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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO NOVO:
O CLUBE DE CULTURA E O PROGRESSISMO JUDAICO
EM PORTO ALEGRE (1950-1970)
Airan Milititsky Aguiar
Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz
Porto Alegre
2009
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AIRAN MILITITSKY AGUIAR
SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO NOVO:
O CLUBE DE CULTURA E O PROGRESSISMO JUDAICO
EM PORTO ALEGRE (1950-1970)
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História,
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em História, área de
concentração Sociedades Ibéricas e
Americanas
Orientador: Prof. Dr. René Ernaini Gertz
Porto Alegre
2009
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DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
_____________________________________________________________________
A282s Aguiar, Airan Milititsky
Saudações para um mundo novo: o Clube de Cultura e o progressismo judaico em
Porto Alegre (1950-1970) / Airan Milititsky Aguiar; orientador: René Ernaini Gertz.
Porto Alegre, 2009.
141 f.
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em
História, 2009, Porto Alegre, BR-RS.
1. Progressismo judaico. 2. Afinidades eletivas. 3. Clube de Cultura. 4. Judaísmo.
I. Gertz, René Ernaini. II. Título.
CDU – 933
_____________________________________________________________________
Bibliotecária Neliana Schirmer Antunes Menezes – CRB 10/939
AIRAN MILITITSKY AGUIAR
SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO NOVO:
O CLUBE DE CULTURA E O PROGRESSISMO JUDAICO
EM PORTO ALEGRE (1950-1970)
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em História,
Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul como
requisito parcial para a obtenção do grau
de Mestre em História, área de
concentração Sociedades Ibéricas e
Americanas
Aprovada em 25 de agosto de 2009.
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________________
Prof. Dr. René Ernaini Gertz – PUCRS (orientador)
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Núncia Maria Santoro de Constantino – PUCRS
_________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Ieda Gutfreind – Instituto Cultural Judaico Marc Chagall
aos meus avós, Isaac Milititsky,
Maria do Carmo Almeida Aguiar e
Aldemar Aguiar, in memorian.
Agradecimentos
Inicialmente agradeço ao professor René Ernaini Gertz, pela orientação
e auxílio indispensáveis à execução desse trabalho.
Ao CNPq, pela bolsa integral sem a qual seria impossível cursar uma
pós-graduação paga.
Aos meus pais, Elizabeth e Helvécio, pela ajuda, compreensão,
paciência e orientação que incondicionalmente me prestaram nesta e em todas
as jornadas.
À minha irmã Isadora, pela “paciência” e por ter tantas vezes colocado
meus pés no chão.
À minha avó Aracy, em especial por ser a matriarca sempre atenciosa e
carinhosa, também por suas lições de ídiche e pela tradução de documentos.
Aos meus tios Arão, Gladis, Jarbas e Neila, que sempre dedicaram
carinho, atenção e conforto aos sobrinhos, pela compreensão das ausências.
À Vera, por manter a organização de minha organização desorganizada
e pelos incontáveis cafés.
A Hans Baumann, antes de tudo pela amizade, e por compartilhar tantas
vezes suas memórias comigo.
Ao Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, nas pessoas de Anita Brumer
e Ieda Gutfreind, pelo acesso ao acervo e pelas oportunidades oferecidas.
À família carioca, Tânia, Silvio, Diana, Julie, Suzana e Joaquim, por
sempre me acolher tão bem no Rio de Janeiro.
Aos meus amigos e colegas que participaram e marcaram tantas
jornadas, em especial, Gustavo Pradella, Lucas Prochnow e Carolina Gubert.
Tenho esperança, entretanto, que, juntamente
com as outras nações, os judeus – mesmo que
tardiamente – se tornem atentos e recobrem a
consciência da imperfeição de uma nação-
estado e achem seu caminho de volta à
herança política e moral que o gênio dos
judeus, ultrapassando a as fronteiras do
judaísmo, nos legou: a mensagem da
emancipação universal do homem.
Isaac Deutscher, O Judeu Não-Judeu
RESUMO
Esta dissertação tem como objetivo analisar a trajetória do progressismo
judaico em Porto Alegre na história do Clube de Cultura, entre os anos de 1950
e 1970. Partindo da discussão sobre as formas de solução da questão judaica,
visa compreender de que maneira ocorrem afinidades eletivas entre o judaísmo
e as utopias libertárias no progressismo judaico e como este se especificou no
Clube de Cultura.
Palavras-chave: Progressismo judaico, afinidades eletivas, Clube de
Cultura, judaísmo, utopias libertárias.
ABSTRACT
The aim of this work is to analyze the Jewish progressivism trajectory in
Porto Alegre city, considering the history of the Clube de Cultura (Culture Club),
from the 1950’s to the 1970’s. From the discussion on the resolutions of the
Jewish question, seeks to understand the manners of the elective affinities
between Judaism and the libertarian utopias in Jewish progressivism and how it
took place in the Jewish progressivism Clube de Cultura's case.
Key words: Jewish progressivism, elective affinities, Clube de Cultura,
Judaism, libertarian utopias.
Lista de ilustrações
Figura 1 - Pale ou Zona de Residência .......................................................... 38
Figura 2 - Recepção ao Presidente Getúlio Vargas ....................................... 71
Figura 3 - Diretoria e colaboradores da Liga Cultural Israelita ....................... 72
Figura 4 - Confraternização na primeira sede do Clube de Cultura ............... 76
Figura 5 - Jorge Amado .................................................................................. 81
Figura 6 - Platéia em ato público comemorativo ao Levante do Gueto de
Varsóvia .......................................................................................... 85
Figura 7 - Painel “Levante do Gheto de Varsóvia” ......................................... 86
Figura 8 - Colônia de Férias da AFIB - Vita Kempner .................................... 94
Figura 9 - Quermesse do Departamento Feminino ........................................ 96
Figura 10 - Estréia do Grupo de Teatro do Clube de Cultura ......................... 99
Figura 11 - Grupo Dramático da ACIZ ............................................................ 101
Figura 12 - Ensaio das peças de Qorpo Santo ............................................... 110
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Imigração Judaica de 1880 a 1929 ................................................ 35
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACIZ - Asociación Cultural Israelita Dr. Jaime Zhitlovsky
AFIB - Associação Feminina Israelita-Brasileira Vita Kempner
BIBSA - Biblioteca Scholem Aleichem
IC - Internacional Comunista
ICA - Jewish Colonization Association
ICIB - Instituto Cultural Israelita Brasileiro
ICUF - Idisher Cultur Farband
IFT - Iídich Folks-Teater
ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros
MCI - Movimento Comunista Internacional
O.N.U. - Organizaçao das Nações Unidas
PCB - Partido Comunista do Brasil
PCF - Partido Comunista Francês
PCUS - Partido Comunista da União Soviética
PTB - Partido Trabalhista Brasileiro
SIBRA - Sociedade Israelita Brasileira de Cultura e Beneficência.
SOCIB - Sociedade Cultural Israelita Brasileira do Paraná
UIBH - União Israelita de Belo Horizonte
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 12
1. SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO VELHO ............................................... 22
1.1. Em busca da Nação e do Estado ............................................................ 24
1.2. A mobilização da tradição ........................................................................ 29
2. SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO NOVO ................................................. 37
2.1. Os judeus orientais e os movimentos populares ..................................... 38
2.2. Uma aproximação ao campo judaico-progressista ................................. 46
2.3. Visões Progressistas da História Judaica ................................................ 50
2.4. Das Frentes Populares à Frente Cultural Judaica ................................... 56
2.5. O Lugar da Cultura no progressismo judaico .......................................... 58
3. EM DEFESA DA CULTURA: O CLUBE DE CULTURA ............................ 71
3.1. A organização dentro da organização ..................................................... 76
3.2. Elogio à liberdade e à resistência: o Levante do Gueto de Varsóvia ...... 82
3.3. O Departamento Feminino ....................................................................... 92
3.3. A sede inaugurada ................................................................................... 94
3.4. Cultura e Política ...................................................................................... 102
3.5. O Golpe Militar e a autonomização frente à particularidade judaica ....... 106
À GUISA DE CONCLUSÃO
........................................................................... 113
FONTES ......................................................................................................... 131
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa visa a reconstruir parte da história de uma entidade
porto-alegrense inicialmente vinculada à etnia judaica: o Clube de Cultura.
Pouco se conhece de sua história, sobretudo, sobre seu marco
fundamental, o progressismo judaico. Essa clivagem ideológica dentro do
judaísmo é hoje em dia praticamente desconhecida e, mesmo aos olhos de
grande parte da sociedade gaúcha e brasileira, inexistente. Ser judeu, no
imaginário corrente, é apenas ou exclusivamente ser sionista, em seus mais
diversos matizes, no entanto prevalece no senso comum o viés direitista. O
fenômeno sócio-político-histórico Sionismo será trabalhado no primeiro
capítulo, a fim possibilitar uma definição, por contraste com o progressismo
judaico.
Aprende-se que “quem escreve a história”, mormente, são os
vencedores. Após a criação do Estado de Israel, evidentemente a posição
sionista torna-se paulatinamente preponderante, e seus protagonistas contam a
história de forma muito simples: ser judeu é ser sionista. Por exemplo,
argumentos como este, perpetrado através das Agências de Estado
israelenses como o Israel Information Center, vinculado ao Ministério de
Assuntos Exteriores, que afirma: “Judeus sempre foram sionistas no sentido de
que a restauração do povo judeu no seu lar pátrio, é um dos princípios básicos
do judaísmo”.
1
Tal formulação tem amparo em subsídios religiosos. Inúmeras
festividades judaicas, historicamente, buscam a reconstrução da aliança
através da reconstrução do templo de Salomão. “Este ano aqui, o próximo em
Israel” é uma formulação recorrente em textos religiosos. No entanto, a
interpretação dessa formulação não é unívoca. A construção sionista é um
Israel material, geograficamente situado, delineado pelas fronteiras bíblicas.
Entretanto, pode-se dizer metaforicamente que a construção judaico
progressista, internacionalista, é um Israel universal, não uma emancipação
exclusiva do povo judeu, mas uma emancipação de toda a sociedade.
1
ISRAEL. O que é sionismo. Jerusalem: Israel Information Center, 1983.
13
Nota-se a ressonância do discurso oficial Israelense em posições de
lideranças da comunidade judaica porto-alegrense que afirmam:
Qualquer judeu que se negar a dizer que é sionista ele é um judeu
assimilado, ele não é judeu.
Se tu diz que tu é judeu tu é sionista. Se tu diz que é sionista tu é
judeu, porque não existe sionista sem ser judeu e judeu sem ser
sionista. Porque o Sionismo é uma estrutura para fortalecer o judeu.
Sem o Sionismo não era possível ter o Estado de Israel. É através
do Sionismo... O que é Sionismo? É ser judeu militante. Então isso é
o sionismo. Agora aquele que brada, que assina documentos que ele
não é sionista, que ele é contra o Sionismo, não é judeu, é um
elemento assimilado como qualquer outro.
2
Ao apresentar a trajetória do Clube de Cultura em relação às demais
associações co-irmãs brasileiras, instituições que compunham as bases de
uma ampla rede internacional denominada Idisher Cultur Farband (ICUF),
busca-se desmistificar uma unidade e homogeneização do “ser judeu” como
unicamente sionista.
* * *
O Clube de Cultura foi reconhecido dentro da comunidade judaica porto-
alegrense como lugar dos judeus de esquerda, da “pá virada”, ou em ídiche,
roite idn (judeus vermelhos).
A organização tem suas origens numa prática do leste europeu, onde os
judeus proibidos de freqüentar as instituições de ensino regulares, criaram um
sistema paralelo de ensino laico, por exemplo o krujki, ou círculo intelectual.
3
A partir de meados do século XIX, surge uma forte efervescência cultural
em ídiche, na Europa oriental. Muitos dos escritores e teatrólogos que
empregavam o ídiche posicionavam-se num espectro político de esquerda.
Entre eles se destacam Scholem Aleichem e I. L. Peretz. Embora seja uma
simplificação, construiu-se uma polarização entre os judeus de esquerda
2
WAINSTEIN, Boris. apud BARTEL, Carlos Eduardo. Os emissários sionistas e o
nacionalismo judaico no Rio Grande do Sul. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-
Graduação em História. Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS. São Leopoldo,
2006, p. 143.
3
CLEMESHA, Arlene. Marxismo e Judaísmo: história de uma relação difícil. São Paulo:
Boitempo; Xamã, 1998, p. 106.
14
(idichístas e internacionalistas) e os judeus de direita (hebraístas e
nacionalistas-sionistas).
Segundo Moysés Eizerik, o Clube de Cultura foi fundado “com a
finalidade de incrementar atividades artísticas e culturais da Coletividade
[judaica]”.
4
No entanto, Israel Wengrover afirma: “Eu, também, fui um dos
fundadores do Clube de Cultura, que no início só se ocupava com a cultura
ídiche. Scholem Schvartz, Naftal Rotemberg e eu organizamos diversas
noitadas artístico-culturais e de debates, abordando a vida e as obras de
Scholem Aleichem, Itzochok Leibich Peretz, Mendele Moicher Sforim e
outros”.
5
Porém, segundo depoimentos, ainda em meados dos anos 50 do
século passado, intelectuais como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Aparício
Torelli (o Barão de Itararé), realizaram conferências nos salões da entidade.
Artistas como Danúbio Gonçalves, Vasco Prado e demais membros do Clube
da Gravura realizaram exposições, todos intelectuais, direta ou indiretamente,
vinculados ao Partido Comunista do Brasil (PCB).
A trajetória do Clube de Cultura pode ser formulada em duas
conjunturas. A primeira, num período de hegemonia do progressismo judaico. A
segunda conjuntura pode ser chamada de momento de crise de organicidade
ou de hegemonia do progressismo judaico. Para a manutenção da entidade,
diversifica-se ao máximo suas atividades, pois há, pós-golpe militar, uma fuga
quase total do seu quadro social, esvaindo o Clube de Cultura dos recursos
financeiros oriundos dos sócios.
Nesse sentido, é fundamental a compreensão daquilo que vem a ser o
progressismo judaico.
* * *
No transcorrer da pesquisa, foram constatados alguns paralelos entre
aspectos do judaísmo e as ideologias de esquerda. Esses paralelos ganharam
um aporte teórico a partir do conceito de afinidade eletiva, extraído dos estudos
4
EIZERIK, Moysés. Aspectos da vida judaica no Rio Grande do Sul. Caxias: UCS, 1984, p.
108.
5
EIZERIK, Moyses. Op. cit., p. 108.
15
de Michel Löwy sobre romantismo e messianismo judaico, na obra Redenção e
Utopia.
Afinidade eletiva é entendida como:
um tipo particular de relação dialética que se estabelece entre duas
configurações sociais ou culturais, não redutível à determinação
causal direta ou à “influência” no sentido tradicional. Trata-se, a partir
de uma certa analogia estrutural, um movimento de convergência, de
atração recíproca, de confluência ativa, de combinação capaz de
chegar até a fusão.
6
Michael Löwy pretende analisar um “fundo comum” na obra da
intelectualidade judaico-libertária da Europa central. Nesse sentido, procura
empreender a construção de um estatuto metodológico para o conceito de
afinidade eletiva, oriundo da obra de Max Weber, bem como de Goethe e de
alguns elementos de Mannheim.
Escrutinando a trajetória do conceito, advindo da alquimia, ele chega à
formulação em Weber, em especial na obra a A Ética Protestante e o Espírito
da Capitalismo. Aponta a insuficiência da tradução inglesa, realizada por
Parsons, na qual o conceito passa a ser traduzido por uma gelatinosa
formulação de “certas correlações”. Retomando a edição em alemão, ele
aponta que a construção argumentativa de Weber passa da metáfora para o
conceito.
Na busca de fundar um estatuto metodológico para afinidade eletiva,
Löwy constrói quatro níveis desta relação dialética:
1. Afinidade pura e simples, homologia estrutural. Momento estático,
cria a possibilidade, mas não a necessidade de uma convergência ativa. A
transformação da potência em ato depende de condições históricas concretas.
2. Eleição, atração recíproca. Mútua escolha ativa das duas
configurações socioculturais. Início da dinamização da afinidade. Neste nível,
ou na passagem ao próximo, é que se encontra a afinidade eletiva entre a Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, segundo Löwy.
3. Articulação. Pode resultar em diferentes ligas: a) simbiose
cultural; b) fusão parcial; e c) fusão total.
4. Figura nova.
6
LÖWY, Michael. Redenção e utopia: o judaísmo libertário na Europa Central: um estudo
sobre afinidade eletiva. São Paulo: Companhia das Letras. 1989, p. 13.
16
A partir desse estatuto metodológico, o autor formula a problemática de
como se relacionam, nas obras de alguns intelectuais judeus libertários da
Europa Central, o messianismo judaico e as utopias libertárias.
Partindo do questionamento “o que podem ter em comum o
messianismo judaico e as utopias libertárias?”, Michael Löwy passa a construir
o primeiro nível da afinidade eletiva, isto é, da correspondência, da homologia
estrutural, apoiando-se tanto em Gershom Scholem (fundador da cátedra de
estudos místicos da Universidade de Jerusalém), naquilo que diz respeito ao
messianismo judaico, quanto em Karl Mannheim, sobre o anarquismo radical.
A primeira correspondência ocorre entre a tendência, ao mesmo tempo
restauradora utópica do messianismo judaico, que se expressa na doutrina do
tikun, e o pensamento libertário que carrega em si uma combinação análoga
entre restauração e utopia, ou seja a utopia revolucionária é acompanhada de
uma nostalgia pelo passado pré-capitalista. A forma como Löwy apresenta a
doutrina do tikun serve para seus objetivos, no entanto, ele a apresenta de
forma reduzida, escondendo alguns elementos que poderiam inviabilizar sua
hipótese. Ao não verbalizar aquilo que necessita ser refutado, tanto do
messianismo como do anarquismo, para que haja tal homologia, Löwy abre um
flanco para que seu esteio argumentativo possa ser questionado. Uma
exposição bastante séria, sistemática e completa do tikun pode ser encontrada
nas próprias fontes de Löwy: Gershom Scholem.
7
A segunda correspondência está no caráter de apocalipse
revolucionário comum às duas configurações socioculturais. No messianismo
judaico, a redenção é um acontecimento que se dá na história e não
espiritualmente, e mais, é uma teoria da catástrofe, uma ruptura revolucionária,
cataclísmica entre o presente histórico e o futuro messiânico. Assim como no
anarquismo, qualquer possibilidade de progresso é negada, a revolução é uma
irrupção no mundo. Neste ponto, Löwy novamente enfraquece seu argumento
por não apresentar elementos suficientes do anarquismo que subsidiem sua
argumentação. Ele se prende apenas aos autores com os quais irá trabalhar,
7
SCHOLEM, Gershom. As grandes correntes da mística Judaica. São Paulo: Perspectiva,
1972.
17
como Walter Benjamin, e não trabalha o anarquismo como um todo, ou ainda
as nuances entre vertentes anarquistas.
Ambas as argumentações de Lowy são problemáticas, ao negarem
qualquer perspectiva de aperfeiçoamento no messianismo judaico. Não se
pode generalizar a negação da perspectiva de progresso, de desenvolvimento,
no messianismo judaico. Sobre o messianismo na cabala luriana, por exemplo,
Scholem argumenta:
A redenção não chega subitamente, mas aparece como resultado
lógico e necessário da história judaica. Os esforços de Israel em
relação ao tikun têm, por definição, caráter messiânico. A redenção
final não está, pois, dissociada do processo histórico que a
precedeu: “a redenção de Israel desenrola-se por graus, uma
purificação após a outra, um refinamento após o outro”. O rei
messias longe de trazer o tikun, é trazido por este: ele aparece após
a realização do tikun.
8
A perspectiva de aperfeiçoamento, de progresso, fica ainda mais clara
na seguinte formulação de Scholem:
O exílio da congregação de Israel, terrena, “inferior”, no mundo da
história, é um mero reflexo do exílio de Israel celestial, isto é, da
Shekhiná. A natureza de Israel simboliza a natureza da criação em
sua totalidade. O judeu é quem possui nas mãos a chave do tikun do
mundo, consistindo na separação progressiva do bem e do mal ...
9
Desse modo há, ao menos no messianismo da cabala luriânica, uma
idéia de aperfeiçoamento, de progresso que prepara a irrupção do mundo, a
redenção. No entanto, esse desenvolvimento, progresso, não ocorre de forma
linear e contínua.
Löwy, trabalhando a descontinuidade do tempo, apresenta a terceira
homologia, entre a redenção enquanto fim e início de tudo, ao estabelecer
novamente o homem em seu contato original com todas as coisas e com ele
mesmo, harmônico, e a idéia de não aperfeiçoabilidade do anarquismo, da
revolução como ruptura total com a ordem estabelecida.
Passa à análise da correspondência entre a destruição dos poderes do
mundo: a redenção colocará novamente o homem em contato direto com deus,
sem vigários, aspecto presente no misticismo judaico; e a recusa a toda
8
SCHOLEM, Gershom. Sabatai Tzvi: o messias místico I. São Paulo: Perspectiva, 1995, p.
46.
9
SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 42.
18
autoridade do anarquismo. Löwy, no entanto, aponta para a discrepância, o
anarquismo levanta a consígnia “Nem Deus nem mestre”.
A última correspondência apresentada por Löwy consiste no caráter da
abolição das restrições e leis. Após a redenção, a Torá, lei judaica, perde sua
validade e uma nova Torá, sem leis e restrições, terá vigência. Cita Bakunin
como demonstração da correspondência: ”Não acredito em Constituições ou
em leis. (...). Temos a necessidade de algo diferente: a paixão, a vida, um
mundo novo sem leis, e portanto livre”.
Essas seriam as cinco correspondências básicas nas quais Löwy
busca estabelecer a afinidade eletiva entre o messianismo judaico e as utopias
libertárias. Passa então a estabelecer qual processo histórico concreto
possibilita a dinamização das equivalências.
Para ele, é na primeira metade do século XX, e apenas na
intelectualidade judaica da Europa central, que essa correspondência torna-se
dinâmica. Sua hipótese é de que esses autores apresentam em comum um
fundo cultural neo-romântico e numa relação de afinidade eletiva, uma
dimensão messiânica judaica e uma dimensão utópico-libertária.
O contexto do primeiro lustro do século XX apresenta, para Löwy, uma
singularidade naquilo que tange à vida judaica na Mitteleuropa. Do ponto de
vista socioeconômico, há um crescimento industrial que rompe os traços semi-
feudais em países como Alemanha e Áustria-Hungria, ainda na primeira
década do século XX. Além dessas mudanças, há uma transformação da
organização social na Europa Central. Em contraposição a estas mudanças,
tanto na estrutura produtiva, quanto na escala de valores e na estrutura de
classes, surge uma reação intelectual. Löwy a conceitua como romântica
anticapitalista.
Conceitua essa configuração sócio-cultural como uma visão de mundo
calcada na crítica mais ou menos radical da civilização burguesa, em nome de
valores pré-capitalistas, não uma mera expressão literária. De certa forma,
essa Weltanschauung constitui uma tentativa de reencantamento do mundo, o
que não exclui um retorno à religião. O romantismo anticapitalista torna-se
central na vida cultural e universitária, visto que o mandarinato acadêmico
começa a ser marginalizado, perdendo sua posição de privilégio tradicional.
19
Essa reação tem peso nas comunidades judaicas, segundo o autor,
sobretudo dadas as estratégias de assimilação e de busca de prestígio
utilizadas. Na Europa central os judeus podem ser encarados como um povo
pária. Todavia, a partir do século XVII, foram, progressivamente, abolidas as
restrições aos judeus. Isso possibilita a formação de uma burguesia judaica. No
entanto, existiam algumas restrições tácitas, e um crescente anti-semitismo. Ou
seja, não havia de fato uma assimilação plena. Uma das alternativas de se
integrar e galgar posições de status elevado era a via universitária. Surge daí
uma intelectualidade judaica que, por sua condição, pode ser descrita como
modelo da intelligentsia de Mannheim: sem vínculos.
Mesmo que a “burguesia assimilada judaica” mantivesse apenas
pequenos elos com o judaísmo, alguns rituais, como o “Dia do Perdão”, existia
um forte processo de secularização. Para a intelectualidade judaica, o retorno
ao judaísmo e ao messianismo era o equivalente ao retorno ao passado
medieval, à idade de ouro, do romantismo alemão. O autor busca, então,
explicar os componentes sociológicos pelos quais pode ser justificada a
atração de parte dessa intelectualidade pelas utopias revolucionárias.
Perpassando argumentos de diversos autores, entre os quais Weber,
Mannheim e Michels, Löwy aponta que a adesão de intelectuais judeus às
utopias revolucionárias pode ser entendida por uma constelação de fatores,
entre os quais destaca:
1. Discriminação e marginalização;
2. Esquerda como o partido da liberdade e da igualdade;
3. Questionamento radical da sociedade que desvalorizou sua
alteridade;
4. Utopias românticas anticapitalistas como uma negação das
desigualdades nacionais e sociais.
Löwy, ainda, enfatiza o fato de as revoluções burguesas não terem
conseguido de fato emancipar ou assimilar os judeus, colocando-os na
condição de párias. Portanto, a utopia é uma aposta na mudança radical. O
autor também diferencia os judeus da Europa central e da Europa oriental
quanto às características próprias de adesão às utopias revolucionárias.
20
Metodologicamente, Löwy passa a trabalhar com a literatura produzida
por esses intelectuais judeus libertários, analisando como esse romantismo
anticapitalista era articulado tanto a uma dimensão utópico-libertária quanto a
um messianismo judaico. Sua análise é feita num esforço interpretativo que
busca demonstrar o caráter explícito dessa articulação, assim como o caráter
implícito.
Consiste em um tipo particular de exegese de cunho histórico,
relacionando desde questões biográficas, características psicológicas e
condicionamentos sócio-histórico-culturais na busca de realizar um
pensamento complexo entre o todo e as partes. Nota-se ai, sobretudo, a
influência de seu orientador de doutorado, Lucien Goldmann. O estruturalismo
genético apresenta-se nesta obra ao buscar estabelecer uma metodologia na
qual o fundamental consiste em inserir sua interpretação do fato numa
estrutura significativa ou, em outra linguagem, busca estabelecer como o fato
histórico, artístico ou literário relaciona-se com os outros fatos dentro de uma
visão de mundo específica.
Löwy, ao concluir, ressalta que um dos objetivos dessa pesquisa é de
explorar as possibilidades do conceito de afinidade eletiva, conceito que
permite realizar nexos entre o todo e as partes que não sejam meramente
causais ou explicações baseadas na influência.
* * *
Partindo da discussão de Löwy, ainda que extrapolando-a, busca-se
trabalhar no segundo capítulo o contexto no qual se desenvolvem as condições
de emergência de outras formas de afinidades eletivas entre aspectos do
judaísmo e as utopias libertárias entre judeus do leste europeu. Essa
contextualização do movimento popular e operário judaico na Europa oriental
apresentou-se de difícil realização dada à escassez de fontes bibliográficas
acessíveis.
Ainda no segundo capítulo é exposta a discussão de como ocorrem
estas afinidades eletivas no progressismo judaico. Tendo como ponto de
partida à revisão das pesquisas realizadas sobre o progressismo judaico no
Brasil, analisa-se parte da vida e obra de Isaias Golgher, imigrante judeu,
21
intelectual progressista, a qual apresenta elementos da convergência dessa
afinidade espiritual.
Dentro dessa discussão, coloca-se a organização do ICUF e seus
objetivos, a partir dos quais se discute parte da obra de I. L. Peretz, expoente
da literatura progressista judaica em ídiche, a qual serve de ponto de partida
para discussão de outros aspectos das afinidades eletivas entre o messianismo
judaico e as utopias libertárias nos grupos judaico-progressistas. Por fim, este
capítulo trabalha com documentação do Encontro de Instituições Judaico-
Progressistas, realizado em 2006, que, ao discutir a identidade judaico-
progressista hoje, apresenta outros elementos que permitem compreender a
convergência entre o judaísmo e as utopias libertárias.
No quarto capítulo é exposta parte da história do grupo judaico-
progressista gaúcho organizado em torno do Clube de Cultura. Discute-se sua
formação, sua vinculação com o ICUF, seu desenvolvimento, suas atividades
culturais e sua autonomização frente à particularidade judaica.
Por fim, é realizado um esforço de síntese, no qual são expostas as
dificuldades e lacunas encontradas bem como perspectivas futuras.
1. SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO VELHO
Não é fácil discutir nações e nacionalismos. Como lembram inúmeros
estudos, existe um caos terminológico a este respeito, levando a um sério
problema de definição, o que pode acarretar uma falta de rigor ao tratar-se
destes temas. Para além desse primeiro problema, estudar um caso específico,
o nacionalismo judaico, constitui tarefa adicionalmente árdua.
O Sionismo é um fenômeno complexo, rico em matizes e de difícil
definição. Historicamente existiram inúmeros sionismos e movimentos
importantes pré-sionistas. Ainda que inexista, em língua portuguesa, um estudo
exaustivo sobre o tema, algumas iniciativas são louváveis, destacando-se o
estudo de Jaime Pinsky, Origens do nacionalismo judaico.
10
Sumariamente, pode-se caracterizar o sionismo, melhor, o sionismo
político, como uma busca de solução da questão judaica, ou seja, da situação
dos judeus europeus no fim do século XIX e início do XX. Na Europa, os judeus
encontravam-se basicamente em duas posições: a das massas que, junto com
o avanço do capitalismo e consolidação dos Estados-Nação, foram sendo
empurradas cada vez mais para dentro de sociedades ainda arcaicas, onde
podiam manter o modo de vida típico constituído naquilo que se chamou de
shtetl
*
. Outra, a relativa assimilação das camadas judaicas mais altas nas
sociedades desenvolvidas, o que ocorreu, sobretudo, na Europa central,
embora também, ainda que em menor escala, no leste.
11
Nesse sentido, os autores partem de premissas diferentes sobre as
origens do fenômeno. Alguns apontam o sionismo como uma reação de
setores judaicos contra a assimilação dos judeus pelas sociedades locais, a fim
10
PINSKY, Jaime. Origens do nacionalismo judaico. São Paulo: Ática, 1997.
*
Palavra em ídiche que pode ser traduzida por cidadezinha. Existe uma vasta literatura sobre
este cotidiano judaico na obra literária de Scholem Aleichem. Sobre o ídiche ver GUINSBURG,
Jacó. Aventuras de uma língua errante: ensaios de literatura e teatro ídiche. São Paulo:
Perspectiva, 1996.
11
Um bom estudo sobre as condições dos judeus na Europa Ocidental, sobretudo central, pode
ser encontrado em ARENDT, Hannah. As Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
23
de salvaguardar a fé judaica, sendo a perseguição racista secundária
12
,
enquanto outros, como Jaime Pinsky, colocam o sionismo como
uma visão européia de mundo, dialeticamente decorrente de
condições materiais e espirituais da pequena e média burguesia
judaica da Rússia. As alegações de caráter histórico, a memória de
um passado heróico e nacional, não são senão incorporações de
simbolismos a um movimento político, visando a sua maior eficácia.
(...) o nacionalismo sionista é a contrapartida, o outro lado da moeda,
da problemática social dentro do qual se agitava a massa judaica na
Europa Oriental. Assim, a problemática material encontra-se no
Império czarista, mas o instrumental teórico, na Europa
industrializada.
13
Estas duas definições partem de premissas divergentes. A primeira
trabalha o sionismo como uma resposta do próprio grupo para sua perda de
identidade, no qual o anti-semitismo agiria como um mero catalisador. Essa
perspectiva é uma hipótese que trabalha o sionismo como um fenômeno auto-
afirmativo. O nacionalismo seria uma alternativa na busca de manutenção do
judaísmo.
A perspectiva de Pinsky, em tom marxizante, leva em conta o processo
histórico dos judeus e suas vicissitudes no embate da passagem do medievo
para a modernidade. Afirma que o nacionalismo seria uma alternativa de
solução para a condição de discriminação, perseguição e conseqüente
marginalização dos judeus russos. Essa solução articula interesses da
burguesia judaica assimilada, tanto oriental quanto ocidental, que passa a ser
“rejudaizada” pelo anti-semitismo. Este ressurge através do afluxo de judeus da
Zona de Residência
**
, expulsos do modo de vida tradicional pelo avanço do
capitalismo e da modernização da sociedade russa, que passam a competir
com as classes subalternas ou a integrarem as massas miseráveis em centros
urbanos.
14
Dessa forma, é um fenômeno reativo, elitista, burguês, não um
movimento popular construído desde as bases. Como afirma Hannah Arendt:
12
STEVENS, Richard. Amarican Zionism na U.S. Foreign Policy 1942-1947. Beirut: Institute for
Palestine Studies, 1962, p. XV Apud: GOMES, Aura Rejane. A Questão da Palestina e a
Fundação de Israel. (Dissertação de Mestrado). Departamento de Ciência Política –
Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001, p. 11.
13
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 171-2.
**
Estabelecida em 1791, pelo governo Czarista como forma de delimitar a presença dos judeus
na sociedade mais ampla. Inicialmente se restringia a Rússia Branca, posteriormente incluía as
províncias de Minsk, Polotzk, Kiev entre outras. (PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 51.)
14
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 73-80.
24
a história política do sionismo há de ocupar-se fundamentalmente de
forças que não tem sua origem no povo judeu: deveria ocupar-se de
homens que, enquanto seguidores de Theodor Herzl, acreditavam
tão pouco como ele no governo do povo, mesmo que também é
certo que todos eles desejavam fazer algo pelo povo. Sua vantagem
era que, ademais de uma cultura geral européia, tinham certa
experiência no trato com governos. Autodenominaram-se sionistas
políticos, termo no qual se expressava seu especial e exclusivo
interesse pelas questões de política exterior.
15
Seguindo a orientação de Hannah Arendt, detenhamos-nos com algum
vagar em Hertzl, a fim de compreender alguns elementos importantes do
sionismo.
1.1. EM BUSCA DA NAÇÃO E DO ESTADO
Theodor Herzl, consagrado como fundador do sionismo político, nasceu
em Budapeste em 1860, originário de uma família burguesa bastante
assimilada. Seu pai ocupou o cargo de diretor do Banco Húngaro e sua
educação judaica encerrara aos 13 anos, quando Herzl realizou seu Bar
Mitzvá
*
. Estudou direito na faculdade de Viena, mas não exerceu a profissão
por muito tempo, passando a dedicar-se a assuntos literários, época em que
pensava ser a assimilação a única alternativa para a questão judaica. Passa a
dedicar-se ao jornalismo em 1887, sendo redator de folhetins. Em 1981 torna-
se correspondente em Paris da Neue Freie Presse, jornal de destaque em
Viena.
16
Na condição de correspondente em Paris, Herzl assiste ao fato que
abalaria definitivamente sua posição assimilacionista. Presenciando ao Caso
Dreifus – oficial do exército francês acusado e condenado, injustamente, de
espionagem para os alemães –, entende os gritos de “morte ao traidor”, mas é
surpreso pelos gritos de “morte aos judeus”.
17
Segundo alguns de seus
biógrafos, essa onda de anti-semitismo lança-o a buscar uma saída para o
problema judeu. Desde então encara como tarefa primordial a construção de
15
ARENDT, Hannah. La tradición oculta. Buenos Aires: Paidós, 2004. p. 143.
*
Em hebraico significa filho do dever, a maioridade religiosa judaica.
16
EBAN, Abba. A história do povo de Israel. Rio de Janeiro: Bloch, 1973, p. 273.
17
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 127.
25
um Estado nacional judaico, passando a dedicar-se à redação do livro que o
tornou celebre: Judenstaat – O Estado dos Judeus.
Esta obra não pode ser entendida como uma formulação original ou
como a primeira a pautar a construção de um Estado judaico. Inúmeros
intelectuais e movimentos já haviam formulado propostas similares. Sua
originalidade esta justamente no seu conteúdo não judaico, uma formulação
racional e minuciosa, em um sentido weberiano, orientada para execução de
fins. Analisando esta obra, Pinsky defende ser a concepção nacionalista de
Herzl uma ideologia burguesa européia.
Assim, coloca como chave compreensiva para Judenstaat “a concepção
empresarial das relações de trabalho” – dando ao empresário o caráter de
protagonista do processo histórico – e “a oposição entre civilização e
barbárie”.
18
Pode-se, de maneira reducionista, definir este fenômeno, o sionismo,
dentro da perspectiva de Herzl, como sendo a solução da elite judaica para os
problemas engendrados pelos judeus pobres. Nas palavras de Herzl:
A questão judaica existe. Seria tolice negá-lo. É um pedaço da Idade
Média desgarrado em nossos tempos e do qual os povos civilizados,
ainda que como a melhor boa vontade, podem não se
desembaraçar.
