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Júlio César Versolato
Rumos da Análise Musical no Brasil
(análise estilística 1919-84)
São Paulo
2008
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Júlio César Versolato
Rumos da Análise Musical no Brasil
(Análise Estilística 1919-84)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista, como requisito parcial
para obtenção do grau de Mestre.
Área de concentração: Musicologia/Etnomusicologia.
Orientadora: Prof
a
. Livre Docente Dorotéa Kerr.
Versolato, Júlio César
V564r
Rumos da análise musical no Brasil : análise estilística
1919-1984 / Júlio César Versolato. - São Paulo : [s.n.], 2008.
125 f.
Bibliografia
Orientador: Prof. Livre-Docente Dorotea Kerr
Dissertação (Mestrado em Música) -
Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Artes.
1. Música – Análise, apreciação. 2. Música – Brasil -
1919-
1984. I. Kerr, Dorotéa. II. Universidade Estadual
Paulista, Instituto de Artes. III. Título.
CDD - 780.15
São Paulo
2008
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Júlio César Versolato
Rumos da Análise Musical no Brasil
(Análise Estilística 1919-84)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Música do Instituto de Artes da
Universidade Estadual Paulista, para obtenção do grau
de Mestre,
Área de concentração: Musicologia/Etnomusicologia.
São Paulo, de de 2008.
Banca Examinadora:
Prof
a
. Dr
a
. Dorotéa Kerr ........................................................................................................
Universidade Estadual Paulista - UNESP
Prof
a
. Dr
a
. Yara Borges Caznok ............................................................................................
Universidade Estadual Paulista - UNESP
Prof. Dr. Rogério Luiz Moraes Costa ....................................................................................
Universidade de São Paulo - USP
4
Dedico este trabalho
a meu pai Valdir
e a minha mãe Minalda
pela ajuda e fé na minha realização
5
Agradecimentos
à Prof
a
. Dorotéa kerr, pela orientação crítica.
Ao Prof. Achille Picchi, pelas conversas sobre análise musical.
Ao pessoal da BIA, Cristina, Sebastiana, Laura, Fabiana e Odair, sempre solícitos.
Aos amigos Ingo, Thaís e Silvia, pela ajuda nas traduções, e conversas sobre o caminho.
A todos os amigos que ajudaram muito, querendo saber e ouvindo o que eu tinha a dizer.
6
É sempre bom lembrar
que um copo vazio
está cheio de ar
Da canção Copo Vazio
7
de Gilberto Gil
RESUMO
RESUMO: Em Rumos da Análise Musical no Brasil - Análise Estilística (1919-84) investiga-se o estado-da-arte
da análise musical no Brasil a partir de textos escritos em língua portuguesa por autores brasileiros ou aqui
radicados, e publicados em forma de livro. Os resultados apresentados referem-se a 42 livros de análise musical
coletados por meio de levantamento bibliográfico, e submetidos a uma crítica externa na qual foram observados
aspectos referentes a cronologia, autenticidade, proveniência, e publicação dos textos; e identificados seus
objetos de estudo e contextos analíticos. Quatro contextos foram indicados: 1. análise estilística crítico-romântica
brasileira (1919-41), 2. análise estilística brasílica (1963-84), 3. análise formalista (1987-2005), 4. nova análise
musical brasileira (1979-2007). Realizou-se uma crítica interna a 16 dos 42 livros coletados, com o propósito de
explicar a natureza dos trabalhos desenvolvidos no contexto da análise estilística crítico-romântica brasileira e da
análise estilística brasílica, e verificar a significação desta última com respeito à criação de um discurso analítico
próprio brasileiro. No referencial teórico apresentado, investiga-se o processo de autonomia da análise musical, e
apresenta-se uma concepção plural de sua definição.
PALAVRAS-CHAVE: Análise musical; Análise estilística brasileira (1919-1984); Estado-da-arte.
8
ABSTRACT
ABSTRACT: In Courses of Musical Analysis in Brazil – Stylistic Analysis (1919-84), the musical analysis state-
of-art in Brazil is investigated trough literature written in Portuguese by brazilian authors (or authors living in
Brazil), published as books. The results presented here refer to 42 books of musical analysis chosen from
bibliographic research, submited to external critics in which chronology, autenticity, origin and publishment
aspects where considered; also study matters and analitical contexts where identified. There have been indicated
four different contexts: 1. Brazilian Stylistic Analysis Critic-romantic (1919-41), 2. Brazilian stylistic analysis
(1963-84), 3. Formal Analysis (1987-2005), 4. New Brazilian Musical Analysis (1979-2007). There has been
done internal critics on 16 of the 42 books, with the purpose of explaining the nature of the developed work in
the critical-romantic brazilian analysis context and Brazilian stylistic analysis, and verify the meaning of that last
one about the birth of an true brazilian analythical speech. In the theoretical reference presented, the process of
musical analysis autonomy is invetigated, and an plural conception of its definition is presented.
KEY-WORDS: Music analysis, Brazilian Stylistic Analysis 1919-84, State-of-art.
9
SUMÁRIO
Introdução ............................................................................................................................... 10
1. Da análise musical .............................................................................................................. 16
1.1. Da autonomia ................................................................................................................... 16
1.2. Definição .......................................................................................................................... 24
2. Livros de análise musical publicados no Brasil .................................................................. 29
3. Análise estilística crítico-romântica brasileira .................................................................... 48
4. Análise estilística brasílica .................................................................................................. 67
Considerações finais ............................................................................................................. 114
Referências Bibliográficas..................................................................................................... 116
Bibliografia ........................................................................................................................... 120
10
Introdução
Rumos da Análise Musical no Brasil (análise estilística, 1919-84), é uma pesquisa na
qual se tem por objetivo determinar o estado da arte da análise musical no Brasil, tendo como
objeto de investigação textos publicados em forma de livro.
Quanto à pesquisa do tipo estado da arte, Sérgio Vasconcelos de Luna considera que:
O objetivo deste tipo de trabalho é descrever o estado atual de uma dada área de
pesquisa: o que já se sabe, quais as principais lacunas, onde se encontram os
principais entraves teóricos e/ou metodológicos. Entre as muitas razões que tornam
importantes estudos com esse objetivo, deve-se lembrar que eles constituem uma
excelente fonte de atualização para pesquisadores fora da área na qual se realiza o
estudo, na medida em que condensam os pontos importantes do problema em
questão (LUNA, 2002, p.82).
Assim, nessa pesquisa tem-se em vista a necessidade de tomar ciência do que foi
realizado na área da análise musical no Brasil e, a partir da observação e descrição de material
bibliográfico específico, ampliar o conhecimento sobre fatos postulados de modo a poder
utilizá-los mais produtivamente em trabalhos posteriores, seja concebendo os mesmos fatos
de maneira inovadora ou ainda seguindo em direções diversas, e evitar incorrer em repetições
e desperdício de tempo e energia com a “invenção da roda”. Outro motivo para a realização
desta pesquisa é o fato de propiciar facilidade de acesso a um tipo de informação útil para os
aspirantes à pós-graduação em um momento no qual o conhecimento de análise musical
passou a ser solicitado nas universidades de forma sine qua non para a realização de trabalhos
de mestrado e doutorado, tanto na área da composição como na da performance e, também,
nas pesquisas musicológicas. Nesse sentido, e para que se atinja um outro estágio de
evolução, faz-se necessário uma reciclagem do conhecimento, processo para o qual concorre
de maneira efetiva um balanço do que foi realizado. Dessa forma, objetiva-se saber em que
circunstâncias realiza-se a pesquisa analítico-musical no Brasil (tempo, lugar e pessoas), quais
os tipos de análise praticados (contextos e métodos analíticos), os objetos abordados, a
finalidade de sua aplicação, e os resultados obtidos.
Entre as especificidades que o objeto livro apresenta pontuando seu interesse para essa
pesquisa pode-se citar:
11
A perspectiva histórica, em virtude de sua ocorrência dar-se ao longo de quase um
século, visto que o livro mais antigo entre os coletados data de 1919 e o mais recente
data de 2007.
A pluralidade ideológica por possibilitar o concurso de autores advindos de outros
ambientes musicais que não apenas o acadêmico e, também, de outras áreas do
conhecimento. Além disso, são apresentados tipos de textos que se diferenciam dos
modelos usuais em teses e dissertações, visto que a ocorrência do livro abrange uma
época em que ainda não havia no Brasil uma produção musicológica acadêmica em
termos estritos. Publicações em forma de livro feitas a partir de teses e dissertações
defendidas em universidades surgiram com a publicação, em 1977, do livro Villa-
Lobos o Choro e os Choros, de José Maria Neves.
O fator de seletividade pressuposto que pode ser indício de uma certa excelência do
texto visto que nem todos os trabalhos aprovados nos programas de pós-graduação e
de iniciação científica recebem indicação para publicação, e que os trabalhos
originários de outros meios têm que passar pelo crivo do mercado.
O fator comunicacional, considerando-se que o livro parece ser o suporte material
mais propício para a disponibilização em larga escala desse tipo de conhecimento a
despeito da existência de revistas científicas e anais de congressos, mesmo porque
estes veiculam textos de menor extensão, e dos acervos on-line, estes ainda recentes.
O recorte estabelecido a partir das circunstâncias acima citadas.
Esta pesquisa foi realizada em duas fases. Na primeira, tratou-se da definição do
objeto e da coleta do material para pesquisa e, na segunda, realizou-se a observação e
descrição desse material. Quanto à definição do objeto determinou-se que os textos a serem
investigados devem apresentar as seguintes características:
Constituir exemplo enfático e significativo de aplicação da análise musical em
qualquer uma de suas formas, métodos ou técnicas.
12
Ter a análise musical como motivação principal estudo de obra ou conjunto de
obras, estudo de método analítico – ou como instrumento vital para se atingir objetivos
referentes a outras disciplinas musicológicas comprovação de princípios teóricos,
fundamentação de argumento estético, justificação de procedimentos interpretativos,
caracterização de estilo.
Apresentar análises de obras “reais” na íntegra ou em parte e não de exemplos
criados com o propósito de configurar uma situação “ideal”.
Estarem no contexto da tradição da música européia ou da chamada “música
erudita” por entender-se que esta constitui um campo de estudo específico que se
diferencia, por exemplo, do estudo da música popular ou folclórica, mais próprios do
campo da etnomusicologia.
Terem sido escritos em forma de ensaio, monografia, dissertação, tese, ou qualquer
outro tipo de texto, de média a grande extensão, e que constituam todo um livro ou, ao
menos, parte substancial de uma publicação. Excluem-se, por exemplo, artigos ou
resenhas, mesmo que agrupados em coletâneas.
Terem sido escritos em língua portuguesa por autores brasileiros ou aqui radicados.
A coleta do material consistiu na realização de um levantamento bibliográfico no qual
foram relacionados 42 livros de análise musical. Os livros foram rastreados por meio de
consultas via internet à base de dados RILM e aos sites da Biblioteca Nacional e da Academia
Brasileira de sica; por contato telefônico junto às editoras Annablume, Ateliê Editorial,
Musa Editora, Editora Perspectiva, Via Lettera, Unesp, Edusp, Editora da Unicamp, e ao
Museu Villa-Lobos; por meio de coleta in loco nas Bibliotecas do IA/UNESP, da ECA/USP,
e na Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural São Paulo. Quanto ao rastreamento do
material, foram procuradas publicações que apresentam a palavra-chave ‘análise musical’, ou
que associam ao termo ‘música’ outros termos como: crítica, interpretação, apreciação,
estética, filosofia, e outros que tais. Nas bibliotecas procurou-se os livros com classificação
780.15 e similares. Dessa forma, procurou-se elencar não os textos que têm a análise
13
musical como foco principal, mas também aqueles que a utilizam para atingir outros
objetivos.
A segunda fase da pesquisa consistiu na observação e descrição do material coletado,
com o fim de apresentar um panorama geral dessa produção e narrar sua história. Adotou-se o
tipo de observação livre ou semi-estruturada, na qual o referencial teórico não antecede
totalmente o planejamento e a realização da pesquisa, mas vai sendo construído através de
procedimentos sucessivos de interação prática com a realidade a ser analisada (FREIRE,
2007, p.28). Nessa descrição empregou-se uma adaptação dos procedimentos metodológicos
de crítica externa e interna de material bibliográfico, propostos por Lakatos e Marconi (1995),
especificados a seguir.
Crítica externa do material bibliográfico é aquela na qual se focaliza o significado, a
importância e o valor histórico de um documento, considerado em si mesmo e em
função do trabalho que está sendo elaborado (SALOMON In: LAKATOS, 1995,
p.48).
Crítica interna do material bibliográfico é aquela na qual se aprecia o sentido e o valor
do conteúdo (LAKATOS, 1995, p.49).
Com respeito à crítica externa foram determinados para observação aspectos referentes
à autenticidade, proveniência, e publicação dos textos, em uma acepção derivada das
propostas metodológicas de Lakatos e Marconi (1995); e a partir das características
apresentadas pelo próprio objeto decidiu-se, também, pela observação de aspectos
cronológicos, objetos de estudo, e contextos analíticos. Para a melhor visualização desses
dados foram estruturadas quatro tabelas, a partir das quais teceu-se uma narrativa.
Tabela 1 – Cronologia (data / título / autor).
Tabela 2 – Publicação (título / local / editora / edição / tiragem / disponibilidade).
Tabela 3 – Autoria (motivação / título / autor).
Tabela 4 – Compositores e obras (compositor / título / obra).
Tabela 5 – Contexto analítico (contexto / título, autor, data).
14
Durante a realização dessa crítica externa detectou-se um momento específico do
desenvolvimento da análise musical no Brasil, a partir do qual foi formulada uma hipótese de
configuração de um determinado tipo de análise estilística nessa pesquisa denominado de
análise estilística brasílica que apresenta características específicas, podendo constituir um
primeiro passo na direção da criação de um discurso analítico próprio brasileiro. Procedeu-se,
então, com a verificação dessa hipótese por meio da realização de uma crítica interna a 16 dos
42 livros coletados, 6 concernentes ao contexto da análise estilística brasileira crítico-
romântica, e 10 ao contexto da análise estilística brasílica.
Com respeito a essa crítica interna também concebida a partir dos pressupostos
metodológicos indicados por Lakatos e Marconi (1995) determinou-se para observação
aspectos referentes à interpretação e avaliação do conteúdo dos textos.
Quanto aos aspectos referentes à interpretação focalizou-se os contextos e métodos de
análise musical. A determinação dos contextos foi feita por meio da comparação entre as
características da análise musical apresentada nos livros coletados e as características da
análise realizada em contextos historicamente reconhecidos. Para a classificação dos métodos
de análise empregados resolveu-se adotar o procedimento de descrição objetiva dos dados
fornecidos pelos livros, e concomitante agrupamento por similaridade, para, então, fazer a
comparação dos resultados obtidos, com possíveis métodos notoriamente estabelecidos no
estrangeiro. Preferiu-se essa possibilidade a adotar-se a priori algum tipo de classificação
forçosamente postiço porque produzido em outro tempo e lugar e, portanto, a partir de outra
realidade cultural, e que poderia acabar funcionando mais como uma camisa de força do que
como um caminho para demonstrar as propriedades de nossa produção em sua realidade,
diversidade e, por quê não?, no que possa trazer de inovação.
A identificação e descrição objetiva dos métodos de análise empregados foi feita a
partir da observação das referências a autores ocorridas ao longo do texto e/ou na bibliografia
geral, ou, então, da ocorrência de métodos tradicionais e notórios, ainda que não
referenciados. No que se refere aos contextos, os livros foram agrupados a partir do
reconhecimento de tendências quanto a modelos metafóricos.
Quanto à avaliação do conteúdo, o aspecto focalizado refere-se à significação dos
trabalhos em relação à análise musical brasileira como um todo, considerada a partir de um
problema de maior magnitude para cuja solução essa pesquisa aponta, que é o de saber da
organicidade no desenvolvimento da análise musical no Brasil. continuidade no estudo
dessa disciplina no Brasil? Pode-se falar em escola de análise musical brasileira? Haverá
analistas brasileiros que influenciaram ou serviram de referência para seus sucedâneos?
15
Não é novidade a preocupação com a descontinuidade na produção de conhecimento
em nosso país, promovida não pela falta de vínculos com a produção brasileira do passado,
mas também pela aceitação submissa de tendências em voga no estrangeiro. O professor e
crítico literário Roberto Schwarz, em seu texto Nacional por Subtração, ao discutir o mal-
estar que nós brasileiros sentimos na experiência cotidiana do caráter postiço da vida cultural
que levamos, retrata bem essa questão em sua dimensão acadêmica.
Tem sido observado que a cada geração a vida intelectual no Brasil parece
recomeçar do zero. O apetite pela produção recente dos países avançados muitas
vezes tem como avesso o desinteresse pelo trabalho da geração anterior, e a
conseqüente descontinuidade da reflexão. Conforme notava Machado de Assis em
1879, "o influxo externo é que determina a direção do movimento".
Que significa a
preterição do influxo interno, aliás menos inevitável hoje do que naquele tempo?
Não é preciso ser adepto da tradição ou de uma impossível autarquia intelectual
para reconhecer os inconvenientes desta praxe, a que falta a convicção não das
teorias, logo trocadas, mas também de suas implicações menos próximas, de sua
relação com o movimento social conjunto, e, ao fim e ao cabo, da relevância do
próprio trabalho e dos assuntos estudados. Percepções e teses notáveis a respeito
da cultura do país são decapitadas periodicamente, e problemas a muito custo
identificados e assumidos ficam sem o desdobramento que lhes poderia
corresponder. O prejuízo acarretado se pode comprovar pela via contrária,
lembrando a estatura isolada de uns poucos escritores como Machado de Assis,
Mário de Andrade e, hoje, Antonio Candido, cuja qualidade se prende a este ponto.
A nenhum deles faltou informação nem abertura para a atualidade. Entretanto,
todos souberam retomar criticamente e em larga escala o trabalho dos
predecessores, entendido não como peso morto, mas como elemento dinâmico e
irresolvido, subjacente às contradições contemporâneas. (SCHWARZ, 1987, p.30).
Logo em seguida, Schwarz enfatiza o teor e o valor substantivo dessa continuidade
que, ainda que esteja sendo pensada no contexto da literatura, não seria difícil de se transpor
para o contexto da música.
Não se trata, portanto, de continuidade pela continuidade, mas da constituição de
um campo de problemas reais, particulares, com inserção e duração histórica
próprias, que recolha as forças em presença e solicite o passo adiante. Sem
desmerecer os teóricos da última leva que estudamos em nossos cursos de
faculdade, parece evidente que nos situaríamos melhor se nos obrigássemos a um
juízo refletido sobre as perspectivas propostas por Silvio Romero, Oswald e Mário
de Andrade, Antonio Candido, pelo grupo concretista, pelos Cepecês... Há uma
dose de adensamento cultural, dependente de alianças ou confrontos entre
disciplinas científicas, modalidades artísticas e posições sociais ou políticas sem a
qual a idéia mesma de ruptura, perseguida no culto ao novo, não significa nada.
[...] (SCHWARZ, 1987, p.31).
Portanto, essa pesquisa é feita com a intenção de perceber e decodificar idéias
lançadas, conquistas alcançadas e seu ecoar, ou não, em trabalhos posteriores.
16
1. Da análise musical
1.1. Da autonomia
O reconhecimento da análise musical como uma disciplina autônoma no estudo da
música deu-se somente na passagem do século dezenove para o vinte, a partir da congruência
de diversos eventos ocorridos no âmbito não só da música mas das artes e da cultura como um
todo.
Seu progresso [da análise] em direção à autonomia foi preparado, sobretudo, pela
ascendência da obra musical como conceito cultural, que, por seu turno, esteve
estreitamente ligada ao surgimento da estética musical (e crítica), à formação do
cânone (com o desenvolvimento associado do estudo da crítica textual), a uma
transformação de função dentro da teoria e da pedagogia musical, e à mudança das
práticas composicionais. (SAMSON, 2001, p.39).
Com a crise do sistema tonal suscitou-se a necessidade de uma re-avaliação do
conceito de obra musical e tudo quanto ele implicava, o que até esse momento não havia sido
necessário em virtude de sua tácita efetividade.
O conceito de obra musical, isto é, a idéia de obra autônoma, encerrada em si
mesma, o foi um assunto do debate estético na era da estética, o século XIX. Não
porque isso fosse considerado sem importância, mas porque era tão evidente que
ninguém atentou para os problemas envolvidos. O fato de que nas últimas cadas,
especialmente após o surgimento da Philosophie der Neuen Musik de Adorno, isso
tenha atraído atenção, não somente de um tipo especulativo, mas também por
razões ligadas à experiência composicional, parece mostrar que este conceito se
tornou questionável. (DAHLHAUS, 1987, p.220).
Esse momento histórico, que parece ter tido o conceito de obra como um dos eixos
centrais dos acontecimentos musicais, acabou por propiciar uma posição de destaque para a
análise musical visto que sua principal e mais própria característica está na abordagem da
obra em sua individualidade única e isolada do entorno.
Antes do reconhecimento de sua autonomia a análise musical foi sempre exercida em
subordinação a outras disciplinas, servindo como instrumento auxiliar seja na comprovação
de princípios gerais da teoria, na fundamentação de argumentos estéticos, na determinação de
procedimentos de performance, no desenvolvimento de modelos para o ensino da
17
composição, ou mesmo na caracterização de estilos musicais no contexto da pesquisa
histórica.
A partir das idéias de Ian Bent, atenta-se para o fato de que o olhar analítico
contemporâneo sobre os escritos teóricos do passado pode instaurar a percepção da teoria da
música como precursora da análise. Note-se que os dois ramos, mencionados no trecho a
seguir, apontam para duas orientações angulares sob as quais a análise foi considerada ao
longo de sua história, a saber: o estudo mais propriamente científico da música, que remonta a
Aristoxeno, e o estudo semântico que se desenvolveu a partir do impacto da retórica sobre a
cultura européia no período Barroco notadamente com a influência da Teoria dos Afetos no
contexto da música –, tendo como origem a literatura sobre oratória e retórica proveniente da
Grécia Antiga e de Roma.
A análise, como uma atividade autônoma, veio a ser estabelecida somente no final
do século dezenove; seu aparecimento como abordagem e método pode ser traçado
desde 1750. Contudo, ela existiu como uma ferramenta de estudo, ainda que
auxiliar, a partir da Idade Média em diante. Os precursores da análise moderna
podem ser vistos dentro de no mínimo dois ramos da teoria musical: o estudo dos
sistemas modais e da retórica musical. (BENT, 2001, p.530).
Dunsby e Whittall, em sua leitura do processo de autonomia da análise, focalizam a
ligação dessa disciplina com aquela linha concernente ao estudo mais propriamente científico
da música. Para esses autores, muitos escritos teóricos antigos contêm um elemento técnico
prático que os torna, se não realmente, ao menos potencialmente analíticos; e uma vez que a
história da análise está presente na história da teoria musical (DUNSBY, 1988, p.13),
referendam seu estudo como background para o trabalho com técnicas modernas de análise.
Tal potencial analítico é identificado por eles, numa sucessão de trabalhos que parte dos
escritos teóricos de Aristoxeno, passando pelo trabalho classificatório realizado na
compilação dos tonaries pelo clero Carolíngio, pelas discussões dos teóricos renascentistas
sobre modalidade em composições reais, e chegando, por fim, aos comentários modernos
sobre a linguagem musical tais como os de Schenker, Schoenberg, Hindemith e Piston. A
especificidade da leitura de Dunsby e Whittall é assinalada pelo hiato deixado entre os séculos
XVII e XIX na sucessão de tópicos acima descrita, período no qual, segundo esses autores,
deu-se a emergência da análise musical, vista, ainda por eles, pelo ângulo da prática
composicional, e desconsiderando a efetividade do influxo da retórica na cultura do período
Barroco. Nessa acepção, a emergência da análise se em um processo que tem inicio com a
primeira descrição e interpretação de uma composição completa, realizada no ano de 1606 por
Burmeister, em seu estudo sobre o moteto In me transierunt de Orlando Di Lasso, passando,
18
depois, pelo crescente interesse em relação ao estudo de composições “reais” por parte dos
teóricos do século XVII, então direcionados para a instrução pedagógica, e para o
desenvolvimento das praticalidades da composição e da performance ainda que tais
trabalhos tenham demandado apenas a utilização de exemplos breves –, e chegando, por fim,
à tendência de utilizar-se a música dos grandes compositores como ilustração para
argumentações técnicas nos escritos teóricos do final do século XVIII em diante. No trecho a
seguir, citam-se nomes que preenchem aquele hiato, enfatiza-se a necessidade da abordagem
da obra individual como pressuposto para a instituição da análise, e referem-se eventos que
caracterizaram a análise do século XIX, a saber, o cânone de obras primas e a ideologia da
consciência histórica. O tom de preterição em relação à teoria tradicional e à estética é
denotativo da orientação prático-composicional, poética, da leitura de Dunsby e Whittall.
A história da análise entre Fux e Schenker, e entre Rameau e Schoenberg isto é, a
história da gradual emergência da análise como uma atividade “autônoma” – pode,
é claro, ser ligada com desenvolvimentos na esfera geral da teoria e da estética [...].
Mais crucialmente, entretanto, a emergência da análise como uma área distinta no
estudo musical durante e após o século dezenove foi o resultado da separação entre
o estudo de composições e o estudo da composição em si; resultado esse, de fato,
advindo de uma mais intensa consciência do passado e do valor das masterpieces
como objetos duráveis a serem reverenciados, apreciados e estudados, mesmo
quando tal estudo restou obscuro para o estudo da composição. (DUNSBY, 1988,
p.16).
Vendo a emergência da análise a partir de outro ângulo, Joseph Kerman considerou-a
em sua relação com todo o conjunto de eventos relacionados ao advento do romantismo e da
estética.
Baseando-se em um entendimento histórico semelhante àquele apresentado por
Dunsby e Whittall, e também, na definição de teoria proposta por Claude Palisca, Kerman
distinguiu duas acepções do termo estrutura, uma referente a sistematizações teóricas, e outra
à constituição da obra de arte individual, cada uma delas relacionada a um perfil disciplinar
distinto. Em seu raciocínio, Kerman primeiramente focalizou os elementos musicais que
servem como objeto de especulação em determinados períodos da história da teoria musical
afinação de escalas e sua organização em modos e tonalidades nos escritos de Aristoxeno, a
notação rítmica na Idade Média, o contraponto, a consonância e a dissonância no
Renascimento, e os acordes e suas relações no século XVIII para, então, fazer a
diferenciação entre essa acepção de estrutura musical e a estrutura da obra individual.
