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RODRIGO BIANCHINI CRACCO
A LONGA DURAÇÃO E AS ESTRUTURAS TEMPORAIS EM
FERNAND BRAUDEL:
de sua tese O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época
de Felipe II até o artigo História e Ciências Sociais:
A longa duração (1949-1958)
Dissertação apresentada à Faculdade de
Ciências e Letras de Assis – UNESP –
Universidade Estadual Paulista para a
obtenção do título de Mestre em História.
(Área de Conhecimento: História e
Sociedade)
Orientador: Hélio Rebello Cardoso Júnior
ASSIS
2009
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2
Cracco, Rodrigo Bianchini
C921l A longa duração e as estruturas temporais em Fernand Braudel:
de sua tese O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de
Felipe II até o artigo História e Ciências Sociais: a longa duração
(1949-1958). / Rodrigo Bianchini Cracco. – Assis : 2009.
115 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual Paulista “Júlio
de Mesquita Filho”, Assis, 2009
Orientador: Hélio Rebello Cardoso Junior
1. Annales 2. Fernand Braudel
3. Historiografia 4. Tempo I. Autor II. Título.
CDD 944.0072
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Aos meus pais
Luis e Cecília
e à minha esposa
Ligia
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste
trabalho. Desde já, peço desculpas aos que não forem mencionados.
Agradeço a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) pelo
auxílio financeiro.
Para me conduzir nesta jornada, contei com a orientação, a amizade e a atenção do
professor Hélio Rebello Cardoso Júnior. Fico honrado em ser seu orientando. Muito obrigado!
Ao professor Milton Carlos Costa e ao professor Ricardo Gião Bortolotti, agradeço
pelas contribuições feitas na ocasião da qualificação que ajudaram muito no enriquecimento
deste trabalho. À professora Tânia Regina de Luca, agradeço pelo curto, mas decisivo,
período de orientação.
Agradeço aos amigos que estiveram bastante próximos de mim durante a execução
deste trabalho: Lucas, Adilson, Daniel, Rodrigo e Guilherme, que suportaram as minhas
cansativas conversas de pesquisador neófito. Agradeço aos velhos amigos que não nomearei,
posto que, felizmente, são muitos. E às novas e sinceras amizades que fiz nas turmas de
graduação e pós-graduação.
Agradeço imensamente o apoio e dedicação de meus pais que amo muito, Luis e
Cecília; à Ana e ao Daniel, minha família que sempre esteve ao meu lado. Tenho muito
orgulho de vocês, e toda a gratidão do mundo. Também agradeço à minha nova família, Maria
Helena, Teofredo e Bruno, por me receberem em seu seio como um filho.
Ligia, minha esposa, amante e principal incentivadora. Sem você, seu apoio e suas
broncas Rodrigo, vai estudar” este trabalho não teria existido. Muito obrigado por seu
amor e por acreditar em mim!
Obrigado Deus.
5
RESUMO
Fernand Braudel defende a pesquisa histórica que prioriza a longa duração. Os próprios
fundadores da revista dos Annales pensavam a história a partir de longos períodos,
contrapondo-se à história política dos séculos XVIII e XIX, ainda que Fernand Braudel afirme
que a história política não é exclusivamente factual, nem condenada a sê-lo. Para entendermos
como Fernand Braudel chega a esta posição é necessário refletir sobre as influências que o
levaram a tal, dentre as quais e, principalmente, a tradição dos Annales. Portanto, buscaremos
analisar as considerações sobre o tempo histórico em Lucien Febvre e Marc Bloch e como
estas considerações incidem na nova grade do tempo proposta por Fernand Braudel.
Analisaremos o tempo histórico em suas dimensões de “temporalidade” e “duração”, a
“dialética da duração” e a forma como Fernand Braudel trabalha com o conceito de
“estrutura”. O estudo das perspectivas metodológicas do grupo dos Annales, onde se situa
nosso projeto, figura como pré-requisito para a compreensão dos métodos da historiografia
contemporânea, em especial os ligados à Nova História. Devido à sistematização da nova
proposta temporal para as pesquisas históricas realizada por Fernand Braudel e,
principalmente, ao seu mérito de articular o meio, cultura e sociedade em trabalhos balizados
pela “dialética das durações”, somos levados a tomar a sua obra como base para o atual
trabalho.
Palavras-chave: Annales, Fernand Braudel, Historiografia, Tempo.
6
ABSTRACT
Fernand Braudel argues about the historical research which gives priority to long term. Even
the founders of the Journal of Annales already thought history from long periods of time,
contrasting to the political history of the eighteenth and nineteenth centuries, while Fernand
Braudel has said that the political history is not only factual, or ordered to do so. To
understand how Fernand Braudel reaches this position, we must reflect on the influences that
led him to this, among them, and mainly from the tradition of the Annales. Therefore, we’ll
examine the comments about the historical time in Marc Bloch and Lucien Febvre and how
these considerations relate to the new grade of time proposed by Fernand Braudel. We’ll
review the historical time in its dimensions of "temporality" and "duration", the "dialectic of
duration" and how Fernand Braudel works with the concept of "structure". The study of the
methodological perspectives from Annales group, which is our project, is a prerequisite to
understanding the methods of contemporary historiography, in particular those linked to the
New History. Due to the systematization of the new proposal about time for historical
research conducted by the Fernand Braudel and, especially, the merit of articulating the
environment, culture and society on works marked by the "dialectics of the time," we have to
take his work as a basis for the current research.
Key words: Annales, Fernand Braudel, Historiography, Time.
7
SUMÁRIO
Introdução...................................................................................................................................8
Capítulo 1: A renovação da temporalidade histórica nos primeiros Annales...........................17
1.1. Orientações gerais sobre a modificação da temporalidade histórica nos primeiros
Annales......................................................................................................................................18
1.2. As influências das Ciências Sociais, Geografia e da Revue de Synthèse Histórique na
nova temporalidade dos Annales..............................................................................................23
1.3. O alvo das críticas: o modelo temporal dos historiadores “positivistas”...........................31
1.4. Lucien Febvre: renovação metodológica da pesquisa histórica e sua implicação na nova
temporalidade............................................................................................................................34
1.5. Marc Bloch: primeiras considerações conceituais sobre o novo tempo histórico nos
Annales......................................................................................................................................43
Capítulo 2: O tempo em O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II.....50
2.1. A temporalidade histórica dos fundadores e a inovação braudeliana................................51
2.2. A tripartição temporal de O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe
II................................................................................................................................................57
2.3. Algumas leituras de O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II.....63
Capítulo 3: A “dialética da duração” de Fernand Braudel........................................................72
3.1. “História e Ciências Sociais: a longa Duração”.................................................................73
3.2. Uma proposta de leitura das estruturas braudelianas a partir de Gilles Deleuze...............86
3.3. As estruturas de Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss..................................................94
3.4. Algumas considerações sobre o tempo na metodologia de Fernand Braudel e Claude
Lévi-Strauss............................................................................................................................102
Considerações Finais...............................................................................................................106
Referências..............................................................................................................................111
8
Introdução
9
Rever os hábitos cronológicos dos historiadores, na tentativa de mostrar como o tempo
avança em diferentes ritmos, caracterizou a obra de Fernand Braudel, que além de crer em
uma História Nova, costumava afirmar a existência de apenas uma história válida, a “correta”.
O presente trabalho propõe uma análise da concepção braudeliana de tempo histórico em
função de certas influências, em especial de Lucien Febvre e Marc Bloch, em pontos precisos
que haveremos de determinar na seqüência. Concentraremos nosso trabalho no período
compreendido entre a publicação da tese de Fernand Braudel, La Méditerranée et le monde
méditerranéen à l’époque de Philippe II, e a publicação do artigo Histoire et sciences
sociales. La longue durée (1949-1958).
Em 1958, Braudel publicou na revista Annales E. S. C. sob a rubrica Debats et
Combats, justamente um chamado à discussão seu artigo Histoire et sciences sociales. La
longue durée. Sua intenção de levantar o tema da concepção de tempo histórico dos
historiadores, assim como a de subverter a periodização da dita “história tradicional”, foi
atingida, ou antes, foi sistematizada nesse artigo, posto que nove anos antes, Braudel publicou
La Méditerranée et le monde diterranéen à l’époque de Philippe II, no qual, utiliza na
prática, as propostas de renovação dos recortes temporais abordadas no artigo.
Braudel defende a pesquisa histórica que prioriza a longa duração. Os próprios
fundadores da revista dos Annales pensavam a história a partir de longos períodos,
contrapondo-se à história política dos séculos XVIII e XIX, ainda que Braudel afirme que a
história política não é exclusivamente factual, nem condenada a sê-lo. Vários fatores os
levaram a defender esta posição
1
. Rompe-se com a idéia de tempo revolucionário da
modernidade, na busca de uma explicação estrutural da história mais consistente, menos
impressionista. Representa a necessidade de uma desaceleração da história, trazendo para o
mundo dos historiadores o conceito de “estrutura social”, ainda que modificado, negando a
atemporalidade de alguns modelos de sociólogos e antropólogos. Assim, priorizando a longa
1
Vale ressaltar, entre outros, o deslocamento do olhar do aspecto político para o econômico e social. E não a
crise de 1929, mas toda a década de 20 é marcada por debates e decisões importantes no campo econômico. É
onde a revista Annales d’histoire économique et sociale encontra um meio propício para seu desenvolvimento.
Deve-se ressaltar também a mutação do campo das ciências sociais no fim do século XIX e inicio do XX.
Também como contexto do desenvolvimento da revista, e, conseqüentemente, de suas propostas, temos o trauma
do pós-guerra, cristalizado na negação do evento explosivo: da história batalha, história política e “factual”;
favorecendo assim as perspectivas de longa duração e a vontade pacifista: “[...] todos desejam reaproximar as
humanidades, os povos, e uma nova finalidade aparece, portanto, no discurso do historiador, o qual é então
considerado como instrumento possível da paz, após ter sido arma de guerra.”
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Trad: Dulce Oliveira Amarantes dos
Santos; Revisão Técnica: José Leonardo do Nascimento. Bauru: EDUSC, 2003. p.33-38.
10
duração, sem negar o evento, Braudel passa a pensar a história em termos de “dialética das
durações”.
A dialética das durações, como coloca Braudel, liga, relaciona, articula os diferentes
tempos da história. Apesar de dar maior importância à longa duração, o autor afirma em
vários de seus escritos a necessidade de se pensar a conjuntura e o evento. Superar a história
acontecimental atribuindo uma importância maior à relação entre as diferentes velocidades
com as quais o tempo histórico viaja, exprime sinteticamente a idéia de dialética das durações.
Nas palavras de Braudel:
En fait, les durées que nous distinguons sont solidaires les unes des
autres: ce n’est pas la durée qui est tellement création de notre esprit,
mais les morcellements de cette durée. Or, ces fragments se rejoignent
au terme de notre travail. Longue durée, conjoncture, événement
s’emboîtent sans difficulté, car tous se mesurent à une même échelle.
Aussi bien, participer en esprit à l’un de ces temps, c’est participer à
tous.
2
Em sua aula inaugural no Collège de France, conclui:
Et la difficulté n’est pas de concilier, sur le plan des principes, la
nécessité de l’histoire individuelle et de l’histoire sociale; la difficulté
est d’être capable de sentir l’une et l’autre à la fois, et, se passionnant
pour l’une, de ne pas dédaigner l’autre.
3
Para entendermos como Braudel chega a estas posições, é necessário refletir sobre as
influências que o levaram a tal, dentre as quais e principalmente a tradição dos Annales.
Portanto, buscaremos analisar as considerações sobre o tempo histórico de Febvre e Bloch e
como estas considerações incidem na nova grade do tempo proposta por Braudel. A análise
2
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales. La longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Paris :
Flammarion, 1969. p. 76. (1ª ed. Annales E. S. C., 4, octobre-décembre 1958, Débats et Combats, p. 725-
753.)
“De fato, as durações que distinguimos são solidárias umas com as outras: não é a duração que é tanto assim
criação de nosso espírito, mas as fragmentações dessa duração. Ora, esses fragmentos se reúnem ao termo de
nosso trabalho. Longa duração, conjuntura, evento se encaixam sem dificuldade, pois todos se medem por uma
mesma escala. Do mesmo modo, participar em espírito de um desses tempos, é participar de todos.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Trad: J.
Guinburg e Tereza Cristina Silveira da Mota. São Paulo : Perspectiva, 2005. (Debates ; 131). p. 72.
3
BRAUDEL, Fernand. “Positions de l’histoire en 1950”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p.35. (Leçon
inaugurale au Collège de France faite le 1 décembre 1950.)
“E a dificuldade não é conciliar, no plano dos princípios, a necessidade da história individual e da história social;
a dificuldade é ser capaz de sentir uma e outra ao mesmo tempo, e se apaixonando por uma, não desdenhar a
outra.”
BRAUDEL, Fernand. “Posições da História em 1950”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.35.
11
desta herança de Febvre e Bloch é imprescindível para a compreensão do sucesso das
perspectivas e da ampla difusão da obra de braudeliana, da qual vale ressaltar alguns pontos.
Após a publicação de La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de
Philippe II e principalmente de seu artigo-manifesto, Braudel passa a ser referência para a
historiografia francesa e de parte do mundo. A influência de sua obra foi e ainda é grande,
expandindo-se inclusive (seus principais trabalhos foram traduzidos para dezesseis idiomas).
4
Devido a isso, o é possível objetivar uma análise completa do impacto de seus escritos na
historiografia, ainda que se possam ressaltar alguns pontos. As décadas de 50, 60 e 70,
notadamente, refletem a importância do trabalho tanto de Braudel quanto de Ernest
Labrousse. As abordagens históricas por eles propostas tornam-se o eixo da produção
historiográfica francesa e de parte do mundo, evidentemente porque, sob a direção de
Braudel, a partir de 1957, os Annales estabelecem um relativo domínio institucional sobre os
historiadores do período. Bolsas e financiamentos para pesquisa estavam sob sua autoridade
5
.
Não devemos, porém, atribuir a isso a crescente expansão de suas idéias, o que seria negar o
caráter inovador de suas propostas em virtude da posição por ele ocupada de administrador do
patrimônio físico e institucional dos Annales. Novas abordagens foram criadas a partir da
longa duração e da história quantitativa, combinando estruturas, conjunturas, demografia
histórica, ampliando o campo teórico-metodológico dos historiadores, e desta forma,
diversificando o próprio projeto dos fundadores dos Annales. Mesmo outras ciências tiveram
e têm tido especial consideração sobre a discussão da história de longa duração, posto que é
de óbvia importância para os teóricos (sociólogos e antropólogos) das mudanças sociais.
Os avanços proporcionados pela difusão da proposta metodológica braudeliana são
muitos. A substituição da idéia de um tempo único, linear, pela “dialética da duração” e o
enfoque no tempo longo propiciou, além de uma aproximação da antropologia, a
possibilidade de construir uma cronologia científica, datando os fenômenos históricos
segundo sua duração, longe de encerrar-se nos acontecimentos, individualizando as estruturas
e interessando-se em primeiro lugar por elas. Exemplo disso são as afirmações de autores da
chamada “terceira geração dos Annalescomo Michel Vovelle
6
, que na longa duração o
veículo pelo qual a história cultural teve mais avanços. Jacques Le Goff chega a reconhecer [a
longa duração] como “a mais fecunda das perspectivas definidas pelos pioneiros da história
4
AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. Tempo, duração e civilização: percursos braudelianos. trad. Sandra
Trabucco Valenzuela. São Paulo, Cortez, 2001. (Coleção Questões da Nossa Época; v. 89) p. 15
5
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Op. Cit. p. 182-195.
6
VOVELLE, Michel. “A história e a longa duração”. In: LE GOFF, Jacques; CHARTIER, Roger; REVEL,
Jacques (Dir.). A História nova. Trad. Eduardo Brandão. – 5ª ed. - São Paulo : Martins Fontes, 2005. p. 99.
12
nova”.
7
Devido à sistematização da nova proposta de pesquisa histórica realizada por Braudel
no artigo de 1958 e, principalmente, ao seu mérito de articular o meio, cultura e sociedade em
trabalhos balizados pela “dialética das durações”, somos levados a tomar a sua obra como
base.
O estudo das perspectivas metodológicas do grupo dos Annales, onde se situa nossa
pesquisa, figura como pré-requisito para a compreensão dos métodos da historiografia
contemporânea, em especial os ligados à Nova História.
Na maior parte das vezes em que a questão da divisão cronológica dos historiadores
veio à tona, foi atribuída a filósofos a articulação teórica de tais procedimentos. Estes
“emprestaram” aos historiadores noções de recortes temporais, continuidades e rupturas. Daí a
escassa discussão teórica do tema por parte dos historiadores. Se buscarmos discutir estes
hábitos cronológicos nos referindo exclusivamente ao grupo dos Annales, podemos tomar
como parâmetro as considerações sobre o tema feitas por Lucien Febvre e Marc Bloch,
culminando na obra de Fernand Braudel, em especial, na sistematização por ele proposta da
“dialética das durações”, que evidencia a necessidade de se pensar este tema tão caro aos
historiadores já que, como coloca François Dosse: “a duração condiciona todas as ciências
sociais e confere um papel central à história”.
8
Braudel, em seu artigo Histoire et sciences sociales. La longue durée
9
, apresenta suas
posições em relação às “ciências vizinhas” e à história. Discute o conceito (longa duração) e
defende sua utilidade, tanto para a história quanto para as outras ciências humanas,
apresentando uma possível metodologia comum para o estudo do homem. A multiplicidade
do tempo, em especial o tempo longo, e a interdisciplinaridade são o eixo do texto.
Privilegiando a permanência, a continuidade, Braudel muda a perspectiva temporal da
pesquisa histórica, priorizando os movimentos repetitivos, seriáveis, em detrimento da ruptura
brusca da história individual e dos eventos. O cotidiano toma o lugar dos fatos singulares e o
homem torna-se elemento seriável: diminui, quase rejeitando, a importância das figuras
singulares na operação histórica. Não exclui o homem da condição de sujeito, mas mostra
como as estruturas existentes agem como barreiras – ainda que não totalmente intransponíveis
– à ação individual modificadora (produtora) da história.
Ainda neste artigo, expõe também sua posição em relação ao conceito de estrutura,
negando a atemporalidade e a abstração matemática de alguns modelos das ciências sociais,
7
LE GOFF, Jacques. “A História Nova”. In: LE GOFF, Jacques; CHARTIER, Roger; REVEL, Jacques (Dir.). A
História nova. Op. Cit. p. 62.
8
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Op. Cit. p.166.
9
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales. La longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit.
13
mostrando o papel da estrutura na disciplina histórica, como formulação objetiva, buscando
atingir assim, o observável, repetitivo, seriável. “A estrutura do historiador é um quadro
estável, que confere às atividades um quadro monótono, repetitivo; é uma “longa duração”,
concreta, mas “invisível”, que só a pesquisa e a reconstrução conceitual podem apreender”
10
.
O artigo-manifesto Histoire et sciences sociales. La longue durée causou grande repercussão
no período de sua publicação, ainda que foi em sua obra La Méditerranée et le monde
méditerranéen à l’époque de Philippe II, onde primeiro foram colocados em prática os
métodos de análise posteriormente discutidos no artigo, de forma que é válido explicitar
alguns pontos desta obra, no que se refere às durações.
La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II, obra dividida
em três partes, cada qual com uma maneira específica de abordar o passado, forma uma
“décomposition de l’histoire en plans étagés”.
11
A primeira parte e, certamente a mais
representativa, trata da “geo-história”, da relação entre o homem e o meio, de como as
características geográficas são parte da história; além das descrições dos espaços geográficos
abordados, relacionando-os sempre com a cultura e a sociedade pertencente a estes. Apresenta
tanto montanhas, planícies e ilhas quanto o clima e mesmo as rotas de navegação e de
transporte terrestre. São quase trezentas páginas dedicadas a um tipo específico de história
que se diferencia das costumeiras introduções geográficas “inutilement placées au seuil de
tant de livres”.
12
Em seguida, na segunda parte do livro, o autor se preocupa com a história “lentamente
ritmada” sociedades, tradições religiosas, sistemas econômicos; com as civilizações, como
preferia dizer. É o espaço destinado basicamente ao estudo dos dois grandes impérios rivais
que dominavam o Mediterrâneo. Sua análise perpassa tanto aspectos sócio-econômicos
quanto culturais dos turcos e espanhóis do mediterrâneo, ainda que Braudel seja criticado pela
falta de ênfase na cultura e nas mentalidades. É uma história de permanências e mudanças
somente percebidas por meio do estudo de períodos relativamente extensos, por vezes
séculos.
10
REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.17.
11
BRAUDEL, Fernand. “La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Extrait de la
préface”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p. 13. (O livro acabado em 1946, foi publicado em 1949: La
Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II, Paris, Armand Colin, XV + 1160 p., in-8º;
ed. revista e aumentada, ibid., 1966, 2 v., 589 e 629 pp., in 8°. Cf. p. XIII e XIV da 1ª ed.)
12
BRAUDEL, Fernand. “La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Extrait de la
préface”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p. 11.
“Inutilmente colocadas ao limiar de tantos livros.”
12
BRAUDEL, F. “O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo à Época de Filipe II. Extraido do Prefácio”. In:
Escritos sobre a história. Op. Cit. p. 14.
14
Sem negá-la, porém sempre alertando para seus perigos, na terceira parte do livro,
Braudel trabalha com a história acontecimental (événementille). Não se trata de uma narrativa
de eventos aos moldes tão criticados da história “metódica”, posto que se esforça todo o
tempo em situar os indivíduos e fatos num contexto amplamente valorizado, ainda que o faça
para negar-lhes importância substancial. É uma história de caráter político-militar, uma nova
proposta de como a historiografia pode pensar os atores e acontecimentos num curto período
da história.
É preciso, no entanto, esclarecer que apesar de Fernand Braudel ter sido um inovador
no que diz respeito às dimensões da temporalidade, seus escritos fazem parte da perspectiva
lançada por Lucien Febvre e Marc Bloch, os quais, ainda que de formas diferentes, se
preocupavam em realizar uma mudança significativa dos hábitos cronológicos dos
historiadores. Exemplo disso é a tendência das perspectivas de longa duração nas publicações
da revista por eles dirigida
13
e mesmo a proposta de história-problema, que utilizando
questões do presente para interrogar o passado, inevitavelmente reorganiza o tempo histórico.
Nesta análise, como em qualquer outra que envolva o grupo dos Annales, duas obras são
essenciais: Combats pour l’histoire, e, Apologie pour l’histoire, ou tier d’historien, esta
que tem o primeiro capítulo intitulado L’histoire, les hommes et le temps, onde Marc Bloch
expõe suas posições quanto às temporalidades que, de certa forma, aproximam-se mais das
disposições braudelianas ainda que Braudel tivesse relações muito mais próximas de
Febvre. Já na coletânea Combats pour l’histoire, não temos um artigo tratando
especificamente a questão da temporalidade, no entanto, em muitos deles Febvre discute o
tema. Notam-se formas diferentes de considerar as durações históricas em Febvre e Bloch.
Febvre, apesar de sempre empenhado na crítica da periodização da história metódica, busca
partir do evento intelectual ou da biografia, para desta forma atingir uma estrutura mental
coletiva. Bloch diferencia-se de Febvre colocando em primeiro plano as estruturas, como
latente na passagem: “Or, ce temps véritable est, par nature, un continu. Il est aussi perpétuel
changement”
14
, onde podemos notar a ênfase de Bloch nos aspectos duradouros, sem excluir
a especificidade histórica da mudança.
Em nosso primeiro capítulo, buscaremos nos focar no período pré-braudeliano, nos
textos de caráter metodológico de Lucien Febvre e Marc Bloch, assim como na Revista por
13
No período de 1929-1939, 45,9% dos artigos publicados na revista dos Annales tratam da longa duração,
contra porcentagens bem menores na Revue historique e Revue d’histoire modene et contemporaine.
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Op. Cit.p. 123.
14
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire, ou Métier d’historien. ed. Paris : Armand Colin, 1964. (ed.
1949).
15
eles publicada. Este primeiro capítulo servirá como base para compreendermos qual o papel
dos pais fundadores dos Annales e da própria Revista para a renovação do tempo histórico
realizada por Fernand Braudel.
Ainda neste capítulo buscaremos mostrar como outras ciências do homem tiveram
uma importância central para a renovação do tempo histórico, seja ainda com Febvre e Bloch,
seja depois, com Braudel. Também pretendemos mostrar, ainda que de modo latente, qual o
contexto de modificações das ciências pelo qual o mundo e, em especial, a França, atravessa
na primeira metade do século XX.
No segundo capítulo, faremos uma incursão pelas diferentes durações presentes na
tese de Fernand Braudel O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II,
posto que esta obra é o principal trabalho onde a dielética da duração braudeliana está
aplicada. Neste capítulo, buscaremos integrar: 1) a continuidade/descontinuidade do tempo
histórico segundo os fundadores dos Annales e o de Fernand Braudel; 2) como a dilética da
duração aparece na obra e; 3) quais foram as principais críticas e a aceitação deste trabalho,
em função da modificação da perspectiva temporal por parte dos historiadores.
No terceiro e último capítulo, trabalharemos mais diretamente em função da dialética
da duração braudeliana. Além de uma análise do artigo fundamental de Braudel sobre o tempo
histórico “História e Ciências Sociais: a longa duração”, buscaremos iluminar a questão sobre
as estruturas em Fernand Braudel, seu caráter singular e inovador, a partir do trabalho de
Gilles Deleuze, que propõe um roteiro para a conceituação “dos estruturalismos”. Por fim,
analisaremos as aproximações e, principalmente, as diferenças entre as estruturas temporais
da história, com Fernand Braudel, e as da antropologia, com Claude Lévi-Strauss. Estas
últimas discussões permitirão revelar os traços singulares do “estruturalismo temporal” e da
dialética da duração de Fernand Braudel.
O objetivo de nossa pesquisa, portanto, é o de analisar as considerações sobre as
durações contidas na metodologia dos fundadores dos Annales até, e incluindo, a obra de
Fernand Braudel. Logo, buscaremos identificar, exclusivamente nos escritos de cunho
metodológico de Lucien Febvre, Marc Bloch e Fernand Braudel (sobre este último,
incluiremos nos textos a serem discutidos também sua tese sobre o mediterrâneo), nosso eixo
de análise do tema, procurando definir a posição de cada um em relação ao tema das
durações, suas proximidades e diferenças e identificar a forma como o programa de renovação
metodológica de Febvre e Bloch incide sobre a nova grade do tempo histórico proposta por
Braudel.
16
Devemos, contudo, insistir em um ponto: não almejamos, em absoluto, uma análise
que além das considerações sobre o tempo histórico, nesta bibliografia tão grandiosa em
volume e, fundamentalmente, representatividade. Procuraremos analisar nosso tema de forma
sistemática e direcionada, para evitar que a pesquisa venha a enveredar-se por caminhos e
variações temáticas que não correspondem com a proposta da pesquisa.
17
Capítulo 1
A renovação da temporalidade histórica nos primeiros Annales.
18
1.1. Orientações gerais sobre a modificação da temporalidade histórica nos primeiros Annales.
Neste capítulo buscaremos discutir as primeiras inovações relacionadas ao tempo
histórico nos Annales. Focaremo-nos nas figuras de Lucien Febvre e Marc Bloch, em seus
escritos de cunho metodológico onde questões relacionadas, direta ou indiretamente, à
temporalidade são discutidas. Procuraremos também reconstruir brevemente o contexto do
lançamento da Revista e o papel exercido por outras ciências como a sociologia, economia e
geografia no projeto da revista de história econômica e social dos Annales. Nosso foco não é a
revista em si, mas, sim, a inovação da temporalidade da pesquisa histórica efetuada pelo
grupo de historiadores reunidos em torno dela. Nosso principal objetivo é discutir a
sistematização da nova temporalidade histórica feita por Fernand Braudel. Acreditamos,
todavia, ser imprescindível partir de Lucien Febvre e Marc Bloch, posto que eles são os
fundadores do grupo dos Annales e as principais influências do pensamento braudeliano.
Passemos, portanto, à revista e ao pensamento metodológico de Febvre e Bloch.
Ao cabo da Primeira Guerra Mundial, Lucien Febvre pensa já uma revista de história
econômica para ser dirigia pelo historiador belga Henri Pirenne. Este projeto foi adiado até
1928 quando, junto de Lucien Febvre, Marc Bloch o retoma ainda com a intenção de que
Pirenne estivesse à frente de tal empreitada. Com a recusa de Pirenne, Febvre e Bloch passam
a ser os editores da revista, que publica seu primeiro número em 15 de janeiro de 1929. A
revista tinha então o nome de Annales d’histoire économique et sociale, nome que perdurou
até 1939. Entre 1939 e 1942, e também no ano de 1945, devido a mudanças na própria
orientação dos estudos da revista, esta se chamou Annales d’historie sociale; entre 1942 e
1944, a revista levou o nome de Mélanges d’histoire sociale e de 1946 em diante, de certa
forma, sintetizando os títulos anteriores, a revista passou a se chamar Annales: économies,
sociétés, civilisations. Em 1994 a revista mudou seu nome para Annales. Histoire, Sciences
Sociales, nome que perdura até hoje.
Este período, de cerca de dez anos, entre a idealização de uma revista de história
econômica e, de fato, seu lançamento, tem razões políticas e sociais, devido à situação
mundial do pós-guerra. Devemos considerar também a conjuntura econômica do período.
As oscilações econômicas da década de 20 são um ponto importante para o sucesso de
uma revista de história econômica e social. Ainda assim, não podemos dizer que foi da crise
de 1929 que a revista recebeu seu principal impulso, que esta foi lançada nove meses antes
da quebra da bolsa de Wall Street. Toda a sociedade na década de 20, no entanto, busca,
inclusive na história, respostas para o momento econômico não europeu, mas mundial. A
19
lógica econômica capitalista é colocada em xeque. As implicações econômico-sociais da crise
são amplamente discutidas, principalmente os efeitos de recessão, desemprego e queda na
produção industrial. Este deslocamento do objeto em discussão na sociedade a saber, do
domínio político-militar do pós-guerra para o domínio econômico apresenta-se como
terreno fértil para o lançamento da revista. Mesmo a atuação política do período passa a ser
qualificada diante dos sucessos ou insucessos das medidas econômicas.
Também os aspectos sociais da década de 20, derivados muitas vezes da situação
econômica, são essenciais para o desenvolvimento da revista. Os efeitos da primeira guerra
mundial ainda estão bastante presentes em 1929, principalmente no domínio da história. Os
relatos políticos, a história militar e episódica é alterada, posto que este tipo de história da
guerra e dos fatos políticos não explica inteiramente os fatos traumáticos do período do qual o
mundo vem lentamente se recuperando. A conjuntura do pós-guerra favorece uma história
econômico-social onde a história das relações diplomáticas, das batalhas e atos políticos não
responde mais totalmente aos anseios e questionamentos da sociedade. Também um
espírito pacifista entre os historiadores que procuram fazer da história menos relato de guerra
e mais ferramenta de questionamento e fonte de respostas para a sociedade do período
15
.
A revista surge no momento de crise da consciência histórica quando as críticas à
história metódica já estão bastante disseminadas. Há um desgaste deste tipo de história,
causado principalmente pela investida das ciências sociais. As constantes críticas ao modelo
metódico de história se dão, por parte dos Annales, pela necessidade de afirmar um novo
modelo de história, afirmar uma nova história”. As tentativas de renovação da disciplina
histórica se multiplicam e os Annales, assumindo uma postura de história influenciada pelas
ciências sociais detêm, logo de início, uma relativa importância no cenário de contestação à
história metódica. É-nos essencial retomar, ainda que superficialmente, os passos iniciais da
Revista dos Annales e dos pesquisadores que se agrupam em torno dela a fim de analisar, em
seu programa inicial, indícios de modificação da relação dos historiadores com a
temporalidade histórica.
Vale citar alguns dos pontos de renovação propostos por Febvre e Bloch no
lançamento da revista
16
. O primeiro deles, e o mais importante em nossa pesquisa, é a forma
como, nos primeiros números da revista e nas obras de seus fundadores, nota-se uma
modificação na perspectiva temporal das pesquisas apresentadas. A inclusão do estudo das
15
DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Trad: Dulce Oliveira Amarantes dos
Santos; Revisão Técnica: José Leonardo do Nascimento. Bauru: EDUSC, 2003. p. 36.
16
Cf. REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. São Paulo : Paz e Terra, 2000. pp. 91-97.
20
permanências, dos aspectos duradouros difere bastante da história tradicional na qual o evento
político é tratado quase como exclusivo objeto da história. A perspectiva da mudança
continua sendo considerada, mas a inclusão no discurso do historiador do que muda somente
muito lentamente, as estruturas mentais tão presentes na obra de Febvre, assim como as
estruturas sociais e econômicas da obra de Bloch, abrem uma nova possibilidade para a
disciplina histórica de expandir o leque de objetos de estudo, além de aproximar a história das
ciências sociais e, desta forma, atualizar seus métodos de análise e possibilitar buscar
permanências e mudanças reconhecidas somente na longa duração aos moldes das ciências
sociais.
