Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL
Pós-graduação em Saúde Coletiva
Ciências Humanas e Saúde
Denise Borges Barros
APRIMORAMENTO COGNITIVO FARMACOLÓGIO
Grupos focais com universitários
Rio de Janeiro
2009
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Denise Borges Barros
APRIMORAMENTO COGNITIVO FARMACOLÓGIO
Grupos focais com universitários
Orientador:
Prof. Dr. Francisco Javier Guerrero Ortega
Rio de Janeiro
2009
Dissertação apresentada como
requisito parcial para obtenção
do título de Mestre, ao Programa
de Pós-graduação em Saúde
Coletiva, do Instituto de
Medicina Social da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro.
Área de concentração: Ciências
Humanas e Saúde
ads:
C A T A L O G A Ç Ã O N A F O N T E
U E R J / R E D E S I R I U S / C B C
B277 Barros, Denise Borges.
Aprimoramento cognitivo farmacológico: grupos focais com universitários / Denise
Borges Barros. – 2009.
114f.
Orientador: Francisco Javier Guerrero Ortega.
Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de
Medicina Social.
1.
Neuropsicologia Teses. 2. Psicofarmacologia Teses. 3. Psicotrópicos Aspectos
sociais Teses. 4. Estudantes universitários - Autopercepção Teses. I. Ortega, Francisco
Javier Guerrero. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social.
III. Título.
CDU 612.821
_______________________________________________________________________________
Título em inglês: Pharmacological cognitive enhancement: focal groups with university students.
A autora autoriza a reprodução total ou parcial desta tese apenas para fins acadêmicos e científicos.
Denise Borges Barros
APRIMORAMENTO COGNITIVO FARMACOLÓGICO
Grupos focais com universitários
Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-graduação em Saúde Coletiva, do Instituto de
Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de
concentração: Ciências Humanas e Saúde
APROVADO EM _____________________________________________
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________
Prof. Dr. Francisco Ortega (Orientador)- IMS/UERJ
____________________________________________________
Prof. Dra. Cláudia Passos - IMS/UERJ
____________________________________________________
Prof. Dr. Kenneth Camargo - IMS/UERJ
____________________________________________________
Prof. Dra. Luciana Caliman- IP/UFES
Rio de Janeiro
2009
Ao meu pai,
In Memorian
AGRADECIMENTOS
A minha mãe por seu apoio e incentivo na jornada acadêmica. Sem estes, o feito teria
sido muito mais difícil.
Ao Francisco Ortega pela oportunidade de participar da pesquisa e por suas
orientações que possibilitaram a realização do presente trabalho. Esse trabalho não poderia ter
sido feito sem ele.
Ao professor Kenneth Camargo Jr. pela análise pontual e precisa do projeto de
qualificação que muito ajudou a remodelar a dissertação final.
A Luciana Caliman pelo seu entusiasmo com o tema, incentivo e carinho. Suas dicas
na banca de qualificação foram preciosas!
A Cláudia Passos pelas aulas, companheirismo, carinho e incentivo no transcorrer da
pesquisa. Suas correções foram preciosas para a melhora da escrita final da dissertação. Muito
obrigada!
A Claudia Itaborahy pela parceria que ajudou a superar as dificuldades na caminhada
acadêmica.
A Lívia pelo companheirismo e ajuda durante as longas e infindáveis discussões para
análise de dados. Sua amorosa disponibilidade fui fundamental para a realização da
dissertação.
A Cynthia Forlini pelo treinamento e pronto esclarecimento de várias dúvidas
surgidas durante a pesquisa e ao José Jorge que tanto ajudou na parte técnica e no
recrutamento dos voluntários.
As companheiras e amigas do IMS Solange, Sabira, Valéria, Cristiane Marques e
Cynthia Carvalho. Conhecê-las foi um especial presente durante a caminhada acadêmica.
Um grande e especial agradecimento a Márcia Pinheiro e ao grupo de meditação “A
PORTA SECRETA DA PAZ” que sempre estiveram comigo nos momentos mais difíceis do
percurso. Muito obrigada!!!!
Um conto tibetano
Um homem viajando em um campo encontrou um tigre. Ele correu, o tigre em seu
encalço. Aproximando-se de um precipício, tomou as raízes expostas de uma vinha
selvagem em suas mãos e pendurou-se precipitadamente abaixo, na beira do abismo. O
tigre o farejava acima. Tremendo, o homem olhou para baixo e viu, no fundo do
precipício, outro tigre a esperá-lo. Apenas a vinha o sustinha.
Mas ao olhar para a planta, viu dois ratos, um negro e outro branco, roendo aos poucos
sua raiz. Neste momento seus olhos perceberam um belo morango vicejando perto.
Segurando a vinha com uma mão, ele pegou o morango com a outra e o comeu.
"Que delícia!", ele disse
RESUMO
O presente trabalho analisou como os estudantes universitários avaliam o uso de
psicofármacos por pessoas que pretendem melhorar o rendimento cognitivo sem apresentar
prejuízo nessa habilidade mental. Esse tipo de remédio pode ser comercializado através de
receita médica especial. Dessa forma, o uso não-médico desse tipo de droga, chamado
também de aprimoramento neurocognitivo farmacológico, é ilegal. Com o crescimento no
número de estudantes universitários americanos e canadenses que utilizam estimulantes para
melhorar a performance acadêmica, o tema tornou-se uma preocupação para a Saúde Pública
nos respectivos países. O aprimoramento neurocognitivo farmacológico vem sendo muito
discutido no campo da Neuroética. Nos debates dessa a prática são avaliados os riscos e
benefícios que essa prática pode trazer para o indivíduo e à sociedade. No Brasil, esse assunto
é pouco discutido. Assim, a investigação sobre a compreensão e avaliação que estudantes
universitários fazem sobre esse tema trouxe informações que podem ampliar o conhecimento
sobre tema no Brasil. A investigação foi realizada através de três grupos focais com
estudantes universitários. Os resultados indicaram que questões como pressão social
(exigência de bons resultados), segurança do medicamento, risco de coerção social,
possibilidade de essa prática aumentar a injustiça social foram as principais preocupações da
população entrevistada. Alguns aspectos foram compreendidos de maneira bastantes
polarizada. Não está claro para os participantes dos grupos focais, por exemplo, se esta é ou
não uma prática desonesta e se a melhora no rendimento cognitivo pode ser entendida como
sendo legítima da pessoa. Esses e outros dados mostram que a compreensão do tema
aprimoramento neurocognitivo farmacológico é muito influenciada por dois aspectos. O
primeiro aspecto se refere ao entendimento prévio que a pessoa tem sobre a relação entre
cérebro e comportamento e sobre a relação entre indivíduo e grupo social. O segundo aspecto
é a influência que os textos que informam sobre ciência exercem sobre os leitores. Nesse
sentido, a aplicação dos grupos focais mostrou-se um importante meio para conhecer o
entendimento dos estudantes universitários sobre o aprimoramento neurocognitivo
farmacológico e, dessa forma, contribuir para a discussão desse tema no Brasil.
Palavras-chave: aprimoramento cognitivo, grupo focal, neuroética, psicotrópicos, estudantes
universitários.
ABSTRACT
The present work analyzed how university students evaluate the use of psicotropics for
people that intend to improve cognition without presenting damage in this mental ability. This
kind of medicine can only be marketed through special prescription. In this way, the non-
medical use of this type of drug, also called pharmacological neurocognitive enhancement, is
illegal. With the growth in the number of American and Canadian academical students that
use stimulants to improve the academic performance, the theme became a concern for the
Public Health at the respective countries. The pharmacological neurocognitive enhancement is
being very discussed in the field of Neuroethics. In the debates of that the practice is
appraised the risks and benefits that this practice can bring to the individual and to the society.
In Brazil, this subject is little discussed. Like this, the investigation about academical students
understanding and evaluation about this theme brought information that can enlarge the
knowledge about this theme in Brazil. The investigation was accomplished through three
focal groups with academical students. The results indicated that subjects as social pressure
(demand of good results), safety of the medicine, risk of social coercion, possibility of that
practice increase the social injustice were the main concerns of the interviewed population.
Some aspects were understood in a plenty polarized way. It is not clear for the participants of
the focal groups, for instance, if this is or not an unchaste practice and if the improvement in
the cognitive income can be understood as being legitimate of the person. These and other
data show that the understanding of the theme pharmacological neurocognitive enhancement
is very influenced by two aspects. The first aspect refers to the previous understanding that
the person has about the relationship between brain and behavior and about the relationship
between individual and social group. The second aspect refers to the influence that the texts
that inform about science exercise on the readers. So, the application of the focal groups was
shown an important middle to know the academical students' understanding on the
pharmacological neurocognitive enhancement and, in this way, to contribute for the
discussion of that theme in Brazil.
Key word: cognitive enhancement, focal group, neuroethics, psicotropics, university students.
LISTA DE GRÁFICOS:
Gráfico 1 – Quantitativo de Citações por Grupos Focais e Categorias Analisadas 59
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 9
2. NEUROÉTICA E O APRIMORAMENTO ............................................................... 13
2.1. Neurociências ................................................................................................................ 13
2.2. Neuroética ..................................................................................................................... 14
2.3. Neuroética e Aprimoramento ...................................................................................... 19
3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS RELACIONADAS AO METILFENIDATO ..... 42
3.1. Sobre o Metilfenidato ................................................................................................... 42
3.2. Contexto sócio econômico e o nicho mercadológico do metilfenidato ..................... 43
3.2.1
Construção do Diagnóstico de TDAH .......................................................................... 43
3.2.2.
Alterações na organização familiar e social ................................................................. 47
3.2.3.
Representações Sociais, Campanhas Publicitárias e Mídia da Ritalina® .................. 49
4. METODOLOGIA ........................................................................................................ 53
4.1. Preparação e Aplicação do Grupo Focal .................................................................... 53
4.1.1. Seleção de textos ............................................................................................................ 54
4.1.2. Recrutamento e composição dos grupos focais ............................................................ 55
4.1.3. Local e equipe para aplicação dos grupos focais ......................................................... 55
4.1.4. Apresentação Roteiro de Debate ................................................................................... 56
4.1.5. Preparação para análise dos dados colhidos ............................................................... 57
5. APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS ...................................... 58
5.1 Introdução .................................................................................................................... 58
5.2. Apresentação dos dados .............................................................................................. 58
5.3. Interpretação dos dados .............................................................................................. 90
6. CONCLUSÃO .............................................................................................................. 93
7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ........................................................................... 94
APÊNDICE A – Questionário ................................................................................................. 104
APÊNDICE B – Perfil dos participantes dos grupos focais .................................................. 106
APÊNDICE C – Termo de consentimento livre e esclarecido .............................................. 107
APENDICE D – Guia do grupo focal ...................................................................................... 108
APENDICE E – Guia de codificação para os grupos focais ................................................. 110
APENDICE F – Tabela de quantidade de citações por categorias ...................................... 114
9
1. INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2009, a revista Isto é” apresentou uma breve explicação sobre o
aprimoramento cognitivo na matéria: “Aditivos para a mente”. O texto foi motivado por um
artigo manifesto publicado em dezembro do ano anterior na “Nature” com o título: "Towards
responsible use of cognitive-enhancing drugs by the healthy”
1
. Os autores do documento
Henry Greely, Barbara Sahakian, John Harris, Ronald C. Kessler, Michael Gazzaniga, Philip
Campbell e Martha J. Farah defenderam a prática sugerindo propostas para ajudar a
sociedade a aceitar seus benefícios. Entre as sugestões constavam a realização de pesquisas
adequadas e o estabelecimento de regulamentações mais evoluídas, como por exemplo, a
prescrição das drogas apenas por profissionais como forma de garantir a segurança do uso e
impedir o abuso desses medicamentos. Com esses e outros cuidados, o aprimoramento
cognitivo teria muito a oferecer a indivíduos e sociedades. Ainda segundo esse grupo, a
administração dos riscos para favorecer o acesso de todos a essa prática seria uma questão de
responsabilidade social.
A novidade apresentada no artigo da “Nature” não se encontra na defesa pela busca
por aperfeiçoamento, pois este sempre existiu de diversas formas na sociedade. Tratamentos
estéticos, treinamentos físicos e inovações nas técnicas de ensino/aprendizagem são alguns
exemplos dessa procura pelo melhoramento. A novidade da proposta está na possibilidade de
usar drogas e outras intervenções biotecnológicas para modificar o processo cerebral com o
objetivo de aprimorar memória, humor e atenção em pessoas que não estão prejudicadas por
doenças ou transtornos.
Esse assunto vem sendo bastante discutido em países como Canadá, Estados Unidos e
Inglaterra (CHATTERJEE, 2004; FARAH et al, 2004; FORLINI & RACINE, 2008;
HYLMAN, 2006; PRESIDENT’S COUNCIL ON BIOETHICS (US), 2003; TURNER e
SAHAKIAN, 2006; WOLPE, 2002). Um dos motivadores de muitos debates são estudos
epidemiológicos que indicam o aumento no número de estudantes universitários que utilizam
psicoestimulantes para melhorar o rendimento acadêmico (HALL et al, 2005; LOW &
GENDASZEK, 2002; PRUDHOMME WHITE et al, 2006; TETER et al, 2005; TETER ET
AL., 2006).
Um dos medicamentos que tem sido usado para esse fim é o cloridrato de
metilfenidato, um estimulante do sistema nervoso central com estrutura semelhante à
anfetamina. No Brasil, esse fármaco é mais conhecido pelos nomes comerciais Ritalina®
1
A tradução para a língua portuguesa não é exata. Seria algo em torno de: “Em direção ao uso responsável de drogas para
aprimoramento cognitivo por pessoas saudáveis”.
10
(Novartis) e Concerta® (Janssen-Cilag). Embora sua ação ainda não esteja clara (DILLER,
1996 e SZOBOT, C. et al, 2001), o remédio aumenta o desempenho de funções executivas
que auxiliam na realização de tarefas cognitivas, além de diminuir a fadiga (ELLIOTT et al.,
1997; MEHTA et al., 2000; SOLANTO, 1998; THE MTA COOPERATIVE GROUP, 1999).
Esse medicamento é indicado para o tratamento do Transtorno do Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) e para a Narcolepsia, um raro transtorno do sono (Ritalina® - Bula)
2
.
O uso ‘não médico’ desse fármaco
3
não é autorizado legalmente. Isso ocorre porque o
metilfenidato está incluído na Convenção de Substâncias Psicotrópicas de 1971 da ONU. De
acordo com esse compromisso, também assumido pelo Brasil, essa medicação precisa de um
controle especial, pois apresenta risco de abuso e dependência. Por esse motivo, sua utilização
está restrita a tratamentos o que caracteriza os outros usos como algo ilegal.
A investigação bibliográfica sobre o tema no Brasil indica que não existem textos
sobre o aprimoramento neurocognitivo farmacológico em revistas científicas
4
. Já, em revista e
jornais voltados para o público em geral, foram encontradas seis matérias sobre o tema
5
6
.
Destas, três tratam diretamente sobre o assunto, duas versam sobre o abuso de estimulantes
em geral e uma explica sobre os usos e abusos da Ritalina®. Nesse material, as pesquisas e
estudos citados são estrangeiros. Vale ressaltar ainda que desses seis textos, um é a tradução
de uma matéria de publicada em jornal de Londres.
Contudo, apesar da pequena produção de pesquisas e textos brasileiros em mídia
impressa sobre o assunto, localiza-se com certa facilidade na internet local a divulgação dos
usos ‘não médico’ do metilfenidato. No Orkut, um site de relacionamentos, por exemplo, é
possível achar comunidades como “AMIGOS DA RITALINA”, “EU TOMO RITALINA” e
“ERA BURRO, RITALINA ME SALVOU”, onde acontecem discussões sobre o uso da
medicação para melhorar os estudos mesmo quando não o diagnóstico de TDAH.
2
A bula do Concerta® traz apenas sua indicação de uso para o tratamento de pessoas com TDAH.
3
Até o presente momento são conhecidos três usos ‘não médicos’ do metilfenidato: o recreativo, quando o estimulante é
tomado para aumentar o tempo de vigília e a disposição/energia durante o lazer; o estético, quando a droga é utilizada para
ajudar no emagrecimento; e o aprimoramento cognitivo, quando a medicação é usada para melhorar o rendimento
cognitivo profissional e acadêmico. Este último uso é possibilitado pelo fato do medicamento proporcionar o aumento na
capacidade de concentração, atenção e estado de alerta em pessoas saudáveis, ou seja, sem TDAH e/ou (DILLER, 1996). O
aprimoramento cognitivo é o uso ‘não médico’ que será privilegiado no presente trabalho.
4
“Revista Brasileira de Psiquiatria” e “Jornal Brasileiro de Psiquiatria” no período de 1997 a 2007.
5
Revista “Veja”, Jornal “Folha de São Paulo” e Jornal “O Globo” no período de 1997 a 2008.
6
Cabe observar que tanto nas revistas científicas quanto nas mídias para o público leigo, existem mais de duzentos artigos
citando metilfenidato de forma quase sempre associada a TDAH.
11
também Blogs desse remédio
7
onde é feita divulgação de sua compra sem receita médica
tanto para melhorar a concentração
8
como para o uso recreativo. Ou seja, mesmo sem estudos
epidemiológicos sobre assunto, é fácil constatar que existe um mercado ilegal para esse tipo
de prática no Brasil.
Muitos artigos estrangeiros que tratam o tema são de autores ligados ao campo da
Neuroética, uma disciplina ainda em fase de estabelecimento e expansão. Os autores são em
pequeno número e aparecem repetidamente apresentando as interpretações que fazem das
pesquisas realizadas no campo da neurociência e da previsão de seus potenciais no uso clínico
e prático (TOI TE TAIAO: The Bioethics Council, 2006). Dessa forma, eles buscam
assegurar os direitos humanos e direitos da ciência bem como os deveres da comunidade
científica, ajudando a construir uma moral em relação às biotecnologias envolvidas nessa
prática
9
.
Esses autores reafirmam a potência tecnológica ao mesmo tempo em que garantem a
segurança tão desejada do aprimoramento cognitivo farmacológico. Porém, eles não
investigam quais são representações sociais apresentadas pelos possíveis usuários. A análise
dessas representações sociais transforma o dilema de ser contra ou a favor da prática em algo
mais complexo. Isso porque compreender essas representações sociais fornece pistas para
entender melhor as implicações políticas aí envolvidas.
Procurando aumentar o conhecimento sobre esse tema, o presente trabalho se propõe a
identificar, por meio de Grupos Focais, as representações sociais que estudantes universitários
apresentam sobre o uso ‘não médico’ do metilfenidato. Para alcançar esse objetivo, é
necessário responder: O que é o aprimoramento cognitivo farmacológico e como esse tema é
discutido no campo da Neuroética? Quais são as representações sociais relacionadas ao
Metilfenidato? E, finalmente, quais são as representações sociais dos estudantes universitários
sobre o uso não-médico desse remédio?
Para responder essas perguntas, a dissertação apresenta seis capítulos. O Primeiro
capítulo é a introdução das questões que atravessam o trabalho.
7
“Blog da Rita”: http://www.ritaeutequero.blogspot.com
acesso dia 05.01.2008 às 23:25h. “Rita” é um dos apelidos da
Ritalina.
8
A compra sem a receita médica também pode ocorrer devido a automedicação, quando a pessoa acredita que é portador de
TDAH sem, contudo, ir ao médico para confirmar o diagnóstico. Essa situação é diferente da prática do aprimoramento
cognitivo em que a pessoa identifica-se como saudável.
9
Lucien Sfez (1996) entende que os profissionais da Bioética cuidam da divulgação, educação do público e do médico. Para
esse autor, eles funcionariam mais como guardiões dos direitos humanos, dos direitos da ciência e dos deveres da
comunidade científica. Ao se ocuparem com as decisões legais, eles elaborariam uma ciência da moral em relação às
biotecnologias. Tal compreensão do comportamento desses profissionais pode ser estendida aos profissionais da
Neuroética.
12
No Segundo capítulo, é feita uma exposição de como o aprimoramento cognitivo
farmacológico é discutido no campo da Neuroética. A proposta é entender quais são as
principais preocupações descritas pelos autores e que argumentos são utilizados para debater
o tema e justificar os posicionamentos defendidos. As principais categorias identificadas
formam a base da investigação nos grupos focais, porém a pesquisa não está limitada a essas
categorias.
O Terceiro capítulo trata das representações sociais do metilfenidato. Além da
apresentação de seus primeiros usos clínicos, é feita a descrição de como a construção do
diagnóstico do TDAH estabeleceu um nicho mercadológico para o fármaco e como este, por
sua vez, ajudou a legitimar a citada categoria diagnóstica. Nessa exposição, também estão
relatadas as representações coletivas utilizadas pelas propagandas da indústria farmacêutica
para construir o público alvo desse remédio.
O Quarto capítulo descreve a metodologia dos Grupos Focais.
O Quinto capítulo aborda a apresentação e interpretação dos dados colhidos na
investigação com os estudantes universitários.
O Sexto capítulo apresentada a conclusão do trabalho.
É inegável a contribuição que os avanços biotecnológicos trazem para o bem estar da
humanidade. Mas os resultados dessas pesquisas precisam ser analisados e discutidos. Além
da segurança das novas intervenções, se faz necessário buscar compreender qual o sentido
social dessas práticas na construção e manutenção da subjetividade. Para isso, é interessante e
enriquecedor incluir no debate os vários grupos que são direta ou indiretamente atravessados
pela prática do aprimoramento cognitivo farmacológico. Assim, o propósito desse trabalho é
analisar as representações sociais de estudantes universitários sobre o uso ‘não médico’ do
metilfenidato.
A presente investigação é um subprojeto de uma pesquisa mais ampla intitulada: “DA
MEDICALIZAÇÃO À SUPERNORMALIDADE: O TDAH E O USO DO
METILFENIDATO COMO PERFORMANCE ENHANCER
10
.
10
A pesquisa mais ampla apresenta dois eixos principais de trabalho. Em um dos eixos, há a analise do processo de expansão
do diagnóstico infantil do TDAH para incluir a população adulta e seu impacto na narrativa de vida dos sujeitos
diagnosticados. No outro eixo, há a busca do entendimento e reações públicas em relação ao uso de metilfenidato por
pessoas com a intenção de aprimorar o desempenho cognitivo a partir do que é retratado desse tema pela mídia impressa.
Este segundo eixo é fruto de uma parceria do Instituto de Medicina Social (IMS) da UERJ com o Instituto de Pesquisas
Clínicas de Montreal (IRCM), sob a coordenação dos professores Francisco Ortega (IMS) e Eric Racine (IRCM).
13
2. NEUROÉTICA E O APRIMORAMENTO
2.1. Neurociências
A expansão das Neurociências, ocorrida nos últimos vinte anos, foi viabilizada pelos
avanços tecnológicos aplicados à investigação do cérebro e suas funções. O resultado gerado
pelas pesquisas ampliou o conhecimento sobre o cérebro e possibilitou a elaboração de novos
instrumentos e técnicas para tratamento de pessoas com transtornos mentais e neurológicos.
Além disso, essas descobertas ampliaram o questionamento das tradicionais
concepções de identidade, self, liberdade, responsabilidade e livre-arbítrio. Por esse motivo,
os resultados das pesquisas em Neurociências tornaram-se foco de discussão entre
profissionais desta e de outras áreas.
A inclusão de outros campos nesse debate deveu-se a dois fatores: a múltipla
constituição das Neurociências; e a mudança no valor social do cérebro (EHRENBERG,
2004) e seus desdobramentos para outras disciplinas. Estes pontos serão esclarecidos a seguir.
As Neurociências nasceram da interação de diferentes tradições científicas como a
genética, estudos do desenvolvimento, imunologia, bioengenharia, engenharia de computação,
neuroanatomia e neurofisiologia. Cada uma dessas disciplinas trouxe seus respectivos
vocabulários, pressupostos conceituais e instrumentos de análise tornando as Neurociências
um campo multifacetado (TOI TE TAIAO: The Bioethics Council, 2006).
Além da origem multidisciplinar, as descobertas e inovações neurocientíficas
ganharam uma significativa relevância social, pois o cérebro passou a ocupar um lugar
privilegiado na representação do self
11
e da identidade das pessoas. Conhecer o self passou a
ser o mesmo que conhecer o cérebro (EHRENBERG, 2004). A nova identidade favoreceu que
crenças, desejos e comportamentos fossem descritos através de um vocabulário neuroquímico
ou cerebral. Nikolas Rose (2003) propôs a expressão Self Neuroquímico’ para nomear essa
bioidentidade, enquanto Ehrenberg (2004) e Ortega e Vidal (2007) optaram pela expressão de
‘Sujeito Cerebral’ para nomear essa figura antropológica.
A concepção de que as pessoas são seus cérebros trouxe questionamentos para
conceitos filosóficos clássicos em ética como livre-arbítrio, intenção, decisão moral e
atribuição de responsabilidade (MAURON, 2003). Uma nova compreensão desses conceitos
acarretaria mudanças nas práticas de várias instituições. No campo legal, por exemplo, o
entendimento do comportamento como determinado pelo cérebro alteraria a condição do
11
A palavra Self normalmente é traduzida para português pela expressão ‘Si mesmo’. Mas no presente trabalho o termo em
inglês foi usado por este manter melhor o sentido do conceito inicial do que sua tradução para o português.
14
indivíduo como responsável pelas próprias atitudes. As leis, então, teriam que se adequar à
nova compreensão de sujeito (SENTENTIA, 2003).
Assim, a constituição multifacetada das neurociências e o vislumbre de supostos
efeitos sociais da concepção do cérebro como sede da identidade do sujeito permitiram que
profissionais de diferentes áreas como filosofia, direito, sociologia, antropologia, história da
ciência, políticas públicas e psicologia interrogassem as conseqüências e desdobramentos
éticos das inovações neurotecnológicas. Questões como a segurança das novas intervenções; o
uso da Neurociência para aprimorar habilidades em pessoas saudáveis; o risco do uso dos
conhecimentos neurocientíficos afetar a autonomia individual ou favorecer injustiças sociais
foram algumas das preocupações que ajudaram a construir o novo campo nomeado:
Neuroética.
2.2. Neuroética
A Neuroética demorou alguns anos para se estabelecer como campo de saber. As
primeiras referências ao tema ocorreram no final dos anos 80 e início dos anos 90. Mas
somente depois de pouco mais de dez anos, essa área ganhou espaço e reconhecimento como
uma disciplina diferenciada (ILLES, J. e RAFFIN, T. A.; 2002). Esta especialidade surgiu
com o objetivo de identificar e avaliar questões éticas emergentes dos avanços gerados pelos
estudos neurocientíficos.
A disciplina emergente foi muito divulgada no ano de 2002. Na imprensa popular as
questões éticas da Neurociência foram manchete na revista The Economist” (maio/2002) e
formaram o tema de discussão no editorial da revista “New York Times” (maio/2002).
Nas associações e sociedades científicas, as discussões haviam começado no
primeiro mês desse mesmo ano. Em Janeiro de 2002 Neuron” (jornal de Neurociência) e a
“The American Association for the Advancement of Science” (AAAS) patrocinaram o
simpósio Understanding the Neural Basis of Complex Behaviors: The implications for
Science and Society” com apresentação neurociências, explicitando sobre as possíveis
implicações éticas, políticas e legais dos avanços neurocientíficos. Em março do mesmo ano
“The Royal Institution” em Londres patrocinou Neuroscience Future” em março
(ROSKIES, 2002)
A oficialização da Neuroética como disciplina aconteceu em maio de 2002 quando
houve a primeira conferência mundial intitulada: Neuroethics: Mapping the Field”,
realizada em São Francisco, Califórnia. Seus organizadores definiram a Neuroética como:
15
“... o estudo das questões éticas, legais e sociais que surgem quando os achados científicos
sobre o cérebro são levados para a prática médica, interpretações legais e políticas sociais de
saúde. Esses achados acontecem em campos tais como a genética, imagem cerebral,
diagnóstico e prognóstico de doenças. A Neuroética deve examinar como médicos, juízes e
advogados, executivos de seguros e políticos assim como o público irão lidar com eles.
(NEUROETHICS: MAPPING THE FIELD, 2002 pág. III)
12
A expansão desse campo continuou através da publicação de artigos em mídia
impressa popular e científica
13
; organização de institutos de pesquisas neurocientíficas
14
;
páginas da internet com a transcrição de algumas das discussões sobre seus temas
15
. Houve
também uma iniciativa européia com o nome de “The Meeting of the Mindsque tinha por
objetivo esclarecer o público sobre o impacto das pesquisas em Neurociência na vida diária
das pessoas e na sociedade como um todo. Essa proposta incluía proporcionar um maior
suporte para o envolvimento do público nos debates éticos sobre pesquisas e usos das novas
neurotecnologias
16
.
Para esclarecer a proposta de trabalho da Neuroética, Adina Roskies (2002) dividiu o
campo em dois eixos principais de trabalho: Ética da Neurociência e Neurociência da
Ética.
Segundo a autora, o eixo da Ética da Neurociência está divido em duas linhas de
trabalho. A primeira trata de uma ética da prática incluindo considerações éticas surgidas
no planejamento ou na aplicação dos estudos neurocientíficos. Seria a prática mais tradicional
da Bioética aplicada a Neurociência como, por exemplo, a garantia dos direitos de privacidade
sobre os resultados de exames para problemas neurológicos.
Além disso, essa linha de investigação inclui questões peculiares a Neuroética. Um
exemplo é a avaliação e o estabelecimento da melhor diretriz para o consentimento informado
de tratamento e/ou pesquisa de transtornos mentais e doenças neurodegenerativas. Isso
porque esses transtornos e doenças, em algumas situações, alteram a capacidade cognitiva das
12
“... the study of the ethical, legal and social questions that arise when scientific findings about the brain are carried into
medical practice, legal interpretations and health and social policy. These findings are occuring in fields such as genetics,
brain imaging, disease diagnosis and prediction. Neuroethics should examine how doctors, judges and lawyers, insurance
executives and policy makers as well as the public will deal with them.”
13
O já estabelecido “Journal of Cognitive Science” (JCS) passou a incluir artigos sobre Neuroética. O American Journal of
Bioethics” apresentou artigos especiais sobre o tema. Em 2008, surgiu uma revista intitulada “Neuroethics”
14
Por exemplo, Centre for Cognitive Neuroscience at the University of Pennsylvania, e Stanford Center for Biomedical
Ethics
15
The (US) President’s Council on Bioethics: http://www.bioethics.gov/topics/neuro_index.html
16
The Meeting of the Minds, http://www.meetingmindseurope.org/europe_default_site.aspx?ID=13&SGREF=13
16
pessoas. Assim, a autora entende que existe a necessidade de construir instrumentos que
confirmem a existência ou não do déficit cognitivo como também é imperioso estabelecer
padrões de procedimentos relacionados ao consentimento informado para as pessoas que
apresentam tal perda cognitiva.
A Ética da Neurociência, em sua segunda linha de trabalho, trata das implicações
éticas da Neurociência. Ou seja, é a avaliação ética das possíveis contribuições dos achados
neurocientíficos nas estruturas institucionais sociais e legais. Nessa proposta de trabalho faz-
se necessária a integração entre o conhecimento técnico das Neurociências com a
compreensão ética e social. Afinal, para essa autora, é imprescindível compreender como o
cérebro controla o comportamento e como esse conhecimento deve ser conciliado com as
estruturas sociais vigentes.
O eixo da Neurociência da Ética, diferentemente das duas linhas de trabalho da Ética
da Neurociência, investiga as bases neurológicas dos tradicionais conceitos filosóficos como
livre-arbítrio, autocontrole, identidade e motivação. Apesar desse eixo de análise ainda não
ser muito desenvolvido, o resultado das pesquisas nesse campo pode vir a trazer profundas
implicações para a abordagem e compreensão do ser humano.
Um exemplo dos efeitos dessa linha de investigação está no entendimento sobre a
conduta moral. Apesar do comportamento ético sempre ter sido compreendido como reflexo
de uma escolha racional, estudos recentes indicam que as emoções têm um papel importante
para a tomada de decisão (GREENE ET AL., 2001 apud ROSKIES, 2002). Caso esse achado
neurocientífico seja confirmado, tanto a antiga visão de que as decisões morais são oriundas
de uma deliberação racional quanto à idéia de uma separação clara entre emoção e razão se
dissolveriam.
A distinção desses dois eixos de trabalho em Neuroética permite compreender melhor
as principais funções e propostas do campo. Portanto, entender as bases neurológicas das
motivações éticas e da representação de self e da autoconsciência (Neurociência da Ética)
possibilita a revisão de antigos conceitos éticos. Por sua vez, tal revisão afeta a avaliação das
implicações éticas da Neurociência para a sociedade (Ética da Neurociência). O resultado da
discussão ética sobre a formulação e interpretação dos experimentos neurocientíficos pretende
interferir no que pode ser aprendido sobre o cérebro e como este pode ser manipulado. A
interligação entre os dois eixos revela a complexidade do campo.
Para os autores da Neuroética, esta disciplina apresenta peculiaridades e por isso é
distinta da Bioética. Racine e Illes (2005), por exemplo, consideram que as complexas
questões epistemológicas e éticas contidas na interpretação dos dados de neuroimagens
17
necessitam de uma avaliação mais ampla do que a oferecida pela Bioética tradicional. Os
autores entendem que a análise inclui tanto o nível científico quanto os níveis social e
cultural. O nível social abarca a complexidade de integrar o conhecimento e o significado da
interpretação de dados das pesquisas neurocientíficas. O nível cultural, por sua vez, trata das
estruturas culturais e antropológicas, como a noção de self e personhood, que alteram as
interpretações das neuroimagens. Assim, para os autores, esse duplo desafio marca a
necessidade de ampliar as perspectivas, para além da contribuição da Bioética tradicional, na
construção do conhecimento científico.
Evers (2005) entende que além de questões científicas, sociais e culturais, falta na
discussão da Neuroética, o aspecto filosófico. Cabe à filosofia a análise do sentido das teorias
e termos neurocientíficos bem como identificação de suas relações para com os mesmos
termos usados em outras disciplinas e nos discursos não científicos. Para o autor, esse nível de
interpretação é basicamente constituído pela tradicional filosofia da mente ou a mais moderna
neurofilosofia.
A afirmação de Racine e Illes (2005) sobre a insuficiência da análise oferecida pela
Bioética tradicional (baseada nas questões éticas em Genética) para interpretar as
neuroimagens gera críticas de autores como Knoppers (2005) e Schick (2005) e Wilfond e
Ravitsky (2005). Estes questionam a necessidade da Neuroética se constituir como um campo
diferenciado da Bioética. Afinal, para eles, apesar das especificidades das disciplinas como
Genética e da Neurociência, os instrumentos conceituais usados para entender as questões
éticas não diferem.
Dessa forma é possível constatar que a Neuroética é uma disciplina fluida e em
transformação, caracterizada pela falta de claros limites em seus variados níveis (TOI TE
TAIAO: The Bioethics Council, 2006). Talvez essa particularidade seja conseqüência da
necessidade de recorrer a outras áreas de conhecimento para analisar algumas das questões
surgidas nesse campo. Um exemplo disso é a produção de próteses humanas feitas de animais
e máquinas. O primeiro problema a ser enfrentado é a necessidade da avaliação de
profissionais de outros campos sobre a viabilidade de realização do projeto. O segundo
problema é a avaliação do quanto a prótese abala, ou não, o antigo conceito do que é humano.
Além desses dois problemas (viabilização do projeto e conseqüências éticas), a
interação entre os rios profissionais de diferentes áreas de conhecimento traz para essa
disciplina um problema objetivo: a falta de um vocabulário comum e unificado.
