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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Diva Conceição Ribeiro
Retórica e propaganda: o feminino na revista O CRUZEIRO - 1928 a 1960
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
SÃO PAULO
2009
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ii
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Diva Conceição Ribeiro
Retórica e propaganda: o feminino na revista O CRUZEIRO – 1928 a 1960
DOUTORADO EM LÍNGUA PORTUGUESA
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Língua Portuguesa sob a orientação do
Prof. Doutor Luiz Antônio Ferreira.
SÃO PAULO
2009
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iii
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Diva Conceição Ribeiro
Retórica e propaganda: o feminino na revista O CRUZEIRO - 1928 a 1960
Doutorado em Língua Portuguesa
Banca examinadora
2009
iv
DEDICADO A
Meus pais
Cláudio Ribeiro e Anita Ribeiro
(in memorian)
pelos desafios de conquistas, pela forma com a
qual me ensinaram a perceber as dificuldades
que perfazem a existência e pela edificação de
vida pautada nos valores que contribuíram para
a formação do meu caráter insaciável na busca
por conhecimentos.
v
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor
Luiz Antonio Ferreira
Pelas orientações, dedicação e valorização do ser
humano, em especial a mim, sempre demonstrando
o caráter do estudo, suas consequências e
responsabilidade.
À família
Pela compreensão e incentivo durante a ausência e
o sempre e incondicional apoio nos momentos
intempestivos.
Aos amigos
Personagens importantíssimos no trânsito da
existência, pelas palavras de incentivo nos
momentos de apatia.
vi
Epígrafe
O segredo daqueles que triunfam
é recomeçar sempre.
Autor desconhecido
vii
RESUMO
O objetivo desta pesquisa é analisar, do ponto de vista da retórica, como se
constituiu o feminino no discurso de produtos de beleza femininos na revista
O Cruzeiro, no período de 1928 a 1960. O material bibliográfico (36 revistas
consultadas) que integra o corpus da pesquisa foi coletado na Biblioteca
Pública do Paraná, em Curitiba. Tem por objetivos específicos: 1) analisar os
artifícios retóricos que atuam no discurso publicitário; 2) verificar os
mecanismos que organizam linguística e discursivamente os textos
publicitários e 3) levantar, quando necessário para a análise, a existência de
mensagens subliminares residentes na composição do discurso publicitário,
para verificar, como a sinésica e a proxêmica contribuem para a constituição
do feminino na retórica da propaganda. A pesquisa justifica-se por suprir, no
ensino de português, uma lacuna no que tange à análise dos efeitos
linguísticos e discursivos e sua necessidade para entender como os papéis
sociais e a condição geral das mulheres foram construídos. Por existir um
vácuo quanto aos estudos da linguagem dos mecanismos linguísticos que
atuam na persuasão; e pela produção de conhecimentos para aplicação
pedagógica na prática de leitura dos meios de comunicação de massa. Seu
foco está centrado nos estudos da retórica Aristotélica e da Nova Retórica
Teoria da Argumentação de Perelman, na Retórica: a Pragmática, Análise do
Discurso, Teoria da Enunciação e Estudos Culturais. A pesquisa é qualitativa,
descritiva e explicativa, composta por análise indutiva em que o processo de
constituição do texto e seu significado discursivo foram os focos principais de
abordagem para buscar a identificação dos fatores que determinam ou
contribuem para a ocorrência dos fenômenos. Aprofunda o conhecimento da
realidade criada pela linguagem publicitária e explica algumas razões e
"porquês da força persuasiva dos enunciados criados para constituir o
feminino na retórica da propaganda". Os resultados obtidos indicam que o
discurso dos produtos de beleza: 1) Contribui para a naturalização dos valores
instituídos; 2) desconstrói a auto-estima feminina; 3) Utiliza-se de mecanismos
linguísticos para persuadir, registrar a história humana; e por fim, educar o ser
humano.
Palavras-chave: análise do discurso, produtos de beleza, plano social da
mulher, linguagem persuasiva, linguagem figurada, educação
pela propaganda.
viii
RÉSUMÉ
L'objectif de cette recherche est d'examiner, en termes de rhétorique, comme
est constitué le féminin à partir des discours des produits de beauté pour les
femmes dans le magazine O Cruzeiro, au cours des années de 1928 à 1960.
Le matériel bibliographique (36 magazines analysés), qu’intégre le corpus de
la recherche, a été obtenu dans la Bibliothèque Publique du Paraná, à
Curitiba. Les objectifs spécifiques sont: 1) analyser les figures de rhétorique
que font partie du discours publicitaire, 2) déterminer les mécanismes qui
organisent, d’une façon linguistique et discursive, les textes de publicité et 3)
augmenter, lorsqu’il faut pour l'analyse, l'existence de messages subliminaux
dans la composition du discours publicitaire, afin de vérifier, comme la
sinesique et la proxemique contribuent à la formation du féminin dans la
rhétorique de la propagande. La recherche est justifieé pour fournir, dans
l'enseignement du portugais, d’une lacune en ce qui concerne l'analyse des
effets linguistiques et discursives et leur importance de comprendre comment
les rôles sociaux et la condition générale des femmes ont été construits. Car il
y a un vide en ce qui concerne les études de la langue des mécanismes
linguistiques qui fonctionnent sur la persuasion; et pour la production de
connaissances pour l'application pédagogue dans la pratique de la lecture des
médias très connues. Son objectif est centré sur des études de rhétorique
d'Aristote et de la Nouvelle Rhétorique - Théorie de l’Argumentation de
Perelman, en rhétorique: la pragmatique, l'analyse du discours, la théorie de
l’énonciation et les études culturels. La recherche est qualitative, descriptive et
explicative, comprenant une analyse inductive dont le processus de
constitution du texte et sa signification discursive ont été les principaux axes
de l’approche pour chercher l’identité des facteurs qui permettent de
déterminer ou de contribuer à l'événement de phénomènes. Approfondit la
connaissance de la réalité créée par la langage publicitaire et explique
quelques-unes des raisons et "les pourquois en ce qui concerne la force de
persuasion des déclarations destinées à constituir le féminin dans la
rhétorique de la propagande". Les résultats indiquent que le discours de
produits de beauté: 1) Il y a une contribution à la naturalisation des valeurs
institués, 2) Il déconstruit l’amour propre féminin, 3) les mécanismes
linguistiques sont utilisés pour persuader, enregistrer l'histoire de l'humanité
et, enfin, d'éduquer l’homme.
Mots-clés: analyse du discours, les produits de beauté, un plan social des
femmes, langage de persuasion, langage figuré, l'éducation par la
propagande.
ix
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - PRODUTO: ORF- LÉNE – LÍQUIDO.................................................80
FIGURA 2. – ALACK L ............................................................................................85
FIGURA 3 - LOÇÃO BRILHANTE............................................................................89
FIGURA 4 - SHAMPOO-PÓ.....................................................................................94
FIGURA 5 - DAGGELE............................................................................................99
FIGURA 6 - CREME RUGOL.................................................................................105
FIGURA 7 - ESMALTE CUTEX..............................................................................111
FIGURA 8 - DESODORANTE ODO-RO-NO.........................................................115
x
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11
CAPÍTULO I ............................................................................................................ 18
O FEMININO NA REVISTA O CRUZEIRO DE 1928 A 1960 .................................. 18
1. RETÓRICA E PROPAGANDA: O FEMININO NA REVISTA O CRUZEIRO DE
1928 A 1960 ............................................................................................................ 18
1.1
PARTICIPAÇÃO
FEMININA
NA
POLÍTICA
BRASILEIRA ................................. 29
1.2
AS
PALAVRAS
PARA
ENTENDER
O
CRUZEIRO ............................................ 30
CAPÍTULO II ........................................................................................................... 39
2 RETÓRICA E CONSIDERAÇÕES ....................................................................... 39
2.1
FASES
DO
DISCURSO ..................................................................................... 39
2.2
ARGUMENTOS
PARA
PERSUADIR
E
CONVENCER ...................................... 40
2.3
ETHOS,
LOGOS
E
PATHOS
PUBLICIDADE
E
ARGUMENTAÇÃO ............... 48
2.4
PROPAGANDAS
RETÓRICAS
-
LUGARES
E
FIGURAS ............................... 52
2.5 O ATO DE INTERPRETAR ............................................................................... 60
2.6.
MARCAS
LINGÜÍSTICAS ................................................................................. 61
CAPITULO III .......................................................................................................... 63
3. CUIDADOS DE SER BELA DA MULHER BRASILEIRA ................................... 63
3.1
REGISTROS
DA
UNIÃO
ENTRE
ETNIAS ......................................................... 64
3.2
NECESSIDADE
DE
SER
BELA ......................................................................... 70
3.3
MERCADO
DA
BELEZA .................................................................................... 74
3.4
ARGUMENTOS
PARA
PERSUADIR
E
CONVENCER ...................................... 76
CAPÍTULO IV .......................................................................................................... 78
4. RETÓRICAS PUBLICITÁRIAS ........................................................................... 78
4.1
NA
LUPA
DA
INVESTIGAÇÃO:
PROPAGANDAS
DE
O
CRUZEIRO ............... 79
CONSIDERAÇÕES ............................................................................................... 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 131
11
1 INTRODUÇÃO
O poder da persuasão nos discursos da mídia tornou-se objeto de estudos
linguísticos e da linguagem, que encerra procedimentos discursivos que envolvem
o pensar e os artifícios pelos quais as mentes se afetam umas às outras.
O discurso publicitário, a seu modo, dotado de intencionalidade inescondível,
abraça o fazer persuasivo como um ato fundamental da propriedade de dizer, pois
os veículos publicitários exploram a complexidade do comportamento humano,
articulam e manipulam argumentos com o objetivo de situar o homem socialmente
em função de interesses sem sempre explícitos.
Assim, com intensa força e apoio das mídias, a publicidade influi, nessa
perspectiva, para muito além dos hábitos de consumo e atua discursivamente na
própria concepção de ser e estar no mundo.
Em outro plano, as abordagens sobre a constituição do feminino no Brasil,
embora ricas nos estudos históricos, psicológicos e antropológicos, possuem uma
lacuna no que tange à análise dos efeitos linguísticos e discursivos. Em função
disso, esta pesquisa apresenta um caminho possível para contribuir, ainda que
minimamente, e suprir essa lacuna histórica nos estudos de língua portuguesa.
Tal caminho situa-se no discurso publicitário na revista O Cruzeiro, primeira e
maior veiculação midiática escrita no Brasil de 1928 até 1960. Sob o ponto de vista
teórico-metodológico, acredita-se possível efetuar, no processo de apreensão de
conhecimento em língua portuguesa, uma reflexão sobre a prática resultante dos
efeitos retórico-discursivos que atuam na constituição de textos publicitários e, em
nosso caso, os produtos de beleza femininos.
Desse modo, foi possível chegar ao tema da pesquisa: RETÓRICA E
PROPAGANDA: O FEMININO NA REVISTA O CRUZEIRO DE 1928 a 1960.
Os papéis sociais e a condição geral das mulheres foram, ao longo da história
do Brasil, construídos a partir de um conjunto de pressupostos, valores e moralidade
ética determinados por uma perspectiva patriarcal. De algum modo, essa visão
condiciona a ação social da mulher, cria valorações estereotipadas, naturaliza a
ideologia dominante e, finalmente, atribui um lugar coadjuvante à mulher no plano
social.
12
Contudo, embora tenha existido, desde os tempos coloniais, um processo de
emancipação da mulher brasileira, um efetivo questionamento ao discurso patriarcal,
apenas a concepção da "mulher emancipada" se infiltra em nossos discursos.
A partir dessas constatações, surgiram algumas questões fundamentais que
constituem nosso problema de pesquisa: a) O discurso publicitário contribui para a
naturalização do discurso dominante, ou o afasta da concepção maniqueísta, ligada
estritamente ao poder dos sexos? b) O discurso publicitário contribui para o
entendimento dos processos sociais e dos papéis secularmente instituídos para a
mulher? c) O discurso publicitário ratifica o paradigma dominante para moldar,
mesmo em função de interesses comerciais, uma identidade feminina renovada e
capaz de projetar e consolidar um discurso retórico distanciado daquele do senso
comum? Em caso positivo como se realiza essa intenção?
Essas questões nos conduziram à formulação de uma hipótese de trabalho:
altamente persuasivo o discurso publicitário explora, como é sabido, o gênero
aristotélico denominado "laudatório" ou epidítico. As artimanhas retóricas de
promoção de produtos, porém, terminam por evidenciar o perfil feminino e, assim,
contribuem para moldar, no discurso dominante, uma idéia da mulher no espaço
social. Como a construção do sentido se realiza em língua, é no corpo do próprio
texto que se pode verificar como os mecanismos persuasivos se constroem e se
corporificam para espraiar discursos que contribuem, de uma forma ou de outra,
para a constituição do feminino na retórica contemporânea.
Assim, estabelecemos por objetivo geral desta pesquisa bibliográfica e
exploratória, a análise do discurso publicitário, à luz da retórica vista como
hermenêutica, o uso da língua portuguesa, no discurso publicitário de propagandas
de produtos de beleza femininos veiculados na revista O Cruzeiro, se constituíram
textos que consolidam valores culturais capazes de influir significativamente no perfil
da mulher brasileira e como conformam o feminino coletivo na retórica.
No que se refere ao corpus, foram consultadas 36 revistas O Cruzeiro, na
hemeroteca da Biblioteca Pública do Paraná, cuja utilização analítica se pautou no
esquema aristotélico.
Por objetivos específicos, determinamos três pontos particulares: a) analisar
os artifícios retóricos que atuam no discurso publicitário; b) verificar os mecanismos
que organizam linguística e discursivamente os textos publicitários; c) levantar,
13
quando necessário para a análise, a existência de mensagens subliminares
residentes na composição do discurso publicitário, com o objetivo de verificar como a
proxêmica e a sinésica contribuem para a instituição do feminino na retórica.
Um pensamento de Ferreira (2006) alicerça nosso pensar e nos impele para a
exploração do tema escolhido: "Todas as línguas têm categorias de expressão que
se apresentam repetidamente e correspondem a um mesmo modelo constante,
porém suas funções, seu sentido mais agudo, aparecem quando elas são
desnudadas no exercício da linguagem/ língua". E nesse sentido, Ferreira contempla
nossa escolha com outro pensamento, também somado ao nosso objetivo: "Em uso,
a língua mostra marcas particulares–variações/variedades –de grupos, regiões
geográficas, diversidades que, assumidas por um sujeito, constituem-se em seu
discurso", que é, em nosso caso, o objeto de nossa investigação: "Esse discurso
particular parte da identidade de um indivíduo- por sua vez, emerge de um
universo de conhecimentos construídos dentro de determinada cultura".
Nossa pesquisa se justifica por entendermos que o estudo do discurso na
redação publicitária dos produtos de beleza femininos atua de modo persuasivo e
contundente junto ao auditório feminino por meio de palavras, frases, figuras
sugestivas.
A análise do discurso publicitário propõe-se a rever essas implicações
discursivas e investigar, ainda que paralelamente, como a sociedade feminina
brasileira aceitou essa ideologia presente na apresentação dos produtos de beleza
femininos e as consequências desse aceite.
O estudo da retórica encontra eco nos estudos contemporâneos. Sandmann
(2003, p. 14 e 34) afirma que "O estudo da retórica, cuja tradição mais viva alcança
o século XVIII, experimentou um forte revivescimento nos últimos tempos em sua
ligação com a linguagem da propaganda" e reforça nossa estrutura teórica ao
afirmar: "Sendo a linguagem da propaganda, até certo ponto, reflexo e expressão da
ideologia dominante, dos valores em que se acredita, ela manifesta a maneira de ver
o mundo de uma sociedade em certo espaço da história”.
Para Sandmann, o idioma combinado com tamanho de letra, cores,
disposição no espaço da propaganda, bem como a mensagem subliminar, mesmo
quando escrita, corroboram para que o auditório não apenas se incline para a
compra, mas finalize-a. Para Figueiredo (2005, p. 41) "Quando um texto consegue
14
ser leve e informal, interessante e instigante, coeso e coerente, não razão para
que o consumidor interrompa a leitura". Estas considerações reforçam e nos
motivam a aprofundar nossas investigações. O mesmo autor consolida nosso
pensamento: "Ler um bom texto é um prazer. Se ele tratar do universo do leitor,
apresentando-o pelos seus olhos, ainda melhor. Mais do que dever, ler um texto
publicitário é um prazer".
Essa associação entre leitura como prazer, leitura crítica e persuasão,
remete-nos à retórica como a base teórica de nosso trabalho. Por meio dessa teoria,
vista em sua potencialidade primeira (de construção dos discursos) e como
hermenêutica (de interpretação desses discursos), encontramos possibilidades de
exploração dos mecanismos persuasivos e a fonte para o estudo das paixões que
representam a busca e a ação do homem: transformador e transformado. Para s,
um estudo que pretenda observar a contribuição do feminino na retórica não se
pode furtar do estudo das paixões, vistas como um estado de alma em inquietação,
capaz de refletir identidades sociais. Nesse sentido, a pesquisa se liga aos estudos
da constituição identitária da mulher brasileira.
Klinkemberg (2001), na introdução de Retóricas de Ontem e de Hoje, afirma
que temos muitas retóricas e, por isso, o termo deve ser usado no plural, pois
embora todas permaneçam fiéis ao programa de sua antecessora clássica,
desempenham um papel de um horizonte em que se concretiza a necessária
interdisciplinaridade das ciências humanas. "Disciplina holística, a retórica
contemporânea intenta bloquear todos os –ismos redutores e colocar barreiras ao
provincianismo metodológico" (MOSCA, 2004, p. 14). Essa afirmação se deve ao
caráter prático da retórica como arte da construção do discurso e às possibilidades
de confronto e intercâmbio abertos pelas neo-retóricas com outras disciplinas:
Pragmática Linguística, Semiótica Discursiva, Teoria Geral do Texto e do Discurso,
Análise Conversacional, todas empenhadas em fazer uma descrição do ato
discursivo.
Osakabe (1979, p. 191) resume nossa escolha teórica básica: nessa (...)
perspectiva que se de forma clara a necessidade e a possibilidade de
recuperação, para a Lingüística, da contribuição da Retórica, tal como a conceberam
Aristóteles e Perelman (...) em benefício de uma visão mais globalizante do
fenômeno da linguagem".
15
A fonte primeira para discussão e análise serão as Retóricas: a aristotélica e
sua inestimável contribuição e as bases teóricas sustentadas pela Nova Retórica,
com enfoque às considerações de Perelman e Tyteca (1999), Reboul (2000) e
Meyer (1998), às quais acrescemos, como teoria auxiliar, as considerações de
Foucault (2004), acerca do discurso e as relações de poder que implicam na
significação.
Por que a Retórica Aristotélica? A resposta é: Aristóteles (384-322 a.C.)
exerceu influência sobre a cultura ocidental nesses mais de dois mil anos e foi,
durante a Idade Média, considerado o mais importante filósofo. Sua doutrina, tomada
como verdade inatacável, preocupava-se com os problemas da pólis, com as
virtudes éticas e com a justiça, como hábito que realiza a igualdade, a atribuição a
cada um do que lhe é devido. Neste caso, a justiça se coloca ao lado das demais
virtudes, pois, respeitar a igualdade implica agir com coragem ou com temperança.
Essa postura aristotélica nos interessa, pois voltamo-nos para a constituição do
feminino na retórica e suas implicações sociais.
Importante releitura moderna, a Nova Retórica, re-inaugura com Perelman e
Tyteca (1999), seguidos por Meyer (1998) e Reboul (2000), o pensamento
aristotélico. Com Perelman renasce a Dialética aristotélica com o nome de Retórica
(TRINGALI, 1988, p. 30). Como bem explicam Plebe e Emanuele (1992): "Perelman
abandonou esses escrúpulos e, com base numa interpretação sumária do
pensamento de Aristóteles, identificou retórica como dialética (...) unidas pelo estudo
daqueles raciocínios que partem, não de premissas verdadeiras (como os
raciocínios lógicos), mas de premissas constituídas apenas por opiniões geralmente
aceitas" (PLEBE & EMANUELE, 1992, p. 122). Em Reboul (2000), encontramos uma
interpretação acurada do trabalho de Perelman. De qualquer modo, vemos, na Nova
Retórica um instrumento eficaz para investigar a utilização do discurso e as
implicações que este pode trazer à proposição de significados.
Perelman e Tyteca (1999) tornam-se importantes para nossos propósitos de
análise do corpus, pois no discurso publicitário, as formas de argumentar funcionam
como premissa e sustentação de qualquer operação. na introdução de Tratado
da Argumentação (1999), os autores retomam Descartes: "Todas as vezes que dois
homens formulam sobre a mesma coisa um juízo contrário, é certo que um dos dois
se engana. mais, nenhum deles possui a verdade; pois se um tivesse dela uma
16
visão clara e nítida poderia expô-la a seu adversário, de tal modo que ela acabaria
por forçar a sua convicção" PERELMAN e TYTECA (1999, p. 2).
Enfim, com base na capacidade argumentativa das partes, será criado o
critério de justo, belo, agradável e razoável. Vender um produto requer argumentar
para criar desejos, formar conceitos, renovar o dito e, nesse sentido, é pela arte
de argumentar, portanto, que se sustenta a capacidade de persuasão do texto
publicitário, que este envolve o auditório nas garras da sedução. Meyer (1998)
contribui ao inserir e tratar a sedução como aspecto intrínseco ao fazer retórico,
entendendo-a nas relações sociais como um item referente à seara do fazer
persuasivo: a relação retórica e a sedução, portanto, devem fazer-se presentes na
análise retórica, haja vista que a "relação retórica consagra uma distância social,
psicológica, intelectual, que é constringente e de circunstância, que é estrutural
porque, entre outras coisas, se manifesta por argumentos ou por sedução" (MEYER,
1998, p. 26).
Reboul (2000), por sua vez, contribui para nossa análise com sua perspectiva
acerca da persuasão: a arte de persuadir pressupõe não estarmos sozinhos.
Lembra-nos que tal arte "só pode ser exercida quando se interpreta o discurso de
outrem" (Reboul, 1998) - e de que a Nova Retórica não deve se prestar a produzir
discursos, mas sim, a interpretá-los.
Interessam-nos as considerações sobre discurso, apresentadas por Foucault
(1979) quanto às relações de poder que são imbricadas no tecido discursivo e na
constituição da sociedade, e como nosso objeto de análise é o discurso publicitário,
delimitamos os caminhos para as análises que pretendemos fazer, com base no
conceito de que o discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo,
mas de constituição do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado
(FAIRCLOGH, 2001, p. 91).
Do ponto de vista de sua natureza, a pesquisa tem caráter aplicado, pois gera
conhecimentos, em língua portuguesa, para aplicação pedagógica na prática de
leitura dos meios de comunicação de massa. Quanto à forma de abordagem do
problema, a pesquisa é qualitativa, que considera que uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo
objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números. A
interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados, básicas no processo de
17
pesquisa qualitativa, dispensa uso de métodos e técnicas estatísticas. Fonte direta
para coleta de informações sobre a construção persuasiva do discurso publicitário e
a constituição do feminino na retórica, a revista O Cruzeiro torna a pesquisa
descritiva e explicativa composta por análise indutiva em que o processo de
constituição do texto e seu significado discursivo foram os focos principais de
abordagem para buscar a identificação dos fatores que determinam ou contribuem
para a ocorrência dos fenômenos. Por esse meio, aprofundam-se o conhecimento
da realidade criada pela linguagem publicitária e explicam algumas razões e
"porquês" da força persuasiva dos enunciados criados para construir o feminino na
retórica contemporânea.
Do ponto de vista dos procedimentos técnicos, esta pesquisa é bibliográfica,
sem pesquisa de campo, já que é elaborada a partir de material já publicado.
Os capítulos estão estruturados do seguinte modo:
O Capítulo I revê a criação da revista O Cruzeiro e seus objetivos sócio-
políticos, a visão e a participação feminina na revista, o clima publicitário e histórico
anterior ao nascimento de O Cruzeiro e o desenvolvimento do semanário no período
delimitado. Os trabalhos de Serpa e de Barbosa contribuíram para a coleta de
informações.
O capítulo II preocupa-se com a retórica, seus aspectos, suas implicações no
discurso dos produtos de beleza femininos e seu alcance e atuação na sociedade
brasileira, assim como as implicações advindas da antiga retórica.
o capítulo III busca entender o modo de vida desde a mulher selvagem,
habitante das Novas Terras, à européia que se instalou no país e da mulher negra,
as três etnias que compuseram a mulher brasileira contemporânea e mais tarde, de
mulheres oriundas do mundo inteiro.
No capítulo IV, há o desenvolvimento de nossa proposta aplicada a oito
propagandas de produtos de beleza femininos. E para concluir a investigação,
apresentamos as considerações sobre nossa busca que não esgotam e nem
pretendem esgotar um assunto tão rico de informações.
18
CAPÍTULO I
O FEMININO NA REVISTA O CRUZEIRO DE 1928 A 1960
1. RETÓRICA E PROPAGANDA: O FEMININO NA REVISTA O CRUZEIRO DE
1928 A 1960
E
ste capítulo ocupa-se de informações a respeito da revista O Cruzeiro para
mostrar como, ao longo do tempo, a revista acompanha os passos evolutivos da
propaganda brasileira e, sobretudo, infiltra gostos, preferências, marcas profundas na
constituição do discurso dominante sobre a natureza do feminino. Não pretendemos,
evidentemente, esgotar o assunto (e nem é essa a intenção de nossa pesquisa), mas
fornecer um panorama das artimanhas persuasivas utilizadas na revista O
Cruzeiro, no que tange aos discursos sobre a venda de produtos femininos.
No Brasil, o ano de 1928 registra o nascimento do semanário O Cruzeiro,
porta-voz do então presidente Getúlio Vargas a quem interessa, politicamente,
mostrar à população, um Brasil-único a modernizar-se, objetivo também de seu
proprietário Assis Chateaubriand.
Assim, a revista semeia em suas páginas, alguns caminhos para a
transformação social e "fermenta", no coletivo, novos conceitos e novos assuntos
jornalísticos, contribuições na arte gráfica, com recursos cnicos pouco conhecidos
no país, como a rotogravura, a fotografia, e novos modos de fazer jornalístico. Essas
inovações conquistam leitores do território nacional, de países europeus, e não
apenas emocionam o palco social brasileiro, mas provocam simpatias e antipatias
em seu leitor.
A pesquisadora Leoni Serpa contribui com informações constantes neste
primeiro capítulo e mostra como o semanário intensifica o "imaginário dos leitores
com figuras femininas", desde o primeiro número.
19
Nas capas da revista, as figuras femininas, por meio de esboços,
desenhadas por ilustradores, artistas plásticos do país, ganham maior sentido e
ocultam uma carga de signos e representações do imaginário feminino de toda uma
época.
Nesse período, a sociedade brasileira passa por uma fase de efervescência
devido ao esvaziamento da população rural para o perímetro urbano pela instalação
de indústrias e causa transformações no modo de agir da coletividade brasileira.
As facilidades trazidas pela sociedade industrial trazem também o aumento
às desigualdades sociais. Serpa (2003) mostra: "nos casarões dos centros das
cidades, abandonados por causa das epidemias, principalmente no Rio de Janeiro,
São Paulo, Recife e Salvador, dezenas de pessoas do povo se amontoavam e
ocupavam todos os espaços subdividindo a área onde antes moravam poucos
indivíduos
1
". Nessas acomodações, "apertadas", as gerações também constroem
novos conceitos cujos reflexos se tornam visíveis nas décadas vindouras.
O semanário, por sua vez, dita a moda, induz comportamentos, intitula-se
porta-voz de uma modernidade brasileira incipiente, registra a representação do
poder político-econômico-social dos anos 1928-1960.
A revista mostra, por meio de seus escritores, humoristas, literatos,
caricaturistas, cartunistas e ilustradores, a ideologia da época e a sua própria
ideologia. Antonio Gramsci (1982, p.12 apud Serpa, 2003) considera revistas:
"estéreis se o se tornam a força motriz e formadora de instituições culturais de
tipos associativo de massa (...) cujos quadros não são fechados". Os trabalhos
jornalísticos sobre o feminino são acompanhados de informações sobre a vida
dessas mulheres.
também matéria própria como novelas em capítulos, estratégia que
obriga a leitora a acompanhar as edições do semanário para satisfazer o imaginário
feminino no desejo de desvendar a trama romântica.
