Download PDF
ads:
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC
Ana Lúcia Pereira
DESVENDANDO OS MITOS DO BOM PROFESSOR:
um estudo com professores da educação básica
Mestrado em Educação: Psicologia da Educação
SÃO PAULO
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC
Ana Lúcia Pereira
DESVENDANDO OS MITOS DO BOM PROFESSOR:
um estudo com professores da educação básica
Dissertação apresentada à Banca examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para a obtenção
do Título de Mestre em Educação: Psicologia
da Educação, sob orientação da Professora
Doutora Laurinda Ramalho de Almeida.
SÃO PAULO
2009
ads:
FICHA CATALOGRÁFICA
PEREIRA, Ana Lúcia. Desvendando os mitos do bom professor: um estudo com
professores da educação básica. São Paulo: 2009. 115 p.
Dissertação de Mestrado – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Área de Concentração - Educação: Psicologia da Educação
Orientadora: Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________
_________________________________________
_________________________________________
SÃO PAULO
2009
Dedico este trabalho ao meu filho Rodrigo,
cuja existência me deu a oportunidade de
experimentar, de tantos e todos os tipos de
amor que existem, aquele que jamais
esquecerei: o amor incondicional.
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Laurinda Ramalho de Almeida, por me aceitar como
sua orientanda, abraçar comigo este trabalho e, principalmente, pelo carinho e por
em nenhum momento me deixar ter dúvidas de sua crença em meu potencial de
desenvolvimento.
Ao amigo Guilherme Barati, pela presença solidária naquele final do ano de
2007, pela compreensão empática nos vários momentos difíceis que se sucederam,
pelos cafés e pelas conversas que tantas vezes me revigoraram.
À Rute Mercurio, pela constância de sua amizade, tanto nos momentos
divertidos quanto naqueles em que não fui companhia agradável, pelo apoio
incondicional e pela confiança que sempre depositou em mim.
Aos amigos Maier Augusto dos Santos, Maria Costa dos Santos e Yone
Felipe Fonseca, pela amizade, pela confiança e pelo apoio sem o qual esse projeto
teria morrido antes mesmo de ter nascido.
Ao amigo Amilton Martins dos Santos, pelo incentivo e por “personificar” o que
entendo por “facilitador da aprendizagem”.
Às Professoras Doutoras Abigail Mahoney Alvarenga e Vera Nigro de Souza
Placco, pelas valiosas contribuições no exame de qualificação e pelo contato
sempre tão afetuoso.
Aos novos amigos que fiz na PUC, pelo companheirismo, confiança e apoio,
especialmente Lilian Corrêia Pessoa e Richard Brito, meus queridos “irmãos” em
Laurinda, que compartilharam o nascimento das idéias que levaram a este trabalho.
Com o mesmo carinho destaco as amigas Soraya Ramirez, Adriana Soares Souza e
Viviani Amabile Zumpano, que sempre depositaram confiança em mim.
Aos professores do Programa de Estudos Pós-graduados em Educação:
Psicologia da Educação, que contribuíram com seus conhecimentos e experiências
para a realização deste trabalho.
Aos participantes desta pesquisa e à coordenadora pedagógica que
gentilmente me abriu as portas da sua escola.
A vocês dedico, com carinho, as palavras do filósofo Ralph Waldo Emerson:
Marcamos com fogo na memória os poucos contatos que tivemos,
nos anos monótonos da rotina e do pecado, com almas que fizeram
mais sábia a nossa alma, que disseram o que pensávamos, que nos
ensinaram o que sabíamos, que nos permitiram ser o que éramos”.
(Emerson, The Divinity School Adress, 1838).
Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a humanidade
E não estou alegre nem triste
Esse é o destino dos versos
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor
Nem o rio esconder que corre
Nem a árvore esconder que dá fruto
Fernando Pessoa
RESUMO
Com o intuito de responder ao problema “os mitos do bom professor permeiam o
posicionamento dos professores a respeito da prática docente?”, este trabalho teve
como objetivo compreender o posicionamento de professores do ensino básico
frente a quatro mitos do bom professor: 1) o bom professor é sempre calmo e
equilibrado, invariavelmente consegue controlar-se, nunca perde a compostura ou
demonstra emoções fortes; 2) o bom professor aceita todos os alunos de igual
maneira, não tendo favoritos; 3) o bom professor consegue criar um ambiente que,
ao mesmo tempo em que permanece calmo e sossegado, favorece a aprendizagem
excitante, estimulante e livre; 4) o bom professor conhece todas as respostas,
possuindo uma sabedoria superior à dos alunos. Foram participantes do estudo
onze professores de educação básica, atuantes em uma escola particular localizada
na zona sul da cidade de São Paulo. Optou-se pela abordagem qualitativa de
pesquisa e pelos incidentes críticos como recurso para produção de informações.
Entendendo-se incidentes críticos como “descrição detalhada de um fato e da
situação que lhe deu origem, de forma a oferecer base para o participante emitir
uma opinião, julgamento ou tomada de decisão”, foram elaborados quatro
incidentes, referentes aos quatro mitos pesquisados, para apresentação aos
professores. Com base em suas respostas, foram propostas categorias de análise, a
partir das quais se procurou identificar pistas da adesão dos participantes a cada
mito analisado. A análise dos dados foi conduzida à luz do referencial teórico de Carl
Rogers e Thomas Gordon. Os resultados indicaram grande adesão dos participantes
aos quatro mitos pesquisados, sugerindo a importância da questão ser considerada
nos programas de formação de professores.
Palavras-chave: mitos do bom professor, formação de professores, abordagem
centrada na pessoa, congruência.
ABSTRACT
In order to address the problem “Does the myths of the good teacher permeate the
positioning of teachers in respect to the teaching practice?”, this work aimed to
understand the placement of teachers in basic education against the four myths of
good teacher: 1) The good teacher is always ca4lm and balanced, invariably can
control yourself, never loses his composure or show strong emotions; 2) The good
teacher accepts all students from the same way, having no favorites; 3) The good
teacher can create an environment that, while remaining quiet and calm, promote an
exciting learning, stimulating and free; 4) the good teacher knows all the answers,
having a higher wisdom to the students. Study participants were eleven teachers of
basic education working in a private school located in the southern city of Sao Paulo.
The option for a qualitative approach and the critical incidents as a resource for
production information was chosen. Understanding critical incidents as "detailed
description of a fact and the situation that gave rise to it in order to provide a basis for
the participant to give an opinion, trial or decision making", were drawn up four
incidents concerning in the four myths surveyed for presentation to the teachers.
Based on their responses, were proposed categories of analysis, from which (we
tried) to identify clues to the accession of the participants in each myth analyzed.
Data analysis was conducted in light of the theoretical framework of Carl Rogers and
Thomas Gordon. The results showed great support by the participants to the four
myths surveyed, suggesting the importance of the issue to be considered in training
programs for teachers.
Key-words: myths of the good teacher, teacher training, person-centered approach,
congruence
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................11
CAPÍTULO 1: CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA......17
1.1 Concepções rogerianas sobre a educação: aprendizagem significativa..........21
1.2 A tríade rogeriana ............................................................................................23
1.2.1 Congruência .......................................................................................................... 24
1.2.2 Compreensão empática ........................................................................................ 26
1.2.3 Consideração positiva incondicional ..................................................................... 29
CAPÍTULO 2: THOMAS GORDON E OS MITOS DO BOM PROFESSOR .............32
CAPÍTULO 3: PERCURSO METODOLÓGICO........................................................37
3.1 Quanto ao referencial teórico ...........................................................................38
3.2 Quanto à abordagem da pesquisa ...................................................................38
3.3 Quanto ao instrumento de coleta de dados......................................................39
3.4 Quanto à escola, aos participantes da pesquisa e à aplicação........................44
3.4.1 A escola................................................................................................................. 45
3.4.2 Os participantes..................................................................................................... 49
3.4.3 A aplicação............................................................................................................ 51
CAPÍTULO 4: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ..................................52
4.1 O caso da bolinha de papel e o mito do professor sem emoções....................53
4.2 O caso do “engraçadinho” e o mito do professor sem prediletos.....................63
4.3 O caso do debate e o mito do professor “controla-tudo” ..................................73
4.4 O caso do livro e o mito do professor “sabe-tudo” ...........................................80
4.5 Os mitos do bom professor e os participantes: um olhar panorâmico..............89
4.6 Características dos participantes e os mitos do bom professor .......................91
CAPÍTULO 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................97
APÊNDICE A: INCIDENTES CRÍTICOS ................................................................102
APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO....................................106
APÊNDICE C: RESPOSTAS DOS PARTICIPANTES NA ÍNTEGRA ....................107
11
INTRODUÇÃO
Ingressar no mestrado do Programa de estudos pós-graduados em
Educação: Psicologia da Educação da PUC, ao mesmo tempo em que me encheu
de alegria, colocou-me diante das escolhas que se fazem necessárias diante de um
caminho com tantas possibilidades. Escolher não é tarefa fácil, pois seguir uma trilha
implica, necessariamente, em deixar de conhecer a beleza e os desafios de todas as
outras.
As etapas que antecederam a escolha do meu caminho foram permeadas por
momentos de intensa reflexão, durante os quais me questionei sobre minha
bagagem inicial.
Quando iniciamos uma viagem, invariavelmente levamos alguma bagagem,
que naturalmente será complementada com as preciosidades conquistadas no
caminho.
Na minha bagagem eu levava a psicologia como formação básica, a prática
docente como paixão e a crença na potencialidade humana como filosofia de vida.
Foram esses os elementos que me serviram de bússola, ajudando-me a reencontrar
a rota nos momentos em que me desviei da trilha.
Não há quem não volte mais experiente de uma viagem, pois caminhar
envolve movimento, mudança e dinamismo. Um de meus desejos era adquirir, no
decorrer da trajetória, conhecimentos que aprimorassem minha prática docente.
Esse anseio se originava da minha crença na educação como espaço privilegiado de
12
transformação social e no professor como agente facilitador do florescimento das
potencialidades de seus alunos.
Lecionando Psicologia da Educação para os cursos de Pedagogia e
licenciaturas em Geografia e Filosofia, tomei conhecimento de algumas das
angústias que permeiam o imaginário daqueles que estão se preparando para atuar
como professores.
Essas preocupações costumam encontrar expressão por intermédio de
questões como: O que faço se não souber a resposta para a pergunta do aluno?
Como devo agir para manter o respeito da turma? Que postura é melhor adotar para
não perder o controle com os alunos indisciplinados? Como posso “disfarçar” minha
irritação?
Discutindo sobre esses questionamentos com os alunos e com alguns
colegas professores, percebi que traziam, de maneira implícita, uma visão idealizada
do professor. Como se para ser bem sucedido em sua atuação o docente precisasse
esforçar-se voluntariamente para ser mais compreensivo, conhecedor e perfeito que
a pessoa média, colocando-se, dessa forma, como alguém acima da fragilidade
humana.
Em alguns casos percebi, também, uma visão mais tradicionalista de
educação, como se todos os objetivos educacionais estivessem centralizados no
professor. Essa perspectiva não poderia ser mais divergente da proposta defendida
por Carl Rogers, cuja obra muito tem marcado a atuação profissional desta
pesquisadora.
Já no primeiro semestre do mestrado, buscando respaldo teórico para a
inquietação oriunda de minha prática, tomei conhecimento da obra do psicólogo
humanista Thomas Gordon.
13
Gordon, pesquisando a concepção de professor ideal adotada pelas docentes
e pelas pessoas em geral, identificou oito mitos
1
que comumente imprimem sua
marca nas definições de “bom professor”. São eles:
1. O bom professor é sempre calmo e equilibrado, invariavelmente consegue
controlar-se, nunca perde a compostura ou demonstra emoções fortes.
2. O bom professor não tem preconceitos. Todos os alunos, independentemente
de gênero, raça, etnia ou desenvolvimento intelectual, são iguais aos seus
olhos. Nunca é racista ou sexista.
3. O bom professor pode e deve esconder seus verdadeiros sentimentos dos
alunos.
4. O bom professor aceita todos os alunos de igual maneira, não tendo favoritos.
5. O bom professor consegue criar um ambiente que, ao mesmo tempo em que
permanece calmo e sossegado, favorece a aprendizagem excitante,
estimulante e livre.
6. O bom professor é acima de tudo consistente. Nunca apresenta variações de
humor, se esquece, comete erros ou demonstra parcialidade.
7. O bom professor conhece todas as respostas, possuindo uma sabedoria
superior à dos alunos.
8. O bom professor sempre apoia seus colegas, apresentando uma posição
única para os estudantes, independentemente de seus sentimentos, valores
ou convicções pessoais (GORDON, 2003).
O autor destaca que os mitos “[...] exigem dos professores a negação da sua
condição humana, o que só pode ser feito por meio de um complexo desempenho
teatral e de autoengano”
2
(GORDON, 2003, p. 21).
O posicionamento de Almeida (2002), de que bons relacionamentos
contribuem com a aprendizagem, também coloca em evidência a importância da
1
Mito deve ser entendido, no contexto deste trabalho, não como algo fantasioso, em oposição ao real
ou fictício, mas como um fenômeno sócio-histórico real, que embora possa deformar aspectos da
realidade, desempenha um papel objetivo na construção de conceitos. Esse fenômeno se dá quando
o mito tem ampla aceitação em gerações sucessivas de um grupo social, adquirindo certo consenso
entre seus membros e induzindo-os a determinados comportamentos
(FALCKE e WAGNER, 2000).
2
As citações de Thomas Gordon foram livremente traduzidas pela autora.
14
“desconstrução” dos mitos do bom professor. Daí a contribuição de estudos que
promovam reflexões sobre o que é entendido como “bom professor”.
Os mitos do bom professor se contrapõem à proposta rogeriana, defensora do
projeto educacional alicerçado em relacionamentos comprometidos com a
compreensão empática, a consideração positiva incondicional e a autenticidade.
A autenticidade é condição fundamental ao desempenho docente, pois é por
meio dela que o professor pode “apresentar-se em sua condição de ser humano e
não como um tubo estéril por meio do qual o conhecimento passa de uma geração
para outra” (GUEDES, 1979, p.66).
Os mitos do bom professor criam a condição inversa à autenticidade, já que
favorecem o estabelecimento de relacionamentos distantes, pouco autênticos e
mediados por “máscaras” e meias-palavras.
Rogers destaca a importância do reconhecimento da humanidade do
professor:
(...) se todo o pessoal das escolas primárias, secundárias e
superiores pudessem simplesmente reconhecer e aceitar o fato de
que são pessoas falíveis, o nosso sistema educacional seria
revolucionário da noite para o dia. Se pudessem reconhecer que a
interação humana continuará durante toda a sua vida e durante toda
a vida dos seus alunos, talvez se dispusessem a incluir uma
comunicação verdadeira, franca e partilhada como parte da
experiência educativa. Isto seria um enorme primeiro passo, uma
preparação inicial para a vida no mundo das pessoas (ROGERS,
1977, p. 213).
Os relatos de meus alunos, as conversas com meus colegas professores e
minha prática docente levaram-me a levantar a hipótese de que o professor que se
identifica com os mitos tende a se autoavaliar e a direcionar sua prática de acordo
com eles, percebendo-se, portanto, em constante falta consigo mesmo e com seus
alunos.
15
Partindo destas reflexões, estabeleci como objetivo para este trabalho
compreender o posicionamento de professores do ensino básico frente a quatro
mitos do bom professor, quais sejam:
1. o bom professor é sempre calmo e equilibrado, invariavelmente consegue
controlar-se, nunca perde a compostura ou demonstra emoções fortes;
2. o bom professor aceita todos os alunos de igual maneira, não tendo
favoritos;
3. o bom professor consegue criar um ambiente que, ao mesmo tempo em
que permanece calmo e sossegado, favorece a aprendizagem excitante,
estimulante e livre;
4. o bom professor conhece todas as respostas, possuindo uma sabedoria
superior à dos alunos.
Além do tempo estipulado para a conclusão de um curso de mestrado, que
dificultaria o estudo dos oito mitos descritos por Gordon, alguns critérios justificaram
a exclusão dos demais:
o mito que diz que o bom professor não tem preconceitos aborda um tema de
grande complexidade, que justificaria um estudo separado;
o mito que afirma que o bom professor nunca erra, apresenta variações de
humor ou deixa de demonstrar imparcialidade; além de abordar três variáveis
(o que dificultaria seu estudo), é parcialmente contemplado pelo mito que diz
que o bom professor é sempre calmo e equilibrado, nunca perde a
compostura ou demonstra emoções fortes e pelo mito que afirma que o bom
professor não tem favoritos;
o mito defensor de que o bom professor pode e deve esconder os próprios
sentimentos dos alunos também é parcialmente contemplado pelo mito que
16
afirma que o bom professor é sempre calmo e equilibrado, nunca perde a
compostura ou demonstra emoções fortes;
o mito que diz que o bom professor sempre se apoia nos colegas,
apresentando uma posição única para os estudantes, independentemente de
suas crenças pessoais, se distancia do foco deste trabalho, que é a relação
professor-aluno e não a relação professor-professor.
Esse objetivo me aproxima de meu problema de pesquisa: “Os mitos do bom
professor permeiam o posicionamento dos professores a respeito da prática
docente?”
Assumindo como pressuposto que a aderência aos mitos do bom professor
traz prejuízos à prática docente, fica evidente a relevância do problema proposto,
uma vez que conhecer o posicionamento dos docentes sobre os mitos oferece pistas
sobre sua identificação com eles, o que permite verificar se existe a necessidade da
questão ser considerada na formação de professores.
No capítulo 1 apresento fundamentos teóricos da Abordagem Centrada na
Pessoa, cujo referencial sustenta meus pressupostos e minha argumentação.
Sobre as ideias de Thomas Gordon e algumas das circunstâncias que o
levaram a descrever os mitos do bom professor discorro no capítulo 2.
Os procedimentos metodológicos, o instrumento de coleta de dados e a
descrição dos participantes e da escola encontram-se no capítulo 3.
No capítulo 4 exponho a análise dos dados e, por fim, no capítulo 5,
apresento as considerações finais.
17
CAPÍTULO 1: CARL ROGERS E A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA
Até a primeira metade do século XX a psicanálise e o behaviorismo foram
abordagens predominantes na Psicologia. Na década de 50 começou a ganhar
corpo o movimento humanista, ainda bastante influenciado pela psicologia
gestaltista. Mas é no início de 1960 que é gestada, nos Estados Unidos, a psicologia
humanista, também conhecida como “a terceira força”.
Em 1961 é publicado o primeiro número da Revista de Psicologia Humanista
e dois anos depois é fundada a Association Of Humanistic Psychology. Na lista de
fundadores da Associação aparecem os nomes de Abraham Maslow, Anthony
Sutich, Gordon W. Allport, Kurt Goldstein, Hadley Cantril, Rollo May, Henry A.
Murray e Carl Rogers.
Esses psicólogos, bem como os que aderiram ao movimento posteriormente,
estavam preocupados em oferecer uma proposta terapêutica alternativa à
psicanálise e ao behaviorismo.
Partindo de uma concepção da natureza humana fundamentada na crença da
capacidade (latente ou manifesta) do indivíduo de se autocompreender e resolver
seus problemas (Scheeffer, 1980), os pioneiros da terceira força resolveram marcar
a identidade do movimento por meio da definição de um conjunto de premissas:
as pessoas precisam ser compreendidas por intermédio de suas próprias
autopercepções;
18
a escolha, a criatividade e a autorrealização devem ser eleitas como tópicos
privilegiados na condução do trabalho terapêutico;
o indivíduo deve ser considerado como parceiro na busca pelo entendimento
de sua personalidade;
as pessoas necessitam desenvolver suas potencialidades e buscam a
autorrealização;
os indivíduos não são direcionados simplesmente por impulsos primários
como a sexualidade ou a agressividade;
as pessoas são basicamente boas e sua dignidade é um valor máximo a ser
respeitado;
é necessário buscar a compreensão do ser humano de maneira integrada,
pois compartimentar pessoas por funções como percepção, aprendizagem e
motivação não gera informações substanciais;
a intuição pode ser considerada como uma fonte de informação válida.
(DAVIDOFF, 2001).
Além da clara oposição à psicanálise e ao behaviorismo, a proposta da
psicologia humanista pode ser considerada como “um eco às insatisfações
manifestadas pelos jovens desse período contra os aspectos mecanicistas,
materialistas e autoritários da cultura ocidental contemporânea” (CAMPOS, 2006, p.
8).
Influenciados por esses aspectos, até bem próximo dos anos 60:
[...] os psicólogos que se diziam comprometidos com a ciência
preocupavam-se, exclusivamente, em atender aos padrões mínimos
de ciência, entendida na época como ciência natural. Os psicólogos
humanistas desejaram uma concepção diferente de ciência – seja
um novo tipo de ciência, seja uma significação mais ampla de
ciência, que se mostrasse mais atenta aos problemas fundamentais
apresentados pelos indivíduos naquele momento. (CAMPOS, 2006,
p. 9)
19
Os psicólogos que aderiram a essa proposta entendiam o homem como um
ser essencialmente livre, consciente, com tendência “natural” para o
desenvolvimento de suas potencialidades.
