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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
Marilene Vieira
Os limites do sobrenatural: uma leitura do fantástico em Josué Guimarães
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS
EM LITERATURA E CRÍTICA LITERÁRIA
SÃO PAULO
2009
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Marilene Vieira
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Literatura e Crítica Literária sob a orientação
do Profa. Drª. Beatriz Berrini
São Paulo
2009
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BANCA EXAMINADORA
________________________________________
________________________________________
________________________________________
À minha mãe, Conceição.
À minha sobrinha, Bianca.
Agradecimentos
Acima de tudo a Deus que permite que sonhos se realizem.
A minha orientadora pelo apoio.
Aos professores do departamento de Literatura e crítica literária pelos
ensinamentos desde a graduação.
À minha mãe e a Bianca pelo simples existir.
Aos amigos Daniel Foggiato Vieira e a Silvânia Francisca de Jesus pela companhia
e apoio nos primeiros passos deste trabalho.
Ao professor Claudio Cesar Montoto, pelos conselhos, apoio e constante estímulo.
À Natasha Paiva e Juliana Daniel, pela companhia, amizade e apoio.
À Ana Albertina pelo suporte acadêmico.
Á secretaria de Educação do estado de São Paulo, pela bolsa concedida.
Talvez, então, o leitor acredite que nada é mais fantástico e
louco do que a vida real, e que o escritor poderia
apreender tudo isso como um reflexo confuso de um espelho
mal polido.
(Hoffmann O Homem de Areia)
RESUMO
A presente dissertação faz a análise dos contos A Visita, Uma noite de chuva e A
travessia do escritor Josué Guimarães à luz dos ensinamentos teóricos de Tzvetan
Todorov e de Felipe Furtado; com o intuito de especificar as peculiaridades do
fantástico, do estranho e do maravilhoso em cada narrativa. Para tanto iniciamos
com uma discussão teórica em que colocamos em diálogos os dois teóricos,
objetivando salientar suas diferenças e semelhanças. Felipe Furtado em seu livro A
construção do fantástico na narrativa (1980) critica a teoria e as definições de
Todorov presentes no livro Introdução a literatura fantástica (1992)
1
. Ele argumenta
que Todorov ao atribuir a primazia da definição do fantástico e também do estranho
e do maravilhoso ao leitor está privilegiando um elemento secundário e não e não o
principal a ambigüidade. Furtado centra sua conceituação do fantástico, do
estranho e do maravilhoso na ambigüidade que surge na narrativa a partir da
presença do elemento sobrenatural. Sua definição parte da evocação mútua dos
elementos do texto que deverão voltar-se ao fantástico, caso haja a permanecia da
ambigüidade, ou ao estranho caso ocorra à supremacia da realidade ou ao
maravilhoso se os elementos e somarem para a manutenção de uma realidade
arbitrária. Com os dois autores em diálogo analisamos os contos citados,
objetivando explicitar os caminhos e as peculiaridades do sobrenatural em cada
narrativa que compõem o corpus desta pesquisa e assim salientar as
características de cada discurso.
Palavras chave: Josué Guimarães, Fantástico, Maravilhoso, Estranho, Todorov,
Felipe Furtado.
1
O livro de Todorov tem sua primeira edição lançada na década de 70. Usamos a 2ª edição lançada em 1992.
ABSTRACT
The present dissertation analyzes the short stories A visita, Uma noite de chuva
and A travessia by the writer Josué Guimarães, based on the theoretical teachings
of Tzvetan Todorov and Felipe Furtado. Our intention is to specify the
characteristics of the fantastic, the strange and the wonderful in each story. We
begin with a theoretical discussion in which we put these two authors in dialogue,
aiming to emphasize their similarities and differences. Felipe Furtado, in his book A
construção do fantastico na narrativa (1980), criticizes the definitions of Todorov’s
views presented in the book Introdução a literatura fantástica (1992). He argues
that, by attributing the primacy of the definition of fantastic, strange and wonderful to
the reader, Todorov is actually privileging a second element and not the most
important one the ambiguity. Furtado concentrates his definition of fantastic,
strange and wonderful on the ambiguity that arises from the stories through the
presence of the supernatural element. His definition begins with the mutual
reminding of the text elements that must turn themselves to the fantastic, in case
the ambiguity remains; or to the strange, in case the superiority from the reality
prevails; or still the wonderful, if the elements contribute to the maintenance of an
arbitrary reality. With both authors in dialogue, we study the short stories
mentioned, intending to explicit and clear the ways and characteristics of the
supernatural in the narratives that compose the corpus of the present research and,
by doing so, emphasizing the characteristics of each discourse.
KEY WORDS: Josué Guimarães, Fantastic, Wonderful, Strange, Tzvetan Todorov,
Felipe Furtado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: O caminho do sobrenatural: uma introdução aos contos
de Josué Guimarães .............................................................................................10
CAPÍTULO I Os Caminhos do sobrenatural: o fantástico, o maravilhoso
e o estranho ........................................................................................................... 18
1.1 O fantástico....................................................................................................... 18
1.2 O estranho e o maravilhoso ............................................................................. 38
CAPÍTULO II Os Caminhos do fantástico: análise do conto A visita................... 47
2.1 A simultaneidade do relato: o entrelaçar da realidade e do sonho................... 47
2.2 O narrador personagem: a dúvida constante.................................................... 51
2.3 De palavra a palavra: a construção do discurso ambíguo.................................57
2.4 O conto A visita: Todorov versus Furtado ..................................................... ...60
CAPÍTULO III Análise do Conto Uma noite de chuva.......................................... 63
3.1 Realidade factual: a espera...............................................................................63
3.2 O acidente: o imprevisto e a alucinação .......................................................... 67
3.3 Supremacia do real: os elementos do estranho no conto .................................70
CAPÍTULO IV Análise do conto A travessia ........................................................75
4.1 As travessias: de Domingos Lavrador e do Coronel..........................................75
4.2 A travessia: em busca do fantástico..................................................................82
CAPÍTULO V Conclusão .......................................................................................90
Referências Bibliográficas ....................................................................................100
Anexo.....................................................................................................................105
ANEXO
10
INTRODUÇÃO
O caminho do sobrenatural: uma introdução aos contos de Josué Guimarães
A realização de pesquisa de iniciação científica, durante a graduação, em
que estudei a literatura fantástica, instigou-me a trazer para o mestrado a
continuidade de tais estudos. É claro que agora, com mais maturidade intelectual,
ampliaram-se as indagações, mas o desejo continua o mesmo: descortinar o
universo fantástico. Esse desejo ampliou-se quando encontrei, ainda, na iniciação
cientifica, a obra do escritor gaúcho Josué Guimarães. Bastante conhecido na
região sul, mas menos no restante do Brasil. Além, do intento de explorar sua
produção literária essa dissertação realiza um estudo com maior amplitude teórica
e com foco apenas em um contista diferente da iniciação, quando foi estudado
além de Josué Guimarães, contos dos escritores João Silvério Trevisan, Moacyr
Scliar e Murilo Rubião.
O contato com a literatura fantástica durante a graduação não foi o único
motivo que me fez trilhar esse caminho. Muito antes, as portas tinham sido
abertas para esse universo literário. Menina do interior mineiro, que fui, tive minha
infância acalentada por histórias fantásticas, que desde sempre tomamos como
verdades supremas, incontestáveis; principalmente porque a mim chegavam pela
boca de pessoas que jamais ousei questionar: tios velhos e tias avós muito
preocupadas em consolidar nossa obediência ou simplesmente em criar diversão
nas longas noites, quando não havia nada mais a fazer.
As noites de festas juninas eram as mais propícias, pois elas terminavam
como por mágica, com a obrigação de dormir com o sol. Ficávamos todos até
tarde em volta de uma fogueira, ouvindo histórias de assombração. Crianças que
éramos, eu e meus primos, morríamos de medo. E, depois de ouvir muitas destas
histórias, dormíamos, sempre, vendo almas de outro mundo, um lençol andando
sozinho e, o que mais nos amedrontava, ouvindo gritos e gemidos que não
sabíamos de onde vinham. Se a fogueira aquecia os corpos, as histórias
aqueciam nossa alma. Esse era o nosso jeito de contatar com um mundo afastado
11
do nosso, pois vivíamos em uma longínqua propriedade rural, onde não havia luz
elétrica e a televisão era algo estranho, inexplicável e distante, mais do que as
histórias fantásticas que nos eram contadas nas noites escuras.
Hoje, repensando o mundo em que vivi, percebo que toda aquela realidade
era mágica, e deixou marcas verdadeiras e profundas, que nem todos os anos de
vivência na capital paulista foram capazes sequer de arranhar. Eu ainda sou a
menina do interior que vê, lê e ouve o mundo fantástico; só que agora ampliei meu
universo de aventuras, estendendo-o aos estudos literários. Neste momento,
retorno a essas primeiras vivências literárias, para dizer que a literatura fantástica
sempre esteve em minha vida, mesmo quando eu nem sabia o que era literatura.
O caminho percorrido até aqui foi longo, muitas dificuldades foram vencidas,
financeiras, sobretudo. Mas os empecilhos foram usados como alicerce para
escrever uma história construída com viagens curtas e longas, mas que
resultaram em um grão de barro, um tijolinho a mais, para acrescentar à obra final,
que ainda está se fazendo. E a vida continua cheia de desafios; como esta
dissertação e os contos de Josué Guimarães: curtos passos e um longo
assombrar.
A literatura fantástica termo usado pela crítica literária para se
referir aos três tipos de discursos , distingue: o fantástico, o estranho e o
maravilhoso, todos nos remete ao sobrenatural, elemento presente nesses
discursos. Esse trabalho objetiva estudar o caminho e as peculiaridades do
sobrenatural em cada conto que compõem o corpus deste trabalho, tentando
explicitar seus traços singulares, de modo que seja possível perceber o que é
característico de cada discurso. Para tanto levantamos a hipótese de que cada
narrativa fantástica se definirá objetivamente, desde que seus elementos (ou parte
deles) evoquem o sobrenatural de modo a gerar ambigüidade e essa possa
simultaneamente inserir e/ ou distanciá-la dos discursos em estudo. A partir de
outra hipótese, tentaremos esclarecer se esse mesmo elemento pode não
distinguir a narrativa de modo que ela apresente igualmente elementos de dois ou
mais discursos, considerando as teorias dos estudiosos elencados para esse
projeto. Neste último caso aventamos a possibilidade de um hibridismo
12
classificatório, sempre que encontrarmos mais de uma possibilidade de
classificação para a mesma narrativa.
Na tentativa de criar bases sólidas para este trabalho, escolhemos dois
estudiosos que nortearão essa dissertação: Tzvetan Todorov, com seu livro:
Introdução à literatura fantástica (1992)
1
e Felipe Furtado, com A construção do
fantástico na narrativa (1980). Embora o segundo parta dos princípios do primeiro,
ele vem para completar e abordar, nas linhas do texto, aquilo que Todorov discute
no âmbito da percepção do leitor. A abordagem de ambos será útil, visto que
Furtado reivindica para o texto e seus elementos aquilo que Todorov, atribui ao
leitor, a saber, a definição do fantástico. Na opinião de Todorov, parte do leitor a
definição do fantá          
          
sustentaria o fantástico, acontece ao longo da narrativa. A ambigüidade que
segundo ele, é o elemento central do fantástico o define, ou determina o caminho
da narrativa em direção do estranho ou do maravilhoso. A escolha destes dois
teóricos deu-se, porque buscamos realizar uma análise dos textos escolhidos,
considerando os elementos da narrativa, como sustenta Furtado. No entanto,
reconhecemos a importância da obra de Todorov e o alcance de sua teoria para
qualquer projeto que tenha como base a literatura fantástica. Além disso,
compreendemos a importância de abordar, em um mesmo trabalho, um autor e
seu crítico, tal como acontece aqui, com Tzvetan Todorov e Felipe Furtado.
Escolhemos Felipe Furtado, entre tantos outros, pois reconhecemos a qualidade
da teoria de Todorov, da qual ele parte; também porque, assim como ele, dela não
discordamos por completo e especialmente porque há muita qualidade e solidez
nas críticas e apontamentos que Furtado realiza; ademais, os estudos sobre
literatura fantástica em Portugal, país de origem do autor, têm apresentado
grandes avanços.
Embora os supracitados autores sejam a mola propulsora do projeto, não
são os únicos que comporão o corpo teórico deste trabalho. Sempre que
necessário, usaremos apontamentos de outros estudiosos para ampliar e
1
Ano de lançamento da 2ª edição.
13
fortalecer ainda mais a fundamentação deste trabalho. Alguns críticos como:
Pampa Olga Arán com seu livro El fantástico literário (1999), Irlemar Chiampi com
a obra O Realismo Maravilhoso (1980) e Seymour Menton com Historia verdadera
del realismo mágico (1998), Irène Bessiére com Le récit Fantastique (1974) e
também Jacqueline Held com o livro Imaginário no poder (1980) que muito
contruibuiram para a formação das indagações e reflexões que estão presentes
neste nesse trabalho, serão também evocados se necessário.
Com este suporte teórico objetivamos diferenciar as idéias de Todorov
(1992) e Furtado (1980) colocando-os em diálogo no que se refere ao fantático,
ao estranho e ao maravilhoso. Consideramos esta uma tarefa particularmente
difícil visto que, uma certa confusão por parte dos teóricos para estabelecer
estes limites. Mas esperamos que, partindo dessas teorias, consigamos participar
das discusões sobre literatura fantástica de modo coerente. Buscamos, ainda,
evidenciar as estratégias de construção do discurso fantástico nas narrativas, que
forem entendidas como pertencentes a esta variante, ou seja, que se distancia do
maravilhoso e do estranho. Nas narrativas com essa característica, esperamos
encontrar marcas de que a ambiguidade é um fator determinante para a existência
do fantástico e sua ausência conduzirá a narrativa para os camihos do estranho
ou do maravilhoso.
As narrativas de Josué Guimarães dão corpo a esse projeto. Escritor
e jornalista, o gaúcho de São Jerônimo foi também político. Escreveu contos e
romances e, sobretudo, viveu intensamente a realidade do Rio Grande do Sul.
Além de contos e romances escreveu também literatura infantil e novelas. Sua
carreira literária iniciou-se em 1970, quando ele lançou a coletânea de contos Os
ladrões. Em 1972 publicou seu primeiro romance A ferro e a fogo-Tempo de
solidão, volume I da trilogia que conta a saga da colonização alemã no Rio Grande
do Sul. Segue com as obras Depois do último trem, A ferro e a fogo-Tempo de
guerra. Em 1977 Guimarães é contemplado com o prêmio Erico Veríssimo, pelo
romance Os tambores silenciosos. Em 1978, publica o romance Dona Anja,
narrado em folhetim; neste mesmo ano lança a novela Enquanto a noite não
chega. O cavalo cego livro do qual retiramos os contos que constituem o corpus
14
deste projeto foi lançado em 1979, é o segundo livro de contos do autor. As
histórias desse livro oscilam entre o realismo e o fantástico. Em 1980 lança Camilo
Mortágua. Publicou também literatura infantil Era uma vez um reino encantado, A
última bruxa, O rapto da Dorotéia, A casa das quatro luas e Os Ladrões da meia
noite. Morreu em 1986, ano que lançou Amor de perdição. A realidade do Rio
Grande do sul alimenta suas histórias, o que poderia fazer dele um escritor
regional, o que ele próprio negou.
Não posso me considerar um escritor regional, meus temas giram
em torno do homem, seus conflitos e contradições; a paisagem,
quando existe, vale apenas para dar acabamento à pintura. Minha
linguagem não é gaúcha, esforço-me até para que não seja, morei
muitos anos fora daqui. (...)
Minha temática é sul-americana: o subdesenvolvimento, a
miséria, o caldeamento de raças, a insegurança política e social, o
caudilhismo, a passividade diante do destino, a ignorância, a

im, o
homem que saiu desse cadinho (GUIMARÃES, 2006, p. 14 -15)
Josué Guimarães tem raízes na fronteira é, portanto quase bilíngüe.
Cresceu ouvindo histórias de caudilhos, revoluções, tropelias e degolações. Deste
contexto nasce sua temática que ele não considera regional, no sentido de ser
eminentemente gaúcha, mas sul-americana. Em suas obras aborda problemas
que segundo ele próprio são comuns a todos os países dessa região, como o
subdesenvolvimento, a miséria, caldeamento das raças. Sua produção literária
bebe de múltiplas fontes, mas especialmente em Graciliano Ramos, Jorge Amado,
Machado de Assis, além dos latinos americanos: Gabriel Garcia Marquez, Carlos
Fuentes, Julio Cortazar, Vargas Llosa e, sobretudo Juan Rulfo este, na verdade
15
constrói um enredo de que participam personagens que estão quase todas
mortas. No seu livro Pedro Páramo, o protagonista vai à Comala em busca do pai
e acaba por descobrir que, afinal, o mundo de que sua mãe falava era um
universo de pessoas mortas. Pedro Páramo alcançou imenso sucesso e seu autor,
Juan Rulfo tornou-se à época o autor mais lido e comentado de toda a América
Latina e foi inspiração de Josué Guimarães.
A obra de Josué Guimarães apresenta como temática recorrente a morte.
Sergius Gonzaga (2006) no ensaio A vitória do realismo, publicado no livro Josué
Guimarães- Escrever é um ato de amor, aborda esse assunto. Para Gonzaga,
além deste há outros temas recorrentes como a dor e a destruição. A ambientação
repleta de sombras habitava o livro de contos Os Ladrões, primeira obra do
escritor. Os textos desse livro foram reescritos e alguns eliminados, outros
reapareceram nos livros O gato no escuro e O cavalo Cego. Segundo Gonzaga:
Mais da metade desses relatos lidava com a idéia ou concretude
da morte. Violenta ou branda, espetacular ou anódina, ela seria
onipresente nos textos posteriores. (...)
Ela também aparece simbolicamente no final de Depois do último
trem. (...) Há nela reminiscência de Pedro Páramo, de Juan
Rulfo. (GUIMARÃES, 2006, p. 35)
As narrativas que compõem o corpus desse projeto são: A Visita, Uma noite
de chuva e A Travessia; todos retirados do livro O Cavalo Cego (1995), também
tratam sobre o tema da morte. Nelas reconhecemos características condizentes
com o universo do fantástico, sobretudo se aproximam da obra Pedro Parámo de
Juan Rulfo, autor que Josué Guimarães aponta como influente em sua escrita. À
semelhança de Rulfo, trata de personagens que estão mortas. Essa ligação
com Rulfo e a outros autores, cujas obras estão povoadas do mundo fantástico
16
como, Gabriel Garcia Marquez poderia explicar a natureza social e ligada a sua
realidade do fantástico de Guimarães. Mas esse não é o foco desse estudo.
Escolhemos as narrativas de Guimarães porque há nelas pelo menos um
elemento, o aparecimento do sobrenatural, que é imprescindível à existência do
fantástico, do estranho e do maravilhoso. Embora saibamos que o sobrenatural
não é privilegio apenas destes gêneros, reconhecemos nas narrativas escolhidas,
outras características que as tornam coerentes com o universo fantástico.
Dentre as características que nos fizeram escolher estes contos,
apontamos aquelas que naturalmente surgem quando observamos uma obra,
tendo como pano de fundo uma determinada teoria assim, por exemplo,
comparecem simples questionamentos, como este: por que razão o referido conto
pode ser entendido como fantástico, maravilhoso ou estranho? Quais as marcas
que o elemento sobrenatural deixa nos elementos do texto? Perguntas como estas
justificam a busca de respostas ora mais simples ora mais profundas, tendo como
base o estudo dos contos à luz da literatura fantástica. E, assim acreditamos, as
respostas satisfatórias surgirão, mesmo que não sejam aquelas inicialmente
esperadas.
Para ilustrar os motivos que nos fizeram escolher as narrativas citadas para
compor o corpo deste trabalho, apresentamos aqui uma breve síntese em que
contemplamos os eventos insólitos de cada uma. O primeiro conto, A visita tem o
seguinte enredo: um homem vive sozinho em sua casa. Ele se priva de todo tipo
de relações sociais, chega a demitir os empregados que trabalhavam para ele.
Passava a maior parte do tempo trancafiado, saía no começo da noite para
realizar ligeiras compras e logo voltava para casa. Parecia mesmo que tinha
abdicado de sua vida. Até que, numa noite, sua esposa passa um bom tempo
aconselhando-o a retomar sua vida; enquanto o aconselha, ela fica ao seu lado
revivendo o cotidiano e fazendo recomendações para que ele se cuidasse mais.
No entanto, Heloisa morrera havia mais de dois anos.