19
Afinação, configurações rítmicas, consonância e dissonância, formações de acordes
tudo isso se enquadra, sem dúvida, no amplo termo ‘estrutura’, de Palisca. Hoje,
porém, quando os músicos usam esse termo, geralmente se referem à estrutura
global das obras de arte o que faz as composições ‘funcionarem’, que princípios
gerais e que características individuais asseguram a continuidade, coerência,
organização ou teleologia da sica. Referem-se ainda à forma musical no sentido
amplo, no sentido da configuração ou ordenação de seqüências de som no tempo.
Escalas, contraponto e harmonia são estruturas numa outra acepção (estruturas de
um outro nível estrutural, somos tentados a dizer). E a noção de uma composição
musical que, nesse sentido amplo, tenha estrutura ou forma, é uma questão de
notável importância, que surgiu e evoluiu num momento particular da história. É
um fato histórico associado ao presente que a especulação teórica sobre música
tanto antiga quanto nova – se encontra dominada por teorias da forma. (KERMAN,
1987 p.77).
Observa-se que o propósito de Kerman, ao diferenciar esses dois tipos de estrutura, é
evidenciar uma mudança da teoria tradicional que passou a apresentar um caráter formalista a
partir de seu direcionamento para a estrutura da obra. É sobre a natureza desse formalismo
teórico sua relação com a estética e a crítica, seus pressupostos ideológicos que incide o
discurso de Kerman. Desse modo, em sua leitura do processo de autonomia da análise, é
considerado todo um conjunto de eventos ocorridos no orbe das artes e da cultura, como se
pode notar no relato a seguir, no qual são referidos temas como romantismo, estética, e
consciência histórica.
[...] Em 1802, Forkel publicou sua biografia adulatória de Bach, símbolo do novo
sentido da música para com sua própria história; mais ou menos na mesma época,
a sica instrumental de Haydn, Mozart e Beethoven emergiu como a
consubstanciação de um novo ideal estético. Era uma idéia quintessencialmente
romântica e E. T. A. Hoffmann, uma figura chave em estética e teoria (e também
composição) musical desses anos, qualificou esses três compositores de
“românticos”. O novo interesse pela história da música foi acompanhado de uma
nova posição na hierarquia das artes, sob o termo recém cunhado de “estética”. A
música foi considerada em si própria como estrutura autônoma de som, e não como
um complemento da dança ou da liturgia, ou de textos líricos ou dramáticos. E a
música foi valorizada não (ou não apenas) por ser agradável e comovente, mas
porque era sentida como pressentimento do sublime (KERMAN, 1985, 82).
Um índice da precedência da estética para a emergência da análise, no pensamento de
Kerman, pode ser constatado no relevo conferido, por esse autor, à crítica de E. T. A.
Hoffmann, considerada por sua importância para a configuração dessa que talvez seja a mais
própria característica da análise, demonstrar como funciona uma peça de música, marcando,
também, a ocorrência da narrativa retórico-romântica e o florescimento do modelo metafórico
organicista em música.
A intuição especial de Hoffmann consistiu em associar as fontes metafísicas do
sublime na música de Beethoven às fontes técnicas de sua unidade o que ele, de
modo não surpreendente para o seu tempo, comparou à unidade de um organismo.
[...] Nas famosas críticas de Hoffman à obra de Beethoven é visível uma
20
preocupação dupla, que entrelaça a retórica romântica, digna do mestre-de-capela
Kreisler, com detalhadas, e na verdade prosaicas, análises técnicas da estrutura
musical, assinalando características internas que Hoffmann pensava contribuírem
para a unidade e a força orgânicas da música. Foi somente no século XIX, portanto,
que a teoria se casou com a análise, num processo de submeter obras primas
musicais a operações, descrições, reduções e demonstrações técnicas com o
propósito de mostrar como elas ‘funcionam’. [...] (KERMAN, 1987, p.83).
Para Kerman, portanto, foi no século XIX que se deu a emergência da análise musical
caracterizada pela crítica romântica e pelo organicismo, este último sendo um pressuposto que
continuaria a determinar a abordagem analítica no período da autonomia, fato esse que
Kermam não deixará passar em branco em suas críticas. Antes, porém, de abordar tal questão,
veja-se, em Jim Samson, um exemplo de como o formalismo pode ter derivado de constructos
crítico-românticos. Segundo Samson, uma das causas da mudança da crítica para a poética
leia-se da abordagem analítica crítico-romântica para a formalista – foi um dos sucessos
atingidos pela própria crítica, a saber, o estabelecimento do cânone de obras-primas que, a
partir de sua transformação em objeto por meio do texto impresso, acabou por suscitar o
desenvolvimento do conhecimento centrado na obra.
O surgimento da crítica [...] celebra a autonomia da estética, marcando a mudança
do julgamento funcional para o estético. A história relatada pela crítica do século
dezenove é, sobre tudo, a história da formação do cânone, sem o qual todo o
desenvolvimento (aparentemente antitético) da arte moderna teria sido
inconcebível. Isso, em troca, influenciou a abordagem dos escritos críticos. No final
do século houve uma virada em direção à poética e à ‘abordagem estruturalista’ no
mínimo em uma corrente da crítica, na música como em outras artes. Entre as
várias causas para isso esteve a tendência do cânone musical, como o literário, em
promover e responder à crescente importância do texto impresso. Devido aos
préstimos da partitura publicada, a obra musical canônica foi congelada em uma
configuração fixa, e, suas formas, solidificadas a ponto de poderem ser igualadas a
obras verbais e espaciais. E em torno dessas obras uma indústria de exegese textual
(filologicamente inspirada) começou a se desenvolver no final do século dezenove
[...] Novamente o terreno foi preparado pelo foco sobre a música como texto, sobre
o conhecimento centrado na obra. (SAMSON, 2001, p.40).
Ainda segundo Samson, essa mudança da abordagem crítica para a poética promoveu,
sim, uma aproximação à teoria, mas a partir de uma outra base conceitual, estruturalista, na
qual a obra passou a ocupar posição axial em relação à produção do conhecimento – não mais,
portanto, figurando apenas como mero adjutório na formulação de propriedades gerais da
música –, abrindo-se, a partir daí, o caminho para a consumação da instiuição da análise
musical.
O efeito dessa reorientação dentro da teoria musical (um produto essencialmente do
século dezoito) foi mudar o status da obra musical de objeto prospectivo a
retrospectivo. A obra em si tornou-se o principal lócus de indagação, com sua
estrutura transcendendo as leis da teoria especulativa, ou entendida negativamente
em relação a essas leis. Emergiu, em suma, no século dezenove, um senso estrutural
21
de forma, ganhando expressão por meio do desenvolvimento da tradição da
Formenlehre. Dos primeiros inícios com teóricos como Adolf Bernhard Marx até as
formulações de Riemann, Mersmann, Schoenberg e Schenker, a idéia de um senso
estrutural de forma ganhou um desabrido momentum, descartando a teoria musical
anterior a ela, e, ao final, construindo sobre sua premissa todo o edifício de uma
disciplina nova e independente, análise musical, uma disciplina essencialmente da
nossa era. Unidade e totalidade, seja o que for que isso possa significar em uma
arte temporal, foi assumido a priori, e o ato analítico foi sua demonstração. A obra
tornou-se uma estrutura, e nisso jaz seu valor. Foi nesse estágio de seu
desenvolvimento que a teoria musical encontrou um fundamento comum com a
emergência de uma poética estruturalista em outras formas de arte. (SAMSON,
2001, p.41)
Samson parece fazer, ainda, uma diferenciação entre instituição e autonomia, esta
última caracterizando-se pela completa individualização categórica da análise ante a teoria e a
metafísica, situação somente configurada com sua ascensão à categoria de ciência, fato
sucedido a partir dos desenvolvimentos da análise schenkeriana e da teoria de conjuntos, no
meio universitário norte-americano na década de 1960.
Embora suas causas primárias fossem mais profundas, a instituição concreta da
análise foi inicialmente uma conquista dos teóricos Austro-germânicos, um produto
da formenlehre. Foi a última transferência da análise para o círculo universitário
norte-americano, entretanto, que assegurou sua mais completa separação
categórica não da metafísica, mas principalmente da teoria. Ela permaneceu, é
claro, fortemente dependente da teoria; mas seus propósitos tornaram-se mais
distinguíveis, e seu campo mais específico. [...] E foi sobretudo esse estágio,
caracterizado pela hegemonia da assim chamada análise schenkeriana, junto com
as abordagens da teoria de conjuntos desenvolvidas por Milton Babbitt e Allen
Forte, que definiu a análise como uma categoria autônoma. (SAMSON, 2001,
p.43).
Para Kerman, entretanto, foram razões ideológicas que motivaram o desenvolvimento
das teorias formais no século XX. O musicólogo considera ter sido o advento do modernismo
que, ao colocar em cheque os princípios do sistema tonal, provocou a realização de uma
revisão do cânone de obras primas empreendida pela teoria tonal representada
principalmente por Schenker e Tovey – com o intuito não só de demonstrar os méritos
técnicos, mas, também, de legitimar a primazia estética do modelo da grande música
representado por esse corpus organicista de obras.
Richard Strauss era o expoente mais ameaçador depois de 1890 – e, depois de 1910,
Arnold Schoenberg (nos círculos musicais alemães e ingleses, Debussy e Strainsky
pareciam constituir uma ameaça menor). Teoria e análise foram desenvolvidas para
celebrar as virtudes da música que os teóricos prezavam. E, naqueles dias, os
teóricos eram bastante expl[icitos a respeito das virtudes musicais que valorizavam
Schenker, com sua grande tradição alemã, deteve-se perversamente em Liszt e
Wagner; Tovey ficou com sua não mais navegável “principal corrente musical”.
Parece claro, [...], embora não seja fácil de confirmar, que o Modernismo enviou
numerosos musicólogos a cruzadas iguais às dos séculos XII e XIII. É mais fácil ver
como impeliu os analistas para as casamatas do século XIX, casamatas forradas
22
com as obras-primas do modelo tradicional, estendendo-se desde Bach, de quem o
século XIX se apropriara como seu, até Brahms, e o mais além. Se se pode
afirmar que o Modernismo converteu muitos musicólogos em conservadores
musicais, também pode-se dizer que o Modernismo transformou muitos teóricos em
reacionários.
O próprio modelo foi uma criação característica do século XIX. Até por volta de
1800 [...] o repertório consistiu predominantemente de composições da própria
época; qualquer dimensão histórica era quase inexistente. Mas, depois da geração
de Hoffmann ter aprendido a venerar a música de Haydn, Mozart e Beethoven,
pressupôs-se automaticamente que o modelo continuaria crescendo no futuro, e que
as sólidas raízes para que isso ocorresse poderiam ser descobertas no passado,
bastando que os musicólogos se dessem ao trabalho de descobri-las. (Assim, uma
vez Bach reintegrado no modelo, o grande especialista de Bach, Philipp Spitta,
dedicou um esforço ingente aos precursores seiscentistas de Bach, Scheidt, Schütz e
Buxtehude). É como se a poderosa idéia de Hoffmann acerca da Quinta Sinfonia,
crescendo de uma célula-motivo única, tivesse sido transferida para o próprio
modelo. A grande música cresceu como se proviesse de algum misterioso pool
genético de origem alemã; historicismo, organicismo e nacionalismo foram todos
amalgamados na ideologia da época. Quando, depois de Schubert, Mendelssohn e
Schumann, surgiu uma disputa em torno da autenticidade dos ramos representados
por Wagner e Brahms, a questão foi finalmente resolvida, não por Tovey ou
Schenker, mas por Schoenberg, quando atribuiu ao segundo a origem de sua
própria linhagem. De fato, quase até os dias de hoje, a contínua evolução orgânica
do modelo da grande música permaneceu para muitos músicos um dogma
inconsciente. (KERMAN, 1987, p.89).
Kerman fez objeções, também, quanto ao modo de análise positivista, caracterizado
por uma extremada objetividade na abordagem da obra musical, distanciando-a por demais do
contexto que lhe deu origem, e pelo fenômeno do monismo, generalizado entre os analistas
desde os anos do pós-guerra, a despeito dos métodos por eles aplicados.
A concentração obstinada [dos analistas] nas relações internas de uma única obra
de arte é, em última instância, subversiva, no que diz respeito a qualquer visão
razoavelmente completa da música. A estrutura autônoma da sica é apenas um
dos muitos elementos que contribuem para seu significado e importância. A
preocupação com a estrutura é acompanhada da negligência em outros aspectos
vitais não todo o complexo histórico [...], mas também tudo o mais que torna a
música afetiva, tocante, emotiva e expressiva. Ao retirar-se a partitura de seu
contexto a fim de examiná-la como organismo autônomo, o analista retira esse
organismo da ecologia que o sustenta. Dificilmente parece possível, em nossos dias,
ignorar essa sustentação.
Nos anos do pós-guerra, entretanto, uma poderosa atração foi exercida por
analistas – e exatamente por aquelas correntes de análise que se apoiavam de modo
sumamente dogmático num único princípio, um monismo ou (como foi por vezes
expresso de maneira reveladora) um “segredo” de forma ou coerência musical. Os
analistas que diferiram fundamentalmente em seus sistemas analíticos eram, não
obstante, monistas nesse sentido. [...] O atrativo da análise sistemática era
propiciar uma visão positivista da arte, uma crítica que poderia apoiar-se em
operações precisamente definidas e aparentemente objetivas, e repelir os critérios
subjetivos (e que, geralmente, sequer se autodenominava crítica) (KERMAN, 1987,
p.93).
Esses questionamentos com respeito à natureza e função da análise musical e à
limitação da abordagem analítica formalista, encetados a partir de meados da década de 1960
23
por Kerman, representaram apenas o início de um processo de reorientação da análise musical
estendido até os dias atuais, em cujo contexto desenvolveu-se uma pluralidade de
possibilidades analíticas a partir da interação com outras disciplinas do conhecimento.
Segundo Samson, a origem dessas mudanças está no declínio da autonomia estética, e, logo,
da premissa básica e do modo característico da análise estética – e da análise musical
também –, determinantes de um esquematismo analítico que repele a essência da obra.
A análise musical parte de uma premissa que subjaz à estética analítica em geral: a
saber, que os objetos de arte compartilham certas características que os definem
como arte e os fazem valiosos para nós, que eles o específicos, e que eles
representam unidades conceituais. Em suma, ela tem por premissa um conceito de
obra de arte homogêneo e acabado. O modo analítico mais característico é igualar
objetos a conceitos, permitindo representações fixas (ou acabadas) do objeto que
avalizem o objeto. Tanto a premissa quanto o modo foram submetidos a um
escrutínio crítico nas últimas duas décadas. Uma conquista importante em estudos
recentes sobre ontologia das obras de arte, notadamente no livro de Lydia Goehr,
foi contrariar a filosofia analítica da arte sublinhando a emergência da natureza
culturalmente dependente, tanto das obras de arte em si quanto do discurso sobre
elas. Além disso, a simples equação de conceito e objeto foi solapada poderosa e
influentemente – pela proposição de Morris Weitz, segundo a qual interpretações de
obras de arte (cuja essência é necessariamente indefinível) devem ser expressas em
termos de “conceitos abertos” cujo critério de definição pode não ser nem preciso
nem completo. Se fosse de maneira diferente, argúi Weitz, qualquer outro
desenvolvimento criativo estaria comprometido. Tais críticas anti-essencialistas
lembram-nos que conceitos acabados de obra de arte, envolvendo noções como
estrutura, unidade, totalidade, e complexidade, são produtos do conhecimento
perspectivista. Especificamente, eles são produtos de um tipo particular de discurso
analítico-referencial institucionalizado. Ele não pode ser igualado à obra em si.
Isso impõe uma limitação imediata ao conhecimento analítico. No caso da música, o
que nós analisamos não é uma obra musical, que incorpora todo tipo de áreas
indeterminadas não de todo suscetíveis à análise. [...] O que nós analisamos é
propriamente uma estrutura esquemática, para usar o termo de Ingarden,
esquemática no sentido de que está destinada a permanecer menos do que sua
realização como uma obra. Além disso, a estrutura esquemática será ela mesma
uma representação particular e contingente que pode ter apenas uma limitada
pretensão a validade geral. Quando nós analisamos, em outras palavras, nós
construímos o objeto de nossa análise de acordo com certos pressupostos. [...]
(SAMSON, 2001, p.43).
Samson, considera que a dependência da análise musical em relação a modelos
metafóricos tomados a outras disciplinas do conhecimento é uma determinação em face da
irredutível especificidade, e da essencialidade intangível do significado da música. Para
Samson, essa é a velha condição da teoria, no contexto da qual sempre se caracterizaram
diálogos com outros modelos metafóricos, desde o modelo matemático na Idade Média,
passando pelo modelo retórico na Renascença e no Barroco, até chegar ao modelo espacial
das teorias formalistas no Modernismo no século XX, e, aparentemente, aderir nos dias atuais
a um novo modelo, Pós-modernista, o contextualismo. Não obstante, Samson observa o
processo de emancipação da análise que talvez apresente a configuração do clássico ciclo
24
hegeliano ao longo dessa sucessão de modelos metafóricos, e esse novo tipo de associação,
contextual, estabelecido com outras disciplinas.
Revisando-se esses diálogos, tenta-se ver a história do pensamento analítico
aproximadamente como um ciclo clássico hegeliano, no qual a análise conquistou
sua independência antes de ter conquistado autoconsciência e, com isso, o
reconhecimento de suas dependências. Por seu turno, esse reconhecimento permitiu
um engajamento muito mais pro-ativo à disciplinas cognatas, promovendo (em anos
recentes) uma profunda mudança de orientação dentro da disciplina. A premissa
básica foi questionada fundamentalmente, ainda que muitas das práticas de
trabalho permaneçam como freqüentemente permanecem totalmente
inalteradas. Naomi Cumming descreveu bem essa mudança de maré como uma
mudança de “metáfora-raiz”, de organicismo para contextualismo. Desvencilhada
da teoria musical, foi permitido à análise interagir livremente com outras
categorias do conhecimento, aproveitando abertamente o status metafórico de todos
os discursos sobre música, e, nesse processo, se aproximar e expandir campos de
significado que estão por trás do texto musical. Insights analíticos adquiriram seu
lugar dentro de um vasto ‘complexo implícito’ onde a seleção, ênfase e
agrupamento de aspectos musicais específicos seriam determinados não por
critérios teórico-musicais mas por uma extensão de sua correspondência isomórfica
a outras metáforas dominantes. A análise, bastante ironicamente, encontrou-se
influenciada por muitos daqueles aspectos dos quais ela tentou se livrar, incluindo
os tropos literários, biográficos e sociais, que predominaram na crítica do século
dezenove. (SAMSON, 2001, p.49).
Resulta, portanto, um cenário no qual a análise musical pode ser realizada de diversos
modos dentro de um amplo espectro de modelos metafóricos. Sua configuração e sentido são
determinados em consonância com o contexto dentro do qual a análise é articulada, contexto
esse que pode ser regido por uma multiplicidade de focos associando ideologias e perfis
disciplinares vários – sob os quais a música pode ser percebida.
1.2. Definição
Na definição de análise musical proposta por Ian Bent, focaliza-se primeiramente seu
aspecto talvez mais essencial ter como objeto de estudo, por excelência, a música em si e
isolada do entorno –, para, depois, evidenciar as operações próprias do exercício analítico
interpretar estruturas musicais por meio da investigação de sua constituição e funcionamento.
Uma definição do termo [análise] como implicado no debate geral pode ser: a parte
do estudo da música que toma como ponto de partida a música em si mais
propriamente do que fatores externos. Mais rigorosamente, pode-se dizer que a
análise inclui a interpretação de estruturas musicais, a partir de sua decomposição
em elementos constitutivos relativamente simplificados, e a investigação das funções
referentes a esses elementos (BENT, 2001, p.526).
25
Pode-se dizer que esta seja uma definição imparcial e aberta, visto que ao reconhecer
essa ligação essencial com a música em si (aqui entendida como obra individual e única),
considera a realidade da autonomia da análise musical, vigente ou não em nossos dias.
Ademais, concebendo a análise como um instrumento de interpretação, talvez não chegue a
estender seu orbe aos domínios do julgamento subjetivo, mas, tampouco, a relega ao plano da
mera descrição objetiva. Pode-se ainda supor que o vocábulo interpretar caiba para dar
margem à possibilidade de outros modelos metafóricos que não apenas o espacial
característico das teorias formais e representativo do período da autonomia da análise –,
ampliando seu alcance sem furtar-lhe a autenticidade.
Tais afirmações estão em sintonia com as considerações feitas pelo próprio Bent em
sua tentativa de determinar o lugar da análise musical no estudo da música. Primeiramente,
esse analista apresenta uma imagem na qual é enfatizada a relação existente entre a análise, a
estética e a teoria da composição.
É muito difícil, em alguns aspectos, definir onde a análise se encontra no estudo da
música. Pode-se dizer que o assunto da análise como um todo tem muito em comum,
por um lado, com os assuntos da estética musical e, por outro, com a teoria da
composição. Estas três áreas de estudo podem ser pensadas como ocupando
posições ao longo de um eixo que teria, em um extremo, o lugar da música dentro
de esquemas filosóficos e, no outro, o cabedal de instrução técnica do artesanato da
composição. (BENT, 2001, p.526).
Em seguida, Bent observa a relação da análise com a teoria e a crítica, destacando a
mútua dependência entre essas áreas do conhecimento musical, umas fornecendo dados às
outras para a realização de suas competências, e, também, a sobreposição de suas atividades
visto que, por vezes, são as mesmas, ainda que realizadas com diferentes objetivos. A
tendência do discurso de Bent é a de afirmar a independência da análise em relação à teoria, e
de reconhecer seu potencial possível de subjetividade dentro de seu próprio contexto. Tais
relações, além de serem detalhadas, são também estendidas a outras áreas como a da
performance, da pedagogia, e da história.
O analista e o teórico da composição musical (Satztechnik; Kompositionslehre) têm
um interesse comum nas leis da construção musical. Muitos poderiam negar algum
tipo de separação e poderiam argüir que a análise é um subgrupo da teoria
musical. Mas essa é uma atitude que nasce de condições sociais e educacionais
particulares. Enquanto importantes contribuições têm sido feitas à análise por
professores de composição, outras têm sido feitas por intérpretes, professores de
instrumento, críticos e historiadores. A análise pode servir como uma ferramenta de
ensino, e nesse caso servir para instruir ao intérprete ou ao ouvinte, da mesma
forma que ao compositor; mas ela pode igualmente bem ser uma atividade privada -
um procedimento de descoberta. A análise musical não é mais uma parte implícita
da teoria pedagógica do que é a análise química; nem é implicitamente uma parte
da aquisição de técnica composicional. Ao contrário, as afirmações de teóricos
26
musicais podem formar o material primário para as investigações dos analistas,
provendo critérios a partir dos quais uma sica possa ser examinada (BENT,
2001, p.526).
Em geral a análise está mais interessada na descrição do que no julgamento. Nesse
sentido, a análise vai menos longe do que a crítica, e isto é assim essencialmente
porque ela aspira à objetividade e considera o julgamento como subjetividade. Mas
isso, em troca, sugere uma outra diferença entre análise e crítica, esta última
acentua a reação intuitiva do crítico, pautada pela riqueza de sua experiência,
usando sua habilidade para relatar a reação presente frente a uma experiência
prévia, e tomando estas duas coisas como dado e método; enquanto, a análise,
tende a usar como dados elementos mais definidos: unidade de frase, harmonias,
níveis de dinâmica, tempo mensurado, arcadas e articulações, e outros fenômenos
técnicos. Novamente, esta é uma diferença somente de grau: a reação crítica é, com
freqüência, altamente informada e realizada à luz de conhecimentos técnicos; e os
elementos definidos do analista (uma frase, um motivo, etc) são frequentemente
definidos sob condições subjetivas. [...] Dizer que a análise consiste em operações
técnicas e a crítica em reações humanas é, assim, uma simplificação exagerada,
conquanto ajude a contrastar o caráter geral das duas. (BENT, 2001, p.527).
Com quase duas cadas de anterioridade, Carl Dahlhaus chegou a conclusões
semelhantes, também tratando a análise em sua tensão, por um lado, com a estética e, por
outro, com a teoria, como se pode notar nos trechos a seguir, nos quais se enfatiza a
interdependência entre essas disciplinas. Observe-se que, na polarização sugerida entre
análise e estética, a análise é associada à função de estabelecer julgamentos factuais e
determinar a atitude musical, ligando-se, portanto, à concreção musical, enquanto a estética
(leia-se a primeira frase do segundo trecho) é associada ao pensamento musical, logo, à
abstração. Note-se também que, em relação à teoria, Dahlhaus concebe a análise tanto como
uma disciplina subordinada, ou seja, como um instrumento para a fundamentação da teoria,
quanto como uma disciplina autônoma, ante a qual a teoria é vista como uma referência.
Julgamentos estéticos, no mínimo convincentes, são sustentados por julgamentos
factuais os quais, por seu turno, dependem de métodos analíticos demonstrando a
atitude musical de um período. E, inversamente, os procedimentos analíticos,
incluindo aqueles sem pré-concepções, são fixados sobre premissas estéticas.
(DAHLHAUS, 1983, p.7).
Embora a análise, assim, dependa da estética que determina o pensamento musical
de uma época, ela permanece em estreita e recíproca relação com a teoria, que é, o
sistema da harmonia, ritmo e forma. Um trabalho teórico, explícita ou
implicitamente, sempre estabelece o ponto de partida de uma análise. A noção de
uma descrição sem pressupostos é uma ilusão; se ela puder ser realizada, não
valeria o trabalho. Inversamente, análises de obras musicais são o que suprem os
fundamentos de uma teoria que não seja construída no ar. A teoria pode ser tanto
uma pré-condição, quanto a meta e o resultado de análises musicais. Assim, uma
tentativa de definir mais precisamente o conceito de análise musical pode
justificavelmente proceder da relação entre análise e teoria. (DAHLHAUS, 1983,
p.8).
27
Essa possibilidade, justificável para Dahlhaus, de definir-se o conceito de análise a
partir de sua relação com a teoria, parece ser o ponto de partida tomado por Vincent Duckles
na escritura de seu verbete Musicology, do Grove Dictionary. De fato, esse musicólogo se
refere a teorias, e observa-se que sua definição de tais teorias é muito semelhante à definição
de análise proposta por Bent, ainda que sobre ela paire um entendimento diverso visto que,
para Duckles, análise é apenas, se pouco for, a contraparte dialética da teoria. É bom lembrar
que o trecho dedicado a esse assunto em seu verbete refere-se ao método teórico e analítico
uma das onze áreas em que a musicologia foi subdividida por Duckles –, o que talvez
explique sua abordagem estritamente sistemática da matéria.
Definidas de maneira simples, pode-se dizer que, teorias musicais oferecem
descrições gerais da estrutura e do funcionamento musical. Tais teorias descritivas
podem ser aplicadas a uma única composição, ou podem tentar dar conta e
talvez ajudar a definir uma classe de composições agrupadas por estilo histórico,
gênero ou compositor. Dessa perspectiva, então, pode-se ver como a análise
funciona como uma contraparte dialética da teoria. Análise constitui o estudo
detalhado de peças musicais a partir do qual teorias podem ser indutivamente
formuladas, servindo, ao mesmo tempo, para comprovar a aplicação e validade
empírica de alguma teoria. (DUCKLES, 2001, p.494).