Apesar de tudo, deram prova de generosidade, emancipando-nos. A
questão judaica persiste, onde quer que vivam os judeus em número
apreciável. Onde não existia foi levada por imigrantes judeus.
Procuramos, naturalmente, aqueles lugares onde não nos
perseguem e aí, todavia, a perseguição é a conseqüência do nosso
aparecimento. Isto é verdade, permanecerá verdade por toda parte,
mesmo nos países de civilização mais adiantada – a França é uma
prova –, por tanto tempo quanto a questão não foi resolvida
politicamente. Os judeus pobres levam agora consigo o anti-
semitismo à Inglaterra depois de já o haverem levado à América.
19
Herzl é explícito colocando o judeu como ator que engendra a questão
judaica e, por fim, atribui ao judeu pobre o vetor da disseminação do anti-
semitismo. Nesse sentido, o judeu assimilado não se identifica como judeu
espontaneamente. Antes, é identificado de fora. É nessa perspectiva que Herzl
18
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 135.
19
HERZL, Theodor. apud PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 135.
26
desenvolve sua própria teoria da nacionalidade. Para o corifeu do sionismo,
“nação é um grupo humano (...) tornado coeso por um inimigo comum”.
20
No caso dos judeus, o inimigo comum é o anti-semitismo. Este
fenômeno, até hoje obscuro e polêmico, para Herzl e os sionistas, caracteriza-
se por sua perenidade. Como ele próprio afirma, onde quer os judeus se
estabeleçam como povo hóspede, surge o anti-semitismo. Esta doutrina do
anti-semitismo eterno já havia sido elaborada por Leon Pinsker, um dos
precursores do sionismo político. Para Pinsker, a “judeofobia é uma aberração
psíquica e hereditária. Um mal transmitido durante dois mil anos é incurável”.
21
Nesse sentido, a solução do problema judeu é a construção de um local onde o
judeu não seja hóspede, um Estado Nacional.
Em Auto-emancipação, um apelo ao seu povo por um judeu russo, de
1882, Pinsker já havia formulado a alternativa de um lar nacional, saída
semelhante desconhecida a esta altura por Herzl. Nesse opúsculo, Pinsker
propõe a criação de um diretório “dirigido pela elite: financistas, homens de
ciência e negócios, estadistas e publicistas”, a fim de criar “um lar seguro e
inviolável para o surplus dos judeus que vivem como proletários nos diversos
países que são um fardo para os cidadãos nativos”.
22
Pinsker propunha uma
saída empresarial para a questão judaica ao postular um consórcio de
capitalistas, tendo em vista numa sociedade por ações comprar um território
para os judeus. Pinsker ainda alerta: “Não é a equiparação civil dos judeus num
ou noutro país que vai provocar a necessária mudança mas, única e
exclusivamente, a auto-emancipação do povo judeu como nação, a fundação
de uma sociedade colonizadora judaica própria, a qual, dia virá, será
transformada em nosso próprio e inalienável lar nacional”.
23
Postula, portanto, uma divisão dos judeus. Os que podem viver nos
Estados existentes, assimilando-se, e os que não o podem, o surplus.
Separando a elite, assimilada, do povo: “à primeira caberia organizar-se para
criar um refúgio destinado não para si, mas para os trabalhadores pobres,
20
HERZL, Theodor. apud ARENDT, Hannah. La tradición oculta. Buenos Aires: Paidós, 2004.
p.149-150.
21
PINSKER, Leon. apud BORGER, Hans. Uma história do povo judeu. São Paulo: Sefer,
2002, p. 435.
22
PINSKER, Leon. apud PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 117.
23
PINSKER, Leon. apud PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 117.
27
estes sim ‘concorrendo com os respectivos nativos’”.
24
Mais uma vez o anti-
semitismo é engendrado, pelos próprios judeus, pobres.
Esse “empreendedorismo” consolida-se na ação política sionista, tendo
o próprio Herzl formulado a constituição de uma Sociedade de Judeus e uma
Companhia Judaica. A primeira teria prerrogativa de ser um proto-Estado,
visando a realizar as negociações internacionais indispensáveis – papel que foi
cumprido inicialmente pela Organização Sionista Mundial (OSM)
posteriormente, em 1929, pela Agência Judaica – enquanto a segunda deveria
ser uma companhia de imigração e compra de terras – se realizou enquanto
Fundo de Colonização e o Fundo Nacional Judeu para Aquisição de Terras,
criados pela OSM.
25
Quando da publicação de O Estado dos Judeus, Herzl não tinha em
vista um lugar específico para a construção desse Estado, oscilava entre as
duas experiências de colonização: a Palestina e a Argentina
*
. A definição, pela
articulação com o ideal de redenção dos judeus na Terra Santa, ocorre
posteriormente, quando da preparação do Primeiro Congresso Sionista em
1897, o que endossa a tese de Pinsky. Sua concepção de Estado é, antes de
tudo, uma forma de efetuar um processo civilizador. Nesse sentido, Herzl
conjectura:
Se S. M. o Sultão nos desse a Palestina, poderíamos nos tornar
capazes de regular completamente as finanças da Turquia. Para a
Europa constituiríamos aí um pedaço de fortaleza contra a Ásia,
seriamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie.
Ficaríamos como Estado neutro, em relação constante com toda a
Europa, que deveria garantir a nossa existência.
26
Eis mais um elemento constitutivo do sionismo político e com inúmeras
conseqüências posteriores, a de ser o futuro Estado um presídio da “civilização
frente à barbárie”, ou ainda, uma agência colonial ou imperialista, coisa que o
24
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 121.
25
FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. O Sionismo. Lisboa: Europa-América, 1980,
p. 63-70.
*
Existiu no fim do século XIX a experiência de colonização agrícola judaica em massa na
Argentina, bem como no início do século XX no Rio Grande do Sul. Esta imigração organizada
e patrocinada pelo filantropo Barão Maurice de Hirsch deslocou milhares de judeus para a
América do Sul. Muito do que se sabe sobre as condições de vida dos judeus no Leste
Europeu no fim do século XIX se deve às pesquisas realizadas em sua companhia de
imigração a Jewish Colonization Association (ICA). Sobre Hirsh, a ICA bem como suas
diferenças com Herzl, ver FRISCHER, Dominique. El Moisés de las Américas: vida e obra del
barón de Hirsch. Buenos Aires: El Ateneo, 2004.
26
HERZL, Theodor. apud PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 142.
28
próprio Herzl considerava positiva. Coloca-se também o caráter subalterno
desse Estado, que seria dependente e tributário da Civilização Européia. Antes
da independência do Estado de Israel, Hannah Arendt advertia:
Evidentemente, como os sionistas representavam um movimento
nacional e somente podiam pensar em termos de nação, não se
deram conta de que o imperialismo é um poder letal para as nações,
por isto que todo povo pequeno que se converta em seu aliado ou
em seu agente está firmando sua própria sentença de morte. Além
disso, até hoje ainda não compreenderam ao todo que, para um
povo, uma proteção obtida em troca de defesa de interesses
imperialistas é uma proteção tão segura como a corda para o
enforcado. Quando se objeta isso, os sionistas frequentemente
respondem dizendo que, afortunadamente, os interesses nacionais
judaicos e britânicos são idênticos, portanto não deve se falar em
proteção senão de aliança. Na verdade, resulta muito difícil saber
que interesses nacionais, e não imperiais, pode ter Inglaterra no
Oriente Médio; pelo contrário, não é nem um pouco difícil predizer
que, até que se produza o advento do Messias, qualquer aliança
entre um lobo e um cordeiro só pode ter conseqüências
devastadoras para este último.
27
Em Judenstaat, Herzl que afirmava “o mundo será libertado com nossa
liberdade, enriquecido com nossa riqueza, engrandecido com nossa grandeza.
E tudo aquilo que tentarmos ali realizar [no Estado] para nosso próprio bem-
estar reagirá poderosa e beneficamente para o bem da humanidade”.
28
Desse
modo, o sionismo constitui um projeto político tendo em vista tornar a nação
judaica – o povo judeu coesionado pelo anti-semitismo – um ator da história.
É fácil de se intuir, na perspectiva sionista, uma homologia em relação à
perspectiva hegeliana, em que cada nação só pode ser considerada como tal
por participar da construção da História Universal – diga-se Européia. Para
Hegel, “cada gênio nacional particular deve ser considerado apenas como um
caso individual no processo da história mundial”.
29
Pode-se afirmar que o projeto sionista postula a construção de um
Estado-Nação. Como aponta Walker Connor, esta expressão “pretendia
denominar a unidade político-territorial (o Estado) cujas fronteiras coincidem
plena ou aproximadamente com a distribuição territorial de um grupo
27
ARENDT, Hannah. La tradición oculta. Buenos Aires: Paidós, 2004. p. 156.
.
28
HERZL, Theodor. apud EBAN, Abba. A história do povo de Israel. Rio de Janeiro: Bloch,
1973, p. 279.
29
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich apud SABINE, George H. História de la teoria política.
México: Fondo de Cultura Económica, [s.d.], p. 478.
29
nacional”.
30
A ideologia sionista de Herzl “mostrava uma clara tendência para
as posições que posteriormente se denominaram revisionistas”.
31
Alguns textos
de Zeev Jabotinsky, principal líder revisionista
*
, insistem, sobremaneira, na
necessidade de se formar uma maioria judaica na Palestina, pois é uma lei de
ferro a maioria decidir as regras do jogo, conseqüentemente o caráter nacional
do Estado.
32
1.2. A MOBILIZAÇÃO DA TRADIÇÃO
Após essa breve análise da concepção Herzliana de Estado e Nação,
passemos a análise da constituição dos elementos simbólicos e do repertório
judaico que o sionismo, enquanto movimento, incorpora.
É em 1897, por iniciativa de Herzl, que se realiza o Congresso de
Basiléia, episódio no qual se institucionaliza o sionismo. No período, entre a
publicação de O Estado dos Judeus e a preparação do congresso, Herzl passa
a ter convívio com outros judeus membros de movimentos pré-sionistas, que
começam a dar tom judaico ao movimento.
Herzl acreditava ser fundamental uma bandeira, pois “é com uma
bandeira que as pessoas são levadas para onde quer que se deseje, até para a
Terra Prometida. Por uma bandeira os homens vivem e morrem...”.
33
Sua
sugestão, em Judenstaat, é uma bandeira branca com sete estrelas. O branco
simbolizaria a vida nova pura, e as estrelas douradas as horas de trabalho
30
CONNOR, Walker. El caos terminológico. In: Etnonacionalismo. Madrid: Trama Editorial, p.
92.
31
ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 133.
*
O Sionismo Revisionista é um movimento radical de direita. Sua plataforma consistia numa
transferência em massa dos judeus para a Palestina, o que automaticamente garantiria a
construção do Estado de Israel dentro das fronteiras bíblicas. Adotando a perspectiva de que a
emancipação deve ser obra do próprio povo judeu, organiza grupos paramilitares, o Irgun. Este
ramo do sionismo dará origem ao partido Herouth e posteriormente a ala majoritária a direita do
Likud. Uma História do sionismo realizada na chave revisionista pode ser encontrada em
FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. O Sionismo. Lisboa: Europa-América, 1980.
32
Cf. JABOTINSKY, Ze’ev. The Iron Wall. Disponivel em: http://www.jabotinsky.org/; bem como
JABOTINSKY, Ze’ev. Bi-national Palestine. Disponivel em: http://www.jabotinsky.org/. Acesso
em 20 de junho de 2008.
33
HERZL, Theodor apud EBAN, Abba, Op. cit., p. 278.
30
diário. A bandeira, adotada no congresso, foi elaborada por David Wolffsohn.
Ele relata a adoção do desenho até hoje conhecido:
A convite de nosso líder, Herzl, vim para a Basiléia para os
preparativos para o Congresso. Entre muitos outros problemas que
me ocupavam, havia um que continha algo da essência do problema
judaico. Que bandeira seria pendurada no Salão do Congresso?
Então tive uma idéia. Temos uma bandeira, e é azul e branca. O talit,
com o qual nos cobrimos quando rezamos: este é nosso símbolo.
Vamos tirar o talit de sua sacola e vamos desenrolá-lo perante os
olhos de Israel e os de todas as nações. Então encomendei uma
bandeira azul e branca com a Estrela de David pintada. Foi assim
que a bandeira nacional de Israel, que esteve no Salão do
Congresso, surgiu.
34
A consagração da bandeira baseada no talit – manto de orações no qual
são feitos, em suas extremidades, quatro franjas e nós que simbolizam
seiscentos e treze preceitos religiosos – , é, de certa forma, uma bandeira com
um pouco mais de apelo simbólico que a proposta racionalista e laica de Herzl.
Embora bandeiras e hinos normalmente sejam associados à pátria e não
à nação, estes símbolos, no escopo do movimento sionista, têm forte viés
nacionalista. Pode-se afirmar que a assertiva de Herzl a respeito de uma nação
ser um grupo humano coesionado por um inimigo não passa das condições
objetivas especificas de organização nacional. O movimento sionista mobiliza
subjetivamente elementos da tradição judaica a fim de construir uma nação,
enquanto uma comunidade de destino, tendo como horizonte de ação a
construção de um Estado-Nação. Nesse sentido, a adoção da canção,
composta sobre o poema inspirado no primeiro assentado judaico na Palestina
em 1878, Hatikva – A Esperança – pelo Congresso Sionista, evidencia a
mobilização de um simbolismo judaico bastante enraizado. Esta canção se
torna futuramente o Hino Nacional.
Enquanto no fundo do coração
Palpitar uma alma judaica,
E em direção ao Oriente
O olhar voltar-se a Sião,
Nossa esperança ainda não estará perdida,
Esperança de dois mil anos:
De ser um povo livre em nossa terra,
A terra de Sião e Jerusalém.
34
WOLFFSOHN, David. apud MISHORY, Alec. The Israeli Flag. Disponível em
http://www.jewishvirtuallibrary.org. Acesso em 23 de junho de 2008.
31
Segundo a tradição judaica, todo judeu deve orar voltado para
Jerusalém, mais especificamente para o Templo de Jerusalém. Na canção,
articula-se essa prática ritual com a idéia milenar de libertação – relacionada ao
êxodo do Egito
*
–, evocando o judeu, por mais assimilado que fosse, a
reconhecer a centralidade de Israel e Jerusalém. A letra da canção e a adesão
a ela, enquanto um símbolo nacional, marca a ruptura do movimento com a
indefinição de Herzl sobre o local a ser erigido o futuro Estado.
A identificação de uma ligação extraterritorial com Israel e Jerusalém é
fulcro para entender o caráter proto-nacional da cultura e religião judaica que é
mobilizado politicamente pelo sionismo. Apesar de haver essa identificação
espiritual com o território palestino, bem como um caráter proto-nacional prévio,
o sionismo significa uma ruptura, um fenômeno completamente moderno. A
judaização da proposta de Herzl se dá paulatinamente, como apontam as
memórias de Chaim Weizmann, um dos principais líderes sionista após a morte
de Herzl, e primeiro presidente de Israel:
Observamos, também, que esse Herzl não fazia alusão em seu
pequeno livro aos seus predecessores nesse campo, a Moses Hess
e Leon Pinsker e Natham B. Birnbaum... Aparentemente Herzl não
sabia da existência da Khibat Tzion; ele não mencionava a Palestina;
ignorava a língua hebraica. Todavia, o efeito produzido por O Estado
Judeu foi profundo. Não as idéias, mas a personalidade que se
achava por trás delas que nos atraia.
35
No entanto, a partir do congresso da Basiléia, não há alternativa para o
estabelecimento do Estado em outro lugar senão a Palestina. O que é
ratificado no objetivo do sionismo exposto no Programa da Basiléia:
O sionismo tem por finalidade um lar nacional legalmente garantido e
publicamente reconhecido para o povo judeu na Palestina. Para
realizar este objetivo, o Congresso tem em vista os métodos que
seguem:
*
O trecho que segue, extraído da Hagadá de Pessach, exemplifica o elo religioso entre os
judeus e o território palestino, vinculado com a libertação do Egito, que é mobilizado
politicamente pelo sionismo: “Êste [sic] é o mísero pão que nossos antepassados comeram no
Egito; quem tem fome que venha e coma; todo necessitado que venha e festeje Pessach. Este
ano aqui, no próximo em Israel; êste [sic] ano escravos, no próximo homens livres”. Este texto
data provavelmente de entre o século XII e XIV, sendo utilizado nos festejos da Páscoa
Judaica. (HAGADÁ de Pessach. Porto Alegre: Federação Israelita do Rio Grande do Sul; Beit
Chabad, 5747 [1987]. p. 7).
35
WAIZMANN, Chaim. apud EBAN, Abba. Op. cit., p. 277.
32
1
o
Encorajamento da colonização na Palestina por agricultores,
camponeses e artesãos;
2
o
Organização do conjunto do judaísmo em corpos constituídos ao
plano local e geral, de acordo com as leis dos respectivos países;
3
o
Reforço do sentimento nacional judaico e da consciência nacional;
4
o
Aplicação dos meios necessários para obter o consentimento dos
governos susceptíveis de favorecer a realização dos objetivos do
sionismo.
36
No Programa da Basiléia não se trabalha diretamente com a categoria
Estado. A formulação original é Heimstaette – em alemão, mais que lar e
menos que Estado. No entanto, ao receber um telegrama informando que é de
difícil tradução o termo empregado para o inglês, Herzl respondeu “Não se
preocupe. As pessoas vão ler isto como ‘Estado Judeu’ de qualquer maneira”.
37
Ademais, o programa assume a tarefa de construir a nação fato que necessitou
de uma organização bastante capilarizada nas comunidades judaicas ao redor
do globo.
38
A adesão ao projeto sionista não se deu de forma imediata. Os sionistas
realizaram inúmeras mediações simbólicas, bem como aproveitaram
vicissitudes históricas para tornar o sionismo uma força real no mundo judaico.
A própria escolha de uma língua diferente daquela dominada pela
maioria da população judaica, aponta para a intenção de apagar a condição
diaspórica e, simbolicamente, retornar aos tempos bíblicos pelo uso da língua
da nação mítica. A legitimação do uso do hebraico, agravado pela dificuldade
de sua reconstrução enquanto uma língua moderna, entretanto, não foi
automática. O hebraico era considerado uma língua litúrgica, de estudos ou de
altos negócios. Na Europa Oriental, de onde provinha grande parte dos colonos
que se estabeleciam na Palestina, a língua predominante era o Ídiche. O
renascimento do hebraico foi tarefa de homens dedicados a torná-lo uma
língua suficientemente desenvolvida para o uso moderno. Entre estes se
destaca Eliezer Ben Yeuda, que, no ímpeto de criar uma geração de falantes
nativos do hebraico, proibiu que falassem com seu filho recém nascido a não
ser que fosse em hebraico.
36
FRANCK, Claude, HERSZLIKOWICZ, Michel. Op. cit., p. 60-61.
37
HERZL, Theodor. apud BORGER, Hans. Uma história do povo judeu. São Paulo: Sefer,
2002, p. 448.
38
Para se ter uma dimensão das organizações sionistas, em especial sua atuação no Rio
Grande do Sul ver BARTEL, Carlos Eduardo. Os emissários sionistas e o nacionalismo
judaico no Rio Grande do Sul. (Dissertação de Mestrado). Programa de Pós-Graduação em
História. Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS. São Leopoldo, 2006.
33
Abba Eban, Ministro das Relações Exteriores de Israel, a esse respeito
argumenta:
Para os novos pioneiros o ídiche veio a simbolizar o exílio, a
humilhação. O retorno à liberdade significava um concomitante
retorno à língua dos antigos hebreus, o forjamento de um elo entre o
povo e a terra, numa orgulhosa afirmação de glorias passadas (...).
A velha comunidade devota da Palestina encarava o idioma hebreu
como língua sagrada, reservada para oração e estudo. Muitos
recusaram-se a usar o hebraico para fins cotidianos, e ficaram
horrorizados com essa profanação da língua sagrada. Todos esses
fatores tiveram de ser superados antes que o hebraico pudesse
tornar-se um elemento natural, e não artificialmente imposto, na vida
e cultura nacionais.
39
As dificuldades com a adoção do novo-velho idioma se estenderiam por
vários anos. Ainda em 1933, evidencia-se esse problema nas negociações
entre Gershon Scholem e Walter Benjamin sobre as possibilidades de sucesso
da ida de Benjamin – a passeio ou definitiva – para a Palestina, bem como a
publicação local de seus trabalhos. Argumentando sobre as dificuldades que
Benjamin enfrentaria, Scholem acreditava não estar suficientemente
desenvolvido o hebraico para a forma de Benjamin se expressar.
40
O desenvolvimento da língua nacional hebraica foi tarefa impetuosa de
muitos sionistas, o que não ocorreu de maneira tranqüila. Os judeus
polarizaram-se internacionalmente entre idichistas e hebraístas.
41
O
desenvolvimento de uma rede de ensino em hebraico é fator explicativo da
integração dos grupos de imigrantes judeus que constituiriam a população na
Palestina. Essa rede teve culminância na criação da Universidade Hebraica de
Jerusalém. A respeito do lançamento de sua pedra fundamental, em 1918,
Chaim Weizmann escreveu:
O cenário da cerimônia foi de inesquecível e sublime beleza. O sol
poente inundava os montes de Judéia e Moab com uma luz dourada,
e parecia a mim, também, que as elevações transfiguradas
observavam, assombradas, vagamente cônscias talvez, que este era
o início de um retorno de seu próprio povo após muito tempo. Abaixo
de nós estava Jerusalém, brilhando como uma jóia.
Estávamos praticamente ao alcance do som dos canhões na frente
setentrional, e eu falei sucintamente, contrastando a desolação que a
guerra vinha trazendo com a significação criadora do ato que
presenciávamos; lembrando, também, que apenas uma semana
antes havíamos observado o jejum de nove de Av, o dia em que foi
39
EBAN, Abba, Op. cit., p. 305.
40
BENJAMIN, Walter; SCHOLEM, Gershom. Correspondência. São Paulo: Perspectiva, 1993,
p. 130-131.
41
BARON, Salo Wittmayer. História e Historiografia do Povo Judeu. São Paulo: Perspectiva,
1974, p. 357-361.
34
destruído o Templo e extinta – aparentemente para sempre – a
existência política nacional judaica. Ali estávamos para plantar a
semente de uma nova vida judaica.
42
Weizmann recorre a uma homologia histórica entre o papel do Templo
na Antiguidade e a futura Universidade para o Estado-Nação. O Templo, onde
hoje fica o Domo da Rocha, “centro do universo espiritual”, era o condutor do
fluxo de Divindade neste mundo, e um local onde se concentra a existência
Divina na terra”
43
, realizava a ligação do divino com o terreno e guardava a arca
da aliança. Ao realizar a comparação entre a fundação e o papel da
Universidade com a centralidade do Templo na vida judaica clássica,
Weizmann mais uma vez mobiliza um substrato simbólico de longuíssima
duração. A universidade foi inaugurada em 1925, sem corpo docente e sem
estudantes, mas com a convicção de se converter em breve no centro cultural
do povo judeu.
44
O grande esforço necessário aos sionistas para agregar legitimidade
interna ao seu projeto ocorreu entre uma série de oposições de parte dos
judeus. Do ponto de vista da ortodoxia religiosa, o fim da diáspora apenas
poderia ocorrer com o advento do Messias, por exemplo. Em outra chave,
Abraham Leon, em 1942, afirmava que “durante o tempo que o judaísmo ficou
incorporado ao sistema feudal, o ‘sonho de Sion’ não foi precisamente mais
que um sonho e não correspondia a nenhum interesse real (...). O taberneiro
ou o ‘granjeiro’ judeu da Polônia do século XVI pensava em retornar a
Palestina tanto quanto o milionário judeu da América de hoje”.
45
As estatísticas de imigração para a Palestina fornecem um parâmetro de
análise da adesão ao movimento sionista. A imigração judaica em geral, no
período que se estende entre 1880 a 1929 poderia indicar que para muitos
judeus a “terra prometida” era a América, mais especificamente os Estados
Unidos.
Neste período, mais judeus se deslocaram para a Argentina do que para
a Palestina, dada à política filantrópica de colonização implantada pelo Barão
42
WEIZMANN, Chaim. apud EBAN, Abba, Op. cit., p. 310.
43
Beit Chabad. O Cotel. Disponivel em: http://www.chabad.org.br/ Acesso em: 25 de junho de
2008.
44
BARON, Salo Wittmayer. Op. cit., p. 361.
45
LEON, Abraham. apud WEINSTOCK, Nathan. El sionismo contra Israel: uma história
crítica del sionismo. Barcelona: Fontanella, 1970, p. 78.
35
de Hirsch através da Jewish Colonization Association. No entanto, não se pode
perder de vista as barreiras inglesas à imigração em massa judaica para a
Palestina, os famigerados Livros Brancos.
Tabela 1 - Imigração Judaica de 1880 a 1929
46
A força e a penetração do discurso sionista aumentam
consideravelmente com o avanço das ondas de anti-semitismo. Pode-se inferir
uma correlação entre a ascensão do nazismo e a imigração para a Palestina.
Segundo dados Israelenses, entre 1932 e 1945, aportam na Palestina 279.043
46
WEINSTOCK, Nathan. Op. cit., p. 36.
*
Segundo Weinstock se tratava de judeus em transito na Grã Bretanha.
Destino Origem
Rússia Áustria-
Hungria
Rumania Grã
Bretanha
*
Outros
Países
Total
EUA 1.749.000 597.000 161.000 114.000 264.000 2.885.000
Canadá 70.000 40.000 5.000 - 10.000 125.000
Argentina 100.000 40.000 20.000 - 20.000 180.000
Brasil 6.000 10.000 4.000 - 10.000 30.000
Resto América
Central e do Sul
5.000 10.000 5.000 - 10.000 30.000
Total América 1.930.000 697.000 195.000 114.000 314.000 3.250.000
Inglaterra 130.000 40.000 30.000 - 10.000 210.000
Alemanha 25.000 75.000 - - - 100.000
França 40.000 40.000 - - 20.000 100.000
Bélgica 15.000 30.000 - - 5.000 50.000
Suíça, Itália e P.
Escandinavos
30.000 - - - - 30.000
Total Europa 240.000 185.000 30.000 - 35.000 490.000
África do Sul 45.000 10.000 - - 5.000 60.000
Egito 20.000 10.000 - - 5.000 35.000
Total África 65.000 20.000 - - 10.000 95.000
Palestina 45.000 40.000 10.000 - 25.000 120.000
Austrália e Nova
Zelândia
5.000 10.000 - - 5.000 20.000
Total 2.285.000 925.000 235.000 114.000 389.000 3.975.000
36
judeus.
47
Número duas vezes superior ao alcançado durante 40 anos de
imigração anterior. As condições para que o discurso do eterno anti-semitismo
tivesse eficácia foram dadas por Hitler. Como afirmava Herzl: “nossos inimigos,
os anti-semitas, serão nossos melhores amigos e os países anti-semitas
nossos aliados”.
48
Paradoxalmente, Herzl estava certo, apesar da forma e
dimensão não serem esperadas, nem desejadas.
Do ponto de vista internacional, o sionismo teve seu primeiro êxito, em
1917, com a obtenção do reconhecimento inglês na chamada Declaração
Baulfour. Esta declaração era uma condição sine qua non, para Herzl. Ele
insistia na necessidade em obter uma carta de reconhecimento internacional
que garantisse a imigração judaica para a Palestina, o que é reiterado no
Programa da Basiléia. Posteriormente, em 1947, a ONU aprova o plano de
partilha, segunda grande vitória internacional.
Todavia, do ponto de vista da consecução dos objetivos do sionismo, o
meio tornou-se o fim. Se o sionismo buscava a solução da questão judaica pela
construção de um Estado-Nação, pode-se dizer que os objetivos imediatos
foram atingidos. No entanto, é possível afirmar que os fins mediatos, a solução
da questão judaica e o fim do anti-semitismo, foram alcançados?
47
Israel. Central Bureau of Statistics. Immigrants, by Period of Immigration and Last
Continent of Residence. Disponível em: http://www.cbs.gov.il/. Acesso em 4 de julho de
2008.
48
HERZL, Theodor. apud ARENDT, Hannah. La tradición oculta. Buenos Aires: Paidós, 2004.
p. 150.
2. SAUDAÇÕES PARA UM MUNDO NOVO
No processo de surgimento do capitalismo, concomitante às
perseguições religiosas, dentre elas destacadamente a inquisição, grande
número de judeus da Europa ocidental vão sendo empurrados para o leste
europeu, em busca de espaços nos quais pudessem levar seu modo de vida
tradicional, baseado na prática mercantil. Esse movimento atinge seu ápice no
século XV, transferindo a concentração da população judaica do ocidente para
Europa oriental.
Arlene Clemesha argumenta que essa transferência ocorre quando:
no Ocidente eles foram barbaramente perseguidos e expulsos após
deixarem de exercer uma função econômica especifica: a prática
mercantil no seio de uma sociedade baseada sobre a produção de
valores de uso, isto é, “feudal”, na terminologia clássica. Os judeus
encontram na Europa oriental as condições necessárias – a não
penetração do capitalismo – para o desenvolvimento de suas
atividades...
49
Deslocam-se principalmente para Polônia, onde ainda sofreram
discriminações e perseguições, sobretudo pela prática do comércio e da usura.
Em certa medida, o judeu era utilizado pela nobreza polonesa a fim de
controlar a ascensão da burguesia, ao mesmo tempo em que se utilizava do
anti-semitismo para controlar o judeu.
50
No final do século XVIII há uma “inundação” judaica na Rússia, que, no
seu expansionismo, partilha a Polônia com Prússia e Áustria. A fim de controlar
a livre circulação de judeus em seu território, no reinado de Cataria, a Grande
(1762-1796), a Rússia criou a Zona de Residência, conhecida também por
Tcherta ou Pale. Porém, as únicas pessoas com livre trânsito no Império
Russo, quando a Pale foi estabelecida em 1794, eram os nobres. Portanto
referir-se a Pale “tornou-se fundamentalmente uma alusão a um sistema de
discriminação, em que o fator da limitação territorial talvez não fosse o pior
dentre todas as medidas restritivas que compunham a política dos czares em
49
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 92.
50
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 24.
38
relação aos judeus”.
51
Essas restrições iam desde a autonomia organizacional,
passando pela censura de livros até o numerus clausus de ingresso no ensino,
entre 7% e 15% na Zona de Residência e entre 2% e 5% nas grandes
cidades.
52
Figura 1 - Pale ou Zona de Residência (CUPERSHIMID, Ethel Mizrahy. Judeus entre dois
mundos: a formação da comunidade judaica de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em
História) Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte, 1997, p. 306.)
2.1. OS JUDEUS ORIENTAIS E OS MOVIMENTOS POPULARES
Enquanto os judeus da Europa Ocidental conseguiam “sair do gueto”,
adquirir cidadania e passavam por um forte processo de assimilação, a partir
das conquistas das revoluções liberais, os judeus orientais viviam isolados em
pequenas cidades, shtetls, sofrendo inúmeras restrições sociais e econômicas,
constantemente afligidos por massacres anti-semitas, muitas vezes
incentivados pelo Estado Russo, conhecidos por pogroms. A coesão social
51
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 89.
52
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 89.
39
dessas comunidades era reforçada por uma forte integração alimentada por
práticas religiosas e culturais. Desenvolvem, nesse relativo isolamento, uma
cultura própria, consolidando uma língua, o ídiche, com a qual desenvolvem
uma rica criação literária:
O ídiche (...) originou-se, ao que tudo indica, nas áreas fronteiriças
franco-germânicas, às margens do Reno, por volta do século X. Aí,
judeus vindos principalmente da Itália e de outros países românicos
adotaram o idioma local, ou seja, o alto-alemão em sua passagem
do período antigo para o médio. Misturando-se desde logo com
elementos do laaz, correlativos judaicos em francês e italiano
arcaicos, com a terminologia litúrgica, ritual, comercial e institucional
do hebraico-aramaico, isto é, o chamado laschon-kodesh (id. loschn-
koidsch, “língua sagrada”), com palavras hebraico-aramaicas ligadas
à atividade diária e eufemismos destinados a ocultar ao não-judeu o
significado dos termos, começaram a se desenvolver o jüdisch-
deutsch, isto é, o “judeu alemão”, nome que se alterou para iídisch-
taitsch (“ídiche-alemão” sendo que o termo taitsch também veio a
significar “interpretação”), de onde se derivou o vocábulo “iídiche”.
53
O desenvolvimento do capitalismo no leste europeu, no século XIX,
muda este quadro, levando, gradualmente, à dissolução desse modo de vida,
pois
enquanto o crescimento numérico do judaísmo exigia novas
possibilidades de existência, as antigas posições econômicas
oscilavam em sua base. Os judeus, adaptados há séculos à
economia natural, sentiam o solo fugir sob seus pés. Tiveram por
muito tempo o monopólio da troca. O processo de capitalização na
Rússia e na Polônia leva agora os proprietários fundiários a se
ocuparem pessoalmente dos diversos ramos da produção e
afastarem os judeus. Só uma pequena parcela dos judeus ricos pode
encontrar, nesta nova situação, um campo de atividades favorável.
Mas a imensa maioria dos judeus, composta de pequenos
comerciantes, taberneiros, mascates, sofria muito com o novo estado
de coisas. Os antigos centros de comércio da época feudal
definhavam. Novas cidades industriais e comerciantes substituíam
as pequenas cidades e feiras. Uma burguesia nacional começava a
se desenvolver.
54
Desta situação, decorre, por um lado, um processo de emigração e, por
outro, o de diferenciação social, do qual surge um numeroso proletariado judeu
na Rússia. Este terá características específicas, sendo formado principalmente
53
GUINSBURG, Jacó. Aventuras de uma língua errante: ensaios de literatura e teatro
ídiche. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 25-27.
54
LEON, Abraham. Concepção materialista da questão judaica. São Paulo: Global, 1981, p.
127.
40
por artesãos empregados por outros judeus em oficinas e pequenas indústrias
de consumo.
55
Com a aumento da mecanização da indústria, dentro da característica
do capitalismo de substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto, o trabalho
do operário judeu passou a ser substituído pela máquina.
56
Assim, o fluxo de
judeus vindos do shtetl às grandes cidades não era absorvido pela grande
indústria, resultando em uma emigração massiva. Cerca de 4 milhões de
judeus emigram da Europa oriental para a ocidental, onde reaquecem a
“questão judaica” entre o final do século XIX e início do século XX.
57
A dificuldade de reconhecer a existência de um proletariado judeu na
Europa oriental decorre das suas características singulares, diferentes do
proletariado ocidental e do russo, proveniente do campo, ao final do século
XIX. Ele é anterior mesmo à formação do proletariado russo, se caracterizando
pelo empobrecimento de uma camada artesã recém formada, que em muitos
casos não se dissocia do artesanato. Assim, “a organização dos trabalhadores
judeus antecede a dos não-judeus, e no final do século XIX se apresenta
inclusive melhor estruturada do que a última, ela não poderá sustentar essa
dianteira por muito tempo como um movimento autônomo”.
58
As transformações socioeconômicas no fim do século XIX, na Rússia,
formaram o que Nathan Weinstock chama de um “proto-proletariado judeu”,
num processo de diferenciação entre artesãos e aprendizes no interior das
guildas: “No início, não havia mais do que uma percepção difusa dos
antagonismos entre empregadores e assalariados, ou (...) (pior ainda) entre
judeus afortunados e judeus desfavorecidos”.
59
No decorrer desse processo de
diferenciação começam a ser demonstradas manifestações de insatisfação e
revolta por parte das comunidades judaicas.
Revoltam-se contra a kahal (conselho encarregado de dirigir a
comunidade) e contra as khevroth (associações de artesãos similares às
guildas medievais).
55
WEINSTOCK, Nathan. El sionismo contra Israel: uma história crítica del sionismo.
Barcelona: Fontanella, 1970, p. 32.
56
LEON, Abraham, Op. cit., p. 133.
57
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 94.
58
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 98.
59
WEINSTOCK, Nathan. Le Pain de Misere, Paris, La Découverte, 1984, vol. 1, p. 24 apud
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 101.
41
A kahal intervinha diretamente na vida comunal, ditava impostos
insustentáveis para os trabalhadores judeus e reprimia sistematicamente as
suas manifestações de descontentamento. As revoltas se intensificam e, em
1827, o governo czarista amplia o recrutamento militar de judeus de 25 para 31
anos (os meninos passaram a ser recrutados aos 12 anos e, na prática, jamais
retornavam à sua antiga comunidade) e atribuía à kahal a responsabilidade
pelo “fornecimento” de crianças. Isso se agrava quando famílias ricas
subornavam as autoridades da kahal para que o recrutamento se dirigisse aos
vizinhos mais pobres.
