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UIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBAISMO
Artur Simões Rozestraten
A iconografia do portador do modelo de arquitetura
na arte medieval
São Paulo
Outubro 2007
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Artur Simões Rozestraten
A iconografia do portador do modelo de arquitetura
na arte medieval
Tese
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo
Doutorado
História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Luiz Américo de Souza Munari
São Paulo
Outubro 2007
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO
CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
ASSINATURA:
Capa: Déspota Jovan Oliver portando o modelo em afresco no interior da igreja de Lesnovo, Macedônia (1341-49). Referência iconográfica: <http://www.culture.org.mk/eL8.HTM>
Rozestraten, Artur Simões
R839i A iconografia do portador do modelo de arquitetura na arte
medieval / Artur Simões Rozestraten. - - São Paulo, 2007.
165 p. : il. ; 29,7 cm.
Tese (Doutorado – Área de Concentração: História e Funda-
mentos da Arquitetura e do Urbanismo) – FAUUSP.
Orientador: Luiz Américo de Souza Munari.
1.Arquitetura (Representação) 2.Arquitetura (Modelos)
3.Imaginário 4.Iconografia 5.Arte medieval I.Título
CDU 72.001.57
Angela, Mariana e Gabriela, minha força, meu amparo,
meus amores.
i
A
GRADECIMETOS
Ao amigo e orientador Luiz Munari, mais uma vez, por
sua generosidade, por sua disposição incansável ao diálogo, por
suas críticas e seu apoio constante, sem os quais esse trabalho não
teria sido possível.
À FAPESP, que acreditou neste projeto de pesquisa, criou
condições para o seu desenvolvimento e sempre atendeu
prontamente às solicitações de apoio à participação em eventos
científicos, e viagens de estudo.
Ao Programa de Pós-Graduação da FAUUSP, por meio da
Comissão de Pós-Graduação, na pessoa da Profa. Dra. Maria
Angela Faggin Pereira Leite, presidente desta comissão. E
agradeço também ao Departamento de História da Arquitetura e
Estética do Projeto da FAUUSP, na pessoa de seu chefe Prof. Dr.
Paulo Bruna, pelo apoio recebido.
À Profa. Dra. Haiganuch Sarian pelo incentivo, críticas,
sugestões que enriqueceram o desenvolvimento deste estudo e,
especialmente, pelo estímulo e auxílio no contato com os
institutos franceses.
Aos Institutos que ampararam essa pesquisa
proporcionando condições, como pesquisador visitante, de acesso
aos seus acervos e contato com seus pesquisadores: a Ècole
Française d’Athènes EFA, em Atenas, Grécia, na pessoa do Prof.
Dr. Dominique Mulliez, diretor à época de meu estágio em julho
de 2005; o Warburg Institute, em Londres, por intermédio de sua
secretária M. Anita Pollard e do Prof. Dr. Paul Taylor, curador do
acervo fotográfico; o Institut Français d’Études Anatoliennes
IFEA, em Istambul, por meio de seu diretor Prof. Dr. Pierre
Chuvin, e do Prof. Dr. Jean-Pierre Sodini, da Universidade de
Paris, que gentilmente intermediou o contato; e o Instituto de
Artes da Academia Nacional de Ciências da República da
Armênia, em Yerevan, na pessoa de seu diretor Prof. Dr. Ararat
ii
Aghassian, e do Prof. Dr. Murad Hasratyan. Gentilmente esses
institutos atenderam às solicitações de acesso aos acervos
bibliográficos e iconográficos, acolheram a pesquisa, e me
receberam em julho de 2007 para a conclusão desse estudo.
Ao Prof. Dr. Patrick Donabedian, da Universidade de Aix-
en-Provence na França, que com sua solidariedade e amizade
singulares, muito me auxiliou no acesso a referências
bibliográficas e imagens, especialmente dos motivos armênios.
A todos os funcionários da Biblioteca da FAUUSP, na
pessoa de sua diretora Eliana de Azevedo Marques, por todo o
apoio recebido ao longo destes anos de trabalho. Agradeço
também a todos os funcionários da Biblioteca do Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, na pessoa
de sua diretora Eliana Rotolo, pela acolhida fraterna e por toda a
generosa ajuda recebida.
Aos coordenadores do curso de arquitetura e urbanismo do
Centro Universitário Moura Lacerda, Prof. Dr. José Antônio
Lanchoti e Profa. Dra. Ruth Paulino, que compreenderam minha
dedicação a essa pesquisa, e pacientemente me ampararam ao
longo desse estudo.
Aos meus colegas, alunos e professores, de graduação e
pós-graduação, que enriqueceram esse trabalho com seus
questionamentos, sugestões e críticas.
Ao meu amigo e parceiro, arquiteto Rodrigo Gutierrez,
pelo diálogo franco e pela ajuda generosa e fraterna com que
sempre pude contar.
Agradeço, com carinho, a meus pais Angela e Reinier, e
aos meus irmãos Annie, Hugo e Flávia por todo o apoio e
estímulo recebidos nos momentos mais difíceis desse percurso.
iii
R
ESUMO
Contrastando com a raridade dos vestígios materiais das
supostas maquetes de arquitetos medievais uma profusão de
representações artísticas (mosaicos, afrescos e esculturas) que
retratam figuras (Papas, Reis, Príncipes e Santos) portando
modelos de arquitetura, particularmente igrejas. Esta pesquisa,
apoiada pela FAPESP, concentra-se sobre este motivo artístico da
figura portando o modelo de arquitetura relacionando-o à
arquitetura real, à representação tridimensional da arquitetura e ao
imaginário medieval acerca da criação arquitetônica. Para tanto
esta pesquisa identifica, descreve, analisa e interpreta um corpus
iconográfico das representações mais significativas do motivo
artístico em foco, produzidas entre o séc. VI e o séc. XV na
Europa e na Ásia Menor. O estudo iconográfico deste motivo,
considerando suas características plásticas, suas possíveis
relações formais, e seus aspectos simbólicos, pretende contribuir
assim para uma maior compreensão de suas relações com o
pensamento acerca da criação do projeto, entre o mundo romano
e a Renascença.
Palavras-chave: representação da arquitetura, imaginário,
iconografia da arquitetura.
iv
S
UMMARY
/
ABSTRACT
In contrast with the material vestiges’ scarcity of the
supposed medieval architects’ three-dimensional models, there is
a profusion of artistic representations (mosaics, frescos and
sculptures) that show figures (Popes, Kings, Princes and Saints)
holding architectural models, particularly churches. This research,
supported by FAPESP, concentrates on the artistic motif of the
figure holding the architectural model and its relations with real
architecture, architectural three-dimensional representation and
the medieval imaginary on architectural creation. Methodological
procedure identifies, describes, analyzes and interpretates an
iconographic corpus of the most significant representations of the
artistic motif in focus produced in Europe and Asia Minor,
between the fall of the Occidental Roman Empire (AD V) and the
Italian Quatrocento. The iconographic study of this motif,
considering its plastic characteristics, its possible formal
relations, and its symbolic meanings, aims to contribute for a
better understanding of its relations with the architectural design
thought, between the Roman world and the Renaissance.
Key-words: architectural representation, imaginary,
architectural iconography.
v
L
ISTA DE FIGURAS
Prancha 1: Mosaico na semi-cúpula da abside da igreja de S. Vitale em
Ravena, Itália (546-547). Referência iconográfica:
<http://www.casesf.com/Ravenna/SanVitale-Apse.jpg>
............................................................................................ 2
Prancha 2: A cena da oferenda de Abel e Melquisedeque na igreja de S. Vitale
em Ravena, Itália (546-547). Referência iconográfica:
<http://www.formonline.se/kyrkor/Ravenna/SanVitale/Abel.html>
............................................................................................ 6
Prancha 3: De cima para baixo e da esquerda para a direita, vistas da igreja de
S. Vitale em Ravena, Itália (546-547); vista aérea, vista interna,
vista da fachada com a porta de entrada, vista interna, vista interna
da abside, vista interna. Referência iconográfica:
<http://traumwerk.stanford.edu/philolog/San%20Vitale.jpg>
............................................................................................ 7
Prancha 4 à 31: Ver verso das pranchas do Item 4, Corpus iconográfico.
............................................................................................ 19
Prancha 32: Modelo de Cascioarele (c. 4.500 a.C.) na Romênia. Referência
iconográfica: Gimbutas, 1990.
............................................................................................ 56
Prancha 33: De cima para baixo e da esquerda para a direita, escultura em
pedra calcárea de Paneshy (c. 1270 a.C.) e, em basalto, de
Wahibre (c. 530 a.C.) portando o modelo, Referência iconográfica:
arquivo do autor; Base em quartzito do modelo do Rei Sety I
(1303-1290 a.C.); reconstituição do modelo sobre a base original
(Prancha 33). Referência iconográfica: Badawy, 1972.
............................................................................................ 58
Prancha 34: Modelo arquitetônico em terracota de Skillonte de Elide, terceiro
quarto do séc. VI a.C. Referência iconográfica: Las Casas Del
Alma, 1997.
............................................................................................ 60
Prancha 35: De cima para baixo e da esquerda para a direita, pintura mural, em
policromia, encontrada na tumba de Amenhotep-Huy, vice-rei de
Kush, que mostra uma comitiva de núbios levando seus tributos a
Tutankhamon (1333-1323 a.C.). Referência iconográfica:
vi
<http://www.dignubia.org/maps/timeline/img/b1540a-nubian-
tribute-huy.jpg>; Baixo-relevo no palácio de Assurnasirpal II em
Nimrud (Kalhu) (883-859 a.C.) próximo à atual cidade de Mosul
no norte do Iraque,Referência Iconográfica:
<http://www.arthistory.upenn.edu/spr03/422/April22>; escadaria
da Apadana em Persepolis (c.520 a.C.). Referência iconográfica:
<http://www.utexas.edu/courses/introtogreece/lect12/img14apadna
stair.html>.
............................................................................................ 62
Prancha 36: Relevo do tributário de Khorsabad portando modelo de
fortificação com torres (742-705 a.C.). Referência iconográfica:
Las Casas Del Alma, 1997.
............................................................................................ 63
Prancha 37: Relevo de Cyzique (200 a 150 a.C.). Referência iconográfica:
<http://www.insecula.com/oeuvre/photo_ME0000037355.html>
............................................................................................ 65
Prancha 38: Relevo da deusa Tychè, ou Fortuna portando dois templos em
moeda do séc. III. Referência iconográfica: acervo da École
Française d’Athènes (EFA).
............................................................................................ 67
Prancha 39: Maquete de pedra do templo A de Niha, cidadela próxima a
Baalbek no Líbano, séc. II. Referência iconográfica: Kalayan,
1971.
............................................................................................ 69
Prancha 40: De cima para baixo, três magos orientais, afresco na Catacumba
de S. Priscilla em Roma, datado no séc. III. Referência
iconográfica: <http://www.edicolaweb.net/magi_12g.htm>;
mosaico dos três magos na nave da igreja de S. Apollinare Nuovo
em Ravena, fim do séc. VI, alterado posteriormente. Referência
iconográfica: <http://www.racine.ra.it/planet/testi/Foto/rmagi.jpg>
............................................................................................ 70
Prancha 41: Igreja de S. Sergius e Bacchus (525) em Istambul. Referência
iconográfica: arquivo do autor.
............................................................................................ 75
vii
Prancha 42: Igreja de Hagia Sophia (532-537) em Istambul.Referência
iconográfica: arquivo do autor.
............................................................................................ 76
Prancha 43: Igreja de S. Vitale (546-548) em Ravena, Itália. Referência
iconográfica:
<http://www.dartmouth.edu/~classics/rome2003/updates/week7_8
/nov10.html>
............................................................................................ 77
Prancha 44: Capela mor e abside da Igreja de S. Vitale (546-548) em Ravena,
Itália; detalhe de Eclesius no mosaico da semi-cúpula da abside.
Referência iconográfica:
<http://www.dartmouth.edu/~classics/rome2003/updates/week7_8
/nov10.html>
............................................................................................ 82
Prancha 45: Nave e abside; e detalhe do Bispo Eufrasius portando o modelo
em mosaico na abside da Basílica Eufrasiana em Parenzo/Porec,
Croácia (c.550). Referência iconográfica: Hetherington, 1967.
............................................................................................ 86
Prancha 46: Papa Pelagius II portando o modelo em mosaico na abside da
igreja de S. Lorenzo fuori-le-muri em Roma, Itália (578-590).
Referência iconográfica: Hetherington, 1967.
............................................................................................ 87
Prancha 47: Detalhe do imperador Justiniano portando o modelo de Hagia
Sophia, e composição completa do mosaico na luneta do exonartex
sul da igreja de Santa Sofia em Istambul, Turquia (976-1025).
Referência iconográfica: Kleinbauer, White e Matthews, 2004.
............................................................................................ 90
Prancha 48: Composição do mosaico na abside da igreja de S. Maria
Trastevere, Roma, Itália (c.1140), e detalhe do Papa Inocêncio
portando o modelo de arquitetura. Referência iconográfica:
<http://www.artandarchitecture.org.uk/images/full/a4e7d32974bd
55bf9f249ec63732cd4916e187c4.html>
............................................................................................ 91
Prancha 49: Logoteta Theodoro Metochites portando o modelo junto ao Cristo
em mosaico no nártex interior do mosteiro de Kariye Camii,
Chora, Istambul, Turquia (c. 1321). Referência iconográfica:
viii
Ousterhout, 2002.
............................................................................................ 93
Prancha 50: Detalhe do imperador Leo III ajoelhado junto ao Cristo, e
composição completa do mosaico na luneta da porta principal da
igreja de Santa Sofia em Istambul, Turquia (976-1025). Referência
iconográfica: Kleinbauer, White e Matthews, 2004.
............................................................................................ 95
Prancha 51: Da esquerda para a direita, de cima pra baixo, Rei Gagik Artsruni
portando o modelo, em relevo sobre a fachada oeste, à esquerda da
antiga entrada da igreja da S. Cruz na ilha de Aght’amar, Armênia
(915-921), e vista da elevação oeste. Referência iconográfica:
Documenti di Architettura Armena, Aght’amar, 1974.
............................................................................................ 98
Prancha 52: Da esquerda para a direita, fotografia da escultura do Rei Gagik
Artsruni na entrada da igreja de S. Gregório em Ani, Armênia
(início do séc. X); detalhe da escultura do Rei Gagik com os
braços estendido; modelo arquitetônico que compunha o conjunto;
desenho de reconstituição do conjunto escultórico. Referência
iconográfica: acervo Patrick Donabédian.
............................................................................................ 101
Prancha 53: Vistas da fachada leste da igreja de S. Amenaprkich no monastério
de Sanahin, Armênia (966), e detalhe do relevo dos Príncipes
Smbat e Kyurike Bagratuni, filhos da rainha Khosrovanush
patrocinadora da obra, portando juntos o modelo. Relevo no
tímpano da fachada leste. Referência iconográfica: arquivo do
autor.
............................................................................................ 103
Prancha 54: Vistas da fachada leste da igreja de S. Nshan no monastério de
Haghbat, Armênia (976-991), e detalhe do relevo dos Príncipes
Smbat e Kyurike Bagratuni, filhos da rainha Khosrovanush
patrocinadora da obra, portando juntos o modelo. Relevo no
tímpano da fachada leste. Referência iconográfica: arquivo do
autor.
............................................................................................ 104
Prancha 55: Dois personagens não-identificados com o modelo. Relevos nas
fachadas sul e leste da igreja principal do convento de Dadivank,
ix
próximo à cidade de Khot, Armênia (1183-1184-1211). Referência
iconográfica: acervo Patrick Donabédian.
............................................................................................ 109
Prancha 56: Da esquerda para a direita, Rei Childebert (511-558) portando o
modelo em jacente na igreja de S. Denis, S. Germain-des-Pres,
França (c.1170). Referência iconográfica: Duby e Laclotte, 2002;
Henrique Leão portando o modelo em jacente na igreja de S.
Blaise, Brunswick ou Braunschweig, Alemanha (1235-
40).Referência iconográfica: Williamson, 1998; Arquiteto Hugues
Libergier portando o modelo. Baixo relevo sobre a lápide do
arquiteto na catedral de Reims, França (c. 1267).Referência
iconográfica: Panofsky, 1991 (b).
............................................................................................ 111
Prancha 57: Detalhe de eclesiástico não-identificado (S. Bento?) portando o
modelo em afresco no interior da capela de S. Benedetto em
Malles Venosta, Itália (séc.VIII). Referência iconográfica:
<http://iprase.g-floriani.it/didateca/p19_224.htm>
............................................................................................ 115
Prancha 58: Da esquerda para a direita e de cima para baixo, igreja do
monastério de Peribleptos, Mistra, junto a Esparta, Grécia (1358);
Afrescos no interior da igreja; Manuel Cantacuzène e sua esposa
Isabel de Lusignan portando o modelo em afresco no interior da
igreja. Referência iconográfica: arquivo do autor.
............................................................................................ 117
Prancha 59: Da esquerda para a direita, igreja do monastério de Lesnovo,
próximo a Zletovo, Macedônia (1341-49); spota Jovan Oliver
portando o modelo em afresco no interior da igreja. Referência
iconográfica: <http://www.culture.org.mk/eL8.HTM>
............................................................................................ 119
Prancha 60: Da esquerda para a direita, igreja do monastério de Mileseva,
Sérvia-Montenegro Sérvia-Montenegro (1234-36); Rei Vladislav
portando o modelo em afresco no interior da igreja. Referência
iconográfica:
<http://www.serbianunity.net/culture/history/Serb_History/Monast
eries/Mileseva/m_vladislav.html>
............................................................................................ 121
x
Prancha 61: Da esquerda para a direita, Enrico Scrovegni portando o modelo
em afresco de Giotto na capela Scrovegni em Pádua, Itália (1303-
05); Vista da elevação frontal da capela Scrovegni. Referência
iconográfica:
<http://employees.oneonta.edu/farberas/arth/Images/ARTH213ima
ges/ArenaChapel/LastJudgement/Scrovegni.jpg>
............................................................................................ 122
Prancha 62: Michelangelo apresentando a maquete de S. Pedro, Domenico
Cresti da Passignano, 1619. Referência iconográfica:
<http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b8/Passignan
o_Michelangelo_che_da_il_modellino_di_San_Pietro_a_Giulio_II
.jpg>
............................................................................................ 125
Prancha 63: Detalhe do baixo relevo na lápide do arquiteto Hugues Libergier
na catedral de Reims, França (c. 1267). Referência iconográfica:
Panofsky, 1991 (b).
............................................................................................ 134
Prancha 64: Deus arquiteto em folha de rosto de um manuscrito da Bíblia em
francês, meados do séc. XIII. Referência iconográfica:
<http://www.cambridgeserver.com/GodAsArchitectOfTheUnivers
e.jpg>
............................................................................................ 136
Prancha 65: Imagens de devotos portando modelos arquitetônicos na procissão
do Círio de Nazaré em Belém do Pará, 2006. Referência
iconográfica: <http://www.orm.com.br/cirio/>
............................................................................................ 151
xi
SUMÁRIO
A
GRADECIMENTOS
i
R
ESUMO
iii
S
UMMARY
/A
BSTRACT
iv
L
ISTA DE FIGURAS
V
1. I
NTRODUÇÃO
1
2. O
BJETIVOS
11
3. I
CONOGRAFIA E
P
ROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
13
4. C
ORPUS
I
CONOGRÁFICO
18
5. H
ISTÓRICO DO
E
STUDO DO
T
EMA
47
6. G
ENEALOGIA DO MOTIVO
53
7. M
OSAICOS
80
8. R
ELEVOS
97
9. A
FRESCOS
114
10. D
ESDOBRAMENTOS
123
11. D
ISCUSSÃO
126
12. R
EFERÊNCIAS
B
IBLIOGRÁFICAS
154
13. O
BRAS CONSULTADAS
159
1
1.
I
TRODUÇÃO
Ao centro da composição está o Cristo pantocrator
assentado sobre a esfera azul que paira no ar, sem tocar o chão do
paraíso (Prancha 1). O Cristo jovem, imberbe, está vestido como
um príncipe bizantino. Suas vestes sóbrias têm detalhes em
dourado, e sua auréola é cravejada de madrepérolas. Na mão
esquerda, tem o livro sagrado das escrituras, na direita a coroa
que entregará ao santo.
A luz dourada, que vem do fundo, no centro, clareia a
cena, e cria uma faixa luminosa, um rasgo no horizonte, entre a
esfera azulada e o chão, a terra.
A cena acontece no Éden, sobre o qual passam nuvens
multicoloridas. é o jardim do paraíso. De seu planalto jorram
os quatro rios primordiais, e sobre sua relva viçosa crescem flores
brancas e vermelhas.
Dois anjos alados ladeiam o Cristo. O anjo da esquerda
toca com uma das mãos o ombro de São Vitale, e com a outra
mão, protegida por seu manto, segura um bastão dourado.
O anjo olha na direção do Santo, enquanto Cristo lhe
dirige o olhar, e lhe oferece uma coroa dourada, forrada em
vermelho, e incrustada com pedras preciosas. Vitale, ex-escravo,
mártir torturado, estende os dois braços protegidos por seu rico
manto prateado, e prepara-se para receber sua santíssima coroa.
Do outro lado, o outro anjo apresenta o bispo Eclesius ao
Cristo. Eles aguardam a entrega da coroa para receberem a
atenção divina. O anjo olha para o Cristo e aponta, com uma mão,
para o bispo. Com a outra mão, que passa por trás do modelo da
igreja, toca o ombro de Eclesius.