A ênfase nos aspectos econômicos e sociais é de suma importância para a
caracterização da nova revista. A mudança de foco do político para o social e econômico
abrem as portas para o estudo das estruturas, das permanências, assim como dos ciclos e
tendências seculares, principalmente no que diz respeito à economia. A mudança nos objetos
privilegiados carrega consigo uma mudança na perspectiva temporal das análises. A lentidão
da mudança do social, assim como sua amplitude, buscando investigar as práticas humanas
em todas as suas instâncias, em comparação com o político, assim como a inclusão das várias
durações conhecidas dos economistas na disciplina histórica provoca uma alteração
significativa na temporalidade da história dos Annales, logo no início da publicação da
revista.
Portanto, em linhas gerais, o programa dos fundadores dos Annales buscava: praticar
uma interdisciplinaridade, alianças com disciplinas vizinhas para desta forma diminuir o
isolamento disciplinar das ciências humanas; afirmar novas áreas de interesse para seus
estudos, com ênfase principalmente nos aspectos econômicos e sociais; diminuir a
importância atribuída à história política, narrativa e acontecimental, para buscar um fundo
estrutural da história recusando a história tradicional num esforço para a construção de uma
nova história; produzir uma história total, sem determinismos explicativos e reducionismos.
Todas estas orientações da pesquisa histórica afirmadas pelos Annales partem da nova
concepção de tempo histórico.
Foram nos anos de 1920 a 1933 que Febvre e Bloch se encontraram diariamente na
universidade de Estrasburgo. A amizade e a identificação das perspectivas de trabalho de
Febvre e Bloch figuram mesmo como um dos principais motivos do sucesso da empreitada de
uma revista da qual dividiam a direção. A identificação teórico-metodológica e pessoal dos
fundadores da revista animou o trabalho conjunto e o projeto maior de renovação do
21
conhecimento histórico. É na revista dos Annales onde principalmente se o combate às
disposições da história do fim do século XIX.
Febvre e Bloch são intelectuais reconhecidos na França da década de trinta. O
sucesso da revista desde seu lançamento se deve também a este reconhecimento. Ainda assim,
os Annales foram considerados marginais ao establishment historiográfico no seu início. O
trabalho de Febvre e Bloch na revista não se dava unicamente como o de diretores: ao
contrário, o conteúdo essencial da revista dos Annales na década de trinta e primeira metade
da década de quarenta são os escritos, resenhas, artigos, notas etc., de Febvre e Bloch. Os
diretores da revista assinam neste período uma quantidade significativa de textos publicados.
Vale ressaltar que os pontos de renovação da disciplina histórica propostos pelos
Annales são essencialmente metodológicos: apesar da inexistência de uma teoria, como corpo
fixo de interpretação, mesmo porque este é um dos alvos do ataque dos Annales a um tipo de
história que não é a deles, Febvre e Bloch se preocuparam constantemente em propor e aplicar
novas direções do método de investigação. Há em seus trabalhos, principalmente nas resenhas
publicadas na revista dos Annales, uma constante preocupação epistemológica. É a partir da
análise do discurso histórico, que buscam renovar, que Febvre e Bloch baseiam suas críticas.
Apesar de constantemente recusar teorias dogmáticas sobre o conhecimento histórico, os
Annales participam também, e talvez, principalmente, da renovação da história por meio da
apresentação de novos métodos interpretativos. A própria interdisciplinaridade que caracteriza
os Annales pressupõe uma constante troca metodológica de experiências científicas, formas
de análise e explicação. Esta preocupação teórico-metodológica por parte dos Annales foi bem
exposta como forma de questionamento por Ulisses T. Guariba Neto:
O programa dos Annalesde intercâmbio de experiências teóricas, que se propõem a
objetivar a ação do homem na história, não responde à necessidade de renovação da
prática científica? Não é todo um programa de epistemologia das ciências do homem
que é posto em ação?
17
Ainda, segundo Guariba Neto, “os “Annales” são escola de método, sem dúvida “
18
.
Para efetuar esta renovação metodológica da história, os Annales se aliaram a
disciplinas vizinhas, das quais vale citar as três principais. Seguiremos, todavia, somente os
17
GUARIBA NETO, Ulysses T. Leitura da obra de Lucien Febvre e Marc Bloch nos Annales: Introdução a
análise do conhecimento histórico. 299 p. Tese (Doutorado em História). Faculdade de Ciências e Letras,
Universidade Estadual Paulista, Assis, s.d. p. 201.
18
Id. Ibid. p. 202.
22
pontos nos quais estas disciplinas contribuíram para a formulação de um novo conceito de
tempo histórico.
23
1.2. As influências das Ciências Sociais, Geografia e da Revue de Synthèse Histórique na
nova temporalidade dos Annales.
O projeto dos Annales sofreu, portanto, basicamente três grandes impulsos externos à
própria disciplina histórica: de um lado, a escola sociológica durkheimiana; de outro, a
geografia humana, principalmente de Vidal de La Blache e, finalmente, da revista lançada por
Henri Berr Revue de Synthèse Histórique. Citaremos rapidamente quais as implicações destas
influências para a modificação da temporalidade histórica pelos Annales.
A mutação das ciências sociais que se no fim do século XIX e início do século XX
figura como ponto essencial para o desenvolvimento das perspectivas dos Annales. A
sociologia durkheimiana apresenta uma forte oposição à história metódica de então, e busca
articular, sob seu comando, as outras ciências do homem. Busca fazer da história uma mera
ferramenta que organiza materiais para serem analisados pela nova disciplina, considerada por
eles a única capaz de analisar a sociedade e dar respostas aos questionamentos que se colocam
nesse momento, caracterizado pela mutação das ciências em todos os planos. Esta investida
das ciências sociais foi, a princípio, motivo de crise da disciplina histórica, mas com os
Annales, passa a ser fator de renovação da disciplina, posto que os Annales, de certa forma,
absorvem este discurso e fazem dele meio de renovação da disciplina, como haveremos de
explicitar na seqüência.
Sobre a investida da ciência social contra a história dita positivista”, vale citar um
trecho do artigo Método histórico e ciência social. François Simiand, o mais enérgico crítico
do grupo durkheimiano à história mostra, vigorosamente, sua visão da história produzida no
fim do século XIX:
O historiador tradicional tem as suas ambições. Ambiciona nos fornecer simplesmente
uma representação do passado, sem teoria abstrata, sem ponto de vista tendencioso,
sem elaboração dogmática, bem fundamentada sobre documentos pertinentes,
realizada com crítica e fidelidade aos fatos. Estas ambições são ilusórias. Não há
fotografia ou registro automático do passado, mas operação ativa do nosso espírito.
Não há, na ciência, constatação que não seja escolha, observação que não pressuponha
alguma idéia, alguma perspectiva. Não reunião de fatos que não implique
(conscientemente ou não) em uma certa hipótese construtiva, em uma pré-formação
científica. O pensamento que concebe e a atenção que observa estão, no trabalho
científico, em comércio estreito, atuando juntos, constituindo unidade. A investigação
analítica segue pari passu a síntese construtiva da ciência e regula-se, constantemente,
por ela, da mesma forma que a síntese se funda, também passo a passo, apoiando-se
na análise. Os dois processos são inseparáveis. Por que razão o procedimento
científico estaria excluído do conhecimento histórico? O historiador que evita fazer
trabalho de ciência social, que se afasta da procura das relações científicas, das leis
dos fenômenos, da constituição de tipos e de espécies de fatos crê, em vão, não estar
entregando idéias pré-concebidas, nem plano prévio de organização da pesquisa. As
24
idéias e os planos estarão, sem dúvida, atuando no seu trabalho, inconscientemente
talvez, com a diferença que, no lugar dos mais inovadores, serão incapazes de
responder às exigências e aos desafios da ciência atual. Idéias e planos que,
provenientes do fundo de idéias prontas, constituídos pela ciência de cinqüenta ou
cem anos atrás e absorvidos pela mentalidade social, parecerão naturais” como se
não tivessem sido concebidos pela inteligência humana. Assim, o trabalho que
procede destas concepções regula-se pela ciência de ontem ou de anteontem, ao invés
de se orientar pela ciência de hoje ou de amanhã. Avança, contraindo empréstimos,
apressados e incoerentes, à fraseologia do dia, utilizando-se, sem crítica, de noções
pseudocientíficas atualmente na moda, ou de construções arbitrárias subjetivas e
fantasias.
19
Febvre critica esta fundamentação científica da história metódica em um modelo
científico já ultrapassado. Assumindo o discurso de Simiand, afirma que é tempo de renunciar
as velhas orientações do trabalho científico em favor de novos modelos:
Tout au moins, n’y a-t-il pas lieu de renoncer, une bonne fois, à nous appuyer sur les «
sciences » d’il y a cinquante ans pour étayer et justifier nos théories puisque les
sciences d’il y a cinquante ans ne sont plus que des souvenirs et des fantômes? Voilà
toute la question. Y répondre, ce serait résoudre la crise de l’histoire. Et s’il est vrai
que les sciences sont toutes solidaires la réponse est connue d’avance. Inutile de la
professer solennellement.
20
Simiand funda suas críticas a partir das principais características da história metódica,
características as quais intitulará “ídolos da tribo dos historiadores”: o “ídolo político”, o
“ídolo individual” e o “ídolo cronológico”
21
. A primazia da história política, dos grandes
nomes da história e da busca pelas origens são justamente os focos da pesquisa histórica do
período. Sobre o ídolo político, Simiand critica a exagerada ênfase dada a este aspecto da
história que, episódico, segundo ele, dificulta “o estabelecimento de regularidades e de leis”.
O ídolo individual é a crítica à centralidade dos indivíduos nas pesquisas históricas que, dessa
forma, relegam ao segundo plano o estudo de temas mais amplos como as instituições, a
economia, agricultura, entre outros e o ídolo cronológico é uma crítica a busca das origens por
parte dos historiadores que muitas vezes acabam por se perder em particularidades.
19
SIMIAND, François. Método histórico e ciência social. Trad. José Leonardo do Nascimento. Bauru : EDUSC,
2003. pp. 99-100.
20
FEBVRE, Lucien. “Vivre l’histoire. Propos d’initiation”. In: Combats pour l’histoire. Paris : Librairie Amand
Colin, 1992. (primeira edição de 1952). p. 29.
“Não será, pelo menos, tempo de renunciar de uma vez por todas, a apoiar-nos nas “ciências” de há 50 anos para
escorar e justificar as nossas teorias – uma vez que as ciências de há 50 anos não são mais do que recordações ou
fantasmas? Essa a pergunta. Responder-lhe, seria resolver a crise da história. E se é verdade que as ciências são
todas solidárias – a resposta é conhecida de antemão. Inútil professá-la solenemente.”
FEBVRE, L. “Viver a história”. In: Combates pela história. 3ª edição. Lisboa : Presença, 1977. p. 39.
21
SIMIAND, François. Método histórico e ciência social. Trad. José Leonardo do Nascimento. Bauru : EDUSC,
2003. pp. 109-116.
25
Os Annales creditam como válidas as críticas de Simiand a respeito da história como
era produzida no início do século XX e, de certa forma, assumem algumas direções
metodológicas vindas da sociologia, sobretudo do núcleo durkheimiano. Sobre o papel das
ciências sociais na modificação do tempo histórico, vale discorrer brevemente sobre como a
união entre a sociologia e história produziu um “terceiro tempo histórico”. Buscaremos por
um momento nos basear na hipótese sobre o tempo histórico dos Annales desenvolvida por
José Carlos Reis
22
.
O que caracteriza a Nova História é a sua posição de deixar-se influenciar pelas
ciências sociais e seus métodos. Esta influência traz diversas implicações para a disciplina
histórica. Entretanto, seguindo nossa proposta de pesquisa, nos focaremos no modo como esta
influência das ciências sociais significou uma mudança na forma como os historiadores
trabalham as temporalidades históricas.
Para José Carlos Reis, a união da história com as ciências sociais produziu uma
terceira mudança substancial do tempo histórico. A primeira se produziu na esfera da religião,
quando, ao romper com o mito, o tempo histórico passa a ser orientado para o futuro, para um
fim histórico. Nesta perspectiva teleológica, os eventos têm lugar dentro de uma linearidade
temporal, de sentido único, em direção a um fim, a salvação. Esta concepção de tempo
valoriza a história e sua irreversibilidade, importância aos eventos como localizados nesta
perspectiva teleológica, caracterizada por sua abertura e espera do futuro, do Juízo. É dessa
forma que o tempo histórico sofre a primeira mudança, exemplificada pela substituição do
tempo cíclico do mito pela salvação futura.
A segunda mudança na orientação do tempo histórico se pela filosofia do século
XVIII, ao romper com a religião. O futuro deixa de ser orientado por uma escatologia e passa
a ser produzido pelo homem. Dá-se assim a busca por um fim diferente do da religião, de uma
sociedade moral e racional, onde o homem é produtor da história e que busca, com a idéia de
progresso, este futuro no qual triunfa a Razão enquanto princípio. Este perspectiva temporal
da história caracteriza-se pela atribuição do futuro à ação humana; é de fato histórico e se
opõe ao futuro divino.
Temos, portanto, neste movimento iniciado pela religião, e posteriormente pela
filosofia, uma mudança significativa em relação ao futuro: de um fim escatológico para uma
filosofia da história. Diferenciam-se, basicamente, pela exterioridade da orientação temporal
da religião: a história se produz por um exterior divino, enquanto a filosofia afirma a
22
REIS, J. C. Nouvelle Histoire e Tempo Histórico: a contribuição de Febvre, Bloch e Braudel. São Paulo:
Ática, 1994.
26
produção da história a partir do homem. Nos séculos XIX e XX as ciências sociais rompem
com a religião e com a filosofia para atribuir uma nova orientação temporal à história e é
que os Annales vão buscar elementos para produzir a renovação da temporalidade histórica.
Este tempo histórico das ciências sociais se caracteriza pela inclusão no movimento
histórico da permanência, das estruturas, dos movimentos e mudanças de longa duração, da
repetição, constâncias e repousos. A modernidade e o tempo histórico da filosofia do século
XVIII propiciaram uma grande aceleração na produção de eventos, que se acreditava serem
reflexos da realização de um progresso de sentido conhecido, em direção à razão. As ciências
sociais alertaram então para o fato de que os eventos não se ordenam e nem são passíveis de
controle tal qual se considerava no século XVIII. É preciso antes conhecer as resistências da
história, suas estruturas, antes de transformá-la em meio no qual os eventos são
necessariamente encadeados na direção de um fim já conhecido; é negar, de certa forma, uma
filosofia da história.
Este terceiro tempo histórico, posterior à religião e à filosofia, passa a fazer parte do
discurso dos sociólogos na segunda metade do século XIX. para os historiadores, este
tempo histórico começa a aparecer somente no início do século XX, que a história
tradicional estava até então ainda ligada às filosofias da história, considerando o tempo como
linear, contínuo e progressivo.
É deste terceiro tempo da história, portanto, que os Annales vão se alimentar para
produzir seu conceito de tempo histórico. Assim como nas ciências sociais, este tempo se
caracteriza pela desaceleração na produção de eventos e ênfase aos aspectos duradouros,
coletivos, que se repetem e são, ao menos parcialmente, resistentes à mudança. É desta forma
que a Nova História se alia às ciências sociais e redimensiona a temporalidade histórica.
Esta nova orientação temporal da pesquisa histórica favoreceu uma mudança
significativa nos objetos de análise do historiador. Passando a considerar às permanências, o
historiador desloca o olhar dos objetos tradicionais da história para outros nos quais o papel
do que resiste, do que muda somente a longo termo, se destacam. Passa a ser dada uma
importância maior aos aspectos mais resistentes da história como os econômicos, sociais e
mentais em detrimento da política, das biografias, etc. Nos campos econômico, social e
mental o tempo histórico aparece de forma menos acelerada: a especificidade histórica da
mudança continua presente, no entanto, de forma menos convulsiva, menos rápida que no
campo político-biográfico, do tempo individual, dos eventos. Este tempo mais lento favorece
a pesquisa quantificada e problematizante. A repetição também é característica deste novo
27
tempo histórico, possibilitando a comparação como modelo científico, diferente do modelo
positivista.
Neste novo modelo temporal, a história não é mais narrativa de indivíduos e eventos.
Ao focar os aspectos econômicos, sociais e mentais, a história passa a buscar movimentos de
longa duração, que se repetem e estão instalados no âmbito coletivo, de certa forma,
diminuindo a importância da ação livre dos indivíduos.
Para José Carlos Reis, a história produzida pelos Annales pode se considerar nova
por ter empreendido uma nova concepção de tempo histórico, desde o início, com Febvre e
Bloch. A realização deste novo conceito se dará mais adiante com Fernand Braudel. Isto,
contudo, não indica uma unidade entre os membros do grupo dos Annales quanto ao conceito
de tempo. Existem diferenças significativas, que haveremos de explicitar na seqüência, entre
as pesquisas de cada um dos autores. O que os une, no entanto, é um impulso comum no
sentido da produção de uma história dentro de um quadro de longa duração, numa tentativa de
superar a história acontecimental dos eventos em favor de uma história que prioriza as
constâncias e regularidades, estruturas sociais e econômicas onde a especificidade histórica da
mudança somente se apresenta a partir do estudo de períodos longos.
Os Annales introduzem na história, portanto, a possibilidade de analisar a repetição e a
permanência, quadros estáveis e de mudança em longo prazo. Os novos objetos dos
historiadores favorecem este tipo de enfoque da história. Ao importar o conceito de “estrutura
social” das ciências sociais, ainda que modificado, os Annales formulam o conceito de longa
duração e desta forma produzem uma significativa modificação epistemológica. O
conhecimento histórico, antes dedicado exclusivamente à irreversibilidade da mudança, passa
a comportar também o estudo das constâncias e regularidades, do homogêneo e quantitativo.
Esta mudança na orientação da pesquisa, no entanto, não é total: se há uma aproximação da
sociologia, das estruturas e permanências, as mudanças qualitativas, a sucessão não
desaparece da pesquisa histórica. Há, neste momento, um aumento na possibilidade de
temporalização da pesquisa e não uma guinada total em direção de uma história estrutural.
Além da aproximação das ciências sociais, o contato com a geografia exerce um papel
muito importante nesta fase posto que se cria uma geo-história, uma busca da relação entre os
homens e o ambiente. Deste contato também temos como resultado, além de uma
aproximação interdisciplinar, mais uma forma de expandir ainda mais a temporalidade, que
o tempo da geografia, da transformação e adaptação do homem à natureza é também de muita
longa duração. As introduções geográficas incluídas nas monografias regionais que
28
caracterizam esta primeira fase dos Annales, assim como a história rural assume, desta forma,
um papel decisivo na renovação da compreensão do tempo histórico.
A geografia humana da qual os Annales se aproximam estava principalmente
representada pela revista Annales de Géographie e em torno da figura de Vidal de La Blache.
Segundo José Carlos Reis
23
, esta geografia humana produz um tipo de conhecimento muito
próximo do que vai ser produzido pelos Annales: alia-se às ciências sociais, ênfase à
economia e às sociedades e recortam seu objeto segundo um espaço. O foco de suas pesquisas
são os grupos humanos, as coletividades em sua relação com o meio, desta forma
privilegiando durações mais longas. A inspiração que vem dos geógrafos para a pesquisa de
estruturas lentamente móveis é de primordial importância para o grupo dos Annales. Vale
também citar que através desta aproximação da história e da geografia o espaço, além do
tempo, passa a ter um papel muito importante para os historiadores que inclusive passam a
definir seus objetos de análise por um espaço e não mais por fatos e acontecimentos. As
monografias regionais devem muito a esta aproximação da história e geografia na primeira
fase dos Annales.
Um terceiro ponto de importância destacada para a renovação do tempo histórico dos
Annales é a Revue de Synthèse Histórique. Henri Berr é um pesquisador de extrema
importância na fundação dos Annales. Em torno da revista lançada por ele em 1900, que
Lucien Febvre e, posteriormente Marc Bloch, tiveram contato com alguns dos principais
intelectuais envolvidos na fundação da revista dos Annales. Em torno da Revue de Synthèse
Historique que, tal qual foi também realizado nos Annales, profissionais de várias áreas do
conhecimento como historiadores, sociólogos, economistas, antropólogos, geógrafos,
filósofos etc., se reuniram. Nomes como os de Paul Lacombe, Henri Hauser, François
Simiand, Paul Mantoux e Lucien Febvre, que desempenhou papel de destaque neste grupo,
contribuíram para o desenvolvimento da revista dos Annales que ainda era, no período,
somente uma idéia de Febvre. A similitude das propostas da Revue de Synthèse Historique e
dos Annales é evidente: renovar a disciplina histórica, negando o seu caráter factual e
exclusivamente político em favor de uma história conjunta dos diversos ramos nos quais a
disciplina estava dividida, uma história mais ampla e aberta às novas fontes e métodos,
principalmente das ciências sociais.
Havia, contudo, uma diferença crucial entre a Revue de Synthèse Historique e o
projeto dos Annales: enquanto a primeira se preocupava em apontar o problema da
23
Cf. REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. Op. Cit. p. 61.
29
compartimentação dos ramos da história, denunciar as falhas da disciplina tal qual era
produzida então, por meio de uma discussão teórica acerca destas questões, que “Henri
Berr é filósofo, preocupado com a teoria do conhecimento histórico”
24
; a segunda, apesar de
prezar muito o aspecto combativo da revista de Henri Berr percorria, desde o momento em
que era ainda um projeto a ser desenvolvido, um caminho diferente: ao invés de buscar uma
discussão teórico-filosófica sobre a história, pretendia executar uma modificação de fato pelo
exemplo, pela prática, e menos pela discussão teórica, como podemos notar na passagem do
editorial do primeiro número da revista, onde os diretores escrevem sobre o seu conteúdo:
“Non pas à coup d’articles de méthode, de dissertations théoriques. Par l’exemple e par le
fait”
25
. Este empenho na produção de uma “nova história” pela prática, por exemplos
extraídos do exercício de historiador seguiu a revista não em seus primeiros anos, mas ao
longo de toda a sua história. É a renovação por meio de pesquisas concretas que caracteriza a
revista de Febvre e Bloch. A falta de uma discussão maior sobre a teoria da proposta de nova
história da revista foi, inclusive, muitas vezes alvo de crítica.
***
Dentro deste quadro de mutações das ciências do fim do século XIX e início do XX,
entre a investida das ciências sociais e a crítica ao modelo positivista de história, vale lembrar,
ainda que superficialmente, da mudança na idéia de tempo da física, a passagem da idéia de
tempo da teoria newtoniana para a relatividade de Einstein, e como esta passagem influenciou
a história e as outras ciências do homem. Em 1915, a teoria geral da relatividade de Einstein
produziu uma verdadeira revolução científica que refletiu, dessa forma, inclusive na disciplina
histórica. Das inovações das ciências da natureza, Bloch e Febvre buscam implicações para a
história.
Marc Bloch fala da mudança na “atmosfera mental” neste período, e mostra como as
idéias sobre as ciências, as noções do que é científico se modificam substancialmente a partir
dos exemplos da física: “Au certain, elles ont substitué, sur beaucoup de points, l’infiniment
probable; au rigoureusement mesurable, la notion de l’éternelle relativité de la mesure”
26
.
Tem-se na nova física e em seu conceito de relatividade um verdadeiro choque nas
perspectivas deterministas, inclusive na história. Febvre fala longamente desta mutação das
24
REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. Op. Cit. p. 56.
25
ANNALES D’HISTOIRE ÉCONOMIQUE ET SOCIALE. Paris : Librairie Armand Colin, T. 1, N°1, 1929. p.
1.
26
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Paris : Librairie Armand Colin, 1964. p. XVI.
“Com certeza, substituíram, em muitos pontos, o infinitamente provável, o rigorosamente mensurável pela noção
da eterna relatividade da medida”.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Prefácio : Jacques Le Goff. Apresentação à
edição brasileira: Lilia Moritz Schwarcz. Tradução: André Telles. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2001. p. 49.
30
ciências e indica que assim como a biologia, a física tem importante papel nesta renovação do
espírito científico:
Et les vides dont ils étaient tissus nous habituaient, eux aussi, dans le domaine de la
biologie, à cette notion du discontinu qui, d’autre part, s’introduisait dans la physique
avec la théorie des quanta: décuplant les ravages déjà causés, dans nos conceptions
scientifiques, par la théorie de la relativité, elle semblait remettre en question la notion
traditionnelle, l’idée ancienne de causalité et donc, d’un seul coup, la théorie du
déterminisme, ce fondement incontesté de toute science positive ce pilier
inébranlable de la vieille histoire classique.
27
Este ponto incide diretamente sobre a modificação na noção de tempo histórico, que
passa a ser relativizado, “esticado” para durações mais longas do que as utilizadas pela escola
metódica e caracterizado pela duração dos fenômenos segundo a observação, por parte do
historiador, de sua extensão, com durações que variam entre as curtas e as de longo prazo e
não mais como simplesmente apresentadas episodicamente pela documentação “oficial”. Vale
citar que a menção que fazemos aqui à temporalidade das ciências físicas justifica-se por
denunciar como no início do século XX a mudança que se opera na mentalidade científica
busca criticar todos os modelos deterministas da ciência, inclusive o positivismo e
conseqüentemente a temporalidade deste modelo aplicado à história.
É nesse momento das ciências do fim do século XIX e início do século XX que surge,
a princípio, como alternativa, e posteriormente, como modelo dominante, a revista dos
Annales e é ao redor dela que um contingente de pesquisadores vai se unir para promover uma
substancial mudança no pensamento histórico, assim como de um campo maior das ciências
humanas do período.
27
FEBVRE, Lucien. “Vivre l’histoire. Propos d’initiation”. In: Combats pour l’histoire. Op. Cit. p.28.
“E os vazios de que eram compostos habituavam-nos também, no domínio da biologia, a essa noção de
descontínuo que, por outro lado, se introduzia na física com a teoria dos quanta: decuplicando os estragos já
causados nas nossas concepções científicas pela teoria da relatividade, parecia repor em questão a noção
tradicional, a idéia antiga da causalidade e portanto, de um golpe, a teoria do determinismo, esse
fundamento incontestado de toda a ciência positiva, esse pilar inabalável da velha história clássica.”
FEBVRE, L. “Viver a história”. In: Combates pela história. Op. Cit. p. 37.
31
1.3. O alvo das críticas: o modelo temporal dos historiadores “positivistas”.
Esta mudança na orientação temporal da pesquisa histórica produzida pelos Annales
pode se considerar nova quando comparada à temporalidade das pesquisas da historiografia
do fim do século XIX e início do XX. A história como era produzida neste período criou uma
“escola” historiográfica, que autores como François Dosse e José Carlos Reis chamam de
“escola metódica”, pois consideram imprópria a forma como estes historiadores se auto-
intitularam de “positivistas”, que o modelo de ciência positiva almejado por estes
historiadores não se relaciona de perto com o positivismo de Auguste Comte. Por vezes, este
tipo de história é também chamado de “história tradicional”, em oposição à Nova História,
como é conhecido o modelo de história dos Annales. Vale relacionar brevemente o modelo
temporal desta escola” historiográfica para demonstrar porque os Annales podem se
considerar produtores de uma Nova História, fundada num outro modelo temporal da pesquisa
histórica.
Segundo Hélio Rebello Cardoso Jr.:
A culminância de uma historiografia positivista produz-se a partir de duas tradições
distintas: uma derivada da filosofia do romantismo alemão, particularmente em seu
aspecto historicista, e outra proveniente do Positivismo propriamente dito.
28
Da filosofia alemã, a historiografia positivista resgata o papel central atribuído aos
grandes personagens que são os exemplos do “espírito de um povo”. O principal nome desta
historiografia é Leopold von Ranke que foca suas pesquisas na documentação diplomática e
política, pois estas revelam os eventos num estado mais original. Seu intento, tal como foi
assimilado pela historiografia francesa “positivista” era de “mostrar puramente e
simplesmente como as coisas se verificaram”.
Por outro lado, o papel do Positivismo para a historiografia “positivista” foi o de
almejar um caráter científico para a disciplina histórica por meio de uma neutralidade do
historiador diante dos fatos. A historiografia “positivista” não cumpre o programa Positivista
na medida em que busca, ainda que de forma diferente da sociologia, uma possível síntese dos
fatos singulares observados no tempo. um esforço entre estes historiadores no sentido de
mostrar a ligação necessária dos fatos históricos, ainda que isso não implique que os
historiadores “positivistas” buscavam formular leis sociais para a história.
28
CARDOSO JR., Hélio Rebello. Tramas de Clio; convivência entre filosofia e história. Curitiba : Aos Quatro
Ventos, 2001. p. 169.
32
Na França, Ernest Lavisse era muito conhecido por sua atuação política e por seu
trabalho como pedagogo. É também um dos principais nomes da disciplina histórica do final
do século XIX, mas foi com a obra de Charles Signobos e Charles-Victor Langlois
Introduction aux études historiques
29
que a história metódica teve seu maior alcance, que
esta obra tornou-se manual quase obrigatório entre os estudantes de história da época.
A história metódica, ou como intitularam estes historiadores, história positivista, se
baseia num total empirismo da pesquisa, considerando científico seu método de observação e
descrição dos acontecimentos. A crítica positivista busca, a princípio, assegurar a
autenticidade dos documentos para, em seguida, apresentar seu conteúdo e sintetizar, numa
seqüência aparentemente lógica, os fatos que se desenrolam no tempo. Desta forma os
positivistas buscam encontrar o fato histórico na sua forma pura, tal como apresentado pela
documentação, sem a interferência de juízos ou opiniões por parte do pesquisador. A história
neste molde deve majoritariamente basear-se na documentação escrita, se produzir a partir
dela e manter-se fiel ao conteúdo apresentado pelos documentos.
Este método de pesquisa histórica acaba por privilegiar o particular, o singular e as
durações curtas dos fatos tal como são apresentados pela documentação, em sua maioria
produzida pelo Estado. A história metódica assimila a história à escrita e desta forma restringe
muito o leque de possibilidades de pesquisa. A descrição factual, a história relato será um dos
pontos mais incisivos da crítica dos sociólogos e dos Annales à história metódica. Qualquer
tipo de regularidade, de repetições observadas no decorrer da história são sistematicamente
excluídas do discurso do historiador metódico que se preocupa exclusivamente com o não
repetível, o singular, grandes acontecimentos e grandes nomes da história política.
Este tipo de história tende a atribuir maior importância ao político em detrimento de
outras esferas do conhecimento histórico. O Estado é o centro das observações no século XIX.
A nação recebe atenção especial no contexto de toda a Europa. A história é um dos objetos
privilegiados para propagar o nacionalismo francês e reunir, em torno da pátria, toda a nação.
A história positivista do período serve muito bem a este propósito, com sua ênfase no fato
político-militar nacional. O discurso do historiador é o discurso sobre o poder e o caráter
unificador do Estado. As biografias de grandes políticos são um dos principais pilares da
produção desses historiadores. A revista Revue historique é o principal periódico que
representa, no fim do século XIX e início do XX, a história metódica. Fundada em 1876 por
29
LANGLOIS, Charles-Victor; SEIGNOBOS, Charles. Introduction aux études historiques. Paris : Hachette,
1898.
33
Gabriel Monod, era em torno desta revista que as principais produções ligadas à história
político-militar francesa eram produzidas.
O modelo temporal da escola metódica era, portanto, fundado no evento singular e na
curta duração, caracterizado pela singularidade dos fatos históricos e sua temporalidade bem
definida pela exclusividade e irreversibilidade do evento ou personagem. Este modelo
temporal fechado no evento, em geral político ou militar, é o principal alvo das críticas dos
Annales e da sociologia do início do século à escola metódica. Em comparação com este
modelo temporal, podemos dizer que os Annales, de fato, produziram um novo conceito de
temporalidade histórica.
34
1.4. Lucien Febvre: renovação metodológica da pesquisa histórica e sua implicação na nova
temporalidade.
Comecemos por Lucien Febvre e suas propostas de renovação da metodologia da
pesquisa histórica. Dentre esta renovação metodológica destacaremos alguns pontos
30
: a
“história problema”, a “construção” do fato histórico, a renovação das fontes históricas, a
“história total’ e a interdisciplinaridade.
Estes cinco pontos que discutiremos dizem respeito às inovações metodológicas do
conhecimento histórico, em especial iniciativas de Febvre, e incidem direta ou indiretamente
sobre a modificação da perspectiva temporal da pesquisa histórica. Focamos, em primeiro
lugar, as propostas de Febvre, porque em Bloch buscaremos discutir mais longamente suas
afirmações diretas sobre a modificação da temporalidade histórica. Bloch é o primeiro
historiador dos Annales a abordar de frente a questão. No entanto, a “história problema”, a
“construção” do fato histórico, a renovação das fontes históricas, a “história total’ e a
interdisciplinaridade estão, de fato, muito ligadas à renovação das perspectivas temporais do
historiador. A “história problema” e a construção do fato histórico modificam a perspectiva
temporal da pesquisa na medida em que não mais se utiliza as demarcações temporais da
história tradicional. É a partir dos questionamentos do historiador que vão se definir a duração
dos objetos pesquisados. Os outros pontos, que basicamente derivam da idéia de uma
“história problema” colaboram para que o historiador modifique a forma de conceitualmente
determinar os limites temporais da pesquisa.