Para Maslow, de quem a denominação “terceira força” se originou, a
Psicologia Humanista é:
(...) no seu sentido mais verdadeiro, uma visão geral e abrangente da
vida, uma visão mundana de uma filosofia de vida que não é
simplesmente intelectual, mas é também um sistema ético, de
valores, de política, de economia, de educação e de religião; uma
filosofia de ciência. (MASLOW, 1972, p. 60)
O movimento humanista buscou suas raízes no humanismo clássico da
Renascença, cujas proposições envolviam: a) a crença na potencialidade do homem
resolver seus próprios problemas; b) a defesa da liberdade do homem conduzir seu
próprio destino no aqui e agora, independentemente de ser condicionado por seu
passado; c) a visão do homem como uma unidade inseparável e integrada
(LAMONT, 1965 apud MORATO, 1987).
Embora psicólogos de várias escolas teóricas compartilhem os valores
propostos pela Association Of Humanistic Psychology, a visão teórica central do
movimento humanista veio da Abordagem Centrada na Pessoa, cujo principal
percussor foi o psicólogo norte-americano Carl Ransom Rogers.
A Abordagem Centrada na Pessoa foi o tema de toda a vida profissional do
psicólogo, “adquirindo contornos mais nítidos a partir de sua experiência, da
interação com outras pessoas e do resultado das pesquisas que realizou”;
(ALMEIDA, 2003, p. 64)
20
Convencido de que o sucesso da psicoterapia está relacionado à qualidade
da interação entre terapeuta e cliente
3
, Rogers foi o primeiro psicólogo a gravar
sessões de terapia para estudar a dinâmica deste relacionamento.
Assim como Freud, Rogers construiu os alicerces de sua abordagem a partir
do trabalho realizado com seus clientes. Foi a partir das observações oriundas de
sua prática clínica que se convenceu que a tendência para a realização é a
motivação primeira do organismo humano, uma tendência inata que leva o homem a
orientar-se para o crescimento. Acreditava, ainda, que a natureza humana básica
era positiva, não existindo, no ser humano, nenhuma característica inerentemente
negativa ou má (NYE, 2002).
A terapia proposta por Rogers (1973b), denominada “centrada no cliente” ou
“não-diretiva”, apoiava-se nesses pilares, estando pautada na crença de que o
próprio indivíduo tem a motivação e a capacidade para mudar, sendo, portanto, a
pessoa mais qualificada para escolher que direção tomar.
O papel do terapeuta, nessa perspectiva, se diferencia daquele proposto pela
terapia psicanalítica, durante a qual o terapeuta analisa a história de vida do
paciente para identificar o problema e elaborar um plano de tratamento. A terapia
centrada no cliente concentra-se nos esforços do indivíduo em entrar em contato
com suas experiências reais, de forma a desenvolver maneiras mais satisfatórias de
viver. Nesta proposta, cabe ao terapeuta agir como uma caixa de ressonância e ao
cliente explorar e analisar as próprias questões, integrando-se harmonicamente com
o seu autoconceito ou self
4
·.
3
Rogers adotou o termo cliente em substituição à paciente, por entender que este último
pressupunha, implicitamente, uma relação de desigualdade entre o terapeuta e o cliente. Acreditava,
ainda, que o termo cliente enfatiza de maneira mais adequada a participação responsável, voluntária
e ativa da pessoa no processo terapêutico.
4
Rogers usa os termos de forma intercambiável. Neste trabalho adotarei a terminologia self.
21
Considerado um conceito central na teoria de personalidade rogeriana, o self
é composto pelas ideias, percepções e valores que constituem o “eu”, incluindo o
nível de consciência do indivíduo sobre quem é e o que é capaz de fazer, bem como
a percepção que tem do mundo e a maneira como se comporta (SMITH et al., 2002).
Os terapeutas rogerianos buscam, no início da terapia, identificar
discrepâncias entre a forma como seus clientes se percebem (self) e a forma como
gostariam de se perceber (self ideal). Quando existem, é esperado que essas
discrepâncias diminuam à medida que a terapia progride, uma vez que os clientes
passam a se aproximar mais do que desejam ser (self ideal), já que o organismo
humano tende inerentemente a se empenhar para melhorar (NYE, 2002).
Em meados dos anos cinquenta Rogers já gozava de grande prestígio, tendo
sido eleito presidente da American Psychological Association (APA) e contribuído
para que a terapia centrada no cliente se tornasse referência em seu país.
(MESSIAS e CURY, 2006).
1.1 Concepções rogerianas sobre a educação: aprendizagem significativa
Embora as preocupações de Rogers tenham sido relativas ao contexto
clínico, seu interesse estendeu-se também para a educação. Em “Liberdade para
Aprender”, publicado originalmente em 1969, Rogers apresenta suas ideias no
campo da aprendizagem.
Mantendo-se coerente com a denominação “centrada na pessoa”, o autor
destaca que é imprescindível ao professor uma “profunda confiança no organismo
humano e nas suas potencialidades”, pois somente mediante essa crença será
22
possível oferecer ao educando oportunidades que lhe permitam “a escolha de vias
próprias e sua direção pessoal na aprendizagem” (ROGERS, 1973a, p. 114).
Esta potencialidade e desejo de aprender, descobrir, ampliar
conhecimento e experiência, podem ser libertados sob apropriadas
condições. Trata-se da tendência em que se pode confiar, e todas as
vias de acesso à educação que temos descrito fundamentam-se
sobre e em torno do natural desejo de aprender do aluno.
(ROGERS, 1973a, p. 154).
Cabe ao professor, que Rogers prefere chamar de “facilitador da
aprendizagem”, proporcionar ao aluno condições que favoreçam o pleno
desenvolvimento de sua potencialidade. Quando isso acontece está aberto o
caminho para que ocorra a aprendizagem significativa.
Rogers define aprendizagem significativa como aquela que, sendo mais que
uma acumulação de fatos, provoca modificações profundas no aluno, penetrando
em todas as parcelas da sua existência. Quando o aluno aprende de maneira
significativa, consegue fazer relações entre a matéria estudada e seus próprios
objetivos e percebe que o conteúdo aprendido implica na “manutenção ou elevação
de si mesmo”. (ROGERS, 1973a, p. 154).
Mahoney (1976, p. 42) afirma que a aprendizagem significativa ocorre quando
a pessoa completa – sentimento e intelecto – está presente no evento da
aprendizagem e que “o lócus da avaliação reside no próprio aluno”, uma vez que
somente ele sabe quando sua necessidade está ou não sendo satisfeita.
As condições que favorecem a aprendizagem significativa são construídas
mediante a presença de uma relação professor-aluno permeada por uma proposta
pedagógica que compreenda o aluno como pessoa inteira, considerando seus
domínios afetivos e cognitivos. Essa proposta é facilitada pelas atitudes da tríade
rogeriana.
23
1.2 A tríade rogeriana
A tríade rogeriana é composta pelas três condições que Rogers destacou
como básicas para a eficiência da relação interpessoal tanto na psicoterapia quanto
na educação: a congruência ou autenticidade
5
, a compreensão empática e a
consideração positiva incondicional.
Sem perder de vista que estas condições podem ter sua aplicabilidade
estendida a qualquer processo de ajuda ou relacionamento humano, me limitarei a
discorrer sobre elas no que diz respeito à sua aplicabilidade no contexto
educacional.
Os elementos da tríade rogeriana, por questões didáticas, costumam ser
apresentados separadamente. Vale destacar, porém, que estas três atitudes são
indissociáveis, daí a dificuldade em compreender suas influências separadamente,
sendo “impossível determinar especificamente, na prática, onde se inicia uma delas
e onde termina a outra” (CARVALHO, 1980, p. 55).
5
Optarei, a partir de agora, pelo termo congruência.
24
1.2.1 Congruência
"Se você planeja ser qualquer coisa menos do que
aquilo que você é capaz, provavelmente você será
infeliz todos os dias de sua vida”.
(Abraham Maslow)
O constructo congruência nasceu na teoria de Rogers a partir de suas
experiências terapêuticas, enquanto observava a luta de seus clientes para
revisarem seus autoconceitos e restaurarem as rupturas entre o self e as
experiências.
Quando o elo entre o self e a experiência é refeito, a pessoa entra em estado
de congruência, tornando-se cônscia de suas experiências internas e deixando de
distorcê-las ou defender-se delas. Talvez por isso os termos “integrado”, “inteiro” e
“genuíno” serem utilizados como sinônimos de “congruente” em vários trechos das
obras rogerianas.
O estudo do conceito de congruência, conduzido por Placco (1978), verificou
que as diferentes descrições do termo encontradas na obra de Rogers têm como
componentes fundamentais a experiência, a consciência e a comunicação. Ou seja,
o indivíduo congruente apresenta: a) disponibilidade para uma percepção contínua e
completa de suas experiências; b) capacidade de tomar consciência destas suas
percepções e de simbolizá-las e c) condições de comunicar ou expressar de
maneira adequada sua atitude congruente.
25
Identificados os componentes da congruência, a pesquisadora sintetizou o
conceito na seguinte proposição: “congruência é a concordância entre experienciar,
simbolizar e comunicar”. (PLACCO, 1978: p. 84)
O professor congruente não nega os sentimentos que experimenta, estando
disposto a expressá-los abertamente; além de relacionar-se com seus alunos de
maneira real, abrindo mão das aparências e fachadas estabelecidas pelos
formalismos educacionais. O aluno, por sua vez, influenciado pela postura do
professor, vislumbra a possibilidade de também ser congruente na relação, viver
seus sentimentos e comunicá-los se assim o desejar.
Cabe destacar que embora a condição de comunicar o sentimento de
congruência componha a atitude congruente, existem situações em que a decisão
mais acertada pode ser “não comunicar parte de seus sentimentos ou ideias, que
poderiam ser sentidos pelo outro como barreiras ao desenvolvimento de seu eu”.
(PLACCO, 1978, p. 68)
Daí o caráter facultativo da comunicação da congruência, que não poderá ser
considerada adequada se não respeitar as características e as limitações do outro.
Fica evidente, então, que a expressão adequada da congruência só é possível
quando acompanhada da compreensão empática e da consideração positiva
incondicional.
O entrelaçamento entre estas três condições é sintetizado por Placco:
(...) é importante que o facilitador apresente alto grau de empatia.
Mas, para que possa ser sensível ao ser do outro, é necessário que
aceite e, até certo ponto, preze este outro. Portanto, dificilmente se
pode ter empatia, sem que se tenha também consideração positiva
incondicional. Mas, estas duas condições só terão sentido se forem
autênticas. (PLACCO, 1978, p. 87).
26
A congruência pode ser considerada como a mais relevante atitude na
postura do professor que deseja estabelecer um clima favorável à aprendizagem,
uma vez que: a) sua ausência faz com que a compreensão empática e a
consideração positiva incondicional percam muita de sua influência; b) somente
quando entra em contato com o aluno tal como é, uma pessoa real, “sem ostentar
certa aparência ou fachada”, o facilitador da aprendizagem aumenta sua
probabilidade de ser eficaz. (ROGERS, 1973a, p. 106).
Ambientes educacionais que não possibilitam a atitude congruente dificultam
a aprendizagem, pois levam educandos e professores a negarem os próprios
sentimentos e a aceitarem valores alheios, gerando um clima que desfavorece o
processo educativo.
1.2.2 Compreensão empática
Foi nesse dia, quando saiam do apartamento para
juntos darem um passeio pela cidade, que Franz notou
que sua mãe estava com sapatos trocados. Ficou
confuso, quis avisá-la, temendo, ao mesmo tempo,
magoá-la. Ficou com ela duas horas pelas ruas, sem
poder despregar os olhos de seus pés. Foi então que
começou a ter uma vaga idéia do que significa sofrer
(Kundera).
Começo esse tópico com o trecho extraído do romance de Kundera por
considerar que o sentimento desse filho, que antecipava o constrangimento que a
mãe sentiria no momento em que percebesse que saíra com os sapatos trocados,
ilustra o que Rogers chamou de compreensão empática.
27
Para o autor, compreendemos empaticamente quando somos capazes de
perceber o mais fielmente possível os componentes emocionais do outro, vendo o
mundo por meio de seus olhos, sentindo suas experiências internas e adentrando
seu mundo subjetivo. O autor previne, no entanto, que ao mesmo tempo em que é
preciso compartilhar da experiência do outro, faz-se necessário manter
desprendimento suficiente para a manutenção da clareza das próprias perspectivas,
pois só assim permanece a condição de ajudar o outro a clarear as dele.
O sociólogo e pensador francês Edgar Morin destaca a empatia como
elemento constitutivo da compreensão:
[...] se vejo uma criança chorando, vou compreendê-la, não por medir
o grau de salinidade de suas lágrimas, mas por buscar em mim
minhas aflições infantis, identificando-a comigo e identificando-me
com ela. [...] Compreender inclui, necessariamente, um processo de
empatia, de identificação e de projeção. Sempre intersubjetiva, a
compreensão pede abertura, simpatia e generosidade (MORIN,
2000, p. 95)
A relação empática possibilita mudanças no padrão de comportamento de
cada uma das pessoas envolvidas em uma relação, na medida em que permite a
cada um simplesmente estar “do jeito que estiver” naquele momento, de uma
maneira mais aberta, menos solitária, menos dura. Esta possibilidade de viver um
novo padrão de comportamento enriquece as experiências vindouras dos indivíduos.
(NYE, 2002)
Esse enriquecimento de experiências é destacado por Jordão (1987, p. 48)
quando define Abordagem Centrada na Pessoa como “um processo de
reorganização perceptual do eu, na relação consigo mesmo, com o outro em geral,
em formas mais complexas e menos cristalizadas”.
Por acreditar que a compreensão das reações íntimas do aluno aumenta a
probabilidade de ocorrência da aprendizagem significativa, Rogers convidava os
28
docentes a substituírem o ato de julgar e avaliar seus alunos pela compreensão
empática:
[...] Se qualquer professor tomasse para si a tarefa de empenhar-se
em dar uma resposta empática, não-avaliativa, mas de aceitação, por
dia, aos sentimentos demonstrados ou verbalizados pelos alunos,
creio que descobriria o potencial desse tipo de compreensão, de
ordinário, quase inexistente (ROGERS, 1973a, p. 112).
Embora a compreensão empática possa ser sinalizada de forma não verbal,
por meio de acenos com a cabeça e dos “grunhidos” empáticos (“hum-hum”), a
verbalização é fundamental para que a pessoa se sinta compreendida e tenha suas
preocupações exploradas de maneira mais completa (FALCONE et al., 2007).
Cabe lembrar que o comportamento empático, sendo uma tendência, pode
ser desenvolvido no decorrer de uma relação. Ou seja, aquele que recebe empatia
passará a também comportar-se de maneira empática. Favorece, ainda, o
desenvolvimento da atitude congruente, já que permite ao indivíduo expressar seus
pensamentos e sentimentos.
A compreensão empática, assim como os outros elementos da tríade
rogeriana, vai ao encontro de um dos mais importantes legados da Abordagem
Centrada na Pessoa para o campo pedagógico, que é o reconhecimento da
importância do bom relacionamento interpessoal entre professores e alunos para a
aprendizagem significativa.
29
1.2.3 Consideração positiva incondicional
[...] Amar não é ter que ter
sempre certeza
É aceitar que ninguém
é perfeito prá ninguém
É poder ser você mesmo
e não precisar fingir
[...] Sei que nunca fui perfeito
mas com você eu posso ser
até eu mesmo
que você vai entender...
(O que eu também não entendo - Jota Quest)
A consideração positiva incondicional se manifesta por meio do apreço
profundo e autêntico pela pessoa do outro, por intermédio da crença de que este
outro é merecedor de consideração independentemente de sua condição, seus
sentimentos ou seu comportamento.
Almeida (1980), no estudo em que buscou aprofundar a compreensão da
consideração positiva incondicional no sistema teórico de Rogers, propôs uma
definição que busca contemplar as várias formas assumidas pelo constructo na obra
do autor:
Consideração positiva incondicional é a atitude calorosa de aceitar o
outro, como ele é no momento, permitindo-lhe a expressão de
qualquer sentimento, apreciando-o em sua totalidade, sem
estabelecer comparações e estimando-o de forma não possessiva. É
o resultado da confiança no organismo humano e, para que seja
eficaz na relação de ajuda, é necessário que seja percebida pelo
outro a comunicação dessa atitude (ALMEIDA, 1980, p. 102).
30
Para a autora, a característica de incondicionalidade da consideração positiva
se refere à sua distribuição igualitária para todas as experiências da pessoa,
distribuição esta que não estará condicionada em função disto ou daquilo. Quando,
porém, esta incondicionalidade não é possível por qualquer motivo, o professor
“pode apresentar consideração positiva – e indiscutivelmente consideração positiva
é melhor que indiferença” (ALMEIDA, 1980, p. 105).
Os estudantes, como todas as outras pessoas, desenvolvem-se mais
plenamente quando experimentam consideração positiva incondicional, pois
precisam sentir-se valorizados, independentemente dos seus sentimentos, atitudes e
comportamentos estarem ou não de acordo com o que seria esperado.
A atitude de consideração positiva incondicional dá o suporte necessário para
que o aluno possa resgatar ou fortalecer sua autoestima de forma a vivenciar o que
Rogers chamou de “liberdade experiencial”.
A liberdade experiencial, facilitada pela consideração positiva incondicional,
permite ao indivíduo desobrigar-se de negar ou deformar suas opiniões e atitudes
íntimas para manter a afeição ou o apreço das pessoas. Evidencia então, mais uma
vez, o caráter de entrelaçamento dos elementos da tríade rogeriana. (ROGERS e
KINGET, 1975)
É por meio da consideração positiva incondicional que o estudante começa a
ter consideração para consigo mesmo, e, por conseguinte, confiança na sua
capacidade de desenvolver plenamente as próprias potencialidades.
Congruência, compreensão empática e consideração positiva incondicional
contribuem para o aprendizado significativo, que só pode acontecer como resultado
de um relacionamento professor-aluno fundamentado no respeito, aceitação e
confiança.
31
Quando assumida de maneira coerente com o enfoque humanístico da
Abordagem Centrada na Pessoa, a tríade rogeriana favorece um clima acolhedor na
sala de aula, deixando os alunos livres para a aprendizagem, uma vez que
redireciona a energia anteriormente gasta com mensagens dúbias ou diálogos
hipócritas para ações que levam ao aprendizado.
32
CAPÍTULO 2: THOMAS GORDON E OS MITOS DO BOM PROFESSOR
Considerado como um dos mais brilhantes alunos de Carl Rogers, o psicólogo
norte-americano Thomas Gordon (1918-2002) foi um dos responsáveis pela
ampliação da teoria rogeriana para outros contextos, por meio da criação e
implantação de programas para o desenvolvimento de competências para pais,
líderes e professores
6
.
Os programas de capacitação desenvolvidos por Gordon ajudaram a
converter a tríade rogeriana em competências concretas e passíveis de serem
ensinadas. O principal foco do psicólogo era ensinar aos professores habilidades
que promovessem melhorias na comunicação e possibilitassem a resolução de
conflitos de maneira madura e amistosa.
Comungando das ideias rogerianas sobre o grande impacto da relação
professor-aluno no êxito ou fracasso do aprendizado, os programas de Gordon
davam especial ênfase ao desenvolvimento da qualidade dessa relação:
[...] a qualidade da relação professor-aluno é crucial se os
professores pretendem ser eficazes em ensinar seja o que for [...]
tudo pode tornar-se interessante e excitante para os jovens quando
por intermédio de um professor que tenha aprendido a criar uma
relação com os alunos em que as necessidades de uns são
respeitadas pelos outros (GORDON, 2003, p. 5).
O autor argumentava que os professores perdiam muito do tempo que deveria
ser dedicado à aprendizagem resolvendo conflitos com os alunos ou entre eles.
Ocorre que raramente estavam preparados para lidar com essas situações. Diante
6
Parent Effectiveness Training (PET); Leader Effectiveness Training (LET) e Teacher Effectiveness Training
(TET).
33
desse quadro desenvolveu um método para resolução de conflitos de maneira
amistosa.
A resolução de conflitos de maneira adequada e a construções de
relacionamentos positivos entre professores e alunos estão vinculadas,
necessariamente, à qualidade da comunicação. Por isso a dedicação de Gordon ao
desenvolvimento de técnicas que favoreçam essa comunicação.
Suas propostas tomam como ponto de partida habilidades que os professores
já possuem, procurando apenas refiná-las por meio de quatro facilitadores:
1. A escuta passiva, que consiste em permanecer em silêncio, sem
interromper o aluno, de forma a permitir-lhe sentir-se escutado. Mas como
não é suficiente para comunicar compreensão empática e aceitação, a
escuta passiva precisa ser complementada pelos outros facilitadores.
2. As respostas de reconhecimento, que têm o papel de indicar, por meio de
mensagens verbais e não-verbais, que o professor está prestando atenção
e interessado no que o aluno está falando. Acenar a cabeça, sorrir,
inclinar-se para frente ou emitir sinais verbais como “hum, hum” funcionam
como sinais de reconhecimento.