Com o propósito de dar sentido à diversidade existente no campo da teoria musical e,
até, resgatar a noção de teoria e análise como um” campo de estudo coerente e distinto,
Duckles, passa a tecer considerações baseando-se em sugestões feitas por Dahlhaus, a partir
das quais identifica três tradições da teoria musical especulativa, regulativa e analítica –,
atendo-se a tratar a análise no limite dessa última tradição e, portanto, no recorte de seu
imbricamento com a teoria, ainda que reconheça sua orientação em direção à obra individual
e, paradoxalmente, afirme sua finalidade estética.
Na análise musical se está, primeiramente, interessado na estrutura e nos traços
individuais de uma peça de música particular. [...] É claro que qualquer tipo de
análise pressupõe uma posição teórica: isso quer dizer que não é possível realizar
uma análise sem pressupostos teóricos, ainda que informalmente concebidos, que
ajudem a determinar questões a propor e os tipos de linguagem e método por meio
dos quais essas questões podem ser respondidas. Mas diferentemente das tradições
sistemáticas da teoria regulativa [...], a meta da análise musical é normalmente um
entendimento e uma apreciação estética da peça musical em si como uma obra de
arte ontologicamente única, e o a exemplificação de alguma ampla norma de
estrutura ou sintaxe. (DUCKLES, 2001, p.496).
Sob uma outra perspectiva, notadamente pós-autonomia, Christian Martin Schmidt
considera que, se por um lado, não é possível refletir sobre música sem uma abordagem
analítica (entendendo-se a análise como uma operação técnico-sistemática), por outro,
tampouco se pode esperar que um único ponto de vista analítico propicie um exame que
28
abarque a totalidade de uma obra. Considera, também, que o eclipsamento da abordagem
metodológica da análise musical pelas novas perspectivas de pesquisa como estudos de
gênero, world musics, e abordagens biográficas ou filológicas – é uma realidade apenas
aparente, mas que, não obstante, faz-se necessário uma reforma dessa disciplina. Para
Schmidt, a variedade de objetos que surgiram com a abertura da musicologia estabelece uma
desconfiança com respeito a possíveis métodos que se pretenda tenham validade geral, cada
peça requer uma abordagem específica que saliente sua diferença, opondo suas
particularidades às generalidades da tradição.
Nós podemos dizer hoje que a análise musical não é nada mais nem menos do que
uma abordagem racionalmente orientada da música, que promove um encontro
entre o analista como sujeito e o produto musical como objeto, e cujo resultado é
um processo teórico-mobilizador (theory-lader process) de aprendizado e aquisição
de conhecimento. (SCHIMIDT, 2002, p.26).
Schimidt não pensa em obra como conceito, mas em produtos musicais, e, no lugar do
direcionamento para a imanência estrutural de uma composição, propõe a compreensão de seu
make-up estrutural, entretanto, não suprime, também, a necessidade da atividade propriamente
analítica, e da investigação detalhada e interpretação desse make-up.
[...] Em outras palavras, o conhecimento de como as peças são feitas é pré-requisito
essencial para se chegar ao conhecimento de como elas são. (SCHIMIDT, 2002,
p.26).
Tem-se aqui, portanto, o cotejamento de três definições de análise musical uma
imparcial, outra referencialista, e outra pluralista proposto como um exercício de concepção
e compreensão de representações do conceito de análise musical, dentro do arco contextual da
pós-modernidade.
29
2. Livros de análise musical publicados no Brasil
Na Tabela 1 Cronologia (data / título / autor) são apresentados os 42 títulos
relacionados no levantamento bibliográfico dispostos em ordem cronológica. O decurso de
tempo abarcado pelo total de publicações é de oitenta e nove anos decorridos entre o ano de
1919, que é a data da publicação mais antiga entre as coletadas, e o ano de 2007, que é o ano
da publicação mais recente. Observa-se que até a metade do século XX mais precisamente
entre os anos de 1919 e 1943 ocorreram apenas 6 publicações, estabelecendo contraste
aparente em relação às 25 publicações realizadas na segunda metade do mesmo século mais
precisamente entre os anos de 1963 e 2000 e, até mesmo, em relação às 11 publicações que
se deram apenas nos primeiros sete anos do século XXI.
Tabela 1 – Cronologia (data / título / autor)
data título autor
1919 Concertos de música de câmara do Instituto Nacional
de Música pelo Trio Beethoven.
Tapajós Gomes.
1922 As Nove Symphonias de Beethoven. Martins, Amélia de Rezende.
1ed. 1931
2ed. 1934
Breve curso de analyse musical e conselhos de
interpretação, analyse da Sonata em sustenido
menor de Beethoven.
Franceschini, Fúrio.
1ed. 1935
2ed. 19 - -
Música Creadora e Balladas de Chopin.
Caldeira Filho, João C.
1941 Análise do Estudo de Chopin em sustenido menor
para piano Op. 25 n7.
Franceschini, Fúrio.
1943 Palestras sobre as sonatas de Beethoven.
Caldeira Filho, João C.
1963 Nazareth, estudos analíticos. Diniz, Jaime C.
1969
Comentários sobre a obra pianística de Villa-
Lobos.
Souza Lima.
1ed. 1970
2ed. 1978
Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. Estrella, Arnaldo.
1ed. 1971
2ed. 1976
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Nóbrega, Adhemar.
1971 As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Palma, Enos da Costa;
Chaves Júnior, Edgard de Brito.
1ed. 1975
2ed. 19 - -
Os Choros de Villa-Lobos. Nóbrega, Adhemar.
1975 Heitor Villa-Lobos e o violão. Santos, Turíbio.
1ed. 1976
2ed. 1979
A evolução de Villa-Lobos na música de câmara. França, Eurico Nogueira.
1977 Villa-Lobos, o choro e os Choros. Neves, José Maria.
1979 Beethoven, proprietário de um cérebro. Oliveira, Willy Corrêa de.
1983 Música. Souza, Rodolfo Coelho de.
1984 Heitor Villa-Lobos, sua obra para violão. Pereira, Marco.
1ed. 1987 Apoteose de Schoenberg. Menezes, Flo.
30
2ed. 2002
1988 J. S. Bach, Prelúdios e Fugas I. Magalhães, Homero de.
1993 O Poema do fogo, mito e música em Scriabin. Tomás, Lia.
1995 Elementos de coerência no Opus 76 de Brahms. Souza, Elizabeth Rangel
Pinheiro de.
1995
Proporções no Opus 110 de Beethoven.
Souza, Elizabeth Rangel
Pinheiro de.
1997 Beethoven e o sentido da transformação, análise
dos últimos Quartetos e da Grande Fuga Op.133.
Muniz Neto, José Viegas.
1997 Ernst Widmer, perfil estilístico. Nogueira, Ilza Maria Costa.
1997 O antropofagismo na obra pianística
de Gilberto Mendes.
Santos, Antonio Eduardo dos.
1998 Politonalidade, discurso de reação e trans-formação. Noronha, Lina Maria
Ribeiro de.
1999 Atualidade estética da música eletroacústica. Menezes, Flo.
1999 Charles Ives, uma revisita. Albright, Valerie.
1999 Erosão, processos de estruturação em Villa-Lobos. Fernandes, Marlene Migliari.
2000 Ouvir Wagner, ecos nietzschianos. Caznók, Yara Borges;
Naffah Neto, Alfredo.
2001 Do tempo musical. Seincman, Eduardo.
2001 Teoria de Costère,
uma perspectiva em análise musical.
Ramires, Marisa.
2002 Beethoven, o princípio da modernidade. Bento, Daniel.
2002 Grupo de compositores da Bahia,
estratégias orquestrais.
Gomes, Wellington.
2003 Mahler em Schoenberg, angústia da influência
na Sinfonia de Câmara n.1.
Molina, Sidney.
2005 10 Estudos Leo Brouwer,
análise técnico-interpretativa.
Fraga, Orlando.
2005 O estilo antropofágico de Heitor Villa-Lobos,
Bach e Stravinsky na obra do compositor.
Jardim, Gil.
2005 Ouvir o Som, aspectos de organização na música
do século XX.
Zuben, Paulo.
2005 Sinfonia Titã, semântica e retórica. Lian, Henrique.
2006 Muito Além do Melodrama, os prelúdios e sinfonias
das óperas de Carlos Gomes.
Nogueira, Marcos Pupo.
2007 Crítica e criação, um estudo da Kreisleriana Op.16
de Robert Schumann.
Vermes, Mónica.
A ocorrência de 39 autores para 42 livros explica-se pelo fato de que há quatro autores
que publicaram dois trabalhos cada um – Fúrio Franceschini, Adhemar Nóbrega, Flo Menezes
e Elizabeth Rangel Pinheiro de Souza e, também, pelo fato de que dois livros feitos em
parceria – As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de Enos da Costa Palma e Edgard
de Brito Chaves Júnior, e Ouvir Wagner, ecos nietzschianos (2000), de Yara Borges Caznók e
Alfredo Naffah Neto.
Focalizando o aspecto de gênero, identifica-se a ocorrência de 10 autoras para 29
autores. Amélia Rezende Martins destaca-se por ter sido a única autora presente na primeira
metade do século XX, e pode-se observar que, após a publicação do seu As Nove Symphonias
31
de Beethoven (1922), na década de 1990 é que surgiram outros títulos escritos por autoras,
a partir da publicação de O Poema do fogo, mito e música em Scriabin (1993), de Lia Tomás.
Tem-se aí, portanto, um período de mais de setenta anos sem a ocorrência de trabalhos de
autoras. Ainda sob esse enfoque, é também na década de 1990 que a proporção entre o
número de autores e autoras passa por uma inversão apresentando-se quase o dobro de autoras
em relação a autores, 7 para 4. Não obstante, nos primeiros sete anos do século XXI, a razão
se reverte chegando a 2 para 9.
Na Tabela 2 Publicação (título / local / editora / edição / tiragem / disponibilidade)
apresenta-se dados referentes à publicação dos livros. Naturalmente, as informações sobre
publicações antigas são de difícil obtenção uma vez que as casas editoras, no caso de ainda
existirem, geralmente não possuem mais informações em seus arquivos. Este é o caso, por
exemplo, do As Nove symphonias de Beethoven, de Amélia de Rezende Martins, do qual
não mais registros na Companhia Melhoramentos, ou do Breve curso de análise musical e
conselhos de interpretação, de Furio Franceschini, cuja editora não foi possível, ainda, de ser
encontrada. Assim, nestes casos, contamos, até o momento, apenas com as informações
trazidas no próprio volume obtido.
Tabela 2 – Publicação (título / local / editora / publicação / tiragem / disponibilidade)
Título Local Editora Public. Tiragem
Disponib
Concertos de música de câmara
do Instituto Nacional de Música
pelo Trio Beethoven. Tapajós
Gomes.
Rio de
Janeiro
Imprensa Nacional
1ed. 1919
---
---
As Nove Symphonias
de Beethoven. Martins, 1922.
São Paulo
Companhia
Melhoramentos
1ed. 1922 --- fora de
catálogo
Breve curso de analyse musical
e conselhos de interpretação,
análise da Sonata em dó
sustenido menor de Beethoven.
Francechini.
São Paulo
Ed. Miranda
1ed. 1931
2ed. 1934
---
---
Música Creadora e Balladas
de Chopin. Caldeira Filho.
São Paulo L. G. Miranda
Editor
1ed. 1935
2ed. 19 - -
--- ---
Análise do Estudo de Chopin
em sustenido menor para
Piano Op. 25 n7.
Franceschini.
São Paulo
Depto. de Cultura
do Município de
São Paulo
1ed. 1941
---
---
Palestras sobre as sonatas
para piano de Beethoven.
Caldeira Filho.
São Paulo
não consta
1ed. 1943
---
---
32
Nazareth, estudos analíticos.
Diniz.
Recife
PE
DECA
Depto. de Ext.
Cult. e Artística
1ed. 1963
---
---
Comentários sobre a obra
pianística de Villa-Lobos.
Souza Lima.
Rio de
Janeiro
Museu
Villa-Lobos
1ed. 1969
2ed. 1976
--- fora de
catálogo
Os Quartetos de Cordas
de Villa-Lobos. Estrella.
Rio de
Janeiro
Museu
Villa-Lobos
1ed. 1970
2ed. 1978
--- fora de
catálogo
As Bachianas Brasileiras
de Villa-Lobos. Nóbrega.
Rio de
Janeiro
Museu
Villa-Lobos
1ed. 1971
2ed. 1976
--- fora de
catálogo
As Bachianas Brasileiras
de Villa-Lobos.
Palma; Chaves Júnior.
Rio de
Janeiro
Companhia
Editora Americana
1ed. 1971
---
---
Heitor Villa-Lobos e o violão.
Santos.
Rio de
Janeiro
Museu
Villa-Lobos
1ed. 1975 ---
fora de
catálogo
Os Choros de Villa-Lobos.
Nóbrega.
Rio de
Janeiro
Museu
Villa-Lobos
1ed. 1975
2ed. 19 - -
---
fora de
catálogo
A evolução de Villa-Lobos
na música de câmara. França.
Rio de
Janeiro
Museu
Villa-Lobos
1ed. 1976
2ed. 1979
--- fora de
catálogo
Villa-Lobos: o choro e os
Choros. Neves.
São Paulo
Musicália*
1ed. 1977
hipótese
de até
3000
em
catálogo
Beethoven, proprietário
de um cérebro. Oliveira.
São Paulo Editora
Perspectiva
1ed. 1979 --- fora de
catálogo
Música. Souza. São Paulo Novas Metas 1ed. 1983 --- fora de
catálogo
Heitor Villa-Lobos,
sua obra para violão. Pereira.
Brasília
DF
Editora Musimed 1ed. 1984 + de
1000
em
catálogo
Apoteose de Schoenberg.
Menezes.
Cotia - SP
1ed
Nova Stella /Edusp
2ed Ateliê.
1ed. 1987
2ed. 2002
1ed 3000
2ed 1000
em
catálogo
J. S. Bach, Prelúdios e Fugas I.
Magalhães.
São Paulo Novas Metas** 1ed. 1988 --- fora de
catálogo
O Poema do fogo, mito e
música em Scriabin. Tomás.
São Paulo Annablume 1ed. 1993 --- fora de
catálogo
Elementos de coerência
no Opus 76 de Brahms. Souza.
Campinas
SP
UNICAMP 1ed. 1995 1000 em
catálogo
Proporções no Op.110
de Beethoven. Souza.
Campinas
SP
UNICAMP 1ed. 1995
1000 em
catálogo
Beethoven e o sentido
da transformação.
Muniz Neto.
São Paulo Annablume 1ed. 1997 1000 em
catálogo
Ernst Widmer, perfil estilístico.
Nogueira.
Salvador
BA
UFBA 1ed. 1997 1000 fora de
catálogo
O antropofagismo na obra
pianística de Gilberto Mendes.
Santos.
São Paulo
Annablume
1ed. 1997
1000
em
catálogo
Politonalidade, discurso de
reação e trans-formação.
Noronha.
São Paulo Annablume 1ed. 1998 1000 em
catálogo
Atualidade estética da música
eletroacústica. Menezes.
São Paulo Ed. Unesp 1ed. 1999 1000 em
catálogo
33
Charles Ives, uma revisita.
Albright.
São Paulo Annablume 1ed. 1999 1000 em
catálogo
Erosão, processos de
estruturação em Villa-Lobos.
Fernandes.
Rio de
Janeiro
Autor
1ed. 1999
---
---
Ouvir Wagner, ecos
Nietzschianos.
Caznók; Naffah Neto
São Paulo Musa Editora 1ed. 2000 1000 em
catálogo
Do tempo musical. Seincman. São Paulo Via Lettera 1ed. 2001 1000 em
catálogo
Teoria de Costère,
uma perspectiva em análise
musical. Ramirez.
São Paulo Autor / Embraform
1ed. 2001 500 em
catálogo
Beethoven, o princípio da
modernidade. Bento.
São Paulo Annablume 1ed. 2002 1000 em
catálogo
Grupo de compositores da
Bahia, estratégias orquestrais.
Gomes.
Salvador
BA
UFBA 1ed. 2002 500 em
catálogo
Mahler em Schoenberg,
angústia da influência
na Sinfonia de Câmara n.1.
Molina.
São Paulo
Autor / Rondó
1ed. 2003
500
em
catálogo
10 Estudos de Leo Brouwer,
análise técnico-interpretativa.
Fraga.
Curitiba
PR
1ed Autor /
Data Música.
2ed Ed. Depto. de
Artes da UFPr
1ed. 2005
2ed. 2006
1ed 200
2ed 200
em
catálogo
O estilo antropofágico de
Heitor Villa-Lobos,
Bach e Stravinsky na obra
do compositor. Jardim.
São Paulo
Philarmonia
Brasileira
1ed. 2005
---
em
catálogo
Ouvir o Som, aspectos
de organização na música
do século XX. Zuben.
Cotia - SP
Ateliê Editorial
1ed. 2005
1000
em
catálogo
Sinfonia Titã,
semântica e retórica. Lian.
São Paulo Editora
Perspectiva
1ed. 2005 --- em
catálogo
Muito Além do Melodrama,
os prelúdios e sinfonias
das óperas de Carlos Gomes.
Nogueira.
São Paulo
Ed. Unesp
1ed. 2006
---
em
catálogo
Crítica e criação, um estudo
da Kreisleriana Op.16
de Robert Schumann. Vermes.
Cotia - SP
Ateliê Editorial
1ed. 2007
---
em
catálogo
* Atualmente Edições RicordI. / ** Atualmente Musimed.
Observa-se, quanto ao local das publicações, que a maioria deu-se no estado de São
Paulo com 28 títulos publicados, depois o Rio de Janeiro com 9, Bahia com 2, e Distrito
Federal, Pernambuco e Paraná cada um com 1 título publicado.
O Museu Villa-Lobos marcou história como casa publicadora tendo lançado 6 títulos
durante a década de 1970, dos quais 5 chegaram à segunda edição. História semelhante dá-se
34
com a editora Annablume que se iguala quanto ao número de títulos, 6, sendo que 5 deles
publicados na década de 1990, e mais um no ano de 2002. Recentemente o destaque é para a
Ateliê Editorial que publicou 3 títulos nos últimos cinco anos. Depois tem-se a Editora
Perspectiva, a UFBA “Universidade Federal da Bahia” e a Editora da Unicamp com dois
títulos cada; e, por fim, Musa Editora, Musimed, Musicália (hoje Ricordi), Via Lettera e a
Editora Unesp com um título cada.
Quanto à tiragem, os dados obtidos abrangem as publicações realizadas a partir de
1977 e demonstram a ocorrência de dois padrões de publicação: um para editoras e que,
portanto, está inserido no contexto do comércio livreiro; e outro para edições alternativas que
se caracterizam por não ter fins lucrativos sendo distribuídas gratuitamente ou, então,
comercializadas somente para cobrir os custos de produção. Este é o caso das “edições de
autor”, que se realizam mais pela vontade e empenho do próprio autor por trazer seu trabalho
a público, e também das edições realizadas com apoio institucional. No caso das edições
comerciais, observa-se, para a maioria dos títulos que estão em catálogo, o padrão de “uma”
edição de mil exemplares que não chega a se esgotar. Considerando-se, por exemplo, a
situação editorial do Beethoven e o sentido da transformação, de J. V. Muniz Neto, publicado
no ano de 1997 e que ainda está em catálogo, observamos que o período de quase dez anos
não foi suficiente para atingir a marca de mil exemplares vendidos. Faz exceção à regra o
Apoteose de Schoenberg, de Flo Menezes, que teve uma primeira tiragem de três mil
exemplares, e que está agora em sua segunda edição, desta vez de mil exemplares. Outro caso
singular é o do Villa-Lobos: o choro e os choros, de José Maria Neves, que, segundo a
editora, pode ter tido uma tiragem de até três mil exemplares. No caso deste livro também
uma controvérsia quanto ao número de edições. Por conta da mudança de razão social da
editora “Musicália” para “Ricordi”, ao que tudo indica, foram feitas duas primeiras edições
uma pela Musicália em 1977, e outra pela Ricordi em 1980 - segundo informações da editora,
ou em 1981, segundo informações do próprio autor no site da Academia Brasileira de Música.
Em nossa tabela foi considerada a edição da Musicália por ser a de que dispomos.
Quanto às edições alternativas constata-se um padrão de tiragem menor. As “edições
de autorcomo a do Teoria de Costère, de Marisa Ramires, ou do Mahler em Schoenberg, de
Sidney Molina, apresentam tiragem de quinhentos exemplares. Com esta mesma tiragem
temos também o Grupo de Compositores da Bahia, de Welington Gomes, publicado pelo
Programa de Pós-graduação da UFBA. Já o 10 Estudos de Leo Brouwer, de Orlando Fraga,
teve duas edições de duzentos exemplares, a primeira do autor e a segunda pela Editora do
Depto. de Artes da UFPr. Exceção à regra é o Ernest Widmer, perfil estilístico, de Ilza Maria
35
Costa Nogueira, publicado pela Escola de Música da UFBA com a tiragem de mil
exemplares.
Na Tabela 3 Autoria (motivação / título / autor) apresenta-se os 42 títulos dispostos
em ordem cronológica e alinhados com dados referentes às circunstâncias da escritura do
texto.
Tabela 3 – Autoria (motivação / título / autor)
motivação título autor
Notas
de programa.
Concertos de música de câmara do Instituto Nacional
de Música pelo Trio Beethoven. 1919.
Tapajós Gomes.
As Nove Symphonias de Beethoven. 1922. Martins, Amélia de
Rezende.
Música Creadora e Balladas de Chopin. 1935, 19 - - . Caldeira Filho.
Articulação
cultural.
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. 1971. Palma, Enos da Costa;
Chaves Jr, Edgard de B.
Breve curso de analyse musical e conselhos de
interpretação, análise da Sonata em dó sustenido
menor de Beethoven. 1931, 1934.
Franceschini, Fúrio.
Análise do Estudo de Chopin em dó sustenido menor
para Piano Op. 25 n7. 1941.
Franceschini, Fúrio.
Palestras sobre as sonatas para piano de Beethoven.
1943.
Caldeira Filho, João C.
Beethoven, proprietário de um cérebro. 1979. Oliveira, Willy Corrêa de.
J. S. Bach, Prelúdios e Fugas I. 1988. Magalhães, Homero de.
Cursos,
seminários
e palestras.
Ouvir Wagner, ecos nietzschianos. 2000. Caznók, Yara Borges;
Naffah Neto, Alfredo.
Nazareth, estudos analíticos. 1963. Diniz, Jaime C. Homenagem.
Ernst Widmer, perfil estilístico. 1997. Nogueira, Ilza M
a
. Costa.
Comentários sobre a obra pianística de Villa-Lobos.
1969.
Souza Lima.
Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. 1970, 1978. Estrella, Arnaldo.
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. 1971. Nóbrega, Adhemar.
Os Choros de Villa-Lobos. 1975, 19 - - . Nóbrega, Adhemar.
Heitor Villa-Lobos e o violão. 1975. Santos, Turíbio.
Concurso
de monografia.
A evolução de Villa-Lobos na música de câmara.
1976, 1979.
França, Eurico Nogueira.
Apoteose de Schoenberg. 1ed. 1987, 2ed. 2002. Menezes, Flo. Iniciação
científica.
Beethoven, o princípio da modernidade. 2002. Bento, Daniel.
Música. 1983. Souza, Rodolfo Coelho de.
Elementos de coerência no Opus 76 de Brahms. 1995.
Souza, Elizabeth R. P. de
Proporções no Op.110 de Beethoven. 1995. Souza, Elizabeth R. P. de
Erosão, processos de estruturação em Villa-Lobos.
1999.
Fernandes, Marlene
Migliari.
Produção
acadêmica.
10 Estudos de Leo Brouwer,
análise técnico-interpretativa. 2003.
Fraga, Orlando.
Villa-Lobos, o choro e os Choros. 1977. Neves, José Maria. Dissertação
de mestrado.
Heitor Villa-Lobos, sua obra para violão. 1984. Pereira, Marco.
36
O Poema do fogo, mito e música em Scriabin. 1993. Tomás, Lia.
O antropofagismo na obra pianística
de Gilberto Mendes. 1997.
Santos, Antonio Eduardo
dos.
Politonalidade, discurso de reação e trans-formação.
1998.
Noronha, Lina Maria
Ribeiro de.
Charles Ives, uma revisita. 1999. Albright, Valerie.
Teoria de Costère,
uma perspectiva em análise musical. 2001.
Ramires, Marisa.
Mahler em Schoenberg, angústia da influência
na Sinfonia de Câmara n.1. 2003.
Molina, Sidney.
Ouvir o Som, aspectos de organização
na música do século XX. 2005.
Zuben, Paulo.
Sinfonia Titã, semântica e retórica. 2005. Lian, Henrique
Beethoven e o sentido da transformação, análise dos
últimos Quartetos e da Grande Fuga Op.133. 1997.
Muniz Neto, José Viegas.
Do tempo musical. 2001. Seincman, Eduardo.
Grupo de compositores da Bahia,
estratégias orquestrais. 2002.
Gomes, Wellington.
Tese de
doutorado.
Crítica e criação, um estudo da Kreisleriana Op.16
de Robert Schumann. 2007.
Vermes, Mónica.
Mestrado +
Doutorado.
Muito Além do Melodrama, os prelúdios e sinfonias
das óperas de Carlos Gomes. 2006.
Nogueira, Marcos Pupo.
Doutorado +
Livre docência.
O estilo antropofágico de Heitor Villa-Lobos,
Bach e Stravinsky na obra do compositor. 2005.
Jardim, Gil.
Livre Docência.
Atualidade estética da música eletroacústica. 1999. Menezes, Flo.
O livro Concertos de música de câmara do Instituto Nacional de Música pelo Trio
Beethoven (1919) traz as notas de programa escritas pelo crítico de arte e poeta Tapajós
Gomes (18??-19??), a pedido dos integrantes do Trio Beethoven, para uma série de concertos
realizados no Salão do Jornal do Commercio no Rio de Janeiro, nos quais foram interpretados
todos os Trios de Beethoven. O Trio Beethoven foi um grupo de câmara formado pelo pianista
J. Octaviano Gonçalves, o violinista Frederico de Almeida, e o violoncelista Newton de
Pádua, todos eles alunos do Instituto Nacional de Música.
um determinado tipo de publicação que foi classificado, nessa pesquisa, como de
“articulação cultural”. Trata-se de trabalhos realizados sem estímulo externo aparente, a não
ser a iniciativa própria dos autores e, supõe-se, seu propósito deliberado de dialogar com o
meio musical do qual participavam. Entre esses está o livro As Nove Symphonias de
Beethoven (1922), de Amélia Rezende Martins (1877-1948), cujas declarações feitas no texto
Uma explicação necessaria..., que serve como introdução desse livro, evidenciam seu caráter
diletante.