1
Ibidem, p. 16/17.
20
O Cruzeiro, ao contrário de outras revistas, dedica mais de 50% de seu
espaço a assuntos de interesses femininos, dentre os quais estão desfiles de moda,
concursos de beleza estadual e interestadual, Rainha das normalistas, e na escolha
da mais bonita mulher brasileira para representar o país na disputa final: Miss
Universo.
Dados da pesquisa de Serpa (2003) sedimentam as informações: "a
população feminina chegava a 20.622.227. Dessas, 19% estavam no mercado de
trabalho e, pelos indicativos da revista, a maioria das suas leitoras (...) eram donas
de casa (...) pertencentes às elites empresariais, políticas, econômicas e militares".
Esse percentual representa parte de leitoras e a estas juntam-se "outras leitoras da
revista O Cruzeiro, na Europa e em vários países da América Latina". O público
masculino, por sua vez, denota em seu trabalho na revista, importante pensamento
sobre o perfil político atribuído à mulher, uma vez que se refere à mulher como
"mãe", "esposa", "rainha do lar".
Na vida urbana, a instituição religiosa, Igreja, continua a conduzir os bons
costumes da sociedade brasileira, e, em nome da manutenção da estrutura familiar,
fiscaliza o comportamento feminino no cumprimento das normas. Segundo ela (a
igreja), esses comportamentos regrados são sustentáculos do equilíbrio e bem estar
da família. A tradição familiar permanece em "bases estáveis" para um casamento
feliz assentado no "amor", sentimento indispensável para obter o apoio da sociedade.
No ano de 1934, na eleição para o Poder Legislativo federal, 7.348.54
eleitores, entre homens e mulheres exercem o direito ao voto; em 1933, o registro de
votantes chega a 1.466.700 eleitores e, em 1947, ultrapassa sete milhões.
O Brasil, com alto índice de analfabetismo, conta com uma revista de grande
tiragem, chegando a 700 mil exemplares na década de 1960, e com um público de
quatro milhões de leitores.
Linguagens expressas por fotografias, crônicas, reportagens, textos
jornalísticos, rotogravuras, publicidades, temas e imagens especializados à classe
feminina impregnados de simbologia, atribuem ao fazer jornalístico acentuada
transformação e precede a uma das maiores conquistas: a implantação, em 1950, da
21
televisão, evento que transformará definitivamente as formas de fazer a linguagem
da comunicação.
Na revista O Cruzeiro, sediam espaços destinados à leitura feminina, as
colunas: "As Garotas", "Donna", "Dona na Sociedade", "Lar doce Lar", "Da mulher
para mulher", "Bom dia" dentre outras, compõem o quadro "PARA A MULHER".
Segundo Chartier (1990 apud SERPA, 2003) as leituras exibem visíveis
sinais de identificação, precisam ser decifradas, em uma compreensão que exige
várias outras e perpassam, além do que tenciona o redator. Nesse sentido, havemos
de considerar o veio sócio-histórico da nação à época: é o que chamamos de
contexto.
Assuntos e colunas editadas para a mulher são explicados por Barbosa
(2002) "lançam um outro concurso que causa (...) sensação: de contos e novelas".
Morais (1994, p. 194 apud Barbosa, 2002) explica: "Em curto espaço de tempo, mais
de quatrocentos textos tinham chegado à redação, surgidos tanto dos grandes
centros de cultura como dos mais apagados recantos da província". A resposta ao
chamado para a publicação evidencia o interesse da leitora em participar com
matérias específicas sobre o assunto, ou com coletâneas de cartas e textos
elaboradas a partir do mundo imaginário feminino, e até na elaboração de assuntos
especialmente para o concurso de contos.
Nos primeiros números de Cruzeiro, sem o artigo O, aparecem seções de
curiosidades, coluna social, charges internacionais, culinária e assuntos sobre
moda. À produção literária da época, crônicas e contos, autores como Malba Tahan,
Eça de Queiróz, o assíduas presenças nas páginas do semanário. Fotos ilustram
artigos e reportagens e mostram-se estratégias para "fisgar" o leitor de todas as
classes e faixas-etárias, afirma BARBOSA (2002).
Na revista, inexistem registros de reivindicações ou de aspirações políticas
femininas; o semanário cita fatos sobre a participação das esposas dos
revolucionários na ajuda a soldados, na Revolução de 1930, com remédios e
comidas. Acerca do voto feminino, apenas uma dentre as muitas batalhas travadas
pelas mulheres para conquistar a igualdade de direitos, nada consta.
22
A revista enfatiza a vaidade, a libido e o mito fantasioso, todos, segundo o
semanário, qualificativos femininos. A mulher, por sua vez, permanece em completa
submissão ao pai e ao marido.
No mesmo ano, a edição de 25 de outubro, anuncia: "O Cruzeiro que
inaugurou a rotogravura na imprensa ilustrada nacional e que serviu de campo
experimental para a rotogravura a cores, para o que tem montada nas suas novas
oficinas a gigante rotativa de cinco unidades, adquirida na Alemanha". O programa
de remodelação inclui também o aumento do número de páginas, antes com 47
páginas. "Essas reformas representam (...) um dos mais arrojados empreendimentos
editoriais (...) realizados no Brasil", não apenas pela veiculação de notícias, mas
também, diante de novas reformas, "compreendem a execução semanal de 64
páginas em rotogravura e cromo. rotogravura (...) colaboração literária e artística,
confiada aos (...) mais notáveis escritores e ilustradores".
É a adaptação do leitor de O Cruzeiro às novas estratégias aplicadas pelo
semanário que agora conta com a revista em cores, em detrimento de revistas em
preto e branco.
Na pesquisa de Barbosa (2002), sobre o semanário: Ao invés da profusão de
pequenas fotos registradas nos anos anteriores, publica páginas gráficas,
inteiramente ocupadas por fotografias, como na edição de 30 de novembro de 1935,
com duas novas publicações: Novidades da RKO-Rádio, que propaga as
tendências da moda das estrelas norte-americanas e o Dia da Bandeira, lembrado
em duas páginas com fotografias das comemorações.
A maior parte do conteúdo da revista permanece destinada às mulheres, por
meio de colunas existentes como Dona - ou de outras criadas posteriormente
como "Mãe e Filho". Nesta, um pediatra conselhos médicos e educacionais. A
saúde é tema presente na revista. Uma nova seção destinada a oferecer conselhos
sobre o físico indica exercícios que as mulheres devem praticar e ganha destaque:
"Graça, saúde e beleza".
O apoio incondicional ao governo é mostrado na edição de sete de novembro
de 1935, em duas páginas. A revista noticia o desfecho do levante da Praia
Vermelha: "Aos primeiros momentos da edição, madrugada ainda, o Sr. Getúlio
Vargas dirigiu-se de automóvel para a Escola Militar, onde permaneceu ao lado dos
23
oficiais que ficaram fiéis ao Governo, levando o incentivo de sua presença aos
soldados que combatiam os amotinados" (O CRUZEIRO, 1935).
Segundo Barbosa (2002), na matéria são editadas sete fotos dos oficiais
comemorando a vitória. Diversas promoções continuam como tônica da revista e
como meio de conquistar leitores. Muitas vezes concursos realizados por outras
empresas jornalísticas são divulgados, como por exemplo, os lançados pela Rádio
Tupi, em 1935: "Concurso de Música Popular Brasileira". Concorriam sambas e
marchas, por meio de votação popular e os prêmios alcançam 2:000$000 reis (O
CRUZEIRO, 1935).
Grande transformação de natureza editorial surge dois anos depois com
novo estilo de reportagem de caráter investigativo, a revista possui ao alvorecer da
década 1940, agências em todo o país e correspondentes nas principais capitais do
exterior. A II Guerra Mundial é o grande tema dos anos 1940. O primeiro número da
década, de 27 de janeiro, mostra uma reportagem fotográfica sobre conflito e
confrontos entre russos e finlandeses e uma vila alemã tomada pelos franceses. Em
meio ao clima belicoso, notícias sobre estrelas de Hollywood, contos que tratam de
amor, traição ou enfocam histórias fantásticas. Em julho de 1940, o assunto principal
é o Armistício França-Itália-Alemanha. Sete fotos exibem a "paz de Copenhague e
Munique". São imagens da assinatura do armistício, de De Gaule na Inglaterra e de
Hitler e Mussoline "ovacionados pelo povo".
Em datas nacionais, os interesses do semanário retomam à política interna e
à difusão da ideologia estadonovista. Um exemplo é a edição de 7 de setembro de
1940, quando são publicados fotos e texto sobre o "Desfile da Juventude Brasileira":
"Pela primeira vez (...) a Juventude Brasileira desfilou Quarta-feira última, graciosa e
marcial (...) a gratidão legítima pelos grandes esforços despendidos pelos
organizadores do estado Novo, em prol de uma raça sadia e forte e um
revigoramento da população nacional" (O CRUZEIRO, 1940).
Temas políticos não afastam das páginas da revista a presença das estrelas
de Hollywood, seus vestidos suntuosos, suas casas luxuosas, nem os contos que
aguçam a leitora e causam sensação.
24
Na revista, realidade e fantasia fazem parte do conteúdo da publicação,
buscam alcançar um leitor variado e expressivo de todas as idades, e transforma-se
na mídia escrita de maior circulação no país. Cinco anos depois, a revista mostra
outras inovações. A primeira registra o desaparecimento de pequenos anúncios em
cujo espaço surge o índice, ao lado de um artigo. Em maio do mesmo, ano
apresenta: artigos, reportagens, poesia, contos, entrevistas, cinema, humorismo,
assuntos femininos, figurinos e modelos. Além desses, as seguintes seções:
"Escreve o Leitor", "Sete Dias", "No Mundo dos Livros", "Background", "Foto-teste",
"Música", "Sport-light e Mundanismo".
David Nasser e Jean Manzon são reponsáveis pelas reportagens
expressivas desde 1943. O ex-fotógrafo da revista francesa Paris Match chega ao
Brasil, em 1942, introduz na revista fotos dinâmicas, distintas das imagens posadas e
sem impacto reproduzidas por O Cruzeiro até então. A primeira reportagem da dupla
é sobre "Os loucos". Em 1944, publicam a reportagem sensação "Enfrentando os
Xavantes", editada em 18 páginas, com fotos de selvagens atacando um avião a
poucos metros de distância, a flechadas e golpes de borduna (MORAIS, 1994, p.
419-420 apud SERPA, 2003). A reportagem é reproduzida em 60 países e a revista
esgota nas bancas.
Agora, o leitor escreve à revista para expressar sua admiração pelo
conteúdo, para solicitar sugestões sobre leituras, para enviar textos literários escritos
por ele mesmo. As páginas humorísticas ganham destaque. Além de Pif-Paf de
autoria de Milôr Fernandes, a charge Amigo da Onça apresenta temas do quotidiano.
Na edição de 28 de junho de 1945 o assunto é a situação de Getúlio no s-guerra.
Em comício popular, placas com os dizeres “anistia”, "Viva a Rússia", "abaixo a
ditadura", "leite, carne e pão", viva a democracia, o Amigo puxa alguém a seu lado e
instrui: "Grita, queremos Getúlio...".
A revista O Cruzeiro noticia a deposição de Getúlio Vargas com destaque.
Para Jean Manzon as relações estabelecidas durante o período em que trabalhou no
DIP, auxiliam-no nas fotografias dos últimos momentos de Getúlio no Catete.
25
Manzon depara com Getúlio, ex-presidente, sentado à sua mesa, com os
cotovelos abertos e o tronco inclinado para frente. Segundo palavras do
fotógrafo, ‘Vargas tem o jeito de um homem cansado, mas atrás de seus
óculos de metal seu olhar ainda está muito vivo e frio – ele parece um animal
prestes a atacar ou a defender-se com vigor.
No dia seguinte, o título explosivo: A queda de Vargas, uma reportagem
fotográfica de Jean Manzon. A revista constrói-se como testemunha de uma época e
reproduz, com o apoio da fotografia, momentos únicos.
Dessa forma, a revista procura impor à sociedade novos padrões de
comportamentos, como moda, roupas, eletrodomésticos, maquiagens, cinema,
concursos de beleza, esporte, registros das festas sociais, mas, sobretudo, ao
divulgar novidades em vários setores. O "novo", surge para alimentar os sonhos de
libertação dos domínios patriarcal, dos conceitos envelhecidos e dos opressores
padrões familiares.
Para analisarmos edições de O Cruzeiro no período delimitado, procuramos
entender idéias e posições de um grupo que a revista representava: a sociedade da
classe dominante do Brasil daqueles anos, composta por políticos influentes,
governos, militares, Igreja, industriais, produtores rurais e empresários, além de um
grupo de intelectuais empenhados na idéia de um país moderno, entre eles Portinari,
Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Humberto de Campos, Austregésilo de Athayde. A
escolha das reportagens, fotos, colunas e textos para análise na pesquisa têm por
base o significado que o fato abordado continha para os leitores da revista,
especialmente aqueles que pertenciam a uma camada privilegiada da sociedade.
Na revista, esse período abre espaços para registros de consumidoras de
cosméticos e eletrodomésticos, ganhadoras de concurso de beleza, seguidoras da
moda e dos padrões hollywoodianos. Essas mulheres pertenciam à elite social e que
promovia festas fabulosas e que ocupava das colunas sociais. São acontecimentos
de um período significativo para o país e para elas, afinal, foi na década de 1930 que
se concedeu às brasileiras o direito de votar.
26
O Cruzeiro de 10 de fevereiro de 1951 registra a coluna "Escreve o leitor",
destinada a perguntas e respostas. Esse espaço assume a inserção de leitores de
modo direto na revista. Estes podem agir no semanário. Na primeira página desta
edição, reportagem sobre "Getúlio Vargas, "Sete dias: Vargas diante do Brasil" está o
primeiro comentário desde a inauguração do segundo governo desta terceira
república", diz a reportagem e faz considerações a respeito do voto nacional e um
apelo:
(
...
)
o novo Governo terá de ouvir apenas queixas humildes, de angústias
miúdas, de sofrimentos trocados em centavos, tudo pequenino, mas, ainda
assim, de um poder trágico quase mortal. O homem da rua não exige para
seu divertimento, o O de penacho, ou cargos de trinta mil cruzeiros, as
cadilaques, castelos, os cardápios de barões e as ceias de tubarões.
Humildemente, humilhadamente, o que todos querem é usufruir o direito de
viver. Viver em paz, sem sobressaltos, sem inseguranças, sem noites
d
e
insônia e dias de fome, subfome ou quase fome
(
O CRUZEIRO, 10 de
fevereiro de 1951, p.7).
Na continuidade da matéria, em maiúscula e negritada a expressão:
"ENTÃO, TOCA AO GOVERNO, a batalha essencial deste período: a da redução do
preço da vida, cujo nível está subindo e atingindo o paroxismo de uma crise" (O
CRUZEIRO, 1951, p. 7).
O artigo, a nosso ver, condena o voto dos "menos esclarecidos" e conclama
o governo a tomar medidas emergenciais para amenizar a vida de um povo humilde,
humilhado e sem preparo para eleger o governante do país.
Na mesma edição, na propaganda do Esmalte Cutex, a figura feminina exibe
unhas pintadas e o seguinte Slogan: "Isto mesmo! É o que estávamos esperando!
Um esmalte que permanece por dias e dias, sem rachar ou descascar!" O texto
publicitário tem continuidade - "Será possível? É uma realidade! É Cutex! Nunca um
esmalte dourou tanto! As fascinantes cores da moda de Cutex permanecem dias e
dias em suas unhas sem rachar ou descascar. Jamais um esmalte brilhou tanto -
mesmo os de alto preço". e finaliza o texto reafirmando o nome da marca. Trata-se
de um anúncio diferente dos demais. Nesse, a mulher monologa. A propaganda,
portanto, prenuncia uma voz que não quer e não pode continuar emudecida.
27
Na coluna "Elegância e beleza", a leitora faz perguntas e é respondida e na
mesma página, a coluna: "Pratos que todos repetem" oferece receitas culinárias. O
fotojornalismo ocupa parte da revista; as propagandas de sabonetes e perfumes
mostram figuras femininas sensuais, e a coluna "Cartas da História" - registra o relato
de um casal apaixonado e durante a corte natural, a garota resiste aos apelos fora
dos padrões definidos e aceitos pela sociedade até o parceiro render-se à paixão e
pedi-la em casamento.
A coluna "Arte de amar", na página 35, exibe curiosa estratégia ao
apresentar o terceiro capítulo da novela de André Maurois com o título
"Pontualidade". Na página 34, interessante registro: "O mistério da pomba branca"
prenuncia uma matéria de cunho investigativo, pois que a palavra mistério sugere a
busca. Mas, logo percebemos, abaixo do título, tratar-se de continuidade de um
trabalho exposto. O surpreendente, porém, ocorre quando da indicação da página:
Continuidade da página 90. Buscamos a página noventa e encontramos a matéria
em seu início e, no final de um subtítulo, novo imprevisto: "Continua na página 34".
Trata-se de outra estratégia para motivar a leitora a folhar a revista e
interessar-se pela leitura? Outra reportagem sobre o primeiro carnaval carioca
ocorrido em cinco de abril de 1641, em um domingo, mostra também o carnaval de
1951. Este, acontecido nos salões do Hotel Glória e com presença de Leonora
Amar, uma brasileira residente no México, vinda ao Brasil, conquista o título de
Rainha do carnaval.
Nessa matéria, a Rainha do carnaval anterior é mostrada em fotos em preto
e branco, em traje de banho: biquíni. Na página 109, a coluna "Elegância e beleza",
reproduz a mesma estratégia (?) da coluna "Arte de amar" (Continua na página 12).
Voltamos à página 12 e após o título da matéria: (continuação da página 109).
Porém, no final da coluna "Elegância e Beleza", novo indicativo: Conclui na página
106 e, finalmente, ao folharmos a revista até a página 106, confirmamos o término da
matéria. Na página 12, verificamos o mesmo planejamento para a matéria da coluna
"Pratos que todos repetem" e sobre a reportagem do primeiro carnaval carioca,
também. Outras reportagens seguem o mesmo molde de organização.
28
O Cruzeiro de 1960, de 30 de abril, mostra na capa as irmãs Angerman. As
propagandas em cores dão às duas mulheres um belo visual. A revista sustenta
sensíveis e melhores transformações como o quadro: "Conversa com o leitor", a
explicação da capa: Nossa capa, e o Sumário. Dentre as reportagens dessa edição,
destacamos: "O que a moda não pode mudar". Esse trabalho mostra doze modelos
de vestidos em chemisiers, todos com destaque no uso de cintos a marcarem a
cintura.
As colunas para a coletividade feminina permanecem na mostra de receitas
culinárias; a coluna "Da mulher para a mulher" orienta como deve ser feita a
oficialização do noivado. Após a matéria, há questões elaboradas por leitores e
respondidas pela responsável pela coluna: Maria Teresa. Citamos como exemplo
duas perguntas e respectivas respostas:
1) "Moreninha sem rumo": Meus pais dizem que é assim que foram
criados. –
Resposta: Insista com bons modos para que seus pais consintam em
que você frequente lugares onde possa ter convivência com moças e rapazes.
É completamente desaconselhável que se crie uma moça excluída do convívio
social. Toda pessoa jovem gosta de diversões e revolta-se quando não pode tê-
las. Sua mãe poderia acompanhá-la e você não se sentiria tão só, desejando,
pelo menos, manter correspondência com um desconhecido;
2) Amor ilícito: Ana Maria, Rio Grande do Sul "Acontece que ele é
separado da mulher" –
Resposta: Se você tem formação moral cristã não pode unir-se a um homem
casado, mesmo que ele despreze as leis ou convenções sociais. Na edição em
consulta, as matérias continuam fragmentadas e tendo continuidade em páginas idas
e vindas, conforme acima explicamos. Maysa, a cantora, reside páginas da edição e
Rachel de Queiroz fecha O Cruzeiro com o texto "Crise". Nessa edição, a mulher usa
roupas leves, suaves, curtas, maiôs, biquínis. Produtos de beleza femininos variados,
e muitos eletrodomésticos são colocados ao seu dispor.
29
Apresentamos um panorama cronológico do feminismo no Brasil no período
delimitado para nossa pesquisa, coletados em sites da internet:
1920 - As mulheres chegam ao movimento sindical.
1921 - É realizada a primeira partida de futebol feminino em São Paulo.
1922 - O movimento feminista brasileiro teve como sua principal líder a bióloga e
zoóloga Berta Lutz, que fundou a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino.
1932 - O governo de Getúlio Vargas promulgou o novo Código Eleitoral pelo Decreto
21.076, de 24 de fevereiro, garantindo finalmente o direito de voto às mulheres
brasileiras. É neste ano também que a nadadora Maria Lenk, 17 anos, embarca para
Los Angeles como única mulher e mascote da delegação olímpica. Foi a primeira
atleta brasileira a participar de uma Olimpíada.
1934 - A Assembléia Constituinte assegurou o princípio da igualdade entre os sexos,
o direito ao voto feminino, a regulamentação do trabalho feminino e a equiparação
salarial entre homens e mulheres.
1949 - É criada, no Rio de Janeiro, a Federação de Mulheres do Brasil.
Década de 50 - A mulher marca presença efetiva nos movimentos políticos.
1962 - Suprimiu-se do Código Civil o Código da Mulher Casada, que a considerava
relativamente incapaz, comparada a menores de idade.
1.1 PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA BRASILEIRA
1922 - Bertha Lutz funda a Federação Brasileira para o Progresso Feminino.
1927 - Na cidade de Mossoró (RN), Celina Guimarães torna -se a primeira eleitora
brasileira.
1928 - O Governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, consegue uma
alteração da lei eleitoral dando o direito de voto às mulheres. Elas foram às ruas,
mas seus votos foram anulados. No entanto, foi eleita a primeira prefeita da História
do Brasil: Alzira Soriano de Souza, no município de Lages - RN.
30
1932 - As mulheres ganham o direito ao voto em todo o Brasil com a promulgação do
novo Código Eleitoral.
1933 - A paulista Carlota Pereira Queirós torna -se a primeira deputada federal. -
Pela primeira vez no mundo, as mulheres têm direito ao voto. Getúlio Vargas
promulga o novo Código Eleitoral, garantindo finalmente o direito de voto às
mulheres brasileiras.
1937/1945 - O Estado Novo criou o Decreto 3199 que proibia às mulheres a prática
dos esportes que considerava incompatíveis com as condições femininas, tais como:
"luta de qualquer natureza, futebol de salão, futebol de praia, pólo, pólo aquático,
halterofilismo e beisebol". O Decreto só foi regulamentado em 1965.
1945 - A igualdade de direitos entre homens e mulheres é reconhecida em
documento internacional, através da Carta das Nações Unidas.
1949 - São criados os Jogos da Primavera, ou ainda "Olimpíadas Femininas". No
mesmo ano, a francesa
Simone de Beauvoir publica o livro O Segundo Sexo, no qual analisa a condição
feminina.
1951 - Aprovada pela Organização Internacional do Trabalho a igualdade de
remuneração entre trabalho masculino e feminino para função igual.
1962 -
É criado no dia 27 de agosto foi sancionado o Estatuto da Mulher casada, que
garantiu entre outras coisas que a mulher não precisava mais de autorização do
marido para trabalhar, receber herança e em caso de separação ela poderia requerer
a guarda dos filhos.
1.2 AS PALAVRAS PARA ENTENDER O CRUZEIRO
31
Carregadas de sentido semântico, as palavras estão ao dispor do usuário da
língua para utilizá-las, adaptá-las, inventá-las e a reinventá-las para expressar o
pensamento. Neste sentido, os publicitários valem-se muito bem dessa propriedade
e, por isso, para compreender os artifícios usados nas propagandas de produtos de
beleza
femininos, parece-nos prudente re-visitar ainda que brevemente, alguns
aspectos da trajetória da propaganda brasileira.
Esse panorama encontra justificativa nas palavras de Perelmann e Tyteca
(1999, p. 75), ao reproduzirem um pensamento valioso de Poincaré: "A fala revela
estados de espírito e conceitos de linguagem como forma cultural de uma
comunidade vincular-se à ideologia social
".
Estudar a propaganda de produtos femininos, pois, é adentrar a esse espaço
social e compreendê-lo; é entender a mulher em sua atuação social e sua
participação como "pano de fundo", apenas. Deste modo, vale lembrar Suzuki Júnior
no prefácio de Figueiredo, 2005): "Nada temos a temer, a não ser as palavras (...).
As palavras seduzem, encantam, aproximam e por isso o realmente perigosas."
Essa reflexão mostra que se deve atentar ao significado das palavras no contexto
onde elas atuam. O autor considera que "as palavras também chocam, horrorizam e
distanciam e passamos a correr outro tipo de perigo, o da não comunicação, da
incompreensão". O mesmo Suzuki retoma suas considerações e esclarece: "toda
palavra, falada ou escrita, está cheio de inferno ou u. As palavras revelam. As
palavras escondem. Por isso, toda palavra é, (claro) enigma".
Abreu (2005, p. 21) convida-nos à reflexão e nos impele à atuação
consciente: "A primeira grande verdade que temos que aprender é que NÓS
ATURAMOS OS DÉSPOTAS QUE NÓS QUEREMOS ATURAR". Para Garcia (1985,
p. 57): "A pressão psicológica é uma das formas (...) de controle. Atua diretamente
sobre os receptores, afetando sua capacidade de análise, para que recebam as
mensagens da propaganda dentro de uma postura passiva e submissa".
Para Suzuki Júnior
no prefácio de Celso Figueiredo (2005), considera: "As
palavras têm, ao mesmo tempo, um significado raso e outros, bastante profundos. As
palavras são (...) ambíguas. Duplo sentido: as palavras falam e não falam aquilo que
estão dizendo". Assim, a produção do discurso caracteriza intenções e finalidades do
32
anúncio, por isso a argumentação deve representar as bases da verdade ao oferecer
o produto, mostrar suas qualidades e de alguma forma, persuadir o consumidor a
partir dos benefícios que ele receberá ao usar o produto anunciado.
No Brasil, o nascimento da propaganda brasileira é considerado simultâneo
ao nascimento do Brasil, que as informações registradas na carta de Pêro Vaz de
Caminha comunicavam ao venturoso D. Manuel, Rei de Portugal, aspectos sobre a
nova Terra descoberta com descrições ricas em detalhes. Esses registros marcam,
definitivamente, as primeiras notícias sobre o novo mundo.
Bosi (2001, p. 23) em História Concisa da literatura Brasileira considera: "a
pré-história das nossas letras interessa como reflexo da visão do mundo e da
linguagem que nos legaram os primeiros observadores do país", a nova gente, a
nova terra, a flora e a fauna, assim como céus e mares: graças a essas tomadas
diretas da paisagem, do índio e dos grupos sociais nascentes, que captamos as
condições primitivas de uma cultura que mais tarde poderia contar com o
fenômeno da palavra-arte".
A palavra-arte migra dos anos 1500 para os anos de 1800, com acentuada
transformação, até chegar aos anúncios na maior mídia brasileira impressa em 1928;
os hábitos da população brasileira também mostram inegável metamorfose e
inquietação na busca pela beleza feminina, preocupação que fazia morada no
feminino selvagem das terras descobertas.
Para Sant’Anna (2001, p. 14), "as pessoas (...) preferem ser belas, fazer o
culto do corpo. Querem ser atraentes, preocupam-se com sua aparência pessoal (...)
gastam mais nas sessões de cosméticos de lojas, drogarias e supermercados". O
interesse pela aquisição de produtos anunciados é examinado por Carrascoza (2004,
p. 73-74). Em sua análise, ele constata a aparição de vários anúncios na imprensa
em pequenos textos a ofertarem vários tipos de serviços e cita como exemplo, aulas
de idioma, casas à venda ou para alugar, ofertas de escravos e outros de
semelhante teor. "Eram textos curtos, informativos e sem ilustrações, os chamados
"classificados". Apresentavam somente termos essenciais referentes aos produtos.