Eclesius aguarda, sereno e concentrado, o momento de
estender ao cosmocrator sua oferenda: o modelo arquitetônico da
igreja, martyrion de S. Vitale.
2
3
O momento registrado na cena em mosaico antecede o
clímax. uma tensão a se resolver nos movimentos fixados na
imagem. Os braços estão estendidos, os olhares divergem, as
oferendas ainda não foram entregues. O clímax está por vir, e não
será visto, mas imaginado.
A oferenda é o tema artístico da cena que revela um ritual,
um ciclo de oferendas e presentes. A coroa de santo é o presente
divino que Cristo, generosamente, entrega ao Santo, antes mesmo
de receber, em troca, a oferenda máxima dos homens: a ecclesia
de Ravena.
O Cristo onisciente, fonte de luz, revelador da verdade é o
foco da composição. Sua figura é, ao mesmo tempo, o ponto de
convergência do nosso olhar e o dispersor que lança nossos
olhares ora para o lado de S. Vitale, ora para o lado de Eclesius.
A dinâmica circular da composição é enfatizada pela forma
côncava da semicúpula da abside. É a concavidade arquitetônica
da abside que posiciona a cena em um espaço tridimensional, que
para o fundo é de uma profundidade dourada infinita, e que
avança, abobadado, em nossa direção. A posição das figuras, em
arco, sugere uma continuidade da forma que transgride o espaço
real e o invade, o penetra, como se sugerisse completar a outra
metade da cúpula no vazio do espaço.
nesta ciranda de seres celestiais, portanto, uma
ausência. A roda está aberta, o ciclo está incompleto. Falta no
mosaico alguém para fechar a roda. E quem testemunha a cena,
quem contempla o mosaico é o elo entre os dois extremos. Essa
presença é indispensável para completar a ciranda do rito, definir
a cena, e fechar o círculo. Como testemunhas, convidadas a dar as
mãos a S. Vitale e Eclesius, participamos desse momento
sublime, que é, ao mesmo tempo, histórico e eterno na imagem.
Encantados por essa luz plena que vasa as janelas, e faz
brilhar os mosaicos, é possível imaginar o caminhar na relva
macia do Éden, sentir o perfume das flores deste jardim
paradisíaco, enquanto se ouve correr a água desses rios de vida.
4
O lugar é a igreja, espaço sagrado da sepultura de S.
Vitale. Ao entrar, vêem-se as formas da igreja de fora, e é
possível perceber sua arquitetura, sua disposição de volumes,
janelas e telhados, e agora, pode-se reconhecer essas formas no
modelo nas mãos de Eclesius. Intuí-se, então, uma sobreposição
de tempos e espaços: estamos, ao mesmo tempo, em Ravena e no
Éden, hoje, ontem e sempre. O tempo sagrado é contínuo, eterno.
Pensa-se também a variação dimensional sugerida pela relação
entre a arquitetura real e o modelo reduzido em mosaico que
reduz e amplia a arquitetura ao limite entre a matéria e a idéia.
Pois a igreja reduzida no modelo vai ao limite nimo de sua
materialidade, indo além se tornará intangível, invisível, idéia. A
igreja real, por sua vez, está no limite máximo de sua
materialidade sensível, ampliada se tornará uma ultra-igreja
todas as igrejas em uma só, a própria cristandade –, universo,
cosmos, transcendência inapreensível aos sentidos, será, enfim,
idéia também.
Como testemunhas oculares, tornamo-nos conjuntamente
sagrados e, iniciados, participamos desse mistério. Estamos
dentro da igreja que Eclesius oferta ao Cristo. E se o modelo que
Eclesius tem nas mãos é a igreja, então estamos em suas mãos,
logo estaremos nas mãos de Cristo.
Pressente-se, por instantes, o paraíso, o prazer e a beleza
de estar em Cristo. vivem hoje, e pela eternidade, Vitale e
Eclesius, modelos de virtude, exemplos a serem seguidos. Vitale,
santo, ofertou sua vida em martírio. Eclesius, bispo de Ravena,
construiu a igreja onde estão os supostos restos mortais do santo e
os mosaicos. Aprende-se que a virtude e as oferendas são as
chaves que abrem as portas do paraíso.
Enquanto uns ofertaram sua própria vida como exemplo
de virtude, outros nem sempre tão virtuosos construíram
templos, e portaram o modelo arquitetônico como senha de
acesso ao mundo das imagens.
5
O mosaico dourado de S. Vitale é uma imagem memorial,
um marco visual, que remete a um tempo outro, passado e mítico,
que retorna sempre que é visto. Um monumento ao santo, e ao
bispo que ergueu a igreja, e que eternamente a levará nas mãos.
Na época em que os mosaicos foram feitos, Ravena, que
havia sido a capital do reino visigodo, havia sido recentemente
reconquistada por Belisarius (c.540), principal general do
imperador Justiniano. Reintegrada ao Império Romano do Oriente
a igreja, supostamente o martyrion de S. Vitale, se tornara um
monumento da reconquista militar, política e religiosa do norte da
península itálica. Ali se conjugam a cristandade e o Império
Romano, apoiando-se mutuamente, buscando a força na fusão.
A oferenda é o tema predominante não apenas na
semicúpula da abside, mas em todos os mosaicos. O antigo
costume da oferenda, enraizado em diferentes culturas da bacia
do Mediterrâneo, emerge cristianizado e firma-se como vínculo
material entre a divindade e os homens. Figuram na capela-mor a
cena da oferenda de Abel e Melquisedeque (Prancha 2), o
sacrifício de Isaac por Abrahão, e as oferendas do pão e do vinho
da eucaristia trazidos, respectivamente, pelo imperador Justiniano
e pela imperatriz Theodora com suas comitivas.
A igreja é o lugar sagrado das oferendas, e dentre todas, a
máxima oferenda é a própria igreja, com sua arquitetura de
brilhos multicoloridos, seus mármores e vidros (Prancha 3).
Conforme Agnellus de Ravena (805-846), em seu Liber
pontificalis ecclesiae Ravennatis, escrito entre 830 e 846 (apud
Bungo), havia em S. Vitale uma inscrição, hoje desaparecida, que
mencionava o bispo Eclesius como o fundador da igreja quando
a cidade de Ravena ainda estava sob domínio ostrogodo e o
banqueiro Julianus Argentarius como o financiador da obra.
6
7
8
Nesse registro histórico, Argentarius
1
seria o doador
propriamente dito da obra de arquitetura; Eclesius o fundador; e
Vitale, o mártir padroeiro. De onde se conclui que quem porta o
modelo de arquitetura não é o imperador Justiniano, nem
tampouco o general Belisarius, nem mesmo o banqueiro Julianus
Argentarius. Quem porta o modelo de arquitetura é o pater
Eclesius, o bispo de Ravena.
A caracterização do portador como pater ecclesia,
fundador da igreja, revê perspectivas historiográficas anteriores
(Bloch 1962 e 1968; Lipsmeyer 1981) que reúnem sob a
designação genérica de “iconografia do doador” expressões
artísticas medievais ainda pouco conhecidas, subestimando sua
amplitude de significados, suas peculiaridades estilísticas,
variações regionais e desdobramentos.
1
Segundo Briggs (1927), Rivoira, no livro Lombardic Architecture de 1910 caracteriza Julianus
Argentarius como arquiteto dentre outras habilidades. Rivoira atribui a Argentarius não apenas o
projeto de San Vitale (526-547) como também o de Sant’Apollinare in Classe (533-549), e o da
catedral de Parenzo. Por sua relevância para a história da arquitetura estas atribuições merecem
uma pesquisa futura mais aprofundada.
O retrato de Eclesius em S. Vitale é um dos primeiros a
caracterizar, no mundo cristão, o motivo artístico do portador do
modelo arquitetônico, que surge na iconografia medieval, em
meados do séc. VI, como uma criação artística bizantina. A partir
de Eclesius esse motivo irá permear toda a Idade Média, da
Armênia à França, com ressonâncias e desdobramentos até o
mundo contemporâneo.
Considerando um panorama mais amplo da iconografia
cristã, os portadores do modelo de arquitetura são, ao lado dos
mártires, as primeiras figuras históricas a ingressarem no universo
de imagens até então exclusivo de personagens do antigo
testamento. Essa passagem, da simples representação de
personagens míticos à retratação de indivíduos, muito
provavelmente inaugurou no mundo cristão da bacia do
Mediterrâneo, o culto a personalidades secundárias com relação
ao verdadeiro governante: o pantocrator.
9
A participação do indivíduo real, retratado, no universo
mítico cristão confere, assim, uma nova significação política a
esta iconografia, com grande alcance público, que se apropria e
subverte a antiga tradição de retratos funerários de origem
egípcia, comum no mundo romano, e presente nos primeiros
sarcófagos cristãos – acrescentando a ela a representação dos
vivos.
Alguns papas, como Pelagius II, Honorius e Johannes IV,
ansiosos por terem o reconhecimento de seu status espiritual
ainda em vida, entenderam rapidamente a mensagem política
contida no retrato de Eclesius e construíram igrejas onde se
fizeram retratar portando o modelo de arquitetura.
Abriram assim caminho para futuros pretendentes a essa
posição privilegiada do portador do modelo arquitetônico, o que
entrelaçou definitivamente a história deste motivo artístico cristão
à afirmação e legitimação de poder político na Europa, e na Ásia
Menor.
Definiu-se, desde então, um intercâmbio entre autoridade
civil e autoridade espiritual, por meio do qual cada instância
utiliza e reforça a amplitude e os significados dos signos do outro.
Mas o que é esse modelo que Eclesius tem nas mãos?
Uma maquete, ou a imagem do modelo transcendente da igreja
revelado pela inteligência divina, como um paradigma para a
construção da arquitetura? Seria um relicário, um sacrário, um
oratório que imita o formato da igreja? Ou seria a imagem da
própria igreja, reduzida em tamanho, sem nenhuma relação com
as maquetes arquitetônicas?
Não residiria justamente na ambigüidade a riqueza deste
motivo, que se posiciona entre a matéria e a idéia, entre o modelo
reduzido da igreja e a própria igreja?
Não estaria na tensão entre a semelhança e as
dessemelhanças com a arquitetura real a igreja que abriga a
imagem – a força metafórica dessas imagens?
10
Valendo-se dessas indagações a pesquisa que aqui se
apresenta se aproxima das imagens do portador do modelo para
estudar suas formas artísticas, seu percurso histórico, seus
conteúdos simbólicos, suas variantes, e suas possíveis interações
com o universo da arquitetura.
Para tanto, este estudo concentrou-se sobre um conjunto
de imagens significativas do motivo na arte medieval, e as
identificou, reuniu, comparou e contextualizou. A intenção foi
compor sobre o tema reflexões e interpretações que explorassem
as relações entre as imagens e o pensamento medieval,
considerando a riqueza de sugestões característica das formas
simbólicas.
Duas questões sintetizam as indagações principais desta
pesquisa:
I. Qual é a história dessa imagem do portador do modelo
de arquitetura: quais são suas formas, cores, materiais, quais são
suas origens, seus tipos mais característicos, suas variações e
desdobramentos?
III. Que relações podem ser traçadas entre o percurso
histórico do motivo em questão, e a história do projeto de
arquitetura, a história das maquetes e modelos de arquitetura, e o
imaginário em torno da criação arquitetônica entre o fim do
Império Romano do Ocidente e a Renascença?
11
2.
O
BJETIVOS
O objetivo geral deste trabalho, portanto, é estudar e
interpretar o motivo artístico do portador do modelo de
arquitetura na arte medieval relacionando-o à arquitetura real e ao
imaginário a respeito da criação e da representação da arquitetura
na época. Este estudo acompanha o percurso histórico da imagem
em questão, atento à sua genealogia, e analisa sua transmissão,
sua sobrevivência e suas alterações no mundo medieval.
Para tanto, os objetivos específicos deste trabalho são:
2.1. A identificação e a reunião de um acervo iconográfico
das representações mais significativas do motivo artístico em foco
entre a queda do Império Romano do Ocidente (séc. V) e o
Quatrocento italiano (séc. XV).
2.2. A catalogação sistemática deste corpus com descrição
da imagem, datação, técnica artística, localização, registro da
arquitetura, e composição artística do motivo.
2.3. O estudo de cada uma destas imagens de maneira
contextualizada, relacionando-as ao seu ambiente histórico-
cultural, e às formas da arquitetura real onde se inserem.
2.4. O estudo comparativo das imagens de maneira a
facilitar a identificação e a organização de tipologias ou grupos de
representações com características plásticas semelhantes.
2.5. A composição de interpretações sobre este fenômeno
artístico procurando melhor compreender suas motivações,
origens, variações, desdobramentos e conteúdos simbólicos.
12
2.6. A interpretação dos significados associados a essas
imagens e, especialmente, suas relações com a história do
processo de projeto arquitetônico, com o papel da modelagem
tridimensional neste processo e, conseqüentemente, com o
imaginário acerca da criação da arquitetura na Idade Média.
13
3.
I
COOGRAFIA E PROCEDIMETOS METODOLÓGICOS
O motivo artístico da figura portando o modelo de
arquitetura apresenta uma pessoa, em alguns casos uma dupla,
tendo nas mãos um modelo reduzido de arquitetura.
Este motivo pode estar incluso em uma composição
artística mais ampla reunindo várias figuras composições do
tipo 3-5-7-9 personagens compondo uma cena ou então pode
constituir, isoladamente, um motivo autônomo integrado ao
programa iconográfico da igreja.
O recorte do motivo do portador do modelo restringe-se,
com pouquíssimas exceções, às imagens aplicadas diretamente à
arquitetura, ou seja, às paredes das igrejas. Além destas
aplicações existem outras, sobre suportes como sacrários,
relicários e altares, que serão mencionadas ocasionalmente, como
complementação do enfoque aqui pretendido, mas que não
constituem o interesse específico deste estudo.
O corpus iconográfico que é o centro desta pesquisa e seu
principal ponto de apoio foi composto a partir da pesquisa e da
catalogação de imagens feitas em referências bibliográficas e
acervo de imagens da FAUUSP, do MAEUSP (Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo), EFA
(Escola Francesa de Atenas), Instituto Warburg, IFEA (Instituto
Francês de Estudos Anatolianos), Instituto de Artes da Academia
Nacional de Ciências da República da Armênia, além de sites na
Internet.
A iconografia estudada inclui expressões plásticas
produzidas entre o séc. VI e o séc. XV, cobrindo uma ampla
extensão territorial que tem a França como limite ocidental, e a
Armênia como limite oriental.
Com cerca de 70 exemplares, o conjunto de imagens aqui
reunido nunca teve a pretensão de ser completo. Mesmo assim,
dentro de suas limitações, constitui um acervo significativo das
mais conhecidas representações do motivo em estudo,
14
suficientemente abrangente para permitir a construção de
interpretações quanto às origens, à história, às principais
tipologias, às relações deste motivo com a arquitetura, e seus
desdobramentos iconográficos.
O conjunto de imagens está organizado cronologicamente,
e cada imagem é acompanhada das seguintes informações:
Identificação do portador do modelo arquitetônico.
Identificação da técnica artística usada na
composição da imagem.
Identificação da arquitetura onde se encontra esta
imagem.
Localização geográfica da igreja, com situação em
mapa.
Datação.
O procedimento metodológico adotado nesta pesquisa
evitou, desde o início, estabelecer seus instrumentos e
interpretações a priori, e se propôs a construir um processo de
conhecimento que parte da expressão particular ao fenômeno
geral, e interroga diretamente as imagens e suas características
plásticas.
Esta pesquisa reconhece, no entanto, referências
metodológicas importantes na conceituação e nos procedimentos
de trabalho proposto por Aby Warburg, como uma alternativa
crítica frente a uma história da arte afirmativa e definidora
(Gombrich, 1986; Ginzburg, 1989; Michaud, 2007).
Das propostas de Warburg, dois aspectos, em especial,
interessam a essa pesquisa.
O primeiro é o conceito de nachleben, entendido como
pós-vida, sobrevivência ou sobrevida das imagens, que nesse
trabalho se relaciona à idéia de uma genealogia da iconografia do
portador e seus desdobramentos posteriores à Idade Média.
Warburg sempre foi fascinado pelo tema das ninfas, e em seus
15
estudos sobre Botticeli e Ghirlandaio
2
interpretou, no desenho das
figuras femininas
3
a retomada de formas da arte romana – como o
movimento dos corpos e a expressividade emocional dos gestos –,
mas deslocados a outro contexto e, com outros significados.
Parecia evidente para Warburg que o uso dessas imagens antigas
pelos artistas da renascença era muito mais plástico-figurativo do
que simbólico-significativo, que havia grande liberdade de
apropriação e distanciamento dos sentidos originais das imagens.
Os sentidos, agora renovados, eram renascentistas. K.W. Forster
comenta, na introdução ao texto de Warburg (1999), que este
associava dois temas ao estudo das ninfas: as posturas e gestos do
repertório antigo cabelos ao vento e veste esvoaçantes –, que
séculos mais tarde seriam retomados pra representar outras ações
e outros estados emocionais; e a irrupção na arte da Renascença
de “estranhas figuras” deslocadas, oriundas da Antigüidade
2
Sandro Botticelli’s Birth of Venus and Spring (1893); e The Art of Portraiture and the Florentine
Bourgeoisie (1902).
3
Forster cita, em especial, as semelhanças entre a ninfa portando a fruteira no afresco do
nascimento de João Batista (c.1486-1490) na Capela Tornabuoni em Santa Maria Novella,
Florença e os detalhes de mênades em relevo em um sarcófago romano de meados do séc. II.
remota que deixam evidente como imagens com formas
semelhantes podem ter significados diferentes em tempos e
contextos distintos.
O segundo aspecto das propostas de Warburg que
interessa tratar aqui é o procedimento de trabalho com a
iconografia que se funda essencialmente na construção de
relações entre imagens, e entre imagens e textos para a
interpretação de significados históricos e a construção de
significados possíveis.
Esse modus operandi, que se tentou incorporar a esse
estudo, atenta às continuidades e rupturas, dessemelhanças e
semelhanças, dentro de um amplo panorama de imagens
interrelacionadas. No que pode ser um labirinto de imagens, a
nachleben é como um fio de Ariadne que interessa não para sair,
ou saber onde ele chega, mas para ver por onde ele passa.
Legitima-se assim a imagem como realidade histórica, fonte
geradora de conhecimento.
16
O estudo iconográfico, por sua vez, constitui um campo de
conhecimento específico que a partir das formas visíveis nas
imagens, e das relações formais estabelecidas entre imagens,
constrói problemas, indagações, questionamentos e hipóteses
interpretativas. Estas interpretações possíveis consideram, como
bem observou Ítalo Calvino (2004), que qualquer tentativa de
definir, ou encerrar, o sentido de uma expressão artística, faz
empobrecer sua profusão de significados, suas ambigüidades e
paradoxos.
A imagem aqui não é vista como texto, passível de leitura
direta, como se fosse composta por signos que remetem a
determinados significados mais ou menos restritos, mas sim como
figura plástica, que tem na forma seu potencial gerador de
significados vários, não necessariamente predefinidos. Esses
significados não residem na imagem isolada, mas são construídos
a partir de relações com seu contexto, sua história e com outras
imagens. É justamente no caráter visual, não-textual, das imagens
que reside seu potencial de maior abertura à construção de novos
significados, sempre que são explorados novos enfoques e novas
relações.
Nesse sentido, ao longo de sua história, a figura do
portador do modelo conserva seu esquema geral um
personagem tendo nas mãos uma arquitetura miniaturizada –, mas
sofre alterações de sentido vinculadas ao seu contexto artístico,
político e religioso. E é justamente isso que interessa a essa
pesquisa investigar.
Esse estudo procurou construir um entendimento geral a
partir das particularidades de cada imagem, agrupando-as
segundo suas técnicas artísticas –mosaicos, relevos ou afrescos
e suas características plásticas. Esta organização preliminar do
corpus permitiu identificar tipos, ou seja, padrões formais que
servem como referência para as várias expressões artísticas
posteriores. A partir da identificação de tipos, tentou-se
interpretar cada uma das imagens individualmente, explorando
17
ora a continuidade de uma composição tradicional, ora a ruptura e
as variações formais que abrem novas possibilidades expressivas,
e que podem ou não vir a definir novos tipos.
O interesse na história do motivo artístico da figura
portando o modelo de arquitetura fez com que esta pesquisa
considerasse, para além do conjunto de imagens mais restrito,
outras expressões artísticas, mais antigas, que se caracterizam
como antecedentes históricos do motivo, e delineam uma
genealogia, assim como expressões artísticas posteriores, que
aparentemente derivam deste motivo, como desdobramentos.
Como as imagens constituem a essência deste trabalho
optou-se por apresentar o corpus iconográfico antes do
desenvolvimento do estudo e não ao seu final, como anexo, como
seria de praxe. Esta escolha visa compartilhar com o leitor, antes
de tudo, o conjunto de imagens que fundamenta esse estudo, com
a intenção de uma melhor compreensão dos aspectos tratados no
texto.
18
4.
C
ORPUS ICOOGRÁFICO
47
5.
H
ISTÓRICO DO ESTUDO DO TEMA
A bibliografia específica tratando das imagens do portador
do modelo é bastante escassa.