O relatório de TOI TE TAIAO: The Bioethics Council (2006) mostra que não há
coerência no uso de vários termos como mente, pessoa, self e identidade pessoal. Mesmo o
18
termo cérebro que poderia fornecer uma maior precisão ora é usado como um órgão
anatômico, ora é usado como um conceito metafórico mais próximo a idéia de mente. Esse
termo ainda apresenta outros desafios relacionados ao seu significado. O cérebro pode ser
entendido como separado, ‘encarnado’ ou interconectado ao corpo. Cada uma dessas
concepções gera diferentes sistemas conceituais que projetam diferentes estruturas cerebrais
com estruturas diferenciadas. Além disso, não está claro qual é o papel do cérebro na
determinação do comportamento.
Outro problema de falta de exatidão de vocabulário é o exemplo usado por Singh e
Rose (2006)
17
. Segundo os autores, existem evidências suficientes de que aptidões individuais
normalmente atribuídas ao cérebro individualizado como capacidade intelectual, memória,
cognição, emoção, desejo ou mesmo os efeitos das drogas sobre qualquer dessas habilidades
são na verdade funções ‘distribuídas’, formadas, organizadas, facilitadas pela interação com o
contexto espacial, pragmático e lingüístico. Para ilustrar o argumento, os autores usam os
diferentes efeitos que surgem da ingestão do álcool, uma droga tão facilmente encontrada.
Dependendo do contexto social e do estado emocional a mesma quantidade de álcool pela
mesma pessoa pode gerar diferentes conseqüências comportamentais, emocionais e
cognitivas.
Contudo, nem todos os autores têm como Singh e Rose essa forma de pensar e
compreender o que é o cérebro e qual a sua relação com o comportamento. Alguns acreditam
que as características individuais resultam de alterações neuroquímicas do cérebro. Tal
diferença de postura e entendimento talvez seja conseqüência das diferentes formações
profissionais dos autores.
Dessa forma, é possível constatar que a colaboração de diversas áreas nesse debate
ético traz uma grande variedade de posicionamentos e compreensão para muitos diferentes
assuntos. Ou seja, profissionais de filosofia, direito, bioengenharia, ciência de computação,
história da ciência, apenas para citar alguns, estruturam os temas e conceitos de acordo com
sua área de origem. Determinados autores, por exemplo, identificam questões éticas dentro da
sua própria prática profissional e escrevem dessa perspectiva. Outros respondem a questões
vindas das experiências de outros campos (TOI TE TAIAO: The Bioethics Council, 2006).
Como essa disciplina proporciona vários questionamentos, em diferentes setores, cada
tipo de investigação implica em um domínio diferente de conhecimento. Para questões legais,
é necessário o estudo da lei e uma compreensão filosófica do self. Para tratar sobre a
17
Esses autores escrevem sobre questões relacionadas as descobertas neurocientíficas e suas implicações socioculturais sem,
contudo, defender ou afirmar a necessidade de estabelecimento do campo da Neuroética.
19
medicalização do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade como reforçando as
desigualdades sociais é necessária a amplificação do conhecimento de certas práticas culturais
sobre competição e uma análise sociológica. Para as construções de próteses cerebrais feitas
de máquinas são necessários engenheiro, neurobiólogo e um psicólogo ou psiquiatra para
avaliar as questões éticas sobre o self desse indivíduo.
Segundo o relatório de TOI TE TAIAO: The Bioethics Council (2006), o campo da
Neuroética ainda está em fase de expansão. Seu corpo de literatura é pequeno. Poucos autores
aparecem repetidamente fazendo uma avaliação do campo e procurando alertar os leitores
(cientistas, profissionais e leigos) sobre as novas preocupações. Estas incluem: questões
pragmáticas como segurança no uso das inovações tecnológicas, debates sobre autonomia,
impacto e justiça social e; discussões sobre como as noções de self e identidade serão afetadas
por esse conhecimento.
Ainda de acordo com o relatório, alguns debates desse campo se tornam especulativos
e superficiais. Especulativos, pois lidam com situações que ainda não são possíveis de
acontecer. Superficiais pois sumarizam os assuntos convidando os leitores para a discussão
sem, contudo, promover insights significativos. A preocupação central desses textos se
resume às implicações científicas e sociais da prática.
A crítica feita por Lucien Sfez (1996) à Bioética talvez ajude a esclarecer o
posicionamento dos autores da Neuroética. Segundo Sfez, uma das funções desse campo é
divulgar e esclarecer a população e os profissionais sobre as novas biotecnologias. A outra
função é garantir que os procedimentos aprovados sejam seguros para todos. Tais propostas
reafirmam a potência tecnológica ao mesmo tempo em que mantêm a segurança tão desejada.
Esses objetivos preservam os direitos humanos, os direitos da ciência e os deveres da
comunidade científica contudo, eles não favorecem a discussão sobre as conseqüências
políticas do uso das novas biotecnologias.
2.3. Neuroética e Aprimoramento
A expressão Aprimoramento Cognitivo Farmacológico é usada para nomear a prática
de aprimorar a aprendizagem em pessoas saudáveis e normais por meio de medicamentos.
A capacidade cognitiva, assim como várias outras habilidades, é compreendida como
o resultado do funcionamento cerebral
18
. Nessa visão, uma tendência a perceber que a
18
O cérebro transformou-se em principal responsável por todas as atividades e competências do indivíduo (EHRENBERG,
2004 e ORTEGA e VIDAL, 2008)
20
melhora na aprendizagem ou no rendimento intelectual resulta de alguma transformação no
cérebro.
O uso de psicofármacos para melhorar o processo de aprendizagem e a performance
acadêmica e profissional acrescenta um dado novo a esse cenário. O aprimoramento cognitivo
farmacológico promove a alteração do funcionamento cerebral através de tecnologia médica.
Esse talvez seja um dos aspectos que traz tantos questionamentos a essa prática.
As formas mais tradicionais para melhorar a capacidade de aprender das pessoas
incluem a ordenação do material a ser estudado, organização do tempo respeitando hora de
leitura e hora de lazer e sono, cuidado com uma boa alimentação e muita dedicação. Outro
artifício que é bastante utilizado para realizar as tarefas acadêmicas são os estimulantes como
café e guaraná em pó. Essas substâncias ajudam a manter a pessoa acordada por um tempo
maior favorecendo a disposição para o trabalho. Contudo, isso nem sempre melhora o
rendimento na aprendizagem propriamente.
Várias outras técnicas e instrumentos para melhorar e acelerar a aprendizagem e o
rendimento profissional foram desenvolvidos e aplicados para esses fins. Além dos meios
citados acima, houve grande melhoria nas tecnologias de informação, como computadores e
internet. Além dessas invenções, alguns medicamentos passaram a ser usados para melhorar a
performance cognitiva. Um dos fármacos mais usados para esse objetivo é o metilfenidato.
No Brasil ele é comercializado com o nome de Ritalina® (Novartis) ou Concerta® (Janssen-
cilag).
Desde os anos 60, nos Estados Unidos, a principal indicação desse medicamento foi
para crianças com comportamento hiperativo e dificuldade de atenção e narcolepsia
19
.
Contudo, algumas pesquisas indicaram que o metilfenidato melhora a cognição das pessoas,
mesmo quando estas o apresentam qualquer problema cognitivo. Este uso é chamado de
aprimoramento neurocognitivo farmacológico.
O termo neurocognitivo indica que a cognição é entendida como uma habilidade
dependente do cérebro. O termo neuroaprimoramento também é encontrado nos debates.
Contudo nesse vocábulo uma ênfase no melhoramento cerebral sem estabelecer em qual
habilidade isso está ocorrendo.
Existem ainda outros fármacos que passaram a ser usados para melhorar o rendimento
cognitivo. O Adderall®, por exemplo, é um estimulante constituído da mistura de sais de
19
As informações sobre a construção da relação entre esse fármaco e o diagnóstico de TDAH bem como dados sobre sua
comercialização encontram-se no capítulo sobre o Metilfenidato. No presente capítulo haverá apenas as informações
necessárias para a compreensão da discussão realizada em Neuroética sobre o tema.
21
anfetamina indicado para tratamento de pessoas diagnosticadas com TDAH e narcolepsia.
Mais recente é o Modafinil (Provigil®) com indicação terapêutica para tratar pessoas
diagnosticadas com narcolepsia, transtorno do sono relacionado a problemas de respiração e
não adaptação ao turno de trabalho
20
.
Todos esses medicamentos, por serem psicotrópicos, apresentam peculiaridades em
sua comercialização. Eles estão incluídos nas determinações da Convention on Psychotropic
Substances” realizada em 1971. Tais determinações, compartilhadas por vários países
inclusive o Brasil, estabelecem que esse tipo de droga só pode ser vendida mediante o
acompanhamento de receita médica especial para tratamento de saúde. No caso do
metilfenidato a prescrição é indicada apenas para casos de pessoas com TDAH, narcolepsia,
alguns tipos de casos de depressão e, mais raramente, como coadjuvante no tratamento de
câncer. Dessa forma, o uso do Metilfenidato e de outros psicofármacos para melhorar a
performance cognitiva é uma prática ilegal.
A comparação entre os diversos meios de aperfeiçoamento cognitivo sugere que os
métodos são avaliados e considerados por meio de um sistema valores morais. Alguns
exemplos ajudam a entender o julgamento moral das práticas de aprimoramento cognitivo.
Quando surge a comparação entre uma pessoa que se esforçou e se dedicou ao estudo e uma
outra pessoa que cuidou de dormir as horas necessárias para aprender melhor, é dado mais
crédito e mérito a primeira pessoa do que a segunda. Ou seja, a idéia de uma melhor
formação educacional esmais associada a posturas de maior esforço e dedicação pessoal
do que ao respeito às horas necessárias de sono. Por outro lado, alterar a alimentação para
aprender melhor tende a ser considerado mais invasivo do que aumentar a quantidade de
leitura. Além disso, alguns métodos para aprimoramento apresentam uma maior facilidade no
acesso que outros. Assim, é muito mais fácil o acesso a livros do que o acesso a internet.
Greely et al (2008) usaram esses critérios de classificação dos métodos para aprimoramento
cognitivo e, a partir daí, entendem que a prática com psicotrópicos pode ser entendida como
uma técnica que exige pouco esforço sendo invasiva e de difícil acesso.
Como afirmam Farah et. al. (2004, p. 421): “Em contraste com outras
neurotecnologias mencionadas anteriormente, os quais o uso potencial para aprimoramento é
ainda hipotético, aprimoramento farmacológico já começou.”
21
. Já é uma realidade.
20
Esses fármacos não foram explorados na presente pesquisa que o propósito do atual trabalho é investigar as
representações sociais do aprimoramento cognitivo com metilfenidato.
21
“In contrast to the other neurotechnologies mentioned earlier, whose potential use for enhancement is still hypothetical,
pharmacological enhancement has already begun” (FARAH et al., 2004 pag. 421)
22
O uso da tecnologia médica para o melhoramento vem levantando dúvidas que vão
desde questões pragmáticas a questões filosóficas (FARAH et al., 2004). Algumas dessas
críticas são mais recorrentes na discussão. Uma delas é a preocupação com utilização de
remédios para aprimoramento cognitivo e suas conseqüências para a auto-percepção do
usuário do fármaco.
Segundo President’s Council on Bioethics (2003), por exemplo, o usuário pode
perceber a melhora de seu rendimento como se fosse algo mágico, sem que essa mudança seja
acompanhada por uma transformação na consciência de si (self-consciouness). Assim, o
método em questão poderia trazer uma alienação parcial de seus próprios feitos, como a
construção da identidade pessoal fosse ficando cada vez mais separada das experiências
vividas.
A questão apresentada no President’s Council Bioethics se soma a outras que discutem
o entendimento do aprimoramento farmacológico como se este fosse uma trapaça, algo
desleal como um doping acadêmico e profissional (GREELY ET AL, 2008). Outro
questionamento muito freqüente nos debates trata da validade desse procedimento já que ele o
medicamento não é natural (CAPLAN, 2003). Essas críticas foram consideradas frágeis por
autores como Chatterjee (2004) e Farah (2002). Mesmo assim, elas foram respondidas em
muitos dos artigos que tratam desse tema. Os contra-argumentos usados estão expressos a
seguir.
O questionamento sobre o aprimoramento cognitivo farmacológico como uma
fraude/desonestidade é fruto da comparação entre essa prática e o doping, ou seja, o uso de
substâncias proibidas por atletas para melhorar a sua performance. Alguns autores do campo
da Neuroética respondem que a prática da desonestidade necessita do estabelecimento de
uma regra e seu descumprimento. No caso dos esportes, por exemplo, determina-se que os
atletas não podem usar substâncias específicas enquanto estiverem competindo. Essa norma
desportiva foi estabelecida porque o uso prolongado dessas substâncias (antes de serem
proibidas) mostrou-se danoso para os atletas, gerando efeitos colaterais tardios. Outras
substâncias e outros métodos que melhoram o rendimento do atleta, como alteração na dieta
alimentar, formas de treinamento, uso de tecnologias não são proibidos. Muitas vezes, ao
contrário, esses métodos são incentivados e valorizados.
O entendimento que o doping esportivo é uma fraude/desonestidade resulta da idéia
que otimizar a performance através de medicamentos é uma maneira mais fácil de chegar ao
objetivo. É como se fosse um atalho ao ideal social depositado na necessidade do esforço para
23
obter sucesso e bons resultados. Chatterjee (2004) lembra que ir contra a forte crença social
do “sem dor, sem ganho”
22
equivale a ir ao encontro da corrosão no caráter das pessoas.
Para Farah (2002), esse argumento é uma ‘objeção moral’. Segundo ela, esse
julgamento sobre a prática do neuroaprimoramento não pode ser considerado válido. Vários
outros atalhos já foram aceitos e usados por pessoas que buscavam ficar melhores. O exemplo
utilizado pela autora é o da ingestão de vitaminas em lulas, em vez da alimentação com
vegetais e frutas. Afinal, qual seria a diferença?
Bucher (2003) esclarece que o esforço para alcançar um objetivo é admirável em
várias sociedades. Mas, por outro lado, nos últimos anos, as sociedades ocidentais têm
buscado cada vez mais atalhos, em vez de dedicar tanto tempo e recursos para alcançar os
objetivos. Farah et al. (2004) usam o de Abraham Lincon para anular o argumento citado.
Apesar de todos admirarem o esforço legendário Lincon de caminhar todos os dias quatro
milhas para chegar à escola, ninguém mais permitiria ou gostaria que seu filho fizesse o
mesmo caso existissem outras possibilidades para a criança completar o percurso escolar.
Nesse contexto, estabelecer um regulamento proibindo o uso de psicofármacos que
melhoram o rendimento cognitivo é algo complexo. Para Greely et al. (2008), tal decisão
implica em distinguir e justificar a diferença entre os métodos aceitos (uso de café e
professores particulares, por exemplo) e os métodos banidos. Seria ainda necessário elaborar
métodos para identificar o uso do medicamento para o neuroaprimoramento.
Outra crítica rebatida pela Neuroética trata da validade ou não da melhora cognitiva
fornecida por um fármaco que esse método não é natural. Esse argumento mostrou-se
frágil, visto que a vida urbana e mesmo o campo há muito deixaram de ser uma vida
puramente natural mesmo nos aspectos mais simples do cotidiano. São muitos os exemplos de
artifícios não naturais da vida: construção de casas, fabricação de roupas, elaboração e
conservação de alimentos e, principalmente, a ampliação dos cuidados médicos (GREELY et
al., 2008).
Em publicação coletiva, Henry Greely, Barbara Sahakian, John Harris, Ronald C.
Kessler, Michael Gazzaniga, Philip Campbell e Martha J. Farah (2008) apresentam
argumentos contra a prática do neuroaprimoramento e demonstram que estes são facilmente
contestados. Eles entendem que as críticas não justificam o impedimento da legalização da
prática
23
. Os autores acreditam que a possibilidade de melhorar a performance cognitiva
22
Em inglês: ‘no pain, no gain’ (FARAH, 2002 p. 1125)
23
Esta publicação na “Nature” foi uma tomada de posição conjunta a favor do aprimoramento farmacológico.
24
através de psicofármacos levanta questões éticas importantes que devem ser pensadas e
avaliadas. As principais preocupações se organizam em três grandes temas: segurança,
liberdade de escolha e igualdade ao acesso. O tema da segurança diz respeito às
conseqüências individuais dessa prática. Já o segundo e o terceiro temas estão relacionados à
repercussão social do aprimoramento cognitivo farmacológico.
O tema segurança apresenta três aspectos: 1) os métodos e tempo de experimentos
para avaliação dos efeitos colaterais da medicação; 2) a ponderação entre riscos e benefícios
da medicação no caso de aprimoramento; 3) efeito da medicação no cérebro, como um órgão
ainda pouco conhecido, e na situação infantil, em que o cérebro está se desenvolvimento.
Segundo Hall (2004), o questionamento da segurança do aprimoramento das
habilidades cognitivas não está restrito a essa prática. Afinal, as reações adversas a
medicamentos, mesmo quando usados para tratamento, não é um fato raro e isolado. As
intervenções farmacológicas, em suas várias opções, podem curar como também podem
causar prejuízos. Os problemas gerados variam desde pequenos incômodos até a morte do
paciente.
Em decorrência desse risco (relacionado a qualquer uso de medicamento), foram
criados, em vários países, órgãos para vigilância e controle dos remédios
24
. Dessa maneira, a
possibilidade de existência de efeitos colaterais indesejados ou graves não seria um problema
exclusivo do uso dos psicofármacos para aprimoramento cognitivo.
Contudo, para autores como Martha Farah, Judy Illes, Robert Cook-Deegan, Howard
Gardner, Eric Kandel, Patrícia King, Eric Parens, Bárbara Shakian e Paul Root Wolpe (2004)
a questão da segurança não deveria impedir a prática do aprimoramento cognitivo por dois
motivos. Primeiro, porque os efeitos colaterais não são novidade ou exclusividade dessa
prática. Segundo, como está estabelecido para outros medicamentos, as agências
reguladoras determinariam os parâmetros necessários às pesquisas para avaliação dessa forma
de uso do fármaco. Além disso, as agências reguladoras também estabeleceriam os efeitos
colaterais aceitáveis em relação aos benefícios gerados pela medicação para uso como
aprimorador cognitivo.
Apesar dos argumentos acima citados, a questão da segurança dos medicamentos não
é tão simples assim. Sandra Ackerman (2006) descreve como são realizados os experimentos
clínicos com novos fármacos para tratamentos de doenças. Tal descrição indica o significado
24
Nos Estados Unidos a agência responsável pela vigilância dos fármacos e da alimentação é a Food and Drug
Administration (FDA). No Brasil a responsabilidade por esse mesmo controle é assumida pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa).
25
dos conceitos de segurança e eficácia dos medicamentos aprovados pelas agências
reguladoras. Segundo a autora, os testes clínicos levam seis meses, em média, para serem
concluídos. Esse tempo de avaliação é muitas vezes bem mais breve do que os longos
períodos de tratamentos necessários para a maioria dos transtornos psiquiátricos. Ou seja,
muitos remédios psiquiátricos de uso prolongado são testados durante um período menor de
tempo do que o necessário para o tratamento.
Como mostra Russell Katz (2004), cada teste clínico investiga apenas um efeito
colateral do fármaco em questão. Dessa forma, os estudos sobre os eventos adversos do
medicamento fornecem um resultado restrito e focal. Essa característica implica, assim, na
necessidade de várias pesquisas para avaliar as múltiplas possibilidades de efeitos colaterais.
Nesse sentido, a constatação de segurança de uma medicação apenas garantias
sobre o uso dessa droga durante um determinado período de tempo. Portanto, torna-se
impossível identificar todos os efeitos colaterais durante a avaliação da medicação como
também se torna impossível prever os efeitos colaterais tardios decorrentes do uso prolongado
(além do período avaliado em testes clínicos) do remédio verificado. Por fim, depois do
intervalo de tempo usado pelas pesquisas, dentro de determinadas circunstâncias, o fármaco
pode continuar seguro ou pode gradualmente passar a apresentar efeitos colaterais ou pode,
ainda, tornar-se perigoso.
Outro problema gerado pelos padrões de experimentos clínicos estabelecidos pelo
Food and Drug Adminstration (FDA), nos Estados Unidos, é o sentido do termo ‘eficácia’ de
uma medicação. Principalmente nos casos de transtornos como epilepsia, depressão ou
Parkinson, a droga em teste precisa apenas possibilitar que os pacientes que usam a
medicação (durante o experimento) ‘deteriorem menos’ do que os pacientes que recebem o
medicamento placebo (KATZ, 2004 p. 314). Ou seja, a droga precisa mostrar-se apenas
melhor que nenhum tratamento. Esta é a ‘eficácia’ de alguns dos medicamentos avaliados
para tratamento de transtornos estabelecidos.
Além disso, é importante deixar claro que tipo de ‘eficácia’ e em que população ela foi
conseguida. Segundo pesquisa realizada por Elliott et al. (1997), por exemplo, o metilfenidato
influenciou a performance dos homens jovens saudáveis de duas maneiras diferentes. Apesar
do medicamento ter melhorado aspectos executivos da função espacial em novas tarefas, ele
trouxe prejuízo para o desempenho das tarefas já conhecidas pelos voluntários.
Outras duas pesquisas indicam que os benefícios do metilfenidato para a memória de
trabalho dependem da base da memória de trabalho dos indivíduos. Os resultados das
investigações mostram que, em adultos saudáveis, o maior benefício ocorre naqueles com
26
menor capacidade na memória de trabalho (METHA et al., 2000). Nas crianças, essa situação
se inverte, pois aquelas que apresentam uma capacidade maior na memória de trabalho
conseguem os maiores benefícios do metilfenidato (METHA et al., 2004 apud TURNER E
SAHAKIAN, 2006).
Turner e Sahakian (2006) advertem que é importante não generalizar a eficácia dos
resultados das pesquisas. Além de reações diferenciadas dependendo das condições do
usuário, é lembrado que o atual conhecimento sobre os efeitos dos aprimoradores cognitivos
está baseado em estudos com um número reduzido de voluntários. A citada investigação de
Elliott et al. (1997) foi realizada com 28 voluntários e o trabalho de Metha et al., (2000) foi
concretizado com 10 voluntários.
A equação entre os efeitos colaterais e a eficácia da medicação foi outro aspecto de
segurança discutido. Lidar com efeitos colaterais mais significativos em situação de doença
mais grave sempre foi considerado aceitável quando os eventos adversos são menos sérios do
que as conseqüências da doença ou desabilidade em tratamento (HALL, 2004).
Um exemplo disso é a restauração das funções cognitivas em pessoas com demência
severa. Mesmo que a droga cause problemas mais graves, ela pode ser considerada segura
para ser prescrita nesses casos pela equação da relação entre risco e benefício que ela fornece
aos pacientes. Os mesmos riscos tendem a não ser aceitos caso o personagem da situação seja
um indivíduo saudável buscando o aprimoramento (GREELY et al., 2008). Afinal, a falta da
medicação para essa pessoa não implicaria em perdas diretas. A falta da medicação apenas
manteria seu estado de normalidade.
Assim, o grau de segurança de uma medicação também depende da relação entre
riscos e benefícios oferecidos pelas drogas em correlação à presença ou ausência de
doença.
No caso dos transtornos mentais, a delimitação entre presença e ausência da doença é
mais complexa. Essa dificuldade é conseqüência da inexistência de um marcador biológico
25
que identifique e caracterize de forma exclusiva o transtorno mental. Além disso, as fronteiras
pouco definidas entre o transtorno mais grave, formas subclínicas do quadro psiquiátrico e a
simples variação de temperamentos humanos tornam bem mais complexo o cálculo entre
risco e benefício que os medicamentos apresentam (HYMAN, 2006).
A investigação dos efeitos colaterais e eficácia de um fármaco para o tratamento de
um transtorno mental ou uma doença neurológica não fornece dados suficientes para
25
Um bom marcador biológico deve ser estável, específico e objetivo sendo sempre e somente encontrado nos pacientes
acometidos pela doença (Aguiar, 2004 - p.74)
27
compreender os efeitos do mesmo fármaco usado para aprimoramento em pessoa sem
problemas neurológicos ou psiquiátricos. Para alcançar esse conhecimento é necessário dar
início a outros estudos com o objetivo de avaliar as conseqüências do novo uso do
medicamento para uma população saudável.
Segundo Chatterjee (2004), tais pesquisas para o uso cosmético da medicação
precisam de uma regulamentação que defina o uso de fármacos para aprimoramento nos
mesmos moldes que a regulamentação que existe par ao uso terapêutico dos remédios.
Ackerman (2006) esclarece que as comunidades médica e farmacêutica ainda não apresentam
um consenso sobre os padrões de segurança para pesquisa de medicamentos preventivos de
doenças que não ameaçam a vida como também não existe esse padrão de segurança
estabelecido para pesquisa de medicamentos que melhoram habilidades humanas. Para
elaborar tais critérios de segurança primeiro é necessário criar meios de identificar e medir os
efeitos colaterais que afetam humor e o comportamento como também construir instrumentos
para reconhecer se as adaptações no cérebro humano aos medicamentos preventivos e
neuroaprimoradores diminuem a eficácia dos mesmos medicamentos (HALL, 2004).
Para Hall (2004), garantir a eficácia do uso das drogas por pessoas saudáveis com o
objetivo de melhorar habilidades cerebrais é um desafio necessário para proteger os
consumidores.
Outra incerteza sobre segurança do uso de medicação para melhorar a capacidade
cognitiva se refere às considerações sobre o desenvolvimento e a constituição do cérebro. O
relativo pequeno conhecimento acerca do rebro associado a sua importância para o
funcionamento do resto do corpo aumentam a possibilidade de risco da extensão e gravidade
dos efeitos colaterais nesse órgão (FARAH, 2005).
Apesar do conhecimento restrito, existem provas suficientes sobre a plasticidade das
funções cerebrais e suas interações. Pequenas limitações em alguns processos neuronais
talvez colaborem para o bom funcionamento de outras funções cerebrais. O exemplo mais
difundido desse tipo de interação é a memória. Em uma pesquisa, foi ministrada uma
medicação para melhorar a memória em pessoas jovens e saudáveis (sem prejuízo da função).
Os resultados da avaliação revelaram que os voluntários apresentaram dificuldades no
pensamento e na busca de solução de problemas. Em alguns casos, também houve certa perda
na capacidade de generalização. (FARAH, 2002)
Outra pesquisa ministrou a mesma medicação em indivíduos adultos ou mais velhos,
com a perda de memória considerada normal pela idade. Os resultados não mostraram
qualquer tipo de contra-indicação. Essa diferença do efeito da medicação talvez seja um
28
indicativo de que existe uma razão para uma taxa normal de esquecimento na população mais
nova (FARAH, 2002).
O funcionamento cerebral infantil é mais desconhecido ainda. A principal diferença é
que o cérebro das crianças está em formação. Por esse motivo, não pode ser entendido e
tratado como se fosse o cérebro de um adulto em tamanho menor (HYMAN, 2006). A
diferença na constituição cerebral infantil associada a menor quantidade de estudos realizados
sobre os efeitos (positivos e negativos) do uso de psicofármacos em crianças aumentam o
risco de eventos adversos nessa faixa etária. É possível imaginar inclusive o surgimento de
novas classes de efeitos colaterais (GREELY et al, 2008).
Hyman (2002) afirma que apesar das muitas críticas recebidas, ele incentiva a
pesquisa formal e controlada sobre o uso de psicotrópicos em crianças, mesmo com aquelas
menores de 6 anos. Isso porque ele percebe que cresce cada vez mais o uso desse tipo de
medicamento pelas crianças. O grande problema desse uso sem os devidos experimentos
prévios é que as crianças mais novas vêm sendo medicadas sem o cuidado necessário. Para
ele, isso sim é uma situação intolerável.
Pode-se concluir que o tema da segurança é um fator importante e complexo em
alguns aspectos, mas não chega a ser entendido como algo impeditivo para os autores que
defendem o aprimoramento cognitivo farmacológico. De acordo com Greely et al (2008), é
necessário que sejam realizadas pesquisas sobre as conseqüências do uso dos medicamentos
(e outros dispositivos) para o aprimoramento cerebral com especial atenção para os eventos
adversos a longo prazo no desenvolvimento cerebral e para a possibilidade de novos tipos de
efeitos colaterais específicos do aprimoramento. Assim, com a avaliação sobre riscos e
benefícios dessa prática, seria possível elaborar uma regulamentação baseada em evidências o
que permitiria a melhor avaliação dos riscos e benefícios da técnica.
Outro tema relevante a ser considerado é o risco social das pessoas serem coagidas a
usar o aprimoramento neurocognitivo. A coação pode acontecer de maneira direta ou indireta.
Até o presente momento, a utilização forçada de medicamentos (coação direta) está
restrita a casos extremos. Para explicar melhor essa situação, Farah (2002) descreve que nos
Estados Unidos as autoridades judiciais têm autorizado a administração de psicotrópicos em
réus em duas situações
26
. Quando estes, durante o julgamento, apresentam condutas
inadequadas ao extremo e quando o réu encontra-se no momento de execução. No Reino
26
Apesar dessa forma de coerção direta não ocorrer com o metilfenidato e seus similares (psicoestimulantes), a apresentação
desse exemplo com psicotrópicos ilustra o argumento usado pelos autores de Neuroética para debater o risco de coerção
direta e indireta.
29
Unido, ainda de acordo com essa autora, quando o comportamento de um indivíduo é
considerado perigoso para si mesmo ou para os outros ele pode ser tratado com medicação
psicotrópica sem que seja necessário que concorde com isso. Assim, apesar da liberdade ser
um valor fundamental para as sociedades democráticas, esse direito pode ser relegado a um
segundo plano em prol do bem comum ou de algum outro valor social importante para a
coletividade (MAGUIRE & MCGEE, 1999).
A idéia de que o bem comum justifica a obrigação de usar um fármaco para melhorar
o desempenho é o que vem sustentando os argumentos utilizados pela Força Militar dos
Estados Unidos para efetivar a autorização do uso de determinados compostos químicos para
melhorar o desempenho de seus pilotos. Segundo Caldwell & Caldwell (2005), o interesse da
comunidade militar em remédios hipnóticos e estimulantes
27
seria conseqüência das
condições de trabalho e descanso que os profissionais experimentam durante as operações
militares. Estados de muita excitação e apreensão em ambientes barulhentos e quentes, por
exemplo, alteram muito a qualidade do sono. Existem situações em que os pilotos não têm
como dormir. A privação de sono pode trazer prejuízo para atenção, memória de curto prazo e
problemas na habilidade da comunicação verbal. A falta de descanso pode reduzir a
resistência física e aumentar o descuido durante as atividades prejudicando o bom julgamento
das situações. Falhas na performance cognitiva de um piloto (mesmo por um curto período)
pode causar grandes perdas para as Forças Aéreas. Não existe apenas o risco de morte do
piloto e perda das aeronaves ou outros instrumentos de custo elevado para o governo e
contribuintes. Existe o risco de colocar em perigo toda operação de guerra e/ou a segurança da
nação (CALDWELL & CALDWELL, 2005). Assim, as condições de trabalho dos pilotos
associadas à importância e extensão social do bom desempenho profissional justificam, para
os militares, o uso de remédios aprimoradores.
Tal argumento, contudo, pode ser facilmente estendido a outros profissionais.
Caldwell et al. (2004) consideram que o Modafinil é de interesse para todos aqueles que
trabalham em emergências como bombeiros, policiais, médicos plantonistas e cirurgiões.
Estes profissionais exercem funções que exigem o bom desempenho das habilidades
27
Remédios hipnóticos diminuem o cansaço por meio da indução do sono mesmo que as pessoas estejam em ambiente
desconfortável ou em estado incompatível com o sono (por exemplo: muita excitação ou apreensão). Os medicamentos
indutores de sono mais difundidos e aprovados para os militares dos Estados Unidos (EUA) são Temazepam, Zolpidem e
Zaleplon. Já os estimulantes, que melhoram a capacidade atentiva dos pilotos, são indicados para os momentos em que não
há qualquer possibilidade de sono ou descanso. Esses fármacos não são compreendidos como substitutos ideais para
administrar o ciclo sono/vigília. A Cafeína, o Modafinil e a Dextroanfetamina são drogas aprovadas para o uso em
operações militares pela Força Aérea dos EUA (CALDWELL & CALDWELL, 2005).
30
cognitivas independentemente das condições estressantes de trabalho ou da impossibilidade
de descanso gerada pelas atuações que as próprias funções exigem.
A justificativa da importância e extensão social relativa ao bom desempenho de um
profissional pode acarretar não apenas a autorização para o aprimoramento neurocognitivo
farmacológico mas pode implicar em coação direta para a prática. Chatterjee (2004) questiona
se a comprovação da eficácia e segurança dos estimulantes implica, ou não, no dever dos
pilotos militares utilizarem os fármacos para garantir um melhor rendimento no trabalho.
Farah (2005), por sua vez, levanta a hipótese de tropas inteiras serem ordenadas a usar
medicamentos para aprimorar o desempenho.
A liberdade de escolha está no direito do indivíduo optar pelo uso de tal método. Isso
é bem diferente de ser coagido a usar a medicação para aperfeiçoar os resultados do trabalho.
Com a liberação da prática do aprimoramento cognitivo farmacológico, pilotos e
médicos poderiam optar por usar um estimulante quando houvesse necessidade de garantir de
forma responsável a boa execução de seu trabalho. Por outro lado, essa possibilidade de
escolha poderia acarretar a exigência, feita pelos oficiais superiores (no caso dos pilotos
militares) ou feita pelos pacientes e seus familiares (no caso de médicos), do uso do
medicamento para assegurar o bom desempenho profissional. O argumento dos primeiros
incluiria a segurança do próprio piloto, segurança da operação militar e da nação além dos
altos custos que poderiam ser gerados devido a um pequeno erro. no caso médico, a
justificativa seria garantir a segurança dos pacientes.
Diante da possibilidade de existência de coação direta, alguns autores como Greely et
al. (2008) invertem o sentido da pergunta. Eles se questionam se realmente seria justo
permitir que um profissional tenha direito de escolher caso o desempenho de sua função
implique na segurança de outras pessoas.
Além da coação direta, existe o risco do aprimoramento se tornar uma exigência no
ambiente de trabalho, mesmo quando a tarefa não apresenta grande extensão social. Afinal, há
uma demanda social para sempre buscar o melhor. Nesse contexto, os empregadores buscam
melhorar a performance de sua equipe empregando pessoas com determinadas formações
educacionais ou solicitando que os funcionários obtenham credenciais educacionais
específicas. No entanto, se o empregador pudesse requerer o aprimoramento de um curso, ele
também poderia (caso fosse legalizado) exigir que seu funcionário usasse o aprimoramento
cognitivo farmacológico (GREELY et al., 2008).
Caplan (2003) ao tratar do uso coercitivo, afirma que o governo e a indústria
farmacológica iriam acabar divulgando (marketing) e convencendo as pessoas que a falta dos
31
‘melhores cérebros’ (possibilitados pela medicação) levaria decepção para suas famílias e
comunidades.
Farah (2005) acrescenta que além da coerção direta, existe o risco de uma coerção
indireta, pois é difícil preservar o direito de não usar o medicamento em uma sociedade
competitiva como a sociedade ocidental. Com isso, a difusão do aprimoramento poderia
aumentar os níveis de exigência, deixando em desvantagem as pessoas que não fizessem uso
desse método de aprimoramento (FARAH, 2004). Assim, pessoas que, a princípio, não
usariam uma medicação para melhorar a performance cognitiva passariam a buscar a droga
para se manter no mercado de trabalho superando a percepção de que estariam fora do nível
padrão de competição.