Não se trata aqui de uma obra de critica ou uma exposição de impressões pessoaes
de quem tenha um conhecimento profundo das Symphonias de Beethoven; é, muito
pelo contrario, um resumo do estudo que fizemos, minhas filhinhas e eu,
procurando, pela leitura, nos preparar a ouvir e comprehender com maior gozo
intellectual esse thezouro de arte. (MARTINS, 1922, p.5).
37
Entretanto, a medida desse “conhecimento profundo” que a autora afirma não ter,
talvez seja mais bem aquilatada levando-se em conta a lista de títulos impressa na última
página desse livro na qual constam, além de outras publicações da autora nas áreas da história,
geografia e sociologia; mais dois títulos sobre música, a saber, uma Historia da Musica e
Curiosidades Musicaes. Sabe-se, também, que Maria Amélia de Rezende Martins registrou
diversas canções dos escravos da sua fazenda, num trabalho pioneiro de etnomusicologia
(NOGUEIRA, 2006, p.552), e que, empreendedora, essa pianista e camerista fundou, no ano
de 1931 juntamente com Theodoro Heuberger e Frei Pedro Sinzig, O.F.M. –, a Pró Arte
Sociedade de Artes, Letras e Ciências, criando as primeiras caravanas artísticas que
percorreram as cidades do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
O livro Música Creadora e Balladas de Chopin (1935, 19 - -), de Caldeira Filho
(1900-82), é outro exemplo dessas publicações. Mário de Andrade (1893-1945), na
introdução que escreveu para esse livro, uma idéia bem clara do contexto que moveu o
autor na escritura de seu texto.
Caldeira Filho fixa com este livro o início da sua carreira de escritor musical.
Formado pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, aluno que foi dos
mais distintos, atualmente professor e crítico musical, publicando êste livro êle
reflete bem êsse aspecto muito característico da música paulista, que consistiu em
criar toda uma literatura didática de música, já agora alicerçada em algumas bases
bastante duráveis.
Essa orientação da cultura musical paulista se originou de dois focos principais, a
meu ver: a sistematização oficial do ensino de música nas escolas públicas do
Estado e o Conservatório. Surgiu desses dois fócos criadores um enxame de obras
de divulgação, excelentes em conjunto, artinhas, cursos primários de harmonia,
obras corais didáticas, histórias da música, biografias de músicos, etnografia
musical, a que se deverá ajuntar ainda as obras admiráveis de Pereira e Furio
Franceschini. Com tudo isto se formou uma biblioteca didática musical que é
exemplo único no país. Agora Caldeira Filho vem formar nesse batalhão e o
enriquecer. (ANDRADE, Mário In: CALDEIRA FILHO, 1935, p.7).
O livro As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de autoria de Enos da Costa
Palma e Edgard de Brito Chaves Júnior, é outro trabalho que talvez possa ser incluído nesse
grupo, mas é preciso que se faça uma observação a seu respeito. Ocorre que no mesmo ano de
sua publicação, 1971, foi publicado um outro livro com o mesmo título e também no Rio de
Janeiro. Trata-se do livro As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de Adhemar
Nóbrega, que é a monografia premiada com o primeiro prêmio no Concurso Nacional sobre o
Estudo Técnico, Estético e Analítico das Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos, realizado pelo
Museu Villa-Lobos do Ministério de Educação e Cultura, no ano de 1970. Levanta-se, então,
a hipótese de que o texto de Palma e Chaves Júnior seja uma monografia escrita com vistas ao
mesmo concurso e que, não tendo sido premiada, nem por isso deixou de ser publicada por
38
iniciativa de seus autores. No intróito desse livro, apresenta-se a reprodução de uma carta de
Arminda Villa-Lobos endossando o trabalho.
Um grupo de seis publicações é resultante de cursos, seminários e palestras realizados
pelos autores. Entre esses estão o Breve curso de analyse musical e conselhos de
interpretação, análise da Sonata em sustenido menor de Beethoven (1931, 1934), e o
Análise do Estudo de Chopin em sustenido menor para Piano Op. 25 n7 (1941), de Fúrio
Franceschini (1880-1976), que se originaram de cursos de análise musical ministrados no
Departamento de Cultura do município de São Paulo. Caldeira Filho participa também desse
grupo, com seu livro Palestras sobre as Sonatas para Piano de Beethoven (1943), que traz na
integra as palestras proferidas na Sociedade de Cultura Artística de São Paulo, durante o ciclo
de apresentações das Sonatas de Beethoven, realizado entre 20 de janeiro à 1
o
de abril de
1941, a cargo do pianista Fritz Jank. O livro Beethoven, proprietário de um cérebro (1979),
de Willy Corrêa de Oliveira, é a transcrição de uma conferência comissionada pela
Coordenadoria de Assuntos Culturais da Universidade de São Paulo, no transcurso do Ano
Beethoven, em 7 de outubro de 1977.
Este livro foi, na origem, uma conferência. Com propostas dramáticas: cenário,
iluminação, ações, um pianista (Caio Pagano), um ator (Edson Celulari), uma
cantora (Beatrice Dante), e 7 crianças que recolhiam as 33 fichas que eram
atiradas uma a uma após uso (Wittgenstein). Para transpor para livro, tive que
me livrar de todo aparato cênico. Muita coisa se perdeu; muita se ganhou: como um
maior desenvolvimento das “leituras” e análises. O que o desespera é que a
música executada por Caio Pagano está aqui presente, no disco. (OLIVEIRA,
1979, Prefácio?).
O livro J. S. Bach, Prelúdios e Fugas I (1988) traz a transcrição das anotações de uma
série de aulas dadas pelo pianista Homero de Magalhães, no Rio de Janeiro na Pró-Arte, e em
São Paulo no Conservatório Musical Brooklin Paulista. O livro Ouvir Wagner, ecos
nietzschianos (2000), origina-se de um seminário ministrado no Programa de Estudos Pós-
Graduados em Psicologia Clínica da PUC de São Paulo, pelo psicanalista, filósofo e amante
de música, Alfredo Naffah Neto, e pela professora de música Yara Caznók que realizou
estudos na área da psicologia.
dois livros, entre os coletados, que foram publicados com o intuito de prestar
homenagens: trata-se do Nazareth, estudos analíticos (1963), de autoria do Padre Jaime C.
Diniz (1924-1989), escrito por ocasião do centenário de nascimento de Ernesto Nazareth, e o
Ernst Widmer, perfil estilístico (1997), de Ilza Maria Costa Nogueira, que, segundo
informação fornecida via e-mail pela própria autora, foi lançado como uma homenagem
39
póstuma da Escola de Música da UFBA, na passagem dos 70 anos de nascimento do
compositor.
Outras seis publicações tiveram sua origem nos concursos de monografia sobre a obra
de Villa-Lobos, promovidos no Rio de Janeiro pelo Museu Villa-Lobos do MEC, que
premiou os textos vencedores com sua publicação. Trata-se dos livros Comentários sobre a
obra pianística de Villa-Lobos (1969), de Souza Lima (1898-1982), Os Quartetos de Cordas
de Villa-Lobos (1970, 1978) de Arnaldo Estrella (1908-80), As Bachianas Brasileiras de
Villa-Lobos (1971) e Os Choros de Villa-Lobos (1975, 19_ _), de Adhemar Nóbrega (1917-
79), Heitor Villa-Lobos e o violão (1975) de Turíbio Santos, e A Evolução de Villa-Lobos na
Música de Câmara (1976, 1979), de Eurico Nogueira França (1913-92).
Dois livros se destacam por terem tido como base trabalhos produzidos por meio de
programas de iniciação científica. São eles o Apoteose de Schoenberg (1987, 2002), de Flo
Menezes, e o Beethoven, o princípio da modernidade (2002), de Daniel Bento.
Outros cinco trabalhos foram classificados, no contexto dessa pesquisa, como de
“produção acadêmica”. Trata-se de trabalhos realizados por catedráticos, mas que não
apresentam nenhuma motivação externa aparente, a não ser o propósito pessoal e deliberado
de fazer publicar seus textos. Dois desses livros são de autoria da professora e pianista
Elizabeth Rangel Pinheiro de Souza, são eles o Elementos de coerência no Opus 76 de
Brahms e o Proporções no Op.110 de Beethoven, ambos publicados no ano de 1995. Outros
dois são o Erosão, processos de estruturação em Villa-Lobos (1999), da analista e
compositora Marlene Migliari Fernandes, o 10 Estudos de Leo Brouwer, análise técnico-
interpretativa. (2003), do violonista e professor Orlando Fraga. Um outro, Música (1987), foi
feito numa época em que seu autor, o compositor Rodolfo Coelho de Souza, ainda não atuava
como professor acadêmico, mas como, hoje, ele se dedica a essa atividade, e sendo o perfil de
seu texto compatível com os outros desse grupo, julgou-se cabível e justo colocá-lo entre
esses.
No que tange à produção surgida a partir dos programas de pós-graduação observa-se
que esta perfaz um total de 17 livros, ou seja, mais de um terço do total dos livros coletados.
Dois deles são originários de trabalhos realizados em cursos de pós-graduação no
exterior, ambos submetidos ao Instituto de Musicologia da Universidade de Paris-Sorbonne
para a obtenção do grau de mestrado. Um deles é o livro Villa-Lobos, o choro e os choros
(1977), de José Maria Neves (1943-2002) que é a redução da “tese” (como a ela se refere o
autor) Les Choros: Synthèse de la Pensée Musicale de Villa-Lobos, defendida em 1971 –, e o
40
outro é o Heitor Villa-Lobos, sua obra para violão (1984), de Marco Pereira originado a
partir da dissertação O violão na Obra de Villa-Lobos, defendida em 1979.
Dentre os textos advindos dos programas de pós-graduação das universidades
brasileiras, oito são originários de dissertações de mestrado, quatro de teses de doutorado, um
apresenta a somatória de duas pesquisas, uma de mestrado e outra de doutorado, e, por fim,
um outro aproveita os resultados de uma tese de doutorado e um trabalho de livre-docência. O
primeiro texto publicado foi O Poema do fogo, mito e música em Scriabin (1993), de Lia
Tomás condição que agrega mais um valor histórico a esse trabalho que, como vimos,
marca também o retorno das autoras ao cenário da publicação de livros de análise musical,
após um recesso de mais de setenta anos – sendo ele um dos três livros originários de
dissertações de mestrado apresentadas ao Programa de Estudos Pós-Graduados em
Comunicação e Semiótica da PUC. Os outros dois são o Mahler em Schoenberg, angústia da
influência na Sinfonia de Câmara n.1 (2003), de Sidney Molina, e o Ouvir o som, aspectos de
organização na música do século XX (2005), de Paulo Zuben. O livro Sinfonia Titã,
semântica e retórica (2005), de Henrique Lian, origina-se da dissertação de mestrado A
Sinfonia Titã de Gustav Mahler e o Segundo Grau do Significado no Discurso Musical: um
Estudo de Semântica e Estética da Música, apresentada ao Departamento de História de Arte
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), em setembro de 2003. Quatro trabalhos provêm de dissertações de mestrado
defendidas no Programa de Pós-graduação em Música da Unesp. Trata-se dos livros O
antropofagismo na obra pianística de Gilberto Mendes (1997), de Antonio Eduardo dos
Santos, Politonalidade, discurso de reação e trans-formação (1998), de Lina Maria Ribeiro
de Noronha, Charles Ives, uma revisita (1999), de Valerie Albright, e Teoria de Costère, uma
perspectiva em análise musical (2001), de Marisa Ramires.
O primeiro livro publicado a partir de uma tese de doutorado foi Beethoven e o
sentido da transformação, análise dos últimos Quartetos e da Grande Fuga Op.133 (1997),
de José Viegas Muniz Neto, sendo originário de uma tese apresentada ao Programa de
Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC, no ano de 1996. Outro livro
originário de tese de doutorado defendida nessa mesma instituição, em 2003, é Crítica e
criação, um estudo da Kreisleriana Op.16 de Robert Schumann (2007), de Mónica Vermes. O
Livro Do tempo musical (2001), de Eduardo Seincman, foi publicado a partir de sua tese de
doutorado em artes realizada na USP. O Grupo de Compositores da Bahia, estratégias
orquestrais (2002), de Wellington Gomes, foi publicado a partir de sua tese de doutorado
apresentada ao Programa de Pós-graduação em Música da UFBA.
41
Quanto aos livros derivados de dois trabalhos acadêmicos, um deles é o Muito Além
do Melodrama, os prelúdios e sinfonias das óperas de Carlos Gomes (2006), de Marcos Pupo
Nogueira, que é a somatória de sua dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-
graduação da Unesp, e de sua tese de doutorado em história social realizado na USP. O outro
é O estilo antropofágico de Heitor Villa-Lobos, Bach e Stravinsky na obra do compositor
(2005), de Gil Jardim, que trata de assuntos explorados pelo autor em sua tese de doutorado e
em seu trabalho de Livre Docência. Por fim, um livro, o Atualidade estética da música
eletroacústica (1999), de Flo Menezes, que advém de sua tese de Livre Docência.
Lendo-se essa tabela em conexão com a Tabela 1 - Cronologia, observa-se que todos
os textos publicados nos últimos 30 anos ao todo 28 textos que representam dois terços do
total de publicações relacionado nessa pesquisa tiveram como origem o meio acadêmico,
portanto, pode-se dizer que, na atualidade, a universidade está instituída como o principal
lócus de produção de conhecimento na área da análise musical no Brasil.
Na Tabela 4 Compositores e obras (compositor / título / obra) apresenta-se a
estatística de compositores abordados nos livros e a listagem das obras estudadas. Ao todo
temos 18 compositores abordados individualmente, e quatro abordagens de grupos de
compositores.
Tabela 4 – Compositores e obras (compositor / título / obra)
compositor título obra
Comentários sobre a obra
pianística de Villa-Lobos.
Souza Lima, 1969.
Obra pianística completa.
Os Quartetos de Cordas
de Villa-Lobos. Estrella, 1970.
Os Dezessete Quartetos de Cordas.
As Bachianas Brasileiras
de Villa-Lobos.
Nóbrega, 1971, 1976.
As Nove Bachianas Brasileiras.
As Bachianas Brasileiras
de Villa-Lobos.
Palma; Chaves Júnior, 1971.
As Nove Bachianas Brasileiras.
Os Choros de Villa-Lobos.
Nóbrega, 1975, 19 - - .
Os Quatorze Choros.
Dois Choros (Bis).
Heitor Villa-Lobos e o violão.
Santos, 1975.
Os Doze Estudos; Os Cinco Prelúdios; Concerto
para Violão e Orquestra.
A evolução de Villa-Lobos
na música de câmara.
França, 1976, 1979.
Obra de música de câmara completa.
Villa-Lobos
11 abordagens
Villa-Lobos: o choro
e os Choros. Neves, 1977.
Os Quatorze Choros.
Dois Choros (Bis).
42
Heitor Villa-Lobos,
sua obra para violão.
Pereira, 1984.
Os Doze estudos. Os Cinco Prelúdios.
Concerto para Violão e Pequena Orquestra.
Suíte Popular Brasileira. Choro n.1.
Cantilena “das Bachianas Brasileiras n.5”.
Modinha “das 14 Serestas”. Distribuição de
Flores. Sexteto Místico.
Erosão, processos de
estruturação em Villa-Lobos.
Fernandes, 1999.
Erosão (Poema Sinfônico)
O estilo antropofágico
de Heitor Villa-Lobos,
Bach e Stravinsky
na obra do compositor.
Jardim, 2005.
Villa-Lobos: Prelúdio n5; Choros n7 Settimino;
Choros n8; Rudepoema; Dança dos Mosquitos.
Ária (Modinha), Toccata e Quasi Allegro da
Bachianas Brasileiras n3; Ária (Cantilena) da
Bachianas Brasileiras n5; Bachianas Brasileiras
n7. Stravinsky: Histoire du Soldat; Lê Sacre du
Printemps; Pétrouchka. Beethoven: Scherzo da
Sinfonia n9; Mennuetto da Sinfonia n1; Presto
do segundo movimento da Sinfonia n9. Bach:
Contraponto 1 da Arte da Fuga.
Concertos de música de câmara
do Instituto Nacional de Música
pelo Trio Beethoven.
Gomes, 1919.
Trio em mib maior Op.1 n1; Trio em sol maior
Op.1 n2; Trio em mib maior; Trio em dom Op1
n3; Trio em sib maior Op.11; Trio em sib maior;
Trio em ré maior Op.70 n1; Trio em mib maior
Op.70 n2; Trio em sib maior Op.97; Trio
(variações em sol menor – C – Op.121.
As Nove Symphonias de
Beethoven. Martins, 1922.
As Nove Sinfonias.
Breve curso de analyse musical
e conselhos de interpretação.
Franceschini, 1931; 1934.
Sonata para Piano em Dó Sustenido Menor Op.
27 n.2 (Ao Luar).
Palestras sobre as Sonatas para
Piano de Beethoven.
Caldeira Filho, 1943.
As Trinta e Duas Sonatas.
Beethoven, proprietário
de um cérebro. Oliveira, 1979.
Sonata para Piano em Fá Menor Op.57
(Appassionata).
Proporções no Op.110 de
Beethoven. Souza, 1995.
Sonata para Piano em La Bemol Maior Op. 110.
Beethoven e o sentido da
transformação.
Muniz Neto, 1997.
Quarteto de Cordas Op.133 em Si Bemol Maior
– Die Grosse Fugue. Os cinco últimos quartetos:
Op. 127, 130, 131, 132, 135.
Beethoven
8 abordagens
Beethoven, o princípio da
modernidade. Bento, 2002.
Sonata Hammerklavier (Beethoven).Suíte para
Piano Op.25 e Klavierstück Op.33 (Schoenberg).
Música Creadora e Balladas de
Chopin. Caldeira Filho, 1935.
As quatro Baladas.
Chopin
2 abordagens
Análise do Estudo de Chopin
em dó sustenido menor
para Piano Op. 25 n.7.
Franceschini, 1941.
Estudo em Dó Sustenido Menor para Piano
Op.25 n.7
Schoenberg
2 abordagens
Teoria de Costère, uma
perspectiva em análise musical.
Ramires, 2001.
Minueto e Trio da Suíte para Piano Op.25.
Seis Peças par piano Op.19.
43
Mahler em Schoenberg,
angústia da influência na
Sinfonia de Câmara n.1.
Molina, 2003.
Sinfonia de Câmara n.1.
A Noite Transfigurada Op.4.
Bach
1 abordagem
J. S. Bach, Prelúdios e Fugas I.
Magalhães, 1988.
Prelúdios e Fugas
do Primeiro Livro do Cravo Bem Temperado.
Brahms
1 abordagem
Elementos de coerência
no Opus 76 de Brahms.
Souza, 1995.
As oito peças do Op.76: n.1 Capricho em Fa
Sustenido Menor; n.2 Capricho em Si Menor;
n.3 Intermezzo em La Bemol Maior; n.4
Intermezzo em Si Bemol Maior; n.5 Capricho em
Do Sustenido Menor; n.6 Intermezzo em La
Maior; n.7 Intermezzo em La Menor; n.8
Capricho em Do Maior.
Brouwer
1 abordagem
10 Estudos de Leo Brouwer,
análise técnico-interpretativa.
Fraga, 2005.
Os 10 Estudos Simples para Violão.
Gomes
Muito Além do Melodrama,
os prelúdios e sinfonias
das óperas de Carlos Gomes.
Nogueira, 2006.
O prelúdio e a sinfonia de Il Guarani; os dois
prelúdios e a sinfonia de Fosca; a sinfonia de
Salvator Rosa; o prelúdio de Maria Tudor; os
prelúdios orquestrais de Lo Schiavo; prelúdio e
noturno de Condor.
Ives
1 abordagem
Charles Ives, uma revisita.
Albright, 1999.
Dentre várias peças: Third Symphony, Concord
Sonata, Second String Quartet, Communion,
Second Violin Sonata.
Mahler
1 abordagem
SinfoniaTitã, semântica
e retórica. Lian, 2005.
Sinfonia n.1 em Ré Maior, “Titã”.
Mendes
1 abordagem
O antropofagismo na obra
pianística de Gilberto Mendes.
Santos, 1997.
Pequeno Álbum para Crianças. Sonatina
(Mozartiana). Os Prelúdios. Sonata. 16 Peças
para Piano. Música para Piano n.1. Blirium C-9.
Vento Noroeste. Música para Piano n.2. The
Three fathers. Três Contos de Cortázar. Viva
Villa. Il Neige...De Nouveau!. Vers les Joyeux
Tropiques. Um Estudo? Eisler e Webern
Caminham nos Mares do Sul. A Outra. Estudo
Magno. Fur Annette. Pour Eliane.
Menezes
1 abordagem
Atualidade estética
da música eletroacústica.
Menezes, 1999.
A Dialética da Praia; Parcours de l’Entité.
Nazareth
1 abordagem
Nazareth, estudos analíticos.
Diniz, 1963.
Você Bem Sabe! Celestial. Favorito.
Marcha Fúnebre.
Schumann
1 abordagem
Crítica e criação, um estudo da
Kreisleriana Op.16 de Robert
Schumann. Vermes, 2007.
Papillons Op.2; Carnaval Op.9; Kreisleriana.
Scriabin
1 abordagem
O Poema do fogo,
mito e música em Scriabin.
Tomás, 1993.
Prometheus, o poema do fogo Op.60. Prelúdio
Op.67 n1.
Souza
1 abordagem
Música. Souza, 1983. 3 Ñe’Eng. Variações sobre um tema de Claudio
Santoro. Durações. Episódios. Estudo n.1.
2ª Canção Imaginária de Fernando Pessoa.
Wagner
1 abordagem
Ouvir Wagner,
ecos nietzschianos.
Caznók; Naffah Neto, 2000.
A Valquíria d’O Anel dos Nibelungos, e Parsifal.
44
Widmer
1 abordagem
Ernst Widmer, perfil estilístico.
Nogueira, 1997.
Duo para violino e piano, Op. 127. Quarteto de
Cordas VII, "Amabile", Op. 157. As Quatro
Estações do Sonho, Op. 129. Sertania, Sinfonia
do Sertão, Op. 138. Utopia, Op. 142.
Onze
compositores
baianos do
século vinte.
Grupo de compositores da
Bahia, estratégias orquestrais.
Gomes, 2002.
Widmer: Officium Sepulchri, Réquiem, Quasars,
Sinopse, Pulsars, ENTROncamentosSONoros,
Rumos. Oliveira: Nú, Grocerto, Pseudópodes,
Iterações, Tonal-A-Tonal. Cardoso: O Fim do
Mundo, Procissão das Carpideiras, Pleorama,
Extrême, Reflexões I. Rossi: Paisagem Agônica
II. Cerqueira: Heterofonia do Tempo: Monólogo
da Multidão, Quanta, Transubstanciação.
Gomes: Proclive, Intuição do Precípuo. Kokron:
Maré em Estrutura de Contornos. Martins:
Impropérios. Ribeiro: Jorunská-
onká,(Im)previstus. Herrera: Ámbitus Móbile I.
Smetak: M2005, Anestesia.
Sete
compositores
europeus
do século
dezenove.
Do tempo musical.
Seincman, 2001.
Schumann: Primeira Peça das Cenas Infantis
Op.15, Peça n.13 do Álbum para a Juventude,
Peça n.12 de Papillons Op.2. Mahler: Sinfonia
n.1 em Ré Maior. Mendelssohn: Gôndola
Veneziana Op.30 n.6, Canção sem Palavras
Op.30 n.6. Chopin: Mazurca Op. 6 n.2, Noturno
Op.48 n.1. Beethoven: Concerto n.4 para Piano,
Sonata Op.57 em Fa Menor “L’Apassionata”.
Schubert: Quinteto em Dó Maior D.956.
Diversos
compositores
dos séculos
dezenove e
vinte.
Apoteosede Schoenberg.
Menezes, 1987; 2002.
Dentre vários compositores e peças, Schubert:
Sonata em Si Bemol Maior. Wagner: Prelúdio de
Tristão e Isolda. Brahms: Quinteto de Cordas
Op. 88. Mahler: Nona e Décima Sinfonias. Liszt:
Années de Pèlerinage. Schoenberg: Variations
on a Recitative Op.40, Ode to Napoleon Op. 41,
Klavierstück Op.33a, Farben op.16 n.3. Webern:
Drei Lieder Op.18, Sinfonia Op.21. Berg:
Wozzeck, Lulu. Bartók: Bagatela Op.6 n.2.
Menezes: Transformantes I. W.C. de Oliveira:
Prelúdio n.2.
Diversos
compositores
do século
vinte.
Politonalidade,
discurso de reação e
trans-formação.
Noronha, 1998.
Dentre vários compositores e peças, Milhaud:
Saudades do Brasil, Suíte, Terceira Sinfonia
para Pequena Orquestra, Trois Rag-Caprices,
La Création du Monde. Ravel: Chansons
Madécasses. Satie: Parade. Honegger: Sinfonia
Litúrgica. Stravinsky: A Sagração da Primavera.
Ives: Salmo Sessenta e Sete. Bartók: Bagatela
VII, Terceiro Quarteto para Cordas.
45
Ouvir o Som,
aspectos de organização
na música do século XX.
Zuben, 2005.
Stravinsky: Danse de la Terre da Sagração da
Primavera, Sinfonia para Instrumentos de
Sopros. Debussy: Ce qu´a vu le Vent d´Ouest do
Livro I de Prelúdios para Piano. Ives: The
Unanswered Question, Central Park in the Dark.
Messiaen: Regard du Fils sur le Fils e Regard du
Silence dos Vingt Regards sur l’Enfant Jésus.
Schoenberg: Farben Op.16 n.3. Webern:
Sinfonia Op.21. Varèse: Hyperprism, Octandre,
Intégrales, Ionisation. Scelsi: Quarteto de
Cordas n.4. Berio: O King. Ligeti: Peça n.9 das
Dez Peças para Quinteto de Sopros, Lux
Aeterna, Concerto de Câmara. Murail:
Gondwana.
Villa-Lobos é o compositor que recebeu o maior número de abordagens, 11, seguido
por Beethoven, que recebeu 8. Observe-se que a soma destas perfaz 19, o que é praticamente
metade dos 42 livros coletados no levantamento. Tanto Chopin quanto Schoenberg receberam
2 abordagens cada um. No caso de Schoenberg, uma é feita, por assim dizer, de forma direta
no Mahler em Schoenberg, de Sidney Molina, enquanto a outra aqui considerada deve-se ao
fato de que no livro Teoria de Costère, de Marisa Ramires, esta teoria analítica é demonstrada
exclusivamente com análises de peças daquele compositor. Uma terceira abordagem poderia
ser considerada visto que no Beethoven, o Princípio da Modernidade, de Daniel Bento, a obra
de Schoenberg é focada de maneira enfática. Os outros 14 compositores receberam uma
abordagem cada um.