Um dos primeiros estudos específicos a mencionar
exemplos deste motivo artístico foi o texto de Otto Benndorf,
Antike Baumodelle, de 1902. A menção a estas imagens se faz
como um desdobramento menor do foco de interesse deste estudo
que são os modelos arquitetônicos da Antigüidade (apud Azara,
2001). A principal contribuição de Benndorf foi a tentativa de
caracterização desses exemplos como expressões individuais de
um motivo característico – um tipo artístico específico – que
estabele, em seu percurso histórico, um vínculo entre imagens
pagãs e a iconografia cristã do séc. VI (apud Lipsmeyer, 1981).
Mesmo sem ser uma publicação específica sobre o tema, a
obra de Gabriel Millet, La peinture du Moyen Age em
Yougoslavie (Serbie, Macédoine et Montenegro), de 1954, é,
ainda hoje, um dos estudos mais completos e aprofundados sobre
os afrescos bizantinos balcânicos, o que a torna referência
indispensável na identificação do corpus iconográfico em
questão.
Os anos 60 marcaram a retomada dos estudos sobre o
tema dentre os quais vale ressaltar os artigos de Peter Bloch: Zur
Iconographie des Dedikationsbilds de 1962
4
e Dedikationsbild de
1968 (apud Lipsmeyer, 1981)
5
; o artigo de Tânia Velmans, Le
rôle du décor architectural et la répresentation de l’espace dans
la peinture des Paléologues, publicado nos Cahiers
Archéologiques em 1964; e o artigo de Paolo Cuneo, Les modèles
em pierre de l’architecture arménienne, publicado em 1969 na
Revue des Études Arméniennes. A despeito de suas qualidades,
as interpretações de Bloch direcionaram uma série de estudos
acadêmicos, produzidos na Alemanha, a tratar o corpus
4
BLOCH, P. Zur Ikonographie des D., in: Das erste Jahrtausend Kultur und Kunst im
werdenden Abendland an Rhein und Ruhr, Hg. v. V. H. Elbern, Textband I, Düsseldorf 1962.
5
BLOCH, P. Dedikationsbild, Lexikon der Christlichen Ikonographie, I, Freiburg-im-Breisgau,
Basel, Vienna, Rome, 1968.
48
iconográfico sem questionar a caracterização como imagens do
doador. Já o artigo de Velmans, que de certa maneira deriva dos
estudos de Millet, abriu caminho para vários pesquisadores
investigarem os afrescos bizantinos dos Bálcãs.
Da produção acadêmica dos anos 70 vale mencionar a
publicação da série de revistas Documenti di Architettura
Armena, que em volumes monográficos de alta qualidade
editorial apresentava textos, levantamentos fotográficos e
conjuntos completos de desenhos arquitetônicos das principais
igrejas armênias e, indiretamente, constituiu-se em uma
documentação de grande valia para o estudo do motivo artístico
em pauta.
Em 1978 foi publicado o artigo de Giulio Ieni, La
rappresentazione dell’oggetto architettonico nell’arte medievale
com riferimento particolare ai modelli di architettura caucasici,
apresentado no Primeiro Simpósio Internacional de Arte Armênia
ocorrido em Veneza. Neste artigo Ieni caracteriza a iconografia
do portador do modelo como um subconjunto coeso de
expressões artísticas peculiares, parte de um conjunto muito
abrangente de imagens artísticas da arquitetura, e lança algumas
reflexões sobre possíveis relações entre as representações de
modelos arquitetônicos e a existência e o uso de maquetes como
instrumento de projeto na arquitetura medieval. Este estudo de
Ieni é indispensável como tentativa de síntese sobre o tema, e
também como registro de referências bibliográficas e
iconográficas importantes.
O principal estudo sobre o tema a que se teve acesso até o
momento é a tese de doutorado de Elizabeth Lipsmeyer defendida
em 1981 na Graduate School Rutgers da State University de New
Jersey: The donor and his church model in Medieval Art from
Christian times to the late Romanesque period. O próprio título
do trabalho evidencia dois aspectos que merecem ser realçados. O
primeiro é a designação dos modelos como modelos de igreja,
uma nomenclatura bastante precisa, mas que justamente por isso
49
pode reduzir a extensão do alcance da representação como
arquitetura em um sentido mais genérico (como lugar, como casa,
etc). O segundo aspecto é a suposição da autora de que a figura
que porta o modelo é necessariamente o doador. Esta suposição
alinha a tese de Lipsmeyer às abordagens alemãs derivadas de
Peter Bloch e restringe sua liberdade de interpretação. Neste
estudo Lipsmeyer desenvolve suas reflexões sobre três linhas
principais: a formação do motivo artístico (origens e referências
na arte antiga), a evolução do tipo do doador (tipos principais,
variações e desdobramentos), e a evolução das representações dos
modelos de arquitetura.
Justamente por ser a principal referência sobre o tema, e
possuir inúmeras qualidades metodológicas e documentais,
cabem aqui algumas considerações críticas sobre a tese de
Lipsmeyer.
Ao investigar as relações entre esta iconografia e os
modelos arquitetônicos da Antigüidade as considerações da
autora são por demais superficiais, e passam ao largo de certas
relações formais bastante evidentes com obras de arte próximo-
orientais, como os relevos assírios, por exemplo. Outro aspecto a
mencionar é que não parece ser do interesse da autora investigar
relações possíveis entre estas representações do “doador” e a
história do projeto de arquitetura, o papel social do arquiteto e
seus recursos de criação, registro e comunicação projetual. Por
fim, embora o recorte cronológico e geográfico da autora
considere a arte européia entre o séc. VI e o c. XIV, não
nenhuma menção aos afrescos balcânicos, que compõe um
conjunto de grande interesse pelo modo como conjugam
referências da tradição greco-romana e da tradição próximo-
oriental.
Em 1998, Pedro Azara, curador da exposição Las casas
del alma” de modelos arquitetônicos da Antigüidade no Centro de
Cultura Contemporânea de Barcelona apresentou no Colóquio de
Estrasburgo, “Maquettes Architecturales” de l’Antiquité, o artigo
50
La représentation des modèles dans l’art ancien: un emblème de
la création architecturale? no qual trouxe à tona, novamente, a
discussão sobre as relações entre a imagem da arquitetura e a
arquitetura real, assim como questões em torno dos significados
simbólicos destas imagens em suas relações com o ato criador.
Outra contribuição significativa para o estudo
iconográfico do tema é a lista de imagens de “doadores” que o
professor e pesquisador Roland Mueller disponibiliza em seu site
<www.muellerscience.com> ,desde 2001, como parte de seu
interesse pelo tema do uso de modelos no processo de
conhecimento.
Quanto ao estudo do processo de projeto dos arquitetos no
mundo bizantino, o texto de Procópio de Cesaréia De aedificiis
publicado em 561 é a principal referência. Trata-se de um texto
original do séc. VI que faz menções diretas ao trabalho de
mechánikos, como Anthemius de Tralles, Isidoro de Mileto e
Crísio de Alexandria, e revela o pensamento da época sobre o
universo da arquitetura. Como uma tentativa de análise e
contextualização da obra de Procópio
Da produção moderna e contemporânea sobre o trabalho
dos arquitetos no mundo bizantino cabe destacar os textos de
Downey: Byzantine Architects: their trainning and methods de
1946; de Donabedian: Le point sur l’architecte arménien Trdat-
Tiridate, à l’occasion du millénaire de son ouvre, publicado nos
Cahiers archéologiques em 1991, e de Ousterhout: Master
Builders of Byzantium de 1999.
No que diz respeito ao trabalho dos arquitetos da Europa
ocidental na Idade Média existem inúmeros estudos publicados.
Dentre os quais que se mencionar o capítulo sobre a Idade
Média no texto clássico de Briggs, The architect in History de
1927 que apresenta uma das primeiras sínteses sobre o tema; o
texto de Pierre du Colombier, Les Chantiers des Cathédrales, de
1953 que até hoje é um dos estudos mais eruditos sobre o assunto
51
em questão; o texto de Gimpel, Les Bâtisseurs de Cathédrales
6
,
de 1958; os artigos de Kenneth Conant The After-life of Vitruvius
in the Middle Ages e de François Bucher Design in Gothic
Architecture, a preliminary assessment publicados no Journal of
the Society of Architectural Historians de março de 1968; os
textos de Lon Shelby, Medieval Masons’ Templates, publicado no
Journal of the Society of Architectural Historians em maio de
1971, e The education of medieval master mason de 1970
publicado na revista Medieval Studies; os dois livros de John
Harvey, The Master Builders Architecture in the Middle Ages
de 1971 e The Medieval Architecture de 1972; o estudo de
Francis Andrews The medieval builder and his methods de 1973.
E o texto de Spiro Kostof: The Architect in the Middle Ages, East
and West, de 1977 é um dos raros a investigar com densidade as
6
Os termos bâtisseur (Gimpel, 1958; Recht, 1980) e builder (Erlande-Brandenburg, 1995;
Ousterhout, 1999) são geralmente usados para designar os responsáveis pela obra, patrocinadores
ou financiadores, e não exatamente os arquitetos ou mestres-construtores. Também em português o
termo construtor é ambíguo, pois designa tanto quem constrói de fato, na prática do canteiro de
obras (arquitetos, engenheiros, mestres-de-obras, empreiteiros), quanto quem financia, dirige ou
gerencia uma empresa construtora (Houaiss, 2004).
interações entre os arquitetos da Europa ocidental, de Bizâncio e
do Islão.
Da produção das décadas seguintes vale mencionar os
vários textos de Roland Recht, dentre os quais: La loge et le soi-
disant “secret” des bâtisseurs de cathédrales, Le Traité de
géométrie de Mathieu Roriczer, Glossaire des termes
d’architecture médiévale todos de 1980, e Desenhos e “tratados”
de arquitetura, de 1995; o livro de Radding e Clark Medieval
Architecture, Medieval Learning: Builders and Masters in the
age of Romanesque and Gothic de 1992, e o texto de Erlande-
Brandenburg, The Cathedral Builders of the Middle Ages,
também de 1995.
Esta pesquisa apóia-se, enfim, nos esforços empreendidos
por professores e alunos da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo, junto ao Departamento
de História da Arquitetura e Estética do Projeto, no estudo das
52
questões relacionadas à tridimensionalidade, na interseção entre a
história da arte e a história da arquitetura.
Estudos esses que levados a cabo em diferentes níveis, na
graduação e na pós-graduação, desde os anos 70, constituíram
uma linha de pesquisa, e um acervo cultural consistente e
original, que abriu caminho para a idealização e o
desenvolvimento dessa pesquisa. Se, por um lado, reconhecer
esse vínculo diz dividir os méritos eventuais que esse trabalho
pode ter, por outro lado, há que se dizer também que os equívocos
e imprecisões dessa pesquisa são de minha inteira
responsabilidade.
53
6.
G
EEALOGIA DO MOTIVO
Se por um lado o motivo do portador do modelo no
mundo cristão é uma criação bizantina, e possui características
originais especialmente o posicionamento da imagem que
representa a arquitetura diretamente na arquitetura real -, por
outro lado, à medida que identificam-se expressões artísticas
anteriores do motivo, essa iconografia cristã revela o afloramento
de raízes arcaicas.
A imagem do portador do modelo tem representações
artísticas desde a Antigüidade, associadas ao costume do tributo,
da memória funerária e da construção de templos. estão as
fontes de suas formas plásticas.
Em alguns casos esses costumes geraram imagens,
especialmente relevos e esculturas, nas expressões mais antigas, e
na arte paleo-cristã, afrescos. Como por exemplo, as estátuas
egípcias portando naos, de Paneshy (c. 1270 a.C.) e Wahibre (c.
530 a.C.); o relevo assírio do tributário de Khorsabad (séc. VIII
a.C.); o relevo da jovem de Cizique ou Cisico (séc. II a.C.); e o
afresco dos magos orientais na Catacumba de S. Priscilla em
Roma (séc. III).
Em outros casos esses costumes deixaram como vestígio
objetos com formas arquitetônicas em escala reduzida. Por
exemplo, o modelo de Cascioarele na Romênia (c. 4.500 a.C.)
enterrado como oferenda em ritos de fundação de templos. Ou o
costume egípcio de “apresentar” modelos arquitetônicos em ritos
de fundação de templos, como o modelo do rei Sety I (c. 1300
a.C.). Ou ainda a antiga tradição mediterrânea dos naískoi, que
são modelos arquitetônicos usados como oferenda (ex-votos) aos
deuses, como o de Skillonte de Elide (séc. VI a.C.).
Essas imagens e objetos delineiam vertentes culturais
mediterrâneas que associam os modelos arquitetônicos à prática
de oferendas ritualísticas, tendo o caráter de oferendas de
fundação (Gimbutas, 1990; Eliade, 2001) que protegeriam a obra
54
e garantiriam sua durabilidade, ou então tendo caráter de ex-voto,
ligando-se a divindades femininas, como a deusa Hera no panteão
grego. Em meio a uma história de representações artísticas e
costumes, repleta de lacunas e silêncios, existem algumas
expressões culturais que podem ser interpretadas como
antecedentes do motivo em estudo:
O costume neolítico do sudeste europeu da
oferenda de modelos arquitetônicos em ritos de fundação
de templos.
O costume egípcio das estátuas portando naos e o
ato de “apresentar” modelos arquitetônicos em ritos de
fundação de templos.
A antiga tradição mediterrânea dos naískoi, que
são modelos arquitetônicos usados como oferenda (ex-
votos) ou como oratórios.
As representações artísticas egípcias e próximo-
orientais do tema dos tributários portando modelos
arquitetônicos.
O uso de modelos arquitetônicos na iconografia
funerária como possível atributo de arquiteto.
A iconografia numismática romana relativa ao
privilégio de Neokoros com deuses portando modelos
arquitetônicos de templos.
55
A iconografia da pompa triumphalis militar
romana com estandartes com modelos arquitetônicos.
O uso de modelos arquitetônicos em escala
reduzida como instrumento de projeto arquitetônico no
Império Romano.
A iconografia cristã da visitação dos magos.
Para cada uma destas expressões culturais serão feitas, a
seguir, algumas considerações mais detalhadas.
6.1. Várias culturas neolíticas do sudeste europeu: Vinca,
Boian-gumelnita e Sesklo (Kruta, 1993; Gimbutas, 1990)
possuíam o costume de confeccionar em terracota modelos
arquitetônicos, em escala reduzida, como oferendas usadas em
ritos de fundação. Eram oferendas de construção: bauopfer
(Gimbutas, 1990; Sartori apud Eliade, 2001
7
). Estas pequenas
arquiteturas cerâmicas, como o modelo de Cascioarele (c. 4.500
a.C.) na Romênia (Gimbutas, 1990), foram encontradas em
escavações arqueológicas junto às fundações de templos datados
entre o Quarto e o Sexto Milênio (Prancha 32). Os sítios
arqueológicos destes modelos concentram-se nos Bálcãs, no vale
da foz do Danúbio junto ao Mar Negro, e no sudeste da Ucrânia.
Ao que tudo indica, esta tradição de oferendas e
sacrifícios de fundação enraizou-se de tal forma na cultura do
sudeste europeu que na Idade Média ganhou registros orais na
forma de baladas folclóricas com o tema da “esposa emparedada”
em diversas variantes como “Struna, a noiva” na Bulgária, “A
Ponte de Arta” na Grécia, “Mestre Manole” na Romênia, o
“Monastério de Arges” e a “A construção de Skadar” na Albânia,
Sérvia e Montenegro.
7
SARTORI, P. Über das Bauopfer in Zeitschrift für Ethnologie, 30, 1938, p.1-54.
56
57
Nestas baladas medievais um grupo de homens (senhores,
príncipes, mestres-de-obras, arquitetos e operários) tenta construir
uma ponte, um monastério, uma muralha ou um castelo. Por
alguma razão sobrenatural, o que se constrói durante o dia é
desfeito à noite. O trabalho não avança, todo esforço é vão, e o
tempo estaciona Em geral, a solução para este impasse é revelada
por meio de um sonho ou uma visão e exige o sacrifício da
primeira mulher que visitar o canteiro de obras no dia seguinte.
Nas diferentes formas literárias dessa balada, a mulher pode ser a
noiva do jovem príncipe, a jovem irmã dos irmãos construtores
ou a jovem esposa do mestre-de-obras que é soterrada nas valas
de fundação ou emparedada (Dundes, 1996).
8
Para além do universo folclórico, registros de que a
prática de sacrifícios humanos perdurou na Europa ao menos até
o século XVII como o relato do Conde Anthony Günther de
8
Estas baladas folclóricas relatam o sacrifício de animais, e mesmo sacrifícios humanos (em geral
envolvendo uma mulher, a esposa do mestre-de-obras, por exemplo), como oferenda para a
conclusão e a perenidade de obras de arquitetura.
Oldenburg que viu operários enterrando uma criança em um
dique em 1615 para não dizer que perdurou até o século XIX,
quando em 1843 na construção de uma ponte nova em Halle, na
Alemanha, a população discutia seriamente a idéia de se enterrar
uma criança nas fundações
9
.
6.2 O British Museum em Londres possui quatro estátuas
egípcias de figuras ajoelhadas portando modelos arquitetônicos
de naos, isto é, de templos com figuras de divindades no seu
interior. Duas dessas esculturas
10
, feitas respectivamente em
pedra calcárea e basalto, retratam Paneshy (c. 1270 a.C.) e
Wahibre (c. 530 a.C.) (Prancha 33). O primeiro, supervisor do
tesouro, o segundo, um rico comerciante. As inscrições deixam
claro que as esculturas são oferendas aos deuses, e que visavam
tanto os favores divinos, quanto estimular o ato da oferta.
9
Brewster, P. The Foundation Sacrifice Motif in Dundes, 1996.
10
As outras duas estátuas, de Paimiraihu (c. 1250 a.C.) e de Ankh-khered-nefer (875-837 a.C.),
apresentam os personagens de cócoras tendo os modelos de naos à sua frente. As figuras estão
próximas, mas não portam exatamente os modelos.
47
59
ainda no Egito registros do costume de “apresentar” modelos
arquitetônicos em ritos de fundação de templos (Badawy, 1972).
Ao que se sabe a “apresentação da casa ao seu senhor” compunha
a última etapa das cerimônias egípcias de início de obras
sagradas. A principal evidência arqueológica deste antigo
costume egípcio é a base de pedra que restou do modelo de
“apresentação” de um suposto templo do Rei Sety I (1303-1290
a.C.) atualmente no museu do Brooklyn em Nova York (Prancha
33).
A interpretação formulada pelo egiptólogo Alexander
Badawy de que este objeto provavelmente era uma oferenda
ritualística de fundação apóia-se em dois aspectos da própria
peça: o material usado para confeccioná-la, que é uma placa
maciça de um tipo raro de quartzito; e a ênfase no tema da
oferenda presente tanto nos relevos do Rei Sety prostrado no ato
de ofertar, quanto nos hieróglifos existentes na base do objeto.
Esta ênfase explora a repetição do tema da oferenda ritualística: o
objeto, além de ser ele próprio uma oferenda, tem em si várias
representações artísticas e inscrições que fazem menção ao tema
da oferenda.
6.3 Nas culturas do Mediterrâneo a antiga tradição dos
naískoi, que são modelos arquitetônicos em tamanho reduzido
usados como oferenda (ex-votos) ou como oratórios. Esta
tradição, de origem próximo oriental, tem registros arqueológicos
no Quinto Milênio e disseminou-se por todo o Mediterrâneo
Oriental. É possível incluir nesta tradição o costume grego de
oferecer pequenos templos de terracota aos deuses, especialmente
à deusa Hera. Este costume perdura entre 900 e 480 a.C.,
aproximadamente, quando então migra para a Magna Grécia e
encontra ressonância e desdobramentos no mundo romano, entre
500 a.C e o séc. II d.C, como naískoi como o de Skillonte de
Elide (Prancha 34) , templetes e modelos comemorativos (como
o de Óstia e Villa Adriana).
60
61
Ainda originários desta mesma tradição de modelagem
vale citar os tabernáculos palestinos e os pyxides egeanos, que
também são objetos cerâmicos com formas arquitetônicas usados
como recipientes portáteis para a guarda de ícones e objetos de
valor religioso, e que provavelmente deram origem à tradição
medieval de sacrários e relicários com formas arquitetônicas em
escala reduzida.
6.4 No Egito e no Oriente-próximo registros de
representações do tema dos tributários com representações de um
cortejo, com uma fila de pessoas levando nas mãos objetos
oferecidos em tributo. Dentre essas imagens, uma das mais
antigas é a pintura mural, em policromia, encontrada na tumba de
Amenhotep-Huy, vice-rei de Kush, que mostra uma comitiva de
núbios levando seus tributos a Tutankhamon (1333-1323 a.C.).
também expressões em baixo-relevo no palácio de
Assurnasirpal II em Nimrud (Kalhu) (883-859 a.C.) próximo à
atual cidade de Mosul no norte do Iraque; e na escadaria da
Apadana em Persepolis (c.520 a.C.) (Prancha 35). No relevo de
Khorsabad (742-705 a.C.) um dos tributários aparece portando
um modelo de arquitetura com cinco torres com ameias
triangulares (Prancha 36). O tributário não é, nesses casos, um
indivíduo real, histórico, mas sim uma figura típica que
representa uma coletividade, uma cidade, um povo. Esse tema
oriental dos tributários em cortejo reaparecerá, adaptado ao
contexto de oferendas cristãs, como mosaico na nave da basílica
de S. Apollinare Nuovo em Ravena no início do séc. VI. E a
própria iconografia dos reis magos levando presentes ao menino
Jesus é muito provavelmente uma adaptação cristã deste antigo
tema oriental dos tributários, como se verá no item 6.8.