A possibilidade de coerção indireta fica ainda mais complexa quando se avalia a
prática do neuroaprimoramento em crianças, pois estas não são legalmente responsáveis para
decidir sobre a ingestão de medicamento. Segundo Diller (1996)
e Greely et al (2008), o atual
quadro epidêmico de TDAH indica uma patologização do comportamento infantil e pode ser
entendida, em alguns casos, como uma expressão disfarçada da prática de aprimoramento
cognitivo
28
. Quando os pais percebem que as crianças que usam o metilfenidato (indicado
para tratar pessoas com TDAH) ficam mais concentradas e estudam melhor, eles entendem
que essa medicação pode ajudar na formação educacional do filho independentemente do
filho não apresentar os todos os sintomas do transtorno (HYMAN, 2002).
Hyman (2006) afirma que exceto em casos de evidente controle social e coerção, o uso
da medicação e a provável conseqüente mudança no comportamento infantil podem trazer
muitos benefícios para a criança (melhor rendimento escolar e melhor aceitação pelos colegas
de classe e professores). Sem dúvida, a família e a escola também se beneficiarão. Assim,
para lidar com o risco da coerção disfarçada no tratamento da doença (tanto pela escola
quanto pelos pais), o autor propõe a avaliação da proporção dos benefícios para a criança
medicada em comparação com as vantagens daqueles que buscam medicar a criança. Essa
avaliação nem sempre é fácil, mas é importante de ser feita.
O risco que o neuroprimoramento farmacológico gere coerção é um tema importante
na discussão da prática. A solução apresentada por alguns autores, entre eles Caplan (2003), é
a necessidade de estabelecer regras que garantam o direito à liberdade de escolha. Greely et
28
É inegável a existência de pessoas que sofrem dos sintomas de TDAH e que muito se beneficiarão com o uso do
medicamento, contudo há uma forte tendência na medicina atual de enquadrar nesse diagnóstico várias pessoas (crianças e
adultos) que apresentam apenas alguns traços de desatenção e/ou hiperatividade sem necessariamente caracterizar o
transtorno. O diagnóstico do TDAH será explicitado em maiores detalhes no capítulo sobre o Metilfenidato.
32
al. (2008) definem quais são os aspectos mais importantes dessa regulamentação. A coerção
direta deveria ser incluída como uma possibilidade, mas apenas quando existissem ganhos
significativos na segurança para as pessoas envolvidas na atividade. Para esses autores, a
regulamentação também teria que tratar da coerção indireta. Assim, não deveria ser permitido
às empresas e instituições que requisitassem de seus funcionários o uso generalizado do
aprimoramento cognitivo farmacológico. Contudo, essas regras poderiam ser revisadas caso,
com o tempo, determinadas formas de aprimoramento se mostrassem suficientemente seguras
e efetivas.
Greely et al (2008) defendem que o governo regulamente o aprimoramento
farmacológico infantil. Eles entendem que a falta de um posicionamento do governo deixa as
crianças, que não são responsáveis por elas mesmas, desprotegidas em relação aos desejos de
seus pais.
A discussão sobre as conseqüências sociais relacionadas à coerção revela
preocupações importantes, mas, a maioria dos autores que escreve sobre o tema considera que
tais riscos não impedem a legalização do neuroaprimoramento farmacológico. Ao contrário,
de acordo com Hall (2004) e Farah et al. (2004), a proibição da prática também seria uma
coerção direta, pois as pessoas não teriam o direito de escolher esse método para melhorar sua
performance. E isso também não seria desejável.
Um tema que também gera bastante preocupação é a justiça social. A inquietação
inclui tanto uma possível desigualdade de acesso à prática como as conseqüências sociais
geradas por essa possível distribuição das drogas e/ou dos dispositivos para esses fins
(HYMAN, 2006)
29
. É possível que a medicação para aprimoramento neurocognitivo não seja
distribuída de maneira justa (FARAH, 2002). Hyman (2006) confirma esse risco ao identificar
que estimulantes como o metilfenidato e Inibidores Seletivos de Recaptação de Serotonina
(SSRIs) apresentam maiores taxas de uso pelos grupos sociais mais abastados do que entre
menos abastados. Dessa forma, pode-se deduzir que somente aqueles com melhores renda
poderão escolher melhorar as funções cognitivas por meio dos fármacos. Os mais favorecidos
social e economicamente poderão tornar-se mais fortes e capazes que os outros
(CHATTERJEE, 2004).
29
Apesar do presente trabalho abordar o aprimoramento cognitivo farmacológico, os autores da Neuroética argumentam de
forma generalizada em sobre segurança, coerção e justiça sem necessariamente estabelecer uma distinção entre os tipos de
neuroaprimoramento. Assim, os argumentos tanto podem se referir ao aprimoramento por meio de remédios ou com outros
dispositivos como chips, como também podem tratar do aprimoramento cognitivo ou de humor.
33
Bucher (2003), Caplan (2003) e Farah et al. (2004), contudo, consideram que esse
argumento não é suficiente para proibir o aprimoramento neurocognitivo. As barreiras
econômicas e sociais que impedem uma igual distribuição do uso da neurotecnologia
existem e fazem parte das desvantagens experimentadas pelas pessoas de baixo status
socioeconômico em relação à educação e emprego. Tal injustiça não torna vergonhosa ou
impede a utilização de outras formas de melhoramento cognitivo como o estudo em boas e
caras instituições de ensino e tutores particulares. Ao contrário, em comparação com as
formas mais tradicionais de aprimoramento que contribuem para distanciar as realizações das
diferentes classes sociais, o neuroaprimoramento farmacológico pode demonstrar maior
facilidade e igualdade em sua distribuição (FARAH et al., 2004)
30
.
Contudo, a igualdade na distribuição poderia mostrar-se sem sentido. Se todos
tivessem acesso a prática, haveria um aumento no padrão de normalidade. A provável
conseqüência seria a coerção tanto direta quanto indireta (FARAH, 2002).
Chatterjee (2004) também afirma que a distribuição igualitária não é tão simples
assim. Mas seus argumentos são outros. Segundo esse autor, nos EUA, a silenciosa aceitação
das disparidades em educação, nutrição e moradia sugere que o acesso a rmacos e
dispositivos neuroaprimoradores será tratado da mesma maneira. Apesar do autor não citar, é
possível estender essa afirmação para qualquer sociedade competitiva. Afinal, as capacidades
cognitivas são bens competitivos que podem gerar vantagens para conseguir melhores
oportunidades de emprego e renda além de ajudar a melhorar o nível de bem-estar pessoal e
status social.
A idéia de uma igualdade na distribuição de drogas que melhoram as capacidades
cognitivas é acompanhada pelo desejo de redução na desigualdade e injustiça social. Mas a
justa distribuição de educação e de emprego não garante, necessariamente, o bem-estar a
todos. A igualdade de acesso ao aprimoramento cognitivo não implica em igualdade nas
realizações entre seus usuários, sejam crianças, adolescentes e adultos. Glannon (2006), por
exemplo, alerta sobre o risco dos aprimoradores cognitivos serem usados por adolescentes e
adultos para praticar atividades triviais (banalização do método) ou mesmo em atividades
como jogos. Não há como garantir o uso adequado do fármaco. Portanto, qualquer opção
benéfica de aprimoramento provavelmente estará no topo da desigualdade social e,
30
Além das considerações apresentadas nos textos de Neuroética, existe ainda uma outra questão relacionada a idéia de
‘distribuição justa’. Afinal, o que é mais justo: que todos de maneira igual tenham acesso a essa prática ou que o acesso a
prática possa ser feito de forma a minimizar as diferenças sócio-econômicas? Seria a diferença entre tratar todos de forma
igual (sem levar em consideração as particularidades) ou de forma igualitária (levando em consideração essas diferenças).
34
possivelmente, tenderá a intensificar mais as diferenças sociais do que amenizá-las
(GLANNON, 2006).
Um exemplo da intensificação das diferenças sociais envolve a avaliação da
performance escolar de crianças com e sem o diagnóstico de TDAH. Parens (2002) comparou
(hipoteticamente) o desempenho de crianças que apresentam os critérios para o diagnóstico de
TDAH mas não usam o metilfenidato, com o desempenho de outras crianças que não
preenchem todos os critérios para TDAH mas que foram diagnosticadas e usam a medicação
para esse transtorno
31
. A tendência é que as últimas crianças apresentem um rendimento
muito superior em comparação às primeiras.
A provável diferença no desempenho escolar não é apenas a conseqüência da
realização inadequada do diagnóstico psiquiátrico. As crianças que apresentam as
características do TDAH e não são diagnosticadas ou não são adequadamente tratadas
(dosagem inadequada da medicação e pouca atenção aos efeitos colaterais
32
) são usualmente
moradoras das pequenas cidades. Já as crianças que não se encontram dentro dos critérios de
TDAH mas que recebem o tratamento medicamentoso costumam viver em subúrbios tendo
uma vida mais abastada de classe média ou classe média alta (HYMAN, 2002).
Assim o exemplo citado não revela apenas a importância de diferenciar tratamento de
aprimoramento. Ele revela também que a desigualdade de acesso ao uso do medicamento
resulta de uma diferença social. Por sua vez, a desigualdade de acesso a medicação gerada
pela diferença social intensifica a distância entre os dois universos.
Greely et al. (2008) acrescentam outro ponto na debate sobre justiça. O
aprimoramento cognitivo pode ser considerado mais (ou menos) justo dependendo da
natureza de seus efeitos. Os autores entendem que melhorar o processo de aprendizagem (a
capacidade de aprender e manter o aprendizado) favorece a aceitação da prática. Caso a
melhora cognitiva fosse apenas temporária e focal, isso aumentariam as restrições a ela.
Afinal, aperfeiçoar o processo de aprendizagem pode tornar o mundo melhor.
Em seu artigo manifesto, Greely et al. (2008) ressaltam os benefícios do
neuroaprimoramento cognitivo para o bem coletivo, contudo eles também consideram os de
riscos de injustiça social gerados pela prática. Para lidar com isso, eles sugerem que o governo
31
O uso do metilfenidato ou de outros estimulantes para tratar uma pessoa que recebeu o diagnóstico de TDAH mas que de
fato não preenche os critérios diagnósticos para o transtorno, pode ser entendido como uma prática disfarçada de
aprimoramento cognitivo farmacológico como já foi explicitado anteriormente.
32
De uma forma geral, a pouca atenção aos efeitos colaterais favorece o abandono do tratamento.
35
estabeleça regras para o uso dos fármacos para que estes não estimulem o aumento das
desigualdades socioeconômicas já existentes.
A discussão sobre os possíveis problemas referentes à segurança, liberdade de
escolha e igualdade de acesso traz importantes questões sobre o tema do aprimoramento
cognitivo farmacológico. Mas segundo Farah et al (2004) e Greely et al. (2008), todas essas
questões são contornáveis através de dois procedimentos. O primeiro é a ampliação do
número de pesquisas clínicas sobre os fármacos para esses fins. O segundo é a elaboração de
políticas de saúde que possibilitem o controle de coerção (direta e indireta) e uma justa
distribuição dos medicamentos para esse fim. De uma forma resumida, estas são as duas
principais soluções apresentadas pelos autores que defendem o aprimoramento cognitivo
farmacológico.
Existe ainda outro conjunto de questões éticas que vai além da segurança e das
conseqüências sociais. Farah et al. (2004) lembram que a prática do neuroaprimoramento é
atravessada pela compreensão do que é ser humano, ser saudável e inteiro, trabalhar de
maneira significativa, e dar valor a vida humana em todas as suas imperfeições.
Caplan, em seu debate com Elliott (CAPLAN & ELLIOTT, 2004), sustenta que as
argumentações giram em torno de uma única e principal questão: o medo de que o
aprimoramento dos seres humanos através das biotecnologias resulte na perda da essência da
humanidade. Para o autor, tal preocupação faria sentido se fosse possível compreender o
que é natureza humana; garantir que ela é estática; e identificar o que e de que maneira essa
essência determina as características que o ser humano deve possuir. Contudo há pouca
informação e ainda menos consenso sobre esse tema o que torna imprecisa a idéia de que o
melhoramento farmacológico ameace a humanidade. Em sua visão, a natureza humana está
intimamente ligada às tecnologias que inventa e às quais se adapta. Nesse sentido, o ser
humano é uma criatura tecnológica (CAPLAN & ELLIOTT, 2004).
Apesar do ser humano poder ser identificado como uma criatura tecnológica, o uso da
neurotecnologia para aprimoramento cognitivo gera impasses para sua aceitação. A idéia de
melhorar a natureza humana parece, muitas vezes, abstrata, remota e filosófica demais para
ser discutida pela política pública (PRESIDENT’S COUNCIL ON BIOETHICS, 2003). Mas
ao mesmo tempo esse debate é essencial, pois pensar sobre esse tema é avaliar a natureza da
própria mudança.
Wolpe (2002) acrescenta que as faculdades cognitivas, que podem vir a ser
melhoradas pelos psicofármacos, têm relação com a formação da identidade da pessoa. Para
exemplificar essa relação, ele sugere uma avaliação das conseqüências da perda de memória
36
para a identidade de um indivíduo com Alzheimer. O esquecimento de episódios e pessoas da
história desse indivíduo altera sua antiga personalidade. Muitas vezes, o indivíduo com
Alzheimer não reconhece sua família e amigos ao mesmo tempo em que (lentamente) ele
também deixa de ser reconhecido por sua família e amigos. Depois de algum tempo e o
avanço da falta de memória de sua própria história, ele perde sua essência e não demonstra
mais a mesma personalidade e identidade que antes.
O neuroaprimoramento também pode gerar modificações em aspectos considerados
fundamentais na identidade do usuário da prática. Provavelmente, o neuroaprimoramento não
leva a uma perda de identidade como no caso de uma pessoa com Alzheimer. Mas em sentido
figurado, depois de algum tempo e com o avanço no melhoramento da função cognitiva em
questão, o usuário talvez não seja mais reconhecido como aquele anterior ao uso da prática
(WOLPE, 2002). Mas não será exatamente este o objetivo buscado pelo usuário do
aprimoramento: uma nova identidade?
O uso de tecnologia médica para melhorar a performance ou mesmo a aparência é
muitas vezes chamada de aprimoramento. Mas Elliott (2003) lembra que os usuários desse
método entendem que existe mais do que um aprimoramento: é a possibilidade de um
remodelamento de suas identidades. Tais tecnologias são compreendidas como “...
instrumentos para trabalhar o self” (ELLIOTT, 2003).
Elliott (2003) constata que no imaginário social a tecnologia médica (em especial a
tecnologia relacionada ao cérebro) transformou-se em um caminho para revelar e mostrar a
identidade escondida pela natureza, circunstâncias ou patologia. A construção e o
estabelecimento dessa identidade são fundamentais para afastar o risco da vergonha em não
estar à altura do ideal social e, assim, resgatar a dignidade pessoal diante do espelho social.
Em seu artigo, Singh (2005) acrescenta algumas informações sobre diferentes
abordagens existentes para self e identidade. Segundo ela, alguns estudos compreendem self e
identidade como frágeis, fragmentados e encaixados o que torna questionável o conceito de
uma autenticidade do self. Os estudos em Bioética, ao contrário, trabalham com a idéia de um
autêntico self. Somente a concepção do self e da identidade como algo identificável, coerente
e estável permite o questionamento sobre o risco de um medicamento modificar ou danificar a
natureza humana.
Além do esclarecimento teórico feito por essa autora, sua pesquisa sobre a experiência
de mães e pais de crianças com diagnostico de TDAH e com o tratamento através de
37
metilfenidato revela os dilemas existentes na relação entre a neurotecnologia, identidade e
exigências sociais
33
.
As mães entrevistadas demonstraram que entendem os comportamentos de
impulsividade e desatenção (característicos do TDAH) como parte da identidade dos filhos.
No modelo explicativo biomédico desse transtorno apresentado pelas mães, a medicação foi
compreendida como uma ajuda para que a parte saudável da criança controlasse a parte
desordeira da mesma. O aspecto saudável seria então o autêntico self da criança e a medicação
seria a ajuda que liberta sua autenticidade para que ela possa alcançar o sucesso escolar. Essa
explicação foi nomeada pela pesquisadora como a ‘narrativa de sucesso’. Segundo ela, a
‘narrativa de sucesso’ emprega as ações do liberto e autêntico self na culturalmente valorizada
estória do desenvolvimento masculino, que inclui o sucesso escolar (SINGH, 2005)
Segundo as informações coletadas na pesquisa, o dilema surge com a chegada do final
de semana. Se durante a semana o remédio ajuda a emergência do autêntico self, no final de
semana há o desejo de deixar a criança ser ela mesma, sem a modificação gerada pelo
remédio. Ou seja, no final de semana as crianças não precisam do tratamento para serem
livres e autênticas.
Singh (2005) afirma que a necessidade dos pais em alterar a dosagem do medicamento
para os diferentes momentos da semana inteira sugere que autenticidade, identidade, self e
outras noções dessa ordem emergem como compreensões contingentes, criativas e flexíveis
enraizadas nas práticas e estruturas sociais e relacionais.
Singh e Rose (2006) lembram ainda que não existem evidências empíricas que
indiquem o metilfenidato como um fármaco que possa gerar uma nova pessoa ou ameaçar a
autenticidade da obra. Afinal, a capacidade mental humana é desenvolvida e exercitada por
pessoas com corpos que pensam, sentem e desejam em contextos sociais e na interação com
os outros, atravessados por expectativas e sentidos.
A contingência e flexibilidade da identidade e do self torna o resultado dos efeitos do
medicamento para neuroaprimoramento dependentes do contexto e da forma em que essa
prática é experimentada pelo indivíduo. Hyman (2006) descreve que a possibilidade de
transformação gerada na criança pelo uso da medicação pode melhorar muito a sua auto-
imagem. O autor ainda ressalta que esse é o mesmo objetivo que de uma terapia. Remédios e
33
Apesar da investigação ter como população alvo pais de crianças com TDAH em tratamento medicamentoso, o cunho
social da pesquisa levanta questões pertinentes ao aprimoramento neurocognitivo farmacológico.
38
experiências alteram a estrutura das células cerebrais (HYMAN, 2002) e promovem
mudanças na identidade e no self. Algumas dessas mudanças são desejadas.
Parens (2002) alerta que os diferentes meios usados para alcançar os mesmos
objetivos expressam diferentes formas de compreensão da natureza humana. Essas variadas
maneiras de entender a essência humana estão na base da divergência sobre o aprimoramento
através da neurotecnologia. Afinal, para uns a capacidade de manipulação cerebral é
entendida como uma aptidão que reafirma a característica peculiar do ser humano; para
outros, é uma habilidade que afronta à humanidade (WOLPE, 2002). As duas compreensões
filosóficas sobre a natureza humana impossibilitam um consenso para a aceitação (ou não) do
neuroprimoramento.
O debate realizado em Neuroética sobre o aprimoramento cognitivo farmacológico
revela inquietações que precisam ser avaliadas
34
. Algumas delas, como a questão filosófica da
natureza humana, são mais difíceis de resolver. Outras questões como segurança, liberdade de
escolha para usar ou não o método e a distribuição justa da oportunidade de acesso ao método
são problemas que favorecem discussões e a articulação de possíveis soluções.
Para tornar a prática segura, garantir a liberdade de escolha e uma justa distribuição de
acesso, os autores que defendem a prática como Greely et al. (2008) propõem uma política de
saúde formada e informada por uma variada fonte de recursos científicos, profissionais,
educacionais e sociais, somados a legislação. As sugestões incluem 4 mecanismos políticos.
O primeiro mecanismo inclui um programa de pesquisa sobre o uso e os impactos das drogas
para aprimoramento cognitivo para indivíduos saudáveis. A intenção desse programa é
produzir informação de qualidade sobre os riscos e benefícios sobre o uso de fármacos que
aprimorem a cognição. O segundo mecanismo propõe a participação de organizações
profissionais relevantes para que estas formulem guias para que os profissionais saibam como
lidar com essa prática para melhor encaminhar os usuários dos fármacos por pessoas
saudáveis. O terceiro mecanismo sugere que sejam divulgadas as informações sobre os riscos
e benefícios como também as alternativas para o aprimoramento cognitivo farmacológico. O
quarto e último mecanismo recomenda que haja uma ação legislativa cuidadosa e limitada
para tornar o método do neuroaprimoramento farmacológico um caminho útil.
Esses mecanismos propostos por Greely et al. (2008) parecem ter suas raízes nas
idéias de Sententia (2004). Esse autor entende que é necessário buscar modelos analíticos para
compreender e avaliar essa prática. Somente assim, segundo ele, os valores da pessoalidade
34
Autores como Singh e Rose não são considerados do campo da Neuroética mas sim profissionais que debatem alguns
temas discutidos nesse campo.
39
estarão protegidos de maneira democrática. Afinal é importante, sempre que possível,
preservar o direito a escolha. Mesmo quando se lida com transformações na compreensão e na
capacidade de manipular os processos cognitivos.
Assim, o aprimoramento neurocognitivo farmacológico deve ser conduzido através do
conceito legal e ético de ‘liberdade cognitiva’ (SENTENTIA, 2004). Esse termo atualiza o
direito de ‘liberdade de pensamento’, o direito de usar todo o espectro de sua própria mente e
o direito de ter autonomia sobre a química do próprio cérebro.
Contudo, Turner e Sahakian (2006) alertam que o idealismo de uma liberdade de
escolha nesses moldes precisa que todos que tenham acesso a essas tecnologias também
tenham acesso a todas as informações necessárias sobre o tema. Além disso, é fundamental
que as pessoas recebam formação educacional que as prepare para realizar tal nível de decisão
pessoal.
Além das questões já citadas no trabalho, a prática do aprimoramento cognitivo
farmacológico é atravessada por uma questão legal. A utilização desse tipo de psicofármacos
para outros fins, que não o terapêutico, é considerada abuso de drogas, constituindo-se como
uma contravenção.
A definição de abuso de drogas é estabelecida através de regulamentações e regras que
indicam a possibilidade de determinada substância prejudicar o indivíduo e a sociedade. Caso
a substância (remédio ou não) seja considerada danosa e com grande possibilidade de gerar
vício ela é tratada de forma mais severa sofrendo maiores restrições. Esta é a situação da
heroína. Por outro lado, quando a substância é considerada menos prejudicial, como a cafeína,
as restrições diminuem. (GREELY ET AL., 2008).
Mas da mesma maneira que as diferentes compreensões filosóficas sobre a natureza
humana interferem na compreensão do uso ‘não médico’ de psicotrópicos, existem
paradigmas que conduzem a discussão em Neuroética sobre esse outro uso dos neurofármacos
(FORLINI & RACINE, 2008). Tal compreensão prévia dificulta um debate mais profundo
sobre o tema.
Na concepção de Forlini e Racine (2008), existem três diferentes formas de
compreensão que interferem na avaliação ética do uso ‘não-médico’ dos medicamentos. A
primeira visão trata o tema como se este fosse um abuso de drogas. A segunda apresenta o
tópico através do conceito de aprimoramento cognitivo. A terceira forma de compreender
identifica o ‘uso médico’ dos neurofármacos como uma opção, um estilo de vida. A
divergência entre essas concepções cria pontos cegos que inibem o melhor esclarecimento
sobre o assunto.
40
Ao denominar de ‘não médico’, Forlini e Racine (2008) ressaltam que esse tipo de uso
de remédio não é regulamentado e nem aprovado pelos médicos. Além disso, essa expressão é
mais neutra e mantém certo distanciamento das três visões sobre essa forma de utilização dos
fármacos.
A compreensão do uso de psicofármacos como um Abuso de Drogas é mais
encontrado em estudos de saúde blica sobre a natureza e prevalência da prática. Esse
paradigma tende a alertar sobre os riscos para a saúde do usuário e o potencial para a
dependência que esses remédios apresentam sem ressaltar os possíveis benefícios desse
método. Apesar de expressar um fato um abuso de drogas por ser um uso inadequado dos
fármacos), essa visão usa o mesmo vocabulário de drogas ilícitas o que dificulta o
entendimento das peculiaridades da prática (FORLINI & RACINE, 2008)
A visão que trata esse uso como Aprimoramento Cognitivo é mais utilizado nas
discussões em Bioética. Nesse enfoque, uma maior valorização dos benefícios da prática,
favorecendo o sobre as implicações individuais e sociais. Contudo, essa visão tende a deixar
de lado os riscos médicos e a polarizar a discussão entre a defesa ou não da prática. Nesse
debate, costuma ser esquecido as questões éticas. Afinal, a comunidade interdisciplinar de
Bioética não está muito ligada às perspectivas críticas de saúde pública e isso talvez explique
porque nesta forma de compreensão sejam encontrados os defensores mais entusiastas do uso
‘não médico’ dos psicofármacos.
a compreensão da prática como resultado de uma escolha por um Estilo de Vida é a
visão menos técnica aplicada ocasionalmente na literatura científica, mas que surge com
muita ênfase no domínio público. Tal enfoque, sugere que o uso ‘não médico’ de
psicofármacos reflete uma escolha individual feita por cidadãos que vivem em uma sociedade
democrática liberal marcada pelo consumismo médico. Segundo Forlini e Racine (2008),
nessa visão os fármacos são entendidos como seguros apesar dos riscos não conhecidos.
Dessa compreensão surge a idéia de que a prática não precisa mais manter-se em domínio
médico. Por esse motivo, essa visão oferece importantes desafios para as comunidades
médicas e éticas.
Compreender as três visões ajuda a avaliação dos diferentes posicionamentos que
surgem durante a discussão sobre o uso ‘não médico’ dos psicofármacos. É importante
observar, porém, quais são os conceitos articulados durante uma exposição de idéias para
entender qual o enfoque que de fato está em uso.
Ao acompanhar o debate em Neuroética sobre o aprimoramento cognitivo
farmacológico, é possível identificar que seus defensores divulgam e esclarecem a população
41
e os profissionais sobre o tema. Porém, talvez seja necessário que os profissionais envolvidos
com o tema possam abandonar o cunho didático e conciliatório para aprofundar a discussão e
buscar as tendências políticas presentes nessa prática.
Fukuyama (2003) assinala que a atual tendência de expandir a esfera terapêutica de
modo a abranger um número cada vez maior de estados emocionais e comportamentais ajuda
a reduzir a responsabilidade pessoal pelos próprios atos como também favorece a busca da
adequação aos ideais sociais criando uma ‘tirania da maioria’. Além disso, ele alerta sobre a
força social gerada pelos interesses econômicos que moldam comportamentos, compreensões
de mundo e geram os ideais sociais.
Por esse motivo, é fundamental pensar nos aspectos políticos envolvidos no
aprimoramento cognitivo farmacológico. Uma estratégia para entender melhor a questão é
acompanhar as representações sociais relacionadas ao metilfenidato bem como pesquisar o
que estudantes universitários pensam sobre a prática.
42
3. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS RELACIONADAS AO METILFENIDATO
3.1. Sobre o Metilfenidato
O Cloridrato de Metilfenidato, mais conhecido como metilfenidato, é um estimulante
moderado com propriedades semelhantes às de uma anfetamina. Sua ação não é totalmente
conhecida, mas existem algumas evidências (não conclusivas) de que o fármaco ativa o
sistema de excitação do tronco cerebral e o córtex (Ritalina® - Bula). O medicamento eleva o
nível de alerta do sistema nervoso central, melhorando concentração, coordenação motora e
controle dos impulsos.
Sintetizada pela primeira vez em 1940, o metilfenidato foi comercializado somente
em 1955 pela Ciba com o nome comercial de Ritalina® com indicação para tratamento da
narcolepsia, um raro transtorno do sono. Contudo, seu logo foi ampliado. Nos anos 60, a
medicação já era considerada útil para a maioria dos quadros psiquiátricos, incluindo casos de
pacientes em psicoterapia e em tratamento com outras drogas mais fortes. Seus usuários eram
homens e mulheres brancos, de meia-idade ou idosos, que precisavam de um tônico para
tristeza, solidão e depressão (SINGH, 2007).
A partir dos anos 60, estudos começaram a ressaltar os benefícios do metilfenidato
para tratamento de crianças hiperativas e distraídas. Hoje, quase cinqüenta anos depois, sua
principal indicação terapêutica é para o tratamento de Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade (TDAH) em crianças
35
.
A escolha do metilfenidato
36
para uso específico no tratamento de TDAH foi
possibilitada por sua ação adequada ao organismo infantil, pois era considerada uma droga
suave e com poucos efeitos colaterais. Somado a isso, transformações no contexto sócio-
econômico nos Estados Unidos e sua articulação pelo marketing da indústria farmacêutica
também colaboraram para o estabelecimento da estreita associação entre essa medicação e os
sintomas de desatenção e hiperatividade (LIMA, 2005).
Nos últimos anos o uso do metilfenidato ganhou nova finalidade. Pesquisas realizadas
nos EUA e Canadá entre os anos de 1998 e 2005 revelaram que estudantes universitários sem
35
Metilfenidato também é recomendado para adultos com TDA/H, narcolepsia, alguns tipos de depressão e como terapia
coadjuvante no tratamento de câncer. Mas sua indicação predominante ainda é TDA/H em crianças.
36
Metilfenidato atualmente é mais conhecido por seus nomes comerciais Ritalina® (Novartis) e Concerta® (Janssen-cilag).
43
o diagnóstico do TDAH buscavam o metilfenidato, entre outras drogas, para melhorar a
concentração e aumentar o rendimento nos estudos
37
(TETER et al., 2006).
O metilfenidato só pode ser vendido mediante receita médica especial, pois está
incluído na Convenção de Substâncias Psicotrópicas de 1971 da ONU. Por essa convenção há
o entendimento que a medicação apresenta risco de abuso e dependência. Dessa forma, está
restrita a tratamentos o que caracteriza os outros usos como algo ilegal.
Dessa forma, analisar as representações coletivas relacionadas a esse estimulante e
aos sintomas que ele trata ajudará a ampliar a compreensão do ideário e valores sociais que
estão em jogo na prática do aprimoramento cognitivo com esse fármaco.
3.2. Contexto sócio-econômico e o nicho mercadológico do metilfenidato
Ilina Singh (2007) fez uma pesquisa sobre as propagandas da Ritalina® em alguns
jornais médicos. A investigação sistemática sobre o tema foi feita no The American Journal
of Psychiatry entre os anos 1955 até 1988. Foi analisada também (de maneira não
sistemática) a publicidade desse medicamento em outros dois jornais: Psychiatric Annalse
The American Journal of Pediatrics para averiguar se existia alguma diferença
significativa. Além disso, os informes publicitários feitos diretamente ao consumidor foram
reunidos de revistas americanas de maneira não sistemática entre os anos de 2000 e 2004.
A leitura dos informes publicitários da medicação revela a história de como as
representações sociais foram manejadas e influenciaram a ampliação e o estabelecimento do
mercado desse estimulante nos EUA. Acompanhando os argumentos usados pela indústria
farmacêutica, foi possível identificar dois aspectos que estiveram mais presentes e articulados
nesse processo: a construção do diagnóstico do TDAH e as alterações nas relações familiares
e educacionais
38
.
3.2.1. Construção do Diagnóstico do TDAH
A primeira descrição da condutainfantil (atitude desafiadora, agressividade,
indisciplina, impulsividade, destempero e desatenção) como uma questão médica foi
atribuída ao pediatra inglês George Frederic Still em 1902 (ROSE, 2005)
37
O uso de medicamentos que alteram o processo cerebral com o objetivo de melhorar memória e atenção em pessoas que
não sofrem de doença ou transtorno nessas funções é chamado de aprimoramento cognitivo farmacológico.
38
O valor de compreender como se estabeleceu a relação entre o metilfenidato e o TDAH nos EUA se deve ao fato da visão
do TDAH difundida pela Associação Psiquiátrica Americana (APA) tender a ser a mais usada pela comunidade científica
americana e pelos países influenciados por ela, como é o caso do Brasil (Lima, 2005). Segundo a Anvisa, o metilfenidato
só foi registrado e autorizado no Brasil em 1998, quando sua relação com o TDAH já estava bem estabelecida
(ITABORAHY, 2009).
44
Nesse período, o mau comportamento era ‘um defeito no controle moral’. Apesar do
nome, esse problema tinha sua origem em uma degenerescência biológica que teria sido
herdada geneticamente. A confirmação dessa hipótese vinha da avaliação das crianças com
tais atitudes e seu meio. Estas viviam em um bom ambiente familiar mas tinham como
parentes pessoas com transtornos psiquiátricos (depressão e alcoolismo, por exemplo).
Em 1947, os problemas de conduta foram somados às dificuldades de linguagem e
aprendizagem e passaram a ser explicados pela Lesão Cerebral Mínima, expressão
consagrada por Strauss e Lehtinen. As crianças que recebiam esse diagnóstico apresentavam
os mesmos problemas daquelas que haviam sofrido de encefalite sem, contudo, terem sido
atingidas por essa doença. O dano cerebral nessas crianças era apenas presumido, mas se
constituía como a principal hipótese explicativa para esses comportamentos (LIMA, 2005).
A dificuldade de generalizar as teorias cerebralistas e de identificar lesões que
justificassem os sintomas infantis resultou na substituição da antiga denominação pelo
diagnóstico de Disfunção Cerebral Mínima (DCM). O termo foi proposto em 1962, no
simpósio promovido pela Spatic Society, em Londres (LIMA, 2005). A nova designação
explicava os problemas de aprendizagem e os comportamentos hiperativos, desatentos ou
anti-sociais das crianças como conseqüências do mau funcionamento ou imaturidade no
cérebro.
A DCM foi expressivamente disseminada no meio médico e leigo entre os anos 60 e
70, a partir dos EUA
39
. A grande adesão a esse quadro diagnóstico foi favorecida por alguns
fatores. Entre eles, houve a publicação do Minimal Brain Dysfunction in Children:
Terminology and Identification”, um guia diagnóstico elaborado Samuel Clements. Sua
proposta foi organizar de forma definitiva a grande quantidade de material sobre esse quadro
psiquiátrico e outros transtornos similares (SINGH, 2007). Esse guia foi financiado pelo
Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos que promoveu uma ampla divulgação do
‘conhecimento’ através de panfletos, pequenos livros e curta metragens para ‘educar’ os
médicos e o público sobre a natureza da Disfunção Cerebral Mínima. A imprensa popular da
época incentivou um grande debate sobre o crescimento da indústria, o diagnóstico médico, o
uso de psicotrópicos no cotidiano das pessoas e sua administração em crianças. Além disso,
importantes modificações sócio-culturais aconteceram nesse período nos EUA favorecendo
ainda mais a divulgação desse diagnóstico, como será apresentado no próximo item.
39
A disseminação de informação sobre esse diagnóstico será vista de maneira mais profunda no item sobre “Representações
sociais, campanhas publicitárias e mídias da Ritalina®” neste capítulo.
45
A idéia da disfunção cerebral, diferentemente da degenerescência e da lesão,
possibilitou uma maior intervenção medicamentosa feita pelo neuropediatra nas dificuldades
de aprendizagem escolar, de atenção ou de linguagem.
Com a falta de um substrato neurológico claro, a DCM foi aos poucos ‘distribuída’
em diferentes categorias. As novas patologias foram organizadas e nomeadas a partir do
sintoma ou grupo de sintomas mais característico e notório do distúrbio. Apenas sua etiologia
neurológica foi mantida. Nesse processo, o quadro de hiperatividade diferenciou-se das
dificuldades de linguagem e de aprendizagem. Outro acontecimento que colaborou para essa
delimitação diagnóstica foi o resultado positivo de pesquisas com estimulantes para casos de
condutas hipercinéticas em crianças.
Entre os anos 50 e 60, as drogas mais utilizadas para o tratamento de problemas de
atenção e aprendizagem escolar da criança eram os tranqüilizantes. A partir dos anos 60,
várias pesquisas clínicas e artigos apontaram a superioridade dos benefícios do metilfenidato
sobre os tranqüilizantes no tratamento da hiperatividade e distração infantil (DILLER, 1996).