60
Por outro lado, o nascente operariado judeu descontente com as
relações de trabalho e exploração, com jornadas de trabalho de até 18 horas
61
,
em uma vida extremamente adversa, revoltam-se contra as antigas guildas,
que forçavam uma artificial igualdade entre artesãos e mestres:
a Khevrah, guilda de operários, artesãos e patrões, ligada à
sinagoga, simbolizava uma unidade que se tornava mais e mais
artificial. Com seus fundos assistenciais, as suas caixas de
solidariedade, o seu serviço social e jurídico, sob a autoridade do
rabino, a Khevrah estava sujeita a diversas dificuldades: natureza do
trabalho, horários, regulamentação precária, presença aos serviços
religiosos duas vezes ao dia, tudo anotado nos Pinkassim ou
registros cronológicos. Os conflitos que surgiram em número cada
vez maior entre patrões e operários provocam novas imposições e
favorecem uma opressão que tinha como principais vitimas os
operários judeus. Se durante séculos as khevroth exerceram um
papel assegurador e os judeus se sentiam protegidos por essa
instituição autônoma, com o avanço do capitalismo e a irrupção das
ideologias, essa vida associativa começa a se desfazer.
62
Ainda que fortemente ligadas ao mundo religioso, os assalariados
passam a se organizar em khevroth próprias, com suas salas de estudos
religiosos e seus próprios predicadores. Esta separação e tomada de
consciência, mesmo que dentro da tradição, dá o “primeiro passo em direção
às verdadeiras organizações operarias: os sindicatos”.
63
A partir de 1870, irrompem as primeiras greves de trabalhadores judeus,
protesto inédito no contexto, que se intensificaram nos anos seguintes.
Primeiramente, nas fábricas de tabaco de Vilna e nas oficinas têxteis de
60
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 102.
61
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 68.
62
MINCZELES, Henry. apud CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 103.
63
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 103.
42
Bialostock. As greves exigiam a diminuição da jornada de trabalho, de 15 a 16
horas diárias, e aumento salarial. A partir da metade da década, as greves são
realizadas em conjunto com trabalhadores poloneses e alemães. A antiga
tradição de fundos comunitários de assistência mútua entre os judeus passa a
ser empregada nas novas formas de organização trabalhista. Essa forma de
solidariedade não era praticada apenas por trabalhadores fabris, mas também
por jornaleiros e artesãos pauperizados.
64
Concomitantemente surgem os primeiros “círculos intelectuais” (krujki).
Organizados por estudantes universitários, na maioria filhos de maskilim
(adeptos do iluminismo judaico), já distantes da cultura judaica, que não
dominavam o ídiche. A participação operária nos círculos era, a princípio,
reduzida. Os círculos funcionavam como um sistema paralelo de ensino,
operando em três etapas: alfabetização em russo; estudos das ciências
naturais; estudo de economia e idéias socialistas.
65
A alfabetização em russo
era base do programa, por não existirem traduções para o ídiche de literatura
socialista, bem como porta de entrada para a cultura russa. Contrabandeavam
publicações socialistas, sobretudo do populismo russo. O estudo visava a
formar uma “vanguarda socialista”.
Os intelectuais que organizavam os círculos estavam mais preocupados
em aprender e ensinar a língua russa do que traduzir escritos revolucionários
para o ídiche, embora entendessem que esta era a única língua falada pelos
operários judeus da Pale. O ídiche era visto como dialeto inferior dos guetos, e
poucos intelectuais tinham domínio dele.
66
Os primeiros periódicos judeus exclusivamente dedicados para a
propaganda socialista foram redigidos em hebraico: o Ha’ Emeth (A verdade),
de Viena, fundado em 1877 por Samuel Lieberman e Aaron Zundelevitch,
membros do primeiro círculo de Vilna; o Assefath Khakhamin (Assembléia dos
Sábios) de Königsberg, que circulou entre 1877 e 1878, fundado por Morris
Winchevsky
67
e A. Rabinovitch.
64
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 104.
65
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 97.
66
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 105.
67
Morris Winchevsky foi o nome atribuído ao Centro Operário Brasileiro organizado por
imigrantes judeus no Rio de Janeiro no início do século XX. Marcos Chor Maio comenta a
respeito: “Diferentemente da Argentina e dos EUA, não houve um movimento operário judaico
no Brasil. O historiador Avraham Milgram, ao analisar a militância dos judeus comunistas no
43
Durante a década de 1870, serão criados novos círculos, que não
possuíam uma orientação ideológica em comum. O início da década de 1880
vai ser marcado pelo recrudescimento dos pogroms, que alimentam ao mesmo
tempo o nascente movimento proto-sionista Khoveve-Tsyon (Amantes de Sion)
e o nascente nacionalismo judaico a partir da obra de Pinsker, bem como o
engajamento da juventude judia no movimento revolucionário russo.
A partir da década de 1890, nota-se uma modificação tática entre os
operários judeus. Pode-se notar uma gradual transformação dos círculos, de
grupos fechados e comprometidos com uma perspectiva educativa e
organizativa para a agitação aberta; da difusão restrita da ideologia socialista à
organização da luta cotidiana.
68
Os círculos buscam, assim, penetrar nas massas crescentes de
trabalhadores judeus: “o mérito dessa nova tática, portanto, seria criar a ligação
entre a vanguarda intelectual socialista e a base operária”.
69
No entanto, os
intelectuais, afastados da cultura do shtetl, não dominando o ídiche,
precisaram de um elemento conectivo. Este elemento conectivo foi
materializado por estudantes recrutados na ieshivah, a escola superior
rabínica. Tais estudantes, entretanto, transcendem o papel que lhes havia sido
destinado, e incutem no movimento idéias messiânicas e de justiça social, bem
como a cultura do shtetl.
70
Consequentemente modificam-se as bases de atuação da militância
judaica nos meios operários. Da intenção de produzir uma elite intelectual
socialista a partir dos círculos, passa-se a perspectiva de se criar um
movimento de massas judaico, onde o ídiche cumpre um papel fundamental:
O ídiche trazia consigo o “estigma do povo”, daí que a opção dos
intelectuais por essa língua representasse um posicionamento
político, principalmente quando se constata que muitos, e talvez a
Brasil dos anos 20 e 30, registra os dilemas dessa identidade étnico-política na sociedade
brasileira em face dos espaços que se abriam à ascensão econômica dos judeus naquele
momento. Em assembléia do Centro Operário Morris Vinchevsky, uma das organizações que
faziam parte do campo judaico-comunista, um dos seus representantes procurava analisar as
dificuldades de se criar um movimento operário judaico no Brasil, afirmando que ‘o problema
está [em] que o operário judeu sonha em transformar-se em vendedor ambulante
(Klientelschik). (...). Falta neles a consciência proletária. Ele vê no Brasil um país de rápido
progresso econômico e devemos ter isso em conta” (MAIO, Marcos Chor. Qual anti-semitismo?
Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30. In: PANDOLFI, Dulci (Org.).
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 232).
68
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 115.
69
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 118.
70
PINSKY, Jaime. Op. cit., p. 98.
44
maioria dos intelectuais tivesse que aprender o ídiche. Portanto se a
introdução do ídiche na “zona de residência” se deu por
necessidades práticas – de outro modo seria impossível aproximar-
se dos operários judeus – ela passaria logo a carregar uma
significação ideológica que, ao contrário das aparências consistia no
próprio caráter operário do movimento em oposição às camadas
burguesas numa região dominada predominantemente judaica, e
não na afirmação de sua judaicidade... o que viria depois. A opção
pelo ídiche por parte do intelectualidade revolucionária da “zona de
residência” era uma forma de oposição aberta aos intelectuais
maskilim (plural de maskil, literalmente “esclarecido”, isto é,
partidário da Hascalah) e ao próprio hebraico, vinculado ao sionismo,
que nascia como movimento burguês.
71
A partir do inicio da década de 1890, passa a ser produzida literatura
socialista em ídiche. O primeiro jornal ídiche na Pale foi Der yidisher arbeter (O
operário judeu), redigido em Vilna, mas impresso no exterior, a partir de 1896.
Em 1897, aparece o Di arbeter Stime (Voz operária), que se tornaria o órgão
oficial da social-democracia vilnense.
72
Vilna era conhecida há muito como “Jerusalém da Lituânia”, pois
manifestava sua supremacia no terreno espiritual. Contava com inúmeras
sinagogas e escolas rabínicas. Nesta perspectiva, a espiritualidade judaica se
fez presente no movimento operário judeu. Clemesha argumenta:
Isso, no entanto não deve ser visto como evidência de um
movimento operário judeu construído na continuidade das tradições
religiosas judaicas, e portanto preso ao “universo judeu”. O
simbolismo religioso presente no nível da linguagem nos cantos
revolucionários, revelando inclusive um messianismo laicizado, não
pode ser confundido com a ausência de uma ruptura nítida e
definitiva entre o universo judeu tradicional e o movimento operário.
Descrever o movimento operário judeu como uma “continuidade”, ou
seja, como algo que não rompe com a herança de seus
antepassados nos guetos da Europa oriental, serve apenas para
encobrir a radicalidade do movimento.
73
Durante essa década, formam-se mais círculos, que se firmam na
liderança operária. O movimento operário judaico vence 75% das greves
realizadas, dobrando praticamente os salários e consolidando o sindicato
clandestino a kassa, que evolui das antigas khevroth. A ação política do
movimento operário judaico é marcada pela clandestinidade. Isso o leva a
utilizar as datas religiosas para garantir a segurança das movimentações e
reuniões.
71
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 124.
72
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 122.
73
CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 127.
45
Dessa rede de instituições, da forte organização e disciplina da ação
política clandestina, vai formar-se o partido operário judeu. Em 1897, durante
as comemorações do ano novo judeu, entre 7 e 9 de outubro, treze delegados
em uma modesta casa de madeira em Vilna fundam a União Geral dos
trabalhadores da Lituânia, Polônia e Rússia (Algemeyner Yidisher Arbeter Bund
in Lite, Poyln un Rusland), conhecida como Bund.
O programa do Bund era praticamente social democrata (...). No
espírito de seus criadores (...) era um destacamento do movimento
socialista russo atuando em meios judaicos e nada mais. Para eles,
como para os socialistas russos – fortemente impressionados pela
atividade da nova formação – o Bund reunia os socialistas cujo
terreno de atividade era a “zona de residência”. Em outras palavras,
o que é judeu no Bund é o proletariado local que ele visa ganhar às
suas idéias e não o partido em si.
74
O Bund foi fundamental na organização do Partido Operário Social-
Democrata Russo (POSDR), em 1898. Constituía a primeira organização
social-democrata, e, até 1905, a maior organização operária da Rússia,
centralizada e treinada na clandestinidade, servindo de exemplo organizativo.
O Bund estabeleceu uma relação conflituosa com o POSDR, unindo-se
e separando-se dele algumas vezes, sobretudo por desconfiança da falta de
comprometimento com “interesses específicos” e na constatação de
participação de operários integrando os pogroms. Assim, o Bund reivindicava a
exclusividade de representação do proletariado judeu, o que era visto pelas
lideranças do POSDR como forma de dividir o proletariado e enfraquecer sua
luta. Em 1920, ele é dissolvido pelo poder soviético, se isolando na Polônia.
Em meio à formação do Bund e do sionismo há uma série de meio-tons.
Grupos sionista-socialistas são constituídos como o partido Poale Sion
(Trabalhadores de Sion), em 1906. Por outro lado, uma parte dos judeus
russos se organiza em uma seção nacional do Partido Comunista, criada em
1918 e dissolvida entre 1926 e 1928, a Yevseksia. Cabe ressaltar que até a
Segunda Guerra Mundial, a maioria dos judeus da Europa Oriental, que
representava metade da população judaica mundial, se opunha ao sionismo.
75
74
WEINSTOCK, Nathan. Apud: CLEMESHA, Arlene. Op. cit., p. 128.
75
DEUTSCHER, Isaac. A revolução russa e a questão judaica. In: O judeu não-Judeu e
outros ensaios. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1970, p. 63.
46
Adotavam a posição da solução “aqui e agora” e não “lá e amanhã”, na feliz
expressão de Roberto Finzi.
76
Ao imigrarem, sobretudo, para a América, no primeiro lustro do século
XX, os judeus orientais levaram consigo esse debate bem como sua bagagem
cultural, política e organizativa. Assim, no “novo mundo”, iriam constituir
estruturas organizativas próprias para a manutenção de sua identidade sócio-
cultural como também constituir espaços de atividade político-culturais.
2.2. UMA APROXIMAÇÃO AO CAMPO JUDAICO PROGRESSISTA
A tradição de todas as gerações mortas
oprime como um pesadelo o cérebro dos
vivos.
Marx, O 18 de Brumário
A constituição das instituições judaico-progressistas no Brasil ocorre
simultaneamente ao processo da imigração de judeus europeus no início do
século XX. Pode-se afirmar que em todas as cidades em que se organizaram
núcleos expressivos de imigração judaica foram formadas instituições judaico-
progressistas. No Rio de Janeiro, foi fundada a Biblioteca Scholem Aleichem
(BIBSA), em 1915; em São Paulo, nos anos de 1920, o Clube Tsukunft
(Futuro); em Belo Horizonte, a União Israelita (UIBH), também na década de
1920; em Curitiba, a Sociedade Cultural Israelita Brasileira do Paraná (SOCIB),
em 1953; em Niterói, a Biblioteca David Frishman, em 1922; entre outras. Estas
instituições seriam as bases do ICUF no Brasil, chamado em português, União
Cultural Israelita Brasileira – ICUF, organizado no Brasil em 1950.
Em todas as instituições judaico-progressistas houve uma expressiva
participação de militantes do Partido Comunista do Brasil (PCB). No entanto,
não se pode generalizar e afirmar que estas instituições atuavam enquanto
76
FINZI, Roberto. Uma anomalia nacional: a “questão judaica”. In: HOBSBAWM, Eric J. (Org.).
História do marxismo VIII: o marxismo na época da Terceira Internacional. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987, p. 293.
47
meros aparelhos do partido ou que eram instituições judaico-comunistas.
Muitos de seus sócios não eram filiados ao PCB, ou sequer eram socialistas.
Por exemplo, em São Paulo, o Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB),
decorrente do Clube Tsukunft, organizou uma escola com pedagogia
inovadora. Fundada em 1949, a Escola Israelita Scholem Aleichem ensinava o
ídiche e não o hebraico, a cultura judaica e brasileira com pedagogia moderna
e experimental, sendo considerado um educandário modelo. A escola foi
fechada, por falta de recursos, em 1982. Uma mãe de alunos do colégio, em
uma entrevista com ex-professoras, faz questão de afirmar:
Eu como mãe de 4 alunos da escola, quero também dar um parecer
meu, porque da maneira como vocês estão falando, dá uma
impressão que todo mundo na escola era comunista e não era. Eu,
TÂNIA, não era comunista; então eu quero esclarecer que era uma
escola aberta, não existia essa coisa... ninguém lhe perguntava se
era comunista ou se deixava de ser para entrar na escola...
77
Do mesmo modo, Sérgio Alberto Feldman, ao pesquisar a história da
SOCIB, mesmo ressaltando a participação de alguns membros e diretores em
atividades clandestinas do PCB, afirma:
vale lembrar que a maioria absoluta dos membros da SOCIB não era
composta por militantes do PCB e muitos nem advogavam idéias
socialistas. Mesmo tendo uma liderança que defendia idéias e ideais
progressistas, os membros da SOCIB eram atraídos pela cultura
judaica. A SOCIB não se engajou na luta política, nem se filiou ao
PCB.
78
Da mesma forma, a Biblioteca Scholem Aleichem não era formada
exclusivamente por comunistas. Abraham José Schneider afirma em entrevista
que “a massa era de simpatizantes, progressistas, se escutassem [a palavra]
comunista vão querer sair”.
79
77
FURMAN, Tânia. apud CORRÊA, Ana Cláudia Pinto. Imigrantes Judeus em São Paulo: a
reinvenção do cotidiano no Bom Retiro (1930-2000). Tese (Programa de Estudos Pós-
Graduados em História) Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2007. p. 247. Disponível
em: http://www.sapientia.pucsp.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=5649
. Acesso em: 21
fevereiro 2009.
78
FELDMAN, Sergio Alberto. Os judeus vermelhos. Revista de História Regional, Ponta
Grossa, v. 6, n. 1, 2001. Disponível em: http://www.revistas.uepg.br/
. Acesso em: 15 julho
2008.
79
Depoimento de Abraham Jose Schneider concedido a Michel Gherman, em dezembro de
1999. Apud GHERMAN, Michael. “Ecos do Progressismo”: história e memória da
esquerda judaica no Rio de Janeiro dos anos 30 e 40. Monografia (Graduação em História)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2000. p. 65.
48
Desse modo, evidencia-se que, embora ocorresse uma generalização
que identificava uma postura de esquerda com o comunismo e o PCB, isso não
correspondia à realidade.
Existem particularidades na história de cada associação. Algumas não
foram construídas propriamente como sociedades progressistas. Em alguns
casos foram travadas disputas em torno do seu alinhamento político ideológico.
Exemplos desse tipo de trajetória foram a BIBSA e a UIBH.
80
O campo
progressista destas entidades foi, aos poucos, tornando-se hegemônico nas
disputas internas, o que acabou caracterizando-as.
Algumas pesquisas realizadas sobre essas entidades culturais e seus
ativistas procuram chegar a uma explicação teórica sobre a adesão de judeus
do leste europeu, dominantemente, às utopias revolucionárias no conceito de
afinidades eletivas, a partir de Michael Löwy. No entanto, observa-se que
nesses trabalhos há, se não uma falta de rigor com a utilização desse conceito,
por vezes um uso meramente retórico, enquanto argumento de autoridade.
Por exemplo, Zilda Iokoi parece brincar com o título do livro de Löwy, –
Redenção e utopia: o judaísmo libertário na Europa Central. Após descrever
algumas trajetórias de imigração de judeus comunistas, membros do ICIB, a
partir de depoimentos que não permitem depreender quais correspondências
entre utopias libertárias e messianismo judaico são ativadas, simplesmente
afirma:
É importante verificar que os componentes desse processo
permitiram, de fato, que esses homens e mulheres saídos das
condições de opressão, de perseguição religiosa e de recrutamento
forçado criassem um elo entre a utopia libertária e o messianismo
judaico, como afinidades eletivas. Assim, a fusão desses dois
elementos produziu um sentido radical que poderia engendrar em
um processo simultâneo a redenção e a utopia.
81
Iokoi não explicita os componentes do processo, muito menos aquilo que
do messianismo judaico entrou em fusão com a utopia libertária, simplesmente
remetendo o leitor, em nota, ao livro de Löwy. O que se percebe é que Iokoi
tomou bastante liberdade com as teses do autor, pois se o leitor consultar o
80
GHERMAN, Michael. Op. cit., p. 66-67; PFEFFER, Renato Somberg. Vidas que sangram
história: a comunidade judaica de Belo Horizonte. Belo Horizonte: C/Arte, p. 104-107.
81
IOKI, Zilda Márcia Grícoli. Intolerância e resistência: a saga dos judeus comunistas entre
a Polônia, a Palestina e o Brasil (1930-1975). São Paulo: Humanitas; Itajaí: Univali, 2004, p.
287.
49
texto a que é remetido terá uma surpresa. O leitor é remetido a um texto que
não corrobora com a afirmação da autora em questão.
Um dos méritos de Löwy foi organizar um estatuto metodológico para o
conceito de afinidades eletivas, indicando assim um modo de operacionalizá-lo
cientificamente, na pesquisa. Além de construir esse estatuto, indica as
condições históricas nas quais vê pertinência do uso de suas teses sobre as
afinidades eletivas entre o messianismo judaico e as utopias libertárias. Nesse
ponto, demonstra-se plenamente reticente ao emprego da perspectiva de uma
simbiose cultural entre messianismo judaico e utopias libertárias no que diz
respeito ao engajamento político dos judeus da Europa oriental. Assim, Iokoi
remete o leitor a um texto que inviabiliza seu argumento, não se preocupando
em demonstrar as razões de seu emprego e tampouco a forma como poderia
ser viabilizado o uso de tal perspectiva teórico-metodológica.
Para Löwy, a adesão significativa de judeus do leste europeu aos
círculos revolucionários não ocorre da mesma forma que na intelectualidade da
Europa central, seu objeto de estudo. Para ele, essa adesão significativa ocorre
pelo:
caráter muito mais diretamente pária dos judeus do império czarista.
Encontramos assim uma multidão imensa e variada de intelectuais
judeus em todas as correntes revolucionárias da Europa do Leste,
socialistas, marxistas ou anarquistas, ocupando posições de
liderança como organizadores, ideólogos e teóricos. Como observa
Léopold H. Haimson, o papel importante dos judeus na
intelectualidade revolucionária da Rússia era inteiramente
desproporcional a sua representação numérica na população.
82
Após listar uma série de importantes líderes revolucionários de origem
judaica do leste europeu, Löwy conclui:
todos esses ideólogos, militantes e líderes revolucionários judeus,
com opções políticas consideravelmente diversas quando não
opostas, cuja relação com o judaísmo vai desde a assimilação total e
deliberada em nome do internacionalismo até a afirmação orgulhosa
de uma identidade judaica nacional/cultural, têm no entanto, um
elemento comum: a recusa da religião judaica. Sua visão de mundo
é sempre racionalista, secularizada, Aufklärer, materialista. A
tradição religiosa judaica, a mística da Cabala, o hassidismo e o
messianismo não lhes interessam: a seus olhos, tudo isso não passa
de resquícios obscurantistas do passado, ideologias reacionárias e
medievalismos de que é preciso desembaraçar-se o mais rápido
possível em proveito da ciência, das luzes e do progresso.
83
82
LÖWY, Michel. Op. cit. p. 42
83
LÖWY, Michel. Op. cit., p. 43
50
Löwy entende, portanto, de maneira generalizante, que há uma ruptura
com a tradição religiosa, mística e messiânica judaica na adesão de judeus aos
círculos revolucionários russos.
2.3. VISÕES PROGRESSISTAS DA HISTÓRIA JUDAICA
Apesar de tais argumentos, como entender o posicionamento de um
intelectual judeu, imigrante da Bessarábia
*
, militante progressista mineiro e
próximo ao PCB, à época, afirmar:
Pelo estudo, feito por nós, da situação econômica do Egito no
referido período, torna-se perfeitamente compreensível a viabilidade
do Êxodo. A sua inexistência é que seria de admirar-se, dados o
caráter revolucionário, profundamente social, do movimento
mosaico, e a conseqüência natural do desenvolvimento histórico do
mundo antigo.
Por isso, o sentimento anti-escravagista está enraizado na tradição
judaica até os nossos dias. Desde a formação deste povo, os
postulados de justiça social são os elementos preponderantes na
cultura israelita.
84
Mais adiante, este intelectual militante completa:
Moisés, porém, não foi apenas um continuador e sim um
revolucionário renovador, que amoldou a doutrina religiosa às
condições sociais então existentes. Um exemplo semelhante nós
podemos encontrar, nos tempos modernos, em Marx. O que este foi
para o socialismo, aquele o foi para o monoteísmo, sendo apenas
necessário dizer, para a compreensão dessa semelhança, que tanto
um como o outro deram as necessárias formas definitivas às idéias
que, até eles, eram vagas e disformes.
85
Isaias Golgher busca construir um sentido revolucionário à história e
identidade judaicas, em boa parte partindo de sua própria experiência. Isaias,
segundo seu filho Marx Golgher, muito precocemente se envolveu com idéias e
movimentos libertários. Nascido na Bessarábia, no shtetl de Atachi, em 1906,
*
Corresponde atualmente a grande parte da Moldávia.
84
GOLGHER, Isaias. Evolução histórica do povo judeu: síntese dos movimentos
populares judaicos na antiguidade. Belo Horizonte: [n.i.], 1951, p. 28-29.
85
GOLGHER, Isaias. Op. cit., p. 36.
51
Isaias Golgher emigra para o Brasil na década de 1920, fugindo de
perseguição política.
Na adolescência ele já tinha sintonia muito forte com esses
movimentos. E ele não tava organizado ainda... entendeu? Mas ele
pessoalmente tava muito envolvido na coisa. E ele se lembra... e a
polícia começou a persegui-lo, ele tinha uma efetividade no
pensamento dele que a polícia passou a persegui-lo.
Ele era ativo, (...), as idéias que ele estava transmitindo ali, não
estavam agradando a polícia. E a polícia romena ela é tão cruel
quanto corrupta.
Foi preso e começou a ser torturado, porque lá automaticamente se
torturavam presos políticos, começaram a torturar. E a tia dele ficou
muito preocupada, porque ele não... ele tinha que escapar. Porque
se continuasse na prisão ele... . E telefonou para uma senhora amiga
dela nessa cidade, judia, que tinha um prestígio enorme na cidade,
uma mulher de posses, e ela realmente subornou o guarda, e papai
pôde fugir.
E ele então teve oportunidade de fugir, mas com um sério problema.
Porque o controle dos trens era muito forte, o policiamento era muito
forte, estavam procurando elementos subversivos, mormente depois
da revolução bolchevique, o que ele comemorou, com muita
alegria... Ele ficou sabendo pela rádio galena, eles tinham rádio
galena lá, uma pedrinha... era mais primitivo, na própria pedra
galena o fone, então ele ouvia, ouvia muito mal. E tanto ficou
satisfeito, comemorou lá com os amigos dele, então..., ele tinha um
grupo de amigos, que houve a revolução bolchevique na União
Soviética. Então depois, a polícia romena ficou mais restrita ainda. E
ele não tinha documentação pra ir viajar, ele não tinha isso. Ele tinha
só o salvo conduto, que ele não podia pegar senão ele ia preso.
Então ele foi com um amigo dele, pediu ao amigo dele pra atravessar
a Romênia em direção à França pra ele pegar um navio pra vir pro
Brasil, que havia uma oportunidade que surgiu lá para vida dele. E
ele conta também que no trem ele foi com o amigo, e quando a
polícia veio, a polícia não, um cobrador com um tíquete, junto com a
polícia, pra pegar os tíquetes, ele tinha o tíquete, mas não tinha o
passaporte. Aí ele fingiu, logo que ele viu que estavam se
aproximando, fingiu que tava dormindo e conversou com o amigo
dele o que eles iam fazer. Então quando chegou pra pedir, papai
ainda fingiu que dormia, e ele começou a sacudir, e o amigo dele
falou pra polícia e para o cobrador: olha, ele é filho do Cônsul da
França, ele não ta entendendo o que vocês estão falando não, ele só
entende francês... agora, se vocês quiserem prender, tal e coisa,
vocês podem prender mas vocês vão se incomodar... que os
franceses eram... era quase um rei dentro da... o respeito lá com a
França, era muito... respeito e medo da França. Então... não, não,
ele é Cônsul da França. Não, tudo bem e tal... Quase que como um
milagre largaram papai lá e... papai escapou. Escapou e pegou um
navio e veio com os amigos... Pegaram o navio e chegou aqui em
1924.
86
Essa trajetória ajuda a compreender o valor atribuído a luta pela
liberdade por este intelectual. Isaias havia se envolvido nos anos 20 em um
86
GOLGHER, Marx. Depoimento sobre Isaias Golgher concedido a Airan Milititsky Aguiar, Rio
de Janeiro 5 dezembro 2008.
52
movimento que tinha por meta promover a expulsão dos romenos da
Bessarábia, ocupada por eles depois de 1917, e restabelecer o domínio russo.
No Brasil, se aproxima do PCB na luta contra a ascensão do fascismo e contra
o integralismo.
Então papai começou essa luta com a conta num abismo e era da
esquerda, participava do PCB, não como militante, mas como
intelectual. Porque conhecia muito bem o marxismo. E era um dos
poucos, um dos muitos poucos no Brasil que conhecia tanto o Marx
quanto Hegel, ele estudou e analisou o Marx com muita
profundidade. E muitas vezes o pessoal da esquerda convidava ele
pra trocar idéias.
87
Ao mesmo tempo, Isaias já radicado em Minas Gerais, se aproxima do
grupo progressista mineiro, ao qual se insere e exerce influência, envolvendo-
se nos debates referentes à solução da questão judaica:
Cada um representava alguma coisa no sentido, mas do que ele
pessoalmente, ele representava algo, alguma coisa de substancial...
de judaísmo. Seja ele moderno, seja ele religioso, seja na área
sionista seja na área progressista (...) então a conduta nessa matéria
de divergência ideológica era de um alto nível. Porque eu participava
de uma maneira bastante militante de uma certa orientação.
88
Isaias Golgher participava ativamente da vida cultural da UIBH que, no
período posterior a Segunda Guerra, passa a ser hegemonizada pelo setor
progressista. As disputas ideológicas e políticas na comunidade judaica de
Belo Horizonte foram acentuadas, levando à cisão entre os grupos sionista e
progressista que, após décadas de conflitos e atritos em um mesmo espaço,
materializam-na em clubes separados.
89
Isaias Golgher redige Evolução Histórica do Povo Judeu, em 1950,
editado em 1951, pouco tempo antes de romper com o progressismo. Em 5 de
maio de 1953 a UIBH abre um ponto de pauta para o “Caso Isaias Golgher”.
90
Provavelmente Golgher foi um dos primeiros judeus progressistas no Brasil a
denunciar publicamente os rumos que a União Soviética tomava, bem como a
87
GOLGHER, Marx. Depoimento sobre Isaias Golgher concedido a Airan Milititsky Aguiar, Rio
de Janeiro 5 dezembro 2008.
88
GOLGHER, Isaias Apud: CUPERSHIMID, Ethel Mizrahy. Judeus entre dois mundos: a
formação da comunidade judaica de Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em História)
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 1997, p. 234.
89
PFEFFER, Renato Somberg. Op. cit., p. 106-107; CUPERSHIMID, Ethel Mizrahy. Op. cit., p.
210-295.
90
CUPERSHIMID, Ethel Mizrahy. Op. cit., p. 262.
53
condição da população e da cultura judaica naquele país, antecipando em
alguns anos o debate que se tornaria público principalmente com o Relatório
Krushev.
Ele fazia críticas, ele cresceu como crítico disso. E ele observou isso,
que no Brasil não se estuda Marx, se fala sobre Marx, mas sem
saber o que se está falando. E ele depois me contou que ele ficou
muito decepcionado com a União Soviética por causa do Pacto
Ribbentrop-Molotov, ele entrou numa outra... e a partir disso ele
começou a assumir uma atitude pecaminosa para o partido, porque
ele começou a criticar o Stalin. O Stalin era o deus, o guia genial de
todos os povos. E ele começou a ter sérias restrições dentro do
partido, porque achavam um absurdo as críticas que papai fazia ao
partido, ao partido e à subserviência que tinha pelo Stalin.
Subserviência era total. E quando houve a prisão dos médicos
judeus...
Começaram a circular indiretamente que papai era agente da CIA, os
inimigos eram de autoridade... Mas papai resistiu a todas estas
pressões, nunca cedeu, porque grande parte da intelectualidade
cedeu, e papai ficava indignado... como é que podem ceder?
O maior insulto que poderia fazer, e papai foi insultado assim, era
que papai era trotskista... trotskista e depois agente da CIA... a
oposição que faziam a ele, faziam pressão tão articulada... papai se
tornou uma pessoa perigosa pro próprio partido.
Então ele se intitulava o seguinte, ele falava que não era marxista,
porque foi tão vulgarizado o marxismo, os marxistas não liam. Então
ele não queria nem ser identificado, então ele mesmo ele se dizia
marxólogo”, está no livro. Marxólogo, para não se identificar com...
91
Uma ativista da UIBH recorda que o “Caso Isaias” ocorre após ele tomar
ciência, na França, da existência de campos de concentração na União
Soviética.
O Isaias veio da França em 1951, e contou dos campos de
concentração da União Soviética e ninguém acreditou. Acharam [os
progressistas] que ele estava louco. Então, os Goifman [o casal Nute
e Liuba] expulsaram o Isaias Golgher porque ele havia virado
sionista e também porque ele sabia das atrocidades de Stalin.
92
Segundo seu filho, Marx Golgher, Isaias ao fazer seu doutorado na
Sorbone em meados da década de 1950,
teve impasses muito grandes, ele aprendeu muito com judeus
refugiados do stalinismo. E ele ficou mais horrorizado ainda com os
depoimentos, e foi lá que ele conseguiu colher o material todo dos
livros que seriam publicados depois, ele fez a tese em Sorbone e
colhia o material pra usar nos livros.
93
91
GOLGHER, Marx. Depoimento sobre Isaias Golgher concedido a Airan Milititsky Aguiar, Rio
de Janeiro 5 dezembro 2008.
92
Depoimento de Chaia Schwartzman, 1996. Apud: CUPERSHIMID, Ethel Mizrahy. Op. cit. p.
262-263.
93
GOLGHER, Marx. Depoimento sobre Isaias Golgher concedido a Airan Milititsky Aguiar, Rio
de Janeiro 5 dezembro 2008.
54
Isaias Golgher retorna da França em 1958, publica com o material
recolhido lá, a partir dos anos 1960: Leninismo: uma análise marxista; A
Tragédia do Comunismo Judeu: a História da Ievsektzia e Marx: mito do século
XX, onde faz uma série de análises críticas sobre o socialismo real e o
marxismo. Especialmente em A Tragédia do Comunismo Judeu, faz uma ácida
análise do envolvimento judaico nas estruturas comunistas, realizando, em
grande medida, um acerto de contas com seu engajamento na militância
comunista e progressista, bem como uma denúncia pública.
No entanto, Golgher redige a Evolução Histórica do Povo Judeu ainda
plenamente inserido no meio judaico-progressista. Nesse livro, busca
reconstruir a história da antiguidade judaica, como ele mesmo afirma, dando
ênfase “às categorias sociais que constituem o impulso permanente para o
progresso”, recorrendo inúmeras vezes a comparações e analogias entre essas
e o movimento operário revolucionário dos séculos XIX e XX. O que é
expresso, assim, é um esforço intelectual para tencionar e construir certa
correspondência entre, de um lado, os elementos da história e cultura judaica
e, de outro, o marxismo e o comunismo. A título de exemplo, ainda sobre o
Êxodo, um acontecimento importante na formação da identidade judaica, diz
Golgher:
Há, diga-se, uma clara analogia entre a revolução socialista e o
Êxodo. Lenine, ao levantar os milhões de camponeses pobres e
ignorantes da Rússia, alicerçou uma civilização nova, com homens
que pouco ou nada sabiam de marxismo. A maioria, talvez, nunca
ouvira pronunciar este nome e, no entanto, lutaram denodadamente
pela sua vitória. Isto porque, historicamente aptos para abraçar e
introduzir o novo sistema, eles, os operários e camponeses
oprimidos, conquistaram com o socialismo a arma que viria libertá-
los da miséria. Fatos semelhantes se deram no tempo de Moisés.
Embora as massas não compreendessem o conteúdo doutrinário do
monoteísmo, conceberam-no, muito naturalmente, como uma
solução de seus problemas imediatos, a libertação da escravidão.
Mais tarde uma parte se rebelou ante as primeiras dificuldades
pretendendo voltar ao Egito, onde havia “muita carne e peixe”. Os
levitas, que eram os intérpretes da doutrina jeovahista, formando o
grupo dirigente, intervieram energicamente, dominando a situação,
da mesma forma que os mujiks, ao apoiarem a contra-revolução
russa, quando esta se deparou com dificuldades, foram dominados
pelos bolcheviques, que lutaram vigorosamente, não permitindo o
regresso ao tzarismo feudal.
94
94
GOLGHER, Isaias. Op. cit., p. 40.
55
Esse esforço em uma “história comparada” apresenta-se muito mais
como uma forma de estabelecer correspondências históricas entre o judaísmo,
em sua acepção mais ampla, e o movimento comunista. Não estaria lançada
nesse empreendimento de Golgher uma série de correspondências entre duas
configurações culturais distintas, o primeiro grau das afinidades eletivas para
Michael Löwy?
Ainda que Golgher, nessa obra, não faça um esforço no âmbito teórico
das correspondências, evidencia-se um esforço de construir uma visão de
mundo judaica, nas quais os elementos principais são a história e a cultura
judaica e o movimento comunista.
Löwy constata que a intelectualidade judaica da Europa central
encontrava-se assimilada. Nesta perspectiva, os intelectuais centro-europeus,
cujas obras ele analisa, com um fundo comum de romantismo anticapitalista,
realizavam um retorno a religião.
95
Ao inverso, para ele, os judeus orientais
realizariam uma ruptura com a tradição ao ingressarem nos círculos
revolucionários.
Contudo, não seria arriscada essa afirmação? Não poderia haver uma
nova forma de afinidades eletivas nos grupos que desejaram a manutenção de
uma identidade judaica, como o caso judaico-progressista?