"Eles foram ganhando espaço (...) com a divulgação de outras ofertas serviços
profissionais, livrarias, cafés, artigos femininos, hotéis, remédios (...) charutos,
33
animais (...) entre outros" e sempre sem ilustrações, mantinham apenas a escrita,
mas "à medida que novos jornais iam aparecendo pelo país, como o Diário de
Pernambuco e o Jornal do Comércio, transpondo para a escrita os pregões e as
vozes dos vendedores ambulantes daquele tempo".
Para este mesmo autor (2002, p. 74), em 1875, por meio dos jornais
Mequetrefe e O Mosquito, entram em cena os primeiros anúncios com ilustrações,
desenhos e litogravuras para aliarem-se à informação verbal que abriria caminhos à
exploração de imagens.
Em 1900, nos diários, como eram chamados os jornais, artistas e poetas
mostravam suas produções. Esses dois veículos de comunicação "ganharam" a
companhia das primeiras revistas ilustradas: Revista da Semana, O Malho, Fon-Fon,
Careta e outras menores como Vida Paulista. Para Carrascoza (2004), o primeiro
anúncio de que se tem notícia no Brasil, conforme Ricardo Ramos, surgiu em 1808,
com o aparecimento da Gazeta do Rio de Janeiro: "quem quiser comprar uma
morada de casas de sobrado com frente para Santa Rita, fale com Joaquina da Silva,
que mora nas mesmas casas" (RAMOS, 1985, p. 9 apud CARRASCOZA, 2004, p.
72).
Outra revista da época (1900), a revista Semana iniciou nova fase. Nela, a
linguagem burilada apresentava atualidades e assuntos literários ao lado de
propagandas da Drogaria J. Amarante, da Charutaria do comércio, do Vinho Baruel,
da Loteria São Paulo, da Papelaria Duprat, da Polytheama, da chapelaria Alberto e
da Leiteria Mandaqui. Esses nomes ficaram conhecidos devido à intensidade dos
anúncios.
Vinte anos depois, as propagandas sobre sabonete mostravam
preocupação com beleza e estética feminina e infiltravam, pelo discurso,
características identitárias.
A maior revista de grande circulação no país:
Por quase meio século (...) emocionou e escandalizou o leitor brasileiro, o
jornalismo viu nascer, crescer e morrer uma das mais importantes revistas
34
(...). O Cruzeiro. que circulou (...) em países como Portugal, Argentina, Chile
e México...
considerada a maior da América Latina"
2
, teve a colaboração de reconhecidos
escritores, ilustradores e caricaturistas, dentre outros, como Portinari, Di Cavalcanti,
Santa Rosa, Djanira, Ismael Nery, Enrico Bianco, Gilberto Trompowski, Anita Malfatti,
Millôr Fernandes, Ziraldo, Carlos Estevão, Alceu Penna, Zélio (irmão de Ziraldo).
Na revista escreviam também os literatos como Humberto de Campos,
Graciliano Ramos, Jorge Amado, Érico Veríssimo, Franklin de Oliveira, Austregésilo
de Athayde e Manuel Bandeira, e dentre estes, Rachel de Queiroz.
É interessante observar que a Revista teve por "berço" um clima repleto de
intenções de jovens que viam no Brasil, uma possibilidade de desconstruir antigos
conceitos para reinaugurar outros mais próximos dos desejos de alguns brasileiros.
Estes intelectuais se tinham manifestado e também escandalizado o país com as
inovações do movimento Semana da Arte Moderna que desafiou o país com o
estremecimento formado por novos conceitos influenciados pelos movimentos de
outros países, como por exemplo, Paris, Alemanha, Inglaterra.
Serpa (2003) mostra
para as mulheres divulgadas pela revista, as capas eram as vitrines. A cada
edição, lindos rostos, maquiados segundo os padrões da época, enchiam as
páginas em ilustrações e fotos, acompanhadas de relatos pitorescos sobre
sua intimidade, mesmo que não fossem estrelas do rádio ou do cinema.
O trabalho de Barbosa, O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da
história da imprensa brasileira, traz interessantes informações a respeito de anúncios
2
Passim.
35
e propagandas: "Quase a metade das 64 páginas da revista está repleta de
anúncios", os anúncios são variados, ao que Barbosa confirma:"há também uma
profusão de pequenos anúncios: de produtos de higiene à casas de tecidos, de
hotéis a cabeleireiros; de fogões a gasolina a restaurantes"(sic).
Nas primeiras três edições, a seção Pequenos Annuncios ocupa página inteira
frente e verso, nas posteriores, apenas meia gina. Nelas, "Profissionais liberais,
como médicos e advogados também anunciam (...). Remédios e elixires os mais
diversos completam a extensa lista", diz Barbosa. Ainda neste trabalho, a mesma
autora afirma: "lado a lado com os anúncios na primeira e na segunda páginas,
explicam para o leitor que poderia ser também um anunciante em potencial - a
importância da propaganda".
A Propaganda iniciava uma nova educação publicitária do país em seu
estado de amadurecimento leitor. A revista trazia uma explicação: "Um grande
anúncio mal apresentado e mal redigido vale menos do que um pequeno anúncio
atraente... Um pequeno anúncio insistente produz mais do que um grande anúncio
isolado". E assim, surgem anúncios reduzidos em tamanho e texto, mas que
cumpriram seu papel na história da propaganda brasileira.
Os produtos anunciados no primeiro número da revista foram: de Arroz
Lady, Produtos de Beleza Alack, e Orf. Lène, (cabelos brancos). Nos dois números
seguintes, apareceram anúncios diversos na seção PEQUENOS ANNUNCIOS
dentre estes, anúncios de serviços de beleza como “Cabelleireiros e Manicures”. A
partir da edição número três, em 24 de novembro de 1928, a seção PEQUENOS
ANNUNCIOS apresenta produtos de beleza: Sabonete 33, Orf. Lène (cabelos
brancos), apenas em linguagem verbal:
36
Ilustração 1
Outros produtos povoavam as páginas de O Cruzeiro, como RUGOL e
LOÇÃO BRILHANTE (produto para cabelos brancos).
Ilustração 2 Ilustração 3 Ilustração 4 Ilustração 5
Na edição número sete, de 12 de janeiro de 1929, surgem anúncios dos
primeiros perfumes: Lança perfume Pierrot, Lança perfume da fina èlite e a primeira
propaganda de depilação: Pasta Alack – Depilação.
A respeito desses produtos é interessante evidenciar:
nenhum deles mostrou
a quem se destinavam. A partir da próxima edição – 02-02-1929 - Nº quatorze, novos
produtos residiam nas páginas da revista: Sabonete Eucalol, Pomada para os seios
37
ALACK, Schmith (Produtos para toilette), Água de Colônia, Juventude Alexandre
(Shampoo), e, pela primeira vez: Esmalte para unhas.
Estes produtos somam-se a outros, e ensaiam os primeiros passos para a
ilustração dos esboços da figura feminina a partir de 01 de março, de 1929. Esta
afirmação pode ser comprovada pela propaganda do Sabonete DORLY que
desponta como a primeira propaganda de sabonetes para a mulher
na revista O
Cruzeiro. A posição
encurvada da mulher, voltada às palmas das mãos, a figura nua
chama a atenção em um tempo em que o despir-se para propagar um produto ainda
não era a tônica.
O discurso escrito na propaganda é grafado na terceira pessoa do plural, no
modo imperativo, formado pelas segundas pessoas (do singular e do plural) do
presente do indicativo sem o s final, e pelas demais pessoas do presente do modo
subjuntivo. Vestergaard e Schroder (2000)
consideram "de vital importância para o
homem de propaganda que ele não pareça estar se impondo ao seu público", o
contrário está consolidado no anúncio do SABONETE DORLY pela expressão:
"Peçam amostras grátis" e neste mesmo molde, desenvolve-se a população de
produtos de beleza, adquire autonomia comercial e define o público alvo. Garcia
(1985, p. 12) explica a função de anúncios e propagandas como elementos
formadores de opinião: "em todos os momentos o propagadas idéias que
interferem nas opiniões das pessoas sem que elas se apercebam disso (...)
envolvidas (...) não têm outra alternativa senão a de pensar e agir de acordo com o
que pretendem delas".
A nova mídia escrita, a revista O Cruzeiro, primava por semear idéias,
apresentar serviços que promoveriam comportamentos para compor um novo
modelo social ditado pelo uso dos produtos de beleza. São os seguintes produtos:
de Arroz Lady, Produtos de beleza Alack, .Orf. Léne (Cabelos brancos), Loção
Brilhante, Sabonete 33, Rugol, Juventude Alexandre (cabelos), Olivan e Rosan
(sabonete), Loção Bela Cor (cabelos brancos), Aristolino Sabonete. Esses anúncios
povoariam suas páginas durante o seu primeiro ano de existência e migrariam para
outras mídias.
No segundo momento do primeiro ano (5/1/29 a 7/12/29), novos produtos
tomam consistência persuasiva dirigidas mais especificamente às mulheres. Durante
38
os doze meses subseqüentes a revista contou com anúncios dos seguintes produtos
de beleza: Sabonete Eucalol, Pomada para os seios ALACK, Lança Perfume Pierrot,
Lança Perfume elite, Pasta de Depilação Alack, Sabonete Dorly, Creme Vaccina,
Sabonete Roger Chèramy, Creme Adelgaçador, Pó de Arroz Chèramy, Esmalte
Palma, Cílion, Creme Hamamelis, Creme de pepino Dr. Smith, Sabonete Gessy,
Produtos Chèramy, Água de colônia, Perfumes elite Mimi, Esmalte Satan, de
Arroz Perfumado Coty, Automassagem facial Alack, Sabonete Coty, Pasta
Depilatória Eficaz, Shampo-Pó, Esmalte Coty, de arroz Reny, La Rose
JacQueminot de Coty, L’Aimant de Coty, Creme Pollah, Creme Hinds, de Arroz
Gueldy, Água de Colônia Carmela.
A revista O Cruzeiro registrou os modos pelos quais a sociedade se
manifestava em relação à mulher brasileira e como a mídia reproduzia essas
manifestações. Mostrou a posição subalterna ocupada pelo feminino, desde ser
observada como observar o sexo oposto na condição de "objeto".
O magazine, mais que divulgar, estabelece novos comportamentos, novas
concepções sobre a mulher no meio social, e mostra um novo molde de ler, de
divulgar, de anunciar e de colaborar com a veiculação de notícias, atuando
diretamente na educação da população brasileira.
A população torna-se mais esclarecida, transforma o meio social, traz para o
século XXI, o estado de independência, aparente, da mulher, antes rainha do lar,
agora senhora de si, para tornar-se, no futuro (quem sabe?) consumidora de
produtos de beleza, porque ela assim o queira, mas que, acima de tudo, mantenha
elevada a sua autoestima e que a faça reconhecer-se como pessoa bonita por
natureza, a natural beleza que cada ser traz dentro de si.
39
CAPÍTULO II
2 RETÓRICA E CONSIDERAÇÕES
2.1 FASES DO DISCURSO
Voltados para a análise do discurso de produtos de beleza femininos, nossos
estudos encontram âncora no esquema aristotélico, ponto ápice neste capítulo para
aplicação no desenvolvimento da análise dos discursos nas propagandas de
produtos de beleza femininos, proposta de nossa investigação.
A linguagem e suas implicações nos valores pessoais produzem reflexões
acerca de uma submissão imposta, porque ilusória e efêmera que assentadas em
valores efêmeros fogem de valores fortes e universais.
A propaganda mostra-se, para os leigos um vasto campo de esperanças no
qual nascem ilusões e sonhos jamais realizáveis; para outros, denota oportunidades
de trabalho, seja na criação delas ou em atividades externas, ilustrando, divulgando-
as, ou persuadindo consumidores.
Abib (2002) observa: "Ao lado de defensores ferrenhos, encontramos
detratores armados fortemente para a luta contra um inimigo que, por sua força
retórica, move sociedades, infiltra ideologias, inspira desejos absurdos e cria o
sagrado reinado das aparências", habitado por pessoas que cumprem exigências
sociais, submetem-se a dietas para alcançarem o padrão de beleza e corpo
determinados pela sociedade. Estas fazem da existência humana um palco ilusório
no qual embalam esperanças jamais alcançadas dadas às altíssimas exigências
atribuídas por outros seres humanos que se auto-intitulam "conhecedoras expert de
beleza" feminina.
40
Para compreender a finalidade da publicidade e da propaganda, torna-se
importante entender etimologia e sentido desses dois vocábulos: conhecer o sentido
das palavras é compreender o sentido da frase, e depois o sentido do texto.
A palavra publicidade deriva de público, que se origina do latim publicus e
designa a qualidade do que é de domínio público e se estende ao "vulgar",
remetendo à concepção de comum, de povo.
Sant’Anna (2001) define propaganda como propagação de princípios e
teorias. O Papa Clemente VII, em 1597 assim a conceituou quando fundou a
Congregação da Propaganda, com finalidade de propagar a católica pelo mundo;
"propagare" deriva do latim e significa produzir por meio de mergulhia, isto é, enterrar
o rebento de uma planta no solo. Propagare deriva de "pangere" e expressa enterrar,
mergulhar, plantar. Serve, assim, à propagação de doutrinas religiosas ou princípios
políticos de algum partido. (SANT'ANNA 1998, p. 46 apud ABIB, 2002, p. 5).
Sandmann (2003, p. 10) considera o termo propaganda com sentido de maior
abrangência: "publicidade é usado para a venda de produtos ou serviços e
propaganda tanto para a propagação de idéias como no sentido de publicidade".
Para Sant’Anna (1998, p. 47), "a propaganda procura criar, transformar ou
confirmar certas opiniões (...) sugere ou impõe crenças ou reflexos que amiúde
modificam o comportamento, o psiquismo e mesmo as convicções religiosas ou
filosóficas", e "espalham pelo país" slogans na promessa de que o consumidor
alcançará a felicidade. Para isto, "inventio" e "actio" buscam novos artifícios, tanto
para expor quanto para persuadir o público-alvo por meio de imagens e de palavras
empregadas de modo intencional para persuadir e, por fim, convencer o "auditório" a
comprar produtos propagados que mostram qualidades nem sempre verdadeiras.
2.2 ARGUMENTOS PARA PERSUADIR E CONVENCER
Na propaganda, o discurso é dirigido à consumidora com singularidade e limita
as oportunidades de opção na compra. Esta, por desconhecer ou não exercitar a
41
competência léxico-sinonímica, abstém-se de analisar, comparar, questionar,
perceber, e, por último, comprar produtos; além de tornar-se presa fácil aos apelos
da argumentação publicitária, torna-se consumidora sem causa justa.
Para estudiosos da subjetividade, emoções são sentimentos individuais;
acontecem quando comportamentos que a demonstram; são mais ou menos
intensas, dependendo do grau alcançado.
Para Barthes (1985, p. 168), "a motivação comercial está, assim não
mascarada, mas dobrada por uma representação (...) ampla, pois ela faz com que o
leitor comunique com os grandes temas humanos" e adentre a reflexão humana,
ainda que esta seja mínima e compreenda a diversidade entre o pensamento do
senso comum e os grandes temas da humanidade, entendidos por poucos homens,
seja pela mensagem visual, ou como propõe Barthes (1985, p. 168) "pela dupla
mensagem, a linguagem contratada da publicidade reintroduz o sonho na
humanidade dos compradores: o sonho, quer dizer (...) uma certa alienação", ou
ainda, que o ser humano perceba a linguagem poética, ou sinta o alcance das boas e
das más palavras, mensagens e mesmo atitudes.
O poder do discurso persuasivo educa o leitor, mas é de fundamental
importância que o ser humano interprete-o antes que se torne consumidora, porque
compreender a leitura está atrelado a qualidades humanas internas como a
habilidade e o hábito de reflexão.
No mundo contemporâneo, é fundamental lançar olhares às possíveis
verdades. Esses olhares hão de se afastar o sujeito da realidade para que ele possa
conceber novas estratégias e visualizar outras realidades a partir de um segundo,
terceiro, quarto e mais olhares. As engrenagens discursivas são entendidas como
processo empírico que formam conceitos particulares e interpretação singular pelos
vieses da compreensão pessoal, contando com verdades relativas e não como
verdades absolutas.
O campo semântico passa a ser explorado pelo sentido de compreensão
ligado a um eixo temático único, porém, contrário a um posicionamento inflexível,
estático e definitivo.
42
Morin (1999) discorre sobre a falta de unidade do conhecimento motivado pelo
crescente avanço da técnica; o desenvolvimento dos saberes encontra-se centrado
no objeto, e de certa forma, anula o sentido humano. Isto parece tecer relação
positiva com o método hermenêutico, pois o objeto de estudo da comunicação
carece de olhares que extrapolem o campo de estudos, e exige apropriação de
conhecimentos de outras ciências. O conhecimento empírico, nesse caso, contribui
de modo significativo porque os valida.
A retórica é uma técnica, uma arte, uma habilidade que se dispõe à
compreensão. Nasceu na Sicília grega pelos anos de 465 a.C. para auxiliar o
judiciário em questões ligadas à perda de bens durante a guerra a fim de reavê-los.
As queixas eram redigidas por um escriba, um tipo de escrivão público, e o queixoso
lia seus pedidos diante do tribunal.
Atenas, por manter relações amigáveis com a Sicília, adotou a arte da retórica
para resolver esses e outros assuntos bélicos. Nessas redações, sobressaía
intrigante fato: o senso agudo de publicidade que os retores ofereciam, tornavam-se
instrumentos de persuasão capazes de convencer qualquer pessoa sobre qualquer
assunto. Seus argumentos versavam não apenas sobre o verdadeiro, mas sobre o
verossímil.
Protágoras (c.486-410) parte do princípio de que a todo argumento pode-se
opor outro, e que qualquer assunto pode ser sustentado ou refutado. Essa afirmação
se refere à técnica erística que é a arte de vencer uma discussão contraditória,
mesmo que para isto o retor recorra aos piores sofismas.
Aristóteles distingue três áreas do conhecimento do discurso: 1. Uma área de
conhecimento científico que se adquire por meio de raciocínios científicos e se chega
à certeza–Analítica; 2. Uma área de conhecimentos falsos obtidos por meio de
raciocínios falsos–Sofística; 3. Uma área de conhecimentos prováveis ou dialéticos,
obtidos pelo estado de opinião, objeto de estudo da Dialética, parte da Lógica que
estuda os raciocínios prováveis. Para Tringali, (1998, p. 26), "toda vez que diante de
uma dúvida, não possamos chegar à certeza (à ciência), mas a probabilidades,
estamos diante de uma questão dialética, objeto do estudo retórico".
43
Para Aristóteles (384-322 a.C), a retórica alcança definição mais modesta do
que para os sofistas, ele a torna mais plausível e eficaz. Entre o "tudo" dos sofistas e
o "nada" de Platão, a retórica se contenta com ser alguma coisa, porém de valor
certo (REBOUL, 2000, p. 24). O sábio filósofo universal "restaura a retórica ao seu
velho estatuto de teoria e prática da argumentação persuasiva como antiga e nova
rainha das ciências humanas" e mostra como o texto se divide em etapas a serem
cumpridas sob pena de "cair em um vazio", e recupera o sentido da retórica "vindo a
corrigir (...) revalorizando-a como ciência e arte que (...) opera na heurística e na
hermenêutica dos dados que faz intervir no discurso, como psicológica e (...) efeito
de convicção e mobilização para a acção". (MESQUITA, 2005, p. 9).
O esquema aristotélico pode ser dividido em quatro fases, para tornar o texto
claro, coerente e coeso; caso ocorra o contrário e uma das etapas não seja
preenchida, o discurso será mal redigido, desordenado ou "vazio". É a busca dos
argumentos e dos meios de persuasão que dizem respeito ao tema do discurso. Esta
fase é considerada em dois aspectos opostos:
1. Como inventário que se estende a todos os argumentos ou procedimentos
retóricos disponíveis;
2. a invenção no sentido moderno, como criação de argumentos e recursos
que são utilizados para dar "prova" do que se argumenta. Refere-se à ordenação dos
argumentos no discurso. Essas fases recebem as denominações: exórdio, narração,
confirmação e peroração.
Exórdio: É o início do discurso sobre o assunto a ser tratado. Sua função é
tornar o auditório dócil, atento e benevolente, em situação de aprender e
compreender; por isso é preciso fazer uma exposição clara e breve da questão a ser
tratada, ou da tese que se vai tentar provar. A retórica do exórdio se aplica ao gênero
epidíctico na medida em que envolve o auditório e este se sente pessoalmente
implicado no assunto e incluído no fato. Sinaliza o assunto, exprime logo o que se
pretende dizer e apresenta o plano. Assume algumas vezes as formas de
aconselhamento, elogio, censura que induzem o auditório a aceitar ou refutar
determinada situação e indica o assunto sobre o tema tratado sem haver interrupção.
Modernamente, o discurso publicitário, por exemplo, evita o exórdio.
44
Narração: Exposição de fatos referentes à causa. Na narração, o logos
supera o ethos e o pathos. Para alcançar a eficácia, deve apresentar três qualidades:
clareza, brevidade e credibilidade. Isto se refere à organização, à concisão e que o
fato narrado, caso não seja verossímil, esteja próximo de o ser. Reboul (2000)
esclarece: "eliminando tudo o que seja inútil, todos os fatos anteriores (...) todas as
circunstâncias que não esclareçam nada, mostrando que no fundo tudo leva àquilo
(...) e enunciando o fato com suas causas". Deve ser breve e objetiva.
Confirmação: Trata-se da parte mais longa constituída pelo conjunto de
provas nem sempre separadas da narração, pois cada seqüência do discurso pode
apresentar uma prova, o importando a seqüência da ordem. Narração e
confirmação devem ser cumpridas para que o objetivo do discurso seja alcançado e
as provas devem ser demonstrativas. Suas amplificações consistem em demonstrar
que se os fatos são bons, úteis ou belos poderão servir de provas.
Epílogo ou peroração: É a designação do final da exposição e compõe-se de
quatro partes: a) Pôr o ouvinte a favor do orador ou dispô-lo mal para com um
suposto adversário; b) amplificar ou atenuar o que se disse; c) excitar as paixões; d)
amplifica ou não o sentido da paixão e recapitulação dos argumentos no final do
discurso. No epílogo ou peroração, a conclusão jamais constituirá um novo
argumento. Se isto ocorrer, o discurso perde sua unidade. Para Reboul (2000, p. 60),
"a peroração é o momento por excelência em que a afetividade se une à
argumentação, o que constitui a alma da retórica".
O estilo da escrita do discurso deve ser flexível e adequar-se às necessidades
de seu público. Nesse sentido, há três distinções:
1. O nobre para comover (movere), persuadindo pela excitação da afetividade
que conduz o intelecto a aderir ao ponto de vista do orador; 2. O simples para
explicar (docere), persuade a mente por meio de provas lógicas: indutivas (exemplos)
ou dedutivas por meio de argumentos, na narração e na confirmação; 3. O ameno,
para agradar (delectere), e deleitar o público persuadindo-o pela beleza do estilo.
Nesse aspecto, toma a retórica como a arte de bem falar; 4. O estilo deve ser
adaptado para cada auditório.
Reboul (2000, p. 64) afirma: "O sabor do discurso não se ganha com regra
45
alguma, quem o faz é o autor". É o pronunciamento do discurso aliado aos efeitos da
voz, gestos e mímicas, como o acabamento do discurso retórico. O conteúdo da
ação, para o autor, é mais simples e flexível.
O discurso verbal readquire importância em virtude dos meios de
comunicação de massa. Para esta espécie de discurso, o orador continua a
representar e a fazer uso dos elementos que o auxiliam na persuasão: o trabalho da
voz, do corpo, do rosto, das expressões. Essa função, como afirma Jakobson citado
por Reboul, (2000, p. 67) é principalmente fática, isto é, produzem-se enunciados
que m como finalidade única perceber se o contato com o interlocutor permanece
ativo, se o canal de comunicação está e continua operando de modo eficaz. Callou e
Leite (2000, p. 14) consideram o ar como canal que se ocupa de transportar a
mensagem.
A respeito dos sofistas, esclarece Reboul (2000, p. 9): "Deve-se a eles a idéia
de que a verdade nunca passa de acordo entre interlocutores, acordo final que
resulta da discussão, acordo inicial também, sem o qual a discussão não seria
possível". A insistência no kairós, momento que significa espírito da oportunidade ou
de viva réplica é a alma de toda retórica atuante, cuja finalidade centra-se em
dominar pela palavra, pelo poder e não pelo saber.
O conceito de retórica estende-se até o século XIX: "retórica é a arte de
persuadir pelo discurso e discurso é toda produção verbal, escrita ou oral, constituída
por uma frase ou por uma seqüência de frases, que tenha começo e fim e apresente
certa unidade de sentido". Mesquita (2005, p. 24) mostra a forma do pensamento de
Aristóteles ao conceituar Retórica: uma forma de comunicação (...) que tem fins
persuasivos".
Para Tringali (1998, p. 19), "Retórica é uma teoria e prática, uma
metalinguagem do discurso (retórico) e que (...) inclui na sua compreensão: orador,
uma audiência, uma questão provável, dialética, discursos orais em debate, cada
qual objetivando persuadir o próprio ponto de vista".
Na contemporaneidade, a propaganda transita por várias vias e se utiliza de
todas elas, seja por meio de textos escritos, visuais, por imagem ou destes reunidos
46
no quadro publicitário, incluindo neles também os "embutidos" - é a mensagem
subliminar cuja finalidade é persuadir o consumidor à compra de modo inconsciente:
"persuadir atinge além de convencer, que convencer levar à compreensão e
persuadir é fazer crer" e por isso, invade domínios de crenças particulares do
consumidor, pois de modo figurado "ele é arrastado" à compra.
A primeira função da nova retórica encontra-se na persuasão. Amossy (2005,
p. 10) mostra que "As diferentes correntes da análise do discurso e pragmática
reencontram a Retórica definida como a arte de persuadir" e podem acurar a análise
do discurso e encontrar mensagens imbricadas nos "traços das entrelinhas". Assim,
maneira de Aristóteles, procura compreender e explicar como o discurso se torna
eficaz. Descreve usos verbais e modalidades de interação dos quais se extrai uma
regulamentação; dedica-se a construir modelos", identificados a partir de análise
criteriosa de cada uma das fases do discurso. "Acerca da concepção pragmática da
linguagem como ação ou interação dotada de poder próprio"!
No pensar de Reboul (2000), "detectar suas ciladas, sopesar a força de seus
argumentos e sobretudo captar o não dito", mas que ao astuto leitor, é desnecessário
dizer, pois que o conhecimento empírico de dar mostras do implícito nas
entrelinhas do texto e, assim, exercitar a hermenêutica., segunda função da nova
retórica.
Em seu significado, heurística é palavra originária do verbo grego euro, eureka
que significa encontrar, e molda a terceira função da retórica. É a função da
descoberta, do encontrado, do deduzido e de encontrar o verossímil e nos pautar
pelas possibilidades, já que nem sempre é possível nos definir pelas certezas.
A quarta função da retórica liga-se ao ato pedagógico. Ao ser abolida de
sistemas de ensino, a disciplina da retórica permaneceu desarticulada, sem
importância do passado e sem agir na formação do alunado no presente, e assim
evidencia a falta de seu ensino em um futuro "vazio" de análise de interpretação de
textos. Nesse sentido, o profissional de educação da área de língua portuguesa
continua "desarticulado". Ele desconhece que, ao ensinar a redigir com coesão,
coerência e limpidez gramatical nos variados gêneros discursivos, assim como
conhecer e utilizar as figuras retóricas, ele emprega procedimentos do esquema
47
aristotélico retórico. Breton, (2000, p. 16) revê a posição do professor de Língua: "A
retórica desapareceu dos programas escolares e universidades, enquanto matéria de
ensino e até como tema de um saber; a partir do século XIX".
Breton (2005, p. 16), lembra Antoine Compagnon: "Até então (...) "o professor
de retórica tinha uma posição de comando no liceu: ele iniciava os jovens na arte
suprema do discurso". e que perdeu essa qualidade a partir da inserção de outra
disciplina que a substituiu. Na França, o nome de "retórica" desapareceu oficialmente
em 1902. A "dissertação" substituiu os exercícios de discurso.