O segundo conto em análise, Uma noite de Chuva, tem como trama a
história de Vinícius que numa noite de chuva chega do trabalho e percebe pela
garagem vazia que a esposa não está em casa; logo descobre por meio da
17
empregada, que Helga havia ido ao supermercado. Preocupa-se com a esposa

olha o relógio a todo instante, até o momento em que o telefone toca e uma voz
anônima avisa de um acidente com o carro da mulher. Vinícius sai apressado e,
ao chegar ao local, ainda de longe, reconhece o carro destruído como sendo o da
mulher, mas antes de chegar mais perto um inesperado acontecimento: encontra-
se com ela. Vinícius volta pra casa com a esposa. Ao chegar em casa, Helga
desce do carro ainda na garagem, pois quer entrar enquanto o marido estaciona.
Quando Vinícius entra, percebe a presença de vários amigos que tentam consolá-
lo pela morte da esposa. Vinícius reage dizendo que Helga já vem e que o
acidente não foi com o carro da mulher, mas sim com um carro muito parecido;
teria sido um terrível engano. Os amigos o levam até o quarto aplicam-lhe uma
injeção de calmante, enquanto lamentam a morte de sua esposa e comentam a
reação dele frente à morte dela. Ele estava fora de si.
Fato incomum, similar aos anteriores, também aparece no conto A
Travessia. Neste, Domingos Lavrador é o responsável pela inusitada morte de
diversos homens, após a travessia de um rio caudaloso, devido às chuvas. No
entanto, algum tempo antes, Domingos Lavrador fora assassinado de modo
covarde, sendo retalhado por toda a soldadesca. A ordem para tal violência partiu
do mesmo violento coronel que comanda os homens que agora são as vítimas de
Domingos Lavrador. Esses eventos insólitos, cremos, justificam a escolha dos
três contos que formam o corpo desta dissertação.
Essa dissertação será dividida em três partes. A primeira composta pelo
primeiro capítulo consiste em uma exposição crítica das características do
discurso do fantástico, do estranho e do maravilhoso à luz dos apontamentos
teóricos de Tzvetan Todorov (1992) e Felipe Furtado (1980). A segunda parte, na
qual consta a análise do corpus é constituída por três capítulos, sendo um para
cada conto. E por fim, a última parte na qual apresentaremos uma síntese dos
estudos realizados acompanhada das conclusões às quais chegamos.
18
Capítulo I
1. Os caminhos do sobrenatural: o Fantástico, o Maravilhoso e o Estranho.
1.1. O Fantástico
Os mais variados estudiosos do fantástico recorrem aos postulados teóricos
do crítico Tzvetan Todorov, expressos em seu livro Introdução a Literatura
Fantástica (1992), seja para endossá-la, seja para negá-la. Portanto, ao
empreender um estudo sobre o fantástico, julgamos primordial iniciar com os
princípios apresentados por ele. O surgimento desta obra na cada de 70
representou a maioridade da literatura fantástica, muito embora a história das
narrativas que apresentam um mundo fantástico tenha se iniciado muito antes.
Segundo Ítalo Calvino (CALVINO, 2004, p.9-10) o conto fantástico nasce no
romantismo alemão, no início do século XIX. Nesse contexto, o autor destaca o
grande nome de um autor que aborda o fantástico: Hoffmann. O fantástico surge
como elemento de declaração do subjetivismo e valorização da realidade interior
em contraposição ao universo realista, que até então predominava. Os princípios
do iluminismo, que valorizavam aquilo que era passível de percepção por meio
da razão, não interferem no mundo alemão, nem no seu modo de pensar a
respeito do homem, pois sua cultura baseia-se em valores sobrenaturais, oriundos
da magia da mitologia nórdica. O romantismo alemão floresceu em meio a valores
diversos, entre os quais percebemos a forte presença da religião.
O mundo concebido pelos românticos alemães era um fluxo inesgotável de
forças que advinham da mitologia nórdica, da religião, da cultura popular, etc.
Deste modo, percebemos um misto de valores que culminam no irracionalismo e
no mágico; predominam eles na cultura alemã e servirão de força de oposição ao
racionalismo. Assim, conjugando a dimensão mítica própria dessa cultura com a
visão do universo como ser uno, no qual o mundo exterior e o interior convivem
19
em um mesmo espaço, o qual permite a coexistência dos opostos; é ali que a
literatura fantástica floresce como um dos elementos da busca da liberdade.
Tal busca materializa-se na literatura em obras a que os autores dão vazão
à imaginação; que tentam interpretar e as zonas obscuras da mente. O ambiente
do fim do século XVIII e início do século XIX é ideal para o aparecimento de uma
arte, que buscava libertar-se das estruturas fixas do mundo real, adotadas pelo
racionalismo. Calvino afirma que a especulação filosófica deste momento histórico
é que dá origem ao conto fantástico.
É no terreno específico da especulação filosófica entre os séculos
XVIII e XIX que o conto fantástico nasce: seu tema é a relação
entre a realidade do mundo que habitamos e conhecemos por
meio da percepção e a realidade do mundo do pensamento que
mora em nós e nos comanda. O problema da realidade daquilo

projetadas por nossa mente; coisas habituais que talvez ocultem
sob a aparência mais banal uma segunda natureza inquietante,
  é a essência da literatura fantástica,
cujos melhores efeitos se encontram na oscilação de níveis de
realidades inconciliáveis. (CALVINO, 2004, p. 9 -10)
A distância temporal aqui ilustrada mostra a grande importância da obra de
Todorov (1992); nela, o crítico fortalece e sistematiza o processo de discussão da
literatura fantástica, anteriormente vislumbrada por Freud, e por outros críticos
como, por exemplo, H. P. Lovecraft. A teoria todoroviana se desdobrou e deu
origem a trabalhos de muitos outros estudiosos, ora apologistas ora críticos. Mas
sempre tendo sua obra como referência. Esse talvez seja o grande mérito do
trabalho de Todorov para a literatura fantástica. Ao definir as características
próprias da literatura fantástica instituiu sua maturidade, proporcionando novos
20
caminhos à crítica literária. Em sua obra Introdução à Literatura Fantástica (1992)
o autor apresenta definições, nem sempre claras do fantástico, do estranho e do
maravilhoso; mas inevitavelmente exige uma reflexão atenta, pois sistematiza as
principais características destes gêneros.
Ao propor sua teoria, Todorov volta-se para os estudiosos que, antes
dele, debruçaram-se sobre esse assunto; muitos eram também produtores de
contos fantásticos e tentavam uma teoria da literatura fantástica. Recorre a H.
P. Lovecraft e Peter Penzoldt, por exemplo. Para Lovecraft
2
, o fantástico existe a
partir da          
Caracterização semelhante apresenta Penzoldt
3
para quem o medo e a impressão
do leitor também aparecem como pontos importantes para a caracterização do
Fantástico. Sobre a teor com exceção dos contos
de fadas, todas as histórias sobrenaturais são histórias de medo, que nos obrigam
a perguntar se o que se crê ser pura imaginação não é no final das contas

Esses autores são citados, quando Todorov, descortinando sua teoria, tenta
mostrar seus avanços em relação aos estudos anteriores. No segundo capítulo da
obra, após abordar no primeiro a problemática dos gêneros e espécies, o autor
enfrenta a definição do fantástico. Define-o a partir das diferenças entre ele o
estranho e o maravilhoso, apontando a característica que é mais cara ao gênero:
a hesitação.
heguei quase a acreditar eis a fórmula que resume o espírito
do fantástico. A fé absoluta como a incredulidade total nos levam
para fora do fantástico; é a hesitação que lhe da vida. (...)
O fantástico implica, pois uma integração do leitor no mundo das
personagens; define-se pela percepção ambígua que tem o
próprio leitor dos acontecimentos narrados.
(TODOROV, 1992, p. 36-37)
2
Apud Todorov, 1992, p.40
3
Apud Todorov, 1992, p.41
21
A hesitação mencionada pelo teórico relaciona dois mundos distintos: o das
personagens e o dos leitores. É preciso que o leitor perceba e viva a hesitação
encenada na narrativa. Assim Todorov afirma a principal característica do
fantástico: a indecisão do leitor. Em suas próprias palavras: a hesitação do leitor
é, pois a primeira condição do fantástico. Mas será necessário que o leitor se
identifique com uma personagem particular (...) (TODOROV, 1992, p.37)
Esse ponto custa à teoria de Todorov muitas críticas, pois mesmo
considerando o suposto pensamento do leitor e não o real abre espaços para
questionamentos diversos, como os realizados por Felipe Furtado em seu livro, A
construção do fantástico na narrativa (1980) em que o crítico português argumenta
que há uma escolha inadequada de foco para a definição do fantástico.
Facilmente se depreende que afastar o traço distintivo do fantástico
da sua situação própria (a ambigüidade) para o colocar no papel
(nem sempre explícito ou convincente) destinado ao narratário, como
faz Todorov, equivale a dar prioridade ao acessório sobre o essencial,
privilegiando um fator aleatório em desfavor de uma característica
constante de qualquer narrativa que se inscreva no gênero.
(FURTADO, 1980, p.76)
Furtado (1980) claramente anuncia o que considera como a grande
problemática da definição todoroviana: o foco no narratário. Deste modo
entendemos que considerando a definição estabelecida por Todorov, o fantástico
não existirá se não estiver presente a hesitação do leitor, sendo que neste ponto
observa a existência de dois elementos importantes. O primeiro refere-se ao
narratário, que poderia, ser compreendido como uma personagem, portanto um
dos elementos presentes no texto e, nesse caso, teria clara supremacia em
22
relação aos demais. O segundo refere-se aos destinatários reais, seres cuja
posição é cambiante, uma vez que ela pode facilmente se modificar a partir de
fatores externos ao texto. Fatores estes que podem conduzi-lo a uma aceitação ou
recusa completa da intromissão do sobrenatural na narrativa; qualquer uma das
posições destruiria o fantástico e conduziria a narrativa ou para o estranho, ou
para o maravilhoso. Critica Furtado:
Daí que a caracterização do gênero se tenha de basear, não em
reações aleatórias e exteriores à obra, mas em traços que se
mantenham indiscutivelmente constantes, mesmo que sujeitos aos
mais diversos cambiantes de leitura. Com efeito, os sinais do tipo de
discurso literário em que um texto se insere hão de estar inscritos
nele, não podendo depender das atitudes necessariamente varáveis
que porventura venha a suscitar nos seus destinatários imediatos.
(FURTADO, 1980, p. 77)
A definição apresentada por Todorov amplia ainda mais o poder do leitor, se
considerarmos que, em seus postulados, o fantástico é um gênero que deve ser
observado no limiar do estranho e do maravilhoso. Assim, uma vez cessada a
hesitação, tempo de duração do fantástico, caberia ao leitor a competência pela
decisão de classificar a narrativa como pertencente ao maravilhoso ou ao
estranho.
O fantástico (...) dura apenas o tempo de uma hesitação:
hesitação comum ao leitor e à personagem, que devem decidir se

opinião comum. No fim da história, o leitor, quando não a
23
personagem, toma, contudo uma decisão opta por uma ou outra
solução, saindo desse modo do fantástico. (TODOROV, 1992,
p.47-48)
Como observamos, Furtado baseia sua definição na ambigüidade, que
considera característica constante dos textos fantásticos. E a ela oferece a
primazia de sua definição, diferenciando-se assim da definição de Todorov. Além
disso, é necessário salientar que Furtado (1980) objetiva necessariamente
verificar no texto as marcas deixadas pela ambigüidade gerada pela inserção do
sobrenatural nos elementos da narrativa.
De fato, a essência do fantástico reside na sua capacidade de
expressar o sobrenatural de uma forma convincente e de manter uma
constante e nunca resolvida dialética entre ele e o mundo natural em
que irrompe, sem que o texto alguma vez explicite se aceita ou exclui
inteiramente a existência de qualquer deles. Em conseqüência, a
primeira condição para que o fantástico seja construído é a de o
discurso evocar a fenomenologia meta-empírica
4
de uma forma
ambígua e manter até ao fim uma total indefinição perante ela.
(FURTADO, 1980, p.36 - grifo nosso)
Notamos, portanto, diferença de posicionamento entre Tzvetan Todorov
(1992) e Felipe Furtado (1980) no que se refere à definição do fantástico. Embora
4
Furtado usa o termo meta-empírico, como sinônimo do sobrenatural. E o define como “qualificativo (...) que
se pretende significar que a fenomenologia assim referida está para além do que é verificável ou cognoscível a
partir da experiência, tanto por intermédio dos sentidos ou das potencialidades cognitivas da mente humana,
como através de quaisquer aparelhos que auxiliem, desenvolvam ou supram essas faculdades.
[Furtado, 1980,p.20]
24
observemos que a definição de ambos tem necessidade da existência do
sobrenatural como requisito indispensável, sem o qual não podemos falar em
literatura fantástica. De qualquer modo, é preciso salientar as duras críticas
apresentadas por Furtado a Todorov.
Longe de ser o traço distintivo do fantástico, a hesitação do
destinatário intratextual da narrativa não passa de mero reflexo dele,
constituindo apenas mais uma das formas de comunicar ao leitor a
irresolução face aos acontecimentos e figuras evocados. Por isso
mesmo, (...) a função do narratário terá de subordinar-se, servindo-a,
à ambigüidade fundamental que o texto deve veicular.
(FURTADO, 1980, p. 41)
A definição criada por Todorov para o fantástico requer ainda outros
elementos, no que se refere à posição do leitor. Nesse caso, Todorov sustenta
que é preciso que o leitor pactue com a história, negando tanto a leitura poética
quanto a alegórica, pois ambas terminariam com a existência do fantástico.
O fantástico implica, portanto não apenas a existência de um
acontecimento estranho, que provoca hesitação no leitor e no
herói; mas também numa maneira de ler, que se pode por ora
definir negativamente: não deve ser n  
TODOROV, 992, p.38)
Mais uma vez notamos o grande papel do leitor, que une os elos da
definição todoroviana. Observamos que o texto e seus elementos assumem uma
25
posição frágil, pouco é percebido do aspecto textual, embora este não seja nulo.
Percebemos na citação acima que se fala de um leitor real que se posiciona ante
ao texto assumindo uma postura amplamente discutível, visto que diversos são os
fatores que o influenciam. O que faz com que o leitor entenda uma narrativa como
alegórica, por exemplo, são fatores diversos como os culturais, que diferem,
obviamente, de leitor para leitor. Ademais, histórias que tradicionalmente poderiam
ser compreendidas como alegóricas, como os contos de fadas, pertencem à outra
esfera do mundo fantástico: o maravilhoso. Além disso, as interpretações
alegóricas estão muito mais direcionadas à realidade; exatamente o contrário
acontece com uma leitura poética, que ativa a imaginação e implica numa visão do
texto distante da realidade, como afirma Todorov. ... se é dito, por exemplo, que o
             
como tal, sem pretender ir além das palavras (TODOROV, 1992, p. 38).
Todorov resume em três itens as características fundamentais do fantástico,
a saber:
Este (o fantástico) exige que três condições sejam preenchidas.
Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o
mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e a
hesitar entre uma explicação natural e uma explicação
sobrenatural dos acontecimentos evocados. A seguir, esta
hesitação pode ser igualmente experimentada por uma
personagem. (...) Enfim, é importante que o leitor adote uma certa
atitude para com o texto: ele recusará tanto a interpretação
     (TODOROV, 1992,
p.38-39- grifo nosso)
O fantástico exige o primeiro e o terceiro itens como fundamentais; o
segundo pode não aparecer em todas as obras. O primeiro item, a hesitação entre
26
dois mundos, inscreve-se no aspecto verbal do texto, ou seja, no âmbito da ação
          
            
am (TODOROV, 1992, p.39). Portanto, conclui-se que é preciso uma
aproximação da obra em que o leitor se disponha a perceber a ação textual de tal
modo, que se deixe conduzir e hesitar entre dois mundos, pois mesmo
considerando a expressão ue o texto obrigue o leitor a considerar...
percebemos que é grandiosa a participação do leitor nesta definição.
Principalmente se lembrarmos da posição de Todorov no início do livro, quando
 Fantástico é a hesitação experimentada por um ser que só conhece
as leis naturais, face     
(TODOROV, 1992, p, 31). Este ser é claramente entendido como o leitor. o
terceiro item transcende a divisão dos aspectos textuais: trata-se de uma escolha
entre vários modos (e níveis) de leitura (TODOROV, 1992, p. 39).
Essa escolha, citada por Todorov, se refere ao pacto de leitura realizado
pelo leitor em relação ao texto, como referimos anteriormente, bem como o
grande papel atribuído ao leitor na definição de Todorov; ele também foi criticado
por Furtado (1980), que aponta um dado simples, porém interessante para esta
discussão: a segunda leitura. Entendemos a partir da argumentação de Furtado,
que mesmo o leitor assumindo uma leitura não alegórica e não poética, ainda
assim, o fantástico correrá risco de evanescer, pois pode não resistir a uma
segunda leitura. Essa é muito diferente da primeira, pois o leitor já conhece o final,
e a totalidade da história, e é muito provável que nada mais suscite dúvidas.
A evidente diversidade das reações admissíveis na prática
perante as obras do gênero poderá acrescentar-se um novo óbice
quanto à validade do papel do narratário como traço distintivo do
fantástico, a segunda leitura. De facto, esta difere totalmente da
primeira, pois nela o leitor real muito dificilmente se acomodará
à atitude perante o sobrenatural que lhe é apontada pelo
narratário. (FURTADO, 1980, p.77)
27
Logo se considerarmos esta segunda leitura, é muito provável que a
hesitação desapareça e, assim, desapareceria o fantástico, pois, como afirma
Todorov, o fantástico existe durante pouco tempo, ou mais precisamente 
      (TODOROV, 1992, p.47). Desta forma
estabelece-se o limiar, a partir de sua relação com seus gêneros vizinhos: o
maravilhoso e o estranho. Bem diferente é a definição estabelecida por Furtado
(1980), que visa determinar os elementos próprios do fantástico no âmbito do
texto, o que torna sua definição mais objetiva; ele considera e frisa a necessidade
de que seus elementos sejam notados tanto no plano da história, quanto no do
discurso, distanciando da definição baseada na reação do leitor adotada por
Todorov.
Uma organização dinâmica de elementos que, mutuamente
combinados ao longo da obra, conduzem a uma verdadeira
construção de equilíbrio difícil (...) e da rigorosa manutenção
desse equilíbrio, tanto no plano da história como no do discurso,
que depende a existência do fantástico na narrativa (FURTADO,
1980, p.15)
Ainda abordando a definição do fantástico, é necessário lembrar que,
enquanto Todorov (1992) adota a hesitação do leitor como o primordial elemento
do postulado em relação ao fantástico, Furtado (1980) prima pela ambigüidade
resultante da existência de elementos e/ou mundos que naturalmente são
excludentes.
o fantástico confere sempre uma extrema duplicidade à
ocorrência meta-empírica. Mantendo-a em constante antinomia
com o enquadramento pretensamente real em que a faz surgir,
28
mas nunca deixando que um dos mundos assim confrontados
anule o outro, o gênero tenta suscitar e manter por todas as
formas o debate sobre esses dois elementos cuja coexistência
parece, a princípio, impossível. A ambigüidade resultante de
elementos reciprocamente exclusivos nunca pode ser desfeita até
ao termo da intriga, pois, se tal vem a acontecer, o discurso fugirá
ao gênero mesmo que a narração use de todos os artifícios para
nele a conservar (FURTADO, 1980, p. 35-36).
A diferença entre os dois autores centra-se também na questão da
autonomia. O fantástico em Todorov tem características abertas a influências
externas, e limites imprecisos o que fere sua autonomia.
O fantástico leva, pois uma vida cheia de perigos, e pode se
desvanecer a qualquer instante. Ele antes parece se localizar no
limite de dois gêneros, o maravilhoso e o estranho, do que ser um
gênero autônomo. (TODOROV, 1992, p.48)
Esses fatos chamam atenção para a questão da existência do fantástico.
Da maneira como Todorov o define, falar de um texto fantástico é falar por um
lado de uma narrativa sem autonomia. E, do outro, basear na dependência de
elementos externos sua existência, o que é no mínimo um desvio de foco, pois
neste caso, para aceitar um texto como fantástico, teríamos antes que estudar
diversos elementos da cultura do leitor, para entendermos o que pode influenciar
sua postura ante o texto. Ainda assim, questionaríamos se foram considerados os
elementos certos, pois são esses elementos que decidirão o destino do texto.
Observamos que um texto que pertencesse ao fantástico, como postulam os
29
princípios teóricos de Todorov, não tem autonomia, está sujeito às flutuações no
espírito do leitor e, principalmente, apresenta grandes chances de se voltar para o
maravilhoso ou para estranho.