A adesão da comunidade científica a essa nova categoria psicopatológica foi
oficializada através da inclusão do diagnóstico de Reação Hipercinética da Infância no
DSM-II, em 1968. A palavra reação indicava que a crença na causa biológica convivia
relativamente bem com a compreensão de que os fatores ambientais e psicológicos também
se encontravam na origem do quadro em questão.
Esse entendimento resultou da influencia da Psicanálise e do modelo
desenvolvimentista na psicopatologia, a partir do final dos anos 60. Tanto a Psicanálise
quanto o modelo desenvolvimentista, compreendiam os estados atuais como expressão e
conseqüência das formas de elaboração de fases anteriores. A definição de estágios ou
marcos evolutivos para as funções mentais organizou um repertório explicativo que
conceituou normalidade e patologia do comportamento infantil. As funções mantinham sua
raiz biológica, mas elas seriam deflagradas e atualizadas pela estimulação ambiental.
Assim, mesmo no adulto, a alteração de uma função mental poderia ser o resultado de um
problema biológico ou de um problema na relação entre a pessoa e seu meio, tanto naquele
momento quanto em fases anteriores. (CICCHETTI, 1984)
É importante ressaltar que os critérios diagnósticos para caracterizar uma criança com
esse quadro incluíam uma excessiva agitação motora ou grande distração em quase todas as
áreas incluindo o consultório médico. Ou seja, era necessário que o profissional fosse
testemunha desse comportamento.
46
Enquanto a prática clínica se desenrolava dessa forma, nos anos 70, vários
pesquisadores passaram a investigar mais sobre a dificuldade de atenção e controle do
impulso, deixando a hiperatividade como um sintoma secundário (BARKLEY, 1997
)
. A nova
visão foi incorporada ao DSM-III (1980) quando essa patologia passou a ser identificada
como Distúrbio do Déficit de Atenção (DDA) com dois subtipos: com e sem hiperatividade.
Cabe lembrar que o DSM-III trouxe uma importante transformação na organização e
definição de todas as desordens mentais. Seus critérios se tornaram mais comportamentais e
descritivos, abandonando a etiologia dos quadros
40
. A retomada do valor da função atenção
para o DDA associado a essa nova forma de definir as categorias psicopatológicas resultou
em alterações na identificação deste quadro psiquiátrico. Além da modificação nos critérios
(maior valor na dificuldade de atenção), houve também a alteração na forma de identificar as
características do quadro. Assim, não era mais necessário que os sintomas estivessem
presentes em todas as situações; dois contextos seriam suficientes, e o consultório médico não
precisaria mais ser um destes locais. Outra mudança na forma de identificação das
características dos sintomas é que mesmo com a capacidade de concentração satisfatória em
algumas tarefas, ainda seria considerado distúrbio caso as dificuldades surgissem em tarefas
importantes para a vida da criança.
A transformação na definição e descrição do quadro resultou em duas conseqüências.
A primeira foi a possibilidade de diferenciar esse distúrbio de outros que também
apresentavam agitação motora, como os casos de autismo e ansiedade. A segunda, e mais
significativa para o presente trabalho, foi a inclusão nesse diagnóstico de crianças e adultos
que aparentavam tranqüilidade, mas que tinham dificuldade de manter o foco de atenção nas
tarefas. Com o público alvo ampliado, a indústria farmacêutica aumentou seu interesse nesse
diagnóstico. Lima (2005) ressalta que a partir desse ponto TDAH e Ritalina® tornaram-se
praticamente indissociáveis, a detecção do primeiro levando a indicação do segundo.
Na revisão feita em 1987, DSM-IIIR, o valor da hiperatividade foi retomado, voltando
a fazer parte da denominação do distúrbio: Transtorno do Déficit de Atenção /
Hiperatividade. Tal compreensão persiste nos dias de hoje. Houve apenas um acréscimo na
edição do DSM-IV, em 1994, onde o quadro diagnóstico foi divido em três subtipos:
combinado, predominantemente desatento, predominantemente hiperativo-impulsivo
41
.
40
Sobre o tema ver: Serpa Jr., 1994 e Aguiar, 2004.
41
A Organização Mundial de Saúde, através da Classificação Internacional de Doenças (CID), preservou em suas
publicações a ênfase na agitação motora pelo entendimento de que a avaliação do déficit de atenção exigiria um
conhecimento mais profundo de processos psicológicos que ainda não está disponível para os profissionais do campo.
47
Ao acompanhar a construção do TDAH, foi possível constatar que a definição do mau
comportamento infantil como uma questão médica passou por várias denominações
diferentes. Desde 1902 até a atual descrição psicopatológica, vários sintomas foram incluídos,
excluídos e reorganizados. Contudo, em todas as várias e ambíguas caracterizações desse
quadro, a etiologia fisicalista foi mantida mesmo sem que tenha sido descoberta qualquer
evidência de marcadores biológicos para tal transtorno.
Por um lado, essa compreensão diluiu as antigas justificativas de preguiça e falta de
educação para tais comportamentos problemáticos. Por outro lado, o entendimento da
patologia apenas como algo genético-cerebral fortaleceu sua associação ao tratamento
medicamentoso. Além do fortalecimento da concepção da etiologia biológica dos transtornos
mentais em geral, houve a contribuição de outros fatores para a construção da especificidade
entre o metilfenidato e a patologia em questão. Vejamos a seguir, como algumas
modificações nas relações familiares e educacionais colaboraram para essa associação.
3.2.2. Alterações na organização familiar e educacional
Dois fatores sociais contribuíram para a construção da especificidade entre o TDAH e
o metilfenidato: transformações na organização familiar e educacional. As modificações
tiveram início na década de 1960, com o abalo econômico nos EUA. A crise econômica foi
acompanhada por conflitos na tradicional organização familiar daquele país (LIMA, 2005).
Houve um aumento no número de divórcios e suicídios entre os adultos e mais crianças
passaram a apresentar distúrbios de comportamento e dificuldades escolares.
Para lidar com os problemas de conduta infantil, as autoridades sanitárias recorreram
ao discurso científico que compreendia esses sintomas como resultantes da Disfunção
Cerebral Mínima, quadro diagnóstico muito divulgado na época. Tal explicação recebeu uma
rápida adesão dos pais de classe média, tanto por ter retirado a responsabilidade das famílias
e escolas no surgimento desse distúrbio quanto por esse diagnóstico preservar uma imagem
mais positiva da criança e da família. Afinal, esse quadro era compatível com um coeficiente
de inteligência mediano ou acima da média
42
.
A explicação fisicalista, que atribui causas fisiológicas aos problemas escolares e à
conduta infantil teve como conseqüência a diluição das questões sociais e econômicas
implicadas. Não eram as instituições como sociedade, família e escola que precisavam ser
42
Lima (2005) ressalta que essa explicação era aplicada apenas para a classe média americana. Os mesmos transtornos em
negros e pobres eram interpretados como um problema psicossocial ou uma má-formação cerebral mais grosseira
48
repensadas e alteradas. Cada criança é que deveria ser reeducada e tratada. Essa visão
favoreceu a ampliação do mercado de cuidados profissionais e individualizados dirigidos à
infância.
A partir do final dos anos 60, a concepção de que a criança deveria ser educada e
tratada individualmente foi fruto tanto desse entendimento biológico como também do
modelo psicopatológico desenvolvimentista. O reconhecimento e a compreensão das etapas
do desenvolvimento favoreceram a construção de um conhecimento sistematizado sobre a
infância e sobre ‘tecnologias’ educativas e terapêuticas que cuidassem individualmente do
futuro adulto.
No Brasil, por exemplo, houve uma maior difusão da psiquiatria e psicologia no
cotidiano da família e da escola bem como a criação de especialidades como psicopedagogia,
psicomotricidade e neuropediatria. Esta última também teve um importante papel na eleição
da terapêutica farmacológica para esses distúrbios (LIMA, 2005).
A transformação na estrutura familiar (divórcio e mães solteiras) e a crise financeira
fizeram crescer paulatinamente a necessidade de mães trabalharem fora. Por não terem com
quem deixar seus filhos, houve um aumento na busca por creches e pré-escolas
43
. Mais
crianças cada vez mais novas passaram a freqüentar esses espaços que priorizavam a
disciplina, a concentração e a atenção como principais características para promover uma boa
educação e aprendizagem. O controle do comportamento, da atenção e da concentração
passou a ser cada vez mais valorizado no sistema educacional por serem considerados
fundamentais na vida social e profissional do adulto
44
.
Aquelas que não se adequavam a essa
organização eram encaminhadas para tratamentos individuais pelos especialistas presentes na
instituição.
O ambiente gerado por uma observação mais atenta a criança associado a uma maior
incidência de problemas comportamentais e de aprendizagem infantil (resultantes da crise e
reorganização familiar) tornou-se um campo fértil para a ampliação e fortalecimento da idéia
de que tais dificuldades seriam conseqüências de um problema individual. Essa compreensão
encontrou sua melhor explicação na raiz biológica das atitudes do filho-aluno. Assim, o
remédio passou a ser o tratamento mais lógico e desejável.
43
É necessário cuidado ao generalizar sobre a infância. As infâncias foram muitas: as das crianças ricas; as das crianças
filhas de funcionários e profissionais liberais; filhas de imigrantes e de trabalhadores rurais. Nesse trabalho nos referimos a
classe média, que buscava instituições com especialistas em crianças para cuidar de seus filhos para irem trabalhar.
44
Sobre o tema ver Lima, 2005 e Luciana Caliman (2005)
49
Diller (1996) alertou sobre outro fator escolar que colaborou para a ampliação no uso
dessa droga, nos dias de hoje. Segundo ele, nos EUA, houve um aumento considerável na
proporção de alunos por professor. Associado a esse fato, o acesso ao serviço de educação
especial tornou-se mais restrito. Apenas estudantes com algum tipo de transtorno passaram a
ter acesso à ajuda extra classe. Essas condições tornaram o processo de aprendizagem mais
difícil, pois forneceu mais estímulos para a desatenção e/ou agitação motora às crianças e aos
adolescentes, o que fez crescer a possibilidade do diagnóstico de TDAH. Vale lembrar ainda
que alguns pais passaram a preferir que seus filhos fossem identificados como portadores
desse transtorno pois isso favoreceria um melhor ensino escolar (aulas extras) e melhor
capacitação para a aprendizagem (uso da medicação por parte do aluno).
O desejo de que as crianças superem as dificuldades no sistema de educação para que
se tornem adultos com um ótimo desempenho na vida profissional e social funciona como
uma pressão que leva pais, educadores e médicos a tratar do déficit de atenção e a
hiperatividade infantil de maneira rápida. Esse contexto reforça a utilização do metilfenidato
para tais sintomas por ser uma terapêutica mais imediata, barata e eficaz. O medicamento é
considerado eficaz, pois tende melhorar a concentração e o controle motor de pessoas que se
encontram dentro e fora dos critérios diagnósticos para TDAH. Tal possibilidade oferecida
pelo metilfenidato borra os limites entre o tratamento do transtorno e a prática do
aprimoramento.
3.2.3. Representações sociais, campanhas publicitárias e mídias da Ritalina®
45
As propagandas de remédio sempre funcionaram como um importante meio para
educar médicos e pessoas leigas sobre normalidade, patologia e tratamento mais adequado.
Nas campanhas promocionais da Ritalina® algumas representações e ideologias sociais,
vinculadas às fraquezas e desejos de seu público alvo, foram identificadas e reorganizadas
para uma nova apresentação ao público nos vários veículos de divulgação. Estes podem ser
artigos na mídia impressa e eletrônica, vídeos e programas educacionais, visitações dos
representantes da droga a clínicas e lugares públicos e financiamento de pesquisas. A intenção
seria modelar atitudes, construir ideais e criar o desejo pelos produtos farmacológicos.
45
Até os anos 70, a publicidade da indústria farmacêutica era legalmente restrita. Nos anos 80, houve um processo de revisão
de algumas regulamentações o que favoreceu a permissão para realizar propaganda direta ao consumidor. Contudo os
estimulantes continuavam sem se beneficiar das mudanças em decorrência da Proibição das Nações Unidas sobre
Propagandas de Drogas Psicotrópicas que datava de 1971. Sem que houvesse um órgão regulador nos EUA com o poder
de controlar a propaganda desse tipo de droga, a indústria farmacêutica decidiu usar seus ‘direitos’ e lançou em 1999 sua
primeira campanha publicitária, direta ao consumidor, de estimulantes para tratamento infantil. (Singh, 2007)
50
Ilina Singh (2007), em seu texto sobre os 50 anos de propagandas de Estimulantes,
reconstruiu a história da Ritalina® nos EUA. Segundo a autora, até os anos 60, os informes
publicitários da medicação apresentavam imagens de adultos e idosos brancos (de ambos os
sexos) com expressões de tristeza, solidão e depressão. O médico, também retratado, era
caracterizado como alguém familiar e pensativo. O objetivo seria tornar a imagem do
psiquiatra e seus remédios mais familiares e menos assustadores. Na publicidade do
estimulante, sua ação era descrita como suave, com poucos efeitos colaterais, e adequada à
maioria dos quadros psiquiátricos. Dessa forma, o ideário divulgado por esses informes
favorecia a diminuição do preconceito contra a psiquiatria e psicotrópicos, o que
possivelmente permitiria a ampliação da quantidade de usuários da Ritalina®.
As propagandas para os problemas de comportamento infantil, no mesmo período,
retratavam apenas meninos, mas a medicação indicada para esses casos eram os
tranqüilizantes. Somente nos anos 60, surgiram estudos que ressaltavam a superioridade do
metilfenidato para tratar dos problemas de conduta infantil. Nesse período, o problema era
identificado como uma disfunção do cérebro (Disfunção Cerebral Mínima) o que justificava o
uso de medicação. As propagandas da Ritalina®, contudo, continuavam sem mostrar
crianças; apenas informavam sobre as alterações no comportamento infantil.
A partir dos anos 70, as propagandas do medicamento começaram a apresentar cenas
de meninos com problemas de ‘má conduta’. As imagens mostravam garotos antes e depois
do tratamento com o metilfenidato. E apesar da nova denominação do transtorno ter
começado a vigorar desde 1968 (Reação Hipercinética da Infância DSM II), a publicidade
continuava informando o médico sobre os sintomas e a evolução da Disfunção Cerebral
Mínima. Além disso, o profissional poderia ‘constatar’ através das fotografias a efetividade
da terapêutica farmacológica. A denominação antiga (DCM) reforçava a raiz biológica do
problema de comportamento e de forma indireta, mas ‘penetrante’, reafirmava que o
tratamento mais adequado era por meio do remédio.
A estratégia do marketing de mostrar os retratos antes e depois do uso da Ritalina®
legitimou o transtorno (era impossível negar essa condição patológica depois de visualizar a
imagem) ao mesmo tempo em que caracterizou o resultado do tratamento não como uma
volta à normalidade e sim como a possibilidade de controle da má conduta. Essa nova
possibilidade apresentada pela propaganda indicava que não seria necessário buscar a causa
do problema e correr o risco de errar. existiriam meios farmacológicos eficientes para
conter o comportamento indesejado.
51
Nos anos de 1973 e 1974, a figura feminina foi introduzida nos informes publicitários.
Primeiro, ela era dúbia sendo difícil diferenciar se era mãe ou professora, mas o cenário era o
ambiente escolar, onde a administração da conduta infantil era necessária e justificada.
em 1975, a imagem da genitora ao lado de seu filho tornou-se clara e explícita na
divulgação do medicamento. A cena mostrada indicava a agitação do filho e o tormento da
mãe. Essa representação deixou transparecer a diminuição da competência e força da mãe no
controle das atitudes desse filho. Dessa maneira, o ambiente doméstico e a relação familiar
passaram a se constituir como o novo domínio de ação do metilfenidato. Essa medicação foi
elevada ao status de instrumento médico que faria o manejo do comportamento do filho e,
conseqüentemente do comportamento da e, com sucesso para alcançar a aparente
normalidade desejada. A distinção entre administrar comportamentos e normalizar condutas
tornou-se cada vez mais diluída.
Singh (2007) fez a ressalva que até então os homens (pai e clínico) não eram
representados diretamente na imagem publicitária. Eles eram apenas subentendidos como
estando na posição de quem lê a foto.
Nas propagandas mais recentes (entre 2000 e 2004), voltadas para o blico leigo,
os sintomas que justificavam o tratamento desapareceram das cenas. Apenas as boas
conseqüências terapêuticas passaram a ser mostradas. Para isso usaram imagens da vida
familiar da classe média com integrantes atraentes, felizes e bem comportados. Tal cenário
(família idealizada) reforçou o imaginário de que o estimulante faria parte da vida doméstica
normal. O marketing da Ritalina® feito nesses moldes promoveu uma diluição na idéia do
tratamento de uma condição patológica. Com suas fronteiras turvas e borradas, a ‘cura’ se
aproximou e confundiu com a idéia do aprimoramento de um comportamento e de uma
relação.
Além dessa forma de campanhas publicitárias, foi iniciada outra estratégia de
divulgação que teve um impacto significativo: as matérias e programas e esclarecimento
sobre o TDAH e psicotrópicos em geral. Alguns programas e artigos realizados podem ser
entendidos como publicidade de medicamento travestida de campanhas de conscientização de
doenças (MOYNIHAN & HENRY, 2006). Mas outros foram produzidos em conseqüência do
interesse que o público demonstrou pelo assunto o que ‘prometia’ o aumento de audiência
para o programa ou leitores para os artigos em questão.
Conhecer os sintomas das doenças e buscar seu tratamento se constituiu como uma
importante estratégia para diminuir o risco de morte e da má qualidade de vida. Nesse
contexto, surgiram vários programas e matérias sobre psicotrópicos apresentando explicações
52
de como estes agem no corpo e como seu uso beneficiou a vida pessoal e profissional dos
usuários. Assim, houve um aumento no interesse pela Ritalina® e pelo TDAH
46
.
Diller (1996) alertou sobre a tendência tanto na mídia especializada quanto na leiga
do TDAH ser referido como um transtorno neurológico. Ainda segundo ele, os experts teriam
possibilidade de compreender que os fatores genéticos e biológicos influenciam
comportamento em algum grau. Já público em geral tenderia a transformar essa visão em um
determinismo biológico no qual a hereditariedade e a química cerebral estabeleceriam as
atitudes do indivíduo. Tal entendimento fortaleceu o imaginário de que as dificuldades
pessoais e profissionais seriam resolvidas nos consultórios psiquiátricos e neurológicos.
Algumas dessas dificuldades, antes ignoradas ou vividas como características particulares,
depois da divulgação, se transformaram em problemas que poderiam, e deveriam, ser tratados
através da medicação indicada.
A modificação no entendimento do transtorno infantil e a transformação na forma de
divulgação dos benefícios do medicamento tiveram conseqüências significativas nas
representações familiares e escolares. As primeiras peças publicitárias retratavam cenas de
meninos com problemas e como isso transtornava sua mãe e sua família. O cenário reforçava
a necessidade do tratamento infantil, tanto para a criança ‘melhorar’ como para propiciar
maior felicidade de sua família. As imagens mais recentes passaram a mostrar apenas o
usuário do fármaco aceito pela mãe e pela família associado à idéia de um melhor rendimento
escolar e profissional. O cenário representado e veiculado pela publicidade favorece que o
público entenda que a imagem de uma família tranqüila e sem problemas (ideal) seria algo
normal. Além disso, a falta de cenas visuais que mostravam os sintomas do transtorno
permitiu a compreensão que qualquer afastamento do ideal familiar e escolar fosse entendido
como um problema a ser solucionado pelo medicamento. A transformação nas campanhas
favoreceu que o remédio deixasse ser buscado apenas por sua ação terapêutica para ser
procurado como um meio para alcançar um ideal de vida.
Dessa maneira, as representações sociais relacionadas ao metilfenidato passaram a
incluir idéias de felicidade, boa aceitação, bem estar e sucesso. Tal imaginário ampliou o
número de seus usuários e parece ter favorecido que universitários sem o diagnóstico de
TDAH buscassem esse instrumento para alcançar seus objetivos.
46
Um exemplo do efeito dessa forma de divulgação é a introdução da fluoxetina (Prozac) no mercado no final dos anos 80
(1986 na Bélgica e 1988 nos EUA). Como apresentava poucos efeitos colaterais em comparação a outros antidepressivos,
os casos de depressão mais leve passaram a ser tratados também com ele. Foi intensificado, então, um debate sobre a
utilização de psicotrópicos para o aprimoramento do humor e do desempenho (Kramer, 1994). Por sua vez, essa discussão
sobre o antidepressivo também contribuiu na construção de uma melhor aceitação no uso de estimulantes para problemas
de comportamento e atenção em crianças e adultos. (Diller, 1996)
53
4. METODODOLOGIA
A presente investigação é um subprojeto da pesquisa: DA MEDICALIZAÇÃO À
SUPERNORMALIDADE: O TDAH E O USO DO METILFENIDATO COMO
PERFORMANCE ENHANCER
47
. Seu objetivo foi analisar as representações sociais do
uso não-médico do metilfenidato. Para alcançar esse propósito, foram realizados três Grupos
Focais com estudantes universitários entre dezoito e vinte e cinco anos.
O Grupo focal é uma técnica de pesquisa qualitativa que recolhe os dados gerados no
debate entre os integrantes do grupo sobre um tópico sugerido pelo pesquisador (MORGAN,
1997). A discussão pode incluir assuntos conhecidos ou desconhecidos dos participantes,
pois a riqueza desse método é explorar a tendência humana de formar e remodelar opiniões e
atitudes na interação com outros indivíduos (KRUEGER, 1988).
Para favorecer o debate, é possível apresentar um material de apoio que forneça
informações sobre o tema em questão. Essa estratégia é muito utilizada quando o assunto é
pouco conhecido pelo público alvo, mas também pode ser usada para temas mais conhecidos.
As falas e argumentos dos participantes criam uma oportunidade para desenvolver ou
reorganizar idéias e conceitos em relação ao tema questionado. É comum o surgimento de
insights, mudanças de opinião ou ainda a construção de um melhor embasamento para o
julgamento inicial (MORGAN, 1997).
Tais características tornam o método bastante eficiente na etapa de levantamento de
dados, pois um número pequeno de grupos pode gerar um extenso número de idéias sobre as
categorias do estudo desejado.
4.1. Preparação e Aplicação do Grupo Focal
Este subprojeto foi aprovado em nove de abril de 2008 pelo Comi de Ética em
Pesquisa. Desde então foram realizados um total de cinco grupos com estudantes
universitários. O primeiro funcionou como um grupo piloto para avaliar o roteiro de debate e
a sua melhor forma de aplicação. O segundo foi descartado pela necessidade de ajuste na
aplicação do Roteiro de Debate e modificação nos textos usados como material de apoio. Os
outros três grupos focais geraram os dados que foram transcritos e analisados. Neste capítulo
47
A pesquisa mais ampla apresenta dois eixos principais de trabalho. Em um dos eixos, há a analise do processo de expansão
do diagnóstico infantil do TDAH para incluir a população adulta e seu impacto na narrativa de vida dos sujeitos
diagnosticados. No outro eixo, há a busca do entendimento e reações públicas em relação ao uso de metilfenidato por
pessoas com a intenção de aprimorar o desempenho cognitivo a partir do que é retratado desse tema pela mídia impressa.
Este segundo eixo é fruto de uma parceria do Instituto de Medicina Social (IMS) da UERJ com o Instituto de Pesquisas
Clínicas de Montreal (IRCM), sob a coordenação dos professores Francisco Ortega (IMS) e Eric Racine (IRCM).
54
serão relatados apenas os aspectos considerados mais relevantes na caracterização da presente
investigação.
4.1.1. Seleção de textos
Como o tema do aprimoramento neurocognitivo farmacológico foi pouco difundido
no Brasil, foi necessária a organização de material de apoio para instrumentalizar os
participantes no debate. Para isso, foram escolhidas reportagens publicadas em jornais de
grande circulação no Brasil. As matérias sobre o uso não-médico do metilfenidato foram
selecionadas do banco de textos mais abrangente elaborado pela pesquisa DA
MEDICALIZAÇÃO À SUPERNORMALIDADE: O TDAH E O USO DO
METILFENIDATO COMO PERFORMANCE ENHANCER
48
.
De todos os textos do banco, foram encontradas seis reportagens da mídia impressa
que estavam relacionadas ao tema. Três tratavam direta e exclusivamente sobre o assunto,
duas versavam sobre o abuso do metilfenidato (entre outros estimulantes) para uso recreativo
e para aprimoramento e uma outra matéria explicava o uso médico da Ritalina® (TDAH),
estético (emagrecimento), recreativo (festas) e o uso para o aprimoramento cognitivo. As
fontes de pesquisas citadas em todas as matérias eram estrangeiras.
Depois de analisados e discutidos, foram selecionados três textos para serem lidos
pelos componentes do Grupo Focal antes do início do debate. As reportagens foram
selecionadas, pois descreviam o aprimoramento neurocognitivo através do metilfenidato ou
Ritalina®. No Brasil, ainda não foi estabelecida uma palavra ou expressão que caracterizasse
o que em inglês foi chamado de pharmaceutical neurocogntive enhancement As
expressões usadas nos textos brasileiros foram: aperfeiçoadores da cognição e uso
instrumental do metilfenidato’. Mesmo assim, essas matérias foram consideradas
suficientemente adequadas para estimular a discussão grupal tanto pela abordagem mais direta
ao tema como por se tratarem de textos mais curtos. Esta última característica dos artigos foi
um fator importante já que a leitura do material ocuparia um tempo destinado ao Grupo Focal.
48
Banco de textos da pesquisa foi o resultado da busca de artigos científicos e reportagens da mídia impressa. Os artigos
científicos foram procurados no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2007 na “Revista Brasileira de Psiquiatria”,
“Revista de Psiquiatria do Rio Grande do Sul” e “Jornal Brasileiro de Psiquiatria”, todos indexados na base Scielo. Já as
reportagens foram encontradas através de busca nos arquivos eletrônicos dos jornais “O Globo”; “Folha de São Paulo” e
das revistas “Galileu”; “Mente e Cérebro” e “Superinteressante” no período de janeiro de 1997 a dezembro de 2007. As
palavras-chave pesquisadas em todos esses bancos de dados foram: “metilfenidato”; “Ritalina”; “déficit de atenção” e
“hiperatividade”. O banco de dados da Revista “Veja” também foi investigado usando as palavras palavras-chave:
“Ritalina”, “metilfenidato”, “Ritalin”, “methylphenidate”. Além disso, através de busca na internet foi encontrada uma
reportagem do jornal “Estado de São Paulo” que cita sobre o aprimoramento neurocognitivo farmacológico. Não foram
encontrados textos sobre o aprimoramento neurocognitivo farmacológico no jornal e revistas científicos do Brasil.
55
4.1.2. Recrutamento e composição dos grupos focais
Os componentes dos Grupos Focais foram recrutados através de convites orais a
estudantes feitos por integrantes da equipe de pesquisa (alunos de graduação e professores). A
média de idade dos participantes ficou em torno de vinte e um a vinte e dois anos.
Morgan (1997) sugere que a quantidade de Grupos Focais seja decidida pelo
esgotamento dos temas, ou seja, quando as informações se repetirem a ponto de não haver
qualquer acréscimo significativo para a pesquisa. Contudo, como esse método não permite
inferir que as informações obtidas sejam válidas para todo o universo do público-alvo, um
único Grupo Focal pode ser suficiente para gerar material significativo para a análise
qualitativa. Dessa forma, como o presente estudo tem um caráter exploratório sem a
pretensão de esgotar o tema, foi feita a opção de estabelecer previamente o número de três
grupos focais para conhecer algumas representações sociais relacionadas ao uso não-médico
do metilfenidato. Dos três grupos focais válidos, o primeiro reuniu oito integrantes, o
segundo sete e o terceiro cinco participantes, totalizando vinte universitários.
Os participantes preencheram uma ficha (Apêndice A Questionário) fornecendo
alguns dados sobre aspectos que foram considerados relevantes para na caracterização dos
grupos entrevistados. Todos esses dados se encontram no Apêndice B Perfil dos
participantes dos grupos focais.
A maioria dos integrantes não era assinante de revista ou jornal mas quase todos
apresentaram interesse em ler sobre Ciência Popular. Na época da pesquisa, todos afirmaram
nunca ter recebido prescrição de Ritalina®. Houve também unanimidade na afirmação sobre
não terem experimentado esse fármaco para uso não-médico. Um dos participantes relatou
conhecer alguém com prescrição para usar esse medicamento enquanto dois confirmaram o
conhecimento de pessoa que havia feito uso não-médico da Ritalina®. Apenas dois
integrantes conheciam o tema antes da pesquisa. Quase todos participantes demonstraram
interesse em conhecer mais sobre o assunto.
4.1.3. Local e equipe para aplicação do grupo focal
Para a aplicação dos Grupos Focais, foi escolhida a sala de reunião do grupo de
pesquisa por ter sido considerada confortável favorecendo também o acesso aos instrumentos
necessários a efetivação e registro dos encontros.
56
Nos três encontros válidos a equipe foi composta por três integrantes da equipe de
pesquisa. O Moderador foi responsável em conduzir o grupo e manter o foco da discussão no
tópico da pesquisa. O Observador ficou com a responsabilidade de avaliar o processo de
realização do Grupo Focal. Finalmente o Operador de Gravação foi o responsável pela
filmagem e arquivamento do material.
4.1.4. Apresentação e roteiro de debate
Foi estabelecido o tempo de vinte minutos para a apresentação inicial. Esse momento
ficou reservado para o esclarecimento de como seria realizado o grupo focal, a coleta da
assinatura do termo de consentimento (Apêndice C Termo de Consentimento), o
preenchimento do questionário sobre o perfil do participante, a apresentação das pessoas e a
leitura dos textos.
O Roteiro de Debate (Apêndice D Guia do Grupo Focal) foi planejado para ser
discutido em uma hora e trinta e cinco minutos. As questões-chave foram organizadas em
cinco partes. Na primeira, constavam perguntas gerais sobre aprimoramento cognitivo. Na
segunda, questões que levantavam as preocupações éticas, sociais e legais relacionadas ao
aprimoramento cognitivo. Na terceira, as indagações buscavam esclarecer sobre os aspectos
sociais e os cuidados com a saúde. Na quarta, as perguntas buscavam entender o que os
participantes do grupo pensavam sobre a mídia como fonte de informação. E na quinta e
última parte foi planejado um resumo com as principais opiniões emitidas pelos integrantes.
Foi estipulado pelo grupo de pesquisa que a primeira questão-chave apresentada aos
participantes versaria sobre como o uso não-médico do metilfenidato era entendido: abuso,
aprimoramento ou um estilo de vida.
Apesar do estabelecimento de uma ordem no Roteiro de Debate, essa organização foi
alterada em todos os encontros realizados. Como foi confirmado pelos autores Cruz Neto,
Moreira e Sucena (2002), o principal compromisso do Moderador foi iniciar o debate com a
primeira questão-chave e suas respectivas diretivas garantindo que todas as outras perguntas
importantes para a investigação fossem discutidas e esgotadas dentro do tempo pré-
estabelecido. Essa proposta foi seguida pelo moderador que buscou respeitar o fluxo e as
particularidades de cada grupo entrevistado. Ao final de cada encontro, no momento da
realização do resumo dos pontos discutidos pelos integrantes, foi verificado se eles
concordavam com o resumo e o que acrescentariam ou retirariam dessas últimas informações.
57
4.1.5. Preparação análise dos dados colhidos
Depois da aplicação de cada Grupo Focal, o DVD contendo os registros de imagem e
som do debate foi enviado ao Transcritor responsável por efetuar cópias as mais fiéis
possíveis ao material colhido.
Os arquivos transcritos foram categorizados de acordo com o Guia de Codificação
para os Grupos Focais (Apêndice E). Essa categorização foi primeiramente realizada por uma
pessoa e depois reavaliada em conjunto com outra pessoa da equipe. Esse trabalho e a
posterior análise dos dados foi efetuada com a ajuda do Software NVivo.
58
5. APRESENTAÇÃO E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS
5.1. Introdução
O Guia de Codificação para os Grupos Focais (Apêndice E) foi construído com 53
categorias. Destas, apenas 14 foram mais expressivas durante as entrevistas como pode ser
acompanhado pela Tabela de Quantidade de Citações por Categorias (Apêndice F). A análise
de dados priorizou essas categorias, pois elas foram compreendidas como as mais
significativas para conhecer as representações sociais dos estudantes universitários sobre a
prática do aprimoramento cognitivo farmacológico.
Na exposição e interpretação das informações, todas as opiniões esboçadas, mesmo
quando não compartilhadas por todos, foram consideradas como um posicionamento do
grupo. Portanto, respeitando a peculiaridade do método, cada fala foi analisada como
resultado de idéias coletivas que indicavam representações sociais do tema discutido (DE
ANTONI, et. al., 2001).
A apresentação dos dados buscou respeitar a linguagem usada pelo grupo (linguagem
do senso comum) por entender que esta é a principal mediação das representações coletivas.
Segundo Minayo (1992), as representações sociais (ou coletivas) são categorias de
pensamento, de ação e de sentimento que expressam, explicam, justificam ou questionam a
realidade. Essas representações sociais atravessam o grupo social como algo anterior e
habitual, mas possuem núcleos de transformação e de resistência e por isso podem e devem
ser analisadas criticamente.
5.2. Apresentação de dados
A exposição das principais representações (14) seguiu a ordem das categorias mais
citadas para as menos citadas. Em cada tópico, as falas foram organizadas de acordo com o
grupo de origem.
No Gráfico 1, é possível acompanhar a comparação entre a quantidade de citações
ocorridas por cada um dos 3 grupos referente a cada tópico. Cada grupo está representado por
uma cor e cada categoria está representada por uma coluna. Dentro dessas colunas, existem
números que expressam os valores absolutos de citações feitas por aquele grupo. Para ter
acesso ao número total de citações de uma categoria basta somar os três números da coluna.
59
Gráfico 1 – Quantitativo de Citações por Grupos Focais e Categorias Analisadas
12
9 9
6
3
5
6 6
2
5
3
5 5
4
17
14
7
6
4
5
6
5
6
2
1
3 3
4
18
11
6
10
11
7
5
6
8
9
9
5 5
3
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
50
Pre
s
s
ã
o
Soc
ia
l
Segur
a
a
A
l
vos
C
omparação
Autonomia...
C
ome
r
ciali
z
açã
o
Vício
T
r
apaça,...
I
n
j
us
t
iça.
.
.
Me
d
icalização
A
utenti
c
i
d
a
de..
.
Mi
d
i
a
Pr
ev
e
ã
o (S)
Q
ue
m
nº de citações
Grupo Focal 2 Grupo Focal 3 Grupo Focal 4
Sentido Social – Pressão social para atuar (47)
49
O tópico reúne as afirmações que realçam o impacto dos valores e práticas sociais
para o aprimoramento cognitivo com o metilfenidato como também o impacto do
aprimoramento cognitivo com metilfenidato nos valores e práticas sociais. Os impactos
incluem a emergência da pressão social para atuar.
Grupo 2
Os entrevistados desse grupo ressaltam a necessidade de fazer muitas coisas como
trabalhar, estudar e passar no vestibular são um forte estímulo para o uso do medicamento.
Tal idéia pode ser constatada na próxima fala:
“... até estudantes mesmo, como graduação, também usam, focando [sic]
50
principalmente
que eles precisam passar no vestibular e não ter como fazer muitas coisas como trabalhar e
estudar, e pra fazer várias coisas e dar conta de tudo, eles precisam, muitos usam...”
