-se da expressão mencionada na obra de Mello Júnior
(1998, p. 197), dos ―gigolôs de carimbo‖.
Importa, contudo, considerar que existe uma grande discrepância
remuneratória dentro do próprio universo dos notários e registradores, com algumas
serventias percebendo remuneração de forma excessiva e fora da realidade e a
grande maioria desempenhando suas funções em troca de parcos rendimentos.
(MELO JÚNIOR, 1998, p. 253).
A ideia geral repassada à sociedade é a de que os delegados dos serviços
notariais e de registro são remunerados em demasia, de forma desproporcional à
realidade do país. Essa impressão, somada ao desconhecimento quanto à matéria
90
e, ainda, considerando a importância social dos serviços notariais e de registro, tem
justificado a apresentação de diversas Propostas de Emenda Constitucional, visando
à devolução de sua execução ao Estado. (BENÍCIO, 2007, p. 110).
14
Entende-se que a oficialização estatal não é a melhor maneira de lidar com a
questão. O que se faz premente é a intensificação da fiscalização junto às serventias
e a maior capacitação dos oficiais notariais e de registro, a fim de que os serviços
por eles prestados possam ser otimizados, gerando, por conseguinte, um padrão de
excelência no atendimento.
Por outro lado, procede a observação de Regnoberto Marques de Melo Júnior
(1998, p. 252), para quem os emolumentos são caros e não obedecem a qualquer
critério de razoabilidade na relação natureza do serviço prestado pelo notário e a
sua remuneração.‖
Os serviços prestados pelas serventias são remunerados, pelos usuários, com
o pagamento dos respectivos emolumentos, cuja individualização e cobrança,
previstas no art. 236, § 2
o
da CF/1988, foram regulamentadas pela Lei n
o
10.169/2000, que dispôs sobre as normas gerais para a fixação dos emolumentos
no âmbito dos Estados-membros.
A utilização dos emolumentos como contraprestação por um serviço blico
prestado por tais delegatários, além do alicerce constitucional, pode ser vislumbrada
através da sistemática estabelecida pela Lei nº. 8.935/1994, que dentre outras
coisas, veda a imposição de novas despesas ao usuário em decorrência da
realização das diligências necessárias ao preparo dos atos notariais; impõe aos
notários e oficiais do registro o dever de observar os emolumentos fixados para a
prática dos atos do seu ofício; bem como veda a cobrança de emolumentos aos
reconhecidamente pobres por todas as certidões por eles requeridas.
Em face da própria natureza da atividade remunerada - serviço público
específico e divisível - que alcança a todos os membros do organismo social, sua
_______________
14
Dentre os exemplos que podemos citar, ressaltamos a PEC 292/00 (de autoria do Dep. Ricardo
Ferraço e Outros), as PEC 447/01 e 529/02 (ambas de autoria do Dep. João Sampaio e outros) e a
PEC 25/01 (de autoria do Sen. Roberto Freire e outros).
91
utilização mostra-se inevitável
15
e, consequentemente, o seu pagamento cogente.
Essas características permitem categorizar os emolumentos sob a epígrafe tributária
(mais especificamente como pertencentes à categoria das taxas), incidindo, em
razão disso, todas as limitações constitucionais ao poder de tributar, tais como a
legalidade, anterioridade, isonomia, dentre outros. Some-se a estes fatores o fato de
que a relação jurídica entre os titulares dos cartórios e os utentes dos serviços
respectivos decorre diretamente da lei.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, possui entendimento reiterado, e
a mesmo antigo nesse sentido, de que as custas e os emolumentos das serventias
judiciais e extrajudiciais (estas últimas de interesse para o presente estudo) têm
cater tributário de taxa, sendo, mais especificamente, ―taxas remunerarias de
serviços públicos‖, estando, portanto, sujeitos ao regime jurídico-constitucional
pertinente a essa modalidade de tributo vinculado, ou seja, devendo obedecer aos
princípios da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia, da
anterioridade, dentre outros, sendo certo afirmar que a instituição dos emolumentos
cartorios pelos Tribunais de Justiça locais afronta o princípio da reserva legal, uma
vez que somente a lei pode criar, majorar ou reduzir os valores das taxas judiciárias.
16
Para o STF, aplica-se a notários e registradores o regime publicista tributário
na fixação dos emolumentos pagos a profissionais do direito (nos termos do art.
da Lei 8.935/94) que desempenham suas atribuições (serviços públicos notariais
e de registro eminentemente públicos) em caráter privado.
Referido entendimento, válido relembrar, deu-se antes mesmo do advento da
Lei 10.169/00, norma editada com vistas a regulamentar o § 2º, do art. 236, da
Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação
de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
O diploma legal supranominado estabeleceu, por sua vez, o princípio da
reserva legal, na redação do caput do art. 2º, que dispõe: ―Para a fixação do valor
_______________
15
Entende-se que nem sempre os atos praticados nas serventias extrajudiciais são compulsórios aos
cidadãos. Exemplo disso é o registro de uma poesia, para mera conservação, no Ofício de Registro
de Títulos e Documentos. A dita ―compulsoriedade da utilização‖ refere-se ao fato de que o uso
dessas atividades se mostra como a única opção para a satisfação de certas solenidades exigidas
em lei.
16
ADI 1.378-MC, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-11-95, DJ de 30-5-97.
92
dos emolumentos, a Lei dos Estados e do Distrito Federal levará em conta a
natureza pública e o caráter social dos serviços notariais e de registro [...]‖. Joyceane
Bezerra de Menezes (2004, p. 118-119) aduz que os serviços públicos de interesse
geral são aqueles que satisfazem as necessidades da generalidade dos cidadãos,
sejam elas sociais, econômicas ou culturais, cuja existência seja imprescindível à
vida, à saúde ou à participação social.
No que tange ao princípio da anterioridade, o art. da mencionada lei federal
reza: ―Quando for o caso, o valor dos emolumentos poderá sofrer reajuste,
publicando-se as respectivas tabelas, até o último dia do ano, observado o princípio
da anterioridade.‖ Levando-se em conta o disposto no art. 79 do Código Tributário
Nacional (Lei 5.172/66), que estabelece a competência dos entes federados para
instituição e cobrança de taxas, vê-se que o art. 2° da Lei 10.169/00 não olvidou em
ir ao encontro do regramento nacional.
Ademais, a Corte Suprema, no julgamento da ADIn 865/MA, sob a relatoria do
Min. Celso de Mello, firmou entendimento no sentido de que:
A ausência de lei nacional [...] não impede o Estado-membro, sob pena da
paralisação dos seus serviços notariais e registrais, de dispor sobre a
execução dessas atividades, que se inserem, por sua natureza mesma, na
esfera de competência autônoma dessa unidade federada. A criação, o
provimento e a instalação das Serventias extrajudiciais pelos Estados-
membros não implicam usurpação da matéria reservada à lei nacional pelo
art. 236 da Carta Federal.
17
Outro aspecto importante, no que tange aos emolumentos, diz respeito ao fato
de estes serem taxas remuneratórias de serviços públicos efetivamente usufruídos
(e não somente postos à disposição), não havendo decorrência de sua cobrança
com o chamado ―poder de polícia estatal‖, também fato gerador da espécie tributária
taxa. A propósito, Hugo de Brito Machado (2009, p. 428) conceitua taxa como sendo
―espécie de tributo cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia, ou o
serviço público, prestado ou posto à disposição do contribuinte‖.
Na esteira do pensamento esposado, foi ressaltado o fato de que não
compulsoriedade na utilização dos serviços notariais e de registro, situação que
_______________
17
Tratou-se de votação unânime, cujos temas centrais, objetos do acórdão, foram as questões
referentes à iniciativa reservada de lei e os limites de atuação parlamentar, no sentido de
apresentar emendas aos projetos de lei em tema de organização judiciária e a questão do art. 236
da Constituição Federal e sua conseqüente regulamentação no que tange à questão tributária.
93
impõe o pagamento dos emolumentos somente se atos forem praticados, ou seja, se
houver utilização efetiva - e não apenas potencial - dessas atividades.
Ainda que o ente estatal seja o responsável pela edição de vários regramentos
que exijam atividades ―cartorárias‖ para a formalização de certos atos jurídicos, a
atuação de notário ou registrador, em nome da segurança jurídica, nem sempre é
compulsória, como se dá, por exemplo, com a formalização de escritura pública de
reconhecimento de paternidade, prevista no art. 1609, II, do digo Civil Brasileiro
vigente (BENÍCIO, 2005, p.114). Luciano Amaro (2007, p.34-35) argumenta que:
[...] ao prever as taxas de serviço, o Código Tributário Nacional levou em
conta a alternativa dada pela Constituição de tributar tanto a fruição efetiva
como a fruição potencial de serviços. Porém, é impreciso o critério legal
distintivo dessas modalidades de fruição. O Código Tributário Nacional
procurou segregar serviços ditos de utilização compulsória (art. 79, I, b), a
que se oporiam, a contrario sensu, os de utilização não compulsória (art. 79,
I, a). Estes seriam taxáveis somente quando efetivamente fruídos pelo
indivíduo; os serviços de utilização compulsória poderiam ser taxados à
vista de sua mera colocação à disposição, que se traduz na existência de
uma atividade administrativa em efetivo funcionamento.
Observa o doutrinador, e em seus pensamentos ratica-se o entendimento de
que os emolumentos são tributos da espécie taxa (e não preços públicos), que a
taxa possui natureza jurídica de tributo, sendo, desta feita, obrigação instituída por
lei. Por outro lado, o preço público consiste em obrigação assumida voluntariamente,
ao contrário da taxa de serviço, que é imposta pela lei a todas as pessoas que se
encontrem na situação de usuários - efetivos ou potenciais - de determinado serviço
estatal.
Leandro Paulsen (2006, p. 52-53), ao discorrer sobre a natureza jurídica dos
emolumentos, cita dois importantíssimos precedentes jurisprudenciais exarados pela
Corte Maior, quais sejam, o julgamento da ADI 1778 MC/ES, cuja relatoria coube ao
ministro Celso de Mello, e da ADI 1444/PR, que teve como relator o Ministro Sydney
Sanches. Transcrevem-se passagens de ambos os julgamentos, na ordem em que
aqui foram apresentados:
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido
de que as custas judiciais e os emolumentos concernentes aos serviços
notariais e registrais possuem natureza tributária, qualificando-se como
taxas remuneratórias de serviços públicos, sujeitando-se, em conseqüência,
quer no que concerne à sua instituição e majoração, quer no que se refere à
sua exigibilidade, ao regime jurídico-constitucional pertinente a essa
especial modalidade de tributo vinculado, notadamente aos princípios
94
fundamentais que proclamam, dentre outras, as garantias essenciais (a) da
reserva de competência impositiva, (b) da legalidade, (c) da isonomia e (d)
da anterioridade. Precedentes. Doutrina. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. -
A atividade notarial e registral, ainda que executada no âmbito de serventias
extrajudiciais não oficializadas, constitui, em decorrência de sua própria
natureza, função revestida de estatalidade, sujeitando-se, por isso mesmo,
a um regime estrito de direito público. A possibilidade constitucional de a
execução dos serviços notariais e de registro ser efetivada ‗em caráter
privado, por delegação do poder público‘ (CF, art. 236), não descaracteriza
a natureza essencialmente estatal dessas atividades de índole
administrativa. [...] Qualificando-se as custas judiciais e os emolumentos
extrajudiciais como taxas (RTJ 141/430), nada pode justificar seja o produto
de sua arrecadação afetado ao custeio de serviços públicos diversos
daqueles a cuja remuneração tais valores se destinam especificamente
(pois, nessa hipótese, a função constitucional da taxa - que é tributo
vinculado - restaria descaracterizada) ou, então, à satisfação das
necessidades financeiras ou à realização dos objetivos sociais de entidades
meramente privadas. É que, em tal situação, subverter-se-ia a própria
finalidade institucional do tributo [...]
1. A Ação Direta de Inconstitucionalidade, como proposta, pode ser
examinada, ainda que impugnando apenas a última Resolução do Tribunal
de Justiça do Paraná, que é a de 07/95, pois o ataque se faz em face da
Constituição Federal de 1988. 2. A Resolução regula as custas e
emolumentos nas serventias judiciais e extrajudiciais, que são tributos, mais
precisamente taxas, e que podem ser regulados por Lei formal,
excetuada, apenas, a correção monetária dos valores, que não é o de que
aqui se trata. 3. A relevância jurídica dos fundamentos da ação
(plausibilidade jurídica) (‗fumus boni iuris‘) está evidenciada, sobretudo
diante dos precedentes do S.T.F., que só admitem Lei a respeito da matéria,
não outra espécie de ato normativo. 4. Presente, também, o requisito do
‗periculum in mora‘, pois, durante o curso do processo, os que têm de pagar
custas e emolumentos, nas serventias judiciais e extrajudiciais do Paraná,
terão de fazê-lo no montante fixado na Resolução impugnada, quando
estariam sujeitos ao previsto em Lei. 5. Medida cautelar deferida, para
suspensão, ‗ex nunc‘, da eficácia da Resolução impugnada, até o
julgamento final da ação. 6. Plenário. Decisão unânime.
Neste diapasão, pode-se afirmar que, ainda que os emolumentos pagos
diretamente aos titulares de cartórios não-oficializados estejam fixados em lei e
obedeçam ao princípio da anterioridade,
18
não devem ser enquadrados como taxa
em sentido estrito, muito menos como receita pública, haja vista o fato de serem
destinados e pagos integralmente a entes particulares.
19
A par do que foi dito, menciona Melo Júnior (2005, on line) que os emolumentos
devidos pelos atos praticados por notários e registradores, ao longo da história,
sempre foram definidos e tratados como meio de remuneração desses profissionais,
_______________
18
Vide artigos 2° e 5° da Lei n° 10.169/2000.
19
A propósito, o art. 28 da lei 8.935/94 estabelece que a percepção dos emolumentos integrais pelos
atos praticados na serventia se perfaz como direito subjetivo dos titulares da delegação notarial e
de registro. Acrescente-se que o parágrafo único do art. 1º da Lei 10.169/00 preconiza que o valor
fixado para os emolumentos deverá corresponder à adequada e suficiente remuneração dos
serviços prestados, além de representar o efetivo custo correspondente aos atos praticados. (grifo
intencional).
95
pagos diretamente pelos utentes de referidos serviços. Menciona, ainda, não haver
registro de pagamento, pelo erário, de salários a estes profissionais, exceto no caso
de serem tais serviços estatizados (categoria que, atualmente, existe apenas
temporariamente, à vista do estabelecido no art. 50 da Lei nº 8.935/94).
O C. Supremo Tribunal Federal se manifestou a esse respeito,
reconhecendo que, embora as custas e emolumentos possuam natureza tributária,
estes últimos, direcionados às serventias extrajudiciais, assumem contornos
atípicos, vez que são pagos a particulares que prestam serviço público facultativo:
EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E
EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE
JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ:
ATO NORMATIVO. 1. Já ao tempo da Emenda Constitucional nº 1/69,
julgando a Representação 1.094-SP, o Plenário do Supremo Tribunal
Federal firmou entendimento no sentido de que as custas e os
emolumentos judiciais ou extrajudiciais, por o serem preços públicos,
mas, sim, taxas, não podem ter seus valores fixados por decreto, sujeitos
que estão ao princípio constitucional da legalidade (parágrafo 29 do artigo
153 da Emenda Constitucional nº 1/69), garantia essa que não pode ser
ladeada mediante delegação legislativa (RTJ 141/430, julgamento ocorrido
a 08/08/1984). 2. Orientação que reiterou, a 20/04/1990, no julgamento do
RE 116.208-MG. 3. Esse entendimento persiste, sob a vigência da
Constituição atual (de 1988), cujo art. 24 estabelece a competência
concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, para legislar sobre
custas dos serviços forenses (inciso IV) e cujo art. 150, no inciso I, veda à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, a exigência ou
aumento de tributo, sem lei que o estabeleça. 4. O art. 145 admite a
cobrança de taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela
utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis,
prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Tal conceito abrange
não as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos),
pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em
caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a
majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução - do T
ribunal de Justiça - e não de Lei formal, como exigido pela Constituição
Federal. 5. Aqui não se trata de simples correção monetária dos valores
anteriormente fixados, mas de aumento do valor de custas judiciais e
extrajudiciais, sem lei a respeito. 6. Ação Direta julgada procedente, para
declaração de inconstitucionalidade da Resolução 07, de 30 de junho de
1995, do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. (ADI 1444, Relator(a):
Min. SYDNEY SANCHES, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-
04-2003 PP-00025 EMENT VOL-02106-01 PP-00046, on line).
Assim, embora o serviço público prestado indiretamente pelo Poder blico ao
usuário seja remunerado através de tarifa (ou preço), bem como que esta seja a
forma remuneratória para os serviços públicos facultativos, o que desde permitiria
o enquadramento dos emolumentos nessa categoria contraprestacional, o legislador,
por opção legal e conveniência legislativa, determinou a aplicação do regime
96
publicista (tributário) para o trato da matéria relativa aos emolumentos pagos aos
titulares de delegação das serventias extrajudiciais. (COÊLHO, 1995, p. 52-53).
Ademais, ainda que o pretório excelso tenha entendido, quando do julgamento
da ADI 2415 MC/SP, que os serviços notariais e de registro equiparam-se a serviços
prestados sob o regime de concessão, que independem de lei e que são concedidos
por licitação, ou, no caso em comento, por concurso blico, houve por bem em
anunciar que o regime legal imposto aos emolumentos é de taxa sui generis, por
opção do próprio legislador, exigindo-se respeito aos princípios da legalidade e da
anterioridade, destinando-se, contudo, a integralidade de arrecadação a pessoas
físicas que exercem a atividade em caráter privado, não se confundindo, portanto,
com a figura jurídica do ―preço público‖.
20
(Grifo intencional)
Some-se a tudo o que foi dito até então o fato de que, caso fossem os
emolumentos considerados taxas em sentido estrito, verificaria-se um grande
contrassenso dentro do ordenamento jurídico pátrio, uma vez que este não admite a
instituição de tributos de ordem privada, e muito menos que o governo venha a
criar tributos e, posteriormente, cedê-los a uma instituição privada, que poderia
exercer a cobrança respectiva diretamente em seu próprio benefício.
Regnoberto Marques de Melo Júnior (2005, on line) fornece ensinamento
sintetizador a respeito da natureza jurídica dos emolumentos notariais e registrais:
Estudar a natureza jurídica de qualquer instituto jurídico significa analisar
sua a essência e fim último. O emolumento do notário e do registrador,
enquanto contraprestação desses serviços é entendido por certa
jurisprudência e doutrina como tributo. E isto fundalmentamente por quatro
razões: (1) Os notários e registradores são, formalmente, servidores
públicos, funcionários públicos em sentido lato , e órgãos do Estado,
porque (a) podem exercer as funções por delegação do Poder Público
(CF, art. 236, caput); (b) estão sujeitos à permanente fiscalização do Poder
Judiciário (CF, art. 236, § 1º); e (c) ingressam nas atividades mediante
concurso público de provas e títulos (CF, art. 236, § 3º). [...].
(3) A
_______________
20
Anote-se a observação feita por Benício (2005, p. 117): ―O fato é que, levando-se em conta o
entendimento jurisprudencial firmado na ADInMC 2.415/SP, no sentido de que os serviços notariais
e de registro equiparam-se a serviços prestados sob o regime de concessão, tais como: o de
transporte coletivo ou o de energia elétrica, que independem de lei e que são concedidos por
licitação (ou concurso público, no caso de outorga da delegação para cartórios extrajudiciais),
poder-se-ia afirmar que, de lege ferenda, o regime remuneratório deveria ser o de tarifa ou preço
público, tal como disposto nos arts. 173 e 175, parágrafo único, inc. III, da Constituição Federal.
Assim, utilizar-se-ia o mesmo critério de remuneração dos demais concessionários de serviços
públicos e oportunizar-se-ia, por ato administrativo, a revisão das tabelas de emolumentos,
mantendo-se o equilíbrio econômico-financeiro, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.987/94.‖
97
jurisprudência do STF acolhe a doutrina de que os emolumentos são
considerados taxas e não preços públicos [...].
Outra forte razão que leva à conclusão nesse sentido consiste no fato de que
eventuais irregularidades nas contas das serventias extrajudiciais, a princípio, não
resultarão prejuízo direto ao erário que justifique a intervenção da apreciação do
Tribunal de Contas. A fiscalização das condições dos serviços notariais e de registro
está a cargo dos respectivos juízes corregedores.
21
2.4 Possibilidade de redução ou isenção legal dos emolumentos
devidos às serventias extrajudiciais
Tendo os emolumentos natureza tributária de taxa, submetem-se aos princípios
da legalidade e da anterioridade. Sendo assim, quanto à forma, resta claro que pode
haver redução ou isenção de emolumentos devidos pelas práticas de atos realizados
pelas serventias extrajudiciais, desde que sejam estas determinadas por lei.
O ponto nodal da questão, entretanto, é no sentido de perquerir acerca da
constitucionalidade (ou não) das leis que estabelecem redução ou isenção de
emolumentos (portanto, de ordem material), uma vez que as atividades notariais e
de registro são exercidas em caráter privado, ainda que por delegação do Poder
Público. O Supremo Tribunal Federal vem se posicionando a favor da
constitucionalidade de tais leis, consoante será abordado a seguir.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, incisos LXXVI e LXXVII, dispõe,
respectivamente, que ―são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da
lei: a) o registro civil de nascimento; b) a certidão de óbito‖, bem como que ―são
gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na forma da lei, os atos
necessários ao exercício da cidadania.‖
A Lei nº. 9.534, de 10 de dezembro de 1997, deu nova redação ao art. 30 da
Lei nº. 6.015/73 (Lei de Registros Públicos), acrescentando inciso ao art. da Lei
nº. 9.265/96 e alterando os artigos 30 e 45 da Lei nº. 8.935/94 (Lei dos Notários e
Registradores). O caput do art. 30 da Lei 6.015/73, segundo o art. da Lei
_______________
21
Como dito anteriormente, embora a competência delegante, no que diz respeito às serventias
notariais e de registro, seja do Poder Judiciário, responsável pela instauração do concurso público
constitucionalmente exigido, bem como pela respectiva fiscalização da prestação de tais serviços,
não é certo afirmar que notários e registradores pertençam a este poder. (grifo intencional).
98
9.534/97, passou a prescrever que ―não serão cobrados emolumentos pelo registro
civil de nascimento e pelo assento de óbito, bem como pela primeira certidão
respectiva.‖
Os respectivos parágrafos do art. 30 supracitado, resumidamente,
preconizaram que os reconhecidamente pobres estariam isentos de pagamento de
emolumento pelas demais certidões extraídas pelo cartório de registro civil, bem
como que o estado de pobreza em questão precisaria ser comprovado mediante
simples declaração do próprio interessado, ou a rogo, tratando-se de analfabeto,
nesse caso, acompanhada da assinatura de duas testemunhas. Por fim, fez-se a
previsão de que a falsidade da declaração estaria apta a ensejar a responsabilidade
civil e criminal do interessado.
Ademais, o art. 3º da Lei nº. 9.534/97 acrescentou o inciso VI ao art. da Lei
nº. 9.265/96, que regulamentou o inciso LXXVII do art. da Constituição, dispondo
sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, no sentido de
reconhecer o registro civil de nascimento e o assento de óbito, bem como a primeira
certidão respectiva, como sendo atos de tal natureza jurídica.
Finalmente, em seu art. 5º, a Lei . 9.534/97 modificou a redação do art. 45 da
Lei . 8.935/94, que regulamentou o art. 236 da CF/88, dispondo sobre serviços
notariais e de registro, tendo sido assegurada a gratuidade do registro civil de
nascimento e do assento de óbito, bem como da primeira certidão, tendo o parágrafo
único do mencionado dispositivo legal previsto ainda que ―para os reconhecidamente
pobres não serão cobrados emolumentos pelas certidões a que se refere este artigo.‖
O Código Eleitoral (Lei 4.737, de 15 de julho de 1965), até hoje em vigor, no
caput do art. 47, dise que as certidões de nascimento ou de casamento, quando
direcionadas para fins de alistamento eleitoral, serão fornecidas gratuitamente,
observada a ordem dos pedidos apresentados em cartório pelos alistandos ou
delegados de partido. Por seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
8.069, de 13 de julho de 1990), em seu art. 102 e respectivos pagrafos, estabelece
que, tratando-se de menores em situação de risco social, o Estado deverá providenciar,
dentre outras medidas cabíveis, a abertura e a regularizão do registro civil.
99
Do outro lado, a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que instituiu um novo
Código Civil para o país, trouxe disposição semelhante, ao estabelecer no caput do
art. 1.512, ser o casamento civil e gratuita sua celebração. Na redação do respectivo
parágrafo único, estendeu o benefício para a habilitação do casamento, o registro e
a primeira certidão, no que tange às pessoas cuja pobreza for declarada, sob as
penas da lei.
Esses são apenas alguns exemplos, dentre os vários que poderiam ser citados,
de normas que estabelecem a gratuidade ou redução de atos registrais e notariais
sem, no entanto, prescrever qualquer forma de compensação ao registrador ou
tabelião. Para o objetivo do presente tópico, será analisada, de forma pontual, uma
das questões levadas a cabo em julgamento perante o plenário do STF.
Tendo em vista a edição da Lei nº. 9.534/97 que, consoante previsão de seu
art. 8º, entrou em vigor noventa dias após a data de sua publicação, ocorrida no
DOU de 11.12.1997, a Associação dos Notários e Registradores do Brasil
(ANOREG/BR) interpôs pedido de Medida Cautelar em Ação Direta de
Inconstitucionalidade (MC/ADI 1.800-1/Distrito Federal) perante o Supremo
Tribunal Federal, atacando os dispositivos relativos à gratuidade, quais sejam,
artigos 1º, 3º e 5º da Lei 9.534/97.
Nas passagens extraídas da peça inicial, pelo Ministro Relator da demanda, as
principais objeções se referiam: 1) ao caráter privado do funcionamento dos
cartórios, que dependem exclusivamente do recebimento dos emolumentos para
atender aos custos operacionais; b) à necessidade de o legislador dar contornos
mais determinados à expressão ―reconhecidamente pobres‖; c) à previsão legislativa
ingressa no terreno da ilegitimidade constitucional, seja porque desmente o
conteúdo da norma, seja porque excede os limites da atividade legislativa; d) à
criação de hipóteses de requisição de serviços públicos, fora das permitidas
constitucionalmente; e e) à aniquilação do direito do serventuário à percepção de
emolumentos, previsto no art. 236, §2º, da CF/88.
O Supremo Tribunal Federal, através de sua composição plenária, conheceu
da ação, apreciando o mérito, tendo o acórdão a seguinte ementa:
100
EMENTA: Constitucional. Argüida a inconstitucionalidade de arts. Da Lei
9.534/97. Registros Públicos. Gratuidade pelo registro civil de nascimento,
assento de óbito, pela primeira certidão desses atos e por todas as
certidões aos reconhecidamente pobres. Não plausibilidade do direito
alegado. Os atos relativos ao nascimento e ao óbito relacionam-se com a
cidadania e com o seu exercício e são gratuitos na forma de Lei Art. 5º,
LXXVII. Portanto, não direito constitucional à percepção de emolumentos
por todos os atos que delegado do Poder Público pratica; Não obrigação
constitucional do Estado de instituir emolumentos para todos esses
serviços; os serventuários têm direito de perceber, de forma integral, a
totalidade dos emolumentos relativos aos serviços para os quais tenham
sido fixados. Ação conhecida. Liminar Indeferida. (Supremo Tribunal
Federal. ADI/MC 1800-1/DF, Relator Min. NELSON JOBIM, Julgamento:
06/04/1998, Tribunal Pleno, Publicação no DJ: 03/10/2003, p.10, on line).
No caso em análise, o ponto central da discussão teve seu foco voltado para a
questão da cidadania, haja vista ser o registro de nascimento e o assento de óbito,
bem como suas respectivas primeiras certidões, atos que se relacionam íntima e
diretamente com o exercício desta. No caso do registro e da certidão de nascimento,
foi dada relevância ao fato de esta ser a ―mãe de todos‖ os documentos necessários
para efeito de trânsito social do indivíduo, tais como carteira de identidade, CTPS,
título de eleitor, carteira de motorista, dentre outros. Ora, se não há registro e
certidão de nascimento donde se possam extrair as informações a serem contidas
nestes documentos, não se poderá obtê-los.
o registro de óbito, consoante prescreve o art. 77 da Lei de Registros
Públicos (Lei 6015/73), é documento necessário para que se possa autorizar o
sepultamento da pessoa natural. São estes, portanto, atos necessários para que se
possa certificar o início e o fim da pessoa natural no mundo jurídico.
Vizualize-se um exemplo bem claro: uma pessoa que nasce e passa vinte anos
de sua vida sem sequer ter sido registrada civilmente, fatalmente será um indivíduo
à margem da sociedade, eis que não poderá adquirir qualquer documento
indispensável ao trânsito social, uma vez que a certidão de nascimento é a fonte
fornecedora das informações que estarão contidas nos mesmos. Dessa forma será
excluído do ensino, do exercício dos direitos políticos, do acesso ao judiciário, da
proteção jurídica dada ao nome da pessoa, do mercado formal de trabalho, dos
sistema de assistência e previdência social, enfim, do ―acesso à justiça‖ em sua mais
moderna interpretação, entendido, assim, como o acesso à uma ordem jurídica justa.
101
Com efeito, não liberdade, muito menos justiça, na indigência, na miséria,
na ignorância e na doença, mas sim sujeição ao subemprego, à mendicância, à
exploração sexual, à violência policial e a todas as mazelas que a ausência de
condições econômicas mínimas de uma existência digna acarretam.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, elaborada logo após o
fim da 2
a
. Guerra Mundial, elenca em seu bojo tanto os direitos civis e políticos
quanto os direitos sociais, econômicos e culturais. Embora não consista num tratado,
havendo sido adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas sob a forma de
resolução (que não possui força de lei), tem sido considerada a interpretação
autorizada da expressão ―direitos humanos‖ constante da Carta das Nações Unidas,
apresentando, destarte, força jurídica vinculante. (PIOVESAN, 2006, p.151-153)
A ideia da indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, portanto,
embasa a exegese que inclui os direitos fundamentais sociais, assim como os
políticos e de nacionalidade na expressão ―direitos e garantias individuais‖ do inciso
IV do §4
o
. do art. 60 da Constituição Federal. Dessa forma, todos seriam
considerados cláusulas pétreas. Assim, a cidadania e a gratuidade do registro
estariam perfeitamente rotulados no alcance da expressão ―direitos individuais‖.
