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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Instituto de Medicina Social
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
TEM FARMACÊUTICO NA FARMÁCIA:
As
percepções dos farmacêuticos sobre seu trabalho nas
farmácias comunitárias do estado do Rio de Janeiro
CLÁUDIA REGINA GARCIA BASTOS
Orientadora: Profª. Drª. Rosângela Caetano
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre em Saúde Coletiva, Programa de Pós-
graduação em Saúde Coletiva – área de concentração em
Política, Planejamento e Administração em Saúde, do Instituto
de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro
Rio de Janeiro
Ano 2007
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1
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDES SIRIUS/CB-C
________________________________________________________________________
B327 Bastos, Cláudia Regina Garcia.
Tem farmacêutico na farmácia: as percepções dos farmacêuticos sobre seu
trabalho nas farmácias comunitárias do estado do Rio de Janeiro / Cláudia Regina
Garcia Bastos. – 2007.
193f.
Orientadora: Rosângela Caetano.
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de
Medicina Social.
1. Farmacêuticos Teses. 2. Serviços farmacêuticos – Teses. 3. Farmácia,
drogarias e etc – Teses. 4. Farmacêutico e paciente – Teses. I. Caetano,
Rosângela. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina
Social. III. Título.
CDU 615.15
_________________________________________________________________________
The Pharmacist is present on the Pharmacy: the pharmacist's perceptions about their job in the State
of Rio de Janeiro Communities.
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2
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL
A dissertação Tem farmacêutico na farmácia: as percepções dos farmacêuticos
sobre seu trabalho nas farmácias comunitárias do estado do Rio de Janeiro,
elaborada por Cláudia Regina Garcia Bastos e aprovada por todos os membros da
Banca Examinadora, foi aceita pelo Instituto de Medicina Social e homologada pelo
Conselho de Pós Graduação do Instituto de Medicina Social, como requisito parcial
para a obtenção do título de
Mestre em Saúde Coletiva
Data: 24 de abril de 2007
Orientadora: Profª Dra. Rosângela Caetano
Banca Examinadora
_____________________________________________________________
Drª Cláudia Garcia Serpa Osório de Castro
ENSP/FIOCRUZ
_____________________________________________________________
Drª. Jane Dutra Sayd
IMS/UERJ
_____________________________________________________________
Drª. Vera Lúcia Edais Pepe
ENSP/FIOCRUZ
3
Para Rogério e meus queridos filhos que compreenderam e me incentivaram
em mais essa jornada,
Para todos aqueles que acreditam e querem fazer deste um mundo melhor.
4
AGRADECIMENTOS
Concluir essa dissertação foi possível após percorrer um longo caminho, no qual
pude contar com o apoio e a ajuda de inúmeras pessoas e instituições, que
contribuíram, de forma direta ou indireta, as quais aproveito esse momento para
agradecer de forma sincera.
À UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, representada pelo IMS-Instituto
de Medicina Social, a todo o seu corpo docente, funcionários e colaboradores que
foram meus parceiros nesse processo acadêmico.
Ao CRF-RJ - Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro, na figura
dos farmacêuticos diretores da gestão dos anos 2004-2005 e 2006-2007, por terem
me proporcionado a oportunidade de poder fazer este curso de pós - graduação.
À minha orientadora, Profª. Drª. Rosângela Caetano, que com seu coração e sua
mente me fez continuar a acreditar nos sonhos e na possibilidade de transformá-los
em realidade. Muito mais que me orientar, ela me mostrou em vários momentos o
quanto é possível ser competente e profissional, agindo com respeito, paciência e
sabedoria. É de pessoas desse quilate que o mundo precisa...
A todos os professores da pós-graduação do IMS, principalmente aos do
Departamento de Planejamento Políticas e Administração em Saúde pela troca de
conhecimentos.
Às Professoras Drª. Cláudia Garcia Serpa Osório de Castro, Drª. Jane Dutra Sayd e
Drª. Vera Lúcia Edais Pepe, as quais admiro profissionalmente, por terem aceitado
participar da minha banca de qualificação e agora na banca de defesa da
dissertação, mesmo em meio à infinidade de compromissos que possuem. Agradeço
de forma especial às valiosas sugestões oferecidas e que contribuíram na forma final
desse estudo.
À Profª. Drª. Jane Dutra Sayd, que teve a gentileza de realizar a leitura desse
trabalho.
A todos os colegas da turma de mestrado do PPAS – Planejamento, Políticas,
Administração em Saúde da turma de 2005, pelo companheirismo.
5
À Márcia Cristina, Simone, Paulo Gerson e toda equipe da Secretaria Acadêmica
pelos auxílios valiosos.
Às bibliotecárias do IMS Ana Beatriz G. Levy, Leila Nice e Regina Tinoco Amato e a
toda a sua equipe pela acolhida e profissionalismo.
À Márcia Luíza e toda a equipe do Laboratório de Informática do IMS pelo apoio
técnico dado.
A todos os Farmacêuticos das farmácias comunitárias visitadas que, ao serem
entrevistados, colaboraram com a realização desse trabalho. Não posso citar seus
nomes, em função da confidencialidade prometida, porém sem vocês esse trabalho
não teria sido possível.
Aos meus amigos e compadres, Maria Amélia e Eduardo, que sempre me auxiliaram
dando o incentivo e apoio em todos os momentos.
Aos meus pais, que sempre acreditaram que a educação poderia fazer a diferença.
Ao meu amor Rogério, por me amar e apoiar desde sempre.
À Camila, Bernardo e Clara que foram e sempre serão a fonte de todo meu esforço
para fazer desse, um mundo melhor.
A Deus, por ter me conduzido até aqui...
6
“... porque são os passos que fazem o caminho”.
Mário Quintana
7
SUMÁRIO
1. Apresentação_________________________________________________________ 14
2. A tríade farmacêutica: Medicamentos, o Farmacêutico e o PACIENTE__________ 20
O papel dos medicamentos no cuidado à saúde ____________________________ 20
A evolução da Farmácia e do papel do farmacêutico ________________________ 30
Alguns aspectos da relação paciente-farmácia-farmacêutico _________________ 37
3. Mudanças no paradigma da profissão: A Atenção farmacêutica como uma nova
práxis A SER CONSTRUÍDA_______________________________________________ 42
Atenção Farmacêutica: explorando alguns de seus antecedentes _____________ 42
Papel do farmacêutico e a Atenção Farmacêutica: Panorama internacional _____ 46
Atenção Farmacêutica no contexto da política nacional de medicamentos no Brasil
_____________________________________________________________________ 50
4. Justificativa do estudo _________________________________________________ 59
5. Objetivos ____________________________________________________________ 65
Objetivo Geral ________________________________________________________ 65
Objetivos Específicos __________________________________________________ 65
6. Caminhos Metodológicos_______________________________________________ 66
Lócus e Sujeitos do Estudo: As farmácias e seus farmacêuticos ______________ 67
Instrumento da Pesquisa _______________________________________________ 69
Início do Trabalho de Campo e Coleta de Dados ____________________________ 74
Análise dos Dados_____________________________________________________ 78
7. Os farmacêuticos: percepções sobre sua práxis____________________________ 81
Os farmacêuticos ouvidos: perfil sintético dos participantes _________________ 81
Categoria I – Processo de Formação______________________________________ 89
Motivação para seguir a carreira farmacêutica ______________________________ 89
A Faculdade_________________________________________________________ 90
Final da Faculdade: caminhos que se abrem _______________________________ 93
Categoria II – A Prática Profissional ______________________________________ 96
Os primeiros empregos ou o caminho até a farmácia comunitária _______________ 96
A Farmácia comunitária como lócus de trabalho dos farmacêuticos______________ 98
A atuação na farmácia comunitária: como se dá esse trabalho ________________ 105
Os farmacêuticos na farmácia__________________________________________ 111
Fatos marcantes na carreira ___________________________________________ 138
A opinião sobre a sua inserção e perspectivas na farmácia ___________________ 139
Categoria III – As dificuldades da população no uso dos medicamentos_______ 142
Categoria IV – A satisfação dos farmacêuticos na farmácia__________________ 145
Satisfação intrínseca ao trabalho________________________________________ 145
Satisfação em relação às condições de trabalho ___________________________ 148
Satisfação em relação à organização do trabalho___________________________ 152
Satisfação em relação aos vínculos sociais do trabalho ______________________ 153
Categoria V – O significado atribuído ao termo Atenção Farmacêutica ________ 159
8
8. Considerações finais: os (muitos) passos que faltam no caminho da atenção
farmacêutica___________________________________________________________ 165
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS_______________________________________ 180
10. ANEXOS ___________________________________________________________ 190
ANEXO 1: Roteiro de entrevistas semi estruturadas com farmacêuticos _________ 190
ANEXO 2: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ______________________ 193
9
Lista de Quadros
Quadro 1: Motivos para o fracasso da terapêutica medicamentosa __________________ 15
Quadro 2: Valências Formativas e Profissionais do Farmacêutico “Sete Estrelas” ______ 48
Quadro 3: Fatores que afetam a atenção à saúde, o uso racional dos medicamentos e o
desenvolvimento da Atenção Farmacêutica ____________________________________ 50
Lista de Tabelas
Tabela 1: A Indústria Farmacêutica Brasileira – 1992/2004 ________________________ 27
Tabela 2: Perfil dos entrevistados ____________________________________________ 82
Lista de Figuras
Figura 1: Linha do tempo dos cinco estágios de maior mudança na prática farmacêutica_ 33
Figura 2: Etapas e Ciclo da Assistência Farmacêutica ____________________________ 54
Figura 3: Checklist de Dispensação de Medicamentos___________________________ 133
10
Lista de Siglas e Abreviaturas
ABF — Associação Brasileira de Farmacêuticos
AF — Atenção Farmacêutica
ANVISA — Agência Nacional de Vigilância Sanitária
BPF — Boas Práticas de Farmácia
CCIH — Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
CES — Câmara de Educação Superior
CFF — Conselho Federal de Farmácia
CFM — Conselho Federal de Medicina
CNE — Conselho Nacional de Educação
CNPJ — Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
CONEP — Comissão Nacional de Ética em Pesquisa
CRF-RJ — Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro
CTPS — Carteira de Trabalho e Previdência Social
DCB — Denominação Comum Brasileira
DCI — Denominação Comum Internacional
DEF— Dicionário de Especialidade Farmacêutica
DIMED — Divisão de Medicamentos
EUA — Estados Unidos da América
F — Farmacêutico
FM — Farmácia Familiar
GM — Grupo Ministerial
IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMS — Instituto de Medicina Social
FIP — Federação Internacional Farmacêutica
MS — Ministério da Saúde
OMS — Organização Mundial da Saúde
OPAS — Organização Pan-Americana da Saúde
PNM — Política Nacional de Medicamento
POP — Procedimento Operacional Padrão
PRM — Problema Relacionado com Medicamento
RAM — Reação Adversa ao Medicamento
RDC — Resolução da Diretoria Colegiada
11
RE — Rede Estadual
RJ — Rio de Janeiro
RL — Rede Local
SAMU — Serviço de Atendimento Móvel de Emergência
SFT — Seguimento Farmacoterapêutico
SINFAERJ — Sindicato dos Farmacêuticos do Estado do Rio de Janeiro
SINITOX — Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas
SOBRAVIME — Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos
SVS — Secretaria de Vigilância Sanitária
UERJ — Universidade Estadual do Rio de Janeiro
WHO — World Health Organization
12
RESUMO
A farmácia comunitária ocupa um importante espaço no cenário da saúde
pública brasileira, como local de dispensação de medicamentos e de contínua
promoção do consumo de medicamentos para a população. Nesses
estabelecimentos, o usuário busca através do consumo de produtos, prescritos ou
não, o restabelecimento da sua saúde. O farmacêutico é o profissional de saúde
com formação específica sobre medicamentos e que, pelo imperativo da legislação
sanitária, é colocado como responsável técnico, nesse lócus. Qual sua motivação
para ingressar nessa carreira? Como é a sua práxis e qual a realidade percebida por
ele nesse cotidiano? Este trabalho teve como objetivo identificar a concepção que os
farmacêuticos responsáveis técnicos, atuantes em farmácias comunitárias do estado
do Rio de Janeiro, têm sobre a sua prática profissional e como essa visão pode estar
relacionada à implementação de práticas focadas no paciente, tais como a Atenção
Farmacêutica. Foram realizadas 15 entrevistas semi-estruturadas com farmacêuticos
responsáveis técnicos de farmácias do estado do Rio de Janeiro, representando a
seguinte tipologia: farmácias de rede estadual, de rede local e familiar. A
categorização do discurso dos farmacêuticos mostrou, pelo menos, quatro
convergências: a deficiência no processo de formação acadêmica, a prática
farmacêutica migrando para o paciente, as contínuas dificuldades da população
quanto ao uso de medicamentos e o conhecimento superficial do conceito de
Atenção Farmacêutica. Pensa-se que a realidade encontrada possa não ser muito
diferente da de grande número de farmácias comunitárias do próprio estado do Rio
de Janeiro, sendo necessário fazer reflexões sobre esse tema, para nos conduzir a
um momento de discussão sobre quais elementos poderão vir a garantir, que a
práxis farmacêutica se insira com complementaridade nos serviços de saúde.
Palavras-chave: Profissão farmacêutica, prática profissional, Atenção Farmacêutica,
farmácia comunitária
13
ABSTRACT
The Community Pharmacy has been having an importance space for the
Brazilian Public Health Scenario, as the medicine deliver place and the constant
pushing of medicine uses. In these places, the customer looks for buying medicines,
with or without a prescription for their health recovery. The Pharmacist is a health
professional with a specific competence in medicine, as per Sanitary Legislation Law,
and it is the only person in charge of and responsible for this matter. What is the
motivation to choose this career? How is its procedure and how is its perception
about the daily routine. This research has the objective to identify the perception that
the Technical Pharmacist Responsible, working in the State of Rio de Janeiro
Community Pharmacies, has been having about its professional practices and how is
this vision can be related to the practice implementation as Pharmaceutical Attention
conception. In this research have been made with 15 Pharmaceuticals of Rio de
Janeiro State Pharmacies in semi-structured way. This represents the following
trilogy: State Pharmacy Network; Local Network; and Familiar. The speech
classification which was made here has shown at lead four convergences points: the
lack of academic formation, the pharmaceutical practice going to the patient personal
practice; the constant difficulties for the population in getting medicines; and the
superficial knowledge about the Attention Pharmaceutical conception. We can point
out that reality found isn't different from a large number of the Pharmacies of Rio de
Janeiro State. Is necessary to make a reflection about this issue to lead us to a better
understanding about which elements should guarantee that this Pharmaceutical
practices can be implemented as a complementary health service.
Key words: Pharmaceutical Profession, profession practice, Pharmaceutical Career,
Attention Pharmaceutical, Community Pharmacy.
14
1. APRESENTAÇÃO
O modelo de assistência à saúde é demasiadamente medicalizado e
mercantilizado, possuindo os medicamentos um lugar importante no processo
saúde/doença e sendo difícil pensar a prática médica ou a relação médico-paciente
sem a presença desses produtos (SOARES, 1997).
A utilização de medicamentos, decorrente ou não da prescrição, tornou-se
uma prática social tão comum na sociedade moderna, que os mesmos passaram a
ocupar um lugar de destaque na economia global, tamanho o crescimento da
demanda por todos os tipos de fármacos e da correspondente ampliação das
indústrias farmacêuticas.
Embora o medicamento seja de fundamental importância para o paciente,
tornando-se um componente estratégico na terapêutica e na manutenção de
melhores condições de vida do indivíduo, é fundamental que não nos esqueçamos
da necessidade de fomentar a sociedade com informações seguras que minimizem
o risco à saúde, que pode ser causado se o medicamento não for utilizado de modo
adequado, efetivo e seguro.
Isso porque, em paralelo a esse papel central que o medicamento tem
ocupado no processo de cuidado, a morbimortalidade relacionada a medicamentos
também tem se constituído, progressivamente, em um importante problema de
saúde pública. Este problema inclui, entre outros, um grande número de reações
adversas a medicamentos e erros, parcela significativa das quais não notificadas
oficialmente, sem mencionar o número de internações hospitalares relacionadas ao
seu uso inadequado. Nesse sentido, Cipolle (1986) afirma que os medicamentos não
15
têm doses, são os pacientes que tem doses. Essa afirmação coloca o paciente na
perspectiva principal das ações terapêuticas, onde todos os profissionais de saúde
devem estar atentos na observação do surgimento de reações adversas ao
medicamento (RAM) ou erros associados ao seu uso, que gerem morbidades e
mortalidade.
O uso de medicamento ocorre quando o paciente procura alcançar resultados
concretos que conduzam à melhoria da sua qualidade de vida. Segundo Hepler
(1990), os resultados do uso de medicamentos podem ser sumarizados como: (1)
curar enfermidades; (2) reduzir ou eliminar os sintomas das doenças; (3) retardar a
evolução de uma enfermidade; e (4) prevenir a enfermidade e os seus sintomas.
Porém, fatos podem surgir que impeçam que o paciente alcance os
resultados pretendidos ou esperados. Alguns dos motivos de fracasso da terapêutica
medicamentosa estão presentes no quadro abaixo:
Quadro 1: Motivos para o fracasso da terapêutica medicamentosa
Fonte: HEPLER & STRAND, 1990: 536.
Prescrição inapropriada — Regime inapropriado ou regime não
necessário
Distribuição inapropriada — O medicamento não está disponível por
impedimentos devido a barreiras econômicas, biofarmacêuticas e
sociológicas.
Comportamento inapropriado do paciente — Cumprimento de um
regime inadequado, ou não cumprimento de um regime adequado.
Idiossincrasias — Resposta idiossincrásica do paciente, erro ou acidente.
Monitorização inapropriada — Falha em detectar e resolver uma decisão
terapêutica inadequada, falta de monitorização ou seguimento dos efeitos
decorrentes do tratamento do paciente.
16
A morbidade relacionada com o medicamento é um conceito associado à
produção de problemas de saúde relacionados com o uso destes insumos para a
saúde. Se não há o acompanhamento do uso de medicamentos, efeitos adversos ou
reações tóxicas podem ocorrer, comprometendo a saúde e até mesmo levando ao
surgimento de outras patologias, consideradas secundárias ao tratamento inicial.
No Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-
Farmacológicas — SINITOX, desde o ano de 1994, o medicamento ocupa o primeiro
lugar nas estatísticas como o principal agente que causa intoxicação em seres
humanos. Ele é primeiro lugar como causa tanto de intoxicações acidentais como
voluntárias nos grandes centros urbanos e segundo lugar no total de óbitos no
período (BORBOLETTO & BOCHNER, 1999).
Hepler & Strand afirmam que
[...] a mortalidade e morbidade relacionadas com o uso de
medicamentos são preveníveis e os serviços farmacêuticos podem
reduzir o número de RAM [reação adversa a medicamentos], o
tempo de tratamento e os custos assistenciais. (HEPLER &
STRAND, 1990: 533).
Os modelos tradicionais de prática farmacêutica mostram-se pouco efetivos
sobre a morbi-mortalidade relacionada a medicamentos (CIPOLLE et al, 2006) e
novas propostas de prática profissional têm surgido na profissão farmacêutica.
Dentre os novos caminhos, há a prática profissional farmacêutica conhecida como
Atenção Farmacêutica, que surge como uma alternativa que visa melhorar a
qualidade do processo de utilização de medicamentos pela população com a
participação do profissional farmacêutico, e que vem sendo implementada em vários
países (MARTIN-CALERO, 2004).
17
Segundo a Organização Mundial da Saúde, “prover medicamentos e outros
produtos e serviços para a saúde e ajudar as pessoas e a sociedade a utilizá-los da melhor
maneira possível é a missão da prática farmacêutica
” (WHO, 1996: 4). Essa missão
precisa do envolvimento de profissionais com formação direcionada para não deixar
nenhum dos elos da cadeia dos medicamentos a descoberto, ou seja, desde a
produção até o usuário final.
A Atenção Farmacêutica tem como foco de trabalho redirecionar a atuação do
farmacêutico para o paciente, com o fornecimento da provisão responsável dos
medicamentos de modo a alcançar resultados terapêuticos positivos, que levem a
melhora da qualidade de vida do paciente e maximizem o benefício do uso dos
medicamentos. Esta aproximação do farmacêutico com o ser humano, através da
revisão da fragmentação da sua prática profissional é uma das exigências deste
início de século (HEPLER & STRAND, 1990).
Como implantar a Atenção Farmacêutica? Segundo as premissas de Hepler &
Strand (1990), a implantação é gradativa e deve existir a interação direta do
farmacêutico com o paciente. Deve-se trabalhar para atender às necessidades do
mesmo e assegurar que a utilização dos medicamentos seja correta. Nas palavras
dos autores, a Atenção Farmacêutica pode ser:
[...] a oportunidade da Farmácia para amadurecer como profissão
aceitando a sua responsabilidade social de reduzir preventivamente
a morbi-mortalidade relacionada com medicamentos. Não seria
suficiente dispensar o medicamento correto, nem prover serviços
farmacêuticos sofisticados, nem será suficiente inventar novas
funções técnicas. Os farmacêuticos e suas instituições devem se
auto-analisar e começar a dirigir seus esforços para o bem estar
social. (HEPLER & STRAND, 1990: 533)
Para se realizar Atenção Farmacêutica, é preciso que haja uma mudança no
paradigma da prática farmacêutica. Não é só uma nova atividade, mas um novo
18
modo de exercer a prática profissional, em que se muda o objeto central da atuação
do profissional farmacêutico, que deixa de ser o medicamento, em si mesmo,
voltando a ser o usuário e a comunidade como um todo. Essa atenção direcionada
ao paciente pode acontecer em vários locais de atuação do farmacêutico, um dos
quais e muito importante refere-se às chamadas farmácias comunitárias
1
.
A implantação efetiva da Atenção Farmacêutica é um processo que
dependerá de múltiplos fatores, que se constroem com a própria dinâmica da
sociedade. A solução para a implantação dessa nova prática deve ser construída em
um arcabouço de proposições devidamente especificadas sobre o lugar, funções e
transformações do espaço social da farmácia nas sociedades industrializadas, e
devem-se reconhecer os significados que o farmacêutico traz com relação a
perspectivas futuras do seu processo de trabalho.
Uma questão importante no domínio da análise social é estudar os
fenômenos de mudança social numa coletividade. Se quisermos perceber as
dinâmicas de mudança no caso particular das farmácias e drogarias, devemos
desvendar todo o contexto que determina a situação presente.
Desse modo, compreender as percepções que esses profissionais têm de sua
práxis e dos processos de trabalho presentes nas farmácias comunitárias pode
ajudar a identificar o modus operandi dessa prática e aonde há o estrangulamento
de interesses que desfocam o objetivo das farmácias como estabelecimentos
produtores de saúde para estabelecimentos estritamente comerciais.
1
Farmácias comunitárias referem-se aos estabelecimentos do comércio varejista privado tendo o
farmacêutico como responsável técnico, atendendo as exigências da Lei 5991/73 do Ministério da
Saúde (BRASIL, 1973).
19
O estudo aqui realizado buscou identificar as concepções que os
farmacêuticos responsáveis técnicos, atuantes em farmácias comunitárias do estado
do Rio de Janeiro, têm sobre a sua prática profissional e como essa visão pode estar
relacionada à implementação de práticas de Atenção Farmacêutica no estado.
Este trabalho encontra-se estruturado da seguinte maneira. No capítulo 2
seguinte, discute-se a tríade farmacêutica: medicamentos, Farmácia e o paciente.
Inicialmente, faz-se uma explanação sobre o papel dos medicamentos no cuidado à
saúde, abordando-se a seguir a evolução da Farmácia e alguns aspectos da relação
paciente-farmácia-farmacêutico. O capítulo finaliza com uma breve análise da
interface do sujeito paciente e o cuidado farmacêutico. Na seqüência, são
destacadas noções sobre o conceito de Atenção Farmacêutica e tratados,
especificamente, referenciais internacionais sobre o papel do farmacêutico e
algumas considerações sobre o contexto farmacêutico brasileiro. Os capítulos 4, 5 e
6 trazem, respectivamente, a justificativa para o estudos, seus objetivos e os
caminhos metodológicos utilizados, apresentando a natureza da pesquisa, a escolha
dos informantes, a coleta e a análise dos dados. No capítulo seguinte, nos
deteremos nos resultados, que estão apresentados em cinco categorias temáticas, e
no capítulo 8 finaliza-se o trabalho com a exposição das considerações finais.
20
2. A TRÍADE FARMACÊUTICA: MEDICAMENTOS, O FARMACÊUTICO E O
PACIENTE
A toda tríade se espera o sentido de completo, inteiro e adequadamente
sistematizado (FORATTINI, 1996). Encarar o medicamento, a prática farmacêutica e
o paciente como partes de uma tríade, em três domínios diferentes, é um exercício
onde é possível observar cada qual em seu momento, podendo assim analisar as
circunstâncias que, muitas vezes, vêm contribuir para minimizar, retardar ou curar
morbidades nos indivíduos.
Nas últimas décadas, os medicamentos e a profissão farmacêutica são
temas freqüentemente presentes nas agendas das lideranças farmacêuticas,
nacionais e internacionais. Esse movimento busca a associação dos conhecimentos
desses dois eixos com a operacionalização do trabalho do farmacêutico em prol de
resultados positivos para o paciente. Apesar desse contexto, o paciente se
apresenta como o elo mais frágil nessa corrente, podendo esse fato ser creditado à
carga cultural dominante na nossa sociedade quanto à questão do consumo de
medicamentos, e aos próprios itinerários de busca da saúde, melhor detalhados na
seqüência.
As considerações a seguir expressam reflexões sobre o tema de cada elo
indicado no sentido de articular as partes constituintes dessa tríade farmacêutica.
O papel dos medicamentos no cuidado à saúde
A recuperação da saúde parece ser uma atitude inseparável do ser humano.
A farmacologia nasceu desse movimento do homem de buscar recursos que
revertessem os quadros de dor, febre e outros malefícios a sua saúde. Utilizando
elementos, de origem vegetal e animal, a partir da sua observação e experiência
21
acumulada, o ser humano passou a fazer uso de substâncias com princípios ativos
que atuassem favorecendo a modificação do quadro patológico que se instalava.
Hoje, a situação continua se repetindo, com a sociedade buscando formas de
garantir o restabelecimento da sua saúde com os recursos tecnológicos
contemporâneos. Neste contexto, o papel dos medicamentos é de grande
relevância, pois é o principal elemento que a sociedade aponta como o detentor da
cura e do resgate da saúde, ora perdida.
Muito já se falou do papel do medicamento na sociedade moderna
(LEFREVE, 1991; SEVALHO, 1992; ILLICH, 1975; SOARES, 1997) e um
aprofundamento nesse sentido foge ao escopo desta dissertação. Apenas assinalo a
importância de trazer à discussão a contextualização do uso de medicamentos, a fim
de podermos compreender a necessária implementação da Atenção Farmacêutica
nas farmácias
2
comunitárias. Há neles um forte apelo, pois é uma mercadoria que
está atrelada a um conhecimento científico, o que lhe assegura uma legitimidade
reconhecida pela sociedade.
Os medicamentos são produtos preparados para auxiliar a manutenção da
saúde em caso de necessidade. Entretanto, seu uso incorreto pode provocar
situações como as descritas por Johnson & Bootman (1997), onde os gastos nos
EUA alcançaram a cifra de 73 bilhões de dólares, por volta de 1995, devido a
morbidades e mortalidade causadas pelo uso de medicamentos. Este valor subiria
ainda mais, excedendo aos 100 bilhões de dólares, caso se levasse em conta o uso
de medicamentos não prescritos.
2
O termo “farmácia“ escrito em letras minúsculas se refere ao estabelecimento farmacêutico e
quando escrito com a primeira letra como maiúscula deve ser compreendido como área de
conhecimento ou campo profissional.
22
A Política Nacional de Medicamentos, segundo disposto na Portaria do
Ministério da Saúde nº. 3.916/ GM, de 30 de outubro de 1998, define uso racional de
medicamentos como o processo que compreende a prescrição apropriada; a
disponibilidade oportuna e a preços acessíveis; a dispensação em condições
adequadas; e o consumo nas doses indicadas, nos intervalos definidos e no período
de tempo indicado de medicamentos eficazes, seguros e de qualidade (BRASIL,
1998a).
O que se observa no Brasil é o medicamento sendo consumido como uma
mercadoria qualquer, com um simbolismo forte referente ao ato de estar consumindo
a própria saúde “comprimida em comprimidos” (LÈFREVE, 1991).
Os consumidores de medicamentos o fazem com ou sem a prescrição
médica, e o médico, que deveria ser o prescritor do medicamento, não se torna o elo
entre o doente e a farmácia, na maioria das vezes. O ato médico de prescrever o
medicamento após o diagnóstico específico fica, muitas vezes, a cargo de parentes,
amigos, vizinhos, balconistas, proprietários de farmácia leigos e, por que não dizer, o
farmacêutico também.
Oshiro (2002) afirma que o fato da farmácia ser um estabelecimento
comercial torna difícil a prática da promoção do uso racional de medicamentos, uma
vez que esta, para conservar-se no mercado, tem a sua lucratividade associada com
o volume de vendas, tendo a indústria farmacêutica como forte aliada desta
atividade.
O resgate da profissão farmacêutica pode ocorrer neste ponto, onde temos o
farmacêutico como profissional de saúde especialista em medicamentos que deve
ser o elo entre o consumidor de medicamentos e a farmácia, no momento anterior ao
23
seu consumo (CLAUMANN, 2003). O farmacêutico é capaz de racionalizar o uso dos
medicamentos, desde o fornecimento de informações relativas ao seu uso, até a
dosagem, o tempo de utilização, armazenagem correta, interações medicamentosas
possíveis e reações adversas aos medicamentos que podem surgir e podem ser
evitadas. Essas ações seriam partes do processo de Atenção Farmacêutica que se
deseja e que é necessária à população.
Para tal fato ocorrer, necessitaríamos ter as farmácias funcionando como
legítimos estabelecimentos de saúde, com sua missão de auxiliar o usuário de
medicamentos a obter a melhor terapia medicamentosa possível e, especialmente, a
protegê-lo do dano. Mas o que se observa ainda hoje, em nossas farmácias, foi
retratado por Lèfreve de modo preciso:
Muitas farmácias “modernas”, em nosso país, estão atualmente
montadas de modo semelhante a supermercados: o consumidor
compra seu remédio no balcão, vai com a sua mercadoria até um
dos caixas, deposita o remédio na esteira e sai, após pagar, pelo
corredor do caixa. Outras farmácias estão montadas sob a forma de
drugstore, onde além de medicamentos, pode-se comprar
brinquedos, batatas, material de limpeza doméstica, etc...
(LÈFREVE, 1991:31)
É importante ter a perspectiva que Lèfreve (1991) traz de que o consumo de
medicamentos é hoje um problema de saúde pública, não só pelo seu uso indevido,
mas também em função da sua expressão social hegemônica como uma
mercadoria.
O medicamento não se esquiva das suas dimensões terapêutica, simbólica e
mercantil, e encontra na farmácia — essa também com diversas faces, entre as
quais se destacam os aspectos comerciais, técnicos, sanitário e social — a
oportunidade de se expandir, estendendo à indústria farmacêutica o papel de
protagonista deste contexto.
24
A crítica às quatro dimensões das farmácias citadas — comercial, técnica,
sanitária e social é importante para a compreensão das relações existentes nesses
estabelecimentos. Há uma maior visibilidade da faceta comercial, onde o fluxo de
vendas é guiado pela pressão de sobrevida da empresa no mercado, associado a
uma permanente concorrência onde a cultura da farmácia deve ser mantida, leia-se
aí a “empurroterapia“
3
, as comissões por vendas de medicamentos, sendo que o
comércio de cargas roubadas e falsificadas ainda é parte do noticiário nacional. Por
outro lado, a complexidade técnica necessária à existência da farmácia e drogaria no
país serve de desculpas para uma grande massa de empresários, burlar os
dispositivos legais. Um exemplo característico é o movimento de afastamento do
profissional farmacêutico da farmácia, por ele “atrapalhar” a venda de medicamentos
bonificados no balcão, comprometendo a saúde financeira de muitos
estabelecimentos, tornando fácil desse modo simplificar etapas e protocolos de
dispensação de medicamentos que deveriam ser postos em prática por ocasião da
venda dos medicamentos. O risco sanitário é uma constante nas farmácias. Não
raro, estes estabelecimentos desrespeitam a necessidade de condições mínimas de
armazenagem dos medicamentos, estocando seus produtos em temperaturas acima
dos 30°C e oferecendo medicamentos com a segurança, eficácia e qualidade
comprometidas. O risco envolvendo a aplicação de injetáveis também é constante. A
existência de cabines de aplicação de injetáveis em áreas de serviço, cozinhas,
áreas de estoque e outros locais inadequados, associados com a ausência de
profissional habilitado para realizar as aplicações é uma rotina. Finalmente, torna-se
preponderante que a farmácia resgate seu valor social, onde esse lócus de atuação
3
Esse é um termo de larga utilização no meio farmacêutico e designa prática, extremamente comum
no Brasil, pela qual os balconistas de farmácias e drogarias “empurram” para seus fregueses, ou seja,
induzem a compra, daqueles medicamentos que proporcionam uma margem de lucro-maior
(GIOVANNI, 1980:104).
25
do farmacêutico deixe de atuar unicamente no sentido do empresário
4
e se remeta
para a produção de saúde para a sociedade.
Em relação às dimensões do medicamento, temos que sua dimensão
terapêutica está relacionada à arte de curar. A grande revolução nesta arte avançou
pelos conhecimentos da química e suas correlações com os sistemas celulares e
fisiológicos. Passou-se de uma era da ciência contemplativa para a da ciência
considerada operativa, interativa e que responderia a questões sobre o
funcionamento do organismo.
Nesse sentido, a segunda metade do século XIX testemunhou o início de uma
revolução biomédica que iria transformar a terapêutica. O desenvolvimento nas
ciências médicas conduziu à identificação de causas específicas para as doenças e
a um melhor entendimento da ação desses medicamentos. Foi identificado, por
exemplo, que as doenças infecciosas eram causadas por microorganismos
específicos (EBNER, 1968) e o foco passou a ser em saber como se processava as
variações celulares, desvendando o efeito desses processos.
Canguilhem apresenta de modo singular o caminho que a medicina
experimental realizou:
[...] o deslocamento de lugar, do objeto experimental e do agente
modificador da saúde, a saber, respectivamente: do hospital para o
laboratório, do homem para o animal e da preparação galênica ao
composto químico definido. (CANGUILHEM, 1977: 68).
A quimioterapia inventada por Paul Ehrlich surge em decorrência da resposta
à questão que o desafiava:
4
Em muito, hoje em dia, as farmácias me fazem lembrar os antigos bancos de sangue, onde através
da miséria alheia se alcançava grandes lucros em detrimento da qualidade dos serviços oferecidos. A
farmácia está chegando a um limite onde a análise dos seus serviços é crítica até mesmo para os
leigos, e a permissividade das autoridades em tolerar a existência deve cessar.
26
Quais os compostos químicos que, tendo afinidade específica com
determinados agentes infecciosos, ou determinadas células,
atuariam diretamente sobre a causa do mal e não sobre os sintomas,
à imitação das antitoxinas presentes nos soros curativos?
(CANGUILHEM, 1977: 63).
Foi dele a idéia de procurar substâncias que tivessem afinidades específicas
com determinado parasita e suas toxinas, segundo o modelo dos corantes capazes
de afinidade histológica seletiva. O que se presenciava naquele momento era a
validação de uma proposta original: os compostos químicos, assim como os
corantes, seriam seletivos para determinada célula e atuariam, penetrando-a e
destruindo-a.
Sublinho que, a partir da resposta a essa questão, houve um salto qualitativo
na produção e uso de medicamentos: a humanidade nunca mais seria a mesma
depois do surgimento do medicamento que se estabeleceria no século XX.
A descoberta de meios para combater, de uma forma específica, as bactérias
e as infecções decorrentes, assinala uma nova era científica e com grande impacto
para toda a sociedade. As pessoas deixam de morrer de algumas doenças
consideradas simples e o medicamento é progressivamente consagrado como
legítimo instrumento terapêutico.
Ao mesmo tempo, Canguilhem vê a evolução do medicamento, na sociedade,
no fim do século XIX, afirmando que:
Não é possível a quimioterapia sem uma certa sociedade científica,
sem uma certa sociedade industrial”. (CANGUILHEM, 1977: 66).
À medida que a industrialização de medicamentos se inicia, no contexto
hegemônico capitalista, o medicamento se torna uma mercadoria que, seguindo a
27
lógica do mercado, deve ser produzida e ter seu consumo progressivamente
expandido, quantitativa e qualitativamente, ao máximo (BARROS, 1982).
Essa racionalidade científica
[...] passa a presidir as práticas que têm por finalidade a preservação
e/ou restituição da saúde, (mas) fazendo com que seu consumo
possa então ser classificado, em uma sociedade, como ”exacerbado
e indiscriminado. (GIOVANNI, 1980: 121)
O complexo médico-industrial consolida-se na segunda metade do século XX
(CORDEIRO, 1980) e faz do medicamento seu ícone, inclusive através da intensa
propagação das vantagens e características dessa mercadoria que garante alcançar
a saúde, o sono e os equilíbrios gástrico, circulatório e renal, pelo estabelecimento
de um movimento singular que é o consumo de medicamentos. O medicamento é,
então, considerado a solução para as doenças, ao mesmo tempo em que, para uma
parte desse complexo — a indústria farmacêutica — é uma fonte de lucros, como
pode ser evidenciado na Tabela 1 abaixo.
Tabela 1: A Indústria Farmacêutica Brasileira – 1992/2004
Características
1992 1997 2002 2004
Faturamento
(em US$ bilhões)
3, 4 8, 5 5, 3 6, 8
Unidades Vendidas
(em bilhões)
1,6 1,85 1,61 1,65
Importação de Medicamentos
(em US$ bilhões)
0,19 1,03 1,53 1,78
Importação de Fármacos
(em US$ milhões)
300 1.260 863 886
Fonte: FIALHO, 2005: 146.
Cordeiro afirma que:
28
O medicamento ocupa o lugar de símbolos e representações, que
invadem os determinantes sociais das doenças, iludindo os
indivíduos com a aparência de eficácia científica e como mercadorias
realizam o valor e garantem a acumulação de um dos segmentos
mais lucrativos do capital industrial. (CORDEIRO, 1980: 57).
O medicamento assume o caráter de mercadoria, que pode ser
imediatamente consumida, tal qual fosse um produto que se compra na farmácia ou
até mesmo no supermercado (SCHENKEL, 1998).
Ao mesmo tempo, os medicamentos ultrapassam as dimensões terapêuticas
ou farmacodinâmicas e a dimensão de mercadoria e assumem também um papel
simbólico.
O sentido das “balas mágicas”
5
de Ehrlich é incorporado na política comercial
das indústrias farmacêuticas. O significado simbólico do medicamento é manipulado,
atuando no imaginário social que acredita no forte apelo desta mercadoria, por ela
representar a saúde e o poder da moderna tecnologia científica (PELLEGRINO,
1976).