Estes pensamentos nos levam a crer na utilidade de podermos acreditar no
verossímil. Abreu (2005, p. 14) complementa o pensamento de LLOSA: "Por meio da
leitura (...) conhecemos pessoas, sem limites no espaço e no tempo. Descobrimos
(...) outra maneira de transformar o mundo, pela transformação de nossa própria
mente". E percebemos novos e outros modos de elaborar concepções, formatar
novos conceitos, desfazer antigos e reconstruir novas mentalidades: "Isso acontece
quando nós adquirimos a capacidade de ver os mesmos panoramas com novos
olhos”.
Reboul (2000, p. 18) partilha dessas considerações: verdade que existem
outras culturas além da escolar, mas não existe cultura sem formação retórica. E
aprender a arte de bem dizer é e também aprender a ser". Abreu (2005, p. 15)
mostra interessantes comentários de uma reportagem publicada pela revista
brasileira VEJA, em 1998, sobre o ensino das Humanidades na Liberal Art School de
Middlebury, nos Estados Unidos:
Essa é a essência da educação por meio do estudo das humanidades:
desenvolver o pensamento, sem nenhuma utilidade ou objetivo prático.
Educa-se a cabeça, aprende-se a pensar, estudando literatura, grego,
filosofia. No final das contas, é supremamente útil. Cabeça feita não é
pouca coisa. É essa gente, afiada no estudo dos clássicos, que as grandes
empresas querem contratar. As empresas citadas na lista das 500 maiores
pela revista Fortune não vão procurar administradores ou engenheiros para
os seus futuros quadros dirigentes, mas sim essas pessoas ilustradas nos
clássicos e que poucas disciplinas “práticas” cursaram.
48
Multidisciplinar, a retórica tem sido utilizada por juristas, literatos, advogados,
filósofos, pregadores e é instrumento de trabalho de profissionais da área de
comunicação por ser utilizada na interpretação de diferentes textos; é eficiente
quando usada em trabalhos psicoterápicos, psiquiátricos e de hipnose porque
possibilita interpretar nas palavras do paciente, a revelação de seus desassossegos
e traumas, impedimentos à vida saudável. É também um instrumento hermenêutico
e, aliado à Lingüística, ciência da linguagem, promove redesdobramento em
discursos de efeitos e de sentido nas várias áreas investigadas.
Meyer (1993, p. 22) resumiu os conceitos de retórica ao objetivar uma
racionalidade e uma especificidade através de sua diversidade: a) persuadir e
convencer, criar o assentimento; b) agradar, seduzir ou manipular, justificar (...) as
nossas idéias para as fazer passar por verdadeiras, porque o são ou porque
acreditamos nelas; c) passar o verossímil, a opinião e o provável com boas razões e
argumentos, sugerindo inferências ou tirando-as por outrem; d) sugerir o implícito
através do explícito; Instituir um sentido figurado, a inferir do literal, a decifrar a
partir dele e, para isso, utilizar figuras de estilo, histórias; d) utilizar uma linguagem
figurada e estilizada, o literário; e) descobrir as intenções daquele que fala ou
escreve, conseguir atribuir razões para o seu dizer, entre outras coisas através do
que é dito.
2.3 ETHOS, LOGOS E PATHOS – PUBLICIDADE E ARGUMENTAÇÃO
Na sociedade contemporânea, basta "apertar" botões de controles remotos do
rádio, do carro, da TV e anúncios percebidos como fatos comuns causam surpresa.
Nas grandes ou pequenas ruas, avenidas de grandes cidades ou nas ruas de
pequenos povoados, elas (as propagandas) ilustram outdoors, revistas, jornais,
panfletos e outros meios como publicidade e propaganda para mostrar à população
milhares de produtos anunciados. Assim, persuadem o consumidor a comprar.
Essas constantes práticas, no século da comunicação, levam-nos a repensar
a retórica e despertam interesse por esses estudos, pois a necessidade de agradar,
49
de vender, de seduzir, de convencer ou de apenas diversificar e mostrar o novo
envolve o consumidor e persuade-o no artifício de comprar, mas este é um "comprar
quase sem critérios e quase sem análise". O estudo dessa disciplina instiga à análise
de textos da propaganda e que, ao contrário, promove eficaz interpretação, mostra
que é possível existir mais de uma leitura e leva o leitor a rever e pensar nos
argumentos do discurso de modo crítico e por isso consciente na finalização da
compra.
Investigar os processos pelos quais a persuasão ocorre é um mecanismo
necessário no mundo contemporâneo para entender os sentidos do texto imbricados
nos discursos. No que tange ao racional, os argumentos sobressaem-se desde
Aristóteles que os classifica em três tipos de persuasão: a) o ethos, b) pathos que
são de caráter afetivo, e c) o logos, que é de caráter racional, admitidos pela retórica
como provas capazes de estabelecer os meios de persuasão: o ethos e o pathos
constituem a parte afetiva da persuasão e o "logos", resultado de um raciocínio
lógico, constitui o elemento dialético da retórica.
Ethos é a imagem que o orador assume diante do público para chamar a
atenção e alcançar a confiança do auditório. Barthes (1985) define o ethos como "os
traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importando sua
sinceridade) para causar boa impressão: é o seu jeito" que definirá o modo de
proferir o discurso cujo sucesso dependerá de como o orador o construirá, quais
argumentos utilizará e como o defenderá diante do público.
O pathos é constituído pelas sensações, emoções, desejos, tendências,
paixões e efeitos que o orador despertar no blico. Para despertar essas
sensações, o orador deve buscar, antecipadamente, indícios, interesses, pré-
disposições, características e diferentes paixões residentes no público-alvo. O
Pathos é a razão (o motivo) pelo qual um indivíduo aceita ou refuta um argumento.
Para Meyer, (1993, p. 137), "na lógica das paixões há mais do que uma
vontade de fazer saber (...) é a lógica das conseqüências, tanto das que queremos
como das que não queremos e das que por vezes intencionalmente procuramos".
Muitas vezes, obscurecidos pela emoção, permitimo-nos ser enganados e nos
comprazemos nesse equívoco nocivo, e nesse caso, manipulado pela retórica nos
50
argumentos sedutores que arma a arapuca para prender o público que decifra o texto
em sentido figurado, apenas, ao "pé da letra". A arapuca, dessa forma, é persuasiva,
e, justamente por isso, ela é "amoral".
Para Foucault (2004, p. 54) o discurso literário, argumentativo ou ornamental
"dispõe (...) a estrutura semântica que aparece e se apaga uma pluralidade
emaranhada - do mesmo tempo superposta e lacunar-de objetos", acolhe opiniões e
fatos, teses, objetivos ou até um texto publicitário: é o "Logos".
Ao entendermos o papel da retórica e a ligação entre os sujeitos, locutor e
interlocutor, por meio da análise do ethos, logos e pathos, percebemos que esses
elementos reunidos podem ser manipulados de acordo com o interesse do orador,
esteja este representado no discurso verbal ou no discurso escrito. No discurso
publicitário, a intenção liga-se ao reconhecimento, à venda dos produtos anunciados,
ou idéias que buscam esse reconhecimento. O sujeito, portanto, agrada, ensina,
comove para persuadir o público à compra.
Os gêneros do discurso recebem nomeações de acordo com quem os utiliza,
o que representa, modo como são proferidos, forma como são utilizados, a que
objetivos cumprem e a quem eles são dirigidos.
Segundo Perelman e Tyteca (1999, p. 24), "Quem pretende conduzir homens
a um objetivo (...) precisa sondar a alma dentro de todas as variáveis que costumam
compor um auditório. Neste ponto, dentro da Retórica começam a nascer os
primeiros estudos de psicologia das massas e multidões". Contudo, convém lembrar:
os auditórios, por mais que os selecionemos, serão heterogêneos mesmo na sua
homogeneidade.
A heterogeneidade acontece em virtude da acentuada singularidade de cada
pessoa com seus conceitos, pensamentos, necessidades, desejos próprios de cada
pessoa. O orador consciente mesclará ao seu discurso assuntos que contemplem
seus ouvintes. Isto significa respeito a seu público, mesmo que este seja
representado por um ouvinte, pois "conhecer o auditório é também saber, de um lado
como é possível assegurar seu condicionamento, do outro, qual é, a cada instante do
discurso, o conhecimento que foi realizado" (PERELMAN e TYTECA, 1999, p. 26).
51
Para o orador preparado na eficácia de seu trabalho, a eficiência de suas
atividades está no modo de, segundo Perelman e Tyteca (1999), "influenciar (...) o
auditório (...) condicioná-lo por meios diversos; música, iluminação, jogos de massas
humanas, paisagem, direção teatral. Essas estratégias soarão consoante às
finalidades do orador preocupado em conquistar seu público”. Ele terá consciência
de que "todo o objeto da eloqüência é relativa aos ouvintes, e é consoante suas
opiniões que devemos ajustar os nossos discursos", e levará em consideração que o
importante, "na argumentação, não é saber qual é o parecer daqueles a quem ela se
dirige. Para Tringali (1988, p. 31) "o orador necessita de conhecer o melhor possível
o contexto sociológico e psicológico do auditório", para estar dele mais próximo e
conduzi-lo ao objetivo proposto.
Existem alguns passos que se de tomar sobre o que se falará e a que
público o discurso se dirige, quais são suas finalidades e modos de produzi-lo. Esses
cuidados mostram a participação de Perelman e Tyteca (1999, p. 24) em seus
estudos sobre o tema. Eles contam que, na definição de gêneros do discurso, se
encontram as classificações: "deliberativo, judiciário e epidíctico" e estes, segundo os
antigos, "correspondiam (...) a auditórios que estavam deliberando, julgando ou,
simplesmente, usufruindo como espectadores (...) sem dever pronunciar-se sobre o
âmago do caso".
Ao gênero deliberativo cabia aconselhar o útil para o auditório ou, se inverso,
desaconselhar. O público era ligado a políticos e a Assembléia era seu auditório.
Nesse gênero, tanto verbos como argumentos referem-se ao tempo futuro porque
propõem ação para executar; o gênero judiciário dispõe do tribunal e defende ou
contesta: julga, condena ou absolve embasado em fatos passados, utiliza
argumentos e verbos no tempo passado; ao gênero epidíctico destina-se o público
comum para o qual a atitude do discurso é de louvor; o tempo verbal é presente,
independente de seus argumentos estarem ou o no tempo passado ou no tempo
futuro. O assunto a que se refere é de conhecimento do público e ao orador cabe
dar-lhe importância, destaque, realce e distinção.
52
2.4 PROPAGANDAS – RETÓRICAS - LUGARES E FIGURAS
Os produtos de beleza destinados ao universo feminino brasileiro propagam
qualidade, eficiência, eficácia e mostram como persuasão e convicção partem do
texto discursivo e do texto visual, direcionados ao público-alvo. Piratininga (1994, p.
19) explica as funções do discurso da propaganda: "sempre visando a conquistar,
ampliar e manter sua fatia de mercado ou espaço de atividade (...) um binômio de
exigências faz sentir sua forte presença: eficácia e eficiência". Estes dois
qualificativos utilizam elementos para elevar a auto-estima da consumidora. Nesse
sentido, é interessante notar o potente poder de persuasão das palavras que, mesmo
isoladas e dispersas no quadro publicitário, exercem muito bem sua função:
persuadir para convencer.
Para o mesmo autor, "Eficácia enquanto adequação da resposta ao problema
enfrentado ou à necessidade (...) detectada, eficiência (...) visando a manter o
consumidor "ligado" a esta ou àquela marca (...) sempre disposto a consumir mais",
são afirmações que se complementam com o pensamento de Carvalho (1998, p. 24):
"A maior parte das mensagens publicitárias dirige-se à mulher consumidora (...)
moda, perfumaria, cosméticos, etc."
Os textos das propagandas fazem alusão ao espaço ideal para realizar seu
poder de eficácia como, por exemplo, ao devolver aos cabelos a juventude que eles
merecem, à pele o frescor de uma tarde de outono, aos lábios à sedução e assim
marcam o lugar retórico no qual se situam. Para Reboul (2000, p. 51), "o lugar é um
argumento pronto que o defensor pode colocar em (...) seu discurso", como um
alcance que o discurso procura definir. Exemplo extraído do semanário O Cruzeiro
de 1943, do colírio Lavolho: "Siga este tratamento de Beleza! O encanto feminino
reside, em grande parte, na sedução do olhar. Lavolho clareia os olhos".
Os mais conhecidos os lugares: da juventude, da beleza, da sedução, da
saúde, da natureza, do status, do prazer, da autenticidade, da diferença, da relação
qualidade/preço. Para Reboul (2000, p. 54), "lugar é tudo que possibilita ou facilita a
invenção, mas que, por isso mesmo, a nega, pois uma invenção deixa de sê-lo è
medida que se torna fácil".
53
Este pensamento se deve ao modo como os antigos entendiam o sentido do
argumento, e fáceis de serem identificados porque se encontravam agrupados, e por
isso receberam a designação de "lugares". Perelman e Tyteca (1999, p. 94)
empregam os termos "depósitos de argumentos" para justificarem o vocábulo
"lugares".
Abreu (2005, p. 81) aborda essa mesma questão e a expõe de modo
acessível porque escrito na contemporaneidade: “lugares (...) São premissas de
ordem geral utilizadas para reforçar a adesão a determinados valores (...) para
denominar locais virtuais facilmente acessíveis, onde o orador pudesse ter
argumentos à disposição, em momento de necessidade".
Para Reboul (2000, p. 51): "O lugar é um argumento pronto que o defensor
pode colocar em determinado momento de seu discurso, muitas vezes depois de o
ter aprendido de cor", e assim não lhe cabe criá-lo, pois sua existência é presente no
discurso: "o lugar é um argumento pronto".
Perelman e Tyteca (1999) classificam os lugares: da quantidade, da
qualidade, da ordem, do existente, da essência, da pessoa. Abreu (2005, p. 81-82)
mostra os lugares do seguinte modo:
Lugar da quantidade: são os lugares comuns que afirmam que qualquer
coisa vale mais que a outra em função de razões quantitativas. Segundo o lugar de
quantidade, um bem que serve a um número muito grande de pessoas tem mais
valor do que um bem que serve apenas a um pequeno grupo. Esse lugar é utilizado
para dar a vitória ou a derrota em casos que assim o requeiram, como por exemplo,
uma eleição: é o vitorioso aquele que angariar maior número de votos, princípio
básico da democracia.
Lugar da ordem: Afirma a superioridade do anterior sobre o posterior,
ora da causa, dos princípios, ora do fim ou do objetivo. Ex.: "a primeira cerveja
brasileira em lata".
Lugar do existente: Pressupõe um acordo sobre a forma do real ao qual
é aplicado. Abreu (2005, p. 92), explica que esse lugar preferência àquilo que
existe. Ex.: Não me interessa que você terá condições de fazer se conseguir um
54
novo emprego! Quero saber que tipo de apartamento você é capaz de alugar
agora, com o que você tem, para podermos nos casar em seis meses.
Lugar de essência: o fato de conceder um valor superior aos indivíduos
enquanto representante bem caracterizados dessa essência. Ex.: Concurso de
beleza nos quais apenas uma candidata é a vencedora.
Lugar de Pessoa: Os lugares da pessoa vinculam-se à sua dignidade,
ao seu mérito, à sua autonomia.
o lugar comum que se presta e se aplica a toda espécie de argumentação,
opiniões triviais, corriqueiras e, por isso, banais e é expresso de modo estereotipado.
Na contemporaneidade, ao se caracterizar por banalidade, acaba por ser ignorado,
inclusive em seu valor argumentativo.
É comum a apropriação de termos que se tornem facilitadores da
comunicação na fala cotidiana. Segundo Perelman e Tyteca (1999, p. 189), "desde
que o homem meditou sobre a linguagem, reconheceu-se a existência de certos
modos de expressão que não se enquadram no comum (...) incluído nos tratados de
retórica; daí seu nome de figuras de retórica". Estas considerações mostram o
espaço que as figuras retóricas ocupam e esclarecem: "as figuras foram (...)
consideradas simples ornamentos, que contribuem para deixar o estilo artificial e
floreado (...) são (...) importante fator de variedade e de comodidade".
Perelman e Tyteca (2000, p. 332) consideram as figuras como um modo de
"evocar uma presença, reforçá-la ou atenuá-la, fazer ver melhor ou de um modo
diferente aquilo que de outra maneira poderia permanecer desapercebido ou
percebido como inessencial".
Abreu (2005, p. 106) afirma que as figuras representam um modo de suavizar
expressões endurecidas e absurdas. Para ele: "As figuras retóricas possuem um
poder persuasivo subliminar, ativando nosso sistema límbico, região do cérebro
responsável pelas emoções". Utilizá-las é um artifício ao qual se recorre para
atribuirmos ao discurso o sentido que tencionamos dar e suscitar emoções. O
mesmo autor diz que preciso distinguir as figuras retóricas, que têm um caráter
funcional, das figuras estilísticas, cujo objetivo é causar a emoção e estética". Para
55
Reboul (2000, p. 113), "A figura é de retórica quando desempenha papel
persuasivo".
A virtude residente no estilo está na clareza com a qual ele é construído;
servirá à missão que lhe foi destinada e por isso o estilo não deve ser empolado;e
deve estar de acordo com o assunto. Assim, definido o público, definimos também o
estilo do discurso e suas propriedades como diferenças de idade, de sexo, tipo de
vida, nível cultural, etc..
Para alcançar a eficácia do processo oratório, esses dados devem ser levados
em conta. Aristóteles (2005, p. 244), ao tratar do estilo, mostra: "a virtude suprema
da expressão enunciativa é a clareza (...) se o discurso não comunicar algo com
clareza, não perfará sua função própria (...) ele nem deve ser rasteiro, nem acima do
seu valor, mas sim adequado". A metáfora é vista como " as únicas expressões úteis
para o estilo do discurso puro e simples". Estão presentes na conversação verbal,
escrita, nas formas poéticas e surgem com enorme força retórica, alavancando
fortemente a persuasão.
O sábio filósofo complementa: "O que confirma é que elas são as únicas a
serem utilizadas por toda gente; não ninguém que na conversação corrente não
se sirva de metáforas". Elas fazem a beleza do discurso quando pretendemos
construí-lo para expressar emoções ou sentimentos, ou quando pretendemos
persuadir por meios que envolvam o ethos e o pathos.
Reboul (2000, p. 114) classifica as figuras e a função argumentativa delas,
conforme suas relações com o discurso em que se encaixam.
Figuras são construções lingüísticas construídas para atuarem na formatação
e concretização do pensamento, quando o dizível não encontra palavras para dizer o
que se pretende. Estas expressões retóricas classificam-se:
de palavras: dizem respeito à matéria sonora do discurso: o trocadilho, a
rima. São caracterizadas por serem intraduzíveis e por poderem ser
destruídas por menos que seja mudada uma matéria sonora sua. Essas
figuras devem desempenhar bem a função argumentativa e subdividem-se
em:
56
Figuras de ritmo: Parisose: Torna a expressão harmoniosa ou tocante,
sempre cil de ser retida. Ex: ) Faça amor, o faça guerra; 2º) Beber
ou guiar, convém optar. (5+5) .
Figuras de som: Implicam fonemas, sílabas ou palavras.
Fonemas: Aliteração: repetição de uma mesma letra na frase:
Resmungo, rezinga, rabugem.
Sílabas: Paranomásia: A rima é uma paranomásia no final das palavras,
que retorna em ritmo regular.
Palavras: a figura baseia-se ora na homonímia, ora na polissemia. A partir da
homonímia, cria-se o trocadilho que aproxima duas palavras idênticas no som, mas
com sentido diferente. Frequentemente grosseiro, é fino quando cria uma relação
inesperada com a situação.
de sentido: dizem respeito à significação das palavras ou dos grupos de
palavras, como a metáfora.
de construção: dizem respeito à estrutura da frase, por vezes do discurso:
elipse ou a antítese.
de pensamento: dizem respeito à relação do discurso com seu sujeito (o
orador) ou com seu objeto: alegoria, ironia.
As figuras de palavras, conforme Reboul (2000), dizem respeito aos
significantes, são intraduzíveis e podem ser destruídas por menos que se mude sua
matéria sonora. Parecem reservadas ao humorismo ou à poesia. Para Aristóteles
(1998, p. 182 apud ABIB, 2002, p. 37), "A imagem é igualmente uma metáfora". O
mesmo autor aponta para as figuras classificadas nesta categoria. São elas: a)
figuras de ritmo; b) figuras: de som; e c) de sentido. As palavras de sentido dizem
respeito, segundo Reboul (2000), aos significados:
A figura que se baseia na polissemia é a antanáclase, que se aproveita de
dois sentidos ligeiramente diferentes de uma mesma palavra: Como exemplo no
slogan que aconselha o exame das mamas: (Reboul, 2000, p. 117) Ex.: Eu tenho
peito.
57
Para Reboul (2000, p.117), o trocadilho é fático, e deixa o adversário
“desarmado”; a antanáclase tem alcance argumentativo, permitindo
pseudotautologias: Ex.: Negócios são negócios...
A derivação está ligada à antanáclase e que associa outra palavra de igual
radical. Ex.: os estudantes de estudar, os professores de ensinar, os trabalhadores
de trabalhar.
Reboul
3
faz uma interessante observação a respeito do argumento retórico
visto como a etimologia: A etimologia como parte da história das línguas deve ser
praticada, como argumento, talvez, mas deve ser do mesmo tipo da antanáclase,
jamais do trocadilho.
Figuras de sentido: Dizem respeito aos significantes e aos significados:
Podem ser Traduzidas sem ou sem tantos estragos. Desempenha papel lexical e
enriquece o sentido das palavras: Tenho mil coisas para dizer... me por modificar o
sentido da palavra “mil” é classificada como TROPO.
Tropos simples: metonímias, sinédoques, metáforas.
Tropos Complexos: hipálage, enálage, oxímoro, hipérbole, etc.
Dizem respeito à construção da frase ou do discurso. Algumas procedem por
subtração, outras por repetição, outras por permutação.
Figuras por subtração: elipse. Ex.: "Longe dos olhos, perto do coração".
Pode produzir metonímia ou enálage: (Pense [com vistas a uma coisa]
grande).
Oxímoro: (O sol [não impede que para mim tudo seja] negro).
Metáfora: (Sofia [é fria como] uma pedra de gelo).
→Assíndeto: suprime termos conectivos, tanto cronológicos (antes, depois)
quanto lógicos (porém, pois, portanto). É expressivo pelo efeito surpresa: (Vim, vi,
venci), e pedagógico por deixar que o auditório estabeleça os vínculos que faltam.
3
Op. Cit. p.56
58
Aposiopese ou reticência: interrompe a frase para passar ao auditório a
tarefa de completá-la: figura da insinuação, do despudor, da calúnia,
mas também do pudor, da admiração, do amor. Sua força
argumentativa advém do fato de retirar o argumento do debate para
incitar o outro a retomá-lo por sua conta, a preencher por sua conta os
três pontos da suspensão.
Epanalepse: Da repetição. Propõe duplo problema: o problema do erro
e o problema da ênfase. Ex: O homem é o lobo do homem. Esta figura
diz respeito ao pathos.
Antítese: Oposição filosófica de teses ou a uma oposição retórica. EX:
Fulminados hoje pela força mecânica, poderemos vencer no futuro com
uma força mecânica superior.
Quiasmo: É uma oposição baseada em uma inversão. Ex: a) Deve-se
comer para viver e não viver para comer. b) Quem se exalta será
humilhado, quem se humilha será exaltado (REBOUL, 2000, p. 128).
Anacoluto: O anacoluto é a incursão do código da língua escrita, o que
torna a expressão mais pessoal e a argumentação mais viva (REBOUL,
2000, p. 129). Ex.: "O maior filósofo do mundo, sobre uma prancha
mais larga do que o necessário, se embaixo houver um precipício,
ainda que sua razão o convença de sua segurança, prevalecerá sua
imaginação".
Hipérbato: ou inversão retórica é um caso particular de anacoluto. Ex.:
Chorosa empós seu carro, quereis vós que me vejam?
Gradação: Consiste em dispor as palavras na ordem crescente de
extensão ou importância. Ex.: A pobreza viril, ativa e vigilante.
Alegoria: Figura didática? Ironia, graça e humor.
Figuras de enunciação: apóstrofe, prosopopéia, preterição epanortose.
Figuras de argumento: conglobação, prolepse, apodioxe, cleuasmo.
Nesse sentido, é importante registrar: os discursos persuasivos para a
mulher são acolchoados por figuras retóricas que embalam e despertam o
59
sentimento, calcado em emoções principalmente quando se relacionam à relação
homem x mulher e os despertares de paixões e envolvimentos.
A propaganda contemporânea cumpre pressupostos próprios da fase: busca
inovação, o incomum, o estranho, o imprevisível, o indisciplinado. Porém, mesmo
com todas essas formas de expressão, o discurso da propaganda contemporânea
deve cumprir uma das mais necessárias funções do discurso: clareza e
expressividade. Essas duas características oferecerão à propaganda maior efeito de
persuasão.
O discurso do texto publicitário mostra cuidadosa escolha de palavras
utilizadas para esse fim. Vejamos a propaganda de SILK HAIR SPRAY de Helena
Rubinstein:
SILK HAIR SPRAY fixa o penteado, vida e brilho ao cabelo Vaporize SILK
HAIR SPRAY para assentar e fixar o cabelo... para retocar e conservar o
penteado impecável por muitas horas... para assegurar à mise-em-plis maior
perfeição e durabilidade.
SILK HAIR SPRAY “arma” o cabelo, tornando o sedoso e brilhante.
Não contém laca nem empasta. Apresentação moderníssima, basta
pressionar a válvula para obter uma vaporização uniforme, leve aérea!
Helena Rubinstein - PARIS – NEW-YORK – LONDON
A propaganda de Helena Rubinstein cumpre todas as fases do esquema
aristotélico e mostra uma redação clara. Realiza importante função da época: mostra
a influência que o país recebe do mundo europeu e norte-americano: Paris - Nova
York - London, países de primeiro mundo, uma das artimanhas para a persuasão
feminina. Outros fatores de implicativa discursiva serão estudados no IV capítulo
destinado à análise do discurso publicitário da propaganda feminina.
60
2.5 O ATO DE INTERPRETAR
Ao interpretar um discurso, o leitor encontra marcas linguísticas por meio de
palavras. Estas, por sua vez, possuem sentidos diversos, assumem novas posições,
tornam-se ambíguas e sinalizam outros modos de compreender uma realidade seja
no discurso verbal ou no discurso escrito.
Para Barthes, (1985, p. 31-32) "As palavras mudam de sentido segundo as
posições sustentadas por aqueles que as empregam".
As palavras m o poder de revelar os mais ocultos sentimentos, veladas e
diversas emoções pelas formas de utilizar e expressar a linguagem. Para Carvalho
(1998, p. 22) "o vocabulário é concreto e afetivo, enquanto nas sociedades evoluídas
ele adquire um caráter abstrato (...) o desempenha um papel passivo (...) As
palavras (...) exprimem (...) a consciência que temos".
Na propaganda, a linguagem mostra a redação publicitária em vários moldes.
Para Martins (1997, p. 33), "não uma língua própria da publicidade (...). Trata-se
de um registro ou variação da língua, que como modalidade técnica tem certo grau
de formalidade e de adequação à mensagem a ser expressa", e soa estranho ao
consumidor distanciado da linguagem publicitária, e assim não compreende que
"Esta adequação segue a norma lingüística falada (...) obedece às características do
produto oferecido e à função persuasiva própria da publicidade".
O auditório desconhece o poder de a linguagem atuar de modo persuasivo e,
de forma camuflada o induz à compra seja pela satisfação de comprar ou para suprir
uma necessidade real. Martins (1997, p. 34) movimenta informações sobre as novas
formas de anúncios da propaganda: "adequadas às rápidas mutações nas modas,
nos costumes, no avanço dos meios de comunicação, nos produtos de consumo,
como eletrônicos, eletrodomésticos", trabalha de modo a familiarizar o consumidor e
por isso procura infiltrar "Originalidade nas mensagens: adaptadas no ritmo frenético
de vida urbana e ao desenfreado gosto pelo novo, pelo diferente, pelo simples", ao
mostrar possível a aquisição dos produtos anunciados e aciona "Mudança na
abordagem das relações: com o consumidor... Ex: "Pensamos em você...", "seu
61
prazer de todos os dias" e aproxima-o do discurso publicitário que objetiva colocar o
produto ao seu dispor. "Outro estilo de discurso publicitário" é construído com a
utilização da estilística: "por formas eufemistas, positivas, simpáticas, sedutivas (sic)
dirigidas mais ao inconsciente. Ex.: "um perfume para sonhar"; "o gosto de toda a
gente, será também o seu".