Quanto ao período histórico em que esses compositores estão inseridos, observa-se
que desse total de 18 compositores há apenas 1, Bach, que é do século XVIII, 7 são do século
XIX: Beethoven, Chopin, Schumann, Brahms, Mahler, Wagner, Carlos Gomes; 10 do século
XX: Villa-Lobos, Schoenberg, Brouwer, Ives, Mendes, Menezes, Nazareth, Scriabin, Souza, e
Widmer. Portanto, mais da metade dos compositores abordados individualmente pertencem
ao século XX.
Quanto ao estudo de grupos de compositores, no livro Compositores da Bahia:
estratégias orquestrais, de Welington Gomes, são focalizados 11 compositores que atuaram
na Bahia no século XX (entre os quais Widmer, mencionado individualmente). Um grupo
de 7 compositores europeus do século XIX é abordado no livro Do Tempo Musical, de
Eduardo Seincman. No Apoteose de Schoenberg, de Flo Menezes, tem-se a abordagem de
vários compositores dos séculos XIX e XX, enquanto no Politonalidade: discurso de reação e
trans-formação, de Lina Maria Ribeiro de Noronha, e no Ouvir o Som, de Paulo Zuben, tem-
se vários compositores do século XX.
46
Lendo-se essa tabela em conexão com a Tabela 1 - Cronologia, observa-se que 7 das
11 abordagens da obra de Villa-Lobos ocorreram durante a década de 1970. Considerando o
decurso de tempo entre a publicação do Comentários sobre a obra pianística de Villa-Lobos
(1969) e o Villa-Lobos, o choro e os Choros (1977), tem-se 8 em menos de uma década.
Note-se, também, que durante toda a década de 1970, ocorre apenas uma abordagem de outro
compositor, que não Villa-Lobos, com o livro Beethoven, proprietário de um cérebro (1979).
Quanto a Beethoven, observa-se que 4 das 8 abordagens de sua obra estão circunscritas à
primeira metade do século XX, ocorrendo o mesmo com as duas únicas da obra de Chopin.
Somando todos esses dados, vê-se que, a não ser por uma publicação em 1963 sobre a obra de
Nazareth, até o final da década de 1970 apenas 3 compositores foram analisados – Beethoven,
Chopin e Villa-Lobos.
Na Tabela 5 Contextos (contexto / título / autor / data) os 42 títulos relacionados no
levantamento foram agrupados de acordo com o contexto analítico em que estão inseridos. A
partir de uma primeira leitura desses livros, entreviu-se a possibilidade de configuração de
quatro contextos diferenciados.
Análise estilística crítico-romântica brasileira. Características da análise estilística
típica do século dezenove na Europa.
Análise estilística brasílica. Análise estilística da música brasileira, caracterizada pela
tensão entre a experiência da brasilidade e o referencial europeu.
Análise formalista. Características da análise formalista desenvolvida ao longo do
século XX na Europa e Estados Unidos.
Nova análise musical brasileira. Análise crítico-interdisciplinar como a que vem
ocorrendo desde por volta do início da década de 1980 até os dias atuais na Europa e
Estados Unidos.
47
Tabela 5 – Contextos (contexto / título / autor / data)
contexto título, autor, data
Concertos de música de câmara do Instituto Nacional de Música
pelo Trio Beethoven. Tapajós Gomes, 1919.
As Nove Symphonias de Beethoven. Martins, 1922.
Breve curso de analyse musicale conselhos de interpretação.
Franceschini, 1931, 1934.
Música Creadora e Balladas de Chopin. Caldeira Filho, 1935, 19 - - .
Análise do Estudo de Chopin em Dó sustenido menor para Piano Op. 25 n7.
Franceschini, 1941.
Análise estilística
crítico-romântica
brasileira
Palestras sobre as Sonatas para Piano de Beethoven. Caldeira Filho, 1943.
Nazareth, estudos analíticos. Diniz, 1963.
Comentários sobre a obra pianística de Villa-Lobos. Souza Lima, 1969.
Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. Estrella, 1970.
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Nóbrega, 1971, 1976.
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Palma; Chaves Júnior, 1971.
Os Choros de Villa-Lobos. Nóbrega, 1975, 19 - - .
Heitor Villa-Lobos e o violão. Santos, 1975.
A evolução de Villa-Lobos na música de câmara. França, 1976, 1979.
Villa-Lobos: o choro e os Choros. Neves, 1977.
Análise estilística
brasílica
Heitor Villa-Lobos,sua obra para violão. Pereira, 1984.
Apoteosede Schoenberg. Menezes, 1987, 2002.
J. S. Bach, Prelúdios e Fugas I. Magalhães, 1988.
Elementos de coerência no Opus 76 de Brahms. Souza, 1995.
Proporções no Op.110 de Beethoven. Souza, 1995.
Politonalidade, discurso de reação e trans-formação. Noronha, 1998.
Atualidade estética da música eletroacústica. Menezes, 1999.
Charles Ives, uma revisita. Albright, 1999.
Erosão, processos de estruturação em Villa-Lobos. Fernandes, 1999.
Teoria de Costère, uma perspectiva em análise musical. Ramires, 2001.
Beethoven, o princípio da modernidade. Bento, 2002.
Grupo de compositores da Bahia, estratégias orquestrais. Gomes, 2002.
10 Estudos de Leo Brouwer, análise técnico-interpretativa. Fraga, 2005.
Análise formalista
Ouvir o Som, aspectos de organização na música do século XX. Zuben, 2005.
Beethoven, proprietário de um cérebro. Oliveira, 1979.
Música. Souza, 1983.
O Poema do fogo, mito e música em Scriabin. Tomás, 1993.
Beethoven e o sentido da transformação. Muniz Neto, 1997.
Ernst Widmer, perfil estilístico. Nogueira, 1997.
O antropofagismo na obra pianísticade Gilberto Mendes. Santos, 1997.
Ouvir Wagner, ecos nietzschianos. Caznok, Naffah Neto, 2000.
Do tempo musical. Seincman, 2001.
Mahler em Schoenberg, angústia da influência na Sinfonia de Câmara n1.
Molina, 2003.
O estilo antropofágico de Heitor Villa-Lobos, Bach e Stravinsky
na obra do compositor. Jardim, 2005.
SinfoniaTitã, semântica e retórica. Lian, 2005.
Muito Além do Melodrama, os prelúdios e sinfonias das óperas
de Carlos Gomes. Nogueira, 2006.
Nova análise
musical brasileira
Crítica e criação, um estudo da Kreisleriana Op.16 de Robert Schumann.
Vermes, 2007.
48
3. Análise estilística crítico-romântica brasileira
Os seis livros relacionados nesse grupo (Tabela 6 Análise estilística crítico-
romântica brasileira) são os mais antigos dentre os investigados nesta pesquisa, tendo sido
publicados na primeira metade do século XX mais precisamente entre 1919 e 1943. O
contexto analítico musical no qual esses trabalhos estão inseridos remete-se ao desenvolvido
na Europa do século XIX. Nesse período, a análise era aplicada às obras em si, e os analistas,
influenciados pelas idéias de consciência histórica e desenvolvimento orgânico, realizavam
um tipo de análise estilística informada pela análise formal, crítica textual, investigação
histórica e biográfica, pela ideologia da imagem do gênio, caráter musical, e estilo narrativo
crítico-romântico.
Uma técnica analítica freqüentemente usada nesse tipo de análise foi a reprodução de
trechos selecionados da partitura que serviam como ilustração para os comentários analíticos.
É o que ocorre, também, nos livros brasileiros a não ser pelo Palestras sobre as Sonatas para
Piano de Beethoven (1943), de Caldeira Filho (1900-82), que não traz nenhum tipo de
exemplo gráfico, e pelo As Nove Symphonias de Beethoven (1922), de Amélia de Rezende
Martins (1877-1948), no qual os exemplos são apresentados todos juntos ao final do texto. No
caso dos trabalhos de Fúrio Franceschini (1880-1976), os exemplos são manipulados de
diversas formas com o objetivo de salientar determinadas características do material musical.
Tabela 6 – Análise estilística crítico-romântica brasileira.
contexto título, autor, data
Concertos de música de câmara do Instituto Nacional de Música
pelo Trio Beethoven. Tapajós Gomes, 1919.
As Nove Symphonias de Beethoven. Martins, 1922.
Breve curso de analyse musical e conselhos de interpretação, analyse
da Sonata em Dó sustenido Menor de Beethoven. Franceschini, 1931, 1934.
Música Creadora e Balladas de Chopin. Caldeira Filho, 1935, 19 - - .
Análise do Estudo de Chopin em Dó sustenido menor para Piano Op. 25 n7.
Franceschini, 1941.
Análise estilística
crítico-romântica
Palestras sobre as Sonatas para Piano de Beethoven. Caldeira Filho, 1943.
Quanto à função da análise musical nesses trabalhos, observa-se sua aplicação às obras
em si, e em função da fruição, da performance, e da fundamentação de argumento estético.
Quanto a estar em função da fruição, é o que se evidência no livro Concertos de música de
câmara do Instituto Nacional de Música pelo Trio Beethoven (1919), de Tapajós Gomes
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(18??-19??), pela própria natureza dos textos, notas de programa, e no Palestras sobre as
Sonatas para Piano de Beethoven (1943), de Caldeira Filho, que foram lidas antes da
apresentação de cada sonata. Amélia de Rezende Martins, no texto introdutório de seu livro,
também deixa claro ter sido esse o propósito de seu estudo.
E é com esta simplicidade que apresento meu livro a outros amadores, como s
sequiosos de conhecer as grandes impressões, que inspiraram a obra immortal do
immortal Beethoven. (MARTINS, 1922, p.5).
Os trabalhos de Fúrio Franceschini (1880-1976) estão claramente direcionados para a
performance, ocorrendo em seus textos tanto uma constante intervenção por meio de breves
comentários, quanto momentos pontuais de detalhado questionamento sobre procedimentos
interpretativos. No Ex.1 apresenta-se uma crítica, apoiada em De Lenz, a uma interpretação
de Casella, da Sonata em Dó sustenido Menor de Beethoven.
50
Ex.1 (FRANCESCHINI, 1934, p.137)
51
O ensaio A Inspiração Literária nas Balladas de Chopin (1935, 19_ _), de Caldeira
Filho, constitui um exemplo de emprego da análise musical como instrumento auxiliar na
resolução de um problema pertencente ao campo da estética. Trata-se do questionamento
sobre a natureza da influência literária que concorreu para a composição das Baladas de
Chopin. Na introdução desse livro, escrita por Mário de Andrade, enfatiza-se que tal
indagação envolve um dos temas mais polêmicos do debate musicológico.
No estudo sobre a inspiração literária das Baladas de Chopin, se aproveitando de
um exemplo tão característico, Caldeira Filho aborda um dos problemas mais
cruciantes e insolúveis de estética musical: saber se a sica póde exprimir os
fenômenos da vida que o indivíduo percebe por intermédio da inteligência. Em
ultima análise: qual a mensagem humana da música (ANDRADE, In: CALDEIRA
FILHO, 1935, p.11).
O problema que Caldeira Filho se propõe a resolver é o de saber se as Baladas de
Chopin constituem exemplos de música descritiva, tendo os poemas de seu compatriota
Mickievicz como programa ou, então, distinção sutil, se essas Baladas constituem, sim,
exemplos de música absoluta compostas a partir de uma subjetividade tocada pelo teor
simbólico daqueles poemas e, portanto, sendo mais propriamente “inspiradas” nos poemas.
No exemplo que segue, percebe-se a tendência do autor a comprovar essa segunda hipótese
em detrimento da primeira.
Para muita gente, as baladas imortais seguem, passo a passo, o entrecho daqueles
poemas. Haveria, pois, para cada passagem da narrativa, uma passagem musical
correspondente. As Baladas não seriam, pois, mais do que peças puramente
descritivas. E temos de afirmar desde que tal visão das Baladas não é
completamente exata (CALDEIRA FILHO, 1935, p.71).
Para comprovar essa hipótese, Caldeira Filho, após apresentar a análise literária dos
poemas, aplica o método dialético de, primeiramente, empreender uma leitura das peças como
música descritiva, a partir da qual não obtém mais que um relativo sucesso, e que acaba
servindo de mote para confirmar a inelutabilidade da concorrência dos poemas mais como
uma motivação para a subjetividade do compositor, do que como um programa a ser descrito.
O trecho analítico apresentado no Ex.2 é sintomático desse expediente. Trata-se da análise da
segunda Balada, a mais permeável a uma interpretação descritiva e, portanto, o lugar ideal
para descartar tal possibilidade.
52
Ex.2 (CALDEIRA FILHO, 1935, p.85-86)
53
Além do subjetivismo romântico, o autor cogita o amor pela pátria como um outro
fator fundamental na inspiração chopiniana e que, embora despertado pelo caráter épico e
patriótico dos poemas de Mickievicz, tem sua principal motivação na experiência própria do
compositor.
Assim, podemos concluir com bastante segurança que, na base da inspiração
chopiniana, o elemento literário inspirador ocupa um lugar ínfimo, sobrepujado, em
muito, pela função que a sica teve para êle, de exteriorizadora do seu profundo
subjetivismo, exaltado em grau supremo pelo sentimento de amor e de saudade pela
pátria distante. De tal sorte, a resposta à pergunta formulada anteriormente: as
baladas foram ou não foram inspiradas nos poemas de Mickievicz? exige que se
faça uma distinção bem clara quanto ao sentido da indicação ‘inspirada’.
Inspiradas no sentido descritivo, não, com certeza não, pela falta de testemunhos
incontestáveis nesse sentido, pela fraqueza dos testemunhos favoráveis, o que torna
difícil estabelecer correspondências como vimos desde a Primeira Balada, e pela
natureza da musicalidade der Chopin. Inspiradas no sentido de aproximação
psicológica, provavelmente sim. Chopin teria tornado seus os símbolos da
expressão de Mickievicz, utilizando-os na expressão do seu próprio subjetivismo.
[...] Chopin não descreve fator. Excitado pelo patriotismo que transborda dos
poemas de seu compatriota, vibram intensamente os seus próprios sentimentos, que
ele dramatiza e exterioriza em suas peças imortais. Em vez de visualizar dados
objetivos, a sua natureza levava-o imperiosamente a sonorizar dados emocionais.
Ao ritmo dos fenômenos naturais ele preferiu o ritmo das suas próprias paixões
(CALDEIRA FILHO, 1935, p.100).
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Notadamente é para a percepção do significado semântico que Caldeira Filho orienta
seu trabalho, concebendo a música como um instrumento de expressão de significados para
além da forma, e que, mesmo não tendo uma propriedade descritiva, veicula uma mensagem,
ainda que esta seja objetivamente indefinível, e que não se possa traduzir em palavras, talvez
até pluri-significante, mas, no fim, uma mensagem. Como esclarece em seu comentário sobre
a quarta Balada.
Nenhuma explicação poderá juntar qualquer dose de interesse à 4.a Balada. O
elogio fácil que se possa fazer aqui deve ser substituído pela audição amorosa,
cheia de simpatia destas páginas inegualáveis. Receberemos então, como um
eflúvio, o sentido profundo da música que nelas se contém, sentido esse que poderá
variar, segundo o nosso estado de alma, as nossas preferências emotivas e estéticas
sem, entretanto perder o valor. E por vemos este lado misterioso da sica, que
tudo revela de s mesmos, mas que tudo oculta de si mesma. Encontramos tudo na
música , menos ela própria, na sua essência. E quando isso se desse, talvez não
tivesse para nós o mesmo encanto. Ela recebe todos os sentidos que lhe atribuímos,
traduz todos os nossos sentimentos, alegrias e desenganos. Entretanto, permanece
inviolável o segredo do sentido que possa ter por si mesma. Ela se presta à tarefa de
nos consolar e reconfortar, mas guardando, com o seu mistério, uma possibilidade
sempre nova de expressão e libertação (CALDEIRA FILHO, 1935, p.94).
Mas se a possibilidade de significação semântica da música, como afirma Mário de
Andrade, constitui um dos temas mais polêmicos do debate musicológico, vê-se que não é
sem conta sua insistente recorrência nas páginas dessas nossas publicações, sendo talvez o
problema de maior evidência apresentado nesses livros de análise musical brasileira da
primeira parte do século XX. Para citar algumas ocorrências, ao final de sua análise da Nona
Sinfonia, Amélia de Rezende Martins apresenta uma reprodução dos comentários feitos por
Wagner por ocasião da apresentação dessa obra em Dresde, no ano de 1846. Porém, antes de
fazê-lo, a autora tece considerações a partir desse programa explicativo de Wagner, nas quais
enfatiza justamente esse problema.
Wagner approxima a Nona Symphonia de algumas das scenas mais celebres e
populares do Fausto de Goethe, sem todavia pretender dar, a essa composição
musical, uma interpretação litteraria.
O grande dramaturgo de Bayreuth não acreditava que Beethoven tivesse tido a
intenção de dar, na sua Symphonia com Córos, uma traducção symphonica da
tragedia do poeta de Weimar; considerou elle sempre nitidamente destacados, o
dominio musical do dominio litterario.
<A musica instrumental, escreve elle, e é esse o seu caracter essencial, exprime por
meio de sons, o que a simples palavra não saberia traduzir. >
Chamando Goethe ao seu auxilio nas citações de Fausto, Wagner não pretende
indicar, em termos precisos, o sentido de uma creação essencialmente symphonica.
Estes trechos não têm relação directa com a obra de Beethoven e servem apenas
como ilustrações, vinhetas litterarias que o ajudam a determinar o estado de alma,
que parece exprimir a Nona Symphonia e a atmosphera poetica na qual ela se
move. (MARTINS, 1922, p.156).
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No livro Breve curso de analyse musical e conselhos de interpretação, analyse da
Sonata em sustenido menor de Beethoven (1931, 1934), Franceschini inicia sua análise
questionando aspectos referentes ao conteúdo semântico dessa obra, mais precisamente
quanto à sua popularizada denominação “ao luar” que, para o analista, não é tão legítima
quanto a de “sonata caramanchão”. Note-se a valoração deceptiva de tais “denominações”,
evidenciando sua postura ante o problema acima identificado.
A sonata do caramanchão.
Essa denominação talvez um tanto estranha, seria entretanto mais apropriada que a
habitualmente usada: Sonata “ao luar”.
É verdade que Beethoven comprazia-se ás vezes, de improvizar á luz da pálida
selene; é porém sabido que a denominação Sonata ao luar, se refere, (como relatam
todos os manuaes), a um pensamento do crítico Rellstab, que ao ouvir a sonata,
disse simplismente que o 1.º tempolhe despertava a recordação de uma excursão
nocturna pelo “Lago dos Quatro Cantões”.
Toda a gente gostou (infelismente!) da idéia e desde então a Sonata foi denominada
“ao luar”, apesar de Beethoven não ter rido nada que ver com a lua.
Como acima dissemos, era mais legítimo então o título de “Sonata do
caramanchão”, como foi denominada em Vienna logo que appareceu, pois conta-se
que Beethoven esboçou op seu 1.º tempo justamente de baixo de um caramanchão
n’um jardim.
Mas estes títulos nada adiantam comparados com a intensidade real da paixão
revelada por Beethoven n’esta sonata, podendo-se mesmo dizer, que transborda a
todo momento. (FRANCESCHINI, 1934, p.97).
Observa-se, também, nesse trecho de Franceschini, que sua preferência pela
denominação “sonata do caramanchão” pauta-se pela relação desta com um evento da vida do
compositor, enquanto a denominação “ao luar” seria apenas um fruto (aparentemente espúrio,
para o analista) da fantasia do crítico Rellstab. Tem-se aí um indício da valorização da
biografia do compositor na análise da obra, procedimento usual no contexto analítico do
século dezenove na Europa, a que se remetem esses livros. Guiando-se, ainda, pela
experiência vivencial de Beethoven, Franceschini faz uma interpretação simbólica do motivo-
base composicional da Sonata Op. 27 n2 (Ex.3). Para o analista a nota sol#, que no sistema de
cifragem por letras é G, faz referência ao nome de Giulietta Guicciardi, um dos amores não
correspondidos de Beethoven, a quem a sonata é dedicada.
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Ex.3 (Franceschini, 1934, p128)
No caso dos textos As Nove Symphonias de Beethoven (1922), de Amélia de Rezende
Martins, e Palestras sobre as Sonatas para Piano de Beethoven (1943), de Caldeira Filho, o
aspecto biográfico chega a ser tomado como elemento orientador de todo o estudo, visto que,
em ambos, a obra do compositor é comentada em ordem cronológica e em sincronia com os
sucessivos eventos de sua vida, procurando-se, ademais, comprovar a influência destes sobre
a configuração dada àquela.
Tendo attingido o ponto culminante da sua arte no 1.º movimento da Terceira
Symphonia, Beethoven compõe a grandiosa Marcha Funebre em memória do seu
heróe.
Schincler conta que em 1821, quando Beethoven soube da morte de Napoleão em
santa Helena, disse lhe haver composto, 17 annos antes, a sua Oração Fúnebre.
(MARTINS, 1922, p.53).
No trecho analítico a seguir, sobre o Allegro da Sonata n1 Op.2 n1, Caldeira Filho faz
uma interpretação metafórica da música por meio da qual se o futuro dramático e ainda
insuspeito do compositor. O discurso ainda apresenta diversos traços da análise do século
dezenove, como comparação estilística (Mozart em Beethoven), caráter musical,
desenvolvimento histórico das formas musicais, e imagem do “gênio”.
No Allegro, após a energia do primeiro tema, que lembra o final da sinfonia em sol
menor de Mozart, aparece o segundo, baseado numa dominante, momento
harmônico de instabilidade, esperando a resolução equilibradôra, como os rumos
ainda ignorados do destino que mais tarde serão revelados. O adágio em
maior é bela melodia, de lirismo muito puro, velado por discreta melancolia.
Acredita-se que seja ela a transcrição do adágio para um quarteto, escrito aos 15
anos, dois anos antes de perder aquela que fora a sua “melhor amiga”.
Aproveitando-o dez anos depois para esta sonata talvez nele se concretizassem
aquelas “mudas imagens” que a saudade ia criando na sua imaginação. Os
ornamentos desse trecho são ainda mozartianos, mas o acento patético que por
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vezes revela mostra bem a personalidade de Beethoven. Ao minuetto, que já é forma
musical e não de dansa, segue-se o prestíssimo final, em forma de rondó-sonata,
onde o surdo, inquieto e implacável movimento do acompanhamento, cuja força
expressiva decorre de latentes pedais harmônicos, é a miragem profética dos dias
futuros, adivinhando que não terá felicidade nem repouso. Não seria possível, antes
de Beethoven, tal expressão de apaixonado ardor. (CALDEIRA FILHO, 1943,
p.15).
Outro aspecto dominante nos livros que compõem esse grupo é o estilo narrativo
crítico-romântico. A referência a Hoffmann, citando-se um trecho de sua famosa análise da
Quinta Sinfonia (1810) que se tornou um texto clássico da crítica, é sintomática desse aspecto
no trabalho de Amélia de Rezende Martins. Compare-se o trecho de Hoffmann ao comentário
da autora sobre o Allegro, quarto movimento da Quinta Sinfonia.
A musica instrumental de Beethoven abre-nos o império colossal da immensidade.
Raios ardentes rasgam a noite profunda desse império e deixam perceber sombras
de gigantes que se alevantam e se curvam, enleiando-nos, tudo aniquilando em nós,
na angustia do anseio pelo infinito, diante do qual sossobra e se desvanece toda a
ventura apresentada de relance em notas de alegria. E com essa dor, que se
consome de amor, de gozo e de esperança, prosseguimos em nossa vida como
visionários felizes! (HOFFMANN, In: MARTINS, 1922, p. 81).
É uma especie de aurora radiosa que succede ás melancholicas penumbras
anteriores. Parece que arrasta tudo num turbilhão de alegria e embriaguez. É o
esquecimento completo dos conflictos dolorosos da áspera lucta, que este
incomparavel poema symphonico tão bem descreve em toda a sua extensão. É um
braço triumphal de um coração desagrilhoado! São ondas de suprema
alegria, que se precipitam irresistivelmente, até se aniquilarem no oceano de uma
vida serenada. É o grito de Alleluia pela Victoria alcançada (MARTINS, 1922, p.
93).
Ainda quanto ao estilo narrativo tem-se, no ensaio A Inspiração Literária nas
Balladas de Chopin (1935, 19_ _) de Caldeira Filho, um exemplo de verdadeiro virtuosismo
concretizado num comentário que põe em questão a natureza mesma da análise musical sua
função como disciplina musicológica, os limites de seu aspecto puramente técnico, bem como
a necessidade de sua superação para se chegar à significação semântica da música –, ao
mesmo tempo em que apresenta um intrincado enredo metafórico no qual são feitas
referências a dados biográficos do compositor, utilizando-se, também, o recurso “literário” da
animação e antropomorfização de elementos da linguagem musical. Trata-se de um artifício
de linguagem articulado em três tempos. Primeiramente, o autor cita um depoimento de Liszt
referente a traços pessoais de Chopin, depois, apresenta um breve trecho analítico-crítico
sobre as quatro Baladas, para, então, sintetizar esses dois tempos atribuindo aos elementos
formais da música aqueles aspectos pessoais de Chopin.
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[...] Liszt, no seu livro célebre sobre Chopin, diz que o torturado filho da Polônia
era difícil no conceder intimidade. Opunha ás suas relações, desde o início, uma
reserva polida mas fria, uma recusa instintiva de si mesmo, mixto de timidez e de
orgulho, e bem mais tarde é que a confiança se estabelecia, desfazendo a
barreira e aproximando os corações. [...] “Suas características o são fáceis de
apanhar” observa Liszt; “ele se compunha de mil nuances, que, entrecruzando,
disfarçavam-se umas às outras de maneira indecifrável à primeira vista” como
“aquela reserva desconfiada sobre tudo o que toca as cordas íntimas do coração”.
(CALDEIRA FILHO, 1935, p.108).
Nas Baladas, após a atmosfera sonora inicial, o tumultuar de sentimentos
antagônicos, de estados de espírito muito diversos, descrevam ou não os poemas de
Mickievicz. Na Primeira temos os compasssos de introdução que nos deixam
interrogativamente suspensos sobre aquele misterioso e enigmático mi bemol; na
Segunda, temos o “Andantino” inicial, simples, tranqüilo, meigo como um som de
flauta suave; na Terceira há um gracioso “Allegreto”, feminino, ondulante, com
promessas de amor que se esvaem e se esfumam num longínquo acorde de lá bemol,
e na Quarta, os sete primeiros compassos parecem ser a acolhida um pouco
misteriosa de quem nos vai fazer confidências, talvez trágicas, sobre o drama do seu
coração. (CALDEIRA FILHO, 1935, p.108).