A transmissão das práticas milenares de cura, com a influência dos aspectos
mágicos e religiosos do ato específico de deglutir drogas e alcançar a saúde, é
perpetuada com a representação social do medicamento. Lèvi-Strauss (1989)
assinala a eficácia dos símbolos como promotor da cura de pacientes. O
medicamento carrega consigo uma forte gama de credibilidade e reconhecimento,
tanto pelos profissionais de saúde quanto pela população em geral e, assim com a
confiança de todo um segmento, há a crença concretizada da “magia” deste
instrumento.
5
EHRLICH chamava de “balas mágicas” aos primeiros compostos sintetizados que foram utilizados
na cura de enfermidades infecciosas causadas por protozoários e outros animais unicelulares. In:
http://es.wikipedia.org/wiki/Paul_Ehrlich
, acessado em 22 de junho de 2006.
29
Baudrillard sustenta ainda que:
[...] é o pensamento mágico que governa o consumo, é uma
mentalidade sensível ao miraculoso que rege a vida cotidiana, é a
mentalidade primitiva (...) apesar de ‘democraticamente consumida’ a
medicina nada perdeu do seu sagrado e da sua funcionalidade
mágica (...) o médico e o medicamento possuem uma virtude cultural
mais do que uma função terapêutica e são consumidos como “maná
virtual”. (BAUDRILLARD, 1991 apud SEVALHO, 1992: 104).
A mídia farmacêutica age sensibilizando e pressionando o consumidor de
medicamentos, através de mensagens, a consumir, doente ou não, medicamentos
que modificarão a sua saúde, melhorando-a.
Soares (1998) descreve um conjunto de ambivalências que integram o
medicamento, ao mesmo tempo. Como visto, o medicamento como objeto de análise
possui características terapêutica, mercadológica e simbólica, com seus múltiplos
sentidos pertencendo ao domínio de toda uma sociedade, podendo traduzir-se na
vida ou na morte, na saúde ou na preservação da doença.
Sayd assegura que:
Tudo é ambíguo quando se fala do medicamento. Desde os mitos
envolvidos com a figura desse produto, que tanto podem ser de
esperança como de temores, assumindo as mais diferentes formas,
porém com todas elas convergindo para a idéia de transmutação.
(SAYD, 1998: 30.)
O medicamento, no sentido presente no pharmakon
6
, tem pelo menos dois
sentidos, o de veneno e o de remédio, e na mídia o que é informado é o valor
positivo do medicamento, de modo a atender os interesses da indústria
farmacêutica. Visto de outra maneira:
6
Na Grécia Antiga a droga, denominada pharmakon, tinha duplo significado: remédio e veneno. Este
simples conceito reflete certa ambivalência, representando a tentativa dos gregos de traduzir o
poderoso efeito dessas substâncias sobre a mente e o corpo do indivíduo.
30
Os medicamentos são vistos como substâncias seguras ou
perigosas, como substâncias liberadoras ou como fator de
dependência, como normalizador da vida ou como legitimador da
doença, como saúde ou falta de saúde, representam a atenção ou a
falta de atenção, os meios de comunicação ou a falta dela, o
conhecimento ou não. (SOARES, 1997:8-9)
Os medicamentos têm sua existência associada com a presença das
farmácias e a atuação do farmacêutico, sendo necessário apresentar a evolução da
farmácia contemporânea e os papéis assumidos pelo farmacêutico na sociedade.
A evolução da Farmácia e do papel do farmacêutico
A Farmácia é uma profissão antiga e tem passado por um processo de
transição, em todo o mundo, onde se reconhece a ineficiência de práticas
tradicionais, que se referem à atividade do farmacêutico direcionada,
exclusivamente, para a preparação e distribuição de medicamentos.
A arte de preparar medicamentos tem atravessado séculos e, segundo
Guillén (1984), os medicamentos disponíveis no início do século XIX eram limitados,
tais como digitálicos, ópio, atropina, morfina, quinina, éter, clorofórmio, sulfato
ferroso, iodo, bicarbonato de sódio e outros medicamentos considerados caseiros.
Com exceção do éter, anestésico que tinha sido recentemente descoberto, e da
cloroformiza, a maioria deles tinha origem na cultura ocidental, sendo utilizada
durante séculos.
O farmacêutico, até então, era um profissional que atuava em boticas, onde
atendia os doentes, pesava as matérias primas, preparava os medicamentos e os
dispensava, orientando a clientela sobre como utilizar seu medicamento e os
cuidados inerentes a sua saúde. Podemos imaginar o trabalho desses farmacêuticos
31
de outrora, em laboratórios com abóbadas escuras, onde eles se dedicavam ao
estudo dos elementos químicos, dando início à Química Moderna.
Dos esforços conjuntos da Química, Farmácia e Medicina surgiram os
medicamentos modernos, capazes de controlar doenças, antes incuráveis, e de
contribuir para a elevação da expectativa de vida de toda uma sociedade. A
elucidação das funções fisiológicas do organismo e das causas bioquímicas de uma
doença permitiu que o trabalho de elaboração de um medicamento fosse
minuciosamente planejado para atender esse objetivo proposto.
A industrialização teve um forte impacto em vários aspectos da atividade nas
farmácias. Pode-se afirmar que, em primeiro lugar, levou à criação de novos
medicamentos, que o farmacêutico individualmente não conseguiria produzir.
Depois, alguns desses medicamentos que antes o farmacêutico produzia
individualmente, puderam ser fabricados de modo mais econômico e com qualidade
superior pela indústria farmacêutica. E, por fim, a indústria assume a
responsabilidade pela fabricação dos medicamentos, que antes era do farmacêutico
(GUILLÉN, 1984).
Com a revolução industrial, o “sábio” desaparece da farmácia e surge o
técnico assalariado na fábrica. A atividade científica deixa de ser solitária para se
tornar um trabalho coletivo, organizado por segmentos específicos, como a indústria,
universidades e o Estado, por exemplo.
As mudanças na farmácia tradicional que se iniciaram no século XIX foram
intensificadas no século seguinte. Em parte, essas mudanças foram incrementadas
pelos avanços na ciência e na tecnologia e o farmacêutico foi se adaptando às
etapas dessa evolução da prática farmacêutica. A difusão da industrialização de
32
medicamentos trouxe um deslocamento da atividade do farmacêutico do
atendimento ao público à atividade focada no produto medicamento (SANTOS,
1999).
Mesmo considerando, como afirma Morel (1979), que no caso brasileiro
houve “atrasos” no processo de industrialização, devido às características do
sistema produtivo e da política científica nacional, pode-se afirmar que a transição da
prática farmacêutica no país se deu na medida dos limites inerentes à configuração
do capitalismo existente. Com esse panorama, o farmacêutico no Brasil também
sentiu o afastamento do seu domínio da farmácia de outrora, a botica. A profissão se
orientou para a industrialização de medicamentos e é percebido, a partir de 1940,
um movimento de crescimento da farmácia hospitalar brasileira, com a fabricação de
medicamentos em escala industrial pelos hospitais (OSÒRIO-de-CASTRO, 2004).
Aceitando certa analogia desse processo a nível mundial devido às bases
econômicas miméticas, temos que o processo de evolução da prática farmacêutica
na sociedade americana, neste caso, pode ser usado como pano de fundo de um
processo mundial, conforme Holland (1999) nos mostra em uma breve visão dos
estágios na evolução da prática farmacêutica, na farmácia, ao longo dos últimos dois
séculos, reproduzida na figura 1 abaixo.
33
Figura 1: Linha do tempo dos cinco estágios de maior mudança na prática
farmacêutica
Fonte: Adaptado de Holland, 1999: 1759.
Inicialmente (estágio 1), a atividade farmacêutica concentra-se na manufatura
dos medicamentos, com as preocupações inerentes à fabricação e ao domínio de
novas tecnologias como o ponto de interesse da profissão. Há o início das patentes
de medicamentos (EBNER, 1968) e o paciente vai à farmácia para adquirir seu
medicamento e receber também informações e orientações sobre o uso dos
mesmos.
Depois (estágio 2), o que se observa é o estágio após a emergência da
manufatura de medicamentos, com a implementação da indústria farmacêutica. Há
um movimento das atividades nas farmácias de se deslocarem para a dispensação e
manipulação de medicamentos já preparados pela indústria farmacêutica, de acordo
34
com uma prescrição médica. Neste estágio, ainda se percebe a atividade do
farmacêutico com o propósito de interação com o paciente.
No terceiro estágio, se observa uma divergência de atividades do
farmacêutico, dependendo da localização da farmácia. Nas farmácias hospitalares,
eles atuavam primariamente com o papel de dar suporte técnico ao uso de
medicamentos. Na farmácia comunitária, o profissional farmacêutico perdeu seu
papel social e termina atuando quase tão somente como um canal de distribuição de
medicamentos da indústria farmacêutica. Sua atividade tem sua ênfase no produto
medicamento.
Por volta dos anos 60, progressivamente, o farmacêutico reassume seu papel
de provedor de informações e orientações sobre medicamentos (estágio 4) e inicia a
realização de atividades de farmácia clínica, adicionalmente às atividades de suporte
na organização da farmácia hospitalar. Apesar de alguns farmacêuticos de farmácias
comunitárias começarem a se mover para a orientação do paciente, o destaque no
período é para o trabalho realizado na farmácia hospitalar. A adoção do modelo de
prática da farmácia clínica é encarada na literatura como um marco para a
reorientação do papel do farmacêutico para o paciente (HEPLER, 1987).
O quinto estágio corresponde ao período de surgimento da Atenção
Farmacêutica, que se colocaria como uma prática profissional com atividades que
poderiam ser realizadas tanto na farmácia hospitalar quanto comunitária. O
farmacêutico assumiria a responsabilidade sobre os resultados da terapia
medicamentosa. O medicamento se desloca do papel de protagonista para o de
coadjuvante na prática farmacêutica, visto que o cuidado maior é para garantir o uso
correto de medicamentos pelos pacientes.
35
Ao analisar o processo de evolução da farmácia ao longo dos últimos 150
anos, se percebe a condução do processo de trabalho deslocando-se do contato
com o paciente e sendo substituído, progressivamente, pelo processo de trabalho
focado no produto medicamento. Agora, no início do século XXI, emerge uma nova
proposta de prática profissional farmacêutica que resgata a atividade do
farmacêutico com sua função primária de atuar junto ao paciente promovendo o uso
racional de medicamentos (CIPOLLE, 1986).
No Brasil, acompanhamos a mudança do paradigma do medicamento através
da evolução de trabalhos relacionados com a orientação do uso correto de
medicamentos, tendo o incremento da participação do farmacêutico no
estabelecimento de vínculo, acolhimento, responsabilidade, na perspectiva de
garantir a aderência do paciente ao tratamento e maior qualidade da atenção
(MOTA, 2003; MUNIZ, 1999; FRADE, 2000).
A farmácia comunitária ocupa um espaço importante no cenário da saúde
pública brasileira, como local de dispensação de medicamentos e contínua
promoção do consumo de medicamentos para a população. Entretanto, o sentido
atual do funcionamento desses estabelecimentos é (ou vem sendo) o de
comercializar medicamentos, com estratégia de ações incrementadas pela indústria
farmacêutica
7
, para que gerem maior volume de vendas, sem haver o
comprometimento — nem empresarial nem profissional — de fornecer, ao paciente
que vem à farmácia, a oportunidade de receber informações que contribuam para a
utilização racional de seus medicamentos.
7
Sugere-se desde a investigação e realização de cópias das receitas em farmácias com o objetivo de
monitorar as prescrições médicas em cada bairro; o fornecimento de brindes e prêmios aos
balconistas, promoções do tipo: “a cada duas caixas de medicamentos compradas, grátis a terceira”;
a manutenção das bonificações a balconistas e médicos.
36
O que se busca, neste início de um novo século, é o ressurgimento da
Farmácia Social, com suas atividades principais direcionadas à sociedade. Este
momento só chegará acompanhado da participação do farmacêutico como
profissional que inicie o exercício de uma prática profissional focada no paciente,
interferindo no processo de uso de medicamentos, e se responsabilizando pela
garantia do uso adequado dos mesmos. A Farmácia Social é uma área das Ciências
Farmacêuticas que estuda o medicamento a partir de uma perspectiva ampla que
inclui os aspectos éticos, econômicos, administrativos, sociais e psicológicos e de
comunicação para contribuir com o uso seguro e racional dos medicamentos.
Investiga os fatores psicossociais da terapia medicamentosa e da Atenção
Farmacêutica expondo os fatores psicológicos e sociológicos que afetam a saúde e
a atitude do paciente em relação à assistência sanitária e ao medicamento.
Para a transformação do atual modelo da profissão farmacêutica em
Farmácia Social, a participação dos farmacêuticos necessita ocorrer de inúmeras
maneiras:
Atuando, com o conhecimento efetivo sobre os medicamentos, como promotores
de informações inerentes ao uso adequado destes;
Integrando a equipe de trabalhadores das farmácias comunitárias, delineando a
missão da farmácia e criando estratégias para melhorar a comunicação com o
paciente e com os prescritores de medicamentos;
Estimulando a cultura da responsabilidade frente ao usuário de medicamentos;
Executando atividades de educação sanitária e de farmacovigilância;
Desenvolvendo estudos epidemiológicos e de custo-efetividade dos tratamentos
farmacológicos;
37
Realizando o acompanhamento farmacoterapêutico.
O ponto de ruptura significativa do papel do farmacêutico como cuidador do
paciente é identificado por ocasião do surgimento da indústria farmacêutica. O
próximo passo é delimitar os campos que fazem com que a Farmácia deixe de
realizar a sua missão, conforme definido na Declaração de Tóquio: “A missão da
prática farmacêutica é fornecer medicamentos e outros produtos e serviços de saúde
garantindo auxílio às pessoas e a sociedade para que façam o melhor uso deles
” (OMS:
1993:83).
Alguns aspectos da relação paciente-farmácia-farmacêutico
Para grande parcela das pessoas, estar doente não significa somente estar
com um desvio do estado normal da saúde. Seria também, e entre outros, não ter
condições de estar apto para trabalhar, comprometendo assim a sua própria
subsistência e da sua família. O caminho da busca da saúde pela população se
traduz entre outros, no de garantir a continuidade da atividade produtiva de cada um,
minimizando os efeitos presentes em conseqüência do desequilibro orgânico. Para
percorrer essa etapa, Queiroz (1993) assinala que há um itinerário terapêutico feito
pelo paciente, no sentido, de alcançar a saúde desejada: migrações da medicina
oficial e popular se observam dentro da medicina oficial. A mesma mobilidade entre
a sua versão pública e privada é grande, sendo verificado que, em muitos casos, o
tratamento médico e terapêutico é realizado de forma incompleta, quando o é, pois o
abandono dos tratamentos se dá com muita freqüência devido às condições sócio-
culturais, muito características, da sociedade brasileira.
Neste contexto, o campo de ação de um paciente é análogo ao de um
mercado onde se oferecem diferentes produtos confeccionados sob diferentes
38
paradigmas e propostas ideológicas de cura e onde, embora a medicina represente
um valor inquestionável, o comprometimento com ela é parcial e limitado pela
concorrência com outras alternativas (BOURDIEU, 1975).
O balcão da farmácia é um desses locais de oferecimento da saúde,
explicitada na forma da intensa propaganda de medicamento, que conduz ao
paciente a crença de que a utilização de medicamentos restabelecerá a saúde.
A presença de balconistas, que trabalham recebendo salário atrelado a
comissão sobre as vendas de medicamentos, faz da farmácia comunitária uma porta
de entrada para o acesso, sem intermediários da saúde, ao universo da cura. Haak
(1998) realizou um estudo em que, dentre outras conclusões, assinala a importância
do prático de farmácia, balconista, no processo de estímulo a automedicação
descontrolada, expondo a população a riscos envolvendo iatrogenias e reações e
problemas relacionados ao uso de medicamentos de todos os níveis.
A presença do farmacêutico tem crescido nas farmácias comunitárias,
elevando a discussão sobre o seu papel como profissional de saúde. A presença de
um profissional de saúde com formação superior, muitas vezes, inibe a atuação
antiética de balconistas que, de modo quase inescrupuloso, se aproveitam da falta
de conhecimento, cultura e informação da população sobre os medicamentos, ou
mesmo sobre a sua doença, e realizam o exercício ilegal da medicina, gerando risco
à vida de seus clientes.
A procura do modelo ideal para se estabelecer uma prática profissional, onde
o farmacêutico consiga utilizar seus conhecimentos em atividades que reflitam na
melhoria do estado de saúde do paciente, é o maior dos desafios deste início de
século. Isso porque diversos fatores trabalham no sentido contrário a uma maior
39
participação e envolvimento do profissional farmacêutico no processo de cuidado
aos indivíduos.
Como profissional, o farmacêutico recebe na academia uma série de
conhecimentos direcionados ao medicamento, tais como sobre os mecanismos de
ação, a posologia, dados farmacodinâmicos e farmacocinéticos, interações
medicamentosas, cuidados e contra-indicações, entre outros, que pouco é utilizado
no dia-a-dia da farmácia pelo farmacêutico, principalmente pelo modelo de
organização que a farmácia possui. Seus comportamentos e decisões são
condicionados por suas atitudes, e estas, por sua vez, são condicionadas por
crenças, preconceitos, experiências, conhecimentos e sentimentos pessoais.
Como uma outra contraface deste processo, há, muitas vezes, pressões do
proprietário de farmácia no sentido de que o farmacêutico contratado não
compareça a farmácia (mediante um abono contínuo pelas faltas do mesmo com a
pactuação de um desconto do salário no fim do mês), gerando uma ausência desse
profissional por vários dias no mês. O ambiente da farmácia é, então, estranho ao
farmacêutico gerando seu afastamento da sua missão, que é a de atuar informando
a população sobre todos os cuidados necessários para o uso de medicamentos ao
longo a vida.
Também tem se observado a consolidação de redes de drogarias — que se
firmaram nas últimas décadas, no país como um todo e em também no Estado do
Rio de Janeiro —, que, com uma estrutura organizacional maior e mais complexa,
freqüentemente se diferencia pela presença do farmacêutico, porém subutilizando
sua mão de obra, como apoio administrativo, gerenciando os procedimentos
comerciais dessas firmas ou, ainda, usando-o como “balconista de luxo”.
40
Por fim, há também o desinteresse, muitas vezes, do próprio farmacêutico de
estar na farmácia, pois ele tem sua formação direcionada à visão técnica do
medicamento, não tendo a clínica, ou mesmo disciplinas relacionadas com as
ciências sociais, na sua grade universitária, para que o auxilie a compreender a
importância do seu papel profissional na sociedade.
A alienação do farmacêutico para assumir a responsabilidade frente ao uso
de medicamentos dos pacientes que entram diariamente nas farmácias é uma das
pedras angulares da questão farmacêutica no estado do Rio de Janeiro, nesse
momento. E isto ficará assim? Esperaremos a lenta discussão sobre reforma
curricular, que já fez surgir o currículo do farmacêutico generalista, esperaremos a
lenta decisão de cada farmacêutico, a descobrir no seu universo pessoal, o caminho
do seu posicionamento como profissional do medicamento? Deixaremos as grandes
redes de farmácias e drogarias definirem o melhor e mais cômodo uso dos seus
farmacêuticos?
A relação dos profissionais de saúde com o paciente ocorre através de um
método de cuidado, onde um processo de prestação de serviços surge com o
objetivo de garantir que o problema de saúde do paciente cesse, ou seja,
minimizado, conforme o caso. A utilização de métodos racionais que, aplicados à
clínica, possibilite a identificação dos problemas relacionados com a saúde do
paciente, podem ser transpostos no campo farmacêutico, onde o farmacêutico é
responsável pelo cuidado focado nas necessidades do paciente em relação ao
medicamento (CIPOLLE, 2006). A elaboração de um raciocínio clínico, associado
com a construção de um amplo sistema de relações, que permitam identificar o
problema do paciente, não só no aspecto reducionista do medicamento, mas na
análise de situações globais, do ponto de vista da natureza e do ser humano,
41
poderiam desencadear a identificação de múltiplos fatores que estariam interagindo
fornecendo o resultado final, que seria a presença de problemas relacionados com o
uso de medicamentos.
42
3. MUDANÇAS NO PARADIGMA DA PROFISSÃO: A ATENÇÃO
FARMACÊUTICA COMO UMA NOVA PRÁXIS A SER CONSTRUÍDA
Atenção Farmacêutica: explorando alguns de seus antecedentes
Atuar em contato direto com o paciente fez parte da práxis farmacêutica até o
período da revolução industrial. A partir de então e como já discutido anteriormente,
se observou a transição do farmacêutico responsável pela manipulação e
preparação de elixires e medicamentos, a partir de matérias primas, para o trabalho
na indústria farmacêutica emergente, que redirecionaria a prática farmacêutica para
o serviço em função do medicamento.
Deixar seu lócus de trabalho com a população e ter seu trabalho focado na
distribuição de medicamentos já industrializados é o ponto de partida para o
anonimato farmacêutico na sociedade. Sucederam-se inúmeros elementos que
foram distanciando o profissional farmacêutico do paciente até que, nos anos 60, um
movimento de insatisfação com o papel do farmacêutico fez surgir a Farmácia
Clinica, nos Estados Unidos, onde vários autores iniciaram a construção de objetos
de estudo que seriam a base de reflexões mundiais sobre o papel do farmacêutico
nos sistemas de saúde.
A Farmácia Clínica surge, a partir da década de 60, como uma bandeira de
re-profissionalização da profissão farmacêutica. É neste período que se inicia o
desenvolvimento de sistemas de informações de medicamentos para uma efetiva
terapêutica dirigida ao paciente (VIDOTTI, 1999) e um grupo de farmacêuticos
americanos rediscute o papel do farmacêutico na farmácia hospitalar, fazendo com
que uma “revolução” profissional se inicie. Não é mais suficiente o farmacêutico
somente gerenciar o estoque de medicamentos; há um clamor para que ele assuma
43
seu papel na equipe de saúde como o especialista em informações sobre os
medicamentos.
Em meados dos anos 70, Mikeal et al publica um artigo que se torna um
clássico, onde é incorporado o paciente como objeto de atuação do farmacêutico
(MIKEAL et al 1975 apud CIPOLLE, STRAND e MORLEY, 2006). O autor indica que
o paciente é o elemento que necessita e recebe uma “atenção”, ou seja, “um
cuidado”, “uma dedicação” que garanta o uso racional e seguro dos medicamentos.
Nesse momento, se tem o marco do surgimento do conceito de Atenção
Farmacêutica.
Nesse mesmo ano, Brodie et al desenvolvem o conceito de Mikeal.
Resumindo a evolução da profissão farmacêutica ao longo do século XX, os autores
afirmam que o foco do trabalho da farmácia é o clínico e a garantia do uso seguro de
medicamentos pelo público deve ser o objetivo principal dessa instituição. (BRODIE
et al. 1980 apud CIPOLLE, STRAND e MORLEY, 2006). Ratifica também que não
cabe ao farmacêutico somente atuar na terapêutica farmacológica, mas sim, também
de modo integral, garantir a provisão de serviços antes, durante e depois do
tratamento medicamentoso, de modo a assegurar o sucesso do mesmo.
Temos, então, Brodie como o primeiro farmacêutico que estabelece as bases
teóricas de uma prática profissional que aceita a responsabilidade do farmacêutico
sobre os resultados do uso de medicamentos pelos pacientes. O mesmo autor foi
também o responsável pela introdução, em 1980, do termo Pharmaceutical Care
com seu sentido atual, em artigo publicado em conjunto com Parish e Poston. Neste
trabalho, é assinalado que o termo Pharmaceutical Care inclui a valoração das
necessidades relacionadas com a medicação de um indivíduo e a provisão não só
44
dos medicamentos solicitados como, também, dos serviços necessários para
garantir uma terapia mais segura e efetiva possível (BRODIE, PARISH & POSTON,
1980).
A Atenção Farmacêutica surge no final da década de 1980, com o objetivo de
focar as ações do farmacêutico na orientação sobre o uso de medicamentos do
paciente, garantindo a aplicação dos seus conhecimentos para a maximização dos
benefícios da farmacoterapia utilizada. Hepler definiu a Atenção Farmacêutica como
sendo:
[...] uma relação feita em acordo, entre o paciente e o farmacêutico,
no qual o farmacêutico realiza as funções de controle do uso dos
medicamentos (com habilidades e conhecimentos apropriados),
consciente de seu compromisso com os interesses do paciente.
(HEPLER, 1987: 369).
Em 1990, Charles Hepler e Linda Strand, baseados nas publicações de
Mikeal et al e Brodie et al, citadas acima, propõem um novo exercício profissional ao
farmacêutico com o objetivo de minimizar a morbidade e mortalidade associada ao
uso de medicamentos. Este novo exercício profissional, publicado no American
Journal Hospital Pharmacy e intitulado de “Opportunities and Responsabilities in the
Pharmaceutical Care” (HEPLER & STRAND, 1990), foi denominado de
Pharmaceutical Care, termo esse que vem sendo traduzido para o português como
“Cuidados Farmacêuticos” e “Atenção Farmacêutica”.
Segundo os autores citados, a definição clássica de Atenção Farmacêutica
baseia-se no fornecimento responsável da terapêutica farmacológica com o objetivo
de alcançar resultados definitivos que contribuam para a melhoria da qualidade de
vida do doente. Essa Atenção iniciou-se no cenário farmacêutico como parte de
novas atitudes que o farmacêutico deveria tomar no suporte ao uso adequado do
45
medicamento pelo paciente. O foco do trabalho do farmacêutico se reorientou na
direção da parceria ativa com o paciente no seu tratamento de saúde e na
responsabilidade do profissional no tratamento medicamentoso (HEPLER &
STRAND, 1990).
Na Atenção Farmacêutica, o farmacêutico atua identificando problemas
potenciais na farmacoterapia, solucionando-os com a cooperação do paciente e
outros profissionais de saúde, educando e aconselhando o paciente e construindo
um programa de monitoramento dos medicamentos pelo seguimento no uso dos
mesmos. A meta é alcançar resultados que melhorem a qualidade de vida do
paciente (HEPLER & STRAND, 1990).
Em 1992, a Faculdade de Farmácia da Universidade de Minnesota elaborou
um projeto de investigação sobre um modelo de prática de cuidados farmacêuticos,
chamado de Projeto Minnesota (TOMECHKO, 1995), onde participaram mais de
cinqüenta farmacêuticos. O objetivo principal deste Projeto foi demonstrar que a
atenção farmacêutica pode ser posta em prática e que através desta nova prática
profissional se conseguem alcançar resultados positivos, que influem diretamente na
qualidade de vida dos pacientes.
A Atenção Farmacêutica ultrapassou fronteiras e, hoje, vários países do
mundo discutem mecanismos para seu pleno exercício (MARTIN CALERO, 2004).
Na Espanha (ESPÃNA, 2001), a Atenção Farmacêutica tem sua definição
associada à participação, de modo ativo, do profissional farmacêutico nas atividades
de dispensação e de acompanhamento farmacoterapêutico, de modo que se
estabeleça uma cooperação mútua entre médicos e outros profissionais de saúde,
com o objetivo de atingir resultados que proporcionem uma melhora na qualidade
46
devida dos pacientes. Este Consenso igualmente prevê a participação do
farmacêutico em ações associadas à promoção de saúde e prevenção de doenças.
Surge, a partir desse Consenso, a idéia do Seguimento Farmacoterapêutico
(SFT) que foi definido como uma prática profissional na qual o farmacêutico torna-se
responsável pelas necessidades dos doentes relacionadas com os medicamentos. A
realização das etapas de detecção, prevenção e resolução de problemas
relacionados com medicamentos (PRM) fariam parte desta prática, onde esse
exercício traz como conseqüência um acordo que deve ser realizado de forma
continuada, sistematizada e documentada, com a participação do paciente e de
outros profissionais de saúde, visando conseguir como produto uma melhoria da
qualidade de vida do paciente.
Papel do farmacêutico e a Atenção Farmacêutica: Panorama internacional
A mudança no cenário internacional foi incrementada no último quarto de
século, com a Farmácia Clínica aferindo aos farmacêuticos hospitalares a condição
de responsáveis pelas informações relativas ao uso de medicamentos.
A partir dos novos enfoques na atenção primária, é realizada uma série de
reuniões internacionais organizadas pela OMS com o objetivo de repensar o papel
do farmacêutico no sistema de atenção à saúde.
Em 1986, na Assembléia Mundial da Saúde, foi traçada a Estratégia Revisada
de Medicamentos que proporia reuniões organizadas pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) em Nova Delhi em 1988 e Tóquio, em 1993. Em Nova Delhi, o
relatório do grupo consultivo sobre o papel do farmacêutico no Sistema de Saúde
indica um ponto de reorientação deste profissional, que se desloca da sua
47
centralidade do medicamento para o usuário de medicamentos, além de revisar o
âmbito de atuação do farmacêutico no contexto da saúde (WHO, 1988).
Em 1993, a mesma Organização Mundial de Saúde elabora o Documento de
Tóquio, intitulado “El papel del Farmacéutico em el Sistema de Salud” onde enumera
as responsabilidades do farmacêutico, em relação às necessidades dos doentes e
da comunidade, trazendo reflexões sobre a qualidade da Assistência Farmacêutica e
os benefícios para os governos e o público (OMS, 1993). As necessidades de
atenção à saúde de usuários e da comunidade, baseados no conceito de Atenção
Farmacêutica que, na ótica dessa Organização, compreende:
[...] um conceito de prática profissional na qual o paciente é o
principal beneficiário das ações do farmacêutico. A atenção
farmacêutica é o compêndio das atitudes, os comportamentos, os
compromissos, os valores éticos, as funções, os conhecimentos, as
inquietudes, os valores éticos, as funções, os conhecimentos, as
responsabilidades e as habilidades dos farmacêuticos na prestação
da farmacoterapia com o objetivo de obter resultados terapêuticos
definidos na saúde e na qualidade de vida do paciente. (OMS, 1993:
11)
Em 1992, a Federação Internacional Farmacêutica (FIP) desenvolveu uma
série de instruções para os serviços de Assistência Farmacêutica conhecida como
Boas Práticas em Farmácias (BPF) em Ambientes Comunitários e Hospitalares (FIP,
1992). Este documento teve sua aprovação em Tóquio, por ocasião do contexto da
Declaração de Tóquio sobre o modelo dos serviços de assistência farmacêutica,
sendo feito revisões e adotado pela OMS na 34ª Reunião de Especialistas em
Especificações Farmacêuticas.
Em 1997, em Vancouver no Canadá, define-se o relatório final da OMS do
grupo que se designava “Grupo Consultivo Sobre o Papel dos Farmacêuticos:
Preparando o Farmacêutico do Futuro – Desenvolvimento Curricular” (WHO, 1997),
48
onde eram apontadas as valências formativas e profissionais do farmacêutico do
futuro, que seria o chamado farmacêutico “sete estrelas”, correspondendo cada
estrela a um desempenho de competência específica, conforme visto no Quadro 2
abaixo:
Quadro 2: Valências Formativas e Profissionais do Farmacêutico “Sete
Estrelas”
A Prestação de Cuidados
O farmacêutico é um prestador de cuidados de saúde. Sejam estes cuidados de
natureza clínica, analítica, tecnológica ou regulatória, o seu desempenho deve ser de
elevada qualidade, quer dirigido ao indivíduo quer dirigido às populações.
A Decisão
A utilização apropriada, eficaz, racional de meios (sejam estes, humanos,
medicamentosos, químicos, de equipamento, de procedimento ou de prática) deverá
constituir uma tarefa básica para o farmacêutico. Torna-se assim essencial desenvolver
a capacidade de avaliação, de síntese, e de decisão.
A Comunicação
O farmacêutico ocupa uma posição privilegiada entre o prescritor e o paciente. Tal
deverá envolver o desenvolvimento da capacidade de comunicação escrita, verbal, e
não-verbal.
A Liderança
A integração do farmacêutico nas equipas prestadoras de cuidados de saúde às
populações exige que este assuma a liderança nas áreas da sua competência
profissional. Tal deverá envolver a capacidade de decisão, comunicação e gestão
eficaz dos recursos.
A Gestão
É da competência do farmacêutico a gestão eficaz de meios (humanos, físicos e fiscais)
e da informação disponível. É importante notar que, cada vez mais, a informação
associada à tecnologia assume um desafio crescente na responsabilidade de partilha
de informação (com o paciente e com o prescritor) nas áreas do medicamento e
produtos relacionados.
A Formação Contínua
Reconhecendo a impossibilidade de aprender "tudo" na escola, o farmacêutico deverá
"aprender a aprender" isto é, a desenvolver através de um esforço de formação
continuado, a sua diferenciação profissional ao longo da sua carreira de farmacêutico.
A Função de Formador
Deverá ser da responsabilidade do farmacêutico participar na educação e treino
profissional das futuras gerações de farmacêuticos
Fonte: (WHO, 1997: 3-4)
49
O objetivo deste documento produzido em Vancouver seria o de sinalizar,
para a comunidade farmacêutica, a necessidade de se buscar desenvolver a
identidade do farmacêutico, no futuro, configurada em um perfil pró-ativo e
participante nos sistemas de saúde, a partir da educação farmacêutica.
No ano seguinte, em Haia, na Holanda, foi discutida a função do farmacêutico
no processo de auto-cuidado e na auto-medicação, onde a grande preocupação era
o impacto no consumo de medicamentos sem exigência de receita médica (WHO,
1998).
Reconhecendo que o profissional farmacêutico é diretamente responsável
pelo desenvolvimento da prática profissional da Atenção Farmacêutica, a OMS alerta
que o papel do farmacêutico nos sistemas de atenção à saúde é dependente de um
conjunto amplo de fatores demográficos, econômicos, tecnológicos, sociológicos,
políticos e profissionais, que se encontram sintetizados no quadro 3 abaixo:
50
Quadro 3: Fatores que afetam a atenção à saúde, o uso racional dos
medicamentos e o desenvolvimento da Atenção Farmacêutica
DEMOGRAFIA
Populações em processo de envelhecimento
Populações pediátricas vulneráveis
Crescimento populacional
Mudanças nos padrões das doenças/epidemiologia
Distribuição geográfica das populações
FATORES ECONÔMICOS
Aumentos nos custos de atenção à saúde
Economias nacional e global
Aumento no hiato entre ricos e pobres
TECNOLOGIA
Desenvolvimento de novos medicamentos
Novas técnicas de acesso à informação e novas informações sobre os medicamentos disponíveis
Medicamentos mais complexos e potentes
Biotecnologia
FATORES SOCIOLÓGICOS
Expectativas e participação dos consumidores
Abuso e mau uso dos medicamentos
Uso de medicamentos tradicionais
FATORES POLÍTICOS
Prioridades no uso dos recursos nacionais (alocados para a saúde)
Filosofia de mercado em mutação
Compreensão da farmácia por parte daqueles que elaboram as políticas
Regulamentação dos medicamentos
Políticas nacionais de medicamentos
Lista de Medicamentos Essenciais
FATORES PROFISSIONAIS
Variações na formação/capacitação dos farmacêuticos
Distribuição dos recursos humanos farmacêuticos
Evolução da filosofia rumo à atenção do usuário na farmácia Base de remuneração dos
farmacêuticos
FATORES RELATIVOS À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE
Acesso aos serviços de saúde
Tendência de tratamento de doenças graves fora dos hospitais
Fonte: OMS (1993:7)
Atenção Farmacêutica no contexto da política nacional de medicamentos no
Brasil
Desde o ano de 1993, se percebia com o Decreto nº. 793 (BRASIL, 1993),
uma nova condução na questão da Assistência Farmacêutica por parte do governo
federal. Este decreto trouxe vários elementos à discussão farmacêutica, entre eles o
51
surgimento do medicamento genérico e da necessidade de haver a presença do
farmacêutico por todo horário de funcionamento da farmácia ou drogaria. Esta
ratificação da Lei nº. 5991 de 1973 (BRASIL, 1973) surgiu em um momento onde o
Ministério da Saúde editava uma série de portarias relacionadas à vigilância sanitária
de medicamentos, tendo essas medidas forte impacto sobre a saúde da população e
contribuído para mudanças no cenário farmacêutico.
Em 1998, o Ministério da Saúde publica a Portaria nº. 344 SVS/MS (BRASIL,
1998b), onde um novo modo de dispensar as substâncias psicotrópicas,
entorpecentes, imunossupressores e seus precursores é implementado. O
surgimento de várias listas de substâncias sujeita ao controle, modificação nos
receituários desses medicamentos, nos modelos de balanços relativos à
dispensação desses medicamentos, fez surgir uma onda de dúvidas e reavaliação
do processo de trabalho do farmacêutico. O farmacêutico se inteirava dos conteúdos
técnicos desse momento e se posicionava de modo pró-ativo no sentido de manter o
domínio desse conhecimento, treinando sua equipe de trabalho na farmácia e
cobrando maiores responsabilidades de toda organização farmacêutica para o
sucesso desses novos controles.
A presença dos farmacêuticos nas farmácias e drogarias era crescente e
notória, e acompanhou a melhoria gradual na qualidade desses estabelecimentos,
desde a parte documental relativa à regularização do estabelecimento, às condições
físicas das farmácias, às etapas de aplicação de medicamentos injetáveis,
armazenagem de medicamentos, inclusive os termolábeis, diminuição das práticas
feitas por balconistas de verificarem a pressão arterial em aparelhos inadequados e
com o intuito de promover a “empurroterapia” de medicamentos, bem como um
52
controle mais incisivo da venda dos medicamentos sujeitos ao controle da Portaria
nº. 344 SVS/MS de 1998 (BRASIL, 1998b).
O farmacêutico começa a desempenhar, muitas vezes na farmácia, o papel
de consultor sobre os aspectos assinalados acima e, poucas vezes, ultrapassa o
caminho do balcão de medicamentos, para fazer parte do processo de dispensação
de medicamentos. É verdade que, muitas vezes, ele é chamado ao balcão para
resolver algum problema frente ao cliente da farmácia, mas somente em aspectos de
esclarecimentos sobre os chamados “medicamentos controlados”
8
.
A ampliação das atividades dos farmacêuticos se torna evidente quando, no
ano 2001, o Conselho Federal de Farmácia (CFF) publica a Resolução nº. 357 (CFF,
2001), que estabelece a abrangência de atuação do farmacêutico que trabalhe em
farmácias e drogarias. Ratifica-se neste documento, o papel do farmacêutico de
prestar ao público esclarecimentos quanto ao modo de utilização dos medicamentos,
sendo ele o responsável pela avaliação farmacêutica do receituário, devendo
explicar clara e detalhadamente ao paciente o benefício do tratamento, conferindo-
se a sua perfeita compreensão. O documento designa, ao farmacêutico, o dever de
fornecer toda a informação necessária para o uso correto, seguro e eficaz dos
medicamentos de acordo com as necessidades individuais do usuário.
Atendendo a necessidade de uma política de medicamentos, consoante as
perspectivas estabelecidas no país, foi publicada a Portaria GM nº. 3916/98 do
Ministério da Saúde (BRASIL, 1998a) que aprovava a Política Nacional de
Medicamentos, que tem como propósito: “Garantir a necessária segurança, eficácia e
8
O termo “medicamentos controlados” é usado para se referir aos medicamentos sujeitos ao controle
da legislação sanitária vigente (BRASIL, 1998b).