Nesse diapasão, analisando detidamente a matéria, o relator da ADI chegou a
duas conclusões importantes: a) o particular não é cliente; b) o serventuário não é
empresário. Com relação aos emolumentos, reconheceu serem os mesmos tributos
da espécie taxa, o que se coaduna com a orientação adotada até os dias atuais pela
jurisprudência pátria, inclusive, pelo próprio Supremo Tribunal Federal.
Nessa linha de raciocínio, reformulou a premissa principal do questionamento,
passando a fazê-la da seguinte maneira: obrigação constitucional do Estado na
instituição de taxas pela prestação dos serviços públicos? Ato contínuo, responde à
pergunta de forma negativa, concluindo que os notários e registradores não têm
direito constitucional à instituição de emolumentos para todos e quaisquer atos de
competência de suas serventias; entretanto, fixados os emolumentos através de lei,
têm eles o direito à sua percepção, de maneira integral e no valor estabelecido no
diploma legal.
102
Lembrou voto proferido pelo ministro Moreira Alves, com relação ao exame da
constitucionalidade do provimento do TJSP que autorizava seu Presidente, quando
da inexistência de RCPN, firmar convênio com os Municípios, com a finalidade de
assegurar a manutenção desses serviços, tendo o respectivo relator, naquela
ocasião, ressaltado que, tratando-se de serviço blico essencial, eram relevantes
as ponderações das informações no sentido de demonstrar que não violação do
art. 236 da Constituição, visto como não se pretende excluir o exercício dessa
atividade em caráter privado.
Como ponto que, embora de suma relevância, não mereceu o devido destaque
pelo relator, pode-se citar o fato de que a indiscuvel relevância dos serviços
cartorios exige esforços redobrados na compreensão do delineamento jurídico e do
papel a ser desempenhado pelos emolumentos. Como contraprestação pecunria
pela prestação de um serviço público, devem ser fixados de modo a não obstar o
acesso da população. Como espécie triburia, devem estar em harmonia com as
regras e princípios relativos à temática, mais especificamente, às limitões
constitucionais ao poder de tributar. Como meio indispensável ao funcionamento do
serviço, sua integridade deve ser necessariamente preservada, o que, por outro lado,
não gera nenhum tipo de imunidade em relação à competência tributária do Estado.
Os emolumentos, assim, não podem ser compreendidos como um ―ponto
perdido‖, indiferente à integração com o seu entorno. Pelo contrário, devem ser
interpretados e compatibilizados com o sistema jurídico, de modo a preservar um
padrão mínimo de justiça - individual e social na sua utilização.
Não há dúvida de que os atos relativos ao nascimento e ao óbito relacionam-se
com a cidadania e o seu respectivo exercício, e está previsto no rol dos direitos e
garantias individuais, inserto no art. 5º da Carta Magna, que tais atos serão gratuitos.
Por outro lado, não é de clientela, como bem ressaltou o relator, a relação entre o
serventuário e o particular, pois a atividade notarial e registral, embora exercida em
caráter privado, se sujeita a um regime de direito público, sendo devidos
emolumentos como contraprestação de serviços públicos que o Estado, por
intermédio de seus delegatários, presta aos particulares.
103
Ao final, o relator reconheceu os problemas que a gratuidade causa e causará
à prestação desses serviços, mas, ato contínuo, revelou não ser a via da declaração
de inconstitucionalidade ou da interpretação conforme a adequada para resolução
do problema.
o Ministro Maurício Corrêa, quando da prolação de seu voto, embora
reconheça a importância de se assegurar aos particulares o acesso aos atos
necessários ao exercício da cidadania, observou o fato da necessidade da
recomposição dos gastos para as serventias extrajudiciais, sob pena de estar-se
promovendo enriquecimento ilícito à custa do trabalho alheio, ou seja, do exercício
profissional lícito, tanto que criado pelo próprio Estado. Ressaltou, ainda, que:
[...] o fenômeno que se com relação à inexistência da plena realização
dos direitos da cidadania também se relaciona com o panorama social do
Brasil, com as insuficiências de recursos de toda ordem, enfim, com a
ausência do Estado para suprir todas essas necessidades.
Por fim, acolheu o disposto na peça inaugural da Medida Cautelar em sede de
Ação Direta de Inconstitucionalidade, votando pela concessão da medida liminar,
sem antes deixar consignada uma importante observação:
Data vênia, creio tratar-se de um absurdo. Se o Estado quiser descobrir
solução para que a cidadania seja exercida na sua plenitude, faça como fez
em outras áreas: crie defensorias públicas e encontre recursos para que os
que executam tarefas do Estado, no campo da cidadania, não sofram as
conseqüências de uma determinação imperativa, evitando que os atingidos
pratiquem atos gratuitamente, sem nada receber.
Afora o Ministro Maurício Corrêa, somente o Ministro Marco Aurélio mostrou-se
dissidente com os demais, não acompanhando o voto do relator. Ressaltou em seu
voto que, embora seja o registro de nascimento indispenvel ao exercício da
cidadania, o legislador fez inserir na Carta Magna sua gratuidade somente com
relação aos ―reconhecidamente pobres, sendo, por tal razão, inadmisvel que uma
lei, de modo a inviabilizar o próprio serviço, estendesse a gratuidade a todos em geral,
independentemente da situação socioeconômica do beneficiário pela dita gratuidade.
Por fim, válido ressaltar que o mérito da ADI 1.800 foi definitivamente julgado
em 11 de junho de 2007, ocasião em que o Tribunal confirmou a tese expendida por
ocasião da análise da medida cautelar, ora relatada, propugnando o entendimento
observado através da respectiva ementa:
104
EMENTA: CONSTITUCIONAL. ATIVIDADE NOTARIAL. NATUREZA. LEI
9.534/97. REGISTROS PÚBLICOS. ATOS RELACIONADOS AO
EXERCÍCIO DA CIDADANIA. GRATUIDADE. PRINCÍPIO DA
PROPORCIONALIDADE. VIOLAÇÃO NÃO OBSERVADA.
PRECEDENTES. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. I - A atividade
desenvolvida pelos titulares das serventias de notas e registros, embora
seja análoga à atividade empresarial, sujeita-se a um regime de direito
público. II - o ofende o princípio da proporcionalidade lei que isenta os
reconhecidamente pobres do pagamento dos emolumentos devidos pela
expedição de registro civil de nascimento e de óbito, bem como a primeira
certidão respectiva. III - Precedentes. IV - Ação julgada improcedente. (ADI
1800, Relator (a): Min. NELSON JOBIM, Relator(a) p/ Acórdão: Min.
RICARDO LEWANDOWSKI (ART.38,IV,b,DO RISTF), Tribunal Pleno,
julgado em 11/06/2007, DJe-112 DIVULG 27-09-2007 PUBLIC 28-09-2007
DJ 28-09-2007 PP-00026 EMENT VOL-02291-01 PP-00113, 2009, on line)
Desta feita, -se que os precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal
Federal, em controle concentrado, têm admitido a constitucionalidade de regras
instituidoras de gratuidades e reduções desse jaez.
3 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS NOTÁRIOS E
REGISTRADORES NO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Neste terceiro capítulo, o que se pretende é revisitar as noções atinentes às
atividades notariais e de registro até aqui explicitadas, coadunando-as com a teoria
da responsabilidade civil e, especialmente, repensando as modalidades aplicáveis à
espécie.
O que se fará, então, é, a partir das divergências doutrinárias e jurisprudenciais
existentes, bem como partindo das especificidades que circundam o estudo dessa
categoria de serviço blico delegado, analisar a incidência da espécie mais
adequada de responsabilidade civil para o caso concreto dos delegados titulares.
Ainda, no mesmo diapasão, procurar-se-á estabelecer se ou não
responsabilidade estatal e, existindo, como esta se apresenta no ordenamento
jurídico pátrio.
Convém esclarecer, desde que, por opção metodológica, tendo em vista as
limitações impostas pelo objetivo proposto no presente trabalho, não serão
analisadas as responsabilidades penal e administrativa de notários e registradores,
as quais constituem categorias jurídicas distintas com tipos e sanções específicos
previstos em lei.
3.1 A responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro
As questões sobre responsabilidade civil vêm sobrecarregando os tribunais
pátrios, haja vista o sentimento de ―não se deixar irressarcida a vítima de atos
ilícitos.‖ (GONÇALVES, 2003, p. 1-3). Inclusive, crescem os pleitos por reparação do
dano injusto.
1
Devido a isso, o tema tem ganho cada vez mais destaque no cenário
_______________
1
Na concepção de Silvio de Salvo Venosa (2003, p. 28), ―somente haverá possibilidade de
indenização se o ato ilícito ocasionar dano. Cuida-se, portanto, do dano injusto. Em concepção
106
jurídico nacional, mostrando-se como fonte inesgotável de polêmicas e divergências
entre os estudiosos.
Consoante aduz Rui Stoco (2004, p.118), a ideia do que seja responsabilidade
é aurível da própria origem etmológica da palavra, que vem do latim respondere,
responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar
alguém por seus atos danosos. O objetivo maior do ato de responsabilizar alguém
por danos causados a outrem é o restabelecimento da paz, preservando a ordem
jurídica e o convívio social, ou, como bem acentua Aguiar Dias (1997, p.42), ―o
interesse em restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico alterado pelo dano é a
causa geradora da responsabilidade civil.‖
A responsabilidade de cunho civil difere-se da penal, embora, ontologicamente,
ambas possuam a mesma essência. As principais distinções residem no tratamento
que é dado à lei aos bens jurídicos por ela tutelados, sendo certo afirmar - para que
o assunto não se alongue, dado o objetivo do presente trabalho que os bens
protegidos pela esfera civil possuem cunho eminentemente disponível (em sua
maioria),
2
sendo o direito de reparação uma mera faculdade. Por outro lado, na
mais moderna, pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de lesão a
um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente, tendo em vista ao vulto que
tomou a responsabilidade civil. [...] Trata-se, em última análise, de interesse que são atingidos
injustamente. O dano ou interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio,
danos hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não se corporifica a
indenização. A materialização do dano acorre com a definição do efetivo prejuízo suportado pela
vítima.‖ Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 10-13), classifica o ato ilícito em sentido estrito e amplo.
Segundo o doutrinador, ―em sentido estrito, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da
responsabilidade ou, se preferirmos, da obrigação de indenizar. Na verdade, a responsabilidade
civil é um fenômeno complexo, oriundo de requisitos diversos intimamente unidos; surge e se
caracteriza uma vez que seus elementos se integram. [...] Em sentido amplo, o ato ilícito indica
apenas a ilicitude do ato, a conduta humana jurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência
ao elemento subjetivo ou psicológico. Tal como o ato lícito, é tamm uma manifestação de
vontade, uma conduta humana voluntária, que só contraria à ordem jurídica.‖
2
A propósito, válido ressaltar que os direitos de personalidade, embora tenham natureza indisponível,
porque ínsitos à própria condição de pessoa humana, encontram disponibilidade no que tange ao
direito à respectiva reparação do dano, quando violados. Nesse sentido Elimar Szaniawski (2005, p.
251) esclarece que ―nos casos em que a execução do atentado tenha sido instantânea, ou que
tenha produzido os efeitos danosos, a tutela do direito de personalidade violado serealizada por
intermédio da indenização de dano moral, independentemente da reparação de dano patrimonial,
quando este coexistir. A responsabilidade civil tem por objetivo tutelar os interesses
personalíssimos e patrimoniais da pessoa humana. Conseqüentemente, a dignidade da pessoa
encontra sua proteção final através da responsabilidade civil quando for impossível evitar-se a
ocorrência de danos. Quando a personalidade humana for violada, o mecanismo jurídico e legal
para a recomposição do equilíbrio individual e social dar-seatravés da responsabilidade civil, que
reparará as lesões extra-patrimoniais e patrimoniais sofridas.‖
107
esfera penal observa-se o oposto, uma vez que os bens resguardados são de
interesse eminentemente público, portanto, indisponíveis por natureza.
Os ensinamentos de José de Aguiar Dias (1997, p.8-9) corroboram o acima
esposado. Mas, para esse autor, o fundamento desses dois tipos de
responsabilidade jurídica é quase o mesmo. As condições de surgimento é que são
diferentes, uma vez que uma é mais exigente do que a outra no que diz respeito ao
aperfeiçoamento dos requisitos que devem existir para se efetivar, especialmente
porque, tratando-se de pena, atender-se-á ao princípio nulla poena sine lege.
Ademais, no ilícito penal e no ilícito civil, uma característica essencial que lhes é
comum: a observância de um fato contrário ao direito, ou seja, a violação de uma
norma jurídica. A diferença reside muito mais nas consequências que tais violações
acarretam, a saber: do ilícito civil deriva ou a execução forçada, ou a obrigação de
indenização, ou de restituição, ou a declaração de nulidade do ato; do ilícito penal,
por sua vez, podem advir todos esses resultados, acrescentados de um que lhe é
peculiar, a pena. Em outras palavras, o ilícito civil acarreta coação patrimonial,
enquanto o ilícito penal ocasiona coação pessoal.
Neste diapasão, ainda que não haja consenso doutrinário acerca do conceito
da expressão ―responsabilidade civil‖, esta é matéria integrante do direito
obrigacional, uma vez que a principal consequência pela prática de um ato ilícito é a
corrrespondente obrigação que acarreta ao autor do dano causado de reparar tal
prejuízo, ou seja, o que se pretende é a efetivação da reparabilidade do dano em
relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma, embora, muitas vezes,
como bem salienta J.R. Vieira Netto (1989, p.116):
[...] a compensação de prejuízos à saúde, à integridade física, o ‗preço da
dor‘ são parciais porque nenhum valor substitui o membro lesado, a função
perdida; a pecúnia o compõe as angústias morais, o sacrifício estético, o
atentado aos sentimentos de estima, que não tem equivalência em cifras,
mas a sua aferição é produto de um arbitrário em que se leva em conta,
ainda, a situação econômica das partes em litígio
Aguiar Dias (1997, p.1-3), ao lecionar acerca do fundamento da
responsabilidade, aduz o seguinte:
Toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da
responsabilidade. Isso talvez dificulte o problema de fixar o seu conceito,
que varia tanto como os aspectos que pode abranger, conforme as teorias
filosófico-jurídicas. Várias são, pois, as significações. Os que se fundam na
108
doutrina do livre-arbítrio, pondera o eminente Pontes de Miranda, sustentam
uma acepção que repugna à ciência. Outros se baseiam na distinção, aliás
bem vaga e imprecisa, entre psicologia normal e patológica. Resta,
rigorosamente sociológica, a noção de responsabilidade civil como aspecto
da realidade social. Decorre dos fatos sociais, é o fato social. Os
julgamentos de responsabilidade (por exemplo: a condenação do assassino
ou do ladrão, do membro da família que a desonrou) ‗são reflexos
individuais, psicológicos, do fato exterior social, objetivo, que é a relação de
responsabilidade. Das relações de responsabilidade, a investigação
científica chega ao conceito de personalidade. Com efeito, não se
concebem nem a sanção, nem a indenização, nem a recompensa, sem o
indivíduo que as deva receber, como seu ponto de aplicação, ou seja, o
sujeito passivo, ou paciente‘. [...] Digamos, então, que responsável,
responsabilidade, assim como, enfim, todos os vocábulos cognatos,
exprimem idéia de equivalência, de contraprestação, de correspondência. É
possível, diante disso, fixar uma noção, sem dúvida ainda mais imperfeita,
de responsabilidade, no sentido de repercussão obrigacional (não interessa
investigar a repercussão inócua) a atividade do homem. Como esta varia
até o infinito, é lógico concluir que são também inúmeras as espécies de
responsabilidade, conforme o campo em que se apresenta o problema: na
moral, nas relações jurídicas, de direito público ou privado. [...] A
responsabilidade é, portanto, resultado da ação pela qual o homem
expressa o seu comportamento, em face desse dever ou obrigação.
Continuando, em espetacular síntese doutrinária, assevera ser a
responsabilidade civil a ―repercussão do dano privado.(DIAS, 1997, p. 06). Por sua
vez, a doutrina costuma conceituar o termo ―obrigação‖ como sendo o ―vínculo
jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento da
prestação‖.
Considerando-se que as obrigações derivam da vontade humana ou da vontade
estatal, caso surjam estas em decorrência da prática de ilícitos (elemento volitivo
humano) constituídos por meio de ações ou omises culposas ou dolosas do agente
que infringe um dever de conduta, resultando em dano para terceiro pode-se
afirmar que, havendo tais pressupostos, surgi o dever de indenizar. Este é
consequência da violação do dever judico de não lesar outrem, ―neminem laedere”.
3
Assim, certo faz-se afirmar que a responsabilidade civil, em grande parte, dá-se
em decorrência da prática de um ato ilícito, embora, excepcionalmente, possa advir
até mesmo de condutas tidas como lícitas.
4
Calixto (2008, p. 168) assevera que o
_______________
3
Tal dever nos é imposto através do dispositivo constante no art. 186 do CCB, que preconiza a teoria
da responsabilidade civil subjetiva.
4
O art. 188 do CCB assegura não se constituírem como atos ilícitos os praticados em legítima defesa
ou no exercício regular de um direito reconhecido; bem como a deterioração ou destruição de coisa
alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. Analisando perfunctoriamente o
dispositivo ora transcrito, poderíamos precipitadamente concluir que, havendo tais excludentes,
não haveria o dever de indenizar. Ocorre que não é o que ocorre na regra, havendo excludente
109
novel Código Civil traz uma cláusula geral de responsabilidade civil que independe
do ato ilícito, qual seja, a prevista no art. 927, parágrafo único. Tal dispositivo dispõe
que haverá obrigação ressarcitória do dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade usualmente desenvolvida pelo
autor do dano implicar, por sua própria natureza, risco para os direitos de terceiros.
No que tange aos atos ilícitos, estes podem ser decorrentes de dois tipos de
deveres jurídicos violados. O primeiro, comentado, encontra previsão no art. 186
do CCB, constituindo-se em regra geral do dever de indenizar. Trata-se do ato ilícito
praticado em detrimento do dever geral de não lesar outrem, sendo pressuposto
para sua configuração a ocorrência de dano para a vítima.
O outro tipo de ato ilícito, introduzido na legislação pátria pelo Código Civil de
2002, é o ato ilícito consubstanciado no abuso de direito, previsto no art. 187 do
diploma legal acima referido. O enunciado inserto nesse dispositivo prevê que
―também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede
manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou
pelos bons costumes.‖ É a consagração da teoria do abuso de direito, sendo válido
mencionar que, em tais casos, o dano não é pressuposto para configuração do
ilícito, sendo, entretanto, necessário para que surja o direito à indenização.
5
A partir
daí pode-se afirmar que nem todo ato ilícito gera o dever de indenizar.
Foi o Direito francês que influenciou no Brasil a disseminação da teoria do
inadimplemento e os aspectos de responsabilidade civil dela decorrentes. O Código
napoleônico adotou, em 1804, a teoria subjetiva da culpa, aludindo à faute como
fundamento do dever de reparar o dano. Entretanto, em rao de sua ambiguidade,
a expressão faute (falta ou erro) gerou intensos debates entre os franceses.
(PEREIRA, 2001, p. 6-7).
absoluta na legítima defesa quando o ato foi praticado contra o próprio agressor e, no caso do
estado de necessidade, se a pessoa lesada ou o dono da coisa não forem os culpados pela
situação de perigo gerada. Nos demais casos, embora seja lícita a conduta praticada mediante a
legítima defesa ou o estado de necessidade, haverá o dever de indenizar. Nesses casos o agente
possuirá ação regressiva contra o agressor e o causador da situação de perigo, assim como contra
aquele em defesa de quem se causou o dano no estado de necessidade. É nesse contexto que se
afirma que também os atos lícitos podem gerar o dever de indenizar, fazendo surgir a
responsabilidade civil. (CALIXTO, 2008, p. 162-168).
5
Sobre a obrigação de indenizar em decorrência de atos abusivos, ver Fernando Augusto Cunha de
Sá (2005, p. 637-646).
110
A legislação pátria, de modo a contornar todos os entraves gerados em torno
da citada ambiguidade do vocábulo faute, optou por utilizar a noção de ato ilícito
como fonte da responsabilidade civil, ou seja, preconizando que o dever de reparar
deve se subordinar via de regra à existência de culpa. Ainda asssim, como será
verificado mais adiante, com o advento do CCB de 2002, muito embora a teoria
subjetiva continue sendo amplamente utilizada, não se pode olvidar a crescente
introdução da responsabilidade objetiva no direito pátrio.
6
O digo Civil brasileiro de 2002, espelhando-se em tradição observada
desde a época do Codex de Beviláqua, dispensou poucos artigos para tratar da
responsabilidade civil, apenas consignando na Parte Geral a regra da
responsabilidade extracontratual
7
e suas respectivas excludentes. na parte
especial, foi estabelecido sob o título ―Da Responsabilidade Civil‖ a regra básica da
responsabilidade contratual, bem como dedicados dois capítulos ao temas
referentes à obrigação de indenizar e à indenização propriamente dita.
Embora o CC de 2002 tenha tratado da matéria de forma mais sistemática,
haja vista ter dedicado um título especial e independente somente para ela, ainda
assim deixou a desejar no que tange ao trato de várias questões prementes, tais
como o dano moral e sua respectiva extensão, dentre outras. O grande avanço
ocorrido no direito brasileiro no que diz respeito à matéria deu-se mesmo através da
legislação esparsa.
Aguiar Dias (1997, p. 12) atribui este fato à impossibilidade de o legislador ter
previsto um desenvolvimento tão espantoso da matéria, tendo, desta feita, limitado-
se a editar normas de cunho geral. Ressalta que, ainda assim, tais normas são
merecedoras de admiração, uma vez que é através delas que se resolvem as mais
modernas questões, observando, por sua vez, que este fato revela a pobreza de
técnica legislativa em face da crescente evolução da sociedade, o que exige
constante readaptação das normas jurídicas às situações novas.
_______________
6
―Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-
lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.‖
7
Também conhecida como responsabilidade aquiliana.
111
Neste diapasão, o autor pondera que, filosoficamente, não é possível conceder
responsabilidade sem culpa e que a obrigação civil decorrente da responsabilidade
pode ser entendida como consequência da junção dos elementos imputabilidade
mais capacidade. Entretanto, ainda que os adeptos da teoria clássica (fundada na
culpa) se valham desse argumento, assevera o doutrinador que não é de
responsabilidade civil propriamente dita que se trata, ainda que haja conveniência na
conservação do nomen juris, mas sim de um problema que muito transbordou
desses limites, ou seja, trata-se da própria reparação do dano.
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2002, p. 9-10), a responsabilidade civil foi
o ramo do direito civil pátrio que teve o maior índice de desenvolvimento no último
século, fazendo com que conceitos até pouco tempo perpetuados no tempo
houvessem, necessariamente, de ser repensados.
Assim, o entendimento de que não poderia haver responsabilidade sem culpa
-se hoje superado por normas que claramente preveem sanção ao causador de
danos, independentemente de sua conduta culposa, consoante será abordado mais
adiante. O Brasil acompanhou a evolução do instituto, passando a prever no bojo de
seu ordenamento jurídico normas bastante inovadoras no campo da
responsabilidade civil.
Acerca do instituto em comento, ainda, Maria Celina Bodin de Moraes (2007, p.
445) assevera que, após o advento da Constituição de 1988, a inspiração que
acompanhou a promulgação da nova Lei Maior fez com que vários princípios,
normalmente alheios ao surgimento da obrigação de indenizar, fossem incorporados
à sistemática da reparação civil. Ao passo que antigamente a responsabilidade civil
tradicional baseava-se, de forma exclusiva, na tutela da propriedade e dos demais
direitos subjetivos de ordem patrimonial, atualmente, a dignidade da pessoa
humana, a justiça distributiva, bem como a solidariedade exercem influência
profunda sobre todo o regime jurídico do dever de ressarcir.
Nesse sentido, ―a constitucionalização dos danos impôs, como se viu, a
releitura da própria função primordial da responsabilidade civil. O foco [...] deslocou-
se no sentido da tutela especial garantida à vítima do dano injusto, que merece ser
reparada.‖ (MORAES, 2007, p.445).
112
3.1.1 Elementos constitutivos
Feitas algumas observações introdutórias acerca do conteúdo do instituto da
responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro, convém explanar-se acerca
dos elementos constitutivos desta.
O rol dos pressupostos geradores da obrigação de reparar o dano não é
uníssono na doutrina. Contudo, concorda-se com o posicionamento que prescreve
conter o art. 186 do Código Civil
8
uma regra universalmente aceita, evidenciado os
elementos essenciais da responsabilidade civil, a saber: ação ou omissão, culpa ou
dolo do agente (somente aplicável à teoria subjetiva), relação de causalidade, e o
dano experimentado pelo terceiro (vítima).
9
(GONÇALVES, 2008, p. 31-34).
Optou-se por tratar primeiramente - somente dos pressupostos aplicáveis a
ambas teorias, para, em seguida, seguir-se com a explicação tradicional da
responsabilidade civil subjetiva, que valora o ato do agente com culpa (que em seu
sentido amplo engloba a culpa stricto sensu e o dolo), bem como a modalidade
objetiva, que dispensa o elemento subjetivo da culpa.
10
3.1.1.1 Verificação de dano
Em relação ao dano, afirma-se, seguindo as lições de Rui Stoco (2004, p. 129),
que não o que se falar em responsabilidade sem prejuízo. Nesse sentido, o
prejuízo causado pelo agente é o dano‖. A verificação do dano é, pois, elemento
essencial para ensejar a responsabilidade do agente, seja essa obrigação oriunda
de ato ilícito; de ato lícito nas hipóteses legalmente previstas ou, ainda de
descumprimento contratual. A fonte amiúde citada complementa que a
_______________
8
Art. 186. Aquele que, por ão ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
9
No mesmo sentido, Calixto (2008, p. 177-178) aduz que o art. 186 do CC de 2002 ―é a afirmação de
uma cláusula geral de responsabilidade subjetiva, o que demonstra a atualidade desse instituto‖.
Observa que tal fato é comprovado através dos inúmeros dispositivos da parte especial do Código
que exigem a verificação do requisito da culpa, embora nem sempre de forma explícita e clara.
Para ele, ―além de atual, pode-se igualmente afirmar a universalidade do instituto, bastando
recordar os dispositivos dos Códigos Civis europeus já referidos.‖
10
Segundo Gonçalves (2008, p. 35), ―para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de
provar o dolo ou culpa stricto sensu do agente, segundo a teoria subjetiva adotada em nosso
diploma civil. Entretanto, como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser conseguida, o nosso
direito positivo admite, em hipóteses específicas, alguns casos de responsabilidade sem culpa: a
responsabilidade objetiva, com base especialmente na teoria do risco, abrangendo também casos
de culpa presumida.‖
113
caracterização do dano faz-se necessária independentemente de se tratar de
responsabilidade objetiva ou subjetiva.
João de Matos Antunes Varela (2008, p.597) afirma que é essencial para a
caracterização da obrigação de indenizar que haja a ocorrência do dano, ou seja,
―que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém‖. O autor português
observa que:
Se o vigilante não cumpriu o seu dever, mas o incapaz não agrediu quem
quer que fosse; se o automobilista transgrediu as regras do trânsito, mas
não atropelou ninguém nem danificou coisa alheia; se o proprietário não
observou as precauções devidas na conservação do prédio e este ruiu, mas
não atingiu nenhuma pessoa nem outros bens, não chega a r-se nenhum
problema de responsabilidade. Este surge apenas quando ao facto ilícito
sobrevém um dano.
Sérgio Cavalieri Filho (2008, p.71) observa que o dano é o maior vilão da
matéria referente à responsabilidade civil, ponderando que ―não haveria que se falar
em indenização, nem em ressarcimento, se não houvesse dano. Pode haver
responsabilidade sem culpa, mas não pode haver responsabilidade sem dano.‖
Diante disso, pode-se afirmar que o dano é elemento indispensável para que
seja verificada a responsabilidade civil, sendo necessária sua prova, ainda que, por
vezes, sua ocorrência se através de presunção, como ocorre por exemplo em
relação ao dano moral decorrente de determinados fatos, quando infere a doutrina
que o mesmo está in re ipsa.
11
Este entendimento é confirmado por Sílvio de Salvo
Venosa (2003, p.28), para quem:
Somente haverá possibilidade de indenização se o ato ilícito ocasionar
dano. Cuida-se, portanto, de dano injusto. Em concepção mais moderna,
pode-se entender que a expressão dano injusto traduz a mesma noção de
lesão a um interesse, expressão que se torna mais própria modernamente,
tendo em vista ao vulto que tomou a responsabilidade civil. [...] O dano ou
interesse deve ser atual e certo; não sendo indenizáveis, a princípio, danos
hipotéticos. Sem dano ou sem interesse violado, patrimonial ou moral, não
se corporifica a indenização. A materialização do dano ocorre com a
definição do efetivo prejuízo suportado pela vítima.
_______________
11
O mesmo Cavalieri Filho (2008, p.86) defende a posição doutrinária que entende estar o dano moral
ínsito na própria ofensa, ou seja, decorre da gravidade do ilícito em si. Para o autor, se a ofensa é
grave e de repercussão, por si justifica e chancela a concessão de uma indenização de ordem
pecuniária á vítima, senão vejamos: ―Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva
inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está
demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que
decorre das regras de experiência comum.‖
114
Sendo o dano uma lesão a um bem jurídico, este pode ser apresentado
mediante duas vertentes, a moral e a material. A questão acerca do que venha a ser
o dano moral trata-se de um dos mais tormentosos imbróglios jurídicos da
atualidade. Sem pretender alongar referido assunto, tem-se que o dano moral é
aquele que atinge bens ou valores de ordem imaterial na pessoa, causando-lhe
reação psíquica de dor, vexame, sofrimento, constrangimento (dano moral subjetivo)
etc. quem sustente que o dano moral não se restringe mais à tristeza e
sofrimento, estendendo seu campo de atuação a todos os bens personalíssimos
(dano moral objetivo), denominados de complexos de ordem ética, razão pela qual,
na conjuntura constitucional atual (em que o dano moral corresponde à uma violação
ao direito de dignidade) revela-se mais apropriado conceituá-lo como dano imaterial
ou não patrimonial.
A indenização proveniente dessa espécie de dano, segundo sustenta a maior
parte da doutrina, não tem caráter ressarcitório propriamente dito, mas cumpre duas
funções fundamentais, a saber: a punitiva, cujo ideal é causar uma reprimenda ao
ofensor, no sentido de coibi-lo a praticar a conduta geradora do dano novamente e
servir de exemplo para a sociedade; a compensatória, segundo a qual a indenização
deve servir como uma espécie de compensação para a vítima, diante do sofrimento
sofrido, ou seja, tem caráter de recompensa. O quantum debeatur se dará por
arbitramento, devendo haver proporcionalidade entre a gravidade do ato ilícito e a
punição do violador.
Varela (2008, p. 603), dissertanto acerca do que denomina de ―ressarcibilidade
dos danos não patrimonais‖, aduz que estes danos possuem natureza irreparável.
Argumenta que o dinheiro, de um lado, em contraposição às dores físicas ou morais,
inibições, vexames, e outros sentimentos similares, de outro, são ―grandezas
heterogêneas.‖ O dinheiro, nesse sentido, não seria passível de apagar todos os
malefícios decorrentes dessa espécie de dano. O dano de cálculo, segundo o autor,
não teria cabimento nesta área.
O dano material, em outra senda, é aquele que atinge diretamente o patrimônio
da vítima, ou seja, afeta as relações jurídicas suscetíveis de serem apreciadas
pecuniariamente, incluindo nesse contexto as expectativas de lucro, materializadas
115
nas figuras do lucro cessante e do dano emergente, ambas com previsão legal no
art. 402 do CCB.
12
(VENOSA, 2003, p. 198).
Em regra, somente são passíveis de indenização os danos diretos, sendo que
os de índole indireta, também nominados de reflexos ou ricochetes, somente
excepcionalmente serão ressarcidos
13
(CAVALIERI FILHO, 2008, p. 74), como se
denota pela leitura do art. 403 do Código Civil: ―Ainda que a inexecução resulte de
dolo do devedor, as perdas e danos incluem os prejuízos efetivos e os lucros
cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei
processual.‖
14
No que diz respeito à compensação do dano de caráter patrimonial, esta deve
ser equacionada tendo em vista a extensão do prejuízo causado, facultando o
Código Civil que a autoridade judiciária a reduza equitativamente se houver
desproporcionalidade excessiva entre a gravidade da culpa e o dano ocorrido,
segundo previsão inserta no art. 944.
3.1.1.2 Ação ou omissão
Como primeiro elemento constitutivo da responsabilidade civil, cita-se a ação
ou omissão, ou seja, o ato de agente (conduta comissiva ou omissiva de pessoa
física ou jurídica). Ora, como bem ressalta Stoco (2004, p. 131), ―o elemento
primário de todo ilícito é uma conduta humana e voluntária no mundo exterior.‖
Nesse sentido, a conduta é entendida como o comportamento humano
voluntário que se externa por intermédio de uma ação ou omissão, produzindo, por
conseguinte, consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico,
objetivo, da conduta, sendo a vontade o seu aspecto psicológico ou subjetivo.
(CAVALIERI FILHO, 2008, p.24).
Desta feita, analisando detidamente o art. 186 do digo Civil, -se que logo
no início o legislador cogita do dolo, quando se refere à ação ou omissão
_______________
12
―Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidos ao credor
abrangem, am do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.‖
13
Esta espécie de dano, o indireto, somente será indenizada em situações específicas, desde que
tenha sido conseqüência direta e imediata da conduta ilícita, afastando-se aquele que se apresenta
como conseqüência remota.
14
Sobre o assunto, ver Rui Belfort Dias (2006, p.372-381).
116
voluntária‖, passando, logo após, a tratar da conduta culposa ao referir-se à
―negligência ou imprudência.‖ O dolo reverte-se em má-fé, astúcia, em algo que é
enganoso. Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.35), citando Savigny (1873, p.82),
assevera que ―o dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a
culpa, na falta de diligência‖, concluindo ser o dolo a ―violação deliberada,
consciente, intencional, do dever jurídico.‖
Como visto anteriormente, para que haja a reparação do dano no direito
brasileiro, segundo a teoria subjetiva, adotada como regra no ordenamento brasileiro,
faz-se necessário provar o dolo (culpa lato sensu) ou a culpa stricto sensu do agente.
Entretanto, para abrandar os efeitos maléficos de algumas situações em que tais
provas tornarm-se deveras penosas, o direito positivo admite, em casos específicos e
pontuais, casos de responsabilização sem prova de culpa ou dolo. Trata-se da teoria
da responsabilidade objetiva. Ambas serão estudadas mais adiante.
A respeito disso, José de Aguiar Dias (1997, p. 43) lembra que a teoria da
culpa, que foi resumida por Von Ihering na fórmula ―sem culpa, nenhuma reparação‖,
por muitos anos satisfez a consciência jurídica, sendo - até os diais atuais - influente
ao ponto de inspirar os opositores da doutrina proclamadora do modelo objetivo de
imputação de responsabilidade, em face das necessidades da vida moderna.
Aceitando a convivência harmônica de ambas as teorias, Augusto Lermen
Kindel (2006, p. 50) ensina que a ação deverá ser decorrente do fato de alguém, que
cause dano a outrem, pratique um ato ilícito, consoante a teoria subjetiva, ou esteja
no exercício de um atividade lícita, segundo preleciona a teoria objetiva. Nesse
sentido, oportunas as palavras de Hercules Benício (2002, p. 185):
[...] no sistema subjetivo de aferição de responsabilidade, a ação ou
omissão deverá ser acompanhada de um dos elementos subjetivos da culpa
lato sensu (que representa a violação do dever de cuidado, ofensa ao
modelo ideal de conduta ou a não previsão de um evento que é
perfeitamente previsível no instante em que o agente manifesta a sua
vontade culpa stricto sensu ; a intenção, o propósito deliberado, de
causar o prejuízo dolo direito ou, então, a consciência do resultado
dolo eventual) e da imputabilidade do responsável pelo dano (que, por
envolver a idéia de capacidade de discernimento, torna-se elemento
inseparável da culpa).
A conduta (comissiva ou omissiva) de agente, para caracterização da
responsabilidade civil, pressupõe necessariamente que este seja dotado de
117
capacidade para poder responder pelas consequências de um ato contrário ao dever,
ou seja, depende ―da capacidade psíquica de entendimento e autodeterminação do
agente, o que nos leva à imputabilidade.‖ Dois são, portanto, os elementos da
imputabilidade, quais sejam: a maturidade (desenvolvimento mental) e a sanidade
mental (hijidez). Imputável é, pois, aquele que podia e devia ter agido de outro modo,
ou seja, aquele que possuía imputablidade, ou seja ―o conjunto de condições pessoais
que dão ao agente capacidade para poder responder pelas consequências de uma
conduta contria ao dever. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 25-26).
É bom observar-se, contudo, que nos termos do art. 928 do CC, o incapaz
responde pelos prejuízos que vier a causar, na hipótese de as pessoas por ele
responsáveis não terem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios
suficientes. Nesse caso, a indenização prevista no artigo retromencionado será
equitativa e não terá lugar caso venha a privar o incapaz ou as pessoas que dele
dependem do necessário para a subsistência.
Assim, no entender de Álvaro Villaça de Azevedo (2008, p.262-264), o incapaz,
no caso de as pessoas responsáveis por ele não terem obrigão ou não puderem
satisfazer o dano, deverá responder pelos prejuízos que causar com o seu patrimônio.
O Código Civil atual não distingue entre o grau da incapacidade, se relativa ou
absoluta, demonstrando a forte presença do instituto do favor debitoris, ou seja, em
que o devedor fraco economicamente faz merecer o favor e a proteção do legislador.
Por outro lado, para que possa existir a responsabilidade civil em decorrência
de atos omissivos, faz-se necessário que exista o dever jurídico de praticar
determinado ato. Referido dever pode ser decorrente da lei, da convenção das
partes e, até mesmo, gerado pelo fato de o agente criar alguma situação de perigo,
omitindo-se em seguida.
Esta omissão pode apresentar caráter doloso ou culposo, sendo, neste último
caso, caracterizada pelo fenômeno jurídico da negligência que, nos dizeres de
Cavalieri Filho (2008, p.36), é a mesma falta de cuidado ocorrida na imprudência,
118
com a diferença de que esta decorre de conduta comissiva, positiva, ação, enquanto
a negligência é decorrente de falta de cuidado por conduta omissiva.
15
3.1.1.3 Nexo causal
O nexo causal é o liame que une o fato ao dano. Sem ele não há como imputar
qualquer espécie de responsabilidade ao agente, seja na modalidade subjetiva ou
objetiva. Antes mesmo de perquirir-se acerca da existência de culpa ou dolo por
parte do agente, faz-se necessária uma apuração se ele deu causa ao resultado.
(AZEVEDO, 2008, p. 253).
Se for verificada a ocorrência do dano mas sua causa
16
não estiver relacionada
ao comportamento do agente, inexistirá relação de causalidade e, por consequência,
a obrigação de indenizar. Tal se pelo fato de o ordenamento jurídico pátrio ter
adotado a teoria dos danos diretos e imediatos, consoante sustenta boa parte da
doutrina e da jurisprudência, também denominada de teoria da relação causal
imediata, como consta expresso no art. 403 do CCB.
17
Embora referido dispositivo
legal mencione o vocábulo ―inexecução‖, que é próprio da responsabilidade do tipo
contratual, consolidou-se o entendimento de que também se aplica à
responsabilidade extracontratual. (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 50).
Segundo referida corrente, faz-se necessário que haja entre a inexecução de
uma obrigação e o dano, uma relação de causa e efeito direta e imediata. Nesse
sentido, será indenizável todo dano que se filie a uma causa, mesmo que remota,
desde que se consubstancie como causa necessária à ocorrência do dano, por não
existir outra que o explique. Assim, quer a lei que o dano seja o efeito direto e
_______________
15
A propósito, é o mesmo Cavalieri (2008, p. 36) que nos fornece exemplo bastante elucidativo acerca da diferença
entre imprudência e negligência. Aduz que a imprudência é falta de cautela ou cuidado por conduta comissiva,
positiva, por ação. Age com imprudência o motorista que dirige em excesso de velocidade, ou que avança o sinal.
Negligência é a mesma falta de cuidado por conduta omissiva. Haverá negligência se o veículo não estiver em
condições de trafegar, por deficiência de freios, pneus, etc.
16
Gonçalves (2003, p. 520), citando Agostinho Alvim (1965, p. 324) remete a questão da ―causa‖ na
responsabilidade civil à uma citação de Savatier, no sentido de que ―um dano produz
responsabilidade, quando ele tem por causa uma falta cometida ou um risco legalmente sancionado
(Traité, cit. v. 2, n. 456)‖. Nesse sentido, para Alvim, dentre as várias teorias sobre o nexo de
causalidade, a adotada pelo Código Civil Brasileiro foi a do ―dano direto e imediato‖, no sentido de
que o rompimento do nexo causal não só quando o credor ou terceiro é autor da causa próxima
do novo dano, mas, ainda, quando a causa próxima é fato natural.
17
Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos incluem os
prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto
na lei processual.
119
imediato da inexecução, não sendo indenizável o denominado ―dano remoto‖,
18
que,
segundo Carlos Roberto Gonçalves (2003, p.524) citando Caio Mario da Silva
Pereira (p. 237) seria uma consequência indireta do inadimplemento obrigacional,
―envolvendo lucros cessantes para cuja efetiva configuração tivessem de concorrer
outros fatores que não fosse apenas a execução a que o devedor faltou, ainda que
doloso o seu procedimento.‖
Outras teorias existem, embora tenham sido rechaçadas pela doutrina ante o
extremismo de suas concepções, a saber: A teoria da equivalência das condições
preconiza que toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o
evento danoso pode ser considerada como causa para o mesmo.
Por outro lado, a teoria da causalidade adequada considera como condição
apta a causar o dano aquela que por si estava apta a gerá-lo. Cavalieri Filho
(2008, p. 49) sustenta que, diante do evento danoso, levando-se em consideração
esta teoria (que, segundo ele, foi acolhida no ordenamento jurídico brasileiro),
deverá ser formulada a seguinte indagação: ―a ação ou omissão do presumivelmente
responsável era, por si mesma, capaz de normalmente causar o dano?‖. Ressalta
que para que se possa estabelecer a causa de um dano, é necessário que seja feito
um juízo de probabilidades. Referido juízo é feito pelo juiz, levando-se em conta,
mediante um raciocínio jurídico retrospectivo, o que era cognoscível pelo agente,
como exemplo de homem médio. Na verdade, mais do que se perquirir quem teve a
última chance, deve-se apurar quem teve a melhor ou mais eficiente oportunidade
para evitar a ocorrência do dano.
Mesmo tendo ocorrido o dano, existem certos fatos que interferem nos eventos
ilícitos, rompendo o nexo causal ensejador da responsabilidade do agente e,
portanto, excluindo-a.
_______________
18
A respeito do dano remoto, Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 51) menciona exemplo de Aguiar Dias
(1997, p. 270-272) para que, ―o condutor de um automóvel que feriu uma pessoa não é responsável
pela morte dela, se essa morte resulta da falta do médico que lhe assiste.‖ O mesmo ocorre quando
cita exemplo de Agostinho Alvim (1965, p. 371-372), para quem o locatário que é injustamente
forçado a se mudar e, durante o ato da mudança, ocorre uma tempestade que lhe danifica todos os
móveis, não terá de quem reaver o prejuízo, uma vez que o legislador civil não desejou que o autor
do dano ―respondesse senão pelas conseqüências diretas, imediatas, derivadas necessariamente
do inadimplemento.‖
120
Nesse sentido, as excludentes da responsabilidade civil tem o condão de
romper o nexo causal, elidindo a responsabilidade civil. Estas se traduzem como
casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação, causas estas
que não podem ser imputadas ao devedor ou agente. A doutrina majoritária elenca
como hipóteses de excludentes o caso fortuito, a força maior e o fato exclusivo da
vítima ou de terceiro, a legítima defesa, o estado de necessidade, bem como a
cláusula de não indenizar. (CAVALIERI FILHO, 2008, p.64).
3.1.2 Modalidades de responsabilidade civil
Visando a dar maior organicidade à análise do instituto da responsabilidade
civil, afigura-se conveniente o estudo das modalidades existentes no ordenamento
jurídico brasileiro.
Com efeito, aplica-se no Brasil a teoria dualista, ou seja, existem duas espécies
de responsabilidade, a contratual e a extracontratual, esta última também
denominada de aquiliana. As duas teorias diferem basicamente em três pontos
cruciais, a saber: a necessária preexistência de uma relação jurídica entre o ofensor
e a vítima; o ônus da prova quanto à culpa; e, finalmente, a diferença no tocante à
capacidade.
A respeito do tema, Álvaro Villaça Azevedo (2008, p.244) assevera que a
primeira, encontra-se situada no âmbito da inexecução obrigacional do contrato,
enquanto a segunda se posiciona na seara do inadimplemento obrigacional
normativo. Segundo o autor:
Se A e B realizam um contrato qualquer, por este aqueles regulamentam
seus interesses particulares, de tal forma que fazem do contrato verdadeira
lei entre eles. As cláusulas contratuais devem ser, por eles, observadas,
rigorosamente, sob pena de responsabilidade do que as descumprir
(responsabilidade contratual). Por outro lado, todos devemos respeitar o
direito alheio, obedecer as normas que regram nossa conduta. Qualquer
inobservância de um preceito legal, por exemplo, acarreta responsabilidade
ao transgressor. Aqui, a responsabilidade não se situa no âmbito contratual,
daí chamar-se, como referido, responsabilidade extracontratual.
Imaginemos que alguém quebre o vidro de uma vitrina; nenhum contrato
preexistiu, senão uma obrigação de não lesar o próximo, contida na lei. Ante
esse ato ilícito, a responsabilidade emerge.
Dessa forma, a responsabilidade civil da espécie contratual é aquela que
decorre da violação de um dever jurídico, cuja emanação deu-se em decorrênica de
121
um acordo de vontades entre as partes, uma convenção. A culpa, nessa modalidade
de responsabilidade, é presumida e encontra fundamento no próprio inadimplemento
ou na mora, por exemplo. Havendo inexecução do negócio jurídico, presume-se a
culpa, cabendo ao devedor ilidi-la, mediante prova de que a mesma não existiu ou
demonstrando a presença de qualquer excludente da obrigação indenizatória, cujo
rol encontra-se descrito nos artigos 389 e 393 do Código Civil brasileiro.
Por sua vez, a responsabilidade civil extracontratual, cognominada de
aquiliana, é decorrente da inobservância do dever jurídico de não lesar outrem, ou
seja, resulta da prática de um ato ilícito. Não se pode esquecer, contudo, que além
do ato ilícito stricto sensu (art. 186 do CC/02), que continua embasando a teoria da
responsabilidade subjetiva, existe o ato ilícito entendido em seu sentido amplo, ou
seja, tomado ―como a mera contrariedade entre a conduta e a ordem jurícia,
decorrente da violação de dever jurídico preexistente‖. Nesse sentido, o ato ilícito,
em sua ampla acepção, constitui-se como fato gerador da responsabilidade objetiva
e ―tem por campo de incidência as relações entre o indivíduo e o grupo.‖
(CAVALIERI FILHO, 2008, p. 11).
19
A fonte dessa espécie de responsabilidade é a inobservância da lei ou, como
diz a mencionada autora, a lesão a um direito, sem que entre o ofensor e a vítima
preexista qualquer relação jurídica. (DINIZ, 2007, p. 127).
Essa também é a visão de Rui Stoco (2006, p.136-137) para quem o Código
Civil brasileiro distinguiu entre responsabilidade contratual, quando passou a
disciplinar os defeitos do negócio jurídico, e extracontratual, ao conceituar ato ilícito.
Entende o doutrinador que a culpa contratual é estabelecida em terreno mais
bem definido e limitado, consistindo na inexecução previsível e evitável, pela parte
ou seus sucessores, de obrigação originada com base em contrato prejudicial à
outra parte e seus respectivos sucessores. Na culpa contratual, portanto, existe um
_______________
19
Contrariamente ao pensamento esposado por Cavalieri, Tepedino e outros (2007, p. 337) entendem
que se mostra equivocada a tentativa de ampliar a noção de ato ilícito, ―a despeito de seus elementos
essenciais, em detrimento da segurança jurídica.Entende que a tese que pretende bipartir a noção
de ato ilícito em seu amplo e estrito sentido mostra-se totalmente desprovida de base doutrinária,
revelando-se falsamente progressista, como se propalasse um desprendimento da noção de culpa.
Acredita que, entretanto, acaba por ampliar a noção do ilícito, exacerbando a visão do direito como
instrumento repressivo (e não de promoção), ―voltado exclusivamente para o momento patológico das
relações sociais‖. Conclui, ao final, que o ato ilícito constitui-se em fonte das obrigações e que o
aumento desregrado de sua amplitude o traz benefício algum às relações privadas.
122
dever positivo de adimplir o que foi objeto da convenção estipulada. na culpa
aquiliana, faz-se necessário invocar o dever de não lesar outrem, ou seja, uma
conduta negativa. Ficando evidenciado o comportamento antijurídico, evidenciada
restará a repercussão na órbita jurídica do paciente, causando-lhe dano.
Ao contrário do que ocorre na responsabilidade contratual, na responsabilidade
extracontratual o ônus da prova compete à vítima, que deverá provar a culpa
(entendida em seu sentido amplo) do agente, salvo nos casos em que esta será
presumida com base na teoria do risco
20
; nos casos de ser admitida a figura da culpa
presumida, de modo a faciliar o onus probandi com relação ao ofendido; ou, ainda,
nas hipóteses de responsabilidade objetiva, em que faz-se possível a inversão do
onus probandi em face do princípio da solidariedade, como se dá no exemplo do art.
6º, VIII, do CDC (Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90).
21
3.2 Teorias que fundamentam a responsabilidade civil
Existem dois tipos de teorias que fundamentam a responsabilidade civil. A
depender da teoria explicativa adotada, a obrigação reparatória existirá levando-se
em conta as modalidades de conduta do lesante ou dando especial atenção à
situação da vítima e aos prejuízos por ela suportados.
3.2.1 Teoria subjetiva
Na teoria subjetiva, consubstanciada no art. 186 e no caput do art 927, ambos
do CCB, o fundamento da responsabilidade é a culpa (em sentido amplo) do agente
na prática de ato ilícito (incluindo-se aqui, também, o abuso de direito). Na aplicação
dessa teoria, faz-se imprescindível a prova do dolo ou da culpa em sentido estrito
por parte do agente, de modo a surgir o dever de reparação do dano causado.
Ainda que tradicionalmente o sistema da responsabilidade civil tenha se
embasado na doutrina da culpa, incorporada desde o advento do diploma civil de
_______________
20
Referida teoria é corporificada através do enunciado legal constante no parágrafo único do art. 927
do CCB.
21
Art. São direitos básicos do consumidor: [...] VIII - a facilitação da defesa de seus direitos,
inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
experiências; [...].‖
123
1916, a insatisfação com a teoria subjetiva, a partir do final do século XIX, tomou vulto,
evidenciando sua incompatibilidade e insuficiência, diante da tendência
desenvolvimentista, decorrente de práticas industriais e do progressivo aumento dos
riscos de acidentes de todos os tipos. Em obra intitulada Les accidents su travail et la
responsabili civile, Raymond Saleilles (1897) alertava que em certos casos, como no
dos acidentes de trabalho, o fato de exigir-se da vítima a prova da culpa equivalia a
não responsabilizar o causador do dano. (TEPEDINO et al. 2007, v.2, p. 927).
Segundo o doutrinador acima citado, a propagação da responsabilidade
objetiva durante o século XX, mediante a adoção da teoria do risco, corrobora a
derrocada do individualismo jurídico como método de regulação dos problemas
sociais. Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 263) atribui esta maior sensibilidade a
respeito do problema da repartição dos danos às seguintes causas: crescimento da
população; aumento da ocorrência de eventos danosos e de acidentes, gerando, por
conseguinte, multiplicação nas ações indenizatórias; a imobilidade e regidez do
sistema jurídico positivado, dentre outros fatores.
Diante disso, ou seja, da crescente ascenção da teoria da responsabilidade
objetiva, observada, atualmente, por meio de diversas leis especiais e até mesmo no
texto do novel diploma civil, alguns autores passaram a afirmar a existência de um
sistema dúplice de responsabilidade civil, afirmando não ser mais a modalidade
subjetiva tida como regra no direito brasileiro.
Nesse sentido, Cavalieri (2008, p. 11) adverte que, diferentemente do diploma
civilista de 1916, que consagrou na cláusula geral do seu art. 159 apenas o sistema
subjetivo de aferição de responsabilidade (admitindo o critério objetivo apenas
casuisticamente, em alguns artigos para casos específicos), o Código de 2002, ao
contrário, contém cláusulas gerais tanto para a responsabilidade subjetiva, quanto
para a objetiva, cada uma delas atingindo determinadas áres da atividade humana.
O autor (2008, p. 140) ainda aduz que a novel legislação ―embora tenha mantido a
responsabilidade subjetiva, optou pela responsabilidade objetiva, tão extensas e
profundas as cláusulas gerais que a consagraram no parágrafo único do art. 927 e
no art. 931.
124
A mesma opinião é partilhada por Gustavo Tepedino (2001, p.175-176), para
quem o critério objetivo tem por base os princípios de solidariedade social e da
justiça distributiva,
22
que não podem deixar de moldar os novos delineamentos do
sistema de responsabilidade civil. Para o autor, ―impõem, como linha de tendência, o
caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento
de novos mecanismos de seguro social.‖
23
Há, contudo, quem advogue a tese de que a responsabilidade subjetiva
continua a ser a regra, como Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.32), para quem o
Código Civil brasileiro, embora faça previsão de um número expressivo de casos de
responsabilidade objetiva, filiou-se como regra à teoria subjetiva, o que se extrai da
leitura do art. 186 do novo diploma. Venosa (2003, p.15-16) também partilha dessa
opinião:
Reiteramos, contudo, que o princípio gravitador da responsabilidade
extracontratual no Código Civil é o da responsabilidade subjetiva, ou seja,
responsabilidade com culpa, pois esta também é a regra geral traduzida no
novo Código, no caput do art. 927. Não nos parece, como apregoam alguns,
que o novo estatuto fará desaparecer a responsabilidade com culpa em
nosso sistema. A responsabilidade objetiva, ou responsabilidade sem culpa,
somente pode ser aplicada quando existe lei expressa que a autorize.
Portanto, na ausência de lei expressa, a responsabilidade pelo ato ilícito
será subjetiva, pois esta é a regra geral no direito brasileiro. Em casos
excepcionais, levando em conta os aspectos da nova lei, o juiz poderá
concluir pela responsabilidade objetiva no caso que examina. No entanto,
advirta-se, o dispositivo questionado explicita que somente pode ser
definida como objetiva a responsabilidade do causador do dano quando
este decorrer de ‗atividade normalmente desenvolvida‘ por ele. O juiz deve
avaliar, no caso concreto, a atividade costumeira do ofensor e não uma
atividade esporádica ou eventual, qual seja, aquela que, por um momento
ou por uma circunstância possa ser um ato de risco. Não sendo levado em
conta esse aspecto, poder-se-á transformar em regar o que o legislador
colocou como exceção.
No sistema de responsabilidade subjetiva, exige-se que o sujeito, no momento
em que praticou o ato, tenha tido a intenção deliberada de causar dano (dolo) ou o
tenha feito por falta de cautela (culpa stricto sensu), levando-se em consideração o
cuidado esperado do homem médio. Gustavo Tepedino (2007, p. 337) assevera que
a verificação da culpa ou dolo, noções reunidas sob a denominação de culpa lato
_______________
22
Princípios esses previstos no artigo 3º do texto constitucional como objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil.
23
No mesmo sentido, Marcelo Junqueira Calixto (2008, p. 168) aduz que a inserção de uma cláusula
geral de responsabilidade objetiva, constante no art. 927, parágrafo único do CC de 2002, veio a
consolidar o modelo dualista que já se delineava no sistema anterior.
125
sensu‖, depende da valoração feita acerca da conduta do agente, daí chamar-se de
responsabilidade subjetiva aquela responsabilidade fundada na culpa, considerada
em seu amplo sentido. Caso não haja prova da culpa, não haverá que se falar em
responsabilidade.
Consigna-se, por oportuno, que o sistema jurídico, levando em consideração as
dificuldades observadas para que o ofendido produzisse provas aptas a comprovar a
culpa (stricto sensu) ou o dolo do ofensor, passou a admitir a figura da culpa
presumida. Nesse caso haverá uma verdadeira inversão do ônus da prova com
relação à vítima. Com efeito, esta ficará liberada do ônus de provar a culpa (lato
sensu) do ofensor, cabendo a este provar que não praticou a conduta com culpa
(stricto sensu) ou dolo, caso queira ilidir seu dever de indenizar.
Lição bastante elucidativa é dada por Cavalieri Filho (2008, p. 39-40), para
quem a aceitação da culpa presumida não se afastou do sistema da
responsabilidade subjetiva,
24
uma vez que permite de maneira ampla a discussão
acerca do causador do dano. Ocorre que, nesse caso, cabe a este afastar a
presunção de culpa contra si existente, ilidindo, dessa forma, o dever de indenizar. O
autor exemplifica a situação da seguinte maneira:
Assim, por exemplo, se o animal causar dano a outrem, o dono terá que
provar que não faltou com o dever de guarda e vigilância, que o animal foi
provocado por outrem ou pela imprudência do ofendido, ou, ainda, que
houve caso fortuito ou força maior (Código Civil, art. 936: O dono, ou
detentor, do animal ressarcirá o dano por este causado, se não provar a
culpa da vítima ou força maior). Assim não o fazendo, estará obrigado a
indenizar.
Diante do exposto, a culpa presumida surgiu como uma tentativa de amenizar a
situação das vítimas de danos, uma vez que colocaram-nas em situação
privilegiada, sem que tenham que exercer o ônus probatório a seu favor. Observa-se
também a situação de culpa presumida na ocorrência da responsabilidade civil
indireta, ocasião em que o ordenamento jurídico atribui a responsabilidade ciivl a
_______________
24
quem diga que somente remanesce a culpa presumida na responsabilidade dos pais pelos atos
de filhos menores. Ainda assim, outra corrente diz tratar-se referida hipótese de responsabilidade
objetiva, e não de culpa presumida. (GONÇALVES, 2008, p.98). Paulo Lôbo (2000, on line),
defendendo a permanência da culpa presumida no ordenamento jurídico pátrio, aduz que esta
―constitui um avanço na tendência evolutiva que aponta para a necessidade de não se deixar o
dano sem reparação, interessando menos a culpa de quem o causou e mais a imputar a alguém a
responsabilidade pela indenização. Por isso, cresceram as hipóteses em que a lei, ou a
jurisprudência, consideram que a culpa é presumida, cabendo ao imputável contraditá-la.‖
126
alguém que não foi o causador do dano de forma indireta, mas que possuía o dever
geral de vigilância sobre o terceiro que o causou.
A aferição de culpa presumida representa uma maneira de conciliar a teoria
subjetiva com as dificuldades de se provar a culpa (lato sensu), sendo, portanto,
considerada como fonte de transição para que se chegasse à teoria objetiva da
responsabilidade civil.
Nesse sentido, Venosa (2003, p. 27), corroborando a afirmação de que na
hipótese de culpa presumida, haverá a inversão do ônus da prova, cabendo ao u
provar que não agiu com culpa, chama a atenção para o fato de que a culpa
presumida não pode ser confundida com a responsabilidade objetiva, uma vez que,
para ocorrência desta, não há necessidade de culpa.
Por fim, vê-se que, para a maioria da doutrina, não representa mais a ―culpa
presumida‖ instituto de relevância no ordenamento jurídico. Nesse sentido, Marcelo
Junqueira Calixto (2008, p.198-199), ao dissertar sobre a diferenciação entre
obrigação de meio e de resultado, aduz que:
Sobre tal distinção é tradicionalmente afirmado que, na obrigação de
resultado, a culpa do agente estaria evidenciada pela não obtenção deste
resultado. Em outras palavras, a não ocorrência deste faria presumir a culpa
daquele, que, em sua defesa, deveria demonstrar a ausência de culpa ou
que a impossibilidade decorreu de fatores externos à sua vontade, tais
como o fortuito e o fato de terceiro, que são, propriamente, excludentes do
nexo causal. na obrigação de meio, incumbe à vítima demonstrar que
houve uma conduta culposa no próprio desempenho da atividade, não
podendo argumentar com a simples não ocorrência do resultado, uma vez
que este não é assegurado pelo agente. Tem-se, em outras palavras, a
necessidade da demonstração efetiva da culpa do agente, o se podendo
falar, ordinariamente, em presunção desta.
A propósito disso, Calixto (2008, p. 199-200) afirma que, hoje, tal diferenciação
mostra-se evidentemente artificial, assim entendendo-se a crítica segundo a qual,
mesmo nas obrigações de resultado, não que se falar que a culpa advenha pela
não ocorrência deste. Da mesma forma, assevera que, na obrigação de meio, não
podeo agente ser exonerado de qualquer responsabilização pelo fato de não ter
garantido o resultado. Estende o que chama de ―artificialidade‖ às construções
jurisprudenciais acerca da matéria, ponderando que estas têm reconhecido como
obrigação de resultado a cirurgia plástica ou embelezadora (bem como outros
127
procedimentos), talvez como forma de garantir a efetiva reparação dos danos
causados ao consumidor.
Na mesma esteira de pensamento, Carlos Roberto Gonçalves (2008, p.98)
assevera que a solução mais consentânea com o ideal de justiça só será encontrada
na teoria do risco. Para o autor, a solução por meio da qual se permitia deixar ao
lesado o prejuízo por ele experimentado, tão somente porque aquele que deveria
responder pelo evento danoso conseguira provar que havia usado de todos os
recursos possíveis no sentido de evitar o resultado lesivo, ―estaria longe de
corresponder ao senso de justiça‖. Assim, a ideia de risco, indubitavelmente, mostra-
se como a que mais se aproxima da realidade.
3.2.2 Teoria objetiva sem culpa (teoria do risco)
No sistema da responsabilidade objetiva, é desnecessário se perquirir sobre a
existência ou não de culpa por parte do ofensor, pois o dever de indenizar tem por
principal referência a situação da vítima e do prejuízo por ela experimentado.
J. R. Vieira Netto (1989, p.113), desde o final da década de 80, asseverava
que a legislação brasileira, de maneira indiscutível, demonstrava uma forte tendência
para o âmbito dessa espécie de responsabilidade. Lembra, ainda, que o princípio
legislativo mais antigo acerca da responsabilização objetiva é a Lei 2.681, de
1912, que regulou a responsabilidade de Estradas de Ferro, estabelecendo a
presunção de culpa pelas perdas, furtos de mercadorias, avarias, isso sem levar em
conta a responsabilidade decorrente dos desastres ocorridos em suas linhas,
ocasionando aos viajantes ferimentos, lesões corporais e, às vezes, até mesmo,
mortes.
Como se observa, a teoria da responsabilidade objetiva, no direito brasileiro,
segundo a doutrina majoritária, encontra o seu fundamento geralmente no risco, em
que impera o princípio do controle e prevenção do perigo, tornando desnecessária a
questão em torno da presença da culpa (lato sensu) e do ônus da prova com relação
a ela, dentre outras questões.
O risco, entretanto, como fundamento da responsabilidade, sempre foi objeto
de diversas críticas e questionamentos, uma vez que é noção de alcance vago e
128
contornos indenfinidos. Pode-se dizer que toda atividade humana, ainda que de
forma singela, envolve uma parcela de risco. Entretanto, o risco para ter relevância
jurídica necessita estar inserido dentro do exercício de uma atividade lícita, ou seja,
derivar de uma atividade tida como normal. Na verdade, de ser observada a
relação custo-benefício que advenha de sua existência, de modo a evitar o
surgimento de situações demasiadamente onerosas aos que o obrigados a
indenizar. No intuito de amenizar tais distorções, vem-se admitindo limitação
quantitativa da indenização e adotando-se o seguro, na forma de socialização dos
riscos. Disso decorre a forte tendência atual de ampliar a figura do seguro
obrigatório. (VIEIRA NETTO, 1989, p. 84-86).
Como abordado no tópico anterior, ainda que a teoria da responsabilidade
subjetiva tenha, durante sua evolução, passado a admitir a figura jurídica da culpa
presumida, com vistas a facilitar a reparação do dano sofrido pela vítima em
ocasiões em que a prova da culpa do ofensor mostrava-se deveras penosa, esta
não foi suficiente para dirimir todos os imbróglios e situações em que a aplicação da
teoria subjetiva não se denotava justa nem tampouco adequada.
Surgiu, assim, a teoria objetiva, cujo dever de indenizar prescinde da verificação
da culpa (lato sensu), bastanto que restem demonstrados o dano e o nexo causal
entre este e a conduta do agente, sendo irrelevante cogitar-se de atitude culposa ou
dolosa. Nesse sentido, ao afirmar que a teoria objetiva não se confunde com a figura
jurídica da culpa presumida, alerta Aguiar Dias (1997, p. 84):
Não confundimos, pelo menos propositadamente, os casos de
responsabilidade objetiva com os de presunção de culpa. Na realidade,
como tivemos ocasião de dizer, o expediente da presunção de culpa é,
embora o não confessem os subjetivistas, mero reconhecimento da
necessidade de admitir o critério objetivo. Teoricamente, porém, observa-se
a distinção, motivo por que incluímos como casos de responsabilidade
objetiva os que são confessadamente filiados a esse sistema. Assim, não
quisemos aludir ao Decreto 2.681, regulador da responsabilidade das
estradas de ferro, que se funda, por declarações reiteradas de seus textos,
em presunção de culpa, nem a outros dispositivos de lei, onde houve o
propósito de conservar a culpa como base da responsabilidade. Exemplo
frisante disso tinha no antigo Código Brasileiro do Ar, conforme se tratasse
de responsabilidade perante passageiros ou perante terceiros. Em
essência, repetimos, a assimilação entre um e outro sistema é perfeita,
significando o abandono disfarçado ou ostensivo, conforme o caso, do
princípio da culpa como fundamento único da responsabilidade. Em teoria, a
distinção subsiste, ilustrada por exemplo prático: no sistema da culpa, sem
ela, real ou artificialmente criada, não responsabilidade; no sistema
objetivo, responde-se sem culpa, ou melhor, esta indagação não tem lugar.
129
Aliás, quem sustente a impropriedade da expressão responsabilidade
objetiva, oposta a responsabilidade subjetiva, partindo da consideração de
que o critério que informa a responsabilidade de acordo com o padrão do
bom pai de família é objetivo (o que não importa tornar objetivo o sistema),
ao passo que na chamada responsabilidade objetiva encontram-se
aspectos pessoais, que excluem a simples causalidade, princípio sobre que
se teria edificado o sistema objetivo.
Em vez de exigir que a responsabilidade civil resulte dos elementos tradicionais
atinentes à espécie culpa (em sentido amplo), dano e vínculo de causalidade entre
uma e outro -, a doutrina objetiva assenta na equação binária cujos polos são o dano
e a autoria do evento danoso. Nesse sentido, não o que se cogitar acerca da
imputabilidade ou de se perquirir a antijuridicidade do fato danoso.
25
O fator predominante para que o ressarcimento reste assegurado é a
verificação se ocorreu o evento, bem como se dele emanou o prejuízo. Observados
esses requisitos, o autor do fato causador do dano é o responsável. Com a teoria do
risco não necessidade de o órgão julgador examinar o caráter lícito ou ilícito
26
do
ato imputado ao pretenso responsável, vez que as questões de responsabilidade
transformam-se em simples problemas objetivos que se reduzem à pesquisa de uma
relação de causalidade. (PEREIRA, 2001, p. 269).
Assim, referida corrente baseia-se na teoria do risco, cuja previsão genérica
encontra-se consubstanciada no parágrafo único do art. 927 do CC. Sua aplicação é
prevista de maneira excepcional, decorrendo somente de situações legalmente
previstas ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo causador do dano
_______________
25
A obrigação de ressarcir surge da prática do delito civil. Este, por sua vez, é derivado de um ato
que viola direito protegido por lei, implicando, por conseqüência, a antijuridicidade, considerada
esta como a contrariedade ao direito. Orlando Gomes (1999, p. 253-254), por sua vez, aduz que a
antijuridicidade - entendida como pressuposto da responsabilidade - poderá assumir cunho objetivo
ou subjetivo. No sentido objetivo, equivalerá ao comportamento em desconformidade com o
ordenamento jurídico ou ao negócio lícito avençado. Na acepção subjetiva, assumirá contornos de
―comportamento desconforme‖, donde a imputação do evento danoso será verificada em face da
consciência do agente ofensor, ou seja, culpa ou dolo por parte deste. Segundo o autor, a ilicitude
advém, justamente, da antijuridicidade subjetiva.
26
foi dito acima que a antijuridicidade corresponde ao ato contrário ao direito. Nesse diapasão,
Marcelo Junqueira Calixto (2008, p. 163-166), considera que se pode afirmar que o art. 186 do CC
de 2002, que enuncia a regra geral acerca da responsabilidade subjetiva do direito brasileiro, a ele
se refere, quando afirma que comete ato ilícito aquele que ―violar direito‖. Para o autor, é
justamente nesse ponto que se observa a possível distinção entre os termos ―ilicitude‖ e
―antijuridicidade‖. Consoante afirma, o próprio art. 186 do CCB deixa claro que a licitude é mais
ampla do que a antijuridicidade, vez que, além desta, exige para a configuração do ilícito a
presença do requisito subjetivo da culpa ou do dolo. Assim, entende-se ―a razão pela qual referido
dispositivo exige, além do ato contrário a direito, a negligência ou imprudência para a configuração
do ato ilícito. Também faz referência à ação ou omissão voluntária, que só pode significar o
comportamento doloso, sob pena de repetição das modalidades da culpa, sempre voluntárias.‖
130
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, como se denota pela
leitura do próprio dispositivo legal acima mencionado.
Consoante explicitado no tópico anterior, o surgimento da ideia de risco,
como fundamento da responsabilidade civil, deu-se a partir da segunda metade do
século XIX,
27
colocando sempre em foco a insuficiência do clássico conceito de
culpa, considerada esta em seu amplo sentido. Sem dúvida, a novel teoria surgiu
diante do desejo do restabelecimento de um equilíbrio social, do reforço das boas
regras em sociedade, enfim, da premente necessidade de conservação da paz
social.
Como ocorre comumente quando do surgimento de uma nova doutrina, logo
houve uma desenfreada proliferação de extremos com relação à teoria objetiva.
Dentro desse contexto, apareceram várias acepções que se identificaram como
modalidades ou especializações dessa ideia mais ampla, todas girando em torno da
ideia central do risco.
Calixto (2008, p.160), citando Patrícia Ribeiro Serra Vieira (2005, p.88-89),
identifica as diversas teorias reunidas sob a expressão genérica ―Teoria do Risco‖. A
autora faz uma sumária apresentação de cada uma delas, a seguir: Para os adeptos
da teoria do risco-benefício (ou risco-proveito), o agente responsável seria aquele
que retira vantagem econômica com a execução da atividade por si desempenhada.
Em outras palavras, aquele que, com sua atividade de risco, obtém vantagens e
benefícios, deve arcar com os prejuízos que desta atividade resultar. Ocorre que a
lei não precisou quais atividades naturalmente desenvolvidas impliquem na
assunção de riscos, restando patente a necessidade de maior debate doutrinário e
jurisprudencial acerca do tema.
Existe, outrossim, corrente semelhante à anterior, embora de maior amplitude,
denominada de teoria do risco-criado. Para os adeptos dessa concepção, levando-
se em consideração que o homem, pelo próprio fato de agir, aufere e usufrui todas
as vantagens de sua atividade, criando riscos de prejuízos para os outros, deve este
deter a obrigação reparatória de eventuais ressarcimentos que se façam
_______________
27
A respeito da teoria do risco, recomenda-se a leitura de rios artigos constantes no livro de DIAS,
José de Aguiar. Responsabilidade civil: estudos e depoimentos no centenário do nascimento de
José de Aguiar Dias (1906-2006). Rio de Janeiro: Forense, 2006.
131
necessários, ficando isento somente por ocasião da prova de que tomou todas as
cautelas necessárias para evitá-lo. Caio Mário da Silva Pereira (2001, p. 284), ao
dissertar sobre a teoria do risco-criado, assim assevera:
Das modalidades de risco, eu me inclino pela subespécie que deu origem à
teoria do risco criado. Como já mencionei, ao elaborar o Projeto de Código
de Obrigações de 1965, defini-me por ela, no que fui seguido pelo Projeto
de Código Civil de 1975 (Projeto 634-B). Depois de haver o art. 929 deste
Projeto enunciado o dever ressarcitório fundado no conceito subjetivo, seu
parágrafo único esposa a doutrina do risco criado, a dizer que,
independentemente da culpa, e dos casos especificados em lei, haverá
obrigação de reparar o dano ‗quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de
outrem‘.
Consoante a teoria do risco profissional, o dever de indenizar origina-se da
atividade ou profissão exercida regularmente pelo autor. Em outra senda, a teoria do
risco excepcional se verifica em consequência de uma situação excepcional de risco,
gravosa à coletividade, decorrente da exploração de atividades de alta
periculosidade.
Finalmente, ainda na mesma seara das teorias do risco, surge a teoria do risco
integral (espécie mais radical dentre todas), diferenciando-se das demais por não
admitir o rompimento do nexo causal, ou seja, refuta a oposição das excludentes do
dever de indenizar. Desta feita, para essa espécie de responsabilidade, basta a
ocorrência do dano para que exsurja a responsabilidade civil. Pouco importa se
houve culpa exclusiva da vítima, caso fortuito, de força maior ou fato de terceiro.
No entendimento de Hely Lopes Meirelles (1994, p.557-558), a teoria do risco
compreende somente duas modalidades, quais sejam: a do risco administrativo e a
do risco integral. Enquanto a segunda não admite nenhuma das causas excludentes
da responsabilidade do Estado, como já explicitado acima, a primeira exonera o ente
estatal de qualquer ressarcimento no caso de culpa da vítima, culpa de terceiros e
força maior.
Vale ressaltar, contudo, que a maior parte da doutrina não faz tal distinção,
considerando as duas expressões risco integral e risco administrativo como
132
sinônimas ou falando em risco administrativo como correspondendo ao acidente
administrativo.
28
Prova disso é que mesmo dentre os autores que mencionam a teoria do risco
integral, admite-se a ocorrência de causas excludentes da responsabilidade.
29
Yussef Said Cahali (2007, p. 40), apesar de explanar acerca das ideias defendidas
por Meirelles, critica a diferenciação feita por ele, sustentando que:
[...] a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali
estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as
duas modalidades de risco pretendidas, mas simplesmente em função das
conseqüências irrogadas a uma outra modalidade: o risco administrativo é
qualificado pelo seu efeito de permitir contraprova de excludente de
responsabilidade, efeito que seria inadmissível se qualificado como risco
integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da
distinção. [...] Deslocada a questão para o plano da causalidade, qualquer
que seja a qualificação atribuída ao risco risco integral, risco
administrativo, risco proveito aos tribunais se permite exclusão ou
atenuação daquela responsabilidade do Estado quando fatores outros,
voluntários ou não, tiverem prevalecido ou concorrido como causa da
verificação do dano injusto.
De qualquer forma, vigora no país a teoria do risco administrativo, nos
seguintes moldes, bem explicitados por Cahali (2007, p. 42-43), a saber:
[...] a) se o dano é injusto, e, como tal, sujeito ao ressarcimento pela
Fazenda Pública, se tem como causa exclusiva a atividade, ainda que
regular, ou irregular da Administração; b) o dano deixa de qualificar-se
juridicamente como injusto, e, como tal, não autoriza a indenização, se tem
como causa exclusiva o fato da natureza, do próprio prejudicado ou de
terceiro; c) o dano é injusto, mas sujeito à responsabilidade ressarcitória
atenuada, se concorre com a atividade regular ou irregular da
Administração, como causa, fato da natureza, do próprio prejudicado ou de
terceiro.
Desta feita, conclui o autor afirmando que será no exame das causas do dano
injusto que se determinarão os casos de exclusão ou atenuação da responsabilidade
do ente estatal, sempre quando houver ausência de nexo de causalidade ou
causalidade concorrente na verificação do dano injusto passível de indenização. Isso
tende a amenizar a inconsistência da generalização irrefletida da teoria do risco
_______________
28
Também conhecida como teoria da culpa do servo ou da culpa administrativa, a qual procurava
desvincular a responsabilidade do Estado da idéia de culpa do agente público. Passou-se a falar em
culpa anônima do serviço público, quando não era possível a identificão da culpa individual do
funcionário, que, caso fosse individualizada, faria com que ele próprio respondesse pelo dano gerado.
29
Vide Di Pietro (2004, p. 550-552).
133
fundada na ocorrência de nexo de causalidade entre conduta estatal e prejuízo do
cidadão.
Com efeito, os Tribunais trios vêm dando um tratamento equivocado à
configuração do nexo de causalidade, reconhecendo, com extrema facilidade, hipóteses
discutíveis de existência de nexo causal. Tal fator, somado ao imenso volume de
processos judiciais em curso, faz com que o Estado seja responsabilizado
indevidamente. Nesse sentido, adverte Gilmar Ferreira Mendes (2000, on line):
O Direito brasileiro, como é sabido por todos, aceita a teoria da
responsabilidade objetiva do Estado. Mas será que isso quer dizer a
responsabilidade do Poder Público por qualquer fato ou ato, comissivo ou
omissivo no qual esteja envolvido, direta ou indiretamente? Qualquer
acadêmico de Direito que tenha uma mínima noção dos requisitos para a
configuração dessa responsabilidade civil sabe que não. Porém, alguns de
nossos juristas e magistrados têm-se servido de um conceito amplíssimo de
responsabilidade objetiva, levando às raias do esoterismo a exegese para a
definição do nexo causal. [...] O cortejo de aberrações não termina, e esses
pleitos, pulverizados dentro da brutal massa de processos judiciais em
curso, passam despercebidos, arrimados freqüentemente em laudos e
pareceres técnicos de duvidosa idoneidade.
Diante do exposto, afirma-se que a doutrina do risco administrativo, no afã de
buscar um fundamento para a responsabilidade do Estado, terminou, muitas vezes,
procedendo com generalizações descabidas, conduzindo a situações também
injustas e irrazoáveis, tudo no intuito de afastar a possibilidade de pesquisa sobre a
culpa, até mesmo porque este afastamento se impunha em muitos casos.
3.3 A responsabilidade civil do Estado
A responsabilidade civil do ente estatal pode ser de natureza contratual ou
extracontratual. Quando a responsabilidade civil do Estado for derivada de um
contrato, o dever de indenizar do Estado é imputado pela teoria da responsabilidade
subjetiva, ou seja, dependerá da verificação de dolo ou culpa (stricto sensu), nos
termos que dispõe a Lei de Licitações e Contratos da Administração (Lei
8.666/93). Referida matéria, pertencente à disciplina do Direito Administrativo, por se
tratar de contrato da administração, foge à seara da abordagem deste estudo.
A responsabilidade extracontratual interessará mais amiúde a este trabalho.
Importa no dever que tem o Estado de reparar os prejuízos causados aos
administrados, seja em razão de conduta comissiva, seja por conduta omissiva
134
perpetrada no exercício das atividades públicas. Verificada a conduta de qualquer
pessoa jurídica de direito público ou de pessoa jurídica de direito privado no
exercício de funções ou atividades estatais, o dano ao particular, bem como o nexo
causal entre ambos, caberá ao Estado responder pelos danos causados.
Ressalte-se que o tema relativo à responsabilidade do Estado e de seus
agentes, conforme se verificará, encerra um amontoado de problemas, cujo trato, em
diversos casos, foi objeto de ferrenhas discussões doutrinárias. Desde já, alerta-
se que o foco do trabalho voltou-se, mais especificamente, para a configuração dos
principais pontos da reparação dos prejuízos ocasionados pela conduta dos notários
e registradores (e seus prepostos), cuja análise mostra-se necessária para a
compreensão do regime jurídico respectivo.
3.3.1 Antecedentes históricos
A matéria da responsabilidade civil do Estado não é questão nova no Direito.
Mas é cediço que somente a partir de meados do século XIX tal questão passou a
ocupar local de destaque nas pautas dos grandes juristas.
Antes de proceder à análise da responsabilidade civil do Estado nos termos da
Consituição Federal de 1988, importa realizar uma digressão histórica acerca de sua
evolução e desenvolvimento ao longo dos tempos. Para esse fim, observam-se três
marcos históricos na evolução doutrinária, legal e jurisprudencial do instituto, todos
representativos de concepções distintas acerca da matéria.
Inicialmente, defendia-se o princípio da irresponsabilidade total. Yussef Said
Cahali (2007, p. 20-21) apresenta os principais postulados que se firmaram para
embasar a teoria da irresponsabilidade do Estado, a saber:
1) na soberania do Estado, que, por natureza irredutível, proíbe ou nega sua
igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação; a responsabilidade do
soberano perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria
uma contradição nos termos da equação; 2) segue-se que, representando o
Estado soberano o direito organizado, não pode aquele aparecer como
violador desse mesmo direito; 3) daí, os atos contrários à lei praticados
pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo
ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados nomine proprio.
135
Ora, tendo a teoria da irresponsabilidade do Estado se firmado na época dos
governos absolutistas,
30
incabível seria a ideia de indenização de prejuízos causados
pelo ente estatal, uma vez que este era caracterizado por deter autoridade
incontestável perante seus súditos. A célebre frase The king can do no wrong ilustra
com sucesso esse período ao qual se reporta, segundo a qual o Rei o erra, não
faz o mal ou, ainda, o que agrada ao Príncipe tem valor de lei.
Não é demasiado lembrar que países como os Estados Unidos e a Inglaterra,
últimos países a sustentarem a teoria da irresponsabilidade estatal, acabaram por
abandoná-la, respectivamente, por meio do Federal Tort Claim Act (de 1946) e do
Crown Proceeding Act (de 1947), restando tal conceito totalmente superado.
Com a queda do Absolutismo,
31
esse posicionamento evoluiu e passou-se a
entender que o Estado seria responsável pelos danos causados a terceiros pela
prática dos chamados atos de gestão, em contraponto com os atos de império. A
questão passou a ser posta sobre o terreno civilístico.
32
(CAHALI, 2007, p. 22).
Di Pietro (2004, p.549-550) acentua que, numa primeira fase da teoria civilista,
distinguiam-se os atos de império dos atos de gestão. Com efeito, ao praticar atos
de império, gozaria a Administração de todas as prerrogativas e privilégios de
autoridade, uma vez que tais atos estariam estreitamente vinculados à soberania
estatal, razão pela qual aplicar-se-ia um direito especial, ficando o Estado, por
conseguinte, isento de responsabilidade. Por outro lado, no que diz respeito aos atos
de gestão, estes seriam praticados pela Administração em situação de igualdade
com os particulares (administrados). Como para os particulares vigorava a regra da
responsabilidade, nesse plano, onde vigorava o direito comum, o ente estatal seria
responsabilizado desde que houvesse culpa de seu agente.
_______________
30
Até o século dezoito, o Estado não apresentava as mesmas características do Estado Moderno,
cabendo ao Rei ou Imperador dirigir o ente estatal à moda absolutista. Somente eles podiam
asseverar o que fosse bom para os súditos e estes se sujeitavam a todos os comandos dos
soberanos, cujo poder absoluto fundamentava-se na teoria do Direito Divino, ou seja, os reis eram
considerados representantes de Deus na Terra.
31
Os Estados Unidos, entretanto, não viveram o período absolutista, vez que se organizaram com
propostas liberal-democráticas.
32
Bandeira de Mello (2008, p. 992) lembra que o reconhecimento da responsabilidade do Estado, à
margem de qualquer texto legislativo, teve como marco fundamental o famoso aresto Blanco, do
Tribunal de Conflitos, proferido em 1° de fevereiro de 1873, ainda que nele tenha ficado fixado que
a responsabilidade do Estado não é geral, nem absoluta, bem como que se regula através de
regras especiais.
136
A teoria civilista inicialmente proposta, embora tenha se consagrado por
representar o fim da irresponsabilidade estatal, acabou sendo superada em razão da
fragilidade de seus enunciados. Com efeito, seus opositores argumentavam que,
sendo o Estado uno e soberano, não se podia operar tal separação, uma vez que
mesmo ao praticar atos de gestão, agia o Poder Público, não na situação de
particular, mas sim objetivando a consecução dos fins que lhe eram próprios.
A partir de então, em um segundo momento da fase civilista de
responsabilidade estatal, passou-se a apregoar que o Estado deveria responder
pelos atos culposos ou dolosos de seus agentes. Era a teoria da culpa civil ou da
responsabilidade subjetiva.
Finalmente, em um terceiro momento dessa evolução histórica, a questão da
responsabilidade civil do Estado passou a ser encarada sob o prisma do direito
público, surgindo, assim, as teorias publicistas da responsabilidade do Estado. A
maneira como se estabeleceu essa publicização do instituto da responsabilidade civil
do Estado não apresenta contornos definidos. Acredita-se que, provavelmente, o
fenômeno tenha ocorrido em virtude da despersonalização da culpa, vez que, ante o
anonimato do agente, passou esta a ser considerada falha da máquina
administrativa. (CAHALI, 2007, p. 24-25).
Na tentativa de resolver a questão da responsabilidade civil do Estado,
surgiram três teorias distintas: a) a da culpa administrativa; b) a do risco
administrativo; e c) a do risco integral, todas elas provenientes de um único tronco
que lhe é comum o da responsabilidade objetiva da Administração Pública
embora apresentem variáveis concernentes ao seu fundamento e hipóteses de
aplicação. (STOCO, 2006, p. 958).
A teoria da culpa administrativa, culpa anônima ou da falha na Administração,
possui contornos civilistas, sendo, entretanto, mais abrangente, uma vez que não
demanda a identificação de uma culpa individual para deflagração da
responsabilidade civil do Estado. Nesse sentido, a ideia de culpa do agente estatal
é ultrapassada pela noção do que se denominava de faute du service, ou seja, culpa
ou falta do serviço. Dentro dessa concepção, o Estado repararia o dano sempre que
137
fosse comprovado o mau funcionamento do serviço, bem como sua falta de
funcionamento ou funcionamento tardio.
33
Todavia, essa teoria não possuía critérios objetivos, como apregoavam
alguns,
34
sendo de cunho eminentemente subjetivista, conforme ressalta Celso
Antônio Bandeira de Mello (2008, p.993-994). Para o autor, faz-se mister ressaltar
que a responsabilidade por falta, falha ou culpa do serviço não se confunde com
nenhuma das modalidades de responsabilidade objetiva. Trata-se de
responsabilidade subjetiva porque baseada na noção de culpa (em sentido amplo),
uma vez que, para sua deflagração não basta a mera objetividade de um dano
relacionado com um serviço prestado pelo Estado, sendo, ao contrário, necessário
que exista o elemento da ―culpa‖, tipificador da responsabilidade subjetiva.
no final do século XIX, foi constatado que a exigência da prova da culpa por
parte da vítima da conduta danosa ocasionava sérios problemas, não garantindo a
reparação do prejuízo suportado. Em consequencia disso, esforços passaram a ser
concentrados no sentido de amenizar o ônus probatório imposto ao lesado, sem,
contudo, abolir formalmente tal instituto. Surgiam, assim, as primeiras teorias
preconizadoras de presunção de culpa por parte do ofensor pelos danos que sua
conduta viesse a ocasionar. Outra saída, consoante já explanado, foi operar a
transformação da culpa extracontratual em espécie contratual, de modo que certos
contratos fossem obrigados a gerar um resultado, bem como a consagração de uma
concepção objetiva de culpa (o que importou em revisão do próprio conceito primário
desta). (CALIXTO, 2008, p. 150-152).
Dessa forma, com relação ao ente estatal, assim como em outras áreas nas
quais o número de vítimas era imenso (mostrando-se evidente a dificuldade em
provar a culpa por parte do ofensor), o pressuposto da culpa, como condição da
responsabilidade civil, findou se demostrando como injustificável pela melhor
doutrina, mormente nos casos em que o conceito de culpa civilística, por si ambíguo,
_______________
33
Nesse sentido, vide Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.992).
34
Dentre eles o próprio Rui Stoco (2008, p. 958), como observado acima. Para referido doutrinador, a
teoria da culpa administrativa representou um primeiro estágio de transição entre a doutrina
subjetiva da culpa civil e a tese objetiva do risco administrativo que a sucedeu. Segundo esta
doutrina, não de se indagar acerca da culpa do agente administrativo, mas tão-somente se
houve falta objetiva do serviço em si mesmo, capaz de causar dano a outrem e gerar a obrigação
de indenizar.
138
não restava suficiente para explicitar o dano que teria resultado de falha da
máquina administrativa, de culpa anônima da Administração. Em decorrência disso,
buscou-se suprir sua ineficiência através da concepção de uma culpa publicística.
(CAHALI, 2007, p.24).
Ainda que o conceito de culpa houvesse sofrido objetivação em seu conteúdo,
esta continuava a ser vista como elemento de responsabilidade civil, por isso
nomeada de subjetiva. Faltava, então, proclamar-lhe a extinção. Referida tarefa foi
abraçada pelo legislador, que passou a elaborar leis especiais que negavam o
elemento da ―culpa‖ como pressuposto da responsabilidade civil. Com o passar do
tempo, estas leis especiais tornaram-se numerosas, de modo que a
responsabilidade civil sem culpa, no século XX, veio a ser consagrada em alguns
Códigos Civis. Isso ocorreu com o Código Civil português de 1967, que serviu, em
muitos aspectos, de fonte inspiradora do Código Civil brasileiro, em vigência desde
11 de janeiro de 2003. (CALIXTO, 2008, p. 155-156).
Sendo assim, diante de tantos inconvenientes, foi proclamada a
responsabilidade objetiva do Estado, ou seja, independentemente da demonstração
de falta, culpa ou falha no serviço. Tal avanço se deu com base nos princípios da
equidade e da igualdade de ônus e encargos sociais, uma vez que ―se a atividade
administrativa do Estado é exercida em prol da coletividade, se traz benefícios para
todos, justo é, também, que todos respondam pelos seus ônus, a serem custeados
pelos impostos.‖ (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 231).
Nessa mesma linha de raciocínio, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.
1.108) observa que ―esta é a maneira de a comunidade absorver os prejuízos que
incidiram apenas sobre alguns, os lesados, mas que foram propiciados por
organizações constituídas em prol de todos‖. Na visão do doutrinador, muitas vezes,
os prejuízos decorrentes da ação estatal resultam de comportamentos produzidos no
intuito de desempenhar missões no interesse de toda a Sociedade, não se figurando
justo, portanto, que apenas um administrado, ou pequena parte deles, suporte sozinho
os danos suscitados em decorrência de atividades exercidas em proveito de todos.
Dentro do rol das teorias publicísticas, inseridas no campo da responsabilidade
objetiva, a do risco integral apregoa que a Administração Pública estará obrigada a
139
indenizar todo e qualquer dano, não sendo admitida a oposição de nenhuma das
excludentes de ilicitude, tais como culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força
maior. Trata-se de posição extremada e radical dentro da doutrina do risco
administrativo, tendo merecido repúdio da maioria dos estudiosos da matéria por
considerá-la inadmissível dentro de um Estado Democrático de Direito, haja vista o
excesso e a injustiça social que seu enunciado conduz.
Diante disso, consoante será visto adiante, na fase mais recente da evolução
havida nas teorias que dizem respeito à responsabilidade do Estado, formulou-se a
teoria do risco administrativo, baseada na teoria do risco, como explanado neste
estudo, que a atividade pública, em suas multifacetadas atribuições, gera para os
administrados e na possibilidade de lhes causar danos. Ainda que caiba ao Estado
atuar em prol de toda a coletividade, é possível que alguns particulares sofram
danos excepcionais, ou seja, que excedam os meros incômodos provenientes da
vida em sociedade, por conta da conduta de agentes estatais.
O ordenamento jurídico pátrio optou pela adoção dessa teoria - a do risco
administrativo. Essa espécie de teoria objetiva, embora dispense a prova da culpa
do agente administrativo, condiciona a responsabilidade civil do Estado à ocorrência
de alguma falha ou ao funcionamento defeituoso do serviço público, que o faça
situar como causa objetiva da lesão suportada pelo administrado (particular).
(CAHALI, 2007, p. 54).
Nesse sentido, como pondera Cahali (2007, p.54), embora não se mostre
necessária a demonstração de culpa ou dolo do agente público, que se observar
o nexo de causalidade entre a conduta estatal e o dano suportado pelo particular.
Ademais, ―a teoria do risco administrativo, embora dispense a prova da culpa da
Administração, permite-lhe demonstrar a culpa da vítima, para excluir ou atenuar a
indenização.‖
35
A discussão acerca do assunto será retomada por ocasião da análise
específica acerca do regime de responsabilidade civil a que estão adstritos os
titulares das serventias extrajudiciais não-oficializadas e o Estado, em virtude de
_______________
35
SÃO PAULO. TJSP, mara, AC 75.017-1, rel. Octávio Stucchi, 26.08.1986. 5ª. CC:
Responsabilidade civil da Fazenda Pública Morte Estrito cumprimento do dever legal pelo militar
Ação improcedente (28.02.1985, RJTJSP 95/119).
140
prejuízos causados por aqueles (e seus prepostos), em decorrência de sua condição
de prestadores de serviços públicos.
3.3.2 A responsabilidade civil do Estado na CF de 1988
A primeira aparição da figura jurídica da responsabilidade civil do Estado de
que se tem notícia no Direito trio ocorreu por ocasião do advento do Código Civil
de 1916,
36
que assim prescrevia:
Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis
por atos dos seus representantes que nessa qualidade causem danos a
terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever
prescrito por lei, salvo o direito regressivo conta os causadores do dano.
A responsabilidade estatal, àquela época, consoante se denota pela leitura do
dispositivo legal supracitado, baseava-se na teoria civilista, que exigia a presença do
elemento ―culpa‖ por parte do agente público que o representava, a fim de que
emergisse o dever de ressarcir.
A fase publicista da responsabilidade do ente estatal no Direito brasileiro se inicia
com a promulgação da Constituição Federal de 1946,
37
uma vez que suas duas
antecessoras, promulgadas após o digo de Beviláqua (Constituição Federal de 1934
e 1937), mantiveram o cririo subjetivo para aferição da responsabilidade do Estado.
Nesse sentido, após a instauração de uma nova ordem judica, em 1946, passou-
se a adotar a teoria do risco administrativo, cuja responsabilidade passava a ser
imputada por critérios objetivos, havendo para o ente estatal, entretanto, a possibilidade
de propor ação regressiva contra o agente público causador do dano, no caso de este
_______________
36
Yussef Said Cahali (2007, p. 30) nos conta que ―embora omissa a respeito da responsabilidade
civil do Estado, dispunha a Constituição Republicana de 1891, em seu art. 82, que ‗os funcionários
públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício
de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem
efetivamente os seus subalternos‘.‖
37
A Constituição Federal de 1946 previa a responsabilidade civil do Estado no art. 194: ―Art 194 - As
pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus
funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único - Caber-lhes-á ação regressiva
contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes.‖
141
ter agido com culpa em sentido estrito, bem como a possibilidade de exclusão da
responsabilidade em caso de culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou foa maior.
38
Posteriormente, com a Carta magna de 1967, foi acrescentado o elemento
―dolo‖, que passou a constar expressamente na redação do art. 105 como apto a
ensejar o direito de regresso do Estado contra seu respectivo agente.
A Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, denominada
de ―Constituição Cidadã‖, manteve a teoria do risco administrativo, inovando,
contudo, no sentido de prever expressamente a responsabilização objetiva também
das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (fossem elas
permissionárias, concessionárias ou integrantes da Administração Pública indireta),
e não mais somente das pessoas jurídicas de direito público. Assim, o texto
constitucional atual preceitua, em seu art. 37, §6º, o seguinte:
§ - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Mesmo no caso de o dano causado ao particular decorrer da atuação de
agentes pertencentes à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços
públicos, ainda assim, poderá o Estado ser responsabilizado.
A respeito disso, Gonçalves (2003, p. 176-177) aduz que tem sido decidido que
a pessoa jurídica de direito privado, na qualidade de concessionária de serviço
público, responderá de maneira direta e imediata pelos danos que as empresas
contratadas causarem aos particulares, não havendo necessidade de indagação
acerca da culpa ou do dolo, haja vista a respectiva responsabilidade estar ancorada
na culpa objetiva, surgindo pela simples ocorrência do fato lesivo, consoante
disposto no art. 37, § da CF de 1988. Parece que o autor, ao concordar com a
tendência jurisprudencial, aceita que a responsabilidade da concessionária será
_______________
38
A adoção dessa teoria tem prevalecido até hoje, como podemos observar através do entendimento
reiterado do C. Supremo Tribunal Federal, propalado nos seguintes julgamentos: RE 318.725-AgR,
Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-12-08, Turma, DJE de 27-2-09; RE 238.453, voto do
Min. Moreira Alves, julgamento em 12-11-02, DJ de 19-12-02); RE 109.615, Rel. Min. Celso de
Mello, julgamento em 28-5-96, DJ de 2-8-96; AI 636.814-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em
22-5-07, DJ de 15-6-07.
142
direta e imediata, sem, no entanto, opinar acerca da responsabilização subsidiária
do Estado em caso de insolvência daquela.
Cahali (2007, p. 124), por sua vez, entende que diante da prescrição contida no
art. 37, § 6º, da atual Constituição, o Poder Público responde objetivamente pelos
danos ocasionados pelas empresas concessionárias, em razão de ter havido,
presumivelmente, falha por parte da Administração na escolha da concessionária,
ou, ainda, na fiscalização de suas atividades (desde que o objeto da concessão
sejam atividades diretamente constitutivas do desempenho do serviço público).
Em sua explanação, Cahali (2007, p. 122) cita o entedimento discordante de
Celso Antônio Bandeira de Mello (1979, p. 57-58), para quem o Estado responderá
de maneira subsidiária, uma vez que foi ele quem procedeu com a transferência da
execução da atividade lesiva. Ora, segundo Bandeira de Mello, tendo tais atividades
natureza de serviço público, acarretam ao Estado o ônus de arcar com os prejuízos
delas advindos, nos casos de insolvência do concessionário, sob pena de ser a
vítima do dano obrigada a suportá-lo individualmente, o que seria um verdadeiro
retrocesso jurídico dentro do sistema de responsabilidade civil. Acerca da
subsidiariedade da responsabilidade estatal para o caso, exprime o seguinte:
Neste caso parece indubitável que o Estado terá que arcar com os ônus daí
provenientes. Pode-se, então, falar em responsabilidade subsidiária (não
solidária) existente em certos casos, isto é, naqueles em que os gravames
suportados por terceiros hajam procedido do exercício, pelo concessionário,
de uma atividade que envolveu poderes especificamente do Estado. É
razoável, então, concluir que os danos resultantes de atividade diretamente
constitutiva do desempenho do serviço, ainda que realizado de modo
faltoso, acarretam, no caso de insolvência do concessionário,
responsabilidade subsidiária do poder concedente. O fundamento dela está
em que o dano foi efetuado por quem agia em nome do Estado e pôde
ocorrer em virtude de estar o concessionário no exercício de atividade e
poderes incumbentes ao cedente. (Itálico original).
Ainda analisando o dispositivo constitucional em questão, embora alguns
doutrinadores sustentem serem ambas as modalidades de conduta (omissiva e
comissiva) aptas a ensejar a responsabilização objetiva do Estado, discorda-se desse
ponto de vista, acatando a orientação perfilhada pela corrente captaneada pelo
professor Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (2007, p. 487), para quem, nos casos de
atos omissivos, a imputação deverá fazer-se pela responsabilidade subjetiva.
143
A esse respeito, Celso Antônio Bandeira de Mello (2008, p.1.004-1.007)
entende que se o Estado, devendo agir por imposição de lei, não o faz ou executa
de forma deficitária e ineficiente os serviços, adotando postura abaixo dos padrões
legais que normalmente deveriam caracterizá-lo, responderá pela negligência,
ineficiência ou incúria. Reversamente, não haveria que se falar em
responsabilização se, ainda que a atuação estatal tenha sido compatível com as
possibilidades de um serviço prestado de forma organizada e eficiente, não lhe seja
possível impedir o dano gerado por força alheia.
39
O doutrinador mencionado no parágrafo anterior (2008, p.1.006), reportando-se
ao acima citado O. A. Bandeira de Mello (2007, p.487), defende que a responsabilidade
do Estado será objetiva no caso de comportamento danoso comissivo e subjetivo, caso
haja comportamente omissivo. Exemplifica que, ao contrário do que se observa com a
responsabilidade do Estado por comportamentos comissivos, no caso de omissão, a
questão não será decidida ou examinada pelo ângulo passivo da relação, mas sim pelo
polo ativo, sendo os caracteres da omissão estatal os indicadores se haverá (ou não)
responsabilidade. Desta feita, a responsabilidade estatal por atos omissivos pode
ocorrer na hipótese de culpa anônima, da organizão e funcionamento do serviço, que
não funciona ou funciona de maneira errada ou em atraso, e atinge os usuários do
serviço ou terceiros nele interesados. O Supremo Tribunal Federal, mais de uma vez,
proferiu decies nesse sentido:
Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por
esse ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, em sentido estrito, esta
numa de suas três vertentes -- a negligência, a imperícia ou a imprudência -
- não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser
atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta
do serviço -- faute du service dos franceses -- não dispensa o requisito da
causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre ação omissiva
atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Detento ferido
por outro detento: responsabilidade civil do Estado: ocorrência da falta do
serviço, com a culpa genérica do serviço público, por isso que o Estado
deve zelar pela integridade física do preso. IV. - RE conhecido e provido.
(RE 382054, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado
em 03/08/2004, DJ 01-10-2004 PP-00037 EMENT VOL-02166-02 PP-00330
RT v. 94, n. 832, 2005, p. 157-164 RJADCOAS v. 62, 2005, p. 38-44 RTJ
VOL 00192-01 PP-00356)
Caso em que resultaram configurados não apenas a culpa dos agentes
públicos na custódia do preso -- posto que, além de o terem recolhido à cela
com excesso de lotação, não evitaram a introdução de arma no recinto --
mas também o nexo de causalidade entre a omissão culposa e o dano.
Descabida a alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da CF. Recurso não
_______________
39
No mesmo sentido, vide Maria Helena Diniz (2007, p.621-627).
144
conhecido.
(RE 170014, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em
31/10/1997, DJ 13-02-1998 PP-00012 EMENT VOL-01898-03 PP-00633).
Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por
tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três
vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo,
entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao
serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. A falta do serviço
faute du service dos franceses não dispensa o requisito da causalidade,
vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder
público e o dano causado a terceiro. Latrocínio praticado por quadrilha da
qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso,
não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio.
(RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 4-11-03, DJ de 27-2-
04). No mesmo sentido: RE 395.942-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie,
julgamento em 16-12-08, 2ª Turma, DJE de 27-2-09.
Embora o entendimento no sentido de conferir responsabilidade subjetiva ao
Estado na hipótese de ressarcimento de danos ocasionados em virtude de
comportamento omissivo não esteja pacificado no âmbito da Corte Constitucional
brasileira, para Rui Stoco (2006, p. 961-962) esta é de fato a solução mais
adequada. Pondera que, embora a teoria objetiva venha se mostrando como uma
forte tendência no Direito brasileiro, o ordenamento jurídico local optou pela adoção
da culpa como fundamento e pressuposto da responsabilidade. Nesse sentido, o
critério objetivo de responsabilização, por ser medida excepcional, pode
preponderar quando houver previsão legal expressa ou, ainda, na condição de
exceção, no caso prescrito no parágrafo único do art. 927 do CC, qual seja: ―[...]
quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem.‖
Por outro lado, Carlos Roberto Gonçalves (2003, p.182) proporciona uma
solução intermediária, no sentido de qua a atividade administrativa aludida no art.
37, §6º, da Constituição Federal, abrange tanto a conduta comissiva quanto a
omissiva. No último caso, contudo, desde que a omissão se configure como causa
direta e imediata do dano. Tal entendimento se coaduna com vários julgados do
STF.
40
_______________
40
Nesse sentido: AI 577.908-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 30-9-08, DJE de 21-11-08;
AI 718.202-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 28-4-09, Turma, DJE de 22-5-
09;RE 573.595-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 24-6-08, DJE de 15-8-08;. RE 272.839, Rel.
Min. Gilmar Mendes, julgamento em 1º-2-05, DJ de 8-4-05; AI 512.698-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso,
julgamento em 13-12-05, DJ de 24-2-06; RE 283.989, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 28-5-02,
DJ de 13-9-02; RE 237.561, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 18-11-01, DJ de 5-4-02.
145
Finalmente, retomando o enfoque acerca da regra geral sobre a
responsabilidade do Estado, inserta no art. 37, §6º, da CF, existem outros exemplos
de diplomas legais que contêm previsão expressa de responsabilidade objetiva, tais
como a Lei do Meio Ambiente, a Lei dos Danos Nucleares, o digo de Defesa do
Consumidor, a Lei do Acidente de Trabalho, o Código Brasileiro de Aeronáutica,
dentre outros.
À guisa de confirmação do que foi explicitado no decorrer deste tópico, o Código
Civil de 2002 estabeleceu expressamente, na redação de seu art. 43, a
responsabilidade objetiva das pessoas judicas de direito público, prescrevendo que:
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente
responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem
danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do
dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Embora de grande valia a prescrição ali contida, tal não poderia ser diferente,
haja vista que o legislador ordinário não tinha como ir de encontro ao disposto no
texto constitucional, a quem deve obediência. quem sustente, como Di Pietro
(2004, p.553), que a norma civilista estaria defasada em relação à previsão
constitucional, uma vez que não fez referência às pessoas jurídicas de direito
privado prestadoras de serviço público.
Concluindo, não se pode deixar de abordar que a orientação do STF é no
sentido de ser possível à vítima acionar o agente público de maneira direta e
exclusiva, independentemente de se acionar o ente estatal, isoladamente ou em
litisconsórcio com aquele.
41
Por outro lado, no que diz respeito aos atos judiciais ou
de outros agentes políticos, contudo, entende o Tribunal que a ação deverá ser
deduzida exclusivamente contra o Estado, e não contra o agente político.
42
3.4 Sistema de responsabilidade civil dos notários e registradores
Em passagem anterior, se afirmou que a prestação de serviço notarial e de
registro pode suscitar uma responsabilidade extracontratual, uma vez que o utente
_______________
41
Em sentido contrário, ver Stoco (2006, p. 50-51), bem como acórdão proferido no RE 344.133, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgamento em 9-9-08, DJE de 14-11-08 (STF).
42
Vide: informativo do STF n° 263.
146
não é parte de relação de contrato.
43
Com efeito, ao dirigir-se a uma serventia
extrajudicial, o particular-usuário solicita a prática de determinado ato, visando ao
preenchimento de formalidades jurídicas e sociais, cabendo ao notário ou registrador
observar e cumprir o regramento legal e administrativo aplicável à espécie. Desta
maneira, o liame obrigacional que vincule o tabelião ou registrador ao usuário
do serviço, tanto é que compete ao tabelião, por exemplo, no momento da feitura de
uma escritura pública, alertar ambas as partes sobre as consequências jurídicas de
seus atos, bem como prestar informações de maneira imparcial às mesmas.
Esse é o entendimento defendido por Caio Mário da Silva Pereira (2001, p.170-
171), para quem não acordo de vontades na prestação de serviços notariais e de
registro. Sustenta o doutrinador que o que se pode vislumbrar, na verdade, é a
realização de um ato em decorrência da atribuição funcional destes profissionais, e
não o aperfeiçoamento de relação contratual entre o delegado da serventia notarial e
as partes envolvidas no negócio jurídico, como argumentam alguns.
Em sentido contrário, José de Aguiar Dias (1997, p. 303-304) advoga a tese de
que o fato de ser o notário um oficial blico não afeta o lado contratual da questão,
embora reconheça que o caráter contratual da responsabilidade de notários e
registradores seja altamente contestado na doutrina pátria.
44
Segue argumentando
que o notário deve agir no papel peculiar às suas funções, não podendo ser tomado
senão na qualidade de oficial público. Sendo assim, certo faz-se asseverar que as
partes firmam com o tabelião um contrato, cujo objeto é precisamente o exato
exercício de suas atribuições.
_______________
43
No sentido de não serem os usuários dos serviços notariais e de registros vinculados aos
delegatários das serventias por instrumento contratual, e sim em decorrência da lei, Hércules
Benício (2005, p.119-122) assevera que se pode observar a íntima relação entre a natureza jurídica
dos emolumentos cartorários e a característica extracontratual da responsabilidade civil dos
tabeliães e registradores. conta que, segundo dispõe o art. da Lei 8.935/94: ―É livre a
escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos
bens objeto do ato ou negócio‖. Assevera que a expressão ‗livre escolha de tabeliães de notas‘, a
princípio, não sugere a existência de vínculo negocial entre o tabelião e o interessado pelo
respectivo serviço, vez que aquele o tem autonomia para se recusar a praticar ato notarial
solicitado pelo interessado, vez que deve agir com imparcialidade, bem como submete-se a um
regime especial de remuneração (emolumentos fixados por lei, com obediência ao princípio da
anterioridade)‖. (Grifo intencional). Cita, ao final, precedente jurisprudencial da lavra do Ministro
Octávio Galloti, em voto relator do Recurso Extraordinário 178.236/RJ, [...] Não é de clientela a
relação entre o serventuário e o particular [...] mas informada pelo caráter de autoridade,
revestida pelo Estado de fé pública. Nem é de livre escolha a suposta freguesia, mas sempre cativa
nos cartórios de registro e, freqüentemente, no de notas [...]‖.
44
No mesmo sentido, defendendo a tese de que a relação existente entre notários e registradores é
de cliente/prestador de serviços, vide Maria Helena Diniz (2007, p.288).
147
Reputam-se certos os ensinamentos de Walter Ceneviva (2002, p.195), para
quem a relação havida entre os notários e registradores e seus respectivos clientes
não é de caráter contratual, mas decorrente da lei.
Mesmo na hipótese em que o usuário possa escolher livremente o profissional,
como é o caso dos tabeliães de notas, ainda assim não haverá contrato, uma vez
que somente eles e seus prepostos são autorizados a praticar os atos que a lei
atribui aos serviços de que são titulares.
Caio Mário da Silva Pereira (2001, p.251), tantas vezes citado, demonstra
que existe uma tendência moderna em se criar uma categoria especial na qual
estaria inserida a responsabilidade decorrente da relação jurídica firmada entre os
titulares das serventias não-oficializadas e os cidadãos.
Tratar-se-ia de responsabilidade profissional, um tertium genus que assumiria
condições de um tipo especial de responsabilidade legal, vez que regida por
legislação especial.
Estando verificados os pontos básicos do sistema de responsabilidade civil, tais
como os pressupostos para sua existência, seus respectivos todos de aferição
(subjetivo e objetivo), isso sem esquecer dos pontos cruciais acerca da
responsabilidade estatal decorrente de atos de seus agentes que, nessa qualidade,
causam prejuízos a terceiros, passa-se, pois, à análise de tais questões dentro do
arcabouço jurídico aplicável aos notários e registradores.
Considera-se que esta temática não vem sendo tratada com a devida atenção
pela doutrina e jurisprudência, razão pela qual objetiva-se contribuir com o
enriquecimento dos debates, bem como oferecer mais argumentos para reflexão dos
estudiosos da matéria.
3.4.1 Critérios para aferição da responsabilidade civil dos notários e
registradores: uma análise fundamentada dos artigos 37, § 6º, e
236, §1°, da CF e o respectivo regramento infraconstitucional
conferido à matéria
Sabendo-se que notários e registradores são profissionais do direito que
prestam serviço público, por delegação do Poder Estatal, consoante preleciona o art.
148
236 da Constituição Federal, bem como que tais atividades consistem em serviços
colocados à disposição de toda a comunidade, organizados de forma técnica e
administrativa, cujo objetivo principal é garantir a eficácia e segurança das relações
negociais (e jurídicas como um todo), é induvidosa a possibilidade de indenização
dos usuários de tais serviços por danos sofridos em vista de sua execução.
45
Não é demasiado ressaltar que a extensão da responsabilidade conferida aos
delegados de serventias extrajudicias não-oficializadas é proporcionalmente
compatível com a importância das atribuições jurídicas aos mesmos atribuídas. Após
a promulgação do texto constitucional de 1988, os serviços notariais e de registro se
afirmaram como funções de soberania política, ou seja, como verdadeiros serviços
públicos. (DIP, 2002, p. 81-82).
Nesse sentido, conclui-se que a falta praticada por um oficial de registros
públicos não se limitará a causar dano pessoal somente ao usuário do serviço. Ao
contrário, o fato irá repercurtir dentro da sociedade como um todo, causando o
desprestígio de todo o serviço delegado, bem como o alastramento da insegurança
no trabalho desses profissionais.
Este é o ponto nodal do presente estudo, a denominada ―responsabilidade civil
dos notários e registradores‖, cujo trato a Constituição Federal de 1988, no § do
seu art. 236, remeteu para as vias ordinárias: § - Lei regulará as atividades,
disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e
de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
Desta feita, em 18 de novembro de 1994, foi editada a Lei 8.935/94, com o
intuito de regulamentar o dispositivo constitucional acima transcrito. O respectivo art.
22 previu o seguinte:
Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles
e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da
serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou
culpa dos prepostos.
_______________
45
O ressarcimento em comento envolve, inclusive, o dano moral, ocasionado em virtude de ato de
tabelionato. Nesse sentido, julgamento do STF no AI 522.832-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes,
julgamento em 26-2-08, DJE de 28-3-08.
149
A doutrina pátria, contudo, faz coro em afirmar que, com relação à
responsabilidade civil, bem como no que tange a outros pontos relevantes, referido
diploma legal não obteve êxito em seu primordial objetivo, qual seja, o de
estabelecer um sistema claro e seguro para ―regulamentar o art. 236 da Constituição
Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro‖, como consta da ementa
legislativa. Com efeito, apenas um artigo (art. 22) tratou de assunto imensamente
importante, como a responsabilidade civil.
Ademais, a redação defeituosa e truncada do texto legislativo deixou à mercê
de divergências doutrinárias diversas questões de primordial importância para o trato
da matéria. De fato, a partir de uma análise, ainda que perfunctória, dos precedentes
jurisprudenciais, vislumbra-se que a presente temática ainda se encontra distante de
ser pacificada.
A Lei n° 9.492/97 (Lei de Protestos) e o Código de Defesa do Consumidor, por
sua vez, trazem outros pontos polêmicos acerca do sistema de responsabilização
dos notários e registradores, notadamente este último diploma legal, no que se
refere à possibilidade ou não de sua aplicação para a atividade notarial e registral.
São essas vias que se pretende percorrer durante esta intervenção.
Desta feita, considerando que notários e registradores são profissionais do
direito que exercem função pública, ainda que em caráter privado, por intermédio da
delegação que lhes é conferida pelo ente estatal, resta indagar se deverão ser
considerados, para efeito de incidência do art. 37, §6°, da CF/88, como delegados
ou como agentes públicos, ou, ainda, se estariam submetidos a regramento
especial, haja vista o seu regime jurídico diferenciado e anômalo.
No primeiro caso, a responsabilidade dos mesmos seria direta, exclusiva (a
priori) e objetiva, tal como concessionários e permissionários de serviços públicos. A
responsabilidade do Estado somente apareceria em um segundo momento, em
caráter subsidiário, caso fosse demonstrada a insolvência do causador do dano. Ao
revés, sendo referidos profissionais encarados na condição de agentes públicos, a
responsabilidade seria subjetiva, perquirindo-se acerca da existência de dolo ou
culpa na conduta danosa, sendo a responsabilidade estatal solidária, com base no
dispositivo constitucional retroenfocado. Por outro lado, levando-se em consideração
150
o caráter híbrido do regime jurídico no qual encontram-se inseridos os notários e
registradores públicos, aduz-se ser aplicável aos mesmos um regramento especial, o
qual pretende-se elucidar de maneira fundamentada nesta exposição.
É fundamental, porém, para a compreensão do sistema de responsabilidade
civil dos notários e registradores, quando do exercício de suas atribuições
funcionais, analisar a teoria que melhor se coaduna com as especificidades do
regime jurídico ao qual estão submetidos.
Desde o advento do texto constitucional, existem intensas discussões acerca
da natureza dessa responsabilidade, se objetiva ou subjetiva, havendo, por
conseguinte, posições doutrinárias e jurisprudenciais nos dois sentidos, ambas
sustentadas por renomados juristas e magistrados.
3.4.1.1 Adeptos da teoria objetiva para aferição da responsabilização
civil dos notários e registradores
Para a corrente que defende a aplicação da teoria objetiva da responsabilidade
civil aos notários e registradores, esses profissionais responderão,
independentemente da demonstração de dolo ou culpa, pelo dano sofrido pelo
usuário, sendo suficiente apenas a prova, pela parte lesada, do liame causal entre a
conduta voluntária (comissiva ou omissiva) do delegado do serviço público (ou de
seus prepostos) e o resultado danoso. Não deverá existir, ainda, qualquer causa
excludente do nexo causal ou da conduta.
Os adeptos dessa posição fundamentam sua razão de ser com base na
semelhança existente entre a redação do art. 22 da Lei 8.935/94 e a do § 6°, art.
37, da Constituição Federal de 1988. Segundo atestam, em ambos os dispositivos
legais não menção expressa de aplicação da responsabilidade objetiva. Devido a
isso, se a interpretação da previsão constitucional é no sentido de prevalecer a
teoria objetiva, outro não poderia ser o raciocínio no que tange ao artigo 22 da Lei
dos Notários e Registradores.
Tais fundamentos não parecem razoáveis, tanto é verdade que a Constituição
Federal, na redação do art. 236, § 1°, remeteu para a via ordinária a regulamentação
da disciplina da responsabilidade civil e criminal dos notários e registradores,
151
demonstrando, claramente, ser diferente o regime jurídico desta categoria
profissional do que se aplica às pessoas jurídicas de direito público ou privado o
que, inclusive, já foi tema debatido no presente trabalho.
Acresce-se, ainda, que a responsabilidade civil objetiva não se presume. Dessa
forma, sua imputação não deverá ser efetivada através de emprego de analogia,
seja interpretativa ou integrativa, mas, ao revés, deverá decorrer expressamente de
lei ou da natureza da atividade, nos termos do art. 927, parágrafo único, do CCB (o
qual não se amolda aos serviços notariais e de registro).
Outrossim, é oportuno destacar que não se pode pretender equiparar o Estado,
detentor de poder e privilégios administrativos, ao agente público que o representa,
de modo que o método de extensão analógica
46
não se aplicaria à presente hipótese,
devido à ausência do pressuposto primordial para sua efetivação, qual seja, a
existência de semelhança relevante entre os dois casos, ou seja, seria necessário
que existisse uma qualidade comum a ambos e que, como tal, se constituísse como
razão suficiente (ratio legis) para que fossem atribuídas aquelas e o outras
consequências ao caso objeto de regulamentação. (BOBBIO, 1999, p. 147-156).
Ademais, sustentam que a interpretação gramatical do art. 22 da LNR leva à
conclusão de que os elementos ―culpa e dolo‖ estariam presentes somente no final
do artigo. Tal situação corresponderia à faculdade de ação regressiva do titular da
delegação de registros públicos contra o preposto que houvesse agido com culpa
(em sentido amplo), demonstrando, portanto, a desnecessidade deste elemento na
responsabilização do titular da serventia, notário ou registrador.
47
Argumentam que, em última análise, havendo lacuna no texto da Lei
8.935/94 que como abordado - não deixa claro qual o tipo de responsabilidade
aplicável aos notários e registradores, seria aplicável de maneira subsidiária o
_______________
46
Norberto Bobbio (1999, p.147-156) ainda complementa seu pensamento no sentido de elucidar que
o método da extensão analógica consiste na integração cumprida por meio da atribuição, ao caso
não-regulamentado, das mesmas conseqüências jurídicas atribuídas ao caso regulamentado
semelhante.
47
Compartilhando desse entendimento, Ivan Ricardo Sartori (2002, p.105), adverte que ―a
responsabilidade funcional envolve tudo quanto a cargo do titular, salvo se afastado ou impedido
[...]. E, não mencionado o art. 22, dolo ou culpa, somente o fazendo em relação aos prepostos, tem-
se que reforçada a objetividade da responsabilidade dos notários e registradores, em consonância
com o art. 37, § 6º, da CF.‖
152
parágrafo único do art. 927 do CCB, que traz em seu bojo a proclamada teoria do
risco.
48
Assim, defendem que o tabelião ou registrador, no desempenho de suas
atividades, criam risco de dano aos utentes de seus serviços, razão pela qual
entendem ser de bom alvitre enquadrá-los dentro da teoria do risco, consagrada no
dispositivo acima citado, constante do CCB, aplicando-se a teoria da
responsabilidade objetiva.
Com efeito, caso se concorde com o fato de ser a Lei dos Notários e
Registradores omissa a respeito do critério de aferição da responsabilidade desses
profissionais (hipótese que é cogitada apenas por amor ao argumento), ainda assim
cabe fazer algumas ponderações: Primeiramente, acredita-se que as atividades
notariais e registrais não encerram o perigo excepcional contido no comando
normativo ensejador da responsabilidade objetiva; inscreve-se como outro ponto de
relevância para o assunto, o fato de o Código Civil ser lei geral e, nesse sentido, não
ter o condão de revogar as normas específicas sobre a matéria (Lei 6.015/73,
arts. 28 e 157, e Lei nº 9.492/97, art. 38).
49
Ainda tratando dos argumentos utilizados em prol da aplicação da teoria
objetiva, seus seguidores complementam a tese levantada comparando a redação
do art. 22 da Lei 8.935/94 com a do art. 28 da Lei 6.015/73, afirmando que
caso o legislador quisesse conferir o modelo subjetivo para aferão da
responsabilidade civil dos notários e registradores, teria mantido a forma prescrita
nesta última, Lei de Registros Públicos:
Lei. 9835/94 - Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos
danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos
próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso
de dolo ou culpa dos prepostos.
Lei. 6015/73 - Art.28. Além dos casos expressamente consignados, os
oficiais são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que,
pessoalmente, ou pelos prepostos ou substitutos que indicarem, causarem,
por culpa ou dolo, aos interessados no registro.
_______________
48
―Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-
lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar,
por sua natureza, risco para os direitos de outrem.‖
49
Tais dispositivos legais prevêem expressamente a responsabilidade subjetiva, fundada na culpa
lato sensu.
153
Décio Antônio Erpen (1999, p.103-115), rebatendo os argumentos, por ele
julgados inconsistentes, declara que:
O fato de não haver sido reiterada a redação na Lei 8.935/94, em absoluto,
faz crer que houvesse sido alterado o regime jurídico da responsabilidade.
O novo regramento constitucional não veio para agravar a posição dos
titulares dos ofícios, nem para o Estado se desonerar dela, transferindo-a
para o delegado. Para haver a responsabilidade civil, que haver o dano,
o nexo causal e o ato falho consistente no dolo ou na culpa do Notário ou
Registrador.
Aduz que tal premissa não se mostra válida porque o art. 22 da LNR preque
―os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus
prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado
aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos‖. Dessa
forma, iguala-os, fato que não se observa na redação do art. 37, § , da CF.
Consigna, outrossim, que quando se refere à ―prática de atos próprios da serventia,
pressupõe, necessariamente, atos equivocados, seja por ão ou omissão,
concluindo que a previsão do direito de regresso seria perfeitamente descartável, eis
que já adviria da regra geral do regime de responsabilidade adotado pelo sistema
jurídico pátrio.
50
Rui Stoco (2006, p.576-578), ferrenho defensor da responsabilização subjetiva
dos notários e registradores, aduz que, pensar em sentido contrário, redundaria em
ofensa ao princípio da isonomia, uma vez que se todos os servidores públicos ou
agentes públicos típicos, por equiparação, ou particulares que exercem atividade
pública por delegação do Estado, respondem em face da culpa aquiliana, não há
como se justificar a imposição do modo objetivo de aferição de responsabilidade
apenas a um segmento da atividade administrativa do Estado, ou seja, aos notários
e registradores.
_______________
50
Ricardo Dip (2002, p. 90-91), seguindo a mesma linha de raciocínio, assevera que o art. 22 da Lei
8.935/94 não conflita com a norma inserida no art. 28 da Lei 6.015/73, que proclama a teoria da
responsabilidade subjetiva de notários e registradores, uma vez que não indica a espécie
fundacional da responsabilização objeto, apenas preconizando a responsabilidade direta desses
profissionais, pelos atos próprios e de seus prepostos, contra esses assegurado o direito de
regresso no caso de dolo ou culpa. Desta forma, o que o artigo da Lei dos Notários e Registradores
traria de novo com relação à Lei de Registros Públicos seria, tão-somente, a opção legislativa em
responsabilizar diretamente o titular da delegação (sem cabimento de responsabilidade solidária do
Estado, salvo a subsidiária no caso de insolvência do tabelião ou registrador).
154
Lembra, ainda, que a redação do art. 22 da LNR não conflitua com o prescrito
no § 6º, art. 37, da CF, na medida em que de sua exegese o se conclui a adoção
da teoria da responsabilidade objetiva desses agentes delegados do serviço público,
asseverando que ―um texto de lei ordinária não pode ser interpretado pelo que nele
não se contém, se dessa exegese decorre situação gravosa.‖
Em sentido contrário, Yussef Said Cahali (2007, p.263-264) evidencia a
questão sintetizando que, a teor da novel sistematização constitucional e legal,
notários e registradores não mais se enquadram como simples agentes do Poder
Público, que responderiam pelos danos causados apenas se tivessem procedido
com culpa ou dolo.
51
Segundo ele, a teor do art. 37, § 6º, da CF e da legislação
infraconstitucional ajustada aos seus enunciados, a responsabilidade civil dos
notários e registradores define-se como sendo igualmente objetiva, a prescindir de
qualquer perquirição acerca do elemento subjetivo do dolo ou culpa, sua ou de seus
prepostos, bastando para sua configuração a prova do nexo causal entre a conduta
do oficial e o dano experimentado pelo usuário do serviço ou terceiros.
Na mesma esteira de pensamento, Maria Helena Diniz (2007, p.294) defende
que o art. 236, § 1º, por ser norma especial, prevalecerá diante do art. 37, § 6º,
ambos do texto constitucional, podendo, por conseguinte, haver responsabilização
do oficial de registros públicos por atos por ele praticados ou pelos escreventes
autorizados, com seu próprio patrimônio, nos termos do art. 942, parágrafo único do
CCB c/c art. 22 da Lei 8.935/94.
Referida teoria, embora ainda minoritária, vem crescendo em demasia nos
Tribunais pátrios, havendo decisão nesse sentido até mesmo no âmbito do Supremo
Tribunal Federal:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ESTADO - RECONHECIMENTO DE
FIRMA - CARTÓRIO OFICIALIZADO. Responde o Estado pelos danos
causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa.
Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da
Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que
_______________
51
Nesse sentido, Ivan Ricardo Garisio Sartori (2002, p.104) defende que, com a delegação que lhes é
outorgada, tabeliães e oficiais de registro passam a fazer a vez do próprio Estado, haja vista que,
embora de titularidade do Poder Público, ante o comando constitucional inserido no art. 236, não
pode este explorar tais atividades de maneira direta. Nesse contexto, estabelece que notários e
registradores enquadram-se na primeira parte do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, ou seja, na
categoria de ―prestadoras de serviço público‖, tendo, portanto, que responder objetivamente pelos
danos causados aos particulares usuários dos serviços delegados.
155
assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado
prestadoras de serviços públicos - § do artigo 37 também da Carta da
Reblica. (RE 201595, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Segunda
Turma, julgado em 28/11/2000, DJ 20-04-2001 PP-00138 EMENT VOL-
02027-09 PP-01896) (Grifo intencional).
Opina-se no sentido de que tais fundamentos não devem prosperar, haja vista
estarem embasados em equivocada interpretação dos dispositivos constitucionais
em análise. Como já demonstrado, existe dispositivo constitucional específico a
respeito dos delegados titulares de serventias extrajudiciais não oficializadas, qual
seja, art. 236, § 1º, da CF de 1988. É justamente nessa previsão, e não em qualquer
outra, que se encontra a base legal esclarecedora da responsabilidade civil dos
oficiais de registros públicos.
Observa-se, ainda, que tal regra perfaz-se em dispositivo constitucional de
eficácia limitada, tendo o constituinte originário conferido ampla margem de atuação
ao legislador ordinário federal, nos termos estabelecidos pela lei. Desta forma, ante
o comando constitucional, poderia ter sido a responsabilidade dos notários e
registradores fixada em parâmetros objetivos ou subjetivos, desde que houvesse
razoabilidade normativa para tanto. A escolha do legislador dependeria, nesse
diapasão, de uma conjuntura política e social, existente no momento da aprovação
do diploma legal.
Será abordado no tópico seguinte que, diante do regime jurídico híbrido a que
estão submetidos os notários e registradores, bem como tendo em vista a natureza
das atividades notariais e registrais exercidas nas serventias extrajudiciais, a
responsabilidade desses profissionais do direito deverá ser aferida com base em
critérios subjetivos. Posteriormente, será analisada a responsabilidade do ente
estatal, bem como a temática acerca do dever de esse responder (ou não)
diretamente por atos praticados em cartórios não-oficializados (pelos notários e
registradores ou por prepostos por eles contratados), nunca perdendo de vista as
especificidades que circundam a disciplina legal relativa a esta categoria profissional.
3.4.1.2 Adeptos da teoria subjetiva para aferição da responsabilização
civil dos notários e registradores
Em sentido contrário ao disposto no tópico anterior, existe forte corrente
doutrinária e jurisprudencial que defende a aplicação da teoria da responsabilidade
156
civil subjetiva aos tabeliães e oficiais de registro. Para os seguidores dessa
tendência, a responsabilização civil destes profissionais estaria a depender da
demonstração da culpa do agente e/ou de seus prepostos, afora todos os requisitos
observados no caso do critério objetivo (conduta voluntária - comissiva ou omissiva -
do delegado do serviço público ou de seus prepostos; resultado danoso e o liame
causal entre o dano experimentado e a conduta perpetrada.
Reitera-se que o principal fundamento utilizado pela maioria dos adeptos deste
entendimento surge da análise hermenêutica do art. 22 da Lei dos Notários e
Registradores. Segundo eles, o real sentido do referido dispositivo legal só poderia
ser alcançado caso fosse ele interpretado em consonância com o art. 37, § , da
CF/88. Afirmam que a conjugação interpretativa de tais artigos estabeleceu uma
cadeia de direito de regresso. Desta feita, o Estado responderia objetivamente frente
ao lesado e, em momento posterior, teria direito de regresso frente ao notário ou
registrador em caso de dolo ou culpa de seu agente que, por sua vez, poderia se
voltar contra seu funcionário, também em caso de comprovação de conduta dolosa
ou culposa deste, a fim de ver ressarcido seu prejuízo.
Rui Stoco (2006, p.577) não hesita em afirmar que, nos termos extraídos pela
análise do art. 22 da Lei 8.935/94, do art. 38 da Lei 9.492/97 e do § do art.
37 da Constituição Federal, os notários e registadores responderão, na via
regressiva, perante o Poder Público, pelos danos que seus prepostos culposa ou
dolosamente - causem a terceiros, tendo os mesmos o direito de propor ação
regressiva em face do funcionário que ocasionou diretamente o prejuízo. Pondera
ainda que não há óbice para que o lesado ajuize ação diretamente contra o titular da
serventia, desde que esteja disposto a provar-lhe a culpa (em sentido amplo), uma
vez que contra o Estado estaria dispensado desse ônus probatório.
Nesse sentido, vem sendo o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, ou
seja, reconhecendo a ―cadeia de direito de regresso‖, bem como a responsabilidade
subjetiva dos notários e oficiais de registro. Transcreve-se trecho do acórdão
proferido naquela Corte:
Ao apreciar o recurso, proferi a seguinte decisão: ―DECISÃO: [...] Nesses
termos é oportuno lembrar que os tabeliães são pessoas físicas, são
Agentes Públicos, e como tal, prestam serviços para o Estado, sob a
fiscalização deste, portanto é o Estado que deverá responder pelos
157
danos que esses Agentes causarem a terceiros.' A Subprocuradora-
Geral da República, Dra. Sandra Cureau, em parecer de fls. 294-296,
citando precedentes desta Corte, manifestou-se pelo provimento do
recurso nos seguintes termos: 'RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
INDENIZAÇÃO. ATO NOTARIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. I - O PRINCÍPIO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
PREVISTO NO ART. 37, § 6o, DA CF APLICA-SE TAMBÉM AOS
AGENTES PÚBLICOS DELEGADOS. OS TITULARES DAS SERVENTIAS
DE NOTAS E REGISTROS O SERVIDORES PÚBLICOS EM SENTIDO
AMPLO. PRECEDENTES. II - PARECER PELO PROVIMENTO.' O
acórdão recorrido extraordinariamente divergiu da jurisprudência
desta Corte no sentido da responsabilidade civil do Estado por dano
causado por tabeliães. Nesse sentido, o AgRRE 209.354, 2a T., Rel.
Carlos Velloso, DJ 16.04.99, assim ementado: 'EMENTA: -
CONSTITUCIONAL. SERVIDOR PÚBLICO. TABELIÃO. TITULARES DE
OFÍCIO DE JUSTIÇA: RESPONSABILIDADE CIVIL.
RESPONSABILIDADE DO ESTADO. C.F. , art. 37, § 6º. I. - Natureza
estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de
cartórios e registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por
delegação do Poder Público. Responsabilidade objetiva do Estado
pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no exercício
de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos
casos de dolo ou culpa (C.F., art. 37, § 6º). II. - Negativa de trânsito ao
RE. Agravo não provido.' No mesmo sentido, o RE 201.595, 2a T., Rel.
Marco Aurélio, DJ 20.04.01, o RE 175.739, 2a T., Rel. Marco Aurélio,
26.02.99, o RE 116.662, 1a T., Rel. Moreira Alves, DJ 16.10.98 e o RE
187.753, 1a T., Rel. Ilmar Galvão, DJ 13.08.99. E, monocraticamente, o
RE 229.974, Rel. Néri da Silveira, DJ 12.11.01. Assim, conheço e dou
provimento ao recurso extraordinário (art. 557, § 1º-A, do CPC).
Restabeleço os ônus da sucumbência fixados na sentença.[...] Com o
provimento do recurso extraordinário na decisão agravada, concluiu-
se pela legitimidade do Estado para a causa. Sendo assim, reconsidero
a decisão agravada e, desde logo, mantenho o provimento do recurso
e determino o retorno dos autos ao Tribunal de origem para o
prosseguimento do julgamento. Publique-se. Brasília, 18 de fevereiro de
2008. Ministro GILMAR MENDES Relator Documento assinado
digitalmente. (RE 330395 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado
em 18/02/2008, publicado em DJe-043 DIVULG 10/03/2008 PUBLIC
11/03/2008). (Grifo intencional).
Assim, na esteira desse pensamento, continua-se a citar Décio Antônio Erpen
(2006, p. 50-52), para quem o preceito contido no § do art. 37 da CF não se aplica
aos notários e registradores, uma vez que não se cuida de serviço público de ordem
material da Administração Pública (direta ou indireta), mas sim de atividade atípica,
com regramento próprio e específico, uma vez que o texto constitucional, em seu art.
236, § , remeteu para a via ordinária o trato de referida questão. Ademais, caso o
constituinte pretendesse situar tais atividades como serviços públicos, enquadraria as
mesmas no Catulo próprio, qual seja, o ―Da Administração Pública.
Nesse sentido, o autor sintetiza as razões pelas quais, segundo ele, mostra-se
inconcebível a adoção do critério objetivo para aferição da responsabilidade civil dos
notários e registradores, embora advogue a tese de responsabilidade direta e
158
exclusiva desses profissionais, devendo o Estado responder apenas de maneira
subsidiária, em casos de insolvência daqueles. Vale a transcrição:
Não consigo encontrar supedâneo jurídico para responsabilizar o Notário ou o
Registrador que agiu, rigorosamente, dentro do estrito dever legal, e se seu
ato vier a causar prejuízo a outrem. Ele não responde pelas falhas do sistema
que ele não erigiu. Quando ele assumiu sua função, prestou juramento de
cumprir a lei e as normas. Paga pelos atos posteriores, sem compromisso
com o passado. o existe, nesta área, a figura da sucessão. Pelo seu fiel
cumprimento não pode responder. A prevalecer a tese da responsabilidade
objetiva da atividade, chegaríamos a este extremo. Deve-se perquirir, caso a
caso, se a falha adveio em razão do mau desempenho ou da falta de
cuidados. Isso importa em presumir o dolo ou a culpa (imperícia, imprudência
ou neglincia). E quando se aplica a responsabilidade objetiva, tal exame
inexiste. [...] Como na responsabilidade objetiva não se analisa, para fins de
incidência, se houve programação ou má execução dos serviços, os
Norios e Registradores, no caso de ausência do elemento subjetivo na fase
de execução, seriam responsabilizados pela programão dos serviços, e
na qual não intervieram. E para qualificar os serviços, o único vetor é a lei (por
extensão os atos normativos que se inspiram nela). Se proclamarmos que
inexiste responsabilidade pelas falhas do sistema, mas somente pela má
execução da atividade, estaremos afastando a teoria objetiva.
A este propósito, Sonia Marilda Péres Alves (2002, p.96-97) sustenta que o art.
22 da Lei 8.935/94 disciplinou a responsabilidade civil dos notários e
registradores, levando o Estado a responder civilmente pelos danos que notários,
oficiais de registro e seus prepostos, nessa qualidade, causarem a terceiros.
Referida previsão legal inova, tão somente, no sentido de atribuir legitimação
extraordinária a esses profissionais, a fim de que possam figurar diretamente no polo
passivo de demandas ressarcitórias, em virtude de danos ocasionados por atos
praticados no exercício das atribuições dos serviços notariais e de registro, não
por atos próprios, como também em virtude de conduta de seus prepostos. Nesse
caso, bem como na hipótese de a ação se voltar contra a pessoa física do
serventuário em decorrência do exercício do direito de regresso pela Fazenda
Pública, por dolo ou culpa poderão os oficiais de registro serem
responsabilizados.
Ressalta a autora acima citada que os notários e registradores, bem como seus
prepostos, ainda que venham a causar dano a outrem, deverão ser isentos de
qualquer responsabilidade caso estejam agindo em rigorosa conformidade com o
sistema normativo, uma vez que não podem responder pelas falhas do sistema que
159
lhes é imposto
52
, sustentando, ainda, que o art. 37, §6º, da Constituição Federal
somente se aplica às pessoas jurídicas e não às pessoas físicas, como de fato são
os notários e registradores.
53
Oportunas as palavras da autora:
O § 6.º do art. 37 da CF direciona-se, o-somente, às pessoas jurídicas, de
direito público ou privado. Ora, Serventiao é pessoa jurídica não é
empresa. A afirmação torna-se inequívoca pela análise da relação jurídica
existente entre o titular da Serventia e o Estado ou mesmo porque a
organização é regulada por lei e os serviços prestados ficam sujeitos ao
controle e fiscalização do Poder Judiciário. Ainda, Serventia não tem
capacidade processual, não tem patrimônio, não tem personalidade jurídica, a
qual se adquire com o registro dos atos constitutivos na Junta Comercial
ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, de acordo com o Código Civil em
vigor (arts. 16 e 18) e com o novo (arts. 44 e 45). A esse propósito, salienta-
se: na letra h, item 1, da Guia do Contribuinte Cadastro Nacional de Pessoa
Jurídica CNPJ, consta: serviços notariais e registraiso são caracterizados
como pessoa jurídica. A Serventia, como o Espólio, o Condomínio e a Massa
Falida constituem ficção jurídica. (ALVES, 2002, p.97).
Ricardo Dip (2002, p. 89-91), emérito defensor da aplicação da teoria subjetiva
para definição da responsabilidade civil dos tabeliães e oficiais de registro, também
sustenta ser a delegação referível à pessoa física, não sendo atividade própria de
pessoa coletiva. Para o doutrinador, compete ao notário, e não propriamente ao
tabelionato de notas, ―formalizar juridicamente a vontade das partes‖, bem como
―autenticar fatos‖. Com efeito, é do registrador, e não do Ofício de Registros, a
competência para ―a prática dos atos relacionados na legislação petinente aos
registros públicos.‖
54
Afirma tratar-se o registrador de uma pessoa física privada, um profissional do
direito que exerce, em nome próprio, o serviço registrário que lhe é delegado pelo
Poder Público, desde que previamente tenha obtido êxito em prévio concurso
_______________
52
Esse é o pensamento também de Erpen (2006, p.53-54) para quem, notários e registradores, caso
estejam fiéis ao cumprimento da lei e das normas superiores e, ainda assim, venham a causar dano
a uma pessoa, estarão isentos de sua responsabilização. Neste caso, a responsabilidade,
decorrente do sistema, será direta e exclusiva do Estado-legislador ou do Estado-corregedor.
Argumenta, ainda, que em se tratando de má-execução nos serviços notariais e de registro, não
haverá dificuldade alguma na identificação do agente causador do dano, a fim de que se possa lhe
atribuir responsabilidade, caso fique provado o dolo ou a culpa, uma vez ser da natureza de tais
serviços certificar a data em que se pratica o ato, bem como identificar o agente que praticou o ato.
Dessa forma, refutável é a tese dos que argumentam a necessidade de utilização da teoria da culpa
anônima como modo de aplicação da teoria da responsabilidade objetiva.
53
Em sentido contrário, Ana Cristina de Souza Maia (2002, on line) afirma que ―é importante notar
que não só as pessoas jurídicas de direito privado, mas também as pessoas físicas estão sujeitas à
incidência da responsabilidade objetiva. Para isso basta que estejam exercendo função de natureza
pública delegada pelo Estado‖, complementando que é justamente que se enquadram os
notários e registradores.
54
Vide artigos 6° e 12° da Lei 8.935/94.
160
público. Sendo assim, conclui, igualmente, pela não aplicabilidade da norma contida
no § 6º, art. 37, da Constituição Federal, uma vez que o dispositivo constitucional em
exame refere-se às pessoas jurídicas, quer sejam elas de direito público ou privado.
Por sua vez, Walter Ceneviva (2008, p. 60), também em defesa da tese de
aplicabilidade da teoria subjetiva, observa que seja qual for o nome dado à serventia
extrajudicial (tais como cartório, ofício, dentre outros), esta não é pessoa jurídica,
como, inclusive, já abordado em momento pretérito, não tendo personalidade jurídica
sendo tal atributo do ente estatal - embora possa tê-la tributária ou judiciária.
Para o doutrinador, entretanto, ao contrário do que defendem alguns, o
legislador constituinte, ao proclamar a regra da responsabilidade do Estado no art.
37, §6º, da CF, estendeu o adjetivo ―jurídicas‖ às pessoas de direito privado, sem, no
entanto, excluir desta última categoria as pessoas físicas. Adverte que caso a
intenção legislativa fosse o de englobar apenas as pessoas jurídicas de direito
privado, não haveria necessidade da construção gramatical adotada, pois indicaria
pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado prestadoras de serviços
públicos, usando a conjunção alternativa e não a aditiva.
Outra acepção é fornecida por Regnoberto Marques de Melo nior (1998, p.
172-173) que, ao proclamar sua filiação à teoria subjetiva, sintetiza seu pensamento
ao concluir que sendo o notário agente e não Estado, não responderá objetivamente
pelos danos causados aos usuários dos serviços e terceiros:
[...] a responsabilidade OBJETIVA, decorrente da Lei, é incompatível com a
‗personalização‘ da culpabilidade. Em outras palavras, a responsabilidade
notarial nasce havendo a relação de causalidade entre o dano e a ação
ou omissão POR ELE (ou representante) DADO CAUSA. Ora, não pode
haver sanção sem ato ou fato normado, nem norma sem fim (finalidade
protetiva de determinado bem (valor) jurídico). Se a responsabilidade
depende de causa, e a causa depende da prova da ação ou omissão,
dolosa ou culposa, do agente, é óbvia a conclusão que falar em
responder quem desencadeou o prejuízo. Em prejuízo que o autor,
como se responsabilizar? Esse raciocínio encaixar-se-ia ao art. 22, da
nossa Lei nº 8.935/94. Por que o discrímine de o preposto, porventura
causador do gravame que enseja a responsabilidade, responder somente
em caso de dolo ou culpa, e o notário, ao contrário, responder, sic et
simpliciter, objetivamente, pela condição de deter a titulatura da
delegação. Por fim, porque desceremos a detalhes um pouco mais
extensos, o notário não é Estado, é agente, e, como tal, não responde
objetivamente por danos.
161
Com relação ao comando legal inserto no parágrafo único do art. 927 do CCB,
que traz em seu bojo a proclamada teoria do risco, entende-se que não se enquadra
ao caso dos serviços notariais e de registros. Pelo contrário, argumentar que se
aplicaria o dispositivo acima pelo fato de ser tais atividades, por sua natureza e
desenvolvimento regular, causadoras de riscos, seria negar a própria razão de
existência das mesmas, bem como desprezar seus princípios basilares.
55
Com efeito, os atos praticados pelos tabeliães e registradores, na condição de
profissionais do direito que o, almejam justamente o contrário, ou seja, visam a
proporcionar segurança, eficácia, autenticidade, publicidade e pública aos fatos,
atos e negócios jurídicos. Dessa forma, a prestação de tais serviços, por si só, não
constitui atividade perigosa, a justificar a aplicação do dispositivo supra.
Ademais, mister se faz ressaltar que a Lei 8.935/94 foi editada justamente
com vistas a cumprir o comando constitucional inserido na redação do art. 236, § 1º,
da CF de 1988, devendo, pois, ser ela a aplicável para a disciplina da
responsabilidade civil dos notários e oficiais de registro, e não o novel Código Civil,
para fins de buscar a melhor hermenêutica pela via do critério da especialidade.
Por derradeiro, crumpre destacar outra questão de fundamental relevância para
o debate do presente tema e que acaba por fulminar a pretensão de fazer incidir o
art. 37, § 6º, da Constituição Federal ao caso dos notários e registradores, no
sentido de lhes aplicar o critério objetivo para aferição da responsabilidade civil:
trata-se da análise acerca da responsabilidade civil dos tabeliães de protestos de
títulos e outros documentos de dívidas.
O art. 38 da Lei 9.492/97 possui a seguinte redação: ―Os Tabeliães de Protesto
de Títulos são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem, por
culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou Escreventes que
autorizarem, assegurado o direito de regresso‖. Dúvidas não pairam diante da
_______________
55
Embora a teoria da imputão objetiva e a teoria da responsabilidade objetiva tenham âmbitos de
atuação distintos, vez que a primeira esligada ao Direito Penal, mais especificamente à Teoria do
Delito, enquanto a segunda encontra guarida no Direito Civil e outros ramos não criminais (tais como
Direito Ambiental, Responsabilidade Civil da Administrão Pública etc.), ambas derivam seus
conceitos básicos acerca do que seja ―risco‖ de uma fonte que lhes é comum, ―de natureza sócio
econômico cultural, qual seja, a constatação de que se vive modernamente numa chamada
‗Sociedade de Riscos‘, cabendo ao mundo jurídico enfrentar os novos desafios dessa realidade.
(CABETTE, 2006, on line).
162
clareza com a qual se reveste a redação do mencionado artigo, no sentido de
atribuir responsabilidade subjetiva aos tabeliães de protesto de tulos. Vale
ressaltar, por oportuno, que esta lei é posterior à Lei nº 8.935/94.
Dessa forma, se o fundamento dos que entendem ser objetiva a
responsabilidade civil dos oficiais de registros públicos estiver baseado no art. 37, §
6º da CF, tem-se que não se poderia admitir exceção infraconstitucional com relação
somente aos tabeliães de protesto de títulos e outros documentos de dívida,
posto que, nesse caso, o princípio da isonomia restaria ferido de morte, resultanto,
pois, na inconstitucionalidade da norma inserida na Lei 9.492/97, tese esta
inclusive levantada por Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 247-249):
Ora, se os concessionários e permissionários de serviços públicos, por
serem prestadores de serviços públicos, respondem objetivamente, tal como
o Estado, pelos danos causados no exercício de suas atividades, por que
não responderiam também os delegatários de serviço público, em tudo e por
tudo a eles semelhantes? [...] Ainda em nosso entender, o art. 38 da Lei
9.942/1997 é flagrantemente inconstitucional. Na medida em que
estabeleceu responsabilidade subjetiva para os tabeliães de protestos e
títulos, colocou-se em linha de colisão com o § 6.º do art. 37 da Constituição
Federal.
Na esteira do já esposado, são oportunas as conclusões de Ricardo Dip (2002,
p. 86), para quem ―se a ultima ratio da afirmada responsabilidade objetiva dos
registradores e notários era a norma inscrita no § 6º, art. 37, da CF/88, não era
possível admitir exceção infraconstitucional que beneficiasse os tabeliães de
protestos.‖ Pensar em sentido contrário, segundo ele, resultaria em iniciar um debate
acerca da constitucionalidade do art. 38 da Lei 9.492/97, uma vez que estaria o
legislador ordinário estabelecendo desarrazoado critério discriminatório entre o
critério de responsabilidade dos tabeliães de protesto e o dos demais oficiais de
registros públicos.
Acredita-se não ser o caso pois, como restou elucidado, na hipótese particular
dos agentes notariais e de registro, o comando constitucional, no que tange à
responsabilidade civil, está focado no § do art. 236, e não consbustanciado no §
6º do art. 37.
Assim, sob o primado do princípio da igualdade, levando-se em conta que todos
os serviços notariais e de registro revestem-se da mesma essência e que, portanto,
163
não pode haver distinções entre eles a pretexto de qualquer argumentão, bem
como partindo de uma análise sistetica dos dispositivos constitucionais e legais
atinentes à espécie conclui-se pela subjetividade do critério para aferição da
responsabilidade civil dos titulares das serventias extrajudiciais não-oficializadas.
3.4.1.3 Sucessão nos ofícios: Irresponsabilidade do notário ou
registrador por ato praticado antes de sua investidura na
delegação estatal
A mudança no regime jurídico ao qual estão submetidos os serviços notariais e
de registro, bem como os respectivos delegados titulares das serventias, ocorrida
por ocasião da promulgação da Constituição Federal de 1988, também impôs
alterações no entendimento referente à sucessão nos Ofícios Registrais.
Anteriormente, quando se considerava o serventuário como ―proprietário‖ do cartório,
seus substitutos, por morte ou em decorrência de qualquer outra causa, tornavam-se
sucessores do titular, herdando toda série de problemas advindos da administração
das serventias.
Com a proclamação da necessidade de concurso público para ingresso na
atividade notarial e de registro, o novo titular sucede seu antecessor no tempo, mas
não nas responsabiliades pregressas, salvo se persistir nos mesmos atos que lhes
deram causa. (CENEVIVA, 2008, p.63).
Desta feita, a cada nova delegação ou mesmo substituição, instalar-se-á novo
regime jurídico. Como bem ressalta Erpen (2006, p. 51-52), os atos equivocados do
passado deverão ser imputados ao antigo responsável pelos serviços ou, em última
análise, no caso de insolvência ou morte deste, ao próprio Estado, pela falha na
delegação (culpa in eligendo, ou in vigilando, a depender do caso concreto).
56
Para
ele, o como se operacionalizar, em face do interesse público que permeia o
caso, a sucessão, seja em matéria tributária ou trabalhista, salvo, neste último caso,
se ocorrer prorrogação do contrato de trabalho.
_______________
56
Segundo Luiz Cláudio Silva (2005, p. 13-14), a culpa ―in eligendo‖ decorre pela péssima escolha do
preposto, respondendo, assim, pelos danos causados a terceiros por este último, nada obstando
que o experimentador do dano ingresse também contra o causador direto do dano. ―A culpa in
vigilando‖, por sua vez, configura-se pela falta de atenção ou dos cuidados necessários para com o
comportamento daqueles que estão sob sua guarda e responsabilidade. Assim, dos danos que
estes vierem a causar a terceiros, a responsabilidade civil de ressarcir passa a ser do responsável,
por não ter exercido a vigilância de forma cautelosa, dispensando os cuidados necessários.
164
Flauzilino Araújo dos Santos (1997, on line), ao refletir sobre a
responsabilidade do notário ou registrador pelo passivo trabalhista e tributário
deixado pelo antigo titular, observa que, em face do caráter personalíssimo da
delegação, a responsabilidade pelos encargos sociais e fiscais pretéritos permanece
no passivo da pessoa física que, ao tempo da prática de tais atos, exercia o
comando da serventia. Adverte, ainda, que:
[...] se a Administração escolheu mal aquele a quem cometeu a execução
de seus serviços provisória ou em caráter efetivo, ou não fiscalizou
devidamente o cumprimento dos encargos, deve o Estado responder
diretamente pela satisfação dos encargos trabalhistas e fiscais, valendo-se
ao depois do direito de regresso para o ressarcimento do erário público.
Ademais, repita-se, foi uma opção do Poder Público delegante não ter
exigido do delegado do serviço notarial ou registral a prestação de uma
caução, ou a aquisição de uma apólice de seguro, preferindo o risco.
O autor apregoa, com propriedade, que os prepostos contratados pelo notário
ou registrador para auxiliá-lo no desempenho de suas funções, devem ser
desligados da serventia por ocasião da extinção da delegação. O fundamento disso
está no fato de estes terem sido contratados, na forma do art. 20 da Lei 8.935/94,
para servirem àquele titular, o qual, ressalte-se, poderia prestar os serviços que lhe
foram delegados de maneira direta, sem utilizar-se do emprego de auxiliares ou
prepostos, concluindo que a contratação de prepostos é inerente ao caráter
personalíssimo da delegação, devendo, por isso, ser pessoalment, cumprida até final
pelo delegado ou seus herdeiros.
Este tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo
Tribunal Federal. Vários são os julgados encontrados, mas digno de registro o as
ementas que ora são trazidas à colação:
PROCESSO CIVIL. CARTÓRIO DE NOTAS. PESSOA FORMAL. AÇÃO
INDENIZATÓRIA. RECONHECIMENTO DE FIRMA FALSIFICADA.
ILEGITIMIDADE PASSIVA. O tabelionato não detém personalidade jurídica
ou judiciária, sendo a responsabilidade pessoal do titular da serventia. No
caso de dano decorrente de má prestação de serviços notariais, somente o
tabelião à época dos fatos e o Estado possuem legitimidade passiva.
Recurso conhecido e provido. (REsp 545.613/MG, Rel. Ministro CESAR
ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/05/2007, DJ 29/06/2007
p. 630).
1. O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento à apelação
contra sentença que extinguiu a ação de indenização, proposta contra a
pessoa do atual titular do cartório, por ilegitimidade passiva, ao concluir que
a alegada responsabilidade pelo ato ilícito é pessoal, ou seja, terceiro
responde por atos de outrem nos casos expressamente previstos em lei, em
acórdão assim ementado: RESPONSABILIDADE CIVIL OFICIAL DO
165
REGISTRO DE IMÓVEIS DUPLICIDADE DE REGISTRO
ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM OUTRO TITULAR NA ÉPOCA
DO FATO DANOSO RESPONSABILIDADE É PESSOAL EXTINÇÃO
DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO RECURSO
IMPROVIDO. A responsabilidade civil por ato ilícito praticado pelo Oficial de
Registro de Imóveis é pessoal. Não pode o sucessor (atual titular da
serventia) responder por ato ilícito praticado pelo sucedido (anterior titular).‖
(Fls. 241-245) 2. Daí o recurso extraordinário sustentando, em síntese (fls.
296-320), ofensa ao art. 236, § 1º, da Constituição Federal, ao argumento
de que a negligência constatada é imputável ao cartório, não importando a
mudança em sua titularidade em irresponsabilidade. 3. Inadmitido o
recurso (fls. 340-343), subiram os autos em virtude do AI 605.526/PR (fl.
440). 4. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo desprovimento do
recurso, cujo parecer contém a seguinte ementa: Recurso Extraordinário.
Responsabilidade civil subjetiva. Serventuário de cartório. Registro de
imóvel. Ilegitimidade passiva. Acerto da decisão. Pelo desprovimento do
recurso. (Fls. 448-450) 5. O apelo extremo, portanto, não merece
prosperar, pois, o Tribunal a quo, a partir do exame de fatos e de provas,
entendeu pela impossibilidade de responsabilizar o notário porquanto o
recorrido não era titular da serventia na ocasião da ocorrência dos fatos
alegados como ensejadores do direito de reparação. Afastar tal conclusão,
como quer os recorrentes, exige o revolvimento dessa matéria fático-
probatória, procedimento vedado nesta fase pela Súmula STF 279. 6.
Ademais, contra o acórdão ora impugnado, os autores interpuseram,
concomitantemente, recurso especial (fls. 250-275) o qual, em acórdão
transitado em julgado, não foi conhecido pelo Superior Tribunal de Justiça,
sob entendimento de que o atual titular da serventia não pode responder por
ato ilícito praticado pelo antigo, nos seguintes termos: EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA
AD CAUSAM. Assentada a premissa da responsabilização individual e
pessoal do titular do cartório, é de se reconhecer que poderia mesmo
responder aquele que efetivamente ocupava o cargo à época da prática do
fato reputado como lesivo aos interesses do autor, razão pela qual não
poderia tal responsabilidade ser transferida ao agente público que o
sucedeu, afigurando-se escorreita, portanto, a conclusão em que assentado
o aresto embargado. Embargos de declaração rejeitados. (REsp 443.467-
ED/PR, rel. Min. Castro Filho, Turma, DJ 21.11.2005 fls. 385-417).
Esse fundamento, per se, é suficiente para manter o acórdão recorrido, que
se tornou definitivo, obstando a impugnação, mediante apelo extremo, com
base na aludida norma constitucional (Súmula STF 283). Nesse sentido,
dentre outros o RE 545.161/DF, rel. Min. Celso de Mello, DJ 28.06.2007. 7.
Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (CPC, art. 557,
caput). Publique-se. (RE 557080, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
julgado em 14/04/2009, publicado em DJe-081 DIVULG 04/05/2009 PUBLIC
05/05/2009). (Grifou-se).
Em sentido contrário, Yussef Said Cahali (2007, p.268-269) acredita que, a
partir da implantação do sistema de responsabilidade civil objetiva aos notários e
registradores, desenvolvendo-se uma interpretação mais rigorosa do art. 22 da LNR,
faz-se possível afirmar que a indenização poderá ser reclamada da entidade
cartorária, entendida como sendo o notário ou o oficial de registro que estiver no
exercício atual de sua titularidade, ainda que o dano tenha sido causado pelo
antecessor, pelo interino ou, até mesmo, pelo substituto por ele não indicado.
166
Entende que esta seria a interpretação mais apta a preservação do direito do
particular lesado, tendo como pressuposto básico a equiparação dos cartórios às
entidades públicas, pelo menos em sede de responsabilidade civil, embora
reconheça que esse entendimento nem sempre vem sendo acolhido pelos Tribunais.
Não devem prosperar as objeções de Cahali, porque a orientação do STF é no
sentido de ser a responsabilidade dos notários e registradores de ordem subjetiva,
posição esta que se mostra mais acertada (devido a razões já expostas). Neste
diapasão, havendo necessidade de comprovação de dolo ou culpa para a
responsabilização, não há o que se cogitar de transferência de responsabilidde, uma
vez que a culpa (em sentido amplo) é pessoal, não se admitindo que o sucessor
(atual titular da serventia) responda pela prática de ilícitos perpetrados pelo sucedido
(anterior titular).
Diante do exposto, entende-se que caberá ao novo titular da serventia
extrajudicial não-oficializada manter os contratos de trabalho já existente, de modo a
operacionalizar a necessária continuidade do serviço e proteger a situação dos
empregados, partes hipossuficientes.
de se ter em mente, entretanto, que não serão admitidos casos extremos e
desarrazoados, tais como, por exemplo, a hipótese de um antigo titular que, agindo
de má-fé, pouco tempo antes de se afastar da serventia seja por qual motivo for -,
tome medidas drásticas e sem plausibilidade logico-jurídica, tais como deferir
aumentos exorbitantes para seus funcionários ou ampliar sem que haja
necessidade a folha de pessoal da serventia, tudo no deliberado intuito de
prejudicar seu sucessor.
3.4.2 O Código de Defesa do Consumidor e sua inaplicabilidade no
sistema de responsabilidade civil dos notários e registradores
A Lei n° 8.078/90, denominada de Código de Defesa do Consumidor CDC, foi
editada em 11 de setembro de 1990, a fim de promover a consolidação da política
nacional das relações de consumo. Com o objetivo de tornar mais fácil a
compreensão do tema objeto do tópico em questão, necessário se faz retroceder
alguns aspectos básicos no que tange ao regime jurídico no qual encontram-se
inseridos os serviços notariais e de registro. Dessa forma, será perquirida a
167
possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor a essas atividades,
bem como estabelecido se a legislação consumerista é passível de interferir no
sistema de responsabilidade civil ao qual encontram-se submetidos esses
profissionais.
No que diz respeito à aplicabilidade do CDC aos serviços de notas, protestos e
registros públicos, acredita-se que estes (como serviços públicos que são), pela sua
própria razão de existir, não se encontram submetidos às regras dispostas na
legislação consumerista. O próprio Superior Tribunal de Justiça STJ, assim já se
manifestou, a saber:
PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL.
RESPONSABILIDADE CIVIL. TABELIONATO DE NOTAS. FORO
COMPETENTE. SERVIÇOS NOTARIAIS. - A atividade notarial não é regida
pelo CDC. (Vencidos a Ministra Nancy Andrighi e o Ministro Castro Filho). -
O foro competente a ser aplicado em ação de reparação de danos, em que
figure no pólo passivo da demanda pessoa jurídica que presta serviço
notarial é o do domicílio do autor. - Tal conclusão é possível seja pelo art.
101, I, do CDC, ou pelo art. 100, parágrafo único do CPC, bem como
segundo a regra geral de competência prevista no CPC. Recurso especial
conhecido e provido. (REsp 625.144/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI,
TERCEIRA TURMA, julgado em 14/03/2006, DJ 29/05/2006 p. 232, on line)
Com efeito, Sonia Marilda Péres Alves (2002, p. 99) fundamenta esse
pensamento no sentido de que o CDC não se aplica às relações jurídicas
derivadas dos serviços notariais e de registro - na própria ―essência‖ dessas
atividades, haja vista que são reconhecidas como ―o poder certificante dos órgãos
da pública‖, estando diretamente ligadas à Administração Pública. Desta feita, a
natureza pública dos atos notariais e registrais impõe permanente fiscalização pelo
Poder Judiciário Estadual e subordinação à disciplina e instruções da Corregedoria
de Justiça respectiva. Argumenta a autora que estas atividades se encontram
regulamentadas por disposição especial, não podendo coexistir com o CDC, em face
da incompatibilidade de seus preceitos. Explica-se:
Um dos maiores embróglios doutrinários e jurisprudencias no que diz
respeito às atividades notarias e de registro - após o advento da
Constituição Federal de 1988 - referia-se à sua respectiva natureza jurídica.
O Colendo Supremo Tribunal Federal, como abordado, prescreveu que os
os titulares das serventias extrajudiciais são típicos servidores públicos (em
sentido amplo), com funções revestidas de estatalidade, submetendo-se,
por consegüinte, a um regime de direito público.
168
Sabe-se que somente sujeitam-se às regras do Código de Defesa do
Consumidor as relações jurídicas consideradas de consumo, ou seja, aquelas que
perfazem os quesitos dos artigos a da Lei 8.078/90. O conceito de
fornecedor, para efeitos de aplicação do citado diploma legal, é fornecido pelo art.
e seus respectivos parágrafos, que preveem:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada,
nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que
desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção,
transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de
produtos ou prestação de serviços. § Produto é qualquer bem, móvel ou
imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no
mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza
bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das
relações de caráter trabalhista. (Grifo intencional).
Como se vê, o §2º acima transcrito se refere a serviço como sendo ―qualquer
atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração [...]‖. Desta
feita, que se rememorar alguns aspectos básico sobre os emolumentos, devidos
como contraprestação à efetiva utilização de atividades notariais e de registro. foi
dito que o Pretório Excelso firmou entendimento pacífico no sentido de que os
emolumentos concernentes aos serviços notariais e registrais possuem natureza
tributária, qualificando-se como taxas remuneratórias de serviços públicos.
57
É
justamente esse caráter contraprestacional que confere contornos atípicos à
natureza jurídica dos emolumentos, considerados pelos Tribunais pátrios como
pertencente à categoria de taxa sui generis.
De outra senda, faz-se oportuno colacionar entendimento de Ada Pellegrini
Grinover et al. (2004, p. 49), no sentido de que o termo ―remuneração‖, constante no
§2º do artigo do CDC, não abrange os tributos em geral, que se enquadram no
âmbito das relações de natureza tributária. Portanto, não que se confundir
contribuinte com consumidor, que no primeiro caso o que subsiste é uma relação
_______________
57
―CONSTITUCIONAL REGISTROS PÚBLICOS COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR
SOBRE A MATÉRIA GRATUIDADE CONSTITUCIONALMENTE GARANTIDA. Inexistência de
óbice a que o Estado preste serviço público a título gratuito. A atividade que desenvolvem os
titulares das serventias, mediante delegação, e a relação que estabelecem com o particular são de
ordem blica. Os emolumentos são taxas remuneratórias de serviços blicos. [...] O direito do
serventuário é o de perceber integralmente, os emolumentos relativos aos serviços para os quais
tenham sido fixados. Plausibilidade jurídica dos arts. 1º, e da Lei 9534/97. Liminar Deferida‖.
(ADC 5 MC, Relator(a): Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 17/11/1999, DJ 19-09-
2003 PP-00013 EMENT VOL-02124-01 PP-00016, on line). No mesmo sentido, ver decisão
exarada nos autos da ADIN 1.378-5 Espírito Santo - Rel. Min. Celso de Mello DJ 30.05.1997.
169
de Direito Tributário.‖ Logo, partindo do fato de que os emolumentos constituem-se
como taxas remuneratórias de serviço público, de se concluir que a relação
jurídica estabelecida entre o delegado da serventia notarial e de registro e os
usuários dos serviços é de natureza tributária, logo, de Direito blico. Assim,
aquele que utiliza os serviços de registros públicos não é enquadrado na categoria
de consumidor, mas sim de contribuinte.
58
Afora isso, cumpre asseverar não ser de clientela esta relação, uma vez que a
prestação de serviço público pico (ainda que com regime jurídico apico),o constitui
relação de consumo. Walter Ceneviva (2008, p.60) partilha da mesma opino:
Apesar do amplo espectro abarcado pela lei do consumo, o entendimento
defendido é o de não se aplicar aos registradores. Sendo embora delegados
do Poder Público e prestadores de serviço, sua relação não os vincula ao
mercado de consumo ao qual se destinam os serviços definidos pelo
Código do Consumidor (art. 3º, §2º). Mercado de consumo é o complexo de
negócios realizados no País com vistas ao fornecimento de produtos e
serviços adquiridos voluntariamente por quem os considere úteis ou
necessários. O serviço registrário, sendo em maior parte compulsório e
sempre de predominante interesse geral, de toda sociedade, não se
confunde com as condições próprias do contrato de consumo e a natureza
do mercado que lhe corresponde. (Itálico original).
Por outro lado, o art. 175 da CF de 1988 preceitua que ―Incumbe ao Poder
Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos‖. Complementa, na
redação do parágrafo único, que a lei disporá sobre os direitos dos usuários (inciso
II) e acerca da obrigação de manter serviço adequado (inciso IV). O caput do art. 22
da Lei n° 8.078/90 (CDC) aduz que:
Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos
essenciais, contínuos.
Este fato faz com que vários doutrinadores se posicionem a favor da
aplicabilidade da legislação consumerista ao caso específico dos notários e
registradores. Para Ivan Ricardo Garisio Sartori (2002, p.108), existe entre o
particular e o delegado dos serviços um autêntico contrato de resultado, o que os
enquadraria perfeitamente no disposto no CDC. Alega não ser por outro motivo
_______________
58
Cf. ADIn 1.378.
170
caber ao delegado não prestar o serviço em si com todas as qualidades que lhe
são inerentes vale dizer, qualidade, adequação, segurança, durabilidade,
desempenho, plena informação, mas também orientar o usuário sobre qual o melhor
e mais eficaz caminho tendente a assegurar a validade e segurança do ato que
pretende formalizar. H. A. da Costa Benício (2005, p.123) aduz que:
[...] o vínculo jurídico entre o ‗fornecedor de serviços notariais e de registro‘
e o usuário (destinatário final) de tais serviços configura, sim, relação de
consumo. Por mais que a fé pública imprimida aos atos e documentos
expedidos, pelo tabelião ou registrador, seja voltada a produzir prova e
efeitos contra terceiros, garantindo publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia de atos jurídicos, não se pode negar que o interessado pelos
serviços cartoriais apresenta-se como autêntico destinatário final, para os
fins do art. da Lei 8.078/90 (‗Consumidor é toda pessoa física ou
jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.‘).
Entende-se não se enquadrarem os notários e registradores na condição de
―fornecedores‖, para fins de aplicação do CDC e atribuição de responsabilidade civil.
Segundo o melhor entendimento, as atribuições dos delegados titulares dos serviços
extrajudiciais não decorrem de contrato, e sim da lei, que estabelece as funções que
lhes são inerentes. São estes profissionais do Direito, a quem o Estado, por meio de
concurso público, delegou a prestação dos serviços notariais e de registro,
conferindo-os a fé pública necessária para representarem a vontade Estatal.
Por outro lado, acredita-se que, muito embora seja plenamente aplicável o
caput do art. 22 do Código de Defesa do Consumidor aos serviços notariais e de
registro (uma vez que a autonomia administrativa e funcional desses profissionais
possibilita o incremento na qualidade do serviço prestado), no sentido de ser
possível a exigência de prestação de serviço adequado, eficiente, contínuo e
seguro
59
, o mesmo o se pode dizer com relação ao enquadramento de tais
_______________
59
Em sentido contrário, Gilherme Fanti (2006, on line), entendeo se aplicar o Código de Defesa do
Consumidor à atividade notarial e de registro, refutando, igualmente, a possibilidade de
enquadramento dessa atividade no comando legal inserto no caput do art. 22 do CDC: ―[...] conclui-
se que a relação jurídica existente entre os cartórios extrajudiciais e os usuários-contribuintes do
serviço é de ordem pública, de Direito Público e de interesse coletivo uti universi”, não havendo
qualquer possibilidade de aplicação das normas gerais contidas no Código Brasileiro de Defesa do
Consumidor. Além disso, corroborando com tal entendimento, verifica-se que o serviço prestado
pelo titular da serventia notarial e registral não gera nenhum vínculo contratual entre ele e o
usuário. Com efeito, entende-se não estar incluso no parágrafo único, do art. 22 do CDC, o serviço
público delegado pelo Estado à pessoa física do notário ou registrador. Ocorre que o dito
dispositivo legal abrange, exclusivamente, as empresas públicas, dotadas de personalidade jurídica
própria, tais como as concessionárias e permissionárias de serviços públicos. Por fim, verifica-se
171
atividades essenciais do Estado como produto ou serviço, nos moldes
ensejadores de uma relação consumerista.
Dessa forma, impende-se interpretar sistematicamente o art. 22 da Lei
Consumerista, de modo a permitir que incidam nos serviços notariais e de registro os
princípios nela preconizados, rechaçando, por outro lado, a caracterização de uma
relação de consumo entre o titular da serventia extrajudicial não-oficializada e o
usuário dos serviços.
Alerta-se, ainda, para o fato de que a Constituição Federal, ao tratar das
atividades de registros públicos, houve por bem em discipliná-las de modo especial,
o que decorre do disposto no § do art. 236 da CF, que exigiu a edição de lei
ordinária para a regulamentação das atividades; disciplina da responsabilidade civil
e criminal dos notários e registradores (e de seus prepostos), bem como definição da
fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
3.4.3 A responsabilização subsidiária do Estado pelos danos
decorrentes dos atos notariais e de registro praticados nas
serventias não-oficializadas
Quanto à responsabilidade do ente estatal diante dos atos praticados em
cartórios não-oficializados, é pacífico o entedimento de que este deve indenizar os
usuários dos serviços, bem como terceiros, que sejam prejudicados em decorrência
de danos dele advindos. O ponto central em torno do qual giram as discussões
doutrinárias e os debates jurisprudenciais consiste, mais precisamente, em saber se
ou não benefício de ordem neste dever ressarcitório, ou seja, se a
responsabilidade do Estado seria subsidiária (supletiva) ou solidária (direta).
O Supremo Tribunal Federal, em reiterados julgamentos acerca da matéria em
foco
60
, vem se posicionando no sentido de serem os notários e registradores agentes
que a responsabilidade do titular do serviço notarial e de registro é regulada por legislação especial,
dotada de normas ―específicas‖, nos termos das Leis 8.935/94, 6.015/73 e 9.492/97.‖
60
Cfr. RE 330395 AgR / SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática exarada em 18/02/2008 (DJ
11/03/2008); RE 330395 / SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, decisão monocrática exarada em 09/10/2006
(DJ 17/11/2006); RE 229.974/PR, Rel. Min. Néri da Silveira, decisão monocrática exarada em
28/9/2001 (DJ 12/11/2001); RE 212.724/MG, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgado em 30/3/1999 (DJ
6/8/1999); RE 209.354 AgR/PR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 2/3/1999 (DJ de 16/4/1999); RE
187.753/PR, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgado em 26/3/1999 (DJ de 13/8/1999); RE 175.739/SP, Rel.
Min. Marco Aurélio, julgado em 26/10/1998 (DJ de 26/2/1999) e RE 116.662/PR, Rel. Min. Moreira
172
públicos e, em decorrência disso, entendendo que aos mesmos se aplica a norma
contida no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, no sentido de o Estado responder
de maneira direta (sem benefício de ordem) e objetiva pelos danos causados aos
administrados por tais agentes, cabendo ação de regresso destes contra os titulares
dos serviços notariais e de registro no caso de comprovação da culpa ou dolo (dos
mesmos ou de seus prepostos).
61
Atribui-se tal entedimento, que entende-se equivocado, ao fato de o C.
Supremo Tribunal Federal o ter, ainda, se debruçado de maneira mais profunda e
acurada sobre as questões que envolvem o tortuoso tema, de modo a analisar de
modo harmônico e sistematizado os preceitos contidos nos artigos 22 da Lei nº
8.935/94, 38 da Lei nº 9.492/97 e do § 6º, art. 37, da CF.
No mesmo sentido do que vem sendo proclamado pelo Pretório Excelso,
diversos doutrinadores pátrios entendem que a responsabilidade do ente estatal é
solidária, e que a conjugação hermenêutica de tais artigos estabeleceu uma cadeia
de direito de regresso. Assim, como visto, o Estado responderia objetiva e
solidariamente frente ao lesado e, caso fosse acionado sozinho, teria, a posteriori,
direito de regresso frente ao notário ou registrador em caso de dolo ou culpa deste e
de seus prepostos. (GONÇALVES, 2008, p. 290). Os delegados de serviço público,
por sua vez, poderiam após ressarcimento ao Erário voltar-se contra o
funcionário causador direto do dano, também em caso de comprovação de conduta
dolosa ou culposa deste, de modo a ter o prejuízo compensado.
62
Alves, julgado em 16/6/1998 (DJ de 16/10/1998). Precedentes: STF Pleno Embargos em Recurso
Extraordinário, Rel. Carlos Madeira, julgado em 6/3/1986, RTJ 118/1097, e RE 77.169-SP, Rel. Min.
Antonio Neder, julgado em 4/12/1979, public. DJ de 21/12/1979.
61
Cabe consignar, ainda, que na visão do STF nada impede o lesado de demandar tão-somente
contra o notário ou registrador, uma vez que a responsabilidade objetiva do ente estatal foi
proclamada no sentido de ajudar o lesado na composição do dano, cabendo-lhe, entretanto,
escolher contra quem ajuizará a ação ressarcitória, suportando o onus probandi na hipótese de
optar por dirigir a demanda contra o agente público. Segundo Hugo de Brito Machado (2002, on
line) este entendimento majoritário também na doutrina acaba por aumentar o senso de
responsabilidade dos agentes públicos.
62
―Tabelião. Titulares de Ofício de Justiça. Responsabilidade civil. Responsabilidade do Estado. CF,
art. 37, § . Natureza estatal das atividades exercidas pelos serventuários titulares de cartórios e
registros extrajudiciais, exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público.
Responsabilidade objetiva do Estado pelos danos praticados a terceiros por esses servidores no
exercício de tais funções, assegurado o direito de regresso contra o notário, nos casos de dolo ou
culpa.‖ RE 209.354-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 2-3-99, DJ de 16-4-99. No
mesmo sentido: RE 551.156-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 10-3-09, 2ª Turma, DJE de
3-4-09;RE 212.724, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 30-3-99, DJ de 6-8-99.
173
Walter Ceneviva (2002, p.154-158) adverte que o verbo ―responder‖, utilizado
na redação do caput do art. 22 da Lei 8.935/94, denuncia transparentemente a
possibilidade de o ofendido ajuizar a ação indenizatória de maneira direta contra o
titular da serventia que prestou os serviços notariais ou de registro. Ato contínuo,
ressalta a existência da cadeia de direitos de regresso, surgida da interpretação
lógico-sistemática entre o art. 22 da Lei nº 8.935/94 e o § 6º, art. 37, da CF, quando
destaca as opções dadas pelo ordenamento jurídico ao lesado, ressaltando que, ao
escolher demandar diretamente contra o Estado, valer-se a vítima da
responsabilidade objetiva, podendo o ente estatal regressivamente buscar o
ressarcimento do titular da serventia, no caso de comprovação de dolo ou culpa. Ao
contrário, se o ofendido optar por direcionar o notário ou registrador no polo passivo
da lide indenizatória, imprescendível será a demonstração de sua culpa ou dolo:
A vítima pode assestar a pretensão reparadora diretamente contra o titular,
pois para tanto a autoriza o uso do verbo ‗responder‘. A responsabilização
civil se concretiza através da imposição de pena pecuniária ao agente do
ato ilícito, pelas conseqüências materiais ou morais resultantes.
Corresponde a uma garantia da paz social. Como ficou dito na abertura do
Capítulo e à vista do que determina o art. 37, § 6º, da Constituição e da
interpretação dada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal quanto à
natureza da relação entre o delegado notarial ou registrário e o Estado, este
responde, nos termos da responsabilidade objetiva, tendo direito regressivo
contra o titular do serviço em caso de dolo ou culpa. Assestado o pedido
diretamente contra o oficial, incumbe ao autor comprovar-lhe a culpa. [...] A
ação reparatória proposta contra o Estado, dada sua responsabilidade
objetiva, é campo impróprio para discussão da culpa ou do dolo. Na ação
contra o tabelião ou o registrador, todavia, tal discussão é imprescindível.
Rui Stoco (2006, p. 572-576), por sua vez, esclarece que o reconhecimento da
responsabilidade direta da pessoa jurídica de direito blico decorre,
primordialmente, da teoria orgância, segundo a qual o dano causado ao particular é
imputável de forma direta à pessoa jurídica de cuja organização faz parte o
funcionário causador do prejuízo, uma vez que a atividade deste se configura como
atividade própria daquela. Leciona, ainda, que o art. 37, § 6º, da CF proclamou o
princípio da responsabilização direta e objetiva do Estado, pelos danos que seus
agentes causarem a terceiros. Dessa forma, o poderá ser modificado,
desmembrado ou ignorado por lei de nível infraconstitucional.
Defendendo também a legitimidade passiva do ente estatal, Sônia Marilda
Peres Alves (2002, p.95) alerta para o fato de o Estado perceber parcela
considerável dos emolumentos pagos pelos usuários dos serviços, afirmando que tal
174
circunstância soma-se às demais no sentido de não permitir a desoneração da
responsabilidade objetiva do poder delegante simultaneamente à do delegado.
Também se posiciona a favor da responsabilidade solidária do Estado, embora
com argumentação diversa, Yussef Cahali (2007, p.266), entendendo que
independentemente da qualificação jurídica que se queira atribuir aos notários e
oficiais de registro, tem-se como induvidoso que a atividade notarial e de registro é
exercida mediante prévia delegação do Estado, donde se conclui a necessária
corresponsabilidade do órgão delegante pelos atos danosos praticados pelo seu
delegatário.
63
Dessa forma, tanto o Estado quanto os delegados titulares
responderão de forma objetiva e solidária pelos danos que estes vierem a causar em
decorrência de suas atividades. Segundo atesta Cahali (2007, p.270-271), a
diferença consistirá no método processual a ser utilizado, caso haja (ou não)
comprovação de culpa ou dolo do cartorário:
[...] desde que o prejuízo de que reclama o autor tenha sido causado por ato
doloso ou culposo de cartorário, há de se permitir a denunciação da lide
pela Fazenda do Estado ao causador direto do dano, nas condições do art.
70, III, do CPC, de modo a possibilitar à demandada o exercício do direito
de regresso nos próprios autos da ação indenizatória, na lide secundária.
[...] Questão nova diz respeito à eventual possibilidade que teria a Fazenda
do Estado demandada pelo particular com fundamento na responsabilidade
objetiva pelos atos do ente delegado de denunciar à lide o notário ou oficial
de registro que praticou os atos danosos, sem culpa ou dolo, e cuja
responsabilidade é, agora, também objetiva. Na ambígua disciplina de
intervenção de terceiros, a que se propôs o CPC, parece-nos que o instituto
que melhor se ajusta à hipótese seria o chamamento ao processo, admitido
nos termos do art. 70, III, na consideração de que haveria uma co-
responsabilidade, ou responsabilidade solidária, entre o Estado (órgão
delegante) e o serventuário (ente delegado), resolvendo-se o caso nos
termos do art. 80 do mesmo Código de Processo, combinado com o arts.
283-285 do CC.
A propósito, Gustavo Tepedino (1999, p. 197), tomando como base o digo
de Defesa do Consumidor CDC, sustenta que a prestação de serviços constitui,
antes de mais nada, relação de consumo, o que atrai para a hipótese das
prestadoras de serviço público a solidariedade dos diversos entes públicos e
privados que se apresentem na condição de fornecedores dos respectivos serviços,
prestados de maneira direta ou indireta pela atividade estatal. Tais objeções não
_______________
63
Afirmando que há co-responsabilidade do Estado, embora defenda que a responsabilidade dos
notários e registradores será subjetiva, vide Sonia Marilda Péres Alves (2002, p.96-97).
175
devem prosperar que, conforme abordado, acredita-se não haver incidência do
Código de Defesa do Consumidor nas atividades notariais e de registros.
Em sentido diametralmente oposto, sustentam alguns renomados juristas que a
responsabilidade do ente estatal em face dos serviços notariais e de registro
reveste-se de caráter subsidiário, ou seja, segundo eles, a ação indenizatória teria
que se voltar primeiramente contra o titular da serventia extrajudicial não-oficializada
para, somente após, no caso destes primeiros não possuírem lastro patrimonial
suficiente para a recomposição do dano, ser a demanda ressarcitória direcionada
contra o Estado.
Referida corrente é captaneada no Brasil por Décio Antônio Erpen (2006, p.52)
que, como demonstrado, defende a aplicação da teoria subjetiva para a
responsabilização dos oficiais de registros públicos, sustentando, outrossim, que tal
responsabilidade será direta, ou seja, primeiro deverá ser demandado o delegatário
do serviço. Para ele, a responsabilidade direta dos notários e registradores está
disposta no art. 22 da Lei 8.935/94, não havendo espaço para se exigir ão
contra o Poder Público, com a denunciação à lide do chamado agente delegado, daí
porque acredita não incidir o preceito constitucional que regulamenta, de forma
específica, a responsabilidade da Administração Pública.
Acresce que o notário ou registrador deverá responder de maneira direta,
afastando-se o princípio norteador adotado pelo Constituinte e que, caso estes
sejam insolventes, haverá a responsabilidade do Poder blico, em decorrência do
equívoco na delegação ou omissão na exigência de caução. Responderá o ente
estatal pela falha originária, ocorrida quando do exercício do poder delegante, mas
não pelo erro causador do dano.
No mesmo sentido, Ricardo Dip (2002, p.90), outro defensor da teoria
subjetiva, explicando que não há conflito de normas entre as redações do art. 28 da
Lei nº 6.015/73 e a do art. 22 da Lei 8.935/94, ressalta que a primeira parte deste
dispositivo - ―Os notários e oficiais de registro responderção pelos danos que eles e
seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia [...]‖ -
não indica a espécie fundacional da responsabilização objeto, mas apenas
determina ser direta a responsabilidade civil do registrador e tabelião pelos atos
176
próprios e de seus prepostos, contra esses últimos assegurado o direito de regresso
(por parte do titular delegado) no caso de dolo ou culpa.
Explica Dip (2002, p.90), por fim, que imputar a responsabilidade de forma
direta equivale a dizer que não haverá espaço para convocação solidária ou
secundária (salvo nas hipóteses de insolvência do agente público, haja vista o erro
in vigilando consoante obervou cio Erpen), não implicando isso na imputação
objetiva.
Por seu turno, Ivan Ricardo Garisio Sartori (2002, p.106-108), embora adepto
da corrente que sustenta ser objetiva a responsabilidade civil dos notários e
registradores, também faz coro em afirmar que a responsabilidade do Estado,
nesses casos, será direta. Argumenta que o fato de os delegados auferirem todas as
vantagens da atividade mitiga a responsabilidade do Poder Público, que só poderá
ser invocada supletiva ou subsidiariamente. Reforça sua tese afirmando que, caso
não houvesse essa supletividade na responsabilidade do ente estatal, o existiria
razão de ser para a delegação constitucional.
Continua aduzindo que, pensar em sentido diverso contraria o interesse
público, em benefício do privado, minimizando a responsabilidade dos agentes
delegados, ainda que estes aufiram todas as vantagens e utilidades da atividade.
Complementa que caso o notário ou o registrador seja insolvente, sim deverá
responder o Estado (de maneira subsidiária), alertando para o fato de que se houver
a recomposição econômica do oficial após o pagamento da indenização pelo
Estado, evidente se mostrará a possibilidade de regresso do ente estatal, persistindo
a responsabilidade objetiva do acionado, eis que devedor principal.
Como visto, o constituinte originário de 1988 privatizou o modus operandi das
atividades notariais e de registro, rechaçando a oficialização dos tabelionatos e
ofícios de registro.
64
Em virtudo disso, observou-se uma significativa mudança no
regime jurídico das serventias extrajudiciais não-oficializadas, com o aumento da
_______________
64
A respeito do tema, vejamos trecho de decisão do C. Supremo Tribunal Federal: ―Entendeu a
maioria deste Tribunal, em síntese, que o sentido do artigo 236 da Carta Magna foi o de tolher, sem
mesmo reverter, a oficialização dos cartórios de notas e registros, em contraste com a estatização
estabelecida para as serventias do foro judicial pelo art. 31 do ADCT [...]‖. (RE 189.736, Rel. Min.
Moreira Alves, julgamento em 26-3-96, DJ de 27-9-96). No mesmo sentido: RE 191.030-AgR, Rel.
Min. Octávio Gallotti, julgamento em 5-12-97, DJ de 27-3-98 e RE 191.030-AgR-ED, Rel. Min.
Octávio Gallotti, julgamento em 22-6-99, DJ de 7-4-00.
177
independência funcional refletindo de forma evidente no sistema de
responsabilidade atribuída a seus respectivos titulares. Nesse sentido, a maior
autonomia atribuída aos notários e registradores trouxe consigo um significativo
acréscimo de responsabilidade, consubstanciado a partir da redação do art. 22 do
Estatuto dos Notários e Registradores (Lei 8.935/94), que, entende-se, preleciona a
responsabilizão exclusiva desses agentes delegados de serviços públicos.
Levando-se em consideração que a delegação implica, naturalmente, em
atribuição de responsabilidade ao delegado, advoga-se a tese de que, caso o Estado
continuasse a responder diretamente pelos danos causados por norios e
registradores, restaria sem razão a inovação constitucional, no sentido de atribuir
cater privado ao modo de exercício dessas atividades. Dessa forma, considerando
que tais profissionais possuem autonomia administrativa e financeira, percebendo
integralmente os emolumentos pagos como contraprestação dos serviços, não o
que se falar em responsabilização direta do ente estatal. Sintentizando o pensamento,
cidas são as palavras de H. A. da Costa Benício (2005, p. 49), para quem:
É incontesvel a natureza pública do serviço prestado pelos tabelionatos e
cartórios de registros, uma vez que a segurança judica e a garantia de eficácia
contra terceiros interessa a toda a sociedade. Todavia, notários e registradores
exercem suas atividades por suas próprias contas e riscos e o em nome do
Estado, contratando o seu pessoal e remunerando-o de forma autônoma,
sendo certo que os titulares recebem emolumentos condizentes com tais
responsabilidades. A responsabilidade apenas subsidiária do ente estatal
(oportunizada somente após a comprovação de insolvência do titular do
cartório) decorre não somente do fato de os emolumentos serem pagos
diretamente por interessados pelos serviços, mas, principalmente, pela
independência de gerenciamento administrativo e financeiro (Lei 8.935/94,
art. 21) que caracteriza os servos notariais e registrais.
Alerta-se, desde logo, que, embora defenda-se que a responsabilidade do
Estado seja subsidiária - e não solidária como pretende convencer a doutrina e
jurisprudência majoritária o ente estatal não poderá se esquivar de ressarcir os
prejuízos suportados pelo administrado, caso este não consiga obter a satisfação do
crédito junto ao delegado titular da serventia notarial e de registro, posto que
insolvente.
Ora, tendo tais atividades natureza de serviço público, acarretam ao Estado o
ônus de arcar com os prejuízos delas advindos, sob pena de ser a vítima do dano
obrigada a suportá-lo individualmente, o que seria um verdadeiro retrocesso jurídico
178
dentro do sistema de responsabilidade civil. Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira
de Mello (2009, p.998-999) assevera que:
Para fins de responsabilidade subsidiária do Estado, incluem-se, também,
as demais pessoas jurídicas de Direito Público auxiliares do Estado, bem
como quaisquer outras, inclusive de Direito Privado, que, inobstante alheias
à sua estrutura orgânica central, desempenham cometimentos estatais sob
concessão ou delegação explícitas (concessionárias de serviço público e
delegados de função pública) ou implícitas (sociedades mistas e empresas
do Estado em geral, quando no desempenho de serviço público
propriamente dito). Isto porque não faria sentido que o Estado se
esquivasse a responder subsidiariamente ou seja, depois de exaustas as
forças da pessoa alheia à sua intimidade estrutural se a atividade lesiva só
foi possível porque o Estado lhe colocou em mãos o desempenho da
atividade exclusivamente pública geradora do dano.
Da análise dos sistemas de responsabilidade previstos nos diferentes
comandos constitucionais, conclui-se que, ante a redação do § 6º, in fine, do art. 37,
a responsabilidade civil dos notários e registradores deverá ser aferida pelo critério
subjetivo (com perquirição acerca da existência do elemento culpa, em seu sentido
amplo), sendo estes considerados, para os efeitos de configuração do dever de
ressarcir, como agentes públicos (o que, inclusive, é a leitura que faz o Supremo
Tribunal Federal).
Por seu turno, o regime estabelecido em decorrência do comando inserto no §
do art. 236 da CF, ao ser regulamentado através da Lei 8.935/94, cujo art. 22
tratou especificamente da responsabilidade civil dos notários e registradores, fez
com que os mais precipitados sugerissem a adoção da responsabilidade objetiva em
face do resultado danoso perpetrado pelo tabelião ou oficial de registro.
Cabe consignar, ainda, que mesmo que notários e registradores sejam
considerados pessoas físicas que exercem serviços públicos por delegação, caso se
lhes aplique o § do art. 37 da Constituição Federal, outra conclusão não haverá
senão a de que, do mesmo modo que os permissionários e concessionários de
serviços públicos, responderão objetivamente pelos prejuízos causados em
decorrência de atos cartorários.
Nessa linha de raciocínio, os menos avisados podem sustentar que há, na
hipótese, duas regras de nível constitucional direcionadas aos órgãos judiciários.
Diante disso, instalada está uma antinomia jurídica, que, nos dizeres de Norberto
Bobbio (1999, p. 88-89), se traduz como uma ―situação que se verifica entre duas
179
normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo
âmbito de validade (temporal, espacial, pessoal e material).‖ Dentre os métodos
comumente utilizados para a solução das antinomias, destacam-se o cronológico, o
hierárquico e o da especialidade.
Observa o mesmo Bobbio (1999, p.96-97), acerca do critério da especialidade,
que a lei especial consiste naquela que anula outra de âmbito mais amplo, geral, ou
que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma
regulamentação diferente (contrária ou incompatível). O afunilamento da extensão
da abrangência das normas constitui-se como exigência fundamental da justiça,
compreendida no sentido de conferir tratamento igual das pessoas que pertencem à
mesma categoria. Havendo diferenciação entre as categorias de indivíduos, persistir
na aplicação da regra geral importaria em tratamento igual de pessoas com
características desiguais, portanto, em injustiça.
Conclui o doutrinador afirmando que quando se aplica o critério da lex
specialis não acontece a subtração total de uma das duas normas incompatíveis,
mas tão-somente daquela parte da lei geral que se mostra incompatível com a lei
especial. A fim de se adequar à lei especial, a lei geral seria parcialmente
desprezada. Sendo assim, aduz-se que a partir do critério da especialidade, mostra-
se possível a superação da incompatibilidade entre os dispositivos constitucionais
adrede citados, uma vez que a antinomia entre tais regras é meramente aparente,
derivando de uma interpretação incompleta do sistema de responsabilidade civil no
qual estão inseridos os notários e registradores.
Na análise empreendida no segundo capítulo, acerca das especificidades que
envolvem a tetica da atividade notarial e de registro, observou-se que, em seu
regramento, existe uma série de combinações entre elementos próprios de um
regime jurídico de direito privado, com outros tantos, aplicáveis ao direito público.
Afirmou-se, naquela ocasião, que notários e registradores estão submetidos a um
regime jurídico híbrido, de contornos anômalos. Assim sendo, a temática referente à
responsabilidade civil dessa categoria profissional encontra-se igualmente
disciplinada de modo especial, o que decorre da interpretação sistemática a ser
dada ao art. 22 da Lei 8.935/94, tomando-se como base o disposto no § do art.
180
236 da CF (ante o critério da especialidade), o se aplicando, portanto, a regra
insculpida no § 6º do art. 37 da mesma Carta Política.
Desta forma, referidos titulares de delegação pública não se confundem, para
efeito de responsabilização civil, com os demais agentes públicos, havendo
dispositivo constitucional específico, art. 236, §1º, que dispõe acerca de sua
responsabilidade, comando este que, em face da limitação de sua eficácia, foi
prontamente regulamentado pela legislação infraconstitucional (Lei 8.935/94, art.
22). Assim, embora sejam os notários e registradores ―prestadores de serviços
públicos‖, o que, comumente, ensejaria a responsabilização objetiva dos mesmos -
caso utilizado o preceito da primeira parte do § 6º, art. 37, da CF entende-se que a
eles se aplica o comando específico do art. 236, §1º, da CF, que constitui exceção à
regra geral, disposta no art. 37, § 6º.
De qualquer sorte, no que tange à responsabilidade do Estado, denota-se
correta a utilização do disposto no referido § do art. 37. Todavia, notários e
registradores devem ser tratados como prestadores de serviços públicos por
delegação (conforme dispõe o início do § 6º), implicando responsabilidade apenas
subsidiária do Estado, incidindo somente na hipótese de insolvência do titular da
delegação, e não como agentes públicos (§ 6º, in fine), a ensejar a responsabilidade
direta do ente estatal a que está vinculado.
Acresce-se aos motivos acima colacionados, no sentido de ser supletiva a
responsabilidade do Estado em decorrência de dano causado por titulares de
serventias extrajudiciais não oficializadas, a inovação ocorrida por ocasião do art. 22
da Lei dos Notários e Registradores - que preconiza a responsabilização direta
desses profissionais bem como a existência de regime jurídico de delegação sui
generis ao qual estão submetidos estes profissionais.
Seja como for, mostra-se claro que, ao ampliar a autonomia financeira e
administrativa dos notários e registradores, o Estado reduziu sua margem de poder
sobre tais atividades, havendo, como consectário-lógico, uma diminuição do risco
assumido pelo ente estatal, fator este a justificar a subsidiariedade de sua
responsabilidade.
181
Cabe alertar, desde já, que no caso de serventia extrajudicial oficializada, ainda
presentes em decorrência da previsão constante no art. 32 do ADCT da Constituição
de 1988, na qual o notário ou registrador é considerado como servidor público no
sentido estrito da palavra - posto que ocupante de cargo público e remunerado
diretamente pelo Estado - a responsabilidade do Estado será, indicutivelmente,
solidária e direta, aplicando-se o disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Buscando a compreensão dos contornos jurídicos que receberam as atividades
notariais e de registros no ordenamento jurídico brasileiro, descobrimos que, a par
da estagnação experimentada ao longo da história, a nova ordem constitucional
estabelecida a partir de 1988 inaugurou uma ―nova era‖, ao estabelecer que seriam
estas exercidas em caráter privado, por delegação do Poder Público.
Com efeito, somente com o advento da Constituição Federal de 1988 - cujo art.
236 foi regulamentado pela Lei 8.935/94 é que foram verificadas mudanças
positivas para a disciplina dos registros públicos no país, tendo sido fixadas as
diretrizes básicas, bem como os princípios fundamentais da matéria no ordenamento
jurídico pátrio.
1
Dessa forma, a partir de então, optou o constituinte originário
brasileiro, de forma bastante clara, pelo regime privado para o exercício das
atividades cartorárias, tolhendo, por conseguinte, a oficialização dos tabelionatos e
dos cartórios registrais, em contraste com a estatização estabelecida pelo art. 31 do
Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para as serventias do foro judicial.
Através do estudo, restou estabelecido para nós que as atividades notariais e de
registro o integram a estrutura do Poder Judiciário, embora seja este o competente
para instauração do concurso público constitucionalmente exigido, bem como para
proceder à respectiva outorga da delegação das serventias aos aprovados no concurso,
isso sem esquecer de mencionar a fiscalização da prestação de tais serviços.
Observamos, ainda, que os serviços de registros blicos revestem-se de
inquestionável natureza pública, eis que tidos como o poder certificante do órgãos
da fé pública, cujo exercício envolve parcela da autoridade estatal. Entretanto, em
_______________
1
Desde a proclamação da República, o sistema de registros públicos no Brasil sofreu sérias
oscilações, vez que entregue completamente às leis estaduais de organização judiciária. Isso
acabou por contribuir com o nepotismo, reinante por muito tempo nessa área de atuação, em
detrimento da qualificação dos profissionais exercentes de tais atividades.
183
que pese o enquadramento na categoria de ―serviços públicos‖, tratam-se de
atividades atípicas, com regramento próprio e específico.
No que se refere à relevância social dessas atividades, demonstramos que
notários e registradores possuem aptidão para o exercício de uma gama de atos de
administração pública de interesses privados, praticando atos inibidores de
litigiosidade e evitando, desta feita, que muitos conflitos venham a adentrar na
esfera judicial, o sobrecarregada. Com efeito, uma máxima que se aprendeu é
que o Direito acompanha a sociedade, a qual move as transformações ao ritmo de
seu dinamismo. E a sociedade, cada vez mais, está ansiando por rapidez na
resolução das questões cotidianas. Assim, podem os cidadãos realizar
espontaneamente seus direitos, onerando menos o Judiciário, utilizando-se da
qualificação técnica e ética dos notários e registradores, pessoas profissionalmente
vocacionadas para tal mister, uma vez que são dotados de fé-pública estatal.
Percebemos, outrossim, a partir do que foi pesquisado, que os titulares das
serventias extrajudiciais, como delegados instituídos pelo Estado, desempenhando
função de inquestionável natureza pública, enquadram-se na categoria de agentes
públicos (servidores públicos em sentido amplo), que agem em colaboração com o
Poder blico através do instituto da delegação (que se opera pela via do concurso
público para ingresso e remoção). Tal delegação, por seu turno, se opera de
maneira sui generis, ou seja, através de concurso público e não de licitação, como
comumente é de se observar.
Destacamos, ainda, que o entendimento dominante - firmado pela doutrina e
jurisprudência tria - é no sentido de que as serventias extrajudiciais (denominadas
popularmente de carrios) o possuem personalidade jurídica, constituindo-se como
unidades de serviços. Com efeito, estas somente possuem inscrição no CNPJ/MJ
(Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) para efeitos fiscais e, no que tange ao
aspecto tributário, faz-se certo afirmar que os haveres auferidos por atos praticados nas
serventias devem ser contabilizados como receita da pessoa física do delegado
extrajudicial, devendo este recolher o IRPF Imposto sobre a Renda de Pessoa Física.
Assim, para se conhecer e definir o regime jurídico dos notários e
registradores, não basta a referência das normas que o regulam e o limitam. É
184
necessário, ainda, esclarecer as nuances que informam tal regime, no sentido de
conformar sua natureza e estrutura lógico-jurídica. Nesse sentido, acreditamos ser
tarefa deveras complicada a de determinar uma identificação absoluta entre as
atividades notariais e de registro e qualquer outra determinada função estatal.
Entendemos que o meio mais apropriado para a compreensão da mencionada
função é a enumeração de suas características, como acreditamos ter sido feito a
contento atra´ves deste trabalho, problematizando temas de grande repercussão no
cenário jurídico nacional, tais como: a não identidade entre emolumentos e as taxas
endereçadas aos cofres públicos, a constitucionalidade das leis que concedem a
gratuidade ou redução dos emolumentos cartorários, dentre outros.
Quanto à responsabilização civil dos notários e registradores pelos prejuízos
decorrentes de atos praticados nas serventias, entendemos que, a par das
divergências doutrinárias e jurisprudenciais, deve prevalecer o critério subjetivo para
aferição do dever ressarcitório. Nesse contexto, a complexidade do tema decorre,
não apenas do ecletismo que caracteriza o regime jurídico desses profissionais, mas
também da abertura da norma contida no parágrafo único do art. 927 do novo
Código Civil.
Mesmo que o Código Civil de 2002 tenha inovado no sentido de prever no
parágrafo único de seu art. 927 uma cláusula geral de responsabilidade objetiva
demonstrando a tendência atual de ampliação das hipóteses de responsabilização
independente de demonstração de culpa esse fato não foi o bastante para alterar a
disciplina de responsabilização dos notários e registradores. A uma, porque trata-se
o Código Civil de lei geral e, nesse sentido, não tem o condão de revogar as normas
específicas sobre a matéria (Lei 6.015/73, arts. 28 e 157, e Lei 9.492/97, art.
38);
2
a duas, porque as atividades notariais e registrais não encerram o perigo
excepcional contido no comando normativo ensejador da responsabilidade objetiva,
vez que os atos praticados pelos tabeliães e registradores, na condição de
profissionais do direito que o, almejam justamente o contrário, ou seja, visam a
proporcionar segurança, eficácia, autenticidade, publicidade e pública aos fatos,
atos e negócios jurídicos.
_______________
2
Tais dispositivos legais prevêem expressamente a responsabilidade subjetiva, fundada na culpa lato
sensu.
185
Acrescemtamos, ainda, que a responsabilidade civil objetiva não se presume,
não podendo sua imputação verificar-se através de emprego de analogia, seja
interpretativa ou integrativa, mas, ao revés, deverá decorrer expressamente de lei ou
da natureza da atividade, nos termos do art. 927, parágrafo único, do CCB (o qual
não se amolda aos serviços notariais e de registro).
Quanto ao fato de a lei não ter expressado o que se pode entender por
―atividade normalmente desenvolvida que implique, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem‖, podemos inferir através do presente estudo, que cumpre à
doutrina e à jurisprudência, casuisticamente, estabelecer em que situações
determinadas condutas lícitas e arriscadas, que possam ensejar prejuízo especial e
anormal a alguém, devam implicar a responsabilidade objetiva do autor de tais
condutas. Nas hipóteses em que se configurar, numa relação civil, responsabilidade
objetiva pelo resultado danoso, tal fato deverá ser tratado como exceção, cuidando o
intérprete para analisar a causalidade normativa em toda a sua complexidade,
buscando sempre revelar o sentido apropriado para a vida real, conducente a uma
decisão reta.
Entendemos que existe dispositivo constitucional específico a respeito dos
delegados titulares de serventias extrajudiciais não oficializadas, qual seja, art. 236,
§ 1º, da CF de 1988. É justamente nessa previsão, e o em qualquer outra, que se
encontra a base legal esclarecedora da responsabilidade civil dos oficiais de
registros públicos. Observamos, outrossim, que tal regra perfaz-se em dispositivo
constitucional de eficácia limitada, tendo o constituinte originário conferido ampla
margem de atuação ao legislador ordinário federal, nos termos estabelecidos pela
lei. Nesse contexto, a Lei 8.935/94 foi editada justamente com vistas a cumprir o
comando constitucional inserido no dispositivo constitucional retro, devendo, pois,
ser ela a aplicável para a disciplina da responsabilidade civil dos notários e oficiais
de registro, e não o novel Código Civil, para fins de buscar a melhor hermenêutica
pela via do critério da especialidade.
Ante o comando constitucional, poderia ter sido a responsabilidade dos
notários e registradores fixada em parâmetros objetivos ou subjetivos, desde que
houvesse razoabilidade normativa para tanto. A escolha do legislador dependeria,
186
nesse diapasão, de uma conjuntura política e social, existente no momento da
aprovação do diploma legal.
Some-se a tudo isso o fato de que, caso fosse correta a aplicação da
disposição contida no art. 37, § da CF para o caso dos oficiais de registros
públicos não se poderia admitir exceção infraconstitucional com relação somente
aos tabeliães de protesto de tulos e outros documentos de dívida, posto que,
nesse caso, o princípio da isonomia restaria ferido de morte, resultanto, pois, na
inconstitucionalidade da norma inserida na Lei nº 9.492/97.
Na análise empreendida no segundo capítulo do trabalho, acerca das
especificidades que envolvem a temática da atividade notarial e de registro,
observamos que, em seu regramento, existe uma série de combinações entre
elementos próprios de um regime jurídico de direito privado, com outros tantos,
aplicáveis ao direito público. Afirmamos, naquela ocasião, que notários e
registradores estão submetidos a um regime jurídico híbrido, de contornos
anômalos.
Assim sendo, a temática referente à responsabilidade civil dessa categoria
profissional encontra-se igualmente disciplinada de modo especial, o que
decorre da interpretação sistemática a ser dada ao art. 22 da Lei nº 8.935/94,
tomando-se como base o disposto no § do art. 236 da CF (ante o critério da
especialidade), não se aplicando, portanto, a regra insculpida no § do art. 37 da
mesma Carta Política. Desta forma, referidos titulares de delegação pública não se
confundem, para efeito de responsabilização civil, com os demais agentes públicos,
havendo dispositivo constitucional específico, art. 236, §1º, que dispõe acerca de
sua responsabilidade.
Com relação à responsabilidade civil do Estado em decorrência das atividades
notariais e de registro, advogamos a tese de que esta será subsidiária, e não direta,
conforme entendimento majoritário.
3
A posição que assumimos, conforme abordado,
_______________
3
Consoante abordado no decorrer do trabalho, o C. Supremo Tribunal Federal, em reiterados julgamentos
acerca da matéria em foco, vem se posicionando no sentido de serem os notários e registradores agentes
públicos e, em decorrência disso, entendendo que aos mesmos se aplica a norma contida no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal, no sentido de o Estado responder de maneira direta (sem benefício de ordem) e objetiva
pelos danos causados aos administrados por tais agentes, cabendo ação de regresso deste contra os titulares
187
pretende deixar evidenciada uma clara valoração da assunção de riscos próprios por
parte do titular da serventia não-oficializada. Entendemos que isso justifica o
recebimento integral dos emolumentos por parte dos tarios e registradores, como
forma de remuneração. Ademais, levando-se em consideração que a delegação
implica, naturalmente, em atribuição de responsabilidade ao delegado, concluímos
que, caso o Estado continuasse a responder diretamente pelos danos causados por
notários e registradores, restaria sem sentido a inovação constitucional, quando
atribui caráter privado ao modo de exercício dessas atividades.
Nesse sentido, a maior autonomia atribuída a estes profissionais trouxe
consigo um significativo acréscimo de responsabilidade, consubstanciado a partir da
redação do art. 22 do Estatuto dos Notários e Registradores (Lei 8.935/94), que
preleciona a responsabilização exclusiva desses agentes delegados de serviços
públicos.
Ora, não se deve conceber a figura da delegação sem riscos. Caso sejam os
notários e os registradores (delegados prestadores de serviços públicos)
equiparados à condição de subordinação que caracteriza os servidores públicos em
geral, aplicar-se-á aos mesmos, por conseguinte, a figura do cargo público e não da
delegação. Isso porque a primeira representa vinculação por dependência e a
segunda constitui-se no desempenho autônomo de atividade, o qual se justifica
se a atuação se der por conta própria e pela assunção de riscos do delegado.
Dessa forma, o notário ou registrador deverá responder de maneira direta pelos
prejuízos que eles, ou seus prepostos, vierem a causar no exercício das atividades
próprias das serventias. Caso estes sejam insolventes, haverá a responsabilidade do
Poder Público, em decorrência do equívoco na delegação ou omissão na exigência
de caução. Responderá o ente estatal pela falha originária, ocorrida quando do
exercício do poder delegante, mas não pelo erro causador do dano.
Nesse sentido, o ente estatal não poderá se esquivar de ressarcir os prejuízos
suportados pelo administrado, caso este não consiga obter a satisfação do crédito
junto ao delegado titular da serventia notarial e de registro, posto que insolvente.
dos serviços notarias e de registro no caso de comprovação da culpa ou dolo (dos mesmos ou de seus
prepostos).
188
Nada mais lógico.Tendo tais atividades natureza de serviço público, acarretam ao
Estado o ônus de arcar com os prejuízos delas advindos, sob pena de ser a vítima
do dano obrigada a suportá-lo individualmente, o que seria um verdadeiro retrocesso
jurídico dentro do sistema de responsabilidade civil.
De qualquer sorte, no que tange à responsabilidade do Estado, acreditamos
ser correta a utilização do disposto no referido § do art. 37. Todavia, notários e
registradores devem ser tratados como prestadores de serviços públicos por
delegação (conforme dispõe o início do § 6º), implicando responsabilidade apenas
subsidiária do Estado, incidindo somente na hipótese de insolvência do titular da
delegação, mas não como agentes públicos (§ 6º, in fine), a ensejar a
responsabilidade direta do ente estatal a que está vinculado.
Acrescentamos aos motivos acima colacionados, no sentido de ser supletiva a
responsabilidade do Estado em decorrência de dano causado por titulares de
serventias extrajudiciais não oficializadas, a inovação ocorrida por ocasião do art. 22
da Lei dos Notários e Registradores - que preconiza a responsabilização direta
desses profissionais bem como a existência de regime jurídico de delegação sui
generis ao qual estão submetidos. Seja como for, mostra-se claro que, ao ampliar a
autonomia financeira e administrativa dos notários e registradores, o Estado reduziu
sua margem de poder sobre tais atividades, havendo, como consectário-lógico, uma
diminuição do risco assumido pelo ente estatal, fator este a justificar a
subsidiariedade de sua responsabilidade.
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