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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Educação e Humanidades
Instituto de Artes
Manan Terra Cabo
Entre a tradição e a modernidade:
o gosto Klimt
Rio de Janeiro
2009
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Manan Terra Cabo
Entre a tradição e a modernidade:
o gosto Klimt
Dissertação apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Artes, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração:
Arte e Cultura Contemporânea.
Orientadora: Profª. Drª. Vera Beatriz Cordeiro Siqueira
Rio de Janeiro
2009
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CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB
K653 Cabo, Manan Terra.
Entre a tradição e a modernidade: o gosto Klimt / Manan Terra
Cabo. – 2009.
102 f.
Orientadora: Vera Beatriz Cordeiro Siqueira.
Dissertação (mestrado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Artes.
1.Klimt, Gustav, 1862-1918 – Teses. 2. Neoclassicismo (Arte) –
Teses. 3. Pintura austríaca – Séc. XIX – Teses. 4. Simbolismo na arte
– Teses. I. Siqueira, Vera Beatriz Cordeiro. II. Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Artes. III. Título.
CDU 7.035
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação
__________________________ __________________
Assinatura Data
Manan Terra Cabo
Entre a tradição e a modernidade:
o gosto Klimt
Dissertação apresentada, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre, ao Programa de
Pós-Graduação em Artes, da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Área de Concentração:
Arte e Cultura Contemporânea.
Aprovado em: 31 de março de 2009.
Banca Examinadora:
_________________________________________________
Profª. Drª. Vera Beatriz Cordeiro Siqueira (Orientadora)
Instituto de Artes da UERJ
_________________________________________________
Profª. Drª. Maria C. Louro Berbara
Instituto de Artes da UERJ
_________________________________________________
Profª. Drª. Ana Maria Tavares Cavalcanti
Escola de Belas–Artes da UFRJ
Rio de Janeiro
2009
AGRADECIMENTOS
À CAPES, pela bolsa,
À banca examinadora,
À minha orientadora Vera Beatriz,
À Maria Berbara, pelas disciplinas,
À Evelyne, por me dedicar muitas tardes e noites de sua vida,
À minha mãe, por tudo,
Ao Pedro, por conseguir sempre palavras de incentivo,
À minha avó, por acreditar em milagres,
À minha biza, por me amar incondicionalmente,
À tia Gracinha, por acreditar em mim,
À tia Virinha, por me fazer rir,
À Adriana, pelas traduções,
À Lissa, por acreditar na educação,
À Claudinha, pela cor,
À Márcia, pela força,
À tia Paula, por me socorrer,
Ao Roberto, por me ceder a namorada,
À Penha, pelos almoços e bolos,
Ao meu avô, pela ajuda,
Ao Jorge, por me trazer a realidade,
Obrigada a todos que me apoiaram.
RESUMO
CABO, Manan Terra. Entre a tradição e a modernidade: o gosto Klimt. 2009. 102 f.
Dissertação (Mestrado em Arte e Cultura Contemporânea) – Instituto de Artes,
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
Gustav Klimt obteve uma formação acadêmica influenciado pelo gosto
neoclássico, que contribuiu para a sua carreira. O trabalho tratará de compreender
como isso aconteceu, através de suas pinturas, nas quais ele, imbuído de
conhecimento da História das Artes, acaba dialogando diretamente com a
Antiguidade, a qual não comporta o ideal clássico, somente a estética. Com o passar
dos anos, ele mantém esse diálogo e, ainda, estabelece uma relação com a tradição
das Artes. Sua concepção artística constituiu-se das apropriações do mundo das
artes agregadas de elementos contemporâneos ao pintor. Klimt realiza sua busca
pictórica a partir de elementos das artes do passado, associados aos do presente.
Utilizando elementos puramente estéticos, suas obras jamais abandonaram a
tradição das artes, ao contrário, aponta uma atualização desta. O artista adota uma
pintura permeada de relações dualistas entre tradição e o novo, o passado e o atual,
arte e natureza, vida e morte, beleza e moda. Assim, insere-se na Modernidade sem
romper com sua formação, criando um gosto Klimt.
Palavras-chaves: Klimt. Tradição. Modernidade.
ABSTRACT
Gustav Klimt had an academic formation, influenced by his neoclassic
taste, which contribute throughout his career. This paper will try to understand how
this was expressed through his paintings, in which the artist impregnated with Arts
History knowledge, dialogs directly with Antiquity which does not admits the classic
ideal, only esthetic. With the passing of the years, he maintains this dialog, and
establishes a relation with the tradition of the Arts. His artistic conception is formed by
the appropriation of the art’s world, put together with the contemporary elements of
the painter. Klimt fulfils his pictorial search, starting from pictorial elements from the
arts past, connected to present elements. Using purely esthetic elements and never
abandoning the tradition of the arts in his work. On the contrary, Klimt points to an
update of the traditional. The painter adopts a way of painting that is permeated by
dualist relations, between the traditional and the new, the past and the present, art
and nature, life and death, beauty and fashion. Thus, inserts his work into Modernity
without the need to break up with his background, therefore creating a Klimt taste.
Key-words: Klimt. Tradition. Modernity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – MAKART, Hans. Charlotte Wolter als Messalina...................... 38
FIGURA 2 – TICIANO. Vênus de Urbino....................................................... 40
FIGURA 3 – KLIMT, Gustav. A Fábula.......................................................... 45
.
FIGURA 4 – KLIMT, Gustav. Retrato de Sonja Knips.................................... 47
FIGURA 5 – KLIMT, Gustav. O Idílio............................................................. 49
FIGURA 6 – KLIMT, Gustav. O Teatro da Taormina..................................... 52
FIGURA 7 – KLIMT, Gustav. Desenho definitivo para “A Escultura”............. 54
FIGURA 8 – KLIMT, Gustav. A Alegoria da Escultura................................... 57
FIGURA 9 – KLIMT, Gustav. As Três Idades da Vida................................... 67
FIGURA 10 – BALDUNG GRIEN, Hans. As Três Idades do Homem e A
Morte......................................................................................................................... 70
FIGURA 11 – BALDUNG GRIEN, Hans. As Três Idades do Homem e As Três
Graças,...................................................................................................................... 71
FIGURA 12 – TICIANO. As Três Idades do Homem....................................... 75
FIGURA 13 – KLIMT, Gustav. Grécia Antiga I e II........................................... 83
FIGURA 14 – KLIMT, Gustav. Pallas Atenas................................................... 88
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................. 9
1 A VIENA NOVECENTISTA............................................................... 23
1.1 O Gosto em Viena............................................................................ 23
1.2 A Formação de Klimt....................................................................... 32
1.3 Makart............................................................................................... 35
1.4 Klimt.................................................................................................. 43
2 DIÁLOGO COM A TRADIÇÃO......................................................... 51
2.1 Apropriação do Clássico................................................................ 51
2.2 Apropriação da Tradição................................................................ 65
2.2.1 Como Klimt se relaciona com as outras obras.................................. 69
3 CRIAÇÃO DE UM GOSTO............................................................... 81
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................. 92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................. 96
ANEXO A........................................................................................... 100
9
APRESENTAÇÃO
Inicialmente, o objetivo deste trabalho era compreender a representação
do feminino na obra de Klimt, durante a fase dourada. Fase essa em que suas obras
dialogam com a arte bizantina e com outras artes, incluindo obras contemporâneas a
ele para construir imagens repletas de significados simbólicos, a fim de suscitar
questionamentos artísticos e sociais presentes em sua época.
Ao longo do processo, a pesquisa ganhou um novo propósito. Diversos
autores reconhecem em Klimt recursos para entender o feminino como uma potência
latente à qual o homem é submisso, no entanto, em suas obras, ele representa a
mulher como um objeto. O aspecto do feminino decorativo, unido à criação de uma
potência feminina e a um ideal artístico romântico, apresenta uma ambiguidade
característica de sua sociedade, em que novas concepções sociais, morais, éticas e
filosóficas estavam sendo criadas.
Diferentemente de alguns autores, como por
exemplo, o historiador Carl Schorske, que identifica as teorias de Freud em Klimt,
confere a suas obras uma dimensão psicológica. Esse trabalho, contudo, pretende
analisá-lo através de outra perspectiva, ainda que ciente de que Freud encontra-se
na mesma época que o pintor, elaborando seus estudos de psicanálise, procurará
entender a obra do pintor do ponto de vista formal, pois, como o mesmo autor
afirma: Klimt “passou da experiência psicofísica para a simbolização formal”.
(Schorske: 1989, p. 252)
A segunda metade do século XIX e o início do século XX, período em que
o artista viveu, são bastante estudados e criticados pela História da Arte, tanto na
Europa como no Brasil. No entanto, quanto à Áustria, esse mesmo período não foi
muito abordado pela História e Crítica da Arte brasileira e, por isso, existem poucos
estudos relativos à obra de Klimt no país. Desse modo, durante a pesquisa notou-se
que há escassez de livros referentes ao assunto e bibliografia pertinente. A maioria
das obras disponíveis estava relacionada à psicologia, cujas características mais
abordadas são a relação do feminino e do sexual na produção do pintor. Existe uma
necessidade de pesquisar a respeito da pintura e do pintor, para não nos
depararmos com uma interpretação ingênua e, até mesmo, alienada. Não se podem
ignorar todas as fontes textuais existentes. A análise realizada nessa pesquisa
tentará, em vários momentos, compensar essa falta bibliográfica com o embate
10
direto entre o observador e as obras que serão discutidas. Acredita-se que o estudo
da obra deve ser realizado em relação à própria, ou a partir e no interior dela, e, de
modo algum, fora dela. Contudo, neste trabalho não se compreende a obra como
objeto a ser contemplado, mas como objeto a ser descoberto. Desta maneira poderá
se conhecer o artista e perceber seu interesse ao pensar em criar a obra. (COMINI,
1975, p. 45)
Klimt foi escolhido como objeto de estudo, primeiramente por motivações
pessoais relativas às suas obras e, segundo, porque este trabalho vai contribuir no
âmbito dos estudos da História da Arte no Brasil. Podemos perceber como há
interesse nas obras desse pintor no Brasil, obras que influenciaram decorações,
pinturas de objetos e, também, coleções de moda. Isso acontece desde canecas,
vitrais e na indumentária. Klimt possivelmente apreciaria tal fato, pois, além de ser
seu desejo tornar a obra de arte um objeto de uso cotidiano, ele sonhava que o
mesmo fosse acessível a todas as esferas sociais, conforme o pensamento do
movimento de Secessão. O que surpreende é que, apesar de haver escassez de
interesse no âmbito da História da Arte e de não haver estudos brasileiros sobre o
pintor, a força da obra de Klimt ultrapassa os muros acadêmicos e vive a
consolidação física, retratada na esfera de objetos de consumo na
contemporaneidade brasileira. O interesse do trabalho é que este pretende uma
abordagem em que a contemporaneidade possibilita certa liberdade de
desenvolvimento numa análise não evolutiva das obras de Klimt.
No decorrer da investigação, irão se estabelecer outras maneiras de
observar as obras de Klimt. Nota-se que, durante toda sua carreira, Klimt manteve
um consistente diálogo com a tradição, referindo-se não só à tradição clássica, mas
à História da Arte como um todo. Assim, o interesse da pesquisa procurou focar a
fase de formação do artista, tida como a primeira, e entender como se estabeleceu
esse diálogo com a tradição das artes.
Klimt desenvolveu seu trabalho em três fases ao longo de sua vida. A
primeira, relacionada a seu aprendizado enquanto estudante da Escola das Artes
Decorativas de Viena, abrange ainda alguns anos após sua formação, entre 1877 e
1903, em que se apodera dos modelos da tradição clássica. A segunda foi a fase
dourada entre, aproximadamente, os anos de 1903 e 1909. Nesta, o artista ainda se
interessa em dialogar com as artes antigas, mas, agora, como o nome sugere, faz
muito uso do dourado, influenciado pela ourivesaria e pela arte bizantina, a qual
11
apreciou na Itália durante uma viagem ao país. Essas artes foram, de certa maneira,
empregadas por Klimt em sua proposta de modernidade. Na terceira fase da
carreira, que seguiu até sua morte, em fevereiro de 1918, recorreu bastante às cores
e estampas, apropriadas da arte oriental, assim como é nítida a relação com
algumas pinturas e artistas contemporâneos franceses.
O fator de suma importância a ser considerado é que o artista partiu da
apropriação da arte clássica, desdobrando-se numa forma pictórica contemporânea.
Entretanto, pode-se perceber que sua obra engloba aspectos simbólicos que não se
resumem somente à questão do feminino, à qual deve ser acrescido, num primeiro
momento, o significado de um movimento classicizante que envolvia essa época.
Klimt estudou na Escola das Artes Decorativas de Viena, ligada ao Museu
Austríaco Imperial e Real de Arte e Indústria, iniciou sua carreira como decorador,
recebendo auxilio e incentivo dos seus professores. Ao deixar a Escola das Artes
Decorativas, Klimt, seu irmão Ernst e seu colega de classe Franz Matsch foram
incentivados por um de seus professores, Ferdinand Laufberger, a criar uma
pequena empresa para trabalhar em obras decorativas de menor porte - a
Companhia dos Artistas.
Nessa época, Viena era a quarta cidade mais importante da Europa e
havia acabado de ser intitulada a capital do Império Habsburgo. Apesar de capital,
ainda se tratava, na segunda metade do século XIX, de uma cidade pequena, com
estrutura de um vilarejo medieval. Devido à motivação imperial, Viena sofreu
intervenções consideráveis de ordem física e social. Tratava-se de um amplo projeto
de mudanças para o crescimento econômico e a modernização da cidade de Viena,
que pretendia afirmar sua vocação de polo cultural e comercial.
Com o novo título de Capital do Império
1
e o compromisso de favorecer o
comércio e a produção industrial, devido à necessidade de incentivar a economia
2
, a
1
Em 1857, a decisão, anunciada por ordem imperial, de acabar com o baluarte que rodeava a cidade. Notificava
o fim do espaço de defesa e possuía como objetivo, primeiramente, proporcionar o elo entre a cidade antiga e as
periferias e, assim, favorecer a comunicação entre todas as partes da aglomeração externa. Deu início, então, ao
programa de construção da Avenida do Anel, a Ringstrasse. Todavia, o imperador apostava na construção da
Ringstrasse como modelo de modernização e com isso precisava que Viena ganhasse rosto de uma cidade do
século XIX. BLED, Jean-Paul. Histoire de Vienne. Paris : Librairie Arthème Fayard, 1998. p. 174 e 175.
2
Fator importante e determinante na época é que em 1848 a monarquia estava passando por uma grande crise,
ocorreu assim, uma “revolução” burguesa que não foi bem sucedida devido à contrarrevolução da monarquia
neo-absolutista. A classe burguesa não participava das decisões políticas e sociais. A economia era baseada na
produção agrícola, até meados do século XIX. A monarquia danubiana não havia aderido à revolução industrial,
assim o Imperador e a aristocracia deliberaram o início do processo de industrialização. Essa condição era para
promover um progresso econômico visando acabar com a depressão econômica que atingiu seu ápice, com o
12
Realeza foi tomada por um desejo de remodelação em favor do crescimento da
cidade e da integração entre a cidade antiga e suas periferias. Consequentemente, a
união entre o antigo e o atual fez com que Viena ganhasse um novo aspecto,
perdesse a característica de burgo e se transformasse, estruturando-se de acordo
com os moldes das demais capitais europeias do século XIX.
Em Viena, até o início da segunda metade do século XIX, a escola de
gosto oficial da aristocracia era a Neoclássica. A diferença das culturas da elite
vienense foi explicada pelo historiador austríaco Carl Schorske, que afirmava que,
enquanto a cultura católica burguesa austríaca “concebia a natureza como uma
esfera a ser dominada pela imposição da ordem sob leis divinas, a cultura católica
aristocrata tratava a natureza como um cenário de alegria, a manifestação da graça
divina a ser glorificada na arte”. A burguesia austríaca era liberal, partidária de uma
concepção em que o bom senso era o melhor conselheiro, defendia a valorização da
razão, da justiça, do direito e do dever. A nobreza, por sua vez, era puritana, com
uma cultura, sobretudo católica, descrente da ciência, apreciadora das artes
plásticas e cênicas, da música e da literatura. Era uma classe que valorizava a
elegância e a beleza, entendida dentro dos padrões de gosto neoclássicos, sendo a
principal fonte de mecenato da época.
A sociedade vienense era hierarquizada ainda em classes que não
conviviam até meados da segunda metade do século XIX. A burguesia precisava ser
aceita de alguma maneira pela aristocracia, já que não havia meios de exercer os
direitos políticos como a nobreza e ainda não possuía
m influência para frequentar a
corte. Diante das dificuldades, percebe que sua inclusão ou, até mesmo, ascensão
social, poderia se dar através das artes. Assim, adere ao mecenato e enaltece a
posição do artista. Essa teoria de promoção da burguesia, defendida pelo historiador
francês Jean-Paul Bled, mostra como o interesse pelas artes foi uma maneira de se
aproximar da nobreza. Já que os burgueses não podiam frequentar os famosos
salões dos nobres, tampouco granjear títulos de nobreza, passaram a imitá-la. Para
o historiador da arte Gottfried Fliedl, o interesse pela arte nasceu com o fracasso da
revolução de 1848, que impediu a inclusão da burguesia na vida política, e que, por
fim, ocasionou uma revolta cultural que protestava contra as normas estabelecidas
nas artes.
fracasso do projeto de modernização, no fim dos anos 70. FLIEDL, Gottfried. Gustav Klimt: 1862 – 1918. O
Mundo da Aparência Feminina. Köln: Taschen, 2006. p. 12.
13
De maneira geral, nessa época, a busca dos pintores eram a precisão e a
justeza das proporções. Na arquitetura acontecia algo semelhante, porém cada
prédio podia ter características de uma época diferente. Para se construir um prédio
era necessário, num primeiro momento, definir qual a intenção e qual a função que
iria exercer, pois os edifícios eram inspirados por modelos do passado, da tradição
arquitetônica, utilizando-os para melhor expressar seus valores
3
.
É necessário ressaltar que esse gosto historicista, adotado pelos
vienenses, esteve presente em toda a construção simbólica da sociedade, tanto nas
avenidas, nas fachadas dos prédios, quanto na decoração dos interiores. Na Escola
das Artes Decorativas de Viena, os jovens estudantes recebiam ensinamentos sobre
os grandes mestres da História das Artes e da arquitetura, por professores que
cultuavam o emprego dos modelos históricos nas construções modernas.
Num primeiro momento, Klimt teve sua arte bastante influenciada pela
Academia. Ele estudava as reproduções dos grandes mestres da pintura, que eram
igualmente obras de referência para a tradição clássica. Utilizava-as como exemplos
para suas obras: as formas de composição, desenho, cor, luz, textura, e tentava
retirar delas o que lhe serviria posteriormente de subsídio.
A Companhia dos Artistas havia recebido encomendas somente fora de
Viena. Em 1884, o grupo resolveu pedir auxílio a Eitelberger, então Diretor do Museu
e Conselheiro da Corte, enviando-lhe uma carta para apresentar oficialmente a
empresa. A carta assegurava o apreço que os artistas da Companhia sustentavam
pela tradição clássica e deixava claro que acreditavam na evolução histórica
referente às artes:
Apenas agora, depois de termos conseguido instalar um atelier [...] é que nos
atrevemos, pela presente, a apresentar a V. Exa., Sr. Conselheiro da Corte, o
programa da nossa Companhia o mais sucintamente possível [...] As teorias dos
nossos mestres foram de tal forma sãs e universais que estamos deveras
agradecidos por termos tido a oportunidade de aproveitar considerando que somos
alunos de um único e mesmo um mestre e que cada um de nós se esforça por ter
em grande estima as suas inqualificáveis teorias, pensamos estar no caminho certo,
se pretendemos continuar juntos e promover essas teorias e como a mútua correção
dos nossos trabalhos [...] o nosso esforço comum (é) de uma vantagem decisiva [...]
pois graças à força criadora superior, é possível terminar mais rapidamente a obra,
aumentando desta forma a experiência. Os trabalhos que até agora realizamos
foram [...] na sua maioria, para a província e o estrangeiro; o nosso maior desejo
3
Essa característica começou um pouco antes do início das obras da Ringstrasse, em que um nobre vienense
construiu uma vila seguindo um modelo da arquitetura da tradição em protesto ao regime de restauração e
modernização proposto pelo Imperador Franz Josef. No entanto, sua manifestação foi acolhida por aqueles que
aderiram à modernidade, e acabou assimilada por toda a sociedade e se transformou em gosto. Assim surgiu a
moda da reutilização de um modelo do passado para ostentar, bastante adotado pela burguesia. (FLIEDL, 2006.
p. 98)
14
seria, por conseguinte, executar um trabalho importante na nossa cidade natal e
teríamos talvez agora a oportunidade visto que as novas construções monumentais
de Viena se aproximam do seu termo. De certo, a sua decoração pictórica vai ser
exclusivamente atribuída segundo as partes mais importantes, ocupando,
consequentemente, apenas os melhores artistas [...]. (FLIEDL, 2006, p. 35-36.
4
)
A notificação apresentava a Companhia e seus valores e solicitava auxílio
do Conselheiro para demonstrar seus serviços em Viena. A carta surtiu o efeito
desejado. Em 1886, a Companhia foi contratada para decorar quadros da escadaria
do Teatro Imperial. Nesse mesmo período, a Companhia foi indicada para realizar
outro trabalho que, a priori, foi encomendado a Hans Makart, porém, devido ao
falecimento do pintor, fez-se necessário contratar outro decorador. Klimt foi o
responsável pelos quadros do teto, enquanto a Companhia o auxiliou somente na
decoração da caixa da escada do Museu de História da Arte. A escadaria era
dedicada à Casa Imperial para vangloriar o mecenato. Graças a esse trabalho, Klimt
alcançou notoriedade
5
, devido ao prêmio imperial que lhe foi concebido: a Cruz de
Mérito de Ouro.
Como foi possível perceber, a sociedade de então apreciava a beleza da
tradição clássica nas artes, à qual recorria para fundamentar o presente. Assim,
Klimt, enquanto profissional de decoração, recorre às grandes tradições da pintura.
Contudo, se o artista se apropria da tradição de maneira consciente, compreende
que o elemento advindo das artes antigas jamais retrocederá ao passado. Diferente
de obras de vanguarda similares da época, Klimt buscava o novo.
Klimt combina as tradições pictóricas mediterrânea e nórdica. É
necessário lembrar o movimento de valorização romântica da Idade Média que se
espalha pela Europa, chegando com um movimento substancioso a Viena no início
do século XIX. A arte medieval
6
desempenhou grande atrativo, exercendo
igualmente um caráter de preservação de valores, aliado a um movimento de
restabelecimento da unidade política e cultural. Este processo valorizou e introduziu
elementos medievais nas artes.
4
Citação de Neberay (ed.): Gustav Klimt Dokumentation. Viena, 1969, pág. 81. Retirada da Carta de 2 de
fevereiro de 1884 para Rudolf Eitelberger.
5
Klimt realizou as quatro decorações de teto da escadaria do Teatro Imperial: A Carroça de Téspis, O Teatro do
Globo de Londres, O Altar de Dionísio, O Teatro de Taormina e O Altar de Vênus, que contribuíram
enormemente para sua fama.
6
Em 1808, na cidade de Viena ocorreu um interesse pelas artes medievais por parte de jovens estudantes de
arte que formaram um movimento chamado A Congregação de São Lucas ou Nazarenos. No entanto, esses
artistas influenciaram diversos movimentos artísticos, devido à valorização da definição dos contornos, o
interesse pelas cores puras e ao cuidado em fazer um desenho simples.
15
A Companhia dos Artistas permaneceu somente por alguns anos. O
renome de Klimt, a divergência de convicções, além da morte de seu irmão Ernest,
causaram o seu fim. Klimt notabiliza-se como decorador e, mais tarde, como pintor.
De protegido de seus mestres, o pintor passou a membro ativo da revolta cultural
vienense. Deserta da antiga associação dos artistas de artes decorativas, alegando
tratar-se de uma associação muito conservadora, e funda com diversos outros
colegas uma nova associação, conhecida como a Secessão de Viena:
Em 1897 os artistas vienenses se reúnem em prol da arte, eles nunca buscaram
uma ruptura completa com os Acadêmicos, ao contrário, eles queriam uma
conciliação artística. A junção do caráter antigo com pensamentos e ideias atuais,
“modernas”. Organizaram um movimento que foi conhecido como a Secessão. Eles
queriam que fosse dada a devida importância ao trabalho artístico e principalmente
ao artista: [...] nós queremos declarar guerra à rotina estéril, do bizantino rígido, a
todas as formas de mau gosto [...] A nossa Secessão não é combate a favor da
promoção dos artistas modernos contra os antigos, mas um combate a favor da
promoção dos artistas contra os propagandistas que se fazem passar por artistas e
que tem um interesse comercial, no qual a arte não se pode manifestar. [FRODL,
1990, p. 30]
A nova cooperativa desligou-se da antiga pelo fato de esta subestimar a
arte em favor do interesse comercial das obras. Já a “Secessão” valorizava a arte,
entendendo-a como propriedade essencial para a transformação de uma sociedade.
O movimento dos jovens artistas visava à descoberta daquilo que seria o atual;
buscava apontar a arte como um processo de criação, atribuindo-lhe uma
personalidade rumo ao novo. Eles não rompiam com a Antiguidade ou com as
tradições, mas propunham a desobrigação do artista com os procedimentos
costumeiros de produção artística, negavam a evolução historicista, decorrida dos
estilos, importando-se com as novas correntes artísticas europeias e afastando-se
do modelo histórico como uma solução plástica.
O século XIX presenciou importantes mudanças sociais, econômicas e de
produção. O âmbito das artes estava marcado por uma espécie de decadência, pela
desvalorização do artesão, em favor das produções industriais. Contudo, eles
acreditavam que as artes poderiam ser acessíveis a todos e agregar valor à vida
cotidiana. Atribuíam à arte uma função social, desenvolviam projetos em que objetos
funcionais eram transformados em objetos artísticos, para decorações ou, ainda,
para desempenhar funções na forma de diversos utensílios domésticos.
Klimt acreditava que a sociedade seria transformada através de uma
cultura artística, sua luta era pelo direito da criação, mas não se tratava de um
16
combate estético, e sim de uma união em favor das artes novas e de seus artistas. A
partir de então, em suas obras, Klimt torna-se mais explícito nessa problematização.
