Podemos considerar, a partir dessa breve e esquemática exposição, que as posições
desejantes descritas por Nasio (2007) permitem aproximar a clínica da teoria, pois dão
operacionalidade à percepção, por parte do terapeuta, de certo modo de relação
permeado pelo desejo inconsciente. Cabe salientar, novamente, que esses desejos são
derivados de fantasias
66
produtoras de prazer ou de angústia e que “a angústia de
castração não é sentida pelo menino, é inconsciente” (NASIO, 2007: 33). Édipo,
portanto, para esse autor, é a primeira neurose de crescimento do ser humano, pois a
angústia é o avesso do prazer, e angústia e prazer, mesmo sendo sentimentos opostos,
estão agindo simultaneamente “gerando o doloroso conflito entre saborear o prazer de
fantasiar e ter medo de ser punido caso persevere” (NASIO, 2007: 34).
Na perspectiva lacaniana, seguindo as formulações de Faria (2003), o primeiro
tempo do complexo de Édipo está interligado ao “estádio do espelho”, período no qual a
criança alienada ao Outro materno, de quem depende, está assujeitada à onipotência da
mãe. Se é desta que virá sua possibilidade de existir e não apenas de sobreviver,
dependerá do dom
67
materno para ser. Por isso, é a ilusão de Onipotência do Outro
materno que marca o primeiro tempo do Édipo: “De um outro onipotente, a criança não
pode esperar senão a potência da satisfação” (FARIA, 2003: 51). O dom é a satisfação
que o Outro dá ou recusa; assim, se houve frustração, não foi porque o objeto faltou,
mas por recusa do dom pelo Outro. Nesse primeiro tempo do Édipo, o registro da falta
está excluído. Portanto, diz-nos a autora: “no primeiro tempo a mãe é a potência de
66
Nasio (2007) define fantasia como “[...] uma cena imaginária que propicia consolo à criança, tome esse consolo a
forma de um prazer ou de uma angústia. Assim a fantasia tem por função substituir uma ação ideal que teria
proporcionado um gozo não-humano por uma ação fantasiada que baixa a tensão do desejo e suscita prazer,
angústia ou ainda outros sentimentos, às vezes penosos [...]. A cena fantasiada não é obrigatoriamente consciente
e ela se traduz na vida cotidiana da criança por um sentimento, um comportamento ou uma fala [...]. Em suma, as
sensações despertam o desejo, o desejo suscita a fantasia e a fantasia se atualiza através de um sentimento, um
comportamento ou uma fala”. (p.29).
67
Como a criança não está ainda na posição de sujeito, também não é possível supor a relação desta com o que
lhe é oferecido pela mãe como relação de objeto; portanto, Faria usa o termo dom, retirado do contexto em que
aparece no Seminário 4 de Lacan para designar essa relação que não pode ser chamada de relação de objeto.