Para compreender melhor as características de um texto filiado ao
fantástico, segundo a teoria todoroviana, propomos um esquema que parte de
uma reta, torna-se uma parábola inversa e termina em uma linha que se bifurca:
direcionando-se para o estranho e para o maravilhoso. Assim:
Leitor
---------------------------------------------------------------------------
Ilustração I
O fantástico, como sabemos, implica na intromissão do sobrenatural na
realidade, de modo a criar uma hesitação entre dois mundos e, por sua vez, ainda
entre uma explicação racional ou irracional. A primeira parte da linha representa o
mundo real, que acolhe o sobrenatural. O ncavo do desenho representa o
sobrenatural que surge neste mundo e provoca uma verdadeira revolução na
narrativa, fazendo surgir um texto que, a partir de então, tem esse novo elemento:
o sobrenatural. Este deve provocar a hesitação, e assim nasce à dúvida a partir
de sua inserção. A nova reta que surge posteriormente ao sobrenatural representa
o mundo em que a convivência de duas realidades opostas, pois do contrário
não haveria o fantástico, a narrativa passa, neste momento, a conjugar duas
30
possibilidades distintas. Este é o ponto alto da narrativa fantástica, de acordo com
a teoria de Todorov, como ele afirma a hesitação do leitor aparece diante desta
realidade bia que tem a primazia na definição do fantástico. O leitor é
reapresentado no desenho como elemento externo ao texto, visto que, mesmo se
considerarmos o leitor implícito, ele tem a função de conduzir a leitura do leitor
real.
Eis um ponto de discussão na teoria todoroviana, visto que é bastante frágil
a posição do leitor diante dessa realidade dúbia, principalmente se considerarmos
o que argumenta Eco no seu livro Seis Passeios pelos Bosques da ficção (1994),
em que afirma que o texto literário estabelece a priori, desde o começo, um pacto
com o leitor. Afirma Eco: A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é
seguinte: o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge
chamou de suspensão da descrença      e a narrativa
apresenta algo que não corresponde ao real, que se entende como sobrenatural,
fica claro ao leitor que ele deve mergulhar nessa realidade aceitando os elementos
que se conjugam, criando uma atmosfera que não necessita se submeter à prova
do real. Entendemos ser frágil esse ponto que solicita ao leitor a definição dos
caminhos da narrativa que recebe o sobrenatural, visto que haveria desde as
primeiras linhas um acordo para a aceitação da realidade ficcional.
No entanto, a argumentação da teoria de Todorov solicita um
posicionamento do leitor. Se o leitor decidir por uma explicação racional, a reta
destinar-se-á ao estranho, se não houver explicação; e ao contrario uma aceitação
completa da nova realidade, a reta destinar-se-á ao maravilhoso. O fantástico,
como observamos, existe num mundo que se direciona, ora ao estranho, ora ao
maravilhoso; é, portanto um gênero frágil, cuja delimitação é tênue e cujos
elementos para manter sua existência precisam conjugar forças opostas o que
pode gerar sua destruição. A bifurcação da reta mostra isso, pois conduz o
sobrenatural a caminhos que podem levar o fantástico ao fim. Mesmo atentando
para as três características apontadas por Todorov, a saber: a hesitação do leitor,
a possível hesitação da personagem e por fim a negação da leitura poética e
alegórica; observamos que, segundo o autor postula o fantástico não tem
31
autonomia e, portanto, em poucos casos se sustenta. Diferente do esquema
aberto proposto para a teoria de Todorov, a teoria de Furtado geraria áreas
fechadas. Assim:
Ilustração II
O sobrenatural é o elemento comum ao fantástico, ao estranho e ao
maravilhoso. Não obstante, ocorra essa semelhança, esses elementos são
autônomos, pois a narrativa os conjugará de tal modo que não dependerá de
fatores externos. Enquanto o fantástico mantém a antinomia gerada pelo
sobrenatural, o estranho a nega e o texto une elementos que se voltam a favor de
uma explicação lógica. O maravilhoso, por sua vez, aceita a inserção do
sobrenatural desde o início, mas os elementos do texto são envolvidos de tal
modo pelo sobrenatural, que se instala uma nova realidade que não surpreende.
Representamos os princípios de Furtado usando esse esquema, uma vez
que ele prima pela ambigüidade gerada no corpo do texto. Ademais, a partir de
sua teoria, o fantástico tem autonomia que surge da união dos elementos do texto
que, combinados, constroem um equilíbrio; embora difícil, percebe-se
sustentação. Teoricamente o fantástico não depende de elementos externos,
mas dos que se encontram no próprio corpo do texto. A ambigüidade, elemento
Fantástico
Maravilhoso
Estranho
32
principal do fantástico é algo que surge a partir da união de diversos elementos do
discurso que conferem autonomia ao texto.
(...) ambigüidade fantástica resulta óbvio que ela não constitui
uma categoria pré- existente a que a narrativa recorre, mas algo
que apenas surge a partir da própria construção do gênero,
resultando da ação combinada de diversos processos discursivos
e não tendo, portanto, vida autônoma fora desse contexto.
(FURTADO, 1980, p.37)
Para que uma narrativa seja compreendida como fantástica é preciso que
esteja presente um debate entre forças opostas sem solução. O discurso do
fantástico, dada a premência do embate, une recursos e multiplica forças que
privilegiam a incerteza. Essa construção ocorre no interior do texto e sem ela o
fantástico deixa de existir. Entendemos que a poderosa presença do sobrenatural
afetará os elementos do texto de tal modo que dará origem à ambigüidade, como
postula Furtado (1980). E o discurso apresentará uma situação própria do
fantástico, fazendo com que a ambigüidade seja uma força do próprio texto, para
assim distingui-lo do estranho e do maravilhoso. O próprio Todorov reconhece a
presença da ambigüidade.
A ambigüidade se mantém até o fim da aventura: realidade ou
sonho? Verdade ou ilusão? (...)
A ambigüidade prende-se também ao emprego de dois
procedimentos de escritura que penetram todo o texto.
(TODOROV, 1992, p.30 43)
33
Antes de Todorov e Furtado, Freud no seu ensaio O estranho, em que se
debruça sobre o conto O homem da areia de Hoffman, apontava presença da
ambigüidade no fantástico. Furtado volta a esse ensaio, citando um trecho que
confirma suas idéias:
O mundo dos contos de fadas, por exemplo, abandonou desde o
início o terreno da realidade e aderiu abertamente às convicções
animistas. Realização de desejos forças ocultas onipotências dos
pensamentos, animação do inaminado, são outros tantos efeitos
usuais nos contos que impedem estes de dar a impressão da
inquietante estranheza. Com efeito, para que este sentimento
nasça é necessário... que haja debate, afim de decidir se o
incrível que foi superado, não poderia
(apud- FURTADO, 1980, p.43)
Os fatos apresentados acima revelam que não só Furtado, mas outros
teóricos, inclusive Freud, apontavam a ambigüidade como característica do
fantástico. O próprio Todorov, citado por muitos, inclusive por Furtado, referiu-se a
ela. Mas, concluímos que as diferenças entre Todorov e Furtado referem-se mais
a uma questão de foco. Todorov menciona a ambigüidade como elemento do
fantástico, porém na sua teoria fica claro que ela não é um elemento
caracterizador dele, mas, sim a hesitação do leitor, em primeiro lugar, além da
negação de uma leitura poética e alegórica, sem as quais o fantástico não
existiria. Para Furtado esses são elementos secundários, visto que o fantástico
tem autonomia e os elementos da narrativa se unem para criar uma realidade
fantástica. Tentamos mostrar tais diferenças nas ilustrações I e II. A primeira,
ilustrando os conceitos de Todorov, mostra um esquema aberto e nele a presença
do sobrenatural é evasiva, tendendo freqüentemente para o maravilhoso e ao
estranho. O esquema cíclico que escolhemos para apresentar os conceitos de
34
Furtado mostra a tendência da união de elementos indispensáveis à
caracterização do fantástico. Dessa união resulta um texto voltado para si mesmo,
em que é possível verificar a presença de elementos que concorrem para manter
a ambigüidade da narrativa. Não esperamos a presença simultânea de todos os
elementos, mas a maioria deles estarão contribuindo para compreensão da
narrativa como fantástica.
Além de Furtado (1980) e Todorov (1992) outros autores debruçaram-se
sobre o fantástico. Pampa Olga Arán com seu livro El Fantástico literario- aportes
teóricos (1999) apresenta primeiramente uma distinção entre Fantástico
5
, como
uma base epistemológica para gêneros de outros discursos como religião, magia,
folclore, etc.. O Fantástico remete ao universo literário e tem sido utilizada para
caracterizar de modo impreciso a vasta produção literária, que privilegia as
experiências do imaginário. Para Pampa Olga Arán a denominação literatura
fantástica aponta para o tema tradicional, uma visão extraordinária (do grego
para toda obra que represente seus acontecimentos que não estão
submetidos às leis físicas, biológicas e sociais conhecidas.
Outro ponto da teoria de Pampa Olga Arán é a semelhança entre o mundo
fantástico e o mundo real. O mundo fantástico é um mundo em que alguns seres,
coisas e acontecimentos apresentam características diferentes do mundo real. No
entanto, as propriedades pertinentes e não pertinentes coexistem em um mesmo
indivíduo e no meio que o cerca. Com a coexistência do conhecido e do
desconhecido, o mundo fantástico parece ilegal, absurdo e intranqüilo. A principal
estratégia do fantástico é escandalizar a fragilidade da ordem conhecida,
permitindo, assim, que o cotidiano deixe de ser indiferente ou banal. Para colocar
em cena esse espetáculo, cria-se uma intriga com consistência enigmática devido
ao choque provocado pela coexistência de fenômenos insólitos.
Outro ponto importante da teoria de Pampa Arán é o papel que ela concede
ao leitor, similar à posição de Todorov. O leitor deve aceitar os acontecimentos
sobrenaturais. Isso o leva a formular uma primeira suposição acerca do mundo e
do texto em que se enfrentam: a verdade dos fatos, que se distancia de sua
5
O termo no original em espanhol é Lo Fantástico
35
experiência e o instala em um mundo criado por palavras. O leitor deve aceitar o
jogo e fingir que renuncia ao que conhece e empreender uma busca ao
desconhecido. as personagens se instalam em uma atmosfera de ambigüidade
e, incidentes estranhos, que com freqüência movem as coordenadas, espaços-
temporais, que são sempre o mais firme suporte de segurança do cotidiano. A
literatura fantástica define-se, na concepção da autora como aquela que
representa, em forma de problema, fatos anormais, não naturais e irreais.
Pertencem a ela as obras que têm como centro de interesse a violação da ordem
terrena, natural ou lógica e, por tanto, a confrontação de uma e outra ordem dentro
do texto, em forma explícita ou implícita.
O italiano Remo Cesarini (1999) também tece considerações sobre o
fantástico em seu livro Lo Fantástico. Nele 
no qual o autor apresenta diferentes definições de fantástico. Ao realizar essa
viagem teórica, por diferentes pontos de vista, percebemos que uma definição
mais clara de fantástico ainda exigirá muito esforço intelectual. A primeira
definição presente nesse capítulo é de Soloviëv; este compreende que no
fantástico autêntico sempre existe a possibilidade de uma explicação simples,
baseada nas relações normais e habituais entre os fenômenos. Cesarini segue
apresentando os conceitos de M. R. James, para quem o fantástico se caracteriza
por uma intromissão repentina de algo ameaçador em um ambiente tranqüilo
habitado pelas personagens. Esse fato ameaçador vai aos poucos ocupando a
primeira posição na cena, porém, é necessário ter, nesse ambiente, uma estreita
via de saída para uma explicação natural.
Cesarini também recorda a definição de Pierre-Georges Castex, um dos
primeiros estudiosos da literatura fantástica na França; Castex inicia sua definição
com uma advertência: não se deve confundir o fantástico com as convencionais
narrativas mitológicas e com os contos de fadas. Para Castex, o fantástico se
caracteriza por uma intromissão repentina do mistério na vida real. A Definição de
Roger Caillois, também está presente no livro de Cesarini. Para Caillois o
fantástico põe em evidência um acontecimento insólito, quase insuportável. O
fantástico é a ruptura da ordem conhecida, a intromissão do inadmissível na
36
legalidade cotidiana e não a substituição total do universo real por um universo
exclusivamente prodigioso. O fantástico significa a violação de uma ordem
imutável; tem como procedimento essencial a aparição. Também citado por
Cesarini, Louis Vax, estudioso do surrealismo artístico, formula uma definição cujo
núcleo é o conceito de conflito entre real e possível; introduz, por último, a idéia de
que o fantástico contém um poderoso fator de sedução.
Outras reflexões sobre o fantástico encontramos no livro Historia Verdadera
del Realismo Mágico de Seymour Menton (1998), cujo objetivo não é refletir
sobre o fantástico, mas sobre o realismo mágico. No entanto alguns pontos
sobre o fantástico que merecem consideração. Para Menton, a literatura fantástica
é aquela em que os acontecimentos e ações das personagens violam as leis
físicas da natureza, entregando-se ao sobrenatural, ou seja, essa literatura versa
sobre o impossível. Além disso, é um tipo de literatura que pode ser encontrada
em qualquer período cronológico.
Selma Calasans Rodrigues (1988) apresenta, em seu livro O Fantástico,
uma espécie de síntese da teoria de Todorov, na qual retoma diversos pontos de
tal teoria e tece algumas considerações sobre o tema. A autora compreende o
fantástico como sendo algo que não encontra respaldo nas leis da realidade; seria,
então, algo criado pelo imaginário. Ainda com base nos pressupostos
todorovianos, Calasans afirma que o verdadeiro fantástico é aquele que diante de
acontecimentos insólitos, guarda a possibilidade formal, externa, de uma
explicação simples, mas que ao mesmo tempo essa explicação não é verossímil
internamente. Notamos que estes autores remontam a Todorov, embora alguns
deles objetivem explicar de modo singular a literatura fantástica. Este constante
voltar à obra todoroviana, reforça a sua importância e certifica o seu uso, em
confronto com a obra de Furtado, como base de nossas análises.
Irène Bessière (1974), tem posição diferente de Todorov (1992). Entende o
fantástico como uma experiência imaginária dos limites da razão, aliando
motivação realista ao principio de irrealidade. A união de duas possibilidades, uma
empírica e a outra meta-empírica, deve sugerir a existência daquilo que não deve
existir, coexistindo na verdade dois conceitos opostos. Bessière opõe-se a
37
Todorov (1992), em relação à hesitação do leitor como princípio da definição do
fantástico. Para a autora a ambigüidade e o texto devem ser valorizados em
primeiro lugar e não a atitude do leitor. A autora o fantástico como o
mecanismo narrativo que restitui a verdadeira função do imaginário; afirma que a
 restabelecer a produção
BESSIÈRE, 1974, p. 29).
Para Irène Bessière (1974), o real é paradoxalmente a melhor medida do
fantástico, na medida em que se cria um universo cotidiano cheio de armadilhas.
Para a autora toda narrativa fantástica deve ter como objetivo revelar o ilusório de
maneira convincente, sem que ele seja confundido com a realidade; isso é
importante para dar a aparência de realidade ao que jamais existiu. O fantástico
caracteriza-se por uma ambigüidade na qual o jogo do verossímil frente ao
inverossímil, se torna irresolúvel. O texto marca essa dualidade. Por um lado,
disponibiliza a realidade cotidiana, na qual os fatos aceitos em até determinados
momentos estariam dentro da realidade. Por outro, ocorre uma ruptura do real por
ter sido penetrado por um ser estranho, sobrenatural. O leitor não encontra o
equilíbrio entre o real e o sobrenatural, hesita, e essa incerteza é o que faz o
fantástico engrandecer-se. O desfecho tão esperado da narrativa não acontece, a
dúvida permanece.
Jacqueline Held apresenta outra definição de fantástico. Em seu livro O
imaginário no poder (1980) a autora escreve sobre a relação entre literatura
fantástica e o universo infantil. Held argumenta que o fantástico é um produto da
imaginação, algo           é criado pela
      (HELD, 1980, P. 25), sendo, portanto
uma imagem inventada por um espírito cuja visão se desvia do comum. A partir
desta afirmação a autora introduz um questionamento pertinente para o estudo do
fantástico:         (HELD, 1980, P. 25)
Para responder a essa questão a autora aborda o mundo dos desejos humanos;
segundo ela a narração fantástica reúne e traduz todo o universo de desejos
humanos, que poderia ser resumido no desejo supremo de transformação do
universo segundo a nossa vontade. Desse modo, o conto fantástico seria então
38
um meio de realização dos grandes sonhos humanos, por mais impossíveis que
sejam aos nossos olhos racionais.
À qualificação do conto fantástico caberia ainda outro questionamento: 
       
 isso
porque sua existência é possível diante de uma realidade coerente com a
lógica humana, não fantástica. E é exatamente isso, segundo Held, que vivifica o
fantástico; não somente a nossa realidade, mas, sobretudo, a plenitude da vida
cotidiana que, com suas miudezas e pequenos ridículos compõem não o nosso
dia-a-dia, mas inflama a imaginação e o desejo pelo impossível, somos liberados a
criar universos próprios do fantástico, portanto é a vida humana que fomenta a
narrativa fantástica.
A partir desses apontamentos, tentarei, nos capítulos seguintes,
verificar a presença das características do fantástico nos contos de Josué
Guimarães. É importante para tal uma linha de estudo que, embora não ignore os
postulados todorovianos, aborde a ambigüidade como o elemento caracterizador
do fantástico como defende Furtado (1980). Além de ser o elemento
caracterizador, tentarei mostrar que a ambigüidade discernirá o fantástico do
estranho e do maravilhoso, dois outros caminhos possíveis para narrativas cujo
cerne é o elemento sobrenatural.
1. 2 O estranho e o maravilhoso
No item anterior discuti os preceitos de Todorov (1992) e de Furtado (1980)
sobre o fantástico. Priorizei um diálogo capaz de mostrar os pontos de conflito
entre as duas teorias; mas, para a abordagem do estranho e do maravilhoso foi
necessário enfocar algo que ambas as teorias consideram importante: uma
narrativa que apresenta o elemento sobrenatural pode direcionar-se tanto ao
fantástico, quanto ao maravilhoso, ou ao estranho. No entanto, é preciso dizer que
39
as diferenças suscitadas para o fantástico influenciam os caminhos que cada autor
adota para descrever esses gêneros. Enquanto Todorov coloca nas mãos do leitor
a decisão do destino da narrativa, Furtado, claramente influenciado pelas teorias
da narrativa, oferece autonomia ao texto e a cada gênero.
Primeiramente, abordaremos os postulados de Todorov quando que inicia o
estudo do maravilhoso e do estranho criando uma espécie de subgêneros são
eles: o estranho puro, o fantástico estranho, o fantástico maravilhoso e o
maravilhoso puro. O fantástico estranho e o fantástico maravilhoso, mantém por
um considerável tempo, a hesitação, mas terminarão com soluções que os tiram
do terreno do fantástico e os inserem ou no maravilhoso ou no estranho puro. Na
verdade a existência destes dois subgêneros pouco influi na distinção principal.
As narrativas cujos caracteres são coerentes com o estranho são
concebidas por Todorov como aquelas cujo final levará o leitor e / ou a
personagem a apresentarem uma explicação para os acontecimentos da narrativa
baseados na razão. Tais acontecimentos que, de início podem ser compreendidos
como sobrenaturais, terminam com uma explicação e, assim perdem sua raiz
extraordinária.
Nas obras que pertencem a esse gênero, [o estranho puro]
relatam-se acontecimentos que podem perfeitamente ser
explicados pelas leis da razão, mas que são, de uma maneira ou
de outra, incríveis, extraordinários, chocantes, singulares,
inquietantes, insólitos e que, por esta razão, provocam na
personagem e no leitor reação semelhante àquela que os textos
fantásticos nos tornaram familiar. (TODOROV, 1992, p.53)
40
A presença do elemento que faz o leitor hesitar está presente, mas não
permanece. De fato Todorov aproxima o estranho do fantástico, porém destaca
que ambos só têm uma característica comum.
O estranho realiza, como se vê, uma das condições do
fantástico: a descrição de certas reações, em particular do medo;
está ligado unicamente aos sentimentos das personagens e não a
um acontecimento material que desafie a razão (TODOROV,
1992, p.53)
Todavia há uma proximidade com o fantástico; o estranho, segundo Todorov
apresenta duas origens: a primeira refere-se às coincidências, em que, por
exemplo, uma suposta ressurreição, poderia ser explicada por uma crise de
catalepsia, como acontece no conto de Edgar Alan Poe A queda da casa de
Usher. A segunda        (TODOROV,
1992, p. 5); permanece a impressão de estranheza que parte dos temas
evocados;  sentimento de estranheza parte, pois dos temas evocados, os
quais se ligam a tabus mais ou menos antigos(TODOROV, 1992, p.54).
Todorov conclui que no estranho os elementos insólitos, presentes na
narrativa, fazem o leitor hesitar durante um determinado tempo, mas, que por fim,
prevalece a explicação racional. Esta explicação por sua vez virá também a partir
do posicionamento do leitor, assim como acontece com o fantástico.