Ele valorizava a criação, e sua intenção era a libertação pela Arte, associada não
somente ao artista, mas a uma renovação cultural da sociedade, a qual exerceria o
papel principal.
O artista viveu numa sociedade que incentivava a arte moderna, porém
esta deveria seguir determinados padrões. Pertenceu a um grupo de artistas que
defendia cegamente uma arte livre, mas essa liberdade não poderia ser tão pessoal
e individualizada e, sobretudo, não estava autorizada a constranger o público e a
sociedade. Klimt teve diversos quadros expostos e, ao mesmo tempo, censurados,
que tinham que ser cobertos por biombos ou tecidos. Alegava-se que se tratava de
pinturas que ofendiam a moral do espectador, então aquele observador que tinha
interesse em ver as obras precisava se posicionar atrás do tecido para apreciar as
pinturas. Esses dilemas culturais estão tratados em suas obras e coincidem com as
modificações formais que acontecem por volta de 1900, quando se permite
experimentar outros modelos artísticos inseridos em pensamentos atuais.
Klimt engrandecia o pensamento da Secessão, acreditava ser uma
abertura exclusiva para a criação, uma ideologia liberatória de antigas regras e
convênios. Para ele, independente do grupo da Secessão, a arte envolveria sua
vida. Influenciado por uma grande amiga
7
, a estilista Emilie Flöge, ele também se
dedicou à estamparia, criando motivos em tecido para a sua boutique e, ainda,
desenhou alguns modelos de vestidos diferenciados daqueles que eram usados
pelas vienenses do fim do século XIX. Flöge era uma mulher independente para a
época, criou uma das butiques pioneiras de moda da Europa e viajou enormemente
por conta de seu trabalho de estilista. Muitos de seus clientes também o eram de
Klimt, possibilitando parcerias artísticas.
Essa padronagem de motivos que nos remete a estamparia de tecidos
está presente nas suas obras desde que era decorador, e se potencializou,
principalmente durante a fase dourada, para se transformar numa marca pictórica no
decorrer de sua trajetória. Em diversos quadros emprega numerosos efeitos de
repetição de elementos decorativos, servindo-se de uma vasta gama de motivos,
muitas vezes dispostos de forma a induzir uma planaridade à pintura,
7
Alguns autores como Schorske e Susanna Partsch acreditam que Klimt e Emilie Flöge foram amantes, uma
relação estabelecida pelo amor livre, sem as limitações da fidelidade conjugal.
17
consequentemente evocando uma tapeçaria. Essa tendência ganha importância
durante sua carreira.
A fase dourada inicia-se depois de uma viagem às cidades de Florença,
Veneza e Ravena, onde visitou e apreciou os mosaicos bizantinos e as iluminuras,
que Klimt absorveu em sua obra, e que são por vezes abundantemente decoradas.
Anteriormente, junto a Hans Makart, Klimt e seus sócios da Companhia dos Artistas
tiveram a oportunidade de estudar as gravuras do século XVI, principalmente a série
de Dürer que representa O Triunfo de Maximiliano I e que lhes serviu de referência
para a realização de gravuras em homenagem às bodas de prata do Imperador
Francisco José. Com o passar dos anos, a estética medieval desempenhou grande
atrativo durante a fase dourada, sobressaindo-se os fundos e/ou vestes em ouro,
que o pintor desenvolve e possibilita uma nova linguagem artística. As pinturas
evocam uma grandiosa ornamentação, que se expande pelo quadro e na qual ele
utiliza uma técnica bastante refinada. A sobreposição e a mistura desses elementos
decorativos formam o todo, em que estes modelam a pintura e valorizam a temática.
A arte da fase dourada abandonou a construção pictórica perspectiva,
buscou novas cores, formas mais geométricas, a planaridade, representava tanto
uma volta ao passado medieval quanto a recuperação de uma tradição - familiar - a
ourivesaria
8
- já que trabalhava com formas douradas e metálicas. Contudo, Klimt
concilia esta nova forma com seu costumeiro realismo de corpos, rostos e mãos
desenhados com perfeição acadêmica. Além disso, dava grande importância ao
movimento, imprimindo-o nos tecidos das roupas e na padronagem dos ornamentos.
Klimt realiza a Modernidade. Ele funciona movido por uma necessidade
de transformação visando combater o existente, aquilo que já foi concebido, não
pela ruptura, ao contrário, através do diálogo com o passado. Sua busca
encontrava-se imbuída de um questionamento presente e, antes de tudo, de um
novo poder de criação que possibilita um livre processo. Sua concepção artística
estabelece um presente aliado ao passado das artes. Desenvolve uma pintura
enaltecendo o passado das artes e com o qual possibilita questionamentos em suas
pinturas. A apropriação das grandes composições dos grandes mestres da História
das pinturas em suas obras, por fim, não soluciona seus problemas pictóricos. O
problema de Klimt não se estabelece pela natureza do pensamento, ou melhor, ele
8
O pai de Klimt era cinzelador e gravador.
18
não procura por um ideal clássico ou tradicional, e sim, uma combinação de
elementos da tradição das artes imbuída de contribuições recentes.
Klimt é um pintor importante por seu caráter de ambiguidade que
permeava o homem, o artista e, ainda, uma época. Seus temas têm como finalidade
a dualidade existencial, como a vida e a morte. Traz os questionamentos que lhe são
fundamentais enquanto indivíduo e artista, usando o pensamento junto à intuição
para compor seu trabalho. Há ainda outra dualidade, em que representa o passado
e o presente na mesma obra.
Acredita-se que sua arte, principalmente nas últimas fases, possuía dois
questionamentos: um interior e o outro exterior, que casava com as ideias do
Modernismo e que buscava o outro, não no Oriente ou no primitivo, mas num
passado guardado nas suas origens, na tradição da pintura ocidental e na arte
medieval. Dessa forma, pode-se dizer que o seu objetivo era mais do que conhecer
o outro, mas conhecer a si mesmo. Interpretar os elementos simbólicos de caráter
decorativo que o pintor representa é entender o universo em que ele situa as suas
obras.
Trata-se de um artista que não somente está produzindo pinturas em
paredes e quadros, mas também decorações em ambientes, assim como estampas
para tecido. Procurará se compreender, portanto, como é tratada a pintura e a
escolha dos temas ou assuntos de sua pintura e como utilizava os símbolos. Para
Klimt o problema está no âmbito da arte. Pressupõe-se que a construção que Klimt
quer deve-se à busca de uma nova composição.
Klimt estabeleceu uma relação muito particular com a Tradição. Num
primeiro momento, ele procurou enaltecer a Antiguidade, para em seguida suas
obras estabelecerem um diálogo entre o passado e o presente, tanto através de
seus temas, quanto por seus modelos, que, por fim, representavam a sua época,
houve ainda uma necessidade de dialogar com as vanguardas modernistas.
Procurei discutir ao longo do trabalho a relação do pintor com a História das Artes e,
ainda, averiguar se Klimt realizou em algum momento um rompimento com a
tradição, para compreender se ele poderia ser considerado um pintor de vanguarda.
Assim, o trabalho procurou consolidar as relações dele com o passado e com a
História das Artes e perceber a maneira pela qual ele foi inserido na modernidade.
O trabalho permite questionar a transição e adesão à modernidade,
afirmada por alguns teóricos. Definitivamente não acredito ter havido uma transição
19
que direcionasse suas obras a uma pintura de vanguarda. Acredito que houve uma
transformação pictórica, mas que, a priori, já se tratava de um artista moderno. Suas
transformações se deram desde o início da carreira, no início de sua busca, quando
ele já tinha interesse pelo novo, pelas novas técnicas, pelas novas tendências, além
de seu intenso interesse pela História da Arte. Esses interesses reunidos
possibilitaram sua arte, e sua necessidade de se apropriar do passado artístico se
reconhece no atrativo do atual e do moderno, concebendo, assim, características
que permeiam a vanguarda. Nela encontramos questões que se inserem em sua
época, como a indiscutível mudança na perspectiva unida a sua combinatória. Na
verdade, ele potencializa e atualiza o passado das artes.
Klimt apresenta-se em suas obras enquanto espectador e apreciador das
artes, a fim de conceber uma arte que agrade ao público. Sua modernidade
caracteriza-se como um tipo de movimento avançado, através da receptividade de
novas técnicas, teorias e tendências, sem a necessidade de uma ruptura com a
História da Arte ou da pintura. Ele se projeta como um artista, sobretudo,
pesquisador, sua modernidade pode ser descrita pela percepção baudelairiana de
que o artista moderno está em “eterna busca”.
Essa característica possibilita o uso de novas combinações imbuídas de
diversas artes. Para Klimt, a natureza encontra-se na História da Arte e suas
alegorias femininas, condensadas num único ser, jamais alcançariam a perfeição,
mas se comportariam como objeto de admiração, proporcionando o encantamento
para o contemplador.
Como percebemos, suas alegorias definem-se através dos conceitos
acerca do feminino baudelairiano, em que a mulher, para o teórico francês, seria um
reflexo de todas as graças da natureza como uma unidade feminina que não poderia
ser separada de suas roupas e adereços. Para Roger de Piles, a obra de arte deve
seduzir o olhar, assim como a mulher de Baudelaire e, consequentemente, as
mulheres das obras de Klimt.
Ao proporcionar ao elemento do passado as apropriações da moda ou
das artes de sua época, ele utilizava elementos que alimentavam o gosto do público.
Klimt alcançaria o Belo de Baudelaire unificando o passado das artes com a moda
de Viena, inserindo comentários em suas obras que suscitavam as propriedades da
sedução e da contemplação.
20
Klimt passou a se apropriar de modelos do passado das artes para
compor novos modelos.
Ao se apropriar de elementos da tradição clássica, seu questionamento
não se esgotava no modelo clássico ideal, mas consistia em inseri-lo numa nova
proposta - o de torná-lo atual. Seu ideal pictórico, com o passar do tempo, tratava a
Antiguidade cada vez mais como modelo puramente decorativo.
Essa característica decorativa pode ser constatada em suas obras através
de um realismo vivaz que revigora a importância da História da Arte. Essa
propriedade realista enfatiza o motivo, ao passo que o artifício enaltece o caráter
decorativo. A mulher, na obra de Klimt, é enfeitada para enfeitar, o que, por
conseguinte, personifica a arte.
A moda é para Baudelaire um sintoma de gosto pela beleza ideal, que
permeia o cérebro humano. Composto de um elemento acessível e fugaz.
Baudelaire defende ainda a Modernidade como transitória, assim como a moda.
Uma maneira eficaz de atingir o publico e fazer com que este
compreenda, aceite e até valorize a arte, poderia ser através da moda, pois esta
possui a função de se desenvolver e atrair a apreciação popular, possibilitando,
através desta, a percepção das sutilezas e proporcionando sensações que resultam
na apreciação. A Moda é, acima de tudo, um fenômeno social em que a
característica é a instabilidade, porém o que lhe permite ser moda é o aspecto de
inovação e mudança, ligado a um conceito de evolução e progresso. Assim, a moda
e a arte de Klimt podem se aproximar, pois incorporam o aspecto de renovação.
Klimt veste o passado das artes, utiliza- se da moda para fornecer maior
autenticidade às suas obras. Dessa forma, possibilita a identificação entre o público
e sua obra e, por fim, promove a instrução e o aperfeiçoamento das faculdades
humanas, corroborando na criação de um gosto, que seria uma incessante busca
atribuída ao homem para alcançar o belo no ideal humano. Klimt utiliza- se desses
dois conceitos para produzir obras que se combinem e, mais tarde, eduquem o gosto
da sociedade vienense.
Mas, o que seria o gosto? Para que serve o gosto nas artes? Como o
gosto pode influenciar a obra e a vida de um artista? O gosto é aquilo que nos
possibilita saborear a vida, sendo definido através dos sentidos. É usado para definir
o sabor - através do paladar, os aromas - através do olfato, a textura - através do
tato, a musicalidade - através da audição e as cores - através da visão. O gosto está
21
associado ao prazer e, assim, se define do que se gosta ou não. Ele está associado
a uma infinidade de variáveis: sociais, culturais e psicológicas. Ele o torna apreciável
ou não.
Através dele, estabelece-se, então, a faculdade de julgamento intuitivo
que é transferido para a necessidade de apreciação artística, com qualificativos.
Klimt designa o bom gosto, elaborando um juízo de valores estéticos. A escolha dos
motivos não era feita ao acaso. Inserido numa sociedade que acreditava na beleza
ideal clássica e utilizando-a largamente na decoração, ele se apropriava dos
modelos do passado identificado-os com os atuais.
Klimt utiliza esses artifícios com maestria, transforma o passado das artes
em presente, ou seja, revigora o passado objetivando-o no presente, torna-o
propriedade de suas obras, moldando-o, adaptando-o e transformando-o em
substantivo comum.
Essa combinatória, de passado e presente, refletia sua modernidade
desde o início da carreira, de sua primeira fase, encontrava-se presente na escolha
dos elementos, na maneira em que conduzia sua composição pictórica, no
desenvolvimento e sustentabilidade de seus arranjos.
Não existe ruptura em Klimt, existe ousadia na conciliação entre a
tradição e a modernidade, na apropriação do modelo clássico e das tendências da
moda, na condescendência e na sutil ironia atribuídas aos padrões de Viena. O
desenvolvimento da estética do artista marcou uma época e seu gosto ecoa na
acessibilidade dos dias atuais.
A dissertação compõe-se de três capítulos. O primeiro capítulo pretende
compreender de uma maneira ampla quais foram as bases que deram início ao
processo artístico de Klimt. Nesse capítulo buscar-se-á entender aquilo que lhe fora
ensinado em sua formação e o que acontecia em Viena na época e, ainda, como
seus professores o influenciaram.
No segundo, haverá análises de algumas obras que serão relacionadas à
tradição clássica, para se compreender o gosto classicizante e resgatar seu diálogo
com a Antiguidade, e como o pintor estabelece como relação com o mundo das
artes, como realiza sua nova estética que acentua o prazer e o fazer-se presente ou
atual.
O terceiro e último capítulo procurará entender o porquê da construção de
um presente fundamentado num passado remoto. Nosso objetivo será aprofundar a
22
discussão, procurando entender as razões pelas quais Klimt adota um modernismo
permeado pela tradição pictórica, esquivando-se das referências ao típico
orientalismo ou primitivismo, muito utilizado no século XIX, em que o “Outro” é
tratado como exótico. Irá se discutir essa opção entre a tradição e o novo, o passado
e a atualidade, assim como a moda e o gosto, procurando questionar a ideia de
modernidade que ganha o início do século XX, e entender o porquê e até que ponto
suas formas ornamentais tinham caracteres decorativos. O trabalho buscará definir
os critérios para Klimt ser considerado um artista moderno.
23
1. A VIENA NOVECENTISTA
1.1 O gosto em Viena
Os motivos e os temas da Antiguidade Clássica foram largamente
utilizados por toda a História das Artes em diversos períodos. O termo Classicismo
foi definido no final do século XVII na França, e, segundo o historiador da arte Giulio
Carlo Argan, tratou-se de uma proposta encenada para fortalecer os laços entre a
França e Roma, por conseguinte visava estabelecer uma cultura única na Europa:
O conceito de classicismo formou-se na França na segunda metade do século XVII,
na época de Luís XIV: em pintura, era o historicismo heróico e moralista de Poussin,
a natureza que se torna história de Claude Lorrain, o cerimonial de corte de Le Brun;
[...] a raiz desse classicismo estava, porém, em Roma, e justamente no revival de
Rafael, promovido, mas em versão censurada e devocional, por Domenichino e
Reni. O que estava construindo sobre esse rafaelismo moderado e sobre a retomada
mais enérgica e profunda de Poussin e de Claude era, na substância, uma primeira
aliança cultural Roma-Paris, que concorria de certa maneira para confirmar a
aprovação apostólica da Cúria romana ao absolutismo monárquico francês. É um
arco que se fecharia com o insucesso, não sem razões, de Bernini em Paris, mas
que foi sem dúvida, em arte, o primeiro núcleo de uma cultura européia moderna,
que se tornou homogênea graças a um fundamento cultural comum. (ARGAN: 1999,
284-285)
Em meados do séc. XVIII houve uma revalorização do “clássico”, que
ganhou forma por volta do início do século XIX. Aconteceu um ressurgimento do
gosto pela tradição clássica, que reviveu exacerbadamente o modelo em toda a
Europa. De acordo com Argan, o modelo clássico se expandiu ao fim do século XVIII
devido à valorização de uma ideologia ética:
[...] Com a cultura francesa da revolução, o modelo clássico adquire um sentido
ético-ideológico, identificando-se com a solução do conflito entre liberdade e dever; e
colocando-se como valor absoluto universal, transcende e anula as tradições e as
“escolas” nacionais. Esse universalismo supra-histórico culmina e se difunde em
toda a Europa com o império napoleônico. (ARGAN, 2006, p. 13)
O movimento neoclássico tinha o propósito geral de retomar os princípios
clássicos como modelos artísticos. O movimento teve início em Roma e se difundiu
através do historiador e crítico alemão Johann Winckelmann, o precursor da teoria
24
classicizante, que escreveu sobre as pinturas e esculturas gregas
9
. Winckelmann
julgava que os modelos antigos da arte grega deveriam tornar-se modelo ideal para
as artes plásticas. Sua teoria influenciou diversos artistas e adentrou o século XIX.
Todavia, para o teórico, a nova arte não consistia numa totalidade de valores
copiados e imitados dos modelos greco-romanos, mas numa arte produzida com a
essência da ideia clássica. Winckelmann compreende que, independente do
paradigma usado, como produto, a arte possui, naturalmente, a imagem do período
histórico em que esta foi concebida.
As representações deveriam ser dotadas de grandiosidade, por exemplo,
representar os temas históricos, que alcançam um papel importantíssimo no século
XIX como a forma mais nobre entre as artes visuais
10
, paralelamente os temas
mitológicos e as representações alegóricas também são prestigiadas. As
representações das formas da Antiguidade não aludiam a mensagem moral, mas a
estética classicizante.
O Neoclássico vienense é bastante diferente do estabelecido pelo pintor
francês Jacques-Louis David, que se tornou referência dentro do Neoclássico, pelo
seu realismo contido. Seus temas advinham de apropriações dos modelos clássicos,
demonstravam as características tidas como ideais. Estabeleceu uma relação com o
classicismo moral de Poussin, mas criou um novo caráter histórico e moral, tendo
interesse pela história sem drama, sem excessos, que se nota em seu realismo
moderado, assim ele proporciona uma nova concepção do quadro histórico.
O modelo clássico torna-se a característica essencial que possibilita a
criação e, ainda, permite que o artista exprima sua personalidade em sua obra. Aqui
a necessidade do artista está presente e contribui para o produto final, pois a obra
de arte tem por obrigação exercer sua função educadora, ecoar virtudes e valores
morais, entretanto deve também expressar ideias e até sentimentos.
Segundo outro historiador, William Vaughan, apesar de ter como
referência a Antiguidade Clássica, a nova arte mostra-se bastante atual através das
9
Johann Joachim Winckelmann publicou um livro em 1755 sobre as artes gregas, chamado Reflexões sobre
Pintura e a Escultura Grega, foi o primeiro teórico do neoclássico e influenciou principalmente Anton Raphael
Mengs e Gavin Hamilton com suas teorias, mais tarde outros dois pintores famosos foram estudar em Roma,
West e David, e adotaram as mesmas teorias de Winckelmann quanto aos modelos clássicos ideais. VAUGHAN,
W..L´art du XIX siècle: 1780 – 1850. Paris: Editions Citadelles, 1989.
10
Os temas preferidos desse período são os fatos da História Antiga, ou históricos de grande importância, temas
da literatura, da religião ou da mitologia e foram tratados como uma grande narrativa, valorizando as reflexões
através das representações alegóricas. Porém, essas representações deveriam dotar os temas com
características grandiosas e criar um grande impacto nos espectadores que, por sua vez, teriam que ser
transportados para a cena.
25
interpretações artísticas de seu modelo, devido à ênfase dada aos aspectos
primitivos da arte da Antiga Grécia em conjunto com as concepções de bon sauvage
de Rousseau. Para o autor, o neoclassicismo adotado pela academia francesa foi a
expressão visual do movimento iluminista, respondendo ao gosto dos filósofos da
época, tanto à claridade e quanto à precisão.
O Neoclassicismo descrito por Vaughan consiste na ideia da cultura
clássica, ligada à arte greco-romana e, assim, àquela que foi tida como seu
renascimento. A sua definição de Neoclassicismo tratava das possibilidades do
gosto artístico em reviver as formas da Antiguidade com possibilidade de readaptá-la
ao pensamento da época. Porém, a sociedade vienense passa por diversas
mudanças, principalmente de ordem social, em que há uma necessidade de
afirmação individual, de valorização do homem e uma vontade política (que era a
liberal) de ordem social, ao realizar aquilo que proporciona melhorias para as
carências necessárias da cidade e seus habitantes. A colocação de Vaughan faz-se
adequada para essa sociedade, sua percepção do Neoclássico entende a influência
travada pelas relações sociais e suas necessidades. Devido a esses fatos pode-se
entender que as ideias iluministas correspondem ao pensamento de Rousseau, que
é o defensor desse pensamento na França. De forma generalizada, a teoria do bon
sauvage entendia o homem enquanto indivíduo, e que a natureza humana era boa
por princípio. Mas o homem era corrompido devido à influência da sociedade.
Rousseau não negava a sociedade, pelo contrário, não imaginava a vida humana
sem sociedade e acreditava que tudo podia ser solucionado pela realização da
democracia, que através dela o homem poderia atingir sua liberdade. Enquanto isso
não acontecia, a sociedade fazia com que o homem perdesse sua qualidade
enquanto ser humano, ao renunciar à liberdade, não conseguiria realizar seu
espírito, suas vontades, as quais, em sua teoria, se comportavam como
necessidades. O pensamento de Rousseau pretendia um autoconhecimento que
acontece por meio sensorial e emocional, que deveria ter como premissa humana
seguir os instintos.
Argan entende que o Neoclassicismo foi influenciado pela cultura do
Iluminismo e que, devido a esse fato, aconteceu a idealização da Antiguidade como
momento de valorização humana. Passando, então, a uma nova idealização que
permite uma mudança de posicionamento diante do mundo e, consequentemente,
26
sobre as coisas, “a natureza não é mais a ordem revelada e imutável da criação,
mas o ambiente da existência humana”. (ARGAN, 2006, p. 12)
De acordo com Argan, o século XIX adotava o modelo da arte greco-
romana como paradigma de equilíbrio, de proporção e clareza, em que arte Antiga
condenava os excessos de uma arte que tinha sua sede na imaginação e aspirava
despertá-la nos outros”, a imaginação estaria apontando a característica da criação,
pois ele segue explicando que, “como a técnica estava a serviço da imaginação e a
imaginação era ilusão, a técnica era virtuosismo e até trucagem”. (ARGAN, 2006, p.
21)
A partir do final da segunda metade do século XVIII, os paradigmas
instituídos pelo Renascimento e pelo Barroco tornaram-se obsoletos e, por sua vez,
são substituídos por estudos referentes às obras de arte, propondo que as obras
fossem o ponto de partida para a avaliação e, não mais, teorias direcionadas às
obras. Argan refere-se ao Neoclássico como o início da Modernidade. Segundo o
autor, existem dois tipos de posturas para serem adotadas pelo artista novecentista,
a primeira trata-se do que já foi dito acima, a definição de Winckelmann em que a
arte revive os valores da tradição clássica, e a outra seria o momento em que a
cultura artística prestigia a História da Arte:
Quando se fala na arte que se desenvolveu na Europa e, mais tarde, na América do
Norte durante os séculos XIX e XX, com frequência se repetem os termos clássico e
romântico. A cultura artística moderna mostra-se de fato centrada na relação
dialética, quando não de antítese, entre esses dois conceitos. Eles se referem a
duas grandes fases da história da arte: o “clássico” está ligado à arte do mundo
antigo, greco-romano, e àquela que foi tida como seu renascimento na cultura
humanista dos séculos XV e XVI; o romântico, à arte cristã da Idade Média e mais
precisamente ao Românico e ao Gótico. Também já se propôs (Worringer) uma
distinção por áreas geográficas: clássico seria o mundo mediterrâneo, onde a
relação dos homens com a natureza é clara e positiva [expressado nas
representações artísticas]; romântico, o mundo nórdico, onde a natureza é uma força
misteriosa, frequentemente hostil. São duas concepções diferentes do mundo e da
vida, associadas a duas mitologias diversas, que tendem a se opor e a se integrar à
medida que se delineia nas consciências, com as ideologias da Revolução Francesa
e das conquistas napoleônicas, a ideia de uma possível unidade cultural, talvez
também política, européia. Tanto o clássico, como o romântico, foi teorizado entre a
metade do século XVIII e a metade do século seguinte: o clássico sobretudo por
Winckelmann e Mengs, o romântico pelos defensores do renascimento do Gótico e
pelos pensadores e literatos alemães (os dois Schelgel, Wackenroder, Tieck, para os
quais a arte é revelação do sagrado e tem necessariamente uma essência religiosa).