3. Os convites calorosos
, que se expressam por meio de perguntas e
afirmações abertas, sem juízo de valor, visando encorajar o aluno a falar e
deixar claro que o professor dedicará o tempo que for necessário para
escutá-lo. Exemplos de convites calorosos são: “Gostaria de falar mais a
respeito?”; “Continue”.
4. A escuta ativa, que acontece quando o professor compreende as
revelações feitas pelo aluno objetivamente, sem elaborar juízos de valor,
refletindo sobre elas e manifestando sua compreensão (GORDON, 2003).
34
Somando-se a estes facilitadores, algumas condições aumentam a
possibilidade de êxito na relação professor-aluno:
1. Abertura ou transparência, condição que vai ao encontro da atitude
congruente descrita por Rogers, já que consiste em ser direto e honesto
com o outro.
2. Preocupação pelo outro, de forma a permitir-lhe saber que é apreciado.
Essa condição é facilitada pela consideração positiva incondicional e pela
compreensão empática.
3. Interdependência, entendida como condição daquele que não depende do
outro, mas sim convive com ele em uma condição de colaboração mútua.
Favorece o desenvolvimento da consideração positiva incondicional.
4. Individualidade, condição relacionada à congruência e favorecida pela
consideração positiva incondicional, permite a cada um desenvolver sua
criatividade e seu caráter singular.
5. Satisfação das necessidades mútuas, requisito para que as necessidades
de um não sejam supridas à custa do outro, condição possível somente na
presença da tríade rogeriana.
As condições propostas por Gordon se fundamentam na premissa de que a
aceitação do outro tal como ele é possibilita a construção de uma relação em que
este outro pode desenvolver-se, realizar mudanças construtivas e fazer uso de todo
seu potencial:
É um desses pequenos, mas maravilhosos paradoxos da vida:
quando alguém se sente verdadeiramente aceito pelo outro, tal como
é, então se sente à vontade para começar a pensar em mudar,
crescer, tornar-se diferente, ser mais capaz daquilo que
correntemente é. (GORDON, 2003, p. 55).
35
A não-aceitação, por sua vez, leva as pessoas a uma posição defensiva e aos
sentimentos de inadequação, frustração e desânimo. Gordon observou que esta
tendência era comum nos professores que direcionavam para si próprios a atitude
de não-aceitação. Verificou, ainda, que o fenômeno aparecia de maneira
intensificada naqueles que acreditavam não serem “bons professores”.
Compreender a questão exigia analisar a definição de “bom professor” que muitos
pareciam adotar, e foi por meio desta busca que Gordon identificou os “mitos do
bom professor”, que estão descritos na introdução deste trabalho.
Para Gordon (2003), os mitos constituem uma “falácia essencial”, visto que
exigem dos professores a negação de sua humanidade. O psicólogo cita, a título de
ilustração, o relato de um professor que descreve os sentimentos de frustração que
experimentou quando precisou “despir” a pele de bom professor:
Na maior parte da minha carreira docente, entristeceu-me o papel de
super-professor. As minhas intenções eram, aparentemente,
razoáveis. Queria ser o melhor professor possível. De vez em
quando, frustrado ou cansado, deixava cair a máscara e tornava-me
eu próprio, uma pessoa. Quando isso acontecia, as minhas relações
com os alunos mudavam, tornavam-se mais íntimas, mais reais. Isto
assustava-me, já que me fora ensinado a manter os alunos a
distância, a lembrar que a familiaridade gera desrespeito e que eu
perderia o controle da situação se os alunos passassem a me
conhecer. Contudo, por mais medo que tivesse quando deixava cair
a máscara, reconheço que foram os momentos em que pude
realmente ensinar e em que os alunos aprenderam de verdade. Por
vezes, durante esses períodos, os alunos faziam ou diziam coisas
que me desagradavam. Nessas ocasiões, voltava a assumir o papel
de professor, para manter o controle, restaurar a ordem ou expressar
meu desagrado. Passei anos oscilando entre o verdadeiro eu,
quando conseguia ensinar, e o papel de professor, quando precisava
obter a ordem. (GORDON, 2003, p. 22).
Assim como esse professor, Gordon teve contato com muitos outros, que
divididos entre o impulso de comportarem-se como pessoas reais e a crença na
necessidade da manutenção dos mitos do bom professor, oscilavam entre uma
atitude e outra. Essa oscilação prejudica o elo entre professor e aluno, condição
36
imprescindível para o docente contribuir para que o jovem adquira algumas
condições importantes para a aprendizagem, como a autorresponsabilidade e a
autoconfiança.
Para a condução deste trabalho, assumi três pressupostos: 1) os mitos do
bom professor prejudicam o relacionamento interpessoal entre professor e aluno e
dificultam a aprendizagem; 2) refletir sobre os mitos leva o professor a refletir sobre
a própria atuação e 3) a investigação dos mitos pode oferecer pistas à formação de
professores, fomentando discussões que levem o docente a questioná-los e quem
sabe desconstruí-los, de forma a favorecer a qualidade de sua prática pedagógica.
O referencial teórico que escolhi me conduz a reafirmar meus pressupostos,
uma vez que, na qualidade de pesquisadora e professora: a) comungo da afirmação
de Gordon de que os docentes que assumem os mitos do bom professor encontram
dificuldade em estabelecer relacionamentos genuínos; b) concordo com o peso dado
por Rogers e por Gordon ao relacionamento interpessoal na facilitação da
aprendizagem e c) assumo os elementos da tríade rogeriana como atitudes que
favorecem a aprendizagem.
37
CAPÍTULO 3: PERCURSO METODOLÓGICO
Não, não tenho caminho novo.
O que tenho de novo
é o jeito de caminhar.
Aprendi
o que o caminho me ensinou.
(Thiago de Mello)
O trabalho de um pesquisador iniciante pode ser comparado com o olhar de
um viajante, que procura desvendar diferentes nuances em paisagens já visitadas e
contempladas muitas vezes antes. A paisagem não é original, mas o modo de olhar
e pensar aquela realidade é permeado por experiências e conhecimentos bastante
pessoais.
Faz parte do planejamento de um viajante precavido a escolha dos objetos
adequados às especificidades da sua viagem. De maneira análoga, o pesquisador
faz as opções metodológicas que funcionarão como norte para a condução do seu
trabalho.
Alguns viajantes gostam de registrar suas experiências em um diário, que
além de imortalizar em suas páginas as impressões e experiências vividas, serve de
guia para outros viajantes. Da mesma forma, o relato dos procedimentos
metodológicos utilizados por um pesquisador permite aos outros refazerem aquela
trajetória e avaliarem, quem sabe com mais precisão, as descobertas daquele
colega.
Estão descritos, na sequência, os procedimentos que esta “viajante-
pesquisadora” adotou em sua trajetória.
38
3.1 Quanto ao referencial teórico
A primeira opção diz respeito ao referencial teórico. Conforme já detalhado
nos capítulos 1 e 2, farei uso das contribuições de Thomas Gordon para explorar a
questão dos mitos que permeiam a relação professor aluno e de Carl Rogers para
fundamentar a importância do bom relacionamento entre professor-aluno no
processo de aprendizagem.
3.2 Quanto à abordagem da pesquisa
A proposta de conhecer o posicionamento de professores de educação básica
sobre os mitos do bom professor direcionou-me para uma pesquisa de abordagem
qualitativa.
A natureza de meu problema, que implica em entrar em contato com as
crenças dos participantes, reforça a opção pela abordagem qualitativa, que pode ser
descrita como “aquela que trabalha com valores, crenças, hábitos, atitudes,
representações, opiniões e adequa-se a aprofundar a complexidade de fatos e
processos particulares e específicos a indivíduos e grupos”. (PAULILO, 1999, p.
135)
Outras características da abordagem qualitativa são: a descrição dos temas
que surgirem a partir das respostas dos participantes em termos não numéricos; o
objetivo de obter dados descritivos e a pretensão de retratar a perspectiva dos
participantes. (COZBY, 2003).
39
De maneira convergente, Lüdke e André (1986) afirmam que a abordagem
qualitativa é adequada quando se pretende retratar a perspectiva dos participantes,
por meio da obtenção de dados descritivos, enfatizando o processo em prol do
produto.
As descrições dos autores vêm ao encontro dos objetivos deste trabalho.
3.3 Quanto ao instrumento de coleta de dados
Uma vez que a proposta deste trabalho envolvia conhecer o posicionamento
dos docentes em relação aos mitos do bom professor, entendi que seria importante
escolher um instrumento que favorecesse a livre expressão da identificação ou não-
identificação com os valores e atitudes implícitos nos mitos.
Vi nos incidentes críticos uma boa alternativa, já que são elaborados de forma
a verificar a reação dos participantes frente às situações descritas, possibilitando a
investigação de seus sentimentos, emoções, representações e concepções.
Almeida (2009) define incidente crítico como a descrição detalhada de um fato
e da situação que lhe deu origem, de forma a oferecer base para que o pesquisado
enuncie uma opinião, apreciação, julgamento, tomada de decisão ou alternativa para
a solução de um problema. Ou seja, o participante da pesquisa é convidado a refletir
sobre o que aconteceu com o outro, colocando-se no lugar dele.
A autora destaca o potencial dos incidentes críticos para a pesquisa em
educação, relatando que, de acordo com sua experiência, este instrumento permite
aos pesquisados manifestarem-se sobre a atuação dos colegas e, ao falarem sobre
40
o que aconteceu com o outro, acabam expressando com maior liberdade suas
próprias concepções, sentimentos, emoções e representações.
Partindo das discussões promovidas nos encontros coletivos de orientação,
coletei relatos de experiências vivenciadas e/ou presenciadas por colegas
professores, que serviram de inspiração para a elaboração de quatro incidentes
críticos, um para cada mito a ser investigado.
Almeida (2009) alerta para o cuidado necessário na elaboração dos
incidentes críticos, que precisam ser minuciosamente descritos, tanto no que diz
respeito ao comportamento dos personagens envolvidos, quanto no que se refere à
situação que deu origem a este comportamento. Essa atenção é necessária para
evitar que inferências e interpretações sejam “misturadas” com fatos observáveis,
causando vieses na leitura dos participantes.
Atenta ao alerta da pesquisadora, conclui que seria importante testar os
incidentes críticos, para que eventuais ajustes pudessem ser feitos antes da
aplicação definitiva. Para tanto contei com a colaboração de um colega diretor, que
permitiu que o instrumento fosse aplicado em quatro de seus professores.
Os professores que participaram do pré-teste lecionam em uma escola
estadual de ensino fundamental, localizada no centro da cidade de São Paulo. A
realidade desta escola difere um pouco daquela apresentada pela maioria das
escolas públicas, por ter sido beneficiada por uma parceria firmada com a
Associação Parceiros da Educação, fundada em 2006.
Esta Associação é formada por um grupo de empresários que decidiu levar à
educação sua experiência em administração de recursos e gestão de negócios, com
o objetivo de “tornar a escola brasileira um modelo de eficiência e de resultados,
formando cidadãos mais qualificados para os desafios do nosso tempo e do futuro”.
41
O pré-teste funcionou como um importante exercício metodológico,
permitindo-me, além de testar o instrumento, levar para o exame de qualificação um
modelo do formato pensado para a análise dos dados.
E foi considerando a análise do pré-teste e as contribuições recebidas no
exame de qualificação que realizei os ajustes que se mostraram necessários.
Seguem, abaixo, os incidentes críticos em sua versão final:
• Mito 1:
o bom professor é sempre calmo e equilibrado, invariavelmente consegue
controlar-se, nunca perde a compostura ou demonstra emoções fortes”.
Incidente
: O caso da bolinha de papel.
Luciana, professora do 6º ano do ensino fundamental, chegou para mais uma
de suas aulas de Geografia.
- Bom dia classe! Hoje falaremos sobre aquecimento global.
Logo no início de sua explanação, Luciana percebeu que, em um dos cantos
da sala, um grupo de alunos não parava de conversar e brincar com bolinhas de
papel. O “líder” deles, Ricardo, levantava-se constantemente para “cutucar” os
colegas.
Já bastante irritada com essa situação, Luciana chamou a atenção do grupo e
pediu para Ricardo sentar-se.
Ricardo sentou-se resmungando: - Sentar para quê? Para assistir mais uma
aula chata?
Antes que Luciana tivesse tempo de responder, Ricardo, ao tentar arremessar
no cesto de lixo sua bolinha de papel, acertou-a violentamente em um dos colegas.
Com o rosto vermelho e a voz alterada, Luciana dirigiu-se a Ricardo:
- Saia agora mesmo da sala e vá imediatamente para a coordenação!
42
• Mito 2: o bom professor aceita todos os alunos de igual maneira, não tendo
favoritos.
Incidente: O caso do “engraçadinho”.
Regina, professora de inglês, entrou pela primeira vez naquele 8º ano do
ensino fundamental no meio do período letivo, para substituir uma professora em
licença-maternidade.
Logo um aluno chamou-lhe a atenção. Rodrigo, garoto simpático, falante,
carismático e irreverente, estava sempre pronto a fazer piadas com tudo.
Regina, em vários momentos perdia a paciência com Rodrigo, mas ele era tão
engraçado que acabava passando sem qualquer repreensão. Era visível para a
classe que Rodrigo se tornara o “queridinho” da professora.
• Mito 3: “o bom professor consegue criar um ambiente que, ao mesmo tempo em
que permanece calmo e sossegado, favorece a aprendizagem excitante, estimulante
e livre”.
Incidente
: O caso do debate.
Maier, professor do 2º ano do ensino médio, chegou para mais uma de suas
aulas de Biologia.
- Boa tarde classe! Dividam-se em dois grandes grupos. Hoje faremos um
debate sobre a eutanásia. Os grupos devem listar os prós e contras desse
procedimento e depois iniciaremos o debate.
Os alunos ficaram muito empolgados com a proposta e começaram a discutir
animadamente. Todos estavam interessados em expressar sua opinião sobre o
43
polêmico tema, muitos falavam ao mesmo tempo e alguns aumentavam o tom de
voz para conseguir chamar a atenção.
Ao mesmo tempo em que ficou satisfeito por sua proposta ter sido bem aceita
pelos alunos, Maier ficou preocupado com o tumulto gerado na sala e disse:
- Pessoal, precisamos manter a ordem! Vocês estão fazendo muito barulho.
Valéria confrontou o professor:
- Mas professor, você quer que a gente debata em silêncio?
Vários alunos demonstraram concordar com Valéria.
• Mito 4: “o bom professor conhece todas as respostas, possuindo uma sabedoria
superior à dos alunos”.
Incidente: O caso do livro.
Rogério, professor de História do 7º ano do ensino fundamental, chegou para
mais uma de suas aulas.
Após uma explanação sobre a vida de Dom Pedro I, respondeu várias
perguntas dos alunos e, pouco antes de encerrar a aula, perguntou se restava mais
alguma dúvida.
Nesse momento, Carol pediu a palavra e perguntou:
- Professor, o que você achou daquele livro... Como chama? Lembrei: “1808:
como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram
Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil”?
- Que livro é esse? Eu não li... Quando foi publicado?
Carol, perplexa, confrontou o professor:
- Como assim não leu? Você não é professor de História?
44
A classe foi tomada por “risinhos” e conversas paralelas, enquanto alguns
apoiavam Carol:
- “Pô”, é mesmo! Esse livro não é sobre História?
- Como é que ele não sabe?
Após a leitura dos incidentes críticos, os participantes da pesquisa deveriam
responder, por escrito: “O que você faria se estivesse no lugar do professor? Por
quê?”
Um modelo do material recebido pelos professores, para que fizessem a
leitura dos incidentes e respondessem as perguntas, pode ser visto no Apêndice A.
Achando pertinente verificar, na análise que seria feita posteriormente, se
fatores como formação e tempo de experiência apresentam alguma relação com a
adesão aos mitos, apliquei um questionário de caracterização, que pode ser
verificado no Apêndice B.
Os procedimentos adotados para a aplicação do instrumento estão descritos
no tópico 3.4.3.
3.4 Quanto à escola, aos participantes da pesquisa e à aplicação
Esta pesquisa foi realizada em um colégio particular, localizado na região sul
da cidade de São Paulo.
Alternativas outras foram cogitadas antes da opção por esta escola, já que
meu objetivo inicial era buscar os participantes entre professores da rede pública.
Mas ao tomar conhecimento que os relatos que levaram Gordon (2003) a definir os
45
mitos do bom professor foram coletados entre docentes de todo o território norte-
americano, de inúmeras instituições e contanto com as mais diversas condições de
trabalho, conclui que este não precisaria ser um critério a ser considerado em uma
pesquisa inicial sobre os mitos do bom professor.
Das três escolas que visitei, na tentativa de obter autorização para a
realização da pesquisa, foi nesta que tive meu acesso facilitado por uma colega
professora, que atua como coordenadora pedagógica no colégio e desejosa de
colaborar com a pesquisa intermediou meu contato com a direção da instituição.
Duarte (2002, p.152), referindo-se às pesquisas de base qualitativa, afirma
que “a confiabilidade e legitimidade de uma pesquisa empírica realizada nesse
modelo dependem, fundamentalmente, da capacidade do pesquisador articular
teoria e empiria em torno de um objeto, questão ou problema de pesquisa”. Na
perspectiva da autora, nas pesquisas de abordagem qualitativa, a profundidade e a
conexão entre o material coletado e o referencial teórico escolhido ganham maior
ênfase que o grau de abrangência e generalização dos dados obtidos.
Diante do exposto, achamos pertinente destacar que os resultados obtidos
por esta pesquisa dizem respeito à realidade específica desta escola e deste grupo
de professores, cabendo generalizações apenas para realidades semelhantes e
ainda assim com o devido cuidado e parcimônia.
3.4.1 A escola
A coordenadora pedagógica que intermediou meu contato com a direção da
escola agendou uma reunião com a diretora do colégio. Nesta ocasião: a) apresentei
meu plano de trabalho; b) recebi autorização oficial para a realização da pesquisa; c)
46
obtive informações sobre o colégio e sua proposta pedagógica e d) visitei as
instalações da escola.
Conforme citado anteriormente, trata-se de um colégio particular, localizado
em um bairro nobre da cidade de São Paulo. Foi fundado há vinte e sete anos, a
partir do projeto educacional de um grupo de educadores católicos que na ocasião
dirigia uma faculdade, atualmente centro universitário. Este centro universitário
ocupa as instalações do colégio no período noturno.
Trata-se de uma escola católica não-confessional
7
, que divulga assumir como
missão “transmitir valores cristãos e humanísticos aos seus alunos” e adotar uma
ação pedagógica que visa “responder aos desafios de formar indivíduos criativos e
dinâmicos, com postura crítica e valores éticos, capazes de aprender e de ser
solidários numa sociedade em constante mudança”.
Funciona em dois períodos e tem um total aproximado de 500 alunos,
distribuídos entre o ensino fundamental e médio. No período matutino são recebidos
os alunos do sexto ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio; no
período vespertino estudam os alunos do primeiro ao quinto ano do ensino
fundamental.
Os 3000 m
2
de área construída ocupados pelo colégio estão distribuídos em:
recepção, secretaria, sala para a diretora e a coordenadora pedagógica, sala de
reuniões, sala dos professores, doze salas de aula, sanitário para os professores,
dois conjuntos de sanitários para os alunos, galpão para o recreio, auditório,
biblioteca, laboratórios (física, química, biologia e informática) e quadra poliesportiva.
7
As escolas católicas confessionais são, necessariamente, vinculadas ou pertencentes à Igreja
Católica ou a confissões religiosas pertencentes a Ela. As escolas católicas não-confessionais,
embora também baseiem seus princípios e forma de atuação no catolicismo, não estão subordinadas
às determinações da Igreja.
47
O colégio está localizado em um bairro relativamente próximo do centro de
São Paulo, com boa infra-estrutura de transporte (metrô e várias linhas de ônibus), o
que faz com que receba alunos oriundos dos bairros circunvizinhos.
A proposta pedagógica da instituição, segundo seus dirigentes, é alicerçada
em quatro pilares de sustentação, quais sejam: 1) aprender a aprender; 2) aprender
a fazer; 3) aprender a viver e 4) aprender a ser. Embora não mencionada pela
diretora, é evidente a inspiração nos pilares descritos por Jacques Delors
8
:
aprender a conhecer
: a descoberta das alegrias do conhecimento e da
pesquisa favorece o despertar da curiosidade intelectual, além de
estimular o senso crítico, a compreensão da realidade e a aquisição de
discernimento suficiente para possibilitar o acesso às oportunidades
oferecidas pela educação ao longo de toda a vida. Aprender a conhecer
pressupõe aprender a aprender
, exercitando a atenção, a memória e o
pensamento;
aprender a fazer: mais do que a aquisição de uma qualificação
profissional, implica no desenvolvimento de competências que tornem o
indivíduo apto a enfrentar situações diversas e a trabalhar em equipe;
aprender a viver
: o mundo tem sido palco de conflitos e embora a
educação não possa ter a pretensão de evitá-los, pode ensinar a não-
violência na escola, sendo mais uma voz, dentre outras, a levantar-se
contra os preconceitos geradores de conflitos. Para tanto é preciso o
aprendizado do “viver junto”, por meio da compreensão do outro e do
respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz;
8
Esta descrição aparece primeiramente no Relatório para a UNESCO redigido pela Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI, que foi coordenada por Jacques Delors. No Brasil
este relatório foi publicado em forma de livro (vide referências bibliográficas).