62
61
64
6.5 Na iconografia funerária helenística o registro de
uma representação de um modelo arquitetônico como possível
atributo de arquiteto. O exemplo é o relevo de Cyzique (200 a
150 a.C.) atualmente no Museu do Louvre (inv. Ma 2854) no qual
uma jovem porta um modelo de arquitetura (Bommelaer, 2001)
(Prancha 37). Esse relevo possui duas características originais na
história do motivo. A primeira é que se trata de uma das mais
antigas composições de cena envolvendo o portador do modelo,
isto é, um arranjo de personagens em um espaço no qual o
portador se insere. A segunda é que o portador do modelo é
individualizado, pois, muito provavelmente, representa uma
pessoa real com suas características físicas particulares.
Conforme Bommelaer, o modelo arquitetônico seria uma
representação miniaturizada de um tholos usado no relevo como
emblema da profissão de arquiteto do morto, Attalos. Vale notar
que assim como os tholos e os martyria como S. Vitale a
arquitetura do modelo de Cyzique também possui planta circular.
Na base do relevo funerário de Cyzique uma inscrição
com o nome do morto: Attalos, filho de Asclépiodoros. A partir
de uma outra estela funerária de Samotrácia dedicada a
Asclépiadès, filho de um Attalos, arquiteto, que segundo
Bommelaer também possui um imagem em relevo de uma
rotunda, o autor constrói a suposição do modelo como emblema
de arquiteto.
Seria o relevo de Cyzique do pai de Asclépiadès, que teria
um nome derivado de seu avô, Asclépiodoros, e teria a mesma
profissão de arquiteto? Esta é a questão que Bommelaer nos
repassa. A resposta exigiria uma pesquisa histórica mais
detalhada e uma análise formal da estela de Samotrácia, da qual
não se obteve nenhuma imagem nas referências bibliográficas
consultadas.
65
66
6.6 No mundo romano é possível encontrar representações
artísticas muito próximas ao motivo do portador do modelo. Uma
destas representações, associadas à arte numismática, diz respeito
ao privilégio de Neokoros, que era um honra imperial, aprovada
pelo senado romano, que permitia às cidades escolhidas construir
templos para o culto de seus deuses e do imperador. Em 1891,
Julius von Schlosser (apud Lipsmeyer, 1981) interpretou as
figuras portando modelos de arquitetura em relevo sobre moedas
da Ásia Menor (I a III d.C.) como uma representação artística
deste privilégio.
Nessa iconografia numismática, especialmente no séc. III
d.C., deuses aparecem portando modelos de arquitetura (como a
deusa Tychè, ou Fortuna, Prancha 38) e imperadores são
representados ofertando modelos a divindades protetoras como
Apolo (Azara, 2001). Em 1904 o pesquisador vienense Pick
(apud Lipsmeyer, 1981) demonstrou que o privilégio de
Neokoros restringia-se, exclusivamente, às províncias da Ásia
Menor e à cidade de Philippopolis na Trácia. Estes dois estudos,
no entanto, não estabeleciam relações entre a iconografia
numismática de Neokoros e a iconografia bizantina do “doador”.
Foi Otto Benndorf, em 1902, quem percebeu a
similaridade entre estas iconografias, mas frustrou-se ao tentar
cobrir a lacuna entre as imagens numismáticas do séc. III e os
mosaicos do séc. VI. Em 1936, André Grabar reiterou a
interpretação de que a iconografia do privilégio de Neokoros seria
uma das fontes da iconografia da medieval da iconografia do
portador do modelo de arquitetura, mas dificilmente a única
(Lipsmeyer, 1981).
67
68
6.7 No mundo romano, ao menos desde o séc. II,
evidências materiais do uso de maquetes de arquitetura para o
estudo e a comunicação de conteúdos espaciais e construtivos. A
principal evidência arqueológica desta prática é a maquete de
pedra do templo A de Niha, cidadela próxima a Baalbek no
Líbano (Prancha 39). Esta maquete, além de representar em
escala matemática o templo real, possui inscrições de medidas
que sugerem alterações e alternativas de projeto (Will, 1984;
Kalayan, 1971).
6.8 A iconografia dos reis magos
11
introduz na arte cristã
uma variação do motivo oriental dos tributários, deslocados para
a cena da natividade, oferecendo presentes ao menino Jesus. Esta
iconografia é a primeira a perpetuar no universo cristão a imagem
da prática milenar das oferendas ritualísticas.
Uma das mais antigas imagens dos magos orientais
encontra-se em meio aos afrescos da Catacumba de S. Priscilla
em Roma, datados no séc. III (Prancha 40). Outras expressões
que merecem menção são os relevos esculpidos em sarcófago
romanos, como o de Adelphia de Siracusa, na Sicília (séc. IV),
que pela disposição das figuras em seqüência, em movimento e
de perfil evidencia a filiação desta iconografia às imagens dos
cortejos de tributários próximo-orientais como as de Khorsabad
(742-705 a.C.) e as da Apadana de Persépolis (c. 520 a.C.).
11
No Evangelho de Mateus 2:11 os magos do oriente, que não são definidos como 3 pessoas e nem
são identificados como reis, ajoelham-se e oferecem ao menino ouro, incenso e mirra. A
iconografia das catacumbas romanas geralmente retrata esses magos orientais portando oferendas
em pratos. Na iconografia medieval é comum a representação dos magos portando potes, caixas,
frascos, em alguns casos, com formas que se assemelham a arquiteturas.
69
68
71
Por fim, do mundo bizantino, que se mencionar o
mosaico de S. Apollinare Nuovo em Ravena, datado do final do
séc. VI, mas alterado inúmeras vezes nos séculos seguintes
(Prancha 40). Neste mosaico, posicionado na lateral esquerda da
nave da basílica, os magos estão à frente de uma longa fila de
vinte e duas virgens que se dirigem para o trono da virgem com o
menino junto ao altar-mor. Aqui também os magos são
apresentados de perfil, com as pernas afastadas e os braços
estendidos, em uma posição que enfatiza o movimento dos corpos
e o gesto de oferenda. A composição do mosaico em Ravena
segue, grosso modo, o mesmo tipo aplicado em relevo nos
sarcófagos romanos paleo-cristãos.
A partir destas primeiras expressões da iconografia dos
magos em técnicas variadas (afresco, relevo e mosaico) este
motivo será bastante difundido e se fará presente em inúmeras
expressões da arte cristã medieval.
As várias referências artísticas mencionadas acima podem
ser sintetizadas em quatro vertentes culturais, relacionadas aos
costumes da oferenda, da apresentação ritualística, do tributo, e
do uso do modelo arquitetônico em escala reduzida como atributo
do arquiteto e como instrumento de projeto.
A
O
FERENDA
: A vertente artística do sudeste
europeu que tem origens no costume das culturas neolíticas de se
valerem de ritos de fundação envolvendo sacrifícios e oferendas
de modelos arquitetônicos (bauopfer) e que, provavelmente, é
uma das raízes do costume greco-romano de ofertar modelos
arquitetônicos em escala reduzida como ex-voto. Esta vertente
artística pode ter se desdobrado na iconografia numismática
romana do privilégio de Neokoros com a deusa Tyché portando o
modelo de arquitetura.
72
A
A
PRESENTAÇÃO RITUALÍSTICA
: A vertente
artística do costume egípcio da “apresentação da casa ao seu
senhor” por meio de modelos arquitetônicos em ritos de fundação
de templos (Badawy, 1972) que, aparentemente, ecoa na arte
cristã medieval nas cenas de apresentação do modelo ao Cristo e
à Virgem.
O
T
RIBUTO
: A tradição iconográfica próximo-
oriental do cortejo de tributários que registra o uso do modelo de
arquitetura como tributo e que tem derivações possíveis na
iconografia dos estandartes (signa) usados na pompa triumphalis
romana com representações estilizadas de muralhas com ameias e
torres (Lipsmeyer, 1981). E também na iconografia cristã da
adoração dos reis magos onde estes, em cortejo, levam presentes
ao menino Jesus.
O
P
ROJETO
: A associação da imagem do modelo
arquitetônico como possível atributo de arquiteto mesmo
considerando a fragilidade desta afirmação com relação ao relevo
de Cyzique (Bommelaer, 2001) e a cultura imperial romana do
emprego de modelos em escala reduzida como instrumento de
projeto arquitetônico e máquinas de guerra (Vitruvius, 1567;
Kalayan, 1971; Will, 1984);
Não estariam os mosaicos bizantinos de Ravena
compondo uma expressão artística original que re-significava, no
universo cristão, os antigos temas pagãos da oferenda, da
apresentação (revelatio), do tributo e do projeto?
Aparentemente, em Ravena, Eclesius toma o lugar
histórico do “portador do modelo” que outrora fora de Paneshy,
do tributário de Khorsabad, da deusa Tychè, e da jovem de
Cysique.
Ao invés de uma suposta ruptura da arte cristã medieval
com a arte e a cultura antigas, o motivo da figura portando o
modelo de arquitetura no mosaico de S. Vitale, como forma
73
simbólica relacionada às vertentes artísticas citadas, reafirma um
vínculo de continuidade entre o Mundo Bizantino e a
Antigüidade.
Desde Constantino que a edificação de igrejas havia se
colocado com uma dupla função: como estratégia política de
associação do Estado à religião cristã, e do ponto de vista
teológico, como oferenda máxima, reproduzindo assim no mundo
romano as práticas ritualísticas enraizadas nos antigos costumes
mediterrâneos e próximo-orientais.
A partir do séc. IV, onde houvesse uma igreja ali estaria
uma extensão do Império Romano, e vice-versa.
Sob o reinado de Justiniano (527-565), o construtor
12
, a
edificação de igrejas e a expansão da doutrina coincidem com os
planos imperiais de recomposição das antigas extensões
territoriais do antigo Império Romano. Estes esforços, sob a
teologia cristã, adquirem a força de expressões diretas dos
12
Não é por acaso que um dos textos de Procópio de Cesaréia, que faz a apologia de Justiniano, se
chama Peri Ktismaton ou De aedificiis (publicado em 561).
desígnios divinos. Desígnios divinos que, obviamente, visavam a
expansão da doutrina e a revelação das verdades supremas.
É justamente na época de Justiniano que a iconografia do
portador coloca-se como imagem memorial de uma aliança
construtiva entre a divindade e o império romano cristão que tem
na arquitetura sua principal forma simbólica. Afinal, a igreja é a
materialização de uma nova ordem, que vincula uma regência
transcendental verdadeiro poder supremo e celestial –, à sua
extensão terrena como poder político constituído, e consagrado,
por ela.
À medida que coloca o modelo como articulador de um
diálogo com a divindade criadora, essa iconografia parece
legitimar concepções arquitetônicas originais que, em termos
formais e espaciais, rompem com a tradição grega e romana, e
por isso caracterizam uma invenção. Não exatamente uma
invenção humana, mas uma expressão da vontade divina,
revelada, que inaugura uma nova ordem arquitetônica coerente
74
com uma nova ordem mundial, e isso justificaria as rupturas com
a tradição clássica, pagã.
De todas as expressões artísticas, a arquitetura é a mais
visível das formas plásticas cristãs, e também a mais abstrata. A
igreja é a arte maior que contém as demais imagens consagradas.
A igreja é domus domini, e a casa dos ícones.
Na história da arquitetura cristã, as basílicas e as
martyria
13
colocaram-se como paradigmas arquitetônicos,
praticamente exclusivos, por cerca de 200 anos, como adaptações
de formas da arquitetura romana ao cristianismo.
No séc. VI, no entanto, uma criação arquitetônica
iniciada em S. Sergius e Bacchus (525) em Istambul (Prancha
41), expressa vigorosamente em Hagia Sophia (532-537)
(Prancha 42), e manifesta, em menor escala, em S. Vitale (546-
548), Ravena (Prancha 43). Essas igrejas inauguram formas
plásticas originais – com a cúpula, especialmente relacionadas a
13
Martyria são, quase sem exceção, arquiteturas de planta central, que constituiriam com as
basílicas os dois sitemas espaciais da arquitetura tardo-romana. No entanto, cabe mencionar aqui
as resalvas de Riegl (1981) a esses templos funerários que, no seu entender, caracterizariam um
tipo misto, entre a arquitetura e a escultura (p.26).
uma nova concepção espacial: a dilatação do espaço interno
com a conjugação de pulas e semi-cúpulas e a abertura de
entradas de luz.
Na paisagem do mundo bizantino, os novos templos, com
sua volumetria geométrica precisa e suas cúpulas, instituem-se
como formas plásticas inequívocas do poder de Cristo, e
conseqüentemente dos poderes de seus representantes que
constituem a igreja em toda sua amplitude religiosa, política e
cultural. No interior das cidades, à distância, a apreensão dessas
arquiteturas é predominantemente visual, óptica, mas se pode
intuir, pela dinâmica de volumes, uma plena
tridimensionalidade” (Riegl, 1981) do espaço interno. E, de fato,
esses espaços penetráveis, se oferecerão ao tato e à visão de quem
os adentra com nichos sombreados e superfícies reflexivas em
mosaico, sugerindo profundidades internas variadas,
definitivamente tridimensionais.
75
71
71
78
Mas a inovação arquitetônica mais original das igrejas
cristãs do séc. VI, indissociável da dilatação do espaço interno,
foi outra: o uso da luz com intenção poética, como metáfora da
transcendência.
Neste sentido, frente ao acervo de arquiteturas greco-
romanas, a arquitetura bizantina é uma expressão completamente
original, pois a luz funcional, ou utilitária, que iluminava o
espaço das termas e basílicas romanas, transforma-se em uma luz
poética, simbólica, que à luz o ícone, revela os mosaicos e o
espaço interior das igrejas bizantinas. Essa luz, prenunciada no
Panteão em Roma, é dinamizada nas igrejas bizantinas com o
posicionamento de aberturas no tambor da cúpula e semi-cúpulas,
e nas paredes laterais. Conjugada às absides e capelas, que
escavam reentrâncias no espaço interno antes concentrado e uno,
a luz bizantina parece dar forma plástica à doutrina neoplatônica
de Santo Agostinho da iluminação divina, criando um vínculo
tenaz entre luz e transcendência que será indissociável de toda a
arquitetura cristã, de S. Vitale à Ronchamp.
Como bem se sabe, a capela palatina em Aachen (fins do
séc. VIII), e a igreja de S. Marco (c. 830) em Veneza evidenciam
a influência bizantina, e toda a arquitetura cristã de cúpulas, de
Brunelleschi a Soufflot, passando por Michelangelo, Guarino
Guarini e Cristopher Wren, tem raízes nesta tradição
14
.
A inovação arquitetônica bizantina desenvolvida no séc.
VI repercutiu intensamente na Europa ocidental, a ponto de seus
modelos predominarem como referência arquitetônica ao menos
até o séc. XII, quando o gótico francês trará então outra
concepção espacial e construtiva.
Não que o gótico tenha dispensado o uso poético da luz
haja visto os vitrais e relevos que dela dependem –, mas promove
14
A referência se faz, respectivamente, ao Duomo de Florença (1420-34), à cúpula de S.Genoveva
ou o Panteão em Paris (1755-92), à cúpula de S.Pedro em Roma (1558-60), à cúpula da capela da
Santissima Sindone ou santo sudário em Turim (1667-90) e à cúpula da catedral de S.Paul em
Londres (1675-1711).
79
uma reconfiguração espacial descentralizada ao retomar a planta
da basílica convergindo para o altar, em função do rito da missa.
O motivo artístico do portador do modelo está entremeado
a essa história, e se faz presente em toda a trajetória da arquitetura
cristã, entre o mundo bizantino e a renascença. No entanto, um
momento específico, meados do séc. XIII, em que essa
iconografia se entrelaça à história dos arquitetos e do projeto de
arquitetura. Coincidentemente, a partir desse ponto, o motivo do
portador do modelo se desdobra em outras iconografias correlatas
– do Deus arquiteto e dos santos, especialmente –, e a imagem do
modelo arquitetônico distancia-se da arquitetura real, passando a
ser usada como emblema ou atributo.
As relações entre o motivo artístico em pauta e as questões
em torno da história da arquitetura, e em torno do pensamento
medieval sobre o projeto de arquitetura estão no cerne do
interesse desta pesquisa, e serão estudadas a partir das expressões
individuais do motivo artístico em questão, organizadas conforme
suas técnicas de fatura, a saber: mosaicos, relevos e afrescos.
80
7.
O
S
M
OSAICOS
Quando se entra na igreja de San Vitale, em Ravena, o
vazio central e a luz do sol que vaza as janelas se impõem.
Inebriado por luz e sombras, o olhar vagueia nos veios dos
mármores percorrendo riscos de desenhos imaginários.
Percebendo o cuidadoso arranjo das pedras, o pensamento
desenha, ávido, nas linhas dos veios dos mármores, figuras que se
formam, se deformam, e se desfazem sob a luz. São figuras
efêmeras, desenhos de fantasia, formas imaginárias como as que
se inventam nas nuvens.
Os mármores polidos, pedras lisas, tão terrenas, parecem
se colocar como a expressão mais densa da matéria, desta
materialidade do mundo que, como alertara Platão, ilude os
sentidos.
Quando os olhos se elevam logo acima das colunas, os
capitéis bizantinos em tronco de pirâmide invertido, com seus
finos rendilhados, introduzem desenhos lineares, leves,
permeáveis, revelando uma figuração que prenuncia os mosaicos
acima. Nestes capitéis as figuras são mais tidas: flores, ramos,
folhagens, e seres fantásticos de um mundo imaginário.
Nos mosaicos ao alto, a figuração prenunciada se coloca
com toda intensidade, contrastando com os desenhos abstratos
dos veios dos mármores, e com as composições geométricas dos
pisos.
As figuras em mosaico, elevadas, distanciadas do chão,
colocam-se como o desvelamento de uma verdade superior que se
faz visível pela luz.
Sobre um fundo dourado, cuja profundidade oscila
dependendo da incidência de luz, essas figuras se movem ora para
a frente, quando a luz intensa espelha e faz brilhar o ouro das
peças, ora para trás, quando a luz indireta homogeneíza figuras e
fundo, fixando a cena no plano.
81
Esse efeito dos mosaicos ecoa e amplifica a dinâmica
espacial da arquitetura bizantina. O tema subjacente é o
movimento que transforma as coisas no tempo, anima os seres
vivos, gera e degenera a vida –, e o caráter aparentemente estático
e permanente da arquitetura sua melhor metáfora,
paradoxalmente.
É aí que se apresenta a imagem de Eclesius, bispo de
Ravena, portando o modelo arquitetônico de S. Vitale (Prancha
44).
Eclesius iniciou a construção da igreja ainda sob a
ocupação ostrogoda, e conseguiu assim cravar no norte da Itália
uma bandeira do cristianismo e, conseqüentemente, do Império
Romano. A afirmação desta presença romana adquiriu grande
importância dentro dos planos de Justiniano de reintegração das
antigas fronteiras do Império. Por isso ali estão, nos mosaicos,
Justiniano e Teodora com suas comitivas imperiais, junto ao
Cristo, a S. Vitale, aos profetas e outros personagens bíblicos.
Nestes mosaicos, história e mito se fundem. Ali as
imagens do Império Romano se mesclam, pela primeira vez, à
mística cristã, conformam uma única iconografia, apóiam-se
oficialmente, fortalecendo-se. Compartilham um mesmo projeto
político de resistência, consolidação, e expansão de domínios.
Projeto comum que tem na Ecclesia sua expressão arquitetônica.
Em Ravena conjugam-se, então, duas inovações artísticas:
uma arquitetônica e outra iconográfica.
Quanto à arquitetura, a igreja de S. Vitale segue, por um
lado, a tradição constantiniana dos martyria
15
de planta central do
séc.IV, e por outro lado, rompe com a tradição das basílicas
romanas e se alinha à concepção espacial originalmente bizantina,
prenunciada em S. Sergius e Bacchus (c.525) e Hagia Sophia
(532-537), na então Constantinopla.
15
Esta tradição tem como base o Santo Sepulcro e o Anastasis em Jerusalém, o Santuário da
Natividade em Belém, e o mausoleum de S.Constanza em Roma que assim como S.Vitale são
arquiteturas com abóbada interna.
82
83
Essas igrejas bizantinas que inauguram um novo tempo
a era cristã apresentam, como foi dito, uma nova concepção
espacial: um espaço interno acessível, centralizado e ampliado
pela luz, e pelas reentrâncias de absides e cúpulas. Como
configuração espacial o templos distintos do modelo grego, e
também do Panteão romano. A dilatação do espaço interno, e as
várias entradas de luz dispostas nas empenas e no tambor são
inovadoras, e constituem a essência da poética arquitetônica
bizantina.
Em San Vitale a poética da luz, como representação
artística não-figurativa do logos divino, constitui a própria razão
de ser da forma arquitetônica.
A composição artística original do mosaico em
semicúpula de Ravena será o modelo de outras representações
dos sécs. VI e VII, como a da basílica Eufrasiana em
Parenzo/Porec, e as das igrejas de S. Agnes, e de S. Giovanni in
laterano em Roma.
Quanto à iconografia, a inovação existente em S. Vitale
diz respeito à inserção de figuras históricas no universo de
imagens míticas, e à apresentação do motivo da figura portando o
modelo de arquitetura, como já mencionado.
Mas seria Eclesius o primeiro portador do modelo no
mundo cristão? Seria essa imagem uma invenção européia gerada
na península itálica?