Esses instrumentos de persuasão mostram ao auditório: "Promoção de novo
consumo: orientado pelo que o público quer e não pelo que o fabricante quer, dirigido
às necessidades psicológicas do indivíduo, às aspirações, aos anseios interiores dos
consumidores" (MARTINS, 1997, p. 34).
Para interpretar um texto de modo eficaz, é fundamental conhecer o sentido
ou os vários sentidos do vocábulo no contexto em que se situa e conhecer quais
significados estas palavras adquiriram para expressar o pensamento daquela
coletividade e que demonstra a cultura vicejante.
2.6 MARCAS LINGÜÍSTICAS
A propaganda acolhe expressões repetitivas e, por isso, são reconhecidas
como clichês, expressões estereotipadas pelo seu valor domiciliar em meios
facilitados de comunhão com o público e resulta sobre o modo de falar em um fato
ou um valor. Essas expressões habitam tanto poesia como política e poderão ser
transformadas, adaptadas e adequadas ao "novo" caso se tornem imprevisíveis e
causem impacto no ouvinte. Para Perelman e Tyteca (1999), o clichê é uma
expressão estereotipada que se repete e mostra de uma só vez, fundo e forma ao se
tornar um objeto de acordo a se expressar de modo regular.
Abreu (2005, p. 93) define a palavra argumento, à raiz do termo: com vencer
junto, isto remete à lembrança da formação da palavra por prefixação, e torna, para
nós, muito possível compreender, portanto o que quer dizer CONVENCER.
Decomposta a palavra, não como negar. Logo, argumentar é o modo de
comunicação que permite aos implicados no processo uma forma sutil de análise dos
62
fatos, notícias ou ocorrências e, a partir daí, apontar caminhos para uma resolução
que vise alcançar um ponto em comum às duas partes. Para o autor, "Argumentar é,
em primeiro lugar, convencer (...) vencer junto com o outro, caminhando a seu lado,
utilizando, com ética, as técnicas argumentativas, para remover os obstáculos que
impedem o consenso".
O autor considera "argumentar é também saber persuadir (...) é preocupar-se
em ver o outro por inteiro, entender suas necessidades, sensibilizar-se com seus
sonhos e emoções", e retoma o chamado à convivência harmônica e dinâmica,
porque a partir da análise honesta dos fatos, interlocutores tomarão conhecimentos
sobre os seus pares e ambos se sentirão protegidos. Isto se deve à comunicação
como fato, sem outros propósitos que poderão envenenar a existência um do outro,
que ambos agirão com naturalidade ora vencendo, ora abrindo mão de seus
conceitos a fim de abraçar os conceitos do outro, ou ambos estabelecerem um
terceiro conceito compatível ao pensamento de ambos.
63
CAPITULO III
3. CUIDADOS DE SER BELA DA MULHER BRASILEIRA
Neste capítulo, visitaremos, brevemente, na produção literária brasileira
anterior à delimitação de nossa pesquisa, registros sobre aspectos físicos e atitudes
da mulher selvagem, seus hábitos em relação à vaidade e seus cuidados pessoais
que envolvem o “estar” bonita, e a sensualidade a dar conta de conquistar o seu
homem, suas práticas de envolver, de se envolver e de amar, e seus cuidados com o
embelezamento.
Esse pensar envolve rever a diversidade com que foi formada a população
feminina oriunda das diferentes culturas, pois se nossas índias se banhavam
diariamente, e, se se enfeitavam com penas de aves, conchas dos rios, dentes de
animais, plantas nativas e coloriam adereços com substâncias extraídas de plantas
como o urucum, se se mostravam alegres, livres e espontâneas, contrariavam,
segundo Freyre (2000) e Del Priore (2004), o modus vivendi da mulher européia com
seus conceitos e preconceitos importados, seus modos aparentemente submissos e
castos.
Evidentemente, o processo de sedimentação de um caráter feminino é
perpassado por diversos outros fenômenos culturais, com atitudes nascidas nas
tribos indígenas do Brasil, por exemplo, e trazidas aos nossos dias.
No plano lingüístico, os vocábulos de origem indígena incorporam-se ao nosso
léxico, e passam, muitas vezes, despercebidos em sua origem. Assim, torna-se
impossível pensar na mulher contemporânea sem visitar, ainda que brevemente, o
modus vivendi da mulher indígena, a legítima brasileira das terras descobertas, pois
foi por meio dela que se inicia todo um processo de aculturação.
Na sociedade indígena, o banho diário era regalo na farta existência de rios,
córregos, fontes e mares, prática que diferenciava a mulher selvagem da mulher
européia, pois a mulher indígena mantinha o perfume natural do corpo, acrescido ao
aroma das plantas com as quais se enfeitava e dos adereços nativos pintados com
64
substâncias encontradas na flora.
3.1 REGISTROS DA UNIÃO ENTRE ETNIAS
Na literatura brasileira, a mulher indígena é mostrada como gente genuína em
ação e é vista, de fato, em seu papel social: protagonista.
Do livro de José de Alencar, IRACEMA resplandece aos olhos do mundo e
mostra sua relação com a natureza, seus banhos, o modo como utiliza seus produtos
de beleza, enfeita-se, e se perfuma em terras selvagens.
Ela, agreste, grosseira e rude aos olhos do europeu civilizado, manipula e
produz substâncias próprias para seu bem-estar, agrado e ao seu aceite em seu
meio-social.
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu
Iracema (...). a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros
que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira (...). O favo
da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque
como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e as
matas do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo da grande nação tabajara.
O grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a
terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta. Banhava-lhe
o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da noite. Os
ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos (...)
Iracema saiu do banho. O aljôfar d’água ainda a roreja, como à doce
mangaba que corou em manhã de chuva (...) A graciosa ará, sua
companheira e amiga, brinca junto dela. Às vezes sobe aos ramos da árvore
e de chama a virgem pelo nome; outra remexe o uru de palha matizada,
onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do crautá, as agulhas de
65
juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza o algodão.
(ALENCAR, 1970, p. 19-22).
Na obra de Alencar, a mulher indígena é idealizada, é certo, mas também
oferece informações a respeito de sua integração à natureza e aponta para a
alimentação da vaidade como legítima mulher brasileira.
Dentre as informações alencarianas, destaque-se a que se refere ao uru de
palha matizada para Iracema guardar seus perfumes.
Em Ubirajara, o mesmo autor mostra características de outra indígena,
JANDIRA, e testemunha o uso de perfume após o banho: "Ligeira e contente corre a
banhar-se no rio antes que chegue Ubirajara, para quem purifica seu corpo e unge-
se com o óleo fragrante do sassafrás". (Alencar, 1975, p. 30) para agradar ao seu
“homem”:
Ela quer que o destemido guerreiro considere seu amor saboroso como o
vinho que espuma na taça, e ferve nas veias. Tornando à cabana, perfumou de
beijoim a larga rede que tecera dos fios do algodão entrelaçados com as penas do
guará.
Essa rede tinha duas vezes o tamanho de sua rede de virgem, porque era a
rede do casamento em que devia receber o esposo.
Em Ubirajara (Alencar, 1976, p. 34), encontra-se novo registro:
"seus cabelos negros que arrastam no chão; ela os entrançará com as
plumas vermelhas do guará (...). Seus olhos negro (...) os cercará de uma
listra amarela (...). Sua boca, que ainda não provaste, Jandira a encherá de
amor para que bebas nela o contentamento".
66
D. Carolina ganha vida nas palavras de Joaquim Manuel de Macedo que
grava na literatura brasileira os costumes do Brasil, em 1844. Em A Moreninha
encontra-se a seguinte descrição (MACEDO, 1997, p. 9-94):
Hábil menina é ela! Nunca seu amor próprio produziu com tanto estudo seu
toucador e, contudo, dir-se-ia que o gênio da simplicidade a penteara e
vestira (...) d. Carolina dividiu seus cabelos em duas tranças, que deixou
cair pelas costas; não quis adornar o pescoço com seu adereço de
brilhantes nem com seu lindo colar de esmeraldas; vestiu um finíssimo, mas
simples vestido de garça (...) arrebatou todos as vistas e atenções.
A travessa personagem produziu-se com esmero para o evento, mas a sua
beleza resplandecia por si mesma, sem auxílio de mecanismos artificiais, diz o
narrador.
Mais adiante, a narrativa ocorre em torno da sensualidade de d. Carolina:
"roçar às vezes com o cotovelo um lugar sagrado; voluptuoso e palpitante; sentir sob
sua face o perfumado bafo que se esvaiu dentre os lábios virginais e nacarados, cujo
sorrir se considera um favor do céu; o apanhar o leque que escapa da mão que
estremeceu". (MACEDO, 1997, p. 119).
Vale observar a descrição do hálito da personagem que, a exemplo de
Iracema, ganha ares de maior seriedade pelo acompanhamento do adjetivo virgem e
mostra o estado indispensável para assegurar qualidades da mulher perfeita em uma
sociedade patriarcal e machista.
Em Guimarães (1983, p. 11) a apresentação ISAURA ao piano, em perfeita
sintonia com a natureza e com as práticas sublimes do tocar e cantar: "As notas
sentidas e maviosas daquele cantar escapando pelas janelas abertas e ecoando ao
longe (...) dão vontade de conhecer a sereia (...) Se não é sereia, somente um anjo
pode cantar assim", mostra relação íntima da escrava ao dominar o instrumento, da
qualidade da voz e da simbiose e requinte entre os reinos hominal, animal e celeste.
67
Com a frase "subamos os degraus", o autor convida o leitor a deixar da inércia
em que se encontra, e suba de "nível", para, ao deixar a condição de "pessoa
comum” entender a quem ele se refere: "Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma
bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil desenham-se (...) sobre o ébano da
caixa do piano, e as bastas madeixas (...) negras (...) São tão puras e suaves (...)
que fascinam os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise".
É necessário atentar para o contexto do qual essa obra emerge: período
literário que se ocupa da idealização feminina e perfeição das formas. Trata-se do
romantismo. Vale ressaltar: Isaura resulta do encontro entre duas etnias: européia e
negra trazem ao mundo a mulher idealizada e em total intimidade com a natureza.
A tez é como marfim do teclado, alva que o deslumbra,
embaçada por uma nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve
palidez ou cor-de-rosa desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor
sustenta com graça inefável o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e
fortemente ondulados se despenham caracolando pelos ombros em
espessos e luzidios rolos, e como franjas negras escondiam quase
completamente o dorso da cadeira, a que se achava recostada. Na fronte
calma e lisa como mármore polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e
suave reflexo; di-la-íeis misteriosa lâmpada de alabastro guardando no seio
diáfano o fogo celeste da inspiração. Tinha a face voltada para as janelas, e
o olhar vago pairava-lhe pelo espaço. (GUIMARÂES,1983: 11-12).
O criador de Isaura, ao documentar as características da escrava, antecipa ao
universo brasileiro o branqueamento da etnia negra, prenuncia as qualidades que
reinariam na mulher brasileira de um Brasil do futuro e mostra algumas
características de tão formosa criatura: (GUIMARÃES, 1983, p.12)
Um vestido de chita (...) azul-clara desenhava-lhe (...) o porte esbelto e a
cintura delicada (...) em amplas ondulações parecia uma nuvem, do seio da
qual se erguia a cantora como Vênus nascendo da espuma do mar, ou como
um anjo surgindo dentre brumas vaporosas. Uma pequena cruz de azeviche
presa ao pescoço por uma fita preta constituía o seu único ornamento.
68
Mais adiante o autor mostra o preconceito, na fala de Malvina, olhos azuis,
característica que denota descendência européia, senhora de Isaura: "És formosa e
tens uma cor linda, que ninguém diria que gira em tuas veias uma só gota de sangue
africano" (idem 1983, p. 13). Está confirmado: a escrava de Guimarães possui tez
clara.
Na fala de Guimarães (1983, p. 20), ocorre o sentido de objeto ao qual a
mulher era submetida, confirmada pela fala de Henrique: "Não é nada disso, mas é
coisa melhor (...) é uma perfeita brasileira".
A palavra coisa, empregada pelo personagem Henrique, um português,
permite visualizar o patamar a que, mesmo bela e nobre, à mulher cabia: objeto.
Durante a narrativa, Isaura, não recebe isenção de ser tratada e vista como "coisa"
que a sociedade lhe impõe. Isto lembra Iracema e d. Carolina, ambas cumprindo uma
das funções da literatura da época: a idealização da mulher.
Isto pode ser verificado a partir da descrição de uma mulher negra, neste
mesmo trabalho, é de notável beleza e reafirma a preocupação de estar bela, mesmo
nas classes consideradas inferiores:
uma rapariguinha (...) faceira e gentil (...) Esbelta e flexível de corpo,
tinha o rostinho mimoso, lábios um tanto grossos, (...) bem modelados,
voluptuosos, úmidos, e vermelhos como boninas, que acabam de
desabrochar em manhã de abril. Os olhos negros não eram muito grandes,
mas tinham uma viveza e travessura encantadoras. Os cabelos negros e
anelados podiam estar bem na cabeça da mais branca fidalga de além-mar.
Ela (...) os trazia curtos e mui bem frisados à maneira dos homens (...) Se
não fossem os brinquinhos de ouro, que lhe tremiam nas pequenas e bem
molduradas orelhas, e os túrgidos e ofegantes seios que como dois trêfegos
cabritinhos lhe pulavam por baixo da transparente camisa, tomá-la-íeis por
um rapazote maroto e petulante (...) tinha o bonito nome de Rosa
(GUIMARÃES, 1983, p. 38).
Além de exótica beleza e sensualidade, é importante perceber o gosto
69
feminino pelo enfeitar-se: "brinquinhos de ouro" conotam a vaidade de expressivo
cuidado de Rosa.
Em A normalista, Adolfo Caminha mostra Maria do Carmo: "olhos puxando
para negros, dentes miudinhos e de uma brancura de algodão em rama, cabelos
negros e luzidios como a asa da graúna-moreno-clara" (CAMINHA, 1973, p. 23),
cearense, aos seis anos de idade.
No estudo das obras citadas, das particularidades a cada uma delas, a cor, o
comprimento e a tonalidade dos cabelos e olhos, singularizam-se. Em A normalista,
curioso fato sobre a protagonista: "Maria (...) com seus belos olhinhos cor de
azeitona". Este teor descritivo prende-se à mudança de cor e tonalidade dos olhos ou
estaria atribuindo caracteres específicos ao feminino que, em sua trajetória despoja-
se da ingenuidade para assumir características de experientes?
No livro O Cortiço, publicado em 1890, Azevedo imprime às suas personagens
grande carga de elementos eróticos subjacentes e sensuais, caracteriza costumes,
moda e interdições da época.
A temperatura atmosférica da protagonista combinada às temperaturas
psíquica, sensual, biológica, afetiva e social em ritmo embalado e em cadência
sintoniza mente, espírito e matéria.
O autor conduz o leitor de O Cortiço (2000) ao trânsito normal, porém, rude,
pelo poder semântico do uso das figuras retóricas nas construções discursivas para
mostrar as “posições corporais” do “cio” feminino fundamentais ao ato sexual, tanto
ao prazer quanto à procriação.
É a sensualidade da mulher brasileira mostrada em O Cortiço e mostra aberta
abordagem ao sexo.
Para os naturalistas, o homem é resultado da hereditariedade e seu
comportamento é fruto do meio em que vive e sobre o qual age.
A teoria Darwiniana inspirava os naturalistas e estes acreditavam ser a
seleção natural impulsionadora da transformação evolutiva entre as espécies. Assim,
70
nesses romances predomina o instinto, o fisiológico e o espontâneo que mostram a
agressividade, a violência, o erotismo, elementos que compõem a personalidade
humana.
3.2 NECESSIDADE DE SER BELA
Adentrar à história da mulher brasileira desde a mulher selvagem é conhecer
os cuidados que esta teve em ser bela e sensual. A prática da higiene diária, do
enfeitar-se, do perfumar-se e de sua organização quanto aos perfumes naturais
produzidos, permitem passear pelos caminhos da leitura da propaganda de produtos
de beleza femininos e entender os tons discursivos residentes nesses textos.
outro elemento a ser considerado: o contexto. Este último enfoque fará
com os mecanismos pelos quais o discurso da propaganda se torna instrumento a
favor de um desvendar histórico a nortear nossa investigação, sejam compreendidos.
Essa busca mostra um caminho possível, centrado no sentido de
compreender a emoção e como ela ocorre na vida do ser humano no sentido de que
o texto pode exercer força emotiva capaz de exercitar a motivação.
Indefinidamente, o ser humano se relaciona com seus iguais, influencia e é
influenciado e, sob essa perspectiva motivos externos naturalizam-se socialmente,
com o objetivo de persuadir.
Motivação e emoção, por exemplo, no trabalho de Gade (1998, p. 85) são
mostradas: "a partir da premissa de que não apenas o apelo à razão, a atributos
como qualidade, economia ou desempenho do produto motiva o consumidor, mas o
apelo à
4
emoções como humor, amor, orgulho, alegria e também medo, culpa,
vergonha, pode mobilizá-lo".
Para exercer a persuasão, os mecanismos discursivos mostram-se altamente
4
(sic)
71
conhecidos e discutidos por profissionais da área da psicologia e da publicidade na
medida em que alcançam alto índice de adesão. Gade, na mesma obra, considera a
motivação "como estado ativado que gera comportamento direcionado (...) pode não
ser de ordem fisiológica, remetendo ao pensamento autístico ou à fantasia" (GADE,
1998, p. 86-87).
A propaganda de produtos de beleza femininos, por exemplo, ancora-se em
necessidades sentidas pela consumidora. Gade (1998) mostra a Pirâmide de Maslow
como a hierarquia das necessidades:
Embora Maslow tenha definido a hierarquia das
necessidades humanas, evidentemente elas não são
cumpridas na mesma ordem, e por isso, sobressaem-se
conforme se apresente de modo individual, de forma
que possam ressaltar inversamente às fases. Segundo
Maslow (1970 apud Gade, 1998, p. 89), "teríamos as
necessidades fisiológicas, as de segurança e, quando
estas estivessem satisfeitas, surgiriam as de afeto e
estima; e, satisfeitas estas também, o indivíduo
desejaria satisfazer o último nível, que é o da auto-
realização". Essas necessidades são aplicadas com
requinte de conhecimento no texto das propagandas. A
mesma autora evidencia: "Eu não quero água, minha sede é de Coca-Cola", e pode-
se entender que o refrigerante citado, Coca-Cola substitui a necessidade primeira
(fisiológica) e imprime o caráter primeiro de substituição.
Para as necessidades de segurança física, os anúncios centram-se em venda
de imóveis, de aparelhos elétricos que denunciam intrusos, como o disparar de
alarmes. Gade (1998) inclui nessa necessidade, também a necessidade psíquica que
é o medo ao desconhecido, ao novo, o não familiar, a mudança, a instabilidade.
Dentre as necessidades de afeto, a autora aponta para a afeição erótica e
sexual e mostra uma frase publicitária que contempla essa conotação: "Lá a pessoa
faz amizades, rola paquera, venho sempre a esse bar por isso (...) é legal".
Fisiológicas
Segurança
Sociais
Estima
Eu
Ilustração 6
72
Para a necessidade de status e estima a autora mostra: "O indivíduo sentirá a
necessidade de mostrar e obter a comprovação de sua força, inteligência,
adequação, independência, liderança (...) qualidades que lhe darão estima aos olhos
dos outros e lhe trarão autoconfiança".
Para a necessidade de realização, é necessário que o ser humano esteja
satisfeito em seus outros níveis hierárquicos consoantes às necessidades. Sentindo-
as satisfeitas, ele procurará "conhecer e compreender, estudar, sistematizar,
organizar, filosofar".
Essas características mostram a busca pelo crescimento interior. É quando o
sujeito diz: "Estou buscando me aprimorar, desenvolver minhas capacidades (GADE,
1998)".
Para Aristóteles (2004, p. 160), "As emoções são as causas que fazem
alterar os seres humanos e introduzem mudanças nos seus juízos, na medida em
que elas comportam dor e prazer: a ira, a compaixão, o medo e outras semelhantes".
Assim, o texto possui elementos capazes de despertar essas sensações e provocar
as emoções.
Do acervo disponibilizado pela hemeroteca da Biblioteca Pública do Paraná
em Curitiba, extraímos como exemplo, o anúncio publicado em 04 de setembro de
1943, A BELEZA É OBRIGAÇÃO. O discurso verbal da propaganda, como se nota,
é construído no modo imperativo, e realça o verbo experimentar na última frase,
como epílogo do discurso: Experimente-o.
"A mulher tem obrigação de ser bonita. Hoje em dia, só é feio quem quer.
Essa é a verdade. Os cremes protetores para a pele se aperfeiçoam dia-a-
dia".
"Agora temos o Creme de Alface, ultraconcentrado, que se caracteriza
por sua ação rápida para embranquecer, afinar e refrescar a cútis. Depois
de aplicar este creme, observe como a sua cútis ganha um ar de
naturalidade, encantador à vista.
73
A pele que não respira resseca e torna-se horrivelmente escura. O Creme
de Alface permite à pele respirar, ao mesmo tempo que evita os panos, as
manchas, asperezas e a tendência para a pigmentação. O viço, o brilho de
uma pele viva e sadia volta a imperar com o uso do Creme de Alface
"Brilhante".
Experimente-o.
É um produto do Laboratório Alvim e Freitas S. A."
O texto subjuga a consumidora pela força do raciocínio apodítico, pelo tom
autoritário e não oferece a ela a possibilidade de contra-argumentar ou de questionar
a validade do produto.
O anúncio sobre a obrigação de ser bela cumpre a ação na propaganda e
encaixa-se na indução à compra por meio dos verbos: “experimente, peça, adquira,
tome, deixe/solicite, use, chame/faça, corra, venha/ veja/dê/lembre-se/descubra,
sirva/apresente/escolha, procure”. O modo imperativo age como um convite ao
comprar.
Outras expressões podem desempenhar o mesmo papel de convite, tais
como: “Descubra a suavidade de X, deixe que X resolva seus problemas
(VESTGAARD e SCHRODER, 2000, p. 68).
Para estes autores, os produtos de beleza agem veladamente como
indicativos de beleza ausente na mulher brasileira: "a publicidade apresenta um ideal
de beleza feminina que não a reconhece como uma qualidade resultante de
características naturais". Por isso, é preciso que a mulher adquira o produto de
beleza. "Nenhuma mulher atinge esse ideal sem comprar e aplicar uma série de
cosméticos manufaturados; dependendo de suas predisposições naturais, ela
aplicará mais ou menos cosméticos, mas todas têm de usar alguns" (VESTGAARD e
SCHRODER, 2000, p. 68).
O texto analisado na revista O Cruzeiro, A Beleza é obrigação, além de
considerar a beleza como dever, a propaganda, gradativamente, associa o ser ao
"ter". Nesse sentido, beleza e juventudes são condições sine-qua-non para a
74
conquista amorosa. Paixão, juventude e beleza, portanto, associam-se quase
simbioticamente.
Os cremes para tratamento de beleza entram em cena e atuam
dinamicamente na sociedade feminina. Reacendem as lembranças da mulher
selvagem ao ressaltarem a maciez da cútis e mostram os cuidados que a mulher
civilizada dispensa a si mesma e à sua vaidade.
Segundo Del Priore (2004), no texto um fator de que reafirma a
discriminação racial e o patamar que acolhia, não apenas mulheres, mas todas as
pessoas com cútis diferentes das pessoas eleitas por Deus: pele branca.
Esta nossa verificação está na frase: "Agora temos o Creme de Alface,
ultraconcentrado, que se caracteriza por sua ação rápida para embranquecer, afinar
e refrescar a cútis" e que mostra o modo como eram necessários cremes eficazes
no branqueamento da pele. No mercado da estética, o privilégio reafirmava-se para
pessoas brancas.
3.3 MERCADO DA BELEZA
O mercado da beleza define padrões que a mulher deve cumprir para ser bela
e para isto ela deve utilizar produtos de beleza, vigiar o peso e buscar a altura
necessária determinada pelo modelo social.
Nesse sentido, julgamos interessante utilizar o artigo de Marco Frenette
5
para
ilustrar nossa afirmação, e consequências do aceite:
5
Revista Fórum, n.º 5, 2002.
75
A BELEZA E SEUS INFELIZES
6
Ao ocupar o lugar dos valores morais e éticos, a busca da perfeição corporal é
confundida com felicidade e realização, gerando grandes frustrações. Quem lucra
com essa inversão das prioridades humanas é a milionária indústria da beleza
"Toda mulher pode ser bonita. Bastam 15 minutos diários e 5 dólares ao ano em
creme facial." Helena Rubinstein fez esta afirmação em 1902, ao lançar na
Austrália seu Crème Valaze, produto que inaugurou o primeiro e um dos maiores
impérios do setor de beleza, consolidado a partir de 1915, quando a empresária
mudou-se para Nova York, onde viveu milionária numa cobertura decorada com
obras de Dalí, Matisse e Picasso.
vai um século desde que Rubinstein fez essa propaganda enganosa.
Desde então, a milionária indústria alimentada pelo sonho da beleza só fez
crescer. É um negócio que movimenta bilhões de dólares por ano em todo o
planeta. A receita dessa indústria no Brasil, contando apenas produtos de
higiene, cosméticos e perfumaria, foi de 7.5 bilhões de reais no ano passado,
quase 14% mais que os 6,6 bilhões de reais de 1999. (...)
A obsessão pela aparência é hoje uma das principais causas de estresse e
ansiedade, tornando infelizes e deprimidas pessoas saudáveis que não atingem o
padrão de beleza que a sociedade exige. Beleza inalcançável, que
especialistas afirmam que parcela mínima da população mundial (entre 5% e 8%)
tem estrutura física para tanto.
A historiadora Mary Del Priore resume o desatino dessa cultura narcisista.
"Com a tirania da perfeição física, todos querem participar da sintonia do corpo
magnífico, (...) e a feiúra é vivida como um drama." (...)
A historiadora Joan Jacob Brumberg, em seu The Body Project - An Intimate
History of American Girls, relatou as angústias e traumas das jovens americanas
com a própria aparência desde 1830. "A diferença é que, no século passado, as
garotas não organizavam suas vidas em torno de seus corpos. Hoje uma
substituição do bom comportamento pela boa aparência."
Brumberg corrobora a afirmação com dois trechos retirados de diários de
adolescentes. Em 1892, uma menina prometia obrigar-se a "não falar sobre mim
ou meus sentimentos, pensar antes de falar, trabalhar seriamente, ser contida em
conversas e ações, não deixar meus pensamentos vagarem e me interessar mais
pelos outros". Em 1982, as promessas de outra adolescente foram bem
diferentes. "Perderei peso, comprarei novas lentes, terei um novo corte de cabelo
e roupas novas." (...)
"Na década de 70, médicos e cientistas mostravam nas páginas da revista a
importância da beleza física para manter a saúde mental. O cuidado com a
6
http:/www.revistaform.com.br/sitefinal/edicaonoticia.integra.asp?id_artigo.1947, acessado em
08/2007.
76
aparência foi cientificamente justificado, migrando do terreno da vaidade para o
da necessidade física e mental
Antes atributo da natureza, agora a beleza deve ser conquistada, e é
necessário gastar muito para isso. Exemplo dessa mudança de mentalidade é a
gaúcha Juliana Borges, que passou por dezenove cirurgias plásticas antes de
tomar-se miss Brasil 2001.
A indústria da beleza vive e prospera num vácuo emocional e espiritual que o
pensador norte-americano Cornel West chamou de "grande desesperança. É o
culto ao invólucro tornando-se o próprio sentido da vida. (...)
