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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
AGRONEGÓCIO
DA FRONTEIRA AGRÍCOLA À AGROINDUSTRIALIZAÇÃO: O CASO
DE SÃO JOÃO DO OESTE
STEFAN HOPPE
TOLEDO
2009
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO OESTE DO PARANÁ
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
AGRONEGÓCIO
DA FRONTEIRA AGRÍCOLA À AGROINDUSTRIALIZAÇÃO: O CASO
DE SÃO JOÃO DO OESTE
STEFAN HOPPE
Orientador: Prof. Dr. Erneldo Schallenberger
Coorientador: Prof. Dr. Silvio Antônio Colognese.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Regional e Agronegócio, do
Centro de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Campus Toledo, como
requisito parcial à obtenção do título de Mestre em
Desenvolvimento Regional e Agronegócio.
TOLEDO
2009
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STEFAN HOPPE
DA FRONTEIRA AGRÍCOLA À AGROINDUSTRIALIZAÇÃO: O CASO
DE SÃO JOÃO DO OESTE
Dissertação apresentada como requisito parcial à
obtenção ao Grau de Mestre em Desenvolvimento
Regional e Agronegócio pelo Programa de Pós-
Graduação em Desenvolvimento Regional e
Agronegócio, do Centro de Ciências Sociais
Aplicadas da Universidade Estadual do Oeste do
Paraná – Campus Toledo, pela seguinte banca
examinadora:
COMISSÃO EXAMINADORA
Prof. Dr. Erneldo Schallenberger
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Prof. Dr. Leomar Tesche
Universidade Regional do Rio Grande do Sul -
UNIJUÍ
Prof.(a) Dr(a). Yonissa Marmitt Wadi
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Toledo, julho de 2009.
AGRADECIMENTOS
Quero agradecer a Deus por me dar força para superar todas as dificuldades.
Agradecer a minha esposa Grazieli Hoppe pela dedicação, apoio e compreensão
durante todos os momentos difíceis .
Agradecer a minha família: Meu pai Odilo Hoppe e minha mãe Sonia Hoppe, por ter
me dado toda educação e humildade para conseguir atingir meus objetivos. Aos meus irmãos
Tatiana Hoppe e Jonas Hoppe pelo apoio.
Agradecimento especial ao meu orientador Dr. Erneldo Shallenberger e ao meu co-
orientador Dr. Silvio Antônio Colognese pelo apoio, estímulo e sabedoria com que
conduziram na realização do presente trabalho.
Agradecer o apoio que tive dos colegas de trabalho e dos colegas de curso em especial
da Sandra Cristiana Kleinschmitt e da Dóris Junges, muito mais que amigas e colegas.
Agradecer a todos os professores pelo profissionalismo e competência.
A banca examinadora.
À UNIOESTE campus de Toledo.
À CAPES pela bolsa auxílio.
Enfim, a todos que de certa forma contribuíram para a realização do trabalho ou
torceram para que eu conseguisse. A todos o MEU MUITO OBRIGADO!!!!
HOPPE, Stefan. Da fronteira agrícola à agroindustrialização: o caso de São João do Oeste.
2009. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional e Agronegócio) – Universidade
Estadual do Oeste do Paraná – Campus/Toledo.
RESUMO
Resumo: Esta dissertação objetiva entender as mudanças ocorridas no cotidiano dos agricultores inseridos no
sistema de integração com a implantação dos complexos agroindustriais na região do extremo-oeste catarinense.
O objeto de estudo é o fenômeno da agroindustrialização e seus impactos sobre os produtores rurais integrados
aos complexos agroindustriais da avicultura e da suinocultura, residentes nas doze comunidades do município de
São João do Oeste, Santa Catarina. O objetivo central do trabalho é entender o processo de perda do poder de
decisão sobre os rumos das propriedades dos agricultores integrados. O trabalho irá focar, também, as
transformações socioculturais resultantes do sistema de integração. O método selecionado para o trabalho foi o
estudo de casos múltiplos, incluindo análise documental contratual e pesquisa bibliográfica. Os resultados foram
agrupados em seis partes: uma introdução constitui a primeira parte; em seguida, para iniciar o desenvolvimento,
é destacada e caracterizada a colonização da região com a formação de núcleos homogêneos sob concepções
étnicas e regidos por convicções religiosas; a parte seguinte trata da ruptura acarretada pela transição da
colonização para a modernização do processo produtivo através de investimentos e de financiamentos externos;
na quarta parte são abordadas as principais características do sistema de integração, a forma como ele se instalou
na região e a perda, decorrente do sistema implantado, do poder de decisão dos agricultores; na quinta parte são
apresentadas as características do município de São João do Oeste e os resultados da pesquisa de campo; e,
sumarizando o trabalho, faz-se uma síntese conclusiva. Como corolário da pesquisa realizada e como destaque
no decorrer da dissertação, evidencia-se o tema da ruptura, em vários aspectos, na vida dos agricultores
estudados: ruptura na organização da propriedade, ruptura na estrutura familiar e ruptura na relação dos
agricultores com a comunidade.
Palavras-chave: Agricultores. Complexos agroindustriais. Sistema de integração.
HOPPE, Stefan.
ABSTRACT
Abstract: This dissertation objectives to understand the changes that had occurred in the daily of agriculturists
inserted in the integration system with the implantation of the agroindustrial complexes in the Catarinense’s
extreme west region. The purpose of this study is the phenomenon of agroindustrialization and its impacts on the
agricultural producers integrated to the agroindustrial complex of aviculture and the rural producers integrated to
the complex agroindustrial of pig’s farmers, residents in the twelve communities of the São João do Oeste city,
Santa Catarina. The central objective of the work is to understand the process of loss of the decision power on
the direction of the properties of integrated agricultures. The work will detach also, the sociocultural
transformations resulting from the system integration. The method selected for the work was the study of
multiple cases, including contractual documentary analysis and bibliographic research. The results were grouped
into six parts: an introduction is the first part, after that, to initiate the development, it is detached and
characterized the settling of the region with the formation of homogeneous groups under ethnic conceptions and
governed by religious certainties; the following refers to the rupture caused by the transition of the settling for
the modernization of the productive process through investments and external financings; in the fourth part the
the main features of the system integration are addressed, how it had been installed in the region and the loss,
decurrent of the implanted system and of the power of decision of agriculturists, in the fifth part the
characteristics of the São João do Oeste City are presented and the results of the field research, and, summarizing
the work, a conclusive synthesis is made. As a result of the research and as highlighted in the course of the
dissertation, the subject of the rupture is evidenced, in several aspects, in the life of the studied agriculturists:
rupture in the property’s organization, rupture in the family structure and the rupture in the relation of the
agriculturists with the community.
Key words: Agriculturists. Agroindustrial complexes. System integration.
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Rendimento do milho por hectare (quilogramas por hectare)............................... 60
Tabela 2 Produção de milho (toneladas de grãos)................................................................ 60
Tabela 3 Oferta e demanda de carne suína T2002 a 2006 no TBrasilT (equivalente a carcaça)T . 65
Tabela 4 Produção brasileira de carne suína (2002-2006), por milhões de cabeças ........... 65
Tabela 5 Matrizes industriais alojadas no Brasil (T2002-2006), por cabeçaT .......................... 66
Tabela 6 Matrizes de subsistência alojadas no Brasil (T2002-2006), por cabeçaT .................. 67
Tabela 7 – TSérie histórica do consumo de carne de frango por habitante ano (1989-2006)T ... 70
Tabela 8 – Exportações brasileiras de carne de frango ........................................................... 72
Tabela 9 – Movimento econômico agropecuário de São João do Oeste................................. 79
Tabela 10 – Movimento econômico total de São João do Oeste ............................................ 79
Tabela 11 – Movimento econômico da AMEOSC.................................................................. 80
Tabela 12 – Número de produtores integrados, por comunidade, à avicultura ...................... 83
Tabela 13 – Distribuição dos produtores de suínos por comunidade....................................105
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Exportações brasileiras de carnes......................................................................... 71
Gráfico 2 Tamanho das propriedades dos avicultores.......................................................... 84
Gráfico 3 Horário do início do expediente........................................................................... 90
Gráfico 4 Atividades no fim de semana. .............................................................................. 94
Gráfico 5 O que poderia ser mudado no sistema de integração? .......................................101
Gráfico 6 Tamanho das propriedades rurais.......................................................................105
Gráfico 7 – O que mudou com o sistema de integração na relação com a comunidade?......118
Gráfico 8 – O que poderia ser mudado no sistema de integração? .......................................120
Gráfico 9 – Alternativa econômica para a manutenção da propriedade?..............................122
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – Localização dos municípios que integravam o Projeto Porto Novo ....................... 16
Mapa 2 Projeto Porto Novo.................................................................................................. 29
Mapa 3 Localização de São João do Oeste........................................................................... 78
9
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 10
2 A COLONIZAÇÃO............................................................................................................ 16
2.1 A Formação do Espaço da Zona Rural do Brasil...................................................... 16
2.2 O Associativismo........................................................................................................... 23
2.2.1 Volksverein ............................................................................................................ 28
2.3 O Professor.................................................................................................................... 33
2.4 As Caixas de Crédito.................................................................................................... 38
2.5 A Fundação de Porto Novo.......................................................................................... 42
3 MODERNIZAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO NA ZONA RURAL .................. 48
3.1 Incentivos Econômicos à Produção Rural.................................................................. 48
3.2 A Mecanização da Produção ....................................................................................... 54
3.3 Os Efeitos da Modernização da Produção Agrícola no Município de
Itapiranga............................................................................................................................ 57
4 AS AGROINDÚSTRIAS E A PERDA DO PODER DECISÓRIO............................... 61
4.1 A Suinocultura Itapiranguense................................................................................... 61
4.2 O Panorama da Suinocultura...................................................................................... 63
4.3 A Atividade Avícola de Itapiranga ............................................................................. 67
4.4 O Panorama Atual da Atividade Avícola................................................................... 69
4.5 O Sistema de Integração das Agroindústrias............................................................. 73
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 133
10
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objeto de investigação o fenômeno da
agroindustrialização no Oeste de Santa Catarina e os impactos por ele causados sobre os
agricultores das unidades familiares de produção no que diz respeito ao controle da
propriedade e das tecnologias de produção.
A ocupação da fronteira agrícola do oeste catarinense se deu,
fundamentalmente, a partir da expansão das frentes de colonização agrícola do Rio
Grande do Sul, formadas a partir do processo da imigração alemã e italiana iniciado no
segundo decênio do século XIX. Essas frentes foram incentivadas com o objetivo de
estabelecer a pequena e média propriedade no Brasil. Com o objetivo de estimular a
produção agrícola diversificada e abastecer o mercado interno, foram levados a
constituir colônias em base à pequena propriedade e ao trabalho familiar. A produção da
subsistência, as relações vicinais e a organização de comunidades que possibilitassem as
diferentes formas de sociabilidades e de colaboração caracterizaram a organização do
espaço de colonização agrícola do Rio Grande do Sul. O processo de colonização esteve
organizado em torno de duas forças dinâmicas: os colonizadores, que tanto podiam ser
empresas privadas como agentes públicos, e os colonos (KLIEMANN, 1986).
No Oeste de Santa Catarina e, mais especificamente, em São João do Oeste,
universo de abrangência do presente estudo de caso e fronteira agrícola que integrava a
Colônia de Porto Novo, a colonização se desenvolveu por iniciativa da Sociedade União
Popular, uma organização alemã católica, que, com o objetivo central de elevar o bem
espiritual e material dos colonos descendentes dos imigrantes alemães-católicos,
promoveu, também, a formação de núcleos coloniais em novas fronteiras agrícolas,
referenciada num modelo de organização social que privilegiava a formação de sólidas
unidades familiares, de comunidades o quanto mais autossuficientes possíveis,
estruturadas a partir de relações de confiança, de solidariedade e de cooperação
(SCHALLENBERGER, 2001).
A gleba de Porto Novo teve seu nome trocado para Itapiranga em 1928, no
terceiro ano da sua existência. Tornou-se distrito de Chapecó em 1932. Emancipou-se
em 1954. Em 1989, desmembrou-se em Tunápolis e Itapiranga. Em 1993, dividiu-se em
11
São João do Oeste, em Tunápolis e em Itapiranga, além de outras porções menores, que
foram anexadas aos territórios de Mondaí e de Iporã do Oeste (JUNGBLUT, 2000).
A ocupação e a organização do território do município de São João do Oeste
se deram a partir de levas de colonos alemães católicos (EIDT, 1999). A ocupação do
espaço ocorreu em base à pequena propriedade onde os eixos de articulação social eram
a família e a comunidade. O trabalho e a produção eram articulados a partir da família
(NEVES, 2005). A família, como centro das relações, buscava, antes de tudo, a sua
subsistência, embora nas atividades produtivas se visasse um excedente para o mercado.
O braço local do mercado era constituído pelo comerciante, que, em base à troca de
produtos ou pela sua compra, representava a única possibilidade do escoamento e da
inserção da produção agrícola numa rede de comércio. Neste sentido, Oberacher (Apud
FRÖSCHLE, 1979), atribui importantes funções sociais ao comerciante, que se
constituía, de certa forma, na única via e possibilidade de agregação de valor aos
produtos não destinados ao consumo direto.
À medida que o mercado passou a valorizar, de forma seletiva, os produtos
agrícolas e também conforme as políticas governamentais passaram a fomentar a
modernização da produção através da introdução de pacotes tecnológicos e da
mecanização das lavouras, que aumentaram a produtividade, houve significativas
mudanças nas relações de produção das unidades agrícolas familiares. A pequena
produção mercantil e destinada à subsistência não resistiu à penetração do capital na
produção agrícola. A especialização da produção em base a uma “agricultura moderna”,
altamente tecnicizada e voltada para o mercado externo, foi incrementada pelas políticas
agrícolas do regime militar do pós-1964, o que contribuiu para a inviabilidade das
propriedades, que não conseguiram se adaptar ao novo modelo de produção quer por
questões de incapacidade de investimento dos seus proprietários, quer pelas condições
de relevo e de solo. O processo de empobrecimento das unidades familiares de produção
incrementou o êxodo rural, contribuiu para o esvaziamento das comunidades e, dentre
os diferentes atores sociais, não mais se conseguiu identificar uma articulação possível
que pudesse representar uma alternativa de desenvolvimento para a pequena
propriedade de base familiar de produção.
A agroindustrialização, enquanto expressão do capitalismo no campo, vem
merecendo a atenção de estudiosos como José Graziano da Silva (1991) e teve
desdobramentos desiguais em se considerando os diferentes segmentos da atividade
agrícola. Com grande impulso no beneficiamento da soja, do café e do algodão, a
12
agroindústria brasileira teve nas zonas de colonização do sul do Brasil uma forte
expressão na cadeia produtivaTPF
1
FPT da carne. As agroindústrias que mais se destacam no
oeste catarinense são as voltadas à industrialização de carne, tanto da carne de suínos
como da de frangos, além da forte presença das agroindústrias de leite.
A criação de suínos, de aves e o manejo do gado leiteiro já eram práticas
culturais desenvolvidas pelos colonos descendentes dos imigrantes europeus do sul do
Brasil. A integração desta atividade no complexo agroindustrial da carne teve, no
entanto, impactos significativos sobre as tecnologias e as práticas anteriormente
desenvolvidas, promovendo rupturas e exigindo adaptações que afastaram o produtor
rural do domínio tecnológico da produção e do sentido originário do resultado do seu
trabalho. Como problema de pesquisa, esta apreensão dialética adquire um significado
próprio quando focada num universo específico como o de São João do Oeste.
O município de São João do Oeste mantém forte relação comercial com o
município de Itapiranga, para o qual destina toda sua produção avícola. Itapiranga
abriga uma gigantesca multinacional de abate de aves, a Seara Alimentos S/A, de
propriedade da Cargill, que é responsável pela maior parte da produção avícola da
microrregião.
Na suinocultura atuam, em São João do Oeste, três complexos agroindustriais
– duas de natureza particular e uma cooperativa –. A cooperativa tem expressão mais
significativa e será objeto de análise deste estudo. As outras duas empresas referidas,
uma pela presença recente (2009) e a outra pela pouca expressividade, não serão
consideradas no presente trabalho.
A cooperativa, que atua na integração de suinocultores, não possui frigorífico
próprio, sua produção é destinada para o abate em uma cooperativa maior, cujo parque
fabril se encontra em um município vizinho e, também, destina parte da produção para o
abate em um frigorífico particular, o que descaracteriza a finalidade de cooperação.
Nos seus sistemas de integração, estas agroindústrias asseguram o controle de
todo o processo relacionado à produção e à (re)comercialização do produto. As
empresas agroindústrias, bem como a cooperativa, atuam desde a entrega do pintainho
TP
1
PT […] a cadeia produtiva envolve desde a fabricação de insumos, a produção nas fazendas, a sua
transformação até o seu consumo. Esta cadeia incorpora todos os serviços de apoio, desde pesquisa e
assistência técnica, processamento, transporte, comercialização, crédito, exportação, serviços
portuários, dealers, bolsas, industrialização, até o consumo final. O valor agregado do complexo
agroindustrial passa, obrigatoriamente, por 5 mercados: o de suprimento; o de produção propriamente
dito; o do processamento; o de distribuição; e “o do consumidor final” (CALDAS et alii, 1998, p. 16).
13
ou do leitãozinho, da ração, das vacinas e da instrução técnica para o produtor, até a
coleta do produto, o que significa dizer que a agroindústria estabelece todos os passos
da produção. O agricultor passa a adotar o que é estabelecido pela agroindústria e se
compromete a vender toda a sua produção à agroindústria à que está integrado, ao preço
que ela atribuir à espécie produzida.
O controle do tempo, o processo produtivo, os investimentos e as
possibilidades de inovação nas formas e no destino da produção passam do núcleo de
decisão familiar para o da empresa, que, por seu turno, está inserida no circuito do
grande mercado globalizado. A desestabilização das relações familiares, que mantinham
vínculos estreitos com a terra, se reflete de igual modo sobre as comunidades, onde os
elos societários, marcados pela confiabilidade, pela solidariedade e pela cooperação,
definham diante de um individualismo e de um indiferentismo crescente.
A hipótese que nutre esta análise é a de que, com a implantação das
agroindústrias no oeste catarinense, em especial em São João do Oeste, apesar do
aumento da oferta de emprego, da arrecadação de impostos, da circulação de dinheiro
nos municípios, do aumento da renda do produtor e da melhoria das condições de
trabalho, ocorreu a perda do que o agricultor tinha de mais importante: seu poder de
decisão sobre os rumos da propriedade, o que teve repercussão direta sobre a
organização da rotina de trabalho, sobre as relações familiares e sobre a interação com a
comunidade.
Com o objetivo de entender o processo de perda do poder de decisãoTPF
2
FPT sobre os
rumos das propriedades dos agricultores do município de São João do Oeste, integrados
aos complexos agroindustriais da avicultura e da suinocultura, o trabalho irá focar,
também, as transformações socioculturais resultantes do sistema de integração.
A elaboração do presente trabalho recorre, inicialmente, à construção histórica
da territorialidade de São João do Oeste, universo geográfico de abrangência para a
identificação do problema referenciado e para aferir os elementos socioculturais,
políticos e econômicos que concorreram para a constituição dessa fronteira agrícola. A
partir desses elementos, a pesquisa ficará atenta aos fatores internos e externos que
TP
2
PT No sentido de perda da liberdade de escolha, o que é reflexo da sociedade pós-moderna atomizada e de
uma nova classe dirigente, com clara visão tecnocrática e funcional sobre as orientações políticas e
econômicas (DUPAS, 2005), que interfere diretamente na organização da sociedade, inclusive nos
integrantes da sociedade da zona rural. “O exercício da democracia é a luta permanente dos sujeitos
contra a lógica dominante dos sistemas. No entanto, o espaço da liberdade está-se reduzindo
progressivamente a um ato de consumo” (DUPAS, 2005).
14
influenciaram as mudanças nas relações de produção, na organização da propriedade e
de como repercutiram sobre as vivências familiares e comunitárias.
Para entender de que forma o sistema de integração interferiu no poder de
decisão das pessoas, para isso foi realizada uma pesquisa de campo, pesquisa que se
utilizou da técnica da história oral e da de entrevista dirigida junto a integrados dos
complexos agroindustriais avícola e suinícola no município de São João do Oeste - SCTPF
3
FPT.
As entrevistas orientadas seguiram um questionário composto de 24 questões,
dirigidas ao responsável primeiro da unidade familiar de produção, recaindo, via de
regra, sobre a figura paterna. Curiosamente foi buscada a entrevista com mulheres de
produtores integrados, mas essas se recusarem a responder ao questionário sem a
presença de seus maridos. Quando da presença do marido, as mulheres contribuíram e
enriqueceram seus depoimentos.
As entrevistas com os avicultores e com os suinocultores foram realizadas no
período compreendido entre a metade do mês de novembro e o final do mês de
dezembro de 2008. Tanto as entrevistas dos produtores integrados à avicultura quanto as
dos da suinocultura foram gravadas e transcritas. Os nomes dos entrevistados não foram
expostos em função de o objetivo do estudo não requerer a identificação dos produtores,
e sim o que eles pensam sobre o sistema de integração.
De posse e a partir da sistematização dos dados das entrevistas foi realizada
uma análise documental nos contratos que asseguram e regem os sistemas de
integração. A análise visou comparar e/ou confrontar as informações colhidas junto aos
integrados.
Numa primeira apreensão, a pesquisa realizada com alguns dos produtores de
aves e com alguns dos produtores de suínos integrados à agroindústria, no município de
São João do Oeste, revela uma dialética que acentua a permanência dos valores
herdados da tradição em confronto com as inovações oriundas da agroindustrialização.
Para analisar essa realidade com o objetivo acima definido, além da presente
introdução, este trabalho está dividido em seis capítulos, do que damos um anúncio nos
próximos parágrafos seguintes.
Assim, no Capítulo 2 procura-se fazer um resgate histórico buscando entender
quem são os colonizadores que desbravaram as áreas de mata densa para organizarem
TP
3
PT A pesquisa abrange a entrevista por amostragem de 15 agricultores integrados à avicultura e do mesmo
número de integrados à suinocultura, escolhidos de forma aleatória, residentes nas 12 comunidades do
município de São João do Oeste.
15
suas propriedades. Procuramos identificar como os agricultores colonizadores
enfrentaram as adversidades ao se organizarem. Destacamos, nessa parte do trabalho, os
principais mediadores sociais responsáveis pela organização e pelo desenvolvimento do
espaço agrícola e comunitário nesse período. Para este entendimento foi importante
estabelecer a relação dos agricultores com a comunidade, com a igreja, com a escola e
com as caixas de crédito.
No Capítulo 3 procura-se destacar a ruptura ocasionada pela passagem do
regime colonialTPF
4
FPT (que ficou marcado pela imagem do pai de família como o chefe da
propriedade, mentor de todo o sistema de produção da propriedade) para um sistema de
imposição de investimento em tecnologia, da interferência das agências financiadoras
nos rumos da propriedade mediante a regulagem do crédito e mediante a utilização de
dados estatísticos de produção e de produtividade.
No Capítulo 4 destaca-se a estrutura e a dinâmica do sistema de integração,
tanto na suinocultura como na avicultura. Nesse capítulo pretende-se construir um
panorama das duas atividades, destacando a importância para a economia dos
municípios abrangidos pelo sistema, para o Estado de Santa Catarina e para o país como
um todo.
Para avaliar a hipótese e atender os objetivos propostos, o Capítulo 5 apresenta
os resultados da pesquisa de campo realizada nas comunidades do município de São
João do OesteTPF
5
FPT. E, sumarizando o trabalho, o Capítulo 6 tece algumas considerações
gerais a partir dos resultados do trabalho e ensaia algumas conclusões.
TP
4
PT O regime colonial pode ser caracterizado como aquele em que as relações de produção e o controle da
propriedade e da produção estão centralizados em torno do colono. O colono é um camponês típico,
proprietário de uma pequena propriedade rural que tem como objetivo básico a produção da
subsistência a partir do trabalho familiar. Os excedentes produzidos são destinados ao mercado com a
finalidade de suprir as necessidades não atendidas na unidade familiar de produção (MOTTA, 2005, p.
102-103). O regime colonial se distingue do colonato, uma vez que este se caracteriza, segundo Martins
(1981, p. 64), como uma forma não capitalista de organização do trabalho, onde se empregam unidades
familiares em fazendas, com remuneração mista por tarefa e por produção.
TP
5
PT O município de São João do Oeste foi colonizado, junto com os municípios de Itapiranga e de
Tunápolis, com o nome de Porto Novo. Em 1954, esse território foi emancipado com o nome de
Itapiranga, que, por sua vez, foi desmembrado em Itapiranga e Tunápolis (com sua emancipação em
1989) e São João do Oeste (emancipado em 1993). Por isso, boa parte do trabalho fala sobre Itapiranga,
de que São João do Oeste fazia parte.
16
2. A COLONIZAÇÃO
2.1 A Formação do Espaço da Zona Rural do Brasil
Os agricultores que ocuparam, através da colonização, a área dos municípios
do projeto Porto NovoTPF
6
FPT são, na grande maioria, descendentes de alemães, vindos da
expansão da fronteira agrícola do Estado do Rio Grande do Sul. Anteriormente, o
Estado do Rio Grande do Sul fora o principal destino dos imigrantes alemães europeus
do século XIX. A localização do projeto Porto Novo pode ser observada no Mapa 1.
Mapa 1 – Localização dos municípios que integravam o Projeto Porto Novo
Base Cartográfica: IBGE/SEMA/GOOGLE, 2009
Mapa 1 – Localização dos municípios que integravam o Projeto Porto Novo
Fonte: Base cartográfica: IBGE/SEMA/GOOGLE, 2009
TP
6
PT O Projeto Porto Novo foi um audacioso plano de colonização liderado pela Igreja Católica, que visava
estabelecer colonos de descendência alemã e de confissão religiosa católica no espaço compreendido
pelos atuais municípios de São João do Oeste, de Itapiranga e de Tunápolis.
17
A questão básica que motiva as pessoas a migrar, para Klein (2001), está
relacionada ao peso dos fatores de expulsão e de atração e à maneira como esses fatores
se equilibram. Na maioria dos casos, o motivo da migração é a falta de alimentos para o
próprio consumo e o de sua família. A migração está relacionada, também, por vezes,
ainda que em intensidade menor, à atração da aventura ou, por outras vezes, a
perseguições a pessoas de determinadas nacionalidades ou a pessoas que cultuam
determinadas crenças religiosas.
Para Jungblut (2000), os conjuntos de fatores relacionados à migração alemã
são: o esgotamento e a improdutividade das terras; o surgimento do capitalismo; e a era
industrial, com jornadas de trabalho que ultrapassavam 18 horas diárias. Esse conjunto
de fatores foi o principal responsável por levar milhões de pessoas a tomarem o
caminho da emigração da Europa e respectiva imigração para as Américas.
Nas palavras de Kreutz (1991), a emigração fora benévola para a Alemanha,
pois o país não tinha colônias para a elas repassar os excedentes populacionais, e teve
uma industrialização tardia para absorver os egressos do campo.
Ao passo que na Alemanha se iniciava o processo de emigração dos alemães,
no Brasil, no início do século XIX, é dado importante passo para a colonização
brasileira mediante a incorporação de migrantes europeus. Dom Pedro I assinou, em 16
de março de 1820, um decreto que dispôs os objetivos para a imigração: ocupação do
espaço (para fins estratégicos e políticos), colonização e institucionalização da pequena
propriedade (RAMBO apud EIDT, 1999).
Concomitante com os motivos que instigaram a população alemã a emigrar da
Alemanha, o Brasil buscava soluções para a substituição da mão de obra escrava e
garantir a ocupação do espaço geográfico, soluções para as quais incentivava a vinda de
estrangeiros ao país.
O Brasil foi um dos países receptores dos milhões de europeus e de asiáticos,
que vieram para as Américas em busca de oportunidades de trabalho e de ascensão
social. Ao lado de nosso país figuram, como receptores mais importantes de imigrantes,
os Estados Unidos, a Argentina e o Canadá (FAUSTO, 2003).
A colonização com imigrantes europeus teve início nas regiões do Nordeste e
do Sudeste do Brasil, sendo o núcleo pioneiro a colônia de Nova Friburgo, no Rio de
Janeiro, fundada em 1818 por imigrantes suíços. Na mesma época se estabeleceu,
também, uma colônia com imigrantes alemães na Bahia, denominada Leopoldina, com
18
péssimo resultado. Com o fracasso das tentativas de colonização no Nordeste, as
correntes migratórias europeias passaram a se dirigir para São Paulo e para o Sul do
país, a partir de 1824, mesma data da fundação da colônia de São Leopoldo, próxima a
Porto Alegre (SEYFERTH, 1990).
As regiões Centro-Sul, Sul e Leste foram as que receberam imigrantes
maciçamente. Um dado eloquente nesse sentido é o de que, em 1920, 93,4% das
populações estrangeiras que viviam no Brasil estavam concentradas nessas regiões
(FAUSTO, 2003). Para El-Kareh (1996), o principal destino dos imigrantes italianos e
alemães que chegaram ao Brasil, com o objetivo de colonização, foi o Estado do Rio
Grande do Sul.
Para Kreuz (1991), no quadro das emigrações, os alemães até formam um
conjunto inexpressivo (cerca de 200 mil). O que mais chama atenção a ele é o fato de a
organização da maioria desse contingente populacional que aportara no Rio Grande do
Sul ter suas peculiaridades fortes, seja na sua organização sociocultural e religiosa, seja
formando grupos homogêneos, lembrando o estilo da terra de origem, mantendo língua,
costumes e organizações típicas da Alemanha.
Sobre a importância da chegada dos imigrantes e a revolução que estes novos
habitantes causaram na estrutura do Estado rio-grandense-do-sul, Moraes (1981) afirma
o seguinte:
Os alemães que aportariam, no Rio Grande do Sul, demonstrariam quanto
pode o trabalho livre, o desejo e a vontade de vencer. O que tinha sido
impossível realizar com o braço escravo tornou-se esplêndida realidade com
o concurso daqueles que, atravessando o Atlântico, experimentando toda
sorte de dificuldades e desconforto, projetaram, na história econômica do Rio
Grande do Sul, o início de uma era de fecundas realizações, destinadas a dar
ao Estado uma posição de relevo invejável dentre as demais unidades da
Federação. (MORAES, 1981, p. 33-34).
A partir de 1930, a crise mundial iniciada em 1929 e as mudanças políticas no
Brasil e na Europa fizeram com que o ingresso de imigrantes como força de trabalho
deixasse de ser significativo (FAUSTO, 2003). A colonização na Região Sul do Brasil
objetivava, a partir daí, atender a três interesses distintos: os das empresas
colonizadoras, os do Estado brasileiro e os dos agricultores. O objetivo das empresas
colonizadoras era comprar, a preços míseros, grandes áreas de terra devolutas do Estado
e destiná-las para a colonização. O interesse dos governos era garantir a ocupação de
todo território nacional, bem como tornar produtivas, e integradas ao comércio nacional,
19
regiões mais afastadas, localizadas a oeste do país. Por sua vez, os agricultores
buscavam comprar, tomar posse, produzir e conquistar a ascensão social.
Os objetivos da colonização são resumidos da seguinte forma por Kreutz
(1991): para o governo, a colonização de povoamento vinha ao encontro do sonho dos
imigrantes alemães: ter uma pequena propriedade e trabalhar sem patrão, como melhor
lhe aprouvesse. Era a ideologia do camponês europeu em geral: o ideal do imigrante era
ser dono de um pedaço de terra e dela “tirar” o sustento da família. Aliada a esses
objetivos, pesava também a liberdade para poder manter religião e identidade cultural.
As empresas colonizadoras sempre tinham à frente pessoas de prestígio junto
ao governo. O sistema era o seguinte: empresas recebiam do governo porções de terras
e, em troca, deveriam proporcionar a ocupação definitiva da área e construir estradas
para o transporte e o deslocamento dos colonos. É importante observar que o governo
passou a se interessar pelas terras do oeste do país para garantir sua posse.
Impossibilitado de promover o desenvolvimento da região, deixou-o ao encargo de
empresas colonizadoras particulares.
As empresas colonizadoras exploravam a madeira nobre e só depois vendiam
as terras aos colonos. Por isso, a indústria madeireira logo começou a se destacar. O
ciclo madeireiro não proporcionou um acúmulo de capital capaz de originar novos
ramos produtivos. As companhias de colonização vendiam a madeira nobre para as
madeireiras e comercializavam as terras para os colonos imigrantes. Como os centros de
decisões estavam longe da área a ser vendida, drenavam os lucros para aqueles centros.
Seus investimentos eram mínimos nas áreas de colonização, somente o suficiente para
permitir a entrada dos colonos (BAVARESCO, 2005).
O governo brasileiro teve como principal objetivo tornar habitadas e
produtivas todas as áreas próximas à fronteira, assim garantindo a posse de todo
território nacional. Por determinação do governo central, ficou ao encargo das empresas
colonizadoras a demarcação e a venda dos lotes. As medições das áreas de terra
destinadas à colonização sofreram alterações com o passar do tempo. Um dos aspectos
marcantes na colonização, que caracterizou o processo de ocupação do espaço, foi a
estrutura fundiária pautada na pequena propriedade. Segundo Bavaresco (2005, p. 76),
20
[...] no ano de 1824, os lotes coloniais mediam 160 mil braças quadradas, que
correspondem a 77 hectares, essa medida foi aplicada em São Leopoldo,
Torres, Três Forquilhas e Santa Cruz, no Rio Grande do Sul. A partir de
1851, a propriedade concedida aos imigrantes passou a ser de 100 mil braças,
ou 48,4 hectares, medida que perdurou até fins do século XIX. Já a partir de
1889, nas novas colônias, a superfície não passaria de 25 hectares, unidade
que passaria a constituir-se: Lote Colonial.
A estrutura fundiária na ocupação do espaço seguiu um mesmo padrão.
Praticamente toda a área destinada à colonização foi subdividida em áreas menores, em
lotes coloniais. Na divisão dos lotes, houve a preocupação tanto em contemplar cada um
dos lotes com parte de cursos de água que atravessavam a área, como em interligar
todos os lotes às sedes ou vilas, mesmo que em pequenas e precárias vias (ZAAR,
1999).
O processo de colonização acontecia normalmente com as mesmas
características resumidas por Seyferth (1990, p. 22).
O lote de 25 hectares foi, de fato, o mais comum. A abertura de colônias se
fazia de forma precária. Uma vez escolhido o local, instalavam-se os ranchos
da administração, um ancoradouro, e galpões para alojar os imigrantes
enquanto estes aguardavam a demarcação dos lotes. Raros foram os casos de
colônias onde os lotes se achavam previamente demarcados. Uma picada
principal, aberta na floresta, servia de ponto de partida para a demarcação dos
primeiros lotes, alongados, paralelos uns aos outros, em ambos lados da
picada, fazendo frente com ela. As picadas constituíram as linhas coloniais
principais e serviram como primeira via de penetração. Perpendiculares a elas
foram
abertos os travessões, onde lotes eram demarcados da mesma forma.
Picadas e travessões, em geral, acompanhavam cursos d’água. A ocupação
das áreas coloniais foi assim determinada pelo próprio relevo, e os lotes
alongados uma distribuição mais ou menos racional da terra, inclusive no que
diz respeito às várzeas e ao abastecimento d’água.
Deve ser observado,
porém, que o povoamento
realizado desta forma não foi espontâneo, mas
determinado pela política de colonização do Estado.