Uma das mais antigas referências textuais ao motivo em
pauta é a descrição de Chorikios de Gaza no seu Laudatio
Marciani (536) sobre a decoração da abside de S. Sergio em
Gaza, na Palestina, na qual o Basileus Stephen, introduzido pelo
Bispo, apresenta o modelo ao Santo que o introduz à Virgem, no
trono, com o menino (Lipsmeyer,1981).
Segundo Maguire (1998) esta imagem era feita em
mosaico e mostrava S. Sergius, como um intermediário,
apresentando o “doador” à Virgem e ao menino. Esse mosaico,
hoje inexistente, era contemporâneo aos mosaicos da península
84
itálica, datados a partir de 526
16
e seguiam, aproximadamente, a
mesma estrutura compositiva (Lipsmeyer, 1981; Maguire, 1998).
Esta sincronicidade das primeiras imagens do motivo dificulta
afirmar a precedência de expressões próximo-orientais na
representação do tema em foco, mas permite datar, com uma certa
precisão, os primeiros registros do motivo em estudo no séc. VI.
A técnica do mosaico
17
cria figuras pela incrustação de
pequenas peças coloridas, chamadas tésseras, sobre uma
superfície. Essas tésseras podem ser feitas de pedra, madrepérola,
mármore, vidro ou cerâmica (Hetherington, 1967).
O brilho dos mosaicos é incomparavelmente superior ao
da pintura em afresco e, dependendo da incidência da luz e do
material que conforma a superfície das tésseras (ouro, vidro e
esmaltes), formam-se reflexos espelhados, inigualáveis com
16
O exemplo mais antigo seria a imagem do bispo Eclesius na abside de S.Maria Maggiore em
Ravena, datada entre 521 e 532, não mais existente. Esta imagem é um pouco anterior à do Papa
Félix portando o modelo na abside da igreja de S. Cosme e Damião, em Roma, datado entre 526 e
530, mas refeito várias vezes (a última intervenção é dtada em 1819) e provavelmente alterado no
séc. XVII (Lipsmeyer, 1981).
17
obra inspirada pelas musas com raiz etimológica no latim musivum ou musaicon (Houaiss, 2001)
outras técnicas. Essa resposta tão intensa à luz criou um vínculo
indissolúvel entre o mosaico e a arquitetura bizantina da Alta
Idade Média.
O estudo do conjunto de imagens bizantinas do portador
do modelo mostra que, entre o séc. VI e o séc. IX, a técnica do
mosaico predomina na representação desse motivo, e suas
características comuns são as seguintes:
As representações concentram-se em Ravena,
Parenzo/Porec e Roma.
Todas as representações estão no interior das igrejas, e
a figura em foco localiza-se, geralmente, na semi-
cúpula da abside.
85
Nos mosaicos, quem porta o modelo é inicialmente o
bispo local (Eclesius e Eufrasius) (Prancha 45) e
depois o Papa (Pelagius II e Honorius) (Prancha 46),
todos trajando manto e estola. Pode-se dizer que a
representação de um clérigo portando o modelo é
exclusiva, em mosaicos, até a imagem de Justiniano
em Hagia Sophia (976-1025). De modo geral, as
primeiras representações que rompem com este
costume são os relevos georgianos do séc. IX, e em
seguida, os relevos armênios que apresentam como
portadores do modelo reis e príncipes.
Quem porta o modelo de arquitetura é um pater
ecclesia, um fundador da igreja, o responsável por sua
edificação e seu curador. Eclesius, por exemplo,
mesmo sem ser o financiador da obra arquitetônica
fieri fecit, fez construir a igreja.
A figura sempre está integrada em uma composição
centralizada, em geral, com número ímpar de
personagens (3, 5, 7 ou 9 figuras, no todo). O centro
da composição é dominado pela imagem do Cristo
Pantocrator (S. Vitale, S. Lorenzo fuori-le-muri, S.
Cosme e Damião) ou da Virgem com o menino
(Basílica Eufrasiana e Capela de S. Venâncio junto ao
batistério de S.Giovanni in laterano), ou ainda do
santo padroeiro (S. Agnes fuori-le-muri). Em todos os
casos a figura portando o modelo de arquitetura
localiza-se mais próxima das extremidades do que do
centro da composição.
É comum haver grafado ao lado das figuras, no
próprio mosaico, o nome do personagem. Esta grafia
intencional torna inequívoca a identificação do
portador conferindo à imagem um caráter memorial.
83
87
88
A figura é apresentada sempre em posição frontal
18
, e
o modelo deslocado para um dos lados, em geral para
a esquerda de quem o porta. A representação da figura
humana em posição frontal é uma característica da arte
cristã desde suas primeiras expressões como as
pinturas murais de Dura-Europos na Síria, c. 230. No
entanto, não se conhece representações artísticas,
anteriores ao c. VI, que incluam indivíduos
históricos associados a figuras míticas. Os portadores
do modelo representados nos mosaicos aqui
mencionados estão dentre os primeiros personagens
históricos a adentrarem o mundo sagrado da
iconografia cristã.
O modelo é seguro com ambas as mãos, mas estas não
o tocam, pois estão sempre cobertas por um manto.
18
A posição frontal das figuras, com os olhos bem abertos, criam o efeito do olhar que acompanha
o espectador e que pode ser interpretado, quando aplicado ao Cristo, como uma metáfora da
onisciência divina: o olhar que tudo vê.
Conforme a tradição cristã, não se toca com a mão um
objeto sagrado que deve ser envolto em seda ou outro
tecido nobre.
O modelo mostra, em geral, a fachada principal e uma
das laterais da igreja. A representação da arquitetura é
predominantemente realista ao menos até meados do
séc. VII. nos mosaicos do séc. IX predominam
representações esquemáticas de arquiteturas genéricas
de grande simplificação formal.
A partir do séc. VIII os mosaicos representando o motivo
artístico em questão praticamente desaparecem. Provavelmente
como conseqüência das intervenções iconoclastas (726-843) que
tentaram banir das igrejas bizantinas a representação figurativa,
especialmente do corpo humano.
89
Do final do período iconoclasta, entre 817 e 841, cabe
mencionar os mosaicos em Roma dos papas Pascoal I e Gregório
IV devido à retomada da postura tradicional. Essas representações
se assemelham muito à figura no mosaico do oratório do papa
João VII na antiga basílica de S. Pedro (1º quartel do séc. VIII), e
à imagem do Bispo Venantius Fortunatus no batistério de S.
Giovanni in laterano em Roma. Define-se então um padrão: um
tipo estilizado de representação da figura com halo quadrado,
vestido com manto amarelo e estola branca, e portando um
modelo bastante geometrizado e esquemático sobre as mãos
cobertas.
A introdução do halo quadrado no portador do modelo é
uma inovação que aparentemente surge no séc. VIII, com o
mosaico do papa João VII e, desde então, se firmou como signo
de espiritualidade de uma pessoa em vida.
O retorno dos ícones, na segunda metade do séc. IX,
promoveu, ainda que de modo esparso, manifestações tardias do
motivo em mosaico das quais cabe citar três exemplos.
O primeiro é o mosaico existente na luneta do exonártex
sul da igreja de Hagia Sophia, datado entre 976 e 1025, que
representa o imperador Justiniano portando o modelo de Hagia
Sophia, e o Imperador Constantino portando o modelo das
muralhas da cidade de Bizâncio ao lado da virgem e do menino
(Prancha 47).
O segundo é o mosaico na abside da igreja de S. Maria
Trastevere em Roma, com datação circa de 1140, que retoma, de
modo geral, a estrutura compositiva dos antigos mosaicos do séc.
VI com 9 personagens, e usa a concavidade semicúpula da abside
para enfatizar a circularidade e a profundidade da cena (Prancha
48).
88
87
92
O terceiro é o mosaico existente no nártex interior de
Kariye Camii, antigo monastério de Chora, em Istambul na
Turquia, provavelmente posterior a 1321, que apresenta o
logoteta Theodoro Metochites, de joelhos, oferecendo o modelo
da igreja ao Cristo (Prancha 49). Esta representação do portador
do modelo de joelhos é nova na técnica de mosaico, muito
embora encontre antecedentes na postura de Otto I no relevo de
Magdeburg (c. 970), de Carlos Magno no relicário do mosteiro de
Aachen, Alemanha (c.1215), e também na postura de Enrico
Scrovegni no afresco de Giotto em Pádua (1303-05).
Quanto à estrutura compositiva, se os exemplos anteriores
seguem esquemas tradicionais (Justiniano e Constantino ladeando
a Virgem com o menino, e o Papa Inocêncio em composição de
grupo ladeando o Cristo e a Virgem entronados), o mosaico de
Kariye Camii inova ao apresentar uma composição exclusiva, na
qual apenas o logoteta portando o modelo se apresenta ao Cristo.
Entre os primeiros mosaicos dos sécs. VI e VII e estes
mosaicos tardios valeria ressaltar aqui algumas diferenças:
As representações em mosaico do motivo em foco,
que aparentemente originaram-se na península itálica,
deslocaram-se para o Oriente, mais especificamente
para Constantinopla, atual Istambul, capital do
Império Bizantino.
87
94
Como fenômeno artístico específico de
Constantinopla, o mosaico de Theodoro Metochites
em Karyie Camii compõe uma imagem original a
partir da fusão e da reinterpretação de dois mosaicos
de Hagia Sophia: o mosaico do Imperador Leo VI
ajoelhado junto ao Cristo (Prancha 50), e o mosaico
de Justiniano mencionado. Conhecedor dos escritos
de João Damasceno – que também fez retratar nos
afrescos de Chora Metochites, na época recém
empossado primeiro-ministro, logoteta, reformou e
renovou o antigo monastério e, ambicioso, fez-se
retratar em sua imagem memorial como o imperador
Leo, também de joelhos. Esta era a atitude cristã
recomendada por Damasceno diante dos ícones: a
proskynesis, uma veneração honrosa de joelhos,
dirigida a uma representação pictórica do Cristo, da
Virgem, santos e anjos (Boy, 2007).
Da abside, no interior das igrejas, as representações
orientais se deslocaram para a região próxima à porta:
o nártex ou o exonártex. Esse deslocamento evidencia
a aproximação da imagem do exterior da igreja
pretendendo uma visibilidade mais ampla, pública,
consolidando seu caráter político.
87
96
Em Hagia Sophia quem porta o modelo não é mais um
eclesiástico, mas o próprio imperador. Essa imagem
de Justiniano, como já mencionado, é o único exemplo
em mosaico a romper a exclusividade das
representações de eclesiásticos portando o modelo da
igreja. A cena é posterior em cerca de 400 anos ao
reinado de Justiniano, e integra-se em uma segunda
geração de mosaicos composta para substituir os
mosaicos originais da igreja seriamente danificados
durante o período iconoclasta. Teria existido um
mosaico anterior representando Justiniano com o
modelo? Não se sabe ao certo. Curiosamente este
mosaico tardio de Hagia Sophia é contemporâneo às
obras de recuperação da cúpula da igreja conduzida
pelo arquiteto armênio Trdat, em torno de 989, logo
após um violento terremoto (Asolik de Taron, 1917;
Donabédian, 1991).
A figura que porta o modelo o segura com ambas as
mãos e estas o tocam. Este detalhe revela influências
orientais na composição destes mosaicos tardios,
especialmente dos relevos georgianos e armênios, na
ênfase dada às mãos.
O modelo mostra, em geral, apenas a fachada principal
da igreja. A representação da arquitetura torna-se mais
esquemática e idealizada.
Se a partir de meados do séc. VII as representações em
mosaico do motivo da figura portando o modelo de arquitetura
tornam-se cada vez mais raras no ocidente, por outro lado,
surgem, a partir de então, inúmeras representações em relevo na
região das atuais Geórgia e Armênia.
97
8.
O
S
R
ELEVOS
As paredes da pequena igreja da Santa Cruz sobre o lago
Van são cobertas por relevos de pedra que imprimem, em seu
exterior, imagens das escrituras, passagens bíblicas, anjos, santos,
profetas e evangelistas. Em meio a esta iconografia mítica, na
fachada oeste, atrás do altar-mor, o rei Gagik Artsruni aparece à
esquerda do Cristo portando um modelo de arquitetura (Prancha
51).
De todos os relevos existentes nesta igreja, o mais
pronunciado, o que mais se destaca da parede é o modelo
arquitetônico que Gagik tem nas mãos. Este modelo está
praticamente solto do plano da parede, é tridimensional, quase um
cilindro perfeito.
Com relação à igreja real, o modelo é estilizado como uma
simplificação geométrica. E sugere um paradoxo. Vista de longe
a igreja parecia pequena, em razão da distância, que diminui o
tamanho das coisas. Vista de perto a igreja é maior, tem seu
tamanho real. Mas, ao mesmo tempo, no relevo a igreja é pequena
e está perto, pois está ali, nas mãos de Gagik. Como pode ser
grande e pequena simultaneamente?
A forma é a mesma, grande ou pequena, e quando
ampliada aos extremos – micro ou macro – desmaterializa-se,
escapa aos sentidos, mas permanece como idéia. A variação
dimensional apresenta-se então como poética da onipresença da
forma, portanto, como metáfora da permanência e da infinitude,
qualidades divinas.
Gagik, coroado como um califa e aureolado, aparece em
trajes orientais, com um manto repleto de ornamentos. Com a
mão esquerda segura o modelo, com a direita aponta para ele. Do
outro lado da janela, o Cristo aponta em direção ao modelo com a
mão direita também.
88
99
As mãos são expressivas; os gestos, precisos,
cenográficos; os olhos abertos, em êxtase, fixos; as sombras
destacam do plano da parede esses personagens de pedra.
A composição da cena é completada por dois anjos nas
laterais da fachada da igreja e dois anjos menores ao centro
portando juntos um disco com uma cruz ao centro. Sobre a cena
do portador do modelo, um friso de guirlandas de cachos uvas,
folhas de parreira e animais silvestres.
As figuras estão em tamanho natural, entre 1,5m e 2,0m e
se posicionam de frente para o espectador. A figura do rei espelha
a do Cristo, mas a representação de Gagik é mais imponente; seu
porte é maior, suas vestes são mais ornamentadas, e é ele quem
porta o modelo saliente, escultura quase autônoma que se destaca
da parede.
Esta representação do rei maior do que o Cristo subverte
as convenções da arte medieval, e isso é significativo.
Estaria essa subversão simplesmente a serviço da vaidade
pessoal contrariando a humildade esperada de um rei servo de
Deus, ou essa diferença de tamanho estaria relacionada às
possibilidades expressivas da técnica artística do relevo? Poderia
a composição em relevo sugerir uma formação da cena como uma
seqüência de planos em profundidade?
O modelo à frente, neste mundo, aqui entre nós, como a
igreja construída no seio do mundo; em segundo plano, Gagik, rei
consagrado, que se mescla à composição de seres celestiais; em
terceiro plano, menor, pois está mais ao fundo, o Cristo, Deus
feito homem, entre o céu e a terra; em um quarto plano,
ligeiramente menores, os dois anjos das extremidades da igreja; e
por fim, os dois anjos ao centro, nitidamente menores, porque
estão mais ao fundo, lá ao longe, próximos do horizonte celestial.
Gagik unificador e soberano do reino independente de
Vaspurakan, na Armênia do início do séc. X foi retratado
100
também como portador do modelo em outra igreja: S. Gregório
em Ani.
Nessa representação, que é a mais antiga escultura
independente do portador, e a única estátua armênia independente
completa em volume (Der Nersessian, 1969), Gagik com um
turbante árabe é representado portando um modelo bastante
realista da igreja, e também bastante exagerado em tamanho
(Prancha 52).
Com essas duas expressões plásticas singulares, de
Aght’amar e de Ani, a iconografia do portador do modelo
reencontrou-se com a arte oriental, e estas imagens colocaram-se
como uma intersecção da tradição escultórica dos relevos assírios,
do conteúdo teológico cristão e da cultura árabe, o que lhes
conferiu um lugar especial na história da arte medieval.
Muito embora exista o registro de baixos-relevos em pedra
representando o motivo em foco desde meados do séc. VII
19
, o
momento de maior vigor desta expressão artística é o séc. X na
Geórgia e na Armênia quando se registram ao menos oito
imagens significativas.
Considerando as características plásticas destes relevos, é
possível supor que tenham se formado na convergência da arte
escultórica persa, grega e indiana, adaptados à iconografia cristã.
Dentre as imagens dos portadores armênios vale
mencionar ainda duas expressões em especial, as de Sanahin e
Haghbat, por serem contemporâneas, representarem os mesmos
portadores, como duplos, segurando juntos o modelo, e possuírem
características plásticas distintas.
19
O relevo na fachada da igreja de S.Sion, em Ateni na Geórgia, datado entre 600 e 650, apresenta
o rei Eristavi Stephanoz (Archil II) da antiga Ibéria portando um modelo com cúpula. A o
momento este é o mais antigo relevo medieval do motivo em questão.
87
102
Os dois monastérios, de Sanahin e Haghbat foram
construídos na segunda metade do séc. X, a mando da rainha
Khosrovanush e ambos possuem relevos dos Príncipes Smbat e
Kyurike Bagratuni, portando juntos o modelo na parte mais alta
da fachada leste da igreja principal do conjunto arquitetônico.
Em Sanahin, os dois príncipes são praticamente idênticos,
espelhados, estilizados, e o relevo é pouco pronunciado. O
modelo arquitetônico é relativamente pequeno com relação ao
tamanho dos portadores, e é bastante esquemático, simplificado,
com relação à arquitetura real (Prancha 53).
Em Haghbat, os príncipes são representados com
características individuais distintas – feições e indumentária –, e o
relevo dos personagens e do modelo é bastante pronunciado. A
representação dos portadores, assim como da arquitetura é
geometrizada e realista (Prancha 54).
Estariam essas diferenças entre essas representações
datadas exatamente no mesmo período, e localizadas na mesma
região, revelando a autonomia criativa dos artistas escultores na
composição do motivo? Ou seriam expressões de diferentes
desejos estéticos do mesmo cliente?
Independente da motivação que as formou, essas
diferenças evidenciam a riqueza de recursos plásticos e
possibilidades expressivas características registradas na arte
armênia, na composição do motivo em estudo.
Nessas duas representações, mais uma vez não é o doador,
ou o financiador da obra, que porta o modelo, mas herdeiros,
futuros reis, a cuja família interessa representar, publicamente,
unidos pela igreja.
103
104
105
Os relevos do portador do modelo arquitetônico
apresentam as seguintes características comuns:
Concentram-se no território da atual Geórgia e
Armênia.
Todas as representações estão no exterior das igrejas,
e a posição do motivo varia: ao lado ou sobre a porta,
ou no mpano. O motivo escultórico adquire um
caráter público e expõe o portador à comunidade.
Nos relevos, quem porta o modelo não é mais um papa
ou bispo, mas um soberano, rei ou príncipe. Em uma
das primeiras representações do séc. IX o “Príncipe
dos príncipes da Armênia, Geórgia e terras do
Cáucaso” Ashot Bagratuni, Kuropalate “guardião do
palácio” porta o modelo.
O motivo ganha autonomia, independência formal, e
não mais depende de estruturas compositivas de grupo
em torno do Cristo ou da Virgem. O portador do
modelo constitui, por si só, um motivo ornamental
independente.
É comum, na Armênia, a partir do séc. X, o uso do
recurso artístico do duplo: a representação de duas
figuras mais ou menos simétricas portando junto o
modelo. Esta iconografia documenta visualmente
alianças políticas entre reinos armênios ao longo do
séc. X que têm a religião, e mais especificamente, a
construção de igrejas como nculo, como
106
empreendimento comum. O recurso dos duplos, como
representação de alianças políticas, comparece em
relevos romanos ao menos desde o séc. VI como, por
exemplo, os Tetrarcas ou Augusti (c.305), feitos em
porfirito, hoje em um dos cantos externos da Igreja de
S. Marco junto ao palácio dos Dodges em Veneza.
A figura que porta o modelo tanto pode estar
posicionada de frente, de perfil ou a ¾. A postura de
perfil, em especial, é nitidamente derivada da tradição
dos relevos assírios e persas. Em alguns casos, a
representação do corpo em perfil se conjuga à
representação do rosto a 3/4, como em Haghbat e
Harich, e mesmo do rosto em posição frontal, como
em Dadivank.
As mãos que seguram o modelo estão sempre visíveis
e evidenciadas, especialmente nas representações
encontradas na Geórgia entre os séc. IX e X. As
dimensões e a expressividade das mãos são
características da arte oriental muito apreciadas na
Europa Ocidental, na Baixa Idade Média, numa
cultura que se sofistica e valoriza os objetos portáteis e
os gestos.
Os modelos datados entre o séc. VII e X são feitos em
baixo-relevo e apresentam, em geral, a fachada principal, ou a
fachada principal conjugada a uma vista lateral. De modo geral,
ao longo deste período a representação da arquitetura é
predominantemente sintética e geometrizada.
A partir do séc. X os relevos dos modelos arquitetônicos
tornam-se mais salientes, em alto-relevo, enfatizando a
107
tridimensionalidade da peça como se pretendessem apresentar
uma visão completa da arquitetura em todos seus lados.
O exemplo mais claro desta ênfase tridimensional nas
representações em relevo é o modelo nas mãos do rei Gagik
Artsruni na fachada oeste da igreja da Santa Cruz na ilha de
Aght´amar, hoje na Turquia (915-921). Esta intenção artística
levada ao extremo conduzirá os relevos armênios à escultura
propriamente dita, como é o caso da composição escultórica em
duas peças (o rei e o modelo) apresentando o rei Gagik portando
o modelo da igreja de S. Gregório em Ani (1001-1010).
