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LUCIANO FERRARA VAZZOLER
STRAVINSKY NEOCLÁSSICO: UMA ANÁLISE DOS
PROCEDIMENTOS COMPOSICIONAIS
São Paulo 2008
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2
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
INSTITUTO DE ARTES DA UNESP
LUCIANO FERRARA VAZZOLER
STRAVINSKY NEOCLÁSSICO: UMA ANÁLISE DOS
PROCEDIMENTOS COMPOSICIONAIS
Dissertação de Mestrado apresentada ao programa de
Pós-Graduação em Música da UNESP, Universidade
Estadual Paulista, como exigência para a obtenção do
título de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Florivaldo Menezes Filho
São Paulo 2008
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3
AGRADECIMENTOS
Ao meu orientador, Prof. Dr. Florivaldo Menezes Filho, pelos seus conselhos valorosos e
pela sua orientação clara e precisa.
Aos meus pais, Sylvio e Ligia, pelo amparo, amor e apoio sempre constantes na minha vida:
a quem dedico este trabalho.
Ao amigo, Ticiano Biancolino, pelas suas contribuições inestimáveis e pela amizade que se
fez presente em momentos difíceis.
À Bruna, pelas correções, sugestões, paciência e, acima de tudo, por estar junto da minha
vida.
Ao amigo e colega Arthur Rinaldi, pelos seus conselhos bem pontuados.
Ao maestro e prof. Roberto Tibiriçá, pela força musical que inspira sempre a crescer.
Aos meus queridos amigos Fátima, André, Ligia e Yuri pela amizade que apóia e me
fortalece em todas as horas.
Ao prof. Eurípedes Barsanulfo e equipe, por orientarem os caminhos da minha vida.
4
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Compassos 1 a 3 da Sonata de Stravinsky.......................................................................51
Figura 2: Compassos 1 e 2 da Sonata nº 23, op.57, “Appassionata” de Beethoven.......................51
Figura 3: Referências à escrita barroca, Sonata, compassos 32 a 35...............................................53
Figura 4: Reinvenção do baixo contínuo, compassos 15 a 18..........................................................53
Figura 5: Tema com característica melódica, compassos 13 a 17....................................................54
Figura 6: Sobreposição de linha melódica (referência ao classicismo) e reinvenção do baixo-
contínuo (referência ao Barroco), compassos 13 a 17......................................................................55
Figura 7: Justaposição de seções, compassos 21 a 22......................................................................56
Figura 8: Sobreposição de funções harmônicas deslocadas, compassos 13 a 16.............................57
Figura 9: Exemplo de textura n°1, oitavas paralelas, compassos 1 a 5............................................69
Figura 10: Segunda aparição de A, textura contrapontística, compassos 41 a 44............................70
Figura 11: Transformação de texturas em A3, compassos 81 a 89.............................. ...................71
Figura 12: Aparição de C1, textura contrapontística, compassos 32 a 35........................................72
Figura 13: Aparição de C2, textura contrapontística, compassos 130 a 133....................................72
Figura 14: Aparição da seção B, textura de melodia e acompanhamento, compassos 15 a 18........70
Figura 15: Aparição da seção D, textura de melodia e acompanhamento, compassos 104 a 106....74
Figura 16: Cadência final da Sonata, compassos 158 a 160.............................................................75
Figura 17: subseção a1, compassos 1 a 4.........................................................................................84
Figura 18: Seção A, subdivida em a1 e b1........................................................................................85
Figura 19: Seção A, subdivida em a2 e b2....................................................................................... 86
Figura 20: Seção B, compasso 16.....................................................................................................88
Figura 21: Seção C do Capriccio......................................................................................................89
Figura 22: Fragmentos 1 e 2 da Seção D, compassos 57 a 60.........................................................90
Figura 23: Exemplo da linha do baixo na seção D ..........................................................................90
Figura 24: Estruturas em camadas da Seção E, compassos 78 e 79.................................................91
Figura 25: Estruturas de arpejo, seção F, compassos 99 e 100.........................................................92
5
Figura 26: Codetta, compassos 141 a 143.........................................................................................93
Figura 27:Sobreposição de funções, compasso 10............................................................................98
Figura 28: Sobreposição de funções, compasso 15.......................................................................... 98
6
RESUMO:
Nesta pequisa estuda-se a fase neoclássica do compositor Igor Stravinsky, identificando
procedimentos composicionais específicos presentes em tal fase do compositor russo. Tais
procedimentos estão estreitamente conectados com modelos referenciais da música da tradição
tonal e apontam para interessante e pertinente diálogo entre contextos musicais bastante
contrastantes. O objetivo desta dissertação, a partir da constatação de possíveis relações entre a fase
neoclássica e a fase russa de Stravinsky, é discutir e analisar os procedimentos técnicos
composicionais presentes na música da fase neoclássica. Para identificar tais procedimentos serão
analisadas duas peças neoclássicas de Stravinsky: a Sonata para piano (1924) e o Capriccio para
piano e Orquestra (1929).
PALAVRAS- CHAVE ; Stravinsky, Neoclassicismo, procedimentos composicionais.
7
ABSTRACT: This research is a study of Stravinsky´s neoclassical period in order to identify
specific compositional procedures. These procedures are closely connected with models of tonal
reference and point to an interesting dialogue through contrasting musicals contexts. The objective
of this dissertation is to investigate possible relationships between the neoclassical and the russian
period of Stravinsky's music, discussing mainly the technical procedures found in the neoclassical
phase. To identify these procedures it will be analyzed two pieces of Stravinsky: Sonata for piano
(1924) and Capriccio for piano and Orchestra (1929).
KEY WORDS: Stravinsky, Neoclassicism, Compositional procedures.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................12
PRIMEIRA PARTE: NEOCLASSICISMO.........................................................................19
1. Contextualização Histórica do Neoclassicismo............................................20
2. As diferentes fases da obra de Stravinsky.....................................................26
3. Neoclassicismo em Stravinsky......................................................................30
4. Stravinsky e a tradição..................................................................................33
5. Entre a fase russa e neoclássica: ruptura ou continuidade?..........................35
6. Aspectos composicionais da música de Stravinsky......................................39
6.1. Centros...................................................................................................39
6.2. Unidade..................................................................................................42
6.3. Método...................................................................................................43
SEGUNDA PARTE: ANÁLISE DA SONATA PARA PIANO (1924)
E DO CAPRICCIO PARA ORQUESTRA (1929)...................................................................46
1. Análise do primeiro movimento da Sonata para piano (1924)..................................47
1.1. Contexto histórico........................................................................................47
1.2. As Multi-referências da Sonata ..................................................................49
1.3. Exemplos de centros no primeiro movimento da Sonata............................55
1.4. Considerações sobre a forma.......................................................................58
1.5. Texturas.......................................................................................................66
1.6. Considerações finais sobre a análise da Sonata..........................................72
2. Análise do primeiro movimento do Capriccio para orquestra (1929).....................75
2.1. O Capriccio inserido dentro do neoclassicismo de Stravinsky..................75
9
2.2. Considerações sobre a forma......................................................................79
2.3. Aspectos harmônicos..................................................................................91
CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................................97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................102
10
Uma renovação só é frutífera quando
anda de mãos dadas com a tradição”
(STRAVINSKY, 1996).
11
1- INTRODUÇÃO
12
1- INTRODUÇÃO
Estudar o compositor russo Igor Stravinsky é se defrontar com uma tarefa complexa.
Embora a precisão tenha sido uma busca constante na vida e na obra do compositor, presente em
suas falas, na apresentação de suas idéias e, naturalmente, na sua escrita musical, debruçar-se sobre
suas obras com objetivos de análise é enfrentar o desafio de precisar com exatidão os processos
musicais de tão rica e vasta obra poética. No que diz respeito ao estudo específico do período em
que o compositor retoma valores musicais do passado – conhecido comumente como neoclássico –,
moldando-os a sua própria linguagem, faz-se necessário redobrar esforços analíticos, pois tal fase é
caracterizada por estudiosos e especialistas do assunto como um período controverso, ambíguo e
repleto de contradições.
A comum divisão da obra de Stravinsky em três fases ou períodos criativos, conhecidos
como russo, neoclássico e serial
1
, foi uma tentativa de mapear e analisar a multifacetada obra do
compositor, com o propósito de se distinguir estilos, elementos e transformações ao longo de um
processo criativo tão heterogêneo. Tal divisão aponta, de forma didática, para três possíveis pontos
de transformação da trajetória composicional de Stravinsky. Assim, cada fase expõe características
bem particulares, quais sejam: a fase russa, centrada por uma música escrita a partir do folclore e da
tradição musical da Rússia; o neoclassicismo
2
ou fase neoclássica, um retorno aos modelos da
tradição barroca e clássica e também romântica, como será visto –; e por fim, uma última fase,
conhecida como serial, em que o compositor volta-se para o emprego do método dodecafônico.
Dessa forma, ao se defrontar com a obra de Stravinsky, trata-se de lidar com uma linguagem
em constante movimento, cuja característica básica é não se enrijecer em modelos pré-concebidos
ou em padrões estabelecidos. Tal procedimento ao mesmo tempo em que propõe novas e
decisivas relações no âmbito da organização rítmica, redireciona-se ao passado em busca dos
1
Cf. WHITE, 1978.
2
Sabe-se que o Neoclassicismo foi um movimento cultural surgido na Europa após a Primeira Grande Guerra (1914-
18), tendo como característica fundamental a revitalização dos valores humanísticos e culturais do século XVIII. No
âmbito da música, tal movimento afirmava-se a partir de uma volta à razão, ao equilíbrio e à proporção nas obras
musicais, bem como a simplicidade e a clareza das idéias musicais.
13
grandes mestres, sem deixar também de se remeter ao futuro, em seu olhar serial. Do mesmo modo,
a música de Stravinsky apresenta processos composicionais que muito influenciaram os
compositores do século XX e por que não dizer também os dias atuais? tais como: linguagem
descontínua, sobreposição de camadas texturais, diálogos com a tradição, multiplicidade de estilos,
releituras do passado. Trata-se assim de uma obra que se configura pela multiplicidade estilística e
pela habilidade ímpar de diálogo com a tradição, tornando-se assim um legado musical complexo,
de difícil análise e exploração.
Uma primeira evidente constatação, ao examinar o dinamismo interno da obra de
Stravinsky, é que tal multiplicidade estilística está longe de um mero agrupamento de estilos ou
ainda de um simples amontoado de sobreposições superficiais. Muito além disso, a análise atenta da
obra do compositor russo revela uma escrita musical alicerçada sobre notável artesanato musical,
resultado de um intenso esforço especulativo
3
. Neste universo stravinskiano, ordem, controle e
disciplina, bem como uma certa predileção pelo rigor técnico e pela clareza da idéia musical são
atributos essenciais que sobressaem na poética do compositor
4
.
Pode-se afirmar que tal gosto pela clareza da idéia musical se mostra ainda mais evidente,
principalmente a partir da fase neoclássica, pois as obras escritas nesta fase apresentam, na maioria
das vezes, diálogo direto com linguagens musicais típicas do período clássico-barroco. Nesse caso,
é possível detectar processos técnicos específicos, empregados para conectar idéias e estruturas
musicais bastante contrastantes.
Não um pensamento único, entre especialistas do assunto, no que diz respeito ao exato
momento ou em qual determinada obra Stravinsky assume, de fato, um novo caminho em sua
trajetória composicional. O que se sabe é que a cada de 1920 representa, através de um conjunto
de obras escritas pelo compositor, uma clara retomada dos valores musicais de épocas distantes,
especialmente do período do Barroco e do período Clássico. Sabe-se também que, a partir desta
postura, Stravinsky assume um constante re-olhar para tradição, adotando tal procedimento em
3
Stravinsky assevera: “Em seu estado puro, música é especulação livre” (STRAVINSKY, 1996, p. 53).
4
Cf. STRAVINSKY, 1996, p.62.
14
todas as suas composições futuras.
Claro posto que, a primeira obra em que o compositor volta-se claramente para um diálogo
mais direto com o passado é Pulcinella (1919-20), baseada em música do compositor italiano
Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736). O próprio Stravinsky coloca Pulcinella como a obra que
iniciou o primeiro e decisivo impulso em direção ao passado: Pulcinella foi minha descoberta do
passado, a revelação através da qual foram possíveis todas as minhas últimas obras”
(STRAVINSKY, 1959, p.138).
Por outro lado, autores como Walsh
5
e Berger
6
apontam a ópera Mavra (1921-22) como a
primeira obra que efetivamente poderia ser classificada como neoclássica dentro da produção do
compositor russo. Assim, como comentando anteriormente, tais controvérsias são freqüentes no que
diz respeito à música neoclássica de Stravinsky, apresentando uma série de dificuldades aos
analistas e estudiosos do assunto. Tentar delimitar com precisão um objeto que freqüentemente se
transforma constitui problemática complexa.
Ainda em torno de tais imprecisões, importante notar que o próprio termo neoclassicismo
apresenta-se problemático quando empregado para conceituar o processo intenso e dinâmico que foi
a fase neoclássica do compositor russo. Seu significado direto, um novo classicismo, mostra-se
ineficaz e incompleto ao tratar especificamente da referida produção musical de Stravinsky. Assim,
se de fato Pulcinella (1919-20) se configura como um retorno a uma tradição clássica – por meio da
música de Pergolesi o mesmo não se poderia dizer de outras obras tais como O beijo da Fada
(1928) e Capriccio para piano e orquestra (1929) que são, na verdade, retomadas da música de
Tchaikovsky, compositor russo da segunda metade do século XIX. Portanto, a música neoclássica,
no caso específico de Stravinsky, apresenta contornos bastante particulares, a ponto de autores
como Whittall propor uma definição da música neoclássica do compositor como parte de um
processo de composição ou como certo tipo de abordagem, algo muito além do que um mero
empréstimo de aspectos musicais da tradição clássica
7
.
5
Cf. WALSH, Stephen. The Music of Igor Stravinsky. New York: Oxford University Press, 1988.
6
Cf. BERGER, Arthur. Refleciotns of an American Composer. Berkley: University of California Press, 2002.
7
CF. WHITTALL, 2001, p.117.
15
De acordo com esta perspectiva, a música neoclássica do compositor estaria longe de um
mero retorno às convenções musicais do século XVIII, ou ainda de uma simples cópia de estilos de
paradigmas clássicos, mas antes seria um processo amparado por um olhar que se direciona para
vários momentos do passado musical. Druskin, confirmando tal pensamento, salienta que o
processo musical de Stravinsky consiste em uma assimilação de diversos materiais musicais, de
modo a enriquecer a sua própria linguagem, possibilitando, assim, por meio de fusões e
aglutinações, novos resultados sonoros
8
.
Não se pretende com tais afirmações diminuir a importância de tal aproximação de
Stravinsky com os valores musicais típicos da tradição clássica, pois os elementos de ordem, clareza
e concisão – valores fundamentais das composições musicais do período clássico do século XVIII –
foram importantes suportes que contribuíram para a elaboração da linguagem neoclássica do
compositor russo. É possível afirmar que as soluções composicionais dadas pelos modelos das
obras clássicos serviram de amparo aos próprios questionamentos de Stravinsky enquanto
compositor.
De fato, é importante observar que compositor apresentava uma relação de profunda
admiração pelos mestres do passado, uma afinidade originada, entre outras razões, pelo
enfrentamento dos problemas e desafios típicos do ofício da composição musical. O próprio
conceito de tradição para o compositor é bastante peculiar, pois ele a entendia como uma força viva
que age constantemente no presente e que ampara a feitura de novas obras
9
.
Mas as afirmações levantadas acima, acerca da fase neoclássica de Stravinsky, apontam para
pertinentes reflexões em torno do estudo da obra do compositor russo. A própria classificação em
diferentes fases da obra multifacetada do compositor, apesar de facilitar uma análise estilística,
pode esconder possíveis níveis de transformação entre uma fase e outra, ou até mesmo, pode ocultar
variações inseridas dentro de uma mesma fase, impossibilitando, assim, um enfoque mais atento e
cuidadoso do objeto a ser pesquisado.
8
Cf. DRUSKIN, 1983, p.107.
9
Cf. STRAVINSKY, 1996, p. 107.
16
De fato, ao se observar atentamente a produção da música neoclássica de Stravinsky,
percebe-se que longe de ser uma fase estática, ela apresenta, no âmbito de sua linguagem,
movimentações internas que mais uma vez revelam as transformações recorrentes da linguagem do
compositor. No que diz respeito, por exemplo, ao diálogo com as referências musicais, é possível
observar diferentes modos de tratamento. Assim, ao se examinar Pulcinella, verifica-se que a
relação entre materiais emprestados na peça – no caso, a música de Pergolesi – e o idioma particular
de Stravinsky é bastante diferente em comparação com tal relação em outras obras neoclássicas do
compositor, escritas posteriormente. No caso de Pulcinella, um claro reconhecimento da música
de Pergolesi, mesmo apresentando modificações, por exemplo, na condução dos baixos, na
alteração de notas das cadências e também na instrumentação original. em obras neoclássicas
posteriores, como por exemplo no Concerto para dois pianos (1932-35), percebe-se que as
referências diretas praticamente desaparecem, transformando-se em alusões a processos e
pensamentos musicais do passado, resultando assim emum idioma stravinskiano” mais orgânico e
integral.
No que diz respeito à relação entre as fases da obra de Stravinsky, tem-se questões
extremamente importantes para se poder entender seus procedimentos composicionais. Óbvio está
que, de um ponto de vista mais superficial, é possível encontrar evidentes pontos de modificação no
estilo stravinskiano. Desta feita, Pulcinella, num primeiro olhar, afasta-se claramente da linguagem
impactante do período russo (pensando aqui nas obras como Petruskha ou A Sagração da
Primavera), caracterizado especialmente pelas justaposições de blocos sonoros. Do mesmo modo,
uma obra como Agon aponta de modo inequívoco para uma última fase, agora serial, do
compositor, ao assumir o emprego do método dodecafônico mesclado a uma escritura
tonal/modal.
Assim, ainda que tais modificações estilísticas se mostrem evidentes entre as diferentes
fases, alguns autores apontam para procedimentos que perpassariam tais mudanças, apresentando
assim uma visão mais contínua da música de Stravinsky. Desse modo, Toorn (1983), baseado em
17
Arthur Berger, aponta para os diferentes modos de utilização da escala octatônica
10
na música do
compositor russo. Toorn propõe a escala octatônica como princípio fundamental da organização
harmônica da música de Stravinsky, evidenciando ainda diferentes formas de sua utilização na fase
russa e neoclássica. Da mesma forma, Cone (1962), a partir da análise das obras do compositor
russo, elabora um modelo teórico que procura sintetizar um método que estruturasse os processos
musicais do compositor. Por fim, Whittall (1999) coloca os procedimentos típicos de Stravinsky
como uma técnica de apropriação de diversos materiais musicais. Portanto, tais tentativas são
propostas de visões mais globais da música de Stravinsky, procurando dessa forma interligar as
múltiplas transformações inerentes ao processo musical do compositor.
A partir das problemáticas levantadas alguns questionamentos se fizeram fundamentais com
o objetivo de motivar e orientar a investigação do presente trabalho:
Como se efetivamente o neoclassicismo de Stravinsky, no que diz respeito
principalmente à apropriação de modelos e referências da tradição relacionados com os
procedimentos típicos do compositor?
Em qual medida os procedimentos composicionais específicos empregados por Stravinsky
em sua fase neoclássica se relacionam com os procedimentos utilizados na fase russa?
Ao detectar os tipos de transformações que a fase neoclássica apresenta, seria possível
afirmar que se tem não apenas um neoclassicismo, mas sim neoclassicismos em Stravinsky?
Seria possível, dessa forma, ver a fase neoclássica mais como uma continuação dos
processos empregados na fase russa, possibilitando assim uma visão mais global da obra de
Stravinsky?
Dessa forma, esta dissertação trata dos procedimentos composicionais que envolvem a fase
neoclássica de Stravinsky, delimitados particularmente entre a cada de 1920 e 1930. Para tanto,
10
A Escala octatônica caracteriza-se por uma escala que é construída a partir da alternância entre um tom inteiro e meio
tom.
18
utilizaremos três autores reconhecidos como modelos referenciais: Walsh (1988), White (1978) e
Druskin (1983). Da mesma forma, os escritos do próprio Stravinsky também serão importantes
suportes referenciais para as questões tratadas neste trabalho.
Para um aprofundamento dos processos presentes na linguagem neoclássica, optamos pela
análise de duas obras de Stravinsky, inseridas na fase neoclássica: a Sonata para piano de 1924
vinculada ao grupo de composições neoclássicas do início da década de 1920 –, e o Capriccio para
piano e orquestra de 1929 obra que aponta para um novo direcionamento dentro do
neoclassicismo do compositor. Tem-se como objetivo, a partir da análise, comparar os
procedimentos técnicos presentes em cada uma delas, detectando possíveis transformações no
contexto da fase neoclássica de Stravinsky.
O presente trabalho está dividido em duas grandes partes. A primeira inicia-se com uma
contextualização sobre o Neoclassicismo na música, enquanto movimento cultural que surge na
Europa no período entre guerras. Posteriormente, será enfocado a movimento neoclássico em
Stravinsky e seus conseqüentes desdobramentos musicais. Nesta parte, serão discutidos os
principais procedimentos composicionais do compositor, sua estreita relação com a tradição, a
utilização de centros tonais com o objetivo de conduzir o fluxo do discurso musical, as relações
entre a fase russa e neoclássica e as possíveis conexões entre elas.
Na segunda parte serão analisadas duas obras: a Sonata e o Capriccio, detendo-se numa
abordagem formal, textural e harmônica (centros tonais) de cada obra.
19
PRIMEIRA PARTE- NEOCLASSICISMO
20
1. Contextualização do Neoclassicismo
O Neoclassicismo surge nas primeiras décadas do século XX e tem seu momento de
consolidação durante o período entre as duas grandes guerras mundiais. Ele emerge em plena
turbulência do movimento modernista, propondo uma nova consciência da história. Alguns autores,
entre eles, Mikhail Druskin
11
, apontam o aparecimento do neoclassicismo como parte de um
movimento de renovação da cultura européia.
Após a catástrofe da Primeira Grande Guerra Mundial (1914-1918), procurava-se
restabelecer laços culturais da tradição, buscando, dessa forma, revitalizar o ambiente social e
cultural da Europa. Nesse contexto, o neoclassicismo surge após um período de extrema devastação
material e espiritual. Negar o presente e buscar lançar o olhar para o passado, a procura de
ordenação, foi uma das resoluções tomadas pelos artistas da época na tentativa de restabelecer
valores e resgatar um humanismo perdido diante de uma quebra de parâmetros sociais e culturais.
A proposta dos compositores neoclássicos parecia implicar, no que diz respeito à
composição de novas obra musicais, numa restauração do equilíbrio e da simplicidade, bem como
num emprego da concisão e da economia de meios características picas da música do período
Clássico (século XVIII). Ao mesmo tempo, havia uma clara oposição à exagerada subjetividade do
discurso musical romântico e expressionista (Cf. WHITTALL, 2001, p.753). Tratava-se, assim, de
uma proposta de reordenação do pensamento estético-musical do período, elegendo como valores
principais para a composição de novas obras musicais um retorno à clareza, à razão e à
simplicidade, resultando, dessa forma, em um afastamento de um discurso musical denso e
complexo.
Há, dentro do pensamento neoclássico, uma evidente postura anti-romântica, que elegia
como alvo principal a música de Richard Wagner
12
(1813-1883), caracterizada, entre outros
11
Cf. DRUSKIN, p. 75, 1983.
12
São conhecidas as inúmeras críticas de Stravinsky feitas à música de Wagner, que podem ser encontradas em muitos
dos seus escritos (Cf. STRAVINSKY, 1996, p. 46).
21
aspectos, por amplo discurso sonoro, construído a partir de simbolismos musicais notadamente
centrados em acentuado nacionalismo germânico.
A esta música os neoclássicos faziam oposição, pois a raiz do pensamento neoclássico é
antes um resgate de valores universais (clássicos) e não uma afirmação às idéias nacionalistas ou
regionalistas. Da mesma forma, o Neoclassicismo também se afasta do Romantismo, no que diz
respeito a uma afirmação da clareza e da razão, em oposição à subjetividade tão característica da
estética romântica. o se trata de uma negação a toda “expressividade musical, mas antes
buscava-se redefini-la e controlá-la ( Cf. WHITTALL, 2001, p. 754). Podemos dizer, assim, que o
Neoclassicismo apresentava duas forças contrastantes: uma primeira, de negação ao passado mais
recente, no caso o Romantismo, e outra, de afirmação a valores de um passado mais remoto, o
Classicismo – que primava pela ordem, equilíbrio, concisão e clareza.
No entanto, não era tão somente a música do Romantismo alemão que o pensamento
neoclássico procurava se opor, mas também a do Impressionismo francês e mesmo a do paganismo
russo
13
. Na verdade, tratava-se de uma atitude musical que procurava se afastar de todo tipo de
complexidade, ritualismo, religiosidade, simbolismo. A busca desta atitude recaia em uma música
simples, prática, concisa e econômica. Tal perspectiva é bem representada por uma personalidade
importante do período, o poeta francês Jean Cocteau, ao afirmar, em 1918, sobre a proposta dos
artistas da época: “Satie nos ensina que a maior audácia de nossa época é a simplicidade” (In
MORGAN, 1991, p.159).
Ao contrário de uma linguagem musical baseada em questões filosóficas e temáticas
heróicas afastadas assim de uma realidade mais cotidiana –, o Neoclassicismo revelava-se como
uma busca por uma música cuja linguagem refletisse as questões mais próximas da vida real,
resultando assim, numa música dos cabarés, dos bares e das tavernas. Da mesma forma, havia
também forte influência das danças populares
14
e igualmente um acentuado apelo ao Jazz
15
.
13
Cf. MORGAN, 1991, p.159.
14
Idem, p. 159.
15
Duas obras de Stravinsky, escritas nesta época, representam bem a intensa influência do Jazz: Ragtime (1918) e
Piano Rag Music (1919).
22
Pode-se observar também que o Neoclassicismo, longe de ser apenas um movimento
isolado, fazia parte de um irromper de múltiplos movimentos artísticos que eclodiram na Europa,
durantes as primeiras décadas do século XX, e que se constituíram como propostas do Modernismo:
cubismo, futurismo, dadaísmo, expressionismo, dodecafonismo, entre outros. No campo específico
da música, tem-se o aparecimento das duas obras que se tornariam paradigmáticas do modernismo
musical da primeira metade do século XX, sendo escritas praticamente nos mesmos anos: A
Sagração da Primavera (1911-13) de Stravinsky e Pierrot Lunaire (1912) de Schoenberg.
Em meio à tamanha efervescência cultural, o discurso musical, estruturado no sistema tonal,
mostrava-se em plena dissolução. A saturação da linguagem tonal dava-se principalmente pela
exploração de novas e distantes regiões tonais e pelo extenso emprego do cromatismo. Desse modo,
a desintegração da tonalidade possibilitou, no início do século XX, novos caminhos no que diz
respeito à composição musical, marcados tanto pela ruptura quanto pela continuação da tradição.
Assim, por um lado, temos o atonalismo, liderado por Arnold Schoenberg, que embora
resultasse em radicais desdobramentos, apresentava uma continuidade dentro da linhagem
tradicional germânica, principalmente no que se refere ao aspecto harmônico, ao desenvolvimento
temático e às organizações formais todos os aspectos oriundos da tradição da música tonal.
Posteriormente, tal caminho levará Schoenberg a formular o dodecafonismo, método que deveria
por princípio abandonar as relações tonais, empregando novos procedimentos em relação ao
material musical.
Outra vertente, de origem francesa e iniciada por Claude Debussy – tendo influência notável
em Stravinsky –, apontava para outros caminhos frente à ruptura do sistema tonal. No campo
harmônico, tratava-se de uma expansão da tonalidade por meio da agregação de novos sons e de
“estranhas” escalas (notadamente a escala por tons inteiros e pentatônica). Mas o que parece ter
influenciando decisivamente o compositor russo foi a organização formal da música de Debussy,
baseada em blocos sonoros, cuja ênfase principal recaia sobre o timbre e o ritmo.
Dessa forma, nos primeiros anos do século XX, evidencia-se uma clara oposição entre os
23
novos caminhos apontados por Stravinsky e Schoenberg, principalmente no que diz respeito ao
pensamento estruturador da composição musical. Assim, enquanto Stravinsky avançava rumo a
uma organização musical baseada em blocos sonoros, cuja conexão se dava por colagens e
justaposições, o compositor vienense estabelecia como alicerce de suas obras o princípio
desenvolvimentista temático e harmônico, herdado da tradição clássico-romântica, resultando assim
em novo método de composição.
Tal oposição gerada pelos diferentes caminhos tomados pelos dois compositores ícones do
modernismo musical acabou resultando em diferentes influências que passaram para posteridade.
Enquanto Schoenberg parecia apontar sempre para o novo, a partir de uma “radical” invenção o
dodecafonismo – Stravinsky, ao iniciar sua fase neoclássica, parecia dar um passo atrás, tornando-se
assim uma figura conservadora, frente aos “avanços modernos” de Schoenberg.
No entanto, após as profundas modificações que se deram no campo da música ao longo do
século XX, tende-se a minimizar a diferença entre os dois compositores, possibilitando até uma
releitura dessa oposição. Embora tenham chegado a resultados bem diferentes, ambos se
desenvolveram e conceberam música nova a partir de uma profunda e duradoura ligação com a
tradição tonal que era, diga-se de passagem, venerada pelos dois compositores. É o próprio
Stravinsky quem afirma, em 1959, uma possível mudança de utilização do termo neoclássico: “... o
neoclássico agora começa a ser aplicado aos compositores de entre as duas guerras (não aquela
noção de que os compositores são aqueles que assaltam seus predecessores e se roubam entre si,
para depois, com o resultado do saque, construir um novo 'estilo')
16
. E, mais adiante, Stravisnyk
relata uma aproximação (!) dele mesmo com os compositores da Segundo Escola de Viena: “A
música de Schoenberg, de Berg e de Webern nos anos vinte era considerada extremamente
iconoclasta na época, mas agora eles aparecem como compositores que usaram a forma musical tal
como eu a fiz, 'historicamente'’’
17
.
Assim, tais procedimentos neoclássicos permearam o pensamento musical da época, tendo
16
Cf. STRAVINSKY & CRAFT, 1984, p. 104.
17
Idem, p. 104.
24
importante personalidades criadoras que, de uma certa forma, se aproximaram dos princípios de tal
movimento. No entanto, tais princípios específicos não foram claramente constituídos. Não houve
uma apresentação de um manifesto (embora tenha-se o caso do pianista e compositor Ferruccio
Busoni, que compilou algum desses princípios, ao descrever características específicas da música
neoclássica em seu ensaio Young Classicism
18
), nem tampouco uma escola particular de
composição. Bem ao contrário disso, o movimento foi repleto de contradições e imprecisões. Não
havia uma clara “plataforma” para o movimento (Cf. DRUSKIN, 1983, p.78), apesar de todos
reconhecerem, naquele momento, a necessidade de se reolhar a tradição, afirmando a clareza e a
simplicidade como atributos essenciais para elaboração de uma nova estética.
De acordo com Druskin, uma das mais precisas citações do pensamento neoclássico pode
ser encontrada no ensaio do poeta americano T. S. Eliot, Tradition and the Individual Talent, de
1917. Embora Eliot esteja discutindo literatura, alguns dos princípios expostos no ensaio podem ser
igualmente aplicáveis à música do período. Segundo Druskin, a partir das idéias de Eliot: “A crise
não era para ser superada pelo mero capricho de experimentação: real originalidade consistia não
em tentar ser original, mas em entender a tradição cultural do passado” (In DRUSKIN, 1983, p.78).
Outro aspecto no que diz respeito às imprecisões do Neoclassicismo é o seu próprio
conceito, pois seu significado imediato, novo classicismo o que se presumiria tratar-se de um
retorno às técnicas e às formas musicais do Classicismo do século XVIII, nas figuras centrais de
Haydn, Mozart e Beethoven não é inteiramente verificado nas obras neoclássicas, principalmente
no caso de Stravinsky. Ao analisar as suas obras neoclássicas, notadamente a produção da década
de 1920, encontra-se maior influência da música barroca do que propriamente clássica
19
. Além
disso, Whittall afirma que o lema principal dos compositores neoclássicos era voltar-se para a
música de Bach” (WHITTALL, 2001, p.754).
Por causa desta, e inúmeras outras contradições que envolvem o Neoclassicismo, alguns
18
BUSONI, Ferrucio. “Young Classicism in The Essence of Music and other Essays. (trans. Rosmanond Ley). New
York: Dover, 1957.
19
Veremos mais adiante que o neoclassicismo de Stravinsky é um procedimento bem particular, por que extrapola
apenas referências à música do classicismo (Ver tópico neoclassicismo em Stravinsky).
25
autores chegam a propor novos termos para definir com mais propriedade tal movimento musical.
Sendo assim, Morgan, por exemplo, propõe o termo neobarroco (MORGAN, 1991, p.172-173),
evidenciando, assim, a influência acentuada da música barroca nas obras desse período; Salzman
sugere o termo neo-tonal (SALZMAN, 1967, p 57), denotando, desse modo, que o Neoclassicismo
seria uma nova maneira de repensar a música tonal; Reti, por fim, propõe o termo pantonalidade
para conceituar as músicas que são estruturadas por centros tonais e que ampliam a prática comum
da harmonia tonal (RETI, 1958).
De qualquer forma, para se aprofundar no estudo da música neoclássica, é necessário olhar
para o primeiro emprego do termo, que foi uma referência à música de Stravinsky (MESSING,
1996, p.129-132). Trata-se de um artigo chamado La musique, escrito pelo crítico Boris de
Schloezer e publicado na revista La revue contemporaine, em 1923 (cf. WHITE, 1991, p.117). O
texto é um comentário sobre uma interpretação de Sinfonias para Instrumentos de Sopro (1920).
Neste artigo, o autor descreve a música de Stravinsky como “um sistema de sons que se agrupam de
acordo com afinidades puramente musicais”; o pensamento de Stravinsky colocar-se-ia “apenas no
plano musical, sem jamais colocar os pés no território da psicologia”. Embora sem apresentar
“sentimentos, desejos, emoções”, a música de Stravinsky é descrita como “fortemente expressiva”,
alcançada por meio da “força” e da “perfeição” puramente musicais. O artigo termina com uma
comparação entre Schoenberg e Stravinsky: “Em comparação ao neo-romantismo de Schoenberg,
Stravinsky restabelece a tradição pré-beethoveniana, ancestralmente clássica”. (SCHLOEZER apud
WHITE, 1991, p. 117). O curioso é notar que tais observações de Schloezer referem-se ainda a uma
obra bastante arrojada, inovadora e que estabelece facilmente muitos elos com o Stravinsky da fase
russa, pois se algo “neoclássico” nas Sinfonias de 1920, trata-se do coral conclusivo, escrito dois
anos antes em homenagem a Debussy.
Alguns pontos descritos neste artigo de 1923 denotam os novos procedimentos que estavam
sendo empregados na época e descrevem como essa música foi recebida pelos ouvintes daquele
específico momento. A mais evidente e recorrente observação que se pode notar no trecho citado
26
acima é a de que tal música é pensada em termos “puramente musicais”, evitando assim quaisquer
referências a sentimentos, emoções ou a qualquer outro tipo de estado psicológico. Tais
características podem ser confirmadas por uma própria afirmação de Stravinsky, quando ressalta a
questão do significado na música:
“Considero a música, pela sua essência, impotente para exprimir o que quer que
seja: um sentimento, uma atitude, um estado psicológico, um fenômeno da
natureza, etc. A expressão não foi nunca a propriedade imanente da música. A
razão de ser desta não é de forma alguma condicionada por aquela. Se, como é
quase sempre o caso, a música parece exprimir qualquer coisa, trata-se apenas de
uma ilusão e não de uma realidade... O fenômeno da música foi-nos dado com o
único fim de instituir uma ordem nas coisas, incluindo - e principalmente - uma
ordem entre o homem e o tempo. Para ser realizado, exige, pois, necessariamente e
unicamente, uma construção...” (STRAVINSKY, 1936, p.91)
Embora, como visto acima, descrito inicialmente como uma organização sonora construída a
partir de elementos puramente musicais”– o que de certa forma, o coloca bem inserido dentro das
preocupações estéticas do século XX –, o Neoclassicismo foi visto, por muito tempo,
acentuadamente a partir da década de 1950, como um movimento menor, reacionário, nostálgico e
conservador. O próprio Stravinsky rejeitava o termo e por longo tempo foi intensamente criticado
por sua postura neoclássica.
No entanto, a partir da década de 1970, nota-se uma revalorização do Neoclassicismo,
quando autores e pensadores pós-modernos viram no movimento definições semelhantes dadas à
música pós-moderna
20
, como, por exemplo, a afirmação da “utilização de técnicas e linguagens
musicais fora de seu contexto original” (SALLES, 2003, p.94). Nesse sentido, o Neoclassicismo
(tendo especialmente Stravinsky como figura central) ganha um novo valor dentro da história da
música; de reacionário passa a ser considerado precursor, de regressivo torna-se, mais uma vez e
por outra razão, antecipador de idéias futuras.
20
Para se aprofundar tal relação entre o Neoclassicismo e a música Pós-moderna consultar livro (SALLES, 2003)
sobre o pós-modernismo na música (ver referências bibliográficas).
27
2. As diferentes fases da obra de Stravinsky
Assim como Picasso, Stravinsky é conhecido por utilizar diferentes estilos em sua obra,
muitas vezes contrastantes. Tal diversidade pode ser exemplificada pela repercussão estrondosa de
A Sagração da Primavera, em 1913, pelo retorno aos modelos da música européia em sua fase
neoclássica ou, ainda, pela radical mudança de direção na última fase de sua vida, concernente à
fase serial. Sendo assim, Stravinsky tornou-se conhecido como um dos criadores que mais se
transformou ao longo de sua carreira criativa.
Ao abordar a plural produção musical de Stravinsky, diversos autores apontaram para uma
divisão bastante comum de sua obra em três fases ou períodos: russa, neoclássica e serial (Cf.
WHITE, 1978). As três fases representam múltiplas transformações ao longo de sua trajetória
composicional. Dessa maneira, a fase inicial russa corresponde ao período de formação do
compositor em sua terra natal, Rússia, e suas primeiras conquistas como compositor em Paris
(1883-1920); a fase intermediária, neoclássica, é aquela na qual o compositor volta-se para a re-
leitura da música do passado, transferindo-se para Suíça, e posteriormente para França (1920-39); e,
por fim, a fase serial, período no qual o compositor migra para os Estados Unidos (1939-1971),
permanecendo lá até sua morte. Nesta última fase, Stravinsky volta-se para a técnica dodecafônica.
autores, como veremos mais adiante, que apresentam uma visão mais global da obra de
Stravinsky, afirmando que tais constantes modificações estilísticas, no âmbito da composição
musical, correspondem a mudanças superficiais. De acordo com essa visão, teriam-se pensamentos
estruturadores que perpassariam essas três fases, unificando assim a obra do compositor. No
entanto, para uma compreensão mais clara do percurso criativo do compositor, optamos por
descrever brevemente as principais características das fases russa e serial, abstendo-nos, nessa breve
descrição, da fase neoclássica, já que esse é o objeto de nosso estudo.
28
Fase Russa
A fase inicial de Stravinsky, a fase russa, corresponde aos anos de formação do compositor.
Estes foram marcantes principalmente pelo contato com a tradição musical russa, e mais
precisamente pelas aulas particulares tomados com Rismky-Korsakov. Tal fase também é marcada
pelas suas composições iniciais, assim como pela criação de obras para balé que lançariam seu
nome por toda a Europa: O Pássaro de Fogo (1909-10), Petrushka (1910-11) e A Sagração da
Primavera (1911-13). É nessa fase que o compositor elabora suas obras amparado pela herança
musical da Rússia, especialmente pelo folclore russo e pela tradicional escola de orquestração
daquele país.
Um dos fatos mais marcantes desta fase foi a encomenda de uma peça feita a Stravinsky por
Diaghilev
21
para sua companhia de balé, os Ballets Russes, uma das companhias de maior prestígio
internacional da época. Tratava-se de uma obra orquestral de aproximadamente uma hora e que
tinha como objetivo contar uma história dramática. Dessa forma, em 1910, nasceu O Pássaro de
Fogo, obra que transformou definitivamente a vida de Stravinsky, levando-o a Paris, principal
centro artístico da época. Sua música ficou mais conhecida na Europa Ocidental do que na própria
Rússia, tornando o nome Stravinsky conhecido entre um dos mais talentosos jovens compositores
daquele país (Cf. WHITE, 1991, p.19).
A obra imediatamente posterior ao O Pássaro de Fogo foi um segundo balé, Petrushka, que
teve tanto sucesso quanto o primeiro. Apresentada em Paris, em 1911, mostrou-se ainda mais
original que O Pássaro de Fogo. Concebida inicialmente como um concerto para piano, Petrushka,
apresenta um significativo avanço em termos decnica composicional. Muitos dos procedimentos
que caracterizarão a música de Stravinsky são formalizados nessa obra: o uso constante de melodias
21
Trata-se aqui de Serguei Diaghilev (1872, 1929), importante diretor de balé russo, responsável pela encomenda das
obras mais notáveis do período russo de Stravinsky.
29
diatônicas, a utilização de extensos ostinatos e pedais, a sobreposição de harmonias contrastantes e
um fluxo musical estruturado a partir de cortes, ou interrupções entre blocos sonoros.
O balé que sucedeu Petrushka foi a obra que mais destacou o nome de Stravinsky,
associando-o diretamente ao modernismo da primeira metade do século XX: A Sagração da
Primavera (1911-13). Tal obra gerou um impacto profundo em sua época, repercutindo em histórias
e mitos sobre a sua estréia em Paris em 1913. A obra consolidou um estilo particular e apresentou
uma maior maturidade do compositor em termos de técnicas em relação às obras anteriores. Sua
influência foi marcante em toda uma geração de compositores, tendo uma repercussão direta em
obras centrais do século XX. Jonathan Cross comenta sobre a influência da Sagração sobre o século
XX:
Tome uma peça: “A Sagração”. Certamente teve seus imitadores. Mas o poder de
suas inovações rítmicas e métricas, suas estruturas em blocos e simultaneidades de
camadas musicais, sua fenomenal orquestração e sua pura energia todos estes
procedimentos têm assegurado “A Sagração” como uma enorme sombra sobre todo o
século XX. (In CROSS, 2003, p.249).
Fase serial
A terceira e última fase de Stravinsky, fase baseada no dodecafonismo, foi mais uma das
centrais mudanças, no percurso criativo do compositor. Após aproximadamente um período de
trinta anos de processos criativos baseados em releituras dos modelos clássicos, Stravinsky adota
quase que repentinamente o método dodecafônico de composição, apropriando-se, ainda que de
maneira bastante pessoal, das técnicas e modelos provenientes da Segunda Escola de Viena,
notadamente de Anton Webern.
A aproximação de Stravinsky à música serial constitui a última grande transformação
estilística e técnica na sua trajetória criativa. Assim como a passagem de seu período russo para o
neoclássico surpreendeu o mundo musical da época, sua “conversão” ao serialismo, quando
30
contava com aproximadamente setenta anos de idade, causou grande surpresa. Sua vitalidade
musical e sua capacidade de modificação pareciam não ter fim. Foi neste período, no final dos anos
40, que Stravinsky encontrou pela primeira vez Robert Craft, um jovem regente interessado nas
obras dos serialistas vienenses. Tal encontro possibilitou a Stravinsky um primeiro contato com a
obra de Webern. Como afirma White: “Depois da morte de Schoenberg (13 de julho de 1951), Craft
encorajou Stravinsky a ouvir uma grande variedade de música serial, e o compositor se viu cada vez
mais receptivo à música de Webern” (WHITE, 1991, p.60).
Como quer que seja, no período serial de Stravinsky, é também possível encontrar
procedimentos típicos do compositor. Embora atraído pela concisão, clareza e limpidez do discurso
serial de Webern, Stravinsky não deixa de abandonar um dos traços característicos de sua música: a
utilização do diatonismo. Em seu balé Agon, de 1953-54, Stravinsky alcança novos patamares
referencias nos seus procedimentos composicionais, contrapondo seções seriais com outras até
mesmo modais, alargando assim as suas referências para além dos campos da tradição tonal, como
se lançasse seu olhar para toda a história da música. No dizer de Luciano Berio, Agon é “uma
inteligentíssima parábola de uma 'pequena história da música' que olha lucidamente, ou seja,
tragicamente, para si mesma, com o pretexto do jogo” (BERIO apud DALMONTE, 1981, p.55-56).
3. Neoclassicismo em Stravinsky
A origem do neoclassicismo em Stravinsky é de difícil precisão, gerando opiniões bastante
controversas por parte de analistas e especialistas no assunto. Muitos dos autores sobre a música de
Stravinsky apontam Pulcinella (1919-20) como sendo a obra que deu o primeiro e decisivo impulso
em direção ao Neoclassicismo. O próprio Stravinsky confirma esta afirmação ao se referir à
composição de Pulcinella, colocando tal obra como uma descoberta de um novo caminho que o
31
guiaria por cerca de trinta anos: Pulcinella foi minha descoberta do passado, a revelação através da
qual foram possíveis todas as minhas últimas obras” (STRAVINSKY, 1959, p.138). Esta citação
ganha relevância, na medida em que evidencia uma nova tomada de consciência do compositor,
principalmente no que diz respeito ao empréstimo de referências musicais de outros compositores
do passado, ou ainda a um repensar sobre os procedimentos cnicos da própria tradição musical,
formulando assim uma nova maneira de tratá-los composicionalmente.
Por outro lado, Arthur Berger aponta para possíveis semelhanças entre o tratamento dado às
canções folclóricas de Petrushka e os materiais emprestados que se apresentam em Pulcinella.
Dessa maneira, Berger designa Mavra como sendo, a rigor, obra realmente inicial do
neoclassicismo de Stravinsky (cf. BERGER, 2002, p.51).
Observa-se em Pulcinella um inequívoco recurso composicional de Stravinsky: a presença
de evidente contraste na linguagem do compositor que, pela primeira vez, trata à música do século
XVIII – no caso específico do compositor italiano Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736) –, como
referência estruturadora de seu próprio idioma musical. uma clara citação da música de
Pergolesi no tratamento composicional da obra sem, no entanto perder-se o idioma stravinskiano.
Assim, o procedimento de Stravinsky em Pulcinella, segundo Roman Vlad, foi manter intactas as
linhas melódicas e os baixos da música original de Pergolesi, criando fusões harmônicas,
principalmente entre tônica e dominante, ainda que operando quebras ao se retirarem as acentuações
de seus lugares e ao modificar radicalmente os tempos originais procedimentos típicos da fase
russa de Stravinsky (cf. VLAD, 1978, p. 77).
A passagem do período russo para o período neoclássico não foi uma passagem brusca ou
imediata, antes foi um período de transição e até de conflito para Stravinsky. Após os três grandes
bem sucedidos balés da fase russa, Stravinsky buscava novas experimentações composicionais, que
resultaram numa escrita musical cada vez mais caracterizada pela clareza e economia dos meios. A
tendência do compositor, após o impacto gerado pela Sagração da Primavera, foi voltar-se para a
composição de peças pequenas, miniaturas, no qual os aspectos formais e organizacionais da
32
composição poderiam ser diretamente enfrentados.
Esse período coincide com o exílio de Stravinsky na Suíça, onde compôs uma série de peças
que representam essa fase de transição. Tais peças, embora apontem para uma gradual
transformação estilística do compositor, ainda apresentam fortes vinculações com os temas e as
canções do folclore russo, quais sejam: as canções Pribaoutki (1914), a ópera Renard (1916), as
cenas coreográficas As Bodas (1917-23) e ainda A História do Soldado (1918).
Essas transformações acabaram por refletir diretamente em vários aspectos musicais da
escrita de Stravinsky: nas formas de organização do material, na orquestração, na harmonia e no
equilíbrio formal. Neste período de transição, os balés do período russo, escritos para grande
orquestra, são substituídos por peças escritas para pequenas formações: obras para instrumentos de
sopro, música de câmara e composições para instrumentos solo.
A partir da década de 1920, as temáticas folclóricas do período russo são gradualmente
abandonadas em prol de uma contínua aproximação aos modelos da tradição, sob a inspiração da
cultura musical e literária da Europa Ocidental. Assim, a escrita composicional de Stravinsky
enfrenta novos desafios, pois ao eleger como modelo os cânones da música ocidental, propõe um
diálogo direto com a tradição.
Na música de Stravinsky a busca por ordenação apresenta-se de forma mais evidente a partir
do contato com a música da tradição clássica. A clareza, a concisão e o equilíbrio formal, típicas
características da música tonal do século XVIII, foram referências que trouxeram fortes subsídios
para um compositor que primava pela ordem. Tais estímulos poderiam também ser gerados por
elementos estilísticos, como afirma o próprio Stravinsky: “Tentei construir uma nova música
baseado no classicismo setecentista, usando seus princípios construtivos e mesmo evocando-os
estilisticamente por meios tais como os ritmos pontuados” (STRAVINSKY & CRAFT, 1984, p.14).
Dessa forma, as peças neoclássicas de Stravinsky têm como característica principal a
referência direta às formas musicais do passado, e isso se mostra bastante evidente a partir das
próprias formas empregadas nas obras neoclássicas do compositor: Sonata, Sinfonia, Serenata,
33
Concerto e Capricho. Tais obras apresentam, assim, referências diretas com a música Barroca e
Clássica, evitando, pelo menos em um primeiro momento, as referências sonoras da tradição
romântica do século XIX
22
.
Assim, ainda que se trate de um retorno, tal apelo ao estilo neoclássico representa,
sobretudo, um procedimento de ordem mais genérica: a constante revisita, não exclusiva ao período
clássico, combinada pelos inovadores procedimentos tipicamente de Stravinsky. Arnold Whittall
aponta a fase neoclássica não como uma simples ruptura dentro da produção do compositor, mas
sim como uma nova reorientação, que extrapolaria para além das fronteiras clássicas, evidenciando
assim uma releitura de toda a própria história da música: “O que está envolvido não é uma completa
quebra com um idioma anterior desgastado [fase russa] stravinskiano, mas uma radical
reorientação, não meramente com respeito a aquele idioma, mas em relação com toda a história da
música” (In WHITTALL, 1999, p.117).
Portanto, ao tratar o neoclassicismo de Stravinsky, defronta-se não apenas com uma mera
retomada dos paradigmas clássicos, mas antes com uma atitude composicional que visa a um
constante reolhar, tendo como enfoque o legado histórico da própria música.
4. Relação com a tradição
Após a repercussão dos balés russos, principalmente de A Sagração da Primavera,
Stravinsky ficou reconhecido pela história como um dos compositores mais revolucionários
23
do
século XX. Ao lado de Pablo Picasso (1881-1973) na pintura, o compositor tornou-se símbolo da
22
Embora se tenha a clareza de que o neoclassicismo de Stravinsky é uma releitura principalmente dos períodos
clássico e barroco, a partir de seu olhar original, as referências ao período romântico também estão presentes no
neoclassicismo do compositor, notadamente a partir do final da década de 1920, como ficará evidente na análise do
Capriccio.
23
Contudo, o rótulo de revolucionário era visto de forma desagradável por Stravinsky: “Sustento que foi um erro
terem me considerado um revolucionário... fizeram de mim um revolucionário à minha própria revelia”
(STRAVINSKY, 1996, p. 20).
34
modernidade musical da primeira metade do século XX, sendo que essa imagem revolucionária
parecia implicar num artista que propõe uma profunda ruptura com o passado ao mesmo tempo em
que faz surgir uma música tão “nova” e impactante como A Sagração da Primavera.
No entanto, nada mais equivocado que apresentar Stravinsky como distanciando do passado,
ou desligado de qualquer tipo de tradição. Para o compositor, a criação de novas obras estava
intimamente ligada à relação delas com a tradição. É Stravinsky mesmo quem ressalta: “Uma
renovação é frutífera quando anda de mãos dadas com a tradição (STRAVINSKY, 1996,
p.107).
nas primeiras obras do compositor, percebe-se uma aguda sensibilidade em dialogar com
a tradição do passado, principalmente, com a tradição russa. Assim, sua Sonata para piano de 1903-
04, por exemplo, apresenta claras referências a Tchaikovsky. Da mesma forma, sua Sinfonia em Mi-
b, op.1, transparece a influência direta dos compositores russos tais como Rimsky-Korsakov,
Borodin e Glazunov. (Cf. WHITE, 1991, p. 15). Além disso, importante ressaltar que toda a
formação composicional de Stravinsky deu-se unicamente por aulas particulares de Rismky-
Korsakov
24
, conhecido pela sua intensa atividade pedagógica e pelo seu exímio domínio da arte de
orquestração.
Desse modo, ao contrário do que se possa parecer, a concepção de que Stravinsky tinha
sobre a tradição o se revela conservadora ou mesmo saudosista, pois para o compositor, a
tradição não era algo morto nem tampouco algo que deveria ser negado para se poder conceber o
novo. Pelo contrário, Stravinsky tinha uma visão muito particular da tradição, que a via como
algo em movimento, uma força viva que permanece agindo constantemente no presente. É o próprio
Stravinsky quem afirma: “A tradição autêntica não é relíquia de um passado irremediavelmente
transcorrido; é uma força viva que anima e condiciona o presente. Nesse sentido, o paradoxo
segundo o qual tudo o que não é tradição é plágio tem sua razão de ser...” (STRAVINSKY, 1996, p.
58).
24
Rimsky-Korsakov (1844-1908), além de sua atividade como compositor, teve uma influência decisiva no ensino da
composição musical. Sua produção teórica, particularmente os livros Tratado Prático de Harmonia e Princípios de
Orquestração, tornaram-se obras fundamentais dentro do ensino musical.
35
Desse modo, o procedimento de Stravinsky perante a tradição é muito mais a postura
daquele que a reinventa, do que meramente daquele que a copia, pois, ao voltar seu olhar para o
passado, procura refazê-lo à sua própria maneira.
Tal aproximação com a tradição se dava de diferentes formas e em diversos níveis
25
: desde a
utilização de pequenos fragmentos a reinvenções de linhas melódicas até as reorganizações formais
e re-orquestrações. Segundo Joseph Straus, a relação de Stravinsky com a tradição musical do
passado pode ser descrita a partir de dois procedimentos principais:
Primeiro, ele freqüentemente incorporava formas específicas, estruturas ou peças
inteiras do passado inseridas nas suas próprias composições. Desta maneira, ele
estabelecia uma clara ligação com a tradição. Segundo, ele radicalmente revisava
estes elementos anteriores, remodelando-os a sua própria imagem. Este processo
dual de incorporação e revisão é a expressão musical central da sua subjacente
ambigüidade em direção ao passado, como, simultaneamente, um modelo para se
reverenciado e um desafio a ser neutralizado (In STRAUS, 1990, p.6).
Portanto, tal postura em relação à tradição apresenta contornos mais explícitos,
naturalmente, dentro do contexto neoclássico, no qual o compositor assume uma postura afirmativa
no que diz respeito à tradição histórica. No entanto, é possível ver nessa relação um procedimento
típico do compositor, que pode tanto voltar-se em direção a um passado remoto, como pode saltar
em direção às inovações do futuro. Essa questão será abordada com mais precisão no tópico a
seguir.
25
Nos capítulos referentes às análises desta dissertação serão evidenciados os procedimentos empregados por
Stravinsky no que diz respeito às referências musicais do passado.
36
5. Entre a fase russa e neoclássica: ruptura ou continuidade?
O processo criativo de Stravinsky é caracterizado por constantes transformações, o que
poderia gerar, num primeiro olhar, um processo caracterizado por contínuas rupturas. Sua obra,
comumente dividida em diferentes fases, demonstra quanto a música de Stravinsky é desapegada a
um único estilo, tendo como qualidades típicas do compositor a experimentação e a especulação.
Poder-se-ia, num primeiro momento, ver nas fases criativas de Stravinsky um processo de contínuas
rupturas, o que implicaria em detectar acentuados cortes em cada uma delas. Desse modo, a fase
russa seria vista como uma ruptura aos modelos tonais; a fase neoclássica, por sua vez, seria
apresentada como um rompimento com os anseios radicais do modernismo; e, por fim, a fase serial
seria uma ruptura com toda a música que Stravinsky escrevera anteriormente.
Contudo, pertinente questão se faz em meio às freqüentes transformações da música de
Stravinsky e que pode trazer luz à investigação acerca dos procedimentos da música do compositor.
Poder-se-ia detectar pensamentos composicionais que permanecessem fixos em meio às diversas
transformações estilísticas do compositor? Haveria técnicas que permaneceriam estáveis tais
como sistematização das alturas, organização rítmica ou conexões formais e que perpassariam as
diferentes fases do compositor? Ou ainda, poderiam procedimentos técnicos específicos permanecer
em meio às mudanças superficiais de estilo?
De fato, não é difícil notar que mesmo numa obra poética marcada por múltiplas facetas,
como a de Stravinsky, um traço constante que caracteriza a escrita do compositor, o que nos
permite apontar para um idioma stravinskiano. No entanto, para aprofundar tais questões, faz-se
necessário procurar possíveis conexões entre suas fases criativas, especialmente no caso desta
dissertação – uma continuidade entre as fases russa e neoclássica.
Sendo assim, embora haja uma consolidação da divisão da obra de Stravinsky em
reconhecidas fases como anteriormente citado –, diversos autores como Toorn (1983), Cone
37
(1962), Adorno (1974) apontam, de alguma forma, para uma continuidade entre a fase russa e a
neoclássica do compositor. De fato, uma tendência entre os pesquisadores mais recentes de
argumentar a favor de uma aproximação entre as fases criativas do compositor, detectando assim
estruturas básicas que permaneceriam ao longo de tais etapas criativas distintas. Por outro lado,
tem-se em Boulez (1995), uma enfática desqualificação da fase neoclássica, implicando assim numa
inevitável ruptura entre as duas fases.
Van den Toorn, apoiado em estudo de Arthur Berger
26
, descreve principalmente as relações
de utilização da escala octatônica na música de Stravinsky, colocando-a como uma estrutura que
perpassa as diferentes fases criativas do compositor. Sendo assim, é possível detectá-la tanto nas
obras do período russo, como por exemplo, nas obras Scherzo Fantastique (1907-08) ou A
Sagração da Primavera (1911-13), quanto nas obras do período neoclássico, como Sinfonias dos
Salmos (1930) ou Orfeu (1947). Toorn descreve ainda os mecanismos de utilização da escala
octatônica, principalmente como esta escala interage é relacionada com partes diatônicas. A maior
contribuição de Toorn é apontar como certas práticas da escala octatônica, típicas do período russo,
se diferenciam de outras empregadas no período neoclássico, propiciando assim uma possível visão
global da música de Stravinsky.
Edward T. Cone também aponta para uma concepção mais integral da música de Stravinsky,
a partir da análise de possíveis procedimentos composicionais na obra do compositor russo e que
não estariam restritos às suas fases criativas. Em importante ensaio
27
, Cone parte da análise de
trechos da Sinfonias para instrumento de Sopros (1920), da Serenata para piano (1925) e da
Sinfonia dos Salmos (1930) para lançar mão do conceito de estratificação, buscando, dessa forma,
uma maior compreensão de como as seções musicais das obras de Stravinsky são articuladas e
conectadas no tempo musical. Para tanto, Cone elabora um método, ou ainda uma técnica básica
que apresenta três específicas fases: estratificação, conexão e síntese.
26
Trata-se do ensaio Problems of pitch organizations in Stravinsky”, in Perspectives on Schoenberg and Stravinsky.
New York: 1972, p. 123.
27
Trata-se do ensaio Stravinsky: The Progress of a Method de Edward T. Cone, publicado na primeira edição da
revista norte-americana Perspectives of New Music em 1962 (In Música Hodie, vol.7 n°1, 2007. Trad. de Antenor F.
Corrêa e Graziela Bortz).
38
Segundo Cone, a estratificação seria a “separação de idéias no espaço musical (ou melhor,
das áreas musicais) justapostas no tempo” (CONE, 2007, p.14). Tais áreas são representadas por
diferentes parâmetros musicais, derivados de aspectos intervalares, motívicos, harmônicos, entre
outros. Da mesma forma, a semelhança dos parâmetros gera a interligação entre as áreas, resultando
assim na fase chamada de conexão por Cone. Por fim, tal processo termina com a síntese, uma
espécie de resolução das tensões provocadas pela estratificação, na qual “os diversos elementos são
trazidos no interior de relações cada vez mais próximas entre si, sendo todas idealmente
consideradas para a resolução final” (In CONE, 2007, p.14).
Portanto, tem-se um método para abordar os processos composicionais em Stravinsky que
não se limita a uma fase circunscrita, possibilitando assim, em concordância com Toorn, uma
perspectiva mais global da obra do compositor russo. Para Cone, as constantes transformações
estilísticas de Stravinsky estariam ancoradas por um método composicional específico. É o próprio
Cone quem afirma sobre as fases do compositor: “Cada fase aparentemente divergente foi uma
manifestação superficial de um interesse que conseqüentemente conduziu a uma ampliação e a uma
nova consolidação dos recursos técnicos do artista” (CONE, 2007, p.13).
Em acordo com os autores anteriormente citados (Toorn e Cone), é possível ainda citar
Adorno que por meio de um enfoque mais estético igualmente aponta para uma continuidade entre
as fases criativas de Stravinsky. Para Adorno, as mudanças de estilo em suas fases não representam
modificações radicais, antes revelam que os mesmos elementos de uma fase se encontravam em
potencial na outra:
A acusação de que Stravinsky converteu-se... de revolucionário em reacionário, não
é válida. Todos os elementos de composição da fase neoclássica não somente estão
contidos implicitamente na fase anterior, mas determinam, tanto aqui como em
qualquer outra parte, toda a feitura (ADORNO, 1974, p. 112).
Boulez, em contraposição aos autores mencionados, não apresenta o mesmo olhar no que diz
39
respeito à relação entre as fases de Stravinsky. Ele elabora contundentes críticas à postura
neoclássica do compositor, colocando tal postura como um passo atrás, ou, nas palavras de Boulez,
uma “esclerose em todos os campos” na trajetória criativa do compositor. Boulez refere-se ao
neoclassicismo de Stravinsky como “reviravoltas de prestidigitação”, caracterizando sua música por
um “esvaziamento acelerado”. Boulez afirma:
Entretanto, é impossível evitar certa perplexidade angustiada ante o caso
Stravinsky. Como explicar, depois de Noces, esse esvaziamento acelerado que se
manifesta por uma esclerose em todos os campos: o harmônico e melódico, pelos
quais se chega a um academismo falsificado, e até no rítmico em que se surgir
uma penosa atrofia? (BOULEZ, 1995, p.134).
Como visto, os ataques de Boulez estão centrados em todos os campos, mas percebe-se um
ênfase no aspecto tmico da música neoclássica, na qual a restauração aos padrões rítmicos
clássicos é considerada como “penosa atrofia”.
A partir da análise de A Sagração da Primavera, o compositor francês elege como “o
verdadeiro domínio Stravinsky” o tratamento dado ao ritmo. Parece-se, assim, evidente que Boulez
nega veementemente o valor das obras neoclássicas de Stravinsky, justamente porque nestas o
retorno aos padrões rítmicos tradicionais do Classicismo. Sendo assim, é possível verificar na visão
de Boulez uma incompatibilidade entre a fase russa e a fase neoclássica, o que se permite concluir
que, em sua visão particular, não há a possibilidade de ligação entre as duas fases.
40
6. Aspectos composicionais das obras neoclássicas de Stravinsky
6.1. Centros
“Toda a música não é senão uma sucessão de impulsos que convergem
para um ponto definido de repouso” (STRAVINSKY, 1996, p. 41).
Uma das características mais importantes da música de Stravinsky, especialmente evidente
em suas fases russa e neoclássica, é a organização do discurso sonoro a partir da polarização de
determinados centros. Tal procedimento revela não a íntima conexão de Stravinsky com a
tradição especialmente com a música tonal –, mas também um a utilização de inequívoco recurso
composicional como será visto adiante.
Pode-se colocar que tal utilização de centros é um dos procedimentos fundamentais para
compreensão do dinamismo interno da música do compositor, pois os centros se mostrarão
estreitamente conectados com articulação das seções musicais e, conseqüentemente, interferirão
decisivamente na organização formal das obras. É o próprio Stravinsky quem afirma sobre a
utilização dos centros: Toda a música não sendo senão uma sucessão de impulsos e repousos, é
fácil verificar que a aproximação e o afastamento dos pólos de atração como que determinam a
respiração da música” (STRAVINSKY, 1996, p. 41 e 42).
No que diz respeito ao princípio de constituição de centros harmônicos dentro da produção
de Stravinsky, tal procedimento deriva-se diretamente do pensamento da música tonal, em que a
polarização de determinada nota, em específico contexto, acaba por direcionar o discurso musical.
Na música tonal mais clássica, a polarização se estabelece fundamentalmente entre a tônica e
dominante, sendo a forma constituída a partir desta relação. Desse modo, a sonata clássica, forma
típica do período clássico e romântico, emerge como a expressão da polaridade entre tônica e
dominante (Cf. ROSEN, 1988, p.97), que, após se confrontarem ao longo da obra, terminam por
privilegiar a função da tônica. No caso da música tonal, esse tipo de relação acabará por se
desintegrar, no final do século XIX e início do século XX, abrindo-se assim diferentes caminhos
41
para novas organizações sonoras, sem apoio restrito de um único centro tonal.
Na música neoclássica de Stravinsky, por haver diálogo direto com os modelos da
tonalidade, a assimilação dos centros tonais se encontra bastante acentuada. Contudo, tal
construção musical se mostra presente desde as suas primeiras composições do período russo,
baseadas fortemente na música tonal. Até em obras impactantes do período russo, como A
Sagração da Primavera, é possível detectar a presença de centros polarizadores, estruturados por
meio de camadas sobrepostas e que transparecem uma nítida relação “tonalizante”. Sendo assim, é
possível verificar polarizações nas funções mais básicas da harmonia tonal, quais sejam: tônica,
subdominante e dominante. Boulez afirma sobre esta questão:
Deve-se observar, desde já, que a música de Stravinsky, longe de representar uma
libertação do ponto de vista tonal, consiste em poderosas atrações criadas em torno
de certos pólos, pólos estes que o poderiam ser mais clássicos: a tônica, a
dominante, a subdominante (BOULEZ, 1995, p.76-77).
A vinculação estreita com uma música construída a partir de pólos centralizadores, num
discurso musical marcado por descontinuidades e contrastes como é o caso típico da música de
Stravinsky –, faz-se necessário com o objetivo de se ordenar o dinamismo estrutural da obra. Os
centros, desse modo, funcionam como articuladores do discurso musical. Tal perspectiva é
confirmada pelo próprio Stravinsky:
Compor, para mim, é pôr em uma determinada ordem certo número desses sons de
acordo com as relações de intervalo. Essa atividade leva à procura de um centro
para o qual a série de sons implicada em meu esforço possa convergir. Assim, dado
um determinado centro, terei de encontrar uma combinação que convirja para ele.
Se, por outro lado, uma combinação ainda não orientada surgiu, terei de determinar
o centro para qual ela deveria conduzir. A descoberta deste centro é que me sugere
a solução do problema (STRAVINSKY, 1996, p. 42).
Importante ressaltar que, dentro da produção de Stravinsky, tais centros não necessariamente
42
se configuram como apenas uma única nota. Stravinsky utilizava-se o termo em sentido mais
amplo, podendo mesmo significar grupo de notas, intervalos, estruturas e determinados parâmetros
musicais.
A questão que nos parece de maior pertinência é o próprio tratamento dado pelo compositor
ao emprego dos centros. A escrita experimental do compositor reinventa a utilização dos centros
tonais, transformando suas relações e hierarquias. Trata-se de uma re-leitura do mecanismo de
funcionamento do sistema tonal, gerando novos e diferentes níveis de relacionamento entre os
centros polares. Stravinsky acreditava, assim, na criação de um “senso de retorno exatamente ao
mesmo ponto, sem a tonalidade”. Para tanto, diferentemente da música mais tonal que realiza seu
discurso em torno e para um único centro, Stravinsky elabora uma organização sonora que
transforma constantemente seus centros polarizadores, relacionando-os mais por justaposições e
sobreposições do que por ligações de fundamento tonal
28
. Tal procedimento será melhor
apresentado nas análises da Sonata e do Capriccio.
Em síntese, ao analisarmos a música neoclássica de Stravinsky, sob a perspectiva de uma
organização sonora em torno de centros, pode-se apresentar duas funções básicas dos centros
polarizadores: possibilitar direcionalidade à condução do fluxo musical, resultando na articulação e
conexão das seções musicais justapostas; e contribuir para o equilíbrio formal da obra.
6.2. Unidade
A preocupação em alcançar unidade no campo da criação musical é nitidamente encontrada
na produção neoclássica de Stravinsky. As constantes distorções, variações e contrastes presentes na
música do compositor russo são organizadas de modo a gerar equilíbrio entre as partes formais.
28
Embora tais conexões tonais possam estar presentes na música do compositor, construídas a partir da visão original de
Stravinsky.
43
A unidade é uma das principais metas de Stravinsky enquanto compositor. (Cf.
STRAVINSKY, 1996, p. 38). No caso particular da música neoclássica, para se obter a unidade,
Stravinsky enfrenta problemas específicos, pois se faz necessário buscar soluções para conectar
áreas musicais com características fortemente contrastantes. Observa-se que o compositor se
utilizará de técnicas próprias para equilibrar os planos contrastantes em sua obra
29
.
No entanto, mais uma vez, nota-se um exemplo da estreita vinculação do compositor com a
tradição dos grandes mestres do passado, pois se observa especialmente na fase neoclássica a uma
cuidadosa preocupação com as forças contrastantes que geram unidade na obra. Assim, o contraste
apresenta função importante dentro da música de Stravinsky, pois a partir da organização das
estruturas opostas, o compositor alcança a unidade. O próprio Stravinsky ressalta, em suas
conferências realizadas em Harvard
30
(1939), sobre a importância do contraste (“variedade”, nas
próprias palavras de Stravinsky) como elemento estruturador de uma concepção total de unidade
(“similaridade”):
De todo modo, a melhor atitude para um compositor, nesse caso, será a atitude do
homem que tem consciência de uma hierarquia de valores e que deve fazer uma
escolha. A variedade é válida como meio de atingir uma similaridade
(STRAVINSKY, 1996, p. 38).
Nota-se, assim, que a similaridade, entendida como unidade, é alcançada através de
intenso esforço criativo, amparado por princípios de rigorosa ordenação. Na verdade, tal tipo de
procedimento revela umas das concepções mais típicas do fazer stravinkiano: a especulação.
Sendo assim, a meta do compositor, ao voltar-se para os modelos musicais da tradição
européia, é também uma busca pelas soluções dadas pelos grandes mestres aos problemas
intrínsecos da composição musical: a proporção entre as partes, a solidez de uma obra, a simetria da
forma. Por esse motivo, percebe-se que a sua releitura da tradição é amparada por uma visão aguda
29
Nas análises da Sonata e do Capriccio tais técnicas serão amplamente discutidas.
30
Trata-se do livro Poética Musical em Seis Lições (ver referências bibliográficas).
44
dos processos históricos que envolvem a prática da composição musical.
Desse modo, percebe-se que estamos longe de uma poética superficial. Muito ao contrário, a
escrita de Stravinsky revela-se extremante rigorosa, permeada por um cuidadoso artesanato
notadamente verificado em sua fase neoclássica –, devido justamente à assimilação dos processos
clássicos. Seu artesanato é pautado pela ordenação, cabendo ao compositor fazer escolhas que não
“sucumbem às tentações da variedade” e que se esforcem para conquistar os “resultados mais
sólidos” da unidade musical (Cf. STRAVINSKY, 1996, p.38-39).
6.3. Método
Ao tratar dos procedimentos técnicos nas obras neoclássicas de Stravinsky é importante nos
deparamos com o que Mikhail Druskin (1983) chamou de método específico do compositor russo,
referindo-se às obras que dialogam diretamente com a tradição.
Druskin definiu tal método como o de compor a partir de um modelo de base (Cf. Druskin,
1983, p.79). Assim, tal método de Stravinsky constituía-se em uma re-leitura de diferentes obras,
provenientes de diversos contextos, que estimulariam a composição de novas criações, cujo diálogo
se daria intensamente a partir de tais bases referenciais. Desse modo, ao escrever sonatas, sinfonias,
concertos ou óperas, Stravinsky extrai, a partir destas referências, problemáticas específicas que, ao
estimular sua faculdade criativa
31
, gera posteriormente bases estruturais para a composição de uma
nova obra (Cf. DRUSKIN, idem, p.81).
Assim, no contexto da década de 1920, cada nova criação do compositor parecia apresentar
relações específicas com determinada base referencial, não excluindo, ainda, a possibilidade de uma
31
Stravinsky assevera sobre como iniciava seu processo criativo: “Começo procurando às vezes pela execução dos
velhos mestres (para me pôr em movimento)” (STRAVINSKY & CRAFT, 1984, p. 10).
45
mesma obra apresentar múltiplas referências em si mesma
32
.
Esse processo referencial de criação não deve ser entendido como uma simples imitação a
um determinado estilo ou como uma mera escrita aos moldes de certo compositor. O simples
empréstimo de materiais musicais, na forma de citação ou imitação, não se configura estritamente
como o procedimento neoclássico de Stravinsky.
Tal método de composição a partir de modelos do passado é antes um processo que se
apropria e distorce aspectos musicais das bases referencias com o objetivo de repensá-los de uma
nova maneira, trazendo-os para diferentes contextos sonoros e, conseqüentemente, gerando, a partir
de fusões e aglutinações, ricos significados musicais. Trata-se, dessa forma, de uma reordenação
dos aspectos musicais da tradição, sob o olhar atento e original do compositor. Druskin afirma:
Ele não estava preocupado com coisas do tipo “espírito”, atmosfera, cor, ou outras
dessas categorias... Seu objetivo não era simplificar, mas sim enriquecer seu
próprio idioma musical, introduzindo e distorcendo métodos e estruturas de outros
períodos musicais (In DRUSKIN, 1983, p. 81).
Dessa forma, esse processo de criação se manifesta através de uma linguagem claramente
imitativa que pode se realizar em diversos níveis e de rias intensidades. Martha Hyde (1998)
apresenta quatro possíveis categorias imitativas presentes nas obras neoclássicas de Stravinsky
33
.
Tais categorias obedecem às características próprias e se referem a técnicas específicas, embasadas
em estruturas da música tonal, tais como: tríades, escalas maiores e menores, uso das funções
tônica-dominante, cadências, entre outras. Sendo assim, tal processo imitativo elege determinado
elemento sonoro ou procedimento composicional, extraído originalmente de um modelo referencial,
que serve de base para uma fusão entre elementos sonoros. Assim, Stravinsky contrapõe referências
de origens diversas, justapondo e conectando estruturas opostas.
Em síntese, ao eleger um método que dialoga constantemente e de forma direta com a
32
Este é um caso típico encontrado na Sonata para piano de Stravinsky, analisada nesta dissertação (ver análise da
Sonata).
33
Em sua análise da música neoclássica de Stravinsky, Martha Hyde apresenta quatro estratégias de imitação na obra
do compositor: imitação eclética, imitação referencial, eurística e dialética (Cf.HYDE, 1998, p. 155-207).
46
tradição, pode-se concluir que a música neoclássica de Stravinsky se utiliza de tais referencias como
estímulos criativos para enfrentar problemas composicionais específicos, tais como conectar, de
forma eficiente materiais musicais de tempos passados com novos elementos sonoros. Assim,
embora sendo um passo para trás, pode-se afirmar que é justamente nesse campo referencial que as
obras neoclássicas de Stravinsky ganham especial destaque, pois, a partir da reinvenção do passado,
acabam gerando resultados sonoros originais, propiciando ainda novas possibilidades de re-leitura
da música tradicional.
47
SEGUNDA PARTE:
ANÁLISE DA SONATA PARA PIANO (1924) E DO
CAPRICCIO PARA PIANO E ORQUESTRA (1929)
48
1. Análise do primeiro movimento da Sonata para Piano (1924)
1.1. Contexto histórico
A Sonata para piano de Stravinsky foi escrita em 1924 e pertence ao conjunto de obras que
marcaram a produção neoclássica do compositor, pois a década de 1920 representa o período de
consolidação das técnicas neoclássicas de Stravinsky. A Sonata é contemporânea ao Octeto para
instrumentos de sopro (1922-23) e ao Concerto para piano e Instrumentos de Sopro (1924).
É possível destacar nas obras neoclássicas dos anos 1920 de Stravinsky dois aspectos
fundamentais: o primeiro, o grande número de obras para piano escritas nessa época tendo como
característica principal o emprego do piano como instrumento de percussão, valorizando-se assim
seu modo de ataque
34
–; o segundo, a ausência da utilização de instrumentos de cordas, com o claro
propósito de se evitar referências às sonoridades das obras do período Romântico.
Desse modo, ao analisar a quantidade de obras escritas para piano dentro da produção
neoclássica de Stravinsky (ver tabela abaixo), verifica-se um notável número de obras escritas para
tal instrumento ao longo da década de 1920 (oito ao total); tal quantidade diminui nas décadas
posteriores, tendo apenas duas composições escritas para o instrumento na década de 1930 e três na
década de 1940.
34
Stravinsky havia explorado a qualidade percussiva do piano, notadamente em sua obra As Bodas de 1917, que
teve como instrumentação final quatro pianos, percussão e coro misto (Cf. WHITE, 1978, p.315).
49
Chorale (1920)
Os cinco dedos (1921)
Três movimentos de Petrushka (1921)
Concerto para piano e instrumentos de sopro (1924)
Sonata para piano (1924)
Serenata para piano (1925)
Capriccio para piano e orquestra (1929)
Duo Concertante para violino e piano (1932)
Concerto para dois pianos (1935)
Tango (1940)
Circus Polka (1941-42)
Sonata para dois pianos (1943)
Tabela 1: Lista de obras neoclássicas escritas para piano de Stravinsky
entre as décadas de 1920-40
Tal predileção pela escrita para piano, principalmente na década de 1920, se revela
intrigante no contexto neoclássico do compositor, o que se faz pertinente perguntar o por quê tal
preferência por este instrumento. Na verdade, longe de especulações filosóficas ou composicionais,
a razão para esse amplo conjunto de obras para piano é de ordem bem mais prática.
No início da década de 1920, dificuldades financeiras fizeram Stravinsky procurar novos
meios de aumentar seus rendimentos a partir do lucro de suas obras. Dessa forma, além do lucro
com os direitos autorais, o compositor começava a vislumbrar a possibilidade de se aventurar no
campo da interpretação de suas próprias criações, atuando, assim, tanto como pianista quanto como
regente. Eric White, referindo-se a esse período, ressalta:
“Um momento considerável de pessoas dependiam agora financeiramente de
Stravinsky; e recordando-se de suas dificuldades nos tempos de guerra, quando o
podia confiar numa renda regular como compositor, ele decidiu que deveria
diversificar sua vida profissional. Isso significava destinar tempo para assumir
compromissos como pianista e regente, às custas da composição. O primeiro efeito
óbvio desta decisão foi o aparecimento de várias obras novas para piano” (In
WHITE, 1991, p.39).
50
Tal entrada no campo da performance musical, além de revelar uma nova habilidade do
compositor, teve ressonância evidente na escrita de suas obras. Dessa forma, ao atuar como
intérprete, Stravinsky teve que escrever novas composições adequadas a sua própria capacidade
interpretativa e isso resultou em peças pouco virtuosísticas (a exemplo da transcrição para piano
realizada pelo próprio compositor dos três movimentos de Petrushka, dedicados a Artur
Rubinstein), pois naturalmente as novas composições teriam que ser interpretadas de forma segura
pelo compositor-intérprete.
De fato, ao ampliar sua atividade profissional, abarcando agora além da composição a
performance, Stravinsky alcançou notório sucesso, ao estrear praticamente todas as suas obras para
piano da década de 1920, divulgando assim amplamente sua música principalmente pela Europa e
pelos Estados Unidos
35
.
1.2. As multi-referências da Sonata
A Sonata para piano de Stravinsky tem três movimentos. Na presente dissertação, será
enfocado apenas o primeiro movimento.
Inicialmente, como primeira abordagem da obra, serão apontadas as possíveis referências
aos estilos e aos processos composicionais de outros compositores, presentes na obra. A partir dessa
primeira etapa, descrever-se-á como tais referências são absorvidas e transformadas pela visão
particular de Stravinsky.
Ao escrever uma sonata para piano no contexto da década de 1920, Stravinsky deparava
35
O sucesso de Stravinsky como intérprete se revela na quantidade de apresentações dadas pelo compositor nesse
período. Como assevera White: “Sua tournée de 1924 o levou a mais de doze cidades européias; e em 1925 ele
realizou sua primeira torunée americana, conseguindo um inegável sucesso em seu papel duplo de regente e
pianista” (In WHITE, 1991, p. 40).
51
com um amplo repertório cuja linguagem tonal havia sido consolidada incluindo as sonatas
clássicas e românticas escritas para o instrumento piano. Assim, ao escrever para piano, utilizando-
se de referências do passado, o compositor defrontava-se, inevitavelmente, com o procedimento
mais típico que se consolidou nas obras tonais para piano e, sobretudo, na formação orquestral: a
forma- sonata.
No entanto, curiosamente, a forma-sonata não é empregada na Sonata, sendo intrigante
mesmo que, embora o neoclassicismo do compositor aponte para uma aproximação estreita aos
modelos musicais clássicos, são poucas as obras do compositor que efetivamente empreguem tal
procedimento
36
.
Na verdade, o período da composição da Sonata é caracterizado, dentro da produção criativa
de Stravinsky, por um intenso envolvimento com a música Barroca, especialmente com a música de
Bach
37
. O próprio termo sonata remete-se mais a uma concepção barroca no sentido de uma música
que é “soada” em oposição a outra que é cantada a cantata do que uma referência às sonatas
clássicas ou românticas. Stravinsky afirma sobre o título da obra:
“Eu dei esse título sem, no entanto, me referir ao sentido clássico que nós
encontramos em Clementi, Haydn ou Mozart, o qual (como é geralmente
conhecido) é condicionado pelo uso do conhecido Allegro de sonata. Eu empreguei
o termo sonata em sua concepção original, sendo derivado de sonare, em oposição
a cantare, e sua derivação cantata. Conseqüentemente eu não me senti restringido a
forma que se tornou comum desde o final do século dezoito” (In WHITE, 1978,
p.321).
Nesse sentido, os principais modelos referenciais da Sonata remetem-se diretamente aos
modelos barrocos e pré-clássicos, tendo como inspiração direta a música de Johann Sebastian Bach
36
Straus confirma esta perspectiva quando afirma “... somente os primeiros movimentos da Sonata para dois pianos,
Octeto e Sinfonia em são, sem dúvida, forma sonata, contendo uma exposição com dois temas, desenvolvimento
e recapitulação”. (STRAUS, 1987, p. 142-143).
37
A influência da música de Bach se mostra fortemente presente no Octeto para instrumento de sopros (1922-23).
Stravinsky confirma tal perspectiva quando se refere à composição do terceiro movimento do Octeto: “As Invenções
a duas vozes de Bach estavam em algum lugar remoto de minha mente durante a composição do último movimento”
(STRAVINSKY apud VLAD, 1978, p. 84).
52
e Carl Philipp Emmanuel Bach. No entanto, como bem pontuou White, a Sonata também aponta
para um “retorno a Beethoven”, sendo verificável principalmente no segundo movimento,
Adagietto (Cf. WHITE, 1978, p.321). Além disso, é o próprio Stravinsky quem assevera ter
estudado as sonatas de Beethoven quando da composição de sua própria Sonata (Cf. VLAD, 1978,
p.88).
Tem-se assim, no primeiro movimento, uma referência direta a Beethoven. Tal referência foi
apontada por Casella
38
, qual seja: a apresentação da idéia inicial da Sonata se por duas linhas
melódicas idênticas, espaçadas na distância de duas oitavas. Tal singular configuração textural nos
remete à introdução da Sonata nº23, op. 57, “Appassionata” de Beethoven, em que é possível
verificar semelhante espaçamento entre as linhas melódicas:
38
Cf. CASELLA apud VLAD, 1978, p.88.
Figura 2: Compassos 1 e 2 da Sonata nº 23, op.57,
“Appassionata” de Beethoven.
Figura 1: Compassos 1 a 3 da Sonata
53
No entanto, é na aproximação dos procedimentos do período barroco e pré-clássico, que a
Sonata nos parece estabelecer diálogo mais direto e consistente.
Dessa forma, tanto é possível identificar na Sonata referências a procedimentos
característicos do período barroco como, por exemplo, e escrita polifônica, o contraponto e o
baixo-contínuo –, quanto detectar outras partes que nos remetem a uma escrita pré-clássica ou até
mesmo clássica, na forma de uma textura que se apresenta como melodia acompanhada.
No caso da aproximação com a música barroca, tem-se na Sonata uma referência direta à
música de Johann Sebastian Bach. Observa-se também a uma escrita polifônica, cujo tratamento
dado à construção das vozes assemelha-se muito à escrita do compositor alemão. Desse modo, as
peças que apontam para uma relação mais estreita com a Sonata de Stravinsky são As Invenções a
duas vozes de Bach. É o próprio Stravinsky quem afirma ter em mente As Invenções quando da
composição da Sonata: A concisão e a clareza das Invenções eram meus ideais naquela época, e
eu procurava manter aquelas principais qualidades nas minhas próprias composições” (In
STRAVINSKY, 1959, p.150).
As Invenções a duas vozes de Bach são peças escritas originalmente para cravo com a
intenção de propiciar ao jovem estudante seu desenvolvimento técnico na arte da imitação e na
condução de uma escrita a vozes. O fato de serem peças “didáticas”, escritas com “clareza” e
“concisão”, atraiu a atenção de Stravinsky
39
, pois eram estas as qualidades que pontuavam os
princípios de suas composições neoclássicas. Assim, é possível traçar um paralelo entre a escrita de
As Invenções e a Sonata, no que diz respeito principalmente a uma escrita contrapontística concisa e
a um emprego típico de uma textura barroca: a polifonia.
39
Stravinsky, da mesma forma, compôs as Cinco peças Fáceis (1917) com objetivos didáticos. Tais peças foram
escritas para servirem de lições musicais para seus dois filhos Theodore e Mika (Cf. VLAD, 1978, p.56).
54
É possível, ainda, apontar para outra referência direta à escrita barroca presente na Sonata.
Trata-se de uma das invenções mais importantes do período barroco: o baixo-contínuo. Na Sonata,
a linha do baixo apresenta movimentação rítmica constante ao longo de todo o movimento, sendo
interrompida apenas na cadência final da peça (compassos 158, 159 e 160). Sendo construída por
estruturas de arpejo, a linha do baixo alterna continuamente suas funções harmônicas,
caracterizando-se como uma camada que se permanece independente ao longo de todo o primeiro
movimento. Trata-se, assim, de uma reinvenção inteligente do baixo contínuo barroco.
Por outro lado, é possível identificar outra referência que se difere da escrita contrapontística
barroca e aproxima-se de uma textura típica do classicismo. Trata-se de uma textura de melodia
com estrutura de acompanhamento (compassos 13 ao 21). Assim, a linha melódica superior adquire
Figura 4: Reinvenção do baixo contínuo, compassos 15 a 18.
Figura 3: Referências à escrita barroca, Sonata, compassos 32 a 35.
55
função principal, hierarquicamente superior à linha inferior, o acompanhamento que, no caso, é a
própria referência ao baixo-contínuo barroco, condutor das funções harmônicas da peça. Desse
modo, na Sonata, pode-se notar que tal referência textural ao estilo clássico na apresentação do que
poder-se-ia chamar de primeiro tema da obra:
Contudo, a realização mais notável, no âmbito das referências da Sonata, encontra-se mais
no tratamento dado as mesmas, do que na mera apropriação desses estilos. A realização final deste
processo imitativo é o emprego de uma técnica específica de Stravinsky, que não poderia ser mais
típica do próprio idioma stravinskiano pensando-se aqui principalmente em sua fase russa –, qual
seja: a sobreposição de estruturas contrastantes.
Nesse caso, a linha melódica principal (referência à música do Classicismo) encontra-se
sobreposta à linha do baixo-contínuo (referência à música do barroco), configurando-se como uma
“colagem” de camadas estruturais extraídas de dois períodos diferentes. Trata-se aqui de um típico
pensamento em camadas que se encontram aglutinadas numa estrutura maior, através de um
processo de adição.
Figura 5: Tema com característica melódica, compassos 13 a 17.
56
Assim, ao verificar na Sonata imitações evidentes provenientes dos períodos barroco e
clássico - e até mesmo de Beethoven pode-se afirmar que tal obra foi escrita a partir de uma
multi-referencialidade, na qual estabelece diálogos constantes com modelos musicais do passado.
Entretanto, no que diz respeito ao tratamento dado as tais referências, detecta-se o emprego de
técnica que não poderia ser mais típica de Stravinsky, tal como a sobreposição de camadas. Assim,
tal afirmação, possibilita um novo olhar para a produção criativa de Stravinsky, sob uma
perspectiva mais global.
1.3. Exemplos de Centros no primeiro movimento da Sonata
Como anteriormente comentado (ver tópico sobre centros), uma das características
marcantes da música de Stravinsky é a estruturação de seu discurso sonoro em torno de
determinados centros. Analisaremos, por ora, como tais centros determinam a direcionalidade do
fluxo musical da Sonata.
Na Sonata, observa-se um eixo principal em torno da nota polar dó. Tal nota inicia e finaliza
o primeiro movimento, cuja função é a condução do discurso musical, de modo a se obter a própria
Figura 6: Sobreposição de linha melódica (referência ao classicismo)
e reinvenção do baixo-contínuo (referência ao Barroco), compassos 13 a 17.
57
unidade na composição (ver tópico sobre unidade). Verifica-se mesmo que seções inteiras que
aparentam estar na tonalidade de maior, demonstrando assim uma estreita ligação entre os
centros e as seções
40
. No entanto, não se pode afirmar que a peça esteja em determinada tonalidade,
pois, nesse contexto, as relações entre os centros não apresentam funções estritamente tonais, antes,
as conexões são obtidas por abruptas justaposições, como comentaremos adiante.
Tal eixo principal centro de sofre transformações e se conecta com outras notas que
polarizam o discurso, gerando, assim, a possibilidade de articulação formal entre as contrastantes
regiões harmônicas. Assim, embora em certos momentos seja possível detectar com maior precisão
determinada função tonal, o constante deslocamento de centros polarizadores e as falsas relações e
anti-neutralizações intrínsecas a estes contrastes não possibilitam a configuração de uma tonalidade.
Nesse contexto, a conexão entre os centros polares obedecem a técnicas específicas. Na
Sonata, identificamos dois procedimentos fundamentais de conexão entre as estruturas sonoras: a
justaposição, que se configura na dimensão horizontal; e a sobreposição, que se estabelece na
dimensão vertical.
A justaposição pode ser direta, sem nenhuma transição entre um segmento e outro. Nesse
caso, na ligação de um ponto se através de brevíssimas conexões, que por meio de uma nota
sensível conecta abruptamente dois segmentos musicais. Ver figura abaixo:
40
A polarização de uma nota estará fortemente vinculada à articulação de uma seção (como poderá ser verificado mais
adiante na análise formal da Sonata).
Figura 7: Justaposição de seções, compassos 21 a 22.
58
Neste exemplo, a passagem da região diatônica de maior a maior é realizada de modo
muito breve, através de um único acorde de sétima diminuta na última fração do compasso (c.21). É
de grande interesse observar que esta forma de conexão breve e de fundamento tonal ocorre
justamente entre trechos cuja funcionalidade tonal está suspensa por procedimentos de sobreposição
de camadas sonoras com funções diferentes (como será comentado e ilustrado a seguir), o que
demonstra um rico diálogo entre formas de conexão tonais e segmentos diatônicos, mas não
funcionalmente tonais.
O segundo procedimento importante utilizado na Sonata é a sobreposição entre duas
estruturas. Como anteriormente citado (ver tópico sobre referências), tal procedimento foi
amplamente empregado por Stravinsky em sua fase russa (Petrushka e A Sagração da Primavera).
A sobreposição ocorre quando duas ou mais camadas sonoras relativamente independentes uma da
outra se sobrepõem, resultando em novos agregados sonoros. Sobrepostas, estas camadas rompem
com a funcionalidade tonal, embora certa percepção da diatonicidade se mantenha
41
.
Na Sonata verifica-se, principalmente, uma sobreposição particular. As camadas sobrepostas
são diatônicas. Elas ocorrem simultaneamente, sem, no entanto, apresentarem correspondência
harmônica funcional. um verticalismo diatônico em constante deslocamento de fase, o qual não
permite uma coincidência harmônica entre as vozes superiores e inferiores do piano. (ver figura 8).
41
A sobreposição poder ser comparada a certos procedimentos da pintura cubista, no que se refere à expansão da
concepção do espaço e no rompimento da perspectiva como base de criação para a pintura.
Figura 8: Sobreposição de funções harmônicas deslocadas, compassos 13 a 16.
59
Trata-se de um caso de simultaneidade de funções harmônicas que sempre são apresentadas
em deslocamento de fase, pois tais funções não coincidem na sua forma de linha melódica e
acompanhamento. Temos, assim, a voz inferior que apresenta um acorde de maior (I grau, no
contexto estritamente tonal), que se sobrepõe a voz superior, que apresenta sol maior (V grau).
Dessa forma, temos uma harmonia entre tônica e dominante que não se “tocam” no plano vertical
harmônico resultando em outras combinações diatônicas. Interessante ressaltar que apesar das
vozes terem funções estruturais claras, a superior de melodia, e a inferior, de acompanhamento, a
sobreposição de funções harmônicas gera independência entre elas. Dessa forma, tal independência
resulta em novas qualidades sonoras tanto pela perda geral de função tonal – o que permite perceber
as coincidências harmônicas de modo diferenciado quanto pela significativa produção de outro
tipo de textura musical, uma textura que se configura mais como em camadas do que como uma
melodia e acompanhamento ou uma polifonia. Temos, assim, procedimentos que se aproximam
mais das técnicas empregadas nas obras do período russo.
1.4. Considerações sobre a Forma
Ao analisar a forma do primeiro movimento da Sonata, a primeira impressão que se
sobressalta é a própria visão aguda de Stravinsky no que diz respeito à organização formal da peça.
Percebe-se evidente preocupação por parte do compositor em alcançar consistente equilíbrio entre
as seções, que, por sua vez, se articulam de modo a resultarem em uma clara construção formal.
Como colocado anteriormente (ver tópico sobre centros), não se está defronte a um contexto
estritamente tonal, o que necessariamente implicaria numa forma determinada pela direcionalidade
das funções tonais. Diferentemente, o discurso harmônico da Sonata é prescindido de relações
60
estritamente tonais, o que resulta numa organização formal que nasce das interações entre as
estruturas (seções) contrastantes, que são justapostas no tempo musical. É o próprio Stravinsky
quem define a organização da forma como o “resultado da discussão lógica dos materiais musicais”
(STRAVINSKY, 1984, p.13).
Para criar essa “discussão lógica” é necessário inevitavelmente definir com precisão as
estruturas que estabelecerão tal “diálogo”. Assim, no diz que respeito à forma, as seções da Sonata
são construídas de modo a preservarem suas características particulares, resultando desse modo em
uma clara delimitação de cada seção da peça. Stravinsky confirma esta perspectiva quando afirma:
“A forma não pode existir sem uma espécie de identidade” (STRAVINSKY, 1984, p.17).
Para afirmar a “identidade” de cada seção
42
, Stravinsky ressalta determinado(s) parâmetro
(os), que funcionam como elementos estruturadores de certa seção. É possível, assim, identificar
com clareza, no contexto da Sonata, as configurações específicas das seções, tendo como possíveis
parâmetros articuladores a dinâmica, a harmonia, a polarização de determinado centro, o modo de
ataque e a textura.
Tais configurações específicas são organizadas de modo a gerar relações de oposição e
semelhança entre as seções, delimitando, assim, o início e término de cada uma das mesmas. Desta
feita, uma seção se diferencia de outra ao afirmar determinado parâmetro, ou, por outro lado,
mantendo a mesma característica de uma seção anterior. Tem-se, dessa maneira, eficiente
mecanismo de conexão entre as partes formais. Assim, embora nesse tipo de construção formal os
contrastes sejam determinantes, a permanência de certo parâmetro é ferramenta de igual
importância para a conexão das idéias musicais opostas, pois contribui decisivamente para a coesão
formal.
Embora seja possível verificar claramente o início e término de cada seção, bem como suas
características marcantes, a Sonata não apresenta um desenho formal fragmentado, caracterizado
por interrupções bruscas como apresentam, por exemplo, muitas das composições do período
42
Tal necessidade de se afirmar a “identidade” das seções, relacionando-as por meio de permutações e variações
revela um pensamento formal vinculado estreitamente com a escrita em blocos, procedimento típico da fase russa de
Stravinsky.
61
russo. Isso se deve principalmente a um procedimento muito simples: um emprego de uma
movimentação rítmica constante que perpassa os diferentes aspectos musicais de cada seção e que
funciona como elemento de conexão entre os contrastes das partes. Assim, temos uma característica
típica das obras neoclássicas de Stravinsky, presente notoriamente na Sonata, e que a diferencia das
obras do período russo: uma maior continuidade no desenvolver do discurso sonoro, o que resulta
numa organização formal cujas partes apresentam maior nível de conexão.
A Sonata apresenta, em sua forma geral, cinco seções principais, às quais indicaremos pelas
letras maiúsculas ABCDE, tendo como parte conclusiva a seção E. As seções são interpoladas umas
as outras, podendo apresentar diversas aparições. Assim, a seção A e B m quatro aparições no
total; s seção C é apresentada duas vezes; a seção D e E têm apenas uma única aparição. Para um
olhar mais aprofundado de cada seção, descreveremos brevemente as características e funções
estruturais de cada uma delas.
A Seção A tem papel fundamental na organização formal da Sonata. Sua idéia musical é
caracterizada pela movimentação rítmica de tercinas que realizam contornos cromáticos, reforçadas
igualmente pela voz superior e inferior do piano (na distância de duas oitavas). A seção A faz
interpolação com as outras demais seções, sendo apresentada quatro vezes: A1, A2, A3 e A4. Tal
seção tem a função de eixo estruturador da peça, pois funciona como referência para a articulação
formal das outras seções. Desse modo, a seção A é apresentada identicamente no início (A1,
compassos 1 a 12) e no final da obra (A4, compassos 149 a 157), ambas reforçando o centro tonal
de dó. Tem-se também importante aparição exatamente na metade da peça (A3, compassos 81 a
88), só que agora alterada em meio tom (si) com relação à aparição original. Tal aparição na metade
da obra é de fundamental importância para o equilíbrio formal da peça, pois articula e determina a
relação entre as demais seções
43
. Há, ainda, outra aparição, em que a seção A é apresentada com
modificações, numa textura típica contrapontística (A2, compassos 41 a 50).
43
Tal procedimento formal pode ser encontrado em duas obras ainda do período russo, na Sagração da Primavera
(1913), quando a idéia musical da introdução é retomada em meio tom abaixo de sua aparição original (n°12 da
partitura), e na Sinfonias para Instrumentos de Sopros (1920), quando , da mesma forma, a idéia musical inicial
retorna em meio tom baixo do original (nº 9 da partitura).
62
A seção B apresenta estrutura mais tipicamente temática da Sonata. Sua característica
principal é o diatonismo, cuja configuração textural se por linha melódica com estrutura de
acompanhamento. Inicialmente apresentada como B1 (compassos 13 a 31), será repetida com
modificações em B2 (compassos 51 a 71), B3 (compassos 89 a 103) e B4 (compassos 126 a 136).
As seções B possuem elementos temáticos que mais sofrem variações ao longo da peça,
apresentando também importante função dentro da forma, pois a seção B, como foi dito acima, é
a estrutura temática mais característica. Assim, tem-se em B a confirmação do centro de
consolidando tal centro como principal da peça - pois quando B4 é apresentado, ele confirma a
polarização da nota (eixo central da peça), diferentemente do que havia acontecido em sua
primeira aparição (B1), cuja polarização é alternada em torno da nota dó e ré.
A característica fundamental da seção C é a sua textura contrapontística. Tal seção é a que
mais se aproxima das referências barrocas, principalmente devido ao processo de imitação entre as
vozes. Apresenta apenas duas aparições C1 (compassos 32 a 40) e C2 (compassos 137 a 140), que
são apresentadas sempre após uma seção B.
A seção D, compassos 104 a 125, tem apenas uma aparição e configura-se como variações
de elementos da seção B. Ela tem a forma textual de melodia e acompanhamento e sofre contínuas
variações harmônicas, o que resulta em uma seção de acentuada ambigüidade harmônica. Não
centros claramente definidos. No aspecto formal, é uma seção de transição, pois se situa ente duas
seções B, tendo assim a função de conectar as variações temáticas de B.
Por fim, a seção E (compassos 158 a 160) a mais curta da peça. É a última seção da peça,
apresentado assim função conclusiva. Dessa forma, para funcionar como estrutura conclusiva da
peça, a seção E interrompe o fluxo rítmico constante da obra, ao aumentar a duração de seus quatro
acordes finais e, ao mesmo tempo, reafirma a polarização da nota central dó, por meio de uma
cadência conclusiva sobre a mesma.
A partir do exposto acima, é possível sintetizar as características de cada seção na forma do
quadro abaixo:
63
Seção Característica
A Idéia musical cromática apresentada na distância
de duas oitavas
B Linha melódica diatônica com estrutura de
acompanhamento
C Textura contrapontística, linhas confrontam-se
entre si, presença de falsas-relações
D Fragmentos de B em diferentes centros tonais
E Cadência conclusiva no centro de Dó
Tabela 2: Características das seções da Sonata
64
Importante ainda ressaltar como as seções se relacionam no contexto geral da obra. Ao
demarcar nitidamente as características das seções, Stravinsky estabelece como relação entre as
mesmas o princípio de oposição entre contraste e similaridade. Para poder desenvolver a forma
musical, sem se utilizar do princípio de desenvolvimento e progressão tonais, Stravinsky emprega a
permutação e adição das seções que são ordenadas e reagrupadas de forma a construírem uma
unidade formal. Assim, cada seção é somada outra, realizando-se um processo de justaposição
44
. No
gráfico abaixo é possível ver como as seções são intercaladas, realizando a arquitetura formal da
peça.
Gráfico 1: Forma geral das seções musicais na Sonata
44
Tal procedimento guarda estreita ligação com a organização formal da música de Stravinsky do período russo, onde a
forma resulta da justaposição de blocos sonoros e da estruturação de camadas contrastantes. Contudo, não temos na
Sonata um discurso marcado por interrupção e fragmentação do discurso sonoro, como será mais adiante comentado.
A1
A
3
A
4
B
1
B
2
B
4
C
1
C
2
D
E
B3
A2
65
Como anteriormente citado, a escrita em seções que se sucedem por justaposição ou
permutação rompe com a direcionalidade harmônica da música tonal, impedindo a conexão dos
segmentos sonoros por meio da funcionalidade tonal. No entanto, a música de Stravinsky guarda
semelhante princípio à música tonal, no que diz respeito à associação entre centro tonal e a
organização formal.
Assim, na Sonata, a polarização de determinado centro estrutura a articulação de uma seção,
estabelecendo conexão ou contraste, o que evidencia uma nítida vinculação entre centros polares e a
forma. Tal perspectiva é confirmada pela própria afirmativa de Stravinsky quando ressalta sobre a
questão: “Um sistema de centro tonais ou polares só nos é dado com o objetivo de alcançar uma
certa ordem o que significa, para ser mais preciso, forma, a forma em que culmina o esforço
criativo” (STRAVINSKY, 1996, p. 45).
Desse modo, fica evidente que a busca por ordenação na música do compositor se realiza a
partir de uma organização sonora alicerçada torno de centros que, por sua vez, funcionam como
articuladores das seções formais. Assim, cada uma das seções da Sonata apresenta centros tonais
que podem variar em um ou dois pólos atrativos, tendo como exceção apenas a seção D, que
apresenta uma maior variedade de centros tonais. Uma visualização do gráfico abaixo evidencia a
correspondência entre os centros tonais e as seções:
66
Seção Compassos Centro tonal
A1 1-12
B1 13-31 Dó e ré
C1 32-40 Mi e lá
A2 41-50
B2 51-80 Si e mi
A3 81-88 Si
B3 89-103 Si e mib
D 104-125 Lá, mib, sol#, sol nat.
B4 126-136
C2 137-148 Ré e dó
A4 149-156
E
Cadência final
157-160
Tabela 3: Correspondências entre os centros polarizadores e as seções na Sonata.
67
A partir da análise do gráfico é possível apontar um paralelo no que diz respeito à
organização formal da Sonata e modelos referências do passado. Em síntese, a forma musical
empregada por Stravinsky nesta Sonata realiza uma releitura das árias em ritornello barrocas, como
podem ser encontradas em Vivaldi e Bach, por exemplo, e que, posteriormente se desenvolverão,
estabilizando-se na forma sonata clássica. Nestas árias em ritornello uma idéia musical (como um
estribilho, que no caso da Sonata de Stravinsky é a seção A) aparece na tônica (no caso da Sonata
aparece em dó). Posteriormente segue-se um segmento modulatório que pode ser uma transição
típica ou uma sucessão de seqüências harmônicas (e que no caso da Sonata são os primeiros
segmentos B e C, podendo-se incluir aí também os segmentos A, em lá, e B que se seguem, todos
estes segmentos se afastando de reparar que o primeiro B começa exatamente em para
então afastar-se deste centro). Surge então uma reaparição da idéia musical inicial, o estribilho,
geralmente na dominante e de forma incompleta (no caso Stravinsky segue exatamente o modelo ao
reapresentar A de forma incompleta e polarizando agora a nota si). Surge então outro segmento
modulatório, geralmente com passagens harmônicas explorando outras regiões tonais, em diversos
casos a região da subdominante (na Sonata estas são as seções B, D, B, C, sendo a seção D a de
maior variação de notas polarizadas reparar que novamente o primeiro B polariza a nota si, que é
a nota polarizada do A imediatamente anterior, e que então se distancia a outros centros para
posteriormente aparecer em dó). Finalmente nas árias em ritornello barrocas reaparece o estribilho,
agora novamente na tônica (Stravinsky, da mesma maneira, reapresenta a seção A polarizando a
nota dó). Segue-se então, na Sonata, uma cadência que confirma o centro e conclui o
movimento. O paralelismo entre as árias em ritornello barrocas e a Sonata de Stravinsky é
verificável sob diferentes aspectos, e confirma uma releitura rica desta forma barroca na
organização formal realizada por Stravinsky.
68
1.5. Texturas
As texturas apresentam importante papel dentro da configuração estrutural da Sonata. Ao
analisar-se atentamente a partitura, percebe-se uma especial sensibilidade para com a organização
das idéias musicais, inseridas no tempo musical, o que resulta numa ampla riqueza textural.
Na Sonata, as construções texturais ganham função estrutural, estabelecendo assim função
central na construção da peça. Da mesma forma que os centros tonais, as texturas são estreitamente
ligadas as seções. Como estas guardam características específicas ente si, as texturas acompanham
as seções, transformando-se à medida que uma seção se modifica. Dessa forma, a articulação formal
é acompanhada conseqüentemente por transformações texturais.
Portanto, a partir da análise da obra, podemos elencar quatro tipos diferentes de texturas
presentes na Sonata, que serão descritas na tabela abaixo:
nº da textura Textura Característica
1 Uníssono Vozes em oitavas
paralelas
2 Contraponto Voz contra voz
3 Melodia com
acompanhamento
Hierarquia entre as
vozes
4 Homofonia Acordes
Tabela 4: Texturas na Sonata
69
Como cada textura apresenta características particulares, para melhor efeito de análise,
descreveremos separadamente os quatro tipos de texturas presentes na Sonata.
a) Textura n °1 : Uníssono (oitavas paralelas)
O primeiro exemplo de textura está vinculado estreitamente com as aparições da seção A.
Será, assim, uma das características principais desta seção: uma idéia musical, composta por saltos
melódicos, que é reforçada por duas oitavas abaixo no grave. Nesse caso, uma coincidência
plena da voz superior e inferior.
No entanto, a cada aparição de A, tal textura sofre modificações, transformando-se no ao
longo da peça em outras novas texturas. Assim, a textura nº1 tanto poderá tornar-se uma textura “a
vozes”, quanto uma textura tipo melodia e acompanhamento. Apenas por uma vez será mantida a
forma original, na reapresentação de A (compassos 149 a 152).
A segunda aparição da seção A, conforme mencionado acima, apresentará modificações em
relação à textura original. Nos compassos 41 a 44, a idéia musical de A retorna na voz superior,
Figura 9: Exemplo de textura n°1, oitavas paralelas, compassos 1 a 5.
70
enquanto na voz inferior, inicia-se um diálogo contrapontístico. Desse modo, nessa segunda
aparição de A, a textura se apresenta na forma de contraponto, em uma referência direta à música
do período barroco.
Na terceira aparição de A, compassos 81 a 89, a textura original é mantida como na primeira
aparição, porém com pequenas notas modificadas. Gradualmente, no entanto, a voz inferior se
desprende da voz superior, assumindo função de acompanhamento. A voz superior, por sua vez,
começa a se destacar e assume o papel de melodia principal, caracterizando-se assim, como uma
nova textura para esta seção: melodia e acompanhamento.
Figura 10: Segunda aparição de A, textura contrapontística, compassos 41 a 44.
71
Figura 11: Transformação de texturas em A3, compassos 81 a 89.
Dessa forma, a seção A da Sonata apresenta-se diretamente identificada com a primeira
textura exposta: aparição de uma idéia reforçada por oitavas. Tal seção, no entanto, sofrerá
transformações texturais ao longo de toda a peça, o que nos permite apontar para uma
direcionalidade de texturas, estreitamente vinculada a organização formal da peça.
72
b) Textura n° 2: contraponto
A Seção C é caracterizada pela textura contrapontística. Esta seção é a que mais se aproxima
de uma escrita barroca, principalmente das Invenções a duas vozes de Bach. Sua característica
principal é a imitação. A textura de contraponto aparece rapidamente nos cinco compassos iniciais
da Seção C1 e nos oito compassos de C2.
Além das seções C1 e C2 citadas acima, é possível encontrar diversos fragmentos de
texturas contrapontísitcas ao longo de todo movimento. No entanto, por não se configurarem como
seções específicas, tratam-se apenas de referências fragmentárias ao estilo barroco.
Figura 13: Aparição de C2, textura contrapontística, compassos 130 a 133.
Figura 12: Aparição de C1, textura contrapontística, compassos 32 a 35.
73
c) Textura n° 3: melodia e acompanhamento
A textura n°3, caracterizada pela melodia e acompanhamento, é a textura predominante da
Sonata. Ela aparece fundamentalmente nas seções B e D. Enquanto a textura n°2 é uma referência
extraída da música do período barroco, a textura n°3, por sua vez, apresenta referência típica da
música clássica (entenda-se música do século XVIII): a estrutura textual de melodia e
acompanhamento.
Assim, todas as aparições das seções B são caracterizadas por apresentem uma linha
melódica que se configura a partir de uma hierarquia superior, reforçada por uma estrutura de
acompanhamento. Podemos mesmo afirmar que B1 seria o “tema” principal da Sonata.
As respectivas aparições B2, B3 e B4 são igualmente exemplos típicos de melodia e
acompanhamento com variações melódicas e harmônicas, a partir de B1. A seção D, sendo uma
variação modificada de B, também apresenta textura melodia e acompanhamento, porém com a
exposição de novo material harmônico.
Figura 14: Aparição da seção B, textura de melodia e acompanhamento,
compassos 15 a 18.
74
d) Textura n ° 4: homofonia
A textura homofônica restringi-se apenas aos três últimos compassos da peça: a cadência
final. Esse é o único momento de textura homofônica em todo o primeiro movimento da Sonata,
que se apresentados apenas nos últimos quatros acordes da peça.
A textura n°4 é mais inesperada de todo o movimento. Após ocorrer constantes
transformações texturais, inseridas dentro de uma contínua movimentação rítmica, tem-se uma
brusca interrupção por meio de uma cadência final sobre a nota dó. Assim, claramente que não é
por acaso que, no exato momento em que o compositor quer “frear” uma movimentação rítmica
constante - que se fez característica em toda a peça -, ele se utiliza de uma acentuada e brusca
modificação textural, congelando assim esse fluxo tmico por meio de uma pequena seqüência de
acordes, configurados numa cadência final.
Figura 15: Aparição da seção D, textura de melodia e
acompanhamento, compassos 104 a 106.
75
Dessa forma, pode-se verificar que as texturas apresentadas na Sonata, além de
estabelecerem diálogo direto com a tradição na forma típica de texturas dos períodos barroco e
clássico –, estão formalmente ligadas às seções das peças, ou seja, cada seção apresenta uma textura
específica, que determina sua identidade como área musical particular. Elas ajudam a compor o
equilíbrio formal da Sonata, articulando partes e conjugando as seções.
Figura 16: Cadência final da Sonata,
compassos 158 a 160.
76
1.6. Considerações finais sobre a Análise da Sonata
A partir da abordagem analítica da Sonata para piano de Stravinsky, podemos identificar
determinados procedimentos que lançaram luz sobre importantes questões dentro do contexto
neoclássico do compositor.
Constatou-se que procedimentos como justaposição, sobreposição e polarização são
empregados na Sonata, com o objetivo de construir novas propostas sonoras que se estabelecem a
partir de um constante diálogo com a tradição. A multi-referencialidade presente na Sonata é uma
característica marcante da obra, pois a partir de múltiplos exemplos da tradição, tais como escrita
imitativa, linha melódica mais estrutura de acompanhamento, baixo-contínuo, entre outros,
Stravinsky constrói sua organização musical, por meio de princípios como contraste, repetição,
permutação e variação.
O tratamento dados às texturas na Sonata é de fundamental importância para a melhor
compreensão de como Stravinsky organiza e articula as seções da peça. As texturas são claramente
caracterizadas em cada seção, podendo, no entanto, sofrer transformações no decorrer da peça,
apontando para uma direcionalidade de texturas. Assim, por exemplo, quando a seção A se
direciona para outra seção, ela realiza esse processo por meio de uma transformação em sua
estrutura textural
45
, podendo ora caminhar para uma textura típica de contraponto, ora para uma
textura tipo melodia e acompanhamento. Poderemos chamar, assim, esse processo de modulação
textural, ou seja, uma textura que se transforma em outra no momento exato de uma modificação de
seção. Dessa forma, tem-se uma ligação inequívoca entre a organização textural e a direcionalidade
formal da obra.
No aspecto formal, Stravinsky estabelece um rico diálogo com as árias em ritornello
barrocas, tanto na sucessão dos segmentos musicais, quanto na organização das notas polarizadas e
nas funções de diferentes segmentos dentro desta forma.
45
Lembrando que outros parâmetros também são utilizados para demarcar o início e término de cada seção (ver tópico
sobre centros).
77
Abaixo sintetizamos um quadro com todas as características discutidas na presente análise,
que evidencia a correspondência direta entre os centros tonais/ texturas e as seções da obra.
Seção Compasso Centro tonal Textura
A1 1-12 Uníssono
B1 13-31 Dó e ré Melodia acompanhada
C1 32-40 Mi e Lá Contraponto
A2 41-50 Uníssono
B2 51-80 Si e Mi Melodia acompanhada
A3 81-88 Si Uníssono
B3 89-103 Si e mib Melodia acompanhada
D 104-125 Lá,mib,sol# e sol nat. Melodia acompanhada
B4 126-136 Melodia acompanhada
C2 137-148 Ré e dó Contraponto
A4 149-157 Uníssono
E 159-160 Homofonia
Tabela 5: Quadro geral com as características das seções na Sonata
A análise da Sonata revela interessantes procedimentos neoclássicos de Stravinsky que
evidenciam algumas preocupações centrais de seu pensamento composicional. Ao entrar em contato
com a tradição, Stravinsky busca dialogar com passado, recriando caminhos e reordenando aspectos
musicais díspares. Ao reinventar linguagens musicais do passado, reinventa a própria tradição.
78
2. Análise do primeiro movimento do Capriccio para orquestra (1929)
2.1 O Capriccio inserido dentro do neoclassicismo de Stravinsky
O Capriccio para piano e orquestra foi escrito entre 1928 e 1929, revisado posteriormente
em 1949. Precedido pelo O Beijo da Fada (1928), e por Apollo (1928), Capriccio pertence ao grupo
de obras escritas para piano e diversas formações, compostas por Stravinsky ao longo de toda a
década de 1920, quais sejam: Concerto para piano e instrumentos de sopros (1923-24), Sonata para
piano (1924), Serenata para piano (1925), Capriccio para piano e orquestra (1928-29). As possíveis
causas desta predileção pelo piano, nessa fase, foram descritas anteriormente na análise da Sonata
(ver Análise da Sonata).
Após o sucesso de seu concerto para piano de 1924
46
, Stravinsky sentiu a necessidade de
escrever uma nova obra para piano e orquestra. Em 1928, ele iniciou a composição de um novo
movimento para piano e orquestra, o qual ele chamou de allegro capriccioso, tornando-se mais
tarde o último movimento da peça. Este movimento acabou por dar o título à obra – Capriccio.
O termo Capriccio (Capricho) refere-se a uma composição que não apresenta uma forma
específica, ficando sujeita, assim, a uma maior liberdade formal. Stravinsky assevera sobre o
significado do termo: “Eu tinha em mente a definição de capriccio dada por Praetorius, famosa
autoridade do século XVIII. Seu significado (referindo-se ao Capriccio) é sinônimo de fantasia,
sendo uma forma livre feita de passagens instrumentais em fugato” (In VLAD, 1978, p. 91). No
entanto, notaremos a partir da análise que a forma da obra apresenta uma organização interna muito
bem estruturada, colocando o aspecto capriccioso” muito mais para a uma escrita melódica,
improvisatória e “livre” do que propriamente para a construção formal.
O período da composição do Capriccio é marcado por uma aproximação direta com a
46
Stravinsky interpretou o seu próprio concerto para piano (1924) aproximadamente quarenta vezes, apresentando-se
tanto na Europa quanto nos Estados Unidos (Cf. WHITE, 1978, p.365).
79
música de Tchaikovsky. Stravinsky havia trabalhado diretamente com a música desse
compositor, em obra anterior, O Beijo da Fada (1928) além de uma influência constante em suas
primeiras obras (ver tópico Stravinsky e a Tradição). Tal obra é baseada em canções e peças para
piano de Tchaikovsky
47
, e revela não a admiração e simpatia de Stravinsky por esse compositor
russo, como também a intenção de se escrever nova música que se inspirasse nas características
similares da música de Tchaikovsky.
Dessa forma, tem-se na partitura do Capriccio uma forte vinculação com a música de
Tchaikovsky, mais especificamente nos contornos das figurações motívicas e na construção das
linhas melódicas
48
. Trata-se assim de um interessante retorno ao Romantismo, em meio à
consolidação das técnicas neoclássicas de Stravinsky.
No que diz respeito ainda às referências presentes no Capriccio, nota-se uma aproximação à
música de Carl Maria von Weber, sobretudo, em suas sonatas para piano e em seu concerto para
piano (Cf. VLAD, 1978, p.91).
Assim, semelhante à Sonata, e naturalmente por tratar-se de composições neoclássicas, é
possível encontrar no Capriccio referências aos modelos musicais da tradição. Contudo,
diferentemente do que visto na Sonata cujas multi-referências nos remetia aos vários períodos da
história da música – no Capriccio, verifica-se a predominância de referências aos estilos do período
romântico, o que inevitavelmente aponta para uma nova direção na produção neoclássica de
Stravinsky, confirmando assim a perspectiva de que o neoclassicismo do compositor se manifesta
muito mais como uma releitura de toda a história da música do que meramente um retorno apenas
aos estilos do Classicismo do século XVIII.
Além disso, tem-se um tratamento diferente no que diz respeito às referências encontradas
na Sonata e no Capriccio. Na Sonata, como visto anteriormente, as referências apresentam-se mais
claramente constituídas e localizadas na música de Stravinky: a escrita contrapontísitca, a
“reinvenção do baixo contínuo”, as texturas típicas do classicismo; no caso do Capriccio,
47
O Beijo da Fada (1928) é a peça que melhor representa uma constante e profunda admiração de Stravinsky por
Tchaikovsky, seu compositor russo favorito.
48
Cf. WHITE, 1978, p.355.
80
diferentemente, as referências são absorvida por uma linguagem que se faz mais orgânica e menos
fragmentada estilisticamente falando. Assim, no Capriccio o tratamento dado as referências de
Tchaikosvky e de Weber citadas acima, apontam para uma nova forma de apropriação da tradição.
Tem-se ainda outra característica marcante no Capriccio, que, na verdade, se revelará
mesmo com uma transformação na própria linguagem neoclássica de Stravinsky.
Ainda que as algumas características típicas da fase russa interrupções abruptas, asperezas
harmônicas, descontinuidade e fragmentações possam ser detectadas ao longo da produção da
música neoclássica, a partir do final da década de 20, observa-se, na produção de Stravinsky, uma
transformação na linguagem do compositor, revelando-se assim numa música menos fragmentada e
interrompida, cujas quebra e mistura de estilos praticamente desaparecem, dando lugar a uma
linguagem mais orgânica e contínua.
Tais características são evidentes em Apollo (1927), obra na qual Stravinsky se afasta
radicalmente de todo o seu lado “dionisíaco”
49
. A partir disso, algumas posturas do compositor,
mais uma vez, não deixam de ser surpreendentes, pois após negar veementemente ao longo da
década de 1920 a escrita para cordas – na intenção de se evitar associações diretas às sonoridades da
música do período romântico Apollo surge como a retomada vitoriosa da escrita para cordas na
forma de um balé com temática clássica, composto apenas e exclusivamente para orquestra de
cordas. Além disso, a obra transpira uma “serenidade” e “tranqüilidade” que contrasta
acentuadamente com a linguagem radical típica do compositor. Tal tendência se acentuará ao longo
de toda a década de 1930, como afirma Walsh: “Tomados como um todo, os anos de 1930 têm sido
vistos geralmente como o período menos 'aventureiro' de Stravinsky e, com boa razão, desde então
muito pouco nessa música daquele espírito radical o qual tem sido associado a ele [Stravinsky]
por duas décadas...” (In WALSH, 1988, p. 161).
Assim, inserido no início dessa fase “apolínea”, o Capriccio aponta para uma significativa
transformação na escrita neoclássica do compositor, sobretudo, uma tendência que se consolidará
49
Apollo também revela uma tentativa de “exorcização” do folclore russo tão fortemente arraigado em Stravinsky.
Stravinsky afirma sobre a composição de Apollo: “Eu tentei descobrir um melodismo livre do folclore em Apollo (In
STRAVINSKY & CRAFT, 2002, p.166).
81
nas obras posteriores da década seguinte: Concerto para violino (1931), Duo concertante (1932),
Concerto para dois pianos (1932-35), Jogo de Cartas (1935-36), Dumbarton Oaks (1937-38) e
Sinfonia em Dó (1938-40). Walsh confirma esta perspectiva quando afirma que o Capriccio “servirá
de modelo a todas as outras obras escritas na década de 30” (1988, p. 161).
82
2.2. Considerações sobre a forma
O Capriccio apresenta três movimentos: presto, andante rapsódico, allegro capricioso ma
tempo giusto. Será analisado, neste presente trabalho, apenas o primeiro movimento da obra
50
.
Embora a própria palavra capriccio remeta a uma composição musical cuja forma é tratada
mais livremente, é possível verificar no Capriccio uma construção formal bastante coesa e
equilibrada, preocupação constante na poética de Stravinsky, como já visto anteriormente.
A organização formal da obra se fundamentalmente pela justaposição das seções,
guardando, assim, o pensamento formal típico da fase russa do compositor. No entanto, encontra-se
no Capriccio característica singular dento do contexto neoclássico de Stravinsky, pois as seções são
conectadas de forma a criar uma condução musical mais contínua, sem interrupções acentuadas
embora os contrastes permaneçam presentes. Tal continuidade resulta numa articulação formal
menos fragmentada, embora mesmo assim as seções musicais guardem suas características
particulares, podendo ser claramente distinguidas.
As seções, a exemplo da Sonata, apresentam características bem definidas, construídas a
partir de aspectos harmônicos, melódicos, motívicos, texturais e instrumentais. Há, também,
referências constantes de materiais entre as seções, tendo a seção inicial como estrutura principal
que interliga elementos de todas as outras seções.
O princípio que conecta as seções é o de oposição entre elementos estruturais. Temos assim,
uma linguagem que se desenrola não pelo desenvolvimento de elementos temáticos, mas sim pela
justaposição de idéias musicais que se contrastam em seus parâmetros. Por exemplo, quando uma
seção apresenta determinada linha melódica com ritmos irregulares, enfatizando acentos no registro
grave, a seção posterior apresenta melodia cantabile, com ligadura, no registro agudo. Dessa
simples relação de oposição, Stravinsky constrói relações mais complexas que se distribuem por
todas as seções da obra, criando assim diferentes associações entre as partes formais da peça.
50
Sendo assim, todas as vezes que nos referirmos ao termo Capriccio, estaremos tratando do primeiro movimento.
83
O Capriccio apresenta organização formal bastante clara. Sua macro forma é composta por
três grandes partes, subdivididas em 6 seções. também um prolongamento final coda que
apresenta função conclusiva.
Para melhor identificar as partes formais, indicaremos cada seção por letras maiúsculas (A,
B, C, D...) e a subdivisão das mesmas por meio de minúsculas (a,b,c,d,...). Para diferentes idéias
inseridas dentro das seções, utilizaremos a numeração (a1, a2, a3), de forma que se possa
diferenciar os contrastes dentro das seções.
Assim, pode-se elaborar a organização formal do Capriccio da seguinte maneira:
Primeira parte: seção A;
Segunda parte: seções B, C, D, E, F e codetta;
Terceira parte: reapresentação da seção A mais coda final.
A primeira parte é composta pelo que chamamos de seção A. Tal seção é formada por duas
subseções menores que chamaremos de a1 e a2. O par a1a2 é apresentado duas vezes, tendo uma
relação de forte contraste entre si
51
. Em sua segunda aparição, a1 sofre variações de ordem
harmônica, enquanto a2 é variado em sua instrumentação.
Temos, assim, o seguinte gráfico:
Seção A: a1a2/a1´a2´
Gráfico 2: Organização formal da primeira parte (seção A)
51
A relação de oposição entre estruturas contrastantes será determinante em todo o Capriccio.
84
Como antes mencionado, a relação entre as subseções (a1a2) é de forte contraste. Assim,
tem-se a aparição de a1, marcada por quatro características básicas que funcionam como elementos
estruturadores para toda a obra: figuração escalar (modo frígio), ataques curtos e incisivos em
dinâmica forte, trinado e polarização no intervalo de segunda menor mi-fá; por outro lado, a
aparição de a2 é tipificada por estrutura de arpejo, linha melódica em legato, sob a dinâmica piano.
figura 17: subseção a1, compassos 1 a 4.
Assim, apresar de a1 e a2 serem contrastantes, são semelhantes em suas terminações, pois
em ambos a1 e a2, a mesma estrutura finaliza as subseções: acordes sobrepostos de tônica e
dominante, que se diferenciam apenas em sua forma de ataque – em a1 o acorde é apresentado com
ataques curtos em sff e em a2 o acorde é sustentado em piano.
85
figura 18: Seção A, subdivida em a1 e b1
86
figura 19: Seção A, subdivida em a2 e b2
87
Verifica-se que a seção A tem função estrutural fundamental para a organização formal do
Capriccio, pois os elementos estruturais de todas as seções posteriores se relacionam diretamente
com os mesmos da seção A (tanto de a1 quanto de a2). Tem-se, ainda, uma reapresentação da seção
A no final da peça (a qual chamamos de terceira parte), transposta para outra harmonia
52
, garantindo
assim a sua importante função formal. Da mesma forma, o prolongamento final da peça a coda –,
também é derivado do material da seção A, mais precisamente da subseção a2.
Após a introdução (seção A), segue-se a segunda parte, que é composta pelas seções
B,C,D,E,F e pela seção que conclui essa parte intermediária da obra, a qual chamaremos de codetta.
Tal segunda parte caracteriza-se por repetições, variações e permutações entre as diferentes seções.
freqüentes recorrências e empréstimos estruturais entre uma seção e outra (motivos, arpejos,
escalas, texturas), embora as características próprias de cada seção permaneçam preservadas.
Dentro das seções, os materiais estruturais (linhas melódicas, fragmentos escalares, arpejos)
sofrem contínuas transformações. Para propiciar conexão entre as seções e subseções, Stravinsky
reapresenta materiais recorrentes nas seções com variação (elisão ou adição), possibilitando assim
um tipo de desenvolvimento entre as seções. Evidentemente que não se trata aqui de um
desenvolvimento do tipo tonal, mas antes uma técnica de adição ou redução de elementos, por meio
de justaposições. Tal procedimento foi acertadamente indicado por Boulez, quando explica o
“desenvolvimento rítmico” das seções em sua análise da Sagração da Primavera (Cf. BOULEZ,
1995, p. 81).
A seção B exemplifica bem tal procedimento. Temos quatro subdivisões (b1, b2, b3, b4). A
cada reaparição de b ocorrem cortes, adições e variações, sendo que em tal subseção, por sua vez, é
possível detectar duas estruturas contrastantes. Assim, temos em b1 uma relação de oposição entre o
contorno que identifica a própria seção b, quatro compassos, e uma linha melódica com alternância
de articulação, com linha do baixo irregular. Já em b2, temos apenas três compassos, e a figuração
característica (notas acentuadas numa divisão rítmica irregular sob as notas sol e sib) é reduzida e
variada, tendo como término desta subseção um movimento escalar. Em b3, percebe-se que a
52
Serão tratados os aspectos harmônicos do Capriccio em específico tópico sobre tal assunto.
88
oposição evidencia-se entre a figuração característica de b e o movimento escalar, para
finalmente em b4, ocorrer o desenvolvimento quase que completo do movimento escalar. Portanto,
temos uma direcionalidade que se realiza dentro mesmo da seção B: uma aparição inicial de notas
acentuadas sob ritmo irregular que gradualmente vão sendo “contaminadas” por movimentos
escalares, a ponto destes prevalecerem nesta oposição.
A seção C, número 8 da partitura, é formada a partir do fragmento escalar da seção B, que
pode aparecer tanto na forma ascendente quanto descendente. Tal fragmento escalar é seguido por
uma apojatura. A cada repetição de tal estrutura (fragmento escalar + apojatura) tem-se novas
alterações que vão modificando sua forma original.
Figura 20: Seção B, c. 16
89
A idéia musical da seção D é formada por dois fragmentos. O primeiro apresenta linha
melódica, caracterizada por uma apojatura (la#/si) sobre a harmonia de sol maior. Tal intervalo de
segunda menor, la#/si, além de ser uma referência à seção A que também se configura a partir de
um intervalo de segunda menor (mi/fá, no caso) –, se revela bastante pertinente dentro do contexto
da peça, pois evidencia importante referência às relações de oposição nos campos harmônicos da
peça (sol maior/sol menor), que serão analisados posteriormente. Assim, tal intervalo tem um peso
estrutural fundamental dentro das relações das seções
53
. O segundo fragmento é composto por
tercinas mais linha descendente que conduz à repetição do primeiro fragmento.
53
Este é mais um exemplo típico da importância do intervalo nas composições de Stravinsky.
Figura 21: seção C do Capriccio.
90
figura 22: Fragmentos 1 e 2 da Seção D, compassos 57 a 60.
Interessante analisar o tratamento dado à linha do baixo do piano nos primeiros oito
compassos da seção D, 10 da partitura. Com apenas pequeno grupo de notas diatônicas,
Stravinsky consegue alcançar grande possibilidade de variação, permutando as notas pertencentes à
idéia original a cada nova reaparição. Desse modo, a linha grave do piano (mão esquerda)
apresenta, a cada nova mudança de compasso, configuração diferente, isto é, adicionam-se novas
notas ao grupo primeiro; ou ainda permutam-se as notas entre si, modificando assim o seu lugar
original. Trata-se, portanto, de um exemplo que representa a técnica composicional mais típica de
Stravinsky, qual seja: o emprego da permutação e da repetição variada com o objetivo de
“desenvolvimento” das idéias musicais.
Figura 23: Exemplo da linha do baixo na seção D
91
A seção E, n°14 da partitura, é construída a partir de três estruturas fundamentais: escalas,
arpejos e trinados. As escalas e os arpejos são recorrências constantes em todas as seções. Já os
trinados remetem-se diretamente à seção A de modo semelhante ao que acontece com o intervalo
se segunda menor na seção D. Tais estruturas são tratadas como camadas horizontalmente
sobrepostas. Trata-se aqui de um procedimento técnico, típico da fase neoclássica, disposição de
camadas simultâneas estruturadas principalmente no plano horizontal
.
figura 24: Estrturas em camadas da Seção E, compassos 78 e 79
92
A seção F, n° 19, é toda construída sob a estrutura de arpejo de mib maior. Os arpejos
podem variar tanta em sua duração (figurações rápidas ou breves) quanto em sua direção
(ascendente ou descendente). Tal seção é praticamente toda diatônica, apresentando-se no tom de
mib maior. As estruturas de arpejo encontradas nessa seção F são referências à segunda subseção de
A, a qual chamamos de a2 (ver exemplo da seção A acima).
figura 25: estruturas de arpejo, seção F, compassos 99 e 100
93
Por fim, temos uma seção que conclui a seção intermediária (B, C, D, E e F), as quais serão
chamadas de codetta. Tal seção é composta por três estruturas básicas: notas rápidas e repetidas,
linha melódica com contornos cromáticos e acompanhamento nos graves notas curtas em terças
menores. Além disso, outro fator importante da codetta é a sua tonalidade: sib menor, tom que não
havia sido apresentado anteriormente, mas que se mostra estreitamente ligado ao centro de sib (no
contexto da tonalidade sib menor é o homônimo de sib maior).
Figura 26: Codetta, compassos 141 a 143
94
Pode-se, assim, a partir da descrição pormenorizada das características de cada seção,
compor um quadro geral que represente a organização formal do primeiro movimento do Capriccio.
Seção
Compasso
Centro tonal Textura Característica musical
A1 a1 1-5 Mi Sobreposição de escala,
trinado e ataques
Mi-fá + escala + trinado
b1 6-10 Sobreposição de notas Melodia em legato
a2 11-14 Mi Sobreposição de escala,
trinado e ataques
Mi-fá + escala + trinado
b2 12-15 Sobreposição de notas Melodia em legato
B1 16-43 Sol Contraponto Acentos + deslocamento
rítmico
C 44-56 Sib Melodia/acompanhamento Escalas
D1 57-73 Sol Melodia/acompanhamento Apojatura (la#-si) +
tercinas
E 78-85 Sol Melodia/acompanhamento Trinado + notas repetidas
D2 86-91 Sib Melodia/acompanhamento Melodia com alterações
cromáticas
F 99-108 Mib Contraponto Melodias triádicas
B2 109-140 Sol Contraponto Acentos + deslocamento
rítmico
Codetta 141-157 Sib Melodia/acompanhamento
A2 a1 158-162 Sobreposição de escala,
trinado e ataques
Ré-Mib + escala + trinado
b1 163-167 Sib Sobreposição de notas Melodia em legato
a2 168-171 Sobreposição de escala,
trinado e ataques
Ré-Mib + escala + trinado
b2 172-175 Sol Sobreposição de notas Melodia em legato
Coda 176-183 Sol Notas longas com
acompanhamentos de
notas curtas
Notas sustentas com
ostinato na linha dos graves
Tabela 6: Esquema gráfico do primeiro movimento do Cappricio
95
2.3. Aspectos harmônicos
O aspecto harmônico mais evidente, quando voltamos nosso olhar para o Capriccio, é o
diálogo constante com a música tonal. Tal diálogo se estabelece principalmente no âmbito das
funções tonais principais (tônica-dominante-subdominante), que, na música de Stravinsky, são
remodeladas, estendidas e alteradas, resultando assim em novos contextos harmônicos. Muitos dos
elementos estruturais da música tonal recebem novo tratamento na música do compositor. Desse
modo, no Capriccio é possível detectar elementos que são paradigmáticos do sistema tonal, quais
sejam: movimentos escalares, tríades, arpejos, cadências, apojaturas, motivos. Entretanto, a maior
conexão com o sistema tonal presente na obra e pode-se dizer na música de neoclássica de
Stravinsky – é a própria noção de uma atração para um centro organizador do discurso musical (ver
tópico sobre centros).
Dessa forma, temos no Capriccio a presença de centros polarizadores que se interligam por
relações muito próximas às progressões tonais, mas que no caso especifico dessa obra se por
relações entre terças (maiores e menores). Portanto, as seções intermediárias da obra alternam a
polarização fundamentalmente em torno de dois centros: sol e sib. Semelhante a um contexto tonal,
os centros caminham a partir de progressões. Sendo assim, se o centro parte de sol, pode caminhar
tanto para sol maior, quanto para sol menor; da mesma forma, se o centro parte de sib, faz percurso
semelhante, indo para sib maior ou sib menor. A relação entre estes dois centros é o princípio que
organiza todo o plano harmônico da peça.
96
Gráfico 3: Relações de terças no Capriccio
É possível encontrar, assim, quatro principais campos harmônicos explorados na peça, sendo
que duas notas tônicas são comuns a todos os campos: sol (maior ou menor) e sib (maior ou menor).
A relação intervalar entre elas terça menor
54
. é o intervalo mais importante da obra, ganhando
função estrutural. Tal intervalo se revela rico na possibilidades de relações com outros contextos,
pois apresenta evidente referência aos modos maior-menor do sistema tonal. Tal intervalo assim
funciona como um princípio que direciona o fluxo harmônico da peça, contribuindo para
organização estrutural da peça, além de develar la a ligação mais marcante da peça, pois são esses
os dois centros os principais de toda a obra.
Embora a relação entre os dois centros de sol e sib sejam determinantes para a relação
estrutural do Capriccio, pode-se verificar que tal relação acaba por se estabilizar na nota sol (nota
em que se finaliza a peça), confirmando tal centro como o eixo principal da obra.
também na presente obra outro intervalo que apresenta importância fundamental para a
organização do discurso musical: o intervalo de segunda menor. Tal intervalo apresenta-se
principalmente na Primeira parte da peça e seu procedimento é um exemplo pico do peso do
intervalo na música de Stravinsky.
Inicialmente apresentado na seção A1, o intervalo de segundo menor é encontrado sobre
54
Flo Menezes afirma que o intervalo de terça menor apresentado nos graves apresenta-se como um dos arquétipos da
música neoclássica de Stravinsky (Cf. MENEZES, 1987, p. 255).
Sol Sib
m
M
97
uma bordadura das notas mi-fá (compassos 1 a 3); tal o intervalo é igualmente reapresentado na
seção B (compasso 24), enfatizando a idéia musical de tal seção, só que agora transposto para o tom
de sol menor (no caso, re-mib); por fim, quando a seção A é reapresentada (A2), a aparição original
do intervalo, mi-fá, é modificada para o tom de sol menor re-mib, as memas notas expostas na
seção B. Percebe-se, assim no Capriccio, uma direcionalidade construída a partir da organização de
intervalos, possibilitando assim a conexões entre as seções e idéias musicais, além de confirmar a
importância dos mesmos nas composições de Stravinsky.
Ainda no que diz respeito aos centros harmônicos, e da mesma forma como visto na análise
da Sonata, os centros podem apresentar estreita relação com as seções no Capriccio, o que se
permite encontrar específicos campos harmônicos em cada uma das mesmas. No entanto, no
Capriccio a relação com o sistema tonal se mostra ainda mais próxima, pois pode-se relacionar as
seções com tonalidades
55
( e não apenas com notas isoladas como visto na Sonata). Podemos, assim,
traçar o percurso harmônico da peça, que se transforma juntamente com a articulação de cada seção:
Seção A 1 B1 C D1 E D2 F B2
Codetta
A2 Coda
Campo
Harmônico
Mi
frígio
Sol m Sib M Sol M Sol m Sib M Mib M Sol m Sib m
frígio
Sol m
Tabela 7: Relação da seção com os centros polarizadas do Capriccio
Ao examinarmos a tabela acima, podemos apontar pertinentes situações que denotam a
íntima ligação entre campo harmônico e forma.
Interessante ainda apontar outra técnica particular da escrita de Stravinsky, encontrada
freqüentemente em sua música, presente em diferentes partes do Capriccio: a sobreposição de duas
funções harmônicas opostas. Tal procedimento é bastante comum, podendo ser detectada
55
Embora também se possa encontrar contexto modais, principalmente na seção introdutória A.
98
claramente na produção da fase russa
56
. Outra possibilidade de tal processo apresenta-se na forma
de uma sobreposição entre um acorde cuja função é claramente constituída e um baixo que se
remete a outra determinada função. Tem-se um exemplo desse processo nos términos das subseções
b1 e b2 . Nesses dois casos, verifica-se a relação de tônica-dominante sobrepostas. No primeiro caso
apresenta-se um acorde de mi maior com sétima com baixo em lá; e no segundo, um acorde de
maior com sétima tendo a nota sol como baixo.
56
Tem-se como exemplo típico de tal procedimento o acorde “petrushka”, presente no balé do mesmo nome. Trata-se
de um acorde de maior sobreposto a um acorde de Fa# maior, configurando-se como uma sobreposição de dois
acordes na relação de trítono.
Figura 27: Sobreposição de
funções, compasso 10.
Figura 28:Sobreposição de
funções, compasso 15.
99
Esses dois exemplos ocorrem justamente no término de uma seção, o que evidencia a função
de tal procedimento como articulador das idéias musicais. Assim, tem-se mais um caso típico da
estreita relação entre os campos harmônicos e a organização formal na partitura do Capriccio.
100
CONSIDERAÇÕES FINAIS
101
Estudar a música neoclássica de Stravinsky é tentar delimitar com precisão um objeto que
freqüentemente se transforma. A fase neoclássicca do compositor russo está longe de ser um
período homogêneo. Ao tratar da música de Stravinsky, percebe-se que a pluralidade e
multiplicidade, características tão típicas de suas composições, também se fazem presente na fase
neoclássica.
Assim, ao lidar com objeto demasiado complexo, como é o neoclasscismo do compositor
russo, percebeu-se que a análise aprofundada das partituras, a partir do estudo dos procedimentos
técnicos do compositor, contribuiu decisivamente para se tentar responder as problemáticas
levantadas na presente dissertação.
Dessa forma, percebeu-se que os procedimentos empregados na fase neoclássica, analisados
neste trabalho, mostraram-se estreitamente ligados como os processos empregados na fase russa do
compositor russo. Isso ficou bastante evidente quando detectamos o princípio de construção em
camadas, por exemplo, presente na Sonata. Apesar de a obra apresentar texturas bastante
tradicionais tais como melodia em estrutura de acompanhamento e escrita contrapontística –, a
forma com que Stravinsky trabalha tais estruturas revela-se como um procedimento típico do
período russo, pois tais texturas são pensadas como camadas que se sobrepõem no tempo musical.
Do mesmo modo, a construção das seções musicais no Capriccio, embora estivessem unidas por
eficientes conexões, mostraram-se construídas a partir de um pensamento que trata as seções como
partes isoladas, identificadas a partir da afirmação de determinados parâmetros, o que demonstra ser
um pensamento característico da fase russa de Stravinsky, qual seja: a escrita em blocos sonoros
justapostos.
Da mesma forma, outro procedimento detectado nas duas obras analisadas é a organização
do discurso musical a partir de determinados centros tonais, que igualmente estruturam as obras do
período russo. A vinculação estreita dos centros tonais com a articulação das seções, de modo a
conduzir o fluxo musical, confirmou também a perspectiva da utilização de procedimentos técnicos
típicos de Stravinsky como a sobreposição de harmonias diatônicas.
102
Assim, como apontado por Whittall (1991), verificou-se que o neoclassicismo de Stravinsky
é antes um redirecionamento na trajetória criativa do compositor do que uma quebra com um
“idioma stravinskiano” anterior, uma vez que a partir de nossa análise foi possível encontrar os
mesmo procedimentos técnicos empregados tanto na fase russa quanto na neoclássica. Tal
perspectiva aponta, desse modo, para uma visão mais unificada da obra de Stravinsky.
Além disso, constatou-se, na presente pesquisa, que o neoclassicismo de Stravinsky
extrapola um mero retorno aos clássicos. A partir da análise do Capriccio, por exemplo, foi possível
observar a influência de Tchaikovsky, compositor caro a Stravinsky, e com isso constata-se um
retorno aos “romantismo” em pleno “neoclassicismo” do compositor. Além disso, na Sonata,
encontrou-se muito maior número de referências a procedimentos do período barroco do que ao
período clássico. Dessa forma, a partir de tais constatações, podemos inferir que o neoclassicismo
de Stravinsky avança além de uma mera volta a determinado período histórico musical. Trata-se
antes de um re-olhar de toda a história da música, o que nos permite encontrar no neoclassicismo
de Stravinsky outras facetas, relativizando até a pertinência do próprio termo neoclássico.
A análise de duas músicas da fase neoclássica, realizada nesta dissertação, propiciou
interessantes conclusões sobre o desenvolvimento da linguagem neoclássica de Stravinsky,
permitindo assim detectar transformações internas na escrita neoclássica do compositor. No que
diz respeito ao tratamento dados às referências presentes nas obras, foi possível encontrar
procedimentos diferentes entre as mesmas. Na Sonata, as referências se mostraram mais evidentes:
a escrita contrapontística, a reinvenção do baixo-contínuo, além de uma periodicidade rítmica
constante – alusão típica à escrita barroca – interrompida apenas nos términos das seções. Percebeu-
se assim que as referências extraídas de contextos sonoros barrocos e clássicos são fortemente
presentes na Sonata de Stravinsky, mostrando-se até uma multiplicidade de estilos dentro de uma
mesma obra. no caso do Capriccio, encontrou-se processo diferente. Embora a influência do
romantismo russo, principalmente de Tchaikovsky, foi apontada como importante inspiração para a
obra, a linguagem do Capriccio apresentou-se mais orgânica, na medida em que as referências
103
provenientes de outros contextos mostraram-se inteiramente absorvidas pela linguagem de
Stravinsky, o que nos permite apontar uma técnica neoclássica mais consolidada.
Trata-se assim de dois momentos diferentes dentro do contexto neoclássico de Stravinsky.
Um primeiro, relativo à Sonata, no qual as referências a outros contextos estão presentes de forma
mais direta, resultando numa obra multi-referencial, heterogênea que aponta mais para a
multiplicidade estilística típica da música de Stravinsky; um segundo, no que diz respeito ao
Capriccio, uma significativa transformação na escrita neoclássica, na qual as referências externas
são absorvidas por uma linguagem mais orgânica e integral, apontando assim para um processo de
paradigmatização dos processos clássicos na escrita do compositor.
104
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b) Partituras:
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1949).
STRAVINSKY, Igor. Capriccio for piano and orchestra: reduction for two piano by the
composer. New York: Boosey & Hawkes, 1929 (rev. 1949).
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