53
qualidade dos medicamentos, a promoção do seu uso racional e o acesso da população
àqueles considerados essenciais
”.
A PNM contempla diretrizes e define prioridades relacionadas à legislação,
incluindo a regulamentação, a inspeção, ao controle e garantia da qualidade, à
seleção, à aquisição e distribuição, ao uso racional de medicamentos, ao
desenvolvimento de recursos humanos e ao desenvolvimento científico e
tecnológico.
Dentre as normas da Política Nacional de Medicamentos (BRASIL, 2001)
ressalta-se a reorientação da Assistência Farmacêutica, a promoção do Uso
Racional de Medicamentos e o desenvolvimento e capacitação de recursos
humanos.
Segundo a PNM, a reorientação da Assistência Farmacêutica não deve se
restringir à aquisição e à distribuição de medicamentos, devendo envolver todas as
atividades relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos
essenciais, com uso racional. Essa Política define a Assistência Farmacêutica
como:
Conjunto de ações desenvolvidas pelo farmacêutico, e outros
profissionais de saúde, voltadas à promoção, proteção e recuperação
da saúde, tanto no nível individual como coletivo, tendo o
medicamento como insumo essencial e visando o acesso e o seu
uso racional. Envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção
de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção,
programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da
qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de
sua utilização, na perspectiva da obtenção de resultados concretos e
da melhoria da qualidade de vida da população. (BRASIL, 1998a:
19).
Como vemos, essa definição enfatiza o ciclo de Assistência Farmacêutica,
que compreende: seleção, programação, aquisição, armazenamento, distribuição,
54
prescrição, dispensação e utilização de medicamentos (Figura 2). Esse modelo de
Assistência Farmacêutica é reorientado de modo a que não se restrinja à aquisição e
à distribuição de medicamentos. As ações incluídas nesse campo da assistência
terão por objetivo implementar, no âmbito das três esferas do SUS, todas as
atividades relacionadas à promoção do acesso da população aos medicamentos
essenciais.
Figura 2: Etapas e Ciclo da Assistência Farmacêutica
Fonte: SES-SC
9
A reorientação do modelo de Assistência Farmacêutica, coordenada e
disciplinada em âmbito nacional pelos três gestores do Sistema, é fundamentada:
Na descentralização da gestão;
Na promoção do uso racional dos medicamentos;
Na otimização e na eficácia do sistema de distribuição no setor público.
9
Disponível em: http://www.saude.sc.gov.br/DIAF/O%20que%20%E9%20Ass%20Farm.ppt.Acessado
em 20 de fevereiro de 2006
55
Fica sublinhado pela PNM, que o uso racional de medicamentos se apresenta
como uma questão que deve ser operacionalizada, e a Atenção Farmacêutica é uma
das possibilidades de promoção de processos educativos junto aos usuários de
medicamentos que esclareçam sobre os riscos da automedicação e da interrupção
da medicação prescrita, entre outras ações que proporcionem o uso seguro de
medicamentos.
Acompanhando os avanços na discussão da promoção do uso racional de
medicamentos, no Brasil foi elaborada, em 2002, uma Proposta de Consenso
Nacional de Atenção Farmacêutica, que define a Atenção Farmacêutica como parte
integrante da Assistência Farmacêutica, na perspectiva da integralidade das ações
de saúde.
A busca por esse consenso sobre a Atenção Farmacêutica, contudo, iniciou-
se antes, ainda no ano de 2000, quando foi organizado um grupo de trabalho que
visava propor estratégias para a implantação da Atenção Farmacêutica. Em ordem
crescente de fatos, acompanhamos, em 2001, o envolvimento desse grupo para a
organização de uma consulta sobre as experiências e reflexões sobre atenção
farmacêutica, através da página de Internet da Organização Pan-Americana da
Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS)
10
.
No período de 11 a 13 de setembro de 2001, em Fortaleza/Ceará ocorreu a I
Oficina Nacional de Atenção Farmacêutica e de dois encontros complementares em
Brasília (25 e 26 de junho e 30 de julho/2002) como parte do planejamento que se
optou para a promoção da Atenção Farmacêutica no Brasil.
10
Site: www.opas.org.br/medicamentos, acessado em 28 de agosto de 2006.
56
Essas duas circunstâncias foram importantes por criarem condições para a
elaboração de propostas de consensos em Atenção Farmacêutica e o planejamento
de ações para sua promoção no país. Dando continuidade ao processo, foram
realizadas, em 2001 e 2002, reuniões de trabalho para o exame profundo de
questões relativas à temática da Atenção Farmacêutica e ainda sobre a relação da
Atenção Farmacêutica com a farmacovigilância, que geraram toda a base teórica
utilizada para a elaboração da proposta de consenso (OPAS/OMS, 2001, 2002a,
2002b).
Por fim, em 2002, é elaborado o documento de proposta de Consenso
Brasileiro de Atenção Farmacêutica, fruto de um esforço coletivo no sentido de
promover o desenvolvimento da prática de Atenção Farmacêutica no Brasil
(OPAS/OMS, 2002c).
Nesta proposta do Consenso, o conceito de Atenção Farmacêutica é
entendido como:
É um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da
Assistência Farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos,
comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades
na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de
forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do
farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a
obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a
melhoria da qualidade de vida. Esta interação também deve envolver
as concepções dos seus sujeitos, respeitada as suas especificidades
biopsicossociais, sob a ótica das ações de saúde. (IVAMA, 2002b:
16-7)
A proposta do Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica é um
documento de extrema importância por apontar a necessidade de iniciar práticas
farmacêuticas direcionadas ao paciente que usa medicamentos e que deve ter a
garantia do sucesso do seu tratamento farmacológico. O aguardado debate nos
57
municípios e estados da federação, de modo a subsidiar a aprovação do Consenso
a nível nacional, é a etapa que estamos ainda aguardando participar.
Assistência e Atenção Farmacêutica são conceitos distintos, mas inter-
relacionados. A Assistência Farmacêutica se refere ao conjunto de ações
multiprofissionais relacionadas com o medicamento e a Atenção Farmacêutica se
refere às atividades relacionadas à prática do profissional farmacêutico com o foco
das ações relacionadas com o paciente (IVAMA, 2002b). Dito de outra maneira: a
Atenção Farmacêutica corresponde à prática profissional na qual o farmacêutico se
responsabiliza pelas necessidades dos pacientes relacionadas com os
medicamentos, mediante a detecção, prevenção e resolução de problemas
relacionados com a medicação. Pode-se dizer, portanto, que a Assistência
Farmacêutica contém diversos elementos, entre eles a Atenção Farmacêutica,
quando se reporta ao farmacêutico como promotor das ações que levem ao uso
racional do medicamento.
Mais recentemente, novos elementos na literatura indicam que o termo
Atenção Farmacêutica está sendo substituído por “Serviços Cognitivos
Farmacêuticos” para, designar os serviços farmacêuticos realizados pelo profissional
e considerados fruto da sua cognição (GASTELURRUTIA, 1999).
A implantação de serviços de Atenção Farmacêutica deve iniciar um processo
focado no redimensionamento da prática farmacêutica. O processo de evolução e
mudança de paradigma do medicamento para o paciente deve fazer parte de um
processo substanciado, orientado, discutido e organizado com o maior número de
farmacêuticos para trazer no futuro o máximo de benefícios para a sociedade. Vários
países já iniciaram, e mesmo avançaram, na implementação dessa prática e o Brasil
58
discute a questão há alguns anos, com passos tímidos frente à necessária mudança
de paradigma vigente, não só nas farmácias comunitárias do Rio de Janeiro, mas do
Brasil.
Essa inovação da prática profissional chega em um momento de reflexões da
classe farmacêutica que, presente nas farmácias comunitárias, se sensibiliza frente
à inércia existente nesse segmento para conduzir as ações da farmácia em ações
que produzam saúde. A pressão hegemônica nas farmácias, com a ênfase de
comercializar os medicamentos a fim de obter o máximo de lucros possíveis,
configura o papel do paciente como mero comprador, sem direito a ter informações
que impactem no seu processo de busca da saúde: a vida do paciente parece ter
pouco valor. O medicamento, nestes estabelecimentos, é considerado como mais
uma mercadoria.
A estratégia de implantação das práticas de Atenção Farmacêutica foi
publicada, mas, de fato pouco se fez para ampliar o domínio desse conhecimento
pelos farmacêuticos, ou mesmo sensibilizá-los quanto ao tema de forma a se
constituir em uma massa crítica frente a essa inovação que se espera para o
segmento farmacêutico.
A observação deste período de construção dos processos de trabalho do
farmacêutico indica que um novo patamar deve ser alcançado, para que o
farmacêutico siga para outra dimensão. Acredito que essa dimensão é a do
desenvolvimento de processos que façam com que tanto a farmácia como a drogaria
sejam executoras de ações que produzam saúde.
59
4. JUSTIFICATIVA DO ESTUDO
Gostaria de iniciar a justificativa do estudo aqui realizado agregando algumas
ponderações e observações advindas da minha prática profissional de mais de
quinze anos. Minha formação de farmacêutica e os anos que dedico ao meu
trabalho como Farmacêutica Fiscal do CRF-RJ tem me levado a refletir que o
potencial da classe farmacêutica não é bem ou totalmente aproveitado. Todo o
acúmulo de informações apreendidas em anos de formação universitária de pouco
servia e serve para o farmacêutico se expressar no trabalho em farmácias
comunitárias. O farmacêutico não reconhecia, nesse ambiente, um local legítimo de
atuação profissional e se limitava a comparecer às farmácias para realizar a
escrituração dos livros de substâncias controladas pelo Ministério da Saúde
11
.
A perspectiva do isolamento do profissional farmacêutico — desde seus
tempos de academia, para a repetição (ou continuidade) dessa situação na vida
profissional da maioria dos farmacêuticos que trabalham em farmácias e drogarias
— me levou a considerar que todo o conhecimento do farmacêutico não se
deslocava para o paciente, mas sim para o produto medicamento.
Analisando a profissão farmacêutica, não só no Brasil como no mundo, se
percebe um ponto em comum, que é o desprestígio que a profissão começa a ter
com o crescimento do movimento da Revolução Industrial e o surgimento das
indústrias farmacêuticas e a conseqüente diminuição das farmácias e boticas.
Segundo Santos (1999), no Brasil, houve um deslocamento do farmacêutico das
11
Antes as Portarias DIMED 27/86 e 28/86 e, atualmente, a Portaria nº344/98 do Ministério da Saúde
(BRASIL, 1986a, 1986b, 1998b) se referem ao controle do consumo de substâncias psicotrópicas e
entorpecentes.
60
farmácias e drogarias como produto de uma política econômica deflagrada com o
processo de industrialização crescente no país.
Além disso, com o surgimento e proliferação das drogarias, que funcionavam
como depósitos de medicamentos industrializados, gradualmente, há o
desaparecimento das farmácias como ponto de convergência obrigatório da
comunidade para o tratamento assistencial, com o cuidado ao paciente sendo
realizado diretamente pelos farmacêuticos, ou para as discussões sobre os rumos
da comunidade.
Neste novo cenário, ele não é considerado necessário pelos seus pacientes,
devido à visão de que o medicamento já estaria pronto e não necessitaria da
intervenção do farmacêutico na farmácia. Diante disso o trabalho em farmácias
comerciais privadas era (e ainda é) visto como uma regressão na carreira
profissional ou ainda como um insucesso que marcaria esse profissional.
Associado a esse cenário, o prestígio profissional estava voltado aos
profissionais que ingressavam em segmentos da indústria farmacêutica: tais como a
indústria de medicamentos, de cosméticos e de alimentos, nas análises clínicas e
toxicológicas, na produção e aplicação de radioisótopos, na indústria de produtos
químicos básicos e de inseticidas, na farmácia hospitalar, bem como aos que se
dedicavam à carreira universitária, principalmente em linhas de pesquisas científicas,
ou ainda os farmacêuticos militares, pela posição que ocupavam na sociedade.
Mas a grande questão era que o número de indústrias farmacêuticas,
faculdades de farmácia e, porque não dizer, de quartéis era finito, como finita era a
possibilidade de todos os graduandos de farmácia se inserir nestes ramos citados
acima.
61
A influência histórica, com seus fluxos, gerou a construção de um modelo de
comportamento profissional que não representava a defesa da população frente a
essa gama de riscos. Foi-se construindo uma identidade que era o reflexo de uma
época e que, hoje, se mostra contraditória frente aos objetivos da atenção a saúde.
O uso irracional de medicamentos e os casos de falhas no tratamento
farmacoterapêutico e/ou novos problemas de saúde relacionados a medicamentos
caracterizam esse período (JOHNSON & BOOTMAN 1997).
O impulso dado pela escala industrial de medicamentos produzido por um
parque industrial farmacêutico, em franca expansão, no estado e no país, fez com
que o número de farmácias e drogarias paulatinamente crescesse. Esse crescimento
se fez, porém, sem haver o cumprimento da Lei nº. 5991/73
12
, que exigia que as
farmácias e drogarias tivessem, obrigatoriamente, a assistência de técnico
responsável, inscrito no Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei, durante
todo o horário de funcionamento do estabelecimento. O cumprimento dessa lei
potencializaria a participação do farmacêutico no dia-a-dia das comunidades,
fazendo-o um interlocutor ativo nas questões envolvendo o uso de medicamentos.
A despeito disso tudo, ao longo de décadas, observa-se que a questão do uso
do medicamento é secundária, sem a discussão de estratégias efetivas para garantir
à população a possibilidade de fazer o uso racional do medicamento. Deve ser dito
que normas e resoluções emanaram do Conselho Federal de Farmácia (CFF) e do
12
Lei 5991/73 de 17 de dezembro de 1973 (BRASIL, 1973), que dispõe sobre o controle sanitário de
drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e que exige no seu artigo15 que a
farmácia e a drogaria tenham, obrigatoriamente, a assistência de técnico responsável, inscrito no
Conselho Regional de Farmácia, na forma da lei. Seu § 1º assinala que a presença do técnico
responsável será obrigatória durante todo o horário de funcionamento do estabelecimento.
62
CRF-RJ ao longo dos anos
13
, trazendo para os farmacêuticos que ingressavam no
ramo da dispensação comercial privada um conjunto de atribuições profissionais,
bem como de responsabilidades que eles deveriam possuir nesse cenário, porém
sem discutir a tríade relacionada com a teoria e a prática farmacêutica voltados para
o paciente. Um grande hiato se formava na prática profissional.
Na contramão deste processo, nos anos de 1980, no estado do Rio de
Janeiro, algumas situações incrementaram a diminuição do distanciamento dos
farmacêuticos do público em geral: o surgimento de farmácias-escolas nas
universidades públicas, que indicavam a aproximação do estudante de farmácia com
a prática clínica que deveria ser executada nas suas ações diárias. Outra dessas
situações foi a abertura de farmácias de manipulação por estudantes egressos das
universidades, que vieram dinamizar o setor, trazendo um brio a mais à classe, por
ser o farmacêutico o proprietário de sua farmácia, fazendo-os acreditar que um
movimento de identidade da profissão estaria surgindo. O somatório desses
fragmentos reconduz o farmacêutico às farmácias comerciais e drogarias e a
transição se inicia no estado do Rio de Janeiro.
Atualmente, a dispensação de medicamentos no país é feita pela rede pública
de saúde e pela rede privada do comércio farmacêutico. Ressalto que, em 2003, foi
criado o projeto de farmácias populares do nível estadual, com o nome de Farmácia
Popular Vital Brazil e, em 2004, as do nível federal, chamado Farmácia Popular do
Brasil. Essas “farmácias populares” atuam comercializando medicamentos com
preços subsidiados pelos governos estadual e federal, respectivamente, sendo que,
no ano de 2006, o Ministério da Saúde publica a Portaria nº 491 (BRASIL, 2006) que
13
As resoluções do CFF (CFF, 92a; 92b; 94; 97; 00; 01a; 01b; 02; 04) e as deliberações do CRF-RJ
(CRF-RJ, 00; 01) indicadas são algumas das legislações que nortearam as práticas profissionais nos
últimos anos.
63
expande o programa Farmácia Popular do Brasil para farmácias e drogarias
privadas.
Hoje se pretende, nas farmácias comunitárias, a implementação de atividades
que visem à integração da prática profissional farmacêutica com o paciente. Ter
assim o medicamento passando da dimensão técnica para uma dimensão clínica, e
a Farmácia seguindo com ele (ESTEFAN, 1986).
O farmacêutico comunitário possui, dessa forma, relevante importância na
ponta do sistema de saúde, seja pela garantia do cumprimento das boas práticas de
farmácia, na adequada dispensação de medicamentos, na promoção do uso racional
de medicamentos, devido ao acompanhamento sistemático da farmacoterapia
utilizada pelo paciente, buscando avaliar e garantir a necessidade, a segurança e a
efetividade no processo de utilização de medicamentos. E, também, no que tange a
orientações sobre o uso de medicamentos ou, ainda, como fomentador de
informações para o sistema de farmacovigilância.
Essa “nova roupagem” do exercício profissional é a base do processo de
Atenção Farmacêutica. Os farmacêuticos se mostram sensibilizados a experimentar
esses novos serviços e integrá-los na dispensação tradicional de medicamentos.
Ademais, é necessário produzir informações sobre a atual situação das farmácias
comunitárias para se avaliar aonde fazer as mudanças necessárias.
Tanto na rede pública citada quanto na privada, os farmacêuticos estão
presentes, desenvolvendo um conjunto de atividades e práticas. Entretanto, poucas
informações sobre o contexto e os processos que ocorrem no interior das farmácias
comunitárias tem sido objeto de análise. Essa dissertação volta-se, portanto, por
buscar entender o cotidiano dessas práticas e desses profissionais, na medida em
64
que se considera que esses elementos são essenciais para avanços futuros em
direção a uma progressiva implantação da Atenção Farmacêutica em nosso meio.
Estefan (1986) já ressaltava a necessidade urgente de compreender e
assimilar a essência da identidade da profissão farmacêutica bem como do contexto
onde ela se insere, como mecanismo que propiciasse conhecer a realidade e
planejar o futuro da profissão.
Captar as percepções e relatos dos farmacêuticos sobre a dinâmica da sua
prática profissional pode ser um dos caminhos para identificar as variáveis sentidas
e que podem estar impedindo o exercício pleno do farmacêutico como legítimo
profissional de saúde nas farmácias comunitárias do estado do Rio de Janeiro.
65
5. OBJETIVOS
Objetivo Geral
Esta pesquisa teve como objetivo identificar as concepções que os
farmacêuticos responsáveis técnicos, atuantes em farmácias comunitárias do estado
do Rio de Janeiro, têm sobre a sua prática profissional e como essa visão pode estar
relacionada à implementação de práticas de Atenção Farmacêutica no estado.
Objetivos Específicos
De forma mais específica, buscou-se:
(1) compreender as trajetórias profissionais e os processos de trabalho dos
farmacêuticos atuantes em três tipos de farmácias comunitárias: familiares, de rede
local e de rede estadual;
(2) analisar as concepções dos farmacêuticos quanto a sua atual prática profissional
em diferentes tipos de farmácias comunitárias do estado do Rio de Janeiro;
(3) identificar elementos considerados determinantes que venham a facilitar ou
obstaculizar processos relacionados à implantação de práticas de Atenção
Farmacêutica nas farmácias e drogarias;
(4) analisar os núcleos problemáticos para a implantação da Atenção Farmacêutica
e propor sugestões para a implementação mais efetiva da Atenção Farmacêutica no
âmbito estadual
66
6. CAMINHOS METODOLÓGICOS
O desenvolvimento desse estudo se estruturou em torno de dois eixos
metodológicos. O primeiro foi uma revisão da literatura onde se buscou identificar os
conceitos, valores e relações que, no curso da história contemporânea da Farmácia,
marcaram o desenvolvimento das práticas farmacêuticas e da Atenção
Farmacêutica.
O segundo caminho metodológico teve por foco a realização de entrevistas
semi-estruturadas com farmacêuticos responsáveis técnicos por farmácias
comunitárias. A escolha destes profissionais decorreu do entendimento que a
percepção que os farmacêuticos possuem da sua atual prática profissional seria de
grande relevância para a compreensão das possibilidades de mudança do
paradigma da profissão farmacêutica.
A estratégia de ouvir esses protagonistas sobre situações vivenciadas e
sentidas por eles nas farmácias comunitárias buscou uma aproximação analítica da
prática farmacêutica, sob a ótica dos farmacêuticos, bem como a identificação de
pontos considerados críticos, na visão destes profissionais, e que sejam prejudiciais
ao exercício pleno da prática farmacêutica.
Desse modo, em termos de tipologia de pesquisa, o estudo foi qualitativo, de
estratégia metodológica descritiva e analítica. Considerou-se que a pesquisa
qualitativa seria a estratégia que melhor instrumentalizaria a abordagem da questão
em foco, pois estuda o cotidiano, descrevendo, compreendendo e interpretando os
fenômenos observados (MOURA, 1998), no caso dentro do grupo farmacêutico.
67
A técnica escolhida de realização de entrevistas possibilita uma conversação
face-a-face. Esta, além de permitir a obtenção das informações relevantes sobre
atividades profissionais e os demais aspectos sob investigação, permite aclarar
dúvidas e ampliar explicações através das respostas subjetivas dos atores
diretamente envolvidos com o tema.
Enquanto técnica de obtenção de informações, a entrevista pode ser vista
como uma forma de interação social, no qual o entrevistador tem por objetivo a
obtenção de informações por parte dos entrevistados, buscando dentro de uma
objetividade e clareza possíveis, à apreensão de informação sobre o comportamento
e a consciência destes atores. Conforme assinala Mehry:
[...] a perspectiva de revelar o agir tecnológico como um lugar que
mostra uma dimensão estratégica da produção de "falhas" no interior
dos serviços de saúde é por nós tomada como um desafio
fundamental, hoje, para repensar as práticas e os modelos de
atenção. (MERHY, 1998:132)
Lócus e Sujeitos do Estudo: As farmácias e seus farmacêuticos
O trabalho foi realizado em farmácias comunitárias do estado do Rio de
Janeiro. É pertinente ressaltar que o termo “farmácias comunitárias”, nesse
estudo, se refere aos estabelecimentos do comércio varejista privado, sem
manipulação de medicamentos, onde o atendimento ao paciente ocorre ao nível
da atenção primária à saúde, tendo o farmacêutico como responsável técnico,
atendendo às exigências da Lei 5991/73 do Ministério da Saúde (BRASIL,
1973)
14
.
14
A referida lei no artigo 4º, item XI define drogaria como sendo um estabelecimento de dispensação
e comércio de drogas, medicamentos e insumos farmacêuticos e correlatos em suas embalagens
originais. Logo, o lócus de estudo abrangerá além do estabelecimento farmacêutico farmácia,
também a drogaria estabelecida no estado do Rio de Janeiro.
68
O estado do Rio de Janeiro, em 2006, possuía 4.905 farmácias e
drogarias, para uma população estimada de 15.383.407 milhões de habitantes
(IBGE, 2006), sendo esse número disperso em uma área de 43.696.054 Km²
15
.
A maior concentração desses estabelecimentos se dá na região designada
como Região Metropolitana, composta dos municípios do Rio de Janeiro,
Niterói, São Gonçalo e dos municípios da Baixada Fluminense, a saber, Duque
de Caxias, São João de Meriti, Nova Iguaçu, Nilópolis e Queimados.
A escolha do lócus de estudo — o estado do Rio de Janeiro — se deu pela
proximidade espacial, o interesse profissional do pesquisador nessa área geográfica,
como também pela visão de que era necessário desenvolver estudos sobre as
circunstâncias que envolvem a prática farmacêutica no estado.
A fim de evitar a possibilidade de introdução de vieses decorrentes do fato da
pesquisadora ser farmacêutica fiscal do CRF-RJ, as entrevistas foram realizadas
apenas em farmácias de áreas do estado cuja fiscalização não seja ou já tenha sido
de sua responsabilidade. Buscou-se, evitar com isso que a adesão ao estudo e as
respostas tivessem motivação espontânea dos farmacêuticos e não decorressem da
identificação do pesquisador com a figura de um agente que estaria ali para fiscalizar
seus atos.
Com vistas a abranger um universo mais amplo de profissionais e,
conseqüentemente, de ampliar a possibilidade de revelar diferenças de práticas e
15
Estabelece-se, nesse caso, uma relação de uma farmácia para cada 3.136 habitantes, número
esse extremamente superior ao que preconiza a OMS, que corresponde a uma farmácia para cada 6
a 8 mil habitantes (ZUBIOLI, 1992).
69
percepções, buscou-se contemplar farmacêuticos que trabalhassem nos seguintes
tipos de farmácias comunitárias
16
:
Farmácia comunitária familiar, que compreende aquelas onde a força de
trabalho principal inclui ou se concentra principalmente na participação do
proprietário da farmácia ou de membros de sua família;
Farmácia comunitária de rede local, considerada como aquele
estabelecimento farmacêutico varejista que usa o nome de marca de uma
rede de drogarias, no âmbito municipal ou intermunicipal, mas cuja presença
de franquias se estende apenas por uma região específica do estado;
Farmácia comunitária de rede estadual, considerada como aquele
estabelecimento farmacêutico varejista que usa o nome de marca de uma
rede de drogarias, sendo sua configuração marcada pela extensiva presença
de suas filiais no âmbito do estado.
O critério de seleção dos entrevistados foi o de escolha aleatória de
farmacêuticos responsáveis técnicos que trabalhassem em um desses três tipos de
farmácias comunitárias, por no mínimo vinte horas semanais.
Instrumento da Pesquisa
As entrevistas foram baseadas em um instrumento que se encontra disposto
no anexo 1.
Antes da entrada definitiva em campo, foi elaborado um instrumento
preliminar, submetido à pré-teste em duas farmácias, uma pertencente a uma rede
16
Estes três tipos de farmácias estarão, de agora em diante, designados pelas siglas: FM, RE e RL,
conforme corresponderem, respectivamente a farmácias familiares, de rede estadual e de rede local.
70
estadual de farmácias e outra de uma rede local do município de Duque de Caxias.
Para a escolha desses estabelecimentos, a pesquisadora ponderou a similaridade
da área em questão com aquela que seria objeto de estudo e a possibilidade de
repetição das características e atividades semelhantes.
O trabalho da pesquisadora, no seu dia-a-dia, é de estar em contato com os
mais inúmeros farmacêuticos, conversando sobre aspectos éticos e profissionais.
Porém, o momento da primeira pré-entrevista foi cercado de uma expectativa
adicional à esperada, que surpreendeu e pode ser justificada pelo marco da entrada
no trabalho de campo. Já a segunda entrevista do pré-teste foi cercada de mais
tranqüilidade na condução das questões. A duração média das entrevistas nesta
etapa foi de 60 minutos. Em ambos os casos, as entrevistas ocorreram em locais
reservados no interior da farmácia comunitária.
Após a realização do pré-teste, se verificaram pontos que deveriam ser
melhorados, de modo a facilitar a compreensão direta das questões. As alterações a
partir desse ponto envolveram a retirada de algumas questões e a inserção de
outras, que tornassem mais fluido o roteiro de entrevistas e o modo de conduzi-las.
Como exemplo, ressalto a questão inicialmente prevista onde se pedia ao
farmacêutico para falar diretamente sobre a sua trajetória profissional e que foi
desmembrada em diversas pequenas questões, onde o pesquisador se detém em
fazer perguntas sobre sua vida acadêmica, seu primeiro emprego e como chegou a
trabalhar nesse estabelecimento. Buscou-se, dessa forma, construir um diálogo mais
informal e conduzir o entrevistado a lembrar de detalhes que facilitassem a
discussão sobre sua atual fase de trabalho.
71
Uma outra questão modificada após a aplicação do pré-teste foi a que
indagava a opinião do farmacêutico sobre a importância do seu trabalho. A nova
redação feita questionava-o sobre como analisava a inserção e presença do
farmacêutico nas farmácias comunitárias, levando-o a apresentar seus pontos de
vista sobre o papel do farmacêutico e a decorrente importância dele.
Cabe ainda ressaltar que a maioria das perguntas referentes a dados de
identificação da entrevista e do farmacêutico foi realizada ao fim da mesma,
evitando-se com isso a repetição de elementos que surgissem naturalmente ao
longo das falas.
O instrumento utilizado nas entrevistas se compõe de duas partes. A primeira,
buscava categorizar o perfil dos entrevistados segundo os seguintes itens:
a) Variáveis de identificação: sexo, idade, estado civil;
b) Ano e local de formatura e outras qualificações;
c) Tempo de atuação na profissão e como responsável técnico em farmácia
comunitária;
d) Outras áreas de atuação pregressa e/ou concorrente;
e) Tempo de atuação no estabelecimento farmacêutico analisado.
Já a segunda parte do instrumento, organizado em 12 questões, dedicava-se
à exploração temática com o objetivo de identificar características da percepção dos
farmacêuticos sobre sua prática profissional.
72
O roteiro de entrevistas foi organizado de modo a fazer fluir as lembranças
dos farmacêuticos sobre sua motivação de seguir a carreira, identificando o ideário
inicial e as vivências universitárias.
A seguir, buscou-se que eles rememorassem sua trajetória profissional desde
o primeiro emprego como farmacêutico, descrevessem suas atividades em um dia
típico na farmácia comunitária, e enumerassem aquelas atividades consideradas
como mais importantes e/ou mais difíceis de serem realizadas. Foram ainda
exploradas suas vivências no balcão da farmácia, as descrições das tarefas de
dispensação de medicamentos e seus desdobramentos, com ênfase na questão do
medicamento genérico e nas dificuldades da população no uso de medicamentos
Foi solicitado que os farmacêuticos avaliassem seu trabalho, em relação a
condições, organização do trabalho e as relações sociais no âmbito da farmácia.
A análise dos processos de trabalho dos farmacêuticos objetivou verificar
como é o modus operandi dessa prática e aonde há o estrangulamento de
interesses que desfocam o objetivo das farmácias como estabelecimentos
produtores de saúde para estabelecimentos estritamente comerciais.
Considero este momento de extrema importância, de modo a extrair da visão
subjetiva dos atores diretamente relacionados com o processo da prática
farmacêutica, as suas opiniões sobre a possibilidade de mudança na práxis
farmacêutica fluminense.
Taylor & Bogdan lembram que o marco principal da entrevista é a
aprendizagem:
73
[…] sobre o que es importante en la mente de los informantes: sus
significados, perspectivas y definiciones; el modo en que ellos ven,
clasifican y experimentan el mundo. (...) El entrevistador cualitativo
debe hallar modos de conseguir que la gente comience a hablar
sobre sus perspectivas y experiencias sin estructurar la conversación
ni definir lo que aquélla debe hablar. A diferencia del observador
participante, no puede quedarse a tras e esperar que las personas
hagan algo antes de formular preguntas. (TAYLOR & BOGDAN,
1992: 115)
Os mesmos autores chamam a atenção para algumas desvantagens que o
pesquisador pode encontrar quando utiliza a entrevista. A primeira refere-se ao fato
de que a entrevista está suscetível de produzir as mesmas falsificações, enganos,
exageros e distorções que estão presentes nas conversas comuns entre as pessoas.
A segunda é que as pessoas dizem e fazem coisas diferentes em distintas
situações. E, finalmente, posto que os entrevistadores, enquanto tais, não observam
diretamente as pessoas em suas vidas cotidianas, não conhecem o contexto
necessário para compreenderem muitas das perspectivas nas quais estão
interessados. Suas ações são reações que "se apóiam" de modo relacional nas
ações dos diferentes agentes da constelação social que, sem o saber,
circunscrevem, traçam espaços de comportamentos e representações possíveis
para ele.
Nesse sentido, é preciso que alguns pontos fiquem claros antes e durante o
desenvolvimento das entrevistas. Por exemplo, os motivos e intenções do
entrevistador; a manutenção do anonimato dos entrevistados, através de
pseudônimos; o envio da dissertação quando da aprovação; a logística de trabalho,
ou seja, a definição de horários previamente estabelecidos para os encontros e a
realização das entrevistas, bem como a forma como os conteúdos tratados serão
apropriados para a consecução do trabalho pretendido. Na medida do possível,
74
estes elementos foram contemplados ou estão previstos de ocorrer, após a defesa
deste trabalho.
Início do Trabalho de Campo e Coleta de Dados
Tendo em mãos o roteiro modificado das entrevistas, a pesquisadora iniciou
pessoalmente o contato com os farmacêuticos responsáveis técnicos de farmácias
comunitárias dos municípios de São Gonçalo, Tanguá, Rio Bonito e Itaboraí. Foi feito
o convite para que os mesmos participassem do projeto, sendo apresentados os
objetivos do estudo e aspectos de confidencialidade.
A pesquisa de campo foi conduzida de 23 de novembro a 22 de dezembro de
2006, iniciando-se pelas farmácias da periferia do município de São Gonçalo.
O trabalho foi iniciado e nenhum dos farmacêuticos convidados a serem
entrevistados reconheceu-me como farmacêutica fiscal do CRF-RJ, o que para mim
indicou a escolha adequada da área de pesquisa, visto que meu objetivo era que os
profissionais não sentissem nenhum nível de constrangimento ao responder as
entrevistas por associar a pesquisadora ao trabalho de fiscalização.
O início do trabalho de campo transcorreu sem maiores problemas, com todos
os farmacêuticos convidados a participar aderindo e se dispondo, na mesma hora, a
responder o roteiro de entrevistas.
Na primeira semana de dezembro, contudo, ocorreram mudanças nessa
situação descrita acima. Dirigi-me ao centro do município de São Gonçalo, onde há
um grande número de farmácias de redes local e estadual. Das cinco farmácias
comunitárias de rede estadual abordadas, em um único dia, quatro possuíam
75
farmacêutico presente e uma não tinha o farmacêutico contratado no horário em que
fui à farmácia.
Os farmacêuticos presentes nos estabelecimentos nesse dia se mostraram
receptivos, interessados e motivados a participar do estudo, mas todos informaram
que não poderiam naquele momento fornecer a entrevista. Os motivos alegados
pelos mesmos foram:
Confecção do balanço interno de medicamentos;
Acúmulo de trabalho decorrente da atualização do livro de registro de
medicamentos sob o controle da Portaria nº344/98 SVS/MS;
Horário de chegada próximo ao término do expediente do farmacêutico;
Necessidade da presença da farmacêutica (F) atendendo no balcão, que ela
justificou como:
no início do mês há muito movimento, com necessidade maior de
atender clientes no balcão (....) os idosos, com maior freqüência
nessa época do mês, chamam os farmacêuticos ao balcão. (...) Você
pode retornar outro dia, antes das 10hs ou depois das 17hs? (...)
Evite os horários de pico”.
Uma grande concentração de pessoas nas ruas já denunciava um movimento
acelerado no comércio local, pois o início de mês sempre é a época de pagamentos
de pensões, aposentadorias e salários.
A ida ao campo e a negativa de participação após a abordagem no balcão,
bem como as justificativas para tal, se revelaram norteadoras da constante
ocupação do tempo dos farmacêuticos com atividades burocráticas relacionadas ao
medicamento. Se a pesquisadora fosse um cliente necessitando de esclarecimentos
76
e orientações, naquele momento, apenas um dos profissionais estaria disponível
para o atendimento.
Esta situação me suscitou algumas dúvidas: Será que, quando os clientes da
farmácia procuram os farmacêuticos, eles interrompem essas atividades “mais
burocráticas” para atendê-los? Ou ainda: Como os profissionais lidam paralelamente
com a sobrecarga de atribuições técnicas de ordem burocrática que devem executar
e ainda com a pressão positiva das farmácias para disporem dos seus farmacêuticos
como balconistas, caixas e gerentes?
A porta estava só se abrindo para o universo de informações que eu colheria.
Os quatro farmacêuticos que não puderam ser entrevistados na primeira
semana de dezembro não foram entrevistados depois. Como era necessário avançar
na coleta de dados através das entrevistas, outros farmacêuticos foram abordados
na semana seguinte e todos tinham tempo disponível e, ao serem convidados,
aceitaram participar voluntariamente da pesquisa.
Na fase final da pesquisa, houve outro farmacêutico que não tinha tempo
disponível, no momento do convite, para participar, mas que se mostrou interessado
e pediu-me que ligasse no dia seguinte, para combinar o melhor dia e horário da
entrevista.
Como esse farmacêutico era também o proprietário de uma farmácia
comunitária familiar, sem filiais, e havia o interesse da pesquisadora em ainda obter
informações desse grupo de farmacêuticos, foi feito o contato no dia seguinte e a
entrevista imediatamente agendada para a mesma manhã. Ele informou que, como
estava envolvido com uma obra na área interna da farmácia, preferia ser
77
entrevistado em um dia que a sua irmã — que também é sócia e farmacêutica —
estivesse no estabelecimento, para não deixar suas atividades a descoberto durante
a entrevista. Ao final, porém, acabou fornecendo-a no dia seguinte, mesmo sem sua
irmã estar ainda na loja. Cabe ressaltar ainda que todos os farmacêuticos que foram
entrevistados no interior das farmácias, de fato comparecem diariamente e realizam
seu trabalho como farmacêuticos responsáveis técnicos. Os relatos dos mesmos
apresentam detalhes técnicos e informações que só são conseguidos através de
uma vivência cotidiana na farmácia.
Todos foram individualmente esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e
se posicionaram sobre sua participação através de um termo de consentimento livre
e esclarecido (anexo 2), obedecendo às normas estabelecidas pela Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa — CONEP (Resolução 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde/MS). A aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa do IMS
encontra-se no anexo 3.
Entendo que a adesão e a motivação dos farmacêuticos em participar da
pesquisa podem estar associadas ao fato da própria pesquisadora os ter procurado
com o interesse de obter informações sobre as suas percepções sobre a prática
farmacêutica e pelo estudo ter como foco o seu universo de trabalho.
A pesquisa foi conduzida no campo até a saturação da identificação de
percepções sobre as práticas profissionais realizadas no universo estudado. A
identificação dessas concepções foi realizada buscando compreender o significado
desse trabalho para os profissionais e o modo como ele era efetivamente executado
no dia-a-dia. Entendo que a forma como se organiza o trabalho cotidiano guarda, em
última instância, uma profunda relação com as concepções acerca da prática,
78
conduzindo ao modelo concretamente operado de prática profissional farmacêutica
vigente.
Análise dos Dados
As entrevistas foram gravadas e transcritas. Os dados coletados foram
codificados, à medida que as entrevistas foram realizadas, mantendo dessa forma o
sigilo e a ética na pesquisa.
Após essa etapa, foi feita a análise qualitativa do conteúdo das respostas que
implicou nas tarefas de categorização, classificação e organização dos resultados
obtidos. Para realizar a sistematização dos dados, a partir da análise de conteúdo
das respostas obtidas, foram estabelecidas categorias-chave descritas mais adiante.
O exame das entrevistas seguiu a análise de conteúdo proposta por Bardin
em seu livro Análise de Conteúdo (1977). A análise das comunicações é um recurso
para a reflexão nas ciências sociais. A conduta e as ações realizadas apresentam-se
em um contexto que é verbalizado e, através das palavras, são expressas as
circunstâncias que vivem os atores naquele momento.
Segundo a autora citada, o conceito de análise de conteúdo se apresenta
como sendo:
Um conjunto de técnicas de análise de comunicações, que utiliza
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo
das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a
inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/
recepção (variáveis inferidas) destas mensagens. (BARDIN,
1977:42).
Para que se pudesse analisar o material coletado, o texto foi decomposto
e analisado sistematicamente, a fim de relacionar as respostas obtidas aos objetivos
79
da pesquisa. Neste estudo, a decisão foi trabalhar com a categorização, de acordo
com as condições da análise temática de conteúdo.
Com essa técnica, são obtidos dados qualitativos e quantitativos. A
inferência é associada à condição qualitativa, pois colabora com a obtenção dos
núcleos de sentido que se apresentam no texto e a freqüência das respostas
compõe o aspecto quantitativo da análise (ROCHA & DEUSDARÁ, 2006). A opção
desse estudo foi seguir a análise qualitativa da análise de conteúdo.
Segundo Bardin (1977), o trabalho de análise se inicia pela fragmentação da
comunicação para a análise do conteúdo expresso em categorias. As categorias
funcionariam como gavetas ou rubricas que possibilitam a ordenação dos elementos
presentes no texto e que, logo a seguir, será aplicado às partes do texto que a eles
se referem (MOURA 2005). A análise é, dessa forma, conduzida através de
inferências sobre os conhecimentos do emissor da mensagem, de modo a
evidenciar o conteúdo das falas.
Os estados latentes de tensão, motivação, satisfação bem como as
estruturas psicológicas, políticas, históricas e sociológicas se expressarão através da
análise do texto fornecido como produto da entrevista. Nesse sentido, buscou-se
identificar os sentidos ocultos no texto, de modo a compreender a relação entre o
ator e o cenário envolvido (no caso, os farmacêuticos e o contexto da farmácia
comunitária).
No caso dos farmacêuticos, a motivação para seguir a carreira
farmacêutica, a aquisição de experiências profissionais, as atitudes e impressões, e
suas decorrentes implicações na prática da farmácia, foram analisadas em tipologias
80
construídas a partir da natureza dos estabelecimentos, com direções de análise
múltiplas em função das questões postas aos profissionais.
De acordo com Pierson (1975), a concepção da prática é evidenciada como
sendo as representações que os sujeitos formulam da sua atuação nos grupos
sociais a que pertencem. Tomando isso por base, o repertório de respostas foi
decodificado e buscou-se analisar a percepção dos farmacêuticos frente a sua
prática profissional.
Seguindo a perspectiva de Bardin (1977), a análise temática obedeceu a
três momentos: (1) pré-análise; (2) exploração do material; e, (3) tratamento dos
resultados obtidos e interpretação.
Após essa seqüência, para a exploração do material com o objetivo de
alcançar o cerne de compreensão do texto, diversas releituras foram feitas com vista
a assinalar as idéias consideradas mais importantes, de modo que os temas, as
idéias-chave e os núcleos de sentido ficassem destacados. A etapa seguinte foi a
identificação dos núcleos de sentido e o agrupamento dos temas em categorias.
O resultado desse processo resultou em cinco grandes categorias, que foram
posteriormente subdivididas, conforme se poderá ver no capítulo dos resultados:
1. Processo de formação
2. Prática profissional
3. Dificuldades da população no uso de medicamentos
4. Satisfação dos farmacêuticos na farmácia
5. Significado atribuído ao termo Atenção Farmacêutica.
81
7. Os farmacêuticos: percepções sobre sua práxis
As entrevistas duraram, em média, 63 minutos, apesar da extensão do
instrumento de coleta. Todas, exceto uma, ocorreram no próprio estabelecimento,
local de trabalho do farmacêutico, sendo algumas realizadas no balcão da farmácia,
distante dos demais funcionários, e outras em ambiente reservado no interior da
mesma, de modo a garantir o mínimo de interrupções possíveis.
Um único farmacêutico foi entrevistado fora da farmácia em que trabalhava. O
encontro ocorreu, a seu pedido, em outro local seu de trabalho. Ficou aparente, ao
longo dos contatos para a realização desta entrevista, que o profissional tem uma
“irregularidade de presença” no estabelecimento. Sua presença é motivada por
solicitação dos outros funcionários do estabelecimento, quando a avaliam como
sendo necessária. A maior parte do tempo, ele permanece em outro local de
trabalho e isto não apenas é assumido por ele, como é conhecido e chegou a ser
citado — de forma crítica — por outros farmacêuticos da região:
Os farmacêuticos ouvidos: perfil sintético dos participantes
Foram entrevistados 15 farmacêuticos responsáveis técnicos, com
distribuição equânime pelos três tipos de estabelecimentos examinados: farmácias
familiares, farmácias de redes locais e de redes estaduais. Um perfil de
entrevistados encontra-se na tabela 2 a seguir:
82
Tabela 2: Perfil dos entrevistados
Entrevistado
Tipo de
Estabelecimento
Sexo
Idade
(anos)
Ano de
Formatura
Local de
Formatura
Outras
Qualificações
Tempo de
atuação na
Profissão
(anos)
Tempo de
atuação como
R.T. em
farmácia
comunitária
(anos)
Atividades
pregressas como
farmacêutico
Atividades
concorrentes
como
farmacêutico
Tempo de
atuação no
estabelecimento
(anos)
Farmácia comunitária de rede estadual
F1RE Drogaria M 55 1977 UFF Hab. Bioquímica 29 29
Manipulação de
medicamentos
Farmácia comunitária
Análises Clínicas
Farmacêutico
da rede
pública
estadual
21
F2RE Drogaria F 26 2004 UFRJ
Hab. Bioquímica
(incompleta)
2 2 Farmácia hospitalar Drogaria 2
F3RE Drogaria F 47 1979 UFF
Hab. Bioquímica,
Esp. Patologia
Esp. Embriologia
Mest. Patologia
(em curso)
27 24
Farmácia comunitária
Lab. Análises Clínicas
Prof. das disciplinas de
patologia e embriologia
- 3
F4RE Drogaria F 26 2004 UNIGRANRIO
Hab. Bioquímica
Esp. Citologia
1,5 1,5 Distribuidora Drogaria 1,5
F5RE Drogaria M 68 1981 UFF Hab. Bioquímica 25 26 Drogaria Drogaria 20
Continua
83
Tabela 2 (continuação): Perfil dos entrevistados
Entrevistado
Tipo de
Estabelecimento
Sexo
Idade
(anos)
Ano de
Formatura
Local de
Formatura
Outras
Qualificações
Tempo de
atuação na
Profissão
(anos)
Tempo de
atuação como
R.T. em
farmácia
comunitária
(anos)
Atividades
pregressas como
farmacêutico
Atividades
concorrentes
como
farmacêutico
Tempo de
atuação no
estabelecimento
(anos)
Farmácia comunitária familiar
F1FM Farmácia M 26 2005 UNESA
Farmacêutico
Generalista
0,5 0,5
Farmácia de
Manipulação
- 0,5
F2FM Farmácia M 22 2004 UNESA
Farmacêutico
Generalista
0,8 0,8 - - 0,8
F3FM Farmácia M 76 1951
UFF
- 55 55 Farmácia Comunitária - 55
F4FM Drogaria M 36 2005 UNIGRANRIO
Hab. Bioquímica
Esp. Homeopatia
0,5 0,5 Farmácia Homeopática - 0,5
F5FM Drogaria M 47 1995 UNIGRANRIO
Hab. Bioquímica
Esp. Análises
Clínicas
13 10
Forças Armadas
Lab. Controle de
Qualidade
Farmácia comunitária
Laboratório de
Análises
Clínicas
10
Continua
84
Tabela 2 (continuação): Perfil dos entrevistados
Entrevistado
Tipo de
Estabelecimento
Sexo
Idade
(anos)
Ano de
Formatura
Local de
Formatura
Outras
Qualificações
Tempo de
atuação na
Profissão
(anos)
Tempo de
atuação como
R.T. em
farmácia
comunitária
(anos)
Atividades
pregressas como
farmacêutico
Atividades
concorrentes
como
farmacêutico
Tempo de
atuação no
estabelecimento
(anos)
Farmácia comunitária de rede local
F1RL Drogaria F 28 2000 UNIGRANRIO
Pós-Grad.
Farmácia
Hospitalar
6 3 Distribuidora - 3
F2RL Drogaria F 30 1998 UNIFENAS Hab.Bioquímica 8 8
Laboratório de Análises
Clínicas
Farmácia comunitária
Laboratório de
Análises
Clínicas
0,5
F3RL Drogaria F 38 1991 UFRJ
Hab.Bioquímica
Mest. Microbiologia
Dout. Microbiologia
(incompleto)
15 15 - - 15
F4RL Drogaria F 27 2003 UNIGRANRIO
Hab. Bioquímica
(em curso)
Esp.Homeopatia
3 3 - - 3
F5RL Farmácia F 26 2004 UFF
Hab. em Indústria
Esp. Homeopatia
2 2 Drogaria Drogaria 1
Legenda: Hab = Habilitação; Esp = Especialização; Mest = Mestrado; Dout = Doutorado; Pós-Grad = Pós-Graduação: UFF= Universidade Federal
Fluminense; UFRJ = Universidade Federal do Rio de Janeiro; UNIGRANRIO = Universidade do Grande Rio; UNESA = Universidade Estácio de Sá;
UNIFENAS = Universidade de Alfenas; RT = Responsável Técnico; F = Feminino; M = Masculino; FRE = Farmacêutico de Rede Estadual de farmácias; FFM
= Farmacêutico de Farmácia Familiar; FRL = Farmacêutico de Rede Local de farmácias.
85
Sete dos entrevistados eram homens (46,7%). Cabe destacar que, nas
farmácias familiares, todos os entrevistados eram do sexo masculino, situação
inversa da observada naquelas de rede local.
A faixa etária variou entre 22 e 76 anos, com mais da metade deles tendo até
30 anos de idade. Não se observou, contudo, qualquer padrão de distribuição
específico segundo o tipo de estabelecimento.
O tempo de formado dos profissionais variou entre 2 e 56 anos, com mediana
de 6 anos, coerente com a faixa etária predominante jovem dos sujeitos.
Todos os entrevistados atuam profissionalmente como farmacêuticos desde a
saída da faculdade. Entretanto, deve ser destacado que praticamente a metade
deles tinha uma experiência bem recente, já que 46% tinham três anos ou menos de
atuação como farmacêutico.
De forma semelhante, a quase totalidade dos profissionais vem atuando como
responsáveis técnicos desde a conclusão de suas graduações, com duas exceções,
ambos profissionais que demoraram cerca de três anos para assumirem essa
função. Ou seja, tão logo se formaram e iniciaram suas vidas profissionais, os
entrevistados já assumiram funções de responsabilidade frente às farmácias
comunitárias, denotando assim um campo de trabalho aberto para novos
profissionais, não sendo exigida muita experiência anterior.
A importância da assunção da responsabilidade técnica pelo farmacêutico
está ligada à exigência de normas sanitárias, tais como a lei n° 5991/73 (BRASIL,
1973). Esta lei condiciona a regularização de qualquer estabelecimento que
dispense medicamentos à prévia contratação de farmacêutico no cargo de
86
responsável técnico. Sobre a responsabilidade técnica nas farmácias e drogarias é
previsto, pela Resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) de nº. 357 de 20
de abril de 2001, que as atribuições do farmacêutico estão dimensionadas de modo
a garantir ao usuário de medicamentos o mínimo risco no que tange ao uso de
medicamentos. O conhecimento prévio e o cumprimento de normas éticas e
sanitárias fazem parte do perfil que o farmacêutico deve ter para exercer a
responsabilidade técnica. Todas as ações farmacêuticas realizadas no âmbito da
farmácia comunitária são de responsabilidade desse profissional. O mesmo deve ter
condições de executar uma análise crítica de todo o contexto biopsicossocial que
compõe o universo da farmácia.
O fato de farmacêuticos recém-formados assumirem, assim que concluem a
graduação, o cargo de responsável técnico indica a presença de inexperiência,
muitas vezes conectada ao acanhamento de questionar normas e procedimentos já
usuais no estabelecimento e que não encontram respaldo na legislação vigente.
Meu primeiro emprego foi numa clínica. A clínica era uma bagunça,
pelo menos na que eu fui... Não gostei. (...) A farmácia era muito mal
administrada. O farmacêutico não era ouvido pelos médicos.
Funcionava assim: os médicos mandavam e alguns abaixavam a
cabeça. Eu saí daquilo... (Farmacêutico F2RE)
Quanto ao tempo de trabalho nos presentes estabelecimentos que atuam, a
grande maioria tinha duração deste igual ou muito próxima a seu tempo de formado
Ainda que isso fosse previsto para o caso das farmácias familiares, onde se espera
que haja certo “processo de sucessão”, o mesmo também se verificou nas farmácias
de redes.
87
Talvez isso reflita uma dificuldade de substituição de profissionais nas
localidades escolhidas para a realização da pesquisa
17
, associada a uma busca de
estabilidade por parte dos farmacêuticos. Por outro lado, isso significa também que a
maioria, com raras exceções, “convivia”, há bastante tempo, com a prática vigente
no seu local de trabalho, prática esta ditada, pelo menos em parte, por sua própria
atuação e condução.
Foi observado que a maioria dos entrevistados possuía habilitações
adicionais ao curso regular de nível superior, com predominância da habilitação em
Bioquímica. Cursos de pós-graduação também foram citados, principalmente pelos
farmacêuticos que trabalhavam em farmácias de redes estaduais e locais, com
ênfase na especialização em Homeopatia, relatada em ambos os grupos de rede.
Ademais, um dos entrevistados estava cursando pós-graduação stricto sensu
(Mestrado) e outro tinha o Doutorado incompleto.
O grau de qualificação encontrado em todas as tipologias de estabelecimento
estudadas indicou a presença do empenho pessoal e intelectual dos farmacêuticos
em obter conhecimentos técnicos que proporcionassem condições de estarem
inseridos com diferencial no mercado de trabalho.
Santos (1999) assinala a presente “especialização” do profissional
farmacêutico como um indicador do lócus preferencial de atuação do mesmo na sua
carreira. Portadores de títulos de habilitação — em Indústria, Bioquímica ou
Bromatologia, por exemplo — tem, na natureza da habilitação, a especificação do
seu local de trabalho e para onde direcionaram seus estudos na faculdade. Em
17
Mais de um dos farmacêuticos mencionaram, ao longo de suas entrevistas, que existia uma
dificuldade das farmácias dos municípios de Itaboraí e Tanguá conseguirem contratar responsáveis
técnicos para seus quadros.
88
termos de estabelecimento farmacêutico, entretanto, este autor distingue que
somente o farmacêutico que atua com manipulação de medicamentos homeopáticos
possui um complemento nominal a sua formação de origem, sendo reconhecido
como farmacêutico homeopata.
Por outro lado, destaca-se, no perfil dos entrevistados, uma concentração de
profissionais sem especializações nas farmácias familiares, talvez pela exigência de
uma maior dedicação aos negócios das famílias ou por certo grau de estabilidade
laboral, que dispensa ou permite retardar a busca por especialização. Outro fator
que pode contribuir para isso pode ser a pouca disponibilidade de tempo para
estudos pós-formatura, pela necessidade de dedicar-se a atividades
predominantemente administrativas.
Sobre suas atividades pregressas, o que pode lhes conferir um grau de
experiência profissional acumulada, observou-se que 80% dos entrevistados
trabalharam em outros locais, como farmacêuticos, antes de estarem no exercício da
responsabilidade técnica atual. As áreas de concentração destas atividades
anteriores foram prioritariamente: outras farmácias e drogarias (8); laboratórios de
análises clínicas (4); farmácias de manipulação (3); distribuidora de medicamentos
(2); e outros (farmácia hospitalar, laboratório de controle de qualidade e magistério
superior).
Este leque diversificado permite inferir que a porta de entrada na carreira
farmacêutica é de natureza ampla, não sendo a farmácia comunitária a única opção
no mercado de trabalho dos recém-formados. Ao mesmo tempo, sinaliza-se o alto
número de referências à experiência profissional pregressa na área de farmácias e
89
drogarias, o que pode indicar um campo de trabalho potencial para o farmacêutico
nesse tipo de estabelecimento.
Do total de entrevistados, a maioria relatou não trabalhar em outro local,
sendo uma constante a observação de dedicação exclusiva no grupo de
farmacêuticos proprietários, independente da tipologia de farmácias.
As categorias apresentadas a seguir emergiram da análise do conteúdo das
entrevistas realizadas com os farmacêuticos.
Categoria I – Processo de Formação
Nesta etapa serão apresentados os aspectos relacionados à motivação em
seguir a carreira farmacêutica, o desenrolar da vida acadêmica, e a influência
desses fatos nas suas biografias.
Motivação para seguir a carreira farmacêutica
Motivação é um conceito psicológico que se refere ao ato de fornecer algum
incentivo no sentido de alcançar um objetivo. No Aurélio (FERREIRA, 1999), pode
ser sintetizado como um conjunto de fatores, “os quais agem” entre si e determinam
a conduta de um indivíduo.
Os farmacêuticos entrevistados foram questionados sobre as razões que os
levaram a decidir pela carreira farmacêutica e as respostas indicaram múltiplos
motivos. Predominou, entre estes, a influência de pais, familiares e amigos, mesmo
naqueles que não pertenciam ao grupo de farmácias familiares:
[...] Eu sempre gostei muito da área médica. Os meus tios
trabalharam em farmácia... Tenho três tios que trabalharam mais de
30 anos em farmácia. Eram muito populares com a família, e eu fui
tomando gosto por isso. (Farmacêutico F2RE)
90
Outro motivo importante e relacionado foi o fato de já estar no mercado de
trabalho como proprietário de farmácia. Afirmação esta feita também por
profissionais que hoje atuam fora de estabelecimentos familiares, tais como
farmácias comunitárias de redes locais e estadual:
[...] porque eu sou neto de farmacêutico, meu pai era farmacêutico, e
ele já tinha uma farmácia aqui. (Farmacêutico F3FM).
Muitos ainda assinalaram que optaram pela carreira farmacêutica movidos
pelo desejo de serem profissionais de saúde. Outros motivos alegados para a
escolha incluíram a possibilidade de estabilidade financeira e profissional, a chance
de compatibilizar uma vida profissional com filhos e cuidados domésticos, a
afinidade com certas disciplinas no ensino de segundo grau (química), o fetiche pelo
uniforme, a possibilidade de ganho de salários atrativos ou ainda as dificuldades
enfrentadas pela família para contratar farmacêutico para o estabelecimento.
Eu gostava muito de química (...). Eu fiz escolha para química e para
farmácia, só que química era muito matemática (...) e a farmácia
tinha um lado humano, além de ter as disciplinas que eu gostava. Foi
uma escolha. (Farmacêutico F5RL).
A necessidade (...) meu pai, há muito tempo, tem farmácia e foi
ficando caro pagar o farmacêutico (Farmacêutico F2FM).
Quando decidiram pela carreira farmacêutica, muitos dos entrevistados não
reuniam informações concretas de como seria a prática farmacêutica após a
formatura. A faculdade teve, para eles, grande influência, pois os moldou para o
mercado de trabalho.
A Faculdade
Como visto no estudo, houve uma ligeira predominância de farmacêuticos
entrevistados egressos de universidades privadas em relação às públicas. Esse fato
91
pode ser devido ao maior número de faculdades de natureza privada no estado do
Rio, com a conseqüente maior oferta de vagas, agregando uma presença maior
desses profissionais no mercado de trabalho.
Sobre o período de vida acadêmica e o curso propriamente dito, alguns
tiveram críticas e avaliavam que a faculdade não os preparou adequadamente para
sua prática futura na farmácia comunitária:
[...] Dentro do curso de farmácia, eu não gostei do curso. Faltou mais
aprofundamento. Achei pouco tempo, só três anos... O meu [curso]
foi três anos de Farmácia e um ano de Análises Clínicas. Achei
também o curso fraco (...) saí da faculdade sem saber nada. Foi
mesmo com a prática e muita leitura, eu procurando saber através de
medicamentos, que deu para aprofundar. (Farmacêutico F2RL).
Eu esperava mais, ter uma base melhor, para eu juntar a prática com
a teoria (...). Eu acho que, na faculdade, eles dão pouca base para o
farmacêutico [atuar] na farmácia comercial. Porque lá, a gente estuda
um pouquinho de cada coisa. Mas eu acho que um pouquinho de
farmácia comercial tinha que ter. Todo mundo acha... (Farmacêutico
F2FM).
Um espaço para essa “junção” da teoria e prática, ainda durante o curso
universitário, são os estágios realizados ao longo do processo de formação. Sobre a
experiência nestes estágios e em projetos de pesquisa, na forma de iniciação
científica, os entrevistados alternaram respostas de grande envolvimento com
projetos extracurriculares, enquanto outros passaram pela faculdade realizando
somente a carga de estágios considerados obrigatórios. Não houve diferença
significativa quanto à participação em estágios segundo as tipologias de farmácia
analisadas.
92
Os farmacêuticos F1RE e F3RE participaram do Projeto Rondon
18
, e
asseguraram que este foi um marco nas suas vidas, como ponto de inclusão de
experiências e vivências na área da saúde, reforçando a necessidade de
treinamento das práticas profissionais na academia:
O Projeto Rondon foi o principal para mim, foi o fator preponderante
dentro profissão. [Ele] me fez ver que o pouquinho que eu estava
aprendendo na faculdade [era útil]. Como eu ajudei com aquilo, me
trouxe uma sensação de bem-estar. (...). Ali, você formava sua
opinião e tinha segurança. Se você não tiver essa oportunidade, você
vai estar sempre se guiando pelo que está escrito no livro e pelo que
outros formadores estão passando para você naquele momento.
(Farmacêutico F1RE).
[...] fiz [estágio] na graduação, foi em Farmácia Clínica. A gente
pegava os casos clínicos do hospital e estudava ... Ia ver se a
prescrição estava certa. (...) Iniciação cientifica, não fiz, mas a gente
fez estágios vinculados à coordenação da faculdade. Fora isso, como
eu gostava muito de hospital (...) fiz estágio lá, por minha conta. (...)
Foi no Hospital Municipal X (...) Excelente a equipe, me motivaram
bastante. (...) Para elas [as farmacêuticas staffs da referida
instituição hospitalar], é muito difícil fazer essa clínica, mas eu, que
era estagiária e que já gostava daquilo... Pegava as pranchetinhas
do banco de doses (...) Elas me deixavam fazer, elas não tinham
tempo de fazer tudo. E eu precisava aprender, porque eu estava no
estágio para aprender, e foi ótimo. Todo mundo reclama de hospital,
mas eu adorei. (Farmacêutico F4RE).
Muitas vezes, a realização de estágios — ou a inclusão de outros não
obrigatórios, mas entendidos como importantes — agrega dificuldades significativas.
O depoimento abaixo, de um entrevistado atuante em farmácia familiar, ilustra o
esforço pessoal que muitos fizeram para superar as dificuldades e se formar:
Fiz todos os estágios (...) que eram obrigados ou não. (...) Eu fiz
homeopatia, a grade de horário é de 240 horas de estágio. (...) Eu já
fazia estágio em um laboratório alopático, no controle de qualidade,
eu tive esse privilégio (...) o estágio da área hospitalar era, na época,
obrigado a cumprir e o homeopático, não era, mas eu quis fazer. (...)
18
O Projeto Rondon é um projeto de integração social coordenado pelo Ministério da Defesa e que
conta com a colaboração da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação – MEC. O
Projeto envolve atividades voluntárias de universitários de áreas diversas e busca aproximar esses
estudantes da realidade do País, além de contribuir, também, para o desenvolvimento de
comunidades carentes. Acessado em 29 de janeiro de 2007, em:
https://www.defesa.gov.br/projeto_rondon/index.php?page=projeto_rondon
.
93
Fiz por opção de trabalho, não era obrigado, não ganhava nada.
Ficava lá o dia inteiro, de 8 às 17, uma vez por semana, levando
almoço, gastando passagem, deixando de ganhar dinheiro. E
precisando (...). Mas meu primeiro emprego foi como homeopata.
(Farmacêutico F4FM).
A motivação para se inserirem em estágios aparece como uma busca de
suprir os hiatos das práticas acadêmicas e, simultaneamente, a garantia de treino
para o momento profissional.
Eu fiz tantos cursos, tantos estágios, que eu nunca fiquei
desempregada. Acho que tive muita experiência na faculdade. Claro
que eu pequei muito, mas aprendi muito dentro da universidade.
(Farmacêutico F3RE).
O estágio em farmácias e drogarias, entretanto, foi exceção. Somente três
farmacêuticos declararam ter feito tal estágio, dois dos quais são donos e fizeram
seus estágios nas próprias farmácias, sem supervisão de farmacêutico responsável
ou controle da universidade:
[...] o meu estágio foi aqui mesmo. Fiz o convênio, e aqui eu pude
(...) na verdade, eu não saí da minha rotina. (...) Era a mesma coisa.
Fiz estágio quatro anos. (Farmacêutico F1FM).
Talvez essa pouca procura pelas farmácias comunitárias como lócus de um
aprendizado adicional, via estágios, decorresse da não valorização desse espaço de
atuação do farmacêutico pelos alunos, seja por influência das faculdades, seja pelo
que se configurava (muito mais idealmente que na prática) como futuro mercado de
trabalho.
Final da Faculdade: caminhos que se abrem
O farmacêutico está apto a ingressar no mercado de trabalho quando conclui
a graduação do curso universitário de Farmácia e está inscrito no Conselho Regional
de Farmácia (CRF) da sua jurisdição. A profissão é regulamentada pela Lei nº.
94
3.820/60 e pelo Decreto nº 85.878/1981, que estabelece as normas para sobre o
exercício da profissão farmacêutica no país e dá outras providências (BRASIL, 1960;
1981).
As Resoluções emanadas do CFF definem a abrangência da atividade do
farmacêutico no território nacional. O mercado desses profissionais está diretamente
relacionado à extensa possibilidade de atuação nos estabelecimentos onde o
trabalho relacionado ao medicamento é contemplado.
Os critérios para a assunção de responsabilidade técnica pelos
estabelecimentos farmacêuticos são definidos pela Lei nº. 5.991/73 e o Decreto nº
74.170/74, que a regulamenta (BRASIL, 1973; 1974). De modo sintético é dito pelas
normas anteriormente citadas que os estabelecimentos farmacêuticos que realizam
fabricação, distribuição e dispensação de medicamentos devem estar sob a
responsabilidade técnica de um profissional habilitado.
Drogarias, farmácias com e sem manipulação (alopática ou homeopática),
farmácias hospitalares, distribuidoras de medicamentos e correlatos, empresas
importadoras e exportadoras de medicamentos, laboratórios de produtos oficinais,
dedetizadoras, transportadoras de medicamentos, laboratórios de análises clínicas,
indústrias de medicamentos e insumos farmacêuticos, são exemplos de lócus de
atuação, respeitadas as exigências legais para o exercício profissional.
Os entrevistados deixaram patente a dúvida presente sobre que caminho
seguir na época de conclusão do curso de Farmácia. Muitos ansiavam em continuar
ou aprofundar sua formação em cursos de pós-graduação, retardando desse modo
sua efetiva atuação como profissional farmacêutico. Outros sinalizaram a
95
necessidade de entrar no mercado de trabalho e se tornar um profissional
assalariado.
Na época que entrei na faculdade, eu tinha uma meta, que era fazer
análises clínicas (...) mas só que eu fui para a UFRJ e eu comecei a
fazer iniciação científica... Eu gosto muito de pesquisa e pensei em
fazer mestrado (...). Só que varias coisas me motivaram a sair, como
as motivações financeiras, eu precisava trabalhar e aí eu vim para a
farmácia. Até porque na clinica que eu trabalhava eu não gostava
muito da relação médico-farmacêutico, e resolvi trabalhar em
drogaria. E estou gostando. (Farmacêutico F2RE).
Estariam as faculdades de Farmácia preparando os futuros profissionais para
atuar nesta gama tão variada de atividades que compõem o dia-a-dia dos
farmacêuticos? Muitos, ao serem indagados sobre se estavam ou sentiam-se
preparados, ao término de seus cursos, para o ingresso no mercado de trabalho,
acrescentaram imediatamente que não:
Não, preparada para estar aqui, não. Eu estava preparada para dar
continuidade a minha vida acadêmica: seminários, provas,
experimentos, isso sim, aquela rotina que eu adorava. Mas aqui
fora... A universidade não te prepara para o campo de trabalho. Pelo
menos, aqui [na farmácia comunitária] eu vejo que não.
(Farmacêutico F2RE)
[...] parece que a gente sai da faculdade sem a base. Eu já sabia o
que tinha que fazer porque eu já estava dentro da área, já trabalhava
e tudo... Mas a sensação é que a faculdade ia te dar mais,
entendeu? (Farmacêutico F1FM).
Aprendo no ambiente de trabalho (...) claro que farmacologia e
mecanismo de ação é muito importante, mas a gente estar aqui [na
farmácia] e saber conversar com o paciente, cliente, como chegar a
ele, até mesmo uma visão do que é uma farmácia, é importante.
Como o farmacêutico tem que se portar? (...) Nós não fomos
formados para ter essa visão. Pelo menos, na [Universidade X] não
te passa isso. Porque a nossa vida lá é completamente acadêmica.
Tipo eu adorava mecanismo de reação, mas você não tem a menor
noção do que é mercado de trabalho. (Farmacêutico F2RE)
96
Categoria II – A Prática Profissional
Os primeiros empregos ou o caminho até a farmácia comunitária
Saber sobre a trajetória profissional prévia dos entrevistados teve como
objetivo entender o caminho percorrido por eles até os dias de hoje. Assim buscou-
se identificar a influência e o acúmulo de habilidades que estivessem contribuindo
com a prática profissional na atual farmácia comunitária. A maior parte dos
entrevistados indicou que a farmácia comunitária não foi o único local de atuação.
Nas três tipologias analisadas há dois denominadores em comum: a presença
de recém-formados que só trabalharam em farmácias comunitárias, ou que estão
ainda no primeiro emprego, e a presença de farmacêuticos que possuem um
histórico de trabalho bem diversificado.
Os farmacêuticos que trabalham em rede estadual foram, na sua grande
maioria, os que tiveram um acúmulo de experiências profissionais em farmácias e
drogarias, sugerindo a existência de processos seletivos para contratação de
farmacêuticos em farmácias de rede estadual, onde aqueles com maior experiência
profissional e/ou melhor currículo são contratados. Alguns aproveitaram a entrevista
para compartilhar o fato de que, no passado, não tinham a mesma dedicação de
hoje:
[...] de 1982-1990: eu ia à farmácia, mas sem presença atuante, indo
só aos sábados. Desde 2003, não, atuo indo diariamente (...).
(Farmacêutico F3RE)
[...] eu já fui responsável por uma farmácia lá em Parati. Eu ia no fim
de semana e fazia o livro e o balanço (de medicamentos).
(Farmacêutico F1RE)
97
Em contrapartida, os de farmácias familiares e de rede local são os que
possuíram menor tempo de experiência profissional em farmácias comunitárias.
Pode-se crer que esse fato seja devido ao pouco tempo de formados que eles têm e
ainda por ser, em alguns casos, o seu primeiro emprego.
Nesse grupo, se vê também a mesma mudança de postura profissional:
Drogaria que eu só ia para assinar. (...) Como eu te falei: eu só ia
mesmo para responsabilizar a farmácia, olhar o controlado, não
ficava direto no balcão dando assistência. Depois que eu vim para
esse município é que eu comecei a ficar de frente na drogaria, dando
Assistência Farmacêutica. (...) Em 2001, eu vim para esse município,
me responsabilizei por uma farmácia, mas era pequena... Depois, eu
responsabilizei a drogaria de rede X, que exigia a presença do
farmacêutico. Lá eu tive mais experiência, comecei a ter experiência
dentro da drogaria X. Depois vim para essa farmácia e fico aqui
todos os dias, dou Assistência Farmacêutica. (...) Em Minas tem
muita faculdade de farmácia. Aqui no Estado do Rio, nós somos até
mais procurados, do que lá. Lá, o farmacêutico ganha menos por
causa da quantidade de profissional que sai por ano das faculdades.
(...) Aqui o campo está melhor. (Farmacêutico F2RL)
Vou falar a realidade. Fui farmacêutico responsável por uma farmácia
em Teresópolis durante 40 anos. Eu moro em Rio Bonito. Tem
condição de eu ir a Teresópolis todo dia?(...) Essa aí eu saí
despedido porque acabou a firma. Fui lá algumas vezes (...) Cheguei
a ter quatro responsabilidades
19
. (...) A procura pelo curso de
Farmácia é porque o Conselho [Conselho Federal de Farmácia] está
obrigando o proprietário de farmácia a ter farmacêutico presente oito
horas diárias ou em todo período que estiver aberto. (...) A decisão
foi boa. No início, eu achei que foi muito ruim porque eu tinha outras
responsabilidades, no caso de farmácias, mas na realidade a decisão
foi boa. Quem ganhou foi o farmacêutico. (Farmacêutico F3FM)
Apesar da constante presença de farmacêuticos nas farmácias, indicando
uma mudança na forma de atuar, ainda é flagrado a inconstância de presença
nestes estabelecimentos ou mesmo a presença de um discurso sobre a falta de
necessidade do farmacêutico nesse lócus.
19
Até meados de 1980 o farmacêutico podia possuir mais que duas responsabilidades técnicas.
Atualmente, o CRF-RJ, mantém-se o limite para até duas responsabilidades técnicas por profissional.
98
Fui responsável por farmácias em São João de Meriti, em Mesquita...
E uma vez fui convidado a ir ao Conselho [Conselho Regional de
Farmácia] para explicar sobre uma diferença no estoque de
controlados. (...) arrumei uma receita, disse que não tinham achado
na hora (...). (Farmacêutico F5FM)
Os farmacêuticos que estavam no seu primeiro emprego assimilavam a
estrutura vigente, pouco alterando a rotina encontrada:
Porque os clientes quando vem, eles querem que o farmacêutico
indique o medicamento, e a gente não pode indicar... E então, a
gente fica limitado. (...) É uma situação bem complicada. É bem
diferente (...). Em outras palavras, a Atenção Farmacêutica eu não
consegui colocar em prática... Eu vi muito trabalho burocrático. Se
deixar, o estabelecimento coloca você só para fazer esse tipo de
trabalho. Eu venho para o balcão porque às vezes sobra tempo (...).
Outra coisa também para falar, eu não fiz estágio em drogaria nem
em manipulação, eu fiz estágio só em farmácia hospitalar. (...) Assim,
eu fiquei bem perdida quando cheguei à drogaria... Depois de um
tempo, eu fui pegando o serviço. O primeiro emprego, meu Deus do
céu... (Farmacêutico F4RL)
A Farmácia comunitária como lócus de trabalho dos farmacêuticos
A farmácia constitui a mais importante porta de acesso da população em
relação ao consumo de medicamentos e devia ser entendida como um posto
avançado de atenção primária de saúde. Segundo dados do Ministério da Fazenda
(BRASIL, 2004), as farmácias e drogarias seriam responsáveis por 76% do
fornecimento direto de medicamentos à população.
No país, muitas vezes, a ida da população à farmácia ocorre antes mesmo da
procura ao médico, fazendo desse estabelecimento um itinerário importante, quando
se deseja obter a saúde perdida. Entretanto, a dinâmica de funcionamento das
farmácias é amparada na busca de soluções para aumentar a sua rentabilidade e
garantir a manutenção da empresa no mercado varejista. Essa realidade não é
vivenciada pelos farmacêuticos nos seus cursos de graduação e a perspectiva de
99
atuar nesses estabelecimentos decai, frente à falta de referencial sobre como atuar
nos mesmos.
Naves (2005) assinala que, no Brasil, há uma série de peculiaridades em
relação ao comércio varejista de medicamentos. Uma delas refere-se ao fato da
maior parte deste segmento ser composta de proprietários leigos, não havendo
mecanismos para impedir a abertura de novas farmácias por eles. Nesse contexto,
basta que a farmácia atenda as exigências sanitárias locais e federais, quanto à
estrutura física e requisitos legais, e que contrate um farmacêutico responsável
técnico, para poder abrir e funcionar.
Na farmácia comunitária, de modo geral, trabalham, além do farmacêutico, os
balconistas, caixas e gerentes; muitas vezes, os próprios donos das farmácias se
encontram atuando nessas funções. Há “lojas” que mantém entregadores de
medicamentos e promotores de vendas designados por representantes de produtos
cosméticos. Os funcionários desses estabelecimentos possuem, via de regra, baixa
escolaridade, não havendo, na maioria dos casos, exigências de qualificação prévia
para fazer parte do quadro de funcionários de uma farmácia.
Temos situações difíceis aqui (...) tivemos o momento de pegarem o
segurança e colocarem no balcão, sem noção de nada, para atender
os clientes (...) Não é fácil. (Farmacêutico F5RE)
Nesse contexto, se observa que o objetivo da farmácia e, por decorrência,
também do seu balconista, é exclusivamente vender medicamentos. Este
trabalhador deve agir de modo a garantir que seu salário, no final do mês, seja algo
maior do que o salário mínimo que usualmente eles têm registrado e garantido pela
carteira de trabalho. No cotidiano, a figura do gerente ou do proprietário consolida
essa prática do funcionário, pressionando-o para otimizar o valor agregado a seu
100
serviço, não deixando nem mesmo um banco ou cadeira por trás do balcão, de
modo a fazer com que esse funcionário se movimente, realizando vendas o tempo
todo. Temos, assim, pessoas atendendo ao público com o interesse de que vendam
o máximo possível e que isso custe o mínimo possível ao proprietário.
Essa dinâmica é estimulada pelas indústrias, que concorrem entre si
fornecendo bônus, comissões e outras vantagens comerciais sobre o incremento da
venda de determinados medicamentos, e fazendo da propaganda, nos meios de
comunicação, um instrumento de sedução ao uso de medicamentos por conta
própria. Desse processo, participam não só as indústrias de medicamentos
similares, mas também de medicamentos genéricos e de referência, conforme visto
no depoimento abaixo e em outros mais à frente.
[...] todas as indústrias atualmente dão comissão para as farmácias,
mas depende muito do laboratório. Genérico e éticos estão dando
comissão também. (...) Dependendo do produto, chega até a 40%,
45% e, também, dependendo da quantidade. Mesmo assim, quando
você compra, eles dão no máximo 35%, mas se for comprar para 3
ou 4 lojas, tipo essas redes que existem, o desconto é maior.
[Laboratório de] referência dá bonificação. Antes do genérico, não
dava, mas hoje dá. (Farmacêutico F2FM)
Esse encorajamento de ações ocorre — e é perpetuado — pela própria
atitude de muitos consumidores, que não tem a compreensão sobre as
circunstâncias que envolvem o processo de saúde-doença e/ou enfrentam
dificuldades — por vezes, significativas — de acesso aos serviços de saúde. Sem
entender o risco existente no consumo de medicamentos indicados tão somente com
base em uma similaridade de sinais e sintomas, aceitam as sugestões dos
balconistas, fechando o ciclo da “empurroterapia”.
Em diversas situações, também, esse consumidor cobra, de modo ativo, a
indicação sobre qual agente específico deve comprar para restabelecer a sua saúde.
101
Illich (1975) já argumentava que a sociedade, devido à crença de que é necessário
enfrentar a doença com medicamentos, estaria assim causando, à sua saúde, um
dano maior.
A automedicação tem também sua consolidação derivada do fato da
população não ter acesso a serviços públicos de saúde próximos às suas
residências. A farmácia se apresenta, então, como um porto seguro, onde o
“cuidado” surge gratuitamente sob a forma de indicação de medicamentos. O
resultado do seguimento desta indicação toma a forma de uma loteria: como em um
jogo, há a possibilidade de haver o restabelecimento da saúde, o desaparecimento
dos sintomas ou, ainda, o surgimento de doenças iatrogênicas que se somariam ao
problema inicial de saúde.
Sugerir e estimular a automedicação, a substituição de medicamentos, a
“empurroterapia”, o incremento da hipocondria, ainda são um flagrante nesses
estabelecimentos, o que denota a ausência de uma postura responsável por parte
da empresa, na figura da sua equipe.
Esse é um breve panorama do que se encontra em muitas das farmácias
comunitárias do estado do Rio de Janeiro. Farmácias são estabelecimentos
comerciais. Nesse sentido, é natural que elas busquem não apenas sua
sobrevivência, mas também o lucro.
Elas são, entretanto estabelecimentos de saúde, e como tal, precisam — ou
deveriam — zelar pelo cuidado à saúde das pessoas que as procuram. É nesse
contexto que se inscreve a responsabilidade técnica do farmacêutico, que tem a
obrigação de responder pelo cumprimento das normas e procedimentos designados
102
pela sociedade, através de leis, e, ao mesmo tempo, de garantir a condução ética
dessa parcela do processo de cuidado.
Como conseqüência, a farmácia comunitária não tende a ser, dentre os vários
locis de trabalho possíveis, uma das aspirações iniciais preferenciais dos
entrevistados. Poucos, no período de estudo, com exceção principalmente daqueles
vinculados a farmácias familiares, vislumbravam este espaço como seu futuro local
de atuação profissional, à época de suas conclusões de curso. Isso envolve uma
contradição, na medida em que esse campo corresponde ao maior número de
postos para farmacêutico no mercado de trabalho.
[...] a maioria (...) sai da faculdade pensando em trabalhar na
indústria, em análises clínicas, e nunca numa farmácia e drogaria
(...). É de um tempo para cá, que vem sendo direcionado, não pelo
querer do farmacêutico, mas pela necessidade de trabalho.
(Farmacêutico F1RE)
Você nunca pensa em trabalhar em farmácia comercial. Todo
mundo, quando entra na sala de aula, na faculdade, pensa em
farmácia comercial como a última coisa, mas, na realidade, é a
primeira opção de trabalho que o farmacêutico encontra.
(Farmacêutico F2FM).
Essa não prioridade — ou não desejo — pelo trabalho na farmácia
comunitária pode estar relacionado a (ou, pelo menos, ser encorajado por) uma
formação universitária tecnicista que, como Santos (1999) apresenta, deixa o
farmacêutico na falsa dicotomia entre ser um tecnólogo ou um profissional de saúde.
Este autor ressalta ainda que o farmacêutico foi, pouco a pouco, com as alterações
curriculares nas universidades brasileiras, se distanciando do eixo principal de sua
função social, qual seja, a de profissional de saúde.
Podem, ainda, ser sinalizados como possíveis fatores contribuintes, por um
lado, a falta de investimentos em políticas públicas, só incrementadas a partir dos
103
meados dos anos 90 e continuando nesses primeiros anos do século XXI (BRASIL,
2002), que ajudariam a fortalecer sua identidade como profissional de voltado para a
saúde da sociedade. Por outro, existe uma pressão da estrutura comercial também
determinando o produto das ações do farmacêutico no cotidiano das farmácias.
Talvez em decorrência dos aspectos acima listados, muitos dos entrevistados
afirmaram que se sentiram despreparados, quando do início de suas vidas
profissionais nas farmácias comunitárias:
Não, preparada para estar aqui, não. Eu estava preparada para dar
continuidade a minha vida acadêmica. (...) A universidade não te
prepara para o campo de trabalho. Pelo menos, aqui [na farmácia
comunitária], eu vejo que não. (Farmacêutico F2RE)
Vai um pouquinho de medo, rola um receio. Será que vou conseguir?
Será que vou dar conta do recado? Normal. Mas eu acho que, se
tivesse encaminhado para a área hospitalar, eu me daria melhor
assim. Porque eu fiz quase dois anos de estágio, eu tenho uma
experiência acumulada. Na farmácia comunitária, eu não sabia
nada... Eu ficava naquele receio: “nossa, será que o medicamento
com o nome comercial... eu não sei, e tem similar, tem genérico”. É,
no comecinho, foi meio complicado... eu olhava o DEF, ia ler, ia me
informar. (Farmacêutico F4RE).
Alguns, entretanto, tiveram mais facilidade, auxiliados pelos estágios
realizados ou por já terem alguma vivência decorrente de suas ligações familiares
com esse tipo de estabelecimento:
Eu me senti preparado porque eu fui me dedicar a uma coisa que eu
já conhecia, que era a farmácia comercial, a farmácia comunitária. Já
tinha uma vivência grande e muitos anos nela... Então, não tive
dificuldades... Inclusive na área de legislação, na parte de controle de
medicamentos, eu já fazia antes. Para mim, não tive dificuldade.
(Farmacêutico F5RE).
Eu me sentia preparado para o mercado, seja qual fosse [em função
dos inúmeros estágios feitos]. Mas eu não tinha experiência... Eu
estava preparado, porque eu recebi informações... Se eu tiver
dúvidas, eu não vou passar dúvidas para o próximo [paciente ou
atendimento]... Vou pesquisar, pedir licença... Porque eu não sou o
dono da verdade... Não tenho vergonha de reconhecer que eu não
104
sei tudo... Eu tenho literatura para pesquisar, internet, livros... Eu vou
ali e não deixo a pessoa sair [sem respostas]. (Farmacêutico F4FM).
Um discurso também recorrente foi sobre o distanciamento entre o que lhes
foi ensinado nas universidades e o que é a prática no cotidiano das farmácias. Essa
observação ocorreu independente da faculdade cursada e esteve presente tanto
entre os farmacêuticos mais antigos, como entre aqueles que se formaram mais
recentemente.
Há 21 anos, nem eu nem o dono da rede, sabíamos para o que
servia o farmacêutico. (Farmacêutico F1RE).
Saí da faculdade sem entender nada de lei, porque Deontologia era
ruim (...) e hoje o que mais se cobra do farmacêutico é lei. Tem que
saber tudo, tem que saber as portarias (...) Não aprendi como se
abre uma farmácia. O que o farmacêutico tem que fazer dentro da
farmácia? Manter os livros certos? Qual matéria ensina a fazer isso?
A abertura de um livro, como se faz o lançamento de medicamentos
controlados? Não tem nenhuma matéria que ensine isso. E é isso
que o farmacêutico vai fazer. (Farmacêutico F3RL).
Quando você está fazendo a graduação, a idéia é muito diferente do
que realmente acontece na prática (...) Quando se começa a
trabalhar, a gente vê que não se consegue colocar em prática, na
farmácia comunitária, coisas que aprendemos na faculdade. Hoje, eu
me sinto tão tolida com os sonhos que eu tinha na época de
graduação... (Farmacêutico F4RE).
Os três profissionais, cujas falas foram destacadas acima, têm tempos de
formado e de atuação profissional bastante diferentes, respectivamente 29 anos, 15
anos, e um recém-saído da faculdade. Dois deles são oriundos de universidades
públicas, antigas e de reconhecida competência segundo as avaliações realizadas
pelo Ministério da Educação; outro provém de uma universidade privada que tem o
curso particular mais antigo do estado. Pelo menos nesse aspecto — a formação
acadêmica fornecida pelas faculdades, preparando para a futura prática cotidiana
nessa categoria de estabelecimentos — as dificuldades não parecem ter se
105
modificado: as formações continuam distanciadas, podendo afetar diretamente o
exercício e o desempenho profissionais.
O reconhecimento dessa dicotomia — entre a teoria acadêmica que se estuda
na faculdade de Farmácia e a realidade do trabalho nas farmácias comunitárias —
não parece, também, guardar relação com aspectos diferenciados de prática
segundo as categorias de estabelecimento. Pelo contrário: ela é repetidamente
citada, independente da tipologia de farmácia analisada, como pode ser visto abaixo
nas falas de profissionais atuantes nas três espécies de farmácias:
Eu imaginava diferente, pois na faculdade a gente vê muito isso de
Assistência Farmacêutica, Atenção Farmacêutica... E, na prática, a
coisa não é bem assim (...) é bem diferente. (Farmacêutico F4RL).
Eu imaginava (...) que o meu serviço se restringia só ao armário, era
botar o livro certo, pronto, acabou. (...) Aí, depois eu percebi que era
muito mais. (Farmacêutico F1FM).
Ah, eu achava que era o máximo. Doutor! Então hoje a gente vê que
é muito mais sério do que é passado para a gente no curso (...). É
trabalho, é responsabilidade, as pessoas têm dificuldades de
entendimento, elas não sabem nem como usar o medicamento.
(Farmacêutico F4FM).
Normalmente, nós nos perdemos nisso porque, quando a gente sai
da faculdade, há certa ilusão, certo sonho, de que vamos ganhar os
melhores salários, teremos os melhores empregos (...) Mas só que
vamos trabalhar dentro disso que é a farmácia e, aí, você começa a
tropeçar. É quando você vê a realidade. Que realidade é essa? Que
fazer dentro dessa realidade? (Farmacêutico F1RE)
A atuação na farmácia comunitária: como se dá esse trabalho
Zubioli (2004) já apresentava o panorama de ambigüidade e conflito que o
farmacêutico viria a conviver na farmácia comunitária devido ao aspecto comercial
nesse ambiente e o contraponto das atividades realizadas pelo farmacêutico, em
prol da saúde dos consumidores.
106
Nesse cenário, o farmacêutico, na condição de empregado do
estabelecimento, foi sendo afastado de decisões que interferissem nas vendas de
medicamentos. Apesar de ter todo o domínio de informações relativo a estes, esse
potencial é pouco explorado pela sociedade, devido às pressões do segmento
empresarial quanto ao foco de suas atribuições:
Para mim, é mais fácil mudar, porque eu tenho o poder de chegar e
mudar... A farmácia é minha que sou farmacêutico, eu estou me
responsabilizando por mim mesmo. Agora, o caso da minha irmã que
também é farmacêutica: (...) ela está trabalhando em uma farmácia
em Silva Jardim (...) é um risco que ela vai correr lá, sabe por quê?
Como é que ela vai chegar lá e querer mudar alguma coisa, mudar a
loja... Ela pode querer mudar (...) mas o dono da farmácia vai mandar
ela embora. (Farmacêutico F2FM)
As atividades farmacêuticas são respaldadas por um conjunto de leis,
portarias e resoluções que definem o exercício da prática desse profissional. Em 20
de abril de 2001, o Conselho Federal de Farmácia, através da Resolução n° 357,
aprovou o regulamento técnico de Boas Práticas de Farmácia (CFF, 2001). Esta
norma dispõe sobre as atribuições dos farmacêuticos que respondem pela direção
técnica de farmácia ou drogaria. Dentre estas atribuições, é ressaltado que o
farmacêutico assume a responsabilidade pela execução de todos os atos praticados
na farmácia, devendo cumprir e fazer respeitar as regras referentes ao exercício da
profissão.
Nesta Resolução, quanto à amplitude da responsabilidade técnica deste
profissional, algumas de suas atribuições mais destacadas para o desenvolvimento
desse trabalho incluem: a orientação ao público sobre a utilização de medicamentos;
a garantia de que o estabelecimento tenha boas condições de higiene; a
manutenção dos livros de substâncias sujeita a regime de controle especial em
107
ordem e assinados; a seleção de produtos farmacêuticos na intercambialidade
20
, no
caso de prescrição pelo nome genérico do medicamento; o favorecimento e
incentivo a programas de educação continuada para todos os envolvidos nas
atividades realizadas na farmácia; e o treinamento aos auxiliares.
Sobre a dispensação de medicamentos prescritos, a norma citada indica que
o farmacêutico é o responsável pela avaliação do receituário e somente deverá ser
aviada/dispensada a receita escrita em português, em letra clara e legível, contendo
o nome e o endereço residencial do paciente; com a forma farmacêutica, posologia,
apresentação, método de administração e duração do tratamento descrito; com a
data e a assinatura do profissional, endereço do consultório e o número de inscrição
no respectivo Conselho Profissional.
A prescrição deve estar assinada claramente e acompanhada do carimbo,
permitindo identificar o profissional em caso de necessidade. Não podem ser
aviadas receitas ilegíveis e/ou que possam induzir o erro ou troca na dispensação
dos medicamentos. O farmacêutico deve, ainda, explicar clara e detalhadamente ao
paciente o benefício do tratamento, conferindo sua perfeita compreensão.
A Lei nº 5991 de 1973 do MS (BRASIL, 1973) já exigia esses requisitos,
procurando estabelecer critérios que garantissem as condições mínimas de
entendimento da receita prescrita e o seu rastreamento.
A Resolução de 2001 já citada, especificamente quanto aos medicamentos
genéricos, indica que os farmacêuticos responsáveis técnicos devem, na farmácia
ou na drogaria, entre outras ações:
20
Produto farmacêutico intercambiável: Equivalente terapêutico de um medicamento de referência,
sendo comprovados, essencialmente, os mesmos resultados de eficácia e segurança.
108
I) Esclarecer ao usuário sobre a existência do medicamento genérico, substituindo,
se for o caso, o medicamento prescrito exclusivamente pelo medicamento
genérico correspondente, salvo restrições expressas de próprio punho
consignadas no documento pelo profissional prescritor;
II) Indicar a substituição realizada no verso da prescrição, citando o nome genérico
do medicamento e a indústria produtora, apondo o carimbo que conste seu nome
e número de inscrição no CRF, local e data, assinando a declaração.
Essas atividades também estão presentes na prerrogativa da Lei do Ministério
da Saúde nº. 9787 de 10 de fevereiro de 1999 (BRASIL, 1999), que trata da questão
pertinente aos produtos genéricos e seu tratamento como prioridade na política de
medicamentos do Ministério da Saúde. Deve ainda ser mencionada a Resolução
RDC nº 16, de 02 de março de 2007 (BRASIL, 2007), que apresenta definições
pertinentes. Entre elas, cabe destacar que o mercado farmacêutico nacional conta
com as seguintes modalidades para prescrição e venda:
Medicamento de referência: Medicamento inovador registrado no órgão federal
responsável pela vigilância sanitária e comercializado no País, cuja eficácia,
segurança e qualidade foram comprovadas cientificamente junto ao órgão federal
competente, por ocasião do registro. É chamado de medicamento original ou
ético.
Medicamento similar: É aquele que contém o mesmo ou os mesmos princípios
ativos, a mesma concentração, forma farmacêutica, via de administração,
posologia e indicação terapêutica do medicamento de referência que é registrado
no órgão federal responsável pela vigilância sanitária. São permitidas diferenças
quanto a aspectos relativos às suas características relacionadas a tamanho,
109
forma do medicamento, prazo de validade, embalagem, rótulo, excipientes e
veículos utilizados para sua produção, devendo ser sempre identificado por um
nome comercial ou de marca. São conhecidos também como medicamentos
bonificados ou “gueuta”.
Medicamento genérico: É o medicamento intercambiável com o medicamento de
referência ou inovador, geralmente produzido após a expiração ou a renúncia da
proteção patentária ou de outros direitos de exclusividade, comprovada a sua
eficácia, segurança e qualidade. São identificados pelo nome do princípio ativo,
designado conforme a Denominação Comum Brasileira
21
(DCB) ou, na sua
ausência, pela Denominação Comum Internacional
22
(DCI).
Essa última categoria de medicamentos é a que mais cresce no mercado
brasileiro
23
. Era natural esperar que ele fosse mais barato do que os medicamentos
de referência e similares, mas isso nem sempre acontece. Em parte, isso decorre do
fato de que são somados, ao preço do medicamento genérico, o custo dos testes de
biodisponibilidade
24
e bioequivalência
25
que são exigidos pelas autoridades
sanitárias como parte do processo de registro desse medicamento (BRASIL, 2002),
acrescido também dos investimentos em publicidade.
21
DCB:Denominação do fármaco ou do princípio ativo farmacologicamente ativo aprovada pelo órgão
federal responsável pela vigilância sanitária.
22
DCI: Denominação do fármaco ou do princípio ativo farmacologicamente ativo recomendada pela
Organização Mundial de Saúde.
23
Acessado em 11 de março de 2007 em http://
www.cns.org.br/links/menup/noticiadosetor/clipping/2006/05/clipping_1905.htm
24
Biodisponibilidade: Indica a velocidade e a absorção de um princípio ativo em uma forma de
dosagem, a partir de sua curva concentração/ tempo na circulação sistêmica ou sua excreção na
urina.
25
Bioequivalência: Consiste na demonstração de equivalência farmacêutica entre os produtos
apresentados sob a mesma forma farmacêutica, contendo idêntica composição qualitativa e
quantitativa de princípio(s) ativo(s), e que tenham comparável biodisponibilidade quando estudados
sob um mesmo desenho experimental.
110
Os medicamentos de referência são objetos de um maciço investimento em
propaganda por parte das indústrias, centrado na classe médica e nos demais
prescritores. No caso dos medicamentos similares, a principal estratégia da indústria
volta-se para as farmácias, que ganham vantagens comerciais compatíveis com o
volume de medicamentos vendidos. Já no que se refere aos medicamentos
genéricos, o foco do marketing das indústrias é o fortalecimento do nome do
laboratório produtor do medicamento, ao invés do produto em si. Isto se faz presente
tanto na publicidade dirigida aos profissionais prescritores quanto ao público em
geral. Além disso, há o incremento de bonificações às farmácias e drogarias como
forma de estimular os balconistas a oferecerem preferencialmente os produtos
genéricos no momento da venda do medicamento.
Quanto à dispensação dos medicamentos, se observa as seguintes condições
estabelecidas pelas legislações ético-sanitária quanto as possibilidades de atuação
dos profissionais farmacêuticos (CFF, 2000; BRASIL, 1973; BRASIL, 1999):
1. O medicamento de referência pode ser intercambiável somente com
medicamentos genéricos, dada a comprovação pela bioequivalência, não
podendo ser substituídos por medicamentos similares sem anuência do
prescritor;
2. A substituição do produto de referência pelo genérico, e vice-versa, só pode ser
realizada por profissional farmacêutico. A substituição por outro profissional que
não o farmacêutico constitui crime do exercício ilegal da Farmácia;
3. O medicamento similar não pode ser substituído por nenhuma categoria. A
escolha deste tipo de medicamento exige sua prescrição pelo profissional
111
responsável e o farmacêutico não pode intercambiá-lo, como faz entre genéricos
e referência.
Os farmacêuticos entrevistados elencaram um conjunto amplo de atividades
executadas como parte de seu exercício profissional nas farmácias comunitárias:
dispensação de medicamentos aos usuários; a intercambialidade de medicamentos
prevista pela legislação; confirmação, junto ao prescritor, de dúvidas no receituário;
uso de bibliografia farmacêutica para consulta; controle da validade do estoque de
medicamentos; controle de estoque dos medicamentos constantes na Portaria n°
344/98 SVS/MS; manutenção da documentação do estabelecimento devidamente
organizada bem como dos padrões de higiene, de acordo com as normas sanitárias;
treinamento de funcionários; e, gerenciamento da farmácia.
Os farmacêuticos na farmácia
A presença efetiva dos farmacêuticos nas farmácias é uma conquista da
profissão no país, indicando não só a valorização desse profissional enquanto mão-
de-obra assalariada, mas também uma mudança na natureza de sua participação no
trabalho do estabelecimento. Embora, durante bastante tempo, estes profissionais
estivessem contratados formalmente na carteira de trabalho (CTPS), sua presença
física nem sempre era realidade ou era exigida pelos proprietários dos
estabelecimentos. Essa participação “de fato” nos estabelecimentos cria uma
condição de legalidade perante a sociedade.
Vários autores (PERETTA & CICCIA, 1998; CARLINI, 1996) reconhecem que
o farmacêutico é o profissional habilitado, pela sua formação universitária, a
proporcionar as devidas orientações e esclarecimentos sobre o uso de
medicamentos.
112
O diálogo estabelecido com os farmacêuticos indicou, em várias falas, seu
interesse e a preocupação com a fragilidade do paciente no seu contato com o
medicamento. De forma uníssona, ecoou nos discursos a demonstração de
solidariedade para com estes:
Eles [os pacientes] não sabem como tomar o medicamento. Às
vezes, não sabem nem ler, eu tenho que desenhar códigos, colocar
um símbolo para a pessoa entender e fazê-la gravar a hora de tomar
o remédio. E ainda digo: “Qualquer dúvida, volte”. E ela volta. (...) E
ela volta de novo. Até uns quatro dias de tratamento, ela fica naquela
insegurança, se está certo ou não. (...) Eu foco muito nisso. Eu gasto
muito tempo ali, junto deles no balcão. (Farmacêutico F4FM)
[...] eu coloco de uma forma que contribua no entendimento, uma
parte mais específica para elucidar quanto ao uso de medicamentos
(Farmacêutico F3RE).
Muitas das vezes, a população não tem condições financeiras de
procurar um atendimento médico, e a fila do hospital municipal é
grande. Aí, eles já vêm procurar direto o farmacêutico... Se está com
febre, o que tomar... E, nessa situação, eu até ajudo mesmo a
população. (Farmacêutico F2RL)
Muitos fizeram questão de frisar que é gratificante esse contato com a
população. Eles solidarizam-se com os pacientes e tentavam minimizar as
dificuldades e a falta de informação relacionada aos medicamentos.
Muitas vezes, eu sou solicitado pelo cliente (...) realmente eu acredito
que seja no sentido de transmitir a ele a confiança do medicamento.
(...) Então, ele pergunta para que serve e para que é indicado aquele
medicamento e, quando você responde, ele se sente confiante de
usar o medicamento. (Farmacêutico F5FE)
Alguns casos contados pelos farmacêuticos sobre as dificuldades da
população no cuidado a sua saúde, em especial sob os riscos associados a
automedicação e o potencial de atuação do farmacêutico na redução desses riscos,
serão explicitados para ilustrar de forma mais abrangente esse panorama:
113
Já tive um caso, um antibiótico, a Terramicina® [que corresponde a
um dos nomes comerciais da tetraciclina] em suspensão, ele vem
escrito Terramicina® xarope. Então já aconteceu de um cliente
chegar e dizer: “Eu queria um vidro de Terramicina® xarope”. “A
senhora vai usar para que a Terramicina®?” “Meu filho está com uma
tosse muito forte e o médico, uma vez, já passou Terramicina® para
ele.“ (...) “Mas quando o médico prescreveu Terramicina®, ele
prescreveu também outros medicamentos juntos, não prescreveu?.”
Ah, eram uns três medicamentos”. (...) “Ele passou outros
medicamentos, porque este aqui é para uma outra finalidade. É
antibiótico, não é um xarope para tosse. A senhora está vendo
escrito aqui xarope, mas ele não é xarope para tosse.” Quer dizer, o
cliente não sabe disso. (Farmacêutico F5RE)
[...] Teve um caso que o cliente veio tomar anticoncepcional porque
disseram para ele que a mulher, ao tomar anticoncepcional, fica
inchada, Atrai e acumula água, retém líquidos... O cliente estava
tomando o anticoncepcional para pegar massa muscular. Para ficar
forte. (Farmacêutico F4FM)
Outro papel importante desempenhado por esses profissionais, infelizmente
ainda esporádico em nosso meio, refere-se ao acompanhamento do uso e ao
monitoramento da aderência aos medicamentos pelos pacientes, que pode auxiliar
também na identificação de suas potenciais reações adversas. Dois farmacêuticos,
de uma mesma rede estadual, relataram a realização de um trabalho de
acompanhamento do uso do medicamento com o paciente, após a compra do
medicamento, sendo o projeto encabeçado pelo dono da rede:
Agora, a gente está fazendo um trabalho que o dono quer que o
farmacêutico faça, que é o de ligar para o cliente que quiser se cadastrar
na drogaria. A gente coloca [registra] todos os medicamentos que ele
toma, pega o telefone dele e, no outro dia, liga perguntando se ele tem
respeitado a posologia do médico, se tem feito [efeito], se tem tomado os
medicamentos no horário correto e se o atendimento da drogaria é bom.
(...) Aqui, os balconistas não ganham comissão. (Farmacêutico F2RE)
E tem a horinha também da gente ficar no balcão. Fazendo só essas fichas
de cadastramento de clientes... Farmacoterapêutica... Ligamos também
para a casa dos clientes. O dono da rede agora pediu para os
farmacêuticos também fazerem esse trabalho. Eu gosto. A gente faz a
fichinha, coloca qual o medicamento que ele está comprando... Depois, a
gente liga para saber como o paciente está, se está se sentindo melhor, se
teve alguma reação. (Farmacêutico F4RE)
114
Essa atividade, por um lado, é muitas vezes objeto de estranheza por parte
do público, pouco acostumado com essa forma de atenção. Por outro, ela tem
colocado os farmacêuticos frente a situações com que não se deparariam se não
estivessem se aproximando mais do cuidado — ou da falta dele — dos indivíduos. O
relato abaixo, embora longo, exemplifica ambos:
Uma vez, eu liguei e a filha da cliente me falou: “a minha mãe [es]tá
tendo uma convulsão agora”. Ela disse que a SAMU estava
acabando de chegar naquela hora, eu fiquei assim [sem saber o que
fazer]. Ela passou mal por não usar o medicamento que ela tinha
comprado. Ela estava com depressão e tinha comprado o remédio há
dois dias atrás. Eu liguei para saber se estava tudo bem e ela estava
tendo a convulsão... Eu ainda perguntei: “mas, ela está tomando o
medicamento?” Ela ficava sozinha. Não tinha ninguém que
administrasse a medicação correta. Acho importante o fato de ligar
para o cliente [...] O que falta é sobrar mais tempo para a gente
poder exercer esse caminho. Trinta por cento dos clientes falam
assim: “minha filha, isso é trote?” Eu digo: “Não. Esse é o trabalho do
farmacêutico”. (...) As pessoas já estão tão acostumados a não ter
reciprocidade... Eles compram medicamentos e não tem a nossa
atenção... De repente, está ali só dando lucro para a empresa. A
pessoa nem acredita, acha que é trote. Outros clientes já se tornam
amigos do farmacêutico e vem trazer bolo no café da manhã... É
muito legal. (Farmacêutico F3RE)
Embora a atenção direta aos pacientes não seja a atividade mais constante
dos profissionais nas farmácias e drogarias, ela é aquela que estes consideram
como atividade de maior importância no cotidiano do trabalho. Solicitados a
hierarquizarem suas ações em termos de importância, as respostas, na sua maioria,
foram relacionadas ao paciente e ao atendimento específico de dúvidas no balcão,
no processo de dispensação de medicamentos. Essa afirmativa esteve presente nas
falas, independente da tipologia de farmácia analisada e mostra o envolvimento dos
farmacêuticos com o processo de cuidado ao paciente.
Pra mim, sempre foi, mesmo antes de ser farmacêutico, o contato
com o paciente... Eu sempre gostei disso. Isso aí é uma das razões
porque eu permaneço no balcão... Eu gosto deste contato com o
cliente, saber como ele está. (Farmacêutico F5RE)
115
De tudo que eu faço, a Atenção Farmacêutica é essencial na
farmácia. A ausência do farmacêutico é horrível para a farmácia,
para a saúde e para a população (...). As pessoas vão ao médico, às
vezes o médico... Vou te falar uma coisa: sem desmerecê-los, eles
podiam escrever melhor, eles não sabem nem escrever. O cliente, o
paciente, chega e a gente têm dificuldade de ler. (...) mas, depois, eu
passo para eles. Eu acho que, para a farmácia, o mais importante da
função do farmacêutico é a atenção que ele pode dar (...). As
pessoas têm características próprias, e eu devo respeitá-las e
orientá-los. (Farmacêutico F4FM)
Nessa farmácia, não seria o mais importante, mas a gente costuma
dar muito mais atenção é para o controlado... A gente está sempre
em cima, vendo se está faltando, se houve alguma troca, ou se
venderam sem receita branca ou sem receita azul. E aqui tem um
fluxo muito grande de receitas. Na verdade, o que eu tenho que dar
importância aqui, a prioridade, seria isso (...). Mas como
farmacêutica, o que eu acho mais importante, mesmo não sendo a
prioridade da loja, seria o ir ao balcão... É o dia-a-dia no balcão, com
o cliente, que a gente nem pode chamar de paciente... Porque, aqui,
a gente não pode chamar de paciente... E conversar com ele... Pois
é isso: de repente, a gente está vendendo medicamento e ele não vai
tomar na hora certa, vai tomar tudo errado. (Farmacêutico F4RE)
O
s farmacêuticos, ao responderem sobre suas atividades no cotidiano de
trabalho na farmácia, demonstraram que as três tipologias caminharam para um dia-
a-dia convergente, apesar das diferenças entre esses estabelecimentos comerciais.
Um ponto em comum dessas atividades foi no âmbito da dispensação de
medicamentos controlados, ou seja, daqueles sujeitos às normas de controle da
Portaria n° 344/98 SVS/MS. Em algumas redes, a chave do armário de controlados
fica sob a guarda do farmacêutico, com os balconistas tendo que certificar, com o
mesmo, previamente a cada venda do medicamento, se todos os dados da receita
estão corretos. Esse controle pode ser considerado como um fator que acaba
reduzindo o tempo disponível deste profissional para acompanhar o processo de
dispensação de outros medicamentos e/ou o estudo das questões que surgem na
farmácia.
116
No meu dia-a-dia, abro as portas [da farmácia], aí guardo as receitas
[de medicamentos controlados] na caixa. Não preencho o livro todo
dia (...) faço de dois ou de três em três dias. Uma semana no
máximo... E vejo o que está precisando fazer. (...) Chego na farmácia
e vou até a noite. (Farmacêutico F2FM)
Uma boa parte dos farmacêuticos iniciava seu dia de trabalho verificando o
estoque de medicamentos controlados no armário, contando as quantidades
vendidas e lançando notas fiscais dos medicamentos controlados, arquivando os
receituários de controle especial e as notificações de receita
26
retidas.
Primeiro, faço o levantamento das receitas controladas, procuro
organizá-las, passar para o livro. Lanço notas fiscais, verifico o
armário sobre a situação dos medicamentos vencidos. (...) Atuo no
balcão (...) como se fosse uma atenção farmacêutica, mas é, por
enquanto, precária, mas atendo os clientes na dispensação de
medicamentos. (Farmacêutico F5RE).
São os farmacêuticos de redes — tanto local quanto estadual — aqueles que
sentem o maior nível de cobrança quanto a essa prática, sendo esse tipo de
farmácia a que tradicionalmente oferece maior número desses medicamentos para a
venda ao público:
[...] nós somos três farmacêuticos. O volume de medicamentos
controlados [vendidos] aqui é muito grande... Então, a gente sempre
se preocupa muito com o controlado, sem deixar de se preocupar
com os outros [medicamentos] lá fora. Mas aqui, por ter controlados,
a gente tem que ficar em cima deles [dos balconistas], para conferir
se está tudo certo. A nossa rotina é, ao chegar aqui, ver como é que
está a loja. Perguntar com antecedência se o medicamento já está
com a data [de validade] prestes a vencer, para eles poderem olhar e
retirar (...) Damos uma olhada nas receitas e no livro, para não deixar
acumular. (...) E tem a horinha também da gente ficar no balcão (...)
(Farmacêutico F4RE).
Outro ponto que foi bastante convergente, nos farmacêuticos que também
são proprietários de farmácias — tanto nas farmácias de rede local como nas
26
A Portaria n°344/98 SVS/MS define os modelos de receitas que podem ser utilizados para a
prescrição e aquisição de medicamentos das substâncias e medicamentos sujeitos ao controle pela
citada portaria, no território nacional.
117
familiares — foi seu envolvimento com questões administrativas como parte
importante das suas rotinas:
Num dia típico, ao chegar, faço o caixa, faço o banco, ajo toda parte
administrativa. Sento aqui e faço os pedidos, vejo a parte financeira,
vejo com a minha compradora de perfumaria as faltas, faço a parte
de compras de medicamentos, medicamentos que estão parados
nessa loja, eu vejo os códigos, e esses produtos são transferidos,
converso com o balconista no balcão, para saber do movimento de
loja, de receituário, das receitas. (...) A parte administrativa consome
muito tempo. (...) se o cliente chegar querendo informações, ele não
atrapalha não. Porque, normalmente, é muito rápido (...) não é
freqüente eles terem dúvidas e, quando perguntam, eles [os
balconistas] conseguem resolver no balcão, pelo treinamento que é
dado. Quando os balconistas têm dúvidas, é porque não estão
entendendo a letra do médico. O próprio cliente quer falar com o
farmacêutico... Eles vêm, me chamam, e eu atendo sem problema.
(Farmacêutico F3RL)
Embora seja citado um leque grande e diversificados de ações
administrativas, esse mesmo profissional apontou essas atividades como aquelas
que executava com maior facilidade, talvez pelos muitos anos de pratica cotidiana
com essas tarefas.
Talvez por conta também dessa dedicação, diversos farmacêuticos
proprietários consideraram, de forma unânime, as atividades relacionadas com o
estabelecimento como aquelas de maior importância. Foram citados, entre estas, o
processo de compra de medicamentos; a manutenção do padrão de funcionamento
da loja e a preocupação com o treinamento dos balconistas.
Eu acho que o mais importante é a compra, porque a compra na
farmácia é muito difícil. (...) Faço as compras e tenho que ter total
cuidado porque, às vezes, o vendedor quer te passar um negócio,
para você poder empurrar [para os clientes]... E você vê que não é
bom. Às vezes,.eles rolam muito os prazos de pagamento (...) Eu
acho mais importante a compra. Não pode comprar muito de uma
coisa só, tem que comprar de outra (...) mas, aquela outra te dá um
desconto maior, uma condição melhor de trabalhar... Tem que
ponderar muito isso. (...) Eu sei que tenho que ter uma certa
coerência... Tem certas coisas que pode compensar na hora e pode
até ter um problema maior com o paciente... Porque o vendedor [do
118
laboratório] chega aqui e ele quer vender. (...) Ele não quer saber se
vai fazer mal para o cliente. (Farmacêutico F1FM)
Os entrevistados expuseram também a engrenagem de pressão da indústria,
raiz da “empurroterapia”:
Aqui, algumas coisas estão mudando, mas nem tudo. Tem o lance
do bonificado, a “gueuta”, o genérico e o de referência. (...) O que
acontece nas farmácias hoje é que os balconistas estão empurrando
o genérico, que é muito mais fácil de empurrar do que o similar. (...)
O governo investiu muito, com propaganda em televisão e tudo mais,
e a população quer o genérico (...) Os próprios representantes
chegam na farmácia falando: “Esse é bonificado.” (...) .Há também
uma indústria de medicamentos de referência, que funciona assim:
se eu comprar 100 caixas do medicamento antiinflamatório X®, de
referência deles, vou comprar com 72% de desconto. (...) Esse
desconto é maior do que o similar dá. Então, eu tenho condição de
dar para o meu funcionário a comissão... Além disso, [o laboratório]
paga, ao balconista, um real em cada unidade vendida. (...) Até o
anticoncepcional que eles produzem, que é um remédio que eu não
tenho que fazer muita força para vender, eles dão comissão. Aí, de
novo, tenho que comprar muito deste mesmo laboratório (...) todo
mundo usa esse remédio todo mês. (...) Não preciso nem empurrar,
ele dá a comissão... Nesse caso, é mais para passar para o
balconista. A farmácia ganha também, mas é menos do que com o
antiinflamatório. Você compra hoje o medicamento similar com 70%
de desconto, e eu tenho que comprar muito mais do medicamento
X®, teria que ter uns 20 lotes, O laboratório chega para mim, e fala
que vai vender a sete reais, mas, se comprar 1000 caixas, ele vende
a dois reais e ainda dá um real ao balconista por unidade vendida. É
muito complicado (...) Tinha que ter na faculdade um momento que
explicassem a realidade do que acontece na farmácia comercial.
(Farmacêutico F2FM).
Como visto, as diversas estratégias perpassam todos os tipos de
medicamentos, dos de referência aos similares e genéricos. Este último, cuja
introdução tinha como um de seus objetivos o barateamento do medicamento — por
evitar a inclusão, no preço final ao consumidor, dos custos relativos à propaganda e
marketing — vem terminando por ser também objeto desse tipo de intervenção:
[...] o primeiro lugar em vendas, hoje, é o genérico. O genérico hoje
venceu, devido a dar comissão para os balconistas. Primeiro, é
devido à comissão. A comissão que o balconista recebe varia de 5 a
15 % [do preço] no genérico. (...) Segundo, o governo investe muito
na propaganda de genérico (...) Terceiro, a gente quer ganhar
também. Hoje, eu ainda tenho similar, são os bonificados, para não
119
chamar de gueuta... Só que eu calculo que, daqui a 10 anos, não
existirão mais. Está todo mundo vendendo genérico, porque é mais
fácil vender. Hoje, você compra genérico como se estivesse
comprando o similar [...] Acho que (...) o público só vai começar, a
saber, que o medicamento genérico dá comissão daqui a uns 30
anos (...) genérico você vende mesmo que nem água (Farmacêutico
F2FM).
O conhecimento e demanda da população pelos genéricos tem levado
também a que os balconistas introduzam a venda de similares, pelos quais recebem
determinadas formas de bonificação. Essa substituição — a de medicamentos
genéricos pelos similares — estaria vedada até mesmo aos farmacêuticos, mas
continua ocorrendo, às vezes, inclusive com conhecimento desse profissional:
Aqui, agora, não vende mais “gueuta” (...) a empresa optou por não
trabalhar mais. Vende só genérico e os medicamentos de referência
(...). Mas o que acontece com a “gueuta”? O cliente chega aqui e
pede um medicamento de referência, o balconista vai e vende um
similar... Para o paciente, ele está achando que aquilo ali é o
genérico. Porque, quando o balconista dispensa, ele não está
explicando para o paciente que aquilo ali não é genérico. Ele está
trocando porque aquele medicamento dá um dinheiro para o
balconista. Só que aqui eles tiraram isso. Mas isso aí atrapalha
porque o balconista acaba dispensando o que o médico não pediu na
receita... Pode causar um problema, porque esses são
medicamentos que não tem garantia [não fizeram os testes de
bioequivalência e de biodisponibilidade] A empresa está mudando a
política (...). (Farmacêutico F4RL)
Alguns entrevistados se mostram perplexos com essas situações e indicam
“saídas” para o mercado oferecer medicamentos a um custo baixo à população,
tendo em vista a margem de descontos que é praticada pelas indústrias, no sentido
de promover o incremento no volume de vendas nas farmácias:
[...] a solução para o preço ser baixo para a população seria ter tudo
montado desde a indústria, na fonte. (...) O preço tinha que ter um
preço bom. O governo também tinha que ajudar... Hoje, o estado do
Rio é o estado que paga mais impostos [...] o imposto é muito caro,
então, as farmácias do Rio têm um produto caro. (...) Tinha que
haver um acordo de todo mundo... Só que cada um [tem] o olho
maior que o outro. (...) Por exemplo: o medicamento X® ... Como é
que [a indústria] vai produzir ele e dar o desconto? E o genérico? O
cara vai produzir para ser mais barato. Como que ele vai ser
120
produzido para vender com 55% de desconto? [...] Como? Não tem
lógica. Se fez todos os testes e tudo, como é que pode? [...] A tabela
de preço máximo é respeitada, ninguém vende a mais... É muito
complicado esse negócio. (Farmacêutico F2FM)
A existência desses descontos — alguns bastante expressivos — poderia
levar a uma redução nos preços, ainda mais se considerado que, no caso dos
genéricos, já teriam se extinguidos os acréscimos advindos do repasse dos custos
de pesquisa e desenvolvimento e aqueles procedentes dos gastos com publicidade.
Os farmacêuticos também se detiveram em responder sobre que atividade
eles consideravam mais difícil, seja na atualidade, seja no início de suas carreiras.
Os farmacêuticos das redes apontaram o estabelecimento das relações
sociais no interior das farmácias como uma das maiores dificuldades na sua
atuação. Essas relações sociais assumem diversas interfaces, entre quais foram
destacadas: o trabalho de convencer a equipe de balconistas e gerentes a colaborar,
de modo a haver uma prática mais ética e menos comercial na farmácia; a
resistência de alguns balconistas no sentido de implementar procedimentos
orientados pelo farmacêutico; o fato dos clientes das farmácias confundirem
sistematicamente o farmacêutico com o balconista; e o próprio exercício de estar em
contato com o público, no esclarecimento de dúvidas, visto a falta ou precariedade
de treinamento especifico na faculdade de Farmácia.
Um profissional assinalou que o mais difícil era exatamente aquilo que ele
tinha considerado como mais importante: “manter tudo que conquistou”, no sentido de
garantir o padrão de funcionamento do estabelecimento, mesmo na sua ausência ou
sem que precisasse participar ou “vigiar” todas as etapas:
121
O mais importante (...) é você manter tudo que você conquistou (...)
Agora, eu estou aqui com você, e tudo tem que estar funcionando
(...) Você treina o funcionário, e diz: “tira o produto vencido da sua
seção”. (...) Se vendeu medicamento controlado: “bota o nome do
laboratório”. Foi o medicamento X: “qual é o laboratório? Não
esquece de botar a quantidade que foi vendida”. É para manter tudo
funcionando, tenho que manter a farmácia funcionando.
(Farmacêutico F2FM).
Foram citadas também, as dificuldades com a letra do médico, como um fator
limitante para a efetiva e segura dispensação de medicamentos; e a legislação que,
segundo os farmacêuticos, se modifica rápida e constantemente. Entender as
normas sobre a dispensação de medicamentos controlados também foi citado como
um fator de dificuldade, percebido principalmente no início da carreira farmacêutica.
A dificuldade que nós encontramos hoje, a maioria dos farmacêuticos
e balconistas, é justamente o entendimento da receita médica. Em
muitos casos, [isto gera] a dificuldade de aceitar uma receita. [Em]
alguns casos, nem se consegue... [Se] pede para o cliente retornar
ao médico, reescrever... Para ele mesmo tentar decifrar, porque é
difícil. (Farmacêutico F5RE)
O farmacêutico do relato acima, entretanto, negou ter encontrado qualquer
dificuldade, após o ingresso na profissão farmacêutica, o que ele atribui ao fato de já
ser do ramo quando ingressou na faculdade:
Para ser sincero, eu não encontrei nenhuma dificuldade, não. Eu
acredito que seja por isso... Eu já tinha uma experiência anterior no
balcão, em lidar com o cliente. (Farmacêutico F5RE)
Quando perguntados sobre que atividade eles consideram ou consideraram
como sendo mais fácil no dia-a-dia profissional, uma grande parcela dos
farmacêuticos — das três tipologias de farmácia — respondeu que era o lançamento
do medicamento controlado vendido no livro de registro específico. Na verdade, este
monitoramento se resume em uma operação aritmética básica de controle de
estoque de medicamentos, onde é indicada a entrada e a saída dos medicamentos
em um livro específico, através dos seus respectivos documentos, a saber, a nota
122
fiscal de compra do medicamento e a receita, conforme preconiza a legislação
específica.
Embora não encerre em si grandes dificuldades, essa atividade consome
significativo tempo de execução, cuja ordem de grandeza é diretamente proporcional
ao volume de vendas deste tipo de medicamentos pelo estabelecimento. Por não ser
feito de modo eletrônico — embora previsto na legislação, isto ainda não é permitido
pela autoridade sanitária local, em função de possíveis riscos de fraude nos
softwares existentes e do aguarde das vigilâncias locais da implantação de um
sistema de controle ao nível nacional pela ANVISA — o farmacêutico necessita fazer
uma escrituração detalhada relativa aos dados da receita retida, que inclui as
quantidades atendidas e do prescritor. Esse item é também objeto de uma
fiscalização rigorosa e sistemática pelos diversos órgãos responsáveis, tais como a
Vigilância Sanitária Municipal, Conselho Regional de Farmácia e Delegacia de
Crimes contra a Saúde Pública. Outro elemento que contribui para o consumo de
tempo nessa atividade especifica decorre do fato de que os balconistas, com
freqüência, não colocarem no verso das receitas retidas o carimbo que contempla a
quantidade de caixas de medicamentos dispensados e o nome dos respectivos
laboratórios produtores, o que obriga ao profissional estar constantemente fazendo
um inventário dos medicamentos sujeitos a esse controle (BRASIL, 1999)
27
.
27
A Portaria nº. 6/1999 da SVS/MS (BRASIL, 1999), determina que todas as receitas de
medicamentos controlados retidas nos estabelecimentos farmacêuticos devem ter apostas no seu
verso, após a venda do medicamento, um carimbo, conforme anexo IX, da referida portaria, que
identifica o estabelecimento de venda (com dados de razão social, endereço e CNPJ) e que tem
campos de preenchimento obrigatório referentes à: quantidade de caixas dispensadas, nome do
balconista responsável pela venda, data do atendimento, número da receita e rubrica do
farmacêutico. A ausência dessas informações, principalmente, da quantidade de caixas dispensada,
leva o farmacêutico a recontar o número de caixas existentes sob sua guarda, antes de lançar as
receitas retidas, de modo a identificar qual o número de caixas vendidas por receita.
123
Muitos farmacêuticos vão ao balcão espontaneamente, geralmente após a
conclusão da escrituração das receitas dos medicamentos controlados vendidos
pela farmácia, a fim de supervisionar a atuação dos balconistas.
Houve o caso de uma farmacêutica que afirmou que recebe comissão para
vender medicamentos, e esse é também um dos seus motivos para ir ao balcão. Em
outros casos, a própria pesquisadora verificou a presença de farmacêuticos no
balcão realizando vendas de medicamentos, sem a possibilidade de fornecer
informações complementares ao paciente sobre o medicamento adquirido, de modo
pró-ativo, tendo em vista o número reduzido de balconistas e o número elevado de
clientes na farmácia.
Uma ressalva deve ser feita, pois os farmacêuticos com mais tempo de
experiência falaram, durante as entrevistas, que se negam a ficar no balcão somente
vendendo medicamentos. Afirmaram que essa medida é de interesse único do
comércio, a fim de terem mais mão-de-obra com o objetivo de promover vendas,
tirando o farmacêutico do foco do que seria a sua atividade principal. Eles se
colocam como profissionais de saúde e não concordam com essa visão empresarial.
[...] a maioria [dos farmacêuticos] ainda não tem noção exata do que
é o atendimento farmacêutico. A maioria dos colegas alega que
gosta de ficar no balcão vendendo, eu acho que foge ao trabalho...
As pessoas não têm noção exata do que seja o atendimento
farmacêutico. As redes estão incentivando que o atendimento seja
apenas trocar a receita pelo medicamento genérico. Induz o
farmacêutico para que ele troque por similar [medicamento] também,
para ser solidário com o povo [porque é mais barato]... Assim, eles
só comercializam medicamentos. Mas a maioria não sabe o que é
um atendimento farmacêutico. O farmacêutico está presente? Sim.
Tem que acompanhar a venda? Tem. E não deve ficar atrás do
balcão, senão ele vai ter constrangimento. Porque a casa vai encher
e o cliente, em primeiro lugar, não quer informação... Ele quer é
comprar o seu medicamento. O farmacêutico está lá para ajudar, tirar
dúvidas, e não para vender. (Farmacêutico F1RE)
124
O mesmo profissional cita um caso, que bem exemplifica como há uma
pressão dos gerentes e proprietários nesse sentido:
Havia um colega [farmacêutico] que trabalhou na rede e ficava numa
loja do município do Rio [de Janeiro], com dois balconistas. Saiu um
e ele ficou fazendo o papel de balconista com uma balconista
grávida. Com pena dela, ele veio trabalhar um sábado e um domingo
[fora dos seus horários de trabalho]. Logo, o gerente já queria que
ele viesse trabalhar todo domingo (...) que ele entrasse no plantão.
Ele não quis e o gerente pressionou até ele ser mandado embora.
(Farmacêutico F1RE)
Os farmacêuticos são chamados várias vezes, ao dia, para irem ao balcão da
farmácia. Os balconistas e os clientes os chamam por inúmeros motivos. Ao longo
das entrevistas os farmacêuticos apontaram como os motivos mais freqüentes dos
balconistas os chamarem ao balcão: a necessidade de terem que pegar os
medicamentos controlados. Esse motivo está relacionado à necessidade do
balconista concluir a venda desse produto, visto que a chave do armário de
controlados fica, no caso das farmácias de redes, sob a guarda exclusiva dos
farmacêuticos. Outro motivo relacionado diz respeito à conferência das receitas de
controlados recebidas pelos balconistas, que muitas vezes são checadas, uma por
uma, com o farmacêutico, antes da conclusão da venda dos mesmos.
Ainda foi ressaltado que dúvidas quanto à comercialização e uso dos
medicamentos controlados pela Portaria nº. 344/98 SVS/MS, são sanadas somente
pelo farmacêutico. Em situações como, por exemplo, onde o cliente não entende o
porquê da sua receita não ser considerada válida para o atendimento pelo
balconista, ou quando o cliente quer levar uma quantidade superior de
125
medicamentos controlados em relação ao que a lei define (BRASIL,1998)
28
, quem
vai explicar os motivos ao cliente é o próprio farmacêutico.
No caso dos clientes, o motivo principal para quererem falar com o
farmacêutico relaciona-se a aspectos referentes à receita médica, tais como a
dificuldade de compreensão da letra do médico, orientações quanto a posologia,
possíveis interações com outros medicamentos, para que serve o medicamento que
estão adquirindo. Eles querem saber sobre a doença que tem: o que causou, se tem
cura, se o medicamento que estão tomando corresponde ao problema de saúde. Em
suma, querem orientações sobre o uso dos medicamentos e que o farmacêutico lhes
transmita confiança na aderência ao tratamento farmacológico.
[...] o cliente quer informações sobre os medicamentos que foram
prescritos pelo médico. (...) Ele pede informação ao farmacêutico...
para saber para que serve esse medicamento... Ele já vem do
médico, mas ainda te solicita para você orientar a cada indicação do
medicamento prescrito, para ele poder entender. Tem outro fato
também (...) e acontece muito por causa do [baixo] poder aquisitivo
da população. Eles querem saber qual é o medicamento principal na
receita. Falo que todos são importantes, uns são adjuvantes, um
medicamento auxilia o outro em beneficio da saúde dele... Mas como
o cliente está sem dinheiro, ele quer tentar levar dali o que ele acha
mais importante. Muitas vezes, eu sou solicitado pelo cliente
realmente, eu acredito que seja no sentido de transmitir confiança no
medicamento. Então, ele pergunta para que serve, para que é
indicado aquele medicamento... E quando você responde, ele se
sente confiante de usar o medicamento. (Farmacêutico F5RE)
Não houve diferenças entre as respostas dos três grupos de farmacêuticos
entrevistados nesse quesito. Por fim, também foram citadas como razões para a ida
do farmacêutico ao balcão da farmácia: a supervisão aos balconistas, a elucidação
28
A Portaria nº. 344/98 SVS/MS (BRASIL, 1998) define todas as condições para a comercialização
de medicamentos que tenham substâncias controladas por essa norma, no território nacional. Em
muitos casos, as receitas de medicamentos controlados chegam às farmácias com quantidades de
caixas de medicamentos em número superior ao limite estabelecido pela Norma, a qual define que a
quantidade máxima de medicamentos autorizados a serem dispensados se referem ao tratamento no
período de sessenta dias, conforme análise da posologia descrita na receita.
126
de dúvidas sobre as receitas e o atendimento de reclamações sobre os produtos
comercializados na farmácia e que provocaram dano ao cliente
29
.
Merece ainda ser registrado a unanimidade na insatisfação dos profissionais
em relação a dois itens: sobre a falta de tempo para os farmacêuticos estarem se
inteirando de todas as atividades realizadas na farmácia e sobre a ilegibilidade da
letra do médico, como um fator que é crítico na rotina das farmácias.
[...] uma coisa grotesca é não entender nada que o médico coloca na
receita. Creio que o esquema terapêutico de muitos não deve dar
certo e é por causa disso (...) porque muitos não entendem [a
receita]. Um comprimido quantas vezes por dia mesmo? Os clientes
dizem: “Eu ouvi ele [o médico] falar que é para tomar pela manhã,
vou tomar pela manhã.” (Farmacêutico F2RE).
Há o foco da empresa em aproveitar ao máximo a mão-de-obra farmacêutica,
principalmente dos recém-formados que trabalham em redes, os “convidando” a
fazer atividades administrativas no interior das farmácias, tais como lançando todas
as notas fiscais de compra de medicamentos da farmácia, afastando-os da atividade
de supervisão da dispensação de medicamentos e dos possíveis erros que podem
ocorrer nesse momento, tais como o descrito a seguir:
[...] porque muitos médicos não frisam por quanto tempo o paciente
vai ter que tomar o antibiótico. (...) que coisas que eu vi... De
balconistas venderem antibiótico para 30 dias da seguinte maneira:
se é três vezes por dia, ele vende o similar da seguinte forma: três
vezes ao dia por 30 dias: “Aí, rapaz, você vai ter que tomar 90
comprimidos.” (...) Teve dia de ter balconista assim... (Farmacêutico
F1RE)
Foi inquirido aos entrevistados a respeito de atividades relacionadas à
dispensação de medicamentos e ao atendimento de prescrições de medicamentos
genéricos na farmácia. A participação do farmacêutico nessas etapas foi pesquisada
a fim de perceber como a mesma se processava e o grau de envolvimento deles
nessas práticas.
29
Nesses casos, foram citados exemplos de tinturas para o cabelo que geraram irritação no couro
cabeludo dos consumidores.
127
É notório o impacto que é a etapa da dispensação de medicamentos na
farmácia. Os autores Dupim & Righi (1997) afirmam que a dispensação de
medicamentos seria o ato de orientação direta do profissional para o usuário sobre o
uso correto de medicamentos, nos seus parâmetros farmacocinéticos,
farmacodinâmicos e na farmacovigilância. Ressaltam que esse ato teria destaque na
cadeia da Assistência Farmacêutica e poderia ser dividido nas seguintes etapas: (1)
Abordagem do paciente; (2) Análise da prescrição; (3) Controle de qualidade; e (4)
Orientação.
Analisando o processo de dispensação que ocorre nestes estabelecimentos,
sob esse ângulo, se verifica a aproximação do farmacêutico com o paciente de modo
ainda tímida, e na medida em que este profissional tem como sua atividade principal
— ou aquela que ocupa uma fatia considerável do tempo em que está presente no
estabelecimento — o controle de medicamentos da Portaria nº. 344/98. Quando
encerra essa atividade, ele se vê ora inserido em atividades administrativas
solicitadas pela farmácia, ou ainda ele se direciona ao balcão de modo a participar
das vendas da farmácia ou para se dedicar a observação da conduta dos
balconistas frente a dispensação de medicamentos.
Nos estabelecimentos farmacêuticos, a dispensação de medicamentos ocorre
basicamente pela ação dos balconistas. Eles se encarregam de receber o paciente,
ler a prescrição, ou ouvir o pedido verbal do medicamento solicitado e concretizam a
venda.
[...] a solicitação do medicamento... muita coisa é verbal. Eu já passei
para as meninas [as balconistas] que vai chegar a hora que eu vou
ver os medicamentos tarja vermelha serem vendidos somente com
receita médica, que não tem. (Farmacêutico F3RE)
128
Foi percebido certo sentimento de impotência frente à infra-estrutura existente
nas farmácias. Como se coubesse aos farmacêuticos realizar somente as atividades
possíveis permitidas pelos estabelecimentos. A maioria dos farmacêuticos disse que
ficam por perto, participam da dispensação, ficam próximo, “de olho”, checando as
receitas.
[...] a primeira coisa a fazer é pegar as receitas de medicamentos
controlados e, depois que acabar, ficar no balcão acompanhando a
venda desde o início (...) até o final no caixa (...). O farmacêutico
ajuda a prestar informação sobre como tomar o medicamento, (...)
Nós não devemos deixar transparecer dúvidas no cliente em relação
ao seu serviço. Ele tem que aprender que o farmacêutico está lá para
orientar e até para mostrar o fator que causou a doença que tem. (...)
Tem que acostumar a clientela a te ver presente para tirar dúvidas e
não para fazer descontos maiores ou menores. (...) A dispensação é
uma via de risco na farmácia. (Farmacêutico F1RE)
[...] eu estou sempre do lado, às vezes eu estou até olhando as
receitas que eles estão dispensando para saber se estão tendo
algum problema, se estão dispensando corretamente. (...) na maioria
das vezes, eu estou próximo. (Farmacêutico F2RE)
Mas a participação deles, de modo geral, tem sido passiva frente à
dispensação de medicamentos: se posicionam como meros inspetores da prática
delegada aos balconistas, diminuindo as interrupções neste processo, como para
retificar atos deles à medida que o tempo passa. Muitos aderem, sem questionar, a
engrenagem presente:
A dispensação de medicamentos é com os balconistas, os
[medicamentos] controlados sou eu. É assim: chega a receita, tem o
genérico e o similar que é mais barato... Geralmente o cliente leva o
mais barato... e entrega o medicamento. (...) Na maioria das vezes,
eu faço serviço burocrático, lançando nota fiscal... tem muita coisa
assim. É raro eu participar da dispensação... Só quando é controlado
mesmo... Antigamente, era a subgerente que lançava as notas fiscais
da loja; depois que ela saiu, eu fiquei lançando. Se eu não tiro
dúvidas, o balconista tira. (...) No inicio, quando eu via erros (dos
balconistas), eu falava muito, depois eu fui parando... Eu estou em
farmácia só há dois anos, já os balconistas tem mais tempo... [dando
a entender que há resistência dos balconistas acatarem suas
orientações] (Farmacêutico F4RL)
129
O cliente leva o medicamento mais barato. Me desculpe, mas eu não
interfiro... Às vezes, o cliente quer o mais barato e está sem receita...
, eu não me meto, porque ele já usou o remédio antes, não posso
fazer nada porque a empresa tem que ganhar o dela. O
medicamento aqui quando sai de boca sai direto, e aqui sai
medicamento à beça de boca. [...] pedem com o dedo e eu não
posso fazer nada, pois o cara já sabe, entendeu? (Farmacêutico
F2RE)
Ao se indagar sobre como era realizada a dispensação de medicamentos nas
farmácias aonde trabalhavam, as respostas indicaram um fluxo padrão de
atendimento independente da rede de farmácias analisada. Em grande parte dos
casos, era considerado suficiente o cliente chegar à farmácia e pedir o medicamento
ao balconista, que o mesmo é dispensado. Nesse contexto, o balconista tem uma
presença marcante no balcão, onde a indicação de especialidades farmacêuticas se
apresenta como um ato natural na cultura da farmácia.
Barros (1997) já discutia o contexto nacional onde, nas farmácias, os
balconistas vem desempenhando o papel de prescritores de medicamentos,
favorecendo assim o crescente uso irracional de medicamentos. Essa prática ocorre
de modo permanente nestes estabelecimentos, estimulando a população a utilizar
diretamente os medicamentos invés de irem a serviços de saúde a procura de
atendimento médico.
As exceções restringiam-se aos medicamentos controlados. Ademais, alguns
farmacêuticos, de rede estadual, informaram ter criado um protocolo informal, para a
venda de medicamentos como a pílula do dia seguinte e para antibióticos sem
receita. A procura da pílula do dia seguinte é crescente nas periferias e, inclusive,
por jovens meninas de até 12 anos de idade. Um dos entrevistados só dispensa
esse medicamento com a receita ou o adulto tem que falar o nome do medicamento.
Um outro exemplo: quando o cliente insiste em comprar o antibiótico sem receita, o
130
farmacêutico pergunta qual é a dosagem e se o cliente não sabe definir a mesma, é
recomendado que ele procure o seu médico. Os profissionais reconhecem que
essas medidas são mínimas dentro do contexto da realidade brasileira de venda de
medicamentos, onde basta que o cliente peça o seu medicamento que o mesmo é
entregue pessoalmente, por telefone ou por internet sem problemas.
[...] o cliente chega e o OTC
30
ele pode pegar, leva ao balcão, faz o
orçamento e se encaminha para o caixa. No caso dos controlados, o
balconista vê a receita e consulta o estoque. Se tiver o medicamento,
coloca os dados do cliente na receita [conforme preconiza a Port. nº.
344], e deixa a receita retida dentro do armário de controlados.
(Farmacêutico F3RL)
Na verdade, o indivíduo pede e sai o medicamento que ele quer:
50% são pedidos de medicamentos com receita médica e 50% é sem
receita médica mesmo... É só pedir... (Farmacêutico F5FM).
Em alguns momentos, como no caso acima, não se observa no ato da venda,
na farmácia, a diferença entre os medicamentos que são com ou sem a tarja
vermelha: “venda sob prescrição médica”. A cultura da farmácia é a de fornecer
esses medicamentos tarjados, mesmo sem a de apresentação de receita, indicando
o interesse unicamente no lucro decorrente daquela venda.
Dupuy & Karsenty (1980) ressaltam que frente aos riscos do medicamento
moderno, se faz necessário que seu fornecimento seja acrescido de conselhos sobre
a prudência do uso dos mesmos. Reconhecendo, ainda a importância do
farmacêutico nesse processo para definir a posologia, a indicar as
incompatibilidades eventuais com outras substâncias, e a corrigir possíveis erros de
memória de quem prescreveu.
30
O medicamento OTC vem do idioma inglês que significa “over the counter”, ou seja, sobre o balcão.
São os medicamentos que podem ser comercializados sem a necessidade de apresentação de
receita médica.
131
[...] uma particularidade torna a relação farmacêutico-doente mais
que uma simples relação vendedor-cliente: é a função de conselheiro
em matéria de saúde que o farmacêutico deve desempenhar.
(DUPUY & KARSENTY, 1980:47)
Dupim & Righi enumeram que o farmacêutico, na abordagem ao paciente na
farmácia, deve saber dados referentes ao mesmo, de modo a ajudá-lo no uso
correto dos seus medicamentos, tais como:
Onde residem, onde trabalha, quais os sintomas que levaram à
consulta, quais os medicamentos que vem usando nos últimos dois
meses, os hábitos alimentares, de que forma se orienta para o
cumprimento de horários (rádio, TV, relógio...), freqüência com que
consulta o médico e se é capaz de ler a receita e/ou, nome descrito
na caixa do medicamento. (DUPIM & RIGHI,1997: 152)
Tal como os autores citados acima, Pepe & Castro (2000) também reforçam
que o ato de dispensar medicamentos não deve se reduzir unicamente a uma troca
de receita por medicamentos, devendo haver, neste momento, o fornecimento de
informações referente ao uso de medicamentos ao paciente.
No processo de dispensação, outro item a ser observado é a análise das
prescrições que chegam à farmácia. Esta etapa foi considerada de suma importância
por muitos farmacêuticos, na medida em que a incompreensão das informações
contidas na receita impossibilita a dispensação do medicamento e o acesso da
informação referente ao tratamento terapêutico por parte do paciente.
Ao longo das entrevistas, os farmacêuticos enumeraram uma série de fatores
farmacodinâmicos, farmacocinéticos e legais que poderiam até impedir o
atendimento e venda do medicamento prescrito pelo médico. O que chama a
atenção é o modo como é executada essa prática profissional.
Há prioridades no âmbito das atividades a serem desempenhadas pelo
farmacêutico nas farmácias, e a dispensação de medicamentos é considerada por
132
muitos dos farmacêuticos como atividade secundária. Esse fato decorre da
verificação que o foco de seu trabalho é o controle da venda dos medicamentos
controlados. A impressão da pesquisadora é que o atual processo de dispensação
preocupa-se mais com os aspectos legais das receitas atendidas do que com a
orientação sobre o uso do medicamento a cada portador de receita que entra na
farmácia. Há uma atenção focada na receita e não no paciente:
Geralmente é assim (...) só vejo se a receita está correta e como é
que está prescrito o medicamento. (Farmacêutico F5RL)
[...] é raro participar da dispensação... Só [participo] quando é
controlado mesmo... (Farmacêutico F4RL)
Conforme visto no checklist proposto abaixo (figura 3), a orientação deve e
pode fazer parte do processo de dispensação de medicamentos, se inserindo como
um momento de orientação, onde o farmacêutico, frente-a-frente com o cliente,
investigará quais informações sobre o uso de medicamentos já são de seu domínio.
Este cliente pode ser o próprio usuário do medicamento ou o cuidador da pessoa
que fará uso dos medicamentos adquiridos.
Cabe ao farmacêutico apropriar-se desse momento de dispensação de
medicamentos, a fim de poder efetivamente verificar se os horários para uso, o
modo de usar, a posologia, a via de administração, as reações adversas, as
condições de armazenagem, são de seu conhecimento. Ademais, verificar também
se é a primeira vez que usa o medicamento, se consegue responder as questões
sobre a utilização do medicamento e criando o estímulo de buscar orientação do
farmacêutico ou do seu médico, caso não consiga responder as questões
apresentadas abaixo:
133
Figura 3: Checklist de Dispensação de Medicamentos
1.
O nome do seu medicamento (nome comercial e nome genérico)
2.
Quais efeitos são esperados do seu medicamento?
3.
Qual a quantidade de medicamento que você irá tomar?
4.
Qual a dose e a que horas você deve tomar cada dose do medicamento?
5.
Você pode tomar seu medicamento com alimento ou com outro
medicamento?
6.
Por quanto tempo você necessita tomar seu medicamento?
7.
O que fazer se você esquecer de tomar o medicamento ?
8.
O que você deve evitar enquanto estiver usando o seu medicamento?
(Por exemplo: álcool, certos alimentos, leite ou outros medicamentos)
9.
Existe alguma restrição em relação a alguma atividade que realiza
diariamente? (Por exemplo: dirigir automóveis ou operar máquinas
pesadas)
10.
Quais possíveis reações adversas podem acontecer e o que fazer se elas
ocorrerem?
11.
Quanto tempo esperar para comunicar ao seu médico que o
medicamento não está melhorando os seus sintomas?
12.
Como armazenar corretamente seu medicamento em casa?
13.
Qual é a data de validade do seu medicamento?
Fonte: https://www.drugdigest.org/DD/SeniorCorner/PrintableMedsCheckList/0,10371,,00.html.
Acessado em 14 de abril de 2005.
Os farmacêuticos entrevistados participam orientando e acompanhando as
ações feitas pelos balconistas e, quando é percebida a necessidade de guiar o uso
dos medicamentos, essa ação é assumida por eles.
Uma rede estadual iniciou, ao longo do último ano, um trabalho de
seguimento farmacoterapêutico, que se concentra no momento da pós-venda do
medicamento. Os balconistas ou os próprios farmacêuticos, ao longo do expediente,
vão convidando clientes que queiram fazer parte do seu cadastro. São anotados
seus dados cadastrais e os medicamentos que foram comprados na drogaria. Após
um período de até uma semana, o farmacêutico mantém contato telefônico com o
134
cliente, se (re)apresenta e pergunta como está sendo o uso dos seus medicamentos.
No final, é até perguntado se foi bem atendido na rede.
Essa prática não é focada em nenhum grupo específico de medicamentos, ou
de patologias, ou de pacientes. Aglutina, assim, uma quantidade ímpar de
informações, dúvidas e orientações específicas que devem estar disponíveis para o
farmacêutico passar ao paciente que está sendo contactado. A falta de um
treinamento efetivo entre os participantes do projeto, de especificidade de
abordagem, de padronização de ações e a ação sem resultados, comprometem o
desenvolvimento dessa iniciativa e levam a uma situação aonde não se chega a
nenhuma conclusão a partir dos dados da observação de cada caso abordado.
Devemos reconhecer que o acompanhamento farmacoterapêutico do
paciente é uma etapa fundamental para a promoção do uso racional de
medicamentos.
Quando perguntados se os balconistas tinham treinamento para realizar a
atividade de dispensação, muitos farmacêuticos afirmaram que deram treinamento
por conta própria, não tendo sido mostrado para essa pesquisadora, nenhum
registro dos últimos treinamentos dos mesmos. Treinamento não é uma rotina.
Eu tiro dúvidas [dos pacientes]... Senão, o balconista tira... Se os
balconistas têm treinamento? Eu fiz um POP
31
e pedi para eles (os
balconistas) darem um visto... Passei para eles. (Farmacêutico
F4RL)
Os balconistas são treinados... Há um caderno para o treinamento
(...), pego os POP’s e há treinamento na matriz também.
(Farmacêutico F2RE)
31
POP é a descrição escrita pormenorizada de técnicas e operações a serem utilizadas na farmácia e
drogaria, visando proteger, garantir a preservar a qualidade dos produtos, a uniformidade dos
serviços e a segurança dos profissionais (CFF, 2001).
135
Os farmacêuticos de rede estadual trouxeram a informação que o treinamento
aos balconistas é dado pela matriz, havendo desse modo pouca participação dos
farmacêuticos com as etapas e o foco do treinamento fornecido.
Deve ser mencionado que as farmácias e drogarias do estado do Rio de
Janeiro ainda estão na fase de elaboração dos seus manuais de Boas Práticas de
Farmácia, conforme recomenda a Resolução nº. 328/99 da ANVISA (BRASIL, 1999),
de modo que ainda não é claro como se procede ao treinamento e supervisão dos
balconistas nesses estabelecimentos. Esta Resolução apresenta no seu anexo —
que é um roteiro de pré-inspeção de farmácias e drogarias — itens a serem
verificados, sendo recomendável que os mesmos sejam cumpridos pela farmácia.
Dentre eles, está o treinamento dos funcionários com seus respectivos registros.
Foi enfocado também como se dá a divisão de trabalho dentro das farmácias
comunitárias e as tarefas executadas pelos balconistas. O controle da tarefa de
dispensação, que muitas das vezes está no domínio de ações do balconista, ocorre
simultaneamente com outras atividades ao longo da sua jornada de trabalho.
Os balconistas possuem áreas de trabalho separadas, previamente definidas,
e são funcionários tipo “faz tudo”, realizando atividades como a dispensação de
medicamentos, a limpeza das seções da farmácia, etiquetagem dos medicamentos,
arrumação das prateleiras, observam os prazos de validade, anotam as faltas de
medicamentos e ajudam a gerência a fazer as compras. Alguns varrem as lojas e
ainda entregam medicamentos, quando os entregadores estão na rua.
Foi especificamente indagado dos balconistas, buscando-se entender, com
mais detalhes, a perspectiva das ações e a dinâmica de trabalho que ocorre dentro
do estabelecimento farmacêutico.
136
Enquanto a equipe de funcionários da farmácia se ocupa do produto
medicamento, que — como mercadoria que é — deve estar disposta, organizada,
controlada, a fim de atender as exigências de qualidade do mercado, o farmacêutico
se coloca na farmácia, de branco, com a postura de um profissional de saúde, que a
todo o momento pode flagrar uma situação antiética e que pode comprometer a
saúde do cliente. Essa dicotomia de interesses pode gerar pontos de conflito ou de
cooperação. A articulação do farmacêutico dependerá da sua própria consciência
como profissional de saúde, aliado à formação acadêmica que recebeu e ao tempo
de experiência profissional que possui, e ao interesse de fazer desse momento
profissional um espaço de conquistas, onde cada ato, reflita um arcabouço de
conhecimentos em prol do paciente.
O trabalho do farmacêutico encontra-se delimitado nesse espectro como
resultado das forças que agem sobre ele no dia-a-dia: o patrão, os balconistas, com
a cultura da farmácia de vender medicamentos como se vendessem parafusos:
objetivando o lucro e nada mais. A pressão por parte da população que vai à
farmácia e quer levar seu medicamento, como se fosse natural se automedicar, ou
ter os balconistas como prescritores na farmácia. Por fim, poder-se-iam acrescentar
as próprias posturas governamentais, onde a Vigilância Sanitária não cria oposição
a venda de medicamentos sem a apresentação da receita, como se esse sistema
tivesse vida própria e outros focos fossem mais importantes. A influência social
constante conduz o farmacêutico à percepção de um estado de persuasão
interpessoal, onde ele fica convicto que seu raio de ação é somente o permitido para
sua atuação na farmácia. A tensão decorrente desse contexto se assemelha ao
estado de impossibilidade de mudar as coisas à sua volta, tendo a possibilidade de
surgir situações de submissão como uma das respostas ao problema.
137
A introdução de um questionamento específico sobre os medicamentos
genéricos buscou investigar uma prática que o farmacêutico deve proceder conforme
a legislação sanitária e profissional vigente, que é a intercambialidade de
medicamentos. Nesse sentido, foi perguntado aos farmacêuticos se a população tem
pedido mais medicamentos genéricos, ao longo do tempo. Todos concordaram com
a expansão das vendas de medicamentos genéricos nas farmácias, mas muitos
ressalvaram que os medicamentos similares são mais baratos, e é esse fator que
direciona a venda no balcão; também que os médicos particulares ainda tem muita
resistência em prescrevê-los, em oposição aos da rede pública de saúde.
Em uma fala anteriormente citada, surgiu a implicação do medicamento
genérico com a rede de descontos e bonificações oferecidas ao proprietário da
farmácia e aos balconistas, como incentivo para ofertar o genérico de um laboratório
específico no seu dia-a-dia. Surge assim um dado novo, que é a informação de que
“empurrar” o medicamento genérico se tornou mais fácil do que aos outros.
Os farmacêuticos foram especificamente indagados se vão ao balcão para
atender situações referentes ao medicamento genérico. A maioria respondeu que
sim, em particular para fazer a intercambialidade e para tirar dúvidas dos clientes.
Tenho ido várias vezes (...) Porque a troca [do medicamento
referência pelo genérico] é feita pelo farmacêutico mesmo... Só o
farmacêutico pode fazê-la. (Farmacêutico F1RL)
Dois farmacêuticos, um de rede local e outro de farmácia familiar, disseram
que não se dirigem ao balcão para ações relacionadas com o medicamento
genérico. Essa segunda resposta é previsível visto que o balcão é
reconhecidamente o lócus de trabalho do balconista, que como “bom” profissional
138
resolve tudo lá, até o que seria da competência do farmacêutico, que está ocupado
lançando notas fiscais de todos os medicamentos da loja.
Por fim, quanto às questões trazidas pelos clientes em relação ao
medicamento genérico, os entrevistados informaram que a maioria das dúvidas
refere-se, principalmente, à qualidade e efetividade deste tipo de medicamento, ao
porquê do similar ser mais barato, se o medicamento genérico funciona e se é a
mesma coisa que o medicamento de referência.
Fatos marcantes na carreira
Todos nós trazemos uma história de vida com marcas, como resultado de
nossa vivência e da interação com o mundo que vivemos. As experiências que
acumulamos, muitas vezes, nos dão a direção do caminho que escolhemos seguir e,
sobre essa perspectiva, foi perguntado aos entrevistados sobre algum fato que
tivesse marcado as suas carreiras.
Essa pergunta, devido a sua amplitude, não trouxe respostas imediatas de
todos os entrevistados. Muitos não encontraram um fato em específico para
declarar. Foram mencionadas situações envolvendo trocas e influências recíprocas.
Sobre o que marcou a minha carreira, tirando o Projeto Rondon, foi
importante, alguns tipos de dúvidas que os pacientes trazem aqui,
que eu fico achando se vou ter condição de responder tudo que vão
perguntar (...) É o tal desafio. Isso e a auditoria que teve aqui na
empresa. (...). Perguntavam tudo, sobre medicamento, por exemplo,
porque que o medicamento estava ali e não aqui, o que diz a lei
sobre esse fato, me mostra a lei, que impedimento pode ter nesse
parágrafo (...) E não eram perguntas de clientes, você tem que falar e
eles vão anotando. Foi um fator determinante na minha carreira
essas situações. (Farmacêutico F1RE)
Os casos pinçados no cotidiano também influenciaram alguns farmacêuticos
na orientação de se empenharem ainda mais como profissionais de saúde nas
139
farmácias comunitárias. Reconheceram o poder da informação na transformação
dos estilos de vida e no autocuidado, principalmente de pacientes idosos, e o
reconhecimento das pessoas e gratidão pelo auxílio prestado aos mesmos.
A minha trajetória teve muitas coisas marcantes, mas de tudo... eu
vou ser franco para você... depois de formado, o que mais marcou a
minha vida foi uma cliente que chegou aqui para perguntar se para
radiografia ela precisava ficar em jejum. (...) E ali eu me deparei e vi
que o povo está muito mais desinformado do que eu imaginava.
(Farmacêutico F4FM)
Dentro da profissão, tive vários momentos que marcaram, mas para
mim o que marca muito é quando entra uma pessoa que está com
um problema de saúde, às vezes sério, que você pensa até que não
vai chegar a um bom termo e você o ajuda, orientando sobre como
usar seus medicamentos e, depois, aquela pessoa retorna totalmente
curada... Para mim, isso já aconteceu várias vezes, são muitos anos
de balcão. Porque (...) eu sempre me envolvo muito com o paciente.
É um vínculo que a gente cria. É uma preocupação nossa de querer
até aliviar aquele sofrimento da pessoa em termos de saúde.
(Farmacêutico F1RE)
Esses “desafios” fizeram esses farmacêuticos mais sensíveis às questões da
profissão, fortalecendo-os na busca de superação de seus potenciais, dando um
destaque à prática profissional.
A opinião sobre a sua inserção e perspectivas na farmácia
Embora a presença regular nas farmácias já seja uma realidade para muitos
farmacêuticos, buscou-se entender como este fato é percebido por eles e o impacto
nas suas vidas. Do mesmo modo, foi indagado a projeção que esses profissionais
fazem para a carreira e a prática farmacêuticas para os próximos anos.
Todos se manifestaram de forma positiva, vendo a presença do farmacêutico
na farmácia como um ganho tão importante para a classe bem como para toda a
sociedade. Esse processo, segundo eles, teve boa repercussão tanto pelas
140
farmácias como pela população, que no início estranhavam a presença deste
profissional e falavam com surpresa: “Tem farmacêutico na farmácia?”
Essa integração tem sido construída no cotidiano, sendo percebido por alguns
entrevistados que alguns farmacêuticos estão perdendo o foco principal das suas
ações — o cuidado ao paciente — e aceitando trabalhar como gerentes, o que para
eles corresponde a uma forma negativa de participação, pois há a intenção principal
de realizar atividades relacionadas com a supervisão administrativa.
Farmacêutico gerente não tem nada a ver. Como ser atencioso e
promover qualidade de vida se uma pessoa só pensa no lado
administrativo da loja? (Farmacêutico F2RE)
Eu vejo com bons olhos o farmacêutico estar na farmácia e na
drogaria, mas não sei se vai funcionar mesmo. Eu não sei se vai ser
bom ou ruim, porque pode comprar o farmacêutico... E, nessa
situação, não é difícil comprar um farmacêutico, por um bom salário
(...) Está começando a prostituição por aí, pela questão do
farmacêutico gerente. (...) Eu acho que se for um bom gerente, o
farmacêutico vai observar tudo que está acontecendo na farmácia, e
como ele estará fazendo as compras, como ele estará à frente das
vendas, ele vai ver os lucros e vai querer ganhar mais... Não vai
querer ganhar só esses R$ 2200,00... Então, está arriscado a gerar a
prostituição. (Farmacêutico F2FM)
A perspectiva de que o farmacêutico se direcione unicamente para o lado
comercial da farmácia é uma preocupação dos entrevistados.
Eu vejo farmacêuticos, no futuro, como balconistas melhorados. Tem
que ter um trabalho muito grande do governo, de todo mundo, para
não virar um balconista de luxo ou um farmacêutico ruim. Daqui a
cinco anos mais ou menos, vai ter uma porção de farmacêutico na
farmácia comissionado, pode ter certeza. Teve uma rede em Niterói
que me chamou para trabalhar e falou: “Ele te dá R$ 2.200,00, o piso
salarial, e te dá a comissão de balcão... O balcão é todo seu. Você
trabalha 8 horas por dia, sendo que a responsabilidade técnica ia ser
de 12 horas”. Eu não tiraria menos que R$ 4.000,00, brincando, (...)
A respeito da minha perspectiva, eu só tenho medo disso, que os
farmacêuticos, como eu costumo dizer, se prostituam... Aí, vai ser
muito difícil, porque a fiscalização não vai conseguir combater a
farmácia. (...) mas hoje, por exemplo, não tem como a fiscalização
chegar e combater de uma vez só... Tem que vir mudando aos
poucos, porque é uma máfia muito grande... Tudo tem que ter uma
base, o conselho mesmo tem que fiscalizar. (Farmacêutico F2FM)
141
Um processo de mudança organizado surge como uma necessidade de
ajustamento das atividades realizadas pelos farmacêuticos. Estar na farmácia é um
passo do caminho, mas como configurar essa prática é o passo seguinte. A atuação
do farmacêutico não pode perder o eixo de orientador sobre o uso e consumo de
medicamentos, sendo reconhecido por muitos a necessidade de inserir no dia-a-dia
as práticas focadas no paciente, como a Atenção Farmacêutica.
Agora que os donos de farmácia pararam para raciocinar e acham
que o salário (es)tá meio alto para aquilo que eles acham que o
farmacêutico tem que fazer.. Por esta razão, nós temos que estar
juntos na farmácia, trabalhando e mostrando a Atenção
Farmacêutica para o paciente vir perguntar por você. (Farmacêutico
F1RE)
É necessário, ademais, ter uma estratégia para planejar a presença do
farmacêutico, para que suas ações sejam coerentes com a sua condição de
profissional da saúde. O distanciamento de décadas do farmacêutico fez surgir um
borramento do que seria a sua função. Os balconistas foram gradativamente
ocupando o papel dos farmacêuticos e agora as farmácias querem os farmacêuticos
para atuar como balconistas.
A projeção do futuro é visto pelos farmacêuticos com entusiasmo. As falas
refletem perspectivas bem sucedidas, com a expectativa do farmacêutico em ser
reconhecido pela sociedade, exercendo com mais plenitude suas funções na
farmácia.
Espero que seja promissor, devido a atuação do farmacêutico focado
na atenção farmacêutica. Agora, é complicado, não há atenção
farmacêutica (...) Eu não estudei isso, mas como as pessoas já estão
falando e já tem livros, eu creio que para o futuro já vá chegar nas
instituições de ensino. Eu creio que, no futuro, o farmacêutico será
muito mais atuante (...) e mais aceito e reconhecido pela sociedade.
Será um esforço nosso que estamos engatinhando, porque não tem
nada pronto, programado para a gente. De modo que estamos cada
um trilhando um caminho, mas como essa discussão já está aberta e
caminhando em livros e discussões em faculdade, eu creio que será
142
promissor. O farmacêutico será reconhecido pela sociedade, como
um profissional de saúde muito mais atuante do que ele é agora.
(Farmacêutico F2RE)
É esperado também que haja, em determinado momento, a ocorrência de
ações políticas, sanitárias de organismos governamentais que dêem o suporte
necessário às alterações dos processos de trabalho dos farmacêuticos.
Categoria III – As dificuldades da população no uso dos medicamentos
Ao enumerarem as dificuldades da população no uso de seus medicamentos,
os entrevistados acrescentaram mais um item aos já descritos anteriormente, tais
como a letra ilegível do médico e a não compreensão do uso do medicamento: o
custo dos medicamentos.
Esse elemento é de grande relevância para o consumidor no momento da
compra do medicamento. Para Luiza & Bermudez (2004), a questão do poder de
compra do usuário se insere como um dos fatores decisivos para o acesso aos
medicamentos, devendo existir a compatibilidade entre o preço do medicamento e a
capacidade aquisitiva dos usuários para que se realize este acesso.
No decorrer das entrevistas, vários farmacêuticos relataram que o cliente quer
entender/conhecer, no corpo da receita, qual produto é o mais importante, para
poder eleger a compra deste, desprezando assim a aquisição dos demais
medicamentos prescritos, por não ter condição econômica de comprá-los.
[...] eles questionam muito a medicação prescrita. Muitos deles
cortam pela metade a receita, inclusive perguntam: ”qual que é para
dor? Me vê o da dor... Esse médico está achando o que? que eu sou
milionário?” (Farmacêutico F3RE)
143
Essas dificuldades da população quanto ao uso de medicamentos se
estabelecem, na medida em que, o atual sistema de funcionamento das farmácias
comunitárias não elege o paciente como o foco dos seus serviços.
É tradicional, nas redes estaduais, um perfil onde a comercialização dos
medicamentos de referência e genéricos compõe o eixo principal das vendas, com
os medicamentos similares se apresentando timidamente em algumas dessas redes.
Quanto à faixa salarial de seus funcionários, ela é referenciada por um piso salarial,
que contrasta com o elevado faturamento dessas empresas. Em muitas dessas
redes estaduais não é repassada comissão para os balconistas, tendo os mesmos
somente o salário fixo na CTPS.
[...] hoje, a maioria dos funcionários da drogaria vieram de
supermercado. Antes não, eles vinham de fora. Agora eles
aproveitam daqui mesmo. (...) Isso acontece por causa da questão
salarial: o balconista de fora não quer vir para aqui. Convidamos,
mas ele não vem. O salário aqui é muito menor. Aqui não ganha
comissão, não ganha incentivo. (...) Eu sou contra comissão que eles
dão em algumas drogarias, porque estimula a “empurroterapia”, a
venda de medicamentos indiscriminada... Eu acho errado. Ganhar
uma comissão vai estimular a venda de “gueuta”. (Farmacêutico
F5RE)
Em outro ponto, o que se observa no estado do Rio de Janeiro é a
aglutinação de pequenas farmácias, sob a “bandeira” de uma franquia de farmácia,
já reconhecida na região. Com a instalação dessas redes de farmácias locais, é
proporcionado aos empresários franqueados um custo menor na compra de
medicamentos e produtos de higiene e perfumaria. Este fato se dá devido ao volume
total de compra feito diretamente às indústrias, em função do número expressivo de
farmácias franqueadas que realizam o pedido, gerando uma “elasticidade” maior no
prazo de pagamento. Essa alternativa é crescente, no estado desde a década de 90,
podendo ser considerada responsável pela expansão dessas redes de farmácias
144
locais. Elas apresentam um bom desempenho no setor, garantindo-lhes uma fatia do
mercado de venda de medicamentos. Há, nas redes locais, todos os tipos de
medicamentos autorizados para venda no país, sendo percebido o destaque no
incremento da venda do medicamento similar e genérico, muitas vezes devido ao
apelo das comissões sobre as vendas.
Em um terceiro grupo, se inserem as farmácias e drogarias de base familiar,
que não aderiram a franquias conhecidas de drogarias e se mantém no mercado
através da conjugação da aproximação com o cliente, concedendo, muitas vezes,
vendas no fiado, indicação mais intensa no momento da venda do medicamento, o
oferecimento de medicamentos com menor preço, muitas das vezes associado ao
medicamento similar, o bonificado.
A troca do medicamento prescrito pelo similar é mais intensa nas farmácias
de rede local e nas familiares. E é nesses tipos de estabelecimentos que o salário
dos balconistas recebe o maior incremento proporcional a vendas realizadas pelos
mesmos: quanto maior o número de vendas de produtos bonificados, mais elevado
tende a ser o patamar do salário no final do mês.
[...] tem balconista que o salário passa de R$ 2.000,00. Em Rio
Bonito e em Itaboraí, dependendo do movimento da loja, dá para tirar
um salário bom, se o cara for bom... Aqui também dá, mas depende
de mês para mês. Agora um balconista ruim, novo, dificilmente na
parte da comissão ele tira menos que R$ 1.200,00 por mês, e esse
piso não é alto para o proprietário pagar. (Farmacêutico F2FM)
Os medicamentos se apresentam divididos entre os que possuem a tarja
vermelha com os dizeres “venda sob prescrição médica” e os medicamentos sem
tarja vermelha, que são vendidos, sem a obrigatoriedade da apresentação da receita
médica. Uma prática que é comum em toda a extensão do comércio farmacêutico é
a postura das empresas de, permanentemente, fazerem a venda de medicamento
sem a exigência da prescrição médica.
145
Categoria IV – A satisfação dos farmacêuticos na farmácia
Satisfação intrínseca ao trabalho
A pesquisadora quis saber como se sentiam os farmacêuticos no seu dia-a-
dia. Esta questão teve o objetivo de entender qual relação é estabelecida entre o
farmacêutico e o seu lócus de trabalho e como essa situação pode ou não
influenciar a sua prática profissional. Ao ouvi-los falar de como se sentem, foi-se
abrindo caminhos para melhor escutar e entender suas impressões sobre a prática
que desempenham.
Ao longo de todas as entrevistas os farmacêuticos, enfocaram dimensões
econômicas, sociais, políticas e culturais ao caracterizar os eventos em que
participavam. Com isso, se buscou saber como todas essas influências eram
percebidas pelos sujeitos entrevistados e como esses problemas eram sentidos. Ao
refletirem criticamente sobre a realidade vivenciada, eles apresentaram uma
percepção comum.
A maior parte dos farmacêuticos demonstrou ter uma percepção íntima de
sensação de vitória, por tudo que já foi conquistado. Muitos se acham bem
sucedidos, fazem o que gostam, se sentem satisfeitos com a sensação de dever
cumprido.
Eu sinto que eu estou fazendo a minha parte, como profissional na
drogaria. Eu procuro fazer da melhor maneira possível. Eu me sinto
recompensada, quando eu ajudo alguém. As pessoas falam: “muito
obrigada, farmacêutica”. É muito bom ouvir: “muito obrigado pela
atenção, o médico não soube dar essa atenção.” Isso para mim é o
mais recompensante: dar a informação para a pessoa e perceber
que ela compreendeu e está satisfeita... Isso é o mais importante.
(Farmacêutico F2RE)
146
Depoimentos divergentes também foram dados. Houve os que relataram
sobre os sentimentos de desânimo, monotonia e frustração que rondam as práticas
dos farmacêuticos no cotidiano:
Eu penso que eu estudei tanta coisa sobre medicamentos e não é
aplicado. O que eu estudei sobre Deontologia, eu uso, mas sobre
medicamentos... (Farmacêutico F4RL)
Tem dia que eu me sinto uma secretária... Não fiz a faculdade de
Farmácia para isso. Não dá tempo de eu fazer o que eu gostaria de
fazer, porque tem muita receita para lançar, tem muito balanço para
fazer. (...) Eu acho que a gente tinha que ser um pouco mais
valorizada. (Farmacêutico F4RE)
Um dado que chamou a atenção que foi o fato de todos os farmacêuticos de
farmácias de característica familiar terem sido os únicos que declararam, de forma
unânime, que se sentem realizados, privilegiados e felizes com o trabalho que
realizam, pelo retorno que têm com a população, por terem hoje uma consciência
maior da Farmácia.
Eu gosto de trabalhar aqui. (...) Eu passei a gostar mais ainda
quando eu comecei a entender o que representava o farmacêutico
dentro da farmácia. Porque antes eu tinha uma visão deturpada da
profissão. Gosto de estar aqui, gosto de ficar em contato com o
público, gosto de orientar os balconistas... Na verdade, eu gosto de
fazer tudo aqui. (Farmacêutico F1FM)
Como já mencionado, este grupo caracteriza-se por profissionais que
trabalham em uma única farmácia, não tendo outros vínculos de trabalho. Nesse
ponto, fica expresso que a realização profissional foi mais intensa — e, porque não
dizer, mais habitual — em farmácias onde o farmacêutico se sente parte da equipe e
com poder de decisão na dinâmica das suas ações. Já nas demais, o contraponto
configura-se de forma bem clara:
147
Eu trabalho nessa rede local, a proprietária é farmacêutica e me dá
motivação para estudar. Ela me libera para fazer cursos e compenso
as horas depois. Posso me atualizar e atender melhor os clientes. Na
outra rede, que é estadual, que trabalho à tarde, não permitem esse
banco de horas. para os farmacêuticos , só para os outros
funcionários da drogaria. Desse jeito impedem a possibilidade de
atualização profissional. Lá eu não tenho acesso a internet, para
pesquisar em sites de informação sobre medicamentos, só tenho o
DEF e o livro ABCFarma. Eu tenho livros lá porque eu levo.
(Farmacêutico F5RL)
A importância dada à realização profissional apareceu associada com
variáveis tais como sucesso, vitória, solidariedade, sensação de ser útil e auto-
estima. Já a insatisfação no trabalho apareceu relacionada à frustração,
acomodação, falta de autoridade e de reconhecimento profissional, ausência de
possibilidade de continuar os estudos, número insuficiente de funcionários na
farmácia e conflito entre a autoridade administrativa e profissional. Outras questões
relacionadas ao serviço em drogaria, tais como os dissídios salariais insatisfatórios,
o choque com a incompatibilidade entre a teoria e a prática farmacêutica, o desvio
dos planos da época da faculdade, também foram situações que apontaram a
insatisfação intrínseca ao trabalho e que podem ter participação ou impacto no
desenvolvimento de atividades na farmácia.
Os farmacêuticos mais jovens de redes têm uma decepção clara do trabalho
que vem realizando e justificam que não pensaram que iam trabalhar em farmácia
após a formatura; possuem outros vínculos empregatícios, gerando uma carga de
estresse adicional, necessitando de maior esforço e adaptação entre esses
ambientes diferentes, buscando melhores condições financeiras e profissionais. A
falta de espaço para o profissional desempenhar sua atividade de orientação com
privacidade e o fato da farmácia possuir uma organização estrutural complexa e
desconhecida até o início do trabalho profissional, com relação aos funcionários,
148
divisão de trabalho, metas, hierarquia e normas que as regulam, são também parte
do contexto onde está inserido o farmacêutico.
Éboli (2002) lembra que, para que a satisfação profissional seja completa, ela
deve ser dialética e, nesse sentido, ressalta a importância da satisfação do
farmacêutico no seu dia-a-dia como fundamental para o bom desenvolvimento
técnico e profissional.
De modo geral, o que se observou é que quanto mais estreita é a relação do
farmacêutico com a farmácia, maior é a sua satisfação e melhor é seu crescimento e
progresso na farmácia.
Os farmacêuticos que exercem a sua profissão há mais de 20 anos formaram
o subgrupo de profissionais que, em sua maioria, estabelecem uma relação de maior
realização profissional. Este fato está associado ao reconhecimento por parte dos
clientes da farmácia e dos demais colegas de trabalho da sua capacidade
intelectual, de forma que o cotidiano deles transparece a segurança da sua posição
na farmácia, tanto como profissional quanto como funcionário.
Satisfação em relação às condições de trabalho
Como as condições de trabalho guardam ou podem guardar uma relação
estreita tanto com a prática executada nas farmácias como com a satisfação dos
profissionais, foi indagado destes como avaliavam o seu trabalho em relação a
equipamentos, posto de trabalho, espaço, iluminação e ruídos.
A análise das respostas ratificou as dificuldades que o farmacêutico tem de se
inserir no contexto da farmácia comunitária. Foi exceção encontrar farmacêuticos
que tivessem um espaço destinado unicamente a eles na farmácia. As farmácias e
149
drogarias, ao fazerem suas adaptações estruturais, modernizando as suas lojas,
estão extinguindo a sala que seria do farmacêutico. Esse espaço era
tradicionalmente usado pelo farmacêutico para realizar a escrituração das receitas e
notas fiscais relativas às transações comerciais dos medicamentos controlados.
Com a sua extinção, o profissional teve que utilizar outros espaços na farmácia,
muitas vezes extremamente inadequados, como por exemplo, áreas onde se faz
também a separação de todas as mercadorias comercializadas na farmácia, sendo
possível a utilização da mesa, pelo farmacêutico, somente mediante o término do
trabalho dos outros funcionários. Poucas redes mantêm um espaço reservado na
sala da gerência, onde não há privacidade, nem a possibilidade de deixar livros e
demais material de estudo para as situações do dia-a-dia da farmácia, sem falar da
impossibilidade de levar o paciente para uma sala mais reservada a fim de
proporcionar um mínimo de atenção no cuidado a ser prestado pelo farmacêutico.
Muitos reclamaram de não possuírem um microcomputador, de modo a
operacionalizarem os lançamentos dos dados dos medicamentos controlados, pelo
menos na elaboração dos balanços trimestrais e anuais exigidos pela Portaria nº.
344/98 SVS/MS. O sistema informatizado das lojas é usado exclusivamente no
controle administrativo das vendas dos produtos comercializados na farmácia.
As condições de trabalho podem ser particularmente insatisfatórias. Um
farmacêutico que denunciou que, quando iniciou sua atividade na farmácia, não
possuía sequer uma cadeira para sentar enquanto escriturava seus livros, situação
só sanada quando um funcionário da limpeza trouxe uma cadeira, sem apoio nas
costas, de outra filial que encerrou suas atividades:
150
[...] eu acho que tinha que ter um espaço para o farmacêutico, para
poder estar chamando o paciente (...) Mas um espaço mesmo, que
ninguém pudesse te interromper e o paciente pudesse contar
realmente o que está se passando... Porque, num cantinho do balcão
que a gente possa usar para falar com o cliente, às vezes ele se
sente envergonhado de contar, às vezes, é um homem querendo
falar de um problema de disfunção erétil ou alguma coisa parecida
(...) mesmo aqui dentro: é a minha sala com o armário de
controlados, não posso trazer para cá.(...). As redes, a meu ver,
teriam que investir mais no farmacêutico. Tinha que ter um sistema
de computador para agilizar a confecção do balanço trimestral. (...) ia
ser rapidinho, invés de ficar escrevendo (...) (Farmacêutico F4RE)
A pesquisadora percebeu que, quando haviam ambientes internos
compartilhados pelos farmacêuticos, os mesmos, na sua maioria, eram iluminados
de forma insatisfatória. E ficou registrado nas gravações o elevado índice de ruídos
nas farmácias, principalmente na área do salão de vendas. Uma mistura de rádio
com música ambiente, em alto volume; promotores de venda de medicamentos com
microfones, tornando a poluição sonora um elemento preocupante nas farmácias de
redes locais. Um farmacêutico também reclamou desse item, acrescentando o
problema do somatório de barulhos externos que afetam internamente o trabalho na
farmácia, sendo que, no momento da entrevista, escutávamos de dentro da farmácia
uma música que vem da loja ao lado e buzinas de carros:
[...] a farmácia deveria ser um local isolado, com acesso ao público,
mas que não tivesse ruído, barulho, corrente de vento... Esse barulho
atrapalha a concentração, o seu raciocínio na hora de passar a
informação, e a recepção da informação, ela vem distorcida. A cliente
pode se distrair por aquela buzina que tocou na hora de explicar a
posologia. Aqui tem muito barulho como aquele apito aquele som, na
caixa de som da loja do lado. Eles botam o som alto para fazer um
teste e tiram a nossa concentração. (Farmacêutico F4FM)
Outro elemento que chamou a atenção foi a “poluição visual” existente em
diversas das farmácias comunitárias, onde se encontram um grande número de
propagandas para medicamentos sem tarja vermelha, na forma de bandeirolas ou
em displays com os medicamentos em prateleiras e gôndolas. Nestas, o cliente tem
151
livre acesso e pode escolher o medicamento, fracionado ou não, que melhor lhe
agrada, através de parâmetros dos mais variáveis, como a forma do produto, o custo
e a apresentação, por exemplo.
O calor no interior das farmácias é apontado como um problema grave de
saúde pública. Os medicamentos que são dispensados nas farmácias e drogarias
devem estar armazenados, de modo a garantir a qualidade e estabilidade dos
mesmos, frente a variações de temperatura e umidade. A maioria dos medicamentos
expostos à venda, nesses estabelecimentos, possui a orientação do fabricante para
ficarem armazenados na faixa de temperatura ambiente de 15 a 25º C. Esses
valores quase nunca foram verificados nesses estabelecimentos, gerando um risco
no consumo dos mesmos pela população.
Três farmacêuticos, dois de rede estadual e um de farmácia familiar,
expuseram como seria o ambiente de trabalho, se dependesse das suas iniciativas.
O farmacêutico de rede local se referiu a espaços pensados para o paciente que
vem a farmácia.
Tinha que ter cadeiras na farmácia, tinha que ter uma sala (...) uma
mesinha, uma cadeirinha, se estiver passando mal, senta ali... Ter
um [vasilhame com] água, compra o remédio, se precisar já tem a
água ali. Tem que tomar ali, não precisa pedir: ”Me arruma um copo
d´água”. Toma o remedinho dele na hora. É um lugar de saúde...
Teria até uma revista ali do lado dele, falando sobre medicamentos,
instruindo ele e, se ele tiver dúvida, a gente prepara, até organiza
uma revista informativa, umas folhas impressas... (Farmacêutico
F4FM)
Outro farmacêutico espera que as farmácias, no futuro, sejam focadas no
paciente e com a multiplicação de orientações, de modo a assegurar o melhor uso
dos medicamentos:
152
Eu mudaria o layout da loja todinho, para chamar a atenção para
aquilo que eu acho que é essencial: o medicamento. Deveria haver
mais responsabilidade, dando mais ênfase a ele [o medicamento].
Devia abrir caminhos para esclarecimento das doenças tipo diabetes,
câncer (...) E [existir] profissionais que pudessem esclarecer isso,
orientar. (...) Para você dar credibilidade, teria nichos específicos. E
você [deveria] ter conhecimento sob o aspecto e induzir a auto-
confiança (...) Na busca até da qualidade de vida. Tentando tomar
conta da atenção, porque quando você dá atenção... você tem
retorno. Eu não posso imaginar muito não... É uma troca, sabe. O
meu sonho é ver a venda com prescrição médica, e ver a vigilância
sanitária ser mais rígida com as tinturas para cabelo... Esses
cosméticos que existem por aí têm uma química fortíssima, não é
inócuo. [...]. Trabalhar a farmácia como um estabelecimento de
saúde e não como comércio.”(Farmacêutico F3RE)
O terceiro farmacêutico afirmou que as suas sugestões para adequação da
drogaria a serviço do paciente tinham sido aceitas pela rede e que, no próximo mês,
já iriam melhorar as condições de atendimento do cliente. Percebe-se claramente o
envolvimento do farmacêutico nesse sentido.
Mesmo agora, eu sugeri para fidelizar o cliente. Sugeri colocar dois
bancos, aquelas cadeiras ligadas de ferro, aqui dentro, porque chega
um cliente, um paciente idoso, e ele vai ficar sentado ali, enquanto o
outro está sendo atendido no balcão. Vai vir no mês de janeiro. Um
telefone a nossa disposição, para ter esse contato com o cliente. Nós
temos um que é interno. Pedindo eles mandam direto. Uma mesinha
com chá e café, para as pessoas que estão aguardando. E houve a
promessa que vai ser atendido... E essas coisas não são tão caras.
Na rotina da empresa, no tocante a drogaria, somos nós que
estamos, e a empresa aceita nossas sugestões, ou se discute até
chegar a um bom termo, mas nada que impeça o trabalho ou que
contrarie também o nosso serviço. (Farmacêutico F5RE)
Satisfação em relação à organização do trabalho
Quanto às condições referentes às regras, condutas, procedimentos internos,
desempenho nas farmácias comunitárias, os farmacêuticos sinalizaram aspectos
positivos, na maioria dos casos.
Um único farmacêutico ressaltou a dificuldade que tem de se desfazer dos
medicamentos vencidos na farmácia. Pela legislação vigente, o descarte de
medicamentos vencidos é da responsabilidade da própria farmácia (BRASIL, 2004),
153
sendo que o seu estabelecimento se recusa a pagar pelo descarte. O profissional
necessitou fazer contatos telefônicos diários com as distribuidoras de medicamentos
que venderam os medicamentos, hoje vencidos, pressionando-os a recolherem os
mesmos. Segundo o mesmo, esse procedimento é realizado pela distribuidora com
grandes redes de drogarias. É uma situação de extremo desgaste, sendo que o
farmacêutico conseguiu que a distribuidora se responsabilizasse em levar seus
medicamentos vencidos, mediante protocolo.
A organização das farmácias é fundamentada na rotina de trabalho do
comércio. Há metas a alcançar nas vendas de medicamentos, os procedimentos e
rotinas existentes são da rotina administrativa comercial. A Resolução RDC nº328
/99 da ANVISA exigiu a elaboração das rotinas operacionais por escrito de todos os
estabelecimentos farmacêuticos que atuam no varejo de medicamentos (BRASIL,
1999). Essa medida fará emergir a dinâmica de funcionamento das farmácias e
drogarias. Os farmacêuticos do estado do Rio de Janeiro estão, desde o ano de
2006, sendo sensibilizados pelo CRF-RJ a elaborarem o manual de boas práticas de
farmácia, com o conjunto de informações referentes às atividades técnicas desses
estabelecimentos.
Satisfação em relação aos vínculos sociais do trabalho
A investigação desse ponto trouxe ä tona a questão do conflito entre os
farmacêuticos e suas chefias; a discussão do caso dos farmacêuticos gerentes; o
distanciamento sentido pelos farmacêuticos das grandes redes e como essa lacuna
cria diferenças entre o trabalho realizado nas farmácias.
Muito já foi dito das relações sociais vivenciadas pelos farmacêuticos. As
dificuldades sentidas pelos farmacêuticos iniciam-se com os gerentes, gerando
154
situações de confronto. A existência da intransigência de balconistas em aceitarem
as orientações técnicas dos farmacêuticos ou por se sentirem fortalecidos pela
farmácia para continuar as práticas de empurroterapia, consolidando as práticas
habituais do mercado. O farmacêutico se sente assim, em vários momentos,
desvalorizado e desanimado para o dia-a-dia de trabalho.
Nos últimos anos, a presença dos farmacêuticos se acentuou nas farmácias,
proporcionando às mesmas o convívio deste profissional no seu cotidiano. Sua
participação, em muitos momentos, se deu com a preocupação no controle dos
medicamentos da Portaria nº344/98 SVS/MS, no processo de dispensação de
medicamentos e no assessoramento em relação a questões de regularização da
firma nos órgãos sanitários e até mesmo no CRF-RJ.
Nesse ínterim, acompanhou-se o desempenho do farmacêutico em outras
áreas da farmácia, como meio de cooperar com as atividades comerciais e
preencher o tempo existente no horário de trabalho. Muitas das vezes, era possível
encontrar um farmacêutico arrumando prateleiras, fazendo vendas no balcão, e logo
surgiu a oferta das empresas de inserir melhor a presença dos mesmos nesses
estabelecimentos comerciais. Pouco a pouco, foi surgindo o cargo de farmacêutico
gerente como uma oportunidade de ascensão, onde o farmacêutico, em alguns
casos, recebe um valor adicional ao salário de pouco mais de R$ 300,00
32
para
gerenciar as atividades comerciais no horário da sua responsabilidade técnica.
Torna-se assim comum a realização, por parte desses profissionais, de funções
como abrir e fechar o caixa, atender carros-fortes, fazer escalas de funcionários,
atender emergências da loja nos domingos e feriados, e deixar de realizar práticas
32
No período de dezembro de 2006, o valor do salário mínimo nacional era de R$ 350,00.
155
farmacêuticas focadas no paciente. Dividir o tempo no balcão com a execução
rotineira de práticas comerciais passou a fazer parte das ações do farmacêutico,
nesse início de milênio.
Isso tem criado um conflito nos ambientes das farmácias, pois os gerentes de
lojas vêem o farmacêutico como possível usurpador do seu lugar. Há redes
estaduais de drogarias que tem realizado a contratação de farmacêutico para o
cargo de farmacêutico gerente, sem gerar nenhum acréscimo salarial para isso.
Quanto a chefias, é difícil porque o salário do cargo de farmacêutico
como gerente, líder, causa uma competição aqui. A outra
farmacêutica que é gerente, nas reuniões [em] que participa, (...) ela
responde pela farmácia lá dentro e há uma competição. Ela é nova
aqui (...) ela é olhada com desconfiança, como ameaça, porque faz
algumas colocações junto aos gerentes lá dentro e que eles [os
outros gerentes] não entendem. Eles questionam porque estão
trabalhando no supermercado como gerentes e têm que ficar até
tarde da noite resolvendo problemas de mercado, e ela não... (...)
reclamam porque o salário dela é R$ 2.200,00 e o deles é R$ 800,00.
Eles dizem que, se ela está tomando conta de pessoal, tem venda
disso e daquilo, tem que ser igual a eles e não melhor. Comigo, me
tratam respeitosamente e, com ela, é sentido um grau de
estranhamento, há uma dificuldade. (Farmacêutico F1RE)
Os conflitos nos espaços da farmácia comunitária se acentuam na medida em
que o farmacêutico se afasta do cuidado com o paciente e se envolve em campos
administrativos e na dificuldade do gerente, ou da empresa, entender a real função
do farmacêutico na farmácia.
É complicado... Os a gerentes acham que o farmacêutico trabalha
aqui sem fazer nada. Mas, na verdade, eles não enxergam o valor
principal, o valor fundamental, qual é o papel do farmacêutico... Eles
acham que é só para ficar ali escriturando os livros, com receitas e
isso desanima um pouco (...). (Farmacêutico F4RE)
A falta de reconhecimento profissional e hierárquico é lembrada por muitos
farmacêuticos.
156
Se eu quiser fazer alguma coisa, tenho antes que falar com a
gerência... Se eu falar primeiro com os balconistas, eles não estão
nem aí. (Farmacêutico F1RL)
Ao ouvir sobre a sua interação com a farmácia comunitária, foi clara a
percepção que os farmacêuticos demonstraram em relação ao medicamento. Em
muitos momentos, suas falas foram dirigidas no sentido de haver uma racionalidade,
no sentido da cura do indivíduo e não que persista seu uso como mera mercadoria,
que é como a farmácia age, como se fosse um simples “entreposto de vendas”,
como bem afirma Giovanni (1980). Os fragmentos abaixo, embora longos,
exemplificam situações que guardam relação ou reforçam esses aspectos
fortemente ou meramente comerciais presentes nas atividades das farmácias:
Por enquanto, acontece uma coisa peculiar: o nosso gerente é o
gerente dos laticínios... O chefe dos laticínios é o chefe da drogaria.
Ele não entende nada da drogaria, tanto que ele nem vem aqui.
(Farmacêutico F5RE)
[...] às vezes, a gente começa a fazer alguns cursos e depois vê
sobre as informações direcionadas. No ano passado, fiz um curso do
laboratório X sobre atendimento farmacêutico. Eles [o laboratório]
disseram que era para farmacêutico, mas tinha engenheiro, tinha
consultor... Na metade do curso, eu senti que o curso era direcionado
para balconista, era direcionado para vendas. Como exemplo:
“Quando o cliente pedir um medicamento, era para fazer do seguinte
modo: você tem dois a cinco medicamentos iguais, com o mesmo sal
[princípio ativo]... Você volta com um sexto medicamento e deixa os
outros no balcão... e aquele que você quer vender, deixa esse
medicamento na mão do cliente... Vai explicando, não fala de
preço...” É persuasão pura, igual às vendas na televisão... Te
envolve de tal maneira... Porque deixa na tua mão? Quando você
pega o medicamento na mão, já há um sentimento de posse, o
cliente já olha ele [o medicamento] já pega, há um reconhecimento.
Foi o tipo de curso de treinamento de vendas... O curso foi um
treinamento sobre isso... Depois, reúne em grupos e discute. O
laboratório X paga congresso de medicina, curso para médicos, dão
as passagens, direciona o médico para prescrever o medicamento
deles, dá literatura... A nossa dificuldade e obstáculo para exercer o
atendimento farmacêutico é o apelo comercial. É muito forte o lado
comercial. Porque a casa é deles. (Farmacêutico F1RE)
157
Nós fomos até um debate de estudo, na matriz da rede, onde
misturou todo mundo: farmacêuticos, gerentes e balconistas. E eu
perdia muitos pontos, porque eu era o lado ético. A minha resposta
era ética, então era considerada como dando a resposta errada. (...).
Os ministrantes do curso diziam para mim: você é muito rígida. Eu
respondia: Não, eu vou pelo lado certo. O lado ético. (...) Eles diziam
que se o cliente pedisse ajuda para pegar um medicamento OTC,
que eles pegassem três, em vez de um. E eu falei: “não, deve pegar
só um porque é medicamento e não produtos inofensivos. Se pedir
sabonetes pode até dar mais quantidades, medicamentos não”. (...)
Eu sempre debatia dessa forma (...) eu mais de uma vez disse: “vou
bloquear, não vou vender dessa maneira”. (Farmacêutico F3RE)
Surgem várias vezes, nos discursos, o peso da pressão imposta pelas
farmácias, onde é dada, pelos empresários, uma maior importância a questões
comerciais, com a transgressão de normas éticas mais elementares, para alcançar o
objetivo principal que rege a empresa e que é, muitas vezes, antagônico com as
intenções e desejos dos farmacêuticos para o seu cotidiano.
Nós trabalhamos para uma empresa que visa o lucro. Então, muitas
vezes, você não tem essa condição de trabalho porque o patrão quer
o lucro. A situação é vender medicamentos, (...) e o farmacêutico, em
algumas situações, ele é até um empecilho para o proprietário.
(Farmacêutico F5RE)
Giovanni (1980) destaca que as farmácias e drogarias ajustaram o seu
aparelho comercial à organização da produção industrial, com a farmácia perdendo
gradualmente sua função de manipuladora de medicamentos para a função de
revendedora do medicamento industrializado.
Nas três tipologias analisadas, se verificou a diferenciação entre as redes
estadual, local e as farmácias familiares quanto ao tipo de medicamentos
comercializados e as comissões dadas aos seus balconistas ou, ainda, aos seus
farmacêuticos.
O diferencial se dá quanto ao medicamento similar. Enquanto as farmácias de
rede estadual, em sua maioria, migram para uma situação de exclusão desses
158
medicamentos do seu conjunto básico de medicamentos, as de rede local se vêem
divididas, com algumas redes se diferenciando no mercado varejista, não
comercializando esse produto genérico, e como algumas redes estaduais se fixando
nos medicamentos OTC, e de referência. Já as farmácias familiares possuem, como
forte apelo de vendas, a indicação do medicamento similar como carro-chefe das
vendas, junto com os genéricos e tendo a oferta de medicamentos OTC e de
referência. Esses últimos têm sua fatia de venda incrementada nesse tipo de
estabelecimento através de bonificações e descontos comparativos aos genéricos e
aos similares, conforme citado no texto.
Os balconistas das redes estaduais foram os que, segundo os farmacêuticos
recebiam os menores valores de comissão, tangenciando a faixa máxima de 5% em
alguns casos. Esses números totais são crescentes quando se passa das farmácias
de rede local para as farmácias familiares.
Nos três tipos de farmácias, não foi observado estoque de medicamentos
armazenados na área interna da farmácia, denotando que as compras de
medicamentos se realizam a fim de garantir o abastecimento de todas as prateleiras
do estabelecimento. Fica para a matriz desses estabelecimentos, quando no caso de
rede estadual, a responsabilidade pela guarda de algum estoque adicional de
medicamentos.
A tensão existente nas relações entre farmacêutico e farmácia emerge
também quando as falas migram para a questão salarial.
159
[...] Há, no Congresso Nacional, um projeto de fixação de carga
horária do farmacêutico em 30 horas, que não temos. Isso vai trazer
problemas para alguns, pois no nosso dissídio fala do salário, mas
não diz quantas horas. Já temos proprietário querendo que, pelo
salário de 4 horas, se fique 8 horas... Já está acontecendo isso.
(Farmacêutico F5RE)
O gerente sempre olha, na hora de pagar, com aquele “bico torto”,
tipo ”eu pago mais do que você merece” (...) a sua função, ninguém
consegue saber. Quando chega cliente que ninguém sabe atender, é
o farmacêutico que tem que atender. Mas na hora de pagar, torce o
bico. A gente não tem um estoque muito pequeno: sai um
medicamento, entra outro. (Farmacêutico F4FM)
Ao longo dos discursos, surge um sujeito dependente da ação externa para o
enfrentamento de situações que são vivenciadas no cotidiano. O Conselho Federal
de Farmácia, o Conselho Regional de Farmácia do estado do RJ, a Vigilância
Sanitária, o Sindicato e as Universidades são chamados à discussão da emergência
de posições e atos que os livrem ou amenizem as pressões sentidas no interior das
farmácias.
Categoria V – O significado atribuído ao termo Atenção Farmacêutica
Foi indagado dos entrevistados se tinham estudado sobre Atenção
Farmacêutica na faculdade ou em outros momentos. O objetivo em argüir sobre
esse ponto derivava do interesse em medir, em que proporções, havia domínio
sobre esse tema e como essa apreensão de conceitos poderia se refletir na
construção, na sua prática diária, de um trabalho com foco no paciente.
A maioria respondeu que não teve contato com esse assunto na época
acadêmica, sendo que os farmacêuticos mais jovens e formados pelas faculdades
particulares de Farmácia eram aqueles que possuíam maior nível de convívio prévio
com essa matéria, o qual foi classificado como superficial.
Eu só ouvi falar no meu último período. (Farmacêutica F3RL)
160
Eu até li sobre o assunto na faculdade, mas não tinha uma matéria
especifica, de Atenção Farmacêutica (...). (Farmacêutico F1FM)
Houve, ainda, um grupo de entrevistados que afirmou que o contato com esse
tema só ocorreu por meio de divulgação em revistas da área farmacêutica,
congressos, por meio de outros farmacêuticos, e nos seus próprios locais de
trabalho, através de palestras sobre o assunto realizadas ou organizadas pelo
próprio estabelecimento em que trabalhavam.
Estudei sobre Atenção Farmacêutica aqui na empresa e também na
época da faculdade, na disciplina de legislação, Deontologia
Farmacêutica, tinha um professor nosso que falava muito isso, acho
que ele era dono de farmácia em Minas Gerais. (Farmacêutico
F3RE)
A maior parte dos farmacêuticos, em decorrência desse pequeno contato
prévio com a temática, apresentou dificuldades de conceituar o significado do termo
Atenção Farmacêutica.
Atenção Farmacêutica é igual à Assistência Farmacêutica.
(Farmacêutico F2RL)
Um farmacêutico de rede local, F3RL comentou que, em outra filial da rede,
existia um projeto já em funcionamento, denominado Diabetic Center®, onde há um
farmacêutico habilitado para conversar com os clientes sobre os medicamentos
hipoglicemiantes, realizando cadastro com posologia e nome do medicamento,
fazendo acompanhamento do uso e tendo ainda palestras e um trabalho voltado
para o paciente diabético.
Farmacêuticos de duas redes estaduais falaram sobre a iniciativa de realizar
Atenção Farmacêutica nas suas farmácias. O farmacêutico F5RE informou que, a
partir de janeiro/2007, ele e a outra farmacêutica estariam iniciando um trabalho de
Atenção Farmacêutica. Segundo o mesmo, será um projeto piloto na sua farmácia,
161
com a autorização da gerência da loja. O trabalho a que os dois profissionais se
propõem será o de criar um registro dos clientes de medicamentos de uso contínuo,
onde irão anotar o nome dos medicamentos em uso e as reações adversas
ocorridas durante o tratamento. Qualquer problema que acontecer, irão levar ao
conhecimento dos pacientes e orientá-los, citando como exemplo o caso de
pacientes que usam, várias vezes ao dia, medicamentos de uso contínuo. Nessas
situações, ocorre com freqüência do médico prescrever três medicamentos e o
paciente, por dificuldades financeiras, só adquirir um deles, ou do médico prescrever
três comprimidos ao dia e o cliente querer tomar só um, para “economizar” o
medicamento.
[...] através da Atenção Farmacêutica, nós vamos orientá-lo que não
é correto para a saúde dele, [que] está retardando o tratamento e,
quando for o caso, vamos entrar em contato com o médico. Essa é a
idéia. Nós já temos uma ficha própria para isso e, [com] essa ficha,
nós vamos conversar com os clientes e anotar. [...] Eu acredito que,
em algum lugar no Sul do País, se faça esse trabalho. (Farmacêutico
F5RE)
O profissional pretende, através da dispensação ativa, que é um componente
da Atenção Farmacêutica, realizar um trabalho com foco no paciente. A iniciativa
partiu dele e a farmacêutica recém-formada, que trabalha como gerente, também se
interessou em participar desse projeto.
Outro farmacêutico de rede estadual, F2RE, informou que sua rede já faz um
trabalho que considera como de Atenção Farmacêutica; porém, como já citado
anteriormente, essa abordagem realizada é posterior à venda e envolve elementos
com foco comercial, devido ao interesse da empresa de fazer acompanhamento da
satisfação do atendimento, saber se o medicamento comprado já terminou, com os
farmacêuticos pouco concluindo se o uso de medicamentos ou os problemas
apresentados pelo cliente são relacionados à sua utilização.
162
Apesar dos farmacêuticos não serem conhecedores do conceito teórico da
Atenção Farmacêutica, eles expressam conhecer o valor dessa prática e a
concepção de que é necessário haver uma atitude pró-ativa, compromisso com o
paciente e uma mudança de comportamento, itens embutidos no conceito brasileiro
de Atenção Farmacêutica.
Para mim, Atenção Farmacêutica é como eu ajo. É transformar todo
aprendizado que eu tive na faculdade em relação à farmacologia, em
algo que possa favorecer a população em geral, que possa
transformá-la com o meu conhecimento, que possa trazer
conhecimento para as pessoas [...] É agir em prol da qualidade de
vida das pessoas. (Farmacêutico F2RE)
[...] significa estar interagindo com o paciente, ouvindo, entendendo o
que ele quer dizer... E eu, da forma mais didática, vou orientá-lo para
que ele possa realmente aderir ao tratamento e, assim, o
medicamento possa realmente fazer efeito. Porque, às vezes, o
paciente não sabe ler e o médico nem sabe que ele é analfabeto...
Então, chega no balcão da farmácia e a gente vê que o paciente é
humilde e até pergunta de uma forma ou de outra, a gente desenha,
faz o desenho de como ele tem que tomar ... Isso sim, para mim,
traduz Atenção Farmacêutica. (Farmacêutico F4RE)
Adicionalmente, motivados pela pergunta, mas, também, de forma
espontânea em vários outros momentos da entrevista, alguns farmacêuticos
demonstraram interesse de avançar além do balcão e poderem, como rotina, irem às
residências dos pacientes que estivessem orientando, para identificar possíveis
erros no armazenamento, contribuindo de modo mais pleno nos cuidados com uso
de medicamentos.
Foi percebido pela pesquisadora que, sem dúvida, já são realizadas pelos
farmacêuticos várias atividades com pontos de convergência para a prática da
Atenção Farmacêutica, tais como a orientação farmacêutica e o esboço da
dispensação ativa.
163
A orientação tem que ser feita com amor e dedicação. Tem que ter
também um pouco de paciência com as pessoas, pois elas não são
tão espertas quanto você pensa que elas sejam. Porque às vezes
elas têm dificuldade em algum determinado assunto, e em outros ela
vai compreender. Já aconteceu de uma cliente ter que pingar dois
colírios diferentes, em horários diferentes que disse: “Ah, eu vou
pingar dois colírios, não sei que horas porque os dois, um é de seis
em seis horas e o outro é de oito em oito horas. Como vou pingar
tanto remédio?” Ai a gente dá uns macetes para o doente poder usar
os medicamentos. É difícil, é muito difícil. (Farmacêutico F4FM)
No momento da dispensação o certo é perguntar se o cliente
tomou esse medicamento, se é a primeira vez, se é ele que vai tomar
ou não. É bom ter esse cuidado, principalmente com os
medicamentos controlados. Quando é o caso do Rivotril®, por
exemplo, eu pergunto: “A senhora já tomou esse medicamento?” A
gente sempre pergunta. Mas quando não tem o costume, eu
pergunto se o medico deixou outra receita com ele e se não deixou, a
gente anota na caixinha: é um comprimido a noite. (Farmacêutico
F2RL)
Há um movimento de cuidado com o paciente sendo estabelecido nas
oportunidades que surgem no dia-a-dia de trabalho. Alguns entrevistados,
percebendo a demanda da população quanto a orientações sobre o uso de
medicamentos, têm substituído a prática “tradicional” pela inovação de atividades
focadas no paciente. Esse processo de compromisso com o paciente, mesmo de
modo precário, mostra o surgimento de uma mudança de atitude, com a inserção do
farmacêutico na interface do balcão produzindo ações que venham a contribuir com
o melhor uso dos medicamentos pela população e conseqüente melhoria na
qualidade de vida.
O que se vê é uma crescente ressocialização do farmacêutico sendo iniciada
tendo como pano de fundo a farmácia comunitária. Assim como Holland (2000) já
afirmava, esta ressocialização é a chave para uma mudança da prática
farmacêutica. Muitas informações específicas sobre os medicamentos, o paciente já
faz questão que seja dada pelo farmacêutico, mesmo quando estes reconhecem
que, devido ao treinamento e supervisão realizada, os balconistas até poderiam
164
responder algumas das dúvidas existentes. Essa aproximação deve ser estimulada
para influenciar a nova postura do farmacêutico, de empenho e responsabilidade
frente ao paciente.
Ao estimular a implantação da Atenção Farmacêutica, se estaria contribuindo
na mudança de uma prática que valorizaria, em primeiro plano, o indivíduo, com
suas peculiaridades. Ou, como presente na proposta do Consenso Brasileiro de
Atenção Farmacêutica (IVAMA, 2002b), colocando os esforços profissionais na
direção de garantir o uso adequado de medicamentos, com orientações
farmacêuticas particularizada segundo a patologia de cada paciente; inserção de
protocolos de dispensação ativa no momento de dispensação de medicamentos e
de produtos correlatos; a educação em saúde, o atendimento farmacêutico e o
seguimento farmacoterapêutico, além do registro sistemático das atividades,
mensuração e avaliação dos resultados.
E, através destes últimos, estar-se-ia introduzindo a farmácia comunitária
como colaborador no sistema de informações, na medida em que as informações,
que seriam sistematizadas das intervenções realizadas pelos farmacêuticos,
comporiam um grande banco de dados sobre o uso dos medicamentos. Nesse
sentido, essas ações contribuiriam, também, para a promoção do uso racional de
medicamentos e para um maior controle dos sistemas de vigilância sanitária destes
produtos.
165
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS (MUITOS) PASSOS QUE FALTAM NO
CAMINHO DA ATENÇÃO FARMACÊUTICA
O farmacêutico tem na farmácia um dos seus desafios como profissional de
saúde. A lógica existente nesses estabelecimentos é a de simultaneamente ser um
local de geração de lucros e um local provedor de cuidados aos pacientes (CLARK,
2006), onde as etapas relativas à distribuição e comercialização de medicamentos
são da responsabilidade deste profissional, que ao longo do último século foi se
afastando do balcão da farmácia.
E nesse contexto quem ganha com o afastamento do farmacêutico da
farmácia? As indústrias farmacêuticas têm um profissional a menos para discutir
sobre o uso de medicamentos, nas farmácias comunitárias. As farmácias, com seu
enfoque comercial, não privilegiam a presença física do farmacêutico, muitas vezes
por ignorar o papel do farmacêutico como profissional de saúde, gerando um ciclo
vicioso de ausência do farmacêutico, não reconhecimento da sua importância,
crescente cultura do subemprego e do subsalário, onde qualquer valor é alto para o
pagamento de um profissional que não trabalha.
Quem perde com o afastamento do farmacêutico da farmácia? A população é
a grande prejudicada com a ausência do farmacêutico que é o profissional capaz de
fazer a junção do seu conhecimento com a expectativa do paciente de entender
como usar o medicamento para obter o máximo benefício da farmacoterapia.
Também o próprio farmacêutico é prejudicado, visto que não possui reconhecimento
profissional nem pela população, nem pela sua equipe de trabalho, e nem pelos
outros profissionais de saúde.
166
Desprezar as micro-relações existentes entre a farmácia, o farmacêutico e o
doente, em contrapartida, a uma exacerbação da técnica de produção e pesquisa,
para lançar novos fármacos no mercado, denota uma ausência de equilíbrio que é
sentida pela sociedade.
A população percebe a inefetividade do uso de medicamentos e, muitas
vezes, deduz que este fato poderia ser devido a falta de habilidade do profissional
prescritor ou da baixa qualidade do medicamento e, com o tempo (e as reconhecidas
dificuldades de acesso aos serviços de saúde), vai se tornando o seu próprio
“médico”, indo à farmácia comunitária comprar o medicamento que lhe parece ser o
mais indicado, sem fundamento científico, só pela experiência anterior de uso ou,
quando não, pela indicação de balconistas que recebem comissão pelo volume de
vendas que realizarem nas farmácias. Este itinerário terapêutico leva a população às
farmácias, onde há, de modo geral, um número reduzido de funcionários, geralmente
com baixa escolaridade (ÁVILA & BASTOS, 1999), e sobrecarga de trabalho,
levando à exaustão física, psicológica e a inúmeros conflitos interprofissionais,
tornando possível o surgimento de erros na dispensação de medicamentos.
O farmacêutico pode e deve atuar, nesse cenário, como um mediador entre
os profissionais de saúde prescritores e os pacientes de modo a atenuar as dúvidas
e omissões da prescrição medicamentosa. Percebem-se divergências entre o mundo
real e o mundo das idéias. O medicamento que deveria curar e restaurar a saúde é
um elemento que gera iatrogenias e pode diminuir a sobrevida da população. O
medicamento inovador muitas vezes pode estar associado com uma falta de
segurança, que só se registra quando o mesmo entra no mercado consumidor.
Ainda assim, observamos uma paralisia do comportamento do farmacêutico frente a
essa realidade.
167
O farmacêutico, ao se distanciar da farmácia, deixou um dos elos da cadeia
de medicamentos a descoberto, ficando assim mais suscetível à existência de
contínuos problemas na saúde pública, no que tange a questão do uso de
medicamentos pela população.
No estado do Rio de Janeiro, nos últimos, dez anos, se observa uma
crescente presença dos farmacêuticos nas farmácias e drogarias, ressaltando-se a
todo instante, a necessidade do cuidado no uso de medicamentos e contribuindo
para o rigor na venda de medicamentos sujeitos a controle especial. Mas como tem
sido esse “regresso”? O que é percebido pelos farmacêuticos inseridos nas
farmácias comunitárias? É possível executar, nesses estabelecimentos, ações que
resultem em saúde? Vieira (2007) e Santos (2005) ressaltam as múltiplas
possibilidades de contribuição do farmacêutico nas farmácias.
No percurso desse estudo, a estratégia escolhida para alcançar os objetivos
propostos foi a de, utilizando-se de entrevistas semi-estruturadas, apreender as
motivações dos profissionais em cursar a faculdade de Farmácia, conhecer um
pouco sobre suas vidas acadêmicas e a posterior entrada no mercado de trabalho,
bem como averiguar as dificuldades sentidas de se inserirem nas farmácias como
profissionais de saúde.
A dissertação resgata o funcionamento das farmácias comunitárias sob a
ótica os farmacêuticos, com a dinâmica que existe no balcão, as dificuldades da
população em relação ao uso de medicamentos e como se dá o trabalho dos
balconistas.
Ainda em relação ao seu trabalho, foram registradas as avaliações dos
farmacêuticos em relação às condições, organização e relações sociais na farmácia,
168
sua análise sobre da presença do farmacêutico nas farmácias, suas perspectivas em
relação à profissão neste estabelecimento e quais seus conhecimentos sobre o
termo Atenção Farmacêutica e qual o significado que é dado por eles.
O que se indica nesse estudo como Considerações Finais é um esforço no
sentido de identificar as impressões que os farmacêuticos responsáveis técnicos,
atuantes em farmácias comunitárias do estado do Rio de Janeiro, têm sobre a sua
prática profissional e como essa visão pode estar relacionada à implementação de
práticas focadas no paciente, tais como a Atenção Farmacêutica.
Pode-se dizer que esse objetivo foi alcançado na medida em que, a partir das
falas sobre as trajetórias profissionais e os processos de trabalho dos farmacêuticos
atuantes em três tipos de farmácias comunitárias — familiares, de rede local e de
rede estadual — foi possível identificar elementos relacionados com o estímulo ou,
contrariamente, a obstaculização dos processos relacionados à implantação de
práticas de Atenção Farmacêutica nas farmácias e drogarias. O que foi observado,
nas muitas falas escutadas, é que o itinerário trilhado na prática profissional fica a
cargo de cada um, solitariamente, sendo o esforço para prover mudanças no
presente paradigma da prática farmacêutica e os méritos desse empenho
considerados isolados, com os caminhos para se chegar à transformação tal, se
mostrando sinuosos e acidentados.
Muitos não se sentiam preparados quando ingressaram na vida profissional,
sendo recorrente nos discursos a distância entre o que é ensinado nas faculdades e
o que se apresenta na realidade cotidiana do trabalho das farmácias. Se isso não
chega exatamente a surpreender — quantos cursos superiores realmente preparam
para a futura atividade profissional? —, por outro lado, reforça a impressão de que a
169
falta de conteúdos programáticos e de vivências acadêmicas relacionadas ao
cuidado ao paciente nos estabelecimentos lócus desse estudo, qual seja, as
farmácias comunitárias, constitui-se (ou pode se constituir) em uma dificuldade
adicional seja para uma prática com foco nos indivíduos, seja para o galgar de
obstáculos à plena e efetiva incorporação da Atenção Farmacêutica em nosso meio.
Observou-se ainda que as redes de farmácias comunitárias estaduais dispõe
de uma hierarquia administrativa no modo de gerir a sua administração, fazendo os
farmacêuticos se sentirem um funcionário a mais, na farmácia. A falta de
reconhecimento profissional pelos seus pares, a rotina padronizada pela farmácia,
reforçam a necessária mudança da direção do exercício da prática farmacêutica nas
farmácias.
Em oposição ao exposto acima, verificou-se uma maior flexibilidade nas
ações dos farmacêuticos que trabalham em redes locais e, mais ainda, nas
farmácias familiares. As diferenças entre os tipos de farmácias tendem a ficar mais
evidentes à medida que eles falam das condições de trabalho, da organização da
farmácia e das relações interpessoais, acentuando-se o desconforto de muitos
profissionais que trabalham em redes estaduais, mais do que em redes locais, por
terem que se submeter às ingerências comerciais, sendo deslocados para atividades
“desviadas” da sua função, como, por exemplo, o lançamento das demais notas
fiscais da farmácia, a abertura e fechamento do caixa da farmácia, e a limpeza da
sua área de trabalho.
Sobre a análise das categorias há a revelação da necessidade de que ações
urgentes que auxiliem a reestruturar a prática farmacêutica, desde a universidade
170
propiciando uma formação adequada a esse farmacêutico que deve ter um perfil
adequado já.
A análise das práticas desses profissionais indicou pouca autonomia nas suas
atividades, com forte pressão dos modelos de gestão das farmácias, associado a
pouca capacidade de se inserir, devido a pouco treinamento e contato com os
ambientes das farmácias comunitárias no período acadêmico.
A dificuldade da população no uso de medicamentos se apresenta como a
chancela do subdesenvolvimento que ainda vivemos no país. A deficiência no
acesso a condições básicas de saúde e educação aumenta a cronicidade dos casos
de risco devido ao uso incorreto de medicamentos. A população, em sua grande
maioria, não tem a mínima noção do risco que envolve o uso dos medicamentos.
O baixo nível de satisfação percebido entre os farmacêuticos foi atribuído a
diversos fatores, tais como, a ausência de um espaço mínimo privativo, adequado e
reservado para o farmacêutico desenvolver atividades de estudo e
acompanhamento dos pacientes; normas operacionais das empresas,
principalmente das redes estaduais, que fazem com que o farmacêutico se
reconheça apenas como mais uma peça da engrenagem, sem se sentir valorizado
pelo seu saber; os conflitos entre farmacêuticos e balconistas e gerentes, também
ajudando a explicar a restrição que os farmacêuticos sentem nesses
estabelecimentos e como esse fato repercute em desânimo e pouca iniciativa de
muitos em fazerem um trabalho diferenciado.
Ainda sobre os resultados das entrevistas, se viu com preocupação a lacuna
de conhecimento que os farmacêuticos manifestaram sobre a inovação da prática
farmacêutica, chamada Atenção Farmacêutica. É irreal pensar que o farmacêutico
171
vá fazer Atenção Farmacêutica, se eles, na maioria dos entrevistados, têm
dificuldades de expressar o significado deste conceito. As habilidades necessárias
para ultrapassar esse modelo de mudança e gerar um exercício profissional com
segurança e conhecimento depender do investimento que se quer fazer na classe
farmacêutica, a investindo de estratégias detalhadas para execução de cada etapa
do processo de cuidado com o paciente.
Apesar de todas essas circunstâncias, há certo otimismo sobre o futuro,
desde que, segundo eles, algumas condições sejam observadas: tais como a não
participação do farmacêutico como gerente, as farmácias serem de propriedade de
farmacêuticos, a punição a empresas que não cumprirem a legislação sanitária e um
maior apoio das entidades profissionais.
Fica clara também a necessidade de ações urgentes que auxiliem a
reestruturar a prática farmacêutica, desde a universidade, propiciando uma formação
apropriada a esse farmacêutico que deve ter um perfil adequado já.
Em todos os tipos de farmácias analisadas, as atividades farmacêuticas
principais se concentravam em operações técnicas repetitivas e burocráticas, se
verificando uma monitoração mais rígida no comércio de medicamentos controlados
e uma tentativa ou busca de organização da farmácia sob os aspectos legal, de
higiene e de cumprimentos das Boas Práticas de Farmácia, conforme exige a
Resolução n° 328/99 da ANVISA (BRASIL, 1999). Percebe-se, também, que a
presença dos farmacêuticos nas farmácias em muitos casos funciona como um
inibidor de práticas abusivas do comércio até mesmo nas indicações de
medicamentos pelos balconistas.
172
Esse panorama é delimitado pela própria prática tecnicista que é ainda
característica desse profissional, como bem aborda Roger:
[...] a prática farmacêutica tecnicista se caracteriza por um trabalho
não humanizado, alienado de sentido e pobre de sujeitos. Nesta
prática, o culto ao medicamento estrutura-se como processo central,
e o medicamento reafirma-se como objeto simbólico essencial.
(ROGER, 2003:69)
O distanciamento do paciente é o produto desta formação acadêmica
tecnicista ao longo de tantas décadas, onde os “avanços” curriculares ratificavam
ainda mais a fragmentação do curso de farmácia, tornando o farmacêutico um
especialista em questões técnicas quase que tão somente e cada vez mais
distanciado das questões profissionais, no que diz respeito ao seu trabalho na
farmácia e sua relação com o usuário de medicamentos.
E como fazer o farmacêutico ultrapassar esses limites, se colocando como um
profissional de saúde, desenvolvendo serviços farmacêuticos de qualidade que
venham a permitir que ocupe um papel estratégico na saúde coletiva. Um dos
caminhos pensados é através da reorganização da sua prática profissional e a
Atenção Farmacêutica vem se apresentando como a possibilidade de repensar a
atuação dos farmacêuticos.
Todo esse desafio emoldurado no âmbito da farmácia comunitária exige um
profissional detentor de conhecimentos no campo da ciência dos medicamentos e
que, integre, à sua prática, ferramentas da epidemiologia, do planejamento, da
comunicação, da educação e de outras disciplinas das ciências sociais e humanas.
Creio que deve ser mencionado que foram encontrados diversos profissionais
aptos para ou dedicados a atividades para além do ato de, simplesmente, fornecer
medicamentos. Muitos forneciam informações aos pacientes sobre os medicamentos
173
e o seu uso, por vezes advertindo aos médicos, quando necessário, quanto a
cuidados na seleção, dosagens, interações e reações adversas relacionadas com os
medicamentos. Vários monitoravam a saúde e o progresso do paciente na resposta
à farmacoterapia, garantindo assim a segurança e a efetividade do medicamento e
aproveitando as oportunidades existentes na farmácia, para aconselhar os pacientes
e responder questões sobre as prescrições de medicamentos, incluindo questões
referentes ao medicamento OTC.
Esse panorama, contudo, é invisível para a maior parte da população, pois
são atividades realizadas de modo quase amador, resultado de iniciativas pessoais,
em momentos particulares, na farmácia, onde realizam o acompanhamento ou o
aconselhamento, sem nenhuma metodologia de trabalho específica, que se coloque
como referencial ao desdobramento dos seus trabalhos, e sem a realização de
registros sistemáticos, de modo a compor a documentação do trabalho produzido.
A discussão apresentada no capítulo 3 sobre o panorama histórico-social da
Atenção Farmacêutica e sua relação com o farmacêutico foi utilizada como uma
introdução ao entendimento dos benefícios de se promover a multiplicação dessas
diretrizes no Brasil. O modelo de prática vigente se encontra ultrapassado,
parecendo claro que se devem estimular esforços coletivos no sentido de se
promover a inovação que é a Atenção Farmacêutica.
Algumas iniciativas mostram que a Atenção Farmacêutica tem conquistado
grande espaço entre os pesquisadores e organizações profissionais nacionais e os
avanços nessa discussão sinalizam que há possibilidade de discutir a
implementação dessa prática profissional (OSHIRO & CASTRO, 2006)
174
Deve ser ressaltado também que, segundo a OPAS (2001), o processo de
elaboração do consenso foi promovido tendo em vista as circunstâncias que
tangenciavam a prática farmacêutica no país: (a) crise de identidade do profissional
farmacêutico; (b) deficiências na formação dos profissionais farmacêuticos,
excessivamente tecnicista e com incipiente formação na área clínica; (c) dissociação
entre os interesses econômicos e os interesses da saúde coletiva, com predomínio
daqueles em detrimento destes; (d) prática profissional desconectada das políticas
de saúde e de medicamentos; (e) iniqüidade no acesso aos medicamentos; (f)
inefetividade na implementação da Política Nacional de Medicamentos; e (g) falta de
integração entre as entidades farmacêuticas.
Todos esses quesitos citados acima são identificados, de fato, ainda no
contexto da prática profissional e sem a perspectiva de se modificar o quadro atual
em médio prazo.
O que se espera é que, com a expansão da prática da Atenção Farmacêutica,
se consolide uma mudança da hegemonia dominante da prática tecnicista e que a
quebra desse paradigma conduza a uma:
[...] a práxis farmacêutica humanística (que) se caracteriza por
trabalhar com o humano e a partir do humano, por relativizar os
saberes e as certezas, por valorizar a individualização da
necessidade e do desejo, por assumir autenticidade dos sujeitos, a
busca dos consensos e, por fim, por atribuir aos medicamentos e aos
demais insumos terapêuticos o papel coadjuvante que cabe a eles,
diante da integralidade das ações de saúde como estratégia da
política da vida. (ROGER, 2003:68)
Apesar de todas essas oposições, foi verificado um senso de competência e
clareza, em todos os farmacêuticos entrevistados, sobre as situações que
tangenciam a prática farmacêutica, reforçando a idéia de que eles são capazes de
elaborar projetos profissionais.
175
É preciso salientar que a mudança do paradigma ainda é um projeto, um
percurso. É uma trajetória que vamos buscar. Não se trata de uma estrada já aberta,
mas sim da construção de um caminho pelo próprio caminhante, que interage com
ele momento a momento. Como nos sempre citados versos do poeta António
Machado
33
: “Caminante, no hay camino / se hace camino al andar” [“Caminhante,
não há caminho / o caminho se faz ao caminhar”].
Diz-se então que o caminho se faz ao caminhar, desvelando-se à medida que
o percorremos. Podemos sugerir um caminho: onde o interesse maior para esse
projeto profissional esteja voltado para o seu trajeto, isto é, para o processo de
implementação dessa prática. Ao apreciar o que ocorre no caminho, trazemos a
reflexão que a nossa atenção deve ser voltada não apenas para a meta, mas
também para o trajeto que será percorrido para atingi-la. E este processo dialógico,
interacional, que indicará as pedras a se desviar ou a se retirar do caminho, de modo
a proporcionar o sucesso da caminhada.
As mudanças são necessárias para transpor os paradigmas existentes.
Durkheim (1982) relembra que os fatos sociais, antes de serem o resultado
intrínseco da nossa vontade, são o produto de uma amálgama de determinações
existentes no mundo exterior, operando como moldes que se reproduzirão, conforme
a configuração social existente. Quando a inovação vence resistências e passa a
fazer parte do cotidiano, é porque esse fato passou a ser um fato social (LAGO,
1996).
E como iniciar a mudança da prática profissional voltada para o paciente?
33
MACHADO, A. Proverbios y Cantares. Disponível na Internet: http://www.abelmartin.com Acessado
em 19 de março de 2004.
176
A aproximação com os farmacêuticos no decorrer da pesquisa trouxe à tona a
questão de como é necessário ampliar o perfil do farmacêutico moderno, colocando-
o como o profissional integrado às questões referentes ao uso de medicamentos,
desde seus impactos sociais e sanitários. Enfim, legitimando-o como o profissional
do medicamento a serviço da população.
Os modelos observados da prática farmacêutica sejam nas farmácias de
redes de âmbito estadual, sejam nas de rede local ou em farmácias familiares,
indicaram um farmacêutico à espera de uma mudança. Como se ela estivesse para
surgir a qualquer momento e modificar o padrão atual de comportamento das
empresas, dos próprios farmacêuticos ou da própria sociedade.
Ter o farmacêutico presente nas farmácias é uma grande conquista, mas ter a
clareza dos seus limites e das dificuldades que são enfrentadas no exercício da sua
prática é um dos imperativos desse momento de revitalização da profissão
farmacêutica.
Ao longo do processo de coleta de dados com os farmacêuticos
entrevistados, encontrei-os, na maioria dos casos, sem espaço físico e,
principalmente. sem autonomia para desenvolverem projetos focados na questão do
uso do medicamento pelas pessoas. Ausências essas que devem ser sanadas, no
primeiro caso, pelos legisladores, na medida em que se circunscreva como
necessário, nas dependências das farmácias comunitárias, uma área mínima
suficiente para garantir a interlocução reservada do farmacêutico com o usuário de
medicamentos, na medida em que se deseje reforçar aspectos sobre os cuidados
inerentes com a conservação e utilização de medicamentos, quesitos esses que são
importantes componentes da dispensação de medicamentos.
177
E, no segundo caso, se apresenta como de extrema importância, o amplo
debate sobre a profissão nos segmentos específicos e, no caso da farmácia
comunitária, no que tange a como se dá a presença do farmacêutico. O que se
espera dele? Como eliminar os hiatos, fruto de décadas de formação tecnicista?
Como auxiliar os farmacêuticos atuais a se fortalecerem com as dificuldades
presentes no dia a dia? Como ser profissional de saúde e não estar como
profissional de saúde?
Avançar nessas questões é o início de todo um movimento que deve ser
despertado para transformar a farmácia, de um mero local de compra e venda de
medicamentos, em um estabelecimento de saúde.
Nossos líderes devem urgentemente implantar no âmbito estadual e, quiçá,
nacional, uma estratégia de renovação profissional onde seja despertada, em cada
farmacêutico, a consciência de que executar sua prática profissional de modo
completo é um desafio que pode ser alcançado no cotidiano. Reforçar a educação
continuada aos que já estão no mercado de trabalho, atualizando seus
conhecimentos adquiridos na Faculdade com a integração de módulos de
comunicação interpessoal, liderança, psicologia e relações humanas.
Senge (1990) nos incita, através da análise de cinco disciplinas básicas do
aprendizado, a obter o desenvolvimento não só pessoal, mas também o da
organização. São elas: domínio pessoal, modelos mentais, objetivo comum,
aprendizagem em grupo e raciocínio sistêmico.
Com o domínio pessoal de cada farmacêutico, que se expressaria pelo
desenvolvimento das suas habilidades e competências necessárias para a atuação
profissional com as pessoas, promovendo nos farmacêuticos o estímulo para buscar
178
a superação e a inovação. Os modelos mentais, que corresponderiam às visões de
mundo, aos paradigmas que os farmacêuticos possuem, seriam influenciados com
reflexões de como é realizada a prática farmacêutica e como seria possível modificar
seus respectivos comportamentos, simultaneamente aproximando-os do usuário de
medicamentos. O objetivo comum indicaria a visão do futuro de uma organização
como um projeto em comum compartilhado, onde a missão da Farmácia seria
ressaltada e apresentada como algo a se conquistar. O estímulo ao aprendizado em
grupo, onde a valoração do diálogo se sobreporia a idéias preconcebidas,
produzindo um processo sinérgico. O grupo e suas interações constituiriam unidades
básicas do aprendizado, produzindo assim resultados positivos para a organização e
seus integrantes. E o raciocínio sistêmico se destacaria como o somatório das
quatro disciplinas apontadas acima, indicando que a força do processo se
encontraria na integração da comunidade farmacêutica por meio de discussões
polarizadas por seus expoentes do meio acadêmico, sindical, profissional, político e
social.
Mudar a práxis farmacêutica, se deslocando para o paciente, é um ato que
está longe de acontecer isoladamente, como uma vontade dependente unicamente
de resoluções emanadas de alguma autoridade. Esse processo deve, sim, ser um
processo endógeno, mas associado também à adequação das condições externas,
nas farmácias, nas Universidades, Sindicatos, Associações Profissionais, na
sociedade, enfim, de modo que garantam a minimização das condições de
resistência que possa haver para essa mudança.
Essa conclusão é de fato positiva na medida em que renova a necessidade
de se focar na prática farmacêutica comunitária como a dimensão da necessária
implementação, desenvolvimento e remodelamento desse novo perfil profissional.
179
Os resultados deste estudo indicam que a implantação da Atenção
Farmacêutica pode e deve ser considerada como uma possibilidade a ser alcançada
em médio prazo. Nesse sentido, não se pode prescindir que o campo da farmácia
comunitária continue sendo um espaço unicamente comercial, com o sub-
aproveitamento do farmacêutico. Uma nova perspectiva deve ser lançada para que
possamos avançar nessa área, conquistando o adequado espaço como lócus de
saúde e trazendo benéficos para a sociedade.
180
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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uso racional de medicamentos? Jornal Brasileiro de Medicina 1997,73(2): 120-
127.
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Farmácia, e dá outras providências. Brasília; 1960.
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comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, e dá
outras providências. Diário Oficial da União de 17 de janeiro de 1973
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os órgãos e entidades do Ministério da Saúde, cujas ações se relacionem com o
tema objeto da política agora aprovada, promovam a elaboração ou a
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10. ANEXOS
ANEXO 1: ROTEIRO DE ENTREVISTAS SEMI ESTRUTURADAS COM
FARMACÊUTICOS
1 — INFORMAÇÕES PRELIMINARES AO ENTREVISTADO
Agradecimentos
Apresentação
Objetivos da Entrevista
Autorização de gravação
Interrupção possível
Tratamento e divulgação dos dados
Sigilo das informações: pessoas, cargos, funções.
Esclarecimento de dúvidas e questões
2 — DADOS DE IDENTIFICAÇÃO DA ENTREVISTA E DO ENTREVISTADO
Código interno da entrevista:
Dia:
Duração:
Tipo de estabelecimento:
Município:
Nome (iniciais):
Sexo: F ( ) M ( )
Idade:
Ano de formatura:
Local de Formatura:
Outras qualificações: Especialização ( ) Mestrado ( ) Doutorado ( )
Outros ( ) Qual?
Tempo de atuação na profissão:
191
Tempo de atuação como responsável técnico em farmácia comunitária:
Outras áreas de atuação pregressa e/ou concorrente S ( ) N ( ) Qual?
Tempo de atuação nesse estabelecimento farmacêutico:
3 — EXPLORAÇÃO DA TEMÁTICA
Características da percepção sobre a prática profissional
3.1. Você lembra o que o (a) motivou a escolher a profissão farmacêutica?Como
você imaginava que seria o seu trabalho? O que você pensava na época?
3.2. Como foi a faculdade? Gostou? O que você mais gostou? Fez pesquisas,
iniciação científica e estágios? Em que área?Quando você se formou, sentiu-se
preparado? Em que foi seu primeiro emprego? E depois? E o atual emprego, como
chegou até aqui? E o que você faz agora?
3.3. Quais atividades você realiza em um dia típico aqui na farmácia/drogaria?
Alguma dessas atividades você considera mais importante? O que acha mais difícil
de fazer? E o mais fácil?É sempre assim? Por quê?
3.4. Você é chamado a ir ao balcão?Quem te chama mais ao balcão? Quando você
vai ao balcão?Quais as razões mais comuns para você ir ao balcão? O que a
população pede que só você resolve? As pessoas pedem informações sobre a
doença deles além das relacionadas com o uso dos medicamentos?E sobre algo
mais?Conte os casos.
3.5. Como se faz a dispensação de medicamentos na sua farmácia/drogaria?Como
você participa desse processo?Quem orienta?Quais são as tarefas dos balconistas?
A população tem pedido mais medicamentos genéricos? Comente.Você vai ao
balcão para atender situações relacionadas ao medicamento genérico? Quais?
3.6. Qual a dificuldade da população no uso de medicamentos? Enumere as dúvidas
mais comuns da população.
3.7. Como você se sente no seu dia-a-dia de trabalho?
3.8. Você pode falar de alguma situação que marcou a sua carreira?
192
3.9. De forma geral, como você avalia o seu trabalho, em relação a:
Condições de Trabalho: equipamentos, posto de trabalho, espaço,
iluminação, ruídos?
Organização do Trabalho: regras, rotinas, procedimentos,
desempenho?
Relações Sociais de Trabalho: interações com chefias, colegas e
usuários?
3.10. Em sua opinião, quais seriam as perspectivas futuras da profissão
farmacêutica na farmácia e drogaria? Por quê?
3.11. Sabe dizer se estudou sobre Atenção Farmacêutica na faculdade ou em outros
momentos? Para você, qual o significado do termo Atenção Farmacêutica?
3.12. Como você vê a inserção do farmacêutico na farmácia/drogaria? E a questão
da presença?
193
ANEXO 2: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva
Instituto de Medicina Social
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Entrevistados
Eu, _________________________________________,R.G. _____________,
declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado(a) na pesquisa de
campo referente a dissertação intitulada “A práxis farmacêutica segundo o olhar dos
farmacêuticos responsáveis técnicos por farmácias comunitárias no estado do Rio de
Janeiro”desenvolvida no Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ) pela pesquisadora Cláudia Regina Garcia Bastos. Fui informado
ainda de que a pesquisa é orientada pela Profª. Dra.Rosângela Caetano, a qual poderei
consultar a qualquer momento que julgar necessário por meio do telefone (21) 25877303
ramal 210.
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer
incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa.
Fui informado (a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo que, em linhas gerais é
o de procurar identificar a concepção que os farmacêuticos responsáveis técnicos, atuantes
em farmácias comunitárias do estado no Rio de Janeiro, têm sobre a sua prática profissional
e como essa visão pode estar relacionada à implementação de práticas de atenção
farmacêutica no estado.
Fui também esclarecido (a) de que os usos das informações por mim coletadas estão
submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos da
Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Ministério da Saúde.
Minha colaboração se fará de forma anônima por meio de entrevista semi-
estruturada. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo pesquisador e
o seu orientador.
Estou ciente de que em caso de dúvida, ou me sinta prejudicado (a), poderei contatar
o pesquisador responsável ou seu orientador, ou ainda, o Comitê de Ética em Pesquisa do
Instituto de Medicina Social situado à Rua São Francisco Xavier, 524, Pavilhão João Lyra
Filho, 7
o
andar, Blocos D e E, CEP 20559-900, Maracanã, Rio de Janeiro (RJ), telefones
(21) 25877303/7540/7422/7572 e fax (21) 2264-1142.
O pesquisador principal do estudo me ofertou uma cópia assinada do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (CONEP).
Rio de Janeiro, ____ de _________________ de 2006.
Assinatura do (a) participante: ___________________________________________
Assinatura do pesquisador: _____________________________________________
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