Outra característica pica da representação arquitetônica
na arte armênia é que o modelo reduzido integra-se como parte de
uma seqüência de representações tridimensionais, que se inicia na
própria arquitetura da igreja, e que repete, em diferentes escalas e
em reduções progressivas, uma mesma forma. Esta seqüência de
reduções tendendo ao infinito produz um efeiro semelhante às
imagens geradas pelo reflexo de um mesmo objeto em dois
espelhos paralelos dispostos frente a frente. Nestas seqüências de
formas, a volumetria geral da igreja é repetida em escala reduzida
nos acrotérios, como pequenas igrejas suspensas sobre os
telhados; nos sacrários e relicários existentes no interior da igreja,
e por fim no modelo arquitetônico
20
. Essa sucessão de
representações, como um excesso de metáforas encadeadas, cria,
pela ênfase exagerada, um enigma. E assim, “enigmático, pelo
abuso das metáforas” (Aristóteles, XXII-4, 1959), seu significado
se deixa apreender indiretamente, por meio de alusões, recurso
poético perfeito para conteúdos transcendentes. Esta solução
artística pode ser observada com clareza nas igrejas armênias de
Sanahin, Aghthamar, Harich e Zoravar, dentre outras (Cuneo,
1969).
Ao longo dos sécs. XI e XII os relevos orientais
apresentando o portador do modelo tornam-se cada vez mais
20
Algumas destas representações arquitetônicas em escala reduzida são interpretadas como
maquetes de arquiteto, como é o caso do modelo de Siunik, séc. VII, do acervo do Museu
Histórico Estatal de Erevan, na Armênia. Estas interpretações devem ser vistas com reservas até
um estudo mais aprofundado.
108
raros. Esta iconografia será retomada na Armênia no início do
séc. XIII, mas logo depois desaparecerá.
Neste período de declínio da representação em relevo,
entre o ano 1000 e 1300, registra-se, concomitantemente, um
fenômeno plástico bastante peculiar.
Trata-se da aparente “perda de peso” do modelo
arquitetônico em certas composições nas quais as proporções do
modelo são incompatíveis com o gesto de quem o porta. É como
se o modelo, apesar de grande, fosse feito de um material
surpreendentemente leve.
Esta característica formal comparece pela primeira vez, ao
que tudo indica, no frontão leste da igreja de Korogo na Geórgia
(séc.X); reaparece de forma bastante evidente na escultura do Rei
Gagik em Ani, Armênia (1001-1010); é evidenciada no modelo
que levita no relevo de Dadivank, Armênia (1183-1211) (Prancha
55); e desdobra-se na composição com o modelo elevado sobre a
cabeça das figuras nos dois relevos existentes no tambor da igreja
de S. Johannes Mkrtich no monastério de Gandzasar, Armênia
(1216-1238).
A “perda de peso” dos modelos que comparece nas
representações tardias em relevo será característica das primeiras
representações do motivo em foco em afresco, a partir do último
terço do séc. XI. Tal característica plástica enfatiza a abstração da
representação do modelo, que distanciado da realidade figurativa,
ganha liberdade plástica e autonomia formal.
As representações em relevo do motivo em questão que,
ao que tudo indica, têm origens orientais, e relacionam-se a arte
escultórica da Índia
21
e da Mesopotâmia, encontrarão expressões
significativas na Europa Ocidental somente a partir de fins do
século X.
21
É interessante notar como a ornamentação escultórica externa de igrejas, que tem na igreja da
Santa Cruz em Aght’amar (915-921) junto ao lago Van na Armênia um de seus primeiros
exemplares compartilha o horror vacui da arte escultórica indiana que se revela em relevos como o
da Descida do Ganges (séc. VII) e que será também uma das características plásticas mais
marcantes da relação entre escultura e arquitetura na arte gótica. O prenúncio do gótico, na fusão
entre arquitetura e escultura, parece nítido em Aght’amar e merece investigações mais profundas.
109
110
Na Europa Ocidental, os relevos e esculturas são
posteriores e serão encontrados especialmente na França e na
Alemanha entre fins do séc. X e o séc. XIV. A disseminação dos
motivos orientais em estudo na Europa Ocidental relaciona-se,
muito provavelmente, ao retorno dos cruzados (Weitzmann,
1982).
As primeiras expressões deste motivo são identificadas na
Alemanha, em Magdeburg (c.970) e Aachen (c.1215), e se valem
de materiais preciosos como o marfim e a prata para aplicar o
relevo a pequenas áreas (antependium ou altar) e objetos
(relicários).
Duas outras expressões escultóricas são características da
representação do motivo estudado na arte medieval da Europa
Ocidental: os jacentes e as estátuas.
Os jacentes são esculturas tumulares, e em alguns
exemplos, apresentam a figura portando o modelo de arquitetura
(Prancha 56). Esta representação artística, aparentemente, tem
origem com o túmulo do rei Childebert em S. Denis (c.1170) e
depois comparece na igreja de S. Blaise em Brunswick na
Alemanha (c.1220) no túmulo de Henrique, o Leão. Em meio às
representações tumulares há uma expressão em particular que
interessa especialmente a este estudo: a inscrição na lápide do
arquiteto Hugues Libergier (c.1267) na catedral de Reims na
França (Prancha 56). Nesta representação, pela primeira vez na
cronologia do motivo em foco, o modelo aparece nas mãos de um
arquiteto
22
.
as estátuas góticas independentes, ou autônomas, são
figuras soltas das paredes, como a da porta oeste da catedral de
Tuy na Espanha (1215-25), a do bispo Tissandier (1333-34) e a
de Carlos V (c.1370).
22
Na lápide de Hugues Libergier o modelo arquitetônico com formas góticas está nas mãos do
arquiteto e, como emblema da profissão, soma-se à virga, ao compasso e ao esquadro que também
estão presentes na composição.
111
112
A força desta tradição escultórica medieval irá ecoar na
arte renascentista no séc. XV com a estátua de S. Petronius de
Michelangelo na igreja de São Domenico em Bologna (1494-
1495), e a estátua de S. Miguel Arcanjo hoje no Museu de Arte da
Catalunha em Barcelona (séc. XV).
As características formais presentes nos relevos do motivo
em estudo irão influenciar profundamente as expressões em
afresco típicas da arte balcânica na Baixa Idade Média que serão
estudadas no próximo capítulo.
Como visto, na Geórgia e na Armênia, a partir do séc.
VIII, a iconografia do portador do modelo associou-se à
afirmação de poder político e militar. E essa afirmação, e
legitimação de poder, se ancorava na fé cristã, conferindo ao
portador do modelo o papel de construtor de igrejas”. Este
vínculo entre poder político e religião foi especialmente relevante
na Armênia que foi o primeiro reino a reconhecer, e adotar
oficialmente o cristianismo, entre 301 e 314, e que no séc. X
período de auge dos relevos do motivo em estudo – encontrava-se
fragmentada em diversos principados e reinos autônomos (Der
Nersessian, 1973).
O portador do modelo posicionado no exterior das igrejas
adquiriu visibilidade pública. Do lado de fora das igrejas essa
iconografia evidenciou seu caráter documental, memorial,
registrando para o presente e para a posteridade quem fora o
personagem histórico “construtor de igrejas”. O conteúdo político
desta iconografia fica ainda mais saliente na forma plástica da
dupla portando o modelo de arquitetura como a celebração de
alianças políticas, acordos, pactos entre famílias armênias,
consagrados e perpetuados na imagem escultórica e na própria
construção da igreja.
O caráter político do “construtor”, típico da iconografia
georgiana e armênia, reapareceria no mosaico tardio de Justiniano
113
e Constantino em Hagia Sophia (976-1025), posicionado no
exonártex, praticamente no exterior da igreja, no tímpano sobre a
porta de entrada sul que se volta para a cidade. Nesse caso os dois
imperadores romanos compõem uma aliança que se sobrepõe ao
tempo, e é consagrada pela Virgem e o menino, aos olhos de
Constantinopla e de todo o Império.
114
9.
O
S
A
FRESCOS
Nas paredes da capela de S. Benedetto, na região de
Malles no norte da Itália, encontra-se, dentre os afrescos, uma
imagem que André Grabar qualificou como o melhor retrato da
arte carolíngea, por suas nuances e dimensões (Grabar e
Nordenfalk, 1957) (Prancha 57).
Trata-se do retrato de um frade, possivelmente S. Bento de
Núrcia, com uma auréola quadrada, portando o modelo de
arquitetura. A figura está posicionada a ¾, as mãos longilíneas
envolvem o modelo e o acolhem no peito. A representação da
arquitetura é bastante realista, e se assemelha à nave da igreja
real.
Este afresco do final do séc. IX é uma das primeiras
expressões do motivo do portador do modelo em afresco; cnica
artística que, aparentemente, surgiu como uma alternativa mais
barata do que o mosaico para a ornamentação do interior de
igrejas modestas.
É provável que a Itália tenha sido o primeiro pólo
irradiador desta expressão artística que a partir do séc. XI migrou
para a Croácia e depois se enraizou nos Bálcãs.
E é precisamente na região da Macedônia (a partir do séc.
XII), e um pouco mais tarde na Sérvia e Montenegro (a partir do
séc. XIII), que se concentram os mais significativos afrescos do
motivo em estudo.
Considerando a profusão de exemplos, e a qualidade
artística destes afrescos balcânicos, é bastante provável que esta
região tenha se tornado um segundo pólo irradiador do motivo em
questão para a Grécia e o leste europeu, atingindo a Bulgária, a
Romênia, e até mesmo a Ucrânia e a Rússia.
115
116
Em Mistra, cidadela fortificada bizantina, próxima a
Esparta, na região do Peloponeso, Grécia, um afresco de um
casal com um modelo de arquitetura, no fundo da igreja do
monastério de Péribleptos.
A imagem, datada em 1358 e bastante danificada,
apresenta um casal com as mãos erguidas em prece, e entre eles o
modelo da igreja flutuando no ar. Ao fundo, e mais elevados, a
Virgem e o menino completam a composição.
O casal é, supostamente, pois controvérsias
formado por Manuel Cantacuzène, filho do imperador João IV
Cantacuzène e déspota de Mistra, e sua esposa Isabel de
Lusignan, que construíram a igreja durante seu governo, entre
1348 e 1380. As controvérsias na identificação dos portadores do
modelo ficam por conta da inexistência de insígnias despóticas
nas vestes, e pela possibilidade dos afrescos terem sido refeitos,
em data posterior, pela família Mavropappas (Achimastou-
Potamianou, 2003) (Prancha 58).
Posicionado contra um fundo azul escuro, o casal está
quase em tamanho natural, e habita o interior da pequena igreja
junto com outros ícones.
No espaço azulado de profundidade infinita o modelo da
igreja flutua no ar
23
, etéreo, pura imagem sem peso, como
arquitetura de cor e luz que é, assim, imaterial.
Quando se sai da claridade do sol, e se entra na pequena
igreja, o contraste cega, temporariamente, a vista. À medida que
os olhos se acostumam com a pouca luz do interior da igreja, do
fundo azulado das paredes começam a surgir os ícones, como se
fossem pessoas que, caminhando de um espaço profundo, saem
da escuridão e vêem à luz. O tamanho quase natural das figuras, e
o realismo dos rostos enfatizam essa impressão de movimento de
aproximação dos ícones vindos do “além”. Testemunhas de sua
presença e existência eterna, agora estamos entre eles, no espaço
real da igreja.
23
Essa “perda de peso” revela, nesse afresco, a adaptação de uma característica típica dos relevos
armênios já mencionados.
116
118
A diversidade de composições em afresco sobre o motivo em
pauta dificulta a identificação de características comuns a estas
expressões artísticas, no entanto, algumas características típicas
podem ser mencionadas:
As principais representações concentram-se nos
Bálcãs.
Em virtude da técnica do afresco todas as
representações encontram-se no interior das igrejas,
mas não necessariamente na abside. afrescos
localizados na largura do arco cruzeiro e mesmo na
nave.
Geralmente quem porta o modelo é um príncipe, rei ou
senhor local. Em algumas representações, no entanto,
quem porta o modelo é um eclesiástico ou um
patriarca.
É comum a representação do casal real, lado a lado,
sendo que o homem é quem porta o modelo.
A figura portando o modelo de arquitetura tem
independência compositiva e mesmo quando integrada
a composições de grupo de pessoas e raramente inclui
o Cristo ou a Virgem.
As figuras tanto são representadas em posição frontal
quanto a ¾ e o modelo é sempre deslocado para um
dos lados (Prancha 59).
117
120
As mãos estão invariavelmente visíveis e tocam o modelo.
No entanto na representação do motivo uma variação
na qual a figura segura o modelo com as duas mãos, e
outra variação na qual o modelo é seguro por uma mão
enquanto a outra o aponta (Prancha 60).
O modelo mostra, em geral, a fachada principal e uma das
laterais da igreja. A representação da arquitetura é
predominantemente realista.
Uma variação interessante da composição do motivo
estudado na técnica de afresco encontra-se na capela Scrovegni
em Pádua, dedicada a S. Maria della Caritá e à celebração da
Anunciação. Neste afresco datado entre 1303 e 1305, Giotto
apresenta Enrico degli Scrovegni, o financiador da capela,
ajoelhado recebendo o modelo arquitetônico da capela (Prancha
61). No primeiro plano, um religioso sustenta o modelo, bastante
grande, nos ombros enquanto, ao fundo, três figuras aureoladas o
apresentam ao donatário. Neste afresco, invertendo a cena
tradicional da doação, Giotto reinventa a iconografia do doador
da capela que não é mais quem a oferece, mas quem a recebe,
como uma Anunciação
24
.
24
A relação entre modelos arquitetônicos e a cena da Anunciação será retomada por Carlo Crivelli
em 1485-86.
120
121
123
10.
D
ESDOBRAMETOS DO MOTIVO
A mais ampla e densa interpretação sobre o motivo em
foco foi feita pelos próprios artistas da Idade Média em diante,
que o recriaram de várias e diferentes formas. Essas
interpretações constituem o conjunto de imagens sobre o qual se
fez esse trabalho, e se estendem para além do recorte aqui
proposto como desdobramentos.
Os mais conhecidos desdobramentos do motivo do
portador do modelo de arquitetura são as iconografias dos santos
que têm como emblema o modelo arquitetônico. Como tal aplica-
se com maior freqüência a Santa Bárbara, portando a torre, e São
Jerônimo, portando a igreja. Mas há também outras expressões
desta variação na iconografia de S. Wolfang, S. Domenico, S.
Elizabeth, S. Henri e S. Cunegonda, S. Bonaventura, S. Petronio
entre outros (Pranchas 23 a 31).
A maioria dessas imagens é autônoma com relação à
arquitetura, isto é, são compostas sobre suportes que podem ser
transportados (telas, trípticos, arcas, etc).
Nestas representações são raras as relações entre o modelo
representado e uma arquitetura real. Trata-se, quase sem exceção,
de representações estilizadas de uma arquitetura genérica, dentro
dos padrões estéticos da época, sem relações diretas com uma
arquitetura específica. No caso da torre de S. Bárbara esta
estilização é ainda mais evidente. As torres representadas são
formas artísticas livres de qualquer relação de semelhança com
alguma torre específica
25
.
Tudo indica que esta iconografia dos santos portadores de
modelos arquitetônicos é posterior ao séc. XII, e suas expressões,
em diferentes técnicas (pintura, escultura e vitral), atravessam
todo o Renascimento e o Barroco, para não dizer que perduram
até os dias de hoje.
25
Conforme a hagiografia da santa, que se formou a partir do séc. VII, a torre foi o lugar onde
Bárbara viveu encarcerada por seu pai, em Heliópolis ou Nicomédia, e ali se converteu ao
cristianismo
124
A iconografia dos santos também evidencia a inadequação
de uma nomenclatura genérica que reduz o motivo do portador do
modelo a “imagens do doador”. Aqui não se tratam de doadores,
mas sim de mártires, protetores, patronos e padroeiros.
que se mencionar, por fim, a variação do uso do
modelo arquitetônico que ganhou forma plástica na pintura de
Domenico Cresti da Passignano, e mostra Michelangelo
apresentando a maquete de S. Pedro ao Papa (Prancha 62). Esta
tela, de 1619, é uma das imagens mais expressivas do
entendimento que o séc. XVII parece ter sobre a mudança de
posição do arquiteto renascentista substituindo explicitamente a
divindade na concepção do projeto.
A maquete está no chão. Ninguém a segura nas mãos. Ela
é grande e aparentemente pesada para que alguém sozinho a
suporte. Como o peso do canteiro de S. Pedro: um trabalho
necessariamente coletivo. A maquete também não está
inteiramente visível. uma parte oculta do projeto.
Michelangelo está à frente do Papa e aponta afirmativo para a
maquete. O Papa num segundo plano, atrás do arquiteto, também
aponta para a maquete, mas seu gesto é diferente: interrogativo.
A mão do arquiteto é conhecida. Passignano reapresenta a
mão que designa, a mão do criador eternizada na Capela Sixtina
pelo próprio Michelangelo.
O gesto de criação divina apropriado pelo arquiteto
criador torna-se metáfora de um humanismo que assume sua
própria criação, metáfora de um mundo construído pelo homem à
sua própria imagem e semelhança, e a materialidade mais densa
deste mundo criado pelo homem é a arquitetura, edifícios e
cidades.
O projeto humanizado, que essa iconografia medieval
permite apreender, é um percurso do pensamento humano, que na
mesma expressão artística aceita e nega a necessidade da
transcendência como logos criador, e ora toma, ora transfere a
responsabilidade da construção de sua própria história.
125
126
11.
D
ISCUSSÃO
No Livro I de De Aedificiis (i.66-72) Procópio (490/507-
c.560) comenta que, de certa maneira, foi o Imperador Justiniano
quem construiu Hagia Sophia, não apenas porque investiu
dinheiro, mas sim porque investiu o esforço do pensamento e os
poderes da alma. Em seguida, Procópio conta que quando o
grande arco leste da igreja estava praticamente terminado,
faltando apenas as peças-chave para completar o trecho central,
toda sua estrutura começou a ruir súbita e inexplicavemente. O
cimbramento parecia não mais suportar o peso, e todo o conjunto
estava prestes a entrar em colapso. Aterrorizados, e sem
esperanças em seus conhecimentos técnicos, os arquitetos
Anthemius de Trales e Isidorus de Mileto decidiram então
procurar o imperador Justiniano. Esse, guiado não se sabe bem
por o quê – mas provavelmente por Deus, visto que não era
mestre-construtor ordenou que se completasse o arco,
afirmando que quando a estrutura apoiasse sobre si mesma o
cimbramento poderia ser retirado. E assim se fez, e o arco
resistiu.
Se o favorecimento divino era algo aparentemente
indispensável à consolidação e perenidade das arquiteturas
neolíticas do sudeste europeu como atesta a prática da Bauopfer
– o pragmatismo do império romano, a julgar pelo pensamento de
Vitrúvio, empreendeu um esforço considerável para caracterizar a
arquitetura como conhecimento teórico e prático da natureza, e
suas relações com os objetos, os edifícios, as cidades e o
território.
A arquitetura vitruviana era uma arte prática do mundo
natural, da mecânica, da economia e da beleza sensível. O projeto
e a construção da arquitetura articulavam-se na materialidade da
cultura humana, das artes, da técnica e da história, sem maiores
vínculos ou dependências transcendentais. Foi sobre os princípios
desta ciência arquitetônica que Vitrúvio escreveu ao imperador
127
Otávio. E, ao contrário do que ocorreu no episódio narrado por
Procópio, no texto vitruviano é o arquiteto quem redige ao
imperador
prescrições concisas para que, atendo-te a elas, possas
por ti mesmo averiguar de que natureza seriam as obras, tanto as
existentes quanto as que virão a ser
(Polião, 1999).
Ao que parece esta configuração do pensamento romano
sobre a arquitetura sofreu uma mudança profunda a partir da
instauração do cristianismo como religião oficial do império. De
tal maneira que num período de cerca de 200 anos, entre o
concílio de Nicéia (325) e o texto de Procópio (561), a
participação divina voltou novamente a ocupar um lugar central
no discurso sobre o projeto e a construção da arquitetura.
É justamente na reafirmação dos vínculos transcendentais
entre os desígnios divinos, e o sucesso dos empreendimentos
humanos, que o motivo artístico da figura portando o modelo de
arquitetura emergiu como forma artística, articulada entre a
imagem sensível e a transcendência.
O portador do modelo posicionado na igreja inaugurou
uma tripla coexistência: a arquitetura real, a imagem da
arquitetura no modelo, e a idéia de um paradigma transcendente.
Seria a imagem do portador do modelo um signo de um
humanismo antigo que resistiu justamente por adaptar-se à
teologia?
Seria a representação do portador do modelo de
arquitetura uma forma artística capaz de preservar o aspecto
humano da criação plástica sem ferir a doutrina cristã?
O contexto histórico do surgimento do motivo artístico do
portador do modelo é, paradoxalmente, o da legitimação teológica
da criação humana como imitação dos desígnios divinos
revelados, por meio da criação de uma nova concepção
arquitetônica com as pulas e as entradas de luz que dilatam o
espaço interno das igrejas bizantinas. Indiretamente, a teologia
neoplatônica
26
da imitação dos desígnios divinos por meio do
26
A doutrina da iluminação divina desenvolvida por Santo Agostinho (354-430), parece ser um
dos fundamentos do imaginário cristão da Alta Idade Média, que associa a luz divina à origem da
128
projeto arquitetônico legitimava a invenção humana que,
ancorada na cultura espacial e construtiva do mundo romano,
buscava novas expressões artísticas e novas formas plásticas para
os simbolismos da doutrina cristã.
