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paranóia em trabalhos subseqüentes
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, porém, sempre para encontrar confirmações às hipóteses
que formulara em 1911 — como assinala James Strachey
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(Freud, [1911], p. 16-17).
O caso Schreber inicia-se com uma “Introdução”, na qual Freud assume uma postura
defensiva perante o fato de teorizar sobre as psicoses, não sendo ele um médico atuante em
manicômios. Assim, começa seu texto: “A investigação analítica apresenta dificuldades para
médicos que, como eu, não estão ligados a instituições públicas” (Freud, [1911], p. 21). Fala das
dificuldades de se ofertar um tratamento analítico a psicóticos, o que implicaria necessariamente
a perspectiva de “sucesso terapêutico”. E conclui o primeiro parágrafo, afirmando que, apesar
disso, vê muitos casos de paranóia e de demência precoce (esquizofrenia), embora sua
experiência clínica não seja suficiente para levá-lo a quaisquer conclusões analíticas.
Em seguida, Freud justifica sua ousadia de analisar um paciente única e exclusivamente a
partir da autobiografia deste, ou seja, justifica o fato de ele (Freud) nunca ter se encontrado
pessoalmente com seu “analisando”, Schreber:
Visto que os paranóicos não podem ser compelidos a superar suas resistências
internas e desde que, de qualquer modo, só dizem o que resolvem dizer, decorre
disso ser a paranóia um distúrbio em que o relatório escrito ou uma história clínica
impressa podem tomar o lugar de um conhecimento pessoal do paciente. Por esta
razão, penso ser legítimo basear interpretações analíticas na história clínica de um
paciente que sofria de paranóia (ou, precisamente, de dementia paranoides) e a
quem nunca vi, mas que escreveu sua própria história clínica e publicou-a (Freud,
[1911], p. 21).
Por último, Freud faz alguns recortes das Memórias de Schreber, utilizando-se das
próprias palavras deste no que tange ao oferecimento explícito de seu texto para estudos
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À Guisa de Introdução ao Narcisismo (Freud, [1914b]), Um caso de paranóia que contraria a teoria psicanalítica
da doença (Freud, [1915]), a seção B de Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, na paranóia e no
homossexualismo (Freud, [1922]) e a parte III de Uma neurose demoníaca do século XVII (Freud, [1923b]).
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Contrapondo-se a Strachey, Lothane (1992, p. 371; n. 48) assinala categoricamente que Freud teria mudado seu
ponto de vista sobre a paranóia em Construções em Análise [1937], reconhecendo um resíduo de realidade histórica
nas alucinações de Schreber. Constatamos que, em nenhum momento desse artigo, Freud se refere à paranóia em
particular — muito menos a Schreber —, mas sim ao delírio em geral, atribuindo a este um núcleo de “verdade
histórica” ([1937], p. 285-286), atribuição essa que já havia sido sugerida em Moisés e o Monoteísmo, texto esse
redigido antes de Construções em Análise (Freud [1939], p. 72; p. 99; p. 144). Contudo, a noção de “verdade
histórica” de Freud estaria para a de realidade psíquica, assim como sua noção de “verdade material” estaria para a
de realidade externa. Freud se refere, portanto, a uma verdade histórica do delírio associada à realidade psíquica do
delirante, que pode muito bem ser meramente ficcional e em nada se assemelhar à “realidade histórica”, factual, a
qual Lothane faz alusão. Endossamos o ponto de vista de Strachey e sugerimos que Freud, de fato, não modificou
sua concepção da paranóia descrita no caso Schreber. Em Uma neurose demoníaca do século XVII, encontra-se a
mais extensa citação a Schreber de toda a obra freudiana, cujo conteúdo consagra as análises que empreendera em
1911 (Vide Freud, [1923b], p. 106-107; p. 109).