48
aprender a ser: para que o aluno aprenda a ser é preciso que a educação
não negligencie nenhuma das suas potencialidades, favorecendo o
desenvolvimento de sua capacidade de autonomia, discernimento e
responsabilidade pessoal. (DELORS, 2004).
Estes pilares alicerçam algumas metas que permeiam a prática pedagógica
do colégio:
levar em consideração o aluno contextualizado, procurando educá-lo de
maneira integral;
oferecer conteúdos atualizados e vivenciados, de forma a favorecer o
desenvolvimento do gosto pela pesquisa;
apresentar coerência entre o falar e o agir;
disciplinar para formar e não para punir;
acreditar no professor e nos demais profissionais da escola, além de fazer
investimentos no seu desenvolvimento;
avaliar de maneira constante, processual e diversificada;
investir no desenvolvimento das competências e habilidades necessárias
ao cidadão do novo milênio;
promover relacionamentos baseados no respeito mútuo;
utilizar métodos e técnicas adaptados à realidade dos alunos.
Como atividades extracurriculares são oferecidas aulas de handbol, judô,
teatro, violão, futsal e ballet.
49
3.4.2 Os participantes
Em uma reunião de final de semestre, durante a qual a coordenadora
pedagógica permitiu-me utilizar parte do tempo, expus a atividade que seria
proposta e convidei os vinte professores do colégio a participarem da pesquisa. No
entanto, somente onze aceitaram o convite, ao passo que os demais informaram
estar impossibilitados de assumir qualquer compromisso em função das tarefas de
fechamento do semestre.
Com os professores que concordaram em colaborar com a pesquisa, ficou
combinado que a aplicação seria feita em seus respectivos horários de trabalho
pedagógico.
No Quadro 1, apresento breve caracterização dos participantes desta
pesquisa, fazendo uso de nomes fictícios que serão mantidos em todo o trabalho.
O grupo de participantes é composto por professores com idade média de 45
anos e no mínimo quatro anos de experiência como docentes.
50
Quadro 1: Caracterização dos participantes da pesquisa
Nome Idade Formação
Disciplinas
lecionandas
Níveis para os
quais leciona
Tempo de
atuação
1. Adriana
30
Mestrado
Informática Básico De 4 a 8 anos
2. Beatriz
33
Graduação
Geografia Básico e Médio De 9 a 15 anos
3. Carlos
34
Latu-sensu
Filosofia Básico e Médio De 4 a 8 anos
4. Diogo
39
Latu-sensu
Educação Física Básico e Médio Mais de 15 anos
5. Eliane
42
Latu-sensu Matemática e
Ciências
Básico De 9 a 15 anos
6. Flávia
45
Latu-sensu
Espanhol Básico e Médio De 4 a 8 anos
7. Gilberto
46
Mestrado
Matemática Básico e Médio Mais de 15 anos
8. Helena
47
Graduação Língua Portuguesa,
História e Geografia
Básico De 9 a 15 anos
9. Irene
58
Latu-sensu
Língua Portuguesa Médio Mais de 15 anos
10. Joana 60 Graduação História Básico Mais de 15 anos
11. Karen 60 Latu-sensu Artes Básico e Médio Mais de 15 anos
51
3.4.3 A aplicação
Ainda na reunião em que os professores aceitaram participar da pesquisa,
expliquei, coletivamente, a proposta de trabalho e tirei dúvidas. Neste mesmo dia
ficou combinado que as aplicações seriam realizadas individualmente, nos horários
de trabalho pedagógico de cada professor. Juntamente com os docentes organizei a
agenda de aplicações, que apresento no Quadro 2.
Quadro 2: Agenda dos horários de aplicação
Horário 3ª feira 4ª feira 5ª feira 6ª feira
8h00 às 8h50 - Diogo - -
9h40 às 10h30 Adriana - - Joana
10h45 às 11h35 - Eliane - -
12h25 às 14h15 - - Helena -
12h30 às 13h20 Beatriz - - -
13h00 às 13h50 - Flávia - -
8h00 às 8h50 - - - -
9h40 às 10h30 - - - Karen
10h45 às 11h35 - Gilberto - -
12h25 às 14h15 - - Irene -
12h30 às 13h20 Carlos - - -
As aplicações ocorreram em meados de novembro de 2008, nos horários
previstos. Os professores demoraram entre vinte e quarenta minutos para responder
os incidentes críticos e a aplicação ocorreu sem dificuldades. Acredito que as
explicações fornecidas no encontro coletivo foram importantes para que o momento
da aplicação transcorresse tranquilamente.
52
CAPÍTULO 4: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço, e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
(Fernando Pessoa - Alberto Caieiro)
Após ler o material coletado várias vezes e refletir longamente sobre os
caminhos possíveis, optei por organizar a apresentação e análise dos resultados da
seguinte maneira:
(A) Análise de cada um dos incidentes e do mito correspondente, de acordo
com as seguintes etapas:
identificação dos posicionamentos recorrentes no discurso dos participantes,
de forma a estabelecer categorias de análise;
partindo das categorias de análise estabelecidas, identificação de pistas da
adesão dos participantes aos mitos pesquisados;
construção de um quadro para cada mito, de forma a possibilitar a
visualização das categorias recorrentes;
utilização de trechos dos comentários dos participantes para ilustrar a
apresentação e discussão dos dados;
disponibilização das respostas na íntegra no Apêndice C.
Esta parte da análise encontra-se nos tópicos 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4.
53
(B) Construção de um quadro síntese, apresentado no tópico 4.5, com o
intuito de possibilitar uma visão panorâmica do posicionamento de cada
participante e do grupo em relação aos mitos do bom professor.
(C) Comparação, por meio da construção de um quadro, entre dados do perfil
dos participantes (levantados no questionário de caracterização apresentado
no Apêndice B) e a adesão destes aos mitos do bom professor. Esta
discussão está apresentada no item 4.6.
Toda a análise foi conduzida à luz das ideias de Carl Rogers e Thomas
Gordon.
4.1 O caso da bolinha de papel e o mito do professor sem emoções
Com o intuito de conhecer o posicionamento dos participantes frente ao mito
“o bom professor é sempre calmo e equilibrado, invariavelmente consegue controlar-
se, nunca perde a compostura ou demonstra emoções fortes”, foi elaborado o
incidente crítico “o caso da bolinha de papel”.
Neste incidente crítico, a professora Luciana perde a paciência com o aluno
Ricardo quando ele, em meio a brincadeiras com bolinhas de papel, acerta
violentamente uma delas em um dos colegas. A professora chega a alterar a voz
quando manda o aluno sair imediatamente da sala e dirigir-se à coordenação.
Lendo atentamente os direcionamentos propostos pelos participantes,
verifiquei que poderiam ser enquadrados em uma ou mais das seguintes categorias:
54
(a) propor maneira de lidar com o conflito; (b) levar o caso à
coordenação/diretoria e (c) criticar a postura da professora.
A ausência de uma categoria de respostas que contemplasse compreensão
empática pelos sentimentos da professora, que se ofendeu profundamente com a
situação, a ponto de alterar a voz e ficar com o rosto vermelho, foi considerada como
um indicativo de adesão a este mito.
Nenhum dos professores, ao comentarem o que fariam no lugar de Luciana,
se solidarizaram ou fizeram qualquer menção aos sentimentos que a situação
provocou na professora. Para que isso acontecesse, seria preciso que Luciana
tivesse sido vista como um ser concreto, em sua atuação, desvestida do mito de que
o bom professor nunca sente ou demonstra emoções fortes.
Mesmo Diogo e Joana, que não aderiram ao mito, expressaram concordância
com a ação tomada por Luciana para lidar com a indisciplina do aluno, mas não
fizeram nenhuma referência aos sentimentos que a levaram a agir daquela maneira.
Diogo “faria igual à professora” com o intuito de “prosseguir a aula” e Joana
“adotaria a mesma atitude”, lembrando que se trata de uma questão “de limites,
respeito, educação, regras básicas para a boa convivência e o aprendizado”. Como
se percebe, apesar da não adesão ao mito, o foco destacado por ambos foi o papel
disciplinador da professora e não sua condição de ser humano sujeito a perder o
controle diante de situações difíceis.
Apresento, na sequência, o Quadro 3, onde sintetizo as respostas dos
professores e seu posicionamento frente ao mito; bem como a discussão das três
categorias de análise identificadas.
55
Quadro 3: O caso da bolinha de papel e o mito do professor sem emoções
Professor
Direcionamento proposto /
Comentários
Categorias
identificadas
Compreensão
pelo sentimento
de Luciana
Adesão
ao Mito
1. Adriana
(a) Não iniciar a aula antes do
silêncio da turma e levar os outros
alunos a pedirem silêncio ao
colega;
(b) Não funcionando as ações
anteriores, mandar o aluno para a
coordenação/ diretoria
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
(b) Levar o caso à
coordenação/diretoria. Não
Sim
2. Beatriz
(a) Conversar com o aluno sobre o
incidente, cativando-o.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Não
Sim
3. Carlos
(c) A postura de Luciana já estava
desgastada;
(a) Conversar individualmente e
tentar resolver o conflito.
(c) Criticar a postura da
professora;
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Não
Sim
4. Diogo
(a) Agir como a professora para
poder dar andamento à aula.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Apoio explícito à
ação, mas NÃO
ao sentimento.
Não
5. Eliane
(a) Conversar com o aluno e
procurar saber o motivo do
desinteresse, procurando cativá-lo;
(b) Não funcionando as ações
anteriores, mandar o aluno para a
coordenação/ diretoria.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
(b) Levar o caso à
coordenação/diretoria.
Não
Sim
6. Flávia
(a) Solicitar que o aluno peça
desculpas e recolha as bolinhas.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Não
Sim
7. Gilberto
(a) Controlar as atitudes dos alunos
separando os grupos.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Não
Sim
8. Helena
(c) Não deixar a situação chegar ao
ponto que chegou;
(a) Pedir aos alunos que se
separem e prestem atenção na aula
e não funcionando as ações
anteriores, tomar outras
providências cabíveis.
(c) Criticar a postura da
professora.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito. Não
Sim
9. Irene
(b) Mandar o aluno para a
coordenação/diretoria.
(a) Pedir que o aluno “aponte” as
faltas ocorridas e como acha que
deve ser uma aula de Geografia.
(b) Levar o caso à
coordenação/diretoria.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Não
Sim
10. Joana
(a) Adotar a mesma atitude que
Luciana como forma de manter os
limites (respeito, educação, regras,
etc.).
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Apoio explícito à
ação, mas NÃO
ao sentimento.
Não
11. Karen
(a) Mudar os alunos de lugar para
dissolver o grupo e pedir a
concentração de todos antes de
iniciar a aula.
(a) Propor maneira de
lidar com o conflito.
Não
Sim
56
(A) Propor maneira de lidar com o conflito
Todos os participantes desta pesquisa, ao descreverem o que fariam se
estivessem no lugar de Luciana, indicaram os caminhos que adotariam para lidar
com a situação conflituosa apresentada no incidente crítico.
Os direcionamentos propostos têm em comum a ênfase dada à necessidade
da professora retomar o controle da situação e a pouca atenção ao sentimento
experimentado por Luciana diante da situação desencadeada pelo aluno Ricardo.
Essa ênfase é evidenciada no discurso de vários professores, que falam sobre a
impossibilidade de dar início a aula sem que a turma esteja sob controle:
Se eu estivesse no lugar de Luciana, antes de iniciar a explanação sobre um
determinado tema em sala de aula, pediria silêncio e enquanto todos não fizessem
silêncio não iniciaria a aula, isso faria com que os próprios alunos interessados na
aula pedissem ao colega Ricardo para fazer silêncio e prestar atenção na aula”.
(Adriana).
[...] “não aceito entrar em uma sala cujos alunos já estão com estas
características (fundo, papel, etc.)”. (Carlos)
“Antes de iniciar a aula procuraria controlar as atitudes dos alunos, separando
o grupo se necessário”. (Gilberto).
“Se, logo no início da explicação, ela percebeu que um grupo de alunos não
parava de conversar, deveria parar a explanação, chegar perto deles, com educação
e delicadeza, pedir que se separassem e prestassem atenção às aulas”. (Helena)
[...] “antes de mais nada, para começar a aula sempre deve-se pedir a
atenção, não se pode pedir nada com grupos desconcentrados. Perder uns minutos
57
no começo da aula pode ser produtivo para a aula inteira. Sempre a prevenção é a
melhor solução”. (Karen)
É inegável que certa ordem é necessária para que a aula seja possível. É,
portanto, bastante natural os professores pensarem em maneiras de dirimir os
conflitos para chegar a esta condição.
As soluções propostas envolvem conversar com o aluno sobre a ocorrência,
buscando “conscientizá-lo” sobre a inadequação de seu comportamento. Irene, por
exemplo, solicitaria a Ricardo que “apontasse as faltas ocorridas em sala de aula e
como ele ‘achava’ que deveria ser uma aula de Geografia. O objetivo, no entanto,
não seria de fato saber a opinião do aluno sobre a situação e sim diagnosticar “o
grau de interesse dele” e verificar “se a conduta foi apenas insubordinação”.
Duas das participantes, Beatriz e Eliane, tentariam “cativar” Ricardo como
maneira de resolver a situação conflituosa. Para Beatriz, “cativar esse aluno” seria o
caminho para “aproveitá-lo como instrumento de melhor participação na aula”. Eliane
acredita que “cativá-lo” possibilitaria “compreender o motivo de tanto desinteresse” e
explicar a ele que sua atitude estava prejudicando a aula”.
Flávia acredita que a solução seria “convidar o aluno que acertou o colega a
pedir desculpas e recolher todas as bolinhas que estivessem jogadas no chão”.
Partindo do pressuposto de que Rodrigo faz parte de um grupo “que gosta de
desestruturar as aulas”, Karen optaria por mudá-lo de lugar “para dissolver este
grupo”. Helena também acredita que a solução seria “pedir que se separassem e
prestassem atenção às aulas”.
Os direcionamentos propostos pelos professores para equacionar o conflito
ocasionado pelo comportamento de Ricardo divergem das estratégias propostas por
58
Gordon (2003) para lidar com alunos que apresentam comportamentos
inadequados.
O autor acredita que parte da dificuldade dos professores quando lidam com
esse tipo de situação está no fato de pensarem na resolução dos conflitos em
termos de ganhar e perder. Essa visão dicotomizada faz com que acreditem que se
não forem diretivos serão permissivos. Nessa perspectiva, a relação professor-aluno
passa a ser encarada como uma luta pelo poder. Quando assumem que devem
ganhar a “peleja”, os professores tendem a resolver os conflitos de maneira
autoritária, ou, no mínimo, sem buscar a participação dos alunos.
De acordo com o autor, pesquisas sobre os efeitos da resolução de conflitos
pelo método autoritário chegaram a conclusões que levaram muitos professores a
compreender a ineficácia da prática, algumas delas são: a) a produção de forte
hostilidade do vencido para com o vencedor, fazendo com que o primeiro sinta-se
pouco motivado a aderir à solução proposta; b) o vencedor sente-se obrigado a
empregar todos os meios para que os vencidos respeitem a decisão, no entanto, em
sua ausência os vencidos deixam de se sujeitar; c) inibe o desenvolvimento da
autorresponsabilidade, favorecendo a dependência e a necessidade de orientação;
d) favorece a submissão pelo medo e inibe o desenvolvimento da consideração
pelas necessidades dos outros; e) desmotiva o desenvolvimento da autodisciplina e
do autocontrole (GORDON, 2003, p. 189-190).
Convencido que o uso do poder na resolução de situações conflituosas é
potencialmente destrutivo, Gordon propôs o “método sem vencidos de resolução de
conflitos”, que consiste, basicamente, em abordar a situação de modo que as partes
envolvidas se juntem na procura de uma solução aceitável para ambas.
59
O primeiro passo deste método é extremamente importante para o sucesso
de todo o processo e consiste na definição do problema.
Para o êxito desta etapa é importante que alguns cuidados sejam tomados. O
método fica comprometido quando os alunos o veem como uma estratégia de
manipulação do professor, por isso a tentativa de “conduzi-los” ou “cativá-los” não é
recomendável.
É fundamental que o professor esteja aberto para expor suas necessidades
de maneira honesta, não escondendo, exagerando ou minimizando os próprios
sentimentos. Para tanto, devem ser utilizadas as “mensagens na primeira pessoa”,
que consistem em declarar, de maneira clara e objetiva, as próprias necessidades
não atendidas, e não as soluções consideradas ideais para satisfazê-las (GORDON,
2003).
Ao emitir uma mensagem na primeira pessoa, o professor apresenta-se de
maneira congruente, pois assume a responsabilidade pela própria condição interna.
Um professor que avisa: “estou com dor de cabeça e mal posso ouvir o grupo com
quem estou trabalhando” diz aos seus alunos exatamente qual a sua necessidade;
ao passo que aquele que determina: “quero silêncio na sala!” explicita a solução que
pretende, mas não quais são seus sentimentos e incômodos frente à situação.
A título de ilustração, transcrevo abaixo o relato de uma professora
participante do programa de capacitação para professores de Gordon:
Numa tarde da semana passada fazia calor. Sentia-me cansada e
doía-me a cabeça. [...] Decidi parar de sorrir e revelar aos alunos o
que sentia. E disse-lhes: ‘Estou cansada, a cabeça dói-me, estou
farta de sorrir e de fingir que não me incomoda este barulho que
todos estão fazendo. Mas incomoda e já não suporto mais’. Fiquei
espantada! As crianças acalmaram de imediato. Uma delas até foi
buscar um copo de água! [...] Eles só perceberam como eu me sentia
depois que eu lhes disse. [...] No dia seguinte, ao dirigir-me para a
sala, um dos rapazes veio perguntar-me se estava melhor.
(GORDON, 2003, p. 35-36).
60
De maneira análoga a professora, os docentes surpreendem-se quando
percebem como a consideração dos alunos por suas necessidades aumenta quando
conseguem expor com honestidade aquilo que estão sentindo.
Uma vez concluída a fase de definição do problema, as etapas seguintes, que
devem ser conduzidas com a participação dos alunos, consistem em a) levantar
soluções possíveis, usando a técnica do brainstorming; b) avaliar as soluções,
sempre utilizando e incentivando a utilização das mensagens na primeira pessoa
para explicitação dos sentimentos motivados por elas; c) optar, em consenso, pela
melhor solução e d) avaliar, tão logo possível, os resultados da solução aplicada.
O método “sem vencidos” é uma alternativa possível aos direcionamentos
propostos pelos professores desta pesquisa.
(B) Levar o caso à coordenação/diretoria
Adriana e Eliane entenderam que buscar o apoio da diretoria/coordenação
seria a solução caso as tentativas anteriores de resolver o conflito falhassem. Para
Adriana, se os pedidos de silêncio não funcionassem e “mesmo assim Ricardo
arremessasse a bolinha de papel acertando um colega”, a solução seria mandá-lo
“para a sala da coordenação/diretoria”. Eliane também afirma que “caso não
houvesse possibilidade de haver um acordo, pediria então, ajuda da coordenação”.
Já Irene, sugeriu a coordenação/diretoria como o primeiro recurso a ser
utilizado para lidar com a indisciplina do aluno: “mandá-lo-ia para a coordenação
pela falta de postura”. A ação seguinte desta professora seria pedir que o aluno
61
“apontasse as faltas ocorridas em sala de aula e como ele ‘achava’ que deveria ser
uma aula de Geografia. Discutiria possíveis estratégias”.
O ato de mandar para a coordenação ou diretoria o aluno pode ser uma
estratégia do professor para interromper o confronto, eximindo-se de lidar
diretamente com a situação de conflito.
De acordo com Chrispino (2007), o ato de evitar os conflitos, muitas vezes até
o momento em que eles se manifestam de maneira mais violenta, é reflexo da
dificuldade que as pessoas geralmente têm para lidar com eles.
O autor pondera que, embora o conflito seja parte integrante da vida e da
atividade social, a maioria das pessoas não foi preparada para identificá-lo e lidar
com ele. Talvez por isso o impulso de delegá-lo para alguma outra instância, como é
o caso de alguns dos participantes desta pesquisa.
(C) Criticar a postura da professora
Alguns professores criticaram o comportamento da professora descrita no
incidente crítico.
Para Carlos, “a postura de Luciana já estava desgastada” e Helena afirmou
que “não deixaria chegar a esse ponto”.
É grande a resistência apresentada pela maioria dos professores quando se
trata do reconhecimento das próprias dificuldades. Intenso também é o cuidado para
que a imagem frente aos alunos não seja arranhada e penoso é aceitar que em
alguns momentos não é possível evitar que a situação chegue “aquele ponto”.
62
Rogers (1973a, 161), no entanto, alerta que faz parte do papel do facilitador
de aprendizagem o árduo exercício de reconhecer e aceitar as próprias limitações.
Esse movimento se dá, dentre outras situações, nos momentos em que o professor
fica “irritado e ressentido com atitudes do aluno para com ele e se zanga diante de
certos comportamentos”.