Frente ao passado helenístico, com suas arquiteturas
associadas às tradições pagãs, as novas formas arquitetônicas
bizantinas configuravam a cosmogonia de um mundo
cristianizado, onde o espaço de cúpulas, luzes e cores brilhantes
materializavam e antecipavam para os sentidos as maravilhas
celestes a serem intuídas pelo espírito.
Conforme o pensamento cristão medieval, o projeto
arquitetônico não era criação humana, mas revelação divina. A
comunicação do projeto se dava por meio de sonhos ou visões, e
o interlocutor iluminado assumia então o status de construtor dos
desígnios divinos. A revelação era imprescindível, ainda mais em
criação arquitetônica. Essa doutrina diverge do platonismo por entender a iluminação não como
reminiscência passada, mas como revelação presente em virtude do contato com a luz eterna da
razão, que vem de Deus. Cabe salientar que esse processo de iluminação divina, para Agostinho,
não é passivo, pois depende da capacidade do intelecto para percebê-la.
se tratando do projeto de uma igreja. Assim foi com o Rei
Salomão, com Constantino e também com Justiniano.
Nos dizeres de Procópio, foi exatamente por meio de
visões e revelações que Deus tornou-se parceiro do imperador em
todos os assuntos que beneficiavam o estado (Procopius, 1996,
II.iii.13).
O logos divino, onisciente, seria, enfim, a origem de todo
ato criador. Como todo poder emana de Deus, toda criação
humana deveria ser, necessariamente, reflexo da vontade divina e
de seus desígnios. O ato criador, a atividade artística desde que
afinada com a doutrina –, revelava aos homens as intenções
divinas e revestia-se, portanto, de um significado político de
poder. Afinal, o criador – geralmente o financiador da obra ou seu
gerenciador executava os desígnios divinos, o que pressupunha
uma certa fidelidade com a comunicação transcendente.
Na primeira metade do séc. VIII, c.730, manifestando-se
contra o decreto de Leão III que proibia os ícones, João
129
Damasceno (675-749) defende o caráter sacro das imagens como
“prefigurações divinas”, e usa em sua argumentação uma
analogia com a arquitetura:
Existem em Deus as imagens e paradigmas de tudo que Dele
um dia originar-se-á, isto sendo de acordo com sua vontade e da
maneira que sua vontade eterna e duradoura quiser... Essas imagens e
paradigmas o santo Dionísio (Pseudo-Dionísio Areopagita, final séc. V
- início séc. VI) chama de “prefigurações”, ele que, ajudado por Deus,
no próprio Deus e em muitas outras coisas divinas era versado. Em Sua
vontade, de fato, estão definidas e delineadas tudo o que foi
prefigurado imutavelmente para vir a ser segundo o Seu plano, como
se, querendo construir uma casa, primeiro fizéssemos um rascunho e
imaginássemos seu esquema com a ajuda do pensamento.
(João Damasceno, Discurso Apologético: Em Deus, as
imagens das coisas que Ele prevê; Lichtenstein, 2004)
27
Haveria, então, em Deus, prefigurado, tudo o que de
haver, toda criação. Em Deus, arquiteto cosmocrator, tudo está
27
Não foi possível até este momento verificar o texto grego original de João Damasceno e
comparar os termos: imagens, paradigmas, prefigurações, rascunho e esquema com seu uso no
mundo grego antigo como registrado por Hellman (1992).
previsto com perfeição “imutavelmente” –, pré-visualizado,
imaginado, planejado. Não exatamente como se fosse um
rascunho, mas como projeto executivo. Assim sendo, a analogia
do rascunho da casa é adequada para se referir à prefiguração
divina, mas é provocadoramente imprecisa para caracterizar a
definição completa do projeto divino. Ao supor um
aperfeiçoamento gradual do projeto por meio de representações
(desenhos), partindo de rascunhos esquemáticos até a obra
propriamente dita, Damasceno humaniza a criação divina como
se fosse um processo projetual. Se Deus concebe com perfeição
pra quê fazer rascunhos? Será que Deus também desenvolve
idéias, isto é, tem idéias “imperfeitas” e as critica e aperfeiçoa?
Se para Procópio o interlocutor divino não é outro senão
Justiniano, as primeiras imagens da iconografia do portador do
modelo trazem neste papel o bispo Eclesius. É ele quem assume –
e muito provavelmente se auto-intitula auctoritas portador do
modelo.
130
Nos mosaicos de Ravena, a imagem de Eclesius portando
o modelo de arquitetura documenta, no tempo e no espaço
consagrado da igreja, o momento que antecede a apresentação,
aceite e unção, por parte do Cristo do modelo arquitetônico. A
imagem torna-se documento e monumento (no sentido de
memorial) de um projeto comum entre Deus e os homens do qual
a arquitetura da própria igreja seria a máxima prova material.
A figura portando o modelo conforma o que João
Damasceno (c.650-c.749) designava em seu Discurso
Apologético (c. 730) a “imagem memorial” (Lichtenstein, 2004):
“...a imagem é feita para lembrar as coisas passadas: um
milagre ou uma expressão de virtude; para glorificar e honrar os
homens valorosos, inscrevendo seus nomes em uma estela; para exalta-
los em sua virtude, para evitar o mal ... Assim, até os dias de hoje, as
imagens dos homens virtuosos são por nós reproduzidas afim de
admirá-los e lembrá-los, despertando em nós o desejo de imitá-los.”
Imitando Eclesius outros desejaram, e vieram a ocupar, a
posição privilegiada de “homens valorosos”, interlocutores e
instrumentos do poder divino.
A imagem artística assumiu então, definitivamente, seu
caráter político e a “humilde” posição de servo dos servidores de
Deus, concedida pela graça divina ao portador do modelo, tornou-
se expressão de poder terreno registrada para a posteridade em
mosaicos, relevos e afrescos. Essa posição foi ocupada
sucessivamente, ao longo de cerca de 700 anos, entre o séc. VI e
o séc. XIII, por bispos, papas, reis, príncipes e senhores feudais.
Estes eram os interlocutores do projeto máximo divino, último e
universal.
A apresentação do modelo ao Senhor, conforme a
perspectiva teológica medieval era, em verdade, uma
reapresentação do projeto “prefigurado” por Deus, agora revelado
ao seu interlocutor-construtor. Assim, sempre que houver luz na
abside de San Vitale, Eclesius reapresentará o modelo
131
arquitetônico como garantia de fidelidade às intenções
prefiguradas por Deus e misticamente reveladas, agora
materializadas na igreja.
O mosaico era, obviamente, posterior à conclusão da
igreja, mas o momento registrado na imagem – como cosmogonia
– poderia ser anterior à construção da arquitetura, como uma
antevisão, uma maquete do projeto a ser construído. A imagem
histórica de Eclesius podendo estar antes ou depois da obra
adquiriu, então, uma amplitude atemporal, eterna.
Para o pensamento medieval, a passagem entre idéia e
obra, estaria magicamente garantida pelo aval divino. Contra as
intenções divinas nada poderia se opor permanentemente. É claro
que a construção enfrentaria dificuldades, e seria,
metaforicamente, uma batalha: uma luta direta com as forças da
natureza, que indiretamente revelaria a luta, subjacente, com as
forças do mal que se opõem a Cristo. Como soldados, no campo
das transcendências operariam os comandantes religiosos, com
orações e penitências, e no campo da natureza operariam os
soldados-artesãos valendo-se das ars meccanica.
Aos mechanikos, mestres-de-obras, mestres-construtores,
mestres-de-risco e arquitetos, formados na tradição da tecnologia
arquitetônica vitruviana, cabia entender, edificar corretamente e
materializar os planos transcendentais revelados por Deus aos
seus escolhidos.
“Estas artes, que presidem a outras, chamamo-las
arquitetônicas ou artes principais, e os que se dedicam a elas, e que
denominamos arquitetos, fazem jus ao nome de sábios.
Todavia, sendo que tais profissionais tratam dos fins em áreas
particulares, e não atingem o fim último e universal de todas as coisas,
denominamo-los sábios nesta ou naquela área, do mesmo modo como
São Paulo Apóstolo afirma “ter colocado os fundamentos como um
sábio arquiteto” (1 Cor 3,12). O nome de sábio, pura e simplesmente,
isto é, no sentido estrito do termo, está reservado àqueles que tomam
por objeto de sua reflexão o fim ou a meta do universo, que constitui ao
mesmo tempo o princípio de tudo. É neste sentido que, para o Filósofo,
o ofício do sábio é o estudo das causas mais altas (I Metafísica, I, 12).”
132
(São Tomás de Aquino, Súmula contra os gentios, iniciada em
1265 e inacabada).
Esses a quem São Tomás de Aquino faz restrições à
sabedoria não podiam se esquivar do esforço intelectual para
conhecer a natureza seja quanto aos materiais (pedra, madeira,
metal, cerâmica), seja quanto ao ambiente (clima, subsolo,
topografia, vegetação), ou ainda quanto aos aspectos da cultura
humana.
Por mais que houvesse a suposta garantia transcendente de
sucesso da empreitada era preciso, e inevitável, edificar, e mais,
edificar corretamente para garantir a perenidade de tanto esforço.
O término de uma obra, então, poderia ser interpretado em dois
sentidos: um transcendental, como prova da infalibilidade dos
desígnios divinos enfim concretizados, e outro tangível, como
atestado da competência arquitetônica dos mechanikos.
Aproveitando a comparação de São Tomás de Aquino
entre arquitetos e filósofos, diferente do que propõe Panofsky
(1991 b), parece haver mais antítese do que consonância entre a
escolástica e a arquitetura gótica francesa. Ao invés do idealismo
e da retórica dos escolásticos, havia técnica e experiência prática
na formação dos artesãos e arquitetos medievais. E esses não se
limitavam a enfrentar discussões verbais que certamente
abundavam no seu dia-a-dia –, mas viviam o cotidiano implacável
dos canteiros de obras.
Enquanto a filosofia medieval dedicava-se às questões
metafísicas os entalhadores, pedreiros, carpinteiros e arquitetos
continuaram trabalhando, construindo e produzindo
conhecimento sobre a matéria, o mundo sensível.
Ao contrário da escolástica, a arquitetura em especial, mas
em geral todas as atividades artísticas aquelas a que Aristóteles
denominava artes mecânicas dedicaram-se ao exercício diário
de enfrentamento da matéria. Nesta prática de lida com a
natureza, que cede e resiste abrindo possibilidades e limitações ao
desejo humano, constituíram-se então oportunidades
133
experimentais sui-generis onde a filosofia natural, como
precursora da ciência moderna, enraizou-se. E a atividade da
arquitetura trabalho coletivo articulado no diálogo entre projeto
e obra –, foi, sem dúvida, uma de suas raízes mais consistentes.
Pois, como observara Aristóteles (981ª-5, 1998), a arte nasce
quando de muitas observações experimentais surge uma noção
universal sobre os casos semelhantes.
Em que lugar, afinal, senão nos grandes canteiros das
catedrais, mosteiros e fortificações, encontrava-se o melhor do
conhecimento da “mecânica terrestre” (Henry, 1998) no mundo
medieval?
A arquitetura européia do séc. XIII, abarcando todas as
obras hoje ditas de engenharia, constituía então a linha de frente
das tentativas medievais de compreensão do mundo físico;
terrenos, água, ventos, pedras, madeiras, cordas, metais, peso,
resistência, força, quedas, encaixes, roldanas, ferramentas e
máquinas.
Nos canteiros de obras da Idade Média a pouca teoria
punha-se à prova, e a prática bem sucedida gerava, lenta e
discretamente, novas teorias.
A confiança na capacidade humana de compreender a
natureza e valer-se desta compreensão para transformar o mundo
conferiu às artes mecânicas um novo campo de ação e,
conseqüentemente, um novo status social que tem expressão
gráfica na imagem em baixo-relevo da pedra lapidar de Hugues
Libergier (c. 1267). No entalhe mencionado, o arquiteto é
representado, de modo alegórico, em vestes de uma espécie de
homem de letras (Panofsky, 1991 b) com os emblemas de sua
profissão a virga ou vara de medida, o esquadro, o compasso
e um modelo da igreja nas mãos (Prancha 63).
134
135
Na história do motivo do portador, a lápide de Hugues
Libergier marca uma mudança significativa. O modelo, que até
então estivera nas mãos de papas, reis, príncipes e santos,
aparece, pela primeira vez que se saiba, nas mãos de um
arquiteto. É a segunda metade do séc. XIII, apogeu do gótico
francês.
A autorictas de portador do modelo confere a Hugues
Libergier como representante dos arquitetos das catedrais o
reconhecimento social de seu papel como construtor competente
do projeto revelado pela inteligência divina.
O arquiteto, com seus instrumentos, seus modelos e seus
conhecimentos parecia então a mais nítida expressão da razão
humana: aquele que transfere para a realidade sensível o logos
divino como expressão artística em pedra, vitrais, vazios e luz. A
arte e a técnica desse mestre a arquitetura assumiu o caráter
metafórico de uma cosmogonia: uma arte inaugural, constitutiva,
organizadora, que modificava as formas da matéria bruta em
beleza, e introduzia na natureza novas obras concretas e
singulares que passavam, então, a existir no tempo e no espaço.
Seria esse reconhecimento social da posição do arquiteto
na França gótica uma pré-renascença do caráter vitruviano da
arquitetura?
Não seria a própria permanência da arquitetura medieval
até os dias de hoje, e a sofisticação das soluções estruturais
existentes nestas arquiteturas, um atestado da sobrevivência do
caráter tecnológico do projeto arquitetônico na Idade Média?
A imagem do arquiteto com seus instrumentos constituiria
então uma alegoria tão forte do logos criador que, quase
simultaneamente, se desdobraria na iconografia de Deus
arquiteto, e geraria imagens como a aplicada na folha de rosto de
um manuscrito francês da Bíblia de meados do séc. XIII, em uma
de suas primeiras expressões (Prancha 64).
136
137
Neste contexto, do séc. XIII, as catedrais góticas
instituíram-se como expressão de fidelidade aos desígnios
divinos, e como expressão do domínio técnico e artístico da
cultura humana sobre a natureza dos materiais.
É certo que Hugues Libergier não se coloca como autor do
projeto. A participação divina ainda é indispensável no processo
de criação arquitetônica, e mesmo na garantia de sua
materialização. A necessidade desse acordo entre a divindade e o
sucesso do empreendimento arquitetônico, como visto, está
enraizada profundamente na cultura ocidental, e tem como
antagonista o mito bíblico da sabotagem divina ao ambicioso
projeto da torre de Babel (Gênesis, 11).
O que de novo é o reconhecimento da competência
técnica do arquiteto para simbolicamente portar o modelo e
assumir o papel de “construtor de igrejas”, isto é, ser o
responsável pela edificação da casa do Senhor e,
conseqüentemente, da igreja como instituição. Responsabilidade
post morten eterna, pois o modelo na lápide prestará contas da
fidelidade do arquiteto ao projeto divino é será a chave para o
reino dos céus.
Mas, para além do paradigma celeste, como se colocava a
questão do projeto arquitetônico na Idade Média?
Antes de tudo é difícil supor uma homogeneidade do
projeto no mundo medieval. As variações dependiam da
formação pessoal do arquiteto, da cultura arquitetônica do lugar,
da escala da obra, da disponibilidade de material e do desafio
espacial-construtivo do edifício em questão.
Certos aspectos como: a presença freqüente do arquiteto
no canteiro, a divisão do trabalho, a fragilidade e o alto custo do
pergaminho, e as constantes alterações de planos reduziam
significativamente as representações gráficas da arquitetura no
canteiro. Definidas as fundações, o projeto e a obra confundiam-
se e, entremeados, dependiam constantemente de diálogo para
prosseguir.
138
Não base material na arqueologia medieval que
sustente a hipótese de um projeto fechado, como um conjunto de
definições inalteráveis ao longo da obra, e nem de um projeto
completo anterior ao início dos trabalhos, com um conjunto de
desenhos, plantas, cortes e elevações e todas as definições de
detalhes construtivos. Tudo indica que a partir de uma idéia, mais
ou menos vaga da arquitetura a ser construída, o canteiro de obras
medieval instituía-se como palco dos conflitos e soluções de um
projeto aberto e incompleto feito obra em construção. Nesse
canteiro, projeto e obra faziam-se mutuamente, dialeticamente,
isto é, a construção do conhecimento se fazia pelo confronto de
idéias, pelo diálogo.
Quanto à formação pessoal do arquiteto, também não
parece ter havido homogeneidade.
É certamente uma simplificação falar no arquiteto
medieval, afinal, como bem lembra Kostof (1986), trata-se de um
período de mais de mil anos, com variações e intercâmbios
consideráveis na atividade arquitetônica entre a Europa ocidental,
o mundo Bizantino e os domínios muçulmanos. E se muitas
incertezas sobre a atividade dos arquitetos na Europa Ocidental,
ainda mais sobre os arquitetos na Ásia Menor e no Oriente
Próximo.
Na Europa ocidental, entre o séc. V e o IX, architectus e
caementarius se confundem (Kostof, 1986). O arquiteto romano,
vitruviano, atua cada vez mais como um mestre-de-obras que
desenha a planta, e essencialmente determina, e conduz a
execução das fundações e elementos estruturais básicos da
arquitetura.
Até a segunda metade do séc. XII, o equilíbrio entre
conhecimento teórico (dos tratados antigos, especialmente de
Vitruvius), e conhecimento da prática construtiva, variava
enormemente entre aqueles que desempenharam o papel de
arquitetos nas terras ocidentais da Europa. Mas, entre os iletrados,
a prática se fazia com pouquíssima teoria. É provável que a
139
retomada das referências da arquitetura romana e bizantina, pela
corte de Carlos Magno, tenha realimentado o vínculo da prática
arquitetônica medieval com os procedimentos romanos,
especialmente o conhecimento do uso da modulação, das
proporções, das referências de medida e das relações matemáticas
e escalas gráficas.
Desde a dissolução do império carolíngio, a atividade de
arquiteto, na Europa ocidental, havia se dispersado de tal forma
que seu papel foi assumido pelos próprios contratantes
28
da mão-
de-obra. No caso das igrejas e mosteiros, o papel de arquiteto foi
desempenhado muitas vezes por bispos, arcebispos, abades e
monges. (Erlande-Brandenburg, 1995).
Assim, durante mais de 300 anos, entre o fim do séc. IX e
meados do séc. XII os papéis de arquiteto e contratante, muitas
vezes, se confundiram. Neste contexto parece mais apropriado
28
Neste estudo utilizou-se o termo contratante com o mesmo sentido que o termo francês patron
costuma ser usado nos estudos medievais. O termo contratante foi preferido à tradução literal
patrão considerando que seu emprego é muito mais comum entre os arquitetos contemporâneos.
tratar a arquitetura como uma atividade prática, exercida
esporadicamente por uns e mais freqüentemente por outros, do
que exatamente como profissão. O que quer dizer que, assumir
eventualmente o papel de arquiteto não significa praticar a
arquitetura sistematicamente, nem tirar seu sustento financeiro
dessa atividade.
Como exemplo desta prática medieval deslocada no
tempo para a precária cidade de São Paulo do último quartel do
séc. XVIII o frei franciscano Antônio de Sant’ana Galvão
assumiu a função de arquiteto, mestre-de-obras e construtor de
taipas à frente das obras do mosteiro e da igreja da Luz. As
limitações de recursos humanos e financeiros do Planalto Paulista
de então exigiram seu envolvimento direto na empreitada, desde
sonhar a obra, até riscá-la e construí-la, durante mais de 28 anos.
Segundo Du Colombier (1953)
29
, a própria designação
architectus ou architector foi aplicada muitas vezes nitidamente
29
As questões controversas em torno da designação do arquiteto na Baixa Idade Média foram
retomadas por Du Colombier (1953) a partir dos estudos de Nikolaus Pevsner de 1942, The term
140
ao contratante, por vezes acompanhada dos qualificativos sapiens
ou prudens.
O mesmo ocorre com a designação magister operis,
traduzida, geralmente, como mestre-de-obras, que tem uma
aplicação tão ampla que pode ser empregada tanto para designar
um simples entalhador de pedras, quanto um mestre-artesãos, um
fornecedor de materiais, os arquitetos propriamente ditos, e até
mesmo o próprio contratante que administra os recursos
financeiros da obra.
O exemplo mais evidente desta sobreposição de funções é
o caso da reforma do deambulatório da abadia de S. Denis
conduzida pelo abade Suger entre 1140-1144, e que é a obra
inaugural do gótico.
Quem foi o arquiteto de S. Denis? Suger, que conseguiu
os recursos financeiros, contratou a mão-de-obra, e orientou
“architect” in the middle ages, publicado na revista Speculum, XVII, 549 e Terms of architectural
planning in the middle ages publicado no Journal of the Warburg and Courtauld Institutes, 232.
Estes estudos dão continuidade à pesquisa de Stein, Comment on désignait les architectes au
moyen âge publicada na Mém. Soc. Nat. Des Antiquaires de France, 81, de 1918.
esteticamente a reforma, ou os mestres-construtores que ele
relegou ao anonimato?
Tudo indica que na região da Inglaterra, França e
Alemanha, a figura do arquiteto se reconstituiu lentamente entre
850 e 1250 por meio de indivíduos que, possuindo o
conhecimento empírico dos construtores, passaram a dialogar
com a erudição teórica do clero.