Tais elementos que de outro ponto de vista, podem ser friamente etiquetados como
introdução, primeiro tema, etc; não serão talvez aquelas reservas iniciais de que
fala Liszt, e depois das quais Chopin nos confia o seu drama? Depois desse
contato prévio, vencidas as hesitações iniciais, é que podemos apanhar as
confidências reveladoras, bem mais humanas, dos segundos temas. Observemos
quanta experiência emocional eles trazem consigo nas re-exposições, excedendo
então de muito a simples função formal de simetria (CALDEIRA FILHO, 1935,
p.109).
A influência da ideologia do desenvolvimento orgânico pode ser observada em várias
dimensões desses trabalhos. No que tange a grandes dimensões, não chega a ocorrer o caso da
abordagem de uma obra em sua totalidade (como na biografia de Bach, de autoria de Forkel),
mas, sim, a abordagem de todas as obras de um determinado gênero, como no caso das nove
sinfonias, 32 sonatas e onze trios de Beethoven, e das quatro baladas de Chopin.
Considerando menores dimensões, no trabalho de Amélia de Rezende Martins a
influência dessa ideologia transparece num comentário sobre a Quinta Sinfonia.
Com o thema inicial de 4 notas somente, elle constitue um organismo soberbo;
dessa idéia musical, apenas sensivel, elle faz desabrochar uma Symphonia de um
valor incomparável e apezar de toda a ousadia da sua obra, elle a mantém, quanto
ás proporções das differentes partes, na symetria a mais exacta e tradicional
(MARTINS, 1922, p.82).
O entendimento da recorrência do motivo inicial ao longo de toda a Quinta Sinfonia,
como o principal fator de unidade da composição, é ainda reiterado com a citação de mais um
trecho analítico, dessa vez de Berlioz, sobre o Allegro, terceiro movimento da Quinta
Sinfonia.
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Toda esta parte, diz Berlioz, é mysteriosa e sombria. Começa tenebrosamente e
logo, quatro notas repetidas evocam o thema fundamental do tempo, idéia
dominante de toda a Synphonia, convertidas aqui em espiritos fantasticos, cujos
movimentos mysticos são acompanhados de pequenos lampejos de luz (BERLIOZ in
MARTINS, 1922, p.90).
De fato, o autor mais freqüentemente citado ao longo de todo o livro de Amélia de
Rezende Martins é Berlioz, apresentando-se trechos analíticos de sua autoria na análise das
sete primeiras sinfonias. O tipo de associação entre expressão semântica e análise técnica que
se constata no trecho acima, é também um dos traços da escrita da musicista campineira, e
parece constituir a principal característica na dimensão propriamente analítica de seu trabalho.
O trecho a seguir, extraído da análise do Adágio molto e Allegro com brio, primeiro
movimento da Segunda Sinfonia, mostra semelhanças.
É um trecho vivo, cheio de fogo, que parece inflammar tudo o que toca. É
maravilhoso observar o número de motivos (mais de cem) que Beethoven soube
desenvolver do thema do Allegro com brio desta 1º parte (MARTINS, 1922, p.40).
Caldeira Filho, em sua análise da Sonata n8 Op.13 ‘Patética’, apresenta uma
concepção perspicaz de organicismo a partir de uma percepção superior de forma, aliando
caráter musical ao desenvolvimento histórico das formas musicais, e comparando os
processos composicionais de Haydn e Beethoven.
A introdução aparece agora pela primeira vez em Beethoven. Haidn a
empregara, mas como simples elemento inicial, cuja supressão não alteraria
essencialmente o equilíbrio da obra. Aqui, o têma da introdução é parte orgânica
da composição, elemento necessário do processo psicológico e no seu caráter
expressivo se resolve afinal a unidade da inspiração. (CALDEIRA FILHO, 1943,
p.15).
Quanto ao desenvolvimento histórico das formas musicais, no ensaio A Inspiração
Literária nas Baladas de Chopin (1935, 19_ _), Caldeira Filho tece considerações sobre o
termo Balada, cuja origem encontra-se no domínio da poesia, e sobre a variação de seu
significado no contexto musicológico, referindo-se primeiramente à dança nos primórdios da
música profana, depois à “ária para dançar” no trovadorismo dos séculos XII e XIII, à canção
artística no século XVI, à designação da poesia popular, lírica e épica no século XVIII e, por
fim, à música instrumental no século dezenove, sendo, esta última, uma inovação trazida por
Chopin.
Com Chopin, o título Balada, pertencente ao poema inspirador, passou a designar a
própria composição musical. As Baladas de Chopin são, pois, baladas
instrumentais, escritas para o piano, instrumento que foi o confidente dileto da sua
alma e ao qual destinou quase que exclusivamente a sua genial produção
(CALDEIRA FILHO, 1935, p.70).
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No tocante à forma das Baladas de Chopin, Caldeira Filho relaciona sua forma livre”
a procedimentos advindos das formas clássicas. O analista “compara” procedimentos de
épocas distintas.
Nelas [nas Baladas], a forma é livre. Nada de pré-determinado, nenhuma
obediência passiva ao puro desenvolvimento formal. A inspiração reina soberana,
escolhendo a sua própria direção. [...] Mas o compositor precisa de um plano
ordenador do equilíbrio e da proporção, e apoia-se, inevitàvelmente, na lembrança
das formas clássicas que mais possibilidades ofereçam como liberdade e variedade.
Assim, se quizermos procurar analogias com as forma tradicionais, podemos dizer
que as primeiras Baladas se aproximam do Rondó, pela volta periódica do tema
lembrando o refrão, e a última, talvez da Sonata, pela volta ao ponto de partida,
como re-exposição. Por outro lado, o contraste entre os temas é mais evidente nas
duas primeiras do que nas duas últimas, o que pode colocar aquelas mais perto um
pouco da Sonata, caracterizada justamente pela dualidade de carater e contrastes
temáticos (CALDEIRA FILHO, 1935, p.70).
No livro Concertos de música de câmara do Instituto Nacional de Música pelo Trio
Beethoven (1919), Tapajós Gomes apresenta em suas notas de programa a análise formal e
temática dos Trios de Beethoven. Para introduzir tais comentários, o crítico apresenta uma
descrição do todo da peça em questão (tempos e andamentos), e um breve relato das
circunstâncias externas da composição (dedicatória, fase composicional, valoração estética da
obra). Em seguida faz uma análise descritiva de cada movimento do Trio em questão,
guiando-se pela sucessão dos temas e evidenciando sua estrutura motívica, fórmula de
compasso, tonalidade, modulações harmônicas, função formal, timbres, texturas, intensidades
e indicações de expressão. O discurso é formalista com pinceladas de teor crítico-romântico.
O Ex.4 é representativo de alguns desses procedimentos.
Ex.4 (TAPAJÓS GOMES, 1919, p.30-31)
61
62
A abordagem analítica de Fúrio Franceschini (1880-1976) diferencia-se das outras até
agora estudadas, pelo seu caráter formalista, ainda que não refratário a expansões crítico-
românticas, pela manipulação dos exemplos musicais – realizando interferências gráficas para
sinalizar elementos como intervalos, notas de passagem, pés métricos, e análise harmônica
com números romanos –, apresentação de reduções melódicas e harmônicas, e utilização de
diagramas para a vizualização global da forma, e descrição das polarizações harmônicas que
ocorrem nas peças. Os Exs. 5, 6, 7, 8, 9 e 10, mostram alguns desses procedimentos.
Ex.5 Nota de passagem (FRANCESCHINI, 1934, p.129)
63
Ex.6 Sexta napolitana (FRANCESCHINI, 1934, p.129)
Ex.7 Terminação melódica (FRANCESCHINI, 1934, p.130)
64
Ex.8 Redução melódica (FRANCESCHINI, 1941, p.42)
Ex.9 Diagramas (FRANCESCHINI, 1941, p.49-50)
65
66
O diagrama apresentado no Ex.10, extraído da análise da Sonata em sustenido
Menor de Beethoven, apresenta um traço de agudo interesse. Trata-se do aspecto sincrético
apresentado pela justaposição da estrutura do diagrama em si a um discurso narrativo de
caráter romântico, de resto, representativo da tensão entre os modelos metafóricos da análise
formalista e crítico-romântica, que se observa no trabalho de Fúrio Franceschini. Sintomático,
pois, que a imagem da “flor entre dois abismos” lhe chamasse a atenção, e, mais, fica a
pergunta: ao referir essa “flor”, não estaria, Franceschini, talvez inconscientemente, referindo-
se a si?
Ex.10 Diagramas (FRANCESCHINI, 1934, p.143)
67
4. Análise estilística brasílica
As mudanças poéticas e estéticas ocorridas em finais do século XIX e inícios do
século XX no Brasil, patrocinadas pela experiência da brasilidade ante a afluência de modelos
musicais europeus românticos e modernistas, determinaram o surgimento de um novo estilo
musical forjado em consonância com a necessidade de expressão de uma realidade existencial
própria. Mais tarde, entre os anos de 1963 e 1984, com a publicação de 10 livros de análise
musical orientados para a compreensão e valoração da música brasileira (Tabela 7 Análise
estilística brasílica), essa produção musical passou por uma revisão analítica marcada pela
consciência desse novo estilo e de suas bases técnicas e ideológicas. Assim, se a ideologia da
consciência histórica exerceu influência patente sobre o contexto analítico europeu
novecentista, a experiência da brasilidade parece constituir a principal força motriz desses
trabalhos de análise musical brasileira. Entretanto, a mesma tensão causada pela natureza
díspar das linguagens em fricção no domínio poético, resultando em um amplo espectro de
gradações entre síntese e síncrese no domínio estético, configurou-se, também, na análise e
crítica dessas manifestações, promovendo a constituição de um discurso no qual se justapõem,
por exemplo, a concepções de obra musical autônoma justificada em si, e da obra como
expressão do contexto cultural em que se insere, o desenvolvimento histórico das formas
musicais européias e a criação de formas musicais brasileiras, ou a retórica romântica,
metafísica, e uma retórica brasílica, humana.
Tabela 7 – Análise estilística brasílica.
contexto título, autor, data
Nazareth, estudos analíticos. Diniz, 1963.
Comentários sobre a obra pianística de Villa-Lobos. Souza Lima, 1969.
Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. Estrella, 1970, 1978.
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Nóbrega, 1971, 1976.
As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Palma; Chaves Júnior, 1971.
Os Choros de Villa-Lobos. Nóbrega, 1975, 19 - - .
Heitor Villa-Lobos e o violão. Santos, 1975.
A evolução de Villa-Lobos na música de câmara. França, 1976, 1979.
Villa-Lobos, o choro e os Choros. Neves, 1977.
Análise
estilística
nacionalista
Heitor Villa-Lobos, sua obra para violão. Pereira, 1984.
Nesses trabalhos a análise musical foi aplicada às obras em si, com o propósito de
compreender sua natureza e funcionamento, focalizando-se principalmente os aspectos da
significação estética, técnica composicional e performance.
68
Jaime Diniz (1924-89), ao discorrer sobre a concepção analítica que lhe serviu de base
para a escritura do livro Nazareth - estudos analíticos (1963), esclareceu o método empregado
na realização de seu trabalho, e, também, indicou o contexto no qual ele está inserido. Note-se
sua adesão a outros modos de leitura da obra musical, justificada como recurso ante uma
possível limitação do formalismo.
O trabalho prendeu-se, em primeiro, à análise de algumas criações do nosso gênio
singular. Os aspectos estético, histórico e crítico ou até polêmico não estão ausentes
do meu estudo. Estão presentes sob a necessidade de compensar a frieza
característica da análise pela análise. Em música, a análise o tem que esperar a
síntese para ganhar vida. Cada particularidade – cada célula – tem de ser vista com
vida e interesse (DINIZ, 1963, p.11).
Adhemar Nóbrega (1917-79), no prefácio de seu livro Os Choros de Villa-Lobos
(1975), teceu considerações sobre a necessidade da análise musical para a compreensão da
complexidade e multiplicidade da música do século XX, apesar de reconhecer a música como
um evento justificável por si, mostrando uma visão tendente ao conceito de obra autônoma.
Qual o mérito de um trabalho dessa natureza?
A sica explica-se por si mesma, pelo decurso da realidade sonora de uma peça.
Um som é um som - e voltamos à verdade nua e crua da trouvaille de Stravinsky,
sacada como objeção à intoxicação literária da música do século XIX.
Mas é igualmente verdadeiro que a partir de certo grau de complexidade a que
chegou a música no século atual e em virtude da produção torrencial dos nossos
dias, tornando materialmente impossível a aferição individual do que se passa no
domínio da criação, a análise de obras marcantes da evolução criadora tornou-se
uma contribuição necessária, valorizou-se, constituiu-se em fator indispensável à
compreensão global da música (NÓBREGA, 1975, p.5).
Na exposição do critério analítico empregado em seu trabalho, percebe-se no discurso
de Nóbrega, à semelhança do discurso de Jaime Diniz, a mesma tensão entre as leituras
formalista e crítica da obra musical, mas com a diferença de entender a análise objetiva como
salvaguarda frente a um possível tendencionismo subjetivista.
Quanto ao critério seguido neste estudo, tal como ocorreu com o volume sobre as
Bachianas Brasileiras, procuramos estabelecer, no exame de cada obra, um vínculo
ou relacionamento com este ou aquele aspecto da formação do compositor, com o
meio em que ela se processou e com as possíveis influências que nela se fez sentir. A
seguir, prevaleceu a preocupação da objetividade analítica sobrepondo-se a
atitudes meramente subjetivas (NÓBREGA, 1975, p.6).
Nos livros publicados por volta da década de 1980 o discurso analítico tende a
apresentar um tom formalista mais direto, como se pode perceber nas considerações de Marco
Pereira quanto ao objetivo e ao método analítico empregado na escritura do livro
Heitor Villa-
Lobos, sua obra para violão (1984), nas quais, ainda que se cogite o aspecto intuitivo da
69
composição de Villa-Lobos, o foco de atenção recai sobre as inovações técnicas e a
linguagem instrumental natural do violão (Ex.11).
Ex.11 (PEREIRA, 1984, p.15-16)
Com respeito ao objeto das análises realizadas nos livros pertencentes a esse grupo
observa-se uma flagrante convergência em direção à obra de Villa-Lobos, à qual foram
dedicados 9 dos 10 títulos relacionados, o único restante tendo sido dedicado à obra de
Ernesto Nazareth. Tal situação certamente se explica pela singularidade da realização artística
de Villa-Lobos e, também, pelo fato de ter, ele, representado a figura do gênio como nenhum
outro dos compositores brasileiros, tornando-se foco propício para uma nova leitura da
ideologia da imagem do gênio que, como vimos no capítulo anterior, é uma das características
da análise musical européia do século XIX. Arnaldo Estrella (1908-80), por exemplo, em seu
estudo sobre Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos (1970), argumenta em favor da
genialidade de Villa-Lobos, fundamentando-se no número de obras escritas para essa
formação instrumental e na força criadora do compositor que não fugiu ao desafio inerente a
esse gênero composicional.
70
A exuberância criadora de Villa-Lobos não se retraiu nem mesmo diante de um
gênero temível – O Quarteto de Cordas – para o qual compositores como Debussy e
Ravel escreveram uma só obra.
Haydn o primeiro mestre do gênero cumpriu sua evolução, sazonou seu estilo,
ao longo de oitenta e poucos quartetos, que dele se conhecem. [...] de opus a opus,
Haydn aprofundou seu pensamento, enriqueceu seus recursos de expressão e desse
modo elevou o quarteto de cordas a um grau de cristalização formal, que permitiria
a Mozart e Beethoven compor, respectivamente, vinte e três e dezessete obras
primas.
No período romântico e no século atual, nenhum outro compositor, excetuado
Milhaud, aproximou-se dessas cifras. [...]
Villa-Lobos escreveu dezessete quartetos de cordas e esboçava um décimo oitavo
quando a morte o colheu. (ESTRELLA, 1970, p.6).
Por sua vez,
José Maria Neves (1943-2002), em seu livro Villa-Lobos, o choro e os
Choros (1977), considera como componentes essenciais da genialidade desse compositor a
capacidade de sintetizar linguagens musicais diversas e de superá-las criando novas formas de
expressão.
Não padece vida esta união de diferentes sistemas na formação da linguagem
musical de VILLA-LOBOS, e nisto reside em grande parte sua força e seu gênio,
criando sistemas próprios, adaptando os velhos, partindo do elemento popular e
sobretudo impondo ao conjunto uma fisionomia pessoal. Reformulando os sistemas
musicais para expressar-se mais fielmente, VILLA-LOBOS abandonou quase todos
os elementos oferecidos pela tradição, e sua sica vale, de fato, mais pela
contribuição pessoal na busca de novas formas para exprimir idéias novas do que
pelo conhecimento e emprego de toda a ciência da composição. VILLA-LOBOS,
para retomar a expressão de rio de Andrade, não lutava contra as teorias, mas
apesar delas, ele nem ao menos tentou criar seu próprio sistema, consciente da
impossibilidade de impô-lo à música que sentia e que deveria ser conservada em
estado puro. (NEVES, 1977, p.10).
Um fator de destaque nesses trabalhos brasileiros é a proximidade que alguns de seus
autores tiveram com a pessoa de Villa-Lobos que, conquanto fosse morto à época da
realização desses trabalhos, acabou por exercer uma influência direta sobre eles vide o
grande número de citações de depoimentos e teorizações do compositor ao longo dos textos –,
tornando-se, talvez, o principal teórico tido como referência para a análise de sua obra. Os
trechos a seguir, extraídos dos livros Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos (1970), de
Arnaldo Estrella, e Heitor Villa-Lobos e o violão (1975), de Turíbio Santos, dão uma
dimensão do peso da responsabilidade ante a autoridade de Villa-Lobos, bem como do
impacto de sua figura.
O contato com uma personalidade da estatura de Villa-Lobos impõe deveres. Um
deles, e não dos menores, é o de revelar aquilo que se captou no seu convívio
intelectual, é o de deixar um testemunho útil aos pósteros. Os processos de criação,
as intenções do criador, a maneira mais fiel do intérprete traduzir o seu
pensamento, enfim, todo o repositório de informações acumuladas no convívio que
tive com Villa-Lobos, foi o que singelamente procurei externar no texto
despretensioso deste curto estudo [...] (ESTRELLA, 1970, p.3).
71
Em 1956, começando a estudar violão, pudemos assistir a duas conferências de
Heitor Villa-Lobos sobre sua obra violonística. Elas eram realizadas no Instituto
Benjamim Constant, onde funcionava o Conservatório Nacional de Canto
Orfeônico, hoje Instituto Villa-Lobos. [...]
O maestro estava sentado atrás de uma longa mesa. Perto dele, um equipamento
sonoro permitiria a ilustração musical. Os violonistas foram convidados a sentar-se
na mesma mesa a fim de acompanharmos juntos as partituras. Que medo! Afinal
tínhamos treze anos.
Estranha constatação: Heitor Villa-Lobos tinha realmente cara de gênio. O brilho
dos olhos a expressão altiva, a cor dos cabelos, gestos largos, faziam com que ele
correspondesse exatamente à imagem que pode ter uma criança de um compositor,
à força de ver bustos de Beethoven ou Bach (SANTOS, 1975, p.37).
Quanto à investigação biográfica observa-se sua utilização como instrumento
analítico-musical na detecção de eventos que sirvam de referência tanto para a compreensão
da obra de um compositor como um todo, quanto para a obtenção de esclarecimentos sobre a
motivação composicional de uma determinada peça ou conjunto de peças.
O aprendizado musical informal e as viagens e aventuras de Heitor Villa-Lobos Brasil
afora são referidas, de forma geral, pelos analistas desse grupo como um dos principais
fatores da força e originalidade de sua música. Adhemar Nóbrega, no livro As Bachianas
Brasileiras de Villa-Lobos (1971), teceu considerações sobre esses eventos biográficos e sua
significação para a formação do estilo do compositor.
Alimentado desde a infância nessas duas fontes generosas Bach e o populário
musical brasileiro era o compositor predestinado a realizar [uma] milagrosa
fusão. Autodidata, depois da severa iniciação que recebeu do pai (Raul Villa-Lobos,
professor, erudito e amador de bom sto), com a morte dêste e fàcilmente
rompidas as amarras da vigilância materna, entregou-se à plena expansão do seu
temperamento indomável. Passou a freqüentar as rodas boêmias dos chorões. E
com esses menestréis caboclos, hauriu a essência e o perfume de sua música, toda
feita de sutilezas rítmicas, de sensualidade melódica, de imprevistas e traiçoeiras
modulações, deixando-se impregnar da fecunda seiva que haveria de nutrir-lhe a
obra.
Ao lado dessa boêmia seresteira, outro fator se impõe considerar na formação do
autor, para melhor compreensão de sua obra: o amplo conhecimento do folclore
brasileiro (conhecimento sem pretensões científicas de folclorista), que absorveu em
longas, atribuladas e romanescas viagens a diversas regiões do país, desde o sul às
selvas amazônicas, até além das fronteiras, até Barbados, numa louca aventura bem
própria da mocidade do compositor. E nessas acidentadas incursões assimilou as
mais diversificadas manifestações musicais do povo, desde as toadas e cateretês de
Minas Gerais aos pontos de macumba da Bahia; da música urbana do Rio de
Janeiro aos maracatus do Recife; do modalismo dos cantos nordestinos ao tom
declamado e oratório dos çairés amazônicos. itálico
Por outro lado, graças à providencial tia Zizinha (Maria Carolina, casada com Jo
Jorge Rangel, o padrinho Zoza), que lhe tocava os prelúdios e fugas do Cravo Bem
Temperado, muito cedo tornou-se íntimo da música de Bach. A vivência do
populário brasileiro e a intimidade com a voz milagrosa do Kantor de Leipzig eram
dois elos isolados de uma corrente. Fácil lhe foi verificar a existência de identidade
de inflexões melódicas, de relações harmônicas e de combinações polifônicas entre
ambos. [...] (NÓBREGA, 1971, p.12).
72
Souza Lima (1898-1982), nos seus Comentários sobre a obra pianística de Villa-
Lobos (1969), apresentou uma divisão trifásica da obra de Villa-lobos, tomando como
referência alguns eventos biográficos.
Em estudos feitos sobre a obra de Villa-Lobos, tivemos o ensejo de emitir, como
certa, a divisão de sua obra em três fases bem distintas: a da juventude, que encerra
o período que vai das primeiras criações até a sua primeira viagem à Europa; a de
sua permanência na França, período esse que podeser estendido até a sua volta
ao Brasil, onde permaneceu por largo espaço de tempo; e, finalmente, quando
encetou a vida de artista, constantemente em tournées, atendendo às solicitações de
empresários, sociedades sinfônicas e tantos outros convites, recebidos de grandes
personalidades musicais de todo o mundo. Esta terceira fase, portanto, tem início
quando não se fixa em lugar algum, mas percorre os Estados Unidos, Europa e
América do Sul (SOUZA LIMA, 1969, p.5).
As dedicatórias de algumas peças acabaram tornando-se fonte para cogitações sobre a
motivação de sua composição. É o que se observa, por exemplo, no estudo de Jaime Diniz
sobre a polca-lundu VoBem Sabe de Ernesto Nazareth, que, na fantasia do analista crítico,
talvez tenha sido composta como uma resposta à ajuda e ao estímulo dados pelo pai ao
compositor.
Nazareth [...] escreveu aos 14 anos de idade a sua “Polka Lundu para piano”. Era,
ainda, aluno do Colégio Belmonte (Praça Tiradentes).
A dedicatória que aparece na edição feita pelo pianista e compositor Arthur
Napoleão, é muito simples: “Offerecida a meu pai o Snr. Vasco Lourenço da Silva
Nazareth”. Parece indicar o gesto de reconhecimento ao seu genitor pelos
sacrifícios despendidos em prol de sua educação musical. Por isso, fico a pensar
que o título da composição queira dizer mais gostosamente mais do que o texto
do oferecimento. (DINIZ, 1963, p.15).
Souza Lima, a partir da dedicatória do Rudepoema de Villa-Lobos, cogita duas
possibilidades de estímulo para a composição dessa peça, uma delas é a gratidão devida a
Rubinstein por Villa-Lobos, a outra, o inspirador potencial performático do pianista.
Foi escrita [a obra Rudepoema] para Rubinstein, o famoso pianista, naturalmente
em gratidão ao que o autor dele recebera e, ao mesmo tempo, em admiração a seus
inconfundíveis dons de extraordinário virtuose e de intérprete exuberante.
Na dedicatória inscrita na Música, está evidenciada esta admiração admiração
pelo seu temperamento, pela sua personalidade.
Villa-Lobos quis sentir aquela alma vibrante de artista e traduzí-la naquelas
páginas. Convém transcrever nêste trabalho, as últimas linhas daquela dedicatória
onde a modéstia e a sinceridade do Autor brasileiro são evidenciadas: - “...si je
reusis será toujours toi le véritable auteur de cette oeuvre” (SOUZA LIMA, 1969,
p.57).
O motivo dessa gratidão, ligado à interferência positiva de Arthur Rubinstein com
respeito à recepção da obra de Villa-Lobos, é mais bem explicado nesse outro comentário, de
José Maria Neves.
[..] VILLA-LOBOS era, antes mesmo de se lançar na composição dos CHOROS,
um músico notável pela sua força interior e pela sua originalidade. Mas ele sofria a
73
incompreensão de seus patriotas e somente à custo de muitas dificuldades podia
fazer executar usa sica. Foi Arthur Rubinstein que, em sua primeira viagem ao
Brasil em 1918, chamou a atenção para o valor do compositor brasileiro cujas
obras tivera ocasião de escutar, tornando-se ele mesmo, daí por diante, intérprete
da obra pianística de VILLA-LOBOS. (NEVES, 1977, p.7).
A influência da música européia na formação do estilo musical brasileiro é dos
assuntos de maior evidência nesses trabalhos analíticos e, também, um dos pontos de maior
controvérsia de opiniões. Jaime Diniz aventou a hipótese de uma possível influência da
Marcha Fúnebre de Chopin na composição da também Marcha Fúnebre de Nazareth. Não
será difícil perceber-se, nesse trecho, o aspecto polêmico acima referido pelo próprio autor.
Aceitaria (talvez inutilmente) a hipótese de que Nazareth não haveria escrito a sua
página sem o conhecimento da Marcha Fúnebre de Chopin. Mas, a minha atitude
não deveria significar adesão ao modo de pensar de muitos admiradores do nosso
artista, que apriorìsticamente afirmam ver Chopin, Chopin e Chopin em tudo que
sai da pena de Ernesto Nazareth. A impressão que fica é que esses admiradores nem
conhecem bem Nazareth. Nem Chopin. (DINIZ, 1963, p.61).
A inescapável influência da música européia, em virtude mesmo de sua intensa
presença no ambiente cultural brasileiro de inícios do século XX vinte, é evidenciada por
Souza Lima em seu comentário sobre a Valsa Scherzo de Villa-Lobos (Ex.12), no qual o
analista relaciona o estilo dessa peça ao das valsas românticas que se costumava tocar na
época.
Ex.12 (SOUZA LIMA, 1969, p.17-18)
74
A evolução do estilo composicional de Villa-Lobos parece ser um ponto bastante
propício para se perceber momentos diferenciados da suscetibilidade a essa influência da
música européia. Eurico Nogueira França (1913-92), no livro A evolução de Villa-Lobos na
música de câmara (1979), sintetiza esse processo evolutivo em três fases.
Pode-se dizer que Villa-Lobos vem, na juventude, do impressionismo francês,
afirma-se neoprimitivista e deriva, na sua última fase, para o neoclassicismo, com
as Bachianas Brasileiras. Sem ser absoluta, sem aspirar a nenhuma nitidez
cronológica, essa classificação nem por isso deixa de sugerir a evolução do estilo
do mestre. (FRANÇA, 1979, p.62).
Quanto a essa primeira fase, Eurico Nogueira França preocupa-se em distinguir a
influência do impressionismo francês da influência de Debussy. Para realizar essa distinção,
França emprega o método dialético de, primeiramente, supor uma relação entre a música do
compositor brasileiro e a do francês para, depois, refutá-la. Note-se, ainda, a técnica aplicada
pelo analista, que tenta comprovar a relação desses universos sonoros concebendo a
possibilidade de um trecho composicional de Debussy como introdução para a Premiére
Sonate-Fantaisie pour Piano et Violon de Villa-Lobos (Ex.13). Note-se a crítica aquilínea de
Eurico Nogueira França ao questionar a possibilidade dessa influência argumentando que, no
momento desse contato, nem Villa-Lobos é o verdadeiro Villa-Lobos e nem Debussy o
verdadeiro Debussy.
75
Ex.13 (FRANÇA, 1979, p.9-10)
76
Apresentando uma outra interpretação desse processo evolutivo estilístico da música
de Villa-Lobos, José Maria Neves, em seu estudo sobre os Choros, considera apenas duas
fases, uma primeira na qual se a influência da música européia, e uma outra caracterizada
pela superação dessa influência por meio da utilização de uma técnica composicional própria
e ligada à manifestação do primtivismo do compositor.
A técnica de composição de VILLA-LOBOS lhe garante, sem vida, uma posição
privilegiada dentro do panorama musical do século XX. A influência do
impressionismo no início de sua carreira, uma certa aproximação com a insistência
rítmica do “Sacre du Printemps” foram logo ultrapassadas pela adesão do
compositor a uma técnica toda sua, oriunda da exploração de elementos do
populário brasileiro. Seu primitivismo, entretanto, o se situa a nível consciente,
não é defesa de pontos de vista estéticos. O compositor “éum primitivo. Em suas
partituras podemos encontrar de modo claro, a cor, o movimento e a vida da
floresta tropical. O caráter pictórico da sua música e a sua violência se explicam
somente pela necessidade de bem retratar esta natureza vigorosa. (NEVES, 1977,
p.12).
No contexto da obra quartetística de Villa-Lobos, Arnaldo Estrella fez uma descrição
mais gradativa e não necessariamente linear desse processo evolutivo estilístico, para depois
sintetizá-lo em duas fases, que, grosso modo, podem ser definidas como pré-nacionalista e
universalista, separadas por um marco divisório a que o analista denomina de nacionalista por
excelência.
[...] Num ensaio de classificação estética: uma suíte para quarteto; dois quartetos
pré-nacionalistas; um de transição; um folclórico; um nacionalista; onze onde o
nacionalismo adquire fisionomia universal. Esse ensaio de classificação, sumário,
ao sexto quarteto (o quarteto nacionalista por excelência) a condição de marco
divisório entre as duas principais faces estéticas que compõem a fisionomia da série
dos dezessete quartetos de cordas, embora antes se manifestasse a nova
tendência. O que ao sexto esse privilégio é que nele a nova tendência se
cristaliza superando os processos folclóricos. (ESTRELLA, 1970, p.6).
A possibilidade dessa classificação de tipos de nacionalismo ou, até, de uma música
universalista brasileira, remete à investigação do desenvolvimento das formas musicais
brasileiras que, nesses trabalhos de análise musical, se traduz no empenho dos analistas em
identificar essas novas formas, distinguir suas possíveis origens, sejam externas ou internas, e
pontuar as semelhanças e diferenças em relação a esses modelos. Exemplo desse
procedimento é o caso da definição de “tango brasileiro”. Jaime Diniz ocupa algumas páginas
de seu livro discutindo a controvérsia entre as opiniões de diversos estudiosos brasileiros a
respeito das origens desse gênero que consagrou definitivamente Ernesto Júlio de Nazareth,
no panorama da música brasileira (DINIZ, 1963, p.45). No trecho a seguir tem-se a
proposição da questão por parte de Diniz, e as considerações do próprio Nazareth e de
Homero de Magalhães a respeito do assunto.
77
A última palavra sobre o que é tango brasileiro, a sua origem, a sua forma, creio
que ainda não foi dada. nem eu poderia tentá-la neste trabalho. E digo com certa
mágoa. É necessário um estudo mais rio para que se possa chegar realmente, ao
que ele é, e poder afirmar desassombradamente de que procede e de que consta.
Por enquanto, as opiniões sòmente sobre sua formação não coincidem
totalmente.
O tango parece ser, no caso brasileiro, uma transformação ou mesmo
transfiguração, não do tango argentino, mas da habanera cubana, com influências
do nosso maxixe [...]. Nazareth havia concebido o tango, conforme parece ter
asseverado como “uma adaptação nacional da habanera”.
O distinto pianista Homero de Magalhães [...] opina: “O tango brasileiro, o
tanguinho como o chamavam, é um descendente direto da habanera e da polka”. E
mais na frente: “É preciso o confundir o ritmo do tango com o tango argentino,
muito mais lento e descendente da milonga. Seu andamento é mais rápido que dêste
último e mais lento que o do maxixe (1870) que se usa confundir com o tanguinho”.
(DINIZ, 1963, p.46).
Outra controvérsia pode ser evidenciada ao se comparar as opiniões de Adhemar
Nóbrega e José Maria Neves, sobre a natureza do choro. Nóbrega parece considerar que a
forma rondó, que esta na base do advento do choro, tem precedência sobre o contexto
artístico-cultural brasileiro no qual essa forma foi cultivada e transformada, dando origem à
manifestação musical que, Neves, identifica como uma construção popular, e que, para ele,
assim parece, tem precedência sobre aquela forma.
Preliminarmente, a denominação de choro não deve ser entendida com forma de
música popular, que não o é, mas sim um gênero que se subordina, como outras
modalidades da música popular, à forma do rondó em cinco seções: A–B–A–C–A.
Originariamente, nem sequer era título genérico de música, mas sim de conjunto de
executantes. (NÓBREGA, 1975, p.11).
Quanto à forma [do Choros nº1], diretamente calcada da construção popular,
comporta três partes, a primeira retomada entre a segunda e a terceira e como
final, como A–B–A–C–A (rondó); a primeira em mi menor, a segunda em maior
(de caráter modulante) e a terceira em mi maior. (NEVES, 1977, p.38).
Adhemar Nóbrega, ainda, em seu estudo sobre os Choros de Villa-Lobos, indagou
sobre a natureza da ocorrência da temática indígena, flagrantemente contraditória nesse ciclo
de peças cujo título faz referência tácita ao gênero musical urbano do choro. Para responder a
essa questão o analista recorreu a um esclarecimento do próprio compositor, publicado na
edição do Choros n.º3 (Max Eschig - Paris, 1928), no qual Villa-Lobos fala de uma nova
forma musical que concebeu.
Os Choros representam uma nova forma de composição musical, na qual são
sintetizadas as diferentes modalidades da música brasileira indígena e popular,
tendo por elementos principais o ritmo e qualquer melodia típica de caráter popular
que aparece vez por outra, acidentalmente, sempre transformada segundo a
personalidade do autor. Os processos harmônicos são, igualmente, uma estilização
completa do original. (VILLA-LOBOS, In: NÓBREGA, 1975, p.9).
78
Tem-se, portanto, que, na música de Villa-Lobos, a interferência da personalidade do
autor promoveu uma estilização que permitiu sintetizar as mais diversas manifestações da
temática popular, étnica e folclórica brasileira, resultando no surgimento de uma nova forma
de composição. Adhemar Nóbrega, em seu estudo sobre as Bachianas Brasileiras, enfatiza o
artesanato, por assim dizer, substantivo que propiciou a fusão de realidades musicais
aparentemente díspares nessas composições, descartando a possibilidade de um ajuntamento
imediato e extrínseco de materiais.
[...] relativamente à concepção das Bachianas Brasileiras, não se deve depreender
que elas sejam rapsódias de motivos bachianos e brasileiro, nem que assumam a
feição de arranjos e adaptações de uns e outros. Não em tôdas elas qualquer
tema de Bach e apenas dois temas brasileiros foram aproveitados [...]
O que as obras deste ciclo realizam é a fusão dos processos de criação da sica
popular brasileira (sob os aspectos melódico, harmônico e contrapontístico) com a
atmosfera musical de Bach. Com esse amálgama o gênio de Villa-Lobos cunhou
uma linguagem nova na música brasileira, descobriu um veio que se tem mostrado
fecundo, pois não se afirma apenas nas Bachianas; estende-se a outros itens de seu
catálogo. (NÓBREGA, 1971, p.16).
Mas, em outro dos depoimentos de Villa-Lobos, também citado por Nóbrega no livro
que escreveu sobre os Choros, o compositor, explicando melhor essa nova forma de
composição que concebeu, declara se valer de elementos extra-musicais como um meio de
expressão da brasilidade.
O autor teve a preocupação de fornecer os elementos básicos necessários à
compreensão de sua obra. Segundo explicação posterior, um tanto verbosa,
divulgada em texto mimeográfico redigido com a colaboração do autor destas
linhas, os Choros são construídos “segundo uma forma técnica especial, baseada
nas manifestações sonoras dos hábitos e costumes dos nativos brasileiros, assim
como nas impressões psicológicas que trazem certos tipos populares, extremamente
marcantes e originais”. (NÓBREGA, 1975, p.10).
José Maria Neves, em sua análise dos Choros, detectou essa qualidade expressiva da
música de Villa-Lobos e, mais, distinguiu níveis de significação semântica concernentes a
essa música, notadamente um nível mais externo, descritivo ou programático, e outro mais
interno concernente à expressão de valores humanos e da vivência cultural brasileira.
Quatro partituras darie dos CHOROS levam um subtítulo. O número 3 chama-se
“Pica-pau” por causa da utilização dessa palavra no meio de sua onomatopéia em
português. O número 7, por sua posição numérica ou (e) pelo número de
instrumentos a que faz apelo, chamou-se “Setimino”. O número 10, o grande painel
coral-sinfônico é o “Rasga o Coração”, título da canção que aparece
soberanamente em seu final. Nos três casos vemos nomes que são de certa forma
exteriores à música que se ligam muito mais a circunstâncias de sua composição do
que a seu conteúdo profundo. Tal não é, entretanto, o caso do CHOROS nº5, que
VILLA-LOBOS chamou de “Alma Brasileira”. Nesta obra sentimos, de fato, a
preocupação de expressar a realidade do seu povo. encontram-se sintetizados os
elementos mais característicos da sica popular brasileira, delimitada no tempo e
79
no espaço: Rio de Janeiro de fins do século XIX e início do século XX. Na verdade
este CHOROS não retrata exatamente a “alma brasileira”, mas a “alma carioca”,
suburbana e seresteira. (NEVES, 1977, p.48).
Percebe-se, então, que, na base dessa nova forma composicional, junto àquele
requintado artesanato, há também essa outra dimensão, expressiva, da música de Villa-Lobos,
que revela uma tendência para a concepção da obra musical como veículo de significados
semânticos, e, mais do que um instrumento descritivo, como um desdobramento, um fruto
mesmo, da experiência existencial brasílica.
Escrevo música obedecendo a um imperioso mandato interior. E escrevo música
brasileira porque me sinto possuído pela vida do Brasil, seus cantos, seus filhos e
seus sonhos, suas esperanças, e suas realizações (VILLA-LOBOS, in NEVES,
1977, p.15).
Tal concepção de obra musical parece ter encontrado respaldo entre os estudiosos
atentos à significação dessa música de Villa-Lobos, tornando-se uma referência para suas
conclusões analíticas e determinando o surgimento de um discurso retórico apto a traduzi-la,
como se pode notar no comentário de Turíbio Santos sobre o Prelúdio n.º2 para Violão
(Ex.14), no qual são referidos aspectos psicológicos de uma figura pica brasileira, o
malandro carioca. O teor de ntese entre os aspectos musicais e extra-musicais na obra de
Villa-Lobos é refletido nesse texto de um modo especial. Trata-se de uma frase que apresenta
três momentos, um no qual é referido um elemento técnico musical, as modulações do choro,
outro no qual se combina um elemento musical com outro extra-musical (por meio do recurso
retórico da animação de elementos musicais), fermatas jocosas, e, por fim, a descrição de um
elemento extra-musical, o ambiente de festa. Ex.14 (SANTOS, 1975, p.26)
80
Souza Lima, em seu comentário sobre A Lenda do Caboclo de Villa-Lobos (Ex.15),
enfatizou o ambiente sertanejo retratado por meio música, e a concorrência do recurso da
articulação de acordes para se atingir tal efeito. Destacou, também, o canto da juriti como
elemento programático.
Ex.15 (SOUZA LIMA, 1969, p.40)
A caracterização desse discurso retórico brasílico esta pautada, também, pela
experiência vivencial dos próprios analistas, a partir da qual se originam leituras que atribuem
brasilidade à obra, ainda que ela esteja calcada sobre uma forma, gênero ou estilo europeu. O
comentário crítico a seguir, feito por Jaime Diniz sobre a Marcha Fúnebre de Ernesto
Nazareth, confirma essa possibilidade.
[...] Parece-me muito feliz a adoção das tresquiálteras, no início da composição.
Sinto nelas, e no todo por causa delas, os “funerais” que eu ouvi muitas vezes na
minha infância, no sertão pernambucano. Todos chamávamos “funerais” a umas
“marchas tristes”... que as bandas de música tocavam e ainda tocam bem
brasileiramente, nas “procissões do Senhor morto”, na sexta-feira santa e, às vezes,
na “procissão do encontro” (Domingo de Ramos). (DINIZ, 1963, p.63).
81
Freqüentemente, porém, esse discurso brasílico é contrastado pela ocorrência de uma
narrativa de viés crítico-romântico. É o que se pode observar na análise da valsa Celestial de
Nazareth, realizada por Jaime Diniz, ou, então, na que Souza Lima fez da Moreninha (boneca
de massa) da Prole do Bebê n.º1 de Villa-Lobos (Ex.16), nas quais os autores se valem do
recurso literário da metáfora e da animação de elementos da linguagem musical, recursos
estes típicos da análise musical européia novecentista. Como índice do sincretismo no
discurso analítico-musical apresentado nesses livros em estudo, note-se que esses são dois dos
analistas acima citados como articuladores do discurso retórico brasílico.
O segundo número, temàticamente diferente como obrigam os modelos do gênero, é
uma festa orquestral, onde estão a bailar acordes fortes e maciços, sobre um pedal
de tônica, quase inalterável, que se articula nos primeiros tempos, num jogo bonito
de cores tonais variadas. (DINIZ, 1963, p.35).
Souza Lima deduz qual seja o temperamento da boneca a partir da configuração
musical da peça, e ouve uma gargalhada em uma seqüência descendente de acordes.
Ex.16 (SOUZA LIMA, 1969, p.31-32).
82
No domínio da análise “objetiva” (para usar a terminologia de Adhemar Nóbrega e
Jaime Diniz) observa-se a aplicação de métodos tradicionais de análise formal, temática e
harmônica. A técnica analítica mais utilizada em todos os livros que compõem esse grupo foi
a reprodução de trechos selecionados da partitura como ilustração para os comentários
analíticos, trechos estes apresentados, em sua maioria, sem nenhum tipo de interferência. Esse
é um procedimento que, aparentemente, se afigura bastante propício para a realização de
análise temática, como se pode perceber no estudo de Arnaldo Estrella sobre o Allegro do 12.º
Quarteto de Cordas de Villa-Lobos (Ex.17). Uma outra característica que se nota na
utilização dessa técnica analítica é a tendência a comentários que sintetizem duas ou mais
propriedades da música. Desse modo, na descrição da evolução dos temas, apresentada por
Estrella, são mencionados aspectos referentes a estilo, forma, textura, ritmo, andamento,
intensidade e instrumentação. Note-se, também, o recurso de edição na apresentação de frases
isoladas da grade.
83
Ex.17 (ESTRELLA, 1970, p.97-99)
84
85
Um outro exemplo, extraído do trabalho de Arnaldo Estrella, mostra a utilização da
mesma técnica de análise para a explicação do aproveitamento temático-motívico da célula
geradora do Movimento Scherzo do Quarteto de Cordas, de Villa-Lobos (Ex.18). O
discurso é econômico e tendente ao formalismo, a despeito de algumas expressões como
“dissonâncias ásperas” e da animação de elementos da linguagem musical em “um Lá menor
insinua-se”. Ex.18 (ESTRELLA, 1970, p.64-66)
86
87
88
Adhemar Nóbrega foi um dos analistas que realizaram interferências gráficas nos
exemplos musicais. Com o propósito de demonstrar a afinidade entre a música de Bach e a
música popular brasileira afinidade essa que permitiu, por exemplo, a fusão entre essas
linguagens na composição das Bachianas Brasileiras realizou transformações rítmicas em
fragmentos melódicos do compositor alemão, de modo a abrasileirá-las, e, também, por meio
da análise desse material, identificou similaridades de perfil melódico e fez comparações
estilísticas (Ex.19).
Ex.19 (NÓBREGA, 1971, p. 13-15)
89
90
A idéia de abarcar um grande todo ao analisar todas as peças de um determinado
gênero composicional, caso que ocorre nos 9 títulos dedicados à obra de Villa-Lobos, pode
ser vista como uma influência da ideologia do organicismo, remanescente da análise européia
novecentista. Investigações dessa natureza parecem permitir a identificação de procedimentos
poéticos empregados em todas as peças de um determinado gênero ou período composicional,
ou, ainda, definitórios da obra de um compositor, como um todo. Por exemplo, nas
considerações tecidas por Arnaldo Estrella, sobre a evolução formal dos quartetos de Villa-
Lobos, é identificada a adesão do compositor à concepção tradicional das formas dos
movimentos, exceto no primeiro quarteto.
Como se viu, o “1Quartetoé uma “Suíte” de pequenas peças despretensiosas,
que se ligam apenas por laços tonais, e que se alternam contrastando andamentos e
aspectos expressivos.
Já o “2 Quarteto” compõem-se dos quatro tempos tradicionais: “Allegro non
tropo”, “Scherzo”, “Andante”, e Allegro deciso”, que Villa-Lobos adotará, com
poucas variantes, até o “Décimo Sétimo Quarteto”, trocando a posição dos tempos
intermediários em alguns quartetos. (ESTRELLA, 1970, p.24).
91
Baseando-se no estudo de todo o ciclo dos Choros, José Maria Neves destaca o
aspecto do ritmo como um dos principais elementos da poética villa-lobiana, colocando-o em
primeiro lugar de importância em relação aos resultados obtidos no domínio das outras
propriedades musicais no artesanato do compositor.
Vejamos em linhas gerais que elementos fundamentam esta personalíssima
linguagem musical de VILLA-LOBOS. Em primeiro lugar o ritmo, um dos traços
característicos de sua produção. Veremos mais tarde que VILLA-LOBOS sintetizou
de modo admirável todas as constâncias da rítmica brasileira, em sua
multiplicidade e com todo o seu vigor. O ritmo é, de certo modo, o fio condutor de
cada obra, o ponto unificador e, ao mesmo tempo, a razão primeira dos contrastes
obtidos. Veja-se o notável equilíbrio de conjunto de cada obra em função dos
elementos formantes de sua linguagem musical: a melodia generosa que a coroa
(exemplo sublime na “Bachianas Brasileiras n.º5”), e a harmonia original que a
engrandece. (NEVES, 1977, p.10).
Nos trabalhos de Adhemar Nóbrega, tem-se a utilização de um outro recurso gráfico,
aparentemente muito propício para estudos dessa natureza, trata-se do emprego de tabelas
com o propósito de possibilitar uma visão global de aspectos relativos às grandes proporções
do ciclo das Bachianas Brasileiras e dos Choros de Villa-Lobos. Na tabela referente ao ciclo
das Bachianas Brasileiras (Ex.20) focaliza-se o aspecto da numeração das peças em relação à
cronologia das composições, instrumentação, e aspectos formais. Quanto a estes últimos, é
sublinhada a ocorrência da dupla denominação dos movimentos, uma tradicional, relacionada
à forma, e a outra brasileira, relacionada a significados semânticos. A estrutura interna desses
movimentos é tratada em comentário apresentado à parte, no qual se caracteriza aquela
tendência à identificação de procedimentos poéticos empregados em todas as peças do ciclo.
A estrutura de cada movimento obedece ao esquema A B – A, sendo geralmente a
seção inicial mais desenvolvida. Alguns episódios, que serão oportunamente
analisados, inserem-se numa ou noutra seção, diversificando-a ou ampliando-a mas
sem alterar fundamentalmente aquele esquema. (NÓBREGA, 1971, p.19).
92
Ex.20 (NÓBREGA, 1971, p.18-19)
93
Quanto à instrumentação, esse recurso se afigura muito funcional para a percepção da
variedade de formações que, Nóbrega, ainda, detalha nos comentários apresentados junto à
tabela.
Experimentador infatigável no terreno da orquestração, Villa-Lobos confere às
obras deste ciclo, tal com o fizera com os Choros um rico elemento de variedade
decorrente da diversidade de destinação instrumental. Às 9 Bachianas
correspondem sete diferentes meios de execução instrumental: a 1ª. é para
orquestra de violoncelos (expressão e novidade que lhe valeram críticas na época);
a . para orquestra; a 3ª. para piano e orquestra; a 4ª. para piano na versão
original (mais tarde transcrita para orquestra); a 5ª. para canto e orquestra de
violoncelos; a 6ª. para flauta e fagote; a 7ª. e a 8ª. para orquestra, tal como a 2ª., e
finalmente a nona para orquestra de vozes ou de cordas. (NÓBREGA, 1971, P.20).
No estudo do aspecto cronológico revela-se um hiato composicional entre os anos de
1930 e 1938, justificado por um determinado acontecimento biográfico que, embora pudesse
ter sido um empecilho, talvez tenha, por outro lado, impulsionado uma melhor realização
composicional nas Bachianas Brasileiras.
O longo hiato na produção das Bachianas Brasileiras, de 1930 a 1938, explica-se
em parte pelo engajamento total do artista, [...] na campanha pela instituição do
Canto Orfeônico com instrumento de educação social através da música. Após as
Bachianas n.º1, 2 e 4surgem no catálogo, em vez das subseqüentes, as extensas e
numerosas relações de pequenas páginas escritas com fins puramente didáticos: é o
abundante Guia Prático, com 137 peças. afora dezenas de outras páginas que
viriam a ser enfeixadas nos dois volumes do Canto Orfeônico, além de numerosos
arranjos instrumentais e corais de Prelúdios e Fugas de Bach.
Esses arranjos bachianos, mais do que trabalhos circunstanciais em função da
atividade de educador, podem ser considerados como um recurso deliberadamente
adotado pelo compositor para melhor adestrar-se na escrita à maneira de Bach,
uma vez que tinha em mente realizar o ciclo das Bachianas (NÓBREGA, 1971,
p.17).
Quanto à relação da numeração das peças em relação à cronologia de sua composição,
Nóbrega explica que a Bachiana n.º5 foi numerada segundo a data de composição de seu
primeiro movimento, Ária (Cantilena), de 1938, e não pela data de composição do segundo
movimento, Dança (Martelo), de 1945. Há, entretanto, uma quebra da linearidade cronológica
na numeração da Bachina n.º 4 para a qual, Nóbrega, não apresenta nenhuma justificativa.
Observe-se que, por um lado, considerando-se a data da versão original, para piano, essa seria
a terceira peça composta e, por outro, considerando-se a data da versão orquestral, ela seria
então a sétima. Uma resposta plausível para essa indagação pode, talvez, ser encontrada na
justificativa fornecida por Nóbrega para o anacronismo das peças do ciclo dos Choros, como
se pode observar no comentário a seguir, feito em conexão com outra tabela na qual se
apresentam as datas de composição e a instrumentação dessas peças (Ex.21). O desfecho do
94
trecho, de certo modo surpreendente, mostra um pouco da veia crítica de Adhemar Nóbrega, e
sua disposição de mexer com determinado tipo de público leitor.
Quanto à seriação dos Choros, todavia, o motivo do anacronismo foi o desejo do
autor de fazer prevalecer um escalonamento por destinação instrumental e por
complexidade crescente de estrutura, o que de certo modo foi mantido, com exceção
do caso dos Choros n.º7, que aparece desgarrado das outras obras camarísticas do
ciclo e depois do n.º5 (piano) e do n.º6 (orquestra). De resto, esse anacronismo,
seja na obra de quem for, tem importância secundária, quase irrelevante. Se o fato é
mencionado aqui, com estas breves observações, vai apenas a título de informação
ao leitor curioso (NÓBREGA, 1975, p.25).
95
Ex. 21 (NÓBREGA, 1975, p.26)
96
O fato de que esse procedimento de analisar todas as peças de um determinado gênero
não tenha sido adotado por Jaime Diniz, visto que em seu livro foram analisadas apenas
quatro peças da produção pianística nazarethiana, não significa que o analista estivesse fora
do campo de influência da ideologia do organicismo, podendo-se notar sua ocorrência na
abordagem de outras dimensões formais dessas peças. É o que se evidencia no trecho a seguir
(Ex.22), no qual, observando-se uma peculiaridade da escritura de Ernesto Nazareth, é
cogitada a possibilidade de uma relação estrutural entre uma frase e o todo da peça Você Bem
Sabe! Note-se as interferências gráficas nos exemplos musicais sinalização de elementos
fraseológicos, e disposição gráfica das semifrases, uma acima da outra –, procedimento esse
aparentemente propício no caso da análise de estruturas fraseológicas.
Ex.22 (DINIZ, 1963, p.26-28)
97
Em sua análise do Prelúdio (Ponteio) das Bachianas Brasileiras n.º3 (Ex.23),
Adhemar Nóbrega, empregando a cnica usual de fazer comentários sobre trechos
selecionados da partitura, explicita um procedimento típico da expressão rítmica de Villa-
Lobos. Observe-se o procedimento típico de fazer comentários sintetizando várias
propriedades musicais, no caso desse exemplo, aventando-se, além do ritmo, aspectos da
harmonia e do timbre, e, também, comparando-se o estilo de Bach ao do populário brasileiro.