Teorizar períodos históricos significa transpô-los da ordem dos fatos para a ordem
das ideias ou modelos; com efeito, é da metade do século XVIII que os tratados ou
preceitísticas do Renascimento e Barroco são substituídos, a um nível teórico mais
elevado, por uma filosofia da arte (estética). Se existe um conceito de arte absoluta,
e esse conceito não se formula como norma a ser posta em prática, mas como um
modo de ser do espírito humano, é possível apenas tender para este fim ideal,
mesmo sabendo que não será possível alcançá-lo, pois, alcançando-o, cessaria a
tensão e, portanto, a própria arte. (ARGAN, 2006, p. 11)
27
Para Argan, o Neoclassicismo e o Romantismo fazem aparte do mesmo
pensamento, em que o modelo acaba substituído pela ideologia, pelo que gostaria
que fosse aquela realidade a ser representada. Foram elaborados dois conceitos
para definir características artísticas referentes ao romântico: o pitoresco e o
sublime. Porém, segundo Argan, a diferença encontra-se, na verdade, no tipo de
postura que o artista adere em relação à sociedade, à história e, sobretudo em
relação à realidade, pois o conceito do termo romântico se distingue durante o
passar do tempo. Num primeiro momento, foi definido como:
[...] já nos meados do século XVIII, o termo romântico é empregado como
equivalente de pitoresco e referido à jardinagem, isto é, a uma arte que não imita
nem representa, mas, em consonância com as teses iluministas, opera diretamente
sobre a natureza, modificando-a, corrigindo-a, adaptando-a aos sentimentos
humanos e às oportunidade da vida social, isto é, colocando-a como ambiente da
vida [...]. (ARGAN, 2006, p. 14)
Mais tarde, o Romantismo ganha nova definição, a partir da relação de
oposição entre o pitoresco e a poética do sublime:
[...] para o “pitoresco”, a natureza é um ambiente variado, acolhedor, propício, que
favorece nos indivíduos o desenvolvimento dos sentimentos sociais; para o
“sublime”, ela é um ambiente misterioso e hostil, que desenvolve na pessoa o
sentido de sua solidão [mas também de individualidade] e a desesperada tragicidade
do existir. (ARGAN, 2006, p. 12)
Para Argan, o Neoclássico tem no passado clássico seu modelo de
perfeição, no entanto, afirma que o Neoclássico histórico seria uma das premissas
para alcançar o conceito romântico:
As poéticas do “sublime”, que são definidas como proto-românticas, adotam como
modelo as formas clássicas (caso de Blake e Fussli), e assim constituem um dos
componentes fundamentais do Neoclássico; na medida, porém, em que a arte
clássica é dada como o arquétipo da arte, os artistas não a repetem
academicamente, mas aspiram à sua perfeição como uma tensão nitidamente
romântica. Pode-se, pois, afirmar que o Neoclassicismo histórico é apenas uma fase
do processo de formação da concepção romântica: aquela segundo a qual a arte
não nasce da natureza, mas da própria arte, e não somente implica um pensamento
da arte, mas é um pensar por imagens não menos legítimo que o pensamento por
puros conceitos. (ARGAN, 2006, p. 12)
Argan ainda coloca que uma das características da arte romântica é a sua
postura diante da História da Arte. O termo classicismo, de acordo com o autor, fora
28
empregado pela academia no início do século XIX, para nomear características não
românticas, ou seja, tudo que havia relacionado com a inspiração do artista era
descartado pela academia.
Diversos teóricos acreditam que a Viena do século XIX estava vivendo
uma vertente da escola Neoclássica, portanto Viena adotou que a arte deveria
utilizar os paradigmas classicizantes para sua composição, mas deveria empregar
novos ideais do século XIX. Pretendia inicialmente observar a obra que possibilitaria
a criação de um novo conjunto de conhecimentos. Tratava-se de uma abordagem
inovadora para a arte.
Seria a arte o ponto de partida para o conhecimento e não seu contrário.
Acredita-se que aquilo que se estabelece em Viena no século XIX, tido como
Neoclassicismo, seja, na verdade, o empregar o clássico de maneira a possibilitar
certa liberdade artística ao comportar uma intenção para com as obras,
desempenhando uma autonomia na arte que possui no modelo clássico o conceito
da natureza da arte. (ARGAN: 1999, p. 284)
O modelo clássico era bastante valorizado pela academia vienense, e a
utilização deste possuía características distintas em cada região adepta do
movimento classicizante. Como um movimento de retorno ao clássico, tal
andamento possibilitava associações secundárias. Diferente do Renascimento, o
modelo clássico não procurava demonstrar em sua arte o paradigma através das
virtudes, da filosofia e do pensamento greco-romano, tampouco, era condicionado,
como o Barroco, a contrapor as virtudes clássicas a idealizações de um paradigma,
mas permitia a utilização do modelo clássico junto a artifícios da arte Renascentista
associada à arte Barroca, podendo incluir a Bizantina, e, mais tarde, também a
Oriental, se fosse o caso.
Com o passar dos anos, a escola vienense perpassa o conceito de estilo
Neoclássico, devido à falta da necessidade de um imaginário clássico, o que os
artistas buscavam era fornecer à obra ares classicizantes. Não se preocupavam com
as virtudes clássicas imbuídas na obra, mas com a obra que remetesse ao clássico,
sem precisar estar vinculada à propriedade do pensamento e do ideal clássico. Não
está se tratando da reconstrução do clássico, mas de uma arte que recorre a
modelos da arte clássica como ideal artístico. Entretanto, também permite a
utilização de artifícios de outros modelos artísticos para a criação.
29
Ao contrário daquilo que Argan coloca para definir o Neoclassicismo, em
que afirma que como “Tema comum a toda arte Neoclássica é a critica, que logo se
torna condenação da arte imediatamente anterior, o Barroco e o Rococó”, o gosto
classicizante do início do século XIX em Viena ambicionava que, sobretudo,
exibissem a propriedade de comover a alma do observador. Percebe-se a influência
de alguns artistas vienenses quanto à necessidade de representar os sentimentos
na obra e, principalmente, a dramatização da ambientação da cena. A arte tinha por
obrigação criar grande impacto nos espectadores que, por sua vez, deveriam ser
transportados para a cena e desta extrair emoções.
Outro fator importante nas artes vienenses são as pinturas anteriores que,
no início do século XIX, se classificam dentro do gosto Biedermeier e demonstram a
presença constante da cena de interior, onde vive o aconchego da família,
priorizando os retratos. Essa pintura de gênero foi influenciada pelos mestres
holandeses do século XVII, porém, trata-se de uma pintura em que as expressões
são contidas, não tão dramatizadas como nas pinturas flamengas. Nota-se essa
característica muito presente na arte austríaca desse período, tanto em Makart
quanto em Klimt.
O século XIX, além de ter nas artes a necessidade de que projetassem
um exaltado heroísmo, como no período greco-romano, também possuía
características rígidas em seus traços, o que permitia uma clareza das tonalidades
das cores empregadas. Nesse momento, em Viena, as artes entendiam as
expressões mais contidas, no entanto deveriam indicar o sentimento e induzir a
emoção ao espectador. No novecentos era permitida e bem vista aquela arte que
enaltecia o dinamismo entre luzes, sombras e ilusão.
Nota-se que é uma arte que absorvia características de muitos gostos
estilísticos. Trata-se de um gosto classicizante que compreende diversos modelos
baseados no modelo tido como clássico, o greco-romano e, abrange algumas
características de distintos movimentos
11
. O gosto neoclássico da Viena-fin-de-siècle
não está ligado ao estilo, à forma dessa escola, mas corresponde à temática
11 Para Winckelmann, a arte grega do período clássico é a que a crítica aponta como a mais próxima ao
conceito de arte; por conseguinte, a arte moderna que imita a antiga é, simultaneamente, arte e filosofia da arte.
Quase na mesma época, Mengs indica outros períodos ou momentos da história da arte como modelos da arte
moderna: portanto, mais importante do que escolher um determinado modelo em vez de outro é possibilitar que a
atividade artística se inspire em períodos ou momentos da arte abstraídos da história e elevados ao plano teórico
dos modelos. (ARGAN, 2006, p. 22)
30
utilizada pela escola no início do século XIX. A Viena de Klimt vive a Belle Époque,
momento em que não existe recusa ao se tratar dos modelos para a obra de arte.
O termo neoclássico usado pelos autores estaria indicando uma
preferência da academia, mas em Viena não poderíamos definir um termo
adequado, pois sua escola está dialogando com o passado das artes e criando algo
atual. O passado das artes está presente, contudo a escola vienense dialoga com a
cultura artística e, de preferência, com o Barroco, o Maneirismo e, até mesmo, com o
Romantismo, assim acreditamos que essa escola relaciona-se com as escolas
anticlássicas, devido às características de forma e composição pictórica, e, ainda,
com o Neoclassicismo em sua temática. A Viena da Belle Epoque, junto com a
Academia de Artes Decorativas, estaria possibilitando aos artistas a utilização de
qualquer modelo artístico do passado juntamente com artes contemporâneas dentre
outras, ou seja, Viena está embebida de um típico ecletismo.
Portanto, de acordo com Bled e Schorske, o Barroco era a base do gosto
que mais se adequava à unidade imperial austríaca. Associado à história da dinastia
Habsburgo na ascensão da potência austríaca, exalta a grandeza do Império. Há um
forte incentivo à valorização da tradição barroca nas artes austríacas, especialmente
na arquitetura. Dentro do espírito historicista, que marca a construção dos edifícios
da Ringstrasse, o Barroco era um dos estilos a serem utilizados, de acordo com a
função do prédio, assim como o clássico ou o renascentista. Em contrapartida, o
estilo gótico era empregado, segundo Bled, pela burguesia:
Le style gothique doit être nommé le style bourgeois. Cette identification prendre tout
son sens en 1883 quand l´Hôtel de Ville, quelques années aprés son inauguration,
fera face au nouveau Burgtheater, construit dans le style néo-baroque,
caractéristique des édifices impériaux de la fin du siècle.
12
(BLED, 1998, p. 228.)
Também devido às novas descobertas da Arqueologia, aquilo que era
considerado como estranho veio à tona, contrapondo a necessidade de reconhecer
o indivíduo. Aflorou, ainda, um gosto pelo primitivo e, principalmente, pela Idade
Média. E também por uma natureza selvagem, mas, em Viena, acreditava-se que
estaria no âmbito da natureza humana.
12
O trecho correspondente na tradução é: O estilo gótico deve ser nomeado de estilo burguês. Essa
identificação ganha sentido em 1883 quando a prefeitura, alguns anos depois de sua inauguração, faz face (fica
de frente) ao novo Burgtheater, construído no estilo neo-barroco, característica dos edifícios imperiais do fim do
século. Tradução nossa.
31
O século XIX presenciou diversas mudanças sociais, econômicas e de
produção. Devido às novas descobertas arqueológicas, não somente os artistas,
como a população, se interessavam pelo exótico e pela alteridade, especialmente
um interesse pelo Egito, que já causava furor, desde antes da expedição
Napoleônica. Junto ao interesse pelo estranho, houve a necessidade de auto-
afirmação, pois se tratava de uma sociedade que tentou uma revolução burguesa,
mas não teve êxito e foi obrigada a retomar sua política de modelo absolutista. A
sociedade necessitava compreender a si mesma e entender um novo processo, o
que possibilitou a exaltação do indivíduo.
A arte bizantina exerceu um papel importante na construção de um ideal
não somente artístico, mas social e político, uma vez que esta lembrava o período
em que o Império Germânico era vasto e potente, exercendo um caráter de
preservação desses valores, os quais foram aliados a um novo interesse em
restabelecer a unidade política e cultural, e de reviver a época que refletia grandeza
nacional para a sociedade, insuflando o sentimento de nação. Na arquitetura e nas
artes decorativas, crescia uma simpatia pelas artes medievais. Desde a metade do
século XVIII, jovens estudantes de Arte formaram um movimento chamado A
Congregação de Saint-Luc, por volta de 1810, assim como convencionaram seus
trabalhos a uma estética medieval, e acabaram adotando costumes e vestimentas
medievais, ficando conhecidos como Nazarenos. Alguns dos seus artistas utilizavam
um matiz simples e de cores fortes, para alcançar um caráter mais sentimentalista,
eles julgavam que as pinturas realizadas na época possuíam tonalidades muito
claras. Ambicionavam que as artes projetassem emoções ao observador. O grupo
recorria a obras medievais, visto que seus modelos eram as pinturas religiosas
alemãs. Eram influenciados também pelo pintor Dürer e pelo Quatrocentos Italiano.
O grupo especializou-se nas técnicas medievais e criou com precaução para que
não houvesse em suas obras traços da arte pós-medieval. Houve, por conseguinte,
um retorno ao gosto pelas cores puras, pela definição dos contornos e pelo desenho
simples. Eles influenciaram inclusive os artistas ingleses conhecidos como Pré-
rafaelitas, fazendo com que estes se dedicassem mais ao estudo da luz e da
atmosfera conforme a do Quatrocentos, proporcionando uma palheta mais brilhante,
cores mais naturalistas, ainda dando importância aos detalhes e, principalmente, à
simplificação dos traços.
32
O meio artístico estava marcado igualmente por uma espécie de
decadência, com a desvalorização do artesão. Os artistas em geral tinham medo de
também serem depreciados e obrigados a produzir arte com objetivo de
desempenhar funções industriais, o que era bastante corriqueiro. De fato,
estabeleceram em Viena uma expansão artística, perceberam que o gosto
classicizante podia auxiliar a apreciação e glorificação da arte, devido ao seu caráter
de ordem e de grandeza.
Outra característica que está presente em Viena seria o despertar para a
existência humana e para a vontade do artista que estava em voga no século XIX. O
ideal vienense não deve ser entendido ao tratar o modelo Clássico como universal e
único, mas esse modelo era muito valorizado. A Áustria, assim como a Europa no
final do século XIX, encontrava-se num momento de mudanças políticas e sociais, e
ainda houve segregações fronteiriças em diversos países, as nações precisavam se
encontrar nelas próprias, resgatando ou criando sua história. Por isso, ao tratar a
escola vienense como um movimento neoclássico, devemos partir da premissa que
o movimento neoclássico é próprio de cada lugar, assim não seria um
neoclassicismo típico com que a História da Arte está familiarizada, pois em Viena,
devido a uma vasta possibilidade de utilização generalizada das artes, a
combinatória de Klimt pode ser realizada, assim como uma arte com grande
autonomia.
1.2 A formação de Klimt
O resgate do modelo clássico é um estímulo de uma época que prevalece
na Europa, mas que diz respeito a uma preferência de gosto dos artistas e amantes
das artes pelos modelos do passado, que se tornam revigorados por costumes
contemporâneos. Cada região adotou o gosto classicizante a seu modo, dando-lhe
aspectos particulares, portanto trata-se de um movimento amplo de predileção por
motivos do passado, buscando valorizar as artes de uma época.
As artes vienenses valorizavam a cultura histórica que ganhava
importância fundamental nas artes visuais e na arquitetura, os acadêmicos
vangloriavam os trabalhos de caráter historicista e, portanto, acreditavam que esse
33
deveria ser o gosto ensinado aos jovens artistas. De acordo com Argan, o século
XIX enaltece a educação artística em academias, no entanto, ainda segundo o autor,
isso ocorria devido à valorização clássica. A Viena fin-de-siècle estabelecia a
necessidade da educação do artista:
[...] grande importância à formação do artista, a qual não se dá pelo aprendizado
junto a um mestre, e sim em escolas públicas especiais, as academias. O primeiro
passo da formação do artista é desenhar cópias de obras antigas: portanto,
pretende-se que o artista, desde o início, não reaja emotivamente ao modelo, mas
se prepare para traduzir a resposta emotiva em termos conceituais. (ARGAN, 2006,
p. 25)
Os vienenses também adotaram rapidamente esse conceito de
aprendizado artístico. Tiveram a oportunidade de o governo municipal possuir uma
política liberal, a qual estimava a educação pública dentre outras necessidades
fundamentais para a cidade, como por exemplo, hospitais e saneamento básico. Em
1867, foi inaugurada a Escola de Artes Decorativas de Viena, que era vinculada ao
Museu Austríaco Imperial e Real de Artes e Indústria, sendo considerado o segundo
museu de artes decorativas da Europa, ligado ao artesanato e à indústria. Sua
reputação ganhou o continente por se tratar do primeiro Instituto-Museu, além de
exposições, tornou-se conhecido pela sua documentação e também pela sua
metodologia direcionada ao ensino.
Gustav Klimt era o segundo filho de Ernst Klimt e Anna; seu pai era
cinzelador e gravador, e sua mãe pretendia ser cantora. Advindo de uma família
humilde e de ligação com as artes, desde menino mostrava interesse por estas e
chegou a auxiliar seu pai com alguns desenhos. Ingressou aos quatorze anos na
Escola de Artes Decorativas de Viena, na qual permaneceu por sete anos. Na escola
foram-lhe ensinadas diversas técnicas de artes aplicadas, desde o mosaico até a
pintura a fresco.
A Escola de Artes Decorativas de Viena tinha como propósito consolidar
as premissas concebidas pelo Museu Austríaco Imperial e Real de Artes e Indústria,
que acreditava na construção de uma História da Arte evolutiva e visava ao
ensinamento das artes pelas técnicas e modelos, conciliava o trabalho artístico e a
produção artesanal, assim como a industrial. Sua função era instruir o aluno para o
melhoramento estético, ou seja, tinha como necessidade primordial apurar o gosto
do aluno. O historiador da arte Gottfried Fliedl a denomina de “centro da doutrina
historicista da arte”. Seus objetivos eram promover um beneficiamento na produção
34
de objetos, atribuindo características artísticas, consolidando o interesse pela arte
decorativa e direcionando a atenção para a construção da cultura artística burguesa.
Essa concepção de arte decorativa possibilitou associações de artistas e
de diferentes técnicas e artes para compor ambientes, muito usado, posteriormente,
pelos artistas da Secessão. Conforme Fliedl, o ambiente doméstico era para ser
considerado como algo reservado, assim os artistas deveriam cuidar para que o
ambiente ficasse harmonioso:
Esta nova concepção da arte dos espaços conferia aos artistas a oportunidade de
experimentarem e realizarem, frequentemente em associações de artistas, as
suas ideias de «a obra de arte total» e de «o efeito total psicológico» das
concepções espaciais, tal como podiam ser vistas de forma característica
[posteriormante] nas exposições da Secessão. (FLIEDL, 2006, p. 42-43) (Grifo
nosso)
Klimt iniciou sua trajetória como decorador. A carreira foi impulsionada por
seus professores Rieser, Laufberger, Berger, entre outros (ainda aluno, seus
trabalhos eram admirados pelos professores), e pelo diretor e fundador do Museu
das Artes Decorativas, Eitelberger. Rieser utilizou seus serviços para realizar os
vitrais da Igreja Votiva de Viena, e Laufberger utilizou seus desenhos para interior do
Teatro Imperial. Mais tarde eles também o incentivaram a se tornar pintor.
Berger era amigo do pintor Hans Makart, que se destacou como o pintor
mais famoso de Viena, responsável por uma tendência que levava seu nome e pela
decoração dos prédios mais importantes da Ringstrasse. Assim, Berger fez do jovem
pintor um dos ajudantes de Makart
13
, o qual aparentemente confiava
demasiadamente no discípulo, permitindo que alguns estudos para suas obras
fossem realizados por Klimt. Makart acreditava que a arte deveria se beneficiar das
grandes composições históricas e mitológicas. Além disso, possuía apreço pela
beleza feminina, que se tornou um dos temas de sua preferência.
Incentivados por Ferdinand Laufberger, Klimt, seu irmão Ernest e seu
colega de classe Franz Matsch criaram a Companhia dos Artistas para trabalhar em
obras decorativas. Logo Klimt tornou-se um dos artistas mais bem sucedidos de
Viena. Em particular, executou alguns afrescos, sendo o principal deles, de 1886 a
1888, a decoração do Teatro Imperial de Viena, e suas obras ficaram reconhecidas
pela precisão dos traços e pela cautela com o acabamento.
13
“Le jeune Klimt était un des nombreux assistents de Hans Makart.“ O trecho correspondente na tradução é: O
jovem Klimt fazia parte dos numerosos assistentes de Hans Makart. (CLAIRE, 1986, p. 192.)
35
Segundo Fliedl, as primeiras obras de Klimt apresentam a base de sua
formação que repercute por toda a sua carreira. O autor coloca que a formação
possibilitou o aprofundamento do tratamento decorativo que este fornece em todas
as pinturas:
É precisamente nas primeiras obras que se pode observar que a formação
fortemente orientada pelos modelos e padrões da história da arte e ferramenta
diferenciada criaram a base da sua futura evolução, facilitando-lhe rapidamente o
caminho para uma carreira que se encontrava agora na via da cultura historicista da
«era Ringstrasse». O contraste característico do estilo de Klimt, entre o
naturalismo pintado com virtuosidade e a estilização abstractiva, entre o
tratamento decorativo das superfícies e a formação soberana do espaço na
estatuária das figuras ou em numerosos desenhos, tem certamente sua origem
no vasto leque da sua formação, se bem que esta tivesse outros objectivos na
formação em «artes decorativas» recebida na Escola Decorativas do Museu
Austríaco Imperial e Real da Arte e Indústria. (FLIEDL, 2006, p. 33) (Grifo nosso)
Nota-se em suas primeiras obras, não somente sua característica
historicista ensinada na Escola de Artes Decorativas, como tendências pictóricas
empregadas conforme seus professores. Acredita-se que sua formação possibilitou
as ferramentas necessárias para toda a sua trajetória, pois não se percebe somente
no início a aplicação dos modelos e padrões da História da Arte, mas durante toda a
sua vida artística.
1.3 Makart
A Viena da primeira metade do século XIX possuía uma sociedade ainda
pré-industrializada e absolutista, que mantinha sua capital, enquanto burgo, envolta
por um grande anel militar, como uma verdadeira cidade medieval. Com a revolução
na década de 50, que permitiu a autogestão municipal de Viena, esta se tornou um
polo de modernização num Império dominado ainda pelo Despotismo.
O Neoclássico em Viena apreciava os temas mitológicos e católicos, pois
ofereceriam uma grande variedade de assuntos a serem pintados. Os grandes
momentos históricos também eram louvados e, junto com o neo-absolutismo, a
pintura exaltava a união da dinastia Habsburgo e do catolicismo. E a arte pictórica
do início da segunda metade do século XIX foi dominada pelas obras de Hans
Makart.
36
Viena projetou-se culturalmente a partir de investimentos sociais, tais
como a educação e, também, o mecenato. Contudo, era ainda caracterizada por
uma sociedade de salões, como afirma Bled, uma sociedade que apreciava les
douceurs de la vie, em que os artistas eram sempre bem-vindos e, sobretudo,
admirados. A Viena novecentista foi nomeada por Schorske como a “sociedade do
espetáculo”.
A incapacidade de ascender ao poder fez com que a burguesia
procurasse alguma integração com a aristocracia. A partir da metade do século XIX,
a alta burguesia percebeu que havia um meio de participar da vida social da
aristocracia e, então, enraizou um desejo pela vida artística e intelectual, pois até
este momento eram temas de domínio da nobreza. Porém, o teatro desempenhava
um grande papel para a população vienense, havia um grande teatro aberto ao
público, além de diversas apresentações teatrais em praças ou casas noturnas das
periferias. A arte tem a simpatia de toda a sociedade vienense, assim, trata-se de
uma população pré-disposta aos prazeres artísticos e à apreciação.
Ocorreu uma tendência nas artes visuais após o século XVII, em que as
sensações foram valorizadas. Elas vieram à tona para causar piedade e
identificação, assim como admiração pela obra. Essas características ganhavam a
Viena novecentista, assim a teoria de mover os afetos, que foi sustentada como
referência para a representação primordial do Barroco, novamente se torna
destaque.
Nota-se que na época ainda havia uma grande influência do estilo
Biedermeier, muito usado pelos vienenses no início do século XIX. Há uma outra
percepção quanto ao retratar as expressões, possuía uma expressão de
consciência, de modéstia, sobretudo um caráter intimista, desta maneira os afetos
em seus personagens eram bastante diferentes do Barroco. Um fator relevante para
a História da Arte germânica é que, segundo o escritor Henri Focillon, “a expressão
patética evocada pelo gênio teatral do fim da Idade Média, não foi acompanhada
pelos Germânicos, pois estes sempre construíam expressões severas
14
. Portanto,
ao observar a representação dos afetos nas artes austríacas da primeira metade do
século, têm-se expressões mais contidas, não tão dramatizadas.
14
Henri Focillon acredita que o fim da Idade Média corresponde ao século XIV. (FOCILLON, , 1980. p. 272)
37
Os artistas vienenses aderiram, ao longo do tempo, à ideia de mover os
afetos. No entanto, essa adesão acontece de maneira diferenciada na
representação, pois na arte vienense os afetos não provocam o completo êxtase nos
personagens retratados, mas estão inseridos de maneira sutil. Os sentimentos não
estão totalmente explícitos, mas a obra proporciona identificação com o espectador.
Os artistas austríacos novecentistas consideravam-se herdeiros da arte
nórdica, mas optavam por abordar seus sujeitos de maneira mais moderada. A
pintura vienense utiliza os afetos não com tamanha agressividade e dramaticidade
como a usada pelos mestres flamengos. Contudo, apesar de a representação
possuir uma contenção dos sentimentos, ainda designa manifestações das paixões
humanas.
Hans Makart era especialista em uma pintura pomposa e detalhista. Jean-
Paul Bled explica que suas escolhas e referências se dão por ele querer ser o
herdeiro de Rubens e de Ticiano. Impressionado pela cor e pela sensualidade de
ambos os pintores, suas obras soam dramáticas e teatrais. Tendo o prazer sensorial
valorizado por sua sociedade, Hans Makart pinta essas características em sua obra;
a Alegoria dos Sentidos (Anexo A, fig. 01), inspirado pelo colorismo de Rubens.
Enquanto o desenho significava a razão, a cor simbolizava a emoção, assim como o
feminino.
Werner Hofmann afirma que Hans Makart representa e evoca a História
como História da Arte. Seus mestres são Ticiano e Rubens, pois, conforme
Hofmann, Rubens era o artista em que os sentidos das cores decolam do prazer
sensual. Makart está convencido de que ele tem “a vocação de renovar e de
terminar, cumprir, realizar a arte do grande flamengo
15
. Assim, Makart identifica-se
com o grande mestre não só por sua relação com a cor, mas por sua origem. O
artista considerava-se nórdico como o holandês, essa colocação de Hofmann vai ao
encontro das palavras de Baudelaire, que escreveu diversos ensaios sobre a arte e
a cor, e acreditava, como alguns de seus contemporâneos, que, na arte moderna, o
desenho nasce da cor e que “a cor é filha do norte, assim como as brumas”.
(CLAIRE, 1986, p. 96)
O pintor vienense foi tido como o maior artista de sua época, considerado
o “mágico das cores”, pintou com cores brilhantes e formas fluidas. Um aspecto
15
O trecho correspondente na tradução é: La vocation à renouveler et terminé, rencontrer, réaliser, exécuter l'art
du grand flamand. Tradução nossa. (CLAIRE,1986, p. 194)
38
interessante de sua produção é que utilizou asfalto em algumas de suas pinturas
para aumentar o contraste entre claro e escuro, o que, no entanto, causou um
aumento na deterioração de suas pinturas. Estas eram normalmente feitas em
grandes dimensões, o que conferia um caráter dramático aos temas históricos.