Bastante pertinente o destaque que Rogers dá a congruência, algumas vezes
destacando sua supremacia diante das outras condições facilitadoras. A atitude
congruente só é possível quando o indivíduo tem consideração e compreensão por
si mesmo. E não será esse um pré-requisito para tornar possível a compreensão e a
consideração pelo outro?
Nas palavras de Morin (2000, p. 97): “a incompreensão de si é fonte muito
importante da incompreensão de outro. Mascaram-se as próprias carências e
fraquezas, o que nos torna implacáveis com as carências e fraquezas dos outros”.
É importante destacar que é inquestionável que muitas vezes os alunos
comportam-se de maneira inaceitável e os professores não têm como ficar
impassíveis diante dessa situação. Não se trata, portanto, de ignorar o problema da
falta de disciplina nas salas de aula. Mas também é fato que a adesão ao mito de
que o professor deve comportar-se como um robô, evitando e escondendo os
próprios sentimentos, não colabora para que alternativas mais produtivas sejam
encontradas.
63
4.2 O caso do “engraçadinho” e o mito do professor sem prediletos
Para conhecer o posicionamento dos participantes frente ao mito “o bom
professor aceita todos os alunos de igual maneira, não tendo favoritos” foi construído
o incidente crítico que descreve a situação da professora Regina.
Regina, professora de inglês do 8º ano do ensino fundamental, simpatiza com
Rodrigo, um garoto alegre e carismático, sempre pronto a fazer piadas com tudo. A
professora achava Rodrigo tão engraçado que deixava de repreendê-lo mesmo nos
momentos em que perdia a paciência com ele.
O incidente deixa clara a simpatia de Regina por Rodrigo, mas em nenhum
momento descreve situações em que esta predileção tenha levado a professora a
perder o controle da turma, ser injusta ou deixar de dar atenção aos outros alunos,
ou, ainda, identificar Rodrigo como um aluno desrespeitoso ou com problemas de
relacionamento. Chama a atenção, portanto, que vários professores tenham
proposto direcionamentos partindo dessas inferências, que foram agrupadas na
categoria fazer inferências. Essa categoria pode ser considerada como um forte
indicativo de adesão ao mito, pois sugere que o professor que têm prediletos
necessariamente será injusto com os outros alunos, perderá o controle da turma e
favorecerá o comportamento inadequado e desrespeitoso do “predileto”.
Outras três categorias que apareceram de maneira recorrente no discurso dos
participantes foram: punir e/ou expor o aluno; solicitar ao aluno que mude de
comportamento e criticar a postura da professora e/ou sugerir que esconda a
predileção.
64
Ficou evidente que as categorias punir e/ou expor o aluno e solicitar ao
aluno que mude de comportamento são oriundas das pressuposições agrupadas
na categoria fazer inferências. As necessidades de punir o “predileto” ou solicitar
que mude seu comportamento podem ser entendidas como uma maneira de prestar
contas ao resto da turma e retomar o curso “normal” das coisas.
E, por fim, criticar a postura da professora e/ou sugerir que esconda a
predileção claramente evidencia a adesão dos professores ao mito.
Apenas os professores Diogo e Karen não demonstraram aderir ao mito, pois
embora destaquem que o professor deve esconder qualquer simpatia diferenciada,
ao menos aceitam a possibilidade da existência de alguma predileção. De acordo
com Diogo “é certo que nós temos algumas preferências, porém não podemos dar
sinais e demonstrar isso, todos devem ser tratados igualmente”. Karen, por sua vez,
afirma que “por mais que você simpatize com um aluno, pelo motivo que for, jamais
pode deixar isto transparecer; isto inibe os demais e provoca rebeldia ou apatia nos
outros alunos”.
Sintetizo, no Quadro 4, as categorias identificadas e a adesão dos
professores ao mito. Na sequência apresento a discussão das categorias
identificadas, exemplificando-as com trechos dos relatos dos participantes.
65
Quadro 4: O caso da bolinha de papel e o mito do professor sem prediletos
Professor
Direcionamento proposto /
Comentários
Categorias identificadas
Adesão
ao Mito
1. Adriana
(c) Pedir, em particular, para o aluno
parar com as brincadeiras;
(b) Não resolvendo, repreender na
frente dos colegas.
(c) Solicitar ao aluno que mude de
comportamento.
(b) Punir e/ou expor o aluno.
Sim
2. Beatriz
(a.1) Todos precisam receber a
mesma atenção;
(a.2) Fazer trabalho com os pais para
melhorar o relacionamento do aluno.
(a.1) Inferir que professora não dá
igual atenção a todos.
(a.2) Inferir que o aluno é
desrespeitoso ou tem problemas de
relacionamento.
Sim
3. Carlos
(d) Crítica à postura da professora;
(c) Pedir, em particular, para o aluno
parar com as brincadeiras;
(b) Não resolvendo, acionar a
coordenação.
(d) Criticar a postura da professora
e/ou sugerir que esconda a
predileção;
(c) Solicitar ao aluno que mude de
comportamento.
(b) Punir e/ou expor o aluno
Sim
4. Diogo
(d) Predileção não pode ser
demonstrada;
(a.1) Todos precisam ser tratados
igualmente.
(d) Criticar a postura da professora
e/ou sugerir que esconda a
predileção
(a.1) Inferir que professora não dá
igual atenção a todos.
Não
5. Eliane
(c) Pedir, em particular, para o aluno
parar com as brincadeiras.
(c) Solicitar ao aluno que mude de
comportamento.
Sim
6. Flávia
(b) Falar que a sala de aula não é
circo e o aluno não é palhaço e pedir
para que os colegas parem de dar
atenção.
(b) Punir e/ou expor o aluno
Sim
7. Gilberto
(a.1) Todos precisam receber a
mesma atenção e ser tratados com a
mesma educação;
(d) Não deve existir excesso de
simpatia do professor.
(a.1) Inferir que professora não dá
igual atenção a todos.
(d) Criticar a postura da professora
e/ou sugerir que esconda a
predileção
Sim
8. Helena
(a.3) O professor precisa evitar
exageros para não perder o respeito;
(c) Conversar com o aluno.
(a.3) Inferir que a professora perdeu
o respeito e o controle da turma.
(c) Solicitar ao aluno que mude de
comportamento.
Sim
9. Irene
(a.3) Não permitir que o aluno domine
a classe e assuma o tempo dedicado
à aula.
(a.3) Inferir que a professora perdeu
o respeito e o controle da turma. Sim
10. Joana
(a.2) e (c) Chamar a atenção e pedir
que o aluno adote atitudes
respeitosas;
(d) Não devem existir preferências na
sala de aula.
(c) Solicitar ao aluno que mude de
comportamento.
(a.2) Inferir que o aluno é
desrespeitoso ou tem problemas de
relacionamento.
(d) Criticar a postura da professora
e/ou sugerir que esconda a
predileção
Sim
11. Karen
(d) O professor não deve deixar
transparecer sua simpatia pelo aluno.
(d) Criticar a postura da professora
e/ou sugerir que esconda predileção.
Não
66
(A) Fazer inferências
Beatriz embasa suas sugestões em inferências, supondo, primeiramente, que
ao simpatizar com o aluno Regina deixa de lado os demais, não lhes oferecendo
igual atenção. Subtende, também, que o aluno apresenta algum tipo de problema de
relacionamento: “Primeiramente, é necessário ter igualdade de atenção para todos.
É claro que isso é impossível, pois alguns alunos são mais tímidos, outros mais
extrovertidos. Mas em atividades em sala de aula, faz-se necessário valorizar esses
outros alunos, que não ‘aparecem’ tanto e assim mostrar através dessa atitude e
conversar com esse aluno, que é mais extrovertido, colocando para ele, que outros
alunos também precisam de atenção. Se isso não resolver, é necessária a
solicitação de um trabalho específico com os pais, para melhorar o relacionamento
desse aluno”.
Diogo, embora não tenha aderido ao mito, também infere que predileções,
necessariamente, prejudicam os outros alunos: “é certo que nós temos algumas
preferências, porém não podemos dar sinais e demonstrar isso, todos devem ser
tratados igualmente”.
Gilberto, não apenas infere que predileções levam o professor a tratar os
demais alunos com menos atenção e cortesia, como desaconselha que o professor
seja muito simpático com seus alunos: “O excesso de simpatia não deve existir”.
Helena pressupõe que Regina corre o risco de perder o controle: “os
exageros devem ser evitados, a fim de que o professor não perca o respeito”; ao
passo que Irene, mais enfática, chega a inferir que a professora permitiu que o aluno
67
controlasse a turma: “não permitiria que o garoto dominasse a classe e assumisse o
tempo dedicado à aula”.
Mantendo a tendência dos colegas, Joana também faz inferências,
destacando que solicitaria ao aluno que “adotasse atitudes respeitosas”, apesar do
incidente crítico limitar-se a descrever Rodrigo como um aluno carismático,
irreverente e piadista, não citando nenhum episódio de falta de respeito.
Embora de maneira mais discreta, Carlos também supõe que o
comportamento do aluno “torna-se inconveniente e desrespeitoso” e que “tudo isto
depõe contra ele, fazendo com que ele perca até as qualidades”.
Não serão as inferências representações dos medos do professor? Deste
professor que tem medo de demonstrar os próprios sentimentos, medo de perder o
controle da turma, medo de ter a postura questionada ou classificada como
inadequada pelos alunos e pelos colegas. Medo, medo, medo... Medo tão intenso
que o leva a defender-se até mesmo do que não se apresenta como realidade
concreta.
Como poderá ser congruente com os próprios sentimentos e com seus alunos
este professor paralisado pelo medo, dominado pelo mito? Convencido que aquilo
que foge ao padrão é prejudicial, devendo ser contornado, modificado, eliminado?
De que forma este professor poderá compreender empaticamente os
sentimentos de seus alunos? Será possível aceitar incondicionalmente aquele aluno
que demonstra preferência por outro professor?
Como servir de modelo para que seus alunos desenvolvam atitudes
facilitadoras da aprendizagem e do convívio social?
Impossível dar o que não se tem...
68
(B) Punir e/ou expor o aluno
Três professores, entendendo como problemático o comportamento de
Rodrigo, sugeriram punições.
Para Adriana, se uma conversa não resolvesse, medida mais drástica deveria
ser tomada “não que isso fizesse ou merecesse uma repreensão frente aos colegas,
mas que se persistisse durante as próximas aulas teria de chamar a atenção na
frente dos colegas e não gostaria de fazer isso, pois é muito querido pela sala e pela
professora”.
Interessante notar a contradição de Adriana: “não que isso fizesse ou
merecesse uma repreensão”, mas... Nesse “mas” fica implícito o suposto “papel” do
professor, tão difundido nos mitos. O papel daquele professor que precisa manter a
ordem e o “respeito”. O paradoxo de quem ao mesmo tempo em que sugere “uma
conversa tranquilo, com elogios”, não deixa de usar a ameaça como recurso, afinal
ela “não gostaria de fazer isso”, mas
se o comportamento persistisse “teria de
chamar a atenção na frente dos colegas”.
Carlos também sugere uma tentativa de lidar com o suposto comportamento
inadequado por meio de uma conversa, mas o caminho proposto caso a situação
persista é similar: “caso contrário, na nova ocorrência, acionar a coordenação”.
Flávia, por sua vez, adotaria postura mais drástica, chegando a expor o aluno
diante dos colegas: “Quando o aluno chama a atenção e atrapalha sempre faço uma
brincadeira com eles dizendo que a sala não é circo, e que determinado aluno não é
candidato a palhaço nem malabarista... Que apesar de se fazer de engraçadinho
não está com nariz vermelho, e que determinadas situações acontecem porque têm
69
platéia e que a partir do momento que não haja platéia, ou seja, quem ria dele e de
suas piadas, ele irá diminuir suas gracinhas”.
Bastante difundidas como mecanismos para controlar os alunos e lidar com
situações que envolvem conflitos, as punições desfavorecem o relacionamento entre
professor e aluno e na maioria das vezes, além de não promoverem mudança
duradoura no comportamento do estudante, provocam reações indesejáveis.
Para Gordon (2003), tudo que o uso de poder do professor provoca nos
alunos são os sentimentos de medo, ressentimento e irritação. Além de serem
potencialmente destrutivos para o relacionamento, esses sentimentos levam o aluno
a comportamentos hostis e ao desejo de “rebater, resistir, testar a vontade do
professor, manifestar crises de raiva”.
Ainda que as punições não sejam levadas a termo, os “avisos” e ameaças
são suficientes para provocar hostilidade e, muitas vezes, deixar o aluno tentado “a
fazer aquilo que lhe foi proibido só para ver se o professor cumpre a ameaça”.
(GORDON, 2003, p. 81).
Para o autor, ainda mais destrutivas são as punições que envolvem humilhar,
estereotipar ou ridicularizar o aluno. Essas práticas, além de produzirem efeitos
devastadores na autoimagem dos estudantes, levam-nos a responderem no mesmo
tom ao professor.
Discorrendo sobre algumas das características que permeiam um clima
propício à ocorrência do ensino e da aprendizagem, Mahoney (1990) destaca a
necessidade de se distinguir a punição do ato necessário de se colocar limites para
o trabalho em classe. A autora previne que a não distinção entre essas ações
“costuma gerar muita ansiedade e enfraquecer as interações, além, de muitas
vezes, impedir o trato com os limites gerando situações insustentáveis”.
70
Fica evidente que esse tipo de direcionamento é um obstáculo à comunicação
e um empecilho ao estabelecimento das condições facilitadores do relacionamento
interpessoal que compõem a tríade rogeriana.
Como esperar que o aluno seja congruente diante desses direcionamentos?
E, definitivamente, é impossível conciliar os atos de punir, ameaçar ou humilhar com
as atitudes de compreender empaticamente e apresentar consideração positiva
incondicional pelo aluno.
(C) Solicitar ao aluno que mude de comportamento
Para Adriana, Carlos, Eliane, Helena e Joana o caminho seria Regina chamar
Rodrigo para uma conversa em particular e solicitar-lhe que mudasse seu
comportamento nas aulas.
Enquanto Adriana, Eliane e Helena ressaltam a inconveniência das piadas
serem feitas durante as aulas; Carlos e Joana também evidenciam o suposto
comportamento “desrespeitoso” do aluno: na sala de aula torna-se inconveniente e
desrespeitoso” (Carlos); “solicitaria que adotasse atitudes respeitosas” (Joana).
Na proposta desses cinco professores está claro o pressuposto de que um
problema de relacionamento foi diagnosticado no comportamento de Rodrigo e a
solução é apresentada de maneira unívoca: o aluno deve modificar seu
comportamento acatando as “mensagens de solução” que deverão ser indicadas
pela professora.
Gordon define as mensagens de solução como aquelas que:
revelam claramente a um aluno de que modo ele deve modificar o
seu comportamento – o que deve fazer, o que tem de fazer, o que há
71
a fazer ou o que pode fazer. Nestas mensagens, o professor
apresenta soluções para os seus próprios problemas e espera que o
aluno as aceite. (GORDON, 2003, pg. 131).
De acordo com o autor, embora elevado nível de professores use esse tipo de
mensagem, seus efeitos levam o aluno a adotar uma ou mais das seguintes
posturas: 1) resistir à mudança; 2) sentir que o professor o considera incapaz; 3)
entender que o professor tem pouca consideração pelos seus sentimentos e
necessidades; 4) sentir culpa e/ou vergonha; 5) sentir-se diminuído em sua
autoestima; 6) sentir raiva e procurar justificativas para se vingar; 7) desistir, deixar
de tentar.
Os mitos, bem como as experiências com seus antigos professores,
colaboram para que os docentes continuem emitindo mensagens de solução,
mesmo quando percebem a pouca eficácia delas.
(D) Criticar a postura da professora e/ou sugerir que esconda a predileção
Carlos e Joana, dois dos professores que demonstraram adesão ao mito de
que o professor não deve ter prediletos, criticaram a postura de Regina.
De acordo com a visão de Carlos: “a postura da professora Regina começou
a ser errada a partir do momento em que ela deixou o aluno Rodrigo fazer piadas
com tudo que ocorria”. Joana, por sua vez, afirma que “sala de aula não é lugar para
dar preferência a um ou outro aluno, todos são iguais, daí nossa atitude firme para
com a sala, para com o aluno”.
Diogo e Karen, embora não tenham aderido ao mito, admitindo a
possibilidade da existência de preferências, alertam para a necessidade de disfarçá-
72
las: “é certo que nós temos algumas preferências, porém não podemos dar sinais e
demonstrar isso” (Diogo); “sabe-se que por mais que você simpatize com um aluno,
pelo motivo que for, jamais pode deixar isto transparecer” (Karen).
Ao criticarem a postura de Regina os professores evidenciam sua crença de
que ela deveria ou mudar/negar sua simpatia por Rodrigo (Carlos e Joana), ou, no
mínimo, não permitir que os outros alunos a percebam (Diogo e Karen).
Esse direcionamento contraria a atitude congruente proposta por Rogers, que
defende que tanto professores quanto alunos devem ter a liberdade de expressar os
próprios sentimentos. Discorrendo sobre a própria experiência, o autor afirma que:
[...] uma aprendizagem, está em que nada há a temer, basicamente,
quando me apresento tal qual sou, quando me mostro sem atitude
defensiva, desarmado, eu, só eu. [...] E quando assim me apresento,
sem disfarce, sem fazer esforço para ser diferente do que sou, posso
aprender muito mais – ainda mesmo se sou criticado e hostilizado –
e me mostro mais descontraído, sou muito mais capaz de me
aproximar dos outros. Além disso, minha boa disposição para ser
vulnerável gera nos outros, com quem me relaciono, sentimentos
muito mais autênticos, o que é extremamente compensador. Assim
a vida me é muito mais agradável quando não me ponho na
defensiva, não me oculto atrás de uma máscara, tentando só
exprimir o meu eu autêntico (ROGERS, 1973a, p. 213, 214).
O professor que nega suas simpatias, camuflando os próprios sentimentos,
coloca-se acima da condição humana, uma vez que nada mais típico do ser humano
que o desenvolvimento de preferências.
Para Gordon (2003, p. 31) os professores nutrirem sentimentos diferentes por
alunos deferentes é tão natural quanto “um adolescente se enamorar por uma
pessoa e não por outra”, uma vez que “haverá sempre diferenças individuais”.
A crença de ter que sentir-se de igual maneira com todos os alunos é, de
acordo com Aspy (1972), um dos obstáculos mais comuns para o relacionamento
autêntico entre o professor e os alunos, pois somente o “eu ideal” tem condições de
gostar de todos os alunos da mesma forma.
73
4.3 O caso do debate e o mito do professor “controla-tudo”
O incidente crítico “o caso do debate” descreve a situação do professor Maier,
que consegue deixar os alunos bastante empolgados quando propõe um debate,
mas logo depois demonstra preocupação com o barulho e pede que a turma
mantenha a ordem, sendo questionado por uma aluna: “você quer que a gente
debata em silêncio?”.
Este incidente foi construído com o intuito de conhecer o posicionamento dos
participantes frente ao mito “o bom professor consegue criar um ambiente que, ao
mesmo tempo em que permanece calmo e sossegado, favorece a aprendizagem
excitante, estimulante e livre”.
Grande é o desafio do professor que busca alcançar esse objetivo, pois o
verbete “calmo”, de acordo com o Dicionário Aurélio, é sinônimo de “serenidade de
ânimo, sossego, tranquilidade, apatia, inércia, indiferença, desânimo” (FERREIRA,
1993).
Ora, como se pode esperar que o mesmo ambiente que pode ser adjetivado
como apático, inerte e desanimado seja simultaneamente excitante, estimulante e
livre?
Maier, o professor descrito no incidente crítico, parece desejar conciliar esse
paradoxo e os participantes desta pesquisa demonstram buscar o mesmo, uma vez
que seus relatos se enquadram em uma ou mais das seguintes categorias: (a)
concordar com a postura do professor; (b) entender que a atividade gerou
“bagunça” e (c) achar que o professor falhou na organização do debate (vide
Quadro 5).
74
Quadro 5: O caso do debate e o mito do professor “controla-tudo”
Professor Direcionamento proposto / Comentários
Categorias identificadas
Adesão ao
Mito
1. Adriana
(a) Alunos devem discutir em tom mais
baixo.
(a) Concordar com a postura
do professor.
Sim
2. Beatriz
(b) Debate não é sinônimo de desordem ou
bagunça.
(b) Entender que a atividade
gerou “bagunça”.
Sim
3. Carlos
(b) Não deve haver agressões e “bate-
boca”;
(c) O debate precisa ser organizado pelo
professor.
(b) Entender que a atividade
gerou “bagunça”.
(c) Achar que o professor
falhou na organização do
debate.
Sim
4. Diogo
(b) Debate não é sinônimo de desordem ou
bagunça.
(b) Entender que a atividade
gerou “bagunça”.
Sim
5. Eliane
(a) e (b) Debate não é sinônimo de
desordem ou bagunça.
(a) Concordar com a postura
do professor.
(b) Entender que a atividade
gerou “bagunça”.
Sim
6. Flávia
(a) e (b) Alunos devem discutir em tom
mais baixo.