Além disso, os integrantes compreendem que a pressão e a carga de cobrança além dos
limites são também um importante motivador para a realização de tal prática, como pode ser
constatado no trecho a seguir:
49
O número entre parênteses indica a quantidade total de citações (soma dos 3 grupos). É necessário ressaltar que uma
citação pode compreender desde uma única linha até um pequeno diálogo.
50
[sic] indica um trecho da sentença que não foi audível e por isso não pode ser transcrito. As reticências (...) indicam pausa
na fala da pessoa. Quando as reticências estão no início ou no final da sentença indica que a frase não começou ou não
terminou naquele ponto. Palavras entre colchetes [ ] indicam uma explicação ou explicitação sobre o que está sendo dito.
60
“... a gente precisa ter um tempo pra dormir, a gente precisa ter um tempo pra se alimentar,
e tem dias que nem se alimentar a gente pode. Então, tudo isso, assim, não é pensado para o
ser humano, é algo assim sobre-humano. Então exige que a pessoa se comporte sobre-
humanamente. Tomando remédio pra aumentar a sua atenção, porque é exigido dele mais do
que ele pode fazer. É além do limite.”
Para eles, essa sobrecarga de atividades impede a possibilidade de escolha, pois buscar
o medicamento passa a ser uma necessidade para conseguir realizar as tarefas sobre-humanas.
Esse uso do remédio também é relatado como uma estratégia para não ‘perder o rendimento’.
Essa compreensão pode ser vista na seguinte sentença:
“... o cara pode estar sobrecarregado e resolveu fazer o uso pra não perder o rendimento.”
Existem críticas a instituição de ensino e sua forma de avaliar os alunos. Os
participantes expressam que a pressão e os prazos das avaliações não favorecem a formação
de um bom profissional de saúde. A fala a seguir exemplifica essa idéia:
“O que está fazendo você ser... você vai ser um melhor médico [sic] se tirar uma nota melhor
e por isso você está acabando com a sua saúde, você está na contra-mão da sua saúde. E
teria que ser pensado, sim, principalmente na área de saúde, não só de medicina, porque tem
o profissional sendo, o objetivo do médico é cuidar de vidas. É uma responsabilidade muito
grande. Então o melhor médico vai ser aquele que vai ter o melhor rendimento na faculdade,
nas provas, nos teste, nas avaliações? Ou será aquele que vai ter um rendimento em longo
prazo, maior, vai chegar com uma cabeça melhor, psicologicamente, tudo não é? Mas o
ensino não busca isso.”
Além disso, eles denunciam a estrutura profissional dos médicos que remunera mal os
profissionais forçando-os a trabalhar em muitos lugares. Essa questão está apresentada na
próxima afirmação:
“A gente encontra também médicos que acabam sendo mal remunerados e aí tem que
trabalhar em vários lugares, vários plantões e isso é mais uma pressão, pelo fato de que a
pessoa tem que ficar acordada. É complicado [sic]. É todo um sistema.”
Grupo 3
Os entrevistados afirmam que a cobrança de realização de muitas e difíceis tarefas em
prazos apertados leva as pessoas a irem além da suas capacidades biológicas. Um exemplo
dessa representação é a seguinte fala:
“Com relação a isso o uso indevido é claro, faz mais parte de um contexto social, o indivíduo
seria pressionado pelo sistema por um [sic] um prazo, que ele tem que prestar conta em um
meio acadêmico, e ele tem que produzir. E essa produção ele... é além de sua capacidade,
além de sua capacidade biológica...”
O grupo considera o uso do medicamento para aprimoramento uma estratégia para
lidar com a expectativa que os outros têm da pessoa, pois são eles que a avaliam. É a busca de
uma uniformização social para que o indivíduo não se torne em um outsider. Quando a
pessoa não corresponde o que esperam dela surge o sentimento de vergonha. Tais
compreensões estão exemplificadas nos trechos a seguir:
“... o que determina a pessoa ser mais inteligente que a outra?”
“Essa é que é a questão!”
61
“É o meio acadêmico que te avalia e te dá nota.”
“E tem toda uma pressão, porque senão ele vai ser um ‘outsider’. Como é que ele vai ficar
retirado disso, pai, mãe, ele se envergonha enquanto o irmão dele tem boas notas e ele está
de fora. E se ele não consegue absorver [sic] todas aquelas informações, e aí ele vai fazer
uso disso [medicamento]. Tá vendo? Mais do que uma produção do indivíduo, mais a pressão
de um produto social.”
Além disso, eles pensam que a realização dessas tarefas se torna mais importante do
que suas conseqüências para a saúde e, por isso, os riscos de efeitos colaterais são deixados
para depois, como está expresso na seguinte fala:
“Então eu não sei, se de repente, se eu tivesse acesso a um medicamento desse, e uma
demanda dessas a ser exigida, se eu não ia fazer uso. Eu não sei... sem pensar às vezes em
conseqüências. Entendeu? Porque a pressão, [sic]
Teria que pensar no imediato, vários [sic],
até mesmo a dependência, aí depois eu penso...”
também o entendimento que deixar-se levar pelas pressões dos prazos é uma
doença; um ciclo ‘neurótico’ de querer ser melhor, pois na verdade sempre existe alguma
possibilidade de escolha. O próximo trecho revela esse raciocínio:
“Porque quando você se deixa se engolir pelo tempo, por essa pressão é a doença em si,
ou antes, do uso que seja, de tentar se turbinar ou o quê seja, quando você se deixa se engolir
por isso porquê... eu vejo assim, é uma doença, é discurso, mas todo sistema por mais que
tenha pressão eu acho que é uma escolha, sempre há uma escolha né? Essa coisa que fala no
texto ‘pretexto’ que fala aqui, acho que é isso, o sei, mas eu acho que a doença não é em
decorrência do uso, sabe? é antes que leva a pessoa a entrar num ciclo neurótico de ser o
melhor né?”
Contudo, a compreensão de que sempre existe uma escolha é confrontada pela idéia de
que existe uma doença social, pois o social molda e regulamenta o comportamento e a forma
de ser da pessoa. Não estar enquadrado gera exclusão que, por sua vez, impossibilita a
realização dos desejos. A seguir, dois exemplos dessa representação da pressão social:
“Porque você tem um enquadramento social que você deve atender. Então ‘neura’, essa
neurose toda, tipo essa doença toda ela vem mastigada pra gente, a gente vai entrando nisso,
para uniformizar a coisa, senão você está fora. Se voestá fora você não tem o carro que
você quer, não tem a casa que você quer, conseqüentemente, vamos dizer assim, num plano
de reino animal, a fêmea vai ficar com o macho mais forte, que é o dominante. No nosso
mundo capitalista também você não vai ter o que você quer. E rola muita pressão.”
“Eu acho que sim, tem que ser o melhor na sua área. Não tem como. Se o cara vai querer
passar dias vendo o por do sol e o amanhecer, ele vai ter que ser o melhor naquilo para [sic]
vida dele nisso. Sobreviver disso. Porque com certeza o outro não vai dar pão pra ele. O
outro está estudando e se matando de ficar acordado, tomando Ritalina ou qualquer outra
coisa, pra ficar acordado, depois não vai olhar pra ele com complacência.”
A pressão social, para esse grupo, leva tanto a uma competição com os outros como
também a competição consigo mesmo. Tais idéias ficam claras nos seguintes trechos:
“... esses cientistas, eles estão em cheque o tempo todo, eles estão lançando uma pesquisa, e
tem outro ali que pode estar desconstruindo a pesquisa dele no próximo livro. [sic] vem com
uma tese em cima dele, destruindo o trabalho da vida inteira.”
“Porque minha nota [caso fosse baixa], com ela, eu não faço mais a pós-graduação que eu
quero. Eu acho que uma olimpíada nesse sentido, e ela não é às vezes só contra o outro, é
contra você mesmo.”
62
Por outro lado, há também a compreensão de que a vida acadêmica não precisa ter um
primeiro colocado, pois todos podem completar sua formação. A sentença que ilustra isso está
exposta a seguir:
“Não é uma olimpíada. Uma copa do mundo. A academia, formação não é uma, um esporte
que necessite de doping. Esse tipo de coisa, uma busca que todo mundo pode chegar junto no
mesmo lugar, né?”
O grupo também demonstra preocupação com possíveis conseqüências sociais da
prática do aprimoramento cognitivo farmacológico como, por exemplo, o aumento de
exigências de desempenho e o risco de perda de valores como o amor. Tal apreensão pode ser
visto no próximo parágrafo:
“Mas ainda que não tivesse risco, no caso, de ter um risco zero, o efeito na, o efeito físico, é
zero, mas o efeito social que isso vai gerar, todo mundo sem dormir, produzindo vinte e
quatro horas por dia e as pessoas que gostam de dormir que gostam de meditar, que gostam
de ficar tranqüilo meia hora por dia, eu acho que, então, eu acho que isso vai causar um
aceleramento tal, no mundo sabe, que... Não isso de competição desigual, mas acho que
de tudo, as relações sociais, de todas as pessoas, sabe? O amor, tudo, acho que tudo vai por
terra quando você, assim, coloca, passa a ter o seu dia, vinte e quatro horas de produção.
Quando a sua empresa passa a poder te exigir que você trabalhe dezesseis horas por dia,
porque você não precisa mais dormir oito.”
Grupo 4
Neste grupo o questionamento sobre por que tanta necessidade de ser melhor e
render sempre mais sem respeitar as necessidades biológicas de cada um. Afinal, a cobrança
social por um desempenho ‘sobre-humano’ leva a pessoa a perder o respeito próprio não
cuidando da saúde. Tal pressão é a principal motivação para ver o fármaco como a alternativa
possível para alcançar tal exigência. Os trechos a seguir exemplificam tais questões:
“O q que está te levando a não lidar com aquele ser humano de uma forma humana
mesmo, sabe? [sic] ali você como se fosse uma máquina. Você quer aprimorar a cognição
quer melhorar a capacidade, e aí? Por que está acontecendo isso? [sic] isso vai ser muito
bom para a sociedade? Mas de onde está surgindo esta necessidade? Desde de onde a
sociedade está requisitando pessoas que fiquem acordadas por mais tempo, que tenham uma
capacidade cognitiva maior, entende?”
“Eu acho que a medida que a sociedade, o mercado, impõe as pessoas um ritmo [sic] sobre-
humano, não tem como as pessoas não tomarem [medicamento para aprimoramento
cognitivo]. Porque a pressão é muito grande, as vezes ele como o único recurso viável
para ela ter um desempenho que é cobrado dela.”
“Então nesse sentido de cobrança de velocidade de resultados, a pessoa simplesmente perde
o respeito próprio, é um caminho [sic] chega na velhice está cheio de remédio, problema de
coluna.”
Para eles, tanto a cobrança por produção de conhecimentos novos como a competição
para destacar-se incentivam a prática do aprimoramento cognitivo farmacológico. As duas
frases seguintes dão um exemplo dessa representação do grupo:
“Enquanto existir esse tipo de cobrança por produção de conhecimento o tempo inteiro, [sic]
de produzir uma coisa nova, esse tipo de prática [aprimoramento cognitivo farmacológico]
vai acontecer.”
63
“Acho que o problema também, que está em jogo aí, [sic] a relação de produção de
conhecimento, a produção de novos conhecimentos com competitividade. [sic] acho que eles
tomam pra se destacar mesmo. Não pra produzir uma coisa nova...”
Os entrevistados entendem que a cobrança social é produzida pelas pessoas e por isso
pode ser modificada. Assim, para eles é fundamental analisar os mecanismos que sustentam
as exigências sociais para melhoramento do desempenho a qualquer custo. Também é muito
importante pensar em ações sociais que não incentivem tais exigências. As falas a seguir
expressam essas idéias:
“É mais você pensar por que eu sou abrigada a ser mais do que a minha capacidade natural
me dá? Porque eu sou obrigada a quebrar as barreiras?”
“Isso é exigido!”
“Isso é exigido da sociedade. Então eu acho que essa questão é que tem de ser discutida. Por
que eu tenho que ser sempre melhor, por que eu não posso dormir a quantidade de horas que
eu tenho biologicamente...”
“Então eu acho que esta questão de cobrança existe sim, mas em relação às práticas sociais
que eu tinha falado, acho que é uma mudança [sic] considerável de prática social, e eu acho
que como a gente construiu a sociedade a gente também constrói as nossas práticas. Então
eu acho que cada vez mais se a gente for permitindo o uso destes medicamentos, sabe? Eu
acho que a gente está afirmando uma coisa que a gente não quer. Então isso é muito
danoso, sabe?”
Segurança (34)
O tópico reúne as afirmações sobre possíveis efeitos colaterais do aprimoramento
farmacológico. Inclui menção a falta de dados de pesquisa de longa-data.
Grupo 2
Esse grupo entende que um risco de dependência mesmo quando o usuário tem a
proposta inicial de usar o metilfenidato para essa função por pouco tempo. Tal idéia pode ser
identificada no parágrafo a seguir:
“Então, eu fico pensando, assim, pelo que a [sic] ela falou, tipo, vo não sabe as
conseqüências e acha que vai, a gente não sabe se é viciante, se causa dependência, se é se
não é, então acha que vai usar uma vez e depois vai melhorar, né? não vai mais usar, tipo, eu
não sei, não tem estudos aprofundados [sic] com as conseqüências, eu não sei, se eu pudesse
vir a usar, sabe?”
Além da possibilidade de dependência, os entrevistados compreendem que existe
incerteza em relação aos efeitos e mecanismos de ação do medicamento que este atua no
cérebro, uma parte do corpo humano ainda pouco conhecida.
“Toca um pouco na imprevisibilidade [sic]. Não explicou direito... Quais são os efeitos?
Qual é o mecanismo? O cérebro por mais que se tenha estudado, ainda é muito discutido
pelo ser humano [sic]. Então é meio que atirar no escuro. Sem saber ao certo o que isso vai
dar.”
No grupo, o entendimento de que não existem pesquisas científicas que avaliam os
efeitos colaterais da prática do aprimoramento cognitivo farmacológico ou que os dados
64
resultantes dessa investigação não são divulgados. As falas a seguir expressam essa idéia:
“No texto, não percebi assim, não tem estudos que avaliam os efeitos colaterais? Quanto
tempo que, dependendo do uso, se depende do uso, apresentado assim claramente... Esses
efeitos não têm não?!”
“Às vezes eles esperam um certo resultado. E por isso [sic] do começo, até tem pesquisa,
né? só não divulga!”
A falta de conhecimento dos mecanismos de ação do remédio traz uma dúvida sobre o
efeito deste na capacidade do usuário de estar ciente e manter-se responsável pelos próprios
atos. Esse questionamento é encontrado na seguinte citação:
“Outra coisa que eu queria falar é que não existe só o risco para a pessoa que está tomando,
por falta de conhecimento, de quais são as conseqüências disso. Acho que a pessoa pra
perceber, no caso, os médicos, [sic] precisam de cuidado. Como que... Será que... Como que
o médico que vai estar tomando este medicamento vai estar habilitado pra cuidar de uma
pessoa, assim? Bem, vai estar consciente de tudo que ele está fazendo? Qual o controle [sic]
de receitar um medicamento e não dar uma super dosagem? Acho que ele se submete ao
perigo, mas também submete as pessoas, que estão ali necessitando do cuidado dele.”
Para lidar com o problema da falta de conhecimento dos efeitos desse uso do
metilfenidato, os entrevistados sugerem o controle do fármaco:
“o controle do remédio é interessante pelo fato da ilegalidade, tanto quanto pelo fato das
conseqüências que não são conhecidas, né?”
Grupo 3
Os participantes entendem que o uso de uma substância está muito mais vinculado aos
benefícios imediatos que ela pode trazer do que seus efeitos colaterais. A desconsideração
pelas conseqüências negativas pode tanto aparecer no desconhecimento de possíveis riscos
como na desvalorização do conhecimento adquirido e divulgado sobre prováveis danos. O
próximo trecho da entrevista exemplifica essa questão:
“... aqui, no que está sendo discutido no texto, são pretextos, e o uso de uma certa droga num
contexto específico. Assim, nem quero levar a discussão pra esse lado, mas só, mas que eu
estou com a palavra, em termos de efeitos colaterais, todo mundo sabe também que cigarro
tem efeitos colaterais. Perversos, né? Todo mundo sabe que o álcool, talvez, falasse menos
dos efeitos colaterais, mas do cigarro, todo mundo sabe. Ninguém deixa de fumar cigarro
assim, mas, enfim, não deixa de ser. Todo mundo que fuma sabe. Entendeu?”
O uso do metilfenidato para aprimorar a cognição é entendido no grupo tanto como
seguro como também não seguro. Os argumentos que expressam a segurança da prática
incluem a compreensão de que existem estudos prévios sobre o tema com animais e
voluntários e que o uso esporádico desse medicamento não traz risco a saúde. Para os
entrevistados, a validação desse último argumento é que o uso esporádico desse medicamento
seria tão seguro quanto o uso esporádico do LSD. A seguir, os dois parágrafos que marcam a
idéia de segurança dessa prática:
“É, eles sabem, eles sabem... Antes de ir pro ser humano já foi pesquisado num animal, mas
aí já foi usado também em pacientes voluntários.”
65
“Então, se é um uso esporádico, se assegura ou o eu não sei, mas eu acho que eu teria a
noção que um uso esporádico é seguro. Porque a gente vira a noite bebendo,o vai virar a
noite estudando? Entendeu? Né, acho que não vou [sic] falar muito porque é isso. E ninguém
nunca morreu de ficar à noite bebendo, a não ser, em casos extremos, mas assim, pra
concluir, acho que quando é um uso esporádico tanto a questão dos efeitos colaterais quanto
a questão da segurança, se tornam muito mais o próprio senso, próprio, o próprio senso
crítico da pessoa se torna mais maleável ou não, não é hoje num caso realmente especial
eu vou tomar depois não tomo mais, que nem qualquer outra droga pesada que se tome, sei
lá, LSD, essas coisas assim, que você toma e fala: vou tomar outro daqui a seis meses.
Pode usar cinqüenta anos e não acontece nada.”
Já a falta de segurança neste uso do metilfenidato está embasada tanto na compreensão
de que remédios podem matar como também no entendimento que o uso de uma substância
para uma finalidade diferente de sua função original traz conseqüências para as várias partes
do corpo saudável. As duas citações a seguir apresentam esses argumentos:
“Acho que o uso indevido de uma substância, que não foi criada pra isso. E mexe com várias
partes do organismo que se uma pessoa saudável que entrasse em contato com isso [sic] isso
traria conseqüências.”
“Se fosse assim era um medicamento, qualquer um poderia utilizar e tudo bem. Ninguém
morreria de...”
Além disso, os participantes questionam sobre o que é um medicamento seguro. o
entendimento de que saber as possíveis conseqüências negativas do uso do remédio torna o
remédio seguro. Por outro lado, existe também o argumento de que saber sobre os efeitos
negativos não torna o fármaco mais seguro. Esse debate pode ser acompanhado a seguir:
“Mas eles sabem e eles não se importam com isso. O quê que é seguro? Eu te receitar uma
coisa que eu sei que você o precisa e eu sei que vai te fazer mal. Essa questão que eu
coloco: o quê que é seguro? Seguro é eu saber o que vai acontecer comigo se eu tiver, se eu
fizer uma overdose? Um uso acima do normal? Ou seguro é eu não saber e [sic] morrer sem
saber que aquilo que me causou? O quê que é seguro? Seguro é ter consciência ou é
realmente não ter?”
“Mesma coisa eu te pergunto? O quê que é seguro pra você?”
“Pra mim é saber!”
“É exatamente isso? Ou é tomar uma coisa que não é destinada aquilo, você sabe que vai te
fazer mal e é seguro porquê você sabe?”
Também existe a compreensão que os remédios não têm um ‘valor absoluto’. O
fármaco pode interagir com outras substâncias também ingeridas ou agir de forma perigosa
caso o usuário tenha alguma doença que fragilize o corpo para esse medicamento. O trecho
seguinte exemplifica essa questão:
“Então eu acho que o médico pode estar tomando este medicamento, e não vai fazer mal.
que, aquele lance, quem sofre de problemas de coração não pode tomar Viagra, dependendo
do [sic] tentando estabelecer, [sic] ta tomando esse medicamento e numa hora, junta
com alguma outra coisa, alguma outra coisa que ele fez ou uso, e fez mal! E ele vai,
entendeu?”
Grupo 4
Os integrantes entendem que são necessários mais estudos sobre o aprimoramento
cognitivo com metilfenidato. Para eles, as pessoas fazem essa prática sem conhecer os efeitos
colaterais. Eles ressaltam que outras substâncias podem ser usadas para a mesma finalidade
66
sem apresentar tantas conseqüências negativas, como no caso dos energéticos. Os parágrafos
a seguir expressam essas idéias:
“Então assim, no caso da Ritalina eu acho que seja importante trabalhar esse lado dos
efeitos colaterais porque é uma coisa que ainda está muito em estudo, entendeu? [sic]
Ninguém tem muita noção.”
“E vão usando, usando, principalmente sem saber os efeitos colaterais.”
“Então, da mesma forma que você, assim, se a finalidade é, ah! eu vou aumentar a minha
capacidade de concentração, vou ficar mais tempo acordado, você pelo menos tem outras
coisa que não tem tantos efeitos colaterais como a ritalina. Tipo: energético e tal”.
Os entrevistados entendem que uma falta de interesse dos cientistas em pesquisar o
assunto já que eles seriam usuários. É a idéia de que quem usa não quer aprofundar para saber
mais sobre o medicamento. O exemplo dessa compreensão está a seguir:
“Eu acho que pelo fato dos pesquisadores utilizarem eles acabam não entrando muito no
foca da questão. Eu acho que, não sei, acho que pelo fato de, por exemplo, eu uso a ritalina,
então eu não vou encabeçar uma pesquisa sobre as coisas que fazem mal, os efeitos
colaterais que o remédio pode causar, entendeu?”
Finalmente, para os participantes deste grupo, a percepção de que o aprimoramento
cognitivo farmacológico apresenta efeitos colaterais justifica que essa prática não seja
liberada, pelo menos antes de mais estudos, e que haja uma discussão ética sobre o tema. Os
trechos a seguir expressam essas idéias:
“Eu sou contra a liberação principalmente porque não sei quais os efeitos. Não se sabe o que
isso pode gerar.”
“Eu acho que é muito importante se discutir no ponto vista ético. Uma vez que isso tem
efeitos colaterais.”
Aprimoramento Cognitivo - Alvos (22)
O tópico reúne as afirmativas sobre o objetivo do aprimoramento cognitivo, ou seja,
para quê essa prática é usada.
Grupo 2
Os entrevistados expressam três tipos de objetivo para o uso ‘não médico’ do
metilfenidato. Eles entendem que o fármaco é usado para alterar uma capacidade fisiológica
ou psicológica como ficar mais ativo ou ficar mais atento. Outro alvo dessa prática é melhorar
o desempenho de tarefas e atividades que envolvam habilidades cognitivas como prova,
trabalho e projetos acadêmicos. O terceiro tipo de finalidade é atender o excesso de
expectativas sociais de performance. É a necessidade de realizar muitas tarefas para ser aceito
pelo grupo. Tais alvos podem ser identificados nos trechos a seguir:
“... até estudantes mesmo, como graduação, também usam, focando[sic] principalmente que
eles precisam passar no vestibular e não ter como fazer muitas coisas como trabalhar e
estudar, e pra fazer várias coisas e dar conta de tudo, eles precisam, muitos usam.”
67
“.... a pessoa tende a tomar esse tipo de medicamento por necessidade. Ela acha que não é
capaz de levar a vida dela com uma certa normalidade...”
“Ah, vou tomar hoje pra poder ficar mais ativo ou até terminar esse projeto, esse trabalho,
estou meio cansado.”
“Tomando remédio pra aumentar a sua atenção, por que é exigido dele mais do que ele pode
fazer.”
Grupo 3
Os participantes desse grupo também expressam três tipos de finalidade para a prática
do aprimoramento. Da mesma forma que os integrantes do grupo anterior, eles compreendem
que o fármaco é usado para ampliar uma capacidade fisiológica ou psicológica como manter-
se acordado por mais tempo ou aumentar a capacidade de concentração. Outro tipo de
objetivo é melhorar o desempenho de tarefas e atividades que envolvam habilidades
cognitivas como trabalhos e provas. O terceiro tipo de alvo é atender o excesso de
expectativas sociais de performance para igualar-se às outras pessoas ou destacar-se da massa.
Tais objetivos podem ser identificados nos trechos a seguir:
“... ele precisa disso para se manter acordado, pra se manter uma [sic] de elementos de
informações para atender a um desempenho tanto no [sic] tempo de trabalho quanto prestar
[sic] de estudo. Para uma prova e tudo mais.”
“Só não sei até quanto isso é para se manter dentro da massa, ou se destacar desta massa.”
“... e se propõe o remédio que vai fazer com que você melhore a sua capacidade de
concentração. De atenção, e receber aquelas informações, e vai saber se vai ter uma melhor
prova, você vai se igualar.”
Além disso, nesse grupo uma fala que esclarece como o uso do medicamento e o
alcance do objetivo levam o indivíduo a repetir a prática:
“Ele vai começar com [sic] vai tomar um comprimido meio que com medo ainda. Pode
experimentar... então ele vai ficar acordado aquela noite conseguiu compreender bem uma
matéria que estava difícil, tem uma excelente nota, pronto! Fechou ali um contrato. Ele vai
tentar novamente, porque da próxima vez ele que ele precisar de ajuda ele vai recorrer
naquilo. Entendeu?”
Grupo 4
Os entrevistados afirmam as mesmas três categorias de objetivo dessa prática. Para
eles, o aprimoramento cognitivo é usado para aumentar uma capacidade fisiológica ou
psicológica como manter-se acordado ou conseguir focar mais a atenção; é utilizado para
melhorar o desempenho de tarefas e atividades que envolvam habilidades cognitivas e,
finalmente, para atender as expectativas sociais de performance e destacar-se da massa ou
‘melhorar a situação’. Os alvos citados podem ser vistos a seguir:
“Em época de prova, você tem matéria pra estudar, pouco tempo, então usa o remédio pra
focar mais a sua atenção, e ter um melhor desempenho.”
“... porque eu acho que questão de estudo, de manter acordado é uma coisa que afeta muitas
68
pessoas. E que se estas pessoas tivessem acesso a esses remédios, pelo menos uma vez
experimentaria pra ver se melhora a situação ou se dá mais chance, entendeu?”
“... acho que seria uma ferramenta a mais, assim, para diferenciar ele das outras pessoas.”
Nesse grupo existe também a compreensão de que a realização dos objetivos é o que
leva as pessoas a não conseguir ‘livrar-se’ desse uso da medicação. O próximo parágrafo
expõe essa idéia:
“E de acordo com o que você vai sentindo, os efeitos daquilo, você vai chegando onde
você está querendo,alcançando a suas metas. Você vai tomando, tomando, e vai chegar um
momento em que você não vai conseguir se livrar daquilo. Então é como a gente está falando
aqui, a gente vai começar a tomar, para se concentrar, você começa a tomar para ficar
acordado.”
Comparação do Metilfenidato a esteróides e outras formas tradicionais de
aprimoramento (22)
O tópico reúne as afirmativas em que comparação entre o metilfenidato e outras
substâncias como esteróides e outras formas tradicionais de aprimoramento.
Grupo 2
O grupo apresenta pontos de vistas divergentes quando compara metilfenidato a outras
substâncias e formas de aprimoramento. Em um momento da discussão, guaraná em e café
são citados com um uso similar a Ritalina® sem ter tanto peso. A sentença a seguir,
exemplifica essa idéia:
“... porque tem gente que toma outras coisas a gente [sic] guaraná em pó, litros de café,
não sei o que, mas a gente acaba, assim, atenuando assim esse fato, porque não é uma coisa,
assim, não é visto como um remédio, uma droga. Tudo bem que [sic]o resto é uma droga,
mas não é aquela cara, peso.”
Contudo, também existe a compreensão de que guaraná em e fitoterápicos
apresentam o mesmo princípio e uso que a Ritalina® e que talvez esse medicamento não seja
mais usado apenas porque o acesso a ele é mais restrito. O próximo diálogo expressa tal
entendimento:
“Para as pessoas que não têm esse contato direto com esse medicamento, pelo menos eu
nunca ouvi falar da ritalina, mas uso de outras substâncias. Assim, além de café, guaraná,
fitoterápicos, é... Esqueci o nome. O uso de...”
“Gincobiloba?”
“Gincobiloba!”
“Ah! sei, qual é!”
“Gincobiloba. E fazem uso [sic] pelo mesmo princípio, né? Então eu acho que... E talvez não
usem Ritalina® por, ou não conhecer, né? Ou talvez porque o contato não seja... O acesso
seja mais restrito, né?”
A comparação com outras formas de aprimoramento traz para o grupo uma
69
divergência de opinião sobre o uso do metilfenidato ser, ou não, um doping
51
. O argumento
usado para explicar que o aprimoramento farmacológico é um doping está embasado no fato
da melhora do rendimento depender do uso do metilfenidato. Sem ele não haveria tal
performance. Segue o exemplo desse posicionamento:
“Eu acho que é neste aspecto que se compara a um doping. Porque o rendimento que a
pessoa está apresentando não é um rendimento que foi provocado por ela. É devido a
algum tipo de substância que [sic] condicionou aquilo, não é dela. Eu encaro assim, essa
questão de [sic] comparar mais nesse aspecto, sabe? De que a pessoa está produzindo
alguma coisa da qual ela não seria capaz sozinha.”
o argumento que defende a idéia do uso do metilfenidato não ser comparável ao
doping esportivo está baseado no entendimento que a proibição de determinadas drogas
durante as competições ocorre porque o objetivo é ganhar uma disputa física. O
aprimoramento farmacológico, ao contrário, não é para uma competição. A proposta é
melhorar a atuação para realizar um trabalho ou uma tarefa acadêmica. A fala a seguir
demonstra essa compreensão:
“... porque o doping esportivo ele é ilegal porque você tem uma competição. Você está
competindo com uma pessoa, e está em patamar, é diferente, porque está utilizando um
produto que vai favorecer fisicamente, no caso, no esporte. E no caso de um estudo eu não
vejo esta comparação. Eu não vejo um pesquisador competindo com outro pesquisador. E,
né? e ele fazendo esse uso do medicamento para se favorecer, a um outro tipo de estudo. Eu
acho que é uma luta talvez contra ele mesmo. Assim... dele se concentrar mais no, na
pesquisa dele. Então, em termos dessa ilegalidade, eu acho que a comparação com o doping
esportivo é muito radical.”
Grupo 3
Nesse grupo também surgiu divergência entre as opiniões sobre o aprimoramento
farmacológico ser ou não um doping. O argumento que sustenta que essa prática é um tipo de
doping se apóia no fato do metilfenidato ser usado para acelerar e melhorar o rendimento. No
próximo diálogo transcrito, é possível identificar essa compreensão e também os dois sentidos
que a palavra doping ganha no grupo: o significado de doping esportivo como também o
sentido de estar dopado e alterado (sem necessariamente a idéia de melhoramento):
“Agora a ritalina, ela tem um contexto de doping, né? De melhoramento que a maconha não,
dá uma coisa em cada um, tem um que dorme, tem outro que...”
“Mas isso é estar dopado também, é um estado de doping também não?”
“É, mas uma coisa é uma coisa de desacelerar, entende? Isso eu acho uma coisa de
acelerar.”
Em outro momento da discussão, o uso de do metilfenidato é equiparado ao café,
como um meio externo para superar-se. Como o café é usualmente utilizado sem ser
considerado um doping, foi entendido que tal comparação iguala o uso das diferentes
51
A discussão sobre o aprimoramento cognitivo farmacológico ser ou não um doping é pertinente a essa categoria pois
doping é a utilização de uma substância (no caso proibida) para melhorar o desempenho. Dessa forma, nas justificativas de
opinião sobre ser doping ou não, os integrantes expressaram argumentos em que comparavam o uso do metilfenidato com o
uso de outras substâncias para aprimoramento.
70
substâncias. A próxima transcrição é um exemplo dessa compreensão:
“É a vontade dela de se superar, e buscando por elementos externos. Se alguém tomar um
copo de café já não está tomando um mecanismo externo, mesmo que seja pra ele achar que
vai manter ele mais tempo acordado?”
Os participantes quando comparam o metilfenidato a outras formas de aprimoramento,
demonstram uma preocupação com dependência psicológica, ou seja, certo temor que o
usuário passe a acreditar que apresenta aquele desempenho quando usa o psicofármaco.
Essa idéia está expressa no parágrafo seguinte:
“Parece muito, essa coisa de dependência, psicológica, eu não sei assim, o mesmo caso dos
jovens que usam Viagra pra turbinar, assim, no sexo, e depois não consegue fazer sexo sem
tomar. Por mais que esteja fisicamente tranqüilo. Fica com aquela dependência.”
Grupo 4
Os integrantes acreditam que é preferível usar outras substâncias que geram menos
efeitos colaterais que a Ritalina® para melhorar a capacidade de concentração e para manter-
se mais tempo acordado. Nesse sentido, eles comparam esse medicamento ao energético,
como pode ser visto no trecho a seguir:
“Então, da mesma forma que você, assim... Se a finalidade é: ‘Ah! eu vou aumentar a minha
capacidade de concentração, vou ficar mais tempo acordado!’ Você pelo menos tem outras
coisas que não tem tantos efeitos colaterais como a ritalina. Tipo: energético e tal.”
Nesse grupo também se faz presente a comparação do uso do metilfenidato com o
doping. Alguns entendem que é doping, pois é o uso de uma substância externa e não natural
que vai auxiliar o indivíduo a ser melhor que outros. também o entendimento de que essa
prática não é doping mas sem uma explicação do porquê. Existe ainda a compreensão que
essa palavra não é a melhor para caracterizar essa conduta pois o doping normalmente está
associado a capacidade física. As próximas falas demonstram tais idéias:
“Eu acho que eu considero doping porque o doping é o quê? A pessoa toma alguma
substância ou usa alguma coisa, que vai te auxiliar e essa coisa é uma coisa externa e não
natural para fazer voser melhor do que o outro numa competição física. Eu acho que
acaba sendo a mesma coisa. Estou usando alguma coisa externa, que vai me auxiliar ou que
vai fazer eu ser melhor do que os outros, naturalmente.”
“Acho que não doping] porque os cientistas [sic] não sei te explicar. [risos] Não encaro
neste sentido de ser doping, de ser desleal com as pessoas.”
“Eu acho que é muito complicado a gente falar em doping porque até então a gente está
acostumado a associar doping ao fator físico, fala de doping num atleta que quer melhorar a
sua capacidade física e tal. E quando você vem relacionar doping a uma coisa mental,
assim, aumentar a sua capacidade cognitiva, é uma área bem diferente. Eu não sei se a
palavra seria esta. Então de repente a gente está assim com um problema de termo técnico
pra chamar isso, mas com certeza eu acho que influencia sim, de certa maneira é uma forma
desleal de você competir se você passar a encarar isso com uma competição.”
A discussão sobre a prática do aprimoramento ser ou não doping parece estar referida
a preocupação com questões éticas como a igualdade de condições entre as pessoas. As
próximas transcrições demonstram tal apreensão:
71
“Eu acho que o maior problema mesmo é a questão ética, porque, dentro da sociedade é a
mesma coisa do doping no esporte. Como diz aqui, e eu vejo também desta forma.”
“Mesma coisa de se dar café para uma pessoa e não dar pra outra. Se elas estivessem
submetidas às mesmas condições tudo bem, mas com o uso desses medicamentos [para
aprimoramento] você está numa situação melhor.”