A transformação destes artesãos em profissionais liberais
na França surpreende Nicolas de Biard (c.1250-1275) que em um
dos seus sermões registra:
os grandes edifícios é comum haver um mestre principal que
ordena apenas pela palavra, e que não usa a mão senão raramente ou
nunca e, no entanto, recebe salários maiores que os demais...
(tradução do autor, apud Du Colombier, 1953).
Como observou Nicolas de Biard, estes poucos arquitetos
estão presentes apenas nos grandes canteiros de obras do séc. XIII
nos quais são imprescindíveis, frente à complexidade da
141
empreitada. Surpreendente é a nova relação de trabalho deste
mestre que parece se distanciar do trabalho manual e é
remunerado não exatamente pelo seu “fazer”, mas pelo seu
conhecimento sobre o fazer. A teoria, que se expressa pela
palavra, caracteriza o trabalho intelectual deste mestre que parece
possuir um novo status social reconhecido pelo seu salário. A arte
deste mestre principal a arquitetura articula o diálogo entre
artes mecânicas e artes liberais.
A lápide de Libergier registra visualmente essa mudança
social. O arquiteto como representante do que George Duby
(2002) designa como “uma espécie de aristocracia do trabalho
manual” adquirira o status de um mestre dos trabalhos
mecânicos, é o artesão-mor, o técnico principal dentre os
técnicos.
Sob a luz dos vitrais das rendilhadas catedrais góticas
francesas renasce, na Europa dos séculos XII e XIII, um arquiteto
que se vincula historicamente à tradição romana, é um
conhecedor dos mistérios da arquitetura.
A partir da segunda metade do séc. XIII, a figura do
arquiteto, gradativamente, se define como a de um profissional
liberal contratado para assumir a responsabilidade sobre o
canteiro de obras de arquiteturas complexas, que excediam a
competência dos contratantes.
Exemplo desta nova condição social é o jovem Peter
Parler (1330-1399) que aos vinte e três anos assume
integralmente as obras da catedral de Praga após a morte do
arquiteto Matheus d’Arras (Du Colombier, 1953).
Pierre Du Colombier (1953) enfatiza que esta nova
condição social não necessariamente distancia o arquiteto da
prática e, diferente do que viu Nicolas de Biard, arquitetos como
Hans Niesenberger, responsável pela catedral de Fribourg-em-
Brisgau, em 1471, talhavam pedras para as obras com suas
próprias mãos.
142
A Itália do séc. XIV e XV será por suas condições
políticas e econômicas o contexto ideal para a ascensão social
deste arquiteto que encontrará em Filippo Brunelleschi (1377-
1446) sua nova acepção. E o próprio Brunelleschi se fez
arquiteto, autodidata, a partir de sua formação como artista,
artesão, profissional formado na prática dos ateliês e das oficinas.
A grande referência espacial e construtiva para a Idade
Média foi, sem dúvida, a arquitetura romana, e por extensão, a
arquitetura helenística. Dessas vertentes antigas, conjugadas às
contribuições orientais, formaram-se a arquitetura bizantina, a
arquitetura islâmica, e o gótico.
A imitação foi um dos principais pontos de apoio do
projeto medieval. A imitação de soluções formais e construtivas
como as compiladas por Villard de Honnecourt em seu famoso
caderno (Bechmann, 1993).
A interpretação dos vestígios materiais permite supor que
da herança romana, vitruviana, os arquitetos medievais se
apropriaram do uso da régua, do compasso, do fio de prumo e do
esquadro, assim como das noções de modulação e composição do
todo a partir da construção de elementos e partes repetidas
(Conant, 1968).
A arqueologia da representação da arquitetura também
indica que os desenhos citados por Vitrúvio especialmente a
iconografia e a ortografia, que se referem a plantas e elevações
em escala reduzida e em escala real, 1:1, foram utilizados ao
longo de toda a Idade Média
30
. Croquis e cortes esquemáticos
também foram usados para a comunicação de soluções
construtivas (Bucher, 1968).
Da experiência construtiva grega e romana com a pedra
(que provavelmente foi desenvolvida pelos arquitetos armênios a
partir do séc. IV) preservou-se o uso de paradeigmas ou moldes
feitos em escala real, 1:1 (Helmann, 1992). Estes moldes
30
Quanto aos desenhos dos arquitetos medievais, Pierre du Colombier (1953) ressalta que a
quantidade de elevações conhecidas é infinitamente superior à de plantas e que estas elevações
raramente são projeções sem deformação e em escala correta e quase nunca são cotadas.
143
individuais, associados, poderiam servir para compor um gabarito
de um elemento estrutural, como um arco, por exemplo. A
seriação, a repetição de elementos, e a pré-fabricação de peças
eram exigências de economia, de racionalidade do canteiro, frente
às restrições materiais e a pouca disponibilidade de recursos.
É bastante provável que o processo de projeto de
arquitetura, em sua configuração romana (desenhos e maquetes),
tenha sido preservado ao longo da Idade Média sobre três bases
principais:
I. As tradicionais famílias de construtores em atividade
em toda a extensão do antigo império romano
31
.
31
Esta estrutura familiar em torno da atividade da construção civil também está registrada nas
baladas folclóricas dos Bálcãs com o tema da “esposa emparedada” em diversas variantes como
“Struna, a noiva” na Bulgária, “A Ponte de Arta” na Grécia, “Mestre Manole” na Romênia, o
“Monastério de Arges” e a “A construção de Skadar” na Albânia, Sérvia e Montenegro (Dundes,
1996).
II. A prática construtiva interna às ordens religiosas,
especialmente entre os cistercienses, que envolvia
geralmente o alto clero no planejamento, e o baixo
clero no canteiro de obras.
III. Os quadros técnicos de mestres-de-obras e arquitetos
da estrutura militar e administrativa do império
bizantino.
Esta preservação do conhecimento arquitetônico do
Mundo Romano na Idade Média encontra respaldo em vários
aspectos que ainda demandam estudos mais aprofundados:
A preservação dos textos de Vitrúvio Da Arquitetura,
de Frontino (35-103) De Aquis urbis Romae, de Heron
de Alexandria, de Arquimedes e Ctesíbio.
144
As descrições de cnicas construtivas de Procópio de
Cesaréia (490-507, c.561), suas menções a planos e
desenhos (Buildings, 1953, I.i.22-25; II.iii.8-10),
assim como suas menções a um suposto tratado escrito
pelo arquiteto Apolodorus de Damasco (Buildings,
1953, IV.vi.13-14).
O desenho esquemático, em planta, para a abadia de S.
Gall, na Suíça, feito entre 819 e 826 (Kostof, 1986;
Erlande-Brandenburg, 2002).
Fragmentos de um texto do monge Heiric d’Auxerre
(835-887) onde há menção a um concepti operis
exemplar, interpretado como uma maquete de cêra,
para a nova cripta da abadia de Saint-Germain
d’Auxerre na França (Du Colombier, 1953; Kostof,
1986; Schlosser, 1891 apud Millon, 1997).
As menções de Asolik de Taron (X-XI) ao plano
(orinak sinuacoy) e modelo tridimensional (kalapar
kazmacoy) do arquiteto armênio Trdat (X-XI) na
recuperação da cúpula de Hagia Sophia após o
terremoto de 989 (Asolik de Taron, 1917;
Donabédian, 1991).
O comentário de Nikolaus Pevsner de que Gervaise,
cronista da catedral de Canterbury teria registrado o
uso de modelos para o corte de pedras por parte do
arquiteto inglês William de Sens (c. 1174) (Pevsner,
1990).
O uso de régua e compasso, e relações de proporção e
simetria no projeto dos arquitetos Gunzo e Hezelo
para a abadia de Cluny III (séc. XII) (Conant, 1968).
145
O caderno de croquis e anotações do arquiteto Villard
de Honnecourt (c. 1235). Neste caderno não
referências a maquetes ou modelos tridimensionais em
escala reduzida. Há apenas a referência a “molles” que
são moldes, modelos em tamanho natural ou em escala
1:1, usados como referência para o corte das pedras:
estereotomia (Bechmann, 1993).
Os desenhos em elevação de fachadas de catedrais,
como o de Estrasburgo (1250-60) (Erlande-
Brandenburg, 2002).
A maquete em papel-machê da igreja gótica de Saint-
Maclou em Rouen, também na França, cuja datação,
mesmo controversa, remonta ao séc. XVI período em
que a obra foi concluída (Kostof, 1986; Lafond, 1974
e Bischoff, 1989 apud Millon, 1997). Pierre du
Colombier (1953) ressalta que o modelo parece
posterior e não anterior à obra. Trata-se, ao que tudo
indica, de um modelo de apresentação de uma
arquitetura do gótico tardio, com data posterior ao
Quatrocento, que não pode ser tomado como um
exemplar característico da modelagem medieval.
As referências ao uso de maquetes no norte da Itália
no século XIV. Estas maquetes estariam relacionadas
às catedrais de Milão (Annali, 1877-1880 apud
Millon, 1997), Florença (Paatz and Paatz, 1952;
Saalman, 1980; Pietramellara, 1984 apud Millon,
1997) e Bolonha (Lorenzoni, 1983), e também a outras
estruturas urbanas não especificadas (Millon, 1997). A
maquete da catedral de Bolonha, por exemplo, datada
de 1390, representa este edifício por meio de pequenos
tijolos em escala 1:12 (Lorenzoni, 1983). Estes
146
modelos, por sua datação e localização geográfica,
caracterizam-se muito mais como as primeiras
expressões da modelagem arquitetônica do
Quatrocento italiano do que precisamente como
maquetes medievais.
Conforme Giorgio Vasari (1511-1574), o próprio
Brunelleschi, ao ser convidado para assumir a obra do Duomo de
Florença teria comentado que por se tratar de um templo
consagrado a Deus, esse incutiria força, sabedoria e engenho em
quem a assumisse
32
.
Esse comentário de Vasari sobre Brunelleschi que é o
arquiteto renascentista por excelência ainda atribui à divindade
32
Ma ricordandomi che questo è tempio sacrato a Dio, mi confido che, faccendosi in memoria
sua, non mancherà di infondere il sapere dov'e' non sia, et agiugnere le forze e la sapienza e
l'ingegno a chi sarà autore di tal cosa.”
Vasari, VoL.III, p.154-155 Edição Torrentiana, 1550.
<http://biblio.cribecu.sns.it/cgi-bin/vasari>
participação fundamental na concepção arquitetônica, mas trata
como autor o arquiteto. E aqui há uma mudança significativa.
No que diz respeito à criação arquitetônica, o pensamento
renascentista parece ainda firmemente vinculado ao
neoplatonismo cristão, mas a doutrina agostiniana da iluminação
divina foi suplantada pela idéia do dom. Deus subsidia a criação
ao conceder a capacidade criativa. O projeto divino agora é o
logos humano, a engenhosidade, a genialidade. E a obra de Vasari
ecoa essa filosofia do gênio, primeiro com Brunelleschi e depois
com Michelangelo Buonarotti.
A questão teológica parece encontrar repouso, afinal, a
capacidade humana de pensar-se criador da própria idéia da
divindade seria um dom cedido pela graça de Deus.
O aspecto novo do projeto renascentista que revela o
humanismo do Quatroccento diz respeito à valorização da
antevisão da arquitetura, isto é, de uma adequada e prudente
previsão da obra, com estudos, desenhos e modelos, como sugeria
147
Alberti (1991). A teoria exposta em De Re Aedificatoria (1452-
1485) busca o método, se interessa pelos procedimentos, que não
são nem mágicos, nem trancendentais, mas técnicos e artísticos.
O texto de Alberti inaugura uma filosofia da técnica
arquitetônica, uma tecnologia filosófica, reflete sobre o fazer,
elucida, extrai recomendações e delineia um campo de
conhecimento: aedificatoria.
Se no mundo medieval, parecia haver uma passagem
mágica entre a revelação mística do projeto e o fazer construtivo
imbrincado nos mistérios da natureza, agora essa passagem é o
lugar da prudência, da previsão, como se aquela prefiguração
divina exposta por João Damasceno fosse humanizada como
representação.
E as imagens emergem no projeto renascentista com
cadernos de anotações, desenhos em perspectiva, maquetes e
modelos tridimensionais que gestam o projeto antes da obra. A
prefiguração não é mais trancendente, é material, e configura o
próprio processo projetual renascentista. Sendo assim, integra
pensamento e modelos em um procedimento integrado que tem
um compromisso construtivo, e é aproximativo, seqüencial,
agregador e sintético. Em meio a anotações, desenhos e maquetes,
neste escritório-atelier de projetos, na Florença do início do séc.
XV, Brunelleschi poderia antecipar Descartes, dizendo:
“Desenho, modelo, logo existo”.
Os procedimentos artísticos, e a teoria que começa a se
formar sobre esses procedimentos no séc. XV prenunciam o
método científico moderno. Esse prenúncio da revolução
científica, que viria a se definir no séc. XVII, pode ser notado
nos seguintes aspectos da arquitetura:
I. O uso de uma geometria e de uma matemática
instrumentais que se apóiam em módulos, referências de
medida, ângulos e relações geométricas, proporção
matemática e relações entre diferentes escalas. Tratava-se
148
de um conhecimento utilitário, que amparava o projeto e a
execução, mas que não constituía um corpo teórico coeso.
Esse conhecimento da arquitetura fundado na geometria
constituía o que o mestre-construtor francês Jean Mignot,
no final do séc. XV, denominava a scientia imprescindível
ao exercício da arte construtiva (Kostof, 1986).
II. O uso de recursos de representação do mundo no plano,
como a perspectiva, e no espaço, como as maquetes ou os
modelos tridimensionais. Esses modelos permitiam
antever soluções e testá-las no papel, ou no espaço, em
escala reduzida. Os modelos de Brunelleschi, em especial,
deixam claro que seu objetivo não era apenas formal ou
estético, mas construtivo. Essa simulação de fenômenos
físicos valendo-se de modelos reduzidos e montagens
experimentais que tinha, na arquitetura, um objetivo
pragmático claro, se incorporada aos procedimentos
científicos modernos, com objetivos explicativos muito
mais ambiciosos, isto é, como um recurso indispensável à
compreensão e à formulação de hipóteses universais sobre
a natureza.
III. O método experimental instaurado no imenso laboratório
experimental informal dos diversos canteiros de obras da
Europa, que punha à prova as novas soluções técnicas, e
atestava ou não sua eficiência na prática. O pragmatismo
da arquitetura resistia, e continua resistindo, a hipóteses a
priori que valem muito pouco antes de serem testadas nos
canteiros. Por outro lado, soluções testadas e aprovadas na
prática passam a ser novos paradigmas para o
conhecimento construtivo. Foi justamente essa
confiabilidade dos procedimentos experimentais, nas
ações sobre a natureza, e na formulação de teorias, que
caracterizou a renascença vitruviana da tecnologia da
149
arquitetura a partir do c. XIII. É nesse contexto que se
prenuncia o Empirismo, com a defesa da scientia
experimentalis por Roger Bacon (c.1214-1294) e o
nominalismo de William de Ockham (c.1288-c.1348) no
círculo aristotélico da Universidade de Oxford (Lamanna,
1960). Essas iniciativas anteciparam o pensamento
empirista do séc. XVII, decisivo para a formação da
ciência moderna.
IV. A teoria, como discurso reflexivo sobre o método, que
tem no texto de Alberti um modelo renovado e
aperfeiçoado do texto de Vitrúvio. Essa teoria, no entanto
diferente do que proporá Descartes no séc. XVII –, não
pretende ter alcance universal, seu campo de ação é
restrito e está definido com precisão: a arquitetura.
É certo que o propósito explicativo – ainda mais com
pretensões universais não fazia parte do escopo da arquitetura
medieval, e nem mesmo da arquitetura renascentista. Este
propósito parece ser exclusivamente científico, e se definiu mais
tarde, entre o séc. XVII e XVIII (Henry, 1998). Assim como o
caráter analítico a desmontagem do mundo em busca de sua
lógica constitutiva – e o caráter não-utilitário da investigação
também são tipicamente científicos.
O propósito da arquitetura, desde sempre, assim como o
da alquimia e da tradição gica, era a eficiência natural, a
utilidade das proposições. O que se esperava de que tais
procedimentos é que funcionassem, e isso bastava. Especialmente
em se tratando de fortificações e máquinas de guerra, como se
pode notar de Vitrúvio a Leonardo.
Talvez a falta desse propósito explicativo elucide, ao
menos em parte, porque as contribuições da arquitetura são
150
consideradas na história da técnica e da tecnologia, e quase nunca
mencionadas na história da ciência.
Em um mundo iluminado pela ciência a imagem do
portador do modelo se diluiu e, aparentemente, restringiu-se à
iconografia dos santos.
O imaginário acerca do projeto de arquitetura, ao menos
aquele que resultou em expressões visuais geradas nos meios
desmistificados pela ciência, assumiu a caracterização do
arquiteto como intelectual, homem de letras e geômetra, tendo
como emblemas seus instrumentos de desenho e modelos
tridimensionais.
Entretanto, o projeto humanista de laicizar o entendimento
do ato criador, substituindo a necessidade das intervenções
divinas por uma consciência ética e histórica da cultura humana,
sempre coexistiu com a manutenção de vínculos, extremamente
arraigados nos costumes humanos, que continuam a entender o
ato criador como uma relação transcendente.
E como será que esse esforço de laicização, e a resistência
a ele, se entrelaçam com a imagem do portador do modelo de
arquitetura, e do imaginário em torno da criação arquitetônica nos
dias de hoje?
Na procissão do rio de Nazaré, em homenagem a Nossa
Senhora de Nazaré divindade feminina como Hera e Tyché – os
portadores do modelo arquitetônico ressurgem, provocativamente
(Prancha 65).
Tanto os que levam o modelo como ex-voto em ação de
graças pela casa construída, quanto os que o levam como
oferenda – pedindo auxílio para construir –, colocam-se como
parceiros da transcendência, e reafirmam a necessidade de
vínculos para além da materialidade da obra.
151
152
Todo mês de outubro, nas ruas de Belém, as figuras da
iconografia medieval do portador rompem os limites dos
mosaicos, relevos e afrescos, e ganham vida num rito feérico. A
sobrevivência da imagem em movimento, como performance,
traz à tona a sobrevivência de costumes remotos.
As origens arcaicas do vínculo entre arquitetura e
divindade afloram então, em pleno século XXI, com essas
pessoas anônimas que assumem a posição de portadores do
modelo. Esses são os interlocutores divinos contemporâneos, que
muitas vezes acumulam funções, sendo ao mesmo tempo:
arquitetos, contratantes, financiadores da obra e pedreiros. E
posam para a câmera fotográfica portando seus modelos de
arquitetura.
Nos bairros pobres de Belém, essas pequenas casas
como oratórios atestam materialmente a onipresença divina, e a
capacidade humana de superação. Ali, moram juntos, as pessoas e
os santos, as crianças, o Cristo e a Virgem. A poética desse
mundo sacralizado, com suas arquiteturas consagradas, parece se
sobrepor ao projeto humanista moderno. Ali a anti-torre de Babel
se materializa em arquiteturas imaginadas e construídas sem
arquiteto. Apartada do universo científico e laico do projeto
idealizado pelos esforços humanistas, essa autoconstrução, às
margens da oficialidade, se funda na aliança com a
transcendência e nas práticas arcaicas da oferenda arquitetônica.
Alheias ao trabalho dos arquitetos, essas arquiteturas perpetuam
nos canteiros de obras as dependências com o universo do
sagrado.
Desamparadas do saber arquitetônico que tanto desejam, e
necessitam, talvez por prudência aquela mesma recomendada
por Alberti no âmbito da renascença firmam laços de parceria
com a Virgem, o Cristo e os santos.
E é nesse contexto que uma trama de ambigüidades
emerge provocando questões:
153
Em que medida a iconografia do portador do modelo não
tem sua força exatamente no paradoxo que carrega, como imagem
de submissão ao sagrado, ao mesmo tempo em que imagem de
afirmação pessoal sob a aparente submissão aos desígnios
divinos?
Até que ponto a arquitetura e a imagem da arquitetura não
desempenham um papel metafórico como representação artística
de uma cosmogonia humana, uma origem de um mundo
construído pelo próprio homem, que oscila conflituosa entre a
aceitação e a negação dessa consciência de criador?
Se essas questões estimulam um retorno aos ícones, isto é,
provocam um desejo de olhar novamente as imagens, então terá
valido a pena o esforço desse percurso.
Afinal, como propósito inicial, esse estudo pretendia
expor as imagens, e compartilhar o encantamento com a beleza e
a intensidade poética que afloram continuamente dessas figuras, e
nos fazem pensar, imaginar, construir interpretações.
A intenção desse estudo nunca foi encerrar essas
interpretações, mas sim sugerí-las e deixá-las em aberto mais
como indagações do que afirmações para que possam incitar
outras aproximações interpretativas.
Sendo assim, as interpretações aqui apresentadas
delinearam, com uma linha leve e pontilhada, significados
possíveis, mas não definiram os significados da imagem do
portador do modelo arquitetônico, entendendo o verbo definir
como marcar o fim, limitar, o que seria um contrasenso, por
restringir justamente a riqueza de sentidos que sugerem as
imagens.
154
12.
R
EFERÊCIAS
B
IBLIOGRÁFICAS
Autores antigos
ALBERTI, L.B. De Re Aedificatoria. Prólogo de Javier Ribera.
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DE AQUINO, S. TOMÁS. Súmula contra os gentios. Os Pensadores,
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Autores modernos
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