A “história problema é uma proposta dos Annales de definição dos objetos de
pesquisa que se opõe à forma como a história tradicional encadeava os fatos de mudança na
duração. Não se trata mais de buscar uma ligação entre fatos aparentemente dispersos em uma
ordem gica, com um sentido único, dispostos cronologicamente numa linha irreversível
onde os diversos fatos históricos se encadeiam no mesmo sentido. Esta forma de narrar os
acontecimentos tal qual foram produzidos, segundo o que apresenta a documentação, é
substituída pela problematização dos temas. Não basta mais narrar o passado: é necessário
questioná-lo, buscar respostas a questões colocadas pelo presente. “A “história-problema”
vem se opor ao caráter narrativo da história tradicional “
31
.
Esta “história-problema” alerta para o fato de que narrar o passado tal qual se deu é
uma empreita infrutífera. Ao contrário, o historiador passa a explicitar constantemente suas
30
Cf. REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. Op. Cit. pp. 73-82.
31
Id. Ibid. p. 73.
35
hipóteses de pesquisa, seus questionamentos à documentação e seus conceitos, com os quais
busca responder a estas questões. Trata-se de uma escolha conceitual do que se busca na
documentação e não mais de uma forma de narrar os fatos nela representados.
A pesquisa histórica, portanto, passa a ser guiada pelos problemas postos pelo
historiador e é a partir deles que se busca definir a documentação, os fatos que se relacionam
com a problemática. Feito este recorte, sempre a partir dos problemas anteriormente
colocados, a pesquisa histórica que se segue são as respostas aos problemas postos de início,
confirmando ou refutando hipóteses. Baseado na “história-problema”, o resultado da pesquisa
se por uma construção teórica da problemática e não mais pela narração objetivista dos
fatos apresentados pela documentação.
As implicações da “história-problema” na temporalidade histórica são bastante
contundentes. O encadeamento necessário dos fatos numa linha cronológica perde o sentido já
que os problemas colocados pelo historiador é que passam a definir a documentação utilizada
na pesquisa, diferente da forma como a história tradicional tratava a documentação, segundo
sua disposição cronológica.
Dessa forma, as respostas dadas às questões colocadas pelo historiador às fontes é que
vão determinar a duração dos fenômenos. O tempo da história se modifica quando o passado é
questionado a partir de problemas colocados pelo presente. Trata-se de uma constante
reordenação, inclusive temporal, do passado, segundo as hipóteses do historiador. A “história-
problema” renova assim as durações trabalhadas pelo historiador segundo os problemas
colocados.
Um desdobramento da “história-problema” é a nova constituição do objeto de
pesquisa que passa de mera narração do passado para construção do mesmo. O passado deixa
de ser fato dado para passar a ser reconstruído com base no questionário do historiador. O
historiador deixa de lado a ilusão da busca do fato em seu estado bruto tal qual apresentado
pela documentação em favor de uma construção teórica, baseada nas questões do presente
postas pelo historiador. Trata-se da negação por parte do historiador de cumprir a função de
colecionador de fatos. Assim esta investigação do passado constrói, baseada no presente, os
fatos aplicáveis às respostas e comprovação das hipóteses do historiador. Nas palavras de
Febvre: “Élaborer un fait, c’est construire. Si l’on veut, c’est à une question fournir une
réponse. Et s’il n’y a pas de question, il n’y a que du néant. ”
32
.
32
FEBVRE, Lucien. “De 1892 à 1933. Examen de conscience d’une histoire et d’un historien.” In: Combats
pour l’histoire. Op. Cit. p.07.
36
Outra inovação importante do discurso dos Annales é a ampliação do conceito de fonte
histórica. A história tradicional, como já foi dito, ligava o conhecimento que poderia produzir
aos textos que eram exclusividade como fontes. Excluindo a história antiga, que fazia uso
da arqueologia, e a pré-história conceito equivocado segundo Febvre, que produz
conhecimento histórico tal qual uma história moderna ou contemporânea a história não
utilizava outros tipos de fontes além da documentação escrita, em geral documentação oficial,
produzida pelo Estado. Com os Annales, outros tipos de vestígios da atividade humana
passaram a ser considerados como fonte para a história: a própria arqueologia recebeu um
impulso com os Annales assim como a literatura em geral, a iconografia, as estatísticas, os
arquivos jurídicos, alfandegários e contábeis e até mesmo os cálculos, principalmente no que
diz respeito à história econômica.
Este alargamento do material que passa a fazer parte das fontes do historiador
proporciona não avanços para a história antiga e medieval com a arqueologia, mas também
uma melhor compreensão da sociedade e principalmente da cultura nos períodos moderno e
contemporâneo, por meio da literatura e da iconografia. Febvre dá a dimensão da passagem de
como a história tradicional fazia uso das fontes e como os Annales renovam o leque de
possibilidades neste sentido:
[...] Et pas seulement ces documents d’archives en faveur de qui on crée un privilège
le privilège d’en tirer, comme disait cet autre, un nom, un lieu, une date ; une date,
un nom, un lieu tout le savoir positif, concluait-il, d’un historien insoucieux du
réel. Mais un poème, un tableau, un drame : documents pour nous, témoins d’une
histoire vivante et humaine, saturés de pensée et d’action en puissance...
33
São consideradas também como possíveis fontes para a história, com os Annales, o
material produzido por outras disciplinas como a estatística, a demografia, a lingüística e a
psicologia. Essas disciplinas produzem um material muito rico para a “história nova” que,
“Elaborar um facto é construir. Se se quiser, é fornecer uma resposta a uma pergunta. E se não há pergunta, só
o nada.”
FEBVRE, Lucien. “De 1892 a 1933: Exame de consciência de uma história e de um historiador”. In: Combates
pela história. Op. Cit. p. 20.
33
FEBVRE, Lucien. “De 1892 à 1933. Examen de conscience d’une histoire et d’un historien.” In: Combats
pour l’histoire. Op. Cit. p.12.
[...] “E não os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio o privilégio de daí tirar, como
dizia o outro*, um nome, um lugar, uma data; uma data, um nome, um lugar todo o saber positivo, concluía
ele, de um historiador indiferente ao real. Mas, também, um poema, um quadro, um drama: documentos para
nós, testemunhos de uma história viva e humana, saturados de pensamento e de ação em potência...”
FEBVRE, Lucien. “De 1892 a 1933: Exame de consciência de uma história e de um historiador”. In: Combates
pela história. Op. Cit. p. 24.
* “O físico Boisse”.
37
como vimos, interessa-se por objetos bastante distintos e variados em comparação com a
história política tradicional.
Além da “história-problema”, do fato histórico como construção e do alargamento do
leque de fontes históricas, vale citar um quarto ponto característico da história produzida
pelos Annales: a “história total”.
Segundo José Carlos Reis
34
, a idéia de “história total ou global” dos Annales pode ter
duas acepções diferentes. Uma de que todo o passado, em qualquer dimensão, tem o valor de
fato histórico. Dessa forma, dependendo da questão colocada pelo historiador, os mais
diversos aspectos do passado são passíveis de se tornarem objetos de análise. Tem-se,
portanto, a idéia de que tudo é história, nada escapa ao ofício do historiador e todos os objetos
que fazem parte da atuação dos homens são dignos de estudo. Esta proposta apresenta-se
como um grande alargamento do campo histórico frente à história política tradicional. Além
do político, entram em cena as dimensões econômica, social, cultural, religiosa, etc. Ainda,
segundo Reis, os Annales falharam no projeto deste tipo de história total ao excluir de seus
trabalhos o aspecto político.
Uma segunda interpretação desta “história total” dos Annales é a de buscar conhecer
uma época em sua totalidade. Este tipo de “história total” pressupõe um princípio unificador
que sentido às várias instâncias do real num mesmo período. As monografias regionais de
certa forma partem deste princípio que pode, inclusive, parecer paradoxal em relação à
“história-problema”, que anulam questionamentos específicos em favor de uma busca do
todo. A busca de conjuntos totais de história pode ser encontrada nas obras de ambos os
fundadores dos Annales. Em sua obra Le problème de l’incroyance au XVIe siècle la
religion de Rabelais
35
, Febvre busca um aspecto mental comum da época de Rabelais, na
tentativa de afirmar ser intelectualmente impossível o ateísmo no século XVI. Bloch em sua
obra La société féodale
36
busca abarcar toda uma sociedade, por sinal numa duração bem
longa.
Não há, no entanto, uma interpretação definitiva do que se trata a “história total” dos
Annales. As possibilidades anteriores aparecem conjuntamente nos textos dos fundadores.
Mais tarde Fernand Braudel afirmará uma “história total” que se caracteriza pela dialética
entre os três níveis temporais – longa duração, conjuntura e curta duração. Todas estas formas
que podem se apresentar esta “história total” têm em comum a característica de produzir
34
REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. Op. Cit. pp. 78-81.
35
FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au XVIe siècle la religion de Rabelais. Paris : A. Michel.
1962.
36
BLOCH, Marc. La société féodale. Paris : Editions Albin Michel, 1982. (Primeira edição 1939,1940).
38
pesquisas muito extensas, com quantidades exaustivas de dados e informações, pesquisas de
muito fôlego.
Um quinto ponto da renovação da história proposto pelos Annales, que de certa forma,
sintetiza os itens anteriores, é a interdisciplinaridade. Da união da história com as ciências
sociais temos o “espírito” dos Annales. Essa relação de trocas metodológicas, sempre tensas,
era buscada antes mesmo dos Annales, no projeto de Henri Berr e também de François
Simiand. Esta interdisciplinaridade ainda não pressupõe, contudo, um método comum das
ciências do homem: trata-se de uma troca de conceitos, técnicas e métodos entre as
disciplinas, cada qual mantendo sua especificidade, e tendo em comum o objeto “homem
social”, que na história é considerado na perspectiva das durações. Este ponto foi muito
evidenciado nos escritos metodológicos de Febvre que buscava constantemente
descaracterizar as compartimentações das ciências humanas. Segundo Febvre, é necessário:
Entre disciplines proches ou lointaines, négocier perpétuellement des alliances
nouvelles; sur un même sujet concentrer en faisceau la lumière de plusieurs sciences
hétérogènes: tâche primordiale, et de toutes celles qui s’imposent à une histoire
impatiente des frontières et des cloisonnements, la plus pressante sans doute et la plus
féconde.
37
Da união da história com outras ciências do homem surgiram colaborações como:
história econômica, geo-história, história antropológica, etc. A união e a colaboração entre as
ciências do homem caracterizam o projeto dos Annales ao longo de sua história. Podemos
encontrar em Febvre o grande manifesto contra a compartimentação das ciências humanas e a
favor da interdisciplinaridade em uma carta de 1933, Contre l’esprit de spécialité
38
.
Febvre não discute diretamente as novas orientações temporais da história. No entanto,
pode-se notar seu grande esforço em denunciar as falhas e insuficiências do conceito de
tempo da história tradicional em seus escritos de cunho metodológico, em especial os
reunidos em Combates pela História. Ao criticar o modelo temporal da história tradicional,
Febvre questiona que, partindo-se de interrogações do presente, com a “história problema”, o
passado também passa a se revelar como desvio e acaso, descontinuidade e ruptura, e não
37
FEBVRE, Lucien. “De 1892 à 1933. Examen de conscience d’une histoire et d’un historien.” In: Combats
pour l’histoire. Op. Cit. p. 14.
“Negociar perpetuamente novas alianças entre disciplinas próximas ou longínquas; concentrar em feixe sobre um
mesmo assunto a luz de várias ciências heterogéneas: tarefa primordial, e sem dúvida a mais premente e a mais
fecunda das que se impõem a uma história impaciente com as fronteiras e as compartimentações.”
FEBVRE, L. De 1892 a 1933: Exame de consciência de uma história e de um historiador”. In: Combates pela
história. Op. Cit. p. 24.
38
FEBVRE, Lucien. “Contre l’esprit de spécialité. Une Lettre de 1933”. In: Combats pour l’histoire. Op. Cit.
pp. 103-105.
39
mais exclusivamente como uma cadeia de fatos que se sucedem necessariamente. Esta nova
forma de considerar o tempo histórico como não-uniforme é, em parte, efeito das grandes
transformações pelas quais a ciência atravessa na passagem do século XIX para o XX.
Febvre parte da idéia de que a função do historiador não é reconstituir e sim
reconstruir o passado, quando afirma o fato histórico como construção, tendo como base que a
pesquisa histórica deve partir de questionamentos e hipóteses para reconstruir, desta forma, o
passado e não tentar reconstituí-lo, apresentar o que de fato se passou, com os eventos em seu
estado puro. Assim, Febvre diferencia o tempo da experiência vivida, irrecuperável, do tempo
da pesquisa histórica, que se caracteriza pela resposta aos questionamentos e confirmação ou
refutação de hipóteses. A pesquisa histórica parte, portanto, do presente para conhecer o
passado. Presente e passado dialogam na pesquisa histórica, mas guardam sua exclusividade
no tempo vivido.
Uma obra essencial para compreendermos a temporalidade histórica em Lucien Febvre
é Le problème de l’incroyance au XVIe siècle. La religion de Rabelais. Esta obra é talvez o
maior exemplar de uma história problema” e segundo Peter Burke é uma das obras
históricas mais fecundas publicadas neste século”
39
.
Le problème de l’incroyance au XVIe siècle parte de um estranhamento de Febvre
sobre uma hipótese de Abel Lefranc na qual o autor afirmava que Rabelais era de fato um ateu
e buscava, por meio de seus escritos, executar fortes críticas ao cristianismo. Para Febvre,
Lefranc cometeu não apenas um erro interpretativo como um anacronismo. Segundo Febvre:
Or, pour Abel Lefranc, point d’hésitation. Dès 1532, le père spirituel de Panurge était
un ennemi du Christ, un athée militant. Lui [Rabelais], un adepte plus ou moins timoré
de la Réforme? Allons donc!
40
Febvre segue então na busca de refutar a hipótese de Lefranc, afirmando que Rabelais
fazia críticas à Igreja da baixa Idade Média, mas não era um ateu militante como defendia
Lefranc. A obra de Febvre, no entanto, não se resume a refutar as idéias de Lefranc: coloca
então o problema da impossibilidade de haver um ateísmo racionalizado no século XVI. Passa
ao estudo da mentalidade coletiva deste século, sob a questão da possibilidade ou não da
39
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. Tradução: Nilo
Odalia. São Paulo : Fundação Editora da UNESP, 1997. p. 39.
40
FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au XVIe siècle: La religion de Rabelais. Op. Cit. p. 15.
“Ora, para Abel Lefranc, não qualquer hesitação. Desde 1532, o pai espiritual de Panurgo era inimigo de
Cristo, um ateu militante. Quem? Rabelais, um adepto mais ou menos tímido da Reforma? Ora, vamos!”
MOTA, Carlos Guilherme. L. Febvre : história. Trad. Adalberto Marson, Paulo Salles Oliveira e Maria Elisa
Masccarenhas. São Paulo : Ática, 1978. p. 34. (Coleção: Grandes cientistas sociais ; 2.)
40
descrença no período. Esta obra é também considerada principal inspiradora das obras sobre
mentalidades coletivas produzidas pelos Annales a partir da década de 60.
Vale notar que os pontos em que Febvre indica novas direções metodológicas para a
pesquisa histórica, discutidos anteriormente, estão presentes nesta obra, a começar pela
“história problema”: Febvre questiona se, de fato, é possível a descrença no século XVI e
parte da hipótese de que o “instrumental intelectual” da época não permitia tal ateísmo
racionalizado. Está também caracterizado um impulso para a história total, posto que Febvre
fala sobre “os homens do século XVI” e sua religião como um princípio unificador da
sociedade daquele século. Esta característica de história total da obra foi, inclusive, alvo de
críticas
41
, pois ao falar dos “homens do século XVI”, Febvre deu pouca importância às
diferenças de classe, gênero, entre outras particularidades dos “homens do século XVI”. O
fato histórico como construção também está presente na obra, já que Febvre reconstrói este
passado analisando os escritos de Rabelais e de outros autores do século XVI de forma crítica,
não reproduzindo o passado nem intencionando reconstituí-lo como se deu, mas observando a
documentação a partir de seus questionamentos. Por fim vale lembrar a interdisciplinaridade,
que a lingüística esteve presente ao longo de toda a obra e foi principalmente importante
para revelar que o “instrumental intelectual” o comportava, ou mesmo ignorava certos
conceitos, até mesmo o de “ateu”, que segundo Febvre possuía uma interpretação livre,
bastante diferente da palavra contemporânea.
A ampliação do campo de investigação de Febvre que parte de Rabelais e expande sua
pesquisa para toda uma mentalidade do século XVI é de extrema importância para a
compreensão de seu papel na renovação da temporalidade histórica.
O que caracteriza a obra de Febvre é a tentativa de superação do evento, na figura de
Rabelais, inserindo seu pensamento num campo mais amplo da mentalidade do século XVI.
Febvre busca, desta forma, realizar uma pesquisa numa temporalidade mais longa. É, de fato,
uma nova compreensão do tempo histórico. Febvre, em seus combates contra a temporalidade
da história tradicional, propõe uma nova compreensão do evento psicológico, intelectual, no
caso na figura de Rabelais e tenta superá-lo, ampliando seu pensamento para o campo mais
amplo das mentalidades coletivas.
A pesquisa parte do evento intelectual, de Rabelais:
41
Principalmente de FRAPPIER, J. “Sur Lucien Febvre et son interprétation psychologique du 16e siècle”
Mélanges Lebègue. 1969. APUD BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da
historiografia. Op. Cit. p. 42.
41
La démarche s’imposait, que nous allons suivre: centrer l’enquête sur un homme,
choisi non seulement parce qu’il demeure célèbre, mais parce que l’état des
documents qui permettent de reconstituer sa pensée, parce que les déclarations que
cette œuvre contient, parce que les significations mêmes de cette œuvre semblent la
qualifier spécialement pour une pareille étude. Cet homme: François Rabelais.
42
Mas a pesquisa não termina e é então que o papel da nova temporalidade histórica, que
busca superar o evento, se impõe: “mais c’est toute la conception du XVIe siècle humaniste
qui se trouve remise en cause. D’un mot, c’est tout un siècle à repenser”.
43
Febvre busca na figura de Rabelais, em sua obra uma “lupa” que permite conhecer o
século XVI. Febvre o como um homem que é o exemplo de seu século, um representante
da mentalidade de então: “D’un mot, pourquoi Rabelais: Parce que toute étude attentive du
roman et de la pensée rabelaisienne met en cause, par delà l’œuvre même, l’évolution totale
du siècle qui le vit naître. Qui le fit naître.”
44
Portanto, em Le problème de l’incroyance au XVIe siècle. La religion de Rabelais,
Febvre busca analisar a mentalidade coletiva de um período, mas parte de um personagem
para tanto. Sua posição quanto à temporalidade histórica ainda é a de que parte do evento, em
seu caso intelectual, para inseri-lo na estrutura de pensamento de uma época. O grande evento
intelectual, o mais exemplar produto de uma época não é apenas um evento entre outros, ele é
parte e tem papel central numa estrutura mental maior, que engloba todo o pensamento do
século. É através da obra de um grande “espírito” de uma época que se revela seus caracteres
mais importantes.
Febvre mais aplicou que teorizou estes movimentos da passagem do evento à longa
duração. Seu tempo histórico ainda conserva o evento como ponto de partida da pesquisa,
antes da busca pela mentalidade coletiva. Nesse ponto, Febvre e Bloch se diferenciam, que
o segundo, sob maior influência da sociologia, parte já das estruturas em suas pesquisas. De
qualquer forma, o tempo histórico de Febvre se diferencia substancialmente da
42
FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au XVIe siècle: La religion de Rabelais. Op. Cit. p. 11.
“Impunha-se traçar o procedimento que ora vamos seguir: centralizar a investigação sobre um homem, escolhido
não somente porque se tornou célebre, mas porque o estado dos documentos que permitem reconstituir seu
pensamento, as declarações que esta obra contém e as próprias significações desta obra parecem qualificá-lo de
forma especial a um estado dessa natureza. Este homem: François Rabelais.”
MOTA, Carlos Guilherme. L. Febvre : história. Op. Cit. p. 31.
43
FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au XVIe siècle: La religion de Rabelais. Op. Cit. p. 11.
“Entretanto, é toda a concepção do século XVI humanista que se acha em questão. Numa palavra, é todo um
século para se repensar.”
MOTA, Carlos Guilherme. L. Febvre : história. Op. Cit. p. 31.
44
FEBVRE, Lucien. Le problème de l’incroyance au XVIe siècle: La religion de Rabelais. Op. Cit. p. 13.
“Em suma, por que Rabelais? Porque qualquer estudo atento do romance e do pensamento rabelaisiano põe em
causa, além da obra em si, a evolução total do século que o viu nascer. Que o fez nascer.
MOTA, Carlos Guilherme. L. Febvre : história. Op. Cit. p. 32.
42
temporalidade histórica da história tradicional, focando estruturas de longa duração após
partir do evento.
43
1.5. Marc Bloch: primeiras considerações conceituais sobre o novo tempo histórico nos
Annales.
Marc Léopold Benjamim Bloch foi, junto com Lucien Febvre, fundador da revista dos
Annales. É reconhecido principalmente pelas disposições metodológicas que desenvolveu e
que nortearam por muito tempo as pesquisas desenvolvidas pelo grupo de historiadores,
sociólogos, economistas, entre profissionais de outras áreas do conhecimento, reunidos em
torno da revista. O trabalho de Bloch reflete bem a interação das ciências sociais do fim do
século XIX e início do século XX - principalmente de Émile Durkheim e François Simiand -
com a disciplina histórica. Seu interesse preferencial pelas “estruturas” mentais, sociais e
econômicas afigura-se como alicerce de sua obra.
Vale ressaltar que Bloch, ao longo de sua carreira de historiador, apresentou forte
influência da sociologia durkheimiana, principalmente no que diz respeito ao espaço cedido a
esfera do coletivo em detrimento do singular. Bloch, em suas obras, buscou retirar os fatos de
sua singularidade para inseri-los em um conjunto, uma relação de parentesco entre fatos
semelhantes para, dessa forma, torná-los mais fixos, regulares, passiveis de observação e
análise:
Aussi bien, quand, dans le cours de l’évolution humaine, nous croyons discerner entre
certains phénomènes ce que nous appelons un e parenté, qu’entendons-nous par là,
sinon, que charque type d’institutions, de croyances, de pratiques ou même
d’événements, ainsi distingué, nous paraît exprimer une tendance particulière, et
jusqu’à un certain point, stable, de l’individu ou de la sociéte? [...] Il en résulte
nécessairement qu’on comprendra toujours mieux un fait humain, quel qu’il soit, si on
possède déjà l’intelligence d’autres faits de même sorte.
45
Segundo José Carlos Reis, o método durkheimiano “considera, portanto, os fatos
individuais em sua regularidade social
46
. Segundo Bloch, o estudo de fatos isolados, antes
de revelar um todo estrutural, não revela nem mesmo os próprios fatos
47
. Dessa forma, um
estudo científico das regularidades se impõe. Assim, Bloch em suas obras dá ênfase às
estruturas sociais, econômicas e mentais onde os fatos e indivíduos são considerados
primeiramente como expressão dos movimentos das estruturas, que podem se modificar
45
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 73.
“Do mesmo modo, quando, ao longo da evolução humana, acreditamos discernir entre certos fenômenos o que
chamamos um parentesco, o que entendemos por isso senão que cada tipo de instituições, de crenças, de práticas,
ou mesmo de acontecimentos assim distinguidos, parece exprimir uma tendência particular e, até certo ponto,
estável do indivíduo ou da sociedade? [...] Resulta daí necessariamente que compreenderemos sempre melhor
um fato humano, qualquer que seja, se já possuirmos a compreensão de outros fatos do mesmo gênero”.
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p. 129.
46
REIS, José Carlos. Escola dos Annales – A inovação em história. Op. Cit. p. 45.
47
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 78.
44
em um tempo muito diferente do tempo da vida humana, em um tempo muito mais lento, de
longo termo. Esta é, em linhas gerais, a principal contribuição da sociologia durkheimiana
para o pensamento de Bloch.
Um segundo ponto importante da influência do pensamento durkheimiano sobre Bloch
diz respeito à proposta de uma história comparada. Em 1928, Bloch propõe um programa de
história comparada das sociedades européias
48
. A forma como os sociólogos durkheimianos
adotam a comparação como fundamentação científica chamou a atenção de Bloch que buscou
trazer para a história esta proposta, ainda que de forma modificada, propondo comparar
sociedades européias que apresentem certa similitude. Evitando anacronismos, Bloch afirma
que a comparação em história deve se executar entre sociedades do mesmo tipo (proximidade
espaço-temporal) e não como comumente o fazem sociólogos ao comparar “sociedades
primitivas” com o passado da sociedade ocidental. É, portanto, indispensável para a
comparação em história, segundo Bloch, uma proximidade espaço-temporal entre as
sociedades comparadas.
A função desta história comparada é a de permitir ao historiador reconhecer as causas
de similitudes e diferenças entre as sociedades comparadas assim como de poder transgredir
fronteiras nacionais que muitas vezes não se aplicam a determinados objetos de estudo, assim
como a épocas onde as fronteiras são diferentes, como na Idade Média. Além da alteração
temporal da pesquisa, que trabalha sincronicamente com as sociedades, a história
comparada proporciona uma ampliação do horizonte de aplicação das hipóteses do
historiador. É significativa a forma como Bloch não separa elementos da história francesa do
resto da história européia. Em sua obra Rois thaumaturges
49
, Bloch recorre constantemente à
comparação, com o fim de explicitar as diferenças e exclusividades, entre o toque real
realizado na França e na Inglaterra, países onde o toque real era investido, acreditava-se, do
poder de cura.
Em Apologia da história, ou, O ofício de historiador, encontramos as principais
formulações de nosso autor sobre o tema das interações entre temporalidade e história. É neste
livro que Bloch expõe de forma sistemática os métodos que utilizou durante sua carreira de
historiador. Nas palavras de Bloch, “Il y a en lui, je l’avoue, une part de programme”.
50
48
BLOCH, Marc. “Pour une histoire comparée des sociétés européennes” (1928). Mélanges historiques, vol. 1 :
Paris, 1963.
49
BLOCH, Marc. Rois thaumaturges: etude sur le caractere surnaturel attribue a la puissance royale
particulierement en france et en algleterre. Paris : Gallimard, 1983.
50
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. XVII.
“Há nele, confesso, um lado de programa.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit p. 49.
45
O primeiro capítulo da obra é intitulado A história, os homens e o tempo
.
Este tempo
de que fala Bloch é fundamentalmente o da continuidade, da permanência. A dificuldade que
a história, já no início do século XX, tem de se desvincular dos eventos superficiais é
denunciado por nosso autor, que busca enfatizar em suas obras uma realidade mais profunda,
menos episódica da história. Essa ligação da história com os eventos de superfície deve-se,
segundo Bloch, à ciência histórica estar ainda numa fase infantil. Como entreprise raisonnée
d’analyse”
51
, tem muito pouco tempo de vida, em comparação com suas formas narrativas,
“não científicas”.
Discorrendo sobre como algumas ciências fazem da categoria do tempo meramente
uma medida, Bloch mostra como para a disciplina histórica o tempo tem uma importância
notória:
Réalité concrète et vivante rendue à l’irréversibilité de son élan, le temps de l’histoire,
au contraire, est le plasma même où baignent les phénomènes et comme le lieu de leur
intelligibilité.
52
Baseando-nos nesta passagem, podemos notar a importância cedida à questão do
tempo em sua obra. A categoria do tempo é requisito a qualquer objeto que se queira
histórico, posto que se trata, invariavelmente, do meio no qual se desenvolve a matéria
histórica. Fora do tempo não história. Como exemplo, mesmo quando fala sobre durações
muitíssimo longas, como a da escatologia cristã universal, entre a Queda e o Juízo, Bloch
mostra que as escatologias individuais, a vida individual, cada “peregrinação” particular não
são mais que “reflexos” da duração maior da escatologia universal. Não é a soma das vidas
individuais que formam a duração compreendida entre Queda e Juízo: estas são apenas
“reflexos” de uma duração muito mais longa. Tem-se um exemplo do “plasma onde se
engastam os fenômenos” individuais. O tempo, portanto, é esta realidade que encerra os
fenômenos históricos, desde duração curta como a das vidas individuais até de duração muito
longa como o da escatologia universal cristã.
Assim como não história fora do tempo, também, para Bloch, não história sem
“homens”. Ao contrário de uma história que buscava investigar qualquer tipo de mudança na
duração, confundindo a história com outras disciplinas como a geografia ou a biologia,
Bloch afirma que o homem deve estar no centro, deve ser o fator determinante pra que um
51
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. XIV.
“Empreendimento racional de análise.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p. 47.
52
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 05.
“Realidade concreta e viva, submetida à irreversibilidade de seu impulso, o tempo da história, ao contrário, é o
próprio plasma em que engastam os fenômenos e como o lugar de sua inteligibilidade.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p. 55.
46
objeto se apresente como histórico. Utiliza inclusive uma metáfora do bom historiador como
caçador de carne humana, pois sabe que se encontra seu objeto. Historiador também das
sociedades agrárias, nosso autor chama a atenção para as mudanças provocadas pelo homem –
portanto, objeto de história no meio em que semeia e cria seus animais. Nem todas as
mudanças ocorridas no meio são objetos de história: somente aquelas em que o historiador
reconhece o trabalho humano como fator de mudança. É nesta intersecção da geografia e da
história em que notamos uma das principais interações interdisciplinares objetivadas desde o
início dos Annales. Portanto, o objeto da história é, por excelência, o humano:
Il y a longtemps, en effet, que nos grands aînés, un Michelet, un Fustel de Coulanges
nous avaient appris à le reconnaître: l’objet de l’histoire est par nature l’homme.
Disons mieux: les hommes. Plutôt que le singulier, favorable à l’abstraction, le pluriel,
qui est le mode grammatical de la relativité, convient à une science du divers.
53
Nota-se, nesta frase, a importante diferenciação que faz Bloch entre “abstração” e
“relatividade”. Encontramos aqui – além da referência ao conceito de relatividade das ciências
exatas, assunto muito em voga na década de 40 uma diferenciação entre a forma de abordar
“o homem” das ciências sociais e a forma de abordar “os homens” da história. Bloch nega a
forma abstrata das estruturas imutáveis do homem, buscadas por alguns ramos da sociologia,
em favor das estruturas que, apesar de lentamente, apesar das permanências, mudam, sob o
olhar atento do historiador. Trata-se de relativizar o objeto por excelência da história, o
homem, ao invés de torná-lo abstração; negar “o homem” independente de seu tempo,
buscando “os homens” relativos aos seus tempos. Esta diferenciação entre abstrato e relativo
não diz respeito somente ao objeto “homens”: diz respeito também a idéia de tempo em
sociologia e em história. Não se trata de um tempo abstrato, de estruturas imutáveis, e sim de
um tempo relativo ao dos fenômenos, à duração em que as estruturas permanecem inertes ou
mudam.
“Ciência da diversidade”, da mudança, mas, também, da permanência, do que se
repete. Marc Bloch é um dos primeiros historiadores a produzir uma história da permanência.
Esta é, inclusive, a principal característica da mudança na relação do tempo da história
produzida pelo grupo dos Annales. Em suas obras, Bloch parte de estruturas de longa duração,
principalmente formadas pelas permanências, para mostrar seus movimentos e suas
53
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 04.
“Há muito tempo, com efeito, nossos grandes precursores, Michelet, Fustel de Coulanges, nos ensinaram a
reconhecer: o objeto da história é, por natureza, o homem. Digamos melhor: os homens. Mais que o singular,
favorável à abstração, o plural, que é o modo gramatical da relatividade, convém a uma ciência da diversidade.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p. 54.
47
mudanças, além, é claro, do que não muda ou muda somente com muita lentidão. A força de
inércia de certas estruturas, até então objeto rejeitado pela historiografia, passa a ter lugar
central nas preocupações dos novos historiadores. Quando escreve uma de suas principais
obras, A sociedade feudal, Bloch define seu estudo da seguinte forma: “[...] c’est l’analyse et
l’explication d’une structure sociale, avec ses liaisons, qu’on se propose de tenter ici.”
54
. As
estruturas colocadas em primeiro plano, em detrimento dos eventos e das vidas particulares.
Destas duas características do objeto histórico – estar inserido na duração e ser relativo
aos homens – Bloch produz sua definição da disciplina histórica:
“Science des hommes”, avons-nous dit. C’est encore beaucoup trop vague. Il faut
ajouter: “des hommes dans le temps”. L’historien ne pense pas seulement “humain”.
L’atmosphère aù sa pensée respire naturellement est la catégorie de la durée.
55
Bloch é o primeiro historiador a refletir sobre a temporalidade da Nouvelle Histoire.