Na Idade Média, por exemplo, os níveis de exigência estética em relação à
mulher eram bem baixos. Apenas com o Renascimento o ideal greco-romano de
beleza voltou a vigorar e foi se construindo uma cultura em que a beleza tem
lugar preponderante, para atingir o ápice em nossa atual sociedade de consumo.
(...)
Recentemente, a promotora de Justiça Luiza Nagib Eluf escreveu artigo
apontando para o grande poder dos meios de comunicação globalizados de
influenciar pessoas e gerar obsessões coletivas, como a de buscar uma beleza
inatingível. "Com a neurose estética, a vida perde sentido. Os neuróticos agem
como se a felicidade, o amor, a emoção, tudo dependesse exclusivamente do
corpo e de sua adequação aos padrões de beleza impostos globalmente. Mas por
mais que se cuide da aparência física, o ser humano reflete o que lhe vai no
interior, e não maquiagem que embeleze uma alma atormentada." A indústria
da beleza sabe perfeitamente disso, mas jamais tocará no assunto ao fazer suas
propagandas enganosas.
3.4 ARGUMENTOS PARA PERSUADIR E CONVENCER
Na propaganda, o discurso é dirigido à consumidora. Esta, por não conhecer
ou não exercitar a competência léxico-sinonímica, abstém-se de analisar, comparar,
questionar, perceber, e, por último, comprar os produtos e além de tornar-se presa
fácil aos apelos da argumentação publicitária, torna-se consumidora sem causa justa.
A persuasão do discurso da propaganda torna-se uma "arma" para influenciar
o auditório. Barthes (1985, p. 168) explica: "a linguagem contratada da publicidade
reintroduz o sonho na humanidade dos compradores: o sonho, quer dizer, sem
77
dúvida, uma certa alienação", e impede que o auditório perceba outros interesses
que não o sentido da linguagem poética.
O poder do discurso persuasivo educa, mas é de fundamental importância que
a leitora interprete o discurso publicitário antes que se torne consumidora, porque
compreender a leitura está atrelado a qualidades internas do ser humano, como por
exemplo, a habilidade e o hábito de reflexão.
78
CAPÍTULO IV
4. RETÓRICAS PUBLICITÁRIAS
Este capítulo se prende à análise de oito textos de produtos de beleza
femininos em aspectos pedagógicos, registro linguístico, modalização da voz e
particularidades que interessam ao foco da pesquisa, no período de 1928 a 1960.
Analisar o discurso publicitário é como jogar com as palavras e, por meio da
aproximação e da relação entre elas, de sua sintaxe, de seus sentidos perceber
novos termos, novas composições, novas idéias, novos significados.
É alcançar a relação das palavras com as imagens, das imagens com o
pensamento escrito e, todos esses elementos e combinações que, em princípio, não
denotam grande importância, a um atento olhar, assumem expressão e revelam que
os discursos nada têm de ingênuo. Ao contrário, estão carregados de sentido
histórico, sociológico, antropológico, psicológico e linguístico que indigitam apenas
sua superfície, mas a um acurado interesse revelam outros movimentos.
Entender o discurso é como compreender o trabalho do calidoscópio que, à
junção de fragmentos de vidros refletidos em espelhos, produz belíssimas projeções
imagéticas a transbordarem em nossos olhos surpresa, enlevo e admiração; é
entender a relação inequívoca dos elementos linguísticos a atuar, silenciosamente,
sobre a mente do auditório, atraindo-o e, por isso, muitas vezes, subjuga-o, e
impulsiona-o a adquirir produtos desnecessários. Esse público assim o faz pela
persuasão de anúncios como que a “gritar” pelas vozes maviosas de oradores
preparados na arte de persuadir.
A análise desses discursos revela períodos, décadas ou até séculos, como a
ditar a história da evolução social a ser investigada a partir de textos de
propagandas, cujos aspectos denotam muitos veios sociais. Desse modo, o discurso
torna-se documento e esclarece fenômenos sociais responsáveis por sua
germinação e mostra seus “brotos” e depois “o grande vegetal” com expressiva e
79
existente vida, talvez com largos “galhos e altas copadas” a exibir vestígios que
identificam a sociedade.
Neste espaço, identificaremos as figuras retóricas dos discursos analisados e as
registraremos. Porém, não discorreremos profundamente sobre elas por estas
questões estarem domiciliadas no segundo capítulo. Assim, as figuras serão apenas
apontadas na medida em forem ocorrendo, e se tornarão somente citadas se
tiverem sofrido explicações nos primeiros textos analisados.
4.1 NA LUPA DA INVESTIGAÇÃO: PROPAGANDAS DE O CRUZEIRO
Figura 1 - Produto: Orf- Léne - Líquido - Tintura capilar
Apesar de não haver evidências claras quanto ao lugar retórico, cremos tratar-
se de um lugar de qualidade, pois o discurso induz o consumidor a pensar no
tratamento capilar que devolva, com eficiência e eficácia, a cor aos cabelos brancos.
80
81
No texto de Orf-Lène-Líquido, o exórdio coincide com a narração e ambos
podem ser refutados, uma vez que se faz direto, incisivo, austero e impõe ao público
a mensagem em forma de aconselhamento: “Para uma saída imprevista possua um
postiço moderno de Américo & Cia”.
A linha de raciocínios formada por uma sucessão de causalidade torna o
argumento pragmático e estabelece um juízo de valor: cabelos brancos devem ser
evitados para compor o visual de uma madame! Entretanto, se o argumento for
desdobrado, é possível perceber que pessoas com cabelos embranquecidos não
devem sair de modo imprevisto, pois esse blico está “desamparado”, e será
protegido se usar “um postiço moderno de Américo & Cia”, aconselha o orador.
Para Foucault (2004, p. 31) “a conversa semi-silenciosa de um discurso” está
ligada ao orador e evidencia a “fala” cujo objetivo (do chamado e do
aconselhamento) liga-se ao auditório por meio da pergunta: “Tem cabelos brancos?”
expressão deôntica, ao obrigar o auditório a pensar sobre a coloração de seus
cabelos.
No quadro publicitário, a imagem assume o posto de “fiador”, isto é, oferece
suporte visual ao auditório para que este evite cabelos brancos.
Para Barthes (1984, p. 178), “os objetos de uma imagem (...) estão ligadas
apenas por uma forma de conexão, que é a parataxe (...) a justaposição pura e
simples de elementos” e, para Reboul (2000), a imagem é elemento “notável para
amplificar o ethos e o patos”.
A confirmação fica a cargo da retórica à qual cabe discernir os meios de
persuasão na questão proposta; seu papel é distinguir o que pode ser verdadeiro e
suscetível de persuadir do que não o é.
A grafia dos vocábulos Cabelleira, cabellos, cabelleireiros, pelle,
Physioplastico, telephone, Instrucções contam a história dessas palavras a se
transformar e simplificarem-se, na medida em que os termos são adaptados e
usados na oralidade e escrita.
82
Para Barthes (1985, p. 31), “O laço que liga as “significações” de um texto às
condições sócio-históricas desse texto não é de forma alguma secundária, mas
constitutivo das próprias significações”, pois o homem é também sujeito da história
social e agente ativo da prática lingüística: “As palavras mudam de sentido segundo
as posições sustentadas por aqueles que as empregam”.
O discurso torna-se epidíctico ao dispor o cupom para contato e envio de
catálogo para instruções sobre o uso. Fabricante ou revendedor assume o modo de
ensinar e educa a coletividade na forma de preencher corretamente o espaço
destinado à solicitação do produto. Para Perelman e Tyteca (1999, p. 54), os
discursos epidícticos constituem uma parte central da arte de persuadir.
A imagem, no quadro publicitário, atua como metáfora, pois ao visualizá-la o
público identifica o feminino distante, artificial e perfeito, características comuns à
idealização feminina alimentada por uma sociedade também artificial.
Foucault (2004, p. 8) esclarece: “é preciso desligar a história da imagem com
que ela se deleitou durante muito tempo e pela qual encontrava sua justificativa
antropológica: a de uma memória milenar e coletiva”, características interessantes,
únicas, e traz à tona os meios de que a coletividade se valia para fazer-se entender,
como um ser vivo que age e gera conhecimentos.
Para Foucault (2004), “o documento não é o feliz instrumento de uma história
que seria em si mesma, e de pleno direito, memória; a história é, para uma
sociedade, uma certa maneira de dar status e elevação à massa documental de que
ela não se separa”. É o que chamamos patrimônio cultural da humanidade.
Registrados nos discursos publicitários, os moldes da cultura de 1928
imprimem características sociais do ethos do orador que se revela dominador,
delineia a mulher submissa por meio do olhar voltado para baixo, sinônimo de
obediência e, como diz Foucault (2004): “todo discurso manifestado repousaria
secretamente sobre um dito; e que está dito não seria simplesmente uma frase
pronunciada, um texto escrito, mas um “jamais-dito”, e que mostra o “nunca
exposto e sempre escondido”.
83
Foucault (2004, p. 28) fecha nosso pensamento sobre o discurso de Orf-Lèn´-
Líquido: “um discurso sem corpo, uma voz tão silenciosa quanto um sopro, uma
escrita que não é senão o vazio de seu próprio rastro”, e nesse rastro, poeiras de
signos e de significantes oferecem pistas em prol da investigação: o verbo no modo
imperativo, o vocativo, o uso do ponto de exclamação, confirmam o autoritarismo
social.
Há, porém, uma contradição: o emprego da palavra Madame...! contrapõe-se
à ordem do orador expressa pelo verbo usar, que o termo Madame se refere à
mulher refinada e elegante, distanciada do público feminino comum, maioria no país.
Para Bartucci (2001, p. 188), as imagens “imperam nos anúncios (...) novelas
e filmes que entram diariamente na vida do telespectador”, com a família convivem,
atuam e, “No seio da cultura de massa, são (...) usadas pelo seu forte “poder
hipnótico”, pela sua força de captação do outro, pelo seu efeito “passivizador”, (...)
como mais um objeto no mundo do consumo”.
Dois elementos constitutivos aparecem na propaganda e marcam: 1) caráter:
corresponde a um conjunto de traços psicológicos e 2) corporalidade: os traços
físicos, o modo de se vestir e de se portar. O duplo conjunto: psicológico e físico,
forma o sentido “auditório”, conforme Perelman e Tyteca (1999).
Para Barthes (1985, p 178), “os significados dos objetos dependem (...), não do
emissor da mensagem, mas do receptor (...) do leitor do objeto polissêmico (...) que
se oferece (...) a várias leituras de sentidoe, por meio das expressões físicas, pela
escrita ou apenas rabiscos, a história pouco a pouco cumpre sua finalidade: gravar
indícios sociais e humanos de uma época. Assim, quanto mais conhecimento o leitor
possuir, maiores serão suas possibilidades de interpretar a cenografia publicitária.
Estes pensamentos trazem à baila o armazenamento cognitivo de que falam
Perelman e Tyteca e que é re-tomado por Barthes (1985, p. 178-179): “cada homem
tem em si (...) vários léxicos, várias reservas de leitura, segundo o número de
saberes, de níveis culturais, de que dispõe”, e, inconsciente, compreende “Todos os
graus de saber, de cultura e de situação, são possíveis perante um objeto ou uma
coleção de objetos”. (idem, acima)
84
No discurso de Orf-Lène-Líquido o raciocínio retórico “embutido” nos verbos
do modo imperativo caracteriza o discurso apodítico pela propriedade de construir
enunciados monossêmicos, fechados e autoritários. Esta estratégia pretende
modificar aparência e estilo de vida da consumidora, tenciona interferir no mundo
social para modificá-lo.
O texto divide-se em cinco partes: O vocativo em itálico e negritado:
Madame!...: Para uma saída imprevista possua um postiço moderno de Americo &
Cia. produz um aconselhamento, revela a finalidade do produto por meio da
pergunta: Tem cabelos brancos? anuncia o espaço destinado ao endereçamento a
essa espécie de trabalho, complementa o anúncio com o dêitico Nós, um sujeito
plural.
É importante ponderar: o texto, ao não revelar se é necessário o auditório
adquirir o produto para receber as instruções ou ao enviar o cupom o público as
receberá, mostra-se ambíguo e categoriza-se como um discurso imperfeito.
Perelman e Tyteca (1999, p. 147-148) asseguram: “consideram-se imperfeições toda
ambigüidade, toda obscuridade, toda confusão, elimináveis não só em princípio, mas
ainda de fato”, tese reforçada pelo texto por obscurecer a prática de “comprar e
receber instruções” ou de recebê-las mesmo que não adquira o produto.
No discurso de Orf-Lène-Líquido, ao não utilizar pronomes, como em “Tem
cabelos brancos?” o orador gera elipse, registra a figura expolição que encapsula o
sentido de polidez e retoma ao mesmo argumento com formas diferentes.
Na segunda frase, tímida está a aliteração: Para uma saída imprevista possua
um postiço moderno de Américo & Cia.
No exórdio, o vocativo “Madame!...” encerra aposiopese, conhecida como
reticência, “figura (...) da insinuação, do despudor, da calúnia, mas também do pudor,
do amor, sua força argumentativa advém do fato de retirar o argumento do debate
para incitar o outro a retomá-lo por sua conta a preencher por sua conta os três
pontos de suspensão” (REBOUL, 2000, p. 127). Possui o poder de “tripudiar” por
meio do que lhe é possível construir em termos de frases. Porém, pode expressar
sentimentos nobres.
85
86
O exórdio mostra exposição clara e breve sobre o assunto a ser tratado. Para
comprovar a eficácia de todos os produtos de beleza Alack, o texto conta com a
preposição até indicando a extensão do limite do adjetivo satisfeita.
A narração inicia com a “fala” do orador com o público a cada parágrafo, no
corpo do texto, o adjetivo Maravilhosa (o, s) ocorre algumas vezes e os argumentos
induzem a consumidora a usar o produto pela sua eficácia. Para alcançar essa
intenção, o orador emprega a hipérbole: afamados, famoso (s) poderoso. Já os
pronomes de tratamento atribuem ao discurso tom cerimonial e impõem
distanciamento entre orador e público.
Para Barthes (1984, p. 168), “evocar a eficácia de um slogan pode “seduzir”
(...) Levar à compra apenas por essa sedução (...) “a “boa” mensagem (...)
condensa em si retórica mais rica e atinge com precisão (...) com uma palavra os
grandes temas oníricos da humanidade” e estabelece a sintonia entre propagado e
consumidor.
A confirmação está nas retomadas dos parágrafos que se referem à eficácia
do produto, uma vez que há produtos específicos às partes do corpo feminino.
Para Carvalho (1998, p. 13), “a publicidade impõe, nas entrelinhas, valores,
mitos, ideais e outras elaborações simbólicas, utilizando recursos próprios da língua
que lhe serve de veículo, sejam (...) fonéticos, léxico-semânticos ou morfossintáticos”
e persuade o auditório pelo poder das palavras e das imagens no quadro publicitário.
O texto, dividido em dez partes, contempla o conceito sobre retórica
empolada. Apropria-se da hipérbole, que “aumenta ou diminui as coisas em excesso,
apresentando-as acima ou bem abaixo do que são (REBOUL, 2000, p. 123)”. Ao
prometer eficiência e eficácia do produto, informa processos milagrosos que
resolvem as dificuldades de uma pele imperfeita. Contudo, o produto homogeneíza o
auditório, ao atender às necessidades estéticas de mulheres loiras, indígenas,
negras, mulatas e morenas.
Na expressão V. Ex.a comece a usá-los hoje mesmo e amanhã se
convencerá da superioridade destes científicos e afamados produtos de toucador...”
as palavras “Hoje”, “mesmo” e “amanhã” dêiticos temporais - adquirem sentido de
87
continuidade, pois é necessário que a consumidora experimente o produto no tempo
presente, para se convencer, no futuro, sobre a superioridade dele.
A combinação de verbos com pronomes “usá-los", los - itico de pessoa -
refere-se aos produtos = eles; é catáfora por referir-se a um termo anteriormente
referenciado. Os verbos terminados em r, s, ou z, no infinitivo desfazem-se das letras
finais, acolhem l ou lh e atuam como objetos diretos: o, a os, as, ou objetos indiretos.
Para Barthes (1985, p. 185), “é preciso entender (...) a noção do léxico (...) o
alcance semântico do símbolo e a natureza sintagmática ou paradigmática desse
mesmo símbolo”, fatores fundamentais para leitura e interpretação bem sucedida.
Segundo o mesmo autor, “As marcas de presente, passado e futuro acrescentadas
ao radical do verbo, ou as palavras com valor temporal como ontem, amanhã, hoje,
dois dias, dentro de um ano, etc., designa uma duração de um ano a partir do
momento em que se fala”.
Carvalho (1998, p. 13) explica: “na publicidade (...) o receptor obedece a
ordens categóricas sem protestar: “compre na Mesbla”, “Abuse e use C&A”. Essas
ordens publicitárias do século XX e XXI assemelham-se às ordens domiciliadas na
propaganda de 1928, diferentes na “ostentação” do emprego de pronomes e do
discurso extenso e empolado, cerimonioso no passado, familiar no presente.
O discurso do Creme de beleza ALACK L é epidítico, pois explica ao auditório
as finalidades de cada produto e ensina a preencher e solicitar prospectos. Para
Perelman e Tyteca (1999, p. 53-54), o discurso epidíctico forma uma atração de
escol e serve para acolher um público ao qual cabe apenas assistir, observar e fruir.
Beleza, música e emoção estão no discurso de ALACK L pela presença de
figuras retóricas. Para Perelman e Tyteca (1999, p. 332): “O objetivo das figuras é
evocar uma presença, reforçá-la ou atenuá-la, fazer ver melhor ou de um modo
diferente aquilo que de outra maneira poderia permanecer desapercebido como
inessencial”.
1) Silepse de pessoa : no tratamento formal não efetua a concordância
natural entre a correlação dos pronomes e seus correspondentes: "V. Ex.ª
comece a usá-los" e não fará a concordância: "V. Ex.ª comeceis a usá-
los".
88
2) Elipse suprime termos desnecessários à frase: "Faz desaparecer
completamente";
3) Aliteração situa-se nas sílabas: “convencerá, scientíficos, enaltecem,
superioridade , mancha, antiga, preparado, próprio, para”;
4) Tapinose amplia de modo negativo a frase: “faz desaparecer a caspa”;
5) Eufemismo suaviza as frases: “curando as imperfeições cutâneas”,
“volve à sua cor natural sem ser tingido”, “extermina em poucos
segundos”;
6) Sinestesia atribui termos subjetivos à frase: "refresca e opacifica a
cútis, fresca e perfumada";
7) Catacrese apropria-se de termos com significantes semelhantes, por
analogia, a outros termos, é figura
7
quando estiver a serviço da
persuasão: “substitui o pó de arroz”;
8) Metonímia "própria para o verão", por apropriar-se do nome de uma
“coisa”
8
, para representar outra com a qual tenha nexo e familiaridade;
9) Gradação ou clímax sentida de modo persuasivo na frase: faz
desaparecer completamente as sardas, as espinhas, os cravos do rosto.
Ao finalizar o discurso, o orador informa o endereço para solicitação do
produto, e mostra o autoritarismo na sociedade brasileira de 1928.
O texto de Alack L, longo e formal, define o lugar em que a mulher é colocada:
distante do orador e os termos “frios, porque empolados” parecem transparecer a
relação social infiltrada pelas linhas do texto a denunciar o papel social atribuído ao
auditório feminino. O ethos do orador, autoritário e machista, reafirma o espaço
social de subalternidade destinado à mulher.
7
REBOUL, 2000.
8
REBOUL, 2000: 121.
89
90
No exórdio, o chamado da propaganda encontra-se em caixa alta no período:
“NOVO TRATAMENTO DO CABELO: Restauração - Renascimento-Conservação”,
encerra a proposta de atuação do produto. O tom do discurso transita pelo texto nos
verbos no modo imperativo. A expressão Loção Brilhante modaliza o enunciado,
assume o sentido de um produto real e atua como em um passe de mágica nas
doenças capilares.
As palavras que atribuem crédito ao produto visam reforçar a adesão do
auditório. Segundo Foucalt (2004, p. 28): “elas não se justificam por si mesmas, que
são sempre o efeito de uma construção cujas regras devem ser conhecidas e cujas
justificativas devem ser controladas: definir que condições e em vista de que análises
algumas são legítimas”.
O texto longo apresenta nome do produto, número da patente 5.739, fórmula
científica do Grande Botânico Dr. Ground, e preço: 200 contos de réis; número e data
da aprovação, da licença emitida pelo Departamento Nacional de Saúde Pública e do
Decreto 1.213, em 06 de fevereiro de 1923; recomendação dos Institutos
Sanitários do Estrangeiro e informes sobre os institutos do exterior, que contribuem
para dar credibilidade ao produto.
Perelman e Tyteca (1999, p. 36) consideram “a evidência racional, a adesão
(...) e os procedimentos de argumentação o representam nenhum papel. O
indivíduo, com sua liberdade de deliberação e de escolha, apaga-se ante a razão
que o coage e tira-lhe qualquer possibilidade de dúvida”.
Nesse discurso, o artifício de enumerar dados, externar a expressão “muitos
sábios”, a nosso ver tenciona enlevar o auditório para que este supra suas
interrogações de modo a crer na eficácia do produto.
A confirmação ocorre a cada parágrafo para mostrar a eficiência e a eficácia
do produto. Para Reboul (1975, p. 9) “a palavra (...) evoca uma idéia de fórmula
repetida a a obsessão, como um estribilho enfadonho ou um serrar estridente”,
expressão encontrada no texto com intenso chamamento sobre as enfermidades do
couro cabeludo, e, como recurso linguístico: “Segundo a opinião de muitos sábios;
91
múltiplas e variadas são as moléstias; Em todas as alopecias; também uma
doença”.
Os argumentos prendem-se às qualidades do produto para amenizar as
dificuldades capilares e no fato de que sábios emitiram opiniões a respeito da Loção
Brilhante, como forma de demonstrar autoridade. Nesse sentido, o orador espraia-se
na afirmação da capacidade do produto em auxiliar homens e mulheres nas doenças
dermatológicas.
Características da metáfora bélica ilustram o texto no uso de expressões
metaforizadas. Ex: a) “Moléstias que atacam o couro cabeludo”; b) "destrói
radicalmente as caspas”; c) “extermina o gérmen da seborréia e outros micróbios”.
Segundo Reboul (2000, p. 188), “a metáfora aproxima dois campos
heterogêneos (...) e cria um verdadeiro fluxo entre os dois, invocando outras
metáforas em número indefinido”. O orador, a cada enfermidade atendida pela
atuação da Loção Brilhante, retoma o discurso e registra o nome do produto
acrescido de fortes adjetivos que o qualificam.
Na peroração, o orador retoma a proposta inicial, suaviza os termos
autoritários e coloca-se ao dispor do auditório para atendê-lo na compra do produto:
“Nada pode ser mais conveniente para V. S. do que experimentar o poder
maravilhoso da Loção Brilhante. Não se esqueça. Compre um frasco hoje mesmo.
Desejamos convencer V.S. até a evidência, sobre o valor benéfico da Loção
Brilhante. Comece a usá-la hoje mesmo. Não perca esta oportunidade”.
Na peroração, elogia e destaca as qualidades do produto, é benevolente e
delicado com o auditório, excita a curiosidade, o desejo de compra e finaliza o
discurso didaticamente: “Corte o cupon (sic) abaixo e mande-o para nós, que
imediatamente lhe remeteremos, pelo correio, um frasco desse afamado específico
capilar”.
O texto divide-se em treze partes. O primeiro parágrafo detém-se no
substantivo “cabelos brancos”, seguido da expressão subordinada adverbial
conformativa: “Segundo a opinião de muitos sábios”, mas não os nomeia, salvo o
Grande Botânico, e o auditório não possui acesso sobre os nomes que expuseram
92
seus pareceres. Esse registro põe em vida as afirmações sobre o produto, e
mostra que elas podem ser enganosas.
O discurso é epidítico. Segundo Perelman e Tyteca (1999, p. 54): “Os
epidícticos constituem uma parte central da arte de persuadir”, confirmado na
disponibilidade de o auditório preencher o cupom para comprar o produto.
Enriquecem o texto, as figuras retóricas:
1) Hipérbole mostra o indizível: a) “poderosa ação tônica” e é conhecida
como auxese por ampliar de modo positivo o sentido da frase: b) “O poder
maravilhoso da Loção Brilhante” e c) “experimentar o poder maravilhoso”;
em d) “Múltiplas e variadas são as moléstias”.mostra a tapinose por
ampliar o sentido negativo da expressão.
2) Eufemismo suaviza termos desagradáveis: a) “devolvendo-lhe a cor
primitiva”; b) “Pense V. S. no ridículo que é a calvície ou outras moléstias”;
c) “os cabelos caem, despegam-se das raízes”.
3) Metáfora: a) “poderosa ação tônica; b) extermina o gérmen da seborréia,
tonifica as raízes do cabelo, c) apresenta um aspecto de espanador”; d)
“Atacam o couro cabeludo
4) Tapinose: a) “o cabelo torna-se baço, feio e sem vida”;
5) Sinestesia “limpa e fresca, deixando-os macios, lustrosos e agradáveis
à vista”; “emprestando-lhe maciez e brilho admirável”,
6) Gradação a) “basto, lindo e lustroso (...) após períodos de alopcia de
meses e até de anos”; b) “está a venda em todas as drogarias, farmácias,
barbeiros, e casas de perfumaria”;
7) Metonímia a) “os cabelos surgem novamente”;
8) Catacrese a) “nasce uma penugem"; b) “deita-se meia colher de sopa”;
c) “escamas horríveis”;d) “A Loção Brilhante tem feito brotar cabelos”
9) Oximoro , figura considerada estranha, na opinião de Reboul (2000). A
expressão: a) “Não aceitem nada que se diga ser “a mesma coisa”" parece
ocupar essa definição.
93
11) Pleonasmo “que teve há anos passados”.
12) Assíndeto a) “está a venda em todas as drogarias, farmácias, barbeiros,
e casas de perfumaria”;
13) Prolepse a) "Pense V.S. em ter novamente o basto, lindo e lustroso
cabelo"; b) "Pense V. S. em eliminar"; c) "Pense V. S. em restituir"; d)
"Pense V. S. no ridículo".
O longo texto é construído com intensa força retórica, ancorada aos elementos
que enriquecem o discurso e edificam um cabedal de promessas a serem realizadas
pela Loção Brilhante.
A função da publicidade, de modo velado, tem a finalidade de chamar a
atenção do auditório, persuadi-lo a usar um produto, e, para essa finalidade, lança
mão de artifícios retóricos e sedutores e de mecanismos para elevar a baixa-auto-
estima do público.
Para Sant’Anna (1998, p. 147): “O trabalho de criação consiste (...) em achar
uma idéia que sirva de tema ou diretriz (...) saber como apresentar o tema como
dizer e determinar através de que (...) veículos ela pode ser levada (...) ao
conhecimento do grupo consumidor visado (...) a (...) compra”.
94
95
O modo de apresentação do produto Shampoo-Pó de Madame Potocka, faz o
exórdio e faz também o epílogo. O exórdio ancora-se em um argumento de ordem
moral considerado de valor profundo, que propaga a idéia de “ver” e “agir” além
das aparências,.
A narrativa ancorada no mesmo valor moral de ordem universal mostra o
nome do produto abaixo do texto e por isso, difere dos demais textos publicados na
mesma época.
Os argumentos consideram erro julgar de modo aparente, e embora se mostre
um raciocínio afirmativo, este é de negação ao demonstrar repúdio ao julgamento
superficial.
No corpo do discurso, as chamadas para a higiene reaparecem como um
modo de cultuar o asseio corporal. O lugar retórico da higiene e beleza cede espaço
à beleza e sedução, sutilmente, ao utilizar figuras de retórica como “Um cabelo solto
e perfumado denota distinção”, “Um cabelo bem tratado imprime ao rosto a
mocidade”, “saudável sensação de frescura”.
Perelman e Tyteca (1999, p. 551) afirmam que a exposição verbal longa pode
provocar perigo e torna-se inconveniente: “existem argumentos cujo uso demasiado
explícito é indelicado, perigoso, até mesmo vedado. Pode-se referir-se a eles apenas
por insinuação, alusão ou ameaçando utilizá-los”. Assim, a negativa direta no
discurso da propaganda do Shampoo-Pó torna o texto suave, e ocupa, por
competência, o lugar retórico da sensualidade.
O orador exerce a função de conselheiro: “É um erro”, “Para ser uma mulher
elegante”, “O cabelo fica macio”. Na expressão argumentativa: “Lavando o cabelo
com Shampoo-Pó, semanalmente”, o argumento prende-se ao espaço de tempo que
o auditório deve usar o Shampoo-Pó para manter a eficiência e a eficácia do produto.
Enquanto esses argumentos se encadeiam e se tornam co-referentes para
causa e efeito, os demais argumentos associam o caráter de distinção do usuário do
produto, ao espaço de tempo: semanalmente. Esta é uma corrente de argumento a
argumento de ordem diferente; um se refere à essência e outro à manifestação
exterior dessa essência.
96
A confirmação ocorre na parte longa do texto. As expressões: “Para ser uma
mulher elegante é indispensável lavar a cabeça semanalmente com Shampoo-Pó. O
cabelo fica macio, solto e tem-se uma deliciosa e saudável sensação de frescura”,
reafirma a finalidade do produto e faz a peroração ao retomar o nome do produto,
divulgar novamente suas qualidades e benefícios que oferece, finaliza o discurso
sugerindo um ato contínuo: “Lavando a cabeça com Shampoo-Pó, semanalmente, a
caspa e a queda do cabelo cessam depressa”.
É importante observar a disposição dos adjuntos adverbiais e a relação que
ambos fazem com as palavras mais próximas: Lavando a cabeça com Shampoo-Pó,
semanalmente, a caspa e a queda do cabelo cessam depressa.
O temo semanalmente faz com que a idéia de uso do Shampoo-Pó seja
reforçada pelo advérbio de tempo: a caspa e a queda do cabelo cessam depressa.
Assim, cremos ser possível os dois adjuntos adverbiais, semanalmente e depressa
referirem-se e intensificarem os substantivos que os antecedem em sua força
persuasiva.
Barthes (1985, p. 173) ratifica a relação de palavras dispostas
intencionalmente nas frases. A palavra “serve para o homem agir sobre o mundo,
modificar o mundo, estar no mundo de uma forma ativa: (...) é uma espécie de
mediador entre a ação e o homem”.
O texto é estruturado com linguagem clara, direta, formal culta, mas não é
cerimonioso. O tom negativo imprime sentido autoritário à fala do orador e, por meio
do fragmento primeiro denota o discurso epidíctico: uso de adjetivos, verbos da
primeira conjugação e dêiticos temporais.
1. “É um erro julgar chic a mulher que traja um vestido bonito e um chapéu
colado à cabeça. Para ser uma mulher elegante é indispensável lavar a cabeça
semanalmente com SHAMPOO-PÓ”, e impõe uma condição: para ser bonita, a
mulher precisa higienizar-se semanalmente. Pelo dito no discurso, o exercício do
banho diário parece hábito pouco praticado. A grafia do nome do produto em caixa
alta mostra que as atenções devem se voltar para o produto.
97
2. Os adjetivos “Chic, bonito, elegante, macio, solto” atribuem qualidades aos
substantivos referidos. Os termos, em caixa alta, ambos no interior do discurso,
transgridem princípios da norma culta.
O discurso mostra o ethos autoritário do orador ao tratar dos “pensamentos”
femininos, ele determina como e o quê a mulher deve pensar, imposição camuflada
do enunciado apodíctico.
Para Reboul, (2000, p. 120) “metonímia designa uma coisa pelo nome de
outra que lhe está habitualmente associada. Seu poder argumentativo é “o da
denominação, que ressalta o aspecto da coisa que interessa ao orador” e refere-se
ao cabelo que emoldura a face e “imprime ao rosto a mocidade”, como recurso de
evidências saudáveis, brilhantes, características da pele de pessoas jovens.
O substantivo “cabelo”, utilizado três vezes, torna o texto persuasivo, porque
todos os outros termos a ele se referem. A utilização de vocábulos usados
estabelece, através do processo de repetição, um caráter de maior poder persuasivo
à linguagem publicitária, que, com objetivo de atrair adesão se vale dessa
organização, como classifica Mosca (1997, p. 38): “por desempenhar um papel na
produção geral do sentido que nele se (...) partilham de um procedimento
discursivo de construção de sentido”, para alcançar o poder argumentativo das
figuras a fim de buscar significados, e explorar outros pontos de vista e outras
considerações.
O discurso é epidítico, pois o aconselhamento de banhar-se diariamente é
uma prática educativa. Para Foucault (2004, p. 28),
“é preciso estar pronto para acolher cada momento do discurso (...), nessa
pontualidade em que aparece e nessa dispersão temporal que lhe permite
ser repetido, sabido, esquecido, transformado, apagado até nos menores
traços, escondido bem longe de todos os olhares, na poeira dos livros”.
98
Ao finalizar o discurso, nome e endereçamento do produto são salientados. As
figuras de retórica atribuem vida e mostram as adequações que a língua efetua para
concretizar o pensamento da fala na escrita. Assim, é possível pensarmos no modo
como o chapéu mantém-se colado à cabeça pelo excesso de oleosidade, caspa,
seborréia e doutros que contribuem para que o chapéu permaneça no lugar, como
1) Sinestesia ↔, atribui características próprias a seres vivos. a) “O cabelo fica
macio, solto e tem uma deliciosa e saudável sensação de frescura”;
2) Aliteração atua com musicalidade nas palavras. a) ,"a caspa e a queda
do cabelo";
3) Paronomásia oposta à aliteração, provoca musicalidade no interior ou no
final das sílabas: a) “O cabelo fica macio, solto e tem-se uma deliciosa e
saudável sensação...”;
4) Eufemismo: a) “é um erro julgar chique”.
5) Metonímia: a) “imprime ao rosto a mocidade".
O texto longo prenuncia, de certo modo, algumas modificações publicitárias,
haja vista o tom informal não cerimonioso do discurso destinado ao público feminino.
É o que Sant’Anna (1998, p. 147) entende: “Criatividade: significa o ato de dar
existência a algo novo, único e original. Em marketing esse ‘algo novo e original’
deve partir da premissa básica de que deve ser útil à empresa ou ao seu criador, à
comunidade em geral”.
Outra inovação está nas imagens femininas: o olhar das figuras está voltado à
frente e levemente para o alto, como a indicarem suave modificar de direção e lugar
que o público feminino ocupa: parece não são tão submisso quanto se mostrou no
início da veiculação do semanário O Cruzeiro.
99
100
A expressão “A suprema ambição da mulher... Daggele oferece-lhe a beleza
por que suspira”, forma a chamada do exórdio.
O longo discurso mostra elementos do produto que demonstram facilidade
para realçar a beleza feminina. Outros três produtos são disponibilizados ao auditório
para cumprirem o objetivo da propaganda: interessar, persuadir, convencer e
conduzir o seu público à compra.
Os argumentos, marcadamente didáticos porque ensinam como aplicar o
produto, ancoram-se na promessa de eficiência e eficácia, valem-se do tempo futuro
para persuadir e impõem uma condição: O pronome indefinido Nada, por meio da
hipérbole, indica o grau de pretensão feminina para alcançar o padrão de beleza
para a pele. Mostra a eficiência do creme, mas se contradiz ao afirmar que o creme
“esconde as imperfeições da pele” e deixa entrever sua ineficiência.
A figura retórica gradação inicia na narração e se estende pelo corpus do
discurso: narra a facilidade de uso, mostra para que serve, como deve ser aplicado
às partes do corpo, e em movimentos circulares, soma os termos dia, tarde, noite e
finda no dia seguinte, um futuro próximo no qual a usuária de Daggele perceberá a
eficácia; a circularidade contínua do uso do produto promete eficácia (aparente?) e
eficiência gradativa. O tom apodítico do orador caracterizam a sociedade autoritária
da época.
Cabe à hipérbole exagerar as idéias sobre o produto com o objetivo de
mostrar à consumidora sua necessidade em se preocupar com a pele. Reboul (2000,
p. 123) explica: “a função semântica da hipérbole é dizer o que de fato não
conseguimos dizer, é dar a entender que aquilo que estamos falando é tão grande,
tão bonito, tão importante (ou o contrário) que a linguagem não poderia exprimir”.
O tom pelo qual o orador se refere à tonalidade da pele no terceiro e quarto
parágrafos: “Espalhe-o também nas mãos e braços para lhes dar maciez e alvura”, “a
sua pele ficará alva, fina e macia como cetim
9
, denota preconceito e a ordem
“natural” das criaturas humanas: o produto está destinado às pessoas de pele alva.
9
sic
101
Estas considerações são fortalecidas pela afirmação do quinto parágrafo: estimula a
circulação e imprime à cútis o fascinante matiz da rosa.
O sentido que o pronome indefinido assume no discurso exerce a função
contrária do pronome indefinido nada: “Tudo mais fácil para realçar a beleza com a
ajuda de Daggele”, que, por sua vez, imprime a figura denominada prolepse.
Esta, segundo Reboul (2000), antecipa o argumento (real ou fictício do
adversário) para voltá-lo contra ele. Na redação do texto, a figura gradação atua de
modo contundente na frase: “O Creme Evanescente para ser usado durante o dia, o
Creme Perfeito para a noite e o Vivatone para despertar a epiderme pela manhã”,
sugere circularidade: pela manhã, tarde e noite. Esta deixa de ser um dêitico
temporal estendido e representado pelo movimento expresso pela preposição
durante para tornar-se um movimento circular diário, estendido em curto espaço
temporal e diário.
O tom autoritário do orador registra o raciocínio apodítico; o uso dos verbos no
modo imperativo incita a consumidora à compra e mostram no ethos do enunciador
autoritário: sociedade machista e monossêmica, cuja fala se dirige a um público
passivo, calado e obediente.
As características físicas da imagem reforçam o pensamento: a mulher brasileira de
1931 mostra traços psicológicos e físicos da submissão e evidencia um olhar não
mais voltado para baixo, mas em uma posição para a frente. O verbo experimentar,
no sentido de comprar, é acompanhado do advérbio de tempo imediatamente o que
infere obediência instantânea.
VE
RBOS NO MODO IMPERATIVO
Espalhe
-
o
também
nas mãos...
Esfregue
todas as
noites o Creme
Perfeito de DAGELLE
Remova
o creme usado...
...
deixe
que os
póros...
Passe
no rosto e no
colo...
Experimente
-os
imediatamente
Envie
-o...
Queiram enviar
-
me
....
102
O ethos do orador torna-o fiador desse conjunto. O emprego de advérbios de
modo demasiadamente, previamente e imediatamente embasam esta afirmação.
O texto, rico em figuras retóricas, como fala Mosca (1997, p. 38): “por
desempenhar um papel na produção geral do sentido que nele se (...) partilham
de um procedimento discursivo de construção de sentido”.
A linguagem da propaganda se vale, portanto, do forte poder persuasivo da
linguagem figurada para ativar o desejo de compra e finalizá-lo em busca de uma
beleza prometida. Abreu (2005, p. 105) participa do mesmo pensamento: “As figuras
retóricas são recursos linguísticos utilizados especialmente a serviço da persuasão”.
As expressões, construídas a serviço da persuasão, chamam a atenção para
os cuidados com a pele. A expressão “Nenhum outro produto conseguiria fazê-lo”
10
denota o lugar da qualidade e particulariza o público-alvo para persuadi-lo.
As figuras retóricas, sinestesia e comparação, são utilizadas para verificar o
resultado do produto após seu uso:
1) “O Vivatone para despertar a epiderme pela manhã”.
2) “Deixe que os óleos finos e delicadas essências de que é composto trabalhem
durante o sono”.
Foucault (2004) registra que “é preciso desligar a história da imagem com que
ela se deleitou durante muito tempo e pela qual encontrava sua justificativa
antropológica”, porém, é preciso lembrar que ela é necessária para refazer um
período e explicá-lo à luz de sua ocorrência, de modo a entendermos um espaço
obscurecido na história a fim de compreender o presente, seja por meio de imagens
ou de discursos que permaneceram na “memória milenar e coletiva que se servia de
documentos materiais para reencontrar o frescor de suas lembranças”; e que neste
presente reafirma uma história que se tornou passado: “é o trabalho e a utilização de
uma materialidade documental (...) que apresenta sempre e em toda a parte, em
qualquer sociedade, formas de permanências, quer espontâneas, quer organizadas”.
10
REBOUL, 2000.
103
É também o registro de fases do desenvolvimento humano. Assim, “O
documento o é o feliz instrumento de uma história que seria em si mesma, e de
pleno direito, memória; a história é, para uma sociedade, uma certa maneira de dar
status e elevação à massa documental de que ela não se separa” (FOUCAULT,
2004, p. 8).
O texto mostra as figuras de retórica:
1) Hipérbole a) euxese que se ocupa de ampliar o sentido da frase de
modo positivo: “A suprema ambição da mulher” e b) tapinose, que amplia
de modo negativo o sentido da expressão: “póros
11
demasiadamente
abertos”;
2) Metáfora: a) “O Creme Evanescente de Daggele é uma base ideal”; b) “É
uma mistura delicada”; c) “Vivatone é um maravilhoso Tônico”, formam a
cadeia de períodos metafóricos;
3) Comparação: a) “A sua pele ficará alva, fina, e macia como um setim
12
;
4) Gradação: a) “Para usar durante o dia, para a noite, e para despertar a
epiderme pela manhã”; b.) “Esfregue todas as noites o Creme Perfeito de
Daggele no rosto, colo, ombros e braços”;
5) Sinestesia: a) “Espalhe-o também nas mãos e braços para lhes dar
maciez e alvura”;
6) Aliteração: “Vivatone é um maravilhoso (...) refresca e revigora a pele”;
“circulação (...) com a superfície, inteiriça (...) imperfeições (...)
consequências; ambição, suprema, (...) suspira”.
7) Aposiopese: “A suprema ambição da mulher (...) Daggele”.
8) Oxímoro: “Nada (é) mais fácil”;
9) Polissíndeto: “Torna a pele lisa, com a superfície inteiriça, escondendo as
imperfeições e ros demasiadamente abertos e elimina toda a gordura
ou viscosidade”;
11
Sic
12
sic
104
10) Eufemismo: “Escondendo as imperfeições”;
11) Epanalepse: “O Creme Evanescente, O Creme perfeito”;
12) Personificação: “deixe que os óleos finos e delicadas essências de que é
composto trabalhem durante o sono”;
13) A perissologia reflete uma mesma idéia repetida por palavras diferentes,
diz Reboul (2000): “A suprema ambição da mulher (...) Daggele oferece-
lhe a beleza por que suspira”.
14) Paranomásia: Ocorre no final das palavras e retorna em ritmo regular:
consequências, Vivatone, maravilhoso, revigora, superfície, inteiriça,
imperfeições, ambição, suspira”.
Ao finalizar o discurso, o orador retoma à questão inicial com a expressão:
“Esses miraculosos produtos”, convida o auditório a experimentá-los e finaliza-o.
Utiliza a auxese -: “Esses miraculosos produtos estão ao seu dispor” e determina:
“EXPERIMENTE-OS IMEDIATAMENTE”, informa o endereço e o valor a ser
remetido.
O texto é longo, argumentos ancorados no poder de persuasão das figuras
retóricas, distanciamento do público e, sobretudo: mostra que a mulher continua na
ausência de beleza natural, pois para ficar bonita, ela depende do uso dos produtos
de beleza femininos.
Segundo Meyer (1993, p. 143), “a sedução é a resposta sem questão à
questão que não tem resposta” e assim, aponta para uma identidade figurativa. nos
moldes da tropologia de acordo com o que a publicidade espera de seu auditório.
Nesse sentido, vale lembrar Reboul (2000, p. 143): “Pode-se objetar que é
difícil interpretar um discurso quando se ignora o acordo prévio que ele pressupõe”.
O mesmo linguista considera em relação à leitura e interpretação dos discursos:
“esse acordo é revelado pelo próprio texto: pelo não dito, pela ausência das provas
(...), por suas fórmulas estereotipadas, alusões e expressões” e são questões que
reforçam a análise desse discurso.
105
106
O slogan exerce poder de persuasão: “20-30 ou 40 primaveras (...) e sempre
conquistando corações”, e exprime como o ethos do fabricante considera e
determina a idade sexual ativa do auditório feminino: “20, 30... ou 40” anos como
limite para a mulher exercer seu poder de fascínio sobre o sexo oposto.
Na proposta gradativa e natural da idade, o discurso evidencia-se autoritário,
mostra “embutido” o raciocínio apodítico e torna a ação deôntica. O orador, ao
conhecer a “alma” feminina, serve-se desse conhecimento para percorrer caminhos
subjetivos e descobrir o auditório real, condição primeira para um acordo prévio.
Reboul (2000, p. 142), considera entre orador e auditório: “é impossível que
um se dirija ao outro se não houver entre ambos um acordo prévio".
Para Perelman e Tyteca, (1999, p. 150), “a linguagem não é somente meio
de comunicação, é também instrumento de ação sobre as mentes, meio de
persuasão”, que definem modelos de comportamento e de paradigmas.
A narração é feita pelo slogan: “GRAÇAS A UM CREME!♥” - A frase
mostra a linha argumentativa que norteia o assunto do discurso. Perelman e Tyteca
(1999, p. 150) consideram que “o (...) “sentido emotivo” (...) é um componente que o
teórico (...) é obrigado a introduzir quando quer corrigir (...) a idéia de que o
significado (...) é essencialmente descritivo (...) quando (...) analisadas de um modo
estático”.
Essas considerações sugerem o oposto de nossa pesquisa, que o texto da
propaganda de produtos de beleza femininos muito nos revela e é considerado,
também por isso, efeitos discursivos e ativos. Os mesmos autores mostram: “Os
usos argumentativos (...) variam o campo de seus usos (...) O significado emotivo é
parte integrante do significado (...) não é um acréscimo suplementar adventício,
alheio ao caráter simbólico da linguagem”, pois infere que a linguagem registra a
atuação social, os modelos propostos e aplicados não apenas na linguagem, mas
desenvolvidos e vividos na sociedade.
A partir desse entendimento, é possível afirmar o enorme poder de
reafirmação que a frase possui. O pequeno adorno da frase atribui convicção à
afirmativa anterior: “e sempre conquistando corações”, estratégias publicitárias que
107
atuam como forma de mostrar a satisfação pessoal e pode se estender à crença
nacional.
Esses sentimentos compõem o pathos que é o motivo pelo qual a
consumidora aceita ou refuta a proposta e, nesse momento, adquire a consistência
de argumento. Caso ela optar por adquirir o produto, terá a inquietação de perceber
se fez ou não a opção adequada e tentará convencer-se sobre a boa escolha.
Para Meyer, (1993, p. 137), “na lógica das paixões há mais do que uma
vontade de fazer saber (...) é a lógica das conseqüências, tanto das que queremos
como das que não queremos e das que por vezes intencionalmente procuramos”.
Assim, é provável que aceitemos antigos clichês como “a paixão nos torna
surdos à razão” e, muitas vezes, concordemos em ser enganados, permitimo-nos
persuadir e ser convencidos. Desse modo, o orador silenciosamente atua sobre
nossos desejos e pretensões.
O uso de verbo e pronomes em terceira pessoa revela o modo de o orador
dirigir-se à mulher: “E este segredo também pode ser seu.” O discurso de 1945
mantém o sentido de a mulher ser e permanecer bonita pela aquisição e uso
constante dos produtos de beleza que a tornam bela pelo hábito de usá-los.
A confirmação dos argumentos ocorre no transcorrer do texto com argumentos
fortes e ascendentes, continuam com argumentos estáveis, e finalizam com um
argumento forte porque priorizam o uso do Creme para resolver necessidades da
pele: “remove impurezas dos poros, fortalece os tecidos, corrige o ressecamento ou
oleosidade da pele e é também perfeita base para maquillage”, benefícios
concentrados em um único creme: Rugol.
Para Reboul (2000, p. 59), “a força de um argumento é sempre relativa em
razão daquele que o precede”. Em função disso, encontramos no mesmo autor que:
1) apresentação do argumento; 2) refutação dos contra-argumentos; 3) retomada do
argumento em uma nova forma. A argumentação, portanto, o se forma com
sequência de argumentos.
108
Reboul (2000, p. 92) esclarece: “certos argumentos são demonstrativos, não
se podendo definir a argumentação senão a partir do argumento. Argumentação é
uma totalidade que pode ser estendida em oposição a outra totalidade: a
demonstração”.
Os argumentos prendem-se à magia de o creme conservar a eterna juventude
entendida como um segredo e, para conseguir essaão a pele deve ser alimentada
com um creme rejuvenescedor. O raciocínio sobre o creme possuir elementos
sagrados e misteriosos brincam com o espírito feminino.
Uma das características do texto publicitário prende-se às funções da
linguagem elencadas por Jakobson (1971, p. 11): emotiva, conativa, referencial,
poética, fática e metalinguística. Para o linguísta, uma função não exclui outra, mas
pode haver predomínio de uma sobre a outra se, em um mesmo texto, existirem
várias funções. Na linguagem da propaganda as funções mais presentes são a
apelativa (ou conativa) e a função estética ou poética.
Para Sandmann (2003, p. 27-28) as características da função conativa
compõem-se por: “Períodos interrogativos, verbo no modo imperativo, pronomes
pessoais e possessivos de pessoa, verbo na segunda pessoa, vocativos,
pronomes de tratamento e dêiticos”.
Na propaganda de Rugol, o exórdio é construído com as seguintes figuras:
1) Gradação: “20-30-ou 40 primaveras”, esta última palavra reconhecida como
2) Metonímia, para designar a idade do auditório feminino. A frase: “- Graças a
um só creme!”, aliada às demais figuras acumula raciocínios e forma:
3) Conglobação: Uma cútis impecável é o segredo mágico da eterna
juventude” forma uma cadeia de figuras.
5) Metáfora estendida encapsulando a metonímia e auxese;
6) Aposiopese: 20-30- ou 40 primaveras...” para que esses espaços sejam
preenchidos de acordo com o desejo pessoal, e incide em E este segredo
também pode ser seu....”. O advérbio formado pelas partículas “tão” e “bem”
acentua o grau do argumento persuasivo;
109
7) Hipérbole, figura do exagero desencadeia o processo de ampliação e marca
a presença da euxese, e retoma a figura;
8) Gradação: Este famoso creme embelezador da cútis remove as impurezas
dos póros, fortalece os tecidos, corrige o ressecamento ou oleosidade da pele”. O
texto finaliza o fragmento de modo metafórico: 9) “perfeita base para maquilagem”.
O uso do verbo no modo imperativo indica obrigatoriedade deôntica,
necessidade obrigatória para manter a pele jovem, requisito básico para a aceitação
feminina no padrão social.
Nesse anúncio subjaz a exclusão da pessoa idosa, a mulher é aceita apenas
na idade de beleza. Nesse sentido, convém ressaltar: o discurso da propaganda do
Creme Rugol protege e mantém jovem a pele feminina até os 40 anos, a partir de 41
anos, o creme perde eficiência e eficácia e deixa a usuária desprotegida e inapta
para conquistar o sexo oposto.
Assim, a propaganda de Rugol põe fim à vida sentimental e sexual feminina e
a torna idosa precoce. Desse modo, a imagem que ilustra a propaganda de Rugol e
representa o auditório feminino, aparenta estar na faixa etária proposta pelo slogan
do produto; o casal abaixo do rosto alegre, sedutor e bonito, confere mensagem
subliminar embutida no discurso retórico.
Na peroração, o emprego do verbo “usar” no modo imperativo torna-se
fundamental para persuadir o auditório a aceitar a proposta do orador e assenta-se
no poder de persuasão das figuras de retóricas:
a) gradação: “desaparecem os cravos, manchas, espinhas” e
b) eufemismo: “e outras imperfeições”.
c) metonímia – “realizando este ideal de beleza e mocidade que tanto seduz
os corações”, retoma os argumentos empregados na narração e finaliza o
discurso.
Os argumentos que formam o discurso do texto se mostram tendenciosos e
formam características do discurso apodítico, autoritárias e deônticas porque não
110
apenas sugerem, mas impelem o auditório feminino a usar continuamente o Creme
Rugol.
A proposta do anunciante torna-se clara; ele pretende ter, como consumidor, o
auditório feminino até os quarenta anos e depois dessa idade não interesse de
persuadir ou convencer a mulher para usar o produto com lugares de sedução,
juventude, magia. Embora esse entendimento não esteja explícito no texto, é
possível identificá-lo pela análise retórica da leitura da propaganda que contém
mensagem subliminar de tendência.
Gomes (1999, p. 10) explica o uso corrente e abundante de figuras retóricas
na publicidade e na propaganda empregadas para persuadir o auditório: “(...) as
pessoas querem qualquer coisa ou idéia em que possam acreditar, tornando-se (...)
vulneráveis às indústrias que manufaturam e administram seus sistemas de crenças
(...) inconsciente das hábeis estratégias utilizadas para dirigir seus destinos”.
O pensamento de Gomes coaduna a idéia de, primeiro definir e depois excluir
do auditório feminino mulheres com idade superior a quarenta anos por serem idosas
(precoce). Essas considerações realimentam nosso pensamento: a coletividade que
não exercita alta auto-estima está fadada a delegar “procuração” para outras fontes
de satisfação pessoal, seja por meio de pessoas que se intitulam “donos do futuro”
ou por fatores que prometem “magia”, sedução, beleza, encanto ou juventude eterna,
ou todas essas aquisições agrupadas em um mesmo discurso.
111
112
O exórdio é formado por uma interrogação e segundo Reboul (2000, p. 135)
“representa um argumento em forma de pergunta” e confunde-se com a narração.
O período: “Claro... e você também deve acertar, dando a seus encantos um
maior poder de sedução, envolve o auditório na forma de “acertar” na escolha do
esmalte para unhas. Na mesma expressão, o discurso encaminha a “conversa” entre
orador e auditório de maneira despótica e deôntica.
Barthes (1984, p. 169) mostra: “a linguagem publicitária (...) abre para uma
representação falada do mundo que o mundo pratica desde tempos remotos e é a
“narrativa” toda a publicidade diz o produto a sua conotação) mas ela conta outra
coisa a sua denotação)”; o anúncio mostra o raciocínio apodítico, que trabalha na
construção de geradores de obrigatoriedade.
O discurso do esmalte Cutex é epidíctico, pois não possibilidade de o
auditório trocar informações. A frase é categórica: "você também deve acertar" e
assegura a condição de obediência, apenas. Segundo Perelman e Tyteca (1999, p.
59), esse discurso é “destinado a promover valores sobre os quais explicações
para que se sinta a impressão de um abrigo (...) numa matéria controversa"
O argumento parte de uma pergunta: “Acertei... Não acha?” cuja interrogação
antecipa a questão a ser tratada. O orador dirige-se a seu blico e mostra como ele
(o auditório) deve acertar.
Para Barthes (1984, p. 168), “o significante publicitário deve-se (...) ao poder
(...) de religar a sua leitura à maior quantidade de “mundopossível (...) experiência
de imagem (...) antigas, obscuras e profundas sensações do corpo, nomeados por
gerações e gerações”, e que constroem “sabedoria das relações entre homem e
natureza”.
O discurso marca sua potencialidade a partir do emprego dos verbos no modo
imperativo: “Experimente-os”, “Veja”, “Permanecem” - cuja chamada para o uso do
produto alia-se a outro da mesma indústria: esmalte e batom CUTEX.
Outros verbos somam-se aos primeiros como reforço de persuasão e
constroem novos chamados: “Use sempre”, “Fazem a moda" e "são indispensáveis”.
113
O discurso retórico busca reafirmação pelo emprego do adjunto adverbial de tempo
sempre, incutindo a ação de fidelidade aos dois produtos. Em sequência, o termo
CLARO revela pré-afirmação para o estado de sedução oferecido pelo produto.
O texto publicitário é finalizado com o emprego dos verbos: Experimentar”,
“ver” e “permanecer”. Para Gomes (1999, p. 12), “os anúncios só existem porque são
experimentados sensorialmente pelos consumidores. É no momento da recepção
consciente ou subliminar que o anúncio e consumidores entram em contato”.
Desse modo, o auditório elabora o processo mental de assimilação visual e se
deixa persuadir para aceitar ou refutar o produto. Para Gomes (1999), “uma das
características fundamentais do anúncio é que o seu controle, no sentido de escolha,
se situa fora da vontade dos consumidores”.
Gomes (1999) aponta para uma das capacidades do homem: desejo. Ele
afirma que o consumidor compra quando sente desejo de comprar, e isto está ligado
aos sentidos sensoriais.
O texto é formado com as figuras retóricas:
1) Vocativo
13
, que consiste, segundo Reboul (2000, p. 133), “em dirigir-se a
algo ou a alguém diferente do auditório real prepara persuadi-lo mais
facilmente”: “Acertei, não acha?” E convida o público para participar da
conversa e estabelecer um diálogo;
2) Aposiopese: a) “Claro...”, b) “Experimente-os...”, c) Para “cada tom de
esmalte...”; O advérbio “também” realiza a ação aditiva e conclama o público a
juntar-se ao orador para ambos acertarem na escolha dos produtos Cutex.
3) Sinestesia: “dando aos seus encantos um maior poder de sedução”;
4) Expolição: Retoma o mesmo argumento com formas diferentes em: a)
“Use sempre em suas unhas o Esmalte Cutex”; b) “São indispensáveis”; c) “de
longa duração”; d) “apresentando tonalidades novas”; e) “fazem a moda”; f)”
permanecem”;
13
Ou apóstrofe
114
5) Elipse: a) “Acertei; b) Não acha?”;
6) Aliteração: a) acertar (...) seus (...) sedução; sempre; suas (...) sensacionais
(...) são, (...) sua;
7) Paronomásia: sedução; sensacionais
8) No texto ocorre reafirmação sobre o tempo que o esmalte permanece na
unha: “Use sempre em suas unhas o Esmalte Cutex, de longa duração”. Temos
assim delonga, um terceiro termo formado pela junção nica da preposição de
com o adjetivo feminino longa.
O verbo no modo Imperativo fortalece a “fala” do orador e encaminha a
consumidora incaulta a não perceber a persuasão velada no discurso. O ethos
retórico do fabricante exibe a imagem feminina definitivamente voltada à frente, olhos
em nível de igualdade com o auditório. Desaparece a aparência de submissão,
fragilidade e obediência das propagandas femininas.
Para Barthes (1985, p.169),
“pela análise semântica da mensagem publicitária, podemos compreender
que aquilo que ‘justifica’ uma linguagem não é de modo algum, a sua
submissão à ‘Arte’ ou à ‘verdade’; mas a forma como foi construída garante
a criatividade inédita na “duplicidade (técnica) (...) de modo algum
incompatível com a franqueza de linguagem, porque essa franqueza se
deve não ao conteúdo das asserções, mas ao caráter declarado dos
sistemas semânticos usados na mensagem”,
e se tornam instrumentos de riqueza vocabular e de compreensão.
115
116
O exórdio é feito com o pronome pessoal do caso reto EU acompanhado pela
interrogação com a função de evidenciar o contrário. Na linguagem figurada o
“Cleuasmo (...) consiste no desgabo que o orador faz de si mesmo para
angariar a simpatia do auditório. Figura do ethos, o cleuasmo também
afirma a vingança do bom senso sobre os especialistas ou os eruditos, da
vivência sobre o livresco, da ingenuidade sobre a sofisticação” (REBOUL,
2000, p. 135).
A narração inicia após a expressão: Eu? Estratégia, em forma de
aconselhamento, visa convidar o auditório a participar do diálogo sobre os benefícios
oferecidos pelo desodorante: “– A não ser que você tome precauções, é possível que
o cheiro de sua transpiração incomode os outros”. Nessa frase, o cleuasmo é
confirmado por meio da interrogativa a respeito da prática da higiene corporal.
Na exposição clara e breve, o logos deve superar o ethos e o pathos, que
a função do logos prende-se ao raciocínio lógico. Meyer (1993, p. 33) reforça a
asserção: “Pathos, logos e ethos coincidem assim, e nem sempre conseguimos
deslindá-los com precisão. Justificar-se implica argumentos (logos), mas também
levar o outro em conta (pathos), para lhe agradarmos”.
Os argumentos, na intenção de conscientizar e persuadir o auditório sobre as
precauções que este deve tomar para prevenir-se contra o mau cheiro de suor,
assumem características epidícticas.
Para Carrascoza (2004, p. 26),
“o gênero deliberativo é dominante na trama do texto publicitário, cujo intuito
é aconselhar o público a julgar favoravelmente um produto/serviço ou uma
marca (...). Para isso, elogia-se o produto, louvam-se suas qualidades e seu
fabricante, o que torna relevante também seu caráter epidíctico”.
117
As considerações de Carrascoza (2004) ganham credibilidade, pois o orador
promete proteção ao auditório se este usar Odo-ro-no. Essa condição propõe alterar
o hábito feminino se o auditório aceitar os argumentos do anunciante do produto.
Simulação ou sedução, a mensagem publicitária exibe, propõe, desperta, maravilha,
seduz, e reúne todas essas emoções para despertar-lhe o desejo, persuade-o e o
convence a adquirir o produto.
Envolvido pelas artimanhas publicitárias, o público, inconscientemente, inicia
a implantação de novos paradigmas, propostos pela atuação da propaganda
esmerada em vender beleza, prestígio, poder, fantasia, segurança, liberdade,
eficácia, conforto e bem-estar e, sobretudo, aceitação social.
Na expressão “Todo mundo transpira”, o orador traz o entendimento que,
apesar de todas as pessoas transpirarem, nem todas exalam odor desagradável e
mostra a figura retórica: 1) Sinédoque que “designa uma coisa por meio de outra que
tem com ela uma relação de necessidade, de tal modo que a primeira não existiria
sem a segunda”.
Segundo Reboul (2000, p. 121), a sinédoque é a figura que condensa um
exemplo. Mas, se você usar ODO-RO-NO, terá a certeza de estar o dia todo
protegida. O cheiro da transpiração desaparece num instante – porque ODO-RO-NO
o elimina, em vez de encobri-lo. Livre-se do cheiro de suor com o eficiente Odo-ro-
no.
A peroração está, no discurso de ODO-RO-NO, em “Livre-se do cheiro de
suor com o eficiente Odo-ro-no. Faça de Odo-ro-no o seu melhor hábito diário”, forte
persuasão pelo cumprimento fases do esquema aristotélico.
O verbo no modo imperativo caracteriza o discurso apodítico, tom autoritário
que habitou o país nos anos de 1960. A expressão formada pelo pronome pessoal
do caso reto “Eu?” seguido de interrogação insere a participação do auditório no
discurso.
Para Perelman e Tyteca (1999, p. 202), “na comunicação oratória o orador
pede ao próprio adversário, ao juiz, que reflita sobre a situação em que está, e
convida-o”, e nesse sentido, o exórdio atua com eficácia, pois o orador convida o
118
auditório e incita-o a “participar da deliberação que ele parece prosseguir à frente
dele, ou então o orador procura confundir-se com o seu auditório”.
A figura feminina do discurso publicitário humilde, passiva, traços perfeitos e
delicados desaparece da propaganda de produtos de beleza femininos. O orador
demonstra autoridade em seu discurso ao mostrar a mulher no modo de como ela
deve se comportar e se prevenir para proteger-se de suar mal e ser socialmente
percebida por outras pessoas, porém, desta vez, ela assume a fala direta com seu
auditório.
Outro recurso linguístico refere-se às figuras de retórica que permeiam o
discurso de Odo-ro-no:
1) Elipse: “Esteja segura de si”;
2) Zeugma que consiste em nova elipse já referida anteriormente e que
estabelece uma enunciação da mesma categoria. Esteja segura de si, o
dia inteiro”. “Livre-se do cheiro de suor”. Na frase: A não ser que você
tome precauções” ocorre
3) Epítrofe– à qual Reboul (2000, p. 134) sinaliza: “é uma figura de
indignação que finge aceitar um ato odioso de alguém para sugerir que
esse alguém seria capaz de cometê-lo”. No discurso de ODO-RO-NO,
entendemos que o ato odioso pode ser substituído por “ato de surpresa
desagradável”. “EU?”.
4) Oxímoro que é “a mais estranha das figuras; consiste em unir dois termos
incompatíveis, fazendo de conta que o são”. Reboul (2000, p. 125)
como é o caso da frase: “A não ser que você tome precauções”. Em: O
cheiro de transpiração desaparece num instante”, encontramos 5)
Conglobação que é, segundo Reboul (2000) a acumulação de
argumentos para concluir um único pensamento: a eficácia do
desodorante ODO-RO-NO.
Estratégia criativa é a formação do nome do produto em partição de unidades
sonoras. Sandmann (2003, p. 63) afirma: “Para realçar (...) um produto ou de um
119
serviço (...) no cruzamento vocabular (...) em seu corpo fônico (...) depende da
escolha de quem forma a nova unidade, (...) especialmente criativa”.
Neste caso há espaço para a palavra ODO-RO-NO. Abreu (2005, p. 38)
afirma: “As palavras o escolhidas inconscientemente. É preciso prestar atenção
(...) ao som da voz (...) na voz do outro (...) aprender a “ouvir” com nossos olhos”.
Para Reboul, (2000, p. 173) “argumentar já não é implicar, mas explicar, pois,
quantos mais fatos uma tese explicar, mais provável ela será”.
O discurso do desodorante ODO-RO-NO apresenta características do discurso
epidíctico. Para Perelman e Tyteca (1999, p. 57), "a concepção do gênero oratório
(...) praticado por aqueles que (...) defendem os valores tradicionais (...) aceitos
como objeto de educação (...) e não os valores que suscitam polêmicas e
controvérsias".
Na análise do texto de Odo-ro-no, reafirmamos, a fundamentação sobre
informações que colhemos, de modo singular, nos textos estudados e que nos
mostram novas vias de educação da coletividade. Driencourt citado por Perelman e
Tyteca, 1999, p. 57-58) "analisa e rejeita numerosas tentativas para distinguir a
educação da propaganda e (...) não conclui de modo satisfatório, “por não situar seu
estudo no âmbito da teoria geral da argumentação”. Este, para nós, é fato aceitável,
pois as propagandas nos revelam atitudes e posturas que, durante a pesquisa,
permitiram estabelecer novos conceitos que contribuem na formação de novos
valores, novas posturas, novas percepções e, sobretudo, novo modo de entender a
educação pela propaganda .
Os anúncios examinados entre 1928 a 1960, extensos e complexos, ricos em
figuras retóricas, registros da posição social ocupada pela mulher e reafirmada pela
mensagem imagética, mostram a evolução dos discursos e das imagens, ambos
responsáveis pelas considerações finais que se firmará a partir desta investigação.
120
CONSIDERAÇÕES
A mídia exerce forte influência sobre a população para além do que supomos
e o discurso publicitário, por sua vez, contribui para naturalizar os valores do discurso
dominante, aproxima-o da concepção maniqueísta ligada ao poder dos sexos.
A revista O Cruzeiro, surgida com o objetivo de modernizar o país, imprimiu
sua ideologia à ideologia da época. Fonte de registros importantes, o semanário
instituiu formas de comportamentos, modos de ver a vida e, sobretudo, formou
valores modernos que privilegiaram o "ter" em detrimento do "ser". Evidentemente,
essa responsabilidade não é apenas da revista, mas perpassa às demais
organizações sociais, que esses fatores somam-se a outros como a educação
familiar, escolar e social e molda o perfil do ser humano contemporâneo, reflexo
social dos homens das somadas décadas.
Importantes buscas e conquistas não foram registradas, no semanário,,
como as vozes femininas que gritavam pelo direito ao voto, e, timidamente, ecoavam
nos campos sociais seus apelos à igualdade de direitos e também de espaços no
mercado de trabalho, na família e nas decisões políticas do país; ao contrário, a
revista contribuiu para apagar as vozes femininas daquelas pelas quais priorizou em
suas páginas, as belas, as ricas e as que a revista definiu como "modernas", porque
se encaixavam nos padrões de comportamentos moldados pelo cinema americano
além de "sepultar" as vozes das pobres e trabalhadoras excluídas socialmente.
A atividade da mulher junto à Cruz Vermelha em ajuda aos soldados, na
Revolução de 1930, foi entendida como beneficência, sentimento maternal, bondade,
e caridade. Raciocínio e análise praticados pela mulher a respeito de acontecimentos
sociais, políticos ou intelectuais aguçavam o interesse feminino, porém, jamais foram
apontados nas matérias jornalísticas.
Temas sobre política, educação, saúde, beleza, e necessidades familiares,
partiram da perspectiva de um pensamento masculino, que, com evidente
preconceito, encobriram o posicionamento feminino sobre suas conquistas, como a
luta pelo direito ao voto. Os espaços para as mulheres em O Cruzeiro serviram para
121
enaltecer o belo, o glamour e o consumo; assim, não se destinaram à defesa dos
interesses femininos pelos quais lutava uma parcela de mulheres, do Brasil e de
todo o mundo.
Por sua linha editorial, a revista impôs a modernidade, adotou e anunciou
padrões modernos e, nessa perspectiva, publicou aconselhamentos de como ser boa
esposa, mãe, e dona de casa; de como se vestir bem e ser elegante; compôs
manuais de comportamentos descritos em colunas conservadoras e solidificou a
submissão da mulher ao marido, atribuindo a ela, apenas o papel de dona de casa,
rainha do lar e mãe.
A modernidade mostrou ao público feminino o consumo como forma de
alcançar felicidade por meio da moda, de produtos de uso doméstico, das facilidades
dos eletrodomésticos, como geladeiras e batedeiras, e sofisticadas cozinhas com
fogões a gás. Propôs, como moderno, comportamentos que dotaram novos
vocabulários, exercícios físicos, passeios na avenida, cinema, teatro e muitas
compras em modernas lojas com novidades vindas de Nova York e Paris.
Algumas colunas destinadas ao auditório feminino versaram sobre questões
domésticas, moda, mudanças comportamentais, educação dos filhos, convívio
conjugal, roupas, assuntos que se dividiram entre os estilos ousados e os
conservadores. Práticas como banhos de mar e banhos de sol uniram-se às práticas
esportivas, e dirigiram-se às mulheres modernas e às conservadoras.
Alceu Penna manteve a coluna “As garotas”, direcionada ao público jovem de
classe social alta. Nesse espaço, uma série de regras intensificou a necessidade
feminina no mundo doméstico e ensinamentos sobre padrões ousados, como moças
terem gostos próprios, usarem roupas da moda e frequentarem avenidas e espaços
públicos.
A sátira reforçou esse pensamento: moças consideradas livres de
preconceitos usaram roupas modernas, visitaram as ruas em frequentes passeios às
calçadas, aos cafés, aos movimentos da nova e moderna forma de viver; mulheres
bonitas propagaram produtos de beleza, inseriram palavras americanas no
122
vocabulário e naturalizaram as influências culturais hollywoodianas, vindas pelo
cinema, principalmente.
Na revista, apenas um caminho às mulheres: o de acompanhar os ditames da
moda em roupas e comportamentos, espelhados nas atrizes do cinema americano;
as seções mais significativas resumiram-se a “Donna” e “Dona na sociedade”.
Com o culto ao belo, a revista excitou o imaginário dos leitores; o consumo de
cosméticos garantiu beleza, conforto e prometeu a realização do sonho feminino de
transformação, de dias melhores, de contentamento, de conquistas e de felicidade.
Atores e atrizes do cinema também divulgaram novos padrões adotados pelas
consumidoras, estimuladas a usar roupas da estação e a se comportar como as
estrelas de Hollywood.
Nas capas do semanário, as mulheres foram desenhadas ou fotografadas. o
belo feminino foi exposto por mulheres que mostraram, no rosto, traços perfeitos,
expressivos, maquiadas, de pele clara, e, ao exibirem a moda, o corpo todo. Porém,
a revista não divulgou o nome dessas mulheres, e caracterizou a subalternidade da
mulher, e reafirmou sua condição de inferioridade.
Esta comprovação registrou mais um aspecto da ideologia da revista, pois
ainda que o semanário objetivasse trazer ao país a modernidade, trabalhou
implantando valores naturalizados do meio autoritário, machista, patriarcal e destinou
à mulher, apenas o lugar coadjuvante. O auditório feminino, assim, encarnou seu
papel secundário no plano social, político e, no mais importante: no seu existir.
Para analisarmos o discurso da propaganda de produto de beleza feminino,
perseguimos indícios deixados pelo orador e chegamos a considerações
interessantes, fragmentos de verdades obscurecidas nos trabalhos dos recortes que
fazem a "colcha dos retalhos históricos", de ações que compuseram a história,
mostraram os feitos de homens e mulheres na ação ativa e teceram as alterações
naturais no cenário humano, mosaico de uma realidade configurada e passível de
ser verificada.
Em nossa análise, constatamos: pouco a pouco, as transformações no modo
de apresentar fotografias, reportagens, moda, produtos lançados no mercado, do
123
fazer humorístico, política, etc.. No plano linguístico, seis dentre oitos discursos de
produtos de beleza femininos, mostraram que a mulher deveria produzir-se para
exercer a sedução.
Com finalidade, ainda que minimamente, de contribuir, no preenchimento de
lacunas históricas, no que tange à análise do discurso publicitário de produtos de
beleza femininos, no período de 1928 a 1960, esta pesquisa encontrou algumas
respostas que, por sua vez, também mostram algumas possibilidades de
desdobramento deste trabalho, síntese de algumas reflexões.
O texto da propaganda em O Cruzeiro deixou transparecer sentidos que
retratam a realidade da época, residem na memória coletiva por meio dos registros
impressos e armazenam nos vocábulos sentidos que se tornam contribuições para
que outras verdades sejam instituídas pela ação de decifrar, de interpretar e de
entender os significados contidos nos termos do discurso e possam revelar diretrizes
para serem investigadas, interpretadas, avaliadas e definirem os modos pelos quais
os discursos influenciam e definem papéis assumidos e vividos pelos seres humanos
na sociedade.
Nas propagandas 1, 2 e 3, os discursos foram constituídos com expressiva
presença de figuras de retórica e estas, se analisadas em seu contexto, perdem
características próprias para se tornarem a conglobação, figura entendida como
acúmulo de argumentos pelo qual o orador fecha um único raciocínio com a
finalidade de persuadir o público.
O tom cerimonioso distanciou o auditório feminino, não apenas do orador,
mas também de outros públicos, inferiu características equivocadas à mulher
brasileira, como por exemplo, o sentido expresso pelos pronomes "Vossa
Excelência", "dama aristocrática", "Vossa Senhoria" ou apenas "madame",
tratamento destinado às mulheres da elite brasileira, minoria no país.
Em nossa proposta, o discurso das propagandas de produtos de beleza
femininos ganhou voz na "fala" de um orador autoritário a induzir o auditório feminino
a aceitar a fala do outro, para nós, um desconhecido. Essas características
encontram-se nos discursos dos produtos de beleza das figuras 1, 2, 3, 4, 5, 6
124
somadas à atuação metafórica das imagens e, somente em 1955, a mulher
conquistou espaço e direito de "falar" com seu interlocutor e o convidou à ação. Na
propaganda do batom e esmalte Cutex, em "Acertei... Não acha?" a voz feminina
mostra um discurso próprio e a uma postura pessoal reafirmada pelo discurso do
desodorante Odo-ro-no, em 1960. A partir desta data (1960), o feminino brasileiro
busca, efetivamente, seu espaço por inteiro, na sociedade.
Nesse sentido, nossa pesquisa marcou tímida evidência marcada por vozes
escritas e fortemente ocultas nos discursos da propaganda, e que constituíram o
perfil da mulher obediente e submissa à voz do orador.
Os artifícios retóricos utilizados nos discursos da propaganda dos produtos
de beleza femininos atuaram com enorme força persuasiva a fim de convencer o
auditório feminino. Neles, sintaxe e semântica surgiram e apresentaram-se como
termos auxiliares na constituição de um discurso capaz de moldar um ideal de beleza
da mulher brasileira, conforme os padrões ditados pela sociedade da época.
As expressões dos produtos ALACK L, figura número dois (2), reafirmaram,
na expressão: "Vossa Excelência", a larga distância entre a mulher e o orador. Essas
são informações, carregadas de sentido, transitaram nos discursos publicitários dos
produtos de beleza femininos, ao longo das propagandas, das matérias e das
propostas da revista em modernizar o país. A mulher, portanto, manteve-se excluída,
não apenas das ações, mas também, do quadro social.
O discurso publicitário desconstruiu a auto-estima feminina para, em seguida,
assegurar uma beleza conquistada por meio da ação eficaz dos produtos de beleza.
Esse efeito de linguagem pode ser observado em frases construídas por meio de
figuras de retórica e suavizam as expressões que desconstroem a autoestima
feminina para posteriormente retomá-las e agir de modo definitivo como ao afirmar
que a mulher será bela "se usar" os produtos anunciados.
A atuação linguística do orador moldou, ainda que de modo inconsciente, uma
identidade feminina fragilizada, submissa, obediente, dependente e, sobretudo,
impedida de pensar por conta própria.
125
As propagandas de produtos de beleza femininos, cadenciadas e ritmadas
pelas figuras retóricas, demonstraram os mecanismos de publicidade potentes e
persuasivos como que a "martelarem" no inconsciente do auditório feminino a
assumir responsabilidades que o fizesse ter um cabelo mais bonito, mais sedoso,
mais higiênico e mais jovem, como na propaganda da Loção Brilhante, pela repetição
persuasiva da expressão: "Pense V. Sª", em quatro momentos, reafirmaram a
imposição da proposta publicitária. Na imagem, o rosto oculto, o cabelo sobre a face
são demonstrações que sugerem opressão sobre valores e atitudes, e voltado o
olhar para baixo, a submissão, exemplos de como a mídia ditou valores, instituiu
conceitos e formou a cultura da coletividade.
Na figura número quatro (4), de Shampoo-Pó o texto induziu o auditório a
pensar que a mulher não se higienizava por um período, na contemporaneidade,
considerado longo. A expressão "O chapéu colado à cabeça", reforça nosso
pensamento, pois a nosso ver, o chapéu ficava firme na cabeça calcado na
oleosidade natural de um couro cabeludo não higienizado.
Nessa propaganda, o discurso mostrou a construção de um valor de ordem
moral ao afirmar que um erro julgar de modo superficial", e sugeriu a prática da
higiene "semanal". Nesse caso, o texto publicitário educou o auditório feminino a
banhar-se semanalmente.
Na figura número cinco (5), o longo discurso do Creme Daggele mostrou a
linguagem clara e o auxílio do eufemismo capaz de encobrir a mensagem do texto,
pois o Creme de Daggele, ao cobrir as imperfeições da pele, não podia, de modo
algum, prometer eficiência e eficácia dermatológicas. Tratava-se, pois, de uma
mensagem, efetivamente, aberta e evidenciou discriminação racial ao se referir à
eficácia do Creme em deixar a pela alva, e transparecer que mulheres de pele não
alva, não seriam agraciadas pelo Creme e estariam excluídas da possibilidade de
usá-lo.
Na figura número seis (6), o texto do Creme Rugol reafirmou preconceito e
exclusão da mulher para a mulher com mais de quarenta anos, tornou-a idosa, e
definiu a idade limite para sua vida útil nos aspectos afetivo, emocional, conjugal e
sexual.
126
Na figura número sete (7), no discurso do Batom e do Esmalte Cutex, a
persuasão se fez por meio do discurso apodítico e de sentido deôntico. Aí, as
palavras atuaram em forma de reciprocidade, pois a figura feminina passou a
conversar com o auditório feminino e conclamou-o a emitir opinião a respeito da
eficácia dos dois produtos. Trata-se assim, de um forte registro no sentido de gravar
a fala feminina da sociedade de 1955.
A figura número oito (8) trouxe importantes registros: É a mulher indagando,
externando a voz, fazendo-se ouvir ao perguntar: "EU?", como a sugerir que seu
interlocutor lhe explique o porquê de ser ela a estar suando e exalando mau cheiro. É
a luta feminina e seus alcances a se fazerem notar nas imagens, nas frases, nos
discursos das propagandas de produtos de beleza femininos a mostrar que (1960) a
mulher pode falar ao seu auditório e, sobretudo, exigir uma explicação: Eu?
A propaganda empregou artifícios altamente persuasivos e perversamente
contundentes a fim de persuadir pessoas com valores morais e universais
fragilizados, talvez, pelo não conhecimento do sentido das palavras, do conhecer-se
a si própria, de ter bem definidos os valores que fazem feliz uma criatura, ou por não
exercitarem eficiente interpretação de textos e não entenderem os mecanismos de
leitura e de interpretação que podem levar a compreender as artimanhas
publicitárias.
Vale lembrar que os produtos de beleza continuam a ditar a moda da beleza, o
padrão de peso corporal a ser mantido, o vestuário a ser usado, o vocabulário a ser
praticado e, sobretudo, mulheres a serem imitadas e copiadas, por inteiro, como "top
models", estrelas da "telinha" e do cinema, que propagam roupas, calçados,
perfumes, cosméticos. Assim, grande parte das mulheres brasileiras, especialmente
as adolescentes, submetem-se a dietas estarrecedoras, e muitas vão a óbito ao se
face à alimentação deficitária para ganhar glamour.
As linhas que definiram a base teórica de nossa pesquisa foram reafirmadas
pelas constatações nos discursos de produtos de beleza femininos da época
delimitada. Evidentemente, nosso trabalho não se esgota nesta pesquisa, ao
contrário: nossas buscas apontam para outras investigações interessantes, como por
exemplo, a existência de mensagens subliminares domiciliadas nas propagandas e a
127
importância de a leitura estender-se até esses fatores como forma e adentrar além
do escrito, à leitura hermenêutica e encontrar o "escondido" nas entrelinhas e nos
contextos, pois ler todo o quadro publicitário implica deixar o estado de analfabeto
circunstancial, ou funcional para tornar-se um leitor preparado a ler a vida e o mundo
e poder compor o mosaico da história que jamais terá fim: a história humana.
Para complementar nossa investigação, apresentamos no quadro a
ocorrência das figuras de retórica ocorridas para persuadir o auditório e que foram
pensadas no trabalho de Reboul (2000) na sua obra Introdução à Retórica e formam
a conglobação.
128
Figuras Retóricas Total Fig. Nº
Aliteração x x x x x 05 1. Orf-Lène-Líquido
Antítese x 01
Aposiopese x x x x x 05 2. ALACK L
Apóstrofe x x x 03
Assíndeto x x x 03 3.Loção Brilhante
Auxese x x x x x 05
Catacrese x x x 03 4. Shampoo-Pó
Cleuasmo x 01
Comparação x 01 5. Daggele
Conglobação x x 02
Contrafisão 01 6. Creme Rugol
Elipse x x x x 04
Enálage x x 02 7.Esmalte Cutex
Epanalepse x 01
Epítrofe x 01 8. Odo-ro-no
Eufemismo x x x x x x 06
Expolição x x 02
Gradação x x x x x x x x 08
Hipérbole x x x x X 05
Metáfora x x x x x x 06
Metonímia x x x x x x 06
Oxímoro x x x x 04
Parataxe x 01
Paronomásia x x 02
Perissologia x 01
Personificação x 01
Pleonasmo x 01
Polissemia
Prolepse x x 02
Silepse de Número x 01
Sinédoque x 01
Sinestesia x x x x x 05
Tapinose x x x 03
Zeugma x 01
Total
94 figuras
129
Tornou-se interessante verificar, que sob os ensinamentos de Aristóteles, os
discursos publicitários cumprem o esquema aristotélico, adentram à mensagem
publicitária e a maioria destas dispensa, muitas vezes, o exórdio.
Na contemporaneidade, os meios de comunicação vendem uma imagem
depreciativa das mulheres, obscurecem a imagem feminina e estimulam acirrada
disputa por determinados padrões de beleza. Assim, o culto ao corpo pelo corpo,
cumpre os ditames da moda, regem o comportamento de parte do auditório feminino
que a esses valores se prende em detrimento à saúde, à qualidade de vida, incluindo
os padrões morais e éticos.
O desconstruir das naturalizações dos valores culturais, sociais e de consumo
abrem novas possibilidades para novas conquistas, e estas, por sua vez, situam a
mulher na condição de ser humano em igualdade de direitos e de deveres em um
mesmo plano social a ser definido de modo gradativo.
130
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