Ex.23 (Nóbrega, 1971, p.48)
98
No estudo de Jaime Diniz, sobre o tango Favorito de Ernesto Nazareth, tem-se o
emprego de recursos gráficos desenvolvidos para a análise do aspecto rítmico, que é feita por
meio da apresentação de uma esquematização das figurações rítmicas utilizadas nessa
composição (Ex.24). Como índice da influência da ideologia do organicismo no pensamento
analítico de Jaime Diniz, observe-se o comentário referente à utilização dessas figurações
rítmicas em outros tangos de Nazareth – talvez concebendo-as como elementos estruturais em
torno dos quais todo um organismo composicional tomou forma –, e, também, o comentário
sobre a construção rítmica da peça em análise, a partir de uma única célula, o que,
naturalmente, trouxe Bach à recordação do analista. Note-se, ainda, a dedicatória, a referência
à tonalidade, e à forma expressa com o uso de letras. Ex.24 (DINIZ, 1963, p.50-52)
99
100
Os trechos a seguir, nos quais se estuda o aspecto da harmonia, apresentam, também,
aquele mesmo caráter organicista. Trata-se de conclusões obtidas por José Maria Neves, em
sua análise dos Choros, e por Adhemar Nóbrega, em sua análise das Bachianas, e que, pode-
se perceber, mostram alguma disparidade entre si, talvez por estarem respondendo a obras de
épocas diferentes e, portanto, de cunho estilístico substancialmente outro.
A organização harmônica das obras de VILLA-LOBOS revela sempre uma grande
liberdade tonal que o levaria, com o correr dos anos e da experimentação
constante, À bitonalidade e à politonalidade, atingindo mesmo em certas obras a
total atonalidade. E VILLA-LOBOS chega a isto não por influência das novas
teorias harmônicas, que ele conheceu já em sua maturiade artística, mas pela
exploração levada às últimas consequêncioas do material que lhe era oferecido pela
criação popular de seu país e por um simples imperativo étnico-social. Suas
harmonias flutuantes, como sua vagueza rítmica, acompanham de perto as
flutuações daquela música típica. A organização das obras de VILLA-LOBOS
pode ser examinada com relação à sua necessidade expressiva, escapando a toda
análise que pretenda enquadrá-la em esquemas funcionais preestabelecidos. Os
acordes, os grupos e os complexos sonoros aparecem e desaparecem seguindo a
indisciplina da imaginação do compositor, ora realçando uma linha melódica, ora
dando maior vigor e corpo a esquemas rítmicos, ora pontuando o discurso musical.
Não existe quase, excetuando alguns finais de obras, encadeamentos harmônicos
que obedeçam de modo estrito às formas tradicionais de cadência, mesmo porque o
conceito de tonalidade encontra-se alargado. Como elementos freqüentes dentro
desta constante instabilidade tonal, ressalte-se as terminações por sétima ajuntada,
as superposições de modos maiores e menores, o emprego de apoggiaturas não
resolvidas, os blocos sonoros por superposição de sétimas e o emprego sistemático
dos acordes de sétima, nona, décima primeira e décima terceira. (NEVES, 1977,
p.10).
A harmonia é de fundo clássico, “temperada” com o sal de 7as, 6as e 4as,
ajuntadas aos acordes e por freqüentes notas de passagem ou retardos, Entretanto,
em certos trechos onde se fazem ouvir notas inteiramente estranhas ao ambiente
tonal, com no silvo da locomotiva de O trenzinho do caipira (Tocata da Bachianas
Brasileiras n.º2), o recurso é de efeito certeiro para dar ao trecho inesperado golpe
de surpresa: sobre um fundo de maior com 6.º ajuntada, dos demais
instrumentos, a flauta e a clarineta fazem ouvir, com insistência, sust. e sust.
que introduzem no trecho um novo relacionamento tonal. (NÓBREGA, 1971, p.19).
Digna de nota é a observação de José Maria Neves, no trecho acima, com respeito à
ineficácia de métodos analíticos, colocação que não fez senão trazer para o cenário brasileiro
da década de 1970, um dos temas mais polêmicos do debate analítico-musical mundial nos
dias de hoje. Outro sinal de seu avanço e de sua permeabilidade a novas linguagens, pode ser
observado na aplicação analítica da cifragem típica da música popular, em seu estudo sobre o
Choros nº1, de Villa-Lobos (Ex.25).
101
Ex.25 (NEVES, 1977, p.38-39)
Ainda quanto à análise harmônica, destaca-se o livro Heitor Villa-Lobos, sua obra
para violão (1984), de Marco Pereira, no qual são realizadas diversas análises informadas
pela harmonia funcional. No caso da análise do Estudo n.º4 (Ex.26), Marco Pereira,
focalizando um determinado giro harmônico que ocorre nos primeiros compassos da peça, fez
especulações sobre o direcionamento dado a um dos acordes, empregando, para tal, um
exemplo gráfico criado especificamente para esse propósito. Observe-se, também, a descrição
formal por meio do método tradicional com letras, e outras considerações sobre a harmonia,
pontualmente sua utilização como guia para a performance, e a imagem do “quebra cabeças”.
102
Ex.26 (PEREIRA, 1984, p.39)
103
Com respeito à instrumentação observa-se a tendência em demonstrar-se a grande
inventividade e ousadia experimental de Villa-Lobos, que resultou no surgimento de obras
com as mais variadas e heterodoxas formações. Por exemplo, com respeito à formação
instrumental empregada nas Bachianas Brasileiras n.º1, orquestra de violoncelos, Adhemar
Nóbrega explica sua constituição, relata uma das querelas em torno dessa denominação, e a
justifica como uma licença poética.
A primeira obra do ciclo traz logo uma novidade na escolha do conjunto
instrumental a que se destina. Foi concebida para Orquestra de Violoncelos, que
pode ser constituída de 8 instrumentos ou múltiplo deste número. Entre as críticas
que recebeu na época figuram as que condenavam a suposta heresia de tal
expressão. Mesmo nove anos depois, um ilustre crítico e professor escrevia [...]:
“Em quem o autor das Bachianas se baseou para chamar orquestra de violoncelos?
Que é orquestra? Quais as características de uma orquestra? Eu gostaria que o
autor das Bachianas estudasse o assunto e verificasse se realmente oito violoncelos
constituem uma orquestra”
Na verdade, segundo o conceito tradicional, 8 violoncelos não fazem uma
orquestra. Mas acontece que o termo vem da Grécia antiga onde se denominava
como tal a parte do teatro situada entre o palco e o auditório e destinada às danças
e evoluções do côro. E até muito mais tarde, em Florença, no advento do barroco,
ainda era a parte do palco onde ficavam os instrumentistas que por extensão do
continente ao conteúdo passaram a chamar-se de orquestra. Pode ser que Villa-
Lobos, como se diria hoje na linguagem dos suplementos de jornais, tenha querido
“dar uma de erudito” fazendo remontar o termo à sua helênica origem e o crítico
não tenha percebido a intenção. Mas não foi isso o que se passou. De fato, Villa-
Lobos antecipou-se numa licença, num conceito mais flexível de orquestra,
liberdade que deixaria de escandalizar, no futuro, os conservadores. (NÓBREGA,
1971, P.23).
Ainda no domínio da instrumentação, Eurico Nogueira França, em seu livro A
evolução de Villa-Lobos na música de mara (1979), destacou a singularidade da formação
instrumental do Sexteto Místico, tirando conclusões estilísticas (brasilidade/ universalidade) e
estéticas (ambientação mística) a partir de sua configuração timbrística.
Uma das características de Villa-Lobos é a combinação menos usual ou totalmente
inusitada de instrumentos. No caso do Sexteto Místico, a formação instrumental tem
bastante originalidade e resulta muito feliz pela conjunção de timbres, que
contribuem para ambientar a obra, de acordo com o título. [...]
A presença do violão contribui para dar cor de brasilidade à partitura que, de
resto, tem sentido universalista e que, por sua atmosfera, assume lugar à parte na
música de câmara de Villa-Lobos. (FRANÇA, 1979, p.45).
Na análise do Nonetto, por sua vez, França atentou para a técnica de composição por
justaposição de seções, e explicitou o uso do timbre (piano) como elemento formal, e da
matéria sonora como elemento expressivo. Note-se como, em meio a um discurso de ares
formalistas, surge a expressão “voz do saxofone”, como reminiscência romântica.
104
Na seção Poco animato desaparece momentaneamente a celesta e seguem
paralelos, em tempo rubato, os solos de oboé e do fagote, com o enriquecimento da
parte pianística, que acentua seu caráter percussivo. Na seção Lento os solos são
análogos, da flauta e clarineta, sobre glissandi descendentes de harpa e piano, até
que em Animato entra o pandeiro grande no lugar do bombo e volta a ouvir-se a voz
do sax, a que responde um solo de oboé com uma linha bem brasileira.
A partitura se amplifica ainda quando são agora três instrumentos de percussão
caixa, reco-reco e chocalho – e o piano dobra suas pautas, porque alterna a
percussão no grave com incursões ao agudo. Como ocorreu em momento
anterior, também aqui, antes de entrarmos na seção Moderato, o emprego de
arpejos do piano como elemento de pontação ou de encadeamento de episódios
adjacentes.
A obra se constrói pela justaposição de seções, com surtos geniais de invenção,
onde há muito o equilibrado cálculo dos efeitos e aprofundamentos expressivos
súbitos da matéria sonora, dentro de flagrante escritura politonal. É também
absolutamente notável o partido que Villa-Lobos tira, tanto de cada instrumento,
das suas possibilidades intrínsecas, que explora, como da conjunção de planos das
madeiras, do sax, da variegada percussão e dos instrumentos de teclado. E
obviamente das vozes, dado o emprego do coro, na partitura. (FRANÇA, 1979,
p.63).
Outro destaque referente ao aspecto da instrumentação encontra-se no livro As
Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de Enos da Costa Palma e Edgard de Brito
Chaves Júnior, precisamente na análise das Bachianas Brasileiras n.º4 (Ex.27), que foi feita
por meio da comparação entre suas duas versões instrumentais, a primeira para piano e a
segunda para orquestra, permitindo vislumbrar um pouco da artesania do orquestrador Villa-
Lobos. Nos trechos selecionados a seguir, tem-se a orquestração do tema do Prelúdio
(Introdução), na qual o tema da mão direita, na versão para piano, é apresentado pelo violino,
na versão para orquestra, e o tema da mão esquerda, pelo violoncelo.
Ex.27 (PALMA, 1971, p.72-76).
105
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Uma idéia que perpassa por todo o livro Heitor Villa-Lobos, sua obra para violão
(1984), de Marco Pereira, é a de que o conhecimento da linguagem idiomática do instrumento
esta na base do processo composicional e das inovações trazidas pela escrita violonística de
Villa-Lobos, e que, no caso do violão, esse conhecimento parece exigir do compositor que ele
seja um instrumentista. Para comprovar tal proposição o autor recorre a declarações de um
Andrés Segóvia ou de um Hector Berlioz (este que também foi violonista).
No he querido variar ninguno de los ‘doigters’ que el mismo Villa-Lobos
senãlado para la ejecucion de sus obras. El conoce perfectamente la guitarra y si há
elegido tal cuerda y tal digitación para hacer resaltar determinadas frases, debemos
estricta obediencia a su deseo, aun a costa de someternos a mayores esfuerzos de
orden técnico. (SEGÓVIA, in PEREIRA, 1984, p.28).
É praticamente impossível escrever bem para o violão sem conhecer o instrumento
na prática. A maioria dos compositores que o empregaram estão longe de conhecê-
lo bem; escreveram peças de excessiva dificuldade, pobres em efeito e sonoridade
[...] (BERLIOZ, in PEREIRA, 1984, p.107).
Também, a própria análise musical serviu como instrumento para comprovar tal
proposição, como se pode perceber na análise que Marco Pereira fez do Estudo n.º12 (Ex.28),
na qual se apresentam considerações dessa natureza, e, outras referentes a harmonia e
performance. Ex.28 (PEREIRA, 1984, p.60-61)
108
Também, Arnaldo Estrella salienta a importância do idioma instrumental como um dos
elementos da poética de Villa-Lobos, focalizando a influência do violoncelo na composição
de seus quartetos de cordas.
Como compositor, Villa-Lobos sofreu, de certo modo, a influência do
instrumentista, do violoncelista que foi. Não porém, tratando-o isoladamente, como
instrumento solista. Nesse sentido, mais importância deu êle ao piano e ao violão.
Embora dedicasse ao violoncelo algumas pequenas peças, além de sonatas e obras
concertantes, essa parcela de sua produção o se pode comparar, em número e
importância, à que dedicou ao piano, nem mesmo, em valor e importância histórica,
à que escreveu para violão. O pendor de Villa-Lobos pelo “se” instrumento
manifestou-se sobretudo no gênero camarístico, nas “Bachianas” n.º1 e 5 e na
“Fantasia Concertante”, para conjunto de violoncelos, assim como no tratamento
relevante que deu ao violoncelo na série dos seus dezessete quartetos. Tem-se a
impressão de que algumas das melodias que repontam em seus quartetos foram
pensadas para o violoncelo, ainda que sejam expostas, em primeiro lugar, no
violino. Daí resulta que essas melodias alcançam a realização integral de suas
virtualidades expressivas quando adquirem a roupagem sonora do violoncelo.
(ESTRELLA, 1970, p.15)
Nóbrega, por sua vez, considera a hipótese de que o emprego do violão e do
violoncelo, respectivamente no pórtico dos Choros e das Bachianas, seja um símbolo da
experiência musical do compositor.
109
O primeiro dos Choros destina-se ao vilão. A primeira das Bachianas a orquestra
de violoncelos. Violão e violoncelo foram os instrumentos com os quais Villa-Lobos
penetrou na música. Dir-se-ia que a escolha do meio de execução para o pórtico de
cada ciclo se reveste de um significado simbólico. É como se o autor abrisse um
panorama de sua experiência musicalmente vivida e a quisesse legar à posteridade.
As Bachianas, nutrindo-se de afinidades entre Bach e o populário musical
brasileiro, admitem essa presunção “Si non e vero...” (Nóbrega, 1971, p.22).
Adhemar Nóbrega e Marco Pereira detectam, ainda, a ocorrência da intersecção entre
esses idiomas instrumentais tão representativos da música de Villa-Lobos, respectivamente na
Bachianas Brasileiras n.º5, como se demonstra nos trechos a seguir, e no Prelúdio n.º1 para
Violão (Ex.29).
Violão e Bach, dois amores da adolescência do compositor, estão aqui sugeridos, -
Bach pelos largos vôos da melodia e pelos baixos descendentes por graus conjuntos
e o violão pelo repinicar das cordas [da orquestra de violoncelos] em “pizzicati”.
Estes reflexos, entretanto, não estão na Bachianas n.º5 a título de evocação, por
mais grata que fosse, mas em função de uma síntese. Esta é a linguagem cunhada
por Villa-Lobos e que no caso presente alcança uma das suas mais altas
afirmações. A Cantilena deveria ser estudada como o protótipo da nossa melodia
erudita para canto. (NÓBREGA, 1971, p.83).
Ex.29 (PEREIRA, 1984, p.65)
Há alguns trabalhos nos quais se privilegia o estudo da performance, entre eles estão
os dos intérpretes-analistas Souza Lima, Turíbio Santos e Marco Pereira. O livro Heitor Villa-
Lobos e o violão (1975), de Turíbio Santos, destaca-se por conter um capítulo específico
dedicado a esse assunto, Problemas de um Intérprete, no qual são discutidos aspectos como
equilíbrio emocional do intérprete, ruído das cordas do violão na realização de glissandos e
portamentos, colocação da música violonística paradoxalmente jovem e ancestral de Villa-
Lobos num programa, e metodologia de abordagem técnica dessa obra virtuosística.
110
No Choros n.º 1, por exemplo, o requebro da música, em perfeita harmonia com a
dança dos dedos, leva frequentemente os intérpretes a abusos e maneirismos
deformando a música. A razão é bem evidente. Os dedos se incorporam totalmente
ao instrumento, a composição permite, pede mesmo. Mas o corpo também se
incorpora.
E a partir daí a sensualidade e a brejeirice da sica de violão de Heitor Villa-
Lobos podem conduzir o músico por maus caminhos, pela “diarréia” de
interpretação, os rubatos fora de hora, a violência excessiva, o temperamento
abusado. (SANTOS, 1975, p.33).
Mas o terminam os dilemas do violonista. Um deles, muito importante, é o
ruído das cordas. Tratando-se de um som estranho e desagradável que os graves
produzem junto a qualquer glissando, ele representa um impasse muito delicado.
Alguns intérpretes suprimem completamente os glissandos e portamentos o que não
deixa de ser uma ofensa à música, ao pensamento estético do criador. Outros com
indiferença igualmente perniciosa, chegam a produzir um ruído superior ao som
fundamental.
Talvez a melhor solução esteja entre os dois extremos. Realizar os portamentos que
o compositor idealizou e, utilizando uma série de recursos técnicos, evitar o chiado
inconveniente. (SANTOS, 1975, p.33).
Instrumento ancestral, é paradoxalmente um dos mais recentes, graças aos
caprichos da sua evolução.
Intuitivamente Villa-Lobos compreendeu sua posição histórica em relação ao
instrumento: sua obra, mesmo, prova esta afirmativa. Jovem e ancestral.
Jovem, porque está ligada às fontes populares, a novas audácias, a um novo
comportamento. Ancestral, por corresponder e completar toda uma literatura
existente, e ajudar a dar sequência, no século XX, a uma evolução que já se
marcava por séculos.
O intérprete, diante desse panorama, complexo porque cheio de pequenas obras
primas de curta duração – não esqueçamos que a tessitura do violão é pequena; que
não sendo melódico ele também não é polifônico na altura do cravo e do piano; que
os temas não podem ser desenvolvidos com muita facilidade – tende a seguir sempre
uma ordem cronológica.
Villa-Lobos subverte muitas vezes esse bom hábito. Seja pelo volume sonoro de suas
músicas, graças à sábia utilização dos sons harmônicos, seja pela duração das
séries completas: Cinco Prelúdios, Doze Estudos, Suíte Popular Brasileira, etc.
(SANTOS, 1975, p.35).
Outro problema importante para os interpretes e didatas é a abordagem da obra.
Estudantes incautos, mal orientados, investem contra os Doze Estudos antes de
possuir uma base mínima indispensável. O delito é compreensível. Sendo o
instrumento parcamente dotado de um repertório de qualidade no nível
principiante, a tendência dos estudantes é precipitar-se sobre as melhores músicas e
no caso, os Doze Estudos representam uma grande tentação.
O problema pode ser contornado, permitindo-se a certos estudantes o acesso a
obras mais fáceis de Villa-Lobos, (como a Suíte Popular Brasileira), ou
desmembrando passagens mais difíceis das outras músicas, que seriam estudadas
preliminarmente. (SANTOS, 1975, p.36).
111
Outros analistas cujo trabalho está voltado mais para os aspectos poéticos ou estéticos
da composição musical não deixam, entretanto, de registrar sua preocupação com respeito à
performance. É o caso, por exemplo, de Adhemar Nóbrega que em seu estudo sobre as
Bachianas Brasileiras explica a significação da duplicidade das denominações dos
movimentos, duplicidade essa interpretada como uma conseqüência do conceito a partir do
qual se realizou a composição desse ciclo.
A intenção que presidiu à concepção das obras refletiu-se ainda na dupla
denominação dos movimentos, uma tradicional e outra que lhe reflete a feição
brasileira. Assim é que os Prelúdios ora se chamam Modinha, ora O canto do
capadócio, ora Ponteio; as Árias são brasileiramente denominadas O canto da
nossa terra, Modinha, Cantiga, ou Cantilena; as tocatas trazem saborosas
denominações como O trenzinho do caipira, Picapau, Desafio e Catira batida, as
Fugas são conversas, etc.
Convém atentar sempre para a duplicidade de denominação, pois se o primeiro
título de cada trecho reflete sua forma ou indica sua feição rítmica, o segundo traz
conotações expressivas que é preciso considerar na execução. (NÓBREGA, 1971,
p.16).
Para finalizar essa leitura, talvez caiba apreciar, na íntegra, mais um dos primorosos
resultados da inventividade crítica brasileira, trata-se da análise que Adhemar Nóbrega fez da
Toccata (O Trenzinho do Caipira) das Bachianas Brasileiras n.º2 de Villa-Lobos (Ex.30).
Uma escolha talvez paradoxal, visto o irrefutável descritivismo da peça, mas, por outra, talvez
ideal, visto não ser esse um trem qualquer, e quem o ouvir, saberá a despeito, é preciso
dizer, de Palma e Chaves Júnior que falaram em réplica da Pacific 231 de Honegger;
dissessem, ao menos, antropofagia.
Mas o texto de Nóbrega é, antes de tudo, uma aula. Uma aula de ritmo, o ritmo do
trenzinho, que ele explica e faz com que se leia e sinta, e se pegue esse trem.
E aí, então, ouve-se a melodia que soa, uma qualquer, de improviso, e não é preciso
mais do que isso, afinal é só uma viagem de trem.
E o trem vai indo com agente e agente vai indo com o trem. E outros sons vão soando
e soando vão se encontrando e criando harmonias que nos tocam e levam para um outro lugar.
Mas nessa vida, se sabe, tudo passa, e o trenzinho uma hora diminui sua marcha e
chega o tempo de parar.
Junto com as palavras de Nóbrega vem o retrato de um Brasil que agente no trem
que agente vê ao ouvir a música de Villa-Lobos.
112
Ex.30 (NÓBREGA, 1971, p.43-46)
113
114
Considerações finais
Em suma, Rumos da Análise Musical no Brasil (análise estilística, 1919-84), é a
concretização de um estudo no qual se delineou um panorama da análise musical no Brasil
tomando-se como referência 42 livros desse nero, escritos em ngua portuguesa e
publicados no Brasil entre os anos de 1919 e 2007 –, e, também, se realizou um estudo mais
detalhado sobre 16 desses livros, que representam duas fases da análise estilística.
Esse panorama da análise musical no Brasil proporcionou uma visão global de
aspectos do desenvolvimento dessa disciplina tais como a cronologia das publicações,
situação editorial, motivação da escritura dos textos, obras e compositores que foram
estudados e o contexto analítico no qual os trabalhos estão inseridos. Dentre as conclusões
obtidas pode-se citar o reconhecimento de que, embora se tenha ainda um número reduzido de
publicações (se comparado aos países de tradição na disciplina como Alemanha, Estados
Unidos e outros), verificou-se ao longo de todo o período estudado um significativo aumento
na produção. Observou-se, também, que a universidade parece ser o principal lócus de
produção de conhecimento nessa área, visto ser o meio no qual tiveram origem todos os textos
publicados nos últimos 30 anos (um total de 28 textos que representam dois terços do total de
publicações relacionadas nessa pesquisa). Constatou-se, ainda, a flagrante tendência ao estudo
da obra de dois grandes ícones da composição musical: Villa-Lobos, cuja obra foi objeto de
estudo de 11 publicações, e Beethoven, a cuja obra dedicou-se 8, perfazendo um total de 19
publicações, quase metade das 42 relacionadas nessa pesquisa. Foram indicados e
denominados quatro contextos analíticos nos quais esses trabalhos estão inseridos: análise
estilística crítico-romântica brasileira (1919-43) que apresenta as características da análise
estilística européia do século dezenove –, análise estilística brasílica (1963-84)
caracterizada pela experiência da brasilidade e direcionada para o estudo da música brasileira
–, análise formalista (1987-2005) - que apresenta as características da análise formalista
desenvolvida ao longo do século XX na Europa e Estados Unidos –, e a nova análise musical
brasileira (1979-2007) – que apresenta as características da análise crítico-interdisciplinar que
vem ocorrendo desde por volta do início da década de 1980 até os dias atuais na Europa e
Estados Unidos.
A partir dessa leitura foram focalizados dois contextos nos quais se verificou o
desenvolvimento do modelo de análise estilística caracterizado pela aplicação de métodos
tradicionais de análise harmônica, formal e temática, destacando-se a aplicação da técnica de
115
apresentar trechos extraídos das partituras, como ilustração para os comentários analíticos.
Constatou-se, também, que a realização desse tipo de análise musical esteve inserida em dois
dos contextos analíticos acima referidos, um deles, denominado de análise estilística crítico-
romântica brasileira (1919-43), no qual se realizou uma reprodução do ideário característico
da análise estilística realizada no século dezenove na Europa, a saber, as ideologias da
consciência histórica e do desenvolvimento orgânico, e a narrativa crítico-romântica e o
outro contexto, denominado de análise estilística brasílica (1963-84), caracterizado pela
experiência da brasilidade, estudo das novas formas musicais brasileiras, narrativa retórico
brasílica, e pela tensão com o referencial técnico-analítico e crítico europeu, que ora resultou
na síntese, ora redundou na síncrese desses universos. O estudo mais detalhado das
similaridades e diferenças entre esses dois contextos permitiu concluir sobre a possibilidade
de que esse contexto da análise estilística brasílica aponte para a constituição de um discurso
analítico próprio brasileiro, visto que pautado pela consciência da criação de novas formas
musicais e pela articulação de uma narrativa apta a traduzir essa realidade.
Ademais, esse estudo permitiu o reconhecimento de autores de significação como o
professor Fúrio Franceschini, cuja ótica sistemática (que lhe confere a distinção de precursor
do modelo formalista de análise no Brasil) impulsionou o desenvolvimento do aspecto gráfico
em suas análises, diferenciando-as, nesse ponto, daquela técnica típica da análise estilística;
ou então, o Pde. Jaime Diniz, aluno de Franceschini, cujo trabalho de certo modo faz eco a
essa tendência sistemática, manifestada, por exemplo, no estudo do aspecto fraseológico e
rítmico da música de Ernesto Nazareth; ou, ainda, o crítico João da Cunha Caldeira Filho,
cujo trabalho transparece sua sólida formação musical, intelectualidade crítica, e a pena de um
virtuoso escrivinhador. Outro ponto de destaque foi a abordagem dos estudos desenvolvidos
pelo grupo de analistas que se reuniu em torno do Museu Villa-Lobos na década de 1970,
realizando um trabalho de fôlego no qual conjuntos completos de obras de Heitor Villa-Lobos
receberam uma análise valiosa, pautada pelo conhecimento da época e pelo aprendizado em
contato pessoal com o compositor.
Com essa aproximação à história e ao espírito do desenvolvimento da disciplina
análise musical no Brasil, tendo-se identificado conquistas que estão para ser otimizadas, bem
como entraves que estão para ser minimizados, cumpri-se, em vista do muito a fazer, talvez
mais um passo, um momento de reflexão, sobre a instituição em processo da análise musical
brasileira.
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