Segundo Eidt (1999), além da ocupação do território, a colonização promovia
a valorização fundiária. Não obstante criou uma classe social entre o latifundiário e o
escravo. A criação de um mercado consumidor e a prática da policultura foram fatores
de incentivos dados para a colonização.
A classe social entre o latifundiário e o escravo, citada por Eidt (1999), é
classificada como classe média por Gregory (2008), visto que, entre o latifundiário
(dono da terra e dos escravos) e os escravos, havia um crescente número de
trabalhadores livres, meeiros e outros vinculados e dependentes do latifúndio.
A produção do espaço até a década de 1950 foi realizada por meio de ralações
de trabalho genuinamente familiares e de relação de cooperação entre as famílias, as
21
quais tinham como atividade principal as práticas agrícolas e, para tanto, desmatavam,
semeavam, cuidavam e colhiam.
As práticas agrícolas eram desenvolvidas para a sobrevivência dos grupos. A
organização dos agricultores tinha como principal objetivo tornar as terras produtivas.
Os primeiros agricultores tiveram sérios problemas de adaptação nos primeiros
anos da colonização. Segundo Moraes (1981), quem estava acostumado na Alemanha a
alimentar-se de carne e usar gordura regularmente não poderia conformar-se tão
facilmente com a ausência, em sua alimentação, dessas substâncias tão nutritivas, assim
como o pão de centeio e de trigo que teve de ser substituído, aqui, pelo de farinha de
mandioca, batatinhas, massas e outros alimentos. Pelos escassos relatos da época,
verifica-se que a nutrição que predominou nos primeiros anos foi a de origem vegetal:
milho, batata, abóbora, feijão e outros.
As atividades do cotidiano, apesar de todas as adversidades, para muitos
agricultores eram prazerosas, pois o tempo cronológico era o dia, que se resumia assim:
levantava-se cedo e, depois de tomarem o tradicional chimarrão, faziam a primeira
refeição: o café da manhã. Os homens se dirigiam para o trabalho, na maioria dos casos
na roça, enquanto as mulheres arrumavam a casa e preparavam a refeição do meio-dia.
O almoço era um momento sagrado, quando todos deveriam estar reunidos, exceto em
casos excepcionais. Se o local de trabalho era muito distante da casa, alguém levava o
almoço até aquele que lá ficou, evitando assim o transtorno de ir e voltar. À tarde
prosseguiam os trabalhos, a que praticamente todos se dedicavam. As mulheres
cuidavam da horta, mais próxima de casa, bem como dos animais – a ordenha das vacas
e a lida com as galinhas eram atividades desempenhadas pelas mulheres
(BAVARESCO, 2005).
Um exemplo de união entre as famílias era no estabelecimento da propriedade
que tinha como primeiro passo a derrubada da floresta, atividade estafante, mas
desempenhada em cooperação entre os integrantes da comunidade.
Muitos colonos reuniam-se na hora de derrubar as florestas e fazer a primeira
plantação. A adversidade do meio físico em que se alojaram os pioneiros foi
um dos fatores motivadores da solidariedade. Esta organização social local,
fortemente baseada nas relações de solidariedade vicinal, tornou-se
indispensável à sobrevivência da família do colono, perdida e isolada em
meio a densas matas. (SCHNEIDER, 2004, p. 24).
22
Dentro da organização social familiar, o pai desempenhava o papel de chefe,
determinava a rotina e tudo o que aconteceria em sua propriedade. Ele era respeitado e
suas decisões não eram questionadas.
O respeito aos pais era uma forte característica existente entre os colonos que
migraram para o extremo oeste, bem como os laços de família, valores culturais
herdados dos antepassados.
Os agricultores desempenhavam diversas atividades em seu lote de terra, como
a criação de suínos, de galinhas e de gado, assim como o cultivo de mandioca, de
batata-inglesa, de milho, de arroz e de feijão. Essas criações e esses cultivos
destinavam-se, em grande parte, ao sustento destes mesmos trabalhadores, pois, apesar
da abundância de colheitas, havia dificuldades para comercializá-las: as vias de
transporte eram precárias, e quase não existiam pessoas que se dedicassem à atividade
comercial (ZAAR, 1999).
Outro marco da colonização foi o espírito de ajuda mútua entre os agricultores,
o que viabilizou a organização das associações que, por sua vez, deram origem às
comunidades. Dentro das comunidades existiam agricultores que apresentavam muitas
semelhanças na forma de conduzir as atividades na propriedade, na organização e na
rotina de trabalho. Esses são aspectos marcantes do período da colonização.
A definição dos rumos da propriedade era ditada pelo agricultor, definindo
seus horários e dedicando parte de seu tempo a assuntos que beneficiassem a todos os
membros da comunidade. O pai ocupava as funções de administrador, o topo da cadeia
hierárquica dentro da família. As propriedades encontravam-se inseridas em outra
sociedade: a comunidade. A estrutura de organização das propriedades nas comunidades
é assim resumida:
O mais importante nessa questão parece ter sido o fato de a comunidade se
ter transformado na polarizadora de desenvolvimento, de modernização e de
promoção humana em todos os sentidos. A comunidade de fato representava
a célula, a estrutura e a organização embrionária, da sociedade maior e mais
ampla. [...] Num modelo social que possuía a sua base institucional na
comunidade, todo um desenvolvimento futuro poderia facilmente ser
projetado e programado. [...] Nesse esquema, a máquina burocrática
municipal, estadual e federal funcionaria apenas como fiador de uma
logística que garantisse apenas os direitos e deveres básicos do cidadão, não
o atrapalhando em sua criatividade na sua operosidade. (ZILLES apud
RAMBO, 1992, p. 16).
Cada comunidade se constituía numa célula fechada e harmônica. As
contradições, as injustiças e as arbitrariedades eram quase sempre decididas em favor da
identidade social e coletiva (EIDT, 1999).
23
Os imigrantes mudaram a paisagem social do Centro-Sul do Brasil, com sua
presença nas atividades econômicas, com seus costumes, com seus hábitos alimentares,
contribuindo também para valorizar uma ética no trabalho (FAUSTO, 2003). A chegada
e o estabelecimento dos imigrantes alemães no Rio Grande do Sul foi marco da
colonização no século XIX, essa que se expandiu, posteriormente, já no século XX, para
o oeste do Estado de Santa Catarina e para os demais Estados brasileiros.
A estrutura fundiária ficou pautada na pequena propriedade, mas existem
outros aspectos relevantes, característicos na configuração do espaço da região em
estudo, como é o caso da constituição dos núcleos
TPF
7
FPT, que eram formados
homogeneamente no que tange à origem e também quanto à crença religiosa.
Em resumo, o imigrante procedente do Rio Grande do Sul formava uma nova
camada populacional, tendo como principal característica a propriedade da terra. Para
suprir as necessidades básicas das diversas comunidades que surgiram, instalavam-se
pequenos comércios com base na produção local. Nela destacam-se moinhos, serrarias,
ferrarias, olarias, ou seja, indústrias que proporcionassem, logo de início, produtos que
dessem melhores condições de vida aos habitantes (BAVARESCO, 2005).
2.2 O Associativismo
Os imigrantes, eminentemente pobres, sem saber falar o português,
encontraram no Brasil uma infraestrutura precária, sem praticamente nenhum amparo
governamental. Na tentativa de solucionar as adversidades, ficou decidido que os
recém-chegados, e os que aqui estavam, deveriam se unir e buscar as soluções através
da cooperação, criando associações de ajuda mútua. Essas associações serviram para dar
o suporte necessário na manutenção da colonização, para proporcionar o bem-estar dos
TP
7
PT Os núcleos coloniais (formadores das bases das comunidades) surgiram da organização dos agricultores
após a tomada de posse dos lotes coloniais. Em muitos casos apresentaram características semelhantes
na constituição, como é o caso da construção da escola e da igreja como primeiras obras; da escolha dos
integrantes desses núcleos coloniais através da raça e do credo; etc. (Ver Associativismo, item 2.2 do
presente trabalho).
24
agricultores e para garantir a expansão da fronteira agrícola. Essa característica não
afetou, porém, a totalidade do Estado gaúchoTPF
8
FPT.
A sociedade colonial formada pelos imigrantes alemães no Rio Grande do Sul
manteve um nível de vida relativamente fechado durante mais de um século, vindo a ser
desarticulado somente a partir de meados de 1950. O modo de vida dos colonos
manteve-se solidamente ancorado no processo de expansão da fronteira agrícola do Rio
Grande do Sul como um todo. A forma de produzir adotada pelos colonos, ou o que
também podemos denominar de “sistema produtivo colonial”, compreendia três fases: o
desmatamento, o arroteamento e a rotação de terras. O sistema produtivo foi um dos
principais elementos de perpetuação do caráter relativamente autárquico dessa
sociedade, permitindo que sua reprodução ocorresse na mesma medida em que era
possível expandir a zona pioneira (SCHNEIDER, 2004).
Foram inúmeras as associações criadas com as mais diversas finalidades:
clubes de lazer, clubes de caça, associações esportivas, associações folclóricas, entre
outras.
A preocupação com a perda dos valores culturais, econômicos e,
principalmente, étnicos fez com que lideranças religiosas das Igrejas Católica e
Evangélica Luterana tomassem a frente da organização das associações. As lideranças
religiosas eram unânimes quanto à necessidade da organização dos agricultores em
associações devido ao entendimento dos problemas enfrentados pela população
residente na zona rural. A criação de uma associação de grande abrangência deveria ser
pensada para congregar toda população imigrante e/ou seus descendentes residentes nas
áreas de colonização.
A ideia era criar uma associação que tivesse fins múltiplos, baseada na
coordenação de forças que conseguisse proporcionar qualidade de vida aos
colonizadores, instigar o espírito de solidariedade, buscar a união dos agricultores para
um fim coletivo e proporcionar certa autossuficiência às comunidades. Foi assim
idealizada a Associação dos Agricultores Rio-Grandenses. O Padre Jesuíta Theodor
Amstad foi o principal mentor da formação e da concretização da implantação dessa
TP
8
PT O Estado do Rio Grande do Sul recebeu imigrantes alemães, italianos e poloneses durante os séculos
XIX e XX, imigrantes que constituíram o início do espaço colonial rio-grandense, ampliando o
processo de colonização até que as terras florestais do norte e do nordeste gaúcho foram ocupadas até o
final dos anos 1940. As áreas de campo, na parte central e do sul, mantiveram o latifúndio pecuarista e
não foram disponibilizados para a colonização com euro-brasileiros (GREGORY, 2008, p. 57).
25
Associação. Sua preocupação era com o fortalecimento da comunidade como um todo.
Acreditava que a solução dos problemas deveria partir do coletivo.
Atento às questões do seu tempo, Amstad, na sua forma simples, mas
determinada, de expressão, revela um amplo alcance de compreensão da
dinâmica social, da política e do comportamento do mercado. Talvez isso
tenha lhe dado motivação de, em vendo a situação de vida dos colonos,
suportar posições contrárias de eclesiásticos católicos e evangélicos
luteranos, quando propôs a criação de uma associação interconfessional e
interétnica para os colonos do Rio Grande do Sul. Em seu discurso, por
ocasião da fundação da Associação Riograndense de Agricultores –
Bauerverein -, no III Congresso dos Católicos realizado em 1900, em Santa
Catarina da Feliz, fez seu diagnóstico da situação dos colonos do Rio Grande
do Sul, desenvolveu uma análise de conjuntura e propôs as bases do
associativismo rural como forma de promover o bem-estar material
(RAMBO apud SHALLENBERGER, 2001, p. 270).
A principal preocupação de Amstad, no discurso da fundação da Associação
dos Agricultores Rio-Grandenses, era com o desequilíbrio entre o poder de compra e o
de venda dos colonos, fruto de um mercado que se moldou a partir das relações de
dependência do Brasil para com os países estrangeiros. Esta dependência foi
caracterizada como uma nova forma de escravidão, da qual todos deveriam se libertar.
A preocupação de Amstad se deve à desarticulação do processo produtivo,
desarticulação que gerava um baixo valor agregado pelo trabalho, baixo valor
constatado pela baixa valorização dos produtos no mercado.
Outra característica importante do modo de vida colonial refere-se à
sociabilidade. Um dos aspectos determinantes da organização social da sociedade
colonial teuto-brasileira, pelo qual se entende uma forma de ocupação geofísica, era
baseado na abertura de caminhos por dentro da mata denominados linhas e/ou picadas.
Ao longo desses caminhos, as terras foram demarcadas, os colonos estabeleceram suas
propriedades e construíram suas moradias. Essa forma de ocupação geográfica,
associada à etnia, ao domínio da língua germânica e às dificuldades de comunicação
(falta de estradas, etc.), foi fator decisivo à formação e à manutenção de uma sociedade
com alto grau de endogamia e relativamente fechada sobre si mesma até meados da
década de 1950. O caráter quase autárquico desse modo de vida era reforçado pelas
intensas relações de parentesco e de religiosidade (SCHNEIDER, 2004).
A Associação dos Agricultores Rio-Grandenses deveria ser organizada e muito
bem planejada. Para que alcançasse o êxito almejado, todos os integrantes da
Associação deveriam se doar em prol da coletividade. Amstad conhecia a realidade das
26
comunidades, principalmente os problemas por elas enfrentados. Assim, para a
superação dos problemas, é que foi criada a Associação.
A finalidade da associação deveria vir acompanhada de medidas práticas,
traduzidas na diversificação da produção, no aumento da produtividade, na
industrialização e no associativismo. A diversificação representaria a
possibilidade de uma segurança alimentar. O aumento da produtividade
possibilitaria a produção de excedentes para o mercado e para a indústria.
“Produzir mais, exportar mais e importar menos, senão nos endividaremos
sempre mais”. A industrialização traria repercussões importantes sobre o
perfil da economia regional: agregaria valor aos produtos da agricultura e da
agropecuária, ampliaria a circulação de riquezas e as opções de mercado e
possibilitaria uma substituição das importações, o que “nos tornaria menos
dependentes do estrangeiro. Para que isso aconteça, é preciso, em primeiro
lugar, providenciar matérias-primas indispensáveis. Em segundo lugar,
garantir o surgimento de pequenas fábricas e assegurar a colocação de seus
produtos. (SCHALLENBERGER, 2001, p. 274).
Para o ingresso na Associação dos Agricultores Rio-Grandenses, o agricultor
deveria ser imigrante de nacionalidade alemã e/ou seus descendentes; tivesse como
objetivo a cooperação; e ser dotado dos valores regidos pelas Igrejas Católica e
Evangélica Luterana.
Na sua primeira fase, a Associação de Agricultores é destinada à colônia
alemã. “Colocar a colônia alemã em condições de prover, na medida do possível, a si
mesma as necessidades relativas a gêneros alimentícios, vestuário, instrumentos de
trabalho, instalação das moradias e ao mesmo tempo incentivar os equipamentos de
utilidade comunitária”, rezava o estatuto ao definir a finalidade da Associação
(SCHALLENBERGER, 2001).
A Associação foi idealizada com o propósito de estar presente em todos os
municípios onde fosse realizada a colonização. A estrutura organizacional da associação
buscaria estar formalmente presente em cada picada, pela associação destas nos
distritos, que, reunidos, formariam as associações paroquiais e municipais. Estes
vínculos formais gerariam uma cadeia de compromissos que ligariam as diferentes
diretorias a uma coordenação central, que promoveria, anualmente, assembleias gerais
onde se definiriam as políticas e as ações da Associação.
A ideia proposta pelo padre Amstad, em janeiro de 1900, de criar a Associação
dos Agricultores Rio-Grandenses – Bauerverein –, se expandiu muito rapidamente,
tanto que, em abril do mesmo ano, a associação já estava organizada em nível local,
distrital, municipal e estadual (ZILLES, 1992).
27
A fundação da Associação dos Agricultores Rio-Grandenses ocorreu em meio
a uma série de problemas sociais e econômicos motivados pelo impacto da imigração,
pela urbanização e seus efeitos, pelo crescimento do mercado interno, pela emergência
das organizações dos trabalhadores e pela pouca expressão das exportações brasileiras.
O Bauerverein avivou a agricultura gaúcha. Levantou temas de grande
interesse, traduzidos na modernização das relações de produção, na
introdução de novos produtos e na diversificação agrícola, na melhoria da
produtividade e na organização da produção. Desenvolveu o associativismo
rural sob a luz da perspectiva social cristã e promoveu a cidadania jurídica e
legal aos colonos. A sua mais significativa contribuição para a sociedade
gaúcha e brasileira pode ser centrada, no entanto, em dois eixos: a
experiência pioneira e bem sucedida do cooperativismo, nas suas diferentes
modalidades, e a colonização através da constituição de comunidades étnicas,
coesas e religiosamente identificadas, assistidas por crédito fundiário próprio.
(SCHALLENBERGER, 2001, p. 298).
A Associação dos Agricultores por seu caráter interconfessional e por sua
estratégia de ação centrada fortemente em torno da problemática das comunidades
rurais, nunca chegou a representar uma entidade que apresentasse uma direção superior
a todas as associações cristãs criadas entre os teuto-brasileiros. Sua estrutura
organizacional e sua dinâmica associativa responderam às peculiaridades da sociedade
local, oriunda da imigração, mas a sua atuação encontrou limites no campo religioso,
pelo cruzamento de interesses.
A dissolução da Associação dos Agricultores Rio-Grandenses se dá devido a
um conjunto de fatores. Basicamente, a implantação da legislação que regeu os
sindicatos pelo Estado e as divergências de interesses das Igrejas Católica e Evangélica
Luterana dificultavam a vida comunitária. Segundo Zilles (1992), não eram permitidos
casamentos entre católicos e protestantes; católicos não poderiam servir de padrinhos
para evangélicos luteranos e vice-versa; da mesma forma, católicos não frequentavam
os cultos de evangélicos, e evangélicos não frequentavam as missas nas igrejas
católicas.
Era reservado espaço, tanto no culto da igreja evangélica luterana como na
missa da igreja católica, para que os integrantes da diretoria da Associação trouxessem
recados de utilidade pública à comunidade. As reuniões que tratavam de assuntos de
interesse da comunidade eram marcadas, normalmente, para depois do culto ou da
missa, quando todos integrantes da comunidade se faziam presentes. Como os cultos e
as missas eram aos domingos, normalmente, no mesmo horário e em locais diferentes,
isso caracterizava mais um empecilho à manutenção da Associação interconfessional.
28
O fim da entidade Associação dos Agricultores Rio-Grandenses não significou
o esmorecimento do associativismo cristão. Representou uma reorientação e um
revigoramento dos católicos, que se viram obrigados a clarear seus objetivos e a
redefinir seus projetos de construção social, objetivos e projetos que propunham o
desenvolvimento autônomo das comunidades cristãs e a segura orientação da sociedade
dentro dos princípios éticos e doutrinários do catolicismo diante de um Estado que
sustentava políticas de intervenção e de modulação social no processo de sindicalização
da sociedade.
A importância da Associação Rio-Grandense de Agricultores para a história
social do Sul do Brasil não se resume ao fato de ela ter sido uma organização
interconfessional e, por isso, ter promovido a convivência entre comunidades católicas e
protestantes, o que, ao seu modo, já vinha acontecendo antes de sua experiência. Está,
sobretudo, na implementação do associativismo cristão, com a projeção de um modelo
de colonização e de organização social e produtiva centrado nas relações de cooperação,
relações que, a partir das referências étnico-culturais e religiosas, promoveram um
desenvolvimento comunitário que se orientava pelos princípios da autonomia e da
autossuficiência. Com a Sociedade União Popular – Volksverein -, foram retomadas,
com vigor, a defesa e a promoção do desenvolvimento de comunidades étnicas e
confessionais identificadas.
2.2.1 Sociedade União Popular (Volksverein)
A Sociedade União Popular (SUP) deu o suporte ideológico, financeiro e
técnico para a efetivação de inúmeras colonizações organizadas nos Estados de Santa
Catarina, além das diversas regiões do próprio Rio Grande do Sul. Foi essa entidade que
fomentou a colonização de Porto Novo. Para uma melhor ilustração, o Mapa 2 revela a
localização do núcleo colonial de Porto Novo.
29
Mapa 2- Projeto Porto Novo
Fonte: Base cartográfica: IBGE, 2005
A institucionalização da Sociedade União Popular (Volksverein) foi anunciada
por Theodor Amstad na IX Assembleia Geral dos Alemães Católicos do Rio Grande do
Sul, realizada em Venâncio Aires, de 25 a 27 de fevereiro de 1912. A unidade deveria
objetivamente visar ao incremento da religião e do trabalho. Lutar “[...] pelo nosso bem-
estar, pelo nosso credo e pelo desenvolvimento de nossas colônias, novas e velhas, para
que estas mantenham os seus patrimônios, os seus direitos e a sua vida”. E, para que isto
acontecesse, conforme Schallenberger (2001), recomendou:
a) providenciar escolas fundamentais e complementares;
b) divulgar boas leituras;
c) providenciar a colonização étnica e confessionalmente homogênea;
30
d) fomentar e manter as associações católicas, em especial as congregações
marianas;
e) desenvolver a formação religiosa.
Neste sentido, os eixos de convergência da Sociedade União Popular passaram
a ser, em sua fase inicial, a religião, a educação e a colonização. A colonização
apresentou-se como possibilidade de organização, de expansão e de ampliação dos
espaços social, cultural e produtivo. À educação esteve reservado o papel da formação
cristã. Era o meio pelo qual o indivíduo encontrava a possibilidade de se preparar para a
vida e para a cidadania. Pela educação popular desenvolver-se-iam as formas de
enfrentamento e de superação dos problemas do cotidiano e desencadear-se-ia um
processo de formação da consciência social. A religião, como fim último, evidenciaria a
utopia social e, a partir dos princípios da doutrina da Igreja, se afirmaria como força
mediadora das relações sociais. Nela e por ela os homens construiriam seu espaço de
liberdade e encontrariam sua libertação (SCHALLENBERGER, 2001).
O que a associação se propunha era criar referências que pudessem alicerçar as
ações; era buscar a unidade e revelar a diversidade possível; era construir a identidade e
descobrir a alteridade em sua diferença; era promover a solidariedade e organizar os
diferentes grupos sociais na defesa de seus interesses; era despertar a consciência diante
da nova realidade; era dar aos católicos elementos consistentes, através da formação
espiritual, humana e profissional; era desenvolver práticas conjuntas para desenvolver a
solidariedade, a cooperação e a organização comunitária, como propósitos inerentes ao
objetivo.
A segregação confessional não se deve aos problemas de convivência social.
Apesar das intrigas provocadas e das desconfianças semeadas, católicos e protestantes
conviviam numa relação amistosa ao longo do tempo. O que se apresentava para o
catolicismo era, sobretudo, a necessidade de um controle social para a legitimação de
suas ações, com o propósito de consolidar seu espaço e de construir seu projeto de
sociedade, alicerçado na doutrina social da Igreja (SCHALLENBERGER, 2001).
A ideia era separar as colônias não só por confissão, mas também por
nacionalidade. As colônias mistas com italianos, alemães e poloneses não levaram a
uma vida comunitária ordenada; muitas vezes, a parte mais fraca tornava a mudar-se, o
que também trouxe muitas dificuldades iniciais ao desenvolvimento econômico
(ZILLES, 1992).
31
A Sociedade União Popular surge com o propósito de manter as bases de
sustentação da Associação dos Agricultores Rio-Grandenses. A estrutura organizacional
partindo do local, passando para uma organização distrital e estadual, é mantida. O que
a Sociedade União Popular buscava era acertar onde a Associação dos Agricultores Rio-
Grandenses pecou. O aspecto de maior diferença entre as duas Associações foi que a
Sociedade União Popular ficou constituída apenas por alemães e/ou seus descendentes
católicos.
O fortalecimento das comunidades era o principal objetivo tanto da
Associação dos Agricultores Rio-Grandenses quanto da Sociedade União Popular. Os
agricultores, apesar de estarem organizados em comunidades, em distritos e em âmbito
estadual, defendiam, obviamente, em primeiro lugar os seus interesses locais, os
interesses de sua comunidade.
A Sociedade União Popular para os alemães católicos do Rio Grande do Sul
visou, a partir de seu núcleo originário, buscar o enraizamento social através de sua
inserção nas instituições comunitárias. Assim: “Em toda paróquia, onde a sociedade é
aceita, será formado um distrito da Sociedade, e em toda a capela ou escola comunitária
haverá uma seção. Várias seções poderão juntar-se em um grupo local”, dizia o
parágrafo 6 do estatuto (SCHALLENBERGER, 2001).
A principal meta da Sociedade União Popular era estar fortemente organizada
no local: na comunidade, deixando apenas questões mais abrangentes para serem
decididas nas assembleias municipais e estaduais. Nesse panorama, a Sociedade União
Popular conseguiria ser administrada mais facilmente.
Se cada comunidade conseguisse dar conta das especificidades locais, a
direção central da Sociedade União Popular poderia ocupar-se “da satisfação
geral dos católicos alemães”, mantendo uma sede, que promoveria a
integração das entidades locais e a unidade de orientação e de ação. A central
do Volksverein constituir-se-ia numa espécie de escritório de orientação,
acompanhamento, ajuda e proteção dos associados. Promoveria a informação
através da edição de periódicos e da distribuição de material informativo e de
formação, e seria animada e dirigida por uma diretoria composta por
integrantes da sede, Porto Alegre, e do interior. Como a União Popular estava
sendo organizada em distritos, em grupos locais e em seções, as instâncias de
libertação seriam a Assembléia Geral e a Reunião dos Delegados. Assim
pensada, a Sociedade foi criando forma e personalidade
(SCHALLENBERGER, 2001, p. 317).
A organização da Sociedade União Popular se deu por meio da aprovação de
um estatuto. As ações da associação eram seguidas na íntegra pelo estabelecido no
32
estatuto. Os cargos mais importantes da Sociedade União Popular foram assumidos
pelos padres católicos. Ficou definido no estatuto, no parágrafo 7, que a direção:
[...] é formada pelo presidente, pelo vice-presidente, pelos dois secretários,
pelos tesoureiros e, também, pelos conselheiros, que são de Porto Alegre e
dos demais distritos da Sociedade. Eles são escolhidos a cada dois anos pela
Assembléia dos Delegados. Além disso, o secretário geral e o secretário de
viagens pertencem à direção, como também todos os tesoureiros dos distritos
da Sociedade. (DEUTSCHES VOLKSBLATT apud SCHALLENBERGER,
2001, p. 322-323).
A Sociedade União Popular foi muito além de uma simples Associação,
participava das questões culturais, nas decisões econômicas, desempenhou auxílio nas
questões jurídicas, sociais, a ponto de poder ser considerada um governo secundário,
pois o Estado existiu, porém muito pouco interferiu, ou mesmo pouco ajudou na
organização das Associações.
A administração da justiça e o arbítrio final sobre quaisquer questões estavam
atrelados direta ou indiretamente à Igreja. As escolas, as rodovias e os hospitais eram,
por exemplo, construídos e mantidos através de uma rede de associações que ignoravam
a presença do Estado. Constituía-se ponto vital para o controle normativo da
colonização que a justiça final fosse estabelecida conforme os pressupostos e as
convenções sociais, tudo determinado pelos mentores da colonização (EIDT, 1999).
As responsabilidades de implantar, de expandir e de administrar a SUP
ficaram a cargo dos padres jesuítas. O objetivo era o desenvolvimento de comunidades
coesas, etnicamente estruturadas e com forte presença religiosa em sua formação e
organização.
Como se percebe, a Sociedade União Popular foi uma entidade muito bem
organizada e planejada, por isso conseguiu vários avanços nas frentes de colonização,
na educação, na constituição e na organização das comunidades, nas tarefas por ela
assumidas, no desenvolvimento econômico, na criação da infraestrutura, enfim, em
todos os aspectos onde esteve inserida.
Apesar de os colonos terem se organizado e alcançado êxitos com os núcleos
homogêneos, algumas mudanças foram necessárias para que o sistema colonial pudesse
ser mantido. É o que Schneider (2004) chama de estratégias frente aos momentos de
crise. As crises, além de indicarem as fraquezas e os limites desse sistema, demonstram
também a capacidade de reconversão e de adaptação do modo de vida colonial a novos
33
desafios. Dentro do sistema colonial, o autor destaca pelo menos duas das principais
estratégias para sobrevivência do sistema produtivo:
– A primeira delas é a substituição da policultura comercial pela criação de
suínos, destinados à produção de banha, ocorrida entre 1890 e 1930. Nesse período, a
Colônia Velha de São Leopoldo sofreu uma significativa queda na produção agrícola
destinada ao comércio. Esse crescimento da suinocultura pode ser entendido como uma
estratégia do sistema produtivo colonial da região de colonização antiga para buscar
uma alternativa à entrada das colônias novas na produção agrícola.
– A segunda estratégia de resistência, que ocorre em consequência da anterior,
refere-se às migrações das colônias velhas em direção às colônias novas. As
dificuldades de reprodução do sistema produtivo levaram um grande número de jovens
colonos a emigrar. É nesse período que se dá o processo de ocupação da fronteira
agrícola do Norte do Rio Grande do Sul. Nesse caso, as migrações de rural-rural
também podem ser entendidas como estratégia de reprodução do sistema produtivo
colonial e de seu modo de vida correspondente (SCHEIDER, 2004).
A Sociedade União Popular, criada e regida pelos jesuítas, assumiu como
prioridade a salvaguarda constante e persistente da cultura alemã e da Religião Católica.
O crescimento demográfico, a concentrarão fundiária, o esgotamento da terra e o
pauperismo verificado nas colônias velhas (Rio Grande do Sul) comprometiam a
manutenção da unidade e a preservação da cultura alemã (EIDT, 1999). Esses fatores,
aliados a uma agricultura rudimentar e predatória, originaram a preocupação de
conquistar novas áreas de terra para a colonização.
Dentro de toda a organização da Sociedade União Popular estava inserido o
professor paroquial e sua escola. Suas atribuições não se resumiam apenas a repassar
conteúdos aos alunos. O professor desenvolvia papel relevante em vários aspectos da
vida comunitária, aspectos que contribuíram para o êxito da Sociedade União Popular.
2.3 O Professor
As Associações perceberam a falta de infraestrutura governamental em todos
os sentidos. Um dos setores mais precários era o da educação. Não existiam escolas. As
34
associações, então, resolveram adotar, em seus estatutos, a criação e a manutenção das
escolas. Ao fundar uma nova comunidade, além da igreja, uma das primeiras
construções era a escola.
O padre jesuíta Amstad sempre ressaltou, em sua fala, a importância da escola
na comunidade.
Como Amstad, os lideres evangélicos luteranos perceberam que a missão
religiosa só teria êxito se houvesse um incremento cultural que elevasse o
nível de entendimento, que aproximasse de uma visão de mundo sustentada
nos princípios do cristianismo e despertasse para a cidadania. A escola
poderia exercer esta mediação, por isso era necessário colocá-la no centro da
vida comunitária e, também, dispondo-a a serviço da agricultura. (DREHER
apud SCHALLENBERGER, 2001, p. 273).
A origem da preocupação com a educação por parte do clero remonta de longa
data. Na Alemanha, o ensino religioso ocupava lugar central de todas as escolas
católicas e protestantes até o final do século XVIII, cujo objetivo principal era formar
bons cristãos (KREUTZ, 1991).
No Brasil, católicos e protestantes eram categóricos em ressaltar a importância
que representava a escola na comunidade. “O imigrante, a princípio, e depois o vigário
e o pastor tiveram que solucionar a lacuna, diante da omissão governamental, tão
lamentável quão importante: a falta de professor. E este foi recrutado entre os próprios
colonos e não pode ensinar senão, em língua alemã” (MORAES, 1981, p. 100).
Na Sociedade União Popular, a escola tinha, junto da Igreja, papel de destaque
na organização das comunidades rurais. A colonização encabeçada pela Sociedade
União Popular só se tornou tão próspera em razão da colaboração dos professores
paroquiais.
Para construir e manter a identidade e dinamizar o projeto comunitário,
servindo de animador religioso e cultural, a igreja recorreu ao professor paroquial,
personagem esse já imprescindível nas regiões de origem dos imigrantes alemães do
século XIX, determinante para a consecução de projeto de restauração católica no Rio
Grande do Sul e fundamental na estruturação da colonização das colônias novas do
oeste de Santa Catarina (EIDT, 1999).
Os religiosos supervisionavam as escolas e, mais ainda, o ensino, aprovando
ou não o professor e os conteúdos programáticos. As principais normas trazidas do Rio
Grande do Sul e aplicadas em Porto Novo foram:
35
a) o professor será escolhido pela comunidade e apresentado ao Padre Vigário
e à Sociedade União Popular, para avaliação e confirmação.
b) o professor deverá aceitar o Padre Vigário como sendo seu superior,
inspetor das aulas e pastor, dispondo-lhe a escola a qualquer hora.
c) o professor deverá acompanhar os alunos à igreja durante a visita do padre.
d) o professor deverá rezar com os alunos no início e no fim das aulas.
e) todos os dias deverá ministrar aulas de catequese e, aos sábados,
ensinamentos bíblicos.
f) na sede, os alunos e professores deverão participar da santa missa todos os
dias antes de começar as aulas (vigorou até 1960) (JUNGBLUT, 2000).
Na Sociedade União Popular, o professor paroquial, com suas múltiplas
funções (culturais, políticas, religiosas e sociais), era um personagem estratégico para o
aglutinamento dos migrantes e para a imposição de todas as normas estabelecidas pelo
clero (EIDT, 1999). Jaeger (1998) lembra que ser professor era muito mais que
ministrar as aulas. Cabia-lhe um papel na sociedade, papel cheio de compromissos,
como dirigir o coral, preparar a leitura nas missas e em outros eventos, ser catequista,
ser conselheiro, participar de casamentos e de enterros, enfim, ser líder.
O professor era também responsável direto na organização de mutirões
comunitários para a edificação das escolas, das igrejas, dos cemitérios, dos salões e das
estradas, além das edificações paroquiais como hospitais, casa paroquial e igreja matriz,
seminários e conventos. Constituiu-se obrigação do professor organizar ajudas para
socorrer famílias desestabilizadas pela pobreza ou pela doença. Manter a harmonia, a
unidade e o conservadorismo, além de repassar os valores ditados pela Igreja, isso
deveria, obrigatoriamente, fazer parte do perfil do professor comunitário. Era
imprescindível que estivesse afinado com o projeto católico (KREUTZ, 1991).
A função do professor era constantemente enaltecida. Se, no entanto, a ação do
professor era ineficiente, as partes envolvidas eram encaminhadas ao vigário e,
dependendo das causas das desavenças, à Sociedade União Popular (EIDT, 1999).
Para Moraes (1981), o sistema educacional implementado na colonização foi
falho para inserção dos descendentes alemães na cultura brasileira. A situação
calamitosa dos meios de alfabetização pelo idioma nacional, dos colonos descendentes
ocupou largo período da colonização e trouxe, com certeza, sérios empecilhos para a
36
assimilação e para a nossa cultura, porque esta, sobretudo, depende da educação e, se
não existe ou existe defeituosa, só poderá retardar o processo cultural do grupo social.
O Decreto-Lei Federal nº 406, de maio de 1938, conhecido como Lei da
Nacionalização, com suas regulamentações estaduais repressivas, trouxe, às colônias
alemãs, uma escola independente do sectarismo clerical, ou seja, a escola passou a ser
responsabilidade do Estado e por ele obviamente mantida e dirigida (EIDT, 1999).