Uma única pessoa nesse grupo (e em todos os outros grupos) entende que da mesma
forma que outras substâncias, o efeito do metilfenidato varia de pessoa a pessoa, não sendo
possível garantir um resultado específico. A seguir, a fala dessa referência:
“Eu acho que isso [Ritalina] é com essa gama de coisas que tem pra malhação, por exemplo,
cada um toma um tipo de proteína, cada um tem uma capacidade de exercício, [sic] usa
doses cavalares de proteína sintética pensando que vai ter um resultado, de ficar igual
fulano, isso não acontece não. Anabolizante, cada um tem uma reação.”
Autonomia, direitos individuais e livre consentimento (18)
O tópico reúne as afirmativas sobre como a prática do aprimoramento cognitivo
concorda ou discorda do direito da pessoa escolher por ela mesma. Os participantes pensam
que as pessoas são forçadas a usar (coerção) ou eles pensam que as pessoas podem escolher
por elas mesmas (autonomia).
Grupo 2
Os entrevistados entendem que o uso ‘não médico’ dessa droga não deve estar
disponível para todos, pois ela deve ser prescrita para aqueles com diagnóstico de déficit de
atenção. Além disso, é necessário o acompanhamento de um profissional, pois, sem ele, o
usuário não saberia a dose indicada e o tempo de uso dessa medicação. A seguir, o trecho que
expressa tal idéia:
“O uso deve ser prescrito para pessoas que têm déficit, ou seja, que tenha o diagnóstico de
que necessita usar esse medicamento. E essa coisa também, desse acesso que você tem, mas
não sabe a dose que vai tomar. Voo sabe o limite que vai tomar, você não sabe por
quanto tempo vai tomar. E você não está tendo um acompanhamento, de um profissional, de
uma pessoa que estudou aquilo muito mais do que você, que sabe [sic] o que vai acontecer a
respeito.”
Nesse grupo, surge a preocupação com o efeito das imposições sociais para melhorar o
desempenho. Como pode ser visto no parágrafo seguinte, o entendimento que essa pressão
torna o que deveria ser uma escolha em uma necessidade, ou uma coerção indireta:
“... a pressão a que somos submetidos, os nossos colegas, e tal, que às vezes ficam noites em
claro, pra estudar, é uma carga assim tão grande. Acho que até maior do que uma pessoa
poderia suportar, normalmente, que acaba impelindo as pessoas para fazerem isso, sabe?
Como se fosse não uma escolha, mas uma necessidade algo que precisa ser feito para que
você conclua o curso, para que você tenha notas boas, para que você seja aprovado.”
Grupo 3
Os participantes entendem que a pressão do social não impede a existência de uma
72
possibilidade de escolha, contudo, a maioria das pessoas segue os ideais sociais, como pode
ser identificado nos dois trechos a seguir:
“Porque quando você se deixa ser engolido pelo tempo, por essa pressão, é a doença em
si. Ou antes do uso, que seja, de tentar se turbinar ou o quê seja, quando você se deixa ser
engolido por isso porquê... eu vejo assim...É discurso, mas todo sistema por mais que tenha
pressão eu acho que é uma escolha, sempre há uma escolha, né?”
“Criasse o conceito de ideal, de que você vai se destacar aí, votem uma competência, vai
se tornar o melhor naquilo, mais todos que vão querer lograr disso vão correr atrás, em prol
desse objetivo. A outra opção que seria você se tornar um pouco alheio a isso, vai gerar
indivíduos mais paralelos, vai gerar indivíduos alheios a isso, vai ter o tipo de movimento
mais alternativo, e tudo mais. A sociedade em si, toda, grande maioria não vai pensar desta
forma. Não vai querer isso. Todo mundo quer o quê? Realizações no sucesso profissional.”
No grupo, há a compreensão que o uso ‘não médico’ do metilfenidato é uma questão
de estilo de vida. A pessoa tem o direito de optar por ingerir o medicamento para chegar ao
seu melhor. Tal idéia está explicita na seguinte fala:
“Eu acho que a questão colocada aqui é algo muito além do que nichos sociais e aceitação
social. Pra mim é um estilo de vida sim, e é uma questão de questionar o que é considerado
doença o que é considerado destaque, ser considerado saudável, entendeu? Eu posso bem
dizer que uma pessoa que [sic] e uma pessoa que é hiperativa ela é inteligente ela usa aquilo
pro bem. Porque pra ela é melhor, porque ela trabalha melhor. E por que não ser assim? Se
aquilo é melhor, por que não tomar ritalina para chegar ao melhor.”
Um integrante do grupo expressa que quando o uso esporádico desse medicamento
sua segurança está garantida e, por esse motivo, o indivíduo pode decidir sobre a utilização do
fármaco. O próximo parágrafo expressa tal compreensão:
“... acho que quando é um uso esporádico tanto a questão dos efeitos colaterais quanto a
questão da segurança, se tornam muito mais o próprio senso... próprio... o próprio senso
crítico da pessoa se torna mais maleável ou não. Não! É só hoje num caso realmente especial
eu vou tomar depois não tomo mais, que nem qualquer outra droga pesada que se tome, sei
lá, LSD, essas coisas assim, que você toma e fala: vou tomar outro daqui a seis meses.
Pode usar cinqüenta anos e não acontece nada.”
Grupo 4
O grupo apresenta argumentos a favor e contra o direito a escolha pelo aprimoramento
cognitivo farmacológico. Alguns dos entrevistados afirmam que as pessoas devem ter essa
autonomia pois é uma questão de estilo de vida. Além disso, eles identificam uma semelhança
entre o medicamento e alimentos como chocolate, afinal, ambos são elementos externos ao
corpo e sua ingestão altera e influencia o comportamento. A seguir, os trechos que expressam
tal compreensão:
“Eu entenderia mais como um estilo de vida. Porque, sei lá... Na minha opinião, [sic] meio
que surgiu as pessoas vão querer informação, depois fazem uso daquilo.”
“Esse é um remédio, eu não produzo isso no meu organismo, mas a alimentação é o quê?A
alimentação não afetaria o desempenho dele? O que a alimentação me dá? Tipo: chocolate.
Por que as drogas, por que uma droga não pode, entendeu? Vo come coloca uma
substância [alimento] seu corpo, da mesma forma você não pode colocar essa substância
[medicamento]?”
Outros integrantes entendem que é importante ter conhecimento sobre os efeitos do
73
medicamento, pois isso leva as pessoas a utilizarem a droga conscientemente ou a não fazer
uso dela. A fala seguinte exemplifica tal idéia:
“Porque se [sic] todos nós tivéssemos a consciência do que aquilo faz realmente, ou a gente
usaria conscientemente, ou a gente não usaria.”
No grupo, surge a preocupação com as conseqüências sociais da legalização da
prática. Para alguns, há o risco de uma coerção indireta para usar a medicação caso o patamar
exigido de desempenho não seja alcançado pelo indivíduo. A alta exigência social pode vir a
tornar esse tipo de droga o único recurso viável para realizar o desempenho cobrado, deixando
de ser uma escolha pessoal. Tais temores estão explícitos nos dois trechos a seguir:
“Eu acho que o efeito negativo socialmente falando é que ia criar um rebuliço geral, né? As
pessoas seriam mais cobradas, e ia ficar aquele negócio: ah! você não faz [sic] os seus
limites seriam desafiados, e se você o chegasse num patamar de fazer a quantidade de
coisas que te colocam pra fazer, a pessoa ia chegar pra você e falar: ‘ué! Mas você não toma
o remédio porque você não quer. Você tem condições de fazer tudo que você é, tudo que te é
obrigado a fazer. Você não faz porque vonão quer. Porque tem a possibilidade de você
tomar o remédio, e fazer.’”
“Eu acho que a medida que a sociedade, o mercado, impõe as pessoas [sic] sobre-humano,
não tem como as pessoas não tomarem. Porque a [sic] é muito grande, às vezes ele vê como o
único recurso viável para ela ter um desempenho que é cobrado dela.”
Existe ainda a compreensão que a permissão dessa prática afirma e incentiva uma
sociedade que as pessoas não desejam, como está expresso no parágrafo seguinte:
“Antigamente o horário de rush era, o pico, às cinco e meia da tarde. Hoje em dia seis e
meia, daqui a dois anos vai ser sete e meia, oito e meia, e as pessoas estão cada vez mais
esticando esse horário está [sic] as pessoas, realmente a gente não sabe aonde isso vai
parar. Entendeu? Então eu acho que esta questão de cobrança existe sim, mas em relação às
práticas sociais que eu tinha falado, acho que uma mudança considerável de prática
social, e eu acho que como a gente construiu a sociedade a gente também constrói as nossas
práticas. Então eu acho que cada vez mais se a gente for permitindo o uso destes
medicamentos, sabe? Eu acho que a gente só está afirmando uma coisa que a gente não quer.
Então isso é muito danoso, sabe?”
Os integrantes do grupo também entendem que a propaganda do medicamento
‘obriga’ (coerção indireta) as pessoas a tomarem a droga, como pode ser visto na fala:
“... a indústria farmacêutica fazer propaganda, isso [aprimoramento cognitivo
farmacológico] seria disseminado e meio que as pessoas seriam obrigadas a usar.”
Comercialização (17)
O tópico reúne as afirmativas sobre o envolvimento dos negócios na prática do
aprimoramento cognitivo.
Grupo 2
Sobre a comercialização, os integrantes questionam como um remédio controlado
pode ser vendido com facilidade pela internet. A próxima fala explicita esse estranhamento:
“... é um remédio controlado, né? E que é facilmente vendido pela Internet. Aí, eu acho que
74
fica uma incoerência, como um remédio controlado pode ser comprado com tanta
facilidade?”
O grupo afirma que a propaganda da indústria farmacêutica anuncia os medicamentos
como outro produto qualquer, dificultando que as pessoas entendam a diferença entre uma
aspirina e um remédio que atua no sistema nervoso central. Tal postura favorece a uso de
remédios sem a prescrição médica, como está descrito no seguinte diálogo:
“Medicamento é comercializado na televisão, no outdoor como se fosse um produto
qualquer, que você... então assim... eu acho que existe uma tendência cultural, brasileira,
de automedicação, e eu não sei se é tão diferente de se tomar uma aspirina, de uma maneira
continuada [sic]. Então você...”
“Da ritalina?”
“É.”
“Porque você está acostumado a ter uma dor de cabeça e se automedicar. Então pra você
não é problema nenhum tomar um medicamento que é controlado, [sic] que vai mexer no seu
sistema nervoso central, é como se não tivesse tanta diferença, porque já está enraizado.”
Os entrevistados entendem que a indústria farmacêutica tende a aumentar a oferta de
remédios para o consumidor com a justificativa que este traz benefício para a pessoa. Essa
compreensão pode ser identificada no parágrafo a seguir:
“A [sic] farmacêutica tende a aumentar essa oferta, aí, pro consumidor. Porque o remédio é
um produto que está sendo muito comercializado, por trazer alguma coisa de boa, trazer um
benefício. Então isso tende a aumentar cada vez mais. [sic] pra dor de cabeça. Mas esse
remédio também, [sic] aumentar a oferta.”
Existe no grupo suspeitas sobre a falta de interesse da indústria farmacêutica em
produzir pesquisas sobre possíveis complicações dessa forma de uso da Ritalina®, como pode
ser visto no próximo trecho:
“Estava até pensando aqui, será de interesse da indústria produzir pesquisas sobre o uso da
ritalina? Será que estas pesquisas vão ser promovidas?”
Grupo 3
Os entrevistados demonstram a preocupação com as conseqüências caso o
medicamento seja liberado para comércio sem tarja preta. Caso ele seja um remédio seguro,
o risco de ser caro o que criaria desigualdades entre os estudantes de diferentes classes. O
parágrafo a seguir exemplifica essa idéia:
“Porque se libera e tira a tarja preta, opa, ganhou [sic] de comércio agora? Eu quero saber
o seguinte, quem vai usar vai ser um aluno da PUC? Vai ser alguém com dinheiro, ou da
UERJ, alguém com dinheiro?Aí se cria então uma desigualdade. Se vai colocar vinte
comprimidos na cartela por cinco reais, qualquer estudante pode comprar, não faz mal pra
ninguém, eu vou tomar três por dia pra poder ler um [sic] desse tamanho.”
também a compreensão de que além do preço, a propaganda influencia a
comercialização do psicofármaco, como indica a próxima sentença:
“Mas depende também da divulgação do comercio mesmo.”
Outra apreensão que surge no grupo é o incentivo financeiro dos laboratórios para que
os médicos receitem cada vez mais seus medicamentos. Associado a isso, o conhecimento
75
prévio dos sintomas do TDAH pode favorecer a simulação desse quadro diagnóstico para
conseguir o fármaco e fazer sua utilização como um aprimorador cognitivo. A próxima fala
explicita esses dois problemas:
“Eu estou te pagando uma consulta pra vome receitar um antidepressivo. E o médico
recebendo mesmo, [sic] o médico recebe, sei como chama isso, da comissão dos
laboratórios farmacêuticos, então toma aí. Qual que você quer? O azul? Preto? E é a mesma
coisa com a ritalina. Olha, eu tenho TDAH, você pode me receitar uma coisa aí? E aí receita,
porque recebe. O cara [sic] sabe os sintomas, vai fazer vestibular, e ó, me receita aí uma
ritalina.”
Grupo 4
Quando o tema da discussão trata do comércio na prática do aprimoramento cognitivo
farmacológico, os entrevistados criticam a postura da indústria farmacêutica e da publicidade.
Eles entendem que a indústria farmacêutica e a publicidade irão criar a idéia de que a pessoa
precisa da Ritalina® para realizar as diversas atividades cotidianas mesmo sem saber sobre os
efeitos da medicação. Ainda segundo eles, as propagandas criam necessidade, coagindo
indiretamente às pessoas para o uso do produto. Os trechos a seguir demonstram essas idéias:
“Eu acho que assim, com certeza ia ocorrer uma apropriação pela indústria farmacêutica
muito grande disso. Por que, o quê ocorre? A partir do momento em que as pessoas estão
interessadas naquilo e, assim como teve um dia, mesmo sem saber os efeitos, a partir do
pressuposto de que está disponível, então ia ter sempre alguém interessado naquilo e a
indústria farmacêutica ia se apropriar daquilo, a propaganda ia se apropriar disso, a
publicidade ia se apropriar disso, e aí você ia ligar sua T.V. e ia ver um comercial, num estilo
comercial de margarina, falando: Tome ritalina e faça seu dia durar!’, porque você é uma
mulher que trabalha de oito as seis, e quando você chega em casa você está cansada pra
brincar com seu filho. Então você precisa da ritalina pra você chegar em casa e poder
brincar com seus filhos, [sic] bem, levar o cachorrinho pra passear, então você vai ser bom
pra isso, bom pra aquilo, bom pra aquilo outro. Então eu acho que, assim, a apropriação que
ia ocorrer em cima desse medicamento ia ser muito grande, eu acho que anum efeito
negativo, porque a publicidade está aí, e ela quer mesmo... no final... a finalidade última dela
é fazer aumentar as vendas do produto. Então o produto quando disponível, com certeza, a
indústria farmacêutica ia [sic] também.”
“... a indústria farmacêutica fazer propaganda, isso seria disseminado e meio que as pessoas
seriam obrigadas [sic] a usar.”
Os participantes demonstram apreensão com a possibilidade do remédio para melhorar
a capacidade cognitiva ser caro e intensificar desigualdades sociais. O parágrafo seguinte
ilustra essa preocupação:
“Pobre não pode comprar ritalina então os pobres continuam sendo burros, e os ricos que
tem dinheiro pra comprar ritalina vão, cada vez, aprimorar mais as suas capacidades
cognitivas e vai essa separação pobre e burro e rico inteligente vai ficar meio marcada. O
que hoje não, ainda tem aqueles casos, nem todo mundo que tem dinheiro é inteligente, nem
todo pobre é burro. Mas se a capacidade cognitiva for aperfeiçoada por um remédio e se, se
esse remédio for caro eu acho que assim essa separação vai ficar mais marcada ainda.”
Efeitos do Metilfenidato - Vício (17)
Afirmações sobre a dependência (fisiológica ou psicológica) do metilfenidato. Tais
declarações podem incluir advertências sobre a dependência ou sobre sua desensibilização.
76
Grupo 2
Os entrevistados entendem que as pessoas buscam esse medicamento para conseguir
levar uma vida normal. Mas esse abuso com o tempo vira um vício. Essa percepção pode ser
identificada nos próximos parágrafos:
“... a pessoa tende a tomar esse tipo de medicamento por necessidade. Ela acha que não é
capaz de levar a vida dela com uma certa normalidade e que está precisando mas com o
tempo isso acaba virando um vício, né?”
“...esse uso acaba sendo abusivo, e pode desenvolver uma tendência, como ela falou, para o
vício.”
Eles também compreendem que a melhora no rendimento favorece a dependência
psicológica, como está expresso na frase a seguinte:
“... da dependência, não sei, assim, psicologicamente, mas pelo fato de o rendimento estar
melhorando e a pessoa quer sempre mais e mais.”
Grupo 3
Os participantes argumentam que existe a tendência a pensar primeiro nas exigências
de desempenho para depois pensar em outras questões, inclusive na dependência que pode
ser resolvida com o dinheiro ganho através do trabalho. O trecho a seguir, exemplifica tal
compreensão:
“Então eu não se..., se de repente, se eu tivesse acesso a um medicamento desse e uma
demanda dessas a ser exigida... se eu não ia fazer uso. Eu não sei... sem pensar às vezes em
conseqüências. Entendeu? Porque a pressão [sic]...”
“No imediato, né?”
“Teria que pensar no imediato, vários [sic], até mesmo a dependência... depois eu penso.
‘Achista’ consagrado... porque você pensa ‘n-coisas’... Você despende um dinheiro pra você
se internar numa clínica de recuperação.”
Os integrantes entendem que a prática gera dependência física mas eles descrevem
mais longamente a construção da dependência psicológica, como pode ser identificado nas
seguintes falas:
“Dependência não é fisiológica? Não é químico?”
“Mas também é psicológica. Porque você está lá, você está com sono, está começando a ficar
cansado: ‘Ah tenho que terminar de ler duas linhas, se eu não tomar eu não vou conseguir, se
tomar eu vou conseguir.’ Aí vem aquela coisa, eu preciso pra fazer qualquer coisa.”
“... fala dependência, loucura e morte. Enfim, acho que a dependência deve estar nos dois
sentidos mesmo. Do psicológico e o físico. Parece muito, essa coisa de dependência
psicológica, eu não sei assim... o mesmo caso dos jovens que usam Viagra pra turbinar,
assim, no sexo, e depois não consegue fazer sexo sem tomar. Por mais que esteja fisicamente
tranqüilo. Fica com aquela dependência.”
Eles também lembram que as pessoas tendem a acreditar que a dependência não i
acontecer com elas, como está expresso na próxima sentença:
“Mas aí, o que acontece... uma coisa dessa! Ah! Pode causar dependência! Rola muito
aquela coisa: ‘Ah! Isso não vai acontecer comigo!’”
“Eu paro quando eu quiser!”
77
Grupo 4
Os entrevistados entendem que o uso circunstancial vira dependência conforme a
pessoa vai alcançando suas metas por meio dessa prática. Além disso, o usuário tende a
acreditar que está no controle da situação. Contudo, quando acaba a necessidade de usar a
droga, eles estão muito acostumados a esse ‘facilitador’ gerando dependência. Essas idéias
podem ser percebidas nos seguintes trechos:
“Na dependência de ter de ficar usando isso sempre, né?Na dependência química [sic]”
“Física, fisiológica ou psicológica?”
“Na verdade as duas, porque como está falando aqui, você primeiro começa fazendo um uso
circunstancial assim, algumas vezes. E de acordo com o que vovai sentindo, os efeitos
daquilo, você vai chegando onde você está querendo, alcançando as suas metas. Você vai
tomando, tomando, e vai chegar um momento em que você não vai conseguir se livrar
daquilo.”
“O que eu acho interessante frisar: as pessoas que usam sempre acham que têm o controle
da situação. Assim, que [sic] o ato [sic] uma necessidade, mas depois que termina essa
necessidade [sic] está acostumado, [sic] um facilitador, essas coisas. Até o fato de [sic]
sendo cientista ele pode... sendo cientista... sei lá... ele está fadado a cair nesse vício,”
Existe no grupo um questionamento sobre o grau de dependência que essa droga pode
gerar, como pode ser identificado no parágrafo a seguir:
“Eu teria curiosidade até de saber, até, qual é o grau de dependência que esse remédio pode
causar né? Se é... porque tem com qualquer tipo de droga. Tem drogas que têm, que causam
dependência mais rapidamente, mais facilmente, e outras que são mais leves, assim. Se esse
remédio causaria a dependência facilmente nas pessoas ou em certas pessoas que teriam
predisposição, né?”
Eles também apresentam a preocupação com o fato da indústria farmacêutica poder
explorar as vendas do medicamento e gerar, por isso, uma larga dependência nas pessoas. A
fala a seguir expressa tal apreensão:
“Eu acho que com certeza seria muito explorado por indústrias farmacêuticas, que lucram
com a venda, né? Então... Independente de quem esteja comprando o interesse é vender.
Então [sic] assim, sei lá, uma [sic] dependência larga das pessoas.”
Trapaça, desonestidade e deslealdade (17)
O tópico reúne as afirmativas sobre o aprimoramento cognitivo através do
metilfenidato oferecer ou não uma vantagem desleal.
Grupo 2
Alguns dos entrevistados entendem que o aprimoramento cognitivo farmacológico não
é desonesto. A justificativa para essa opinião está na compreensão que no estudo não uma
disputa como no esporte. Em uma competição esportiva é necessário que os participantes
estejam em um patamar de igualdade (sem favorecimentos). Nesse argumento, o
entendimento que o pesquisador busca ‘apenas’ melhorar a própria concentração para dedicar-
78
se mais a sua pesquisa. A próxima fala apresenta essa idéia:
“Porque o doping esportivo ele é ilegal porque você tem uma competição. Você está
competindo com uma pessoa, e está em patamar, é diferente, porque está utilizando um
produto que vai favorecer fisicamente, no caso, no esporte. E no caso de um estudo eu não
vejo esta comparação. Eu não vejo um pesquisador competindo com outro pesquisador. E,
né? E ele fazendo esse uso do medicamento para se favorecer, a um outro tipo de estudo. Eu
acho que é uma luta talvez contra ele mesmo. Assim. Dele se concentrar mais no... na
pesquisa dele. Então, em termos dessa ilegalidade, eu acho que a comparação com o doping
esportivo é muito radical.”
Contudo, outros participantes entendem que competição na vida dos estudantes e,
por isso, essa prática é desonesta. Tal idéia pode ser percebida no diálogo a seguir:
“E isso acaba acontecendo... uma competição também, você tem vestibular, tem prova pra
residência, pra concurso público...”
“Então você acha desonesto?”
“Neste aspecto, sim.”
Para outros integrantes, a deslealdade dessa conduta está no fato da melhoria da
capacidade ser alcançada através de um artifício: a ingestão de uma substância não produzida
pelo corpo. Isso gera uma condição diferenciada entre as pessoas e por isso é desleal. Essa
compreensão está explicita seguinte trecho:
“Foi o que ela falou, ela está usando uma substância, o meu corpo não tem capacidade de
produzir uma substância então eu vou ingerir, uma outra pessoa ela não tem também essa
capacidade, de produzir. Então, qualquer artifício, não são propriamente meus, passam a ser
[sic] naturalmente meus, para poder conseguir alguma coisa. Então seria desleal”
Um único entrevistado afirma que a deslealdade da prática é relativa pois não é
possível garantir o benefício e a vantagem prometida pela droga. Mesmo quando uma
melhora na atenção, a pessoa pode apresentar problemas de sono ou de humor e¸ por esse
motivo, ter seu desempenho prejudicado. Tal entendimento está expresso no próximo
parágrafo:
“Ela vai ter a vantagem, que pra quem teve, pra quem conhece pessoas que tomam, a
gente que conhece, né? E você percebe que são pessoas que tem problemas relacionados ao
humor, por exemplo, talvez e eu acho que o uso, esse uso, pode acabar pra melhor, num
sentido do que a pessoa está querendo, mas também ele pode vir a ter complicações que...
como se o tiro saísse pela culatra. Na hora, no momento ela estudou tanto pra aquilo, se
preparou bem [sic] o efeito pode ser o inverso pela falta do sono, pela noite mal dormida,
pela, de todos estes processos não fisiológicos que foram atropelados, ele pode acabar sendo
prejudicial, né? Então eu acho que no sentido da sociedade o ideal seria conscientizar, nesse
sentido de mostrar: ele tem esse efeito? Mas ele tem esse aqui também. Pois senão [sic] na
hora em que você for precisar dele, ele pode falhar. Se for usado nesse intuito.”
Grupo 3
Os participantes entendem que a idéia de deslealdade existe quando desigualdade
de condições entre as pessoas. Como as pessoas são distintas, apresentando capacidades e
condições diferentes, o uso do medicamento pode ser um meio de minimizar tais diferenças.
Esse argumento implica na compreensão que a prática do aprimoramento farmacológico é
honesta, como pode ser confirmado na fala seguinte:
“Então eu acho que se colocar duas pessoas com patamar igual, dois indivíduos iguais, e
79
um deles faz uso, seria então: desigual. Contra o outro que não faz uso. Agora quando nós
temos, indivíduos diferentes, distintos, um tem maior capacidade, é natural para ele... Beleza!
[sic] quimicamente, então eu estou buscando um alcance uma ‘similitude’. Até não. Nós
[sociedade] não somos compostos de indivíduos totalmente iguais. Às vezes alguém tem mais
instrução, desde pequeno, e um outro cai num meio universitário, e são uma gama de
informações e ele está tentando correr atrás de um tempo perdido, que foi pra ele. E ele
está tendo uma certa dificuldade de compreensão de coisas que o outro que ia pra Paris nas
férias, e tudo, tem uma gama de coisas que ele já via antes. No cotidiano deles. Já lia artigos,
o pai dele era médico. Ele estava acompanhando aquelas informações. O outro vai ter maior
dificuldade, precisa de um estímulo.”
Nesse grupo, também a compreensão que a vida acadêmica não é competitiva pois
todos podem chegar aos seus objetivos. Para isso, cada estudante usa os instrumentos os quais
tem acesso. Dessa forma, o medicamento é uma ajuda extra válida. Esse entendimento é
acompanhado pelo reconhecimento da existência da dificuldade em afirmar o que é ou não
desleal, como está expresso no diálogo a seguir:
“Eu concordo com o que ele falou também porque cada um [sic] com o que tem, um que não
tem medo de usar droga, toma ritalina e o outro que tem o pai [sic] paga um professor
particular, vai a Paris ver com seus próprios olhos, e também, assim, acho que as pessoas
vêem assim, mas, eu acho que não é uma corrida, né? Não é uma olimpíada. Uma copa do
mundo. A academia, formação não é uma... um esporte que necessite de doping. Esse tipo de
coisa. É uma busca que todo mundo pode chegar junto no mesmo lugar, né? Não sei se,
enfim...”
“Como é que se faz desse jeito?”
“Porque o desleal pode ser um [sic] tem bolsa não tem bolsa, já é desleal também.”
Apesar da compreensão de que a prática do aprimoramento é honesta, também existe
no grupo a compreensão de que esse uso do medicamento poderá gerar além de uma
competição desigual, um aceleramento no mundo, deixando outros valores para um segundo
plano. Essa preocupação está exposta no próximo trecho:
“... eu acho que isso vai causar um aceleramento tal, no mundo sabe? Que...”
“Ficaria sufocado?”
“Não isso de competição desigual... , mas acho que de tudo, as relações sociais, de todas
as pessoas, sabe? O amor, tudo, acho que tudo vai por terra quando você, assim, coloca,
passa a ter o seu dia, vinte e quatro horas de produção.”
Grupo 4
Os entrevistados entendem que o aprimoramento cognitivo farmacológico é um
problema ético, pois uma concorrência desleal. Essa deslealdade decorre da melhora de
uma capacidade que a pessoa não tem normalmente e naturalmente. Tal compreensão foi
relatada da seguinte forma:
“... o problema ético seria que transformaria isso num problema, uma concorrência desleal.
A pessoa aí, no caso, estaria procurando no remédio uma capacidade que ele não tem
naturalmente. Uma atenção além do seu normal, além do seu natural, para conseguir ter
desempenhos melhores.”
Nesse grupo também o entendimento que o uso do remédio cria condições
desiguais entre as pessoas e por isso é desleal, como pode ser visto na fala a seguir:
“... mas com certeza eu acho que influencia sim, de certa maneira é uma forma desleal de
você competir se você passar a encarar isso como uma competição. Porque você vai ter uma
capacidade sua que está ali sendo aprimorada. Enquanto que os outros se não tiverem acesso
80
a isso não vão ter. Então você vai estar partindo de patamares diferentes, entendeu? Eu que
estou morrendo de sono pra fazer minha pesquisa, e a pessoa que está cinco horas da
manhã, super acordada, e concentrada. Então realmente acho que isso faz diferença no
resultado final, sabe?”
Alguns entrevistados entendem que esse uso da medicação não é desleal, mas não sabe
explicar o porquê. A próxima sentença expressa tal idéia:
“Acho que não porque os cientistas [sic] não sei te explicar. [risos]. Não encaro neste
sentido de ser doping, de ser desleal com as pessoas.”
Um integrante do grupo acredita que essa prática não é desleal porque a concentração
é apenas um dos fatores que interferem no rendimento da pessoa. O trecho seguinte mostra
sua opinião:
“... o cientista 1 vai ser melhor que o cientista 2 porque ele usou uma droga pra se
concentrar!? [risos] Dentro desses [sic] que ele esteja controlando a concentração é apenas
um fator deles.”
Injustiça, acesso e equanimidade (16)
O tópico reúne as afirmativas sobre questões de justiça, distribuição e direitos. Esse
código trata da questão de difundir a disponibilidade do metilfenidato. Todos devem ter igual
acesso a essa droga para aprimoramento cognitivo?
Grupo 2
Sobre a questão de acesso, há no grupo o entendimento que a Ritalina® não deve estar
disponível para todos. Além disso, o uso deve ser para quem tem déficit de atenção sendo
importante o acompanhamento de um profissional para saber dose, tempo de uso e
conseqüências. Os próximos trechos indicam essas idéias:
“[A ritalina] deve estar disponível para esse forma de uso’ não médico’?”
“Não, todos! Não!”
“O uso deve ser prescrito para pessoas que têm déficit, ou seja, que tenha o diagnóstico de
que necessita usar esse medicamento. E essa coisa também, desse acesso que você tem, mas
não sabe a dose que vai tomar. Voo sabe o limite que vai tomar, você não sabe por
quanto tempo vai tomar. E você não está tendo um acompanhamento, de um profissional, de
uma pessoa que estudou aquilo muito mais do que você, que sabe [si] o que vai acontecer a
respeito...”
Grupo 3
Os participantes entendem que o metilfenidato não deve estar disponível para todos,
pois é necessário ter um mínimo de consciência e conhecimento sobre os efeitos do
medicamento. O diálogo a seguir ilustra essa opinião:
“E vocês acham que essa substância, a ritalina, ela deveria estar disponível para esse uso?
Assim, para todos?”
“Porque eu acho que entra por essa questão do ter consciência e saber as conseqüências e
ter estudado, é diferente de você [sic] com pessoas que não tem a mínima noção ou tem a
mínima noção do que aquilo pode fazer.”
81
também a compreensão que esse remédio, especificamente, não deve estar
disponível para todos, pois ele tem fortes efeitos colaterais. Ou seja, a questão não é contra o
aprimoramento e sim a segurança de seu uso, como pode ser constatado na seguinte sentença:
“Eu acho o seguinte, é essa substancia em si, já que ela tem efeitos colaterais de dependência
e morte, essa substancia não.”
Porém alguns entrevistados também afirmam que a medicação não deve ser liberada
para todos, pois o mundo não precisa ficar mais acelerado, como está expresso na fala:
“Eu acho que mesmo assim, não concordo [com a liberação para todos], porque [sic] não
precisa acelerar mais o mundo.”
No grupo a preocupação da liberação do remédio gerar desigualdade no acesso.
Caso o medicamento seja caro isso irá aumentar a desigualdade de condições entre estudantes
de classes sociais diferentes. O trecho a seguir ilustra tal temor:
“Porque se libera e tira a tarja preta, opa, ganhou [sic] de comércio agora? Eu quero saber
o seguinte, quem vai usar vai ser um aluno da PUC? Vai ser alguém com dinheiro, ou da
UERJ, alguém com dinheiro?Aí se cria então uma desigualdade. Se vai colocar vinte
comprimidos na cartela por cinco reais, qualquer estudante pode comprar, não faz mal pra
ninguém, eu vou tomar três por dia pra poder ler um [sic] desse tamanho.”
Grupo 4
Os participantes compreendem que somente com estudos mais elaborados sobre as
contra-indicações é que pode ser dado acesso desse medicamento a todas as pessoas.
Lembrando ainda da necessidade de garantir a disponibilidade para todos. Essas idéias estão
expostas nos próximos parágrafos:
“[Sobre a Ritalina® estar disponível para todos] Eu acho que poderia ser mais [sic]
pesquisas mais elaboradas em relação a contra-indicações, e se conseguisse determinar o
que acontece com o uso da Ritalina, poderia ser sim, aberto.”
“Deveria ser disponível para todos a partir do momento que chegasse, pesquisas do
medicamento chegasse ao ponto que fosse como um energético. E não tivesse contra-
indicação. E que realmente tivesse disponível para qualquer pessoa.”
Contudo, alguns entrevistados entendem que o acesso a essa droga só deve estar
disponibilizado quando as pessoas estiverem menos descontroladas e com maior possibilidade
de conscientização, como pode ser identificado no trecho a seguir:
“Eu acho que não, porque, por enquanto não, porque as pessoas estão meio descontroladas
[sic] e é muito da consciência, assim, quando tiver uma conscientização melhor é que
poderia.”
No grupo uma preocupação com as conseqüências sociais da disponibilidade do
metilfenidato para todos. A apreensão envolve o risco de nem todos os estudantes terem, de
fato, acesso ao medicamento (alto preço do remédio) o que pode gerar discriminações e
segregações. Nas duas próximas falas é possível acompanhar os argumentos apresentados:
“A partir do momento em que todo mundo tem disponibilidade, daqui a pouco ia ter cota pra
UERJ para quem toma ritalina e quem não toma. Sério! Muita gente não vai ter acesso, não
82
é? [sic] Se for uma coisa muito cara, assim, de difícil acesso, vai ter uma discriminação
também.”
“Pobre não pode comprar ritalina então os pobres continuam sendo burros, e os ricos que
tem dinheiro pra comprar ritalina vão, cada vez, aprimorar mais as suas capacidades
cognitivas e va... essa separação pobre e burro e rico inteligente vai ficar meio marcada. O
que hoje não, ainda tem aqueles casos, nem todo mundo que tem dinheiro é inteligente, nem
todo pobre é burro. Mas se a capacidade cognitiva for aperfeiçoada por um remédio e se, se
esse remédio for caro eu acho que assim essa separação vai ficar mais marcada ainda.”
Sentido Social – Medicalização (16)
O tópico reúne as afirmações que realçam o impacto dos valores e práticas sociais
para o aprimoramento cognitivo com o metilfenidato como também o impacto do
aprimoramento cognitivo com metilfenidato nos valores e práticas sociais. Os impactos
incluem a medicalização da condição humana.
Grupo 2
Os entrevistados compreendem que o uso do medicamento (em geral) está banalizado
como se fizesse bem as pessoas. Para eles, o remédio deve ser usado terapeuticamente.
Essas idéias podem ser identificadas no trecho a seguir:
“Na verdade acho que nenhum medicamento deve ser usado [sic] nem os fitoterápicos. Eu
acho que medicamento, se a finalidade dele é ser terapêutica, então é para isso que ele serve.