Sobre esta questão, busca uma conciliação entre o permanente e a mudança. O conceito de
estrutura social, importado das ciências sociais, traz para a história a possibilidade de se
pensar historicamente longos períodos de tempo, resistências, inércias, sem, no entanto,
perder a especificidade da disciplina histórica da mudança, do novo:
Or, ce temps véritable est, par nature, un continu. Il est aussi perpétuel changement.
De l’antithèse de ces deux attributs viennent les grands problèmes de la recherche
historique. Celui-ci avant tout autre, qui met en cause jusqu’à la raison d’être de nos
travaux..
56
Podemos notar a ênfase de Bloch nos aspectos duradouros, no tempo como
naturalmente um continuum. A perpétua mudança são os eventos que, ainda que delegados ao
segundo plano em sua obra se apresentam como sinais reveladores do funcionamento das
54
BLOCH, Marc. La société féodale. Op. Cit. p. 10.
“[...] o que nos propomos tentar aqui é a análise e a explicação de uma estrutura social, com suas conexões”
BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Tradução: Emanuel Lourenço Godinho. Lisboa : Edições 70, 1973. p. 15.
55
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 04.
”Ciência dos homens”, dissemos. É ainda vago demais. É preciso acrescentar: dos homens, no tempo”. O
historiador não apenas pensa “humano”. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente é a categoria
da duração.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p. 55.
56
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 05.
“Ora, esse tempo verdadeiro é, por natureza, um continuum. É também perpétua mudança. Da antítese desses
dois atributos provêm os grandes problemas da pesquisa histórica. Acima de qualquer outro, aquele que
questiona até a razão de ser de nossos trabalhos.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p.55.
48
estruturas colocadas em primeiro plano. O tempo continuum é quase um tempo naturalizado
das ciências físicas, como o é também na escola durkheimiana, mas, em Bloch, esse tempo
quase naturalizado é cortado por durações mais ou menos lentas, permanências e
transformações, fazendo dos eventos e das vidas individuais meros indicadores do movimento
mais longo e menos evidente das estruturas.
É esse continuum, característica do tempo natural, irreversível; e a mudança,
especificidade do discurso do historiador, destes dois atributos, temos a temporalidade da
história segundo Marc Bloch.
O tempo histórico para Bloch é, portanto, mais estruturado. Em suas obras, Bloch
parte desde o início da investigação sob a égide da longa duração. É nisto que Bloch e Febvre
diferem quanto à temporalidade histórica. Febvre parte de um evento, em geral intelectual,
para encontrar uma estrutura de pensamento numa duração mais longa. Para ele, um evento
original é exemplar e serve de “lupa” para se conhecer melhor todo um período. Bloch, ao
contrário, parte do estudo dos movimentos de longa duração e é neste estudo estrutural que
inclui vários eventos, nenhum, no entanto, com importância destacada, ou como início factual
da pesquisa.
Febvre e Bloch tinham diferentes maneiras de lidar com a temporalidade histórica,
mas podemos encontrar em ambos a tendência a buscar os movimentos de longa duração. De
formas diferentes, ambos buscavam superar a história predominantemente factual. Superar o
evento a partir da influência dos métodos das ciências sociais era a perspectiva comum dos
primeiros Annales.
Apesar de tendências diferentes, o pensamento sobre a temporalidade histórica entre
os fundadores dos Annales se completava, ou ao menos não se excluíam. Nas décadas de 30,
40 e 50, a história produzida por pesquisadores ligados ao grupo dos Annales esteve mais
próxima do modelo blochiano de temporalidade histórica, mais estruturais, partindo da
longa duração. Fernand Braudel, de certa forma, busca incluir ambas as tendências em seus
trabalhos, ainda que se posicione mais próximo do modelo blochiano. Também Le Roy
Ladurie e Pierre Chaunnu tendem mais à temporalidade como proposta por Bloch. O
primeiro, de fato, buscando uma história estrutural, de permanências e constâncias. Chega a
falar até mesmo de uma “história imóvel”. O segundo incluindo os ciclos de média duração,
principalmente ciclos econômicos, em estruturas de longa duração, principalmente em sua
obra Seville et l’Atlantique. A partir da década de 60 e 70, o modelo temporal febvriano, do
evento estruturado, volta a aparecer nas obras de historiadores como Jacques Le Goff e
Georges Duby.
49
O núcleo de nossa pesquisa agora passa a ser a compreensão do tempo histórico em
Fernand Braudel, figura chave na articulação entre os primeiros Annales e a chamada
“terceira geração”, pós-braudeliana. Braudel foi o principal representante dos Annales a se
dedicar a forma como a Nova História trabalha a questão da temporalidade, com ênfase na
longa duração. Foi ele que sistematizou de forma mais objetiva a importância do conceito de
longa duração para a História Nova.
50
Capítulo 2
O tempo em O Mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II
51
2.1. A temporalidade histórica dos fundadores e a inovação braudeliana.
Após apresentar um panorama das primeiras considerações sobre o tempo histórico,
ainda nas obras dos fundadores do grupo dos Annales, passemos ao personagem núcleo de
nossa pesquisa: Fernand Braudel.
O nome de Braudel evoca quase sempre epítetos elogiosos e, segundo alguns autores,
a figura de Braudel está entre as principais do meio intelectual em nível mundial no século
XX. Nascido em 1902, em Lumeville - Onois, na Lorena Francesa, estudou na Sorbonne,
lecionou na França, Argélia, Brasil e Estados Unidos, além de algumas passagens pela Itália.
Para elaboração de sua tese, pesquisou arquivos em Simancas, Gênova, Florença, Palermo,
Veneza, Marselha e Dubrovnik. Permaneceu a maior parte da Segunda Guerra preso perto de
Lübeck, e foi neste momento de insegurança, imobilidade e falta de acesso às fontes
recolhidas nos anos anteriores que foi capaz de rascunhar sua tese em cadernos que eram
enviados a Lucien Febvre, então seu amigo. É desnecessário aprofundarmo-nos em uma
descrição pormenorizada de uma figura tão conhecida, ao menos parcialmente, entre os
historiadores. Tal descrição poderia também nos afastar de nosso objetivo principal: analisar a
proposta de modificação da forma como os historiadores se utilizam da temporalidade
histórica.
Cabe relacionar, retomando o capítulo anterior, a forma como a proposta dos
fundadores dos Annales interage em alguns pontos e se diferencia em outros da perspectiva
temporal da história proposta por Fernand Braudel, a qual intitulou “dialética da duração”.
Braudel dedica sua tese, “A Lucien Febvre, sempre presente, em testemunho de
reconhecimento e filial afeição”. A relação de amizade e cumplicidade teórica entre os autores
em questão fica ainda mais clara na resenha que Febvre publicou sob o título Un livre qui
grandit: La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II
57
, na qual
expôs sua admiração ao jovem historiador. O próprio título da tese de Braudel foi, em parte,
indicação de Febvre que sugeriu a inversão dos personagens históricos que habitam o livro,
segundo sua grandeza: não mais Felipe II e o Mediterrâneo, e sim, o Mediterrâneo e Felipe II.
Além da identificação teórica, devemos ressaltar também a política: Braudel sucedeu Febvre
na direção da Revista dos Annales e manteve o programa de renovação da história proposto
pelos fundadores como paradigma da nova fase da revista. Vale ressaltar que a passagem da
chamada primeira e segunda geração dos Annales é caracterizada pela correspondência das
57
FEBVRE, Lucien. “Un livre qui grandit: La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe
II”. Revue historique, vol. 203, 1950, pp. 216-24.
52
propostas, enquanto a passagem da terceira geração, que não pretendemos analisar em
nossa pesquisa, se caracteriza pela ruptura, ao menos parcial, com a proposta de renovação da
história de Lucien Febvre e Marc Bloch, como podemos notar na tese de François Dosse
58
.
Sobre este ponto podemos destacar a forma como é usualmente divido o grupo dos
Annales, ou seja, em gerações. As disposições metodológicas, as abordagens, os objetos;
enfim, a proposta historiográfica do grupo, apesar da unidade conferida pela revista, varia
conforme as “gerações”. Um segundo ponto diz respeito às estruturas de sociabilidade dos
subgrupos intelectuais. François Sirinelli cita que entre as estruturas mais elementares está a
revista. É em torno da revista fundada em 1929 por Lucien Febre e Marc Bloch que se une o
grupo dos Annales. A análise das relações sociais, afetivas, políticas, entre outras, podem ser
reveladas segundo a indicação de Sirinelli: “uma revista é antes de tudo um lugar de
fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de
sociabilidade, e pode ser, entre outras abordagens, estudada nesta dupla dimensão”
59
.
No que diz respeito às relações afetivas, Braudel esteve mais próximo de Lucien
Febvre, no entanto, seguindo a proposta de nossa pesquisa, devemos salientar que no
posicionamento quanto à temporalidade histórica, Braudel esteve mais próximo das posições
assumidas por Marc Bloch, partindo das estruturas mais lentamente móveis da história, no
sentido de um relativo detrimento das figuras individuais e grandes nomes. É visível como em
sua tese, Braudel sintetiza as formas como os fundadores dos Annales se posicionam diante da
questão da temporalidade histórica.
A tese de Braudel La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe
II
60
, a qual vamos nos ocupar longamente, é considerada por muitos autores
61
como uma obra
que pode ser lida de diversas formas, a mais comum destas formas é invertendo as três partes
da obra, numa leitura ao contrário. Neste sentido temos a princípio um relato de eventos,
história política, militar e diplomática sob a égide da figura de Felipe II, seguida do estudo das
durações de médio fôlego, das conjunturas econômicas e sociais e, por fim, um estudo das
relações do homem com o meio, da geografia da região mediterrânica, estendendo-se por
desertos e planícies nos arredores.
58
DOSSE, François. A história em migalhas. Op. Cit.
59
SIRINELLI, Jean-François. “Os intelectuais”. IN: RÉMOND, René. Por uma história política. RJ : UFRJ,
1996. P. 249.
60
As versões que usaremos desta obra são: BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée et le monde méditerranéen à
l’époque de Philippe II. 2ª ed. revista e aumentada. Paris : Armand Colin, 1966. e, BRAUDEL, Fernand. O
mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Felipe II. edição. Lisboa : Publicações Dom Quixote,
1995.
61
Podemos citar neste exemplo: BURKE, Peter. Revolucão Francesa da Historiografia : A Escola dos Annales
(1929 - 1989). Op. Cit. ; DOSSE, François. A história em migalhas: dos Annales à Nova História. Op. Cit.
53
Nesta perspectiva de leitura invertida da tese de Braudel, que foi inclusive indicada
por Peter Burke
62
como uma possível saída para críticas feitas a obra “La méditerranée...”,
temos uma aproximação da perspectiva temporal tal qual efetuada por Febvre, partindo de um
caso particular um busca de uma estrutura mais geral. No entanto, a inversão do plano
temporal da obra indicaria uma alteração na importância concedida aos diferentes níveis
temporais pelo próprio autor. Braudel cita que tanto a história quanto as ciências sociais
devem se atentar que: “Des expériences et tentatives récentes de l’histoire, se gage
consciente ou non, acceptée ou non une notion de plus en plus précise de la multiplicité du
temps et de la valeur exceptionnelle du temps long.”
63
Assim, alterar os níveis temporais da obra implicaria uma situação paradoxal:
aproximaria o plano temporal de Braudel da forma como Febvre compreendia a
temporalidade histórica e por outro lado resultaria na negação da própria indicação de Febvre,
que diz respeito à inversão dos personagens do livro segundo sua grandeza, ou seja, em
primeiro lugar o Mediterrâneo e em seguida Felipe II.
Para além de possíveis formas de se ler esta obra, temos que Braudel, de fato, preferiu
inicialmente se preocupar com as questões relativas às formas de interação homem-meio, e
sua conseqüente temporalidade mais ampla para, em seguida, dedicar seu trabalho aos ciclos,
principalmente econômicos, de média duração e, por fim, trabalhar a temporalidade mais
curta dos personagens humanos e dos fatos. Isso, contudo, não indica que Braudel se distancie
completamente da temporalidade histórica tal qual utilizada por Febvre: a preocupação com
os elementos geográficos, tão caros à Braudel, tem descendência direta da obra de seu mestre,
assim como a tendência a uma história global e que problematiza o passado, levando em conta
considerações do presente. Esta última, interação entre presente e passado, atualiza de forma
especial a temporalidade histórica no sentido que os liga intrinsecamente: presente e passado
fazem parte da mesma malha do tempo que os diferenciam pela distância somente relativa,
atendo-se ao fato que estruturas passadas podem ainda estarem presentes no momento em que
o historiador desenvolve suas pesquisas. Portanto, o historiador combina conhecer o passado e
atuação no presente, posto que apenas se dedicar às origens, seguindo neste caminho as
críticas feitas por Simiand em relação ao “ídolo das origens”, não é fazer história, aqui num
sentido mais amplo, que inclui o presente em suas considerações.
62
BURKE, Peter. Revolucão Francesa da Historiografia : A Escola dos Annales (1929 - 1989). Op. Cit.
63
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit .p. 44.
“Das experiências e tentativas recentes da história, despende-se consciente ou não, aceita ou não uma noção
cada vez mais precisa da multiplicidade do tempo e do valor excepcional do tempo longo.”
BRAUDEL, Fernand. “História e ciências sociais: a longa duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. P. 44.
54
O presente está enraizado no passado, mas conhecer essa sua raiz não esgota o seu
conhecimento. Ele exige um estudo em si, pois é um momento original, que combina
origens passadas, tendências futuras e ação atual.
64
A ligação entre a perspectiva temporal de Febvre e Braudel é, portanto, apenas
indireta. O mesmo não pode ser dito de Bloch. O método blochiano de estudos das estruturas
principalmente da França rural e da sociedade feudal européia se aproxima mais das
considerações desenvolvidas por Braudel em artigos posteriores à publicação de sua tese,
principalmente no artigo publicado nos Annales no ano de 1958
65
. Apesar disso, podemos
encontrar na própria obra “La méditerranée...” uma aproximação bem mais clara entre a
temporalidade tal como utilizada por estes dois historiadores. Segundo Bloch:
“Science des hommes”, avons-nous dit. C’est encore beaucoup trop vague. Il faut
ajouter: “des hommes dans le temps”. L’historien ne pense pas seulement “humain”.
L’atmosphère aù sa pensée respire naturellement est la catégorie de la durée.
66
A “categoria da duração” de Bloch é substituída por um cortejo de diferentes durações
em Braudel, algumas de fôlego mais curto, outras de longuíssima duração. Pensar as
estruturas e os fatos que delas derivam, focar primeiramente os objetos de longa duração e,
partindo deles, passar a conhecer fatos, personagens e eventos de fôlego curto foi basicamente
a forma como Bloch estrutura sua forma de pensar a temporalidade histórica, categoria
indispensável à matéria do historiador. Já segundo Braudel, os diferentes objetos históricos
podem ser organizados segundo a própria duração: não mais uma relação de derivação, mas
um espaço no tempo reconstruído da pesquisa histórica para cada tipo de objeto. A
temporalidade continua sendo irreversível, um tempo quase totalmente naturalizado, próximo
da forma como Bloch e os discípulos de Durkheim pensaram este tempo. No entanto, a
64
REIS, José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. Op. Cit. P. 85.
65
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit.
66
Esta citação já foi feita anteriormente, mas dedicimos repetí-la por se tratar de um outro contexto.
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire ou métier d’historien. Op. Cit. p. 04.
“”Ciência dos homens”, dissemos. É ainda vago demais. È preciso acrescentar: dos homens, no tempo”. O
historiador não apenas pensa “humano”. A atmosfera em que seu pensamento respira naturalmente é a categoria
da duração.”
BLOCH, Marc. Apologia da história, ou, O ofício do historiador. Op. Cit. p.5
55
duração dos fenômenos é que proporciona diferenciar e escalonar diferentes patamares dentro
da temporalidade
67
.
A substituição da temporalidade em forma de cone ou lupa, de Lucien Febvre,
partindo de um evento intelectual que supostamente acondiciona o espírito de um tempo para,
em seguida, buscar uma história mais larga, das mentalidades de toda uma sociedade, assim
como, em Bloch, a passagem de um tempo quase naturalizado, passível de repetição,
comparação, apresentado sob a forma de estruturas de longa duração, com eventos, fatos e
personagens que fazem parte de um todo mais estrutural são, em Braudel, substituídos por
uma história que primeiramente se preocupa com as durações, com a apresentação destas na
temporalidade. Braudel considerou sua grande preocupação mostrar como as durações variam
em velocidades diferentes, muito diferentes às vezes, e de forma complementar: o que inovou
em sua argumentação, em relação aos fundadores dos Annales, é que as diferentes durações e
ritmos da história podem se correlacionar, se influenciarem reciprocamente, e até, em última
instância, condicionar outras durações a uma maior; temos poucos exemplos desta última
situação, mas podemos citar os que aconteceram algumas vezes na primeira parte de O
Mediterrâneo..., em que as condições climáticas e geográficas condicionam o estilo de vida e
os costumes de sociedades que vivem nas montanhas, planícies, que navegam o mediterrâneo,
etc.
A discussão sobre uma possível condição determinista entre os meios de vida e as
condições geográficas serão discutidas mais adiante. Vale ressaltar no momento que Braudel,
de fato, inova ao apresentar as durações como: diferentes umas das outras, ainda que possam
se relacionar, cada qual direcionada a um determinado objeto, que se apresenta de longa ou
curta duração segundo a “realidade” observada pelo historiador, e que estas durações
diferentes podem ser consideradas sozinhas ou em conjunto de relações. Na introdução de
“La méditerranée...” Braudel escreveu que se as diferentes partes do livro não se
referenciassem, que ao menos cada parte possa ser considerada uma boa parte da história.
67
Utilizamos o termo “temporalidade” como categoria do tempo: linear, irreversível e constante. É nesta
temporalidade que a história se passa, de forma ordinal, do passado mais distante ao mais próximo. Digamos que
a temporalidade é a extensão do tempo, desde uma suposta gênese até o fim de determinada observação, não
levando em conta a multiplicidade de durações contidas nesta temporalidade.
o termo “duração”, consideramos ligado não a um tempo natural, mas ao tempo da reconstrução histórica,
onde o historiador determina a duração de um dado fenômeno. Digamos que esta duração vale o tempo que vale
a “realidade” que ela registra. Portanto, podemos falar das durações de fatos, tendências e estruturas de
diferentes dimensões. Estas durações variam conforme a “realidade” observada pelo historiador destes mesmos
fatos, tendências ou estruturas. Todavia, todas estas durações que podem variar de muito curtas até de
longuíssima duração (nenhuma, enquanto objeto do historiador, imóvel) estão inseridas na invariavelmente
presente temporalidade.
56
Braudel, portanto, executou uma unificação das propostas de temporalidade histórica
entre os dois fundadores dos Annales: compartilha da perspectiva temporal de Febvre ao
buscar diferentes níveis de observação, do tempo individual ao coletivo estrutural, porém, ao
contrário, não partindo do individuo em busca de uma mentalidade coletiva e sim partindo
de estruturas de longa duração para, somente na terceira parte de sua tese, buscar o tempo
individual dos acontecimentos e personagens da história. Braudel inverte a perspectiva
temporal de Febvre sem subvertê-la. Em relação à Bloch, as propostas de ambos os autores se
aproximam mais à primeira vista: ambos focavam em primeiro lugar as estruturas e os
movimentos longos ou permanências da história. A diferença e inovação de Braudel é a forma
como apresenta o que chamou de cortejo de durações, diferentes tempos históricos, tempos
escalonados apresentados numa mesma obra. Braudel faz uso das perspectivas dos fundadores
dos Annales, no entanto, levando ao extremo as preocupações relativas à temporalidade
histórica. Vale agora apresentar de forma sistemática a perspectiva temporal de Braudel,
como apresentada em textos de cunho teórico; as formulações mais diretas sobre a dialética da
duração.
57
2.2. A tripartição temporal de “O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe
II”
No prefácio à primeira edição de “La méditerranée...”, Braudel iniciou sua obra
escrevendo sobre o amor que durante sua vida dedicou ao Mar Interior. Esta foi a principal
iniciativa que o levou a escrever uma história de tal personagem tão vasto e diversificado. O
mediterrâneo não foi, desde o início da elaboração de sua tese, o personagem central: ainda
em 1923, Braudel buscava proceder com uma história aos moldes tradicionais, sobre a política
externa de Felipe II. Segundo o próprio autor, o tema apresentado dessa forma agradou muito
seus professores da Sorbonne, no entanto, não pôde se calar diante da iniciativa dos
fundadores dos Annales, que apresentavam, por meio de suas obras, a perspectiva
inovadora de pesquisa histórica, notadamente representada na revista iniciada em 1929.
Braudel se aproxima então de Febvre, que lhe indica uma inversão importante de objetos de
pesquisa, segundo sua importância: estudar o mediterrâneo e Felipe II, e não o contrário. Esse
foi o primeiro grande passo de Braudel em direção à formulação da temporalidade tripartida,
apresentada em “La méditerranée...”.
Ainda no prefácio à primeira edição, Braudel expõe seu esquema tripartido: “Ce livre
se divise en trois parties, chacune étant en soi un essai d’explication”.
68
. Além de uma
tripartição temática, de menor importância, expondo em cada uma das três partes um tipo
diferente de matéria do historiador, esta tripartição é também temporal. Este ponto é o que
mais nos interessa. Discutiremos mais adiante o artigo no qual Braudel melhor expõe sua
visão sobre a temporalidade tripartida de “La méditerranée...”. No momento vale ressaltar a
forma como Braudel coloca a questão no prefácio à primeira edição de sua tese.
“La méditerranée...”, apesar de estar disposto em dois volumes de setecentas páginas
em média, divide-se em três partes maiores, diversos capítulos e centenas de sub-capítulos. A
principal divisão, no entanto, é a da temporalidade, disposta em três diferentes níveis. A
primeira parte de sua obra foi a que mais causou repercussão, por se tratar de uma grande
inovação nos estudos históricos e por ser um exemplar de interdisciplinaridade, relacionando
elementos geográficos e históricos. A disposição dos temas se dá a partir da geografia.
Braudel dedica capítulos às planícies, mares, montanhas e planaltos. O principal deles trata de
68
BRAUDEL, Fernand. “La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Extrait de la
préface.”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p. 11.
“Esta obra divide-se em três partes, cada uma das quais pretende ser uma tentativa de explicação de conjunto”
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Op. Cit. p. 25.
58
um mediterrâneo mais extenso que engloba partes do Saara, a Ásia um pouco mais afastada
do litoral do mediterrâneo, e mesmo o atlântico, ao qual é dedicada uma longa pesquisa.
Sobre a primeira das três partes, que compreende cerca de quatrocentas páginas,
Braudel escreveu no prefácio:
La première met en cause un histoire quasi immobile, celle de l’homme dans ses
rapports avec le milieu qui l’entoure; une histoire lente à couler et à se transformer,
faite bien souvent de retours insistants, de cycles sans fin recommencés.
69
Os termos nos quais Braudel conceitua esta primeira parte, como a de uma história “quase
imóvel”, foi essencialmente notório. Braudel, no entanto, segue descrevendo este tempo como
caracterizado pelas “lentas transformações”, sem as quais o objeto estudado foge ao domínio
do historiador
70
. A quase imobilidade da geo-história está antes ligada a uma suposta “prisão
de longa duração”
71
que a uma falta de transformação. As prisões de longa duração
braudelianas são caracterizadas pela mudança somente perceptível na longa duração e são, na
maioria das vezes, apresentadas como ciclos sempre recomeçados, como rituais religiosos e
sociais, as estações de plantio e colheita, características climáticas, rotas de trânsito marítimo
e terrestre, estilos de vida montanhês, do deserto, do litoral, etc., além das mentalidades que
são consideradas por Braudel como exemplo de prisões de longa duração.
A primeira parte de “La méditerranée...” apresentou, além de outros aspectos
exclusivos, uma inovação na relação tempo-história. Um tempo quase (somente em termos)
indiferente à temporalidade das vidas individuais, um tempo não conscientemente percebido
pelos que o viveram, que foge aos atores e é possível a partir da reconstrução histórica.
Este tempo é caracterizado por: ser próximo do tempo da geografia, dos períodos climáticos e
geológicos; sua totalidade é teoricamente reconstruída por durações definidas pelo
historiador; de temporalidade desacelerada, devido a sua natureza cíclica; de lentas mutações,
durações expandidas e próximas das da humanidade e não dos indivíduos. Este tempo que
69
BRAUDEL, Fernand. “La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Extrait de la
préface.”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p. 11.
“A primeira trata de uma história, quase imóvel, que é a do homem nas suas relações com o meio que o rodeia,
uma história lenta, de lentas transformações, muitas vezes feita de retrocessos, de ciclos sempre recomeçados;
[...]”
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Op. Cit. 1° vol. p. 25.
70
Ver sobre este assunto, a aula inaugural de Ladurie, intitulada “História Imóvel”, que leva ao extremo a idéia
de uma história imóvel. A perspectiva de Braudel, no entanto, descarta a possibilidade da imobilidade histórica
em favor de transformações lentas e ciclicas, num tempo longo porém nunca imóvel. Le Roy Ladurie,
Emmanuel. Le territoire de l'historien. Paris : Gallimard, 1978. 2 V. (A aula inaugural foi apresentada em 1973).
71
Os termos são do próprio Braudel e dizem respeito essencialmente à geografia e as mentalidades.
59
foge a ação individual produtora da história é característico dos Annales e principalmente
representado em “La méditerranée...”.
Neste ponto é necessário discorrer sobre as indicações relacionadas ao nosso tema
das temporalidades de cunho determinista da obra de Braudel. Segundo uma crítica contida
no livro de Peter Burke
72
, o determinismo braudeliano é o exato oposto do voluntarismo de
Febvre. Devidamente colocada a questão, podemos notar, partindo das próprias afirmações de
Braudel, que as estruturas cumprem a função de prisões inibidoras da ação e do tempo
individual. segundo Febvre, estas mesmas estruturas podem servir como inibidoras ou,
contrariamente, estimulantes da ação individual, como nota em personagens que sintetizam o
espírito de uma época. Além disso, Febvre toma partido na questão entre a geografia
categorizada como determinista do geógrafo e etnólogo alemão Fredrich Ratzel, e da
geografia possibilista de Vidal de La Blache, em favor do segundo.
No que toca a geografia histórica apresentada na primeira parte de sua tese, Braudel
segue a linha dos Annales, ligada também à geografia vidaliana, no entanto não é possível
descartar que as condições geográficas ajam de forma a determinar o estilo de vida das
populações que vivem na região do mediterrâneo. Braudel não nega, como o fez Febvre, que
as condições espaciais podem, de fato, determinar as condições de vida das sociedades e,
conseqüentemente, as durações mais expandidas dos fatos observados. Neste ponto a
geografia, tal como utilizada por Febvre e Braudel, se diferencia. Acreditamos, no entanto,
que a posição tal como identificamos em Braudel não é menos rica ou inferior a de Febvre: é
diferente e este ponto mostra o caráter heterogêneo do grupo dos Annales. Identificar uma
veia determinista nos escritos de Braudel não pressupõe uma visão pejorativa, mesmo porque
algumas conclusões neste aspecto, que Braudel apresenta em sua tese, são indiscutíveis.
Ainda neste sentido, as descrições de vidas particulares nas montanhas, planícies, desertos, e
outros ambientes geográficos da região do mediterrâneo mostram uma pluralidade de estilos
de vida heterogêneos, evitando chegar a generalizações fáceis. um equilíbrio entre uma
geografia que determina o estilo de vida e outra que permite diferentes formas de sociedades
num mesmo ambiente geográfico.
Portanto, a primeira parte de O Mediterrâneo... é fundada na longa duração, principal
das durações distinguidas por Braudel no que chamou de “dialética das durações”. Este tempo
longo realiza uma importante inovação no discurso do historiador, presente nas obras dos
fundadores dos Annales, mas que é marcadamente forte na tese de Braudel: a simultaneidade.
72
BURKE, Peter. Revolucão Francesa da Historiografia : A Escola dos Annales (1929 - 1989). Op. Cit. p. 53.
60
A atenção é primordialmente cedida às questões ligadas às permanências, estabilidades e
principalmente repetições. O cortejo das diferentes durações, com ênfase nas de longo fôlego,
é apresentado com o historiador a sua frente, relacionando o tempo “quase imóvel” do que só
muda muito lentamente com o dos ciclos sempre recomeçados das estações e outro elementos
geográficos e climáticos. Segundo esta “dialética das durações”, a vida é formada por
diferentes ritmos temporais, do mais longo ao da vida individual, e esta união entre os
diferentes tempos é que forma a totalidade da temporalidade histórica.
A segunda parte do livro é, de fato, a história preocupada com as estruturas: sistemas
econômicos e religiosos, técnicas de guerra, estados, sociedades, ou como preferia Braudel,
civilizações. Escrevendo sobre a passagem da primeira à segunda parte de sua tese, Braudel
assim colocou:
Au-dessus de cette histoire immobile, une histoire lentement rythmée, on dirait
volontiers, si l’expression n’avait été détournée de son sens plein, une histoire sociale,
celle des groupes et des groupements.
73
O principal elemento unificador das diferentes durações apresentadas nesta segunda
parte é a economia do mediterrâneo. Questões relativas às lentas mudanças na estruturas de
transporte, comércio, demografia, metais preciosos, e outros elementos ligados ao estado
econômico da região mediterrânica formam a primeira metade da parte do livro intitulada
“Destinos coletivos e movimentos de conjunto”. É também nesta segunda parte que Braudel
escreve sobre os dois grandes impérios que dividem o mediterrâneo: os turcos e os espanhóis.
Outros temas tratados nesta segunda parte são: a questão dos Reis Católicos espanhóis, o final
do século XVI e XVII como momento propício à formação de grandes impérios, a relação
entre senhores e camponeses, a burguesia e os novos nobres, miséria e banditismo, o estado
dos judeus, a possibilidade de uma luta de classes, e o ponto que mais nos interessa: o último
capítulo desta parte intitulado “À laia de conclusão: conjuntura e conjunturas”, no qual
Braudel discute questões ligadas às durações utilizadas nesta parte do livro.
Braudel divide as durações desta segunda parte de sua tese conforme as formas de
periodização da economia. As durações são distinguidas entre o trend secular, movimento de
longo fôlego que pode compreender séculos ou várias décadas, em média com cerca de cem
anos e caracterizado por ser mais estrutural que cíclico; ciclos cinqüentenários de Kondratieff;
73
BRAUDEL, Fernand. “La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Extrait de la
préface.”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p. 11.
“Acima desta história imóvel, pode distinguir-se uma outra, caracterizada por um ritmo lento: se a expressão não
tivesse sido esvaziada do seu sentido pleno, chamar-lhe-íamos de bom grado história social, a história dos grupos
e agrupamentos.”
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Op. Cit. 1° vol. p. 25.
61
hiperciclos, de dezoito a vinte e dois anos; interciclos ou ciclos Juglar, compreendendo de seis
a onze anos; ciclos intradecenais ou ciclos Kitchin, de três a cinco anos; e movimentos
sazonais, estes últimos pouco explorados, que dizem respeito mais às durações tal como
expostas na terceira parte do livro
74
. Uma margem de liberdade da duração deve ser admitida
nestas divisões fundadas na economia.
A divisão de temporalidade tal como aplicada por Braudel na segunda parte de “La
méditerranée...”, apesar de extraída da economia, não se aplica somente aos aspectos
econômicos do mediterrâneo: esta divisão temporal é também aplicada às características das
sociedades que residem na região, aos aspectos políticos, cultura e formas mutantes de guerra.
Uma importante propriedade deste tempo médio diz respeito à economia como portadora de
um cortejo de durações que variam entre o tempo curto e o tempo longo. As durações da
economia se localizam entre uma curta duração da sociologia do presente e a longuíssima
duração, atemporal da antropologia. Sobre a curta duração da sociologia, Braudel faz
referência direta à Georges Gurvitch que, apesar de propor diferentes tempos
75
para a
disciplina sociológica, termina por se dedicar a temporalidade explosiva do presente. Por
outro lado, as durações utilizadas pela economia não chegam a semi-imobilidade estrutural da
antropologia, notadamente representada pela figura de Lévi-Strauss. Portanto, a economia
oferece ao historiador a possibilidade de trabalhar com durações intermediárias,
caracterizadas por serem cíclicas, conjunturais de média duração. A combinação entre as
diferentes durações da periodização importadas da economia formam uma totalidade dialética,
uma relação de interdependência temporal e, dessa forma, proporciona uma coesão desta
segunda parte da tese de Braudel.
E, por fim, as durações da história tradicional, na terceira parte da tese de Braudel,
parte intitulada “Os acontecimentos, a política e os homens”. Sobre esta parte Braudel
escreveu no prefácio à primeira edição:
Troisième partie enfin, celle de l’histoire traditionelle, si l’on veut de l’histoire à la
dimension non de l’homme, mais de l’individu, l’histoire événementielle de François
Simiand: une agitation de surface, les vagues que les marées soulèvent sur leur
puissant mouvement. Une histoire à oscillations brèves, rapides, nerveuses. Ultra-
sensible par définition, le moindre pas met en alerte tous ses instruments de mesure.