O texto de Golgher apresenta elementos a partir dos quais se pode
afirmar que ocorreu uma outra forma de simbiose cultural entre os judeus
progressistas, mesmo que de maneira não desejada ou consciente. O autor, ao
realizar seu acerto de contas com o marxismo, diga-se também com seu
passado progressista, afirma a respeito de Karl Marx:
Sua multifacetada personalidade nos oferece uma imagem,
principalmente por seu caráter conflitante. Ele foi messiânico e
filosófico ao mesmo tempo. As relações dos filósofos com o mundo
se caracterizam pela reflexão, pela meditação, em oposição às do
profeta, cujas relações diretas com os problemas vivenciais exigem
ação, e ser irredutível em suas opiniões.
96
Essas afirmações, vinte e nove anos após compará-lo positivamente
com o profeta Moisés, realizam-se em um texto que pretende desmistificar o
homem Marx, mostrando as contradições e incongruências dos seus
posicionamentos em relação a sua vida pessoal, afetiva e pública. Dessa
95
LÖWY, Michael, Op. cit., p. 32.
96
GOLGHER, Isaias. Marx: Mito do século XX. Belo Horizonte: Minerva, 1980, p. 8.
56
maneira, Golgher via o pensamento de Marx numa tensão entre o messianismo
e a racionalidade.
97
Ao que parece, esta forma de perceber Marx permite uma
ponte para o estabelecimento de correspondências entre o messianismo
judaico e as utopias libertárias, sobretudo o marxismo, no judaísmo
progressista.
2.4. DAS FRENTES POPULARES À FRENTE CULTURAL JUDAICA
Michel Gherman, ao analisar o progressismo carioca, explica a
denominação progressista da seguinte forma:
Essa denominação, em primeiro lugar, está vinculada às demandas
da III Internacional Comunista, que “a partir de uma certa tradição
iluminista, em consonância com a Revolução Industrial”, propunham
a criação de partidos que lutassem pelo “progresso e independência”
do proletariado.
Além da vinculação ideológica com as perspectivas da III
Internacional, cabe aqui outra perspectiva que justifica a utilização da
denominação progressista, pelas organizações judaico-comunistas
no Brasil. Estrategicamente, era fundamental a utilização de um
termo que possibilitasse a não identificação imediata com propostas
comunistas. Isto ocorria visando à manutenção das atividades em
períodos autoritários, afastando, assim, a censura política e a
repressão policial. Ao mesmo tempo, era interessante, não afastar,
em um primeiro momento, possíveis “simpatizantes”, das
organizações progressistas, que não estavam estritamente ligados à
ideologia comunista.
98
Certamente há alguma parcela de verdade na explicação de Gherman.
No entanto, identificar as organizações vinculadas ao ICUF como judaico-
comunistas é um reducionismo e, ainda mais, reafirma os preconceitos que
vigoraram na época, como a denominação Roiters, vermelhos em ídiche,
utilizada pejorativamente em relação aos seus ativistas.
97
Erich Fromm também defende a compreensão do caráter messiânico do marxismo: “... a
própria meta de Marx é libertar o homem da pressão das necessidades econômicas, de modo
a poder ser completamente humano; que Marx está fundamentalmente interessado na
emancipação do homem como indivíduo, na superação da alienação; na restauração da
capacidade dele para relacionar-se inteiramente com seus semelhantes e com a natureza; que
a filosofia de Marx constitui um existencialismo espiritual, em linguagem secular e, por força
desta qualidade espiritual, opõe-se à pratica materialista e à tenuamente disfarçada filosofia
materialista de nossa época. A meta de Marx, o socialismo baseado em sua teoria do homem,
é essencialmente o messianismo profético expresso em linguagem do século XIX” (FROMM,
Erich. Conceito marxista do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 16).
98
GHERMAN, Michael. Op. cit., p. 64-65.
57
O ICUF foi criado tal qual uma frente popular, portanto a aplicação do
termo progressista não era uma dissimulação ou um eufemismo, mas a adoção
de uma perspectiva que contemplava e incorporava diversos posicionamentos
político ideológicos.
O fenômeno Frentes Populares pode ser entendido como uma frente
política antifascista e democrática, o que não explica por completo esta tática
adotada pelo Movimento Comunista Internacional (MCI). Sua história está
ligada à ascensão do fascismo na Europa, em especial na Alemanha e na
Itália, a partir da experiência que inicia em 1934 o Partido Comunista Francês
(PCF). Consistia em realizar alianças com setores e partidos sociais
democratas que contrariavam a linha política da Internacional Comunista (IC) –
a Social-Democracia era tachada, a essa época, de Social-fascista nas
resoluções da IC, e, portanto, deveria ser combatida –, a fim de barrar a
ascensão de grupos e partidos fascistas na França.
99
Estas experiências seguem no ano de 1935, também da Espanha, sob
duras criticas do MCI. Apenas foram devidamente analisadas e equacionadas
em 1936. Durante este período, inúmeras críticas são feitas ao PCF e às
experiências frentistas. Isso iria mudar no VII Congresso da IC. Neste
congresso, o informe de J. Dimitrov trouxe novas perspectivas sobre a
caracterização do fascismo, bem como das formas e possibilidades de seu
combate.
100
Em seu informe, Dimitrov reavalia a tática de frentes populares,
definindo-as com o conteúdo principal de forma de “defesa dos interesses
econômicos e políticos imediatos da classe operária, sua defesa contra o
fascismo”.
101
As formas devem adaptar-se às especificidades de cada
formação social e grau de organização operária. Entre as diversas formas
citadas por Dimitrov está a forma cultural.
102
Dimitrov ainda acrescenta que os comunistas e proletários
revolucionários devem “esforçar-se por criar órgãos de classe da frente única à
99
DASSÚ, Marta. Frente única e frente popular: O VII Congresso da Internacional Comunista.
In: HOBSBAWM, Eric J (Org.). História do Marxismo VI: o Marxismo na época da Terceira
Internacional Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 293-316
100
DASSÚ, Marta Op. cit., p. 319.
101
DIMITROV, Georgi. La ofensiva del fascismo y las tareas de la Internacional en la lucha
por la unidad de la clase obrera contra el fascismo. Disponível em
http://www.marxists.org/espanol/dimitrov/1935.htm
. Acesso em 20 dez. 2008.
102
DIMITROV, Georgi. Op. cit.
58
margem dos partidos elegidos (...) nas empresas, entre os desocupados, nos
bairros proletários, entre a gente modesta da cidade e do campo”.
103
Em 1935 ocorre o Congresso de Escritores Antifascistas, em Paris, sob
a divisa “Em Defesa da Cultura”. A fração judaica presente nesse congresso
estipula organizar o I Congresso Mundial de Cultura Israelita. Em sua
convocatória lê-se:
nossa frente de luta é parte da batalha geral contra o fascismo, luta
que devemos adaptar a nossas condições específicas... e quando
enumeramos as encarniçadas lutas e conflitos que ocorrem em
todos os países, em primeiro lugar na Espanha, entre forças
reacionárias, nazistas e fascistas e as forças radicais, progressistas
e autenticamente democráticas – uma luta de vida e morte,
defrontamo-nos com o fundo político-social sobre o qual se criou a
frente popular, a frente cultural, filha legitima da frente popular.
104
Neste congresso, em 1937 ,funda-se o Idisher Cultur Farband (ICUF),
em Paris, lócus de experimentação da Frente Popular. Significativo da
aplicação desta política nova é a escolha de Haim Jitlovski para primeiro
presidente do ICUF. Intelectual de grande magnitude, Jitlovski fora um dos
idealizadores da Conferência de Czernowitz, em 1908, quando se declara o
ídiche a língua nacional judaica. Além de ensaísta profícuo, realiza inúmeras
críticas ao marxismo.
105
O ICUF identifica como seus objetivos “preocupar-se
em ampliar, aprofundar, enriquecer a cultura judaica laica e progressista,
estimular seu crescimento visando à justiça social e à liberdade”.
106
2.5. O LUGAR DA CULTURA NO PROGRESSISMO JUDAICO
A cultura judaica laica e progressista tinha como expoentes literários,
sobretudo, Scholem Aleichem e Itzhok Leibush Peretz, os criadores da
moderna literatura em ídiche juntamente com Mendele Moicher Sforim. A obra
de Péretz, nascido em Zamostch, Polônia em 1852, falecido em 1915, patrono
103
Idem.
104
KINOSHITA, Dina Lida. O ICUF como uma rede de intelectuais. Universum, Talca, n. 15,
2000, p. 383.
105
JITLOVSKI, Haim. Teoria da Nacionalidade. São Paulo: Centro Brasileiro de Estudos
Judaicos, 1971.
106
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 384.
59
do ICUF em Porto Alegre, e de diversas organizações judaico-progressistas,
também sugere a ocorrência de afinidades eletivas entre o messianismo
judaico e as utopias libertárias entre os judeus da Europa oriental.
Péretz, apesar de ser um socialista, racionalista, crítico,
foi dos primeiros a perceber a verdadeira dimensão do Hassidismo,
não só no plano histórico-religioso. Nas estórias reunidas sob o título
de Hassidisch (Hassídico, 1908?), procurou, estetizando os ideais
desse movimento pietista e popular, resgatar seus valores e reinjetar
atualidade, por via artístico-literária, suas potencialidades enérgico-
vitais e suas lições ético-sociais.
107
Esse retorno ao Hassidismo, com o qual Löwy trabalha na obra de
Martin Buber, ocorria pela energia que este movimento atribuía à ação
humana. Löwy destaca que, para Buber, a mensagem do Hassidismo “é de que
o homem não está condenado à espera e à contemplação: compete-lhe agir
para a redenção, elevando e liberando as centelhas da luz divina dispersas
pelo mundo”.
108
É esta mesma concepção que atrai Péretz.
A pregação de Baal schem Tov, o fundador desse pietismo místico,
tinha um grande atrativo para a geração de Péretz e, sobretudo, para
a que lhe sucedeu imediatamente. O fenômeno Martin Buber, o
filósofo que erigiu sobre os ensinamentos dos tzadikim
*
toda uma
concepção de existencialismo religioso, não é tão isolado como se
poderia pensar à primeira vista. Na realidade, assim como a
Ilustração viu na beatice hassídica a própria encarnação do
obscurantismo, o fim do século a redescobriu e revalorizou como
fonte de uma nova atitude face da vida e das coisas: em lugar de
submissão aos velhos pergaminhos (“Histórias do Rabi Nákhman”), à
ordem inamovível de um tradicionalismo que subtraia a maioria dos
fiéis os prazeres deste e do outro mundo, propunha ele um ativismo
místico e moral que permitia a cada devoto em cada momento, por
um ato “aqui-agora”, influir no seu destino pessoal e mesmo no
advento do Messias. Neste poder de mudar pela vontade de mudar,
os novos tempos reconheceram, vestido de bata pietista, sob a
crosta da crendice e da superstição, um anseio que era caro ao seu
historicismo e a ao seu progressismo. E Peretz foi, sem dúvida, um
dos promotores desse reconhecimento.
109
Essa reabilitação da força messiânica do Hassidismo não ocorria de
forma meramente artística, pois “tratava-se de atualizar, de converter em ponto
de vista atuante sobre os debates e as decisões em curso, as significações de
107
GUINSBURG, Jacó. Aventuras de uma língua errante: ensaios de literatura e teatro
ídiche. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 97.
108
LÖWY, Michel. Op. cit., p. 51.
*
Tzadikim plural de tzadik em hebraico aquele que é considerado justo, como um mestre
espiritual. Chefe religioso hassídico.
109
GUINSBURG, Jacó. Op. cit., p. 126.
60
um profundo movimento social, especificamente judeu, que era ao mesmo
tempo um exemplo de criatividade do individuo e do projeto ético na história”.
110
Péretz foi um dos mais populares escritores entre as massas e o mais
apreciado entre os trabalhadores judeus.
111
Péretz realiza um retorno a
tradição místico-messiânica judaica, retorno menos distante que o efetuado
pela intelectualidade judaica da Europa central, na busca de um re-
encantamento do mundo. Na análise de Jacó Guinsburg, Peretz:
julga-se no dever – quase um imperativo categórico – de alimentar a
crença na possibilidade de existir, e mais ainda, de realizar-se uma
ordem justa no universo, uma era messiânica cujos valores seriam
semelhantes, não na mesma forma mas na essência, aos que a
cultura do povo judeu, herói de uma autentica epopéia moral, ao ver
de Péretz, desenvolveu através dos séculos, em suas manifestações
mais significativas, como o Profetismo e o Hassidismo.
112
Cabe destacar que Isaias Golgher dedica um capítulo de seu livro aos
profetas bíblicos. Definindo-os como:
os primeiros lutadores políticos, de caráter nitidamente popular.
Estavam sempre com o povo oprimido, sendo de se ressaltar não ter
sido, a sua atuação esporádica, mas sim, uma luta continua e
persistente. Visavam eles a uma solução dos problemas sociais e,
em relação a estes, norteavam a sua ação. Enquanto persistissem
as relações sócias injustas, não poderiam interromper essa luta, que,
passando por sucessivas metamorfoses, chegou até os nossos
dias.
113
Golgher entende que o surgimento do profetismo está ligado à formação
social judaica, ou seja, um fenômeno especificamente judaico. Ao comparar
essa relação com o socialismo e o povo russo, bem como à revolução francesa
e o povo francês, coloca a atuação dos profetas sociais “entre os maiores feitos
do homem”.
114
Nota-se, portanto, que a relação entre judaísmo e socialismo
que ocorre em Péretz, teve repercussão, sendo mais amplo do que inicialmente
parece, pois Golgher, dentro da delimitação temporal a que se propõe em seu
estudo, também pretende atualizar o profetismo correlacionando-o com o
socialismo.
110
GUINSBURG, Jacó. Op. cit., p. 127.
111
KUTCHISNSKY, Méier. In: GUINSBURG, Jacob (ORG). O Conto Ídiche. São Paulo:
Perspectiva, 1966, p. 24.
112
GUINSBURG, Jacó. Aventuras de uma língua errante: ensaios de literatura e teatro
ídiche. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 98.
113
GOLGHER, Isaias. Evolução histórica do povo judeu: síntese dos movimentos
populares judaicos na antiguidade. Belo Horizonte: [n.i.], 1951, p. 51-52.
114
GOLGHER, Isaias. Op. cit., p. 82.
61
Peretz, no conto O raio de luz, simboliza a aparente impotência do
homem no fim de século, recorrendo a descrições simbólicas que advém da
mística da cabala luriana, do imenso processo de tikun, de reparar o universo
ao todo original.
115
O tikun é o cerne do misticismo e do messianismo de Isaac Luria,
cabalista judeu nascido em Jerusalém no ano de 1534, e falecido em Safed,
por volta de 1572. O pensamento de Luria e sua escola “foi o último movimento
do judaísmo cuja influência veio a ser preponderante em todos os setores do
povo judeu em cada país da diáspora, sem exceção”.
116
No complicado sistema elaborado por Luria, Deus desenvolve a sua
própria personalidade em estágios análogos à trajetória humana: concepção,
gravidez, nascimento, infância, até que a personalidade desenvolvida esteja
com pleno uso dos poderes intelectuais e morais.
117
Simplificando, Luria
percebe a manifestação divina a partir da experiência humana, um pensamento
antropomórfico.
Este processo de auto produção de Deus, não tem fim “Nele”. Certas
partes da restituição são tarefas do homem. Em certa medida, Luria assume
uma criação de Deus pelo homem, pois é o homem que dá a Deus sua
entronização completa.
O processo do tikun refere-se exclusivamente a uma re-harmonização.
No processo teogônico houve um desequilíbrio e um conseqüente acidente
espalhou pelo mundo centelhas de energia criadora. Deus é incapaz de
reordenar essas centelhas espalhadas em todas as esferas do universo. Esta é
uma tarefa humana.
Sinteticamente, a idéia de tikun é a reconstituição da harmonia quebrada
no plano humano, com a queda de Adão ao comer o fruto da árvore do
conhecimento, ou a entronização final de Deus.
Gershom Scholem explica:
O processo pelo qual Deus concebe, produz e Se desenvolve a Si
mesmo não chega a conclusão final em Deus. Certas partes do
processo de restituição são outorgadas ao homem. Nem todas as
115
PERETZ, I. L. O Raio de Luz In: Contos de I. L. Peretz. São Paulo: Perspectiva, 1966, p.
255-265.
116
SCHOLEM, Gershom. As grandes correntes da mística Judaica. São Paulo: Perspectiva,
1972, p. 288.
117
SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 303.
62
luzes mantidas em cativeiro pelos poderes das trevas se libertam por
seus próprios esforços; é o homem quem acrescenta o toque final ao
semblante divino; é ele quem completa a entronização de Deus, o
Rei e o criador místico de todas as coisas, em Seu próprio Reino do
Céu; é ele quem dá ao Criador de todas as coisas a Sua
configuração final!
118
Essa concepção, ao atribuir essa tarefa ao homem, traz consigo uma
nova significação para o exílio, para a diáspora judaica, a Galut. Segundo
Scholem, Luria ressignifica a Galut. Ela é necessária neste processo de
restituição de todas as coisas.
Anteriormente fora considerado (...) quer um castigo pelos pecados
de Israel, quer uma provação para fé de Israel. Agora ainda é tudo
isso, mas intrinsecamente é uma missão: seu propósito é o de
reerguer as centelhas caídas de todas as suas variadas localizações.
“E este é o segredo por que Israel está fadado a ser escravizado por
todos os gentios do mundo: a fim de que possa elevar aquelas
centelhas que também caíram entre eles... E por isso era necessário
que Israel se espalhasse pelos quatro ventos a fim de levantar
tudo”.
119
Estas idéias básicas da cabala luriana possuem correspondências com
o pensamento marxista. Essa escatologia cabalista é homológica à forma em
que Marx pensa o processo histórico em geral. A Galut, esse momento
necessário pelo qual passa o povo judeu, é ocupado, mutatis mutandis, no
sistema marxista pela categoria complexa de alienação:
A unidade originária entre trabalhador e condições de trabalho
(abstraindo a relação esclavagista em que o próprio trabalhador
pertence às condições objetivas de trabalho) tem duas formas
principais: a comunidade asiática (comunismo natural) e a pequena
agricultura familiar (com a indústria doméstica a ele ligada) sob uma
forma ou outra. As duas formas são formas infantis e igualmente
pouco capazes de desenvolver o trabalho como trabalho social, e a
produtividade do trabalho social. Donde a necessidade da
separação, a ruptura, da oposição entre trabalho e propriedade (a
saber, a propriedade das condições de produção). A forma extrema
desta ruptura, onde ao mesmo tempo as forças produtivas do
trabalho social conhecem o seu maior desenvolvimento, é a forma do
capital. Só sobre a base material que ela cria e mediante as
revoluções pelas quais passam, no processo desta criação, a classe
operária e toda a sociedade pode ser reproduzida a unidade
original.
120
Assim, vê-se que nas duas perspectivas, tanto na cabala luriana quanto
no marxismo, o processo histórico, seja ideal ou real, ocorre através de um
118
SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 305-306.
119
SCHOLEM, Gershom. Op. cit., p. 286-287.
120
MARX, Karl. Apud: SÈVE, Lucien. Análises Marxistas da Alienação: Religião e
Economia Política. Lisboa: Estampa, 1975, p. 66-67.
63
necessário divórcio, para chegar a um patamar superior. Mesmo que não
coincidindo em conteúdo, estas duas configurações culturais distintas
coincidem notavelmente em forma.
O que se percebe nessas duas configurações, tanto no esforço científico
quanto no místico, que o sofrimento, as duras condições de existência, que
cada vez mais se agravam, são partes necessárias, fundamentais para sua
superação. Marx, ao descrever a alienação enquanto divisão do trabalho,
afirma:
Essa alienação para usarmos um termo compreensível aos filósofos,
só pode ser superada, evidentemente, sob dois pressupostos
práticos. Para que ela se torne um poder “insuportável”, quer dizer,
um poder contra o qual se faz uma revolução, é preciso que ela
tenha produzido a massa da humanidade como absolutamente “sem
propriedade”...
121
A cabala luriana tem como contexto a expulsão dos judeus da Espanha,
o que é considerado um aprofundamento de exílio, ademais de agravar o
quadro social das massas judaicas. Scholem reflete sobre o êxito dessa nova
concepção:
porque ofereceu uma resposta válida aos grande problemas da
época. A uma geração para qual os fatos do exílio e a precariedade
da existência nele haviam se tornado um problema sobremodo
recente e cruel, o cabalismo podia dar uma resposta de uma
amplitude e visão incomparáveis. A resposta cabalística iluminou o
significado do exílio e da redenção e esclareceu a situação histórica
impar de Israel [dos judeus] dentro do contexto da própria criação...
.
122
Da mesma forma, a concepção marxista do movimento histórico e a
atribuição de uma potencialidade transformadora à massa trabalhadora que se
formava, ofereceu uma resposta válida para a situação cada vez mais precária
do proletariado. Nessa concepção da história, a restituição em um patamar
superior não se faz senão à custa de um longo, doloroso e necessário
sofrimento, de um divórcio cada vez maior entre trabalhador e propriedade, o
aprofundamento necessário da alienação encontra um paralelo na concepção
cabalista, na qual a realização do tikun necessita de uma radicalização do
exílio, dos sofrimentos, chegando às últimas conseqüências no exílio da alma.
121
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia
alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Sitirner, e do socialismo alemão
em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo, 2007, p. 38.
122
SCHOLEM, Gershom. Sabatai Tzvi: o messias místico I. São Paulo: Perspectiva, 1995, p.
21.
64
Certamente as duas configurações culturais possuem inúmeras e
radicais diferenças, que se apresentam inconciliáveis. No entanto, o que as
aproxima é o desejo e a concepção da possibilidade de reparar um contato
original, construindo assim um mundo novo, seja entre homem e o Criador
através de atos espirituais, seja entre o homem e as condições de trabalho,
através da práxis revolucionária; seja o fim da pré-história humana para Marx,
seja o mundo da supressão da mácula, simbolizada pela tirania e pela
opressão, para o messianismo.
Essas correspondências parecem se articular de maneira não
consciente no progressismo judaico o que, no entanto, não pode ser
generalizado. É difícil realizar uma análise que permita a compreensão
sistemática dessa simbiose cultural pelo motivo de que no atual estágio das
pesquisas não terem sido revelados corpus documentais doutrinários,
sistemáticos, das posições judaico-progressistas. Isso impossibilita realizar
uma pesquisa nos moldes de Löwy, que analisa, sobretudo, obras de cunho
filosófico e teórico. No entanto, há indícios de uma articulação entre essas
configurações culturais, seja por fragmentos de depoimentos, seja pelas
práticas nas instituições ou por documentação ulterior ao período estudado.
Naquilo que tange às práticas das instituições, não dos seus membros
na sociedade mais ampla, elas se destinavam marcadamente ao trabalho
cultural: ao teatro, aos círculos de leitura, a realização de palestras e
conferências. Dina Lida Kinoshita, apoiada na máxima leninista “não há prática
revolucionária sem teoria revolucionária”, entende que a cultura se fazia
indispensável como orientadora da prática transformadora da realidade.
123
Todavia pode-se evidenciar que a cultura não era vista apenas como
orientadora da prática, mas em si mesma como uma forma de libertação
interior, que se manifestava exteriormente. Ou seja, a prática cultural como um
ato espiritual.
Identifica-se isso em um discurso na comemoração, pelo ICUF, do
centenário de nascimento de Scholem Aleichem, proferido por Moisés Niskier
em 1959:
Scholem Aleichem não pertence a nenhum grupo, pertence ele e a
sua grandiosa herança a todo o nosso povo e a toda humanidade,
123
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 378-379.
65
que envereda em caminhos tortuosos, porém firmes ao encontro dos
anseios e bem estar para todos, dos quais ele sonhara.
Scholem Aleichem, através de suas obras nos deixou essa confiança
e quando lemos e nos inteiramos de seus personagens não nos
afluem lágrimas ou desespero, mas sim nossos olhos se iluminam e
cheios de confiança e combatividade caminhamos decididos ao
encontro do novo sol que lançará seus raios luminosos igualmente
para todos os povos do mundo.
124
Desse modo, não se pode reduzir, a maneira de Kinoshita, o lugar da
cultura para o progressismo judaico. Ela possui, se não uma centralidade, uma
sacralidade,
125
no processo de transformação da sociedade. Transformação
que leva ao “encontro de um novo sol que lançará seus raios luminosos
igualmente para todos povos do mundo”, um reino da liberdade. Como afirmou
Moissaye Joseph Olgin, um dos principais dirigentes progressistas nos Estados
Unidos da America:
A cultura judaica é o complexo de valores espirituais que utiliza o
povo para avançar a um futuro mais humano, fundado nos princípios
de justiça social... é uma criação e um instrumento do povo, é uma
arma espiritual na luta pela vida...
126
Entretanto, isso não quer dizer que a cultura bastava por si só. A ação
política de judeus progressistas na sociedade brasileira em muitos casos
esteve relacionada com a militância no PCB. Todavia não se pode criar uma
identidade entre ambos. As pesquisas realizadas não permitem sequer precisar
o número de militantes comunistas em cada associação.
Moacyr Scliar, mesmo que de forma generalizante, ao comentar o grupo
progressista gaúcho do qual fazia parte seu tio Henrique Scliar, entende que a
perspectiva de militância de grandes parcelas judaicas européias dentro de
ideais socialistas era feita “não da maneira maquiavélica que daria origem ao
stalinismo, mas à luz de uma tradição ética que, vinda dos profetas bíblicos,
pode ser ainda detectada na obra do jovem Marx”.
127
124
NISKIER, Moises. Vida e Obra de Scholem Aleichem. In: ALEICHEM, Scholem. Scholem
Aleichem: centenário de nascimento. Rio de Janeiro: ICUF, 1959, p. 190.
125
ACSELRAD, Henri. De Vilna ao Rio de Janeiro: territórios da laicidade judaica. Revista
Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 40, 2007.
126
I.C.U.F. Revista Aquí y Ahora. 2003. Disponível em:
http://www.zhitlovsky.org.uy/historia/i_c_u_f_.htm Acesso em 20 de junho de 2007. Tradução
do autor.
127
SCLIAR, Moacyr. Os judeus em Porto Alegre. In: WAINBERG, Jacques A. (Coord.) 100
anos de Amor: a imigração judaica no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: FIRGS, 2004, p.
158.
66
Em depoimento referente a um militante comunista judeu encontramos
também perspectivas dessa confluência entre as duas configurações, o
judaísmo e o comunismo:
A família de minha avó paterna era extremamente religiosa e meu
pai saiu foi para fazer a “escola da vida” e é então quando se torna
comunista, também era muito jovem. Saiu para estudar, não pode
fazê-lo e foi trabalhar como tecelão. (...). E quando eles tomaram
ciência de que seu filho era comunista, caiu o mundo .... E ele
começou uma discussão com eles e tinha um tio, inclusive um
intelectual assim, um conhecedor do livro sagrado dentro do sentido
ortodoxo. Meu pai contava que ele começou a discutir com este tio,
inclusive citando partes da bíblia. Porque meu pai estudou na escola
religiosa. Minha avó era muito religiosa e sua educação foi
basicamente uma educação religiosa. Começou falando da bíblia e –
olha, o que estou fazendo é isso, a gente deseja isso e tal – Então,
meu tio disse a ele: Estou de acordo com tudo o que tu me disseste,
mas o que eu não compreendo é porque é um ateu!
Então, tu vês que há esses dois caminhos. Quero dizer, que havia
toda uma cultura que falava de justiça, de paz, de não sei o que e o
próprio Marx. (...). Então, eu penso que essas estão relacionadas de
algum modo. Não estão separadas uma da outra.
128
Recentemente, em 2006, foi realizado um congresso de instituições
judaico-progressistas latino-americanas, em Montevidéu. Um dos pontos
principais do temário desse congresso foi definir a identidade judaico-
progressista nos dias atuais. Nesse intuito o encontro define o judaísmo como:
uma filosofia de vida em sentido amplo, societário e pessoal. Mas
uma filosofia de tipo revolucionária, questionadora, crítica, propensa
a superação e a mudança, portanto inerentemente progressista.
Uma filosofia que não induz à contemplação, mas para a ação e a
prática.
129
Nota-se que essa forma de conceber o judaísmo está vinculada à
tradição a qual Péretz reinjetou vitalidade, a concepção advinda da tradição
místico-hassídica. Ao conceber o judaísmo como uma filosofia revolucionária
aponta-se para a necessidade de superação das condições existentes. A
cultura judaica é parte do processo de transformação da sociedade, pois
o judaísmo está indissoluvelmente ligado às artes, à ciência, à
tecnologia, às idéias. Quando se pensa em cultura judaica,
imediatamente vêm à mente músicos, escritores, poetas, cientistas,
profissionais de todos os ramos, pensadores, defensores de direitos
128
BAHIA, Joana D´Arc do Valle. El Reflejo: la construcción de las identidades judías en los
processo politicos. In: Simposi Internacional Nous Reptes del Transnacionalisme en l´estudi de
les migraciones, 2008, Barcelona. Anais eletrônicos Disponível em:
http://docsgedime.files.wordpress.com/2008/02/tc-joana-bahia.pdf
Acesso em: 30 março 2008.
Tradução livre do autor.
129
TALLERES. Encuentro de Instituciones Judeo-Progresistas de Argentina-Brasil Y Uruguay.
Montevidéu, 14 e 15 de outubro 2006. Disponível em: http://www.zhitlovsky.org.uy/ . Acesso em
20 de junho de 2007. Tradução do autor.
67
humanos, que com sua “filosofia de vida progressista”, quer dizer,
seu trabalho diário, seja no campo teórico ou na prática, e no tecido
social das comunidades onde vivem, contribuíram inexoravelmente
para a construção de um mundo melhor.
130
Nesse entendimento, a “filosofia de vida progressista” é aquela que está
ligada à construção de um mundo melhor. Sendo assim, há a aposta de que a
cultura judaica laica seja partícipe na construção de um mundo novo, da
superação das condições existentes. Assim, faz uma defesa da criação
diaspórica, vinculando a criatividade transformadora da cultura judaica ao seu
profícuo enraizamento: “a criatividade dos judeus da diáspora não está em
falar, escrever ou pintar apenas as temáticas judaicas, mas em elaborar essa
atitude contestadora, flexível e humanista por excelência, visando o mundo, de
dentro dele”.
131
Nota-se, portanto que, nessa perspectiva, a capacidade transformadora
da criatividade e atitude contestadora judaicas estão intimamente ligadas a
integração nos mais diversos países. Dessa maneira, a “filosofia de vida
progressista”, ao se relacionar com as mais diversas temáticas, não judaicas,
propicia a mudança, a construção de um mundo melhor. Evidencia-se,
sobretudo, uma significação, se não positiva, até necessária da diáspora.
Imbuído de definir essa identidade judaica particular, o congresso faz um
pequeno resgate histórico do progressismo judaico.
O progressismo judaico tem profundas raízes em todo o referente às
lutas pelo bem estar e a ventura dos povos. Seu compromisso
popular militante vem desde o início, e inclusive antes, da criação
das entidades que posteriormente deram nascimento no ano de
1937 ao ICUF.
Mas, por outro lado, decidiram dar continuidade e visibilidade a sua
cultura, sua língua, suas tradições, mas encaradas com um sentido
nada conservador nem místico, mas profundamente humano,
comprometido e laico.
Por isso que nasceram nossas instituições, com a exigência moral,
ética e política de assumir um duplo aspecto: olhar para a sociedade
e para comunidade com igual interesse, força e convicção, com a
coerência ideológica necessária para desenvolver um projeto
histórico que os vincularia muito estreita e vigorosamente com sua
história que ao mesmo tempo os atara fortemente ao país em que
estavam vivendo.
132
130
Idem.
131
Idem.
132
Idem.
68
Nesse breve histórico das instituições judaico-progressistas. pode-se
perceber o valor atribuído à integração às sociedades, dentro de um projeto
histórico no qual a luta pela emancipação judaica é parte da luta pela
emancipação da sociedade em geral. Assim, a dimensão messiânica de um
futuro justo e harmônico é enfatizada dentro da concepção judaico-
progressista, onde a ordem social vigente tem de ser alterada:
Participamos na construção de uma ordem social justa, democrática,
humana e solidária, marchamos tendo em vista um país multiétnico e
pluricultural, nossa própria especificidade e nossos próprios valores,
que não são outros que os que defendem um futuro de dignidade
para todo gênero humano.
133
Há, consequentemente, um entendimento de que os valores centrais do
posicionamento judaico-progressista são opostos aos valores existentes, e que
somente com a superação do sistema socioeconômico atual os valores centrais
do progressismo judaico serão predominantes. Nota-se a atribuição dos valores
judaico-progressistas como valores universais. Esses valores universais são
entendidos enquanto fruto da história milenar judaica, que vem a ser uma
história de exílio, de diáspora. Esses valores são “uma série de princípios sob
regras humanistas, solidárias de justiça social, respeito ao direito do outro,
tolerância e aceitação das diferenças”.
134
Nesse sentido não se estabelece uma prerrogativa judaica no processo
de transformação da sociedade como no messianismo, mas sim “que vale a
pena transitar com todos os demais possíveis o caminho da criação de uma
contracultura de resistência a um modelo político e a um sistema
socioeconômico que se opõem ao humanismo, a justiça e a paz”.
135
Desse modo, atribui-se não só um sentido a diáspora, como também
uma tarefa na diáspora: “as coletividades estabelecidas em todo planeta tem o
direito e o dever de falarem por si mesmas, dizer e fomentarem suas próprias
formas institucionais e de desenvolvimento cultural especificas em harmonia
133
Idem.
134
DECLARACIÓN. Encuentro de Instituciones Judeo-Progresistas de Argentina-Brasil Y
Uruguay. Montevidéu, 15 de outubro 2006. Disponível em: http://www.zhitlovsky.org.uy/ .
Acesso em 20 de junho de 2007. Tradução do autor.
135
TALLERES. Encuentro de Instituciones Judeo-Progresistas de Argentina-Brasil Y Uruguay.
Montevidéu, 14 e 15 de outubro 2006. Disponível em: http://www.zhitlovsky.org.uy/ . Acesso em
20 de junho de 2007. Tradução do autor.
69
com as necessidades e sonhos dos povos dos quais são parte”.
136
Assim,
opõe-se à concepção da centralidade do Estado de Israel.
Definem como traço fundamental da identidade judaico-progressista:
sustentar que as respostas às demandas da atualidade não se
resolvem de maneira individual, senão desde uma concepção
solidária, fraterna e coletiva. Propondo o crescimento e
desenvolvimento dos indivíduos sobre o que os influencia, com o
objetivo de conseguir destes uma atitude crítica e transformadora da
realidade em que vivem. Junto com as lutas populares e
democráticas do povo argentino/brasileiro/uruguaio por um mundo
mais justo, digno de ser habitado por todos, com as mesmas
condições e possibilidades.
Portanto, o progressismo judaico é uma visão de mundo universalista
que especifica as dimensões judaicas da luta por um mundo “mais justo, digno
de ser habitado por todos”, sendo esse mundo novo o reino da liberdade, numa
formulação próxima à marxiana da Crítica ao Programa de Gotha “de cada
qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”.
137
É, também, um pensamento complexo articulando o geral e o particular,
pois compreende que “não há ‘questão judaica’ que surja à margem da vida
nacional e que possa ser resolvida independentemente as soluções dos
problemas nacionais”.
138
Há, por conseguinte, uma compreensão de que a
emancipação judaica ou a superação da “questão judaica” apenas é realizável
dentro de um quadro de emancipação de toda a sociedade, o que implica
buscar resolução dos problemas gerais das sociedades em que vivem.
Desse modo, a forma como ocorre uma afinidades eletivas entre
elementos do judaísmo, do messianismo judaico e as utopias libertárias,
sobretudo o comunismo, no progressismo judaico é bastante mediatizada, não
chegando a um nível de fusão ou de criação de uma figura nova. Há sempre
uma forte tensão entre o particularismo judaico e o universalismo progressista,
socialista ou comunista. Concorda-se com Löwy, pois o componente
racionalista, de ruptura com a religião e com o misticismo, é muito forte. Os
136
DECLARACIÓN. Encuentro de Instituciones Judeo-Progresistas de Argentina-Brasil Y
Uruguay. Montevidéu, 15 de outubro 2006. Disponível em: http://www.zhitlovsky.org.uy/
.
Acesso em 20 de junho de 2007. Tradução do autor.
137
MARX, Karl. Critica ao programa de Gotha. In: MARX, Karl, Engels, Friedrich. Obras
Escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, [n.i.], 2 v. p. 214-215.
138
TALLERES. Encuentro de Instituciones Judeo-Progresistas de Argentina-Brasil Y Uruguay.
Montevidéu, 14 e 15 de outubro 2006. Disponível em: http://www.zhitlovsky.org.uy/ . Acesso em
20 de junho de 2007. Tradução do autor.
70
elementos da tradição messianica chegam à visão de mundo progressista em
um longo desvio, sobretudo, através da literatura e da cultura em uma visão
secularizada.
A concepção positiva da diáspora e da necessidade de integração, bem
como da aperfeiçoabilidade/ruptura para um novo mundo, justo e fraterno,
permitem a confluência com utopia comunista, com o projeto de emancipação
do proletariado enquanto classe universal, portadora da possibilidade da
mudança radical da sociedade e o estabelecimento de um reino da liberdade.
A manutenção de “valores éticos universais”, advindos da história e da
cultura milenar judaica, que para Golgher são a base ética do socialismo em
geral
139
, são alguns dos componentes que entram em confluência. Assim, eles
podem operar como um conteúdo ético comunista, socialista. São valores que,
se contrapondo ao sistema socioeconômico vigente, colocam o anseio de
operar uma ruptura progressiva com ele. A concepção da possibilidade de
aperfeiçoamento e ruptura contida na concepção messiânica de tikun, bem
como a crença de que a ação humana participa nessa obra de redenção,
parecem ser substratos implícitos nessa visão de mundo particular, na qual se
expressam no entendimento do judaísmo enquanto uma filosofia
revolucionária, inerentemente progressista.
Por outro lado, o progressismo judaico não coloca como solução da
questão judaica a negação da diáspora, à maneira sionista clássica, na
construção de um lar pátrio judaico, mas na integração e no compartilhamento
dos problemas das sociedades das quais fazem parte na diáspora. É nessa
integração que a “cultura judaica laica” e o judeu progressista têm um dever e a
possibilidade, conjuntamente aos povos dos quais são parte, de construir uma
ordem social justa e fraterna, um ponto de vista bastante similar ao papel da
galut no sistema luriano, de elevar as centelhas de luz presas ao mundo da
tirania e da opressão.
.
139
GOLGHER, Isaias. Evolução histórica do povo judeu: síntese dos movimentos
populares judaicos na antiguidade. Belo Horizonte, [n.i.], p. 101.
71
3. EM DEFESA DA CULTURA: O CLUBE DE CULTURA
Eu comecei pequena no Betar [organização
juvenil sionista revisionista]. Não me
satisfez, porque eu sou de uma casa que
não era Betar. Ai veio o Dror [organização
juvenil, sionista e social-democrata], também
não era aquilo que eu queria. Então me
encontrei no Hashomer Hatzair [organização
juvenil sionista, escotista e socialista]. Aí
havia grandes discussões. E depois então o
Clube de Cultura e aí já era fora do
sionismo. Então, nós já não éramos mais
sionistas...
140
A história dos judeus progressistas em Porto alegre não está
materializada somente no Clube de Cultura. Inúmeras fontes evidenciam que
eles já estavam organizados desde 1922
141
, ou na sinagoga Centro Israelita
Porto Alegrense desde, 1932
142
, com o nome Liga Cultural Israelita. A data de
1922 parece sugestiva, coincidindo com a efervescência tanto da Semana de
Arte Moderna quanto da fundação do PCB.
Figura 2 - Recepção ao Presidente Getúlio Vargas. Porto Alegre em frente ao palácio do governo,
1938. (Acervo Fotográfico Instituto Cultural Judaico Marc Chagall)
Pouco sobrou de informação da Liga Cultural Israelita, a não ser que
funcionava nas dependências da Sinagoga Centro Israelita Porto Alegrense e
140
LEVENTHAL, Magot Bauman. Depoimento sobre o teatro ídiche concedido a Ieda Gutfriend.
Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc Chagal, 1998.
141
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
142
EIZERIK, Moisés. Op. cit., p. 51.
72
constituía-se basicamente de uma biblioteca. Sobre essa biblioteca, existem
alguns relatos. Samuel Wainer, em 1950 publica, na revista da Organização
Sionista Unificada intitulada Aonde Vamos?, um artigo onde relata e comenta o
ambiente cultural judaico em Porto Alegre:
Se quiséssemos narrar o ambiente cultural judaico de Porto Alegre,
pouco assunto se nos apresentaria, pois nesse campo, não fora a
educação recebida pela juventude em especial em seus lares, não
nos seria facultada a ocasião de dizer algo. Sim, no que tange à
cultura judaica para uma coletividade em Porto Alegre, nada ou
quase nada encontramos. [...].
Dispomos em Porto Alegre de uma Biblioteca [...]. Esta biblioteca,
propriedade da Liga Cultual Israelita por um número de pessoas que
não convém que seja citado, pois envergonha. Temos para isso uma
explicação, e ela é dada pelo próprio patrimônio da biblioteca. São
livros velhos, em sua maioria em língua ídiche, o que dificulta a sua
leitura para os jovens, e os mais idosos já leram todos. É também a
orientação dada à mesma pelos seus ex-diretores, que adquiriam
livros em sua maioria facciosos, não agradando, assim aos leitores,
e tantas e tantas outras causas.
143
Figura 3 - Diretoria e colaboradores da Liga Cultural Israelita. Biblioteca do antigo prédio do Centro
Israelita, aproximadamente 1935. Pinchas Soroca, Henrique Goldman, Don Laistner, Isak Siminovich,
Sr.Zimmerman, Isidoro Fransuski, Henrique Finkel, Aron Keniger, Bernardo Tchernin, Abrão Goldstein,
Smil Cuperstein, José Platchek, Rubin Galansky. Sentados, da esquerda para a direita, em pé da
esquerda para a direita. (Acervo Fotográfico Instituto Cultural Judaico Marc Chagall).
A forma como Wainer trata a Liga Cultural Israelita, seu patrimônio, bem
como a língua ídiche, evidencia seu menosprezo, possivelmente fruto da
configuração dicotômica da comunidade judaica, caracterizada então pela
143
WAINER, Samuel B. Como vivem os israelitas em Porto Alegre. In: Aonde Vamos?, n. 380.
Rio de Janeiro, 9 de Setembro de 1950. apud: BARTEL, Carlos Eduardo. Os emissários
sionistas e o nacionalismo judaico no Rio Grande do Sul. (Dissertação de Mestrado).
Programa de Pós-Graduação em História. Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS.
São Leopoldo, 2006, p. 158.
73
separação entre sionistas e não sionistas. O ídiche é tratado por Wainer,
enquanto sionista, como a língua da diáspora, dos velhos, uma língua morta;
por ser o sionismo uma negação da diáspora, consequentemente rechaçava a
cultura idichista.
Outros depoimentos aproximam ao real conteúdo dessa biblioteca:
A Biblioteca em ídiche, progressista, da Liga Cultural tinha inclusive
livros de marxismo em ídiche. Mais tarde como os leitores
começaram a minguar, então foi na época de sessenta se não me
engano, que a gente abriu espaço do Clube para quem quisesse
participar, deixando de ser um clube judeu, então eles doaram essa
biblioteca para o Lar dos Velhos. Participavam o Naftal Rotemberg, o
Henrique Scliar, o Salomão Schwartz pai e mais alguns que eu não
me lembro o nome.
144
Na documentação do Clube de Cultura existe uma listagem escrita em
ídiche dos exemplares da biblioteca. Esta biblioteca, doada ao Lar dos Velhos,
hoje chamado Lar Mauricio Seligman, foi doada ao instituto Cultural Judaico
Marc Chagall de Porto Alegre. Lá ainda aguarda a devida catalogação e um
armazenamento, o que vem se mostrando bastante difícil, pois poucas pessoas
dominam a língua dos judeus da Europa oriental.
Os membros da Liga possuíam uma trajetória de militância na esquerda
judaica da Zona de Residência. A esse respeito, Hans Baumann relata que
alguns fundadores do Clube eram imigrantes europeus, e eles
“liam, escreviam,
falavam [ídiche], mas eles não eram religiosos, porque na Europa eles já
estavam ligados a partidos progressistas”.
145
Isso é reforçado pelo depoimento
de Margot Leventhal, ao recordar que
tinha vindo muita gente da Europa e os valores dados pela
comunidade ao teatro, eram muito mais.... afloravam muito mais,
interessavam muito mais, e o pessoal que vinha então naquela
época, ou que estava aqui, estes componentes daqui... (...). E as
pessoas ainda falavam o ídiche, mesmo o Irineu que era de origem
alemã aprendia o ídiche na casa do senhor Kuperstein, do senhor
Begun. Então aquilo fazia parte da vida da gente, como jovens se
interessavam exatamente... e o pessoal trabalhava, a maioria era do
Bund veio da Europa.
146
A imigração de judeus que já possuíam uma militância na esquerda da
Zona de Residencia não é um fato isolado. Pesquisas realizadas em outras
cidades brasileiras apontam que esses judeus, ao imigrarem para o Brasil,
144
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
145
BAUMANN, Hans. Historia de vida n. 366.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc
Chagall, 1991.
146
LEVENTHAL, Magot Bauman. Depoimento sobre o teatro ídiche concedido a Ieda Gutfriend.
Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc Chagal, 1998.
74
constituíam estruturas organizativas próprias, desde o princípio da imigração
judaica para o Brasil no início do século XX, que posteriormente se articulam
no ICUF em 1950.
147
André Paulo Franck, fundador do Clube, ao narrar lembranças, sobre
sua fundação, relata que
tinha existido a Liga Cultural Israelita, mas por desavença –
funcionava dentro de uma sinagoga –, mas, por desavenças sobre
as duas diretorias, o presidente de uma das sociedades fechou a
cadeado a biblioteca da outra entidade cultural. Então, o pessoal
ficou sem ter onde se reunir e resolveu fundar o Clube de Cultura.
Tal fizeram que o Clube de Cultura, que é hoje, aquilo que se
conhece
.
148
Atribuem a iniciativa de construir um espaço próprio para desenvolver
com autonomia atividades progressistas a Henrique Scliar. Ele “foi a mola real
de tudo, da fundação do Clube... Era uma personalidade forte. Ele conseguia
congregar os elementos em volta dele”.
149
Scliar, imigrante da Bessarábia, era
anarquista, autodidata, ativo culturalmente, com trânsito entre a classe artística
e a intelectualidade.
150
Era um exemplo dos “autodidatas eruditos, para os
quais nada que era humano era indiferente”,
151
que marcavam as instituições
judaico-progressistas. Scliar mantinha contato com alfaiates da Argentina, que
ajudaram a organizar um grupo de teatro no Centro Israelita Porto Alegrense,
vinculado a Liga Cultural Israelita.
152
Scliar propõe ao seu sobrinho, Mauricio Kotlhar, realizar um jantar a fim
de fundar uma nova sociedade cultural.
153
Reunidos na casa de Kotlhar,
médico do Sindicato dos Alfaiates, aos trinta dias de maio de mil novecentos e
cinqüenta, conforme a ata de fundação, André Paulo Franck, Elias Niremberg,
Franscisco Dorfman, Isaac Cutin, Jacob Koutzii, José Castiel, Leôncio
Keiserman, Luiz Treiguer, Marcos Kruter, Moises Milman, Salomão Schwartz
Filho, Salomão Weinberg, Simão Nicolaiewsky, fundam o Clube de Cultura,
com o objetivo de
147
GHERMAN, Michael. Op. cit., p. 58; PFEFFER, Renato Somberg. Op.cit., p. 111;
FELDMAN, Sergio Alberto. Os judeus vermelhos. Revista de História Regional, Ponta
Grossa, v. 6, n. 1, 2001. Disponível em: http://www.revistas.uepg.br/
. Acesso em: 15 julho
2008.
148
FRANCK, Andre Paulo. História de vida n. 258.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico
Marc Chagall, 1989.
149
FRANCK, Andre Paulo. Op. cit.
150
KOTLHAR, Mauricio. Depoimento sobre o teatro ídiche concedido a Ieda Gutfriend. Porto
Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc Chagal, 1998.
151
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 384.
152
KOTLHAR, Mauricio. Op. cit.
153
Idem.
75
Criar uma associação de caráter cultural que exerça e incentive o
desenvolvimento das letras e artes, já criando grupos teatrais já
consagrando elementos esparsos de amadores de diferentes artes,
como música, dança, pintura etc., proporcionando um clima
adequado a emulação e estímulo para o aproveitamento máximo
destes valores e favorecer seu aprimoramento.
154
O nome e os objetivos dados à associação demonstram a convicção
destes ativistas no caráter transformador da cultura. Essa convicção pode ser
entendida de forma mais acurada, sobretudo a significação da cultura judaica,
em especial a cultura em ídiche para o progressismo judaico, na nota de
abertura da publicação feita pelo ICUF do Rio de Janeiro, comemorativa ao
centenário de nascimento de Scholem Aleichem, um dos clássicos da literatura
ídiche. Neste livro, em que foram traduzidos quinze contos para o português, a
União Cultural Israelita-Brasileira - ICUF pretende “levar a milhares de lares no
Brasil, as palavras sábias e os ensinamentos de Scholem Aleichem, visando
ajudar à compreensão e ao entendimento entre povos, no espírito do
humanismo do grande clássico”.
155
Esta busca de entendimento entre os
povos, da paz, marca fundamental da política do ICUF, se tornará tema de
debates no Clube de Cultura.
156
Para ser exeqüível esse ideal, era necessário um lugar que
comportasse as atividades a que se propunham. Alugaram uma casa na Rua
Ramiro Barcelos, número 1849, na qual funcionou provisoriamente o Clube de
Cultura. Nessa pequena casa adaptada, foram realizadas diversas palestras e
atividades que não tinham como público apenas a coletividade judaica. Uma
das primeiras iniciativas foi a organização de uma escola de artes para
crianças, sob os cuidados de Edna de Oliveira. Construíram um galpão nos
fundos dessa casa para abrigar as aulas de arte.
157
Tal iniciativa, como pontua
Cesar Dorfman,
158
era um novidade para a época, considerando que a
Escolinha de Arte do Brasil foi criada em 1948, no Rio de Janeiro, por iniciativa
154
Ata de Fundação do Clube de Cultura. Livro de Atas da Diretoria n.1. Porto Alegre, 17 de
Setembro de 1950.
155
ALEICHEM, Scholem. Scholem Aleichem: centenário de nascimento. Rio de Janeiro:
ICUF, 1959, p. 7.
156
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 389.
157
Ata n. 4. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 6 de outubro de 1950.
158
DORFMAN, César. O Clube de Cultura, um sonho, a utopia... . Gente Judaica RS. Porto
Alegre, dezembro de 2002, p. 10.
76
do artista pernambucano Augusto Rodrigues.
159
Figura 4 - Confraternização na primeira sede do Clube de Cultura. Da esquerda para a
direita: André Paulo Franck, Francisco Dorfman, Mauricio Kotlhar, Elias Niremberg e
desconhecido, entre 1950 e 1953. (Gente Judaica RS. Porto Alegre, dezembro de 2002, p. 8.)
3.1. A ORGANIZAÇÃO DENTRO DA ORGANIZAÇÃO
A tradição idichista constituía uma organização dentro da organização, o
que é evidenciado na documentação sob a denominação Centro Cultural
Israelita I. L. Peretz. Esta sociedade, cujo patrono é um dos grandes clássicos
da literatura ídiche, possuía uma organização à parte do Clube de Cultura. Nas
atas de diretoria do Clube, encontram-se referências a ela desde a ata número
9, de dezessete de novembro de 1950, se fazendo representar na solenidade
de inauguração da primeira sede do Clube de Cultura.
Em ata posterior de diretoria, consta na ordem do dia um pedido de
cessão de espaço para a instalação da biblioteca do Centro Cultural Israelita I.
L. Peretz.
Esclareceu o Sr. Presidente [Mauricio Kotlhar] que este Centro tinha
por finalidade o cultivo da língua e cultura “Idisch” e como o Clube de
Cultura não tem, e não pretende organizar departamento neste setor,
159
BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil: realidade hoje expectativas futuras.
Estudos Avançados, São Paulo, v. 3, n. 7, dezembro 1989. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ea/v3n7/v3n7a10.pdf
. Acesso em 25 de maio 2009.
77
aceitou a oferta de cessão de um local na Sede, sem ônus para o
dito Centro, recebendo o Clube em compensação a permissão de
poderem seus sócios usufruir dos benefícios da dita biblioteca.
160
Pouca documentação do Centro Cultural Israelita I. L. Peretz resistiu ao
tempo. Naquilo que resta pode-se reconhecer que, apesar de ser uma
instituição a parte do Clube de Cultura, possuía muitos de seus membros
também associados ao Clube de Cultura. Listam-se vinte e cinco fichas de
sócios, a maioria imigrantes da Europa oriental, sobretudo Polônia e Rússia.
Dois esboços de atas, casualmente de número um e dois, preservaram-se. Na
ata de número um, sem data e realizada no Clube de Cultura, é fundado o
Centro Cultural e nomeada um comissão provisória constituída por Naftal
Rotemberg, Henrique Scliar e Salomão Schwartz, que deveriam se encarregar
das primeiras atividades, como compra de livros e instalação da biblioteca na
sede do Clube de Cultura.
Na ata de número dois, de quatorze de agosto de mil novecentos e
cinqüenta e um, constam onze presentes e a ordem do dia: relatório de
atividades; escolha de diretoria provisória e abertura oficial da biblioteca. Neste
último ponto foi aprovada a data de vinte dois de setembro de 1951 e
expedição de convites a todas as sociedades co-irmãs do Brasil.
Datando de setembro de 1951, vinte e cinco telegramas de todo Brasil,
alguns telegramas assinados por mais de uma organização, são endereçados
ao Centro Cultural Israelita I. L. Peretz de Porto Alegre. Neles, desejam-se,
sobretudo, votos de auspicioso futuro e trabalho cultural. Nota-se, portanto,
que havia uma articulação, uma solidariedade, ao menos nacional, entre as
diversas instituições que compunham o ICUF, instituições essas que passam a
ser denominadas nas atas do Clube de Clultura como sociedades co-irmãs ou
congêneres.
O telegrama do Instituto Cultural Israelita Brasileiro (ICIB) de São Paulo
termina: “desejamos continuem realizando novos empreendimentos visando
elevação cultural e união dos povos”, no mesmo sentido da já referida nota de
abertura ao livro de Scholem Aleichem. Visando a cumprir esses votos, em
vinte cinco de junho de 1951, o Centro Cultural Israelita I. L. Peretz pede para
seus ativistas Henrique Scliar, Naftal Rotemberg e Salomão Schwartz
comporem a delegação do Clube de Cultura na reunião conjunta do Centro de
160
Ata n. 12. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 15 de dezembro de 1950.
78
Educação e Cultura.
161
Naftal Rotemberg, provavelmente, era a principal liderança no Rio
Grande do Sul. É apontado por Henrique Scliar como o grande incentivador da
vida intelectual e cultural idichista.
162
Corrobora nesse sentido ele também ser
correspondente local do Unzer Stime, juntamente com Simão Nicolaiewsky.
163
O Unzer Stime, Nossa Voz, era um jornal bi-semanal e bilíngüe, em
ídiche e português, editado em São Paulo e Rio de Janeiro por Hersh
Schechter, desde três de abril de 1947. Schechter era um imigrante judeu
romeno, e em meados dos anos de 1920 aproxima-se de Octavio Brandão, um
dos dirigentes do PCB. Brandão o convida a participar do jornal A Nação, tanto
na redação quanto na distribuição. Cumprindo essa tarefa Schechter é preso e
deportado para a Republica de Weimar. Segundo Dina Lida Kinoshita,
Schechter pede auxílio aos portuários de Hamburgo, sendo levado a Moscou
pelo Socorro Vermelho Alemão, onde já era esperado dada uma
correspondência de Astrogildo Pereira, também dirigente do PCB, pedindo
ajuda ao companheiro de partido.
Schechter retorna ao Brasil quando se preparava o levante de 1935,
sendo novamente deportado no final da década para o Uruguai. No Uruguai,
passa a trabalhar no jornal progressista em ídiche Unzer Fraint, Nosso Amigo,
órgão do ICUF uruguaio. Schechter era uma pessoa importante para o PCB,
pois podia comunicar-se com inúmeros grupos por ser poliglota. Volta ao Brasil
depois de redemocratização, e é destacado pelo partido a trabalhar no meio
judaico.
Eles [a direção do PCB] avaliaram que era importante no momento
fazer um jornal no meio judaico, e que ele tinha experiência pra fazer
isso e tinha... era o cara da linha justa, fiel e tal, e que ele não tinha
mais condições pelo que aconteceu com ele nesses anos todos,
desde a década de 20 até 45 ele voltar a militar, digamos... porque
ele era apátrida, enfim, ele tava numa situação muito complicada e
avaliaram que era melhor ele trabalhar no setor judaico. Aí ele vira a
cabeça e a alma do Unzer Stime, embora não conste o nome dele
em nenhum lugar do jornal, ele não assina nenhum artigo ...
enquanto todos artigos de capa, todos os artigos internacionais,
todos eram feitos por ele, ele era a cabeça e a alma do jornal, mas
ele não aparece. Quem quiser acredita, porque aí é só memória oral,
161
Ata n. 26. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 25 de junho de 1951.
162
SCLIAR, Henrique. apud GUTFRIEND, Ieda. A imigração judaica no Rio Grande do Sul:
da memória para a história. São Leopoldo: Unisinos, 2004, p. 125.
163
KUPERMAN, Esther. ASA: gênese e trajetória da esquerda judaica não sionista carioca.
Espaço Acadêmico, n. 28, setembro 2003. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br
. Acesso em: 12 de maio 2007.
79
quem o conheceu, entende?
164
Durante uma homenagem a Wladimir Herzog, Horacio Schechter
relembra o pai:
Minha família também sofreu com a ditadura. Permitam-me lembrar
meu falecido pai, Hersch Schechter. Filho de imigrantes. Jovem
imigrante. Judeu. Também acreditava que um mundo melhor era
possível. Militante das causas sociais desde cedo. Jornalista. Em
abril de 1947, fundou o jornal Nossa Voz (Unzer Stime), voltado para
o setor progressista da coletividade judaica. Era seu dirigente e
também redator. Na véspera da edição do seu 17° aniversário, a
repressão fecha o jornal e empastela a gráfica Isbra, onde era
impresso. Busca refúgio em Montevidéu, Uruguai, terra sempre
generosa. Quando houve condições, volta ao Brasil e trabalha na
revista Veja até se aposentar por estar com uma doença grave.
165
O Unzer Stime foi o órgão oficial do campo judaico-progressista no
Brasil. Inúmeras vezes seus representantes estiveram no Clube de Cultura,
sendo aceitos inclusive em reuniões de diretoria, bem como a participação de
Horácio Schechter, também jornalista do Nossa Voz/Unzer Stime, na
inauguração da sede própria do Clube de Cultura em 1957, a fim de dar a
devida cobertura.
166
No Unzer Stime, publicavam-se as notas de pesar quando pessoas
queridas ao Clube de Cultura faleciam.
167
A lista de seus assinantes era
utilizada pela diretoria do Clube de Cultura a fim de organizar campanhas de
arrecadação quando a entidade estava em dificuldades financeiras. Dada a
identidade da orientação político-ideológica, constituía uma forma de selecionar
elementos que contribuiriam mais facilmente para o Clube.
168
Apesar de ser afirmado em ata que o Clube de Cultura aceitaria o Centro
Cultural Israelita I. L. Peretz por não pretender criar departamento de cultura
ídiche, evidencia-se na documentação que, com o passar do tempo, o mesmo
é absorvido pela estrutura do Clube. É criado em 1955 o Departamento de
Ídiche, sendo indicado para sua direção Naftal Rotemberg.
169
Pouco pode-se
saber sobre Rotemberg, além de sua origem polonesa, nascido em Varsóvia.
Realizava, sobretudo, as tarefas de articulação da rede idichista a nível
164
KINOSHITA, Dina Lida. Depoimento sobre o ICUF concedido a Airan Milititsky Aguiar. Rio
de Janeiro, 5 de dezembro de 2008.
165
Especial. Boletim ASA, Rio de Janeiro, n. 99, março-abril de 2006. Disponível em:
http://www.asa.org.br/boletim/99/99_h2.htm. Acesso em 15 de novembro de 2008.
166
Ata n. 123. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 28 de novembro de 1957.
167
Ata n. 53. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 26 de outubro de 1953; Ata n. 115.
Livro de Atas da Diretoria n.1. Porto Alegre, 25 de outubro de 1957.
168
Ata n. 88. Livro de Atas do Conselho Deliberativo n. 1. Porto Alegre, 3 de maio de 1962.
169
Ata n. 59. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 20 de junho de 1955.
80
nacional e internacional. Restam duas correspondências em ídiche que o
mencionam. Trata-se nelas de articulações para a vinda e artistas nacionais e
estrangeiros a Porto Alegre, bem como da respectiva divulgação.
Além de participar do Unzer Stime, através de Rotemberg e
Nicolaiewsky, o Clube de Cultura assinava o jornal norte americano Morgen
Freiheit. Editado em inglês e ídiche, era considerado o Pravda
*
do
progressismo judaico.
170
O jornal envia, em vinte sete de fevereiro de 1958, um
agradecimento pela assinatura do mesmo.
171
Isso indica a inserção do Clube
de Cultura na política nacional e internacional do ICUF.
Isso é corroborado pela correspondência do ICUF nacional, bem como
das entidades que o conformavam, por serem lidas e avaliadas no expediente
das reuniões de diretoria do Clube de Cultura. Ao que tudo indica, o Centro
Cultural Israelita I. L. Peretz passa a ser chamado de ICUF local, sendo
invocado apenas para assuntos de correspondência em ídiche ou para
formalizar delegações aos congressos nacionais do ICUF. Ademais, em
reunião do Conselho Deliberativo do Clube de Cultura, em 1955, após
explicações e apelo de Naftal Rotemberg para que o Clube se unisse ao ICUF,
é encaminhado à Diretoria a nomeação de um delegado a fim de organizar o
ICUF local. Intui-se que tenha sido Rotemberg o delegado indicado pelo Clube
de Cultura para formar o dito ICUF local, ao ser nomeado diretor do
Departamento de Ídiche. Sendo assim, é possível afirmar que há uma
absorção, no mínimo parcial, do Centro Cultural Israelita I. L. Peretz pelo Clube
de Cultura, bem como da sua ligação intima ao ICUF.
Todavia o Clube de Cultura não dedicava sua existência apenas a
cultura judaica laica em ídiche ou não. Era próprio aos progressistas
incentivarem a participação em lutas e problemas mais amplos das sociedades
nas quais viviam, como forma de integração social.
172
Exemplo dessa conduta,
nos primeiros anos de atividade do Clube, é a organização de uma conferência
de Jorge Amado, amigo pessoal de Henrique Scliar e de seu filho, o artista
plástico Carlos Scliar, ambos sócios do Clube. Moacyr Scliar recorda de ir,
*
O Pravda foi o órgão oficial do Partido Comunista da União Soviética.
170
GOLGHER, Isaías. A tragédia do comunismo judeu: a história da Ievsektzia. Belo
Horizonte: Mineira, 1970, p. 60.
171
Ata n. 126. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 27 de fevereiro de 1958.
172
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 380.
81
quando ainda criança, à casa de seu tio para ver o ilustre escritor.
173
Zélia
Gattai registrou detalhadamente essa experiência no Rio Grande do Sul em
seu livro Um chapéu para viagem.
Figura 5 - Jorge Amado. Ao centro o artista plástico Carlos Scliar, a sua direita o escritor
Jorge Amado, a direita de perfil Henrique Scliar. (Gente Judaica RS. Porto Alegre, dezembro
de 2002, p. 1.)
A citada conferência foi realizada provavelmente em setembro de 1952, no
Instituto de Belas Artes, a fim acolher um público ampliado, visto que a sede
social do Clube de Cultura era modesta. Naquela época, Jorge Amado estava
fortemente envolvido em sua militância política, sobretudo com seu livro O
Mundo da Paz, lançado pela Editoria Vitória, do PCB, no qual trata de suas
experiências nos países socialistas, publicação que lhe valeu um processo por
subversão.
Em 1953, passando por dificuldades financeiras referentes ao aluguel do
imóvel onde funcionava a sede social, é proposto um plano para garantir a
propriedade do mesmo. Resolve-se então comprar o imóvel e construir um
condomínio do qual participaria o Clube de Cultura. A dívida seria paga pelos
sócios que estivessem interessados, podendo se ampliar para não sócios, a fim
de garantir o numerário necessário.
174
Inúmeros sócios, diretores e
conselheiros compraram apartamentos a fim de garantir a existência da futura
sede. A transação de compra é escriturada aos 12 dias de outubro de 1953.
175
Em quinze de março de 1954, já se preparava a festa da cumeeira, visto o
173
SCLIAR, Moacyr. Por um mundo melhor é preciso ler, ler, ler... Disponível em:
http://www.educacaopublica.rj.gov.br/biblioteca/literatura/0014_4.html
. Acesso em 10 de janeiro
2009.
174
Ata n. 43. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre,16 de janeiro de 1953.
175
Ata n. 52. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 19 de outubro de 1953.
82
adiantado da obra.
176
Todavia, apenas em 14 de novembro de 1957 a sede do
Clube de Cultura foi oficialmente inaugurada. Apesar de não poder utilizar a
sede durante sua construção, o Clube não deixou suas atividades culturais de
lado. Comemorou, com ênfase, as solenidades anuais do Levante do Gueto de
Varsóvia.
3.2. ELOGIO À LIBERDADE E À RESISTÊNCIA: O LEVANTE DO GUETO DE
VARSÓVIA
Nunca digas que esta senda é a final,
porque o céu cinza cobriu a luz do sol.
O momento tão esperado chegará
e o soar de nossa marcha escutarão.
O clamor por tanta angustia e a dor
desde o trópico até o pólo soará,
e ao regar com sangue nossa herança,
a esperança forte e pura crescerá.
Não é um canto alegre, é canto de fuzil,
não é tampouco pássaro de liberdade,
é canção de um povo obrigado a sofrer
que com sangue e chumbo o verso
escreverá.
Hino dos Partisans
Em 19 de abril de 1943, irrompeu em Varsóvia, Polônia, no gueto
judaico, a primeira grande insurreição civil contra a Alemanha Nazista, uma
insurreição judaica contra a solução final.
177
Pouco antes, começavam enfim a
notar que as falsas promessas de reassentamento no leste, com vida calma e
trabalho garantido nas indústrias, eram um eufemismo para serem matéria-
prima da indústria da morte. O espectro da morte em campos de extermínio
começava a tomar concretude. Indignados frente às deportações forçadas para
o leste, parte dessa comunidade prefere lutar a ir como carneiros para o abate.
Mesmo sabendo não se tratar de uma luta passível de êxito militar, este
levante foi uma demonstração da possibilidade de deter o inimigo nazista.
Formou-se uma coalizão de quase todos os setores organizados, de sionistas a
comunistas, de religiosos a laicos, uniram-se na ZOB (Organização de
Combatentes Judeus), sem certeza de viver, mas ao menos morrer com honra.
176
Ata n. 55. Livro de Atas da Diretoria n. 1. Porto Alegre, 15 de março de 1954.
177
Forma como os nazista chamaram a política de extermínio do povo judeu.
83
Lutaram contra a traição interna do Conselho Judaico, Judenrat, que
organizava as deportações para os campos de concentração e obtinha
benesses com as autoridades alemãs por seu serviço de colaboração.
Ganhando, paulatinamente, a simpatia de muitos que restavam no gueto após
as primeiras deportações, não foram mais que 700 homens e mulheres, mal
armados e sem treinamento adequado, que durante 42 dias resistiram à
obstinação de 1530 soldados alemães em liquidar o gueto.
178
Feito este que
tornara-se um símbolo da resistência ao inimigo nazista.
Há poucos anos foi publicado no Rio Grande do Sul um livro chamado
“O dever da memória: o levante do gueto de Varsóvia”
179
. Este pequeno
opúsculo editado pela Federação Israelita do Rio Grande do Sul, é um dos
últimos esforços no sentindo cumprir o dever da memória, compreendendo que
“esta não foi a senda final”. Entretanto, este dever, durante anos, foi cumprido
com entusiasmo e dedicação em outros espaços e de diversas formas.
Dina Lida Kinoshita coloca que
durante muitos anos, as entidades judaicas filiadas ao ICUF, eram as
únicas que comemoravam o Levante do Gueto de Varsóvia,
enquanto os sionistas silenciavam alegando que não havia nada a
comemorar, já que os judeus dos guetos foram para os crematórios
como carneiros. Neste evento bem como em uma série de
comemorações e manifestações que ocorriam nestas entidades,
sempre se enfatizava a universalidade do feito, sua relação com o
presente sem ater-se somente à questão judaica.
180
No Rio Grande do Sul, a única organização vinculada ao ICUF foi o
Clube de Cultura, na qual, por anos seguidos, se comemorou o Levante do
Gueto de Varsóvia. Todavia, a informação de que apenas as entidades filiadas
ao ICUF comemoravam o Levante é errada. Ao menos em 1950 e 1951, o
Circulo Social Israelita, junto a todas entidades judaicas porto-alegrenses,
realizou atos comemorativos ao Levante.
181
A despeito dessa incongruência, o
178
TUSHNET, Leonard. Morrer com honra: o levante do gueto de Varsóvia. Rio de Janeiro:
Saga, 1966, p. 80.
179
SLAVUTZKY, Abrão (Coord). O dever da memória: o levante do gueto de Varsóvia. Porto
Alegre: AGE; FIRGS, 2003.
180
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 388.
181
No jornal Correio do Povo de 19 de abril de 1950 e 1951 encontra-se a convocatória
para o ato, fazendo-se registrar que é convocado pela totalidade das instituições da
comunidade judaica na capital. Henrique Samet também adverte para a disputa política em
relação a essa comemoração. SAMET, Henrique. O levante do Gueto de Varsóvia e a
sobrevivência judaica. Revista Espaço Acadêmico, n. 24, Maio 2003. Disponível em:
http://www.espacoacademico.com.br
. Acessado em 30 de novembro de 2007.
84
significado e a forma de comemorar o Levante, pelo Clube de Cultura, condiz
plenamente com o exposto por Kinoshita.
A primeira menção a esse ato encontrada na documentação do Clube de
Cultura é de 23 de junho de 1955. Nessa ata da Diretoria aparece um relato da
comemoração levada a efeito pelo Clube de Cultura em um programa
radiofônico, emitido pela Radio Itaí, com boa repercussão entre os sócios e no
seio da coletividade judaica. Conforme depoimento, o responsável pelos textos
dos programas era Jacob Koutzii, imigrante judeu vindo da Bessarábia, um dos
pioneiros da crítica cinematográfica no Rio Grande do Sul, que utilizava do
pseudônimo Plínio Moraes.
Segundo depoimento de Hans Baumann, imigrante judeu alemão,
no início quando eu estava no Clube em [19]54, 55, então se fazia
um programa radiofônico sobre o Gueto de Varsóvia, nós
comemorávamos pela data greco-romana, 19 de abril, os outros pela
calendário judaico. Me lembro até que quem preparava era o pai do
Flavio Koutzii, Jacob Koutzii, e um dia nos estávamos numa reunião
aqui ó [aponta para a antiga sala de reuniões da diretoria], e ai o
pessoal começou: “Pô, mas vem cá, amanhã tem o programa tu já
tem alguma coisa feita, elaborada?” Ai ele disse assim, “Não, eu não
preciso disso, sai na urina”, e fez o troço. Eu escutei o programa no
dia 19, foi dia 18 que nós nos reunimos.
182
Este breve depoimento inicia com um dado bastante interessante: a
oposição entre nós e os outros. Essa fronteira indica o reconhecimento da
clivagem interna da população judaica porto-alegrense entre os progressistas e
os demais.
Esse programa radiofônico era realizado também pela impossibilidade
de se usar a sede do Clube de Cultura que no período estava sendo
construída. Em ata da diretoria de 25 de abril de 1957 consta:
Registra-se um voto de louvor aos diretores Srs. Elias Niremberg,
Naftal Rotemberg e Jacob Koutzi, pelo trabalho brilhantemente
apresentado por ocasião da organização e apresentação, pela radio
Itaí, do programa de 19 de abril o qual mereceu, de diversos
elementos da colônia israelita, os melhores elogios.
O programa, realizado em conjunto pelo Clube de Cultura e pelo Centro
Cultural Israelita I. L. Peretz, tinha como intuito levar
aos céus do Rio Grande e do Brasil, as expressões de nossa
solidariedade e nosso respeito, de nossa admiração e de nosso
carinho aos quarenta e cinco mil heróis, homens, mulheres e
crianças, que na fortaleza do Gueto de Varsóvia, no reduto da
liberdade, na trincheira antifascista, com coragem inaudita, resistiram
182
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
85
ao agressor e arrasaram o mito da impunidade e do crime, fazendo
com que os carrascos nazistas pagassem o preço de sua covardia
inominável e de seus atos cruéis e selvagens.