Makart ainda alude ao conceito de mimesis aristotélica das pinturas
clássicas, mostrando o quanto essas discussões estavam presentes em Viena. Ao
pintar a obra Charlotte Wolter als Messalina, rende uma homenagem ao pai das
cores: Ticiano. Considerado o grande mestre do colorismo – graças ao seu dom
divino para atingir o êxtase com a cor –, encerra toda a teoria Renascentista da
superioridade do desenho em relação à discussão que permeia a cor e o desenho
na Itália do século XVI. O desenho era representado pela escola de Florença, e seu
maior incentivador e teórico foi Vasari, que acreditava na supremacia do desenho no
processo criativo, que, segundo ele, representava desde a Antiguidade a atividade
intelectual, devido à idealização da forma que se dava através do intelecto e que,
somente após ser concebida pela mente, pode ser transformada em arte. O
procedimento realizado para a fabricação da obra é tido como mecânico, técnico e
desprezado por ser manual. Essa teoria enaltece a concepção mental, a realização
manual pode ser realizada por qualquer pessoa.
FIGURA 1 – MAKART, Hans. Charlotte Wolter als Messalina, 1875.
Óleo sobre tela, 143 x 227 cm. Historisches Museum der Stadt Wien, Viena.
39
Já para a escola veneziana, a cor insufla vida, é mais dinâmica. Seu
defensor e teórico foi Ludovico Dolce: “é preciso que as figuras toquem a alma dos
espectadores, algumas perturbando-os, outras alegrando-os, outras levando-os à
compaixão, outras à cólera, conforme a natureza da história.”
Para ele a cor era mais
estimulante que o desenho, ela era a responsável por proporcionar maior ilusão à
tela, enfatiza a sugestão de realidade. Graças ao colorismo, a pintura atinge os
sentidos e a poesia, no lugar do racionalismo estruturado do desenho. É ela que dá
um “não-sei-o-quê”, um ar poético à obra. A escola de Veneza pregava que o artista
que não sabia colorir não deveria se chamado de artista, pois a cor é que possibilita
a melhor imitação, como a tonalidade e vivacidade que a natureza fornece aos
corpos, assim como era tratado pelos textos da Antiguidade em que as pinturas
enganavam os animais e até os homens. (LICHTENSTEIN, 2006. p. 61)
Em Charlotte Wolter als Messalina, Hans Makart faz referência à Vênus
de Urbino do mestre vêneto Ticiano, usando quase a mesma composição da pintura
do mesmo. A mulher pintada por Makart está na mesma pose que a ocupada pela
Vênus, um pouco menos relaxada, sem se voltar para o observador, seu olhar calmo
e doce, mas comporta uma característica mais imponente. Também não está
preocupada com sua pose, e seu corpo entoa um movimento sedutor, como se lhe
pertencesse, assim como um dom. No segundo plano, ao fundo, pode-se perceber
uma paisagem dotada de um templo romano. Diferentemente do classicismo
renascentista, no entanto, o templo não está em ruínas, portanto não está
simbolizando uma construção da ideia clássica, mas Makart demonstra um templo
que perdurou épocas, preservando a herança clássica.
Na Vênus de Urbino, Ticiano representa intencionalmente a figura
feminina num tamanho desmedido na pintura, destacando o corpo nu. O nu dessa
obra combina a precisão do desenho com a harmonia da composição. A
representação da figura feminina despida com forte apelo sensual, assim a obra de
Ticiano permeia a concepção grega quanto ao corpo ser o reflexo da alma, as
emoções podem ser notadas através dele. Conforme sua mulher ser sinônimo de
origem mítica, retrata a mulher como profana, devido à pose, característica do amor
mundano e, também, como sagrada, por ser a própria personificação da deusa do
amor. A deusa grega é dotada de leveza devido à luz que a reflete, na verdade, ela
é a própria encarnação da beleza, símbolo de graça e beleza.
40
FIGURA 2 – TICIANO. Vênus de Urbino, c. 1538.
Óleo sobre tela, 119 x 165 cm. Galleria degli Uffizi, Florença.
Ticiano representa a Vênus e trata com delicadeza e suavidade a
carnação, exibindo seu apelo colorista, todas as partes do corpo dão a impressão de
respirar, de se moverem, de estarem vivas. O brilho da pele da Messalina, assim
como a tonalidade da Vênus de Ticiano, foram muito bem utilizados pelo pintor
vienense, pois a Messalina também parece viva, e sua posição nos remete que logo
se cansará de sua rigidez e, por fim, encarará o observador.
Enquanto na tela quinhentista, a mulher encontra-se deitada sobre um
tecido branco, colocado de forma que o corpo não toque o tecido bruto da chaise, no
quadro novecentista o tecido acaba fazendo parte do corpo da personagem. É muito
leve e suave e devido a sua luminosidade confere-lhe a aparência de uma deusa. As
partes de seu corpo que não estão recobertas brilham como se fossem uma fonte de
luz. Os tecidos do retrato de Charlotte Wolter são fluidos, enquanto que o de Ticiano,
apesar de seu caimento e fluidez por se tratar de um mero lençol, pois sua Vênus foi
“capturada” como que por um acaso e por isso, encontra-se à vontade. A mulher da
obra de Makart está posando, preparada para isso. Sua posição parece feita para
ser devidamente observada, a tela insinua uma característica cênica.
41
Ao conferir um caráter teatral à obra, ele se permite retratar uma vedete
como uma prostituta. Charlotte Wolter é amiga de Makart, ele a representou num
famoso papel em que atuou como Messalina no Burgtheater, em Viena. Devido à
vida de artista, Charlotte Wolter obteve admiração (como diversas outras artistas),
que permitiu, ainda, sua inclusão no mundo da aristocracia e casar-se com o Conde
O´Sullivan e, por conseguinte, parece que se tornou «l´amie» quasi officielle
16
do
imperador Francisco José. (BLED, 1998, p. 361)
A Messalina de Makart rende sua homenagem à obra de Ticiano, mas
utilizando-se das características do século XIX. Como a vestimenta da mulher que
lembra uma roupa grega. Ela porta também uma coroa de louros, que simboliza a
vitória, símbolo importante da luta dos liberais vienenses que adotaram a imagem da
deusa Niké, que representava a vitória e a honra. Contudo, o título da obra não
condiz com a maneira recatada e bem vestida da mulher. Portando muitas jóias –
como pulseiras e um grande colar em ouro – para uma prostituta, há uma
sensualidade ao deixar uma alça do vestido cair, mas o arranjo de flores não permite
que o seio fique visível.
Os retratos antes pintados somente para os aristocratas agora ganham o
mercado da alta burguesia. A Vênus do mestre Ticiano diferencia-se brutalmente da
obra de Makart pela falta de vestimenta. Em Charlotte percebe-se que há uma
escolha pelo estilo da tradição clássica, no entanto foi representada com
vestimentas, o que define a classe social da mulher e quais são seus valores.
Nitidamente moralista, a não utilização do nu clássico, que era habitual nos retratos
novecentistas da corte, estabelece uma relação bastante racional na pintura.
Amante das artes, a paixão de Makart expressa-se na homenagem feita à Vênus de
Ticiano e na presença da construção não abalada do templo da Antiguidade.
Bled define a relação estabelecida com a tradição das pinturas em suas
obras, da qual se pode utilizar a Messalina como exemplo:
Makart ne participe pas seulement de la culture historisante par le choix de ses
thèmes. Comme les architectes empruntent ses formes au passé, il se veut l´héritier
de Rubens e du Titien. Trouvant um modèle dans la sensualité du premier, Il est
fasciné par le sens de la couleur du second. À l´égal de l´architecture de la
Ringstrasse, son oeuvre est apparentée au monde du théâtre. La féerie des
couleurs, le souci de la mise en scène l´en rapprochent. Ses portraits témoignent de
la même théâtralité. Makart ne se contente pas de décider la pose dans laquelle il
fixera son modèle pour l´éternité, il aménage le décor qui le mettra mieux en valeur,
16
O trecho correspondente na tradução é: amiga quase oficial. Tradução nossa.
42
choisit son costume et ses parures jusque dans les plus infimes détails.
17
(BLED,
1998, p. 414)
Esses valores acompanharam o pintor desde o início de sua trajetória,
pois a teoria de mover os afetos, que foi estabelecida para uma característica da arte
italiana, no século XVI, e que, mais tarde, seria resgatada pelos flamengos no século
XVII, foi incentivada pelos artistas vienenses no século XIX. Eles acreditavam que
eram herdeiros da arte nórdica e que deveriam apreciar a cor e, acima de tudo,
exaltar os espíritos.
De acordo com Bled, Makart alcança aquilo a que havia se proposto
desde o início, ser incluído como um grande mestre. Seu sucesso ultrapassa o
domínio da pintura e torna-se referência para decorações de modo geral:
Le succès de Makart prend la dimension d´un phénomène social. Son immence
atelier de la Gusshausstrasse, mis à sa disposition par la Cour, devient, pour une
dizaine d´années, un des hauts lieux de la vie viennoise; chaque après-midi, l´artiste
reçoit; la «la seconde société» s´y presse pour admirer ses dernières oeuvres; en
mars 1878, quelques 34 000 Vienois y défilent pour découvir L´Entrée de Charles
Quint à Anvers; des fêtes somptueuses y sont organisées pour lesquelles Makart
mérite bien son surnom de l´ «Enchanteur».
18
(BLED, 1998, p. 414)
Seu atelier (Anexo A, fig. 02) acabou transformado num lugar de passeio,
de diversão. Devido à frequência com que era visitado, tornou-se célebre atração de
Viena, mas não como local de encontros, como os famosos salões vienenses, mas
como exposição ou museu. Pois Makart, o Enchanteur, propõe em seu atelier um
modelo exuberante de decoração de interiores, que exala um efeito quase sufocante
pela sobrecarga de informação.
19
Esse passeio pelo atelier do artista tem como
objetivo a admiração dos trabalhos que ficavam expostos e, ainda, o propósito de
conferir as novas pinturas, o que propiciava novas negociações, encomendas. Mas,
17
O trecho correspondente na tradução é: Makart não participa somente da cultura historicista pela escolha de
seus temas. Como os arquitetos emprestam suas formas ao passado, ele se quer como o herdeiro de Rubens e
de Ticiano. Encontrando um modelo na sensualidade do primeiro, ele é fascinado pelo sentido da cor do
segundo. Igualmente a arquitetura da Ringstrasse, sua obra está relacionada com o mundo do teatro. O
espetáculo das cores, o problema da encenação o aproxima. Seus retratos testemunham a mesma teatralidade.
Makart não se contenta em decidir a pose na qual ele fixará seu modelo para a eternidade, ele arruma a
decoração que o valorizará, escolhendo seus trajes e seus adornos até os mais ínfimos detalhes. Tradução
nossa.
18
O trecho correspondente na tradução é: O sucesso de Makart assume a dimensão de um fenômeno social.
Seu imenso atelier da Gusshausstrasse foi disponibilizado pela corte, tornou-se, por dezenas de anos, um dos
elevados destaques da vida vienense; cada tarde, o artista recebe a "segunda sociedade" que se apressa para
admirar suas últimas obras; em março de 1878, cerca de 34 000 vienenses a ele desfilam para descobrir a
Entrée de Charles Quint à Anvers; festas suntuosas a ele são organizadas, pelas quais Makart bem que merece
seu sobrenome o «Encantador». Tradução nossa.
19
Domaine du paraître par exellence, les pièce d´apparat se signalent par um luxe parfois tapaguer dans les
années où la mode inspirée par Makart fait fureur. C´est l´époque où dês décors surchargés, de vaste tentures,
d´immenses plantes vertes créent une atmosphère luxuriante et presque étouffante. (BLED,.1998, p. 276)
43
na verdade, aquilo que mais agradava aos expectadores vienenses era a decoração
do ambiente, a qual conquistava o público nos finais de tarde, em que a intenção era
apreciar a opulência de objetos e misturas de elementos e gostos.
Sua popularidade o transforma em “Prince des peintres”, assim nomeado
por Bled. Segundo o autor, seus modelos compreendem a ideologia do pintor, sua
sensualidade das cores, seus princípios enquanto pintor e seu atelier transformam
essas características em referências para o público para utilizá-las como modelo de
estilo . Por fim, considerando que sua presença deixa de ser necessária no processo
das decorações, ou seja, é desnecessária a intervenção pessoal do artista, pois
seus paradigmas estão embebidos no espírito de sua época. Percebe-se esse fato
estampado na Ringstrasse, a avenida que demonstra a modernização da cidade de
Viena. Os jovens pintores vienenses tinham como referência o paradigma Makart,
nomeado como “estilo Makart”, ou “Makartstil”, em que eles procuravam alcançar a
natureza estética do mestre.
1.4 Klimt
Klimt reside numa cidade que se moderniza, que busca o progresso, onde
há uma predileção pela utilidade das coisas, pela individualidade e, sobretudo, tem
na razão a solução de todos os problemas. Neste momento o clima na cidade de
Viena é aparentemente de grande força e atividade, de reconstrução, não somente
da cidade, mas de um novo conceito de modo de vida (sócio-econômico-político)
para compor os novos meios físicos, visando ainda a uma nova sociedade.
Além de ter sido um dos ajudantes de Makart, Klimt também realizou
trabalhos em conjunto com a Companhia dos Artistas. Assim, os irmãos Klimt e
Matsch trabalharam com Makart na realização de dois trabalhos, o primeiro foi na
decoração de um palácio da Ringstrasse, do industrial Nikolaus Dumba, em que
foram responsáveis pela execução arquitetônica e pela decoração de interior de três
salas. Outro foi na realização de gravuras em homenagem às bodas de prata do
Imperador Francisco José, em que tiveram como referência O triunfo de Maximiliano.
Em 1884, com a morte de Makart, a decoração dos quadros de teto da
escadaria principal do Museu de História da Arte de Viena ficou inacabada. Devido
44
ao auxílio de Eitelberger, na época Diretor do Museu e Conselheiro da Corte, a
Companhia dos Artistas foi indicada para realizar a obra, a qual tinha como temática
o enaltecimento do mecenato imperial. Klimt, então, assumiu a decoração dos
quadros de teto da escadaria, por conseguinte, foi reconhecido por suas qualidades
de pintor, ganhando prêmios importantes.
Otto Stoessl, um crítico importante da época, publicou, em julho de 1908,
no jornal Die Fackel uma crítica em que afirmava que Gustav Klimt era apenas um
modista, que caiu no gosto popular e que não passava de um bom copiador de seu
mestre Makart:
Il est vrai que Klimt, avec des cadeaux aussi brillant et élégant, avec toute la subtilité
de son talent, a été soumis à ce phénomène monstrueux que c´est le goût de
l´époque. Ainsi, il partage le sort de tout est relatif et commun: disparaître avec le
temps. Il fait partie du genre d'artistes, si caractéristique de Vienne, qui semblent
rééditer de nouveau la vie et l'œuvre de Makart.
20
(CLAIRE, 1986, p. 191).
A crítica não ganhou força. No entanto, Klimt realmente “caiu no gosto
popular” e passou a ser aclamado como o grande pintor vienense.
Como se percebe em suas primeiras obras, são comuns as referências à
tradição e, assim como Makart, louvava ser filho do norte. Em A Fábula, feita sob
encomenda para um editor com objetivo de obter modelos para uma obra de
alegorias e emblemas, há uma alegoria retirada da temática da Literatura Austríaca,
gênero apreciado pela época. Novamente se faz presente em sua obra um nu
feminino típico dos encantos do século XIX. Essa pintura possui bastante influência
das pinturas flamengas de paisagem, assim como a Charlotte Wolter als Messalina
de Makart, uma pintura com uma tonalidade escurecida, ao fundo uma janela típica,
para mostrar além dos limites do quadro. Pode-se perceber o mesmo modelo de
ponto de fuga encontrado na Vênus de Ticiano e na Messalina de Makart,
possibilitando à pintura criar uma ilusão de espaço.
A figura feminina de Klimt parece ter sido esculpida, tal como a Charlotte
Wolter als Messalina de Makart, por sua pele demasiadamente alva e por
permanecer fixa a uma pose clássica de contraposto. Ainda assim seu modelo
corpóreo lembra a Vênus, com sua delicadeza e leveza de movimento. Enquanto a
20
O trecho correspondente à tradução é: É verdade que Klimt, com dons tão brilhantes e com toda a sutileza
elegante de seu talento, estava submetido a esse fenômeno monstruoso que é o gosto da época. Assim ele
divide o destino de tudo que é relativo e comum: desaparecer com o tempo. Ele faz parte do gênero de artistas,
tão característicos de Viena, que parecem reeditar a vida e a obra de Makart. Tradução nossa.
45
Charlotte Wolter possui a mesma carnação viva da Vênus, a figura da Fábula nos
remete a uma escultura. Sua pose é serena, esbanjando sensualidade, como a de
Ticiano. A seus pés encontram-se um leão adormecido, dois flamingos e uma
raposa. Esta, no entanto, segura uma garrafa. Se, por um lado, é negada a natureza
selvagem desses animais, à raposa é dado um caráter humano, enfeitando e
aumentando o poder dessa mulher, que exerce influência sobre os instintos dos
animais. A Vênus de Ticiano assume outra atitude, pois a seus pés encontra-se um
pequeno cachorro que se delicia no conforto do sofá e do tecido e desfruta de
tranquilidade diante da segurança de sua dona. Sua natureza é dócil, o que ajuda a
criar o sentido doméstico, intimista à cena.
FIGURA 3 – KLIMT, A Fábula, 1883.
Óleo sobre tela, 85 x 117 cm. Historisches Museum, Vienna.
A Vênus de Urbino exerce pleno poder sobre a natureza. Está cercada
por edificações e, ao fundo da pintura, há um vaso com uma pequena árvore
podada, e uma grande árvore que está no exterior, mas que quase não se vê, pois
fica atrás da coluna. O fato que nos chama atenção é ela segurar um buquê de
flores, simbolizando a natureza contida e ponderada. A Fábula de Klimt representa e
exibe animais selvagens humanizados, também convive com a natureza,
46
predominante ao fundo da pintura, mas também representa uma natureza contida
que não afeta a alegoria.
A pintura de Ticiano é clara, nítida e precisa nos detalhes, todo o espaço
da tela está iluminado, sua tonalidade é clara. Na Fábula de Klimt, os personagens
parecem receber uma luz do lado esquerdo da tela, que clareia o primeiro plano da
pintura, iluminando a cena, com outro foco de luz vindo pela abertura ao fundo, da
janela, mas esta só ilumina em uma direção, vai ao encontro da mulher no primeiro
plano. Essa luz que ilumina os personagens, produzindo um efeito de claro/escuro,
também presente na Messalina de Makart, acaba proporcionando um caráter cênico.
As obras vienenses são mais dramáticas que a do mestre vêneto, devido ao foco de
luz artificial.
Apesar de Klimt possivelmente dominar a técnica do colorismo, ou do
claro/ escuro contra a supremacia do desenho, ou das “perfeitas” paisagens
flamengas, contrapondo a perfeição e superioridade das figuras, significa que
compreende e dialoga com essas teorias, inclusive por ter realizado obras dotadas
da estética de Michelangelo e Rubens. Pois este debate sobre o desenho e a cor, a
paisagem e a figura estavam ainda muito presentes na pintura do século XIX, porém
não interferiam na produção artística de Klimt. Ele não seria somente colorista, pois
não cria tons ou nuances em suas pinturas, ele na verdade impõe uma cartela de cor
forte e cria formas através da cor. Entretanto suas obras também valorizam o
desenho. O artista não está interessado em se posicionar diante de uma ou outra
corrente, ele busca nelas ou através delas uma nova possibilidade.
A Escola de Artes Decorativas de Viena alcançou com Klimt aquilo que
pretendia no domínio das técnicas e modelos artísticos, entretanto exercer domínio
técnico não significa que o pintor domina os valores e as questões do mundo antigo.
Ele se apropria de modelos ou da temática, como se fizesse um intercâmbio na
História das Artes e como se buscasse a “verdade” através das artes.
Recorrentes na pintura do século XIX, as referências clássicas foram
largamente incorporadas nas primeiras obras de Klimt. No entanto parece ter
alcançado o mesmo artifício de seus professores, desenvolvendo inúmeras
pesquisas pictóricas ao longo de sua carreira, passando pelas referências coloristas
adquiridas pelas obras de Makart às pinceladas bem marcadas, lembrando a pintura
de Ferdinand Laufberger e do pintor novencentista americano Sargent. E, ainda,
podem-se aludir as oposições tonal e geométrica de Whistler.
47
Podemos notar essas características advindas do professor Laufberger na
pintura de Klimt, no Retrato de Sonja Knips, realizado nos últimos anos do século
XIX. O carisma como pintor fez de Klimt um grande retratista, devido às inúmeras
encomendas. Os grandes mecenas da Secessão vienense eram os burgueses que
aderiram aos novos pensamentos do fin-de-siècle, como o esposo de Sonja Knips,
um importante industrial da metalurgia da época, com investimentos no Banco de
Crédito, que patrocinou a Secessão, vivendo numa casa projetada por Josef
Hoffmann e decorada com pinturas de Klimt. Sonja foi, ainda, cliente fiel da boutique
de Emilie Flöge.
FIGURA 4 – KLIMT. Retrato de Sonja Knips, 1898.
Óleo sobre tela,145 x 145 cm. Osterreichische Gallerie, Vienna.
O retrato de Sonja, assim como as cenas de interior, eram as
representações mais apreciadas pelos artistas de gosto Biedermeier, bastante
empregado nas obras de Makart e, também, o gênero de pintura apreciado por
Klimt. O retrato emite características semelhantes à obra anterior, A Fábula, e às
pinturas de Makart, em que o fundo escuro valoriza a perspectiva linear. Há uma
decoração de flores na parte superior da tela que auxilia essa ilusão e que se faz
recorrente nas obras de Makart, como por exemplo, no Retrato de Zerline Gabillon,
no Retrato de Karoline Gomperz, em Mulher em Traje Egípcio ou, ainda, em Amores
48
Modernos.
A composição nos apresenta uma mulher sentada em uma poltrona,
segurando um pequeno objeto, como se estivesse aguardando por algo ou alguém,
e esse alguém acaba de chegar. Prontamente apoia-se na poltrona, a outra mão
influi uma levíssima torção e se volta ao espectador. Devido ao caráter teatral e do
movimento, a pose da mulher indica que está se levantando. Porém o primeiro
elemento que estimula esse efeito é sua veste, composta por nítidas pinceladas, que
indicam um sentido. Essas pinceladas bem acentuadas nos remetem às pinceladas
de algumas telas de Laufberger, que valorizava o artifício em suas obras, como Bei
der Messe (Anexo A, fig. 03).
As pinceladas transformam o tecido em puro movimento, assim parece
exercer uma força que erguerá a mulher. Junto ao movimento do vestido, as flores
que caem do alto da tela proporcionam um movimento sinuoso, apontando uma
verticalidade. O panejamento possui uma tonalidade clara, remetendo ao branco
alvo de Ticiano e ao leve movimento verticalizante do vestido da empregada, que se
encontra ajoelhada, ao fundo da tela, e à leve transparência do vestido da
Messalina.
A pele da figura retratada por Klimt possui uma tonalidade que nos remete
à Vênus, como o brilho com que é retratada. Contudo, esta referência pode aludir
também ao próprio realismo francês, em voga na França da primeira metade do
século XIX. A esse realismo da pintura associaram-se as pinceladas marcadas e a
verdade da cor” por encontrar a tonalidade da tez. Essa propriedade que sugere a
fotografia é uma particularidade de Makart, da qual Klimt se apropria ao longo de
sua trajetória.
Esse retrato possui características comuns às obras de Klimt desde o
inicio de sua carreira, como por exemplo, o caimento e, ainda, o movimento do
tecido das vestes. Contudo, a transparência desse tecido nos remete às obras de
Makart – sua leveza e fluidez, assim como sua luminosidade e transparência – tal a
pose de Sonja Knips, também é rígida como a de Charlotte Wolter. E, tal como ela,
parece estar viva, porém seu rosto é apático, e seu gesto, cansado, como a Fábula.
As mulheres de Klimt encontram-se envoltas de melancolia, assim como o clima de
sua cidade.
O confronto entre a escola de Veneza e de Florença era uma preferência
em relação às concepções adotadas pela Antiguidade; em Klimt tratava-se de uma
49
preferência estilística. Klimt também realizou diversos estudos com referência nos
valores apontados pela escola florentina, em favor do disegno, que advinha da
idealização da obra. Aquilo que compreendia a ideia era a razão, assim o desenho
evocava a ideia que era concebida na mente. Os personagens principais dessa
desavença foram Ticiano e Michelangelo. O primeiro evoca a colore, enquanto o
segundo personifica o desenho. Suas obras engrandecem a discussão que norteia
ainda o século XVI, entre cor e desenho, e, em seguida, entre figura e paisagem.
Michelangelo acreditava que a cor não era fundamental na obra, pois ganhava a
pintura depois de a ideia ter sido traçada com precisão, e para ele a figura
potencializa a geometria da linha e, portanto, o desenho é a essência da pintura.
Seu ideal de beleza, perfeição, harmonia e graça é representado pela simetria e
proporção que se dá através do traço.
FIGURA 5 – KLIMT. O Idílio, 1884.
Óleo sobre tela, 50 x 74 cm. Historisches Museum, Viena.
Nota-se a importância das obras de Michelangelo em Klimt, como no caso
de seu O Idílio, ao se apropriar da figura humana do Ignudo (Anexo A, Fig. 04-05),
da Capela Sistina. O Idílio simboliza um amor ingênuo, sobretudo, idealizado, em
que seria muito afetuoso, alcançando completa harmonia, um gênero de pintura
bucólico. Já os Ignudos são os homens nus, personagens da Capela Sistina que
50
representam vinte homens sentados nus, que é uma idealização do corpo clássico.
Klimt demonstra em sua pintura a superioridade das figuras humanas,
através da valorização do desenho e da intencionalidade de representar a beleza
dos corpos da obra do mestre florentino, apropriando-se das formas e compondo de
maneira a justificar as esquemáticas posições, em que os corpos exercem torções,
as quais se tornaram referências nas realizações de Michelangelo. A arte do século
XIX evidencia a admiração dos modelos de belo ideal, assim como um resgate do
desenho do nu como padrão.
A Escola de Artes Decorativas proporcionou o aprendizado de diversas
técnicas e o conhecimento que se fazia necessário para Klimt se tornar um
excelente apreciador de arte e, principalmente, um pintor aos moldes de sua escola,
que acreditava que deveria distinguir e executar qualquer modelo da cultura artística,
e desempenhar com perfeição. Klimt estabelece em suas obras uma espécie de
citação ao mundo das artes, para evidenciar sua erudição, aplicando os valores
enaltecidos pela Academia e admirados pela elite vienense.
51
2. DIÁLOGO COM A TRADIÇÃO
2.1 Apropriação do Clássico
Gustav Klimt estava inserido nessa apreciação pela arte antiga, pode-se
perceber isso em diversos quadros do artista, tanto do início de sua carreira,
marcados pela estética classicizante, quanto no decorrer de sua vida artística, em
que diversos elementos que compõem seus quadros e também seus temas foram
influenciados por uma estética Neoclássica.
O Teatro da Taormina foi uma das primeiras obras que a Companhia dos
Artistas conseguiu realizar em Viena, buscando introduzir a companhia nas grandes
construções que estavam sendo realizadas na Áustria. No entanto, aquilo que
desejavam alcançaram, sendo contratados para realizar decorações em um dos
prédios, o Teatro Imperial, de maior prestígio na nova avenida.
Klimt fez uma homenagem a uma relíquia da arquitetura antiga - uma
representação de como havia sido ou imaginou ter sido o teatro que foi construído
na cidade italiana, de Taormina, por volta do século II a.C. Nas ruínas há um grande
anfiteatro grego, com bancadas e o palco valorizando a paisagem siciliana, o mar e
as montanhas que o rodeiam. O teatro sofreu uma nova intervenção já na época
romana, a qual procurou enfatizar o espetáculo bloqueando a paisagem. O teatro
greco-romano é dividido em três partes: a cena, a orquestra e a cavea. Na
representação do teatro têm-se três planos - a paisagem ao fundo, a construção e a
cena. O teatro demonstra o interesse dos antigos pelas artes cênicas, indicando o
berço da cultura ocidental.
Na obra do austríaco vê-se ao fundo uma paisagem, como a vista do
teatro siciliano, mas somente com o mar e a costa, sem as construções posteriores,
fazendo uma alusão à época greco-romana. Em segundo plano, existe uma
edificação, de arquitetura clássica com colunas e capitéis de estilo Corinto. Unida a
esta se encontra uma roda de homens conversando, trajando túnicas gregas. Na
frente das colunas há uma imensa escadaria, no término da qual há destacadas, nas
52
duas laterais, duas estátuas da deusa Niké
21
, que personifica a vitória, posicionadas
como guardiãs da edificação e da tela, fato perceptível de acordo com suas
proporções e por ser o ponto mais alto da pintura. Cada estátua exibe uma coroa de
louro, que era utilizada como medalha olímpica na Grécia antiga e representava a
vitória e, também, a honra.
FIGURA 6 – KLIMT. O Teatro da Taormina
22
,1886 – 88.
Óleo sobre fundo de estuque, 750 x 400 cm. Burgtheater, Viena.
21
A deusa grega Niké personificava a vitória, era filha do titã Palante, sua característica é a belicosidade, e da
Esfige, era a deusa dos juramentos solenes e inquebráveis. Tinha como irmãos Bia, a força, Cratos, o poder, e
Zelo, o ciúme ou rivalidade. A mensagem que esta deusa carrega é que, para alcançar a vitória, deve-se ter
vontade e se fazer um juramento, além disso, é necessário muita força e poder, e, contudo, ainda deve lidar com
o ciúme e as rivalidades. A deusa não é a criadora da vitória, mas aquela que a transporta ao vitorioso, Zeus
emitiu-a à Terra para coroar os vencedores. A deusa é sempre representada por uma mulher alada, para ter
dinamismo no movimento. Muitas vezes é representada com outros deuses, assim como Zeus e Atenas.
22
Quadro central de teto da escadaria esquerda ao norte
53
A imagem mais comum da deusa Niké é a de uma mulher alada, fazendo
referência também à escultura da Vitória de Samotrácia
23
. Ao fundo, no meio da
escada existe outra figura conhecida da mitologia grega: uma esfinge. A esfinge
24
,
representada na Antiguidade com corpo e patas de leão, cauda de serpente, asas
de águia e rosto de mulher, era tida como um demônio que simbolizava a destruição
e a má sorte, e sua figura foi bastante utilizada pela pintura novecentista. Ela
representa uma criatura mítica, imaginária, na obra de Klimt espécie de animal
humanizado, como se o seu corpo invocasse a força física do leão, a habilidade e a
destreza da serpente e a agilidade, a visão ou esperteza da águia, simbolizando a
união das qualidades desses animais e da razão humana. Possivelmente uma
maneira de perceber o ser humano como animal, dotado de razão, mas também de
sentimentos e sensações.
Em primeiro plano, há uma encenação ou atuação, composta por uma
pequena plateia constituída de dois homens vestidos à maneira grega, cada um
estendido em uma chaise, apreciando o espetáculo de dança. O espetáculo é
composto por três mulheres: duas musicistas e uma dançarina, as quais portam
adereços orientalizantes, como pandeiro também usado pelos egípcios, a flauta
dupla que era utilizada tanto pelos gregos quanto pelos egípcios, sandálias gregas e
braceletes. Já a dançarina ainda conduz graciosamente em sua apresentação um
tecido branco, leve e transparente.
Aqui a utilização da temática oriental possui um peso completamente
diferente do orientalizante, que costuma existir no século XIX (principalmente na
França), pois O Teatro da Taormina representa a glória dos antepassados que
valorizavam e cultivavam as artes, assim os elementos egípcios estão incluídos
nesse passado comum. Lembrando que a cultura egípcia também possui a mesma
característica de apreço pelas artes, desta maneira foi representada para a cultura
nórdica, como povo que logra a sabedoria. (SAID, 2007, p. 31)
Apesar de ter como referência a Antiguidade, a pintura de Klimt mostra-se
bastante atual através das interpretações de seus modelos, possibilitando a ênfase
aos aspectos de valorização das artes, identificando-as com a tradição clássica e,
23
Em 1863 foi descoberta nas ruínas do Santuário de Samotrácia, na Itália, uma representação da deusa Niké,
escultura em mármore, do século V a.C., feita pelo escultor Paeonius, tida como aquela que traz a vitória, figura
feminina alada e encontra-se na mesma posição da figura da deusa interpretada pelos vienenses..
24
Conhecida por nós através da estória de Édipo Rei, em que o herói, ao conseguir desvendar o enigma
proposto por ela, é responsável pelo suicídio da esfinge; costumava estrangular os que não eram capazes de
desvendar o enigma.
54
por conseguinte, com a erudição. A obra atualiza o poder do clássico, louvando a
grandiosidade das construções greco-romanas, pois suas características
monumentais eram deificadas pelos vienenses.
A necessidade de tornar a Antiguidade presente está inserida na obra de
klimt.
25
Porém, O Teatro da Taormina é uma pintura realizada com o propósito de
decorar quadros da parede de uma escadaria. Por determinação, deveria
homenagear o teatro, e Klimt realiza com habilidade o intuito. Sua pintura canoniza a
arte do espetáculo através da citação. Outra característica que remete às
representações de Makart é o céu com uma coloração clara, que sugere um fundo
raso ao teatro.
Em outra obra de Klimt, na verdade em seu estudo Desenho Definitivo
para a Escultura, o pintor glorifica novamente a Antiguidade, como ensinada pelos
seus professores da Academia. Aqui o artista faz referência à teoria michelangiana e
à escola de Florença, ao tornar fundamental a importância do desenho, e, por
conseguinte, restitui a escultura como representante das artes, acentuando o poder
de persuasão desta arte no desenho para a alegoria da escultura. Como na pintura
anterior, sua temática encontra-se na valorização das artes.
FIGURA 7 –
KLIMT
Desenho definitivo para “A Escultura”,
1896.
Giz preto, lápis esfregado, lavrado, com
realce a dourado e a branco,
41,8 x 31,3 cm.
Historisches Museum der Stadt Wien,
Viena.
25
Como mostrado no capítulo anterior, em que Makart não retrata como paisagem uma ruína greco-romana, mas
um templo em boas condições.
55
O Desenho Definitivo para a Escultura foi dividido em três planos, no
último plano, na parte superior há diversos bustos, como um apanhado dos tipos
conhecidos pela História da Arte, misturando diversas épocas e gostos, assim como
ambos os sexos e idades, remetendo-nos à ideia dos frontões clássicos e, ainda,
fazendo referência a uma plateia. Em segundo plano, há um enorme rosto, com um
penteado à maneira antiga grega, já os traços da face parecem que são suavemente
mais alongados que aqueles reproduzidos pelos Antigos. Esse rosto feminino
destaca-se pelo tamanho e pela posição, pois ocupa a parte central e mais alta do
desenho. Também sobressai por estar disposto em cima de uma coluna
minuciosamente decorada, como se essa cabeça estivesse sendo exposta como
uma obra de arte, devido ao seu destaque, ou, então, como se ela estivesse
posicionada em um altar, para ser admirada. As dimensões dispostas pelo pintor não
remetem de nenhuma maneira as dimensões comedidas da arte Clássica, pelo
contrário, causam um enorme estranhamento ao observador. O pintor estaria
dialogando com outras escolas que se apropriam da tradição clássica, como a
maneirista ou a eclética. Nessa espécie de coluna existem diversas decorações,
mas aquelas que nos parecem nítidas encontram-se do lado esquerdo: uma cabeça
de homem com penteado à maneira grega e um corpo feminino alado, que nos
remete à deusa Niké. A pequena representação de Niké segura uma das duas
colunas que sustentam o grande rosto grego, e, do outro lado, uma esfinge que
apoia a outra coluna. Para sustentar a mulher alegórica existem, de um lado, a
temida guardiã do mundo grego e, de outro, a certeza da vitória que sustenta a
cabeça, o símbolo da razão.
A representação novamente condecora a cultura artística da Antiguidade
Clássica, demonstrando ainda nessa obra aquilo que pregou em carta oficial para
Eitelberger, enquanto membro da Companhia de Artistas em 1884. Na carta, a
Companhia entende que a teoria dos mestres foi universal e, também, se considera
seguidora de uma cultura artística baseada na evolução histórica. Assim, pode-se
concordar com o autor Fliedl, quando ele afirma que os rostos são meros retratos da
evolução histórica artística e que são colocados na obra como espectadores:
Em A Alegoria da Escultura, as cabeças de retratos – elas representam os
diferentes estádios da evolução da história da arte – estão realmente alinhadas
como espectadores observando sobre uma balaustrada de pedra. Refletem o
56
olhar do observador que se concentra sobre as metamorfoses da feminilidade. A
alegoria da escultura antiga, repelindo o olhar masculino com seus olhos mortos, é
tal como a esfinge – a «imagem oposta» dessas figuras que parecem
retransformadas do seu estado de escultura para seres vivos. (FLIEDL, 2006, p.
41) (grifo nosso)
Contudo, a Alegoria apresenta certa ironia, pois o artista representa a
alegoria de maneira que seu traço sugere um acabamento demasiadamente realista,
como se tratasse de fotografia de uma escultura. Assim, Fliedl acredita que o pintor
torna a escultura ou a arte inanimada em vivacidade, quando afirma que as figuras
mudam de estado e se transformam em seres vivos, ou seja, sua obra estabelece
uma fronteira da arte e da realidade, colocada para ser questionada e dissimulada.
Intencionalmente seu estudo apresenta uma característica do realismo, porém não
se trata de um realismo em relação à natureza, em que transforma a tonalidade alva
e opaca do mármore em uma coloração mais brilhante e avivada da cútis humana,
mas emprega esta propriedade para dar ênfase e sugerir que se tratava de uma
representação que havia tomado as próprias esculturas clássicas como modelo.
Ainda neste estudo, em primeiro plano, encontra-se uma jovem mulher
que exala feminilidade e graça, mas igualmente ingenuidade. Sua pose é a típica do
novecentos, retirada da Antiguidade, e mostra uma jovem contemporânea com
cabelos desarrumados. Essa escultura porta um fruto na mão esquerda, e sua pose
é charmosa, sua postura e o fruto nos remetem à antiga representação da deusa
Vênus, que possui a romã como símbolo da fertilidade. A seus pés está posicionado
outro rosto de mulher, com olhos excessivamente maquiados e cabelo curto,
exibindo um penteado, desalinhado, igualmente como uma mulher vienense da
época, e acomoda uma coroa de louros dourada. A citação à História da Arte dá-se
na idealização e no enaltecimento do passado grego, fundindo-o ao contemporâneo,
como se estivesse modernizando esse passado, ou tornando-o presente.
A cabeça feminina exibindo um penteado atual seria uma espécie de
comentário do pintor, em que ela está coroada possivelmente para demonstrar a
vitória das artes austríacas, ao se render à gloriosa Antiguidade Clássica, pelos
ideais e modelos. A Alegoria da Escultura, que por si já representa uma arte, estaria
ajudando a construir e manter o conceito das artes antigas como um pensamento
vivo, assim como seus monumentos que não desapareceram totalmente com o
tempo, como aqueles que ainda se encontravam integrados ao mundo atual. Klimt
sugere que as artes da Antiguidade também estariam personificadas não somente
57
como modelo pictórico, mas como conceito artístico.
A obra A Escultura, contudo, finalizada três anos depois do término do
estudo definitivo, é bastante diferente. Enquanto o Desenho era centralizado e
contrabalanceava todos os pesos, a nova pintura ocupa mais um lado da tela, ainda
que esteja devidamente equilibrada. A alegoria anterior, o Desenho, sugere menor
experiência da parte do criador, pois sua alegoria configura-se com características
de ingenuidade, e seu corpo confere certa rigidez à pose. Sem dúvida, com o passar
dos anos, a mulher que encarna A Escultura torna-se menos jovem e mais ousada.
FIGURA 8 –
KLIMT.
A Alegoria da Escultura,
1889.
Giz preto, lápis esfregado, lavrado, com
realce a dourado e a branco,
43.5 x 30 cm.
Austrian Museum of Applied Arts,
Vienna.
Como no Desenho, a obra mais recente possui os mesmos planos, e
basicamente a mesma estrutura, tendo ao fundo do suporte uma faixa superior que
agora é ocupada por corpos, como altos-relevos que reproduzem homens e
mulheres com vestes gregas e máscaras, como se participassem de uma
encenação. Esta faixa, que agora é representada como um frontão, não cobre toda a
extensão da pintura, acaba ao final da cabeça, com penteado à maneira grega,
posicionada em segundo plano. As pessoas em alto-relevo olham em direção ao
grande rosto feminino, que ganha menos destaque, por não estar devidamente
centralizado, por conter menos ornamentos a sua volta e, sobretudo, pelo fato de
58
não estar posicionado sobre colunas. Na parte inferior dessa cabeça há a
representação da deusa Pallas Atenas
26
, abaixo da qual, apoiado ao pé da alegoria
da escultura, encontra-se O Espinário. Este é o único elemento artístico que foi
apropriado do mundo antigo que não constitui o imaginário do mundo mítico
clássico, mas faz referência ao cotidiano do mundo clássico.
Novamente Klimt encontra a necessidade de se remeter ao mundo da arte
clássica, exibindo diferentes modelos da Antiguidade. Ele se apropria de elementos
ou de obras que são independentes e as adapta em uma nova composição.
Portanto, Klimt propõe um novo arranjo, em que ordena diversas representações de
esculturas de forma livre a produzir uma nova combinação. Também não determina
um período da Antiguidade como modelo, mas abrange todos eles.
Nessa obra, como na anterior, o pintor procura impactar o espectador
unindo sutilmente a encenação à maneira grega, utilizando a grande cabeça com
penteado à moda grega. A alegoria da escultura, como a Vênus, é posta com um
único objetivo – o de consagrar a beleza e o amor pelas artes, enquanto sustenta
Pallas Atenas, que comporta a vitória da criatividade artística.
No entanto, o pintor não está querendo reviver o passado clássico como
já havia ocorrido na História da Arte, mas valorizar através de uma nova abordagem
de temas, igualmente como acredita Fliedl:
Quando se refere ao passado, por exemplo, à cultura do liberalismo vienense dos
aos 70 e 80, ao Renascimento italiano, a época artística a que se refere é
considerada como uma época irreversivelmente encerrada. As suas
representações artísticas, os seus ideais e as suas normas podem ser
acessíveis ao presente graças aos esforços das instituições, dos institutos de
cultura e dos museus (como, por exemplo, a Escola das Artes Decorativas) que
desempenhavam o papel de intermediários – mas apenas como um bem de
cultura. É ainda no quadro desta convicção fundamental histórica que, nas obras
de Klimt, se forma um distanciamento em relação aos ideais de forma e fundo
do historismo. Klimt estabeleceu uma outra representação do tempo, uma
outra relação entre o passado e o presente. (FLIEDL, 2006, p. 48) (grifo nosso)
A representação comporta o clássico atualizado, devido aos comentários
26
A deusa grega Pallas Athena é filha da deusa Métis, que simboliza a astúcia, a inteligência, com Zeus. A avó
de Atenas, Gaia, profetizou que os filhos de Métis iriam destronar o pai, devido à sabedoria. Zeus, para não
perdeu seu lugar, engoliu a deusa Métis viva. No entanto, esta estava grávida e continuou a gestação dentro de
Zeus. Ele começou a sentir terríveis dores de cabeça, desesperado ordenou a Hefestos, o deus ferreiro, que lhe
abrisse a cabeça. Mesmo a contragosto, golpeia-lhe com o machado a cabeça, desta nasceu Atena já adulta. A
deusa nasceu imponente e armada, pronta para a guerra, portava um elmo, armadura ou égide, escudo, lança e
vestimenta tecida por sua mãe. Pallas significa "a donzela", a deusa pede ao pai para manter-se sempre virgem
e, desta forma, impor-se com a autoridade de quem não se deixa seduzir ou corromper. Pallas Atenas é a
personificação da Sabedoria e da Justiça, tem amor pela verdade e como condição para tal é necessário o
conhecimento em si.
59
propostos por Klimt, mas ainda uma maior intenção relacionada à cultura artística,
como se precisasse estabelecer uma propriedade de dominação do clássico, ao
tratar o clássico como uma arte que se sobressai, que possui maior valor. O artista
vienense estabelece uma reformulação do clássico, através das formas clássicas
propõe uma renovação dos temas clássicos. Possivelmente a definição de Argan
apresente melhor essa ideia:
O classicismo do século XVII, em suma, não se manifesta como interesse
intensificado ou renovado pelo antigo, mas como tendência idealista ou antirrealista;
seu objetivo não é subordinar a arte ao poder religioso, mas restaurar uma
autoridade específica da arte. [...] aquilo que fazia com que Bellori preferisse
Rafael a Michelangelo não era a originalidade da invenção, mas a metodologia
correta de sua imitação idealizadora, que o opunha à imitação puramente icástica,
quando não pejorativa, dos realistas. [...]. Um dos pontos mais controvertidos da
disputa foi o da imitação de um ou mais modelos; evidentemente, a imitação de
Michelangelo era do primeiro tipo, a de Rafael, do segundo. A imitação de um
único modelo se não for meramente mecânica, só pode desembocar na
emulação, na superação vertical, na sublimação; a imitação de vários modelos
gera a comparação, a relação, a extensão na horizontal do campo das relações
possíveis. (ARGAN, 1999, p. 285) (grifo nosso)
Outro fator interessante observado por Argan é a disputa entre Rafael e
Michelangelo acerca da imitação, assim pode-se pensar que esses pintores
dialogavam diretamente com a Antiguidade, não somente como forma, mas como
ideal e juízo. No entanto, essa discussão ainda se justifica em Klimt, pois se trata de
um pintor que se apropria da arte da Antiguidade, estabelecendo uma relação entre
suas pinturas com História da Arte.
Rafael já fizera o reviver de modelos da cultura artística, porém o fez
quando já havia alcançado a perfeição, resolveu estudar outros pintores, como
Leonardo e Michelangelo:
[...] a qualidade de perfeição, pelo deslocamento do plano cultural, resolveu realizar
então pelo contraste e confronto de ideias. [...] ponderou (e já era uma crítica da
imitação de um modelo único) “que a pintura não consiste apenas em fazer
homens nus”, mas podem ser ótimos pintores aqueles “que sabem expressar
bem e com facilidade as invenções das histórias e seus caprichos com um
juízo belo” [...]. (ARGAN, 1999, p. 286) (grifo nosso)
Assim como Rafael, Klimt não se interessa pelo modelo da natureza, mas
pelo modelo já concebido pela cultura artística e, a partir deste, possibilita um novo
arranjo atualizado para que dialogue com a tradição e para que cumpra com a
necessidade da arte de sua época:
60
O que Rafael imitava não era o modelo natural, nem o antigo, mas a arte; o
antigo era a arte que, não conhecendo nada além do natural, o representara
com a maior eficácia. Mas, não sendo possível um conhecimento do universal pelo
particular, o universal deve ser reconstruído mediante um trabalho de
recomposição dos particulares. Assim como para o binômio antigo-natureza, a
imitação seletiva vale também para os artistas contemporâneos: “Estudando os
trabalhos dos mestres antigos e dos modelos, ele tirou o melhor de todos e,
tendo-o coletado, enriqueceu a arte da pintura daquela perfeição integral que
possuíam antigamente as figuras de Apeles e de Zêutis, e ainda maior, poderíamos
dizer, se pudéssemos mostrar as obras daqueles para compará-las”. A imitação em
Rafael tem dois estágios: o primeiro, de adequação e superação; o segundo, de
enriquecimento da arte da pintura. (ARGAN, 1999, 286) (grifo nosso)
Igualmente, Klimt tinha como modelo a arte, compartilhava que a arte
possibilitava maior eficácia sua pintura que a própria natureza. Recorrendo, ainda,
seu conhecimento a partir do mundo da arte; constituindo de maneira organizada
seu trabalho a partir de associações de pormenores e selecionando nos modelos
artísticos do passado para possibilitar o atual.
No primeiro plano da representação de Klimt, encontra-se a
representação da Alegoria. Uma mulher mais madura, confortável em seu próprio
corpo, que sabe vestir-se de charme e sedução. Com flexibilidade exerce uma
pequena torção, sem vulgaridade, ao contrário, celebrando sua feminilidade e
elegância, ornada de adereços em ouro, como enfeites de cabelo em espiral, um
grosso colar e um bracelete em forma de serpente. Com uma das mãos segura o
colar e, com a outra, exibe uma pequena estátua da deusa Niké, segurando uma
coroa de louros dourada.
A posição e a graça exalada pela Alegoria aludem a uma escultura da
deusa Vênus Felix
27
; de Jacopo Alari-Bonacolsi, que está exposta em Vienna, no
Kunsthistorisches Museum. A Vênus Felix, como a Escultura de Klimt, estão
segurando objetos que as enfeitam. A Vênus, seu manto, e a Escultura, seu colar.
Ambas estão na mesma posição, porém, a escultura representada remete a uma
mulher vienense, por causa de seu penteado desalinhado. A alegoria exerce o
mesmo charme e sensualidade da Vênus, que é a personificação da beleza e do
amor, que porta originalmente uma romã com a mão direita, fruta que simboliza a
fertilidade, em contraposição à vitória ofertada pela Niké. Apesar de quem portar a
Niké, segundo a mitologia ser Pallas Atenas, não seria possível ser a representação
desta devido a representação comportar uma mulher vaidosa que porta ornamentos
e exibe seu colar em ouro. A deusa Pallas Atenas jamais poderia se entregar ao
27
Não deixa de ser uma imitação da representação da Vênus que foi encontrada durante o século II a.C., na ilha
de Milos, no mar Egeu, e foi nomeada como Vênus de Milo.
61
vício da vaidade. Como ainda Klimt representa a Pallas Atenas ao fundo da Alegoria,
então, A Escultura corresponde a Vênus, representada como uma mulher
contemporânea que carrega e exibe a deusa Niké. A alegoria possui atributos
palpáveis, como o modo em que exibe sua beleza, composta pelo charme e
vaidade, exalando sensualidade, qualidades imbuídas nas esculturas de maneira
geral, e, para finalizar, Klimt conclui que a Escultura pode portar virtudes e vícios,
assim como o ser humano é ambíguo
28
.
A definição de beleza feminina para o poeta e teórico francês Charles
Baudelaire, possui característica da escultura de Klimt. Para ele a mulher indica o
inatingível, com a diferença que nela o impossível de ser acessado é somente o não
ser, pois nada tem a comunicar:
O ser que é, para a maioria dos homens, a fonte das mais vivas e mesmo –
admitamo-lo para a vergonha das volúpias filosóficas – dos mais duradouros
prazeres; o ser para o qual, ou em beneficio do qual, tendem todos os seus
esforços; esse ser terrível e incomunicável como Deus (com a diferença que o
infinito não se comunica porque cegaria e esmagaria o finito, enquanto o ser
de que falamos só é incompreensível por nada ter a comunicar, talvez); esse
ser [...] para quem e por meio de quem se fazem e se desfazem as fortunas, para
quem, mas, sobretudo devido a quem os artistas e poetas compõem suas jóias mais
delicadas; [...]. (BAUDELAIRE, 2002, p.53)
O encantamento feminino de Baudelaire, o qual ele compara às
divindades, possui algo de misterioso. A mulher possivelmente torna possível a partir
de uma espécie de apropriação de algo enigmático. Não se deve a qualquer
característica que permeie a perfeição, mas a algo que possibilita sua contemplação:
[...] a mulher, numa palavra, não é somente para o artista em geral, e para G.
em particular, a fêmea do homem. É antes uma divindade, um astro que preside
antes de tudo todas as concepções do cérebro masculino, é uma reverberação de
todos os encantos da natureza condensados num único ser; é objeto de admiração
e da curiosidade mais viva que o quadro da vida possa oferecer ao contemplador
[...]. Tudo o que adorna a mulher, tudo que serve para realçar sua beleza, faz
parte dela própria; e os artistas que se dedicaram particularmente ao estudo
desse ser enigmático adoram finalmente todo o mundus muliebris quanto a
própria mulher. (BAUDELAIRE, 2002, p. 54) (grifo nosso)
Outra definição de Baudelaire que nos interessa é a do belo, o qual é
composto por uma dualidade, ou melhor, uma divisão: “constituído de um elemento
eterno, invariável [...] e de um elemento relativo, circunstancial [...]”. Esse elemento
28
Esse desenho apresenta as mesmas características ambíguas do poema de Baudelaire L'invitation au Voyage,
em que estabelece relações ambíguas ou a partir de oposições. Assim, as características da Alegoria de Klimt
remete ao lugar em que “Là, tout n'est qu'ordre et beauté, Luxe, calme et volupté”.
62
eterno e invariável é um elemento que não pode ser alcançado devido a nossa
natureza e que, sem o elemento relativo, não poderia ser apreciado; o elemento
circunstancial possibilita ao invariável ser prestigiado ou experimentado. O poeta
ainda acredita que essa divisão para chegar ao belo, em que se tem um elemento
circunstancial para que se possa perceber o elemento imutável, consiste numa
característica humana que comporta parte acessível e transitória e outra permanente
e inacessível: “A dualidade da arte é uma consequência fatal da dualidade do
homem”. (BAUDELAIRE, 2002, p. 10-11)
Assim Klimt fez com que a Alegoria da Escultura tivesse a finalidade de
exibir características humanas, como se a escultura comportasse qualidades e
imperfeições e, através destas, alcançaria a beleza, da mesma maneira que a
beleza feminina. No entanto, sua alegoria, além de ser uma obra de arte, é uma
mulher, o que sugere a veneração de seu trabalho, além de trazer consigo objetos
que a decoram. São jóias que a enfeitam e que, segundo Baudelaire, fazem parte da
própria e realçam sua beldade. Como se a obra, assim como a mulher alegórica, não
precisassem passar além da apreciação.
A arte de Klimt faz-se atual, porém suas obras são compostas de
apropriações do mundo das artes antigas, trata-se de uma escolha daquilo que lhe
convém para produzir o atual. Suas Alegorias da Escultura são compostas por
partes de outras obras que o pintor acredita se fazerem necessárias em sua obra
para atingir um novo modelo do Antigo.
Em suas primeiras obras, Klimt também já fazia um tipo de juízo à
imitação, não somente com a utilização de um único modelo, mas ao utilizar
simplesmente o modelo, devia apropriar-se dele e investir nele enquanto objeto
artístico. Sua arte passou de mera interpretação do modelo clássico a um
questionamento mais pessoal, que podia conter referências de outras artes,
agregando símbolos e significados para compor a obra e, sobretudo, devia conter
características atuais.
Klimt visualiza a arte como imitação, mas não o conceito antigo como
imitação da natureza, mas aquela dos modelos da cultura artística, como em Rafael.
Klimt apropria-se dos modelos da História da Arte e subjuga-os em associação, uma
combinação que busca modelos antigos e, ainda, mescla apropriações da
atualidade. Argan acredita que Rafael concebia juízos de valor em suas pinturas:
63
Já que Rafael, ao contrario do non finito de Michelangelo, se apresentava como um
produto acabado, de que o artista se afasta ao doá-lo ao mundo para o qual o fizera,
esse mesmo mundo devia aceitar a obra, por um juízo de valor que se sobrepunha
ao expresso pelo artista no momento em que declara a obra acabada. A própria
obra, aliás, exigia tal juízo, fora estruturada para produzi-lo: era, de fato, o
resultado de uma série de escolhas operadas no amplo campo da história da arte,
com a intenção de escolher o melhor e partir daí para melhorar a arte, ou seja,
estendê-la e aprofundá-la. Não saía da esfera da arte nem para tentar
estabelecer uma relação de imitação com a natureza: esta era dada como
experiência já vivida e elaborada pela arte, e especialmente pela arte antiga.
(ARGAN, 1999, p. 291) (grifo nosso)
Klimt, no entanto, também tinha o juízo de valor impregnado em suas
obras, pois, como Rafael, não poderia fazer escolhas aleatórias, mas as escolhas
deveriam ser as certas para compor as melhores associações para o que lhe
convinha para determinada obra. Não há uma ideia de enriquecimento da arte como
há em Rafael, em que este escolhia o melhor da arte e partia dela para melhorá-la,
estendendo-a e aprofundando-a. Klimt não compartilha da mesma necessidade, na
verdade, suas escolhas estão no âmbito da melhor associação.
Acredita-se que, para Klimt, se trata de um enriquecimento da pintura pela
pintura, de se utilizar da História da Arte para compor uma obra e enriquecê-la de
maneira a possibilitar novos artifícios pictóricos, utilizando da escolha para compor
um todo que reunia o antigo e o atual. Porém todos os elementos que compõem sua
obra remetem-se ao ideal clássico, apresentando-se como uma ornamentação,
como se apropriasse deles somente para compor um cenário de maneira a tratar as
particularidades como adorno.
O paradigma que havia em Rafael, no qual não poderia haver beleza no
natural, e, se não existisse, poderia recorrer à ideia de belo que possuía na
imaginação, ganhou os séculos. Segundo Argan, a partir do século XVIII, a crítica
recusava-se a definir o belo fora da arte. Portanto, este conceito pictórico ainda
vigora no século XIX, nas obras de Klimt. O modelo advindo da cultura artística se
comportaria como o belo. Fato que era considerado como uma visão moderna,
conforme nos esclarece Baudelaire: Em “[...] todas as ações e desejos do puro
homem natural, nada encontraremos senão horror. Tudo quanto é belo e nobre e é
resultado da razão e do cálculo.” De acordo com a teoria a natureza não seria capaz
de conceber a perfeição em um único objeto, a perfeição trata-se de algo ideal, no
entanto, diversos objetos da natureza possuem partes belas. Como o conjunto belo
não está na natureza, houve um enaltecimento da apreciação da beleza nos
64
modelos da arte, e somente neles encontrar-se-ia essa propriedade em um único
objeto. (BAUDELAIRE, 2002, p.57)
As obras de Klimt, contudo, não comportam o peso ideológico do
pensamento da Antiguidade. No século XVIII, as escavações de Pompeia e
Herculano permitiram o conhecimento mais detalhado dos hábitos, assim como das
decorações e ornamentos. Klimt apropria-se desse mundo da arte antiga,
mostrando-o como artifício. Seu questionamento está para a pintura, sem a
característica do pensamento clássico como premissa do ideal artístico, suas
escolhas contextualizam tipos de ornamentação, devido ao tratamento realista que
caracteriza a apropriação do mundo das artes.
Deve-se entender que a escola de gosto eclético já era enormemente
criticada nas últimas décadas do século XIX, devido ao seu caráter excessivo e de
ter se tornado demasiadamente supérflua e leviana ao agregar elementos da
Antiguidade de qualquer maneira. Fliedl justifica essa crítica, esclarecendo que a
utilização dos elementos decorativos sequer apresentava influências artísticas.
Tratava-se de empregar os pormenores da arte antiga e transformá-los em motivos
decorativos para embelezar objetos cotidianos:
[...] Já naquela época se criticava a estética do historismo em geral: «Todos os
cardápios, etiquetas de garrafas, caixas de fósforos, boquilhas de papel, toda e
qualquer porcaria era-nos imposta com inevitáveis e vulgares anjinhos, esfinges,
grifos, acantos... numa uniformidade irrevogavelmente desprovida de espírito...
atabalhoado de pessoas que nunca viram ou estudaram um original e que apenas
manuseiam por fora a miscelânea das formas que está mais na moda.» cita outra
pessoa. (FLIEDL, 2006, p.32) (grifo nosso)
Assim seria inapropriado acreditar que Klimt fazia igualmente esse tipo de
apropriação em suas obras, sobretudo, por ter sido uma característica advinda de
sua formação, e porque dominava todas as técnicas e “espírito” classicizante. Ele
entende que, como pintor, não precisava ser fiel à natureza, mas não era esse
questionamento que abordava em sua pintura.
Seu questionamento permeava a arte e, como artista para se apropriar de
qualquer imitação, deveria ser bastante criterioso, não poderia recorrer a uma obra
da História da Arte sem ponderar como empregaria aquele elemento e, acima de
tudo, como trataria o conjunto de sua pintura. Possivelmente questionava a
vulgarização dos motivos retirados da História da Arte.
Propõe-se que Klimt se apropriava dos elementos das artes antigas para
65
compor obras que enfatizassem a característica de artifício decorativo desses
elementos. Como afirma Fliedl: “as particularidades formais da obra tardia de Klimt,
que fazem desaparecer a representação espacial numa bidimensionalidade
decorativa”. Assim, são associados questionamentos que estão na ordem da
apropriação e, principalmente, da composição. (FLIEDL, 2006, p. 46)
Klimt se apropria de diferentes modelos e os associa, propondo uma nova
combinação, designa a realização da composição e faz a adequação dos velhos
modelos. Seu questionamento permeia o mundo das artes e faz uso desse mundo
através de seu realismo para enfatizar o artifício, ao se apropriar dos modelos
artísticos, combina-os de modo que se assemelham aos elementos decorativos.
Porém a necessidade de dialogar com o passado das artes pertence ao
questionamento pictórico, no qual ele faz uso dos modelos da arte para agregar
juízos e valores imbuídos de elementos atuais para compor uma nova possibilidade
estética.
2.2. Apropriação da tradição
Em todos os períodos, acredita-se que Klimt apropria-se do passado
clássico e medieval mais do que das artes oriental e africana, que eram bastante
consideradas para os demais artistas de seu tempo, devido ao seu caráter exótico.
Utilizava-se de fundos dourados, planaridade de representação, estilização dos
corpos, sobreposição e profusão de elementos e inspirava-se na mitologia clássica.
Caracterizou-se por conter partes essencialmente realistas e ornamentos com
motivos ecléticos e abundantes, de modo que a decoração enriquecia a
representação do modelo. Além disso, Klimt estava atento às discussões da época,
lendo Nietzsche, Schopenhauer, Wagner, dentre outros. Também manteve contato
com artistas contemporâneos de outras nacionalidades, como se podem ver na
apropriação da escultura de Rodin, os Impressionistas, os Pré-rafaelitas, o
movimento Arts and Grafics, dentre outras obras expostas em Viena.
O pintor utilizava bastante a teoria da arte ocidental francesa e italiana, e
sua formação também continha algumas crenças da tradição germânica, percebe-se
isso nas representações para a Universidade de Viena. Assinala-se, ainda, que a
66
Academia desempenhou um papel importantíssimo na vida do pintor austríaco,
apesar de, no decorrer da vida, se fazer necessária uma ruptura.
Em 1900, as pinturas encomendadas para a Universidade de Viena são
exemplos de sua familiaridade com as obras dos filósofos contemporâneos. Eram
Alegorias da Filosofia, da Jurisprudência e da Medicina, que chocaram os
acadêmicos por tratarem de uma nova visão de mundo e de novas buscas em
matéria de estilo, uma nova estética e novos valores culturais da filosofia
contemporânea. Proclamavam a unidade da vida e da morte, através de um
dinamismo e de traços muito orgânicos, que representavam com naturalidade o ciclo
da vida, abrindo caminho para uma diversidade de sensações e variados modos de
percepção. Neles o corpo nu incomodou por não se tratar do nu clássico e, sim, de
um nu puramente naturalista, de maneira que as posições e posturas provocaram o
pensamento moralista da Viena fin-de-siècle. O impacto foi imenso, as ofensas
causadas na época foram de caráter moral, político e cultural, e os argumentos
críticos falavam de pinturas inadequadas para a concepção acadêmica, pois as
qualidades dessas faculdades não foram representadas como deveriam.
Com o passar dos anos, Klimt parece mudar a relação estabelecida com a
tradição pictórica mediterrânea, seu matiz possui um caráter mais entusiasta e
simples, assim como mais colorido. Sua representação ganha traços mais
estilizados e rígidos, o espaço perde lugar para a superfície. Visto que se utilizava
essa técnica anteriormente, ela adquire, neste momento, maior proporção. De certa
forma ensaia um rompimento do diálogo com a tradição clássica, e a ruptura realiza-
se através dos paradigmas. No entanto, ganha novas características devido ao
envolvimento com a tradição pictórica, porém o artista não deixa de apreciar o
clássico, mas agora realmente estabelece um diálogo com toda a tradição da cultura
artística.
No decorrer de sua trajetória, continua agregando a tradição pictórica
mediterrânea à tradição pictórica germânica. Os temas têm como finalidade a
dualidade existencial, e os questionamentos estão no âmbito do indivíduo. Como se
acredita que Klimt se apropria do passado artístico para criar uma nova
possibilidade, ele ainda se apropria da temática clássica e estabelece um novo
diálogo entre suas obras e a de grandes mestres da tradição. Como, por exemplo, o
tema usado em As Três Idades da Vida é bastante frequente na História da Arte
enquanto nascimento, juventude e o declínio do corpo em direção à morte. Essa
67
maneira de dividir a existência da vida humana em três etapas vem desde a Grécia
Antiga, nas narrativas mitológicas, assim ele determina o diálogo a partir da temática
com dois pintores: Ticiano e Baldung Grien.
Segundo Erwin Panofsky, a referência encontra-se em Édipo Rei, no
momento em que Édipo está no oráculo e a esfinge lhe propõe um enigma, e este
alude à divisão da vida humana. Contudo, o assunto escolhido pelo pintor
novecentista é tema de diversos mestres da História da Arte, sobretudo no
Renascimento, momento em que há um questionamento mais racional quanto à
existência humana e à morte.
As Três Idades da Vida de Klimt é uma representação da passagem do
tempo, fazendo o percurso da vida. A pintura é composta por três mulheres nuas,
com idades distintas: uma criança de colo, uma jovem e uma mulher idosa. Percebe-
se, através da dimensão e da composição, o impacto alcançado ao usar um fundo
raso e ao agrupar a cena em primeiro plano. Os corpos encontram-se numa espécie
de cápsula a qual nos remete a um movimento cíclico, uma referência à vida. Outra
característica marcante da pintura é, ainda, a representação dos corpos
demasiadamente detalhados e realistas.
FIGURA 9 – KLIMT. As Três Idades da Vida, 1905.
Óleo sobre tela, 178 x 198 cm. Galleria Nazionale d´Arte Moderna, Roma.
68
Em primeiro plano, há um bebê nos braços de uma mulher jovem, os dois
aparentam uma ligação, uma intimidade, e ambos estão em poses confortáveis,
tanto que a criança dorme amparada pela mulher. A jovem mulher sustenta a criança
no colo com um braço e, com o outro, ampara o corpo da criança junto ao seu,
enquanto repousa cuidadosamente a cabeça sobre a criança com os olhos
fechados, dando-nos uma sensação de tranquilidade e de realização. Há uma
conexão entre elas, indicando uma união, característica encontrada em relações de
mãe e filha. A jovem mulher porta um tecido transparente e suave que encobre
partes de seu corpo e o da criança. Ao redor de seu corpo e na parte de cima, ao
fundo, há símbolos que parecem enfeitar a jovem mulher ao se misturarem ao seu
cabelo, tal como flores. A jovem mulher de Klimt é representada como mãe, a qual é
valorizada pelo atributo, devido à possibilidade de reunir a ternura e a graça de ser
mãe, exalando todo vigor.
Ao seu lado, no segundo plano, há uma mulher idosa. Esta se posiciona
de frente para a jovem e de lado para o espectador. Ela também está nua, esconde
o rosto sob os cabelos e cobre seus olhos com a mão, como se estivesse
envergonhada. Klimt representa com exatidão, sem amabilidade, as imperfeições do
velho corpo composto de finos traços, e a cor faz com que a pele tenha uma
aparência áspera. A pele da idosa contrasta violentamente ao lado da pele clara da
jovem. A jovem tem a pele como um tecido macio, ela é composta por uma pele
suave e uma bela silhueta. Assim, ao olhar para a anciã, vê-se a decadência física
de seu corpo e nota-se como ela está incomodada com sua forma, por isso se
esconde. Dessa maneira, o assunto da tela aborda do nascimento, o desabrochar
até o declínio da vida humana, declínio este que é visto como uma angústia. A
idosa, além de se esconder do mundo, encobre-se de si própria. O artista representa
em sua obra o percurso da vida como um tempo físico, um tempo que é totalmente
dependente da natureza, o qual comporta o poder de dar e de retirar a vida.
Segundo Franz Smola, especialista em pinturas austríacas do período entre 1900 e
1960, influenciado pelos filósofos de seu tempo, Klimt defendia uma doutrina na qual
a vida, conforme a existência humana, é vista como um ciclo do qual ninguém pode
escapar:
69
Dès la fin du XIX° siècle, de nombreux artistes s´intéressèrent au thème [...],
probablement influencés par les écrits de Hegel, de Schopenhauer et de Nietzsche.
Dans la première décennie du XX° siècle, le philosophe français Henri Bérgson
défendait, quant à lui, une «philosophie de la vie» selon laquelle l´existence humaine
est comme un movement sans fin, un «courant» auquel nul ne peut échapper.
29
(org.
MARQUET, 2005, p. 108-109)
Segundo Klimt o tempo é palpável e a vida é jovem, enquanto a velhice
está condenada à incapacidade física. Para a idosa, o passado não tem nenhuma
importância e o futuro é inexistente. Porém, não se acredita que Klimt tenha sido
influenciado pelos filósofos contemporâneos o bastante para escolher esse tema,
percebe-se que tenha entendido os problemas colocados por obras de mesma
temática, como As Três Idades do Homem de Ticiano e de Baldung Grien.
2.2.1 Como Klimt se relaciona com as outras obras
Ao comparar a tela de Klimt com as dos outros pintores, nota-se na obra
do Mestre Germânico, Baldung Grien, em sua obra As Três Idades do Homem e a
Morte, um tempo em que os idosos se encontram em momentos individuais e
próprios, distanciados do convívio e da percepção dos jovens, como se
vivenciassem um tempo unicamente deles. Ele tem como preferência representar a
passagem do tempo com mulheres, assim como Klimt. Eles representam o ciclo da
vida, e escolhem mulheres por serem responsáveis por gerar a vida.
No entanto, com suas obras Baldung Grien nos faz entrar num mundo
desconhecido e mítico, assim como nos remete à mesma ideia de metamorfose de
Klimt. Ele utiliza uma tendência obtida do século XV, em que os artistas romantizam
a representação da morte (em que cresce uma obsessão pela morte como romance,
surgem por fim as Danças Macabras
30
, que se tornam populares na Europa a partir
29
O trecho correspondente à tradução é: Desde o fim do século XIX, inúmeros artistas se interessam pelo tema
[...], provavelmente influenciados pelos escritos de Hegel, de Schopenhauer e de Nietzsche. Na primeira dezena
do século XX, o filósofo francês Henri Bérgson defendia, entretanto, uma «filosofia da vida» segundo a qual a
existência humana é como um movimento sem fim, uma «corrente» de que ninguém pode escapar. Tradução
nossa
30
No final do século XIV e no princípio do século XV, uma espécie de irrealismo espiritual ocupou, no Ocidente,
o lugar do sentimento estável e forte da vida que caracteriza a época precedente. As civilizações começam pela
epopeia, pela teologia, e acabam em romance. A própria teologia se torna romanesca. O gênio do romance, se o
considerarmos não como um «gênero», mas como a expressão de um instinto, trai menos a necessidade de
representar a existência do que de reconstruí-la e colori-la, de fazer intervir nela o que ela parece recusar, as
maravilhas imaginárias; aplica-se mesmo à vida real, que pode tratar como a uma obra de arte, como a uma
mágica (...) A obsessão da morte, que cai tão pesadamente sobre o fim da Idade Média, cria também o seu
70
da segunda metade deste século), há uma necessidade de representar a existência
humana, e o surgimento do imaginário permite a personificação da morte. Na obra
As Três Idades do Homem e a Morte, Baldung Grien
31
proporciona um tempo mítico,
selando a união do real e do imaginário. Em primeiro plano há uma jovem mulher,
aos pés desta, à esquerda, há uma criança, detrás uma mulher idosa e do lado
direito da tela um corpo que parece um esqueleto
32
. Na parte posterior da tela há um
céu e uma paisagem – essa paisagem é composta de árvores robustas, atrás das
mulheres, e, atrás do corpo-esqueleto, de árvores mortas, as quais também
simbolizam a morte.
FIGURA 10 –
BALDUNG GRIEN, Hans
As Três Idades do Homem e A Morte
1510
Óleo sobre limewood
48 x 32,5 cm
Kunsthistorisches Museum,
Vienna.
A jovem mulher de Baldung Grien representa a beleza, sua forma física é
vigorosa, seus traços são finos e sua pele, alva. Tem sua parte íntima guardada por
um fino tecido, e segura um espelho no qual aprecia seu rosto e cabelos. Há uma
criança, mais ao fundo, ao seu lado, que também está segurando o tecido da jovem,
romance, com o Dito dos Três Mortos e os Três Vivos, e o seu fúnebre bailado, as Danças Macabras [Essas
danças macabras representam uma figura humana sem carne, o esqueleto, o resto do corpo humano, que
simboliza a morte e que esta indica aos corpos humanos vivos o caminho para a morte]. (FOCILLON, 1980, p.
304–305)
31
Foi aprendiz de Dürer, pode então estabelecer com perfeição essa concepção da morte como elemento que
pertence ao imaginário e que ganha vida, devido à necessidade com que a morte tinha que ser lembrada.
32
Um esqueleto dotado de vida, animado.
71
mas posicionada atrás do panejamento. Por detrás desta pequena pessoa, ainda em
segundo plano, encontra-se uma mulher idosa que se direciona ao esqueleto. O ser
esqueleto rodeia as mulheres e exibe uma ampulheta
33
, símbolo da passagem do
tempo, em direção à mulher idosa, que tenta afastá-lo, mas o esqueleto insiste em
indicar a passagem do tempo e a chegada da morte. Esse Tempo é conhecido,
segundo Panofsky, como «dévoreur de toutes les choses», a morte como um fim. O
esqueleto também corteja a jovem mulher, mas esta se encontra em seu próprio
mundo, no qual se admira em um espelho. O esqueleto também segura esse tecido,
como se estivesse sugando um pouco da beleza, da vaidade e dos vícios da jovem
mulher e avisasse que o futuro é incerto.
Baldung Grien volta ao tema da passagem do tempo e da existência
humana, em 1539, quando pinta dois painéis contíguos que tratam
consequentemente dos dois temas da primeira obra: do tempo e da beleza. Na obra
As Três Idades do Homem e As Três Graças, apresenta em ambos os painéis a
vulgaridade da alma humana, a vaidade mais explícita, junto a um conflito que é a
passagem do tempo em direção à morte.
FIGURA 11 –
BALDUNG GRIEN, Hans
As Três Idades do Homem e As Três
Graças,
1539.
Óleo sobre painel,
151 x 61 cm.
Museo del Prado,
Madrid.
33
D´un côté cependent, la pendulette, cette nouveauté, continue à véhiculer les mêmes implications que l´antique
sablier (apparut pous la première foi dans les illustrations du Trionfo del Tempo de Pétrarque), à savoir le Temps
e la Mort. (PANOFSKY, 1990, p. 130)
72
O primeiro painel é o das Três Idades e retrata novamente um mundo que
mistura realidades, com o esqueleto que simboliza a morte, possuindo uma
característica alegórica. A pintura contém uma atmosfera turva, em que a cor
predominante é o marrom. Em primeiro plano, há uma criança deitada de olhos
fechados, segurando uma espécie de lança torta que o esqueleto também segura,
mas a criança parece estar brincando com a peça. Essa brincadeira que liga a
criança à morte nos revela um futuro, como um jogo do destino, do qual ninguém
tem domínio. Posicionada ao lado da criança, há uma coruja, considerada, desde a
Antiguidade, como símbolo da sabedoria, no entanto não está clara sua conexão
com os personagens. Em segundo plano, à esquerda, está uma jovem mulher
portando um tecido sedoso que esconde suas vergonhas, mas ela parece posar e
seduzir o espectador. Ao seu lado está uma anciã que enaltece a beleza e a
delicadeza do corpo e da pele da jovem, a idosa tenta pegar um pedaço do tecido da
jovem para igualmente se cobrir, mas não consegue, e a jovem não percebe e não
cede o tecido à anciã. Ao lado da mulher idosa está o esqueleto, com um corpo
decrépito e cabeça de caveira, segurando, ainda, uma ampulheta com o braço
entrelaçado ao da anciã, como uma dama de companhia que estivesse lhe
mostrando o caminho.
As Idades de Baldung Grien forma uma linha de corpos e cria uma
espécie de linha do tempo. Primeiro o corpo formoso da jovem mulher, depois o
corpo gasto da anciã e, por fim, o corpo-esqueleto da morte. Ao fundo, a paisagem é
composta por árvore morta, terra seca sem vegetação; num plano mais afastado, há
montanhas com vegetação e um céu sem coloração, com aspecto nublado e uma
pequena lua cheia rodeada por nuvens. A paisagem é mórbida.
Na primeira obra de Baldung Grien, As Três Idades do Homem e a Morte,
a anciã está ao fundo, olha para a morte com tristeza e tenta alcançar a ampulheta,
mas se direciona para morte. Já na segunda representação, a morte está de braço
entrelaçado com a idosa, porém esta olha, segura e tenta pegar o pano da jovem
mulher, como se quisesse chamar a atenção da jovem para ela, mas a jovem
continua de costas e a ignora, enquanto a morte ainda está mais próxima da anciã.
O segundo painel chama-se As Três Graças e representa três jovens
mulheres que ocupam a maior parte da tela, com seus corpos e rostos suaves, belas
poses e sedosos penteados. Embelezadas por tecidos e jóias, todas posam para o
73
espectador e portam instrumentos. As graciosas jovens proporcionam alegria
àqueles que admiram a pintura. O fundo é composto por paisagem com árvores e,
entre elas, o céu azulado que comporta uma lua brilhante. Aos pés, no lado
esquerdo das jovens mulheres, há três crianças que parecem brincar com um ganso
e páginas escritas, como se as crianças também representassem as três graças.
Ao pintar esses painéis contíguos, Baldung Grien está consagrando a
graciosidade da primeira e da segunda idade, presentes nas duas pinturas, e
reforçando a ideia do destino e da decadência humana na terceira idade. Ideia
também muito presente na obra de Klimt, em que o homem povoa o mundo material
e se torna o centro de toda e qualquer concepção de mundo, devido aos seus
medos e vícios, mas o desconforto encontra-se no fenômeno de não controlar o
tempo.
Klimt e Baldung Grien pintam a verdade da existência humana,
mergulhados nas paixões mundanas. Os artistas captam as fases e a transição da
existência humana devido à preocupação com a morte. Ambos os pintores foram
primorosos ao representar a feminilidade mundana de suas personagens, sobretudo
na vaidade das jovens mulheres. Porém, suas mulheres idosas possuem
divergências. Enquanto as anciãs de Baldung Grien preocupam-se com a chegada
da morte, com o fim, a anciã de Klimt tem uma preocupação mais intimista, com a
perda do seu vigor físico, significando a perda da função, como se a vergonha fosse
o não ser mais útil ao mundo. As Três Idades de Klimt representa um tempo
individual, que advém com a era moderna, em que a morte é individualizada
34
e
proporciona diversos sentimentos, indicando um intenso desconforto. Esse tempo
individual também está presente na obra de Baldung Grien, em que a morte é uma
presença.
Klimt é conhecido por retratar mulheres sem pudor e, consequentemente,
com suas novas preocupações relaciona e associa morte à sexualidade, fazendo
referência nessa pintura ao tempo como um movimento, igualmente como na obra
do mestre Ticiano. Entretanto, em Klimt a passagem do tempo é circular, os
personagens encontram-se dentro de uma cápsula, de forma que a vida é
representada como um ciclo.
O quadro As Três Idades do Homem de Ticiano representa as três etapas
34
Surge na Era Moderna a figura do testamento, em que o individuo decide e documenta o destino de seus bens
após sua morte.
74
da vida humana, numa grande paisagem que comporta, em primeiro plano, dois
adultos, um casal apaixonado, e, no segundo plano, um casal de crianças dormindo
enroscadas e protegidas por um anjo. Segundo Erwin Panofsky, as crianças são a
representação do casal adulto, simbolizando a perfeição. Entretanto, o casal infantil
representa um estágio da vida que ainda não realiza o amor. Em terceiro plano, há
um idoso que sobrevivera a tudo que amou e encontra-se perdido numa meditação
sobre a morte, segurando dois crânios. Contudo, Panofsky defende que o idoso não
reflete sobre a morte de uma maneira geral, mas sobre a morte dos dois amantes.
Como se pode perceber, a obra As Três Idades do mestre vêneto também
trata do tempo e da potência relacionada à juventude. Eleva o ato sexual ao auge da
vida humana e o torna essencial, assim como nas Três Idades de Klimt. Nele, o sexo
é visto como vigor, necessidade, porém só pode ser concebido pelo jovem casal,
assim como a fertilidade. Fato que o idoso não pode contestar, pois não é capaz de
gozar (jouir), a vida, pois seu corpo físico não sustenta tal aprazimento.
Panofsky, em seu livro sobre Ticiano, nos fornece uma análise simbólica
quanto à representação da passagem do tempo na pintura. Para o autor, cada
representação das idades do homem faz uma referência ao tempo cronológico da
vida. Portanto, ao retratar a criança, o pintor está representando a potência que esta
possibilita ao futuro, tudo aquilo que tem a realizar; enquanto o adulto refere-se ao
presente em sua maturidade, aquele que torna as coisas possíveis, ele é o
responsável pelas realizações. E, por fim, a velhice, que é vista de maneira passiva
diante da vida, pois ela é como o passado, uma lembrança de um tempo perdido.
(PANOFSKY, 1969, p. 135-136)
75
FIGURA 12 – TICIANO. As Três Idades do Homem. c. 1512.
Óleo sobre tela, 90 x 152 cm. National Gallery of Scotland, Edinburgh.
O elo entre as obras de Ticiano e Klimt está na natureza da relação dos
jovens, no desejo do casal, na pureza das crianças e no puro êxtase da mãe com a
criança. Todavia, nas duas pinturas há um ciclo da vida que resulta em uma
angústia, na consciência da impotência, tanto na mulher idosa quanto no idoso de
Ticiano, ao segurar os dois crânios, que são a lembrança da morte. Klimt retrata a
impotência como restrição física e moral, enquanto em Ticiano, a impotência é um
questionamento sexual, na ausência da amante e na presença da morte.
Esse espírito também é captado por Baldung Grien, em que a vida é
limítrofe do mundo da carne. O mestre vêneto, diferente de Klimt e Baldung Grien,
representa o ancião distanciado, coloca-o de uma maneira muito independente, sua
representação possibilita uma leitura da vida como se fosse um caminho a ser
percorrido e que culmina na velhice. Essa relação estabelecida pelo pintor está
presente na disposição dos casais jovens que ocupam o primeiro e o segundo plano
da tela, enquanto o ancião ocupa o terceiro plano. Essa distância e as proporções
atribuídas às personagens demonstram o jogo intencional do pintor que, além de
descrever a vida como um caminho no qual o plano da velhice não é o último plano
do quadro, como se houvesse outro plano a ser alcançado, mostra o idoso portando
dois crânios e, ainda, indica um questionamento, uma indagação que remete a uma
76
temática clássica, em que a velhice representa sabedoria. Dessa maneira, o idoso
está diante de uma indagação atento e perspicaz. Uma visão divergente da velhice
apresentadas pelos artistas nórdicos.
O artista vienense faz uso de uma temática da tradição, buscando
preservar as influências clássicas imbuídas da estética modernista. Nas Três Idades
de Klimt, se esclarece a relação travada entre a anciã e a jovem, em que a jovem
porta um panejamento fluido e compartilha a alegria e a sede de vida da infância,
assim exala flores e cores. A temática representa os mistérios do mundo: do
nascimento à morte. Essa ornamentação usada por Klimt embeleza a jovem e nos
remete à ideia da vanitas muito presente na tradição, como em Baldung Grien com o
espelho e o tecido e, em Ticiano, revelando o amor carnal.
A anciã de Klimt, com a mão na cabeça, apresenta-se num ato de
desespero, em que tem vergonha de seu físico e de sua situação, como se a velhice
nada trouxesse de bom, somente o declínio. Estabelece um pensamento muito
palpável, assim como o colocado por Baldung Grien, de que não há mais nada a ser
descoberto de gracioso em sua idosa. A vida pertence aos jovens, ideia também
manifestada na obra de Ticiano.
Consequentemente, na obra de Klimt a natureza feminina tem como
característica indispensável uma beleza associada à reprodução. A possibilidade de
reprodução e o amor incondicional da mãe transformam a mulher, dotando-a de
graça. Enquanto aquela que não pode mais exercer esse papel para com a
sociedade é vista como se não exercesse nenhuma função no mundo, portanto
possuída por imensa vergonha, que é tanto social quanto moral. Semelhantes fatos
encontram em Ticiano a glorificação da união do homem e da mulher, fazendo dessa
união o ápice da vida humana, e, em Baldung Grien, suas jovens seduzem o
espectador e sobressaltam seu vigor ao serem representadas próximas das anciãs e
dos corpo-esqueletos.
As obras de Baldung Grien, Klimt e Ticiano estabelecem a ideia de mundo
em que a existência é efêmera. Há ainda uma ideia em Ticiano e em Klimt em que é
retratado o ser humano como dependente de outro, para que se esteja completo.
Percebe-se na obra do mestre vêneto que o casal adulto ocupa a maior parte da tela
e cultua, na relação dos sexos, a potência da vida, e o vigor desta está nos
relacionamentos dos personagens, enquanto o idoso solitário de Ticiano exibe uma
posição de melancolia ao carregar os dois crânios, e seu questionamento evoca uma
77
tristeza existencial. A idosa de Klimt tem um acanhamento e pudor independente de
seu passado.
Como nas obras de Baldung Grien, Ticiano também cria um mundo mítico
dentro do real, em que o destino possui um caráter transitório. Nota-se uma
passagem do tempo no mestre vêneto, em que suas crianças são veladas pelo anjo
que ampara uma árvore morta, a qual nos remete à morte indicando o destino das
crianças como incerto. Em Baldung Grien, as representações das idosas se
assemelham à da morte, no entanto todas as personagens fazem uma conexão com
a morte.
Outra analogia mostra em Ticiano o ancião com as duas caveiras, triste e
desanimado, que não transmite frustração com o destino, mas melancolia. Em Klimt
o ato de cobrir com as duas mãos os olhos é um ato de desespero, mas não com o
destino, mas diante da vergonha, a qual causa seu sofrimento. Essas obras captam
a passagem da vida entre as incertezas vigorosas da juventude e o esgotamento da
velhice.
O tema tem como finalidade a dualidade existencial, como a vida e a
morte, engrandecendo assim a natureza. Todos os personagens retratados nas
pinturas possuem o aspecto de que não se pode lutar contra o destino,
consequentemente os sentimentos dos personagens não se exteriorizam, não estão
pintados com muito fervor, somente são sugeridos. Contudo estes demonstram a
passagem do tempo, o caminho da vida, estampado no corpo e na pele,
contrastando traços leves, finos com outros, grossos e pesados, texturas delicadas
com ásperas e fortes ao se aproximarem do fim, da possibilidade da morte. Ainda
faz-se uso das cores para elucidar o vigor e a firmeza das peles e as marcas e
imperfeições dos corpos. Os quadros fazem enobrecer a juventude por ser a única a
ter meios de saborear a vaidade, além de poder flutuar na alienação quanto à
fugacidade da existência.
Todo sujeito elaborado por Klimt mostra uma estética refinada, e sua
construção impõe ainda que as personagens sejam o principal elemento na pintura.
Ele as engendra de maneira que se destaquem da tela e nos imponham uma
comparação imediata entre elas. O senso das cores e o dinamismo das forças
corpóreas o fazem herdeiro da tradição, igualmente as escolhas de seus temas
como a beleza e o amor, mas principalmente como relaciona vida e morte. Klimt
relaciona-se com as ideias que as obras de Ticiano e Baldung Grien apresentam,
78
colocando a decadência física de uma pessoa idosa combinada à falta de função,
sem perspectiva de futuro, posicionando as jovens para se distinguirem dos corpos
em decadência e personificando a beleza da vida unida ao vigor físico.
As Três Idades dialoga, contudo, com o tratamento dado aos
personagens nas outras obras da tradição pictórica, como se estabelecesse uma
identificação para com a História da Arte. Porém, como coloca Fliedl e Schorske,
essa tela apresenta uma necessidade quanto a um questionamento social, mas o
interessante é o fato de que Klimt evoca épocas distintas da História da Arte, mas de
maneira generalizada, pois “sua representação recusa-se a se fixar no espaço e no
tempo”. Aquilo que as obras de Klimt indicam é essa nova busca referente ao
espaço, e cada vez mais ele utiliza esse artifício, tratando seus quadros como um
suporte plano, que tem como objetivo receber formas de maneira a se combinar e a
criar um novo espaço bidimensional, e que não tem interesse em confundir o
espectador. Esses corpos recebem um tratamento levemente realista, porém Klimt
ainda recorre à nitidez dos traços, novamente utilizando esse tipo de realismo para
evocar as artes. Aqui os corpos capturam a importância do desenho. (FLIEDL, 2006,
p. 78)
Diversos autores, como Fliedl e Schorske, indicam uma necessidade nas
obras de Klimt quanto a retratar acentuadas emoções, como coloca a historiadora da
arte Sylvie Aigner:
[..] Selon Hans Bisanz
35
l´adoption de sujets tel que «Lê Temps – L´Éternité», «Les
Ages de la vie» ou encore «La Vie et la Mort» dans le nouvelles séries d´Allégories
et Emblèmes (1895-1900) traduisait aussi un rejet des thémes du Ringstrassenkunst
finissant, et rejoignait l´intérêt que Klimt portait désormais à la représentation
symbolique. Em accentuant et em visualisant pour la première fois des états
psychiques, le tableau L´Amour témoigne d´un changement programmatique
dans l´oeuvre de Klimt qui va tout à fait dans le sens de l´ouvrage de Hermann
Bahr
36
, [...]: «Donner forme à ce qui vous est propre au lieu d´imiter ce qui est
étranger, chercher l´intime plutôt que l´apparence».
37
(org.MARQUET, 2005, p.
108-109) (Grifo nosso)
O fato de a obra tratar dos estados psíquicos é nítido, assim como nas
35
Hans Bisanz, «Zur Bildidee “Der Kuss”: Gustav Klimt und Edvard Munch, dans cat. Exp. Vienne, 2000-2001, p.
266 ss»
36
«Die Überwindung des Naturalismus», Kritik der Moderne, Dresden; Lipzig, 1891, p. 153.
37
O trecho correspondente à tradução é: De acordo com Hans Bisanz adoção dos assuntos, tais quais "O
Tempo - A Eternidade", "As Idades da Vida" ou, ainda, "A Vida e Morte", nas novas séries de Alegorias e
Emblemas (1895-1900) traduziu também uma rejeição dos temas do Ringstrassenkunst concluindo e
encontrando o interesse que Klimt adquiriu diante da representação simbólica. Acentuando e visualizando pela
primeira vez os estados psíquicos, o quadro Amor reflete uma mudança programática na obra de Klimt que
segue no sentido do trabalho de Hermann Bahr, [...]: «Dar forma àquilo que lhe é próprio no lugar de imitar aquilo
que é estrangeiro, em vez de imitar o que é estrangeiro, achar o íntimo ao invés da aparência». Tradução nossa.
79
outras obras da tradição pictórica, mas não se vê uma grande exaltação nos
sentimentos. A afirmação de Hermann de que Klimt dá forma àquilo que lhe é
próprio no lugar de imitar aquilo que lhe é estranho, está correto, mas se trata de um
questionamento maior que este. Não que ele não tenha uma necessidade de
mostrar aquilo que ele entende como sentimento, mas também busca essa
intimidade nas obras dos mestres. Ele busca aquilo que os mestres incorporam nas
obras como ideia e, assim, ele estabelece o seu pensamento.
Diante dessas colocações, nota-se que a idosa de Klimt consegue
demonstrar a nostalgia e a melancolia advindas do idoso de Ticiano, com a
decadência e a falta de pudor das de Baldung Grien, apontando ainda uma possível
apropriação da forma do escultor francês Rodin
38
, pois, de acordo com o historiador
da arte Gilles Néret, a forma da idosa de Klimt reincide na escultura Aquela que Foi
a Bela Mulher do Forjador de Elmos (Anexo A, Fig. 06). Pode-se entender, devido à
posição acanhada em que a mulher se encontra, escondendo o rosto e de cabeça
baixa, que ela esboça a mesma vergonha das Três Idades do austríaco e, ainda,
aponta melancolia e angústia Novamente Klimt se apropria do mundo das artes e
encontra nele importantes representações, posições e até mesmo sentimentos, e
adapta para sua obra. Klimt torna atual todos os antigos questionamentos e capta
ainda o espírito da época.
Apesar de ser uma pintura do início do século XX, não fazendo parte da
fase de formação do pintor, ela demonstra que se trata de uma característica de sua
pintura o fato de se apropriar da temática clássica e, também, dos conceitos que
permeiam as obras dos mestres e, assim atualizava essas ideias para tratá-las para
sua época. Mas, com a experiência, seu questionamento fica mais explícito, pois
aqui já se nota que a pintura apresenta um espaço imaginário composto por
pequenos ornamentos, como se aparentasse um efeito dos mosaicos. Esse efeito
mosaico exibe o tratamento que vem dando às suas obras desde o início, ao se
apropriar dos elementos de outras obras e criar uma nova composição. Esses
elementos são demasiadamente realistas para demonstrar que foram retirados de
outras artes. Assim, ao agregar esses elementos, Klimt imprime-lhes características
38
Segundo os historiadores da arte, o austríaco Dieter Borgner e o francês Néret existia uma relação de
admiração mútua entre Klimt e Rodin, que expôs algumas vezes em Viena e se tornou amigo do pintor austríaco,
e parece que, em sua obra A Filosofia, já havia feito apropriações de personagens desesperadas com a mão na
cabeça da Porta do Inferno de Rodin. Segundo Borgner, era recorrente a relação entre Áustria e França nesse
período, tanto pelos artistas quanto pelas artes.
80
de artifício, seu processo de apropriação tem como objetivo formar uma
combinatória para sua composição, associando a História das Artes com Viena fin-
de-siècle.
No final do século XIX, Viena passava por uma grande crise financeira e
social. Os esforços de modernização, iniciados na metade do século, foram bem
sucedidos por um pequeno período, devido à importância da produção industrial,
que era mais rápida e custava menos, trazendo a desvalorização do artesão. Como
em meados do século, a revolução burguesa fracassou, a política não correspondia
com a ideia de modernidade da cidade, tampouco a crise financeira, e a cidade foi
cenário de decadência. Havia a vontade de estabelecer uma relação com o passado
para motivar as grandes conquistas e, assim, os espíritos. Essa decadência é
perceptível nas obras de Klimt, não somente nas Três Idades da Vida (Fig. 9), com o
tema da decadência física, mas mesmo no retrato de Sonja Knips (Fig. 4) pode ser
notada a falta de ânimo, o abatimento, que remete às ideias que pairavam em Viena.
81
3. CRIAÇÃO DE UM GOSTO
Durante todo seu percurso, Klimt apropria-se da tradição pictórica, mas
não somente nas representações pictóricas, mas também em sua temática. Sua
apropriação de início nos remete a uma referência de admiração ao passado, como
se o pintor citasse com eloquência em seus trabalhos a arte antiga e seus mestres,
assim como lhe foi ensinado na Escola de Artes Decorativas. Porém, com o passar
dos anos, ele estabeleceu um diálogo entre o passado das artes e a atualidade. O
artista apodera-se da tradição pictórica para designar valores pictóricos que
continuam presentes. Devido à possibilidade de dominar as técnicas antigas e ser
profundo conhecedor da tradição pictórica, Klimt parece compreendê-la como a
natureza das artes, como se ele manipulasse a tradição e a atualizasse em sua
obra.
Apesar de dominar as técnicas antigas, não se satisfaz enquanto
composição, não as submete somente à repetição, ele pode até mesmo utilizar-se
da mesma temática, mas buscando soluções pictóricas atuais. O artista se considera
um herdeiro, mas não um discípulo dos mestres. Desde o início, inseria detalhes que
seriam uma espécie de comentário e que estariam sempre presentes em suas
pinturas, da mesma maneira que a autora Svetlana Alpers afirma que Rubens
sugere em suas obras. Segundo Alpers, Rubens é capaz de pintar cenas
ambientadas em sua época com personagens que não são contemporâneos a ele
39
.
Rubens representa o presente com ares de passado. Ele pinta como se o quadro
devesse algo à Antiguidade, em seus motivos e textos
40
. Klimt, assim como Rubens,
preserva de certa maneira as singularidades do comportamento de sua época.
Klimt havia compreendido que poderia representar o passado, mas não
39
Parece que Rubens fue capaz de pintar escenas de seducción ambientadas en su propia época donde los
protagonistas consienten, con en El Jardín del Amor (que se ha descrito como una obra reservada para él y su
esposa, Helena), o escenas que no son contemporáneas ni de consentimiento (como las de sátiros persiguindo
ninfas, por ejemplo). Pero, parece que tuvo problemas para componer una obra que fuera a la vez
contemporánea y de rapto o no consentimiento. La excepcional Adoración de Venus funciona gracias a una
táctica combinatória: el presente (mujeres vestidas con trajes contemporáneos adorando a Venus) se mezcla con
un pasado mítico (sátiros que danzan frenéticamente con unas ninfas) sin poner en cuestión el consentimiento.
De hecho, podríamos describir este cuadro como una representación fantástica del éxtasis femenino. Los sátiros
no están ahí para comprar a las mujeres, sino para tomar sus cuerpos. La sumisión también complace al sexo
femenino. (ALPERS, 2001, p. 176 e 177)
40
La ausencia de cualquier circunstancia particular contribuye a comprender el carácter de la escena que
Rubens ha elegido representar: el cuadro tiene un tono que debe algo a la Antigüedad, a sus motivos y sus
textos. (Ibidem, 2001, p. 50-54)
82
satisfaria as suas necessidades e as suas questões. O aprender e compreender o
passado não seria o problema de Klimt, talvez buscar no passado aquilo que seria
considerado indispensável, talvez a beleza dos grandes mestres e das obras vistas
como referências, possibilitava o regate daquilo que o passado tem de melhor a
oferecer.
As ideias de Klimt caminham ao encontro das teorias de Baudelaire ao
representar o passado embriagado pelo presente:
Sem dúvida, é excelente estudar os antigos mestres para aprender a pintar,
mas isso pode ser tão-somente um exercício supérfluo se o nosso objetivo é
compreender o caráter da beleza atual. Pois planejamentos de Rubens ou de
Véronèse não nos ensinaram a fazer “chamalote”, “cetim” à rainha ou qualquer outro
tecido de nossas fábricas, entufado, equilibrado pela crinolina ou pelos saiotes de
musselina engomada. O tecido e a textura não são os mesmos que os da antiga
Veneza ou os usados na corte de Catherine. Acrescentemos também que o corte da
saia e do corpete é absolutamente diferente, que as pregas são dispostas de acordo
com um novo sistema, que os gestos e o porte da mulher atual dão a seu vestido
uma vida e uma fisionomia que não são as da mulher à antiga. Em poucas
palavras, para que toda a Modernidade seja digna de tornar-se Antiguidade, é
necessário que dela se extraia a beleza misteriosa que a vida humana
involuntariamente lhe confere. (BAUDELAIRE, 1996, p. 26)
Klimt apropria-se do passado, agregando também características
contemporâneas, assim, confirma que compreendeu o resgate exercido pelas
pinturas do mestre flamengo. Klimt representa o passado com uma grande dose de
presente, constitui obras em que comporta o passado e o presente associados.
Emprega o modelo estabelecido na maioria de suas obras e, para exemplificar, pode
ser visto por toda a decoração do Museu de História da Arte, realizada entre 1890 e
91 por encomenda do Governo para vangloriar as artes e os períodos passados.
Klimt estampou figuras pelo corredor, em que cada representação seria uma
alegoria que deveria reportar a um período artístico.
83
FIGURA 13 – KLIMT. Grécia Antiga I e II, 1890 – 1891.
Óleo sobre fundo de estuque 230 x 230 cm o quadro de canto, e 230 x 80 cm de
intercolúnio. Kunsthistorisches Museum, Viena.
O modelo estabelecido por Klimt faz-se percebido nas duas figuras que
representam as Alegorias da Antiguidade Grega I e II. Ao fundo da pintura das
alegorias, encontram-se elementos decorativos que sugerem desenhos ou parte da
arquitetura do período representado. Segundo a escritora Laura Payne, os
elementos que estão por detrás recordam algumas imagens de contextos de obras
Pré-rafaelitas. Já as figuras das mulheres são alusões, segundo Néret e Payne, aos
vasos gregos de Tânagra.
A primeira figura de mulher, posicionada à direita da coluna, seria a
Antiguidade Grega I, e, à esquerda, está a Antiguidade Grega II. Klimt escolheu a
figura da deusa Pallas Atenas para representar a Antiguidade Grega I, altiva e
guerreira, segundo Schorske, ela personifica a cultura helênica. A primeira Grega
porta um panejamento, à maneira de uma escultura antiga grega, e uma égide,
armadura decorada com a Górgona mais importante e dominadora: a Medusa, que é
a única mortal das três irmãs. A imagem das Górgonas era muito utilizada pela
Antiguidade como protetora, pois, mesmo depois de morta, sua cabeça petrificava
quem a encarasse. Assim, era comum encontrar representações das Górgonas em
84
armaduras, escudos e amuletos. Sustenta com a mão direita a deusa Niké, que
personifica a vitória e, com a outra, uma lança. Pallas Atenas é a deusa da guerra,
porém ela é dotada de enorme sabedoria que se realiza através da verdade, da
bondade e do autoconhecimento. Klimt caracteriza a Antiguidade Grega I conforme
a iconologia da deusa Pallas Atenas.
Pallas Atenas foi uma deusa bastante presente na Viena fim de século.
Escolhida como símbolo central da política liberal, personificando as qualidades
indispensáveis dos liberais, como deusa da guerra e da sabedoria, luta pelos direitos
através da justiça, ela também desempenha a função de protetora e conselheira. A
deusa possui um caráter de libertadora, como patrona das artes e ofícios, desta
maneira também se torna símbolo do movimento de Secessão. Klimt serve-se da
mitologia para apresentar suas ideologias políticas e culturais, manifestadas pela
crença iluminista de que o conhecimento liberta. A deusa exibe a Niké que é a vitória
que invoca o ideal liberal, advindo da razão em contraposição ao poder divino do
Imperador.
Klimt realiza em sua alegoria aquilo que foi comentado na Alegoria da
Antiguidade Grega e que aponta como característica da mulher o conceito de
Baudelaire sobre a beleza feminina, em que não se pode separar a mulher de sua
roupa e de seus enfeites, pois sua beleza encontra-se nessa totalidade, no conjunto.
A Antiguidade Grega I está enfeitada com uma pulseira em ouro e uma gargantilha,
conhecida como “coleira de cão”, conforme as usadas pelas moças vienenses de
sua época. A definição de Baudelaire de beleza é dualista em que a mulher, diante
da falta de uma essência significável, só pode se afirmar através de artifícios. No
entanto, somente os artifícios femininos possibilitam o surgimento do elemento
enigmático e inacessível. Desta forma, os ornamentos fazem parte daquilo que é
acessível e inacessível, pois está impregnada de uma beleza efêmera, assim como
a modernidade. Klimt novamente põe em prática a beleza feminina baudelairiana e,
sobretudo, a ideia de modernidade, de que, para a modernidade ser digna de se
tornar Antiguidade, é necessário que arranque ou separe dela a beleza, mas que só
é possível se tiver dotada de alma.
A alegoria feminina Antiguidade Grega II nada corresponde à força
endeusada da primeira. Encontra-se numa posição singular, novamente distinta da
primeira, a qual possui um porte altivo, erguido e rígido, totalmente direcionado ao
observador. A segunda alegoria está posicionada de lado, inclinada, como se
85
quisesse alcançar algo, pois exerce uma leve torção e, por fim, se volta ao
observador. Sua pose é bastante contemporânea, como se estivesse se
perguntando sobre algo que está fora do suporte, no exterior da pintura,
aparentando estar se indagando sobre algo que pertencesse ao mundo real.
Klimt transforma A Alegoria da Antiguidade Grega II em uma mulher com
gestos e porte das mulheres vienenses. Ele transforma a antiga mulher em uma
atual e acaba por lhe conferir e insuflar a vida, como as vestimentas e a pose das
moças. A escritora Laura Payne afirma que Klimt se apropria da escultura e a torna
real, conforme o mito do escultor grego Pigmaleão, como se Klimt incrementasse as
alegorias da Antiguidade Grega, o passado, atualizando a beleza do passado das
artes. De acordo com Fliedl:
[...] Mas a precisão do pormenor – comprovada, por exemplo, pelo estudo detalhado
de klimt das obras de arte do Museu de História da Arte da Corte – não serve para
a reprodução exata de uma obra de arte antiga. Aqui, o artista renunciou à
reconstrução arqueológica visada pelo historismo que pretendia assegurar a
autenticidade, verdade e legitimidade da tradição e experiência históricas, para
além do seu valor como modelo para o presente. Klimt parece estar mais
interessado na relação do caráter histórico e ambiental, na animosidade e
vivacidade, graças às quais não se evocará simplesmente uma imagem fixa da
antiguidade como parte de um passado encerrado, mas que esforçará por ter
acesso a um gênero de presente ideal e perpétuo dessa ambiguidade. (FLIEDL,
2006, p. 47) (Grifo nosso)
A segunda alegoria vem trajada de um panejamento que se refere ao
grego, porém assemelha-se ainda mais às vestimentas produzidas por Klimt para
Emilie Flöge, em que a estampada florida do tecido corresponde a uma bastante
empregada posteriormente pelo artista. Os vestidos desenhados por Klimt para a
boutique de Flöge eram diferentes daqueles que eram utilizados na época. Assim
como suas estampas, eles possuíam um corte mais reto e um caimento mais solto,
tratavam-se de vestes largas, soltas e leves, mais providas de charme e movimento.
O pintor cria uma espécie de “moda” através de suas apropriações comentadas para
atingir o gosto do espectador.
A moça alegórica exibe diversas pulseiras em ouro e uma maquiagem
bastante reforçada nas pálpebras para uma grega de outrora. Alguns autores, assim
como Néret e Fliedl, acreditam que faz alusão às maquiagens usadas pelas
prostitutas vienenses, com que seria mais uma inserção daquilo que foi nomeado de
comentário. Consequentemente, Klimt está tratando de uma possibilidade bastante
moderna.
86
Novamente para seu contemporâneo novecentista Baudelaire, a moda é
algo que permeia a razão humana e que se comporta em busca do gosto ideal, que
nunca poderia ser encontrado na natureza, somente na razão:
A moda deve ser considerada, pois, como um sintoma de gosto pelo ideal que
flutua no cérebro humano, é acima de tudo o que a vida natural nele acumula
de grosseiro, terrestre e imundo, como uma deformação sublime da natureza,
ou melhor, como uma tentativa permanente e sucessiva de correção da
natureza. Assim, observou-se judiciosamente (sem descobrir a razão) que todas as
modas são, cada uma sendo um esforço novo, mais ou menos bem-sucedido,
em direção ao belo, uma aproximação qualquer a um ideal cujo desejo
lisonjeia incessantemente o espírito humano insatisfeito. [...] as modas não
devem ser consideradas como coisas mortas; seria o mesmo que admirar os
trapos pendurados, frouxos e inertes. [...] É preciso imaginá-los vitalizados,
vivificados pelas belas mulheres que os vestiram. Somente assim
compreendemos seu sentido e espírito. Se, por conseguinte, o aforismo todas
as modas são encantadoras o escandaliza como excessivamente absoluto, diga
se estará certo de não se enganar: Todas foram legitimamente encantadoras.
(BAUDELAIRE, 1996, p. 58-59) (Grifo nosso)
A moda encarrega-se da parte da idealização humana e racional da
natureza, sua beleza potencializa-se naquilo que é tratado pelo teórico, que
desempenha o passageiro, efêmero. A moda seria dinâmica e jamais agregaria o
belo absoluto, por que esta não poderá comportar a parte eterna e imutável, aquela
que está inalcançável para a natureza humana, mas aquela que é acessível para se
compreender a beleza.
Baudelaire afirma ainda que, para que uma antiga moda seja apreciada
pelas pessoas no presente, esta deve ser trajada por personagens de uma
representação, na qual, dependendo da atuação dos personagens, induzirá a
ressurreição desses antigos costumes. O poeta conclui que: “O passado,
conservando o sabor do fantasma, recuperará a Luz e o movimento da vida, e se
tornará presente”. A moda seria, portanto, passageira e pertenceria a um lugar, a
uma época, imbuída de valores da sociedade a que pertence. (BAUDELAIRE, 1996,
p. 9)
As figuras femininas ganham traços realistas, como concluiu Schorske:
“Aqui, o espírito histórico positivista do museu celebra uma vitória quase fotográfica
[...]”
41
, alegando que seria um artifício para alcançar a ilusão. Outro autor indica que
o aspecto realista é a maneira que o artista achou para se destacar dos demais: “[...]
Klimt, na realidade, não se contenta apenas por introduzir motivos clássicos,
acrescenta-lhes retratos realistas com precisão fotográfica, o que permite
41
SCHORSKE, 1989, p. 206.
87
reconhecer claramente os quadros que são de sua autoria, [...]”. Mas o realismo de
Klimt não representa uma vitória fotográfica, a qual Schorske, considera como
aquela alcançada por Makart. Seu realismo não se trata de um naturalismo, ele não
tem como modelo a natureza, suas pesquisas reportam ao mundo da arte. O
realismo das figuras femininas faz uma alusão às esculturas, a tonalidade da pele
sugere o branco e o brilho do mármore. Possivelmente tenha sido um artifício que de
início se fez necessário e como já foi comentado, acabou por se destacar dos
demais, e que consequentemente tornou-se uma de suas assinaturas, mas que
enaltece a potência da arte e a vontade artística. (NÉRET: 2006, 10-11)
A natureza para Klimt é tratada separadamente das figuras em suas
obras, aquelas que reproduzem paisagens, e naturezas estabelecem uma relação
pictórica através dos sentidos. Da mesma maneira que a natureza é atribuída ao
pensamento Iluminista, como algo que é percebido através dos sentidos. Assim
pode-se colocar que a natureza está no âmbito do mutável e, como é realizada pelos
sentidos, depende de quem a observa.
Suas obras buscavam preservar a arte clássica, portanto também se
preocupou com aos questionamentos atuais, e as necessidades se davam através
de uma estética atualizada, moderna. Assim sua arte passou a ser uma espécie de
interpretação do modelo clássico que podia conter apropriações de outras artes,
como uma combinação, ou propusesse uma combinação de elementos, podendo ou
não agregar símbolos e significados para compor suas alegorias.
A escolha do Neoclássico parece uma postura poética em relação às
artes. A arte pode ser vista por muitos especialistas como expressão de seu tempo e
época, no entanto, cada artista produz aquilo que deve ou quer comportar em suas
obras. Não somente trata de utilização de material e técnica, mas ainda da
propriedade do olhar e essencialmente daquilo que o artista necessita indicar e,
assim, a obra deve ser criada. A partir da liberdade de interpretação do artista, outro
fator importante é o se permitir distintas caracterizações.
Ao longo de sua vida artística, Klimt desenvolveu em seus trabalhos uma
bidimensionalidade associada à estética da arte bizantina, no sentido da planaridade
das formas. Além disso, dava grande importância ao movimento, imprimindo-o nos
tecidos das roupas e na estilização dos ornamentos. Como já foi dito, o pintor criava
padronagens em suas pinturas. Ainda que possuísse tendências modernistas,
empregadas com pinceladas distintas e produzindo esquemas, criando uma outra
88
superfície pictórica, Klimt manteve os rostos bem detalhados para indicar a parte
central da composição.
A alegoria de mesma temática, Pallas Atenas é um exemplo de sua
evolução estilística que se molda na segunda fase de Klimt, a fase dourada.
Novamente se apropria da deusa que simboliza a luta Secessionista, a deusa que
liberta as artes através da sabedoria. O formato da tela rigorosamente geométrico,
em que o quadro metálico foi produzido por seu irmão Georg Klimt e projetado pelo
pintor, que acreditava ser a melhor forma para equilibrar a pintura.
FIGURA 14 –
KLIMT.
Pallas Atenas,
1898.
Óleo sobre tela,
75 x75 cm.
Wien Museum,
Viena.
Ao fundo encontra-se aparentemente um pequeno afresco, em que conta
a história da luta de Hércules e de Triton, um monstro marinho, o qual nos remete
aos modelos pictóricos gravados em vasos antigos. Neste fundo de afrescos ainda
há uma representação de uma coruja, segundo a iconologia da deusa Pallas Atenas,
ela possuía olhos de coruja, que significa que é dotada de uma excelente visão que
enxerga na escuridão, nas trevas; ou seja; olhos que veem através da sabedoria,
mesmo quando não há luz. A Alegoria porta um capacete, uma lança e uma
armadura em ouro, esta cobre o peitoral, quase toda parte de seu corpo que está
representado. A Górgona é uma apropriação de uma das imagens arcaicas, em que
89
a medusa faz língua para o observador. A armadura lembra as representadas na
antiguidade, porém em Klimt ganha volume e movimento. Em sua mão, dessa vez,
não traz a deusa Niké, faz lembrar uma outra alegoria do pintor, a Nudas Veritas. Ela
personificava a adesão da Secessão das ideias platônicas, portava um espelho que
remetia à caverna platônica, que era o reflexo da ignorância e, também para eles,
aqueles que estão no exterior da caverna possuem o conhecimento real e objetivo.
No entanto, nesta obra Nudas Veritas não porta o espelho, assim representa a figura
branca da verdade que, posicionada sobre a romã, simboliza o nascimento da
verdade.
Essa tela foi muito criticada na época, pois os acessórios da Pallas
Atenas são inspirados nos antigos, porém não correspondem ao repertório formal. O
corpo humano parece emergir do fundo do afresco decorado, sugerindo que a
alegoria surge à superfície a partir dos elementos decorativos e que é composta por
eles. A linguagem visual propõe uma composição estabelecida por elementos que
são transformados em padrão decorativo. O pintor apodera-se da Antiguidade e,
explicitamente, realiza a tela enquanto artifício pictórico.
Aquilo que representa o “belo” em Klimt é a união do clássico e do atual.
A teoria do Clássico insinua-se como o conhecimento exato e inquestionável, assim
ela insinua sua firmeza e certeza, contrapondo aquilo que é a teoria do Moderno de
Baudelaire:“a modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente”. Na verdade, o
que se nomeou de “belo” em Klimt não poderia ser o belo em si, até mesmo porque
o belo não é um questionamento presente na pintura de Klimt. O “belo” em sua obra
está para a maneira que o pintor encontrou de se fazer compreender, criando um
gosto Klimt que se perpetua. (BAUDELAIRE, 1996, p. 24-25)
A pintura de Klimt não está carregada de questionamentos pictóricos, mas
parece uma grande experimentação. Essa experimentação é a que utiliza para criar
o gosto Klimt, que não se trataria da criação, mas da capacidade que o pintor tem de
direcionar interesses do espectador para com sua pintura. Serão usadas as teorias
de Roger de Piles para poder compreender como Klimt constrói o gosto. Para o
francês, o pintor primeiramente tem que educar o espectador para ter êxito.
Para De Piles uma pintura deve ser antes de tudo uma amante para o
artista. Essa ideia designa o pintor como um conquistador, estudioso, pesquisador,
colecionador de arte. Seu maior interesse não estava direcionado ao pintor, mas à
pintura. Assim pode-se estabelecer uma relação com Klimt, que não gostava de falar
90
de si próprio, mas que tinha muito interesse pelas artes, o que pode ser comprovado
por suas obras.
Para ele a pintura não precisava alcançar a verdadeira perfeição ou o
belo, como se encontra nos antigos, mas deveria seduzir o olhar do espectador
42
. A
obra de arte tem que ser direcionada ao espectador e não ao pintor, a importância
encontra-se na relação firmada com o espectador, na experiência, na vivência da
obra. Pois de acordo com De Piles, o artista torna-se espectador no momento que
está pintando
43
. Ou seja, para De Piles a perfeição pictórica não se dá através da
excelência técnica, mas, sobretudo, pela questão de definição.
De Piles determinou que a característica que tornava a obra aceita ou não
dependia do gosto, então o artista era subordinado a um critério subjetivo: a questão
de educar o gosto, o qual, na visão de Baudelaire, seria constituído de um elemento
circunstancial, que depende dos costumes de uma época.
Consequentemente o pintor deveria ser o responsável em educar o gosto
do espectador, devido à possibilidade que a obra exerce com relação ao público. Por
isso as obras representam o belo, todavia indicam a satisfação e o quanto agradou
de uma época. Poder-se-ia exemplificar como procedeu a relação de Hans Makart
em Viena, tornando-se o artista mais agraciado de seu tempo, com sua arte
alcançando o encantamento do público que foi totalmente cativado. Por conseguinte,
Makart foi consagrado como predecessor de uma moda. Klimt seguiu os mesmos
passos no sentido de esforçar-se em educar seus observadores. Apesar de muitas
obras terem chocado a opinião pública na época, logo foram inseridas e apreciadas
por seus contemporâneos.
Para De Piles os pintores são mais espectadores que criadores, e a
grande questão dos pintores seria educar o gosto dos espectadores, antes de ter
como necessidade resolver os problemas pictóricos. Klimt cria o gosto Klimt devido
ao novo universo de caráter decorativo que insinua em suas obras, possibilitando
uma educação através de motivos da história cultural.
O gosto Klimt novamente caminha ao encontro das palavras de
Baudelaire, atingindo a modernidade através de sua ambiguidade ao tratar o
passado enquanto modelo para o presente. Klimt emprega o passado ou a tradição
42
Para Roger de Piles a pintura não deveria ser a cópia exata da realidade causando o trompe l´oeil, mas
acreditava que tinha que enganar e seduzir o olhar do espectador.
43
De Piles "Le Peintre qui veut finir un tableau, tâche de sortir, pour ainsi dire, de lui-même.mais un faisant un
Dessein, il s´abandonne à son Genie, & se fait voir tel qu´il est
91
como o elemento imutável e inalcançável, confrontando a intencionalidade do
elemento atual, o transitório e acessível. Klimt, então, consegue aquilo que o teórico
francês acredita ser a necessidade artística e cria um gosto especial para
apreciação.
Klimt alcança a modernidade desde suas obras iniciais, pois “a
modernidade é o transitório, Moderno, então é [...] tirar da moda o que esta pode
conter de poético no histórico, de extrair o eterno do transitório”, ou seja, a essência
do belo. Cada vez que ornava mais suas obras, detalhava as vestes e criava um
ambiente de mosaico, mais se inseria numa busca por uma nova possibilidade, uma
inesgotável vontade, assim mais se encontrava inserido na modernidade: “[...]
quanto mais o artista se curva com imparcialidade sobre o detalhe, mais aumenta a
anarquia [...]”. Klimt firma a beleza de sua pintura através dos artifícios.
(BAUDELAIRE, 1996, p. 24-31)
Ele ainda evoca o realismo das artes e não da natureza, pois entende que
a beleza está na razão humana, por conseguinte, invoca os modelos da tradição
como o ideal artístico, como se fosse o gosto idealizado que paira sobre as mentes
humanas. Seus modelos das Antiguidades Gregas sugerem características
mundanas das mulheres vienenses de seu tempo. Klimt estabelece em suas obras
os conteúdos de Baudelaire, pois as combinações e comentários fazem com que o
pintor alcance a modernidade.
92
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Klimt em um primeiro momento, procurou enaltecer a Antiguidade, de
acordo com a escola neoclássica e baseando-se na relação com seus mestres.
Contudo, ainda a partir de seu período de formação, suas obras passaram a dialogar
com o presente, fosse pelas temáticas escolhidas, em que ele representava a sua
época, fosse pelo diálogo que procurou estabelecer com as vanguardas modernistas
em voga. Procurou-se discutir ao longo do trabalho a relação do pintor com a
História das Artes e, ainda, averiguar se Klimt realizou algum rompimento com a
tradição das artes no período de suas fases finais. O trabalho procurou consolidar as
relações estabelecidas entre o pintor e o passado e perceber a maneira pela qual
ele foi inserido na modernidade.
Klimt acreditava que, para compor sua arte, os melhores artifícios
encontravam-se no passado artístico, ou seja, na própria História da Arte. Ao se
apropriar de elementos da tradição clássica, seu questionamento não se esgotava,
contudo, no modelo clássico ideal, mas consistia em inseri-lo numa proposta
contemporânea para torná-lo atual. Seu ideal pictórico, com o passar do tempo,
tratava a Antiguidade cada vez mais como modelo puramente decorativo, e não
como paradigma da virtude. Seu problema concentrava-se na própria pintura.
Ao se apropriar de determinadas temáticas clássicas, Klimt moldava-as
enquanto artifício, cada um dos elementos que compunham a obra constituía uma
espécie de comentário que ele inseria e que apresentava certa ironia. A crítica da
época reprovava a maneira como eram utilizados os motivos clássicos ou ecléticos,
tratados de forma aleatória e excessiva em qualquer decoração. A escolha dos
motivos não era feita ao acaso, inserido, no entanto, em uma sociedade que
acreditava na beleza ideal clássica e a utilizava largamente na decoração. Klimt a
fazia essa escolha através de um juízo no qual tratava as formas mais apreciadas ou
mais conhecidas, caracterizando-as como atuais e inserindo comentários em suas
obras.
Com o passar dos anos, estas ganham modelos além do Clássico; seus
diálogos se voltam para a História das Artes, tratando esta como modelo e
possibilitando sua construção pictórica através de artifícios da própria cultura
artística. Entretanto, seu objetivo não era simplesmente utilizar a História da Arte e
93
enaltecer seus mestres, mas se apropriar dela para travar um diálogo artístico. Ao se
apropriar do primeiro, o impregna de características atuais, o que transforma esse
passado das artes em presente. Assim, suas obras estão imbuídas dessa
ambiguidade, em que, associados, passado e presente se tornam atuais
44
e, uma
vez revigorados, passam a possuir propriedades decorativas.
Essa característica decorativa pode ser constatada em suas obras através
do realismo vivaz, que é realizado com tamanha dedicação que a maioria dos
autores e especialistas em Klimt acredita se tratar de uma referência à fotografia
45
que acabava de ser inventada, no final do século XIX. Essa é uma possibilidade que
não deve ser descartada, mas seu realismo nada apresenta do naturalismo dos
corpos que a fotografia dominou e, sim, da realidade do modelo artístico de que ele
estava se apropriando, como por exemplo, as Alegorias da Escultura das quais se
tratou anteriormente. Essa propriedade realista enfatiza o motivo, ao passo que o
artifício, o caráter decorativo.
Alguns autores, como Schorske, identificam características de transição
nas obras de Klimt a partir de sua primeira fase:
Nos anos 1890, a própria natureza da realidade tornou-se problemática para Klimt.
[..]. Nas representações constantemente mutáveis do espaço e substância de Klimt –
da solidez naturalista, passando pela fluidez impressionista, ao estático abstrato e
geométrico –, podemos ver um tateamento em busca de orientação num mundo sem
coordenadas seguras. (SCHORSKE, 1989, p. 218-219)
Essa transição coloca-se como uma busca pictórica que alcança sua
máxima expressão ao romper com a perspectiva linear, possibilitando novas
relações entre figura e fundo, indicando um espaço pictórico apontado pela
planaridade. Seu domínio da História da Arte fica caracterizado, portanto, nos
elementos que ele utiliza para compor suas obras e na forma como ele organiza o
espaço pictórico da cena, privando-a da perspectiva. Porém essa característica de
transição é entendida por Schorske como o momento em que Klimt adere à
planaridade espacial para atingir características da modernidade, assim como para
Payne, ao analisar o quadro Adèle Bloch-Bauer I, afirma que os motivos da veste de
Adèle, advindos de antigos artifícios decorativos, compõem sua característica
44
Diferente daquilo que foi dito de Rubens, em que suas obras ganham ares de passado, ou seja, seu presente
tem um quê de passado.
45
Autores como Fliedl, Schorke, Néret fazem uma ligação entre o realismo de Klimt e o de Makart e insinuam
que se tratava de uma influência do mestre e um recurso para destacar suas obras dos demais membros da
Companhia dos Artistas.
94
modernista: “[...], Klimt graba los cuadrados de oro para formar dibujos sencillos, que
son tal vez una reminiscencia de sus primeras obras modernistas”
46
. (PAYNE, 2004,
p. 198)
No entanto, acredita-se que há uma mudança no tratamento do espaço
pictórico das obras de Klimt, que pode ser notada pela transição da
bidimensionalidade decorativa para uma planaridade espacial. Contudo, ao analisar
sua carreira, como uma trajetória evolutiva, sua bidimensionalidade corresponderia a
um limite de ordem pictórica e, por conseguinte, o artifício extrapola o paradigma,
assim o pintor amadurece o motivo enquanto efeito pictórico decorativo. Mas não se
trata de uma transição para a Modernidade, pois seus questionamentos, advindos
de sua forma de apropriação, confiam aos artifícios pictóricos uma maneira de
desorganização inserida pela forma da criação, a partir de uma outra combinatória
com os elementos e motivos para atingir o atual. Suas obras iniciais, portanto, já se
encontravam permeadas pelas características modernas.
A modernidade de Klimt pode ser descrita pelas palavras de Baudelaire.
As Alegorias da Escultura (Fig. 7 e 8) e as Antiguidades Gregas I e II (Fig. 13)
definem-se através dos conceitos acerca do feminino baudelairiano, pelos quais a
mulher não pode ser separada de sua roupa, a qual é apenas um reflexo de todas
as graças da natureza. Para Klimt, a natureza da arte condensada num único ser
acaba por se tornar o objeto de admiração, mas jamais de perfeição, assim como a
escultura que proporciona o encantamento para o contemplador. A mulher na obra
de Klimt é enfeitada para enfeitar.
Baudelaire defende ainda a Modernidade como o transitório, assim como
a moda que retém o acessível ao homem. Klimt apropria-se da moda e veste o
passado das artes. Ao atualizar este passado, torna-o presente, condiciona-o à sua
época. Essa dualidade está presente na definição de Belo de Baudelaire e, a partir
dele, as obras alcançam o gosto Klimt. Para De Piles, a obra deve seduzir o olhar,
assim como a mulher de Baudelaire e, consequentemente, as mulheres das obras
de Klimt. De Piles entende o artista enquanto espectador e apreciador das artes, a
fim de que ele possa conceber uma arte que agrade o público. O artista deve ser
formador de opinião, fazendo de suas obras o meio para educar o espectador.
46
O trecho correspondente na tradução é: Klimt grava os quadrados de ouro para formar desenhos simples, que
são talvez uma reminiscência das suas primeiras obras modernistas. Tradução nossa.
95
Klimt utiliza-se desses dois conceitos para produzir obras que eduquem e
sejam adequadas ao paladar vienense. A tradição das artes para sua época era
aquilo que comportava a grandeza dos mestres e, também, a beleza das artes,
apropriando-se dela para imbuí-la do elemento eterno e inacessível. Ao proporcionar
ao elemento do passado as apropriações da moda ou das artes de sua época, esses
elementos passavam ao gosto do público. Klimt alcançaria o Belo de Baudelaire
juntamente com o gosto de Viena, inserindo em suas obras as qualidades da
sedução e da contemplação.
A inserção dos elementos do passado é que tornou sua obra atual, o
acadêmico em vanguarda, e que levou um artista neoclássico a ser reconhecido
como um dos maiores artistas da Modernidade.
96
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MAHLER, Jane Gaston; UPJOHN, Everard M.; WINGERT, Paul S.. História Mundial
da Arte: dos Etruscos ao Fim da Idade Média. Lisboa: Livraria Bertrand, 1975.
MARCONDES, Fernando Luiz. Dicionário de Termos Artísticos: com equivalência
em Inglês, Francês e Espanhol. Rio de Janeiro: Edições Pinakotheke, 1998.
MARTIN, Henry. L'Art Byzantin. Paris: Flammarion, 1946.
NEBEHAY, Christian M. Klimt. Paris: Flammarion, 1993.(Collection grandes
monographies)
NERET, Gilles. Gustav Klimt: 1862 - 1918. (ed para paisagem). Köln: Taschen, 1992.
PANOFSKY, Erwin. Estudos de Iconologia. Lisboa: Editorial Estampa, 1986.
______. Significado nas Artes Visuais. São Paulo: Editora Perspectiva, 2002.
99
______. Le Titien: Questions d´Iconologie. New York: Ed. Hazan, 1990.
PARTSCH, Susanna. Gustav Klimt: painter of women. Munich: Prestel, 1994.
PAYNE, Laura. Klimt. Indonésia: Parragon, 2004.
PELTRE, Christine. Le Orientaliste. Paris: Hazan, c1997.
PIERRE, José. L´Univers Symboliste: Decadense, Symbolisme e Art Nouveau. Paris:
Somogy, 1991.
PINO, Paolo. Diálogos sobre a Pintura. São Paulo: USP, 2002.
REYNOLDS, Donald. A Arte do Século XIX. Cambridge: Zahar Editores, 1985.
SAID, Edward W. O Orientalismo: o Oriente Como Invenção do Ocidente. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
SCHORSKE, Carl. Viena Fin-de-Siècle Política e Cultura. São Paulo: Companhia
das letras/Editora da UNICAMP, 1990.
STERN, Henri. L'Art Bbyzantin. Paris: PUF, 1982.
VALDES, Manuel. Entre o Oriente e o Ocidente: o Bizantino e o Pré-Romano.
Amadora: Ediclube, 1994.
VAUGHAN, W..L´art du XIX siècle: 1780 – 1850. Paris: Editions Citadelles, 1989.
VERGO, Peter. Art in Vienna: 1898 – 1918. Klimt, Kokoschka, Schiele and their
Contemporaries. London: Phaidon Press Limited, 1993.
LEMOINE, Serge; SALM-SALM, Marie-Amélie zu. Vienne 1900. Klimt, Schiele,
Moser, Kokoschka. Paris: Éditions de la Réunion des Musées Nationaux, 2005.
100
ANEXO A
Fig. 01
MAKART, Hans
Alegoria dos Sentidos
1872-1879
Óleo sobre tela,
314 x 70 cm
Östereichische Galerie Belvedere,
Viena,
http://upload.wikimedia.org/wikiped
ia/commons/2/22/Makart_Fuenf_Si
nne
Fig. 02
Makart Atelier (vor der Auflösung),
ALT, Rudolf
1885
Óleo sobre tela, -
Viena,
Historisches Museum der Stadt Wien
https://www.1st-art-
gallery.com/thumbnail/122401/1/Das-Atelier-
Vor-Der-Versteigerung
Fig. 03
LAUFBERGER, Ferdinand
Attributed At Mass,
c.1875
Óleo sobre tela,
23 x 24 cm, framed
Viena,
Palais Dorotheum
www.dorotheum.at
101
Fig. 04
MICHELANGELO, Buonarroti
Ignudo
1511
Fresco
Cappella Sistina, Vaticano,
http://www.wga.hu
Fig. 05
MICHELANGELO, Buonarroti
Ignudo
1509
Fresco
Cappella Sistina, Vaticano.
http://www.wga.hu
Fig. 06
RODIN, Auguste
Aquela que foi a bela mulher do Forjador de Elmos,
1885
Bronze
Musée Rodin, Paris.
http://anandpgindia.com/images/Rodin/rodin002.jpg
Livros Grátis
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