Se ele (o leitor) decide que as leis da realidade permanecem
intactas e permitem explicar os fenômenos descritos, dizemos que
a obra se liga a um outro gênero: o estranho. (TODOROV, 1992,
p.48- grifo nosso)
41
Posicionamento semelhante assume Todorov ante ao maravilhoso. Nesse,
a ausência de racionalização implica na aceitação da existência do sobrenatural. A
completa aceitação de uma nova realidade é a principal característica do
maravilhoso; aqui o que impressiona é exatamente a ausência de questionamento.
No caso do maravilhoso, os elementos sobrenaturais não
provocam qualquer reação particular nem nas personagens, nem
no leitor implícito. Não é uma atitude para com os acontecimentos
narrados que caracteriza o maravilhoso, mas a própria natureza
desses acontecimentos. (TODOROV, 1992, p.59-60)
O maravilhoso puro se distancia das modalidades d 
 TODOROV, 1992, p.63), que Todorov classifica como imperfeito
presente em narrativas que, embora haja o sobrenatural, também uma
justificação, pois segundo Todorov o sobrenatural estaria ligado, por exemplo, à
maneira de falar, a provérbios, etc. ou então se trata de tentativas que se abrem
amplamente a possíveis interpretações alegóricas. Dentro destas modalidades
encontramos o maravilhoso hiperbólico, maravilhoso exótico, maravilhoso
instrumental e o maravilhoso científico que, segundo Todorov, são variedades que
se opõem ao maravilhoso puro, que não se explica de nenhuma maneira
(TODOROV, 1992, p.63)
Dominguez Pasqués (1980) também compreende o maravilhoso como
sendo um gênero cuja realidade não surpreende e que a permanência de uma
realidade diferente da conhecida, mas que necessariamente incorre na aceitação
dos acontecimentos sobrenaturais, 
acontecimento, simplesmente o expõe
6
. Esta afirmação é, pois, coerente com a
definição de Todorov que não deixa de afirmar que o maravil  
6
Rodríguez, 1984, p. 08
42
TODOROV, 1992, p.48) em oposição ao estranho que pode
ser entendido c    TODOROV, 1992, p.48) e ao
enas o tempo de uTODOROV, 1992, p.47).
Mas há um ponto importante na teoria de Todorov que é preciso citar, assim
como faz com o fantástico e o estranho, o estudioso deixa ao leitor uma função
significativa também no maravilhoso. Para ele, se no momento da hesitação do
leitor que é sofrida também por uma personagem frente a um acontecimento
insólito, este optar por uma resolução que transgrida as leis da natureza e admita
a intervenção do sobrenatural, o conto sai do fantástico e passa a ser maravilhoso.
Se, ao contrario, decide (o leitor) que se admite novas leis da natureza, pelas
quais o fenômeno pode ser explicado, entramos no gênero do maravilhoso
(TODOROV, 1992, p.48 - grifo nosso).
Percebemos que o maravilhoso, a partir das premissas de Todorov, pode
ser compreendido pela aceitação de uma nova realidade. Nessa os elementos
sobrenaturais não motivam nenhuma conseqüência, como faz no fantástico. No
entanto, cabe aqui um questionamento a teoria todoroviana que afirma que as
narrativas fantástico-maravilhosas, das quais falamos,   
próximas do fantástico puro, pois este, pelo próprio fato de permanecer sem
explicação, não-racionalizadas, sugere-nos realmente a existência do
sobrenatural
7
e que o maravilhoso puro    a
8
.
Podemos colher daí que tanto o fantástico, quanto o maravilhoso puro não são
explicáveis e, portanto, não fica muito claro porque reação de hesitação no
fantástico e não no maravilhoso. Lembremos que Todorov afirma: 
hesitação experimentada por um ser que conhece as leis naturais, face a um
   (TODOROV, 1992, p.31), o
maravilhoso é um gênero em que há a presença do sobrenatural, e o sobrenatural,
como sabemos, é um elemento desconhecido, fora do mundo real.
Embora não explique porque hesitação no fantástico e não no
maravilhoso o crítico tenta deixar claro que o maravilhoso está distante de
vidas, nele a presença do sobrenatural, mas esta não promove dúvidas.
7
Todorov, 1992, p.58
8
Todorov, 1992, p 63
43
Chiampi (1980) em seu livro O Realismo Maravilhoso, apresenta uma concepção
semelhante à de Todorov, apostando numa narrativa cuja realidade é criada a
partir do insólito que se une ao real de tal modo que a atmosfera torna-se
completamente aceitável.
A qualificação do realismo maravilhoso como modalidade
narrativa pressupõe, como vimos anteriormente, a noção de
sistema referencial não-contraditório (...) de abolir as polaridades
convencionais (narrador/ narratário, razão/sem razão,
respectivamente), de modo a configurar uma imagem do mundo
livre de contradições e antagonismos... (CHIAMPI, 1980, p. 89)
Uma definição semelhante à de Chiampi (1980) e a de Todorov (1992) nós
encontramos em Dominguez de Pasqués (1980), que afirma: 
questiona a lei que rege o acontecimento, simplesmente o expõe
9
. E
complementa, o relato maravilhoso por outra parte, exige a realidade do que
representa.
10
 ou seja, o mesmo princípio dos outros autores é válido.
Felipe Furtado, como apontamos anteriormente, claramente influenciado
pela teoria da narrativa, volta-se para o texto a fim de realizar a distinção entre o
fantástico, o maravilhoso e o estranho. Para ele, essa distinção origina-se no
modo como cada narrativa caracteriza-se, com o confronto suscitado pela
presença do sobrenatural.
(...) o fator básico de distinção entre o fantástico, o maravilhoso e
o estranho resulta, afinal, dos diferentes modos como cada
narrativa de cada gênero encara a hipótese da coexistência
9
Domínguez de Rodríguez, 1980, p.12
10
Domínguez de Rodríguez, 1980, p.14
44
dessas manifestações com a natureza conhecida. (FURTADO,
1980, p.34)
A independência de cada gênero é o que chama a nossa atenção pelo fato
de distancar-se da posição de Todorov. Furtado prima pela força do texto que
decidirá em qual mundo deve se inserir. No entanto, os dois estudiosos no tocante
a esses gêneros coincidem em dois aspectos: o maravilhoso caracteriza-se pela
aceitação de uma nova realidade e o estranho prima pela racionalização. Para
Furtado, assim como para Todorov, o maravilhoso desde o primeiro parágrafo
apresenta uma verdade que, embora distante do mundo real, não o questiona. Tal
verdade se particulariza por uma completa adaptação dos elementos
sobrenaturais para criação de uma nova lógica, cujo princípio é não instaurar
dúvida, mas aceitá-la, suscitando acomodações tão tranqüilas quanto as que o
possíveis experienciar no mundo real.
O maravilhoso é o gênero cujas narrativas mais clara e
diretamente definem essa atitude ao longo de todo o discurso.
Nelas é instituído desde o inicio um mundo inteiramente arbitrário
e impossível, onde o espaço e os fenômenos encenados não
permitem qualquer dúvida quanto à sua índole meta-empírica. De
fato, o maravilhoso conta histórias freqüentemente eivadas de
figuras e ocorrências em fraca contradição com as leis da
natureza, mas nunca discute a probabilidade da sua existência
objetiva nem pretende sequer suscitar interpretações que o
façam. (FURTADO, 1980, 35)
45
Enquanto o maravilhoso trabalha com acomodação, o estranho, dista deste
exatamente porque a nega, aqui o elemento que no início poderia ser
compreendido como sobrenatural terminará explicado pelas leis que regem a
realidade humana tal como a vivenciamos. O estranho aproxima-se do fantástico,
pois existe espaço para a permanência da ambigüidade. Mas esta é facilmente
negada quando o texto encaminha-se para o mundo real; então aqueles eventos
que eram compreendidos como extraodinários, passam a caber dentro do mundo
real e, embora vistos como estranhos, são passíveis de explicação. Neste gênero
a explicação pode vir logo ou só fim da narrati    
    passou   ,     
psicótico assustou-  racionalmente uma
sucessão de acontecimentos que vinham provocando sensações de estranheza.
As sensações de estranheza teriam origem no caráter alheio à realidade
que os acontecimentos encenariam, ludibriando a realidade por determinado
tempo; depois do que a ação direcionar-se-ia para uma retomada da realidade tal
qual nós a conhecemos. A conjectura inserida pelo sobrenatural, neste gênero,
termina com a afirmação de que a encenação proposta, por mais estranha que
possa parecer é condizente com a realidade.
... as ocorrências extranaturais que têm lugar no estranho são
sempre explicadas racionalmente no termo da narrativa, quando
não se desfazem muito antes, descrevendo por vezes um
percurso bastante efêmero e secundário na globalidade da intriga.
Com efeito, o texto deste gênero faz usualmente surgir a hipótese
de que determinados acontecimentos ou personagens por ele
encenados têm origem e caráter alheios às leis naturais.
(FURTADO, 1980, p.35)
46
Deste modo a verossimilhança da narrativa estranha volta-se, em sua
quase totalidade para as leis da ciência, quando ocorre também à acomodação
dos elementos da narrativa à realidade. Atitude semelhante à narrativa fantástica
que, para manter a ambigüidade necessária à sua existência precisa, manter o
verossímil na maior parte do texto. Em oposição ao mundo verossímil do
fantástico e do estranho, está o mundo maravilhoso. Ao encenar uma nova
realidade este demonstra total despreocupação com o senso comum, e pauta-se
não por uma adequação ao real, mas sim por suas próprias regras enquanto o
estranho nega o elemento sobrenatural o maravilhoso nega a referência ao mundo
real, objetivando uma nova verdade.
As definições de Todorov (1992) e Furtado (1980), no que concerne ao
maravilhoso e ao estranho, aproximam-se. Muito embora o primeiro atribua a
distinção dos gêneros principalmente ao leitor, o que de certa maneira fere a
autonomia dos textos e o segundo prime pela evocação simultânea da maior
parte dos elementos que compõem a narrativa, os universos descritos pelos
críticos para as narrativas são semelhantes. Para ambos o maravilhoso pode ser
compreendido por criar uma nova realidade em que o verossímil se adéqua
somente às regras do gênero. No estranho, prevalece uma explicação lógica dos
fenômenos, que inicialmente pareciam ter uma origem fora da realidade. A grande
diferença entre os críticos está centrada na definição do fantástico.
47
Capítulo II
Os caminhos do fantástico: análise do conto A visita
2.1. A simultaneidade do relato: o entrelaçar da realidade e do sonho
O conto A visita, apresenta a história de um homem que vive
sozinho em sua casa. Ele se priva de todo tipo de relações sociais, chega a
demitir os empregados que o serviam. Passava a maior parte do tempo
trancafiado, saía no começo da noite para fazer as compras básicas, parecia
que tinha abdicado de sua vida. Até que numa noite sua esposa reaparece,
revivendo o cotidiano, fazendo recomendações sobre a vida do marido para que
ele se cuidasse mais. No entanto, Heloisa, sua esposa, morrera havia mais de
dois anos. Desde as primeiras linhas o entrelaçamento de acontecimentos chama
a nossa atenção; ora pertencem ao mundo real e ora ao extraordinário. Neste
conto de universo ambíguo, encontramos o narrador em primeira pessoa que nos
relata um sonho vivido por ele na noite anterior. Nos primeiros parágrafos da
história nós o encontramos acordado, preparando o café da manhã, enquanto
recorda os acontecimentos vividos no suposto sonho. Esses giram em torno da
visita da esposa Heloisa,          
(GUIMARÃES, 1995, p. 9). Tudo não passaria de um sonho se, o narrador
personagem, acordado, não encontrasse marcas condizentes com os
acontecimentos vividos.
Sua narração parte de uma realidade, do agora, do momento em que o
narrador claramente distingue as contradições dos acontecimentos vividos no
sonho. No relato de seu cotidiano, ficam aparentes sua solidão e tristeza, seu viver
     á escrito no Livro do Destino (GUIMARÃES, 1995,
p.10). Trata-se, portanto, de uma personagem que se isolou do mundo; sua
realidade restringe-se a uma vida frugal e solitária. Em meio a essa atmosfera de
solidão, ele inicia o relato do sonho que tivera na noite imediatamente anterior. Há,
48
como se pode perceber, uma grande proximidade temporal entre o sonho e o
respectivo relato. Enquanto prepara seu café,     
     (GUIMARÃES, 1995, p.10), um sonho que o
impressiona  (GUIMARÃES, 1995, p.10).
A partir do momento em que o relato tem início, a narrativa entretece uma
narração simultânea dos dois momentos vividos e contados pelo narrador: o agora
tempo/espaço presente em que está acordado e relatando o suposto sonho,
além de apresentar-nos seu cotidiano. E o passado mundo do sonho no qual
divide a sua vida com sua esposa Heloísa. Temos assim, dois momentos com
características diferentes: o primeiro, o presente, representa a realidade, da qual
nos fala o narrador; ele é a única personagem. Ai também, nós o encontramos
relatando o seu sonho, no qual ainda marcas tangentes do que aconteceu. O
segundo momento é o passado, ou seja, o tempo do sonho, espaço/tempo, em
que o narrador vive por alguns momentos em companhia de sua esposa. São
duas personagens, mesmo que Heloísa somente surja a partir do relato do
narrador. É também a partir de tal espaço que a sua falecida mulher faz-lhe
recomendações sobre sua vida real. É deste modo que temos aqui uma inegável
ambigüidade: um passado, o sonho, em que a esposa parece surgir para fazer
recomendações sobre o presente, e o próprio presente com marcas físicas que
provariam a suposta veracidade dos acontecimentos do sonho. É preciso
esclarecer aqui, que não estamos falando de um simples sonho, mas de um em
que existiria um ser, Heloísa, que morreu mais de dois anos e que, ao
aparecer, deixou marcas de sua presença. É, portanto, um fato extraordinário.
O passado, tempo do sonho e o presente, tempo da realidade, se conjugam
nesta história, de modo que um alimenta o outro e ambos, simultaneamente,
alimentam a ambigüidade que percorre a narrativa. O presente é o parceiro das
afirmações que fazem crer que tudo que é declarado pelo narrador poderia ser
somente um sonho, pois é dele que vem a afirmação da morte de Heloísa, fato
que por si bastaria para suprimir dúvidas. Mas é também no presente que
encontramos as marcas físicas, que provocam questionamentos e alimentam
fortemente a ambigüidade que não se resolverá.
49
Lembro-me que o café estava quente demais, e que ao beber o
primeiro gole eu havia queimado o lábio inferior. Passo agora os
dedos sobre o local e noto que ainda se encontra dolorido, o que
me deixa novamente intrigado. (GUIMARÃES, 1955, p.11- grifo
nosso)
Ora, é possível explicar que o narrador tenha consciência da morte da
esposa, como também pode ter nos lábios uma queimadura provocada pelo café,
que bebeu durante o sonho que teve com ela? As lembranças do sonho
confundem-se com a certeza da morte da esposa. Não obstante, tenda a crer que
foi um sonho, revela-se intrigado, pois o sonho vivido na noite anterior invade seu
mundo real, rompendo as fronteiras entre a realidade e o onírico, como se o
acontecimento estranho tivesse encontrado uma fenda no seu universo e, por
isso, consegue manifestar-se no mundo real e neste se situa o narrador,
independentemente do fato dele mencionar diversas vezes que foi um sonho;
perde sua certeza diante de provas que revelam a materialidade da experiência
que viveu.
Gostaria muito de ler estes livros disse Heloísa, acariciando as
capas.
Eles também são teus eu disse, sem muita convicção
Será que eu poderia levá-los e trazer de volta, um dia?
(...)
Levantei lentamente os olhos, a medo, percorri as prateleiras até
chegar ao lugar onde deviam estar os livros de Quiroga. E vi
paralisado pela certeza, o vazio que ficara, o buraco negro
onde deveriam estar os seis volumes. (GUIMARÃES, 1955, p.15-
16)
50
Este fragmento mostra o quão o relato é marcado por uma forte
ambigüidade, entre sonho e realidade factual e, também, pelo entrelaçar de
ambas as realidades, uma na outra, de tal forma emaranhada ela se apresenta
que presenciamos a coexistência de indícios dos dois mundos distintos. Esta é,
pois, uma das mais caras estratégias para manutenção da ambigüidade, que
caracteriza o fantástico. Além disso, esta narrativa apresenta um enredo cujo
tempo não é linear. No início do conto, encontramos uma marcação de tempo
cronológico, que se dilui ao longo da narrativa:  as: ela deixou esta
casa, pela ú (GUIMARÃES,
1980, 09) O tempo a seguir passa a ser predominantemente psicológico, cíclico e
repetitivo.
Vejamos alguns exemplos do que acabamos de mencionar: no primeiro
parágrafo do conto, tem-se a percepção de que é dia: 
e deixo entrar uma nesga de sol... (p.09) neste outro trecho, temos a mesma
percepção: 
novo dia de sol e calor (GUIMARÃES, 1980, p.10). Após essas marcações, a
narrativa torna-se atemporal. Mesmo no trecho em que a personagem Heloísa
olha para seu relógio, não é mencionada qualquer indicação de tempo 
          (GUIMARÃES, 1980,
p.16). Examina-se nos quatro últimos parágrafos, especialmente estes trechos: 
e um início de claridade da madrugada que começava a filtrar por uma pequena
   Mais uma breve citação     
    (GUIMARÃES, 1980, p.16). Vemo-nos remetidos a uma
leitura cíclica, a partir da referência à respeito do dia que ocorre no parágrafo
inicial.
É preciso refletir a respeito de algumas referências da atmosfera ambiente
madrugada; o personagem acorda; o ato de acender a lâmpada; a lembrança do
sonho e a abertura da cortina tudo isso permite a possibilidade de começar a
leitura do conto pelo antepenúltimo parágrafo; ou seja, a partir do momento em
que a personagem salta da cama. Estes também são índices que contribuem para
51
o entrelaçamento do espaço/tempo sonho e realidade, que culmina na construção
de um texto cuja ambigüidade é predominante.
O autor inicia a narrativa com uma promessa de uma realidade que termina
em embate com fatos insólitos. Ao longo da história, nenhum entre os múltiplos
pontos de vista, é abandonado; ao contrário são todos constantemente evocados.
E, além disso, vemos o deslocar de realidades, com o mundo do sonho invadindo
o mundo real no qual se situa o narrador. É nesse momento que percebemos que
a realidade dos fatos presentes no sonho excede o real físico, criando uma
atmosfera ambígua, percebe-se ainda que a órbita do sobrenatural invade o relato,
e torna-se o caminho percorrido pelas marcas da esposa morta que oscila entre o
sonho e a realidade. Eis a nascente da ambigüidade nesse conto. É esse fato que
faz o narrador duvidar das próprias afirmações. É este fato que contamina e evoca
todos os outros elementos da narrativa levando-nos a participar da ambigüidade.
É essa mesma ambigüidade que faz com que esta narrativa seja considerada
fantástica.
2. 2. O narrador personagem: a dúvida constante
As falas do narrador personagem são indistintamente povoadas de
ambigüidade. Logo no começo ele afirma:
Ao preparar meu café matinal, tostando fatias de pão dormido e
desmanchando o leite em na água morna, pensei no estranho
e palpável sonho que tive esta noite. Não pelas coisas vividas
nele, que nos sonhos tudo se passa sem maiores explicações,
mas pela presença viva e real de Heloísa, seu calor humano, suas
52
mesmas preocupações pelas pequenas coisas do dia-a-dia, seus
passos leves pelos tapetes (...) (GUIMARÃES, 1995, p.10)
Nesse fragmento, é clara a posição do narrador em relação aos fatos que
serão por ele relatados: trata-se de um sonho. A narrativa inicia-se com o relato do
cotidiano do narrador que, simultaneamente se mistura às suas ações atuais. O
relato é composto por verbos no presente do indicativo e, a seguir, enquanto
prepara seu café da manhã e relembra o sonho que tivera com a esposa, os
verbos passam para o pretérito perfeito, denotando uma anterioridade em relação
ao momento da ação relatada no presente. Detalhe que, embora simples, indica
um intercalar de ações, que permitem a caracterização do narrador, figura
importante para a manutenção da ambigüidade. A descrição que faz do sonho
revela o seu desejo de que ele fosse realidade.
Meu maior desejo, naquele momento, era prolongar o mais
possível o nosso reencontro. Apesar de sentir, no subconsciente,
que as coisas se passavam de maneira irreal, eu me esforçava
para viver com intensidade a presença dela, quase física,
bafejado que eu era pelo seu hálito morno e a sensação concreta
de suas mãos pousadas sobre as minhas, estas sim, inertes e
frias. (GUIMARÃES, 1995, p.13)
A incerteza impera ainda mais quando percebemos que o narrador trata sua
realidade cotidiana como se essa fosse um sonho. Repare que 
suas mãos em oposição à presença viva e calorosa da esposa falecida. Deste
modo, observamos que para o narrador, a presença de Heloísa traz vida, apesar
de sua materialidade ter se esvaído. Ademais, um nítido desprezo por sua
53
vida cotidiana e por outro lado um apego aos acontecimentos da noite anterior. Ele
vive isolado e demonstra indícios de depressão e de ter desistido de uma vida
social. (...)  o tenho saído de casa a não ser para as compras indispensáveis,
e assim mesmo ao cair da noite, para não encontrar nenhum dos vizinhos. Eles
  GUIMARÃES, 1995, p.12). Seu cotidiano, após a morte da
mulher, tornou-se solitário, enfadonho e tedioso. É dentro desta atmosfera que
relata para o leitor o sonho que vivenciou na noite anterior. Seu dia-a-dia parece
estar em oposição à experiência vivida no sonho; esse, sim, apresenta uma
atmosfera menos etérea e mais palpável.
Fato importante, que não se pode esquecer, é que a narrativa em primeira
pessoa apresenta a visão do narrador-personagem. No conto em estudo, o
narrador é a personagem central e é ele praticamente, o único a possuir voz na
história. Heloisa, sua esposa, tem suas falas transmitidas pelo narrador, bem
como os diálogos de ambos. É pelo discurso do narrador que se percebe os fortes
indícios de que tudo foi um sonho; mas também verificamos índices que ele pode
ter de fato encontrado com a mulher. Acordado, tenta a todo instante certificar-se
do que viveu; mas enquanto se revela intrigado, manifesta também sua certeza
em relação à presença da mulher no sonho. Deste modo, o discurso da narrativa é
conduzido por um narrador, cujo desejo da presença viva da mulher, o faz oscilar
entre uma explicação racional (foi um sonho) e uma explicação distante das leis
da realidade (crer que realmente recebeu a visita da esposa falecida). Essas duas
possibilidades encontram fortes indícios ao longo da narrativa. No presente,
mundo real, encontramos um narrador que conscientemente declara a morte da
esposa:
(...) torno a olhar para o retrato de Heloísa, enquadrado numa
moldura de mogno com lavraturas de prata. Ela tem a fisionomia
serena e um ar levemente triste, como se soubesse que viveria
apenas oito meses depois de batida a foto. Faço as contas: ela
deixou esta casa, pela última vez, dois anos, três meses e
vinte dias. (GUIMARÃES, 1995, p. 9)
54
Mas, depois do sonho, deparamos com afirmações como esta:
Estava com a euforia de uma volta ao passado não muito distante
e lembro-me bem que não fiz nenhum esforço para acordar. Pelo
contrário, tratei de usufruir toda a paz anterior. (...)
Eu estava tão encantado com a aparência de realidade daquele
encontro que não me animava a fazer perguntas. No fundo, eu
receava que ela mesma revelasse a ilusão daqueles momentos
que eu desejaria se perpetuassem. (GUIMARÃES, 1995, p.10-12)
A dubiedade do discurso do narrador é motivada pelo desejo do
retorno da esposa. Além disso, sua própria condição de narrador-personagem é
por si dúbia. O narrador personagem é, segundo Todorov (1992), um tipo de
narrador que possui características contraditórias, pois sua palavra enquanto
narrador é incontestável, mas enquanto personagem não.
... o problema torna-se mais complexo no caso de um narrador que

à prova de verdade; mas enquanto personagem, ele pode mentir.
(TODOROV, 1992, p.91)
Felipe Furtado também indica este tipo de narrador como um importante
instrumento para a manutenção da ambigüidade fantástica.
55
O narrador mais freqüente no gênero fantástico é do tipo
extradiegético, situando-se deste modo, no que Gerard Genette
chama primeiro nível narrativo. Tal estatuto deve-se em grande
medida à diminuta extensão da maioria dos textos do gênero (...)
Já sob a perspectiva da relação que mantém com a intriga por ele
relatada (...) o narrador mais comum no gênero é, (...) aquele que
coincide com uma personagem. Trata-se, portanto, de uma figura
com dupla incumbência, de um narrador-actor, que na maioria das
vezes coincide com um comparsa e não propriamente com o
protagonista. (FURTADO, 1980, p. 110)
O amplo discurso do narrador está voltado para as próprias impressões e é
alimentado por um forte desejo de que o sonho se torne realidade. Além disso, tal
fato contribui para a participação dos outros elementos, criando a ambigüidade
que envolve a narrativa; de tal modo que, por meio do seu olhar, a realidade e o
sonho se entrelaçam; o tempo e o espaço da narrativa se mesclam e o discurso se
torna ambíguo. Mas, é certamente, devido à sua manifesta carência, que objetiva
concretizar o sonho, mesmo percebendo sua irrealidade, sente o quanto ele é
vívido em oposição à sua vida.
Ela me pediu que sentasse na poltrona de braços que fica sob o
abajur grená, meteu-me nas mãos um livro qualquer e disse que
ia preparar, ela mesma, um café. Quando saiu, eu estava naquela
sensação de que poderia ser um sonho ou não, tão palpáveis
eram as coisas ao redor de mim, tão natural era sua presença na
casa. Sua morte, o enterro, as peças vazias e a minha solidão.
Tudo isso é que parecia um sonho, ou mesmo um pesadelo.
(GUIMARÃES, 1995, p. 10)
56
Outro indício da vulnerabilidade do narrador está no seu anonimato. Seu
nome não aparece, mas nomeia a esposa morta, Heloísa, a quem ele parece
atribuir mais apreço do que a si próprio. E a quem ele descreve como: viva, real e
repleta de calor humano. Essa é uma indicação de que o narrador-personagem
experimenta a sensação de incerteza sobre os acontecimentos que ele mesmo
narra.
As cortinas desta sala foram abertas pelas mãos dela e a luz do
dia entrou na peça numa explosão inquietante, iluminando forte as
estantes cheias de lombadas coloridas e deixando ver o desenho
harmonioso do grande tapete marrom, sobre o qual ainda me
encontro, agora difuso na penumbra da sala, como se fosse um
chão de terra batida da minha infância. (...) Quando saiu, eu
estava naquela sensação de que poderia ser um sonho ou não,
tão palpáveis eram as coisas ao redor de mim....
(GUIMARÃES, 1995, p.10)
Percebe-se, portanto, que este é um narrador que vive em um contexto de
indefinição, mas que, concomitantemente tenta transmitir ao leitor as certezas e a
veracidade de seu relato, o que confirma a atmosfera dúbia da narrativa. Ele é
freqüentemente influenciado pelo inexplicável e mais diretamente afetado por fatos
dessa espécie. Tais características são favoráveis à criação do fantástico, pois é
um narrador dessa espécie que semais capaz de transmitir ao destinatário da
enunciação as dúvidas e incertezas constantemente sugeridas pela narrativa.
Diante da caracterização do narrador, do seu modo de viver e de suas
incertezas, permanecemos mergulhados na dúvida. Concluímos que essa
permanência é devida, pelo menos em parte, ao caráter dúbio do narrador
personagem. No conto A Visita seu ponto de vista é fundamental à manutenção da
57
hesitação ao fim do texto. Sendo assim, continuaremos a nos perguntar: foi ou
não um sonho a presença de Heloísa?
2. 3. De palavra a palavra: a construção do discurso ambíguo
O relato que conhecemos, por meio da voz do narrador, é repleto de
marcas lexicais e expressões, cuja força semântica enfatiza ainda mais a
ambigüidade peculiar à narrativa. Isso indica que sua arquitetura é voltada para
gerar, nutrir e sustentar as incertezas ao longo da história. Embora saibamos que
elas têm forte amparo na oposição fundamental que ocorre no conto, a saber: a
presença de Heloísa (já falecida) no mundo real. Percebe-se a evocação de um
conjunto de argumentos para garantir sua permanência. Dentre esses
encontramos expressões como:
... estranho e palpável sonho
... presença viva e real de Heloísa
... poderia ser um sonho ou não, tão palpáveis eram as coisas ao redor de mim
Eu estava tão encantado com a aparência de realidade daquele encontro que
não me animava a fazer perguntas.
... eu me esforçava para viver com intensidade a presença dela, quase física,
bafejado que era pelo seu hálito morno e a sensação concreta de suas mãos
pousadas sobre as minhas, estas sim, inertes e frias.
(GUIMARÃES, 1995, p. 10-13)
58
Essa correlação de forças opostas, que observamos nas expressões acima,
conduz o destinatário final da história para um universo, no qual não é possível
encontrar saída. A proximidade de vocábulos tradicionalmente opostos, tais como
o substantivo sonho e o adjetivo palpável, cria um oximoro que, dentro da
narrativa, sustenta este clima de ambigüidade, gerado também por outras figuras
de linguagem como a antítese e o paradoxo.
Com essa mesma função temos expressões como: 
de suas mãos pousadas sobre as minhas estaGUIMARÃES,
1995, p. 10-13), que além de manifestar a oposição, mencionada, demonstra
uma inversão das características próprias de cada personagem. É o narrador que
parece morto enquanto sua esposa morta é um ser vivo e que traz vida ao seu
mundo.  em outras palavras disse ela, sentando-se novamente ao meu lado
tu pareces ter perdido a vontade de viver. E isto é ruim. (GUIMARÃES, 1995,
p.12).
Em sua descrição marca lexical e índice, que coadunam
vocábulos intransigentes que aparecem diversas vezes. Por exemplo: sonho
aparece (6) vezes, palpável (3) vezes, realidade (1) vez, contribuindo para
sustentar a dubiedade da narrativa. Além disso, temos também na epígrafe
escolhida pelo autor a sugestão de ambigüidade  Seu José, mestre carpina, /
que diferença faria / se em vez de continuar / tomasse a melhor saída: / a de
 Trecho de Morte e Vida Severina de
João Cabral de Melo Neto que contribui para acentuar a ambigüidade do relato.
Relacionando esta com o conto, a ponte funcionaria como elo entre sonho e
realidade e seria uma justificativa à aproximação de palavras sonho e palpável.
Ambas representam universos distantes, que Josué Guimarães aproxima por meio
da visita de Heloísa.
A narrativa apresenta índices que sustentam duas possibilidades
interpretativas. A primeira, cuja explicação é coerente com a realidade, se
sustenta por meio de marcas tais como:
59
Mas claro eu disse, e logo mudei de idéia, tentando um
estratagema que a obrigasse a voltar mais seguidamente nos
meus sonhos.
Corri atrás dela, chamei pelo seu nome repetidas vezes e acordei
quando tentava abrir a porta dos fundos...
(GUIMARÃES, 1995, p.12 - grifo nosso)
A segunda possibilidade apresenta como alicerce os seguintes elementos: a
marca da bolsa, lábios queimados pelo café quente e a ausência dos livros na
estante que, sugerem a presença do sobrenatural, ou seja, Heloisa esteve ali. Por
isso existe a possibilidade de uma explicação distante da realidade. O que
observamos na narrativa é que, no fim do conto, a dúvida permanece, pois o
embate de realidades contrias com forças equivalentes.
Marcas físicas que na verdade indicam a presença de um ser que não faz
parte do mundo real; trata-se de uma estratégia de construção do fantástico.
Nesse conto são precisamente os elementos desta realização que, sustentados ao
longo da narrativa, atingem seu ápice no final da história. Desfecho em que não há
nenhuma força que leve à explicação racional ou que se volte mais para o mundo
extra-natural.
Lembrei-me de todo o sonho, do momento em que depositara a
sua bolsa de camurça sobre a pequena mesa. Senti que minhas
mãos tremiam e que o coração disparava. Temi por algo mais.
Levantei lentamente os olhos, a medo, percorri as prateleiras até
chegar ao lugar onde deviam estar os livros de Quiroga e vi
paralisado pela certeza, o vazio que ficara, o buraco negro
onde deveriam estar os seis volumes.
60
Esperei que o dia chegasse, abri um pouco mais a cortina e
constatei que Heloísa havia levado mesmo os livros. E sobre a
mesinha, desenhada pela ausência de pó, a marca inconfundível
de sua bolsa de camurça azul. (GUIMARÃES, 1995, p.16)
A partir das características elencadas, observamos que múltiplas
possibilidades de relacionar os acontecimentos que a narrativa encena, mas
permanece um embate nunca resolvido, criando um universo ambíguo, índice de
que trata-se de uma narrativa fantástica, como observamos nas marcas lexicais
que conjugam diversas oposições.
2. 4. O conto A visita: Todorov versus Furtado.
A dúvida entre as duas explicações possíveis, ou seja, entre a natural e a
sobrenatural, é para Todorov uma exigência do fantástico. Essa vida é
acentuada pelo fato do narrador ser também personagem. Ainda, fundamentando-
se na teoria de Todorov, uma leitura possível do conto seria classificá-lo na
categoria de fantástico puro, pois a ambigüidade permanece até o final da
narrativa e até mesmo após o seu término. "Há textos que mantém a ambigüidade
até o fim, o que quer dizer também: além. fechado o livro, a ambigüidade
permanecerá (...) a arte fantástica ideal sabe se manter na indecisãoTODOROV,
1992, p.58). Neste aspecto estamos de acordo com a teoria todoroviana, mas o
que objetivamos mostrar é que a narrativa une forças seja para aproximar-se ou
para afastar-se do elemento sobrenatural. Ademais, é o caminho percorrido por
esse elemento na narrativa que a situará no mundo do fantástico.
61
No conto A visita o entrelaçar da realidade e do sonho, a presença do
narrador-personagem, as marcas lexicais, as figuras de linguagem, são elementos
que se unem e evocam a ambigüidade. E isso faz com que ela não se perca
diante de expressões como: acordei quando tentava abrir as portas dos fundos...
(GUIMARÃES, 1995, p.16), expressão que direcionaria o desfecho do conto para
o estranho. Nesta narrativa, acontece o contrário, uma vez que o conflito gerado
por realidades distintas se sustenta com força semelhante, de tal modo que não é
possível chegar a uma decisão final.
Entendemos, a partir do que sustenta Felipe Furtado (1980), que o
fantástico nasce da evocação tua de elementos que terminam por construir o
seu equilíbrio difícil e necessário simultaneamente no plano da história e no do
discurso. A ambigüidade presente no corpo do texto pode suscitar a hesitação do
leitor, como afirma Todorov, mas tal dúvida, embora exista, não terá a primazia
interpretativa. Nesta narrativa, entendemos que hesitação das forças que a
compõem e isso gera a ambigüidade. O narrador é o primeiro a hesitar. Embora
relate enfaticamente o sonho percebemos sua perplexidade diante de marcas que
dizem o contrário do que afirma. A realidade é a todo instante contaminada por
elementos do sonho, mas esse não se impõe. Além da simultaneidade
espaço/temporal há também o desejo declarado do narrador de que tudo fosse
real. Essas considerações estão presentes como corpo do texto, não necessitando
de nenhum elemento externo para que a narrativa seja caracterizada como
fantástica.
Neste conto observamos que não é a hesitação do leitor que o caracteriza,
mas a ambigüidade gerada a partir da inserção do sobrenatural, visto que, por
mais crítico que seja o leitor, ele não modificará as razões que fazem do texto,um
obra fantástica. É claro que isso não significa anular a participação do leitor, mas
acreditamos que, numa leitura atenta, ele notará essa rede de elementos, sem os
quais a história não teria nexo; e por isso hesitaria. Isso dista do que postula
Todorov, cuja premissa diz que, sem a hesitação do leitor, o fantástico não existe.
Acreditamos que a participação do leitor para a construção do fantástico nesta
narrativa é secundária, pois, em primeiro lugar está a dúvida constante que surge
62
desde a primeira referência contraditória do narrador: ... pensei no estranho e
palpável sonho          e
momento, uma união de forças dentro da narrativa real versus irreal; ou
seja, realidade versus sonho que culmina na manutenção da ambigüidade, o
mais marcante elemento da narrativa.
Exatamente por isso, porque existe uma ambigüidade permanente na
história, é que esse conto pode ser entendido como um texto cujos elementos
mostram a predominância do caráter fantástico. Tal predominância surge porque
diversos elementos são evocados mutuamente. É, portanto algo que preserva a
sua autonomia, visto que, a ambigüidade surge da conjugação de forças textuais
diversas, resultantes do processo de criação do fantástico. A presença do
extraordinário esbarra em índices com respaldo na realidade cuja força é similar.
Esta múltipla indicação real/irreal resulta num diálogo inconcluso, que acontece
porque é possível admitir a misteriosa presença de Heloísa. A essência desta
narrativa está nesta dialética, não resolvida, entre os dois mundos, sem que haja
predominância de qualquer deles.
63
Capítulo III
Análise do conto Uma noite de chuva
3.1. Realidade factual: a espera
O conto Uma noite de chuva tem a seguinte trama: ao chegar do trabalho,
em uma noite fria e chuvosa de junho, Vinícius percebe pela garagem vazia que a
esposa não estava em casa; sabe por meio da empregada que ela havia ido ao
supermercado. Preocupa-se por Helga, sua mulher, .
Fica ansioso com a sua demora, olha o relógio a todo instante, até o momento em
que o telefone toca e uma voz anônima avisa de um acidente com o carro da
mulher. Vinícius sai apressado e, ao chegar ao local, reconhece o carro destruído,
como sendo o da mulher, mas antes de chegar mais perto, o inesperado...
encontra-se com ela. Vinícius volta pra casa com a esposa. Ao chegar, ela desce
do carro na garagem, pois quer entrar enquanto o marido estaciona o carro.
Quando Vinícius entra percebe a presença de vários amigos que tentam consolá-
lo pela morte da esposa. Ele reage dizendo que Helga vem e que o acidente
não foi com o carro da mulher, mas sim com um carro muito parecido; teria sido
um terrível engano. Os amigos o levam até o quarto aplicam-lhe uma injeção de
calmante, enquanto lamentam a morte de Helga e comentam a reação de Vinícius
à morte da esposa: ele estaria fora de si.
A realidade factual tem domínio do início, quando Vinicius chega em casa,
até às nove horas, quando recebe o telefonema. A partir desse momento Vinicius
parece alucinado. No entanto, essa realidade é repleta de fatos que insinuam a
reação de Vinicius ante o acidente que vitimara a mulher e criam também uma
situação que sugere a antecipação de sua reação. 
estava acontecendo à mulher. É claro que ele acima de tudo desejava que a
esposa chegasse logo, mas em mais de um momento, estimulado pela ansiedade
imagina o pior. A espera de Helga ou de notícias dela e também sua imaginação
64
sobre o que poderia ter acontecido está inserido dentro do que chamaremos aqui
de realidade factual, em oposição à realidade psíquica, que domina a personagem
após o acidente.
Ralharia com Helga, aquilo não eram horas para andar pela rua,
ainda mais com a chuva que aumentava de intensidade, num
tráfego engarrafado e cheio de armadilhas.
Veio-lhe à mente a cena de um pneu furado, Helga às voltas com
o incidente, carros buzinando atrás, ninguém para prestar auxilio,
o distribuidor molhado e ela em plena avenida, com o carro
emperrado. (GUIMARÃES, 1995, p.50- 51)
Esses pensamentos de Vinicius ocorrem enquanto ele está em casa,
confortavelmente instalado, embora ansioso, aguardando a chegada da esposa
que fora ao supermercado. Imagina armadilhas, um pneu furado, situações que
mostram o seu estado antes de receber a notícia. Sua fragilidade emocional
perante a possibilidade de algo ter acontecido, antecipa sua reação. Notamos
que a realidade factual, embora bem distinta do universo que presenciaremos
após o acidente, é povoada por situações que podemos chamar de
acontecimentos pré-alucinatórios, como se disséssemos que ele estava para
 Acreditamos que essa realidade factual,
mais do que simplesmente servir de paralelo à realidade alucinada, é um caminhar
para o que aconteceria após o acidente. O movimento instaurado desde o início
da narrativa encaminha-se para os acontecimentos finais.
Outro elemento que dentro da realidade factual, contribui para a
compreensão do movimento geral da história, é a marcação temporal. Essa é na
narrativa uma característica marcante, uma vez que uma gradação de tempo
desde a saída de Helga até o momento que Vinicius recebe o telefonema
65
avisando do acidente.         
(GUIMARÃES, 1995, p. 50)
(GUIMARÃES, 1995, p. 49). À medida que o tempo passa, presencia-se o crescer
da angústia de Vinicius.
Olhou para o grande relógio de parede e viu que o ponteiro
grande chegava perto das oito e sentiu-se levemente inquieto,
incapaz de prestar atenção às manchetes da primeira página.
(GUIMARÃES, 1995, p. 50)
A ansiedade aumenta as suspeitas dele em relação à demora da esposa. A
          
(GUIMARÃES, 1995, p. 51) de
forma     (GUIMARÃES, 1995, p. 51). As marcas de tempo
exatas e claramente definidas sugerem o caminhar da história rumo ao clímax
final, que, todavia não acontece. A narrativa leva-nos à surpresa de um
telefonema, que traz a notícia do acidente. Essa notícia desestabiliza Vinicius e
inaugura uma nova situação na narrativa. A partir deste momento parece vigorar
uma realidade psíquica, coerente com a alucinação, em que impera a não
aceitação da morte da esposa, contrastando com a primeira fase da narrativa
inteiramente tomada por uma realidade factual. Após receber a notícia Vinicius,
corre ao local do acidente acompanhado de pensamentos terríveis, imaginando
uma situação desastrosa.
Arrancou de ré sem quase olhar para trás, manobrou ágil na rua e
partiu como um pé-de-vento, motor roncando na noite fria e
chuvosa, garganta fechada de medo, coração a bater forte no
66
peito. Meu Deus, por que Helga foi sair numa noite dessas! O
carro derrapava nas curvas, passou por diversos sinais fechados,
mão na buzina, faróis altos a imaginar Helga entre as ferragens
do carro, pista cercado por curiosos, a polícia e os médicos
tratando de colocá-la na ambulância. (GUIMARÃES, 1995, p. 52)
Enquanto ele se encaminha para o local, já sob o efeito da notícia que o
fizera ficar com a      (GUIMARÃES, 1995, p. 52) o
narrador relata fatos que faz o leitor ter motivos para acreditar que Vinícius estava
fora de  (GUIMARÃES, 1995, p. 52). E ainda apresenta
outras marcas a partir das quais é possível inferir sobre a futura reação de Vinícius
em relação ao acidente.
-se a imaginar o pior. Suas vidas mal começaram os
planos de uma casa na serra, a viagem ao redor do mundo em
março do próximo ano      
(GUIMARÃES, 1995, p. 52)
A realidade factual estaria povoada de fatos absolutamente caracterizados
pela alucinação. É dentro de tal atmosfera que percebemos que nem todos os
acontecimentos narrados são palpáveis; para tanto contamos com a colaboração
do narrador que embora seja onisciente tem uma conduta duvidosa. Esta
realidade factual parece perder sua força diante da notícia, quando Vinicius
mergulha em outra realidade. Enquanto Vinicius parece cada vez mais
mergulhado numa realidade paralela surgem seus amigos. Estes são os
mensageiros da realidade e mudam novamente o rumo da história.
67
Sobretudo é preciso salientar que as confusões psíquicas de Vinicius,
reforçam o paralelo. Em certos momentos a contaminação das duas
realidades. A angústia, com que espera a mulher é relatada pelo narrador com
índices que mostram que deste o início Vinicius sente medo de que algo grave
tenha acontecido. A sua imaginação, ambientada dentro do universo da realidade
factual, embora coerente com a ambientação temporal traçada pelo narrador,
revela seu estado emocional e por isso torna-se tão coerente o surgir, sem
grandes surpresas, uma realidade denominada pela alucinação.
3. 2. O acidente: o imprevisto e a alucinação.
A realidade psíquica surge na narrativa após o telefonema, em oposição à
realidade factual. Após a notícia do acidente, não encontramos qualquer indício
temporal. Os diálogos praticamente desaparecem e Vinícius parece mergulhar em
um mundo interno, atemporal, revelado pelo narrador, em que se põe a imaginar o
estado da mulher no local do acidente. Isso perdura, praticamente desde o
momento do telefonema até o encontro de Vinícius e Helga , quando por parte
de Vinícius uma tentativa de se localizar no tempo “... Que horas são? Não sei
disse Helga.      (GUIMARÃES, 1995, p. 57). Se na
realidade factual a marcação temporal demonstra um crescente predomínio na
angústia de Vinicius, a realidade psíquica indicaria uma suspensão da mesma,
uma vez que ele, de modo alucinado, nega a tragédia e encontra a esposa viva.
Indica também que rompeu a barreira ante dois mundos: o real e o psíquico.
O desenvolvimento da narrativa oferece-nos índices que são coerentes com
a hipótese de alucinação
11
da personagem Vinícius devido ao forte impacto
11
Alucinação é aqui compreendida, segundo o dicionário técnico de psicologia [Cabral, A. 1982. p.11], como
uma percepção sensorial muito viva, acompanhada da convicção de sua realidade, por parte da pessoa que
experimenta o fenômeno (...) “ver uma coisa que não está ali”, “ouvir vozes”, etc.
68
provocado pela notícia de um grave acidente com sua esposa. Ele passa então a
viver uma realidade única; distante daquela presenciada pelos amigos que o
apóiam logo após o acidente. Esses amigos vivem o real, o mundo externo, eles
não participam da alucinação de Vinícius, apenas presenciam o seu estado,
fazendo comentários sobre as reações do amigo que se recusa a aceitar o
acontecido. As atitudes de Vinícius levam-nos a considerar a diferença entre a
realidade factual (representada no conto por meio dos amigos do casal), e a
realidade psíquica. Nas atitudes da personagem Vinícius parece vigorar a
realidade psíquica alucinatória, que é o produto, o resultado da cisão do eu
perante uma realidade factual impossível de ser aceita. A qualidade (entendida
como propriedade que determina a essência de algo) de catástrofe, morte, etc. faz
com que a angústia sentida pela pessoa seja da ordem do insuportável. O
protagonista cria perante tanta dor emocional um mundo paralelo, modificando a
linguagem mediante a alucinação e distorce o que os sentidos podem verificar.
É muito comum a não aceitação de fatos demasiado angustiantes e,
freqüentemente, as pessoas fazem de conta que isso não aconteceu e se
expressam como vivendo outra realidade. Elas modificam, na linguagem, os
tempos verbais e continuam a falar, por exemplo, usando o tempo presente do
modo indicativo, recusando-se a usar o pretérito. São defesas perante uma
realidade que não pode ser aceita. Ao que parece esse é o que a narrativa aponta
no comportamento da personagem Vinícius; ele somente é contrastado pelo
discurso dos seus amigos, que estariam sempre dentro da ordem do princípio da
realidade.
A atuação do narrador é outro respaldo que encontramos para a hipótese
de alucinação. Embora onisciente existe momentos em que sua atuação deixa
dúvida se de fato o que Vinicius presencia é ou não real. O conto Uma noite de
chuva apresenta um narrador heterodiegético, é, portanto narrado em terceira
pessoa, mas é esse um narrador cuja onisciência em alguns momentos parece
perder a imparcialidade e adentrar no universo confuso da personagem Vinicius.
Ele abre o conto com uma ambientação temporal densa, anunciando a atmosfera
         A noite
69
chegara de todo e começava a cair uma chuva de junho, fria e rala.
(GUIMARÃES, 1995, p. 49). Em contraste com esse tempo, revela-se a,
familiaridade do narrador com a rotina da personagem. Mas essa familiaridade
não se reflete em calmaria, pois a ambientação é deste os primeiros momentos de
ansiedade.
A dubiedade das atitudes da personagem tem apoio nas intervenções do
narrador onisciente que, por isso mesmo, possui (ou espera-se que possua)
conhecimento absoluto das ações e pensamentos da personagem. No entanto,
encontramos no conto de Josué Guimarães momentos em que o narrador 
           
chega a acreditar que Helga está realmente viva, como podemos verificar no
trecho abaixo, em que o narrador em um momento de confusão, deixa claro que
ali, naquele momento, estão presentes duas pessoas: Vinícius e Helga. Porém na
ocasião deste encontro Helga já estava morta, como revela o decorrer da narrativa
que deixa claro que ela foi vítima fatal do acidente.
Saíram com dificuldade do grupo compacto que tentava enxergar
alguma coisa mais de perto, tentando furar o bloqueio dos
guardas. Vinícius ainda parou no meio-fio, agarrou Helga pelos
dois braços, sacudiu-a com repentina alegria, beijou-lhe as faces
molhadas, exclamando:
Meu Deus, eu estava certo de que fosses tu!
Ela sorriu e passou-lhe as mãos no rosto. Aferrou-se no seu braço
e disse que era melhor voltarem para casa. Disse que uma bebida
forte calharia bem depois de toda aquela chuva, tinha os sapatos
 (GUIMARÃES, 1995, p. 54)
70
Porém, o mesmo narrador revela, no final do conto, por meio da voz dos
amigos do casal, que Helga morreu  Precisamos liberar o corpo de Helga e
cuidar dos preparativos do enterro,       
(GUIMARÃES, 1995, p.62) Esta personalidade dúbia do narrador reforça as
hesitações presentes no decorrer da narrativa, que se desfazem por meio de uma
explicação racional dos acontecimentos, a partir da qual é possível ter como certa,
a confirmação de que Vinícius sofre de uma alucinação.  Pobre do Vinícius -
disse outro.  (GUIMARÃES, 1995, p.62)
3. 3. Supremacia do real: os elementos do estranho no conto
A hipótese de alucinação da personagem citada reforça-se ao
término da leitura, quando fica claro que Helga foi vítima fatal do grave acidente.
Mas antes do fim da narrativa é claro também o conhecimento das pistas que
levamo-nos à conclusão de que a possibilidade de alucinação não pode ser
ignorada.
... tive medo de encarar a realidade, de olhar para o asfalto cheio
de cacos de vidro e com manchas de sangue, nossa vida em
comum passou pela minha cabeça como num sonho, numa
explosão de cores e de formas. Assim como uma pessoa que
fosse enlouquecer num determinado momento, mesmo sabendo
que nada daquilo podia ser realidade e que tudo não passava de
uma alucinação. (GUIMARÃES, 1995, p. 59-60)
71
Esse fato, associado às sensações contraditórias de Vinícius, em relação
ao acidente, podem ser consideradas como índices que permite concluir ao final
da leitura deste conto, que nele predomina o estranho, visto que, há momentos em
que ele oscila entre aceitar e negar a realidade  tive medo de encarar a
realidade... (GUIMARÃES, 1995, p. 59), e outros momentos que traduz
hiperbolicamente estas sensações... - Senti um pavor pânico(GUIMARÃES, 1995,
p. 59). Estas sensações, assim relatadas, são um indicativo da confusão
sinestésica que ele experimenta em relação à tragédia que aconteceu com a
mulher. Na voz do narrador:     (GUIMARÃES,
1995, p. 53); é o que sentiu Vinícius quando deveria sentir alívio. Essas
contradições marcam os sentimentos de Vinícius ao descobrir (numa alucinação)
que a mulher estava viva.
Embora haja a conjugação dessas realidades no fim da leitura, contudo,
acaba por imperar a realidade factual. Os amigos do casal surgem para cuidar do
enterro de Helga; são mensageiros da realidade, não deixando que ela seja
dominada pelas alucinações de Vinicius. Eles representam o real, o mundo
externo e dirimem qualquer dúvida que por ventura poderia existir a respeito da
fatalidade do acidente e da veracidade do telefonema. É por meio de suas falas
que aparece a supremacia da realidade e confirmação de que Vinicius alucinou.
Gostaria que um de vocês me acompanhasse até a polícia
disse um outro. Precisamos liberar o corpo de Helga e cuidar
dos preparativos do enterro que deverá ser feito ainda de manhã.
Pobre Vinicius disse outro. Ele estava completamente fora
de si.
Coitada de Helga disse alguém, quando se retirava. Ela
ficou irreconhecível! (GUIMARÃES, 1995, p. 52)
72
Os elementos até aqui apresentados conduzem nossa leitura da
narrativa Uma noite de chuva para o estranho. O estranho como apontamos no
capítulo I caracteriza pela supremacia da realidade após a narrativa apresentar
múltiplas possibilidades de leitura. A dúvida acalentada pelo acontecimento
possibilita questionar a veracidade dos fatos. Nesta narrativa observamos que,
após considerar, mesmo que ligeiramente, a possibilidade de aceitar a versão dos
fatos apresentadas por Vinicius, voltamos nossa leitura para um desfecho
coerente com a realidade. É aceitável e explicável pelas leis da ciência que
alguém diante de algo que representa um grande sofrimento passe a viver outra
realidade. É o que parece ter acontecido com a personagem Vinicius, conforme
foi demonstrado. Por mais que ele tente negar a fatalidade do acidente e
experiêncie outra situação, não é possível desconsiderar a realidade que nos é
apresentada pelos seus amigos. Por isso cremos que Vinicius extrapola os seus
limites. Esse fato é considerado por Todorov (1992) quando se expressa sobre o
estranho          
não está ligada ao fantástico, mas ao que se poderia 
 (TODOROV, 1992, p.54). É o que cremos aconteceu com Vinicius, visto
que, no final essa se mostra uma narrativa que, uma vez eliminada a dúvida e a
hesitação, temos uma explicação lógica, racional dos acontecimentos.
A suspensão das marcas temporais é uma característica da literatura
fantástica. Por similaridade pode ser relacionada com as características desta
narrativa. Para Todorov o tempo na narrativa fantástica “... parece suspenso...
(TODOROV, 1992, p.126). Neste conto, as marcas temporais perdem suas
características iniciais, e a hipótese de alucinação é reforçada. Após a notícia do
acidente, Vinícius mergulha em uma confusão de sentimentos e sensações que o
faz desaguar em uma completa atemporalidade, em franca oposição à situação
anterior ao acidente, quando o tempo era claramente definido.
As contradições expressas na narrativa contribuem para a reação
angustiada de Vinicius. Embora nos certifiquemos no final do acontecido e da
real situação da personagem, mas antes notamos pistas que praticamente
desfazem a confusão. Esta é uma característica do estranho, como aponta
73
Furtado (1980). Segundo o crítico, o estranho tem um percurso bastante efêmero
e trás na trama hipóteses a respeito dos fenômenos insólitos que serão
aparentes na intriga, conforme referido no capítulo I. sinais, desde o início,
que Vinicius sofreu uma alucinação. Portanto é coerente dizer que a narrativa é
arquitetada desde a primeira linha, para criar um texto com movimento duplo: de
um lado tem uma reação alucinada realidade psíquica que se coloca em
oposição aos fatos reais realidade factual. Essa dubiedade tenderia para a
realidade factual, indicando na narrativa um movimento propício a aceitação do
real. Isso fica claro ao observamos as situações trágicas imaginadas por Vinicius,
enquanto aguardava a esposa, o mesmo acontecendo no percurso até o local do
acidente.
Entre o ronco do motor e o barulho ritmado do limpador de pára-
brisa ele parecia ouvir vozes, um médico a dizer no corredor do
hospital: ela sofreu contusões generalizadas ferimento inciso no
tórax, corte no supercílio, pequena hemorragia interna, leve
traumatismo craniano. E se ainda não tivesse sido recolhida da
rua molhada? Vislumbrou, num átimo, a mulher estendida no
asfalto, cabelos empapados pela chuva, os olhos azuis como a
pedir socorro ao marido que chegava. (GUIMARÃES, 1995, p. 52)
Essa cena é antevista por Vinicius antes de sua chegada ao local do
acidente, quando ele tomado pelo medo e susto ainda se recusava a imaginar o
pior. É algo que, embora tratado como imaginário está dentro da realidade factual,
uma vez que ele ainda está a caminho do local do acidente. O ponto crucial da
alucinação será ele deparar-se com a cena tenebrosa. Mas esse estado
alucinado não chegou de repente;antes uma espécie de preparação prévia até
chegar a este ponto. O estado emocional de Vinicius, angustiado pela demora da
74
esposa, abalado depois pelo telefonema, a reunião de todos esses elementos
criam uma atmosfera própria que favorece o mergulho de Vinicius na alucinação.
É a alucinação que explica as conversas e as trocas de carinho que
Vinicius mantém com a esposa em um momento em que ela está morta. A
narrativa reúne elementos que encontram ao final, uma acomodação deles à
realidade, desfazendo impressões e anulando dúvidas que surgiram ao longo da
história. Essa adaptação é própria do estranho, visto que ao rmino da leitura, a
razão faz com que os acontecimentos se tornem aceitáveis. Em Uma noite de
chuva isso fica ainda mais evidente, pois um movimento na história as
reações exacerbadas de Vinicius, a imaginação de situações ruins, a ansiedade
causada pela demora, à angústia da espera, o medo de perder a esposa e o
tempo ruim com chuva intensa tudo são índices que conduz o movimento da
narrativa à explicação racional que fechará a história. As pistas existentes na
narrativa coerentes com a alucinação são um indicativo de que ela se sustenta
desde o começo encaminhando-se ao final explicado. Notamos que o texto tem
autonomia e que conjuga seus elementos com o real, o que conduz a leitura ao
estranho. Percebemos que, para a narrativa ser assim compreendida, basta
apenas recorrer ao texto e seus argumentos, não necessitando necessariamente
do posicionamento do leitor.
75
Capítulo IV
Análise do conto A travessia
4. 1. As travessias: de Domingos Lavrador e do Coronel
A travessia de Josué Guimarães explora a fuga das tropas comandadas
pelo Coronel Venâncio que, durante o percurso, vive o desafio de atravessar o rio
Ibicuí, que está cerca de quatro metros acima do seu nível normal. A narrativa
inicia-se quando as tropas armam acampamento às margens do rio. Nesse
momento encontram-se diante de um problema: como atravessar o Ibicuí? Existia
a ameaça de um desastre eminente, águas em redemoinhos e a enchente a
crescer sendo urgente evitar combate com os inimigos que os seguiam. Mas,
outra certeza habitava a mente dos tenentes e soldados: a travessia seria feita e o
coronel pouco se importava que morresse a quase totalidade da tropa. E foi o que
aconteceu. Ninguém questionava as ordens do temido comandante, famoso por
suas históricas maldades Não conheci ninguém que tivesse cometido mais

(GUIMARÃES, 1995, p.26)
Os homens de confiança comunicam ao velho coronel o perigo da
travessia; no entanto, mais uma vez, seu instinto assassino se manifesta, pois as
ordens eram claras: organizar a travessia.
Coronel, o Ibicuí está cheio e muito caudaloso. existe uma
velha barca apodrecida onde cabem quatro cavalos de vez e
se a operação de travessia vai ser agora de noite, a gente calcula
que perde mais da metade da cavalhada e outro tanto da tropa,
assim meio no otimismo, coronel. [...]
76
mandem preparar a comida, façam os homens dormir e
comecem a operação travessia meia hora antes do sol nascer.
(GUIMARÃES, 1995, p.21-22)
As maldades e a índole perversa do coronel eram do conhecimento de
todos. Ele não manifestava solidariedade nem mesmo a seus homens. Suas
atitudes frias durante a guerra, ordenando estupros e massacres sem quaisquer
motivos, viraram lendas e confrontá-lo significava um encontro direto com o
pelotão de fuzilamento. Às margens do rio, na noite fechada, seus tenentes
lembravam com ranger de dentes suas maldades desnecessárias e excessivas,
até para um período de guerra.
Dadas as ordens, enquanto os soldados preparavam o jantar, os tenentes
se reuniram amedrontados com a travessia suicida, cochichando questionamentos
a respeito das ordens do coronel. Somente o velho parecia não se importar com o
movimento do acampamento, dormia, ignorando o ir e vir dos soldados. As
observações dos tenentes sobre o estado do coronel eram inevitáveis: velho e
quase surdo, mas ainda muito temido. Chegavam a dizer que 
da consciência (...) (GUIMARÃES, 1995,
p.21). Se os homens do comando conversavam entre si, os soldados pareciam
agir automaticamente preocupados, naquele momento, apenas com o jantar. A
alta patente é que estava mais envolvida com o passado de lendárias atrocidades
do coronel, como se com isso fosse possível buscar uma justificativa às ordens do
velho, naquela noite. Uma das histórias relembradas foi a de Domingos Lavrador.
Considerado o pior dos casos.
A tropa chegara à fazenda do pai de Domingos Lavrador e, embora bem,
recebida, após recolher tudo o que interessava entre animais e mantimentos, o
Cel. Venâncio ordenara impiedosamente a degola do pai e o estupro da mãe e da
irmã de Domingos. Ele protestara e o coronel com extrema maldade ordena um
ato de dantesca crueldade. O destino do cortês lavrador é decidido ante a tropa e
77
Domingos é assassinado, depois dele e de sua família terem perdido todos os
seus bens.
Mas o coitado protestou pelo que havia feito com a irmã menor,
com a mãe e pela degola do pai, gritou que não era coisa de
homem civilizado, mas de fera, foi aquilo que todo o mundo viu:
amarrado pelos pulsos num galho de figueira, e a ordem para a
soldadesca formar em coluna um por um, era todo o mundo dar
seu talho, aos poucos, a começar pelas orelhas, pelos dedos das
mãos e assim por diante. Em menos de cinco minutos o rapaz
virou um frangalho de ossos e de postas de carne viva. Pior do
que se faz com ovelha, que afinal é sangrada pela jugular e
recortada com técnica para assado. Mas, que diabo, uma ovelha
é um bicho e a gente mata para comer.
(GUIMARÃES, 1995, p. 28)
A noite finda e na hora marcada é iniciado os preparativos para a travessia
do rio que certamente será mais um assassínio do coronel. Alguns soldados
assustados fogem, mas para estes os tenentes ordenam que atirem nas cabeças,
para assim desencorajar outros. Quando termina a travessia o saldo não poderia
ser pior: o rio devorara praticamente toda a tropa, chegando à outra margem
apenas o coronel, que venceu o rio numa velha barca com mais três homens, e
quatro cavalos. Além desses salvaram-se apenas dois tenentes; o resto perdeu-se
ou no rio ou nas mãos dos inimigos que vinham atrás. Os tenentes Cabrera e
Leandro foram os únicos que, a cavalo, chegaram ao outro lado. Ao encontrar o
coronel foram recebidos com extrema indiferença, ignorando-se o fato de ter
perdido uma tropa com milhares de homens. Do outro lado do Ibicuí, os
sobreviventes, um grupo de 10 pessoas, rumou sentido a Itaqui, visando
distanciar-se dos inimigos, e em busca de um local para acampar.
78
No início da noite localizaram uma fazenda, como tantas que durante as
andanças da guerra eles depenaram, porém esta estava abandonada e o restante
da tropa passou a ocupá-la. Depois da travessia perigosa, em que se tinha
perdido milhares de companheiros, os tenentes consideravam um achado para o
descanso aquela fazenda. Desta vez até o sisudo coronel sorriu satisfeito com a
possibilidade de dormir numa cama, pois a casa abandonada tinha esse e muitos
outros confortos.         
esgar de sorriso. Até os cavalos pareciam mais animados, como se voltassem
(GUIMARÃES, 1995, p.39)
Tudo indicava que seria uma noite tranqüila; apossaram-se da casa e foram
providenciar um boi para o churrasco noturno; 
        (GUIMARÃES, 1995, p.40),
parecia comunicar que aquela calma poderia terminar de modo inusitado. Nesse
momento anunciam-se os primeiros fatos insólitos da narrativa. O grupo sente
falta do sargento Emiliano, que desaparecera misteriosamente.
Mas onde ficou ele? (Sarg. Emiliano)
Não sabemos,capitão disse Leandro. Depois de agarrado o
bicho vimos o cavalo de Emiliano sem arreio nem bridão,
alvorado como se tivesse visto cobra cascavel. Nem sombra de
sargento.
Mas um homem não pode desaparecer assim, sem mais nem
menos disse o capitão. (GUIMARÃES, 1995, p.41- grifo nosso)
Esse fato inaugura uma série de desaparecimentos inexplicáveis que vão
aos poucos minando o pequeno grupo do Cel. Venâncio, fogueando os ânimos
79
dos homens e inserindo dúvidas no universo da narrativa. Naquela fazenda
abandonada, poderia existir mais alguém além deles? Estaria algum inimigo à
espreita? Ausente as respostas o velho se irrita com a notícia e ordena uma
pequena expedição em busca do sargento desaparecido. Saem o tenente Cabrera
e Cesário, certos de que ali estavam abandonados da presença de tropas
inimigas. Os responsáveis pela busca retornam com a notícia da morte do Ten.
Cabrera, que havia sido degolado misteriosamente. O Cel. Venâncio ordena que
levem até ele o falecido; os seus apressam-se em cumprir a ordem, mas são
tomados pela surpresa do desaparecimento do corpo. O velho começa a
demonstrar medo. Após o relato de tal fato, são obrigados a comunicar o
desaparecimento do Ten. Leandro. O mistério se acentua, a dúvida se intensifica.
Como explicar o acontecido?
Outra desgraça. O Ten. Leandro desapareceu como se tivesse
sido carregado vivo para o céu.
Ora, não me venham com histórias disse o comandante,
irritado.
Palavra de honra, coronel, pela luz dos meus olhos disse o
capitão.
E não ouviram sinal de luta, nada?
 oronel, a gente podia escutar o silêncio. O tenente estava
junto de nós, caminhava um pouco à frente e de repente nem
rasto dele; outra coisa, coronel, não encontramos sanga nenhuma
nem os cavalos. (GUIMARÃES, 1995, p.43)
Nesse trecho temos dois fatos insólitos: o primeiro é o desaparecimento do
Ten. Leandro e o segundo o sumiço da sanga pequeno ribeiro alagado e de
pouca água nas imediações do qual haviam encontrado o corpo do Ten.
80
Cabrera, que parecia ter sumido num passe de mágica; assim como o Ten.
Leandro e os cavalos. Outra pergunta fica sem resposta: como poderia o tenente
ter sumido diante dos olhos dos amigos, sem que esses nada percebessem? Se o
mistério irritava o velho coronel, as dúvidas se intensificariam ainda mais com a
morte do alferes Piragibe. Na noite, a escuridão pesava, aumentado ainda mais o
insólito dos acontecimentos.
Marinho (...) Por fim abriu a outra metade da porta e saiu
lentamente em direção de onde deveria estar o alferes, sentinela
postado junto à porteira principal. Retornou de pronto, esbaforido,
acercou-se às apalpadelas da cadeira do comandante, disse que
encontrara Piragibe morto, dependurado na cerca de arame
farpado, despido e com um rombo de tiro no peito.
Tiro não pode ser gritou o coronel. Tiro a gente tinha ouvido
aqui de dentro. Fique sabendo, capitão, que para mim ninguém
mente, muito menos o meu ajudante-de-ordens. Saiba disso.
(GUIMARÃES, 1995, p.44)
O que intriga nessa trama é exatamente a quase ausência de pistas para
aventarmos hipóteses sobre os acontecimentos. Até então a narrativa mostrava o
coronel perdendo seus homens, um a um, sem explicação, mas havia a certeza de
que algo fora do normal estava acontecendo ali. Por fim o coronel perde seus
últimos companheiros: o velho escuta um tiro e um grito. Mas logo desconsidera a
morte do Cap. Marinho e, com certo alivio, a luz do lampião aproximar-se da
casa e acredita ser o capitão que está voltando; mas, ao aproximar-se mais
percebe que não se tratava dele, mas de um estranho.
81
Com certo alívio viu que aumentava a claridade vinda do lampião
(...) e logo depois o vulto de homem que trazia o lampião numa
das mãos e que com a outra abria a porta de par em par,
entrando a passos lentos.
Mas não era o Cap. Marinho. O grande chapéu de abas caídas, a
barba cerrada e a sombra larga escondiam a fiosnomia do
estranho que depositou o lampião sobre um canto de mesa,
sentou-se num banco e ficou a preparar, sem pressa, um cigarro,
alisando compassado a palha de milho, com um grande facão
manchado de sangue.
Quem está ai? perguntou o coronel, voz quase sumida.
O homem virou-se, tirou o chapéu e deixou que seu rosto fosse
iluminado pela luz do lampião. Sua voz era firme e impessoal:
O senhor deve me conhecer. Me chamo Domingos Lavrador.
(GUIMARÃES, 1995, p.45)
As mortes misteriosas encontraram assim uma resposta, e esta se torna
visível para o coronel Venâncio. Domingos Lavrador e seu facão sujo de sangue
se denunciam. Mas é preciso lembrar que ele fora brutalmente assassinado pelos
homens do coronel, cumprido ordens deste em uma fazenda, antes da travessia.
Essa história nos foi contada pelos homens que Domingos assassinara. Sua
presença, e o insólito das mortes fazem com que acreditemos estar diante de um
fato fora do real: Domingos Lavrador, anteriormente assassinado ressurge como
justiceiro vingando a própria morte e da sua família. Lembramos que esta
personagem surge na história somente em dois momentos: no primeiro, na história
relembrada pelos tenentes, os mesmos que agora estão mortos; no segundo
surge no final da história modificando suas possibilidades interpretativas. Na sua
primeira participação Domingos alude ao passado e na segunda ao tempo da
82
história que agora nos é narrada o presente. É importante notar que o seu papel
na história se modifica: no passado é tima, no presente ressurge como justiceiro,
vingador, das atrocidades cometidas contra ele e sua família.
O conto de Josué encena a história de duas travessias distintas, mas
interligadas. A primeira, bem palpável, é aquela realizada no rio, em que o coronel
perde praticamente toda sua tropa. A segunda é de Domingos, cuja passagem do
mundo dos mortos para o mundo dos vivos, é possível porque usa como ponte o
desejo de vingança. E ele se vinga daqueles que no passado chacinaram a sua
família. Portanto, a morte dos homens do coronel, acontece perante uma situação
inusitada, inexplicável e provocada por um ser que está morto.
4. 2. A travessia: em busca do fantástico
A narrativa em questão apresenta um fato sobrenatural: um lavrador
assassinado ressurge e provoca diversas mortes de modo misterioso e inusitado.
No entanto, mesmo perante a presença desse fato importante, resta-nos a dúvida:
estamos diante de uma narrativa fantástica? Segundo Todorov (1992), o que faz
com que uma narrativa seja fantástica é a hesitação do leitor, de modo que o
gênero define-        tor dos
acontecimentos narrados(TODOROV, 1992, p.37). Irrompe nessa narrativa, após
um longo trecho que encena um universo e acontecimentos palpáveis, algo
insólito: mortes misteriosas e sem deixar pistas, diante do qual surgem dúvidas.
Estas são basicamente colocadas na voz do velho coronel comandante da tropa e,
depois de terminada a leitura, ainda nos resta o questionamento: como é possível
que Domingos, morto, assassinou os homens do coronel? A hesitação está
presente, mas esta surge apenas em poucos momentos da narrativa, fato este
coerente com o que postula Todorov.
83
O fantástico (...) dura apenas o tempo de uma hesitação:
hesitação comum ao leitor e à personagem, que devem decidir se

opinião comum. No fim da história, o leitor, quando não a
personagem, toma, contudo uma decisão, opta por uma ou outra
solução, saindo desse modo do fantástico. Se ele decide que as
leis da realidade permanecem intactas e permitem explicar os
fenômenos descritos, dizemos que a obra se liga a um outro
gênero: o estranho. Se, ao contrário, decide que se devem admitir
novas leis da natureza, pelas quais o fenômeno pode ser
explicado, entramos no gênero do maravilhoso. (TODOROV,
1992, p. 47- 48)
Relacionando a citação de Todorov com o conto encontramos nosso
primeiro problema: embora haja a hesitação; não encontramos no final do conto
uma tomada de decisão, mas sim a imposição de uma personagem insólita, que
se denuncia como autora dos crimes. Aqui, inicia-se uma questão teórica: dentro
do universo da literatura fantástica, como entender esse conto? Como
maravilhoso, estranho ou fantástico? O sobrenatural é fato inquestionável no texto
e o coloca em diálogo com o fantástico; mas esse fato em si não é suficiente para
entendermos esse texto como sendo fantástico. Para, no término da narrativa,
continuarmos a chamá-lo de fantástico, é preciso que haja uma dialética não
resolvida entre o real e o irreal. Se existe dúvida, em alguns momentos esta não
permanece até o fim da narrativa. Uma vez não havendo essa permanência, o
texto deveria encaminhar-se para ser entendido como estranho ou maravilhoso.
Para o estranho é necessário a supremacia de uma explicação racional
para os acontecimentos, mas o fim da narrativa nos mostra exatamente o
contrário: a identificação do misterioso assassino como sendo um ser falecido.
A morte de Domingos o é passível de dúvida, visto que nos é relatada pelos
84
homens de alta patente, o que confere maior plausibilidade à história. Além disso,
é relembrada em um momento em eles que manifestam o desejo de que seu
superior seja condenado pelas maldades que ordenara durante os anos de guerra.
Portanto, resta-nos concluir que esta narrativa não apresenta predominância de
elementos característicos do estranho, pois não uma explicação racional para
as mortes dos homens do coronel.
O convite para entendê-la como narrativa maravilhosa aparece no final,
quando existe a presença de um ser de outra realidade, mas isso não basta, visto
que, segundo sustenta Todorov (1992), é o maravilhoso um tipo de texto em que
uma total subversão da realidade, em que não há dúvidas; exatamente porque
um pacto entre o leitor e o universo da narrativa, além de que nesse tipo de
narrativa, existe uma tendência ao sobrenatural posit    
sobrenatural instaurado é negativo, suas ações são violentas, fugindo do que
exige uma narrativa maravilhosa e aproximando-a do fantástico. Embora exista no
final a figuração de um ser extra-natural Domingos Lavrador que venceu a
linha divisória entre a vida e a morte, não podemos simplesmente afirmar que
essa narrativa apresenta predominância de elementos do maravilhoso.
Outro fato que induz a tentativa de classificação dessa narrativa dentro do
fantástico, é o testemunho dos tenentes ante as dúvidas do coronel. Segundo
Felipe Furtado (1980) a presença de pessoas socialmente respeitáveis na
narrativa fantástica é comum, pois contribui para a verossimilhança dos fatos
relatados. Aliás, nessa narrativa a alta patente tem voz, ficando no fundo, bem
longe, a presença dos soldados. Além disso, observamos que aos poucos são
retirados de cena os homens de baixa patente, restando somente o coronel e seus
auxiliares diretos; são destes que advém os momentos de dúvida.
Assim, para reforçar a plausibilidade da ação através das
personagens, é usual no fantástico o emprego de figuras
85
geralmente consideradas respeitáveis pela idade, pela sabedoria
ou pelo estatuto social. (FURTADO, 1980, p. 110)
outro elemento que permitem estabelecer um diálogo desse conto com
fantástico, embora não permaneça a dialética entre dois mundos. Nessa narrativa
como é comum nas narrativas fantásticas, o sobrenatural surge dentro de um
contexto perfeitamente normal.
... qualquer narrativa fantástica encena invariavelmente
fenômenos ou seres inexplicáveis e, na aparência, sobrenaturais.
Por outro lado, tais manifestações não irrompem de forma
arbitrária num mundo de si completamente transfigurado. Ao
contrário, surgem a dado momento no contexto de uma ação e de
um enquadramento espacial até então supostamente normais.
Assim, uma primeira característica do gênero vem à superfície:
nele se encena o surgimento do sobrenatural, mas este é sempre
delimitado num ambiente quotidiano e familiar por múltiplos
temas. (FURTADO, 1980, p. 19)
Essa característica é de fácil observação na narrativa, pois antes do
aparecimento do sobrenatural a narrativa, é repleta de acontecimentos coerentes
com a realidade. Portanto, é um fundo real que recebe o fato sobrenatural, o que
possibilita o surgimento das dúvidas; o coronel acreditava e também os seus
homens, que depois da tumultuada travessia, tudo ficaria dentro da normalidade.
Além destes existem outros elementos que conduzem o conto ao fantástico, como
por exemplo, o espaço em que são encenados os acontecimentos da narrativa
86
O espaço nesta narrativa é pobremente descrito e as informações são
rapidamente fornecidas, de modo a contribuir para acentuar a dúvida na narrativa.
Domingos ressurge a noite, nas imediações da casa onde o grupo acampara,
embora saibamos pouco deste espaço situações em que sua caracterização, é
fundamental. Exemplo disso é o sumiço da sanga onde um dos tenentes fora
encontrado morto, como apontamos anteriormente. Esse fato acentua a
indefinição. A ambientação com pouca luz e com amplo espaço é também um
traço do fantástico nesta narrativa.
O espaço fantástico também foge em geral à luz e á cor,
preferindo descrições que subentendam iluminação vaga ou
escuridão, meias tintas ou tonalidades sombrias, (...)
Por vezes, certos textos procuram de forma ostensiva os
ambientes exteriores, a natureza selvagem... (FURTADO, 1980,
p. 124).
Esse ambiente contribui para a dúvida na intriga. Essa é acentuada pela
escuridão, que envolve as mortes e é à base da hesitação entre, a presença de
soldados inimigos ou o desaparecimento sobrenatural dos companheiros. Esse
espaço ambíguo torna possível o questionamento, reforça as dúvidas e cria um
pano de fundo para a encenação misteriosa. Está presente o que Furtado (1980)
chama de evocação dos elementos da narrativa, que multiplicam os elementos
necessários a construção de um universo fantástico. Embora percebamos que
elementos da narrativa, que contribui para entendê-la como fantástica, não na
narrativa uma total indefinição, pois consideramos que as dúvidas aventadas pelo
coronel são sanadas pela presença de Domingos. De qualquer modo sabemos
que um perfeito ponto de equilíbrio entre os dois mundos é difícil de manter.
87
Contudo, mesmo a observação atenta de narrativas cuja
ambigüidade é muito acentuada torna claro que uma indecisão
total, um ponto de perfeito equilíbrio entre a aceitação ou a recusa
da manifestação meta-empírica, é extremamente difícil de atingir
e, sobretudo, de manter até ao termo da intriga. (FURTADO,
1980, p. 41)
Embora a declaração final atribua as mortes a um ser sobrenatural e
encerre a narrativa sem outros fatos, percebemos que esse final não traz
elementos que conduzam essa narrativa ao estranho ou ao maravilhoso, mas
também não alcança manter até o final a supremacia da dúvida. Notamos, nesta
análise elementos que a direcionam ao fantástico. Mas não encontramos
elementos suficientes nem para o estranho nem para o maravilhoso. Josué
Guimarães tem outro conto, cujas características são semelhantes a este. O
Cavalo Cego foi estudado por Miguel Rettenmaier da Silva. Em sua análise após
abordar as teorias de Furtado (1980) e Todorov (1992) e relacioná-las ao conto, o
estudioso conclui que, embora haja hesitação, esta o se mantém até o fim da
narrativa. Em suas palavras:
Entretanto tal ambigüidade não ocorre no fim da narrativa O
cavalo cego. Aqui o protagonista não deixa dúvidas. Se o velho se
depara com algo misterioso de que jamais tivera conhecimentos;
se o velho narra uma história no passado não muito distante dos
tempos onde guerras e lendas faziam parte do transitar heróico
dos guerreiros; se o fato se narra sem testemunhas, o encontro
do narrador com o cavalo cego é a comprovação da ocorrência
dos fatos narrados pelo velho coronel. Ou seja, se havia alguma
hesitação por parte do leitor, baseando-nos nas idéias de
88
Todorov, no fim da narrativa a hesitação não mais se
estabelece o testemunho do narrador perante o sobrenatural da
historia do velho rompe essa ambigüidade, sem, entretanto
quedar para o maravilhoso ou o estranho. (SILVA, 1998, p. 16)
Observamos situação semelhante a essa no conto A Travessia, porém
embora não haja no conto a permanência da dialética até o fim da narrativa,
elementos, como as dúvidas, que contribuem para seu entendimento como
fantástico.
(...)
Me Diga uma coisa: e esse desaparecimento do pobre do
Emiliano?
Nem quero falar nisso disse Cabrera. e logo a mim é que
mandam nesta escuridão para encontrar o infeliz e descobrir
inimigo por ai.
Não havia ninguém por perto disse Leandro. Muito menos
soldados de qualquer coluna de batedores.
Duvido. Se andassem soldados por aí, na certa teriam batido
na porta e não custava nada acabar com todos nós. Não duvido
que poupassem o coronel para levarem como troféu de guerra.
(GUIMARÃES, 1995, p.42)
Consideramos que os fatos encenados nesse conto são coerentes com o
fantástico, mesmo que exista dúvida apenas em alguns momentos, o que reforça
a característica de esse ser um tipo de texto evanescente. Neste conto a
peculiaridade de existir a presença de Domingos Lavrador, defunto autor de ações
improváveis, mas que modificaram a atmosfera real da narrativa, criando o
89
questionamento, a dúvida, a ambigüidade e denunciando a si próprio como
assassino dos homens do coronel, provando que de fato realizara a passagem do
mundo dos mortos para o mundo dos vivos.
90
Capítulo V
Conclusão
Essa pesquisa foi iniciada com o desejo de encontrar respostas e acalentar
perguntas que se tornassem úteis para o mundo literário. No entanto chegamos a
a conclusão, acreditando que as repostas sejam despretensiosamente positivas.
Reconhecemos nossas diversas limitações, impostas pelo tempo curto, e múltiplas
responsabilidades. Mas, como dissemos na introdução, esses são apenas curtos
passos de um largo caminho. Não obstante o viver nos ensina que pouco mais
importantes do que o caminho, por isso iniciarmos a tentativa de fechamento deste
trabalho relembrando os passos até este momento.
Nosso objetivo era estudar os contos de Josué Guimarães A Visita; Uma
noite de chuva e A Travessia a partir dos postulados de Tzvetan Todorov, com o
seu livro Introdução a Literatura fantástica (1992) e de Felipe Furtado com a obra
A construção do fantástico na narrativa (1980). A partir dos postulados desses
teóricos, nosso desejo era demarcar os limites do sobrenatural e evidenciar as
estratégias de construção do discurso fantástico na narrativa de modo a salientar
os traços distintivos do maravilhoso, do estranho e do fantástico. Acreditamos ao
formular o projeto ser essa uma boa estratégia de pesquisa, pois ao analisarmos
as teorias dos dois críticos encontramos diferenças que mereciam ser
questionadas. Partimos desta premissa, visto ser o maravilhoso, o estranho e o
fantástico; tipos de narrativas diferentes, mas com um elemento comum: o
sobrenatural. Esse elemento assume, ou esperávamos que assumisse
peculiaridades em cada texto, de modo que aflorassem no corpo da narrativa e
com tais elementos se distinguiriam.
Assim, aventamos respostas para os seguintes problemas: a) Se esses três
tipos de texto possuem o sobrenatural como elemento principal, quais traços
característicos e em que plano esses elementos devem estar presentes na
narrativa, para que eles se situem no universo de um dos três tipos de texto e, ao
91
mesmo tempo, se distanciem dos outros? b) É possível que, com uma
caracterização de limites tênues, como a delimitação dos três tipos de texto
citados, uma mesma narrativa apresente uma espécie de hibridismo
classificatório? Para estes questionamentos criamos as seguintes hipóteses: a) A
narrativa que se caracteriza como pertencente ao fantástico se define,
objetivamente, se seus elementos (ou parte deles) evocar a presença da
ambigüidade gerada pela inserção do sobrenatural na narrativa. Uma vez que a
narrativa é um corpo uno, acreditamos que esses elementos estarão presentes na
maior parte dos elementos da história, de modo a particularizar e distinguir,
quando possível, sua classificação. b) Embora a narrativa fantástica não fuja à
regra de unicidade construtiva, cremos que, diante da indefinição apresentada
pelos estudiosos do assunto, será possível encontrar narrativas que ofereçam a
presença do sobrenatural, permitindo assim uma classificação simultânea no
maravilhoso, no estranho e no fantástico o que resultaria em uma espécie de
hibridismo classificatório.
Essas eram as nossas pretensões ao iniciarmos nosso projeto, trabalhamos
tendo esses questionamentos como norteadores e esperamos ter realizado um
trabalho cujo resultado final, se não esteja absolutamente dentro do desejado ao
menos não fujiu de nossa premissa básica: distingir o maravilhoso, o estranho e o
fantástico. Antes de buscar os elementos de distinção nos contos, direcionamos
nosso olhar para o estudo dos postulados de Tzvetan Todorov (1992) e Felipe
Furtado (1980) sobre os três tipos de texto com o intuito de enfocar as diferenças
teóricas de ambos a respeito do fantástico, quer a partir da hesitação do leitor,
quer a partir da ambigüidade da narrativa. Para distinguir o maravilhoso, e o
estranho consideramos elementos semelhantes nos dois teóricos.
Ao estudo teórico dedicamos o primeiro capítulo, em que buscamos
evidenciar as semelhanças e diferenças entre os teóricos que são a base de
nossa pesquisa. Para Todorov o cerne do fantástico reside na hesitação do leitor.
Esse diante da inserção do sobrenatural na narrativa hesitaria entre uma
explicação racional ou não. Assim, a classificação do texto dependeria em grande
parte do seu posicionamento. Felipe Furtado critica a postura de Todorov e
92
argumenta que o posicionamento do leitor fere a autonomia do texto. Furtado
centra sua argumentação na ambigüidade gerada pela presença do sobrenatural e
mantida pela evocação mútua dos elementos da narrativa, que será entendida
como fantástica, se não houver solução no embate de forças distintas.
Embora exista entre Furtado e Todorov uma diferença de posicionamento
quanto ao elemento principal de caracterização do fantástico, percebemos, ao
longo do nosso estudo, que esta diferença refere-se a uma questão de foco, visto
que, como demonstramos no primeiro capítulo, Todorov cita a presença da
ambigüidade no texto fantástico; refere-se a ela ligeiramente, mas já existe em sua
teoria o princípio que Furtado usa como pilar da sua. Notamos que, embora a
ambigüidade seja um elemento importante na proposta de Furtado, ele não foi o
primeiro a apontá-la como característica do fantástico; antes dele Freud já a
mencionara e depois Todorov a ela fez referência. O grande mérito de Furtado
reside na autonomia que sua definição confere ao texto, visto ser a ambigüidade
um elemento do texto e não algo externo a ele, como é o caso do leitor. Essa
diferença entre ambos buscamos demonstrar nas ilustrações I e II, em que
esquematizamos as teoria de Todorov e de Furtado. A ilustração I centra-se na
teoria de Todorov, visando esclarecer que a vida do fantástico depende da
cambiante posição do leitor que pode ou não direcioná-lo para o estranho ou para
o maravilhoso. O fantástico teria uma vida curta e frágil, pois fatores sócio-
culturais próprios de cada leitor, por exemplo, poderiam intervir na sua existência.
A ilustração II refere-se a teoria de Furtado, cujo esquema fechado, prima por
uma somatória de forças que surge no texto a partir do momento em que ocorre o
aparecimento do sobrenatural na história. A ambigüidade existirá se o texto e
seus elementos aceitarem o sobrenatural, se eles contaminarem-se com sua
presença e pelo menos se parte deles, se tornarem ambíguos.
A partir da análise das teorias, notamos que não grandes pontos de
conflitos no posicionamento de Todorov e Furtado, bem como entre esses dois e
os outros teóricos que analisamos. Irène Bessière, por exemplo, tem uma posição
próxima a defendida por Furtado, em relação à posição do leitor. Para a autora,
cujo livro foi publicado em 1974, portanto antes da obra de Furtado, a
93
ambigüidade e o texto devem ser valorizados na caracterização do fantástico e
não o leitor, como defende Todorov.
Acreditávamos inicialmente que as diferenças fossem maiores, mas
considerando que Felipe Furtado partiu das premissas todorovianas, não chegam
a surpreender certas semelhanças. É claro que o foco, na definição do fantástico,
sendo para Todorov o posicionamento do leitor e a ambigüidade para Furtado,
isso não pode ser ignorado. Mas, ao longo do nosso estudo percebemos que, na
definição de ambos, cabem outros elementos, além dos citados; deste modo,
concluímos que é apenas uma questão de foco, ficando o leitor e a ambigüidade
com funções diferentes na definição de cada teórico.
Para estudarmos o fantástico priorizamos as diferenças entre Todorov e
Furtado; mas para o maravilhoso e o estranho, optamos por considerar as
semelhanças. A principal delas diz respeito ao destino da narrativa, que apresenta
o sobrenatural como elemento comum. Ambos os críticos afirmam que a narrativa,
que apresenta o sobrenatural, pode vir a ser tanto fantástica quanto maravilhosa,
ou estranha. No entanto, o que também percebemos em seus postulados é o
conceito de ambos para o fantástico determina também o posicionamento dos
autores sobre o maravilhoso e o estranho. Para Todorov, é o leitor o responsável
pelo destino da narrativa; Furtado afirma que são os elementos do texto que se
unirão de tal modo que ele será entendido como específico de cada universo.
Os dois teóricos diferem significativamente a respeito do conceito
fantástico. Essa é a grande diferença entre as teorias, sendo a conceituação do
maravilhoso e do estranho um reflexo do que ambos preconizam sobre o
fantástico. Assim, para distinguir uma narrativa como fantástica, Todorov apóia-se
no posicionamento do leitor; o mesmo vale para o estranho, e para o maravilhoso.
Logo, se muda a posição do leitor, muda também a caracterização da narrativa.
É claro que esse, embora seja importante não é o único elemento da distinção
todoroviana, é preciso um pacto do leitor, que negue tanto a leitura poética quanto
a alegórica, além da hesitação do leitor ser algo que poderá ou não ser
experimentado pela personagem. A teoria de Furtado parte dos elementos da
narrativa. Para o estudioso, o texto tem autonomia e se auto-define como
94
maravilhoso, ou estranho ou fantástico. Furtado critica Todorov, por apoiar a
existência do fantástico, do maravilhoso e do estranho em um elemento externo, a
saber: o leitor. O estudioso argumenta que o posicionamento do leitor não
resistiria a uma segunda leitura, momento em que ele já conheceria peculiaridades
da narrativa. Assim o leitor ficaria desprovido de meios para posicionar-se. Furtado
prima pela ambigüidade; ela, segundo argumenta, é gerada no corpo do texto, a
partir de seus elementos, o que daria mais autonomia às características próprias
do fantástico, do maravilhoso e do estranho.
Ao contrapor as duas teorias, notamos na autonomia um importante
aspecto para o estabelecimento da diferença entre ambas. Entendemos que,
como conceitua Todorov, o texto perde sua autonomia, uma vez que solicita do
leitor um elemento externo ao texto um direcionamento depois que este
acolhe o sobrenatural. Essa postura implica em não considerar que a narrativa é
um corpo uno, que sobrevive da união dos elementos e que estes sempre terão
uma participação no destino final da narrativa pouco importando se após o
sobrenatural ela tornar-se-á fantástica, maravilhosa ou estranha. Felipe Furtado
visa à autonomia do texto, por isso argumenta que cabe a ambigüidade dar vida
ao fantástico, visto que ela existirá no texto se ele somar forças com seus
elementos para mantê-la. Acabar-se-ia assim a efemeridade do fantástico, que
não mais se perderá na segunda leitura, na posição cambiante do leitor ou em
outros fatores que poderão levá-lo ao fim. Considerando que esse mesmo critério
vale para o estranho e para o maravilhoso, esses também têm sua autonomia
preservada.
Entre os dois autores que usamos como base para esse estudo, temos os
seguintes pontos para a análise das narrativas: a) Todorov aponta a hesitação do
leitor como caracterização do fantástico; o seu posicionamento define também o
maravilhoso e o estranho. Se o leitor entender que uma explicação racional
para os fatos sobrenaturais, temos o estranho se, ao contrário, for possível uma
aceitação do insólito, estamos no maravilhoso. O fantástico por sua vez existe na
dúvida. Para tanto é preciso uma recusa de leitura poética e alegórica. b) Furtado
prima pela ambigüidade, gerada pela presença do sobrenatural e pela mobilização
95
dos elementos do texto. O fantástico existirá se existir ambigüidade; a posição do
leitor é secundária. Os elementos do texto também se unirão para o estranho e
para o maravilhoso. Com base nesses pontos e em outros já elencados no
capítulo I, analisaremos os três contos que compõem o corpus deste estudo.
A Visita foi o conto em que encontramos mais elementos para a discussão
das teorias. O conto sustenta uma dialética não revolvida entre real e irreal.
nele um conjunto de forças e elementos como: o entrelaçar da realidade e do
sonho, o narrador-personagem, marcas lexicais, as figuras de linguagem que se
unem na narrativa, criando um embate de forças para o qual o é possível
encontrar solução. Da análise, depreendemos que esse texto é fantástico porque
na trama elementos que sustentam a dúvida: realidade versus sonho. O papel
do leitor aqui é secundário. Acreditamos que o leitor hesita diante das
possibilidades de leitura do conto, mas essa hesitação existe, porque é possível
perceber no texto os elementos que permitem ao conto ser compreendido como
fantástico. A hesitação do leitor ocorre porque ambigüidade deste o
posicionamento do narrador até o termino da leitura. A ambigüidade é o que faz o
leitor permanecer na dúvida e não encontrar índices que o levem ao estranho ou
ao maravilhoso. Portanto, no conto A Visita, concluímos que é a união dos
diversos elementos que o faz ser considerado um conto fantástico e a
ambigüidade se sustenta porque há no texto uma arquitetura voltada a isso.
Nesse conto percebemos a fragilidade do fantástico. A dialética nunca resolvida se
mantém, mas apenas uma fala do narrador poderia fazer-nos entendê-lo como
estranho, o que seria possível se ele levasse a cabo a afirmação de que tudo não
passou de um sonho. Nesse caso, as outras pistas indicativas do elemento
sobrenatural perderiam sua força e sucumbiriam ao racional; no sonho tudo é
possível, inclusive o contato com os mortos. E a narrativa seria estranha e não
fantástica.
A mobilização de elementos é o que também encontramos no conto Uma
Noite de chuva, mas neste, as forças do texto se unem oferecendo uma
explicação racional dos fatos estranhos. A narrativa explica-se no final, provando
que a personagem Vinicius teve uma reação alucinada diante da morte da esposa.
96
Mas, muito antes, é possível encontrar pistas de que esse seria o destino da
narrativa. O narrador onisciente em alguns momentos perde a onisciência e
parece alucinar com a personagem criam-se momentos de dúvida, permitindo a
hesitação, essa todavia não perdura e logo o narrador volta a apresentar índices
de que tudo era resultado da situação de Vinicius. A personagem, desde o início
imagina inúmeras tragédias com a esposa, o que indica que ele, quando recebeu
o fatídico telefonema já estava psicologicamente fragilizado e por isso é aceitável
que reagisse negando a morte da esposa. A construção da narrativa é desde o
início, direcionada para a explicação racional, que se apresentará no final da
história. O fato de Vinicius constantemente imaginar algo de ruim em relação a
esposa, as suas reações exageradas, a angústia da espera, o medo de perder a
esposa, o tempo ruim com chuva intensa, tudo é índice que aponta o movimento
da narrativa em direção à explicação racional, que fechará a história.
Nesta narrativa, embora tenhamos que aguardar o final para entendê-la
como estranha; antes encontrávamos pistas que a direcionam a esse tipo de
classificação. Esse fato é importante, visto ser um elemento que prima pela
autonomia do texto, não necessitando do posicionamento do leitor. Este hesita,
mas o texto não depende dele para hesitar e para direcionar-se. Seu movimento
desde o início estava voltado para isso. Da ambígua posição do narrador até a
ambientação temporal da narrativa, diversos elementos contribuem para criar um
universo denso, mas que, no fim da narrativa, não conflita com a realidade factual.
A autonomia do texto também está preservada, e se sustenta graças a elementos
e caracteres da própria história. A ambigüidade se desfaz, por que há uma perfeita
acomodação dos acontecimentos à realidade; além disso, essa é sugerida ao
longo da narrativa. Ela pode ser compreendida como estranha. No entanto,
notamos que a mobilização dos vários elementos deixa pistas na história antes do
seu término; tudo nos faz crer que é essa união que faz deste conto uma narrativa
estranha. Semelhante ao conto A Visita em Uma noite de chuva os elementos
também direcionam o posicionamento do leitor; aqui também compreendido como
secundário. Ocorre a supremacia da realidade, porque o texto se direciona para a
aceitação desta.
97
Diferente das duas primeiras narrativas estudadas o conto A travessia tem
uma situação bem particular, neste chama atenção a dificuldade da mobilização
de forças para que, após o término da narrativa, encontremos uma classificação
definitiva. dúvidas ao longo de toda a narrativa, mas essas não imperam. As
dúvidas surgem a partir das personagens, mas não duram até o final da narrativa.
Ao contrário notamos, no final, a aceitação do impossível: foi Domingos Lavrador
que assassinou os homens do coronel. Mas, ele fora assassinado muitos anos
antes; como é possível que nas últimas linhas da história ele reapareça e se
identifique como autor das mortes, se ele próprio é um defunto? Uma resposta a
essa pergunta: concluímos que a ponte que trouxe Domingos do mundo dos
mortos para o real, foi à vingança. Embora aceitemos a presença de um ser
improvável, não é suficiente para entendê-lo como maravilhoso, porque não há um
ambiente próprio para isso. Lembremo-nos que as ações são coerentes com o
sobrenatural negativo e por esse fato distam dos princípios do maravilhoso.
Ademais, existe no conto uma ampla ambientação ligada às leis da realidade, em
que surge o sobrenatural; embora exista no final a certeza da presença de um ser
insólito, consideramos que isso não é suficiente para conceituação do conto nesta
categoria.
Entendemos, portanto, essa narrativa como fantástica, visto que nela existe
dúvida, a presença de um ser de outra realidade e de uma ambientação real que o
acolhe e é elemento facilitador para surgimento da ambigüidade que o caracteriza.
a ausência de questionamento no final da narrativa, mas não durante toda a
história, no final a narrativa impõe a presença do defunto assassino e esse fato
permanece sem explicação racionalizada. Considerando esse fato poderíamos
entender esse conto como maravilhoso, mas não desde o início na narrativa a
instituição de um mundo arbitrário, em que os fenômenos e espaços encenados
tenham coerência com o mundo do maravilhoso. Acontece mesmo o contrário,
existe uma ambientação coerente com o mundo real e, dentro deste universo real
é que surge o sobrenatural. Portanto, embora haja no final da narrativa a presença
do sobrenatural, consideramos que faltam elementos para situá-lo no maravilhoso.
Os elementos que se somam voltam-se para fantástico.
98
Depois de realizados estudos teóricos e feitas as análises dos contos,
concluímos que a ambigüidade é o elemento caracterizador do fantástico, como
observamos no conto A vista. Nele notamos claramente o embate de forças e a
somatória de elementos que se mobilizam para a manutenção da ambigüidade,
que nesta narrativa permanece até o fim. No conto A travessia encontramos
situação semelhante, mas aqui as forças se somam de modo mais dispare o que
não impede de percebermos a ambigüidade. No conto Uma noite de chuva nota-
se também a soma de forças desde as primeiras linhas, mas nele a observação
dos elementos nos faz direcionar o olhar para uma explicação racional dos
eventos. pistas múltiplas: a posição cambiante do narrador, a fragilidade
emocional da personagem principal e por fim a presença dos amigos de Vinicius
tudo isso não deixa dúvidas quanto à possibilidade de uma explicação racional.
Acompanham o conto indícios que direcionam a sua conceituação como estranho,
logo o que o distingue é a racionalização dos fatos abordados na narrativa.
A partir dos pontos supracitados concluímos que para o fantástico o fator de
distinção é a ambigüidade, e essa prima pela autonomia do texto, uma vez que
surge no corpo da narrativa. Foi o que vimos nos contos A visita e A travessia. A
autonomia também se encontra presente na narrativa Uma noite de chuva, cuja
leitura é coerente com o estranho, embora o elemento de distinção seja o
predomínio da realidade. Para o maravilhoso não tivemos uma narrativa em que
estivesse presente a arbitrariedade que esse tipo de texto exige; no entanto, a
partir dos estudos das teorias, consideramos que esse se distingue pela ausência
de questionamentos e pela imposição de uma realidade diferente da conhecida.
Não encontramos nas narrativas A Visita, Uma Noite de Chuva e A Travessia,
analisadas a partir dos conceitos de Todorov (1992) e de Furtado (1980),
possibilidade de aventar mais de uma classificação: portanto para a hipótese em
que questionávamos a possibilidade de um hibridismo classificatório não
encontramos elementos para uma discussão.
Embora o fator de distinção do fantástico seja a ambigüidade, o que nos,
chama atenção, é a sua fragilidade. Esta resulta do que o caracteriza, ou seja, do
embate entre dois mundos distintos. A solução desse embate gera duas
99
possibilidades de caminho para a narrativa; que como já vimos pode ser destinada
ao real ou ao irreal, ou seja, ao maravilhoso ou ao estranho. O fantástico existe
entremeio a essas duas possibilidades, daí sua fragilidade. A limitada vida do
fantástico existe porque depende de um equilíbrio cuja conquista é resultante da
cambiante posição dos elementos da narrativa. Eles nunca podem assumir uma
posição definitiva, ora negam ora aceitam o sobrenatural. Se houver uma posição
definitiva por qualquer que seja o caminho o mundo fantástico deixará de existir.
Nisso está à dificuldade de se ter um texto cujo elemento fantástico, a
ambigüidade, se mantenha com a mesma força em todos os elementos da
narrativa.
A diferença entre o fantástico, o maravilhoso e o estranho resulta, pois, de
duas fontes: a primeira é a ambigüidade. Se no texto ela permanece temos o
fantástico. A segunda é a própria fragilidade do texto, que se alimenta dessa
ambigüidade; só o texto fantástico é frágil, visto que seu desfecho não depende de
uma posição una, mas de um ir e vir dos seus elementos entre o real e o irreal.
Para sua existência o fantástico exige a conjugação simultânea de forças opostas.
Sua fragilidade reside no fato de que seus elementos bebem na fonte de sua
destruição, ou seja, a do real e a do irreal. O cerne da narrativa fantástica é frágil,
pois pode conduzir a narrativa para o fim da ambigüidade que dá vida a ele,
levando o texto para o estranho ou para o maravilhoso.
O estranho e o maravilhoso teriam uma vida mais estável. Seus elementos
direcionam-se ao real ou ao irreal, somando forças para um desfecho
característico. No estranho mesmo que em alguns momentos haja dúvida, os
elementos direcionam-se sempre para uma explicação lógica. Situação
semelhante tem o maravilhoso, em que todos os elementos se organizam para
favorecer a presença do sobrenatural. o fantástico, portanto exige que seus
elementos cambiem, uma vez que existe num universo em que é possível, por
exemplo, encontrar um narrador cuja posição seja coerente com o mundo real e
que outros elementos se aproximem da irrealidade. Dessa posição diversificada
dos elementos da narrativa nasce o fantástico cuja existência se manifesta entre
dois mundos, como vimos no conto A visita.
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