(a) Concordar com a postura
do professor.
(b) Entender que a atividade
gerou “bagunça”.
Sim
7. Gilberto
(c) O debate precisa ser organizado pelo
professor.
(c) Achar que o professor
falhou na organização do
debate.
Sim
8. Helena
(c) O debate precisa ser organizado pelo
professor;
(b) No debate não pode ocorrer tumulto e
gritaria.
(c) Achar que o professor
falhou na organização do
debate.
(b) Entender que a atividade
gerou “bagunça”.
Sim
9. Irene
(c) O debate precisa ser organizado pelo
professor.
(c) Achar que o professor
falhou na organização do
debate.
Sim
10. Joana
(c) O professor precisa manter a
autoridade e a disciplina.
(c) Achar que o professor
falhou na organização do
debate.
Sim
11. Karen
(c) O debate precisa ser organizado pelo
professor.
(c) Achar que o professor
falhou na organização do
debate.
Sim
Além de comungarem da preocupação de Maier, é possível verificar no
Quadro 5 e nos relatos na íntegra (Apêndice C) que nenhum dos participantes
colocou em pauta a impossibilidade de conciliar variáveis tão conflitantes, deixando
pistas de sua adesão ao mito.
Apresento abaixo as categorias identificadas, ilustrando-as com trechos do
relato dos participantes.
75
(A) Concordar com a postura do professor
Adriana concorda com o pedido de silêncio de Maier ao afirmar que
explicaria à aluna Valéria e aos demais que não era silêncio que estava pedindo,
mas que discutissem um pouco mais baixo com a finalidade de um grupo não
atrapalhar o outro”; o mesmo sendo verificado no posicionamento de Flávia: “eles
devem continuar conversando, porém, diminuir o tom de voz, falar mais baixo”.
A concordância de Eliane é mais explicita: “eu concordo com ele e diria que
para haver debate você precisa ouvir o outro e respeitar a vez de falar. Você não
pode discutir uma ideia havendo conflito de vozes”.
A concordância das professoras parece estar relacionada com a crença de
que cabe a elas a tarefa de impor limites ao comportamento dos alunos.
Gordon admite a existência de alguma fundamentação para esta crença tão
difundida entre pais e professores, afinal de contas “as crianças têm necessidade de
saber até onde podem ir sem o seu comportamento ser considerado inadequado”,
mas alerta que:
[...] uma coisa é um aluno querer saber os limites da aceitação do
professor e outra completamente diferente é acreditar que ele deseja
ou precisa que o professor estabeleça esses limites de maneira
unilateral e arbitrária, sem a participação e a contribuição do aluno.
(GORDON, 2003, p. 215).
Para o autor cabe aos alunos a modificação do próprio comportamento, na
medida em que percebem que este precisa ser alterado, não cabendo ao professor
fazer uso da ameaça ou da sua autoridade para alcançar este intento.
76
(B) Entender que a atividade gerou “bagunça”
A descrição do incidente crítico destaca que “os alunos ficaram muito
empolgados com a proposta e começaram a discutir animadamente. Todos estavam
interessados em expressar sua opinião sobre o polêmico tema, muitos falavam ao
mesmo tempo e alguns aumentavam o tom de voz para conseguir chamar a
atenção”.
Como pode ser verificado, o relato deixa explícita a empolgação dos alunos, e
embora descreva falas simultâneas e tom de voz mais alto, em nenhum momento
fala em desordem, “bagunça”, “bate-boca”, desrespeito e descontrole. É
interessante, portanto, verificar como apesar da falta de elementos, alguns
professores fizeram esse tipo de inferência.
Para Beatriz, “é extremamente importante mostrar aos alunos que debate não
é sinônimo de desordem ou bagunça”; Carlos destaca que “a organização é
fundamental para que não haja agressões e bate-boca” e que “debate não é
sinônimo de voz alta (descontrole); Diogo afirma que “é possível debater qualquer
assunto sem tumultuar, levando a conversa num tom aceitável e respeitando a fala
de cada um”.
Flávia e Helena pressupõem que o aumento de tom de voz relatado no
incidente poderia ser considerado como gritaria: “normalmente explico que um
debate não precisa ser feito gritando, que eles devem continuar conversando,
porém, diminuir o tom de voz, falar mais baixo” (Flávia); “o professor deveria propor
aos alunos que debatessem sobre o assunto de modo organizado, a fim de que não
houvesse tumulto e gritaria” (Helena).
77
(C) Achar que o professor falhou na organização do debate
Vários professores deixam implícito que Maier falhou ao organizar o debate,
propondo alternativas para um melhor aproveitamento da atividade.
Carlos afirma que “colocaria uma regra básica: levantar as mãos, falar
enquanto o outro escuta e réplica. Caso em um momento ou outro surgisse o
tumulto, retomaria a regra, pois debate não é sinônimo de voz alta (descontrole)”.
Em sua fala fica implícita sua impressão de que Maier perdeu o controle da situação,
embora não existam, no incidente, elementos que endossem essa crença.
Para Gilberto, antes de iniciar a atividade “seria oportuno delinear a proposta
de andamento do debate”, pois dessa forma “cada grupo teria o seu momento de
explanação e seu momento de observação e discussão”.
Para Helena “é necessário deixar claros os critérios do debate. O professor
deveria propor aos alunos que debatessem sobre o assunto de modo organizado, a
fim de que não houvesse tumulto e gritaria”.
Irene, por sua vez, afirma que “passaria a comandar a discussão
estabelecendo um tempo para cada defesa de argumento”, ao passo que Joana
defende que “o professor precisa ser firme, usar a sua autoridade (não autoritarismo)
e conseguir manter a disciplina, não o silêncio, porém respeito e limites, o aluno tem
que aprender a respeitar a sua vez e do próximo”.
A proposta de Karen implica em “seguir uma norma estipulada pelo professor,
como nos debates da TV, para não provocar este tipo de bagunça”.
78
As três categorias identificadas na análise deste mito pressupõem a falta de
confiança na capacidade dos alunos se organizarem e chegarem a soluções que
viabilizem o debate, uma vez que a solução deve partir do professor.
Na concepção exposta pelos participantes desta pesquisa, Maier fez muito
bem em pedir silêncio (concordar com a postura do professor); deve realmente
preocupar-se em conter a desordem (uma vez que a atividade gerou “bagunça”) e
precisa planejar as atividades de maneira mais adequada (já que desta vez falhou
na organização do debate).
Embora vários professores destaquem a necessidade de regras para que o
debate ocorra de maneira mais produtiva, nenhum deles considera a possibilidade
de contar com os alunos como colaboradores para o estabelecimento dessas regras.
Esse posicionamento contraria as ideias de Rogers, que critica a visão do
aluno como um ser passivo, depositário dos conhecimentos e da ação do professor,
defendendo que o docente deve assumir o papel de “facilitador da aprendizagem”.
Para o autor, a aprendizagem é facilitada quando o aluno tem a possibilidade
de participar do seu processo:
[...] A aprendizagem significativa aumenta ao máximo quando o
aluno escolhe suas próprias direções, ajuda a descobrir recursos de
aprendizado próprio, formula problemas que lhe dizem respeito,
decide quanto ao curso de ação a seguir, vive as consequências de
cada uma dessas escolhas. É evidente, tanto no caso da indústria
quanto no da educação, que a aprendizagem participativa é muito
mais eficaz que a aprendizagem passiva. (ROGERS, 1973a, p. 158).
Para que a aprendizagem significativa seja possível, é preciso que o
professor veja o aluno como um indivíduo autônomo e criativo no processo de
construção do conhecimento. Sendo assim, seus métodos de trabalho não devem
tolher do aprendiz esse potencial de criatividade e autonomia.
Os métodos de trabalho do professor precisam ser olhados com atenção, pois
é por meio deles que são criadas as condições para a aprendizagem, e conforme
79
destaca Rogers (1973a, p. 154), somente sob “apropriadas condições” é possível
libertar o “natural desejo” que o aluno tem de “aprender, descobrir, ampliar
conhecimento e experiência”.
O mito, ao afirmar que cabe ao professor “criar um ambiente que, ao mesmo
tempo em que permanece calmo e sossegado, favorece a aprendizagem excitante,
estimulante e livre”, induz o professor a assumir o papel de “controlador” exclusivo
do ambiente, desconsiderando os alunos como agentes atuantes no processo.
Ao mesmo tempo em que os adjetivos “excitante”, “estimulante” e “livre”
lembram características da aprendizagem significativa, o verbo “criar” deixa evidente
que a organização do ambiente é responsabilidade do professor, estando o aluno
destituído de qualquer ação nesse contexto.
Gordon (2003) lembra a ineficácia da tradição que pressupõe que cabe aos
professores o estabelecimento das regras e aos alunos a obediência a elas,
enfatizando que esse modelo faz com que o professor gaste grande parte de seu
tempo “policiando” a turma, tentando fazer com que as normas sejam respeitadas.
Para o autor, muito desse tempo é aproveitado mais adequadamente quando
professor e alunos se envolvem em um esforço conjunto para determinar quais são
as regras necessárias para o bom andamento da dinâmica da sala de aula.
Uma professora participante do Programa de Ensino Eficaz, elaborado pelo
autor, referindo-se à utilização das regras de “consenso mútuo” afirma:
Quando me inscrevi, estava quase desistindo de ensinar por causa
da necessidade constante de disciplina. O Programa de Ensino
Eficaz mostrou-me que o verdadeiro problema eram as minhas
regras [...] eu é que as elaborava e as aplicava. Era tudo quanto fazia
na maior parte do tempo. Quando permiti que fosse a turma a criar
as regras, tudo mudou. Agora, já tenho tempo para ensinar e os
alunos gostam mais de mim porque deixei de ser uma disciplinadora
e passei a ser professora. (GORDON, 2003, p. 271).
80
Fica evidente, na fala desta professora, que a mudança de atitude que
possibilitou melhores resultados na sala de aula só foi possível quando ela percebeu
que o verdadeiro problema eram as suas próprias regras e que controlar o ambiente,
elaborando e aplicando regras “era tudo quanto fazia na maior parte do tempo”. Ou
seja, a transição desta profissional de “disciplinadora” para “facilitadora da
aprendizagem” passou pela desconstrução do mito de que era exclusivamente dela
a responsabilidade pelo controle do ambiente de aprendizagem.
4.4 O caso do livro e o mito do professor “sabe-tudo”
No incidente descrito no “caso do livro”, Rogério, um professor de História,
quando questionado por uma de suas alunas, admite desconhecer um livro
paradidático cujo tema está relacionado à sua disciplina. Este incidente foi elaborado
com o objetivo de conhecer o posicionamento dos participantes quanto ao mito “o
bom professor conhece todas as respostas, possuindo uma sabedoria superior a dos
alunos”.
Após várias leituras do material coletado, percebi que os direcionamentos
propostos pelos participantes poderiam ser agrupados em quatro categorias, que
apareceram de maneira recorrente nos relatos: (a) justificar; (b) gerar demanda
para si mesmo; (c) gerar demanda para os alunos e (d) adotar postura
defensiva.
Partindo destas categorias busquei pistas da rejeição ou adesão ao mito, o
que me possibilitou verificar que apenas dois dos onze participantes não
demonstraram claramente aderir ao mito implícito neste incidente crítico. O Quadro 6
81
sintetiza a análise deste mito e na sequência apresento a discussão das categorias
identificadas.
Quadro 6: O caso do livro e o mito do professor “sabe-tudo”
Professor Direcionamento proposto / Comentários
Categorias
identificadas
Adesão
ao Mito
1. Adriana
(a) Justificar que não leu por falta de tempo;
(b) Ler assim que possível;
(c) Solicitar que os alunos leiam o livro e realizar debate.
(a) Justificar
(b) Gerar demanda para
o professor;
(c) Gerar demanda para
os alunos.
Sim
2. Beatriz
(a) Justificar que não leu porque não ficou sabendo
sobre o livro;
(b) Ler assim que possível;
(d) Considerar a situação como falta de educação,
respeito ou maturidade.
(a) Justificar
(b) Gerar demanda para
o professor.
(d) Adotar postura
defensiva.
Sim
3. Carlos
(a) Justificar que não leu por falta de tempo;
(a) Justificar que não leu porque o livro foi escrito
recentemente;
(d) Citar os outros livros que estiver lendo e perguntar
se os alunos haviam lido outras obras;
(b) Afirmar que lerá o livro no futuro.
(a) Justificar
Adotar postura defensiva;
(b) Gerar demanda para
o professor.
(d) Adotar postura
defensiva.
Sim
4. Diogo
(d) Responder que não havia lido aquele livro, mas que
certamente já havia lido mais livros que a aluna;
(b) Afirmar que aquele poderia ser o próximo livro a ser
lido.
(d) Adotar postura
defensiva;
(b) Gerar demanda para
o professor.
Sim
5. Eliane
(a) Responder que não havia lido aquele livro, mas lera
outros;
(b) Afirmar que aquele seria o próximo livro a ser lido e
discutido com a classe.
(a) Justificar;
(b) Gerar demanda para
o professor.
Sim
6. Flávia
(a) e (d) Afirmar que não havia lido o livro, mas ressaltar
que conhecia a história de Napoleão;
(b) Fazer perguntas sobre o livro e pedir para que a
aluna empreste o livro.
(a) Justificar
(d) Adotar postura
defensiva;
(b) Gerar demanda para
o professor.
Sim
7. Gilberto
(b) Comentar sobre o livro quando fosse possível
realizar a leitura.
(b) Gerar demanda para
o professor.
Não
8. Helena
(a) e (d) Dizer à aluna que tinha lido vários livros
semelhantes e precisava pesquisar em seus
fichamentos para verificar se havia lido aquele.
(a) Justificar
(d) Adotar postura
defensiva.
Sim
9. Irene
(b) Pedir para que a aluna empreste o livro;
(b) Realizar a leitura;
(c) Convidar a aluna para uma exposição sobre o livro.
(b) Gerar demanda para
o professor.
(c) Gerar demanda para
os alunos.
Sim
10. Joana
(a) Justificar que não tem obrigação nem condições
financeiras de comprar todos os livros publicados;
(b) Afirmar que assim que possível lerá o livro;
(d) Argumentar que o aprendizado deve acontecer de
ambas as partes e perguntar o que os alunos têm lido.
(a) Justificar;
(b) Gerar demanda para
o professor.
(d) Adotar postura
defensiva.
Sim
11. Karen
(a) Argumentar que não tem a obrigação de ler histórias
paralelas cujos títulos têm tom pejorativo;
(d) Argumentar que não deve se tratar de um livro sério.
(a) Justificar;
(d) Adotar postura
defensiva.
Não
82
(A) Justificar
Algumas das definições do Dicionário Aurélio para o verbete “justificar” são: 1)
demonstrar ou provar a inocência de: “os depoimentos justificam...”; 2) tornar justo;
reabilitar; 3) provar em juízo; 4) legitimar, desculpar: “nenhum argumento pode
justificar a opressão”; 5) demonstrar, provar; 6) provar a sua inocência ou a boa
razão de seu procedimento (FERREIRA, 1993).
Como fica explícito nas citações, justifica-se aquele que precisa ou provar-se
inocente ou desculpar sua falta. Daí o direcionamento à justificativa ser um indicativo
de adesão ao mito que diz que “o bom professor conhece todas as respostas,
possuindo uma sabedoria superior a dos alunos”.
Para Adriana, o professor deveria explicar à aluna Carol e aos demais que
não havia tido tempo hábil para ler este livro, com a finalidade de resolver ‘coisas
mais importantes, inclusive para os próprios alunos”. Transparece na fala da
professora que o fato do livro ser relacionado à disciplina já seria motivo suficiente
para que o professor se obrigasse a fazer a leitura, mas que essa “lacuna” seria
justificável pela falta de tempo e pelo atendimento de outras necessidades mais
importantes para os alunos.
Beatriz justificaria que “nos dias de hoje, há uma imensidão de livros,
informações que sequer ficamos sabendo que existem”. Mesmo reconhecendo que
a grande quantidade de informações é um obstáculo para que o professor conheça
tudo, a necessidade de justificar-se da professora se materializa quando
complementa que “solicitaria informações sobre o livro, para lê-lo assim que
pudesse”.
83
Carlos, por sua vez, afirma que “argumentos são medidas eficazes” e que por
isso Rogério deveria justificar-se alegando que “o livro foi escrito a pouco menos de
um ano”, afirmar que estava “lendo outro” e que por isso ainda não teve “tempo para
ler esse, tendo conseguido apenas pegá-los nas “mãos”, mas que poderá
“futuramente voltar a refleti-lo” com o aluno. Ora, se o professor pegou o livro nas
mãos, seu desconhecimento a respeito dele não é completo, e o fato de estar lendo
outro justifica a “falta” da leitura.
Adotando posicionamento semelhante, Eliane alegaria que “realmente não
tinha lido, mas que já havia lido outros e colocaria ele como o próximo livro a ser
lido” e que brevemente exporia para a classe sua “opinião sobre o livro”.
Para Flávia o professor deveria ter respondido “de outra forma”, lembrando
aos alunos que embora não tenha lido “este livro, com esse título” não lhe faltava
conhecimento sobre “a história de Napoleão e da rainha louca”. Na resposta dessa
professora fica evidente a preocupação em não deixar que os alunos pensem que
lhe falta informação sobre assunto relacionado à sua disciplina.
É ambíguo o posicionamento de Helena, que ao mesmo tempo em que afirma
que “é importante ser transparente, trabalhar com a verdade” alega que Rogério
deveria ter usado o bom senso”. Ocorre que este “bom senso” consistiria em dizer à
aluna que “leu diversos livros semelhantes e que iria pesquisar em seus
fichamentos”, deixando subtendido que aquele poderia ser um dos livros lidos,
embora o professor precisasse consultar nos fichamentos para certificar-se.
Joana lembra a questão da condição financeira do professor que nem sempre
pode “comprar todo o material que é publicado”, mas ainda assim não deixa de
destacar que Rogério deveria “falar ao aluno e justificar que assim que puder vai
providenciar sua leitura”
84
Até mesmo Karen, que não aderiu ao mito, aventou uma justificativa, ainda
que esta parta da desqualificação do livro: “ele não é obrigado a ler histórias
paralelas que tenham principalmente este tom pejorativo, e deve argumentar que
não deve ser um livro tão sério já que se trata do príncipe medroso, corte corrupta,
etc.”.
A tendência a propor que Rogério deveria dar algum tipo de explicação aos
alunos, justificando a não leitura do livro, agrupada nesta categoria de análise,
sugere a adesão ao mito que o professor deve saber de tudo e sobre tudo estar
informado.
(B) Gerar demanda para o professor
Com exceção de Helena e Karen, os demais participantes sugeriram alguma
ação geradora de demanda para o professor, que deveria ler o livro tão logo fosse
possível, adquiri-lo ou solicitar que a aluna o emprestasse.
Beatriz, por exemplo, mesmo não perdendo de vista a “imensidão de livros” e
“informações” disponíveis “nos dias de hoje”, afirma que no lugar de Rogério
solicitaria informações sobre o livro, para lê-lo assim que pudesse”.
Assim como Beatriz, outros professores evidenciam não apenas a
necessidade de ler o livro, mas a de fazê-lo com urgência. Para Diogo o livro “quem
sabe seria o próximo” e Eliane “colocaria ele como o próximo livro a ser lido”.
Esta categoria também fornece pistas sobre a adesão ao mito, já que deixa
implícito ser tão importante que o professor conheça tudo sobre sua área de atuação
que qualquer “lacuna” deve ser sanada o mais rapidamente possível.
85
É interessante observar, no entanto, que mesmo Gilberto, que claramente não
aderiu ao mito “procuraria ser realista com os estudantes... sendo profissional da
área não justifica o fato de conhecer todas as publicações” sugere uma ação
geradora de demanda para o professor: “o meu comentário sobre o livro seria
pronunciado após a leitura do referido”.
(C) Gerar demanda para os alunos
Adriana afirma que no lugar de Rogério, após a leitura “faria um debate com a
turma referente ao livro e neste momento solicitaria a todos os alunos a leitura do
livro, como obrigação, para posterior análise e debate”. O direcionamento proposto
por esta professora geraria trabalho obrigatório para todos os alunos, embora o
questionamento tenha partido apenas de uma, o que sugere o quanto ela seria
mobilizada por uma situação como a descrita no incidente crítico.
Outra participante, Irene, afirma que após concluir a leitura convidaria a aluna
que sugeriu o livro para que juntas pudessem “expor a história para a classe”. Ou
seja, ainda que de maneira mais sutil, Irene também envolveria toda a turma na
empreitada, mostrando que foi afetada pelo mito implícito no incidente crítico.
(D) Adotar postura defensiva
Esta categoria foi identificada nas respostas dos participantes que sugeriram
direcionamentos que de alguma forma:
86
(1) Compararam o conhecimento do professor com o do aluno,
desqualificaram o livro sugerido ou colocaram os alunos em cheque
Nesta subcategoria encontramos Carlos, que perguntaria se os alunos leram
“Fernão Ganola, O pequeno Príncipe, o Segredo, etc.”; Diogo ao destacar que com
certeza já tinha lido “bem mais livros” que a aluna e Joana, que imediatamente
lançaria a questão: “E você, o que tem lido?”.