183
Seu sentido mais profundo, porém era
um monumento de coragem humana e de invencível espírito de luta
contra a opressão, contra os preparativos de uma nova guerra,
contra os planos macabros de um conflito com armas atômicas.
Como em outras partes do mundo, o sacrifício dos combatentes de
Varsóvia acendeu e aprofundou o desejo vivo e ardente de cimentar
uma humanidade fraternal e pacifica e consolidar a paz e a
segurança entre todos os povos da terra...
184
Com a inauguração da nova sede, em 1958, o ato passou a ser
realizado no Auditório Henrique Scliar. No primeiro ato no auditório do Clube de
Cultura, o programa foi elaborado em parceria com a direção do ICUF local.
Em ata de diretoria do Clube de 20 de março de 1958 aponta-se:
Sob o primeiro ponto falou o Sr. Hans Baumann, informando que em
nome da diretoria do ICUF local, que a mesma estava organizando
um programa para as comemorações de 19 de abril, data do 15
o
aniversário do glorioso “Levante do Ghetto de Varsóvia”, para que
solicitavam o salão de nossa sede social e bem assim a colaboração
desta diretoria.
- Resolveu-se atender ao pedido prometendo colaboração total no
sentido do maior do maior brilhantismo desta comemoração.
185
Figura 6 - Platéia em ato público comemorativo ao Levante do Gueto de Varsóvia.
Auditório Henrique Scliar, Clube de Cultura, aproximadamente 1959. (Acervo Clube de Cultura)
183
O Levante do Gheto de Varsóvia 14º Ato Comemorativo. Porto Alegre, 19 de Abril de 1957.
184
O Levante do Gheto de Varsóvia 14º Ato Comemorativo. Porto Alegre, 19 de Abril de 1957.
185
Ata n. 131. Livro de Atas da Diretoria n. 2. Porto Alegre, 20 de março de 1958.
86
Tal formato de palco passou a ser um programa cultural bastante
extenso, composto por palestra em ídiche, palestra em português, momento
religioso, apresentação de um sobrevivente, hora cultural com peça teatral e
apresentação do Coral do Clube.
Como aponta Kinoshita, havia dentro das possibilidades à época um
intercambio entre as sociedades co-irmãs.
186
Na preparação deste ato
informaram “os representantes do ICUF, estar o programa para 19 de abril
praticamente resolvido, solicitando a Secretaria sejam enviados convites aos
sócios e sociedades co-irmãs”. Ainda neste sentido o Clube de Cultura
ofereceu à entidade co-irmã SOCIB, em 1959, um painel realizado pelo artista
gaúcho – membro ao Clube da Gravura fundado também por Carlos Scliar –
Danúbio Villamil Gonçalves, intitulado “Levante do Gheto”.
187
Figura 7 – Painel “Levante do Gheto de Varsóvia” de Danúbio Villamil Gonçalves, 1958.
(Nossa Voz/Unzer Stime, São Paulo, 22 de maio de 1958)
A fala em ídiche era feita por Naftal Rotemberg. Conforme depoimento
de Hans Baumann, o momento religioso era feito junto a um sobrevivente do
Gueto:
vinha o Abraão Wart que é sobrevivente do Gueto também,
escreveu um livro não sei se tu leu, ... . (...). Bom, e o Wart tinha o
número tatuado aqui [indica o antebraço esquerdo] então se
chamava um cantor, não era bem rabino, um chazan, e ai o cara
cantava El maley rachamim , e dizia um Kadish.
188
186
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., 391.
187
Ata n.167. Livro de Atas da Diretoria n. 2. Porto Alegre, 28 de maio de 1959.
188
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
87
Baumann em seu depoimento acrescenta que “se acendia também, no
ato aqui no Clube, seis velas, se dizia um kadish e o chazan
*
fazia uma
pequena palestra, era um ato assim... solene, muito triste”.
189
Na comemoração de 1961, o ato ganha ainda maior fôlego e é
configurado em uma semana comemorativa, além do “habitual ato público e
cívico”. Contava com exposição fotográfica martiriológica e exibição de filmes,
convocando a legação polonesa a somar na atividade. Ao que indica a
documentação, esse foi o ato do Levante de maior elaboração realizado no
Clube de Cultura. Compareceram a este ato o Cônsul Polonês, o deputado
federal Armando Temperani Pereira, o deputado estadual Sinval Guazelli,
como oradores convidados, o diretor de teatro e literato Delmar Mancuso, como
declamador, bem como Fulvio Petraco, representando a União Estadual dos
Estudantes. Esta semana foi encerrada com uma palestra, que se tornou um
pequeno livro, sobre o candente caso Eichmann, do Dr. Hugolino Andrade
Uflacker, o único magistrado cassado no Rio Grande do Sul após o golpe
militar.
Nesta palestra, Uflacker analisou a competência e legitimidade, do ponto
de vista jurídico, da Justiça Israelense em julgar Eichmann:
o principal responsável imediato pela situação que deu origem
aquela demonstração de heroísmo inenarrável [Levante do Gueto de
Varsóvia], que constitui um marco histórico imperecível da
humanidade contra o fascismo e contra a opressão.
190
À época, existia uma série de controvérsias quanto à legitimidade do
julgamento por uma corte israelense. No processo, Eichmann era julgado
enquanto chefe do Departamento da Gestapo, polícia política nazista,
encarregado do “problema judeu”, responsável pela execução da chamada
solução final: o extermínio dos judeus. Uflacker, ao fim, sustenta juridicamente
a legitimidade do processo.
O julgamento e a condenação de Eichmann à morte levantaram uma
série de manifestações contra os judeus em diversas partes do mundo. Na
Argentina, país em que Eichmann foi capturado pelo serviço secreto israeli,
ocorreram inúmeras manifestações contra judeus, seja na opinião pública,
*
Chazan é o cantor ritualístico. Provavelmente o hino religioso não era El maley rachamim,
mas sim uma adaptação dessa prece fúnebre para fins de homenagem aos mortos no
holocausto. O kadish é a prece de rememoração aos mortos a fim de elevar suas almas.
189
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
190
UFLACKER, Hugolino de Andrade. O caso Eichman: conferência pronunciada no Clube
de Cultura. Porto Alegre: Gráfica Moderna, 1961.
88
sejam em atentados pessoais. A comunidade judaica argentina respondeu de
diversas maneiras, havendo uma polarização entre os setores progressistas e
os sionistas. Neste sentido, o setor progressista via a necessidade de se formar
uma frente de luta contra o fascismo, junto aos demais setores do povo
argentino, ao passo que os sionistas buscaram outras alternativas como a
criação de escolas em turno integral, grupos de autodefesa, imigração para
Israel e uma greve geral do comércio.
191
Ao que indica a documentação do Clube de Cultura, tal polarização
também ocorreu em Porto Alegre. Apresenta-se a importância atribuída a fatos
similares ocorridos, também, em território gaúcho, visto que o Comitê Central
do ICUF pede informes a respeito das manifestações.
192
O Clube decide
realizar um “Ato Contra o Anti-semitismo”, em 18 de dezembro de 1961, dados
os “acontecimentos anti-semitas ocorridos em diversas partes do mundo”.
193
Decidem convidar diversas autoridades, como Leonel Brizola, Governador do
Estado do Rio Grande do Sul; Helio Carlomagno, Presidente de Assembléia
Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul; Alfeu Barcelos, Presidente da
Câmara de Vereadores de Porto Alegre; Manoel Braga Gastal, Prefeito de
Porto Alegre; Deputado Sinval Guazeli; Aldo Sirangelo, Chefe de Policia Civil; e
o professor Rubem Maciel, para participarem deste ato.
Evidencia-se a polarização, bem como a adoção de uma resposta similar
à estipulada pelos progressistas argentinos, pois propugnaram um Comitê não
judaico de luta contra o anti-semitismo, visto que o comitê, presumivelmente,
judaico, na pessoa de Henrique Henkin, havia sido desfavorável à realização
deste ato.
194
Evidencia-se também que a relação entre o Caso Eichmann e os
acontecimentos anti-semitas era manifesta, tanto que é a única publicação do
Clube de Cultura “O caso Eichmann”, a palestra de Hugolino de Andrade
191
KAHAN, Emmanuel N. “Sionistas” vs. “progresistas”; una discusión registrada en las
páginas de Nueva Sión en torno de la cuestión israelí y la experiencia fascista durante el affaire
Eichmann, 1960-1962”. Cuestiones de Sociología, La Plata, n. 3, 2006, p. 298-314.
Disponível em: http://históriapolitica.com/datos/biblioteca/kahan1.pdf
. Acesso em: 20 de agosto
2008.
192
Ata n. 250. Livro de atas da Diretoria n. 3. Porto Alegre, 27 de novembro de 1961.
193
Ata n. 85. Livro de Atas do Conselho Deliberativo n. 1. Porto Alegre, 11 de dezembro de
1961.
194
Ata n. 85. Livro de Atas do Conselho Deliberativo n. 1. Porto Alegre, 11 de dezembro de
1961.
89
Uflacker, é feita especialmente em vistas desses acontecimentos.
195
Nota-se,
portanto, o engajamento em estabelecer alianças políticas fora da comunidade
judaica local, no sentido de que a luta contra a discriminação e a opressão
ultrapassa as fronteiras da identidade judaica.
Apesar de o Clube de Cultura ser uma instituição laica, portanto não
religiosa, nos atos comemorativos ao Levante do Gueto de Varsóvia realizava-
se parte do ritual de Iom ha Shoa ve ha Guevura (Dia da recordação do
holocausto e da bravura). Uma data religiosa instituída depois da Segunda
Guerra Mundial, na qual cada uma das seis velas acesas simboliza um milhão
de judeus mortos. Selecionavam-se, assim, elementos progressistas da
tradição. Nessa perspectiva, a comemoração do Levante do Gueto de Varsóvia
não era simplesmente uma rememoração a fim de reforçar a identidade do
grupo, articulava-se a isso uma disputa interna, da hegemonia na coletividade
judaica. Sobretudo, era enfatizada a universalidade do símbolo da resistência e
da liberdade, articulando-o a temas contemporâneos.
Quando indagado sobre o significado do Levante para o Clube de
Cultura, Baumann responde:
Símbolo pela resistência, que o Gueto de Varsóvia foi a primeira
resistência viva, primeiro levante armado contra os Alemães. Porque
nos outros campos de concentração, desde o início da guerra, se
entregavam passivamente. Então isso era uma mostra que também
tinham judeus que lutavam.
196
Essa menção aos judeus que haviam lutado contra a opressão e
discriminação era o mote, pois o “Clube ligava isso politicamente, não fazia
essa lembrança isoladamente. Falava dos assuntos aqui do Brasil, na América,
assuntos do Mundo, nas guerras que tinham, Guerra da Coréia”.
197
Assim,
disputavam a direção intelectual e moral não só da coletividade judaica porto-
alegrense, mas de setores mais amplos dessa população.
São tais práticas que suscitam uma similaridade com a passagem do
plano econômico-corporativa para o plano político na teoria gramsciniana:
O primeiro e mais elementar é o econômico-corporativo: um
comerciante deve ser solidário com outro comerciante, (...), mas não
ainda a unidade do grupo social mais amplo. Um segundo momento
é aquele em que se atinge a consciência da solidariedade de
interesses entre todos os membros do grupo social, mas ainda no
195
Ata n. 85. Livro de Atas do Conselho Deliberativo n. 1. Porto Alegre, 11 de dezembro de
1961.
196
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
197
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
90
campo meramente econômico. (...). Um terceiro momento é aquele
em que se adquire a consciência de que os próprios interesses
corporativos, em seu desenvolvimento atual e futuro, superam o
círculo corporativo, de grupo meramente econômico, e podem e
devem tornar-se os interesses de outros grupos subordinados. Esta
é a fase mais estritamente política, que assinala a passagem nítida
da esfera da estrutura para a esfera das superestruturas complexas;
é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se
transformam em “partido”, entram em confrontação e lutam até que
uma delas, ou pelo menos uma combinação delas, tenda a
prevalecer, a se impor, a se irradiar por toda a área social,
determinando além da unicidade dos fins econômicos e políticos,
também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em
torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano
“universal”, criando assim a hegemonia de um grupo social
fundamental sobre uma série de grupos subordinados.
198
É similar ou homólogo por, em parte, não parte, não surgir de um
interesse diretamente econômico-corporativo, mas de um interesse étnico-
social. Todavia, cabe lembrar que o campo judaico-progressista estabelecia a
emancipação judaica em um processo de emancipação de toda a humanidade,
sendo a universalidade dos interesses ponto de partida e não ponto de
chegada, ou, como em síntese aponta Isaac Deutscher, “a busca de uma
identidade, pelo intelectual judeu a meu ver, somente se justificará se ela o
ajudar na luta por um futuro melhor para toda humanidade”.
199
Como lembra
Baumann em seu depoimento, era importante lembrar a resistência em
Varsóvia “porque a gente tava sempre exposto a críticas do mundo inteiro que
os judeus se deixavam abater como carneiros. Isso demonstrava que não”.
200
Essa universalização do significado ocorria nas demais entidades
judaico-progressistas brasileiras, como aponta Kinoshita. A título de exemplo
segue a chamada para o ato em 1967:
Os remanescentes neonazistas, apoiando-se nos setores retrógados
e em governos antidemocráticos em diversos países do mundo,
pensam em reeditar as suas frustradas aventuras de anos atrás;
julgam poder destruir as mais caras conquistas democráticas e
anseiam perseguir minorias raciais que participam da vida das
diversas sociedades... (...) ... mas nós judeus, participantes da luta
do povo brasileiro pela democracia, estamos a todo tempo vigilantes
e empreendemos todos os nossos esforços no sentido de impedir o
avanço de forças obscurantistas neste momento, em que mais
importante torna-se demonstrar que mais amplas forças lutam contra
a sobrevivência do nazismo, unindo-se mais uma vez, aos setores
democráticos ...
201
198
GRAMSCI, Antonio. Cadernos o Cárcere, volume 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2002, p. 41.
199
DEUTSCHER, Isaac. O judeu não-judeu e outros ensaios. Rio de Janeiro: Civilização
brasileira, 1970, p. 55.
200
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
201
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 388.
91
O texto acima permite perceber que, ainda no início da censura e da
ditadura, a chamada para ato tem uma entrelinha, uma relação sensível com o
tema mais amplo da realidade nacional.
Sobre o relacionamento com o restante da coletividade judaica,
Baumann coloca:
Apesar do litígio que tinha naquela época com a rua judaica, enchia
isso aqui, tinha gente até na frente, tinha que abrir aquela porta,
naquela época abria. ... tinha muita gente que perdeu parente tudo
isso, judeu, e dava choradeira, dava isso e aquilo. Um ato que se fez
anos seguidos e foi muito respeitado e conceituado.
202
Ato respeitado para além da coletividade judaica. Baumann recorda que
“até Brizola veio um dia aqui falar, Braga Gastal, Sinval Guazelli – que foi
governador do estado já na época do Golpe Militar –, e os caras disputavam
para vir aqui”.
203
Estas participações, de membros da classe política, conferiam
ao ato um peso político respeitável.
Apesar da importância que as comemorações do Levante do Gueto de
Varsóvia tiveram entre 1950 e meados dos anos 60, ele deixa de ser realizado
no Clube de Cultura. Indagado sobre isso, Baumann responde que “surgiu aqui
no Brasil a Ditadura Militar, que não permitia esse tipo de atividade, a não ser
como os sionistas faziam, um ato religioso”
204
E que no passar dos anos “um
ato histórico, conforme vai avançando vai se distanciando. Quando se
comemorava aqui em 50 e poucos dava, mas agora quando veio a abertura
democrática [19]85, 86...”.
205
Ainda cabe ressaltar que o Clube passava por um processo de ruptura
com a especificidade judaica, vindo a se tornar uma agremiação aberta no
início dos anos 1960, fato que não o impediu de organizar o ato do Levante do
Gueto de Varsóvia, em 1964, esperando a participação do então deputado
Leonel Brizola. O Golpe Militar alterou os planos. Nas atas do Clube o Levante
continua presente até 1969, no entanto não se registram maiores detalhes.
202
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
203
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
204
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
205
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre as comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia
no Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar. Porto Alegre, 30 de novembro de 2007.
92
O significado do Levante do Gueto de Varsóvia nas comemorações
levadas a efeito no Clube de Cultura, é de luta contra toda e qualquer opressão
e discriminação. Novas trincheiras são criadas, portanto, “esta não é a senda
final”. A luta por uma sociedade fraterna, justa e igualitária, a luta pela
liberdade, do ponto de vista progressista, transcende as fronteiras do povo
judeu, sendo necessário criar uma nova orientação intelectual e moral, junto às
camadas mais amplas da sociedade em que este vive, na certeza de que com
muita luta o sol vencerá o cinza que cobriu o céu.
3.3. O DEPARTAMENTO FEMININO
Em março de 1951 mulheres progressistas organizam a seção local da
Associação Feminina Israelita-Brasileira de Auxílio à Infância Israelita Vitima
da Guerra da Europa Vita Kempner. Pouco material sobrou dessa associação,
a não ser algumas atas e fichas de controle de contribuição das associadas.
Esta reunião foi organizada por Esther Milman, Luiza Dorfman, Sarah
Knijnik e Esther Seligman, que convidaram Sara Schwartz, Wadia Rotemberg,
Luiza Schwartz, Sara Scliar, Esther Dorfman e Eva Kotlhar. O engajamento
desta associação pode ser notado a partir da data escolhida para seu
lançamento, o aniversario do Levante do Gueto de Varsóvia, “data sugestiva
em que homenageamos as vítimas da guerra”.
206
Nacionalmente, a associação iniciou como uma sociedade beneficente
que arrecadava roupas e alimentos para enviá-los a Europa, mas logo passa a
ser uma instituição sócio-educativa promovendo o bem estar da criança já
integrada na sociedade brasileira. Seu nome, em homenagem à partisan
polonesa Vita Kempner, já indica o caráter combativo que essas mulheres
desejam imprimir à associação. Quando Vita Kempner toma conhecimento do
uso político de seu nome, associado a ideais socialistas, pede que deixem de
206
Ata n. 2. Livro de Atas da Associação Feminina Israelita-Brasileira de Auxílio à Infância
Israelita Vitima da Guerra da Europa Vita Kempner. Porto Alegre, 29 de março de 1951.
93
utilizá-lo. Torna-se então apenas Associação Feminina Israelita-Brasileira
(AFIB).
207
No Rio de Janeiro, em 1950, a AFIB organiza a primeira colônia de
férias. Em 1951, compra a Kinderland, sede definitiva da colônia de férias.
Seus princípios fundamentais: “a PAZ, a solidariedade, o respeito às
diferenças, a amizade, a cooperação e a vida em coletividade”.
208
Inúmeras
vezes os membros do Clube de Cultura pensaram e discutiram meios de
construir um espaço semelhante para os jovens judeus progressistas porto-
alegrenses. No entanto, isso não ocorreu.
A Vita Kempner de Porto Alegre organizou uma pequena colônia de
férias com auxílio da Escola de Educação Física (ESEF) no transporte por
ônibus, em 1952, com a participação de dezoito crianças, aos cuidados de Eva
Kotlhar e Luiza Dorfman,.
209
Da documentação existente, naquilo que tange ao Departamento
Feminino do Clube de Cultura, permite perceber que se restringia a uma
espécie de instância auxiliar quando necessitavam de “dotes femininos” para
decoração e produção de quitutes nas festividades e na realização de
quermesses. Registra-se, na vinda da sociedade co-irmã Asociación Cultural
Israelita Dr. Jaime Zhitlovsky (ACIZ) de Montevidéu, em 1962, a crítica pela
inexistência de trabalho feminino.
210
Tradicionalmente, nas entidades judaico-
progressistas a atividade feminina por excelência era o Círculo de Leitura.
A fundação da Vita Kempner, bem como do Departamento Feminino em
Porto Alegre, pode ter um significado para suas sócias como o dado pelas
fundadoras da Kinderland. Quando perguntadas do porque constituir uma
associação eminentemente feminina, uma responde: “as outras organizações
daquele tempo não tinham possibilidade...”. Outra completa: “eram só de
homens! Pronto...”.
211
207
BERTHA, Mania e Doba. Kinderland. Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.kinderland.com.br/dwp_reportagens_detalhe.asp?id_sec=44&id_pub=787. Acesso
em: 21 de janeiro de 2009.
208
KINDERLAND 50 anos - Homenagem da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 2002. Disponível em:
http://www.kinderland.com.br/anexo/26032005113613.doc
. Acesso em: 21 de janeiro de 2009.
209
Ata n. [n.i.]. Livro de Atas da Associação Feminina Israelita-Brasileira de Auxílio à Infância
Israelita Vitima da Guerra da Europa Vita Kempner. Porto Alegre, janeiro de 1952.
210
Ata n. 284. Livro de Atas da Diretoria n. 3. Porto Alegre, 27 de agosto de 1962.
211
BERTHA, Mania e Doba. Kinderland. Rio de Janeiro. Disponível em:
http://www.kinderland.com.br/dwp_reportagens_detalhe.asp?id_sec=44&id_pub=787
. Acesso
em: 21 de janeiro de 2009.
94
Figura 8 - Colônia de Férias da AFIB - Vita Kempner. Porto Alegre, janeiro de 1952. (Gente
Judaica RS. Porto Alegre, dezembro de 2002, p. 8.)
3.3. A SEDE INAUGURADA
A construção de sede do Clube de Cultura se estendeu de 1953 a 1957.
Neste período, poucas atividades foram realizadas, a não ser os já
mencionados atos comemorativos do Levante do Gueto de Varsóvia. A
Inauguração da sede própria, em quatorze de novembro de 1957, ocorreu com
um amplo programa cultural de dez dias. Apresentação da Orquestra Sinfônica
de Porto Alegre com a participação de Helena Wainberg, futura regente do
Coral de Câmara do Clube de Cultura; conferência de Érico Veríssimo, que foi
transferida dada a revisão da obra O tempo e o vento
212
; entre outras
atividades encerradas pela comemoração da Partilha da Palestina.
A inauguração da nova sede foi vista como alavanca de novo patamar
de trabalho. Este novo patamar não se daria apenas pelas possibilidades de
uso da sede própria, mas por uma reorientação no trabalho do Clube de
Cultura. Houve uma tentativa de tirá-lo do isolamento, em anos anteriores,
frente à comunidade israelita.
Havia de fato uma separação política na “comunidade judaica” porto-
alegrense. “Nós não seguíamos a linha sionista, então havia litígios, eles não
212
PEIXOTO, Fernando. Teatro. Folha da Tarde, Porto Alegre, 25 de novembro 1957. As
referências de jornais são de pasta de recortes do Clube de Cultura, o que não permite
referenciar por vezes página e dia da semana.
95
vinham pra cá [no Clube de Cultura] e nós não íamos às atividades deles”.
213
Essa luta política levou a situações em que ocorria a proibição de propaganda
de atividades do Clube de Cultura no Circulo Social Israelita.
Um artigo no jornal Nossa Voz/Unzer Stime destaca como sinal de
novos tempos “o clima de cordialidade e intercâmbio entre o Clube e as
sociedades locais”, durante a inauguração da sede. Todavia, o artigo adverte
que “restam ainda alguns focos recalcitrantes, que conservam restrições e que
continuam pensando como nos melhores dias da guerra fria”. A forma de fazer
frente a esses adversários foi a conquista de novas amizades e simpatias. Por
exemplo:
um respeitável setor feminino do movimento sionista local solicitou
nosso auditório para a realização de um recital artístico de fins
beneficentes. Não tivemos dúvidas em ceder o local com a maior
satisfação. Não obstante, não tardaram certos elementos
equivocados em opor restrições à pretensão do grupo feminino,
dizendo cobras e lagartos do Clube. As senhoras discutiram a
situação, e amargos debates foram travados em conjunto com os
opositores. As ofensas atiradas ao Clube não se confirmaram, e os
ataques se reduziram a opiniões pessoais, extremamente subjetivas,
que foram logo postas de lado. O recital realizou-se com sucesso, e
em cena a representante do grupo sionista feminino agradeceu à
cooperação do Clube. Esse pequeno fato revela o clima de nosso
trabalho.
214
Evidencia-se assim a disposição do Clube de Cultura de ampliar sua
atuação e aceitação, tendo como foco a chamada coletividade israelita. A
participação da Hashomer Hatzair, organização sionista socialista, na
inauguração da nova sede também é prova desse empenho. A participação da
Hashomer pode ser entendida também do ponto de vista político. Esta
organização era bastante crítica em relação à política Israelense, tendo assim
pontos de convergência com o posicionamento progressista.
Essa busca por novas amizades e simpatias pode ser vista como um
meio de disputar elementos no sentido da orientação intelectual e moral, mas,
do ponto de vista econômico, a construção da sede própria foi dispendiosa.
Faziam-se necessárias formas de amortizar as dividas contraídas e novas
amizades e simpatias ajudavam. Esse esforço contou a uma ampla
colaboração de diversos departamentos do Clube.
Bom, a nossa grande preocupação era uma dívida enorme naquela
época, porque não foi somente a construção, uma para ser o
213
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
214
IANKALE. 8º Aniversario do Clube de Cultura. Nossa Voz, São Paulo, 22 de maio 1958.
96
mobiliário, fazer o recheio. Naturalmente, aquilo nós tivemos que
pagar. Então volta e meia, nos fazíamos uma quermesse, uma festa
beneficente, para arrecadar fundos. E assim se consegui pagar tudo
que se devia.
215
Figura 9 - Quermesse do Departamento Feminino. Realizada para levantar fundos para a
biblioteca. Clube de Cultura, 28 de junho de 1958. (Acervo Clube de Cultura)
O trabalho do Clube de Cultura foi reconhecido pelos demais setores da
comunidade judaica em Porto Alegre. Em 1963, Samuel Guimel reconhece o
empenho dos progressistas gauchos na revista Seleções Sionistas:
Um dos poucos setores ativos culturalmente no Ishuv
*
é o Clube de
Cultura, que congrega os judeus “progressistas”. Embora deles
discordemos, não podemos deixar de registrar as suas noitadas
culturais, as realizações de seu grupo teatral e as suas horas de
arte, muitas com temas judaicos e em lingua ídiche. São os únicos
que mantém intercâmbio cultural com seus co-irmãos de São Paulo,
Rio e Montevidéu.
216
Outra evidencia do reconhecimento do trabalho do Clube de Cultura
pelas demais associações judaicas porto alegrenses, apesar de
posicionamentos discordantes quando não contraditórios, é o convite para o
ato do Levante do Gueto de Varsóvia em 1960, realizado no Clube de Cultura
215
FRANCK, Andre Paulo. História de vida n. 258.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico
Marc Chagall, 1989.
*
Em hebraico comunidade, coletividade.
216
GUIMEL, Samuel. apud BRUMER, Anita. Cem anos de vida comunitária. In: WAINBERG,
Jacques A. (Coord.) 100 anos de Amor: a imigração judaica no Rio Grande do Sul. Porto
Alegre: FIRGS, 2004, p. 139.
97
ser assinado conjuntamente pelas entidades: Centro Hebraico Riograndense,
União Israelita Porto Alegrense, Clube Campestre, Circulo Social Israelita,
Grêmio Esportivo Israelita, Juventude Israelita Porto Alegrense, Linat Hatzedek,
Centro Israelita, Laispar Case, Sociedade Israelita Mauricio Cardoso, SIBRA,
Sociedade de Educação e Cultura, Organização Sionista Unificada, Damas de
Caridade e B'nai B'rith. Também assina o convite, a associação não judaica e
negra, Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora.
217
Essa discordância com os judeus progressistas ocorria por ser comum a
atribuição a eles de um anti-sionismo, e mesmo um descaso com o futuro de
Israel. De certo que havia uma tensão entre o particularismo judaico e o
universalismo progressista, mas via-se na construção de Israel o sinal de novos
tempos, “tempos febris que estão modificando a estrutura do mundo”.
218
Uma
chave para explicar essa tensão entre o especifico e o geral, é apresentada por
Kinoshita:
o imediato pós-guerra constitui um momento em que por um lado a
comunidade judaica engrossou sua simpatia pela esquerda e por
outro, é um momento de grande unidade do povo judeu. Sionistas e
comunistas apóiam a criação do Estado de Israel – se para os
primeiros essa criação simboliza a realização de um sonho milenar
de volta a “Terra Prometida”, para os segundos trata-se de um
movimento de libertação nacional em que o apoio soviético para um
Estado judeu, afetaria os interesses imperialistas numa região
altamente estratégica como tem sido ao longo deste século, o
Oriente Médio.
219
No entanto, Israel não tinha a mesma magnitude do Levante do Gueto
de Varsóvia. Era despendido bastante tempo com a preparação do ato relativo
ao Levante. Realizado em abril, algumas vezes sua preparação iniciava ainda
em janeiro, enquanto os atos relativos a Israel não passa de uma breve nota
nas atas. Desse modo pode-se dizer que a data judaica do Clube de Cultura
era o Levante, preferindo, assim, o símbolo da resistência, da luta pela
liberdade e dignidade humana contra o fascismo.
Kinoshita ainda aponta uma mediação em que “a atitude dos comunistas
sempre foi matizada por um outro sentimento: havia a esperança de um
reflorescimento das comunidades judaicas no leste Europeu, que seria a
experiência socialista, e não sionista, de solução da ‘questão judaica’”.
220
Há,
217
Levante do Gueto de Varsóvia. Porto Alegre, Clube de Cultura, 4 de abril de 1960.
218
Homenagem ao 15º Aniversario da criação pela O.N.U. do Estado de Israel. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 29 de novembro de 1962.
219
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 385.
220
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 395.
98
nesse caso, assim como na tentativa de manutenção do ídiche enquanto língua
popular, e nas inúmeras referências à vida no shtetl, sobretudo através da
literatura e do teatro, um certo romantismo revolucionário.
*
O Clube de Cultura estabeleceu contato com o ICUF polonês ao menos
uma vez. Em 1961, o deputado federal Armando Temperani Pereira visitou as
Democracias Populares e a União Soviética, portando uma correspondência do
Clube de Cultura ao ICUF polonês. Retornando com uma resposta em
ídiche.
221
Esta, provavelmente de Bernard Mark – autor de O Levante do
Gueto de Varsóvia editado no Brasil pela Editora Vitória com ilustrações de
Carlos Scliar – com quem Temperani Pereira se encontrou na Polônia,
segundo matéria no jornal Folha da Tarde de 20 de julho de 1961. O Clube
promove, nesta data, uma palestra de Temperani Pereira sobre suas
impressões da viagem à Polônia e URSS que, segundo a mesma matéria da
Folha da Tarde, trataria, também, sobre a vida da coletividade judaica na
Polônia Popular.
As comemorações relativas a Israel eram levadas a efeito tanto em
maio, quando da proclamação da Independência em 1948, quanto no dia 29 de
novembro, dia em que foi aprovada a resolução 181 das Nações Unidas, o
chamado Plano de Partilha, de 1947. Significativa a comemoração da última
data, visto ser divisa do movimento progressista “dois povos dois estados”.
Estas comemorações eram realizadas com apresentações artísticas,
normalmente de teatro ou coro, em ídiche, intercaladas com discursos alusivos
à data, com ênfase na necessidade de uma paz negociada e justa no Oriente
Médio, contemplando todos os povos da região.
Coube a Mario Frankel, oriundo do Iídich Folks-Teater (IFT), Teatro
Popular Ídiche, de Buenos Aires, entidade integrante da vasta rede Icufista
argentina, organizar o grupo de Teatro do Clube de Cultura. O IFT inicia suas
atividades em 1932. Para Jacob Guinsburg,
sua ação, unindo o ensinamento de I. L. Peretz “O teatro é escola
para adultos”, e o de Romain Rolland, “O teatro deve compartilhar o
pão do povo, de suas inquietudes, de suas esperanças e de suas
lutas”, o IFT fez do trabalho teatral uma prática deliberada não só de
arte, como de educação e política, mas sem renunciar, nos vários
momentos de sua trajetória e de suas preferências ideológico-
*
Romantismo revolucionário se caracteriza pela “recusa, ao mesmo tempo, a ilusão de retorno
às comunidades do passado e à reconciliação com o presente capitalista, procurando uma
saída na esperança do futuro”. LÖWY, Michel. Romantismo e messianismo: ensaios sobre
Lukács e Walter Benjamin. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 16.
221
Ata n. 235. Livro de Atas da Diretoria n. 2. Porto Alegre, 3 de julho de 1961.
99
estilisticas, à busca da artisticidade, senão da forma, na linguagem
dramático-cênica.
222
A estréia do Grupo de Teatro do Clube de Cultura foi realizada em 31 de
maio de 1958, comemorando o décimo aniversário de Israel. Duas peças
compunham o programa. De Alejandro Cassona, a peça A Farsa do Juiz
Corregedor, uma crítica à parcialidade e à interferência do poder econômico no
julgamento; de Scholem Aleichem, a peça Agenten, Agentes de Seguro,
comédia na qual o tipo Manachem Mendl, o luftmentsch
*
, se aventura a vender
seguros. Nota-se que as peças, bem como a temática, não eram alusivas à
data.
A documentação e os depoimentos ressaltam as apresentações deste
grupo nas comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia, sobretudo por
apresentarem textos inéditos, de autoria do próprio Clube de Cultura. Uma das
atrizes do grupo dramático na década de 1950, Margot Bauman Leventhal,
aproxima o teor dessas apresentações que “falavam sobre o Gueto de
Varsóvia, sobre o Holocausto, o Shoá
*
, principalmente. Então era isso que se
fazia no Clube de Cultura. Mas eram peças pesadíssimas, lindíssimas,
maravilhosas! Até hoje deveriam ousar...”.
223
222
Guinsburg, Jacob. Aventuras de uma língua errante: ensaios de literatura e teatro
ídiche. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 435.
*
Expressão em ídiche que significa homem que vive do e no ar.
*
Holocausto em hebraico.
223
LEVENTHAL, Magot Bauman. Depoimento sobre o teatro ídiche concedido a Ieda Gutfriend.
Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc Chagal, 1998.
100
Figura 10 - Estréia do Grupo de Teatro do Clube de Cultura. Clube de Cultura, 1958
(Acervo do Clube de Cultura)
O teatro em ídiche teve um lugar de destaque nas atividades do Clube
de Cultura, embora não tenha sido parte do circuito profissional do teatro
ídiche.
224
Grupos dramáticos de instituições ligadas ao ICUF, tanto de São
Paulo (Casa do Povo-ICIB), como Rio de Janeiro (Biblioteca Scholem
Aleichem-BIBSA) e Montevidéu (ACIZ), se apresentavam até o início da
década de 1960. Todavia, não há registro de todas as peças encenadas, por
vezes apenas da vinda dos grupos e trâmites de alojamento, na casa de
sócios, e responsáveis pela divulgação.
224
GUTFRIEND, Ieda. Op. cit., p. 105-133.
101
Em 1959, se apresenta o Teatro do ICIB na programação de aniversário
de inauguração da sede, incluindo a comemoração da Partilha. No entanto, o
programa artístico consistia na comemoração, proposta pelo ICUF, do
centenário de nascimento de Scholem Aleichem, apresentando em ídiche a
comédia Aposta Trágica, como no dia seguinte, Sonhos de Goldfaden, de Ítzik
Manger, sob a direção de Jacob Kurlender.
O grupo teatral do ICIB possuía um marcado engajamento seja pelo
conteúdo das peças que encenava, seja pelos posicionamentos que seus
integrantes tomavam na sociedade mais ampla. Kinoshita aponta para o
vínculo entre os atores que iniciaram suas trajetórias nos círculos dramáticos
do ICIB e suas posturas democráticas e progressistas dentro da classe teatral
brasileira.
225
Jacó Guinsburg destaca as técnicas e o trabalho de direção inovadores
realizado, sobretudo, em Sonhos de Goldfaden, por Jacob Rotbaum, diretor do
Teatro Israelita de Varsóvia, que montou esta peça em 1949, no então Centro
Cultura e Progresso, precursor do ICIB. Este trabalho, por sua qualidade,
despertou o interesse da crítica brasileira em geral.
226
Em agosto de 1962, após tentativas frustradas em anos anteriores, o
grupo dramático da ACIZ se apresentou em Porto Alegre. O programa consistia
em dois dias de apresentações de três peças curtas, provavelmente em um
ato. Eram elas Prosper’ity, de Deiksl, Naches fun Kinder, de I. L. Peretz, An
Eitze de Sholem Aleichem, no primeiro dia; Prosper’ity, Dem Klesmers Einilk,
de Taif e Der Schidech, de Anton Tchekov, no segundo dia.
225
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 387.
226
GUINSBURG, Jacob. Op. cit., p. 445-6.
102
Figura 11 - Grupo Dramático da ACIZ. Sentados os membros do grupo dramático da ACIZ.
Em pé da esquerda para a direita membros do Clube de Cultura: o quarto, Naftal Rotemberg, o
sexto, Abraão Wart, o sétimo, Salomão Schwartz Filho, o oitavo, André Paulo Franck, o nono,
Henrique Scliar, o décimo, Isaac Zaslavski, o décimo segundo, Paulo Kreitchman, o décimo
terceiro, Israel Wengrover, o décimo quarto, Hans Baumann, a décima quinta, Miriam Kassow.
Clube de Cultura, 1962 (Acervo Clube de Cultura).
O Clube de Cultura também foi palco de apresentações “engajadas” da
época. Comemorou seu décimo primeiro aniversário, em 1961, apresentando o
Teatro de Arena com peça de Augusto Boal Revolução na América do Sul.
Uma farsa-revista musical com forte conteúdo de crítica político-social. O
interesse pelo trabalho do Teatro de Arena, e a nova dramaturgia brasileira,
também se evidencia na palestra, em primeiro de maio do mesmo ano,
realizada por Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha.
Nessa comemoração, o Departamento de Juventude organiza um ato
referente à abolição da escravatura. Além de conferência do históriador Rúbio
Brasiliano, apresentou-se o Coral do Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Metalúrgicas, regido pela militante comunista, musicista e poetisa
Lila Ripoll. A realização de atividades com sentido abertamente
antidiscriminatório, celebrando a liberdade, pode ser entendida como forma de
ampliar alianças na busca por um mundo novo. Assim, percebe-se que o
posicionamento do Clube de Cultura reiteradamente extrapolava as fronteiras
da identidade judaica.
103
No mesmo ano, na comemoração da inauguração da sede em
novembro, apresentou-se o Teatro de Equipe de Porto Alegre, com a peça de
Mario de Almeida O Despacho. Esta, uma sátira musical à situação política do
Brasil após a renuncia de Jânio Quadros.
Todos estes grupos são elogiados na seção Cartas do Sul do jornal
Nossa Voz/Unzer Stime. A matéria atribui a ambos os grupos de teatro um
caráter progressista e vê no Teatro de Equipe uma extensão do trabalho do
Teatro de Arena. Saúda a peça de Mario de Almeida, por sua crítica ao status
quo, apontando para melhoras através de reformas básicas na estrutura do
país.
227
Essa coluna era assinada por Marcos Faerman, do Departamento de
Juventude, a partir de indicação da diretoria do Clube de Cultura.
228
Faerman
se definia como “repórter, judeu, gaúcho, gremista e marxista.” Líder estudantil
inflamado no Colégio Julio de Castilhos, militou até 1964 no PCB. Faerman fez
carreira como redator e repórter, seu trabalho jornalístico foi reconhecido no
Brasil e pesquisado pela academia.
229
3.4. CULTURA E POLÍTICA
Qual seria o intuito em promover essas atividades? Não se pode dizer
que por mero diletantismo. Era-lhes atribuído um sentido, uma direção, pode-se
afirmar que cumpria uma missão. Esta é expressa nos editoriais dos
respectivos programas, onde o Clube de Cultura posicionou-se pela
democratização da cultura.
Democratização que significava “fazer chegar [às massas] uma
mensagem de fé e esperança num mundo melhor”.
230
A promoção da cultura
não enquanto mera forma de ilustração, porque ela
227
FAERMAN, Marcos. Notas do Sul. Nossa Voz, São Paulo, 31 de agosto 1961.
228
Ata n. 236. Livro de Atas da Diretoria n. 2. Porto Alegre, 21 de agosto de 1961.
229
VIEIRA, Isabel. Marcos Faerman, um humanista radical. In: VILAS BOAS, Sérgio (Org.)
Jornalistas Literários: Narrativas da vida real por novos autores brasileiros. São Paulo:
Summus, 2007, p. 5. Disponível em: http://www.isabelvieira.com.br
. Acesso em: 18 de fevereiro
de 2009.
230
Homenagem ao 15º Aniversário da criação pela O.N.U. do Estado de Israel. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 29 de novembro de 1962.
104
desperta a consciência do homem. E um homem consciente de seu
tempo e dos acontecimentos que se desenrolam em torno de si, é
um homem prevenido, um homem armado para enfrentar os fatos
imprevistos, analisá-los, julgá-los e tomar em tempo a sua posição
de defesa ou de ataque.
231
Pois a cultura é
uma forma elevada de emancipação, mas que somente adquire
caráter definitivo no momento em que o homem absorve o
conhecimento, emanado de sua fonte mais pura e legítima, na
medida exata ou aproximada de suas necessidades fundamentais.
232
Evidencia-se destacadamente um humanismo progressista, em sua
pretensão de contribuir no sentido da transformação social, “armando” as
massas contra a manipulação, ao traçar a meta de elevar seu nível cultural.
Portanto, se contrapunham a uma forma elitista de cultura, pois “o
conhecimento perde sua validade, sua expressão quando pretende
enclausurar-se, viver numa redoma, sem irradiação, sem comunicar-se através
da experiência e do exame”.
233
Ao mesmo tempo, vê-se presente a mesma intenção da criação literária
de I. L. Peretz, de estimular a crença na possibilidade de um mundo novo, em
certo sentido da possibilidade de uma era messiânica, justa e fraterna.
Afirmavam que “a cultura só é válida quando inspirada no humanismo. Quando
se fundamenta nos grandes ideais e se aprofunda nos laços generosos do
entendimento e da aproximação dos homens”.
234
Ainda, enfatizavam seu
caráter restituidor, pois “quando a cultura se expressa em termos humanos, ela
se dignifica, funciona socialmente e permite o homem conhecer-se melhor e
conhecer melhor o mundo em que vive”.
235
A cultura possui, nesse ponto de
vista, certa sacralidade, que permite não só uma forma de reunificação do
homem consigo mesmo, mas com os outros homens, e inclusive com a
natureza.
Desse modo, as atividades não eram promovidas por deleite, mas na
convicção de que estariam contribuindo na transformação social, na construção
de uma contra-hegemonia. Convicção de que
a cultura, ela não pode ser desligada da política. (...). Não existe
cultura por cultura. Não existe chegar e fazer arte por arte, teatro por
231
Homenagem ao 15º Aniversario da criação pela O.N.U. do Estado de Israel. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 29 de novembro de 1962.
232
O Despacho. Porto Alegre, Clube de Cultura, 15 de novembro de 1961.
233
Primeiro Salão Livre de Artes Plásticas. Porto Alegre, Clube de Cultura, setembro de 1964.
234
O Despacho. Porto Alegre, Clube de Cultura, 15 de novembro de 1961.
235
Primeiro Salão Livre de Artes Plásticas. Porto Alegre, Clube de Cultura, setembro de 1964.
105
teatro. Quer dizer, tudo está ligado a certa preocupação política de
um indivíduo, em que ele situa-se na nossa sociedade tornando-se
mais ou menos ativo na discussão e na prática dos problemas
nacionais. E o Clube sempre salientou isso.
236
Todavia, esse entendimento da cultura enquanto uma esfera não
autônoma mesclava-se com um entendimento não linear, descontínuo e
inarmônico de progresso. Pois “as bombas V2 e o gás usado pelos nazistas
nos campos de extermínio não revelaram, (...), um avanço da ciência, mas uma
negação da ciência, (...), pois destinava-se a destruir vidas úteis e precisas”.
237
Malgrado essa constatação, havia uma aposta no homem, na “certeza de sua
magnífica destinação”
238
, de “usar a energia nuclear para fins construtivos e
não para novas Hiroshimas”.
239
Assim, era uma aposta na cultura enquanto uma força que impulsiona a
humanidade a um futuro garantido, uma vez que o “mundo não pode mais viver
na obsessão da guerra nuclear, não saber que amanhã se acordará sem
oficina, sem escola, sem terra, num mundo de ruínas irremediáveis”.
240
Essa
intensa preocupação com o tema e com a construção da paz não era estranha
ao progressismo judaico, estava reiteradamente presente em todas as
instituições vinculadas ao ICUF.
241
Ofereciam respostas e esses problemas, não só através da cultura.
Havia também uma aposta em que “as grandes reformas democráticas
poderão conduzir o mundo para um caminho mais justo e socialmente
conseqüente. A coexistência pacífica é a pedra angular do entendimento
universal”.
242
Esse posicionamento, se coaduna com a linha política do PCB,
tributária da política do Partido Comunista da União Soviética (PCUS),
expressa tanto na Declaração Política de março de 1958, ratificada na
Resolução do V Congresso de 1960.
A luta pela paz – tarefa primordial de todos os povos – tem
condições para ser plenamente vitoriosa. A política conseqüente de
coexistência pacífica praticada pela União Soviética e pelos demais
236
BAUMANN, Hans. Historia de vida n. 366.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc
Chagall, 1991.
237
“O Despacho”. Porto Alegre, Clube de Cultura, 15 de novembro de 1961.
238
Homenagem ao 15º Aniversario da criação pela O.N.U. do Estado de Israel. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 29 de novembro de 1962.
239
“O Despacho”. Porto Alegre, Clube de Cultura, 15 de novembro de 1961.
240
Homenagem ao 15º Aniversario da criação pela O.N.U. do Estado de Israel. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 29 de novembro de 1962.
241
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 389.
242
Homenagem ao 15º Aniversario da criação pela O.N.U. do Estado de Israel. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 29 de novembro de 1962.
106
países socialistas ganha a simpatia dos povos, desfaz as manobras
da “guerra fria” e consegue resultados concretos no sentido do alívio
da tensão internacional.
243
Neste processo, em que o PCB revê sua linha política e os caminhos
da Revolução Brasileira, abandonando o caminho da luta armada, amplia seu
leque de alianças. Confiando que a etapa da revolução brasileira é anti-
imperialista e antifeudal, nacional e democrática, propunha a Frente
Nacionalista, apoiando a burguesia nacional e progressista, frente aos
elementos tradicionalmente vinculados ao imperialismo norte-americano.
244
Na prática, o PCB apóia abertamente o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e
posteriormente, o governo João Goulart.
Também há de se considerar que a nova orientação do PCB estabelecia
como tarefas essenciais, entre outras, “a completa libertação econômica e
política da dependência em relação ao imperialismo, o que exige medidas
radicais para eliminar a exploração dos monopólios estrangeiros que operam
no país, principalmente os norte-americanos”. Também postulava “a garantia
real das liberdades democráticas e a conquista de novos direitos democráticos
para as massas”.
245
É sintomático que, nas raras vezes em que o Clube de Cultura emitiu
posicionamentos explicitamente políticos, respeitasse essa orientação.
Também é sintomático o fato de as únicas subvenções governamentais obtidas
pelo Clube de Cultura foram através do deputado petebista Armando
Temperani Pereira.
246
No entanto, esse apoio não era unilateral.
Temperani Pereira, como já exposto, participou como orador nas
solenidades do Levante do Gueto de Varsóvia. Durante a crise sucessória da
renúncia do presidente Jânio Quadros, é emitido, em 28 de agosto de 1961, um
“manifesto ao Gov. Leonel Brizola, hipotecando inteira solidariedade do Clube à
defesa da ordem constitucional e conseqüente posse do vice-presidente, Sr.
João Goulart, na sua investidura do mandato da presidência”.
247
O Clube, além
243
Declaração sobre a Política do Partido Comunista Brasileiro [1958]. In: PCB: 20 anos de
política: 1958-1979: documentos. São Paulo: Lech, 1980, p. 11.
244
MAZZEO, Antonio Carlos. Sinfonia Inacabada: a política dos comunistas no Brasil.
Marília: Unesp; São Paulo: Boitempo, 1999, p. 95.
245
Resolução Política do V Congresso do Partido Comunista Brasileiro [1960] In: PCB: 20 anos
de política: 1958-1979: documentos. São Paulo: Lech, 1980, p. 48.
246
Ata n. 174. Livro de Atas de Diretoria n. 2. Porto Alegre, 2 de agosto de 1959.
247
Ata n. 237. Livro de Atas da Diretoria n. 2. Porto Alegre, 28 de agosto de 1961.
107
de se somar na Campanha da Legalidade, no ano seguinte, congratula o
governador Brizola pela encampação da telefônica.
248
Para entender a situação, cabe lembrar:
O motivo por ele [Brizola] alegado foi que tais empresas promoviam
dumping, causando falência de pequenas empresas de geração
elétrica e telecomunicações gaúchas. As empresas encampadas
pertenciam a grupos norte-americanos, criando-se dessa forma, um
clima tenso entre Brasil e Estados Unidos.
249
Tal congratulação, associada ao posicionamento em relação a
campanha da Legalidade, referendava o alinhamento do Clube de Cultura ao
rol de tarefas essenciais da “atual etapa da revolução brasileira”, estabelecidas
pela Resolução Política de 1960.
3.5. O GOLPE MILITAR E A AUTONOMIZAÇÃO FRENTE À
PARTICULARIDADE JUDAICA
Nas vésperas do Golpe Militar em 1964, o Clube de Cultura estava
envolvido com os debates em torno do futuro do Brasil e da coexistência
pacífica. Vinha tratando, tanto através do ICIB quanto a partir de Luis Mendel
Goldberg, diretor da BIBSA, a vinda do professor do Instituto Superior de
Estudos Brasileiros (ISEB) Paulo de Castro, para realizar palestras sobre
temas judaicos.
250
Castro havia publicado O conflito judeu-árabe e a coexistência
pacífica,
251
tema de interesse para o Clube, ainda que passando por um
processo de abertura do quadro social para não judeus, bem como se
separando do ICUF. Apesar de afirmar-se que o processo de abertura do
quadro social do Clube ocorre entre 1962 e 1963,
252
pode-se constatar que a
248
Ata n. 260. Livro de Atas da Diretoria n. 3. Porto Alegre, 12 de março de 1962.
249
SZATKOSKI, Elenice. O jornal Panfleto e a construção do Brizolismo. Porto
Alegre. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, PUCRS,
2008, p. 21.
250
Ata n. 340. Livro de Atas da Diretoria n. 3. Porto Alegre, 18 de novembro de 1963; Ata n.
341. Livro de Atas da Diretoria n. 3. Porto Alegre, 25 de novembro de 1963; Ata n. 340. Livro de
Atas da Diretoria n. 3. Porto Alegre, 18 de novembro de 1963;
251
CASTRO, Paulo de. O conflito judeu-árabe e a coexistência pacífica. São Paulo:
Felman-Rêgo, 1963.
252
BAUMANN, Hans. Historia de vida n. 366.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc
Chagall, 1991.
108
temática judaica se faz presente nas atividades, ao menos até início dos anos
de 1970, seja por palestras esparsas sobre literatura ídiche, seja pelas
comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia.
O Clube também pretendia promover um curso em parceria com o ISEB
sobre “problemas brasileiros”. A esta época, o ISEB, fundado em 1955,
defendia as reformas de base e se alinhava à esquerda, do PCB à Ação
Popular.
253
Esses planos não se concretizaram, o Golpe Militar, em primeiro de abril
de 1964, alterou os rumos do Clube de Cultura.
Essa revolução ocasionou um medo, principalmente na classe
média, classe pequeno-burguesa e grande parte dos sócios
deixaram de freqüentar o Clube. Alguns nem freqüentaram. Alem de
não freqüentar o Clube, passavam na Rua Ramiro Barcelos do outro
lado da Calçada. Tivemos também grandes desfalques na nossa
diretoria, no nosso conselho. E tivemos que nos reorientar pra resistir
a esses anos todos de ditadura militar.
254
Este medo não foi gratuito. Logo após o golpe, “[o Clube de Cultura] teve
a sua sede invadida pelo pelotão do exército, que baseado em acusações, em
informações malignas, se dirigiu para cá, mas não acharam nada. Procurando
literatura subversiva, grupos comunistas ...”.
255
Nada foi encontrado.
Os quatro diretores que não se afastaram do Clube de Cultura, Hans
Baumann, Henrique Scliar, Andre Paulo Franck e Salomão Schwartz Filho, ao
tomarem ciência dos acontecimentos, avaliaram a situação e decidem mantê-lo
aberto. No entanto, tomaram algumas providências a fim de evitar possíveis
“transtornos”. Todos os livros de atas foram escondidos, e o livro de atas em
uso da diretoria foi inteiramente reescrito, omitindo-se nomes, discussões e
atividades. As atas passam a ter um conteúdo meramente “administrativo”,
tornando-se o modelo padrão nos anos seguintes. A biblioteca I. L. Peretz, com
mais de três mil exemplares em português, é limpa, sobretudo as doações da
Editora Vitória e demais exemplares que pudessem ser avaliados como
subversivos.
256
O Clube de Cultura passa a enfrentar dificuldades. Primeiro, o
esvaziamento de seu quadro social. Inúmeros sócios, com medo de serem
identificados como elementos “subversivos” e sofrerem alguma forma de
253
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil; entre o povo e a nação. São
Paulo: Ática, 1990, p. 124.
254
BAUMANN, Hans. Op. cit.
255
BAUMANN, Hans. Op. cit.
256
O Clube do pensamento. Gente judaica RS, Porto Alegre, Dezembro 2002.
109
perseguição, se afastam. Não só se afastam, como alguns sócios pedem que
seus cadastros sejam eliminados.
257
Disso, decorre um agravo na já precária
situação financeira do Clube, que passa a contar com menores recursos de
mensalidades.
O segundo problema consistiu nas dificuldades advindas da falta de
liberdade para direção das atividades. Atribuía-se ao período de estabilidade
democrática do pós-guerra, em especial o período Jango, as condições que
possibilitaram o surgimento e desenvolvimento do Clube. Às condições
políticas advindas do Regime Militar atribui-se o seu retrocesso. “E aí começou
uma outra atividade não era mais cultura assim que pudéssemos dirigir
progressista de esquerda, que não podia se fazer, nós estávamos sob o tacão
da censura”.
258
O Clube passou a ter uma postura de extrema prudência frente
à nova situação política. “É lógico que a gente fazia autocensura, não
adiantava tu bancar o valente aqui”.
259
A essas dificuldades, mesmo que a
duras penas, não se pode deixar de evidenciar que o Clube conseguiu
enfrentá-las, e por vezes superá-las.
Após o Golpe Militar em 1964, Antonio Carlos Sena assume a direção do
Departamento de Teatro. Além de diretor do referido departamento, torna-se
conselheiro do Clube, o que evidencia a abertura do quadro social para
membros não judeus, como parte do processo de ruptura com a especificidade
judaica. No entanto, não é um afastamento de uma postura progressista, mas,
paulatinamente, a particularidade judaica vai perdendo espaço. Sendo assim, a
tensão entre o particularismo judaico e o universalismo progressista tende a
resolver-se eliminando o pólo particular.
Evidência da não ruptura com o progressismo é a montagem da peça A
Prostituta Respeitosa, de Jean Paul Sartre, em setembro de 1965. Este texto,
que versa sobre o tema do racismo, discriminação e do poder econômico,
segundo texto do próprio programa, tem como pano de fundo ”o conflito básico
entre dois esquemas de vida, o capitalismo e o socialismo”.
260
O texto ainda
enfatiza o drama de vida dos personagens enquanto expressões da grande
crise existencial, crise considerada conseqüência do sistema capitalista.
261
A
257
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
258
BAUMANN, Hans. Op. cit.
259
BAUMANN, Hans. Op. cit.
260
A Prostituta Respeitosa. Porto Alegre, Clube de Cultura, setembro de 1965.
261
A Prostituta Respeitosa. Porto Alegre, Clube de Cultura, setembro de 1965.
110
preocupação com problemas sociais também se manifesta no fato de ter sido
destinada a renda da estréia deste espetáculo à ajuda dos flagelados da
enchente que assolava a Região do Vale do Rio dos Sinos.
262
É interessante o fato de não ser grafado por extenso o nome da peça do
livro de atas. O registro é A Respeitosa ou A ... Respeitosa, o que pode ser
visto, talvez, como algum tipo de preocupação com problemas de censura,
visto que este livro já havia sido completamente reescrito, omitindo, por
cautela, nomes, discussões e algumas deliberações, afastando possível
repressão após o golpe militar.
Este grupo dramático do Clube de Cultura se torna conhecido com a
primeira encenação das peças de Qorpo Santo. Esta montagem é repleta de
controvérsias, sobre quem e como se deu a redescoberta do “precursor do
teatro do absurdo”. Não cabe aqui tentar esclarecer este assunto, nem deter-se
em pormenores desta polêmica. Em 1964, quando assume o Departamento de
Teatro, Sena declarou ao jornal Folha da Tarde ser Aníbal Damasceno o
responsável por “despertar nos companheiros o gosto pelo esquisito autor”.
263
No mesmo artigo, é manifestada a vontade da Diretoria do Clube em encenar
Qorpo Santo.
Atribui-se, com muitas polêmicas, ao professor de literatura Guilhermino
César ter redescoberto o esquecido autor. César já havia colaborado com o
Clube de Cultura, dando cursos de literatura regional e brasileira. É de sua
autoria o artigo introdutório ao programa das peças, encenadas pela primeira
vez em agosto de 1966, intitulado A reabilitação de uma obra. Segundo o texto
de Sena, para o mesmo programa, Qorpo Santo seria um precursor do teatro
do absurdo que na época estava em voga, sobretudo Eugène Ionesco.
264
A montagem de três peças curtas, As relações Naturais, Matheus e
Matheusa e Eu sou vida; eu não sou morte, se constituiu num sucesso de
público e de crítica, levando o Grupo de Teatro do Clube de Cultura a ganhar
prêmios em festivais, bem como a legitimar Qorpo Santo um clássico da
literatura gaúcha e brasileira. A obra de Qorpo Santo viria a ser associada,
262
Ata n. 352. Livro de Atas de Diretoria n. 3 [alterado]. Porto Alegre, 30 de agosto de 1965.
263
Folha da Tarde, Porto Alegre, 4 de agosto 1964.
264
Qorpo Santo. Porto Alegre, Clube de Cultura, agosto de 1966.
111
anos depois, à luta contra a ditadura, à liberdade de pensamento e ao direito a
diferença.
265
Figura 12 - Ensaio das peças de Qorpo Santo. Clube de Cultura, 1966. (Acervo Clube de
Cultura)
Se o Clube de Cultura havia sido um espaço de sociabilidade para
judeus de esquerda, principalmente não sionistas, a partir de sua abertura e do
Golpe Militar torna-se a um importante espaço de sociabilidade para alguns
setores da população de Porto Alegre, sobretudo, estudantes. “O pessoal se
reunia aqui, falava em política, falava em artes então eles deram o nome de
Casa de Resistência da Cultura em Porto Alegre”.
266
Muitas das atividades desenvolvidas tinham apoio e divulgação nos
grêmios estudantis e centros acadêmicos. Essa rede permitiu ao Clube
organizar em menos de vinte quatro horas uma palestra de Vinicius de Mores
em 13 de abril de 1967.
267
265
RAMOS, Luiz Fernando. Qorpo Santo cento e quarenta anos depois: atualíssimo ou
extemporâneo. Verônica, Amadora, n. 1, 2008, p. 32. Disponível em: http://veronica.estc.ipl.pt
.
Acesso em 10 de janeiro de 2009.
266
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
267
Ata n. 127. Livro de Atas do Conselho Deliberativo n. 1. Porto Alegre, 11 de agosto de 1967.
112
Vinicius apareceu em Porto Alegre. Tava cassado politicamente, cassado
como artista. Descobrimos ele e fomos na casa dele, Scliar e eu e pedimos
para ele dar uma palestra.
- Mas o que eu vou falar se eu não posso falar?
- Não, tu fala o que tu achar que pode, faz a tua autocensura.
- Sim mas vai ter gente para assistir? ele me perguntou.
Eu digo vai estar assim ó: a estudantada universitária toda te conhece.
Então fizemos umas faixas nas universidades, nos colégios, no Julinho,
muita resistência lá, o grêmio lá era muito ativo. Tinha gente até a calçada da
Ramiro. Ele falou, tomou o uisquezinho dele ... .
268
Foi um sucesso que o Vinicius teve. Deu uma brilhante palestra sobre como
os jovens deveriam se orientar frente ao cerceamento democrático, como
deveriam lutar pela cultura progressista ... .
269
O Clube de Cultura estabeleceu uma boa relação com a juventude
secundarista e universitária. “Locávamos o salão para diversas atividades. E os
jovens se reuniam aqui, universitários, ginasianos, (...), sabendo sempre que
nesse clube se podia ainda conversar alguma coisa. E fazer oposição tácita a
ditadura”.
270
Desde o início da década de 1960, a sede do Clube de Cultura
passa a ser requisitado para festas, encontros e congressos estudantis.
Essas reuniões juvenis, muitas vezes, tomavam caminhos que podiam
fechar o Clube de Cultura, que permanecia vigiado pelo SNI.
271
Os jovens queriam dar um caráter mais sectário e eu chamava
atenção deles que eles podiam fazer isso, mas dentro do Clube não.
A função do Clube era atravessar esse momento histórico, a gente
tinha que ter a cabeça no lugar e quando os caras abusavam muito,
a gente não cedia mais o salão para eles.
272
Esse cuidado com a manutenção da associação visava, justamente, a
evitar que um dos poucos espaços “livres” da cidade fechasse. Nesse sentido,
Juarez Fonseca recorda o cerceamento às liberdades democráticas e suas
expressões culturais: "em Porto Alegre o problema não foi as músicas serem
censuradas. Mas a repressão tirou de cena os lugares onde as pessoas se
reuniam, o Teatro de Arena, o Clube de Cultura ali na Ramiro Barcelos".
273
Baumann comenta que nesses anos “tu tinha que ter a tua cabeça no lugar,
268
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
269
BAUMANN, Hans. Historia de vida n. 366.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc
Chagall, 1991.
270
BAUMANN, Hans. Op. cit.
271
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
272
BAUMANN, Hans. Op. cit.
273
A MPB nos duros anos da Ditadura Militar. ADVERSO, Porto Alegre n. 125, 1 de abril 2004.
disponível em: http://www.adufrgs.org.br
. Acesso em: 30 de maio de 2009.
113
não adiantava nada tu dizer vamos fazer assim ou fazer assado, e se
apresentou muita bobagem aqui... Em parte porque dava dinheiro...”.
274
No entanto, não só bobagens foram realizadas. Em 1968, o Clube de
Cultura congregou jovens na promoção de audições da Frente Gaúcha de
Música Popular. Este movimento buscava abrir espaço para os músicos locais
que se encontravam ameaçados frente à indústria cultural. Com influências da
Bossa Nova, a Frente pretendia “vencer a barreira imposta pela TV que não dá
chance necessária ao lançamento de valores locais, atulhando o vídeo com
tapes alienadores e enjoativos”.
275
A Frente se dissolve com o recrudescimento
do regime militar, e alguns de seus membros inclusive vão para o exílio. Esse
movimento, composto por jovens músicos, incluindo membros do Clube de
Cultura como César Dorfman, filho de um dos fundadores, fez parte da
chamada era dos festivais, quando não se separava cultura de política.
274
BAUMANN, Hans. Op. cit.
275
Frente Gaúcha de Musica Popular, segunda audição: a frente e os festivais. Porto Alegre,
Clube de Cultura, 26 de setembro de 1968.
À GUISA DE CONCLUSÃO
Ainda há muito para ser pesquisado sobre as sociedades judaico-
progressistas no Brasil. Existem grandes lacunas nas poucas pesquisas
realizadas, que muitas vezes enfocam somente o engajamento de parcela de
seus ativistas na militância comunista. Este é um aspecto que deve ser
pesquisado, mas não na perspectiva de desprestigiar uma prática, uma forma
específica de construção de identidade e de projeto de integração sócio-
cultural.
Algumas pesquisas reproduzem o senso comum forçando uma
identidade entre progressistas e comunistas, ao contrariar reiteradamente
dados levantados pelos próprios pesquisadores.
276
Todavia, isso não quer dizer
que a importante participação de judeus comunistas nos setores progressistas
das comunidades judaicas brasileiras deva ser esquecida, ao contrário, a
participação de judeus na história da esquerda brasileira, em especial do PCB,
merece ser pesquisada e revelada.
A articulação entre as sociedades judaico-progressistas é uma dessas
lacunas. Apesar de existirem no acervo do Clube de Cultura inúmeras
referências às chamadas sociedades co-irmãs, bem como uma extensa
correspondência, sobretudo de atividades realizadas pelas congêneres no
Brasil, as pesquisas ainda não chegam ao cerne das articulações entre essas
sociedades, que acontecia pelo ICUF. A documentação de seus congressos
nacionais e regionais, à qual não se obteve acesso, parece ser uma das
chaves que faltam para a compreensão desse setor tão pouco pesquisado.
Obteve-se acesso a apenas um documento do comitê central do ICUF.
Nele, chamado esquema de “Teses sobre o trabalho cultural entre os judeus
que falam preferencialmente a língua portuguesa”, de 25 de agosto de 1958, o
ICUF constata as dificuldades que enfrentariam as sociedades judaico-
progressistas advindas do abandono do ídiche pelas gerações de judeus
276
Por exemplo: BAHIA, Joana D’Arc do Valle. De como os ethnic brokers fabricam seus
demarcadores históricos e identitários?. XXIV Simpósio Nacional de Historia-ANPUH, São
Leopoldo 2007. Anais eletrônicos Disponível em: http://snh2007.anpuh.org/resources/content/
anais/Joana%20Bahia.pdf. Acesso em: 20 de agosto de 2008; NETO, Sydenham Lourenço.
Imigrantes Judeus no Brasil, marcos políticos de identidade. Locus: revista de história, Juiz
de Fora, v. 14, n. 2, p. 223-237, 2008 Disponível em: http://www.locus.ufjf.br/c.php?c=baixar_
artigo&arq=MzIz. Acesso em 20 de fevereiro de 2009.
114
nascidas no Brasil. Ao mesmo tempo, esse esquema de teses enfatiza um
projeto de integração sócio-cultural dos judeus no Brasil, vendo este, de
maneira permanente, o país como aquele a que sua sorte está ligada.
O referido documento advoga, desse modo, o interesse dos judeus na
solução dos problemas do país, tais como democracia política, independência
econômica, industrialização e outros vinculados ao bem-estar da população
brasileira, de tal modo que se ocorressem modificações no país que
obrigassem a emigração dos judeus para Israel, isso seria visto como “uma
grande desgraça”. Ao mesmo tempo, constata “a indiferença da maioria da
juventude judaica em relação aos problemas do país, bem como em geral em
relação à maioria das questões sociais às quais devem ser adicionadas os
problemas da cultura”.
277
Nota-se que a cultura é colocada como uma
prioridade política, uma vez que ela é não apenas mera ilustração, mas,
considerada desde os movimentos populares judaicos na Europa oriental, uma
importante forma de emancipação.
Há, logo, a constatação da dificuldade de reprodução do projeto judaico-
progressista, do afastamento da juventude judaica dos ideais de justiça social,
libertação e da construção de um mundo novo, de uma sociedade justa. De
modo que o ICUF estabelece:
A parcela consciente da população judaica no Brasil deve combater
as manifestações reacionárias que fazem com que a juventude
judaica ignore as necessidades do país e que encaminham a
juventude em direções que não coincidem com os interesses das
amplas massas brasileiras com as quais a população judaica está
estreitamente ligada. Pelo contrário, atendem aos interesses das
camadas privilegiadas que por natureza se inclinam para todas
teorias antipopulares tais como: fascismo, racismo, anti-semitismo,
que ameaçam a própria existência da coletividade judaica.
278
Nota-se, assim, que o projeto de integração sócio-cultural que o ICUF
propugnava era eminentemente popular, vinculado às amplas massas
brasileiras. Um projeto, portanto, que via a emancipação judaica estritamente
ligada à emancipação da sociedade em geral.
O ICUF estabelece a necessidade de reorientar o trabalho cultural, a fim
de assegurar a continuidade “nacional-cultural judaica”. Propõe traduções e
277
União Cultural Israelita-Brasileira - ICUF. Teses sobre o trabalho cultural entre os judeus
que falam preferencialmente a língua portuguesa. Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1958.
(Acervo do Clube de Cultura).
278
União Cultural Israelita-Brasileira - ICUF. Teses sobre o trabalho cultural entre os judeus
que falam preferencialmente a língua portuguesa. Rio de Janeiro, 25 de agosto de 1958.
(Acervo do Clube de Cultura).
115
publicações de literatura judaica em português, bem como realização de
palestras e conferências nessa língua sobre problemas judaicos de todos os
países e de Israel, no fito de proporcionar o contato das novas gerações com a
cultura judaica e seus problemas específicos.
Percebe-se, deste modo, que há um projeto que visava à manutenção e
construção de uma identidade judaica laica que não se desvinculava da lutas
sociais brasileiras e mundiais. O documento, nessa proposta, enfatiza que
mesmo não sendo especificamente judaicos, “não podem ficar desconhecidos
problemas tais como a luta pela paz e a amizade entre os povos, a luta contra
a guerra fria, a produção e experimentação de armas atômicas”.
279
Temas
estes que foram tratados em palestras e atividades no Clube de Cultura,
repetidamente.
O ICUF foi organizado tardiamente no Brasil, somente em 1950, portanto
treze anos após seu congresso mundial de fundação realizado em 1937. Existe
a hipótese de que esse descompasso em relação à sua fundação mundial, bem
como da sua organização nos demais paises sul-americanos – Argentina e
Uruguai – ocorreu em decorrência do mal sucedido “Levante de 1935”, no
Brasil, a chamada Intentona, que praticamente liquida com a organização dos
comunistas brasileiros.
280
A política do ICUF, bem como sua organização, vínculos nacionais e
internacionais ainda carecem de maiores pesquisas. Nas pesquisas existentes,
o ICUF não passa de simples nota, e na perspectiva que Kinoshita adota, ele é
diluído como cenário da militância comunista, o que não desmerece seu
importante trabalho.
A relação dos judeus progressistas com o socialismo real e as
democracias populares foi conflituosa, mesmo estas experiências servindo, por
vezes, de referencial. No Brasil, como no mundo, houve dois momentos de
tensão e de cisão. O primeiro, advindo dos chamados crimes de Stalin,
sobretudo a partir do Relatório Kruschev. Um sócio da BIBSA revela o impacto
do relatório à época:
Antes mesmo de ser divulgado o relatório de Kruschev, recebemos,
no Partido, um jornal do Partido polonês publicado em ídish com um
artigo em que se dizia, com toda a nitidez, a verdade: tinham
ocorrido terríveis crimes e injustiças na URSS, contra ativistas
culturais judeus. Era muito difícil entender. A União Soviética tinha
mobilizado o mundo inteiro contra o nazismo, sacrificou-se contra o
279
Idem.
280
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 383.
116
inimigo poderosíssimo, salvou a humanidade. Como, então era
possível terem sido cometidos tais crimes, tais ilegalidades? O
impacto foi enorme, especialmente se for levado em conta o fato de
todos os executados terem sido um exemplo de progressismo,
comunismo e idealismo.
281
Houve repercussões no Clube de Cultura, mas, ao que tudo indica, não
nas mesmas proporções. Uma parte dos sócios “idichistas” do Clube de Cultura
se afastam, como Salomão Schwartz. Cabe notar que a esta época a sede do
Clube estava sendo construída, o que não propiciava um amplo debate acerca
dessas questões.
O segundo, foi a Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando Israel decidiu
ocupar a Cisjordânia, Gaza, Sinai e Golam. A condenação por parte da URSS
e do bloco socialista e seu posterior rompimento de relações com Israel e apoio
à OLP, abalou profundamente os judeus progressistas.
282
Todavia, o Clube de
Cultura já havia rompido com a especificidade judaica, apesar de contar com
elevado número de judeus em seu quadro social, conselho deliberativo e
diretoria, não há evidencias de repercussões desse acontecimento.
Optou-se, na presente pesquisa, por não ressaltar o engajamento de
membros do Clube de Cultura no PCB. A participação de comunistas na
história do Clube é inegável, mas não é majoritária. Como bem se expressou
César Dorfman:
Estamos falando do início da década de [19]50, e é preciso lembrar
que o nazismo recém havia sido derrotado e que nosso país emergia
do Estado Novo de Getúlio: ser “de esquerda” quase se restringia a
pertencer ao Partido Comunista Brasileiro, o PCB, que era ilegal.
Consequentemente, podia-se, e era comum, ser preso. Os caminhos
da militância, por isso, se dividiam entre clandestinidade e desvios
camuflados. O Clube, foi, para muitos, um desses desvios.
283
Esta opção foi tomada visto que não mudaria substancialmente os
resultados obtidos, e, como afirma novamente Kinoshita, “esses velhos
militantes foram treinados para dar o mínimo de informações e não conseguem
desvencilhar-se dessa postura mesmo quando dispostos a colaborar”.
284
Assim, foi solicitado que as poucas informações obtidas referentes à militância
281
LERNER, David. apud. AQUINO, Rubim S. L. et al. PCB 80 anos de luta. Rio de Janeiro:
Fundação Dinarco Reis, 2002, p. 159.
282
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 394.
283
DORFMAN, César. O Clube de Cultura, um sonho, a utopia... . Gente Judaica RS. Porto
Alegre, dezembro de 2002, p. 10.
284
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 382.
117
comunista de membros do Clube de Cultura não fossem expostas neste
trabalho.
De toda maneira, a reflexão que parece ser mais sugestiva são as
formas de enfrentar a chamada “questão judaica”. A prática do Clube de
Cultura, sobretudo em seus primeiros anos de atividade, da fundação até 1964,
pode ser vista como marcada por um tipo particular de enfrentamento da
questão judaica, vinculado à proposta do ICUF. A razão de existir o Clube de
Cultura para seus membros, coloca essa dimensão de maneira bastante clara.
Esse enfrentamento da questão judaica era realizado através de formas de
integração, sobretudo cultural. Desse modo, o Clube de Cultura expressa, na
inauguração de sua sede, em novembro de 1957, seus objetivos:
Consolidar e ampliar o intercâmbio cultural e artístico israelita-
brasileiro. Esse intercâmbio deverá se desenvolver no campo
musical, especialmente no folclore, na música instrumental, através
de concertos sinfônicos e de câmara, recitais de piano e de violino,
do canto orfeônico e do coral; de representações teatrais do
repertorio universal e do israelita e brasileiro; da literatura e da
poesia, através de palestras, conferências, mesas-redondas,
debates, recitais poéticos, estendendo-se a troca de valores até o
terreno científico, social e econômico, por meio de palestras,
conferências e debates sobre os temas de maior importância e
interesse para o país. (...).
O Clube de Cultura reafirma seus princípios de ação a serem
desenvolvidos no seio da coletividade israelita, seu total e absoluto
alheamento político, preservando, porém o patrimônio cultural e
artístico do povo judaico, sua história e suas tradições, mantendo de
forma viva e calorosa sua solidariedade, seu respeito e seu fraternal
afeto por seus irmãos que lutam pela grandeza, fortalecimento e
consolidação do Estado de Israel. O Clube de Cultura procurará,
dentro da suas possibilidades, tornar conhecido dos israelitas os
altos valores do pensamento brasileiro, sua literatura, sua poesia,
sua música todos aspectos, enfim de sua cultura nacional. Por outro
lado promoverá a aproximação da cultura judaica, sua literatura, sua
musica, suas artes, do mundo brasileiro.
285
Em certa medida, nota-se que os objetivos propostos visavam à
integração dos judeus na sociedade porto-alegrense, sem prejuízo de seu
patrimônio sócio cultural, o que pode ser visto como uma forma de não
reproduzir o isolamento judaico da Europa oriental. Ao tencionarem ser
reconhecidos não como um povo estranho, mas como portadores de uma
cultura diferente, que soma positivamente ao mosaico sócio-cultural brasileiro,
não se alheando dos problemas nacionais, a integração visava, dessa forma, a
impedir a reprodução dos preconceitos e perseguições que os judeus sofreram
na Europa.
285
Correio do Povo. Porto Alegre, 22 de novembro de 1957.
118
Por outro lado, apesar de reconhecerem a importância e legitimidade do
Estado de Israel, nota-se que não depositavam no projeto sionista a solução da
questão judaica. A perspectiva sionista propunha o envolvimento exclusivo em
relação à construção de Israel. Esforços gigantescos foram realizados para
garantir adesão e legitimidade ao projeto de solução estatal da questão judaica,
dentro de uma perspectiva, à época, que negava a possibilidade de
continuidade judaica na diáspora, estimulando assim a imigração. Ao passo
que os progressistas direcionavam seus esforços para o enraizamento no país,
estabelecendo vínculos sócio-político-culturais à realidade nacional na qual não
se viam enquanto uma população em trânsito, mas enquanto partícipes, sem
prejuízo de sua particularidade.
O Clube de Cultura manteve seu vínculo com o judaísmo apenas em
seus primeiros anos de existência. Chegou a contar, até 1964, com trezentos
sócios, realizando atividades diariamente. Essas atividades variadas, não só de
temas judaicos, buscavam trazer os debates contemporâneos não apenas para
seus sócios, mas para o público porto-alegrense em geral. Por exemplo, a
realização de um ciclo de conferências sobre psicanálise atraindo multidões
lembrado por Moacyr Scliar como sua primeira divulgação pública em Porto
Alegre, em crônica comemorativa aos quarenta anos do Clube de Cultura,
publicada em 2 de junho de 1990 no jornal Zero Hora. Nesta crônica Scliar
comenta:
Quarenta anos está completando o Clube de Cultura. A mim este é
um evento que diz muito. Conheci seus fundadores, entre os quais
se destacava a figura lendária de Henrique Scliar, meu tio. O tio
Henrique, como todos o conheciam, construiu o clube com suas
mãos. Literalmente: muitas vezes o vi, no meio dos operários,
carregando tábuas ou baldes de cimento. E o fazia em primeiro lugar
pela fé que depositava no empreendimento; depois, pela veneração
com que os velhos militantes encaravam o trabalho dos obreiros; e
por último, porque cultura era sua vida. Cultura foi, numa época, a
religião da esquerda.
Essa dimensão que Scliar aponta em relação ao seu tio, bem como à
esquerda em geral, de uma sacralidade da cultura, é um dos aspectos
particulares dos progressistas. É interessante o “ato falho” de ser tabulado o
Clube de Cultura como sinagoga em um questionário prévio de uma entrevista
realizada pelo Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, no final dos anos de
1980, com um dos antigos diretores. Como exposto anteriormente, havia um
entendimento de cultura, ao menos expresso nos editoriais das atividades do
119
Clube, como sublimação do conhecimento, da ciência e das artes. Esse
entendimento dá a cultura um lugar de sagrado, de pureza e de união. Assim,
compreende-se que o ato do entrevistador não foi tão falho assim.
No que tange à cultura judaica, basicamente em ídiche, era cultivada
através do coral, do teatro e da prática do Círculo de Leitura. Margot Baumann
Leventhal recorda:
Tinha o senhor Rotemberg e depois, logo depois, no Clube de
Cultura, que era o ponto de discórdia na comunidade também, lá era
onde se fazia a lembrança do Gueto de Varsóvia, era uma coisa de
louco que se fazia aqui! A gente trabalhava no Clube de Cultura
então, e, olha, o teatro vinha abaixo, porque vinha gente de todos os
lados. E aqui se fez uma verdadeira aula de literatura ídiche, porque
eles liam... o senhor Henrique Scliar, o senhor Rotemberg e o
Kotlhar, esse pessoal era... eram pessoas que sabiam sobre
literatura ídiche muita coisa, então nós líamos, eles liam para todos...
nós tínhamos reuniões onde eles liam as obras de Scholem
Aleichem e, todos queriam que todos soubessem, enfim, tudo que
dizia... .
286
A manutenção da biblioteca em ídiche de cunho progressista, e a prática
dos círculos de leitura e o coral visavam à manutenção da língua enquanto um
demarcador identitário e político. Ademais do ídiche já no processo de
consolidação do movimento popular judaico na Europa oriental no final do
século XIX ter sido fundamental, ele passa posteriormente por um forte
processo de politização. A Conferência de Czernowitz, em 1908, foi um marco
nesse sentido. I. L. Peretz em sua intervenção durante a conferência coloca
claramente sua posição anti-estatista:
Se, vindos de diferentes países e estados, aqui nos reunimos para
proclamar que o nosso ídiche é uma língua igual a todas as outras
línguas, devemos agradecer o fato a um quarto momento
sóciopolítico mundial [neste processo de libertação]. O Estado ao
qual se ofereciam em sacrifício povos pequenos e fracos, como
outrora eram oferecidos crianças pequenas a Moloch, o Estado, que
devido aos interesses das classes dominantes dentre os povos
precisa tudo nivelar, igualar: um exercito, uma língua, uma escola,
uma polícia, e um direito de polícia – o Estado perde seu brilho. A
fumaça, que ondeava tão densa e gorda sobre o altar, torna-se cada
vez mais rala e dispersa. O “povo” e não o Estado, é a palavra
moderna! A nação e não a pátria! Uma cultura peculiar e não
fronteiras com caçadores guardando a vida peculiar dos povos... E
os povos fracos e oprimidos despertam e lutam por sua língua, por
sua singularidade, contra o Estado, e nós, os mais fracos de todos,
cerramos fileiras!... E declaramos ao mundo: Nós somos um povo
judeu e o ídiche é a nossa língua e é nessa língua que desejamos
viver e criar nossos bens culturais e doravante jamais sacrificá-los
aos falsos interesses do “Estado”, que é unicamente o protetor dos
286
LEVENTHAL, Magot Bauman. Depoimento sobre o teatro ídiche concedido a Ieda Gutfriend.
Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico Marc Chagal, 1998.
120
povos governantes e dominadores e o sanguessuga dos fracos e
oprimidos.
287
Essa conferência foi um grande estimulo para a cultura “idichista”,
havendo após sua realização um verdadeiro “surto cultural” em ídiche.
Importante de modo que o esquema de teses enviado ao Clube de Cultura, em
1958 pelo Comitê Central do ICUF, trazia em anexo um material referente ao
seu qüinquagésimo aniversário. A fundação do ICUF em 1937, também marca,
mais uma vez, a politização da cultura judaica em ídiche, visando à resistência
cultural à ascensão do fascismo. Após a Segunda Guerra Mundial e o
holocausto, novamente o ídiche é politizado:
Enquanto os sionistas consideravam o ídiche como a língua dos
judeus que foram aos crematórios como carneiros, os “icufistas”
afirmavam que em memória aos combatentes e heróis da resistência
dos guetos e dos destacamentos de partizans, em memória a toda
uma cultura progressista criada em ídiche e destruída durante o
holocausto, e com a esperança de um renascimento sócio-cultural
das comunidades judaicas nas Democracias Populares, decidiram
manter o ídiche e não ensinar hebraico.
288
Pelo que foi anteriormente descrito a respeito das atividades e iniciativas
vinculadas ao Clube de Cultura, nota-se a preocupação em não só manter o
ídiche, mesmo não tendo as mesmas possibilidades e recursos das
associações co-irmãs como a BIBSA e o ICIB que criaram e mantiveram os
colégios Scholem Aleichem no Rio de Janeiro e em São Paulo. Procurava, ao
mesmo tempo, buscava manter laços e acompanhar os processos de
reconstrução das comunidades judaicas no leste europeu, bem como, a
experiência da construção de um novo tipo de sociedade, na qual se esperava
não existir a possibilidade de discriminações e perseguições contra os judeus e
acabar com a exploração do homem pelo homem.
A partir da Independência de Israel, em 1948, o debate referente à
questão judaica é delimitado pela construção e condução política do novo
Estado, que passa a não ser apenas uma aspiração. O Clube de Cultura é
organizado neste momento do debate referente à solução da questão judaica
havendo, por conseguinte, em sua postura, também, uma disputa pela
orientação política do Estado de Israel, principalmente no que tange à
condução da relação com as populações e estados árabes.
287
PERETZ, I. L.. apud: GUINSBURG, Jacó. Op. cit., p. 160.
288
KINOSHITA, Dina Lida. Op. cit., p. 389-390.
121
A disputa relativa à solução sionista ou não-sionista da questão judaica
ocorreu de maneira mais enfática no período anterior a Segunda Guerra, do
qual não se obteve documentação no Rio Grande do Sul. A constituição do
Clube de Cultura, dessa maneira, se insere no final de um forte debate, interno
e restrito à comunidade judaica, que hoje em dia é soterrado e apagado da
história.
A preocupação do Comitê Central do ICUF, em relação ao afastamento
da juventude judaica e ao desuso do ídiche não era descabida. O Clube de
Cultura enfrentou essas adversidades à sua maneira. Ele foi paulatinamente se
afastando da comunidade judaica e, consequentemente, do debate judaico a
partir do início da década de 1960. Foi a única, entre as demais associações
judaico-progressistas no Brasil, a eliminar sua particularidade judaica, embora
continue a se corresponder com as sociedades co-irmãs, sobretudo a
Associação Scholem Aleichem, sociedade herdeira da BIBSA, fundada em
1964, atualmente a sociedade judaico-progressista atuante no Brasil.
Essa ruptura com a especificidade judaica foi vista, por alguns, como
forma de incrementar as atividades do Clube.
Schwartz, eu, Milmann, e outros mais de esquerda resolvemos fazer
uma campanha para abrir o Clube, deixar o não-judeu entrar aqui, e
atraímos. A velharada não gostou muito, mas não tinha, ou o Clube
fazia isso ou morria. O ídiche estava morrendo. Quem é que lê ídiche
hoje? A biblioteca em ídiche hoje está no Lar dos Velhos. Isso
ajudou o desenvolvimento cultural aqui.
289
O Clube de Cultura após sua abertura passa a ser um importante centro
de atividades culturais alternativas, teatro, música, palestras e conferências. Ao
longo dos anos de 1960 se constitui enquanto um lugar de encontro de jovens
intelectuais e artistas onde se articulavam expressões de resistência à ditadura
militar. Sobretudo, se torna um dos espaços onde universitários estendiam
suas discussões sobre arte, política e cultura no circuito da Avenida Oswaldo
Aranha. Retomando a crônica de Moacyr Scliar:
Dispersa a antiga diretoria (e ainda que o velho Henrique
continuasse a postos) o Clube se transformou num refúgio da cultura
alternativa, sobretudo para o teatro. O problema com esta cultura
anticonvencional é que ela precisa de dinheiro convencional, e isto
está faltando.
289
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
122
O período pós-Golpe Militar é marcado por uma acentuada redução do
quadro social e a não consolidação de um projeto que sustentasse e orientasse
a vida cultural da associação. Esses dois fatores se relacionam, pois o Clube
de Cultura deixa de ter uma identidade, forte o bastante, que agregasse
associados suficientes em torno de um projeto comum, seja ele político, social
ou cultural. Desse modo os recursos para manutenção da estrutura da
associação passaram a vir, sobretudo, das atividades realizadas, que em sua
maioria passam a ser cobradas, e do aluguel de espaços da sede social.
Veio uma geração completamente nova tanto de atores, artistas que
começaram a fazer música, teatro, eles ampliaram muito. (...). O que
era muito apreciado aqui e o Clube precisava viver, que dava
dinheiro para o Clube, era o rock, principalmente o pesado. Aí
arrumamos uma série de atritos e litígio com o prédio. Diga-se de
passagem, o seguinte, o prédio no inicio era só de sócios do Clube,
mas isso não tem muita vida. Um vai saindo, vai vendendo, se
aperta... e já naquela época a metade era de proprietários, depois
ficou sendo um terço de proprietários do clube. Aquela vida coletiva
que tinha no Clube: as mulheres dos diretores e de alguns sócios
fazendo quermesses e outras coisas, juntando dinheiro, festas
populares fantásticas tudo [acabou]. E o pessoal foi se retraindo os
poucos caras do edifício não desciam mais aqui, estavam com
medo.
290
Há recordações negativas com as experiências de shows de rock na
memória dos dirigentes do Clube de Cultura. Os shows, contrariando os
acordos firmados, varavam a madrugada, não havendo isolamento acústico no
auditório o som atormentava os moradores do condomínio Cube de Cultura.
Todavia, cabe registrar que algumas das apresentações realizadas no Clube
de Cultura foram importantes na constituição da cena local de rock. O Clube
abriu espaço para bandas como Bixo da Seda, considerada a banda de rock de
maior relevância nos anos 1970 no Rio Grande do Sul.
Nota-se, entretanto, que havia, no período inicial do Clube, uma vida
associativa que ultrapassava a prática cultural. A vida associativa também se
realizou, para alguns, no espaço de moradia. A vida em condomínio, no edifício
construído a fim de viabilizar a sede do Clube de Cultura no térreo, propiciava e
evidenciava um vínculo maior entre os sócios, que tinham no Clube um espaço
de atividades sócio-culturais em comum. Nota-se a importância dos sócios e
sua generosa cooperação na organização das atividades do Clube de Cultura,
no depoimento de André Paulo Franck:
290
BAUMANN, Hans. Depoimento sobre o Clube de Cultura concedido a Airan Milititsky Aguiar.
Porto Alegre, 20 de novembro de 2004.
123
Ah, chegamos a ter trezentos, quatrocentos sócios. De noite
chegava ali, para conseguir uma mesa para sentar era difícil.
Qualquer, nós levamos peças de teatro de Molière, nos levamos
peças de teatro russas. Enfim, tivemos um espetáculo de alto
gabarito, só com elementos do Clube. (...). Inclusive tinham
elementos do Clube que ficavam a noite inteira para fazer cenário,
pintando, para depois botar no lugar, no dia da peça...
291
De certa maneira, havia algo do desejo de vida em comunidade presente
nos anos iniciais do Clube de Cultura. Fragilizados esses elos de solidariedade
e cooperação, de onde provinham importantes recursos, financeiros e
humanos, para manutenção da entidade, quadro acentuado pela insegurança
política advinda com Golpe Militar em 1964, não são restabelecidos vínculos
que possibilitassem uma vida associativa que garantisse certa autonomia,
principalmente, financeira, mas também política na condução das atividades.
Desse modo, percebe-se que a existência do Clube de Cultura nos anos
posteriores ao Golpe Militar ocorreu por dedicação e afinco de um pequeno
grupo, dedicado à manutenção da associação. O núcleo dirigente, que se
consolida com a crise instalada pelo Golpe Militar – formado por Hans
Baumann, Henrique Scliar, Salomão Schwartz Filho e André Paulo Franck –,
manteve a estrutura do Clube de Cultura. Buscaram constantemente aproximar
novos e antigos sócios e dirigentes, com resultados que, embora não
garantissem uma plena autonomia da entidade, possibilitaram que ela
atravessasse o período de exceção quando foi importante, sendo um espaço
alternativo e de contestação política e, garantindo, ainda, a sua existência.
Retomando, mais uma vez, aquela crônica de Scliar:
Com a extinção dos subsídios e o clima recessivo da economia
faltam patrocinadores para as atividades. Mas um Clube que existe
há quarenta anos [agora cinqüenta e nove] merece nosso apoio.
Afinal, este foi o período que Moisés e os hebreus passaram no
deserto.
E a cultura brasileira não pode ser mais árida que o Sinai
.
Aproveitando a analogia que Scliar propõe em relação ao êxodo e a
história do Clube, cabe retomar a discussão relativa às afinidades eletivas entre
o judaísmo e as utopias libertárias. Tratar o progressismo judaico, em especial
a forma como ele se especifica no Clube de Cultura, à luz do aparato teórico-
metodológico que Löwy propõe em Redenção e Utopia, coloca novas
291
FRANCK, Andre Paulo. História de vida n. 258.0. Porto Alegre, Instituto Cultural Judaico
Marc Chagall, 1989.
124
dimensões à compreensão deste fenômeno pouco conhecido e pesquisado,
mas também traz uma série de problemas.
A forma como este tipo de relação se estabeleceu na história do Clube
de Cultura é marcada pelo fato dele não ser um corpo homogêneo. Sendo
assim, não há como atribuir uma única forma de ocorrência de afinidades
eletivas entre o judaísmo e as utopias libertárias, menos ainda que esta relação
fosse generalizada. As diferenças, sobretudo, geracionais, ajudam a
compreender essa fragmentação. No entanto, alguns traços gerais podem ser
destacados.
Uma geração de imigrantes que tinha vivido o que se chamava de
idishkeit, uma atmosfera judaica, trouxeram os valores da literatura e da cultura
judaica laica, em ídiche, da Europa Oriental. Trouxeram, não só a literatura e
cultura judaica laica, mas formas de enfrentamento à discriminação e à
perseguição, bem como suas formas de organização e experiências nas lutas
sociais e políticas.
Esses imigrantes procuraram manter vivas essas manifestações sócio-
político-culturais, as quais apresentam elementos, ainda que esparsos, de uma
confluência entre o judaísmo e as utopias libertárias. O judaísmo nesse caso
não remete ao aspecto religioso propriamente dito, mas a história e a cultura
dessa etnia.
Uma forma de compreender como essa afinidade espiritual se
manifestava é a narrativa do Êxodo, bem como demais passagens, no enfoque
feito por de Isaias Golgher. Seu livro A evolução histórica do povo judeu:
síntese dos movimentos populares judaicos na antiguidade é o único em
português listado na Biblioteca do Centro Cultural Israelita I. L. Péretz.
Essa narrativa do Êxodo, na perspectiva de um movimento de libertação
nacional estabelecendo uma correspondência com a Revolução Russa,
tenciona uma visão de mundo que identifica o momento fundante de
construção da identidade judaica, tradicionalmente entendido como a formação
do povo, da nação, com a construção do socialismo. Essa analogia
estabelecida por Golgher, busca imprimir um sentido a história e identidades
judaicas, divergente dos sentidos tradicionais. Nachman Falbel, analisando
este material, emite o seguinte parecer:
O livro resume uma história que vai dos tempos bíblicos até o
levante de Bar Cohba, com ênfase na história social assentada em
boa parte no historicismo marxista da luta de classes mesclado com
125
o especificamente judaico, ou seja, os valores éticos que buscam a
justiça dos profetas e a luta pela liberdade como um valor supremo,
contra os opressores de fora representados pelo imperialismo
político e cultural grego-romano.
Há, nessa modesta síntese histórica, uma clara intervenção das
convicções ideológicas do autor que de um lado revela profundo
orgulho nacional ao tentar apontar a contribuição judaica para a
concepção social fundamentada no monoteísmo ético que se funde
com a causa universalista do socialismo.
292
É esta forma de conceber a história, valores e identidade judaicas, sua
contribuição ética particular com o universalismo socialista, numa tensão, que
marca a forma como ocorrem afinidades eletivas entre as utopias libertárias e o
judaísmo, em uma acepção ampla, nos setores judaico-progressistas. Essa
tensão entre os dois elementos comporta toda uma gama de tons e semitons,
não permitindo generalizar uma forma de equilíbrio ou de fusão, que parece
não ocorrer.
Uma forma de categorização, dessa tensão, privilegiando o pólo
predominante, foi realizada por Marcos Chor Maio, que busca na construção
dos tipos-ideais comunistas judeus e judeus comunistas, simplificar essa
relação complexa.
293
Apesar da validade dessa categorização, dentro da
finalidade para qual foi construída, ela não consegue dar conta da real
complexidade que essa tensão comporta. Todavia algumas características
gerais podem ser observadas.
O valor supremo da liberdade, que marca a narrativa de Golgher sobre a
história antiga judaica, é caracterizado no campo judaico-progressista,
sobretudo, pelas comemorações do Levante do Gueto de Varsóvia, tratado
como um baluarte da luta pela liberdade e da luta antifascista. É interessante,
apesar de não existirem evidências da mobilização em Porto Alegre de seu
292
FALBEL, Nachman. Judeus no Brasil : estudos e notas. São Paulo: Humanitas; EDUSP,
2008, p. 85.
293
“Dependendo da inserção no movimento comunista, podemos classificar esses militantes
como ‘comunistas judeus’ e ‘judeus comunistas’. Para os primeiros, a opção assimilacionista
contida na utopia marxista seria a principal possibilidade de ação política. Nesse sentido, é
comum observar-se o pleno engajamento de judeus no projeto de revolução socialista sem que
sua identidade étnica fosse realçada. (...). Já os judeus comunistas, apesar de terem
importantes afinidades político-ideológicas com os comunistas judeus, especialmente no que
tange a proposta de uma sociedade socialista, sempre viveram a tensa relação entre a
singularidade da condição judaica e a proposta universalista do projeto comunista que atribuía
papel secundário aos conteúdos de natureza étnica. Nesse sentido, os judeus comunistas
seriam uma parcela do povo judeu que tiveram expressiva participação nas comunidades
judaicas de diversos países, inclusive no Brasil, e que consideravam que a possibilidade de
preservação histórico-cultural do povo judeu dependeria das transformações econômicas,
sociais e políticas em direção à sociedade socialista”. (MAIO, Marcos Chor. Qual anti-
semitismo? Relativizando a questão judaica no Brasil dos anos 30. In: PANDOLFI, Dulci (Org.).
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: FGV, 1999, p. 240.)
126
significado, a coincidência do Levante do Gueto de Varsóvia ter ocorrido, em
1943, na noite em que tradicionalmente se comemora o Pessach, a Páscoa
Judaica, ou seja, o Êxodo.
Apesar de o Clube de Cultura não comemorar datas religiosas, nem
mesmo o Pessach – “quando se ressalta a saída da escravidão do Egito,
transmitindo a cada geração a ânsia de liberdade para os homens, marcando
especialmente sua necessidade de ser livre para sua realização como ser
humano”,
294
a atual orientação judaico-progressista – nota-se que a liberdade,
enquanto um valor supremo e universal é reiterado e tratado como data
emblemática através das comemorações do Levante.
A universalização do feito, a ligação que se estabeleciam com as lutas
populares contemporâneas, às lutas de libertação nacional, são formas de
ampliar alianças no plano político para além da especificidade judaica, na
construção de um mundo novo, justo, fraterno e com respeito às diferenças.
Além de sustentar uma identidade judaica, ao mesmo tempo marca o combate
a toda e qualquer forma de discriminação, para não dizer tirania e opressão.
Uma disposição de luta com matizes socialistas, mas também, implicitamente,
com características de erradicação do mal na terra.
Como afirma Scholem a respeito do messianismo na cabala luriana:
Surpreendentemente, ainda significativamente ancorada no centro
de uma gnose profundamente judaica, emerge a idéia do exílio como
uma missão. O cabalismo, ao desintegrar-se, irá legar esta idéia ao
judaísmo racionalista do século XIX e XX. Ela já havia perdido seu
sentido mais profundo, porem, mesmo assim, continuava a preservar
um vestígio de sua enorme ressonância.
295
Através da cultura judaica laica aportam também convicções da
possibilidade de construir uma nova ordem, de reparar um defeito, de não
pensar o mundo como algo imutável, mas construído constantemente pelo
homem, entre outras dimensões que advêm da perspectiva messiânica e
profética judaicas. Convicções que, em parte, podem ajudar a entender a
fidelidade e disciplina de muitos judeus comunistas em sua militância.
296
294
TALLERES. Encuentro de Instituciones Judeo-Progresistas de Argentina-Brasil Y Uruguay.
Montevidéu, 14 e 15 de outubro 2006. Disponível em: http://www.zhitlovsky.org.uy/
. Acesso em
20 de junho de 2007. Tradução do autor.
295
SCHOLEM, Gershom. A cabala e seu simbolismo. São Paulo: Perspectiva, 2006, p. 140.
296
Em uma linha argumentativa diferente a de Löwy, esse raciocínio é particularmente
desenvolvido por Edgar Morin, que atribui ao marxismo um caráter messiânico revolucionário:
“O novo messianismo juaico-gentílico combina a esperança judaica e o universalismo cristão.
Ele encontra suas condições de emergência na fé no progresso, advinda do Iluminismo,
expressa por Condorcet como uma certeza histórica, e na filosofia de Hegel, para quem o devir
127
Igualmente, esses aspectos ajudam a compreender a convicção judaico-
progressista na cultura enquanto uma forma elevada de emancipação,
convicção que se sedimenta, apesar de rompidas suas origens, na atuação do
Clube de Cultura.
Essas dimensões, principalmente do pleno desenvolvimento individual e
coletivo, relacionadas com um entendimento inarmônico e descontínuo de
progresso e desenvolvimento tecnocientífico, do domínio do homem sobre as
forças da natureza que, apesar das vicissitudes, dariam condições para a
liberdade e o pleno desenvolvimento humano, num ponto de vista próximo ao
socialismo, são o pano de fundo da confluência que agrega um valor sagrado à
cultura.
Tratada como uma dimensão sagrada, a “verdadeira cultura” é a força
que suprime o mal ou “é a chispa que irá incendiar os últimos redutos do
obscurantismo e da intolerância”.
297
Em certo sentido, pode-se dizer que a
“verdadeira cultura” substitui a intenção mística, na elevação das centelhas e
na erradicação do mal. O sentido legítimo, sagrado, de cultura é “o sentido
social, aquele que não se limita ao estéril individualismo, mas ao vasto e sábio
território humano que irmana coletivamente todo universo”.
298
Um sentido que
vislumbra no pleno desenvolvimento das capacidades humanas, e na ação do
homem “devidamente armado” para superar as vicissitudes, uma
conduz à apoteose do Espírito. Os jovens hegelianos judeo-gentios, tais como Max Stirner,
Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e sobretudo Karl Marx, fizeram emergir do caldeirão cultural
hegeliano um messianismo revolucionário. Marx, espírito racional extremamente poderoso, não
suspeitava de forma alguma da inspiração místico-religiosa que o fazia designar o proletário
como novo Messias redentor, anunciar um apocalipse – a luta final contra as forças tenebrosas
do capitalismo – e predizer o fim da história na realização de uma sociedade socialista
universal, livre da exploração, da servidão e da dominação”. Partindo dessa concepção ele
defende o ingresso significativo de judeo-gentios da Europa oriental nos círculos
revolucionários da seguinte maneira: “No império czarista, a mensagem revolucionária laicizou
em parte o messianismo religioso que foi o hassidismo. Esse movimento de piedade mística,
levado pela esperança da redenção, havia nascido no século precedente talvez sob a
influência indireta do sabetaísmo, como sugere Gershom Scholem. Os judeo-gentios do
império cazarista, submetidos às discriminações e às humilhações, ameaçados de pogroms,
foram aqueles que viveram a fé na revolução de maneira mais ativa e mais ardente, e
forneceram um grande número de dinamizadores do partido bolchevique...”. Mais adiante Morin
Argumenta: “A Primeira Guerra Mundial, reconhecida pelos marxistas ortodoxos como uma
guerra entre imperialismos, e depois o surgimento, na desintegração da Rússia czarista, da
revolução bolchevique, constituíram elementos que apareceram como a realização de um
apocalipse em que se defrontavam, de um lado, as forças furiosas do mal e de outro, as forças
da salvação. Tal foi a convicção não somente dos bolcheviques, que doravante se nomeavam
comunistas, mas também de inúmeros revolucionários judeo-gentios como Rosa Luxemburgo e
Karl Liebknecht. A palavra ‘revolução’ adquire então uma carga mística inaudita, que porta em
si a parturição de um mundo novo liberto do Mal”. (MORIN, Edgar. O mundo moderno e a
questão judaica. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007, p. 58-61)
297
Primeiro Salão Livre de Artes Plásticas. Porto Alegre, Clube de Cultura, setembro de 1964.
298
Primeiro Salão Livre de Artes Plásticas. Porto Alegre, Clube de Cultura, setembro de 1964.
128
harmonização, uma transformação, a construção de um mundo de paz e
liberdade.
De certa maneira, almejava-se uma era messiânica, um mundo de união
e amizade entre os povos. Processo no qual o homem tem a possibilidade,
senão o dever, de influir e de acelerá-lo, um dos anseios mais caros ao
messianismo judaico, o qual Péretz procurou reinjetar atualidade e alimentar
em sua literatura progressista.
O Clube de Cultura, em seus anos iniciais, ao pretender democratizar a
“autêntica cultura”, o fazia na convicção de que ela é fundamental no processo
de reencontro do homem consigo mesmo, com os outros homens e também
com a natureza. De um processo de construção da paz, de desalienação, de
restituição ao todo original: convicção da magnífica destinação do homem.
Cabe registrar que não é pretensão do presente trabalho esgotar a
discussão referente ao progressismo judaico muito menos à questão judaica,
Procurou-se, por um lado, trazer à tona o debate, hoje soterrado, ocorrido no
primeiro lustro do século XX, referente às formas de solução da questão
judaica, que, apesar de datado, retoma, em certo sentido, sua atualidade.
A questão judaica não se resolveu com o surgimento e a consolidação
do Estado de Israel, que interfere como um ator novo e poderoso. Ao contrário
daquilo que se imaginaria, ela adquiriu maior complexidade. Tornou-se mais
complicada, seja pelo alinhamento de Israel no cenário político mundial, seja
por suas atitudes frente à questão palestina e seus desdobramentos. E ainda,
os esforços políticos israelenses na construção e consolidação de uma
identidade judaica, na diáspora, quase exclusivamente referenciada ao Estado
de Israel, a concepção da centralidade de Israel na vida judaica, colocaram um
manto de não-criticabilidade a seus rumos, sendo visto em qualquer crítica a
Israel, vinda de um judeu, algo como um enorme pecado. Esses e tantos outros
aspectos e fatores seriam objeto para um extenso trabalho.
Por outro lado a perspectiva adotada, partindo do conceito de afinidades
eletivas, pretendeu acrescentar a discussão relativa ao progressismo judaico,
colocando à mostra dimensões, sobretudo culturais e simbólicas,
negligenciadas, ou mal abordadas, nas poucas pesquisas realizadas.
Entretanto, os problemas que advêm da adoção dessa perspectiva são
manifestos. Além da dificuldade de acesso a fontes documentais, ao qual se
acrescenta o largo uso do ídiche, e no caso do Clube de Cultura pela seleção e
129
limpeza dos registros realizada em 1964, soma-se o fato da quase totalidade,
para não dizer totalidade, dos judeus progressistas da geração de imigrantes
da Europa oriental já terem falecido.
A impossibilidade de obtenção de depoimentos de primeira mão
inviabilizou realizar nexos históricos mais precisos sobre a trajetória do
progressismo judaico entre a Europa e, especificamente, Porto Alegre. Alguns
dos depoimentos utilizados não foram construídos sob a perspectiva dessa
pesquisa, sendo parte do acervo de histórias de vida existente no Instituto
Cultural Judaico Marc Chagall.
A falta de depoimentos, de primeira mão, construídos especificamente a
partir da problemática da presente pesquisa, não permitiu precisar a forma
como ocorreram afinidades eletivas entre o judaísmo e as utopias libertárias, a
partir de experiências individuais e coletivas, no progressismo judaico em Porto
Alegre. Entretanto, levantam-se aqui possibilidades e caminhos fundamentados
para pesquisas ulteriores.
Desse modo, a perspectiva adotada possibilitou perceber em linhas
gerais como algumas formas de pensar a realidade, oriundas do pensamento
místico-messiânico judaico, mesmo que de maneira não intencional, indireta e
mesmo secularizada compunham a visão de mundo judaico-progressista, que
normalmente é atribuída como somente comunista.
Passados cinqüenta e nove anos de sua fundação, o Clube de Cultura
mantém suas atividades, mesmo hoje sendo apenas uma sombra do que foi no
passado. O Auditório Henrique Scliar, que há décadas necessita de uma ampla
reforma, ainda é utilizado.
Não poderia deixar de fazer um breve registro de sua utilização nas
primeiras montagens de alguns textos de Caio Fernando Abreu no inicio da
década de 1980, como Pode ser que seja só o leiteiro lá fora dirigida por
Luciano Alabarse, em 1984. Também de seu uso no final dos anos de 1980
pela Cooperativa Mista de Músicos de Porto Alegre, que tinha sede no Clube
de Cultura, e realizou, entre outros, o projeto fonográfico COOMPOR Canta
Lupi, uma releitura estética da obra de Lupicínio Rodrigues em 1989. Nos
últimos anos o Auditório Henrique Scliar é utilizado, sobretudo, para o teatro
infantil, mas urge ser modernizado.
299
299
O projeto de reforma está pronto, elaborado graciosamente por César Dorfman.
130
Apesar de seu reduzido quadro social, sem a vida coletiva e comunitária
que marcou sua construção, de há muito rompidos os elos com o judaísmo, o
Clube de Cultura ainda propicia, dentro de suas possibilidades, espaços de
reflexão sobre assuntos históricos e atuais.
Busca permanentemente propiciar debates da conjuntura nacional e
internacional, discutindo diversas temáticas como a questão árabe-israelense,
uso das fontes de energia, a integração latino-americana, a realidade sócio-
político-cultural dos paises latino-americanos, temas ambientais, emancipação
da mulher, conjuntura econômica mundial, relações entre ciência e poder,
reforma política, entre tantas outras.
De alguma maneira a convicção da potência transformadora da cultura
permanece ativa, na certeza da magnífica destinação do homem em construir
um mundo melhor.
FONTES
Manuscritas
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Israelita Vitima da Guerra da Europa Vita Kempner.
Livro de Atas da Diretoria do Clube de Cultura n. 1.
Livro de Atas da Diretoria do Clube de Cultura n. 2.
Livro de Atas da Diretoria do Clube de Cultura n. 3.
Livro de Atas de Diretoria do Clube de Cultura n. 3 [alterado].
Livro de Atas do Conselho Deliberativo do Clube de Cultura n.1.
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