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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MATERNO INFANTIL
MESTRADO ACADÊMICO
REPRESENTAÇÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA:
VIVÊNCIAS DE MULHERES COM HEMIPARESIA
SÃO LUÍS – MA - BRASIL
2007
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REPRESENTAÇÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA:
VIVÊNCIAS DE MULHERES COM HEMIPARESIA
ADRIANA OLIVEIRA DIAS DE SOUSA MORAIS
SÃO LUÍS – MA - BRASIL
2007
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Saúde Materno Infantil da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do Título de Mestre em
Saúde Materno-Infantil
Orientador(a):
Professora Doutora Ednalva Maciel Neves
Coordenadora do Programa:
Professora Doutora Luciane Maria Oliveira Brito
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Morais, Adriana Oliveira Dias de Sousa
Representações sobre qualidade de vida: vivências de mulheres com
hemiparesia / Adriana Oliveira Dias de Sousa Morais. – São Luís,
2007.
141 f.
Dissertação (Mestrado em Saúde Materno-infantil)- Programa de
Pós-graduação em Saúde Materno-infantil, Universidade Federal do
Maranhão, 2007.
Orientadora: Profª Drª Ednalva Maciel Neves
1. Hemiparesia- Mulher. 2. AVE - Qualidade de vida. I. Título
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Saúde Materno Infantil da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do Título de Mestre em
Saúde Materno-Infantil
ADRIANA OLIVEIRA DIAS DE SOUSA MORAIS
REPRESENTAÇÕES SOBRE QUALIDADE DE VIDA:
VIVÊNCIAS DE MULHERES COM HEMIPARESIA
Aprovada em / /
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Profª. Drª Ednalva Maciel Neves (Orientadora)
Doutora em Antropologia Social
Universidade Federal do Maranhão
____________________________________________________
Profª Drª Dilercy Aragão Adler
Doutora em Ciências Pedagógicas
Faculdade do Maranhão - FACAM
____________________________________________________
Profª Drª Diomar das Graças Motta
Doutora em Educação
Universidade Federal do Maranhão
____________________________________________________
Profª Zeni Carvalho Lamy
Doutora em Saúde da Criança e da Mulher
Instituto Fernandes Figueira
A Deus, onipresente, essência do meu viver.
Aos meus pais, que são a base de toda a minha
formação e com quem aprendi que a busca do
conhecimento é o caminho de crescer.
Ao meu esposo Mauro Ricardo, que sempre foi meu
“porto seguro”, incentivando-me a alcançar meus
objetivos.
Às mulheres hemiparéticas que confiaram suas
angústias e sentimentos que resultaram neste trabalho
tão importante para o entendimento de uma prática
que só é possível ouvindo de quem a vive.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por toda força e condução na realização deste trabalho.
A meus pais, Pedro Afonso de Sousa e Eliane Oliveira Dias de Sousa, que me deram a vida
e acreditam no meu potencial, compartilhando das minhas conquistas.
Aos meus irmãos Sérgio, Bruno e Gisele Oliveira, por tudo que me dispensaram até este
momento, em especial pelo cuidado e preocupação constantes.
Ao meu esposo, Mauro Ricardo Borges de Morais, por ter escolhido seguir ao meu lado e
por, sobretudo, ser um exemplo, homem de caráter, um homem de atitude.
A minha orientadora Profª Drª Ednalva Maciel, que ao seu modo, conduziu de forma bela e
harmoniosa este trabalho, abrindo as portas da sua casa, propiciando-nos juntamente com minhas
amigas de mestrado Viviane Maciel Batalha Carneiro e Adriana Rêgo, um ambiente de alegria,
desabafos e, sobretudo, amadurecimento profissional e espiritual.
Às minhas amigas, Diana Virgínia Lopes de Araújo, Gabrielle Ferraz, Graciela Fernanda
Carvalho e Priscila Monteiro de Almeida, que sempre contribuíram para o meu crescimento
profissional.
Às mulheres hemiparéticas por abrirem a porta para que eu pudesse conhecer esse universo
tão pouco explorado.
Às Coordenações do Curso de Pós-Graduação em Saúde Materno-infantil, da Clínica-
escola Santa Edwiges- CEST/ APAE, pela oportunidade de aprendizagem e conhecimento.
A todos do grupo GEASC, Grupo de Estudos Antropológicos sobre Saúde, Ciências e
Sociedades Contemporâneas, que entre um cafezinho e outro me ajudou a crescer com as ricas
discussões de temas relacionados às Ciências Sociais e da Saúde.
A todos os colegas e docentes do Mestrado Materno-infantil. As conversas, as trocas de
idéias possibilitaram a CONSTRUÇÃO COLETIVA do trabalho do dia-a-dia que se refletem
nessa dissertação.
“Aprendi que sobreviver na condição de ser portador de
hemiparesia consiste em viver a cada dia a minha existência.
Qualidade de vida é um constante movimento de reconstrução de
meu cotidiano e na retomada da vida, transformando minhas
limitações em possibilidades de bem viver, ou seja, de viver mais
saudável”.
(E 7)
RESUMO
Estudo das representações sobre qualidade de vida das mulheres com hemiparesia após o
Acidente Vascular Encefálico. Apresenta-se uma visão panorâmica sobre a historicidade da
deficiência física, ressaltando os significados ao longo da história. Abordam-se os diversos
conceitos e significados de qualidade de vida, bem como a repercussão do Acidente Vascular
Encefálico na qualidade de vida. Utilizou-se para a definição de qualidade de vida o modelo
conceitual de Ferrans e Powers (1992). Define-se qualidade de vida como a sensação de bem-
estar de uma pessoa que deriva da satisfação ou insatisfação com as áreas da vida. Trata-se de
uma pesquisa de metodologia qualitativa. Participaram deste estudo mulheres com Hemiparesia,
idade entre 20 e 59 anos, com tempo médio de ocorrência do AVE de 12 meses à 18 meses e que
recebem atendimento reabilitacional na Clínica-escola Santa Edwiges- APAE. Optou-se pelo
sexo feminino, porque a revisão histórica da literatura apontou expressivamente o homem como
a maior vítima de AVE, deixando para trás a pesquisa em mulheres, fato este que contraria as
expectativas por parte das mulheres sobre uma abordagem mais ampla da qualidade de vida que
venha ajudá-las. Utilizou-se a entrevista semi-estruturada e o questionário para a caracterização
do grupo estudado. Analisaram-se as informações conforme a fundamentação da análise de
conteúdo de Bardin (1977). Identificaram-se os seguintes núcleos estruturadores: significado das
mudanças na qualidade de vida das mulheres após o AVE e re-significando a qualidade de vida
das mulheres após o AVE: resgate dos direitos de cidadão. Constataram-se, com a pesquisa,
reflexões sobre a qualidade de vida das mulheres entrevistadas, referenciadas a diversos aspectos
objetivos e subjetivos da vida humana. Confirma-se, neste estudo, o caráter multidimensional
dos fenômenos estudados, referenciando-se que a presença de doenças, deficiências e
incapacidades, não necessariamente, conduzem a uma qualidade de vida baixa. Concluiu-se que,
para as mulheres, a qualidade de vida está relacionada a todos os aspectos da vida que devem ser
traduzidos no princípio do acesso à cidadania.
Palavras-chave: Acidente Vascular Encefálico. Qualidade de Vida. Representações. Mulheres
com hemiparesia.
ABSTRACT
Study of representations about quality of the women’s life with hemiparesis after stroke. It
presents an overview on the history of physical disability, emphasizing the meanings throughout
history. It addresses the various concepts and meanings of quality of life as well as the impact of
the stroke on quality of life. It was used for the definition of quality of life the conceptual model
of Ferrans and Powers (1992). It is defined quality of life as a sense of well-being, a person who
comes from the satisfaction or dissatisfaction with the areas of life. This is a research of a
qualitative methodology. Participated of this study women with Hemiparesis, age among 20 and
59 years, with an average time of occurrence of the stroke of 12 months to 18 months and that
receive attendance of rehabilitation in the Clinic-school Santa Edwiges-APAE. Opted for the
feminine sex, because the historical review of the literature showed significantly the man as the
greatest victim of stroke, leaving the research back in women, a fact that this contradicts the
expectations on the part of women on a broader approach the quality of life that will help them.
It was used the semi-structured interview and the questionnaire for the characterization of the
studied group. The analysis was based information as reasons the analysis of contents of Bardin
(1977). Identified the following thematic nucleus: meaning of the changes in the quality of
women’s life after the stroke and, the second thematic nucleus, re-meaning the quality of the
women’s life after stroke: rescue of citizen’s rights. It was verified, with the research, reflections
about the life quality of the women interviewed, referenced to several objective and subjective
aspects of the human life. It is confirmed, in this study, the multidimensional nature of the
studied phenomena, referencing, that the presence of diseases, impairment and disability, don’t
necessarily, lead a reduction on quality of life. It follows that, for women, the quality of life is
related to all the life aspects that should be reflected in the principle of access to citizenship.
Keywords: Stroke. Quality of Life. Representations. Women with hemiparesis.
LISTA DE SIGLAS
a. C.: Antes de Cristo
AIVD: Atividade Instrumental da Vida Diária
APAE: Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais
AVC: Acidente Vascular Cerebral
AVD: Atividade da Vida Diária
AVE: Acidente Vascular Encefálico
BADL: Activities of Daily Living Scale
BOAS: Brasil Old Age
CEP: Comitê de Ética em Pesquisa
CEST: Centro de Ensino Superior Santa Terezinha
CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade
COMUT: Programa de Comutação Bibliográfica
EEI: Escala do Estado de Incapacidade do dossiê mínimo de Invalidez para Esclerose Múltipla.
FAMS: Functional Assessment of Multiple Sclerosis
HUUPD: Hospital Universitário Unidade Presidente Dutra
IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
ICIDH: Classificação Internacional de Deficiência, Incapacidade e Desvantagem
INSS: Instituto Nacional do Seguro Social
LILACS: Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde
MEDLINE: MEDlars on LINE Literatura Internacional
NEWQOL: Quality of life for patients with newley diagnosed epilepsy
NSQ: Neuropathic Symptoms Questionnaire
ONU: Organização das Nações Unidas
O M S: Organização Mundial de Saúde
PDQL: Parkison’s Disease Quality of life Questionnaire
PIB: Produto Interno Bruto
QV: Qualidade de Vida
QOLIE-89: Quality of life in Epilepsy
SEIS1: Seizure Severity Index
SEMARC: Setor de Marcação do Município de São Luís
SUS: Sistema Único de Saúde
UFMA: Universidade Federal do Maranhão
WHOQOL: Quality of life of World Health Organization
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO................................................................................................... 14
2 SER UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E TER QUALIDADE DE
VIDA: UMA ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL...............................
21
2.1 O normal e o patológico: um breve resumo sobre os significados da
deficiência física ao longo da história...................................................................
22
2.2 Qualidade de vida............................................................................................ 27
2.2.1 Qualidade de vida: considerações gerais........................................................ 27
2.2.2 Qualidade de vida vinculada à saúde.............................................................. 31
2.2.3 Avaliação da Qualidade de Vida em Neurologia............................................ 35
2.3 Interfaces do Acidente Vascular Encefálico sobre a qualidade de vida..... 37
3 DELINEANDO O CONTEXTO DA PESQUISA............................................ 43
3.1 Descrição do estudo.......................................................................................... 44
3.2 Cenário do estudo............................................................................................ 46
3.2.1Inserção no campo........................................................................................... 47
3.3 Mulheres hemiparéticas: sujeito do estudo................................................... 48
3.4 Estratégias de obtenção das informações ..................................................... 49
3.5 Tratamento e análise das informações........................................................... 52
3.6 A ética da pesquisa .......................................................................................... 56
4 APROXIMANDO-SE DA COMPREENSÃO DO SUJEITO DO
ESTUDO: AS MULHERES HEMIPARÉTICAS...............................................
57
4.1 Mulheres entrevistadas: características socioeconômicas e culturais......... 58
4.2 Como são as mulheres entrevistadas? ........................................................... 61
5 SIGNIFICADO DAS MUDANÇAS NA QUALIDADE DE VIDA DAS
MULHERES APÓS O AVE ............................................................................... 69
5.1 Interface do AVE na dimensão familiar........................................................ 70
5.2 Interface do AVE na dimensão social............................................................ 74
5.3 Interface do AVE na dimensão econômica.................................................... 80
5.4 Interface do AVE nas dimensões biológica e funcional................................ 85
5.5 Interface do AVE nas dimensões psicológica e espiritual............................ 91
6 RE (SIGNIFICANDO) A QUALIDADE DE VIDA DAS MULHERES
APÓS O AVE: RESGATE DOS DIREITOS DE CIDADÃO.......................... 102
7 CONCLUSÃO..................................................................................................... 108
REFERÊNCIAS...................................................................................................... 112
APÊNDICES ........................................................................................................... 122
ANEXO ................................................................................................................ 140
“Ser deficiente é viver a vida, apesar das limitações da hemiparesia,
reconhecer antes de tudo que é uma pessoa cidadã, que não se
entrega à doença. É está feliz, em paz e satisfeito com o que realizou
para ter qualidade de vida”.
(E6)
14
1 INTRODUÇÃO
Falando às crianças, em seu livro de fábulas, Monteiro Lobato
1
conta a estória
de uma desafortunada raposa. Distraído com a vida, o animal caiu em uma armadilha, preso
pelo rabo. A iminência da presença dos caçadores o colocou diante de uma escolha grave,
entre a vida e uma parte importante do próprio corpo. Como de modo geral a vida fala mais
alto, o animal renunciou à sua cauda.
Todavia, toda escolha tem conseqüências. A constatação da perda da cauda
levou-o a esconder-se na escuridão da noite, em um auto-exílio, até que, em uma tentativa
desesperada de reintegração à sociedade, iniciou um movimento em defesa do corte da cauda
de todas as raposas.
A ironia de Lobato em relação à situação aparece no fim da fábula. Em uma
assembléia noturna, as raposas votariam em definitivo pelo corte dos rabos, como uma forma
de se protegerem contra as armadilhas, mas antes elas ofereceram à raposa sem rabo o direito
de ser a primeira a amputar. Sem cauda, o animal foi exposto à execração pública. Diante da
situação, Monteiro Lobato conclui, na boca de seus personagens tradicionais, que em um
lugar onde todos têm o mesmo defeito, quem não os tem, é que é o defeituoso.
A fábula contada por Lobato, excetuando-se o fato de ser escrita para um
público infantil, insere-se em uma longa tradição existente na literatura, no cinema e até
mesmo nas histórias em quadrinhos, em que, personagens com uma deficiência enfrentam
dificuldades em seu convívio com o mundo dos ditos normais.
Como na fábula, a representação de um corpo é rememorada, em contraste e
luto com a de outro, novo em sua forma e funcionalidade, feito estigma. E, ainda assim, com
projetos e tentativas de convivência com a nova situação e a esperança de dar continuidade,
junto ao seu ambiente social, ao curso que a vida vinha tomado. Consciente, como a raposa,
das dores e dificuldades inerentes a isso. Se todos não são defeituosos, o defeituoso sou eu.
Essa é a dura paródia possível da moral da fábula de Lobato, quando se trata do ser humano.
Assim, aos problemas orgânicos decorrentes da deficiência agrega-se outro,
que parece de crucial importância: a repercussão que a sua aquisição tem na qualidade de vida
de seu possuidor, ou seja, a questão não se coloca somente como aprender a viver com os
recursos que se possui, mas também como continuar a viver, apesar do que se perdeu.
1
Para maiores informações, vide: LOBATO, M. Memória de Emília/Fábulas. São Paulo: Brasiliense, 1998.
15
Portanto, a partir dessas colocações, o presente estudo, representações sobre
qualidade de vida após o acidente vascular encefálico (AVE)
2
, constituiu-se como um desafio,
dada à complexidade do tema, que se considera de relevante importância para a evolução do
pensamento e da intervenção institucional terapêutica na área de reabilitação de pessoas com
deficiência física incapacitante.
Com a evolução da ciência e dos avanços tecnológicos na assistência à saúde,
tem sido possível uma sobrevida maior e a cura de algumas doenças, o que também tem
resultado no aumento de pessoas com incapacidades crônicas. São pessoas portadoras de
problemas de saúde que não levam ao óbito, mas que não são revertidos ou curados e, então,
passam a demandar condições especiais de atenção.
Assim, não se pode desconsiderar que, compondo o quadro de saúde-doença,
existe uma parcela da população com limitações físico-motoras, mentais, emocionais,
sensoriais, ocupacionais e sociais que, dificilmente, é considerada em sua existência e em suas
necessidades de saúde, além das extensivas a todos os cidadãos, como educação, emprego,
segurança e lazer. É sobre esta população com deficiências que se pretende aproximar o olhar
neste estudo.
Para Amaral (1995), um aspecto importante a assinalar é que, há vários anos,
vem sendo introduzido, em contraposição às etiquetas de deficiente, incapacitado, o uso da
expressão pessoas com deficiência. A autora pontua algumas das vantagens:
a forma verbal acentua o aspecto dinâmico da situação; desloca o eixo de
atributo do indivíduo para sua condição e, simultaneamente, recupera a
pessoa como sujeito da frase; coloca a deficiência não como sinônimo da
pessoa; tem um caráter mais descritivo do que valorativo e, por fim,
sublinha a unicidade do indivíduo (AMARAL, 1995, p. 61).
Por estes motivos, neste estudo, ao invés da terminologia pessoa portadora de
uma deficiência, privilegiou-se a denominação pessoa com deficiência. Em levantamento
bibliográfico, verifica-se que são relativamente poucos os estudos sobre como ocorrem as
deficiências, qual a sua distribuição, quais as causas e conseqüências destas e de que forma o
2
Neste estudo, considera-se o uso da terminologia AVE. No meio médico, a expressão consagrada pelo uso
rotineiro é o de Acidente Vascular Cerebral (AVC). A palavra encéfalo corresponde a todas as estruturas neurais
contidas no crânio: Tronco Encefálico, Cerebelo e Cérebro. Portanto, o termo conceitualmente mais correto é o
de Acidente Vascular Encefálico (AVE). Ver em: DINI, L. I. Acidente Vascular Encefálico (AVE). Disponível
em: <http://www.terapiaocupacional.com.br/ave..htm
>. Acesso em: 16 jan. 2005.
16
problema é enfrentado. Mas, este não é um problema apenas local. De acordo com Oliver
(1991), “a quantificação e assistência a pessoas com deficiência ou incapacidade é um
problema internacional que se coloca, inclusive, pela dificuldade de reconhecimento das
pessoas que estão comprometidas”.
Atualmente, as deficiências constituem uma questão emergente. Segundo
estimativas da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da população mundial têm
deficiência de diferentes formas e tipos, podendo alcançar de 15 a 20% nos países do Terceiro
Mundo, nos quais as condições sociais são precárias (RIBAS, 1997).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em
1991, havia no Brasil uma população de 1.667.754 pessoas com alguma deficiência,
representando 1,13% da população brasileira. No entanto, não há menção de como esses
dados foram coletados. Segundo o último censo, realizado no ano de 2000, o Brasil tem 24,5
milhões de indivíduos com deficiência, refletindo-se nesses dados um total dez vezes maior
que o censo de 1991 (IBGE, 2006).
Diante destas informações, é indiscutível a importância de pesquisas e estudos
científicos que se conjugam para alcançar uma compreensão cada vez mais apurada sobre esta
população. A obtenção do conhecimento da repercussão que a incapacidade pós- AVE possa
ter na qualidade de vida das mulheres com hemiparesia, surge como um campo fértil para
investigação.
O interesse em realizar esta pesquisa, que tem a hemiparesia e a qualidade de
vida como temáticas, surgiu a partir da atividade profissional que a autora do presente estudo
desempenha, como Terapeuta Ocupacional, dedicando-se ao universo neurológico, em que se
pôde desenvolver um estudo intitulado AVE e suas repercussões. Assim sendo, no que se
refere às mulheres hemiparéticas em tratamento neurológico lança-se uma questão de extrema
importância: Como as mulheres percebem sua qualidade de vida após o AVE ?
Para o esclarecimento dessa questão, neste estudo, pretendeu-se como objetivo
geral identificar as representações sobre qualidade de vida das mulheres com Hemiparesia
após o Acidente Vascular Encefálico. E, como objetivos específicos: Realizar um
levantamento das características socioeconômicas e culturais de cada entrevistada; Descrever
as repercussões do Acidente Vascular Encefálico nas dimensões da qualidade de vida das
mulheres; Identificar suas concepções e os principais fatores vinculados à qualidade de vida e
Analisar as representações destas mulheres sobre qualidade de vida após o AVE.
Em 1958, a OMS definiu a saúde como um estado de completo bem-estar,
físico, mental e social, ou a capacidade de funcionar de modo ideal num ambiente individual
17
(adaptação ao meio), e não em função da ausência da doença ou enfermidade. A carta de
Otawa para a promoção de saúde (1986) desenvolve o conceito de saúde positiva, propondo
uma assistência aos indivíduos, a fim de aumentar o controle sobre sua saúde física e psíquica
(BUSS, 2000).
Estes fatores contribuíram para integrar dentro da noção de saúde a expressão
qualidade de vida (QV). Sendo assim, a avaliação da qualidade de vida é baseada na
percepção do indivíduo sobre seu estado de saúde, a qual também é influenciada pelo
contexto cultural em que este indivíduo está inserido. A avaliação de saúde envolve aspectos
gerais da vida e do bem-estar do indivíduo, portanto experiências subjetivas contribuem, de
forma importante, como um parâmetro de avaliação e julgamento dos próprios indivíduos
(CICONELLI, 2003).
Qualidade de vida, geralmente, envolve um grande número de domínios ou
dimensões. Os cinco maiores domínios considerados pela grande maioria dos autores são: 1)
estado físico e capacidade funcional; 2) estado psicológico e bem-estar; 3) interações sociais;
4) fatores econômicos; e 5) estado espiritual e/ou religioso. Portanto, a qualidade de vida
estaria diretamente relacionada ao bem-estar e satisfação nestes grandes domínios (FADEN;
LEPLEGLE, 1992).
A questão da qualidade de vida, em neurologia, vem sendo utilizada de forma
cada vez mais freqüente. Analisando as publicações nos últimos dez anos em revistas
indexadas, com o auxílio da fonte o Medline site, observa-se o índice crescente de
publicações, associando os termos qualidade de vida e neurologia. Em um levantamento
bibliográfico, foram encontradas 7 publicações, no período de 1994 à 1999 e, entre 1999 e
2006, o número de publicações foi de 35. Isto demonstra uma maior preocupação e
incorporação da qualidade de vida em pesquisas na área de concentração da neurologia.
Quando uma pessoa adquire a hemiparesia pós- AVE, ela passa por todo árduo
processo de superação com o intuito de assimilar a deficiência física até chegar a uma fase de
adaptação às incapacidades, as quais implicam conseqüências no âmbito socioeconômico,
cultural, afetivo, sexual, familiar, psicológico e espiritual.
O AVE, dentre todas as doenças neurológicas, tem sido o responsável pelos
maiores índices de mortalidade no mundo, tornando-se uma das grandes preocupações em
saúde pública, no que diz respeito à saúde da mulher. Para Delisa e Gans (2002), o AVE é o
distúrbio neurológico grave mais comum nos Estados Unidos, compreendendo metade de
todos os pacientes admitidos em hospitais por doenças neurológicas. Por ano, há uma
incidência de 500.000 casos com, aproximadamente, 150.000 óbitos.
18
Este fato situa o AVE como a terceira causa responsável pela mortalidade e a
primeira causa de incapacidade entre adultos, em países industrializados. Além disso, dentre
os sobreviventes, aproximadamente, metade adquire uma limitação permanente (PEREIRA et
al, 1993; MUNTNER et al, 2002). No Brasil, dados estatísticos nacionais revelam incidência
de, aproximadamente, 200.000 casos anualmente, sendo a causa mais freqüente de óbito na
população adulta (TEIXEIRA et al, 2003; MANSUR; SOUZA; FAVARATO, et al, 2003;
FUNASA, 1998).
O AVE, caracterizado como uma doença incapacitante, interfere
consideravelmente no estilo de vida do indivíduo, podendo, em alguns casos, levá-lo à
dependência. Para Rocha et al. (1993), há que se considerar as sérias conseqüências médicas e
sociais que podem resultar de um AVE, como as seqüelas de ordens física, de comunicação,
social, cognitiva, perceptiva e emocional. Estas conseqüências, com gravidade variada,
produzem restrição ou perdas da capacidade e habilidade para desempenho de atividades
físico-motoras, de auto-cuidado, atividades sociais, profissionais e familiares, implicando
algum grau de dependência, principalmente no 1º ano após o AVE.
Uma das debilidades motoras mais comuns, na maioria dos casos, é a
hemiparesia
3
. De acordo com Sanvito (2002), a hemiparesia é um sinal clássico de doença
neurovascular cerebral, sendo caracterizada principalmente por apresentar distúrbios motores,
com fraqueza no hemicorpo contralateral, geralmente associados a alterações sensoriais.
Além de ser considerada uma seqüela estigmatizante por grande parte da
sociedade e, por apresentar padrões estereotipados, o problema não se resume somente ao
aspecto físico, mas também aos aspectos psicossociais.
Estudos de complicações emocionais em pessoas com AVE relatam a
incidência de depressão entre 20 a 60 % dos casos, influenciando negativamente no processo
de reabilitação, no retorno ao trabalho, no auto-cuidado, na atividade social, sendo ainda
causa de tensão para os familiares (HARWOOD et al, 1994).
As afirmações acima deixam clara a necessidade e a importância desta
pesquisa. Trata-se de um momento crítico na vida da mulher, em que pode ser constatada uma
série de dificuldades ao reassumir a sua vida profissional, social, familiar e sexual. Além
disso, a revisão bibliográfica revelou uma diferença expressiva entre os estudos sobre homens
como maiores vítimas do AVE, deixando para trás a pesquisa sobre mulheres, fato este que
3
A expressão hemiparesia refere-se à perda parcial dos movimentos, caracterizada por fraqueza no hemicorpo
contralateral. Já a expressão hemiplegia refere-se à perda total com paralisia dos músculos de um lado do
hemicorpo contralateral. Para maiores informações, vide: STOKES, M. Neurologia para fisioterapeutas. São
Paulo: Editorial Premier, 2000.
19
contraria as expectativas das mulheres sobre uma abordagem mais ampla sobre a qualidade de
vida que venha ajudá-las.
Segundo Pedro e Grossi (1998), os principais pontos da crítica feminista à
ciência incidem na denúncia de seu caráter particularista, ideológico, racista e sexista, em que
o saber ocidental opera no interior da lógica da identidade, valendo-se de categorias
reflexivas, incapazes de pensar a diferença. Pensa-se a partir de um conceito universal de
homem, que remete ao branco, heterossexual, civilizado, do Primeiro Mundo, deixando-se de
lado todos aqueles que escapam deste modelo de referência. Da mesma forma, as práticas
masculinas são mais valorizadas e hierarquizadas em relação às femininas.
Para Perrot (1989), há uma necessidade de uma produção científica que
problematize as relações entre os sexos, mais do que produza análises a partir do
privilegiamento do sujeito. Com isso, enfatiza-se que os sujeitos deste estudo, são mulheres e
que, como tal, são investidas de uma concepção particular sobre o papel social feminino, uma
maneira própria feminina de abordar as implicações do AVE nas dimensões da qualidade de
vida.
Sendo assim, há um modo de interrogação próprio do olhar feminino, um
ponto de vista específico das mulheres ao abordar sua qualidade de vida, uma proposta de
releitura da história no feminino. Como diz Showalter (1994), é possível dizer que as
mulheres estão construindo uma linguagem nova, criando seus argumentos a partir de suas
próprias premissas.
Desta forma, com vistas a compreender melhor a forma como as mulheres
conceituam a sua qualidade de vida, esta pesquisa foi construída seguindo a trajetória
específica que foi percorrida ao longo do trabalho.
Na primeira parte, utiliza-se o referencial teórico- conceitual escolhido, através
do qual se esclarece a visão sócio-histórica e cultural das incapacidades e da deficiência, e
que mostra a dimensão que a deficiência tem junto a uma população feminina sobrevivente do
AVE, bem como o conceito sobre qualidade de vida expresso na literatura, fazendo um breve
relato histórico desse conceito, em que se abordam a qualidade de vida na área de saúde e a
interface do AVE nas dimensões da qualidade de vida.
Na segunda parte, no percurso metodológico empreendido, explicitam-se os
detalhes sobre a metodologia qualitativa, adequada ao presente estudo, o cenário do estudo, as
mulheres estudadas, as estratégias de obtenção das informações, bem como a análise e a ética
aplicadas na pesquisa.
20
Na terceira parte, evidenciam-se os resultados obtidos, compostos pela
caracterização sócio-econômica e cultural das mulheres entrevistadas, bem como uma síntese
descritiva desses resultados.
Na quarta e quinta parte, expõe-se a análise das informações e apresenta-se a
discussão em torno dos núcleos estruturadores, os quais se constituíram, “Significado das
mudanças na qualidade de vida das mulheres após o AVE” e “Re-significando à qualidade de
vida das mulheres após o AVE: resgate dos direitos de cidadão”.
Nas conclusões, realizam-se reflexões sobre as questões “Qualidade de vida” e
“AVE” e traça-se um paralelo entre os conceitos atribuídos pelas mulheres entrevistadas e os
registros na literatura.
Acredita-se que este estudo pode vir a contribuir para o ensino e a
profissionalização na área de saúde, pela possibilidade de compreensão das implicações do
AVE na qualidade de vida das mulheres. O ponto de chegada deste estudo é também um
ponto de partida para que o tema seja mais aprofundado, uma vez que o construto QV é de
difícil conceituação. Neste sentido, a sua principal relevância diz respeito ao fato de se
procurar estudar e compreender essa visão de mundo a partir das mulheres entrevistadas,
permitindo que se possa assistir esta parcela da população dentro de uma perspectiva mais
condizente com seu contexto social, sem desconsiderar, no entanto, as particularidades das
mulheres como pessoas que estão aí inseridas, influenciando e sendo influenciadas pela
sociedade a que pertencem.
21
“Eu não vejo diferença não, acho que é igual, só que eu tenho que
tomar mais um pouco de cuidado comigo. Eu me vejo hoje uma
pessoa normal, vou criando as minhas estratégias” (E8)
22
2 SER UMA PESSOA COM DEFICIÊNCIA E TER QUALIDADE DE VIDA: UMA
ABORDAGEM TEÓRICO-CONCEITUAL
Este capítulo aborda dois temas bastante apontados pelas mulheres
hemiparéticas os quais orientam a compreensão das suas concepções. Muitas são as faces da
problemática das pessoas com deficiência, requerendo um tratamento cuidadoso devido a sua
complexidade e abrangência. Além disso, o tema qualidade de vida é um construto de difícil
conceituação e, durante as últimas décadas, o debate sobre seu significado não encontrou
consenso satisfatório. Sendo assim, serão abordados aspectos relacionados aos temas
incapacidades e deficiência, bem como os diversos conceitos e significados de qualidade de
vida. Após o estudo destes dois temas, será discutida também a interface do AVE sobre a
qualidade de vida.