Jungblut (2000) descreveu a situação de Itapiranga no momento da
institucionalização da lei:
Itapiranga contava com mais de 6000 pessoas, distribuídas em dezessete
comunidades religiosas. Eram famílias numerosas que atravessavam as
peripécias dos primeiros anos de colonização e estavam consolidando o seu
novo lar e sua nova pátria. Conheciam somente a “Colônia Velha” (terra de
origem) e a “Colônia Nova” (Porto Novo). A maioria não conhecia trem,
rádio, carro e outras maravilhas da ciência, da época. Faziam o transporte
com mulas, carroças e cavalos. Zelavam com carinho a cultura alemã,
especialmente a língua e a religião. O Governo brasileiro nunca os havia
importunado nesse sentido, aliás, revelou-se indiferente a tudo que eles
faziam. Pagavam impostos espontaneamente, pois mantinham suas escolas,
estradas, igrejas e entidades sociais de modo que nada deviam ao governo.
A normalidade da colônia Porto Novo foi quebrada violentamente pela Lei
Federal nº 7.614, de 12 de dezembro de 1938, que, no seu artigo 7º, dizia: “A instrução
primária será ministrada exclusivamente em Português”. Essa lei teve desdobramentos
administrativos e pedagógicos no município, a exemplo dos demais municípios
catarinenses colonizados por outras etnias. Além de proibir falar língua materna em
Santa Catarina, estabeleceu-se uma significativa repressão à população. Escolas foram
proibidas de ensinar em língua estrangeira e a polícia reprimia manifestações e efetuava
prisões (EIDT, 1999).
Moraes (1981) justifica a dificuldade em erradicar as instituições escolares
administradas por religiosos, fossem católicas ou evangélicas, em consequência do
longo tempo de seu funcionamento, pois que, ante a indiferença do poder publico,
provinham elas desde os primeiros anos da colonização por um imperativo altamente
justificável, qual seja o de não deixarem na ignorância elevados contingente de teuto-
brasileiros que viviam em regiões onde não havia escola pública, ou professor nomeado
ou contratado pelo governo.
Em Itapiranga, a aplicação da Lei da Nacionalização trouxe confusão, espanto,
revolta e inconformismo. As escolas paroquiais foram fechadas e os professores
demitidos. O Estado enviou para Porto Novo professores concursados de outras origens,
37
e exigiu a reabertura das escolas, agora pertencentes à rede pública estadual. A Lei
previa severas penas aos infratores. Várias escolas nem funcionaram mais; outras
reabriram anos mais tarde. Existiam muitas comunidades que não aceitavam o professor
e, como represália, não lhe davam pensão. Teciam comentários preconceituosos a
respeito dos intrusos mandados para Itapiranga para serem professores (JUNGBLUT,
2000).
A nacionalização do ensino significou, no município de Porto Novo, o
pagamento dos professores pelo Estado. As funções históricas do professor com a
comunidade permaneceram, porém, praticamente inalteradas até a década de 1970,
quando, gradativamente, foram abolidas. A prosperidade da região levou o Estado a
assumir a dianteira da educação. Começou a promovê-la em todos os níveis através da
alocação de recursos públicos (EIDT, 1999).
O enriquecimento de uma casta da população rural, enriquecimento vinculado
ao processo de modernização da agricultura e da agropecuária, criou um apartheid
social e quebrou a homogeneidade das propriedades rurais. A diferença econômica entre
as famílias rurais quebrou a identidade historicamente construída e afetou a vida
comunitária e o modelo de educação centrado no professor (EIDT, 1999).
Tradicionalmente, a escola desempenhou papel de destaque dentro da
organização das comunidades e da Sociedade União Popular. Essa escola tradicional
serviu como elo entre o clero e a população. As atribuições dos professores eram
múltiplas, do interesse da comunidade e atreladas ao clero. O espaço das escolas era
utilizado para reuniões das Associações. A instituição das escolas enrijeceu a coesão na
comunidade.
A abrangência da Sociedade União Popular foi além da implantação das
escolas. Buscou seu espaço em todos os sentidos, com apoio social, cultural e
econômico na fundação das comunidades. Os agricultores conseguiram manter as
comunidades e expandir a frente de colonização, graças ao auxílio da Sociedade União
Popular. A preocupação com as dificuldades econômicas enfrentadas pelas
comunidades era assunto pertinente às reuniões da Associação. A pobreza da população
figurava-se como um grande problema a ser solucionado. As lideranças da Igreja
Católica, percebendo esse problema, resolveram tratar da instalação das chamadas
“caixas de crédito”. As caixas de crédito serviram para dar suporte financeiro na
administração e na expansão da colonização.
38
2.4 As Caixas de Crédito
Frente a todas as dificuldades encontradas pelos agricultores, a questão
econômica era a de maior preocupação. O empobrecimento dos colonos, tributado
principalmente ao pouco valor de mercado dos produtos agrícolas, resultou na crescente
incapacidade de formação de poupança, o que inviabilizava investimentos quer na
ordem da expansão das fronteiras agrícolas, quer para a inovação tecnológica. O
enfrentamento das questões do mercado agrícola da expansão das fronteiras, do
aumento da produção, da melhoria da produtividade e do crédito rural, como forma
elementar de subsidiá-las, só se faria possível mediante um movimento associativo que
se fundamentasse em sólidas relações de cooperação (SCHALLENBERGER, 2001).
As dificuldades financeiras vão desde a aquisição até a regulamentação das
propriedades. Não existiam linhas de crédito disponíveis nem para a compra dos lotes,
menos ainda para o cultivo das terras. Era necessário que os agricultores criassem meios
para superar mais essa dificuldade. Era necessário, mais uma vez, a intervenção da
Sociedade União Popular, que organizou as caixas de crédito rural.
Para os problemas econômicos, a solução encontrada foi promover a união dos
agricultores para a implantação das caixas de crédito do sistema Reiffeisen. A
implantação das caixas de crédito foi adaptada do sistema das caixas de crédito criadas
por Friedrich Wilhelm Reiffeisen na Alemanha, por volta de 1848. Na Alemanha, as
cooperativas de crédito para os agricultores ficaram conhecidas comBancos
Reiffeisen”, denominação dada, como se vê, em homenagem a seu idealizador
(JUNGBLUT, 2000).
O objetivo da fundação das caixas de crédito criadas pelo alemão Reiffeisen foi
o de dar suporte econômico aos agricultores, para que conseguissem adquirir e
administrar seus lotes de terra. Reiffeisen criou um banco só para os agricultores, onde
estes pudessem financiar cada um seu lote de terra, a casa, os primeiros bois, as
primeiras vacas, os primeiros porcos, a primeira lavoura, tudo a juros baixos, sem
hipotecas e a prazos longos. Conseguiu que empresas e pessoas ricas avalizassem a
tomada de grandes somas nos grandes bancos, em nome da cooperativa, que repassava o
dinheiro para os colonos associados. Com o tempo, os bancos Reiffeisen criaram
estrutura suficientemente forte para gerenciarem os empréstimos e a captação de
depósitos. Contra a pouca valorização dos produtos dos agricultores, propôs fundar
39
cooperativas de comercialização dos produtos agrícolas, para diminuir a ação dos
intermediários (JUNGBLUT, 2000).
Padre Amstad conhecia a estrutura e a organização do sistema Reiffeisen e
tratou de propagar tal estrutura no Rio Grande do Sul. As caixas de crédito tiveram
papel fundamental na expansão da fronteira agrícola como um todo e, principalmente,
na aquisição dos lotes nos municípios que integram o projeto Porto Novo.
As caixas de crédito rural também foram caixas de depósito. Através dos
recursos captados pode ser administrada mais facilmente. Os juros pagos aos
depositantes e as taxas de juros cobradas pelo empréstimo eram baixos. Outra
característica foram os prazos mais longos para o pagamento do empréstimo. O
princípio do sistema de Caixas de Crédito Reiffeisen Brasileiro era de auxílio aos
agricultores, de modo que os mesmos conseguissem honrar suas dívidas.
Além dos prazos mais longos e dos juros mais baixos, Schallenberger (2001)
destaca que os fundamentos da estrutura das Caixas de Crédito Reiffeisen estavam
pautados na solidariedade, na ajuda mútua e na subsidiaridade, buscando reunir as
pequenas sobras geradas num depósito que pudesse formar poupança para a própria
valorização das pequenas economias e para a formação de um fundo para empréstimos
individuais e investimentos coletivos.
As chamadas “caixas rurais” eram instituições bancárias com objetivos
benemerentes. Cada comunidade podia fundar e administrar o seu próprio
estabelecimento, orientado pelos princípios regidos por um estatuto. Foi através delas
que foram lançadas as bases do cooperativismo brasileiro.
O princípio Reiffeisen não é nada menos que o cooperativismo, é a união de
correligionários em comunidade de interesses para auxílio mútuo.
Conseqüentemente, uma associação com fim ideal a base cristã em espírito
caritativo cristão, uma ajuda mútua, um socorro mútuo, não somente para
vantagem de um, mas a favor de uma coletividade, a favor de uma grande
causa e para alcance de um grande objetivo. (ZILLES, 1992, p. 61-62).
O cooperativismo e a organização das caixas de crédito rural não estavam
amparados em legislação específica. A legislação brasileira não previa a organização
dos agricultores em associações, nem de qualquer outra forma de organização em
cooperativas.
40
Amstad não esperou a providência do governo, que baixou legislação sobre o
cooperativismo somente em 1907, e fundou em Nova Petrópolis, na linha
Imperial, em dezembro de 1902, numa experiência primeira, com dezenove
agricultores, uma Associação de Depósito e de Crédito – Caixa Rural, que
marcou o início do cooperativismo brasileiro. (SHALLENBERGER, 2001, p.
288).
O êxito das caixas de crédito rurais no sistema Reiffeisen se deu em função de
diversos fatores; um desses é que as pessoas se conhecem dentro da comunidade e têm a
possibilidade de instalar, para si, uma caixa semelhante sem a concorrência egoísta e
prejudicial. Zilles (1992, p. 63) justifica que
[...] diferente da rigidez dos contratos de empréstimos de hoje, era usado o
bom senso entre os membros sócios, uma vez que todos se conhecem. Um
credor teve má sorte na colheita, não é capaz de pagar a dívida no prazo
estabelecido, é concedido tempo maior. Ele sabe que sua dívida está em mão
de amigos e pessoas benévolas.
Os lucros deveriam reverter em beneficio da comunidade. Em 1925, fundou-se
a Central das Caixas Rurais. Esta se destinava a intercambiar recursos entre as
diferentes caixas associadas a ela. Desse modo, era possível reunir um bom capital para
financiar obras de grande porte (ZILLES, 1992).
O estatuto rezava que “a sociedade te por fim combater a usura, fornecendo
a juro módico a seus sócios, e somente a eles, os capitais necessários à
exploração de seu pequeno trabalho, facilitando-lhes o exercício de sua
profissão”. Segundo o mesmo estatuto, “poderão fazer parte da sociedade
todos os indivíduos, especialmente os pequenos lavradores e os profissionais
da indústria conexas com a agricultura que, tendo a livre disposição de sua
pessoa e bens e gozando de seus direitos civis, não pertenceram à outra
sociedade de crédito congênere”. No parágrafo primeiro do artigo oitavo
assegurava: “Os lucros verificados anualmente pelo balanço serão assim
repartidos: a) 80% para o fundo de reserva; b) 20% a ser levado a um título
especial, destinado para fins beneficentes ou contra qualquer despesa
imprevista que ficará ao critério da Diretoria decretar seu destino”. O fundo
de reserva, propriedade exclusiva da sociedade, era destinado a reparar
prejuízos eventuais, não podendo ser partilhado. (SCHALLENBERGER,
2001, p. 289).
A ligação das caixas com a SUP também estava descrita em um dos parágrafos
dos estatutos das caixas rurais, parágrafo que atribuía a direção dessas instituições
apenas a membros que pertencem à SUP. Os clérigos, apesar de manterem os principais
cargos, aconselharam sua substituição gradativa por leigos. Esse processo tomou forma
depois de 1926 (ZILLES, 1992).
41
Dotada de uma infraestrutura completa (bancos, técnicos, jornalistas, etc.), a
Sociedade União Popular, a partir da primeira metade do século XX, tratou de estruturar
inúmeras colonizações organizadas no oeste de Santa Catarina. Através das caixas rurais
(Sparkassen ou Raiffeisen), fornecia crédito barato e acessível aos colonos dispostos a
migrar para as frentes de colonização (EIDT, 1999).
O objetivo dos empréstimos realizados pela Caixa Reiffeisen era o de ajudar
membros da cooperativa em necessidade. Assim, ficou definido que somente poderia
ser concedido empréstimo a sócios. Deste modo, também os devedores têm interesse no
bem-estar da caixa (ZILLES, 1992).
As chamadas “cooperativas de crédito” foram implantadas pelo padre Amstad
a partir de 1902. Funcionaram como instituições bancárias de crédito e de poupança
voltada, principalmente, à clientela de origem alemã. Tais cooperativas eram
fiscalizadas e administradas inicialmente pela Sociedade União Popular. Essas caixas de
crédito foram as principais responsáveis pelo avanço das frentes de colonização para o
oeste catarinense e para a aquisição dos primeiros lotes de Porto Novo.
Em resumo, procurou-se, aqui, neste breve histórico, destacar as funções da
Igreja, cujos representantes locais e regionais lideraram a implantação e a organização
das associações, as quais, eminentemente, se transformaram em comunidades coesas;
também foi destacada a importância do espaço da escola e destacadas as inúmeras
atribuições do professor servindo de elo entre o clero e a população; por fim, foi descrita
a forma como foram fundadas e a importância que tiveram as caixas de crédito,
inclusive para o financiamento de novas frentes de colonização.
O regime das pequenas propriedades, a alta taxa de natalidade e o baixo índice
de mortalidade foram responsáveis pelo rápido esgotamento das fronteiras do espaço
agrícola das chamadas “colônias velhas” e foram, por isso, os principais motivos que
levaram à expansão da fronteira agrícola, seja dentro do Rio Grande do Sul, seja em
direção ao oeste de Santa Catarina, subindo pelo mapa do Brasil
(SCHALLENBERGER, 2001).
A dinâmica das regiões coloniais do Brasil Meridional propiciou a constituição
de sociedades típicas e a organização de espaços nos quais os euro-brasileiros viviam
uma vida (predominantemente) rural, vida na qual a posse legal e de fato de uma área de
terra suficiente para a reprodução da unidade familiar era um objetivo fundamental. À
medida que esses espaços eram planejados e se desenvolviam, as terras iam sendo
adquiridas, cultivadas, subdivididas e exploradas. Mais cedo ou mais tarde, as terras
42
começavam a faltar e os colonos então saíam em busca de novas terras nas fronteiras
agrícolas e nas fronteiras do espaço colonial (GREGORY, 2008).
2.5 A Fundação de Porto Novo
A gleba de Porto Novo foi comprada em etapas, a partir de 1926, pelas Caixas
de Crédito do Estado do Rio Grande do Sul para a Sociedade União Popular, para que
essa entidade iniciasse a formação de uma colônia a ser ocupada exclusivamente por
alemães – natos ou descendentes – fiéis à Religião Católica Apostólica Romana.
Para integrar o oeste catarinense ao desenvolvimento econômico do Estado de
Santa Catarina foram necessárias algumas medidas que promovessem a colonização
daquela área. O sistema de colonização seguia os princípios de colonização implantados
no Estado do Rio Grande do Sul: a distribuição de grandes áreas de terras pelo governo
a empresas colonizadoras, a subdivisão dessas em lotes coloniais, com a
responsabilidade de a empresa colonizadora fornecer a infraestrutura necessária para a
ocupação definitiva da região.
As terras de praticamente todo o oeste catarinense eram, até 1910, terras
devolutas, quando passaram a ser propriedade da empresa americana “Brazil Railway
Co.” Esta criou uma filial, denominada “Brazil Devolopment & Colonization Co.”,
responsável pelas terras da empresas (GREGORY, 2008). A firma americana era
proprietária de toda a região situada entre o Rio do Peixe e o Rio Peperi-Guaçu. Os
americanos não colonizaram nada, mas fizeram contratos de parceria com colonizadoras
brasileiras, terceirizando os serviços de colonização. Várias empresas compraram
grandes espaços e promoveram a vinda de colonizadores, vendendo-lhes terras em lotes
coloniais. Uma dessas empresas foi a Chapecó-Peperi Ltda., com sede no atual
município de Panambi/RS. Essa empresa comprou, em 1919, toda a área situada entre
os Rios Chapecó e Peperi-Guaçu, porém conseguiu garantir na Justiça apenas a região
situada entre o Rio das Antas e o Rio Peperi-Guaçu, em 1924 (JUNGBLUT, 2000).
As migrações primeiramente ocupavam as terras ao longo do Rio Uruguai, em
seguida expandiam-se até a divisa com o Estado do Paraná (GREGORY, 2008). A
explicação é que, apesar de o Rio Uruguai não ser navegável em boa parte do ano
43
(devido ao fato de as águas ficarem rasas e devido a cachoeiras), no período de cheias,
quando permitia a navegação, foi importante meio de comércio da madeira,
principalmente com a República Argentina, nos primeiros anos de colonização
(BAVARESCO, 2005).
A fundação e a colonização de Porto Novo, região hoje constituída por
Itapiranga, por São João do Oeste e por Tunápolis, foi resolvida no Congresso dos
Católicos, realizado em Santa Cruz do Sul/RS, em 26 de abril de 1925. Faziam-se
presentes no ato os delegados da Sociedade União Popular do Rio Grande do Sul,
sociedade que tomaria a iniciativa do feito (JAEGER, 1998).
A primeira compra de terras foi feita em 28 de janeiro de 1926 por parte da
SUP, representada na reunião por seu presidente, Sr. Jacob Becker, e pelo padre João B.
Rick. As terras foram adquiridas da empresa “Chapecó Peperi Ltda.” (JAEGER, 1998).
Mais tarde, a Sociedade União Popular comprou, desta mesma empresa, 2.340
lotes coloniais de 25 ha cada. Era a colonização de Porto Novo, atual Itapiranga,
apoiada pela Igreja Católica, idealizada anteriormente pelo P. Theodor Amstad
(BAVARESCO, 2005).
No dia 11 de abril de 1926, o Pe. Max celebrou a primeira missa, às 8:00
horas, em terras de Porto Novo, com assistência da comitiva. Considera-se esse dia
como o marco inicial da fundação de Porto Novo (JAEGER, 1998). Os primeiros
moradores, recrutados pelo projeto de colonização Porto Novo para alemães católicos,
vieram solteiros em maio de 1926. Em julho daquele ano, vieram as primeiras famílias
(JUNGBLUT, 2000).
Cada novo habitante relatava, aos que aqui desbravaram as matas, o que
acontecia nas “velhas colônias”, como se dizia. Os novatos sempre encontravam um
clima de solidariedade e ajuda mútua. O povo, nesse tempo, era simples, sem luxo e não
pensava em desfrutar conforto. A situação econômica não era boa. Havia muitas
dificuldades, principalmente devido à grande distância de mercados para os produtores
da colônia. Os moradores na época eram 95% descendentes de alemães e alguns natos
(da Alemanha ou da Romênia) (JAEGER, 1998).
Entre as principais atribuições do Volksverein quanto à colonização de Porto
Novo, segundo Jungblut (2000), estavam:
– convencer colonos alemães católicos a migrarem para a colônia de Porto
Novo;
44
– viabilizar meios e vias de locomoção para o transporte da mudança e viagem
dos interessados;
– providenciar escolas para os pioneiros;
– garantir assistência religiosa;
– cuidar da saúde em Porto Novo;
– construir estradas e pontes;
– lotear as terras;
– comercializar a madeira, especialmente o cedro;
– expedir as escrituras, etc.
O primeiro passo, para os colonos que vinham para o oeste de Santa Catarina,
era, na maioria das vezes, esperar a demarcação de sua área de terra para iniciar a
constituição de sua propriedade. Esse começo era um trabalho árduo, que exigia muito
esforço do colonizador, tal como Bavaresco (2005, p. 92) nos descreve:
Uma família pioneira começa o ciclo cultural comprando a terra numa área
de mata desabitada. Em seguida, derruba e queima a floresta, à maneira dos
índios; planta milho, feijão preto e mandioca usando cavadeira e enxada, e
constrói uma casa primitiva [...] A fim de utilizar o excesso de sua safra, cria
porcos, e vende a banha ou os porcos vivos, em troca de algum que necessita
e não produz. Tem ligação com o mundo exterior apenas por uma picada ou
estrada primitiva, e vive em grande isolamento. O seu contato principal é
com o “vendista”, o vendeiro da vizinhança, que engorda e enriquece,
enquanto os ”laboriosos” colonos vegetam numa existência miserável.
A abundância dos recursos naturais com árvores esplendorosas, de
significativo valor econômico, caracterizava a boa qualidade do solo e ajudou na
construção das primeiras casas, dos primeiros galpões e de outros utensílios de
significativa importância para a propriedade.
Os recursos naturais da região viabilizaram um modelo de desenvolvimento
econômico de reduzida orientação para o mercado. A existência de mata
nativa e a boa fertilidade natural do solo propiciaram ao migrante uma
relativa autonomia e auto-suficiência, dentro dos limites estabelecidos pelos
mentores da colonização. As famílias extraiam seu sustento exclusivamente
da terra, com um primitivo justificável, em face ao isolamento das colônias,
das terras íngremes e da necessidade de ocupar a mão-de-obra familiar.
(BAVARESCO, 2005, p. 90).
As madeiras nobres, de maior valor econômico na comercialização da região
do oeste catarinense, segundo Klein (1978), eram: grápia, cabreúna, angico-vermelho,
45
guajuvira, cedro, louro-pardo, maria-preta, canafístula, guatambu, canela-amarela,
timbaúva, tarumã e canharana.
As queimadas eram consideradas fundamentais no estabelecimento das
propriedades. Lotes pequenos não possibilitavam que fossem deixadas áreas de
preservação. Assim, a única alternativa era a de usar todo o espaço da terra para a
sobrevivência do dono e de sua família, normalmente numerosa no início da
colonização. Reflexo imediato foi o impacto ambiental ocasionado pela forma de
ocupação, pois a madeira que não era utilizada na construção das casas, nem era usada
na propriedade ou para venda, era descartada e queimada para o rápido cultivo das
terras.
O recurso das queimadas deve parecer, para os colonos estabelecidos em mata
virgem, de uma tão patente necessidade que não lhes ocorre, sequer, a lembrança de
outros métodos de desbravamento. Parece-lhes que a produtividade do solo desbravado
e destocado, sem auxílio do fogo, não é tão grande que compense o trabalho gasto em
seu arroteio, ainda mais que as perspectivas de mercado próximo para a madeira cortada
são mínimas (HOLANDA, 1995).
Os agricultores justificavam o emprego da técnica de queimadas para
estabelecer as colônias, argumentando que essa era a forma mais rápida e barata de
limpeza do lote para o início do cultivo das terras. Essa prática, além de comprometer a
produtividade do solo, ainda é uma prática sem efetivo controle, chegando a destruir
grandes áreas, comprometendo toda biodiversidade onde ela se propaga.
As razões econômicas em que se apoiam os diferentes métodos de trabalho
não dependem apenas dos gastos que se façam necessários para seu emprego. Muito
mais decisivo seria o confronto entre o rendimento de um hectare preparado por outro
processo. E semelhante confronto revela, por exemplo, que a colheita de milho plantado
em terra onde não houve queimada é duas vezes maior do que em roçado feito com
auxílio de fogo (HOLANDA, 1995).
Os colonos normalmente eram descapitalizados, então a primeira fonte de
renda era a venda da madeira de maior valor econômico. Em seguida eram iniciados o
plantio e as criações, onde a criação de suínos para a venda viva, ou carneada na forma
de salame, era predominante. As propriedades, em sua maioria, possuíam tal criação,
haja vista a facilidade de criá-los em seu terreno, normalmente criados soltos. A venda
dos animais representava uma das principais fontes de renda.
46
A principal dificuldade era o acesso aos mercados, tanto para a venda como
para a compra de mercadorias. As estradas, normalmente construídas pelos próprios
agricultores, praticamente não existiam ou encontravam-se em condições precárias.
Através de uma estrada precária que ligava Itapiranga a Ijuí/RS e de uma balsa
rudimentar para a travessia do Rio Uruguai, era realizado o principal comércio. O
escoamento da produção de fumo, uma das principais culturas da época, era
preferivelmente destinado a Santo Ângelo/RS (JAEGER, 1998).
A colonização aconteceu de maneira semelhante à adotada no Rio Grande do
Sul. Grandes lotes de terra eram vendidos às empresas colonizadoras, que demarcavam
e revendiam os lotes, aos, agora, migrantes internos do Brasil.
Os índios e os caboclos que lá já ocupavam as terras, por não terem sua posse
nem condições de comprá-las, foram expulsos ou usados como empregados dos
colonizadores.
A preocupação do Estado brasileiro, bem como a do governo estadual, era a de
expandir as frentes de colonização e de tomar posse de todo o território nacional,
conseguindo, assim, ampliar a rede de comércio nacional. O processo de colonização,
entendido pelas etapas de chegada dos imigrantes, de compra e de posse dos lotes, e de
início do plantio de formas rudimentares, foi substituído rapidamente pelo processo de
modernização da produção. A colonização apresentou índices significativos na mudança
do espaço, pois os imigrantes que ocuparam as terras tiveram de desmatar uma
quantidade significativa de matas nativas para o cultivo das lavouras.
A falta de um comércio organizado para a compra da produção foi outro
aspecto que reduziu a intensidade da produção. Com isso, os agricultores cultivavam
principalmente para a subsistência. Não havia necessidade de ser explorada toda a
propriedade para produzir mais, até porque não teriam a quem vender a produção
A partir de uma visão geral do processo de evolução do sistema produtivo
colonial, nota-se a fragilidade do sistema colonial, percebida em três pontos principais:
– O primeiro se refere à natureza das técnicas agrícolas utilizadas, como as
queimadas e a rotação de terras, que destruíam, em pouco tempo, a fertilidade do solo,
levando à busca incessante de novas áreas. Esse sistema tinha a desvantagem de não
ligar o colono à terra (ROCHE apud SCHNEIDER, 2004).
– O segundo trata do atraso das técnicas de cultivo, que foi o principal
obstáculo ao desenvolvimento agrícola das colônias alemãs.
47
– O terceiro ponto, que revela o limite à reprodução do sistema colonial, era o
tamanho reduzido das propriedades rurais (SCHNEIDER, 2004).
Quanto ao período posterior à colonização, o período conhecido como o da
mecanização da produção, ele se estendeu da década de 1960 até o final da década de
1980. Foi o mais intenso na expansão da fronteira agrícola, viabilizou a aquisição,
principalmente através dos subsídios governamentais, de equipamentos agrícolas e de
insumos para a produção, bem como investimentos em infraestrutura.
48
3. MODERNIZAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO NA ZONA RURAL
3.1 Incentivos Econômicos à Produção Rural
Durante os governos militares, nas décadas de 1960 e 1970, a “revolução
verde”, como foi denominada a implantação de melhor tecnologia no campo, provocou
profundas transformações na organização espacial implantada pelos colonizadores. A
nova tecnologia, objetivando aumentar a produção para o crescente mercado
consumidor, introduziu os agricultores nas relações capitalistas de trabalho
(BAVARESCO, 2005).
A ampliação da área cultivada, bem como o aumento da produtividade e da
produção, foi consequência de um único e importante fator: o da política
agroexportadora brasileira, que visava o aumento das exportações. As políticas
agrícolas, associadas à implantação das indústrias de máquinas agrícolas e de insumos,
favoreceram a introdução do processo de modernização das atividades exercidas no
espaço agrário do Brasil (ZAAR, 1999).
A implantação da nova tecnologia mediante a destinação de recursos para a
zona rural só foi possível através do Sistema Nacional de Crédito criado pelo Governo
FederalTPF
9
FPT.
Para Küchmann (1980), antes de 1965, ou seja, antes de se criar no Brasil o
Sistema Nacional de Crédito Rural, tanto o número dos produtores agropecuários como
também o volume de créditos emprestados eram relativamente reduzidos. O autor cita
como exemplo o ano de 1959, quando apenas 8,3% das unidades de produção agrícolas
se valeram de créditos oficiais ou privados
O créditoTPF
10
FPT disponibilizado a partir da década de 1960 foi marcante para o
desenvolvimento da agricultura no território nacional, uma vez que houve destinação de
linhas de créditoTPF
11
FPT específicas para o desenvolvimento do setor agrário.
TP
9
PT O Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) foi criado em 1965, através da Lei Federal nº 4.829.
Antes desse ano, a concessão de crédito rural já era feita pelo Banco do Brasil, desde 1937, através da
Carteira de Crédito Agrícola e Industrial (CREIA) (BACHA, 2004).
TP
10
PT “A palavra crédito origina-se da palavra crer, isto é, antes de tudo, confiar. A sua incorporação à
linguagem econômico-financeira teve por fim designar confiança no empreendimento, abrangendo a
capacidade do empresário (homem) e as possibilidades da empresa (unidade física) para produzirem o
bem final desejado. E o crédito, dentro deste princípio, tornou-se um meio de se obterem coisas novas,
49
Para que os agricultores conseguissem a liberação do crédito rural deveriam
cumprir com as exigências propostas pelas agências financiadoras, sendo que as
condições essenciais para a efetivação do crédito costumavam e costumam ser as
seguintes:
a) que no mínimo duas pessoas estejam interessadas na obtenção de um novo
bem, uma se dispondo a proporcionar os meios, no todo ou em parte, e a
outra disposta a acolher e aplicar os meios cedidos na realização do que
ficou acertado, correspondendo a que haja coincidência de propósito ou
concordância das vontades;
b) que os meios necessários à produção do bem final, como desejado, possam
ser reunidos pela pessoa que irá diligenciar a sua obtenção, isto é, que haja
disponibilidade dos fatores;
c) que existam condições favoráveis ao surgimento do novo bem, de valor
maior que os meios empregados ou gastos na sua obtenção, equivalendo a
que haja uma expectativa; e
d) que o cedente acredite na capacidade do que acolhe os meios disponíveis,
em preservar os objetivos combinados, obter o bem final desejado e
devolver os meios cedidos, isto é, que haja confiança (CARVALHO, 1971).
Com a expansão das linhas de financiamento para a zona rural, houve uma
mudança profunda na organização das propriedades, que passaram a ter de se adequar às
novas exigências tecnológicas para, assim, conseguir o capital para investimento.
Dentro do sistema bancário, o crédito rural institucionalizado conserva os
requisitos essenciais das operações bancárias, no que diz respeito aos serviços básicos
para a sua realização, embora subordinado a uma legislação própria. Assim, o crédito
rural se efetiva mediante o cumprimento de uma sequência de atos que marcam o seu
processamento.
mais valiosas e úteis para a coletividade, ou bens finais que constituem a finalidade da cessão, e o
empresário se manteve como finalidade, em que a cessão se faz para atender às necessidades de pessoas
possuidoras de bens úteis, os quais constituem o meio de obtê-lo; a apreciação do elemento
“confiança”, neste último caso, se firma na capacidade de restituição oportuna do bem emprestado”
(CARVALHO, 1971 p. 46).
TP
11
PT Uma linha de crédito é o meio utilizado para aferir a coincidência de propósitos e a harmonia de
interesses, indispensáveis para que se estabeleça a conexão entre as partes e, consequentemente, se
torne efetiva a concordância das vontades (CARVALHO, 1971 p. 48)
50
A chamada proposta é o ato de apresentar, à consideração da instituição
financeira, um plano de atividades para o qual se solicita financiamento. Não se trata de
pedir uma quantia por empréstimo, para realizar alguma coisa, mas, sim, num sentido
inverso, propor a realização de alguma coisa para o que se considera capaz e pleiteia o
apoio financeiro. A proposta compreende uma exposição do que se pretende realizar,
com os detalhes necessários para provar a sua exequibilidade, inclusive a previsão de
gastos e das receitas prováveis, e uma solicitação de recursos para atender aos mesmos
gastos, no todo ou em parte. Como é obvio, a formalização da proposta terá variações
(quanto aos elementos a declarar) segundo as características da linha de crédito que
pretender utilizar e segundo as modalidades a que estiver subordinada. O tipo de
atividade também terá influência na variação dos elementos, assim como o vulto do
financiamento pretendido influencia nos detalhes a serem apresentados na proposta.
A formulação da proposta é sumamente importante na realização do crédito
rural, e deve ser suficientemente objetiva e clara, para dar certa soma de convicção
dentro das incertezas que cercam a atividade agropecuária. Trata-se de fixar um grau de
certeza de que os fatores essenciais e necessários estarão disponíveis nas oportunidades
adequadas e de que a expectativa das produções a serem alcançadas está nos limites da
segurança aceitáveis. O banco, como instituição financiadora responsável pela coleta e
pela aplicação dos recursos de terceiros, não deve ser solicitado a se associar a um
empreendimento, mas a financiá-lo apenas.
Nessa parte da explicação sobre as etapas para que o agricultor consiga o
financiamento, Carvalho (1971) expõe, de forma muito clara, a mudança de postura do
produtor e das adequações necessárias para que o agricultor consiga o capital para
investimento em sua propriedade. A principal diferença na destinação do recurso da
zona rural para as outras linhas de financiamento está na parte em que o autor fala que
“não se trata de pedir uma quantia por empréstimo, para realizar alguma coisa, mas,
sim, num sentido inverso, propor a realização de alguma coisa para o que se considera
capaz e pleiteia o apoio financeiro”. Os detalhamentos necessários de “previsão de
receita e previsão de despesas”, a que o autor se refere, são fundamentais para o nosso
entendimento de perda do poder de decisão. Até então o agricultor não tinha que dar
satisfação a ninguém de como iria administrar a sua propriedade, bem como o fazia sem
a interferência de ninguém. Agora, para a obtenção do crédito rural, além da etapa da
proposta acima explicada, existem ainda outras para que o financiamento seja
51
concedido, como é o caso do CadastroTPF
12
FPT, da AvaliaçãoTPF
13
FPT e da Abertura de CréditoTPF
14
FPT -
todas as instâncias de interferência antes inexistentes na vida dos agricultores.
O produtor tem assegurado o direito de utilizar, durante o prazo estabelecido, os
recursos postos a sua disposição, desde que os aplique na realização do que foi previsto
e orçado, e, se for o caso, de permanecer na posse dos bens dados de garantia, e a
instituição financeira tem assegurado o direito ao retorno estipulado para os recursos
que ceder, ao término do prazo ou da realização do que foi orçado, bem como o de
exigir a reposição de seus recursos, a qualquer tempo, se o produtor não aplicar no que
foi previsto.
Para ter assegurado o recurso, o agricultor tem de garantir o AcompanhamentoTPF
15
FPT
até a LiquidaçãoTPF
16
FPT do financiamento.
A política agrícola brasileira adotou o crédito rural como carro-chefe da
modernização da agricultura, porém, em um ambiente de incertezas na produção, as
agências financiadoras firmavam garantias a seu favor.
A agropecuária apresenta condições de produção que implicam maiores
riscos do que a produção industrial. Existem os riscos de preços, advindos de
se tomar a decisão de iniciar a produção agropecuária bem antes do período
de vendas. Assim, o agricultor não sabe a que preço venderá o produto a ser
elaborado. Os agricultores também enfrentam riscos advindos das condições
climáticas, as quais indefinem a produção a ser alcançada. Para compensar
esses riscos, certas políticas específicas são criadas para estimular a
agropecuária. Além disso, certos governos podem interessar-se em dar apoio
diferenciado a seu setor agropecuário devido a questões estratégicas e de
interesse nacional. (BACHA, 2004, p. 61).