Mais telle quelle, c’est la plus passionnante, la plus riche en humanité, la plus
dangereuse aussi. Méfions-nous de cette histoire brûlante encore, telle que les
74
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Op. Cit. 2° vol. Pp. 261-
269.
75
GURVITCH, Georges. Déterminismes sociaux et Liberté humaine. Paris : P.U.F., 1955.
62
contemporains l’ont sentie, décrite, vécue, au rythme de leur vie, brève comme la
nôtre. Elle a la dimension de leurs colères, de leurs rêves et de leurs illusions.
76
Braudel deixa clara sua desconfiança quanto a esta história de superfície. No entanto, a
forma como localiza os personagens e fatos, datando os fenômenos com precisão aos moldes
de uma história dos indivíduos, em especial o capítulo sobre a batalha de Lepanto em 7 de
outubro de 1571, assim como a morte de Felipe II, em 13 de setembro de 1598, deixa evidente
sua preocupação em inserir estes mesmos fatos e atores em um contexto mais amplo para, de
certa forma, destituí-los de importância substancial, mostrando como estes fenômenos e
personagens apenas são “espumas das ondas” que carregam profundamente e em silêncio a
história.
As durações utilizadas nesta terceira parte de sua tese são as da história tradicional.
Não inovação quanto às durações, ainda que a forma como Braudel desenvolveu os temas
causou grande repercussão, posto que trata-se de um exemplar trabalho historiográfico,
entretanto, este ponto não diz respeito a nossa proposta, que consiste em investigar a questão
da temporalidade histórica. O único ponto que pode ser relacionado ao nosso trabalho nesta
terceira parte é a forma como Braudel retoma constantemente as parte anteriores de sua tese
para continuamente afirmar uma relativa desimportancia das durações de curto fôlego.
Assim Braudel dividiu sua grande tese, de forma tripartida. Como é comum entre as
publicações dos historiadores ligados ao grupo dos Annales, não grandes considerações
teóricas sobre a forma como o livro foi dividido. Apenas cerca de dez anos depois, em 1958, é
que Braudel publica na revista dos Annales o artigo intitulado “História e Ciências Sociais: a
longa duração”. É neste artigo que estão melhor apresentados os métodos de divisão tripartida
aplicada a sua tese. Uma análise pormenorizada deste artigo pode iluminar a leitura de “La
méditerranée...”, assim como proporcionar uma melhor visão da posição de Braudel em
relação às durações históricas.
76
BRAUDEL, Fernand. “La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Extrait de la
préface.”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. p. 12.
“E, finalmente, a terceira parte, a da história tradicional, necessária se pretendemos uma história não à dimensão
do homem mas do indivíduo, uma história de acontecimentos à maneira de Paul Lacombe e François Simiand,
isto é, a da agitação de superfície, as vagas levantadas pelo poderoso movimento das marés, uma história com
oscilações breves, rápidas, nervosas. Ultra-sensível por definição, o menor movimento activa todos os
instrumentos de medida. Com todas estas características, é de todas a mais apaixonante, a mais rica em
humanidade, e também a mais perigosa. É necessário desconfiar desta história ainda quente, tal como os
contemporâneos a sentiram, descreveram e viveram, segundo o ritmo de suas próprias vidas, breves como a
nossa. Esta história tem a dimensão das cóleras, sonhos e ilusões dos seus contemporâneos.
BRAUDEL, Fernand. O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II. Op. Cit. 1° vol. P. 25.
63
2.3. Algumas leituras de “O mediterrâneo e o mundo mediterrânico na época de Felipe II”
Neste ítem buscaremos avaliar como alguns pesquisadores discutiram a “dialética da
duração” braudeliana em sua tese O Mediterrâneo..., seja logo após sua publicação, seja em
artigos mais recentes. A extensa bibliografia sobre o tema nos obriga a restringir nossa
pesquisa aos textos que se inserem em nossa discussão de forma mais direta e aprofundada,
textos que incidem especificamente sobre a discussão acerca da “dialética da duração”
aplicada à tese braudeliana em detrimento de milhares de outros que versam sobre a
importância de Fernand Braudel e mesmo dos Annales na historiografia do século XX e XXI.
É certo que partindo desta delimitação, o presente levantamento é incontornavelmente
lacunar. Todavia o foco da pesquisa será mantido. Vale ressaltar também que faremos este
levantamento de forma menos aprofundada, posto que apesar da delimitação que atribuímos
ao presente trabalho, ainda assim a bibliografia é bastante extensa
77
.
Comecemos discutindo um excelente artigo introdutório sobre Braudel e as durações,
escrito por dois antropólogos: Ulysses Santamaria, importante pesquisador associado a
Maison des Sciences de L'Homme e dedicado ao tema do tempo na história
78
, e de Anne M.
Bailey, antropóloga americana também dedicada ao tema
79
. O artigo em questão, escrito em
parceria é intitulado “A Note on Braudel’s Structure as Duration”
80
. Em verdade, trata-se de
um artigo capaz de situar a discussão sobre as estruturas braudelianas de forma bastante clara
e sucinta. Importante notar a ênfase que os autores atribuem às durações como fundamentais
77
Alguns textos ficaram de fora da atual discussão devido à: serem apresentados em outros momentos da
dissertação, com citações diretas ou não; por apresentarem apenas de forma indireta a questão do tempo histórico
em Braudel; por reproduzirem literal ou parcialmente as considerações contidas nos textos que vamos de fato
avaliar; pela dimensão que o atual trabalho sustenta. Alguns dos principais textos que poderiam aqui serem
analisados, mas se enquandram em alguma das condições acima são: toda a obra de JoCarlos Reis, Carlos
Antonio Aguirre Rojas e Imanuel Wallerstein sobre Fernand Braudel; artigos como: AYMARD, Maurice. “The
Annales and French Historiography (1929-72)”. Journal of European Economic History. Vol. 1, 2, 1972.;
REVEL, Jacques. “The Annales: Continuities and Discontinuities”. Review. vol. 1, 1978.; FERGUSON, Priscilla
Parkhurst. “Braudel’s Empire in Paris”. Contemporary French Civilization. Vol. 12, 1988.; FOURQUET,
François. “Un nouvel espace-temps”. In: AYMARD, M. et al. Lire Braudel. Paris : Editions la Découverte,
1988.; TREVOR-ROPER, H. R. “Fernand Braudel, the Annales, and the Mediterranean”. Journal of Modern
History. Vol. 44. N° 4, 1972.; KELLNER, Hans. “Disorderly Conduct: Braudel’s Mediterranean Satire”. History
and Theory. Vol. 8, 1979.; BURKE, Peter. “Fernand Braudel”. The Historian at Work. J. Cannon (ed.), London :
Allen an Unwin, 1980.; MAKKAI, Làszlò. “Ars Historica: On Braudel”. Review. Vol. 6, 1983.; KAPLAN,
Steven Laurence. “Long-run Lamentations: Braudel on France”. Journal of Modern History. Vol. 63, 1991.;
entre outros. Todos estes textos foram lidos e utilizados, de uma forma ou outra, para a execução do atual
trabalho.
78
Do mesmo autor, mas tratando o tempo em outras correntes historiográficas como o marxismo e a escola
metódica, ver também: SANTAMARIA, Ulysses. “Time, history and revolution”. Dialectical Anthropology.
Volume 11, Number 1 / March, 1986.
79
Da mesma autora, ver também: BAILEY, Anne M. “The Making of History: Dialectics of Temporality and
Structure in Modern French Social Theory”. Critique of Anthropology. Vol. 5, No. 1, 7-31, 1985.
80
BAILEY, Anne M.; SANTAMARIA, Ulysses. “A Note on Braudel’s Structure as Duration”. History and
Theory. Vol. 23, 1984. Pp. 78-83.
64
para a definição de estrutura em Braudel e, em conseqüência, sobre como estas mesmas
estruturas, segundo os autores, têm exclusivamente a função de limitadoras da ação humana,
agindo como barreiras para os homens. Certamente, esta consideração vai de encontro com a
antropologia americana, inspirada por Franz Boas, na qual a noção de tempo, ao menos a de
evolução, não tem valor heurístico
81
. É confuso, portanto, saber se se trata de uma crítica ou
elogio. Enfim, apesar de não apresentar nada de novo no que já discutimos anteriormente, não
poderíamos deixar de citar este artigo, posto que é o melhor trabalho de caráter introdutório
ao tema com que tivemos contato.
Um segundo artigo, este bastante longo e com muitos esclarecimentos novos é
“Annaliste Paradigm? The Geohistorical Structuralism of Fernand Braudel”, de Samuel
Kinser
82
. Possivelmente devido aos seus vários estudos dedicados a Rabelais, Kinser acabou
por se interessar pelos métodos dos Annales. Não se trata, todavia, de um artigo que tende a
realçar as conquistas metodológicas de Braudel; em verdade, Kinser é bastante enfático ao
afirmar que a história econômica e social apresentada por Braudel em sua tese não é, em
absoluto, revolucionária, já que esta história era velha mesmo na época do lançamento da
Revista dos Annales, em 1929. Para tanto, afirma que Paul Vidal de La Blache e Henri
Pirenne, no que diz respeito ao tempo geográfico e ao tempo do social respectivamente,
produziam este tipo de história bem antes. É certo que a influência de La Blache é
indiscutível, assim como a de Pirenne, que foi convidado duas vezes por Febvre e Bloch para
dirigir a Revista dos Annales, mas nos parece um pouco exagerado descreditar totalmente a
produção braudeliana em favor de suas inspirações. Kinser afirma ainda que Braudel nem
mesmo passou pelas, segundo ele, mais importantes inovações dos fundadores dos Annales
que seriam as análises da agricultura e da produção na Idade Média de Marc Bloch, assim
como não utiliza a pedra de toque febvriana dos “instrumentais mentais”.
Braudel, influenciado por la Blache, trata os espaços como seres viventes. Assim ele o
fez com o mediterrâneo. Os homens para Braudel são apenas uma intesecção do espaço-
tempo, um lugar de determinação, enquanto o verdadeiro ator, capaz de realizar mudanças de
costumes e atitudes, é o espaço. Dessa forma, segundo o autor, Braudel estaria radicalizando o
discurso vidaliano. Contudo, vale lembrar que se esta constatação remete a algum tipo de
determinismo geográfico, devemos antes ligar esta relação de Braudel com a geografia não
por meio de la Blache e sim do geógrafo alemão Fredrich Ratzel, o qual Braudel cita várias
vezes, em diversos textos.
81
Esta afirmação está em LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 324.
82
American Historical Review. Vol. 86, 1981. PP. 63-105.
65
Kinser afirma que a geo-historia braudeliana é fundamentada por três pressupostos
definidos por la Blache, a saber: que os objetos da geo-história são sempre bastante
específicos e ligados a condições elementais e ecológicas; que os processos geo-históricos se
desenvolvem lentamente e devido a isso se parecem com uma “história imóvel”; e, por fim,
que geo-história é fundamental para outros processos históricos. Estas afirmações são
facilmente encontradas nos discurssos braudelianos, mas la Blache não as tratava exatamente
nestes termos. Para ele, estas seriam as bases para uma “nova geografia” e não uma “nova
história”.
Apesar das ligações entre Braudel e la Blache, as quais são bastante conhecidas,
Kinser afirma uma outra ligação intelectual que, segundo ele, foi tão importante para Braudel
quanto o próprio la Blache e Henri Pirenne. Estamos falando de Gaston Roupnel e
principalmente de sua obra Histoire et Destin
83
. Curiosamente, esta obra teve sua primeira
edição somente em 1943, quando Braudel estava em vias de terminar sua tese, além do
cárcere. Todavia, Kinser afirma que os trabalhos de Roupnel, la Blache e Braudel seguem um
mesmo esquema histórico, um mesmo código semântico. Assim temos: estória (sic) como
história (Roupnel), eventos ordinários (la Blache) e história total (Braudel); forças resistentes
(Roupnel), regulação geográfica das oscilações históricas (la Blache) e ritmo lento, correntes
profundas (Braudel); fatos estruturais e manutenção do equilíbrio social (Roupnel), fatores
fundamentais (la Blache) e geo-história, história de movimentação lenta (Braudel); e, por fim,
construção da sociedade humana por meio da história profunda (Roupnel), nação como
personagem vivo (la Blache) e o mar mediterrâneo como dominador das ações históricas
(Braudel). Essa relação produzida por Kinser, apesar de fundamentada, nos parece forçar uma
identificação de perspectivas próximas, mas não plenamente iguais, como propõe o autor.
Vale lembrar que as referências braudelianas da geografia de Vidal de la Blache partem,
muitas vezes, da leitura que Lucien Febvre faz dessa nova geografia, mesmo porque Braudel
se negou a tomar partido na querela das geografias (de la Blache e Ratzel), enquanto Febvre
se posicionou categoricamente em favor do primeiro. Assim, não podemos dminuir a força
dos fundadores dos Annales no pensamento de Braudel, isto quer dizer que, ainda que este
tenha tido, e certamente teve, contato direto com as obras de la Blache, Pirenne ou mesmo
Roupnel, estas leituras foram balizadas pela primeira apropriação que Febvre e Bloch fizeram
destas obras. É comum, entre os trabalhos que versam sobre a obra de Braudel, minimizar a
importância do pensamento de Febvre e Bloch em seus trabalhos, ressaltando apenas as
83
ROUPNEL, Gaston. Historie et Destin. Paris : Grasset, 1943.
66
ligações externas, interdisciplinares. Digamos que, adaptando ao nosso contexto uma
metáfora do próprio Braudel, estes autores que se dedicam a sua obra tendem a se focar no
que há de mais brilhante, nas interações “novas” entre história e as outras ciências do homem,
como as luzes do vagalume, sem se preocuparem com que há de mais profundo, mais
invariavelmente presente, como o pensamento de seus pais intelectuais Febvre e Bloch, ou a
própria escuridão da noite, onde os flashes dos vagalumes são apenas as espumas das ondas e
não as correntes profundas.
Por fim, vale ressaltar ainda um último elemento do artigo de Kinser, que remete a
outra fase da atual pesquisa: a diferenciação entre dois significados de estrutura para Braudel,
um ligado diretamente às observações empíricas, ao que há de mais constante na vida
humana, e outro ligado ao sistema interno, teórico e generativo modelar. É uma outra forma
de apresentar o “atual” e o “virtual” deleuziano. Neste segundo sentido, Kinser afirma que
Braudel não cria modelos baseados exclusivamente na observação, mas utiliza três
“metasignos” tempo, espaço e o homem como limites dos modelos, garantido a
historicidade de todo o resto compreendido entre estes termos. O artigo que acabamos de
apresentar não é absolutamente, como o primeiro, introdutório: trata-se de uma pesquisa
bastante aprofundada, e em muitos pontos inova as leituras mais comuns da obra braudeliana.
Ainda assim, devemos notar que por muitos momentos, o autor produz conclusões apressadas,
que não levam em conta a bibliografia básica para um estudo focado nos Annales. Os nomes
de Lucien Febvre e Marc Bloch aparecem apenas de relance e mesmo os artigos centrais de
Braudel não são citados, afunilando a pesquisa somente no sentido da tese O Mediterrâneo...
Passemos, portanto, aos dois textos considerados por muitos dos estudiosos da obra de
Braudel como os que apresentam as maiores críticas à sua obra
84
.
O primeiro deles, bastante curto e direto, com duas críticas centrais, mas as mais
contundentes possíveis: Bernard Bailyn, em seu artigo “Braudel’s Geohistory A
Reconsideration”, afirma que, em primeiro lugar, as partes do “mundo” mediterrânico
braudeliano, que estão de fato todas lá, não se relacionam, mantem-se inertes sem interação.
Trata-se do que o próprio Braudel afirma no prefácio da segunda edição de sua tese, que se as
partes não formam um todo, que ao menos cada uma delas forme uma boa história. Segundo
Bailyn, a exaustiva busca pela totalidade da vida mediterrânica se perde diante do imenso
84
BAILYN, Bernard. “Braudel’s Geohistory A Reconsideration”. Journal of Economic History. Vol. 11,
1951.; e
HEXTER, J. H. “Fernand Braudel and the Monde Braudelien...”. Journal of Modern History. Vol. 44, 4,
1972.
67
volume de informações, mas o objetivo, a saber, de uma história total do mediterrâneo, não é
alcançado, posto que a compartimentação da unidade da vida se perde nas três divisões
propostas por Braudel. Assim, a contínua tentativa de mostrar que a história se passa em três
níveis diferentes, acaba por desembocar numa proposta exclusivamente metodológica que
perde o foco da pesquisa e se mostra incapaz de abarcar a unidade das partes. Quanto a esta
crítica, acreditamos não estarmos habilitados a questioná-la e nem mesmo a apoiá-la, posto
que nossa pesquisa tem como objetivo justamente apresentar as diferentes formas de
apresentação do tempo histórico. Mas se Braudel abordou este problema no prefácio à
segunda edição de sua tese, é possível que tenha sido uma crítica absorvida e aceita pelo
próprio autor.
A segunda crítica diz respeito a um dos pilares do pensamento dos Annales: a história
problema. Segundo Bailyn, Braudel sugere uma questão poética a um problema histórico. A
afirmação é baseada simplesmente no que Braudel diz logo no início de seu trabalho, a saber,
que é apaixonado pelo Mediterrâneo por ser um homem do norte (da França). Assim, seu
trabalho seria fundamentado na afeição e com características de um drama. A formulação de
um problema histórico válido se perderia nesse envolvimento pessoal com seu tema. O autor
do artigo ainda compara a tese de Braudel com uma das obras de Marc Bloch, afirmando que
este parte sempre de problemas muito bem colocados, como em A Sociedade Feudal, onde a
questão “qual foi a natureza da sociedade feudal?” é colocada logo de início. Mas Braudel
responde categoricamente a esta questão, como citamos anteriormente, afirmando que seu
maior problema, o único a resolver, é mostrar que o tempo viaja com velocidades diferentes.
o artigo de Hexter, bastante completo, levanta várias críticas, talvez por ter sido
escrito cerca de 23 anos após a publicação da primeira edição da tese de Braudel, e que
comporta inclusive uma comparação entre a primeira e a segunda edição da obra. O autor
começa o artigo já com uma questão neste sentido: o que fez de O Mediterrâneo... um
clássico em 1949, e o fez novamente em sua segunda edição de 1972? Na primeira parte do
artigo, recheada de gráficos e estatísticas, Hexter faz um levantamento comparativo entre a
primeira e a segunda edição de O Mediterrâneo..., sob aspectos diversos: número de páginas,
mapa da distribuição da obra, outros trabalhos baseados nela, volume de vendas; e sobre o
próprio grupo dos Annales no período, direção da revista, editores e secretários editoriais,
volume de publicações de revistas de história econômica e social; enfim, um belo estudo
sobre a relação entre a obra braudeliana e os Annales, de 1949 à 1972.
Em seguida, Hexter apresenta alguns outros elementos positivos do trabalho
braudeliano como sua eficaz persistência em manter o programa dos fundadores dos Annales
68
em primeiro plano, principalmente no que diz respeito às relações entre a história e as outras
ciências sociais. Também cita, segundo o autor, as críticas válidas que Braudel faz ao uso do
tempo por parte dos antropólogos, assim como realiza uma leitura do artigo de 1958,
afirmando que logo após a morte de Febvre e a nomeação de Braudel para a direção da
revista, a primeira publicação dele é o artigo em que apresenta as sistematizações da dialética
da duração. Sabemos que, além de ter assumido a direção da revista, Braudel também publica
este artigo em resposta à Claude, Lévi-Strauss, como discutiremos mais adiante. A exposição
que Hexter faz das três durações braudelianas também é bastante claro e completo. Até por
volta da metade do artigo, temos a impressão que o autor faz uma apologia à obra
braudeliana, mas quando Hexter começa a relacionar as falhas que encontra na obra de
Braudel, vemos que seu trabalho é bem mais sério que isso.
Por serem muitas e bastante diversas, apresentaremos as críticas que Hexter faz a obra
de Braudel em forma de tópicos:
A primeira delas diz respeito à documentação que Braudel utilização em sua tese.
Segundo Hexter, Braudel utiliza alguns documentos múltiplas vezes para provar
pontos que os documentos em questão, em tese, não provam. Assim, o leitor crítico
pode ser alertado no sentido que Braudel “não avalia meticulosamente as evidências e
a documentação”
85
. Hexter afirma, por exemplo, que Braudel peca ao citar a biografia
de William Shakespeare escrita por Victor Hugo em um trabalho histórico, entre
outros documentos que, segundo o autor, não são aplicáveis.
Hexter lista várias críticas à forma como Braudel tratou os números. Segundo o autor,
Braudel não acreditava plenamente em suas próprias estatísticas, mas estava encantado
com as possibilidades abertas pelas novas matemáticas aplicadas aos estudos
históricos. Assim, muitas de suas medidas numéricas, sejam estas de tonelagem,
quantidade de navios, problemas demográficos, valores das moedas correntes e
porcentagens em geral são discutíveis.
Outro ponto deste inquérito diz respeito à personificação dos territórios e do próprio
tempo. Assim, por exemplo, Constatinopla tinha a “determinação de impor a
colonização, organização e planejamento”
86
sobre os Otomanos. Ainda o tempo é
personificado: o século XVI, por exemplo, não teria a coregem nem a força
necessárias para erradicar problemas já antigos das grandes cidades
87
.
85
HEXTER, J. H. “Fernand Braudel and the Monde Braudelien...” Op. Cit. P. 509.
86
Id. Ibid. P. 513.
87
Id. Ibid.
69
Hexter afirma que existe uma necessidade urgente de apresentações de tabelas das
moedas, pesos e medidas diversas da região mediterrância do século XVI, tabelas que
de fato não se encontram na tese de Braudel.
Também que fala que a tese braudeliana não falha ao escrever todas as 1100 ginas
de sua obra, mas que o volume é tamanho porque Braudel “cannot resist all the
lovely irrelevant or quasi-irrelevant details that his researches brought into his net”
88
.
Hexter critica também a história problema, um dos pilares metodológicos dos Annales.
Afirma que Braudel não propõe perguntas ao seu objeto de forma clara como o faziam
Febvre e Bloch. E termina com a hipótese de que Braudel “cria” o problema das
durações para se esquivar da suposta falha.
Creditando a crítica precedente formulada por Bailyn, afirma que as três partes da obra
não se relacionam.
Por fim, Hexter escreve que as três divisões temporais estão ligadas arbitrariamente
aos seus recortes temáticos, a saber: a longa duração com a geografia; a média duração
com a economia e o social; e a curta duração com a política.
As críticas de Hexter à tese de Braudel são, como pudemos notar, bastante variadas e
contundentes. Contudo, algumas delas se apresentam um pouco exageradas, mas outras não.
Na sequência de nosso trabalho buscaremos avaliar em que medida estas críticas são
procedentes ou não.
Contudo, devemos notar que uma outra leitura, esta que já está, de certa forma, diluída
ao longo do trabalho, não se foca em criticar a tese de Braudel, mas sim busca apontar
questões que estão presentes, mas de forma latente; ou seja, mostra as inovações
metodológicas implícitas de O Mediterrâneo..., todavia num sentido diverso do que o próprio
Braudel fez em seu artigo de 1958. Estamos nos referindo à obra de Paul Ricoeur, Tempo e
Narrativa
89
.
A discussão produzida por Ricoeur vai muito além das questões ligadas ao tempo em
Braudel. Trata-se de um trabalho de exaustiva pesquisa, relacionando diversas tendências
literárias, históricas e filosóficas. Não podemos almeijar discutir toda esta obra; nos cabe
apenas comentar, com muita prudência, alguns pontos que se ligam diretamente com nossa
pesquisa.
88
HEXTER, J. H. “Fernand Braudel and the Monde Braudelien...” Op. Cit. P. 516. “(Braudel) não é capaz de
resistir a todos aqueles amaveis ireelevantes ou quase irrelevantes detalhes que sua pesquisa lhe trouxe”.
89
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. tradução Marina Appenzeller. Campinas : Papirus, 1994-1997. 3V.
70
Um ponto bastante importante da obra em questão discorre sobre a história total da
tese braudeliana. Para Ricoeur, que fundamenta praticamente todas suas afirmações em
citações diretas de Braudel, O Mediterrâneo... não é simplesmente uma história global, esta
que se contentaria apenas com as estruturas estáveis e as evoluções lentas, mas é total, posto
que é “coroada” por uma história dos acontecimentos, da política e dos homens. Assim, toda a
estrutura da obra se mantem estável, e necessariamente uma parte se liga a outra. Ainda neste
sentido, a terceira parte da tese braudeliana “não é de modo algum uma concessão à história
tradicional”
90
, mas sim uma parte de um conjunto indissociável.
O que Braudel faz de mais surpreendente em sua terceira parte de O Mediterrâneo... é
estruturar a história dos acontecimentos. Com isso, os acontecimentos não são apenas
divididos em períodos Ricoeur critica aqui “todos” os historiadores, que segundo ele agem
dessa forma –; os acontecimentos estão enraizados nas estruturas e conjunturas apresentadas
anteriormente. Assim como nas fases anteriores da pesquisa Braudel recorre aos
acontecimentos e indivíduos para testemunhar as estruturas e conjunturas, na terceira parte de
sua tese o autor convoca aquelas estruturas e conjunturas para situar os acontecimentos em
uma história profunda, que pode se sobrepor a estes mesmos acontecimentos e indivíduos.
Portanto, o homem e os acontecimentos não têm uma posição tão secundária quanto alguns
leitores de Braudel propõem. A função destes elementos é que é modificada, de uma forma
“estática” no tempo para uma “dialética das durações”. Nota-se que a “dialética da duração”
vai muito além de uma simples divisão do tempo em vários ritmos; trata-se de uma fusão de
durações e objetos de análise, de estruturas e acontecimentos que se entrelaçam e legitimam
uns aos outros, bastante correlacionados e, a revelia das críticas que apresentamos
anteriormente, indissociáveis.
É certo que existe uma proposta bastante definida por trás destes apontamentos que
Ricoeur produz sobre a obra de Braudel. Ricoeur parte da tese que as três partes da obra de
Braudel formam uma “quase-intriga” virtual, ou uma “intriga no sentido amplo de Paul
Veyne”
91
. Não há, contudo, nesta afirmação, a indicação de uma leitura parcial ou direcionada
da obra braudeliana. Segundo Ricoeur:
90
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Op. Cit. P. 303.
91
Id. Ibid. P. 305.
Evitaremos adentrar na longa discussão sobre a noção de intriga que engloba, desde Aristóteles até pensadores
atuais. Apesar de estar tangenciando nossa pesquisa, a discussão do tema não cabe aqui. Citaremos apenas uma
definição concisa, mas bastante esclarecedora sobre a intriga e que se integra apropriadamente ao nosso trabalho.
“A intriga é a reconstituição dos acontecimentos por meio da interligação de várias
séries históricas. O historiador precisa estabelecer a ligação entre os acontecimentos,
narrando-os. Assim, a intriga, como função da descrição de acontecimentos, estende a
71
Seria um erro limitar ao terceiro nível o parentesco da obra com o modelo narrativo da
tessitura da intriga: perderíamos assim o principal benefício desse trabalho, que é o de
abrir uma carreira nova para a noção de intriga e, por isso mesmo, para a de
acontecimento. [...] Uma intriga deve comportar não somente uma ordem inteligível,
mas uma extensão que não deve ser excessiva sob a pena de não poder ser abarcada
com o olhar [...] ora, o que delimita a intriga do Mediterrâneo? Pode-se dizer, sem
hesitar: o declínio do Mediterrâneo como herói coletivo na cena da história mundial.
O fim da intriga, quanto a isso, não é a morte de Felipe II, é o fim do confronto dos
dois colossos políticos e o deslocamento da história em direção ao Atlântico e à
Europa do Norte.
92
O epíteto “virtual” que Ricoeur atribui à quase-intriga da tese braudeliana se por
um motivo específico: por ser formada por planos temporais distintos, a tese de Braudel
apenas sugere uma imagem implícita do todo, por meio das interferências que existem entre
os diferentes planos temporais. Assim, obtem-se uma quase-intriga virtual, posto que a obra
está dividida em sub-intrigas. Ricoeur afirma que é o didatismo pretendido por Braudel que
faz com que a obra seja dividida um três partes; a divisão da obra em três níveis é a forma que
Braudel encontrou para fazer-se inteligível. Ricoeur ainda cita que, diferentemente do que fez
Braudel, um romancista como Tolstoi teria abarcado o todo da pesquisa sobre o Mediterrâneo
em uma única narrativa, se a tivesse feito.
Para finalizar, vale citar um trecho em que Ricoeur define categoricamente as
decorrências da tripartição temporal de O Mediterrâneo...:
Finalmente, Braudel, por seu método analítico e disjuntivo, inventou um novo tipo de
intriga: se é verdade que a intriga é sempre, em algum grau, uma síntese do
heterogêneo, a intriga virtual do livro de Braudel, conjugando temporalidades
heterogêneas, cronologias contraditórias, ensina-nos a conjugar estruturas, ciclos e
acontecimentos. Essa estrutura virtual permite, contudo, arbitrar entre duas leituras
opostas de O Mediterrâneo... A primeira subordina a história factual à história de
longo prazo, e o longo prazo ao tempo geográfico: o acento principal recai então sobre
o Mediterrâneo; mas, então, o tempo geográfico corre o risco de perder seu caráter
histórico. Para a segunda leitura, a história permanece histórica na medida em que o
próprio primeiro nível é qualificado como histórico por sua referência ao segundo, e
em que o segundo deriva sua qualidade histórica de sua capacidade de carregar o
terceiro: o acento recai então em Felipe II; mas a história factual é privada do
princípio de necessidade e de probabilidade que Aristóteles vinculava a uma intriga
bem feita. A intriga que envolve os três níveis dá um direito igual às duas leituras, e as
faz se cruzarem na posição mediana da história de longo prazo, que se torna, então, o
ponto de equilíbrio instável entre as duas leituras.
93
tarefa narrativa além da definição do objeto histórico, exigindo que seja abordada a
problemática da causalidade histórica”.
CARDOSO JR, Hélio Rebello. Enredos de Clio: pensar e escrever a história com Paul Veyne. SÃO PAULO:
UNESP, 2003. P. 48.
Para uma leitura direta sobre a noção de intriga em Paul Veyne ver: VEYNE, Paul. Como se escreve a
história. 4ª Ed. Brasília : Unb, 1998.
92
RICOEUR, Paul. Tempo e Narrativa. Op. Cit. P. 305.
93
Id. Ibid. P. 309.
72
Capítulo 3:
A “dialética da duração” de Fernand Braudel
73
3.1. “História e Ciências Sociais: a longa duração”.
A partir deste ponto discutiremos o artigo publicado em 1958 por Braudel na Revista
dos Annales, sob a conhecida rubrica desta revista Débats et Combats. Como o próprio autor
afirma, as ginas deste texto são um chamado ao debate, a discussão necessária que envolve
os problemas relativos às durações em história e nas ciências sociais. Buscaremos executar
uma investigação pormenorizada do conteúdo do artigo, as formulações mais diretas de
Braudel sobre a questão do tempo. Este artigo longo, quase quarenta páginas, marca a
apresentação teórico-metodológica da longa duração, até então praticada, mas nunca teorizada
pelos autores ligados ao grupo dos Annales. Esperamos também, por meio deste artigo,
melhor elucidar o sentido da expressão “dialética das durações” que Braudel utiliza para
referir-se a forma como trabalha os tempos históricos.
De forma categórica, Braudel dedica este texto não aos historiadores, mas aos
cientistas sociais que, segundo o autor, devem prestar atenção especial à dialética da duração,
ao tempo histórico tal como utilizado pelos historiadores ligados ao grupo dos Annales.
Braudel apresenta o texto da seguinte forma:
Je parlerai donc longuement de l’histoire, du temps de l’histoire. Moins pour les
lecteurs de cette revue, spécialistes de nos études, que pour nos voisins des sciences de
l’homme: économistes, ethnographes, ethnologues (ou anthropologues), sociologues,
psychologues, linguistes, démographes, géographes, voire mathématiciens sociaux ou
statisticiens – tous voisins que, depuis de longues années, nous avons suivis dans leurs
expériences et recherches parce qu’il nous semblait (et il nous semble encore) que,
mise à leur remorque ou à leur contact, l’historie s’éclaire d’un jour nouveau. Peut-
être. À notre tour, avons-nous quelque chose à leur rendre. Des expériences et
tentatives récentes de l’histoire, se dégage – consciente ou non, acceptée ou non une
notion de plus en plus précise de la multiplicité du temps et de la valeur
exceptionnelle du temps long. Cette dernière notion, plus que l’histoire elle-même
l’histoire aux cent visages – devrait intéresser les sciences sociales, nos voisines.
94
94
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 43.
“Falarei, pois, longamente da história, do tempo da história. Menos para os leitores dessa revista, especialistas
em nossos estudos, que para nossos vizinhos das ciências do homem: economistas, etnógrafos, etnólogos (ou
antropólogos), sociólogos, psicólogos, lingüistas, demógrafos, geógrafos, até mesmo, matemáticos sociais ou
estatísticos todos vizinhos que, longos anos, seguimos nas suas experiências e pesquisas porque nos parecia
(e ainda nos parece), que, colocada a seu reboque ou a seu contato, a história se ilumina com uma nova luz.
Talvez, de nossa parte, tenhamos alguma coisa a lhes dar. Das experiências e tentativas recentes da história,
desprende-se consciente ou não, aceita ou não uma noção cada vez mais precisa da multiplicidade do tempo
e do valor excepcional do tempo longo. Essa última noção, mais que a própria história – a história das cem faces
– deveria interessar às ciências sociais, nossas vizinhas.”
74
O final da citação anterior mostra como Braudel procura fazer-se útil às ciências
sociais, não pelo conteúdo histórico, mas por indicações teórico-metodológicas que apresenta
no texto. As considerações sobre a longa duração e a interação entre os tempos históricos que
Braudel utilizou na feitura de sua tese, são, segundo ele, o caminho para uma unificação:
“Qu’il s’agisse du passé ou de l’actualité, une conscience nette de cette pluralité du temps
social est indispensable à une méthodologie commune des sciences de l’homme”
95
. As
pretensões do texto, portanto, vão muito além da demonstração das diferentes temporalidades
históricas: tem um teor de programa, pretende cumprir a função de elo entre as diferentes
ciências do homem por meio da unificação da temporalidade histórica, indispensável, segundo
o autor, a todas estas ciências.
Braudel inicia o texto versando sobre a crise geral em que se encontram as ciências do
homem na década de quarenta e cinqüenta, e sobre este ponto reconhece quatro itens que
configuraram a situação de então: estas ciências estariam, em primeiro lugar, esmagadas sobre
o próprio progresso, devido à rápida produção de novos conhecimentos; em segundo lugar,
faltava ainda colocar em prática o bastante discutido, mas pouco executado trabalho
coletivo, que em outra passagem Braudel apresenta como essencial para tirar os intelectuais
de seus ofícios, confinados em escritórios, e também como meio invariável para efetuar o
projeto de uma história total, ligando as várias ciências do homem e suas parcelas de
contribuição em um único fim; em terceiro lugar, formar uma organização inteligente, ainda
por erigir, para, desta forma, pôr em prática o projeto do item anterior e, por fim, libertar as
ciências do homem do quadro de um humanismo retrógrado que não pode mais servir como
parâmetro. O elemento chave para a argumentação inicial de Braudel é a denúncia das
separações danosas das ciências do homem, em favor do estudo coletivo, projeto executado
pelos primeiros Annales, mas teorizado neste artigo por Braudel, projeto baseado na
interdisciplinaridade e colaboração mútua. As barreiras que separam as ciências passam, na
época da publicação do texto, segundo o autor, por um momento de acentuado destaque: “Les
voilà, à l’envi, engagées dans des chicanes sur les frontières qui les séparent, ou ne les
séparent pas, ou les séparent mal des sciences voisines.”
96
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
44.
95
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 43.
“Que se trate do passado ou da atualidade, uma consciência clara dessa pluralidade do tempo social é
indispensável a uma metodologia comum das ciências do homem”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
43.’
96
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 41.
75
Em uma das passagens mais significativas do texto de Braudel, o autor versa sobre a
necessidade das ciências sociais de reconhecer o progresso da historiografia, desde a cada
de trinta até o período em que o artigo foi escrito, progresso relacionado a uma nova
observação do tempo histórico. Escreve sobre o desconhecimento das ciências sociais em
relação à história e a longa duração, posto que os textos de sociólogos e antropólogos que
buscavam relacionar o tempo das ciências sociais com o tempo histórico, assim como o fez o
próprio Braudel, apresentavam a história como ainda acorrentada à duração curta da história
dita positivista, sem levar em conta o projeto dos Annales. Braudel define a importância das
diferentes durações e apresenta o historiador como portador do privilégio de manejar o tempo
de forma mais aplicada do que os profissionais das ciências vizinhas. Novamente o autor
afirma que a consciência de uma “pluralidade do tempo” é invariavelmente necessária a uma
metodologia comum das ciências do homem. Esta é a principal justificativa do texto de
Braudel.
Após a apresentação do artigo, Braudel divide o restante do texto em quatro subitens,
o primeiro deles intitulado “História e Durações”. Neste subitem, o autor procura definir
pormenorizadamente as três durações que utilizou na formulação de sua tese, sempre
recorrendo a exemplos e discutindo suas posições com outros autores. Curiosamente, a ordem
em que Braudel expõe as durações (longa duração, ciclos de média duração e eventos) está
invertida em relação à sua tese. Começa versando sobre o tempo curto dos eventos para, em
seguida, passar aos tempos mais alargados das outras durações. Como já apresentamos, esta
opção de leitura invertida dos tempos históricos foi sugerida por críticos de sua obra para a
leitura de sua tese. Esta inversão da apresentação dos tempos históricos no início do subitem
em questão, no entanto, é seguida de uma colocação que possivelmente desabilita uma
reconsideração de Braudel quanto à ordenação dos tempos históricos: “Peu importent ces
formules; en tout cas c’est de l’une à l’autre, d’un pôle à l’autre du temps, de l’instantané à la
longue durée que se situera notre discussion”
97
.
Apesar de buscar “acantonar” a palavra evento na duração curta em sua tese, Braudel
segue, no artigo apresentado, uma verificação sobre esta palavra na qual o conceito vai muito
“Ei-las, à porfia, empenhadas em chicanas sobre as fronteiras que as separam, ou não as separam, ou as separam
mal das ciências vizinhas.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
42.
97
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 45.
“Pouco importam essas fórmulas; em todo caso, é de uma à outra, de um pólo ao outro do tempo, do instantâneo
à longa duração que se situará nossa discussão.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
44.
76
além do simples tempo curto. Nesta passagem, Braudel apresenta a possibilidade do evento,
principalmente segundo a interpretação de filósofos, ligar-se livremente a muitos outros
eventos, numa cadeia infinita, que apresenta relações diversas além das de causa e efeito. Para
tanto, exemplificando estas totalidades do homem e da história em eventos que se ligam
infinitamente, Braudel cita a contribuição de Benedetto Croce e, num período contemporâneo
à escrita do artigo, cita também a obra Questions de Méthode, de Jean-Paul Sartre
98
. Sobre
como decidir o que é, de fato, justo ou não ligar a determinados eventos, Braudel chama “jogo
inteligente e perigoso”, jogo que ele mesmo praticou somente com ressalvas em sua tese,
quando relacionava eventos da terceira parte da obra com questões anteriormente discutidas
nas duas primeiras partes. Após considerar conceitualmente o “evento”, Braudel segue
afirmando que o que busca em seu artigo não é uma discussão teórica sobre o conceito de
evento, mas sim uma apresentação do que significa para o historiador o tempo curto,
explosivo, das durações das vidas individuais: “le temps court est la plus capricieuse, la plus
trompeuse des durées”
99
.
Este tempo curto foi a principal duração utilizada pela história metódica dos séculos
XIX e início do XX, após um século (XVIII) que, segundo Braudel, esteve mais atento às
questões de durações longas. Caracterizada pela temática política, esta história foi criticada
pelos primeiros Annales e também por Braudel justamente por sua envergadura temporal. Um
dia, um ano, eram medidas suficientes para os historiadores do político. Esta identificação do
tempo curto com a história política é, no entanto, apontada por Braudel como falsa: “l’histoire
politique n’est pas forcément événementielle, ni condamnée à l’être.”
100
Todavia, décadas de
produção historiográfica que ligam o tempo curto à história política, serviram como um
estigma e a superação da temporalidade curta do evento pelos Annales implicou, ao menos na
primeira e segunda geração do grupo ligado à revista, uma sutil
101
negação desta história.
Implicou, em segundo lugar, um direcionamento diferente das temáticas de pesquisa histórica.
98
SARTRE, Jean-Paul. Questions de méthode. Paris : Gallimard, 1957.
99
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 46.
“O tempo curto é a mais caprichosa, a mais enganadora das durações.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
46.
100
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 46.
“A história política não é forçosamente ocorrencial, nem condenada à sê-lo.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
46.
101
Dentre muitos outros exemplos que poderíamos citar para desqualificar esta afirmação, indicaremos apenas a
obra de BLOCH, Marc. Os reis taumaturgos: o caráter sobrenatural do poder régio na Franca e Inglaterra. São
Paulo : Companhia das Letras, 1993., que apresenta uma particular leitura política e de práticas culturais na
França e Inglaterra. Quando afirmamos uma sutil negação da história política, referimo-nos à história política
como produzida pela tradição da história positivista.
77
O deslocamento do campo político para uma história mais ligada aos temas econômicos e
sociais de, em geral, maior duração, foi fundamental para a vitória do tempo longo. Segundo
Braudel, a superação do tempo curto foi o bem mais precioso da historiografia dos últimos
cem anos (o artigo foi escrito em 1958). Seja pelas novas temáticas ou pelas interações entre a
disciplina histórica e as ciências sociais, notadamente a antropologia, Braudel considerava em
1958 que, de fato, a longa duração tornara-se um indiscutível instrumento dos historiadores,
sobrepondo-se, até mesmo, às outras temporalidades históricas.
Braudel segue em seu artigo escrevendo sobre uma nova narrativa histórica, que
intitula “recitativo da conjuntura”. Neste ponto, o autor relaciona rapidamente as divisões de
durações da economia, os ciclos de média duração. Não focaremos novamente este tema, já
que o discutimos anteriormente na análise das durações da segunda parte de sua tese, La
méditerranée...”. Vale ressaltar, no entanto, como são ligadas as durações trabalhadas pela
economia com a história social. Para tanto, aparece o nome de Ernest Labrousse e seus alunos
que, segundo Braudel, sob o signo da quantificação, aplicaram as durações da economia ao
campo social, assim como o próprio autor faz na segunda parte de sua tese. Labrousse é por
alguns autores
102
considerado membro da primeira fase dos Annales e sua importância para a
conseqüente história quantitativa é fundamental. Ao alongar as durações da história social,
incluindo os tempos da economia, principalmente em sua tese
103
defendida em um
departamento de direito e somente depois conhecida pelos historiadores, Labrousse abre
caminho para as teses de autores como P. Chaunnu, E. Mauro, R. Baherel, P. Vilar, Le Roy
Ladurie, A. Daumard, entre outros. Segundo Braudel, esta história cíclica quantitativa deveria
“evoluir” naturalmente para uma história de maior fôlego, que incluísse movimentos seculares
de longa duração, mas, ao contrário, “regride” a velha história econômica e social de curta
duração. Braudel é enfático ao criticar as últimas obras de Labrousse; após relacionar com
receio as obras pós Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIIIe
siècle, termina com hostilidade a uma comunicação de Labrousse de 1948:
Sa communication au Congrès international de Paris, en 1948, Comment naissent les
révolutions? s’efforce de lier, cette fois, un pathétisme économique de courte durée
(nouveau style), à un pathétisme politique (très vieux style), celui des journées
révolutionnaires. Nous revoici dans le temps court, et jusqu’au cou.
104
102
Para citar um exemplo, José Carlos Reis tem um capítulo intitulado “Um outro nome fundador: Ernest
Labrousse” em REIS. José Carlos. Escola dos Annales – a inovação em história. Op. Cit. p. 97.
103
LABROUSSE, Ernest. Esquisse du mouvement des prix et des revenus en France au XVIIIe siècle. Paris :
Dalloz, 1933.
104
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 49.
“Sua comunicação ao Congresso Internacional de Paris, em 1948, Comment naissent les révolutions?, se esforça
em ligar, desta vez, um patetismo econômico de curta duração (novo estilo) a um patetismo político (estilo muito
antigo), o dos dias revolucionários. Eis-nos novamente no tempo curto, e até o pescoço.”
78
Após criticar os caminhos da história social influenciada pelas durações da economia,
Braudel passa a discutir um ponto muito importante em nossa pesquisa: a utilidade da palavra
“estrutura” para os historiadores. Sobre esta palavra, Braudel desenvolve algumas diferenças,
que em nossa pesquisa pretendemos aprofundar com o auxilio de bibliografia adicional, entre
a estrutura dos sociólogos e dos historiadores. Para exemplificar aspectos estruturais da
história, Braudel escreve sobre as “coerções geográficas” e as tão discutidas mentalidades,
que são também, segundo o autor, prisões de longa duração. O autor cita diversas obras que
seus temas estão compreendidos neste intervalo de longa duração, estruturas historicamente
pesquisadas. No momento, todavia, o nos aprofundaremos nesta discussão, posto que
dedicaremos toda uma parte de nossa pesquisa, o próximo item de nossa dissertação, à
temática da estrutura utilizada pelo historiador.
Em seguida, no segundo subitem do artigo, intitulado “A Querela do Tempo Curto”,
Braudel começa escrevendo sobre a não aceitação das ciências sociais das durações históricas.
Segundo o autor, as durações históricas deveriam ser indispensáveis a todas as ciências do
homem, como baliza temporal da pesquisa e elemento indispensável à formulação de
perguntas, hipóteses e modelos, em todas as ciências vizinhas da história. Braudel veicula a
idéia de que o historiador é privilegiado por manejar o tempo como nenhum outro cientista
social. Assim, a sugestão de que as outras ciências deveriam balizar suas pesquisas pela
temporalidade proposta pela ciência histórica contém um caráter de primazia da história frente
às outras ciências do homem. Esta tentativa de atribuir um papel de direção à história
justifica-se pela disputa disciplinar em que se encontravam as ciências do homem no período
em que o artigo foi escrito, disputa esta principalmente ilustrada pelos embates, aproximações
e refrações entre o pensamento de Braudel e de Lévi-Strauss.
Segundo Braudel, as ciências sociais “escapam” à temporalidade histórica por dois
caminhos opostos: no primeiro, se ligam à temporalidade do tempo atual, numa curta duração
dos fenômenos do presente, factualizando ou atualizando demais os estudos em favor de uma
sociologia empírica, que simplesmente nega a história. No segundo, os sociólogos e
principalmente antropólogos negam também o tempo histórico ultrapassando os quadros,
mesmo os de longa duração, em favor de pesquisas quase intemporais, que relacionam
estruturas consideradas fixas por muitas e muitas gerações e que por esse motivo podem ser
matematizadas. Esta segunda via de negação da temporalidade histórica é considerada por
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
49.
79
Braudel a mais interessante, mas o autor avalia, na seqüência, a primeira forma de negação do
tempo histórico para, somente no tópico seguinte, escrever sobre as matemáticas sociais.
Um subitem intitulado “A Querela do Tempo Curto” poderia fazer-nos crer que
Braudel fosse escrever sobre a temporalidade da história tradicional, no entanto, como
adiantamos no início do subitem, o autor dedica o artigo a leitores das ciências sociais e por
isso, ao invés de falar do tempo da história tradicional, segue versando sobre como o “pecado
factualista” não se aplica somente à história, mas também as outras ciências do homem. Sobre
os geógrafos e demógrafos, Braudel é sutil em afirmar que tal fuga do tempo histórico se
aplique. Já em relação à economia, o autor afirma que os estudos desta área não ultrapassam o
marco de 1945 e que cabe aos historiadores analisar a economia aquém desta data. Braudel é
categórico ao escrever: “Je soutiens que toute la pensée économique est coincée par cette
restriction temporelle”
105
. Esta posição de Braudel lhe rendeu algumas críticas,
principalmente de Witold Kula
106
, que em um artigo que retoma o título do artigo de Braudel,
no entanto, direcionando-o à economia, é tão categórico quanto Braudel ao afirmar que os
economistas se dedicam ao tempo longo muito mais que pretendem fazer crer os
historiadores.
Sobre o tempo curto das pesquisas sociológicas dedicadas ao presente, Braudel
escreveu: “Je doute que la photographie sociologique du présent soit plus “vraie” que le
tableau historique du passé, et d’autant moins qu’elle se voudra plus éloignée du
reconstruit.”
107
. Para justificar tal posição, Braudel cita a importante obra de Philippe Ariès,
Le Temps de l’histoire
108
. Segundo Ariès, o expatriamento e a surpresa são importantes
fatores de explicação histórica. A distância do tempo reconstruído e do tempo vivido é
bastante eficaz na explicação histórica e por isso a pesquisa sociológica do tempo presente
que pretende ser mais calcada na realidade, mais próxima da “verdade” não tem um valor
diferente do tempo reconstruído do historiador. Braudel conclui afirmando que se se observa
somente o presente, o pesquisador acaba por notar somente o que mais brilha, muda
105
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 57.
“Sustento que todo pensamento econômico fica encantoado por essa restrição temporal”.
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
55.
106
KULA, Witold. “Histoire et economie: la longue durée”. In: Annales ESC. N°2. Paris : Armand Colin, 1960.
(mars/avril).
107
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 59.
“Duvido que a fotografia sociológica do presente seja mais “verdadeira” que o quadro histórico do passado, e
tanto menos quanto mais afastada do reconstruído ela quiser estar.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
57.
108
ARIÈS, Philippe. Le Temps de l’histoire. Paris : Plon, 1954.
80
rapidamente ou é mais acessível, sem se aperceber da profundidade do total da investigação
do social.
Após relacionar rapidamente os assuntos acima tratados sobre o tempo curto das
ciências sociais, Braudel passa ao terceiro subitem, intitulado “Comunicação e Matemáticas
Sociais”. Nesta parte do artigo, Braudel afirma não ser mais necessário escrever sobre
eventos, longa duração, estrutura, diacronia e sincronia, mesmo porque uma suspensão
temporal sincrônica é impensável em uma pesquisa histórica. Estes temas foram discutidos
em itens anteriores (sobre a questão da estrutura”, trataremos no próximo item da pesquisa).
O autor declara ser o momento de escrever sobre três temas centrais no que toca um estudo do
tempo longuíssimo nas ciências do homem: história inconsciente, modelos e matemáticas
sociais.
Os principais personagens desta parte do artigo são Karl Marx e, principalmente,
Claude Lévi-Strauss. A idéia é mostrar que apesar de certas iniciativas neste sentido, nenhum
estudo social escapa à temporalidade da história. Não foi, no entanto, fácil para Braudel
demonstrar que o tempo da história deve essencialmente fazer parte de todos os estudos
sociais. Algumas pesquisas, e é nesse ponto que Braudel se utiliza do trabalho de Lévi-
Strauss, buscam produzir leis semi-atemporais, fora das durações propostas pela história, leis
que, traduzidas em equações matemáticas, revelam constâncias da organização social humana.
Braudel parte do principio que Marx já conhecia e, além disso, foi sua principal
contribuição, a história inconsciente, a história que se passa abaixo da superfície dos eventos.
Esta história lenta é, segundo Braudel, mais percebida do que parece: a fórmula de Marx “os
homens fazem a história, mas ignoram que a fazem”, é verdadeira, mas a percepção de que
existem movimentos mais abaixo dos eventos é também possível de ser observada, pela
reconstrução conceitual do historiador e mesmo pelos que vivem a esta história. Braudel tenta
assim legitimar a história de longa duração, sob o nome de história inconsciente do social e
afirma que a Revolução, o seu significado, é uma tomada de consciência desta história que se
passa abaixo dos eventos.
sobre os “modelos”, Braudel afirma que a historiografia segue os passos das
ciências sociais, que estas estão mais desenvolvidas no que toca a construção de modelos
aplicáveis a sociedades que apresentem características em comum. Segundo Braudel: “Les
modèles ne sont que des hypothèses, des systèmes d’explications solidement liées selon la
forme de l’équation ou de la fonction: ceci égale cela, ou détermine cela.”
109
. A possibilidade
109
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 64.
81
de aplicar determinado modelo criado em certo meio social em outro meio social que
apresente características em comum é seu valor recorrente. As variações destes modelos são
muitas: simples, complexos, qualitativos, quantitativos, estatísticos, dinâmicos, mecânicos,
estáticos, etc. Para exemplificar as formas possíveis de modelos explicativos das ciências
sociais, Braudel recorre novamente ao exemplo de Lévi-Strauss.
Ao apresentar os modelos como possíveis ferramentas do historiador, Braudel inclui o
ponto essencial para nossa discussão: o autor afirma que é necessário à história, e inclusive às
ciências sociais, que pouco se preocupam com isso, incluir as durações nos modelos, posto
que estes dependem da duração para validar as significações e atribuir valores explicativos.
Braudel afirma que seus modelos, esboçados principalmente em sua tese e em sua obra em
parceria com Frank Spooner
110
, são mais facilmente aplicáveis a outros períodos e sociedades
que os próprios modelos de Marx. Isso porque, as durações projetadas nestes modelos são
relativamente curtas, diferentes dos modelos de longuíssima duração pretendidos pelos
sociólogos matemáticos, quase intemporais. O avanço em relação à formulação de modelos
pelos sociólogos é muito mais desenvolvido que o dos historiadores. No entanto, é, segundo
Braudel, necessário conceder atenção a questão das durações para que estes modelos não
“evoluam” para abstrações matemáticas sem relação com a realidade observável. Braudel
escreve, sobre este assunto, que as matemáticas sociais de fato existem, mas ainda, na época
em que o artigo foi escrito, precisavam evoluir, principalmente no que toca a incidência de
material, de fato social, nesta engrenagem matemática. Os exemplos que se seguem sobre este
assunto são todos tirados das obras de Lévi-Strauss. Assim, o papel destes modelos e suas
ferramentas matemáticas é o de ultrapassar a superfície dos eventos em busca de uma relação
profunda da realidade social, elementos inconscientes que podem, a partir da identificação
destes micro-elementos repetitivos, proporcionar uma análise precisa do que se repete e é,
ainda que indiretamente, constante, para formulação de leis. Por fim, o autor conclui,
projetando as ferramentas dos sociólogos matemáticos para historiadores:
Réintrodusions en effet la durée. J’ai dit que les modèles étaient de durée
variable: ils valent le temps que vaut la réalité qu’ils enregistrent. Et ce
temps, pour l’observateur du social, est primordial, car plus significatifs
encore que les structures profondes de la vie sont leurs points de rupture, leur
brusque ou lente détérioration sous l’effet de pressions contradictoires.
111
“Os modelos não são mais do que hipóteses, sistemas de explicação solidamente ligados segundo a forma da
equação ou da função: isso é igual aquilo ou determina aquilo.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
61.
110
BRAUDEL, Ferannd; SPOONER, Frank. Les métaux monétaires et l’économie du XVIe siècle. Rapports au
Congrès international de Rome, 1955, v. IV. Pp. 233-264.
111
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 71.
82
Assim, os modelos devem ser sempre conduzidos de forma a encontrar a realidade
social, voltar aos modelos e aplicá-los em outras realidades sociais. “Le modèle est ainsi, tour
à tour, essai d’explication de la struture, instrument de contrôle, de comparaison, vérification
de la solidité et de la vie même d’une structure donnée.”
112
.
Após escrever sobre os modelos tais como desenvolvidos pelos sociólogos
matemáticos, Braudel, bastante significativamente, inclui o cerne de sua abordagem das
durações: a dialética. As durações dos modelos anteriormente explicitados dizem respeito aos
movimentos de longa e longuíssima duração, grandes vias de acesso às profundezas da
realidade social, da história inconsciente, sem incluir os movimentos de média duração ou os
eventos, fatos únicos e explosivos. Estas grandes vias se apresentam muito bem ao considerar
temáticas de sociedades ditas “primitivas”, as quais normalmente os sociólogos das
matemáticas sociais se dedicam. Novamente, como em toda esta terceira parte de seu artigo,
Braudel recorre ao exemplo de Lévi-Strauss: escreve que, os mitos ou os sistemas de
parentesco são ótimos temas para a criação de modelos de matemática social, no entanto, se se
buscar criar modelos desse tipo com temas relativos à história moderna, com sua convulsão de
acontecimentos e “revoluções”, a não inclusão dos movimentos de média duração e dos
eventos tornaria tal empreitada infrutífera. É nesse ponto que Braudel inclui as durações dos
historiadores no processo de formulação de modelos sociais. Tanto sociólogos quanto
historiadores devem incluir não a duração, mas as durações em suas apresentações longas,
médias e curtas. A apreensão da totalidade do social depende da inclusão das durações de
forma cooperativa, com vínculos de dependência, determinação, causa, entre outras. A
dialética da duração, e essa é uma das grandes inovações do pensamento braudeliano, é
justamente apresentar como os diferentes ritmos temporais observados se relacionam e
influenciam mutuamente. Foi este o processo utilizado por Braudel na formulação de sua tese.
Definindo um projeto para as matemáticas sociais, Braudel escreveu:
“Reintroduzamos, com efeito, a duração. Disse que os modelos eram de duração variável: valem o tempo que
vale a realidade que eles registram. E esse tempo, para o observador do social, é primordial, porque, mais
significativos ainda que as estruturas profundas da vida, são seus pontos de ruptura, sua brusca ou lenta
deteriorização sob o efeito de pressões contraditórias.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
68.
112
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 72.
“O modelo é assim, alternadamente, ensaio de explicação da estrutura, instrumento de controle, de comparação,
verificação da solidez e da própria vida de uma estrutura dada.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
68.
83
Mais les mathématiques sociales qualitatives n’auront fait leur preuve que
lorsqu’elles se seront attaquées à une société moderne, à ses problèmes
enchevêtrés, à ses vitesses différentes de vie. Gageons que l’aventure tentera
un de nos sociologues mathématiciens; gageons aussi qu’elle provoquera une
révision obligatoire des méthodes jusqu’ici observées par les mathématiques
nouvelles, car celles-ci ne peuvent se confiner dans ce que j’appellerai cette
fois la trop longue durée: elles doivent retrouver le jeu multiple de la vie, tous
ses mouvements, toutes ses durées, toutes ses ruptures, toutes ses
variations.
113
Depois da incursão de Braudel nas matemáticas sociais, o autor segue em seu artigo
com a última parte da discussão, na realidade, um levantamento do que abordou no artigo até
este momento. Temos uma conclusão da comparação entre o tempo do historiador e o dos
sociólogos. Esta última parte do artigo é intitulada “Tempo do historiador, tempo do
sociólogo”. A primeira constatação de Braudel nesta conclusão é a de que os tempos do
historiador e do sociólogo são, de fato, diferentes. Para o historiador, o tempo se impõe
invariavelmente, sempre muito concreto e está, em diversos estudos, no centro das reflexões e
problemas da história. Dessa forma, como explicito nas passagens anteriores do artigo,
Braudel busca propor uma certa posição de dominância da história sobre as outras ciências
sociais por meio da reflexão sobre o tempo, pela proeminência do historiador como o
pesquisador mais habilitado à tratar das questões relativas ao tempo, que “pour l’historien,
tout commence, tout finit par le temps [...]”
114
. Por mais uma vez, buscando projetar uma
metodologia comum das ciências do homem, Braudel declara que o caminho mais acessível
para tanto é a longa duração.
Alguns autores, como José Carlos Reis
115
, afirmam que a perspectiva braudeliana da
longa duração é uma forma de fuga do tempo em que o próprio autor escreve, fuga do
traumatismo causado pelas temporalidades explosivas que acometem a vida individual. Sobre
este assunto, quase confirmando a hipótese de Reis, Braudel escreveu:
113
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 74.
“Mas as matemáticas sociais qualitativas darão provas de seu valor quando houverem abordado uma
sociedade moderna, seus problemas emaranhados, suas diferentes velocidades de vida. Apostemos que a
aventura tentará um de nossos sociólogos matemáticos; apostemos também que provocará uma revisão
obrigatória dos métodos até aqui observados pelas matemáticas novas, porque estas não podem restringir-se a
isso que chamarei desta vez, a duração demasiado longa; elas devem reencontrar o jogo múltiplo da vida, todos
os seus movimentos, todas as suas durações, todas as suas rupturas, todas as suas variações.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
70.
114
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 76.
“Para o historiador, tudo começa, tudo acaba pelo tempo [...].”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
72.
115
REIS, José Carlos. Tempo, história e evasão. Campinas : Papirus, 1994. P.165 e passim.
84
J’ai personnellement, au cours d’une captivité assez morose, beaucoup lutté
pour écharpper à la chronique de ces années difficiles (1940-1945). Refuser
les événements et le temps des événements, c’était se mettre en marge, à
l’abri, pour les regarder d’un peu loin, les mieux juger et n’y point trop
croire. Du temps court, passer au temps moins court et au temps très long
(s’il existe, ce dernier ne peut être que le temps de sages); puis, arrià ce
terme, s’arrêter, tout considérer à nouveau et reconstruire, voit tout tourner
autour de soi: l’opération a de quoi tenter un historien.
116
No entanto, essas evasões podem, de fato, implicar pesquisas que priorizem durações mais
amplas, porém, nunca permitem uma fuga da temporalidade, imperiosa, quase naturalizada e
que acomete o historiador invariavelmente. Diríamos uma tentativa de fuga quase frustrada,
que possibilita variar as durações, mas não a temporalidade.
Enfim, quanto às durações da reconstrução histórica, Braudel escreveu:
En fait, les durées que nous distinguons sont solidaires les unes des autres: ce n’est pas
la durée qui est tellement création de notre esprit, mais les morcellements de cette
durée. Or, ces fragments se rejoignent au terme de notre travail. Longue durée,
conjoncture, événement s’emboîtent sans difficulté, car tous se mesurent à une même
échelle. Aussi bien, participer en esprit à l’un de ces temps, c’est participer à tous.
117
No fim do artigo, Braudel escreve basicamente sobre três autores: Gaston Bachelard,
Georges Gurvitch e, novamente, Paul Vidal de La Blache. Sobre o primeiro e sua obra
Dialectique de la durée
118
, Braudel escreve que o tempo dos sociólogos estão muito mais
próximos do tempo tal como apresentado por Bachelard do que próximo do tempo dos
historiadores. Essa diferenciação se porque o tempo descrito por Bachelard é apenas uma
dimensão da totalidade do social e, dessa forma, pode ser recortado, paralisado e analisado
sem levar em conta o movimento. Trata-se de um tempo que o leva em conta
116
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 75.
“Pessoalmente, no decorrer de um cativeiro bastante moroso, lutei muito para escapar à crônica desses anos
difíceis (1940-1945). Recusar os eventos e o tempo dos eventos, era colocar-se à margem, ao abrigo, para olhá-
los um pouco de longe, melhor julgá-los e não crer muito. Do tempo curto, passar ao tempo menos curto e ao
tempo muito longo (se existe, este último, pode ser o tempo dos sábios): depois, chegado a esse termo, deter-
se, considerar tudo de novo e reconstruir, ver tudo girar à volta: a operação tem com o que tentar um
historiador.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
71.
117
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 76.
“De fato, as durações que distinguimos são solidárias umas com as outras: não é a duração que é tanto assim
criação de nosso espírito, mas as fragmentações dessa duração. Ora, esses fragmentos se reúnem ao termo de
nosso trabalho. Longa duração, conjuntura, evento se encaixam sem dificuldade, pois todos se medem por uma
mesma escala. Do mesmo modo, participar em espírito de um desses tempos, é participar de todos.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
72.
118
BACHELARD, Gaston. Dialectique de la durée. Gaston. Paris : P.U.F., 1950.
85
necessariamente a sucessão, ou a temporalidade: o caráter imperioso do tempo que passa
naturalmente é suprimido em favor da reconstrução conceitual que acredita poder parar a
temporalidade para melhor estudá-la. Esse tipo de temporalidade é impensável para o
historiador, que deve levar em conta sempre as características de sucessão. Não nos
aprofundaremos neste ponto posto que nosso foco são as durações e não a temporalidade.
Sobre Georges Gurvitch, que propõe em sua obra terminismes sociaux et Liberté
humaine
119
, várias temporalidades diferentes (temporalidades e não durações), Braudel
escreveu que, apesar de tentadora, a proposta de Gurvitch revelaria uma impossibilidade da
apreensão do todo social, dividindo os movimentos sucessivos em temporalidades
compartimentadas, sem aparente relação.
Como é comum em seus escritos de cunho metodológico, Braudel enfatiza a
importância do pensamento de Vidal de La Blache e de seus sucessores.Afirma inclusive que
as ciências sociais, mais que a história, negligenciam os importantes avanços que a escola
vidaliana atingiu. Il faut que toutes les sciences sociales de leur côté fassent place à une
“conception (de plus en) plus géographique de l’humanité”, comme Vidal de La Blache le
demandait déjà en 1903.”
120
Enfim, Braudel conclui o artigo com as palavras de ordem que utilizou na introdução
do mesmo:
Pratiquement – car cet article a un but pratique je souhaiterais que les
sciences sociales, provisoirement, cessent de tant discuter sur leurs frontières
réciproques, sur ce qui est ou n’est pas science sociale, ce qui est ou n’est pas
structure... Qu’elles tâchent plutôt de tracer, à travers nos recherches, les
lignes, si lignes il y a, qui orienteraient une recherche collective, les thèmes
aussi qui permettraient d’atteindre une première convergence. Ces lignes, je
les appelle personnellement: mathématisation, duction à l’espace, longue
durée... Mais je serais curieux de connaître celles que proposeraient d’autres
spécialistes. [...] Ces pages sont un appel à la discussion.
121
119
GURVITCH, Georges. Déterminismes sociaux et Liberté humaine. Paris : P.U.F., 1955.
120
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 82.