E eu acho que tem que se repensar essa história de medicação. Eu acho que tem que ser feita
uma avaliação em relação ao uso de medicamentos de uma forma geral. Porque eu acho que
isso fica um pouco banalizado. [sic] acha que medicação não faz mal. melhora, ajuda.
Então eu acho que de uma forma geral todo medicamento deve ser usado de forma relativa,
terapêutica.”
O grupo entende que atualmente os problemas e limites pessoais (condições humanas)
são pensados como questões médicas que podem ser corrigidas com o uso de medicamento.
Os três parágrafos seguintes ilustram essa percepção:
“Na verdade tem que se discutir: o quê que é um déficit de atenção? Assim, no caso da
pessoa não entender tanto assim, é sinal de que ela tem déficit de atenção ou de que ela tem
um limite? Acho que na verdade tem que se trabalhar isso, sabe? Que as pessoas têm um
limite. [sic] que na verdade você não consegue alcançar mais do que a pessoa espera de você
não é que você tem um déficit de atenção, é que você tem um limite. Na verdade eu acho que
é isso que tem que se discutir.”
“Por exemplo, quando uma mãe chega no médico, fala pro médico, olha, meu filho não
consegue, não está acompanhando a turma, não está fazendo os exercícios, o primeiro
diagnóstico: ‘Ah! Déficit de atenção...toma ritalina.’ Mas na verdade você tem que analisar
se aquela criança está no momento dela, acho que tudo empurra, tudo vai te levar ao uso de
medicamento.”
“... porque hoje a gente uma grande facilidade do... das pessoas arranjarem um
diagnóstico. Meu irmão, por exemplo, tem muita preguiça de estudar, então, chegou outro
dia dizendo que ele tinha, ele falou: ‘Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade.’
‘Ah é? Tem como?’ ‘Ah! eu fiz o teste, na Internet, a pessoa tinha que dar até o número doze,
e o meu número foi vinte e dois.’ (risos) E ele se auto-diagnosticou dessa forma, assim
como tem [sic] pessoas que tem acesso, a outros tipos de teste também, e talvez isso, passe a
utilizar ou se auto medicar desta forma.”
83
Grupo 3
Os integrantes compreendem que uma grande valorização das descobertas
científicas o que leva à prescrição inadequada de novas drogas favorecendo a medicalização
de sentimentos e limites humanos. Tais idéias estão expressas nas duas próximas falas:
“... não é nem falar que seja uma questão de moda, mas é uma questão de [sic] o
medicamento foi descoberto, foi comprovado por pesquisa, está em alta, que é legal tentar, e
aí de repente... Eu já passei por isso, por uma terapia que tinha falado ‘eu acho que você tem
TDAH’ eu tinha falado: ‘Oi o meu nome é xxx’. É, está querendo me prescrever? Eu
acho, então, que pela prescrição inadequada também, em função desse furor, científico. Da
descoberta do medicamento.”
“A pessoa sabe que existe um antidepressivo, e agora a gente vive uma ditadura da
felicidade, ninguém pode ficar triste. a pessoa termina com a namorada o [sic] a pessoa
ficou triste, três minutos ou três anos, e é normal... Aí a pessoa terminou com o namorado, já
sabe que vai ficar triste, vai no médico e fala assim: ‘Então, muito triste. Eu estou te
pagando uma consulta prá você me receitar um antidepressivo.’ E o médico recebendo
mesmo, [sic] o médico recebe, sei como chama isso, da comissão dos laboratórios
farmacêuticos, então: ‘Toma aí. Qual que você quer? O azul, preto?’ E é a mesma coisa com
a ritalina. ‘Olha, eu tenho TDAH, você pode me receitar uma coisa aí?’ E receita, porque
recebe. O cara [sic] sabe [sic] vai fazer vestibular, e já ô: ‘Me receita aí uma ritalina!’”
Grupo 4
Os participantes desse grupo entendem que as pessoas buscam nos remédios as
capacidades que faltam a elas. Essa necessidade decorre das exigências sociais de
desempenho e de melhoramento. Mas o grupo também entende que a utilização do remédio
traz conseqüências que implicam na utilização de outros fármacos correndo o risco de perder
o controle desse processo de medicalização. Essas percepções podem ser identificadas nos
parágrafos a seguir:
“A pessoa , no caso, estaria procurando no remédio uma capacidade que ele não tem
naturalmente. Uma atenção além do seu normal, além do seu natural, para conseguir ter
desempenhos melhore.”
“Acho porque hoje a gente tem um pouco disso: ‘Ah! Vonão faz, você não estuda e faz
um estágio porque você não quer, porque tempo você tem.’ seria mais uma coisa, você
não faz tal coisa porque você não quer tomar o remédio. A possibilidade tem.”
“Então é como a gente está falando aqui, a gente vai começar a tomar, para se concentrar,
você começa a tomar para ficar acordado. Depois você começa a fazer o uso de outro
medicamento pra dormir. E eu acho que você corre o risco de meio que perder o controle,
de onde você está querendo chegar e de onde isso chegou, entendeu?”
“.... parece que agora é Ritalina, daqui a pouco vão achar outro remédio, que cause outra,
outro tipo de coisa que beneficie. Daqui a pouco a gente está tomando um coquetel de manhã
pra virar o superman e poder fazer tudo, e termos todos os nossos sentidos aguçados. A gente
vai poder ver melhor através das paredes, ouvir melhor, daqui a pouco eu vou sair voando
por aí.”
Além disso, os integrantes ainda ressaltam que às vezes os remédios (entre outras
coisas) são usados sem saber o porquê, apenas porque seu uso está difundido. Essa idéia está
exposta na seguinte fala:
“... eu acho que a gente às vezes acaba fazendo uso das coisas e elas acabam virando um
modo de, se difundindo, e você toma sem saber exatamente porquê.”
84
Autenticidade, identidade e personhood (13)
O tópico reúne as afirmativas sobre o efeito do aprimoramento cognitivo no senso de
self do indivíduo. As afirmativas incluem dois aspectos. O primeiro: se o desempenho da
pessoa que usou o metilfenidato é dela própria (autêntica) ou é apenas o efeito da droga (não
autêntica). O segundo: se a pessoa mantém (autêntico) ou não (não autêntico) a mesma
‘identidade’ depois que toma esse medicamento.
Grupo 2
Os participantes entendem que o desempenho não é autêntico, pois este é
conseqüência da utilização de uma substância. Isso caracteriza o doping. Além disso, o
medicamento supre uma fragilidade da pessoa e, por esse motivo, essa prática fica associada
ao sentimento de vergonha. Tal compreensão está expressa nas falas a seguir:
“... neste aspecto que se compara a um doping. Porque o rendimento que a pessoa está
apresentando não é um rendimento que foi provocado por ela. É devido a algum tipo de
substância que condicionou aquilo, não é dela. Eu encaro assim, essa questão de
comparar mais nesse aspecto, sabe? De que a pessoa está produzindo alguma coisa da qual
ela não seria capaz sozinha.”
“Porque eu acho muito difícil uma pessoa assumir que toma, que faz uso, até porque isso
mexe um pouco com o [sic] dela. Porque ela precisa fazer o uso de um medicamento para
poder estar ativa, para poder estar ligada e ter um bom rendimento. Eu acho que isso
também, ainda a vergonha de você estar usando, acho que é aquela coisa do, um pouco de
[sic] soberba, né? De você [sic] não querer assumir uma fragilidade que você possa ter.”
Grupo 3
Os integrantes compreendem que o desempenho é autêntico, pois o usuário busca
ferramentas externas por ter vontade de superar-se. A prática equivale ao uso de café para
ficar acordado. O diálogo a seguir exemplifica esse argumento:
“Essa performance, essa atuação, esse desempenho é da própria pessoa? É?”
“É da própria pessoa buscando por ferramentas externas. É a vontade dela de se superar, e
buscando por elementos externos. Se alguém tomar um copo de café não está tomando
um mecanismo externo, mesmo que seja pra ele achar que vai manter ele mais tempo
acordado?”
Grupo 4
tanto entrevistados que compreendem que o desempenho resultante dessa prática é
e não é autêntico. O entendimento de que a performance não é autêntica está baseada na
percepção de que a melhora na capacidade é alcançada por meio de medicamento e, por
esse motivo, o desempenho não é natural. Esse argumento indica que para o desempenho ser
autêntico é necessário que seja resultado de uma habilidade natural como mostra o seguinte
parágrafo:
“A pessoa , no caso, estaria procurando no remédio uma capacidade que ele não tem
naturalmente. Uma atenção além do seu normal, além do seu natural, para conseguir ter
desempenhos melhores.”
85
Outros entrevistados entendem que o rendimento é da pessoa (autêntico), pois este
desempenho é uma reação do corpo dela ao medicamento. Assim, duas pessoas podem usar o
remédio e reagir de forma diferente, como pode ser identificado na próxima fala:
“Eu acho que é da própria pessoa porque é o próprio organismo dela que está reagindo à
substancia. Pode ser que duas pessoas tomem a ritalina e uma reaja melhor do que a outra.
Uma adaptação dela ao medicamento.”
outro argumento um pouco diferente do anterior que também defende a
autenticidade da performance. Nesse raciocínio, existe a percepção que os efeitos como falta
de sono e melhora na atenção são conseqüências diretas do remédio e por isso esses efeitos
não são da pessoa
52
. Mas o que a pessoa realiza nas horas não dormidas e com a melhora na
atenção é próprio da pessoa. Essa idéia está exposta no parágrafo a seguir:
“Tipo, as conseqüências que eu vou produzir de forma material é uma coisa minha, o
conhecimento que eu vou adquirir é uma coisa minha, se eu vou produzir, se eu vou fazer um
texto, isso é uma coisa minha, mas a atenção é uma coisa gerada pelo medicamento. Por
exemplo: falta de sono é uma coisa do medicamento. Agora o que eu vou fazer com essa
atenção [sic] é uma coisa minha.”
Alguns entrevistados questionam o argumento da melhora do desempenho não ser
autêntica pois fármaco não seria produzido pelo organismo. O contra-argumento lembra que a
alimentação não é produzida pela pessoa e também altera a performance individual. Essa
compreensão pode ser vista na seguinte sentença:
“... é um remédio, eu não produzo isso no meu organismo, mas a alimentação é o quê? A
alimentação não afetaria o desempenho dele? O que a alimentação me dá? Tipo: chocolate.
Por que as drogas, por que uma droga não pode, entendeu? Você come, coloca uma
substância no seu corpo, da mesma forma você não pode colocar essa substância?”
ainda o entendimento que a pessoa altera o reconhecimento da própria identidade
depois do uso do medicamento. As pessoas passam a acreditar que não são capazes de se
concentrar sem o medicamento como também podem acreditar que são mais inteligentes que
outras pessoas. Os próximos trechos ilustram essa compreensão:
“De você não conseguir, não se ver mais estudando ou fazendo as atividades sem tomar o
remédio. Achar que não é capaz de se concentrar sem tomar aquele remédio.”
“Eu acho que mesmo a pessoa [sic] utilizando este tipo de [sic] isso seria um diferencial
para se julgar mais inteligente que o outro
Mídia - Falta de informação (13)
O tópico reúne as informações que os estudantes gostariam de ter lido nos textos
sobre o Aprimoramento Cognitivo.
52
Esse entendimento é diferente do argumento anterior de que a reação a droga é individual.
86
Grupo 2
Os entrevistados buscam saber mais sobre o medicamento e suas informações técnicas
como forma de ação, efeitos colaterais e tempo indicado para uso. O diálogo a seguir
demonstra tal desejo:
“Para falar a verdade eu queria saber um pouco mais sobre os efeitos, como é que ela age,
[sic]”
“Mais informações?”
“Como é que se dá o benefício pras pessoas que [sic] porque que aumenta a [sic]. Saber um
pouco mais dos efeitos colaterais, por que que eles podem surgir? Baseado justamente nestas
informações. De qual é o tempo indicado de uso? Eu senti falta de algumas informações
técnicas a respeito do medicamento.”
Os integrantes também desejam de ter acesso às fontes bibliográficas dos textos, como
pode ser visto na seguinte fala:
“Desculpe, eu senti falta da bibliografia. Qual foi a fonte, a origem deste texto.”
Além disso, os participantes demonstram interesse em saber mais sobre a realidade
brasileira como também sobre as reações da família à notícia do filho usar medicação para
esse fim. Há uma dúvida se a própria família dos usuários é a origem de tanta cobrança. Essas
idéias podem ser encontradas nos parágrafos seguintes:
“Na verdade eu queria saber mais da realidade brasileira. Como é que está isso
sabe?Porque aqui trata muito de americano, então eu queria ver como está isso? Assim... os
jovens brasileiros? De uma forma geral como a população brasileira...”
“Família, como que a família está vendo esta pessoa que [sic] perceber que ela [sic]
algum medicamento, ou se a própria família que está [sic] esta cobrança, né? Os pais [sic]
pedindo um rendimento muito melhor, na faculdade, né?”
Grupo 3
Os participantes sentem falta de informações mais específicas sobre os efeitos
colaterais do metilfenidato e sobre a quantidade de uso que tornaria uma pessoa dependente.
Os dois próximos trechos são exemplos desses interesses:
“Não entrou em detalhes no texto também, disse que pode ter efeitos colaterais, mas não
especificou quais.”
“Eu acho o seguinte, uma informação que faltou nessa pesquisa deles, quantos usos uma
pessoa tem que fazer pra ficar, por exemplo, dependente? É, [dependente] do medicamento.”
Grupo 4
Os integrantes sentem falta das informações sobre os mecanismos de ação do
medicamento e seus efeitos colaterais incluindo o grau de dependência que o metilfenidato
pode causar. As duas falas a seguir demonstram esses interesses:
“Eu acho que, assim, tem pouca informação. Os três textos... pelo menos ficou uma
impressão muito vaga em relação aos efeitos colaterais, em relação ao mecanismo de ação
mesmo, [sic] esse mecanismo de ação da ritalina, pouco conhecido.”
“Eu teria curiosidade até de saber, até, qual é o grau de dependência que esse remédio pode
causar né?”
87
também o desejo de mais informações sobre o usuário e suas motivações para essa
prática, como pode ser visto na seguinte sentença:
“Mas eu também senti falta de ter a pessoa, né? Que usa o remédio e que levou ele ou ele
conheceu, que poderia ser utilizado desta forma. [sic] de onde partiu [sic] esse interesse
mesmo. Acho que seria interessante analisar também esta parte.”
Prevenção - Soluções (13)
O tópico reúne a descrição de sugestões de medidas a serem tomadas pelas
instituições legais de controle e administrações universitárias para prevenir o início e a
difusão do abuso.
Grupo 2
Os entrevistados entendem que manter o controle sobre a venda do metilfenidato pode
ser uma forma de impedir o uso por pessoas saudáveis e por isso diminuir o risco das
conseqüências desconhecidas, como pode ser visto na frase a seguir:
“.... o controle do remédio é interessante pelo fato da ilegalidade [uso por pessoas
saudáveis], tanto quanto pelo fato das conseqüências que não são conhecidas, né?”
Os integrantes também citam como solução a possibilidade de conscientizar as pessoas
sobre os possíveis efeitos (negativos e positivos) até porque conscientizar individualmente
seria mais fácil do que modificar todo um sistema. Essa idéia está exposta nos dois parágrafos
seguintes:
“Então eu acho que no sentido da sociedade o ideal seria conscientizar, nesse sentido de
mostrar: ‘ele tem esse efeito? Mas ele tem esse aqui também’. Pois senão, na hora em que
você for precisar dele, ele pode falhar. Se for usado nesse intuito [aprimoramento
cognitivo].”
“Seria muito mais fácil você convencer, você chegar pra uma pessoa e tentar fazer com que
ela entenda do que você tentar mudar todo o sistema pra ela não precisar daquilo, sabe”
Os participantes discutem também sobre a necessidade de definir melhor se realmente
um déficit de atenção ou se a dificuldade de compreensão é uma expressão do limite
pessoal. Essa sugestão está explícita na fala a seguir:
“Na verdade tem que se discutir: o quê que é um déficit de atenção? Assim, no caso da
pessoa não entender tanto assim, é sinal de que ela tem déficit de atenção ou de que ela tem
um limite? Acho que na verdade tem que se trabalhar isso, sabe? Que as pessoas têm um
limite. [sic] que na verdade você não consegue alcançar mais do que a pessoa espera de você
não é que você tem um déficit de atenção, é que você tem um limite.”
Entre os entrevistados também é debatido sobre a necessidade de repensar a estrutura
do ensino universitário respeitando a necessidade de sono e alimentação para que o estudo
seja menos traumático para o aluno. Essa idéia está exposta no próximo trecho:
“... poderia ser repensado o ensino universitário. Poderia ter um planejamento maior, até
mesmo ouvindo os alunos, pra poder criar uma solução não pra [sic] a instituição, mas
pra quem usufrui deste ensino que [sic]. Então eu acho que deveria ser repensado, sabe? O
88
ensino universitário, assim. O quê que poderia ser feito pra ser menos traumático pro aluno,
pra ser mais adequado a [sic] a gente precisa ter um tempo pra dormir, a gente precisa ter
um tempo pra se alimentar, e tem dias que nem se alimentar a gente pode. Então, tudo isso,
assim, não é pensado para o ser humano, é algo assim sobre-humano. Então exige que a
pessoa se comporte sobre-humanamente. Tomando remédio pra aumentar a sua atenção, por
que é exigido dele mais do que ele pode fazer. É além do limite.”
Grupo 3
Para inibir a difusão do abuso do metilfenidato, os participantes sugerem uma política
mais séria de controle de emissão de receita e venda de medicamentos. Para isso, eles
entendem que é necessária uma comissão do ministério da saúde verificando por que um
determinado médico apresenta muitos pacientes com TDAH. A fala a seguir ilustra essa
compreensão:
“E acho que assim, uma coisa é uma política mais séria de controle de medicamentos. De
controle de receita. O médico está receitando ritalina toda hora e você vai ter uma comissão
do ministério da saúde que vai pra , vai [sic]. ‘E aí? Seus pacientes todos são TDAH?
Todos são assim ou o quê que [sic] pra isso’. Pra todos os remédios na verdade, né?”
Os integrantes são categóricos ao afirmar que não deve haver propaganda na televisão
desse tipo de uso do medicamento, como demonstra seguinte exemplo:
“E jamais propaganda na televisão de um negócio destes né?Jamais.”
Além disso, os entrevistados compreendem que para diminuir o problema é importante
conscientizar as pessoas por mais que isso seja muito difícil. Essa idéia está expressa no
próximo diálogo:
“O que teria uma diminuição seria uma conscientização, porque por mais que houvesse esse
controle, exatamente, solução, não teria.”
“Eu não acredito em conscientização!”
“É difícil! É isso que isso falar, eu acho que teria se a gente conseguisse conscientizar, mas
acho que isso no mundo capitalista que a gente está é muito difícil.”
“Conscientizar é difícil?”
“É, sem dúvida...”
“Mas a solução se houvesse seria essa”
Grupo 4
Os participantes entendem que mais importante do que liberar remédio e fazer estudos
é compreender por que as pessoas estão se cobrando tanto. Tal percepção pode ser verificada
no trecho a seguir:
“... você saber de onde que está surgindo esta demanda. Por que é que as pessoas estão se
cobrando tanto. Eu acho que isso é até mais importante do que você liberar o remédio e fazer
estudos, acho que isso vem a priori. Você tem que começar por aí.”
Eles também compreendem que é necessário a conscientização coletiva e buscar
outras alternativas para cada caso, como é possível ver no parágrafo seguinte:
“Mas eu acho que você tem como trabalhar a demanda desse remédio. Pelo menos eu vejo
como um caminho. De conscientizar com isso, explorar melhor isso com a pessoa as opções
que ela tem.”
Por último, eles percebem que os médicos deveriam aprofundar melhor os casos de
89
TDAH mesmo que aumente o custo do processo diagnóstico, como pode ser identificado na
próxima fala:
“... acho que isso deveria partir dos médicos, que prescrevem esse remédio mesmo, com
controle deveria ter um aprofundamento de cada caso pra que as pessoas que vão ao
médico já saibam que não vai ser tão fácil assim... Eu não vou chegar em uma consulta, duas
e eu vou ter ou já vai estar caracterizado o meu TDAH e eu vou comprar o meu remédio...que
seja uma coisa mais duradoura que embora tenha um custo maior, tanto do médico, quanto
da pessoa né? deveria ter uma aprofundamento maior em cada caso.”
Descrição Social – Quem (11)
O tópico reúne as citações sobre pessoas ou grupo de pessoas que usam o
metilfenidato para o aprimoramento cognitivo. (Exemplo: Comunidade Acadêmica)
Grupo 2
Os entrevistados entendem os usuários são acadêmicos, estudantes e cientistas. Eles
fazem isso para realizar todas as tarefas do cotidiano. Tal percepção está expressa a seguir:
“... os acadêmicos, os cientistas os estudantes que usam porque eles precisam passar em
vestibular, [sic] estudando, e até estudantes mesmo, como graduação, também usam, focando
principalmente que eles precisam passar no vestibular e não ter como fazer muitas coisas
como trabalhar e estudar, e pra fazer várias coisas e dar conta de tudo, eles precisam, muitos
usam, né?”
O grupo também entende que os acadêmico de medicina são usuários pois uma
maior facilidade de acesso a medicamentos, como está expresso na próxima frase:
“... por exemplo, um acadêmico de medicina que tem acesso ao hospital, que inserido
ali, no muito mais facilidade de adquirir a droga ou um medicamento...”
Há certa surpresa e crítica com a informação que cientistas usam tal medicamento pois
eles têm um alto nível de graduação. A fala seguinte exemplifica o questionamento:
“Uma coisa que achei bem interessante, no transcorrer da leitura do texto, até sublinhei
aqui, seria o uso pelos cientistas e, além disso, ele conta aqui como uma coisa necessária
para passar as noites em claro e tudo mais. E depois, [sic] sendo que estes cientistas seriam
infensos à conseqüência com relação ao maior abuso disso, levando dependência, loucura e
morte. Então é como se eles tivessem a necessidade do momento agora [sic] ser tão
importante que eu acabo achando irrelevante as contra-indicações e as possíveis, e os
possíveis efeitos. Sabe? E, além disso, se tratar de pessoas com alto nível de graduação.”
Grupo 3
Para os integrantes do grupo, os principais usuários são cientistas, médicos e
estudantes que tem consciência dos efeitos colaterais dessa droga. Tal compreensão pode ser
identificada nos dois trechos a seguir:
“... que se a gente for focar a ritalina, em si, nos textos eles falam basicamente de pessoas
que detém conhecimento, ou seja, sabem de todos os efeitos colaterais. Cientistas, médicos,
estudantes dessa área.”
“A gente está falando de acadêmico, falando de estudante, gente que não toma qualquer
coisa pra ficar doidão. Um remédio que sabe, quem toma, que vai fazer, o que vai acontecer.
Todo mundo tem consciência de risco e de efeito.”
90
Grupo 4
Os entrevistados entendem que os pesquisadores utilizam essa prática e, por isso, não
estudam mais profundamente os efeitos colaterais que o remédio pode causar. Essa idéia
presente no próximo parágrafo:
“Eu acho que pelo fato dos pesquisadores utilizarem eles acabam não entrando muito no
foco da questão. Eu acho que, não sei, acho que pelo fato de, por exemplo, eu uso a ritalina,
então eu não vou encabeçar uma pesquisa sobre as coisas que fazem mal, os efeitos
colaterais que o remédio pode causar, entendeu?”
5.3. Interpretação dos Dados
Os entrevistados entendem como alvos do aprimoramento cognitivo farmacológico:
a alteração de uma capacidade fisiológica ou psicológica (ficar mais ativo ou ficar mais
atento) para melhorar o desempenho de tarefas com o objetivo final de atender o excesso de
expectativas sociais de performance.
Os objetivos da prática têm sua origem na pressão social para atuar. Esse é o tema
mais mencionado em todos os Grupos Focais. Em vários momentos, é ressaltada a
necessidade de realizar muito bem um grande número de tarefas em pouco tempo o que exige
das pessoas um comportamento sobre-humano, ou seja, além de seus limites. Um
participante lembra que mesmo havendo uma pressão social para ter bom desempenho, as
pessoas podem fazer outras escolhas e não apenas trabalhar incansavelmente. Outro
entrevistado questiona sobre a origem da necessidade de aumentar a capacidade cognitiva das
pessoas. Apesar desses dois argumentos, quase todos os integrantes dos grupos entendem que
a boa performance nas tarefas e atividades profissionais é a principal fonte de
reconhecimento social o que justifica tanto esforço e investimento no desempenho
cognitivo/acadêmico.
Para os grupos entrevistados, o reconhecimento social tanto está relacionado ao
desejo de ser ‘igual’ aos outros e, portanto, ter a mesma atuação que os outros, quanto ao
objetivo de diferenciar-se (destacar-se) deles. A aparente divergência nas aspirações resulta
do entendimento que para estar homogeneizado ao grupo (sentimento de pertencimento) é
necessário manter a individualidade destacando-se do conjunto social.
O desejo de garantir a inserção no grupo social através da posição de destaque (ser o
melhor) é interpretado na presente pesquisa como uma expressão do ideal cultural de
valorização da performance nas sociedades contemporâneas. Tal percepção confirma o
argumento de Ehrenberg (1991) que relaciona a competição e o consumismo com a
responsabilidade individual de inventar a si mesmo demonstrando sua identidade através das
91
realizações pessoais. O alto valor da performance na construção de identidade e
reconhecimento social transforma a exigência do bom desempenho em uma ‘necessidade
imediata’, relegando a segundo plano necessidades como sono e alimentação. No
entendimento dos grupos, a priorização do desempenho das tarefas é considerada um dos
principais motivos para as pessoas buscarem acesso à farmacologia para fins ‘não médicos’,
colocando os riscos de dependência e efeitos colaterais em segundo plano.
Os entrevistados têm dúvidas se o uso do metilfenidato gera ou não vício. Contudo,
em suas falas, eles demonstram uma grande preocupação com o risco de dependência
psicológica do fármaco. Isso porque eles entendem que quanto mais a pessoa alcança suas
metas por meio do medicamento, mais ela acredita que só realiza a tarefa se usar o remédio.
Além do risco de dependência, a discussão sobre os possíveis efeitos colaterais
formam a segunda categoria mais citada em toda a pesquisa. A segurança levanta
controvérsias que revelam as principais referências que os estudantes apresentam sobre o que
pode ser considerado seguro ou não. Apesar de alguns entenderem que foram realizados
experimentos suficientes com o medicamento e por isso ele é seguro e outros afirmarem que
faltam estudos sobre os efeitos colaterais desse uso do remédio e por isso não é seguro, a
grande maioria dos entrevistados percebe que a segurança da prática está relacionada aos
resultados das pesquisas científicas. Essa compreensão também fica clara quando todos
concordam que é necessário haver mais estudos sobre efeitos colaterais para liberar (ou não)
essa prática. Tal unanimidade parece indicar o valor que os estudantes depositam na Ciência.
Para os grupos, a falta de cuidado com a segurança da medicação também é uma
conseqüência do interesse comercial da indústria farmacêutica. Eles entendem que a
indústria não divulga estudos e informações que expõe os efeitos danosos de seus
medicamentos. Além disso, por meio dos informes publicitários, a indústria farmacêutica
valoriza os benefícios dos remédios procurando ampliar a necessidade de consumo. Por esse
motivo, os integrantes dos grupos demonstram preocupação com a liberação dos anúncios
para o público.
Os universitários entrevistados preferem que o consumo do metilfenidato, mesmo que
legalizado para aprimoramento cognitivo, continue sendo controlado pelas instâncias
reguladoras. Para eles, essa prevenção é necessária pois eles entendem que essa prática
apresenta riscos a segurança individual e social. O perigo para a segurança individual é
decorrente da falta de conhecimentos e pesquisas sobre esse uso do remédio. Já os problemas
de segurança social estão relacionados a três questões: risco para a autonomia e o livre
92
consentimento (coerção direta ou indireta); perigo de injustiça ao acesso a medicação e a
possibilidade dessa prática gerar condições diferenciadas entre as pessoas.
Os estudantes entendem que o risco de coerção direta (um chefe exigindo que seu
subordinado use o medicamento para realizar as tarefas) e de coerção indireta (a pessoa
buscando o remédio porque todos usam e ela precisa ficar igual) são problemas importantes.
Afinal, a coerção fere o direito à liberdade de escolha dos indivíduos. Tal direito é
considerado fundamental nas sociedades ocidentais.
O outro problema de cunho social levantado pelos integrantes dos grupos é a
possibilidade do metilfenidato ser caro e, por esse motivo, não ser de fácil acesso a todos.
Isso pode vir a intensificar as desigualdades sociais. Por outro lado, o uso do medicamento
pode equiparar as condições de pessoas de origens sociais diferentes ajudando, assim, a
diminuir as desigualdades. Os dois posicionamentos, apesar de contrários, estão baseados no
mesmo argumento: a tentativa de garantir a igualdade de condições. Esse é outro aspecto tido
como fundamental nas sociedades liberais democráticas que adotaram os direitos humanos.
Além do controle na prescrição e venda do remédio para essa finalidade, os
integrantes dos Grupos Focais percebem que é necessário conscientizar os possíveis usuários
sobre os riscos para a saúde e a não garantia da eficácia dessa forma de aprimoramento.
Outra sugestão dos entrevistados é investigar tanto os mecanismos sociais que geram
a atual exigência de desempenho como a atual tendência a medicalizar sentimentos e
comportamentos.
Mesmo havendo a necessidade de mais investigações sobre as representações sociais
do uso ‘não médico’ do metilfenidato para melhorar o desempenho cognitivo, os Grupos
Focais forneceram significativas informações éticas e sociais sobre o tema.
Apesar do resultado da investigação através desse método não poder ser expandido
para todo o universo pesquisado, os dados mostram que o uso ‘não médicodo metilfenidato
para melhorar o desempenho cognitivo é um tema relevante e que suscita questões éticas
importantes entre os universitários. Não apenas questões objetivas relativas a regulamentação
e segurança da prática para melhorar o rendimento acadêmico, mas principalmente porque
levanta questionamentos sobre a pressão social para produzir cada vez mais, melhor e em
menos tempo.
93
CONCLUSÃO
A proposta do presente trabalho foi analisar as representações sociais do
aprimoramento cognitivo farmacológico. Como um primeiro estudo exploratório sem a
pretensão de esgotar o tema, foram realizados 3 Grupos Focais com universitários entre
dezoito e vinte e cinco anos que revelaram significativas representações sociais dessa prática.
Os resultados da investigação mostraram que as questões mais relevantes envolviam
aspectos éticos, sociais e legais relacionados ao aprimoramento cognitivo farmacológico. O
tema mais mencionado em todos os grupos foi a pressão social para atuar. Outra
preocupação significativa foi a segurança no uso do medicamento. Além disso, houve
também uma discussão sobre os objetivos dessa prática e se esse uso do remédio seria
comparável ou não aos esteróides e anabolizantes e outras formas tradicionais de
aprimoramento. Também foi expressa a preocupação com o risco de haver uma coerção
social direta e indireta para uso do remédio e com a possibilidade do aprimoramento
cognitivo farmacológico aumentar a injustiça social, caso haja um acesso desigual a essa
prática. Outra questão priorizada pelos entrevistados foi a influência dos interesses
comerciais da indústria farmacêutica assim como a preocupação com a interferência da
medicalização na condição humana.
Outros temas surgiram de forma expressiva, mas levantaram divergências durante os
debates. Por exemplo, o aprimoramento ora foi considerado como um meio honesto ora
como meio desonesto para realizar tarefas acadêmicas. Opiniões contrárias também surgiram
quando as discussões tratavam da melhora no rendimento cognitivo, se a melhora poderia ser
considerada ou não como um atributo legítimo da pessoa que usou a droga para tal fim.
Dessa forma, a presente investigação parece indicar que a prática do aprimoramento
cognitivo não fere à moralidade dos entrevistados. Os grupos demonstram uma maior
tolerância às práticas que alteram a neurobiologia à favor do ideal social de melhoria da
performance das pessoas. A preocupação relacionada a essa prática está relacionada ao risco
desta intensificar injustiças e desigualdades entre as pessoas em sociedades que já apresentam
significativas diferenças sociais.
94
6. Referência Bibliográfica:
ACKERMAN, S.J. Hard science, hard choices: facts, ethics, and policies guiding brain
science today. Washington: Dana Press, 2006. 153p.
AGUIAR, A.A. A Psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da
existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004. 166p.
AZIZE, Rogerio Lopes. Uma neuro-weltanschauung? Fisicalismo e subjetividade na
divulgação de doenças e medicamentos do cérebro. Mana, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, Apr.
2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
93132008000100001&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 mar. 2009. doi: 10.1590/S0104-
93132008000100001.
BARCHIFONTAINE, C. P.; PESSINI, L. Problemas Atuais de Bioética. São Paulo. Edições
Loyola, 1991. 584p.
BARKLEY, Russell A. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade: manual para
diagnostico e tratamento. Porto Alegre: Artmed, 1999. 784p.
BUTCHER J. Cognitive enhancement raises ethical concerns. Lancet [periódico na Internet].
2003 July 12, v. 362, n. 9378, p. 132-133. Disponível em: <http://www.sciencedirect.com/
science?_ob=ArticleListURL&_method=list&_ArticleListID=882482576&_sort=d&view=c
&_acct=C000037238&_version=1&_urlVersion=0&_userid=686218&md5=9d88104e8034a
4467f78a5aa85c3077d. Acesso em: 12 março 2009.
CALDWELL, J.; CALDWELL, L.: Fatigue in military aviation: an overview of U.S. military
Approved Pharmacological Countermeasure. Aviation, Space, and Environmental
Medicine. Alexandria, v.76, n.07, jul. 2004.
CALDWELL, J. et. al.: Modafinil’s effects on simulator performance and mood in pilots
during 37h without sleep. Aviation, Space, and Environmental Medicine. Alexandria, v.
75, n. 09 set. 2004.
95
CALIMAN, L. V. A Biologia Moral da Atenção: A construção do sujeito desatento. 2006.
173p. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) Instituto de Medicina Social, Universidade do
Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
CALIMAN, L.V.; KASTRUP, V. Uses and abuses of Ritalin? Interview with Cynthia Forlini,
Canadian Researcher. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v.60, n.1, 2008.
p.p. 172-175
CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
2006. 307p.
CAPLAN, A. Is better best? Scientific American, New York, v. 289 i.3, sep 2003. p 104-
105.
CAPLAN, A., ELLIOTT, C.: Is it ethical to use enhancement technologies to make us better
than well? The PloS Medicine [periódico em Internet]. v.1, n.3, 2004. Disponível em:
http://www.plosmedicine.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pmed.0010052.
Acesso 12 de março de 2009. doi:10.1371/journal.pmed.0010052.
CARLINI, Elisaldo A. et al . Metilfenidato: influência da notificação de receita A (cor
amarela) sobre a prática de prescrição por médicos brasileiros. Rev. psiquiatr. clín., São
Paulo, v. 30, n. 1, 2003. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
60832003000100002&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 17 mar. 2009. doi: 10.1590/S0101-
60832003000100002.
CHATTERJEE A. Cosmetic neurology: the controversy over enhancing movement,
mentation, and mood. Neurology, Philadelphia, v. 63, n. 6, 2004 sep 28. p.968-974.
CICCHETTI, D. The emergence of developmental Psychopathology. Child Development,
Ann Arbor, v. 55, n. 1, feb. 1984, pp. 1-7.
CONCERTA®. Bula. Janssen-Cilag Farmacêutica Ltda. Disponível em:
http://www.medicinanet.com.br/bula/1641/concerta.htm. Acesso em 15 jun. 2008.
96
COSTA, J. F. O vestígio e a aura: o corpo e o consumismo na moral do espetáculo. Rio de
Janeiro: Garamond, 2004. 242p.
CRUZ NETO, O.; MOREIRA, M. R.; SUCENA, L. F. M. Grupos focais e pesquisa social
qualitativa: o debate orientado como técnica de investigação. XIII ENCONTRO DA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS POPULACIONAIS - ABEP, 4 a 8 de
novembro de 2002, Ouro Preto. Anais... Ouro Preto, 2002. Compact Disc.
DE ANTONI, C. et al. Grupo focal: Método qualitativo de pesquisa com adolescentes em
situação risco. Arquivos Brasileiros de Psicologia, Rio de Janeiro, v.53 n.2, 2001, p. 38-53.
DILLER, L. The run on Ritalin: attention deficit disorder and stimulant treatment in the
1990s. The Hastings Center Report v. 26, no. 2 (March/April 1996). p.12-18.
EHRENBERG, A. Le culte de la performance. Paris: Hachette Littératures, 1991, 323p.
EHRENBERG, A. La fatigue d’être soi: dépression et société. Paris: Éditions Odile Jacob,
1998. 414p.
EHRENBERG, A. Le sujet cerebral. Esprit (Paris), Nov 2004. P. 74-85.
ELLIOTT, C. American bioscience metes the American dream. The American Prospect, n.
14, 2003, p 38-42.
ELLIOTT, R et al.: Effects of methylphenidate on spatial working memory and planning in
healthy young adults. Psychopharmacology, New York, v. 131, n. 2, may, 1997 p. 196-206
EVERS K. Neuroethics: a philosophical challenge. The American Journal of Bioethics, v.
5, n. 2, 2005. p.31-33. Disponível em: < http://bioethics.net/>. Acesso em: 19 mar. 2009.
FARAH, M. J. Emerging ethical issues in neuroscience. Nature Neuroscience, London,
GB, v.5, n. 11, Nov 2002. p.1123-1129.
FARAH, M. J. Neuroethics: the practical and the philosophical. TRENDS in Cognitive
Sciences, v.9, n. 1, January 2002. p. 34-40.
97
FARAH, M. J. et al. Neurocognitive enhancement: what can we do and what should we do?
Nature Reviews Neuroscience, London, GB, v. 5, 2004. p.421-425. Disponível em:
<http://www.nature.com/nrn/journal/v5/n5/full/nrn1390.html> Acesso em: 17 mar. 2009.
doi: 10.1038/nrn1390.
FARAH, M.J.; WOLPE, P.R. Monitoring and manipulating brain function: new neuroscience
technologies and their ethical implications. Hastings Center Report. v. 34, no. 3 (May/Jun
2004). p. 35-45.
FORLINI, C.; RACINE, E. Cognitive enhancement, lifestyle Choice or Misuse of
Prescription Drugs? Ethics blind spots in current debates. Neuroethics, Brief Comunication,
sep 2008.
FUKUYAMA, F. Nosso futuro pós-humano: conseqüências da revolução da biotecnologia.
Rio de Janeiro: Rocco, 2003. 268p.
GLANNON, W. Neuroethics. Bioethics, Oxford, v. 20, n. 1, 2006. pp 37-52.
GREELY, H. et al. Towards responsible use of cognitive-enhancing drugs by the healthy.
Nature, London, v. 456, n. 7223. 11 December 2008, p. 702-705. Disponível em:
<http://www.nature.com/nature/journal/v456/n7223/full/456702a.html>. Acesso em 22 dez
2008. doi:10.1038/456702a
HALL, K et al.: Illicit Use of Prescribed Stimulant Medication Among College Students
Journal of American College Health, v. 53, n. 4, Jan/Feb 2005, pp. 167-174.
HALL, W. Feeling ‘better than well’: can our experiences with psychoactive drugs help us to
meet the challenges of novel neuroenhancement methods? EMBO reports, v. 5, n. 12,
December 2004. pp. 1105-1109. Disponível em
http://www.nature.com/embor/journal/v5/n12/full/7400303.html Acessado em: 19 de março
de 2009.
doi:10.1038/sj.embor.7400303.
HALL, W.; CARTER, L.; MORLEY, K.I. Neuroscience research on the addictions: a
prospectus for future ethical and policy analysis. Addictive Behaviors, Oxford, v. 29, n. 7,
2004. p.1481-1495.
98
HYMAN, S. Improving our brains? Biosocieties, v. 1, n 1, march 2006. p. 103-111.
Disponível em:
<http://journals.cambridge.org/action/displayAbstract?fromPage=online&aid=413126>
Acesso em 19 de março de 2009. doi:10.1017/S1745855205040068, Published online by
Cambridge University Press 13 Mar 2006.
HYMAN, S. Ethical issues in psychopharmacology: research and practice. NEUROETHICS:
MAPPING THE FIELD, May 13-14, 2002, San Francisco. Conference Proceedings. San
Francisco: The University of Chicago Press, 2004. Pp. 135-143. Disponível em:
http://www.press.uchicago.edu/presssite/metadata.epl?mode=synopsis&bookkey=21798.
Acesso em: 19 mar. 2009.
ILLES, J.; RAFFIN, T.A. Neuroethics: an emerging new discipline in the study of brain and
cognition. Brain & Cognition, v. 50, n. 3, Dec 2002 Dec. p.341-344.
KATZ, R. FDA: evidentiary Standards for drug development and approval. NeuroRx: The
Journal of the American Society for Experimental NeuroTherapeutics. Montreal, v. 1, n.
3, july 2004. p. 307-316.
KNOPPERS, B.M. Neuroethics, new ethics? The American Journal of Bioethics, v. 5, n. 2,
March 2005. p. 33.
KRAMER, P. Ouvindo o Prozac: Uma abordagem profunda e esclarecedora sobre a “pílula
da felicidade”. Rio de Janeiro: Record, 1994. 398p.
KRUEGER, R.A. Focus groups: a practical guide for applied research. Newbury Park:
Sage Publications, 1988. 197p.
LIMA, C. Somos todos desatentos? O TDA/H e a construção de bioidentidades. Rio de
Janeiro: Relume Dumará, 2005. 100p.
LOW, K.G.; GENDASZEK, A.E. Illicit use of psychostimulants among college students: a
preliminary study. Psychology, Health & Medicine, v. 7, n. 3, 2002. p. 283 - 287.
MAGUIRE, JR.G.Q.; MCGEE, E.M. Implantable brain chips? Time for debate. Hastings
Center Report. v. 29, n. 1 (Jan/Fev, 2004). p. 7-13.
99
MAHER, B. Poll results: look who’s dopping. Nature, n. 452, April 2008 p. 674-675.
MARTIN, E. The Pharmaceutical Person. Biosocieties v. 1, n. 1, October - 2006. p. 273-287.
MAURON, A. Renovating the House of Being. Genomes, Souls, and Selves. Annals of the
New York Academy of Sciences, v.1001, n. 1, October - 2003. p.240-251.
MEHTA, M. A et al.: Methylphenidate enhances working memory by modulating discrete
frontal and parietal lobe regions in the human brain. The Journal of Neuroscience, v. 20, n.
6, march - 2002. pp. 1-6.
MINAYO, M.C.S. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo:
HUCITEC; Rio de Janeiro: ABRASCO, 1992. 269p.
MORENO, J.D. Neuroethics: an agenda for neuroscience and society. Nature Reviews
Neuroscience, vol. 4, February – 2003. p. 149-153.
MORGAN, D. Focus groups as qualitative research. London: Sage Publications, 1997, 80p.
MOYNIHAN, R.; HENRY, D. The fight against Diease Mongering: Generating Knowledge
for Action. PloS Medicine. v.3, n. 4, Abril, 2006. p. e191. Disponível em:
http://www.plosmedicine.org/article/info:doi/10.1371/journal.pmed.0030191 Acesso 06
janeiro 2009.
NEUROETHICS: MAPPING THE FIELD, May 13-14, 2002, San Francisco. Conference
Proceedings. San Francisco: The University of Chicago Press, 2004. 367p. Disponível em:
http://www.press.uchicago.edu/presssite/metadata.epl?mode=synopsis&bookkey=21798.
Acesso em: 19 mar. 2009.
ONU, International Narcotics Control Board. Psychotropic Substances- Statistics for 2006:
Assessments of Annual Medical and Scientific Requirement. Março, 2008. 378p.
Disponível em http://www.incb.org/pdf/technical-reports/psychotropics/2008/psy_2008.pdf
acesso em 02 março 2009
ORTEGA, F., VIDAL, F. Mapeamento do sujeito cerebral na cultura contemporânea.
RECIIS, Rio de Janeiro, v. 1, n. 2, 2007. p. 257-261. Disponível em:
<http://www.reciis.cict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/90>. Acesso em: fev. 2008.
100
PARENS, E. How far will the term enhancement get us as we grapple with new ways to
shape our selves? NEUROETHICS: MAPPING THE FIELD, May 13-14, 2002, San
Francisco. Conference Proceedings. San Francisco: The University of Chicago Press,
2004. pp. 152-158. Disponível em:
http://www.press.uchicago.edu/presssite/metadata.epl?mode=synopsis&bookkey=21798.
Acesso em: 19 mar. 2009.
PIGNARRE, P. O que é o medicamento? Um objeto estranho entre ciência, mercado e
sociedade. São Paulo: Ed. 34, 1999. 152p.
PRESIDENT’S COUNCIL ON BIOETHICS (US). Beyond therapy: biotechnology and
the pursuit of happiness. Washington, DC, 2003. [330p.] Disponível em:
http://www.bioethics.gov/reports/beyondtherapy Acesso em: 19 mar. 2009.
PRUDHOMME WHITE et. al.: Stimulant Medication Use, Misuse, and Abuse in an
Undergraduate and Graduate. Journal of American College Health, v. 54, n. 5, Mar/Apr
2006. pp. 261-268.
RACINE, E.; ILLES, J. Imaging or imagining? A neuroethics challenge informed by
genetics. The American Journal of Bioethics, v. 62, n. 7, 2005. p.715-22. Disponível em:
< http://bioethics.net/>. Acesso em 19 mar. 2009.
RACINE, E.; ILLES, J. Neuroethical responsibilities. Canadian Journal of Neurological
Sciences, Calgary, CA., v. 33, n. 3, 2006. p.269-77.
RITALINA®. Bula. Novartis Biociências S/A. Disponível em:
www.bulas.med.br/index
acesso em 15 junho 2008
ROHDE, Luis A.; HALPERN, Ricardo. Transtorno de déficit de atenção/hiperatividade:
atualização. J. Pediatr. (Rio J.), Porto Alegre, v. 80, n. 2, abr. 2004. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0021-
75572004000300009&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 20 set. 2009. doi: 10.1590/S0021-
75572004000300009.
ROSE, N. Disorders without borders? The expanding scope of psychiatric practice.
Biosocieties, vol. 1, n. 4, December 2006. p. 465-484. Disponível em:
101
<http://journals.cambridge.org/action/displayIssue?jid=BIO&volumeId=1&issueId=04&iid=5
70524>. Acesso em: 19 mar. 2009. doi:10.1017/S1745855206004078, Published Online by
Cambridge University Press 05 Dec 2006.
ROSE, N. The neurochemical self and its anomalies. ERICSON, R.; DOYLE, A. (Ed). Risk
and Morality. Toronto: University of Toronto Press. 2003. p. 407-437.
ROSE, S. The future of the brain: the promise and perils of tomorrow’s neuroscience. New
York: Oxford University Press. 2005. 344p.
ROSENBERG, C. Contested Boundaries: psychiatry, disease, and diagnosis. Perspectives
in Biology and Medicine, Chicago, Ill., v. 49, n. 3, Summer 2006. p.407-424.
ROSKIES A. Neuroethics for the new millenium. Neuron. v. 35, n. 1, 2002. pp. 21-23.
SCHICK, A. Neuro exceptionalism? The American Journal of Bioethics, v. 5, n. 2, March
2005. p. 36 - 38.
SENTENTIA,W. Neuroethical considerations: cognitive liberty and converging technologies
for improving human cognition. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1013,
May - 2004. pp. 221-228.
SERPA JR, O. Indivíduo, organismo e doença: a atualidade de “o normal e o patológico”
de Georges Canguilhem.
Disponível em:
http://www.puc-rio.br/sobrepuc/depto/psicologia/Octavio.html. Acesso em: 20 jun. 2007.
SFEZ, L. A saúde perfeita: crítica de uma nova utopia. São Paulo: Brasil, 1996. 403p.
SINGH, I. Not just Naughty: 50 years of stimulant drug advertising. In: TONE, A.,
WATKINS, E. Medicating Modern America: prescriptions drugs in history. New York:
NYU Press, 2007. 262p.
SINGH, I.: Will the “real boy” please behave: dosing dilemmas for parents of boys with
ADHD. The American Journal of Bioethics, v. 5, n. 3, may 2005. pp. 34-47.
SINGH, I., ROSE, N. Neuro-forum: an introduction. Biosocieties, v. 1, n. 1, 2006. p.97-
102. Disponível em:
102
<http://journals.cambridge.org/action/displayFulltext?type=6&fid=414350&jid=&volumeId=
&issueId=&aid=413146>. Acesso em: 19 mar. 2009. doi: 10.1017/S1745855205050192,
Published online by Cambridge University Press 13 Mar 2006.
SOLANTO, M.: Neuropsychopharmacological mechanisms of stimulant drug action in
attention-deficit hyperactivity disorder: a review and integration. Behavioural Brain
Research, n 94, 1998, pp. 127-152.
TETER, C. et. al.: Prevalence and Motives for Illicit Use of Prescription Stimulants in an
Under. Journal of American College Health, v. 53, n. 6, May/Jun 2005. pp. 253-262.
TETER, C. et. al.: Illicit Use of Specific Prescription Stimulants Among College Students:
Prevalence, Motives, and Routes of Administration. Pharmacotherapy, v. 26, n.10, 2006. pp.
1501–1510.
THE MTA COOPERATIVE GROUP: A 14-mongh randomized clinical trial of treatment
strategies for Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Arch Gen Psychiatry, v. 56,
December/1999. pp. 1073-1086.
TOI TE TAIAO: The Bioethics Council (N.Z.). Neuroethics: a literature review.
Wellington, N.Z., July 2006. [14p.] Disponível em:
http://www.bioethics.org.nz/publications/neuroethics-review-jul06/index.html. Acesso em:
19 mar. 2009.
TURNER, D.; SAHAKIAN, B. Neuroethics of cognitive enhancement. Biosocieties, v. 1, n.
1, march 2006, pp. 113-123.
VEIGA, L.; GONDIM, S.M.G. A utilização de métodos qualitativos na ciência política e no
marketing político. Opinião Publica, Campinas, v. 7, n. 1, 2001. p. 1-15. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
62762001000100001&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 20 mar. 2009. doi: 10.1590/S0104-
62762001000100001
WILFOND, B.S.; RAVITSKY, V. On the proliferation of bioethics subdisciplines: do we
really need “Genethics” and “Neuroethics”? The American Journal of Bioethics, v. 5, n. 2,
march 2005. pp. 20-21.
103
WOLPE, P.: Treatment, enhancement, and the ethics of neurotherapeutics. Brain and
Cognition, v. 50, n. 3, 2002. pp. 387-395.
Outras fontes:
Site da Revista Nova Escola
http://revistaescola.abril.com.br/edicoes/0202/aberto/mt_233693.shtml acesso em 05.01.2008
Site
www.orkut.com
acesso em 05.01.2008
Blog http://www.ritaeutequero.blogspot.com acesso em 05.01.2008
The Meeting of the Minds,
http://www.meetingmindseurope.org/europe_default_site.aspx?ID=13&SGREF=13
104
APÊNDICE A - QUESTIONÁRIO
Participante: (código alfanumérico)
1. Participante: ___________________________________________
2. Idade: _____
3. Sexo:
( ) masculino
( ) feminino
4. Nível de Instrução:
( ) Segundo Grau ( ) Nível Técnico ( ) Universitário
( ) Graduação
( ) Mestrado
( ) Doutorado
( ) Pós-doutorado
5. Ocupação: ________________________________________
6. Você assina alguma revista ou jornal?
( ) Sim Qual ou quais :___________________________________________
( ) Não
7. Você tem interesse em ler sobre ciência popular?
( ) Sim
( ) Não
8. Você no presente momento recebe a prescrição para usar Ritalina?
( ) Sim
( ) Não
9. Você em algum momento recebeu a prescrição para usar Ritalina?
( ) Sim
( ) Não
105
10. Você conhece alguém com prescrição para usar Ritalina?
( ) Sim
( ) Não
11. Você alguma vez experimentou Ritalina com uma finalidade não-médica?
( ) Sim
( ) Não
12. Você conhece alguém que experimentou Ritalina com uma finalidade não-médica?
( ) Sim
( ) Não
13. Alguma vez você leu ou ouviu sobre Ritalina usada com uma finalidade não-médica antes
de participar desse projeto?
( ) Sim
( ) Não
14. Caso negativo, você sente como se isso fosse alguma coisa que você gostaria de ter tido
conhecimento?
( ) Sim
( ) Não
( ) N/A
106
APÊNDICE B – PERFIL DOS PARTICIPANTES DOS GRUPOS FOCAIS
1. Participantes ( 20 )
2. Média de Idade: 21 anos e 6 meses
3. Sexo: ( 07 ) homens ( 13 ) mulheres
4. Nível de Instrução: ( 20 ) Universitário
5. Ocupação: estudantes
6. Assinantes de revista ou jornal? ( 04 ) Sim ( 16 ) Não
7. Interesse em ler sobre ciência popular? (19 ) Sim ( 01 ) Não
8. No momento, recebe a prescrição para usar Ritalina®? ( 0 ) Sim ( 20 ) Não
9. Em algum momento recebeu a prescrição para usar Ritalina®? ( 0 ) Sim ( 20) Não
10. Conhece alguém com prescrição para usar Ritalina®? ( 01 ) Sim ( 19 ) Não
11. Já experimentou Ritalina® com uma finalidade não-médica? ( 0 ) Sim ( 20 ) Não
12. Conhece alguém que experimentou Ritalina® com uma finalidade não-médica? ( 03 ) Sim
( 17 ) Não
13. Alguma vez leu ou ouviu sobre Ritalina® usada com uma finalidade não-médica antes de
participar desse projeto? ( 02 ) Sim ( 18 ) Não
14. Caso negativo, você sente como se isso fosse alguma coisa que você gostaria de ter tido
conhecimento? ( 16 ) Sim ( 01 ) Não ( 01 ) N/A
107
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, ________________________________________________, R.G:
_________________, declaro, por meio deste termo, que concordei em ser entrevistado(a) na
pesquisa de campo referente a pesquisa intitulada O uso do metilfenidato como
performance enhancer desenvolvida pelo Instituto de Medicina Social (IMS) da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Fui informado(a), ainda, de que a pesquisa
é coordenada por Francisco Javier Guerrero Ortega, a quem poderei contatar a qualquer
momento que julgar necessário através do telefone 2587-7303 ou pelo e-mail
Afirmo que aceitei participar por minha própria vontade, sem receber qualquer
incentivo financeiro e com a finalidade exclusiva de colaborar para o sucesso da pesquisa. Fui
informado(a) dos objetivos estritamente acadêmicos do estudo, que, em linhas gerais é:
explorar o entendimento e as reações públicas em relação ao uso de metilfenidato por
estudantes universitários para aprimorar o desempenho cognitivo.
Fui também esclarecido(a) de que os usos das informações por mim oferecidas estão
submetidos às normas éticas destinadas à pesquisa envolvendo seres humanos, da Comissão
Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da
Saúde.
Minha colaboração se fará de forma anônima, por meio de preenchimento de um
questionário e participação em grupo focal a ser gravada a partir da assinatura desta
autorização. O acesso e a análise dos dados coletados se farão apenas pelo pesquisador
responsável e sua equipe.
Estou ciente de que, caso eu tenha dúvida ou me sinta prejudicado(a), poderei contatar
o pesquisador responsável, ou ainda o Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Medicina
Social da UERJ (CEP-IMS), situado na Rua São Francisco Xavier, 524 - sala 7.003-D,
Maracanã, Rio de Janeiro (RJ), CEP 20559-900, telefone (x-21) 2587-7303 ramal 248 ou 232
e fax (x-21) 2264-1142.
O pesquisador desta pesquisa me ofertou uma cópia assinada deste Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, conforme recomendações da Comissão Nacional de Ética
em Pesquisa (CONEP).
Fui ainda informado(a) de que posso me retirar dessa pesquisa a qualquer momento,
sem prejuízo para meu acompanhamento ou sofrer quaisquer sanções ou constrangimentos
Rio de Janeiro, ____ de _________________ de _____
Assinatura do(a) participante: ______________________________
Assinatura do pesquisador: ____________________________
108
APÊNDICE D – GUIA DO GRUPO FOCAL
Perguntas
Parte 1:
Comentários gerais sobre
aprimoramento cognitivo
1. (10 min) Os artigos são sobre o quê?
a) Isso é abuso? (por que sim/por que não?)
b) Isso é aprimoramento?
c) Isso é uma escolha de estilo de vida?
2. (5 min) Você ficou surpreso por isto estar acontecendo?
a) Você acha que é freqüente/ raro?
b) Você acha que é aceitável/discutível?
Parte 2:
Preocupação com questões éticas, sociais e legais relacionadas
ao aprimoramento cognitivo.
3. (12 min) Você tem alguma preocupação sobre o que é
descrito nos artigos? Por quê? (Por que não?)
a) É seguro?
b) É ilegal?
4. (12 min) Existe algum risco?
a) Riscos fisiológicos?
b) Riscos psicológicos?
c) Essas práticas são sustentadas por pesquisas
científicas? (confiabilidade de pesquisa)
5. (12 min) As práticas descritas nos artigos são diferentes
daquelas utilizadas nos esportes para melhorar a
performance (o rendimento)? Como?
a) É trapaça/ desonesto?
b) Essa performance é da própria pessoa
(autenticidade)?
109
Parte 3:
Aspectos sociais e de cuidados da saúde
6. (12 min) A Ritalina deveria estar disponível para todos
para uso não-medicinal? Por quê? (Por que não?)
a) Isso mudará práticas sociais e instituições?
Como? (significado social)
b) Poderia haver problemas em relação a uma
distribuição justa? (injustiça)
c) Essas práticas ocorrem devido a interesses
comerciais? (comercialização)
7. (12 min) Esse fenômeno é um problema social?
a) Isso levará ao abuso?
b) Pode ser causado pelo excesso de prescrição?
c) Isso levará à coerção (autonomia)?
8. (5 min) Você acha que há medidas que podem ser tomadas
para prevenir ou resolver esse fenômeno? (regulação)
Parte 4:
Conteúdo midiático e a mídia como
fonte de informação.
9. (5 min) Baseado na sua leitura e no conteúdo dessa
discussão, qual é sua impressão sobre os artigos?
a) Esses artigos são parciais/tendenciosos?
b) Os artigos apresentam uma perspectiva bem
explicada?
c) Os artigos são realistas?
d) O que você pensa sobre a qualidade da informação
científica?
10. (5 min) Você sentiu que há informações faltando nos
artigos?
Questões para resumo: (3 min)
a) Comece com os principais achados.
b) Reconheça diferentes pontos de vista.
c) Se possível, ofereça uma interpretação.
d) O que não foi falado mas que poderia ser esperado?
e) Cite frases-chave usadas na discussão.
f) Pergunte: “Este resumo está completo?”
(2 min) Há alguma coisa sobre a qual deveríamos ter falado, mas não falamos?
110
APÊNDICE E – GUIA DE CODIFICAÇÃO PARA OS GRUPOS FOCAIS
Efeitos do metilfenidato
Como o metilfenidato
funciona
Declarações sobre o modo de atuação do metilfenidato; o que
causa os efeitos fisiológicos e psicológicos ou porque ele produz
tais efeitos.
Vicio / Adição Afirmações sobre a dependência (fisiológica ou psicológica) do
metilfenidato. Tais declarações podem incluir advertências sobre a
dependência ou sobre sua desensibilização.
Efeitos fisiológicos
positivos
Afirmações sobre como o metilfenidato afeta positivamente
processos biológicos do usuário. Tais efeitos podem incluir
vigilância prolongada, aumento no nível de energia ou falta de
efeitos negativos de outros estimulantes como o efeito diurético do
café.
Efeitos fisiológicos
negativos
Afirmações sobre como o metilfenidato afeta negativamente os
processos biológicos do usuário. Tais efeitos incluem palpitações
cardíacas, aumento na pressão sanguínea, e perda de sono e
apetite.
Efeitos psicológicos
positivos
Afirmações sobre os efeitos psicológicos positivos do
metilfenidato sobre o comportamento do usuário. Tais efeitos
incluem aumento no estado de alerta, concentração, memória e
segurança (aspectos mais cognitivos propriamente)
Efeitos psicológicos
negativos
Afirmações sobre os efeitos negativos do metilfenidato sobre o
comportamento do usuário. Tanto durante seu uso como pela falta
de uso. Tais efeitos incluem depressão com a abstinência, psicose,
agressão, ansiedade, alucinações e paranóia.
Efeito positivo
inespecífico
Quando é citado um efeito positivo do metilfenidato sem que este
seja especificado como físico ou psicológico.
Efeito negativo
inespecífico
Quando é citado um efeito negativo do metilfenidato sem que este
seja especificado como físico ou psicológico.
Para que o metilfenidato é usado?
Uso Médico Metilfenidato é usado para tratamento de TDAH
Uso Recreativo Metilfenidato é usado para recreação
Uso para Estudo Metilfenidato é usado para ajudar no estudo
Uso Não-médico Metilfenidato é usado fora a indicação médica
111
Assuntos Éticos, Sociais, Legais
(-): crítica (+): defesa (-/+): neutro
Abuso
Afirmativas sobre o mal uso do metilfenidato mas diferente de
dependência da droga. Por exemplo, usado para qualquer outra
coisa que não seja o tratamento de TDAH. As afirmativas
precisam qualificar explicitamente como abuso. Essa categoria
inclui advertências sobre o potencial para o abuso por
profissionais de saúde. Idealmente, afirmativas contrastam o que é
intencionado como uso e a forma na qual está sendo mal usada. (O
abuso é sempre da parte do usuário.)
Trapaça Afirmativas sobre o aprimoramento cognitivo através do
metilfenidato oferecer ou não uma vantagem desleal.
Comparação de
Metilfenidato a esteróides
ou outras formas
tradicionais de
aprimoramento
Afirmativas fazendo a comparação entre o metilfenidato e outras
substâncias como esteróides ou outras formas tradicionais de
aprimoramento.
Ilegalidade Afirmativas fazendo a menção sobre a ilegalidade do uso não
prescrito do metilfenidato.
Excesso de prescrição
Afirmativas sobre o hábito de médicos prescreverem
metilfenidato.
Sentido social
(SP): Pressão social
para atuar
(M): Medicalização
Afirmações realçando o impacto dos valores e práticas sociais para
o aprimoramento cognitivo com o metilfenidato como também o
impacto do aprimoramento cognitivo com metilfenidato nos
valores e práticas sociais. Os impactos incluem a medicalização da
condição humana e a emergência da pressão social para atuar.
Autenticidade,
identidade e
pessoalidade
Afirmativas sobre o efeito do aprimoramento cognitivo no senso
de si mesmo no indivíduo. As afirmativas incluem dois aspectos.
O primeiro: se a atuação (performance) da pessoa que usou o
Metilfenidato é dela própria (autêntica) ou é apenas o efeito da
droga (não autêntica). O segundo: se a pessoa mantém (autêntico)
ou não (não autêntico) a mesma “identidade” depois que toma esse
medicamento.
Autonomia, direitos
individuais e livre
consentimento
Afirmativas sobre como a prática do aprimoramento cognitivo
concorda ou discorda com o direito da pessoa escolher por ela
mesma. Os participantes pensam que as pessoas são forçadas a
usar (coerção) ou eles pensam que as pessoas podem escolher por
elas mesmas (autonomia).
Comercialização Afirmativas sobre o envolvimento dos negócios na prática do
aprimoramento cognitivo.
Injustiça, acesso e
equanimidade
Afirmativas sobre questões de justiça, distribuição e direitos. Esse
código trata da questão da difundida disponibilidade do
Metilfenidato. Todos devem ter igual acesso a essa droga para
aprimoramento neurocognitivo?
Regulação, governo e Debate sobre quem deveria distribuir. (Esse código é tratado um
112
políticas pouco diferente dos outros.) Qualquer menção sobre o que as
regras deveriam levar em consideração ao tratar do uso do
metilfenidato para o aprimoramento cognitivo. Deveriam existir
regras? Que regras seriam? Quem deveria ser encarregado?
Segurança Afirmações sobre possíveis efeitos colaterais do aprimoramento
farmacológico. Inclui menção a falta de dados de longa-data.
Como as pessoas procuram metilfenidato
Mercado negro Estudantes que usam metilfenidato para aprimoramento cognitivo
compram pílulas ilegalmente no mercado negro. Farmácias de rua
que fazem a venda sem a necessidade de apresentação da receita
especial e vendas pela internet sem ser farmácia de internet são
codificadas aqui também.
De outros estudantes
com prescrições
Estudantes que usam metilfenidato para aprimoramento cognitivo
compram pílulas de estudantes que têm legítimas prescrições.
Simulando sintomas
de TDAH
Estudantes vão aos médicos e simulam os sintomas de TDAH para
receber prescrições legítimas para uso ilegítimo.
Farmácias de Internet Estudantes usando metilfenidato para aprimoramento cognitivo
pedem pílulas pelas farmácias de internet.
Outro Ex. Furto, (facilidade de acesso).
Informação sobre TDAH
O que é TDAH Definição médica para TDAH
Estatísticas de
ocorrência de TDAH
Quantas pessoas (crianças e adultos) são diagnosticados com
TDAH?
Prevenção
Prevenção
(C): Desafios
(S): Soluções
Descrição das medidas tomadas pelas instituições legais de
controle e administrações universitárias para prevenir início e
difusão do abuso. Inclui desafios/dificuldades que encontrarão
Referências científicas
Referências
científicas
Estudos científicos publicados que são citados na mídia impressa.
Aprimoramento Cognitivo
Alvos do
aprimoramento
cognitivo
Para que o aprimoramento cognitivo é usado
Definições Definições de aprimoramento cognitivo
Distinção tratamento-
aprimoramento
Menção da dificuldade de atribuir o uso da prescrição de drogas
como tratamento ou aprimoramento
113
Descrição Social
Quem Pessoas ou grupo de pessoas que usam o metilfenidato para o
aprimoramento cognitivo. (Exemplo: Comunidade Acadêmica)
Onde Lugares (Paises, instituições, contexto) onde o aprimoramento
cognitivo com metilfenidato tem lugar. (Exemplo: Universidade)
Quando Continuidade temporal do fenômeno do aprimoramento cognitivo
com metilfenidato.
Extensão
(F): Frequente
(R): Raro
(A): Aceito
(Q): Questionável
Freqüência/raridade do fenômeno do aprimoramento cognitivo
com metilfenidato (quantidade)
Aceito/questionável trata do grau de aceitação por vários grupos
(valor moral).
Integração social Emergência do aprimoramento cognitivo na sociedade. Pode
incluir referências aos métodos passados de aprimoramento
cognitivo em comparação àqueles usados agora.
Mídia
Os artigos são
tendendiosos /
parciais
(-) não ou (+) sim
Os artigos
apresentam uma
prespectiva bem
explicada
(-) não ou (+) sim
Esse código se refere aos comentarios dos participantes sobre a
perspectiva dos artigos. Se os artigos são muito claros (se são
artigos bons ou ruins), se são ambíguos ou se os artigos
apresentam todos os argumentos (riscos, benefícios e questões
éticas) associados a prática.
Artigos são realistas (-) não ou (+) sim
Esse código inclui todas as frases que tratam se artigos há (ou não)
nos uma descrição precisa da realidade do aprimoramento
cognitivo
Qualidade da
informação científica
apresentada nas
matérias
(-) não ou (+) sim
Vc sente que há
informações
faltando?
(-) não ou (+) sim
Esse código trata de todas as informações que os participantes
gostariam de ter lido nos artigos.
Sobre os participantes
Surpreso com esse uso do metilfenidato (-) não surpreso
(+) sim surpreso
Participantes sobre o grupo focal
O que acharam de participar do grupo focal
114
APÊNDICE F – TABELA DE QUANTIDADE DE CITAÇÕES POR CATEGORIAS
Categoria (ordem decrescente de quantidade de citações) Fontes Total GF 2 GF 3 GF 4
Pressão Social para atuar 3 47 12 17 18
Segurança 3 34 9 14 11
Alvos 3 22 9 7 6
Comparação de Metilfenidato a esteróides ou outras formas
tradicionais de aprimoramento
3 22 6 6 10
Autonomia, direitos individuais e livre consentimento 3 18 3 4 11
Comercialização 3 17 5 5 7
Vício 3 17 6 6 5
Trapaça, desonestidade, deslealdade 3 17 6 5 6
Injustiça, acesso e equanimidade 3 16 2 6 8
Medicalização 3 16 5 2 9
Autenticidade, identidade e pessoalidade 3 13 3 1 9
Mídia - Falta de Informação 3 13 5 3 5
Prevenção- Soluções (S) 3 13 5 3 5
Descrição Social – Quem 3 11 4 4 3
Mídia - Perspectiva apresentada pelos artigos 3 10 3 3 4
Abuso 3 9 2 5 2
Efeitos Metilfenidato – inespecífico negativo 3 9 1 5 3
Mídia - Informação científica 3 9 2 3 4
Uso metilfenidato – não médico 2 9 - 6 3
Ilegalidade 3 8 3 2 3
Mídia - Artigo Tendencioso ou não 3 7 2 1 4
Prevenção- Desafios (C) 3 7 1 5 1
Uso metilfenidato - estudo 3 7 2 3 2
Excesso de prescrição 3 6 2 3 1
Descrição Social - Extensão - Freqüente (F) 3 6 4 1 1
Uso metilfenidato - médico 3 5 2 2 1
Busca metilfenidato - Outros 3 4 2 1 1
Descrição Social - Extensão - Raro (R) 2 4 - 2 2
Descrição Social - Integração Social 1 4 4 - -
Efeitos metilfenidato - inespecífico positivo 3 4 1 2 1
Participantes surpresos 1 4 - 4 -
Busca metilfenidato - Mercado negro 3 3 1 1 1
Efeitos metilfenidato - fisiológicos positivos 2 3 - 1 2
Regulação, Governo e Políticas 2 2 - 1 1
Aprimoramento Cognitivo - Distinção tratamento-aprimoramento 2 2 1 - 1
Busca metilfenidato - Simulando sintomas de TDAH 1 2 - - 2
Descrição Social - Extensão - Questionável (Q) 2 2 1 - 1
Efeitos metilfenidato - fisiológicos negativos 2 2 1 - 1
Efeitos metilfenidato - psicológicos negativos 2 2 1 - 1
Efeitos metilfenidato - psicológicos positivos 2 2 - 1 1
Participantes sobre Grupo Focal 1 1 1 - -
Aprimoramento Cognitivo - Definições 0 0 - - -
Busca metilfenidato - De outros estudantes com prescrições 0 0 - - -
Busca metilfenidato - Farmácias de Internet 0 0 - - -
Descrição Social - Extensão - Aceito (A) 0 0 - - -
Descrição Social - Onde 0 0 - - -
Descrição Social - Quando 0 0 - - -
Efeitos metilfenidato - como funciona 0 0 - - -
Informação TDAH - Estatísticas de ocorrência de TDAH 0 0 - - -
Informação TDAH - O que é 0 0 - - -
Mídia – Artigo Realista 0 0 - - -
Referências científicas 0 0 - - -
Uso metilfenidato – recreativo 0 0 - - -
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo