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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
O MOVIMENTO DOS BEBÊS EM AMBIENTE
MUSICAL
Cíntia Vieira da Silva Soares
GOIÂNIA
2007
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
O MOVIMENTO DOS BEBÊS EM AMBIENTE
MUSICAL
Cíntia Vieira da Silva Soares
Dissertação apresentada ao curso de
Mestrado em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Goiás, para a obtenção do título de Mestre
em Educação.
ORIENTAÇÃO: Profª Monique Andries Nogueira
GOIÂNIA
2007
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A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
O MOVIMENTO DOS BEBÊS EM AMBIENTE MUSICAL
Cíntia Vieira da Silva Soares
Dissertação defendida no Curso de Mestrado em Educação da Faculdade
de Educação da Universidade Federal de Goiás, para a obtenção do grau
de Mestre, aprovada em 03 de agosto de 2007, pela Banca Examinadora
constituída pelos seguintes professores:
__________________________________________
Profa. Dra. Monique Andries Nogueira - UFG
__________________________________________
Profa. Dra. Ivone Garcia Barbosa - UFG
__________________________________________
Profa. Dra. Esther Beyer - UFRGS
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos
Arthur, Ana Elisa e Laura,
que são a alegria de nossas vidas...
Ao Aldo,
companheiro
de todas as horas...
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela força nos momentos mais difíceis...
À Profª. Monique Andries Nogueira, pela orientação e por ter acreditado
na possibilidade de realização desta pesquisa.
À Banca Examinadora: Profª. Ivone Garcia Barbosa e Profª Esther Beyer
pelas valiosas sugestões, contribuindo para o aprimoramento deste trabalho.
Aos meus pais, Adolaor e Onofra, pelo amor, pelo exemplo e pelo
incentivo aos caminhos da sica, vislumbrando na educação a base da minha
formação...
Ao Aldo, pelo amor, pelo companheirismo, pela tranquilidade nos
momentos angustiantes e, acima de tudo pelo apoio tanto nas questões técnicas do
trabalho quanto nas tarefas acumuladas no nosso lar...
À Nilsea, minha amiga e irmã de coração, parceira de sonhos e ideais,
pelo apoio incondicional em todos os momentos deste percurso, conduzindo com
sabedoria e amor nosso trabalho na escola...
À Elcione, amiga e companheira fiel, pela disponibilidade e presença
imprescindível nas filmagens dos bebês, sem as quais este trabalho não seria
possível, e também pelas inumeráveis substituições, auxiliando-me no cumprimento
dos compromissos...
À minha divertida amiga Juliana, pelo exemplo de vida, nos mostrando
com sua alegria e fé, os verdadeiros valores da vida...
À Keyla, pela amizade e força nos momentos críticos, e ainda pelas
interlocuções de mais de dois anos, que contribuíram para o surgimento de muitas
idéias desenvolvidas neste trabalho...
Às professoras: Anabella, Poliana, Rose, Giovanna, Rosana e Sandra
pelas trocas e alegrias dos momentos pedagógicos, em que todo conhecimento
proporcionado por esse trabalho, adquiria sentido prático...
Aos meus irmãos Alessandro, Lívia, Scheilla e Thiago, meus cunhados
Licídio, Fábio, Renato, e cunhadas Lavínia e Laíssa, e também aos meus sobrinhos
Ana Luisa, Guilherme, João Vítor, Mateus, Thiago, Flávia, a pequena Mariana e ao
bebê Daniel, pelos divertidos e salutares momentos familiares que me reabasteciam
a alma...
À Profª Mirza Toschi pela contribuição singular, incentivando-me com
sabedoria e docilidade...
À Gina Glaydes, por acreditar na minha capacidade...
À Gazinha pela revisão cuidadosa e competente...
Aos bebês participantes, bem como professoras, agentes educativas e
coordenadoras do Centro Municipal de Educação Infantil J.G. pela disponibilidade
em participar desta pesquisa, tornando possível esse trabalho.
À Escola Música & Bebê pelo rico espaço destinado a vivências musicais,
inspirando significativamente esta pesquisa.
Compreendi, então,
que a vida não é uma sonata que,
para realizar a sua beleza,
tem de ser tocada até o fim.
Dei-me conta, ao contrário,
de que a vida é um álbum de mini-sonatas.
Cada momento de beleza
vivido e amado,
por efêmero que seja,
é uma experiência completa
que está destinada à eternidade.
Um único momento de beleza e amor
justifica a vida inteira.
Rubem Alves
RESUMO
Este trabalho teve por objetivo investigar os movimentos realizados pelos
bebês em atividades musicais realizadas em creche pública. A pesquisa que deu
origem a esse trabalho foi desenvolvida com 34 bebês, de 4 a 24 meses, em um
Centro Municipal de Educação Infantil, em Goiânia - Goiás. Adaptadas do programa
de musicalização para bebês de uma escola privada, as vivências musicais foram
desenvolvidas de forma lúdica, com músicas para cantar, dançar e ouvir, por meio
de cantigas de roda, canções de ninar, parlendas e brincadeiras musicais
diversificadas. Essas atividades foram realizadas em encontros semanais, contando
com a participação das professoras e agentes educativas da instituição, bem como
da pesquisadora. Por ser uma pesquisa qualitativa, utilizamos gravações em vídeos
e observações para a coleta das informações. Essas filmagens foram analisadas
com enfoque no desenvolvimento psicomotor do bebê, sendo os critérios
estabelecidos com base nos movimentos apresentados por eles. As análises foram
articuladas com a literatura de vários autores, principalmente com a de Henri Wallon,
autor que fundamentou significativamente este trabalho. Diante de tais análises, foi
possível perceber como os bebês do CMEI se movimentam e se expressam em
presença de música, os benefícios trazidos pelas atividades realizadas, bem como
identificar possibilidades e limites para o trabalho de musicalização com bebês, em
instituições como esta e outras afins. Essa proposta também acenou para a
possibilidade de um trabalho musical de qualidade pedagógica voltado para bebês
das classes populares, contribuindo com o seu desenvolvimento, sua inserção
cultural, e, sobretudo, incentivando, desde cedo, a sua formação estética.
ABSTRACT
This work’s goal was to investigate the movements done by babies in
musical activities at a public day care center. The primary research which originated
this work was developed with 34 infants, from 4 to 24 months old, at the Child
Education City Center (CMEI), city of Goiania, state of Goias. The musical
experiences, adapted from a musicalization program of a private school, were
developed in a ludicrous way with music to sing, dance and listen to, including
playing songs, lullabies and diversified music plays. These activities took place
through weekly meetings with the participation of teachers and education agents of
the institution and the researcher as well. Since it is a qualitative research, we have
used video recordings and observations to collect the information. The videos were
analyzed with focus on the baby’s psychomotor development with criteria established
based on the movements presented by them. The analyses were articulated through
the literature of several authors, especially Henri Wallon. Based on these analyses, it
was possible to notice how the babies at CMEI moved and expressed themselves in
the presence of music and the benefits of the activities. It was also possible to
identify the possibilities and limitations to the work of musicalization with babies at
proper institutions. This proposal also indicated the possibility of a musical work with
pedagogical quality directed to babies of lower income classes, contributing to their
growth, cultural inclusion and also promoting, since the early ages, their aesthetic
development.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 Quadro das Análises dos Movimentos..................81
Ilustração 2 Bebês da Cena 1...................................................81
Ilustração 3 Bebês da Cena 2...................................................84
Ilustração 4 Bebês da Cena 3...................................................89
Ilustração 5 Bebês da Cena 4...................................................92
Ilustração 6 Bebês da Cena 5...................................................94
Ilustração 7 Bebês da Cena 6...................................................96
Ilustração 8 Bebês da Cena 7..................................................100
Ilustração 9 Bebês da Cena 8..................................................103
Ilustração 10 Bebês da Cena 9..................................................107
Ilustração 11 Bebês da Cena 10................................................111
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 - O BEBÊ ................................................................................... 14
1.1. Desenvolvimento do Bebê............................................................. 15
1.2. Movimentos do Bebê......................................................................20
CAPÍTULO 2 - O BEBÊ E A MÚSICA.............................................................. 31
2.1. Mundo Musical............................................................................... 31
2.2. A Música na Infância...................................................................... 33
2.3. A Música do Bebê...........................................................................38
2.4. Vivências Musicais para Bebês......................................................41
CAPÍTULO 3 - O BEBÊ NAS INSTITUIÇÕES.................................................. 52
3.1. Um olhar sobre a história............................................................... 53
3.2. Educação Infantil tem espaço legal, e agora?............................... 59
3.3. Pensando a Formação de Educadores Infantis..............................62
3.4. A Educação Infantil em Goiás e os Centros Municipais de
Educação Infantil (CMEIs) ....................................................................65
CAPÍTULO 4 - A ATIVIDADE MUSICAL NO CMEI........................................... 71
4.1. Procedimentos Metodológicos.........................................................71
4.2. Escolha de Instituição - Campo da Pesquisa................................. 74
4.3. O Centro Municipal de Educação Infantil J. G.................................75
4.4. As Vivências Musicais.....................................................................77
4.5. Análise dos Movimentos..................................................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 116
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA...................................................................... 120
APÊNDICES...................................................................................................... 127
ANEXOS............................................................................................................ 145
INTRODUÇÃO
Eu vou te contar uma estória
Agora atenção
Que começa aqui no meio
Da palma da tua mão
Canções de Brincar
Paulo Tatit/ Zé Tatit
“O que bebês fazem nas atividades de música? Eles tocam algum
instrumento? Mas são tão pequenininhos!...“ Perguntas e comentários como esses
são bem comuns. Quando, porém se vêem bebês com alguns meses de idade, em
ambiente musical, percebe-se, claramente, o quanto gostam das atividades musicais
e se divertem. Os balbucios acompanham o canto e, balançando e sacudindo as
perninhas, parecem dançar ao ouvir a sica. O momento de explorar os
instrumentos é então o mais esperado por todos. É só a professora colocá-los no
tapete, que todos se movimentam para alcançá-los e para descobrir os objetos
sonoros tão curiosos e interessantes.
As influências e os benefícios são claros e perceptíveis a todos que
rodeiam o bebê. Nos relatos de pais que participam das atividades com seus bebês
e também mediante a observação empírica realizada em instituição particular
1
,
temos percebido que a música influencia significativamente os bebês e os beneficia
em seu desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo e social.
Esses aspectos foram observados em nossa prática com musicalização
de bebês na referida instituição particular. As atividades nela desenvolvidas contam
com a presença dos pais ou dos seus substitutos (babás, avós, avôs, tias, etc), que
formam duplas na participação das brincadeiras musicais. Daí surgiu nossa pergunta
inicial: Como seria a interação do bebê com a música em uma creche pública
2
?
Como se daria sua participação?
Embora reconheçamos a importância singular de estudos na área
musical, não tínhamos intenção de discutir o papel da música na instituição pública,
muito menos a sua presença no plano pedagógico, que em grande parte, não a
inclui tampouco outras linguagens artísticas. O nosso olhar estava voltado para o
1
Escola Música & Bebê
2
Segundo a LDB (nº. 9394/96), creche é a denominação dada às instituições que atendem bebês de 0 a 3 anos.
Muitas dessas instituições são contidas no CMEI, juntamente com o atendimento à pré-escola (4 a 6 anos). O
CMEI é uma instituição municipal pra atendimento à educação infantil (0 a 6 anos).
bebê, sujeito ativo, que com seus movimentos e ações nas atividades musicais
poderia modificar o lugar ocupado pela música dentro da creche. Somente com a
observação da sua conduta, dos seus movimentos, da sua participação é que
realmente poder-se-ia perceber sua interação com a música e conseqüentemente a
influência dela em seu cotidiano.
Investigar, todavia, a participação do bebê no sentido geral seria muito
abrangente para este trabalho, arriscando-nos à superficialidade das discussões.
Definimos, então, pelo enfoque psicomotor; investigaríamos os movimentos de
bebês na creche em contexto musical formal, podendo também ser levantadas
possíveis contribuições da música no seu desenvolvimento psicomotor.
Dessa forma, consideramos o bebê como sujeito desta pesquisa, a fim de
entrever a viabilidade de promover atividades como essas em instituições públicas.
A instituição escolhida para observação foi um Centro Municipal de Educação Infantil
CMEI –, instituição pública educativa voltada para o atendimento de crianças de 0
a 6 anos.
A pesquisa de campo foi realizada por meio de encontros musicais, com
os bebês, suas professoras e suas agentes educativas
3
, no próprio CMEI. Todas as
vivências musicais: canções, danças, explorações sonoro-musicais foram filmadas,
para depois ser analisadas com base em categorias por nós definidas.
A abordagem dessa pesquisa foi qualitativa, com projeto de intervenção.
Assim, propusemos um programa de atividades musicais, a fim de que os bebês
pudessem ser observados nesse contexto musical. Participamos de todo o processo
de apreensão dos dados, acompanhando todo o desenvolvimento da pesquisa.
As informações foram descritas e analisadas de forma qualitativa. Foram
observadas nas crianças, as qualidades das suas ações, naquilo que conseguiam
fazer, e não, nas suas dificuldades, sendo consideradas todas as formas de ação e
mesmo qualquer movimento emergido no contexto musical proporcionado. Segundo
Minayo (2001), “a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados
das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em
equações, médias e estatísticas”.
Na composição deste texto, procuramos analisar os aspectos do
movimento levando em conta o tripé: bebê, música e instituição.
3
Para cada grupo de crianças, há uma professora (com licenciatura) e duas agentes educativas (com ensino
médio).
No primeiro capítulo, a abordagem é sobre o be e as vertentes de
estudos do seu amplo desenvolvimento. As discussões empreendidas neste capítulo
fundamentam-se no psicólogo francês Henri Wallon (1879 - 1962). Este autor foi
escolhido porque traz importantes contribuições aos estudos dos movimentos das
crianças de tenra idade e atribui ao ato motor uma dimensão expressiva e
diferenciada. Para o autor, a motricidade não está ligada somente às funções físicas,
mas também às funções afetivas e emocionais.
Com breve passagem pelo universo musical, o segundo capítulo nos
remete às diversas influências da música para o ser humano, perpassa pela
infância, enfatizando-se a música e os bebês.
O terceiro capítulo retrata a instituição. Traz à discussão elementos
históricos do percurso das instituições voltadas para esta idade e das concepções
de infância tanto no Brasil quanto em Goiás.
O quarto capítulo traz as descrições das cenas, com destaque nos
movimentos selecionados e suas respectivas análises. Foram utilizados cinco
critérios: movimentos posturais, exploratórios, decorrentes, livres ou criativos e
gestuais. Esses critérios foram definidos com base nos movimentos observados nas
cenas registradas, contemplando aspectos abordados na literatura, relacionados à
questão motora em circunstância musical.
Nas considerações finais, destacamos os aspectos relevantes de como os
bebês se movimentaram ao longo das atividades musicais; refletimos sobre as
possibilidades e dificuldades de realização dessas atividades em uma creche
pública, bem como, apontamos possíveis contribuições no desenvolvimento motor
do bebê e em estudos de áreas afins.
CAPÍTULO 1 - O BEBÊ
Já gosta da mamãe
Já gosta do papai
Não sabe tomar banho, não?
Já sabe tomar banho
Já quer ouvir histórias
Não sabe por sapatos, não?
Já sabe por sapatos
Já come até sozinho
Mas nunca escova os dentes, não?
Canções de Brincar
Sandra Peres/ Luis Tatit
Neste capítulo inicial, pretendemos abarcar as múltiplas faces do
desenvolvimento infantil, adentrando, fundamentalmente, o espaço que vem sendo
preenchido por estudos específicos sobre bebês. Partiremos de pesquisas e estudos
acerca do desenvolvimento geral do bebê, o nosso foco, entretanto, são os
movimentos do bebê, convergindo nosso olhar para o seu desenvolvimento motor.
Até meados do século XX, a concepção que se tinha de bebês recém-
nascidos era a de seres frágeis e completamente vulneráveis, praticamente cegos e
surdos. Acreditava-se que suas percepções sensoriais se iniciariam somente a partir
de algum tempo depois do nascimento, devendo, portanto, serem resguardados em
ambientes com pouca iluminação, volume sonoro reduzido, serem privados da
movimentação dos membros, bem como de qualquer contato social, para que não
fossem “prejudicados” no seu desenvolvimento. (BEYER, 1998)
Nas últimas décadas do século XX, contudo, houve um interesse
substancial pelo assunto, fomentando inúmeras pesquisas e estudos que reviram
antigas concepções, descobrindo no recém-nascido capacidades até então não
imaginadas.
O uso de fotos e filmagens realizadas no instante do nascimento e dias
depois contribuiu intensamente com essas observações, possibilitou aos
pesquisadores um acompanhamento mais preciso das reações dos bebês, abrindo,
conseqüentemente, espaço a novos olhares para a interação dos bebês com o meio
ambiente.
Pesquisadores como Klaus & Klaus (1989) demonstraram em seus
estudos sobre bebês no nascimento, a existência da capacidade visual, antes
questionada, e atestaram a habilidade do recém-nascido em reconhecer formas e
imagens e em distinguir diferentes modelos, inclusive de expressar suas
preferências, não apenas por reflexos visuais, mas também por um funcionamento
cerebral superior. Quanto à capacidade auditiva, observaram, em imagens de ultra-
sonografia em gestações da 25ª ou 26ª semana de gravidez, que muito antes de
nascerem os bebês percebem e reagem aos sons e aos ruídos. Após o
nascimento, demonstram preferências por vozes mais agudas, distinguem diferentes
tipos de sons, como também as diferenças de intensidade e altura. Mudam a direção
da cabeça, buscando com o olhar o lado correspondente ao som ouvido. São
capazes de distinguir e reconhecer diferentes cheiros e também reagir ao toque e às
expressões do adulto. (KLAUS & KLAUS, 1989)
Com relação ao movimento, foi observado que, além da série de reflexos
primários, movimentos que não dependem de aprendizado tais como o choro, a
sucção, a preensão palmar, marcha automática, o recém-nascido age com certa
coerência rítmica em atividades aparentemente casuais. A princípio, com aparência
de aleatórios e descoordenados, entretanto “estes movimentos não intencionais
contém ritmos e padrões identificáveis e estabelecem os fundamentos para ações
mais deliberadas” (KLAUS & KLAUS, 1989, p. 63).
Com o desenvolvimento de novas tecnologias de pesquisa, como
imagens de ultra-som e ressonância magnética, puderam-se vislumbrar as
possibilidades e os limites do bebê. As investigações revelaram que o bebê pode
perceber e interagir com o mundo à sua volta desde muito cedo, ainda na vida
uterina, trazendo consigo lembranças significativas. E com intuito de desvendar esse
universo sensorial do bebê abriram-se novos campos de estudo e pesquisa, em
áreas cada vez mais especializadas do desenvolvimento cognitivo, social e motor
dos recém-nascidos.
1.1 O Desenvolvimento do Bebê
Na etapa da vida intra-uterina, o embrião se encontra em estado
elementar de desenvolvimento, em que predomina a regulação interna. Manifesta
sinais de sensibilidade gustativa, auditiva, cutânea e visual, entretanto é no sistema
motor que aparecem as primeiras expressões. Le Boulch (1982, p.37) diz que “a
função muscular traduz o primeiro modo de expressão do embrião”. O sistema motor
é ativado mesmo antes de o organismo estar apto a responder a um estímulo
sensorial. O tônus muscular aparece como energia biológica que possibilita essa
atividade do organismo.
Quando o bebê nasce, as funções somáticas vão se organizando de
maneira cada vez mais autônoma, contudo a motricidade, ainda em nível
subcortical, é semelhante à vida intra-uterina.
No período que se estende até aproximadamente dois meses, o
comportamento motor do recém-nascido oscila entre descargas musculares
impulsivas com aumento do tônus e momentos de tranqüilidade com diminuição
deste. Esta alternância acontece em virtude do estado de necessidade e prazer. O
bebê, agora, é compelido a prover seu crescimento e é por meio da movimentação
incessante e dos gritos que consegue demonstrar seus incômodos para as pessoas,
comunicando assim suas exigências vitais. Agindo dessa forma, provoca a atenção
e, conseqüentemente, a satisfação destas necessidades que o perturbam,
conduzindo-o ao estado anterior de prazer e tranqüilidade (LE BOULCH, 1982).
Wallon (1975) faz referência ao primeiro ano de vida como sendo a idade
“em que os atos ignoram toda a determinação estranha à sua própria necessidade”
(WALLON, 1975, p. 62).
Nos primeiros meses, a impulsividade marca os atos dos bebês e
[...] os movimentos assemelham-se a descargas ineficientes da energia
muscular, onde se misturam, sem se combinar, reações tônicas e clônicas,
espasmos e a brusca expansão de gestos não coordenados, de
automatismos ainda sem aplicação, como sejam os movimentos de
pedaladas já observáveis nas primeiras semanas (WALLON, 1975, p.77).
Por meio dos movimentos impulsivos, o bebê relaciona-se com o
ambiente, manifestando o seu desconforto ou o seu conforto. Esta fase de caráter
afetivo, com o predomínio dos aspectos emocionais, tem como principal elaboração
a construção do eu, sendo um período de grande acúmulo de energia.
Na psicogenética walloniana, a teoria da emoção ocupa lugar central
nesta primeira fase do desenvolvimento, consolidando a construção do sujeito e do
seu conhecimento. A emoção é vista como instrumento de sobrevivência típico da
espécie humana, sem a qual o bebê pereceria se não mobilizasse o adulto com as
suas manifestações emocionais. A expressão do choro, por exemplo, causa forte
impacto emocional sobre a mãe, em um “poder epidêmico” sobre ela e também
sobre os outros adultos. Isso, segundo Wallon (2005), qualifica a emoção como
função essencialmente social.
Exercendo um papel fundamental no primeiro ano de vida denominado
por Wallon (1975) como o Período Impulsivo-Emocional as emoções são
responsáveis pela interação do bebê com o meio social, desencadeando no outro
reações de ajuda para satisfazer suas necessidades. Seus movimentos expressam
disposições orgânicas e também sinalizam estados afetivos de bem-estar ou de mal-
estar. Pode-se perceber a satisfação intensa quando o bebê balança as perninhas
no ar como se estivesse pedalando ou então quando se contorce, demonstrando
sua aflição por meio do choro.
Nessa fase, a presença humana é de grande importância para o bebê,
que se sente atraído e interessado pelos movimentos e vozes das pessoas que o
cercam. Daí o olhar fascinado que se observa nos bebês, quando alguém canta ou
conversa com eles e também quando objetos lhes são oferecidos, despertando-lhes
o interesse.
A reação do bebê à presença humana é, nos primeiros meses,
subordinada aos reflexos orgânicos e alimentares, momento em que o lactente
vincula, a princípio, o aparecimento da figura humana à satisfação das suas
necessidades fisiológicas e ao seu bem-estar postural. Mais adiante, o bebê começa
a perceber a ausência do adulto e as conseqüências de estar sem ele, ou seja, sem
a expectativa de mudar o seu estado, chegando mesmo ao choro, quando, por
exemplo, alguém deixa o ambiente em que ele está, ou se afasta sem tê-lo visto ou
se dirigido a ele (WALLON, 1971).
As influências afetivas que rodeiam a criança desde o berço não podem
deixar de exercer uma ação determinante na sua evolução mental. Não
porque criem inteiramente as suas atitudes e as suas maneiras de sentir,
mas pelo contrário, precisamente porque se dirigem, à medida que eles
vão despertando, aos automatismos que o desenvolvimento espontâneo
das estruturas nervosas mantém em potência e, por seu intermédio, as
reações de ordem íntima e fundamental. Assim se misturam o social com o
orgânico (WALLON, 2005, p. 141).
A emoção pode alterar o tônus muscular, causando hipertonia (aumento),
hipotonia (diminuição) e a eutonia (manutenção), que são níveis diferenciados de
tensão muscular, diretamente relacionados a diferentes estados emocionais.
Em grupos sociais, a emoção também exerce seu poder, nutrindo-se do
efeito que causa no outro. O seu caráter altamente contagioso imprime mudanças
visíveis nos corpos, envolve emocionalmente a atmosfera nos eventos coletivos,
produzindo uma comunicação primitiva, muitas vezes pela postura tônico-corporal,
ao que Wallon (2005) chamou de “diálogo tônico”. Essa comunicação encontra-se
presente nas danças guerreiras e também nas relações de toques, carícias, contatos
visuais, na voz que se produz no trato com as crianças. O contato corporal da mãe
nos cuidados com seu bebê proporciona à criança significativas sensações
cutâneas, traduzindo as reações emocionais da sua mãe, em intercâmbio mental e
físico, compondo esse diálogo tônico. “As emoções podem ser consideradas, sem
dúvida, como a origem da consciência, visto que exprimem e fixam para o próprio
sujeito, através do jogo de atitudes determinadas, certas disposições específicas de
sua sensibilidade” (GALVÃO, 1995, p.63).
Na perspectiva genética, a conduta emocional está intimamente ligada
aos centros subcorticais responsáveis pelas reações involuntárias e incontroláveis.
Esse estado somente é alterado com a maturação cortical, o que permitirá,
conseqüentemente, o controle voluntário destas condutas.
Além de ter um significado expressivo, o movimento é também forma de
deslocamento do bebê no espaço. Os movimentos aparecem de três formas: a
primeira forma é a passiva, em que a criança depende totalmente das forças
exteriores, sendo conduzida da posição de deitada para sentada, à posição de
joelho e posteriormente à de ficar em pé, buscando reações de reequilíbrio; a
segunda é o deslocamento ativo ou autógeno, do próprio corpo ou de objetos,
presentes na locomoção ou preensão; e a terceira é a de deslocamento de
segmentos corporais em atitudes ou mímicas. Esses movimentos são
correlacionados e combinados entre si, de forma diferente e variada, conforme o
indivíduo e seu meio (WALLON, 1975).
Por volta do terceiro ano de vida, a criança acentua sua exploração
sensorial e motora do mundo, agindo com maior autonomia, facilitada pela preensão
e marcha adquiridas. neste período um predomínio das relações cognitivas com
o meio, caracterizado por dispêndios de energia, com ênfase na elaboração do real,
com base no conhecimento do mundo físico. O desenvolvimento da linguagem e da
função simbólica são marcos característicos do início do funcionamento mental
neste período, em que o gesto é a projeção do ato mental. O pensamento nascente
precisa, portanto, dos gestos para sua exteriorização (WALLON, 1975).
Quando a criança chega aos três anos, o processo de construção se volta
para o enriquecimento da pessoa e para a constituição da personalidade. Para tanto,
“a consciência corporal, adquirida gradualmente ao longo dos primeiros três anos de
vida, juntamente com a capacidade simbólica, é condição fundamental para o
processo de desenvolvimento da pessoa” (WALLON, 2000, p. 39).
Neste momento do desenvolvimento, a subordinação da função
inteligência à função afetiva possibilita que a criança se oriente para a constituição
da pessoa. Esta constituição é marcada pela discriminação entre o eu e o outro, por
crises de oposição e imitação, por conflitos e contradições, em movimentos que
buscam a consciência de si, conduzindo conseqüentemente a uma diminuição do
sincretismo da pessoa.
Com a incorporação dos recursos intelectuais da linguagem, este período
é assinalado pela afetividade simbólica, expressa por palavras e idéias, sem
necessariamente estarem presentes as pessoas.
A partir dos seis anos, uma diferenciação da personalidade e a
consolidação da função simbólica, assim como um avanço intelectual, quando os
interesses da criança o dirigidos para coisas, conhecimento, conquista do mundo
exterior, com preponderância do aspecto cognitivo.
Por fim, na adolescência, uma relevância para as questões morais,
pessoais e existenciais, trazendo à tona a necessidade de uma redefinição da
personalidade. A predominância é da afetividade, cada vez mais racionalizada e
com sentimentos mais elaborados no plano mental.
Wallon (2005) organiza e apresenta a caracterização dos domínios
funcionais de forma didática e aparentemente estática. Ressalta, entretanto, que não
uma linearidade neste movimento, as fases podem ter ritmo descontínuo,
marcado por rupturas, retrocessos e reviravoltas, devendo ser consideradas não
como uma ampliação do estágio anterior, mas como uma reformulação deste.
O autor também destaca a chamada predominância funcional, que faz
cada estágio ser caracterizado alternadamente de afetivos ou de intelectuais. Há,
então, uma alternância entre as fases. Em algumas, predominam a afetividade, a
elaboração íntima, o acúmulo de energia, numa fase centrípeta e anabólica. Já, em
outras, a cognição tem maior relevância, assim como o estabelecimento das suas
relações com o exterior, conhecimento do mundo físico, exploração do meio, numa
fase centrífuga e catabólica. É interessante ressaltar a inter-relação das conquistas
dos estágios anteriores, que, em um permanente processo de integração e
diferenciação, ora trabalha a cognição, ora trabalha a emoção (WALLON, 2005).
1. 2 Os Movimentos do Bebê
Para elucidar questões referentes aos movimentos do bebê, continuarei a
me basear em Wallon, uma vez que atribui uma dimensão diferenciada e de certa
forma original ao ato motor. Wallon (2005) percebe a motricidade de forma também
expressiva, não somente como uma relação física com o mundo, mas também
afetiva. Defende que a atividade muscular acontece não apenas quando um
deslocamento do corpo no espaço, mas também quando o corpo está inerte. Para
um entendimento melhor, o autor propõe o estudo dos órgãos do movimento, que
são as estruturas cerebrais e a musculatura.
A atividade muscular possui duas funções: uma Cinética ou Clônica que é
responsável pelos movimentos visíveis, mudança de posição do corpo ou de partes
dele, em que o músculo está em movimento; e a outra, a Postural ou Tônica, que é a
atividade muscular parada, na qual o músculo atua durante a imobilidade, atividade
mais relevante para Wallon (1975).
Na função cinética, o esforço muscular é claramente perceptível nos
diversos movimentos que o bebê faz, é evidente em ações corporais que produzem
alterações na posição do corpo ou em partes dele. Com essa energia muscular, o
bebê balança os braços e as pernas, mexe as mãos e os pés, vira a cabeça para os
lados, com manifestações mínimas nos músculos da face, entre muitos outros.
Em atividade musical com bebês de aproximadamente 8 meses, a
manifestação muscular é visível em brincadeiras, como, por exemplo, com a
conhecida música do Sapo
4
. Sacodem as mãozinhas, balançam o corpo como se
estivessem a dançar, esticam os braços e batem as perninhas para alcançar a
marionete do sapo que se aproxima dançando a música. Os movimentos
acontecem, geralmente, após instantes de imobilidade e muita atenção, o que traz a
marca da atividade cinética.
Na imobilidade, situação em que inexiste atividade cinética, a atividade
postural ou tônica é intensa. Além de sustentar o corpo, esta atividade liga-se,
intimamente, à atividade intelectual e à percepção, dando suporte à reflexão mental.
Como exemplo, lembramos aqui as atividades de som e silêncio, nas quais a
oportunidade de perceber na criança estas duas funções musculares: quando a
música começa, numa função cinética de dançar ou produzir movimentos próprios, e
logo a seguir, quando a interrupção da música, momento em que a criança pára
seus movimentos com a mudança sonora, numa função tônica dos músculos. É
curioso, entretanto, observar que nos bebês este processo parece ser invertido,
apenas a princípio. Quando os adultos, ao som da música, começam a dançar com
seus bebês, percebem nestes um estado de muita concentração e atenção, muitas
vezes, ficam imóveis. Quando se pára a sica, os bebês olham para os lados,
murmuram, balbuciam, sacodem perninhas e bracinhos, às vezes a resmungam
com choro, ‘parecendo’ entender a relação música com o movimento.
Não se pode afirmar que eles compreendem realmente a relação música
e movimento, mesmo porque este entendimento exigiria uma maior reflexão mental
e percepção auditiva mais elaborada. Mas, certamente, pode-se dizer que o bebê,
ao se manifestar quando a música é interrompida, além de comunicar o seu gosto
pela brincadeira musical, demonstra isso a seu modo, muitas vezes, fazendo
diferentemente dos outros bebês. Percebe-se neste momento da brincadeira, um
intenso trabalho mental, ligado à percepção auditiva e à parte motora, como também
à percepção do movimento do outro, nesta determinada situação.
Além das funções musculares, Wallon (2005) referiu-se às estruturas
cerebrais como primordiais na aquisição e na evolução dos movimentos desde o
nascimento.
Segundo o autor, existem três tipos de movimentos que se baseiam nas
sedes de controle cerebral: Movimentos Reflexos: controlados pela medula;
Movimentos Involuntários ou Automáticos: controlados pelo sistema extrapiramidal,
4
Anexo A
em região subcortical; Movimentos Voluntários ou Praxias: controlados na área
cortical pelo sistema piramidal.
O aparecimento dos diferentes tipos de movimentos tem estreita ligação
com o amadurecimento das estruturas nervosas. Assim, do nascimento a
aproximadamente três meses de idade, os bebês apresentam movimentos
espontâneos, reflexos, impulsivos, globais e não coordenados, agem, como foi
dito, basicamente em função dos estados de tensão, principalmente do alimentar.
Os movimentos de braços e pernas do bebê são inoperantes para a ação, contudo,
comunicativos quando exprimem desconforto ou bem-estar, representando sinais de
necessidades a serem atendidas.
Dentre os movimentos reflexos, podemos citar os reflexos arcaicos, que
são particulares desta fase. Caracterizam-se por automatismos rítmicos dos
membros, coordenados pela medula. Um dos movimentos que fazem parte destes
reflexos é a Marcha Automática, entendida por “andar em marcha”, movimento
produzido pelas pernas do bebê, quando as plantas do apóiam-se na superfície,
ao ser segurado pelo adulto. O outro movimento reflexo que aparece nesta fase é o
grasping reflex, que é possibilidade de o recém-nascido se segurar ou manter todo
ou parte do peso do corpo, pelo fechamento da mão e contração automática dos
dedos (LE BOULCH, 1982).
À medida que o bebê vai crescendo e também ocorre o amadurecimento
subcortical, seus movimentos vão se tornando mais expressivos, seus gestos
passam a ter maior intenção exploratória e maior significado social, são mais
dirigidos às pessoas.
Nesse sentido, o tônus muscular, como atividade originariamente
contínua do sculo, vai se organizar mediante o controle cortical em
desenvolvimento e as ativações exteriores. Uma das principais aquisições desta
fase, em que se mostra o controle piramidal responsável pelos movimentos
voluntários, é a da preensão.
O processo da preensão acontece por etapas. A primeira surge quando
desaparece o grasping reflex, dando início ao jogo das mãos”. Nesta fase, o bebê
perceberá melhor suas mãos, mantendo-as mais abertas, levando-as à boca ou
olhando-as por longo tempo. Essas atividades anunciam o princípio da
intencionalidade do bebê, no aspecto motor.
Após este conhecimento das mãos, o bebê associa a coordenação visual
e tátil, acompanhando visualmente a mão, inclusive nos movimentos intencionais de
alcançar e pegar o objeto que deseja. Por volta dos 5 meses, percebe-se a
conquista da preensão voluntária. A preensão por reflexo é então substituída pela
preensão palmar, forma mais espontânea, embora rudimentar, em que a mão se
fecha em torno do objeto.
Em seguida, superando as preensões palmares, o bebê consegue então,
por volta dos seis meses, uma forma mais especializada e eficiente de lidar com os
objetos, pegando-os primeiramente com o polegar e somente depois com os
dedinhos em forma de pinça: a preensão em pinça.
Com relação à competência visual, o que no início eram apenas reflexos
pupilares aparece agora como capacidades de acompanhar trajetórias, inicialmente
simples, depois as verticais e ao final do primeiro ano, trajetórias circulares.
Com a maturação cortical, a exploração exterior torna-se diretamente
ligada à capacidade de pegar e à capacidade de olhar praxicamente, dois marcos
que acontecem por volta de seis meses de idade. Essas praxias básicas se devem
ao amadurecimento cerebral, e também às maneiras especiais de cada cultura,
sendo produto não só de um processo orgânico, como também de aprendizagens.
A vinculação do olhar e do pegar é observada constantemente nas
atividades com instrumentos musicais, como naquelas em que se oferecem às
crianças, pequenos chocalhos. Esta situação pode ser assim exemplificada: os
bebês, em um primeiro momento, apresentam profunda concentração, olhando
avidamente para a professora que se aproxima sacudindo os instrumentos na caixa.
Quando ela pára o movimento, eles demonstram grande euforia, alguns sacodem os
braços e pernas, outros batem as mãozinhas no ar, e ainda os que permanecem
admirados. A professora então coloca os objetos sonoros no meio da sala, próximo
a eles, para que possam pegá-los. A partir daí, tem lugar uma intensa movimentação
na busca do objeto olhado e desejado. A brincadeira começa: escolhem um
chocalho para cada mão, exploram-no curiosamente pela sucção ou mesmo
sacudindo-os, observam as cores e formatos, às vezes largam o seu e querem o do
colega ou da professora, demonstrando ações voluntárias, intenção e autonomia
5
.
5
Esse relato foi feito com base em nossas observações de oito anos de prática, na Escola Música & Bebê, em
Goiânia, GO;
Pegar e olhar são conquistas básicas fundamentais e necessárias ao
bebê, mas não bastam para uma exploração autônoma do ambiente exterior e da
realidade. Falta-lhe a autonomia para deslocar-se. É necessário andar.
Para essa conquista, o bebê poderá rastejar, marchar de quatro ou
engatinhar, sustentar-se de pé e, somente depois, em geral, por volta dos 11 meses,
deslocar-se de pé, a princípio com a ajuda, e posteriormente de forma independente.
Para Wallon (2005), a exploração sensório-motora direta tem como culminância a
marcha. Quando aprende a andar, o bebê entra numa nova fase, com intenso
interesse pela realidade externa e pela atividade exploratória, agora mais autônoma.
Com a influência direta do ambiente e do amadurecimento da região
temporal do córtex, além dos movimentos instrumentais utilizados na exploração,
começam a aparecer os movimentos simbólicos ou ideomovimentos. Expressão
peculiar de Wallon, os ideomovimentos são gestos simbólicos que transportam
idéias independentes da ação ou do objeto, “[...] para levar a imagem e a idéia para
além das próprias coisas, para um plano mental em que se possam formular
relações menos individuais, menos subjetivas e cada vez mais gerais” (WALLON,
2005, p.171).
Em ambiente musical, logo que se começa a cantar a popular música
intitulada D. Aranha
6
, por exemplo, é freqüentemente observado em bebês de
aproximadamente 16 meses, movimentos de bater as mãozinhas no chão. Essa
ação expressa o trecho musical em que a aranha, que está subindo na parede, com
a chuva forte, escorrega e cai no chão
7
. O gesto que foi vivenciado anteriormente
é trazido nesta hora, mesmo antes de a idéia musical estar completa, o que remete
a indícios dos ideomovimentos, como registrou Wallon (2005).
Se para Wallon o ato mental se desenvolve a partir do ato motor, então o
gesto precede a palavra, o que o autor chamou de mentalidade projetiva. Essa
mentalidade se desenvolve à medida que acontecem progressos na atividade
cognitiva, havendo conseqüentemente uma redução do papel do movimento e
concomitantemente a diminuição da função cinética. Isso se pela maturação dos
centros corticais e das estruturas responsáveis pelo tônus (cerebelo).
A criança passa a prever mentalmente as seqüências de atos motores,
em um processo crescente de internalização. Isso é comum de observar nas
6
Anexo B
7
Observações resultantes de oito anos de prática na Escola Música & Bebê, Goiânia-GO;
atividades cantadas com crianças de idade próxima dos 2 anos. Elas demonstram
atividade mental em desenvolvimento, ao antecederem, integralmente, gestos de
partes subseqüentes da música. É quando começam a pensar por movimentos.
Outra abordagem trazida pelo autor é a da ação imitativa. Diferentemente
da imitação primitiva, reduzida a “contágios motores” ou a movimentos de eco
presentes no início do desenvolvimento do bebê, a imitação diferida ou simbólica, na
expressão de Wallon (2005), distingue-se pela reprodução gestual sem a presença
do modelo, o que marca a transição do período sensório-motor ao mental e
conseqüentemente espaço à representação. até mesmo dois momentos que
se alternam e compõem a base destas imitações. Primeiro a assimilação intuitiva,
que parece absorver a impressão externa, retendo os elementos apropriados para
recombinação das formações psíquicas existentes, resultando em novas aquisições
funcionais. Depois, a execução controlada, que se resume nas constantes tentativas
de encontrar no próprio sujeito ou nas aquisições psíquicas recombinadas, as
maneiras de realização do ato ou do gesto imitado. Assim, a criança diante de um
gesto diferente do seu habitual tem por atitude inicial apenas a observação, com o
olhar atento, capturando mentalmente os detalhes “técnicos” da ação, para, somente
depois, experimentar a realização motora do gesto e seu conseqüente
aperfeiçoamento. “Entre a observação e reprodução decorre habitualmente um
período de incubação que se pode contar por horas, dias ou semanas. As
impressões vão amadurecendo para originar movimentos apropriados [...]”
(WALLON, 2005, p. 164).
Nas atividades musicais com crianças de idade aproximada de dois anos,
observa-se com clareza o prenúncio deste processo imitativo simbólico. Ao ser
apresentada uma canção com suas expressões gestuais, as crianças ficam estáticas
diante das impressões auditivas e visuais, atentas ao que está sendo realizado
naquele momento. No decorrer de algumas semanas, movimentos primários e sutis,
coerentes com o modelo, começam a surgir, e com as repetições da atividade, estes
movimentos vão se manifestando cada vez mais completos e muitas vezes com
variações criativas.
As impressões despertam as ações, e conseqüentemente as reações,
que trazem novas sensações e se repetem em novas ações. Para que os
movimentos entrem na vida psíquica da criança e possam contribuir para o seu
desenvolvimento, deve haver uma perfeita relação entre cada sistema de contrações
musculares e as impressões ou sensações correspondentes.
Buscando melhor aclarar como acontece essa relação, o autor
anteriormente citado faz algumas considerações sobre a sensibilidade. Começa
diferenciando-a em duas formas: sensibilidade proprioceptiva, que é a sensação do
próprio corpo, ligada às reações de equilíbrio e às atividades tônicas do músculo, e a
sensibilidade exteroceptiva, voltada para o exterior, em que há uma correspondência
entre impressão e movimento. “Entre a impressão e as contrações musculares
existem sistemas complexos de conexões nervosas” (WALLON, 2005, p. 65).
Esta relação acontece por meio das reações circulares, que se dão nos
primeiros exercícios espontâneos aos quais a criança se entrega em tenra idade.
Trata-se da ligação entre a sensação e o gesto, ou seja, uma determinada sensação
produz um tipo de movimento e, conseqüentemente, um efeito que a motiva
novamente à produção de novo gesto e a constantes modificações.
Assim a criança aprende a fazer uso dos seus órgãos sob o controle de
sensações produzidas ou modificadas por ela própria e a identificar melhor
cada uma das suas sensações, produzindo-a diferentemente das
anteriores (WALLON, 2005, p. 66).
O bebê aprende por meio da influência que é produzida pelo efeito. O
autor refere-se a ela, dizendo que “o efeito favorável traz consigo a repetição do
gesto útil, e o insucesso, a supressão do gesto nocivo” (WALLON, 2005, p. 66).
Então, por meio de tentativas assíduas e esforços constantes é que o bebê constrói
pouco a pouco seus conhecimentos diários, ampliando suas intenções, refinando
seus movimentos e alargando sua atividade mental.
A sensação é retida, discriminada, identificada, no momento em que a
criança se torna capaz de a reproduzir através de gestos apropriados. Do
contrário, permanece indistinta entre as impressões indistintas, onde se
confunde o que depende da excitação e o que depende da reação reflexa
(WALLON, 2005, p. 157).
Quando nas reações circulares ajustamento do gesto e seu efeito,
desencadeia-se um sistema de relações com o qual o bebê passa a diferenciar, opor
e combinar movimento e impressões exteriores. Como conseqüência desse
ajustamento, ocorre a formação de materiais sensório-motores mais elaborados,
capazes de ultrapassar o uso primitivo desse aparelho, ampliando e enriquecendo
as possibilidades de desenvolvimento.
Como resultado desse ajustamento de gestos e efeitos, também a
associação de diferentes percepções e movimentos. O exemplo apresentado pelo
autor é a combinação da audição e da vocalização.
O som que produziu mais ou menos fortuitamente é repetido, afinado,
modificado e acaba por se desenvolver em longas seqüências de fonemas
em que as leis e as alegrias do ouvido se vão tornando cada vez mais
reconhecíveis na formação dos sons (WALLON, 2005, p. 158).
Para o autor referenciado (2005), o percurso até esse material fonético
começa bem antes. Inicialmente com os estímulos musculares das mamadas, que
produzem sons pelos lábios, depois com os sons guturais, produzidos pela cavidade
bucal, e posteriormente os movimentos da língua contra o palato, até a chegada dos
primeiros balbucios e agrupamentos de sílabas.
Pode-se então levantar a proposição de que se o be estiver em
ambiente com estímulos sonoros abundantes, isto poderá facilitar sua aquisição
fonética, graças aos diversos materiais sonoros e ricas entonações melódicas a que
está exposto. Com base nesse pressuposto, poderia levantar-se a hipótese de que
as atividades musicais com bebês favoreceriam essa aquisição, facilitando as
combinações entre efeitos sensoriais e movimentos. Certamente, não poderíamos
considerar este, o único elemento responsável por esta aquisição fonética. Além
deste ambiente rico em sons, que se atentar para o próprio sujeito, com suas
aquisições individuais e diferenciadas.
Na criança, cuja atividade começa elementar, descontínua, esporádica,
cuja conduta não tem objetivos a longo prazo, a quem falta o poder de
diferir as suas reações e de escapar assim às influências do momento
presente, o movimento é tudo o que pode dar testemunho da vida psíquica
e tradu-la completamente, pelo menos até ao momento em que aparece a
palavra (WALLON, 1975, p.75).
O movimento que inicialmente traduz as necessidades e o humor do
recém-nascido é entendido pelo autor citado, como princípio da atividade psíquica.
Essa atividade surge com a capacidade do bebê em registrar comportamentos,
informações, aprendizagens, mesmo que ainda insuficientes no plano motor,
perceptivo e intelectual, ou basicamente instrumental.
Identificar e reconhecer a ação própria do bebê em suas produções e
aprendizagens parece ser ponto indiscutível. A questão é em que circunstância
essas produções ocorrem, quer em relação ao grau de influência externa nestas
aprendizagens ou em como o bebê percebe este mundo externo.
Até os três meses, a percepção exteroceptiva do bebê é subordinada às
suas necessidades de conforto e bem-estar. A partir daí, dá-se a ampliação do seu
campo visual, momento em que os seus olhares se fixam nas partes humanas que
se movem e em objetos, sem haver necessariamente movimentos gestuais, neste
sentido.
A partir dos seis meses, o desenrolar de uma sociabilidade cada vez
mais ativa, em que o bebê se fixa não somente nos movimentos dos membros
humanos, mas também no conjunto da fisionomia humana. O sorriso, originado a
princípio pela voz humana, aparece como significativa reação social. O bebê
manifesta satisfação ao contato visual com outras pessoas, revelando-se não
apenas em atitude contemplativa, mas também, principalmente, em gestos dirigidos
aos outros (WALLON, 1971).
Não se pode, contudo, determinar o desenvolvimento linear da
sociabilidade do bebê, em que os gestos e movimentos descobertos e exercitados
em sua rotina são descolados do contexto ou das pessoas a sua volta. que se
considerarem as situações e as relações de envolvimento com o bebê, sem
prescindir do papel exercido pelo outro, tampouco pela composição do ambiente em
que o bebê se desenvolve ou em que ocorrem suas ações.
Wallon (2005) refere-se a fatores orgânicos e sociais como determinantes
no desenvolvimento de habilidades intelectuais mais complexas, enfatizando a
maturação do sistema nervoso e a necessidade de interação com o “alimento
cultural”, como fundamentais neste percurso.
O autor chama a atenção, a todo o momento, para o quanto são
relacionais a maturação e as aprendizagens funcionais no processo de crescimento
da criança. Os atos ditos naturais, como agarrar, andar, alimentar e falar são
evidentes em todo indivíduo normal que vive em condições normais, pertencem,
assim, ao equipamento psicobiológico da espécie, tendo como único caminho, a
maturação funcional. “Para que eles (atos naturais)
8
se produzam são
evidentemente necessários estímulos e circunstâncias apropriadas [...]” (WALLON,
2005, p.58).
Por outro lado, mesmo considerando o meio de relações da criança como
sendo complemento indispensável à função psíquica, o alcance desta, não acontece
de forma automática e independente da maturação. Para isso são necessários
estímulos adequados com diferentes tipos ou níveis de atividade ou formas
diversificadas.
Leontiev e seus colaboradores ilustram essa questão expondo
claramente, os motivos pelos quais crianças não conseguiam cantar uma melodia,
mesmo conhecida por elas auditivamente. Segundo o autor, não se trata
necessariamente da ausência de fator musical, mas da falta de associações áudio-
cinestésicas constituídas na fase lúdica de aprendizagem dos sons vocais
(LEONTIEV, 2004).
Estas outras funções, como as ações de adaptação, iniciativa e invenção,
são atividades combinadas no indivíduo, desenvolvidas ou diversificadas pela
aprendizagem, mas [...] “a sua utilização se torna verdadeiramente eficaz na
altura em que as condições biológicas da função chegam à maturação” (WALLON,
2005, p. 58).
Como foi exposto por Wallon (2005), a maturação se impõe no processo
de aprendizagem, para Rima Shore (2000) o desenvolvimento cerebral está
diretamente ligado às relações que a criança tem com o ambiente, “[...] afetando a
forma como o circuito intrincado do cérebro humano é ‘montado’“ (SHORE, 2000, p.
47).
Desse modo, fica evidenciada a estreita relação entre a maturação
fisiológica e o impacto do meio sobre a criança, como condições indispensáveis ao
8
Grifos nossos
aprendizado infantil. Considerando que o ambiente influencia de maneira efetiva o
desenvolvimento integral da criança, conclui-se que quanto mais rico ele for
constituído, maiores serão as possibilidades de interação e aprendizagem infantis.
Em se tratando de bebês, talvez essa atenção deva ser até maior, no
sentido de cuidar para que os ambientes educativos sejam de qualidade e propiciem
grande exploração sensorial e motora, tanto no tocante ao espaço físico e aos
materiais, quanto nas relações interpessoais, possibilitando, assim, associações
necessárias e marcantes para o seu desenvolvimento.
CAPÍTULO 2 - O BEBÊ E A MÚSICA
O que é que tem
na sopa do neném?
Será que tem mandioca?
Será que tem minhoca?
Será que tem jacaré?
Será que tem chulé?
É 1, é 2, é 3.
Canções de Brincar
Sandra Peres
O interesse por pesquisas que indicam a existência de relação da música
com o desenvolvimento do bebê tem crescido substancialmente nos últimos tempos
(TREHUB, 2002; BEYER, 1998; 2004; 2005; ILARI, 2002). Tais estudos, entretanto,
não se restringem apenas a área musical ou cognitiva, mas abrangem diversas
áreas do conhecimento, que envolvem o desenvolvimento deste ser ainda tão
misterioso aos nossos olhos.
No capítulo que ora se inicia, direcionaremos nosso olhar para a música,
abarcando questões referentes à sua presença e influência nos seres humanos,
contemplando também a infância e, mais especificamente, o bebê.
2. 1 Mundo Musical
De origem remota, a música sempre esteve presente na experiência
humana, desde os povos mais primitivos. Mesmo não havendo documentação
escrita sobre o início das manifestações musicais dessa época, por meio de
comparações entre povos, achados arqueológicos e mitos, pode-se afirmar que as
danças cultuais, datadas da pré-história, marcavam os primórdios dos
acontecimentos musicais (FREIRE, 1992).
Assim, inicialmente ligada a cultos e rituais, a música inspirou povos e
civilizações, percorrendo a linha do tempo, com concepções e significados variados,
conforme a cultura de cada povo.
No Egito, uma das civilizações mais antigas do mundo, a música era
utilizada para fins religiosos, sociais e militares. Registros em murais, textos e
objetos descobertos em templos, pirâmides e tumbas podem atestar que a música
bem como os instrumentos musicais esteve presente bem antes da era cristã. Os
registros hebraicos, por exemplo, fazem referência à música ligada a festas,
lamentações, guerras como também a fins religiosos. Segundo Ellmerich (1977), a
menção de instrumentos musicais, como tocadores de flauta e harpa, aparece em
textos bíblicos do livro de Gênesis.
Nos tempos atuais, a música também está presente nos cenários das
diferentes civilizações, traduzindo sentimentos, emoções, pensamentos, bem como
expressando diferentes formas de comunicação. Sua criação reflete o modo de
pensar, os valores e as concepções estéticas vigentes. Além disso, essa
manifestação artística insere-se no contexto econômico, político e social do seu
tempo.
Combinando sons e silêncios, a música passa a ter significado e sentido
próprio para cada cultura. Não se resume apenas a uma experiência estética, mas
encerra, em sua composição, uma forma de sentir e de viver de um povo.
Os signos sonoros e os silêncios são combinados intencionalmente no
espaço e no tempo e a construção musical, além de acontecer no plano estrutural de
composição, dá-se também no nível interno e individual, proporcionando uma escuta
consciente desses sons. Assim, mesmo em indivíduos de uma mesma cultura, a
forma de perceber e sentir será própria de cada um, resultando em diferentes
elaborações e em construções estéticas variadas.
Em culturas diferentes, além das diferentes formas de perceber a música,
esta diversidade aparecerá na estrutura das composições, refletindo o modo de viver
e de sentir específicos dos povos, das civilizações ou de determinado grupo social.
Brito (2003) refere-se às “muitas músicas da música”, para expressar que
as músicas retratam as diversas representações do mundo e de sociedade, o que
nos permite conhecer mais de perto tanto a nossa cultura quanto a cultura do outro.
É nesse universo cultural diversificado que está imersa a criança. Desde
a mais tenra idade, a música entra no seu cotidiano familiar e social, seja por meio
de rituais de iniciação, como nas tribos africanas ou indígenas, de participação em
cerimônias de casamentos, festividades ou até em brincadeiras, cantigas de roda e
escuta de canções de ninar. Pelo canto, pela dança ou pela audição, a sica
passa a integrar a sua vida de forma expressiva e constante.
Alguns estudos asseguram que a relação da criança com a música vem
do nascimento. Revelam que o ritmo regular do batimento do coração materno fica
arquivado na memória. Esse batimento, que antes gerava no bebê a sensação de
segurança e bem-estar físico, agora se associa ao mais elementar aspecto musical:
o ritmo (GAINZA, 1986).
Isso, de certa forma, poderia justificar, a princípio, a predisposição e
divertimento naturais do homem para dançar, cantar, ou ouvir as mais diversas
músicas. Então, a criança que brinca com cantigas de roda, canções de ninar,
parlendas e brincadeiras musicais próprias da sua cultura vai aos poucos se
musicalizando. Como afirmam estudiosos da área (TREHUB, 2002; BEYER, 1994;
GORDON, 2000), além do bem-estar causado à criança, o contato com a música
estará influenciando sobremaneira o seu desenvolvimento, e possibilitando uma
inserção na comunidade, construindo, assim, sua identidade social.
2.2 A Música na Infância
A partir do século XX, várias pesquisas (TREHUB, 2002; BEYER, 1994;
1999; GORDON, 2000; ILARI, 2002) têm sido feitas sobre a relação da música com
o desenvolvimento infantil. Defendem que cantar e ouvir música, bem como dançar
com a criança, não promovem alegria e satisfação, como também favorece e
potencializa o seu desenvolvimento, aqui entendido no seu amplo aspecto, físico,
motor, afetivo, social e cognitivo.
Com relação aos estudos sobre a relação música e cérebro, Robert
Zatorre (2007), da Universidade McGill de Montreal, esclarece que a estimulação
sonora envolve complexas funções neuropsicológicas, ativando o cérebro de forma
significativa. Considera que, na infância, o cérebro apresenta maior maleabilidade, e
os efeitos das aprendizagens são maiores que em qualquer momento posterior da
vida. Dentre os estudos sobre a plasticidade cerebral, estão os que se referem ao
raciocínio lógico matemático.
A psicóloga Frances Rauscher, da Universidade de Wiscosin, em
Oshkosh, e o físico Gordon Shaw, da Universidade da Califórnia, em Irvine, são
conhecidos por suas pesquisas e estudos referentes à música, cognição e
inteligência espacial. Conforme esses autores, crianças pré-escolares, com idade
entre 3 e 4 anos, que recebem aulas de piano ampliam sua habilidade espacial e
coordenação motora e aumentam as funções cerebrais superiores exigidas pela
Matemática e áreas afins (RAUSCHER, 2000).
Segundo o neuropediatra da USP, Mauro Muszkat (1996), os desafios a
que uma criança é submetida são responsáveis pela construção das sinapses
nervosas, que ativam o cérebro. Essa ativação cortical favorece o raciocínio lógico e
a memória, potencializando a aprendizagem cognitiva.
Poder-se-ia afirmar que o raciocínio lógico-matemático desenvolvido pela
música, como relatam as pesquisas, advém das semelhanças entre as construções
“matemáticas” e as composições musicais. Nestas, todas as notas, ritmos, pausas e
símbolos musicais são dispostos e encaixados metricamente no texto musical, em
uma lógica exata, assim como em uma equação ou fração numérica. Para além da
análise da partitura musical, esta regularidade métrica ou matemática do tempo,
também chamada de pulsação rítmica, é sentida igualmente no dançar, cantar, tocar
ou ouvir música.
Dessa forma, quando uma criança bate os pezinhos acompanhando uma
marcha de tempo binário, por exemplo, a precisão rítmica é definida por uma fração
de dois tempos, em que os pés batem no chão alternadamente ou juntos com
proporção de tempo igual. O mesmo acontece nas danças, na métrica do canto e na
pulsação do instrumento, ritmo regular que acompanha a música.
É importante lembrar, ainda, que a maioria das pesquisas que relaciona
música e matemática utiliza-se da música “erudita”
9
, justamente pela complexidade
da estrutura musical contida nestas obras, distintas pela riqueza da composição,
variedade de timbres instrumentais ou diversificação dos arranjos vocais,
possibilitando maior desafio mental e, conseqüentemente, maior desenvolvimento
cognitivo.
Não se pretende com esta discussão desqualificar qualquer estilo
musical, sequer questionar a intenção criativa do compositor, mas salientar a
qualidade dessa criação no seu próprio segmento musical. Com efeito, não se pode
afirmar que haja diversificação e complexidade estrutural em todas as composições
de música eruditas. Existem composições e compositores que são considerados
“geniais”, justamente pelos aspectos criativos, pela diferença significativa de suas
obras no contexto musical da época e até de hoje.
Outra linha de pesquisa direcionada para a relação da música com o
cérebro é a que trata da representação no mapa cortical. Os relatos da neurociência
apontam que o cérebro dos músicos é de alguma forma diferente do cérebro dos
não músicos. Segundo Isabelle Peretz, da Universidade de Montreal, o estímulo
musical ouvido ou executado, além de, obviamente, favorecer um maior
desenvolvimento da área auditiva, produz um aumento cortical, com o qual o
cerebelo tem um aumento 5% a mais de densidade da massa cinzenta nos músicos
do que nos não músicos (PERETZ, 2007).
Seguindo esta linha de estudo, os pesquisadores da Universidade de
Konstanz, na Alemanha, informam que, em imagens de ressonância magnética dos
cérebros de violinistas, foi observado que a área do córtex dedicada ao polegar e ao
quinto dedo da mão esquerda, dedos que dedilham, era significativamente maior do
que em pessoas que não tocavam esse instrumento. E, mais, essa diferença no
mapa cortical aumentava quanto mais cedo a criança tinha começado a aprender a
tocar o instrumento (REVISTA VEJA, 1996).
9
Música Erudita seria a música feita durante o período de 1750 a 1830, em especial a de Haydn, Mozart e
Beethoven. Podemos dizer que, nesse período, a música mais representativa e mais mencionada é a da Escola
Clássica Vienense, o que reflete a importância de Viena como capital musical da Europa nesse período. No
Brasil dos primeiros séculos de colonização portuguesa, a Música Erudita, ou Clássica, ou de Concerto,
vinculava-se estritamente à Igreja e à catequese. É com Villa-Lobos que o Brasil descobre a música erudita:
Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone, Radamés Gnatalli, Camargo Guarnieri, Guerra-Peixe, Cláudio Santoro
e Edino Krieger são alguns dos expoentes. (DICIONÁRIO DE MÚSICA, RJ: Zahar, 1985).
A maioria das pesquisas e estudos sobre música e desenvolvimento da
criança, pelo menos em nossa cultura ocidental, está voltada para a cognição, por
ser considerado o aspecto que melhor sintetiza e viabiliza a aprendizagem
intelectual. O conhecimento intelectual e a inteligência são vistos atualmente, em
nossa sociedade, como instrumentos técnicos de produção. Segundo Nogueira
(2004), devido à sujeição ao mercado tão presente na nossa sociedade, tende-se a
hipervalorizar esse aspecto.
Não desconsideramos a contribuição de tais estudos, pelo contrário,
temos consciência dos avanços promovidos por eles, entretanto que atentar
também para os outros aspectos tão importantes e significativos para o
desenvolvimento global e efetivo da criança.
Com efeito, uma outra área muito pesquisada é a que relaciona a música
com a afetividade. Sandra Trehub (2002), pesquisadora da Universidade de Toronto,
comprovou o que intuitivamente se sabia, que, ao ouvirem uma música mais
tranqüila e serena, bebês permanecem mais calmos e, em contato auditivo com
canções ritmicamente mais aceleradas, tendem a ficar mais alertas.
Além de tranqüilizar ou de causar agitação, a música pode agir
diretamente no corpo físico. Pode baixar a pressão sanguínea, aumentar os
batimentos cardíacos, alterar estados de desconforto ou dor, fazer chorar ou rir,
provocando reações diversas de modo consciente ou não.
Assim, a música evoca, no indivíduo, uma variedade de emoções e
sentimentos, muitas vezes desconhecidos ou até contidos, sentimentos
diferenciados para cada indivíduo. É bem comum encontrarmos pessoas que, ao
ouvirem determinada canção, relembram de momentos do passado, e relatam suas
emoções e saudosismos. Outras músicas podem conduzir também a tristezas e
sentimentos ruins, trazendo à memória experiências significativas do passado,
levando a momentos de profunda reflexão.
Com a criança, emoções como essas também podem surgir em contato
com música. Em certo grupo de atividade musical, notamos que em todas as vezes
que se colocava uma música mais tranqüila, de caráter melodioso, geralmente um
adágio
10
com o solo de instrumento de corda ou de sopro, para o momento da
massagem, a mesma criança começava a chorar. Ao interpelarmos a mãe sobre o
10
Adágio (adj.) lento, vagaroso, pausado. Composição musical, ou movimento ou divisão de uma composição
neste andamento.
motivo pelo qual a criança chorava, disse-nos que sempre que ouvia músicas assim
“tristes”, se emocionava ao ponto de chorar
11
.
Com finalidade terapêutica, a eficácia da música tem sido comprovada em
hospitais, em tratamentos psicológicos e psiquiátricos, auxiliando nos distúrbios
relativos à aprendizagem ou psico-emocionais, de idosos, surdo-mudos, pessoas
com problemas associados à dor e ao estresse, melhorando a qualidade de vida das
pessoas.
Assim, as pesquisas científicas nesta área, além de contribuir
efetivamente com o tratamento alternativo, vêm ampliando e solidificando as bases
bibliográficas do assunto.
No aspecto social, a música também aparece de maneira favorável.
Brincar de roda, cantar em grupo, tocar um instrumento e depois ouvir o outro tocar
12
são atividades aparentemente simples que podem levar a criança à percepção dela
mesma e à construção do seu “eu”. Ela se percebe como ser existente, mediante a
interação com o outro. As relações interpessoais conduzem à percepção e a
aceitação do outro, incentivam a ação de colaborar e a participação coletiva,
demonstrando notoriamente a socialização pela música.
Nas brincadeiras de roda, é comum notar, a princípio, certa resistência da
criança em pegar na mão do outro, sobretudo a criança menor, mas logo na
repetição da cantiga de roda, a recusa desaparece. “Aceitar” o outro faz parte da
brincadeira, bem como entender as regras que a compõe. Respeitar a vez do outro,
vivenciar momentos de decepções, lidar com as escolhas, compreendendo as
regras da brincadeira musical
13
faz parte do rol de aprendizados sociais,
indispensáveis às convivências em sociedade.
Por meio da música, a criança pode conseguir a autodisciplina, expressar-
se no grupo, sentir-se aceita e interagir por meio de outra linguagem. Isso pode
reforçar a sua auto-estima, condição valorosa para o bem viver. “Além disso, a
música promove vínculos nos relacionamentos. Quando cantam juntas enquanto
brincam, as crianças compartilham a alegria da descoberta e a amizade de maneira
nova” (BRÉSCIA, 2003, p. 58).
11
Referimo-nos a nossas observações de oito anos de prática na Escola Música & Bebê – Goiânia - GO.
12
Afirmação baseada em nossas observações em escola de música privada.
13
Denominação dada à brincadeira que tem nos elementos musicais, como som, ritmo, melodia, harmonia, seus
principais objetivos.
A participação do adulto, todavia, pode interferir significativamente nessas
vivências sociais com a música. A escolha e a utilização de determinado tipo de
música em um grupo de crianças pode levar à colaboração coletiva, ou não.
Algumas brincadeiras musicais de roda, por exemplo, podem incitar a competição,
dar ensejo à humilhação, ao medo ou mesmo à discriminação, como é o caso do
“Tango Talango”, “Pretinho Barnabé”, “Boi da Cara Preta”, entre outras. Não se deve
prescindir, entretanto, da utilização dessas cantigas por causa de seus conteúdos
pejorativos e, sim, incentivar a criança ao questionamento crítico da letra, à análise
do contexto de origem folclórica, levando a valorização do patrimônio cultural que
constitui este segmento musical.
É inquestionável, então, que a influência positiva da música seja
significativa e consistente em todos os aspectos do desenvolvimento e em todos os
estágios da vida, mas para bebês, seu impacto pode ser mais marcante.
2.3 A Música do Bebê
Desde a vida intra-uterina, o bebê é cercado por ambiente sonoro,
convive tanto com ruídos externos quanto com os sons interiores causados pelo
funcionamento do corpo da mãe e pela sua voz.
Aproximadamente pelo sexto mês de gestação, a audição do bebê
alcança sua maturidade, sendo comparável à audição de um adulto. Assim, a
percepção dos sons externos se torna maior, intensificando seu universo sonoro. A
relação do bebê com mundo, nesse momento, é como ouvinte em potencial (KLAUS
& KLAUS, 1989).
Se ele é capaz de ouvir mesmo dentro do útero, poderia ser inferida sua
capacidade de lembrar desses sons, ainda que camuflados pelo líquido amniótico.
Em sua investigação, Sheila Woodward (2006) demonstrou, por meio de microfones
internos, que o bebê consegue ouvir dentro do útero materno, podendo lembrar-se
dos sons e músicas ouvidas neste período. Desse modo, os sons que agradam o
bebê podem ter relação com a sua percepção intra-uterina.
Valendo-se disso, pode-se entender quando algumas mães e pais nos
procuram dizendo que colocam Mozart para o bebê ouvir desde o seu nascimento,
mas ele parece gostar mais do rock popular, gênero ouvido pela mãe durante a
gestação. É interessante observar essa familiaridade auditiva e afetiva do bebê com
o estilo musical preferido pela mãe ou pelo pai
14
.
Sandra Trehub (2002), da Universidade de Toronto, afirma que os bebês
podem preferir algumas músicas a outras. Eles sorriem, quando escutam certos
grupos de notas musicais consoantes, parecendo não gostar dos acordes
dissonantes. Segundo a pesquisadora, essas preferências podem ocorrer,
principalmente, conforme o ambiente musical do bebê.
É o que arriscamos a afirmar empiricamente sobre a maioria dos bebês
que são filhos de pais músicos, instrumentistas e cantores, ativos na profissão ou
mesmo aqueles simpatizantes de sica, intensos, que ouvem, tocam ou cantam
informalmente. Geralmente, algumas dessas crianças têm aguçada percepção
auditiva, com alto interesse por música ou artes e, naturalmente, com
potencialidades musicais. Obviamente, não é porque carregam os “genes da
música”, mas por estar imersos em ambiente musical desde muito cedo e por ter na
música mais um elo afetivo com os seus pais, o que origina experiências agradáveis
e vitais para o desenvolvimento infantil.
Quando o bebê nasce, essa relação sonora se amplia. Antes, percebia os
sons como ouvinte, com limitadas ações motoras, agora, passa também a reagir ao
estímulo musical por meio de movimentos corporais e de produção sonora.
Como ouvinte ativo, o bebê desde que nasce é capaz de ouvir e
discriminar sons, preferindo a voz humana, especificamente a materna. A voz
humana é a fonte mais relevante de estimulação sonora, por ser carregada de
elementos musicais. As modificações adaptativas da fala que os adultos utilizam
para dirigir-se ao bebê, denominada de mamanês”, têm conotação musical e
lingüística de grande importância para o desenvolvimento. Por meio do mamanês”,
os bebês captam ritmo, modulações melódicas, intensidade, envolturas prosódicas,
acentuação e expressão que ativam sua atenção e dão suporte às primeiras
vocalizações (GEMBRIS, 1998 apud BEYER, 2005).
Outra grande influência musical da voz humana na vida do bebê é a
canção de ninar. Ela traz em si elementos musicais, como alta sonoridade,
14
Relato com base em nossas observações em escola de música privada.
compasso, expressão, sua melodia tem um ritmo lento e regular, que pode acalmar
o bebê. Essas canções promovem a interação mãe/filho com intensa carga
emocional.
Em relação à produção de sons, inicialmente as necessidades impelem o
bebê a comunicar-se com o mundo pela produção sonora de gritos, choros,
resmungos e balbucios, como se criasse sua própria música.
Ruth Fridman (1988), pesquisadora argentina, relata que, desde o seu
nascimento, o bebê manifesta seus estados de humor por meio de elementos
sonoros diferenciados da linguagem comum que conhecemos. Essa fase pré-verbal,
que antecede a fala propriamente dita, é formada por grunhidos, balbucios, sons
explosivos ou expressões sonoro-rítmicas chamadas por Fridman de proto-ritmos.
“Los proto-ritmos de la expresión vocal son estructuras motoras que dan forma a la
red rítmica primária natural del ser humano” (FRIDMAN, 1988, p.2).
A autora realizou sua pesquisa com o choro dos bebês, desde o
nascimento. Segundo Fridman (1988, p.2), “o ritmo a forma e estrutura ao que
em música se chama pensamento musical. O mesmo sucede com a linguagem. Do
choro surgirão a palavra e a manifestação musical tendo ambos um tronco comum:
os protos ritmos entonados”.
Os balbucios ou explorações vocais caracterizam as primeiras etapas
evolutivas da linguagem, servindo como base para uma adequada aprendizagem
musical.
Segundo Moog (1976 apud FONSECA, 2005), o balbucio de um bebê
pode ser musical e não-musical. O balbucio não-musical aparece primeiro do que o
balbucio musical, por volta dos 2 aos 8 meses, e antecede a fala. O musical aparece
como resposta a uma música ouvida pelo bebê. Compõe-se de poucas sílabas,
simplicidade rítmica e com pausas somente para a respiração. O bebê explora tons
e imita o que ouve. Esse jogo vocal desenvolvido por ele bebê é considerado
precursor da canção espontânea.
Beyer (2005, p.101), em seus estudos sobre os balbucios musicais,
ressalta que “a exploração sonora do bebê contempla todos os parâmetros sonoros,
mas que vai variar conforme o contexto sonoro-musical em que o bebê está
inserido”.
O bebê vai ampliando sua produção sonora, em qualidade e em
quantidade, graças ao seu convívio com as pessoas e o meio social em que vive.
Esse contexto musical é repleto de matéria-prima sonora que pode ser utilizada ou
não pelo bebê em suas explorações.
Além dessa manifestação sonora a que se refere a autora, o bebê
responde ao estímulo sonoro-musical de formas variadas: reage de forma diferente
em contato com os sons graves e agudos, olha em direção ao som, manifesta
expressões de alegria, de prazer, de assombro ante a música, assim como balança
o corpo.
Segundo Norman Weinberger (2004), professor de Psicologia e Ciências
Cognitivas da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, bebês com alguns
meses de idade podem identificar variações propositais em melodias que lhes são
conhecidas.
Os atos de ouvir, perceber, reagir, identificar, associar, produzir são
algumas das possíveis ações observadas no bebê em contato com música ou
instrumento musical. Em contato com um tambor, por exemplo, o bebê pode ter
reações inusitadas como arranhar a parte superior do instrumento com o dedinho,
virar para ver a parte oca do tambor, batê-lo no chão, percuti-lo com a mãozinha,
tudo com muita curiosidade e olhar atento às explorações sonoras ou não.
Dessa forma, é possível perceber que o bebê imerso em um contexto
sonoro-musical, seja como ouvinte ou como produtor de sons e movimentos, tem
sua ação transformada mediante o estímulo sonoro ou musical, revelando, nesse
processo, suas capacidades e possibilidades de aprendizagem.
2.4 Vivências Musicais para Bebês
O contato com a música, além de desencadear reações motoras e vocais
nos bebês, provoca mudanças na sua ação, incentivando-o a descobertas sonoro-
musicais próprias, que são manifestações de sua capacidade de aprendizagem.
Com a constatação da possibilidade desse aprendizado musical, surgiram
os programas de vivências musicais para bebês. Pesquisadores e educadores
musicais tinham como objetivo principal, ampliar o contato do bebê com atividades
musicais de qualidade e em ambiente educativo, a fim de aprofundar elementos
especificamente musicais.
Para os educadores, os bebês poderiam vivenciar a música de forma
lúdica e prazerosa, por meio de cantigas de roda, músicas instrumentais, folclóricas,
populares, de variadas culturas e estilos, e ainda pela dança ou apenas pela
apreciação auditiva. Para o campo da pesquisa, poderia se observar efetivamente a
influência musical, bem como analisar sistematicamente suas possíveis
contribuições com o desenvolvimento pleno do bebê.
Dentre as produções científicas da área que tratam da influência da
música na vida do bebê, estão Edwin Gordon dos EUA, Esther Beyer da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS - BR), Sandra Trehub da
Universidade de Toronto, no Canadá e Beatriz Ilari, da Universidade do Paraná
(UFPR - BR).
Nas produções científicas brasileiras sobre o assunto, destaca-se o
trabalho de Beyer, pesquisadora e professora. Em um estudo de caso de uma
criança, do nascimento aos três anos de idade, Beyer buscou compreender as
aprendizagens cognitivo-musicais relacionadas à linguagem. Para tanto, observou e
comparou os contornos melódicos das vocalizações desse bebê.
Por meio desse estudo, depreendeu que uma estreita semelhança das
entonações emitidas pelo bebê, com alguns contornos melódicos de músicas
ouvidas por ele. Concluiu, então, que a entonação do bebê poderia estar relacionada
com o seu desenvolvimento musical, e, a mesmo e posteriormente, dar origem
tanto à linguagem verbal quanto à musical (BEYER, 2004).
Certa de tal influência e a fim de alcançar as crianças em idade precoce,
Beyer propôs e desenvolveu em 1999, o programa de extensão intitulado “Música
para Bebês”. Organizou, na Universidade (UFRGS), um espaço destinado às
vivências musicais de bebês e seus pais, que, por meio de brincadeiras musicais,
audições e explorações sensório-motoras, vivenciavam ludicamente experiências
musicais.
Em congressos e eventos, e até em artigos publicados, temos tido contato
com outros professores brasileiros de educação musical que também partilham
deste interesse sobre vivências musicais dos bebês com seus pais e mães. Estão
entre eles: Beatriz Ilari (UFPR), Josette Feres (Jundiaí/ SP), Ricardo Freire (UnB),
Márcia Visconti (SP), Leila Sugahara (SP), Ilza Joly (UFSCar), entre outros.
As metodologias adotadas por esses educadores musicais, certamente
apresentam diferenças, que o contexto formativo e cultural específico de cada
educador é diferente. Entretanto, por mais que existam metodologias distintas de
atuação, é indispensável levar em conta as especificidades de um bebê, ao
definirem objetivos e atividades.
Criar condições e possibilidades de percepção, de criação, expressão e
comunicação musical para bebês, respeitando-se a maneira como eles interagem
com o universo sonoro, deve ser o fundamento das propostas de sensibilização na
área musical.
Nessas propostas, os balbucios musicais do bebê, a exploração do
tambor que está na sua mãozinha ou o balanceio da cabeça quando a música
começa não devem ser regidos por regras de certo ou errado, determinadas pelo
educador ou por imposição do tempo da atividade. Há que privilegiar o modo próprio
de exploração do bebê, e a duração dessas experiências sensoriais, levando em
conta os diferentes tempos de cada um.
Isso nos remete à importante questão relativa ao tempo, que é aqui
defendida como significativo parâmetro educativo em atividades com bebês, sejam
elas, musicais ou não-musicais.
O mundo moderno no qual estamos inseridos é cada vez mais marcado
pela rapidez, pela pressa, pelo fast food, impedindo o aprofundamento do olhar para
as coisas. Com isso, as pessoas tornam-se insensíveis tanto às belezas da vida,
quanto aos quadros deprimentes, com que, muitas vezes, deparam nos caminhos
percorridos mecanicamente todos os dias.
Na chamada “Sociedade da Informação e Comunicação”, termo
amplamente utilizado para caracterizar o processo pelo qual passa o século XXI, o
uso da tecnologia faz que o conhecimento seja rapidamente difundido, gerando no
indivíduo uma necessidade permanente de buscar informações cada vez mais
atualizadas. A aceleração é o “menu” principal, agilizando ou dispensando muitas
vezes os processos individuais de construção, tão importantes na elaboração
interior.
Assim, o tempo que o bebê necessita para elaborar situações e
experiências é diferente do tempo que rege a vida do adulto. O ritmo imposto pelo
adulto, em que o a tempo
15
ou presto
16
são constantes, privam o bebê de
elaborações necessárias para sua construção interna.
O reflexo dos ditames da sociedade atual é constatado, muitas vezes, nas
expectativas de alguns pais e mães que buscam as vivências musicais para seus
bebês na ânsia de que ele se torne um músico precoce, que toque violino com dois
anos de idade ou algo similar, ou então, casos dos que solicitam aos professores
mais de uma aula semanal, com um programa bem extenso, cheio de novidades e
de ‘musiquinhas’, para que seu filho aprenda muitas coisas...
O bebê necessita de tempo para as devidas elaborações mentais e
emocionais, e uma das formas de elaborar alguma vivência é por meio da repetição.
Segundo Stokoe (1987), o processo da repetição leva a aprofundar e enriquecer
todo um vocabulário de movimento e expressividade, trazendo conseqüentemente o
aprendizado. “Desde que a criança não perca sua motivação, ela poderá quantas
vezes desejar, voltar a um mesmo tema” (STOKOE, 1987, p. 22).
É o que comumente acontece com crianças que vêem o mesmo desenho
animado várias vezes sucessivas, chegando até a memorizar algumas falas dos
personagens ou prever algumas cenas. Para Bruno Bettelheim (1980), a cada
repetição a criança revive as emoções, medos, alegrias e surpresas, elaborando
sentimentos e contradições marcantes nos contos de fadas.
No tocante à lei da repetição que rege o mundo dos jogos infantis, Walter
Benjamim (1892 - 1940) enfatiza que a criança volta a criar para si todo o fato vivido,
começa mais uma vez do início. “A essência do brincar não é um ‘fazer como se’,
mas um fazer sempre de novo’, transformação da experiência mais comovente em
hábito” (BENJAMIN, 2002, p. 102).
Dessa maneira, nas atividades com bebês, incluindo as musicais, o
processo de repetição deve ser reconhecido, não uma acomodação didática, mas
como meio de elaboração e aprofundamento necessários ao aprendizado integral e
efetivo da criança.
O cuidado que se deve ter é de manter a motivação da criança, valendo-
se, neste caso, da diversificação das formas e dos recursos didáticos, preservando-
se na criança o interesse e incentivando-se a curiosidade, indispensáveis a uma
efetiva aprendizagem.
15
Termo musical utilizado para designar tocar ou cantar “no tempo”
16
Andamento musical rápido
Com relação às “musiquinhas”, termo amplamente usado por pais e mães
ao se referirem ao repertório, a escolha precisa ser bem criteriosa, privilegiando
sempre as músicas com ritmo e melodia adequados à criança, bem como a
extensão vocal e a letra. O termo “adequado”, no entanto, não deve ser interpretado
como “facilitado”, ou seja, não é porque as atividades são para bebês que as
canções e melodias devem ser simplificadas. Pelo contrário, o desafio mental pode
ser incitado justamente por músicas de complexidade instrumental ou vocal, pois
são as composições musicais mais abrangentes que despertam maior motivação e
interesse nos pequenos ouvintes.
O que realmente se torna relevante nessa questão é o nível de desafio
proposto ao bebê e os objetivos definidos para a atividade. É importante salientar,
todavia, que o educador musical não pode transformar o espaço destinado às
vivências musicais para bebês em rígidas aulas sistematizadas, propondo e
cobrando atitudes e comportamentos musicais, totalmente sem sentido para o bebê.
O desafio deve ser como revela Stokoe, o de “provocar na criança o desejo de entrar
em ação e abrir-lhe um caminho que facilite a expressão de sua capacidade
criadora” (STOKOE, 1987, p. 38) e naturalmente respeitar o seu desenvolvimento
processual.
No tocante ao repertório, é imprescindível, ainda, ressaltar que,
atualmente, grande parte da produção brasileira em música está reduzida a
composições simplificadas, de pouca elaboração, cujo objetivo é estritamente
comercial. A chamada “indústria cultural” traz estampado o consumismo na criação
artística, na qual a produção em massa, livre de qualquer elaboração mais refinada,
reflete uma atitude passiva quanto aos ditames do mercado, causando, assim, um
esvaziamento do sentido mais profundo e expressivo da música (ADORNO, 1994
apud NOGUEIRA, 2002).
Na área infantil, a situação também é grave. As produções musicais que
estão no comércio se limitam, em grande parte, àquelas “musiquinhas” com letras
simples, de fácil memorização e, muitas vezes, totalmente impróprias e inadequadas
para a tessitura da voz infantil, contendo tonalidades, bem como intervalos musicais
difíceis e inapropriados para o canto da criança. Além disso, as composições têm
primado, substancialmente, pelos gestos geralmente imitativos e mecânicos, e
mímicas pouco criativas, desviando e privando a criança do essencial, que é a
própria música.
Diante dessa situação, pais e educadores enchem-se de dúvidas e
receios sobre as melhores opções musicais para o bebê. Desde que nos
propusemos desenvolver atividades de musicalização de bebês e crianças em geral,
somos questionada a respeito de qual o melhor repertório a ser indicado para eles.
São bem comuns dúvidas como: “Que músicas eu posso colocar para meu bebê
ouvir? Ele é tão pequeno, será que entende música ‘clássica’? Vocês podiam indicar
algumas opções para comprarmos...”.
O que se entende por música de qualidade?
Nada mais do que uma música rica em elementos musicais, ritmos
diferentes, abundância em timbres, instrumentação variada, bem como composições
com texto literário em uma abordagem realmente educativa, que promovem no
ouvinte um crescimento qualitativo a cada experiência musical.
Essa riqueza encontra-se, especialmente, na forma original de compor
sons, ritmos e silêncios, desafiando cada um a perceber em cada experiência
musical as intenções criativas do compositor. Essa música de qualidade pode ser
encontrada em diversas culturas e estilos, seja música popular, folclórica, erudita,
entre outras.
No que se refere à música para crianças, além da qualidade da
construção musical, é essencial propiciar o contato com estilos musicais
diferenciados e de culturas variadas, para uma boa formação nesta área, e não se
restringir a algumas músicas da atualidade ou mesmo da própria cultura.
No Brasil, poderiam ser destacadas composições brasileiras de Tom
Jobim, Milton Nascimento, Chico Buarque, Villa Lobos, Guarnieri e também outros,
como Toquinho, Vinícius de Moraes, Hélio Ziskind, Paulo Tatit, Sandra Peres, Bia
Bedran, que tanto enriquecem o cenário da música para a infância.
Segundo Nogueira, em relação à música erudita, “o grande impasse é a
falta de hábito, a pouca familiarização”. Lembra, ainda, que
O interesse pela música erudita pode ser despertado na criança se sua
apreciação for natural, fruto de um convívio e de estímulos continuados.
Por isso, pais e educadores devem também se aproximar da música
erudita, se quiserem que seus filhos e alunos tenham referências musicais
mais amplas (NOGUEIRA, 2005, p.138).
Enfim, o convívio com repertório de qualidade, seja erudito, popular ou
folclórico deve ser a busca constante de professores que se propõe à educação
musical. Em se tratando de bebês, além desse repertório, é indiscutível respeitar as
especificidades e a forma de interação com a música, tornando possível a atividade
educativa.
“Mas como poderiam entender e participar destas atividades, que
são tão pequeninos?” Muitas vezes, esses são os comentários e questionamentos.
Basta, entretanto, uma observação atenta do adulto para inteirarem-se de quanta
intimidade os “pequenos” têm com a música. Os balanços no corpinho e os
balbucios dos bebês parecem naturais e espontâneos, quando acompanham o canto
da mãe e da professora. O olhar é intenso, nem mesmo piscam, quando, por
exemplo, a professora entra com a flauta doce, tocando a “Música da bochecha”
17
. O
som agudo e aveludado do instrumento de sopro parece “hipnotizar” o bebê, que
pouco resmungava querendo colo, mas quando a professora traz os instrumentos
sonoros, quanta euforia!... As reações de alegria e curiosidade são claramente vistas
nas expressões dos rostinhos, e a exploração é imediata. Sacudir, trocar um
instrumento por outro, descobrir formatos, cores e sons e, principalmente, sentir o
“sabor” do instrumento por meio da sucção são geralmente as primeiras ações
observadas no bebê. Depois de muita manipulação, descobrem o som que o
instrumento pode fazer, tocam-no de forma aleatória e descoordenada,
acompanhando a música do “Marinheiro Só”
18
. Esses são alguns dos movimentos de
bebês em vivências musicais
19
.
A integração da música com o movimento é fato indiscutível e legítimo. O
vínculo estabelecido vem do princípio rítmico que orienta e compõe tanto estrutura
musical quanto os gestos e movimentos. Além disto, o ritmo é considerado como
elemento manifesto em todos os seres humanos, desde o nascimento.
Alguns estudos dizem que o ritmo do coração materno com seu batimento
regular está presente em nossa memória, gerando uma sensação de segurança e
de bem-estar físico, fenômeno que se pode transpor à música (GAINZA, 1986).
17
Anexo C
18
Música de domínio popular, com arranjo do compositor Hélio Ziskind.
19
Comentário baseado em nossas observações em oito anos de prática na Escola Música & Bebê
Como o ritmo é apreendido pelo nosso corpo, podemos entender que ele
é o elemento musical básico capaz de desencadear gestos, movimentos e ações
significativas e intencionais. A música e o fenômeno sonoro atuam estimulando os
movimentos internos ou externos, impulsionando sua organização no tempo e no
espaço.
Nas atividades musicais com bebês, observamos que os movimentos
desencadeados pelo elemento musical aparecem sob formas variadas: balanceios,
movimentos na cabeça, agitação de mãos, braços, pés e pernas, expressões faciais,
entre outros que trazem sensações agradáveis ao bebê.
Rudolf Laban, bailarino húngaro e autor de estudos e pesquisas sobre o
uso do movimento humano, sua constituição e utilização, assegura que “o
movimento é um processo pelo qual um ser vivo se capacita a satisfazer uma gama
imensa de necessidades interiores e exteriores” (LABAN, 1978, p. 232).
Embora atualmente expressivas relações da música com o movimento
venham sendo estabelecidas, por longo tempo, a valorização da expressão corporal
esteve ausente na educação musical.
Oportunamente, com ascendência de educadores, como Pestalozzi e
Froebel, que atestaram o importante papel dos movimentos corporais para o
desenvolvimento psicofísico da criança, a pedagogia musical foi influenciada
positivamente (ARCE, 2002; NICOLAU, 1995).
Antes, sem maiores preocupações com a sensibilidade e o gosto, a
educação musical restringia-se à arte do canto, à técnica instrumental e a noções
elementares de harmonia e contraponto. Nesse padrão educacional, o interesse das
escolas de música era direcionado para os talentosos, os afinados e com bom
ouvido musical. Os alunos que não se enquadravam nessas “qualidades”,
geralmente desistiam por falta de incentivo.
muitos relatos espontâneos de pessoas que estudaram em
conservatórios e hoje carregam verdadeiros “traumas musicais”, muitos deles
causados na infância. A rigidez metodológica, a inadequação do ensino musical à
criança e, principalmente, a exigência técnica para performance instrumental ou
vocal como único caminho para fazer música eram as principais causas dessas
experiências traumáticas. O efeito de tais práticas era a falta de motivação e de
prazer no contato com a música e, conseqüentemente, a punição e distanciamento
da música. Acrescentamos, valendo-nos de experiência, que, atualmente, sanar
esses efeitos constitui um dos motivos pelos quais muitos buscam as atividades
musicais para seus filhos, em tentativa de minimizar esses sentimentos ou recuperar
o gosto pela música por eles perdido.
Um dos grandes responsáveis por uma escola inovadora de ensino
musical foi, sem dúvida, Dalcroze. O suíço Émile Jacques Dalcroze (1912) foi um
dos primeiros músicos a perceber que o movimento corporal era componente
essencial para as construções musicais e, preponderante para o desenvolvimento
rítmico do ser humano. Desenvolveu, então, a Rítmica-Dalcroze, também chamada
de Eurritmia, que consiste em um método que promove a integração da melodia
musical com a expressão corporal, por meio de movimentos rítmico-corporais.
O sico e professor, Dalcroze, defendia que o ritmo é o elemento
musical mais ligado à vida e com maior intensidade sensorial. Assim, é capaz de
fazer o homem reagir espontaneamente, sendo mais fortemente percebido do que
qualquer outro elemento musical. Segundo o autor, a rítmica impulsiona o
desenvolvimento da coordenação das forças motoras do indivíduo, fazendo-o
relacionar movimentos do corpo e do pensamento, estabelecer conexões entre
sensações, sentimentos, ações e desejos, atuando como organizador dos elementos
musicais (DALCROZE, 1912).
Pelos princípios de Dalcroze, em vez de o aluno de música se manter
apenas sentado para o aprendizado musical, deve dedicar grande parte do seu
estudo movimentando seu corpo no ritmo da música, a fim de que ocorra, por meio
da percepção, a interação melodia e gesto. O fenômeno musical, então, seria
primeiramente objeto de representação corporal e sensorial, para tão logo ser
representação mental, tal como enuncia Hargreaves:
O desenvolvimento musical infantil de Dalcroze depende mais de como a
criança se envolve na música e de como a experimenta, do que a forma em
que a criança se adapta ao repertório a modelos técnicos que imitam as
normas culturais. Desde o ponto de vista, a criança aprende primeiramente
a expressar as propriedades musicais através do corpo [...]
(HARGREAVES, 1989, p. 107).
Outro educador musical que trouxe contribuições à área foi o belga Edgar
Willems (1969). O autor aponta o desenvolvimento da percepção auditiva como
fundamental para o estudo de instrumento. Destaca, ainda, que o ritmo está ligado
ao movimento corporal, ao andar, ao respirar... Os seus estudos endossam a rítmica
de Dalcroze, acrescentando que o movimento é inerente à criança, devendo,
portanto, ser incentivada sua movimentação com a música, para que esta escuta
ativa, produtora de aprendizagens, possa conduzir também à criatividade, uma vez
que está intimamente ligada à improvisação.
Com efeito, a conduta do bebê, em ambiente musical, é bem ativa e
diversificada. Segundo Stokoe (1987), as expressões corporais dos bebês passam
por quatro momentos sucessivos e integrados: de pesquisa, de expressão, de
criação e comunicação.
Transpondo para a atividade musical, o primeiro momento de pesquisa, a
criança busca conhecer por meio das percepções e sensações, as qualidades dos
instrumentos ou objetos sonoros, como a textura, as cores, o tamanho, o peso, o
som, entre outras, e, também, experimentar o que pode fazer com os instrumentos,
sacudir, bater, golpear entre outros. Sua ação é regida pela descoberta sensorial e
pela manipulação destes objetos sonoros.
Em seguida, começa a manifestar corporalmente as sensações, emoções
e pensamentos por meio de ações significativas, utilizando-se de esquemas motores
conquistados. Nesse momento, são observados gestos musicais, movimentos de
balanceio em atividades dançantes, e expressões relacionadas à música, em geral.
Depois, a criança passa pelo momento da criatividade e da expressão
livre, em que seleciona as ações que deseja realizar, detendo o controle de se
movimentar e do cessar, podendo, ainda, utilizar-se de novos esquemas diante de
estímulo sonoro musical.
Por último, inicia a comunicação, que está intimamente ligada à
expressão corporal. Por meio de sua dança ou de sua forma de cantar, comunica-se
com si própria, com o outro, que participa das atividades, e envolve-se com o grupo,
estabelecendo vários níveis de comunicação.
Nesse conjunto de ações do bebê, encontram-se as atividades cantadas,
as explorações dos chocalhos, guizos e instrumentos em geral, bem como as
atividades dançantes e mesmo as posturais, em que o movimento é interno e
caracterizado pela atenção.
Stokoe (1987) enfatiza que a organização dessas etapas pode ocorrer de
forma linear, sucessiva, alternada ou até integrada, dependendo das características
de personalidade do bebê e de suas experiências individuais. Assim, aquele bebê
que tem por costume “brincar” no piano da casa da vovó, quando nas atividades
musicais depara com o piano da professora, poderá explorá-lo de forma diversa ou
até se expressar com o corpo ou balbuciar simultaneamente, em momentos e
maneiras diferentes do bebê que nunca teve contato com o instrumento.
Pelo exposto, fica claro que a música envolve os bebês tanto pela
apreciação auditiva quanto pelo movimento, incentiva-o a uma escuta musical,
propiciadora de aprendizagens motoras, descobertas de possibilidades corporais,
aprimorando assim, suas capacidades de expressão musical rumo à musicalidade
efetiva.
CAPÍTULO 3 - O BEBÊ NAS INSTITUIÇÕES
Como uma vez tinha um tatu bolinha
Mas outra vez nasceu um monte de irmãos
Mais o amigo, mais a prima, o colega, a vizinha
E nessa ciranda o tatu bolinha virou
bolão, balão, bolão, balão...
Canções de Brincar
Sandra Peres / Zé Tatit
O presente capítulo vem traçar elementos da trajetória histórica de
instituições voltadas para o atendimento de criança pequena e de concepções de
infância construídas do século XVII aos tempos atuais. Destaca, ainda, as intensas
discussões que têm movimentado o cenário da educação infantil, no que diz respeito
às políticas e regulamentações das instituições voltadas para o atendimento de
crianças menores de 6 anos, especificamente em Goiânia-Goiás.
O olhar sobre a criança, bem como o seu papel na família e na sociedade,
foi se constituindo e sendo modificado por influência das mudanças sociais e
econômicas. Os menores eram vistos como adultos em miniatura, ou como seres
incompletos a serem formados, ou ainda seres puros e inocentes, devendo ser
investidos de afetos positivos, e percebidos e tratados como sujeitos a serem
disciplinados, dominados e reprimidos (SACRISTAN, 2005).
O significado de infância que se conhece hoje é caracterizado pela luta
para que a criança seja considerada como sujeito que tem necessidades próprias e
específicas, diferentemente de antigas concepções.
Com a estruturação do capitalismo urbano-industrial, das leis de mercado
e dos meios de produção, a sociedade bem como a instituição família sofreram
mudanças fundamentais. Neste novo contexto econômico, o trabalho adquire novo
valor, e o papel da mulher também se modifica, estendendo a sua força de trabalho
ao mercado da produção.
Para além das transformações pontuais na organização familiar, o papel
social da criança também foi profundamente alterado. A criança, além de ser
protegida, agora precisava ser educada e preparada para o trabalho.
Se, na sociedade feudal, a criança exercia um papel produtivo direto (“de
adulto”) assim que ultrapassava o período de alta mortalidade, na
sociedade burguesa, ela passa a ser alguém que precisa ser cuidada,
escolarizada e preparada para uma atuação futura. Esse conceito de
infância é, pois, determinado historicamente pela modificação das formas
de organização da sociedade (KRAMER, 1984, p. 19).
Assim, modificaram-se conceitos e papéis relacionados à infância, e
conseqüentemente, ampliaram-se os espaços extra-familiares destinados a proteger
e preservar as crianças, ultrapassando até mesmo a ação da família. Asilos,
creches, pré-escolas, berçários, escolas, dentre tantos outros, foram sendo criados,
compondo o cenário de instituições destinadas aos cuidados da infância.
Apesar de este estudo se concentrar especificamente em instituições
públicas municipais de Goiânia, para que se possa analisar ações e movimentos de
bebês em atividades musicais neste contexto educativo, é conveniente conhecermos
o movimento histórico destas instituições, as suas origens e, conseqüentemente, o
nascimento das concepções de educação infantil, que estão arraigadas nas práticas
atuais.
3.1 Um olhar obre a História
As primeiras instituições voltadas para o atendimento à criança surgiram
na Europa do século XVII e eram chamadas, na França, de salas de asilo ou salas
de custódia. Tinham como missão reduzir o alto índice de mortalidade infantil,
amparando e protegendo as crianças pobres que eram abandonadas. Não havia
qualquer preocupação educativa, sendo a caridade sua base de sustentação
(MERISSE, 1997).
A partir do século XVIII, instituições semelhantes aos asilos franceses
começam a aparecer no Brasil, nas chamadas Casa da Roda ou Casa dos
Expostos. Era assim denominada porque contava com uma roda, um cilindro de
madeira oco e giratório, que era instalado nos muros do convento. A princípio, a
roda era utilizada para receber doações, agora passa a receber também crianças
rejeitadas, a maioria delas filhos de escravas, pobres e resultantes de relações
ilegítimas, conseqüentes de um contexto de autoridade, promiscuidade masculina e
prostituição, que imperava na época. A roda tinha um mecanismo que girava em
torno de um eixo central, e, quando a criança era depositada na abertura que ficava
para fora do convento, girava-se no sentido contrário, para introduzir a criança na
instituição. Assim, o bebê seria resgatado, sem que se soubesse quem o
abandonou, preservando dessa forma a identidade do depositante (MERISSE 1997).
No Rio de Janeiro, a Casa da Roda, assim como os asilos franceses, também tinha
por objetivo evitar a mortalidade infantil, tendo caráter essencialmente filantrópico,
caritativo e assistencial.
Na França, já em 1770, as instituições da infância, entretanto, começam
a se diferenciar. Com o desenvolvimento crescente da indústria, requerendo também
a mão de obra da mulher, surge a creche na tentativa de auxiliar mães a
trabalharem, bem como de minimizar a mortalidade infantil, ainda marcante na
época. Diferentemente dos asilos, as creches eram estruturadas em regime de semi-
internato, em que a criança ficava durante o dia na instituição e retornava ao seu lar,
podendo assim manter o vínculo com a sua família. As creches eram
essencialmente ligadas à idéia de suprir a falta da família, especificamente, à falta
da mãe, ocupando um espaço assistencial na vida da criança.
Mesmo, todavia, com a atuação destas instituições caritativas, não se
conseguiu reduzir totalmente a mortalidade infantil. Surge, então, em 1870, o forte
movimento médico-higienista, como prática e reflexo dos avanços da ciência e das
descobertas nas áreas da saúde e medicina. A higiene e a medicina se tornam vias
para manutenção da vida, atingindo várias áreas, inclusive, a esfera educativa.
Assim, além da influência higienista nos projetos de abertura e construção de
escolas, a pedagogia “higiênica” tornava-se instrumento eficaz das instituições para
atendimento infantil, e o famoso ‘cuidar’, constante das discussões em nossos dias,
aparece de forma inconteste e imprescindível para se manter saudável o corpo da
criança.
No Brasil, o aparecimento dessas instituições ocorreu em meados do
século XIX. A partir de então, a prática de abandonar crianças na Roda,
principalmente os filhos de escravas, tornou-se ponto de críticas abolicionistas e
higienistas. Este último movimento argumentava contra o uso das amas de leite e
contra a utilização da Roda, fortalecendo nas classes mais altas, a necessidade e
importância da presença da figura materna, tanto em cuidar dos filhos, quanto na
amamentação dos mesmos. Mesmo com a aceitação social desse relevante papel
da mãe na criação dos filhos, não se prescindia dos serviços das escravas e das
criadas, no auxílio às patroas. Desse modo, com enfraquecimento do uso da Roda e
com o fortalecimento do trabalho feminino escravo, a principal questão posta era “o
que fazer dos filhos das escravas e das criadas, para liberá-las para o serviço
doméstico” (FARIA, 1997, p. 16).
Assim surgem as primeiras creches no Brasil, marcadas pela iniciativa
higienista e pela burguesia feminina. Tinham inicialmente poucas diferenças dos
asilos infantis; com caráter exclusivamente filantrópico e assistencialista, prestavam
um atendimento precário e reduzido, basicamente abrigavam e alimentavam as
crianças. Eram instituições não-governamentais, criadas e mantidas, na sua maioria,
pela Igreja ou por outras entidades religiosas. Percebe-se desde a ausência do
papel do Estado em constituir-se responsável por esses serviços, bem como em
regulamentar essas iniciativas (MERISSE, 1997).
A primeira referência de creche, que no Brasil, data de 1879, e cujo
modelo ainda é seguido pelas instituições atuais. Tinha estrutura caracterizada por
atendimento gratuito e beneficente, em que bebês e crianças pequenas
permaneciam na instituição por período prolongado, mas sem internação. Era
destinada somente às mães pobres, necessitadas de amparo, que trabalhavam e
que eram “boas”, retrato do assistencialismo na infância, em que a criança e
indiretamente sua família são tidas como inferiores e necessitadas do amparo
material.
Em 1888, com a Abolição da Escravatura, e em 1889, com a
Proclamação da República, o Brasil é marcado por profundas mudanças
sociopolíticas, direcionando a construção de um novo mundo econômico de cunho
capitalista e industrial, reflexo da Revolução Industrial, ocorrida na Europa, no final
do século XVIII.
A forma originária do atendimento, cujo pressuposto era evitar a
mortalidade infantil, especialmente das crianças “necessitadas”, de classe
economicamente inferior, acontece também, no atendimento às crianças das classes
privilegiadas. Todavia, com perspectiva educativa e percepção diferenciada de
desenvolvimento infantil aliadas à pedagogia higiênica.
Em 1840, na Alemanha, Friedrich Fröebel, primeiro educador a enfatizar o
brinquedo e a atividade lúdica centrada na criança, cria o Kindergarten Jardim de
Infância. Os Jardins de Infância eram espaços destinados ao atendimento de
crianças menores de 6 anos e tinham por objetivo o desenvolvimento destas por
meio da brincadeira e do jogo.
Tendo em vista a pequena idade dos alunos, Fröebel acreditava que este
recanto deveria ser entregue às mulheres e que a professora na figura de “mãe
conscienciosa” consolidaria o estilo maternal e “mais suave” de ensino. Tem início,
então, a feminização do professorado de crianças pequenas, em que o papel familiar
da mulher se prolonga na atuação da professora. Segundo Apple (1989), entre
outras razões para esta feminização no ensino, está a incorporação da mulher ao
mundo assalariado, desempenhando um trabalho não tão relevante para a
sociedade, como também mal remunerado (SACRISTAN, 2005).
É interessante observar como essas questões ainda são pertinentes na
atualidade e como direcionam concepções, políticas e práticas vigentes no setor
educativo da primeira infância! Pode-se afirmar, seguramente, que a maioria dos
profissionais da educação infantil é do sexo feminino, figura maternal requisitada nos
jardins de Fröebel. O que questionamos, entretanto, é o papel complementar da
família a que a educação infantil ainda está submetida, significando apenas a
continuidade das funções familiares, ao invés de ser considerado, acima de tudo, o
seu contexto e finalidade educativos.
Os Jardins de Infância de Fröebel espalharam-se por vários países
ocidentais, influenciando as propostas e a estrutura das instituições voltadas para a
infância. Em países como a França, Itália e Inglaterra, apareciam com
denominações e nomenclaturas diferenciadas, conservando, entretanto, a referência
educativa froebeliana.
A influência de Froebel também ocorreu no Brasil. A primeira instituição
infantil, por iniciativa particular, é criada em 1875 no Rio de Janeiro por Menezes
Vieira. Pertencente ao Colégio Menezes Vieira, essa instituição era voltada para a
elite e tinha em suas atividades, indícios da orientação pedagógica. Somente mais
tarde, em 1896 é criado o primeiro Jardim de Infância público, em São Paulo
(KUHLMANN, 1998).
As primeiras instituições pré-escolares e as primeiras creches foram
fundadas no Brasil, em um contexto capitalista iniciante. O discurso sobre a
edificação de uma sociedade moderna, chamada por Eric Hobsbawn de “Era dos
Impérios” (1988, p.41), apóia essas novas instituições denominadas “Jardim de
Infância” como instituições privadas, de atendimento à elite, ao lado das “Creches”
ou “Asilos” que atendiam as crianças pobres. Voltadas, assim para uma clientela
integrante da população de crianças de baixa renda, as creches eram marcadas por
características assistencialistas e compensatórias, e as crianças eram consideradas
seres fora do “padrão da infância”, “carentes”, “deficientes” e portadoras de uma
“cultura inferior” (FARIA, 1997).
Com a influência médico-higienista, assistencialista, jurídico e trabalhista,
no atendimento a estas instituições infantis, o Estado, como poder público se omitia
nas ações e nas regulamentações. A creche não era considerada um dever social,
tampouco entendida como um direito do trabalhador, mas sim como filantropia.
O começo do século XIX é marcado por algumas iniciativas do Estado
como a criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil no Rio de
Janeiro, e algumas regulamentações das escolas maternais em São Paulo. Somente
a partir de 1930, com a fundação do Ministério da Educação e Saúde, é que o
Estado se declara oficialmente responsável pelo atendimento à infância.
Pelo exposto, percebe-se como vão se constituindo historicamente as
instituições infantis, que acabam por se diferenciar socialmente quanto às
necessidades e concepções. Primeiramente, a criação dos asilos de caráter
essencialmente filantrópico e assistencialista, em seguida o surgimento das creches
em apoio ao trabalho feminino, bem como os Jardins de Infância com ideais
educativos de promoção da criança. Segundo Kuhlmann (1998), as diferenças entre
essas instituições nunca estiveram apenas na nomenclatura, sendo chamadas de
pré-escolas as instituições para as classes mais favorecidas, originadas dos jardins
de infância, e de creches as que receberão os filhos de trabalhadores da classe
operária em geral. Para o autor, ambas tiveram iniciativa particular, seja na
filantropia, na religião ou no setor empresarial, sendo também, as duas educativas.
A primeira para emancipação e a segunda para a subordinação.
A partir de 1940, houve outras iniciativas de amparo assistencial e jurídico
à criança no Brasil: em 1941, o Departamento Nacional da Criança, e do Serviço de
Assistência a Menores; em 1946, o Fundo das Nações Unidas para a Infância
UNICEF; em 1953, o Comi Brasil da Organização Mundial de Educação Pré-
Escolar e em 1955, a Campanha Nacional de Alimentação Escolar – CNAE.
Na década de 80, muitas discussões acerca da educação de 0 a 6 anos,
foram feitas e, entretanto, com a Constituição de 1988, que a educação infantil em
creches e pré-escolas passa a ser vista numa outra perspectiva. Torna-se, um dever
de Estado e um Direito da Criança. A partir de então, pela lei, creches e pré-escolas
integram o sistema educacional de ensino, agora com uma concepção mais
pedagógica.
Em consonância com as mudanças promovidas pela Constituição, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº. 9394/96, reforça a estreita ligação
da fase de 0 a 6 anos com a educação, reconhecendo esta fase infantil como
primeira etapa da educação básica. Nomeia esta etapa, de “Educação Infantil”, a ser
oferecida em creches - 0 a 3 anos e em pré-escolas - 4 a 6 anos. Propõe também,
municipalizar a educação infantil, visando a um melhor funcionamento administrativo
e educacional, como também uma maior integração da comunidade e dos grupos
representativos.
Com a LDB, a Educação Infantil recebe destaque inexistente nas
legislações anteriores. Os textos legais estabelecem e impõem o cumprimento de
regulamentações em âmbito nacional, estadual e municipal, para nortear e garantir a
qualidade no atendimento em creches e pré-escolas. Dentre os pontos prescritos
estão: o caráter pedagógico e as especificidades do trabalho com a criança menor, a
formação e a atuação dos profissionais.
Em 1998, é aprovada pelo Conselho Nacional de Educação a proposta de
Referenciais Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (RCN-EI), como
documento oficial originado das diretrizes políticas e de direcionamento para o
sistema educativo, no atendimento em creches e pré-escolas.
A Educação Infantil é agora legalmente entendida como espaço
educacional e como formação para a cidadania, e o professor, que anteriormente
não precisava de formação, bastando “gostar de criança”, agora precisa de
escolarização e formação na área. Diante disto, o empenho é por abandonar o
estereótipo do profissional leigo e desinformado.
3. 2 Educação Infantil tem espaço legal, e agora?
É preciso considerar que os princípios consolidados pelas leis brasileiras
contribuíram, sem dúvida, com importantes ações no contexto de uma política
nacional de Educação Infantil. Essas ações, entretanto, não foram suficientemente
concretas e práticas, no que concerne a financiamentos, práticas pedagógicas e
especialmente no que se refere à qualidade educativa.
Um espaço legal, que reconheça a presença da criança menor no
ambiente educativo, reafirmando a importância e necessidade social desta etapa,
parece ter sido conquistada. Agora, o grande desafio é justamente alcançar a
qualidade na educação infantil.
Falar de qualidade educacional significa, para o contexto atual, considerar
apto e verdadeiro o sistema formal e oficial para o atendimento das necessidades
específicas da educação infantil. Primar pela qualidade educativa é buscar garantir e
efetivar os direitos infantis tanto na escola quanto nos outros lugares da infância,
trazendo à prática o que foi universalmente consagrado e definido por muitos
documentos oficiais.
Alguns deles como a Constituição Brasileira de 1988, a Declaração
Universal dos Direitos da Criança, o Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990 e
a própria LDB de 1996 defendem o direito à educação para todas as idades,
inclusive para as crianças de 0 a 6 anos, com direito à creche e pré-escola, sem
deixar de mencionar os direitos à vida e à saúde, à liberdade, ao respeito e à
dignidade, à convivência familiar e comunitária, à educação, à cultura, ao esporte e
ao lazer, favorecendo “o desenvolvimento integral da criança até 6 anos de idade,
em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação
da família e da comunidade" como escreve textualmente a LDB (1996).
O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI, 1998,
p.13) traz na íntegra os princípios que norteiam a proposta para esta etapa da
educação:
- o respeito à dignidade e aos direitos das crianças, consideradas nas suas
diferenças individuais, sociais, econômicas, culturais, étnicas, religiosas
etc.;
- o direito das crianças a brincar, como forma particular de expressão,
pensamento, interação e comunicação infantil;
- o acesso das crianças aos bens socioculturais disponíveis, ampliando o
desenvolvimento das capacidades relativas à expressão, à comunicação, à
interação social, ao pensamento, à ética e à estética;
- a socialização das crianças por meio de sua participação e inserção nas
mais diversificadas práticas sociais, sem discriminação de espécie alguma;
- o atendimento aos cuidados essenciais associados à sobrevivência e ao
desenvolvimento de sua identidade.
(RCNEI, 1998, p.13)
Garantir a qualidade na educação infantil é certificar que os direitos
conquistados nos documentos ultrapassem as barreiras e a distância do proposto,
tornando-se uma prática verdadeira e coerente. É “[...] pensar uma proposta
educacional que lhe permita (a criança) conhecer esse mundo, a partir do profundo
respeito por ela” (KUHLMANN, 2005). Viver, experimentar, brincar, envolvendo
afeto, alegrias e descontentamentos, são vivências aparentemente distantes do
conhecimento científico, todavia bem próximas da simplicidade em que devem ser
orientados os programas curriculares para os bebês e crianças pequenas. A
expressão “postura de simplicidade”, a que se refere Kuhlmann (2005), é aqui
entendida como caráter próprio e específico para a idade, e não no sentido de
facilidade.
Em entrevista publicada em um site
20
no dia 06/07/2005, Miguel Zabalza,
doutor em Psicologia e Pedagogia, diz que “O currículo oficial é a carta de direitos
20
www.maristas.org.br/
da criança e o compromisso da escola em oferecer oportunidade de aprendizado e
desenvolvimento das mais diversas habilidades”. O autor considera necessário um
currículo flexível na educação infantil, que assegure os direitos infantis, asseverando
a responsabilidade da escola em possibilitar um ensino de qualidade (ZABALZA,
1998).
Para tanto, é preciso levar em conta que a criança pequena tem formas
próprias de aprendizagem. Necessita de amplo ambiente educativo, afetivo e
estimulante, para que construa seus conhecimentos por meio de vivências
integrativas e, mais, ela deve ser entendida em todos os aspectos do seu
desenvolvimento, como também deve ter satisfeitas todas as suas necessidades
básicas, oriundas da dependência natural desta faixa etária. Isso remete a outro
aspecto do movimento “pró-educação infantil”, a dicotomia cuidar e educar.
O movimento pendular do ‘cuidar e educar’ ainda marca a educação
infantil brasileira, mais intensamente na creche, ora caracterizando-se como
assistência, ora pendendo para a educação. Esse aspecto é pauta constante dos
debates sobre a infância. Nesta faixa de 0 a 3 anos, muitas vezes, o atendimento à
criança se restringe à alimentação, higiene e segurança. Sem dúvida, são aspectos
essenciais para a proteção e o crescimento saudável de qualquer criança. Se estes
aspectos, entretanto, forem tratados de forma diferente, sem serem descolados da
intenção educativa, e pelo contrário, forem integrados em suas ações específicas,
teremos alcançado a especificidade que requer o trabalho pedagógico com a criança
pequena.
Quando se tem uma compreensão da complexidade desta fase de 0 a 6
anos, questões como “educar e cuidar”, perdem a dimensão isolada que as define,
para um mais amplo, mais profundo e único sentido de educar.
Neste sentido, a qualidade da educação infantil está intimamente
vinculada às ações educativas que se fundamentam na compreensão de infância, de
desenvolvimento e aprendizagens na fase inicial da vida. E para o alcance dessa tão
almejada qualidade, o papel do adulto que interage com a criança é de fundamental
importância. Isso implica que encontrar a garantia de uma qualidade educacional no
profissional que a atende, também deve fazer parte do direito da criança, seja ela da
creche ou da pré-escola.
3. 3 Pensando a Formação de Educadores Infantis
Em alguns ambientes de atendimento à infância, como creches
filantrópicas, berçários, hoteizinhos ou mesmo escolinhas de maternal, é comum
ainda hoje ouvir que como o trabalho ali desenvolvido é com crianças ‘menores’,
qualquer pessoa pode exercer o papel de professor, ou que então, este professor
nem precisa ter qualificação para isso. Apóiam-se no fato de que crianças pequenas
não têm conteúdos programáticos complexos, bastando que a pessoa goste delas.
Grande e profundo engano, pois quanto menor for a criança, mais preparo deve ter o
profissional.
O caráter especial requerido no atendimento à infância obriga o educador
conhecer com profundidade as especificidades da criança pequena, para que
compreenda seu processo de aprendizagem e consiga uma qualidade efetiva no
atendimento. São ilustrativas as seguintes palavras de Kuhlmann:
Quando se indica a necessidade de tomar a criança como ponto de partida,
quer-se enfatizar a importância da formação profissional de quem irá
educar essa criança nas instituições de educação infantil. Não é a criança
que precisaria dominar conteúdos disciplinares, mas as pessoas que a
educam (KUHLMANN Jr., 2005).
Com efeito, no Brasil, a formação de profissionais para a educação infantil
começou a ser enfatizada em discussões da área, a partir de 1999. É bem verdade
que com a LDB, teoricamente, a educação infantil passou a ter uma nova dimensão
e o profissional da área conseqüentemente, um novo valor. De acordo com a lei, as
creches e as pré-escolas deveriam contar com profissionais qualificados na área da
Educação. Essa determinação, a ser cumprida pelas instituições municipais e
estaduais, não tem abrangido, muitas vezes, as filantrópicas ou conveniadas.
Em 2004, participamos de um projeto
21
que consistia no desenvolvimento
de atividades musicais com bebês de uma creche conveniada com a Prefeitura
Municipal de Goiânia. Pudemos, então, observar alguns aspectos da realidade da
21
Trata-se do Projeto “Música e Bebês para Creches”, realizado sob nossa coordenação.
educação infantil oferecida. O projeto previa proporcionar momentos de vivências
musicais a bebês da instituição, sensibilizando-os e despertando neles o prazer de
cantar e dançar. Com um maior contato com os profissionais da creche, que ali
trabalhavam, constatamos que as cuidadoras’ não tinham qualquer formação na
área, com exceção de uma, que tinha “parte” do Curso de Magistério.
Quando se considera “a criança não somente pelos limites das
experiências, mas na sua possibilidade de criar, de explorar e de vir a executar
projetos” (BARBOSA, 1999, p. 5), oferta-se uma educação infantil singular, com
objetivos específicos para atuação com a criança. Para tanto, é preciso contar com
professor ou professora qualificado para esse processo educativo, conforme
enunciam Barreto e Oliveira:
A formação do professor é reconhecidamente um dos fatores mais
importantes para a promoção de padrões de qualidade adequados na
educação, qualquer que seja o grau ou modalidade. No caso da educação
da criança menor, vários estudos internacionais têm apontado que a
capacitação específica do profissional é uma das variáveis que maior
impacto causam sobre a qualidade do atendimento [...] No Brasil, a
relevância da questão tem levado vários estudiosos e profissionais que
atuam na área a promover discussões e elaborar propostas para a
formação do profissional de educação infantil, especialmente daqueles que
trabalham em creches (BARRETO E OLIVEIRA, 1994, p 11 apud LANTER,
1999, p. 11).
O educador para o trabalho na educação infantil precisa compreender
como a criança pequena constrói seus conhecimentos e como se processa sua
aprendizagem, para que consiga um atendimento efetivo. O professor precisa ser
mediador nas interações da criança com o conhecimento, na busca do valor
formativo, contribuindo, de forma efetiva, na construção de valores afetivos e
cognitivos, assim como na vivência e na convivência cotidiana desta criança.
(VYGOTSKY, 1991)
Além da formação profissional, outro ponto que interfere na qualidade do
trabalho com a criança, diretamente relacionado com a profissão de educador é o da
sua identidade, já que tem sido uma prática profissional não muito reconhecida.
Beatriz Cerisara (1996) destaca alguns fatores que influenciam na
delimitação da identidade profissional do educador infantil: a recente idéia de
educação e cuidados dessa faixa etária compartilhados com o Estado, e da
semelhança das atividades desenvolvidas na creche com aquelas desenvolvidas no
âmbito familiar. Segundo a autora, as atividades do professorado infantil, ainda,
estão associadas a “atividade de mulher”, o que significa que o trabalho com
crianças de menor idade, ainda está ligado à idéia de que seja tal qual a reprodução
do cotidiano e os cuidados dispensados pela mãe à criança, razão pela qual é baixa
a remuneração, ao lado do descomprometimento afetivo e da obrigação moral que
se imprimem nestas atividades (CERISARA, 1996).
Questões como essas demonstram que muitos entraves da educação
infantil advêm não somente do contexto econômico e sóciopolítico, em que se está
inserido, mas também de concepções herdadas historicamente. Dessa forma, muito
do que foi proposto pela legislação ainda se encontra distante de se concretizar. Não
se pode esquecer que a distância e a desvinculação ocorrida entre a lei federal
proposta e a sua implementação, em esfera municipal, fizeram com que o
atendimento na Educação Infantil, ficasse aquém do proposto pela Lei. Segundo
Arelaro,
[...] o atendimento, ao ser quase totalmente municipalizado, não vem
recebendo recursos proporcionais aos que eram consignados para este
fim, tanto pelo governo federal quanto pelos estaduais, impedindo por parte
do município qualquer expansão [...] (ARELARO, 1999, p.33).
Embora se possa concordar com Arelaro (1999), não se deve atribuir
somente à falta de recursos ou à inexistência de políticas de financiamento, as
causas da situação preocupante em que se encontra a educação infantil no Brasil. A
escassez de recursos agrava sem dúvida essa situação, mas não é o único
determinante. Entendemos ser necessário questionar, sobretudo, as concepções
sobre a infância e as concepções sobre a própria educação infantil que têm sido
adotadas, entrevendo nelas a causa primeira de todo o processo.
3.4 A Educação Infantil em Goiás e o Centro Municipal de Educação Infantil
(CMEI)
Em Goiás, o panorama da educação infantil parece estar em condições
semelhantes aos demais Estados brasileiros, talvez por encerrarem as mesmas
concepções sobre a infância e percorrerem caminhos idênticos trilhados pelo
restante do Brasil.
Os registros do século XVIII relatam que as crianças em Goiás também
não eram muito merecedoras da atenção, cuidados com saúde, educação e
trabalho. Consideradas como pequenos adultos, anjinhos, inocentes entre outras
conceituações, as crianças “eram tratadas como ‘gente grande’, e tinham no
trabalho uma exigência, no matrimônio uma obrigação precoce e no brincar um
sonho distante” (VALDEZ, 2003, p. 12).
Meus brinquedos...
Coquilhos de Palmeiras.
Bonecas de Pano.
Caquinhos de louça.
Viagens infindáveis...
Meu mundo imaginário
Mesclado à realidade.
(CORA CORALINA apud Valdez, 2003, p. 35)
Com a instituição escola, em Goiás, assim como em todo Brasil, a
contradição e as dificuldades marcaram a educação formal. Sob forte influência
religiosa, a educação em Goiás, no século XVIII, se concentrava, sobretudo, na
catequização dos índios curumins, com grande empenho do Estado para tal tarefa.
No século XIX, o ensino ainda era realizado nas escolas das grandes
fazendas, tendo nos padres a figura dos mestres, mesmo com a existência de
professores por iniciativa particular. Nesta época, se reclamavam das baixas
remunerações e da desvalorização da profissão, e mesmo com a intervenção do
Estado no final desse século e posteriormente a chegada da República, “[...] a
educação em Goiás continuou precária e sempre sujeita à redução de salários de
professores e fechamento de escolas para contenção de gastos públicos” (VALDEZ,
2003, p.62).
Com a definição de políticas e leis de amparo à infância em âmbito do
governo federal, no século seguinte, a instituição de ensino foi assumindo seu papel
e seu lugar social, a relação criança-escola adquiriu consistência educacional,
embora contradições e desvalorizações ainda perdurem até os dias de hoje.
Em Goiás, até 1980, as creches criadas no município de Goiânia, eram
em sua maior parte, instituições vinculadas à Fundação das Legionárias de Bem-
Estar Social. O número era reduzido, não atendendo à demanda infantil.
Movimentos como associações de bairros, movimento feminista e outros liderados
por mães trabalhadoras influenciaram significativamente, intensificando a luta por
maior quantidade de creches.
Como foi exposto anteriormente, com a Constituição Nacional de 1988, a
educação passou a ser um direito de todos e a educação infantil como dever do
Estado. Logo a seguir, em 1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente e a LDB,
em 1996, reafirmam essas conquistas.
Em meio ao fervilhar das leis e discussões, Goiás se manteve presente,
participando inclusive de importante reunião nacional de educadores, para a
elaboração da chamada Carta de Goiânia, contendo sugestões de diretrizes ao
Congresso Constituinte, em 1986. (FALEIRO, 2001)
Após a promulgação da LDB/96, realizou-se, em Goiás, um seminário
promovido pela Assembléia Legislativa, para que fossem levantadas questões
referentes ao tema para a composição da chamada LDB estadual. A partir de então,
com o início das discussões acerca do que ainda não havia sido contemplado pela
Constituição, educadores de Goiânia, na luta em defesa da escola pública,
promoveram novos debates e rediscutiram questões sobre o ensino. Nota-se,
contudo, que não houve espaço específico para educação infantil, o que
evidencia o pequeno status acadêmico de que gozam as questões
voltadas para a criança menor de sete anos e denota, ainda um
desconhecimento por parte dos setores politicamente organizados dentro
dos sindicatos e dentro das Universidades, das especificidades da área da
Educação Infantil (BARBOSA; NOGUEIRA, 2001, p. 35).
Com a implementação das leis no atendimento às exigências definidas
em documento, para o município é passado o dever de atender a faixa etária de 0 a
6 anos, seja pelo compromisso com as creches públicas ou pelo apoio financeiro
dado por meio de convênios com as instituições filantrópicas.
A educação infantil em Goiânia passou a ser oferecida em instituições
públicas responsáveis, que então se dividem em: Centros Municipais de Educação
Infantil – CMEIs
22
, instituições conveniadas, pré-escolas em escolas municipais e em
escolas conveniadas. Legalmente são todas ligadas à rede municipal de ensino,
total ou parcialmente. Algumas compartilham de outros recursos além dos advindos
dos cofres do município, apesar de estar evidente na LDB a responsabilidade deste
por esta etapa da educação básica.
Os CMEIs são atualmente definidos como escolas públicas destinadas a
atender crianças com idade de 0 a 6 anos. O agrupamento das crianças é feito pelo
critério de idades aproximadas. Têm por finalidade proporcionar “o desenvolvimento
integral em seus aspectos físico, emocional, cognitivo, afetivo, lingüístico, cultural,
estético, social e ético, complementando a ação da família e da comunidade”
(Regimento dos CMEIs, 2004).
Atualmente, a diferenciação de creche e pré-escola parece transpor o
nível da classe social, havendo concordância nos discursos dos profissionais da
educação em entendê-las como instituições conceitualmente e estruturalmente
diferentes. Dentre os aspectos relevantes que as diferenciam, se encontram a
divisão etária, 0 a 3 anos nas creches e de 4 a 6 anos nas pré-escolas; a estrutura
de funcionamento, integral para as creches e de meio período para as pré-escolas; e
também a subordinação administrativa, em que a creche, a princípio estaria
vinculada a órgãos de caráter assistencial ou de saúde; a pré-escola sendo parte ou
incorporada ao sistema educacional. (BARBOSA, 1999). Essa situação, atualmente,
foi contornada pela passagem das creches da FUNDEC (Fundação de
Desenvolvimento Comunitário) para a Secretaria Municipal de Educação (SME),
desvinculando teoricamente a educação infantil em creches dos agentes
assistenciais e da saúde (BARBOSA, 2005).
Contudo, quando Barbosa (1999) se refere às subordinações
administrativas pelas quais estão vinculadas às instituições, percebe-se a nítida
22
A oferta de educação infantil pelo município de Goiânia foi reformulada na gestão do Prof. Pedro Wilson.
Surgem os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEIs), espaços destinados a crianças de 0 a 6 anos.
diferença de tratamento dado inicialmente à creche e à pré-escola, e o quanto a
creche continua encarcerada em práticas assistencialistas e concepções
filantrópicas. Enquanto a pré-escola foi se constituindo espaço formal de educação,
a creche foi sendo entendida “como espaço informal, que prescindiria de um
atendimento mais sistemático, mais planejado do ponto de vista pedagógico”
(BARBOSA, 1999, p.1).
Segundo a autora, as conseqüências desse processo são marcantes no
tocante aos recursos humanos atuantes em creche. Seu quadro de trabalhadores
conta com pessoas de diversas áreas, muitos professores não têm formação
específica para a idade, os agentes educativos não têm formação na área, e, ainda,
o agravante das diferenças salariais, de carga horária e função, o que reflete a
inexistência de uma política básica para Educação Infantil.
Em Goiânia, em relação ao cumprimento das leis e regulamentações para
e pela infância até 6 anos, ainda é incipiente. As creches e pré-escolas ainda estão
em processo de estruturação. Ademais, mesmo com o amparo legal para o
atendimento “educativo” das crianças de 0 a 6 anos, persistem práticas
assistencialistas e outras práticas de interesses diversos que não as pedagógicas.
Diante dessa realidade, um dos desafios consiste na busca incessante de
superar o assistencialismo velado, para que se adotem concepções que levem em
conta a criança como sujeito histórico, ativo e princípio da ação educativa,
condizentes com as especificidades dessa faixa etária, para só assim transformar os
direitos da infância em prática.
Assinalamos ainda, que dentre os muitos direitos da infância, o que
concerne à arte, especificamente, à música, parece ainda ser negado na Educação
Infantil das classes populares.
Mesmo que constem das propostas pedagógicas dos Referenciais
Curriculares Nacionais para Educação Infantil, as atividades musicais estão
ausentes ou são escassas nessa fase da educação básica. Na verdade, muitas
instituições encontram dificuldades para incorporar a linguagem musical ao contexto
educativo, e, quando conseguem essa inclusão, as atividades com sica se
restringem a datas festivas do calendário (dia do Índio, das Mães, etc), à formação
de hábitos (música da fila, do lanche, etc) e à memorização de conteúdos (música
dos números, das vogais, etc). O trabalho é de forma fragmentada e distante do
amplo aspecto da construção musical.
No capítulo dos Referenciais Curriculares para a Educação Infantil, o qual
se refere à música, o texto do documento é preciso:
O trabalho com Música proposto por este documento fundamenta-se
nesses estudos
23
, de modo a garantir à criança a possibilidade de vivenciar
e refletir sobre questões musicais, num exercício sensível e expressivo que
também oferece condições para o desenvolvimento de habilidades, de
formulação de hipóteses e de elaboração de conceitos (RCNEI, 1998, Vol.
3, p. 48).
Entretanto, o objetivo de garantir à criança a possibilidade de vivenciar
elementos musicais, recai diretamente na polêmica questão do profissional
responsável pela música na escola. Por não ser o foco, este trabalho limita-se
somente a mencionar as posições divergentes sobre o assunto, em que alguns
autores defendem a presença do especialista em Música, já outros acreditam na
formação do educador musical, estando este campo aberto às discussões
24
.
Com relação aos bebês, a inexistência de atividades musicais em
instituições públicas é total. A maior parte dos programas de música para bebês no
Brasil é desenvolvida por escolas privadas de ensino musical. A outra parte atende
às pesquisas dos Projetos de Extensão das Universidades, sendo financeiramente
um pouco mais acessível à comunidade. Em Goiás, entretanto, está realidade ainda
não acontece.
O primeiro e único espaço em Goiânia que tem por objetivo essencial as
vivências musicais para bebês, visando a despertar, acima de tudo, o prazer de
cantar, dançar e ouvir música de qualidade é de uma escola de música privada.
Atende, na sua maioria, a bebês de famílias com maior poder aquisitivo, e por estar
desvinculada de programas de extensão e pesquisa da Universidade ou de projetos
23
Pesquisas e estudos que fazem paralelos entre o desenvolvimento infantil e o exercício da expressão musical,
resultando em propostas que respeitam o modo de perceber, sentir e pensar, em cada fase, e contribuindo para
que a construção do conhecimento dessa linguagem ocorra de modo significativo (RCNEI, 1998, Vol. 3, p. 48).
24
Ver BELLOCHIO, (2001 b); NOGUEIRA (2002)
públicos, não consegue possibilitar a participação de bebês de famílias com baixo
poder aquisitivo.
Essa realidade mostra que mesmo com o reconhecimento da importância
da música, expresso nos Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil,
atividades musicais com bebês, como foram assinaladas anteriormente, ainda
inexistem em creches e instituições públicas de Educação Infantil, voltadas para a
classe popular, o que vem reforçar o processo de exclusão popular no direito à
educação musical para a infância.
Assim, além de observar os movimentos do bebê nas atividades musicais,
tendo o CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil) como lócus de observação,
procura-se também com este trabalho, despertar para a importância da atividade
musical com bebês nestas instituições, devendo fazer parte o quanto antes dos
programas pedagógicos voltados para esta idade.
CAPÍTULO 4 - A ATIVIDADE MUSICAL NO CMEI
O Sapo não lava o pé
Não lava porque não quer
Ele mora na lagoa
Não lava o pé
Porque não quer
Mas que chulé!
Domínio Popular
Com este capítulo nos propomos a descrever o caminho percorrido na
pesquisa, desde o contexto em que ocorreram as observações à definição dos
critérios para a análise, bem como a estruturação das atividades que foram
realizadas. Visamos também apresentar a descrição e análise de cenas
imprescindíveis para alcançar a proposta de estudo dos movimentos dos bebês nas
vivências musicais no CMEI.
4.1 Procedimentos Metodológicos
Esta foi uma investigação em abordagem qualitativa, caracterizada pela
participação da pesquisadora. Neste tipo de investigação, a pesquisadora intervém,
propondo ao grupo observado, o desenvolvimento de atividades, nesse caso,
musicais. A sua participação é efetiva na realização das atividades, bem como no
processo de obtenção das informações, observando de perto todo o percurso da
pesquisa.
Segundo Lüdke (1986), a observação tem lugar de destaque nas
abordagens atuais de pesquisa educacional, permitindo ao investigador estar mais
próximo do fenômeno estudado.
Em se tratando de bebês, a observação é ainda mais específica, pois
como recurso principal, requer instrumento próprio, a fim de se alcançarem
efetivamente, os processos individuais das ações de cada um. O instrumento de
observação utilizado, considerado mais eficaz e abrangente para este objeto é a
filmagem em vídeo.
Por meio de filmagens das atividades, buscamos obter uma visão geral de
todo o processo musical do qual participaram crianças e professoras, e analisamos
de perto os movimentos do bebê neste contexto musical, como também as
possibilidades e dificuldades de realização das vivências musicais em uma
instituição como o CMEI.
Antes, porém, de relatarmos a efetiva pesquisa na instituição escolhida, é
necessário esclarecer sobre o Projeto Piloto que foi desenvolvido em três encontros
com seis bebês, na mesma instituição, em 2005, ano anterior ao da pesquisa deste
trabalho. Foram realizadas algumas atividades musicais de dança, de canto, com
músicas variadas, tendo como referência as atividades desenvolvidas em escola
privada citada anteriormente. Todos os encontros foram filmados, nos permitindo
entrever previamente a dinâmica da pesquisa efetiva.
Voltando à pesquisa que deu origem a essa dissertação, as filmagens
foram realizadas por uma professora de musicalização de bebês de escola privada.
Ela foi instruída a se posicionar com a câmera na altura dos bebês, ficando sentada
durante as atividades em que os bebês estão sentados, e em quando eles se
levantam ou são segurados no colo do adulto. Esse modo de apreender as cenas
visou facilitar nosso olhar para o movimento real do bebê.
As filmagens não foram estáticas, nem se limitaram ao tempo exato do
momento musical. Em alguns momentos, para obter melhor ângulo de observação,
as filmagens foram feitas em movimentos pela sala, como também abrangeram os
momentos que antecediam o início do encontro, quando os bebês chegavam, e em
momentos posteriores às atividades musicais, ficando a filmadora ligada até que o
último bebê saísse da sala.
Esse modo de filmar nos permitiu que fossem registradas todas e
quaisquer ações, movimentos, sons e expressões produzidas pelo bebê,
possibilitando o acompanhamento do desenvolvimento individual no contexto
musical proposto, assim como a definição dos critérios fundamentais para a análise
dos movimentos dos bebês.
Todos os encontros com os bebês foram registrados, ao todo, dez fitas
foram gravadas cada uma com uma hora e trinta minutos de filmagem e um total
aproximado de quinze horas de registro.
O material foi organizado da seguinte forma: primeiro fizemos a
digitalização com a reprodução das fitas de vídeo em DVD, resguardando assim a
qualidade e durabilidade do material. A seguir, assistimos a todos os DVDs por
diversas vezes, inicialmente sem anotações, depois com registros escritos.
A fim de ordenar os dados obtidos, foi construído um quadro (Apêndice A)
para o mapeamento dos movimentos. Esse quadro foi preenchido com a descrição
dos movimentos e as circunstâncias em que ocorriam.
Mediante tal procedimento, pudemos identificar os tipos de movimentos
apresentados pelos bebês, definindo-os como critérios fundamentais para a análise.
Os tipos de movimentos observados foram: posturais, exploratórios,
gestuais, livres ou criativos e decorrentes. Os Movimentos Posturais foram
observados em momentos de profunda atenção, em que inexistia mobilidade
aparente no bebê. Wallon (2005) se refere a esses movimentos como Postural ou
Tônico, a atividade muscular intimamente ligada à atividade intelectual e à
percepção.
Os Movimentos Exploratórios aparecem no cenário musical vinculados à
exploração do objeto, seja ele sonoro ou não. Segundo Wallon (2005), no início, os
objetos não são mais do que um elemento sensório-motor que entram do exterior na
atividade circular do bebê. Somente depois, surge a exploração do próprio objeto, da
sua estrutura e do seu significado de uso ou de forma.
Os Movimentos Gestuais são aqui entendidos como movimentos que
expressam algo, são dotados de significação especial. No estudo em questão, esses
movimentos representavam algum pensamento da criança e surgiram das atividades
sugeridas e realizadas pela pesquisadora.
Os Movimentos Criativos ou de Livre Expressão foram observados por
meio do processo de diferenciação de gestos, em que a criança utiliza novos
esquemas em sua ação, inovando e improvisando a ação.
Os Movimentos Decorrentes, termo originalmente utilizado por Beyer
(2004) em sua pesquisa com bebês, é aqui adaptado para explicar os movimentos
que se originam essencialmente da atividade musical. Um exemplo é quando a
música é intencionalmente interrompida na atividade musical. Com a suspensão da
música, os bebês que dançam nos colos das professoras, apresentam movimentos
de balançar as pernas e braços, mudança na direção de olhares, sorrisos e até
mesmo balbucios, resmungando pelo silêncio ocasionado. Também se encaixam
nesses movimentos, os bebês que sacodem objetos sonoros ao som da música e
continuam fazendo-o euforicamente quando a música é interrompida.
4.2 A Escolha de Instituição – Campo da Pesquisa
Por se tratar de instituição pública de Educação Infantil, o processo de
escolha da instituição começou com uma visita ao órgão público competente, a
Secretaria Municipal de Educação. Com alguns encontros com a coordenação do
Departamento de Educação Infantil, foram esclarecidos os objetivos do projeto e as
possibilidades de serem realizadas vivências musicais com bebês. Diante da
autorização da Secretária da Educação, tivemos acesso aos documentos oficiais
referentes aos CMEIs, contendo o número de instituições, endereços, formas de
contato com os diretores, bem como número de crianças por instituição.
Para escolher a instituição que iria participar, fizemos, então, uma relação
de todos os CMEIs de Goiânia, tendo como base, os documentos da Secretaria
Municipal de Educação. Selecionamos as instituições com o maior número de bebês
até dois anos de idade. Ocorreu, entretanto, no contato com algumas instituições
selecionadas, percebemos algumas incoerências quanto ao número de crianças. No
documento oficial aparecia um número de crianças diferente do que era informado
pela coordenadora da instituição. Diante desse fato foi necessário contatar todas as
instituições que atendiam bebês, para o devido ajuste de informações.
Justamente por ser um estudo específico com bebês, o critério de seleção
foi o quantitativo, e escolhido o Centro Municipal de Educação Infantil que, na época,
tinha maior número de bebês com idade de 4 meses a 2 anos.
Foram feitos alguns encontros com a coordenação e com as professoras
dessa instituição, a fim de esclarecermos as propostas do estudo, conhecermos a
rotina diária dos bebês e também verificarmos se a música fazia parte de algum
momento dessa rotina. Foi ressaltada a importância da presença e da participação
dos professores no momento das atividades musicais com as crianças, na busca de
um ambiente confiável e afetivo, como também propício às observações.
Quanto aos pais e mães dos bebês participantes, foram devidamente
esclarecidos a respeito da proposta investigativa e de sua estruturação no contexto
do CMEI, assim como sobre o seu direito em permitir ou não a participação do seu
bebê nas atividades musicais. Para tanto, foi repassado um termo de consentimento
de participação, tanto para a instituição (Apêndice B) quanto para os responsáveis
pelos bebês (Apêndice C), mediante o qual se autorizava ou o a presença do
bebê nas atividades musicais. Os termos assinados foram levados à apreciação,
analisados e aceitos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de
Goiás.
4.3 O Centro Municipal de Educação Infantil J. G.
O Centro Municipal de Educação Infantil J.G. (nome fictício) está entre as
instituições públicas vinculadas à Prefeitura de Goiânia, que visam a atender
crianças com idade até 6 anos. Esta instituição atende um total de 105 crianças
nesta faixa etária.
A organização interna das crianças é feita em agrupamentos de acordo
com a faixa etária, sendo dispostos da seguinte forma: agrupamento, bebês de 4
a 11 meses; o agrupamento, bebês de 1 ano a 1 ano e 11 meses; o
agrupamento, idade de 2 anos a 2 anos e 11 meses; o agrupamento, crianças de
3 anos a 3 anos e 11 meses; e o 5º agrupamento crianças de 4 a 6 anos
25
.
Para cada agrupamento de crianças, uma professora (com
Licenciatura) e uma agente educativa (com Ensino Médio). O 1º e o 2º
agrupamentos têm uma agente educativa a mais, pois as crianças requerem
atendimento mais específico.
A instituição conta com um espaço de construção recente, estando,
portanto, em bom estado de conservação da pintura e com adequado funcionamento
das instalações. A área construída é composta de: 5 salas amplas para atividades
internas e dormitório, refeitório com mesas e cadeiras apropriadas para a idade,
cozinha e lactário, sala da diretoria, sala de recepção na entrada da instituição, uma
sala pequena de professores, 2 banheiros, um específico para oagrupamento e o
outro para atender a crianças das outras idades. Além disto, conta com uma área de
recreação aberta e outra coberta com brinquedos e um parque de areia.
Em concordância com o foco deste trabalho, vamos nos deter na
descrição da rotina diária apenas dos bebês até dois anos.
25
A entrada do bebê em determinado agrupamento tem como referência a sua idade na data de inscrição na
instituição. Entretanto, no decorrer do semestre, quando os bebês ultrapassam a idade limite do agrupamento,
permanecem nos agrupamentos de origem, sendo repassados ao agrupamento seguinte somente na mudança do
semestre, após o recesso das férias;
A maioria das crianças chega pela manhã, das 7 às 7h 30min, e vão
embora ao final do dia, por volta das 17 horas, permanecendo na instituição por todo
o dia. Há, entretanto, algumas exceções de crianças que freqüentam somente um
período.
No período matutino, após a chegada pela manhã, os bebês tomam
banho, fazem a refeição da manhã e vão para o banho de sol. Em seguida, são
propostas atividades pedagógicas com brinquedos diversos, dentro do próprio
agrupamento. Aproximadamente das 10h 30min às 11horas, fazem a refeição do
almoço, depois a escovação, para logo mais se preparar para dormir.
Na parte da tarde, depois de acordarem, os bebês mamam e participam
novamente de atividades programadas. Em seguida, fazem o lanche da tarde e
tomam banho. Por volta das 16h 30min, lhes é servido o jantar, e então ficam
aguardando a chegada dos pais ou responsáveis.
As atividades pedagógicas desenvolvidas com os bebês são constituídas
de brincadeiras próprias para a idade, com bolas e brinquedos diversos, objetivando
estimular o seu desenvolvimento.
Com relação à presença de música, observamos que mesmo com a
presença de um aparelho de som e alguns CDs em cada agrupamento, o que
significa um bom começo, a forma de utilização se restringe a fundo musical para
outras atividades ou para o momento do sono, portanto, sem qualquer relação com o
amplo sentido da musicalização.
A proposta de realização deste estudo foi recebida com entusiasmo pela
direção, que colocou todas as condições físicas possíveis, inclusive o acesso à
documentação pessoal dos bebês participantes, para a verificação das idades.
Concentramo-nos mais nos dois primeiros agrupamentos, em face da abrangência
etária inicialmente proposta.
Após conhecermos a rotina diária dos bebês, decidimos, juntamente com
a direção, que as atividades musicais que sugeriríamos deveriam ser realizadas nos
horários destinados ao momento pedagógico programado pela instituição, portanto,
sem prejudicar a rotina a que os bebês estavam acostumados.
4.4 As Vivências Musicais
Vivenciar música é, neste trabalho, entendido como captar, experimentar,
viver, sentir em profundidade os elementos da música sintetizados em uma
composição musical. Com bebês, a vivência musical se estende para além de
aguçar os canais de percepção. Incentiva, sobretudo, a sua interação ativa com a
música, abrindo espaços para as experimentações infantis e descobertas sonoras
em ambiente lúdico musical.
Vivenciar música com bebês significa, pois, possibilitar, de forma lúdica, o
seu contato com a música por meio do canto, da dança, tocando instrumentos e até
mesmo ouvindo-a. Estas vivências proporcionam ao bebê momentos de intensas
explorações, percepções e experimentações individuais e coletivas, necessárias ao
seu desenvolvimento.
Sob essa perspectiva foram elaboradas as vivências musicais para os
bebês da instituição descritas anteriormente. As vivências musicais aconteceram
somente nos agrupamentos 1 e 2, ou seja, que abrangem bebês de 4 meses a 2
anos, conforme previsto no projeto de pesquisa, ao todo 34 bebês (Apêndice D).
Foram feitos dez encontros de freqüência semanal, com duração de até
45 minutos para cada agrupamento. A princípio, os bebês foram subdivididos em
pequenos grupos, que reuniam os de idades mais próximas, realizaram-se em local
específico e diferente do dormitório, para que em número e em local menor,
houvesse uma melhor acomodação e maior atenção das professoras e
pesquisadora. Cada subgrupo foi formado por no máximo 7 bebês.
Com a crescente adaptação dos bebês às atividades, depois de 6
semanas começamos a trabalhar no próprio local do agrupamento, formando
apenas dois grandes grupos: agrupamento, 17 bebês de 4 a 11 meses, e
agrupamento, 17 crianças de 1 ano a 1 ano e 11 meses
26
.
Inicialmente, as atividades foram desenvolvidas pela manhã.
Percebemos, entretanto, que no período matutino as crianças logo ao chegarem
dormiam, demorando a acordar, além de algumas que ficavam choramingando.
Segundo as professoras, isto acontecia porque além de sentirem a falta da mãe,
26
Idade dos bebês no início da pesquisa
elas acordavam muito cedo para chegar à instituição, necessitando de maior
repouso.
Quando passamos a atividade para o turno vespertino, notamos uma
melhora significativa na questão do choro, confirmando as hipóteses das
professoras. A mudança foi prontamente acatada pela pesquisadora, que cada
grupo de crianças tem suas características e especificidades, que devem ser
certamente consideradas.
A brincadeira musical foi utilizada em todos os encontros. De forma
lúdica, foram desenvolvidas diversas brincadeiras com objetivos especificamente
musicais. O brincar musical consistiu em cantar, dançar, explorar instrumentos
sonoros e em ouvir músicas mais tranqüilas no momento da apreciação musical. As
atividades foram geralmente acompanhadas por instrumentos melódicos, como
violão e flauta, por instrumentos percussivos, como afoxé, pandeiro e metalofone ou
por gravações em CDs de boa qualidade.
Oferecemos, também, uma variedade de materiais apropriados às idades
dos bebês, como bolas coloridas, fantoches, brinquedos sonoros, e também
instrumentos musicais como chocalhos, guizos, tambores e pandeiros, de forma que
podiam explorar e manusear, sugar, jogar no chão, sem risco para o bebê ou
prejuízo para a atividade. Entendemos que, nesta idade, o bebê necessita dos
elementos concretos, para que possa transpor-se para a ação criativa, pois facilita a
formação de novas imagens com base no objeto real. Ver, tocar, manipular, sugar e
explorar costitui importantes ações para o desenvolvimento do bebê.
O repertório incluiu diversos segmentos de estilos musicais, abrangendo a
música popular infantil como “O Pato” de Vinícius de Moraes; “Marinheiro Só” e
“Sabiá”, de domínio público; compositores eruditos como W.A.Mozart, J. Quantz, B.
Itiberê e J. S. Bach; cantigas folclóricas e de domínio público, como “D Aranha”,
“Bonequinho de Pau”, e ainda músicas cantadas pelas professoras no dia-a-dia da
escola, como “O Sapo Não Lava o Pé”, “Borboletinha”. A nossa preocupação na
escolha desse repertório foi de possibilitar a apreciação e o contato com diferentes
culturas musicais, além de valorizar ritmos variados e diferentes sonoridades em
construções musicais educativas.
A metodologia escolhida foi a utilizada na escola música privada
27
, citada
anteriormente, porém, as atividades musicais realizadas, bem como a seqüência
27
Escola Música & Bebê
seguida, foram adaptadas a esta instituição. Sendo assim, os momentos foram os
seguintes: cumprimento (a pesquisadora canta para cada criança, mencionando seu
nome); músicas cantadas (propostas pela pesquisadora ou pela professora ou
agente); danças (crianças dançam ouvindo música: bebês de colo dançam
alternadamente com os adultos e as crianças que andam se movimentam
livremente pela sala); exploração dos instrumentos musicais (apropriados para a
idade dos bebês); apreciação musical (bebês ouvem músicas mais tranqüilas
enquanto são massageados pelo adulto).
Com relação aos profissionais do CMEI, tivemos um apoio crescente para
a realização da pesquisa. No início, notamos certo desconforto e receio das
professoras e agentes educativas dos agrupamentos não participantes da pesquisa,
por estarmos utilizando a “sala de todos”, o que nos causou, na prática, algumas
interrupções das atividades e atrasos para a desocupação da sala então destinada
pela coordenação para a atividade.
Quanto às professoras e agentes educativas dos agrupamentos
envolvidos, a princípio, era perceptível o receio e o distanciamento delas, que até
mesmo não se faziam presentes no momento das atividades. No decorrer das
atividades, todavia, começaram a demonstrar interesse e alegria, quando
chegávamos e, nas atividades, a participação era cada vez mais espontânea e ativa
certamente influenciando sobremaneira a pesquisa.
4.5 Análise dos Movimentos dos Bebês
Neste trabalho a análise das informações esteve centrada nos processos
qualitativos da ação do bebê, mais do que nos resultados desta ação. O processo e
o seu significado foram os focos principais nesse momento da investigação. A visão
holística da criança permitiu-nos descrever, na perspectiva do movimento e da
música, como e em que circunstância se deu a participação do bebê, a fim
verificarmos como se movimentaram ao longo das atividades musicais, e, ainda,
depreender as possibilidades e dificuldades de realização destas atividades em um
CMEI. Para tanto, tomamos como ponto de partida a participação do bebê como
sujeito de nossa pesquisa para nos orientar quanto ao nível de viabilidade de
promover atividades como estas em instituições afins.
Com a utilização de filmadora foram registrados todos os encontros
musicais, o que propiciou acompanhar detalhadamente o processo das ações do
bebê no momento das atividades musicais, bem como perceber a composição
espaço, pessoas, atividade.
A observação, sob o foco dos critérios estabelecidos com base nos
movimentos, foi mantida mesmo com as constantes faltas dos bebês, vistas pela
coordenação como normais.
Um aspecto apreendido foi em relação à faixa etária. Notamos que os
bebês se movimentavam diferentemente de acordo com a idade, e seus gestos se
modificavam em crescente especialização e intenção. Nos bebês menores, com
idade aproximada de 4 a 9 meses, os movimentos eram mais impulsivos e
descoordenados; nos maiores, por volta, de 12 meses a 24 meses, podiam-se
observar movimentos cada vez mais intencionais e mais coordenados.
Mesmo considerando esse importante aspecto, optamos por manter
critérios iguais para todas as idades, por serem abrangentes, e por não alterar o
processo individual de análise.
Assim, considerando os critérios descritos no item 4.1 deste capítulo,
selecionamos algumas cenas de cunho relevante e explicativo sobre a relação
movimento/ música e suas especificidades e implicações no contexto do CMEI.
Foram selecionadas dez cenas, duas correspondentes a cada tipo de
movimento. Cada cena tem análise em um critério predominante, podendo, se
necessário, ser mencionados os demais movimentos.
A seqüência das cenas estabelecida para a análise, obedece a ordem
crescente, e foi organizada das primeiras para as últimas filmagens, de acordo com
o quadro abaixo.
QUADRO DA ANÁLISE DOS MOVIMENTOS
Ilustração 1 – Quadro da Análise dos Movimentos
Cena 1
Atividade: Música Cantada e Tocada “Bochecha”
Movimento Observado: Postural
C
E
N
A
S
N. do
DVD
Tempo/ Duração N. de
Bebês
Idade
(meses)
Critérios /
Movimentos
01 1 0:03:36 a 0:04:54 07 8 - 14m Movimentos Posturais
02 1 0:32:38 a 0:36:15 04 4 - 13m Movimentos Decorrentes
03 2 0:57:08 a 0:58:35 06 16 - 23m Movimentos Gestuais
04 5 0:52:17 a 0:56:07 08 16 - 24m Movimentos Criativos
05 5 0:52:17 a 0:56:07 08 16 - 24m Movimentos Decorrentes
06 6 0:15:37 a 0:16:34
0:22:42 a 0:23:56
05 6 - 10m Movimentos Exploratórios
07 7 1:01:35 a 1:02:31 13 15 - 26m Movimentos Posturais
08 8 0:21:50 a 0:29:44 09 7 - 15m Movimentos Exploratórios
09 10 0:04:46 a 0:07:00 10 5 - 16m Movimentos Gestuais
10 10 1:04:27 a 1:06:16
1:12:38 a 1:14: 08
12 16 - 28m Movimentos Criativos
N. Bebês Idade (meses)
1. A. 9m
2. A. L. 13m
3. G. 12m
4. I. 10m
5. L. 13m
6. L. 8m
7. R. 12m
Ilustração 2 – Bebês da Cena 1
Participam desta cena 7 bebês com idades entre 8 e 14 meses, a
professora e a agente educativa responsáveis pelo agrupamento.
A cena tem dois momentos. O primeiro começa com a pesquisadora
cantando a música “Bochecha” com seus gestos sonoros. Alguns bebês
olham para ela, outros se mexem, outros se deslocam engatinhando pela
sala... Em seguida, a pesquisadora propõe novamente a atividade, e
quando ela começa a tocar com a flauta doce, a música da Bochecha que
a pouco haviam cantado, todos os bebês se viram em direção ao som,
param seus movimentos naturais e ficam estáticos observando o
fenômeno sonoro provocado pela pesquisadora. Chamam-nos a atenção,
especificamente, quatro crianças:
- A. (9m) fixa o olhar de tal forma, que mesmo se curvando para apanhar a
sua chupeta que estava no tapete, não desvia o olhar da pesquisadora.
- A. L. (13m) olha em direção ao som do instrumento, gira sua cabecinha
levemente para o lado, e a professora, então, segura suas mãozinhas,
fazendo com ela o gesto de bater palmas. A. L. detém discretamente os
bracinhos para trás, reagindo ao movimento direcionado pela professora,
que continua batendo palmas individualmente como se convidasse a
criança a participar. A. L. parece não se importar, voltando sua atenção
para a flauta.
- I. (10m): Mesmo com a leve sonorização, as palmas da professora
despertam a sua atenção. Primeiro ela movimenta seu dedinho indicador
na orelhinha, depois olha para o movimento das mãos da professora e em
seguida para a agente educativa que está atrás.
- R. (12m), ao ver a movimentação de I., balança a cabecinha como se
estivesse dançando.
Os demais permanecem concentrados no evento sonoro.
O aspecto relevante desta cena refere-se ao Movimento Postural,
diferenciado nos bebês e caracterizado pela ausência de movimentos visíveis. A
imobilidade é atribuída por Wallon (2005) como atividade muscular de maior
importância. Segundo o autor, na imobilidade, situação em que inexiste atividade
cinética, a atividade postural ou tônica é intensa. Além de estar intimamente ligada à
atividade intelectual e à percepção, a atividade postural sustentação à reflexão
mental.
É o que vimos em algumas crianças que se mantinham durante toda
atividade musical em estado de atenção aparentemente passiva, observando tanto
os colegas como a atividade e, em um tempo posterior, expressavam-se com
detalhes gestuais e mesmo com ações associadas à atividade musical observada.
Outro aspecto significativo observado foi que, mesmo com a intervenção
da professora, tentando deslocar a ação intelectual de A. L. para a ação motora, a
atividade sonora conseguiu atrair sua curiosidade, capturando-a para o contexto da
atividade. Ficou evidente que o evento sonoro exerce verdadeira atração sensorial
no bebê, bastando que se cante ou que se toque algum instrumento sonoro ou
percussivo, para que o bebê cesse suas atividades naturais, e os seus olhares
sejam fixados na direção do som.
Nesse sentido, a música prende a atenção do bebê por meio da
sensibilidade auditiva e, por ser composta essencialmente de abstração visual,
fornece ao bebê rico material sonoro-rítmico, valoriza a sua subjetividade,
incentivando-o à atividade mental, conseqüentemente, contribuindo para o
desenvolvimento das suas funções psíquicas.
Em relação à professora, mesmo não sendo o nosso foco analisar sua
atitude, é importante comentar o seu comportamento nessa cena. É muito comum
no processo de avaliar o aproveitamento ou a participação, verificar a ação motora
ou movimento perceptível aos nossos sentidos. Não é porque o bebê está parado
que não esteja em atividade. O que transparece na ação da professora é seu
entendimento segundo o qual para ter certeza de que alguém aprendeu algo, deve
ele mostrar por meio de gestos ou pela linguagem. Assim, considera-se que
participou ou aprendeu somente a criança que dançou, movimentou-se ou cantou,
ou seja, que respondeu ao estímulo de forma visível. Esse é um traço muito forte e
arraigado nas práticas do resultado e da ação imediata, que ainda ronda a ação
pedagógica nas salas.
Enfim, a relevância está no processo de aprendizagem, principalmente
para o bebê, que tem na observação, seu ponto culminante de participação. É por
meio dos imprescindíveis momentos de apreensão sensorial que se produz material
necessário à ação.
“Todo movimento aparente pode ser adiado, mas a atividade postural está
longe de extinguir e é dela que poderá sair a imitação” (WALLON, 1979, p. 152).
Cena 2
Atividade: Música Tocada: “Marinheiro Só
28
Movimento Predominante: Decorrente
N. Bebês Idade (meses)
1. Al. 4m
2. A. 13m
3. G. 4m
4. K. 5m
Ilustração 3 – Bebês da Cena 2
Participam desta cena 4 bebês (de 4 a 13 meses) e a professora deste
agrupamento. Dos quatro bebês somente A.(13m) está sentando-se
sozinho, ficando os outros apoiados, ou no colo da professora, ou na
cadeirinha do ’bebê conforto’ ou encostado em um cavalinho de tecido
com formato apropriado para apoiar o bebê.
A cena começa com a exploração dos ovinhos de chocalho
29
colocados
pela pesquisadora no chão, antes do início da música. A. pega
imediatamente dois ovinhos e sacode, bate um no outro, joga no tapete e
os pega novamente, repetindo essas ações no seu processo de
28
Música: “Marinheiro Só” CD Cantigas de Roda - Hélio Ziskind
29
Instrumento musical com formato de ovo colorido, produz som de chocalho.
exploração. K.(5m) que está apoiado no cavalinho de tecido, além de
tentar se manter sentado, arrisca-se, em vão, a pegar o ovinho próximo a
ele. Quando a professora põe um ovinho em sua mão, coloca-o direto na
boca. G., que está sentado comodamente na cadeirinha, fica somente
observando o movimento dos colegas até que a pesquisadora também lhe
oferece um ovinho, incentivando-o a pegá-lo. Al.(4m) no colo da
professora, não consegue segurar o ovinho apesar das insistências dela
em abrir a sua mãozinha para colocá-lo. Quando o ovinho fica preso em
sua mão, parece não se importar com ele, olhando para K. que está ao
lado. Quando, entretanto, o ovinho cai da sua mão, agita braços e pernas,
olhando para o tapete, onde estão o seu e outros ovinhos espalhados.
A. balbucia muito, enquanto brinca com os ovinhos. No momento em que
a pesquisadora solta por engano o começo de uma música, ele pára de
bater um ovinho no outro, levanta a cabeça, sorri e diz: “Áaaa” olhando
para o alto, em direção à pesquisadora junto ao aparelho de som que está
na mesa. Rapidamente, a pesquisadora interrompe a música, e ele se
volta para os ovinhos no chão, enquanto os outros continuam tentando
pegar os ovinhos.
A música “Marinheiro” começa. A pesquisadora sacode dois ovinhos, e
G. com um ovinho na mão, olha atentamente para ela, permanecendo
imóvel. Al. olha para K. e se volta lentamente fixando o olhar para frente,
observando a pesquisadora que toca os ovinhos. K. mantém a seqüência
de se equilibrar sentado, pegar e colocar o ovinho na boca, absorvido em
suas ações, sem demonstrar perceber o início da música.
A., que estava balbuciando, quando a música começa, pára, olha para os
lados, depois para cima como se estivesse à procura de algo. A
professora coloca, então, um ovinho em uma de suas mãos. A princípio,
ele resiste e depois o pega e com a outra mão busca outro ovinho no
chão. Começa a sacudir os dois ovinhos, sorrindo. Deixa os ovinhos no
chão, aponta com o dedinho para o alto em direção ao aparelho de som,
sempre sorrindo e estende as mãozinhas para a pesquisadora como se
pedisse os ovinhos que ela está tocando. A pesquisadora dá para ele os
dois ovinhos e ele continua sacudindo-os. Mantém esta seqüência de
movimentos por toda a música, ora olha para a pesquisadora tocando, ora
sacode os seus com alegria e os joga no chão para, em seguida, pegá-
los. Às vezes bate a perninha no chão.
A professora, depois de inúmeras tentativas para que Al. pegasse os
ovinhos, segura a sua mãozinha com ovinho e ela mesma a sacode,
realizando o movimento por ele.
A música acaba e a pesquisadora diz: “Que música linda!” Os bebês
continuam envolvidos em suas atividades exploratórias, sem desviar o
olhar dos seus ovinhos. A exceção é A. que, quando acaba a música, pára
de tocar, olha para a pesquisadora, vira a mão para cima e diz: “Bô, bô?”,
depois ergue o bracinho para o alto em direção ao aparelho de som e
repete: “Bô?”. A pesquisadora reforça: “Acabou, A., acabou...” Ele, então,
pega dois ovinhos no chão e recomeça a sacudir e bater um no outro. Em
seguida, vira-se para G., sentado na cadeirinha e bate o ovinho em seu
pé, continuando alegremente seus movimentos de sacudir. De repente,
pára novamente, larga os dois ovinhos, abre as duas mãozinhas e diz:
“Bô, bô?” A professora reforça, dizendo: “A. acabou, né? Ela o incentiva a
repetir a frase, e ele diz mais duas vezes, depois pega mais dois ovinhos
e volta a sacudi-los, sorrindo.
Esta cena foi selecionada por apresentar alguns movimentos
desencadeados pela atividade musical, no caso a música “Marinheiro ”. O bebê
observado neste critério é A.
Nesta filmagem, A. tem 13 meses de idade. Além de ser o mais velho
deste grupo, A. foi o único bebê que participou do projeto piloto
30
realizado no ano
anterior ao desta pesquisa, o que torna sua participação diferenciada não pela
idade, mas também pela vivência musical anterior.
Um dos aspectos mais relevantes da sua participação é o que se refere à
percepção sonora musical. Na cena, A. demonstra uma percepção auditiva aguçada,
tanto no início, quando a pesquisadora coloca a música por engano, quanto no final
da atividade, ao reconhecer que a música acabou.
No primeiro caso, quando a música aparece por engano, percebe-se que
ao menor sinal sonoro, e mesmo ele tendo sido imediatamente interrompido, A. pára
30
Foi desenvolvido um projeto piloto, realizando-se em 3 sessões com um grupo de 6 bebês, na mesma
instituição em 2005 (citado anteriormente).
de bater o ovinho, levanta a cabeça e a sobrancelha, sorri e balbucia. De acordo
com Laban (1978), erguer a sobrancelha faz parte dos movimentos de sombra
caracterizados como movimentos musculares minúsculos, que se destacam apenas
pelo valor expressivo. Dos outros movimentos feitos pelo bebê, podemos dizer que
formaram uma seqüência de ações desencadeadas pelo estímulo sonoro. Essa
seqüência de movimentos teve duração tão rápida quanto o sinal sonoro. Logo após
asica parar, o bebê volta às suas explorações. Fica claro, assim, que o estímulo
sonoro foi preponderante na manifestação dessas ações.
É relevante destacar, ainda, que A. não se utiliza apenas da expressão de
seu corpo para comunicar sua percepção. Serve-se também da expressão vocal,
quando pára de tocar os ovinhos e diz: ”Bô”, ao final da música. Perante o fato de
nenhuma das pessoas ali presentes, naquele instante, ter se expressado ou feito
algo semelhante à ação de A., ou seja, como não houve um modelo de linguagem,
nem visual, fica inquestionável a natureza simbólica do ato vocal do bebê.
Colabora também com essa análise o fato de A., ao perceber que a
música realmente acabou, voltar a sacudir os ovinhos, reproduzindo com alegria os
movimentos feitos quando na presença de música. O efeito produzido pelo
chacoalhar dos ovinhos, leva à repetição do gesto, o que é chamado por Wallon
(1975) de atividade circular. Assim, A. busca novamente o som ou o movimento de
sacudir o instrumento, para que o efeito sonoro, obtido anteriormente seja
reproduzido, ou seja, resgatada a música ouvida.
Segundo Wallon (2005), a palavra carrega a idéia, assim como o gesto
carrega a intenção. Desse modo, distingue-se o movimento de A. pelos sinais de
intenção apresentados, tanto na expressão corporal quanto na vocal.
Entendemos que em relação a A., os movimentos citados tenham
decorrido da atividade musical; podem não ter sido originados por tal atividade, mas
certamente foram desencadeados pelo estímulo da música.
Outro aspecto a ser examinado é como A. explora os instrumentos.
Desde o primeiro contato, não colocou o ovinho sequer uma vez na boca. Pelo
contrário, desde o início, agitou-os, bateu um no outro, os jogou no chão para depois
pegá-los, demonstrando atividade exploratória variada, como também percepção
dos sons produzidos pelo seu movimento.
Como se trata de um primeiro encontro, esperávamos que os bebês, em
algum momento, explorassem os instrumentos oralmente, mesmo por poucos
instantes, como aconteceu com K. (5m) que, por conseguir segurar o ovinho nas
mãos, levá-lo à boca, sugando-o por todo o tempo. Colocar na boca tudo que vem à
mão é um dos primeiros comportamentos esperados em bebês com idade próxima à
de A., quando em contato com algum objeto desconhecido. Trata-se de uma forma
de exploração.
Para amparar tais análises recorremos a Wallon, que se reporta aos
estudos de W.Stern para elucidar a questão do conhecimento das coisas pelo bebê:
“[...] é à boca que o bebê leva todos os objetos, não para comer, mas por ser o único
local do corpo em que concordância exata dos movimentos e das sensações
exigidas desde o nascimento pela sucção [...]” (WALLON, 2005, p.159).
A., no entanto, além de não se utilizar da exploração oral, movimentou
seu instrumento de maneira mais coordenada e próxima da real função do objeto,
reproduzindo os gestos em uma típica atividade circular, diferentemente dos
movimentos de Al. (4m) que, ainda, se apresentam difusos e repetitivos, com intensa
agitação de braços e pernas, punho cerrado característicos da idade. Al. não
consegue manter o ovinho na mão por longo tempo, a todo momento, deixa-o cair.
Segundo Wallon (2005), somente mais tarde conseguirá estender a mão aberta para
alcançar o objeto, e apreendê-lo efetivamente.
Pode se dizer que além da maturação fisiológica desenvolvida com a
idade e do contato anterior com atividades musicais semelhantes, A. teve maior
facilidade, porque descobriu na ação com o objeto, os movimentos de sacudir,
transforma, então, a exploração inicial característica em movimentos mais
coordenados, apresentando vestígios de intencionalidade. “O instrumento é
instrumento na medida em que é descoberto, e é descoberto na medida em que
está dinamicamente integrado na ação” (WALLON, 2005, p.168).
Além de diferenciada exploração sonora dos instrumentos, A. mostra
outro comportamento singular: permanece durante a atividade com intenso olhar e
atenção voltados para a pesquisadora, até mesmo quando estende os bracinhos,
pedindo os ovinhos que ela toca. A ação da pesquisadora de sacudir o ovinho
parece exercer certa influência, incentivando-o em suas ações. “A criança imita
as pessoas que exercem sobre ela uma profunda atração ou as ações que a
cativaram” (WALLON, 2005, p. 163).
Cena 3
Atividade: Música Cantada “Bochecha”
Movimento Observado: Gestual
.
Ilustração 4 – Bebês da Cena 3
Esta cena tem a presença de 6 crianças com idade entre 16 e 23 meses.
Neste encontro não compareceu nem a professora nem a agente
educativa. A atividade começa com o seguinte quadro: a pesquisadora
canta a música da Bochecha com H. no colo. Três crianças observam os
gestos que ela faz. P. H., no canto da sala, mexe em uma floreira vazia
debaixo da mesa, e C.M., criança que seobservada, olha para o colega
mexendo na floreira. A pesquisadora, então, se levanta sem interromper a
música e intervém na ação de P.H., convidando-o para ficar no meio da
sala. Ainda cantando, faz com os dedos indicadores, gestos de apertar as
N. Bebês Idade (meses)
1. A.J. 19m
2. C. M. 19m
3. E. 23m
4. H. 16m
5. I. 20m
6. P. H. 19m
bochechas das crianças, que olham atentas para ela. Enquanto isso H.
recomeça a chorar querendo o colo da pesquisadora.
A seguir, esta convida os bebês para novamente cantarem e recomeça a
música. Agora, C. M., de joelhos como a pesquisadora, faz toda a
seqüência de gestos e sons da música: coloca as mãozinhas na cabeça
como se estivesse olhando “para cá” e “para lá”, aperta as bochechas com
os dedinhos indicadores e faz “Prrr” “Prrr” sonoramente, ao mesmo tempo
em que movimenta o corpo para cima e para baixo.
Mais no final, I. ensaia o movimento com os dedinhos na bochecha. Os
demais permanecem observando, atentamente, com exceção de P.H. que
se volta novamente para a floreira.
Antes de adentrarmos na análise dos movimentos e gestos surgidos na
cena, são necessárias algumas explicações.
Primeiramente, a cena que descrevemos em seguida foi registrada no
segundo encontro musical com as crianças. A música, também é cantada pela
segunda vez com este grupo. Um ponto importante a esclarecer é que entendemos
como gesto, aqui, não apenas como ação ou reflexo, mas como movimento capaz
de expressar algo, com significação especial. Assim, buscamos analisar
especificamente a manifestação gestual de C. M.
No momento inicial da atividade, C. M. demonstra estar aparentemente
alheio à música que está sendo cantada pela pesquisadora. A seguir, no momento
em que a pesquisadora repete a música, ele se coloca de frente, e realiza todos os
gestos que faziam parte da composição expressiva, com riqueza de detalhes e
aproximação rítmica e ainda acrescenta o movimento vertical de corpo. Parecia
conhecer os movimentos, acompanhando a pesquisadora de forma intencional e
coordenada.
Se segundo Wallon (2005, p. 163), “[...] não existe imitação enquanto não
houver percepção [...]”, e se “[...] o aparelho motor torna-se capaz de repercutir
impressões sonoras ou visuais de qualquer origem, desde que lhe sejam familiares”,
podemos entender o movimento de C.M. como atividade mental advindo de
percepções musicais e visuais anteriores. O fato de ele não ter sequer olhado para a
pesquisadora no momento da primeira apresentação da música faz-nos inferir que
sua habilidade motora e rítmica coerente com a música, teve origem no encontro
anterior, quando ficou somente como observador atento.
Quanto ao aspecto rítmico, objetivo principal desta atividade,
apreendemos alguns fragmentos rítmicos nas ações de C. M. Observamos que o
seu tempo para realizar a atividade foi diferente do tempo gasto pela pesquisadora,
entretanto apresentou coerência rítmica interna na sua ação individual.
Os estudos de Fraisse (1976) nos indicam que a conquista rítmica é
gradativa e processual e, para que se obtenha uma sincronização rítmica, é
necessário ter antecipação mental do ritmo, a fim de prever em que momento o
golpe vai acontecer, bem como, considerar o intervalo de tempo entre gestos
sucessivos. Isso para as crianças pequenas, principalmente para os bebês, se torna
impróprio, não deve, pois ser exigido. As propostas para estas idades, tanto das
atividades gestuais, quanto das de exploração de instrumentos com estrutura
predominantemente rítmica, devem ser claras. A intenção neste momento, não é o
bebê alcançar a precisão rítmica ao se movimentar ou ao tocar um chocalho, mas,
sim, que esse ritmo seja alimento para as percepções, atuando como referência
auditiva em expressões e criações, que “a música cria uma indução motora, cuja
expressão corporal rítmica é quase irresistível(FRAISSE, 1976, p.59, apud BEYER,
2004).
No tocante à vivência em foco, cabe acrescentar que a ausência das
professoras e da agente educativa exerceu influência evidente na participação das
crianças, que não representam somente apoio às atividades ou ajuda às crianças.
Simboliza o vínculo afetivo, inclusive cultural, capaz de despertar a motivação
necessária para aprendizagem, justamente por ser elo significativo, além da família,
com a qual a criança convive por um período relativamente extenso do seu dia. Além
deste aspecto, também a inter-relação entre as atividades diárias do bebê, em
que a professora sabendo o repertório cantado nas atividades musicais, terá
condições de integrá-lo a outras vivências do bebê, seja no banho, no momento de
relaxar para dormir ou mesmo no momento das atividades pedagógicas específicas.
Ressaltamos, assim, que cantar e dançar com os bebês, fora dos momentos de
atividades de música, especificamente planejados, reforça o ‘conteúdo musical’,
possibilitando o reviver da atividade, bem como a integração das canções no
repertório vivo e cativo da escola.
A participação das professoras e agentes educativas, portanto, é por nós
considerada, como indispensável ao processo da aprendizagem dos bebês.
Cena 4
Atividade: Dança “Corujinha
31
Movimento Observado: Criativo
N. Bebês Idade (meses)
1. A.J. 19m
2. C. M. 19m
3. E. 23m
4. H. 16m
5. I. 20m
6. L. 19m
7. M. E. 18m
8. P. G. 19m
Ilustração 5 – Bebês da Cena 4
Esta cena se inicia com as crianças sentadas no chão com seus lenços
coloridos, ao final da atividade do Plóc Palhacinho. A pesquisadora então,
convida: –“Vamos dançar?”
No princípio, as crianças continuam sentadas, envolvidas com seus lenços
coloridos. Pouco a pouco vão se levantando, algumas sozinhas, outras
com o incentivo e ajuda da professora e da pesquisadora.
A música da Corujinha começa e A.J. é a primeira a mexer o corpo
aleatoriamente, dançando a música, depois E. acompanha a colega. C.M.
balança o lenço algumas vezes, cobre o seu rosto com ele, ainda
relembrando a atividade anterior, no qual o palhacinho esconde o rosto.
31
Música: “A Corujinha” CD Estica e Dobra - Grupo Curupaco
Observam a professora que dança e a pesquisadora também. Aos poucos
começam a balançar o lenço com movimentos mais autônomos de rodar e
de pular, sem olhar tanto para a professora ou para a pesquisadora.
Quando a pesquisadora interrompe a música, alguns olham para ela, mas
é A.J. que sorri olhando para a professora, movimenta seu corpo e
resmunga alguns sons, balançando seu lenço, parecendo querer que a
música volte. A pesquisadora então continuidade à música, e E. inicia
então uma seqüência de passos espontâneos, olhando para a câmera de
filmagem: balança os ombros, vira os bracinhos e mãozinhas, pulinhos
sempre girando o corpinho pra e pra cá. H., que está um pouca mais
atrás, também faz movimentos pendulares com as pernas, balançando o
lenço para e para lá. Sem parar este movimento, tenta colocar o lenço
no pescoço, esticando o braço para mantê-lo nesta posição. Logo elas
percebem que a pesquisadora está de mãos dadas com A.J. e também
querem dançar de mãos dadas com ela. A pesquisadora pára novamente
a música. Todos se voltam para a sua direção e E. abre as mãozinhas
como se dissesse: “Cadê?”
A música é reiniciada, e E. recomeça a pular... Dança sozinha e de mãos
dadas com a pesquisadora. Ao final da atividade quando a música
termina, ela sorri fazendo o mesmo gesto anterior com as mãozinhas e
corre e se senta no chão com a H., que também foi se sentar, quando a
pesquisadora disse: “Acabou a nossa música...”
dois aspectos nesta cena que abordaremos. O primeiro trata dos
movimentos criativos que aparecem na dança de E. e H.. O segundo aspecto será
discutido na próxima análise.
Conforme mencionamos no capítulo 2, segundo Stokoe (1987), a
expressão corporal passa por momentos sucessivos e integrados entre si, que são a
pesquisa, a expressão, a criação e a comunicação.
Na atividade musical em análise, percebemos que E. e H., confirmam
esse postulado de Stokoe. Por meio da percepção auditiva e das sensações que o
contexto musical causava, os bebês passaram a exteriorizar corporalmente essas
sensações, emoções e pensamentos, mediante ações significativas, utilizando-se de
esquemas motores conquistados. O momento da criação pode ser identificado
com aquele em que escolhem e selecionam ações diferentes do grupo para aquele
momento específico, talvez até recorrendo a novos esquemas. A qualidade musical
destas ações se deve à idéia musical “ouvida” e significativamente percebida no
contexto dos movimentos presentes.
Desta forma, podemos afirmar que E. e H. desenvolveram estas ações
diante do estímulo sonoro Música Corujinha –, estabelecendo uma relação criativa
entre o que percebiam auditivamente e movimentos voluntários. Assim,
transformaram o caráter meramente funcional desses atos, em formas organizadas
e rítmicas de movimentação, resultando em uma dança individual com um fim
expressivo e comunicativo.
Nesse processo a intervenção da pesquisadora e da professora foi
mínima, em alguns momentos nem existiu. A criança agiu conforme seu próprio
pensamento, valendo-se de elementos de “uma interiorização dos processos
estimulativos do aprendizado, e de uma necessidade espontânea [...]” (STOKOE,
1987, p. 22).
Nesse sentido, podemos afirmar que quando as crianças se movimentam
mediante a audição musical, tomam consciência corporal da estrutura desta música,
fazendo e sentindo o ritmo pela recriação motora, intitulada dança. Segundo
Dalcroze (1912), a expressão por meio de movimentos rítmico-corporais contribui
efetivamente para o desenvolvimento da musicalidade.
Cena 5
Atividade: Dança “Corujinha”
Movimento Observado: Decorrente
N. Bebês Idade (meses)
1. A.J. 19m
2. C. M. 19m
3. E. 23m
4. H. 16m
5. I. 20m
6. L. 19m
7. M. E. 18m
8. P. G. 19m
Ilustração 6 – Bebês da Cena 5
Esta cena foi anteriormente descrita.
Quanto ao critério de análise desta cena, denominaremos de movimentos
decorrentes. São os movimentos que foram originados da interrupção da música. No
primeiro instante em que a música foi suspensa, os olhares de todas as crianças,
voltados para a pesquisadora, pareciam questionar ou tentar entender onde estaria
a música que eles ouviam. Quando a música cessa pela segunda vez, E. ao abrir as
mãozinhas, nos comunica por meio do seu gesto intencional que a música acabou e
ao final da atividade, repete o mesmo movimento.
A correlação imediata entre som e movimento ou entre silêncio e não-
movimento poderia a princípio ser atribuída somente à função auditiva da criança, se
os movimentos não fossem considerados como portadores de informações e
significados. Perceber o silêncio e conferir conseqüentemente intenção ao gesto
com a mãozinha, em dois momentos consecutivos, são ações carregadas de
atividade mental, da mesma maneira como a dança se produz espontaneamente em
presença de música.
Wallon (2005) nos ensina que somente com a exata relação entre as
impressões correspondentes e as contrações musculares, o movimento pode entrar
na vida psíquica, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da criança (WALLON,
2005).
Dessa forma, a repetição do efeito de um gesto das crianças se tornou
possível porque houve uma organização mental da atividade do campo auditivo e a
dos movimentos voluntários, existindo um acordo entre a percepção e a situação
correspondente.
Entendemos assim que no caso em análise, a interrupção da música não
se restringiu apenas a uma impressão sensorial especificamente auditiva, mas
também incorporou uma percepção sonoro-musical saturada de elementos
significativos e propiciadores do movimento.
Cena 6
Atividade: Exploração Instrumental ”Mozart
32
Movimento Observado: Exploratório
N. Bebês Idade (meses)
1. A. 10m
2. G. 6m
3. L. 9m
4. M. L. 10m
5. R. 6m
Ilustração 7 – Bebês da Cena 6
Os bebês participantes desta cena pertencem ao agrupamento. Tem
suas idades entre 6 e 10 meses.
Para começar a atividade de exploração sonora livre, a pesquisadora
balança uma caixa no ar, senta-se e vai tirando alguns instrumentos
musicais como chocalhos, ovos de metal e caxixis.
Quando a pesquisadora faz barulhos sacudindo a caixa de instrumentos,
G. faz movimentos de pedalar com as pernas e balança os braços,
batendo-os no corpinho. Ao se aproximar para colocar os objetos no chão,
G. estende os bracinhos para alcançar a caixa, e com movimentos laterais
da cabeça acompanha o movimento de ir e vir da mão da pesquisadora
que tira os instrumentos da caixa e os põe no chão. Estende novamente a
mãozinha para pegar o ovinho oferecido pela pesquisadora, olha-o
rapidamente e coloca-o na boca. Depois o desloca com o braço estendido
no ar, mantém os olhos no seu próprio movimento, acompanhando a nova
posição. A exploração continua com o sugar e sacudir,
descoordenadamente, o ovinho.
À medida que a pesquisadora vai os colocando no chão, os bebês
maiores, com olhares curiosos e atentos, acompanham o movimento da
32
Música: W. A. Mozart - Pequena Serenata Noturna
pesquisadora. Alguns se inclinam com rapidez, a fim de obter o objeto
sonoro, outros permanecem observando o movimento tanto da
pesquisadora quanto dos colegas como também fita o próprio objeto que
deseja tocar. Todos conseguem pegar os instrumentos, alguns com mais
facilidade nos movimentos de agarrar, outros com movimentos imprecisos.
De posse do instrumento, exploram-no de diversas formas: olham sua
aparência, viram para baixo, mexem para o lado, sacodem para cima e
para baixo, colocam na boca, batem no chão e trocam por outros.
Um momento interessante desta exploração livre é quando a
pesquisadora brinca de balançar o ovinho com G.
G. ainda está deitado, tentando pegar um ovinho que caiu atrás de sua
cabeça. A pesquisadora então balança no ar um ovinho de chocalho, a
uma altura confortável para a sua visão. G., com o olhar fixo no objeto, faz
movimentos de chutar com as pernas e sacode os bracinhos
alternadamente, mexendo-se por inteiro, durante todo intervalo em que a
pesquisadora move o instrumento. Assim que esta pára de chacoalhar o
objeto, ficando com a mão estática, segurando o ovinho no ar, G. também
cessa os seus movimentos e estende o bracinho para alcançar o objeto.
Novamente a pesquisadora se põe a agitar intensamente o instrumento e
depois pára. Novamente G. movimenta pernas e braços e seguidamente
repete a intenção de segurar o objeto. Este diálogo continua por mais
algumas vezes até que a pesquisadora cede o ovinho, deixando-o pegá-
lo.
Os bebês continuaram a exploração livre ainda por longo tempo,
passando para a atividade subseqüente, assim que se iniciou a música.
O movimento aqui analisado é o Exploratório.
Na vivência musical, a atividade de exploração livre é por nós
considerada o momento de maior autonomia do bebê, pois suas ações são regidas
essencialmente pela própria vontade, considerando certamente as possibilidades
motoras inerentes ao seu desenvolvimento.
Os movimentos exploratórios determinam o primeiro contato dos bebês
com o instrumento ou objeto sonoro. Ações, como agarrar, sacudir, mexer, sugar,
bater no chão, trocar por outro, observar as características, são neste momento
essencialmente exploratórias.
No caso de instrumentos musicais, entretanto, a natureza desta relação
com o objeto, não está vinculada somente ao próprio desenvolvimento do bebê, ou
às suas características individuais. Segundo Wallon (2005), “a sua maneira de os
manejar (objetos) comporta graus que não dependem unicamente da sua falta de
habilidade ou de experiência motora.” (WALLON, 2005, p.165).
Para o autor, as primeiras relações do bebê com os objetos estão muito
mais voltadas para uma oportunidade de movimento do que para uma compreensão
da sua estrutura e utilização real. Assim, a princípio, o objeto não é mais do que um
elemento sensório-motor que compõe as atividades circulares dos bebês. Estas
atividades são aquelas cujo efeito sonoro como sacudir o chocalho, leva à repetição
da ação – sacudir em busca, novamente, do efeito sonoro.
Dessa forma, em um primeiro momento, os movimentos do bebê estão na
base da exploração e da repetição do efeito causado pela ação. Assim, agarrar,
soltar, sugar, agitar para repetir o som produzido anteriormente são as principais
ações sensório-motoras do bebê.
Em seguida, começa o processo de diferenciação de objetos, em que o
efeito que ocasiona em um objeto não pode ocasionar em todos. A sua ação, neste
período então, passa a ser discriminatória, tratando cada objeto segundo as
descobertas das suas qualidades de movimento.
Somente depois, surge a exploração do próprio objeto, em que perceber
sua estrutura e seu significado se torna a principal ação da criança. Segundo
Wallon,
Descobrir e manejar uma estrutura pressupõe a aptidão para compreender
e utilizar as relações que devem ter como substracto duradoiro o poder de
imaginar cada posição como fixa enquanto um movimento não a tiver
modificado [...] (WALLON, 2005, p. 167).
Assim podemos afirmar que os bebês da cena em análise estão em
momentos diferentes do processo de exploração do objeto, não pela diferença de
idade, mas, sobretudo, pelas experiências vividas e aprendizagens adquiridas.
Até este momento, analisamos somente a atuação motora do bebê, sem
conceber o contexto em que sucedem esses movimentos.
Os movimentos musculares ou a exploração livre do objeto como
aprendizagens foram aparentemente constatados em nossa pesquisa. que
considerar, todavia, as circunstâncias dessas ações e como ocorreram na atividade
em foco. O elemento que diferencia o ambiente e qualifica as ações é, certamente, o
elemento sonoro-musical.
Nos estudos sobre a relação música e movimento, diversos autores como
DALCROZE, 1919; WILLEMS, 1969; HARGREAVES, 1989; BEYER, 2004; apontam
para a grande influência que a sica exerce no movimento, que é também
considerado fundamental para desenvolver a capacidade auditiva rumo à
musicalidade.
Na cena em análise, G. é um dos únicos bebês de seis meses desta
cena, e o único neste agrupamento que ainda participa deitado nas atividades. No
início da pesquisa, permanecia praticamente imóvel na cadeirinha de bebê, durante
todo o encontro, movendo sutilmente os olhos sem virar a cabeça e discretamente a
mãozinha quando lhe era oferecido algum objeto.
Nesta filmagem, podemos observar que, mesmo deitado, a mobilidade do
seu corpo é intensa e altamente ligada ao aspecto sonoro-visual. Nesta atividade
específica, observamos maior atividade muscular em suas pernas e seus braços,
quando ouviu os sons dos instrumentos dentro da caixa que a pesquisadora
sacudia. Quando a pesquisadora brincava de sacudir o ovinho, suas ações foram
correlacionadas com os movimentos sonoros produzidos, o que vem ao encontro da
seguinte afirmação: “A adaptação progressiva do bebê dá-se durante a atividade, de
modo que não poderíamos considerar como ‘puro’ reflexo motor, uma vez que o
acréscimo de um elemento externo (a audição, o movimento da dança...)” (BEYER,
2004, p. 3).
Não podemos afirmar que os movimentos de G. foram essencialmente
originados da atividade musical, mas certamente foram por ela desencadeados e
vivenciados com maior intensidade.
Outro aspecto significativo em nosso estudo é em relação à
pesquisadora. Os olhares dos bebês durante a atividade se voltam inteiramente para
ela. Observam atentamente seus movimentos, cada vez com mais proximidade e
segurança e, algumas vezes, prescindindo a presença da professora ou agente.
A música desta atividade, mesmo não sendo descrita nesta cena, é a
conhecida Serenata do compositor Mozart. O estilo erudito é trazido
intencionalmente às atividades, não por se tratar de uma “música clássica” e por
isto, considerada mais importante e melhor, mas justamente por não ser um estilo de
habitual costume auditivo, portanto pouco conhecido. Assim como foram utilizados
repertórios populares, folclóricos e diversas canções, o repertório erudito também
teve seu lugar na composição estética destes bebês, possibilitando a vivência de
diferentes culturas musicais.
Cena 7
Atividade: Música Cantada “Brincando
33
Movimento Predominante: Postural
N. Bebês Idade (meses)
1. A. J. 21m
2. C. M. 21m
3. E. 21m
4. Ev. 25m
5. H. 18m
6. I. 21m
7. K. 25m
8. L. 20m
9. M. E. 19m
10. M. 26m
11. P.G. 18m
12. P. H. 21m
13. R. 15m
Ilustração 8 – Bebês da Cena 7
Participam desta cena 13 bebês com idades entre 15 e 26 meses, a
professora e as duas agentes educativas responsáveis pelo agrupamento.
A cena tem seu início quando a pesquisadora, com o fantoche de um pato
na mão, começa a cantar a música “Brincando”, como se fosse o pato.
Todas as crianças param, imediatamente quando ela começa a cantar, e a
33
Anexo D
olham atentamente. P.H.(21m) se mexe, mudando de posição,
conservando, porém, a atenção na pesquisadora. M.(26m) sorri, e mesmo
com P.H. meio inquieto, todas as crianças observam curiosas os
movimentos do pato. Quando a pesquisadora canta “... uma bochecha
assim...” e faz o gesto com o dedo indicador na bochecha, A.J. (21m) vira-
se para o lado e põe, imediatamente, o dedinho na bochecha.
Quando a pesquisadora aproxima o fantoche das crianças, C.M. (21m) e
A.J. (21m) estendem o bracinho para pegar nele.
Todos permanecem estáticos, com os olhares fixos na apresentação do
Pato e somente quando a música termina e a pesquisadora diz: “Nossa,
como este pato canta bonito! Palmas pra ele...”, é que algumas crianças
se movimentam, batendo palmas junto com a professora, as agentes e a
pesquisadora.
Esta cena nos mostra com clareza o movimento postural. De referência
walloniana, o termo postural refere-se à posição tônica do corpo, em que intensa
atividade mental.
A cena mostra a “contemplação” em que se encontram os bebês nesta
atividade. O Pato (fantoche) ao “cantar” produziu um efeito quase hipnótico nos
bebês, que se mantêm atentos e contêm qualquer movimento. Essa concentração
foi mantida mesmo quando P.H. (21m) se mexeu, querendo ficar mais próximo do
espetáculo ou mesmo quando M. (26m) sorriu, ao ver o Pato cantar.
Notamos também que, quando a pesquisadora canta, fazendo
movimentos na bochecha, A.J. (21m), que a então estava totalmente extasiada
com a cena, reproduziu com exatidão o gesto da pesquisadora.
Aqui se apresentaram os dois momentos sugeridos por Wallon (2005). O
primeiro foi o momento da absorção, em que os bebês pareciam “beber a impressão
externa”, assimilando intuitivamente os elementos exteriores. Ao que Wallon
acrescenta: “É como que uma alienação passageira de si mesma, para se apropriar
de realidades que até então lhe eram estranhas” (WALLON, 2005, p. 118).
O segundo momento, de igual importância, foi a realização de A.J., em
uma execução controlada, de gestos coordenados e necessários ao movimento na
bochecha, em atividade imitativa. Na imitação, um movimento ou gesto sugerido
pelo ambiente pode, muitas vezes, não se concluir em um ato do bebê, consistindo
apenas em estímulos e acomodações sensoriais, como aconteceu com a maioria
deste grupo. Quando o estímulo, todavia, serve de modelo a outras ações, o tempo
para que a imitação ocorra pode variar de acordo com os elementos e esquemas
pré-existentes na criança.
Dessa forma, o fato de A.J. realizar o gesto na bochecha, em tempo
quase preciso, pode significar que na nova realização foram utilizados atos
familiares, em que “a coordenação dos impulsos ou dos gestos necessários
pressupõe a intenção prévia da sua estrutura essencial” (WALLON, 2005, p.121).
Isso não quer dizer, contudo que a imitação se somente no instante e
que aconteça a impressão perceptiva. O tempo entre a impregnação e a reprodução
pode ser variado, a reprodução gestual pode acontecer minutos, dias ou semanas.
Quanto mais longo for o período de elaboração mental, maior valorização desta
aprendizagem, que é construída entre as percepções e o novo movimento.
Assim, concluímos com Wallon, que “tudo demonstra, com efeito, que a
atenção prestada pela criança aos objetos ou aos espetáculos que a interessam,
não só não é passiva, mas até não se perde, por mais tempo que demore a produzir
efeitos” (WALLON, 1979, p. 152).
Cena 8
Atividade: Bandinha “Marinheiro Só”
Movimento Observado: Exploratório
Ilustração 9 – Bebês da Cena 8
34
Os bebês que participam deste momento musical pertencem ao
agrupamento. Suas idades variam de 7 a 15 meses.
Esta cena se inicia com as crianças sentadas no colchonete do próprio
agrupamento e com a pesquisadora que coloca os instrumentos musicais
no chão ao alcance dos bebês.
R. pega o chocalho ainda na mão da pesquisadora e o sacode
imediatamente. L., J.C. e G. também os sacodem intensamente, assim
que os pegam no chão. Às vezes, o chocalho vai rapidamente para a
boca, voltando logo a ser agitado. R., J. C. e L. sacodem as duas mãos,
mesmo o chocalho estando só em uma.
Alguns gritinhos se fazem ouvir junto à movimentação com chocalhos,
bem como alguns movimentos corporais como o do L., que, de joelhos,
sobe e desce seu corpo, e do J. C., que balança a cabeça girando o
pescoço para o lado, ao agitar o chocalho.
34
Embora apresentando grande diferença entre as idades, estes bebês são pertencentes ao mesmo agrupamento
desde o início da pesquisa. (Ver Apêndice D)
N. Bebês Idade (meses)
1. A. 11m
2. A. B. 7m
3. G. 14m
4. J. C. 13m
5. K. 7m
6. L. 10m
7. M. L. 10m
8. R. 14m
9. V. H. 15m
Todos exploram os instrumentos espontaneamente, sem interferência da
pesquisadora e ainda sem música.
A música começa. Alguns param os movimentos com o chocalho e
observam a pesquisadora, que também toca um instrumento. J. C.
estende os braços para pegá-lo, mas retorna os movimentos com o seu
chocalho, com intensidade. Depois se levanta, balança o corpo, dançando
e se volta para a pesquisadora, que começa a tocar o pandeiro.
Segurando o pandeiro com uma mãozinha, bate o chocalho no pandeiro
com a outra, tocando juntamente com a pesquisadora. Os outros bebês
participam balançando os chocalhos, os braços e o corpo, e alguns ficam
somente observando o movimento de todos. G. balança os chocalhos e
faz movimentos alternados de esticar e encolher as pernas rapidamente.
Todos param de tocar quando a pesquisadora introduz um instrumento
diferente, o ganzá, causando curiosidade principalmente em J.C.
A música acaba e a professora bate palmas e pesquisadora diz: “Que
linda esta música!”, inicia uma série de comentários sobre a música que
eles tocaram e sobre os instrumentos.
A pesquisadora coloca mais alguns instrumentos no tapete e propõe
tocarem mais uma vez.
A música, então, recomeça, e desta vez, os bebês tocam instrumentos
diferentes, tanto da pesquisadora como entre si. M. L. chora, porque quer
o pandeiro que o R. tirou dela, e a pesquisadora interfere, oferecendo-lhe
outro instrumento. Não resolvendo a questão, sai dançando com R. em
busca de outro instrumento.
J. C. se levanta e pulinhos no lugar, seguido de balanço no corpo. L..
que está sentado, também balança a cabeça, flexionando-a levemente
para baixo.
Todos estão envolvidos na atividade, uns sacodem chocalhos, outros
batem no pandeiro e exploram os tambores. Uma das professoras
participa ativamente, até mesmo cantando.
Neste momento, J. C., em pé, vai direto ao aparelho de som, que está
dentro de um dos berços. Encosta-se nele e fica olhando a música ser
interrompida. A pesquisadora interfere, trazendo-o para mais próximo do
meio da sala, e ambos dançam tocando tambor e ganzá. A pesquisadora
interrompe intencionalmente a música, e a professora diz ”Cabô?”
Algumas crianças olham sem muito interesse e se voltam para suas
explorações. A música é retornada, a pesquisadora se aproxima das
crianças tocando tambor, e todos voltam a tocar até que, finalmente, a
música termina.
A atividade desta cena foi realizada no penúltimo encontro com os bebês.
Os aspectos mais relevantes por s aqui considerados são os que se referem à
autonomia e à interação dos bebês com os instrumentos, sintetizadas no Movimento
Exploratório.
Nas primeiras filmagens com estes bebês, o contato com os instrumentos
resumia-se em olhar, sugar e conhecer o formato do objeto sonoro, com poucas
intenções em sacudir ou bater, mesmo quando a música começava. Observavam,
por longo tempo, os movimentos da pesquisadora, quando esta tocava os chocalhos
ou mesmo o pandeiro, sem, contudo demonstrarem muita intenção em pegá-los.
O cenário que nos deparamos é neste momento bem diferente do início.
Agora, os movimentos aconteceram independentes da ação do adulto. Os bebês
pareciam agir com mais autonomia e intenção, sem observar tanto a ação da
pesquisadora ou da professora, com exceção dos olhares que seguiam a
pesquisadora pela sala. No início, a professora era a referência de participação para
a maioria dos bebês, influenciando sobremaneira as suas ações.
Nesta cena, percebemos que na exploração livre, sem música, desde o
primeiro instante, os bebês buscaram sacudir os chocalhos com alegria, como se
reconhecessem o objeto. Quando eram trazidos instrumentos diferentes, a
curiosidade sempre era maior que o receio, impulsionando-os a buscá-los, até
mesmo a “lutar” por eles. As formas eram diferenciadas ao se tocar o instrumento.
Cada um explorava o som como queria. Sacudiam um chocalho, sacudiam dois,
dançavam sozinhos, paravam para ficar observando os outros bebês ou mesmo a
pesquisadora, sem, no entanto dispersar-se.
Nos poucos momentos em que a pesquisadora participou tocando os
chocalhos, muitos deles olharam para ela num primeiro instante, tocando,
posteriormente, seus instrumentos por si mesmos.
A proposta desta atividade não é submeter o bebê a acompanhar o pulso
da música como única e ideal forma de realização musical, tampouco exigir que
compreendam este complexo sentido de tempo. Contudo, para que se incentive o
desenvolvimento das diversas percepções do bebê, é necessário o contato auditivo
com sicas métricas que, além de ser mais confortável para o bebê ocidental, age
como referência rítmica, atuando na organização temporal de uma construção
musical mais abrangente.
Dessa forma, o nosso olhar deve se concentrar no modo como os bebês
interagem com este mundo sonoro musical, sem nos deter em avaliar o certo ou o
errado ritmicamente. Cuidar para assegurar as condições necessárias que
possibilitem o perceber, o sentir, o experimentar, o imitar, o criar e o refletir é
fundamental no processo educativo musical.
Com relação ao repertório, esta sica com especial arranjo de Hélio
Ziskind, adapta-se muito bem aos bebês por conter, em seus elementos
composicionais, uma estrutura que valoriza o ritmo, o balanço corporal, permite o
uso de instrumentação percussiva variada, incentiva, assim, o movimento,
impulsionando a ação de tocar.
Enfim, não poderíamos deixar de ressaltar a ativa e contagiante
participação de uma das professoras junto às crianças, como fator primordial e
preponderante no transcurso da atividade musical. Esse envolvimento era
evidenciado não apenas ao tocar os chocalhos, mas também ao cantar o refrão
“Marinheiro Só”, sempre demonstrando sua alegria e interesse nas atividades
musicais.
Cena 9
Atividade: Música Cantada “Abre e Fecha”
Movimento Predominante: Gestual
N. Bebês Idade (meses)
1 A. 12m
2 A.L. 16m
3 G. 15m
4 I. 13m
5 K. 7m
6 L. 11m
7 Rf. 15m
8 Ra. 10m
9 Re. 5m
10 V.H. 15m
Ilustração 10 – Bebês da Cena 9
35
Participam desta cena 10 bebês com idades entre 5 e 16 meses e a
agente educativa responsável pelo agrupamento. Todos estão sentados
no colchonete do próprio agrupamento.
A cena tem início quando a pesquisadora começa a cantar a música “Abre
e Fecha”, fazendo movimentos de abrir e fechar a mão com uma luva
colorida. Todos os dez bebês olham atentamente os movimentos que a
pesquisadora faz enquanto canta. L. (11m) se apóia com a mãozinha na
perna da pesquisadora, para ficar mais próximo da luva colorida. Nesse
instante, alguém bate à porta, despertando a atenção da agente
educativa, de V.H. (15m) e de L. que olham para o lado demonstrando
aparente desconcentração. Os outros permanecem olhando para a
pesquisadora. Quando esta, que ainda continua a música, canta fazendo
os gestos: “... batam as palminhas...”, A.L. (16m) bate uma palminha e
pára olhando para a pesquisadora, e L., ainda olhando para o lado, bate
palmas no mesmo instante em que a pesquisadora o faz cantando. L. faz
este gesto sem, no entanto estar olhando para a pesquisadora. Depois L.
se vira, e continuam os gestos de bater palmas juntamente com a
pesquisadora.
35
Embora apresentando grande diferença entre as idades, estes bebês são pertencentes ao mesmo agrupamento
desde o início da pesquisa. (Ver Apêndice D)
Na seqüência, I. (13m) uma risadinha e bate três palmas. Quando a
pesquisadora levanta os braços e balança as mãos no alto, cantando “...
vejam as mãozinhas”, imediatamente G. (15m) levanta os bracinhos,
imitando os movimentos da pesquisadora. Em seguida, I. bate duas
palmas e levanta os bracinhos, ao mesmo tempo em que a pesquisadora
repete o trecho referente ao movimento, finalizando a música.
A pesquisadora pergunta: ”Cadê a mãozinha do neném?” K. (7m) bate
palminhas e I. também.
A pesquisadora reinicia a atividade com movimentos de abrir e fechar a
mão com a luva. I., L. e G. levantam o bracinho apontando para a luva,
querendo pegá-la. Ra. (10m) resmunga, parecendo estar com medo. A
pesquisadora, então, abaixa a mão com luva, aproxima-a dele e deixa que
as crianças peguem e explorem a luva colorida. Mesmo assim, Ra. ainda
fica receoso, então a pesquisadora continua a música sem a luva. Ra.
parece ficar mais tranqüilo, mas os outros procuram com os olhos pela
luva, principalmente L. e G., que a buscam atrás da pesquisadora.
A pesquisadora recomeça a cantar, todos olham atentamente para ela,
menos L., que insiste em procurar a luva. Quando canta “... batam as
palminhas...” Rf. (15m), que está no colo da agente educativa, bate
palmas e sorri. A pesquisadora canta “Abre e fecha...” e L., parecendo ter
desistido da luva, pára e fica olhando para a própria mão, abrindo e
fechando os dedinhos várias vezes, concentrando-se em seus
movimentos. Somente depois, procura novamente a luva que estava com
a pesquisadora.
Nesta análise, o movimento gestual do bebê é entendido como gesto
expressivo, capaz de comunicar emoções e percepções oriundas do ambiente. Com
esse olhar é que serão examinadas as atividades sensório-motoras, bem como as
repetições características da imitação.
Segundo Wallon (1975), no bebê, as atividades sensório-motoras,
advindas da subjetividade afetiva, têm como premissa estreitar o movimento e as
suas conseqüências sensíveis, ajustando os dados sensoriais para uma percepção
mais precisa e mais discriminativa dos movimentos no exercício das explorações
exteriores.
Essa atividade passa por níveis diferenciados, desde o princípio, quando
a mão é levada ao campo visual por um movimento casual, e é percebida e
explorada pelo bebê nas preensões. Chegando depois a exploração mais estrutural
até à diferenciação do movimento, em atividades mais combinadas das mãos, em
que uma tem a iniciativa e a outra lhe serve de auxílio.
A imitação também acontece em níveis diferentes. Primeiramente,
consiste na repetição imediata do próprio gesto, depois na repetição do movimento
externo. Em um nível mais elevado, a atividade da repetição pode permanecer
incubada, não acontecendo imediatamente, no tempo real. Isso nos revela, segundo
Wallon, a entrada da criança na esfera das representações mentais, deixando de ser
uma atividade exclusivamente sensório-motora (WALLON, 1975).
No começo da cena em estudo, a repetição é constatada imediatamente
quando A.L. (16m) bate uma palma assim que a pesquisadora canta o trecho “batam
as palminhas...” L. (11m) sem olhar para a pesquisadora, também bate palmas neste
mesmo trecho musical. Encaixam-se também, neste nível de repetição, o movimento
idêntico que G. (15m) faz, ao levantar os braços, diante do movimento da
pesquisadora.
Diferentemente de A.L. e G., L. não utiliza sua percepção visual neste
momento, para a realização do gesto, mesmo porque está com visão voltada para a
porta. Somente por meio da percepção auditiva, seleciona o gesto apropriado, ou
seja, bate palmas imediatamente ao ouvir o trecho musical citado. Esse modo de
repetir faz supor a representação mental deste movimento ativada pela música,
gesto já conhecido e tecnicamente dominado por L.
I., que também participa gestualmente, apresenta um nível mais elevado
de repetição, pois, no momento em que a pesquisadora canta “Vejam as
mãozinhas...” levantando as mãos ao alto, ela bate duas palmas e faz o movimento
de levantar as mãos para o alto. Por duas vezes, repete o gesto somente depois de
a pesquisadora fazê-lo. A repetição posterior de bater palmas demonstra que as
impressões percebidas foram elaboradas, constituindo um modelo íntimo, que é
mais tarde utilizado na expressão corporal, aproximando-se da representação
mental. “Quando um período de incubação precede a reprodução, a imitação
aproxima-se da representação [...]” (WALLON, 1979, p.161).
No final da vivência, percebem-se, na atividade de L. (11m), algumas
pistas da dissociação das mãos, quando as examina atentamente, em movimentos
de abrir e fechar, com base no modelo gestual da pesquisadora.
O fato de ‘brincar’ com as mãos não revela, em si, imitação, se não forem
considerados o contexto e a atividade em que ocorreu o movimento. Neste caso, o
movimento de L. acontece imediatamente após a pesquisadora cantar “Abre e
fecha...”, em que ele abre e fecha as os em movimentos alternados, olhando
curiosamente para elas. O movimento de “querer” abrir e fechar denota intenção, e o
fato de conseguir o feito, mesmo sem exatidão temporal, demonstra o controle do
movimento e da musculatura.
É significativo também destacar que, enquanto alguns bebês se
movimentam incentivados pelo texto musical, os outros permanecem atentos ao
espetáculo das os da pesquisadora, ativados pela conjunção música/ gesto, em
seus movimentos posturais, em construção individual da relação entre a percepção
e o movimento. “Sem esta relação inicial da percepção com o movimento, por
intermédio da função tônica ou postural, a passagem das impressões visual ou
auditiva para os gestos correspondentes seria inexplicável” (WALLON, 1979, 153).
Outro aspecto relevante é o da relação dos bebês com a pesquisadora.
Os bebês acompanham o movimento da luva usada na atividade com os olhos fixos
nela, por quase todo o tempo. A atenção e os sorrisos de satisfação dos bebês
refletem a aceitação e admiração à pesquisadora, e com maior independência da
professora e da agente educativa, que, mesmo não se envolvendo integralmente da
atividade, não comprometeram a qualidade da participação dos bebês, como no
início dos encontros.
Finalmente, destacamos o grau de influência desta música nos
movimentos apresentados pelas crianças. Acreditamos que a construção textual
tenha contribuído com o desencadeamento dos gestos dos bebês. A proximidade do
texto com os esquemas motores que envolvem a mão, tema central desta música,
exercitados pela maioria dos bebês, pode ter influenciado a participação deles. Para
alguns bebês, a música atuou como elemento ativador das expressões gestuais, e
para outros, como alimento das percepções rumo ao movimento.
Cena 10
Atividade: Música para tocar: “Sopa
36
36
Música: Sopa - CD Canções de Brincar - Palavra Cantada
Movimento Predominante: Criativo
N. Bebês Idade (meses)
1 A.J. 22m
2 C. A. N. 28m
3 C. M. 22m
4 E. 22m
5 Ev. 26m
6 H. 19m
7 K. 26m
8 L. 28m
9 M. 27m
10 P. H. 22m
11 R. 16m
12 W. 17m
Ilustração 11 – Bebês da Cena 10
Esta cena conta com a participação de 12 bebês com idade entre 16 a 28,
mais a agente educativa As crianças estão sentadas no tapete, no próprio
agrupamento.
A pesquisadora coloca os instrumentos de bandinha (tambores, ganzás,
pandeiros, guizos e chocalhos) no chão, para que as crianças possam
explorá-los antes de iniciar a música. Todos tocam, trocam e sacodem os
instrumentos com euforia.
A música da “Sopa“ começa, e todos continuam tocando os instrumentos.
Alguns param para olhar a pesquisadora, mas depois voltam a tocá-los.
P.H.(22m) pega todos os instrumentos que estava tocando, levanta-se e
senta-se de frente da pesquisadora. Pega o caxixi que está com C.M
(22m), e continua tocando-o com olhar atento à pesquisadora. A fim de
evitar que C.M. se aborreça, a pesquisadora entrega-lhe outro caxixi.
A.J. (22m) sacode os chocalhos e balança o corpo, dançando. No refrão
da música que diz: “É um, é dois, é três!”, ouve-se todas as vezes P.H.
cantando: “Têis”.
K. (26m) fica somente observando, mexendo levemente com a lixa, que
está em suas mãos. M.(27m), E.(22m) e C.A.(28m) compartilham o
mesmo espaço, batendo seus chocalhos nos mesmos tambores e
pandeiros.
A pesquisadora interrompe a música, já ouvida pela segunda vez e propõe
que eles guardem os instrumentos. Todos colaboram guardando
rapidamente os instrumentos, com exceção de P.H.(22m) que corre pela
sala com as mãozinhas cheias de chocalhos. Com o incentivo da agente
educativa, P.H. os devolve para a pesquisadora.
Neste momento, acontece algo inesperado pela pesquisadora: a música
volta a ser tocada novamente, quando uma das crianças aperta o botão
“Play” do aparelho de som que está no chão. Quando ela olha em direção
ao aparelho de som, estão ao seu redor, primeiramente três crianças
dançando: P.H.(22m), M.(27m) e E. (22m), e depois se aproximam outras
crianças, que também dançam. Os três dançam e batem palmas,
alegremente olhando para o aparelho de som.
Além de dançarem ao redor do aparelho que estava no chão, eles
cantavam: “É teis...” três), “acaré...” (jacaré) “iolho...“ (piolho), “ulé”
(chulé). Ouve-se até um: “É cato!” que nem existia no texto original.
Quando ouvem o refrão: É um, é dois, é três!” uns balançam os braços
sacudindo as mãos, outros batem palmas, acompanhando o texto,
cantando antecipadamente “é teis”.
A pesquisadora juntou-se a eles batendo palmas e dançaram até a música
parar...
O principal enfoque, nesta cena, são os Movimentos Criativos. Eles
aparecem em toda a atividade, mas é no final que se revelam com precisão,
apresentando-se de maneira inusitada e informal. A atividade criadora se distingue
pela liberdade nos movimentos expressivos e pelas atitudes inovadoras, podendo
provocar mudanças no meio em que ocorrem.
Na atividade exploratória do início, percebemos que os bebês produziram
movimentos sonoros com instrumentos variados, tendo liberdade em tocá-los,
explorá-los ou mesmo observar o movimento dos outros. A atividade planejada pela
pesquisadora se restringia, até então, à exploração sonora, em que as crianças
eram incentivadas a descobrir novos sons, formas de tocar e também acompanhar a
música da “Sopa”. Como, entretanto, pode-se observar na descrição acima, não foi
somente isso o que ocorreu.
Quando as três crianças apertaram a tecla play do aparelho de som,
fazendo que a música fosse tocada, identificamos, nesta ação coletiva, a princípio, a
manifestação expressiva da curiosidade regida pela intenção das crianças. Depois
com a música, tem lugar a liberdade dos movimentos em dançar e cantar, o
improviso de gestos e palavras, o que sinaliza a fluência criativa. Com efeito, a
música foi usada para dançar, diferentemente da proposta inicial da pesquisadora,
envolvendo todos com alegria.
Segundo Stokoe (1987, p. 21) a criação é a “[...] oportunidade de escolher
ou selecionar as ações que deseja realizar e desenvolver, a partir de uma idéia, de
um objeto ou estímulo sonoro [...]”.
Não podemos afirmar que as três crianças escolheram modificar a
proposta da atividade de forma consciente, contudo, diante da curiosidade em
conhecer o aparelho de som ou da busca por resgatar a música que estava sendo
tocada, improvisaram, agiram intencionalmente e aproveitaram com criatividade o
retorno da música, para dançar e cantar com satisfação e prazer.
Segundo Brito (2003, p. 153): “a improvisação musical das crianças no
estágio da educação infantil privilegia conteúdos sensório-motores e simbólicos,
revelando a relação expressiva que elas estabelecem com os diferentes sons e
músicas.”
A expressão vocal também é um dos aspectos marcantes desta cena.
Desde a atividade exploratória se ouviu um canto acompanhando a música, em
que P.H. canta “é teis”. Até então, acompanha literalmente a proposta do texto da
música. Na repetição da música, entretanto, transpondo para a dança, o canto
aparece de forma mais completa e integrada. Os bebês cantam finais de palavras, e
na seqüência musical que originalmente faz: “É um, é dois, é três!”, acrescentam por
conta própria o “é cato”.
A linguagem é o instrumento que vai elaborar a expressividade da criança
no mundo das imagens e dos símbolos [...] esse desdobramento implica o
nascimento e a formação da representação, conduzindo à expressão da
atividade mental (WALLON, 2000, p.35).
Além do surgimento do processo criativo na linguagem, o fato de se
expressarem vocalmente, demonstra confiança e liberdade da criança no ambiente,
condição significativa para a fala. Essa relação de confiança reflete-se também no
contato com a pesquisadora. P.H., por exemplo, sai do seu lugar na roda de
colegas, para tocar seus instrumentos de frente da pesquisadora; H. toca sentada
em seu colo, durante toda atividade, e, ainda, as manifestações de alegria e
admiração pela pesquisadora, que é neste último encontro, a referência afetiva das
crianças.
A interação entre as crianças e o próprio grupo também é percebida,
quando, no primeiro momento, M., E. e C.A. se reúnem para tocar juntos em um
mesmo espaço. Ainda, usam um mesmo pandeiro para percutir com o chocalho,
como também dançam e cantam juntos, no final.
Sobre o repertório, a “Sopa”, composta pelo grupo Palavra Cantada, tem,
em sua estrutura musical, a qualidade rítmica e a criatividade do texto, organizada
de forma clara e alegre. Em sua composição textual, um refrão que se repete por
toda a música nos intervalos dos versos, justamente o trecho de maior sucesso para
as crianças.
Além do prazer que essa sica desperta nas crianças, o que foi
constatado também em outras instituições
37
, ela trabalha com um padrão rítmico
diferente que se repete sempre no refrão, seguido de uma pausa: “É um, é dois, é
três (pausa/ sem som)”, e continua a música.
Observamos que, em alguns refrões, as crianças além de reconhecerem,
esperavam a sua chegada, fazendo movimentos com os braços ou buscando com
olhares a pesquisadora. Assim, quando estavam tocando seus instrumentos, e se
aproximava o trecho musical referente ao refrão, os bebês paravam de tocar e
olhavam para frente ou para a pesquisadora, em atitude de suspense.
Podemos afirmar que a estrutura musical, especialmente rítmica,
contribuiu para que as crianças identificassem este trecho, reconhecendo-o cada
vez que era repetido, demonstrando aprendizagem musical.
37
Escola de Música Privada e Instituição Filantrópica;
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pra onde ir?
Aonde embarcar?
Onde partir?
Onde sonhar?
Bom de curtir
É bom descansar
Bom de dormir
Bom de embalar
O Bondinho já vai
só pra levar você...
Canções de Ninar
Sandra Peres/ Luis Tatit
No desfecho deste estudo queremos resgatar os aspectos mais relevantes
dos movimentos dos bebês, as contribuições e as limitações observadas em todo o
trabalho musical realizado no CMEI.
O primeiro aspecto trata da participação e do envolvimento dos bebês com
as atividades. Desde os primeiros encontros, os bebês demonstraram intensa
curiosidade, estampada nos olhares atentos ao fenômeno musical, em plena
absorção perceptiva, mas não deram muitas pistas de movimentos. Com o
desenvolvimento das atividades musicais, entretanto, notamos que se mostravam
mais ativos e interativos com relação à música e aos instrumentos sonoro-musicais.
O aumento da movimentação das crianças foi visível no balanceio do corpo, na
intensa manipulação dos instrumentos, na experimentação e descobertas dos sons
produzidos por eles, satisfazendo suas necessidades básicas de brincar.
A brincadeira musical vivenciada de diferentes formas incentivou o bebê a
novas descobertas motoras, à produção e ampliação do repertório de movimentos
conquistados. Assim, tocar e ser tocado, ouvir e dançar diferentes ritmos foram
movimentos corporais desencadeados e materializados no bebê, em ambiente
musical.
Além do aumento das explorações motoras, percebemos, nas últimas
atividades, maior controle da musculatura. Os movimentos tornaram-se mais
voluntários e denotavam mais intenção. A agitação do chocalho, por exemplo, no
princípio mais exploratória, com o decorrer das atividades finais, acontecia de forma
mais integrada à condição da música, e muitas vezes em decorrência dela. O
mesmo ocorreu com os gestos e balanceios, que se tornaram cada vez mais
propositais, mais específicos e interligados às atividades.
A concentração dos bebês foi outro aspecto significativo notado nas
vivências musicais desenvolvidas. As crianças tinham momentos de elevada
atenção tanto nas atividades em que paravam para observar a apresentação de
alguma música quanto naquelas de maior movimentação, como, por exemplo, a
exploração dos instrumentos. Nos últimos encontros, que aconteceram em uma sala
maior, a atenção dos bebês estava integralmente fixada na atividade proposta pela
pesquisadora. Observamos que eles se mantinham atentos e envolvidos com as
atividades, reunidos no meio da sala, mesmo sendo amplo espaço e repleto de
outras curiosidades e alguns brinquedos, motivos suficientes para causar
movimentação natural e conseqüente dispersão.
As manifestações de prazer e alegria em tocar ou dançar, também fizeram
parte de todos os encontros, muitas vezes motivando ações criativas e inovadoras
como aconteceu na Cena 10 descrita no capítulo anterior. A ação criadora é
considerada por nós, aspecto de grande valor musical. Além de permitir que a
criança exercite a liberdade de expressão, incentiva a construção musical criadora,
organizando os elementos percebidos, de maneira própria.
Segundo Brito (2003, p. 153): “a improvisação musical das crianças é seu
modo de brincar e de comunicar-se musicalmente, traduzindo em sons seus gestos,
sentidos, sensações e pensamentos, simbolizando e sonorizando, explorando e
experimentando, fazendo música [...]”.
Vale ressaltar, também, a relação estabelecida pelos bebês com a
pesquisadora. No começo, a figura da professora ou da agente educativa era
indispensável ao bom andamento da atividade. Notamos, entretanto, que esta
situação se modificou no decorrer dos encontros. Nas atividades finais, a
pesquisadora conquistou o papel central na sala, realizando as propostas com ou
sem a presença e participação da professora ou agente educativa. Este movimento,
em direção à pesquisadora, denotando confiança, também foi identificado na
aproximação dos bebês: sentavam em seu colo, sorriam e buscavam estar em
contato direto com as novidades trazidas por ela.
Essa aceitação da pesquisadora pôde ser claramente vista, quando
chegávamos para as atividades. Os bebês nos reconheciam: alguns sorriam, outros
olhavam intensamente para s e muitos engatinhavam rapidamente ao nosso
encontro. No último encontro, R. (15 meses) assim que nos viu entrar pela sala
dirigiu-se rapidamente à caixa de brinquedos da instituição e pegou um chocalho
confeccionado pela professora, levantou-o, sacudiu-o no ar e sorriu, associando a
nossa presença à música.
Observamos também que as professoras e agentes educativas, a cada
aula, se envolviam com mais interesse e alegria: cantavam, tocavam os
instrumentos, incentivando os bebês com sua participação.
No tocante ao espaço físico, vale salientar que, diante da impossibilidade
de destinar uma sala específica para atividades musicais, foi possível realizar essa
proposta em uma área adaptada. Conclui-se, portanto, que, desde que seja um local
fechado, possível de movimentações mais livres, características da idade
exploratória, esta proposta musical permite a adaptação de um espaço, podendo ser
o próprio agrupamento dos bebês na instituição.
Identificamos também algumas diferenças em relação às atividades
desenvolvidas na escola privada. Nesta, por exemplo, cada bebê participa com seu
cuidador (mãe/ pai/ babá), sendo possível formar as duplas para realizarem as
atividades musicais ao mesmo tempo. Já na instituição pública, onde os bebês ficam
entregues à professora e às agentes educativas, é impraticável, por exemplo, dançar
com todos os bebês de colo ao mesmo tempo, em uma mesma música, devido à
falta de um adulto para cada bebê. Nesse trabalho, essa situação foi amenizada
pelo revezamento, em que cada adulto dançava pequeno trecho da música com um
bebê e depois com outro, que estava sentado no tapete esperando, reduzindo-se
assim, o tempo de dança de cada bebê.
Embora o projeto musical desenvolvido com bebês nesta pesquisa,
tenha sido inspirado em uma escola privada, verificamos ser possível a realização
de atividades musicais em instituições públicas, mesmo sem a presença das mães
ou cuidadores individuais para cada criança como previsto no projeto de origem,
desde que as atividades musicais para bebês sejam pensadas com base nas
especificidades de cada instituição.
Consideramos que, no cotidiano das instituições dedicadas a crianças de
zero a seis anos, assim como muitas atividades são realizadas como incentivo ao
desenvolvimento do bebê, a atividade musical além de contribuir neste âmbito,
valoriza o canto e a dança, promovendo a aproximação com culturas musicais
diferenciadas, tornando-o mais sensível à arte musical.
Desta forma, as atividades musicais devem ser incluídas no planejamento
didático-pedagógico das referidas instituições, pois como pôde ser apreendido nos
fundamentos teóricos e nas atividades práticas, além dos benefícios observados, as
crianças se divertiram muito, demonstrando gostar das atividades. O que pudemos
notar nas reações de alegria e curiosidade com instrumentos sonoros, na
concentração significativa e atenção aos sons da sala ou externos, nas explorações
vocais e linguagem, no desenvolvimento da coordenação motora nos gestos e
mesmo na dança, na percepção do outro e nas experiências dele, bem como no
compartilhamento de objetos de uso conjunto.
Enfim, esperamos ter contribuído com elementos significativos sobre o
valor da música nos movimentos dos bebês, destacando ainda a possibilidade de
realização de um trabalho musical de boa qualidade estética e pedagógica com
bebês das classes populares.
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APÊNDICES
APÊNDICE A
FICHA DE OBSERVAÇÃO No _______ DATA:________________
Tempo Nome Tipo de Movimento Circunstâncias do
Movimento
Possíveis Interpretações
Tempo Nome Tipo de Movimento Circunstâncias do
Movimento
Possíveis Interpretações
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO
LIVRE E ESCLARECIDO PARA A INSTITUIÇÃO
Esta instituição está sendo convidada para participar, como voluntária, em
uma pesquisa. Após ser esclarecida sobre as informações a seguir, no caso de
aceitar fazer parte do estudo, a diretora deverá assinar ao final deste documento,
que está em duas vias. Uma delas é da instituição e a outra é do pesquisador
responsável. Em caso de recusa, a instituição não será penalizada de forma alguma.
Em caso de dúvida, a instituição poderá procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás pelos telefones: 3521 1340 ou 3521 1076.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do projeto : A música na educação infantil: o movimento dos
bebês em ambiente musical
Pesquisadora Responsável : Cíntia Vieira da Silva Soares
Telefones para contato:
A pesquisa tem como objetivo estudar e analisar a interação do bebê com
a música, em atividades musicais a serem realizadas em algumas creches ou em
alguns dos Centros Municipais de Educação Infantil de Goiânia (CMEI).
Considerando a grande influência que a música exerce na vida das pessoas, e
principalmente na vida do bebê, o presente estudo pretende observar a interação
deste bebê com a música no ambiente da creche e as contribuições no seu
desenvolvimento, permeando as atividades diárias com vivências que valorizam a
importância de se cantar, dançar e ouvir boa música, numa interação afetiva com os
bebês, na rede pública.
Esse estudo não tem a finalidade de avaliar questões relativas ao que é
‘certo’ ou ‘errado’, ‘melhor’ ou pior’, nem tão pouco avaliar a instituição sob
quaisquer aspectos, mas de compreender o ‘como’ e o ‘porque’ de determinados
gestos e reações das crianças, presentes nas vivências musicais. A investigação é
de cunho qualitativo e usa a abordagem descritiva, isto é, recorre a instrumentos de
pesquisa tais como observação de campo, entrevistas com as professoras,
filmagens das crianças no momento da atividade musical e conversas informais.
Todos os dados coletados serão inteiramente protegidos e a privacidade
da instituição e das crianças resguardadas nos seguintes termos abaixo:
1. Quer escrevendo ou falando sobre esse assunto, jamais usarei o nome
da criança, do professor ou qualquer indicação que possa revelar sua
identidade, salvo com a devida permissão.
2. O verdadeiro nome da criança ou do professor, será substituído por
outro quando da citação do mesmo nesse estudo ou em estudos
posteriores.
3. Todos os dados coletados, tais como entrevistas, filmagens, fotografias
e / ou outros, escritos ou gravados, também manterão sua identidade
protegida.
A participação da instituição nessa pesquisa é voluntária, tendo total
liberdade de se recusar a participar dela e a responder quaisquer perguntas que
possam causar constrangimento ou mesmo deixar de tomar parte nela a qualquer
tempo.
As atividades musicais serão realizadas nos horários destinados às
atividades pedagógicas programadas pela instituição, sem prejudicar a rotina das
crianças. A busca de dados será realizada em 10 encontros, uma vez por semana,
com duração de até 45 minutos. Devemos ressaltar a importância da presença e da
participação dos professores no momento das atividades musicais com as crianças,
na busca de um ambiente confiante, como também propício para as observações a
serem realizadas.
A participação da instituição é de grande importância para o
desenvolvimento de pesquisas em música e na educação, especialmente no que se
refere à atividade musical para bebês, assunto tão pouco difundido e ultimamente,
em crescente interesse por parte de pedagogos, psicólogos, médicos e áreas afins.
A assinatura do(a) diretor(a) ou coordenador responsável pela instituição
municipal de educação infantil, especificada abaixo neste formulário, certifica o
conhecimento dessa pesquisa e dá permissão para utilização dos dados decorrentes
dela na elaboração e veiculação de minha dissertação de mestrado e de outros
trabalhos resultantes desse estudo.
__________________________________________________________
Cíntia Vieira da Silva Soares – Pesquisadora
*CONSENTIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DA INSTITUIÇÃO:
Centro Municipal de Educação Infantil _______________________
Eu,____________________________________, RG ou CPF _______________,
diretora do Centro Municipal de Educação Infantil_________________________,
abaixo assinado, concordo em participar do estudo A música na educação infantil:
o movimento dos bebês em ambiente musical”. Fui devidamente informada e
esclarecida pela pesquisadora Cíntia Vieira da Silva Soares sobre a pesquisa, os
procedimentos nela envolvidos, assim como os benefícios decorrentes da minha
participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer
momento, sem que isto me leve a qualquer penalidade.
Local e data: _______________________________________________
Nome e assinatura da diretora: _________________________________
Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimento sobre a pesquisa e aceite
da instituição em participar:
Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):
Nome: __________________________________Assinatura: ______________________
Nome: __________________________________Assinatura: ______________________
Observações Complementares: _________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
PARA O BEBÊ PARTICIPANTE
Esta instituição está sendo convidada para participar, como voluntária,
em uma pesquisa. Após ser esclarecida sobre as informações do estudo, e a
diretora ter assinado o documento, concordando com a participação da instituição da
qual é dirigente, vimos através deste solicitar o consentimento individual de cada
participante. Este documento se propõe então, a obter o consentimento do
responsável (pai /mãe), para que com a devida permissão, o bebê possa participar
das vivências musicais e das observações. Em caso de recusa, não haverá
penalidade de forma alguma, nem para a instituição, nem para o bebê. Em caso de
dúvida, a instituição poderá procurar o Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Goiás pelos telefones: 3521 1340 ou 3521 1076.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do projeto : “A música na educação infantil: o movimento dos
bebês em ambiente musical”
Pesquisadora Responsável : Cíntia Vieira da Silva Soares
A pesquisa tem como objetivo estudar e analisar a interação do bebê com
a música, em atividades musicais a serem realizadas em algumas creches ou em
alguns dos Centros Municipais de Educação Infantil de Goiânia (CMEI).
Considerando a grande influência que a música exerce na vida das pessoas, e
principalmente na vida do bebê, o presente estudo pretende observar a interação
deste bebê com a música no ambiente da creche e as contribuições no seu
desenvolvimento, permeando as atividades diárias com vivências que valorizam a
importância de se cantar, dançar e ouvir boa música, numa interação afetiva com os
bebês, na rede pública.
Esse estudo não tem a finalidade de avaliar questões relativas ao que é
‘certo’ ou ‘errado’, ‘melhor’ ou pior’, nem tão pouco avaliar a instituição sob
quaisquer aspectos, mas de compreender o ‘como’ e o ‘porque’ de determinados
gestos e reações das crianças, presentes nas vivências musicais. A investigação é
de cunho qualitativo e usa a abordagem descritiva, isto é, recorre a instrumentos de
pesquisa tais como observação de campo, entrevistas com as professoras,
filmagens das crianças no momento da atividade musical e conversas informais.
Todos os dados coletados serão inteiramente protegidos e a privacidade
da instituição e das crianças resguardadas nos seguintes termos abaixo:
1. Quer escrevendo ou falando sobre esse assunto, jamais usarei o nome
da criança, do professor ou qualquer indicação que possa revelar sua
identidade, salvo com a devida permissão.
2. O verdadeiro nome da criança ou do professor, será substituído por
outro quando da citação do mesmo nesse estudo ou em estudos
posteriores.
3. Todos os dados coletados, tais como entrevistas, filmagens, fotografias
e / ou outros, escritos ou gravados, também manterão sua identidade
protegida.
A participação da instituição nessa pesquisa é voluntária, tendo total
liberdade de se recusar a participar dela e a responder quaisquer perguntas que
possam causar constrangimento ou mesmo deixar de tomar parte nela a qualquer
tempo.
As atividades musicais serão realizadas nos horários destinados às
atividades pedagógicas programadas pela instituição, sem prejudicar a rotina das
crianças. A busca de dados serealizada em 10 encontros, uma vez por semana,
com duração de até 45 minutos. Devemos ressaltar a importância da presença e da
participação dos professores no momento das atividades musicais com as crianças,
na busca de um ambiente confiante, como também propício para as observações a
serem realizadas.
A participação da instituição é de grande importância para o
desenvolvimento de pesquisas em música e na educação, especialmente no que
se refere a atividades musicais para bebês, assunto tão pouco difundido e
ultimamente, em crescente interesse por parte de pedagogos, psicólogos, médicos
e áreas afins.
A assinatura do(a) responsável pelo o bebê participante, especificada
abaixo neste formulário, certifica o conhecimento dessa pesquisa e dá permissão
para utilização dos dados decorrentes dela, na elaboração e veiculação de minha
dissertação de mestrado e de outros trabalhos resultantes desse estudo.
__________________________________________________________
Cíntia Vieira da Silva Soares – Pesquisadora
*CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO BEBÊ:
Centro Municipal de Educação Infantil _____________________________________________
Eu, __________________________________________, RG ou CPF: _____________________,
(Mãe/ Pai/ Responsável) permito a participação do (a) __________________________________, no
estudo A música na educação infantil: o movimento dos bebês em ambiente musical”. Fui
devidamente informado e esclarecido pela pesquisadora Cíntia Vieira da Silva Soares sobre a pesquisa,
os procedimentos nela envolvidos, assim como os benefícios decorrentes da minha participação. Foi-me
garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto me leve a qualquer
penalidade.
Local e data: ___________________________________________________________________
Assinatura do(a) responsável_______________________________________________________
Presenciamos a solicitação de consentimento, esclarecimento sobre a pesquisa e aceite
em participar:
Testemunhas (não ligadas à equipe de pesquisadores):
Nome: ___________________________Assinatura: _____________________________
Nome: ___________________________Assinatura: _____________________________
Observações:
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________________
APÊNDICE D
BEBÊS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Idade (meses) Atualizada do 1º Agrupamento
Datas das Observações
Crianças
04/
04
01
11/
04
02
18/
04
03
02/
05
04
11/
05
05
18/
05
06
01/
06
07
08/
06
08
14/
06
09
29/
06
10
1. A. B. B. V. de P.
(14/10/05)
5m 5m 6m 6m 6m 7m 7m 7m 8m 8m
2. G. A. T.
(10/11/05)
4m 5m 5m 5m 6m 6m 6m 6m 7m 7m
3. K. A. dos S.
(04/10/05)
5m 5m 5m 5m 6m 6m 6m 7m 7m 7m
4. R. D. R. J.
(29/10/05)
5m 5m 5m 6m 6m 6m 7m 7m 7m 8m
5. K. K.
(23/12/05)
4m 4m 4m 5m 5m 5m 6m 6m 6m 7m
6. A. V. da S.
(24/06/05)
9m 9m 9m 10m 10m 10m 11m 11m 11m 12m
7. I. B. de O.
(05/05/05)
10 m 11m 11m 11m 12m 12m 12m 13m 13m 13m
8. J. C. S.
(23/04/05)
11 m 11 m 11 m 12m 12m 12m 13m 13m 13m 14m
9. L. C. S. F.
(25/07/05)
8 m
8 m 8 m
9m 9m 9m 10m 10m 10m 11m
Datas das Observações
Crianças
04/
04
01
11/
04
02
18/
04
03
02/
05
04
11/
05
05
18/
05
06
01/
06
07
08/
06
08
14/
06
09
29/
06
10
10. M. L. B. M.
(13/07/05)
8 m
8 m
9m 9m 9m 10m 10m 10m 11m 11m
11. A. L. A. M.
(26/02/05)
13m 13m 13m 14m 14m 14m 15m 15m 15m 16m
12. A. G. da M.
(02/03/05)
13m 13m 13m 14m 14m 14m 14m 15m 15m 15m
13. G. B. da C.
(21/03/05)
12m 12m 12m 13m 13m 13m 14m 14m 14m 15m
14. J. V. R. do E. S.
(27/02/05)
13m 13m 13m 14m 14m 14m 15m 15m 15m 16m
15. L. A. B.
(07/02/05)
13m 14m 14m 14m 15m 15m 15m 16m 16m 16m
16. R. J. A. C.
(13/03/05)
12m 12m 13m 13m 13m 14m 14m 14m 15m 15m
17. V. H. G. de S.
(08/03/05)
12m 13m 13m 13m 14m 14m 14m 15m 15m 15m
BEBÊS PARTICIPANTES DA PESQUISA
Idade (meses) Atualizada - 2º Agrupamento
Datas das Observações
Crianças
04/
04
01
11/
04
02
18/
04
03
02/
05
04
11/
05
05
18/
05
06
01/
06
07
08/
06
08
14/
06
09
29/
06
10
1. H. E. A.
(25/11/04) 16m 16m 16m 17m 17m 17m 18m 18m 18m 19m
2. L. K. V.
(24/09/04) 18m 18m 18m 19m 19m 19m 20m 20m 20m 21m
3. M. E. P.
(22/10/04) 17m 17m 17m 18m 18m 18m 19m 19m 19m 20m
4. P. G. dos R.
(24/09/04) 18m 18m 18m 19m 18m 18m 18m 19m 18m 18m
5. W. F.
(30/12/04) 15m 15m 15m 16m 16m 16m 17m 17m 17m 17m
6. A. J. B.
(18/08/04) 19m 19m 20m 20m 20m 21m 21m 21m 21m 22m
7. C. M. S.
(16/08/04) 19m 19m 20m 20m 20m 21m 21m 21m 21m 22m
8. E. de S.
(20/08/04) 19m 19m 19m 20m 20m 20m 21m 21m 21m 22m
9. I. S.
(05/08/04) 19m 20m 20m 20m 21m 21m 21m 22m 22m 22m
Datas das Observações
Crianças
04/
04
01
11/
04
02
18/
04
03
02/
05
04
11/
05
05
18/
05
06
01/
06
07
08/
06
08
14/
06
09
29/
06
10
10. P. H. P.
(17/08/04) 19m 19m 20m 20m 20m 21m 21m 21m 21m 22m
11. A. C. S.
(10/03/04) 24m 25m 25m 25m 26m 26m 26m 26m 27m 27m
12. C. A. N.
(20/02/04) 25m 25m 25m 26m 26m 26m 27m 27m 27m 28m
13. E. G.
(28/04/04) 23m 23m 23m 24m 24m 24m 25m 25m 25m 26m
14. K. M.
(19/04/04) 23m 23m 23m 24m 24m 24m 25m 25m 25m 26m
15. L. G.
(13/02/04) 25m 25m 26m 26m 26m 27m 27m 27m 28m 28m
16. M. dos S.
(19/03/04) 24m 24m 24m 25m 25m 25m 26m 26m 26m 27m
17. R. P. B. M.
(18/03/05)
12m 12m 13m 14m 14m 15m 15m 15m 15m 16m
APÊNDICE E
ANEXOS
Fotos das atividades musicais realizadas no CMEI
Anexo A – Música: Sapo
O sapo não lava o pé
Não lava porque não quer
Ele mora na lagoa
Não lava o pé porque não quer
Mais que chulé
(Domínio Público)
Anexo B – Música: D. Aranha
D. Aranha subiu pela parede
Veio a chuva forte e a derrubou
A chuva foi se embora e o sol já vai surgindo
E a D. Aranha na parede vai subindo
Papai Aranha subiu pela parede
Veio a chuva forte e o derrubou
A chuva foi se embora e o sol já vai surgindo
E o papai Aranha na parede vai subindo
Neném Aranha subiu pela parede
Veio a chuva forte e o derrubou
A chuva foi se embora e o sol já vai surgindo
E o Neném Aranha na parede vai subindo
(Domínio Público)
Anexo C – Música: Bochecha
Beatriz olhou pra cá
Beatriz olhou pra lá
Quando viu o Zé Bochecha
Começou a bochechar
Bochecha x x
Bochecha x x
Bochecha x x
Bochecha x x
(Josette Feres)
Anexo D – Música: Brincando
Para cantar bem:
Eu abro a boca assim
Eu faço um bico assim
E uma bochecha assim
Estouro pipocas
Com a boca assim
Mando um beijinho assim
E solto a voz
Atchim
(Telma Cham)
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