2.1 O normal e o patológico: um breve resumo sobre os significados da deficiência física
ao longo da história
Para compreender as concepções e estigmas que permeiam a palavra
deficiência, faz-se necessário esclarecer todo o contexto histórico-social que envolve esta
conceitualização. Quando investigada, na sua origem, pode-se perceber a relação estabelecida
entre os conceitos de doença, patologia e deficiência, construídos durante toda uma trajetória
de dominação dos desígnios médico-reabilitacionais aceitos socialmente.
Neste sentido, os fatores sociais são fundamentais na determinação do
processo de assimilação da deficiência, manifestando-se através de variadas formas de
transmissão de preconceitos, da marginalização social e também na hospitalização, de acordo
com os modelos de reabilitação adotados, já que o termo deficiência, por si mesmo, costuma
estar vinculado a sentimentos de diferenciação e discriminação. Isto se deve à construção
social deste conceito, do qual mudanças na concepção e nas idéias predominantes sobre a
deficiência ocorrem durante todo um período histórico e social.
Segundo Amaral (1995), o conceito deficiência assume diversos significados
de acordo com a sociedade, a época e os próprios indivíduos. O conceito de anormalidade, de
doença e o subseqüente conceito de patologia caracterizarão a história da deficiência.
23
Durante o século V a.C., uma malformação corporal era considerada motivo
suficiente para que um recém-nascido fosse sacrificado. Cultuava-se a “pureza” dos corpos e,
por isto, era necessário que ele fosse controlado na sua forma e função. Na Antiguidade, os
valores vigentes recomendavam a eliminação de qualquer atitude que revelasse uma
desobediência aos preceitos morais da época. Era dever de adulto ordenar, arrumar, ensinar,
enfim, “higienizar”, afastando os corpos infantis de imoralidade e criando, desta forma, um
corpo moldado para obedecer aos preceitos que lhe eram infringidos (LEVIN, 2001).
Na Antiguidade Clássica, em Esparta, as crianças portadoras de deficiência
física ou mental eram consideradas subhumanas, o que legitimava sua eliminação ou
abandono (PESSOTI, 1984).
Na Idade Média (século V até meados do século XV), com a difusão do
cristianismo na Europa, o deficiente ganha alma e, como tal, não pode ser eliminado ou
abandonado sem atentar-se contra desígnios da divindade. Com a moral cristã, torna-se
inaceitável a prática espartana e clássica da exposição dos sub-humanos como forma de
eliminação (PESSOTI, 1984).
Portanto, agora a ética cristã reprime a tendência a livrar-se do deficiente
através do assassínio, como confortavelmente se procedia na Antigüidade. Os deficientes
passam a ser acolhidos em conventos e igrejas sob a ambivalência castigo versus caridade.
Merecem o asilo cujas paredes convenientemente isolam e escondem o incômodo ou inútil.
Começaram a escapar do abandono e da exposição (ALVES et al, 1997; PESSOTI, 1984).
Com o Renascimento (século XV e XVI), houve a dessacralização do corpo
humano, já que, a partir daí, foi possível a realização de intervenções científicas,
transformando-o em objeto da ciência (LUZ, 1988). Este momento histórico é marcado pelo
mecanicismo cartesiano. O corpo humano é entendido como uma máquina dotada de um
conjunto de mecanismos com leis próprias de funcionamento. Surge a filosofia cartesiana, que
concebe o corpo como autômato e externo ao eu-pensante. Ele se torna, então, de natureza
material e submetido a um comando superior, denominado de alma (ROCHA, 1991).
No século XVII surge uma nova abordagem do corpo humano originada pelas
idéias da filosofia naturalista-empirista. O corpo humano passa a ser submetido às leis da
natureza e não mais à alma. Ele se torna “algo natural”. Possui funções e finalidades próprias,
constituindo-se como uma totalidade, em que a função mais importante é a da sobrevivência
(CHAUÍ, 1984). A doença, no final do século XVIII, também adquire um novo sentido. Ela é
vista como passível de estudos, já que possuidora de previsibilidade. A doença passa a ser
explorada e conhecida em seus mecanismos e sintomas (LUZ, 1988). Deixa de ser um ente
24
absoluto para se tornar um desvio da norma observada na clínica e laboratórios,
transformando-se numa patologia (BERNHADT, 1983).
Neste contexto, inicia-se um embate contra as doenças e enfermidades, ou seja,
contra as patologias. As intervenções médicas se sobrepõem no sentido de alcançar um padrão
de normalidade orgânica. Alguns conceitos são introduzidos no discurso comum e social da
época, como, por exemplo, a idéia de normal e patológico, provenientes da medicina. Ao
corpo humano, portanto, torna-se primordial estar dentro dos padrões considerados normais.
No século XIX, a medicina e as ciências sociais fazem uma análise do
patológico e a deficiência, entendida como uma patologia, torna-se alvo de estudos,
classificações, assim como objeto de intervenções específicas. Ela é vista como uma anomalia
da natureza e as intervenções precisam ocorrer no sentido de curá-la ou torná-la o mais
próximo possível da considerada normalidade (ROCHA, 1991).
A deficiência é, então, classificada em mental, física ou perceptiva/ sensorial
(auditiva e visual). Para cada uma delas são realizadas formas de intervenção específicas, que
por sua vez, ocorrerão em instituições especializadas. A medicina passou a detectar as causas
destas patologias, de modo a exercer igualmente um caráter preventivo e não só
reabilitacional. Surgem, neste século, as intervenções higienistas e sanitaristas que propõem
mudanças no corpo social (ROCHA, 1991).
Entretanto, observa-se, no século XX, o surgimento de uma nova realidade
social que acaba por modificar as concepções de corpo visualizadas até então. O corpo passa a
ter um significado e objetivo diferenciado. Ele é visto como objeto de observação,
manipulação e controle. Seu objetivo é atender às necessidades da sociedade burguesa e
capitalista, como uma ferramenta de trabalho. O trabalho torna-se o valor mais importante. É
a principal virtude do homem (CHAUÍ, 1984).
Surgem, então, as técnicas de adestramento, correção, vigia e punição dos
corpos, de forma a se adaptarem ao sistema de produção e à disciplina a ele imposta
(FOUCAULT, 1985). O valor humano está na capacidade de trabalho e a doença associa-se
ao corpo não produtivo, o que determinaria, por sua vez, um desvio da norma (ROCHA,
1991).
Neste sentido, o trabalho e a produção determinaram a construção social. O
homem devia ser um ser racional e extremamente produtivo, a deficiência era vista como
oposição à eficiência no modo de produção capitalista. São rejeitados e desclassificados
aqueles que são economicamente improdutivos, categoria que absorve os loucos e os
mendigos, incluindo os velhos e os deficientes físicos ou mentais (ALVES et al, 1997).
25
O corpo deficiente encontra-se ainda hoje caracterizado dentro dessa
concepção, sendo visto e compreendido como um “desvio da norma”. De acordo com Ferreira
(1988), desvio refere-se ao ato ou efeito de desviar-se, ou ainda, afastamento da direção ou da
posição normal. Goffman (1980), refere-se à utilização de termos específicos, tais como,
aleijado, manco, coxo e outros, referenciados socialmente para designar pessoas acometidas
por uma deficiência física, de forma a diferenciá-las das ditas “normais”.
Segundo Amaral (1995), este afastamento de uma posição considerada
socialmente normal, estaria simplesmente refletindo as possibilidades e diversidades
humanas. Para esta autora, a deficiência se sobrepõe como mais uma condição humana e o
sujeito deficiente deve ser contemplado em toda a sua unicidade, ressaltando sua participação
histórica na sociedade na qual faz parte.
Esta forma de perceber o deficiente não é comum na sociedade em que
vivemos, já que, com muita freqüência, concepções predeterminadas o colocam em situação
de desvantagem perante os outros não-deficientes, conforme já mencionado anteriormente.
Esta é uma visão estigmatizada e pode ser reconhecida quando ocorre uma desqualificação ou
um descrédito em relação à capacidade real da pessoa com hemiparesia, no exercício de
papéis comunitários, afetivos e profissionais que caracterizarão a sua identidade deteriorada
como sujeito social (GOFFMAN, 1980).
Paula (1993) destaca que a deficiência, por si só, remete a uma situação de
segregação e marginalização, tendo em vista a condição de desvantagem social em que as
pessoas que se apresentam como deficientes enfrentam. A autora entende que, embora os
conceitos estigmatizantes relacionados ao deficiente definam sua condição social, a maneira
como os mesmos percebem a sua deficiência e se colocam perante esta sociedade, pode
contribuir significativamente para uma desmistificação destes conceitos.
Sendo assim, dados imprecisos quanto à conceituação das deficiências e
incapacidades são encontrados e traduzidos socialmente de forma distorcida, resultando na
tomada da pessoa com deficiência física pelos seus atributos, e não, pela sua totalidade.
Em nossa sociedade, mesmo com as tentativas da ONU e da OMS de eliminar
a incoerência dos conceitos, a palavra deficiente tem um significado muito forte. De certo
modo, ela se opõe à palavra eficiente. Ser deficiente torna-se, antes de qualquer coisa, não ser
capaz, não ser eficaz. Sendo assim, o deficiente, salvo outro juízo, é o não eficiente
(ANTUNES, 2004).
As noções de eficácia e eficiência em oposição às noções de deficiência,
incapaz e inútil referem-se às condições que habilitam o agente social para o trabalho. Essa
26
preocupação social com a questão do trabalho e a habilitação das pessoas reflete-se sobre
aqueles indivíduos que, em certo momento da vida, adquiriram alguma deficiência limitando
sua atuação social.
A normalização serve, aos profissionais de saúde, para homogeneizar a
classificação dos distúrbios e sistematizar a linguagem entre as diversas instituições sociais,
saúde, previdenciária, jurídica, dentre outras.
Como tentativa de eliminação da ambigüidade dos termos utilizados para
definição das deficiências, a ONU aprovou em Assembléia Geral, datada de 9 de dezembro de
1975, a Declaração dos direitos das Pessoas Deficientes, que proclama em seu artigo I:
o termo pessoas deficientes refere-se a qualquer pessoa incapaz de assegurar
por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual
ou social normal, em decorrência de uma deficiência congênita ou não, em
suas capacidades físicas ou mentais (RIBAS, 1997, p. 10).
Amaral (1995) ainda cita que a OMS publicou, em 1980, uma Classificação
Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (ICIDH), definindo:
Deficiência (impairment) refere-se a perda ou anormalidade de uma estrutura
ou função do organismo; Incapacidade (disability) diz respeito às seqüelas
que se refletem em restrições na execução de atividades, observadas a partir
de uma deficiência. Desvantagem (handicap) por sua vez, está relacionada
com a condição social ou com o prejuízo que o deficiente pode ter no que se
refere à sua vida na sociedade em que está inserido.
Como forma de normatização das conceituações, foi adotado neste trabalho, a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, conhecida como CIF,
uma nova revisão da ICIDH. Esta versão foi desenvolvida após estudos de campo
sistemáticos e consultas internacionais nos últimos cinco anos e foi aprovada pela
Qüinquagésima-Quarta Assembléia Mundial de Saúde para utilização internacional em 22 de
maio de 2001 (BUCHALLA; FARIAS, 2005)
Este mesmo autor relata que a CIF é uma linguagem unificada e padronizada
como um sistema de descrição da saúde e de estados relacionados à saúde. Ela define os
componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados à saúde, tais como
educação e trabalho.
Os domínios contidos na CIF podem, portanto, ser considerados como
domínios da saúde e domínios relacionados à saúde. Esses domínios são descritos com base
27
na perspectiva do corpo, do indivíduo e da sociedade em duas listas básicas: (1) Funções e
Estruturas do Corpo, e (2) Atividades e Participação. Como uma classificação, a CIF agrupa
sistematicamente diferentes domínios de uma pessoa em um determinado estado de saúde.
Para a CIF, conceitua-se:
Funcionalidade como um termo que abrange todas as funções do corpo,
atividades e participação; Incapacidade como um termo que abrange
incapacidades, limitação de atividades ou restrição na participação e; as
Deficiências como problemas das funções e estruturas do corpo associados
aos estados de saúde. A CIF também relaciona os fatores ambientais que
interagem com todos estes construtos. Neste sentido, ela permite ao usuário
registrar perfis úteis da funcionalidade, incapacidade e saúde dos indivíduos
em vários domínios (BUCHALLA; FARIAS, 2005, p.1).
Essa preocupação com a definição dos termos utilizados é necessária para
situar a deficiência no âmbito social, como fenômeno coletivo, saindo dos padrões médicos,
em que comumente é encontrada. Neste estudo, ao invés da terminologia pessoa portadora de
uma deficiência, privilegiou-se a denominação pessoa com deficiência, motivos já
explicitados na parte introdutória deste trabalho.
2.2 Qualidade de vida
Neste item do trabalho, serão tratados os temas: qualidade de vida, fazendo-se
um breve relato histórico e esclarecendo alguns conceitos, e, ainda será abordado a qualidade
de vida vinculada à saúde e a enumeração das avaliações de qualidade de vida usadas em
neurologia. Ao se falar em mulheres após o AVE, na tentativa de compreender os
significados que atribuem à sua qualidade de vida, tendo em vista a complexidade do processo
de recuperação no qual estão envolvidas, considerar-se-á necessário explicitar os principais
conceitos que fundamentam este estudo.
2.2.1 Qualidade de vida: considerações gerais
28
Provavelmente, a preocupação com a qualidade de vida é mais antiga do que
os achados nos registros científicos, por ser a vida, em seu significado pleno, seguramente a
maior aspiração do homem. Para Buarque (1993), desde a Antigüidade, diferentes referenciais
filosóficos e conceituais sobre o que seja uma vida com qualidade têm sido propostos.
A expressão qualidade de vida tem despertado interesse de diversos campos do
conhecimento humano, em especial o da saúde, porém ainda não existe um consenso quanto à
aceitação de uma única definição (FERRAZ, 1998). Nas últimas décadas, as áreas da
medicina, enfermagem, psicologia, terapia ocupacional, sociologia, antropologia, filosofia e
economia vêm contribuindo para a conceituação dessa expressão.
Nesse sentido, observa-se que a expressão qualidade de vida vem sendo
utilizada nas mais diversas áreas da ciência, o que gera a sua popularização. Entretanto, é
importante ter em mente que, em cada contexto, ela assume uma definição própria, que pode
priorizar desde a questão econômica até a afetiva, ou somar um conjunto dessas questões.
Então, como definir qualidade de vida?
Do ponto de vista semântico, a expressão qualidade é um atributo que envolve
pontos positivos e negativos, enquanto a vida é essencial para que algo exista, é tudo que
representa força, ânimo, vitalidade. Tais conceitos comportam diversos significados e, por
mais que se tente defini-los, não dá para compreendê-los em sua plenitude (FALCÃO, 1999).
Assim, o conceito qualidade de vida está inserido em um campo semântico
polissêmico, amplo e genérico. Minayo; Hartz; Buss (2000) afirmam que este conceito pode
ser apreendido sob vários olhares: o da ciência, com as várias disciplinas e o do senso
comum, seja do ponto de vista objetivo ou subjetivo, seja em abordagens individuais ou
coletivas. Segundo os autores,
qualidade de vida é uma noção eminentemente humana, que tem sido
aproximada ao grau de satisfação encontrado na vida familiar, amorosa,
social e ambiental e à própria estática existencial. Pressupõe a capacidade
de efetuar uma síntese cultural de todos os elementos que determinada
sociedade considera seu padrão de conforto e bem-estar.
Desta forma, qualidade de vida pressupõe a perspectiva de descrever a
experiência humana. É um conceito que aponta para as diversas formas de ver o mundo a
partir das dimensões do ser humano, considerando sua cultura, seus valores, seus significados,
o atendimento às suas necessidades e o sentido que atribuem à vida. Construído sob múltiplos
pontos de vista, tem diferentes significados para as pessoas, em diversos locais e épocas,
variando segundo o contexto em que se vive.
29
Diversos autores defendem que qualidade de vida não é um estado isolado,
mas sim um conceito composto por dimensões. Ferraz e Ciconelli (2003) defendem que a
maioria dos autores considera cinco dimensões ou domínios, quais sejam: estado físico e
capacidade funcional; estado psicológico e bem-estar; interações sociais; fatores econômicos;
estado espiritual e/ou religioso.
Wood- Dauphinee (1999) relata que a expressão qualidade de vida foi
mencionada pela primeira vez em 1920, por Pigou, em um livro sobre economia e bem-estar.
Nesse livro, o autor discutia o suporte governamental para classes sociais menos favorecidas e
o impacto desse suporte nas suas vidas e sobre o Estado, no que se refere ao aspecto
financeiro. No entanto, esta expressão não teve grande repercussão na época, caindo em
esquecimento até o final da Segunda Guerra Mundial.
Porém, após a Segunda Guerra Mundial, a expressão qualidade de vida foi
retomada na área econômica, associado ao desenvolvimento econômico e tecnológico dos
países, com repercussão nas condições de vida das populações. Passou, então, a ser usada
para se referir à conquista de bens materiais, ou seja, ter qualidade de vida era privilégio de
quem tinha poder aquisitivo. Surgiram, assim, os indicadores econômicos os quais se
tornaram instrumentos importantes para medir e comparar qualidade de vida entre cidades,
regiões, países e culturas, como exemplos: o Produto Interno Bruto (PIB), a renda per capita,
a taxa de desemprego, dentre outros. Acreditava-se que as populações dos países que tinham
os melhores indicadores econômicos usufruíam de uma melhor qualidade de vida
(FARQUHAR, 1995).
No decorrer dos anos, o conceito foi se ampliando gradativamente, passando a
considerar, além do crescimento econômico, o desenvolvimento social: saúde, educação,
moradia, transporte, lazer, trabalho e crescimento individual. Também os indicadores se
ampliaram, abrangendo mortalidade infantil, esperança de vida, nível de escolaridade, taxa de
violência, saneamento básico, nível de poluição, condições de moradias e trabalho, lazer,
qualidade de transporte, entre outros (FARQUHAR, 1995).
Ferraz (1998) afirma que o conceito de qualidade de vida começou a ser
utilizado com o intuito de descrever o efeito gerado pela aquisição de bens materiais
(tecnologia) na vida das pessoas e que somente anos mais tarde passou a ser utilizado como
parâmetro, valorizado no aprimoramento dos avanços na área da saúde e educação.
No final da década de 50 do século passado, o uso da expressão qualidade de
vida foi ampliado, tanto que o incluíram como noção importante no Relatório da Comissão
dos Objetivos Nacionais do Presidente dos Estados Unidos, Eisernhower (1953-1961). Os
30
membros dessa Comissão relacionaram a expressão com a educação, a saúde e o bem-estar
material, além de se preocuparem com o crescimento individual e econômico dos americanos
e com a defesa do mundo não-comunista, valores que garantiam uma boa qualidade de vida à
população dos Estados Unidos (FARQUHAR, 1995).
Ainda na década de 1960, mesmo diante da importância dos diversos
indicadores para avaliação e comparação da qualidade de vida entre países, regiões e cidades
(qualidade de vida objetiva), verificou-se que estes eram insuficientes para medir a qualidade
de vida dos indivíduos, sendo necessário e fundamental avaliar como as pessoas a percebiam,
isto é, avaliar o quanto estavam satisfeitas ou insatisfeitas com a qualidade de suas vidas
(qualidade de vida subjetiva). Passou-se a avaliar, então, a qualidade de vida a partir da
indicação e opinião dos indivíduos (FARQUHAR, 1995; WHOQOL GROUP, 1995).
Paschoal (2000) argumenta que a qualidade de vida pode variar de indivíduo
para indivíduo, com o decorrer do tempo. Para o autor, o que hoje, para mim, é uma boa
qualidade de vida, pode não ter sido há algum tempo atrás; poderá não ser amanhã, ou daqui a
algum tempo. Talvez possa variar, mesmo de acordo com o meu estado de espírito, ou de
humor.
A expressão qualidade de vida foi introduzida nas sociedades contemporâneas
com um cunho político-social, tendo suas origens nas ciências humanas e sociais, mas voltado
para a busca de indicadores objetivos com intuito de apreender o significado do bem-estar
social.
Para Minayo; Hartz; Buss (2000), a expressão qualidade de vida abrange
muitos significados constituídos por uma diversidade de fatores, objetivos e subjetivos, que
refletem conhecimentos, experiências e valores, tanto no âmbito individual como coletivo, em
um contexto cultural, social e histórico.
Estes mesmos autores apontam três aspectos que remetem à relatividade da
noção de qualidade de vida: o primeiro aspecto é o histórico. Nele, o conceito de qualidade de
vida varia de acordo com os diferentes momentos históricos de uma mesma sociedade; o
segundo é cultural, em que os valores e necessidades são construídos e hierarquizados de
forma diferente em cada civilização, revelando suas tradições; o terceiro refere-se às
estratificações ou classes sociais, isto é, à forma estratificada como têm se manifestado as
classes sociais, os padrões e as concepções de bem-estar nas diferentes camadas sociais, em
sociedades com fortes desigualdades e heterogeneidades.
Os autores ainda afirmam que os indicadores objetivos e subjetivos expressam
alguma dimensão da qualidade de vida. Os primeiros referem-se a aspectos globais da vida,
31
cujas referências são a satisfação das necessidades básicas e das necessidades criadas pelo
grau de desenvolvimento econômico e social de determinada sociedade e avaliam itens como
renda; emprego/desemprego; população abaixo da linha de pobreza; consumo alimentar;
moradia com disponibilidade de água encanada; sistema de esgoto e energia elétrica;
transporte; qualidade de ar; concentração de moradores por domicílio, entre outros. Os de
natureza subjetiva indicam como as pessoas sentem ou pensam suas vidas, ou ainda como
percebem o valor dos componentes materiais, reconhecidos como base social da qualidade de
vida.
A partir dessas considerações sobre qualidade de vida, é oportuno relatar o
emprego desta expressão no campo da saúde, refletindo-se no aumento exponencial de
publicações em periódicos médicos e em revistas das ciências sociais. O interesse crescente
pela expressão qualidade de vida pode ser exemplificado, ainda, por indicadores de produção
de conhecimento, associados aos esforços de integração e de intercâmbio de pesquisadores e
de profissionais interessados no tema. Pode-se mencionar o surgimento do periódico Quality
of Life Research, editado a partir do início dos anos 90, pela International Society for Quality
of Life Research
4
, reunindo trabalhos científicos sobre QV de diferentes áreas do
conhecimento (SEIDL; ZANNON, 2004).
2.2.2 Qualidade de vida vinculada à saúde
Na área da saúde, a primeira referência à expressão QV foi identificada no
conceito de saúde elaborado pela OMS, em 1947, aludindo que saúde não é só ausência de
doença, ela envolve o bem-estar físico, mental e social (SEGRE; FERRAZ, 1997). A saúde
transformou-se, então, em um conceito multidimensional que incorpora todos os aspectos da
vida.
Proporcionar saúde significa, além de evitar doenças, assegurar meios e
situações que ampliem a qualidade de vida, isto é, ampliar a capacidade de viver com um
certo padrão de bem-estar, mesmo diante das adversidades da vida.
A saúde deixou de ser a ausência de doença e seu conceito, atualmente, está
ligado a um estado positivo de bem-estar, englobando o bem-estar físico, psíquico e social,
4
Para maiores informações, vide: htpp://www.isoqol.org.
32
domínios da condição de saúde. A relação entre qualidade de vida e saúde existe desde o
nascimento da medicina social, entre os séculos XVII e XIX, quando as investigações sobre
esse tema começaram a fazer parte das políticas públicas e dos movimentos sociais, dando-
lhes subsídios. Assim sendo, o conceito qualidade de vida sobrepõe-se à presença ou não da
doença, podendo ser avaliado tanto em pessoas sadias, quanto naquelas com algum tipo de
doença (BUSS, 2000).
Nestes termos, Cella (1992), ao discutir qualidade de vida e saúde, define
subjetividade como a capacidade do sujeito em avaliar suas próprias expectativas, utilizando
os processos cognitivos subjacentes para a percepção da qualidade de vida, tais como:
percepção da doença, percepção do tratamento, expectativas pessoais e avaliação de risco e
danos.
Para esta autora, a multidimensionalidade da expressão permite dividi-la em
quatro dimensões: funcionamento físico; funcionamento emocional e psicológico;
funcionamento social e sintomas relacionados à doença/tratamento. A muldimensionalidade
inclui dimensões da vida humana e estas devem estar sempre na direção da subjetividade,
pois é por seu intermédio que os indivíduos percebem seu estado físico e cognitivo, suas
relações interpessoais e os papéis sociais em suas vidas.
Fleck et al. (1999) e Bech (1995) ressaltam que a preocupação com a
qualidade de vida provém de um movimento que ocorre nas ciências humanas e biológicas,
no sentido de valorizar parâmetros mais amplos de controle de sintomas, diminuição da
mortalidade ou aumento da expectativa de vida.
Assim, a avaliação da qualidade de vida foi acrescentada nos ensaios clínicos
randomizados, como terceira dimensão a ser avaliada, além da eficácia (modificação da
doença pelo efeito da droga) e da segurança (reação adversa a drogas). Para essa avaliação, é
necessário averiguar não apenas os indicadores de funcionamento de ordem física, mas
também os aspectos sociais, psicológicos e emocionais referentes à repercussão de sintomas e
à percepção de bem-estar do indivíduo (FERREIRA, 1994).
A expressão qualidade de vida ou, mais especificamente, qualidade de vida
ligado à saúde, refere-se aos domínios físico, psicológico e social da saúde e constitui área
distinta que é influenciada pelas experiências, crenças, expectativas e percepções de um
indivíduo. As expectativas com relação à saúde e à habilidade para enfrentar as limitações e
incapacidades podem afetar, de forma fundamental, a percepção que o indivíduo tem de saúde
e a sua satisfação com a vida (TESTA; SIMONSON, 1996).
33
Martins; França; Kimura (1996) entendem que a qualidade de vida envolve
todos os componentes essenciais da condição humana, sejam de ordem física, psicológica,
social, cultural ou espiritual. Para os autores, esta afirmação configura-se em uma concepção
holística do homem, sendo também um dos fundamentos básicos que permeiam a assistência
à saúde. O doente é uma pessoa e, como tal, não é um ser isolado, que abandona todo o seu
contexto de vida por ser acometido por uma doença.
Jenney e Campbell (1997) consideram que medir qualidade de vida na saúde
nada mais é que avaliar a percepção individual do impacto que uma série de questões médicas
e não-médicas provoca nas funções físicas, mentais (emocionais) e sociais.
Na área da saúde, há um consenso entre pesquisadores sobre as dimensões
existentes para avaliação da qualidade de vida, as quais incluem o bem-estar físico,
psicológico, social e espiritual. Alguns deles afirmam que, para qualquer avaliação da
qualidade de vida, devem-se incluir as cinco dimensões descritas a seguir: o nível físico e
habilidades de funcionamento, tais como nível de atividades e ou sintomas físicos; o nível
psicológico, acrescentado da satisfação com a vida, do alcance dos objetivos da vida, afeto,
estresse, auto-estima, mecanismo de defesa psicológicos e o enfrentamento; o nível social do
qual fazem parte as amizades e o apoio social, como: a família e o casamento, inclusive a
satisfação sexual; o nível econômico, no qual estão inseridas a ocupação, a educação e
condição financeira e, por último, aspectos espirituais, como religiosidade, força interna,
esperança e desespero (FERREL et al., 1992; HABERMAN et al., 1993).
A visão da influência da saúde sobre as condições da qualidade de vida e vice-
versa aproxima a medicina social da discussão dos temas que, nos últimos anos, vem-se
configurando na área e tem no conceito de promoção da saúde sua nova estratégia. Para Buss
(2000), promoção de saúde representa uma estratégia promissora para enfrentar os problemas
de saúde que afetam a humanidade, pois se baseia em uma concepção ampla do processo
saúde-doença e seus determinantes, articulado com os saberes técnicos e populares e com a
mobilização de recursos institucionais e comunitários, públicos e privados, visando ao
enfrentamento e resolução dos desafios.
A promoção à saúde é importante no sentido de oferecer uma base mais ampla
para planejar e promover um cuidado mais adequado à saúde, situação que oferece aos
profissionais da saúde a possibilidade de ampliar o modelo biomédico tradicional,
incorporando outros determinantes de saúde ao processo de cuidar no âmbito individual e no
coletivo.
34
Considerando que a reabilitação contribui para a promoção, manutenção e
restauração da saúde do indivíduo, a identificação de diversas dimensões de qualidade de vida
é fundamental para o processo de cuidar. Para os profissionais da saúde, a avaliação da
qualidade de vida fornece subsídios para avaliação dos resultados do tratamento, para o
planejamento dos cuidados e, principalmente, para a recuperação e reabilitação dos pacientes.
Com base neste fato, a presente pesquisa buscou explicitar o contexto atual de
vida das mulheres entrevistadas, do qual emergiram dimensões próprias e específicas do
universo feminino, levando em consideração que qualidade de vida é um conceito
multifacetário. Contudo, a partir desse estudo, sobre as definições multifacetadas da qualidade
de vida, tem-se uma visão sobre a sua amplitude, a qual pode ser entendida como conjunto de
fenômenos, abrangendo, portanto, aspectos biológicos, psicológicos, filosóficos, religiosos,
econômicos, políticos e sociais.
Considerando o fato de não existir consenso entre estudiosos referente à
expressão qualidade de vida, a definição utilizada para estruturar os núcleos de sentido desta
pesquisa foi o modelo conceitual de Ferrans e Powers (1992). O referido modelo foi
desenvolvido com o intuito de subsidiar a criação de um instrumento de medida de QV. As
autoras adotaram, nesse modelo uma abordagem ideológica individualista, na qual os próprios
sujeitos pudessem definir o que a qualidade de vida representava para cada um deles, em
relação aos domínios da vida, reconhecendo que diferentes pessoas valorizam diferentes
aspectos da vida.
Para isso, incorpora o conceito de satisfação com a vida, implicando uma
experiência cognitiva que resulta de julgamentos sobre as condições de vida, enfocando a
satisfação em relação a diferentes áreas da vida que são importantes para o indivíduo. Outro
conceito utilizado é a importância que as pessoas atribuem a diferentes aspectos da vida, que
contribuem com a qualidade de vida (FERRANS; POWERS, 1992).
Nesse modelo conceitual, qualidade de vida é definida como a sensação de
bem-estar de uma pessoa que deriva da satisfação ou insatisfação com as áreas da vida que
são importantes para ela e pode ser avaliada por diversos elementos que determinam o quanto
a vida pode ser (in) satisfatória. Estes elementos estão agrupados em quatro grandes domínios
inter-relacionados, como podem ser observados através do QUADRO I.
Este modelo conceitual têm sido amplamente utilizado em estudos no campo
clínico, para avaliar a qualidade de vida entre diferentes populações portadoras de afecções,
submetidas a tratamentos, procedimentos ou sob condições clínicas específicas, em outros
35
países
5
e na nossa realidade por Kimura (1999), Yamada (2001) e Meneguin (2001). Até o
presente momento, não foi utilizado como referência na avaliação da qualidade de vida de
mulheres após o Acidente Vascular Encefálico.
DOMÍNIO SAÚDE E FUNCIONAMENTO
Saúde Vida sexual
Dor Capacidade para responsabilizar-se pela
família
Energia Utilidade para outros
Capacidade para cuidar-se sem auxílio Preocupações
Controle sobre a própria vida Atividades de Lazer
Possibilidades de viver quanto gostaria Possibilidades de um futuro feliz
DOMÍNIO SOCIAL E ECONÔMICO
Amigos
Apoio emocional de outras pessoas que não são da família
Vizinhança
Moradia
Trabalho/ Não ter trabalho
Educação
Necessidades financeiras
DOMÍNIO PSICOLÓGICO E ESPIRITUAL
Paz de Espírito
Fé em Deus
Realização de objetivos pessoais
Felicidade em geral
Satisfação com vida em geral
Aparência Pessoal
Satisfação consigo próprio
DOMÍNIO FAMÍLIA
Saúde da Família
Filhos
Felicidade da família
Relações com cônjuge/ companheiro
Suporte emocional que recebe da família
QUADRO I - Elementos e Domínios do Modelo Conceitual de Qualidade de Vida de
Ferrans e Powers (1992)
Fonte: FERRANS; POWERS (1992)
2.2.3 Avaliação da Qualidade de Vida em Neurologia
5
A lista atualizada contendo todos os estudos encontra-se disponível em: htpp://www.uic.edu/orgs/qli/index.htm
36
Cada vez mais é crescente o interesse de pesquisadores, no sentido de avaliar a
qualidade de vida das pessoas. Os estudiosos do assunto têm discutido e demonstrado a
necessidade e a importância de aferição da qualidade de vida. No contexto da atenção à
saúde, avaliações de qualidade de vida tornaram-se prática freqüente e importante em
pesquisa, acompanhamento clínico, planejamento de ações e de políticas, alocação de
recursos e avaliações de programas, principalmente, em países desenvolvidos (PASCHOAL,
2000).
Desde que a expressão QV foi introduzida na área de saúde, cresceu o número
de pesquisa nos diferentes contextos e o de instrumentos desenvolvidos para esse fim,
principalmente a partir da década de 80 do século passado. A maioria deles surgiu nos
Estados Unidos e Inglaterra, sendo, porém, utilizados em diferentes países (FLECK et al.,
1999).
Tais instrumentos são classificados em genéricos e específicos, sendo os
primeiros aplicáveis a uma grande variedade de população; não especificam patologias e são
mais apropriados em estudos epidemiológicos, planejamento e avaliação dos sistemas de
saúde. Quanto aos instrumentos específicos, são utilizados para avaliar a qualidade de vida
cotidiana dos indivíduos (adultos ou crianças) ou pessoas em condições de doenças, agravos
ou intervenções médicas (como câncer, diabetes, doenças cardíacas, entre outras). Vários
desses instrumentos possuem indicadores que medem também os aspectos subjetivos
(MINAYO; HARTZ; BUSS, 2000).
A constatação da inexistência de instrumento de avaliação da qualidade de
vida, sob uma perspectiva transcultural, motivou a Organização mundial de saúde (OMS) a
desenvolver os instrumentos WHOQOL-100 e WHOQOL-bref, ambos genéricos (WHOQOL
GROUP, 1995). O primeiro possui 100 questões que avaliam seis domínios: físico,
psicológico, de dependência, relações sociais, meio ambiente, espiritualidade/crenças
pessoais. O segundo é a versão abreviada do primeiro. Contém 26 questões extraídas do
anterior, escolhidas entre as que obtiveram os melhores desempenhos psicométricos, e
cobrem quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente (FLECK et al.,
1999). Nesse mesmo ano, validaram estes instrumentos para a população brasileira.
A avaliação da qualidade de vida em neurologia, também vem sendo utilizada
de forma cada vez mais freqüente. Alguns exemplos de questionários utilizados em
Neurologia são: Activities of Daily Living Scale (BADL), Functional Assessment of Multiple
Sclerosis (FAMS), Escala de do estado de Incapacidade do Dossiê Mínimo de Invalidez para
Esclerose Múltipla (EEI), Neuropathic Symptoms Questionnaire (NSQ), Parkinson’s Disease
37
Quality of life Questionnaire (PDQL), Quality of Life in Epilepsy (QOLIE-89), Quality of
life for patients with newly diagnosed epilepsy (NEWQOL), Seizure Severity Index (SEIS1),
entre outros.
Neste estudo, considerou-se o ponto de vista dos estudiosos adeptos de
enfoques qualitativos, tais como Farquhar (1995), Seidl e Zannon (2004), os quais enfatizam
que a utilização de medidas padronizadas pode levar a respostas estereotipadas, que têm
pouco ou nenhum significado para a pessoa. Por esse motivo, defendem que QV só pode ser
avaliada pela própria pessoa. As avaliações subjetivas de QV mostram freqüentemente
resultados que são muito diferentes de resultados de avaliações objetivas.
2.3 Interfaces do Acidente Vascular Encefálico sobre a qualidade de vida
Quando uma pessoa adquire a hemiparesia pós- AVE, ela passa por todo árduo
processo de superação com o intuito de assimilar a deficiência física até chegar a uma fase de
adaptação às incapacidades impostas pelo AVE, as quais implicam conseqüências no âmbito
socioeconômico, cultural, afetivo, sexual, familiar, psicológico e espiritual.
Dentre as doenças vasculares, o acidente vascular encefálico (AVE) é uma
síndrome clínica descrita como um déficit neurológico focal causado por alterações na
circulação sanguínea no encéfalo que trazem desordens motoras e sensitivas (TEIXEIRA et
al., 2003).
No Brasil, os dados disponíveis com relação a taxas de incidência de AVE são
do final da década de 1990 e estimam aproximadamente 156 a 167 por 100 mil habitantes por
ano, segundo estudos realizados em Joinville- SC e Salvador - BA (CABRAL et al, 1997;
LESSA, BASTOS, 1983). Observou-se grande variação na incidência de AVE de acordo com
as diferentes condições socioeconômicas, nos bairros da cidade de São Paulo (SCHOUT et al,
2004). No estado do Maranhão, não há registro de estudo epidemiológico sobre a prevalência
do AVE.
Os coeficientes de mortalidade por 100 mil habitantes por ano variaram de 60 a
105, predominando em Salvador e São Paulo, com índices menores na região sul. As taxas de
letalidade por AVE variam de 10 a 55% (MENKEN; MUNSAT; TOOLE, 2000).
A distribuição de óbitos pelo AVE começa a tomar importância em uma faixa
etária de 40 anos, predominando nas faixas etárias além destas. Sendo assim, o mais forte
38
determinante de acidentes vasculares encefálicos é a idade. A incidência de AVE aumenta de
maneira exponencial com a idade, a maioria ocorrendo em pessoas acima de 65 anos. O AVE
em pessoas com a faixa etária de 40 anos, adultos maduros, é uma preocupação crescente
devido ao impacto da incapacidade precoce (ROWLAND, 2000).
O fato de atingir pessoas em idade produtiva tem um forte impacto econômico
calculado por anos produtivos de vida perdidos e nos custos de hospitalização. Segundo
Martinez-Vila e Irimia (2004), nos EUA, os custos do tratamento são elevados, estimados em
20 bilhões de dólares com os custos diretos (hospital, médicos, medicação, atendimento
domiciliar, casa de repouso) e 46 bilhões de dólares com os custos indiretos (perda da
produtividade).
As doenças do aparelho circulatório, dentre eles, o AVE, estão associados a
fatores de risco e hábitos de consumo da população. Muitos estudos comprovam esta
associação e resultados positivos ou negativos advindos do controle e prevenção ou não destes
fatores. A hipertensão arterial, o uso abusivo de álcool e fumo, o estresse e os hábitos
alimentares respondem por declínio da incidência e mortalidade em alguns países e são
apontados como causa do incremento de doenças do aparelho circulatório (JORGENSEN et
al, 1995; FONTANA et al., 1996).
A incidência de AVE é maior entre os homens do que entre as mulheres
(ROWLAND, 2000). O estudo de Felgar (1998), em São Paulo, com 56 pacientes internados
por AVE, nas faixas entre 50 e 95 anos, reforça o achado de incidência maior a partir dos 60
anos, com cerca de 60% dos casos registrados até os 80 anos, em homens.
Diante do estudo dos sinais e sintomas decorrentes de um AVE, verificou-se
que estes se mostram de diversas formas, dependendo da área acometida. A seqüela física
mais prevalente é a hemiplegia e a hemiparesia como afirma Vallone (2005).
Para este autor, esta seqüela ainda pode vir acompanhada de problemas de
percepção, cognição, sensorial e de comunicação. Define-se hemiplegia como a paralisia dos
músculos de um lado do corpo, contralateral ao lado do cérebro em que ocorreu o AVE
(WADE et al., 2000) e a hemiparesia, de acordo com Senkiio et al. (2005), é caracterizada por
fraqueza no hemicorpo contralateral à lesão, também podendo ser acompanhada por
alterações sensitivas, mentais, perceptivas e da linguagem.
Portanto, para as pessoas com AVE, o risco de que desenvolvam
incapacidades é alto, em razão da lesão neuronal. Esta é uma outra forma de expressão da
gravidade, pois a perda de autonomia entre adultos e conseqüente dependência dos mesmos é,
principalmente, causada pela incapacidade resultante do AVE (MEDINA et al., 1998).
39
Quando se fala em AVE, logo se pensa em deficiência e em um indivíduo
incapaz. Para Hausen et al. (2001), dos que sobrevivem ao AVC, até 30% tornam-se
dependentes e improdutivos. Normalmente, o AVE acomete pessoas na fase adulta, as quais
ainda encontram-se produtivas para a sociedade. Muitas pessoas, após a instalação da doença,
criam um bloqueio com relação ao convívio social, devido ao receio do olhar dos outros com
relação à sua deficiência.
Pereira (1997) relata claramente essa situação quando afirma que um dos seus
pacientes fala que, após o AVE, não teve mais coragem de voltar aos estudos, pois tinha
receio de mostrar-se aos colegas que o conheciam anteriormente. Essa atitude desenvolvida
pelo indivíduo está relacionada às alterações causadas pela hemiparesia, no qual o hemicorpo
não afetado tem que compensar e ajudar aquele que se encontra em desvantagem.
A visão do indivíduo em relação à doença irá variar de acordo com o estágio
de vida em que se encontrava antes do AVE. Segundo Pereira (1997), existem três formas na
qual o cliente se relaciona à doença após o AVE:
a) doença destrutiva em que o cliente considerava-se ativo na sociedade,
vendo-se dissocializado, perdendo o seu papel social na família e no
trabalho; b) doença libertadora, na qual o cliente se vê desobrigado em
executar suas exigências sociais, é visto como um descanso e ganho de
benefícios; c) doença como ocupação, a qual exige energia para lutar contra
a doença, para o cliente o afastamento da sociedade é suprido por tal luta,
aceitando a doença e acreditando que só poderá vencê-la buscando a cura.
Como se pode observar, a visão do indivíduo sobre a doença está muito
relacionada às atividades que ele executava antes da instalação da patologia e também ao
valor que o mesmo atribuía à atividade social ou diária que executava. Aqueles que têm uma
visão destrutiva sobre a doença, a atividade que realizava era de suma importância para a sua
satisfação pessoal e social.
O AVE apresenta uma percentagem significativa de seqüelas incapacitantes,
tornando essas pessoas dependentes para a realização dos seus cuidados do dia-a-dia. Isto se
reflete na realização das atividades da vida diária (AVD’s) e atividades instrumentais da vida
diária (AIVD’s)
6
.
6
A expressão AVD refere-se ao desempenho de tarefas de auto-manutenção como alimentar-se, vestir-se,
cuidar-se (aparência, maquiagem), tomar banho e higiene íntima no uso do banheiro. Já a expressão AIVD
refere-se às tarefas de mobilidade funcional, mobilidade na comunidade (caminhando, dirigindo, usar transporte
público, lidar com dinheiro, realizar compras, manusear eletrodomésticos) e comunicação funcional. Ver em:
BARIDOTI et al. Definições de Terapia Ocupacional. Centro de estudos de Terapia Ocupacional (CETO),
v.1, p. 2-3, mar., 2001.
40
Além dos obstáculos enfrentados na realização das atividades da vida diária
pelo indivíduo que apresenta alguma incapacidade, a integração social
7
também se encontra
prejudicada. A visão da sociedade com relação a essas pessoas é depreciativa, como mostra
Burton (1994). Segundo este autor, algumas dessas idéias erradas, utilizadas pelo senso
comum, associam a noção de pessoa fisicamente incapacitada, retardada, portanto não pode
trabalhar, torna-se dependente, sem esperança, assexuada, incapaz de amar e miserável,
excluída como cidadã, tanto pela sociedade, quanto pela família. Em algumas situações, a
família assume para com a pessoa com deficiência atitude de superproteção.
Para Pereira (1997), sentimo-nos envergonhados de nossos defeitos físicos,
ainda que saibamos que não implicam nenhum pecado, que não somos responsáveis por eles.
Mesmo assim, ser portador ou ter alguém na família com alguma deficiência é motivo de
vergonha, o que torna raro encontrarmos estas pessoas nas ruas, em escolas, em locais de
trabalho e de lazer.
Apesar da visibilidade que se verifica atualmente, no cotidiano, observa-se a
persistência de atitudes de isolamento em razão de que o individuo, vivendo em sociedade,
incorporou valores e normas sociais que orientam sua conduta em diferentes situações. Neste
contexto sócio-cultural, estão incluídos os conceitos de classificação das pessoas, das coisas,
da normalidade e seus opostos.
A atitude de não ser visto e de não se expor ao olhar dos outros, são
dificuldades enfrentadas pelas equipes de reabilitação na inserção de pessoas com deficiência
nas atividades cotidianas, principalmente no extradomicílio, sendo esta atitude de ocultamento
assumida pela família, pelo indivíduo com deficiência e, de um certo modo, solicitada pela
sociedade.
Satow (2000) escreve a este respeito:
Não é comum vermos pessoas deficientes tendo uma vida participante como
cidadãs e militantes pela causa daqueles em situação semelhantes a elas. Em
geral, faltam-lhes meios ou acesso a tratamento adequado para enfrentar seu
meio social. Quanto aos que se tornam visíveis, são freqüentemente
encarados como super-homens, pois conseguem ganhar a luta cotidiana
travada com as pressões sociais, com a tentativa de negação da identidade
preconceituosa que a sociedade tenta lhes imputar e a identidade que eles,
7
A expressão integração social é conceituada como sendo a condição de exercer autonomia, de
participar da vida plena, como membro de uma sociedade, em igualdade com os demais. Integração
social supõe realizações pessoais, profissionais e afetivas, acesso à informação, ao ambiente, à vida em família, a
compartilhar serviços de saúde, educação, emprego e lazer. Para maiores informações ver em: MARQUES, C.
A. A ética da discriminação da pessoa portadora de deficiência. Revista Integração, v.7, n.7, 1997.
41
portadores de deficiência, querem conquistar para si e para outros em
condições semelhantes, porque só assim irão obter seu status de pessoa
humana. Além desta batalha externa, há uma outra, interna, que é a de
assumir os pré-conceitos que carrega sobre si mesmo e sobre os outros em
situação de minoria, trabalhando pela transformação de sua identidade
social, através da reflexão e ação em busca da humanização.
Para Rodrigues (1986), o ser humano apresenta a necessidade da existência de
uma ordem, de normas, e o que desafia este princípio integra o conjunto das coisas anômalas
e das coisas ambíguas, passando a ser combatidas, a ser fonte de temor e receios.
Segundo Canguilhem (1990) “definir o anormal por meio do que é de mais ou
de menos, é reconhecer o caráter normativo do estado dito normal” (p.36). [...] “Normal é, ao
mesmo tempo, a extensão e a exibição da norma” (p.211).
No caso da deficiência, a vergonha e a discriminação podem derivar do
sentimento de ter-se afastado das normas; o medo pode ser provocado pela insegurança de
não saber lidar com o diverso, com o desconhecido. Enfim, a deficiência pode provocar certa
repulsa ou constrangimento, curiosidade e indiscrição por parte das pessoas “normais” quando
diante de uma pessoa com deficiência. O preconceito pode ser expresso através da
comiseração, superproteção, negação de qualquer capacidade, e também por admiração
exagerada e atribuição de uma capacidade de superior à pessoa com deficiência, que ora tem
um status de sub-humano ou de super-humano (SATOW, 2000).
Esta visão interfere na formação da identidade e na percepção que a pessoa tem
de si própria. De acordo com Habermam et al. (1993), a identidade de uma pessoa só será
construída através de interações realizadas pelos outros na atitude prática de participantes
dessa interação. O indivíduo com deficiência, ao interagir com outros que o reconhecem por
ser diferente do normal, acaba por internalizar essa imagem e a discriminação do outro se
torna também sua.
Goffman (1980) estudou profundamente os estigmas produzidos pela
sociedade e os efeitos que um rótulo pode ter em quem recebe ou em quem o coloca. Em
nossa socialização, adquirimos conceitos e preconceitos oriundos da sociedade e, segundo
este autor,
os ambientes sociais estabelecem as categorias de pessoas que têm
probabilidade de serem neles encontrados. As rotinas de relação social em
ambientes estabelecidos nos permitem um relacionamento com outras
pessoas previstas, sem atenção ou reflexão particular. Então, quando um
estranho nos é apresentado, os primeiros aspectos nos permitem prever a
sua categoria e os seus atributos (GOFFMAN, 1980, p.11).
42
Os deficientes estão entre as pessoas que têm os seus atributos imediatamente
evidenciados, passando a ocupar as categorias estigmatizadas de incapaz, defeituoso, anormal,
coitado, esforçado. Para El-Khatib (1994), que em seu estudo aprofunda a discussão sobre a
condição de ser deficiente:
as pessoas portadoras de deficiência são, não apenas discriminadas, mas
privadas do direito de ser pessoa devido a presença de uma diferença que é
negativamente traduzida por deficiência, acaba-se reduzindo a pessoa que
apresenta uma diferença física, ao seu atributo, nomeando-a deficiente
.
Os estudos realizados por Rocha et al (1993), informam que 40% das pessoas,
após um ano do AVE, necessitam de algum auxílio, seja na área física ou emocional. De
acordo com Pereira (1997), a aceitação da sua nova condição em relação à doença dependerá
da manutenção da identidade social positiva. Sendo assim, antes do AVE o indivíduo exercia
um papel na sociedade, o qual foi modificado devido a sua nova realidade. A manutenção da
identidade social positiva fará com que a pessoa saiba lidar e superar esse momento de
mudanças, aceitando a sua nova condição.
Este autor ainda afirma que é compreensível que o AVE pode levar o indivíduo
a uma crise depressiva em que se vê excluído de seu meio social, levando-o a comparar-se em
relação aos outros e tornar-se uma pessoa desacreditada comprometendo na reafirmação da
realidade da vida cotidiana.
Um estudo realizado no Reino Unido, com objetivo de estabelecer a
prevalência e as deficiências e incapacidades depois de um AVE, demonstrou que, em média
dois anos após o episódio, ocorreu importante deterioração nos processos de pensamento e
fala. Deteriorações de fala aumentaram a taxa de necessidade de ajuda diária em 2,4 vezes e a
deterioração cognitiva em 4,1 vezes. O estudo ainda mediu uma qualidade de vida pior entre
os que não tiveram uma recuperação total (TENNANT et al., 1997).
Kottke et al. (1994) relatam serem comuns, em casos de AVE, ansiedade,
depressão, distúrbios do sono e da função sexual, distúrbios motores, sensoriais, cognitivos e
de comunicação, alterações fisiológicas (dispnéia, angina, hipertensão), que causam
limitações e interferências na qualidade de vida. Portanto, diante de toda essa problemática
acerca da repercussão que o AVE possa causar na qualidade de vida das mulheres, explanar-
se-á a seguir a trajetória metodológica adotada nesta pesquisa.
43
“A cada dia sinto que meus problemas se tornam tão pequenos em
vista das pessoas que lutam pela vida, eu me sinto cada vez mais
forte para enfrentar as dificuldades” (E4)
44
3 DELINEANDO O CONTEXTO DA PESQUISA
Neste item, explanar-se-á todo o percurso metodológico adotado, explicitando
as estratégias de coleta e análise das informações. A opção pela metodologia qualitativa não
ocorreu por acaso. Vem da natureza do objeto desta investigação, da sua historicidade e dos
procedimentos interpretativos adotados. Vale ressaltar que a visão de mundo, valores, idéias,
experiências de vida, profissional e de pesquisa, conhecimento teórico e metodológico
também contribuíram para esta escolha.
3.1 Descrição do estudo
Trabalhar com conceitos impregnados de subjetividade, expostos a mudanças e
dependentes de múltiplos fatores na sua constituição requer uma metodologia adequada. Qual
metodologia forneceria a compreensão das representações sobre qualidade de vida de
mulheres hemiparéticas, nas suas próprias complexidades, contradições e constantes
transformações, entendo-as como fenômenos sociais?
Que método daria conta de interrogar e compreender toda a tessitura do
processo de viver e ainda pudesse colaborar para a melhoria da qualidade de vida da
humanidade através de princípios éticos do viver individual e coletivo?
Qual metodologia daria conta de trabalhar sobre uma determinada situação de
estudo segundo os significados das próprias mulheres pesquisadas?
Patrício; Casagrande; Araújo (1999, p. 53) respondem a essas indagações:
Considero que os métodos qualitativos de pesquisa representam as grandes
possibilidades de estudar a complexidade da qualidade de vida, isto é, de
operacionalização (de prática) das concepções que emergem dos novos
paradigmas. Esses métodos têm como foco interrogar sobre fenômenos que
ocorrem com os seres humanos na vida social e estão calcados em
princípios da ciência não positivista. São esses métodos que permitem não
somente ampliar teorias e conhecimentos já existentes sobre a realidade
social, mas especialmente a construção de marcos teóricos, a partir dos
próprios dados da realidade estudada e que, posteriormente, servirão de
referências para outros estudos.
45
Sendo assim, por tratar-se de uma pesquisa que buscou desvendar significados
e representações, assim como apreender o processo de reconstrução de comportamentos a
partir de movimentos profundos de significações e redefinições de sentidos, o método
qualitativo foi considerado o mais apropriado. Este método, segundo Minayo (1994), é capaz
de incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes
aos atos, às relações e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas
tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções
humanas significativas.
Neste método, procura-se trabalhar com o universo de significados,
motivações, crenças, valores e atitudes, correspondentes a um espaço mais profundo das
relações, dos processos e dos fenômenos sociais que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis.
Na pesquisa qualitativa existe uma relação entre o mundo real e a
subjetividade, possibilitando a apreensão do sujeito, como afirma Chizzotti (1998)
a abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o
sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a
subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados
isolados, conectados por uma teoria explicativa; sujeito-observador é parte
integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos,
atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está
possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam em suas
ações.
Assim, do ponto de vista metodológico, a representação coletiva sobre
qualidade de vida das mulheres hemiparéticas é uma maneira de explicitar todo o seu
contexto atual de vida, do qual emergiram dimensões que lhe são próprias e específicas,
levando em consideração que é um conceito subjetivo e multifacetário. Para Durkheim
(1996), é impossível dissociar os indivíduos da sociedade na qual eles estão inseridos, da
mesma forma que é impossível conceber uma sociedade sem que essa se manifeste através de
indivíduos concretos.
Os conceitos são representações coletivas. Se eles são comuns a um grupo
social inteiro, não é que representem uma simples média entre as
representações individuais correspondentes [...], em realidade, estão
carregados de um saber que ultrapassa o do indivíduo médio. Eles não são
abstrações que só teriam realidade nas consciências particulares, mas
representações tão concretas quanto as que o indivíduo pode ter de seu meio
46
pessoal, representações que correspondem à maneira como esse ser
especial, que é a sociedade, pensa as coisas de tal experiência própria
(DURKHEIM, 1996, p.483).
Jodelet (1989) ainda acrescenta que as representações podem ser entendidas,
assim, como formas de conhecimento socialmente elaboradas e partilhadas que possuem fins
práticos e concorrem para a construção de uma realidade comum a um grupo social.
Portanto, este estudo qualitativo pretendeu apreender a totalidade coletada
visando, em última instância, atingir o conhecimento de um fenômeno histórico que é
significativo em sua singularidade.
Escolhida a abordagem norteadora do estudo, surgiu à necessidade de
selecionarmos o desenho metodológico a ser adotado na investigação. Patrício; Casagrande;
Araújo (1999) fazem uma interessante observação:
A pesquisa qualitativa caracteriza-se por estudar a realidade humana a partir
do significado dado pelos sujeitos participantes do estudo. É essencialmente
descritiva; as informações são colhidas preferencialmente no contexto dos
sujeitos; a preocupação está mais no processo da pesquisa do que no tipo de
informações. Sendo assim, na pesquisa qualitativa, a possibilidade criativa
do pesquisador é fundamental.
Com base nesses elementos, optou-se pela pesquisa qualitativa do tipo
descritivo-analítica.
3.2 Cenário do estudo
A construção do universo metodológico deste estudo foi realizada na Clínica-
escola Santa Edwiges, onde a autora do presente estudo exerce a atividade profissional como
terapeuta ocupacional do Setor de Neurologia Adulto há aproximadamente dois anos e meio.
A Clínica-escola Santa Edwiges
8
é uma instituição constituída em 12 de agosto
de 2002 por iniciativa da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de São
Luís-MA, mantenedora da Faculdade Santa Terezinha-CEST.
8
A Clínica-escola Santa Edwiges situa-se na avenida Granja Barreto, nº1, Outeiro da Cruz, anexa à APAE de
São Luís-MA.
47
A APAE foi fundada em 10 de janeiro de 1971. É uma entidade filantrópica,
sem fins lucrativos, de caráter cultural, assistencial e educacional, que atende pessoas com
necessidades especiais após o nascimento até a fase adulta. Sua missão é promover e articular
ações de defesa de direitos, prevenção, orientações, prestação de serviços, apoio à família,
direcionadas à melhoria da qualidade de vida da Pessoa com Deficiência e à construção de
uma sociedade justa e solidária. Para alcançar esses objetivos, tornou-se necessário a criação
da Faculdade Santa Terezinha- CEST, em decorrência da dificuldade de profissionais
especializados e altamente qualificados na área da reabilitação (APAE, 2006)
A Clínica-escola Santa Edwiges tem por objetivo servir de campo de estágio
aos cursos de Terapia Ocupacional, Fisioterapia e Fonoaudiologia da Faculdade Santa
Terezinha-CEST.
A escolha desta instituição se deu pela mesma ter desempenhado um
importante papel na prestação de serviços de saúde no Estado do Maranhão às pessoas com
deficiência, tendo sido considerado local de referência no tratamento reabilitacional. A seguir,
será descrita a inserção no campo de pesquisa.
3.2.1 Inserção no campo
No dia 22 de março de 2005, foi realizada a visita técnica
9
à APAE, a autora
desse trabalho foi apresentada pela coordenadora de Fisioterapia às assistentes sociais e à
administradora. Estabeleceu-se então um diálogo visando à explicação da dinâmica da
instituição, enfatizando-se o percurso da mulher hemiparética no processo de reabilitação.
Foi esclarecido que os usuários desta instituição, independente da patologia,
para a marcação do atendimento, devem ser encaminhados ao SEMARC, Setor de Marcação
do Município de São Luís, cuja sede central encontra-se localizada no Bairro da Alemanha.
Concluiu-se, através do relato, que para um melhor atendimento aos usuários, houve uma
descentralização da SEMARC com a criação de postos de atendimentos em diferentes
localidades, inclusive foi mencionado que ao lado da Clínica-escola existe um setor
9
É importante destacar que, durante a visita técnica, em março de 2005, a presente autora não trabalhava na
instituição. Após dois meses, a mesma realizou processo seletivo, logrando êxito, passando a ocupar o cargo de
terapeuta ocupacional do setor de Terapia Ocupacional em Neurologia Adulto.
48
específico. A equipe de assistência social mencionou que o setor de neurologia encaminha os
pacientes à Clínica-escola, em caso de necessidade de um atendimento reabilitacional.
Em seguida, foi realizada a visita ao Setor de Prontuários Gerais da APAE.
Evidenciou-se que não havia como ter uma separação dos prontuários por patologias, pois a
instituição carecia de recursos financeiros para a instalação de um serviço tecnológico
atualizado. Constatou-se, que os prontuários estão em ordem alfabética, totalizando uma
quantidade aproximada de 500 prontuários. Foi mencionado que a Clínica-escola, ao
necessitar dos prontuários gerais, recorre a uma lista de nomes neste setor para as devidas
providências.
Posteriormente, foi feita a visita aos setores específicos da Clínica-escola, em
busca do levantamento dos dados secundários das mulheres hemiparéticas. No setor de
Neurologia Adulto, houve a apresentação das Terapeutas Ocupacionais e das Fisioterapeutas,
responsáveis pelo setor dos turnos matutino e vespertino. Desta forma, foi realizado a
anotação de campo com as informações dos prontuários das mulheres, com seu respectivo
horário de atendimento.
Para finalizar, foi realizada a visita ao setor de Fonoaudiologia. Foi esclarecido
que a dinâmica deste setor é diferente dos demais. Mencionou-se que os atendimentos não são
divididos por especialidades. Os atendimentos são realizados em uma sala individualizada,
independente da patologia. Desta forma, foram abordados todos os supervisores docentes da
Clínica-escola, visando conhecer as mulheres hemiparéticas.
Toda essa entrada no campo esteve respaldada por um Termo de Autorização,
permitindo o uso do local para a coleta das informações e seleção dos sujeitos da pesquisa
(APÊNDICE A).
3.3 Mulheres hemiparéticas: sujeito do estudo
Participaram como sujeitos desta pesquisa 13 (treze) mulheres com
diagnóstico de Acidente Vascular Encefálico, com quadro clínico e físico de Hemiparesia,
idade compreendida entre 20 a 59 anos, com tempo de ocorrência do AVE de, no mínimo,
1(um) ano e que aceitaram participar deste estudo. Foram excluídas aquelas que não
apresentaram o referido diagnóstico e aquelas que apresentaram comprometimento cognitivo
ou de linguagem significativo, impossibilitando-lhe de responder à entrevista.
49
Optou-se por esta idade, entre 20 a 59 anos, pelo fato de estas mulheres se
encontrarem em faixa etária produtiva, implicando a existência e mudança dos planos em
função da doença, principalmente, no 1º ano após o AVE. Para esta definição, considera-se
que, a partir dos 60 anos e faixas de maior de idade, existem outros eventos do
envelhecimento como o declínio de algumas atividades funcionais, demência, recorrência do
quadro e outras patologias que, associado às conseqüências do AVE, tornariam mais difícil o
controle do estudo (CALKINS; FORD; KATZ, 1997).
Nesse estudo, o número de participantes da amostra, 13 (treze), dentro de um
universo de 30 (trinta) mulheres, foi considerado suficiente para alcançar os objetivos
propostos no trabalho. De acordo com Corrêa (2001), na pesquisa qualitativa, a amostra ideal
é a que reflete o conjunto de suas múltiplas dimensões e o número de entrevistas, considerado
relevante para a análise, será definido mediante as convergências e divergências sobre o tema
que venham a se refletir nas diferentes falas.
As informações, na pesquisa qualitativa, ao serem coletadas e analisadas,
exigem do pesquisador flexibilidade e criatividade. A representatividade destes dados está
relacionada à sua capacidade de possibilitar a compreensão do significado e a descrição densa
dos fenômenos estudados em seus contextos e não à sua expressividade numérica
(HERZLICH, 1991).
Nesta perspectiva, Minayo (1994) considera como ideal a amostra capaz de
representar a totalidade e que permite aprofundar o que se pretende investigar, de tal forma
que atenda aos objetivos da pesquisa. O grupo social deve ser claramente definido e só esgota
o assunto quando o quadro empírico do trabalho for delineado com novas inclusões, à medida
que a pesquisa de campo for desenvolvida, confrontando-se as novas descobertas com a
teoria. Assim, o número de participantes deste estudo não foi definido previamente, mas pelas
recorrências das representações nas falas. As entrevistas foram realizadas até a observação da
repetição dos relatos.
3.4 Estratégias de obtenção das informações
A pesquisa teve início com a revisão bibliográfica acerca do tema, nas bases
dos sistemas MEDLINE e LILACS, usando termos descritores relacionados às doenças
cerebrovasculares, acidente vascular encefálico, qualidade de vida e também relacionados à
50
estes, a deficiência, incapacidade, atividades da vida diária, depressão, dentre outros. Após
uma triagem inicial dos resumos, foram solicitadas, através do sistema COMUT, as
publicações na íntegra.
Em seguida, na tentativa de alcançar os objetivos propostos, a pesquisa de
campo foi dividida em dois momentos. No primeiro momento, a pesquisa foi desenhada
objetivando, inicialmente, identificar e caracterizar o universo das mulheres hemiparéticas
que recebem atendimento reabilitacional na Clínica-escola. Desta forma, foi realizada uma
análise da dinâmica institucional, enfatizando o percurso da mulher hemiparética dentro da
Clínica-escola, com levantamentos de dados secundários nos prontuários e com a aplicação
de um questionário (APÊNDICE B), abordando as seguintes dimensões: biológica, funcional,
sócio-econômica e psicológica, visando obter as características individuais e familiares, saúde
física, atividades da vida diária, recursos sociais e econômicos que afetam as mulheres
hemiparéticas.
Na pesquisa qualitativa, é sempre importante um conhecimento prévio das
características gerais do tema em investigação para que o painel de discurso composto com os
seus depoimentos seja o mais amplo possível (LEFRÈVRE; LEFRÈVRE, 2005).
O questionário sobre as características socioeconômicas e culturais seguiu o
roteiro de uma entrevista estruturada. Sua elaboração baseou-se no Questionário BOAS
(Brasil Old Age- Questionário Multidimensional para estudos comunitários na população
idosa) elaborado por VERAS (1994), no WHOQOL (Quality of life of World Health
Organization), modelo de avaliação da qualidade de vida da Organização Mundial de Saúde
(OMS) e a EEI (Escala do Estado de Incapacidade do Dossiê Mínimo de Invalidez para
Esclerose Múltipla). A aplicação do questionário foi feita na própria instituição, Clínica-
escola Santa Edwiges.
No segundo momento da investigação, foram realizadas as entrevistas
individuais (APÊNDICE C) com as mulheres. A duração média foi de 1 (uma) hora. As
entrevistas das mulheres foram realizadas na residência, conforme agendamento. A escolha
do domicílio da entrevista aconteceu por uma preocupação em apreender uma realidade que
só seria possível vivenciando-a (LOPES, 2005).
Segundo Patrício (1999), para se captar as múltiplas conexões que compõem a
realidade a ser estudada, nada melhor que o laboratório da vida, o próprio contexto onde os
fenômenos ocorrem, ou seja, os locais onde acontece a tecitura da vida; nos cotidianos em
que a qualidade de vida é construída, nos micromundos onde as pessoas interagem.
51
Por esse motivo, Marcus e Liehr (2001) afirmam que pesquisadores dedicados
à pesquisa qualitativa estudam os sujeitos em seus cenários naturais, tentando compreender,
ou interpretar fenômenos em termos de significados que as pessoas trazem para eles. Sendo
assim, a idéia deste estudo foi abordar os fenômenos sociais em toda a sua complexidade, na
perspectiva de trazê-los o mais próximo da realidade possível.
A entrevista com roteiro semi-estruturado foi escolhida por ser mais flexível e
aberta, permitindo ao entrevistador explorar melhor as questões fundamentais, que são
apoiadas em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa, podendo ser modificadas, de modo
que venham atender às diversas situações e características do estudo (LAKATOS;
MARCONI, 1993).
E, como sublinha Trivinos (1992), a entrevista semi-estruturada consiste em
uma técnica que valoriza a presença do investigador e permite que o entrevistado alcance a
liberdade e a espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação e favorecendo não só a
descrição dos fenômenos sociais, mas também a explicação e a compreensão de sua
totalidade.
A entrevista semi-estruturada foi constituída por perguntas abertas, as quais
têm o objetivo de conhecer a história da doença, as mudanças ocorridas na vida dessas
mulheres após a Hemiparesia, conhecer as representações sociais delas sobre o significado de
qualidade de vida e conhecer a qualidade de vida após o AVE. O roteiro da entrevista teve
como base o conceito de qualidade de vida de Ferrans e Powers (1992), que o
operacionalizam por meio de dois núcleos: satisfação com as diferentes dimensões da vida e a
importância atribuída a elas.
Para Minayo (1992), a entrevista traduz-se em fontes de informações,
referentes a fatos, idéias, crenças, maneiras de pensar, opiniões, sentimentos, maneiras de
sentir, maneiras de atuar, conduta ou comportamento presente ou futuro, razões conscientes
ou inconscientes de determinadas crenças, sentimentos, maneiras de atuar ou
comportamentos.
Beck et al (2001) afirmam que a entrevista, na investigação qualitativa,
apresenta três características importantes: a intersubjetividade, a intuição e a imaginação. Para
eles, ninguém melhor do que a própria pessoa envolvida para falar a respeito de tudo aquilo
que pensa e sente e do que tem vivenciado.
Desta forma, a escolha deste instrumento deve-se fundamentalmente ao
objetivo de obter o depoimento de “viva voz” das mulheres sobre as questões implícitas na
manifestação da qualidade de vida após o Acidente Vascular Encefálico. Portanto, a intenção
52
foi a de obter, através do discurso dos sujeitos, as suas representações, significações e atitudes
sobre qualidade de vida, agora como pessoas com uma deficiência, a hemiparesia.
Durante a realização das entrevistas, a ordem das perguntas foi alterada sempre
que se notava que isso beneficiaria a compreensão dos sujeitos da pesquisa e facilitaria a
coleta das informações. Muitas vezes foi alterada a estrutura da pergunta, sem mudar o
sentido, citando exemplos práticos, para que as depoentes entendessem melhor, além de
retornar às questões que ainda não estavam suficientemente esclarecidas.
Bourdieu (1998) afirma que a postura do pesquisador durante a entrevista deve
ter objetivo de reduzir ao máximo a violência simbólica, instaurando-se uma escuta ativa e
metódica.
O autor diz que essa postura
associa a disponibilidade total em relação a pessoas interrogadas, a
submissão à singularidade de sua história particular, que pode conduzir, por
uma espécie de mimetismo mais ou menos controlado, a dotar uma
linguagem e a entrar em seus pontos de vistas, em seus sentimentos, em
seus pensamentos (BOURDIEU, 1998, p. 697).
Sendo assim, este estudo baseou-se na análise da experiência subjetiva das
mulheres. É um enfoque que reconhece a pessoa no seu contexto de ser histórico, como ser
no mundo, em que ele se relaciona com este mundo, modificando-o ao mesmo tempo em que
é modificado por ele. Enfoca-se, para isso, a percepção e o significado de aspectos
relacionados à vivência das mulheres hemiparéticas, de acordo com o que se mostrou
consciente durante os momentos de entrevista (MERLEAU-PONTY, 1999)
Neste sentido, todas as entrevistas transcorreram de forma tranqüila e
harmoniosa, sendo percebido o interesse e motivação das mulheres hemiparéticas em relação
à pesquisa. As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora, sendo utilizado como
recurso um gravador digital.
A reação da maioria das entrevistadas em relação ao gravador foi sempre
positiva, não se observou comportamento inibido ou constrangimento. As impressões obtidas
em cada entrevista eram anotadas nos cadernos de campo, ao final de cada entrevista,
principalmente em relação à comunicação não-verbal, como entonação, gestos, hesitações,
pausas, risos, choros e também reflexões, percepções apreendidas durante as entrevistas.
3.5 Tratamento e análise das informações
53
A esse respeito, Bogdan e Biklen (1994) argumentam que os materiais
recolhidos acerca do mundo que se pretende estudar são:
os elementos que formam a base de análise dos dados e são simultaneamente
as provas e as pistas, pois nos ligam ao mundo empírico. Incluem os
elementos necessários para pensar de forma adequada e profunda acerca dos
aspectos da vida que pretendemos explorar (p.149).
Segundo Minayo (1994), a organização dos dados engloba o conjunto do
material coletado, advindos da entrevista, observações, diários de campo ou outras técnicas de
coleta. Posteriormente, à luz do quadro teórico, bem como de nossos objetivos, realiza-se uma
leitura exaustiva e repetida do material, buscando as regularidades e singularidades, que é o
primeiro exercício da abstração.
Desta forma, iniciou-se a análise das informações, ao aproximar-se da
compreensão do sujeito de estudo; as mulheres hemiparéticas, cujas informações referentes ao
perfil sócioeconômico e cultural foram colocadas em tabelas e quadro. Essas informações,
juntamente com as sínteses descritivas do perfil das entrevistadas, foram apresentadas no
capítulo 4, enquanto que as informações referentes às questões norteadoras, coletadas por
meio de entrevista, com roteiro semi-estruturado, foram submetidas à análise de conteúdo e
expostas nos capítulos 5 e 6.
Para Minayo (1994), a expressão mais comumente usada para representar o
tratamento dos dados de uma pesquisa qualitativa é a Análise de Conteúdo. No entanto, a
expressão significa mais do que um procedimento técnico, ou seja, faz parte de uma histórica
busca teórica e prática de análise de informações, que satisfaça a relação com o contexto
social.
Segundo Bardin (1977), a Análise de Conteúdo pode ser definida como:
um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção / recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens.
Na busca de atingir os significados no material qualitativo têm sido
desenvolvidas várias técnicas da Análise de Conteúdo, tais como: Análise de Expressão,
Análise de Relações, Análise Temática e Análise de Enunciação. De acordo com Minayo
(1994), a Análise Temática é a forma que melhor se adequa à investigação qualitativa do
material sobre saúde. O tema é a unidade de significação que se liberta naturalmente de um
texto analisado segundo critérios relativos à teoria que serve de guia de leitura (BARDIN,
1977).
54
Para tanto, foi encontrada em Minayo (1994) uma proposta de Análise
Temática que parecia responder aos objetivos deste trabalho. Sendo assim, esta análise
desdobra-se, operacionalmente em três etapas:
a) A pré-análise consiste na fase de organização propriamente dita. Nessa
etapa, foi realizada a organização do material transcrito, a leitura exaustiva
do material (pelo menos três vezes) e a organização dele com as anotações
realizados no diário de campo durante as entrevistas domiciliares.
b) Classificação dos dados. Esta segunda fase é a exploração de material, que
consiste essencialmente na operação da codificação. Assim, depois da
leitura exaustiva das entrevistas, o próximo passo foi o agrupamento por
similitude de temas que emergiram. Nesse momento, foram identificados
os temas. Com a análise e a identificação desses temas, foram elaboradas
as expressões temáticas. Além disso, as frases foram reorganizadas de
acordo com os temas que as caracterizavam, e, posteriormente, os subtemas
foram definidos e captados.
c) Análise final. Esta última fase corresponde ao tratamento dos resultados
obtidos e à interpretação. Nesse período, as informações foram articuladas
com os referenciais teóricos de acordo com o conhecimento da realidade
captada durante a pesquisa. Os conteúdos foram, ainda, submetidos a um
estudo aprofundado e orientado pelo referencial teórico-metodológico,
buscando-se delimitar as concepções, as contradições, as posturas e as
representações das mulheres hemiparéticas sobre qualidade de vida.
Sintetizando: a seqüência do procedimento analítico deste trabalho se deu
através da escuta das gravações e leitura flutuante e exaustiva de todas as transcrições,
seguidas de codificação, reunião de categorias temáticas, os temas, reflexão para melhor
compreensão dos significados, realocação das categorias e, à medida que fragmentos
diferenciados, mas ligados às categorias, foram surgindo, surgiu a necessidade de criação de
subcategorias/ subtemas e, por fim, foram feitas interpretações com o intuito de identificar as
representações sobre qualidade de vida das mulheres com hemiparesia após o Acidente
55
Vascular Encefálico. Para isso, as inferências foram articuladas e fundamentadas com a
literatura específica.
Sob essa orientação, a desconstrução e reconstrução dos conteúdos contidos
nas falas dos sujeitos da pesquisa permitiram a sua organização em dois núcleos
estruturadores, que foram: Significado das mudanças na qualidade de vida das mulheres após
o AVE” e “Re-significando a qualidade de vida após o AVE: resgate dos direitos de cidadão”.
Para melhor compreensão acerca desses núcleos, foram estabelecidos temas e subtemas que
ajudaram a delinear os discursos das mulheres. Esses temas e subtemas serão apresentados a
seguir, dispostos nos QUADROS II e III.
1ºNúcleo Estruturador: Significado das mudanças na qualidade de vida das
mulheres após o AVE
TEMAS SUBTEMAS
Interface do AVE na dimensão
familiar.
Percepção de mudanças no relacionamento
pessoal e familiar;
Percepção de mudanças na responsabilidade
pessoal e familiar;
Redimensionamento da família.
Interface do AVE na dimensão
social.
Percepção de mudanças nas vivências sociais e
nas atividades de lazer;
Construção de Redes Sociais de Apoio;
Redimensionamento no uso do Tempo Livre.
Interface do AVE na dimensão
econômica.
Percepção de mudanças nos aspectos
profissionais e econômicos;
Significado Social do Trabalho.
Interface do AVE nas dimensões
biológica e funcional.
Percepção de mudanças nos aspectos motores, de
comunicação, cognitivos, sensoriais e funcionais;
Redefinição do conceito de dependência e
independência.
Interface do AVE nas dimensões
psicológica e espiritual.
Percepção de mudanças na imagem corporal, no
auto-conceito e na auto-estima;
Percepção de mudanças na vida sexual;
Aceitamento e Ajustamento à deficiência;
Fortalecimento das Redes de Apoio Social.
56
QUADRO II – Núcleo estruturador, temas e subtemas
2º Núcleo Estruturador: Re (significando) a qualidade de vida das mulheres após o
AVE: resgate dos direitos de cidadão
TEMAS SUBTEMAS
Representação sobre qualidade de
vida.
Re-significando a qualidade de vida
após o AVE.
Redimensionamento de valores;
Reelaboração da realidade;
Resgate dos direitos de cidadão.
QUADRO III – Núcleo estruturador, temas e subtemas
3.6 A ética de pesquisa
A presente pesquisa seguiu os preceitos estabelecidos pela Resolução
196/96 de 10/10/1996 do Ministério da Saúde, que regulamenta as diretrizes e normas da
pesquisa que envolve seres humanos, com autorização do Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (ANEXO A).
A autonomia do participante do estudo foi respeitada pela sua livre decisão em
participar da pesquisa, após o fornecimento das orientações que contribuíram para sua
decisão. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (APENDICE D) oficializou a
decisão do sujeito da pesquisa de participar deste estudo, de maneira livre e espontânea.
Foram assegurados a confidencialidade, o anonimato e a privacidade, além de
respeitados os valores culturais, sociais, morais, religiosos e éticos. Deste modo, os sujeitos
pesquisados foram identificandos com a letra E (significa ENTREVISTA) seguida de um
número que representa a ordem em que às entrevistas foram realizadas.
A seguir, a discussão se dará paralelamente à apresentação dos resultados, de
forma a facilitar a compreensão e assimilação pelo leitor. Alguns relatos são apresentados
com o objetivo de exemplificar e esclarecer a discussão e encontram-se descritas pelas
mulheres entrevistadas, respeitando-se a linguagem própria de cada uma.
57
“A gente pode na doença ser saudável, ser uma pessoa que transmite
a vida para o outro” (E6)
58
4 APROXIMANDO-SE DA COMPREENSÃO DO SUJEITO DE ESTUDO: AS
MULHERES HEMIPARÉTICAS
As mulheres que participaram deste estudo, têm em comum a hemiparesia em
decorrência de um AVE. No entanto, a maneira como vivenciaram os diversos aspectos
presentes nesta condição sobre sua qualidade de vida diferenciou uma das outras, tornando-as
singulares. Assim, os resultados deste estudo, foram compreendidos a partir de suas
experiências. A seguir, serão apresentadas as características individuais e familiares, da saúde
física, das atividades da vida diária, dos recursos sociais e econômicos das mulheres
hemiparéticas.
4.1 Mulheres entrevistadas: características socioeconômicas e culturais
Partindo do princípio de que as mulheres constroem historicamente sua vida
social e sua própria essência por meio de sua atividade produtiva e das relações que se
estabelecem nessa práxis (GONÇALVES, 1994), buscou-se conhecer parte da realidade
material e social na qual as mulheres hemiparéticas estão inseridas.
Os dados representativos do perfil socioeconômico das mulheres foram
organizados no QUADRO IV e espelham parte da vida social e econômica. Posteriormente,
serão apresentadas de forma sintética as características das mulheres quanto aos aspectos
individuais e familiares, da saúde física, das atividades da vida diária coletados por meio do
questionário. Os dados detalhados estão contidos nas tabelas, que se encontram nos
Apêndices (E, F, G, H).
Em síntese, a caracterização das mulheres que participaram deste estudo,
permitiu mostrar que, das 13 (treze) mulheres entrevistadas, há um discreto predomínio da
faixa etária entre 40 a 49 anos, com 7 (sete) mulheres, caracterizando a população de estudo
como de adultos maduros. As mulheres eram, predominantemente, católicas, 10 (dez)
mulheres, 2 (duas) eram evangélicas e 1 (um) espírita. No que se refere à situação conjugal, a
maioria das entrevistadas (7 mulheres) permanecem casadas após o AVE.
A escolaridade das mulheres entrevistadas é predominantemente de nível
elementar de estudo (ensino fundamental incompleto e completo, com 6 (seis) e 2 (duas)
59
mulheres, respectivamente). O nível educacional elementar também se reflete na profissão da
maioria das entrevistadas.
Código Idade
Situação
Conjugal
Escolaridade
Ocupação/
Profissão
antes do
AVE
Ocupação/
Profissão
após o AVE
Renda
familiar
Tempo
do
AVE
E 1
45
Divorciada
Ensino
fundamental
incompleto
Operadora
de Máquinas
Aposentada 2 SM 9 anos
E 2
46
Solteira
Ensino médio
completo
Secretária Aposentada 4 SM 5 anos
E 3
47
Casada
Ensino
superior
completo
Engenharia
Elétrica
Licença/
Benefício
23 SM
1 ano
e 8
meses
E 4
43
Casada
Ensino
fundamental
incompleto
Tesoureira
Licença/
Benefício
3,5 SM
2 anos
e 6
meses
E 5
47
Casada
Ensino médio
incompleto
Do Lar Do Lar 2 SM
1 ano e
meio
E 6
59
Solteira
Ensino
fundamental
incompleto
Serviços
Gerais/
Aposentada
Aposentada 2,5 SM 3 anos
E 7
32
Casada
Ensino
superior
incompleto
Secretária/
Desemprega
da
Desemprega
da
4 SM 1 ano
E 8
54
Solteira
Ensino médio
completo
Freira Freira 6,5 SM 1 ano
E 9
55
Casada
Ensino
fundamental
completo
Do Lar Do Lar 6,5 SM 1 ano
E 10
45
Casada
Ensino
fundamental
completo
Do Lar Do Lar 2 SM 1 ano
E 11
49
Divorciada
Ensino
fundamental
incompleto
Professora Aposentada 2,5 SM 12 anos
E 12
56
Viúva
Ensino
fundamental
incompleto
Serviços
Gerais/
Aposentada
Aposentada 2 SM 1 ano
E 13
57
Casada
Ensino
fundamental
incompleto
Lavradora
Desemprega
da
2 SM
1 ano
QUADRO IV - Descrição do perfil socioeconômico das mulheres entrevistadas
Antes do AVE, mais da metade (7 mulheres) trabalhavam em atividades
típicas de pouca qualificação profissional, que se desenvolvem no setor de serviços ou
60
informal, predominantemente de baixa remuneração. Predominam, entre estes, as atividades
tidas como “manuais”, tais como, serviços gerais, do lar, operadora de máquina e lavradora,
que implicam maior atividade física que intelectual.
Um fator relevante, na dimensão sócio-econômica, é o status profissional das
mulheres entrevistadas, tendo havido modificação com o AVE, evidenciando em
desempregos, aposentadorias e em licença/ benefício previdenciário, apenas 1 mulher
continua trabalhando. Sendo assim, esta situação torna-se potencialmente mais grave se for
considerado que se trata de uma população em idade produtiva. A renda familiar que
concentra maior número das mulheres entrevistadas é a de 1 a 3 sm, 7 (sete) mulheres.
Entre as mulheres entrevistadas, verificou-se que mais da metade denotou
conhecimento de doença pré-existente, relacionada ao AVE, sendo a hipertensão arterial a
mais freqüente. Em relação ao tempo de ocorrência do AVE, verificou-se que o tempo médio
entre o AVE e a entrevista é de 12 à 18 meses.
No aspecto da atividade motora, na dimensão biológica, verificou-se que a
totalidade das mulheres apresenta redução dos movimentos do hemicorpo, que localiza-se em
8 (oito) mulheres no hemicorpo direito e nas demais no hemicorpo esquerdo. O tipo de
auxílio necessário mais freqüentemente requerido na locomoção é o apoio de outras pessoas
(auxílio humano), seguido pelo uso de bengalas e pelo uso de cadeira de rodas. Verificou-se,
ainda, que cerca da metade das mulheres estudadas (7 mulheres) queixam-se de problemas de
comunicação, sendo estes associados, de modo freqüente, à pronúncia, à articulação das
palavras e à lentidão para falar.
Constatou-se que apenas uma mulher não utiliza adequadamente o conceito de
orientação espaço-temporal. Quanto à memória recente, 8 (oito) mulheres haviam perdido e à
retrógrada, apenas 2 (duas).
Na área sensorial, registraram-se dificuldades de visão em 10 (dez) mulheres:
6 (seis) relataram serem os problemas de visão anterior ao AVE. Quanto à audição, somente 2
(duas) mulheres tiveram perdas.
No desempenho das atividades de vida diária, considerando as de auto-
manutenção como alimentação, vestuário e higiene pessoal, comprovou-se um desempenho
independente na maior parte das mulheres entrevistadas para as tarefas mais simples ou que,
para seu desempenho, necessitassem apenas de uma das mãos, menor precisão de
movimentos ou menor esforço físico, como levar alimentos à boca, vestir-se, despir-se e
escovar os dentes.
61
Nas tarefas de desempenho bi-manual e de precisão, registra-se a incapacidade
para realização ou a necessidade de ajuda, nas atividades como cortar os alimentos, usar o
talher e lidar com acessórios do vestuário, como botões, laços, zíper. Na higiene pessoal,
como cortar as unhas, a dependência de auxílio se mostrou mais presente.
É visível a modificação que as mulheres entrevistadas fazem do uso do tempo
livre, pela condição dependente de mobilidade e de ajuda de outras pessoas. As atividades
mais freqüentemente desenvolvidas são: assistir à televisão, ouvir rádio, conversar e dormir
durante o dia.
Na dimensão psicológica, verificou-se a ocorrência de sintomas e quadro
depressivo imediatamente após o AVE, inclusive no momento da entrevista.
A seguir, serão apresentadas algumas características das mulheres
participantes do estudo, retiradas de recortes das observações registradas no diário de campo e
na entrevista, norteada pela seguinte pergunta: “Comente sobre a História da sua doença”,
para que possa servir de base para posterior análise do conteúdo das entrevistas.
4.2 Como são as mulheres entrevistadas?
Entrevista nº 1 (E1)
Nascida e residente na cidade de São Luís, tem 45 anos, católica, divorciada e
possui ensino fundamental incompleto. Atualmente, mora com sua irmã e seus dois filhos,
uma adolescente de 14 anos e um de 9 anos e tem uma renda familiar de dois salários
mínimos. Comenta que começou a sentir dor de cabeça, tontura e dormência do lado direito.
Ela foi ao médico e ele, inicialmente, achou que fosse labirintite. Um mês após o falecimento
da sua mãe, ao meio dia, depois do almo, ela estava tomando banho. Quando, de repente,
ela desmaiou. Relata que ficou desnorteada, não conseguindo abrir a porta do banheiro.
Depois da realização de todos os exames, o médico diagnosticou como sendo AVE, em
conseqüência do fumo e do estado emocional (estresse psicológico). Antes do evento,
trabalhava como operadora de máquinas e, após o AVE, se aposentou por invalidez.
Comenta que, em função da sua idade e, acrescida à sua deficiência, fica difícil de conseguir
alguma coisa e que, atualmente, não está satisfeita com sua vida. O principal motivo é o
62
problema econômico. No que diz respeito à qualidade de vida, ela relata que o fundamental é
ter saúde e, principalmente, ter uma ocupação, pois é bom para o desempenho psicológico.
Em suas palavras diz: “tudo mudou na minha vida, primeiro eu era uma pessoa independente
economicamente. Agora, dependo dos outros. Quando eu fico muito tempo parada, o que
passa de pensamentos ruins na minha cabeça, é um horror. Sou uma velha chata e dependente
fisicamente e financeiramente”.
Entrevistada nº 2 (E2)
Nascida e residente na cidade de São Luís, tem 46 anos, católica, solteira e
possui ensino médio completo. Reside com a sua mãe e tem uma renda familiar de 4 salários
mínimos. Antes do episódio, trabalhava ativamente como secretária e, atualmente, está
aposentada por invalidez. Relata que o episódio aconteceu no sábado, depois do almoço, ao
assistir televisão com sua mãe. De repente, ela não conseguia falar mais nada e o controle da
televisão havia caído da sua mão. Comenta que foi levada, imediatamente, para o Socorrão II,
sendo, posteriormente, transferida para o Hospital Dutra, permanecendo por um mês e quinze
dias. Segunda a entrevistada: “Eu tinha pressão alta, mas eu não sabia. Agora, eu estava muito
estressada, vinte e um anos trabalhando sem férias. Eu não tinha muito tempo para nada. Mas,
eu te dou um conselho, preste mais atenção para sua saúde. A vida não é só trabalho. Depois
desta doença, tive mais tempo para mim. Tenho boa auto-estima e sinto-me ativa para as
coisas”.
Entrevistada nº 3 (E3)
Residente na cidade de São Luís, tem 47 anos, casada, espírita e, quanto à
escolaridade, tem o Curso Superior Completo de Engenharia Elétrica. Reside com marido,
dois filhos e a cuidadora. Possui uma renda familiar acima de 23 salários mínimos.
Atualmente, encontra-se em licença, benefício previdenciário. Antes do AVE, trabalhava
junto com seu marido, que também é engenheiro, nos interiores do Maranhão: Mirinzal ,
Santa Helena e Pinheiro. Preocupada com seu marido em ter o “derrame” por causa da sua
63
hipertensão arterial, envolveu-se exageradamente nas obras, trabalhando exaustivamente, e
acabou sendo irresponsável com sua saúde. Depois de ter trabalhado duas semanas inteiras,
foi para sua fazenda descansar. De manhã cedo, durante o banho, ela começou a sentir uma
dor de cabeça intensa e, de repente, caiu no chão. Manteve-se consciente e relata que, quando
sua filha a estava lhe vestindo para ir para o Hospital, não conseguia sentir nada do lado
esquerdo do seu corpo. Mencionou que, atualmente, está muito satisfeita com sua vida, pois,
na sua concepção, nada é por acaso, tudo tem uma razão de ser e que ela tem aprendido muito
com suas limitações. Para ela, ter qualidade de vida, significa “ter uma casa, uma família, ter
paz e entendimento entre todos”.
Entrevista nº 4 (E4)
Nascida e residente na cidade de São Luís, tem 43 anos, Ensino Fundamental
Incompleto e é católica. É casada e reside em casa própria com os dois filhos e esposo. Antes
do acidente, trabalhava como tesoureira e, atualmente, encontra-se afastada de licença/
benefício previdenciário, pelo INSS. Possui uma renda familiar de 3,5 salários mínimos.
Relata que foi tomar banho para ir para o serviço, quando começou a ficar dormente o
hemicorpo direito e sem movimentos. Menciona que se agachou no chão e foi-se arrastando
até ao quarto da filha, que ligou, imediatamente, para o esposo. Foi encaminhada ao Hospital
Socorrão I, sendo submetida ao exame de ressonância magnética que revelou o diagnóstico de
AVE. Posteriormente, foi levada para o Centro Médico, em estado grave, onde permaneceu
na UTI por 18 (dezoito) dias, dos quais 3 (três) dias em coma. Relata que é hipertensa e que,
na época, não fazia uso de medicamentos regularmente. Queixa-se de mudança no
relacionamento conjugal após o AVE. Em suas palavras diz que: “no início, ele cuidava bem
de mim, me levava para fazer a reabilitação, era meu amigo. Mas, depois ele viu que não
tinha mais jeito que eu iria ficar assim ‘dispendiosa’ para sempre, aí ele foi me largando. Ele
não tem mais aquele carinho, atenção e preocupação comigo, inclusive inventou de trabalhar
até nos finais de semana. Não temos vida sexual ativa, pois inventou que estava doente e
precisava ir no urologista”.
Entrevista nº 5 (E5)
64
Residente na cidade de São Luís, tem 47 anos, casada, evangélica e pertence à
Igreja Universal do Reino de Deus. Reside em casa própria com o esposo, três filhas e a
empregada doméstica. Relata que nunca trabalhou fora do seu lar. Possui uma renda familiar
mensal de 2 salários mínimos. Aconteceu na véspera do Natal, quando ela estava lavando.
Colocava a capa de sofá de molho no tanque, quando sentiu muita dor de cabeça, chegando a
desmaiar. Passou oito dias no Socorrão, onde o médico diagnosticou AVE. A etiologia da
doença foi em decorrência da Hipertensão Arterial. Ela falou que, antes do AVE, não tinha o
costume de ir regularmente ao médico e nem sabia que tinha pressão alta. Ao ser indagada
sobre qualidade de vida, mencionou que ter qualidade de vida é “ter autonomia, ter liberdade,
não depender dos outros”. Ela não se sente satisfeita com a sua vida, sente menos energia e
motivação. Diz: “às vezes, tenho muito medo e tenho vontade de chorar muito, sou muito
ansiosa. Por isso, peço à Deus todo dia, muita saúde”. Relata, ainda, que não conseguiu se
adaptar a esta vida de dependência.
Entrevista nº 6 (E6)
Residente na cidade de São Luís, tem 59 anos, católica, aposentada e nunca se
casou. Mora na residência da filha e tem uma renda familiar de 2,5 salários mínimos. Possui
Ensino Fundamental Incompleto. Relata que sentiu uma dormência na mão e que, quando
estava terminando de tomar banho, ao lavar suas peças íntimas, a dormência intensificou-se,
abrangendo todo o lado direito. Quando chegou à cozinha, sua família notou que ela estava se
arrastando e, de repente, desmaiou, não presenciando mais nada por estar inconsciente. É
diabética e hipertensa. Referiu que qualidade de vida é “ter saúde e dinheiro todo mês,
certinho. A gente pode, na doença, ser saudável, ser uma pessoa que transmite a vida para o
outro. Estou me virando, não gosto de ficar parada não”.
Entrevista nº 7 (E7)
65
Nascida e residente na cidade de São Luís, tem 32 anos, casada, evangélica
praticante. Possui o Curso Superior Incompleto de Pedagogia. Relata que trabalhou boa parte
da sua juventude como secretária da Assembléia Legislativa. Antes do AVE, encontrava-se
desempregada. Atualmente, continua no mesmo patamar. Não deu prosseguimento aos
estudos, em decorrência do medo da recidiva da doença. Tudo aconteceu pela manhã. Tinha
acordado com uma dor de cabeça na região frontal, mas não tinha levado a sério porque já
havia acontecido isso várias vezes. Posteriormente, relata que continuou fazendo os afazeres
domésticos, indo à feira, preparando o almoço, lavando roupa. Naquele dia foi tomar um
banho na própria lavanderia. Após o primeiro jato d’água, a dor intensificou-se de tal forma
que ela chegou a vomitar e sentiu que seu lado esquerdo havia “caído”. Relata que foi se
movimentando com muita dificuldade até o quarto da sua mãe. A dor cada vez mais
aumentava, até que chegou a desmaiar. Em seguida, foi levada para o Socorrão II e, depois,
foi transferida para o Hospital Dutra. Ficou em coma por alguns dias, não conseguindo
reconhecer nem os próprios familiares. Ao ser indagada sobre seu diagnóstico diz: “meu
médico disse que o AVE aconteceu em uma área gravíssima e que já havia feito tudo e que eu
estava na mão de Deus. E, Deus me curou”. No que se refere à qualidade de vida, afirma que
é, em primeiro lugar, “ter Deus como o alicerce, as colunas do lar e da família”. Em suas
palavras diz: “Qualidade de vida é ter paz do Senhor, o amor que deve reinar na sua vida e na
vida da sua família. E, também, ter uma estrutura financeira suficiente para que você não
tenha necessidade ou tenha que passar por dificuldade”.
Entrevista nº 8 (E8)
Nascida em Fortaleza e residente em São Luís, tem 54 anos e possui Ensino
Médio Completo. É freira da Congregação Católica, pertencente à Paróquia do Parque
Vitória. Atualmente, continua dando palestras nos Encontros. Faz parte de um trabalho
realizado na comunidade com casais e também dá aula de técnica vocal para as outras freiras.
É mantida pela congregação e tem uma renda familiar mensal de 6,5 salários mínimos.
Menciona que acordou com um dedo formigando (4º dedo), só que não deu importância. Ela
foi trabalhar na comunidade, quando sentiu o “formigamento” nos outros dedos. Sentiu um
mal estar, uma fraqueza. De repente, ela começou a não sentir mais a mão e nem movimentá-
la. Foi diretamente levada para o Hospital. O médico diagnosticou o AVE e mencionou que
66
era Hipertensa e que precisa tomar medicação para o seu controle. Após o episódio, passou
vinte e oito dias acamada, sem condição de andar e de tomar banho sozinha, dependente
totalmente das pessoas. Em suas palavras diz: “depois que me recuperei, eu procuro dar
palestras informativas a respeito dessa doença nas comunidades. Até o final do ano, eu tenho
programação e atividades pastorais. Acredito que vou cumprir minha programação. Agora, os
trabalhos requerem muito esforço, mas realizo dentro das minhas limitações, vou criando as
minhas estratégias”.
Entrevista nº 9 (E9)
Nascida em Juazeiro - CE e residente na cidade de São Luís, tem 55 anos,
casada, possui Ensino Fundamental Completo. Relata que nasceu para cuidar do Lar. Tem
uma renda familiar mensal de 6,5 salários mínimos. Fazia um ano de ocorrência do AVE até o
momento da entrevista. Comenta que foi para o banheiro e começou a se sentir mal. Não
chegou a desmaiar, apenas a língua começou a embolar, e nem conseguia movimentar nada
no hemicorpo esquerdo. Não está satisfeita com sua vida cujo principal motivo é o problema
familiar. Ela diz: “Eu me considero uma pessoa inútil, incapaz. Antes, fazia todas as coisas do
dia a dia, agora não faço mais nada. Sinto-me mais feia. Depois dessa doença, a família ficou
mais distante de mim. Eu me sinto rejeitada pela família. Eu não me conformo de ter
acontecido isso comigo”.
Entrevista nº 10 (E10)
Nascida e residente na Cidade de São Luís, casada, tem 45 anos, católica,
possui Ensino Fundamental Completo. A renda familiar mensal é de cerca de 2 (dois) salários
mínimos. É do Lar, e sempre viveu para cuidar do marido e dos filhos. Relata que tudo
aconteceu quando ia para o banco pegar o dinheiro da irmã, aposentada. De repente, sentiu
uma dor de cabeça súbita e ela ficou imediatamente, sem sentir as pernas. Em seguida,
desmaiou. Comenta que, quando acordou, já estava internada no hospital. Foi registrada,
durante a maior parte da entrevista, uma labilidade emocional com desgaste emocional
67
intenso, insegurança, angústia e choro, expressados por se sentir desconsiderada, por não
conseguir mais conversar e por mudança, principalmente, no seu papel/ responsabilidade na
família. Em suas palavras afirma: “a única coisa que me incomoda é ver a minha filha, que é
muito nova, tendo que assumir toda a responsabilidade da casa, tendo que levar o irmão mais
novo no colégio, fazer comida, ajeitar a casa, além de ter que ir para o seu colégio. Meu
marido passa o tempo todo no trabalho. Ela é muito nova, inclusive, nunca tinha ficado de
recuperação. Aí, a professora dela pediu para falar com a família para saber o que estava
acontecendo, que era ela uma aluna exemplar, mas que estava faltando muito. Agora, eu não
posso nem cuidar dos meus dois filhos, agora são eles que cuidam de mim”.
Entrevista nº 11 (E11)
Nascida e residente na cidade de São Luís, tem 49 anos, divorciada e possui
Ensino Fundamental Incompleto. Tem uma renda familiar de 2,5 salários mínimos. Antes do
acidente, trabalhava como professora e, após o AVE, se aposentou por invalidez. Comenta
que depois do AVE, se divorciou e nunca mais se relacionou com outra pessoa. Relata que, de
manhã cedo, ao ir para o trabalho, durante o banho, caiu, repentinamente, no chão. Começou
a gritar socorro para o filho. Chamaram a ambulância e levaram-na para o Socorrão I, onde
ficou internada por três dias. Posteriormente, foi transferida para o Dutra, onde ficou na UTI,
por volta de 15 (quinze) dias. Ela menciona que morria toda hora gente lá e ela dizia que todo
dia pensava que seria a próxima a morrer. O que a deixa mais preocupada após o AVE é a sua
fala. Apresenta dificuldade na comunicação, interferindo e modificando a autonomia,
qualidade e a forma habitual de comunicação, alterando a auto-estima, o convívio e as
relações interpessoais. Ela mesma afirma: “muitos não compreendem o que falo, aí eu me
dano a chorar. Só vocês terapeutas e quem convive comigo é que me entende”.
Entrevista nº 12 (E12)
Residente e nascida na cidade de São Luís, tem 56 anos, possui Ensino
Fundamental Incompleto. É viúva e reside, atualmente, com a filha. Possui uma renda
68
familiar de 2 salários mínimos. Antes do episódio do AVE, ela já era aposentada pelo INSS.
Comenta que, quando estava no banheiro, sentiu uma tontura muito forte e acabou caindo no
chão. Imediatamente, levaram-na para o Hospital Socorrão I, onde permaneceu por apenas
um dia. Quando perguntada sobre o nível de satisfação com a vida, disse que estava
insatisfeita e o principal motivo era limitação funcional para a realização das suas atividades
do dia a dia. Em suas palavras diz: “sou uma pessoa regular, pois não poço poder fazer nada,
sozinha, fico só olhando os outros fazerem, Isto é ruim demais”.
Entrevista nº 13 (E13)
Residente e nascida na cidade de Pinheiro, interior do Maranhão, tem 57 anos,
possui Ensino Fundamental Incompleto. É casada e reside, atualmente, com a filha. Possui
uma renda familiar de 2 salários mínimos. Antes do episódio do AVE, era lavradora e,
atualmente, não está trabalhando. Dedica-se ao tratamento reabilitacional. Foi internada no
hospital no Socorrão com problema de sopro no coração. Após uma cirurgia, com 5 dias,
aconteceu o AVE. Relata que, à noite, o enfermeiro foi levá-la para o banheiro. Segundo a
entrevistada, “ele já me achou diferente. Mas, nem eu mesmo estava percebendo que não
estava bem”. Comenta que ficou sem mover o hemicorpo esquerdo e, depois de três dias de
internação, recebeu alta. No que diz respeito ao auto-conceito, considera-se uma “pessoa
doente, incapaz que não pode fazer mais nada”.
Após a aproximação com os sujeitos da pesquisa, através da descrição sobre as
características socioeconômicas e culturais, apresentar-se-á a análise dos discursos em dois
núcleos estruturadores, que são: Significado das mudanças na qualidade de vida das
mulheres após o AVE” e “Re-significando a qualidade de vida após o AVE: resgate dos
direitos de cidadão”. Esses núcleos serão apresentados nos capítulos 5 e 6, respectivamente.
69
“Nada é por acaso, tudo tem uma razão de ser. Tive que assumir a
minha vida de volta. Apesar das limitações da minha perna e da
minha mão, não tem problema. Eu vivo do mesmo jeito. Eu quero ser
muito útil e tenho ainda muito que fazer” (E3).
70
5 SIGNIFICADO DAS MUDANÇAS NA QUALIDADE DE VIDA DAS MULHERES
APÓS O AVE
A percepção de mudanças sobre sua qualidade de vida advindas de um AVE
pode assumir significados diferentes para cada pessoa, de acordo com suas crenças, valores e
experiências de vida. Dando voz à questão: Quais as mudanças que aconteceram em sua
qualidade de vida após a doença? Assim, pôde-se adentrar o mundo das mulheres onde, a
seguir, serão apresentadas algumas mudanças consideradas importantes para elas, com seus
respectivos significados.
5.1 Interface do AVE na dimensão familiar
A família
10
representa o primeiro contato social de um indivíduo, que se
estende ao longo de sua vida, com repercussões mais ou menos visíveis nos seus
relacionamentos posteriores (NOVAK, 1996). Pode-se afirmar, então, a importância da
família na construção de uma identidade e na forma como as pessoas com deficiência se
enxergam e se expressam socialmente.
No que diz respeito às mulheres, sujeito deste estudo, observa-se que as
características das famílias e experiências vivenciadas dentro do contexto familiar são de
primordial importância para seu restabelecimento e reestruturação física, psíquica e social.
Algumas mudanças foram evidenciadas nas suas falas, pela Percepção de mudanças no
relacionamento e responsabilidade pessoal e familiar e pelo Redimensionamento da
família.
Sendo assim, no que concerne às relações interpessoais, algumas entrevistadas
referiram mudanças em sua forma de se relacionar e também perceberam mudanças das
outras pessoas no relacionamento com elas, sendo “ora melhor, ora pior” (E13), de bom
para ótimo (E8) ou até mesmo pior, principalmente, no que diz respeito ao relacionamento
10
A expressão família é definida como uma organização complexa de relações de parentesco ou não,
com um vínculo de afetividade, que tem uma história e que cria uma história. Para maiores
informações vide: SCABINI, E. Ciclo de vida familiar e ciclo de saúde familiar. Centro de Estudos e
Pesquisas sobre Família. Universidade Católica do Sagrado Coração de Jesus, Milão, Itália
(manuscrito), 1992
.
71
conjugal, “não tendo mais aquela preocupação, atenção e carinho como antes da doença”
(E4).
É importante perceber que a ocorrência de uma hemiparesia em conseqüência
do AVE, pode adquirir significados diferenciados para cada família. Em alguns casos, pode
representar uma mudança importante tanto para a família, como para a própria pessoa com a
hemiparesia. Nesse sentido, Kovacs (1997) destaca que a diferença na forma como cada
familiar lida com a deficiência e até como uma mesma família encara a deficiência, em
épocas diversas, pode estabelecer reações que vão desde a sua ruptura e desorganização até
uma maior união e fortalecimento das interações entre seus membros.
Segundo Versluys (apud TROMBLY), 92% da população não sofreu
mudanças na relação familiar após o AVE, já 8% disseram ter mudado, para pior. A maioria
das mulheres entrevistadas permanecem casadas após o AVE. Sobre esse aspecto, Vash
(1988) comenta que essa situação reflete o princípio geral de que a sobrevivência de um
casamento após a instalação da deficiência depende bastante de sua solidez anterior e da
natureza da relação. No discurso abaixo, observa-se que um casamento de companheirismo,
anterior ao AVE, favorece o estabelecimento de relações de solidariedade entre eles:
“Desde quando nós namorávamos, nós sempre fomos um
agarradinho com o outro, ele não é só meu marido, mas também meu
amigo e companheiro. Depois que eu sofri o AVE, o meu marido tem
uma preocupação muito maior comigo, me dá mais atenção e
carinho. Ele sempre está por perto para não dar espaço à tristeza”
(E7).
Reddy e Reddy (1997) também apontam como fator prognóstico positivo de
reabilitação de pessoas com AVE, ter um cônjuge saudável e atencioso e uma situação
familiar estável.
Da mesma forma que uma doença como o AVE destrói a homeostase
fisiológica da pessoa afetada, suas seqüelas também interrompem o equilíbrio homeostático
da unidade familiar. A deficiência de uma pessoa pode alterar os estilos de vida dos membros
da família tanto ou mais do que a pessoa com deficiência. Horários, obrigações, plano e
papéis, tudo muda (AMARAL, 1995).
Quanto a responsabilidade e papéis assumidos antes do AVE, comparado com
a condição atual, as mulheres entrevistadas informaram ter ocorrido mudanças, sendo esta
verificada na condição de chefe da família, na responsabilidade e colaboração no sustento
familiar e na gerência do lar. Sendo assim, as mulheres afirmaram que membros do grupo
72
familiar assumiram, atualmente, as tarefas ou papéis que cabiam antes a pessoa atingida pelo
AVE. Esse sentimento pode ser observado no relato a seguir.
“Eu deixei aquela carga de ser líder, responsável por todo mundo,
agora eu só tomo conta de mim e de meus filhos, porque antigamente
eu carregava a família toda. O relacionamento com meus filhos e
marido continua o mesmo. Eles já descobriram que cada um deve
fazer a sua parte e me ajudar também e que eu não posso fazer para
todo mundo como era antes. Meu marido já faz até o
supermercado”(E3).
Perry et al (1995) contribuem com essa questão quando enfatizam que as
pessoas, após o AVE, freqüentemente são incapazes de voltar a assumir e desempenhar seus
papéis normalmente como faziam antes, gerando diversos impactos em sua vida.
A perda do papel de chefe de família, na fala de uma entrevistada, chama a
atenção para o fato de que a incapacidade em uma pessoa acarreta a reorganização dos papéis
familiares. Para Felgar (1998), esta reorganização dos papéis familiares pode ser causa de
sofrimento para a pessoa com deficiência e de sobrecarga para quem assume o cuidado e a
responsabilidade por tarefas e papéis desta mulher, somadas às suas tarefas e papéis prévios.
“A única coisa que me incomoda é ver a minha filha que é muito
nova, tendo que assumir toda a responsabilidade da casa, tendo que
levar o irmão mais novo no colégio, fazer comida, ajeitar a casa,
além de ter que ir para o seu colégio. Meu marido passa o tempo
todo no trabalho. Ela é muito nova, inclusive, nunca tinha ficado de
recuperação. Aí, a professora dela pediu para falar com a família
para saber o que estava acontecendo, que ela era uma aluna
exemplar, mas que estava faltando muito. Agora, eu não posso nem
cuidar dos meus dois filhos, agora são eles que cuidam de mim”
(E10)
A existência de preconceito é também enfatizada como um fator dificultador
nas relações estabelecidas pela pessoa após o AVE. Este aspecto é identificado no relato que
se segue:
“Porque quando você passa por uma situação dessa, as pessoas
parecem que te vêem diferente. Te vêem como criança, como um
débil mental, que não pode responder por si próprio, não pode fazer
as coisas por si só” (E1).
Sendo assim, a família poderá iniciar o processo de segregação e de
discriminação e, muitas vezes, o de isolamento, quando infantiliza a pessoa com deficiência,
73
quando o superprotege, quando o enxerga e o denomina como coitado (vitimização), quando
o renega ou quando se nega a acreditar no seu potencial de vida, isolando-a do ambiente
familiar (ROCHA, 1991). Neste sentido, a presença da deficiência pode se constituir em um
agente estressor importante.
“Depois dessa doença, eu não posso mais dominar meus filhos, eles
fazem o que querem. Eles me tratam como se EU fosse uma criança”
(E11).
“Antes eu tinha a minha faculdade e agora que eu adoeci a minha
mãe não quer que eu volte a estudar e muito menos trabalhar porque
ela diz que é muito cansativo e ela tem muito medo que venha a
causar uma nova crise. Pense, doutora, eu já sou casada, mas minha
mãe me mima muito” (E7).
“Depois deste evento, a família ficou mais distante. Eu me sinto
rejeitada e isolada pela família [...]” Pausa para choro (E9).
Sabe-se, entretanto, que a existência de conceitos preconcebidos e não
realísticos sobre a deficiência física, encontram-se impregnados, não somente no contexto
familiar, mas também no meio social, de uma forma geral (QUEIROZ, 1995).
Contribuindo com essa questão, Goffman (1980) enfatiza que a pessoa
estigmatizada é vista de forma inadequada e pré-concebida, não sendo devidamente
contemplada em sua totalidade. Ressalta-se, neste contexto, que o corpo deficiente ainda é
visto como um desvio da norma. O deficiente físico, em uma situação especial, frente à
sociedade, torna-se um estigmatizado, um ser desviante, sujeito ao descrédito social. Estas
questões encontram-se explícitas nas seguintes falas:
“O pessoal vê, não conhece e acha o meu físico estranho, então fica
olhando, olhares curiosos”(E 3).
“É como muita gente receia né. Quando eu tô com o meu marido, as
pessoas não vem perguntar para mim. É como se eu fosse débil
mental... Perguntam apenas para meu marido” (E5).
Embora o preconceito seja percebido pelas mulheres entrevistadas como um
fator complicador para sua vida social, vivências familiares trazem um benefício e um
aprendizado que se tornam muito importantes na suas vidas. É essencial para estas mulheres
que elas sejam vistas e reconhecidas pela família e pela sociedade como um ser humano
qualquer, com sentimentos comuns a todas as pessoas.
74
Sendo assim, a interação com o mundo e com as pessoas de uma forma geral
foi considerada pelas mulheres entrevistadas, como algo imprescindível em suas vidas como
um todo. Essa percepção permitiu que elas entendessem que a família saudável funciona
como uma unidade que se auto-estima positivamente, onde os membros convivem e se
percebem mutuamente como família, além de apresentarem uma estrutura e uma organização
para definir objetivos e prover os meios para o crescimento, desenvolvimento, saúde e bem-
estar de seus membros. Após o AVE, constatou-se, nas mulheres entrevistadas, que houve um
redimensionamento da família:
“Após a minha doença melhorou o relacionamento familiar. Hoje eu
sei quem é meu pai, minha mãe e meu marido. Minha família!
Valorizo! “(E13).
O sentimento de gratidão pelas famílias é muito eminente nos depoimentos das
mulheres entrevistadas. A família, para elas, tem um valor inestimável e ainda, de acordo com
seus relatos, deve ser recompensada de alguma forma, devido a todo o seu esforço e
sacrifício. O valor afetivo dos cuidados familiares também é reconhecido e reafirmado em
seus relatos, como se pode perceber através da seguinte fala:
“Em relação a minha família, eu me sinto premiada. Deus me deu a
oportunidade de ter uma família tão abençoada. O que eles fazem eu
nem sei como vou um dia agradecer tudo que eles fizeram por mim.
Isso é muito importante, eu amo eles!” (E2).
Para Berestein (1988) a família é a primeira rede social do indivíduo, é nela
que as relações acontecem e se desenvolvem. Acrescentando, Elsen (1994) afirma que a
família saudável compartilha crenças, valores, enfrenta crises, conflitos e seus membros
apóiam-se mutuamente. Todos seres humanos têm necessidades de suporte familiar e social e
esta necessidade se intensifica quando surge uma deficiência.
5.2 Interface do AVE na dimensão social
De acordo com as mulheres entrevistadas, uma das dificuldades da pessoa com
hemiparesia são de caráter social, já que na maior parte dos seus relatos, elas focalizaram as
dificuldades na interação social.
75
A vivência social pós-AVE das mulheres estudadas foi evidenciada pela
Percepção de mudanças nas vivências sociais e nas atividades de lazer, pela Construção
de Redes Sociais de Apoio e pelo Redimensionamento no uso do Tempo Livre
Quando questionadas sobre sua vida social, as mulheres se referiram
primeiramente aos relacionamentos afetivos, que se constituem de relações sociais e de
amizade. Também se referiram às atividades de lazer, como fazendo parte de sua vida social.
A maneira como avaliaram sua vida social é vista nos depoimentos desde a
inexistência de uma vida social, “não digo amigos, amigos não existem! Amigo é teu esposo,
teu pai, tua mãe.. são teus amigos. O resto é detalhe (E1), até uma vida social normal e boa
(E4).
Nota-se que, mesmo não admitindo totalmente, as mudanças ocorrem
alterando, drasticamente, o cotidiano. Pode-se inferir que as amizades constituem um tema
bastante significativo para as mulheres deste estudo quando são impelidas a falar sobre sua
vida social. Elas destacam as mudanças ocorridas nas relações de amizade, a partir do advento
da doença, caracterizadas por uma descontinuidade. De forma que é possível distinguir uma
cisão ocorrida em seus vínculos de amizade, com a ocorrência do AVE. Há uma diferença
nítida nos relacionamentos configurados antes do AVE e após o mesmo. Na maior parte dos
relatos, elas descreveram o afastamento definitivo dos amigos, como pode ser confirmado no
depoimento abaixo:
“Porque quando você é uma pessoa normal você tem um convívio
normal com as pessoas, e de repente, esse é o meu caso, sofri o
derrame, eu tive vários amigos que se afastaram por não saber lidar
com a situação” (E1).
Para Vash (1988), a viabilidade dos relacionamentos de amizade dependerá
grandemente de sua natureza e solidez antes da doença. Este autor destaca que as amizades
ajudam as pessoas a evitar a solidão, seja através da ligação com outra pessoa num nível
íntimo, seja porque deixa o tempo ocupado e a mente absorta.
No que se refere à sociabilidade, os limites se colocam pela visão social de que
não é possível as mulheres hemiparéticas terem uma vida social e pessoal feliz. Sendo assim,
a incapacidade e deficiência representam a morte social. Franco (2002) constatou em seus
estudos sobre a cegueira adquirida, o quanto a pessoa acometida por uma deficiência pode
estar sujeita a concepções com as de incapacidade, dependência e inutilidade. Neste estudo,
estas concepções são também encontradas:
76
“É claro que você sente uma pessoa incapaz, doente, tipo da coisa,
você se sente doente, você poderia está estudando, trabalhando, se
divertindo e você está enferma” (E7).
“Eu saía de manhã e de tarde, visitava minhas amigas, minhas
vizinhas, agora eu não posso, dependo dos outros. Eu não gosto de
ficar dependendo dos outros” (E6).
Quando a deficiência é tão severa a ponto de inibir a mobilidade para fora de
casa, os relacionamentos de amizade poderão ser ainda mais limitados. O resultado são
pessoas sem amigos, que coloca enormes exigências nos membros da família com quem
vivem, para suprir todas as necessidades de companhia; necessidades que, geralmente, estão
distribuídas entre uma constelação mais ampla de parentes e amigos (VASH, 1988). Esta
necessidade de apoio de pessoas significativas para superação e adaptação da transição de
normalidade para deficiência é vista nos depoimentos das mulheres entrevistadas:
“Eu sei que eu não posso fazer um monte de coisas, para quase tudo
eu preciso de ajuda, eu não consigo fazer nada sozinha. Eu só saio
se for alguém comigo. Meu esposo é quem me ajuda em tudo. Ele é a
pessoa mais importante para mim” (E3).
Da mesma forma que os resultados mostraram necessidade de apoio na
superação da mudança do padrão de normalidade para deficiência, a necessidade de
agradecimento assume papel importante nas discussões das mulheres, levando-as a um
tratamento melhor das pessoas com as quais ela convive.
“Eu aprendi a dar mais valor à vida, a tratar bem as pessoas. Os
meus amigos me ajudam a superar as dificuldades, me dão a maior
força, eu não posso decepcioná-los, por isso faço de tudo, tenho
forças para isso”(E4).
A pessoa com deficiência física permanente poderá evitar o relacionamento
com amigos e conhecidos devido à diminuição de sua energia física ou devido à diminuição
de auto-conceito, sentindo-se indigna de contatos sociais ou simplesmente incapaz de
participar de atividades sociais (TRENTINI et al., 1990).
Em outros relatos, o afastamento dos amigos é visto como algo normal, devido
aos compromissos de uma vida comum:
77
“Naquela época, eu precisava de um carinho, de um apoio, de uma
fala amiga, dos meus amigos que sempre estavam comigo na hora
boa.. e eu tive tudo isso naquela época. Só que depois cada um tem a
sua vida. Eles não podiam deixar da vida deles para poder ficar
comigo. Então eu não tinha como falar: não, você não vai trabalhar
porque você vai ficar comigo na minha casa conversando. Como é
que eles iam sobreviver, se sustentar? Não tinha como”(E2).
Duas mulheres entrevistadas apontaram que a rede social de apoio
11
, além da
família e amigos se estende aos vizinhos:
“Às vezes, quando eu preciso, tem a vizinha aqui” (E11).
“Eu não me sinto sozinha, até porque meus vizinhos não me deixam
só” (E4).
Neste sentido, Bott (1976) assinalam que esses arranjos são manifestações de
solidariedade cuja dimensão se torna ímpar e emocionam a todos aqueles que, de alguma
maneira, as compartilhem.
O rumo dos acontecimentos em relação à deficiência física é imprevisível.
Manter a esperança na vida está associado a ter alguém ou algo por quem viver, ou seja, um
relacionamento bom com familiares, amigos e vizinhos leva a pessoa a manter a esperança e
enfrentar melhor os desafios provocados pela deficiência. A partir desta perspectiva, observa-
se a necessidade de se estar atento para buscar, na própria comunidade, redes sociais, como
associações e grupos religiosos que possam dar maior suporte a essas mulheres.
No que se refere ao uso do tempo livre e atividades de lazer, fica evidente que,
após o AVE, muitos das mulheres entrevistadas deixam de realizar, ou se queixam de alguma
limitação no desempenho destas, mas também há as que mantêm a condição igual ao período
anterior ao AVE. Estas mudanças estão associadas à incapacidade física, dependência de
outras pessoas, dificuldade de transporte, preocupação em incomodar as pessoas e, ainda, a
diminuição do interesse em desenvolvê-las.
Ao analisar o uso que as mulheres estudadas fazem do tempo livre, é visível a
modificação, pela condição dependente de mobilidade e de ajuda de outras pessoas, o que é
11
A expressão rede social é definida como um sistema composto por várias pessoas, pelas atividades
desenvolvidas por elas e pelo contexto em que essas atividades ocorrem, oferecendo apoio emocional
ou instrumental às pessoas que deles necessitem, tendo em vista diferentes demandas. Ver em:
TURNBULL, A. P.; TURNBULL, H. Family, Professionals and Exceptionality: a special
partnership. 3. ed. Columbs: Merril Publishing Company, 1997.
78
expresso da seguinte maneira: “Agora está difícil eu sair. Devido a minha limitação de
andar, eu só saio com uma pessoa me acompanhando. A gente não tem carro, aí se torna
mais difícil, é mais cansativo” (E6).
As atividades mais freqüentemente desenvolvidas pelas mulheres foram:
assistir à televisão, ouvir rádio, conversar e dormir durante o dia. Estes achados são
congruentes com Felgar (1998), que refere estas mesmas atividades, de certo modo passivas e
no âmbito do domicílio, como as mais acessíveis após o AVE para os casos do seu estudo.
Fica evidente que, como parte da ocupação do tempo livre, as mulheres
declaram que dormem mais horas durante o dia, principalmente, por não terem trabalho ou
por não terem outras atividades e sentirem-se ociosas, “Fico só em casa” (E12); “Antes eu
saía. Agora, eu não faço nada, porque não tem mais como”(E10); “Passo a maior parte do
tempo em casa, sem fazer nada” (E9); “A maior parte do tempo, eu fico deitada, dormindo”
(E13).
Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à sensação de
incômodo que as mulheres sentem, como destacado neste discurso: “Eu não saio assim tanto,
porque não dá, eu também não fico pedindo para os outros me levarem para passear, se não
eu sei que vou incomodar, aí quando os outros me chamam para passear, eu sempre aceito,
né” (E1).
A vontade ou predisposição demonstrada pelas mulheres entrevistadas,
mostra-se minada pelo quadro depressivo, mobilidade reduzida e dependência. Entre as que
referem depressão e mobilidade reduzida é maior o abandono ou a limitação após o AVE de
atividades realizadas fora do âmbito doméstico.Um estudo indicou que a depressão, após a
deficiência, reduz a motivação das pessoas para participar ou se interessar por atividades
recreativas ou de lazer, das quais gostava antes (TROMBLY, 1989). Quanto aos hábitos
sociais, os discursos revelam mudanças radicais, tal como descrita nesta fala:
“A minha vida perdeu a atividade que tinha antes, hoje não tem
atividade, sem graça porque eu era bastante ativa, trabalhava
bastante, não era de ficar nada em casa, de sair assim, agora perdeu
bastante a objetividade, né?”(E1)
As mudanças observadas nos hábitos sociais também são bastante enfatizadas
em seus relatos, caracterizando-se como uma reestruturação de suas vidas no que se refere às
atividades sociais. Sendo assim, com o advento da doença, a vida diária destas mulheres é
radicalmente modificada, de maneira que o tempo livre assume uma nova dimensão. Este
79
fato, já constatado em estudos realizados por Santos (2000), afirma-se na explicação de que a
doença possibilitou a existência de mais tempo para cuidarem de si e de suas famílias, como é
observado nos relatos abaixo:
“Alguma coisa mudou sim. Antes a minha vida era só trabalhar.
Para sair era a coisa mais difícil... ir em festa.. sair para passear,
chegar final de ano, arrumar as coisas para viajar, então isso aí,
minha vida era corrida, eu não tinha tempo para essas coisas...
então era mais trabalho. Hoje não, hoje eu não sei se é porque eu
fico mais dentro de casa, a gente sai, vai na casa de amigos nossos,
é.. viaja, final de ano a gente viajou, então muda um pouco, você tem
tempo para fazer essas coisas, coisa que a gente não tinha né. Não
tinha tempo. Agora tem tempo, pra gente sair....” (E3)
“Antes eu não tinha tempo para poder enxergar isso, porque a minha
vida era intensa no trabalho, como eu falei, então eu não tinha esse
tempo para a minha família. O tempo que eu tinha era o fim de
semana e no fim de semana você faz o que? É lazer, você quer levar
sua família no parque, você que ir à praia, você quer ir numa
churrascaria, numa pizzaria, você quer passear com sua família, que
às vezes o problema em si, que às vezes tá dentro de sua casa, você
não percebe, problema psicológico que existia dentro de casa,
alguma coisa que acontecia, na escola, ou algum problema que o ..
(esposo) pudesse resolver né, eu não tava sabendo. E agora não, com
o derrame, eu pude participar mais, nesse aspecto, né? O ponto
positivo é esse, pelo fato de eu ter mais tempo pra minha família,
embora não ativamente como eu era antes, mas assim, de uma forma
presente foi bom” (E1).
Cavallari; Zacharais (1998) salientam que, para ocupação do tempo livre, no
qual está o lazer, é necessário que haja uma predisposição ou estado de espírito favorável ao
lúdico, como o que leva uma pessoa a buscar diversão, entretenimento e passatempo. Os
autores ainda refletem que, dentro do tempo livre, as pessoas podem-se dedicar às chamadas
“obrigações sociais”, que são aquelas atividades que somos impelidos a fazer, mesmo que não
sejam de lazer, como compras cotidianas, uma visita de conveniência.
Aprofundando um pouco mais essa questão, Queiroz e Trinca (1983) afirmam
que, tendo-se como objetivo a contribuição para o desenvolvimento pessoal, é importante
para o ser humano ter um lazer mais ativo do que passivo, o que inclui o trabalho e atividade
física e mental. A partir desta premissa, o lazer é intrinsecamente motivado e auto-regulado
pelas mulheres entrevistadas e, dessa forma, contribui para que as mesmas se sintam no
controle de sua própria vida.
80
5.3 Interface do AVE na dimensão econômica
“Eu trabalho fazendo o meu papel de vida” (E8)
Este discurso revela que a sociedade capitalista desenvolveu técnicas capazes
de transformar o corpo numa máquina de trabalho, a partir dos princípios da racionalização
puritana, em que o trabalho ocupa o lugar da principal virtude do homem (CHAUÍ, 1984).
A representação social dada ao corpo condiciona-se a uma super repressão de
sua expressão própria, aliada ao princípio de rendimento na produção. Culpa-se, humilha-se,
diminui-se aquele que não produz o proposto e não consome o estipulado, submetendo cada
homem aos critérios de status quo e não mais aos da relação que estabelecemos em sua
totalidade, entre nosso corpo, a natureza e a cultura (ROCHA, 1991).
A interface do AVE na dimensão econômica é marcada pela Percepção de
mudanças nos aspectos profissionais e nos aspectos econômicos e pelo Significado Social
do Trabalho.
O trabalho constitui um espaço privilegiado na formação e na manutenção de
uma identidade social. Por meio do trabalho, a mulher com hemiparesia poderá estar
definindo qual o seu papel social, podendo reformular, desta forma, a sua identidade como
um todo. Por este motivo, a compreensão da repercussão de uma deficiência nas relações e
realizações profissionais é fundamental para a análise das mulheres participantes desta
pesquisa. Entretanto, para uma compreensão mais ampla das mulheres com hemiparesia e
suas implicações no trabalho, é necessário considerar suas realidades psicossociais e as
interações estabelecidas entre elas e o trabalho.
A partir de tal análise, foi possível perceber como as mulheres entrevistadas
vivenciavam as questões pertinentes aos aspectos profissionais, em uma sociedade em que o
trabalho, a eficiência e as exigências de um padrão de produtividade aparecem
corriqueiramente em suas vidas (ROCHA, 1991). Os depoimentos que serão analisados, a
seguir, mostram como estas mulheres lidam com estes aspectos, o significado que o trabalho
possui em suas vidas.
Conforme explicitado anteriormente, no perfil descritivo das mulheres, a
escolaridade das mulheres entrevistadas é predominantemente de nível elementar de estudo
(ensino fundamental incompleto e completo). O nível educacional elementar também se
81
reflete na profissão da maioria das entrevistadas, em atividades típicas de pouca qualificação
profissional, que se desenvolvem no setor de serviços ou informal, predominantemente de
baixa remuneração. Predominam, entre estes, as atividades tidas como “manuais”, tais como,
serviços gerais, do lar, operadora de máquina e lavradora, que implicam maior atividade física
que intelectual.
Verificou-se que, no momento em que ocorreu a patologia e subseqüentes
seqüelas, as mulheres encontravam-se em pleno exercício de suas funções, constatando-se que
as doenças incapacitantes como o AVE interrompem, de forma abrupta, o cotidiano e a
trajetória de vida delas.
Um outro fator relevante é o status profissional das mulheres entrevistadas,
tendo havido modificação com o AVE, evidenciando em desempregos, aposentadorias e em
licença/ benefício previdenciário. Sendo assim, esta situação torna-se potencialmente mais
grave se for considerado que se trata de uma população em idade produtiva.
“Antes desta doença, eu era uma pessoa independente
economicamente. Eu trabalhava junto com meu marido como
engenheira elétrica, vivia viajando pelos interiores do Maranhão, eu
quase nem ia em casa, só ia a passeio, só fim de semana. Eu era uma
pessoa que tinha uma vida financeira independente, ou melhor, eu
era independente em todos os sentidos. Agora, eu não posso mais
trabalhar viajando e estou e licença, benefício previdenciário”(E3).
“Desde cedo, eu comecei a trabalhar e, de repente, eu não trabalho
mais. Quando eu estava de férias, eu ficava doida de vontade de
voltar porque quando você fica de férias, aquela coisa né, e aí
quando não tem mais o que fazer é muito ruim. Agora, então, sem
trabalhar..” (E1).
O fato do AVE atingir pessoas em idade produtiva tem um forte impacto
econômico calculado por anos produtivos de vida perdidos e nos custos de hospitalização.
Segundo Martinez-Vila e Irimia (2004), nos EUA, os custos do tratamento são elevados,
estimados em 20 bilhões de dólares com os custos diretos (hospital, médicos, medicação,
atendimento domiciliar, casa de repouso) e 46 bilhões de dólares com os custos indiretos
(perda da produtividade).
Nos depoimentos prestados pelas mulheres, é perceptível a importância para
estas pessoas estarem exercendo alguma atividade, ainda que não vinculadas a uma
determinada profissão, mas que se aproxime de uma possível realização pessoal. Quando
82
foram questionadas sobre os motivos de não estarem trabalhando, as respostas se
diversificaram, de acordo com a história pessoal de cada uma. Os motivos citados denunciam
um espectro em que a situação da pessoa com deficiência (neste caso, a mulher com
hemiparesia) frente às oportunidades de trabalho, tornam-se muito restritas. As justificativas
que se referem ao AVE e que ocorrem como conseqüência, englobam os aspectos fisiológicos
(limitações físicas, de locomoção, problemas cognitivos e de comunicação), estruturais
(limitações físico-geográficas) e sociais (mudanças no status e no papel social exercido no
trabalho).
Para estas mulheres, algumas atividades profissionais passam a ser
inviabilizadas, reduzindo, desta forma, o leque de suas escolhas ou opções profissionais. “Eu
não estou trabalhando no momento por causa das condições das mãos que não tem como
pegar em uma caneta. Na minha situação, é muito difícil. A não ser que tenha os acessos
adequados né.. no meu caso não acontece isso” (E13). Nesta perspectiva, a partir do AVE,
suas escolhas profissionais passam a se restringir àquelas que lhe são possíveis. Planos devem
ser reconsiderados e uma nova realidade passa a se sobrepor àquela vivida até então.
“Eu parei de trabalhar. Por causa do derrame, fiquei internada quarenta e
seis dias. Hoje, eu estou afastada em licença benefício previdenciário; acho que não posso
mais voltar, além do que parei porque estou me dedicando a reabilitação” (E4). Neste caso,
o tempo gasto com reabilitação é um fator preponderante na sua vida profissional, que passa a
ser importante em sua vida, tanto quanto ou, em alguns casos, mais importante que o trabalho
em si. Isto revela um paradoxo, já que a reabilitação, neste caso, não exerce a função de
reabilitar esta pessoa, no que diz respeito à sua atuação e identidade profissional.
Outra questão levantada em suas falas, como dificultadora para uma realização
profissional, está relacionado com muitas resistências por parte dos empregadores, como
menciona Vash (1988), apesar das leis trabalhistas os protegerem
12
.
Isto pode ser bem evidenciado na seguinte fala: “Por mais que as pessoas
falem que existe uma porcentagem, que qualquer empresa deve ceder, eu não consigo mais
trabalhar. Com a minha idade e com a minha deficiência, fica muito mais difícil de conseguir
alguma coisa. Eu tenho 45 anos, então, quem é que vai querer contratar uma pessoa com
AVC ?” (E1).
12
Lei de Cotas nº 8213/91- Portaria MPAS nº 4677/98 que obriga empresas com mais de 100 (cem)
funcionários a manterem de 2 a 5% de portadores de deficiência em seu quadro de funcionários.
Lei 8.112/90, Artigo 5º, parágrafo 2º, garante 20% de vagas de emprego no Serviço Público Federal
para portadores de deficiências que sejam aprovados em concurso.
83
Em contrapartida, algumas entrevistadas falaram de sua acomodação para
procurar emprego em virtude da aposentadoria por invalidez, embora preferissem trabalhar.
Com a existência de programas de renda de seguridade, o trabalho não é mais necessário à
sobrevivência (VASH, 1988). Embora uma pessoa possa sobreviver com o salário, o estilo de
vida que lhe é possibilitado é estigmatizado e “acomodado”.
“Não, nunca procurei trabalho até porque eu me acho um pouco
acomodada. Então, pelo fato de hoje eu receber aposentadoria eu
não me preocupo tanto. Com certeza, se eu não tivesse recebendo, eu
me preocuparia em fazer alguma coisa, trabalhar com certeza”(E6).
Neste sentido, o trabalho é importante para realização, independência,
liberdade e segurança das pessoas, afetadas ou não por AVE, tanto o trabalho competitivo e
remunerado, como o chamado trabalho invisível, as tarefas domésticas (HARWOOD et al.,
1994). O efeito direto da incapacidade para o trabalho é a modificação nos rendimentos e na
auto-suficiência para satisfação das necessidades de sobrevivência, além da deterioração nas
relações interpessoais e da auto-estima.
A mudança na contribuição da renda familiar, incluindo uma participação ou
responsabilidade total de outras pessoas que não a entrevistada é relatada no estudo de Felgar
(1998), com dependência financeira de 44% dos casos. Harwood et al. (1994) referem que a
maioria das pessoas após o AVE apresenta deterioração da condição de prover a sua
subsistência independentemente, sendo as mulheres mais prejudicadas que os homens em
auto-suficiência econômica.
Vale salientar que esta situação é influenciada pela condição de “dona de
casa”, representada por algumas mulheres entrevistadas, mesmo antes do AVE, estas
mulheres já não contribuíam financeiramente para o próprio sustento e dos demais membros
da família, o que acarreta um prejuízo diferente do que o causado às mulheres chefes-de-
família que contribuíam no sustento familiar. Santana et al. (1996) salientam a importância
da dinâmica familiar. Estes autores afirmam “os prejuízos econômicos causados pela
ocorrência de um AVE, em um membro da família, não são facilmente calculáveis. O
impacto, porém, é nítido”, sendo bastante evidenciado nas falas das entrevistadas:
“Piorou e muito, porque está tudo muito caro, a condição financeira
está mais difícil. O dinheiro es pouco. Antes da doença, o dinheiro
dava para se ajeitar, agora está difícil. Agora, tenho que tomar
medicação, tomar táxi para ir para a reabilitação. Eu só cuido do
Lar. Meu marido é o único que trabalha, ele é que sustenta a
família” (E10).
84
“Mudou bastante o padrão econômico, um padrão de vida bem
apertado. Apertamos até a mercearia. Graças à Deus, nossos filhos
entenderam, meu filho até sentiu necessidade de trabalhar” (E3).
Concluindo, pode-se afirmar, a partir dos depoimentos das mulheres, que o
trabalho ocupa um espaço muito importante na vida pessoal e profissional, estejam elas
trabalhando no momento ou não. No depoimento de uma das mulheres, o exercício de
atividades esporádicas como a realização de palestras sobre a doença (prevenção e
conseqüências) foi considerado como um trabalho muito importante e significativo no seu
contexto de vida. O relato seguinte ilustra este fato:
“As atividades pastorais da igreja eu estou levando né, eles
compreenderam que eu tive AVC. Depois que me recuperei, eu
procuro fazer palestras informativas a respeito dessa doença nas
comunidades. Até o final do ano, eu tenho programação e atividades
pastorais. Acredito que vou cumprir minha programação. Agora, os
trabalhos requerem muito esforço, mas realizo dentro das minhas
limitações, vou criando as minhas estratégias”(E8).
É também perceptível que o trabalho possui um significado social, Eu me
sinto orgulhosa. É bom né” (E8). Pode significar uma forma de interagir com as pessoas ou
assumir um caráter de status que proporciona a estas mulheres uma identidade profissional e
uma qualificação perante à sociedade, ao se apresentar como uma forma de exercer seu papel
e responsabilidade social (MANHÃES, 2004).
“É um dos serviços que na minha opinião, embora eu trabalhasse
como operadora de máquinas, fazer ela funcionar é muito
gratificante. Porque é sinal que você entende o que você está
fazendo” (E1).
Além disso, o trabalho não apenas oferece vantagens materiais como o salário,
mas também desperta bons sentimentos como o fato de a pessoa se sentir um membro
produtivo e contribuinte da sociedade. O trabalho é um veiculo para aquisição de
recompensas externas, socialmente respeitadas, como dinheiro e prestígio, como também
recompensa interna associada à auto-estima, pertinência e auto-realização (VASH, 1988).
Ferraz e Peixoto (1997) ainda acrescentam que a independência financeira é
um dos fatores essenciais para autonomia e pode influenciar numa percepção mais positiva da
qualidade de vida.
85
5.4 Interface do AVE nas dimensões biológica e funcional
As transformações de ordem biológica e funcional são representadas pela
Percepção de mudanças nos aspectos motores, de comunicação, cognitivos, sensoriais e
funcionais e pela Redefinição do conceito de dependência e independência.
A incapacidade motora foi destacada como conseqüência capaz de provocar
mudanças no desempenho funcional satisfatório nas atividades cotidianas, ou seja, na
qualidade de vida das mulheres hemiparéticas, tal qual a qualidade de vida anterior à
instalação da doença.
Verificou-se que todas as mulheres entrevistadas atribuíram os problemas
apresentados à redução dos movimentos do hemicorpo. De modo geral, a hemiparesia tem
influência marcante no contexto de vida das mulheres, pois representa limitação na
capacidade funcional global para as atividades cotidianas como: mover o segmento corporal
comprometido (braço, mão e perna); manusear objetos, instrumentos de comunicação, de
trabalhos, utensílios domésticos; andar, cuidar de sua higiene pessoal; exercer uma profissão e
assim por diante.
Para Eyzaguirre e Fidone (1977), é através dos movimentos (atividade motora)
que interagimos e modificamos fisicamente o meio ambiente, para satisfazer nossas
necessidades de sobrevivência, de prazer, de criação, de comunicação. Salienta-se que a
incapacidade motora é causa de outras incapacidades que foram abordadas neste estudo, ou
seja, este fator é o fundamental gerador de alterações em níveis psicológico, social,
econômico, familiar e funcional, conforme será visto na fala que se segue.
“Não ando sozinha, estou andando no braço dos outros por
enquanto. Só não é a mesma coisa do que quando eu tinha saúde,
porque eu andava só, tudo o que queria eu mesmo fazia, não ficava
ocupando os outros e agora se ando, eu ando nos braços dos outros”
(E13).
Considerando como dimensão da atividade motora, a mobilidade, entendida
como a condição de locomoção, identifica-se, em algumas mulheres, a impossibilidade de
deslocarem-se em casa, no seu entorno ou ir a outros bairros. Entre as que se deslocam, há a
necessidade de apoio de outras pessoas (auxílio humano) ou do uso de dispositivos auxiliares
(bengala, cadeira de rodas). Esta modificação da condição independente para locomover-se
86
traz um impedimento funcional e social mais ou menos extenso, porque concretamente
restringe o acesso ao meio ambiente, seja em casa ou fora.
Assim, nos discursos, constatou-se que a perda da independência também
constitui uma conseqüência ímpar que foi constantemente destacada em virtude da perda da
funcionalidade causada pelas seqüelas motoras.
“Agora eu sou totalmente dependente, às vezes eu vou até na cozinha
da minha casa, aí as pessoas ficam me perguntando aonde você vai?
Agora não posso nem decidir o que quero fazer sem comunicar a
alguém. Eu tenho dependência física, sou muito limitada ainda,na
realidade eu me sinto numa prisão” (E10).
“Tenho dificuldade de movimentar o lado direito, tenho dificuldade
de andar, ando com bengala” (E4).
Segundo Vash (1988), para os deficientes, a independência não implica
somente ser capaz de sobreviver sem a ajuda de outras pessoas ou de mecanismo de
assistência, simplesmente significa liberdade de tomada de decisão e poder de
autodeterminação.
A atribuição da concepção de deficiente leva as mulheres a uma vida social
diferente, de acordo com os limites que o seu corpo impõe. A condição de viver como pessoas
normais implica ter uma capacidade física semelhante aos demais indivíduos da sociedade.
Para Rocha (1991), as representações sociais da deficiência física sempre evidenciam o corpo
do deficiente como problema fundamental. Este é o princípio sob o qual vão se erigir todas as
construções do estigma e as justificativas da segregação. A condição corporal do deficiente
será analisada dentro da categoria geral “Interface do AVE na dimensão psicológica e
espiritual”.
Também ficou evidente que elas não se consideram completamente
dependentes, mas admitem possuírem dificuldades, necessitando de ajuda para realizar
algumas atividades. Esta semi-independência pode ser exemplificada no seguinte depoimento:
“Eu saio assim, mas não é muito. Antes, eu batia perna, não gostava
de ficar em casa. Agora, é mais difícil. Mas, mesmo assim, dou uma
de doida aqui e pego ônibus sozinha e dou uma volta” (E11).
São também freqüentes os distúrbios de comunicação em pacientes após um
AVE: um problema grave, que pode comprometer a recuperação do paciente e seu retorno ao
trabalho, além de ser um fator negativo no prognóstico funcional (HARWOOD et al., 1994).
87
Neste estudo, verificou-se que algumas mulheres queixavam-se de problemas
de comunicação, associados, de modo freqüente, à pronúncia (confusa), à articulação das
palavras (voz ‘embolada’, difícil compreensão para o ouvinte) e à lentidão para falar (sem
volume de voz, cansaço). Angeleri et al. (1993) considera que os problemas de comunicação
dos indivíduos após o AVE têm interferência em sua autonomia, auto-estima/identidade,
convívio e relações interpessoais, mas estes não são impeditivos de falar. Isto se comprova
nos relatos transcritos abaixo:
“A minha fala é embolada, fico constrangida, com vergonha, me
atrapalha conversar com outras pessoas. Isto me incomoda, as
pessoas não entendem direito, tenho que ficar repetindo” (E2).
“Muitos não compreendem o que falo, aí eu me dano a chorar. Só
vocês terapeutas e quem convive comigo é que me entende”(E11).
Quanto à área cognitiva, este estudo analisou, de forma específica, as
memórias recente e retrógrada e a orientação espaço-temporal. Por isto, a função cognitiva
não está sendo considerada em sua globalidade para análise.
Verificou-se que a queixa principal em relação aos problemas de memória está
no uso e acúmulo de informações, somada ao desgaste emocional que isto provoca,
compatível com a atribuição desta função de receber, processar, assimilar, associar e
armazenar informações, de fundamental importância para a capacidade de aprendizagem
(TROMBLY, 1989).
Nas mulheres entrevistadas, quanto aos problemas de memória, foram
registrados depoimentos de desgaste emocional intenso, de insegurança, angústia e choro,
expressados de variados modos: sensação de que “ficou burra” (E5), ser chamado de
“maluca” (E13), perder objetos dentro de casa e ser desconsiderada, “bota as coisas nos
lugares e não se lembra” (E13), “sinto-me inútil” (E9), por não saber conversar e “não saber
mais das coisas”(E11) de antes do AVE.
O comprometimento de memória, como verificado nas entrevistadas,
revelaram mentes desorientadas, mais lentas na execução de tarefas que exijam conceitos, ou
armazenamento de mensagens maiores ou mais complexas, com baixo desempenho cognitivo.
Reddy e Reddy (1997) comentam que o prognóstico de recuperação funcional das pessoas
com déficits cognitivos e de memória é pobre, exigindo supervisão contínua para a segurança
e bem-estar destas.
88
Neste estudo, nas mudanças sensoriais, há concordância entre os resultados
observados em relação à perda visual e auditiva e os estudos de York; Cemark (1995) e
Harvey et al. (1998), sendo registrados prejuízos que influenciam o estado funcional global,
no caso da visão e, nas relações interpessoais, no caso da audição.
Depreende-se dos depoimentos das mulheres que os problemas visuais estão
associados à redução da mobilidade e da habilidade no desempenho de atividades de vida
diária e de lazer como se vestir, ler e assistir à televisão. “Como a minha vista piorou, não
consigo ler e tenho medo de andar e tropeçar no chão” (E11). E, em relação à perda auditiva,
o maior impacto observado é no convívio e nas relações interpessoais.
Tudo isso é compatível com Tennant et al. (1997), que, em estudo de
acompanhamento do resultado de um AVE, concluíram que a limitação da visão e da audição
contribuem para a incapacidade de locomoção e de compreensão de outras pessoas.
No que diz respeito à funcionalidade, as mulheres relataram que, logo após o
AVE, não conseguiam fazer nada sozinhas, eram totalmente dependentes. Para Rocha et al.
(1993), as conseqüências pós-AVE, com gravidade variada, produzem restrição ou perdas da
capacidade e habilidade para desempenho de atividades físico-motoras, de auto-cuidado, de
atividades sociais, profissionais e familiares, implicando algum grau de dependência,
principalmente no 1º ano após o AVE.
Entretanto, no momento da entrevista, as mulheres revelaram um desempenho
independente, nas atividades da vida diária (AVD´s) para as tarefas mais simples ou que, para
seu desempenho, necessitassem apenas de uma das mãos, menor precisão de movimentos ou
menor esforço físico, como levar alimentos à boca, vestir-se, despir-se e escovar os dentes.
Essa percepção foi captada nas entrevistas.
“Logo que deu né com certeza, no lado esquerdo eu não conseguia
fazer nada, até eu aprender tudo de novo. Está tudo bem, agora”.
(E1)
“No começo, eu não fazia nada só. Esse lado aqui, eu não
movimentava nadinha. Mas, com a reabilitação, eu aprendi a me
vestir e comer só”(E4).
“Eu me alimento sozinha, me visto sozinha, me banho só. Estou me
virando, não gosto de ficar parada não” (E6).
Este achado é semelhante ao estudado por Campbell et al. (1994) com apenas
1,3% impossibilitado de alimentar-se de forma independente, por Felgar (1998) que encontrou
89
3,6% de pacientes incapazes de alimentar-se sozinhos, 10,8% incapazes de tomar banho sem
ajuda e 12,5% incapazes de escovar dentes e vestir-se.
Nas tarefas de desempenho bi-manual e de precisão, registra-se a incapacidade
para realização ou a necessidade de ajuda, nas atividades como cortar os alimentos, usar o
talher e lidar com acessórios do vestuário, como botões, laços, zíper. Na higiene pessoal,
como cortar as unhas, a dependência de auxílio se mostrou mais presente. Esta interferência
foi revelada durante as entrevistas pela condição de dependência e necessidade de esperar por
outra pessoa, refletido nos discursos das entrevistadas:
“Aprendi a me virar sozinha. Mas, servir uma mesa, eu não faço,
cortar comida, eu não corto. Eu deixei essa parte para a empregada
até eu ir me habituando” (E4).
“Eu consigo fazer quase tudo, mas eu não consigo fazer laços e nem
cortar as unhas, a minha filha é que me ajuda” (E7).
“Eu me alimento só. Só que assim às vezes não dá certo, só com a
mão, garfo e faca eu não uso, só com colher” (E8).
Dentre as atividades de auto-cuidado mais complexas, as que apresentam
maior deterioração nesse grupo é cortar os alimentos e as unhas. O percentual encontrado por
Tennant et al. (1997) com 1/3 dos casos estudados com dificuldade de cortar os alimentos e
lavar o rosto. Já Felgar (1998) evidencia o maior nível de incapacidade com metade dos casos
dependentes para cortar as unhas.
Da mesma forma, a independência nas atividades instrumentais da vida diária-
AIVD’s verificada no presente estudo (APÊNDICE H), é similar à que ocorre com as AVD’s
e está registrado na literatura conforme menciona Medina et al. (1998). Os maiores
impedimentos são no uso de transporte coletivo, realizar compras e lidar com informações e
valores.
De acordo com as falas, a dependência não chega a impedi-las de realizarem
muitas atividades comuns ao dia-a-dia. Relataram que esta semi-independência não as
impossibilita de continuarem realizando tudo que fazia parte de suas vidas antes de se
tornarem deficientes, embora com maiores dificuldades e necessitando de algum auxílio. Esta
consciência pode ser visualizada na seguinte declaração:
90
“Só tem umas coisinhas assim, mas o restante eu não me vejo assim e
não me sinto assim. Faço tudo que eu quero, só não faço mais, às
vezes é porque eu não quero e às vezes é porque não tem mesmo mais
o que fazer sozinho” (E7).
Percebe-se, a partir dos depoimentos a seguir, que o conceito de dependência
ou independência assume variações de pessoa para pessoa, e até mesmo de acordo com o
momento em que ela se encontra.
“Eu me considero uma pessoa independente. Não digo que eu sou
incapaz. Consigo fazer as coisas, fica limitado, mas eu consigo”
(E7).
“Sou totalmente dependente, não faço nada sozinha. Esse lado aqui
nunca dá, eu não consigo. Ele não presta mais para nada” (E10).
“Ah foi muito difícil ficar dependendo dos outros. Mas, depois, eu
tive muita força de vontade e aprendi a fazer as coisas sozinha, sem
ninguém para me ajudar” (E8).
“Eu não me conformo com esta doença. Sou uma velha chata e
dependente fisicamente e financeiramente” (E1).
A concretização do impedimento de desenvolver suas tarefas normais e papéis
sociais altera o equilíbrio pessoal e social, caracterizado pelo trânsito de pessoa a paciente e
de paciente a dependente / incapaz (GOFFMAN, 1980).
Gignac e Cott (1998), a partir de um estudo sobre os conceitos de dependência
e independência, realizado com pessoas acometidas por doenças físicas crônicas e
deficiências, constataram que estes construtos possuem determinações múltiplas, de forma
que alguém pode se considerar independente e, ao mesmo tempo, se sentir dependente no que
se refere a algumas implicações sociais. A consideração de uma semi-independência coloca
em evidência a possibilidade voltada para algumas atividades físicas. Já em relação às
conceptualizações relativas à independência, ocorre uma ênfase na capacidade de realizar
escolhas, além da existência de um controle e direcionamento sobre suas próprias vidas. Este
conceito de independência não exclui, necessariamente, a possibilidade desta pessoa
necessitar da ajuda e auxílio de outras pessoas ou de mecanismos de assistência (VASH,
1988).
91
5.5 Interface do AVE nas dimensões psicológica e espiritual
As mulheres com hemiparesia depararam-se, principalmente, com sentimentos
que variaram de tristeza à preocupação. Os sentimentos de tristeza e revolta apareceram
representando os sentimentos mais comuns, entre elas, os quais se encontram presentes nos
seguintes relatos:
“Eu me senti triste, porque eu não imaginava que a minha vida ia
parar. Eu tinha muitos sonhos e a partir do momento que aconteceu
o derrame eu pensei: O que eu vou fazer agora?” (E11).
“Fiquei revoltada né, não tinha como... nossa você ter uma vida
normal, tranqüila, sem depender de ninguém para fazer nada e
depois voltar dependente, foi muito difícil! (E1)
A dimensão psicológica contempla aspectos como Percepção de mudanças
na imagem corporal (auto-imagem), no autoconceito e na auto-estima, na vida sexual,
Aceitação e Ajustamento à Deficiência e, Fortalecimento das Redes de Apoio Social.
Analisando a dimensão psicológica, constatou-se, neste estudo, que a
ocorrência de sintomas e quadro depressivo imediatamente após o AVE, e no momento da
entrevista foi muito grande. Sendo assim, a depressão em sobreviventes de AVE é investigada
em inúmeros estudos, talvez por ser a complicação emocional mais freqüente, apesar de que,
na maior parte dos casos, os pacientes não são diagnosticados e tratados (NEAU et al., 1998).
O comportamento de fracasso é observado nestas mulheres com o impacto da
depressão sobre a vida social associada ao choro freqüente, inclusive durante as entrevistas;
aumento das horas de sono durante o dia; falta de motivação, isolamento e conceito
depreciativo de si. Para as mulheres entrevistadas, a depressão é sinônimo de choro. Nos
depoimentos abaixo, registra-se essa constatação.
“Tenho vontade de chorar, chorar bastante” (E11)
“Boa parte do tempo, eu sinto tristeza. Qualquer coisinha, eu choro.
Não consigo entender!” (E10).
92
Quando deprimidas, as pessoas não respondem com interesse às coisas de que
costumavam gostar. Freqüentemente, relatam a idéia de que não se sentem dispostas e que
não têm vontade de fazer nada (FERREIRA; JORGE, 2000). Percebe-se esta característica
nas falas a seguir:
“Não tenho vontade de conversar. Não tenho disposição... sem
vontade de fazer nada” (E10).
“Às vezes, eu tenho vontade de abandonar todas as minhas
atividades, fico totalmente desanimada” (E8).
De acordo com Goldrajch (1996), há uma baixa de energia e engajar-se em
qualquer atividade parece ser um grande esforço. Sendo assim, tendem a evitar as atividades
cotidianas, passando longos períodos de tempo sentadas ou deitadas na cama remoendo os
pensamentos de culpa, “quando eu fico muito tempo parada, o que passa tanto na minha
cabeça, é um horror” (E1).
Estudos de complicações emocionais em pessoas com AVE relatam a
incidência de depressão entre 20 a 60 % dos casos, influenciando negativamente no processo
de reabilitação, no retorno ao trabalho, no auto-cuidado, na atividade social e ainda, sendo
causa de tensão para os familiares (ROCHA et al, 1993; ANGELERI et al, 1993;
HARWOOD et al, 1994).
Dewis (1989) relata o significado de ruptura trazido por uma patologia como o
AVE, já que mudanças drásticas ocorrem imediatamente em suas vidas, ao passarem muitas
vezes, de uma condição de independência e auto-suficiência para uma vida em que é
necessário se adaptar a vários artifícios mecânicos de locomoção e de treinamentos médicos,
além da vivência de inúmeras complicações orgânicas.
Acrescenta, ainda, que a presença de uma deficiência, por si só, torna-se um
fator desestruturador, já que isso representa uma ameaça a “ordem” estabelecida socialmente.
Muitos autores relatam, como conseqüências de uma doença crônica como o AVE, os
distúrbios emocionais, depressão e até tentativas de suicídio (BRYAN; HERJANIC, 1980).
Quando algumas pessoas sentem-se desamparadas, infelizes, tristes, costumam
isolar-se em seu mundo particular e solitário, “tenho vontade de ficar isolada” (E10) e
“sumir, não vê ninguém, ficar só, distante” (E9). Goffman (1980), relata o afastamento em
relação à pessoa acometida por uma deficiência e do isolamento da própria pessoa com
93
deficiência, como um comportamento social muito comum, já que a deficiência impõe a
atenção à pessoa e seus atributos.
Desta forma, a presença de uma aparência marcada pela diferença (que foge do
padrão de normalidade ou de beleza estipulado socialmente), pode causar um desconforto,
que se torna justificado quando se atribui a esta pessoa a condição de inadequada para o
contato social (OMOTE, 2003).
Para o referido autor, a visibilidade da deficiência exerce uma influência
significativa na percepção que se tem da mesma. Segundo suas pesquisas, quando o
comprometimento não é de alta visibilidade, a alta atratividade simplesmente pode levar as
pessoas a não perceberem a pessoa como sendo deficiente.
No caso das mulheres hemiparéticas, esta visibilidade, encontra-se
evidenciada, no entanto ela pode variar no que se refere ao grau de comprometimento e
adequação aos padrões de beleza e de um corpo
13
perfeito, determinando a maneira como
serão percebidas e abordadas.
Acrescentando a isto, a mulher passa por todo um “turbilhão” de insatisfação
consigo mesma, com sua imagem corporal
14
, criando uma barreira entre ela e o mundo
(BRANDEN, 2000).
“Depois que eu sofri o derrame, eu perdi todo este lado aqui , eu me
sinto denegrida, feia perante a sociedade. O formato do corpo,
entende né? (E9).
13
A expressão corpo é concebida como espaço expressivo, conjunto de significações vividas, não
objeto entre os demais, porque ele é capaz de ver, de sofrer, de pensar, de expressar no olhar, pelo
olhar, pela palavra, bem como, pela lacuna deixada por essa. É veículo do ser humano, através do qual
esse interage, percebe e é percebido. Ver em: MERLEAU -PONTY, M. Fenomenologia da
percepção. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
14
A expressão imagem corporal é formada por um conjunto de informações que constitui um sujeito
diante de si e do outro, cuja construção depende do outro. O sujeito aprende a ver com os olhos dos
outros. Ver em: FERREIRA, C. A. M; THOMPSON, R. Imagem e esquema corporal. São Paulo:
Lovise, 2002. cap. 1.
94
Os depoimentos confirmam que esta mudança na aparência física interfere na
sua no seu autoconceito
15
e na sua auto-estima
16
, ou seja, elas têm um conceito depreciativo
de si e, também, têm vergonha e medo do convívio com outras pessoas, “sinto-me feia” (E9),
“quando me olho no espelho não sei o que eu acho, não gosto muito não” (E1), “sinto-me
uma pessoa regular” (E12), sinto-me mais magra, muito diferente” (E5), “sinto-me uma
pessoa doente” (E13).
Rocha (1991) afirma que, a partir da estigmatização, o deficiente físico
compreende seu corpo enquanto objeto de vergonha ao conviver com incapacidades em
relação ao padrão vigente de produtividade, afetividade e sexualidade. Os atributos
desabonadores parecem-lhes naturais, sentem pena de si, raiva do mundo como se o mesmo
os tivesse levado à fatalidade, sem, no entanto, compreenderem a lógica das relações que
instauram sobre sua diferença.
Percebe-se, portanto, que a imagem corporal das mulheres pode ser
compreendida como resultado da influência que o ambiente, que é apresentado ao sujeito,
através do outro, exerce sobre o indivíduo. Considerando que o olhar do outro é persecutório
sobre o diferente, pode-se perceber, nas mulheres entrevistadas, o desconforto com alterações
na sua aparência física e vergonha desta transformação, que se revela no discurso de uma das
entrevistadas.
“No início, eu tinha vergonha de passear no shopping São Luís, por
causa desse lado que é todo torto. As pessoas ficavam me olhando,
com o olho esbugalhado, que até me constrangia” (E3).
O contexto descrito por elas mostra que o ser humano vive hoje sob a ótica da
ditadura da beleza, que assassina a auto-estima, “minha vida é sem sentido, vida vazia, não
tenho estima” (E1), asfixia o prazer de viver, produz uma guerra com o espelho e gera uma
auto-rejeição profunda. “É a maior tirania de todos os tempos e uma das mais devastadoras da
saúde psíquica” (CURY, 2005).
15
A expressão autoconceito é caracterizada como o conhecimento que o indivíduo tem de si, ou seja, é
uma imagem subjetiva de si mesmo, um complexo de integração dos sentimentos conscientes e
inconscientes, atitude e percepções com relação aos valores, papéis e ao ser físico. PERRY, A.G;
POTTER, P. A. Fundamentos de enfermagem: conceitos, processo e prática. Vol 1. Rio de Janeiro:
Guanabara Koogan, 1997.
16
A expressão auto-estima é designada como o grau de consideração ou respeito que os indivíduos
têm em relação a si mesmos e é uma medida do valor que eles atribuem as suas capacidades e seus
julgamentos. TOWNSEND, M.C. Enfermagem Psiquiátrica: conceitos e cuidados. 3 ed. Rio de
Janeiro: Guanabara Koogan, 2002.
95
Se uma deficiência alterou a aparência física ou mobilidade de uma pessoa
para além das normas aceitas, a antipatia pelo corpo pode assumir proporções que interferem
na sexualidade
17
. Sendo assim, as modificações ocorridas na sexualidade e nos vínculos
amorosos, a partir do AVE, são muito comum nas mulheres entrevistadas.
“Eu nuca mais me interessei por ninguém não” (E1).
“Houve mudança sim. Porque antes, eu tinha um namoradinho aqui,
outro ali, depois acabou. Eu não tenho mais vida sexual. Eu é que
não quero” (E2).
Anderson e Kitchen (2000) alertam para o fato de que somente muito
recentemente tem havido iniciativas no sentido de oferecimento pelos estabelecimentos de
saúde e educacionais de um suporte e orientação sexual às pessoas com alguma deficiência
manifesta, seja ela orgânica, física, mental, sensorial ou perceptiva. Além disto, eles também
ressaltam o caráter médico dessas práticas, levando em consideração o que é interessante para
aqueles que o estão oferecendo e não para os usuários deste serviço.
Observa-se que as disfunções sexuais são citadas por essas mulheres como
algo que afeta tanto a mulher na sua auto-estima e situação emocional, como também nos
seus cônjuges, como pode ser visto nas falas a seguir:
“A relação entre homem e mulher, tanto amorosa quanto física,
depois do derrame muda bastante, pelo lado, no caso da mulher, eu
me sinto mais feia. E, meu esposo, fica meio receioso, tem medo de
me machucar(E9).
“Ele não tem mais aquele carinho, atenção e preocupação comigo,
inclusive inventou de trabalhar até nos finais de semana. Não temos
vida sexual ativa, pois inventou que estava doente e precisava ir no
urologista. O médico urologista falou que sempre nos exames dele
não aparece nada. Ele acha que é psicológico, da cabeça dele,
devido ao problema que eu tive.Pois é doutora, ele não consegue
atingir..... aquela coisa toda. Ele acaba se denegrindo, se chateando,
pelo fato daquela coisa machista” (E4).
17
A expressão sexualidade é definida como uma experiência íntima e fortemente carregada de
afetividade que não inclui necessariamente a penetração, mas que pode incluir um amplo leque de
atividades como falar, tocar, acariciar e abraçar. Ver em: BOURDIEU, P. (Org.) A dominação
masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
Acrescentando, esta expressão implica em amor, excitação, erotismo, satisfação das necessidades
instintivas tais como o calor, o afago, os beijos, as carícias, a troca de intimidades e também os
aspectos estéticos, a atração e a sintonia entre duas pessoas. Para maiores informações vide: SÁ, C. A.
M.; PASSOS, M. R. L.; KALIL, R. S. Sexualidade humana. Rio de janeiro: Revinter, 2000.
96
As mulheres deixaram transparecer, em seus depoimentos, que estas
interferências são provenientes de uma concepção cultural em que a sexualidade do homem e
da mulher encontra-se interligada a uma complexidade de comportamentos e reações pré-
estabelecidas e estipuladas socialmente (beleza x estética e virilidade x potência sexual).
Corroborando, Foucault (1985) cita que as expressões “Corpo e Sexualidade” se expressam
conforme os “dispositivos de poder”, ou seja, um corpo está sempre inserido em uma teia de
poderes que lhe ditam proibições e obrigações, coerções que determinam seus gestos e
atitudes e delimitam seu exercício, suas práticas e mecanismos de atitudes.
Algumas das entrevistadas revelaram, também, que as modificações físicas
decorrentes do AVE não impediram que continuassem tendo os sentimentos de desejo e
atração física, como é declarado no depoimento que se segue:
“Em outros termos, eu não posso dizer que mudou, em termos de
homem e mulher, o relacionamento não mudou. Graças à Deus,
continua sendo do mesmo jeito, tenho as minhas necessidades, tenho
os meus desejos, apesar das minhas limitações, e ele também tem e a
gente se completa... Então não muda nada, pelo menos no meu caso.
No início, eu fiquei com medo de machucar a gente e de eu não ter
sensibilidade. Mas, é o tipo da coisa, sempre se dá um jeitinho” (E3).
“A parte amorosa melhorou bastante, carinho, atenção.. a parte
sexual está normal. Eu me sinto bem , uma mulher linda e atraente.
Meu marido é apaixonado por mulher magrinha e por isso ele
continua apaixonado por mim, e vice-versa” (E7).
A ajuda e compreensão do parceiro são fatores considerados essenciais para
que a pessoa com deficiência possa atingir uma realização sexual e amorosa. A experiência de
um relacionamento amoroso, após o AVE, é apontada por algumas mulheres como algo muito
importante em todos os aspectos de suas vidas, como se pode perceber no relato abaixo:
“Ele vai a todo lugar comigo, sempre está do meu lado, me
ajudando... Deus fez o homem e a mulher. Entendeu? Faz muito bem
para a minha vida isso. Nossa! Porque o amor assim, não é só sexo,
é amor. A companhia, dar um beijo, dar um abraço.. Isso é um
complemento. Troca de carinho sabe, troca de abraços, de conversa,
de idéias.. planos.... isso é amor!” (E7)
Pode-se denotar, a partir deste discurso, um significado dado a seu
relacionamento amoroso que extrapola o simples prazer sexual. Indicaram outros benefícios
relacionados ao prazer de estar junto, de compartilhar idéias, planos e carinhos, que se tornam
97
importantes neste tipo de relacionamentos e que devem ser considerados como fatores
essenciais à manutenção desse afeto.
A discussão sobre sexualidade, traduzida nas entrevistas, não parece estar
vinculada somente às relações sexuais em si, mas sim, envolve toda a complexidade que
circunda este conceito. Embora considerando toda a importância dos aspectos psicossociais
envolvidos na sexualidade destas mulheres, vários autores, ao investigar publicações
científicas abrangendo a sexualidade de pessoas com AVE, entre os anos setenta e noventa,
deram ênfase aos aspectos fisiológicos desta questão, detendo-se nas características físicas e
orgânicas das pessoas acometidas de AVE, focalizando somente a extensão de
comprometimentos e não seus reflexos emocionais na vida sexual destas pessoas (BOLLER e
FRANK, 1982; PAULA, 1993).
As condições de vida que tendem a perpetuar seu processo de subordinação às
regras e normas de caráter marginalizadores, torna o sujeito passivo diante de sua história,
incapaz de rever o destino que a cultura dominante lhe impôs como meta:
“Eu tenho os problemas do que falta na minha vida, mas tenho que
me conformar né? Não sou mais normal como antes, né? Vou indo,
levando...” (E6).
“Tenho que aceitar que o rosto e o corpo no espelho são meu corpo
e meu rosto, e que são como são” (E4).
Muitas delas encaram a sua situação como um castigo divino por algum erro
que tenham cometido no passado, ou seja, a culpa aparece de forma indireta, a culpa por ter
feito algum mal no passado a levou ao castigo do presente. “Aí, eu pensei tanta gente aí no
mundo que não tem isso e foi acontecer isso aqui comigo. Você não pode mandar nas
vontades de Deus, vai fazer o que, mas aí tem que se conformar mesmo. Só Deus...” (E5).
Entretanto, somente através de uma reflexão profunda sobre as conseqüências
do AVE na vida das entrevistadas e sobre o que ainda possui de possibilidades, a mulher com
hemiparesia se sentirá em condições de alcançar um melhor ajustamento a sua deficiência, de
maneira a se restabelecer em todas as suas atividades normais. O resultado da pesquisa revela
a ocorrência de mudanças drásticas e, muitas vezes, até irreversíveis em suas vidas, mas
possíveis de serem enfrentadas, como é exemplificado no seguinte depoimento:
98
“Eu procuro olhar e aceitar do jeito que está, eu acho que para
qualquer pessoa você tem que aceitar sua condição. Se isso está na
sua vida é porque você tem capacidade para enfrentar. Então seguir
em frente. Vai ter obstáculos? É claro que vai. Tem um monte de
lombada aí e todos os carros passam” (E3).
O processo de viver ensina pouco a pouco que a deficiência não precisa ser
vista como uma tragédia insuportável. Ela pode ser vista como uma complicação ou uma
irritação e, eventualmente, pode também ser encarada como um catalisador para o
crescimento psicológico (ANTUNES, 2004).
“Eu tenho que me aceitar como eu sou. Eu tenho meus sonhos e
podem ser concretizados, mesmo após esta doença. Tudo com
limitações, mas quem é que não tem obstáculos na vida?” (E4).
Uma vez incluída a deficiência no cotidiano, o individuo motiva-se a buscar a
vivência de relações afetivas e sociais, a busca e vivência de saberes e fazeres, a busca da não
dependência e da autonomia possível. Essa busca não se dará instantaneamente, mas sim por
construção paulatina e contínua, através da vivência dos sucessivos percalços e de sua
superação, nas situações críticas que se encontram dispostas no trajeto do desenvolvimento da
vida (AMARAL, 1995).
Algumas mulheres entrevistadas mudaram seu modo de pensar e encarar as
situações, verificando a contribuição positiva que uma deficiência pode trazer para si mesmas.
Desta forma, houve uma análise real de seus limites e ênfase em suas possibilidades.
Eu achei que não adiantava ficar o tempo todo chorando por uma
coisa que já aconteceu, foi ai que eu comecei a viver minha vida.
Pensei e analisei que eu não poderia viver pela doença e para a
doença. Comecei a enxergar as grandes possibilidades desta doença
de crescimento interior” (E8).
Este discurso revela a percepção de uma nova dimensão, a Espiritual. O
crescimento espiritual independente de como o seja, é indispensável para crescermos como
pessoas e perceber a vida de outra forma.
99
Neste caso, refere-se ao início de uma crença espiritual
18
a partir do advento da
deficiência, de maneira que um novo significado, ligado às crenças num poder divino, passa a
estar associado às suas ações, servindo como um suporte necessário à superação de suas
perdas. O apoio em uma força maior, em um Deus, com poderes ilimitados, passa a ser
evidente e suas esperanças e expectativas estão sobrepostas ao desejo deste ser superior
(SASAHARA, 1980).
“É muito difícil passar por estas dificuldades, depois que eu tive o
AVC, é difícil para o ser humano ultrapassar os obstáculos, mas para
que ele siga, ele deve buscar à Deus, orando, louvando e adorando o
Senhor porque Ele não deixa nenhum de seus filhos sofrerem. Nós
temos é que nos fortalecermos a cada dia mais porque a vida não é
só de alegria e felicidade, existe também as dificuldades para que
nós possamos crescer”(E8).
Consoante Rodrigues; Diogo (1996), o aspecto espiritual dá um valor especial
para enfrentar situações dolorosas e até mesmo para aceitar uma nova condição de vida.
Acrescentando, Idler (1987), em estudo com 2700 adultos de Connecticut, mostrou como o
envolvimento pessoal com a religião reduz os efeitos incapacitantes das doenças crônicas,
bem como os efeitos nocivos das incapacidades físicas sobre a saúde mental. Para esta autora,
a fé serve, em parte, para amenizar os efeitos prejudiciais de situações estressantes ou que
representam um risco para a saúde. Esse sentimento pode ser observado no relato a seguir.
“Meu médico disse que o AVE aconteceu em uma área gravíssima e
que já havia feito tudo e que eu estava na mão de Deus. E, Deus me
curou. O senhor todo poderoso operou milagres em minha vida, lá no
Hospital Dutra” (E7).
18
A expressão espiritualidade refere-se à experiência de contato com uma dimensão que vai além das
realidades consideradas normais da vida humana, que as transcende. Seria a arte e o saber de tornar o
viver orientado e impregnado pela vivência da transcendência.
Acrescenta ainda, que a religião refere-se à organização institucional e doutrinária de determinada
forma de vivência religiosa. Está relacionada com uma crença em caminhos de salvação, bem
explicitados por esta organização institucional. Associados a isso estão os ensinamentos, doutrinas,
rituais, orações, éticas (comportamentos adequados), edifícios artísticos (templos e monumentos) que
têm como objetivo conduzir os fiéis a uma vivência espiritual nos moldes daquela tradição religiosa.
Para maiores informações, vide: BOFF, L. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de
Janeiro: Sextante, 2001.
100
“O principal de nossa vida é ficar de bem com o Divino e consigo mesma.
(E11). Para as mulheres, a religiosidade
19
, como um sentimento especial, significou conforto
espiritual e refúgio nestes momentos de crise, angústia e depressão.
No discurso a seguir, a religiosidade também funcionou como um suporte
psicológico, já que, após o AVE, trata-se de um momento crítico na vida da mulher, podendo
vir a apresentar uma série de dificuldades ao reassumir a sua vida profissional, social, familiar
e sexual.
“Deus é tão maravilhoso que deu a sabedoria a vocês terapeutas a
terem sabedoria da ciência e a sabedoria de como lhe dar com o ser
humano, em sua forma integral. Vejo, vocês terapeutas, como uma
mãezona, vocês se doam, ajudam, conversam, escutam, levantam a
auto-estima e o astral das pessoas” (E7).
As mulheres com hemiparesia evidenciaram uma certa fragilidade acerca de
sua existência, mas a necessidade de professar a fé religiosa é um dos fatores citados para se
alcançar o bem-estar.
“Porque, na verdade, a minha vida, assim como a vida de todo ser
humano está nas mãos de Deus, o criador. Ele é tudo na nossa vida.
Sem ele, nós não somos nada. Então, é muito importante a pessoa ter
muita fé em Deus e se agarrar com Ele. Não tem outra coisa, não tem
outro sentido” (E13).
Corroborando Elisson, Gay e Glass (1989 apud VASCONCELOS, 2006)
investigaram o efeito da devoção religiosa na saúde entre afro-americanos. Mostrou-se,
portanto, que o efeito da devoção religiosa para o bem-estar subjetivo supera qualquer
benefício que se possa atribuir ao tipo de afiliação religiosa ou à freqüência de participação
religiosa institucionalizada.
Para Vasconcelos (2006), na média, o envolvimento religioso está associado a
taxas menores de doenças e níveis mais elevados de bem-estar. Isto é bem evidenciado no
discurso de uma das entrevistadas.
19
A expressão religiosidade é empregada quando a espiritualidade assume a transcendência como
divina, por revelar a presença de um Outro na alma humana. Ver em: VASCONCELOS, E. M. (Org.)
A espiritualidade no trabalho em saúde. São Paulo: Hucitec, 2006.
101
“A religião acho que é um dos grandes motivos que levam a pessoa a
ser feliz porque toda pessoa que tem sua mente no espírito religioso
acaba aceitando muita coisa, que sem religião não aceitaria. No meu
caso, o AVC, se não fosse o meu lado religioso, eu não teria
esperança de um futuro melhor. É na vida espiritual que a gente vai
buscar forças, buscar em Deus a resolução dos problemas da gente,
ou pelos menos alívio dos problemas. Porque é essencial que a gente
busque à Deus para ter uma vida bem.. como se diz...
realizada”(E8).
Como já mencionado anteriormente, na categoria “Interface do AVE na
dimensão social”, é bem evidenciado, na fala de uma mulher, que as atividades religiosas, ao
proporcionar a reunião de pessoas com propósitos comuns, cria e fortalece redes de apoio
social.
“O importante também é o.. para a minha vida também é a célula
(reunião grupal para discussão da palavra) da minha igreja. Eu sou
uma cristã e vou sempre à Igreja, trabalho na igreja. Amo meu
ministério de oração. Vivo para este ministério e seu eu não tivesse,
talvez eu fosse uma pessoa infeliz. Quando estou na igreja, junto dos
meus irmãos, então está tudo contente, até esqueço da doença (E5).
O estudo de Ellison e George (1994) demonstrou que as pessoas que
freqüentavam regularmente a igreja tinham acesso a redes de apoio social mais amplas,
constituídas pelos membros que não faziam parte da própria família; tinham mais contato
com membros de suas redes sociais, receberiam tipos mais variados de apoio social, fossem
eles tangíveis (assistência financeira, transmissão de recados, conselhos, transporte, ajuda
com refeições ou nos casos de doença) ou emocionais; e tinham uma idéia mais favorável da
qualidade dos seus relacionamentos sociais.
Diante desta perspectiva, finaliza-se a análise desta categoria com a seguinte
frase: Ser sábio é aprender a usar cada dor como uma oportunidade para aprender lições, cada
erro como uma ocasião para corrigir rotas, cada fracasso como uma chance para ter mais
coragem. Nas vitórias, os sábios são amantes da alegria; nas derrotas, são amigos da reflexão
(CURY, 2005).
102
“Aprendi que sobreviver na condição de ser portador de
Hemiparesia consiste em viver a cada dia a minha existência.
Qualidade de vida é um constante movimento de reconstrução de
meu cotidiano e na retomada da vida, transformando minhas
limitações em possibilidades de bem viver, ou seja, de viver mais
saudável”
(E7)
103
6 RE (SIGNIFICANDO) A QUALIDADE DE VIDA DAS MULHERES APÓS O AVE:
REGATE DOS DIREITOS DE CIDADÃO
De acordo com Ferreira (1988), o prefixo “re” tem vários sentidos, nem
sempre intercambiáveis: “movimento para trás, repetição, intensidade, reciprocidade,
mudança de estado”. Por outro lado, o verbo significar é rico em definições, estas sim com
um certo nível de similaridade e, portanto, de intercâmbio: “ter o sentido de, querer dizer;
expressar, exprimir; ser sinal de, denotar; dar a entender, mostrar; ser, constituir; traduzir-se
por; ser o símbolo ou a representação de; fazer conhecer, informar, participar”.
Assim sendo, quão distintos serão os sentidos de re-significar se pensar em
“movimento para trás, em repetição, em intensidade, em reciprocidade e em mudança de
estado”. Este estudo aborda o termo re-significar como “mudança de estado”, bastante
apontado pelas mulheres hemiparéticas que orientam a compreensão das suas concepções. A
mudança do estado leva ao que, de fato, se busca: alteração do status quo. Diante disso, um
questionamento se faz presente: E que status quo é esse a ser alterado?
O da hegemonia do estigma que, como já foi visto, usualmente acompanha a
significação da diferença/ deficiência em nossa cultura, em nossa sociedade, em nosso
cotidiano, impregnando as relações estabelecidas entre pessoas com diferenças/ deficiências e
aquelas que correspondem ao mencionado “tipo ideal”. Alterar o status quo das relações que
se baseiam na distinção/ contraposição: NÓS (brancos, cristãos, sica e mentalmente
perfeitos, eficientes, plenos) e ELES (negro, judeus, loucos, deficientes, falhos).
Sendo assim, ao longo dos depoimentos das mulheres, percebeu-se que as
mudanças após o AVE dão uma re-significação da qualidade de vida, apreendida com um
significado particular, influenciada pela maneira como elas adquiriram a doença e o apoio
recebido após o acidente.
Portanto, re-significar a qualidade de vida dessas mulheres leva a refletir sobre
a realidade multifacetada desse construto QV, que é um parâmetro em que todos devem
respeitar a individualidade, evitando padrões impositivos. Ser deficiente e ter qualidade de
vida não é melhor e nem pior: simplesmente é.
Dando voz à questão: O que se entende por qualidade de vida? E o que é
importante na vida, a ponto de determinar o significado de qualidade de vida após o AVE?.
Assim, pôde-se adentrar para melhor entendimento das concepções das mulheres acerca da
qualidade de vida e das razões que levam uma mulher a se considerar com qualidade de vida
após o episódio da doença.
104
Observaram-se mudanças de atitudes nas mulheres perante a vida e as pessoas,
advindas do redimensionamento de valores, além da crença de que o AVE possibilitou um
novo olhar sobre sua qualidade de vida.
Para o grupo estudado, a representação sobre qualidade de vida está
relacionada às dimensões da QV, já citadas no capítulo anterior, sendo configurada nas
seguintes idéias centrais: saúde (E1, E5, E6 e E13); recurso financeiro suficiente (E3, E6,
E7 e E13); família (E1, E3, E4, E6, E8, E9 e E12), trabalho (E1 e E4), auto-
controle/aceitação (E10), convívio social/amizade/lazer (E2 e E4); autonomia e
independência física (E2, E4 e E7); felicidade/ satisfação (E12 e E13); vida espiritual/paz
(E3, E7, E8 e E11) e, finalmente, atendimento de necessidades básicas e igualdade de
oportunidades (E1, E2, E3, E4, E7 e E9).
No entanto, apesar de todas essas mudanças decorrentes do AVE terem um
grande impacto na qualidade de vida das mulheres, mais da metade das entrevistadas
afirmaram ter uma condição de vida satisfatória após o AVE, apesar de todas as suas
limitações.
Pode-se dizer que grande parte das mudanças é considerada positiva e se
concentra, principalmente, no que tange à maior percepção que estas mulheres começam a ter,
com maior valorização de si mesmas, da vida familiar, das pessoas, de todos acontecimentos
ocorridos em suas vidas, da vida como um todo, das vivências relacionadas ao seu dia-a-dia,
do seu comportamento e da sua capacidade de superação.
Compreende-se, portanto, que os principais efeitos advindos do AVE se
referem a uma mudança de posicionamento perante às situações vivenciadas pelas mulheres.
Com tudo isto, começa a haver um redimensionamento de valores, como pode ser
apreendido em uma das falas das mulheres, a saber:
“Saber conversar, saber se comunicar..tudo, em geral, em tudo... Eu
era muito eu. Eu posso, eu falo, eu aconteço, eu.... tudo eu. Hoje não
existe eu, existe nós. Dá para você fazer? Você pode fazer? Será que
você pode para mim? Hoje é nós, não eu. Na minha situação....
mudou tudo.. mudou tudo na minha vida” (E3).
Elas entenderam que as mudanças ocorridas com o estabelecimento do AVE
colocaram-nas exatamente no lugar de construção de uma nova vida, embora com limitações.
Com o advento da deficiência, a qualidade de vida adquiriu um novo significado para estas
pessoas, expresso nos discursos a seguir:
105
“Aprendi que sobreviver na condição de ser portador de
Hemiparesia consiste em viver a cada dia a minha existência.
Qualidade de vida é um constante movimento de reconstrução de
meu cotidiano e na retomada da vida, transformando minhas
limitações em possibilidades de bem viver, ou seja, de viver mais
saudável”(E7).
“Qualidade de vida é saber viver. Então, a qualidade de vida para
mim é saber encarar as situações da vida cotidiana com
naturalidade. É a prática da vida...Qualidade de vida depende muito
da gente. Hoje, aquela mulher que vive a vida, não se entrega à
doença, vive uma vida feliz. Mas, aquela que vê a doença como
problema principal, ela não vive. Ela se entrega”(E4).
“Qualidade de vida é ser saudável. A gente pode na doença ser
saudável, ser uma pessoa que transmite a vida para o outro. Então,
qualidade de vida é saber viver, ter vontade de viver, mesmo com as
dificuldades” (E6).
É necessário reconhecer que essa realidade não pode ser mudada, mas sim
reelaborada e deve-se tentar aprender a conviver com essa situação no intuito de encarar
uma nova realidade, explicita Barbosa (2003). Sendo assim, “a questão de ter uma família
saudável e a questão de ter uma boa vivência pode superar todos os problemas e não se
preocupar demais com o amanhã, o futuro só a Deus pertence. Eu creio que isso é qualidade
de vida” (E9).
É muito importante perceber a representação da vivência de uma situação
traumática para estas mulheres. A partir do advento da doença, sua vida pode tomar uma nova
dimensão, como se constata nos discursos que se seguem:
“Nada é por acaso, tudo tem uma razão de ser. Tive que assumir a
minha vida de volta. Apesar das limitações da minha perna e da
minha mão, não tem problema. Eu vivo do mesmo jeito. Eu quero ser
muito útil e tenho ainda muito o que fazer” (E3).
“Eu não vejo diferença não, acho que é igual, só que eu tenho que
tomar mais um pouco de cuidado comigo. Eu me vejo hoje uma
pessoa normal, vou criando as minhas estratégias” (E8)
106
“Mesmo depois do derrame, eu tenho a minha vida... tenho meus
sonhos e podem ser concretizados” (E4).
Observa-se, a partir de todas estas constatações, que a conscientização e o
fortalecimento de uma nova identidade social, familiar, psicológica, profissional e corporal,
torna-se primordial para que as mulheres conseguissem empreender um novo significado de
qualidade de vida, que as tornará sujeitos ativos dentro da sociedade em que vivem.
As mulheres atribuíram como representação da QV após o AVE, o
atendimento de suas necessidades humanas básicas de trabalho, lazer, saneamento básico,
educação, recursos de saúde, alimentação, meios de transporte e moradia, bem evidenciado na
fala a seguir:
“Qualidade de vida para mim é tudo aquilo que o local de vida onde
nós vivemos pode propiciar em termos de lazer, de oferta de
trabalho, questão de saneamento do local onde você mora.. o lazer
traz oportunidades de estudos ou de ganhar a sua vida. Local
também onde você tem bons amigos.. que ofereça, né?.. boas
condições de trabalho, de educação, de assistência à saúde.. “(E9).
Segundo Liss (1994) pode-se afirmar que a satisfação das necessidades
fundamentais resulta em alto grau de qualidade de vida. Ele considera a necessidade humana
como um meio para atingir a QV.
Para Ferreira (1988), a“cidadania é a qualidade ou estado do cidadão”. E quem
é o cidadão? É “o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no
desempenho de seus deveres para com este”.
Por outro lado, Chauí (1984) destaca que a sociedade conheceu a cidadania
através do que ela chama de “senhor-cidadão”. É uma sociedade na qual as leis sempre foram
armas para preservar privilégios e o melhor instrumento para a repressão e a opressão, jamais
definindo direitos e deveres.
Voltando aos aspectos de qualidade e estado, tal como sugeriu Ferreira (1988).
Por essa vertente, pode-se explorar uma idéia: o de que a pessoa com deficiência teria
intrinsecamente a qualidade de cidadão, mas inversamente, pouco usufruiria o estado de
cidadão.
Analisando as falas das entrevistadas sobre as principais necessidades
referentes à pessoa com hemiparesia, foi constatado que as mais prementes são àquelas que se
107
restringem ao âmbito governamental. Seriam elas: o maior acesso do deficiente ao mercado
de trabalho, o acesso aos ambientes sociais e de trabalho (adaptação arquitetônica e transporte
adaptado), maior acesso aos serviços de saúde. Enfim, elas acreditam, ainda, que é necessária
a implantação de políticas que possam proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida. Os
depoimentos que se seguem ilustram algumas destas necessidades:
“Eu não vejo assim, por parte do sistema, nenhum tipo de ajuda mais
abrangente para a pessoa com deficiência. Eles não facilitam nada”
(E7).
“As pessoas acham que a gente já não vale, não serve mais para
nada, né? Eu ainda tenho, ainda tenho muitas coisas para viver..
muitas coisas para oferecer, né? Muita coisa para ser explorada”
(E4).
Em pesquisas realizadas por Viemero e Krause (1998) com pessoas portadoras
de deficiência física da Finlândia e Suécia, ficou evidente que o bom ajustamento e integração
dos indivíduos, devia-se ao fato de apresentarem satisfação em diferentes aspectos da vida,
trabalho, saúde física e psicológica, satisfação no lazer e relacionamento social, relacionados
a uma ocupação profissional ou estudos, associando, assim, um sentimento positivo da visão
que as pessoas tem em relação ao portador de deficiência.
Portanto um importante princípio social observada pelas mulheres
entrevistadas é que todos os aspectos de vida devem ser acessíveis. A participação social,
política, religiosa ou cultural são extremamente importantes para a qualidade de vida. São
direitos do cidadão: a vida, a saúde, a educação, moradia, transporte, segurança, saneamento
ambiental, trabalho, lazer, salário, liberdade, igualdade e justiça. O respeito a esses direitos é
dever daqueles que governam em diferentes instâncias de poder.
108
“Qualidade de vida é a vida que a gente leva. É saber viver.
Qualidade de vida pode ter... pode ter uma qualidade de vida boa...
pode... é não ter... a gente procura viver da maneira que a gente
propõe viver... Então, a qualidade de vida para mim é saber encarar
as situações da vida com naturalidade. (E2)
109
7 CONCLUSÃO
A realização deste trabalho possibilitou evidenciar aspectos culturais e
subjetivos relacionados à mulher com hemiparesia pós- AVE e à sua qualidade de vida,
reconhecendo que se trata de um fenômeno marcado pela dimensão biopsicossocial
constituído por determinações históricas e sociais.
Partiu-se do princípio de que estas mulheres detinham um saber próprio,
revelado através de especificidades de atitudes, decorrentes da condição humana de cada uma
delas. Estudar, pois, a qualidade de vida das mulheres hemiparéticas constituiu um desafio
pelo fato de ser um tema sobre o qual não existe um consenso.
O mais difícil foi optar por uma maneira de analisar e apresentar as
informações, sem uma fragmentação do conteúdo. A estratégia adotada foi deixar falar o
narrador para favorecer o intercâmbio de experiências. Assim, ao transformar os relatos orais,
colhidos durante as entrevistas em linguagem escrita, foi possível traduzir aspectos culturais e
subjetivos relacionados às mulheres hemiparéticas, para conceituar qualidade de vida,
considerando a heterogeneidade do grupo.
Percebeu-se que, ao dar voz às mulheres, suas experiências revelaram o
primeiro núcleo estruturador deste trabalho marcado pela percepção de mudanças na sua
qualidade de vida após o AVE. Constatou-se que elas elaboram conceitos diferenciados,
conforme suas experiências e seus campos de possibilidades, que, por sua vez, sofrem
interferências e promovem novas mudanças culturais. As referências da literatura estão em
consonância com as idéias centrais dos discursos das mulheres e deram origem a sete
dimensões: familiar, social, econômica, biológica, funcional, psicológica e espiritual.
Os resultados encontrados mostram que, quando a mulher adquire a
hemiparesia, passa por um árduo processo de adaptação às incapacidades impostas pelo AVE,
as quais implicam conseqüências no âmbito socioeconômico, cultural, afetivo, sexual,
familiar, funcional e espiritual.
O segundo tema apreendido referiu-se a re-signifcação da qualidade de vida
após o AVE. Para o grupo de mulheres entrevistadas, a representação sobre qualidade de vida
está relacionada às dimensões da QV e configura-se nas seguintes idéias centrais: saúde;
recurso financeiro suficiente; família; trabalho; auto-controle/aceitação; convívio
110
social/amizade/lazer; autonomia e independência física; felicidade/ satisfação; vida
espiritual/paz e, finalmente, atendimento de necessidades básicas e igualdade de
oportunidades.
Observaram-se mudanças de atitudes nas mulheres perante a vida e as pessoas,
advindas do redimensionamento de valores, além da crença de que o AVE possibilitou um
novo olhar sobre sua qualidade de vida.
Percebeu-se que, ao longo do processo de adaptação à deficiência, as mulheres
deixaram transparecer que as fases desse processo envolvem sofrimento e dor, mas que
resulta em “reelaboração da realidade”, assegurando a positividade do processo de re-
significação.
A partir desse momento, as mulheres permitiram abrir possibilidades sobre a
qualidade de vida após o AVE, ou seja, houve uma abertura na forma de ver a e atuar no
mundo, um constante movimento de reconstrução do cotidiano e retomada da vida.
Portanto, compreender a representação da qualidade de vida após o AVE
tornou-se imprescindível, para que as mulheres conseguissem encontrar um novo significado
para a sua qualidade de vida, à medida que se tornaram sujeitos ativos dentro da sociedade em
que vivem, dentro de um contexto de dimensões variadas em que se incluem percepções,
experiências e condições das mulheres, como também oportunidades sociais, legislação
inclusiva, acesso físico ao ambiente, recursos econômicos, transporte, educação e bem-estar
físico e mental.
Diante de todo este contexto, esta visão de qualidade de vida apontada pelas
mulheres exige que a atenção à saúde seja tomada sob uma perspectiva mais holística,
contemplando as várias esferas da vida. Na presente pesquisa, esses aspectos foram
vivenciados, problematizados e explanados pelas próprias mulheres entrevistadas.
Sendo assim, a realização deste estudo foi de grande valia, uma vez que
forneceu uma base teórica para a compreensão dos aspectos relacionados à qualidade de vida
após o Acidente Vascular Encefálico. Diante da importância da qualidade de vida para o ser
humano, é preciso que os profissionais da área de saúde redobrem os esforços no sentido de
atribuir posição de destaque a Qualidade de Vida, contemplando as especificidades da
população com hemiparesia e possibilitando o desenvolvimento de ações específicas para
cada grupo, de acordo com as suas particularidades.
Portanto, faz-se necessário a inclusão de propostas de disciplinas curriculares
nos cursos da área de saúde com o objetivo de promover conhecimentos que se apliquem à
promoção da qualidade de vida.
111
Cabe ressaltar que este estudo inspirou a elaboração de um “Programa de
Qualidade de Vida”, com ênfase nos temas sugeridos pelo grupo de mulheres entrevistadas,
visando contribuir para a multiplicidade de estratégias a serem utilizadas pelos profissionais
da área de saúde na busca da promoção da qualidade de vida.
A presente pesquisa estudou as representações de qualidade de vida após o
AVE, a partir dos discursos de mulheres atendidas na Clínica-escola Santa Edwiges/APAE,
um grupo específico, fazendo-se necessário o aprofundamento dessas questões.
Finalmente, concluiu-se que a qualidade de vida não pode ser vista como um
assunto pessoal em que a responsabilidade é única e exclusiva da pessoa com deficiência.
Dessa forma, é necessário ter-se em mente que uma política para o aumento da qualidade de
vida das mulheres deve ser parte de uma política nacional, objetivando aumentar o bem-estar
da população, integrada em todos os segmentos.
112
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.
122
APÊNDICES
123
APÊNDICE A -Termo de Autorização para a realização da pesquisa
AUTORIZAÇÃO
A Clínica-escola Santa Edwiges – APAE/CEST autoriza a realização da
pesquisa intitulada: Representação sobre qualidade de vida: vivências de mulheres com
hemiparesia, de autoria da Terapeuta Ocupacional Mestranda Adriana Oliveira Dias de Sousa
Morais, nesta instituição.
Considerando que a pesquisa é uma das atividades previstas no Estatuto do
CEST, devendo ser implementada e estimulada nesta instituição e que o referido projeto já foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da UFMA- CEP,
reiteramos nosso interesse em sua implementação.
Na oportunidade, solicitamos à pesquisadora que mantenha a Clínica-escola
Santa Edwiges informada sobre o andamento da pesquisa e que, ao final, nos seja enviada
cópia do estudo realizado.
Atenciosamente, 01 de março de 2005
_______________________________________
Profª Ana Maria Vasconcelos
Coordenadora da Clínica-escola Santa Edwiges
124
APÊNDICE B - Questionário sobre características bio-sociais, familiares, econômicas e de
saúde das mulheres com hemiparesia
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
MESTRADO EM SAÚDE MATERNO-INFANTIL
QUESTIONÁRIO
Hora de início da entrevista: ________________________________
Nome do entrevistador: ____________________________________
Data: ___________
CARACTERÍSTICAS BIO-SOCIAIS, FAMILIARES, ECONÔMICAS E
DE SAÚDE
INSTRUÇÃO: Leia cada uma das perguntas à entrevistada e circule o número de opção
identificada por ela ou complete a questão.
I - IDENTIFICAÇÃO E INFORMAÇÕES GERAIS
1. Nome/ Iniciais:__________________________________________________
2. Tempo de Ocorrência do AVE:_________________________________
3. End: __________________________________________________________
4. Há quanto tempo você mora neste endereço?
a) -------- (meses)
b) -------- (anos)
c) Não sabe/ não respondeu
5. Qual é a data do seu nascimento?
a) ---------/----------/-------
b) Não sabe/ Não respondeu
125
6. Qual é a sua religião?
a) Católica
b) Outra: ----------------------------------- (especifique)
7. Você sabe ler e escrever?
a) Sim.
b) Não ( Passe para a questão 9)
8. Qual é a sua escolaridade
a) Nenhuma
b) Ensino Fundamental Completo
c) Ensino Fundamental Incompleto
d) Ensino Médio Completo (científico, técnico ou equivalente)
e) Ensino Médio Incompleto (científico, técnico ou equivalente)
f) Curso Superior Completo
g) Curso Superior Incompleto
h) N. S./ N. R.
9. Atualmente qual é o seu estado conjugal?
a) Nunca se casou
b) Casada/morando junto
c) Viúva
d) Divorciada/separada
e) N. S./ N. R.
10. Por causa do derrame você fez algum tipo de tratamento de saúde depois que
saiu do hospital?
a) Não.
b) Sim. Qual?-----------------------------------------------------------------------
11. Qual é transporte utilizado por você, para vir para este serviço de saúde
prestado na Clínica-escola Santa Edwiges?
----------------------------------------------------------------------------------------------
126
12. Como você se sente em relação à sua vida em geral?
a) Satisfeita (Passe para a questão 14 )
b) Insatisfeita
c) N. S./ N. R.
13. Qual é o principal motivo da sua insatisfação?
a) Problema econômico
b) Problema de saúde
c) Problema de Moradia
d) Problema de transporte
e) Conflito nos relacionamentos pessoais
f) Problemas familiares
g) Falta de atividade
h) Outro problemas (especifique) :----------------------------
i) N. S./ N.R.
II - DIMENSÃO BIOLÓGICA
14. Antes de ser hospitalizada por causa do Derrame, você sabia que tinha problema
de saúde?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 16)
15. Qual era o problema de saúde?
16. Depois do Derrame, você apresenta alguma dificuldade para movimentar o
corpo ou parte dele?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 18)
17. Esta dificuldade de movimentar o corpo impede você de fazer o que você quer ou
precisa?
a) Sim. Como? ----------------------------------------------------------------------
b) Não
127
18. Depois do Derrame, você pode andar dentro de casa?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 20)
19. Para andar você precisa de algum tipo de ajuda?
a) Sim. Qual?------------------------------------------------------------------------
b) Não
20. Você tem hoje alguma dificuldade para falar?
a) Sim. Qual?------------------------------------------------------------------------
b) Não (Passe para a questão 22)
21. Esta dificuldade para falar, atrapalha você em suas atividades?
a) Sim, Como?----------------------------------------------------------------------
b) Não
22. Você tem hoje alguma dificuldade para ouvir?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 24)
23. Esta dificuldade para ouvir, atrapalha você em suas atividades?
a) Sim, Como? ----------------------------------------------------------------------
b) Não
24. Você tem hoje alguma dificuldade para enxergar?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 26)
25. Esta dificuldade para enxergar, atrapalha você em suas atividades?
a) Sim, Como? ----------------------------------------------------------------------
b) Não
128
26. Você tem hoje dificuldade de lembrar de coisas que lhe aconteceram
recentemente, há uma semana?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 28)
27. Não lembrar de coisas recentes, atrapalha você em suas atividades?
a) Sim, Como? ----------------------------------------------------------------------
b) Não
28. Você tem hoje dificuldade de lembrar de coisas que lhe aconteceram há mais de
5 anos?
a) Sim
b) Não (Passe para a questão 30)
29. Não lembrar de coisas passadas, atrapalha você em suas atividades?
a) Sim, Como? ----------------------------------------------------------------------
b) Não
30. Você pode me informar se estamos no horário da manhã, tarde ou noite?
a) Informa corretamente
b) Informa de modo incorreto
c) Não sabe
d) Não se aplica
31. Você pode me estender ou mostrar a sua mão direita?
a) Sim. Corretamente
b) Informa de modo incorreto
c) Não sabe
d) Não se aplica
32. Como você percebe a sua saúde física em geral ?
129
III – DIMENSÃO FUNCIONAL
33. Depois do Derrame, em relação à sua alimentação você?
ATIVIDADE
SIM NÃO COM AJUDA
NÃO SE
APLICA/
ESPECIFIQUE
a) Come /Alimenta-se
sozinha
b) Serve-se a mesa
c) Usa talher para cortar
alimentos
d) usa talher para comer
e) Mastiga e engole (sem
engasgar)
f) Usa copo ou xícara
g) Precisa de adaptação
ENTREVISTADOR: Só faça a pergunta seguinte se a entrevistada tiver relatado a
existência de problemas ou necessidades de ajuda.
34. Ter dificuldade/precisar de ajuda para alimentar-se, atrapalha você em sua vida?
a) Não
b) Sim. Como?-------------------------------------------------------------------
35. Depois do Derrame, em relação ao seu vestuário você?
ATIVIDADE
SIM NÃO COM AJUDA
NÃO SE
APLICA/
ESPECIFIQUE
a) Veste as roupas
b) Tira as roupas
c) Lida com botão, laço,
zíper
d) Calça meias, sapatos,
sandálias
e) Distingue as peças,
avesso/direito
f) Precisa de adaptações
ENTREVISTADOR: Só faça a pergunta seguinte se a entrevistada tiver relatado a
existência de problemas ou necessidades de ajuda.
36. Ter dificuldade/precisar de ajuda para vestir-se,atrapalha você em sua vida?
a) Não
b) Sim. Como?-------------------------------------------------------------------
130
37. Depois do Derrame, em relação à sua higiene você?
ATIVIDADE
SIM NÃO COM AJUDA
NÃO SE
APLICA/
ESPECIFIQUE
a) Toma banho
b) Escova os dentes
c) Usa sanitário, faz o
asseio íntimo
d) Penteia cabelos
e) Corta unhas
f) Precisa de adaptações
ENTREVISTADOR: Só faça a pergunta seguinte se a entrevistada tiver relatado a
existência de problemas ou necessidades de ajuda.
38. Ter dificuldade/precisar de ajuda para cuidar de sua higiene, atrapalha você em
sua vida?
a) Não
b) Sim. Como?-------------------------------------------------------------------
39. O que destas coisas você fazia antes do derrame e faz agora?
ATIVIDADE
ANTES ATUAL
NÃO SE APLICA/
ESPECIFIQUE
MUDANÇA
a) Levantar e sentar
(cadeira, sofá)
b) Deitar e levantar da
cama
c) Ligar e desligar
eletrodomésticos
d) Lidar com dinheiro
(conferir, reconhecer)
e) Dar recados /
informações
f) Realizar pequenas
compras (padaria, feira)
40. No seu tempo livre, você faz (participa de) alguma dessas atividades?
ATIVIDADE
ANTES ATUAL
ESPECIFIQUE
MUDANÇA
a) Assistir televisão/ouvir
rádio
b) Ler (jornal, revista, livro)
c) Conversar com
vizinhos/parentes
131
d) Ir a Igreja/dança/praia
e)Praticar esportes/atividade
física
f) Cozer,bordar, tricotar
g) Outros (especifique)
IV - DIMENSÃO SÓCIO-ECONÔMICA
41. Qual é a sua profissão?
------------------------------------------------------------------------------------------------------------
42. Qual a sua situação profissional antes e depois do derrame?
SITUAÇÃO
PROFISSIONAL
ANTES ATUAL ESPECIFIQUE
Trabalhando
Desempregado
Aposentado
Em licença- Benefício
previdenciário
Aposentadoria por
deficiência
Outro afastamento
Outra situação
43. Por favor, eu gostaria de saber qual seu rendimento mensal. Não preciso saber o
valor exato, basta me dizer o valor aproximado do mesmo que você recebe
regularmente.
a) Rendimento mensal líquido: R$______________
b) N. S./N. R.
44. Por favor, agora eu gostaria de saber o total mensal dos rendimentos das pessoas
que vivem nesta residência. Não preciso saber o valor exato, basta dizer-me o
valor aproximado do rendimento mensal regularmente recebido pelas pessoas.
a) Rendimento mensal líquido: R$______________
b) N. S./N. R.
45. Depois do Derrame houve mudança em seu relacionamento com as pessoas que
moram com você?
a) Não
b) Sim. Qual?-----------------------------------------------------------------------
132
46. O tratamento das pessoas (familiares e amigos) com você mudou depois do
Derrame?
a) Melhorou
b) Piorou
c) Continuou o mesmo
d) É variado, às vezes melhor, às vezes pior
e) Outro------------------------------------------------------------------------------
47. Depois do Derrame o seu papel/responsabilidade na família mudou?
a) Não
b) Sim. Qual?-----------------------------------------------------------------------
48. Qual é atualmente, o seu papel, a responsabilidade que você tem em sua família?
_______________________________________________________________
49. Que tipo ou assistência você oferece a sua família e que oferecia antes do
Derrame?
ASSISTÊNCIA
ANTES ATUAL ESPECIFIQUE
Moradia
Dinheiro
Alimentação
Cuidar de casa, da roupa...
Cuidar de pessoas
Tratamento de saúde
Educação/escola
Companhia/convivência
Outra
50. Que tipo ou assistência sua família lhe oferece e lhe oferecia antes do Derrame?
ASSISTÊNCIA
ANTES ATUAL ESPECIFIQUE
Moradia
Dinheiro
Alimentação
Cuidar de casa, da roupa...
Cuidar de pessoas
Tratamento de saúde
Educação/escola
Companhia/convivência
Outra
133
V - DIMENSÃO PSICOLÓGICA/ESPIRITTUAL
51. A doença tem causado mudanças na sua aparência física (imagem corporal)?
a)Não
b) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
52. Logo depois do derrame, você sentia sensação de tristeza, depressão ou vontade
de chorar?
a) Não
b) Sim
53. E hoje, você sente sensação de tristeza, depressão ou vontade de chorar?
a) Não
b) Sim
54. Sentir-se triste, deprimido, atrapalha você em suas atividades?
a) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
b) Não
55. Você sente a mesma disposição, energia e motivação de antes do derrame?
a) Sim.
b) Não
56. Você acha que tem controle das coisas na sua vida, depois do derrame?
a) Sim.
b) Não
57. Após o derrame, houve mudanças na sua vida afetiva e sexual?
a) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
b) Não
58. Você se sente atraente ou desejada após o derrame?
a) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
b) Não
59. Suas crenças pessoais dão sentido à sua vida?
a) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
b) Não
60. Suas crenças pessoais lhe dão força para enfrentar dificuldades?
a) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
b) Não
61. Suas crenças pessoais lhe ajudam a entender as dificuldades da vida?
a) Sim. Como?------------------------------------------------------------------------
b) Não
134
APÊNDICE C– Roteiro de entrevista semi-estruturada
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
Baseado no Modelo Conceitual de Qualidade de Vida de
Ferrans e Powers (1992)
1) Comente sobre a história da sua doença.
2) Quais mudanças ocorreram em sua qualidade de vida após a doença?
¾ Dimensão Familiar
¾ Dimensão Social
¾ Dimensão Econômica
¾ Dimensão Afetiva/amorosa
¾ Dimensão Biológica/ Funcional
¾ Dimensão Psicológica/ Espiritual
3) Qualidade de vida
3.1 O que você entende por qualidade de vida?
3.2 O que você considera importante na sua vida, após o AVE?
3.3 Pense um pouco na atual fase de sua vida. Você está satisfeita com a sua vida
hoje? Por quê?
4) Tema
4.1 Se você estivesse trabalhando juntamente com outras pessoas com a mesma
doença, que tema você gostaria de conversar?
4.2 Você gostaria de dizer mais alguma coisa?
135
APÊNDICE D – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Este documento procura dar a você e a seu (s) responsável (eis) informações e pedir sua
participação na pesquisa de Mestrado em Saúde Materno-infantil - UFMA, que busca
compreender as repercussões do “derrame” na qualidade de vida das mulheres. Este estudo
torna-se importante para conhecer as vivências das mulheres depois da doença, com o
objetivo de obter as representações sobre qualidade de vida após o “derrame”.
Para participar no estudo é preciso passar por uma entrevista que pode ser realizada em
um único dia. Esta entrevista tende a ser um processo tranqüilo, sem risco à saúde física e/ou
emocional. Havendo alguma reação importante ao seu conteúdo, fica assegurado o
atendimento a (s) sua (s) necessidade (s) do momento. Com o fim de obter um registro
satisfatório das informações será utilizado um gravador.
Fica assegurado o seu direito, como o do (s) seu (s) responsável (eis) de pedir outros
esclarecimentos sobre esta pesquisa, agora ou mais tarde, podendo se recusar a participar ou
interromper sua participação na pesquisa a qualquer momento, sem que isso traga qualquer
prejuízo ao seu atendimento na Clínica-escola Santa Edwiges.
As informações sobre a sua pessoa neste estudo serão tratadas com sigilo. Os nomes das
participantes não serão divulgadas em nenhuma hipótese e os resultados das pesquisas só
serão apresentados em conjunto, que não permitem a identificação dos indivíduos.
Declaro estar ciente das informações deste Termo de Consentimento, entendendo que
poderei pedir esclarecimentos a qualquer tempo, dando o meu consentimento para
participação na pesquisa. Estou ciente de que uma outra cópia deste termo permanecerá
arquivada na Secretaria do Mestrado em Saúde Materno-infantil - UFMA.
Sujeito da pesquisa: _____________________________________________________
Responsável: ___________________________________________________________
São Luís, ____ de ________________de 2005.
_________________________ __________________________
Assinatura do sujeito da pesquisa Assinatura do responsável
_________________________________
Assinatura da Pesquisadora
Endereços e telefones para contato:
Pesquisadora responsável: Adriana Oliveira Dias de Sousa Morais
End: Rua Cecília Meireles, Q D, C 24, Ipase Alto. Tel.: 3236-9266, 9114-4644
Orientadora: Profª Drª Ednalva Maciel Neves
End: Rua 22, Q 15, C 25, Jardim Primavera, Olho D’água. Tel: 3248-0003, 9121-7161
Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)
Coordenador: Dr. Raimundo Antônio da Silva
End: Rua Barão de Itapari, 227, 4º Andar, Centro
Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão- HUUFMA-Tel 3219-1223
136
APÊNDICE E – Características sociodemográficas das mulheres com hemiparesia.
Tabela 1- CARACTERÍSTICAS SOCIODEMOGRÁFICAS DAS MULHERES
COM HEMIPARESIA (n = 13).
CARACTERÍSTICAS DISTRIBUIÇÃO
n
Faixa Etária:
30 a 39 anos 1
40 a 49 anos 7
50 a 59 anos 5
Religião:
Católica 10
Evangélica 2
Espírita 1
Situação Conjugal:
Solteira 3
Casada/ União Consensual 7
Viúva 1
Separada/ Divorciada 2
Doenças anteriores ao AVE:
Hipertensão Arterial 7
Outras Doenças 4
N. A. 2
Tempo de ocorrência do AVE:
1- 1,5 anos 7
1,5- 3 anos 2
3- 6 anos 2
6 anos ou mais 2
Nível de escolaridade:
Ensino Fundamental Incompleto 6
Ensino Fundamental Completo 2
Ensino Médio Incompleto 1
Ensino Médio Completo 2
Ensino Superior Completo 1
Ensino Superior Incompleto 1
Ocupação/ Trabalho:
Do Lar 3
Secretária 2
Serviços Gerais 2
Tesoureira 1
Operadora de Máquinas 1
Freira 1
Lavradora 1
Professora 1
Engenheira Elétrica 1
Renda Familiar:
1 a 3 sm 7
3,5 a 6 sm 3
6,5 ou mais 3
137
APÊNDICE F – Características bio-sociais e econômicas.
Tabela 2- CARACTERÍSTICAS BIO-SOCIAIS E ECONÔMICAS (n = 13).
CARACTERÍSTICAS DISTRIBUIÇÃO
n
Área Motora/ Hemicorpo:
Hemicorpo Direito 8
Hemicorpo Esquerdo 5
Auxílio na marcha/ mobilidade:
Auxílio Humano 4
Bengala 3
Cadeira de rodas 1
Independente na locomoção 5
Dificuldade na comunicação:
Sim 7
Não 6
Tipo de dificuldade de comunicação:
Pronúncia confusa/ trocar palavras 3
Voz embolada/ difícil compreensão para o ouvinte 2
Falar lento/ sem volume de voz/ cansaço 2
Dificuldade na orientação espaço-temporal:
Sim 1
Não 12
Dificuldade na memória recente:
Sim 8
Não 5
Dificuldade na memória retrógrada:
Sim 2
Não 11
Dificuldade na visão
Sim 10
Não 3
Dificuldade na audição
Sim 2
Não 11
Relacionamento familiar após o AVE
Melhorou 1
Piorou 3
Continua o mesmo 6
É variado 3
Mudança na responsabilidade e papéis na família
Sim 7
Não 6
Situação Profissional após o AVE
Trabalhando 1
Desempregada 2
Aposentada 5
Em licença/ benefício previdenciário 5
138
APÊNDICE G – Situação de desempenho das atividades de lazer e ocupação de tempo livre
em comparação a condição anterior
Tabela 3- SITUAÇÃO DE DESEMPENHO DAS ATIVIDADES DE LAZER E
OCUPAÇÃO DE TEMPO LIVRE EM COMPARAÇÃO A CONDIÇÃO ANTERIOR
Desempenho das Sim Não Não após o
atividades de lazer Sem mudança Sem mudança AVE
Assistir TV/ouvir rádio 13 0 0
Leitura 7 1 5
Conversar com vizinhos 10 2 1
Igreja/Praia 8 0 5
Praticar esportes 3 7 3
Cozer/bordar/tricotar 6 2 5
139
APÊNDICE H – Características de saúde e funcional (AVD´s e AIVD´s).
Tabela 4- CARACTERÍSTICAS DE SAÚDE E FUNCIONAL (n = 13).
ATIVIDADES DISTRIBUIÇÃO
n
Alimentação:
Comer só 10
Servir-se 8
Cortar alimentos 1
Usar talher 4
Usar copo 12
Vestuário:
Vestir-se 9
Despir-se 9
Avesso/ Direito 12
Acessórios 4
Calçar-se 10
Adaptações 2
Higiene Pessoal:
Banho 9
Escovar os dentes 13
Usar sanitário 12
Pentear-se 9
Cortar unhas 1
Atividades Instrumentais da Vida Diária:
Levantar/ sentar 11
Deitar/ levantar 11
Manusear eletrodoméstico 11
Lidar com dinheiro 9
Recados/ informações 8
Realizar pequenas compras 5
140
ANEXO
141
ANEXO A – Parecer do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da
Universidade Federal do Maranhão- HUUFMA
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