Mesmo diante das incertezas citadas por Bacha (2004), o crédito rural
ampliou-se significativamente. Küchmann (1980) chama a atenção também para o
TP
12
PT Cadastro é a apuração e o registro de dados sobre a pessoa e a personalidade do proponente. Como
pessoa, cabe verificar sua identidade, e sua capacidade para praticar atos jurídicos perfeitos, isto é,
assinar, contrair dívidas, alienar bens, etc., sindicância que, frequentemente, deve ser estendida em
relação a outras pessoas juridicamente vinculadas ao proponente ou à empresa em que exerce sua
atividade [...].
TP
13
PT Avaliação é o levantamento da capacidade da empresa para realizar a produção, isto é, a capacidade dos
fatores nela disponíveis e o estágio tecnológico alcançado, este refletindo a capacidade administrativa
do empresário. Com vistas a um empreendimento proposto, a avaliação deve apurar a sua viabilidade
técnica e econômica [...].
TP
14
PT Abertura de crédito é o preenchimento e a assinatura de documentos, ou seja, papéis preenchidos com
as descrições que vão tornar efetivo o entendimento havido entre o produtor e a instituição financeira.
TP
15
PT Acompanhamento é, além dos registros contábeis e estatísticos, a manifestação de interesses da
instituição financeira para com o destino de suas aplicações. Este acompanhamento é a fase do processo
que mais caracteriza o crédito rural, tendo em vista, em razão das peculiaridades da atividade, o fato de
os empreendimentos agropecuários não oferecerem condições de serem apreciados a distância [...].
TP
16
PT Liquidação é o enceramento da operação, com o pagamento do crédito utilizado e dos juros nele
incidentes, e as baixas de registros contábeis, e cartorários se houverem (CARVALHO, 1971 p. 54-56).
52
rápido desenvolvimento posterior do crédito rural, isto é, a partir da década de 1960. Se
em 1960 ele representa 10,7% do produto da agricultura, 13 anos depois (1973)
equivalia a 50%. Observa-se, ademais, que, enquanto em 1960 a agricultura
representava 22,7% do Produto Interno Bruto (PIB), o crédito rural correspondia a 2,4%
daquele agregado. Em 1973, porém, enquanto a agricultura correspondia apenas a
14,2% do PIB, o crédito rural já era equivalente a 7,1%. Estes dados mostram, sem
dúvida, uma preocupação crescente da política agrária para com o credito rural.
O grande problema da política governamental esteve e se mantém na
destinação dos recursos para a zona rural. Esse grande problema é dividido em dois: o
primeiro trata da questão da destinação, em grande parte dos recursos, para as mãos de
grandes latifundiários; o segundo problema é a concentração dos recursos em
determinadas regiões do Brasil.
A destinação de maneira geral dos recursos a grandes latifundiários significa
que os pequenos agricultores, de antemão, contam com poucas oportunidades, pois,
tendo em vista a reduzida área de suas propriedades, dificilmente poderão nelas efetuar
investimentos de grande envergadura (KÜCHMANN, 1980).
Para Bacha (2004), o crédito de custeioTPF
17
FPT esteve muito concentrado em
algumas culturas, especialmente nas voltadas ao mercado externo. Apenas sete culturas
(arroz, milho, algodão, café, soja, cana-de-açúcar e trigo) representaram 66% do crédito
de custeio em 1970, 65% em 1980 e 72% em 1985.
Apesar de os grandes proprietários de terra investirem pouco em suas
propriedades agrícolas, são eles que monopolizam o crédito rural existente no Brasil. A
concentração do crédito rural nas mãos de poucos impede a possibilidade de
investimentos nas pequenas unidades de produção agrícola, obstaculizando, assim, a
possibilidade de uma melhora nas condições de vida da maior parte da população rural
(KÜCHMANN,1980).
Para Eidt (2001), a grande dificuldade e o principal problema dos pequenos
produtores não tem sido o conservadorismo dos agricultores, e sim a dificuldade de
acesso ao crédito. A pequena propriedade torna-se competitiva no momento em que lhe
são assegurados recursos de crédito aliados ao acesso a informações de ordem
tecnológica.
TP
17
PT Linha de crédito específica destinada à produção na zona rural.
53
Outro grave problema na concessão do crédito rural foram as oscilações na
disponibilidade de recursos para financiamento da produção. As principais oscilações na
disponibilidade de recursos são descritas por Bacha (2004, p. 63):
O volume de crédito rural concedido expandiu-se significativamente a partir
da segunda metade da década de 1960. A década de 1970 presenciou grande
expansão do volume de crédito rural, que se reduziu significativamente no
início da década de 1980, retomando valores crescentes em 1985 e 1986. A
partir de 1987, o volume de crédito rural decresceu até o início da década de
1990, estabilizando-se, até 1994, em valores próximos aos vigentes no início
da década de 1970. Em 1995 e 1996, ocorreu nova redução no volume
concedido de crédito rural, com recuperação parcial de 1997 a 2002.
Essas oscilações levaram muitos agricultores à falência, uma vez que
esperavam que, em caso de perdas na safra ou de quebra na produção, ou mesmo de
desvalorização do produto devido aos mais diversos fatores, fossem “socorridos” com
os subsídios governamentais.
Muitos agricultores financiaram a produção esperando os subsídios
governamentais, contraindo dívidas muitas vezes impagáveis, que não encontraram
alternativa senão a de abandonar a atividade rural.
O segundo grave problema está na questão da disponibilização não
generalizada dos recursos, visto que houve concentração em determinadas regiões,
essencialmente naquelas que designam sua produção para o mercado externo. Assim,
entre as lavouras destinadas ao abastecimento do mercado interno, apenas arroz e milho
têm destaque no uso de crédito de custeio. O destaque para as culturas de arroz e de
milho se deve, em boa parte, ao fato de serem culturas conduzidas, na grande maioria,
por médios e grandes estabelecimentos agropecuários modernos, em especial no Rio
Grande do Sul (para o arroz irrigado) e nas Regiões Sul e Centro-Oeste (para o milho)
(BACHA, 2004).
O crédito rural foi destinado, na grande maioria, às Regiões Sul e Sudeste.
Dentro dessas regiões, foi direcionado, basicamente, aos médios e grandes produtores,
por várias razões, dentre elas: o governo tinha como meta macroeconômica o incentivo
às exportações; a maioria das culturas voltadas para esse interesse situava-se no Centro-
Sul do Brasil e eram conduzidas por médios e grandes produtores rurais; além disso,
eles possuíam maior capacidade administrativa e maior patrimônio, de modo a facilitar
a tomada de empréstimo.
54
Do ponto de vista do estabelecimento bancário, o custo de concessão de um
empréstimo é praticamente o mesmo, independente do volume do empréstimo
concedido. Assim, entre conceder um empréstimo mais volumoso a um médio e grande
produtor rural (com propriedade legal da terra) ou empréstimos menores e em maior
número a pequenos produtores (muitas vezes sem a propriedade legal da terra), o
sistema bancário optou pela primeira alternativa, pois tinha menor custo administrativo
(BACHA, 2004).
Mesmo sendo a Região Sul uma das principais agraciadas com o crédito rural,
os financiamentos não foram disponibilizados a todos. O pequeno produtor, por conta
de vários fatores, inclusive do custo administrativo, ficou, muitas vezes, excluído do
processo de acesso aos financiamentos.
Além da política do crédito rural, o governo criou outros instrumentos de
estímulos específicos à produção agropecuária, que são: a política dos preços mínimos;
a política do seguro agrícola; a política de pesquisa e extensão agropecuária; política
específica para certos produtos (caso do café, da cana-de-açúcar e do trigo) e insumos; e
a política de regulamentação do uso dos recursos florestais (BACHA, 2004).
Diante do exposto, o processo de modernização das propriedades, iniciado na
década de 1960, foi um passo importante na inserção da produção brasileira no
comércio internacional e garantiu um significativo aumento na produção e na
produtividade das plantações.
3.2 A Mecanização da Produção
A implantação de novas técnicas na produção, técnicas como as plantações
com sementes melhoradas (principalmente híbridas), a aplicação de insumos químicos
(fertilizantes e agrotóxicos), o emprego da mecanização para o plantio e colheita,
provocaram a decadência da agricultura tradicional, que ficou marcada pelo emprego de
equipamentos rudimentares, com baixa produtividade.
Como resultado da política estatal que visava difundir uma revolução
tecnológica, o Estado, através de órgãos estatais, como bancos e institutos agronômicos,
criou possibilidades para que, na primeira metade da década de 1960, alguns
agricultores conseguissem, através de financiamentos agrícolas, adquirir as primeiras
máquinas agrícolas (ZAAR, 1999).
55
É importante destacar que, “no sistema financeiro, o crédito será a cessão dos
meios financeiros a um empresário capaz de aplicá-lo na aquisição de fatores de
produção disponíveis, que empregará na obtenção de um bem, de valor maior, útil para
o uso ou consumo de outrem” (CARVALHO, p. 46). Para o mesmo autor, “na atividade
rural, o crédito rural é caracterizado pela sua aplicação nas atividades do setor primário,
de produção de bens de origem animal ou vegetal”.
A necessidade da modernização da agricultura fez com que o governo
estimulasse a produção de maquinaria agrícola no Brasil. Para Bacha (2004), o principal
estímulo dado ao setor produtivo de implementos agrícolas, até a década de 1980, foi a
proteção tarifária.
Nesta perspectiva, o trator, usado na destoca da área para posterior plantio, se
destacou como carro-chefe do aparato de maquinário que permitiu a mecanização das
atividades agrícolas (ZAAR, 1999).
Assim, os financiamentos subsidiados pelo governo federal asseguraram a
viabilidade de aquisição dos implementos agrícolas por parte dos agricultores, os quais,
com isso, garantiram o aumento no número de implementos agrícolas modernos na
produção, principalmente o trator.
Os números descrevem a importância e o reflexo da disponibilidade de crédito
rural. Segundo Bacha (2004), em 1960 havia 4,07 mil hectares para cada trator e, em
1985, 0,56 mil hectares por trator. O número de tratores existentes nos estabelecimentos
agropecuários cresceu 984% entre 1960 e 1985, passando de 61.354 para 665.280,
respectivamente.
O que se percebe é que os tratores agrícolas foram os principais responsáveis
pelo aumento na produtividade. Viabilizaram a produção em grandes áreas de terra e
aceleraram o processo de produção. O trator é empregado em todas as etapas da
produção, desde o preparo do solo até a colheita. Graças aos subsídios governamentais,
esse equipamento pôde ser adquirido e popularizou-se na zona rural. A produção de
tratores também sofreu oscilações.
A produção de tratores foi influenciada pelo estímulo da demanda, e pela
proteção tarifária, onde teve aumento significativo na década de 1970, flutuando na
década de 1980 de acordo com as condições macroeconômicas. Na década de 1980, a
oscilação se deve ao fato de os preços nacionais da maquinaria agrícola não destoarem
dos preços internacionais na mesma proporção verificada na década anterior. Na década
de 1990, devido à valorização cambial e à consequente redução do preço dos produtos
56
importados, houve redução dos preços dos tratores. Isto desestimulou a produção
nacional de tratores agrícolas (GOLDIN e RESENDE apud BACHA, 2004).
A proteção tarifária destinada à produção nacional de maquinaria agrícola
reduziu-se significativamente na década de 1990. Isso, associado à concorrência dos
produtos estrangeiros, levou à redução da produção nacional (BACHA, 2004).
Outro aspecto que auxiliou o aumento da produtividade foram os
investimentos governamentais em insumos agrícolas, principalmente em fertilizantes.
Paralelamente à expansão da demanda por crédito rural, o Sistema Nacional de
Crédito Rural criou mecanismos para permitir a ampliação dos recursos, restabelecendo
outros fundos para financiamentos, entre eles: Fundo Especial de Estímulo Financeiro
ao Produtor Rural (FUNFERTIL) e o Fundo de Desenvolvimento Agrícola (FUNDAG)
que viria a substituir o FUNFERTIL (KÜCHMANN, 1980).
O FUNFERTIL foi criado com uma duração prevista de quatro anos para que,
junto ao Banco Central, incrementasse o uso de fertilizantes e de suplementos minerais.
Terminados os quatro anos, o programa não mereceu continuidade devido à dificuldade
existente quanto a um rígido controle da aplicação dos recursos financeiros. Em
substituição ao FUNFERTIL, foi criado o FUNDAG (KÜCHMANN, 1980).
No desenvolvimento do Programa Federal FUNFERTIL, o governo federal
incentivou a produção de fertilizantes e realizou, ele próprio, investimentos nessa área.
Nos anos 1970 foi criada a PETROFÉRTIL, empresa pública que, em 1986, era
responsável por mais da metade dos fertilizantes nitrogenados consumidos no Brasil
(BACHA, 2004).
Com objetivo muito mais abrangente, o governo federal criou o FUNDAG.
O FUNDAG foi criado para estimular as exportações de produtos
agropecuários não tradicionais, cujos preços no mercado internacional
estejam mais altos que no mercado nacional; com objetivo de estimular o
aumento da produtividade e da produção agropecuária; e também para
solucionar os eventuais pontos de estrangulamento surgidos na
comercialização de produtos agropecuários desde o produtor até o
consumidor. (KÜCHMANN, 1980, p. 83).
A importância dos investimentos no setor se reflete no incremento do uso dos
fertilizantes na produção, que passou de 10,6 kg de nutrientes por hectare em 1960 para
61,3 kg/hectare em 1985, apresentando crescimento de 478% (BACHA, 2004).
Percebe-se que o aumento da produção e da produtividade se deu em função
do aumento no uso de tratores e de fertilizantes na agropecuária brasileira, aumento
57
associado com os resultados das pesquisas agropecuárias feitas no Brasil, que também
implicaram o grande crescimento da produtividade das lavouras.
3.3 Os Efeitos da Modernização da Produção Agrícola no Município de
ItapirangaTPF
18
FPT
Na década de 1960, o colono ainda estava na fase inicial de capitalização, ou
seja, muitos colonos que haviam contraído dívidas na aquisição das terras ainda não
haviam terminado de saldá-las. Assim, investir na aquisição de insumos para a
agricultura e de instalações na propriedade exigia um capital que o colono não possuía,
obrigando-o a recorrer a empréstimos.
Como os agricultores tiveram a organização fundiária pautada na pequena
propriedade, eles, na sua grande maioria, tiveram dificuldades de acesso ao crédito
rural. O trator, fundamental na mecanização das propriedades, também encontrou
resistência na região. Dois motivos justificam a pouca adesão ao trator na região:
– apesar da existência dos subsídios, a pequena propriedade dificilmente
viabiliza a aquisição de tal equipamento agrícola; e
– o extremo oeste catarinense possui um relevo que impossibilita, na maioria
das propriedades, a mecanização da lavoura. Os terrenos são irregulares,
possuindo grandes quantidades de blocos de pedra na superfície. Assim, um
dos elementos-chave para a modernização no campo, a mecanização,
encontrou barreiras naturais no extremo oeste catarinense. Apesar disso, os
subsídios e as inovações trouxeram aumento tanto da produção como da
produtividade.
Os subsídios governamentais serviram para impulsionar a produção no oeste,
principalmente na compra de adubos químicos e de fertilizantes, o que viabilizou um
rápido incremento na produtividade. A expansão da malha viária possibilitou o
escoamento da produção. Isto fez com que os agricultores ampliassem o desmatamento
das terras para ampliar a produção e maximizar os lucros.
TP
18
PT Apesar de o objeto de estudo ser os agricultores integrados ao setor avícola e suinícola do município de
São João do Oeste, nesta parte do trabalho ainda consta o nome de Itapiranga pelo fato de São João do
Oeste, durante o período de modernização da produção agrícola, ainda fazer parte de Itapiranga.
58
Com a introdução da mecanização na agricultura, houve um grande aumento
na área cultivada, além da expansão de todos os núcleos urbanos. A rede viária
dinamizou-se e, por seu intermédio, os produtos agrícolas passaram a transformar-se em
mercadorias.
Com a implantação da mecanização nas práticas agrícolas, a relação do
pequeno produtor (que até então ocorria no nível do capital comercial, isto é, vendendo
e comprando seus produtos, sem interferência de terceiros), passou a ser realizada por
intermédio de financiamentos bancários e das indústrias. Assim esse agricultor tornou-
se, ao mesmo tempo, um vendedor de produtos agrícolas e um comprador de sementes,
de insumos, de agrotóxicos e de equipamentos agrícolas.
Como parte dessa política agrícola, os créditos disponíveis para todas as fases
do processo produtivo agrícola (desde o preparo da terra, a compra de insumos e de
implementos, até a comercialização, a industrialização e o armazenamento da produção)
tinham como objetivo principal o plantio de áreas cada vez mais extensas de cultivo de
um produto destinado à exportação – a soja (ZAAR, 1999).
A euforia dos subsídios teve repercussão nacional, tanto que animou,
inclusive, os agricultores da região do extremo oeste catarinense (onde a cultura da soja
não é tradicional) a iniciarem a produção. A produção iniciada viabilizou a instalação de
uma empresa para a industrialização do produto que teve participação efêmera: a
GENER.
A GENER, esmagadora de soja, foi fundada no município de São Miguel do
Oeste, no fim dos anos 1960. Com o intuito de aumentar a produção na região, foram
distribuídas em torno de 1200 sacas de semente. No ano subsequente, mais 3.500 sacas
de sementes foram entregues aos agricultores. A empresa produzia óleo de soja e ração
animal. O principal destino era a exportação via porto marítimo de Paranaguá
(BAVARESCO, 2005).
Os agricultores, estimulados pelo apoio da agroindústria na distribuição das
sementes, com os subsídios governamentais oferecidos à cultura e em razão do preço
favorável, resolveram ampliar o cultivo.
Mesmo com todos os incentivos, a produção de soja encontrou resistência na
região e dificultou a manutenção da agroindústria na região. Entre as dificuldades,
destacam-se: a dificuldade do escoamento da produção; a pequena propriedade que
inviabiliza a produção em larga escala; o relevo inadequado; e a cultura dos
59
agricultores, que praticamente desconheciam a produção de soja (BAVARESCO,
2005).
Na década de 1980, entra em decadência a produção de soja, pois o jogo de
especulação de preços e a redução nos subsídios levavam, aos poucos, os agricultores a
abandoarem a atividade. Na mesma década, o grupo Ceval/Hering adquiriu o controle
acionário da empresa GENER, que a manteve em funcionamento por alguns anos,
porém a baixa produção exigiu sua transferência para o Mato Grosso (BAVARESCO,
1999).
Tanto a produção quanto a produtividade das culturas subsidiadas pelo
governo aumentaram em função de um conjunto de fatores relacionados,
principalmente, às políticas implementadas voltadas ao setor agrícola e à modernização
da produção. Para demonstrar como foram abrangentes os efeitos desses dois elementos,
escolhemos a produção do milho como demonstrativo, por dois motivos:
– o primeiro é que o milho é um dos principais ingredientes da ração que
abastece as propriedades da região oeste catarinense;
– o segundo, porque sua produção figura entre as principais culturas do
município de Itapiranga.
No município de Itapiranga, a produtividade do milho apresentou rendimento
crescente nos anos de 1960 a 1990, conforme Jungblut (2000).
– 27 sacas por hectare na década de 1960;
– 40 sacas por hectare na década de 1970;
– 47 sacas/hectare na década de 1980 e
– 70 sacas/hectare na década de 1990.
Outro aspecto a ser observado na cultura do milho é que, nos últimos anos, a
produtividade de sacas por hectare continuou mantendo índices de crescimento em todo
território nacional. Esse fato pode ser constatado analisando-se os índices de
produtividade do Brasil, da Região Sul, e do Estado Santa Catarina na passagem dos
anos de 2003 a 2007. Em 2007, por exemplo, a média da produtividade nacional foi de
3.751 kg/hectare ou 61,5 sacas/hectare; a Região Sul apresentou um melhor rendimento,
com produtividade média de 4.995 kg/hectare ou 83,25 sacas/hectare; porém, tanto os
índices de produtividade média brasileira como os índices de produtividade da Região
Sul foram inferiores ao desempenho da produtividade alcançada no Estado de Santa
Catarina. O Estado de Santa Catarina apresentou os melhores resultados na média de
60
produtividade, alcançando rendimento de 5.462 kg/hectare, o que representa uma
produtividade média de 91,1 sacas por hectare. Ver Tabela 1:
Tabela 1 – Rendimento do milho por hectare (quilogramas por hectare)
Localidade 2003 2004 2005 2006 2007
Brasil 3.727 3.367 3.040 3.382 3.751
Região Sul 4.714 3.945 3.424 4.092 4.995
Santa Catarina 5.033 4.157 3.689 3.892 5.462
Fonte: IBGE, 2009.
Não foi somente a produtividade brasileira que aumentou, pois a área
destinada à produção e o próprio reflexo do aumento da produtividade são responsáveis
pelos resultados favoráveis nos índices. Tanto a produção brasileira como a produção da
Região Sul, bem como a do Estado de Santa Catarina, apresentaram índices de produção
crescentes devido à modernização da produção e favorecidos pela política de incentivos
voltados ao setor agrícola. A evolução da produção de milho pode ser observada na
Tabela 2.
Tabela 2 – Produção de milho (toneladas de grãos)
Localidade 1960 1970 1980 1996
Brasil 9.183.265 13.123.657 15.932.790 25.510.506
Região Sul 4.019.758 6.959.893 8.428.148 11.788.378
Santa Catarina 692.092 1.216.494 2.026.333 2.305.140
Fonte: IBGE, 2009.
A produção de milho pode ser considerada como um alimento para consumo
humano na própria propriedade, como também é um dos produtos destinados ao
abastecimento interno e às exportações. A principal finalidade da produção do milho é
para integrar a ração destinada à produção agropecuária, destinado a atender as
agroindústrias.
61
4 AS AGROINDÚSTRIAS E A PERDA DO PODER DECISÓRIO DOS
INTEGRADOS
4.1 A Suinocultura
O incentivo à criação de suínos veio a constituir uma das principais riquezas
das colônias, abrindo amplas perspectivas para o progresso e o enriquecimento de seus
habitantes. A carne de porco e a fabricação de banha e linguiça ensejavam novas
oportunidades para o comércio, assim como reequilibraram o regime alimentar a que
estavam habituados os alemães, antes de virem para o Brasil (MORAES, 1981).
Quando os frigoríficos surgiram na região do oeste de Santa Catarina,
encontraram ali uma considerável oferta de matéria-prima, já que a criação de suínos foi
uma atividade produtiva típica nessas áreas coloniais. À medida que aumentava a
demanda do produto nos centros consumidores, o pequeno agricultor ampliava sua
produção com vistas ao comércio.
As políticas de industrialização e modernização tinham em seu pressuposto
central que o desenvolvimento econômico traria por si próprio
soluções para
todos os desafios das nações em desenvolvimento. Esse debate dominou o
cenário político-econômico durante toda a metade do século XX. E nos anos
de 1970 um novo modelo dava conta de que o equilíbrio ecológico não
poderia ser atendido até que não fossem satisfeitas as necessidades básicas da
população pelo crescimento econômico. (BAVARESCO, 2005, p. 160).
A região do extremo oeste catarinense é referência na produção de suínos. A
maioria dos produtores de suínos está vinculada a grandes complexos agroindustriais,
tais como Sadia, Perdigão, Chapecó, Seara, Mabella – vínculos estabelecidos sob a
forma de parcerias diversas. Objetivando incrementar o nível de competitividade, as
agroindústrias buscam a economia de escala. Tal política reflete-se na desativação de
algumas instalações e na ampliação de outras. A tendência é a redução do número de
pequenos e médios produtores e o aumento da produção das grandes propriedades.
Essa dinâmica de concentração da produção e de ampliação do sistema de
integração pode ser observada nos números apresentados por Bavaresco (2005): em
1980 havia, no oeste catarinense, 67 mil produtores de suínos, dos quais apenas 3.860
eram integrados. Em 1986 havia 45 mil produtores de suínos, dos quais 26.176 eram
62
integrados. Houve uma redução no número de produtores em relação a 1980; em
contrapartida, aumentou o número de integrados. Também em 1985 observamos
diminuição no número de produtores – 20 mil no oeste do Estado, dos quais 18.700 são
integrados a alguma empresa processadora.
A produção agropecuária é o carro-chefe da economia de São João do Oeste.
No âmbito da produção agropecuária, a suinocultura, a atividade avícola e a leiteira
figuram entre as principais forças. A produção de suínos não só é desenvolvida desde a
colonização do município, como foi e é uma das principais fontes de renda dos
agricultores. Na colonização, o porco era destinado a atender o binômio da produção de
banha e de carne, produção que, na década de 1960, chegou a representar 73% da renda
dos agricultores (JUNGBLUT, 2000). Na década de 1960, verificando a grande
quantidade de suínos no município de Itapiranga e região, percebeu-se a viabilidade da
implantação de um frigorífico – o que foi concretizado em 1967.
Segundo Jungblut (2000), a fundação do primeiro frigorífico na microrregião
do extremo oeste de Santa Catarina ocorreu no município de Itapiranga, em 1967, com o
nome de SAFRITA. O capital para a implantação do frigorífico foi desembolsado por
comerciantes e, principalmente, por agricultores, que somavam 745 sócios, na data da
inauguração.
A fábrica foi dimensionada para abater até 400 suínos/dia. Produziria presunto,
salames, frios, embutidos, carnes defumadas, banha, farinha de ossos, sangue, carne e
aproveitamento de animais condenados. Teria que prover energia elétrica, água e
efluentes tratados, armazenagem para 30 dias, caminhões de transporte. A obra ficou
estimada em US$ 361.000,00, sem considerar fornecimento de energia, terreno, sistema
de comunicação e meios de transporte (JUNGBLUT, 2000).
No primeiro ano de funcionamento, a SAFRITA abateu 30.000 suínos. Em
1972, abateu 80.000, dos quais 50.000 eram provenientes do município (JUNGBLUT,
2000).
Nos anos 1970, frente à concorrência com outros frigoríficos de Santa
Catarina, do Rio Grande do Sul e do Paraná, o frigorífico enfrentou inúmeras
dificuldades, principalmente na aquisição de matéria-prima, em função, principalmente,
dos preços mais altos pagos pela concorrência (BAVARESCO, 2005).
A dificuldade na aquisição dos suínos pela agroindústria demonstrou a
importância, para a empresa, do sistema de integração com o produtor, ou seja, a
63
integração seria a garantia do abastecimento constante de matéria-prima de qualidade
para o funcionamento da indústria.
Segundo Jungblut (2000), em 1981, a CEVAL, do grupo Hering, comprou o
controle acionário da SAFRITA. Aos poucos, a nova empresa impôs sua filosofia
empresarial em duas frentes:
– na melhoria da qualidade; e
– na expansão da empresa com a generalização gradativa do sistema integrado.
O abatedouro de suínos foi melhorado em 1981, mas exigia uma completa
reformulação em 1993, o que pesou na decisão de fechar o abatedouro de suínos
(IUNGBLUT, 2000).
O fechamento do abatedouro em Itapiranga não findou a atividade da
suinocultura nos municípios, pois a produção dos agricultores integrados foi remanejada
para o abastecimento de frigoríficos localizados na região.
Em 2000 foi instalado outro frigorífico no município de Itapiranga, o
frigorífico Spitze, que chegou a entrar em atividade, por um curto período, mas veio a
fechar. No final de 2004, o Spitze foi comprado pela Mabella. Foi em 1º de outubro de
2004 que a Mabella adquiriu, junto à Cooperativa A1, a planta fabril do Frigorífico
Spitze, localizada em Itapiranga/SC (MABELLA, 2008).
A Mabella, por sua vez, foi fundada em 18 de outubro de 2001 e sua matriz
está localizada em Frederico Westphalen, no Rio Grande do Sul (MABELLA, 2008).
4.2 O Panorama da Suinocultura
A ABIPECS (Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de
Carne Suína) foi criada em 1998, fruto da fusão de duas entidades nacionais, uma
produtora e outra exportadora, visando ao desenvolvimento e à modernização da
produção e das atividades de comércio exterior da carne suína brasileira.
Segundo a ABIPECS, o Brasil ocupa a 4ª colocação no ranking mundial de
exportação de carne suína, ficando atrás apenas da União Europeia, Estados Unidos e
Canadá. Apesar de estar fortemente inserida no comércio internacional, a produção de
carne suína tem sido destinada, prioritariamente, a atender o mercado interno. Os dados
da ABIPECS (2008), na série histórica 2002-2006, mostram que o consumo per capita
64
dos brasileiros apresentou oscilação de 11,5 kg/habitante/ano em 2005 e 13,7
kg/habitante/ano em 2002.
Segundo o Relatório Anual da Associação dos Criadores de Suíno de Santa
Catarina (ACCS, 2007), o crescente dinamismo das exportações verificado até 2005
ocorreu em função da maior atratividade do mercado externo e do deslocamento da
demanda interna para as carnes de boi e de frango. Essa tendência foi interrompida
pelos problemas sanitários do rebanho bovino brasileiro, com episódios de febre aftosa
no Mato Grosso do Sul e no Paraná, resultando em uma maior disponibilidade interna
de carne suína em 2006 e queda dos preços ao produtor e no varejo.
Em 2006 houve um incremento no consumo nacional da carne suína, passando
de 11,5 para 12,7 kg/hab./ano. O consumo doméstico aumentou porque a carne suína
tornou-se mais barata em relação às demais, pois foram realizados investimentos em
linhas de corte, em logística de frio e em promoção.
Essa condição de mercado levou à retomada dos preços no varejo acima da
inflação ao consumidor medida pelo IPCA, mas abaixo do grupo de alimentos e bebidas
e demais carnes (boi e frango). Os preços das exportações praticamente não se alteraram
em relação a 2006, mas deve-se considerar que já se encontravam em patamares
elevados, próximos de US$ 2 mil a tonelada. Por outro lado, as receitas externas foram
corroídas pela valorização do real, por uma maior concorrência mundial e pelo aumento
dos fretes internacionais (ACCS, 2007).
A queda dos preços ao consumidor e o aquecimento do mercado de carne
bovina e de frango estimularam a demanda pela carne suína e seus derivados. Em 2007
verifica-se a continuidade do crescimento das vendas no mercado interno e a retomada
do dinamismo nas exportações. Estas avançaram com o mercado internacional mais
aquecido, com o reconhecimento da sanidade do rebanho bovino brasileiro e com a
recente abertura da Rússia para Santa Catarina (ACCS, 2007).
A produção, que havia retomado o processo de recuperação em 2006, manteve
a sua trajetória de expansão em 2007. Segundo a ACCS (2007), essa tendência persiste
para 2008, sustentada pelos investimentos em reformas de instalações no campo, pelas
ampliações industriais e pela construção de novas granjas e de modernas fábricas.
Também os investimentos em garantia da sanidade, na redução do impacto ambiental,
na segurança alimentar e no bem-estar animal deram suporte à expansão da produção.
A evolução da oferta e demanda, tanto da carne exportada como a do consumo interno,
bem como a evolução do consumo per capita podem ser observadas na Tabela 3.
65
Tabela 3 – Oferta e demanda de carne suína T2002 a 2006 no TBrasilT (equivalente a
carcaça)
TSituaçãoT T2002T T2003T T2004T T2005T T2006T
TProduçãoT 2.872 2.696 2.620 2.708 2.870
TExportaçãoT 476 495 508 625 528
TDisponibilidadeT 2.396 2.201 2.112 2.083 2.342
TKg/ per capitaT 13,7 12,4 11,8 11,5 12,7
Fonte: ABIPECS, SIPS, SINDICARNE-SC, SINDICARNE-PR E EMBRAPA, 2008.
Os abates de suínos sob Inspeção Federal (SIF), em 2007, atingiram 24,3
milhões de cabeças, registrando um aumento de 3,7% em relação a 2006. No mesmo
ano, as empresas associadas, detendo 88,0% dos abates SIF e 67,0% da produção
industrial do país, por estarem bem posicionadas no mercado, abateram 21,4 milhões de
cabeças, um crescimento de 7,7%, enquanto as não associadas, devido a dificuldades de
acesso ao mercado, decresceram quase 20,0%. Pelo mesmo motivo, estimou-se que os
abates com certificação estadual e municipal decresceram 2,8%. Do total da produção
industrial, 76,4% foi abatida sob Inspeção Federal e 23,6% sob as outras formas de
certificação (ACCS, 2007).
Santa Catarina lidera o ranking nacional de produção da suinocultura. Teve
uma expressiva variação positiva na passagem dos anos de 2005-2006, passando de
7,93 milhões de cabeças para 8,85 milhões de cabeças, crescimento de 11,57%.
Enquanto isso, a produção nacional apresentou crescimento de 6,85%.
Tabela 4 – Produção brasileira de carne suína (2002-2006), por milhões de cabeças
TEstadosT T2002T T2003T T2004T T2005T T2006T VAR %
TSanta CatarinaT 8,56 7,91 7,47 7,93 8,85 11,57
TRio Grande do SulT 5,87 5,68 5,39 5,77 6,07 5,21
TParanáT 6,22 5,80 5,28 5,41 5,63 4,03
TSão PauloT 2,79 2,49 2,41 2,42 2,51 3,77
TMinas GeraisT 4,42 3,34 3,20 3,67 4,33 17,96
TMato Grosso do SulT 1,22 1,19 1,18 1,18 1,12 -5,34
TMato GrossoT 1,77 1,70 1,70 1,80 1,87 3,92
TGoiásT 1,56 1,64 1,72 1,86 1,93 3,70
TOutrosT 5,25 4,70 4,62 4,05 4,13 2,08
TBrasilT 37,66 34,46 32,98 34,10 36,44 6,85
Fonte: ABIPECS, SIPS, SINDICARNE-SC, SINDICARNE-PR E EMBRAPA, 2009.
Santa Catarina, além de liderar o ranking de exportações do setor, concentra o
maior número de matrizes industriais. A tendência de concentração da atividade da
66
suinocultura em complexos agroindustriais pode ser percebida na evolução no número
de abates nas matrizes industriais. No Estado de Santa Catarina, a produção destinada às
agroindústrias teve uma variação positiva de 7,67% na passagem de 2005/2006. O saldo
brasileiro de crescimento no mesmo período foi de 7,83%. O Estado de Minas Gerais
apresentou significativo crescimento de 30,32% no número de abates nas matrizes
industriais e se destaca no cenário nacional de produção.
Tabela 5 – Matrizes industriais alojadas no Brasil (T2002-2006), por cabeça
Fonte: ABIPECS, ABCS E EMBRAPA, 2009.
Pode-se perceber a tendência de concentração da industrialização e a
afirmação do sistema de integração através da análise dados da produção de subsistência
(destinada ao consumo na propriedade rural, vendendo ocasionalmente os excedentes).
Esse tipo de produção vem perdendo espaço significativo ano após ano. Em 2002, a
produção catarinense com produção voltada à subsistência possuía cerca de 68.537
cabeças. Já em 2006, a produção foi de 25.060, sendo que a variação negativa em
relação a 2005 foi de 5%. A mudança na produção, passando de matrizes de
subsistência para abate em matrizes industriais, não é particularidade do Estado de
Santa Catarina e pode ser percebida nos índices de todas as esferas nacionais, ou seja,
todas apresentaram saldos negativos para essa forma de produção.
Também, no período, os pesos médios de abate aumentaram ao redor de 5,0%.
Ao contrário, a produção de subsistência manteve sua trajetória de redução. Os dados
que atestam a redução da produção de subsistência podem ser observados na Tabela 6.
Estados 2002 2003 2004 2005 2006 VAR
%
Rio Grande do
Sul
270.809 254.560 245.696 255.709 267.101 4,46
Santa Catarina 418.583 377.019 362.616 363.781 391.682 7,67
Paraná 300.000 272.316 229.359 233.196 238.517 2,28
São Paulo 126.697 114.027 114.027 112.000 114.677 2,39
Minas Gerais 202.492 145.794 145.794 151.106 196.920 30,32
Mato Grosso do
Sul
43.491 41.491 42.641 43.241 42.300 -2,18
Mato Grosso 37.992 43.992 46.492 60.118 61.784 2,77
Goiás 45.437 49.907 53.907 58.936 61.554 4,44
Outros 150.414 136.066 133.549 128.039 141.756 10,71
Brasil 1.595.915 1.435.172 1.374.081 1.406.126 1.516.291 7,83
67
Tabela 6 – Matrizes de subsistência alojadas no Brasil (T2002-2006), por cabeçaT
Fonte: ABIPECS, ABCS E EMBRAPA, 2009.
Os resultados obtidos em 2007 mantêm a tendência de aumento no alojamento
de matrizes do rebanho industrial que vem se verificando desde final de 2004, e que se
deve intensificar em 2008 e 2009. Este avanço ocorreu com maior intensidade entre as
integrações e as cooperativas do que no mercado spotTPF
19
FPT, contudo o maior impulso na
produção está ocorrendo em função do crescimento na produtividade das matrizes
industriais (entre 20,5 e 23 abatidos/ano, dependendo da região) e, em alguns Estados, o
peso médio das carcaças (entre 79 a 87 kg).
4.3 A Atividade Avícola
Nogueira (2003) considera o contrato de parceria como forma institucional
dominante na produção de frangos, além de considerar o Oeste Catarinense como
pioneiro nessa forma de organização. Na avicultura brasileira, o arranjo institucional
dominante para o suprimento de frangos aos processadores tem sido o contrato de
parceria com produtores, que surgiu no início da década de 1960 no Oeste do Estado de
Santa Catarina.
TP
19
PT O termo "spot" é usado nas bolsas de mercadorias para se referir a negócios realizados com pagamento
à vista e pronta-entrega da mercadoria, em oposição aos mercados a futuro e a termo. A entrega, aqui,
não significa entrega física, mas, sim, a entrega de determinado montante de dinheiro correspondente à
quantidade de mercadoria negociada.
Estados 2002 2003 2004 2005 2006 VAR %
Rio Grande do
Sul
62.500 45.000 44.302 35.500 30.775 -13,31
Santa Catarina 68.537 46.605 38.400 26.379 25.060 -5,00
Paraná 88.000 52.360 43.520 39.556 38.700 -2,16
São Paulo 33.865 25.399 20.319 19.303 18.338 -5,00
Minas Gerais 108.335 65.001 52.001 46.401 41.761 -10,00
Mato Grosso do
Sul
39.010 30.428 29.648 29.105 27.762 -4,61
Mato Grosso 84.130 76.304 62.939 59.792 56.802 -5,00
Goiás 65.123 45.586 44.586 44.674 43.781 -2,00
Subtotal 549.500 386.683 335.715 300.710 282.979 -5,90
Outros 714.559 644.694 639.106 636.199 635.199 -0,16
Brasil 1.264.059 1.031.377 974.821 936.909 918.178 -2,00
68
No mesmo frigorífico da SAFRITA, em 1971, foi fundada, por 478 acionistas,
sua primeira subsidiária, a FRIGOAVES, que instalou a primeira fábrica de rações de
Itapiranga e gerenciava as granjas de postura e de incubação. Ao mesmo tempo, trouxe
para Itapiranga o sistema de integração entre o criador de aves e a SAFRITA. Em 1976
foi criada a segunda subsidiária, a Safrita Agropecuária Ltda., que assumiu a criação de
aves de corte e de suínos. O abate de frango iniciou em 5 de fevereiro de 1973
(JUNGBLUT, 2000).
Na época da venda da SAFRITA para a CEVAL (em 1981), esteve em
construção o abatedouro de aves, abatedouro que foi assumido e aumentado para abater
12 milhões de frango por ano (JUNGBLUT, 2000).
A venda da CEVAL, em 1997, para a Seara Alimentos S/A, pertencente à
anglo-argentina Bunge e Born, causou ansiedade em relação aos rumos que o complexo
agroindustrial de Itapiranga tomaria. Em dezembro de 1999, a empresa anunciou a
ampliação do abatedouro de aves, do abate de 78.000 frangos/dia para o abate de
230.000 frangos/dia, prevendo um investimento de 16 milhões de reais. Anunciou ainda
um investimento de outros 10 milhões de reais para a produção de frango empanado
para a exportação (JUNGBLUT, 2000).
A Seara Alimentos S/A, por sua vez, foi vendida para a empresa norte-
americana Cargill, em 2005. A produção itapiranguense ainda ostenta a marca Seara.
No Brasil, a Cargill atua no mercado de carnes por meio da Seara, adquirida
em fevereiro de 2005. A Seara comercializa carnes de aves, de suínos e
termoprocessados para mais de 70 países – é a terceira maior exportadora brasileira
desses produtos. Com sede em Itajaí (SC), a Seara possui oito fábricas no Brasil e
intensifica sua atuação no mercado interno com as linhas de empanados, de pratos
prontos, de hambúrgueres, de mortadelas, de presuntaria, de ingredientes para feijoada,
de linguiças, de defumados, de banha, de salsichas, de salgados, de salame, de curados,
de aves inteiras, em corte ou desfiadas, além de linhas especiais para festas e light
(RELATÓRIO ANUAL CARGILL, 2005).
A Seara Alimento S/A foi fundada em 1956, na cidade de Seara, no oeste de
Santa Catarina. É referência no mercado de carnes nacional e internacional. A unidade
de Itapiranga produz empanados, frios, assados, miudos, cortados e desossados. A
unidade conta com um total de 3.092 funcionários (SEARA, 2008).
As exportações da empresa são destinadas a mais de 15 países de diversas
regiões do mundo, entre elas: África, América Central, América do Norte, América do
69
Sul, Ásia, Caribe, Cingapura, Hong Kong, Ilhas Canárias, Japão, Leste Europeu,
Oceania, Oriente Médio, Rússia e União Europeia (SEARA, 2008).
Sediada em Mineápolis, nos Estados Unidos, a Cargill está presente em 66
países de cinco continentes e emprega cerca de 160 mil funcionários. No Brasil desde
1965, a Cargill emprega mais de 24 mil funcionários e mantém suas operações em 18
Estados brasileiros, por meio de suas fábricas, armazéns, escritórios, transbordos e
terminais portuários. A Cargill encerrou o exercício de 2007 com receita líquida de R$
12,7 bilhões, representando um crescimento de 5,2% em comparação com o ano
anterior (RELATÓRIO ANUAL CARGILL, 2005).
4.4 O Panorama Atual da Atividade Avícola
A maior parte da produção de frango é destinada ao mercado interno, que
representa 68% da produção, pois as exportações perfazem apenas 32% do total da
produção (SECEX, 2008). O consumo interno apresentou índices crescentes de
consumo da carne de frango por brasileiros. No ano de 1989, quando foram iniciadas as
estimativas de consumo, os índices apresentavam 12,73 kg/habitante/ano. Já em 2006,
esse índice mais que triplicou, atingindo 35,68 kg/habitante/ano. Destaque deve ser
dado para o ano de 2005, quando o consumo aumentou 21,77% em relação ao ano
anterior. Os dados da relação da média de carne de frango consumida por habitante e
também da variação do consumo para os anos entre 1989-2006 podem ser observados
na Tabela 7.
70
Tabela 7 – Série histórica do consumo de carne de frango por habitante ano (1989-2006)
Ano kg/hab. Var. (%)
1989 12.73 -
1990 13.60 6,83
1991 14.96 10
1992 15.74 5,21
1993 17.87 13,53
1994 19.06 6,66
1995 23.21 21,77
1996 22.05 -4,97
1997 23.83 8,07
1998 26.31 10,41
1999 29.14 2,13
2000 29.91 2,64
2001 31.82 6,39
2002 33.81 9,41
2003 33,34 -1,4
2004 33,89 1,65
2005 35,48 4,69
2006 35,68 0,56
Fonte: Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (ABEF), 2009.
Apesar de a maior parte da produção estar voltada ao mercado interno, as
exportações de carne de frango em 2007 lideraram o ranking das exportações de carne
brasileira, com participação de 3.286.775 toneladas, perfazendo um total de 49,78%,
seguido da carne bovina (38,35%), da carne suína (9,19%) e da carne de peru (2,69%)
(SECEX, 2008). Os dados da exportação brasileira de carnes podem ser observados no
Gráfico 1.
71
Gráfico 1: Exportação Brasileira de Carnes, 2007
9%
3%
50%
38%
Frango Bovina Suína Peru
Fonte: SECEX, 2008.
As exportações de carne de frango totalizaram, no ano de 2007,
aproximadamente 3,3 milhões de toneladas embarcadas, o que significou um aumento
de 21% em relação a 2006. A receita cambial somou quase US$ 5 bilhões, o que
corresponde a um aumento de 55% sobre o ano anterior. Com esse desempenho, as
exportações de carne de frango atingiram, em 2007, um recorde na história do setor
(ABEF, 2008).
Além do ótimo desempenho das exportações, o preço também foi favorável.
No ano de 2006, o preço médio do quilo foi exportado ao preço de US$ 1.18, passando
para US$ 1.51 no ano de 2007. A receita brasileira com as exportações do frango, bem
como o preço médio para cada ano da série histórica de 1975 a 2007, podem ser
observados na Tabela 8.
72
Tabela 08 – Exportações brasileiras de carne de frango
Ano Volume (ton) Receita (Mil US$) Preço Médio
(US$/kg)
1975 3.469 3.290 0,95
1976 19.636 19.565 1,00
1977 32.829 31.572 0,96
1978 50.805 46.871 0,92
1979 81.096 81.148 1,00
1980 168.713 206.690 1,23
1981 293.933 354.291 1,21
1982 301.793 285.475 0,95
1983 289.301 242.312 0,84
1984 287.494 268.976 0,94
1985 273.010 238.570 0,87
1986 224.652 220.306 0,98
1987 215.163 212.971 0,99
1988 236.302 224.636 0,95
1989 243.891 263.065 1,08
1990 299.218 319.765 1,07
1991 321.700 392.859 1,22
1992 371.719 430.110 1,16
1993 433.498 478.815 1,10
1994 481.029 588.407 1,22
1995 435.226 641.648 1,47
1996 571.328 849.569 1,49
1997 651.409 883.917 1,36
1998 616.593 752.920 1,22
1999 776.495 893.037 1,15
2000 916.216 828.831 0,90
2001 1.266.083 1.334.047 1,05
2002 1.625.226 1.393.070 0,86
2003 1.960.538 1.799.286 0,92
2004 2.469.697 2.594.891 1,05
2005 2.845.953 3.508.576 1,23
2006 2.717.534 3.213.182 1,18
2007 3.286.775 4.975.564 1,51
Fonte: Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (ABEF), 2009.
Santa Catarina lidera o ranking de exportações de carne de frango, pois é
responsável por 28,39% das exportações do setor, seguido pelo Estado do Paraná
(26,34%) e do Rio Grande do Sul (20,79%), que se encontram entre os principais
Estados exportadores (SECEX, 2008).
73
Em 2007, a Seara alimentos apresentou produção de 270.170.765 cabeças
abatidas, o que representa cerca de 5,59% do total da produção nacional. Para
exportação foram destinadas 379.139 toneladas líquidas, representando 11,54% das
exportações do setor, resultado que garantiu o segundo lugar entre as empresas que mais
exportaram no Estado de Santa Catarina em 2007. No levantamento das exportações, até
julho deste ano, foi constatado que a empresa vem liderando o ranking do total das
exportações catarinenses (SECEX, 2008).
4.5 O Sistema de Integração das Agroindústrias
A perda do poder de decisão do agricultor nos rumos da propriedade não se dá
com a instalação das agroindústrias. A agroindústria é benéfica para todos, pois gera
empregos, renda, impostos, etc., desde que bem administrada e que tenha a preocupação
não só de buscar o lucro, mas também se preocupe com os resultados obtidos pelo
agricultor, e o ajude em momentos de dificuldade. O principal problema é o tipo de
filosofia de integração que se popularizou na administração das agroindústrias.
O sistema de integração é formalizado através de um contrato que rege os
direitos e os deveres dos integrados e da empresa. Foi concebido para ser uma
segurança para ambas as partes. Em suma, para o agricultor deve ser a garantia da venda
de sua produção e, para a agroindústria, uma garantia de abastecimento constante do
frigorífico. Na prática, porém, o que acontece é que o agricultor, ao entrar no quadro de
integrados, perde a liberdade, pois tem de obedecer a ordens e a prazos. Na propriedade
divide a autonomia com técnicos e fiscais. Não cabe mais ao proprietário decidir
quando, quanto, qual e de quem comprar as mercadorias. O mesmo acontece com a
venda de seus produtos. A contabilidade é feita segundo uma fórmula estruturada pela
empresa. Quando a empresa recolhe o lote, sobra a expectativa ao proprietário de saber
a quantia em dinheiro que lhe sobra.
Quanto à disseminação do sistema de integração, Nogueira (2003) afirma que
a parceria favoreceu o rápido desenvolvimento tecnológico da produção e da
industrialização de aves, gerando ganhos expressivos de produtividade, redução de
custos, qualidade e padronização. Com isso, foi possível uma redução consistente dos
74
preços, aumento do consumo doméstico e o avanço em diversos mercados
internacionais.
Existem várias formas de integração e vários ramos de negócios que adotam o
sistema. Atemo-nos, neste trabalho de pesquisa, às duas formas mais utilizadas de
integração no município: a das agroindústrias que processam frangos e a daquelas que
processam suínos.
No caso da integração na produção avícola, o agricultor entra com o
galinheiro, com os equipamentos, com a energia, com a maravalha e com a mão de
obra. A empresa fornece os pintos, os remédios e a ração, bem como realiza a
assistência técnica. O frango é de propriedade da empresa. O criador é obrigado a seguir
as orientações dadas pela empresa via técnico, o qual representa o único canal de
contato entre as partes. Existe uma obrigação, por parte do integrado, em produzir e em
vender o frango para a empresa, mas esta tem um compromisso não documentado de
comprar. O criador não tem poder de decisão. O preço é ditado 100% pela empresa,
calculado segundo uma equação técnica formulada somente pela empresa, jamais vista
por algum integrado (JUNGBLUT, 2000).
É necessário contrapor a afirmativa de Jungblut (2000), quando afirma que o
agricultor não tem acesso a fórmula, pois o agricultor até tem acesso à fórmula, que está
inclusa no contrato firmado entre as partes (contrato cujo texto está analisado adiante no
estudo de caso deste trabalho). O problema está na forma como a fórmula é apresentada
ao agricultor. É uma fórmula extremamente complexa e que conta com variáveis
imprevisíveis, como o peso do frango no final do lote, a conversão alimentar e,
principalmente, leva em conta as oscilações do preço no mercado. Outro aspecto
relevante para o nosso entendimento é que o agricultor apenas assina concordando com
a fórmula estabelecida pela empresa, e não participa da negociação do preço final pago
pelo seu trabalho.
Nogueira (2003) apresenta uma definição muito parecida com a de Jungblut
(2000) do sistema de integração da avicultura, em que os processadores oferecem rações
de fabricação própria, pintos de linhagens selecionadas, medicamentos, assistência
técnica e veterinária durante a engorda, comprometendo-se a adquirir os frangos em
peso de abate. Os produtores são responsáveis pelas instalações, pelos equipamentos das
granjas e pelo manejo, assumindo o compromisso de vender os frangos para o
processador contratante. O contrato prevê o pagamento dos lotes de acordo com índices
de eficiência descritos em tabelas de pontuação.
75
No caso da integração na suinocultura, existem duas modalidades de
integração, segundo Jungblut (2000):
a) fomento – os criadores entram com o chiqueiro, com os remédios, com os
reprodutores, com as matrizes, com os equipamentos e com a mão de obra.
Existe um compromisso não assinado da empresa em comprar os leitões,
mas o criador é obrigado a vender os leitões para a empresa;
b) integração terminal – o produtor integrado recebe os leitões de 60 dias para
engordá-los. Para tal recebe: o leitão, o concentrado e os demais
ingredientes para o preparo da ração e a assistência técnica. O agricultor
tem a obrigação de entregar o suíno pronto à empresa, mas esta não tem a
mesma obrigação; observa apenas o compromisso (JUNGBLUT, 2000).
Percebe-se a dificuldade de diálogo entre a agroindústria e o agricultor,
quando o autor coloca a obrigação do produtor versus compromisso da empresa. A
relação da empresa com o agricultor está circunscrita a um único canal – o técnico.
Para superar a dificuldade de comunicação e o poder de barganha entre o
produtor e a empresa, a Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS, 2007)
sugere a organização dos agricultores para criar condições de acontecer um maior
diálogo entre o setor de produção e o setor industrial, varejista, e outros interessados no
desenvolvimento da suinocultura. A produção de suínos em Santa Catarina está
organizada nos sistemas integrados das Agroindústrias, Cooperativas, nas Integrações e
Condomínios Particulares. Nos sistemas integrados são produzidos aproximadamente
90% dos abates das indústrias e 80% da produção total de Santa Catarina.
Quando foi trazido o sistema de integração, no começo dos anos 1970, muitos
agricultores (os proprietários não integrados) viram nele o fim da liberdade e da
autonomia. Tais valores foram caros demais para serem trocados por uma atividade que
renderia algum dinheiro, mas não o suficiente para abrir mão de ser livre, autônomo,
dono do seu horário, dos seus produtos, dos seus animais, das suas instalações. Os que
se integravam eram vistos (pelos não integrados) como “infelizes”. Com o tempo, este
modo de sentir a integração derivou para a naturalidade e muitos dos que outrora
sentiram pena dos outros passaram também a sujeitar-se ao sistema. As propriedades
agrícolas de Porto Novo medem, em média, 15 hectares e, desta área, sobram 7,5
hectares de superfície agrícola útil. Uma álgebra elementar de produtividade e de
produção deixa clara a inviabilidade da exclusiva produção de fumo, de cereais e de
76
alimentos. Daí a necessidade de firmar algum vínculo com as grandes empresas.
Decorre daí que, dentre os proprietários não integrados, passou a haver muitos que
gostariam de ingressar, mas não possuem dinheiro para construir as instalações exigidas
(JUNGBLUT, 2000).
77
5 SÃO JOÃO DO OESTE E A AGROINDUSTRIALIZAÇÃOTPF
20
FPT
5.1 Caracterização do Município
O município de São João do Oeste foi desmembrado de Itapiranga e teve
instituída sua primeira administração municipal em 1º/1/1993. Conta com uma área de
162 km² e abriga atualmente uma população de 6.020 habitantes.
Segundo dados do município, o relevo é dividido em: acidentado em – 50% do
território; terras onduladas – 30%; e terras suavemente onduladas – 20%. Apenas em
torno de 20% das terras são mecanizáveis, confirmando a dificuldade que o município
teve de se mecanizar, como tratado no item de mecanização do presente texto.
A zona rural é formada por pequenas propriedades divididas em 1.263 lotes
de proprietários rurais. Desses, 191 agricultores estão inseridos no sistema de parceria
(PREFEITURA MUNICIPAL, 2008).
A comunidade da zona rural representa a célula máxima de coesão entre os
seus integrantes, o sentimento de amor pela comunidade e entre as famílias que dela
fazem parte. É nas comunidades que são realizadas as festas, as confraternizações, as
missas, as reuniões e, em algumas delas, ainda existe a escolaTPF
21
FPT.
O município está atualmente dividido em 12 comunidades. São elas: Alto
Macuco, Beato Roque, Cristo Rei, Ervalzinho, Fortaleza, Itacuruçu, Jaboticaba,
Macuco, Medianeira, Palmeiras, Vale Pio e a própria sede do município, que, em alguns
casos, é considerada zona rural. A localização do município pode ser observada no
Mapa 02.
TP
20
PT Consideramos importante realizar a pesquisa no atual município de São João do Oeste pelo fato da
facilidade no deslocamento dentro da sua zona rural e, principalmente, pela questão da neutralidade do
estudo, uma vez que este pesquisador morou, durante praticamente toda sua vida, no município de
Itapiranga e, portanto, era muito conhecido no interior desse município. Seu pai foi secretário da
Agricultura de Itapiranga e isso poderia fazer com que os agricultores direcionassem suas respostas no
questionário.
TP
21
PT Muitas escolas interioranas foram fechadas com o processo de nucleação, onde os estudantes têm de se
deslocar para comunidades onde ocorra um número mínimo de alunos para compor as turmas.
78
Mapa 3 – Localização de São João do Oeste no contexto da Mesorregião Oeste de
Santa Catarina (2009)
Fonte: IBGE/SEMA/GOOGLE, 2009.
79
No movimento econômico agropecuário do município se destaca a produção
de frango, que lidera o ranking das atividades desenvolvidas, seguido da produção de
suínos, de leite e de leitões. Se retirarmos a produção do leite, que consta entre as
principais atividades econômicas do município, e somarmos a produção de frangos,
leitões e suínos, que compõem o sistema de integração, percebemos que, em 2007, a
produção gerada pelo sistema de integração foi responsável por mais de 70% do
movimento econômico do setor agropecuário do município. Os dados podem ser
observados na Tabela 09.
Tabela 09 – Movimento econômico agropecuário de São João do Oeste
Produto Unid. Quantidade Valor Total % %
Frango Kg 22.980.186 28.620.202,69 30,41
Suíno Kg 23.851.786 26.125.635,60 27,76
Leite L 29.332.624 16.341.859,91 17,36
Leitão Kg 3.751.666 12.196.638,24 12,96
88,49
Fumo Kg 481.091 1.880.019,36 2,00
Lenha em metro 27.485 1.082.690,55 1,15
Bovinos p/ recria Cab 1.092 957.974,75 1,02
Bovino p/ abate Cab 3.002 850.513,07 0,90
Milho Kg 2.301.645 730.552,19 0,77
Leitoas p/ recria Cab. 1.066 325.421,55 0,34
Soja Kg 220.716 103.799,21 0,11
Outros produtos 4.896.772,47 5,22 11,51
TOTAL 94.112.079,59 100,00 100,00
Fonte: Prefeitura Municipal de São João do Oeste, 2007.
O município de São João do Oeste concentra a maior parte de sua população
vivendo na zona rural. É da zona rural a principal fonte de renda da economia do
município, representada por mais de 80% do movimento econômico, como se pode
observar na Tabela 10.
Tabela 10 – Movimento econômico total de São João do Oeste
Ramo de Atividade Valor – R$ %
Agricultura e Pecuária 94.112.079,00 82,56
Indústria e Comércio 19.874.333,00 17,44
TOTAL 113.986.412,00 100,00
Fonte: Prefeitura Municipal de São João do Oeste, 2007.
No movimento econômico, dos 19 municípios da região de abrangência da
AMEOSC (Associação dos Municípios do Extremo Oeste de Santa Catarina), São João
do Oeste ocupa a 5º colocação. No Estado de Santa Catarina, seu movimento
80
econômico faz com que o município ocupe a 107° colocação. Os dados do valor
adicionado e também do índice de retorno do ICMS da região da AMEOSC podem ser
observados na Tabela 11.
Tabela 11 – Movimento econômico da AMEOSC
Município Valor adicionado (2007) Índice de retorno do ICMS para
2009
Anchieta 36.164.919,05 0,09221
Bandeirante 11.933.399,41 0,06631
Barra Bonita 8.836.750,58 0,06172
Belmonte 18.444.810,84 0,07282
Descanso 83.927.130,19 0,14844
Dionísio Cerqueira 68.771.504,18 012696
Guaraciaba 83.155.808,11 0,15013
Guarujá do Sul 37.451.874,96 0,09760
Iporã do Oeste 92.084.558,65 0,15961
Itapiranga 288.964.049,44 0,38908
Mondaí 143.900.595,27 0,21450
Palma Sola 60.518.923,21 0,12524
Paraíso 19.169.164,66 0,07421
Princesa 14.555.717,35 0,06796
Santa Helena 23.514.886,84 0,07814
São João do Oeste 113.986.412,02 0,18493
São José do Cedro 135.915.322,56 0,18617
São Miguel d’Oeste 248.240.995,47 0,36500
Tunápolis 70.219.353,08 0,13097
Fonte: Prefeitura Municipal de São João do Oeste, 2007.
Através do Mapa 3, podem ser observados os municípios que integram a
AMEOSC, bem como se podem perceber os limites do município de São João do Oeste.
81
Mapa 3 - Mapa dos municípios que compõem a AMEOSC
Fonte: Base Cartográfica: IBGE, 2005
No contexto do trabalho, procuramos resgatar os principais fatos que
marcaram os períodos desde a colonização, passando pelo processo de modernização da
agricultura até a implantação das agroindústrias com seu sistema de integração.
82
É importante ressaltar que o processo de colonização, de modernização da
agricultura e de inserção no sistema de integração não se caracterizou para toda
população da zona rural como uma transposição de etapas, ou seja, nem todas as
famílias se inseriram na sequência de etapas desse processo de colonização, pois
algumas mantêm agricultura de subsistência, com emprego de instrumentos
rudimentares no desenvolvimento das atividades rurais; e muito menos se inseririam no
processo de integração.
Enquanto que, por um lado, vários setores da divisão do trabalho social estão
organizados de forma capitalista, encontramos, por outro lado, mas não
desvinculados com os primeiros, outros setores cujas formas de produção são
nitidamente pré-capitalistas. A coexistência de uma heterogeneidade histórica
é encontrada não somente entre os setores da Economia tomada como um
todo, mas também dentro dos próprios setores. O setor agrário é testemunho
dessa situação: de um lado encontramos unidades de produção agrícolas
organizadas de forma capitalista – verdadeiras empresas rurais – e de outra
uma enorme quantidade de latifúndios e de minifúndios onde as relações de
produção são pré-capitalistas. (KÜCHMANN, 1980, p. 53).
Percebe-se, ainda hoje, a existência de pessoas que vivem de atividades
artesanais e/ou de subsistência, sem o financiamento de suas atividades ou mesmo sem
equipamentos modernos na produção, e ainda fora do sistema de integração. É o que o
autor considera serem pessoas inseridas no modelo pré-capitalista.
Reforçando o que foi apresentado sobre a colonização católica na região, todos
os produtores afirmaram serem católicos. A dimensão religiosa está presente no
cotidiano da população do município de São João do Oeste, o que é facilmente
perceptível até numa placa na entrada da cidade grifada com os seguintes dizeres:
“município predominantemente católico”.
Na questão da origem étnica, todos os produtores afirmaram ser de
descendência alemã, fator também facilmente percebido nas entrevistas, uma vez que os
entrevistados manifestavam o desejo de responder na língua alemã. A prática corrente
da comunicação entre os munícipes vale-se do hábito de conversar na língua alemã. A
arquitetura procura reproduzir uma estética que expresse a presença da cultura alemã.
Os traços culturais e fisionômicos da população encontram eco na definição que as
administrações públicas fazem de seu território: “município de colonização germânica”.
5.2 Estudo de Caso da Avicultura
83
A pesquisa de campo foi realizada através da escolha aleatória de quinze (15)
produtores de aves integrados ao complexo agroindustrial, todos residentes em
comunidades do município de São João do Oeste. Os entrevistados responderam a um
questionário, elaborado pelo pesquisador, composto de vinte e uma questões, que consta
em anexo no presente trabalho. As entrevistas foram todas gravadas e transcritas. A
partir daí foi realizada a tabulação e interpretação dos dados.
As comunidades que concentram maior número de integrados à avicultura são
a de Beato Roque (com 19 integrados), seguida pela de Cristo Rei e da própria sede do
município (com 12 integrados). Os demais números de produtores integrados ao sistema
de integração da avicultura podem ser observados na Tabela 12.
Tabela 12 – Número de produtores integrados, por comunidade, à avicultura
Comunidade Produtores
Alto Macuco 0
Beato Roque 19
Cristo Rei 12
Ervalzinho 3
Fortaleza 2
Itacuruçu 1
Jaboticaba 4
Macuco 5
Medianeira 1
Palmeiras 0
São João (Sede) 12
Vale Pio 2
TOTAL 61
Fonte: Prefeitura Municipal de São João do Oeste, 2007.
O trabalho de campo foi realizado em seis dessas comunidades (Linha
Macuco: 2 entrevistados, Linha Jaboticaba: 3 entrevistados, Linha Cristo Rei: 4
entrevistados, Linha Beato Roque: 4 entrevistados, Linha Medianeira: 1 entrevistado e
na sede do município: 1 entrevistado).
Dentre os questionamentos, procurou-se verificar se houve mudança na
estrutura fundiária com a implantação do sistema de integração. Foi verificado, entre os
entrevistados, o tamanho de suas propriedades, onde se pode perceber que o tamanho
médio das propriedades dos produtores integrados ao setor avícola é de 19 hectares. A
propriedade de maior área possui 40 hectares e a de menor dimensão, 3 hectares. A
distribuição dos tamanhos das propriedades pode ser observada no Gráfico 2.
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Gráfico 2 – Tamanho das propriedades dos avicultores
Fonte: Dados da pesquisa (2009).
Isso comprova que, na estrutura fundiária, as propriedades mantiveram, desde
o período da colonização, a sua organização pautada na pequena propriedade.
Na pesquisa buscou-se analisar, através da fala dos integrados e através do
estudo dos contratos firmados entre as partes, a questão da perda do poder de decisão
dos produtores. Para o estudo de caso da avicultura foi tomada como referência do
sistema de integração uma empresa que doravante será definida como Complexo
Agroindustrial 1. Quanto ao contrato, em sua primeira parte, trata da questão “do
objeto” da parceria e rege o seguinte:
O Complexo Agroindustrial 1 entregará ao PARCEIRO CRIADOR, de acordo
com suas necessidades operacionais e de mercado, pintos de um dia para serem criados
e terminados em aviários de propriedade deste. Para a consecução deste objeto, caberá
ao Complexo Agroindustrial 1 o fornecimento de ração e de vacinas e, ao PARCEIRO
CRIADOR, o fornecimento dos medicamentos, inseticidas, raticidas e demais aditivos,
para o tratamento dos lotes de frango, bem como a responsabilidade pelo carregamento
das aves vivas.
A salvaguarda da empresa é muito clara no dizer de que somente serão
entregues os pintos mediante condições favoráveis de mercado, ou seja, a qualquer
Dimensão das propriedades dos avicultores
16%
36%
48%
0 - 10 hectares
11 - 20 hectares
Acima de 21
hectares
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tempo (diante de uma crise, por exemplo), o agricultor pode perder o vínculo com a
empresa, e deixar todo o capital, por ele investido com a parceria, ocioso. Outro aspecto
a ser analisado é a forma como ocorre a parceria. Na parte que cabe ao agricultor, além
das instalações com as quais o agricultor tem de arcar, existem despesas referentes à
manutenção do lote, contrariando o que a maioria dos agricultores relata: “a empresa
arca com todas as despesas da parceria”.
Assim, no seu parágrafo segundo, fica estabelecido: O PARCEIRO
CRIADOR somente poderá utilizar, para o tratamento dos lotes de frango, os
medicamentos, vacinas, inseticidas, raticidas, e demais aditivos sob orientação técnica
do Complexo Agroindustrial 1, através de receituário veterinário ou produtos entregues
pelo seu Departamento Técnico.
Percebe-se que, além da exigência de cobrar do produtor a aquisição de
determinados produtos, esses somente poderão ser usados mediante a prescrição da
empresa, ou seja, o agricultor passa a cumprir apenas o que é determinado e não tem
mais a iniciativa de buscar por sua conta medicamentos, por exemplo, para o tratamento
do lote que se encontra em sua propriedade, e com o qual ele trabalha (que não é dele).
Essa parte fica melhor explicitada no parágrafo terceiro: Fica estreitamente
proibida a aquisição, pelo PARCEIRO CRIADOR, de qualquer medicamento, vacina,
inseticida, raticidas e demais aditivos, sem a expressa autorização, por escrito, do
Complexo Agroindustrial 1.
Para garantir que o produtor fez tudo o que foi estabelecido pela empresa
integradora, cumpriu com todas as exigências, são analisadas amostras do lote entregue
à empresa integradora, como se percebe no parágrafo quarto: A cada entrega de lote de
frango serão analisados os resíduos dos produtos veterinários e, caso for detectada
presença de resíduo não receitado pela equipe técnica do Complexo Agroindustrial 1,
essa informação será encaminhada ao Ministério da Agricultura e toda a
responsabilidade pelo uso inadequado de tais produtos será exclusivamente do
PARCEIRO CRIADOR.
Aqui tem que ser chamada atenção para um ponto crucial, qual seja o de que a
empresa está fazendo com que o agricultor esqueça tudo o que sabe sobre a condução de
criação de frango e lhe exigindo a execução de novas técnicas na manutenção da
propriedade. É importante frisar que o desenvolvimento tecnológico é fundamental para
que o produto brasileiro agregue valor no mercado externo e deixar claro que não é o
que questionamos, mas, sim, a forma como o sistema trata o agricultor, que faz o que é
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estabelecido e não se pode desvincular desse programa. Isso é um risco, no caso de
falência, por exemplo, da empresa integradora, e deve ser tratado como uma
preocupação pelos órgãos públicos, uma vez que, nas respostas dadas pelos
entrevistados para o questionamento (se eles conseguem vislumbrar alternativa
econômica para a manutenção da propriedade), a maioria das respostas foram negativas,
como veremos adiante. O fato é que os agricultores, por conta do sistema de integração,
têm dedicado a maior parte do tempo do seu dia em função do sistema de integração,
com o qual têm perdido o poder de decisão, uma vez que cumprem apenas o que é
estabelecido e têm deixado de lado as demais atividades da propriedade.
Na parte segunda do contrato, parte que trata DOS CUIDADOS
NECESSÁRIOS, veremos um pouco mais sobre isso. Essa parte trata do seguinte: O
PARCEIRO CRIADOR dispensará todos os cuidados necessários e imprescindíveis
para a criação e terminação das aves, para o que disporá de total assistência técnica do
Complexo Agroindustrial 1, através de técnicos habilitados, recebendo, ainda,
orientação quanto à terminação de aves, tanto no que diz respeito às instalações, como
quanto ao manejo e às condições sanitárias que deverão ser observadas objetivando a
obtenção de melhores resultados.
Aqui não se específica, mas fica implícita, a atenção de 24 horas diárias com o
lote. Nessas 24 horas, vale destacar, está incluso o serviço noturno, bem como o
trabalho nos fins de semana e nos feriados. Esta relação de trabalho não permite ao
produtor gozar de férias ou usufruir de outros benefícios trabalhistas. O espírito
contratual explicita, de forma clara, que a orientação técnica é dada por profissionais
habilitados e que ao produtor cabe, apenas, cumprir com as orientações do técnico
responsável.
O parágrafo seguinte expressa preocupação com a questão ambiental: O
PARCEIRO CRIADOR providenciará, junto ao órgão ambiental competente, a licença
para funcionamento e viabilização da atividade, obedecendo e cumprindo todas as
normas e regras aplicáveis.
Posta como uma questão humanitária fundamental para a continuidade da vida
das espécies, na questão ambiental o que soa estranho é a forma como ela é enfocada no
contrato. Todas as providências a serem tomadas e todas as responsabilidades em
relação à questão recaem sobre o produtor integrado e a empresa se omite de qualquer
compromisso e coparticipação nas ações promotoras do equilíbrio ambiental.
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A cláusula sexta do contrato trata do CRONOGRAMA DE RETIRADA DAS
AVES: Caberá ao Complexo Agroindustrial 1 definir o cronograma de retirada das aves
terminadas, sendo de sua responsabilidade as despesas das mesmas e para o
PARCEIRO CRIADOR caberá a responsabilidade pelo carregamento das aves vivas.
Com isso, acredita-se que o agricultor não decide quantas aves serão alojadas em
sua propriedade; ele não é autônomo na conduta do desenvolvimento das aves na sua
propriedade; ele não pode decidir o dia de escoamento da produção; ele não pode escoar
a produção de uma forma em que ele confie, ou seja, como era há alguns anos, quando
contava com a ajuda dos vizinhos para o carregamento do lote e tinha a qualidade no
carregamento garantida pelos seus vizinhos, pois, mesmo hoje tendo que pagar, o
produtor não pode escolher a equipe que fará o serviço de escoamento da produção.
Para garantir que o agricultor cumpra todas as instruções estabelecidas pela
empresa integradora, foi criada a décima segunda cláusula, que trata DOS ÍNDICES DE
COMPETITIVIDADE, com o seguinte teor: Em face dos altos índices de
competitividade do setor, o contrato poderá ser terminado a critério do Complexo
Agroindustrial 1 ou do PARCEIRO CRIADOR, caso o PARCEIRO CRIADOR não
atinja pontuação igual ou superior a 92 (noventa e dois) pontos dos requisitos
estabelecidos na Tabela de Desempenho, constante no Anexo II, o qual passa a fazer
parte integrante deste contrato, não sendo devido pagamento algum a título de
indenização, multa, compensação ou qualquer outro título de Parte a Parte.
Essa cláusula, além de garantir que o agricultor cumpra tudo o que é
estabelecido, ou seja, atinja os 92 pontos (somente atingível se o produtor cumprir tudo
o que é estabelecido), trata, também, da salvaguarda da empresa em caso de escassez de
compradores para a produção. Essa foi uma forma que a empresa encontrou de se ver
livre de despesas em caso de não alojar mais frangos nas propriedades de seus
integrados.
Para que as exigências sejam cumpridas e a empresa possa maximizar seus
lucros, foi criada uma tabela de pontuação, com prazo determinado para que o agricultor
se adapte às regras impostas e atinja a meta, como segue: Após 1(um) ano de produção,
o PARCEIRO CRIADOR deverá obter pontuação superior a 92 (noventa e dois) pontos
de acordo com o requisito constante no Anexo IITPF
22
FPT. Em não sendo atingida essa
TP
22
PT O Anexo II a que se refere a cláusula do contrato contempla os itens que devem ser adequados com as
devidas pontuações para que o produtor alcance os 92 pontos e mantenha o vínculo da parceria. As
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pontuação, o Complexo Agroindustrial 1 poderá rescindir o presente contrato, sem
ônus, por considerá-lo inviável para ambas as partes.
Sobre o prazo de vigência do contrato, a empresa, para garantir a não
caracterização do seu parceiro como seu empregado e assim não ter de pagar todos
direitos assegurados na CLT, adotou a estratégia de não manter o contrato, ou seja, ao
término de cada lote, o contrato é encerado e restabelecido ao início do próximo lote.
Isso é ruim para o produtor, pois ele não tem jamais a garantia de quando o próximo
lote será alojado, ou ainda se será alojado um próximo lote.
A cláusula décima terceira define o prazo de vigência: O presente contrato terá
prazo de duração indeterminado, podendo, no entanto, ser rescindido a qualquer tempo,
sem ônus, desde que a parte que o fizer dê prévio-aviso por escrito à outra, com
antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.
A empresa tem a preocupação constante com a qualidade da produção, para
que possa manter e/ou ampliar seus índices de exportações. Uma das preocupações é
com a produção no campo, por isso, para que a qualidade seja garantida, a empresa
exige as adequações necessárias do parceiro criador, conforme reza na décima cláusula:
O PARCEIRO CRIADOR aceita, e se compromete nos Termos da Lei, a trabalhar
segundo as normas e instruções técnicas da qualidade do Complexo Agroindustrial 1
para o cumprimento das exigências do Sistema ISSO.
Outra ruptura considerável no poder de decisão estabelecida com o sistema de
integração é abordada na cláusula DÉCIMA NONA – DO COMPROMISSO COM A
BIOSSEGURIDADE –, que trata da questão da perda do hábito, do costume e, ainda,
amplia o custo de vida das famílias, uma vez que não pode desenvolver a criação de
aves domésticas na propriedade.
Considerando a necessidade de biosseguridade nas granjas, compromete-se o
PARCEIRO CRIADOR, por si e seus empregados, a não ter em sua
propriedade/residência quaisquer espécies de aves (animais de pena), domésticos ou
silvestres.
No período da colonização, a criação de galinhas para a produção de ovos e de
carne para a subsistência das famílias foi marcante, o que não se vê mais em função da
exigência da empresa, que não apenas sugere como também impede a criação, como
pode ser observado no parágrafo único dessa cláusula: O não atendimento ao
cláusulas inclusas nesse Anexo que interferem no poder de decisão do agricultor são mencionadas e
analisadas no presente trabalho.
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compromisso acima firmado ensejará a imediata rescisão do presente contrato, pelo
Complexo Agroindustrial 1, independentemente de qualquer notificação, arcando o
PARCEIRO CRIADOR, porém, com os prejuízos do Complexo Agroindustrial 1 daí
decorrentes.
A cláusula vigésima trata das CONSIDERAÇÕES FINAIS. Nela fica
evidenciada, mais uma vez, a omissão da empresa para com seus parceiros, repassando-
lhes toda a carga tributária decorrente da atividade: O PARCEIRO CRIADOR aceita e
se compromete a cumprir toda a legislação trabalhista, previdenciária e demais
legislações aplicadas à modalidade de trabalho exercida para alcançar o objeto do
presente contrato, responsabilizando-se exclusivamente pela observância e cumprimento
de todas as regras contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente, em especial, a não
utilização de mão de obra escrava e infantil.
A pesquisa de campo teve como principal objetivo analisar em que proporção
o sistema de integração modificou o cotidiano das famílias integradas ao sistema de
integração da avicultura, bem como no relacionamento dos produtores com a
comunidade.
A pergunta referente à rotina de trabalho dos avicultores abrangeu dois
objetivos fundamentais: o primeiro foi “quebrar o gelo” da entrevista com uma pergunta
que certamente iria fazer com que o agricultor se sentisse à vontade para responder e
para refletir sobre a sua rotina de trabalho; o segundo aspecto analisado diz respeito ao
tempo do dia que o agricultor dedica à atividade, ficando as atribuições como
complemento das respostas. Ou seja, o objetivo da pergunta foi entender de que maneira
e em qual proporção o sistema de integração interfere no desenvolvimento das
atividades do agricultor na sua rotina de trabalho.
Analisando as respostas, observa-se que a rotina de trabalho começa cedo,
como pode ser observado no Gráfico 3.
90
Gráfico 3 – Horário do início do expediente
Horário do início do expediente
27%
20%
7%
46%
Entre 6:00 e
6:30 da manhã
Antes das 6:00
horas da manhã
8:00 horas da
manhã
Acordar cedo
Fonte: Dados da pesquisa (2009).
Na maioria das propriedades, o horário de início do expediente é por volta das
6:00 horas da manhã (entre 6:00 horas e 6:30 da manhã, foi a resposta dada por 27%
dos entrevistados). Para 20%, as atividades se iniciam antes das 6:00 horas da manhã e
apenas 7% afirmaram iniciar os trabalhos às 8:00 horas da manhã e o restante das
entrevistas, somando 47%, afirmou apenas acordar cedo, sem fazer menção ao horário.
O início do serviço matinal tem o objetivo de checar o funcionamento dos
equipamentos, principalmente a temperatura, visto que, para cada etapa do crescimento
do frango, há uma temperatura pré-estabelecida pela empresa, temperatura que o
agricultor deve manter o tempo todo. A primeira passada no aviário objetiva, então,
conferir o abastecimento da ração e da água, mexer a cama de aviário, motivar o animal
a comer, para assim ganhar peso.
Pode ser observada uma mudança nos horários em função de uma prática
tradicional da região que é o consumo do chimarrão. O chimarrão, normalmente servido
antes do início das tarefas diárias, passou a ser servido em horários alternados em
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virtude da rotina de trabalho. Em alguns casos, o manejo do aviário obrigou o agricultor
a acordar mais cedo para o preparo da bebida e, assim, manter a tradição. Muitas
respostas não mencionaram o hábito cultural de “tomar chimarrão”, porém nas
entrevistas 15 e 22 fica muito clara a mudança de hábito, bem como o cumprimento do
estabelecido pela empresa:
Eu levanto às 6 horas da manhã, vou dentro do aviário, vou ver como é que
estão os frangos, isso é a primeira coisa que eu acho que o integrado tem que
fazer, é exigência da empresa, a empresa exige isso de nós, nós temo que
levantar de manhã cedo, eles não dão horário pra nós, o horário você tem que
fazer, se tu qué o bem pra ti, você tem que fazer isso, levanto 6 horas da
manhã, eu vou no aviário, vou lá abro a porta, entro lá dentro, olho como é
que está, como é que está a água, se o frango tem água suficiente pra tomar,
vejo se está tudo tranqüilo, daí venho tomar meu chimarrão, às 7 horas eu
volto dentro do aviário, faço a recolha (dos frangos mortos) que tem que ser
feita, tem que fazer a composteira (levar os frangos mortos na composteira e
cobri-los com esterco) 2 vezes por dia que a empresa exige. (E22, p. 2).
Já para o segundo caso:
Primeiro caminho é acordar e ir pro aviário, vê como estão às coisas, aí a
gente volta tomá o chimarrão, e depois vai fazer o serviço no aviário,
primeiro é só dar uma conferida. Isso é a mesma coisa de noite, antes de
dormir vai dar uma conferida. Ver a ração, água se está tudo em ordem,
muitas vezes a gente tem fogo lá, principalmente quando pintinho é pequeno,
tem que acompanhar a temperatura. (é automático a temperatura?) Não, tem
as coisas ali, tem até alarme, né, quando a temperatura abaixa o alarme
aciona. (Pra cada fase tem uma determinada temperatura?) Tem, tem. Isso é
tudo no painel ali, no controle, tantos dias é tanta temperatura, primeira
semana, segunda semana é tanta. Mesma coisa é a água, a ração. Isso mudou
muito de uns ano pra cá. (E15, p. 2).
Percebe-se que o chimarrão se mantém como hábito tradicional, não apenas
pelos depoimentos dos produtores, mas também pelo fato de praticamente todos os
entrevistados me convidaram a tomar o chimarrão.
Outra pergunta pertinente para atender nosso objetivo do trabalho se refere ao
fornecimento de ração e sobre o processo de produção:
Tem uma programação, vem uma tabela, com tantos pintinhos tem tantos
dias de ração inicial, cada pintinho vai comer tanta ração. Só que quando
chega final e às vezes eles programam até 40 e poucos dias, vem ração
programada se eles ficar mais dias aí tem que fazer a coordenação. E no
meio tempo, se mudar alguma coisa, se o frango come menos por causa da
temperatura, aí tem que entrar em contato e mudar a ração, ou às vezes,
morre muito no começo dá muita mortalidade, depois vai ficar menos pra
comer então quando ver você tem ração sobrando então você tem que ligar
lá pra dar uma segurada porque tem ração sobrando ou ligar lá pra avisar
92
que está faltando. Senão é tudo programado. Quando entrega uma carga, já
diz o dia que vai ser entregue a próxima carga. (E1, p. 2).
Existe uma programação da entrega da ração “automática”, programação pela
qual todos os integrados recebem a ração da empresa para o trato dos animais. O
produtor, portanto, não pode tratar qualquer outro tipo de ração, sob o risco de perder o
contrato de parceria. O mesmo ocorre com os medicamentos, que também são
fornecidos pela empresa, ficando a despesa com a medicação rateada entre as partes -
50% para a empresa e 50% para o produtor. Isso demonstra uma total alienação do
produtor sobre a sua produção.
Quanto à rotina de trabalho, 27% dos entrevistados (sem saber que a próxima
pergunta seria sobre a rotina de trabalho durante a noite) logo fizeram menção de que o
serviço é de 24 horas/dia.
O objetivo da pergunta referente às atribuições noturnas foi o de entender a
forma como os entrevistados tratam a questão da desgastante jornada de trabalho a que
são submetidos. Um item foi unânime entre os entrevistados. Segundo eles, a ida ao
aviário durante a noite motiva-se pela monitoração da temperatura no padrão
estabelecido pela empresa. A principal preocupação dos produtores é com relação ao
inverno e, principalmente, quando o frango está na primeira semana. Para atingir a
temperatura desejada durante o inverno, é necessário fazer fogo em fornos que levam o
calor através de uma tubulação até o interior do aviário.
Todos os produtores afirmaram serem necessárias pelo menos três passagens
no aviário durante a noite, ou, calculando em tempo decorrido, entre uma hora e meia a
três horas para que seja realizada a próxima “passada”.
No verão, a preocupação é com o calor que faz na região, porém a tecnologia
já se encarregou de facilitar a tarefa do integrado. A temperatura do aviário é controlada
por um painel que, quando oscila para cima do estipulado, aciona automaticamente os
ventiladores e os equipamentos de nebulização. Essa mecanização é instalada ao preço
de um significativo aumento no custo de produção – custo esse arcado, é claro, pelo
produtor. Mesmo com o avanço tecnológico, são necessárias a preocupação e a
vigilância constantes do produtor em vista da prevenção a imprevistos (para o caso de
faltar energia, por exemplo).
Durante a noite, na maioria das vezes, é realizada uma troca de serviço, a
madrugada normalmente é responsabilidade do homem da casa, ficando a esposa
93
responsável até a “última passada” da noite, ou, no caso de ter filho para ajudar na
tarefa, é feito revezamento com ele, como no caso da entrevista 27.
De noite, no inverno nós fizemos rotina de serviço, então é eu e meu filho,
então até as 7 horas da noite nós ficamos normal no aviário, aí depois às 9
horas alguém vai fazer fogo, e o outro vai fazer 12 horas e 3 horas da manhã
fogo, pra não oscilar muito a temperatura, porque a avicultura é assim, talvez
tu perdeu duas horas, já interfere no final do lote, assim isso é mais
complicado no inverno. (E27, p. 1).
Na entrevista 29, o produtor justifica que, além do cuidado com a temperatura,
durante a noite deve estimular o consumo de ração pelo frango.
Só que nós sempre vamos dormir, mas um sempre vai a cada 3 a 4 horas no
aviário, principalmente quando é frio, aí a cada 3 horas um precisa ir fazer
fogo, senão a temperatura cai muito, e na verdade tem que ir pra estimular,
senão eles não ganham peso, daí não dá aquele peso. (E29, p. 2).
Fica nítido, para o produtor, o compromisso de 24 horas por dia com as
atividades provenientes do aviário. Sabendo que esta jornada é de 24 horas, deve-se
analisar como são os períodos de descanso e de lazer do produtor.
Nos fins de semana, é óbvio que o trabalho continua, uma vez que os animais
têm de se alimentar, e continuam os cuidados com a temperatura e com todas as outras
atribuições pertinentes à atividade. Quisemos saber dos agricultores como eles tratam a
questão. As respostas podem ser observadas no Gráfico 4.
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Gráfico 4 – Atividades no fim de semana.
Atividades no fim de semana
54%
34%
12%
A rotina é a
mesma dos dias
normais
Revezamento
entre integrantes
da família
Mudam a rotina
de trabalho
Fonte: Dados da pesquisa (2009).
Para 54% dos entrevistados, nos fins de semana, a rotina é praticamente a
mesma dos dias de semana.
As alternativas para que o agricultor tenha um pouco de descanso são o
revezamento entre os integrantes da família, em que pelo menos um integrante tem de
ficar na propriedade para dar conta das atividades. Esta foi a resposta dada por 34% dos
entrevistados. Isso tem diversos reflexos:
– compromete o laço de união da comunidade que existia no período de
colonização;
– fica defasada a participação de todos os integrantes da família no tradicional
culto dominical;
– na formação de lideranças na comunidade; e,
– principalmente, na coesão da família.
Apenas 12% dos produtores admitiram mudar a rotina de trabalho, adiantando
o serviço no dia anterior para ter um pouco de folga ou mesmo sair e participar de
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algum evento na comunidade. Mesmo os que deram essa resposta, eles o fizeram com
ressalvas, ou seja, apesar de mudarem a rotina, o compromisso com os frangos não é
esquecido e a saída é por apenas algumas horas, como é o caso do entrevistado 30.
Às vezes a gente muda um pouco quando quer participar de um culto alguma
coisa, antecipa de repente algumas coisas pra sábado, assim vai indo.
Algumas coisas dá pra manejar. Um tempo atrás os frangos não eram tão
delicados, aí tu podia sair mais, nos finais de semana ou durante a semana
até, e hoje num tempo crítico se tu sair uma ou duas horas pode ser fatal.
Agora começou automático tudo, com nípel, ração tudo automático,
nebulização. (E30, p. 1).
Com isso, percebe-se que a atividade avícola exige uma presença constante do
produtor junto das instalações durante o período em que o frango estiver alojado em sua
propriedade, inclusive nos fins de semana. Diante disso, quisemos saber também como
é tratada a questão das férias dos produtores.
Muitos produtores até riram da pergunta. A resposta foi novamente unânime.
Todos os entrevistados disseram que não têm férias, pelo menos não 30 dias. Alguns
foram categóricos: “Não, não tem como tirar” – foi à resposta do entrevistado 25.
O entrevistado 27, em sua afirmação positiva quanto ao gozo de férias, admite
a dificuldade em deixar a propriedade sob responsabilidade de outra pessoa e, segundo
ele mesmo concorda, que 30 dias é praticamente impossível ficar fora.
Tem como tirar. Tendo duas famílias cuidando, aí dá. (No caso do intervalo)
Que nem agora tem a parte da lona daí vai ter que tampar todo o aviário com
lona daí tu não tem o que fazer, daí no caso se tu quiser sair naqueles sete
dias, o cara que só tem essa atividade pode tirar uma semana, mas mais não,
mais que uma semana não. (E trinta dias?) Não isso não tem como. (E se
deixar de alojar um lote?) Eu acho que se falar com a empresa, dá. Só que daí
não tem retorno, é prejuízo, e deixar a propriedade só pra tirar férias é
complicado, e geralmente eles tão juntando a área, onde tem mais aviário eles
querem juntar a área pra ter o pintinho com a mesma idade, ou ter o pintinho
com 2 ou 3 dias de diferença, aí tu parar 30 dias aí já não dá, aí tem o outro
com pintinho de um dia, aquele outro que tava continuando normal está com
30 dias, aí já não fecha, ou tem que fechar 2 meses, mas aí férias não tem.
(E30, p. 1).
Na fala do produtor há outro aspecto a ser considerado, qual seja, a questão
financeira. A empresa tem certeza de que o produtor não irá deixar de alojar
constantemente em função de honrar os compromissos financeiros da própria instalação,
e também por se tratar, na maioria dos casos, da principal fonte de renda do produtor.
Ainda sobre as férias, duas entrevistas chamaram a atenção: a primeira
afirmação diz que as férias são quando alguém está doente (entrevista 07) e a outra foi o
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depoimento do entrevistado 22 se referindo ao período de férias só quando chegasse a
morte:
Não tem féria. Férias é o dia que você, sei lá, não vive mais, essas são tuas
férias. Nós temos intervalo, temos 12 dias de intervalo, que a empresa não
tem como alojar com menos de 12 dias, porque os computador não aceitam,
só que esses 12 dias nós trabalhamos, aí tem que varrer a terra, tem que
varrer as cortinas, tem que mexer a cama, tem que arrumar, pra receber os
pintos de novo. Mas férias nós não temos. Mas nós não trabalhamos no
pesado. (E22, p. 1).
O aviário não funciona 365 dias por ano. Isso é fato e, talvez, pensando um
pouco no descanso dos integrados, para evitar a contaminação do próximo lote, ou
também pelo fato de o aviário ter ajustes impossíveis de serem realizados com frangos
alojados, a empresa tem concedido intervalos maiores entre os lotes.
Perguntados sobre esse intervalo, se haveria a possibilidade de descanso, mais
uma vez as respostas foram negativas. Os produtores afirmaram que, mesmo não tendo
frangos alojados, existe uma série de exigências a serem cumpridas, como é o caso de
cobrir o aviário com uma lona para fermentação da cama de esterco, retirada da própria
cama do aviário, limpeza das cortinas, pinturas, lavagem do aviário, entre outras
atividades.
O entrevistado 13 dá seu depoimento sobre o intervalo:
Não consigo ter (férias). É muito difícil. É que eles dão intervalo agora. Por
que uma vez eles nem tinha intervalo, carregava hoje amanhã ou depois já
tava os pintos ali de novo. Hoje não, hoje já mudaram um pouco antes de
doze ou catorze dias é difícil deles alojar. (Nesses doze ou catorze dias o Sr.
não tem mais tarefa no aviário?) Tem, tem sim, a hora que sai os frangos tem
que cobrir com lona a cama pra fermentar e tem que ficar no mínimo sete
dias. Aí depois tem que tirar a lona, tem que queimar as penas, tem que tirar
o cascão e aí tem que mexer a cama, tudo, e aí tem que ficar tudo solto de
novo. (E13, p. 1).
Apesar das atribuições durante o período entre os lotes, seria possível gozar de
um descanso, porém, concomitantemente com a atividade da avicultura, muitos
produtores desenvolvem outras atividades na propriedade, principalmente a atividade de
produção de leite, a qual exige, também, dedicação diária do produtor.
É fundamental entendermos, para atingir nosso objetivo, se, com a mudança
para o sistema de integração, o integrado consegue ter a liberdade de produzir o que
achar conveniente. Afinal, a terra é propriedade sua.
Todos os produtores integrados ao setor avícola têm, nessa atividade, sua
principal fonte de renda, com índices superiores a 50% da composição da renda.
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A grande maioria dos produtores (87%) afirmou conseguir dar conta de outras
atividades, porém o retorno financeiro inviabiliza algumas culturas. Esta resposta teve
como foco principal o milho, um dos produtos mais cultivados na região, com tradição
assegurada desde o período da colonização.
Sobre a cultura do milho, o entrevistado 25 respondeu que “O plantio de
milho, hoje já não compensa mais plantar milho, devido à terra dobrada, não dá mais
lucro”. Já para o entrevistado 32: “Milho, sim, porque tu manda plantá, porque se é pra
tu plantar braçal como era antigamente não tem como [...]”. A afirmativa do
entrevistado 32 é coincidente com o que pensa o entrevistado 15, que acredita que a
saída foi arrendar a terra para que outros a cultivassem. “Não. Largamos tudo. A roça,
outros plantam e me dão o milho no silo, ganho 32 a 33 sacos por hectare posto no silo,
com isso não posso plantar milho, eles plantam 2 vezes, plantam a primeira pra silagem
e a outra deixam pra colher [...]”. Dos 15 entrevistados, 27% produtores integrados têm
o cultivo de milho na composição da renda.
Torna-se difícil o desenvolvimento de outras atividades com a rotina de
trabalho exigida pela produção avícola. Destaca-se, porém, a plantação de fumo, que,
pelas palavras e pelo número de produtores que o cultivam, parece ser uma das
alternativas mais lucrativas. Para 40% dos entrevistados, a produção de fumo é uma
atividade possível de conciliar com o sistema de integração em questão. O número
significativo de entrevistados que conciliam a produção de fumo com a avicultura pode
ser percebido na paisagem da região, figurando como uma das culturas predominantes
no espaço da zona rural.
A conciliação do binômio leite-frango é que tem encontrado maior adesão,
sendo que 67% dos entrevistados desenvolvem a produção de leite concomitantemente
com a atividade avícola. Esse sucesso na parceria deve-se a diversos fatores, como o uso
do esterco do aviário nas pastagens, na forma de adubação, a facilidade no manejo do
gado leiteiro aliado ao curto período do dia destinado a essa atividade, a lucratividade
com o baixo custo de produção e pelo fato de a empresa integradora permitir a produção
de leite.
Outro fator de extrema relevância para o sucesso do desenvolvimento das duas
formas de produção é o de que a avicultura faz do produtor uma pessoa repleta de
compromisso com a propriedade, sendo que o mesmo ocorre na atividade leiteira, na
qual o produtor tem o compromisso com os horários, principalmente com o horário da
ordenha. Assim, já estando na propriedade em função da atividade avícola, o agricultor
98
não tem dificuldade para desenvolver a atividade leiteira, o que representa uma forma
de agregar valor a produção.
Dois dos entrevistados responderam de forma negativa ao questionamento
sobre o desenvolvimento da avicultura com outras atividades. O primeiro, entrevistado
15, arrendou sua terra, pois acha mais vantajoso e seguro essa forma para não deixar sua
terra ociosa. O segundo, entrevistado 29, no seu depoimento alegou não conciliar outras
atividades para demonstrar um claro profissionalismo na produção avícola, por isso
cobriu as suas terras com reflorestamento, para abastecimento da própria empresa
integradora.
Não. O aviário é uma profissão, é só lá, não tem como, porque o tempo já vai
variar muito, tem hora que é frio aí precisa fechar, daí daqui a uma hora já
precisa abrir, se não está lá o pinto é prejudicado, temperatura é ideal, se a
temperatura não está certo já não come tanta ração, já não ganha peso, porque
na primeira semana precisa entre 30 e 32 graus, e depois já de 28 a 30 graus,
até que está com 35 dias quando a temperatura é 20 a 22 graus. Se é mais ou
menos não é bom. (E29, p. 2).
A empresa integradora não permite algumas formas de produção, como é o
caso de outro tipo frango para carne e para a produção de ovos. Também não permite a
criação de suínos, nem para o consumo na propriedade. É importante destacar esses
aspectos no trabalho, por dois motivos:
- O primeiro é pela questão financeira, pois essas proibições encarecem os
custos da manutenção da propriedade, uma vez que agora o produtor integrado tem que
se dirigir aos vizinhos ou ao supermercado para adquirir tais alimentos.
- O segundo é o fato de a integradora interferir numa prática tradicional na
propriedade, que era a criação de galinhas no terreiro. O mesmo se pode dizer do suíno
produzido para o consumo. Como vimos, a introdução do sistema de produção na forma
de integração causou diversos reflexos na rotina de trabalho dos produtores.
Outra questão importante a ser observada no sistema de integração é a forma
de contratação de mão de obra. O que a pesquisa quis saber é se, com a implantação do
sistema de integração, o produtor teve de contratar funcionários. O que se conseguiu
verificar foi que, para o desenvolvimento da atividade avícola, apenas dois dos
entrevistados afirmaram ter um empregado fixo. Um deles, o entrevistado 1, não se
dedica à propriedade. No caso, ele é o proprietário do aviário, mas contratou o
empregado para tomar conta da propriedade. O entrevistado 2 é um senhor de idade, que
não consegue mais dar conta do serviço sozinho. O restante, ou seja, 87% dos
99
produtores afirmaram empregar apenas mão de obra familiar no desenvolvimento da
avicultura.
A grande maioria, representada por 67%, afirmou necessitar de mão de obra
temporária, não para o serviço dentro do aviário e sim para cumprir com as demais
atribuições da propriedade – é a terceirização ganhando espaço na zona rural. No fato de
responderem não necessitar de mão de obra no aviário, nisso eles se esquecem de que
contratam a mão de obra justamente por causa do compromisso com a rotina de trabalho
do aviário, pois, certamente, sem o aviário, teriam condições de dar conta das demais
atividades da propriedade e não precisariam mais contratar. Aí entram, porém, outras
questões, como financeira principalmente, onde eles se questionam: – o que é mais
vantajoso? Essas outras atividades na propriedade não são objeto da nossa discussão,
mas o fato é que, com certeza, a integração aumentou a oferta de trabalho na zona rural
– nas áreas de serviço temporário principalmente.
A solidariedade entre os agricultores no período da colonização foi
fundamental para a constituição das comunidades. Esse aspecto é muito nítido tanto
quando se analisa a grande maioria dos artigos que tratam da colonização quanto das
apreensões das próprias conversas de quem fez parte da construção deste período. É
importante saber se, com a chegada do sistema de integração, esse sentimento de
solidariedade entre os vizinhos e entre os integrantes da comunidade foi afetado.
Sobre a relação em comunidade, o entrevistado 1 esclarece o que mudou:
Antigamente se tinha vizinho ajudando vizinho. Na época de colher fumo,
colher feijão, colher soja ia colher lá e depois colhia a do vizinho. Isso hoje
não existe mais. Até porque o integrado dessa firma e até mesmo da produção
de leite então o outro também. Como é que um vizinho vai vir me ajudar no
aviário se ele não pode entrar. Até a participação de eventos fica defasado.
Ele fica amarrado. Têm horários que ele não pode participar. Antes ele era
dono da terrinha dele e tal e ele fazia o que ele queria. Hoje ele tem alguém
acima. (E1, p. 2).
A expressão “antes ele era dono da terrinha e tal [...]” exemplifica, claramente,
que os próprios agricultores estão percebendo que estão perdendo o domínio sobre a
forma de produzir em suas terras, que não conseguem mais estabelecer seus horários.
Como o produtor afirmou: “hoje ele tem alguém acima.”. Acrescenta-se:
“administrando sua propriedade”.
100
Entre os entrevistados, 80% acham que o sistema de integração interferiu na
relação com a comunidade, dificultando a relação em sociedade. Outro depoimento
repleto de aspectos a serem analisados é o do entrevistado 29:
Modificou um pouco, sim (a relação com a comunidade), até a vizinhança já
sabe disso, eles não faz mais essas visitas assim, porque não é mais possível,
porque que nem nós que temo aviário, eles não tem mais acesso à
propriedade porque é proibido, por isso tem aquela placa, proibida a entrada,
isso é mais pra não trazer doença dentro, e eu acredito que ajuda bastante
porque em 99 ou 2000 eles fizeram aquele ato de desinfetação, daí eu logo vi
que ajudou bastante porque antes nós tínhamos um grave problema de
doenças. Daí o lote lavava, daí logo vinha de novo, daí eu vi que isso ajudou
bastante, acho que isso sempre vinha de fora, aquela doença. (E29, p. 2).
O produtor afirma que, além da restrição no convívio com a sociedade por
causa dos horários, também foi dificultada a relação com a vizinhança por razões de
sanidade. A placa “proibida entrada” de fato existe em cada propriedade. Isso é a
principal prova de que a relação em comunidade foi afetada.
Apenas um dos entrevistados afirmou que o sistema de integração não
interferiu em nada a sua relação com a sociedade.
Alguns tentaram alegar que ficou melhor, pois começaram sua fala dizendo
que melhorou e, por fim, acabaram concluindo seu raciocínio afirmando e enumerando
as dificuldades nas relações com a comunidade, até porque é difícil para o agricultor
admitir não participar da sociedade.
Dois entrevistados, o entrevistado 2 e o entrevistado 7, afirmaram ter
melhorado e sustentaram suas afirmações. São dois idosos e ambos possuem mão de
obra disponível na propriedade – o primeiro possui um casal de agregados em sua
propriedade e o segundo tem duas filhas que tomam conta do aviário. Vejamos aos
depoimentos.
Entrevistado 2:
Ficou quase a mesma. Agora quando tem baile, tem missa, tem festa a gente
pode participar mais. Então a gente pode participar mais da comunidade.
Desde que eu contratei o agregado isso ficou mais fácil pra mim. Antes eu
não podia sair. Se o frango é grande e calor tu não pode sair, de um minuto
uma hora pra outra pode cair a chave, pode acabar a energia, se tu não está
em casa, o que acontece? (E2, p. 2).
No caso do entrevistado 7:
101
O pai vai à missa mesmo assim todo domingo. Eu acho que isso não mudou
muito. O pai sai muito mais que há dez anos atrás. Porque daí tinha que
brigar pra eles sair (filha). Mas isso porque vocês dão conta do serviço
(proprietário). Nós estamos na fase do viver pra viver, não só pra trabalhar. E
anos atrás nós só pensamos em trabalhar, trabalhar e trabalhar. Nós não tinha
tempo pra passear na nossa vida. Agora nós estamos aposentados. Tem que
aproveitar um pouco mais (esposa). (E7, p. 3).
Percebe-se, nitidamente, que, com a instalação do sistema de integração, a
relação na comunidade ficou defasada. Diante de todas essas questões, a pergunta
seguinte foi com o objetivo de verificar o que o agricultor pensa que poderia ser
mudado no sistema, ou seja, para a pesquisa, era importante saber, dos próprios
agricultores, o que, na sua visão, poderia ser mudado no sistema. Foi a questão que teve
o maior conjunto de respostas, que foram sintetizadas no Gráfico 5.
Gráfico 5 – O que poderia ser mudado no sistema de integração?
26%
26%
12%
6%
6%
6%
6%
6%
6%
Redução das
exigências
Melhor distribuição
da renda
Modernizão do
sistema
Ter concorrência
Pode produzir
snos para o
consumo
Ser mais humano
O carregamento
A genética
Ideal
Fonte: Dados da pesquisa (2009).
102
As sugestões da redução nas exigências somaram 26% dos produtores. Os
agricultores alegam excesso de mudanças contínuas nas instalações e também na forma
de conduzir os trabalhos.
Também 26% sugeriram maior valorização financeira da produção. Nesse
particular, perguntei a alguns produtores se era possível negociar o preço pela produção.
As respostas foram sempre negativas. Também foi constatado que os agricultores não
possuem um sindicato, que poderia ser uma forma de negociar com a empresa.
Ao ser perguntado ao entrevistado 28 se ele participa na negociação dos
preços, afirmou: “Não. Isso eles tem a tabela e nós também temos a tabela. O que o lote
dá, paga. Se dá peso bom, conversão boa, dá lote bom. Senão não, isso é sagrado”. O
produtor afirmou, porém, que nem sempre foi assim. Aí a pergunta seguinte foi: –
Como era então?
No início era bem melhor, não tinha tanta despesa como hoje, que nem, eu
me lembro, ganhava bem mais. Eu acredito que com um aviário de 54 metros
ganhava mais que hoje com um aviário grande. Porque uma família
sobrevivia naquela vê com um aviário pequeno, a maioria tinha aviário
pequeno, e hoje não é mais, hoje não paga mais a mão-de-obra, porque o
trabalho hoje é o mesmo, o desgaste é o mesmo. (E28, p. 2).
Os 13% que afirmaram existirem aviários mais modernos não sabem se seria
melhor para a região a instalação desses novos equipamentos. Para 6%, o sistema é o
ideal. O entrevistado 29 afirmou que tem que mudar o que a empresa achar que deve ser
mudado e seguir o que é estabelecido:
Pra nós não tem como dizer o que precisa ser diferente ou melhorado porque
quem exige é a empresa, pra nós não tem opção, fazer como eles querem,
senão [...] não tem como, ir contra eles e dizer pra eles isso aqui está errado,
isso é exigência do mercado, que nem a empresa é 100% exportação,
exigência vem lá de fora, eu sei que tem uns integrados, aqui perto, que
foram contra eles e hoje estão todos fechados. (E29, p. 3).
Este depoimento reproduz, de certa forma, a adesão pronta a tudo o que é
estabelecido pela empresa. Esse entrevistado é, certamente, considerado, pela empresa,
um dos melhores integrados.
Dos 6% que acham que deveria haver concorrência entre as empresas, o
entrevistado 1 concedeu depoimento interessante:
O que precisa aqui na nossa região é concorrência. Porque a empresa tá
sozinha e faz gato e sapato. Se pode ter certeza de que se você é um bom
103
produtor, a empresa nunca vai te deixar pobre ou quebrar, mas pode ter
certeza que tu não vai ficar rico, eles controlam de acordo a tu poder se
manter. Eles não te deixam quebrar, mas te deixam na míngua. Agora eu sei
de regiões no Rio Grande do Sul. Aí os galpão é no sistema mais antigo
ainda. Se o cara não quer investir não quer fazer a empresa a outra empresa
não exige. Se a empresa não alojar, ele vai alojar pra outra empresa e aí ele
vai trabalhando pro outro. Então isso a concorrência lá faz. Que aqui a
empresa se aproveitam e exigem isso porque eles estão sozinho pra empresa
lá na frente conseguir vender pro mercado europeu que paga um pouco mais
então nós aqui temos que fazer as coisas pra eles ter as vantagens no final.
Esse é nosso maior problema aqui, é a [falta de] concorrência. (E1, p. 3).
Quanto aos 6% que pediram “ser mais humano”, isso no depoimento 2 é
justificado da seguinte maneira:
Ser mais humano, mais familiar, mais comunicação entre o integrado e a
empresa, deixar aqueles investimento que eles querem que a gente precisa
fazer e não tem nada de valor você gasta seu dinheiro e não rende nada para o
frango. E pagar melhor, um pouco melhor. (E2, p. 3).
Esse depoimento demonstra a dificuldade de contato entre as partes, pois a
empresa é representada por um técnico, que é o único canal de informação entre as
partes.
Quanto aos 6% que citaram a mudança do carregamento do lote, eles
acreditam que deve voltar ao sistema antigo, quando o próprio produtor embarcava a
sua produção com ajuda dos vizinhos.
Enfim, todos os agricultores têm sua opinião a respeito de mudanças; muitas
delas difíceis de serem alcançadas. A percepção é de que as exigências tendem a
aumentar, em função das imposições do mercado, principalmente do internacional, e da
“pressão” pela redução dos impactos ambientais. No caso do preço pago pela produção,
é outro aspecto muito difícil de ser revertido, principalmente em razão do fato de os
produtores não estarem organizados de forma sindical, o que dificulta as reivindicações.
É nesta perspectiva de raciocínio que foi construída a pergunta em torno de uma
possível alternativa econômica para a manutenção da propriedade.
O processo de desenvolvimento regional, como podemos constatar na presente
pesquisa, teve o seu início marcado pelo grande número de integrantes das famílias,
vivendo em pequenas propriedades rurais, produzindo sua subsistência e suas formas de
sociabilidade sem nenhum mecanismo formal de integração a um sistema
agroindustrial. Surpreendidos pelo sistema de integração, estas famílias, que
sustentavam relações de cooperação e solidariedade, foram, de certa forma, obrigadas a
104
mudar as relações de produção, os produtos e as tecnologias de produção sob o risco de
terem seus produtos excluídos do mercado. Não suficientemente capitalizados e
incapacitados de buscarem formas de organização produtiva autônoma, viram-se na
contingência de se submeterem à proposta da integração a grandes empresas
agroindustriais, muitas vezes reféns do agronegócio. Diante da situação, a questão da
alternativa econômica para a manutenção da propriedade, em se considerando a
sustentabilidade da família e os mecanismos do seu controle, ensejara a auscultação do
nível de apreensão dos produtores integrados em relação ao problema.
A grande maioria (67%) afirmou não existir outra forma tão rentável
economicamente quanto a proporcionada pelo sistema de integração.
Dos que sugeriram mudança, 13% trocariam a atividade de avicultura pela
integração à suinocultura.
Um dos avicultores compraria caminhões e outro já tem planos para lotear sua
propriedade. E um produtor trocou a atividade avícola pela produção de leite e de fumo.
O que chama atenção é a falta de, pelo menos, ideia de mudança por parte dos
agricultores. Eles não conseguem visualizar alternativas e estão fadados a uma eminente
falência no caso de uma epidemia, por exemplo. Diante de inúmeras possibilidades de
mudança, são preocupantes as respostas negativas para essa pergunta.
5.3 O Sistema da Integração na Suinocultura
A pesquisa de campo foi realizada através da escolha aleatória de quinze (15)
produtores de suínos integrados ao complexo agroindustrial, todos residentes em
comunidades do município de São João do Oeste. Os entrevistados responderam a um
questionário, elaborado pelo pesquisador, composto de vinte e uma questões, que consta
em anexo no presente trabalho. As entrevistas foram todas gravadas e transcritas. A
partir daí foi realizada a tabulação e interpretação dos dados.
O roteiro de perguntas foi o mesmo para os dois sistemas de integração. O
objetivo da realização dos questionamentos foi o de verificar as semelhanças e as
diferenças na questão da interferência do sistema no poder de decisão do agricultor nos
rumos da propriedade.
A pesquisa de campo com os agricultores integrados à suinocultura foi
realizada em sete comunidades, também pertencentes ao município de São João do
105
Oeste – SC. São elas: Linha Macuco (1 entrevista), Linha Jaboticaba (2 entrevistas),
Linha Itacuruçu (1 entrevista), Linha Palmeiras (2 entrevistas), Linha Cristo Rei (2
entrevistas), Linha Medianeira (6 entrevistas), e na própria sede do município de São
João do Oeste (1 entrevista). A distribuição dos produtores integrados à suinocultura,
por comunidade, pode ser observada na Tabela 13.
Tabela 13 – Distribuição dos produtores de suínos por comunidade
PRODUTORES
COMUNIDADE
LEITÃO TERMINAÇÃO
Alto Macuco 0 4
Beato Roque 12 17
Cristo Rei 10 18
Ervalzinho 8 19
Fortaleza 7 6
Itacuruçu 6 11
Jaboticaba 24 9
Macuco 2 16
Medianeira 10 20
Palmeiras 1 2
São João 2 31
Vale Pio 0 1
TOTAL 82 154
TOTAL 236
Fonte: Prefeitura Municipal de São João do Oeste, 2007
Na análise da amostra foi verificado o tamanho das propriedades. O objetivo é
entender se, com a implantação do sistema de integração na suinocultura, houve uma
mudança na estrutura fundiária. Os resultados podem ser observados no Gráfico 6.
Gráfico 6 – Tamanho das propriedades rural
Gráfico XX – Tamanho das propriedades
Fonte: Dados da pesquisa (2009).
27%
46%
27%
Tamanho das propriedades dos suinocultores
0 a 10 hectares
11 a 20 hectares
106
Analisando o gráfico, como verificamos que ocorre na avicultura, nota-se que
a estrutura fundiária se mantém pautada na pequena propriedade. Em média, o tamanho
das propriedades dos entrevistados é de 17 hectares. A maioria das propriedades possui
entre 11 e 20 hectares. A propriedade de maior dimensão totaliza uma área de 47
hectares, e a de menor, 3 hectares.
Todos os entrevistados afirmaram ser casados. Apenas dois entrevistados não
têm filhos. E a grande maioria dos que têm filhos relatou que os filhos em idade adulta
não moram mais em suas propriedades. A grande motivação para a saída dos filhos,
segundo os pais, foi estudar e trabalhar na cidade.
Para o estudo de caso da suinocultura, como referência do sistema de
integração foi considerada uma empresa que doravante será definida como Complexo
Agroindustrial Cooperativa. Quanto ao contrato, em sua primeira parte, trata da questão
“do objeto” da parceria e rege, no parágrafo segundo, que fica clara a impossibilidade
de criação de outros suínos na propriedade, ou seja, a partir do momento em que o
agricultor firmou a parceria, a partir desse dia ele perde a liberdade de criar suínos
próprios em sua propriedade para a alimentação de sua família. O parágrafo segundo diz
o seguinte: Fica avençado entre as partes que, durante o período de vigência deste
contrato, o PARCEIRO CRIADOR se obriga a não manter qualquer outro sistema de
criação de suínos na propriedade destinada à efetivação da parceria suinícola, objeto do
presente contrato.
O que mais chama atenção nessa parte do contrato, porque interfere
diretamente no poder de decisão do proprietário sobre a sua propriedade, foram as
cláusulas da terceira parte do contrato, cláusulas que tratam do seguinte: III – DA
PARTICIPAÇÃO DOS CONTRATANTES NA PARCERIA, na CLÁUSULA
SEGUNDA e no “Parágrafo Quarto: Fica expressamente vedado ao PARCEIRO
CRIADOR destinar os animais do lote suinícola para outro fim senão aquele
especificado neste instrumento.”
O parágrafo quinto especifica algumas das diretrizes que o produtor deve seguir
no processo de comercialização da sua produção: Os animais entregues para constituir
cada lote suinícola serão cadastrados pelo sistema de brincos e/ou mossa, e registrados
em Fichas de Controle, que conterão as características de cada animal, as ocorrências
com cada um deles, bem como os registros de visitas técnicas e de terceiros, devendo a
consignação de tais ocorrências ser rubricada por ambas as partes.
107
Os mecanismos contratuais levam o produtor a demonstrar para a empresa
toda a sua rotina diária, uma vez que é seu dever monitorar de tempo em tempo o
desempenho/desenvolvimento do lote de suínos.
No parágrafo sexto ocorre mais uma amostra de que o agricultor vem
perdendo a autonomia sobre os rumos da propriedade: A critério do Complexo
Agroindustrial Cooperativa, é ela mesma que estabelecerá o número de animais de cada
lote suinícola a ser alojado. Assim sendo, o agricultor não pode decidir nem sobre o
número de suínos que ficarão em sua propriedade.
No parágrafo sétimo são mostradas as “vantagens” do sistema de integração:
Além dos animais entregues para constituir os lotes suinícolas, o Complexo
Agroindustrial Cooperativa participará com as rações, com os concentrados, com os
núcleos, com o farelo de soja, com o farelo de trigo, com o milho, com as vacinas e com
os medicamentos a serem utilizados, bem como com assistência a técnica necessária à
atividade suinícola da parceria, devendo o PARCEIRO CRIADOR solicitar, sempre que
necessário, a referida assistência.
Parece importante ressaltar que o sistema facilitou o desenvolvimento das
atividades na propriedade, considerados os serviços postos à disposição do produtor. O
agricultor pode contar, sempre que for necessário, com assistência técnica; não precisa
se preocupar com estiagens se não quiser, porque a empresa fornece a ração pronta e os
medicamentos são todos entregues na propriedade. Essas facilidades estendidas ao
produtor tiveram, no entanto, o seu preço, que se traduz, sobretudo, na dependência aos
ditames da empresa e no progressivo esvaziamento das relações familiares e
comunitárias.
Segue a CLÁUSULA TERCEIRA, que define a parte pertinente ao produtor
na parceria: O PARCEIRO CRIADOR participa com as pocilgas edificadas sobre a sua
propriedade, instalações, equipamentos e todo ônus inerente à sua manutenção, energia
elétrica e água consumida, bem como a mão de obra despendida na atividade da
parceria suinícola.
Quando o contrato fala em mão de obra, há de se lembrar do monitoramento
constante do suíno, dia, noite, chuva, frio, etc. Nessa cláusula isso não é mencionado.
A cláusula quarta é de ambígua interpretação e, portanto, de uma reciprocidade
altamente negativa para o produtor: O prazo do presente instrumento é indeterminado,
vigendo durante o tempo necessário ao desenvolvimento de cada lote suinícola, objeto
da parceria.
108
Outra questão que se apresenta é a de que o contrato exige do produtor uma
adaptação de toda a sua propriedade, e principalmente da sua vida, para se inserir no
processo de integração. Mesmo com essa exigência, o contrato não dá garantia nenhuma
de continuidade, ou seja, depois de o agricultor tomar, normalmente, um empréstimo
vultuoso para adequar a propriedade dentro de uma série de normas estabelecidas pela
empresa e pela legislação, em especial a ambiental, pode o agricultor, ao entregar seu
lote de suínos, encontrar o chefe da empresa se virando para ele e lhe dizer: “Muito
obrigado! Esse foi seu último lote!”. E, aí, toda a infraestrutura, toda a organização da
propriedade, toda a dedicação do produtor, como que fica?
Esse descompromisso de continuidade está na cláusula quarta, no parágrafo
primeiro estabelece: Com o término do desenvolvimento de cada lote suinícola e
respectiva retirada, o presente contrato será considerado rescindido, de pleno direito,
não obrigando nenhuma das partes em indenizar a outra, sob qualquer título, tais como
danos materiais, danos morais, lucros cessantes, etc.
É isso que o contrato diz. A prerrogativa que assegura qualquer possibilidade
de continuidade contratual só é viabilizada se todas as exigências e garantias da empresa
estiverem asseguradas. Diante disso, o parágrafo segundo assegura que: “Sempre que
ocorrer novo alojamento de lote suinícola, o presente contrato será automaticamente
renovado, nas mesmas condições ora pautadas.”
Esta é uma salvaguarda que garante à empresa uma total proteção diante de
crises ou de intempéries que possam afetar a sua sanidade econômico-financeira.
No sistema de integração da suinocultura podem ser percebidas algumas
diferenças em relação à avicultura. A primeira delas é a existência de concorrência para
a atividade no município, pois existem quatro empresas integradoras que atuam na
região, entre as quais o agricultor tem a possibilidade de escolher em qual vai firmar a
parceria.
A segunda diferença é em relação à forma de produção, em que os produtores
integrados são divididos em três etapas de produção:
a) as Unidade de Produção de Leitão (UPL)TPF
23
FPT;
b) os iniciadores e/ou crechário
TPF
24
FPT;
c) aqueles que se dedicam à terminação
TPF
25
FPT.
TP
23
PT É a fase inicial do processo - o parceiro fica responsável pela produção do leitão até o desmame.
TP
24
PT O responsável pelo crechário e/ou iniciadores é um outro parceiro da integradora, responsável pela fase
intermediária entre a cria e a engorda. No crechário, os leitões permanecem de 30 a 40 dias, depois,
com 22 a 25 kg aproximadamente, são destinado para engorda.
109
O leitão é transportado de uma propriedade para outra no seu ciclo de vida,
passando por três propriedades até o seu abate. Com isso, cada agricultor tem
peculiaridades na forma de produzir devido à fase em que o leitão se encontra. Isso pode
ser observado nas respostas.
Na questão da rotina de trabalho, o que se pode observar é que as atividades
matinais, como na avicultura, se iniciam cedo para os integrados de todas as etapas da
produção. A grande maioria (47% dos entrevistados) afirmou levantar entre 6:00 e 7:00
horas. O restante afirmou apenas acordar cedo. Um dos entrevistados, o entrevistado 12
(E12, p. 1), foi o que afirmou acordar mais cedo, às 5:30 horas da manhã.
Nosso costume é levantar às cinco e meia, aí tomamos nosso chimarrão,
acordamos a filha para ir na escola, isso tem que ser um pouco mais cedo, em
seguida buscar as vacas no pasto, que são tocadas de noite no pasto, tocar pra
tirar o leite, enquanto um começa a tirar o leite eu já vou no chiqueiro pra
fazer o trato dos animais, a primeira refeição do dia, aí depois eu volto pra
terminar o serviço da ordenha. Daí vem o café, aí depois do café
normalmente você volta no chiqueiro pra fazer as limpezas e olhar se está
tudo certo, faço a higienização, que é três vezes por semana e o manejo das
cortinas. De tarde é o segundo lanche do dia, são três lanches no dia, faço o
lanche, vejo se está tudo certo, faço o manejo das cortinas. (E12, p. 1).
O hábito de acordar cedo se mantém pelo costume tradicional de tomar o
chimarrão, abordado na questão da rotina de trabalho da atividade avícola. Outro
aspecto a ser ressaltado no depoimento do produtor é a questão do café da manhã. Para
esse agricultor, o café fica para depois das atividades. Como se percebe, a filha vai para
a escola e, certamente, toma o seu café antes dos pais. Assim sendo, a família fica
defasada para a refeição matinal.
Na entrevista 16 nota-se que o produtor prioriza a rotina de trabalho como
primeira atividade matinal, sem abrir mão do hábito cultural do “tomar chimarrão”. A
alimentação do produtor fica em segundo plano:
Eu acordo seis horas da manhã. Tomo meu chimarrão. E aí o primeiro café é
no chiqueiro. Aí antes do meio-dia eu vou de novo lá, vou dá uma olhada,
tratá um pouquinho. Depois do meio-dia, e assim de tardezinha, antes da
noite. Diariamente, limpá de manhã, e às vezes antes do meio-dia, e antes da
noite. (E16, p. 1).
Outro aspecto nítido nos depoimentos é que os suinocultores, em maior
intensidade, mesclam os horários da atividade da integração com a atividade leiteira na
TP
25
PT Recebe o leitão com 22 a 25 kg e o entrega o suíno para o abate, em média, com mais de 100 kg.
110
rotina de trabalho, ou seja, em maior proporção na comparação com a atividade avícola,
pois 94% dos produtores integrados à suinocultura incrementam, como componente da
renda, a atividade leiteira.
Em 67% das propriedades, a atividade da suinocultura representa 50% ou mais
da composição da renda. No restante (33%), a atividade leiteira é a que predomina como
carro-chefe das atividades econômicas desenvolvidas na propriedade. Nesses casos, a
suinocultura ocupa a segunda posição.
Observou-se, nos depoimentos, que as exigências com a atividade da
suinocultura na rotina de trabalho são menores, pois os agricultores não têm o
compromisso de ficarem tão “presentes” junto aos suínos quanto os produtores de
frango. Esse menor compromisso de presença ocorre principalmente no caso dos
produtores responsáveis pela terminação – fato muito nítido na rotina de trabalho
durante a noite.
Para tratar da questão da rotina noturna, antes de qualquer coisa é necessário
deixar claro que foram entrevistados 4 produtores responsáveis pela criação de leitões
(iniciador) e 11 entrevistados responsáveis pela terminação. Dos entrevistados, todos os
iniciadores afirmaram ter serviço quando as matrizes estiverem em trabalho de parto
durante a noite. Os produtores responsáveis pela terminação afirmaram ser muito difícil
haver serviço noturno, porém afirmaram encerrar suas atividades entre 21:00 e 23:00
horas, horário em que é realizado o último trato e o manejo das cortinas. Sendo o início
das atividades matinais por volta das 6:00 horas da manhã, isso os obriga a uma jornada
de trabalho, em média, de 17 horas diárias de serviço.
Além da jornada exaustiva, todos os produtores relataram o cuidado com a
temperatura durante a noite, pois, em caso de uma chuva ou mesmo de uma oscilação
repentina da temperatura, o produtor deve ir à pocilga realizar o manejo das cortinas
(fechar ou abrir). A “briga” entre os suínos é outro motivo que pode levar o produtor a
verificar e controlar a situação.
Após a verificação dessa desgastante jornada de trabalho diário, a pergunta
seguinte se refere à rotina de trabalho nos fins de semana. A resposta unânime foi a de
que nunca se está totalmente livre nos fins de semana, pois sempre há compromisso
com a atividade. No caso de um compromisso fora da propriedade, dois produtores
afirmaram abrir mão de um trato, ou seja, “cortarem um trato” aos animais;
complementaram em seu depoimento, no entanto, que mais de um dia fica praticamente
impossível sair da propriedade.
111
O entrevistado 12 afirma que a folga pode ser tirada ao término do lote, pois
“Aí não tem feriado. Única vantagem é no final do lote, daí dá uma semana de folga.
Daí tem a reforma, a limpeza. Hoje eles já contratam uma equipe. Isso não precisa mais
fazer. Aí a metade eu pago e a outra metade a empresa paga”. Nesse depoimento,
percebe-se a total interferência da integradora na condução das atividades do produtor.
Além de estabelecer como o produtor deve conduzir suas atividades, ainda, ao término,
não confiando na capacidade de higienização das instalações por parte do produtor,
terceiriza-se o serviço de limpeza e ainda se rateiam as despesas pelo serviço (entre o
produtor e a empresa integradora).
Como na avicultura, em caso de saída da propriedade para atender a outro
compromisso, o mais comum entre os produtores é haver um revezamento entre os
integrantes da família, de sorte que fica impossível que todos da família possam ter o
fim de semana inteiro de folga ao mesmo tempo.
O entrevistado 5, a esse respeito, diz o seguinte:
Talvez se tem um outro compromisso e a gente qué sair. Aí a gente só trata
três vezes. Ou dá um pouco mais ração um pouco antes do meio-dia e sai.
Para um dia. Mais dias, não. Eu não imagino um dia toda a família sair.
Talvez um dia. Mas mais dias não tem como. Com leite e suínos, não. Faz
tempo que eu não saio com toda família. Eu e a esposa às vezes. Ou eu
sozinho. Ou ela sozinha. Ou a filha. Às vezes a gente sai num domingo de
manhã e volta antes da noite. (E5, p. 2).
Com a maioria dos agricultores, tendo que dar conta de duas atividades (leite e
suínos, por exemplo), fica comprometida a saída de todos os integrantes da família
devido ao compromisso principalmente com a ordenha, no caso da atividade leiteira, e
devido aos próprios compromissos com a atividade de suinocultura.
Se folgar durante os fins de semana é difícil (como de fato foi comprovado),
certamente tirar férias é mais complicado ainda. As respostas para o questionamento
sobre as férias foram, novamente, praticamente unânimes, ou seja, “não tem como tirar
férias”. Algumas afirmações chamaram atenção, porém, como é o caso do entrevistado
6, que revela certo saudosismo do período anterior ao sistema de integração: “Nem
pensar. Nunca. Não tem como. Meu Deus! Com todo esse serviço que as vacas e tudo
dá, praticamente não dá. Se parar um dia, dois dias, talvez dá. Antigamente era
diferente. Agora termino”.
Apesar de dono da propriedade e das instalações, o entrevistado 3 se
autodefine como empregado da empresa:
112
Não tem como. Nós somos empregados da empresa. Porque eles usam o
mesmo caminhão pra várias entregas. Não é só numa propriedade que eles
vão entregar. Daí eles trazem o caminhão não vem com 4000 kg eles vêm
com o caminhão cheio. Aí eles entregam pro vizinho. (E3, p. 3).
Já o entrevistado 5 afirma que férias é “quando se está doente”, e não deixa de
afirmar que consegue sair, “passear”.
Não que a gente não vai passear às vezes. Férias eu nunca tinha. Só quando
fica doente. Mas não é só o suíno que a gente tem que cuidar. Se não tivesse
o gado de leite, até que dava. O resto do gado a gente pode largar (trabalha
também com gado de corte). Não teria problema. Mas com o gado de leite e
suínos, aí não dá. Aí tem que ter um outro que ajuda a gente a cuidar. (E5, p.
3).
É muito difícil para o agricultor, apesar de ter havido uma melhoria perceptível
na renda, não poder usufruir dessa melhoria na condição econômica, com a
possibilidade de ir viajar, por exemplo. Esse produtor justifica que não é apenas o
sistema de integração que retém as pessoas em casa impedindo-as de desfrutar de férias.
O entrevistado 10 foi o único a afirmar poder gozar de férias, mas o faz com
ressalvas:
Dão férias, de repente poderiam me punir lá na frente, vai saber? Porque a
princípio o pessoal da agricultura tá acostumado a trabalhar. (Já chegou a
pedir férias?). Um mês não, nunca chegamos a pedir, mas uma semana, sim,
e eles dão, e se eles precisam, que nem no último lote, ele logo pediu antes de
carregar, ele pediu se nós podia lavar logo e alojar, se nós poderia dar uma
mão, se nós não queria, eles teriam que achar outro lugar, aí também tem
isso. (E10, p. 2)
.
Na declaração do produtor há de se destacar o medo de uma possível
“punição”. O agricultor que não alojar compromete todo o sistema. Se ocorrer um caso
isolado, provavelmente seja possível uma adequação, não comprometendo a produção
industrial, mas uma coisa é certa, um mês de intervalo não é bom nem para a empresa,
nem para o produtor.
Quis-se saber também se o agricultor integrado consegue dar conta das outras
atividades em sua propriedade, atividades concomitantes com o sistema de integração.
Assim se verificou que, retomando o exposto anteriormente, existe uma clara sintonia
entre a produção de suínos e a produção de leite, tanto que 94% dos produtores possuem
a atividade leiteira como composição da renda. Apenas os agricultores da entrevista 5
(gado de corte - 35%), da entrevista 6 (milho - 20%), da entrevista 10 (criação de
113
novilhas - 10%) e o da entrevista 16 (piscicultura - 10%) afirmaram ter mais alguma
atividade na composição da renda além da produção de leite e de suínos.
Apenas o entrevistado 6 afirmou ter o milho como atividade que compõe a
renda. A grande maioria dos integrados, formada de produtores de milho, porém não
consideram a atividade como renda por destinarem a produção para a preparação de
silagem para o gado. Nenhum dos produtores afirmou ter a produção de fumo como
componente da renda.
Apesar de concentrarem a produção em poucas atividades, 66% dos
entrevistados afirmaram conseguir conciliar a atividade da integração com outras
atividades. O entrevistado 5 afirma ter ficado mais fácil a conciliação de outras
atividades com o atual modelo de integração, apesar de queixar-se da composição dos
lucros obtidos com a atividade:
Temos vaca de leite e gado de corte também. Ficou mais fácil. O serviço o
é tão judiado assim. Não é tão pesado assim. Ficou mais fácil. Embora não tá
dando tanto dinheiro assim. Mas o suíno, o dinheiro nunca deu tanto assim.
Às vezes tem épocas que o suíno dá muito dinheiro. Parceria nunca dá muito,
mas sempre dá. (E5, p. 2).
A utilização de implementos tecnológicos exigida pela integradora facilitou o
trabalho. Muitos comparam o sistema atual ao antigo, em que o antigo era chamado
ciclo completo, onde o produtor desenvolvia todo o ciclo dos animais desde a criação
até o abate. O agricultor era responsável pela fabricação da ração e também pela seleção
e pela criação de reprodutores para a cobertura das porcas, encarecendo, assim, o custo
de produção.
O entrevistado 6 revela como era o sistema antes da parceria e o que mudou
com o sistema de integração:
Deus o livre! Sempre estava acostumado a trabalhar nesse sistema velho.
Agora nem se fala mais. Se eu não vou junto com eles, automaticamente eu
fico pra trás, eles me jogam fora em criar leitão. (O que mais mudou?) Assim
os técnicos e tudo. Agora tem os técnicos atrás disso. Tem que ser tudo bem
limpinho no chiqueiro. As vacinas, remédios hoje em dia, Antigamente não
tinha. Isso ajudou muito assim. Se tu ganha uma porca de 10, 12 leitões e tu
caprichas com o manejo que tem hoje, ela cria os seus leitão. Assim como
antigamente, se ela criava seis sete leitão já era um capricho, não tinha
capricho antigamente, não tinha os remédios. Os remédios tudo recebe da
empresa. (E6, p. 2)
.
114
Observam-se dois aspectos importantes no depoimento do produtor quando
afirma que, “se eu não vou junto com eles, automaticamente eu fico pra trás”. A
afirmação ressalta a importância de estar sempre cumprindo com as exigências. A
mudança na forma de produzir fica clara no depoimento, quando o produtor usa a frase:
“Agora os técnicos estão atrás disso”. Significa que os técnicos cuidam para que o
produtor realmente cumpra as exigências da integradora, na rotina de trabalho, nas
instalações e no emprego dos implementos modernos e também nos cuidados com a
higiene e com a saúde do animal.
O entrevistado 6, que acompanhou o processo de integração, acredita ser
difícil a retomada do sistema de produção com o ciclo completo: “Antes tinha o ciclo
completo. (O Sr. acredita que o ciclo completo não funciona mais?) Não, não tem como.
(Ficou melhor com a integração?) Sim. O trabalho é mais fácil do que antigamente”.
No caso do entrevistado 5, percebe-se que já haviam adentrado a um sistema
de forma particular com a divisão das etapas na produção.
Quando nós começamos, nós tinha duas porca criadeiras. Eu nunca gostei de
ter leitão e porca criadeira. Eu não sei cuidar. Aí depois eu comecei, então o
meu irmão então criava e nós comprava dele. Aí depois o pai começou a ficar
com as criadeira. Aí nós sempre comprava no pai, eu e o meu irmão. Assim
foi anos. Aí depois nós criamos uma associação. Aí nós pegamos mais
criadeiras. Aí nós tínhamos um grupo. Aí nós tínhamos uns cem suínos na
engorda. Aí, com associação, nós construímos mais um chiqueiro. Aí a
maioria dos suínos que estavam lá com o meu irmão. Um irmão criava e
outro engordava. Aí depois nós construímos esse aí. O outro era muito
pequeno. Também o lugar não era muito bom. Aí, com uma crise, a gente
achava que não iria dá conta do recado. Aí nós vendemos o milho, vendemos
os suínos que nós tinha e começamos com parceria. E só que também não foi
muito bom. Aí, depois, a gente quase não ganhava nada com o suíno e agora,
nos últimos tempos, está melhor. (E5, p. 3).
Apesar de os agricultores afirmarem ter facilitado o trabalho com a
implantação do sistema de integração, os agricultores têm o compromisso diário,
semanal e mensal com a atividade da suinocultura, o que, neste particular, é um
compromisso muito parecido com o do sistema avícola. É compromisso que, se não
impede o produtor de desenvolver outras atividades, porém dificulta outras práticas na
propriedade, tanto é, como vimos, que poucos agricultores conseguem diversificar as
atividades que compõem a renda.
O objetivo do trabalho não foi verificar se houve vantagens ou de levantar as
vantagens econômicas trazidas com o sistema, mas, analisando o contrato que trata da
questão econômica, não podemos deixar de citar as partes que tratam da mudança de
115
atitudes geradas por essas cláusulas. O contrato, na cláusula sexta, trata da participação
nos resultados e estabelece: O PARCEIRO CRIADOR obriga-se a entregar ao
Complexo Agroindustrial Cooperativa, mediante emissão de nota de produtor em seu
nome, e o Complexo Agroindustrial Cooperativa, obriga-se a receber do PARCEIRO
CRIADOR, através de qualquer uma de suas unidades, todos os suínos desenvolvidos,
que compõem cada lote suinícola, inclusive aqueles desclassificados, apontados no
registro de ocorrência. Essa cláusula define, de forma muito clara, o destino da
produção, não deixando margem para que o agricultor comercialize a sua produção com
qualquer outra agroindústria.
O parágrafo primeiro que segue assegura o percentual de participação do
agricultor na parceria: A título de participação nos resultados, o PARCEIRO CRIADOR
fará jus ao percentual de 1,0% a 5,0% do lote suinícola em desenvolvimento, conforme
Índice de Pontuação obtido após a aplicação de uma fórmula matemática, que leva em
consideração o peso da carcaça dos suínos, a conversão alimentar do lote suinícola e a
oscilação do preço do suíno vivo.
Nesse parágrafo se percebe em que proporção ocorre a exploração da mão de
obra e do desgaste do produtor, da ruptura com a sociedade, dos financiamentos
necessários, da adequação da propriedade, do risco que o agricultor tem de enfrentar
para adentrar o sistema. Além do mísero percentual de 1% de participação nos
resultados, é-lhe dada uma fórmula matemática (especificada no parágrafo anterior)
onde as variáveis sofrem oscilações, através das quais o agricultor nunca sabe quanto
vai receber ao certo pelo seu lote.
Quando inquiridos sobre a participação no preço da produção, os agricultores
foram unânimes em dizer que não participam das negociações e que recebem segundo a
tabela especificada no contrato, no parágrafo segundo: A equação matemática referida
no parágrafo anterior será aplicada sobre a integralidade do lote suinícola efetivamente
desenvolvido e entregue ao Complexo Agroindustrial Cooperativa, sendo que o
percentual do lote suinícola a que o PARCEIRO CRIADOR fará jus será aquele
correspondente ao Índice de Pontuação obtido através da Tabela de Percentual
divulgada pelo Complexo Agroindustrial Cooperativa e vigente na data do alojamento,
da qual o PARCEIRO CRIADOR tem pleno conhecimento e em relação à qual nada
tem a opor; o Índice de Pontuação será variável de acordo com a variação dos fatores
que compõem a equação matemática.
116
A parte dessa cláusula “da qual o PARCEIRO CRIADOR tem pleno
conhecimento e em relação à qual nada tem a opor” confirma a falta de diálogo entre as
partes; falta referida pelos produtores sobre a questão dos preços pagos à produção.
Parágrafo Sétimo: Os valores a que o PARCEIRO CRIADOR tenha direito,
em razão desta parceria, lhe serão creditados pelo Complexo Agroindustrial
Cooperativa no prazo de 21 (vinte e um) dias a contar do carregamento do lote
suinícola, mediante crédito na conta corrente que o PARCEIRO CRIADOR possua
junto ao Complexo Agroindustrial Cooperativa, avençando as partes, contudo, que o
atraso na realização desse crédito não será, em hipótese alguma, interpretado como
infração contratual de parte do Complexo Agroindustrial Cooperativa e, dessa forma,
referido atraso não implicará a aplicação de qualquer multa contratual a esta: acaso o dia
previsto para o pagamento não incida em dia útil, o mesmo será feito no próximo dia
útil, anterior ou posterior, a critério do Complexo Agroindustrial Cooperativa.
Além de estabelecer o preço pago aos produtores e exigir que toda a produção
seja entregue para a empresa integradora, a empresa se reserva o direito de, no caso de
atrasar o pagamento pelo trabalho do produtor, não ter multa pelo atraso.
Parágrafo Nono: Fica avençado pelas partes constantes, e desde já
autorizado pelo PARCEIRO CRIADOR, que, da totalidade do valor decorrente da
comercialização dos suínos correspondente à participação deste nos resultados da
parceria, será retido, pelo Complexo Agroindustrial Cooperativa, o montante necessário
ao pagamento de eventuais dívidas daquele existentes e vencidas junto a ela.
A empresa garante o seu lucro sempre. Nessa parte fica, mais uma vez, claro
que o agricultor não é dono da produção e, o pior, não é dono do seu trabalho. O
contrato estabelece que o trabalho do produtor somente será remunerado mediante
quitação de todas as dívidas com a empresa integradora. Além disso, mesmo na hipótese
de o trabalho do agricultor ficar sem remuneração, permanecem de sua responsabilidade
os gastos relativos à manutenção do lote, como mostra o parágrafo seguinte:
Parágrafo Décimo: Pela destinação de valores para o pagamento de dívidas,
previstas no parágrafo anterior, o PARCEIRO CRIADOR dá plena e irrevogável
quitação, ao Complexo Agroindustrial Cooperativa, alusiva aos custos que teve com o
desenvolvimento dos suínos, tais como uso de benfeitorias, instalações, equipamentos,
energia, água, mão de obra, assim como de seu percentual nos resultados.
Na cláusula sétima, a empresa revela, de forma clara, que é a dona da
produção: O PARCEIRO CRIADOR reconhece, por força deste instrumento, que todos
117
os animais entregues a ele, pelo Complexo Agroindustrial Cooperativa, para constituir
os lotes suinícolas, até a definição do percentual da participação nos resultados daquele,
são de exclusiva propriedade do Complexo Agroindustrial Cooperativa, não lhe
facultando dispor dos mesmos, seja por meio de venda, de empréstimo, de troca ou de
qualquer outro meio, em qualquer hipótese, sem prévia e expressa anuência desta.
Na cláusula seguinte (oitava) é reafirmado o compromisso de entrega total da
produção por parte do parceiro/produtor para a empresa: Finda a parceria, por qualquer
motivo, acaso o PARCEIRO CRIADOR não entregue os suínos que compõem o lote
suinícola, poderá o Complexo Agroindustrial Cooperativa, independente de qualquer
notificação ou interpelação, judicial ou extrajudicial, reintegrar-se da posse desses
animais imediatamente.
A empresa integradora garante sua salvaguarda sob forma do presente
instrumento em todos os sentidos. A questão de quem é dono da produção é a principal
questão abordada no contrato, da forma como o agricultor deve agir, dos compromissos
que o agricultor assume, para que haja na empresa a garantia de que todo lote que é
entregue para o produtor será revertido em lucros para a empresa.
A conclusão a que se chega, ao analisar o contrato, é que a parte que interessa
à empresa é toda lembrada e detalhada nas cláusulas. Já os direitos do produtor são
pouco mencionados.
Na questão da necessidade de mão de obra para conseguir dar conta das
atividades pertinentes à parceria e ao desenvolvimento de outras atividades, a maioria
dos produtores afirmou não necessitar ou afirmou simplesmente empregar apenas mão
de obra familiar.
Apenas 13% contratam mão de obra. Como é o caso do entrevistado 5, que
contrata um funcionário para trabalhar na parte da tarde, e o entrevistado 23, que é o
próprio empregado encarregado da produção.
Dos 15 entrevistados, 20% afirmaram contratar mão de obra apenas para o
carregamento dos suínos, mas, no restante da rotina de trabalho, empregam somente
mão de obra familiar, ou seja, 87% dos entrevistados empregam apenas mão de obra
familiar.
O entrevistado 14 afirma que a contratação de um empregado seria uma
alternativa para que pudesse gozar de férias e só não o faz pela falta de tempo para
encontrar alguém de confiança e pelo medo de deixar sua terra na mão de um estranho,
principalmente em função da atividade leiteira: “Seria uma saída pra férias. Mas se tu
118
lida com vaca, tu acha quem que cuida assim? Porco ainda tem, mas vaca, tu coloca um
ali, amanhã ou depois estoura uma mastite, aí até que tu ‘currou’ tu pagou tuas férias,
não vale a pena”.
O objetivo principal do trabalho é saber em que proporção o sistema de
integração modificou a organização do produtor com a propriedade, bem como na
relação com a comunidade. Na jornada de trabalho foi muito bem exposto o que o
agricultor pensa a respeito do sistema.
A indagação sobre a relação dos agricultores com a comunidade pode ser
dividida em quatro conjuntos de respostas: a) os que afirmam que o sistema de
integração interferiu e dificultou as relações com a comunidade, b) os que conseguem
arrumar tempo para participarem ativamente da vida em sociedade, c) os que afirmam
terem melhorado a vida comunitária com a chegada do sistema e d) os que afirmam não
ter influenciado. As respostas podem ser observadas no Gráfico 7.
Gráfico 7 - O que mudou com o sistema de integração na relação com a comunidade?
Fonte: Dados da pesquisa (2009).
Os produtores que afirmaram terem dificultado a relação com a sociedade com
a implantação do sistema de integração somam 47%. A principal alegação é que, com o
sistema, a disponibilidade de tempo para a interação com a comunidade ficou menor,
O que mudou com o sitema de integrão na relão com a comunidade
Interferiu
47%
Conseguem
participar
25%
Melhorou
20%
Não interferiu
8%
Interferiu
Conseguem participar
Melhorou
o interferiu
119
pois o tempo é empregado para o cumprimento das exigências impostas pelo sistema de
integração.
Os que acham, em suas respostas, que conseguem dedicar parte do seu tempo
para participar na comunidade somaram 25% dos entrevistados. Esta situação é
ratificada na entrevista 11, através do depoimento da esposa do integrado:
A gente acha um tempinho. Eu participo mais do que ele (marido) na
comunidade. Um tem que ficar trabalhando. Eu trabalho no micro-bacias;
trabalho no projeto mulher A1; trabalho também na sociedade, também,
quando dá, eu ajudo, quando não dá, eu digo: não, não posso; ajudo eles na
associação dos suinocultores, quando dá também. (E11, p. 2).
A afirmativa de 20% dos entrevistados é que melhorou a condição de
participar das atividades na sociedade em função de ter facilitado o serviço. Sobre a
vida em sociedade a partir da integração, o entrevistado 18 afirma que “Isso facilitou,
porque eles vão trazer a ração tudo pronto, aí tu não tem preocupação de deixar pronta a
ração, e aí, às vezes, faltava o milho, isso facilitou pra dizer a verdade”.
A melhora das condições de trabalho é indicada pelo entrevistado 10 como
sendo um elemento positivo para uma inserção mais efetiva na vida da comunidade.
A princípio melhorou, porque o trabalho ficou mais fácil, com o ciclo
completo, é só seguir as ordens técnicas que vêm e fazer. (Na relação com os
vizinhos?) Nem que tem que enforcar um trato ou uma outra coisa pra
conseguir. Se é tudo bem certinho como tinha que ser, tava sempre
pendurado. (E10, p. 3).
E, com 8% das respostas, há os que afirmam que o sistema de integração não
interferiu em nada na relação com a comunidade.
O entrevistado 5 justifica a não interferência na relação com a comunidade da
seguinte forma:
Não interfere nada, nada. Não tem como interferir. A gente trabalha igual e
na comunidade eu sempre trabalhei em serviços comunitários, sempre.
Consegue arrumar tempo. Aos domingos nós vamos à missa. Aí a gente se
obriga a levantar mais cedo ainda. Assim como em dia normal, a gente não
vence o serviço. Tem que levantar mais cedo. E nós temos um pouco
diferente e nem todos tem assim. Nós temos o tifton cercado. Os piquetes
como nós temo. No domingo, se a gente qué sair, folg´s um pouquinho mais,
a gente larga as vacas no piquete. Lá elas vão tomando água, na sombra a
hora que elas querem e a gente não precisa tocar e andar de volta e depois
andar de novo. (E5, p. 3).
120
No depoimento do produtor percebe-se uma mudança na rotina de trabalho
para manter os vínculos com a comunidade, sem abrir mão do seu compromisso com o
sistema e a nítida preocupação com a atividade leiteira.
Diante desses depoimentos sobre o cotidiano do produtor integrado ao sistema,
era nossa intenção saber do produtor o que ele, na condição de principal agente da
parceria, gostaria que fosse mudado no sistema. As respostas obtidas foram muito
heterogêneas para essa pergunta e estão sintetizadas no Gráfico 8.
Gráfico 8- O que poderia ser mudado no sistema de integração?
Fonte: dados da pesquisa (2009).
As respostas dos que acreditam que deveria haver investimentos em mais
tecnologia somaram 13%. O argumento principal foi na questão da automatização do
trato, pois, com mais tecnologia, diminuiria a necessidade de mão de obra.
O entrevistado 3 alega que seria melhor com a automatização e também se
enquadra nos depoimentos dos produtores que afirmaram que o serviço de terceirização
do carregamento seria melhor para o produtor:
O que poderia ser mudado no sistema de integrão?
13%
13%
33%
20%
13%
8%
Acreditam
Ideal
Melhor distribuição de
renda
Mudaa na getica
Menos exigências
Terceirização do
carregamento
121
Tem bastante coisa. Economicamente se é viável eu não sei, mas automatizar
a ração. Outra coisa. As empresas deveriam fazer o carregamento eles
mesmos - terceirizar essa parte. Hoje nós temos que contratar a mão-de-obra
pra carregar. Eles alojam toda essa linha e podem carregar toda essa linha de
uma vez só. Tendo cinco ou seis pessoas, facilitaria muito. Ali carrega no
máximo em duas horas Hoje você tem que contratar outros empregados que
vão perder um meio dia de serviço por causa de duas horas. No meu caso, eu
pagaria duas horas. Assim eu tenho que pagar o meio dia. (E3, p. 2).
Enquanto os produtores de aves se queixam da terceirização do carregamento
dos frangos, alguns produtores de suínos reivindicam a introdução do processo. Então,
nessa perspectiva, 8% gostariam que houvesse uma equipe para a realização do
carregamento.
Para 13% dos entrevistados, do jeito que está, o sistema é o ideal. Esses
produtores não vislumbram nenhuma possibilidade de mudança. Esse é o caso do
depoimento do entrevistado 6: “Como hoje tá, tá bom. Os técnico e tudo isso ajuda
muito. Nós tem que obedecer e está em cima trabalhando e caprichando. Se não
capricha, não adianta ter 50 a 100 leitoas, se não capricha”.
Entre os entrevistados, 33% gostariam que a distribuição da renda fosse
melhorada. Os produtores deveriam receber mais por sua produção. Esse é o caso da
afirmação do entrevistado 10:
O que poderia ser mudado, ou melhorado, é a renda, a distribuição dela, que é
o principal objetivo de cada lado. Poderia ter um pouquinho mais entre a
indústria e o integrado. Ali poderia ser o principal objetivo a ser mudado,
porque no setor independente, se tu faz todo ele, na alta tu pega todo o lucro,
na baixa tu tem um pouquinho de prejuízo, nunca é tanto, mas sempre tu
consegues recuperar ele, enquanto que, na parceria, tem sempre o lucro, a
empresa sempre tem o lucro, a empresa não trabalha sem o lucro. Aí eles
poderiam repassar um pouquinho mais, ajustar o resultado no final. Porque
tem o iniciador, o crechário e o terminador. (E10, p. 3).
Para 20% dos entrevistados deveria haver uma mudança na genética. Isso é um
aspecto que não é discutido entre as partes. A empresa escolhe a raça e fornece o suíno
ao produtor. O produtor sob entrevista 14 alega que “poderia ser um pouco flexível na
genética. Eles só querem AGROCERES, enquanto pra nós a porca Dinamarquesa é
melhor. Ela não engorda tanto, pare mais fácil, dá mais leitão, não é tão sensível. Na
genética, poderia abrir um entre parêntesis” (E14, p. 3).
Os 13% que acreditam que a empresa deveria “amenizar” a questão das
exigências, eles se atêm às dificuldades do cumprimento da legislação ambiental,
122
principalmente para quem tem pequena propriedade, como é o caso do entrevistado 20,
que afirma o seguinte:
O que às vezes complica um pouco são as exigências. Não quero dizer dos
técnicos, mas do governo, ou de quem vêm, as exigências ambientais, claro
que isso sempre foi, pra quem tem pequena propriedade, isso é sempre mais
difícil. Isso poderia ser facilitado um pouco. Pra quem tem pequena
propriedade, fica mais difícil cuidar da divisa, cuidar do arroio, da estrada
(das distâncias que a lei exige). Isso tanto pra pequena propriedade quanto
pra grande, se tem uma propriedade estreita, tu não consegue por causa da
divisa também é exigido. (E20, p. 2).
Nos questionamentos, esta pesquisa procurou, também, verificar, entre os
produtores, se eles acreditam existir outra atividade que possa viabilizar
economicamente a manutenção da propriedade. As respostas podem ser observadas no
Gráfico 09.
Gráfico 9 – Alternativa econômica para a manutenção da propriedade?
Fonte: Dados da pesquisa (2009)
A grande maioria, representada por 66%, não acredita que exista outra
atividade tão lucrativa quanto a suinocultura.
Existe alternativa economica para manutenção da
propriedade que não seja a suinocultura?
7%
66%
7%
13%
7%
Vaca de leite
Não existe outra
alternativa
Piscicultura
Cultivo de fumo
Desistir da
atividade
123
O entrevistado 5 acredita que, se o agricultor dispuser de uma grande
quantidade de terra e os recursos necessários para a instalação de uma minifábrica de
ração, então é possível que ele “seja o dono do leitão” e que tenha, novamente,
implantado o ciclo completo em sua propriedade. Com isso, conseguiria agregar valor à
produção.
Isso ali. O suíno dá mais quando a gente o tem. Só que a gente tem que se
dedicar também a isso ali. Se a gente pode colher o milho pra quem tem
muita terra e dá de trabalhar com máquina, ali é um bom negócio ter o suíno
próprio. Só que tem que ter as instalações e uma mini-fábrica de ração. Se
não tem isso, a gente se judia nisso. (E5, p. 2).
Percebe-se, nesse depoimento, que o agricultor não se considera dono da sua
produção.
O produtor da entrevista 12 afirma se manter na produção de suínos, alegando
desinformação sobre outras formas de produção e relata, também, algumas formas de
diversificação da propriedade que não obtiveram sucesso:
É difícil de responder. A gente sempre está no escuro. A gente nunca sabe se
esse é o melhor caminho, se hoje é assim amanhã já pode mudar tudo. Foram
tentadas muitas coisas que não são tradicionais aqui e nenhuma pegou. Tem
tantos exemplos: iniciaram com o bicho da seda, e não deu certo; foi tentado
com coelhos e não deu certo; os cabritos, recentemente, frustraram; tem
outras também que foram e não deram certo. Eu acho que é uma atividade
que tem que ser tradicional na região. Tem que ver o custo de produção, não
adianta querer produzir muito sem fazer o cálculo do custo. Tem maneiras de
baixar o custo. (E12, p. 3).
Para 13%, a plantação de fumo seria uma alternativa econômica mais rentável,
apesar de não terem citado como componente da renda, ou seja, acreditam que daria
maior retorno financeiro, porém não se dedicam à atividade.
Esse é o caso do entrevistado 16:
Assim cada mês, eu acho que não. O que dá dinheiro é o fumo, só que, é só
uma vez por ano e dinheiro que entra uma vez por ano é um dinheiro que se
gasta fácil. Depois tu ficas tantos meses sem nada. E negócio de vaca leiteira.
Mas do jeito que está hoje, é difícil (outra atividade ser mais rentável). Eu até
poderia começar com a piscicultura, mas quem tem outras propriedades não
tem isso. (O Sr. acha que teria o mesmo retorno financeiro com açudes?) Ou
mais, e menos serviço. (E16, p. 2)
.
Além do cultivo do fumo, o produtor acredita que poderia obter um maior
retorno financeiro com a piscicultura. Além da questão financeira, o produtor acredita
que a produção de peixes daria menos serviço.
124
Também 8% dos entrevistados declararam não querer mais continuar na
atividade:
Olha! Eu estou pensando assim, os filhos não vão mais vir, a gente entre 50 e
60 anos, eu pra fazer dívida no banco eu não vou fazer mais. Eu não tenho
praticamente dívida, e o que eu tenho são pagáveis, e o resto vou pensar em
viver minha vida, com minhas vaquinha, com a minha roça, acho que não
compensa fazer dívida e, de repente, de noite, não consegue mais dormir.
Comparado com suíno, dá mais a vaca de leite. (E13, p. 3).
Nessa citação se percebe o receio do produtor em contrair dívidas com
instituições financeiras. Esse receio é fruto de muita frustração em meio a comunidades
repletas de pessoas hoje praticamente abandonadas, formadas por gente que tentou uma
vida melhor na cidade, principalmente por não conseguir aguentar o impacto da
modernização da zona rural.
A louvável atitude da empresa em exigir o cumprimento da lei ambiental nas
propriedades traz dificuldades no desenvolvimento das atividades. A cláusula décima
sexta, a seguir, demonstra essa exigência e estabelece as obrigações do produtor: O
PARCEIRO CRIADOR declara, sob pena da Lei, que possui as competentes licenças
fiscais e ambientais necessárias ao exercício da atividade, objeto da parceria.
Como se sabe, a suinocultura é a maior responsável pela poluição,
principalmente das águas, da região Oeste Catarinense. Por conta disso é que ocorre a
preocupação cada vez maior com a questão ambiental. O problema está na forma como
a empresa trata a questão, omitindo-se da responsabilidade com o meio ambiente e
transferindo toda a responsabilidade para o produtor:
A omissão fica confirmar no parágrafo primeiro da citada cláusula: Obriga-se
o PARCEIRO CRIADOR a obter/renovar as referidas licenças, bem como outras
necessárias, assumindo todas e quaisquer responsabilidades, sejam elas administrativas,
civis ou penais, pela ausência das mesmas, suportando inclusive todos os encargos
sociais/tributários inerentes a sua atividade. A transferência da responsabilidade da
empresa para o produtor, como observado no parágrafo anterior, é cláusula que, além
das exigências com a questão ambiental, também acrescenta como responsabilidade do
produtor todas as responsabilidades administrativas na condução das atividades na
propriedade.
No parágrafo segundo, seguinte, confirma-se a omissão da empresa com a
questão ambiental, atribuindo ao produtor a responsabilidade por qualquer dano causado
125
ao meio ambiente: É de inteira responsabilidade do PARCEIRO CRIADOR, ainda,
tomar todas as providências sanitárias, com vistas a preservar o meio ambiente,
mormente com relação aos dejetos produzidos, respondendo ele, exclusivamente, por
quaisquer danos ambientais.
No contexto das exigências estabelecidas pela empresa, para que o agricultor
passe para produtor integrado e se mantenha nessa condição, as condições das
instalações são tratadas na cláusula vigésima primeira do contrato: O PARCEIRO
CRIADOR se compromete a pintar, por sua conta e risco, as instalações onde serão
alojados os suínos cedidos e demais leitões, nas cores padrão Complexo Agroindustrial
Cooperativa, devendo também instalar e conservar, em lugar visível de sua propriedade,
placa de identificação de sua condição de parceiro criador, sendo a placa fornecida pelo
Complexo Agroindustrial Cooperativa, sem pagamento algum a título de remuneração
ou de indenização, ou a qualquer outro título.
Como se percebe, é uma série de compromissos que o agricultor tem para com
a empresa para ingressar no sistema de integração e se manter nele. A empresa
estabelece as cores com que o agricultor deve pintar parte da sua propriedade, e nem o
trabalho de realizar a pintura ela faz e, ainda, se omite do risco de algum acidente que
possa ocorrer na execução desse trabalho. A placa mencionada na cláusula do contrato
trata da identificação do produtor e tem por objetivo impor uma barreira sanitária à
propriedade, o que gera o isolamento do produtor em relação à sociedade circundante e
em geral, uma vez que os seus dizeres incluem, além da identificação do produtor, a
frase “proibida a entrada”, que tira do agricultor a autonomia sobre sua propriedade.
Segue-se a cláusula décima quinta: O presente contrato não gera qualquer
vínculo empregatício entre as partes, nem entre o Complexo Agroindustrial Cooperativa
e os empregados do PARCEIRO CRIADOR, ou demais pessoas que prestem serviços à
granja/pocilga.
Assim, quando o agricultor ingressa e se mantém no sistema, a cláusula
décima quinta institui amparo à empresa para que ela não venha ter que assumir nenhum
vínculo com o produtor, ou seja, a empresa usa as instalações, faz exigências de
adaptação da propriedade para que o agricultor possa desenvolver a atividade, exige
monitoramento constante do trabalhador sobre a produção (que não é dele, uma vez que
o agricultor não faz o que bem entende com o resultado do seu trabalho, que é o lote
suinícola), com uma jornada de trabalho muito maior do que a lei exige e, ainda, nessa
cláusula, retira toda a responsabilidade da empresa para com o produtor (empregado).
126
Como se não bastasse, o contrato ainda deixa claro que o produtor deve
suportar todos os encargos necessários para a manutenção da propriedade, incluindo o
caso de ter de contratar um empregado, em que é o produtor que vai ter que arcar com
as horas trabalhadas, todas as horas de adicional noturno, bem como horas extras em
fins de semana, etc.
Na parte VI – OUTRAS AVENÇAS, o contrato atribui responsabilidades para
com o lote suinícola. Ali se deixa clara a necessidade de monitoramento constante da
produção, uma vez que responsabiliza o produtor por qualquer problema ocorrido com
os suínos no período em que os mesmos estiverem sob sua posse, o que se confirma na
cláusula décima terceira: A vigilância sobre todos os suínos é de inteira
responsabilidade do PARCEIRO CRIADOR, respondendo ele por eventuais
apropriações, furtos, roubos e desaparecimentos.
127
6. CONCLUSÃO
Esse trabalho se propôs a conhecer a ruptura nas relações de trabalho na
propriedade, a mudanças na organização familiar e o impacto causado nas relações das
famílias com a comunidade em decorrência da implantação do sistema de integração.
O texto buscou mostrar as principais características que marcaram os três
períodos da ocupação e da organização do espaço do município de São João do Oeste: a
transição do período de colonização, passando pela modernização do processo
produtivo da zona rural até a fase da implantação e da expansão do sistema
agroindustrial pautado no sistema de parceria ou de integração.
O trabalho se consistiu de um resgate histórico através de referências
bibliográficas, onde se buscou o entendimento mais aprofundado do processo de
colonização e sua relação com a estrutura familiar; no sentido da organização das
propriedades, e da relação das famílias com a sociedade. Procedeu-se ainda a um
levantamento dos principais eventos que marcaram o período da modernização do
processo de produção da agricultura e os impactos causados por essa mudança na região
objeto do estudo. Por fim, foram analisadas as principais características do sistema de
integração.
Além do resgate histórico, o trabalho se constitui de uma análise documental dos
contratos de integração, especificamente de duas conceituadas empresas que atuam na
região, sendo uma delas uma cooperativa, onde foi possível discorrer sobre as principais
cláusulas que interferem: no poder de decisão do produtor; na organização da
propriedade e na rotina de trabalho; e nas relações familiares e no envolvimento das
famílias com a comunidade.
Também fez parte do trabalho uma pesquisa de campo, que foi fundamental no
entendimento in loco da realidade dos agricultores, das angústias e do que eles pensam
sobre o atual sistema de integração e sobre as mudanças que afetaram a sua vida ao
longo do tempo. Essa inserção na realidade concreta foi fundamental para o
enriquecimento das informações ora apresentadas. Foram 15 entrevistas com produtores
integrados à agroindústria da avicultura e 15 entrevistas com integrados à agroindústria
de suínos. Os entrevistados responderam às perguntas de um questionário, composto por
24 questões, que, na sua aplicação, facultaram o diálogo e depoimentos interessantes,
que foram selecionados e postados no trabalho.
128
É muito clara, mesmo que não tenha ocorrido para todas as famílias da zona
rural, a existência das três fases na organização do espaço da zona rural do município de
São João do Oeste. Procuramos apresentar as duas primeiras fases dessa organização de
forma muito sucinta, para, no restante desta pesquisa, darmos ênfase maior à questão da
implantação e do desenvolvimento do sistema de integração. Apesar disso, nessa parte
do texto não podemos deixar de apontar alguns aspectos de extrema relevância dos dois
primeiros períodos.
O que chama a atenção no processo de colonização em relação aos períodos
subsequentes é que os agricultores apresentaram uma total confiança na condução das
atividades das propriedades. A união familiar, a postura do pai de família, a integração
com a comunidade, o auxílio do professor e a orientação religiosa marcaram esse
período como o de superação de uma infinidade de adversidades, impostas
principalmente pela escassez de recursos, de equipamentos e de alimentação.
Muitos produtores relataram saudosismo em relação ao período da
colonização, destacando principalmente a forma de produzir as atividades na
propriedade, como na questão do preparo das rações para o trato dos animais, na
produção dos cereais que compunham a ração, ou mesmo na busca dos componentes da
ração nas propriedades vizinhas, sem falar na dificuldade de escoar a produção.
Lembram que, mesmo diante das inúmeras dificuldades, se sentiam bem em relação à
situação vivenciada, uma vez que isto lhes assegurava uma sensação de serem os “donos
da produção”.
Quanto ao período da modernização da produção, destaca-se o expressivo
incremento na produtividade, incrementada pelos insumos modernos e pelos
investimentos via financiamento, investimentos marcados pela interferência direta das
agências financiadoras da produção, principalmente na questão de O QUE PRODUZIR.
Fica nítido que os financiamentos não beneficiaram a todos, tampouco favoreciam
aquelas culturas que não faziam parte das consideradas prioritárias na alavancagem das
exportações nacionais.
A ruptura que essa fase causou afetou toda a estrutura do período anterior,
provocou um intenso êxodo rural das famílias como um todo ou de alguns de seus
integrantes (por conta de não conseguirem acompanhar o processo de modernização).
Esse processo foi responsável pelo distanciamento das famílias da comunidade e da
religião, através do afloramento e da expansão do sentimento egoísta e mesquinho
imposto pelo sistema capitalista.
129
Na última fase, o período de implantação e de desenvolvimento do sistema de
integração trazido pelas agroindústrias, o que se percebe de pronto é uma melhoria na
condição econômica dos agricultores, o que pode ser visto pela estética das residências
(agora mais bonitas) da zona rural, onde as dos produtores integrados se destacam. A
paisagem do imobilizado dessas residências agora é integrado por garagens ocupadas
por carros sempre novos ou seminovos. O processo de agroindustrialização tornou
realidade o sonho de muitos produtores, os quais dificilmente conseguiriam desfrutar de
tamanha renda de outra maneira, o que viabilizou o aumento do consumo, e, também,
injetou capitais nas economias local, regional, estadual e também nacional.
O sistema de integração parece ter contribuído com uma maior facilidade na
condução das tarefas da rotina de trabalho, uma vez que nenhum agricultor manifestou
desconforto em relação ao desenvolvimento da rotina de trabalho e da exigência de
esforços físicos no dia a dia.
Algumas vantagens apresentadas pelos agricultores integrados revelam
claramente o discurso incorporado por eles a partir dos benefícios anunciados pelas
empresas integradoras, o que requer uma postura crítica, para que seja possível
distinguir e associar situações com o objeto de estudo proposto.
Estas situações podem ser observadas a começar pela questão da vestimenta a
que o agricultor teve de se adequar, pois, para a empresa, o ideal é que o agricultor evite
ao máximo a exposição dos animais a possíveis doenças. A questão da vestimenta
implicou uma mudança cultural do agricultor, pela qual ele passou a usar uma “roupa
nova”, que não fazia parte da sua realidade tradicional. Esta questão pode parecer sem
relevância, mas teve implicações individuais e sociais pelos símbolos associados,
fazendo com que, além de ser distinguido e identificado através da logomarca, passou a
representar e a fortalecer o marketing das empresas.
A placa nas entradas das propriedades de integrados, com o dizer “proibida a
entrada”, contribui para estabelecer a distinção, numa sociedade em que todos os
agricultores conseguiram superar as inúmeras dificuldades principalmente em função da
solidariedade entre vizinhos. Soma-se a isso o constrangimento a que a empresa
integradora submete o agricultor ao fazê-lo anotar a presença de terceiros em visita a
sua propriedade e, ainda, pedir permissão para que receba visitação às instalações
existentes em sua propriedade, compradas com o seu próprio dinheiro. Além deste
aspecto, outros provocam um processo de segregação das famílias com a comunidade,
como é o caso do tempo dedicado à atividade da integração (24 horas diárias de
130
monitoração) e o “apartheid” econômico que se estabeleceu, onde os integrados
dispõem sempre de renda mais alta, com isso mudando as relações de vizinhança e
comunitárias, típicas da fase inicial da colonização.
O suprimento de ração e a entrega de medicamentos pela empresa podem ser
vistos como vantagens se forem levadas em consideração a facilidade e a comodidade
que proporcionam ao produtor. Há de se considerar, no entanto, que, com isso,
mudaram as relações familiares de trabalho, pois o agricultor fica à mercê do que ele
está tratando, sem saber, muitas vezes, da composição da ração. Por outro lado, deve
atender a horários pré-estabelecidos, à forma, às doses e às quantidades, sem ter
condições de conduzir e de contribuir em nada para o desenvolvimento dessa atividade.
O agricultor não tem o direito de opinar sobre a forma da construção das
instalações que servem de abrigo aos lotes que compõem a parceria, ou seja, compra o
projeto pronto, todo concebido segundo critérios da empresa integradora. Como o
contrato não prevê seu término, pode o agricultor financiar a construção das instalações
sem ter a garantia de pagar o financiamento com o seu trabalho, podendo seu
patrimônio ficar ocioso, caso haja o rompimento do contrato por uma das partes.
Uma das questões que mais afetaram a estrutura da propriedade de produção
familiar é a do poder de decisão em relação à construção do aviário ou do chiqueiro,
onde o espaço físico destinado à integração passa a não fazer mais parte da propriedade,
uma vez que ali o agricultor não pode vestir o que quiser, não pode criar o que quiser,
não pode plantar o que quiser, em outras palavras, não pode fazer nada que não seja
devidamente imposto ou autorizado pela empresa. E, em alguns casos, isso compromete
toda a propriedade, até porque em toda a propriedade o agricultor integrado não pode
criar qualquer outro tipo de aves ou de suínos que não sejam as(os) destinadas(os) à
integradora. No caso da suinocultura, o produtor não pode criar suínos nem para o
consumo próprio.
No caso da venda da produção, o agricultor tem a vantagem de ter garantido
todo escoamento de sua produção, na visão da agroindústria. É importante observar, no
entanto, que o agricultor perdeu o poder de decisão, que ele não participa de nenhuma
forma de negociação do valor do seu produto ou, melhor considerando, do seu trabalho
para o desenvolvimento da atividade. A hipótese de negociar com a concorrência para
obter vantagem ou agregar valor ao seu trabalho e à produção está totalmente
descartada. As relações de trabalho e de comercialização são contratuais, o que impede
qualquer forma de participação do trabalhador para garantir investimentos que se façam
131
necessários para o início das atividades, podendo a empresa, antes mesmo de alojar o
lote, não investir nada.
O agricultor passou a ser um elo na cadeia produtiva, assumindo todos os
riscos. Para ingressar no sistema de integração, o agricultor deve dispor da
infraestrutura, uma vez que a agroindústria fornece os insumos para a produção a partir
do momento em que as instalações agrícolas estejam totalmente concluídas dentro de
um padrão preestabelecido. Os custos das instalações são altos, razão pela qual o
agricultor, na maioria das vezes, por não dispor dos recursos necessários para a
edificação das instalações, se obriga a buscar recursos através de financiamentos. A
tomada do empréstimo não tem garantia de um retorno suficiente para a sua
amortização. A agroindústria não se responsabiliza pela compra de lotes que não
respondam aos padrões estabelecidos e, em muitos casos, não garante seguro em caso
de catástrofes naturais (vendavais, granizo, etc.).
As atividades decorrentes do sistema de integração fazem com que, em muitas
situações, os agricultores deixem de cultivar suas terras, especialmente em decorrência
da falta de tempo. O sistema de integração exige dedicação exclusiva de, pelo menos,
um integrante da família. O tempo cronológico, da rotina de trabalho do agricultor,
passa a ser medido pela dinâmica da produção no aviário ou no chiqueiro, com
atribuições como:
a) preocupação constante para que não falte água e ração para as criações;
b) cuidado com a temperatura estabelecida para cada fase da criação;
c) recebimento da ração, muitas vezes em horários inconvenientes,
determinados pela agroindústria;
d) horário estabelecido, e não escolhido, para recebimento ou para
carregamento de um novo lote, entre outras.
O tempo empregado na produção substituiu a rotina de trabalho do agricultor.
Com isso, o agricultor perdeu suas horas de lazer e essa nova rotina de trabalho: gerou
obstáculo para a realização das reuniões da comunidade; retirou pelo menos um
integrante da família dos cultos ou missas; restringiu o passeio na casa dos vizinhos;
bem como dificultou a vida comunitária e de solidariedade, marcantes no início da
colonização.
O processo de integração implantado pelas agroindústrias transformou o
proprietário da terra em um proletário mascarado. A característica de “mascarado” se
132
deve ao fato de esse “proletário” não ter os direitos trabalhistas da TConsolidação das
Leis do TrabalhoT (CLT) assegurados - direitos como férias, décimo terceiro salário,
pagamento pelas horas de trabalho extras, adicional noturno, salário, etc.
Em suma, houve profundas mudanças culturais, com alteração: de hábitos até
de práticas culturais; na organização das atividades na rotina de trabalho da propriedade;
na organização familiar; e no envolvimento dos produtores e suas famílias com a
comunidade.
Tanto os questionários dirigidos quanto as observações in loco da pesquisa
realizada permitem constatar que o agricultor integrado não vislumbra nenhuma
alternativa de manutenção da sua propriedade fora do sistema de integração. Impor
alternativas viáveis seria novamente interferir no seu poder de decisão. O fato é que o
sistema é extremante abrangente e expressivo na região, o que se confirma pela
observação dos números do movimento econômico do município, citados na parte 5 do
presente estudo, onde se observa a hegemonia da produção avícola com (30,41%) e da
suinocultura (27,76%) na participação do movimento econômico do município, ou seja,
as duas atividades são responsáveis por mais da metade do movimento econômico de
São João do Oeste. Superar esse sistema, essa realidade, essa exploração, isso é um
desafio que se apresenta aos produtores, até porque epidemias, casos como o da peste
suína, podem acabar com toda a produção dessas propriedades, assim levando um
grande contingente de pessoas ao êxodo rural e, consequentemente, ao inchaço ainda
maior das cidades.
Com isso, pode-se confirmar a hipótese formulada por esta análise, de que,
com a implantação das agroindústrias no oeste catarinense, em especial em São João do
Oeste, apesar do aumento da oferta de emprego, da arrecadação de impostos, da
circulação de dinheiro nos municípios, bem como do aumento da renda do produtor e da
melhoria das condições de trabalho, ocorreu a perda do que o agricultor tinha de mais
importante: seu poder de decisão sobre os rumos da propriedade, o que teve repercussão
direta sobre as relações familiares e comunitárias.
Também ocorreu que o agricultor assumiu a linguagem da agroindústria
(tempo racional, produtividade, quantidades definidas, produção em série, apesar de se
tratar de seres vivos – animais, etc.) em detrimento da sua relação natural com a
natureza e seus fenômenos em relação à produção e com o mercado a partir das relações
ditadas pela demanda.
133
Por fim, ocorre que ficou fora de cogitação a hipótese de esse produtor, uma
vez inserido na cadeia produtiva da integração, retornar às práticas da agricultura
familiar ou da produção familiar de subsistência, pela sua total inviabilidade frente ao
mercado competitivo e globalizado.
134
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137
ANEXOS
138
1)Sexo: M ( ) F ( ) 2)Idade:_______ .
3) Origem?
Alemã ( ) Outras ( ) Qual?___________________________________.
4)Religião?
Católico ( ) Outras ( ) Qual:_________________________________.
5) Casado?
Sim ( ) Não ( )
6) Tem filhos?
Sim ( ) Não ( )
7) Quantos? ________ . Moram com o Sr.? Sim ( ) Não ( )
8) Motivo da saída dos filhos?
______________________________________________________________________.
9) Mora a quanto tempo na propriedade?
____________________________.
10) Qual é o tamanho da propriedade?
____________.
11) Produtor Integrado?
Sim ( ) Não ( ) Tipo de Integração: __________________________
12)Quanto tempo do dia disponibiliza para o desenvolvimento da atividade de
integração?
_________________________________________.
139
13) Por quantos integrantes da família? _________.
14)Quais atividades econômicas que o Sr.(a) desenvolve na propriedade?
15) Participa de alguma forma de Associação?
Sim ( ) Não ( )
Qual?__________________________________________________________________
______________________________________________________________________.
16) O Sr.(a) acredita que mudou as relações sociais na comunidade? A partir de
quando? Por quê?
17) Participa do Programa Microbacias?
Sim ( ) Não ( )
Por quê?_______________________________________________________________
______________________________________________________________________.
18) O que o Sr. (a) acha do sistema de integração?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________.
19) O Sr.(a) acredita que existe alternativa econômica para manutenção da propriedade
que não seja o sistema de integração?
_____________________________________________________________________.
20) O que poderia ser mudado no sistema de integração?
______________________________________________________________________.
21) Se pudesse optar o Sr. seria ou não produtor integrado? Por quê?
______________________________________________________________________.
140
AUTORIZAÇÃO
NOME DO AUTOR: Stefan Hoppe
RG: 12.459.000-0
CPF: 038.038.379/95
Fone: (45) 35232408
CURSO/PROGRAMA: PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU
EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL E AGRONEGÓCIO, NÍVEL DE
MESTRADO
CENTRO: CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
( X ) Dissertação ( ) Tese
TÍTULO: DA FRONTEIRA AGRÍCOLA À
AGROINDUSTRIALIZAÇÃO: O CASO DE SÃO JOÃO DO OESTE
Datar e assinar o item escolhido
1. Autorizo a UNIOESTE – Universidade Estadual do Oeste do Paraná, através da
Biblioteca Digital, a disponibilizar na Internet, gratuitamente, em sua base de dados
digital, sem ressarcimento dos direitos autorais:
a) ( X ) o texto integral da dissertação/tese de minha autoria, em formato PDF, para
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Toledo, 11/11/2009 _________________________________
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