“É preciso que todas as ciências sociais, por seu lado, dêem lugar a uma “concepção (cada vez) mais geográfica
da humanidade”, como Vidal de La Blache o pedia já em 1903.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
77.
121
BRAUDEL, Fernand. “Histoire et sciences sociales: la longue durée”. In: Écrits sur l’histoire. Op. Cit. P. 82.
“Na prática pois esse artigo tem um fim prático desejaria que as ciências sociais, provisoriamente, cessassem
de tanto discutir sobre suas fronteiras recíprocas, sobre o que é ou não é ciência social, o que é ou não é
estrutura... Que procurem antes traçar, através de nossas pesquisas, as linhas, se existem linhas, que orientam
uma pesquisa coletiva, bem como os temas que permitam atingir uma primeira convergência. Essas linhas,
chamo-as pessoalmente: matematização, redução ao espaço, longa duração... Mas estaria curioso para conhecer
aquelas que outros especialistas proporiam. [...] Essas páginas são um chamado à discussão.”
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit. p.
77.
86
3.2. Uma proposta de leitura das estruturas braudelianas a partir de Gilles Deleuze
Apesar de permear todo nosso trabalho, o conceito de “estrutura” e o “estruturalismo”
não são, como se pôde constatar até aqui, o foco desta pesquisa. Dessa forma, a apresentação
que segue não pretende abarcar todas as significações possíveis de estrutura, nem mesmo as
tangências entre estas e o grupo dos Annales. Buscaremos apenas apresentar algumas
questões nas quais o estruturalismo e a renovação do tempo histórico dos Annales tal como
foi proposta por Braudel, se ligam de forma plena. Ainda que o movimento estruturalista não
se destaque essencialmente por sua representação do tempo, o levantamento de séries e séries
de séries, característico do estruturalismo, por vezes implica em uma perspectiva temporal de
longa duração, ou até mesmo em tentativas, principalmente entre alguns antropólogos, de
ignorar o tempo histórico em favor de fórmulas atemporais.
Também não faz parte de nossa proposta relacionar todos os grandes pesquisadores
indentificados sob a égide do estruturalismo, mesmo que entre eles esteja um intelectual tão
importante para os Annales como Michel Foucault
122
. Como nosso trabalho orbita em torno
da produção teórico-metodológica de Fernand Braudel, o “estruturalista” que
incontornavelmente se apresenta ao debate é Claude Lèvi-Strauss, posto que ele e Braudel
discutem diretamente o papel do estrutural na história e antropologia.
No momento é necessário iniciarmos com um esclarecimento: o que é estrutura ou
estruturalismo? É melhor colocada, em nosso trabalho, a questão da seguinte forma: nos
escritos metodológicos de Fernand Braudel “A quoi reconnait-on le structuralisme?
123
Dentre várias possíveis formas e autores que poderíamos usar para conceituar o
estruturalismo, optamos trabalhar com as definições propostas por Gilles Deleuze. Esta opção
se justifica por alguns motivos: Deleuze propõe “reconhecer” o estruturalismo
conceitualmente, dessa forma, podemos aplicar suas definições a uma gama maior de
documentos. Esta talvez seja a principal justificativa, já que outros autores que escreveram
sobre o tema, em geral dirigem seus trabalhos a autores específicos, ícones do estruturalismo,
como Ferdinand de Saussure, Roland Barthes, Michel Foucault, Jacques Lacan, entre outros.
122
Usaremos algumas considerações de Foucault em nosso trabalho, principalmente as da introdução de sua obra
Arqueologia do Saber, na qual o autor versa sobre a longa duração e a renovação da história efetuada pelos
Annales. No entanto, os escritos de Foucault, em geral, fazem referência aos Annales pós-Braudel. É
basicamente por isso que este autor, como dito anteriormente, fundamental para os Annales, estará, por vezes,
ausente da atual pesquisa.
123
“Em que se Pode Reconhecer o Estruturalismo?” Como veremos logo na sequência, esta pergunta foi feita por
Gilles Deleuze em um de seus artigos mais renomados.
87
É assim que procedeu, por exemplo, François Dosse
124
. Como em Braudel a questão do
estruturalismo está subjacente, ou ao menos de forma não tão direta quanto em outros autores,
acreditamos ser mais adequado, antes de qualquer coisa, reconhecer onde se apresenta o
estruturalismo na dialética da duração.
Um segundo ponto que nos fez optar por este autor, no que diz respeito a sua
conceituação de estrutura, é a relação dual mantida entre Deleuze e o estruturalismo; por
vezes considerado ícone do estruturalismo, outras como um crítico desta corrente, também
chamado de “pós-estruturalista”. Estas categorizações, por vezes vãs, não representam toda a
produção intelectual deste, e mesmo de outros autores considerados estruturalistas. O
conteúdo de seus trabalhos invariavelmente se sobrepõe ao pertencimento a esta ou aquela
corrente metodológica. Todavia, os questionamentos produzidos por Deleuze sobre o que é,
ou onde se pode reconhecer o estruturalismo, assim como questões relativas ao tema, tal qual
são expostas por seus comentadores
125
, apontam para a riqueza de sua caracterização do
estruturalismo. Ainda um outro elemento a se destacar é que Deleuze faz uma tipologia dos
estruturalismos, quebrando sua definição única que, na verdade, não existe; dentro dessa
tipologia a preferência de Deleuze pelo estruturalismo tal qual, veremos, é praticado por
Braudel é evidente, porque ele persegue uma definição de estrutura que Braudel nutre.
Incialmente, como esta caracterização, em nosso trabalho, deve estar voltada para a
questão da dialética da duração, vale citar um trecho um pouco longo, mas bastante
esclarecedor sobre a relação entre o estruturalismo e o tempo:
Qu’est-ce qui coexiste dans la structure? Tous les éléments, les rapports et valeurs
de rapports, toutes les singularités propres au domaine considéré. Une telle
coexistence n’implique nulle confusion, nulle indétermination: ce sont des rapports
et éléments différentiels qui coexistent en un tout parfaitement et
complètementdéterminé. Reste que ce tout ne s’actualise pas comme tel. Ce qui
s’actualise, ici et maintenant, ce sont tels rapports, telles valeurs de rapports, telle
répartition de singularités; d’autres s’actualisent ailleurs ou en d’autres temps. (…)
Toute différenciation, toute actualisation se fait suivant deux voies: espèces et
parties. Les rapports différentiels s’incarnent dans des espèces qualitativement
distinctes, tandis que les singularités correspondantes s’incarnent dans les parties et
figures étendues qui caractérisent charque espèce. Ainsi les espèces de langues, et
les parties de chacune au voisinage des singularités de la structure linguistique; les
modes sociaux de production spécifiquement définis, et les parties organisées
correspondant à chacun de ses modes, etc. On remarquera que le processus
d’actualisation implique toujours une temporalité interne, variable suivant ce qui
s’actualise. Non seulement chaque type de production sociale a une temporalité
globale interne, mais ses parties organisées ont des rythmes particuliers. La position
124
DOSSE, François. História do estruturalismo. Trad: Álvaro Cabral. Revisão técnica: Marcia Mansor
D’Alessio. Bauru : Edusc, 2007.
Utilizaremos também esta obra, ainda que de forma menos aprofundada.
125
Dentre os vários possíveis comentadores que poderíamos citar da obra de Deleuze, citaremos apenas um,
posto que uma de suas obras converge com o tema da atual pesquisa. PELBART, Peter Pál. O tempo não-
reconciliado. São Paulo : Perspectiva, 1998. (Coleção estudos ; 160)
88
du structuralisme à l’égard du temps est donc très claire: le temps y est toujours un
temps d’actualisation, suivant lequel s’effectuent à des rythmes divers les éléments
de coexistence virtuelle. Le temps va du virtuel à l’actuel, c’est-à-dire de la structure
à ses actualisations, et non pas d’une forme actuelle à une autre. Ou du moins le
temps conçu comme relation de succession de deux formes actuelles se contente
d’exprimer abstraitement les temps internes de la structure ou des structures qui
s’effectuent en profondeur dans ces deux formes, et les rapports différentiels entre
ces temps. Et précisément parce que la structure ne s’actualise pas sans se
différencier dans l’espace et dans le temps, sans différencier pra même des
espèces et des parties qui l’effectuent, nous devons dire en ce sens que la structure
produit ces espèces et ces parties elles-mêmes. Elle les produit comme espèces et
parties différenciées. Si bien qu’on ne peut pas plus opposer le génétique au
structural que le temps à la structure. La genèse, comme le temps, va du virtuel à
l’actuel, de la structure à son actualisation; les deux notions de temporalité multiple
interne, et de genèse ordinale statique, sont en ce sens inséparables du jeu des
structures
126
.
Pode-se afirmar que a conceituação realizada por Deleuze das estruturas e do
estruturalismo foi escrito algum tempo depois da publicação das principais obras de Braudel,
assim como se pode afirmar também que Deleuze não tinha em mente, neste texto, avaliar a
utilização da ferramenta estrutural por parte dos historiadores. No entanto, retomando a
distribuição dos assuntos na obra O Mediterrâneo... podemos notar como sua conceituação se
aplica admiravelmente ao trabalho de Braudel.
Como citado anteriormente, o livro O Mediterrâneo... divide-se inicialmente em três
partes. Estas três grandes seções estão antes ligadas a uma divisão temporal que propriamente
126
DELEUZE, Gilles. “A quoi reconnait-on le structuralisme?” In: CHATELET, François (direction). Histoire
de la philosophie: idées, doctrines. Paris : Hachette, 1973. (8 v.) pp. 313-315.
“O que é que coexiste na estrutura? Todos os elementos, as relações e valores de relações, todas as
singularidades próprias ao domínio considerado. Semelhante coexistência não implica nenhuma confusão,
nenhuma indeterminação: são relações e elementos diferenciais que coexistem num todo perfeita e
completamente determinado. Acontece que este todo não se atualiza como tal. O que se atualiza, aqui e agora,
são as relações, tais valores de relações, tal repartição de singularidades; outras atualizam-se alhures ou em
outros momentos. (...)
Toda diferenciação, toda atualização, é feita segundo dois caminhos: espécies e partes. As relações diferenciais
encarnam-se em espécies qualitativamente distintas, ao passo que as singularidades correspondentes se encarnam
nas partes e figuras extensas que caracterizam cada espécie. Assim, as espécies de línguas, e as partes de cada
uma na vizinhança das singularidades da estrutura linguística; os modos sociais de produção especificamente
definidos, e as partes organizadas correspondendo a cada um de seus modos etc. Convém observarmos que o
processo de atualização sempre implica uma temporalidade interna, variável segundo aquilo que se atualiza. Não
somente cada tipo de produção social tem uma temporalidade global interna, mas suas partes organizadas m
ritmos particulares. Portanto, a posição do estruturalismo relativamente ao tempo é bastante clara: o tempo é
sempre um tempo de atualização, segundo o qual se efetuam, em ritmos diversos, os elementos de coexistência
virtual. O tempo vai do virtual ao atual, isto é, da estrutura às suas atualizações, e não de uma forma atual a outra
forma. Ou, pelo menos, o tempo concebido como relação de sucessão de duas formas autais contenta-se em
exprimir abstratamente os tempos internos da estrutura ou estruturas que se efetuam em profundidade nessas
duas formas, e as relações diferenciais entre esses tempos. E é justamente porque a estrutura não se atualiza sem
se diferenciar no espaço e no tempo, sem diferenciar, assim, espécies e partes que a efetuam, que devemos dizer,
neste sentido, que a estrutura produz essas espécies e essas partes. Ela as produz como espécies e partes
diferenciadas, embora não possamos opor o genético ao estrutural mais do que o tempo à estrutura. A gênese,
como o tempo, vai do virtual ao atual, da estrutura à sua atualização; as duas noções de temporalidade múltipla
interna, e de gênese ordinal estática, são, neste sentido, inseparáveis do jogo das estruturas.”
DELEUZE, Gilles. “Em que se Pode Reconhecer o Estruturalismo?” In: CHATELET, François (direção).
História da Filosofia: Idéias, Doutrinas. Rio de Janeiro : Zahar, 1974. (8v.) pp. 283-285.
89
a uma divisão temática. Cada uma destas seções tem entre cinco e oito capítulos, os quais,
estes sim, divididos tematicamente ou, por meio da aplicação da conceituação de estrutura de
Deleuze à tese de Braudel, em “espécies”
127
, nas quais o ponto principal são as (os) rapports
différentielsdois ou mais objetos de pensamento (análise), que estabelecem diferenças,
sutis ou não, entre si, compreendidos numa só estrutura. Por sua parte, também estes capítulos
estão divididos em sub-capítulos e, ainda, em mais um nível diferencial (sub-sub-capítulo).
Neste sentido podemos notar como Braudel trabalha também, dentro de uma estreita margem,
com a matemática social; os temas em sua tese estão divididos quase como funções, latentes
ou manifestas, de pertencimento ou derivação
128
. Talvez seja este o principal ponto em que
podemos identificar uma atitude determinista em Braudel, que a terceira parte do livro está
submetida à segunda, assim como esta está submetida à primeira. Também os capítulos e suas
divisões seguem esta linha. Este assunto (as matemáticas sociais), inclusive, é tratado
longamente por Braudel em seu artigo de 1958.
Se podemos identificar, na tese de Braudel, o estruturalismo tal qual como foi
conceitualizado por Deleuze no que diz respeito às atualizações (que são o que mais importa
para os historiadores), em sua forma de “espécies”, o mesmo se aplica às “partes”. Digamos,
grosso modo, que conforme acompanhamos a tese de Braudel, seguindo a divisão
metodicamente proposta por ele, ou seja partindo das estruturas mais longas, das durações
que se aproximam do tempo geográfico, ou mesmo geológico, para, em seguida, passarmos
para uma história “lentamente ritmada” das civilizações e, enfim, chegarmos a uma história à
dimensão do indivíduo – temos uma lenta passagem das atualizações de espécies, na primeira
metade de sua tese, para as atualizações de partes, do meio em diante, principalmete na
terceira parte da obra. Todavia, esta “passagem” de espécies a partes não se somente no
âmbito das três grandes partes da obra: podemos notar características semelhantes se levarmos
em conta internamente os capítulo e mesmo os subcapítulos.
Em linhas gerais, podemos propor a seguinte afirmação: as atualizações das quais fala
Deleuze são, para Braudel, os motivos principais de sua obra; ora, ainda que Braudel “pense”
estruturalmente, não pode deixar de lado a característica principal do pensamento histórico,
ou seja, as modificações, estruturais ou não, no tempo. Dessa forma, as atualizações de
127
o pretendemos realizar uma correspondência direta entre “espécies” e “temas”. A construção conceitual
correspondente diz respeito exclusivamente ao assunto do qual tratamos no momento.
128
Aqui é indispensável lembrar que o próprio Braudel afirmou repetidas vezes que o estruturalismo para os
historiadores (no caso falava dele mesmo) não dirige as pesquisas para abstrações matemáticas, assim como não
exprime relações em funções. Não se trata de representar o infindável mundo das humanidades em equivalentes
matemáticos. Trata-se apenas de mais uma ferramenta de que dispõem os historiadores para buscar o que de
mais humano nas durações longas, as quais são quase sempre imperceptíveis no tempo dos indivíduos, na
duração de uma vida humana.
90
“espécies” e “partes” não estão tão claramente divididas na obra de Braudel tal qual propõe
Deleuze. Nem por isso, estas formas distintas de atualização não estão presentes. Podemos
reconhecer ambas as formas de atualização na tese de Braudel, tanto no que diz respeito às
três grandes partes da obra (gráfico 1) assim como internamente em cada capítulo, sub-
capítulo e divisões subseqüentes(gráfico 2).
Para tornar mais claro estas divisões, sugerimos os gráficos, utilizando o exemplo das
três grande partes que está dividida a obra e também da primeira parte de O Mediterrâneo...:
91
Se as atualizações estão no centro do trabalho histórico, vale discutirmos agora como
elas se dão, baseando-nos em Deleuze, na obra de Braudel. Deleuze afirma que as
atualizações vão do virtual ao atual. Podemos notar esta constante também na obra de
Braudel, posto que ele inicia sua obra com as estruturas mais longas e duradouras para, em
seguida, passar às menos duradouras. Portanto, as atualizações se dão a partir da estrutura, e
em função dela. Em Deleuze, a questões do virtual e do atual são bem mais elaboradas.
Todavia, não faz parte de nosso trabalho evidenciar os desdobramentos das teses de Deleuze.
Vale aqui mostrarmos que existe uma correspondência entre as atualizações segundo Deleuze
e o trabalho de Braudel. Digamos que, para Deleuze, o virtual se dedica a apresentar a
realidade de um objeto sem, no entanto, reduzí-lo ao seu estado atual ou a um outro que
remete a algum tipo de transcendência. Isto posto, podemos, grosso modo, realizar uma
ligação entre o virtual deleuziano e a estrutura braudeliana. A estrutura não é somente seu
atual, mas as relações entre os elementos que a constituem e a fazem manter-se semi-
imobilizada ou se atualizando e mudando, constante ou esporadicamente. A idéia do
“possível” está presente am ambos os autores: as atualizações possíveis, realizadas ou não,
são objeto de estudo. Para o historiador se algo muda, temos um acontecimento; caso
contrário, temos uma permanência, a qual também está contida na oficina do historiador, ou o
que Braudel chamaria de “prisões de longa duração”. Guardadas as proporções e,
principalmente, respeitando as diferenças dos vocabulários, esta “atualização” do pensamento
92
braudeliano a partir do trabalho de Deleuze se mostra bastante frutífera. Ficariam ainda mais
claras estas aproximações se discutíssemos o conceito de “forças ativas e reativas”, das quais
Deleuze se ocupa longamente em sua obra Mil Platôs, mas esta discussão por si resultaria
em uma outra dissertação. Enfim: se em Deleuze, as atualizações se dão, na maioria das
vezes, do virtual ao atual, em Braudel, no caso específico de sua tese, as “atualizações” se dão
majoritariamente da estrutura ao acontecimento, segundo a graduação de importância que o
próprio Braudel faz entre a história de longa e curta duração.
Todavia, também pode haver uma relação de sucesão de duas formas atuais, como
podemos notar, por exemplo, no último sub-capítulo (A guerra não terá lugar no mar) do
último capítulo (O mediterrâneo fora da grande história) da última parte (Os acontecimentos,
a política e os homens) da tese de Braudel. Este trecho, no índice da obra, está dividido da
seguinte forma:
O falso alerta de 1591
João André Dória não quer combater a armada turca: Agosto-Setembro de 1596
1597-1600
Falso alerta ou ocasião falhada em 1601?
A morte de Filipe II, 13 de Setembro de 1598
A possibilidade deste tipo de atualizações não estava ausente no pensamento de
Deleuze. No entanto, este nos escreve, como na citação acima, que atualizações deste tipo
podem, no máximo, “exprimir abstratamente os tempo internos da estrutura ou estruturas que
se efetuam em profundidade nessas duas formas, e as relações diferenciais entre esses
tempos”. Assim, no modelo estrutural, este tipo de atualização teria uma menor relevância
diante das atualizações que vão propriamente do virtual ao atual. Para citar um exemplo de
como também esta constatação de Deleuze se aplica à Braudel, vale citar o parágrafo que este
fecha sua tese, falando propriamente da figura de Filipe II, mas nos fornecendo indícios para
expandir este pensamento a todos os fatos na dimensão dos indivíduos:
Não é um homem com grande ideias: a sua tarefa, verifica-a numa interminável
sucessão de pormenores. Não existe nunhuma das suas notas que não seja um pequeno
facto preciso, uma ordem, uma observação, até mesmo a correcção de um erro de
ortografia ou de geografia. Nunca sob a pena de ideias gerais ou de grandes planos.
Não creio que a palavra Mediterrâneo tenha alguma vez flutuado no seu espírito com
o conteúdo que s lhe atribuímos, nem faça surgir nossas habituais imagens de luz e
de água azul; nem que tenha significado um lote preciso de grandes problemas ou o
quadro de uma política claramente concebida. Uma verdadeira geografia não fazia
parte da educação dos príncipes. São razões suficientes para que esta longa agonia,
terminada em Setembro de 1598, não seja um grande acontecimento da história
93
mediterrânica. Para que se assinalem de novo as distâncias da história biográfica à
história das estruturas e, mais ainda, às dos espaços...
129
Enfim, seguindo o trabalho em que Deleuze busca reconhecer o estruturalismo,
encontramos Braudel de forma bastante próxima do modelo estruturalista. Isto não implica,
contudo, que devemos encarar este historiador unicamente por este viés, e nem mesmo é
nossa intenção transformá-lo em um ícone do estruturalismo, ao lado de Lacan ou Lévi-
Strauss; este segundo que, por sinal, nos ocuparemos mais adiante, devido as influências
recíprocas entre ele e Braudel.
A busca que empreendemos nesta apropriação da conceituação de estruturalismo de
Deleuze, aplicada à tese de Braudel nos propiciou, enfim, um daqueles desejáveis momentos
em que vemos a pesquisa dar frutos, até então inesperados. Em nossa definição apresentada
anteriormente (página 51, nota 76), onde delineamos os conceitos de “temporalidade” e
“duração” definições estas que não se encontram claramente desenvolvidas por Braudel,
mas que se fazem necessárias para a atual apresentação – não conhecíamos ainda uma
fundamentação teórica anterior para tal. A definição que apresentamos foi baseada
exclusivamente na observação de nossas fontes; basicamente os textos metodológicos de
Braudel. Todavia, podemos agora encontrar um paralelo entre nossas definições e dois
“conceitos” deleuzianos. Acreditamos existir uma correspondência direta entre o que
denominamos “temporalidade” e “duração” com o que Deleuze chamou de “gênese ordinal
estática” e “temporalidade múltipla interna”, respectivamente.
130
Portanto, a partir da caracterização de estruturalismo segundo Deleuze, podemos
afirmar que Braudel, em sua tese O Mediterrâneo... faz uso do que convencionou-se chamar
de estruturalismo, ainda que não inteiramente, mas trazendo para o campo da história os
avanços que esta proposta atingiu em outras disciplinas vizinhas. Portanto, podemos dizer que
Braudel criou, ou ao menos foi um dos mais importantes utilizadores, um estruturalismo
histórico, uma espécie nova de estruturalismo, contrariando com isso a pecha de que o
estruturalismo seria ahistórico.
129
BRAUDEL, Fernand. La Méditerranée...Op. Cit. P.1062.
130
Acreditamos ter apresentado o essencial da discussão que podemos fazer entre o estruturalismo definido por
Deleuze e a estrutura da obra de Braudel. Todavia, sabemos que muitos outros ponto poderiam ser explorados
mas não sem um desvio do objetivo do atual trabalho. Entre estes outros ponto, os quais infelizmente não vamos
nos acupar, podemos citar o conceito anteriormente referido de “forças ativas e reativas”, assim como seria de
extrema relevância dedicar um estudo à história da formação das alianças deleuzianas, a saber, platônico-
epicurista, acontecimental e bergsoniana.
94
3.3. As estruturas de Fernand Braudel e Claude Lévi-Strauss
Lévi-Strauss é, por diversos intelectuais, considerado o maior pensador do século XX.
Independente do mérito ou julgamentos valorativos, Lévis-Strauss foi quem realizou a
antropologia numa mesma proporção que Durkheim havia feito com a sociologia. Seus
trabalhos são tão lidos por historiadores quanto por antropológos, além de fazerem parte do
incrível sucesso de vendas que as ciências humanas experimentaram na Europa,
principalmente na França e Alemanha, entre 1965 e 1985, quando as obras históricas e
antropológicas vendiam mais, mesmo entre o público leigo, que os romances e crônicas.
Vale ressaltar que Braudel e Lévi-Strauss lecionaram na mesma época na
Universidade de São Paulo. Foi neste entremeio que se conheceram e iniciaram um longa e
produtiva, por vezes ríspida, mas sempre respeitosa relação de trocas metodológicas.
Podemos dizer, guardadas as proporções, que os fins almejados por ambos eram, senão os
mesmos, ao menos muito próximos, mas os meios para atingir este fim – a saber, uma
metodologia comum das ciências humanas, hora sob domínio da antropologia, hora da
história é que divergiam. Apesar desta incessante busca de manter, no caso de Braudel, e
ascender, no caso de Lévi-Strauss, sua disciplina ao topo das ciências do homem, nas relações
pessoais estes grandes intelectuais se respeitavam muito. Este repeito mútuo fica bastante
claro no episódio que, diante das diferenças, metodológicas e principalmente pessoais, entre
Arbousse Bastide e Lévi-Strauss, na mesma Universidade de São Paulo, Braudel sai em
defesa deste último, fazendo uso da autoridade de que gozava, e evita seu afastamento da
instituição.
É paradoxalmente triste trabalhar com um intelectual como Lévis-Strauss quando
sabemos que não poderemos e nem mesmo seríamos capazes de esgotar o que se pode
falar deste autor em suas relações tão próximas com a história; nem mesmo poderemos falar
tão longamente quanto desejado das relações entre Lévi-Strauss e Fernand Braudel. Vale
ressaltar que nosso objetivo é discorrer sobre a questão da temporalidade e principalmente da
duração em Fernand Braudel. Neste sentido, vamos nos focar em que pontos as interações e
embates teóricos de Lévi-Strauss e Braudel contribuiram para a formulação temporal da
história por parte deste último.
O artigo de Braudel que trata em destaque das questões temporais da história,
publicado em 1958 e discutido anteriormente, pode ser encarado sob um duplo espectro: o de
ser o principal manifesto do novo tempo da história e, por outro lado, uma resposta às
investidas da antropologia frente à história pelo papel de destaque nas ciências humanas.
95
Neste sentido, podemos dizer que o artigo de 1958 é uma reposta à publicação de
Antropologia Estrutural
131
, de Claude Lévi-Strauss. Assim como em Braudel, não é
exatamente na época da publicação desta obra que Lévi-Strauss apresenta pela primeira vez
suas hipóteses sobre o tempo na história e antropologia: vale lembrar que Antropologia
Estrutural é uma coletânea de artigos anteriormente publicados em revistas científicas.
Portanto, assim como Braudel havia colocado em prática as novas divisões do tempo
histórico que são sistematicamente expostas em 1958, Lévi-Strauss também havia
apresentado suas conclusões sobre o assunto anteriormente. Dá-se, portanto, neste momento,
um embate não mais aplicado dos métodos da história e da antropologia e sim um embate
teórico se é que podemos utilizar este conceito para apresentar elementos de metodologia
entre antropologia e história; mais precisamente entre Lévi-Strauss e Braudel.
Na obra Antropologia Estrutural temos dois capítulos-chave para nossa discussão: o
primeiro deles intitulado “Introdução: História e Etnologia”
132
, que remete diretamente ao
título sob o qual Braudel publica seu artigo em 1958; e o segundo capítulo que nos mais
chama atenção na obra de Lévi-Strauss é intitulado “A noção de estrutura em etnologia”
133
. É
baseado nestes dois artigos que teceremos algumas considerações sobre as estruturas segundo
Lévi-Strauss e as relações entre estas e a obra de Braudel.
Abordaremos cautelosamente os principais temas e autor da antropologia; a saber,
estruturas, parentesco e Lévi-Strauss. Esta não é uma escolha ligada à relevância dos temas,
os quais sabemos grandes demais em volume e principalmente complexidade, mas uma
escolha que se mostrou como o único caminho para melhor evidenciar o papel do tempo nas
estruturas da antropologia e a sua ligação com os tempos da história. Novamente vale alertar
que nosso objetivo passa longe de uma tentativa de esgotar o tema das estruturas em história e
antropologia; basta, para a presente pesquisa, evidenciar os pontos em que este tema toca a
matéria do tempo histórico. Parece claro tratar aqui das estruturas segundo Lévi-Strauss, mas
e quanto a idéia de parentesco? “Em verdade, os etnólogos ocuparam-se quase
exclusivamente de estrutura a propósito dos problemas de parentesco”
134
. E é por isso que este
tema, possível de ser excluído do atual trabalho, aparecera repetidas vezes.
131
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Trad: Chaim Samuel Katz e Eginardo Pires. Revisão
etinológica de Júlio Cezar Melatti. 5ª. Ed. Rio de Janeiro : Edições Tempo Brasileiro, 1996.
132
Publicado anteriormente com o título Histoire et ethnologie, Revue de Métaphysique et de Morale, 54º ano,
ns. 3-4, 1949, PP. 363-391.
133
Publicado anteriormente em: A. L. Kroeber Ed. Antropology To-Day, Univ. of Chicago Press, 1953, PP. 524-
553.
134
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 315.
96
Neste caminho, vale iniciarmos com um ponto que, tanto Braudel quanto Lévi-Strauss,
sugerem logo de início: quando falam de “estruturas sociais” ambos acrescentam um outro
elemento conceitual, que são os modelos. Desta forma podem separar a realidade empírica
da estrutura” de sua, digamos, “virtualidade estrutural”, tomando de empréstimo o
vocabulário deleuziano (que não está presente no vocabulário dos autores que estamos
tratando no momento). Já aqui se evidencia uma primeira diferença entre os autores: se para
Braudel os modelos são hipóteses e sistemas de explicação, para Lévi-Strauss os modelos são
a própria referência direta das estruturas sociais. Isso implica que o recorrente alerta
braudeliano de que os modelos são formados pelo que de mais humano, mais repetitível,
ou seja, devem ser sempre formulados a partir da observação empírica, não se aplica ao que
Lévi-Strauss determina como estrutura social.
Segundo Braudel, as pesquisas devem partir das realidades empíricas para
posteriormente formarem-se os modelos de explicação. Este caminho deve ser
incessantemente percorrido, de um ponto ao outro, do atual ao virtual, possibilitando assim
recorrentes retoques e ajustes até que se possa obter um modelo que sirva bem à algumas
funções como: ensaio de explicação, instrumento de controle e comparação, verificação da
solidez e até mesmo da vida da estrutura
135
. Todavia, para que um modelo possa cumprir estas
funções, ele deve satisfazer a duas condições iniciais, a saber, partir de uma realidade
observável, de uma aplicação de fato e se apresentar como estrutura.
Os modelos segundo Lévi-Strauss já seguem uma outra linha, devem apresentar outros
elementos para que sejam reconhecidos como estruturas. Em geral, estes requisitos são:
apresentar um caráter de sistema, uma interconexão que impeça modificações que não se
espelhem em todo os outros elementos da estrutura
136
; ser uma soma de modelos para que
desta forma se crie uma estrutura; a parir dos pontos anteriores, é necessário que se possa
prever as reações que serão provocadas pelas modificações destes modelos; e por fim, o
modelo deve ser capaz de explicar todos os elementos observados
137
.
Diante das informações contidas nos parágrafos anteriores, devemos levar em conta
que, se Lévi-Strauss sugere para legitimar suas propostas, sempre exemplos oriundos das
relações de parentesco e dos estudos dos mitos, Braudel segue uma outra linha que
135
BRAUDEL, Fernand. ”História e Cièncias Sociais. A Longa Duração”. In: Escritos sobre a história. Op. Cit.
p. 68.
136
Retomando aqui o estudo anteriormente desenvolvido a partir da leitura de Deleuze, seria esta posição de
Lévi-Strauss uma negação da possibilidade de atualização das “partes”, e dessa forma a estrutura poderia apenas
se atualizar a partir de “espécies”?
137
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 316.
97
poderíamos classificar, neste sentido, como mais conceitual: apesar de recorrer a exemplos
concretos, como o faz Lévi-Strauss, Braudel prefere insistir na questão das durações. Não é
necessário apresentar elementos de longa duração ou quase intemporais, como o faz Lévi-
Strauss. Para Braudel, esta explicação deve partir das considerações de que todos os
elementos estruturais, por mais longos que se apresentem, têm invariavelmente uma duração.
Se as duas correntes m muitas proximidades, se tanto Lévi-Strauss quanto Braudel estão
falando uma mesma linguagem, o que os diferencia, paradoxalmente, é que ao invés da
antropologia, representada por Lévi-Strauss, seguir uma linha mais teórica para a explicação
dos fenômenos estruturais, como normalmente acontece, o inverso se apresenta. É Braudel
que recorre menos aos exemplos, e trabalha em uma linha mais conceitual para afirmar que o
tempo está presente nas estruturas, sejam estas de longuíssima duração como as que Lévi-
Strauss propõe com o estudo do parentesco ou do mito, sejam de fôlego mais curto como a
apresentada pelo próprio Braudel, esta que é a que ele e Frank Spooner produziram, a respeito
dos jogos entre metais preciosos da Europa do século XV em diante.
Se Braudel insiste na idéia de duração para os elementos estruturais, não devemos
esquecer que também Lévi-Strauss fala sobre o tema, todavia este prefere usar o termo
“medida”. Não que a idéia de medida tenha sido introduzida em antropologia pelo uso das
estruturas. Na verdade, a estrutura, segundo Lévi-Strauss, passou a ter lugar nas ciências
humanas a partir das matemáticas modernas, qualitativas, em oposição às matemáticas
tradicionais, quantitativas. Dessa maneira, a medida estava presente nas ciências humanas,
ainda com base nas matemáticas tradicionais.
Braudel, em seu artigo de 1958 retoma a distinção que Lévi-Strauss havia produzido
pouco antes entre “modelos mecânicos” e “modelos estatísticos”. O primeiro, na escala dos
fenômenos, baseando-se na observação de um grupo pequeno. o segundo, usado para falar
de grandes sociedades, nas quais os números e as médias se impõem.
Lévi-Strauss apresenta uma importância substancial a esta diferenciação, posto que é a
partir do tamanho do grupo estudado que se pode optar um ou outro tipo de modelo de
explicação. Assim, o autor afirma que para as “proibições” das sociedades, inclusive da nossa,
os antropólogos recorrem aos modelos mecânicos. Já para os “possíveis”, como as relações de
parentesco que podem se estender por uma vasta gama de possibilidades, o autor afirma que
os modelos estatísticos se apresentam melhores. Notamos que a escolha de que modelo pode
ser formulado para determinado assunto se a partir da medida, do tamanho do grupo
estudado. Veremos que Braudel, ao recorrer aos conceitos de Lévi-Strauss sobre o assunto,
98
sugere que outras condições devem ser observadas para definir que modelo de explicação
deve ser adotado.
Logo após citar Lévi-Strauss, Braudel acrescenta que, no fundo, pouco importam estas
definições, justamente porque não é baseado na medida do grupo estudado que se deve optar
por este ou aquele modelo de explicação; para Braudel, a significação e o valor de explicação
de determinado modelo está ligado estritamente à duração que o objeto observado implica.
Assim, importa menos o tamanho do grupo estudado, ou os elementos “proibidos” ou
“possíveis”; importa é saber a que ponto a duração observada do objeto se estender mais ou
menos, se se trata de um elemento de longa, média ou curta duração. Esta diferença é
primordial para nós. Enquanto a medida para Lévi-Strauss está antes ligada ao tamanho do
grupo, para Braudel, esta mesma medida está ligada à duração. Estas duas formas diferentes
de decidir que modelo melhor se aplica a cada tipo de pesquisa são suficientes para abstrair
que a estrutura braudeliana é, de fato, histórica pois baseada no tempo, elemento que
individualiza a história em relação as outras ciências do homem.
Lévi-Strauss afirma que: “O problema das relações entre a história e a etnologia foi,
recentemente, objeto de numerosas discussões. A despeito das críticas que me foram
dirigidas, mantenho que a noção de tempo não está no centro do debate”
138
. Para o autor, a
diferença se em outro nível; a saber, que a etnografia e a história se ocupam da coleta e
organização de documentos enquanto a etnologia e a sociologia se ocupam dos modelos e
estruturas que são construídos com base nos documentos que as duas precedentes recolhem. É
certo que desta forma as novas ciências do homem, trabalhando juntas, separadas apenas
sutilmente pelos métodos, se impõem frente à história, esta relegada ao status de disciplina
auxiliar.
Dessa forma teríamos, como o próprio autor propõe, disciplinas que realizam uma
mesma pesquisa, mas em fases diferentes. A etnografia e a história numa primeira etapa e a
sociologia e a etnologia finalizando esta pesquisa, de forma que os resultados são
apresentados por um estudo derivado. O problema desta divisão se em nível
epistemológico: seguindo este padrão, tal como apresentado por Lévi-Strauss, corre-se o risco
de apresentar resultados de pesquisas que, apesar de terem partido de elementos empíricos,
terminam com conclusões que se aproximam mais de um discurso metacientífico que
propriamente preocupado em esclarecer as questões colocadas pelo objeto em princípio
observado.
138
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 323
99
Uma outra questão é levantada por Lévi-Strauss a respeito das divisões disciplinares
que estamos nos ocupando por ora. Os tempos das pesquisas se diferenciariam apenas diante
dos modelos que estas mesmas pesquisas podem criar. É como se houvesse apenas uma
diferença temporal entre modelos “mecânicos” e “estatísticos”. O autor apresenta um gráfico
que pode ser descrito da seguinte maneira: a história e a etnografia teriam como passo inicial
a observação empírica, enquanto o início das pesquisas sociológicas e etnológicas se daria por
meio da construção dos modelos. em um segundo nível, a história e a sociologia só podem
fornecer modelos estatísticos, enquanto a etnografia e a etnologia, que fazem parte de uma
mesma pesquisa, apresentariam modelos mecânicos.
“Compreende-se, assim, porque as ciências sociais, que devem todas adotar
necessariamente uma perspectiva temporal, distinguem-se pelo emprego de duas categorias de
tempo”
139
. As duas categorias do tempo, para Lévi-Strauss são, portanto, as fornecidas pelos
modelos “mecânicos”, de um lado, e “estatísticos” de outro. Este é o cerne da atual discussão;
se para Braudel, como vimos, o mais importante elemento da pesquisa são as durações, as
imbricações temporais que toda pesquisa permite, para Lévi-Strauss, existem apenas dois
tempos, estes com ainda mais uma diferença fundamental, posto que são “escolhidos” a partir
dos modelos construídos e não segundo a observação empírica do objeto de estudo. Diante
deste fato, temos uma conclusão bastante importante: se o objetivo da etnologia é analisar e
interpretar as diferenças
140
, ela furta-se de muitos problemas ao ocupar-se apenas das
semelhanças. Se não são os tempos do objeto observado que estão em questão, e sim o tempo
do modelo construído, esta pesquisa tende a perder de vista o elemento de ensejo, o tema e
objeto de fato analisados para concentrar-se nas amplificações e possíveis múltiplas
aplicações dos modelos que só podem, para este fim, serem construídos com base nos
inventários das semelhanças, e não das diferenças. Esta constatação, por mais que pareça um
ataque externo ao estudo etnológico está, na verdade, no próprio texto de Lévi-Strauss, que
apresenta inclusive certo tom de descontentamento.
Enfim: Lévi-Strauss afirma que a etnologia ocupa-se do tempo dos modelos
“mecânicos”, segundo ele, reversíveis e não-cumulativos. A história, por outro lado, ocupar-
se-ia de um tempo “estatístico”, não reversível e que comporta uma orientação determinada.
Se levarmos em conta as observações que fizemos nas fases anteriores deste trabalho
podemos afirmar que Lévi-Strauss, ao fazer tal afirmação, pensa a história exclusivamente a
partir de uma de suas dimensões temporais, a saber, a da temporalidade ou “gênese ordinal
139
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 324.
140
Id. Ibid. P. 28.
100
estática”; e se furta a reconhecer uma segunda aplicação temporal que, a partir dos Annales e
principalmente de Braudel, assume a função temporal principal nos estudos históricos, que
são as durações, ou as “temporalidades múltiplas internas”.
Contudo, será correto afirmar que Lévi-Strauss, de fato, considere apenas duas
dimensões do tempo nas pesquisas etnológicas? Para responder a tal questão, vale citar um
trecho do autor:
Observou-se que o continuum temporal aparece reversível ou orientado, segundo o
nível que oferece maior valor estratégico, em que devemos nos colocar do ponto de
vista da pesquisa em curso. Outras eventualidades podem também se apresentar:
tempo independente do tempo do observador, e ilimitado; tempo função do tempo
próprio (biológico) do observador, e limitado; tempo analisável ou não em partes, que
são elas mesmas homólogas entre si ou específicas, etc. Evans-Pritchard mostrou que
se pode reduzir a propriedades formais dêste tipo a heterogeneidade qualitativa,
superficialmente percebida pelo observador, entre seu tempo próprio e tempos que
dependem de outras categorias: história, lenda ou mito.
141
(grifo nosso).
Sobre o trecho anteriormente citado, podemos abstrair duas conclusões oportunas. A
primeira delas é que Lévi-Strauss trata apenas do “continuum temporal”, que estava
presente e foi discutido anteriormente nas obras de Marc Bloch. Falamos também sobre o
mesmo tema em Fernand Braudel, todavia sob outro nome, o de temporalidade. Nestes
autores dos Annales o “continuum temporal” não é reversível, posto que não se pode
subverter o encadeamento dos fatos numa linha temporal quando este tempo está quase
naturalizado, baseado nas dimensões biológicas e físicas, ou mesmo sociológicas, levando em
conta a naturalização do tempo por parte dos durkhemianos (todavia este é um outro problema
do qual nos ocupamos anteriormente). Temos para a história, portanto, assim como
apresentado por Lévi-Strauss um tempo não-reversível e orientado. Todavia vale lembrar que
temos também uma segunda categoria do tempo, a duração, que não é abordada por Lévi-
Strauss, esta sim que é dotada de outras propriedades, que discutimos anteriormente.
Um segundo ponto que deve ser ressaltado diz respeito à forma como vi-Strauss
apresenta, no trecho anteriormente citado, a possibilidade de se pensar o tempo sob outros
aspectos. Segundo ele estas outras modalidades do tempo são apenas “eventualidades”.
Evitaremos produzir qualquer tipo de juízo, mesmo porque não é nosso objetivo e,
obviamente, diante da excelência do autor do qual estamos tratando. Para tanto, vale apenas
citar a agressiva discussão gerada por esta afirmação de Lévi-Strauss. Estamos nos referindo a
Georges Gurvitch que, segundo Gilles Granger, é o sociólogo que “encurrala a sociologia na
141
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 328.
101
história”
142
. E principalmente sobre seu artigo “Le Concept de Structure Sociale”
143
, no qual
Gurvitch critica duramente as definições e a falta de maleabilidade de Lévi-Strauss ao tratar
das categorias do tempo. Lévi-Strauss responde, tão agressivamente quanto Gurvitch, com um
outro artigo, que fecha sua obra Antropologia estrutural
144
.
Lévi-Strauss também fala de “escalas” para as características espaciais e temporais,
mas de modo bastante sutil. A apresentação discursiva que o autor produz de como o etnólogo
pode utilizar estas escalas é, novamente, baseada em escolhas e negações. Assim, o etnólogo
utiliza um “macro-tempo” e um “micro-tempo”; um “macro-espaço” e um “micro-espaço”.
Da história, apenas as categorias fornecidas por estudos de “pré-história” e da “arqueologia”
são consideradas, juntamente com a teoria difusionista, a topologia psicológica e a
sociometria, como conhecimentos complementares, para formar modelos e estruturas das
ciências humanas. Lévi-Strauss ainda afirma que, ao contrário do que defendem os chamados
“funcionalistas”, os domínios da geografia e da história são perfeitamente compatíveis com
uma atitude estruturalista.
Se deixarmos momentaneamente de lado esta miríade de classificações temos,
portanto, que não é negado que historiadores participem da corrente chamada estruturalista,
como Lévi-Strauss deixa bastante claro. Aliás, Braudel afirma que com a longa duração e a
idéia de estrutura, a história e as ciências sociais estão mais próximas que nunca:
No plano da história de longa duração, história e sociologia não se reúnem, não se
ombreiam, seria dizer muito pouco: elas se confundem. A longa duração é a história
interminável, durável das estruturas e grupos de estruturas. Para o historiador, uma
estrutura não é somente arquitetura, montagem, é permanência e frequentemente mais
que secular (o tempo é estrutura); essa grande personagem atrvessa imensos espaços
de tempo sem se alterar; se se deteriora nessa longa viagem, recompoem-se durante o
caminho, restabelece sua saúde, e, por fim, seus traços só se alteram lentamente...
145
142
GRANGER, Gilles. “Événement et Structure dans les Sciences de l’homme”. Cahiers de l’Institut de Science
Économique Appliquée. Série M, nº 1, pp. 41-42.
143
Cahiers internationaux de Sociologie, vol. 19, n. s., 2º ano, 1955.
A obra na qual Gurvitch expõe de forma sistemática todas as categorias do tempo que reconhece é:
GURVITCH, Georges. Déterminismes sociaux et Liberté humaine. Paris : P.U.F., 1955.
144
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. PP. 361-383.
145
BRAUDEL, Fernand. Escritos... Op. Cit. P. 106.
102
3.4. Algumas considerações sobre o tempo na metodologia de Fernand Braudel e Claude
Lévi-Strauss
Assim como o fez o próprio Braudel em seu artigo “História e Ciências Sociais: a
longa duração”, Lévi-Strauss ênfase ao início da disputa entre a história e a antropologia,
disputa esta que se estende por mais da metade de todo o século XX. Nos referímos aqui aos
trabalhos de Hauser e Simiand, anteriormente comentados, publicados na passagem do
século XIX ao XX. Esta retomada das “origens” é especialmente significativa posto que
ambos, historiadores e antropólogos, assumem uma atitude filial em relação à Simiand, ainda
que cada um o apresente de forma que justifique seu método como diretamente inspirado no
trabalho de Simiand. As adaptações que fazem do trabalho deste último são apresentadas
quase como uma sequência lógica do que seria a forma pretendida da observação do social
segundo Simiand. Para a antropologia, esta filiação aparece de forma mais direta, o que
poderia significar uma relativa “legitimação da filiação”. Todavia, os Annales e especialmente
Braudel conseguem subverter esta vantagem ao afirmar repetidas vezes que buscam
“reformar” a disciplina histórica baseando-se nos escritos de Simiand. Esta “virada de mesa”
fica bastante evidente na medida que a Revista dos Annales publica repetidas vezes (três
vezes) o artigo “Método histórico e ciência social”. Todavia não cabe aqui avaliarmos quem
são os verdadeiros herdeiros de Simiand; nos importa notar que esta disputa, a partir do artigo
de Simiand anteriormente discutido, está presente nas diversas fases das interações entre
história e antropologia, inclusive na que diz respeito ao conceito de estrutura.
Para realizar uma definição a mais precisa possível de etnografia e da etnologia, Lévi-
Strauss recorre à relação que estas duas vertentes mantêm com a história e, inclusive, afirma
que o drama interno destas mesmas duas correntes se na medida em que fazem uso da
dimensão temporal. Segundo Lévi-Strauss:
[...]o problema das relações entre as ciências etnológicas e a história, que é, ao mesmo
tempo, seu drama interior revelado, pode ser formulado da seguinte maneira: ou
nossas ciências se vinculam à dimensão diacrônica dos fenômenos, isto é, à sua ordem
no tempo, e se tornam incapazes de traçar-lhes a história; ou procuram trabalhar à
maneira do historiador, e a dimensão do tempo lhes escapa. Pretender reconstituir um
passado do qual se é impotente para atingir a história, ou querer fazer a história de um
presente sem passado, drama da etnologia num caso, da etnografia no outro, tal é, em
todo caso, o dilema no qual o desenvolvimento delas, ao longo dos últimos cinquenta
anos, pareceu muito frequentemente colocá-las.
146
Certamente Lévi-Strauss não ignorava as inovações metodológicas, em especial, às
relativas ao tempo histórico, produzidas pelos Annales. Todavia, o trecho anterior deixa claro
146
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 15. (Grifo nosso).
103
que, se não ignora apesar de alertar constantemente a comunidade dos etnólogos da
importância da história em seus trabalhos –, o autor ao menos subjulgava estas inovações em
favor da defesa de sua própria disciplina, apresentando o trabalho do historiador tal qual
Simiand o havia feito mais de meio século antes. Trata-se, ao menos em parte, de um
problema conceitual: caso estivessem claramente definidas as divisões entre temporalidade e
duração, que, na época, apesar de não estarem sistematizadas, faziam parte da prática dos
historiadores ligados ao grupo dos Annales, parte do problema colocado por Lévi-Strauss
estaria resolvido; não é contraditório que se trabalhe em uma pesquisa, quer seja esta histórica
ou etnológica, em, por exemplo, três dimensões temporais diferentes: uma vinculada “à sua
ordem no tempo”, ou seja, à temporalidade; outra, bastante definidos seus espaços e
delimitações temporais, ou seja, ligada às durações; e por último, que não faz parte de nosso
trabalho, mas que está invariavelmente presente em todas as pesquisas, que é o tempo do
“lugar de produção”
147
. Portanto, o tempo não precisa ser encarado pelo antropólogo como
uma dicotomia que implica, necessariamente, uma recusa; vários tempos diferentes podem
coexistir numa mesma pesquisa. A pluralidade dos tempo, a “dialética da duração”, já resolvia
este problema.
Um outro problema conceitual, ainda que se apresente aparentemente como de
segunda ordem, é que Lévi-Strauss fala de uma “reconstituição” do passado para se atingir a
história. Novamente vale lembrar o trabalho de Michel de Certeau, que apresenta de forma
bastante clara a questão da reconstrução e não reconstituição do passado. É certo que a obra
principal de Certeau foi publicada somente em 1975. Todavia, bem antes disso, Lucien
Febvre insistia na ideia de que a história é sempre uma construção. Podemos abstrair disto
que, em primeiro lugar, os historiadores foram bem mais argutos ao fagogitar os métodos
antropológicos que os antropólogos ao se apropriarem dos métodos da história nova. Em
segundo lugar, foi imposto aos historiadores dos Annales que se preocupassem, como o é
ainda hoje, em realizar sistematizações das novas metodologias propostas para que não
fossem subtraidos pela preocupação teórica que vinham apresentando os antropólogos. Esta é
possivelmente a principal importância dos trabalhos desta natureza produzidos pelos Annales;
e Braudel, como arauto desta Nova História, precisou se aplicar de forma séria nesta peleja
como já o havia feito Lucien Febvre e outros depois deles
148
.
147
Sobre este ponto ver: CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Trad: Maria de Lourdes Menezes ;
Revisão técnica: Arno Vogel. – 2ª. Ed. – Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2006.
148
Posteriormente à época que estamos tratando neste trabalho, outros membros dos Annales também tiveram
que se posicionar firmemente neste sentido. Podemos citar, entre outros, os textos metodológicos de Jacques Le
Goff, Michel Volvelle, Georges Duby e Marc Ferro. Outro nome importante neste mesmo sentido foi o de
104
Se, tanto para Braudel como para Lévi-Strauss, o tempo tem uma função fundamental
para as ciências do homem, como se dão as diferentes formas de apresentar a orientação do
tempo nas pesquisas históricas e etnológicas
149
? Este questionamento se justifica logo à
primeira vista: Braudel, assim como proposto e efetuado pelos primeiros Annales, prezava
bastante a ideia de uma história problema, que parte de questionamentos do presente para
conhecer o passado, uma história problema que pretende passar do supostamente mais
conhecido para buscar uma reconstrução do que não está mais ao alcance das mãos, do que só
pode ser conhecido por meio dos vestígios, sinais, documentos e monumentos. Discutimos
de forma mais profunda a questão da história problema no primeiro capítulo. Todavia, Lévi-
Strauss faz a seguinte afirmação:
Ademais, quando nos limitamos ao instante presente da vida de uma sociedade,
somos, antes de tudo, vítimas de uma ilusão: pois tudo é história; o que foi dito ontem
é história, o que foi dito um minuto é história. Mas sobretudo, condenamo-nos a
não conhecer êsse presente, pois somente o desenvolvimento histórico permite
sopesar, e avaliar em suas relações respectivas, os elementos do presente. E muito
pouca história (já que tal é, infelizmente, o quinhão do etnólogo) vale mais do que
nenhuma história.
150
É certo que o autor, quando atribui ao passado a tarefa de permitir conhecer o
presente, está de forma plena afirmando a importância da história para a antropologia. Ora,
esta perspectiva não está ausente do ofício do historiador. Entretanto, podemos notar uma
prioridade dada ao movimento no sentido de um passsado em direção ao presente,
culminando na compreensão não da história, e sim do atual. Não dúvida que esta diferença
é inerente às disciplinas, que a etnologia e a história, ainda que caminhando lado a lado,
guardam suas diferenças. É certo inclusive que faz parte do ofício do historiador iluminar não
o passado sobre o qual se debruça, mas também o presente que o incita, propõe e mesmo
permite (ou não) investigar este passado. Enfim, o que nos importa mais de perto neste ponto
é que, se considerarmos esta diferença entre a orientação do tempo na história dos Annales e
como Lévi-Strauss a propõe, notamos novamente uma indiferença da antropologia em relação
à história dos Annales.
Os objetivos de ambas disciplinas se confundem mais que a relação que estas mesmas
mantem com o tempo nas pesquisas, este último bastante diferente entre história e etnologia.
Michel Foucault. Apesar de não ser possível rotulá-lo como historiador adjunto (que o foi na prática) dos
Annales, e nem mesmo como “historiador” propriamente (a longa discussão que esta questão implica não tem
lugar aqui), Foucault foi considerado de início como um possível “organizador” das propostas metodológicas dos
Annales. Porém, esta possibilidade não se concretizou plenamente, como já o sabemos.
149
Certamente as questões relativas à: orientação, sentido e ritmo do tempo, são assuntos majoritariamente
compreendidos sob a égide da filosofia, em especial da metafísica. Este é um campo que não pretendemos
adentrar, evitando assim um desvio da proposta da pesquisa. Todavia, faremos uma pequena incursão na questão
da orientação do tempo, exclusivamente em Braudel e Lévi-Strauss.
150
LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia Estrutural. Op. Cit. P. 26.
105
Lévi-Strauss afirma que tendo os mesmos objetos, objetivos e métodos que variam apenas
sutilmente, o que difere a etnologia e a história é que uma se preocura com os aspectos
inconscientes da vida social, enquanto a outra com os conscientes. Mas o que dizer das
histórias do inconsciente que desde os fundadores dos Annales, principalmente com Lucien
Febvre, já começam a ser produzidas? Possivelmente o que difere de forma plena a história da
etnologia seja a perspectiva temporal. Esta afirmação se torna ainda mais plausível se
seguirmos a linha José Carlos Reis; a principal hipótese deste autor é que a mais importante
renovação do saber histórico realizada pelos Annales se encontra na renovação do tempo
histórico. Corroboramos com esta idéia que, aliás, incitou o presente trabalho.
106
Considerações Finais
107
Nossa pesquisa buscou trazer novas luzes à discussão acerca do tema do tempo
histórico segundo Braudel. Mas o estudo de um tema tão investigado pode, de qualquer
forma, ter novas iluminações? Acreditamos que sim. Nosso estudo reveste-se de um caráter
diferenciado posto que se funde em duas perspectivas; a saber, de uma história da história dos
Annales, e de uma análise dos conceitos presentes na metodologia. Esta segunda sobrepondo-
se à primeira. Temos, portanto, um objeto de estudo datado (1949-1958), mas que se estende
além deste período, para antes e depois de nosso recorte temporal, caracterizando assim,
inclusive, um estudo de metodologia da história produzida atualmente. A discussão acerca da
“dialética da duração” de Fernand Braudel, se não se encaixa ainda num tempo estrutural, ao
menos podemos conferir-lhe características de um trend.
Digamos que nosso trabalho pode ser caracterizado como um capítulo de história da
metodologia dos Annales. Mas os termos “história da metodologia” não poderiam, num
sentido lato, serem confundidos com a noção de epistemologia? Sim e não.
Não: no sentido que não buscamos uma reflexão geral, nem uma teoria do
conhecimento. O processo cognitivo e as apropriações da teoria braudeliana apenas tangem
nosso trabalho, e de forma sutil.
Sim já que, por se tratar de um estudo de história da metodologia, ou se se preferir, um
estudo conceitual, não fugimos plenamente ao que está compreendido sob a égide da
epistemologia. Mas vale ressaltar que almejamos unicamente um capítulo bem definido do
estudo maior das contribuições de Fernand Braudel às ciências atuais. Inclusive, Carlos
Antonio Aguirre Rojas
151
trabalha neste sentido, da produção de uma biografia intelectual
total de Fernand Braudel opondo-se à biografia “pessoal”, por sinal muito bem executada,
de Pierre Daix
152
.
Acreditamos, segundo a delimitação de nosso tema, que o estudo do tempo na prática
do historiador é de fundamental importância não só para compreender a metodologia do grupo
dos Annales, como para todas as correntes historiográficas, posto que o tempo é em nossa
visão, com o perdão do epíteto, a principal variante operatória das metodologias da história.
Dito isso, a necessidade da discussão acerca do tema por parte dos historiadores e não mais
a dependência da filosofia para fazê-lo se impõe crescentemente. Inclusive a interação entre
as observações históricas e filosóficas têm se mostrado cada vez mais produtivas, como
podemos, apenas para citar um exemplo, notar nas obras de Krysztof Pomian.
151
AGUIRRE ROJAS, Carlos Antônio. Tempo, duração e civilização : percursos braudelianos. Trad: Sandra
Trabucco Valenzuela. São Paulo : Cortez, 2001.
152
DAIX, Pierre. Fernand Braudel: uma biografia. Trad. Clóvis Marques – Rio de Janeiro : Record, 1999.
108
A divisão que propomos entre “temporalidade e duração” na obra de Braudel
mostrou-se bastante operatória. Se esta divisão não se encontra sistematizada nos trabalhos de
Braudel, ao menos está latente, pelo que pudemos avaliar com base nas leituras dos textos
metodológicos que o autor publicou. O embasamento teórico que utilizamos para fundamentar
esta divisão foi, incluse, surpreendente para nós. Havíamos notado a possibilidade de
distribuir o tempo da história segundo Braudel nas categorias de “temporalidade” e “duração”
antes mesmo de ter acesso ao texto em que encontramos a base teórica para tanto: o artigo de
Gilles Deleuze A quoi reconnait-on le structuralisme?.
Propomo-nos, ainda que indiretamente, a responder algumas questões logo no início
de nossa pesquisa. A primeira destas questões é: as críticas a esta nova forma de abordar o
tempo histórico são procedentes, ou seja, realizaram, de fato, uma atualização da dialética da
duração? Nos parece que a idéia de “intriga” de Paul Ricoeur responde bem às outras críticas
feitas por autores sobre a tese braudeliana e as novas durações da história. A crítica nodal à
tese de Braudel, na qual a “dialética da duração” se apresenta de forma plena, é que as partes
da obra não se relacionam, as diferentes dimensões do tempo esquartejaram a unidade do
Mediterrâneo. Mas se as leituras diferentes que a obra sucita com a coroação do tempo
geográfico de um lado, ou dos acontecimentos de outro estão equilibridas na proposta de
uma história de longa duração, como o sugere Paul Ricoeur, o problema colocado por Braudel
de mostrar que o tempo viaja em compassos diferentes foi respondido categoricamente: sim, o
tempo tem dimensões diversas em um mesmo objeto de pesquisa e a longa duração serve
como sustentáculo da articulação desses tempos.
Possivelmente as duas principais questões que o atual trabalho sucitou são: a “dialética
da duraçãoe, principalmente, a longa duração foram instrumentos bem recebidos, utilizados
pelos historiadores? A dialética da duração e a longa duração ainda são ferramentas do
historiador contemporâneo? A esta pergunta podemos responder com certa segurança: sim, a
proposta da longa duração, tal como foi colocada por Braudel, foi muito bem recebida e
largamente utilizada. Podemos legitimar esta afirmação com base na quantidade de trabalhos
que versam sobre o tema. Também os historiadores dos Annales, nas “gerações” seguintes à
de Braudel, utilizam a longa duração como uma forma de balizar cronológicamente seus
trabalhos. Estes autores não estão citados diretamente no presente trabalho por uma questão
de respeito às balizas temporais que propomos, mas a leitura de suas obras foram
especialmente importantes para a realização deste trabalho e estas mesmas leituras estão, sem
dúvida, diluídas ao longo do material que estamos apresentando.
109
Partindo da premissa que uma conclusão propõe mais questões que respostas,
podemos até ensaiar uma hipótese, servindo apenas como exemplo, derivada da atual
pesquisa: um dos historiadores que mais se aproximou dos tempos da história propostos por
Braudel foi Emmanuel Le Roy Ladurie. Podemos dizer que ele vai além, quando propõe sua
aula inaugural no College de France com o título “A História Imóvel”. Mas é possível
conceber uma história imóvel? Acreditamos, seguindo Braudel, que não.
Em realidade, a roda da história nunca parou de girar, e o tempo continuou presente
nos estudos históricos. Mas os objetos de estudo foram ampliados drasticamente com a
possibilidade aberta pela longa e longuíssima duração. Diante da contingência de estudar
elementos cada vez mais longamente presentes nas sociedades, de durações que se extendem
por períodos cada vez maiores, quais são as novas janelas abertas ao estudo histórico? O que é
mais presente em todos os tempos e sociedades, mais imortal que a própria morte?
A morte foi sempre um tema privilegiado da poesia e da literatura. E porque a história
não o adotaria justamente quando é retomada a discussão acerca da narrativa histórica e suas
conexões com a literatura? O chamado pela inclusão da morte nas pesquisas historiográficas
tem ainda um segundo ponto, que mais nos chama a atenção: a morte pode, e na maioria das
vezes foi, estudada na dimensão da mais longa duração. Para tanto podemos citar alguns
exemplos, poucos diante do volume de obras produzidas com ênfase no tema da morte:
Philippe Ariès
153
foi seu principal arauto; Michel Vovelle, Jacques Chiffoleau, Daniel Poirion,
e outros onze autores publicaram uma seleção de conferências sobre o tema realizadas em
1979
154
; encontros de grupos de discussão sobre o mesmo tema também ocorreram quase
simutaneamente na França, Canadá e Alemanha; entre uma grande massa de outros trabalhos
que poderiam figurar aqui.
A discussão anterior encontra-se ligada ao atual trabalho no seguinte sentido: o tema
da morte passou a ser amplamente valorizado pelos historiadores por uma somatória de
causas. Entre elas, podemos citar três centrais: a retomada da história das mentalidades; a
discussão acerca do caráter narrativo da história e; de encontro com nosso trabalho, a longa
duração, que possibilitou o estudo de temas que se extendem por períodos muito longos,
como as concepções da morte. Acreditamos que sem a ampliação, realizada por Fernand
Braudel, das durações em história, o tema da morte não estaria no centro dos debates
153
ARIÈS, Philippe. Essais sur l’historie de la mort em Occident: Du Moyen Âge à nous jours. Paris : Seuil,
1975.; Images de l’homme devant la mort. Paris : Seuil, 1983.; L’Homme devant la mort. Paris : Seuil, 1977.; La
mort esauvagee. Paris : Seuil, 1977.; En face de la mort. Toulouse : Privat, 1983.
154
BRAET, Herman; VERBEKE, Werner (Eds.). A Morte na Idade Média. Trad: Heitor Megale, Yara Frateschi
Vieira, Maria Clara Cescato. São Paulo : EDUSP, 1996.
110
historiográficos dos Annales, e de outros grupos de pesquisadores ao redor do mundo. A
longa duração foi o instrumento metodológico encontrado pelos pesquisadores da morte para
estruturarem suas pesquisas, que a morte está sempre presente e em todo lugar, mas as
durações das imagens e atitudes que os homens têm diante da morte é que são de durações
variadas, mas majoritariamente de longa duração, como são as mentalidades. “Os quadros
mentais também são prisões de longa duração”
155
.
Por fim, vamos citar um trecho de um artigo de Michel Vovelle, que vai de encontro
com a hipótese que a história da morte (e das mentalidades de modo mais genérico) é balisada
temporalmente pela longa duração:
Philippe Ariès, um dos descobridores dessa história, tanto no que diz respeito à
criança e à família, quanto à morte, afirma isso com vigor; ele se prende a essas
evoluções secretas na longuíssima duração, também, inconscientes porque não
percebidas pelos homens que as vivem. A imagem que ele nos proporciona,
especialmente em sua recente história da morte, é a imagem não de uma história
“imóvel” (ainda que tenha reservado um lugar para uma história substrato, “acrônica”,
que seria sem dúvida a das sociedades tradicionais...), mas a de amplos pedaços de
história, sucessão de estruturas ou de modelos de comportamento, que, mais do que se
sucederem, se sobrepõem e se encaixam como as telhas de um telhado: da morte
“domesticada”, acrônica, que é tanto a de Ivan Illich quanto a do valente Roland, a
uma primeira tomada de consciência do “escândalo” da morte individual, da Idade
Média à idade clássica; à sua tranferência sobre a morte do outro o objeto amado
na idade romântica, enquanto se aguarda o tabu sobre a morte, na época
contemporânea. Seria por grandes pedaços de história em que as mutações
insensíveis prevalecem em muito sobre o que se (o macabro fim da Idade Média,
um epifenômeno?) – que se faria a passagem de uma estrutura a outra
.
156
155
BRAUDEL, Fernand. Escritos... Op. Cit. P. 50.
156
VOVELLE, Michel. “A História e a Longa Duração”. In: LE GOFF, Jacques; CHARTIER, Roger; REVEL,
Jacques (Dir.). A História nova. Op. Cit. P. 101.
111
Referências
112
Fontes
BRAUDEL, Fernand. Écrits sur l’histoire. Paris : Flammarion, 1969.
______. Ecrits sur l’histoire II. Paris : Arthaud, 1990.
______. La Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. 2ª ed. revista e
aumentada. Paris : Armand Colin, 1966.
______. Les écrits de Fernand Braudel. Paris: Fallois, 1996/97. v.2: Les ambitions de l’histoire.
______. Une leçon d’histoire de Fernand Braudel. Paris : Arthaud-Flammarion, 1986.
BLOCH, Marc. Apologie pour l’histoire, ou Métier d’historien. 5ª ed. Paris : Armand Colin, 1964.
______. La société féodale. Paris : Editions Albin Michel, 1982.
______. “Pour une histoire comparée des sociétés européennes” (1928). Mélanges historiques, vol. 1 :
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