Interessante observar que mesmo Karen, que não aderiu ao mito - “o
professor foi franco com os alunos e acho isto importante” - adotou postura
defensiva ao desqualificar o livro: “ele não é obrigado a ler histórias paralelas que
tenham, principalmente, este teor pejorativo, e deve argumentar que não deve ser
um livro tão sério, já que se trata do príncipe medroso, corte corrupta, etc. Deve o
professor se ater aos fatos e isto ele deve já ter dado em sala de aula”.
(2) Sugeriram que o professor sentiu-se desafiado, desacatado ou
menosprezado pela pergunta da aluna
Beatriz considerou a pergunta da aluna como “um pouco de falta de
educação, respeito ou maturidade” e Flávia acredita que “os alunos costumam
desafiar o professor, isso acontece em qualquer matéria”.
(3) Desqualificaram a postura do professor:
Helena desqualificou a postura de Rogério ao sugerir que lhe faltou “bom
senso.”
As quatro categorias identificadas (justificar, gerar demanda para o professor,
gerar demanda para o aluno e adotar postura defensiva) não aparecem de maneira
87
isolada no discurso dos participantes, misturando-se e complementando-se na
maioria dos casos.
Adriana, por exemplo, além de justificar-se: “apesar do livro ser de História
não havia tido tempo hábil para ler este livro, com a finalidade de resolver ‘coisas’
mais importantes, inclusive para os próprios alunos”; gera demanda tanto para si
mesma quanto para os alunos: “assim que lesse faria um debate com a turma
referente ao livro e neste momento solicitaria a todos os alunos a leitura do livro,
como obrigação, para posterior análise e debate”.
Carlos, por sua vez, ao mesmo tempo em que se justifica e gera demanda
para si mesmo: “o livro foi escrito a pouco menos de um ano, estou lendo outro [...] e
ainda não tive tempo para ler esse, apenas peguei nas mãos, mas poderia
futuramente voltar a refleti-lo com você”; adota postura defensiva ao comparar seu
conhecimento com o dos alunos, afirmando que “perguntaria se eles leram Fernão
Capelo Ganola, O pequeno príncipe, O segredo, etc.”.
Essa tendência, que se repetiu no discurso dos demais participantes, não
causa estranheza, uma vez que aquele que adere ao mito de que “o bom professor
conhece todas as respostas, possuindo uma sabedoria superior a dos alunos” terá a
propensão a perceber-se em débito. E aquele que se coloca na posição de devedor
procura, naturalmente, justificar seu débito e pagá-lo (gerando demanda para si
mesmo e/ou para os outros) ou justificar seu débito e defender-se dele.
Sendo impossível “conhecer todas as respostas”, aqueles que aderem a este
e a outros mitos do bom professor, se submetem a um “elaborado desempenho
teatral e de auto-engano”, “avaliando-se em face deste modelo e percebendo-se
sempre em falta” (GORDON, 2003, p. 21).
88
Essa “falácia” coloca o professor em perspectiva oposta à sugerida por
Gordon (2003, p. 23) que destaca a “abertura ou transparência” como um dos
elementos que caracterizam uma boa relação entre professor e aluno.
O professor que nunca assume suas dificuldades e seu “não saber” está
enganando a si próprio e aos seus alunos, usando a energia que poderia ser
dedicada à aprendizagem na luta inútil de passar a impressão de ter todas as
respostas. Encontra-se, portanto, em estado de incongruência. Ocorre que a
congruência, para Rogers, é talvez a mais básica condição favorecedora da
aprendizagem:
[...] Quando o facilitador é uma pessoa real, se apresenta tal como é,
entra em relação com o aprendiz sem ostentar certa aparência ou
fachada, tem muito mais probabilidade de ser eficiente. Isto significa
que os sentimentos que experimenta estão ao seu alcance, estão
disponíveis ao seu conhecimento, que ele é capaz de vivê-los, de
fazer deles algo de si, e, eventualmente, de comunicá-los. Significa
que se encaminha para um encontro pessoal direto, com o aprendiz,
encontrando-se com ele na base de pesso-a-apessoa. Significa que
está sendo ele próprio, que não se está negando. (ROGERS, 1973a,
p. 106).
Admitir o “não saber” é se reconhecer como pessoa real, no contato com os
alunos, e colocar-se, também, na condição de aprendiz. Rogers, ao fazer algumas
reflexões pessoais sobre ensinar e aprender discorre sobre seu próprio processo de
aprendizagem: “para mim, outra forma de aprender é confessar as minhas próprias
dúvidas, procurar esclarecer os meus enigmas, a fim de compreender melhor o
significado atual da minha experiência” (ROGERS, 1973b, p. 250).
Quiçá pudessem os professores, libertando-se desse mito, alcançar o
benefício descoberto por Rogers no ato de “confessar” as próprias dúvidas.
Quando um professor consegue admitir não saber a resposta de uma
determinada pergunta, favorece a aprendizagem de seus alunos, que, por sua vez,
89
poderão admitir para si mesmos e para os outros que também não sabem todas as
respostas.
4.5 Os mitos do bom professor e os participantes: um olhar panorâmico
Conforme pode ser verificado no Quadro 7, foi significativa a adesão dos
participantes deste estudo aos mitos pesquisados.
Embora esta seja uma pesquisa de abordagem qualitativa, os números
chamam a atenção: sete dos onze participantes demonstraram concordância com os
quatro mitos; dois com três deles e os demais com pelo menos dois. É mais um
dado a reforçar nossa hipótese de que muitos docentes ainda não questionam os
mitos do bom professor.
Também merece destaque o fato da análise dos dados ter identificado adesão
de todos os participantes ao mito que impõe ao professor o dever de “criar um
ambiente que, ao mesmo tempo em que permanece calmo e sossegado, favorece a
aprendizagem excitante, estimulante e livre”. Esta tendência parece-me coerente,
pois é possível entender que aquele que deseja assumir a missão de conciliar
adjetivos tão distintos entre si (calmo, excitante, sossegado, estimulante...) tenderá
também a desejar manter sob controle os próprios sentimentos, predileções e
conhecimentos.
90
Quadro 7: Síntese da adesão dos participantes aos mitos do bom professor
Mito do professor
sem emoções
Mito do professor
sem prediletos
Mito do professor
“controla- tudo”
Mito do professor
“sabe-tudo”
Professor
SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO SIM NÃO
1. Adriana
X - X - X - X -
2. Beatriz
X - X - X - X -
3. Carlos
X - X - X - X -
4. Diogo
- X - X X - X -
5. Eliane
X - X - X - X -
6. Flávia
X - X - X - X -
7. Gilberto
X - X - X - - X
8. Helena
X - X - X - X -
9. Irene
X - X - X - X -
10. Joana
- X X - X - X -
11. Karen
X - - X X - X
% de adesão 82% 82% 100% 82%
91
4.6 Características dos participantes e os mitos do bom professor
Considerando-se que foi grande a identificação dos professores com os mitos,
independentemente dos elementos que compõem o perfil do grupo (idade, formação
e tempo de atuação) não foi possível o estabelecimento de relações entre a adesão
aos mitos do bom professor e estas variáveis.
Destaco, no entanto, sem a pretensão de sugerir qualquer generalização, que
Diogo e Karen, que não aderiram a dois dos quatro mitos, têm em comum o fato de
atuarem como professores há mais de quinze anos.
Quadro 8: Adesão aos mitos e caracterização dos participantes
Adesão aos mitos
Nome Idade Formação
Níveis para os
quais leciona
Tempo de
atuação
1* 2** 3*** 4****
1. Adriana 30 Mestrado Básico De 4 a 8 anos Sim Sim Sim Sim
2. Beatriz 33 Graduação Básico e Médio De 9 a 15 anos Sim Sim Sim Sim
3. Carlos 34 Latu-sensu Básico e Médio De 4 a 8 anos Sim Sim Sim Sim
4. Diogo 39 Latu-sensu Básico e Médio Mais de 15 anos
Não Não
Sim Sim
5. Eliane 42 Latu-sensu Básico De 9 a 15 anos Sim Sim Sim Sim
6. Flávia 45 Latu-sensu Básico e Médio De 4 a 8 anos Sim Sim Sim Sim
7. Gilberto 46 Mestrado Básico e Médio Mais de 15 anos Sim Sim Sim
Não
8. Helena 47 Graduação Básico De 9 a 15 anos Sim Sim Sim Sim
9. Irene 58 Latu-sensu Médio Mais de 15 anos Sim Sim Sim Sim
10. Joana 60 Graduação Básico Mais de 15 anos
Não
Sim Sim Sim
11. Karen 60 Latu-sensu Básico e Médio Mais de 15 anos Sim
Não
Sim
Não
* Mito do professor sem emoções; ** Mito do professor sem prediletos; *** Mito do professor “controla-
tudo”; **** Mito do professor “sabe-tudo”.
92
CAPÍTULO 5: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao decidir que o objetivo deste trabalho seria “conhecer o posicionamento dos
participantes frente a quatro dos mitos do bom professor”, defendi a relevância do
tema assumindo como pressuposto que um desdobramento possível da pesquisa
seria levar os professores à reflexão sobre os mitos, e, consequentemente sobre sua
prática pedagógica.
No momento em que devo dar um ponto final a este relatório de pesquisa, por
imposição do curto tempo do mestrado, ainda não tenho como saber se essa minha
expectativa será alcançada; posso, no entanto, testemunhar sobre minha própria
experiência. Ao retomar os estudos de Rogers e Gordon e analisar o
posicionamento dos professores que participaram da investigação sobre os mitos,
eu não teria como deixar de também refletir sobre minha atuação como professora
universitária e meu relacionamento com meus alunos. Posso afirmar, portanto, que
além de ter sido uma tarefa imensamente gratificante, a realização deste trabalho foi
para mim um grande exercício de desenvolvimento pessoal e profissional e que
tanto a pesquisadora quanto a professora chegam mais experientes ao fim dessa
viagem.
Quando uma viagem termina, chega o momento de fazer uma retrospectiva
de todo o caminho percorrido, relembrar os pontos que marcaram a trajetória,
verificar quais objetivos foram alcançados e quais novas perguntas foram
formuladas.
Nessa tentativa de reconstruir minha trajetória, resolvi começar pelo título:
“Desvendando os mitos do bom professor: um estudo com professores da educação
básica”. Afinal de contas, batizar um projeto que foi objeto de atenção e dedicação
por dois anos é um ato repleto de significados.
93
Refletindo sobre o título, sinto a necessidade de retomar o conceito de mito.
Poderão mesmo ser entendidas como mitos as descrições que Thomas Gordon faz
das expectativas dos professores quanto à própria atuação?
No momento em que resolvi estudar os mitos do bom professor, assumi,
naturalmente, o posicionamento de Gordon, que os chamou de “mitos”. Mas nem por
isso deixei de sentir a necessidade de buscar em outros autores definições que
legitimassem o uso do termo.
Foi na definição proposta por Falcke e Wagner (2000) que encontrei o
enunciado que melhor elucidou o significado de mito no contexto deste trabalho. Na
concepção das autoras mito deve ser entendido não como algo fantasioso, em
oposição ao real ou fictício, mas como um fenômeno sócio-histórico real, que
embora possa deformar aspectos da realidade, desempenha um papel objetivo na
construção de conceitos. Esse papel do mito na construção de conceitos se dá,
complementam as pesquisadoras, quando o mito tem ampla aceitação em gerações
sucessivas de um grupo social, adquirindo um consenso entre seus membros e
induzindo-os a determinados comportamentos.
Ora, quando pensamos nos mitos do bom professor descritos por Thomas
Gordon, percebemos que eles são, de fato, representações que influenciam a
autoimagem do professor, podendo ser considerados, portanto, como “fenômenos
sócio-históricos reais”.
Gordon mapeou os mitos do bom professor quando analisava a definição de
professor ideal que muitos pareciam adotar; fica evidente, então, que os mitos, como
entendidos pelo autor “desempenham um papel objetivo na construção de
conceitos”.
94
O autor percebeu, na ocasião em que descreveu os mitos, que um espantoso
número de professores, com as mais diversas experiências e faixas etárias, assumia
o modelo idealizado de “bom professor” implícito neles. Na medida em que os mitos
influenciam a prática docente de tantos professores, podemos entender que eles
“têm ampla aceitação em gerações sucessivas de um grupo social, adquirindo um
consenso entre seus membros e induzindo-os a determinados comportamentos”.
Fica respondido, portanto, o primeiro questionamento provocado pelo título do
meu trabalho. Sim, de acordo com a definição proposta por Falcke e Wagner (2000),
as descrições de Gordon podem ser chamadas de mitos.
Impõe-se, então, uma segunda pergunta: terei eu conseguido “desvendar” os
mitos do bom professor?
De acordo com a definição do Dicionário Aurélio, desvendar significa “tirar as
vendas, destapar, revelar, dar a conhecer, tornar manifesto”. (FERREIRA, 1993)
Um caminho para desvendar os mitos do bom professor seria trazer à tona o
posicionamento dos professores sobre as representações contidas nos mitos. Sem a
pretensão de esgotar o assunto, e não perdendo de vista que os resultados trazidos
por este estudo limitam-se ao grupo de professores que participou da pesquisa,
posso afirmar que o meu objetivo foi alcançado: consegui, ainda que modestamente,
começar a desvendar quatro dos mitos do bom professor.
Essa reflexão leva-me a retomar os resultados deste trabalho. Assim como os
professores descritos por Gordon, em 1974, por ocasião do lançamento de seu livro
Teachers Effectiveness Tarining, os participantes de nosso estudo também
demonstraram significativa adesão aos mitos do bom professor. Basta lembrar que
todos os onze manifestaram identificação com o mito do professor “controla-tudo” e
95
nove dos onze com os mitos do professor sem emoções, do professor sem
prediletos e do professor “sabe-tudo”.
Ao mesmo tempo em que trinta e quatro anos separam os professores que
participaram deste estudo daqueles que fundamentaram o trabalho de Gordon, a
mesma angústia os aproxima. A angústia de precisar se policiar constantemente
para ser o melhor, o mais equilibrado, o mais compreensivo, o mais conhecedor, o
mais perfeito. E, por conta de todas essas expectativas irreais, acrescente-se
também a angústia de ser aquele que sente cansaço, culpa, desânimo, frustração e
tantas vezes dificuldade em estabelecer com seus alunos relacionamentos
verdadeiros e facilitadores da aprendizagem.
Como a maioria de meus colegas, cheguei ao mestrado com uma ideia do
que gostaria de estudar. Mas as ideias de um pesquisador iniciante, influenciadas
que são pela utopia de “abraçar o mundo”, podem ser comparadas com pedras
brutas, carentes do olhar experiente do orientador para serem lapidadas. Mas qual
não foi minha surpresa quando percebi que volto agora, nessas últimas linhas, ao
primeiro tema que desejei pesquisar: o sofrimento docente.
Impossível, diante de todas as cobranças impostas pelos mitos, não pensar
em sofrimento.
Oliveira (2006), em artigo em que discute a problemática do mal-estar
docente, faz uma metáfora entre a rotina do professor e o “coelho-relógio” descrito
em “Alice no país das maravilhas”. De acordo com a autora, a semelhança do
personagem de Lewis Carroll, nossos professores estão sempre apressados,
atrasados, correndo e dizendo: ”é tarde, é tarde”.
É evidente que muitos outros problemas levam ao sofrimento docente: é a
longa jornada de trabalho, a necessidade de lecionar em mais de uma escola, a
96
pressão de conciliar as necessidades dos alunos com as exigências burocráticas
das instituições de ensino, e por aí vai.
Mas como também não sofrer aquele que se cobra o atendimento de metas
irreais? Aquele que, em nome do mito que diz que o bom professor deve esconder
os próprios sentimentos, não consegue estabelecer relacionamentos próximos e
autênticos com seus alunos?
Estamos em uma época de muitos desafios, mas também de muitas
possibilidades e oportunidades. A informação nunca esteve tão acessível, a internet
e os outros meios de comunicação fazem com que uma notícia corra o mundo em
bem menos de uma hora. Apesar disso, nossos professores sofrem, tanto quanto
sofreram aqueles da época de Gordon. Essa reflexão me remete à música “Como
nossos pais”, composta por Belchior e brilhantemente interpretada por Elis Regina:
“Minha dor é perceber
que apesar de termos
feito tudo o que fizemos
ainda somos os mesmos
e vivemos
ainda somos os mesmos
e vivemos
como os nossos pais”
Como sugere a música, nossos professores, assim como seus antecessores,
estão sujeitos as mesmas representações que levaram Gordon a descrever os mitos
do bom professor.
Elis Regina termina a música afirmando que “o novo sempre vem”. E eu
termino essas considerações destacando a importância do tema receber atenção
dos programas de formação de professores e de todos aqueles que, como eu,
acreditam na capacidade que as pessoas têm de buscar “o novo”, na forma de
soluções criativas para suas dificuldades.
97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de. Um estudo do constructo: consideração
positiva incondicional em Carl R. Rogers. Dissertação de Mestrado, PUC-SP,
1980.
______. O ouvir ativo: recurso para criar um relacionamento de confiança. In:
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de; PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. (org.). As
relações interpessoais na formação de professores. São Paulo: Loyola, 2002.
______. Contribuições da Psicologia de Rogers para a Educação: uma abordagem
histórica. In: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (org.). Psicologia & Educação:
revendo contribuições. São Paulo: Educ., 2003.
______. O incidente crítico na formação e pesquisa em educação. Revista
Educação & Linguagem. Universidade Metodista de São Paulo, 2009 (no prelo).
ASPY, David. Novas técnicas para humanizar a educação. São Paulo: Cortez,
1972.
CAMPOS, Ronny Francy. Psicologia Humanista: o projeto de psicologia da
modernidade tardia. Revista Eletrônica Doxo. Poços de Caldas: v. 1, p. 4-12,
2006. Disponível em http://www.pucpcaldas.br/revista/doxo/Volume1/Ronny.pdf.
Acesso em 20. out.2008.
CARVALHO, Ana Maria Quadros Brant. Um estudo do teórico do conceito de
compreensão empática nas obras de Carl R. Rogers. Dissertação de Mestrado,
PUC-SP, 1980.
CHRISPINO, Álvaro. Gestão do conflito escolar: da classificação dos conflitos aos
modelos de mediação. Ensaio: aval. pol. públ. Educ. Rio de Janeiro: v. 15, n. 54,
p. 11-28, 2007.
98
COMO NOSSOS PAIS. Elis Regina. Fascinação. Faixa 7, Universal Music Brasil,
CD-ROM,. 1990.
COZBY, Paul C. Métodos de pesquisa em ciência do comportamento. São
Paulo: Atlas, 2003.
DAVIDOFF, Linda L. Introdução à Psicologia. 3ª ed. São Paulo: Person Makron
Books, 2001.
DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez, 2004.
DUARTE, Rosália. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo.
Cadernos de Pesquisa. São Paulo: n. 115, p. 139-154, 2002.
FALCKE, Denise; WAGNER, Adriana. Mães e madrastas: mitos sociais e
autoconceito. Estud. Psicol. Campinas: v. 5, n. 2, p. 421-441, 2000.
FALCONE, Eliane Mary de Oliveira.; GIL, Débora Barbosa; FERREIRA, Maria
Cristina. Um estudo comparativo da freqüência de verbalização empática entre
psicoterapeutas de diferentes abordagens teóricas. Estud. Psicol. Campinas: v. 24,
n. 4, p. 451-461, 2007.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. Novo dicionário da língua portuguesa -
Século XXI. 2º Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
GUEDES, Sulami Pereira. Educação, pessoa e liberdade: propostas rogerianas
para uma práxis psico-pedagógica centrada no aluno. São Paulo: Cortez e
Moraes, 1979.
GORDON, Thomas; BURCH, Noel. TET - Teacher Effectiveness Training. New
York: P. H. Wyden, 2003.
99
JORDÃO, Marina Pacheco. Reflexões de um terapeuta sobre as atitudes básicas na
relação Terapeuta-Cliente In: RAPPAPORT, Clara Regina (org.). Aconselhamento
Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU, 1987.
KUNDERA, Milan. A Insustentável Leveza do Ser. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1985.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Pesquisa em educação:
abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.
MAHONEY, Abigail Alvarenga. Análise lógico-formal da teoria da aprendizagem
de Carl Rogers. Tese de doutorado. São Paulo, PUC, 1976.
______. A problemática da afetividade na prática pedagógica. XX Encontro
anual de Psicologia de Ribeirão Preto. Participação em mesa redonda, Encontro
anual de psicologia de Ribeirão Preto, 20º. Universidade de São Paulo (USP). São
Paulo, out. 1990.
MASLOW, Abraham H. A Memorial Volume. Monterey: Brooks-Cole Publishing Co.,
1972.
MELLO, Thiago de. De uma vez por todas: verso e prosa. São Paulo: Bertrand
Brasil, 1999.
MESSIAS, João Carlos Caselli; CURY, Vera Engler. Psicoterapia centrada na
pessoa e o impacto do conceito de experienciação. Psicol. Reflex. Crit. Porto
Alegre, v. 19, n. 3, p. 355-361, 2006.
MORATO, Henriette Tognetti Penha. Abordagem centrada na pessoa: teoria ou
atitude na relação de ajuda? In: RAPPAPORT, Clara Regina (org.).
Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa. São Paulo: EPU, 1987.
100
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo:
Cortez, 2000.
NYE, Robert D. Três psicologias: as ideias de Freud, Skinner e Rogers. São
Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002.
O QUE EU TAMBÉM NÃO ENTENDO. Jota Quest. O Melhor de Jota Quest. Faixa
10, Sony, CD-ROM, 2004.
OLIVEIRA, Eloiza da Silva Gomes de. O “mal-estar docente” como fenômeno da
modernidade: os professores no país das maravilhas. Ciências & Cognição. Rio de
Janeiro: v. 7, p. 27-41, 2006.
PAULILO, Maria Angela Silveira. A pesquisa qualitativa e a história de vida. Serv.
Soc. Revista. Londrina: v. 2, n. 2, p. 135-148, 1999.
PESSOA, Fernando. Mensagem: obra poética. Porto Alegre: LP&M, 2006.
______. Poemas Completos de Alberto Caeiro. São Paulo: Hedra, 2006.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. Um estudo teórico do conceito de
congruência em Carl R. Rogers. Dissertação de Mestrado, PUC-SP, 1978.
ROGERS, Carl R. Liberdade para aprender. 2ª ed. Belo Horizonte: Interlivros,
1973a.
______. Tornar-ser Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1973b.
______; KINGET, Godelieve Marian. Psicoterapia e Relações Humanas. Belo
Horizonte: Interlivros, 1975.
101
______; ROSENBERG, Rachel Lea. A pessoa como centro. São Paulo: EPU,
1977.
SCHEEFFER, Ruth. Teorias de aconselhamento. São Paulo: Atlas, 1980.
SMITH, Edward et al. Introdução à Psicologia. 13ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
2002.
102
APÊNDICE A: INCIDENTES CRÍTICOS
Incidente crítico n.
o
1: “O caso da bolinha de papel”.
Luciana, professora do 6º ano do ensino fundamental, chegou para mais uma de
suas aulas de Geografia.
- Bom dia classe! Hoje falaremos sobre aquecimento global.
Logo no início de sua explanação, Luciana percebeu que, em um dos cantos da
sala, um grupo de alunos não parava de conversar e brincar com bolinhas de papel.
O “líder” deles, Ricardo, levantava-se constantemente para “cutucar” os colegas.
Já bastante irritada com essa situação, Luciana chamou a atenção do grupo e pediu
para Ricardo sentar-se.
Ricardo sentou-se resmungando: - Sentar para quê? Para assistir mais uma aula
chata?
Antes que Luciana tivesse tempo de responder, Ricardo, ao tentar arremessar no
cesto de lixo sua bolinha de papel, acertou-a violentamente em um dos colegas.
Com o rosto vermelho e a voz alterada, Luciana dirigiu-se a Ricardo:
- Saia agora mesmo da sala e vá imediatamente para a coordenação!
O que você faria se estivesse no lugar de Luciana? Por quê?
(Se for preciso, utilize também o verso da folha)
103
Incidente crítico n.
o
2: “O caso do “engraçadinho”.
Regina, professora de inglês, entrou pela primeira vez naquele 8º ano do ensino
fundamental no meio do ano letivo, para substituir uma professora em licença-
maternidade.
Logo um aluno chamou-lhe a atenção. Rodrigo, garoto simpático, falante,
carismático e irreverente, estava sempre pronto a fazer piadas com tudo.
Regina, em vários momentos perdia a paciência com Rodrigo, mas ele era tão
engraçado que acabava passando sem qualquer repreensão. Era visível para a
classe que Rodrigo se tornara o “queridinho” da professora.
O que você faria se estivesse no lugar de Regina? Por quê?
(Se for preciso, utilize também o verso da folha)
104
Incidente crítico n.
o
3: “O caso do debate”.
Maier, professor do 2º ano do ensino médio, chegou para mais uma de suas aulas
de Biologia.
- Boa tarde classe! Dividam-se em dois grandes grupos. Hoje faremos um debate
sobre a eutanásia. Os grupos devem listar os prós e contras desse procedimento e
depois iniciaremos o debate.
Os alunos ficaram muito empolgados com a proposta e começaram a discutir
animadamente. Todos estavam interessados em expressar sua opinião sobre o
polêmico tema, muitos falavam ao mesmo tempo e alguns aumentavam o tom de
voz para conseguir chamar a atenção.
Ao mesmo tempo em que ficou satisfeito por sua proposta ter sido bem aceita pelos
alunos, Maier ficou preocupado com o tumulto gerado na sala e disse:
- Pessoal, precisamos manter a ordem! Vocês estão fazendo muito barulho.
Valéria confrontou o professor:
- Mas professor, você quer que a gente debata em silêncio?
Vários alunos demonstraram concordar com Valéria.
O que você faria se estivesse no lugar de Maier? Por quê?
(Se for preciso, utilize também o verso da folha)
105
Incidente crítico n.
o
4: “O caso do livro”.
Rogério, professor de História do 7º ano do ensino fundamental, chegou para mais
uma de suas aulas.
Após uma explanação sobre a vida de Dom Pedro I, respondeu várias perguntas dos
alunos e, pouco antes de encerrar a aula, perguntou se restava mais alguma dúvida.
Nesse momento, Carol pediu a palavra e perguntou:
- Professor, o que você achou daquele livro... Como chama? Lembrei: “1808: como
uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão
e mudaram a História de Portugal e do Brasil”?
- Que livro é esse? Eu não li... Quando foi publicado?
Carol, perplexa, confrontou o professor:
- Como assim não leu? Você não é professor de História?
A classe foi tomada por “risinhos” e conversas paralelas, enquanto alguns apoiavam
Carol:
- “Pô”, é mesmo! Esse livro não é sobre História?
- Como é que ele não sabe?
O que você faria se estivesse no lugar de Rogério? Por quê?
(Se for preciso, utilize também o verso da folha)
106
APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO DE CARACTERIZAÇÃO
Caro colega, os dados deste questionário serão utilizados exclusivamente nesta pesquisa,
em hipótese alguma sendo usados para outros fins. Agradeço sua valiosa participação.
Ana Lúcia Pereira - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
I. Identificação:
Idade: _____ anos Sexo: ( ) M ( ) F
II. Formação acadêmica
( ) Ensino Médio - Magistério
( ) Ensino Superior - Curso:___________________ Concluído em: ____/_____/_____
( ) Especialização - Qual? ___________________ Concluído em: ____/_____/______
( ) Mestrado - Qual? ___________________ Concluído em: ____/_____/______
( ) Doutorado - Qual? ___________________ Concluído em: ____/_____/______
III. Atuação profissional
Atua como professor há:
( ) menos de 1 ano ( ) de 1 a 3 anos
( ) de 4 a 8 anos ( ) de 9 a 15 anos
( ) mais de 15 anos
Leciona para os seguintes níveis:
( ) 1º a 5ª ano ( ) 6º a 9º ano ( ) Ensino médio ( ) Ensino superior
Leciona quais disciplinas no ensino básico? ______________________________________
__________________________________________________________________________
Trabalha em outras escolas?
( ) Sim ( ) Não.
Em caso afirmativo, em quantas escolas?________________________________________
__________________________________________________________________________
107
APÊNDICE C: RESPOSTAS DOS PARTICIPANTES NA ÍNTEGRA
1. O caso da bolinha de papel
Adriana: Se eu estivesse no lugar de Luciana, antes de iniciar a explanação sobre
um determinado tema em sala de aula, pediria silêncio e enquanto todos não
fizessem silêncio não iniciaria a aula, isso faria com que os próprios alunos
interessados na aula pedissem ao colega Ricardo para fazer silêncio e prestar
atenção na aula. É uma forma de obedecer, sem gritos e nem desavenças. Agora,
se mesmo assim Ricardo arremessasse a bolinha de papel acertando um colega,
mandaria para a sala da coordenação/diretoria.
Beatriz: O professor está muito perto do seu “objeto” de trabalho e deve lembrar que
a maioria que compõe esse “objeto” são crianças e adolescentes. Alguns não
possuem maturidade para entender que em algumas aulas são necessárias
determinadas atividades que muitas vezes eles não gostam, pois querem atividade,
movimento. Mas, voltando à situação, depois que eu e o aluno estivéssemos mais
calmos, conversaria com o aluno a respeito do que aconteceu e tentaria, ao longo
das aulas, cativar esse aluno para aproveitá-lo como instrumento de melhor
participação na aula, através de leitura e participação maior em sala. Mas o
fundamental é a conversa limpa entre o profissional e o aluno. Se isso não estiver
“zerado” não adianta querer ensinar Geografia.
Carlos: Acredito que a postura de Luciana já estava desgastada perante a sala, pois
não aceito entrar em uma sala cujos alunos já estão com estas características
(fundo, papel, etc.). Ou, no primeiro momento em que Ricardo foi repreendido e
resmungou, eu já pediria para ele retirar-se da sala para pegar um giz, beber uma
108
água e assim sairia da sala para falar com ele pessoalmente. Acredito que atitudes
conflitantes diante da sala inteira deixam um clima de insatisfação, intolerância, ego
ferido.
Diogo: No caso eu faria igual à professora e mandaria o aluno para fora, com
intenção de prosseguir a aula.
Eliane: Eu procuraria conversar com o “líder” em particular. Diria a ele que gostaria
de compreender o motivo de tanto desinteresse. Tentaria cativá-lo e explicar a ele
que sua atitude estava prejudicando a aula. Caso não houvesse possibilidade de
haver um “acordo”, pediria então ajuda da coordenação.
Flávia: Esta é uma situação bastante comum em sala de aula, eu costumo convidar
o aluno que acertou o colega a pedir desculpas e recolher todas as bolinhas que
estivessem jogadas no chão.
Gilberto: Antes de iniciar a aula procuraria controlar as atitudes dos alunos,
separando o grupo se necessário.
Helena: Eu não deixaria chegar a esse ponto. Se, logo no início da explicação, ela
percebeu que um grupo de alunos não parava de conversar, deveria parar a
explanação, chegar perto deles, com educação e delicadeza, pedir que se
separassem e prestassem atenção às aulas. Caso contrário, tomaria as providências
cabíveis. Alunos do 6º ano, geralmente, são imaturos em suas atitudes, porém
acatam uma ordem ou um pedido do professor.
Irene: Mandá-lo-ia para a coordenação pela falta de postura. Após isso, pediria que
ele apontasse as faltas ocorridas em sala de aula e como ele “achava” que deveria
109
ser uma aula de Geografia. Discutiria possíveis estratégias. Assim, “mediria” o grau
de interesse dele, ou se a conduta foi apenas insubordinação.
Joana: Adotaria a mesma atitude. É uma questão de limites, respeito, educação,
regras básicas para a boa convivência e o aprendizado.
Karen: Em primeiro lugar, sabendo dos antecedentes da classe, que com certeza já
tem um grupo que gosta de desestruturar as aulas, eu mudaria de lugar para
dissolver este grupo. Em segundo lugar, antes de tudo, para começar a aula sempre
se deve pedir a atenção, não se pode pedir nada com grupos desconcentrados.
Perder uns minutos no começo da aula pode ser produtivo para a aula inteira.
Sempre a prevenção é a melhor solução.
2. O caso do “engraçadinho”
Adriana: Se eu fosse Regina, apesar de Rodrigo ser simpático, falante, carismático
e irreverente, eu conversaria com o Rodrigo, após o término da aula, para parar com
as brincadeiras e piadinhas durante a aula, e explicaria que existe momento para
tudo, o intervalo por exemplo. Não que isso fizesse ou merecesse uma repreensão
frente aos colegas, mas que se persistisse durante as próximas aulas teria de
chamar a atenção na frente dos colegas e não gostaria de fazer isso, pois é muito
querido pela sala e pela professora. Portanto, uma conversa tranquila, com elogios e
ao mesmo tempo pedidos ao aluno em relação ao seu comportamento ajudaria a
resolver o problema.
Beatriz: Primeiramente, é necessário ter igualdade de atenção para todos. É claro
que isso é impossível, pois alguns alunos são mais tímidos, outros mais
110
extrovertidos. Mas em atividades em sala de aula, faz-se necessário valorizar esses
outros alunos, que não “aparecem” tanto e assim mostrar através dessa atitude e
conversar com esse aluno, que é mais extrovertido, colocando para ele, que outros
alunos também precisam de atenção. Se isso não resolver, é necessária a
solicitação de um trabalho específico com os pais, para melhorar o relacionamento
desse aluno.
Carlos: A postura da professora Regina começou a ser errada a partir do momento
em que ela deixou o aluno Rodrigo fazer piadas com tudo que ocorria. Chamá-lo
para uma conversa particular e expor a ele que o admirava pela capacidade de
analogia, crítica, pensar, desenvoltura, mas que existe um porém, na sala de aula
torna-se inconveniente e desrespeitoso, tudo isto depõe contra ele, fazendo com que
ele perca até as qualidades. Levar a pensar! Caso contrário, na nova ocorrência
acionar a coordenação.
Diogo: É certo que nós temos algumas preferências, porém não podemos dar sinais
e demonstrar isso, todos devem ser tratados igualmente.
Eliane: Eu diria a ele que piadas alegram o ambiente, mas há momentos em que
devemos ter maior concentração e nem sempre as piadas são bem-vindas. Portanto,
ele deveria ser mais discreto.
Flávia: Quando o aluno chama a atenção e atrapalha sempre faço uma brincadeira
com eles dizendo que a sala não é circo, e que determinado aluno não é candidato a
palhaço nem malabarista... Que apesar de se fazer de engraçadinho não está com
nariz vermelho, e que determinadas situações acontecem porque tem platéia e que
111
a partir do momento que não haja platéia, ou seja, quem ria dele e de suas piadas,
ele irá diminuir suas gracinhas.
Gilberto: Todos os alunos devem ser tratados com atenção e educação; não pode
haver distinção, sob risco de causar uma “falsa” impressão. O “excesso” de simpatia
não deve existir.
Helena: A postura do professor é fundamental. Isso não quer dizer que não possa
brincar ou aceitar brincadeiras. Entretanto, os exageros devem ser evitados, a fim de
que o professor não perca o respeito, bem como os alunos não pensem que esteja
havendo proteção do “engraçadinho”. Um bom diálogo resolveria o problema.
Irene: Não permitiria que o garoto dominasse a classe e assumisse o tempo
dedicado à aula.
Joana: Chamaria a atenção do aluno, solicitaria que adotasse atitudes respeitosas,
mesmo que ele estivesse apenas “brincando”, sala de aula não é lugar para dar
preferência a um ou outro aluno, todos são iguais, daí nossa atitude firme para com
a sala, para com o aluno.
Karen: Sabe-se que por mais que você simpatize com um aluno, pelo motivo que
for, jamais pode deixar isto transparecer; isto inibe os demais e provoca rebeldia ou
apatia nos outros alunos. A professora que pega a classe na metade do ano deve ter
uma conversa prévia e expor quais são as suas prioridades em classe e não abrir
precedentes a nenhuma situação.
112
3. O caso do debate
Adriana: No lugar de Maier explicaria à aluna Valéria e aos demais que não era
silêncio que estava pedindo, mas que discutissem um pouco mais baixo com a
finalidade de um grupo não atrapalhar o outro, e para que o grupo oposto não
soubesse as ideias que estão sendo listadas, para que no debate possam ter
argumentos ou discordância de outras opiniões diferentes das deles.
Beatriz: Nessa situação é extremamente importante mostrar aos alunos que debate
não é sinônimo de desordem ou bagunça. Todos têm o direito de falar e outros de
resposta. Mas um por vez.
Carlos: A organização é fundamental para que não haja agressões e “bate-boca”.
Colocaria uma regra básica: levantar as mãos, falar enquanto o outro escuta e
réplica. Caso em um momento ou outro surgisse o tumulto, retomaria a regra, pois
debate não é sinônimo de voz alta (descontrole).
Diogo: Eu só lembraria aos alunos que é possível debater qualquer assunto sem
tumultuar, levando a conversa num tom aceitável e respeitando a fala de cada um.
Eliane: Eu concordo com ele e diria que para haver debate você precisa ouvir o
outro e respeitar a vez de falar. Você não pode discutir uma ideia havendo conflito
de vozes.
Flávia: Normalmente explico que um debate não precisa ser feito gritando, que eles
devem continuar conversando, porém, diminuir o tom de voz, falar mais baixo.
113
Gilberto: Antes de iniciar o debate, seria oportuno delinear a proposta de
“andamento” do debate, onde cada grupo teria o seu momento de explanação e seu
momento de observação e discussão.
Helena: Da maneira que o professor fez a proposta, os alunos realmente tiveram
razão. Primeiramente separá-los em grupos menores. Antes de separar os grupos, é
necessário deixar claros os critérios do debate. O professor deveria propor aos
alunos que debatessem sobre o assunto de modo organizado, a fim de que não
houvesse tumulto e gritaria. Expressar opinião não é gritar, mas discutir.
Irene: Daria um tempo para levantamento da argumentação. Estabeleceria um
tempo para a discussão entre eles. Passaria a comandar a discussão estabelecendo
um tempo para cada defesa de argumento.
Joana: É difícil propor um debate e manter a sala em silêncio, porém o professor
precisa ser firme, usar as sua autoridade (não autoritarismo) e conseguir manter a
disciplina, não o silêncio, porém respeito e limites, o aluno tem que aprender a
respeitar a sua vez e do próximo.
Karen: Os debates com alunos devem seguir uma norma estipulada pelo professor,
como nos debates da TV, para não provocar este tipo de bagunça.
4. O caso do livro
Adriana: Se estivesse no lugar do professor Rogério, explicaria a aluna Carol e aos
demais alunos que nem todos sabem tudo, que uns sabem mais de uma coisa,
outros sabem mais de outra, e que apesar do livro ser de História não havia tido
tempo hábil para ler este livro, com a finalidade de resolver “coisas” mais
114
importantes, inclusive para os próprios alunos. Assim que lesse faria um debate com
a turma referente ao livro e neste momento solicitaria a todos os alunos a leitura do
livro, como obrigação, para posterior análise e debate.
Beatriz: Eu apenas responderia que não havia lido, pois principalmente nos dias de
hoje há uma imensidão de livros, informações que sequer ficamos sabendo que
existem. E solicitaria informações sobre o livro, para lê-lo assim que pudesse. É
claro que essas situações eu considero um pouco de falta de educação, respeito ou
maturidade.
Carlos: Argumentos são medidas eficazes: 1) o livro foi escrito a pouco menos de
um ano, estou lendo outro (cite-o!) e ainda não tive tempo para ler esse, apenas
peguei nas mãos, mas poderia futuramente voltar a refleti-lo com você; 2)
perguntaria se eles leram Fernão Capelo Ganola, O pequeno príncipe, O segredo,
etc.
Diogo: Eu aceitaria normalmente e responderia que não sou uma pessoa que lê
tudo, e que com certeza haveria lido bem mais livros do que ela. Porém não teria
problema em afirmar que aquele ainda não tinha tido a oportunidade de ler, quem
sabe seria o próximo.
Eliane: Eu diria que realmente não tinha lido, mas que já havia lido outros e
colocaria ele como o próximo livro a ser lido e logo argumentaria com a classe minha
opinião sobre o livro.
Flávia: Os alunos costumam desafiar o professor, isso acontece em qualquer
matéria. No caso do professor Rogério poderia ter sido respondido a pergunta de
outra forma: “Este livro, com esse título, ainda não li. Mas a história de Napoleão e
115
da rainha louca conheço bem. De qual editora é este livro? O que você achou mais
interessante? Vejam alunos, fulano de tal comprou determinado livro e nos está
recomendando. Você já leu? Pode me emprestar? Se realmente for bom vou
comprá-lo”.
Gilberto: Procuraria ser realista com os estudantes... Ser profissional da área não
justifica o fato de conhecer todas as publicações... O meu comentário sobre o livro
seria pronunciado após a leitura do referido.
Helena: É importante ser transparente, trabalhar com a verdade, no entanto o
professor deveria ter usado o bom senso e dito a ela que leu diversos livros
semelhantes e que iria pesquisar em seus fichamentos.
Irene: Diria que não li o livro e solicitaria à aluna que mo emprestasse. Dir-lhe-ia que
após minha leitura gostaria que nós duas pudéssemos expor a história para a
classe.
Joana: O professor tem que estar informado, atualizado, porém não tem obrigação e
nem condições financeiras de comprar todo o material que é publicado, assistir
todos os filmes que estão na mídia, é isso que deveria falar ao aluno e justificar que
assim que “puder” vai providenciar sua leitura. E imediatamente lançar a questão: “E
você, o que tem lido? O aprendizado é de ambas as partes”.
Karen: O professor foi franco com os alunos e acho isto importante, ele não é
obrigado a ler histórias paralelas que tenham, principalmente, este teor pejorativo, e
deve argumentar que não deve ser um livro tão sério, já que se trata do príncipe
medroso, corte corrupta, etc. Deve o professor se ater aos fatos e isto ele deve já ter
dado em sala de aula.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo