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JOÊZER DE SOUZA MENDONÇA
O GOSPEL É POP:
MÚSICA E RELIGIÃO NA CULTURA PÓS-MODERNA
Universidade Estadual Paulista “Júlio Mesquita Filho”
Instituto de Artes
São Paulo
2009
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Joêzer de Souza Mendonça
O GOSPEL É POP:
MÚSICA E RELIGIÃO NA CULTURA PÓS-MODERNA
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em
Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
“Júlio Mesquita Filho” – Campus São Paulo, como requisito
para obtenção do título de Mestre em Música (Área de
conhecimento: Música. Código CAPES: 8.03.03.00-5)
Orientadora: Profª. Drª. Dorotéa Machado Kerr
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de
Artes da UNESP
M539g
Mendonça, Joêzer de Souza, 1971-
O gospel é pop: música e religião na cultura pós -
moderna / Joêzer de Souza Mendonça. - São Paulo : [s.n.],
2009.
196 f.
Bibliografia
Orientador: Profª. Drª. Dorotéa Machado Kerr
Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade
Estadual Paulista, Instituto de Artes.
1. Música popular. 2. Música – Religião. 3. Música gospel.
I. Kerr, Dorotéa Machado. II. Universidade Estadual Paulista,
Instituto de Artes. III. Título
CDD – 781.7
São Paulo
2009
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Joêzer de Souza Mendonça
O GOSPEL É POP:
MÚSICA E RELIGIÃO NA CULTURA PÓS-MODERNA
Dissertação apresentada ao programa de Pós-Graduação em
Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista
“Júlio Mesquita Filho” Campus São Paulo, para obtenção do
título de Mestre em Música. Área de concentração:
Musicologia/Etnomusicologia
São Paulo, de de 2009.
Banca Examinadora:
Profª Drª Dorotéa Machado Kerr ............................................................................................
Universidade Estadual Paulista - UNESP
Prof. Dr. Alberto Tsuyoshi Ikeda .............................................................................................
Universidade Estadual Paulista – UNESP
Prof. Dr. Leonildo Silveira Campos .........................................................................................
Universidade Metodista de São Paulo - UMESP
Agradecimentos
À minha mãe, Lindalva, pela iniciação infantil nas letras e pelo suporte adulto no momento da
escrita dessa pesquisa.
À minha esposa, Silvia, pelo afeto paciente, pela espera amorável e pela insistência
imprescindível.
À Profª Dorotéa Kerr, orientadora que elevou meu nível de exigência e estimulou a
formulação adequada do pensamento.
Ao meu pai, João, por apresentar-me ao mundo da música.
Ao meu irmão, Julison, e sua esposa, Ellen, pelo providencial “quarto do profeta” durante o
ano das minhas aulas presenciais em São Paulo.
Ao Rodrigo e ao mano Raulison, por escutarem pacientemente enquanto eu discorria sobre a
pesquisa como se não houvesse amanhã. À minha irmã, Kelly Yara, pelas formatações,
quebras de páginas, impressões.
Aos professores Alberto Ikeda (UNESP) e Leonildo Campos (UMESP), por apontarem rumos
coerentes e necessários para essa pesquisa no exame de qualificação.
Aos pesquisadores que chegaram antes de mim e divulgaram seus labores em teses e livros
indispensáveis.
Ao amigo Márcio Almeida, por caronas e conversas semióticas e pelo trabalho conjunto nas
aulas.
À Deus, sempre.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Anúncio de camisetas Belttty ....................................................... 58
Figura 2 – Produtos Aroma Gospel ............................................................... 58
Figura 3 – Edir Macedo em evento da Record News .................................... 65
Figura 4 – Louvorzão FM 93 ......................................................................... 68
Figura 5 – Capa CD do grupo PraGod ........................................................... 72
Figura 6 – DJ Alpiste ..................................................................................... 72
Figura 7 – Soraya Moraes no Grammy Latino 2008 ..................................... 87
Figura 8 – Aline Barros em propaganda da Triton ........................................ 90
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Dados percentuais de religiosos no Brasil ..................................... 50
Tabela 2 – Perfil do segmento comercial gospel ............................................. 59
Tabela 3 – Interações de religião, cultura pós-moderna e música gospel ....... 74
RESUMO
A música gospel faz parte das novas atitudes e condutas evangélicas geradas na esfera das
mudanças culturais e religiosas que marcam a pós-modernidade. No estudo da música cristã
contemporânea no Brasil, esta dissertação tem o objetivo de descrever as performances e
canções dos cantores gospel e sua interação com os modelos da canção pop das mídias, e de
verificar como a cosmovisão religiosa tem estruturado a expansão do neopentecostalismo e do
mercado musical evangélico. As teorias do pós-moderno que observam a dinâmica das
relações entre religião e cultura fundamentaram a análise do campo evangélico e a área de
conhecimento dos estudos culturais auxiliou na compreensão dos processos de apropriação
religiosa do repertório pop das mídias.
Palavras-chave: canção gospel; mídia; música pop; neopentecostalismo; pós-modernidade
ABSTRACT
Gospel music is part of the new attitudes and dealings born in the sphere of cultural and
religious changes that mark postmodernity. At researching Brazilian contemporary Christian
music, we analyze the gospel performers and songs and their interaction with models of mass
media pop song, and we also study how religious worldview has been structuring the
expansion of New Pentecostalism and its musical business. The theories about postmodernity
that comprehend the relations between religion and culture have based our analysis on
evangelicalism. The Cultural Studies helped us to understand the religion appropriation
processes of media’s pop repertoire.
Keywords: gospel song; media; pop music; New Pentecostalism; postmodernity
SUMÁRIO
Introdução .....................................................................................................................1
Capítulo 1
RELIGIÃO E CULTURA PÓS-MODERNA .............................................................. 17
1.1 Teorias do pós-moderno ............................................................................18
1.2 Descentralização institucional e autonomia do sujeito ..............................23
1.3 O sagrado, a cultura do consumo e a sociedade do espetáculo ................. 28
1.4 Cultura e música na pós-modernidade .......................................................35
1.5 Religião e religiosidade pós-modernas ...................................................... 41
Capítulo 2
NEOPENTECOSTALISMO: MÍDIAS E MÚSICAS ................................................... 47
2.1 Configuração do campo neopentecostal .................................................... 48
2.2 Relativização da noção de santidade ......................................................... 53
2.3 Sacralização do consumo ............................................................................ 55
2.4 Retomada de práticas mágico-religiosas ..................................................... 60
2.5 Midiatização da religião .............................................................................. 62
2.6 Renovação litúrgico-musical ....................................................................... 69
Capítulo 3
MÚSICA POP E CANÇÃO GOSPEL ............................................................................ 76
3.1 Gospel: origens e dinâmicas .........................................................................77
3.2 Pop: ideias e conceitos ................................................................................ 84
3.3 A pentecostalização do pop .......................................................................... 86
3.4 O gospel entre músicas e marcas ................................................................. 97
3.5 Aline Barros e a canção pop-religiosa ........................................................ 100
Capítulo 4
MÚSICA PARA DIVERSÃO E SALVAÇÃO ............................................................... 129
4.1 O entretenimento santificado ....................................................................... 130
4.2 O funk, o axé e o rap na consagração da juventude ..................................... 139
4.3 Gospel nacional: discursos pré-modernos, modernos e pós-modernos ........161
Considerações Finais ........................................................................................................ 165
Referências Bibliográficas ................................................................................................ 174
Anexo A ............................................................................................................................ 182
Anexo B (produções de Aline Barros)................................................................................186
1
INTRODUÇÃO
O gospel tem se tornado um dos fenômenos culturais mais significativos do início do
século XXI. Disseminado como um estilo musical no começo do século passado, o gospel tem
transposto não apenas as fronteiras de origem norte-americana como também tem sido
devidamente globalizado pelo cristianismo contemporâneo, tornando-se marca de uma nova
cultura evangélica.
O universo do gospel não consiste apenas de músicas e letras que abordam temas
religiosos cantados por músicos cristãos em estádios brasileiros ou em praças quenianas, em
igrejas em São Luís ou em templos em Saint Louis. Nos primeiros anos do novo culo, o
gospel revela-se a estrutura da tecnologia e do mercado evangélicos que se desenvolveram em
seu entorno e, sobretudo, faz parte das novas atitudes e condutas cristãs geradas a partir das
transformações religiosas e culturais experimentadas na dinâmica da pós-modernidade.
Das igrejas pentecostais norte-americanas, com seus tradicionais corais e quartetos,
passando pelo sucesso radiofônico nas vozes de Mahalia Jackson e Elvis Presley, o gospel
chegou ao final do século XX como parte fundamental de uma indústria que se consolidava
também em outros países. Nos Estados Unidos, há uma grande indústria fonográfica que gera
impressionantes cifras financeiras capitaneadas por artistas como Michael W. Smith, Amy
Grant, Third Day e Kirk Franklin, o que levou à criação de uma seção específica denominada
Contemporary Christian Music (Música Cristã Contemporânea).
No Brasil, a música gospel, de nomes como os de Aline Barros, Kleber Lucas, Oficina
G3 e Cassiane, também tem empregado quase todos os gêneros da moderna canção popular,
enquanto o mercado musical evangélico nacional apresenta números de crescimento
exponencial.
Os artistas e empresários do mercado fonográfico evangélico, acompanhando a
tendência de divisão de espaço midiático dos estilos musicais globalizados com as culturas
musicais nacionais, passam a introduzir novas práticas litúrgico-musicais, que englobam o
pop/rock e o baião, o hip-hop e o sertanejo, o funk e a axé-music. Os artistas gospel de grande
público chamam a atenção das majors as grandes gravadoras da música pop –, o que tem
levado a canção evangélica até programas de TV seculares, como especiais de Natal,
programas de auditório e telenovelas.
Entretanto, não se pode apontar, com o risco de falta de acuidade, que o gospel
contemporâneo é menos “autêntico” ou “sacro” que o gospel tradicional ou que a lógica do
2
mercado obstrui as expectativas espirituais do público evangélico. que se ressaltar que a
funcionalidade da canção gospel está estritamente ligada às necessidades de uma comunidade,
a qual determina a funcionalidade dessa canção de acordo com certos usos e necessidades
religiosas que não se modificaram substancialmente com o passar dos anos. As canções
gospel de teor sentimental podem levar os fiéis a emocionar-se porque os fazem rememorar
experiências individuais de conversão e comunhão ou, ainda, porque a conjugação de melodia
e letra dessas músicas leva aquelas pessoas a vivenciar um sentido de esperança e segurança
nos atos divinos. Há, também, canções alegres e dançantes, que são usadas para criar um
ambiente festivo e informal por meio de estilos musicais e performances que estimulam a
expressão corporal mais livre.
1
Desde as últimas décadas do século XX, o cenário do cristianismo no Brasil tem sido
marcado pela expansão do pentecostalismo. A pesquisa Datafolha sobre a religião dos
brasileiros revela que, de 1996 a 2007, houve um declínio de católicos declarados de 74%
para 64%, um aumento de evangélicos não-pentecostais de 4% para 5%, e um crescimento de
evangélicos pentecostais de 11% para 17%.
2
.
Com origem nos Estados Unidos, mais propriamente, em 1906, o culto pentecostal
apresenta alguns sinais distintivos, como a ênfase na cura e a valorização do dom de línguas
como sinal do batismo do Espírito Santo. Por sua vez, o neopentecostalismo, além de
minimizar esses aspectos teológicos do pentecostalismo, manifesta o reprocessamento de
práticas mágico-religiosas identificadas com culturas pré-modernas e, ao mesmo tempo,
demonstra uma significativa interação com os meios de comunicação mais modernos.
3
Tais características reforçam a caracterização do neopentecostalismo como uma
religião pós-moderna de matriz cristã, considerando seu posicionamento mágico-religioso de
afastamento do chamado cristianismo da Reforma,
4
sua aproximação entre religião e
espetáculo e a maior autonomia de seus adeptos em relação aos dogmas institucionalizados.
1
Nesse caso, pode-se falar de estilos de reconhecida capacidade animogênica animogenia, segundo Gil Nuno
Vaz, é a “capacidade que a canção [...] possui de desencadear reações físico-psíquicas” (2007, p. 31). Para o
autor, a animogenia suscita valores dinamogênicos (rítmico-físicos), enquanto a logogenia estimula o
envolvimento mental e emocional (idem, p. 38).
2
Especial Religião. Folha de S. Paulo. 6 abr. 2007. Uma análise dos dados religiosos presentes nas pesquisas
nacionais pode ser conferida no artigo de Marcelo Ayres Camurça (2006) e também em Leonildo Campos
(2008).
3
A glossolalia pentecostal, ou o falar em nguas desconhecidas, é uma linguagem incompreensível identificada
como uma expressão do inconsciente e vista como um dom a ser aprendido (cf. D
ORNELES
, 2008, p. 126-128).
4
O cristianismo da Reforma “se esforçou por abolir todos os cerimoniais mágicos presentes no cristianismo
medieval” que ora aparecem nos rituais de “encosto” e “descarrego” transmitidos pela TV (M
ENDONÇA
, 2006, p.
99).
3
Na reconfiguração religiosa promovida no cristianismo, a canção gospel tem
desempenhado um papel fundamental, em que o protestantismo e o catolicismo tradicionais
perdem espaço para as denominações cristãs agregadas sob o signo do neopentecostalismo.
Os sinais da pós-modernidade, percebidos nas mais distintas áreas da sociedade, também se
revelam no campo religioso, mais precisamente na moderna canção religiosa, a canção gospel,
a qual, se ainda permanece como grande divulgadora da mensagem religiosa tradicional,
também expressa uma integração cada vez maior não somente aos estilos musicais populares
mais atuais como também aos modelos de performance vocal e visual e às estratégias de
marketing consolidadas pela indústria da música popular.
Mídia impressa, internet, programas de rádio e TV, enfim, os veículos de comunicação
de uma forma geral, têm sido utilizados pelos evangélicos para a divulgação da música
gospel. Um olhar mais atento pode perceber que a integração dos músicos cristãos na
modernidade, em especial, dos músicos neopentecostais, tem sido marcada pela adoção de
gêneros musicais de sucesso popular, como o funk, o reggae, o forró, o pagode. Esses estilos
são introduzidos pela renovação musical cristã, que se sustenta tanto na sacralização de
gêneros musicais nacionais quanto nas tendências musicais populares de massa, estrangeiras
ou não, em um processo que acompanha a globalização, a diversidade e o pluralismo da
sociedade pós-moderna.
Essa pesquisa originou-se de observações sobre o renovado campo da música cristã,
um campo que vem se tornando paulatinamente objeto de interesse acadêmico, ainda que a
música não seja o foco principal desse interesse, mas sim, seu entorno mercadológico e sua
repercussão nos modelos de cultos protestantes ou pentecostais. Os analistas que buscaram
examinar o mercado fonográfico gospel, ou as recentes atividades musicais evangélicas,
delimitaram seu enfoque nas letras das canções como um importante referente das mudanças
estilísticas ou das características da teologia gospel. Portanto, devido à formação acadêmica e,
também, aos objetivos e metodologia particulares, esses pesquisadores não se detiveram na
análise dos estilos musicais ou dos modelos cancionais.
Nessa dissertação, realiza-se uma avaliação da interação da canção gospel com a
cultura pós-moderna e a canção pop das mídias, pois o objetivo desse estudo consiste em
verificar se a cosmovisão religiosa e a cultura pós-moderna atuam como fatores determinantes
na conformação de música e letra das produções gospel, em descrever a estética multivariada
do repertório gospel nacional e em estudar a apropriação dos estilos musicais pop pelos
compositores e cantores neopentecostais.
4
Como mencionado, boa parte dos trabalhos acadêmicos que visam o estudo da música
gospel se mantém em seu entorno comunicacional e/ou em seus aspectos sociológicos. Essa
tendência conduziu o foco dessa pesquisa em direção a uma fundamentação inicial nesses
trabalhos com o intuito de investigar a similaridade entre o estilo musical gospel e os gêneros
musicais populares das mídias. Segundo Magali Cunha, o gospel é um fenômeno cultural e
religioso do mercado no qual é possível verificar “um processo de sacralização de elementos
profanos” e um empréstimo ao consumo e ao entretenimento de um status de expressão da
fé” mediados pelos canais de comunicação eletrônica (2004, p. 240). Nesse processo de
recontextualização da noção tradicional de sagrado e profano e de midiatização dos elementos
da religiosa situa-se a indústria da canção gospel e suas propostas de reformulação
litúrgico-musical.
Dessa forma, a análise das questões do novo mercado evangélico e do
desenvolvimento da dia neopentecostal é extremamente relevante na orientação inicial das
pesquisas sobre o campo do neopentecostalismo. Porém, para a análise cancional, os
conteúdos daquela primeira análise devem somar-se ao exame das letras e melodias das
canções religiosas a fim de verificar como a teologia neopentecostal se descobre em seus
modelos de elaboração musical. Assim, esse trabalho justifica-se pela sua proposta de analisar
conjugadamente as letras e estilos das canções da cultura gospel e sua aproximação em
relação às formas cancionais e aos padrões de promoção artística da indústria fonográfica
secular.
No processo de análise do material fonográfico coletado (CDs e DVDs), fez-se notória
a integração do moderno estilo gospel aos padrões da indústria da música popular nos
aspectos da produção musical e do marketing promocional, o que pode ser observado nas
performances do intérprete evangélico, em seu look pessoal (visual do artista), nos modelos de
divulgação de artistas e músicas, nas letras das canções e nos gêneros musicais empregados.
Os músicos da indústria gospel parecem realizar grande parte de suas atividades como
integrantes do universo pop, conferindo nova roupagem a uma música gospel
progressivamente influenciada pelos modelos musicais da mídia pop. A audição de CDs
permitiu uma análise detalhada dessas formas de composição e arranjo dos músicos do gospel
contemporâneo e, ainda, um estudo mais minucioso da integração letra-música de uma
canção. O suporte audiovisual do DVD possibilitou a observação da postura do intérprete no
palco, sua performance vocal e gestual, sua aparência pessoal e, além disso, propiciou a
observação da postura do público durante os shows. Os sites oficiais de cantores, bandas e
gravadoras não podem hoje ser desprezados, pois é o espaço onde os artistas falam de sua
5
história, de seus propósitos e de suas apresentações e onde as gravadoras comercializam seus
produtos musicais, revelando, assim, seus todos de publicidade. Por fim, revistas
especializadas, como Show Gospel, Up!Gospel, O Levita, entre outras, trazem entrevistas,
propaganda e orientações religiosas e comerciais a respeito da produção da indústria
fonográfica gospel no Brasil.
O expressivo crescimento do mercado de música gospelo é exclusividade brasileira.
Os Estados Unidos, além de lugar de origem do gospel, representam o mais lucrativo mercado
de um gênero que cada vez mais interessa como objeto de estudos de teólogos, antropólogos,
sociólogos e musicólogos.
5
O neopentecostalismo e suas formas litúrgico-musicais tem
progressivamente alcançado os países da África, de acordo com os estudos de Damaris
Parsitau (2007), Ezra Chitando (2002) e Paul Gifford (1999) sobre o impacto do gospel no
Quênia, no Zimbábue e em Uganda, respectivamente.
6
Assim, essa dissertação também
encontra relevância ao inserir a cultura musical protestante brasileira nos estudos
musicológicos, considerando, principalmente, o fenômeno da expansão do mercado musical
gospel no Brasil e suas formas composicionais de letra e música.
Com o objetivo de majorar a esfera de abordagem acadêmica da música gospel, esse
trabalho busca referências nos campos da sociologia da cultura, dos estudos das mídias, da
etnomusicologia, da sociologia da religião e das pesquisas que tratam da convergência entre
música e religião. As análises da cultura das mídias muito podem revelar sobre as estratégias
culturais da pós-modernidade, bem como os estudos que examinam os fatores de mudanças e
as conseqüências sociais promovidas no domínio da cultura pós-moderna globalizada, o que,
seguramente, atende aos intentos dessa dissertação quanto às aproximações entre a cultura
pop e a cultura gospel. Os estudos mais recentes de Fredric Jameson (1997, 2006), Mike
Featherstone (1995, 1997), Steven Connor (2000) e Renato Ortiz (2006) na área da sociologia
da cultura moderna podem ser relacionados aos trabalhos de Douglas Kellner (2001), Magali
Cunha (2004), Simon Frith (1998; 2007) e Heloísa Valente (2003) no campo de estudo das
mídias, sendo que os dois últimos pesquisadores demonstram maior interesse na canção
popular ou pop.
Segundo o etnomusicólogo Bruno Nettl, uma importante atribuição da música na
sociedade seria controlar e mediar o relacionamento do ser humano com a divindade ou o
5
Consultas a sites como www.questia.com, www.portaldapesquisa.com.br, ou aos arquivos de periódicos como
Black Music Research Journal e Journal of Religion and Popular Culture, revelam o crescente interesse
acadêmico no fenômeno gospel. Também é significativo que periódicos acadêmicos nacionais e latino-
americanos ainda apresentem poucos trabalhos nessa linha de pesquisa.
6
A pesquisa de Paul Gifford (op. cit) disserta sobre o cristianismo em outros países africanos além de Uganda.
6
sobrenatural (1983, p. 145-148). Nettl escreve ainda que a questão fundamental em
etnomusicologia seria a procura pelos determinantes do caráter estilístico da música de uma
sociedade (idem, p. 146). Em que pese a repercussão do campo antropológico sobre a
etnomusicologia, as considerações de Nettl podem sugerir aos pesquisadores que o estudo do
contexto religioso-filosófico de dada sociedade também auxilia na busca pelos determinantes
do estilo musical de um grupo religioso. Essa perspectiva de estudo tem incluído não apenas
as análises do sentido social da música (como os trabalhos de Christopher Ballantine e Ivo
Supicic), mas também o papel da religião na dinâmica da prática musical está merecendo
maior atenção.
7
Nessa questão, os estudos de Leonildo Campos (1997), Ricardo Mariano
(1999) e Jacqueline Dolghie (2007) no campo da sociologia da religião são bastante úteis,
principalmente porque abrangem o protestantismo e o pentecostalismo, uma vez que esses
pesquisadores avaliam os referentes e as idéias centrais e periféricas do âmbito religioso no
Brasil.
Considerando uma convergência entre as diversas perspectivas de estudo, o propósito
dessa ação interdisciplinar é reunir uma ampla base teórica que contribua para a compreensão
do desenvolvimento da música gospel nas comunidades cristãs. Dessa forma, essa dissertação
divide-se em quatro capítulos a fim de melhor delinear seu propósito de entendimento
religioso, musical e sociológico.
A pós-modernidade sinaliza um processo de fragmentação cultural e um colapso das
hierarquias simbólicas observado na “mudança em uma esfera cultural mais ampla ao
envolver modos de produção, consumo e circulação de bens simbólicos” (F
EATHERSTONE
,
1995, p. 29-30). Embora os termos “pós-modernismo” e pós-modernidade” tenham
enfrentado um desgaste conceitual, estes são ainda relevantes na indicação de traços
definidores da sociedade contemporânea.
Entre esses traços está a perda de credibilidade da universalidade das narrativas
mestras, ou metanarrativas, entre elas, a noção de progresso iluminista e a noção de redenção
cristã (A
NDERSON
, 1999, p. 39). Entretanto, a suposta crise de autoridade da religião não
implica o desaparecimento do cristianismo, “mas sim o declínio de sua centralidade enquanto
forma e instrumento hegemônico de organização social” (O
RTIZ
, 2006, p. 128).
Outra característica que marca a pós-modernidade é a substituição da ênfase na
totalidade e na unidade pelo primado do conhecimento local, do sincretismo e da diversidade
7
Cf. a bibliografia específica de Ismail Al Faruqi e Lois Al Faruqi; Daniélou, A. Ethical and Spiritual Values in
Music (1980); McAllester, D. Music as Ecumenical Force (1980); Opper, J. The Cosmological Basis of Western
Culture, 1600-1900 (1970).
7
(F
EATHERSTONE
, 1997, p. 69). As hierarquias simbólicas que prescreviam juízos de valor
foram dissolvidas, em maior ou menor grau, tornando-se inegável a presença de um discurso
de valorização da diferenciação multicultural e das identidades culturais locais.
Um terceiro traço da cultura pós-moderna revela-se na expansão e na mundialização
da cultura do consumo e do entretenimento, na qual as mídias desempenham papel ativo.
Segundo Jameson, o pós-modernismo surge como uma dominante cultural em uma sociedade
com níveis de consumo e penetração dos meios de comunicação em um grau sem precedentes
(in K
APLAN
, 1993, p. 47).
Desse modo, com o auxílio dos estudos sobre a cultura pós-moderna de Fredric
Jameson e Mike Featherstone, no primeiro capítulo dessa pesquisa serão verificadas as
significativas interações do cenário cristão-evangélico com a cultura pós-moderna, como a
crise dos relatos universalizantes e o predomínio da diversidade cultural que impactam as
relações do indivíduo com o sagrado, tendo como conseqüência a diminuição da influência
das religiões oficiais, e como a autonomia conquistada pelo indivíduo diante da hierarquia
religiosa, o que favorece a escolha de opções marcadas pela aceitação de parte dos dogmas de
uma religião institucionalizada e a rejeição de outra parte.
A ênfase no estímulo das emoções também é relacionada ao contexto da pós-
modernidade por Michel Maffesoli (1987), que nota uma maior evidência contemporânea na
emocionalidade e no cultivo de experiências sensoriais, as quais incentivariam um
reavivamento de práticas místicas pré-modernas. Nesse contexto, a proposta da renovação da
prática litúrgico-musical do cristianismo valoriza a exteriorização das emoções em detrimento
do conteúdo doutrinário da fé, visto que tal renovação encontra-se na característica
neopentecostal de busca da transcendência extática e emocional: “é que na adoração tudo é
válido: lágrimas, suspiros, gritos, cânticos e até o riso” (C
ORNWALL
, 1995, p. 101).
Considerar a música como experiência, é analisar não somente sua estética, mas sua
ética. Para Denilson Lopes, essa compreensão de ética tem a ver com modos de conduta” e
também com o questionar “em que medida a música é capaz de construir categorias que deem
uma resposta ética e estética diante do excesso de informações, de rapidez do nosso mundo”
(2003, p. 89).
No segundo capítulo, em que são empregados os estudos culturais e a Sociologia da
Religião como referenciais teóricos, procura-se entender a canção gospel contemporânea a
partir das características da cosmovisão filosófico-religiosa do neopentecostalismo orientadas
pela dinâmica da pós-modernidade. O aspecto central do livro do teólogo Wolfgang Stefani,
Música Sacra, Cultura e Adoração (2006), é o estudo da relação entre cosmovisão e os
8
determinantes do estilo de música sacra do contexto cristão ocidental. O autor correlaciona
várias pesquisas de historiadores e teólogos e perfaz uma associação com os estudos de
teóricos da música e da estética. Assim, no tocante à cosmovisão, diversos estudiosos
afirmam que esta é “um conjunto de pressuposições... que são feitas sobre a constituição
básica do mundo”, e que essa conjugação de pressuposições, ou crenças fundamentais,
desempenha um papel decisivo no pensamento e nas atividades dos seres humanos, ou ainda,
que “uma cosmovisão é uma interpretação do mundo” (S
TEFANI
, 2006, p. 40-42).
A interação entre estilo e cosmovisão é defendida por Leonard B. Meyer, que
considera que
o estilo é uma réplica do modelo, seja no comportamento humano ou nos
artefatos produzidos por este, que resulta de uma série de escolhas feitas
dentro de um campo de delimitações [...] aprendidas e adotadas como parte
das circunstâncias histórico-culturais individuais ou coletivas (Meyer, 1987,
p. 21).
O estilo seria, assim, “condicionado por fatores históricos, sociais e geográficos,
representando recursos e convenções”.
8
Stefani aponta que a atividade criadora estilística do
ser humano é definida pelo próprio pensamento humano e condicionada pelas limitações
humanas (2006, p. 43-44).
A perspectiva de conectividade entre estilo musical e cosmovisão religiosa, portanto, é
relevante para o momento de análise das canções neopentecostais, posto que se pretende
averiguar se tais canções evidenciam os sinais distintivos da visão de mundo de uma religião
pós-moderna de raiz cristã, como o neopentecostalismo.
O crescimento do pentecostalismo tem sido observado como fator preponderante na
substituição dos métodos tradicionais de evangelização por meios modernos e tecnicamente
eficazes de divulgação do evangelho. Em contraste com o culto do protestantismo histórico,
identificado com a rigidez e a solenidade, o culto pentecostal caracteriza-se pela
informalidade e pela liberdade às expressões emotivas, propiciando catarse individual e
coletiva. Estas considerações estão referenciadas no estudo de Vanderlei Dorneles (2008) em
que o autor distingue o êxtase pentecostal como vetor de interação entre a pós-modernidade e
o culto primitivo. Ressalte-se, também, a bibliografia que fundamenta a pesquisa de Dorneles
e que serve de apoio a esta dissertação.
De acordo com Leonildo Campos, o pentecostalismo tem manifestado na sua liturgia
uma grande proximidade entre religião e espetáculo, com pouca distinção “entre culto e
8
Cf. Grove Music Online, verbete “Style”. Disponível em <oxformusiconline.com>. Acesso em 16 out. 2008.
9
teatro, espetáculo de auditório e manifestação sagrada, [...]” (1997, p. 68-69). O caráter
espetacular da religião, particularmente o neopentecostalismo com seus rituais de cura e
exorcismo, tem sido exacerbado pela cultura midiática do espetáculo. A forte presença
evangélica pentecostal no rádio e na TV tem contribuído para uma crescente
“espetacularização da fé”, o que, por um lado, relativiza, ou renova, a noção do sagrado para
as gerações contemporâneas e, por outro lado, parece diminuir ou vulgarizar a aura tradicional
do sagrado cristão.
Telepastores, teleapresentadores, telespectadores: a midiatização da religião apresenta
uma reconfiguração das relações sociais no campo religioso, em que se nota a preponderância
de pastores/bispos/apóstolos carismáticos da pregação midiatizada, a transformação de
pastores em âncoras” de programas de entrevistas e debates da TV e o surgimento de
artistas-apresentadores de clipes musicais ou de programas de apelo jovem ou infantil –
homens e mulheres que se dirigem ao público-alvo do consumo de bens simbólicos da
religião.
Outros estudos também contribuem para o entendimento de uma relação entre a
cosmovisão religiosa do neopentecostalismo, de menor sujeição às tradições e dogmas, e seu
estilo litúrgico-musical, de forte aproximação com a cultura musical popular urbana.
Enquanto Leonildo Campos focaliza uma integração do neopentecostalismo às técnicas
mercadológicas, Magali Cunha (2004, p. 276) entende que o gospel atende às características
de relativização do conceito de santidade protestante, o que determinaria a integração das
escolhas estéticas do universo gospel ao mundo pop da música.
Por sua vez, Antônio Gouvêa Mendonça (2006, p. 107), ao levantar algumas hipóteses
que explicariam o crescimento das igrejas neopentecostais, a saber, “a atração simbólica de
um sagrado mais livre e a característica popular que lhes permite uma melhor inserção no
cotidiano”, oferece algumas orientações na busca de compreensão de uma renovação musical
cristã cujas propostas estariam permeadas por uma sacralização de gêneros mais populares e
seculares.
Após a descrição das características da pós-modernidade, como observadas
globalmente nas modificações dos campos social, cultural e religioso, e a contextualização do
neopentecostalismo na cultura pós-moderna, o foco de investigação dirige-se para a
consolidação da canção gospel no Brasil dos primeiros anos do século XXI, não sem antes
recapitular, de forma breve, o cenário raiz das práticas litúrgico-musicais dos pentecostais
estadunidenses no final do século XIX.
10
A nova tipologia sacro-musical pentecostal, o gospel, tanto em seu país de origem, os
Estados Unidos, quanto no Brasil, é o objeto de estudo do terceiro capítulo dessa dissertação.
Contudo, enquanto a coleta de material bibliográfico sobre o gospel nos Estados Unidos esteja
facilitada pela enorme quantidade de publicações existentes, disponível tanto em bibliotecas
de universidades públicas e particulares como em diversos sites de pesquisa autorizada, a
análise historiográfica da canção gospel no Brasil é um assunto tocado ainda
tangencialmente.
9
O estudioso da música gospel Don Cusic (1990, p. 1) divide a canção gospel em duas
partes distintas, porém complementares: o black gospel e o white gospel. Ele prossegue
escrevendo que o black gospel pode ser de estilo tradicional, como os conhecidos cânticos
corais das igrejas pentecostais afro-americanas; ou de estilo contemporâneo, similar à black
music popular das dios e TVs. O estilo musical do black gospel estaria relacionado
ritmicamente à cultura dos escravos negros nos Estados Unidos, mas boa parte de suas
melodias e letras teriam influência da tradição de baladas e hinos ingleses (idem, p. 85-86).
Por sua vez, o white gospel estaria repartido em três categorias: o southern gospel das regiões
do sul dos Estados Unidos, onde a música country tem grande influência; o inspirational ou
church music, destinado ao serviço litúrgico das igrejas; e a música cristã contemporânea
(contemporary christian music), de canções da cultura popular com letras religiosas (idem, p.
1).
Além de descrever minuciosamente as origens pentecostais do gospel e sua inserção
na indústria fonográfica, Cusic nota que o estilo gospel não recusa as influências do universo
da música pop (idem, p. 218). Ele também escreve que o gospel envolve toda forma musical,
do heavy-metal ao light rock, do country ao jazz, da dance music às canções de adoração
(idem, p. 219). Pode-se notar, assim, que a renovação da música evangélica norte-americana
encontra um panorama semelhante no universo da música gospel produzida no Brasil quanto
ao seu vínculo pentecostal e quanto a sua segmentação musical segundo os modelos da
indústria da música pop.
Quanto às práticas litúrgico-musicais do carismatismo católico no Brasil, recorre-se
aos estudos de Brenda Carranza (2005) e André Ricardo de Souza (2005), enquanto a música
evangélica pentecostal será mais referenciada a partir das teses de Jacqueline Dolghie (2007)
9
As pesquisas realizadas em bibliotecas de universidades públicas e particulares brasileiras (USP, UNESP,
UFRJ, UFPR, UFRGS, Universidade Metodista SP, PUC PR, PUC SP) revelam que o tópico “música
gospel” é um objeto de estudo cada vez mais considerado em dissertações e teses. Nota-se também que o assunto
tem sido menos observado pelos programas de pós-graduação em Musicologia do que pelos programas de
mestrado e doutorado em Ciências da Religião, Sociologia da Religião e Comunicação.
11
e Magali Cunha (2004; 2007), sendo que estas duas pesquisadoras abordam a gênese da
canção protestante nacional. Dolghie e Cunha efetuam uma periodização das canções da
música sacra evangélica no Brasil, traçando um painel desde a inserção da tipologia musical
protestante americana, a qual desconsiderava a música autóctone brasileira, passando pela
época dos corinhos e cânticos a partir das décadas de 50 e 60 do século XX, quando os
primeiros caracteres dos estilos populares nacionais tiveram lugar nas canções protestantes e
pentecostais, e chegam até a música gospel brasileira produzida a partir dos anos 1980.
Assim, o gênero musical gospel, originariamente um tipo de canção religiosa de
movimentos avivalistas norte-americanos do final do século XIX, deixa de pertencer à esfera
estritamente musical para designar uma cultura, a cultura gospel. Dentre as características da
cultura gospel no Brasil, como apontadas por Cunha, estão: a inserção do cristianismo na
modernidade por meio da sacralização do consumo e da intervenção midiática; a sacralização
de gêneros musicais populares brasileiros; e, o emprego de práticas avivalistas pentecostais,
como a ênfase na externalização da emoção nas reuniões coletivas (2004, p.276).
A canção gospel moderna, elemento primordial das novas práticas litúrgicas ou de
“adoração” e “louvor”, tem demonstrado atender não somente às demandas espirituais e
emocionais, como também às exigências do mercado. Esse será o objeto de estudo do terceiro
capítulo, no qual examina-se a interação entre a canção gospel e a canção pop das dias,
10
notando-se uma similaridade entre ambas as formas de elaboração composicional e
divulgação comercial.
Entre os modelos estudados que denotam a convergência neopentecostal em relação
às estratégias de marketing e competitividade da indústria fonográfica secular está a criação
de troféus e prêmios (como o Dove Awards nos Estados Unidos e o Troféu Talento no
Brasil) concedidos aos “melhores do ano” em diversas categorias gospel (revelação, cantor,
cantora, álbum de rock, louvor e adoração, infantil etc). De outro lado, as gravadoras e os
conglomerados do mercado pop abrem espaço para a música gospel ao introduzir categorias
de prêmios exclusivos para a música evangélica, como o Grammy Awards, que tem laureado a
música gospel desde a edição de 1961.
Embora o acesso às informações sobre os números reais de vendagem de CDs e
DVDs de cantores evangélicos e seculares esteja restrito aos órgãos de arrecadação de direitos
10
A terminologia no plural de mídia é justificada por Lúcia Santaella, em A Cultura das dias: (...) O que se
pretende pôr em relevo são justamente os traços diferenciais e sui generis, quase idiossincráticos, de cada dia
individual, para caracterizar a cultura que nasce nos trânsitos, intercâmbios, fricções e misturas entre os
diferentes meios de comunicação, produzindo, como conseqüência um movimento constante de culturas, eruditas
e populares, assim como nos processos de produção e recepção das culturas de massas” (S
ANTAELLA
, 1996, p.
24).
12
autorais, à Associação dos Produtores Brasileiros de Discos (APBD) e às gravadoras e
produtoras, a divulgação de números acumulados de vendas e a quantidade de discos de ouro
e platina dão a dimensão do mercado discográfico evangélico. Sabe-se, porém, que a indústria
da música atua em operações de risco financeiro e, apesar do planejamento do circuito de
gravação-execução-divulgação de um álbum, ignora-se o futuro de sucesso ou fracasso de
uma produção, mesmo que seja de um artista reconhecidamente catalisador de alta
lucratividade. Essa situação pode gerar a publicidade de números hiperinflados com o intuito
de promover este ou aquele artista, mesmo que tal ação nem sempre possa determinar a
aceitação inconteste por parte do público consumidor.
A título de elucidação, vale ressaltar que, em lugar de termos mais conhecidos, como
“canção popular” ou canção pop”, Heloísa Valente emprega o termo “canção das mídias”
para tratar da canção nascida “no âmbito de uma sociedade dominada pelos meios de
comunicação de massa (as mídias)”. A canção das dias seria uma canção composta,
executada, difundida e recebida conforme as técnicas audiovisuais em voga e condicionada à
esfera político-econômica das gravadoras (2003, p. 61). Dessa forma, a canção gospel parece
demonstrar grande integração e similaridade com os modelos da canção das mídias por suas
características semelhantes no que diz respeito às formas de elaboração cancional, de
execução artística, de difusão comercial e midiática e de recepção pública determinadas
também (e não apenas) pela hegemonia de um lucrativo mercado fonográfico.
Em pesquisas dessa ordem, vale perguntar pelos músicos da renovação musical cristã
e também pelo público, o qual parece ser reclassificado pela indústria gospel como, além de
fiel, aficionado e consumidor. Essa constatação o afirma que o novo contexto cultural e
religioso esteja transformando o fiel em um autômato consumista ou em um hipnotizado. É
preciso cautela em relação à observação dos modos de recepção diferenciados do público
evangélico, a fim de não incorrer em generalizações simplistas e unidimensionais.
Entretanto, é válido examinar os novos critérios e demandas litúrgico-musicais com o
intuito de verificar o grau de associação das gravadoras e igrejas neopentecostais com uma
cultura midiática em que o entretenimento parece ser o elemento dominante, como denotam a
reprodução de modelos pop de marketing de artistas e a menor atenção concedida aos
conteúdos dos estudos teológicos e do conhecimento doutrinário.
Sem irrelevar a repercussão das mídias nas atividades musicais de uma subcultura
jovem e nem superestimar a força das operações publicitárias das companhias fonográficas,
autores que assinalam que o significado de uma canção não se encontra somente na sua
estrutura sonora.
13
Nenhuma canção popular de sucesso existe isoladamente; ela está situada em
uma complexa rede associações e conexões de rios tipos com elementos
musicais (bem como verbais e culturais) de amplas e diversas origens. O
significado de um elemento musical particular não repousa tanto no quê ela é
como no onde ela está seu alocamento particular ao longo de várias linhas
de associação e diferenciação (WINKLER, 2000, p. 32).
Se o título dessa dissertação enuncia a equivalência entre gospel e pop, é porque o
campo musical neopentecostal revela-se em plena atuação interativa com o pólo musical pop
secular, o que ratifica a metodologia analítica fundamentada na recente musicologia que
estuda os textos e os contextos da canção popular das mídias.
Segundo Middleton, a “nova musicologia” do pop está atenta às necessidades de se
configurar novos modelos de análise da harmonia, do timbre, do ritmo e das inflexões
sonoras, e de relacionar as texturas e formas a sua função genérica e social (2000, p. 4).
A musicologia desenvolvida no campo acadêmico ainda tem dificuldades com a
análise do texto pop. O uso de terminologia inadequada, como a tendência de depreciar a
linha melódica da canção com termos como melodia primitiva e repetitiva, o método de
análise centrado na notação, a redução do significado da canção ao efeito de sua estrutura
musical, “ignorando aspectos emocionais e corporais”, e a validação unilateral da audição do
pesquisador paralela ao “descarte da variação de leituras aurais” são alguns dos entraves do
“estilo antigo de musicologia” listados por Richard Middleton (id. ibid.).
Há, também, o fator consumo juvenil e recepção midiática, ainda relacionado por
diversos pesquisadores ao surgimento de sujeitos passivos cantando e dançando ao som e à
sombra de uma onipotente indústria musical.
O notável crescimento do campo neopentecostal no Brasil está ligado aos traços da
cultura gospel e sua visão teológica, mas também está aliado ao desenvolvimento das mídias
evangélicas no país, as quais seriam as grandes fomentadoras de uma teologia que enfatiza o
valor superior do louvor e da adoração no culto” (C
UNHA
, 2004, p. 117). Como conseqüências
desse processo, Magali Cunha cita a modernização tecnológica que acompanha o canto
congregacional, a apresentação de danças ou expressões corporais na liturgia, a proeminência
das rádios e de outras mídias (programas de clipes musicais, revistas) evangélicas e a
divulgação dos artistas gospel nos moldes dos artistas da indústria da cultura pop (idem, p.
117-118).
Essa parte do trabalho encerra-se com a avaliação do aperfeiçoamento da capacidade
de comunicabilidade religiosa e sua potencialização do status midiático, sendo a trajetória
musical de Aline Barros o corolário da síntese entre evangelismo e mídia. No entender de
14
Carranza, a “fusão da aura midiática com a religiosa” seria capaz de ressignificar as
“aspirações do divino, expressas culturalmente, nos fiéis transformados em fãs” (2006, p. 79).
As diversificadas imagens e sons da música cristã brasileira têm na cantora e pastora
Aline Barros uma representante significativa. Por causa de seus recordes de vendas e
premiações, por ser convidada para eventos pentecostais internacionais, pela sua inserção no
mercado evangélico de língua espanhola, por seu trânsito na mídia secular (entrevistas,
amizade com celebridades, canção em telenovela), por tais razões, enfim, Aline Barros pode
ser considerada como o nome de maior destaque da música gospel brasileira.
Suas produções dedicadas ao público infantil e seus álbuns no estilo louvor e adoração
mereceram, nessa pesquisa, um olhar mais acurado, haja vista a variação de estilos musicais
que apresentam. Seus DVDs também foram observados, posto que revelam a performance
vocal e gestual da cantora durante as apresentações.
As inflexões vocais de Aline Barros (e de alguns cantores selecionados, como Ana
Paula Valadão, Andréa Fontes, os cantores de rap gospel) são estudadas com o propósito de
perscutar o sentido da voz cantada e falada para o público. O domínio do timbre, as súbitas
mudanças de altura e a verbalização de palavras de comando “tire o do chão”, “cante
comigo”, “receba a benção agora” etc são elementos da performance que o podem passar
desapercebidos, assim como os arranjos musicais, quem papel preponderante na construção
da estética final da canção.
As letras são especialmente importantes no estudo da canção evangélica em face das
afirmações de cancionistas e cantores de que a mensagem essencial do gospel está nos versos
das estrofes e refrões; o nero musical escolhido seria apenas um meio de expressão pessoal
e um veículo estratégico de evangelizar diferentes grupos sociais.
As temáticas predominantes da exegese pentecostal estão nas letras das canções
gospel: a cura, o milagre, a guerra espiritual, a prosperidade e a unção do Espírito Santo.
Novos temas têm sido enfatizados, como a castidade pré-conjugal e o santuário hebraico do
Velho Testamento. A relação entre as letras e a cosmovisão neopentecostal continuará a ser
avaliada no quarto capítulo, no qual aprofunda-se a discussão a respeito das estratégias do
evangelismo direcionado às faixas etárias jovens.
Na primeira parte desse capítulo, a organização de eventos como baladas gospel e
cristotecas será mais detalhada quanto aos estilos musicais predominantes e quanto às
atividades programadas habitualmente para essas festas. O surgimento de espaços informais
de reunião mais intimista da comunidade cristã também está no centro das descrições das
novas atitudes dos evangélicos.
15
Durante a pesquisa, observou-se que os locais destinados para as festas e baladas são
um ponto de atração da juventude e que gêneros musicais como o funk, o rap e o axé-pop
ganham letra religiosa e funcionam como elementos animogênicos nos eventos gospel em que
a dança é bastante estimulada.
Nesse ponto do trabalho, irá abrir-se espaço para uma breve comparação do
movimento neopentecostal com as mudanças promovidas pelo carismatismo católico.
Carranza delineia alguns caracteres que os aproximam, posto que ambos “ancoram sua
eficácia simbólica nas promessas religiosas” e parecem compartilhar a mesma necessidade
de se firmar institucionalmente perante a sociedade” e perante a própria comunidade religiosa
(2005, p. 142).
A aproximação das estratégias de afirmação social e eficácia religiosa também parece
gerar uma similaridade nas produções musicais de pentecostais e católicos, o que tem
viabilizado o surgimento de megaeventos e de danceterias cristianizadas” e o aparecimento
de estrelas católicas do axé-pop e astros evangélicos do funk.
A diversificação dos estilos na canção gospel valoriza a identidade musical local,
como o pagode, das bandas Tempero do Mundo e pra te Abençoar; o forró, das bandas
Coração Ardente e Oxente; e axé-music, da banda Tambores Remidos. espaço também
para os estilos musicais internacionais ou supranacionais, como o pop/rock das bandas
Oficina G3, Catedral e Novo Som, além do rap do grupo Ao Cubo, o funk do grupo Os
Arrebatados, e o reggae de bandas como Primicia Roots e Raízes do Heloí.
No quarto capítulo apresenta-se uma descrição dos gêneros funk, axé-pop e rap,
notadamente nos álbuns e performances de Adriano Gospel Funk, da cantora católica Jake e
do grupo de hip hop Ao Cubo. O critério de escolha desses artistas guiou-se pelos grupos
musicais de maior renome junto ao público, ou seja, os estilos e os nomes de maior sucesso,
ou mais representativos, da indústria fonográfica gospel entre 2000 e 2007. As informações
obtidas em revistas evangélicas e sites especializados (Supergospel, Casagospel, Gospelmusic
Café) são de grande valia na obtenção de dados que permitam eleger músicos de maior
repercussão. Tal escolha segue a linha de abordagem que visa a compreender como os
aspectos musicais e extramusicais do gospel corroboram uma assimilação das normas de
composição, exibição e divulgação das canções pop das mídias.
No desenvolvimento de novas práticas litúrgicas, o papel da música gospel é
fundamental. Não somente porque a música pode facilitar a busca pelo êxtase espiritual ou
pelo ambiente litúrgico festivo, mas também por sua apropriação, pela indústria fonográfica
16
neopentecostal, como recurso de sobrevivência mercadológica e propagação dos conteúdos
cristãos na pós-modernidade.
A noção de apropriação será útil para compreender a ação de recontextualização de um
dado repertório (como o pop) acionada pelos cancionistas gospel, que reordenam os símbolos
e significados das canções das mídias, as quais passariam a comunicar um sentido e uma
função diferentes do contexto de origem.
Embora os defensores da renovação gospel apresentem o conceito de apropriação, ou
de adequação litúrgico-musical, como um procedimento histórico do cristianismo, um exame
mais acurado revelará que as condições sócio-culturais eram diferentes assim como os meios
de produção musical eram distintos. Essa questão é levantada em vista da dicotomia que
marca a discussão sobre a sica cristã contemporânea: o gospel pode ser entendido como
um agente de continuidade do fator inovação, um fator caro ao dinamismo dessa música, ou o
gospel marca uma ruptura institucional e adota a inovação como fator de funcionalidade
evangelística e atração comercial?
Assim, enquanto nos primeiros capítulos verifica-se como a cosmovisão religiosa
condiciona o estilo sacro-musical dos cantores neopentecostais, o terceiro e o quarto capítulos
examinam uma conectividade entre a cultura musical gospel e a cultura pop das mídias, a fim
de revelar padrões de similaridade e apropriação nas formas de elaboração poético-melódica
das canções gospel.
Por fim, é notório que o aporte de áreas de estudo das mídias, da musicologia e da
sociologia da religião está longe de esgotar as perspectivas de compreensão da canção gospel.
Não obstante, essa dissertação se dirige aos leitores interessados na dinâmica da música cristã
contemporânea e, em particular, aos pesquisadores da música gospel e das culturas protestante
e neopentecostal no Brasil, com a pergunta que se acentuou durante a pesquisa: o gospel é
pop?
17
CAPÍTULO 1
RELIGIÃO E CULTURA PÓS-MODERNA
Música e religião têm mantido um relacionamento que remonta aos cultos das culturas
mais antigas. Dos serviços litúrgicos no templo judaico no período antes de Cristo ao canto
velado da igreja cristã primitiva, do coral católico gregoriano ao coral luterano da Reforma,
da hinologia protestante americana no século XIX às variações pop do gospel contemporâneo,
a música tem sido uma expressão da comunhão e da comunidade cristãs. De acordo com
Bruno Nettl, uma das principais funções da música na sociedade seria controlar e mediar o
relacionamento do ser humano com a divindade ou o sobrenatural (1983, p. 145-148). No
cristianismo moderno, a música também serve como elo de comunicação entre os cristãos e
Deus, além de contribuir para a criação de um ambiente apropriado para a expressão de
adoração e emoção coletivas. Nos momentos de louvor e adoração das igrejas cristãs são
reveladas diversas formas de expressão musical que atenderiam aos padrões culturais e
religiosos dos fiéis presentes nos templos e em outros locais reservados para apresentações
musicais. É importante dizer que, por mais variados que sejam os estilos de música, sua
produção deve expressar um sentido singular para os adoradores presentes.
Essa música é portadora do conteúdo doutrinário específico de uma denominação ao
comunicar, por meio de suas letras, aspectos da vida e da teologia cristãs, entretanto, o estilo
musical também pode manifestar características representativas da interpretação teológica de
um dado grupo religioso. Para Lois Al Faruqi, as idéias religiosas “têm moldado de maneiras
sutis o conteúdo, bem como a forma da herança musical de uma cultura” (1975, p. 1). A
autora considera que a influência da religião “afeta igualmente a expressão musical que forma
um componente da vida institucional religiosa daquela cultura assim como a música de
natureza não-religiosa ou secular” (idem, ibidem).
Segundo Alan Merriam, os conceitos em relação às fontes de onde se atribui a
proveniência da música têm grande importância na formatação de um sistema musical. A ação
sobrenatural ou a criatividade humana são enfatizadas em diferentes níveis e podem afetar as
mudanças no estilo e as formas de elaboração criativa (1964, p. 80). Em que pese a
repercussão do campo antropológico sobre os estudos da religião (R
IBEIRO
, 2007) e sobre a
etnomusicologia (H
ERBERT
, 2007), a análise do contexto religioso-filosófico de dada
18
sociedade também auxilia na busca pelos determinantes ou condicionantes do estilo musical
de um grupo religioso.
O neopentecostalismo, uma denominação evangélica que desponta no século XXI
como um fenômeno de expansão religiosa, é marcado pela ênfase no emocionalismo de suas
práticas litúrgicas e pela adoção eficiente de técnicas mercadológicas na divulgação de sua
mensagem. Seus referentes teológicos, que reúnem bases protestantes e pentecostais, além de
uma aproximação com práticas mágicas afastadas do cristianismo desde a Reforma, e seu
formidável crescimento em todas as classes sociais, têm sido objeto de “interesse especial de
antropólogos e sociólogos da religião” (R
IBEIRO
, 2007, p. 123).
O estudo da canção gospel, uma música interpretada por cantores cristãos e que lida
com temas cristãos, poderá revelar a cosmovisão religiosa neopentecostal, isto é, a maneira
própria dos neopentecostais de interpretar a religião. Essa possibilidade pode ser investigada a
partir da interrelação dos campos da sociologia da religião e dos estudos culturais com a
análise do contexto teológico-religioso do neopentecostalismo, observados também em
trabalhos que perfazem uma convergência entre música e teologia.
Para tanto, a primeira metade dessa dissertação obedece a seguinte divisão: o primeiro
capítulo abordará a conceituação de pós-modernidade, procurando fixar as características
mais representativas da cultura pós-moderna e sua repercussão nas instituições religiosas,
posto que as teorias do pós-moderno ressaltam as implicações do pensamento contemporâneo
sobre a noção do sagrado. No segundo capítulo, será analisada a configuração da cultura
gospel, oriunda das interações da interpretação teológica do neopentecostalismo com a cultura
pós-moderna, a fim de atender a um dos objetivos dessa pesquisa que é averiguar como a
cosmovisão neopentecostal pode ser determinante para as escolhas estéticas dos compositores
do gospel brasileiro.
1.1 Teorias do pós-moderno
Apesar do grande número de estudos sobre o fenômeno conhecido como pós-
modernismo, ainda não se chegou a um significado consensual para o termo, cuja família
léxica inclui também os termos pós-modernização” e pós-modernidade”. Sua própria
existência enquanto conceito é questionada, e sua validade, enquanto categoria de definição
da sociedade contemporânea, está sujeita a uma variação interminável de discussões e
abordagens. Assim, o universo social, cultural e econômico que se configurou após a II
19
Guerra Mundial tem sido também rotulado como “hipermodernidade” (Lipovetsky),
“modernidade tardia” ou “reflexiva” (Giddens), “sociedade pós-industrial” (De Masi) ou
“sociedade do espetáculo” (Debord).
As origens do termo remontam a 1934, quando Federico de Onís utilizou o termo
“pós-modernismo” como descrição de uma reação sem muita importância ao modernismo.
Toynbee, em 1947, cunhou o termo “pós-modernidade” para assinalar uma nova etapa na
civilização ocidental. Mais tarde, na década de 60, houve um uso artístico do termo para
designar um movimento para além do alto modernismo “esgotado”, enquanto na década
seguinte o termo foi relacionado às transformações promovidas na arquitetura, nas artes
visuais e na música.
11
Segundo Perry Anderson, “o pós-modernismo surgiu como um dominante cultural nas
sociedades capitalistas de riqueza sem precedentes e com índices bastante elevados de
consumo” (1999, p. 139). Dessa forma, a teoria do pós-modernismo chama a atenção para
mudanças que vêm ocorrendo na cultura contemporânea. Essas mudanças podem ser
compreendidas em termos de:
1) modificações nos campos artísticos, intelectuais e acadêmicos;
2) mudança na esfera cultural mais ampla, envolvendo novos modos de produção,
consumo e circulação de bens simbólicos;
3) mudanças nas práticas e experiências cotidianas de diferentes grupos que, em
decorrência dos processos mencionados, usam regimes de significação de diferentes maneiras
e estar desenvolvendo novos meios de orientação e estruturas de identidade (F
EATHERSTONE
,
1995, pp. 29-30).
Pergunta-se, nesse ponto: quando e de onde partiram os sinais do declínio da
modernidade a fim de que um novo ciclo fosse indicado?
Fredric Jameson aponta um sentimento geral de que, em algum momento do pós-
guerra, um novo tipo de sociedade começou a emergir” (2006, p. 43). Esta sociedade revela
alguns traços que marcam uma ruptura radical com a sociedade do pré-guerra, principalmente
no que se refere aos novos tipos de consumo: a obsolescência planejada, que interfere no
ritmo cada vez mais veloz de mudanças na moda e no estilo; a penetração da propaganda, da
11
Para maior aprofundamento sobre as origens do termo, cf. A
NDERSON
, Perry. As origens da pós-modernidade.
Rio de Janeiro: Zahar, 1999; G
IDDENS
, Anthony. As conseqüências da modernidade. o Paulo: Ed. Unesp,
1991.
20
TV e dos meios de comunicação em um nível sem precedentes em toda a sociedade; a
substituição da velha tensão entre cidade e campo pela periferia e pela padronização
universal.
Jean-François Lyotard, em seu livro pioneiro na discussão do pós-modernismo, A
Condição Pós-Moderna, assinala um ponto significativo que indicaria um novo ciclo: a perda
da credibilidade das metanarrativas, ou as grandes narrativas totalizantes como as noções de
redenção cristã e de progresso iluminista. Essa crise dos conceitos absolutos e universais se
daria por meio de uma pluralização de argumentos, com a proliferação do paradoxo e do
paralogístico, e pela legitimação da eficiência promovida pelo Estado ou pelo capital, que
somente validaria as narrativas por um princípio de desempenho (A
NDERSON
, 1999, pp. 32-
33).
De fato, após as grandes guerras mundiais da primeira metade do século XX, houve
um desencanto generalizado em relação ao desempenho tecnológico e econômico da ciência,
quando esta, a partir do Iluminismo, prometia atender tanto às aspirações de igualitarismo
social quanto aos anseios humanistas e espirituais. Porém, nem o Iluminismo nem o
Marxismo e nem o Cristianismo teriam resistido solidamente ao ímpeto da pós-modernidade.
Para Lyotard, essas grandes narrativas cessaram de “modelar as formas reais da vida social,
política, econômica e cultural” (1993, p. 32). Para Yves Boisvert, a invalidação dos
metarrelatos ocorre face à diversidade da realidade e o despontar de uma multiplicidade de
pequenos relatos, o que constituiria a afirmação de circunstâncias e saberes particulares sobre
o relato histórico totalizante (apud H
OUTARD
, 2003, p. 100). Desse modo, a própria noção de
pós-modernismo acaba por cumprir um papel de grande narrativa explicadora do mundo,
posto que um olhar atento à sociedade atual parece revelar uma retomada da narrativa
universal na forma do fundamentalismo islâmico, do neopentecostalismo terceiro-mundista,
da globalização, do triunfo do mercado e dos pequenos relatos.
Um tema caro ao pós-modernismo, segundo Jameson, é a autonomia da cultura. Para o
autor, a expansão da cultura é tamanha que, “tudo em nossa vida social do valor econômico
e do poder do Estado às práticas e à própria estrutura da psique pode ser considerado como
cultural” (J
AMESON
, 1997, p. 74). Contudo, “a reestruturação social do capitalismo tardio
como um sistema” seria a causa das mudanças na própria cultura (idem, p. 72). Assim, a
expansão da cultura e da mercantilização, ao pervadir as áreas política e econômica, dilui as
fronteiras entre esses campos ao fazer do cultural, econômico, ao mesmo tempo em que
transforma o econômico em tantas formas de cultura (J
AMESON
, 2006).
21
Nesse ponto, Jameson nota uma aculturação da vida cotidiana e social, o que
justificaria as descrições apocalípticas de uma sociedade do espetáculo ou da imagem, como
sugeridas por Guy Debord (1997) e Jean Baudrillard (1991). Estaria em curso, portanto, uma
estetização da vida cotidiana abolindo as fronteiras entre arte e vida. A divulgação infindável
de signos e imagens daria impulso a uma cultura do consumo promotora de uma indistinção
entre aparência e realidade. De acordo com o pensamento de Jameson, o pseudoesteticismo
contemporâneo é uma manobra ideológica e não um recurso criativo:
(...) o que caracteriza a s-modernidade na área cultural é a supressão de
tudo o que havia de exterior à cultura comercial, a sua absorção de todas as
formas de arte, altas e baixas, junto com a própria produção de imagens. A
imagem é a mercadoria hoje e é por isso que se tornou vão esperar dela uma
negação da lógica da produção de mercadorias (2006, p. 216).
Uma das características mais evidentes do pós-modernismo é a fragmentação da
cultura e do sujeito contemporâneos. O indivíduo pós-moderno teria seu senso de unidade
trocado por um sentido de multiplicidade e diferenciação, o que significaria que o sujeito está
deslocado do senso de pertencimento a uma unidade absoluta e relaciona-se com a variedade
e a diferença igualmente absolutas. Essa nova realidade produz uma oferta simultânea de
opções filosóficas, estéticas, religiosas, culturais e políticas criando um “cenário em que a
sincronia toma o lugar da diacronia, a co-presença toma o lugar da sucessão e o presente
perpétuo toma o lugar da história” (
BAUMAN
, 1998, p.127).
Esse cenário, onde o mais importante é o presente, implicaria na constante informação
sobre muitos assuntos, em relações efêmeras (L
IPOVETSKY
, 2005) ou líquidas (B
AUMAN
,
2005) e na formação de grupos ocasionais (M
AFFESOLI
, 1987). Tal situação reforçaria a
liberdade individual e a busca por independência enquanto marcas da pós-modernidade
(B
AUMAN
, 1998). Essa variedade de opções e reivindicações de direito, aliás, é que
proporcionaria a liberdade, de forma a desenvolver uma moral sem sanções, em que haveria
“mais escolhas que obrigações” (H
OUTARD
, 2003, p. 104). Todavia, Mike Featherstone avalia
que o efeito do pós-modernismo traduz-se em uma
ruptura do senso de identidade do indivíduo, por meio do bombardeamento
de signos e imagens fragmentadas, que corroem todo o senso de
continuidade entre o passado, o presente e o futuro, e toda crença teleológica
de que a vida é um projeto com um significado. (...) ele
[o indivíduo] é
incapaz de encadear os significados, precisando, assim, enfocar
determinadas experiências ou imagens desconectadas, que proporcionam um
senso de intensa imersão e imediatismo, a ponto de excluir todas as
preocupações teleológicas mais amplas
(F
EATHERSTONE
, 1997, p. 69)
.
22
No cerne da teoria pós-moderna, portanto, está a análise da diluição das fronteiras
entre os campos cultural, social e econômico. Algumas análises identificam o obscurecimento
dos limites entre essas áreas considerando-as sob impacto de um afastamento do
universalismo cultural (Lyotard), de uma lógica do capitalismo tardio (Jameson) e de uma
procura por autonomia e liberdade individual (Bauman). Isto permite relacionar as
características mais visíveis e propaladas pelas teorias do pós-moderno:
1) perda da credibilidade nas metanarrativas, em que o primado do conhecimento
local, do sincretismo e da diversidade substitui a ênfase antes proporcionada à totalidade e à
unidade;
2) diluição das hierarquias simbólicas que contém juízos de valor, o que
permitiria a dissolução da dicotomia entre as categorias de cultura (superior/inferior, alta
cultura/baixa cultura, erudita-culta/popular-vulgar);
3) estetização da vida cotidiana, em que a expansão da cultura de consumo
dissolve as fronteiras entre arte e vida, aparência e realidade;
4) fragmentação do sujeito vinculada à superexposição de signos e imagens
identificadas com a cultura das mídias e à exacerbação do ecletismo cultural;
5) crise da consciência histórica revelada na sincronia de tradições e na busca de
autonomia individual.
O pós-modernismo pode ser entendido como um modo de compreender a sociedade
atual, uma maneira de apreender as transformações visíveis na sociedade contemporânea.
Globalmente, o pós-modernismo é abordado como uma perspectiva de julgamento moral das
sociedades, sobretudo ocidentais, dos últimos 50 anos, seja este um juízo positivo ou
negativo. Fredric Jameson observa este pensamento comum sobre os estudos pós-modernos e
acrescenta que as teorias sobre a pós-modernidade também são uma tentativa genuinamente
dialética de se pensar nosso tempo presente na história” (1997, p. 72). Essa apreensão do
contemporâneo dar-se-ia na medida em que se recusa o hiato entre experiência e
conhecimento, entre os conceitos de “transiência e fixidez” (C
ONNOR
, 2000, p. 11). Por
conseguinte, ainda que não haja postos de observação seguramente afastados”, a
interpretação da sociedade na ótica do pós-modernismo caracteriza um momento de presença
da autoconsciência na experiência e uma busca de compreensão do homem contemporâneo no
momento presente (idem, p. 13).
23
Para Anderson, “o projeto iluminista da modernidade” enunciava duas vertentes:
uma era a diferenciação pela primeira vez entre ciência, moralidade e arte,
não mais fundidas numa religião revelada mas como esferas de valor
autônomo, cada uma governada por suas próprias normas: verdade, justiça e
beleza. A outra era a soltura desses domínios no fluxo subjetivo da vida
cotidiana (1999, p. 45).
Nesta pesquisa, pretende-se analisar as recentes produções culturais e religiosas sem
deixar de observar um panorama de notável modificação da própria cultura e da religião em
tempos de modernidade tardia. Para tanto, procura-se utilizar os referenciais teóricos do pós-
modernismo como uma ferramenta a mais na busca de entendimento do cenário cultural.
Contudo, como essas teorias não devem ser estabelecidas como totalizantes para a
compreensão da sociedade atual, elas não serão empregadas de maneira unívoca e
apaziguadora.
Por isso, vale questionar: o pós-modernismo não é também uma grande narrativa
explicadora do mundo, o que poderia contradizer a alardeada crise das metanarrativas? Em
que medida a dissolução das categorias culturais (alta e baixa cultura) produz um colapso do
juízo de valor estético? Qual o impacto da expansão da cultura de consumo e das mídias sobre
a noção do sagrado e do religioso?
No próximo segmento, as características da pós-modernidade serão mais bem
delineadas e discutidas em relação à cultura, às mídias e, principalmente, à religião.
1.2 Descentralização institucional e autonomia do sujeito
Para Terry Eagleton, enquanto as teorias pós-modernas negam a possibilidade de
descrição do mundo, observa-se que seus teóricos constantemente se vêem agindo de forma
oposta (1998, p. 42). Esse argumento é corroborado por Peter Osborne, para quem “a
narrativa da morte da metanarrativa é em si mais grandiosa que a maioria das narrativas que
ela destinaria ao esquecimento” (1995, p. 157).
Um exemplo dessa aporia intelectual estaria no pensamento que considera que as
metanarrativas o resistiram à pós-modernidade, posto que seriam explicações do mundo
totalizadoras e globalizantes que já não estruturam a vida moderna nos níveis político, cultural
e social.
24
Como foi observado anteriormente, o cristianismo é um dos grandes relatos que o
mais modelariam os modos de ser e viver da sociedade contemporânea, e assim, os
metarrelatos religiosos, que apresentam visões teleológicas ou escatológicas do mundo, são
rejeitados e os dogmas institucionalizados o dissolvidos. Em Religion y paradigmas,
Armando Robles traduz o efeito do pensamento pós-moderno sobre a religião:
com a pós-modernidade, caiu o grande discurso, bem como o metadiscurso
religioso... Hoje não se admite sequer a aspiração de construir um único e
cínico discurso religioso e ético, porque tal aspiração conteria em si, desde o
começo, a falência da sua própria validade. Atualmente, todos os discursos,
todos os valores, todas as contribuições são parciais, fragmentários... A s-
modernidade se mostra avessa ao religioso como metadiscurso... mas
impulsiona o discurso narrativo... em que a intuição atua mais do que a razão
(apud H
OUTARD
, 2003, p. 108).
Nesse ponto, pode-se perguntar: os metarrelatos cessaram de providenciar uma
explicação totalizante do mundo? E, a religião, strictu sensu, o cristianismo, teria deixado de
exercer um papel comunicador de sentido à existência do sujeito moderno?
Em resposta à primeira pergunta, pode-se dizer que, se em algum momento os
metarrelatos perderam credibilidade, não es incorreto supor que está em curso uma
continuidade da narrativa mundializada na forma do fundamentalismo islâmico, do
neopentecostalismo terceiro-mundista, da globalização, do triunfo do mercado e dos pequenos
relatos.
12
Renato Ortiz comenta que o advento da sociedade industrial não implica o
desaparecimento da religião, mas sim o declínio de sua centralidade enquanto forma e
instrumento hegemônico de organização social” (2006, p. 128). É certo que o monopólio
religioso, centralizador e regulador, ao despontar no século XXI, apresenta-se de forma
global, enfraquecido e quase desprovido de autoridade oficial sobre a pauta de discussões
contemporâneas. O peso das decisões eclesiásticas, evidentemente, não sobrecarrega mais o
cotidiano dos fiéis, como nas épocas do catolicismo medieval ou do puritanismo anglo-saxão,
e aparenta ter menor relevância para os líderes nacionais ocidentais, como se descobre no
12
Os pequenos relatos se apresentam, para Boisvert, como “a vitória das massas contra a cultura aristocrática”
(apud H
OUTARD
, 2002, p. 100). Já Ciro F. Cardoso afirma que o abandono dos “grandes objetos” em favor da
“uma história em migalhas” implica a recusa do realismo epistemológico (C
ARDOSO
, 1999, p. 15).
25
acordo entre Mussolini e o Vaticano no período após a I Guerra Mundial
13
e no tratamento
pouco mais que diplomático concedido ao Vaticano.
Contudo, diante do processo de globalização, a religião tem surgido como indicadora
de referentes globais como a ética e a ecologia, questões representativas no cenário mundial.
A declaração do Parlamento das Religiões Universais, realizado em Chicago, no ano de 1993,
conclui que, diante do estado de crise generalizado que assola o mundo atual e face à
complexidade de resolução dos problemas, as religiões universais teriam um papel
fundamental na elaboração de um consenso planetário na constituição de uma ordem global
relacionada a uma ética global. A ecologia surge também como um importante referente
adotado por religiosos.
14
Para estes, a integração homem-natureza ou a ação planetária para
salvaguardar a Terra é um paradigma em torno do qual seria possível reorganizar atitudes e
condutas em escala global. “Ética e moral, preocupações antigas, são recuperadas em termos
mundializados” (idem, p. 146).
A assim chamada “sociedade industrial” é aquela na qual, segundo os pós-modernos, a
racionalidade tecnocientífica substitui a religião na interpretação da realidade,
15
posto que o
conhecimento, desde os iluministas, é descoberto pelo homem, enquanto que, para a Igreja,
ele é revelado por Deus (D
ORNELES
, 2008, p. 39, grifos do original). Em que pesem as
tentativas de pensadores e cientistas de isolar a religião da sociedade atual,
16
o que
contribuiria para a constituição de um metarrelato humanista-científico totalizante,
17
outros
estudiosos ressaltam que o pensamento pós-moderno introduz novos processos de reflexão: “o
valor do afeto ante o racional, do pensamento analógico ante o analítico, do parcial ante a
totalidade” (H
OUTARD
, 2003, p. 100), ou segundo o citado Robles, do discurso da intuição em
maior atuação que o da razão.
13
Segundo Ortiz, “essa complementaridade de interesses” demarca “a exterioridade entre poder religioso e poder
secular, garantindo a este último melhores condições para negociar e impor sua autoridade” (2006, p. 133).
14
Sobre a declaração do Parlamento das Religiões Universais cf. A global ethic: the declaration of the
Parliament of the World Religions, New York: Continuum, pp. 18-19; sobre religião e ética universal cf. R.
Mancini et alii, Éticas da mundialidade: o nascimento de uma consciência planetária, S. Paulo: Paulinas, 2000,
e também Hans Kung, Uma ética global para a política e a economia mundiais, Petrópolis: Ed. Vozes, 1999;
sobre religião e ecologia cf. Leonardo Boff, Ecologia, mundialização e espiritualidade, S. Paulo: Ática, 1993, e
ainda Porta-voz vaticano: Importantes chamados do Papa pela proteção da criação. Disponível em
<http://www.zenit.org/article-16211?l=portuguese>. Acesso em 12 mar. 2008.
15
Ver H
OUTARD
, 2003, p. 98.
16
Livros recentes, como Deus, um delírio, de Richard Dawkins, e Deus não é grande, de Christopher Hitchens,
ambos lançados no Brasil em 2007.
17
Segundo John Carroll, o legado humanista “tentou substituir Deus pelo homem, colocar o homem no centro do
universo, divinizá-lo. Sua intenção era instituir uma ordem humana na terra... uma ordem inteiramente humana”
(apud B
AUMAN
, 1998, p. 193). Ver também F
ERRY
, Luc. O homem-deus ou o sentido da vida (Rio de Janeiro:
Difel, 2007).
26
Para Dorneles, a pós-modernidade, ao romper com a tradição racionalista estaria
admitindo a sensação e a intuição como modelo de obtenção de conhecimento (2008, p. 50).
O autor tem notado que a “busca pelo conhecimento interior ou místico é também a busca
pela transcendência, por um conhecimento além da razão” (idem, p. 60). Por sua vez, no livro
Paixões Primitivas, Marianna Torgovnick (1999) faz uma análise cultural a respeito de certas
sensações e emoções humanas que foram reprimidas nas eras Medieval e Moderna e que, no
século XX, retomam lugar no Ocidente.
Renato Ortiz observa que a sociedade atual é multiconfessional como conseqüência da
crise do monopólio religioso, o qual estaria sendo fragmentado pela diversidade religiosa,
“seja do ponto de vista individual seja do coletivo” (2006, p. 129), A preponderância das
identidades religiosas locais contribui para que as instituições de grande porte o exerçam
sentido e autoridade sobre os movimentos religiosos que agregam comunidades menores
(H
OUTARD
, 2003, p. 109). As religiões oficiais estariam tendo cada vez menos influência,
enquanto as variantes denominacionais dessas religiões, estariam em gradativa expansão,
como é o caso, no cristianismo, das igrejas pentecostais e carismáticas (R
OUANET
, 1996, p.
293).
A enunciada descentralização da religião, se não a atinge [a religião] ontologicamente,
ou em sua própria razão de existência na esfera global, por outro lado, propicia um processo
de desmoronamento da religiosidade institucionalizada. Em lugar da legitimação oficial das
instâncias religiosas dominantes, há uma demanda pelas identidades religiosas locais ou
particulares, coletivas ou individuais, que concedem às instituições oficiais uma autoridade
não mais total, mas parcial. É o cenário adequado para a manifestação de práticas religiosas
reprimidas pela tradição dominante ou, ainda, para o surgimento de modelos renovados de
comunhão com o sagrado. Esse processo de diluição da hierarquia religiosa, notadamente por
meio da autonomia do adorador e do fortalecimento da pluralidade de crenças, está presente
nas modificações que marcam as religiões cristãs na pós-modernidade.
De acordo com as observações de François Houtard, na perspectiva dos estudos pós-
modernos, o indivíduo tornou-se “a base da interpretação do real e a fonte do conhecimento”
(2003, pp. 103-104). Haveria, portanto, uma igualdade entre as visões de mundo das
diferentes culturas bem como entre as diferenças individuais existentes, em que cada
indivíduo, com seu saber particular, merece ser validado socialmente. Ocorreria, assim, uma
validação da participação social de comunidades subordinadas às classes sociais dominantes,
o que estaria proporcionando oportunidades de afirmação de identidades culturais
historicamente relegadas à margem das mídias e da cultura oficial. Homi Bhabha “enfatiza o
27
lugar da diferença e da alteridade em meio a prevalência de um discurso colonial da
uniformidade”, o que estaria do cerne de uma recusa da autoridade “pura e original” e
também de uma centralização do indivíduo (apud C
UNHA
, 2004, p. 50).
Na pós-modernidade, o sujeito busca um espaço de afirmação individual,
abandonando as zonas de segurança que outrora lhe permitiam pequena mobilidade social e
menor independência pessoal. Zygmunt Bauman considera que “a liberdade individual reina
soberana: é o valor pelo qual todos os outros valores vieram a ser avaliados e a referência pela
qual a sabedoria acerca das normas e resoluções supraindividuais devem ser medidas” (1998,
p. 9-10).
Visto que a tônica pós-moderna recai sobre o indivíduo situado no centro da
valorização da pluralidade cultural, no âmbito religioso ocorre o apenas a crise dos
tradicionalismos, cada vez mais destituídos de poder de legitimação, como também ao
adorador é concedida autonomia de interpretação e pensamento em relação ao sagrado.
Entretanto, não se pode falar em autonomia total do leigo na esfera institucional. Segundo
Jacqueline Dolghie, “não qualquer tipo puro na prática: o indivíduo nunca é totalmente
autônomo, nem a instituição” (2007, p. 40). De fato, para que determinada organização
religiosa garanta sua sobrevivência, faz-se necessária que essa organização atenda às novas
demandas sócio-culturais de satisfação pessoal dos leigos, posto que estes encontram maior
possibilidade de reação à ideologia da igreja graças à independência individual encontrada na
pós-modernidade (idem, p. 38; 48). Por isso, é preferível falar em relativização da autoridade
institucional e crescente autonomização do sujeito.
Sobre as mudanças efetuadas na cultura religiosa pós-moderna, Fredric Jameson
considera que as histórias da Bíblia parecem não mais fazer sentido para as populações
urbanas contemporâneas. Tais narrativas não seriam mais tomadas literalmente, mas
figurativa e alegoricamente, e assim são
destituídas de seu conteúdo exótico ou arcaico, cuja linguagem e figuração
essencialmente abstratas (ansiedade, culpa, redenção, a “questão do ser”)
podem agora, com as “obras abertas do modernismo” estético, ser oferecidas
ao público diferenciado de habitantes das cidades do Ocidente para serem
recodificadas em termos de suas próprias situações privadas (1997, p. 387).
Essa característica de modificação da apresentação do conteúdo moral ou religioso dos
textos antigos não é apanágio das conquistas de autonomia do sujeito ocidental. Wang
Gungwu identifica que as qualidades cultivadas pelo confucianismo são consideradas
demasiadamente exigentes pelos jovens e, a menos que sejam reinterpretadas em termos
28
modernos, re-embaladas numa retórica moderna, dificilmente serão atrativas para as futuras
gerações de pessoas educadas”
18
(1997, p. 201).
O indivíduo pós-moderno estaria também em busca de sua dimensão mais profunda, o
que o levaria a fazer “experiências de transcendência que ultrapassem este mundo, que
superem os limites impostos pela ciência, até chegar a captar o absoluto em si mesmo, o
próprio Deus em nós” (T
ERRIN
, 1996, p. 19). Essa localização do transcendente dentro dos
indivíduos, com a noção de que a divindade ou o sagrado não são alcançados exclusivamente
através das mediações religiosas institucionalizadas, faz parte das transformações culturais e
religiosas atuais (C
AMPOS
, 1997, p. 47). A flexibilização da tradição religiosa, a
multiplicidade de interpretações do sagrado e a valorização dos sincretismos favorecem o
surgimento de um diálogo entre leigo e organização, dissolvendo a existência de um
“monólogo baseado na autoridade de um modo de instrução, com uma desigualdade
hierárquica entre os participantes” (F
EATHERSTONE
, 1995, p. 117).
Dessa forma, é possível verificar significativas mudanças no panorama religioso
advindas da reconfiguração social e cultural promovida na pós-modernidade. Entre elas, a
crise dos relatos universalizantes e o predomínio da diversidade cultural, que causam impacto
nas relações do indivíduo com o sagrado, tendo como conseqüência a perda da influência das
religiões oficiais; e a autonomia conquistada pelo indivíduo, que favorece a escolha de opções
marcadas pelo subjetivismo e pela aceitação de parte dos dogmas de uma religião
institucionalizada e a rejeição de outra parte. O homem, então, passa a escolher as maneiras
de relacionar-se consigo mesmo, com outras pessoas e com seus deuses (L
UCKMANN
, 1970).
1.3 O sagrado, a cultura do consumo e a sociedade do espetáculo
A origem do pós-modernismo está associada ao surgimento de uma nova cultura de
consumo. Daí que alguns estudos buscam relacionar o pós-modernismo à explosão de
tecnologias, inclusive como forma de lucro, à nova política das multinacionais, buscando
mão-de-obra mais barata no Terceiro Mundo, à especulação do mercado internacional, à
ascensão da mídia internacional (A
NDERSON
, 1999, p. 66). Esses fatores macroeconômicos
encerram a nova lógica do capitalismo, que está na base da pós-modernidade cultural.
18
Wang Wu, “The significance of Confucianism in Chinese culture: past and present”, in Osman Bakar (org.)
Islam and confucianism. Kuala Kampur, Center for Civilization Dialogue, University of Malaya, 1997. Tradução
e citação em Ortiz (2006, p. 148).
29
Jameson (1997) considera que o capitalismo tardio de consumo ou multinacional” contribui
seguramente para a intensificação da obsolescência planejada dos artefatos de consumo e da
velocidade de mudança estilística e também para o poder social de inserção da mídia.
Embora as origens do consumo de massa possam ser traçadas desde o século XVIII,
protagonizadas pelas classes médias britânicas, passando pelo fortalecimento do poder de
compra das classes trabalhadoras inglesas, francesas e norte-americanas no século XIX, o
desenvolvimento da publicidade e das grandes lojas e shoppings centers ocorrido após a II
Guerra Mundial (1939-1945) propiciou o recrudescimento do estímulo ao entretenimento e ao
lazer de massa. Jameson aponta que uma sociedade geralmente descrita como “sociedade pós-
industrial, sociedade de consumo, sociedade de dia” certamente poderia moldar novas
modalidades de consumo, tendo em vista:
- a constante mudança estilística por meio de um “ritmo cada vez mais rápido de
mudanças na moda e no estilo”;
- e a penetração da propaganda, da televisão e dos meios de comunicação”, no
sentido de democratizar, senão o acesso, mas ao menos a visibilidade de objetos e produtos
industrializados (in K
APLAN
, 1993, p. 43).
Esses novos tipos de consumo observados na pós-modernidade ocorrem em níveis sem
precedentes e em toda a sociedade, o que é descrito por Hobsbawn como “o triunfo universal
da sociedade de consumo de massa”, em que as palavras de ordem não seriam mais “as dos
livros santos, quanto mais as de escritores seculares, mas marcas comerciais de produtos ou
do que se podia comprar” (1997, p. 495). Na busca de definições sobre a cultura de consumo,
Featherstone estabelece que a expansão da produção de mercadorias resultou na
“proeminência cada vez maior do lazer e das atividades de consumo” nas sociedades
contemporâneas, em especial as ocidentais (1997, p. 31).
É possível notar, então, que o binômio consumo-entretenimento é uma faceta
significativa da contemporaneidade, permeando todas as camadas sociais, as quais possuem
acessibilidade aos mais diversos produtos culturais e graus bem distintos de poder de
consumo. O desenvolvimento de novos suportes midiáticos e tecnológicos está também
associado ao surgimento de um público novo e diversificado, com exigências sócio-culturais
que obrigam o mercado cultural de massa a oferecer produtos culturais específicos.
Da observação dessa conjuntura, pode-se inferir questões como: qual o impacto da
cultura de consumo sobre as relações do indivíduo com o sagrado? O forte estímulo ao
30
entretenimento e ao consumo contribui para a aproximação da religião com as atividades de
lazer? Como as questões da fé são reorganizadas dentro da interação entre religião e mercado?
Alain Touraine ressalta que a religião, “como a dança e a pintura”, tem se tornado uma
atividade de lazer ao ser “isolada de sua importância” enquanto fomentadora de sentido da
existência e da morte humanas (T
OURAINE
, 1970, p. 230-231). As denominações cristãs que
estão no escopo da delimitação de estudo desse trabalho demonstram o domínio de outras
funções que não a de abastecer seus seguidores com as preocupações escatológicas e
metafísicas como as mencionadas por Touraine.
Renato Ortiz observa uma crescente sacralização do mercado global, posto que este se
apresenta com “duas qualidades freqüentemente associadas à herança religiosa:
transcendência e onipresença” (2006, p. 150). O domínio do mercado transcende as fronteiras,
submete povos e natureza a sua ação planetária. Sua dimensão de totalidade (ou totalitarismo)
estaria correlacionada a sua universalidade. Para Ortiz, essa transcendência se perpetua no
consumo, ele é o ato que a situa”, que busca a inserção do indivíduo. O mercado também é
percebido como uma entidade autônoma (a “mão invisível do mercado”), que “reage
sensivelmente” com otimismo ou pessimismo, que “compreende” as medidas dos governos.
Não por acaso, o mercado aproxima-se da religião e interage com esta não mais
segundo a ética do protestantismo descrita por Max Weber,
19
mas de acordo com a “ética
romântica” do espírito do consumismo moderno, que acionaria a fantasia e o imaginário de
desejos (C
AMPBELL
, 2001).
Alguns teólogos, como Harvey Cox, sugerem que, na perspectiva cristã, uma “religião
de mercado é claramente uma idolatria uma falsa religião mas que ao invés de combatê-
la”, os cristãos de hoje são “coniventes com ela, e algumas vezes até mesmo a sacralizam”.
Douglas Meek acrescenta que a distinção entre a teologia moderna e a teologia tradicional é
“a tendência de se pensar Deus de uma forma que deixem intactas as leis de mercado”, o que
significa que “Deus pode apenas ser aquilo que a ideologia moderna do mercado lhe permite
ser” (apud O
RTIZ
, 2006, p. 150).
Diante desses textos, pode-se notar também um paralelo com as alegações de que o
consumismo levou ao empobrecimento espiritual e ao egocentrismo hedonista, que estariam
no sentido oposto à “ascese, operosidade, prudência e parcimônia pregadas pela religião, em
geral, e pela herança puritana, em particular” (F
EATHERSTONE
, 1997, p. 159). Porém, é
preciso investigar se na prática cotidiana dos indivíduos tal concepção de consumismo
19
Ver o ensaio de Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo. Cf também Tawney, R, H. A
religião e o surgimento do capitalismo. São Paulo: Perspectiva, 1971.
31
significa unicamente a satisfação de necessidades fixas”. Featherstone considera que se deve
levar em conta o uso prático das crenças em relação às alianças, interesses e disputas entre
grupos, além de apontar que as abordagens que tentam explicar o consumismo em termos de
uma ética “tendem a depender da concepção de que a sociedade precisa de crenças
fundamentais, ou de que os indivíduos atuam por meio de tais crenças” (idem, p. 164).
O capitalismo globalizado tem ocasionado a atenuação das fronteiras nacionais e
promovido uma mundialização
20
de valores, imagens e símbolos, devido à proeminência do
chamado livre mercado. Nessa perspectiva, às diversas manifestações culturais é agregado um
valor econômico: a cultura passa a ser mercadoria, um produto reprodutível em larga escala, o
que a distanciaria de um suposto valor estético/artístico original”. Para Jameson, o encontro
da economia com a cultura no século XX faz com que tudo se torne cultural, da fabricação de
mercadorias à especulação financeira, sendo que, ao mesmo tempo, a cultura tornou-se
profundamente econômica, igualmente orientada para a produção de mercadorias” (2001, p.
73).
Na sociedade global, a dominante cultural é legitimada pelo consumo mundializado,
em que uma gama de signos e padrões de cultura, cujo tráfego planetário é engendrado pelos
meios de comunicação massivos, são identificados como pertencentes ao imaginário coletivo
da humanidade, a ponto de coordenar comportamentos e direcionar atitudes: “o consumo se
desvenda, assim, como uma instituição formadora de valores e orientadora de conduta”
(O
RTIZ
, 1994b, p. 121). O consumo, estimulado pela publicidade, coordena e orienta a vida
econômica. Mas a cultura de consumo, na atual fase do capitalismo, tem grande participação
nas esferas sociais e culturais dos indivíduos, pois “o consumo faz parte de nosso cotidiano,
da nossa cultura e, também, da forma como significamos o mundo” (Guimarães apud
Z
ILIOTTO
, 2003, p. 24).
Para garantir o atendimento do consumidor mundial, as grandes organizações da
indústria e da cultura precisam constantemente inovar as estratégias de fabricação, divulgação
e comercialização dos seus produtos no mercado, exigindo maior especialização da área de
gestão empresarial. Conjuntamente, a competição entre as corporações, quer locais ou
continentais, demanda mais espaço para as técnicas de marketing, a fim de construir um
referencial simbólico que exerça atração sobre o consumidor e estabelecer um regime de
fidelização de uma clientela em relação aos artefatos produzidos.
20
Um conceito de mundialização pode ser aquele empregado por Baudrillard, quando este distingue
universalidade de mundialização. Enquanto a universalidade diz respeito aos valores, aos direitos humanos, às
liberdades, à cultura, à democracia, a mundialização faz referência “aos tecnocratas, ao mercado, ao turismo, à
informação” (B
AUDRILLARD
, 1997, p. 127).
32
De acordo com essa lógica do capital, ou do mercado, as religiões também disputam
os potenciais fiéis numa competição em que, não raro, tradições e dogmas precisam ser
negociados com o propósito de atrair a atenção e a aceitação do público. Diversos estudos
21
ressaltam que as religiões cristãs, em maior ou menor grau, empregam modelos empresariais
de gerência. Análises recentes têm demonstrado que diferentes denominações religiosas
buscam sacralizar seus produtos com o discurso da prosperidade material e ascensão social
ligadas à espiritualidade. Na corrente desse pensamento, Leonard Orr e Sondra Ray afirmam
que a riqueza humana provém da iluminação espiritual, criam uma meritocracia pecúnio-
espiritual em que o indivíduo cada vez mais espiritualizado alcança cada vez mais
prosperidade, e resumem: “Deus é ilimitado. As compras podem ser ilimitadas” (O
RR
&
R
AY
,
1983, p. xiv).
Dessa forma, se o termo sagrado” esteve vinculado a uma separação dos costumes
que se opõem aos princípios bíblicos de conduta, atualmente está em voga um fenômeno de
“sacralização” que atribui um status de sagrado a eventos e bens simbólicos. Assim, o
universo religioso, ao apropriar-se das estratégias de marketing e gestão administrativa típicas
da lógica do mercado secular, organiza seu público consumidor, o qual, segundo Campos,
“determina tanto as formas de elaboração e de distribuição de bens religiosos, como a própria
estrutura assumida pela instância produtora” (1997, p. 204).
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, a TV, o rádio, o cinema, a
internet, caracterizam uma etapa das conquistas teletecno-científicas observadas no século
XX. Esses aperfeiçoamentos estão também associados à fase econômica de globalização do
mercado, em que a industrialização alcança também a cultura, tornando-se esta um produto de
largo consumo em razão da expansão da publicidade e das mídias. Tal expansão teria levado
ao surgimento de uma cultura das mídias”, a constituição de uma nova sociedade, a
“sociedade do espetáculo”.
Segundo Douglas Kellner, a cultura da mídia
é constituída por sistemas de rádio e reprodução de som (discos, fitas, CDs e
seus instrumentos de disseminação, como aparelhos de rádio, gravadores
etc.); de filmes e seus modos de distribuição (cinemas, videocassetes,
apresentação pela TV); pela imprensa, que vai de jornais a revistas; e pelo
sistema de televisão, situado no cerne desse tipo de cultura (2001, p. 9).
21
Cf. Campos (1997), Cunha (2007), Souza (2005), Magnani (2006).
33
A rápida obsolescência dos aparelhos de reprodução de som e imagem surgida na
esteira do avanço tecnológico do século XXI, na forma da substituição do videocassete pelo
aparelho leitor e gravador de DVDs (e, deste, pelo Blu-ray), somada à notável e progressiva
acessibilidade da população à rede mundial de computadores, reforçam a definição de
Kellner. Inseridos na cultura das mídias, os indivíduos o submetidos a um fluxo incessante
de sons e imagens tanto no espaço doméstico e particular quanto nos locais blicos. Um
mundo intensamente virtual de entretenimento e informação está reorganizando “percepções
de espaço e tempo, anulando distinções entre realidade e imagem, enquanto produz novos
modos de experiência e subjetividade” (idem, p. 27).
Por também resultar do desenvolvimento de alta tecnologia, a cultura das mídias é um
dos setores mais lucrativos do comércio mundial, a observar os grandes conglomerados da
comunicação midiática. A produção de bens mercadológicos, realizada de forma massiva e
em série, precisa da divulgação de seus objetos, haja vista a quantidade de produtos lançados
no mercado. As mídias também acabam por seguir esse padrão industrial, produzindo “astros
e estrelas” do cinema, da TV e da música de forma serializada e também massiva. Assim, a
obsolescência dos artefatos industrializados das fábricas encontra correlação na rápida
substituição de ícones culturais de massa. Segundo Kellner, “a cultura de consumo e a cultura
da dia atuam de mãos dadas no sentido de gerar pensamentos e comportamentos ajustados
aos valores, às instituições, às crenças e às práticas vigentes” (2001, p. 11).
Nesse ponto, em que acontece o encontro entre cultura das dias e cultura de
consumo, alguns estudos sinalizam que a sociedade contemporânea é caracterizada:
- por relações interpessoais mediatizadas pelo espetáculo midiático: o espectáculo
[sic] não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por
imagens” (D
EBORD
, 1991, p. 10);
- pela presença absolutista da lógica mercantil: “o espetáculo é o momento em que a
mercadoria chega à ocupação total da vida social. o a relação com a mercadoria é
visível, como nada mais se vê senão ela: o mundo que vê é o seu mundo” (idem, p. 31);
- pela estetização da vida cotidiana: “sociedade alguma jamais foi saturada com signos
e imagens como esta” (J
AMESON
, 1979, p. 139), o que coopera para impulsionar “uma cultura
de consumo onde a infindável repetição de imagens apaga a distinção entre aparência e
realidade” (F
EATHERSTONE
, 1995, p. 69).
34
Portanto, vale perguntar, como Featherstone, sobre o efeito dessas mudanças sobre a
religião. Será que a religião está se apresentando como “um modo de vida e um complexo
significativo que proporciona uma espécie de reconforto emocional semelhante a outras
atividades de lazer” (1997, p. 158)? Será que isso teria conduzido a religião para mais perto
de outras mercadorias e padrões de consumo?
No contexto sócio-cultural contemporâneo, a religião tem nos meios de comunicação
uma oportunidade de maximização de sua capacidade simbólica, de ampliar em grande escala
seu poder de agregar pessoas e criar laços sociais, de vincular interesses e orientar ações
coletivas (O
RTIZ
, 2006, p. 136). A tecnologia propicia às religiões um suporte que permite
uma circulação mais veloz e eficiente de suas mensagens e produtos, seja pela TV, internet ou
mídia impressa, o que aumenta sua visibilidade nos tempos atuais.
Para o filósofo Jacques Derrida, as religiões desencadeiam uma competição, uma
“guerra”, na luta para controlar o sistema digital, os satélites de comunicação, “a concentração
dos poderes capitalístico-midiático, em três palavras, cultura digital, jato e TV sem as quais
não existe, hoje em dia, qualquer manifestação religiosa” (in D
ERRIDA
; V
ATTIMO
, 2000, p. 37,
grifos do original). Derrida exemplifica o fato de que o mais religião sem mídia ao citar
as viagens e declarações do papa e “qualquer irradiação organizada dos cultos judeu, cristão
ou muçulmano”. O fator tecnológico, acompanhado do crescimento da urbanização e da busca
de inculturação das igrejas no mundo urbano (C
UNHA
, 2005, p. 95), ocorre em um contexto de
transformações do campo religioso, ora renovado pelo papel que as mídias exercem na sua
dinâmica, mas também modificado pela competição mercadológica verificada no mercado das
religiões, em que os padrões empresariais de gestão administrativa e a mídia eletrônica devem
ser analisados à luz das mudanças da própria estrutura cultural e sócio-econômica mundial.
Magali Cunha identifica uma nova postura no quadro religioso brasileiro, em que a
eficiência empresarial e o mercado consumidor cristão são marcas notórias dessa renovação
(2004, p. 90). À semelhança do que ocorre nas organizações seculares, os líderes religiosos
têm adotado estratégias de marketing e técnicas administrativas com o intuito de garantir sua
sobrevivência
22
e maximizar sua audiência e seu público consumidor de bens simbólicos.
23
Leonildo Campos constata que “a transformação do campo religioso” em mercado
religioso” é conseqüência da força homogeneizadora do mundo sobre o universo religioso”
(1997, p. 204, grifos do original). Nota-se, então, que as interações da religião com a cultura
22
Cf. D
OLGHIE
, 2007, p. 39.
23
Cf. O
RTIZ
, 2006, p. 137.
35
do mercado resultam da reconfiguração social, cultural e econômica da atualidade, em que a
religião continua a desempenhar papel ativo na sociedade.
O emprego das mídias, portanto, será um passo em direção à modernização das
ferramentas de divulgação dos conteúdos religiosos, perpassados pela negociação de dogmas
e costumes entre instituição oficial e leigos membros das diversas denominações cristãs. De
acordo com Regina Novaes,
as tecnologias – aceitas e usadas com profissionalismo empurram as
religiões a liberar-se do aparato hard de suas mensagens escolher a via soft,
pois assim entram melhor em circulação. Neste contexto, o uso da linguagem
soft, ancorada nas emoções e nos afetos, estaria substituindo o aparato hard
da complexidade da mensagem teológica e escatológica. Esta é, sem dúvida,
uma descrição do presente com suas rápidas e constantes absorções
tecnológicas (In T
EIXEIRA
; M
ENEZES
, 2006, p. 157).
Para Baudrillard, esse novo contexto, em que a religião se apresenta condicionada pela
cultura das mídias e pelo sentido de espetáculo, ocorre por um “desvio do princípio religioso”,
pois as massas teriam absorvido a religião “na prática sacrílega e espetacular que adotaram.
Elas querem apenas signos, idolatram o jogo dos signos e dos estereótipos” (1985, p. 94). Em
que pese o estilo e o pensamento (apocalíptico?) de Baudrillard, é preciso verificar se os
“consumidores” religiosos estão sendo unidimensionalmente manipulados por uma espécie de
“igreja do espetáculo” ou se é mais adequado dizer que os especialistas e leigos religiosos
estão reordenando suas questões de na dinâmica da pós-modernidade. Também é válido
indagar se as instituições religiosas estão absorvendo criticamente as mais recentes tendências
midiáticas de entretenimento ou se estão apenas recodificando parte de seus valores e
tradições a fim de dar sentido ao conteúdo ético-moral milenar que encerram.
1.4 Cultura e música na pós-modernidade
As teorias e estudos abordados no primeiro capítulo desse trabalho visam fundamentar
a análise das mudanças surgidas no âmbito da cultura do século XX. Tais pesquisas não se
apresentam inteiramente conclusivas sobre a questão, porém, mesmo que não seja “algo que
se possa estabelecer de uma vez por todas e, então, usá-lo com a consciência tranqüila”
(J
AMESON
, 1997, p. 25), o pós-modernismo é um conceito efetivo que pode auxiliar no debate
sobre questões fundamentais na discussão cultural e artística.
36
De acordo com o que foi descrito até aqui, a cultura contemporânea está atrelada a
uma lógica de mercado global da qual o escaparam nem a arte de vanguarda, nem a cultura
popular folclórica e nem a cultura religiosa. A cultura das mídias também atinge dimensões
globais, sendo um novo referente organizador da sociedade, isto é, um espaço em que a
teletecnocultura constrói e também representa os novos padrões e configurações sociais.
A noção de cultura continuará sendo discutida e, a partir desse ponto, será mais bem
delineada para os objetivos desse trabalho. Fredric Jameson e Steven Connor o alguns dos
teóricos que se dedicaram ao estudo da arte no contexto da pós-modernidade, porém, devido
às delimitações propostas nessa dissertação, os temas que envolvem cultura e mídia, e
também a música, receberão maior relevância nas páginas subseqüentes.
O termo cultura foi investigado sob muitos aspectos, do sociológico ao econômico,
passando pelo estético, sem encontrar, porém, uma definição precisa que não excluísse um ou
outro aspecto significativo. No escopo da presente pesquisa esa cultura popular, e é esta
cultura que será analisada a seguir, considerando também mais um sentido sociológico que
artístico/estético.
Roy Shuker (1999, p. 83) se refere à cultura como “a esfera em que as desigualdades
sociais são reproduzidas”, dando margem para a interpretação paradigmática de cultura
dominante e cultura dominada, em que os grupos sociais dominantes submeteriam os grupos
dominados ao exercer tanto a prevalência cultural quanto social, sem deixar de levar em conta
os modos de contestação e resistência da cultura dominada, a defasagem que se revela na
imposição o-total da cultura dominante, e o fato de construção e reconstrução cultural dos
grupos dominados em estado de dominação, mas não submissão. A evocação dessas questões
remete ao debate acerca da noção de cultura popular. Em que pese a complexidade do
assunto, Denys Cuche descreve duas formas de abordagem diametralmente opostas, mas
comuns nos estudos sobre as culturas populares:
1) Minimalista: nessa visão, as culturas populares são derivadas da cultura dominante,
sendo causadoras de uma diluição e empobrecimento da cultura central e desprovidas
de criatividade e autonomia. Também seriam a expressão de sua alienação social e
capazes de apresentar meros “subprodutos inacabados”;
2) Maximalista: nessa tese, as culturas populares são consideradas “iguais e mesmo
superiores à cultura das elites”, posto que, para alguns defensores dessa visão, são
provenientes da criatividade do “povo”. Além do mais, seriam fornidas de maior
autenticidade e independência (C
UCHE
, 2002, pp. 147-148).
37
Porém, se a primeira tese identificada por Cuche é falha em compreender um contexto
sócio-cultural mais abrangente e menos simplista, a segunda parece mais próxima de uma
romantização mítica da cultura popular do que de um estudo minucioso da realidade. De fato,
a realidade é bem mais intricada e complexa, bem mais do que podem revelar os pêndulos
extremos apresentados em ambas as visões. As culturas populares, porém, em outra análise,
não seriam “nem inteiramente dependentes, nem inteiramente autônomas, nem pura imitação,
nem pura criação”, confirmando, dessa forma, que toda cultura particular é uma reunião de
elementos originais e de elementos importados, de invenções próprias e de empréstimos”
(idem, p. 148-149).
Pode-se argumentar, assim, que a ordem econômica dominante trabalha com uma
produção padronizada, serializada, expansionista e centralizada, e tem por correspondente
uma outra produção chamada por Michel de Certeau de “consumo”. Este pensador francês
define a cultura popular “como sendo uma cultura de consumo”, a qual deveria ser estudada
também a partir das “maneiras de fazer” do consumidor em relação aos artefatos da produção
massificada (D
E
C
ERTEAU
, 2007, p. 39). Os consumidores conferem novos sentidos aos
produtos padronizados e os traduzem de forma diferente daquela que havia sido planejada
para eles (idem, ibidem). Portanto, ainda que o mercado seja o produto de estratégias
empresariais, o “sentido” e o “uso” dos objetos artísticos, musicais, religiosos o podem
ser totalmente determinados (idem, p. 39-40).
Na pós-modernidade, verifica-se a ocorrência de um descentramento e redistribuição
do poder cultural. Isto se descobre na celebração da pluralidade de estilos, nas oportunidades
de afirmação cultural de grupos sociais marginalizados,
24
na ênfase na oposição centro-
periferia,
25
daí a decorrência da promoção preferencial da cultura popular. As mídias, como
veículo comunicacional mais ativo e com maior capacidade de penetração social, servem,
então, como plataforma de visibilidade das formas artísticas da cultura popular. Vale ressaltar
que as expressões populares dificilmente chegam ao consumidor tais como foram geradas,
posto que diversas práticas culturais o justapostas ou aglutinadas, de forma a absorver uma
variedade de processos de interinfluência.
Fredric Jameson (1997) e Steven Connor (2000) o alguns dos teóricos que
dedicaram parte dos seus estudos à análise da arte na cultura pós-moderna. Ambos
procuraram descrever os novos processos de elaboração e expressão que se apresentaram na
24
Cf. C
ONNOR
, 2000, p. 151.
25
Cf. A
NDERSON
, 1999, p. 142.
38
arte contemporânea, em especial, na arquitetura, nas artes visuais, na literatura, no vídeo e no
cinema. Douglas Kellner (2001) e E. Ann Kaplan (1993) direcionaram suas análises para a
cultura das mídias, dando atenção às produções da TV, do cinema e da indústria fonográfica
norte-americanas; por sua vez, Angela McRobbie (1994) voltou-se para a cultura popular,
conquanto seu enfoque tenha se detido sobre aspectos teóricos e conceituais da cultura
popular na pós-modernidade.
Os estudos que procuram uma convergência entre música e pós-modernidade não são
muitos nem são de autores tão divulgados como aqueles mencionados acima.
26
Nessa
pesquisa destaca-se, porém, dois deles: o espanhol Julio López, com o livro La musica de la
postmodernidad (1988), e Paulo de Tarso Salles, com Aberturas e impasses (2005). Ambos
buscam descrever o processo de modificação na criação e na divulgação da música no século
XX empregando o referencial teórico pós-moderno, mas também delimitam suas análises no
campo da sica erudita ou música de concerto. López é quem chega mais próximo de uma
contextualização da música popular das mídias e sua integração no cerne da cultura pós-
moderna ao tecer considerações sobre o aspecto mercantil dos grupos musicais dos anos 1980.
A dificuldade de descrever o pós-modernismo em música popular adviria da ausência
de um período de “modernismo” preexistente que funcionasse como precedência das rupturas
do pós-moderno. Tal dificuldade não seria encontrada nas descrições de narrativas lineares
das artes visuais, da literatura, do teatro e da música erudita. Embora Salles não pretenda
apontar esta ou aquela música, este ou aquele compositor como pós-modernos, o autor não
deixou de empregar o arcabouço teórico-filosófico do pós-modernismo como base para o
estudo da música erudita brasileira entre 1960 e 1980, e algumas de suas inferências são
válidas para o estudo da música popular.
Salles assinala que o conceito de produção artística pós-moderna aponta para uma
ressignificação dos produtos, agora estabelecidos por sua adaptabilidade às exigências
objetivas do mercado, opostas a uma subjetividade
moderna (2007, p. 35). Apesar do uso de
novas tecnologias e da permanência de abertura de espaço para novos padrões de
comportamento, os produtos não seriam mais qualificados segundo a cnica necessária para
sua elaboração nem pelo grau de novidade estética. O autor também percebe o desprestígio de
um “julgamento estético de ordem moral” ou de “avaliações estéticas apriorísticas”, isto é, na
pós-modernidade ocorre uma recusa de critérios pré-definidos de juízo de valor nas artes.
26
Cf. Goodwin, A. Popular music and postmodern theory”. Cultural Studies, v. 5, n. 2, May, p. 174-190;
Kaplan, E. Rocking around the clock: music television, postmodernism and consumer culture. New York:
Methuen, 1987; Manuel, P. “Music as symbol, music as simulacrum: postmodern, premodern and modern
aesthetics in subcultural popular musics”. Popular Music, v. 14, n. 2, p. 227-239.
39
Hobsbawn (1997, p. 496) identifica a contemporaneidade como marcada por um
“populismo partilhado pelo mercado e um radicalismo anti-elitista”, em que “importa não
distinguir entre bom e ruim, elaborado e simples, mas no máximo o que atrai mais ou menos
pessoas”, e pelo fato de que
não apenas... as fronteiras entre o que é e o que não é classificável como
“arte”, “criação” ou artifício se tornaram cada vez mais difusas, ou mesmo
desapareceram completamente, ou...uma escola influente de críticos
literários do fin-de-siécle julgou impossível, irrelevante e não-democrático
decidir se Macbeth, de Shakespeare, é melhor ou pior que Batman (idem, p.
483).
Julio López, por sua vez, também reconhece que a mercantilidade da obra artística é
estabelecida como natureza intrínseca do artístico e observa que a “mercantilidade não é
nociva em si”, mas parece impedir a existência de obra artística de outra envergadura (1988,
p. 130; 150). Ele descreve como os grupos musicais dos anos 1980 eram acabados produtos
comerciais coordenados pela indústria e direcionados ao consumo juvenil. Na observação de
uma interação entre economia e cultura, existente em outros séculos, porém, mais
intensificada na lógica do capital do século XX, López revela que o impacto mercantil dos
grupos musicais baseava-se em sua oferta cultural altamente qualificada – capaz de selecionar
“quase todos os tópicos icônicos e ideológicos da pós-modernidade: cinema, ficção científica,
exotismo” –, e seu impacto cultural baseava-se em sua oferta comercial ao representar e
influenciar as novidades dos contingentes sociológicos juvenis (idem, p. 127).
Assim, é possível ressaltar alguns pontos que marcam a produção musical
contemporânea: a nova significação do produto, tomada por sua capacidade de adaptação às
demandas mercadológicas mais do que pela cnica utilizada ou por uma originalidade
estilística; a falência dos juízos estéticos moralmente hierarquizados (bom/ruim,
superior/inferior); a imposição, nem sempre total, da hegemonia cultural dos Estados Unidos;
a efemeridade dos estilos e dos artistas. As características relacionadas não definem quem é
ou quem não é pós-moderno no mundo da música pop, mas o úteis na análise das novas
expressões musicais da cultura popular das mídias.
Steven Connor afirma que a transponibilidade da narrativa pós-moderna para o
universo cultural mais recente implica na identificação do rock como a forma cultural pós-
moderna mais representativa (2000, p. 151). Connor nota que teorias do pós-moderno que
assinalam a constituição de um modernismo na história do rock a música dos Beatles e dos
40
Rolling Stones, por exemplo, considerando a narrativa interior acelerada do gênero
27
. Porém,
ainda segundo Connor, a analogia não funciona integralmente, posto que o rock,
diferentemente das propostas dos literatos e artistas modernistas do início do século XX, o
chegaria a explorar por completo a “natureza do seu meio, de suas convenções e de suas
instituições”, e demonstraria pouca oposição à sociedade industrial de massas” (idem, p.
150).
Contudo, enquanto um discurso que observa as tendências de mercantilização e
marketing na sica pop, outros estudiosos aplicam a perspectiva cultural pós-moderna a
determinados estilos musicais, como o rock, o hip-hop e o new age.
28
Ultimamente, as
reciclagens do passado cultural do rock, na forma de retornos estilísticos e versões cover, e o
atual emprego do sampling,
29
com a apropriação e manipulação de gravações de outros
músicos, parecem oferecer um “claro exemplo da estética pós-moderna do fragmento”.
Acrescente-se a repercussão global unificadora do rock, ao lado de sua criação e absorção de
pluralidade de estilos e mídias (relação com a moda, com as identidades étnicas, com o
cinema e as novas tecnologias), e depreende-se daí a razão dos relatos de um estilo popular
pós-moderno (idem, p. 151).
O acelerado desenvolvimento da mídia massiva e a proliferação dos códigos
midiáticos, bem como a intensificação dos procedimentos de apropriação e a mobilidade das
redes de cruzamento cultural, são características da pós-modernidade que repercutem sobre a
música popular (Manuel, 1995, p. 228). O pós-modernismo não existe como “condição
totalizante, mas como um quadro ideológico, estético e discursivo distinto (embora
progressivamente pervasivo) que constantemente interage com a tradição e com a
‘modernidade’” (idem, p. 237).
A MTV e, principalmente, a internet borram as fronteiras entre popular e erudito ou
cultura pop e arte “culta”. As estratégias de crítica e ironia em relação ao suporte midiático
elaboradas por cineastas e artistas plásticos são adotadas nos videoclipes pop, porém, com a
27
Fredric Jameson apresenta os Beatles e os Rolling Stones como o grande momento modernista” do rock
(apud C
ONNOR
, 2000, p. 150).
28
K
OTARBA
, J. The postmodernization of rock and roll music: the case of Metallica. In: Epstein, J. S. (org.).
Adolescents and their music: if it’s too loud, you’re too old. New York/London: Garland Publishing, 1994;
H
ALL
, D. New Age Music: a voice of liminality in postmodernism popular culture. Popular Music and Society,
v. 18, n. 2, pp. 13-21. Cf. verbete “pós-modernismo/rock pós-moderno” (S
HUKER
, 1999, pp. 216-218).
29
O Dicionário de termos e expressões da música define “sampling” como o processo de gravação de um
“trecho pré-gravado que é inserido eletronicamente em uma música” (D
OURADO
, 2004, p. 292). No Vocabulário
de música pop, “sampling” é o “uso da tecnologia de computador para extrair trechos selecionados previamente
gravados e usá-los como parte de um novo trabalho, usualmente como fundo sonoro de acompanhamento para
novos vocais” (
SHUKER
, 1999, p. 251).
41
diferença de que a intertextualidade e o pastiche emprestados funcionam como válvula de
entretenimento.
Os críticos dessa interação parecem ainda problematizar as questões da “pureza” e da
“autenticidade” da obra de arte, o que remete a uma incompreensão dos procedimentos que
movimentam os intercruzamentos culturais.
1.5 Religião e religiosidade pós-modernas
Nas últimas décadas do século XX, as religiões experimentam um renovado vigor, seja
no reavivamento islâmico seja na expansão do cristianismo na Ásia Oriental, na África, nas
Américas do Sul e Central e nos países do leste europeu (principalmente aqueles recém-saídos
dos regimes comunistas).
Esse cristianismo “mais marcado pela importância dos dons do Espírito que pela
doutrina da inerrância bíblica” tem sido o vetor do movimento de massa do pentecostalismo
(M
ARTIN
,
B., 1998, p. 108).
Como foi estudado, de fato, o ocorreu um impacto, ou choque, do pós-modernismo
sobre as religiões. Antes, as observações anteriores conduzem à constatação de uma
integração, não sem atritos, da cultura religiosa às transformações sociais geradas dentro da
dinâmica do capitalismo. A crise de credibilidade das hierarquias culturais e religiosas, a
crescente legitimação do mercado global, a cultura de consumo associada à cultura das mídias
na produção e comercialização de sons e imagens, a descentralização religiosa e a
centralização do indivíduo, a maior liberdade e independência do sujeito contemporâneo,
todos esses fatores ocasionaram a reorganização e a dessacralização das formas mais
tradicionais e antigas do sagrado e do transcendente.
Elaborando uma livre associação entre religião e cultura da pós-modernidade, é
possível traçar algumas características do que viria a ser uma religião pós-moderna. Em
primeiro lugar, pode-se falar em secularização da religião, o que seria um modo de vê-la, e em
secularização da ciência, o em termos de uma “substituição de um conjunto de crenças ou
visões de mundo por outro, mas de um declínio do poder potencial relativo dos especialistas
simbólicos em questão” especialistas religiosos, e também cientistas e intelectuais
(F
EATHERSTONE
, 1997, p. 92). Dessa forma, as autoridades do pensamento religioso e
científico teriam perdido a capacidade de conservar a autoridade de seu conhecimento sobre
as práticas cotidianas do indivíduo.
42
Seguindo essa linha de pensamento, Bauman detecta
o enfraquecimento, genuíno ou putativo, gradual mas implacável, da maioria
das distinções territoriais fixadas e a substituição de grupos e associações
territorialmente definidos por “redes” eletronicamente mediadas, negligentes
quanto ao espaço físico e livres do controle das localidades e das soberanias
espacialmente circunscritas. (2007, p. 188).
A religião pós-moderna, assim, não seria aquela em que apenas uma perda de
autoridade oficial sobre as decisões dos fiéis, mas, sobretudo, aquela em que a autonomia dos
leigos é cada vez mais preponderante. Essa maior independência do leigo tem levado as
instituições a uma reordenação de seus códigos e tradições, a fim de não apenas ver seus
membros distanciados devido à insatisfação religiosa como também com a intenção de atrair
outro público, menos conservador e mais acomodado no contexto secular de costumes.
Portanto, o moderno padrão de apresentação das mensagens religiosas parece
demonstrar que um gradual processo de secularização da religião condiciona-a a fazer
diversos ajustes, numa espécie de “pacto com o mundo”. Os expedientes adotados pelas
religiões são uma reação destas às novas exigências de suas congregações e também
correspondem aos sinais da s-modernidade. Para Regina Novaes (in T
EIXEIRA
; M
ENEZES
,
2006, p. 136), a elaboração de formas de mensagem em termos éticos (paz no mundo,
direitos humanos, defesa do ecossistema)” é uma tentativa de estabelecer-se [a religião] como
fonte privilegiada de autoridade moral, e a veiculação dessas mensagens, incluídas a
propaganda doutrinária e a comercialização de produtos artísticos, está diretamente
relacionada à sacralização da dia empregada (programas de rádio e TV) e do consumo
estimulado (de cosméticos a livros, CDs e shows). É importante salientar que, muito embora a
religião institucional esteja inserida na lógica do mercado, “os bens procurados não são
apenas secularizados, mas também religiosos, e, muitos deles com grau de transcendência
elevado” (D
OLGHIE
, 2007, p. 51).
O contexto pós-moderno religioso é multiconfessional, de pluralidade de
interpretações, de “multiplicidade de linguagens teológicas” (M
ARTELLI
, 1995, p. 451), o que
propicia a explosão contemporânea de aberturas de novas igrejas, cada qual oferecendo um
conjunto de dogmas pouco distinto uma das outras, e que se lançam à busca de um público
específico, num reflexo do processo de segmentação do consumidor ocorrido na esfera
secular.
Igrejas para atletas, para empresários, para militares, com maior ou menor conteúdo
dogmático, com maior ou menor grau de aproximação às práticas esotéricas ou místicas. O
43
indivíduo em busca de uma religião é visto como alguém em “constante processo de
nomadismo religioso”, em que pessoas que se fixam em determinadas denominações,
dando um ponto final em sua peregrinação de fé”, enquanto outras estão simplesmente à
procura de benefícios passageiros (C
AMPOS
, 1997, p. 197). Ocorre, então, o surgimento de
uma religião “marcada pela desfiliação dos indivíduos das instituições religiosas e a opção
destes por uma religiosidade própria, montada a partir das ofertas de um ‘mercado religioso’”
(C
AMURÇA
, 2006, p. 45). Segundo Ortiz,
a utilização recorrente do termo religiosidade caracteriza bem esta tendência
de uma expressão religiosa mais individualizada, distante da idéia restrita de
religião, vista como um sistema coerente de crenças a ser observado por
todos os fiéis de uma mesma comunidade (
O
RTIZ, 2006, p. 140).
De acordo com David Martin, os novos evangélicos criaram seu próprio espaço
espiritual autônomo em oposição aos sistemas abrangentes” (1996, p. 10). Para Berenice
Martin, nesse espaço eles podem desenvolver “novas potencialidades pessoais e culturais”
(1998, p. 108).
Na pós-modernidade, a sobrevivência da religião parece não somente atada a uma
integração com a cultura das dias, como também estaria submetida às novas demandas de
satisfação religiosa individual dos adoradores. Pode-se acrescentar, ainda, que a religião
parece depender da habilidade de seus dirigentes em perceber a carência institucional de
aspectos sticos, haja vista o crescimento do esoterismo nas camadas economicamente
elevadas e a expansão do pentecostalismo nas classes médias da sociedade
30
como
reprodutores da noção de que o sagrado, não mais mediado pelas religiões tradicionais, pode
ser alcançado “também através de formas extra-sensoriais, de recursos como meditação,
concentração, exercícios físicos, florais de Bach” (C
AMPOS
, 1997, p. 47).
A cultura s-moderna, além de realojar o transcendente para dentro do próprio
indivíduo, é o espaço onde a visão holística do Universo e do homem surge simultaneamente
ao rompimento em relação à tradição teológica. Nessa perspectiva, o “homem busca seu
encontro e sua unidade com o sobrenatural, sem mediação”, instaurando a consolidação do
inconsciente como fonte de conhecimento, com o estímulo à hipnose, à intuição, e
favorecendo o recrudescimento do misticismo (D
ORNELES
, 2008, p. 52).
Assim, ao mesmo tempo em que o mundo contemporâneo assiste ao desenvolvimento
e expansão da teletecnociência, a cultura da pós-modernidade acentua os caracteres da
30
Cf. R
IBEIRO
, 2007, p. 123.
44
experiência sensível e da emancipação dos instintos. Segundo Terrin, por trás da noção de um
Deus cada vez mais pessoal e imanente, ao invés da antiga noção de um Deus distante e
transcendente, está o desejo humano de “encontrar o divino sem sofrer traumas, medos,
angústias”, de um conhecimento não-objetivo da divindade por meio da experiência espiritual
interna e da intuição, pois “Deus e o mundo” se encontrariam no íntimo e no espírito dos
indivíduos, na “energia cósmica e no ar” que se respira (1996, p. 80-86). Pode-se notar assim,
que a pós-modernidade parece vinculada a uma nova atitude religiosa, mais individualizada e
mística, a qual estaria também em processo de interação com os recursos tecnológicos mais
recentes.
A “experiência completa” da revelação, do êxtase, rompendo as fronteiras do
ego e da transcendência total... foi posta pela cultura pós-moderna ao alcance
de todo indivíduo, refundida como um alvo realístico e uma perspectiva de
auto-aprendizado para cada indivíduo, e recolocada no produto da vida
devotado à arte do comodismo do consumidor (B
AUMAN
, 1998, p. 223).
Assim como nos parques temáticos os indivíduos se deliciam com a natureza
simulacional e planejada do turismo contemporâneo, que sabem ser apenas uma distração e
um jogo, os “religiosos pós-modernos” adotam semelhante orientação face às experiências
religiosas. Estes, não teriam mais tempo para um tipo de autenticidade e reflexividade, e se
deliciam com a natureza simulacional e construída da religiosidade contemporânea. Mesmo
nas igrejas protestantes históricas, muitos estão abandonando seu compromisso com o cânone
bíblico-doutrinário em favor de uma experiência sensorial (M
ENDONÇA
, 2006, p. 96).
Nessa perspectiva, as igrejas deixariam de ser lugares aborrecidos, com finalidade de
educação dogmática pelo estudo da Bíblia, e incorporam, preferencialmente, as características
da pós-modernidade, procurando apresentar imagens e simulações espetaculares. Isto parece
estimular uma orientação diferente, mais lúdica, por parte de grandes multidões de religiosos
que assimilam a abordagem mais agradável dos cultos transformados em shows. Pode-se
argumentar que se trata de outra instância do confronto entre elite especialista religiosa e
populismo. “Todavia, as tendências populistas certamente entraram em evidência” nas últimas
décadas do século XX (F
EATHERSTONE
, 1995, p. 144).
Numa tentativa de delimitação binária, mas não totalmente oposta, de categorias de
religiões pós-modernas, pode-se apontar as religiões do “circuito neoesotérico”
31
e as
31
Círculo neoesotérico” ou “neoesoterismo” são termos empregados pelo antropólogo José Guilherme Magnani
para agrupar “o universo de crenças e práticas conhecidas esotéricas, alternativas, stico-esotéricas, da Nova
Era etc” (2006, p. 161).
45
denominações cristãs chamadas “neopentecostais” ou carismáticas”. O prefixo “neo” é útil
na conceituação de expressões religiosas de larga tradição histórica que, todavia, apresentam-
se no final do século XX, quase que simultaneamente a partir da década de 80, como
fenômenos de oferta e procura, de multiplicidade de variantes denominacionais, de
adaptabilidade à gica de mercado, de emprego de práticas associadas à magia e a um
misticismo que já foi chamado de “primitivo”.
A visibilidade que obtiveram nas mídias as classes artísticas preferiram o
neoesoterismo, enquanto o neopentecostalismo teve grande aceitação junto às classes média e
baixa –, e o espaço a elas concedido nos estudos acadêmicos, faculta ao pesquisador a busca
por sinais que possam qualificá-las como pós-modernas.
Na pós-modernidade, conjuntamente à erosão das grandes organizações religiosas
ocidentais, floresce uma religiosidade de grupos minoritários, mas também organizados e
competentes em seu novo padrão de identidade social e religiosa. Semelhantemente às
instituições históricas a que sucedem, esses pequenos grupos religiosos empregam a música
como material litúrgico, contudo, e com muito mais força, dão àsica o status de portadora
de expressão da fé, o que contribui para a sacralização de gêneros musicais tradicionalmente
afastados dos cultos e apresentações musicais. Qual seria, pois, a música das religiões pós-
modernas? Na delimitação desse trabalho, quais seriam os estilos musicais das religiões pós-
modernas de raiz cristã?
Se as variantes do neoesoterismo se valem do new age, um gênero de multi-
instrumentalidade com predileção por instrumentos de culturas antigas e que evoca estados de
meditação e relaxamento, sendo um estilo mais apropriado às propostas das religiões da Nova
Era, as igrejas neopentecostais e as católico-carismáticas têm explorado quase todos os
gêneros musicais, especialmente os estilos musicais de maior circulação radiofônica e
televisiva. As bandas e cantores neopentecostais, assim como os grupos do carismatismo
católico, empregam tanto as formas musicais internacionais ou supranacionais, como o rock e
suas variações pop ou metal, o reggae e o funk, quanto os gêneros (identificados como) de
matriz brasileira, como o forró, o pagode, o samba e o sertanejo. Todos esses estilos musicais
estão agregados sob uma mesma definição usual: o gospel.
Os estudos de Souza (2005), Fonseca (2003) e Amstalden (2001) analisam a
renovação carismática do catolicismo brasileiro e sua inserção na mídia, sua adoção do
marketing religioso e o enfoque aos padres-cantores. O neopentecostalismo também é cada
vez mais estudado na perspectiva de sua interação com as mídias e com o mercado e pela
notável expansão da indústria gospel brasileira. Os capítulos seguintes irão descrever os sinais
46
da cultura pós-moderna presentes nas características da cultura gospel e verificará como as
canções do gospel nacional contemporâneo podem revelar as propostas do
neopentecostalismo.
47
CAPÍTULO 2
NEOPENTECOSTALISMO: MÍDIAS E MÚSICAS
Música, religião, mercado: na abertura do DVD Alegria, gravado ao vivo, o pastor e
cantor André Valadão avisa o público que “é hora de tirar o do chão”, em uma imitação
das palavras de comando dos cantores seculares dos trios elétricos. Os estilos musicais
alternam canções lentas e evocativas de momentos de comunhão com o pop/rock repleto de
riffs de guitarra. Nos extras do DVD, apresenta-se a propaganda da “Amém”, grife de roupas
com visual e estampas de frases evangélicas.
Desde as últimas duas décadas do século XX, o pentecostalismo e suas variantes
denominacionais abrem cada vez mais novas igrejas e seguem buscando fiéis em todos os
estratos sociais, a presença de suas mídias televisiva e radiofônica verifica-se em todo o
território nacional, a variedade de bens de consumo vinculados aos pentecostais é cada vez
mais abrangente, e o lobby evangélico tem alcançado proeminência política.
Nesse processo de expansão, a música gospel desempenha um papel de grande
relevância, servindo também como marca do pentecostalismo contemporâneo. O intensivo
uso da mídia funciona como grande divulgador dos conteúdos religiosos, sendo que boa parte
da programação diária das rádios e TVs está reservada às músicas de um elevado número de
cantores, “astros” da indústria fonográfica evangélica. Essa indústria é constituída por um
conjunto de gravadoras que, além de artistas, produtores, músicos e técnicos, agrega
retransmissoras de dio, ocupa espaços pagos nas TVs abertas e estabelece escritórios de
promoção e administração das carreiras do seu elenco de cantores. Um dos fatores que
marcam o crescimento da indústria fonográfica gospel no Brasil é a adoção de quase todo tipo
de gênero musical: das lentas baladas ao dançante forró, do rap ao pagode, todos os estilos
musicais servem às novas demandas de louvor e adoração religiosa dos fiéis e às estratégias
de expansão de mercado por parte dos empresários do ramo fonográfico neopentecostal.
É preciso antes definir a configuração do subcampo religioso onde se situa o
evangélico contemporâneo denominado neopentecostal. Os dados dos censos realizados entre
1990 e 2007 fornecem informações quanto às religiões seguidas pelos brasileiros e
demonstram um avanço pentecostal; por outro lado, as análises sociológicas em torno dessas
pesquisas podem contribuir para o entendimento do fenômeno no que diz respeito às novas
características doutrinárias e culturais que constituem o conteúdo neopentecostal. Dessa
forma, é possível traçar um paralelo entre as mudanças centrais efetivadas na cultura da pós-
48
modernidade e as modificações teológicas observáveis nas ões neopentecostais. E ainda,
como esta dissertação vincula-se ao estudo da música gospel, este capítulo também irá
verificar como a renovação doutrinária neopentecostal está intimamente relacionada à
renovação da música cristã.
2.1 Configuração do campo neopentecostal
O grande número de denominações surgidas na dinâmica da cisão do protestantismo
no Brasil gerou estudos e propostas de classificação que buscaram justapor, em uma tipologia,
as múltiplas divergências confessionais de origem e de teologia ou de confissão existentes
entre elas. Subdividem o campo protestante em igrejas Históricas Luterana, Presbiteriana,
Congregacional, Anglicana, Metodista, Batista, Adventista –, Pentecostais – Congregação
Cristã no Brasil, Assembléia de Deus, Evangelho Quadrangular, Brasil Para Cristo, Deus é
Amor –, e Neopentecostais Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus,
Renascer em Cristo, Sara Nossa Terra.
32
Freston (1993), Mariano (1999) e Cunha (2007) estabelecem uma divisão tríplice do
pentecostalismo
33
com base em períodos históricos de implantação e em distinção teológica e
comportamental em vez dos modelos dualistas propostos por Mendonça (1989) e Bittencourt
(2003). O pentecostalismo clássico reúne as igrejas pioneiras: Congregação Cristã
(estabelecida no Brasil em 1910)
34
e Assembléia de Deus (1911), que se caracterizaram pela
crença no dom de línguas a glossolalia –, pelo anticatolicismo, pelo ascetismo e sectarismo
radicais, sendo que a segunda denominação parece demonstrar maior assimilação quanto às
mudanças no campo pentecostal e na sociedade em geral.
32
Para maior contato com tipologias do campo protestante no Brasil, cf. Prócoro Velasques (1990), Antonio G.
Mendonça (1995) e José Bittencourt Filho (2003).
33
Bittencourt (2003) divide o pentecostalismo em Clássico (estabelecido no Brasil no início do século XX pelo
movimento pentecostal missionário norte-americano), e Autônomo (de expansão e constante cisão de igrejas a
partir dos anos 80 que incluiria os neopentecostais). Seguindo um modelo tricotomista, as igrejas pentecostais
pioneiras e que se caracterizam pelo batismo do Espírito Santo, chamado de glossolalia, são classificadas como
pertencentes ao Pentecostalismo Clássico (F
RESTON
, 1993; M
ARIANO
, 1995) ou Histórico (C
UNHA
, 2007). As
denominações surgidas na segunda metade do século XX, que enfatizam a Teologia da Prosperidade, a Guerra
Espiritual, as práticas de exorcismo e cura divina e a relativização do ascetismo pentecostal histórico, como as
igrejas Universal do Reino de Deus, Brasil para Cristo e Deus é Amor o relacionadas ao pentecostalismo de
“segunda onda” por Freston, Pentecostalismo Independente por Cunha, e de “cura divina” por Mendonça (id.,
ibid.). As igrejas surgidas a partir dos anos 80, que diferem do grupo anterior pelo proselitismo junto às classes
médias e à juventude e pela atenuação das práticas místicas, como a Renascer para Cristo, a Bola de Neve e a
Sara Nossa Terra, estão no grupo do pentecostalismo de terceira onda”, segundo Freston, do
“neopentecostalismo”, segundo Mariano, ou do pentecostalismo independente de renovação, segundo Cunha.
34
As igrejas relacionadas nesta página têm sua data de instalação no Brasil indicada entre parênteses.
49
Um segundo subgrupo pentecostal é constituído pelas igrejas Evangelho Quadrangular
(1953), Brasil para Cristo (1955), Deus é Amor (1962) e Casa da Benção (1964), marcadas
pela ênfase na cura divina, em pregações de teor avivalista e no uso do rádio como veículo
proselitista. O terceiro subgrupo é denominado neopentecostalismo, e o termo é empregado
para se referir às igrejas Universal do Reino de Deus (1977), Internacional da Graça de Deus
(1980), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1986) e Renascer em Cristo (1986). Essas
igrejas caracterizam-se pela pregação da Teologia da Prosperidade, pelo emprego de práticas
típicas do Cristianismo pré-Reforma, como o uso de simbologia mística na Guerra Espiritual
contra as “forças do mal”, pelo rompimento com o ascetismo pentecostal que visava à
separação dos costumes seculares e pela intensificação do uso das mídias. Algumas igrejas
neopentecostais mais recentes, como as Comunidades (Evangélicas, da Graça) e Bola de
Neve, assim como a Renascer em Cristo, atenuaram a ênfase na cura e no exorcismo,
reestruturando seus modelos de proselitismo a fim de alcançar classes sociais e grupos
urbanos diversificados.
Apesar das evidentes diferenças entre protestantes e neopentecostais, os membros
dessas igrejas são conhecidos e agrupados por um único termo: evangélicos.
35
E por esse
termo são identificados pela mídia, pelos não-protestantes (católicos, espíritas, umbandistas) e
pelos próprios protestantes e pentecostais, apesar das divergências teológico-doutrinárias
bastante profundas entre os grupos.
Os dados dos Censos Demográficos do IBGE realizados entre 1970 e 2000 revelam
um forte crescimento dos evangélicos, especialmente dos evangélicos pentecostais, e um
recuo no número de católicos. Essas pesquisas, analisadas no Atlas da filiação religiosa e
indicadores sociais no Brasil (2003), demonstram que os evangélicos perfaziam 5,2% da
população brasileira em 1970, enquanto o total de católicos era de 91,8% . Em 1980, os
evangélicos somavam 6,6%, sendo 3,2% de pentecostais e 3,4% de não-pentecostais,
enquanto o número de católicos era de 89% no mesmo período. No Censo de 1991, os
católicos eram 83% da população, e os evangélicos eram 9%, sendo 6% de pentecostais e 3%
de não-pentecostais. Em 2000, os católicos apresentavam-se majoritariamente nos números da
pesquisa, porém, o recuo tornava-se evidente: de 83%, passaram para 73,9% na última
pesquisa. Os evangélicos, que somavam 9% em 1990, eram 15,6% em 2000, com os não-
pentecostais passando de 3% para 5% e os pentecostais saltando de 6% para 10,6%.
35
O termo “protestante” é mais utilizado por estudiosos das áreas da Teologia e das Ciências da Religião.
50
A pesquisa DataFolha
36
aponta do mesmo modo uma significativa expansão
pentecostal ocorrida no último decênio do século XX. A tabela a seguir indica a continuidade
do declínio no total de católicos e o menor crescimento do outro grupo de evangélicos.
Tabela 1 - Dados percentuais de religiosos no Brasil
Ano Católicos Evangélicos
Pentecostais
Evangélicos
Não-pentecostais
Espíritas Outras
Religiões
Sem
Religião
1996 74% 11% 4% 3% 4% 5%
2007 64% 17% 5% 3% 5% 6%
O Centro de Pesquisas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) tem aprofundado
as estatísticas sobre os laços entre economia e religião. A partir de microdados da Pesquisa de
Orçamentos Familiares/IBGE de 2003, os estudos apontam que havia mais católicos (19, 7%)
que evangélicos (11, 4%) nas áreas rurais enquanto que, nas periferias urbanas, havia maior
concentração de evangélicos (25, 5%) do que de católicos (16, 7%). A renda média mensal
dos pentecostais (R$ 1. 496) mostrava-se menor do que a renda de católicos (R$ 2. 023),
evangélicos históricos (R$ 2. 202) e espiritualistas (R$ 4. 220).
A pesquisa revelou que as condições de moradia ruins eram admitidas por 15, 89%
dos pentecostais, contra 11, 34 % dos que consideravam sua moradia como boa. O maior
número de religiosos em condições ruins de moradia demonstrou-se estar entre católicos (69,
18 %) ao passo que o menor percentual era de evangélicos tradicionais (4, 11 %). Os dados
sobre a economia dos religiosos, portanto, “demonstram com clareza que a velha pobreza
brasileira [...] continua católica, enquanto a nova pobreza [...] estaria migrando para as novas
igrejas pentecostais e para os chamados segmentos sem religião” (N
ÉRI
, 2006, p. 7).
O avanço evangélico ocorre, também, em outros países e continentes. Os pentecostais
representam o grupo cristão mais numeroso na África (34,9%) e na Ásia (43,1%); nos Estados
Unidos, ocupam o segundo lugar no bloco cristão (30,5%), assim como na América Latina
(27,2%).
37
A que se deve esse expressivo aumento do número de evangélicos pentecostais? A
menor densidade teológica de suas mensagens, a aproximação dessas igrejas às populações
mais carentes da periferia, o teor emocionalista dos seus cultos, as práticas mágico-religiosas
36
Os números da pesquisa Datafolha foram obtidos em pesquisas realizadas nos dias 19 e 20 de março de 2007,
na qual foram feitas 5.700 entrevistas em 236 municípios de 25 unidades da Federação (Fonte: Especial
Religião. Folha de S. Paulo, São Paulo, 6 de maio 2007, p. 2-3).
37
O jornal Valor de 30 de março de 2007 apresenta como fontes: Para um mapa das religiões mundiais, do
sociólogo Arnaldo Nesti, e National Leadership Roundtable on Church Management in the US.
51
empregadas nas suas reuniões seriam razões que explicariam tal expansão? Por suas
características, o neopentecostalismo pode ser designado como uma religião pós-moderna?
Antonio Gouvêa Mendonça indica duas hipóteses como possíveis respostas às
perguntas sobre a expansão do neopentecostalismo no Brasil: a primeira seria “a atração
simbólica de um sagrado mais livre” e a segunda hipótese seria “a característica popular que
lhes permite [aos neopentecostais] uma melhor imersão no cotidiano” (2006, p. 107). O
relacionamento mais livre com o sagrado provém de uma independência em relação aos
dogmas e doutrinas tradicionais, o que permite aos adeptos maior liberdade de
comportamento. A compreensão teológica de um Deus mais imanente, mais próximo das
pessoas, contribui para uma comunhão sem mediações oficiais, bem como para uma prática
litúrgica mais livre.
A característica mais popular do neopentecostalismo descobre-se no anti-
intelectualismo, tendência que vê no conhecimento doutrinário ou na erudição um obstáculo à
comunhão e ao acesso das camadas sociais mais pobres; no emprego de práticas místicas e
estilos de música populares, que facilitariam a inserção do neopentecostalismo no cotidiano
de uma população acostumada ao sincretismo mágico-religioso brasileiro (O
RTIZ
, 1980, p.
100) e às expressões musicais da mídia; na Teologia da Prosperidade, que prega a ascensão
financeira ligada ao crescimento espiritual e atua como fator de atração para as classes sociais
situadas nas incertezas da vida urbana, “maltratadas pelas mutações sociais e econômicas”
(O
RO
;
C
ORTEN
;
D
OZON
, 2003, p. 14); e, na geração de redes de relações sociais que amparam
e protegem os novos filiados e as pessoas em situação de pobreza (A
LMEIDA
, 2006). As
palavras de Ricardo Mariano sobre a expansão da Igreja Universal podem ser estendidas ao
sucesso das igrejas neopentecostais brasileiras, que também
resulta do desempenho de sua liderança eclesiástica e administrativa à frente
do governo denominacional, do trabalho religioso em período integral e da
eficiência de seu clero, do ativismo militante dos obreiros, do poder de
atração de sua mensagem, do investimento em redes de comunicação e da
acentuada eficácia das técnicas e estratégias de proselitismo eletrônico, da
oferta sistemática de serviços mágicos adaptados aos interesses materiais e
ideais de estratos pobres da população, do sincretismo de crenças e práticas
mágico-religiosas em continuidade com a religiosidade popular (
M
ARIANO,
2004).
O neopentecostalismo surge num momento em que as fronteiras entre sagrado e
secular estão em acelerado processo de diluição. Conrad Ostwalt (apud B
ORN
, 2003) observa
que em muitas igrejas cristãs contemporâneas não ocorre mais uma polarização entre sagrado
e secular, mas sim um nivelamento, resultante do direcionamento histórico e gradual de
52
pensadores religiosos que, desde o Iluminismo, teriam concedido cada vez mais espaço ao
pensamento secular. Na década de 1960, Paul van Buren e A. T. Robinson notaram que “a
religião estava fazendo concessões aos titãs da cultura secular” e, na sua luta para escapar da
obsolescência, estava se tornando mais semelhante à sociedade em geral (id., ibid.). No
esforço eclesiástico de dar sentido ao conteúdo bíblico para as novas gerações, os tradicionais
limites de separação de um modelo cultural secular foram progressivamente apagados, o que
estaria levando a um processo de nivelamento do dualismo sagrado/secular. Segundo
Benedetti, a capacidade de mimetização das igrejas cristãs na pós-modernidade, expressadas
em eventos como o “Carnaval de Jesus”, a “balada gospel”, demonstram uma capacidade de
sacralização do profano, o que revela que “há, aqui, mais do que transposição, um
nivelamento entre sagrado e profano” (2006, p. 132).
Na pós-modernidade, a maior autonomia dos adeptos de uma determinada religião
contribui para que as instituições religiosas façam tentativas de reorganização do pensamento
doutrinário a fim de garantir sua sobrevivência no “mercado das religiões”. O pluralismo
religioso leva a uma maior concorrência entre as diversas igrejas, que procuram criar meios
para conservar os filiados e atrair novos seguidores, utilizando, até mesmo, o reprocessamento
de tradições gico-religiosas. Essa competição entre as igrejas está situada na lógica de
mercado capitalista, em que o posto de instituição de sucesso é alcançado por meio de busca
incessante pelos melhores resultados numa sociedade marcada pela desigualdade de
oportunidades.
O processo de sacralização de costumes e práticas seculares atua diretamente sobre a
relativização da noção de santidade protestante, da ética do consumo, do uso da mídia e da
renovação litúrgica. Assim, o estímulo ao consumo, a inserção midiática e a canção gospel
tornam-se forças propulsoras para o crescimento neopentecostal amparado pelo nivelamento
entre sagrado e profano. A autonomia leiga e a concorrência institucional parecem conduzir
as igrejas cristãs a uma orientação rumo às marcas da cultura contemporânea de rejeição de
tradicionalismo, de adoção de antigos processos mágico-religiosos e de inserção na lógica de
mercado e na cultura das mídias.
Vale ressaltar que o neopentecostalismo estrutura-se na tensão entre o antigo e o novo,
pois, ao mesmo tempo em que busca a inovação tecnológica e as mais recentes técnicas de
gerenciamento, sua recusa parcial da tradição protestante e sua adoção de antigos processos
mágico-religiosos o fazem apresentar-se como vinho novo em odres velhos” (C
UNHA
, 2007,
p. 198).
53
O estudo das propostas religiosas neopentecostais, que perfazem um entrecruzamento
de aspectos tradicionais do protestantismo e do pentecostalismo com as marcas sócio-
econômicas da cultura pós-moderna, auxilia no entendimento da configuração do que se pode
chamar de cultura gospel, ou seja, uma manifestação cultural identificada com as novas
atitudes e comportamentos dos evangélicos neopentecostais (cf. C
UNHA
, 2007, p. 31-32).
Portanto, o nero musical gospel, originariamente um tipo de canção religiosa de
movimentos avivalistas norte-americanos do final do século XIX, e que hoje serve como
termo aglutinador dos vários estilos musicais da liturgia evangélica, também é utilizado para
auxiliar no entendimento dos eventos no campo religioso evangélico brasileiro e na descrição
da formação de uma nova expressão religiosa, a cultura gospel.
2.2 Relativização da noção de santidade
Magali Cunha indica que um dos sinais da cultura evangélica é a
relativização da tradição de santidade protestante puritana de restrição de
costumes, de rejeição da sociedade e das diferentes expressões culturais
brasileiras com a busca da valorização do corpo expressão corporal e lazer
e a construção da imagem de que os adeptos do segmento evangélico são
cidadãos “normais”, não isolados, mas inseridos socialmente (
C
UNHA, 2007,
p. 172).
A maneira puritana
38
de ver o mundo como algo do qual se deveria resguardar
levou os protestantes brasileiros a uma busca de santidade por meio de sua separação do
mundo, que incentiva o ascetismo na aparência pessoal e a o-participação em festas
dançantes, como o Carnaval e os folguedos folclóricos, e em divertimentos populares, como o
cinema, o teatro e a música popular. Embora os sinais de diferenciação dos conversos ao
protestantismo se mostrassem como rejeição da cultura social dominante, o que produzia um
ascetismo e um sectarismo radicais que os distanciava da sociedade, no final do culo XX
assistiu-se a uma modernização dos costumes dos novos religiosos. A dinâmica da moda, o
recrudescimento da cultura do lazer e do entretenimento e o culto ao corpo são fenômenos
38
O puritanismo protestante, surgido na Inglaterra, defendia disciplina rígida para os membros que não
acompanhassem a severa ética de conduta calvinista e pregava a reforma moral da vida com fins de salvação. Tal
ética, que incluía a moderação nos gastos financeiros e a dedicação honesta ao trabalho, também rejeitava “as
restrições tradicionais sobre a empresa econômica” e seria a base inicial do capitalismo dos séculos XVIII e XIX
(T
AWNEY
, 1971, p. 215).
54
culturais que atuam com grande repercussão na sociedade, auxiliados pela força globalizante
do mercado e das mídias.
As igrejas cristãs descobriram que a inserção na modernidade deveria passar, também,
pela atualização de normas e costumes, desde a liberdade de vestuário à liberdade de
divertimentos, o que significou uma mudança liberalizante que visa a acompanhar as
tendências de comportamento da passagem de século opondo-se às restrições morais da ética
puritana, com os espaços de lazer e entretenimento populares inseridos como “ingredientes
para o modo de vida evangélico, e a dança e a expressão corporal incentivadas também nos
momentos de culto” (idem, p. 180).
De acordo com Dorneles, o atual espaço do sagrado “abriga manifestações do mundo
profano”, onde “o adorador não vê oposição entre Deus santo e comportamento trivial”, o que
torna o culto mais atrativo (2008, p. 118). Fonseca (1998) aponta que o êxito da Igreja
Renascer em Cristo, responsável pela difusão da cultura gospel” no Brasil, relaciona-se a
uma nova noção de santidade, em que “os jovens convertidos o necessitam assumir novos
gestuais e vestuário para serem evangélicos” e os estilos musicais gospel não são visual ou
auditivamente diferentes dos estilos seculares correlatos.
Segundo César e Shaull, o pentecostalismo faz uma “inserção na modernidade” ao
substituir os parâmetros tradicionalistas do protestantismo por padrões contemporâneos de
proselitismo religioso, como a dança, as “canções populares com letra religiosa” e os eventos
públicos de reunião de massa (1999, p. 28-29). Esses fatores, aliados a uma visível atenuação
de rígidas normas comportamentais, facilitariam a expansão das igrejas que absorvem meios
mais modernos de divulgação de sua mensagem.
Essa mensagem, porém, não é portadora de uma anulação por completo da tradição
protestante da busca pela santidade. Se por um lado uma interação com as expressões
culturais populares e um declínio do conhecimento doutrinário bíblico tradicional (anti-
intelectualismo), de outro lado a manutenção de elementos de sectarismo protestante (a
separação das coisas do mundo”, principalmente shows e festas populares) e conservação de
dogmas morais elementares (como a rejeição de sexo extraconjugal e do homossexualismo).
Entretanto, o distanciamento do círculo midiático do entretenimento popular não impede que
os músicos do gospel apresentem-se nos palcos com o visual e a postura dos artistas
considerados seculares ou que recebam tratamento de estrelas da música pop, com direito ao
comportamento de fã por parte do público.
55
2.3 Sacralização do consumo
Em 2008, em sua sétima edição, a ExpoCristã passou a integrar o calendário oficial da
cidade de São Paulo (Lei 14. 567, de autoria do vereador Carlos Bezerra Júnior). Segundo os
organizadores, os negócios gerados durante a feira foram calculados em mais de 100 milhões
de reais, números que comprovam a importância da ExpoCristã para o setor que atraiu um
público de mais de 140 mil pessoas. Durante o evento, a profissionalização do mercado
evangélico foi destaque no Congresso Consumidor Cristão, de capacitação para o lojista
evangélico, e no Congresso Voe Mais Alto, voltado para o desenvolvimento de liderança.
A sacralização do consumo é outra das características da cultura gospel apontadas por
Cunha (2007, p. 173-176). A inserção do neopentecostalismo na modernidade faz-se
representar pelo sucesso da Teologia da Prosperidade e pelo crescimento do mercado
especificamente voltado para os evangélicos. De acordo com o bispo Edir Macedo, ser
cristão é ser filho de Deus e co-herdeiro de Jesus; dono, por herança, de todas as coisas que
existem na face da terra” (1993, p. 11). Nessa linha de pensamento, o indivíduo é incentivado
a relacionar sua espiritualidade às bênçãos materiais a prosperidade física e espiritual o é
descartada – que podem advir de sua fidelidade nas doações à igreja (dízimos e ofertas), numa
espécie de sociedade com Deus”. Essa tendência pode ser notada no estímulo à prosperidade
financeira feito pelos pregadores. A Igreja Universal promove reuniões específicas para
empresários, assim como “correntes da prosperidade”. As lideranças neopentecostais
enfatizam uma teologia que preuma melhoria de vida neste mundo, com o enriquecimento
valorizado por ser um “direito” e uma “herança” divina dos fiéis (M
ESQUITA
, 2007).
A Teologia da Prosperidade está ligada à crença na “Confissão Positiva”, um método
retórico capaz de “atrair bênçãos”, com origem nos Estados Unidos e que perpassa as obras de
líderes religiosos como Caio Fábio e Edir Macedo e as falas de pregadores eletrônicos como
Valnice Milhomens, Miguel Ângelo, R. R. Soares e do casal Estevam e Sônia Hernandes.
39
De acordo com o site Cristianismo Hoje, no início do segundo mandato, o presidente
Lula recebeu no Palácio do Planalto um grupo de líderes evangélicos, entre eles, o pastor
Ariovaldo Ramos, na época membro do Conselho de Segurança Alimentar da Presidência da
República (CONSEA), a cantora Baby do Brasil, pastora do Ministério do Espírito Santo de
39
Norman Vincent Peale foi grande propagador dessa doutrina com o livro O poder do pensamento positivo e os
pastores Kenneth Hagin e Robert Schüller também difundiram-na no meio cristão. A Confissão Positiva no meio
evangélico brasileiro foi estudada por Ricardo Gondim (O Evangelho da Nova Era. Uma análise e refutação
bíblica da chamada Teologia da Prosperidade. ed. São Paulo: Abba Press, 1999); Paulo Romeiro
(Supercrentes. O Evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade. ed.
São Paulo: Mundo Cristão, 1996); ver também Ricardo Mariano (1999) e Alexandre Fonseca (1998).
56
Deus em Nome de Jesus, e a apóstola Valnice Milhomens, da Igreja Nacional do Senhor Jesus
Cristo.
Não se comenta, na matéria, a histórica rejeição a Lula nos tempos de candidato à
presidência, mas ressalta-se o caráter profético da fala de Valnice Milhomens, que teria dito
ao presidente: “Tenho jejuado pedindo a Deus que o abençoasse já há alguns anos. E o Senhor
me disse que irá abençoar o Brasil através do seu mandato como nunca antes na história dessa
nação”. Assim, mesmo o crescimento econômico do Brasil foi sacralizado, pois, para Baby do
Brasil, “o Senhor era com o presidente”.
40
Outro exemplo está no que diz a bispa Sônia Hernandes sobre a prática religiosa:
“Segredos, segredos espirituais, de como estar bem com a família, de como ser bem-sucedido
nos negócios e de como estar equilibrado interiormente. É isso que a gente passa para você no
‘De Bem Com a Vida’, porque com essa esperança que vem de Deus não tem quem segure a
gente!” (Programa De Bem Com a Vida, fevereiro de 1997).
41
Alexandre Fonseca (1998)
relata uma reunião realizada em 17 de março de 1997, em que Estevam Hernandes, durante os
quase 90 minutos em que falou, pediu que a platéia repetisse frases do tipo: “Eu sou líder, eu
sou líder em Cristo Jesus”; profetize sobre sua vida diga: ‘Eu quero ser um líder, a minha
empresa será líder, a partir de hoje não aceito nada novo que não seja liderança’”.
Como uma religião da pós-modernidade, o neopentecostalismo assimila técnicas da
linguagem de auto-ajuda (com o emprego de termos como positivo”, “energia”, “equilíbrio”,
“poder”) e semelhanças com os ensinamentos de prosperidade do neoesoterismo da Nova Era.
Como indica um dos teóricos da Confissão Positiva:
ter uma consciência de prosperidade permite que você atue com facilidade e
sem esforço no mundo material. O mundo material é o mundo de Deus, e
você é Deus sendo você. Se você está experimentando prazer, liberdade e
abundância na sua vida, então você está exprimindo sua verdadeira natureza
espiritual. E quanto mais espiritual você se torna, mas prosperidade você
merece” (Phil Laut apud H
EELAS
, 1996, p. 21, citado em F
ONSECA
, 1998).
Nesse novo contexto, o mercado evangélico tornou-se um ramo de negócios em
crescente expansão no Brasil. Até os anos 1970, esse mercado ocupava-se principalmente
com vendas de literatura denominacional, produtos alimentícios e artigos musicais, como
hinários e discos da hinologia tradicional. No século XXI, além de atender às expectativas
espirituais e de saúde, a variedade de produtos comercializados visa à satisfação das
40
“Fé no Brasil”, disponível em <www.cristianismohoje.com.br>. Acesso em 25 mar. 2009.
41
Citado em Fonseca (1998).
57
necessidades mais particulares dos fiéis, como vestuário e embelezamento pessoal, e também
oferece celulares e um grande número de acessórios. O que tem caracterizado a maior parte
dos produtos gospel é uso de slogans religiosos e versos bíblicos nas embalagens e nos
objetos, o que coopera para dar ideia de sacralidade do consumo.
Lançado no mercado em 2008, o refrigerante Leão de Judá Cola é a aposta do
empresário Moisés Magalhães para “conquistar cada consumidor no Brasil e no mundo”,
conforme diz o site da empresa Alfa Gold. “Determinamos em nome do Senhor Jesus
dividirmos a história do refrigerante em antes e depois do Leão de Ju Cola”, informa a
campanha no produto. A empresa anuncia que “o Espírito Santo já nos confirmou que Ele tem
sete mil distribuidores Leão de Judá somente no Brasil” e faz uma citação pouco ortodoxa de
um versículo bíblico: “Também conservei em Israel SETE MIL, todos os joelhos que não se
dobraram a Baal” (I Reis 19: 18). Entre os Dez Mandamentos do refrigerante descritos no site,
o segundo diz: “Amar o próximo: amarmos nossos consumidores como a nós mesmos”,
enquanto o décimo sintetiza: “Crescimento Global”.
42
A marca de camisetas voltadas para o público cristão “Linho Finíssimo” utiliza como
apoio religioso um versículo do livro de Apocalipse (19:8): “pois lhe foi dado vestir-se de
linho finíssimo, resplandecente e puro. Porque o linho finíssimo são os atos de justiça dos
santos”. A empresa Belttty, que trabalha com camisetas femininas baby-look, anuncia em seu
site que “aqui temos uma equipe preocupada com a Qualidade para sua empresa... louvando e
adorando a Deus.” (reticências e iniciais maiúsculas do original).
43
A revista especializada Consumidor Cristão apresenta uma matéria sobre a espetacular
expansão do mercado gospel, cujos números ultrapassariam a marca dos 30 milhões em
negócios, em que diz: “Afinal, qual é o crente que não dá uma apertadinha no orçamento para
poder comprar aquele livro edificante ou o CD abençoado de louvor e adoração que acabou de
sair?”.
44
Observa-se, então, que os produtos recebem uma espécie de “benção” ou
“santificação”, o que proporcionaria um status de sagrado ao produto, ao produtor e ao
consumidor. Um livro de receitas ensina a fazer os pratos consumidos nos tempos de Jesus.
Ilustradas com fotos, as receitas vêm acompanhadas de citações bíblicas. chinelos
emborrachados que trazem nas tiras e no solado a frase Jesus é o caminho. A linha de
42
Cf. www.leaodejudacola.com.br. Acesso em 17 nov. 2008.
43
Disponível no site www.belttty.com.br. Acesso em 26 mar. 2008.
44
Em <http://www.consumidorcristao.com.br/default.asp?ACT=5&content=16&id=19&mnu=19>. Acesso em
26 mar. 2008.
58
cosméticos Aroma Gospel anuncia dispor de aromas bíblicos como mirra e sândalo e traz nas
embalagens versículos da Bíblia.
Fig. 1 - Anúncio de camisetas da empresa Belttty
45
Fig. 2 - Produtos Aroma Gospel
As estratégias de marketing m sido assimiladas pelos empreendedores do mercado
gospel. Com o título Mercado evangélico cresce e atrai capital,
46
o periódico Valor
Econômico, de 03 de agosto de 2005, entrevistou o gerente de marketing da Editora Vida,
Sérgio Pavarini, que com um jogo de palavras afirmou: “Costumamos dizer que não
publicamos auto-ajuda, mas ajuda do alto”. O endereço eletrônico da revista Consumidor
Cristão
47
contém uma matéria com “dicas de marketing para os lojistas evangélicos, ou
melhor, para empresários do ramo de produtos voltados ao consumidor evangélico. Entre as
sugestões da revista, lê-se: “Promoções não se resumem a preço e prazo. Incentive sua equipe
de vendas a indicar produtos relacionados às ocasiões”; “Agregue valor ao seu produto
relacionando-o com um presente típico da data em voga. Por que não fazer uma venda casada
do seu produto com chocolate durante a Páscoa?”; e, “aproveite-se dos clichês. Dias das Mães
pede sugestões delicadas, femininas, flores e muito sentimentalismo”. Em outra coluna, com o
título “Tudo tem seu valor”, as dicas são de técnicas de venda em efemérides, como “Natal: O
valor é o encantamento dos filhos, seu sorriso de alegria ao receber o presente. Os pais são os
intermediários e o vendedor apenas o atendente”; ou, “Páscoa: O valor é a amizade, é a
alegria de se sentir querido. O comprador é o intermediário e o vendedor um incentivador”.
45
Propaganda de produtos Belttty e Aroma Gospel disponíveis nos sites oficiais correspondentes.
46
Em www.cpl.org.br. Acesso em 27 mar. 2008.
47
Em <http://www.consumidorcristao.com.br/default.asp?ACT=5&content=29&id=19&mnu=19>. Acesso em
26 mar. 2008.
59
Tabela 2 - Perfil do segmento comercial gospel
PERFIL
EMPRESAS
ESTRELA
DA MANHÃ
GRUPO BOM
PASTOR
MANANCIAL
NEXT
NOVEAU
Tipo de
negócio
Produção de
adesivos e
brindes
Gravadora,
editora e rede
de lojas
Lojas de artigos
evangélicos
Editora e
agência de
propaganda
Ano de
fundação
1992
1971
2000
1995
Sede
São Paulo
(SP)
São Paulo
(SP)
Vitória (ES)
Vitória (ES)
Nº de
funcionários
11
85
10
40
Faturamento
bruto
anual (R$)
360 mil
17 milhões
720 mil
1,4 milhão
Fonte: Pequenas empresas & grandes negócios. Ed. 230 – março/2008
Wania Mesquita afirma que os bens oferecidos não podem ser considerados
meramente como mais um produto oferecido no mercado, e sim como discursos do sagrado
“combinados com desejos e necessidades das pessoas das camadas mais desfavorecidas que
brotam de uma sociedade e cultura do consumo” (2007, p. 142). Os consumidores não
estariam se orientando por uma perspectiva unicamente utilitarista, posto que suas aspirações
são eticamente justificadas pela Teologia da Prosperidade, a qual possibilita uma integração
da “mensagem pentecostal a um contexto socioeconômico em que os fiéis valorizam a
poupança e os investimentos como estratégias de uma ética de consumo”.
Outras visões observam a estreita relação entre o empreendedorismo comercial e as
atividades religiosas institucionais:
Enquanto em Weber o protestantismo tradicional liberou o cidadão comum
cristão da culpa católica de acumulação privada de capital, aqui os
movimentos religiosos emergentes liberaram a acumulação privada de
capital através da igreja. A maior ligação entre o espírito empresarial e a
organização religiosa seria uma marca dos novos ramos religiosos hoje no
Brasil – e na América Latina.
48
Nesse ponto, Campos entende que a acomodação de crenças neopentecostais dispensa
a ética protestante, segundo Max Weber, ligada às origens do capitalismo e à prática de uma
poupança ascética, e a teria substituído “por uma ética de consumo compulsório(1997, p.
48
Disponível em <http://www4.fgv.br/cps>. Acesso em 14 nov. 2008.
60
176, grifos do original). O cristianismo contemporâneo demonstra, por meio do mercado
gospel, estar inserido na modernidade ao ressignificar as expressões de e as relações com o
sagrado, perfazendo em suas novas práticas mercadológicas um curso integrado ao contexto
sócio-econômico pós-moderno.
2.4 Retomada de práticas mágico-religiosas
As igrejas neopentecostais podem também ser analisadas sob a perspectiva das
práticas mágicas e do apelo a fenômenos extáticos observados com freqüência em seus cultos.
A pregação da cura divina por meio de rituais de exorcismo, as sessões de “descarrego”,
“fechamento de corpo”, retirada de encostos”, aspersão de fiéis com água benta e sal grosso,
fazem parte da Guerra Espiritual contra as “forças demoníacas” que obstruem o caminho de
sucesso dos indivíduos. Essa perspectiva estimula uma orientação que se assemelha à
cosmovisão mágico-religiosa das religiões de apelo popular, sejam estas de origem cristã ou
afro-brasileira. O sincretismo é o elo que conjuga tradições aparentemente divergentes, mas
que parecem organizadas dentro de um sistema que reúne traços do contexto místico do
catolicismo popular e das religiões afro-brasileiras, o que pode ser notado na nomenclatura
mística pentecostal que emprega os termos “água abençoada”, unção”, “corrente da mesa
branca”, “fogueira santa” etc. Em virtude desse hibridismo religioso, Ortiz afirma que o
neopentecostalismo seria um “protestantismo sincrético” por acomodar procedimentos e
rituais característicos de universos religiosos distintos (1980, p. 100).
A sobrevivência de elementos mágicos no neopentecostalismo, porém, o distanciariam
ainda mais do protestantismo histórico marcado pelo compromisso com um processo de
“desencantamento” ou “desmagicização” do mundo moderno, o que, na visão de Prandi, faria
do neopentecostalismo um propagador de uma mensagem religiosa “falsificadora” do
protestantismo histórico (1991, p. 188). A magia, assim, torna-se um elemento-chave para a
compreensão do fenômeno neopentecostal, muito embora a distinção entre magia e religião
encerre em si uma discussão polarizada. Nesse ponto, algumas ideias podem ser trazidas a
lume com vistas a uma maior elucidação dessa questão.
Se uma noção de que não existe diferença essencial entre magia e religião, pois a
religião existiria “sob uma forma teórica (representação e explicação do mundo) e sob uma
61
forma prática (ação mágica e ritual sobre o real)”,
49
por outro lado uma compreensão de
que a magia é um “conjunto de procedimentos que persegue ‘fins técnicos e utilitários’” que
invoca forças sobrenaturais para fazer deles “instrumentos de ação mágica” a fim de atingir
seus objetivos (D
URKHEIM
, 1989, p. 74).
Há, ainda, o pensamento de que a religião é caracterizada pela submissão e serviços à
divindade, enquanto a magia é descrita como uma coerção de Deus”, na medida em que
constrange a divindade para que use seus poderes de acordo com as necessidades e utilidades
dos seguidores. Assim é a descrição de Max Weber (1991, p. 294), que concorda que a
oposição entre magia e religião é fluída e ainda observa que a racionalização tende a abrandar
as práticas mágicas diante da religião. Pesquisadores contemporâneos ressaltam a
proeminência de um utilitarismo efêmero e individual em relação à religião, o que decerto
confere com o tratamento concedido aos objetos de consumo adquiridos numa época de
rapidez de uso e desuso dos produtos.
Se enganam os que imaginam que vivemos um momento de grande
reflorescimento religioso, que nega a secularização e leva a sociedade, de
novo, a entregar os pontos para o sagrado. A velha religião como fonte de
transcendência para a sociedade como um todo foi estilhaçada, perdeu toda a
utilidade. A religião que tomou o seu lugar é uma religião para causas
localizadas, reparos específicos (P
IERUCCI
&
P
RANDI
, 1996, p.273).
A retomada dos procedimentos mágicos do cristianismo medieval, práticas essas que a
Reforma Protestante pretendeu abolir, parece, assim, identificar o neopentecostalismo,
enquanto denominação que recorre a rituais e práticas místicas de antigas tradições religiosas
originalmente opostas, como uma “religião pós-moderna de matriz cristã” (M
ENDONÇA
, 2006,
p. 99), pois uma religião tal apresentaria o que Mircea Eliade (1999) designa como uma
aproximação da imaginação criativa com culturas consideradas exóticas e tradicionais.
A ideia dualista, e mesmo maniqueísta, da existência de uma relação com o
sobrenatural em função dos benefícios pessoais (materiais e espirituais) em vez da busca de
conhecimento teórico e objetivo a respeito da divindade, assinala o caráter de anti-
intelectualismo que distancia as igrejas neopentecostais da pregação de dogmas e as
aproximam de um modelo subjetivista que ressalta o culto emocionalista e mágico ao invés do
“culto racional”,
50
a experiência individual no presente em oposição a uma perspectiva de
49
Cf. C
ARVALHO
, 1981, p. 153.
50
Referência a Romanos 12:1, onde o apóstolo Paulo escreve que o “sacrifício santo, vivo e agradável a Deus” é
o “culto racional”. Sobre o culto bíblico e a integridade da mente, ver D
ORNELES
, 2008, p. 194-197; e C
HAEFFER
(1974)
62
consciência teleológica e escatológica e a autonomia do filiado em vez da submissão
doutrinária.
2.5 Midiatização da religião
A cultura das mídias pode ser entendida como a existência de um contexto social em
que os meios de comunicação marcam as transformações ocorridas no pensamento, no
comportamento e nas atividades pessoais e coletivas dos grupos sociais. A midiatização da
sociedade refere-se ao processo de hegemonia de uma cultura que se expressa por sons e
imagens mediadas por alta tecnologia e tem grande repercussão na vida cotidiana, pois as
mídias têm capacidade de fornecer informações políticas e culturais, de representar emoções e
idéias e de produzir necessidades de consumo e entretenimento.
As igrejas cristãs, católicas e evangélicas, não descartaram a utilização dos meios de
comunicação como veículo de proselitismo religioso e, desde os anos 50 e 60 do século
passado, buscaram recursos para divulgar suas mensagens por meio do rádio e da TV. A
Igreja Católica, além de ser proprietária de várias emissoras de rádio e televisão, tem espaço
televisivo nas manhãs de domingo, quando a TV Cultura e a TV Globo exibem nacionalmente
a celebração de missas, e na cobertura de eventos religiosos especiais, como os discursos e
viagens do papa e as missas em feriados específicos (Finados, Natal). No ramo evangélico, a
Rede Record de rádio e televisão é a maior vitrine da força econômica da Igreja Universal do
Reino de Deus, mas ela é somente a ponta mais visível de uma rede comunicacional de vasto
alcance territorial e de grande poder de inserção social, em que o progressivo poder financeiro
das igrejas pentecostais acelera esse processo de ampliação e midiatização religiosa.
Os pentecostais formam o grupo que apresenta maior grau de inculturação na
hegemonia social das mídias. Suas programações buscam seguir o modelo de entretenimento
e jornalismo privilegiado pela mídia: as rádios apresentam muita música, sorteios de brindes e
breves programas de conteúdo religioso, e as TVs cedem espaço para os telepastores e para
programas musicais, filmes e coberturas de eventos religiosos. Mais uma vez, a TV Record
representa como nenhuma outra rede evangélica a competição por uma audiência cada vez
mais ampla, rendendo-lhe um aumento na quantia arrecadada junto ao mercado publicitário e
maior poder de oferecer concorrência e, também, conflitos judiciais e televisivos em que se
misturam interesses religiosos, políticos e comerciais.
63
Na análise da mídia evangélica e sua mediação do consumo, Magali Cunha (2007, p.
144-146) desenvolve algumas características que ilustram as modificações da relação dos
evangélicos com as mídias:
1) Enquanto os programas pioneiros da dia evangélica entre os anos 60 e 80
priorizavam as experiências de cura divina e as mensagens de salvação
cristã, a programação atual privilegia o entretenimento por meio de filmes
bíblicos, shows de música, videoclipes e programas de debates e entrevistas.
O conteúdo substitui a ênfase “salvação-milagres-coleta de fundos” pela
ênfase na pregação da prosperidade financeira resultante da “sociedade”
com Deus e na oferta de respostas religiosas para os males individuais e
crises familiares;
2) Os programas pioneiros eram centralizados na figura de carismáticos
evangelizadores os telepastores –, enquanto que os programas de hoje
valorizam a diversidade de apresentadores e substituem o antigo formato de
culto pelo formato de programa de auditório.
3) As mídias impressa e de rádio e TV o enfatizam a filiação a uma
instituição religiosa ou o estudo doutrinário, mas o cultivo de uma
religiosidade autônoma e individualizada mediada pelos veículos de
comunicação.
As mudanças na relação entre os evangélicos e as mídias ocorrem paralelamente às
mudanças nas formas de divulgação dos conteúdos religiosos, agora perpassados pela
mediação tecnológica, pela lógica do mercado e pela dimensão do espetáculo e cujo
corolário é a midiatização religiosa. Segundo Cunha, a mídia evangélica não convida à
conversão ou divulga uma “Igreja”, mas dirige-se principalmente ao público evangélico,
tornando-se mediadora de uma comunidade de consumidores em que a vinculação
religiosa o é mais o que importa e sim a vivência religiosa e o consumo de bens e de
cultura” do universo cristão e do entretenimento permitido (idem, ibidem). Esse novo
contexto está no centro da cultura gospel, em que a midiatização da religiosidade surge
como fator de afinidade entre o caráter de espetáculo dos cultos pentecostais e o caráter
espetacular das mídias.
A ênfase neopentecostal no emprego de práticas de cura miraculosa e exorcismo, no
apelo ao êxtase místico da glossolalia, na retórica avivalista e emocional dos pastores e no
64
uso da música como fator de liberação do corpo, pode auxiliar no entendimento do caráter
espetacular da religião exacerbado nos cultos neopentecostais. Nas palavras de Campos, o
pentecostalismo, mais do que o protestantismo histórico, promove no seu culto uma grande
proximidade entre religião e espetáculo, o que provoca situações litúrgicas ambíguas, nas
quais não definição clara entre culto e teatro, espetáculo de auditório e manifestação
sagrada, enfim, entre templo e teatro” (1997, p. 68-69).
A repercussão dos evangelistas norte-americanos na televisão foi seguida pelo
surgimento de telepastores brasileiros, os quais assimilaram as técnicas da dimensão
espetacular na retórica (expressão corporal, emocionalismo), na concentração de multidões
em estádios e na passagem do rádio para a TV como meio preferencial de evangelização.
No Brasil, essa direção marca a expansão da “Igreja Eletrônica”, termo empregado por
Hugo Assman (1986) para descrever o processo de avanço da presença religiosa nas mídias
do rádio e da TV na América Latina.
Romildo Ribeiro Soares (R. R. Soares) e Edir Macedo são os principais nomes entre
os televangelistas pentecostais brasileiros. Embora ambos fossem líderes da Igreja Universal
do Reino de Deus (IURD), no final dos anos 70, o pastor R. R. Soares, cunhado de Edir
Macedo, tornou-se fundador e líder da Igreja Internacional da Graça de Deus e detentor da
Rede Internacional de Televisão (RIT), que possui oito emissoras e 62 retransmissoras
(dados de 2006). Desde 2003 apresenta o programa “Show da Fé” em horário nobre na Rede
Bandeirantes, com um contrato estimado em 100 milhões de reais (Cunha, 2007, p. 61). Seu
programa investe no formato de culto marcado pela ênfase na cura divina e na possibilidade
de prosperidade financeira, deixando espaço para testemunhos das “bênçãos” alcançadas,
coleta de ofertas e música.
A Igreja Internacional também é proprietária de emissoras de rádio AM e FM, da
Graça Editorial, da gravadora Graça Music, das revistas Graça e Graça Teen e do portal
OnGrace (www.ongrace.com.br). No mercado de DTH (direct to home, transmissão de TV
via satélite direto para a casa do assinante), a Rádio e Televisão Record S.A. e a Rádio e
Televisão Modelo Paulista LTDA possuem duas outorgas. Os líderes religiosos Edir Macedo
e R. R. Soares, representantes respectivamente da IURD e Igreja Internacional da Graça de
Deus, detém 90% das cotas das empresas e suas esposas, os restantes 10% (C
APARELLI
;
S
ANTOS
, s/d).
Edir Macedo, der da Igreja Universal do Reino de Deus, fez constantes aparições na
mídia em 2007 por meio dos lançamentos de sua autobiografia e do canal Record News. A
IURD é proprietária da gravadora Line Records, da editora Universal, do jornal Folha
65
Universal (com tiragem de 2,7 milhões de exemplares), de 62 emissoras de rádio no Brasil, da
produtora de vídeos Frame, da Construtora Unitec, da seguradora Uni Corretora, da agência
de viagens New Tour, das revistas Ester e Plenitude e do portal Arca Universal
(www.arcauniversal.com.br).
Apesar da identificação das emissoras de propriedade da IURD
51
ser dificultada pelo
registro de concessões em nomes de pastores e parlamentares da igreja, dados de 2004
apontavam a IURD como proprietária das redes Família, Mulher (com 63 retransmissoras) e
Record (com 36 geradoras e 538 retransmissoras).
Fig. 3 -
Edir Macedo no evento de lançamento do canal Record News
A Igreja Renascer em Cristo também deve sua expansão ao investimento em mídia,
embora sua recente notoriedade deva-se a uma série de denúncias contra seus fundadores, o
casal Estevam e Sônia Hernandes, em 2007, e à fama de alguns de seus adeptos, como o
jogador de futebol Kaká. Essa igreja é detentora da Rede Gospel de TV, de várias emissoras
de dio, da gravadora Gospel Records, da editora Gamaliel, da revista Gospel e do portal
IGospel (www.igospel.com.br). A Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, fundada pelo
casal Robson e Maria Lúcia Rodovalho, detém um canal de televisão TV Gênesis –, a rádio
Sara Brasil FM, o jornal Sara Nossa Terra e a revista Sara Brasil.
A ocupação de espaço na dia se dá, também, por meio de aquisições feitas por
empresários e políticos que buscam atuar no lucrativo ramo da mídia evangélica, como o ex-
deputado Francisco Silva, proprietário da Rádio Melodia FM/RJ, que ocupa os primeiros
lugares nos índices de audiência da capital carioca (S
ANTANA
, 2005, p. 61). O deputado
federal do DEM, Arolde de Oliveira (reeleito em 2006 para o sétimo mandato), é proprietário
da Rádio 93 FM/RJ (que se chamou El Shaddai), da maior gravadora gospel –a MK
51
A aquisição da Rede Record pela IURD é um importante exemplo de inserção religiosa na televisão aberta,
embora o canal não atue exclusivamente no ramo religioso. Devido à programação comercial a necessidade
de separar as retransmissoras afiliadas pertencentes a empresários que não estão diretamente vinculados à IURD,
o que totaliza 18 geradoras e 216 retransmissoras afiliadas à Rede Record, Mulher (duas geradoras e 63
retransmissoras) e Família (5 geradoras e uma retransmissoras).
O número de exemplares da Folha Universal (de edição semanal) tem superado a tiragem média semanal dos
jornais diários Folha de S. Paulo (2, 4 milhões) e O Estado de S. Paulo (1, 8 milhão). Segundo a versão online
da Folha Universal, os dados do jornal passaram por uma auditoria realizada pela empresa BDO Trevisan entre
os dias 17 e 21 de março de 2009.
66
Publicitá –, da MK Editora, da revista Enfoque Gospel e dos portais Elnet
(www.elnet.com.br) e MKMusic (www.mkmusic.com.br) este transmite clipes e novidades
do mundo da música evangélica na seção Conexão Gospel.
52
A aquisição de rádios, TVs, gravadoras e editoras, aliada à manutenção de páginas na
internet, auxilia na grande visibilidade atual do neopentecostalismo. Se, por um lado, as
grandes redes de comunicação radiofônica ou televisiva fazem a cobertura de uma espécie de
Brasil majoritariamente católico, em que os festejos dos dias “santos” e as opiniões
eclesiásticas têm mais espaço, a mídia evangélica dedica-se exclusivamente à cobertura dos
eventos das igrejas evangélicas, principalmente aqueles em que ocorre a concentração de
multidões em espaços públicos.
Eventos de destaque são a Marcha pra Jesus”, organizada pela Igreja Renascer, e os
“Louvorzões”, organizados por gravadoras ou igrejas. Nesses megaeventos, a dimensão
espetacular da religião é realçada pela reunião de milhares de pessoas, pelas apresentações
musicais de bandas e cantores evangélicos de maior sucesso em grandes palcos ou trios
elétricos, pela intensa promoção na mídia evangélica e nos locais urbanos reservados à
propaganda ou o, e pela fixação do evento em suporte digital para venda posterior, como
DVDs, ou para visualização gratuita na internet, como no youtube ou no tvgospeltube .
Com 42 artistas em seu elenco, incluindo contratos artísticos e de distribuição, a Line
Records anuncia seu crescimento no setor fonográfico. Segundo Alessandra Lemos, assessora
de imprensa da gravadora, o faturamento da empresa, entre janeiro e novembro de 2008,
cresceu 156% em relação ao mesmo período do ano de 2007. Como exemplo da boa aceitação
de suas produções musicais, ela cita o CD “Compromisso”, do cantor Régis Danese (marido
da cantora gospel Mara Maravilha), que, em quatro meses (agosto a novembro de 2008) teria
vendido duzentas mil cópias, sendo que o primeiro lote desse CD teria se esgotado em apenas
três dias, “e a música de trabalho estava entre as mais pedidas nas rádios antes de seu
lançamento oficial” (O Globo, 30 nov. 2008, p. 1-2).
Por sua vez, a MK Music possui 40 artistas no elenco, incluindo alguns ganhadores de
prêmios como o Troféu Talento e o Grammy Latino. Segundo Arolde de Oliveira, diretor-
presidente do grupo MK, novas possibilidades de comercialização e distribuição das
produções musicais merecem atenção, como a venda de canções no formato mp3, em suporte
52
O programa Conexão Gospel foi transmitido inicialmente na TV aberta pela Rede TV e depois pela CNT. Na
época dessa pesquisa, o programa estava sendo veiculado apenas em sua versão online na internet
(www.conexaogospel.com.br).
67
físico ou pela internet, e a diversificação de pontos de venda dos produtos MK, “encontrados
em lojas especializadas, supermercados e lojas de departamentos” (idem, p. 2).
As campanhas de combate à pirataria lembram aos consumidores evangélicos que,
mais que um crime, a pirataria é pecado. Diz Arolde de Oliveira:
Lidamos com o elemento fé. E qualquer tipo de crime é sinônimo de pecado,
não um desvio de caráter ou conduta inadequada. [...] Muitos
desconhecem ou não entendem o processo de tudo o que é relacionado à
produção e comercialização e aos encargos tributários e autorais de uma obra
fonográfica. Por isso, usamos todos os canais de mídia aos quais temos
acesso para alertar ao consumidor que a pirataria é crime, sim!” (idem,
ibidem).
Nos anos de 2007 e 2008, a Marcha pra Jesus reuniu cerca de três a quatro milhões de
pessoas, apesar da ausência do casal-fundador da Igreja Renascer, retido nos Estados Unidos
sob a acusação de porte ilegal de dólares.
53
A gravadora Gospel Records, da mesma igreja, promove o “SOS Vida”, em São
Paulo, também com a reunião de consagrados artistas evangélicos para um grande público em
espaços abertos. A gravadora MK Publicitá reúne seu elenco de artistas para eventos como o
“Canta Rio” – a edição de 2006 utilizou o feriado de sete de setembro para marcar o início das
comemorações pelo 20º aniversário da gravadora, quando, segundo o site oficial do evento
(www. cantario.com.br), a cantora Aline Barros “intercedeu pela Cidade Maravilhosa”.
Os espetáculos conhecidos como “Louvorzões” atraem um público de milhares de
pessoas quando realizados em espaços abertos, como praças e avenidas. Segundo informação
do site MK Music, a edição carioca de 2007, realizada na Sexta-Feira da Paixão, reuniu cerca
de 200 mil pessoas (fig. 4.). As igrejas, por sua vez, utilizam casas de espetáculo seculares ou
grandes clubes para a realização do próprio “Louvorzão”, cuja proposta é oferecer algumas
horas de entretenimento e também evangelização por meio da “ministração” (as pregações de
cantores ou pastores nos cultos e shows evangélicos).
53
Estevam e Sônia Hernandes foram presos em 9 de janeiro de 2007 quando entravam nos EUA com US$
56,467 mil escondidos em uma bolsa, na capa de uma Bíblia, em um porta-CDs e em uma mala. Pela lei, eles
deveriam ter informado, na alfândega, que portavam mais de US$ 10 mil. Em agosto de 2007, a justiça norte-
americana condenou o casal a 140 dias de reclusão, mais cinco meses de prisão domiciliar e dois anos de
liberdade condicional, além de 30 mil dólares de multa para cada um, por contrabando de dinheiro e conspiração
para contrabando.
68
Fig. 4 – “Louvorzão” FM 93 (Foto: www.mkmusic.com.br)
Os jovens evangélicos se sentem atraídos pelas tendências culturais promovidas pelos
meios de comunicação de massa. Os megaeventos se mostram como oportunidade para a
expressão coletiva da fé, mas também para a afirmação de seus gostos culturais e preferências
musicais. As letras e os variados estilos musicais parecem não ter tanta importância quanto o
ritual comunal que eventos como os “louvorzões” representam. Para Freddi Jr, seria
necessário olhar além da semelhança e da previsibilidade melódicas e, também, além das
letras teologicamente superficiais, duas das características atribuídas comumente às canções
de louvor e adoração.
Tal prática se caracteriza pelo complexo de expressões e não pela mensagem
dos textos cantados. Isto se daria na realização das melodias citadas, mas
também na forma como tais melodias são praticadas. Poderíamos dizer que o
louvorzão transcende o repertório em si, se caracterizando mais como um
ritual do que como composições musicais (Freddi Jr., 2002, pp. 177-178).
Na análise dos megaeventos ou megashows, algumas características podem ser
verificadas, como:
- o caráter supradenominacional: não proselitismo de uma instituição religiosa, o
interesse seria a divulgação dos conteúdos religiosos não importa a confissão pessoal. Assim,
o sucesso do evento o está ligado à evangelização, mas à atração de um “entretenimento
religioso” de fantástico porte que confirmaria a expansão evangélica e “o sentimento de
pertença dos adeptos” (C
UNHA
, 2007, p. 156);
- a profissionalização do espetáculo religioso: os eventos atendem as especificações
do show business, com eficiente infra-estrutura de marketing e tecnologia na pré-produção do
evento (publicidade, escolha de datas e locais), na realização ao vivo (cenografia, iluminação,
sonorização, equipamentos de filmagem de última geração) e na pós-produção (qualidade de
69
imagem e som no suporte requerido CDs, DVDs, e comercialização do produto). O
desenvolvimento dos aparatos de reprodução e transmissão midiáticos possibilita a
espetacularização das expressões de fé, notadas no emprego dos recursos tecnológicos e na
dimensão teatral;
- a música gospel como atração: o gênero gospel, por ser uma espécie de guarda-
chuva musical que abriga quase todos os estilos, atende aos diferentes gostos e expectativas
do público. Os megashows, assim como a programação das rádios e TVs, utilizam a música e
os artistas como catalisador de atração de público. A postura do público, com gritos, assovios
e outras manifestações picas do secular, e a postura nica dos cantores, com
performances e figurinos semelhantes aos popstars da mídia, propiciam um resultado final em
que parecem convergir o lazer, a emoção religiosa e o mercado.
2.6 Renovação litúrgico-musical
Na asseguração de novas práticas litúrgicas, o papel da música gospel é basilar. Não
somente porque a música pode facilitar a busca pelo êxtase espiritual ou por uma atmosfera
litúrgica festiva, mas também por sua apropriação pela indústria fonográfica neopentecostal
como recurso de sobrevivência mercadológica e propagação do ideário cristão na pós-
modernidade.
Na atual configuração do gospel, observa-se que os efeitos da pós-modernidade
também atingiram a cultura religiosa, neste caso, tendo como ponto de sustentação as novas
práticas musicais. A descentralização religiosa ocasiona a incessante abertura de novas
igrejas, quase sempre de caráter neopentecostal, cujos líderes, ao perceberem que as igrejas
que não adotam o gospel se atrofiam, fazem uso dessa ferramenta para conservar os fiéis e
buscar novos membros.
No decorrer desse processo, parece ser necessário empregar técnicas seculares de
gestão empresarial na divulgação do seu elenco de cantores, valer-se da diversificação de
gêneros musicais com vistas a angariar o gosto do público, relativizar as tradições cristãs
quanto ao conceito de santidade na aparência física, no vestuário e nos costumes, além de
adotar a prosperidade pessoal, a guerra espiritual e o êxtase glossolálico como bandeiras de
sua teologia.
Uma visita aos sites das gravadoras evangélicas proporciona alguns exemplos da
adoção das técnicas do marketing moderno. Em uma página virtual da MK Publicitá
uma
70
propaganda do CD “Os Arrebatados remix 3” onde se lê: “o primeiro [CD] foi um sucesso, o
segundo outra benção, o terceiro promete ‘bombar geral’”. Para adquirir os CDs e DVDs
anunciados, o virtual comprador é dirigido a uma janela eletrônica que oferece opções de
compra em gigantes do mercado via internet, como a Submarino. Ainda no mesmo CD, na
faixa 17, “Bonde de Jesus”, ouvem-se os versos: “aqui dá ‘sangue bom’/ vida santa no
altar/ vem, que é tudo de bom/ sem neurose, vem dançar (...) Vem, galera, batidão, é,
(...)”.
54
Nota-se que, em conjunto com a linguagem coloquial presente no anúncio e na letra da
canção, há uma adoção do modelo contemporâneo de publicidade dirigida aos jovens.
O notável crescimento do campo neopentecostal no Brasil está ligado aos traços da
cultura gospel e sua visão teológica, mas também está aliada ao desenvolvimento da mídia
evangélica no país. Essa mídia é a grande fomentadora de uma “teologia que enfatiza o valor
superior do louvor e da adoração no culto” (C
UNHA
, 2004, p. 117). As conseqüências desse
processo podem ser verificadas na modernização tecnológica que acompanha o canto
congregacional, na apresentação de danças ou expressões corporais na liturgia, na
proeminência das rádios e de outras dias evangélicas (programas de clipes musicais,
revistas) e na divulgação dos artistas gospel nos moldes dos artistas da indústria da cultura
pop.
Os primeiros protestantes brasileiros, convertidos por missionários dos Estados
Unidos, mantiveram-se afastados de práticas musicais que de alguma forma estivessem
associadas aos cultos das religiões católica e afro-brasileiras. Os estilos musicais identificados
como pertencentes à cultura brasileira foram rejeitados e em seu lugar foram ensinados hinos
cujo estilo partilhava da cultura musical protestante anglo-saxã. É preciso mencionar também
as perseguições, ou o isolamento dado aos evangélicos no meio social, o que os tornava mais
arredios, mas também mais congregados às práticas recebidas quando da conversão.
Nessa questão, alguns pesquisadores, como Velasques (1990), entendem que o culto
protestante no Brasil estabeleceu-se como resultante da dominação cultural norte-americana e
da recusa da cultura brasileira nas práticas musicais dos cultos. Por outro lado, pode-se
entender que a adoção da hinódia anglo-saxã e a consequente exclusão dos gêneros de música
brasileira aconteciam também devido à forte associação da música local com as festas
consideradas “pagãs ou profanas” e, também, devido ao distanciamento que os conversos
tinham em relação à cultura estrangeira. Isso teria facilitado a designação daquela hinódia
como “música sacra”, isto é, separada” para as atividades do serviço litúrgico, e ainda
54
Em <http://www.mkpublicita.com.br/ConsultaArtista?idArtista=32>. Acesso em 11 mai. 2007.
71
separada quanto à divergência de propósito entre os gêneros, um para a “diversão” e outro
para a “comunhão espiritual”.
Enquanto que, entre os anos 50 e 60 do culo passado, os pentecostais introduziam
pequenos nticos com ritmos e estilos populares brasileiros e, nos anos 60 e 70, aconteciam
movimentos de inclusão da música popular brasileira na liturgia protestante, nas décadas de
80 e 90, a explosão gospel abriu espaço para a entrada de uma enorme variedade de gêneros
musicais, o que parece ser reflexo do caráter de pluralidade estilística da pós-modernidade,
em que a justaposição ou a coexistência de muitos estilos musicais leva ao ecletismo de
gêneros nos programas musicais das mídias (rádios e TVs).
A diversificação dos estilos na música gospel é, mais que uma estratégia de mercado,
um mandamento da contemporaneidade, que valoriza a identidade musical local, geralmente
composta de gêneros antes considerados “impróprios” (para a liturgia), como o pagode, das
bandas Tempero do Mundo, PraGod, Radicais na e pra te Abençoar; o baião, das
bandas Oxente, Cabras de Cristo e Xote Santo; e axé-music, das bandas Dominus, Tambores
Remidos e da cantora Jake. O gênero sertanejo, que desde os anos 1960 servia aos músicos
pentecostais, recebeu maior aprovação com os sucessos das duplas seculares e passou a
empregar o rótulo country para designar artistas neopentecostais, como Rayssa & Ravel,
Daniel & Samuel e Os Peregrinos.
Dos estilos musicais internacionais ou supranacionais, o rock começara a ser aceito
(não sem provocar polêmica nas igrejas) desde os anos 1980, com as precursoras bandas
Rebanhão, Katsbarnéa e Oficina G3. No século XXI, o número de grupos de rock e suas
variações pop ou metal continua a crescer: Catedral, Novo Som, Fruto Sagrado, Skymetal,
Resgate, Virtud, Livre Arbítrio, Metal Nobre. Abriu-se espaço, também, para estilos como o
hip-hop de artistas gospel como DJ Alpiste, Mano Reco, Ton Carfi & Jessé, Pregador Luo e
Ao Cubo; o funk de Adriano Gospel Funk e Cláudia Mel; e o reggae de Nengo Vieira e de
bandas como Primicia Roots e Raízes do Heloí.
As igrejas neopentecostais m na música gospel uma ferramenta de proselitismo que
alcança grandes multidões nos megaeventos marcados pelo binômio evangelização-
entretenimento, além de tribos urbanas de surfistas, roqueiros e aficionados da cultura hip-hop
e, ainda, artistas da música popular. De Nelson Ned a Mara Maravilha, de Baby do Brasil a
Sula Miranda, de Chris Duran a Sidney Sinay (ex-integrante do grupo Fat Family), os artistas
convertidos às igrejas neopentecostais têm em comum um passado de sucesso como artistas
seculares e o fato de seguirem praticando os estilos musicais que os consagraram fora do
mundo religioso, com a diferença de que as letras abordam temas religiosos. Sula Miranda e
72
Marcelo Aguiar continuam na trilha melódica das baladas românticas sertanejas, enquanto o
pagode ainda é o estilo musical de Salgadinho (ex-Katinguelê) e Waguinho.
Rodolfo Abrantes é um caso singular de artista que se converteu ao cristianismo no
auge do sucesso secular, haja vista que muitos dos artistas se convertem quando estão em
trajetória descendente em suas carreiras. Apesar da substituição dos temas cantados, seu
primeiro projeto pós-conversão a banda Rodox dava continuidade ao estilo hard rock dos
tempos em que era vocalista da banda Raimundos. Em 2007, lançou o CD Santidade ao
Senhor, pela gravadora Bola Music, braço fonográfico da Igreja Bola de Neve. Embora o rock
seja a principal referência estilística, a performance hardcore está notadamente suavizada
nesse trabalho.
situações em que todos os integrantes de um grupo passam pela conversão
evangélica e conservam o estilo (visual e musical), mas mudam o nome da banda: esse é caso
do grupo de rap Produto de Rua que passou a se chamar Os Saqueadores. Outros artistas,
como Bezerra da Silva (falecido em 2005), Rodriguinho (ex-Os Travessos) e Catalau,
optaram pela conversão ao cristianismo, mas sem abandonar o mercado da música secular.
Fig. 5 - CD Alegria da Massa (Pragod) Fig. 6 - DJ Alpiste (foto: www.rapnacional.com.br)
Se a reprodução de estilos musicais pop ouvida no espaço dos cultos e no repertório
dos músicos neopentecostais está em avançado processo de consolidação, ainda autores
que observam a ocorrência de um desequilíbrio na fronteira cada vez mais tênue entre o
sagrado e o secular, como Dorneles, que considera que
o uso indiferenciado de música popular na renovação litúrgica está
provocando uma integração em grande escala entre o cristianismo e a cultura
popular. Essa integração fragiliza os limites entre o sagrado, pertencente ao
domínio religioso, e o profano, próprio do mundo secular (2008, 117-118).
73
A premiação denominada Troféu Talento”, realizada em grandes salas de
espetáculo, é concedida aos melhores músicos e álbuns do ano em diversas categorias,
semelhante ao que ocorre na indústria fonográfica norte-americana com o Dove Awards
(prêmio gospel) e o Grammy (prêmio secular que também premia artistas nas categorias
gospel), em que a eleição do “melhor” artista confunde-se com o de artista de “maior sucesso”
em vendas.
55
A explosão da renovação litúrgico-musical está acompanhada, segundo Cunha (2004,
p. 118), da configuração do espetáculo gospel em programa de lazer e da reserva de espaços
para entretenimentos dançantes como a “balada gospel”, organizada para que o público jovem
evangélico não participe das festas dançantes seculares, embora a música ambiente nem
sempre esteja distanciada dos modelos pop (diferenciada apenas pela letra de caráter
religioso) e a cenografia do local, com globos espelhados, luzes coloridas e pouca iluminação,
possa lembrar lugares menos “santificados”.
As observações feitas até o momento sugerem que o movimento de renovação musical
parece enfatizar o papel da canção popular de massa como:
- fator de sacralização da cultura pop: “Estamos resgatando para Deus um veículo de
comunicação [o rock] que há muito estava nas mãos do diabo” (B
AGGIO
, 1997, p. 50);
- fator de legitimação para o discurso da identidade nacional. Maraschin,
56
que nos
anos 1970 era ligado ao movimento da Teologia da Libertação, afirma que “precisamos
mostrar a sacralidade maravilhosa do violão, dos tambores, dos pandeiros. Experimentar a
beleza do nosso samba, da nossa marcha-rancho, do nosso xaxado” (1996, p. 136);
- fator de busca do êxtase emocionalista e da catarse: “é que na adoração tudo é válido:
lágrimas, suspiros, gritos, cânticos, riso [...]”; nós precisamos descarregar a energia
emocional [...] para entrar na presença de Deus” (C
ORNWALL
, 1995, p. 101-102).
Essas propostas perpassam a renovação musical cristã, que se sustenta tanto na
sacralização de gêneros musicais nacionais quanto nas tendências musicais populares de
massa, estrangeiras ou não, num processo que acompanha a globalização, a diversidade e o
pluralismo da sociedade pós-moderna.
De acordo com os estudos feitos nesses primeiros capítulos, pode-se traçar um quadro
do contexto musical evangélico e sua integração à cultura da pós-modernidade. Esse quadro
55
Ver o site www.trofeutalento.com.br
56
Nos anos 70, Jaci Maraschin era ligado à Teologia da Libertação e ao movimento da MPB de caráter religioso,
cujas canções enfatizavam os gêneros musicais populares brasileiros na adoração protestante.
74
possibilita uma perspectiva que contempla aspectos das macro-estruturas (religião, pós-
modernismo, indústria cultural) relacionados às instâncias menores (adoração, canção,
marketing). As três colunas estão relacionadas, da esquerda para a direita, às áreas da religião,
do contexto sociológico e do mercado global, respectivamente. Nos quadros superiores estão
os tópicos relativos a características do pós-modernismo e, nos quadros intermediários, às
ações do cristianismo na pós-modernidade. Por fim, nos quadros inferiores, estão relacionados
reflexos centrais da interação da música gospel com a cultura pós-moderna.
Tabela 3. Interações entre religião, cultura pós-moderna e música gospel
O quadro acima permite traçar conexões entre a crise de uma tradição religiosa
musical e a cultura pós-moderna, que valoriza a diversidade cultural e concede maior
autonomia ao indivíduo nas esferas social e religiosa. O quadro possibilita, também, a
consideração de que os novos conceitos de adoração adotam como referência estilístico-
musical os modelos de canção propagados pela indústria fonográfica secular. Esses
parâmetros de adoração são reforçados por meio do crescimento dos ministérios de “louvor e
adoração”, por meio da profissionalização das estratégias de mercado quanto à difusão de
bandas e gravadoras evangélicas e pelo processo de sacralização de músicos e estilos
musicais.
A questão da emotividade e da liturgia festiva também pode ser relacionada ao
contexto da pós-modernidade. Maffesoli (1987) nota uma ênfase contemporânea na
emocionalidade e no cultivo de experiências sensoriais, as quais trariam um reavivamento de
práticas místicas pré-modernas. Dessa forma, a proposta da renovação da prática litúrgico-
Declínio das hierarquias
simbólicas tradicionais
Valorização da diversidade e
do sincretismo
Midiatização c
ultural
Novo conceito de santidade
Ênfase nas emoções
Descentralização religiosa e
autonomia do adorador
Interação com a
lógica de
mercado
-
acelarad
a apropriação
de
gêneros antes considerados
“impróprios”;
- busca da transcendência por
meio do êxtase emocional
e/ou glossolálico
-
estilos musicais de raiz
nacional: samba, sertanejo,
forró e axé-music
- estilos musicais da cultura
pop globalizada: rock, rap,
funk, reggae
-
ênfase no
marketing
dos
artistas cristãos e na atração
da juventude: linguagem
coloquial, baladas gospel
- imitação da indústria
fonográfica pop: look (visual do
artista), premiações,
megashows
75
musical do cristianismo estaria mais ligada ao estímulo das experiências sensoriais e menos
centrada no conteúdo doutrinário da fé.
Ao promover essa integração dos padrões da indústria cultural às demandas espirituais
dos seus membros, as igrejas cristãs, em especial as carismáticas e neopentecostais, têm
aperfeiçoado sua capacidade de comunicabilidade ao adicionar status midiático a sua carga
simbólica do sagrado. Essa dinâmica se traduz em “uma fusão da aura midiática com a
religiosa, ressignificando aspirações do divino, expressas culturalmente, nos fiéis
transformados em fãs” (C
ARRANZA
, 2006, p. 79).
A evidência de uma cultura gospel reforça a existência de interação entre os padrões
de comportamento propagados pela cultura da pós-modernidade e as novas condutas
verificadas na religiosidade contemporânea, na qual a música tem participação significativa.
No entorno da produção dessas canções, está uma notável indústria fonográfica divulgadora
de uma mensagem cristã que tem rompido com tradições e dogmas caros ao protestantismo, o
que também parece revelar uma interação neopentecostal com a dinâmica da cultura pós-
moderna no que diz respeito ao declínio das hierarquias simbólicas tradicionais e à
midiatização cultural.
Entretanto, algumas perguntas ajudam na compreensão mais abrangente do fenômeno
gospel: se a canção gospel é um veículo para a evangelização, as letras dessas canções estão
centradas em que temas? Se o estilo pop é sacralizado” pela letra de cunho religioso, não
haveria possibilidade de ocorrer uma dessacralização do conteúdo religioso cristão? Como as
músicas e letras da canção gospel podem revelar a aproximação do neopentecostalismo da
indústria da música pop? Os músicos do gospel brasileiro ainda demonstram preocupação
quanto à nacionalidade original de um estilo musical, ou a escolha do repertório atende às
características do mercado fonográfico global?
Essas e outras questões afins serão abordadas na continuação dessa dissertação a partir
da descrição do desenvolvimento do gospel nos Estados Unidos e sua difusão no Brasil,
passando pela análise de trabalhos representativos dos artistas-ministros gospel. As candentes
questões concernentes à música gospel presentes nos dois capítulos iniciais serviram como
um primeiro painel das propostas dessa pesquisa que busca apresentar um delineamento mais
meticuloso por meio do estudo da canção gospel: gêneros, arranjos, letras e melodias, enfim,
o que forma o conjunto da “palavra religiosa cantada”.
76
CAPÍTULO 3
MÚSICA POP E CANÇÃO GOSPEL
“O papa é pop, o papa é pop, o pop não poupa ninguém”. Os versos da canção da
banda Engenheiros do Hawai remetem aos processos de massificação mediados pelos canais
de comunicação, que conferem visibilidade e reconhecimento em larga escala a um sujeito ou
a um objeto e reordenam os sentidos da vida comum.
Em seu estudo historiográfico da música gospel nos Estados Unidos, Don Cusic nota
que o estilo gospel não é imune às influências do universo da música pop e que envolve várias
formas musicais, do heavy-metal ao light rock, do country ao jazz, da dance music às canções
de adoração (1990, p. 218-219). A música cristã realizada nos Estados Unidos a partir dos
anos 1980, e que se convencionou denominar de Contemporary Christian Music, encontra um
panorama semelhante no universo da música gospel produzida no Brasil no tocante ao seu
vínculo pentecostal e a sua segmentação musical de acordo com os modelos da indústria da
música pop.
O termo gospel passou a designar um estilo de vida ou uma cultura, a cultura gospel,
cujas características centrais seriam a entrada do cristianismo na modernidade por meio da
sacralização do consumo e da midiatização dos conteúdos religiosos, a acelerada sacralização
de gêneros musicais populares brasileiros e globalizados e a importância concedida ao louvor
e à externalização da emoção nas reuniões coletivas.
No segundo capítulo desse trabalho, apresentou-se a estreita relação entre a
cosmovisão neopentecostal e a dinâmica da cultura gospel, observando-se a aproximação
entre o discurso de maior liberdade doutrinária e institucional e as estratégias da mídia
neopentecostal.
Neste terceiro capítulo, avança-se o estudo sobre um tema em especial, a assimilação
da influência pop no terreno musical pentecostal, e as variações desse tema, a saber: as
características musicais da música cristã contemporânea, tomando-se como base a difusão do
modelo gospel norte-americano; a noção de música pop; e uma descrição da performance e
dos gêneros musicais adotados nas produções da cantora Aline Barros, uma artista
representativa do cenário gospel no Brasil.
A análise dessas três variações possibilitará a asserção enunciada desde o título dessa
77
pesquisa: o gospel é pop. A primeira análise revela como o modelo do pop gospel norte-
americano é reproduzido, com as devidas adaptações, em terreno brasileiro. A diversificação
de gêneros musicais, a justificativa de missão evangelística para o emprego de estilos
musicais pop, o fator pentecostal de estímulo emocional e a forte industrialização da cultura
gospel são características de uma música também denominada cristã.
A segunda análise visa à conceituação do termo pop ligado à canção moderna, em que
os estudos de Simon Frith e Roy Shuker serão importantes na definição de uma terminologia
(o pop) extremamente flexível e dinâmica, que conjuga música, comportamento e mídia em
estreita e híbrida relação.
Com o terceiro e último desdobramento do tema central desse capítulo, apresenta-se
uma descrição de estilos musicais, performances, modelos de louvor e adoração, letras e
temáticas mais favorecidas, premiações e formato de divulgação de eventos a partir do estudo
dos CDs e DVDs de Aline Barros, o que possibilitará relacionar os artistas do gospel nacional
dentro de um cenário de intensa midiatização religiosa e contextualização pop.
3.1 Gospel: origens e dinâmicas
O que é música gospel? É um gênero musical ou uma afluência de estilos diferentes
sob o teto da música cristã? Ezra Chitando entende que o gospel é uma música que lida com
“temas cristãos interpretados por pessoas que se referem a si mesmas como cristãs com a
missão de pregar a palavra de Deus através da música” (apud P
ARSITAU
, 2007). A música
cristã contemporânea (MCC)
57
abrange uma extensa gama de estilos de rock e inclui também
o rap, o gangsta rap, o tecno e suas variações ska, retro, industrial. Ainda estão presentes os
gêneros latinos, o reggae e o hip hop, tudo ‘santificado’ por letras ‘cristãs’” (P
REUSS
, 2000,
p. 305).
De acordo com essas afirmações, o gospel não é um gênero musical particular
reconhecível por sua forma melódica ou por uma batida” rítmica específica. A natureza
híbrida e dinâmica da música gospel tem dificultado uma análise de sua evolução histórica, o
que tem gerado problemas nas tentativas de se delinear sua estrutura e desenvolvimento.
pesquisadores que concordam com a tipologia que aponta quatro subcategorias de música
gospel (utilizada pela própria indústria de premiações da música cristã, como os prêmios
57
Doravante, “música cristã contemporânea” receberá a sigla MCC.
78
Dove, e secular, como o Grammy): tradicional, contemporânea, contemporânea urbana e
“inspirational
58
(J
ACKSON
, 1995, p. 186). Vale lembrar que essa classificação atende
primordialmente aos críticos, pesquisadores e proprietários de gravadoras e lojas que
necessitam da distinção ou rotulação de subgêneros da diversidade musical.
Al Hobbs, presidente da Associação de Locutores da Gospel Music Workshop of
America, define o modelo tradicional como apropriado para ambientar um serviço litúrgico
matutino (definição que serviria também para o modelo inspirational”), o modelo
contemporâneo como aquele ouvido tanto nos cultos como nos concertos cristãos, e a
subcategoria contemporâneo urbano como um estilo direcionado para pessoas que nunca
ouviriam a mensagem/evangelho a não ser pelo rádio ou pela TV (H
AYNES
, 1992, p. 80).
Outras tipologias substituem a subcategoria “tradicional” pelo modelo “louvor e
adoração”, o qual prevê a participação da congregação por meio do canto (C
OLLINS
, 2001, p.
7). Em geral, a subcategoria louvor e adoração refere-se a melodias mais fáceis de memorizar,
letras curtas e refrões cantados em longas repetições. Nos Estados Unidos, denominou-se
ironicamente esse gênero de 7-eleven (sete-onze),
59
com o sentido de sete versos onze vezes
repetidos.
No Brasil, os estudos classificam estilos históricos como hinos sacros, nticos ou
corinhos, e gradualmente começa-se a sugerir distinções tipológicas para a variedade
estilística e funcional da canção evangélica contemporânea nacional, sendo o gospel
conceituado como um movimento cultural religioso cuja ponta mais visível é a diversidade
musical.
60
Por sua vez, a indústria fonográfica no Brasil utiliza subcategorias como MPB, louvor
[e adoração], black music, sertanejo ou country, rap e hip hop, samba e pagode, pop,
pentecostal.
61
As revistas evangélicas especializadas, como Show Gospel e Up!Gospel,
descrevem uma imensa variedade de artistas cristãos e estilos musicais regionais, nacionais ou
globalizados que atuam no campo da evangelização musical neopentecostal.
Uma definição de música gospel passa necessariamente pela consolidação do
pentecostalismo nos Estados Unidos e pelo surgimento da indústria fonográfica cristã naquele
país. Joyce M. Jackson relaciona algumas características do gospel dos primeiros anos do
58
Em português, “inspirativo”. Devido ao pouco uso do termo em português, optamos pelo emprego da palavra
original em inglês.
59
7-Eleven (seven-eleven) é uma marca multinacional de lojas de conveniência. Fundada em 1927, no Texas
(EUA), passou a chamar-se 7-eleven a partir de 1946, em referência ao horário em que essas lojas estavam
abertas (das 7 da manhã às 11 da noite).
60
Ver D
OLGHIE
, 2007; e, F
REDDI
J
R
, 2002.
61
Ver os sites www.mkmusic.com.br, www.cdgospelstore.com.br, www.gospelgoods.com.br.
79
século XX que estão claramente identificadas com a oferta de uma liturgia mais livre e
informal e com uma ênfase maior na experiência emocional, e não em um conjunto
organizado de doutrinas:
a) Canto antifonal: a conhecida forma musical de chamado-e-resposta que
promovia a interação entre o cantor-líder e a congregação (ou um grupo de
cantores, como um coral);
b) Música sem extensão pré-determinada: a improvisação de texto, de melodia
e de tempo rítmico fazia com que as canções tivessem uma longa duração, o
que frequentemente levava à produção de textos repetitivos espontâneos ou
tomados de outros gêneros (canções de trabalho/work songs, canções da
herança protestante, canções da África Ocidental);
c) Serviços litúrgicos com liberdade de estruturação, danças, palmas, bater de
pés, gritos ou exclamações representavam a continuidade de um culto
modelado pelos valores e estéticas da cultura religiosa de matriz africana
(J
ACKSON
, 1995, p. 186-187).
Ainda segundo Jackson, o estilo spiritual tradicional
“representava uma profunda expressão do desejo e habilidade afro-
americanas de demonstrar sua cosmovisão única sua definição,
compreensão e interpretação do mundo ao redor. O mesmo princípio
ideológico estava em ação quando eles migraram para os centros urbanos e
criaram o idioma gospel” (idem, ibidem).
Alguns estudiosos das origens do gospel observam a convergência dos textos
musicados, que podiam versar quer sobre a libertação espiritual do pecado quer sobre a
liberdade civil da escravidão muitas vezes, uma mesma canção trazia implicitamente uma
forte carga de duplo sentido da liberdade desejada pelos escravos convertidos ao cristianismo.
É necessário, também, ressaltar a importância das igrejas pentecostais das
comunidades afro-americanas inseridas no movimento “Holliness” (Santidade) na virada do
século XIX para o século XX. Don Cusic considera esse movimento religioso como fator-
chave para uma compreensão do então nascente black gospel (1990, p. 87).
Aqueles cultos das igrejas pentecostais estimulavam a euforia na adoração e a busca
do êxtase glossolálico (falar em línguas estranhas), enquanto que, ao mesmo tempo,
incentivavam movimentos corporais como bater palmas, saltar e rolar pelo chão e apelavam
80
para a experiência sensorial e emocional. O difícil acesso à educação formal nas escolas e a
brutalização cotidiana da segregação social viriam a impedir o conhecimento bíblico-
doutrinário por parte das comunidades afro-americanas bem como reforçavam a continuidade
de práticas mágico-religiosas inseridas no contexto do movimento Holliness, o qual
estabelecia-se, primordialmente, entre os economicamente menos favorecidos.
62
Os cultos eram realizados diariamente e, em geral, aconteciam em pequenos salões
com fachadas sem ostentações arquitetônicas. O público mais frequente era formado,
principalmente, por mulheres com crianças. Considerando a música alta, vibrante e cheia de
energia”, Don Cusic diz não haver surpresa no fato de que tantos artistas do pop (negros ou
brancos) tenham assistido às reuniões das igrejas pentecostais das comunidades afro-
americanas quando crianças (idem, p. 88).
63
As sicas do black gospel eram baseadas na tradição dos negro spirituals, nos hinos
evangelísticos das reuniões campais (camp meetings) e nos hinos da dupla de evangelizadores
Dwight Moody (1837-1899) e Ira Sankey (1840-1908) – o primeiro, pastor avivalista; o
segundo, cantor e compositor. Moody reconhecia o valor da música em seu trabalho de
pregação e conversão. Seus sermões de estilo claro e direto encontravam equivalência nas
canções de Ira Sankey, um músico que fez do hino evangelístico uma canção popular ao
apresentar o formato estrofe-refrão de uma maneira que dava às canções os necessários apelo
emocional e facilidade de memorização (C
USIC
, 1990, p. 58-59). Nas igrejas pentecostais
afro-americanas, esses hinos eram cantados com o acento contemporâneo dos estilos em voga
na época, o jazz e o blues, em particular.
À esfera do movimento Holliness acrescentavam-se novos grupos pentecostais, como
as igrejas Sanctified, e denominações batistas não-ortodoxas. No início do movimento, essas
igrejas não possuíam instrumentos caros como pianos e órgãos, mas constatava-se o uso de
tambores e o cântico de gêneros musicais considerados pela tradição religiosa puritana como
pertencentes “ao diabo”. Entrementes, em meados nos anos 1920, a música emocional e
envolvente das igrejas pentecostais “estava repleta do imaginário folclórico afro-americano,
de linguagem coloquial do cotidiano e de melodias alegres que eram facilmente aprendidas e
frequentemente comparadas à música secular” (J
ACKSON
, 1995, p. 189-190).
O nome que talhou as formas finais do black gospel é o de Thomas Dorsey (1899-
62
Embora oficialmente liberta do regime escravista, a comunidade negra era frequentemente proibida de
assentar-se em igrejas cristãs das comunidades brancas e marcadamente racistas. No final do século XIX, as “leis
Jim Crow”, sancionadas nos Estados do Sul (EUA), previam uma série de estatutos que “contribuíram para a
segregação entre negros e brancos em esferas como educação, transporte, casamento e lazer” (C
ASHMORE
, 2000,
p. 286). A dissolução total dessas leis somente ocorreria com o Ato dos Direitos Civis, promulgado em 1964.
63
Entre os artistas pop pode-se elencar: Elvis Presley, James Brown, Ray Charles, Sam Cooke, Jerry Lee Lewis.
81
1993), compositor, intérprete e editor musical que, após sua conversão, introduziu ritmos de
jazz e vocalizações do blues na igreja, “adicionando letras gospel à tradição do blues” (C
USIC
,
1990, p. 91). Dorsey é reconhecido por unificar as vertentes musicais seculares que já
adentravam as portas das igrejas no início dos anos 1930, logo após a Grande Depressão
econômica de 1929.
Era o período, também, em que bluesmen eram contratados para tocar nas igrejas
pentecostais. Esse fato é relatado nos depoimentos de Zora Neale Huston, que coletava
informações sobre o folclore na Flórida nos anos 1930: “Em Jacksonville um pianista de
jazz. Parte de seu negócio é tocar nas igrejas Sanctified e em festas. Do lado de fora da igreja
é difícil determinar em que serviço ele está no momento” (apud L
EVINE
, 1977, p. 180).
O estilo black gospel caracterizava-se musicalmente por sua estrutura de verso-e-
refrão, ou forma estrófica, com a harmonia baseada em tríades primárias e acordes de sétima
com variações no e no graus que criavam as blue notes.
64
Os quartetos masculinos, que
mantinham o estilo call-and-response (chamado-resposta), e os grupos mistos davam
proeminência às vozes do baixo e do solista, sendo este um tenor reconhecido pelo uso de
ornamentação melismática, portamento e glissandos.
65
O movimento Holliness propiciou às comunidades cristãs afro-americanas a
oportunidade de expressão de sua própria cultura e de seus valores estéticos “em vez de ser
versões negras das igrejas brancas”, apesar do raio de interinfluência de música e performance
abranger ambas as igrejas (C
USIC
, 1990, p. 92). Por outro lado, a autonomia e o
individualismo das igrejas Holliness e Sanctified permitiram as muitas inovações no campo
da música gospel, mesmo que algumas daquelas inovações causassem certa confusão entre
referenciais sagrados e seculares.
O pentecostalismo norte-americano é uma chave para o entendimento da música
gospel, visto ter sido o berço onde se originou o gospel e o espaço litúrgico em que as
transições e inovações foram culturalmente expressas. As danças e cantos alegres, gritos e
palmas, as expressões físicas durante o louvor acompanhado de instrumentação em alto
volume, bem como a aceitação de larga variedade de melodias e estilos musicais
caracterizaram a liturgia pentecostal desde seu surgimento.
Um outro sinal distintivo do gospel dos primeiros anos do século XX é sua interação
com o modelo da indústria musical secular. Naquela época, ainda não se conheciam as
64
As blue notes consistem em certo desvio descendente na afinação de determinadas notas da escala, como a
terça, a quinta e a sétima.
65
Glissando é o efeito sonoro obtido (com a voz ou em um instrumento) ao saltar-se de uma nota a outra com
pouca ou nenhuma distinção dos sons intermediários.
82
canções gospel (gospel songs) por esse termo; tais músicas eram denominadas “canções
evangelísticas” (evangelistic songs).
66
As grandes campanhas evangelísticas seguiam de
cidade em cidade protagonizadas por um carismático pregador e por um grupo de cantores.
Homer Rodeheaver (1880-1955), músico-líder da campanha itinerante do renomado
evangelista Billy Sunday (1862-1935), revolucionou a parte musical dessas campanhas
avivalistas e foi pioneiro no soerguimento da indústria de música gospel “com sua
combinação de ministério e entretenimento e a criação de uma companhia de gravação e
edição independente” (idem, p. 70).
No culto, a parte musical de Rodeheaver durava trinta minutos e funcionava como
uma preparação para o sermão de Billy Sunday. As canções eram animadas e de fácil
aprendizado, com letras nacionalistas, pró-temperança (anti-álcool) e até influenciadas pela
música dos espetáculos de vaudeville daquele período, como a canção De Brewer’s Big
Horses”, escrita em um dialeto afro-americano propositalmente estereotipado (idem, p. 73-
74).
Como as campanhas evangelísticas não eram realizadas no local do templo,
Rodeheaver empregava “ativamente as ferramentas do entretenimento secular” e as
estratégias do show biz “sem medo de quebrar o decoro do tabernáculo” (idem, p. 74).
Por sua vez, as gravadoras independentes, como a que pertencia a Rodeheaver,
começaram a moldar a figura do consumidor evangélico como um segmento do mercado.
“Enquanto as rádios e gravadoras seculares criavam um mercado
nacional para seus discos, a música gospel passou de uma forma musical
separada e identificável (...) para canções que soavam como suas
contrapartes pop com uma simples diferença de letras. Homer Rodeheaver
foi o primeiro a preencher essa lacuna musical e a estabelecer o comércio da
música religiosa imitando a música pop na tentativa de atrair um grande
público e apelar tanto para os que estavam dentro ou fora da religião” (idem,
p. 75).
O propósito de transmitir o evangelho a todas as pessoas é uma marca do
cristianismo evangélico, principalmente. Assim, o surpreende que logo após a primeira
transmissão de uma estação de dio comercial nos Estados Unidos ocorrida em 2 de
novembro de 1920, dois meses depois, em 2 de janeiro de 1921, era levada ao ar a primeira
transmissão de um serviço religioso. Em 1925, dois estudantes do Moody Bible Institute
organizaram o primeiro programa de música gospel no rádio, cujo conteúdo restringia-se a
hinos tradicionais e números de música clássica.
66
Vale lembrar que os termos “gospel” e “evangelistic” têm significado similar. O primeiro quer dizer
“Evangelho” ou “evangélico” e o segundo significa “evangelístico”.
83
A profissionalização dos grupos musicais, principalmente de quartetos masculinos,
seguiu-se ao surgimento de gravadoras e editoras de song-books e partituras avulsas e,
também, à consolidação do rádio.
Segundo Charles Wolfe (1981), as firmas de publicação, como Stamps-Baxter,
Hartford, James D. Vaughn e Stamps Quartet; a tradição de convenções de música, eventos de
competição musical entre os grupos e oportunidade de vendas; e o avanço do rádio, foram
fatores que fizeram da música gospel um mercado à parte. Após o fim da II Guerra Mundial,
alguns grupos musicais, como Blackwood Brothers, The Statesmen e Homeland Harmony
Quartet, conseguiam viver da renda de apresentações no rádio, das gravações e dos direitos
autorais.
No final dos anos 1940, uma nova geração de compositores e intérpretes buscava
referências musicais em outros modelos além daqueles das tradicionais convenções e
“começaram a incorporar em suas canções ecos da música pop secular” (W
OLFE
, 1981, p. 77).
A harmonia do estilo country, o coloquialismo textual e o acompanhamento no estilo piano
boogie foram algumas das referências inseridas no desenvolvimento da música gospel (idem,
ibidem).
Um medidor confiável da expansão do novo estilo gospel e sua maior interação com
a indústria fonográfica secular pode ser observado na criação de categorias específicas para a
música gospel nas páginas da Billboard, o periódico empresarial que fixa a posição semanal
dos sucessos do rádio e das vendas de discos em um ranking. Também nos anos 1950, a
gravadora RCA Victor lançava um primeiro catálogo musical intitulado “Sacred Music”, com
a participação do grupo gospel Blackwood Brothers e de artistas seculares, como Mario Lanza
e Perry Como. Na mesma década, a RCA Victor lançaria uma segunda coleção, desta vez, sob
o título “Gospel Music” (idem, p. 78).
Portanto, à medida que a música gospel tornava-se um negócio lucrativo, os grupos
mostravam-se mais conscientes do teor comercial de suas canções e, logo, “a influência dos
sucessos das canções seculares começou a revelar-se nas músicas dos compositores do
gospel” (C
USIC
, 1990, p. 98).
Essa breve retrospectiva histórica demonstra uma singularidade no desenvolvimento
da música gospel: seu caráter híbrido. A combinação de textos religiosos e música secular é
uma tradução de um aspecto comum da herança cultural africana, em cuja cosmovisão não
distinções conceituais entre “sacro” e secular”. Ambas, música e religião, integravam a
totalidade da vida e obedeciam a propósitos variados. Essas características seriam absorvidas
pelo incipiente pentecostalismo afro-americano, o qual transladaria a ambivalência
84
sacro/secular para a esfera tradicional/contemporâneo (W
EEKES
, 2005).
3.2 Pop: ideias e conceitos
O conceito de música pop permanece sem claros limites de definição. Em uma
perspectiva musical, “o pop caracteriza-se pelos refrões fáceis de memorizar e pelo amor
romântico como tema” e é empregado como termo que se opõe ao rock, evidenciando uma
“dicotomia baseada em noções de arte e comércio na música popular” ((S
HUKER
, 1999, p.
192-193).
A música pop, via de regra, é entendida como um produto descartável, cujas letras
estariam emolduradas por melodias fáceis e uma produção sem maiores pretensões artísticas.
Entretanto, em outra ótica, que privilegia aspectos musicais e extramusicais da música
popular, Philip Tagg aponta características como “a natureza da distribuição, o modo de
fixação (transmissão oral ou escrita em partitura), existência de teoria musical e estética
próprias” (apud V
ALENTE
, 2003, p. 58).
Tomando como base o pensamento de Simon Frith (1998) sobre o mapeamento de um
gênero musical, a música pop compreende não apenas as convenções sonoras que estabelece
seu conjunto de melodia, letra e arranjo –, mas também as convenções de performance o
gestual, o visual e as interpretações vocais dos artistas e as convenções sócio-
mercadológicas – a interação entre os produtores musicais, os executivos de uma gravadora, a
divulgação midiática e a atuação do público.
Nessa extensa rede de relações sociais, econômicas e culturais estão em trânsito os
valores e ideologias dos agentes envolvidos na elaboração do objeto musical e seu
compartilhamento público. Evidencia-se, ainda, diferenciados caracteres de produção e
consumo na configuração geral do que constitui o pop.
A palavra “pop” é empregada, nesses momentos, como parâmetro para a
delimitação de gêneros e estilos e a rotulação de produtos dentro do próprio
universo pop. (...) Utilizada assim como adjetivo, a palavra pop parece não
se referir a um gênero de limites definidos, mas apontar, em geral com um
tom depreciativo, para uma qualidade que os produtos possuem em maior ou
menor grau. A causa para tal indefinição proviria de uma das marcas mais
características do pop, ou seja, sua mutabilidade constante, através da qual
ele está sempre incorporando novos elementos e se transformando (C
AZÉ
,
1997, p. 33).
O conceito de música pop, então, foge a uma demarcação formal, haja vista a
85
possibilidade de qualquer artista/banda ou gênero musical samba, rock, reggae, calypso -,
ser rotulado como pop. A elaboração do artefato musical, a intensa difusão midiática, a
atração de grande público, enfim, a cadeia produção-circulação-consumo, são fatores
relacionados à música pop.
As mídias TV, rádio, cinema, revistas, internet exercem o papel de maximizar o
raio de divulgação da música pop, buscando atingir o maior número de ouvintes. É inegável a
forte presença do mercado atuando em conjunto com os artistas e produtores musicais do
cenário pop. No entanto, a constatação de relações mercadológicas não impede a criação de
músicas com alto grau de complexidade e sofisticação artística nem a força do mercado pode
ser vista somente como um prejuízo às culturas humanas.
Desse modo, “a estrutura de produção/circulação/consumo das cadeias mediáticas
[sic]bem como “o entrelaçamento das inovações tecnológicas às práticas cotidianas” são de
fundamental importância “para o entendimento da cultura pop, como, aliás, para o de
qualquer manifestação cultural” (J
ANOTTI
J
R
, 2005, p. 5).
De acordo com Brenda Carranza, ao mergulhar “numa visão positiva do universo
contemporâneo, por meio da incorporação de procedimentos do cinema e da publicidade, o
pop reelaborou o sentido cotidiano dos objetos” (2005, p. 35). Como uma espécie de força
cultural centrífuga, expandindo seu raio de ação sobre os mais diversos estilos de produção
musical da indústria fonográfica, a música pop não deixaria de exercer influência sobre os
modelos de composição e arranjo da canção gospel.
No início dos anos 1980, a música cristã norte-americana experimentava uma nova
conjugação de evangelismo e cultura pop, quando a CCM (Christian Contemporary Music)
tornava-se a marca de uma indústria geradora de bilhões de dólares, enquanto estilos musicais
pop de apelo juvenil dance, tecno, hip hop, rap e, ainda, acid, hard, punk e outras variações
do rock recebiam letras de temática religiosa. Cantores de grande sucesso no meio gospel,
como Amy Grant, Michael W. Smith, Carman e grupos como Petra, superavam o espaço
institucional das igrejas e passavam a oferecer “entretenimento cristão”: uma oferta de
diversão boa e tranqüila amparada em concertos de gigantesca estrutura de palco, público e
publicidade, cuja trilha sonora é o Gospop.
Uma aglutinação das palavras “gospele “pop”, o Gospop, de acordo com Don Cusic,
é a música de muita energia com uma mensagem moral tocada por músicos com uma
missão” (1990, p. 199). Essa música é decorrência da pentecostalização da música pop, uma
proposta de objetivos evangelísticos em que o valor da forma comunicacional estaria
determinado pelos fins.
86
“Músicos com uma missão”: nesse ponto reside a diferença entre o artista secular e o
artista gospel, pois, ao passo em que este vê a si mesmo como um ministro cuja música está a
serviço de Deus, o primeiro se considera um popstar a serviço de sua música, de sua arte. A
tradicional cosmovisão cristã – viver no mundo, maso ser do mundoleva o artista gospel
a transitar na dualidade demanda espiritual-comércio musical. Assim, ele considera sua
música “um ministério mais do que um entretenimento, portando uma mensagem que o
mundo precisa ouvir, servindo a Deus e não ao homem, representando o ponto de vista de
Deus” (idem, p. 219).
Por outro lado, os críticos da MCC entendem que, como houve pouca possibilidade
para a música cristã escapar do processo de industrialização”, o mercado evangélico tem se
“modelado na indústria musical secular” (H
OWARD
;
S
TRECK
, 2004, p. 153).
Ancorado em caracteres neopentecostais como a maior liberdade litúrgica, o acentuado
proselitismo midiático e a adoção da estética musical pop, o modelo “evangelismo-
entretenimento” norte-americano aportou com sucesso em vários países do Caribe, da
América do Sul, da África e da Ásia.
Como se verá a seguir, a expansão neopentecostal no Brasil foi pavimentada na trilha
da renovação musical evangélica, com destaque para o surgimento de cantores de “pop
congregacional” e ministérios de louvor e adoração.
3.3 A pentecostalização do pop
Embora a penetração do gospel na mídia secular ocorra em menor grau do que a
assimilação dos caracteres pop pela mídia gospel, a abertura de categorias como “Melhor
Álbum Gospel” em premiações como o Grammy evidencia a visibilidade social e
potencialidade comercial da música cristã contemporânea. Na edição do Grammy Latino
2008, a cantora evangélica Soraya Moraes também pastora da Igreja do Evangelho
Quadrangular em Alphaville (SP) recebeu os prêmios de melhor álbum de música cristã
em língua espanhola” (Tengo sed de Ti), “melhor álbum de música cristã em língua
portuguesa” (Som da Chuva) e, de forma inédita, ganhou o prêmio de “melhor canção
brasileira” (canção “Som da Chuva”). Nesta última categoria, concorreu com astros seculares
como Djavan, Vanessa da Matta e Jorge Vercilo.
87
Fig. 7 - Soraya Moraes com seus troféus do Grammy Latino 2008 (www.gospelmais.com.br)
Músicos, produtores e críticos brasileiros se dividem quanto ao respaldo do Grammy
Latino para o Brasil. João Barone, da banda Paralamas do Sucesso, reclama da pouca
importância que as gravadoras nacionais dão ao prêmio; Mauro Silveira, crítico musical do
jornal O Dia e da revista Isto É, afirma que a criação de certas categorias do Grammy Latino
contribui para o desprestígio de cantores brasileiros em relação ao evento.
De outro lado, o segmento evangélico comemora as premiações específicas para a
música gospel. Segundo Yakima Damasceno, uma das representantes do Brasil na Academia
Internacional de Músicos e Adoradores de Deus (ACIMAD), são patrocinadas viagens de
artistas e produtores ao evento e acompanha-se todos os estágios da premiação. Os prêmios
são vistos, também, como uma demonstração da “fidelidade de Deus” ao empenho e
obediência dos cantores cristãos, como diz Aline Barros, premiada três vezes com o Grammy
Latino (www.backstage.com.br, ed. 164, 2008).
No entanto, as estratégias de promoção do cristianismo parecem estar gerando
corporativismo no processo de votação das premiações. O processo de premiação de Soraya
Moraes no Grammy Latino 2008, surpreendentemente, na categoria de melhor canção
brasileira, foi questionado pelo jornal O Globo. Segundo a reportagem, nos últimos anos,
muitos artistas e produtores brasileiros de música evangélica se inscreveram na LARAS
(Latin Academy of Recording Arts & Science), conseguindo assim não uma categoria
própria (Álbum de Música Cristã em Língua Portuguesa) como também peso de voto para
emplacar uma indicada e vencedora na categoria de Canção Brasileira, que, nas edições
anteriores do prêmio, era exclusiva de artistas da MPB.
67
Os cantores gospel não se consideram artistas, mas “ministros” ou “adoradores”, o que
contribui para a sacralização tanto da função que exercem como da música que adotam nos
67
Para ser um membro votante da LARAS, é preciso ser originário da América Latina e, na inscrição, enviar seis
músicas das quais se tenha participado da gravação (autores, cantores, instrumentistas, arranjadores, técnicos).
88
cultos e shows.
68
O surgimento dos Ministérios de Louvor”, grupos que realizam grandes
apresentações em que o estilo musical reúne animadas canções e lentas baladas de letras
curtas e repetitivas, está na base da consolidação do louvor congregacional - atividade em que
o público é estimulado a cantar junto com os “ministradores” dos momentos de louvor.
A evangelização por meio de prédicas, longas orações (chamadas de intercessões”) e
música é o ponto central de ministérios como Adoração Profética liderado pela pastora
Ludmila Ferber; Paixão, Fogo e Glóriado pastor David Quinlan; Toque no Altar – da Igreja
Ministério Apascentar/RJ; e o mais conhecido, Diante do Trono da pastora e vocalista Ana
Paula Valadão. Alguns desses grupos mantêm cursos de treinamento em louvor
congregacional ou ministrações em igrejas, como o Diante do Trono e o Clamor das Nações.
A marca de sacralização de canções e de músicos-ministros está exemplificada pelas
palavras que divulgam o novo CD do Ministério Trazendo a Arca, em que constariam
“composições inspiradas pelo Espírito Santo de Deus e de autoria do Ministério Trazendo a
Arca, com diversidade e riqueza musical, tendo um arranjo de cordas muito bem elaborado e
uma unção inconfundível”.
69
Outro sinal de sacralização de canções e de músicos-ministros pode ser encontrado na
música de Ana Paula Valadão, líder do Ministério de Louvor Diante do Trono, a qual
expressa os formatos de evangelização neopentecostal. A revista Eclésia assim define a
atuação da cantora e pastora:
No altar ela canta, ora, dança. Em certos momentos, sorri e chora; em outros
momentos, saltita e cai de joelhos. A espontaneidade é o complemento
perfeito para sua voz afinadíssima. Os espectadores, inebriados, levantam as
mãos e deixam as lágrimas escorrerem livremente, numa onda de louvor. (...)
Quem assiste às apresentações do Ministério de Louvor Diante do Trono,
liderado por ela, tem a sensação de que está, literalmente, na presença do Rei
dos reis. Santo dos santos, lugar da adoração, sala do trono (2002, pp. 48-
57).
As canções gospel são reveladoras dos conteúdos teológicos do neopentecostalismo,
em que a guerra espiritual, a cura e os fenômenos extáticos são marcos significativos, embora
o êxtase glossolálico e as práticas de exorcismo tenham sido gradativamente abandonados
pelas igrejas neopentecostais mais recentes, como a Renascer em Cristo ou a Bola de Neve.
Provérbio X e Apocalipse 16 cantam o rap “Nova Pátria”, cuja letra aborda a Guerra
Espiritual:
68
Cf. C
UNHA
, 2007, p. 108-109; C
USIC
, 1990, p. 219.
69
Disponível em <http://www.trazendoaarca.com/index>. Acesso em 27 mar. 2008.
89
Nova pátria, sente a fúria
Eu bato forte se não cair bato mais forte
Aí, demônio vai precisar de sorte
Queimo o demônio por esporte
(...)
Você vai entender quando o fogo descer
Quando o anjo furioso fizer a guerra santa
Quando a espada de Miguel atravessar sua garganta.
Cassiane, na música “500 Graus”, canta que vai chover línguas por todos os lados / e
desse temporal eu quero sair molhado / Ali no meio o fogo cai / toda enfermidade o resiste
e sai / 500 graus de puro fogo santo e poder”. Por sua vez, os títulos de algumas canções da
pastora e cantora Ludmila Ferber são emblemáticos: “Unção sem limites”, “Tempo de cura”,
“Ouça e tome posse”.
A mídia gospel, por meio de programas de rádio e TV, revistas e internet, concede
amplo espaço de divulgação às produções musicais. O programa Conexão Gospel, da
gravadora MK Publicitá, esteve na grade programação das emissoras RedeTV e CNT, e
desde 2007 sua transmissão é veiculada pelo site da gravadora (www.mkmusic.com.br). Com
apresentação de Marina de Oliveira (cantora e filha do deputado Arolde de Oliveira,
proprietário do grupo MK), o programa mimetiza o VideoShow, da Rede Globo, ao entrevistar
os artistas gospel em suas residências, revelar datas de aniversários, divulgar suas agendas e
eventos como shows, batismos e casamentos (como o casamento da própria Marina de
Oliveira, exibido no site www.tvgospeltube.com.br).
Na edição do programa Conexão Gospel de 26 de junho de 2008, a cantora Josyanne
fala de sua vida pessoal, a apresentadora anuncia o novo CD de Aline Barros e convida o
espectador para que “entre também nessa dança” e divulga-se a agenda de cantores e o local
onde comprar os CDs dos artistas-ministros. Durante a exibição do videoclipe da balada
“Milagres”, da cantora Lizlanne, a apresentadora afirma que “a sica fez sucesso nas dios
[evangélicas] espalhadas pelo país”, enquanto o vídeo mostra legendas que descrevem “o
testemunho de pessoas que foram edificadas através da canção”.
É notória a sacralização dos trabalhos desses artistas, haja vista que os CDs e DVDs
são divulgados como bem-sucedidos, “ungidos” e capazes de abençoar” a vida dos
consumidores.
“Uma noite de adoração, de cura, milagres, salvação, celebração ao nosso Deus.
90
Garanta o seu ingresso, pois vai ser uma noite abençoada(grifos nossos). Assim era o
convite da cantora e pastora Aline Barros para o show de gravação do DVD Caminho de
Milagres, distribuído pela MK Music.
No site da revista Palco Gospel, as resenhas destacam a “levada pop” do cantor David
Fantazzini (CD Tempo de Restituição 3R Produções) e da dupla Marquinhos Menezes e
Lílian Azevedo (CD Profetas, Adoradores MK Music). Do primeiro, assinala-se que tem
“os principais ingredientes: técnica e unção. Com canções voltadas pro pop, mas com levadas
pro pentecostal, adoração, rock...”.
70
Da dupla, comenta-se seu “som bem contemporâneo,
com levadas pop/congregacional”.
O modelo garoto-propaganda estaria, também, “a serviço do evangelho”, pois, no site
oficial da cantora Aline Barros, faz-se referência ao “visual descontraído e jovial da loja
Triton [que] vestiu Aline Barros no show que abençoou o povo da cidade de Rio Claro em
São Paulo”.
71
A propaganda da grife Sábia Loucura, voltada para “o consumidor jovem cristão, com
camisas, calças, cintos, calçados, mochilas e acessórios em geral”, anuncia que seus “estilistas
profissionais que atuam no meio cristão e secular” observaram a tendência da moda no Brasil
e no mundo, mas preservando os princípios do evangelho.
72
Fig. 8 - Aline Barros e a grife Triton (www.alinebarros.com.br)
70
Disponível em <www.palcogospel.com.br/dicas>. Acesso em 11 mar. 2008.
71
Disponível em <www.alinebarros.com.br>. Acesso em 25 out. 2008.
72
Disponível em <www.megasom.org/alternativagospel>. Acesso em 16 set. 2007. Os erros de grafia do original
foram corrigidos a fim evitar a repetição do uso do termo “sic”.
91
A interação do neopentecostalismo com as modernas técnicas do marketing se percebe
na propaganda da grife Sábia Loucura: “Para se destacar e alavancar bons negócios, a coleção
SÁBIA LOUCURA da marca OSPÍCIO será divulgada NACIONALMENTE através dos
meios de comunicação necessários para garantir o sucesso da coleção em todo BRASIL!!!”
(interjeições e grifos do original).
Admite-se, então, que “para melhorar a comunicação com o jovem cristão”, a marca
usa a imagem do cantor PG, escolhido por ser um grande ícone da adoração em estilo bem
jovial e eclético”. A informação de que “Sábia Loucura” é o nome de uma música de grande
sucesso composta pelo cantor PG, “que você ouve no álbum Adoração”, é adicionada ao fato
de que o cantor será vestido pela marca Ospício e terá seu nome em camisetas e acessórios.
Anuncia-se, ainda, “o lançamento da grife com um mega show do PG encerrando” um
desfile que contará com a presença de vários cantores e artistas do meio gospel, entre outras
celebridades do meio cristão”. Por fim, cita-se um verso bíblico, “A sabedoria de Deus é
loucura para os homens! I Cor[íntios] 1:25”. Essa propaganda funciona como garantia da
cristianização da coleção da moda, ao passo que corrobora a secularização da música
evangélica, da qual foi apropriada comercialmente sua simbologia religiosa, e do ícone
musical gospel, do qual aproveitou-se o potencial de influenciar os hábitos de consumo dos
fiéis.
É evidente que a publicidade de instrumentos e equipamentos musicais também faz
uso da fama e talento dos artistas gospel. A adolescente Priscilla Alcântara, apresentadora do
programa infantil Bom Dia e Cia, transmitido pelo SBT, é também cantora evangélica e
endorser da linha de microfones da Leson. Na revista UpGospel 4, uma propaganda de
página inteira dos violões Giannini, na qual o cantor Kleber Lucas posa com o violão
“Giannini série Gospel”. A peça publicitária destaca que o violão GFG 1EL tem um
“exclusivo desenho da boca em formato de peixe, mbolo cristão, ressaltando toda
religiosidade e beleza desse instrumento único”. Como apelo final, orienta o consumidor para
que “diferencie-se louvando com o GFG 1 EL da Giannini e conquiste os fiéis da música”.
73
A sociedade ocidental adentra o século XXI cada vez mais estimulada pelo culto à
celebridade. Devido à presença avassaladora desse fenômeno na cultura moderna, a indústria
fonográfica gospel não escapou a sua influência. Assim, embora os jovens conversos
abandonem, a princípio, os ídolos da música secular, uma considerável parte daqueles novos
73
“Endorser” é o jargão empregado para designar alguém que recebe patrocínio, em dinheiro ou serviço, para
divulgar a marca de uma empresa. A linha de microfones usada pela cantora Priscilla “tem cores vivas com uma
pintura especial” (www.priscillaalcantara.com.br ). Ver propaganda com o cantor Kleber Lucas na revista
UpGospel n. 4, ano 1, 2007, p. 5.
92
fiéis parece apenas ter trocado de ídolos os seculares pelos cristãos em face do vel de
interesse e devoção com que buscam relacionar-se com os cantores do gospel contemporâneo.
No livro Celebridade (2008), o sociólogo Chris Rojek discute a possível conexão
religião-fã. Sem legitimar tal conexão, mas indicando similaridades, ele demonstra que o
contato virtual (via internet) substitui o contato pessoal entre fãs e artistas, sendo que essa
mediatização do relacionamento não é obstáculo à amplificação do interesse do fã.
Para Neal Gabler (2000), o culto à celebridade essubstituindo a religião organizada
e a própria religião tem se adaptado aos novos tempos ao assimilar a cultura do consumo e
empregar formas similares de comunicação midiática.
74
O relacionamento entre “ministros” e fiéis” segue, por vezes, o padrão de tratamento
mútuo entre “ídolos” e “fãs”, como demonstrações de histeria (gritos e assobios durante os
shows), oferta de wallpapers com fotos de cantores, distribuição de criação de sites não-
oficiais e comunidades no orkut por aficionados dos artistas gospel. Um exemplo é a
convocação para uma “Tarde de Autógrafos com o Grupo Voices!”, no site da gravadora MK
Music:
As cantoras estarão lançando o seu mais novo CD pela MK Music,
Voices Natal, na loja Godspel do Centro do Rio de Janeiro a partir do meio
dia. Você não pode perder! Vai ser uma festa muito animada e abençoada
com esse ministério que têm conquistado o Brasil. A loja fica na rua
Primeiro de Março, 8, Centro do Rio. e garanta o seu CD Voices Natal
com uma dedicatória do grupo. Esperamos você lá! (grifos nossos
Disponível em <www.mkmusic.com.br/consultanoticia>. Acesso em 10 dez.
2008).
As estratégias da indústria neopentecostal objetivam a geração de identificação do
ouvinte com o cantor, de forma semelhante ao modo de construção de mecanismos de
comunicabilidade pela cultura midiática secular. De acordo com Martín-Barbero (1997), a
geração de ferramentas de organização das competências de comunicação de emissores e
destinatários é capaz de estabelecer vínculos de identificação e adesão junto ao público-alvo,
sendo que, nesse processo, ativa-se a projeção de anseios e desejos e a promoção de
sentimentos de felicidade e pertença.
Entre os artifícios gerados na esfera da cultura musical gospel está a assimilação de
um dos constructos virtuais da fama e do sucesso instituídos pela indústria da cultura pop
secular: a premiação dos melhores do ano. Assim como o Dove Awards emula o Grammy
74
O livro de Neal Gabler, Vida, o filme, é controverso em sua abordagem sistêmica da cultura das mídias. a
obra de Chris Rojek (2008) não estuda o de produtos religiosos, porém, assim como Gabler, analisa
similaridades no comportamento entre fanatismo e religião. O que os une é a noção de culto à celebridade. Sobre
o assunto, ver R
EYSEN
, (2006), “Secular versus religious fans: are they different?: an empirical examination”.
93
Awards, prêmios das comunidades musicais gospel e secular dos Estados Unidos,
respectivamente, o Troféu Talento inspira-se no similar gospel norte-americano para
distinguir os melhores artistas do ano da música gospel brasileira.
O crescimento do mercado musical gospel repercutiu na progressiva expansão das
proporções da premiação do Troféu Talento, que se tornou evento de referência da música
evangélica nacional passando a realizar-se em grandes casas de espetáculo, a atualizar novas
categorias de prêmios e a promover uma festa de gala com performances ao vivo dos
indicados ao prêmio e sigilo antes do anúncio dos vencedores de cada categoria. Criado em
1996, pela Rede Aleluia, o prêmio passou a contar, também, com a interatividade por meio da
participação votante do público por telefone e pela internet (na edição 2008, o site do evento
teria recebido mais de um milhão e trezentos mil votos para os finalistas das 26 categorias
representadas).
Para Samuel Modesto, coordenador do Troféu Talento 2008, a premiação para os
melhores da música gospel é uma forma de reconhecer “o talento que Deus aos adoradores
e cantores; é um reconhecimento ministerial e profissional” (Backstage, 2008, p. 106).
O regulamento da premiação das últimas edições do Troféu Talento é revelador de
uma clivagem ministerial e profissional expressada em termos de entrelaçamento de atividade
musical religiosa e mercado produtor. No ato de preenchimento da ficha de votação, o eleitor
é orientado a concentrar-se em itens como “destaque na mídia” e “execução de sucessos no
ano”. A categoria Cantor do Ano é descrita como o “prêmio concedido ao cantor que
alcançou grande destaque na mídia e com a execução de sucessos no ano de 2008”. A mesma
orientação deve ser seguida na escolha da “Cantora do ano” e do “Grupo de Louvor”,
constando, para o último, a observação de atenção ao item "qualidade técnica reconhecida".
Quanto às categorias Intérprete Masculino e Feminino, o eleitor deve considerar "os
quesitos qualidade vocal, postura corporal, presença de palco e simpatia". Há também a
categoria "Destaque", em que "devem ser avaliados os critérios de resultados em vendas,
execução musical e destaque na mídia" (grifos nossos - Disponível em
www.trofeutalento.com.br. Acesso em 15 jan. 2009).
Os organizadores do Troféu Talento demonstram rapidez de percepção ao introduzir
novas categorias de premiação. Das doze categorias previstas na primeira edição, em 1996,
saltou-se para vinte e seis prêmios na edição de 2008, passando a incluir as indicações de
álbum de rap (incluso hip hop), álbum alternativo (concedido às produções de pagode,
reggae, funk, tecno, dance e eletrônica), álbum de black music (estilos soul music, R & B,
jazz), álbum de rock (em suas diferentes vertentes), álbum de Adoração e Louvor, álbum
94
pentecostal (o estilo musical, não a denominação religiosa) e álbum pop e pop/rock (para a
“produção musical no estilo pop”).
Foram, ainda, concebidas as categorias de melhor dupla, videoclipe, álbum
instrumental, álbum independente, arranjo e design gráfico. As produções voltadas ao público
infantil também foram privilegiadas pela criação das categorias de melhor álbum e melhor
DVD infantis. (Cf. www.trofeutalento.com.br).
O investimento de igrejas em equipamentos de áudio é crescente devido as maiores
dimensões arquitetônicas dos templos e o nível de exigência dos fiéis. Algumas igrejas, como
a Igreja Batista Nacional de Campinas ou a Igreja Bola de Neve (São Paulo-SP), tornaram-se
modelos a serem imitados no tocante à qualidade de som, investimento em áudio e vídeo e
consultoria de profissionais especializados.
75
Com a proliferação das apresentações ao vivo, em espaços fechados ou em
logradouros públicos, bandas e solistas também passaram a investir em equipamentos de alta
qualidade. A profissionalização do setor é reconhecida na categoria “Álbum ao Vivo”, um
prêmio concedido ao CD com gravação ao vivo, embora esse formato de gravação
habitualmente seja remixado e alguns canais de voz e instrumentos sejam a mesmo
regravados em estúdio posteriormente.
Ao assimilar a meritocracia da indústria fonográfica secular, em que o “melhor” é
quem demonstra maior sucesso de vendagem e mais aparições na mídia, as edições do Troféu
Talento parecem estimular uma concorrência artística e comercial e um locus privilegiado de
disputa entre aficionados do gospel. Além disso, várias gravadoras e produtores
independentes procuram beneficiar-se dos prêmios recebidos como fator publicitário na
divulgação de cantores, CDs e DVDs, orientando o consumidor ao mencionar-se o sucesso do
objeto premiado.
A premiação tem esboçado um contorno supradenominacional, em que as
diferenciações eclesiásticas são apagadas e os discursos religiosos o nivelados em prol da
hegemonia de um ecumenismo de mercado.
A seleção dos indicados ao prêmio é realizada por meio de pesquisas em igrejas,
emissoras de rádio e locais de grandes concentrações, e também junto a distribuidores, lojistas
e pela internet. A divulgação e a organização estão a cargo da Rede Aleluia, originária da
Igreja Universal do Reino de Deus. No entanto, o ecletismo da seleção e da premiação é
orientado pelos nomes, predominantemente pentecostais, de destaque na mídia e pelo sucesso
75
Ver Backstage, eds. 162, 163 e 167, todas publicadas em 2008.
95
de um gênero junto ao público. Isso pode explicar a premiação, em 2002, do álbum As
Preferidas do Bispo Macedo vol. 3 como melhor coletânea (o volume ganhara em 1999
na mesma categoria), e a escolha do disco Mensageiro da Solidariedade, do bispo Marcelo
Crivella, como CD do ano no Troféu Talento 2001. No ano seguinte, o bispo seria eleito o
melhor compositor do gospel nacional.
As principais premiações com direito a voto do público (como álbum, música, cantor e
cantora do ano) serão, evidentemente, concedidas aos mais notados na mídia, o que não
implica baixa qualidade artística dos eleitos. Antes, pode ocorrer uma coincidência entre a
inovação musical e as expectativas do público, o que redunda na trajetória ambivalente do
fenômeno artístico-religioso em que as mídias e o público são mutuamente influenciáveis.
Esse fator pode ser observado no processo de consolidação do gênero louvor e
adoração neopentecostal. Em 2008, o Ministério de Louvor Trazendo a Arca recebeu os
troféus de Música do Ano, pela canção “Marca da Promessa”, Álbum do Ano (Marca da
Promessa) e Intérprete Masculino para Davi Sacer (empatado com Gilson Campos). Ana
Paula Valadão, do Ministério de Louvor Diante do Trono, venceu na categoria Intérprete
Feminino. Aline Barros foi eleita Cantora do Ano e seu CD, Caminho de Milagres,
considerado o melhor álbum ao vivo (nesse disco, Aline segue o modelo louvor e adoração).
O gênero tem vencido nas principais categorias desde 2004, quando o CD ao vivo e o
CD do ano foi o álbum Quero me Apaixonar, do Diante do Trono. No ano seguinte, o CD e a
música do ano foram entregues, respectivamente, ao disco Esperança (Diante do Trono) e à
canção “Restitui” (Ministério Apascentar de Nova Iguaçu). Em 2006, o Ministério Toque no
Altar ganhou o troféu de música e álbum do ano (Deus de Promessas).
Portanto, as programações musicais da mídia neopentecostal, as formas de divulgação
de eventos religiosos, o surgimento do garoto-propaganda gospel e o relacionamento
“adoradores-fiéis” similar aos padrões do culto à celebridade são dispositivos acionados pela
indústria fonográfica gospel e observados no entorno da música cristã contemporânea. Essa
música obtém reconhecimento na medida em que representa a estrutura de “uma subcultura
evangélica definida não apenas pela crença religiosa, mas também por seus hábitos
comerciais” (H
OWARD
;
S
TRECK
, 1999, p. 78).
Uma das ressalvas dirigidas à cultura gospel entende que, embora os novos
evangélicos pareçam cientes de que, na tentativa de ganhar a atenção do mundo, é preciso
tornar-se respeitável aos padrões do mundo, nesse processo de obtenção da respeitabilidade os
evangélicos podem facilmente perder seu caráter de distinção.
No artigo “Artistas ou Adoradores” (Revista Show Gospel), o pastor e ministro de
96
louvor Ronaldo Bezerra afirma:
Vivemos dias difíceis em nossas igrejas. Muitos pensam que estamos
vivendo um grande avivamento. Na verdade, confundem avivamento com
“movimento” ou “animamento”, ou seja, pensam que templos cheios,
grandes shows e eventos grandiosos são sinônimos de um grande e poderoso
avivamento! Infelizmente, nossas igrejas estão cheias sim... mas de pessoas
vazias! Muitos têm trazido para dentro de nossas congregações modelos do
mundo, em outras palavras, “saíram do mundo”, mas o mundo não saiu de
dentro deles! Na área da música isso é algo visível, pois muitos dos
chamados “músicos cristãos” têm trazido a realidade do mundo e a prática
secular para dentro de nossas igrejas através de seu comportamento, estilo de
vida, conceitos, valores, etc. muitos músicos chamados “cristãos” têm
imitado modelos do mundo sem Deus, querem ser conhecidos como
“artistas” e “pop stars!”.
76
Na busca pela compreensão da estética da música gospel contemporânea, faz-se
necessário entender também a linguagem pela qual os juízos de valor são comunicados e em
que conjunturas sócio-culturais eles o apropriados. Há uma ótica de análise que
desconsidera as dimensões de hibridez (ou hibridismo) no desenvolvimento da música cristã e
a transforma em um bloco monolítico solidificado e insensível às dinâmicas de influência e
inovação que ressemantizam e revitalizam a música de uma cultura religiosa. Essa visão é,
também, característica de um pensamento essencialista sobre a música popular de massa e
ainda atua sobre a música pop.
No texto “Style as Homology and Signifying Practice”, Dick Hebdige emprega o
conceito de homologia, como articulado por Paul Willis,
77
para “descrever o ajustamento
simbólico entre os valores e estilos de vida de um grupo, sua experiência subjetiva e as formas
musicais usadas para expressar ou reforçar seus interesses focais” (1990, p. 46). A noção de
homologia introduzida na análise da canção gospel contemporânea auxilia na consideração de
que as práticas musicais do neopentecostalismo nacional refletem duas características
centrais:
a) Hibridez: a combinação de gêneros musicais seculares com letras religiosas
é um corolário histórico da elaboração da canção gospel;
b) Cosmovisão pentecostal: os aspectos de sua religiosidade mais livre
comunicam, por meio da música, os novos valores da comunidade
evangélica e ressaltam sua visão de mundo.
A análise da estética do gospel nacional, sob a ótica da homologia enquanto estilo,
76
Revista Show Gospel, versão online, ed. 30, s/d
.
Em <www.showgospel.com.br>. Acesso em 27 out. 2008.
77
Cf. W
ILLIS
, Paul. Profane Culture. London: Routledge & Kegan Paul, 1978.
97
pode ser mais bem delineada ao avaliar-se uma representante significativa da música cristã
contemporânea brasileira: a cantora e pastora Aline Barros.
3.4 O gospel entre músicas e marcas
Depois do radiopastor e da telepastora, assiste-se a chegada de mais uma modalidade:
a “popstora”. É como popstora que Baby do Brasil (ex-Baby Consuelo) se autodefine.
78
Contudo, no universo gospel neopentecostal, somente ela, talvez, se denomine como popstora.
Outros cantores o se nomeiam artistas, preferindo o termo adoradores, ou mesmo
salvadores. Fernanda Brum, perguntada pelos números de vendagem de discos, diz: Não
conto moedas, penso apenas nas almas que salvei” (Veja, 2009, p. 123).
Observa-se, porém, que alguns dos ministros-adoradores têm se utilizado da imagem
de sucesso no meio evangélico para promover marcas comerciais, fato que, aparentemente,
estaria em contradição com o discurso do “pastoreamento de almas”.
A partir da edição 160, de março de 2008, a revista Backstage, além da seção
exclusiva sobre os equipamentos de áudio das igrejas (“Som nas Igrejas”), passou a dedicar
mais páginas ao mundo gospel. Na seção Boas Novas, da edição 162, além da agenda dos
cantores gospel e de resenhas positivas de lançamentos de seus CDs e DVDs, há uma pequena
matéria que informa que “as ministrações de Aline passaram a contar com a alta qualidade
dos produtos da marca Shure” e divulga os modelos que a cantora utilizará com exclusividade
(2008, p. 120). Há, ainda, propagandas de página inteira nas revistas Igreja e Up!Gospel em
que se uma foto da cantora no palco e a seguinte legenda: “Aline Barros usa e recomenda
os microfones Shure”.
A construção da fama passa obrigatoriamente pelos meios de comunicação de massa.
Um dos meios é a veiculação de imagens de determinado cantor ou instrumentista, exibida de
modo constante e positivo, capaz de estabelecer relações de afetividade entre o e aquele
artista, consolidando-o, enfim, como popstar. As estruturas da dia geram mecanismos de
glamourização ou vedetização que permitem personalizar figuras emblemáticas que
concentram imaginários de felicidade e projeção de aspirações.
A pesquisadora Brenda Carranza avalia que,
se aos mecanismos de projeção e de identificação, de dramaticidade,
emotividade e empatia, se soma a promessa de vincular o terreno com o
78
Ver entrevista de Baby do Brasil à revista Isto É em <www.terra.com.br/istoegente/384>.
98
divino, o profano com o sagrado, traços religiosos presentes na
representação do portador do sagrado, então, a vedete artística passa a ser
uma vedete religiosa. Ao imaginário social que alimenta e sustenta o êxito
da personagem 'profana', se soma, qualificando-a, o imaginário religioso,
ampliando-se não as potencialidades mercadológicas, mas, também, as
interações culturais expressadas de maneira religiosa (2005, p. 44 – grifos do
original).
Não se pretende, nessa pesquisa, discutir o grau de sinceridade da dos cantores
gospel nem sua idoneidade na divulgação de mensagens evangélicas. O objetivo é apresentar
os formatos de aproximação à lógica de mercado, relacionada ao tratamento pop-midiático
dos conteúdos religiosos. Se, por um lado, a lógica de mercado é contestada por estimular o
triunfo da força da “grana” que ergue e destrói tradições belas, por outro lado, critica-se na
lógica neopentecostal o seu acentuado pragmatismo para alcançar os não-conversos e manter
a membresia, se é que o movimentado fluxo religioso contemporâneo ainda possibilita a
quantificação de leigos membros de uma igreja.
Um olhar sobre a produção do DVD Caminhos de Milagres, de Aline Barros, auxilia
na descrição da capacidade neopentecostal de interagir na clivagem adoração-comércio-show.
Ao convidar o público para a gravação ao vivo do DVD citado, Aline Barros diz:
uma noite de adoração, de cura, milagres, salvação, celebração ao nosso
Deus. Assim será a noite da gravação do DVD Caminho de Milagres no dia
7 de junho, no Maracanãzinho (RJ). Garanta o seu ingresso, pois vai ser
uma noite abençoada, e eu quero, junto com você, declarar um novo tempo
na sua vida. Um tempo de milagres, um tempo de bênçãos sobrenaturais da
parte de Deus pra sua vida e pra toda a sua casa. [...] Te espero lá! (vídeo
disponível no site www.alinebarros.com.br. Acesso em 18 out. 2008).
A diretora artística da gravadora MK, Marina de Oliveira, ao falar sobre a gravação do
mesmo DVD, anuncia as proporções tecnológicas e musicais do show: “O palco é altamente
high-tech com dois telões de 40 metros quadrados”, “na gravação vai acontecer, o que
podemos chamar de ‘duelo santo’ de baterias, que está muito legal!”.
A crítica à adoção de modelos de gestão empresarial ou ao ambiente de entretenimento
dos megaeventos anunciados pelo mercado gospel não consiste na transformação do termo
“mercado” em um anátema atemporal. Evidentemente, faz-se necessário o conhecimento
técnico para gerenciar pessoas e produtos dentro de qualquer esfera de atuação econômica
e/ou religiosa. Ademais, o entretenimento leve proporcionado por esses eventos agrega jovens
conversos, promove uma identificação evangélica e confirma valores tradicionais.
Contudo, no processo de personalização e sacralização do produto (o DVD “abençoa”)
e dos eventos (“garanta seu ingresso, pois vai ser uma noite abençoada”, “duelo santo” dos
instrumentos), a indústria fonográfica gospel o parece operar segundo uma weberiana ética
99
protestante frugal no uso de bens e recursos, mas segue traçando suas estratégias de acordo
com a nova ética neopentecostal de consumo, em que os “adoradores” tornam-se celebridades
divulgadoras de marcas comerciais seculares e evangélicas e atuam como portadores
inquestionáveis da unção e da benção.
79
A veiculação de uma canção nas cenas de uma telenovela exibida em horário nobre na
Rede Globo de Televisão, bem como a publicidade diária do CD Aline Barros O Melhor da
Música Gospel (2008) na mesma emissora, contribuiu para a consolidação musical de Aline
Barros, cuja carreira se desdobrou de maneira interdenominacional, isto é, capaz de alcançar
igrejas católicas, protestantes e pentecostais para além de sua comunidade cristã de origem.
Como engrenagem integrante dos mecanismos culturais e religiosos que orientam a
dinâmica da expansão evangélica contemporânea, o modelo Aline Barros representa três
aspectos dessa dinâmica: ela é cantora e pastora, unindo as duas pontas mais visíveis do
trabalho evangelístico (música e prédica); os conteúdos religiosos de seus álbuns e DVDs
agregam os temas da cosmovisão doutrinária pentecostal e refletem a diversificação de
público-alvo desejada tanto pela religião quanto pela indústria fonográfica; e a
internacionalização de sua carreira espelha o fenômeno do avanço global neopentecostal e
carismático.
É notável a mudança de perfil de Aline Barros entre os anos de 2003 e 2007. Enquanto
os discos O Poder do Teu Amor (2000) e Fruto de Amor (2003) o produções gravadas em
estúdio, com letras que abrangem uma mais ampla variedade de temas da vida cristã e
apresentam maior suavidade no timbre da voz, a partir do CD Som de Adoradores (2004)
Aline Barros adentra no terreno do estilo “louvor e adoração”. Nessa nova fase, predominam
as temáticas da santidade de Deus e da restauração pessoal, as gravações ao vivo, as
participações em produções coletivas de remixagens, os duetos com outros líderes de louvor.
Nota-se, ainda, a progressiva utilização da imagem da cantora como garota-propaganda ideal
para a teologia neopentecostal, para a indústria musical gospel e para as empresas seculares
que pretendem inserir-se no vasto mercado consumidor evangélico.
79
Para Max Weber, o protestante segue o que a Bíblia pede para ele – ser mordomo de Deus; os bens não são
próprios, mas de Deus, e ele deve tomar conta deles com fidelidade. Não é o ato de poupar para si, mas o de
cuidar bem do que pertence a Deus.
100
3.5 Aline Barros e a canção pop-religiosa
A mudança do perfil musical de Aline Barros não é radical. Como cantora, não
abandonou determinadas formas e conteúdos nem adotou um estilo diametralmente oposto
àqueles de seus primeiros álbuns. Pode-se dizer, mais acertadamente, que ela e seus
produtores ressaltaram as temáticas comuns enunciadas em outros trabalhos. Do CD O
Poder do Teu Amor ao DVD Caminhos de Milagres observa-se a reiteração de alguns temas
religiosos e a consolidação de um estilo musical pop evidenciadas, ainda que minimamente,
nas primeiras produções da cantora.
O CD O Poder do Teu Amor teve a produção de Ricardo Feghali e Cleberson Horsth
(este, também evangélico), ambos conhecidos integrantes do grupo secular Roupa Nova.
80
O
uso massivo de teclados, samplers e computadores faz deste CD o mais eletrônico da cantora,
sendo que, na faixa Guarda Tua , sua voz está bastante modificada eletronicamente. A
maior parte do repertório constitui-se de baladas lentas, criadas para inspirar reflexão ao
ouvinte. Os temas distribuem-se em:
a) Desejo de restauração: canções como O Poder do Teu Amor, Minha Vida Então
Mudou, Renova-me Senhor, Não Olhes para Trás e Recomeçar, esta última, utilizada sete
anos depois como tema de um personagem na telenovela Duas Caras (Rede Globo);
b) Adoração e santidade de Deus: as faixas Santo é o Senhor, Ao Único e Quero Te
Louvar.
A canção Santo é o Senhor traz uma fala de Aline Barros logo na introdução (“Santo é
o Teu nome, Senhor/Adoramos a Ti porque Tu és o Deus Todo-Poderoso”). A inflexão dada
pela cantora às frases possui o caráter melodramático que marcará as invocações semelhantes
de adoração nas produções futuras de Aline.
No CD Fruto de Amor, um direcionamento à temática da exaltação da soberania
divina, dessa vez, presente em seis das onze faixas do álbum: Digno é Deus, Bem Mais que
Tudo, Clame o Nome de Jesus, Cantarei desse Amor, Não Ninguém como Tu, A
Comunhão da Tua Glória.
Nas produções musicais que se seguiram, destacam-se três ramos nas produções de
Aline Barros: a atuação na área da música evangélica infantil, a dedicação ao ministério de
louvor e adoração e a internacionalização da carreira. Os três formatos de divulgação musical
e religiosa são apresentados pelos produtores como um conteúdo pop-religioso, ou seja, os
80
À exceção da faixa-título, gravada nos Estados Unidos – no New Earth Studio –, todas as faixas do disco
foram gravadas no Feghali Estúdio e no Roupa Nova Estúdio.
101
trabalhos de Aline Barros apresentariam simultaneamente os modelos de “unção” e
“modernidade”. Desse modo, a indústria fonográfica gospel estabelece um modelo musical
que busca dar sentido e relevância aos conteúdos cristãos no mundo contemporâneo, o que
demandaria estratégias publicitárias que visam à conciliação de mercado e evangelismo, de
cultura pop e mensagem evangélica.
O público infantil é o destinatário de produções que, além dos temas cristãos
embalados em linguagem infantil, são reveladoras de caracteres do pentecostalismo e da
renovação musical gospel. No CD Bom é Ser Criança vol. 2 (2002), ganhador de um disco
de platina entregue pela Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD), uma
canção que denota a aproximação evangélica do cenário político-partidário (na época do
lançamento do CD, discutia-se a crise nacional de energia elétrica – o apagão):
Xô Apagão (Solange de César / Davison)
É um tal de apaga apaga
É um tal de apagão
Eu também tô ajudando
A iluminar esta nação
(...)
Xô, xô, xô apagão
Eu vou brilhar com a luz de Deus no coração
Outra canção, A de Aline A de Alegria, demonstra o vedetismo presente no meio
gospel ao associar o nome da cantora aos bons sentimentos (infantis ou adultos). Tanto o
arranjo da canção quanto o acróstico feito com o nome da artista expressam uma clara
influência do modelo de vedetismo musical da apresentadora Xuxa. Diz a própria Aline: “...
minhas participações na Xuxa contribuíram muito para o meu crescimento e para abençoar
muitas pessoas e a nossa igreja no Brasil”.
81
Essas palavras encontram ressonância no clipe da música Crer pra Ver, o qual reúne
Xuxa e Aline Barros em um cenário kitsch com muito gelo seco e rapazes voando e
executando coreografias enquanto a letra da canção aborda a questão do crer na existência de
Deus. A música é de autoria de Álvaro Socci e Cláudio Matta, dois compositores habituais
dos CDs de Xuxa, e não está gravada em nenhum dos CDs de Aline Barros. A participação
81
Disponível em <www.evirt.com.br/entrevista/aline>. Acesso em 23 nov. 2008.
102
de Aline resume-se a repetir, em vocalises agudos, as frases do refrão cantado por Xuxa e a
andar de mãos dadas pelo cenário com a apresentadora/cantora.
O encontro das estrelas da televisão e do gospel serve aos propósitos da carreira de
Xuxa e do ministério de Aline Barros. Para Xuxa, alcança-se o reduto de espectadores
evangélicos (aqueles que assistiam ao programa tiveram, então, uma oficialização quase
“institucional”) e minimiza-se os efeitos de um mito que circulava entre os evangélicos, o de
que Xuxa teria atingido tamanho sucesso graças a um pacto com o diabo. Para Aline Barros,
obtém-se visibilidade no meio secular e oportunidade de alavancar ainda mais sua própria
carreira, além de propagar a mensagem cristã que preza em suas canções.
Outra produção dedicada ao público infantil, Aline Barros e Cia (dezembro 2005), foi
vencedora na categoria “Melhor Álbum de Música Cristã em Língua Portuguesa” do Grammy
Latino 2006. Nesse CD, é notória a economia no uso de nomes e símbolos religiosos, o que
parece ser a tendência do gospel contemporâneo. Nas canções a seguir, a função de algumas
letras é simplesmente coreográfica:
Dança do Pingüim (Solange César/Davison)
É assim, assim
Essa é a alegria do Senhor
Dentro de mim.
É assim, assim
Eu vou te ensinar
Como é a dança do pingüim
Sabe o quê que inventaram agora?
Eu sei!
Tá rolando o maior buchicho!
Eu já ouvi!
Olha que esse papo é da hora!
Eu sei!
Festa de esquimó só rola isso!
É assim, assim...
Arraste o pezinho quase levantando vôo,
Batendo as asinhas nesse balanço é que eu vou,
Esquerda e direita. Assim, assim, pra lá e pra cá,
103
Olha que maneiro ninguém vai querer parar
Ou o pop/rock Pula-Pula (Silas Junior)
Hoje é dia de brincar
Pular, dançar e cantar
Vai ter festa no parquinho
Com pipoca e guaraná
(...)
Pula, pula, pula, Vem pra nossa turma.
Pula, pula, pula, Com Jesus é mais legal
Em ambas as canções mencionadas, e também no clássico pentecostal Homenzinho
Torto, as coreografias dançantes estão propostas nas letras, em que os nomes Senhor” e
“Jesus” aparentam ter diminuta importância textual. A intenção parece ser a de criar uma
alternativa infantil para a trilha sonora secular dos festejos. Assim, em vez dos hits e danças
de sucesso da mídia, usam-se as coreografias gospel. O articulista Roberto Azevedo, no site
Supergospel, afirma que a canção Dança do Pingüim “não enfatiza nem o conteúdo bíblico
nem o conteúdo educativo. Por outro lado, numa festa de aniversário, com certeza é a que
mais anima”.
82
A pentecostalização de danças e coreografias infantis e a onda do politicamente
correto avalizam uma tendência pedagógica discutível: a das revisões dos conteúdos
folclóricos, como aqueles das canções de roda. Em tempos pró-ecológicos, a conhecida
canção Atirei o Pau no Gato é entendida como violenta/agressiva e sofre uma inversão radical
em sua letra tradicional, passando para Não Atire o Pau no Gato. Na gravação de Aline
Barros, a letra é também cristianizada enquanto a melodia original não é alterada.
Não atire o pau no gato, to, to
Porque isso, so, so
Não se faz, faz, faz
Jesus Cristo, to, to
Nos ensina, na, na
A amar, a amar os animais
82
Disponível em <www.supergospel.com.br/analise_dvd-alinebarros>. Acesso em 23 nov. 2008.
104
Amém!
A ação de “cristianizar” a letra de uma tradicional canção do folclore, ou de sucesso
midiático, ao mesmo tempo em que se mantém sua melodia secular original não é uma
estratégia exclusiva de pentecostais, haja vista as históricas apropriações e ressignificações do
repertório popular por parte de católicos e protestantes.
No entanto, à clássica pergunta “Por que o diabo deveria ficar com toda boa música?”,
o movimento gospel contemporâneo a resposta de que todos os ritmos e melodias podem
servir à música cristã, desde que as letras sejam convertidas” e/ou estejam vinculadas ao
ministério gospel.
83
No álbum Upon This Rock (1969), considerado o primeiro disco de rock
gospel, Larry Norman gravou uma canção intitulada Why Should the Devil Have All the Good
Music? (a pergunta acima, em inglês). Na década de 1970, os pentecostais, e posteriormente
os protestantes tradicionais, costumavam cantar uma versão do maior sucesso da cantora
francesa Françoise Hardy, Tous les Garçons et les filles. Em português, no refrão
“cristianizado” cantava-se “Cativar é amar”.
O álbum Música de Guerra Missão, do rapper gospel Pregador Luo, aborda o
universo dos lutadores de Vale Tudo, esporte do qual o cantor é também praticante. Dez das
faixas do álbum são temas de entradas para os principais lutadores do Brasil, como Vitor
Belfort, Maurício Shogun Rua, Rodrigo Minotouro e Cosmo Alexandre. As outras faixas
falam de espírito de luta, e forma, conceitos que o cantor atribui tanto às artes marciais
quanto ao evangelho cristão. De acordo com Luo, “algumas pessoas talvez se escandalizem,
mas meu objetivo na verdade é que as pessoas sejam influenciadas e motivadas a lutar e
vencer os seus desafios”.
As letras, desse modo, sacralizariam a música (música entendida, aqui, como o
componente rítmico-melódico da canção), caracterizando a pluralidade de gêneros musicais
como mais uma estratégia de evangelismo. Em entrevista à Editora Virtual, Aline Barros
corrobora essa interpretação ao afirmar que a diversidade da música gospel é “uma forma
diferente de se levar a mensagem de Jesus a todas as pessoas”
(www.evirt.com.br/entrevista/aline).
Aline Barros & Cia vol. 2 (março 2008) é o passo seguinte da cantora. O álbum possui
15 canções produzidas por Rogério Vieira e agrega uma ampla variedade de estilos, como
reggaeton, techno mambo, frevo, rock, country e pop, entre outros. A primeira faixa, Som da
83
A autoria da pergunta ora é atribuída a Martinho Lutero ora a um dos patriarcas da igreja Holiness.
105
Alegria, é um pop/rock com riffs de guitarras bem destacados e uma pegada” instrumental,
até então, pouco vinculada ao universo infantil cristão. Essa proposta estilística estaria de
acordo com a primeira estrofe da canção que diz: Quero um som diferente de tudo o que
ouvi / Som que mexa e estremeça com toda a Terra”.
A seguir, a letra faz uma analogia do som diferente” com o “som de Josué”, com o
som “da harpa de Davi” e, também, com o “som que tira os meus pés do chão”.
84
A expressão
“tirar o do chão”, cuja origem remete às palavras de ordem dos cantores dos trios elétricos
para que o público das micaretas comece a pular e dançar, é transladada para o contexto
religioso.
A terceira faixa é o funk Dança do Quaquito, cuja coreografia é executada nos shows-
ministrações de Aline Barros. Por ser um ritmo musical de acentuado teor dinamogênico e,
também, por estar em voga nas mídias, o funk serve às intenções coreográficas dessa canção.
O arranjo dessa canção prefere o funk melody, subgênero que apresenta uma linha melódica
cantada e está associado ao funk de letras bem-comportadas, diferentemente do estilo
“batidão” carioca, cujos versos são mais declamados que cantados. A letra evidencia o caráter
de informalidade adequado a alguns momentos de descontração dos shows da cantora.
Dança do Quaquito (Beno César/Solange de César)
Ele é artista
Louva ao criador
Ele está bombando
Toca até tambor
(...)
Esse é a dança do Quaquito
Vem com esse andar de bambolê
Eu na cintura ele no bico
Quê quê rê quê quê
Outra canção, Criança de Jesus, emula o gênero “galope”, bastante ouvido nos shows
de axé-music. Enquanto o arranjo da canção segue os modelos de bandas seculares como Asa
de Águia ou Chiclete com Banana, os termos religiosos empregados na música parecem servir
84
A blia relata que o alarido de instrumentos de sopro e de vozes do povo contribuiu para derrubar os muros
da cidade de Jericó (Josué, capítulo 6). Davi era um reconhecido harpista, mesmo antes de ser rei de Israel, e
compositor de cânticos e salmos (I Samuel 16: 16-19).
106
a uma justificativa de traçar coreografias para as crianças do meio evangélico.
Criança de Jesus (Marcelo Bastos)
Criança de Jesus tem energia
Pra gastar
Corre pra cá, corre pra lá
Bate com as mãos
Bate os pés no chão
Pula, pula, pula
Ter Jesus é muito bom
Joga as mãos pro alto
Põe as mãos no chão
Dá uma rodadinha
Ter Jesus é muito bom!
Parte falada:
- Atenção!
- Sim!
- Vocês querem louvar?
- Sim, senhor!
- Vocês tão com sono?
- Sim, senhor!
- Então eu vou desligar o som...
- Não!
Dança do Nickinho também remete ao estilo das bandas baianas de axé-music, ou axé-
pop, ao mesclar elementos de ritmos como oludum, lambada e dance music em arranjos pop
com a letra orientando a coreografia.
E balançando a cabeça, ele chegou
Nickinho uma criança do Senhor
E dando glória, dando glória sem cessar
Dançando, era Nickinho a louvar
107
Mexendo a cabeça e os braços sem parar
Dando volta, dando volta
Não parava de pular
E mexe pra lá e mexe pra cá
E todas as pessoas começaram a pular
O gênero axé-music é, assim, adotado pelas bandas evangélicas neopentecostais,
sendo recontextualizado e passando a designar o que chamam de “louvadeira”. Segundo seus
aficionados,
qualquer semelhança com Chiclete com Banana, ou outros grupos de musica
baiana é mera coincidência, mas para Deus tudo é possível... [a louvadeira é]
feita com o intuito de louvar, adorar e pregar o evangelho; assim como todo
ritmo, devemos dançar com sabedoria e reverência para Jesus, só ele é digno
de louvor e adoração.
85
A expansão das atividades de Aline Barros, acompanhando o mercado de venda de
bens para nascituros e integrada com algumas correntes psicológicas ou neurológicas de que a
música faz bem ao bebê, levou à produção do CD Aline Barros para Bebês (2008), em que se
apresentam versões instrumentais de canções da cantora. No site oficial da cantora anuncia-se
o CD como a “trilha sonora perfeita para os ouvidos sensíveis do seu bebê” e um “benefício
comprovado ao desenvolvimento cognitivo e emocional do bebê”
(www.alinebarros.com.br/discografia).
Os álbuns lançados por Aline Barros nos anos 1990, como Sem Limites (1995) e Voz
do Coração (1998), são gravações realizadas em estúdio em que predominam baladas
reflexivas e melodramáticas que exploram a versatilidade vocal da cantora. Desde o primeiro
CD (gravado aos 19 anos de idade), Aline vem dosando um canto de fortes agudos de soprano
em contraste com frases de docilidade vocal e, também, demonstra potência para não
submergir vocalmente nas canções em que há maior peso de guitarras e percussão.
Entretanto, a guinada na carreira da cantora ocorreu na esteira do sucesso do
Ministério de Louvor Diante do Trono e sua renovação do gênero musical evangélico
conhecido como “louvor e adoração”. Diante da expansão desse movimento litúrgico-musical
e, ainda, considerando-se seu carisma e habilidade de comunicação com diversos públicos
(infantil ou adulto), a carreira de Aline Barros tomou uma nova direção ao lançar produções
musicais que m sido gravadas ao vivo com intensa participação vocal do público e
85
Disponível em <http://www.buscamp3.com.br/artists_profile_musicbr.asp?id=7544>. Acesso em 03 maio
2008.
108
apresentam canções de alto teor emocional, cujas letras falam de “cura” e da “santidade de
Deus”.
O Ministério de Louvor Diante do Trono (MLDT) surgiu na Igreja Batista da
Lagoinha, uma igreja independente do ramo evangélico pentecostal. Inicialmente, era um
grupo musical composto por amigos e membros de uma mesma família cujos integrantes
foram paulatinamente tomando carreiras solo, como André Valadão e Nívea Soares. A
principal vocalista do MLDT, Ana Paula Valadão Bessa, após uma experiência mística em um
congresso evangelístico nos Estados Unidos, em 1997, montou as diretrizes litúrgicas do
grupo baseada nos serviços de louvor congregacional e aplicou as linhas musicais baseadas
nas produções dos ministérios de louvor internacionais de Darlene Zschech (Hillsong Church,
Austrália) e Paul Wilbur (americano, ícone do ministério judaico-messiânico).
As diretrizes litúrgicas do MLDT possuem conteúdo carismático, como a busca
imanentista de Deus (procura-se sentir a presença ou ter uma experiência sensível com a
divindade) e a presença de fenômenos extáticos, como a glossolalia. Em tais momentos, nota-
se o estímulo à transcendência espiritual por meio da alteração da fala, quando a cantora passa
da voz embargada a brados e gritos,
86
da performance física (visível na expressão facial de
contrição e no gestual do corpo), e também por meio da repetição prolongada de frases
cantadas (nos longos refrões) ou faladas (nas orações de intercessão com um fundo
instrumental) e da sugestão de forte concentração (o público fecha os olhos por longos
períodos).
Há, também, momentos dedicados às ministrações pequenos sermões proferidos por
um pastor ou pela própria cantora/pastora e à participação de dançarinos. As turnês de
sucesso do MLDT por todo o Brasil influenciaram decisivamente na criação de um número
incalculável de grupos de ministério de louvor nas igrejas do país.
87
Na revista Igreja, assegura-se que o Diante do Trono é “o maior fenômeno da música
evangélica nacional” e o responsável pela mudança no “comportamento de um expressivo
segmento da Igreja brasileira, sobretudo entre os mais jovens”. (Igreja, 2006, p. 54). Outra
revista, a Eclésia, avalia positivamente a “inegável unção” das canções de Ana Paula Valadão
e afirma que o MLDT “está trazendo uma nova mentalidade à Igreja brasileira, onde o louvor
musical, muito mais do que ocupar importante espaço devocional, representa atitudes diante
86
Embora o êxtase religioso através do canto, do corpo e da fala em línguas seja um objetivo de alguns cultos e
shows pentecostais, outros termos empregados, como “evasão racional”, “fuga dos níveis imediatos da
consciência” ou “transe”, podem enunciar juízos de valor pejorativos.
87
No final de 2009, contavam-se 234 grupos ou ministérios de louvor na seção de letras do portal Terra.
109
de Deus”.
88
O CD Som de Adoradores (2004) sinaliza o redirecionamento na carreira de Aline
Barros, voltando-se para o repertório de “louvor e adoração” e modelando as ministrações nos
temas da cura e do milagre. No site da gravadora AB Records, afirma-se que esse álbum
“marca a vida e o ministério da adoradora como o início de um novo tempo!” (www.
abrecords.com.br).
O termo “adorador” é empregado no meio gospel para referir-se a um cantor/artista
evangélico. Outro termo substitutivo é “levita”, uma referência aos levitas bíblicos separados
e dedicados ao sacerdócio em tempo integral, sendo que, entre as diversas funções que
exerciam estava a música. Magali Cunha aponta a introdução do termo “levita” na cultura
gospel como um marcador do “reprocessamento da teologia das tradições monárquicas de
Jerusalém”, em que se estabelece a noção de levita como alguém separado ou santificado
para atuar enquanto músico e ministro de pessoas ao mesmo tempo em que “descarta-se a
tradição levítica do serviço à comunidade e da vida despojada” (2004, p. 186).
89
Uma análise do CD Som de Adoradores, gravação ao vivo de Aline Barros, evidencia
a pouca resistência da cantora à expansão do modelo Diante do Trono e comunica a presença
de uma temática que enfatiza a experiência sensível com a divindade, a reelaboração da
tradição de purificação e santidade do Antigo Testamento e a busca de cura e milagres.
A primeira faixa, Rei Meu, começa com as palmas do público acompanhando a banda
ritmicamente e, a seguir, Aline, em tom recitativo e dramático, diz “Oh, Tu és o nosso Deus”.
A última palavra dessa frase “Deus recebe ênfase e prolongamento na sílaba “De”
seguido de um glissando vocal descendente até a metade final us”. Essa inflexão funciona
como uma espécie de marcador invocatório que será repetido em outras canções, sendo visto
como sinal de “unção da adoradora”.
Ainda na introdução instrumental, há um solo de guitarra, gritos do público,aleluias”
e, mais uma vez, o agudo ostinato vocal da cantora, que fala: “Celebre o Senhor comigo nessa
noite, nesse dia”. A letra da canção reitera a teologia gospel de celebração da realeza divina e
a intenção de entrega e adoração por parte da cantora.
Rei Meu (Marcus Salles)
Toda Terra está cheia da Tua Glória
88
Ver matéria “Uma onda de adoração”. Eclésia, São Paulo, n. 78, jun. 2002, p. 48-57.
89
Ver matéria “Confusão na Adoração retrato de nossa época” no site www.cristianismocriativo.com.br. A
despeito de algumas generalizações ao longo do texto, Nelson Bomilcar aponta a ausência de ações sociais por
parte dos “levitas” dos ministérios de louvor em favelas e hospitais.
110
Os céus declaram a Tua grandeza, Rei meu e Deus meu
Eu nasci pra Te adorar e o teu nome proclamar
Quero ser um instrumento Teu, Rei meu e Deus meu
Deus me chamou, eu disse: Eis-me aqui
Vou Te adorar
O meu prazer é Te servir
Após cantarem-se todas as estrofes (e o refrão) da canção, um solo virtuosístico de
guitarra e nova repetição do refrão. No final, segue-se um improviso dos instrumentos com
viradas de bateria e solos de teclado e guitarra até os compassos em que a cantora encerra a
canção com a reiteração de sua inflexão invocatória: “Aleluia, eis-nos aqui Senhor”.
A segunda faixa, Sonda-me, Usa-me, de Aline Barros e Ana & Edson Feitosa,
apresenta uma letra curta e repetitiva que aborda os temas enunciados na primeira canção:
entrega pessoal e desejo de servir. Com duração superior a seis minutos, essa é uma balada
calma, sem solos de guitarra, porém, com ênfase nos sons de teclado e no uso de backing
vocal (o coro ao fundo).
90
Provavelmente, o grande sucesso do CD Quero me Apaixonar, do MLDT, lançado em
2003, tenha repercutido o apenas na reorientação da carreira de solista de Aline Barros
como também sobre a composição de canções para seus álbuns. Além de grande sucesso de
vendagem, o CD do Diante do Trono obteve reconhecimento da classe artística gospel, haja
vista a premiação do Troféu Talento 2004, em que o MLDT venceu em cinco categorias:
melhor grupo, cantora (Ana Paula Valadão), CD de louvor e adoração, CD ao vivo e CD do
ano.
A terceira faixa do CD de Aline Barros é Apaixonado, cuja melodia denota clara
influência das alegres baladas das duplas sertanejas de sucesso. Talvez influenciado pelo
romantismo das letras do gênero, o padrão do tratamento destinado à figura divina é
semelhante ao de enamorados humanos, embora a segunda estrofe da canção, ao mencionar
rapidamente a morte de Cristo naquela cruz”, explicite liricamente o motivo do apaixonado
(pode-se perguntar se haveria, no uso do termo, uma confusão entre a Paixão de Cristo e a
paixão romântica).
90
A prolongada duração de algumas canções nas apresentações ao vivo é característica dos ministérios de
louvor. No CD Quero me Apaixonar (do MLDT), a faixa-título dura 7 minutos e 46 segundos, enquanto as faixas
“Quero Tocar-Te” (11:51 minutos) e “Eu Nasci de Novo” (14:23 minutos) são ainda mais longas, apesar da letra
de ambas ser bastante curta.
111
Apaixonado (Kleber Lucas)
Você mudou meu jeito de pensar
Você mudou meu jeito de agir
Me deu sentido
Você está comigo
Vinte e quatro horas, e ainda assim é muito pouco
Refrão:
Apaixonado
Apaixonado
Apaixonado
Por você Senhor estou
Nessa canção, apesar da adoção da afetuosidade das expressões das canções
românticas, seu caráter rítmico não emula as baladas lentas e sim as canções sertanejas de
rodeio, de maior vivacidade no andamento e na levada instrumental. Durante a música, Aline
volta a caracterizar suas inflexões com voz aguda (“levanta uma geração de adoradores por
Ti, Senhor”) e uma prolongada repetição a capella do refrão por parte do público ao
comando da cantora (“mais uma vez que quero ouvir”). As repetições são levemente
disfarçadas por meio do retorno progressivo de cada instrumento e da entrada do coro.
O emprego de expressões românticas, via de regra associadas ao romantismo e paixão
de um casal, é transferido para o universo espiritual da intimidade entre Jesus e o adorador, o
que parece sinalizar para duas características do pentecostalismo: a orientação imanente na
relação divindade/humano e a recontextualização de termos escriturísticos.
Segundo Wolfgang Stefani, as descrições da música do movimento carismático, a
partir do século XX, indicam que “o dramático e o sensual foram utilizados deliberadamente
para criar uma experiência de envolvimento” (2006, p. 179). O avivamento musical
neopentecostal parece intensificar as cargas de dramaticidade e de afetividade sensual (não-
sexual) por meio de inflexões vocais nas falas dos “adoradores” sobre fundo instrumental e de
apelos emocionados que “intercedem” pelo público e por meio de prolongada repetição de
refrões e de letras que visam à criação de atmosfera de intimidade.
David Quinlan, irlandês radicado no Brasil, líder vocal do Ministério Fogo, Paixão e
Glória, fala sobre o sentido do termo “apaixonado” e sobre o anseio de intimidade
112
sobrenatural com Deus:
(...) as canções falam que você pode ser apaixonado por Ele, que você pode
viver uma vida separada e irresistível ao lado Dele a ponto de ter
experiências com Ele no seu dia-a-dia, onde o Senhor rasga os céus e vem
sobre Ti, transforma a sua vida de uma maneira sobrenatural. (UpGospel,
n.4, ano 1, 2007, p. 32).
A ideia de imanência de caráter dramático e romântico está presente na canção Amor
Extravagante, em que David Quinlan emprega termos pouco usuais na tradição da música
cristã de representação do relacionamento Cristo-fiel, como “amizade íntima” e
“embriagante”.
O Seu amor é extravagante,
E a Sua amizade, é tão íntima.
(...)
Sendo levado, por Tua graça estou
E Tua fragrância, é embriagante quando contigo estou.
O Seu amor é extravagante.
(...)
Um lugar para dois, só eu e Você
Meu Amado e eu, só eu e Você.
O repertório gospel de Sula Miranda é indicador da noção de imanentismo que orienta
as canções do neopentecostalismo. Cantora secular de grande sucesso, após sua conversão,
esteve por quatro anos longe dos estúdios de gravação. Em 2007, lançou o CD Coração de
Louvor com canções cujas melodias remetem ao universo das baladas românticas. Embora
perpassado por temas religiosos, o conteúdo das letras está repleto de carregadas expressões
romântico-passionais, como na faixa Bate Forte Coração (de Marcos Ramos):
O meu amor é todo teu, você me conquistou.
Quando os teus olhos invadiram os meus
Meu coração não suportou
Com o teu jeito todo especial
Me fez abrir o coração
(...)
113
Bate forte coração
Um lindo sentimento este amor produz
Pra dizer nesta canção
Que este amor é Jesus
A combinação espiritualidade-romantismo mostra-se mais acentuada na canção Pra
Sempre Te Amar (Jailson Duque/Márcio Pinheiro), cuja dualidade torna difuso o objeto
amado, se a divindade ou o ser humano comum:
Lembrar do teu rosto tão lindo
Tua boca sorrindo
Me dizendo, te amo
(...)
Te amo te quero
Só em ti encontro prazer
Teu amor mudou minha vida
E trouxe alegria pro meu viver
A recontextualização de termos escriturísticos (das Escrituras Sagradas) ocorre,
principalmente, em canções que visam deflagrar uma ênfase emocional nas apresentações ao
vivo dos ministérios de louvor gospel. Na blia, o termo noiva” é utilizado simbolicamente
como igreja”, ao passo que Cristo é representado como o “noivo”, no que designaria o
relacionamento de proximidade entre ambos.
91
A faixa Casa de Deus (Aline Barros e Marcelo Manhães), do álbum Som de
Adoradores, emprega a simbologia teológica noivo-noiva:
Amado meu, estou aqui e vejo pela fé
O céu se abrir, e o derramar de tudo que Tu és
O amor do Noivo pela Noiva restaurada
Corpo Santo em família
91
Em uma interpretação ortodoxa da linguagem escatológica (que estuda as passagens proféticas e simbólicas da
Bíblia quanto aos tempos no futuro), Cristo, o Noivo, por ocasião de Sua segunda vinda à Terra, vem buscar os
salvos (a Noiva) para a celebração das bodas redentivas no céu (Ver Apocalipse 19:7).
114
Refrão:
Somos casa de Deus, a morada do Pai
Contra ela nada prevalecerá
Somos um no Senhor, somos povo de Deus
Tua Igreja resplandecerá
A música, de andamento lento, expressa uma placidez desde os compassos iniciais,
onde a introdução é tocada por notas esparsas ao violão e alguns sons eletrônicos suaves. A
intensidade somente recrudesce após a cantora dizer ao público uma frase acompanhada de
bastante inflexão dramática: “Levante suas mãos ao céu e declare que nada prevalecerá contra
tua vida”. A resposta da platéia é seguida de mais repetições do refrão e aumento da massa
sonora vocal e instrumental até o ponto da música em que uma redução geral e progressiva
de volume. Enquanto a alternância de intensidade parece orientar uma certa condução dos
sentimentos do público (que vai da placidez à euforia), as várias repetições do refrão parecem
atuar como demonstração da influência da Confissão Positiva e como oportunidade para a
afirmação irrestrita da identidade religiosa (na letra: “somos povo de Deus”; “nada
prevalecerá” contra a igreja).
Alguns cancionistas gospel, porém, reconfiguram a terminologia noivo-noiva para
uma relação imediata, e não destacada para um tempo futuro. Há letras que se aproximam da
fantasia sensual-romântica, como na canção O Noivo e a Noiva (Quinta Gospel):
Como o noivo e a noiva se amam,
Eu te amo Senhor,
Como o noivo e a noiva se abraçam,
Eu te abraço Senhor
Como o noivo e a noiva se tocam,
Eu Te toco Senhor
Vem Minha Noiva, do Ministério Casa de Davi, combina a terminologia bíblica com o
jargão passional:
Meu lindo Noivo, Meu lindo Noivo,
Vim Te encontrar, vim Te abraçar,
Meu lindo Noivo, Meu lindo Jesus
115
A literatura evangélica tem valorizado a idéia de intimidade com Deus com o uso de
linguagem romântico-passional, como se nota no livro de Sam Himm desde o título geral,
Beijando a Face de Deus, aos títulos de capítulos, como “Confortando as Lágrimas de Deus”
e Simplesmente Apaixonar-se por Jesus”, e ainda em sugestões como a seguinte: “Nunca
perca a simplicidade de apenas apaixonar-se por Jesus e de simplesmente mandar um grande
beijo para Ele” (2003, p. 67).
A 12ª faixa do CD Som de Adoradores reforça a busca do imanentismo e do encontro
místico que caracterizam o gênero louvor e adoração. Intitulada Amado da Minh’alma (David
Fernandes/Nicolas), essa canção possui um percurso melódico sem grandes saltos intervalares
entre as notas cantadas, e o solo de guitarra, que serve de interlúdio, não apresenta dedilhado
veloz. A letra é bem curta, contendo apenas uma estrofe e o refrão, o que acarreta prolongadas
repetições.
Quero tocar o coração do Amado da minh'alma
Ser muito mais que uma voz cantando uma canção
Realizar seus sonhos é o desejo meu
Refrão:
Jesus
Quero te adorar com um coração sincero
Jesus
Nome sem igual
Tu és o meu amado
Logo no início da gravação, Aline fala suavemente: “Queremos te tocar, Senhor”,
seguido de um sussurrado “amém, Jesus”, durante a introdução tocada pelo teclado (com som
de piano). Cria-se durante toda a música uma atmosfera envolvente cuidadosamente
orquestrada por Aline Barros, banda e coro. Contudo, para uma análise mais minuciosa
quanto à natureza expressiva do arranjo musical e quanto à performance vocal e gestual da
cantora, a gravação dessa mesma sica no DVD Som de Adoradores pode ser mais
adequada.
No DVD, durante a introdução, a cantora pergunta ao público: “Quantos querem
tocar o coração do Pai agora nesse momento?” No topo de uma pequena escadaria, Aline
116
canta quase sempre com uma das os erguidas e de olhos fechados. Na primeira vez que
entoa a estrofe e o refrão, ela é acompanhada apenas pelo piano, sendo que no refrão os outros
instrumentos são discretamente inseridos.
Antes de repetir a canção, Aline convida o público: “Vamos cantar juntos”. Sua dicção
soa com docilidade infantil em um registro vocaldio e sem os seus característicos finais de
frase prolongados. Os vocalistas que a acompanham entoam em uníssono a repetição da
estrofe, enquanto ela, agora com os olhos abertos, canta os versos com olhar distante e gestos
teatrais, obtendo a carga dramática necessária para o momento.
No refrão, uma súbita mudança de registro sonoro. O volume instrumental é maior
e Aline começa, então, a falar com o público com a voz em registro mais agudo: Levante
suas mãos e digaaaa” e, na repetição do refrão, “cante comigoooo”.
Um pouco antes do interlúdio instrumental de guitarra, a cantora senta-se nos degraus
sem interromper os vocalises, intercalados com sons em bocca chiusa (“hum” ou “mmm”) e
variações agudas de versos do refrão, e os comandos de voz para o público (“levante suas
mãos aos céus”). Após o solo de guitarra, uma súbita redução do volume sonoro, e a
cantora, ao descer os degraus e ficar mais próxima da platéia, passa a conduzir o público na
repetição tripla da frase “Tu és o meu amado”. A seguir, a banda retorna com intensidade e os
vocais e o público repetem quatro vezes a mesma frase sob a regência vocal de Aline.
Por fim, volta-se a cantar mais uma vez o refrão. Nesse ponto, a cantora abre os braços
e olha para o alto. uma diminuição no volume dos instrumentos, o arranjo de piano da
introdução é retomado e a cantora finaliza a música cantando suavemente, como no início.
Apesar da letra curta, em razão das repetições a canção dura 4 minutos e 35 segundos.
Durante esse tempo, o público é levado a experimentar a placidez e a euforia, além de ser
estimulado a tomar parte ativa na gravação da música. Na performance de Aline Barros, que,
diga-se, não inclui nenhum gesto ou figurino sensacionalista e extravagante, transparece
teatralidade (mão estendida, olhar contrito, o assentar-se, o abrir de ambos os braços) e
planejamento. É preciso considerar que, muito embora a cantora demonstre-se sensível quanto
ao conteúdo das letras, um espetáculo satisfatório demanda ensaios e roteiro de execução. E,
ainda, além do retorno financeiro para os produtores e os executivos envolvidos (e também
para cantores e músicos), a condução do espetáculo/ministração segue um modelo artístico-
litúrgico consagrado pelo sucesso.
Waldo César e Richard Shaull analisaram esse modelo litúrgico e notaram que a
música tem a função de preparar o ouvinte para uma espécie de êxtase religioso. O estado de
preparação do espírito do público/adorador por meio de canções e regência vocal e gestual é
117
chamado de “átrio interior”, enquanto o encontro místico da comunidade recebe a
denominação de “santíssimo” (1999, p. 80).
Nota-se, outra vez, a reconfiguração da teologia do Antigo Testamento blico
enunciada anteriormente. Na terminologia do santuário hebraico, o tabernáculo de ofertas e
sacrifícios do Israel veterotestamentário designava espaços como pátio ou Átrio interior (onde
os sacerdotes levitas exerciam suas funções no processo de expiação pelo pecado), Lugar
Santo (onde era proibida a presença do povo e somente entravam os sacerdotes) e Lugar
Santíssimo ou Santo dos Santos (onde somente entrava o Sumo Sacerdote e, também, ficava a
Arca da Aliança).
92
No contexto gospel, o Santíssimo é um espaço de encontro místico entre Deus e o
indivíduo, local sobrenatural que seria “diante do trono” de Deus. A interpretação teológica
neopentecostal, em que diversas interpretações individuais coexistem e se combinam, tem
levado ao reprocessamento, em forma cancional e litúrgica, de artigos teológicos do Velho
Testamento.
De acordo com César e Shaull (idem, ibidem), a renovação musical gospel trataria o
percurso do átrio (a música) ao santíssimo (o êxtase) como um caminho em que “a pessoa é
atingida na mente (a consciência, o espírito) e no corpo (gestos, dança, transes), com efeitos
imediatos sobre a comunidade (catarse coletiva)”.
93
A canção Santidade (Davi Fernandes), sexta faixa do álbum Som de Adoradores,
traduz essa linguagem nos versos “Quero vestir as roupas da santidade / E mergulhar no santo
dos santos”, enquanto os versos da faixa Aleluia (Kleber Lucas/Aline Barros) dizem que o
Senhor “deu autoridade para entrar no santuário”. Por sua vez, a canção Correr para Deus
(Emerson Pinheiro) emprega as expressões “fogo consumidor” (que queimava as ofertas
sacrificiais no tabernáculo) e “altar”:
Descerá sobre mim, a unção do senhor
Sinto em mim fogo consumidor já arder
Vou pedir, vou buscar
Vou sonhar, conquistar
Derramar minha vida no altar e te adorar
92
Ver as passagens dos livros do Êxodo 26, 31-39; e de Hebreus 9:3-4 (Bíblia Sagrada). Cf. Dicionário
Enciclopédico da Bíblia. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1977.
93
Ver também D
ORNELES
, 2008, p. 123-125.
118
O refrão da faixa Te adorar é meu prazer reitera a combinação gospel de
reprocessamento da monarquia divina e pentecostalização de expressões do pop romântico:
Te adorar, Senhor, é o meu prazer
Te entronizar, Senhor, te bendizer
Minha paixão está em ti, meu coração está em ti, Senhor
Um último tema, caro aos pentecostais, é a ideia de cura, prosperidade e milagre
imediatos. A própria Aline Barros fala, em entrevistas, sobre o modo instantâneo e miraculoso
pelo qual diz ter sido curada de um grave problema nas cordas vocais. Na música gospel, essa
temática se apresenta nos álbuns de bispas e pastoras, como Ludmila Ferber, cujo CD Pérolas
da Adoração traz os versos “recebe a cura, recebe a unção” e faixas como Tempo de Cura e
Ouça e Tome Posse.
O Ministério Toque no Altar canta em Toda Sorte de Bênçãos:
Onde eu puser a planta dos meus pés, possuirei
Pois sobre mim há uma promessa
prosperarei, transbordarei.
As atividades eclesiásticas de Aline Barros, bem como as letras de suas canções, o
se vinculam integralmente ao conteúdo da Teologia da Prosperidade e da noção de cura. No
entanto, suas palavras de comando durante as músicas dão a entender que ela se insere na
ênfase neopentecostal de louvor, adoração e milagres.
Como exemplo, na letra da canção Águas do Trono, há uma conciliação entre as
expressões do meio gospel (cura, sara no sentido físico) e o significado espiritual da cura
(restauração do pecado e pureza de alma).
Águas que curam
Águas que saram
Águas do trono de Deus
Que santificam, que me restauram
Que purificam meu ser.
Contudo, na faixa Bem Aventurado, versão da cantora para uma canção do Ministério
119
Hillsong, Aline balbucia repetidamente a interjeição “oh” com uma carga dramática de
contrição. Ela também exclama, com entoação aguda: “Sara essa nação” e diz ao público:
“Levante suas mãos e comece a declarar e a profetizar sobre essa nação”. A longa duração
(6:04 minutos), as várias repetições do refrão e as “intercessões” pelo Brasil fazem desse
trabalho de Aline Barros um expoente do gênero louvor e adoração.
O Ministério de Louvor Diante do Trono já lançou produções que visavam à mediação
espiritual pelas mazelas do país: Brasil Diante do Trono vol. 1 (2001), Nos Braços do Pai
(2002, gravado em frente ao Congresso Nacional, em Brasília) e Por Amor de Ti, ó Brasil
(2006), todos gravados ao vivo, são alguns exemplos.
94
No site Geracaodt (Geração Diante do Trono), Ricardo Régener descreve, com o
entusiasmo de participante, os momentos espontâneos” em que Ana Paula e André Valadão
“falam em línguas”, choram e intercedem pelo Rio de Janeiro em apresentação no
Sambódromo:
Após o “carro-chefe” do Diante do Trono, Ana Paula se ajoelhou e
compartilhou sobre uma canção que o Senhor a deu quando ela tinha 19 anos
de idade. Mesmo com toda a cobertura espiritual, ela se sentia perdida. Foi
então, que prostrada em seu quarto, ela cantou “Manancial”. No meio da
canção, houve um espontâneo lindíssimo, clamando por restauração. O Pr.
André ministrou sobre toda a Apoteose: “Eu te farei como um jardim
fechado ... te restaurarei para o meu louvor”. Ao término da canção, o Pr.
André começou a chorar e a falar em “línguas”, e então, começou a
profetizar: “Muitos têm te abandonado, Rio de Janeiro! Muitos têm te
abandonado! Mas eu jamais te abandonei! Você é a menina dos meus
olhos!”. Houve um derramar sem igual! (...) O sambódromo ferveu de vez; o
povo falava em línguas, chorava, profetizava. O céu desceu completamente;
a unção de Deus destilava pela passarela do samba. Se ainda havia algum
demônio ali, com certeza estava caído no chão, de tanto óleo naquele lugar.
E o Pr. André voltou a ministrar o refrão da canção na pessoa do Senhor. O
Pr. André então mandou que todos impussesem as mãos (...) E prestem a
[sic] atenção no que foi profetizado sobre o sambódromo: Te restaurarei
para o Meu louvor”. Fantástico! O Senhor dizendo: “olha! Esse lugar agora é
meu! Eu vou restaurá-lo para o meu louvor, para a minha adoração! Não será
para o louvor a outros deuses.”. O Pr. André declarou: os dias estão
contados sobre este lugar”, referindo-se ao fim do desfile das escolas de
samba. Isso é fé! (Disponível em <www.geracaodt.com/gdt/2005/11/rio-de-
janeiro-diante-do-trono>. Acesso em 28 ago. 2007).
A guinada na carreira de Aline Barros parece refletir um estado geral de cooptação
mercadológica e litúrgica pela qual passa a renovação musical gospel. Em comum, os
Ministérios de Louvor e o estilo de Aline Barros dividem um repertório constituído de baladas
com encadeamentos harmônicos de resolução simples, melodias sem grandes saltos
melódicos, vocais de acompanhamento em uníssono e arranjo instrumental pop, além, é claro,
94
Cf. Magali Cunha (2004, pp. 132-134).
120
de apresentarem extensa repetição de refrões, palavras de ordem emocionadas e variação
súbita de temperamento (da contrição à euforia) na mesma canção.
Sobre o avanço desse repertório, João Alexandre, compositor cristão de renome, em
entrevista ao portal Provoice, diz: “Certas canções encaixam-se, para mim, na definição
bíblica de ‘vãs repetições’. Canções que geram ‘papagaios’ espirituais [...] fabricando ainda
mais gente que só sabe repetir refrões e comportamentos”.
95
Nelson Bomilcar é ainda mais enfático ao escrever que o atual cenário da música
evangélica
demonstra também uma grande fragilidade dos chamados líderes de
adoração (termo que precisa também ser definido e explicado), que não
ajudam as pessoas a discernirem o que é bíblico e pertinente para a adoração.
Ouve-se sobre adoração profética, sem se definir o que significa adoração e
o que se quer dizer com profético. Como se ouve tanta coisa sobre isto e de
forma mal explicada, quase como um jargão, a confusão se instala. Usam-se
de forma inadequada o termo profético e a palavra profecia. O retorno ao
louvor hebraico como pré-requisito na adoração “parece” o caminho mais
seguro ou divino, mas é um engano; busca-se então, um modelo de louvor
chamado extravagante (precisamos buscar as bases bíblicas sobre o que é
isto), Outro caminho trilhado tem sido a chamada “adoração no e do
'mover'” (quem conseguiu mapear a ação do Espírito que sopra onde quer,
ninguém sabe de onde ele vem e nem para onde vai?). Outras ênfases sobre
“posturas” do adorador têm sido veiculadas, quase como mudança de hábitos
ou comportamento e não de transformação interna e pessoal, etc. (Disponível
em cristianismocriativo.com.br. Acesso em 17 dez 2008).
Contudo, a opinião de Aline Barros não concorda com o pensamento dos compositores
João Alexandre e Nelson Bomilcar. Em entrevista ao portal Editora Virtual, a cantora
apresenta uma justificativa espiritual para seu estilo, de louvor e adoração para jovens e
adultos e de música pop para o público infantil, ao responder ao seguinte questionamento:
Editora Virtual: Notamos, no meio evangélico, um movimento
artístico diversificado onde, além da música, outras atividades começam a
surgir como coreografia, dança e até carnaval evangélico. Essas atividades
mais modernas podem mesmo contribuir para a aproximação do Evangelho?
Aline Barros: São estratégias, uma forma diferente de se levar a
mensagem de Jesus a todas as pessoas.
Aline Barros é considerada a primeira cantora gospel a participar de programas
seculares de televisão transmitidos nacionalmente. Em 2008, sua participação atingiu tal
sucesso de audiência no Programa Raul Gil, da Rede Bandeirantes, que chegou a ser
95
Entrevista publicada em outubro de 2005, disponível em <www.dotgospel.com/noticias_entrevista-com-joao-
alexandre>. Acesso em 28 jun. 2007. João Alexandre tece críticas pouco veladas ao estágio atual de
mercantilização da fé e da música cristã na canção É Proibido Pensar, em CD homônimo.
121
reprisada pela mesma rede no dia 17 de janeiro de 2009. A canção Dança do Pinguim, que
faz parte do CD infantil Aline Barros & Cia, foi indicada em uma enquete para concorrer
junto com vários sucessos seculares e um católico – o vídeo pará com , da cantora Jake
– como o hit do verão 2009, no portal da Band na internet.
96
Em 4 de fevereiro de 2009, Aline Barros tinha 1.009 fãs cadastrados no site
www.oyo.com.br. Os números mais próximos, na área gospel, eram os de Fernanda Brum
435 s cadastrados, Oficina G3 (423 cadastrados), Toque no Altar (421) e Diante do Trono
(402). No mesmo portal, o ranking de artistas segundo as pessoas de 24 a 30 anos indicava a
cantora de axé-pop Ivete Sangalo em primeiro lugar, com 1.359 fãs registrados no site Oyo, e
Aline Barros vinha em segundo lugar, sendo a única cantora evangélica entre os 20 primeiros
colocados, entre U2, Mariah Carey, Beyoncé, Bruno & Marrone e Ana Carolina. Aline
também era a única cantora evangélica entre as 10 cantoras com fãs registrados no site.
As sucessivas quedas nos números de venda de CDs e DVDs registrados pela indústria
fonográfica brasileira e mundial tem como contrapartida o rápido aumento de usuários e
ouvintes de música pela internet. A rádio UOL, um dos serviços do provedor de acesso a
internet UOL, registrou, no primeiro semestre de 2008, que as canções Recomeçar e Sonda-
me, Usa-me, ambas de Aline Barros, entraram na lista das vinte músicas mais “pedidas na
parada de sucesso da rádio”. No mesmo período, Aline chegou a ser a única cantora gospel
relacionada no TOP 20 da rádio UOL que lista as músicas nacionais e internacionais mais
tocadas no país.
À parte as discussões sobre o controverso relacionamento de mútuo favorecimento
entre gravadoras e dios, a carreira da cantora alcançou maior repercussão após a veiculação
da canção Recomeçar na trilha sonora nacional da telenovela Duas Caras, a primeira na
história do gênero a incluir música de uma cantora evangélica. Os evangélicos, entretanto,
dividiram-se a respeito do trânsito de Aline Barros entre as mídias secular e evangélica.
97
A
veiculação televisiva levou a reedição da canção no CD Aline Barros - O Melhor da Música
Gospel, produzido pela gravadora LGK Music.
98
Após o encerramento da telenovela, Aline Barros ainda recebia convites para
entrevistas em programas de larga transmissão, como o Bom Dia Mulher, apresentado por
Olga Bongiovanni, na RedeTV. O portal da gravadora MK Music na internet noticia a ida da
96
Disponível em <www.band.com.br/verao>. Acesso em 12 jan. 2009.
97
Visualizado no blog do jornalista Mauro Ferreira, Notas Musicais (www.blogdomauroferreira.com.br). Acesso
em 16 out. 2008.
98
Segundo o jornalista Mauro Ferreira, em 1998, a novela Meu Bem Querer (Rede Globo) teve incluída na sua
trilha a música O Senhor É meu Pastor, na voz da cantora secular Vera Negri. Disponível em
<www.odia.terra.com.br/blog/estudionline>. Acesso em 21 out. 2007.
122
cantora ao programa empregando as formas de redação laudatória concedida aos artistas de
sucesso na mídia secular. Assim, o site informa que, nos bastidores do programa, havia
“vários funcionários da emissora que fizeram questão de tirar uma foto de recordação com a
cantora”.
99
Antes da conversa com a apresentadora do programa, Aline cantou o sucesso
Recomeçar. Durante a performance dublada, a emissora exibia caracteres com os dizeres “O
sucesso que vem do céu! Aline é a ‘popstar’ de Cristo” (aspas e interjeições da legenda
original).
Considerando-se as falas da cantora durante a entrevista, é possível fazer a distinção
entre as formas usadas por gravadoras para promover o artista gospel, o conteúdo impresso
nas letras e nos arranjos pelos produtores e as convicções pessoais de determinado intérprete.
Quando questionada sobre a possibilidade real de uma transformação individual
exibida por artistas seculares convertidos ao cristianismo, Aline diz que “o maior milagre não
é a cura de uma enfermidade”, como as letras de algumas canções podem inferir, mas seria o
“milagre da salvação”, isto é, a mudança de propósitos e personalidade efetivada pela
divindade.
Porém, na faixa Caminho de Milagres, do DVD homônimo, Aline fala com voz
empostada, com tom de autoridade, com o olhar firme e a o esquerda espalmada dirigida
para a câmera: “Você que está em casa, receba o milagre agora!”.
Apesar do paradoxo criado entre a figura do cantor pop e a do mediador de milagres,
Aline Barros escapa à comparação com o merchandising da cura promovido pela pastora
Blanche, no programa de TV De Bem com a Vida:
(…) Nós vamos agora para uma dica. Voque está querendo emagrecer,
que tomou remédio, fez monte de coisas…não adianta…vai com calma
e com Cristo que você consegue. Porque não adianta se entupir de remédio,
emagrece num mês, logo volta tudo de novo…você deve investir no que
certo. Por isso, agora você vai ouvir uma dica, pois para estar de bem com a
vida só Emagrete…(Bispa Blanche, De Bem com a Vida, 27. ago.2002,
citado em C
ARRANZA
, 2005, p. 347).
100
A cantora, ao ser perguntada sobre o relacionamento do artista gospel com a imprensa
secular, afirma que “a mídia tem nos aberto muitas portas”, o que estaria sendo motivado pela
99
Disponível em www.mkmusic.com.br. Acesso em 23 set. 2008. A entrevista concedida à Rede TV ocorreu em
6 de agosto de 2008.
100
Em nota de rodapé (na gina 347 do trabalho citado), Brenda Carranza comenta que a pastora Blanche “faz
esse reclame após uma longa oração de cura. Colocando um copo de água na mesa e vários faxes e e-mails ela
reza, pedindo incessantemente que Deus liberte os oprimidos e dê saúde aos doentes”.
123
qualidade e profissionalismo dos músicos evangélicos e pelo avanço da “palavra de Deus”
presente nas canções. Diz, ainda, que permitiu que a canção Recomeçar fosse incluída na
trilha da novela global a fim de “não guardar para si” o que “Deus tem dado” a ela.
Não se levantou a discussão, porém, da expansão do fenômeno gospel e do interesse
comercial que esse fator é capaz suscitar nos executivos e produtores das emissoras de rádio e
televisão.
Segundo Carranza, a lógica da racionalidade econômica, “de exatidão e da
pontualidade” teria passado a permear todos os relacionamentos e formas de sociabilidade,
gerando estilos de vida configurados pela socialização econômica” (2005, p. 24). Dessa
forma, o “profissionalismo” e a música dada por Deusparecem expressar uma conjunção
que justificaria a circulação dos cantores gospel nos meios de comunicação seculares.
Outro item não debatido na entrevista é a questão de que a mídia que abre as portas”
aos cantores evangélicos é favorecida com declarações elogiosas. Um exemplo é a
participação de Aline Barros no programa Especial Xuxa Minha Rainha, em comemoração
aos dez anos do programa Xou da Xuxa. Na ocasião, Aline Barros cantou, em alguns
momentos, abraçada a Xuxa, os seguintes versos:
Minha rainha, minha estrela encantada
Você é iluminada pelos raios da paixão
Minha rainha, fada-mãe, fada-madrinha
Nos seus olhos se adivinha
O que diz seu coração
O trânsito de Aline Barros na mídia secular, ainda que comparativamente um tanto
menos influente, assemelha-se à trajetória do Padre Marcelo Rossi. Ambos são carismáticos,
em mais de um sentido, têm capacidade comunicacional, são considerados bonitos, têm amplo
acesso às mídias seculares e são grandes vendedores de CDs e DVDs. Assim como a pastora e
cantora evangélica justifica a inclusão de uma de suas canções em trilha de novela com os
argumentos da evangelização, o padre e cantor católico diz que “se Cristo vivesse hoje estaria
nos meios de comunicação”, pois “é pelo meios de comunicação que se vai ao coração das
pessoas” (Caras, 27 nov. 1998, citado em C
ARRANZA
, 2005, p. 34).
Ambos, também, marcaram suas carreiras por apresentações no programa televisivo de
Xuxa, em que as demonstrações de admiração mútua eram sinais visíveis do seu
relacionamento com a apresentadora.
124
Musicalmente, Aline Barros e Pe. Marcelo Rossi m em comum o repertório
composto de canções de estrutura harmônica simples e letras marcadas por chavões da poética
cristã. Há, é válido discernir, uma grande diferença na qualidade vocal de ambos, haja vista o
cuidado com a afinação da cantora e sua versatilidade interpretativa que demonstram
contraste com a ausência de compromisso estético das entoações do padre-cantor. Enquanto a
performance de Pe. Marcelo enfatiza a dinamogenia e a animação física, em uma espécie de
“aeróbica do Senhor”, como o padre mesmo assim declarava, a performance de Aline Barros
destaca-se pela emotividade e passionalidade, embora haja momentos de descontração por
meio de danças e coreografias originárias de seus sucessos junto ao público infantil.
É assim que as novidades do evangelismo gospel, trazidas a reboque das aceleradas
mudanças sociais e econômicas, são integradas às culturas musicais do carismatismo religioso
e desveladas em suas faces neopentecostal e católica.
Não é novidade dizer que tanto o pentecostalismo, católico e evangélico,
quanto o Pe. Marcelo têm em comum esse estilo evangelizador, que focaliza
suas ações pastorais em atividades multitudinárias e na construção de
espaços sagrados. Também não é novo delinear algumas das interfaces que
os aproximam: todos bebem das mesmas fontes, estratégias e mecanismos
próprios das multidões modernas em movimento; ancoram sua eficácia
simbólica nas promessas religiosas, feitas cada um à sua maneira,
sinalizando que ambos se dirigem, em princípio, para um mesmo público
portador de um imaginário comum; todos parecem compartilhar a mesma
necessidade de se firmar institucionalmente perante a sociedade em geral, e
entre si, em particular (C
ARRANZA
, 2005, p. 142).
Em sua entrevista ao programa da RedeTV, com cerca de vinte minutos de duração,
Aline Barros expressou-se com convicção e verborragia, características do discurso do cantor
pentecostal moderno; ao mesmo tempo, na atenção concedida a admiradores, valorizou ões
que marcam a relação artista-fã, como a distribuição de autógrafos e o envio de beijos para os
espectadores.
De forma semelhante, a menção do lançamento de seu DVD ao vivo Caminho de
Milagres procura combinar a qualificação artística com a justificativa teológica: “Temos uma
produção gráfica muito boa e um cenário lindo. A gravadora [MK] fez tudo com excelência
como manda a Palavra de Deus”.
Devido à capacidade de penetração nas mídias secular e evangélica, Aline tornou-se
uma eficiente garota-propaganda. Como mencionado, marcas comerciais seculares, como a
Shure (equipamentos para shows) e a Triton (roupas), exibem peças publicitárias associadas à
imagem da cantora.
Essa racionalização contábil associada massivamente ao sentido religioso repercute no
125
setor comercial gospel, na forma de gravadoras e editoras beneficiárias do nome e da imagem
de Aline Barros. Na ExpoCristã 2008, ela compareceu à feira para o lançamento da Agenda
Aline Barros 2009 e de uma bíblia infantil para crianças com o seu nome e com personagens
do projeto Aline Barros & Cia, “em uma tarde de autógrafos no stand da Soft”.
101
A combinação mercado-evangelismo é um vetor característico do pentecostalismo
contemporâneo. Em tempos de globalização e supranacionalização dos objetos artísticos, essa
combinação tem se mostrado uma ferramenta de grande utilidade na internacionalização da
carreira de Aline Barros. Suas canções são vertidas para a língua espanhola, o que coopera
para a expansão de seus ministérios musical e pastoral.
O CD El Poder de Tu Amor (2003) é a primeira produção internacional da cantora. Em
2004, ela gravou os álbuns Duetos com Aline Barros, relançado em 2008, e em 2005 lançou
Aline e Fiesta en el Jardin, sendo este último um CD infantil gravado na Guatemala. Segundo
a gravadora, a proposta de um CD de duetos “foi romper limites e unir líderes de louvor de
vários países em um só propósito: adorar a Deus, promovendo a unidade do corpo de
Cristo”.
102
Nesse disco, houve participação nacional, provida pelo cantor PG e pela Comunidade
Vila da Penha, e contribuição internacional dos cantores Ron Kenoly, Paul Wilbur e Don
Moen, três dos mais renomados propagadores do estilo “louvor e adoração” do meio gospel.
O CD Aline, indicado ao Grammy Latino 2006 na categoria “álbum de música cristã
em língua espanhola”, ao utilizar apenas o nome da cantora como apelo junto ao público,
parece reproduzir as práticas de vedetização secular introduzida na renovação gospel. E,
ainda, como verificado na comercialização da agenda Aline Barros 2009 e da sua bíblia
infantil, a cantora torna-se um objeto de valor, uma marca portadora de bons negócios e
“unção” pop, o que estaria proporcionando um sentido de reificação do artista cristão.
Na reprodução desse processo de pentecostalização do pop, a publicidade do álbum
Aline no portal da gravadora ABrecords na internet informa que a proposta do “repertório
bem pop (...) é comunicar ao público jovem mensagens cristãs contextualizadas com ritmos
modernos”. As doze faixas do disco o assinadas por Paul Baloche, Lenny LeBlanc, Marty
Sampson e Don Moen, e “são interpretadas com graça, unção e ousadia por Aline Barros”.
Violões e sons eletrônicos, guitarras e samplers, somados à experiência dos produtores
americanos, colaboraram para a sonoridade pop do álbum. A delicadeza da voz de Aline
Barros parece deslocada em faixas de maior peso sonoro, como em Dando Vueltas, contudo,
101
Disponível em <www.gospelmais.com.br>. Acesso em 23 nov. 2008.
102
Disponível em www.abrecords.com.br. Acesso em 21 out. 2008.
126
sobressai-se a versatilidade vocal da cantora. É um álbum sem tintas nacionalistas, produzido
para o mercado gospel hispânico. Não é um disco gravado ao vivo, mas uma produção de
estúdio que denota elaboração, se não nas canções de melodia e harmonia mais simples,
certamente na composição dos arranjos e nos recursos da mixagem.
Nem de música vive Aline Barros. No livro Reflexões de Paz, lançado em 2005, a
cantora lugar a escritora de mensagens devocionais. Na compra do livro, o cliente ganha o
CD Mensagens de Paz, gravado por Aline e o locutor Cid Moreira.
Autorreferenciada como estrela sem igual “Aline tem conseguido que seu trabalho
ministerial alcance resultados inatingíveis por outros artistas do segmento gospel no Brasil
103
–, o sucesso da internacionalização da carreira da cantora se faz representar no DVD Aline
Barros in Korea Explosão de Adoração (2007), gravado por ocasião do concerto “Worship
Explosion”, realizado na Igreja do Evangelho Pleno de Yoido, na Coreia do Sul, considerada
a maior igreja evangélica do mundo, com mais de 700 mil membros. Com a participação de
renomados líderes do louvor gospel globalizado, Aline apresentou-se no gigantesco evento
como a única cantora brasileira evangélica convidada.
O portal Louvor Sem Fronteiras acompanha o ministério internacional de Aline Barros
e seu esposo pastor, o ex-jogador de futebol Gilmar.
104
relatos de suas viagens pela
América Central, particularmente quando ambos estiveram em San Juan, Porto Rico, onde o
público portenho [sic] ficou admirado com a unção e o carisma da cantora”
105
e Aline
abençoou o povo de Deus da cidade com as canções do mais novo CD em espanhol
Refréscate”, trabalho indicado na categoria “álbum cristão em língua espanhola” na edição
2008 do Grammy Latino.
Além de circular por alguns países da América Hispânica e da Ásia, Aline Barros
também chegou à Europa, mais precisamente à Itália. Ela participou da Conferência Profética
2008 da Comunidade Internacional da Zona Sul em Milão, juntamente com o esposo Gilmar e
o pastor Marco Antônio Peixoto, líder da comunidade no Brasil.
A internacionalização da carreira de Aline Barros demonstra o avanço do mercado da
música gospel brasileira sobre outras fronteiras e evidencia a globalização do pentecostalismo
e, por extensão, do cristianismo.
Para Peter Berger (1998), os “métodos” de expansão evangélica se repetem, com
103
Disponível em <www.alinebarros.com.br/biografia>. Acesso em 27 out. 2008.
104
Em 2 de dezembro 2007, o casal Aline Barros e Gilmar Santos foi ordenado ao ministério pastoral na igreja
onde congregam, a Comunidade Internacional da Zona Sul (Flamengo/RJ).
105
É provável que o editor do site Louvor sem Fronteiras estivesse se referindo aos porto-riquenhos, que o
termo “portenho” é usado, de fato, para identificar os nascidos na cidade de Buenos Aires, Argentina.
127
variações, no cerne dos movimentos de reavivamento religioso norte-americanos, “do
Primeiro Grande Despertamento a Billy Graham”.
106
Segundo sua visão, o cristianismo
encontra, no final do século XX, sua expressão mais poderosa no “movimento pentecostal
global”, o qual se espalha pida e intensamente através da América Latina, África e partes
da Ásia, e que, aparentemente, começa a se fazer percebido na Europa Oriental”.
Aline Barros, com seus três milhões de CDs e DVDs vendidos, tornou-se o maior
fenômeno da música evangélica no Brasil.
107
Seu repertório, distribuído em produções
dedicadas ao público infantil e em apresentações gravadas de megaeventos do gênero “louvor
e adoração”, comporta as novidades musicais da mídia secular e da renovação litúrgica
neopentecostal. Primordialmente, seu estilo está integrado ao pop no que diz respeito aos
formatos publicitários e aos arranjos instrumentais.
A discrição pessoal de Aline Barros contrasta-se, por vezes, com suas performances
teatralizadas e inflexões vocais dramáticas de chavões religiosos. Suas apresentações não são
marcadas por gestual polêmico e suas entrevistas comunicam uma postura sem afetações, o
que teria levado uma matéria da revista Veja a nomear seu estilo como “pop com recato”
(Veja, 2009, p. 123).
A reorientação de sua carreira rumo ao estilo louvor e adoração parece ter sido
reformulada com base na consolidação comercial do Ministério de Louvor Diante do Trono,
considerando-se a época em que ocorreu o lançamento de seu novo estilo (após o enorme
sucesso do álbum Quero me Apaixonar, do MLDT) e a adoção de performance gestual e
vocal que remete aos líderes de ministério de louvor, como Ana Paula Valadão e Darlene
Zschech.
Em dois pontos, pelo menos, Aline Barros se distingue da vocalista do Diante do
Trono, em que pesem as semelhanças de letra e arranjo das músicas: na performance de Aline,
a carga emotiva centraliza-se mais na força de atração cancional do que em longas
“intercessões” improvisadas e faladas com um acompanhamento instrumental ao fundo. Sua
regência vocal (os comandos de voz) convoca o público a cantar e a repetir gestos, porém, não
registros de momentos de choro copioso e incontrolável, de gritos súbitos ou de gestual
que gerem controvérsia, ao contrário do que foi observado em apresentações de Ana Paula
Valadão.
108
106
Disponível em <www.findarticles.com.br>. Acesso em 20 out. 2008.
107
O mercado discográfico brasileiro não publica o detalhamento das vendagens, sendo difícil o acesso à
informação dos números reais do mercado gospel. Assim, o número apresentado é uma estimativa das vendas
gerais de Aline Barros até o ano de 2008 publicadas em periódicos e sites.
108
Em 2007, durante apresentação do MLDT em Anápolis, Goiás, Ana Paula Valadão foi filmada engatinhando
128
Outro ponto distintivo é a apropriação da imagem de Aline Barros como marca
comercial, o que evidencia a repercussão de estratégias competitivas da mídia secular no
gerenciamento das carreiras dos cantores evangélicos brasileiros. No entanto, os novos
formatos de publicidade e apresentação musical parecem ser sublimados nos efeitos virtuosos
da conversão. Diz Aline Barros: “Nós, evangélicos, somos pessoas normais que simplesmente
decidiram viver para Jesus de forma linda. Para mim, isso é um privilégio” (idem, ibidem).
Essa síntese das auras midiática e religiosa confere novos sentidos às expressões do
divino e se traduz na “transformação dos fiéis em consumidores, dos fiéis em fãs, sinalizando
para as tênues fronteiras entre espetáculo, consumo e religião, nas sociedades de massa”
(C
ARRANZA
, 2005, p. 530). Tal situação se torna mais complexa quando os próprios
portadores do sagrado (padres-cantores, artistas-levistas, bispos-empresários) lideram o
processo midiático-religioso em que “é transmutada a substancialidade da religião
capacidade de dotar de sentido a vida e orientar eticamente os adeptos em prol de sua
funcionalidade – coesão social e visibilidade institucional” (idem, p. 530-531).
A interação contemporânea entre o pop e o gospel tem reconfigurado o papel do cantor
evangélico, haja vista sua transformação em portador dos símbolos da benção e do sucesso
midiático e sua reificação em garoto-propaganda tanto da teologia pentecostal quanto de
marcas comerciais.
no palco por alguns minutos e imitando um rugido de um leão. A atitude controversa estimulou o debate na
internet e motivou a publicação no site oficial do MLDT de um texto que justificava a ão como um ato de
“derramamento do espírito de Deus” sobre a cantora, a qual teria recebido a “unção do leão” (uma referência à
terminologia Leão de Judá). Os registros em vídeo das “intercessões” já mostraram Ana Paula prostrada no co
de igrejas e palcos, com voz embargada, emitindo súbitos rugidos ou gritos e, também, “falando em línguas”.
129
CAPÍTULO 4
MÚSICA PARA DIVERSÃO E SALVAÇÃO
Nas sociedades em que a cultura se torna mais um artigo na lista de bens de consumo e
em que forte estímulo ao lazer e à diversão, o entretenimento secular não é um anátema
como foi considerado pelos primeiros protestantes no Brasil, quando o termo estava mais
associado a diversões baratas e pouco recomendáveis mesmo para um não-cristão. É notório
que, assim como mercado e religião não são termos inconciliáveis para os novos evangélicos,
também a expressão “entretenimento cristão” não é mais um oxímoro.
Na primeira parte deste capítulo, descrevem-se os novos espaços de frequência
evangélica, onde os organizadores de festas gospel promovem a oferta de lazer seguro ao som
de um equivalente pop-religioso da música pop secular. Raves, boates, casas noturnas, bares,
em versões “santificadas”, são os novos locais de congregação para a juventude evangélica.
Na seção seguinte, lança-se um olhar mais atento às produções musicais mais
discriminadas e menos estudadas do gospel nacional: o rap, o funk e o axé-pop.
Marginalizadas, a princípio, pela associação que as mídias e um certo público evangélico
traçavam entre aqueles gêneros e a delinquência juvenil, o erotismo vulgar e o mau gosto
estético, uma análise mais minuciosa das letras, dos arranjos musicais, dos videoclipes e das
adaptações históricas dos processos composicionais da música cristã será capaz de demonstrar
os mitos e as verdades pertinentes a esses estilos introduzidos pela cultura gospel no Brasil.
Algumas pesquisas, por o serem de autores especialistas em música, examinam a
letra à parte da melodia, da performance e do arranjo instrumental. Tais análises, porém,
correm o risco de superestimar a letra em detrimento da recepção musical dos ouvintes e
aficionados.
Na canção popular, letra e melodia são inseparáveis, tal como nos hinos e cânticos
religiosos e em qualquer tipo de canção. No início de um novo século, a ação dinamizadora
das novas tecnologias digitais tem acionado novos mecanismos de atuação evangelizadora,
formulando uma espécie de “estética do videoclipe” que, assim como a integralidade de letra
e melodia, precisa ser considerada para se estudar de forma mais completa os processos sacro-
musicais.
130
Por fim, examinam-se brevemente as condicionais pós-modernas da interação entre
música e pentecostalismo elencadas amplamente nas ginas iniciais dessa dissertação. O
encerramento se dará com o questionamento da visão de pós-modernidade totalizante que,
supostamente, excluiria outras instâncias culturais, como a tradição e a noção de
modernidade. A descrição das interpenetrações de discursos pré-modernos e tradicionalistas
em simultaneidade com narrativas poéticas e visuais modernistas na esfera da música gospel
auxiliará na complementação do estudo das práticas musicais dos evangélicos
neopentecostais.
4.1 O entretenimento santificado
Shows, megaeventos, festas, baladas”, gravações ao vivo de CDs e DVDs são
aspectos promocionais de uma indústria, a indústria do entretenimento santificado, para a qual
a conjugação de espetáculo musical evangélico, atração jovem e ambiente festivo é anunciada
como diversão propícia para a juventude cristã. Segundo Stiles (2005), o que torna essa
indústria tão singular é o fato de que ela “é realmente tanto ‘cristã’ quanto ‘entretenimento’, e
ambos os elementos devem funcionar com efetividade para que essa indústria prospere”.
109
Para o florescimento dessa indústria, tornou-se necessária a transladação dos mais
diversos estilos musicais da mídia para o espaço cancional religioso, desde que sejam os
estilos em voga nacionais ou gêneros globalizados. Desse modo, devido à emulação de
variados ritmos, o gospel no Brasil não possui um caráter formal e estilístico facilmente
reconhecível.
Os shows gospel apresentam artistas de estilos diferentes. Em um mesmo evento,
pode-se ouvir o forró do Grupo Kainon, a black music do Melosweet, o som pop de Jessyca, o
estilo louvor e adoração do Ministério Unção Ágape, a mistura de soul e samba da Família
Acrisoul e, ainda, cantores de estilos aparentemente tão díspares como Adriano Gospel Funk e
Cristina Mel. Ouvir”, nesse caso, é uma opção do público, sendo o convite à dança uma
prática sedimentada nas festas e baladas gospel, que costumam contar com a presença de um
DJ, como Marcelo Araújo, que “toca todos os ritmos agitando a galera”.
Todos esses artistas mencionados são, de fato, atrações anunciadas para aedição da
Festa Jesuína, realizada em junho de 2008 pela juventude da Igreja Assembléia de Deus da
109
Disponível em <www.usask.ca>. Acesso em 12 ago. 2008.
131
Penha. Em 2007, o evento chegou a reunir mais de trinta mil pessoas. Esse número foi
fornecido pelos promotores da festa, que acrescentaram que “a festa Jesuína é uma das mais
tradicionais festas juninas evangélicas do Estado do Rio de Janeiro, e foi pioneira em reunir
atrações musicais com barracas de comidas típicas do Nordeste e barracas com
brincadeiras”.
110
também o Pré-Reveillon Gospel do Rio de janeiro, realizado desde 1998. Em
dezembro de 2007, a atração principal foi o rapper DJ Alpiste, presente no chamado “espaço
Black, que fica no salão nobre do clube” onde se realizou a festa. O conhecido rapper lançou
no local seu CD Pra Sempre, com músicas inéditas e “grandes sucessos de sua carreira
remixados”.
Para o evento, divulgou-se, também, “a revelação feminina da gospel black Jamile
Zeidan”, com direito a lançamento do seu CD Se Prepare, além dos rappers Joabe e Fidel.
Nos intervalos das atrações, os DJ’s “comandam a pista” [de dança].
Na mesma festa, foi montado um espaço chamado “Eletrônico – Alternativo” na
quadra do clube, também sob o comando do DJ Marcelo Araújo, apregoado “como o principal
DJ da música gospel eletrônica nacional”. Anunciaram-se as presenças do MC Rodrigo
Maneiro, outro nome do funk gospel nacional “para agitar a pista”, e da DJ Claudia Mattos,
“revelação feminina do Gospel Night”.
111
Os eventos gospel apropriam-se de modelos seculares de entretenimento, desde os
locais escolhidos, como praias e casas de espetáculo, passando pela nomenclatura das festas,
como “balada gospel”, “gospel night”, “gospel planet”, e pela eleição da figura do artista
gospel como atração.
Exemplos dessa nova configuração religiosa são os eventos anunciados no portal
Gospel+ (www.gospelmais.com.br): Jesus Viva Verão, realizado nos fins de semana do mês
de janeiro (em 2008, o local escolhido foi a Praia da Costa, em Vila Velha/ES); Gospel Night
a Festa, noticiada como a oportunidade para o público evangélico “curtir grandes nomes da
música Gospel Eletrônica, Black Music, Gospel Funk e Música Bahiana [sic]”, além de
providenciar “dois ambientes de muito som e iluminação” sob o comando de DJ’s; Gospel
Planet, realizada em 18 de julho de 2008, no Rio de Janeiro, ao som de Adriano Gospel Funk,
com “seu principal sucesso ‘Chuta que é Laço’”, da cantora Pop Teen Jessyca” e do
Ministério Gospel Night.
110
Como as demais festas gospel descritas, disponível em www.gospelmais.com.br. Acesso em 20 set. 2008.
111
Disponível em <www.overbo.com.br>. Acesso em 20 set. 2008.
132
Os nomes se repetem na festa conhecida como Gospel Night Fantasy. Divulgada como
“a maior festa gospel a fantasia do Rio de Janeiro”, a quinta edição e prometia distribuir
prêmios para as melhores fantasias, segundo o anúncio da festa feito pelos organizadores (os
erros de grafia foram mantidos – os grifos são nossos):
O Evento
Nesta Quinta Edição do Gospel Night A Festa - Fantasy, o grande
público evangélico terá oportunidade de curtir grandes nomes da música
Gospel Eletrônica, Black Music e Gospel Funk. Serão dois ambientes com
uma nova estrutura de som e iluminação de última geração, o primeiro
ambiente que fica na quadra do clube, estará sob o comando do DJ Marcelo
Araújo, que se figura como um dos principais DJ´s da música gospel
eletrônica nacional.
Na Edição Fantasy, o concurso de fantasia se torna uma das maiores
atrações do primeiro ambiente, ao som do DJ Sandro Lima que estará
agitando a pista durante os desfiles, a festa distribuirá prêmios para as três
primeiras colocadas. Neste ano as premiações são: uma TV de 29 polegadas
para o primeiro lugar, uma aparelho de DVD para o segundo e um MP3
Player para o terceiro colocado.
As quatro primeiras edições tiveram diferentes vencedores como: a
borboleta do msn em 2004, o pacote de batata fritas formado por um grupo
de amigos em 2005, o Chaves em 2006 e na ultima edição em 2007 o grande
vencedor foi o surpreendente ventilador, com uma fantasia simples, usando
uma armação de ventilador em seu rosto e um fio de tomada enrolada em seu
pescoço contagiou a todos presentes, quando encenou o movimento de um
ventilador com a cabeça e levou para casa o primeiro lugar.
Desde o último Gospel Night do dia 08 de março, realizado no Irajá
Atlético Clube, a produção do evento inovou com a participação de um VJ
para comandar clipes e imagens no telão, na Edição Fantasy não será
diferente e o VJ W. Júnior será o responsável da noite pelas imagens
projetadas no evento. A grande novidade do Ambiente Alternativo fica por
conta do lançamento do primeiro cd de Gospel Funk da cantora Claudia Mel
com o titulo “Viva a Vida”, a cantora que durante muito tempo fez parcerias
com o Mc Marcinho e DJ Marlboro, hoje se dedica a levar o nome do
Senhor Jesus, através do funk gospel.
No segundo ambiente localizado no salão nobre do clube, muito
Soul e Hip-Hop agitarão a galera. A festa contará com as participações: da
Família Acris Soul banda de Pop-Soul que já se tornou presença mais do que
certa nas edições da festa, Jay-K que estará se apresentando pela segunda
vez nos palcos do Gospel Night como cantor solo, Banda Makarius fazendo
o pré-lançamento de seu primeiro CD, Juizes Hip-Hop descerão a serra de
Teresópolis para mostrar um estilo todo carioca de fazer hip hop e nos
intervalos o DJ “W” comanda a pista com muita Black Music.
Vale lembrar que o uso de fantasias não é obrigatório.
A Revolução
133
A Gospel Night - A Festa neste ano de 2008 completa uma década
de sucesso. Com 3 CD´S lançados no mercado, o Gospel Night se tornou um
dos principais eventos evangélicos do Brasil, quando inovou, transformando
suas festas em verdadeiros eventos organizados em casas de espetáculos
como, Olimpo, Scala, Mauá de São Gonçalo e Melo nis Clube. A festa
ultrapassou as fronteiras do Rio de Janeiro, com eventos realizados em São
Paulo, Espírito Santo, Bahia, Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso,
ultrapassando as fronteiras do Brasil, com a realização do Gospel Night La
Fiesta, no Paraguai.
Hoje a festa chega a reunir cerca de 4.000 (quarto mil) pessoas no
Irajá Atlético Clube seu principal reduto. A festa se tornou referencia em
todo Brasil devido ao profissionalismo e o compromisso com qualidade
apresentado pela equipe Gospel Night em seus eventos, atualmente igrejas
consideradas tradicionais convidam freqüentemente o Ministério Gospel
Night para abrilhantar as suas festas e eventos sociais.
Serviços:
Gospel Night Fantasy - 5ª Edição
Atrações: Família Acris Soul, DJ Marcelo Araújo, Claudia Mel, DJ
“W”, VJ W. Junior, Banda Makarius, Jay-K e Juízes Hip-Hop, DJ Sandro
Lima.
Embora longa, a citação é esclarecedora no tocante às interações entre as indústrias
pop e gospel. Os termos curtir ou agitar a galera, bem como o gênero da festa (à fantasia) e a
categoria dos prêmios evidenciam o caráter de entretenimento do evento. Cantores e bandas
são apresentados como a novidade musical do momento ou como artistas de sucesso no meio
evangélico, o que confirma a figura do artista gospel e o gênero musical da moda como
fatores de atração. O equipamento de som e iluminação é anunciado como de última geração,
notabilizando-se a alta tecnologia como garantia de qualidade e profissionalismo.
As mensagens pertinazes do evangelho são trocadas por letras do tipo “sou apaixonado
por Jesus e estou bem” que nem proclamam e nem contradizem o evangelho. Enquanto alguns
defendem que o “entretenimento santificado” é melhor do que o show pop secular, críticos do
estilo afirmam que esse evento “meramente adaptou Cristo à sociedade em vez de levar a
sociedade a Cristo” (H
OWARD
;
S
TRECK
, 1999, p. 94).
Os eventos do “entretenimento santificado” não têm lugar somente em clubes
alugados ou salões de igrejas. Locais como o PlayCenter, um enorme parque de diversões na
cidade de São Paulo, podem abrigar eventos religiosos, como na publicidade de página inteira
da revista Up!Gospel que destaca “o dia da celebração” 12 de abril 2008 –, “o grande show
134
gospel, adoração, evangelização, diversão, agito”, e também as presenças do DJ Mp7 e do trio
elétrico Havalanch (Up!Gospel, n. 5, ano 1, 2008, p. 20).
Espaços menores, como coffee shops e restaurantes, providenciam um ambiente que
busca a imitação santificada” de locais não-cristãos similares. O Coffee Shop do cantor
Brother Simion, no bairro dos Jardins (SP), foi inspirado “na atmosfera nos pubs de
Amsterdam”, e conta com “lounge à meia luz, comidinhas gostosas, onde o próprio Brother
[Simion] recebe os convidados”, enquanto “o som rola solto com bandas de rock, reggae, hip
hop, alternados com DJ’s” (Up!Gospel, n. 5, ano 1, 2008, p. 21)
Na reportagem intitulada “Happy Hour Gospel”, Bianca Toledo conta que o “pub
gospel surgiu num momento em que não esperávamos, em meio a tantos projetos, produtora,
disco novo... Mas não podíamos perder a oportunidade criada por Deus e graças a Ele o pub já
é um sucesso”. Segundo a matéria, “o pub gospel é um espaço cristão de eventos e
evangelismo”, que serve “para reunir a família e os amigos, para um jantar romântico, ou o
lugar ideal para conhecer uma pessoa interessante que compartilhe a mesma fé” (idem,
ibidem).
As novas atitudes dos evangélicos, principalmente dos neopentecostais, segmento
predominante nos eventos descritos, podem ser exemplificadas pelas palavras do publicitário
Fábio Faroni. Presente na Balada LoCAL (Comunidade Apostólica Livre) que “agitou mais
de 400 pessoas com ritmos como eletrônico, black e forró”, ele diz: “Eu e a minha noiva nos
divertimos muito, dançamos, cantamos e saímos de às 3 horas da manhã com a alma
purificada”. Assim, o que passou a ser conhecido como entretenimento cristão ou
entretenimento santificado é descrito pelos participantes como “sinônimo de muita diversão,
música e salvação” (Up!Gospel, n. 8, ano 2, 2008, p. 10).
112
Embora esses eventos revelem similaridade com as festas seculares no que diz respeito
a danças, horários de início e término, iluminação, ritmos musicais e formas de publicidade, a
diferença entre ambos os modelos, evangélico e secular, não se resume às letras religiosas das
músicas ou a ausência de drogas e venda de cigarros e bebidas alcoólicas. Ao providenciar um
equivalente cristão” para a necessidade de entretenimento e diversão, os locais e eventos
funcionam como lugares propícios para a afirmação de crenças e valores. Em uma ótica mais
simples, esses novos espaços são vistos pelos neopentecostais como locais seguros e
tranqüilos para o encontro familiar e comunal.
112
Ver o site oficial do evento em www.baladalocal.com.br.
135
Todos os eventos mencionados, sejam de maior ou menor proporção, têm um ponto de
atração em comum: a música gospel contemporânea. Essa música e seus intérpretes são
responsáveis pela consolidação e pelo crescimento de uma eficiente estrutura que une
entretenimento e evangelismo, ou diversão e salvação.
Para se entender esse fenômeno cultural-religioso, é necessário examinar mais de perto
dois aspectos interinfluentes e dinâmicos: a estética da música pop-religiosa (o Gospop) e a
evangelização da juventude.
Simon Frith sugere que o interesse pela origem de uma canção popular está
circunscrito aos centros acadêmicos. O ouvinte comum estaria mais interessado no que pode
fazer de determinada canção e menos ocupado em perguntar-se de onde ela teria vindo (2007,
p. 180). Como exemplo, Frith menciona a apropriação das canções natalinas oriundas de
filmes e jingles publicitários e seu consequente nivelamento ao lado de hinos clássicos de
Natal como Noite Feliz.
Esse processo de recontextualização de um dado repertório está na base dos
procedimentos composicionais históricos da música cristã. Para Steve Miller, Martinho
Lutero (1483-1546) teria feito um empréstimo de elementos da música folclórica germânica e
das baladas populares do culo XVI sem preocupar-se com a “origem daquelas melodias,
mas com a possibilidade de proclamação da verdade” (1993, p. 78).
Desse modo, o que seria uma espécie de “princípio luterano” de apropriação do
repertório secular com fins evangelísticos tem servido de fundamento e justificativa para as
inovações inseridas no repertório sacro ao longo dos anos. Robert Harrell (1980), porém,
chama a atenção para alguns fatores omitidos nos arrazoados pragmáticos dos renovadores da
música cristã.
No período de Lutero, a prática de inserir letra religiosa em músicas seculares ou de
transformar antigos textos católicos em hinos protestantes era comum. “Não era uma questão
de quem criava a melodia. O propósito é que contava” (N
ETTL
, p. 29). Porém, dos 37 hinos
corais cuja composição é atribuída a Lutero, somente uma melodia pertenceria originalmente
a uma canção secular.
113
A fim de eliminar as referências seculares de origem de uma canção,
Lutero promovia algumas mudanças rítmicas e desvios melódicos no repertório original.
Lutero, também, teria adotado as melodias mais adequadas aos temas sacros e evitado as
canções de taberna e as músicas destinadas à dança.
113
Essa melodia teria sido substituída no hinário de 1539, supostamente, devido a associação profana que os
crentes da época faziam em relação a sua origem.
136
A despeito dos conflitos e controvérsias no trabalho de organização da hinologia
protestante, no século XIX, as igrejas norte-americanas adaptavam trechos de obras da música
clássica européia, como o movimento coral da 9ª Sinfonia, de Beethoven, vertido para Joyful,
Joyful, We Adore Thee, ou melodias de Mendelssohn com letra da poetisa Harriet Beecher
Stowe (Still, Still with Thee), canções patrióticas militares (Mine Eyes Have Seen the Glory) e
baladas de menestrel, como as de Stephen Foster (Old Folks at Home convertida em The
Homeland Shore, com letra de Fanny Crosby).
Pelas mãos dos compositores cristãos, as músicas seculares recebiam outra função,
desvinculando-se, assim, das atribuições que lhes eram pertinentes para, então, atuar em
contexto alheio a sua função de origem. Entretanto, esse processo de refuncionalização das
músicas seculares deixaria paulatinamente os círculos musicais mais elitizados e tomaria
novos aspectos graças ao largo alcance popular do evangelismo norte-americano. A canção
religiosa adquiriu contornos de maior facilidade melódica e maior diversificação rítmica em
oposição a outras obras, como as cantatas e oratórios sacros, que eram mais longos e
precisavam ser integralmente interpretados para manter sua significação. A canção religiosa
mais curta e mais fácil podia alcançar as classes sociais populares, o que teria motivado a
criação de uma música que sintetizasse as mensagens cristãs em poucas estrofes e permitisse a
rápida memorização para o canto coletivo.
Vale lembrar, entretanto, que mesmo as cantatas e oratórios compostos a partir do
século XIX para uso sacro-litúrgico eram musicalmente também simplificados, distantes do
estilo de Bach ou Mendelssohn.
Uma segunda afirmação de Simon Frith refere-se ao pop como uma “uma música
acessível que também é cantável e performável” (2007, p. 180). Essa facilidade melódica da
canção pop, que serve ao canto e à audição populares, permite tanto a participação coletiva
quanto a utilização individual. Baseado no argumento da participação, Frith é levado a
considerar a reivindicação ou a alegação de que o significado da música pop teria sido
determinado pela música protestante norte-americana dos séculos XVIII e XIX.
Tim Fleming (1999) argumentou persuasivamente que a canção sentimental
contemporânea tem suas raízes tão firmadas nos hinos sentimentais de Isaac
Watts e Charles Wesley (século XVIII) quanto nas canções seculares
românticas que foram as fontes das primeiras grandes vendagens de
partitura. Foram aqueles hinos que deram à canção popular o tropos
emocional que nós ainda reconhecemos: um arrependimento pela inocência
perdida, um anseio pelo paraíso como um idílio rústico, uma definição do
amor enquanto conforto na aflição (idem, p. 181).
137
Segundo Frith, certas canções românticas contemporâneas não seriam tão diferentes
dos hinos de Watts. Além disso, “a versão do gospel como soul music mostra quão fácil é
amar um homem ou uma mulher musicalmente do mesmo modo que alguém ama a Deus”
(idem, ibidem).
114
A reforma hinológica de Isaac Watts (1674-1748) era menos de ordem melódica do
que lírica. Ele foi responsável por promover a criação de textos originais para as canções
sacras em uma época de predominância do pensamento calvinista de emprego exclusivo dos
Salmos bíblicos como poética adequada para a hinódia protestante. Watts procurou apresentar
as mais essenciais crenças da teologia reformada e promover uma profunda piedade
emocional por meio de uma poética de extrema simplicidade” a fim de “atingir o mínimo
denominador comum da compreensão popular” (M
ARINI
, 2003, p. 76).
As melodias adicionadas à métrica simples e às letras sem maiores rebuscamentos
formais, contudo, proporcionavam um senso de solenidade, como em Before Jehovah’s Awful
Throne, ou reverente piedade, como em At the Cross ou When I Survey the Wondrous Cross.
Entretanto, o surgimento e a consolidação da indústria fonográfica evangélica, assim como a
inserção nas igrejas de práticas musicais desfavorecidas pela elite social e religiosa, parece ter
contribuído para uma maior correlação entre as canções sentimentais dos anos 1990 e as
canções pietistas de Watts, como observado nos estudos de Frith e Fleming.
Conquanto no século XIX a hinologia protestante transladasse a melodia secular das
baladas de Stephen Foster e promovesse a elementar substituição da letra original, os músicos
cristãos da época não ousaram adotar outro sucesso popular do compositor norte-americano: a
alegre e dançante Oh! Susannah. Em contrapartida, o surpreenderia que, no século XXI,
não apenas o estilo da balada Old Folks at Home fosse transposto para as atividades de louvor
e adoração congregacionais como também até mesmo a canção Oh! Susannah tivesse sua letra
cristianizada, embora mantendo o teor lúdico e animogênico proveniente de sua estrutura
rítmico-melódica.
Se o trajeto histórico de um gênero ou a busca das origens de uma música podem
iluminar o significado no tempo presente daquele gênero ou dessa música, é válido enfatizar
que “essa ajuda pode ser uma falácia que o elemento ancestral estainserido em outro
contexto, relacionado a diferentes objetos, em distinta conformação cultural e ativando outros
sentidos jamais imaginados quando estava na sua posição original” (V
ARGAS
, 2007, p. 209).
114
Ray Charles é considerado o principal mediador da tradução do gospel como gerador da soul music. Ressalte-
se que o gospel esteve na base de boa parte da música popular produzida nos Estados Unidos. Suas imbricações
com o blues e o rockm sido bastante estudadas.
138
A despeito dos mitos sobre a pureza ou essência de tradição ou ancestralidade que
algumas análises procuram identificar nas melodias e hinos antigos, o processo de hibridez
retroativo ao período em que Lutero ou Isaac Watts compunham não necessariamente pode ter
ocorrido com os mesmo índices de mistura que se notam nas canções gospel contemporâneas,
o que significaria um baixo grau de incorporação de elementos seculares nas suas
composições.
Por outro lado, Lowell Mason (1792-1872) procurava resolver o impasse entre o gosto
conservador de boa parcela do público protestante e o “excesso de inovação” que se
observava nos cultos de seitas avivalistas norte-americanas e britânicas. As edições das
coletâneas The Boston Handel and Haydn Collection of Church Music (a partir de 1839) e
The New Carmina Sacra (1853), editadas e publicadas por Lowell Mason, revelam que os
hinos e salmos mais antigos foram sendo gradativamente substituídos por peças do próprio
Mason e, também, de compositores europeus (Beethoven, Cherubini, Handel, Haydn, Mozart,
Palestrina, Schubert, Weber, entre outros).
A tradição musical dos protestantes das áreas rurais (antífonas, motetos, salmodias)
dava lugar, assim, a música moderna do século XIX, a qual se sustentava no uso crescente de
melodias extraídas de composições seculares e na importância que se passou a dar à qualidade
de execução dos hinos (C
HASE
, 1957, p. 142-143).
A apropriação do repertório secular como base para a feitura de novos hinos,
considerando as diferentes épocas e os variados níveis de absorção de elementos daquele
repertório, não era nenhuma novidade. A diferença estaria no fato de que Lowell Mason e
seus contemporâneos, como os compositores/editores Thomas Hastings, William Bradbury,
George F. Root e Isaac Woodbury, além de terem sido mais sistemáticos na edição e
publicação de suas coletâneas, lograram maior êxito que seus predecessores em razão de sua
atuação ter ocorrido durante “a era da produção em massa e da estandardização” (idem, p.
143).
Na época em que os efeitos da secularização impulsionavam o deslocamento do
interesse geral religioso para o laico, alguns fatores acentuavam essa tendência:
a) A menor preocupação com a origem “profana” da música: “qualquer música
que agradasse ao gosto da época, fosse qual fosse a origem, tinha
probabilidade de ser adaptada a um hino” (idem, ibidem);
b) O modelo composicional europeu erudito como referência de musicalidade
superior: os compositores eruditos europeus simbolizavam a “melhor
139
música” e o “gosto correto” a ser adotado pelos compositores protestantes
dos Estados Unidos;
115
c) A importância da qualidade de execução: a maneira de cantar foi se tornando
quase mais importante do que o que se cantava (idem, ibidem, grifos do
original).
Reconhecer os variados índices e graus de interação entre sacro e secular na trajetória
da música cristã, uma música de forma alguma impermeável às conformações culturais de seu
tempo, é compreender a transferência e a adaptação de um objeto musical para um contexto
diferente do original, gerando modificações na sua percepção e no seu propósito inicial. A
esse processo “os teóricos denominam com termos variados como ressignificação,
ressemantização ou refuncionalização” (V
ARGAS
, 2007, p. 209, grifos do original).
De forma conveniente, a despreocupação com o contexto original de uma canção ou
de um gênero serve aos propósitos do evangelismo urbano e aos empreendimentos da
indústria fonográfica gospel. Mesmo as criticadas formas do funk e da axé-music, cujos
tambores e danças representariam um contraponto histórico aoantipaganismo” arraigado em
alguns rculos pentecostais e protestantes, seriam refuncionalizados para atividades sociais e
religiosas.
4.2 O funk, o axé e o rap na consagração da juventude
Em meados dos anos 1990, devido à divulgação de imagens de sugestão sexual
filmadas nos bailes das periferias do Rio de Janeiro e à veiculação de canções de acentuado
conteúdo erótico, o funk era rotulado como propulsor do erotismo entre os jovens. Em que
pese o processo de demonização do funk, processo esse que mesclava os efeitos do pânico
moral e do esnobismo artístico, as mídias foram gradualmente concebendo um processo
diametralmente oposto: o de glamourização do fenômeno cultural juvenil (F
REIRE
F
ILHO
;
H
ERSCHMANN
, 2003).
Essa dinâmica conflituosa modificou o tratamento social que se concedia ao funk e à
cultura hip hop, embora houvesse continuidade de denúncias, verídicas ou não, de associação
115
A discussão sobre a autoria da melodia do hino de Natal Joy to the World,se composta por George Handel ou
por Lowell Mason, representa o quanto as formas melódicas do repertório erudito serviram de molde para os
compositores protestantes da segunda metade do século XIX.
140
do rap com organizações criminosas e de circulação de textos de jornais que relacionavam o
funk à gravidez de adolescentes e à vulgarização do sexo.
A despeito das referências midiáticas negativas em relação ao rap e ao funk, nos
últimos anos do século XX, notava-se no meio gospel nacional uma tentativa de superação
das temáticas sexistas ou politizadas associadas àqueles estilos.
Nos anos 1990, o funk norte-americano encontraria um espaço privilegiado de
radicalização musical nas produções realizadas na periferia da cidade do Rio de Janeiro.
116
Essa versão nacional (o “batidão”) surgiria de influências do estilo miami bass e empregaria
forte marcação rítmica eletrônica e apresentaria pouca ou nenhuma instrumentação harmônica
tradicional e pouca preocupação com afinação vocal ou sofisticação de letras.
Segundo Hermano Vianna, o público brasileiro queria “dançar funk cantado em
português”, o que logo motivaria uma veloz e maciça “nacionalização” do repertório (2007,
pp. 94-95). De início, o emprego da ngua portuguesa nas letras que retratavam as favelas
cariocas não seria acompanhada de mudanças musicais, resultando em reprodução do estilo
norte-americano na melodia e nos arranjos. As modificações viriam a ocorrer no âmbito
melódico somente por volta de 1995 com o sucesso do Rap da Felicidade, cantado por
Cidinho e Doca.
No final do século XX, com a devida apropriação do rock pelos músicos do gospel,
nenhum outro gênero musical popular sofreria maiores restrições nas camadas religiosas
neopentecostais. A legitimidade outorgada ao rock seria concedida também ao reggae, ao
pagode, ao rap e ao funk, todos os estilos sendo privilegiados como elementos musicais
simplesmente transladados para as recentes práticas musicais evangelizadoras em um
processo muito semelhante ao batismo de conversão de uma pessoa, ocasião em que o
passado profano submergiria nas águas para, então, emergir a mesma pessoa na aparência
externa, porém, com um novo e interiorizado sentido de vida. A sacralização do funk decorre,
assim, do evangelismo dedicado às massas jovens e da glamourização midiática do funk.
Os modos de refuncionalização do funk estão evidenciados nas canções e
performances dos cantores Adriano Gospel Funk e Cláudia Mel, muito embora esse processo
pareça discutível. Ou seja, a coloquialidade das letras e a manutenção de gírias e jargões do
funk secular geram uma banalidade no tratamento dos temas mais sérios da mensagem cristã
e, ainda, a conservação estilística de arranjos instrumentais e vocais do funk popular tende a
obliterar uma dissociação mais ampla dos funks mais dançantes e de duplo sentido.
116
Para mais informações sobre o funk no Brasil, ver E
SSINGER
, Silvio. Batidão: uma história do funk. São
Paulo: Record, 2005.
141
Esses procedimentos estão presentes nos versos Eu tô mandando a real aí / Não fica
de bobeira / O bicho pegando / Pra quem vacilando” e “A chapa quente / É melhor
você ser crente” (da canção A Chapa Quente) ou nas estrofes de Chuta que é Laço, que
avisam, de um modo pouco convencional, dos perigos espirituais de relacionar-se com
alguém que não compartilha das mesmas crenças (“laço” é entendido como uma armadilha
que pode afastar o crente da igreja).
Conte de um até três
Antes de partir pro abraço
Se não for benção de Deus
Sai correndo que é laço
A embalagem é bonita
Mas tenho que analisar
Se for de Deus eu abraço
Se não for chuta que é laço
Temas tradicionais, como a questão dos dízimos e ofertas, recebem um tratamento
bastante informal nos versos de Ofertório, cantados por Adriano Gospel Funk.
Tem ofertante dizimista aqui?
Se tem, dá um grito
Tem mão de onça?
Se tem, vai ser queimado agora
(...)
Mano para de “caô” e deixa de ser enrolão
Se você não é dizimista “pode crer” tu é ladrão
(...)
A canção Ofertório apresenta características ligadas ao funk carioca, como humor
descontraído, linguagem coloquial, tratamento irreverente de temas mais sóbrios e estrutura
rítmica dançante. Em contraste com a seriedade e a solenidade que marcam as composições
feitas para o tradicional recolhimento de dízimos e ofertas nas igrejas protestantes históricas, a
leveza divertida dos versos dessa canção denota uma ambiguidade que se arrisca a anular a
142
seriedade da mensagem, haja vista que seu teor humorístico confunde os limites tradicionais
entre sacro e secular a ponto de não ser possível definir imediatamente se a canção pretende
incentivar ou satirizar a questão.
O abrasileiramento do funk ocorreria na progressiva introdução do estilo de cantoria
dos puxadores de escola de samba” e na intuitiva adaptação de “padrões rítmicos e
instrumentais habituais em terreiros de umbanda e candomblé do Rio de Janeiro” (idem, p.
95-96).
117
A introdução da canção Guerreia, de Cláudia Mel, remete ao groove percussivo e
eletrônico dos funks que reproduzem estruturas rítmicas identificadas com os tambores dos
cultos de religiões de matriz africana, enquanto a letra ressalta o tema da Guerra Espiritual
segundo a visão pentecostal. A cantora Cláudia Mel foi contratada do DJ Marlboro, um ícone
do funk carioca, mas passou pela conversão e “atualmente está ganhando muitos jovens com o
som batidão funk gospel e ministrando a palavra de Deus de uma maneira irreverente com
linguagem jovem e contando a sua transformação de vida”.
118
As características relacionadas ao funk (descontração, linguajar coloquial, irreverência
e capacidade animogênica) são marcas associadas aos ritmos de cunho nordestino, como o
forró, o xote e o xaxado. Esses estilos têm seus equivalentes gospel no trabalho de bandas
como Os Cabras de Cristo, Xote Santo e Coração Ardente. Contudo, uma escuta mais atenta
notará que cada um dos nomes mencionados possui estilos diferentes, com maior ou menor
interação com a música pop.
Os Cabras de Cristo formam uma banda cujo nero musical principal é o chamado
forró pé-de-serra e cujas letras fazem referência à cultura musical nordestina e aos graves
problemas geográficos e políticos da região. A performance contida do vocalista, o pastor
Kleber Nobre, pode ser observada nos vídeos das músicas Deus Também é Nordestino e
Coração Nordestino. Por sua vez, a banda Xote Santo, no vídeo Crente que Não a Bíblia,
emprega o escracho e a ambiguidade que marcam o forró e o xote seculares bem humorados.
maior grau de teatralidade por meio de atores satirizando estereótipos religiosos
pentecostais, por meio da presença de dançarinas no palco executando passos típicos do xote e
por meio da indumentária e da performance autoirônicas do vocalista.
117
Para Vianna, os músicos do funk podem ter aprendido esses ritmos de matriz africana em terreiros da
vizinhança ou por meio de discos importados como Light Years Away, da banda Warp 9, música que os
funkeiros brasileiros apelidaram de Melô da Macumba (V
IANNA
, 2007, p. 96).
118
Disponível em <www.garagemmp3.com.br/claudia-mel>. Acesso em 13 jan. 2009.
143
A banda Coração Ardente tem seu estilo calcado no gênero contemporâneo do forró
eletrônico cujas canções possuem melodias que fogem ao baião tradicional e mesclam
influências das canções românticas sertanejas e daquelas músicas tipificadas como “bregas”
(algo mais próximo do estilo de bandas seculares como Aviões do Forró, de grande sucesso
no início do século XXI).
Contudo, Andréa Fontes, uma cantora não identificada com o estilo musical regional,
tem atingido maior destaque nos meios pentecostais graças ao sucesso do videoclipe da
canção Batismo no Ônibus, um xote cantado e narrado pela cantora. A música apresenta a
história de um homem que duvidava do batismo do Espírito Santo, o que, na compreensão
pentecostal, é o momento em que o crente passa a falar em línguas. Na narrativa, o
protagonista não consegue ir de carro próprio para o trabalho e entra em um ônibus, quando,
supostamente, é tomado pelo Espírito. A cantora alterna a fala e o canto durante toda a
música, contando com o recurso das imagens para dar maior humor e veracidade à situação
narrada.
A última parte do clipe mostra o protagonista em cenas do “batismo pentecostal do
Espírito” rodeado por uma multidão surpresa. O que seria visto pelos protestantes tradicionais
como uma cena constrangedora e capaz de suscitar o deboche dos não-crentes, para os
pentecostais a incompreensão alheia é motivo de orgulho, denotado pelo abraço, diante dos
passageiros, entre o protagonista e um policial que se congregam na mesma igreja. Na última
cena do clipe, a câmera registra o ônibus em movimento com uma faixa na parte de trás em
que se lê: “Andréa Fontes, nós te amamos!” Essa cena ressalta o grau de interação entre a
interpretação pentecostal de preceitos bíblicos e os mecanismos de vedetização pop que
tipificam as mídias.
A grande veiculação do clipe se deve a dois fatores: à veloz propagação de uma
música no youtube, um site que possibilita a visualização rápida e constante de um artista; e
ao contrato da cantora com a gravadora MK, responsável pela gravação e distribuição das
produções de Andréa Fontes. Com dezoito discos lançados, a cantora era uma veterana da
música pentecostal, porém, o sucesso mais amplo viria com o décimo nono trabalho, o CD
Momento de Deus, ganhador do disco de platina, cuja produção mereceu os cuidados de
Rogério Vieira, produtor habitual de Aline Barros.
A canção de Andréa Fontes, embora seja uma apologia da glossolalia enquanto
interpretação e manifestação pentecostais do batismo do Espírito Santo, encontra-se na
contramão da orientação do novo pentecostalismo, no qual se processa um afastamento de
práticas mágico-religiosas, como o exorcismo ou o próprio falar em línguas incompreensíveis
144
defendido na canção. Segundo a pesquisa do Pew Forum, 29% dos pentecostais praticam
semanalmente a glossolalia, ao passo que 50% deles afirmaram nunca falar em línguas. No
ramo carismático, 84% disseram que não praticam a glossolalia.
119
Para Leonildo Campos,
estes dados revelam que “a glossolalia perde espaço como forma de identificar o
Pentecostalismo” (2008, p. 42).
A internet também funcionou como passaporte para o estrelato de outra artista: Jake,
cantora católica cujo estilo é o axé-pop baiano. No final do ano de 2008, o videoclipe da
música Pará com Pó registrava quase 400 mil acessos no youtube. O vídeo é uma
apresentação de Jake no programa Vozes da Igreja, da TV Aparecida. O extraordinário
sucesso na internet levou a cantora a participar de micaretas em trios elétricos, em que as
imagens revelam o pouco ou nenhum êxito da mensagem evangelística, e até mesmo a
contradizem.
120
Pó pará com pó
Pó pará com pó aê
Não estraga tua vida
Não faz isso não
Tua juventude vai pro beleléu
Tem outra saída para diversão
Eu quero mais, eu quero mais
Meu lugar é o céu
Você tem que tomar
Uma overdose de Jesus
Injetar na veia o sangue
Que correu na cruz
Você tem que tomar
Uma overdose de alegria
119
A pesquisa intitulada Spirit and Power – a 10-Country Survey of Pentecostals, publicada em 2006 pelo The
Pew Forum on Religion & Public Life, relaciona dados sobre o Pentecostalismo em dez países, entre os quais, o
Brasil. O ano de 2006 marcava também os 100 anos do surgimento dos fenômenos extáticos/pentecostais em um
templo da Igreja Metodista Africana, em Azuza Street (Rua Azuza), na cidade de Los Angeles (ver o site
www.pewforum.org).
120
Em outro vídeo disponibilizado na internet, Jake é vista pela cantora Ivete Sangalo ao lado dos personagens-
repórteres do programa Pânico da TV em um camarote VIP de uma micareta. Após adverti-la da “má
companhia” dos debochados humoristas do programa, Ivete a convida para subir no trio elétrico com os
humoristas e cantar o hit Pó Pará com . Durante a execução da música, nem os humoristas nem Ivete Sangalo
dão atenção ao suposto conteúdo antidrogas e pró-evangelho e apenas dançam e fazem piadas.
145
Shekinah doidão, doidão
Se liga, se liga!
Um dos sucessos do grupo de axé-music secular Asa de Águia, Satanás, era uma
sátira às lebres sessões de descarrego e exorcismo de algumas igrejas neopentecostais. A
canção da católica Jake parece produzir um efeito semelhante ao das canções carnavalescas.
A letra enfatiza uma ambiguidade em que o discurso antidrogas está atrelado, de forma
paradoxal e, talvez, involuntária, a um modelo satírico e repleto de expressões consideradas
antitéticas, como “tomar uma overdose de Jesus” ou “Shekinah doidão”.
121
A cantora também
é autora de letras como:
(da música Alê, Alê)
Sobe ladeira no clima
Espera Jesus passar
Rola, embola, segura menina
Hoje Jesus vai te curar
E também (da canção Sapeca):
Quem não "sapecou”
Vai sapecar
Quem não batizou
Vai batizar
(...)
Coração acelera
O timbal acompanha
Foi Jesus quem me sapecou
Para André Ricardo de Souza, algo novo inegavelmente surgiu: “o fato de a Igreja
Católica copiar deliberadamente práticas dos concorrentes pentecostais” (2005, p. 124). A
reação católica à expansão pentecostal repete estratégias de interação mercadológica, como a
adesão ao marketing religioso. A criação do Instituto Brasileiro do Marketing Católico, em
São Paulo, em 1996, o sucesso da ExpoCatólica e o convite feito pela Confederação Nacional
121
Shekinah é um termo hebraico que descreve a “glória de Deus”.
146
de Bispos do Brasil à Promocat
122
para colaborar em outras atividades oficiais da Igreja
Católica, ressaltam o surgimento de uma consciência de gestão comercial dos interesses
religiosos.
123
Os empreendimentos do mercado católico passam tanto por entidades como a Pastoral
da Criança, que em 1999 lançou o Ursinho da Paz”, um brinquedo de pelúcia que reza a
oração do Pai-Nosso, quanto pelos adeptos comuns, os quais têm estabelecido “empresas de
produção e comercialização de produtos ligados a sua fé: roupas, adesivos, bijuterias etc”.
(idem, p. 107).
As baladas gospel têm um correspondente católico na Cristoteca, criada pela
renovação carismática. Em entrevista à revista Isto É (21/02/2007), um dos padres-assistentes
declara que, na Cristoteca, “oferecemos a possibilidade de diversão, sem que os jovens
precisem se desviar para outros caminhos”, enquanto o organizador da festa, Vanderson
Costa, assegura que a “a Cristoteca é uma resposta aos anseios dos jovens de hoje, que muitas
vezes não encontram abertura na corrente mais conservadora da Igreja”.
Durante a festa, bandas que tocam axé, pop/rock e reggae. Realiza-se uma missa
com início à meia-noite, que segue o ritual litúrgico tradicional, mas “com uma iluminação
quase gótica, globos espelhados, luzes coloridas e bolas fluorescentes”, em meio a um cenário
de “cruzes brancas e imagens da Virgem Maria”. Após a missa, a festa se estende até às cinco
da manhã ao som do trance eletrônico “que envolve os baladeiros”. Para o guitarrista Rodrigo
Silva, da banda Filhos da Mãe (homenagem à Maria), essa “é a melhor forma de trazer as
pessoas para a igreja”. Observa-se, entretanto, que o sentido de igreja que o guitarrista
menciona não prevê a passagem para um outro estilo de culto ou de divertimento cristão
(católico ou evangélico), ou seja, para a igreja institucionalizada e de práticas mais
tradicionais.
As notáveis semelhanças com a ideia neopentecostal de “diversão e salvação” é um
ponto sui generis do ecumenismo cristão que pretende unir a cristandade em torno de
conceitos e doutrinas em comum. No funk pentecostal e no axé católico, observa-se o trato
irreverente e paródico presente nos nomes das bandas e nas letras das canções, a festividade
da música pop justaposta à solenidade litúrgica cristã e o princípio pragmático de
evangelização das faixas jovens.
122
A ExpoCatólica é um evento nos moldes da ExpoCristã evangélica. A Promocat é uma empresa promotora do
segmento de mercado de serviços e artigos religiosos.
123
Visualizado em <www.expocatolica.com.br>. Acesso em 02 mar. 2009.
147
No âmbito musical, é bem conhecido o enorme sucesso do padre Marcelo Rossi.
Outro nome que tem despontado é do padre-cantor bio de Melo, cujo CD Vida, lançado no
final de 2008, teve 542 mil cópias vendidas em menos de 100 dias. O padre também se firmou
como o número um em vendagem de discos no Brasil em 2008 devido a um acordo de
distribuição de sua gravadora, a LGK, com a Som Livre braço musical da Rede Globo –, o
que proporcionou spots publicitários na emissora.
124
O padre Fábio de Melo é assim descrito em matéria da revista Veja: ele exibe um
vistoso relógio Diesel no pulso e não gosta de ser fotografado com as mãos em posição de
prece. ‘É piegas’, diz o padre”. Além disso, ele usa calças justas, tem sobrancelhas
delineadas e seus cabelos emitem reflexos dourados”, mas descarta a imagem de galã, embora
as fãs mais entusiasmadas não deixem de gritar por ele nos shows. Para o etnomusicólogo
Samuel Araújo (UFRJ), “um padre com imagem sexualizada é algo espantoso. O que virá a
seguir?” (Veja, 2008, p. 121-122).
A cultura gospel, seja nos estratos católicos ou evangélicos, tem se destacado pelo
visível amoldamento às estratégias de marketing. Embora o termo marketing o preconize
apenas os modelos de cunho pejorativo, sendo também uma ferramenta necessária para a
melhor objetivação dos esforços de missão evangelística, as táticas mercadológicas englobam
o todo aparente da indústria fonográfica gospel. Cada vez mais, nota-se a adoção
sensacionalista de gêneros musicais em voga nas mídias e a padronização de um discurso que
justifica o envolvimento com as formas de consagração musical pop (prêmios, publicidade),
mesmo que, nem sempre, haja um consentimento inicial por parte dos artistas
neopentecostais.
Em entrevista ao programa Conexão Gospel, o cantor e compositor Beno César
afirma: “Achei que nunca ia cantar rock”. Conquanto não fosse apreciador do estilo, escolheu
submeter-se à orientação da produção musical, a cargo da gravadora MK. Apesar de ter
modificado um pouco de seu repertório de preferência, Beno César confirma o papel
preponderante da MK: “É uma gravadora que tem... assim... mudado o conceito da música
gospel no Brasil”.
125
A MK Music tem lançado as coletâneas As Dez Mais e Amo Você. A primeira reúne
em um mesmo CD dez canções de um artista/dupla/banda do elenco da gravadora, como Os
Arrebatados, Alda Célia, Fernanda Brum, Cassiane e Jairinho, Rayssa e Ravel, Oficina G3,
124
A LGK foi a gravadora que articulou a divulgação de trabalhos de Aline Barros pela Som Livre.
125
Disponível em <wwwconexaogospel.com.br>. Acesso em 27 set. 08.
148
Novo Som, Pamela, Voices, entre outros. A segunda coletânea apresenta canções de amor e
amizade interpretadas pelos cantores que compõem o bem sucedido cast da MK.
A extrema diversificação de estilos musicais é uma estratégia necessária às gravadoras
que pretendem atingir públicos de gostos diferentes. Enquanto a dupla Rayssa e Ravel entoa
canções de cunho sertanejo (urbano ou caipira), como Festa de Crente, em que se aborda a
diferenciação de ambiente e propósitos de uma festa de evangélicos, a jovem cantora Pamela
pretende alcançar os corações e mentes juvenis.
Essas estratégias de mirar em públicos-alvo distintos são reveladoras do entendimento
pentecostal de distinção cristã e evangelismo jovem. Apesar dos festejos e baladas gospelo
contribuírem, como as festas seculares, para o aumento da embriaguez e da violência urbana,
os eventos gospel descritos acima realçam mais uma aproximação quase irrestrita às festas
pop do que um caráter de diferenciação. O desejo internalizado de o parecer sectário ou
meramente antiquado tem levado católicos e evangélicos a consolidar a ideia de salvação”
através da “diversão”.
No CD A Chave (2008), da cantora teen Pamela, o repertório no estilo pop/rock
adolescente sinaliza uma clara tentativa de se criar uma alternativa pop-religiosa para as
faixas etárias juvenis. Os videoclipes de canções como Fora! e Quero te Encontrar mostram a
cantora declarando sua fé pelas ruas de uma cidade (no primeiro clipe) e, também, declarando
seu amor pelo namorado (no segundo). Ambos os vídeos alcançaram privilegiado sucesso
entre os adolescentes, que podem, assim, escutar uma alternativa santificada” dos ídolos
seculares teen norte-americanos ou brasileiros, como Rihanna, Kelly Clarkson, Sandy e
Vanessa Camargo.
A proposta de oferecer entretenimento e evangelismo aos jovens é ponto central do
ministério do cantor PG. O DVD Eu Sou Livre (2008) é perpassado pelos clichês do visual de
um show de rock, com guitarrista cabeludo, baixista e guitarrista com movimentos cênicos
coreografados, lenço amarrado no pedestal do microfone do cantor e intensa movimentação
de PG pelo palco, seja carregando o pedestal ou imitando o dedilhado do guitarrista (air
guitar). A postura do público assemelha-se a dos fãs seculares de rock, em atitude que beira a
histeria. Quando PG comanda o público falando: “Quem é livre em Jesus diz Amém!”,
ouvem-se assobios e gritos em uma reação entusiasmada bastante identificada com os shows
de rock. No entanto, para os músicos e aficionados da música gospel, o entretenimento
santificado é uma garantia para a consagração da juventude.
Os Arrebatados, um grupo que inclui locutor de rádio e dois atores, Dedé e Lili, que
emulam os estereótipos do pastor pentecostal e da garota “moderninha”, apresentam um
149
quadro de amplo sucesso na rádio 93 FM, de propriedade do conglomerado MK. Divulgando
músicas como Bonde de Jesus e Crente que é Crente (“posso até fazer bobagem e pregar uma
mentirinha / mas Deus me perdoa (...) me diz teu Deus, qual é?”), o radialista Malta Jr.
considera que a fórmula diversão-salvação é plenamente válida, não importando a brincadeira
e a sátira, pois tudo pode ser usado para a conversão de pessoas:
Temos pregado através do entretenimento e também através da palavra
pregada no final do programa. Nos shows e apresentações, além de
cantarmos, dançarmos, pularmos, também pregamos a palavra. [...] A
atração, a isca dos Arrebatados é justamente a brincadeira, o entretenimento,
a palhaçada do Dedé, da Lili, e no final nós falamos “Jesus” e as pessoas se
convertem, Deus transforma tremendamente, Aleluia! [...] É a hora que nós
lançamos a rede, né? E vidas se convertem, as pessoas são impactadas por
Deus (Entrevista ao programa Conexão Gospel, s/d, disponível em
<www.mkmusic.com.br>. Acesso em 17 dez 2008).
Esse também parece ser o pensamento que orienta as apresentações de Carla Perez,
cantora e dançarina gospel que, no carnaval em Salvador, em fevereiro de 2009, saiu com o
bloco infantil Algodão Doce e estava fantasiada de Minnie, com orelhas do personagem
infantil na cabeça e um vestido azul claro. Carla Perez iniciou o show com a música
evangélica Entra na Minha Casa, rezou um Pai-Nosso e disse: “Estou arrepiada. É um
presente de Deus”.
126
Depois, prosseguiu cantando Nossa Paradinha e Mandei Meu Cavaco
Chorar, músicas gravadas pelo Harmonia do Samba, grupo do seu marido Xanddy.
127
A pentecostalização do carnaval obedece aos critérios de sacralização de outros
festejos na busca de oferecer uma alternativa de entretenimento e divulgação das mensagens
cristãs. A contradição resultante da interação entre a atitude modernizadora observada na
liberalização de costumes e no investimento em entretenimento e a ação antimodernizante
verificada na manutenção de posturas religiosas que descartam a densidade teológica é
traduzida em uma aparência externa de modernidade.
A entrada da cultura gospel na modernidade não se caracteriza por resistência e
desafio às normas culturais” dominantes, mas por uma conciliação com a gica de mercado
hegemônica. Como largamente registrado nessa pesquisa, a música proveniente de tal
processo redunda em um produto tecnicamente impecável, mas cuja densidade textual aceita a
126
No Carnaval de 2007, Carla Perez esteve fantasiada de She-Ra. Em 2009, o bloco Algodão Doce completou
dez anos e o tema do desfile era “Algodão Doce no Mundo Encantado” e seus filhos estavam vestidos de Mickey
e Minnie (Visualizado em <ego.globo/gente/noticias>. Acesso em 22 fev 2009).
127
Disponível em <www.carnaval.uol.com.br/noticias>. Acesso em 22 fev 2009. Cf. fotografias no anexo da
dissertação.
150
diversidade estilística e cultural (gírias, jargões) e, ao mesmo tempo, rechaça a interpretação
teológica mais reflexiva e profunda.
“Mudança e transformação devem significar posturas novas, pensamentos novos”,
porém, o gospel tem se revelado uma cultura de manutenção e não algo novo, transformador
e desafiador das demandas sociopolítico-econômico-culturais do tempo presente”,
constituindo-se, em vez disso, uma estratégia de integração à modernidade no âmbito das
expressões dominantes do pentecostalismo e do capitalismo globalizado (C
UNHA
, 2004, p.
206).
Os versos da canção Mudança representam as propostas difusas dos novos
evangélicos, em que o consumo e o lazer são marcadores da música pentecostal:
Se o Senhor quiser
Também pode me arrumar
Um emprego que eu ganhe
Sem eu ter que trabalhar
Refrão:
Mudança, eu peço a Jesus mudança
O Brasil ainda tem jeito
Se o Senhor ordenar
(...)
Ei, Lili, você tem que mudar!
Você não pode ficar pedindo pra Deus mudança material!
Você tem que mudar verdadeiramente,
Chega de mudança superficial!
Apesar do discurso de mudança espiritual verdadeira em contraste com a mudança
material de superfície, o emprego de um coloquialismo excessivo distorce a questão. O
paradoxo representado pelo desejo de emprego que não exija esforço e pelo pedido de
mudança real evidencia-se, também, na música gospel por meio da estrutura rítmico-melódica
apresentada como inovadora quando, de fato, ela denota superficialidade na abordagem das
temáticas cristãs.
151
A refuncionalização da canção If I Had a Hammer, de Pete Seeger, como expressada
pela cantora Rita Pavone, no início dos anos 1960, motivou uma análise de Umberto Eco
(1987). A letra original apresenta uma mensagem poética de contundente teor político o
cantor folk norte-americano diz que queria ter o martelo da justiça, o sino da liberdade e uma
canção sobre o amor entre seus irmãos e irmãs.
Na versão da popstar italiana, o martelo serve para bater na cabeça” daquela menina
que rouba a atenção na festa ou para “quebrar o telefone” de quem vai chamar a mãe para lhe
buscar.
E eis como uma mensagem, já dotada de significado próprio, é tomada
apenas em sua configuração superficial, sobre a qual se faz incidir uma
mensagem de segunda potência, aplastrada numa significação nova, com
função consolatória: como que para obedecer a uma inconsciente exigência
de tranquilização (E
CO
, 1987, p. 313-314).
O emprego de linguagem cristológica por um compositor tem o potencial de delimitar
seu público. “Assim, se um artista ou uma gravadora desejam aumentar as vendas, as letras
não devem conter uma filosofia ou uma teologia significativa ou levar o ouvinte a pensar”
(B
IELEN
, 1999, p. xi.). Isso provoca o argumento de que letras vagas e superficiais tocarão um
maior número de pessoas, mesmo que esse pensamento não possa ser estendido de forma
irrestrita às produções pop-religiosas.
As canções do axé católico e do funk neopentecostal, entretanto, operam um novo
significado ao reconfigurar os conteúdos cristãos. Estes, passam a ser expressados como
“mensagem de segunda potência”, em que as letras religiosas perdem em densidade ao
funcionar como pano de fundo para as performances hiperespetacularizadas e em que as
intenções espirituais-evangelísticas apaziguam as consciências de cantores e ouvintes.
Os mecanismos de refuncionalização das estratégias pop podem ser observados em
programas de interesse jovem, como o Clip Gospel, da Rede Gospel de TV. A VJ (video-
jockey) e pastora Fernanda Hernandes (filha do casal Hernandes, da Igreja Renascer) e o
cantor Marcelo Aguiar são os apresentadores. O programa conta com a participação do DJ
Mitchú, considerado
pioneiro na implantação nas igrejas do evangelismo eletrônico incluindo a
música eletrônica gospel com efeitos e visuais e sonoros em uma festa com
direito aos bits acelerados das baladas mais agitadas jamais vistos nas igrejas
evangélicas até então. Festa gospel como objetivo de fazer os da
permanecer na casa do Senhor sem se desviar para baladas mundanas e o
fundamental, evangelizar (Disponível em <www.redegospel.tv.br> . Acesso
em 24 set. 2008).
152
O site do Clip Gospel anuncia assim a presença do DJ Mitchú: “O melhor do som
gospel embalando o programa mais agitado da sua TV”. Os entrevistados convidados são
descritos como os “cantores que fazem o som rolar no meio gospel (grifos nossos). O
programa modifica levemente os assuntos que interessam ao público jovem, mas permanece a
linguagem “descolada” e a publicidade sensacionalista dos apresentadores e dos esquetes.
O conceito de “cena musical”, nos anos 1990, viria redefinir o entendimento do campo
cultural como um espaço de negociações, apropriações e contradições políticas e econômicas
que mobilizam os diversos setores da sociedade. Segundo Will Straw, a cena musical “é
aquele espaço cultural no qual uma gama de práticas musicais coexistem, interagem umas
com as outras dentro de uma variedade de processos de diferenciação, de acordo com uma
grande variação de trajetórias de mudança e interinfluência” (apud N
EGUS
, 1999, p. 22).
No âmbito do ecletismo cultural da pós-modernidade, a noção de cena musical
favorece a interpretação do caráter de multiplicidade e pluralidade de atitudes e estilos
musicais observados no final do século XX.
A transposição do rap para o espaço gospel ocorre na medida em que as formas de
exclusão social são indistintas para crentes e não-crentes, isto é, a conjuntura sócio-econômica
apresenta-se sem grandes variações para os habitantes jovens das periferias urbanas. O
formato estético do rap torna-se adequado para retratar uma mesma realidade, embora o
cancionista gospel visualize o contexto sob a ótica da conversão, da reconciliação e da
restauração pessoal. O elemento de diferenciação entre o rap secular e o rap gospel residiria
somente nas formas de abordagem dos temas, posto que o visual (a indumentária, o uso de
adornos e acessórios), as performances gestuais (a movimentação gingada do corpo) e vocais,
bem como os arranjos musicais eletrônicos, se mostram determinados pelas particularidades
estéticas da cultura hip hop.
Os artistas do hip hop gospel não abandonam as temáticas politizadas de denúncia de
preconceito, intolerância e marginalização dos moradores das periferias. Questões como a
corrupção do meio político, as condições carcerárias, a violência urbana, o aliciamento do
tráfico, o vício das drogas e a criminalidade juvenil são abordadas sem subterfúgios, deboche
ou ironia. Ritmo e poesia possíveis em uma realidade crua e desconhecida para boa parte dos
protestantes e católicos das classes economicamente mais abastadas e educadas em escolas de
música formais.
Na música Choque, do disco Entre o Desespero e a Esperança (2007), o grupo Ao
Cubo, formado por Feijó, Cleber, Dona Kelly e DJ Fjay, tece uma longa crítica social que vai
do antimilitarismo: “te entregam fardas camufladas com sua graça bordada, e armas, pra
153
defender a sua pátria amada você se mata por nada, sua vida é muito mais cara, do que
petróleo e prata, não se entregue de mão beijada”, ao antitabagismo e ao antialcoolismo
industrializados: “a Souza Cruz e a Brahma matam mais que os Tomahawks e os homens
bomba de Osama”; e segue pela crítica aos altos encargos sociais e ao desvio de verbas
públicas:
Quem foi eleito, aqui tá horrível
se vira sujeito, faça o que você prometeu
(...)
Seria possível ICMS, ISS, INSS, IR, PIS,
CPMF, IOF, IPTU, IPVA, CONFINS
Lucrativos pro homem do governo
Todo dinheiro do brasileiro, o sucuri, o anaconda
O vampiro sangue suga pede bis
Água, luz, remédio, transporte, alimentação, educação, telefone
O restante também é no seu nome
A faixa Fora quem USA é paradoxal na crítica à hegemonia econômica dos Estados
Unidos ao mesmo tempo em que o hip hop da cultura afro-americana é apropriado pelas
comunidades negras das periferias de capitais brasileiras. Na segunda metade do século XX, a
interação entre jazz e samba e o uso de guitarras elétricas no rock da Jovem Guarda eram
duramente criticados pelos partidários da ideologia nacional-popular. No final daquele século,
contudo, verificou-se que os gêneros musicais tornavam-se mundializados em um sentido
semelhante à globalização dos problemas urbanos.
Em que pese a repercussão dos sons e imagens veiculados pela mídia nas práticas
musicais e culturais de uma coletividade, os aficionados de um determinado estilo
recodificavam um gênero ou uma cultura em particular segundo suas referências de classe. A
juventude demonstraria pouca preocupação com questões de identidade nacional, posto que os
artefatos e símbolos são mundializados, e aquelas canções, cujas letras e performances são
comuns a fãs de diversas partes do mundo, são refuncionalizadas em perspectiva diversa da
original.
De acordo com Micael Herschmann, as expressões culturais tornaram-se uma
montagem transnacional. Uma articulação flexível de partes, uma colagem de traços que
qualquer um, de qualquer classe, religião, cor ou ideologia pode utilizar” (2000, p. 63).
154
Os cancionistas do hip hop gospel extraem produtos e símbolos de um repertório pré-
existente e os reconfiguram a fim de expressar novos significados com um novo repertório.
Essa refuncionalização tem sido valorizada pelos protestantes desde a reforma (como Lutero),
passando pelos cristãos norte-americanos dos séculos XIX e XX (como Ira Sankey e Tommy
Dorsey) e chegando aos novos evangélicos que ressemantizam o hip hop.
A canção Fora quem USA, embora faça uma lista das estruturas políticas e sociais
corrompidas, aponta que a solução para as mazelas é de ordem moral e espiritual, ou seja,
mudando-se o homem, mudam-se as estruturas.
E vendo tudo isso do meu ponto focal
Vejo que a base do problema é espiritual
Claro, fome zero ah fala sério,
O óbvio, o simples antes era um mistério
Tava tudo combinado na bíblia em alguns versos,
Dai de comer para quem tem fome
Isso é velho chega de lero-lero, corrupção zero,
Só se vai mudar o país com o poderoso evangelho
Chega de por a fama no governo
Sem drama arregace a manga seja homem ou dama
Seu filho também sangra, agora é cê que manda,
Prepare o país pra ele e esquenta sua cama
O que você tem feito pra mudar, não se lembra,
O país vale a pena, embora o pão seja caro e a liberdade pequena
A solução não é dilema
É o Senhor dos Senhores, Jesus Cristo ser o lema.
No CD Entre o Desespero e a Esperança, canções sobre as mães solteiras
(Cinderela), sobre o cotidiano de criminalidade (Seqüestro) e sobre a dependência química
(Vai se Analisar). Nessas músicas, além do groove pulsante do estilo hip hop, as letras
expressam o jargão e o estilo de rimas que marcam o gênero (“tudo vai passar, mas se não
embaça / Só a Palavra fica, o resto é fumaça”, trecho da canção Fumaça).
A canção Mil Desculpas é emblemática da apropriação da cultura hip hop secular pelo
hip hop gospel. O rap, porta-voz musical da cultura hip hop, originou-se em um contexto de
violência, intolerância racial e pobreza econômica ao mesmo tempo em que se mostrava uma
155
expressão de afirmação artística e social por meio de uma música de poesia rascante e
coloquial e de ritmo pulsante.
A canção: uma mulher vai a uma penitenciária a fim de encontrar o jovem que
assassinou seu filho. O jovem presidiário está, então, convertido ao cristianismo e tenta
explicar os motivos que o levaram ao crime, mas o que ele quer mesmo é o perdão daquela
mãe. A conjuntura de vingança e violência, assim como o novo contexto de reconciliação, são
descritos com palavras de forte teor emocional.
Te chamei aqui
Pra dizer o quanto eu sinto
É embaçado não adianta,
Mas tô arrependido,
Três anos atrás do muro
Guardado no fundo
De uma cela abarrofada,
(...)
Refrão (cantado por Dona Kelly, que representa o papel de mãe no videoclipe):
O passado e a saudade como posso apagar
Impossível esquecer, não é fácil perdoar.
O passado e a saudade como posso apagar
Impossível esquecer, não é fácil perdoar.
Pela sua voz eu entendo o sofrimento,
Deve ser difícil perdoar eu lamento,
Jesus, me perdoou pela perda, pela dor,
Espero que a senhora também um dia me perdoe,
Não sei se a senhora acredita em transformação,
Eu não acreditava e Deus mudou um ladrão,
Explicar com palavras é embaçado e não
Tem palavra o suficiente pra explica a conversão,
(...)
O motivo era banal um pouco mais de um real,
Nem sei porque matei, talvez respeito e tal...
(...)
(Mãe): Você arrebentou com a minha vida
156
Meu filho não volta mais,
Mas com tudo eu não vejo outra alternativa
Eu te perdoo.
No DVD Acústico, o DJ Alpiste comanda um show de rap gospel. O cantor está
caracterizado com o traje habitual do aficionado da cultura hip hop: boné, bermudões,
moletons ou camisetas bem acima do mero do usuário, pulseiras e colares, óculos escuros.
O crucifixo usado pelo rapper não pode mais ser contado como adereço gospel, haja vista sua
apropriação não-eclesiástica por cantores seculares, como Madonna. A performance gestual e
vocal segue o padrão do rap secular, com movimentação nica característica e frases
verbalizadas de modo persuasivo.
A diferença entre sacro e secular estaria, então, nas mensagens de teor cristão e na
finalidade de conversão e conscientização religiosas. Isso pode ser observado em faixas como
Depois do Casamento, que retrata na forma do canto falado do rap um diálogo em que uma
garota resiste aos avanços de intimidade do namorado, objetando que prefere deixar a relação
sexual para depois do casamento devido ao seu compromisso com os preceitos bíblicos. No
show, o rapaz canta a primeira estrofe com ginga corporal malemolente e voz insinuante,
representando uma tentativa de sedução:
Menina eu tenho por você um grande sentimento
Porque vamos esperar depois do casamento
Há muito tempo estou pronto você sabe disso
Desde que assumi com você um compromisso
Não sei porque esperar tanto tempo assim
Se eu posso ter você e você também a mim
Você sabe bem o que eu estou querendo
Vamo nessa ninguém vai ficar sabendo
Pois no fundo só eu sei o que você gosta
Ouça bem com atenção a minha proposta
Eu conheço um lugar que é da hora
A gente espera todo mundo sair fora
O vigia é meu amigo
Não vai ter problema
Fique fria já armei todo esquema
Você sabe o que eu sinto por você
157
Essa é a chance de você corresponder
Tenho certeza que vai ser legal, você vai curtir
E então, o que você me diz?
Refrão:
Guarde para o momento certo o que você tem
Respeite a palavra de Deus pro seu próprio bem
Se você me ama e a você também
A resposta da garota admite o desejo pessoal, mas submete esse desejo aos preceitos
bíblicos de castidade sexual:
Sinceramente vou reconhecer que estive pensando na mesma
coisa que você e me acabando
Não sei até quando vou resistir a essa tentação,
se é podemos chamar assim essa atração
Não me peça para fazer o que eu estou afim
E nem questione os sentimentos que existem em mim
(...)
Mas tem algo mais importante do que isso
Assumi com Deus um compromisso
E não há nada que me faça voltar atrás
Nem você, nem o mundo ou algo mais
Se você tem mesmo todo esse sentimento
Não vejo problema esperar o casamento
A última estrofe alterna as vozes do rapaz e da moça. A forma dialogal encontra
ressonância no canto falado do rap, no estilo coloquial das frases e na performance
dramatizada de uma situação comum à juventude solteira.
[Ele]: Tudo bem já entendi o seu ponto de vista
[Ela]: Eu te amo de verdade, mas não insista
Certamente essa é sua última palavra
Pode crer você não vai conseguir nada
Tudo bem, me desculpe não foi minha intenção
Não me venha com essa, não banque o santo, não diga que não, não diga que não
tentou me seduzir
Pode crer admito, agi errado, não levei em conta o que Deus diz do pecado
Agora vejo que você está mais consciente
158
Como cristão tenho que ser inteligente
Eu sei que é duro admitir uma fraqueza
Não se preocupe Deus é minha fortaleza
Desse jeito com você até o fim
Se está bom pra você também está bom pra mim
Mas se de novo vier a tentação?
Venceremos juntos com oração
Sendo assim nada vai nos vencer
E novamente vou poder dizer
Que eu tenho por você um grande sentimento
Não vejo problema em esperar o casamento
A cena do hip-hop gospel no Brasil apresenta visual descolado” e prédicas ou
sermões em linguagem coloquial, mas as orientações têm contornos tradicionais quanto à
carência familiar, sexualidade e drogas. Desse modo, a despeito da existência de rappers que
fazem a apologia da sexualidade exacerbada, do machismo e do exibicionismo consumista, o
que se constitui em claros valores anticristãos, no universo gospel os cantores do hip hop não
desafiam os valores evangélicos predominantes. Antes, os afirmam.
O CD Heart in Motion (1991), com cinco milhões de cópias vendidas, da cantora
norte-americana Amy Grant, gerou controvérsias no meio evangélico devido à presença de
poucas canções com referências escriturísticas (bíblicas) diretas. Contudo, para a cantora, o
“álbum tratava de relacionamentos e foi lançado para comunicar-se com uma audiência mais
jovem” (B
IELEN
, 1999, 162).
A atração da juventude pela religião e pela música gospel parece estar na apropriação
de objetos e símbolos mundializados e na criação de alternativas cristianizadas de consumo de
cultura popular. No relato de uma experiência neopentecostal no Quênia, Damaris Parsitau
entende que a cultura gospel providencia espaços “onde a juventude afirma seu direito de ser
notada, ouvida e reconhecida como processadora de cultura, a despeito de nacionalismos”.
128
A música pop é de grande fascínio para as subculturas jovens. Adolescentes e jovens
acompanham seus artistas prediletos por meio de revistas, rádio, TV e internet, adotam o
estilo demarcador de vestuário, de linguajar e de linguagem corporal, formam comunidades
musicais de discussão sobre a música e o comportamento dos artistas e procuram participar de
shows ao vivo e freqüentar baladas, onde são valorizados seus rituais particulares de
128
Disponível em <www.usask.ca>. Acesso em 23 out. 2007.
159
expressão. “Em muitos níveis importantes, então, a música atua de forma semelhante à
religião, e as subculturas musicais funcionam como uma comunidade religiosa, embora de
uma maneira não-consciente e pós-moderna” (S
YLVAIN
, 2002, p. 4).
Rafael Silva, 21 anos, adepto da Igreja Bola de Neve, assegura que
as pessoas criam esse estereótipo de que ser cristão é ser chato. (...) A gente
pode tudo, tem a mesma liberdade que qualquer um. que fazemos
escolhas. E, na minha opinião, fazemos as melhores (entrevista à revista
Veja, 2008, p. 136).
Apesar dos ventos liberalizantes que sopram sobre os costumes e tendências jovens, o
teólogo Nicanor Lopes, da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), deixa entrever
que o fator entretenimento tem moldado as práticas dos novos pentecostais.
De um lado, as igrejas tradicionais deixaram de reprimir o ato de ver TV, ir à
praia, de usar maquiagem, cabelo curto e roupas da moda. De outro, os
pentecostais passaram a fazer de seus cultos verdadeiros shows de música e
dança, proporcionando-lhes um caráter de entretenimento. Isso atraiu muitos
jovens (idem, p. 137).
O contexto de interação midiático-religiosa tem contribuído para que o estilo de vida,
os eventos e as músicas da cultura gospel sejam um ponto de atração para jovens de distintas
classes sociais que tem encontrado nesse universo musical-religioso formas fundamentais de
expressão e comunicação.
Melinda Weekes questiona o pragmatismo absoluto atribuído aos novos evangélicos
ao analisar que a cultura gospel não recomenda a máxima de que “os fins justificam os
meios”, mas simplesmente apresenta novas músicas para novos tempos.
129
Tem-se evidenciado, de fato, uma extremada polarização de argumentos no campo da
música cristã e sua dinâmica de inovação. De um lado, o pensamento que subestima o
processo de hibridez que tem regido historicamente a elaboração da música cristã e que
idealiza um passado de pureza formal, e de outro lado, o argumento que superestima a
capacidade de sacralização de gêneros e performances seculares e que, ao deixar de
questionar o relativismo que nivela positivamente a totalidade dos objetos culturais, tem
abraçado acriticamente todo ponto de inovação.
O evangelismo juvenil por meio do entretenimento pop-religioso encontra ampla
aceitação devido a seu modelo que reconfigura ou refuncionaliza as práticas culturais de seu
tempo. O processo de pentecostalização ou carismatização da cultura pop (de festas à
programas de rádio e TV, da performance à indumentária, de todos publicitários à arranjos
129
Visualizado em <www.periodicos.capes.gov.br>. Acesso em 13 fev. 2008.
160
musicais) tem repercutido diretamente sobre as históricas distinções entre sacro e secular e,
ainda, tem modificado as atividades litúrgico-musicais das igrejas católicas e evangélicas.
O gospel providencia uma experiência religiosa que é a estrutura e o objetivo da
própria música e, também, provê novos padrões de atividades rituais coletivas. O
neopentecostalismo providencia a filosofia e a visão de mundo que dão sentido a essas
experiências ao passo que a cultura musical gospel formula alternativas religiosas para o
consumo do pop secular. É possível ressaltar, portanto, que a pentecostalização da música
pop, ainda que controversa, tem providenciado a música que os jovens querem com as letras
que os pais preferem.
As considerações finais a respeito da temática discutida ao longo dessa pesquisa
suscitaram a seguinte questão: o gospel “é” pop ou o gospel “está” pop?
Afirmar que o gospel “está” pop significa entender que esse estilo musical nem sempre
esteve alinhado às práticas musicais do pop, além de prognosticar que, no futuro, o gospel
pode não mais operar segundo a linguagem pop.
Por outro lado, a compreensão de que o gospel “é” pop resulta do reconhecimento de
que, desde os primeiros anos do século XX, os músicos introdutores do gospel nos Estados
Unidos procuraram justapor práticas musicais do circuito fonográfico secular à dinâmica de
inovação da música evangélica e, ainda, provém da observação de que o processo de inserção
e consolidação do gospel no Brasil não escapou à lógica da cultura das mídias pop.
A mimetização do pop não passa somente pela reprodução dos estilos musicais
populares e das performances vocais e cênicas de astros da música. A cultura pop representa,
também, o conjunto de peculiaridades que distinguem a celebridade midiática e os formatos
de divulgação de um objeto artístico.
A canção gospel, além de ter raízes fincadas na refuncionalização da música popular
massiva, é modelada pela tríplice característica do pop, conforme articulada por Simon Frith
(ver subcapítulo 3.2). No aspecto das convenções sonoras, os formatos musicais do gospel
nacional assemelham-se aos estilos pop das mídias, o que produz dificuldade de distinção
entre ambos. Em determinadas letras, a abdicação de termos da tradição cristã e a irreverência
do tratamento de temas indeterminam a origem da música. No âmbito das convenções de
performance, observa-se que o modo de cantar e a postura cênica do cantor evangélico
assimila performances vocais e gestuais de artistas pop seculares. Por fim, o aspecto sócio-
mercadológico do meio gospel admite os formatos publicitários de vendagem e os
mecanismos de construção social da fama propalados pelo mercado da música pop.
161
Não é implausível assegurar que o gospel “continua sendo” pop, considerando seu
surgimento no espaço urbano de confluência das diversas mídias e sua integração deliberada
aos símbolos e imagens do cenário pop, ainda que com o propósito de evangelizar.
Em um exercício de previsão, pode-se dizer que o pop continuará sendo uma tendência
econômico-cultural dominante e que o gospel dificilmente deixará de reproduzir os estilos
gestados na dia pop, considerando-se que a adoção desses estilos tem sido uma estratégia
favorável de atualização para conservar e atrair fiéis. Além disso, a abdicação do circuito pop
poderia decretar o declínio financeiro de gravadoras e conglomerados midiáticos evangélicos.
Assim como a cultura pop, a cultura gospel, mais que estilo artístico, é também um modo de
trabalho e produção.
4.3 Gospel no Brasil: discursos pré-modernos, modernos e pós-modernos
A proliferação de códigos midiáticos divulgados massivamente nas últimas décadas do
século XX impactou decisivamente os métodos de elaboração e publicidade da música
popular. Considerada um sinal da pós-modernidade, a disseminação globalizante dos
símbolos das mídias gerou redes de cruzamento cultural e processos de apropriação e
ressemantização de sons e imagens de acelerada inserção social.
O ideário artístico pós-moderno reflete a celebração da diferença, a exaltação das
imagens, a superficialidade e o simulacro, a negação de historicidade, a rejeição do
julgamento de gosto e do sentimentalismo. Além disso, o pastiche, a intertextualidade, a
autorreferencialidade, a paródia e a ironia são marcas da arte pós-moderna (M
ANUEL
, 1995, p.
229). Sob essa perspectiva, a música gospel parece não ter sido submetida às inovações e
mudanças, uma vez que as características relacionadas não são encontradas no repertório do
gospel nacional.
Mesmo o tom paródico aparente ou a valorização de identidades musicais locais
observadas no cenário da canção gospel nacional não podem ser relacionadas às propostas
pós-modernistas, visto que tal gosto pela paródia está mais para irreverência inconsequente do
que para exercício autoirônico e sua propalada celebração cultural do diferente esbarra nos
limites do pensamento social conservador.
Alguns autores têm enfatizado uma visão totalizadora e demasiado abarcante da pós-
modernidade, como se a teoria pós-modernista fosse uma espécie de “Toyota do pensamento:
162
produzido e montado em diversos locais diferentes e depois vendidos em toda parte”
(C
ONNOR
, 2000, p. 24). É necessário, porém, reconhecer que a pós-modernidade mobiliza a
interação com outras instâncias culturais, sendo a coexistência com ações pré-modernas e
atitudes modernistas um corolário, e não um apanágio, da cultura pós-moderna.
Enquanto os vídeos de David Byrne e Laurie Anderson chamavam a atenção para a
superficialidade e a instabilidade do suporte midiático (o videoclipe, a TV) e, também, assim
como o cinema de Quentin Tarantino (Pulp Fiction, Kill Bill) e Jean-Luc Godard (Acossado,
Pierrot le Fou) apresentava um elevado grau de associação com a multirrefencialidade, com a
intertextualidade e com discurso paródico e autoirônico, outros músicos e cineastas
reordenavam as influências pós-modernistas dentro de um arcabouço modernista e, até
mesmo, tradicional.
130
Os músicos pop não demonstram interesse em fazer de suas canções signos abstratos
ou bricolagens vanguardistas que somente fariam sentido para um nicho elitizado. Mas as
estratégias s-modernistas podem servir aos propósitos de inovação e reconfiguração de um
gênero musical. O vídeo saturado de imagens em preto-e-branco em alternância com o
colorido, a combinação de elementos originários de universos distintos (como a recriação de
cenários de épocas passadas mesclada com artefatos do tempo presente) ou mesmo a ironia
chic da Pop Art, são signos absorvidos pela indústria da música pop e reutilizados em um
contexto de orientação das demandas do mercado ou de adequação à fluidez desse mercado.
Formas de arte podem operar pela combinação do pós-moderno com formas
de significação (ou não-significação) moderna ou pré-moderna. De um lado,
a própria coexistência de tantos discursos em uma mesma obra de arte
implica a pós-modernidade como pré-condição subjacente; mas a estética
pós-moderna, embora inegavelmente importante, pode somar-se como
apenas uma parte da expressividade percebida em uma determinada obra de
arte (M
ANUEL
, 1995, p. 238).
As canções do hip hop são entendidas por Peter Manuel como uma legítima amostra
da confluência de instâncias culturais tradicionais, modernistas e pós-modernas. Os
videoclipes do rap norte-americano empregam recortes da estética pós-moderna em sua
130
Tanto cineastas renomados, como David Lynch e Lars von Trier, quanto pouco conhecidos diretores de filmes
de curta metragem de diversas partes do mundo costumam operar em chave pós-moderna, criando autênticos
quebra-cabeças estéticos. Alguns diretores do circuito hollywoodiano organizam cenas dessa ordem, mesmo que
em trabalhos mais convencionais: Ridley Scott, em Blade Runner (1982) e sua discussão do simulacro e
saturação de signos; Brian de Palma e as cenas de citações de filmes de Alfred Hitchcock (Dublê de Corpo) e
Sergei Eisenstein (Os Intocáveis); o pastiche visualizado na recriação do film noir no cinema contemporâneo e
também nas sessões de ficção e aventura das matinês dos anos 1930 na série Indiana Jones, de Steven Spielberg
e Star Wars, de Geroge Lucas. Para Frederic Jameson, o pastiche seria a paródia sem humor.
163
edição de imagens, mas se apresentam como modernistas em razão de “situar seus sujeitos
não em uma realidade sintética virtual, mas na geografia social específica do gueto” (idem, p.
233). As letras coloquiais de arrogância machista ou de insatisfação política e social
representam um discurso enraizado em discursos pré-modernos, não apenas devido aos
significados expressos nos temas abordados, mas manifesto em sua narrativa formal linear e
tradicional.
O hibridismo cultural pode ser visto como uma senha decodificadora para a análise da
canção popular em face dos processos de justaposição e aglutinação, de combinação e
colagem verificados nas práticas musicais. Na ótica de HeromVargas, “a canção popular, pelo
fato de estar vincada pela vivência nas ruas, no trabalho e nos rituais sociais, de pobres e
ricos, alfabetizados ou não, tende a receber elementos com facilidade e a sintetizá-los com
maior velocidade” (2007, p. 203).
A sica gospel é uma resultante histórica de combinações e recontextualizações de
formas cancionais organizadas para satisfazer as exigências espirituais e artísticas dos cristãos
de variadas épocas. A aproximação dessa música em relação aos formatos estilísticos da
música pop, no século XX, sinaliza para o entendimento da música cristã contemporânea
como um amálgama de discurso tradicionalista e estética moderna deflagrada na conjuntura
de globalização das mídias e religião individualizada inerente à cultura pós-moderna.
O estilo “louvor e adoração” de Aline Barros e do Ministério Diante do Trono
apresentam letras conservadoras de uma retórica pré-moderna, mas não por isso menos
eloqüente ou atrativa. A ausência de densidade teológica pode ser verificada tanto nas
produções dirigidas ao público infantil quanto nos trabalhos destinados aos jovens e adultos, o
que constitui uma orientação anti-intelectualista das tradições pré-modernas, no sentido de
estímulo à experiência sentimental e descarte da reflexão racional.
Nas canções do entretenimento santificado nos estilos do funk e do axé-pop, a rejeição
ao tradicionalismo lírico cristão pode ser visto como influência pós-moderna, o que, de certa
forma, é um processo intuitivo que decorre da cosmovisão pentecostal e carismática de
acelerada valorização da dança, da festividade, da descontração.
O rap gospel emprega a colagem do sampler e a citação autorreferente em semelhança
com seu correspondente secular. O discurso marcadamente politizado de denúncia social o
é encenado num cenário virtual, antes prefere fixar seu raio de ação nos locais urbanos da
periferia com suas ruas corrompidas, suas construções degradadas e seus jovens moradores
sem perspectivas de profissionalização formal.
164
Os videoclipes do grupo de hip hop Ao Cubo, apesar de distanciados da descontração
de letra e visual dos clipes de Adriano Gospel Funk ou do vídeo Batismo no Ônibus (de
Andréa Fontes), apresentam uma narrativa linear, sem questionamentos com a representação
da imagem ou preocupação com a noção de simulacro. Embora algumas canções do rap
neopentecostal tenham lançado críticas à sociedade do espetáculo, os artistas gospel são partes
da inescapável espetacularização pós-moderna que atinge o cerne das igrejas cristãs.
Entretanto, o rap e o funk em suas versões gospel têm alguns de seus conteúdos
marcados pela tradição, como a pregação de castidade (antes do casamento) e fidelidade
conjugal, enquanto as canções dos ministérios de louvor preconizam atitudes pré-modernas
nas letras que estimulam a oferta de fenômenos mágico-religiosos, como o milagre
instantâneo e a fala em línguas incompreensíveis.
A s-modernidade acentua o hibridismo cultural por meio da convivência de
identidades diversificadas, da intensa midiatização e da simultaneidade de estilos distintos, o
que leva a uma constante modificação da paisagem sonora urbana. Os novos imperativos
religiosos, que combinam estratégias modernas de mercado ao reprocessamento de preceitos
cristãos tradicionais, viabilizam a prática musical que integra novas tecnologias e velhos
conteúdos. Nesse cenário, cantores que se autodenominam sacerdotes e ao mesmo tempo
participam de tarde de autógrafos e promovem marcas e acessórios, crítica ao espetáculo
midiático em contraste com a espetacularização da religião observada nos eventos e nas
performances musicais e uma urgente oferta de salvação formulada com os todos da
diversão.
165
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao contrário de algumas previsões que anunciavam o surgimento de um mundo pós-
religioso ou pós-confessional, as sociedades humanas vivenciam, desde as últimas décadas do
século XX, um período de intensa reevangelização”, seja de caráter pentecostal, seja de
valorização das religiões de matriz africana, seja de disseminação do espiritualismo ou de
seitas relacionadas à Nova Era.
Não sinais, por enquanto, de uma retomada da religião no que diz respeito a um
monopólio institucional ou a uma capacidade de intervenção nas decisões políticas globais – à
exceção notória de partes da Ásia (Índia, Afeganistão, nações do Oriente Médio) em que a
instância religiosa oficial coordena ações políticas e comportamentos sociais e onde a
inserção de denominações religiosas de origem estrangeira enfrenta maiores barreiras.
A pós-modernidade apresenta-se como um cenário de continuidade, não de
ressurgimento, da religiosidade e da fé. A persistência do cristianismo na contemporaneidade
ocorre por meio da necessidade de atualização constante em um mundo em constante
inovação. Desse modo, o carismatismo católico e o neopentecostalismo agregam as mudanças
tecnológicas e elegem as mídias como campo privilegiado de circulação de mensagens
evangelizadoras, sendo a música gospel o vetor de aproximação em relação às estratégias de
publicidade e ao mercado de bens de consumo secular e cristão.
As igrejas evangélicas históricas ou tradicionais pouco escaparam ao avanço
pentecostal, vendo-se obrigadas a elaborar estratégias de manutenção da membresia e de
atração de novos conversos. Entre essas estratégias está a introdução da música de louvor e
adoração nos serviços litúrgicos, em que os hinos da tradição protestante perdem espaço para
as canções contemporâneas de grupos e cantores de orientação pentecostal. Embora em escala
bem inferior à expansão pentecostal, as igrejas protestantes tradicionais não deixam de
agregar novos fiéis. Isso ocorreria devido à rejeição dos novos conversos dirigidas a certas
práticas sensacionalistas pentecostais, devido à procura de satisfação de demandas espirituais
e não de cura sica ou de atendimento de necessidades básicas ou, ainda, devido à busca de
maior esclarecimento bíblico-doutrinário?
A relativização da autoridade institucional é tensionada pela crescente autonomia do
fiel, cuja independência se expressa na formulação de uma religiosidade própria organizada
de acordo com as ofertas de uma vitrine religiosa. A noção de um Deus acentuadamente
166
pessoal e imanente favorece a experiência intuitiva e o conhecimento sensorial como índices
da nova espiritualidade, a qual é estimulada por uma música que reverbera a visão pentecostal
de contato íntimo com a divindade por meio do êxtase glossolálico, do choro compulsivo e do
gestual simbólico.
As práticas musicais do neopentecostalismo nacional refletem a cosmovisão
pentecostal que preconiza um cristianismo menos impermeável às mudanças culturais e
formata um evangelismo mais pragmático e direcionado às jovens tribos urbanas e aos grupos
sociais marginalizados. Letras, músicas, arranjos, performances, comercialização do artefato
musical são todos elementos convergentes de comunicação dos novos valores da comunidade
evangélica e ressaltam sua visão de mundo.
A continuidade da dominante cristã tem sido marcada por alguns fatores cuja
conjunção contribui decisivamente para o nivelamento entre sagrado e profano na esfera
evangélica, como a sacralização de gêneros musicais pop, a ética de consumo, a inserção
pentecostal nas mídias e a renovação das atividades litúrgicas. Ao mesmo tempo, esses fatores
se descobrem como resultantes de um processo difuso de “dessacralização” de dogmas,
costumes e tradições religiosas.
A música gospel congrega gêneros musicais, como o funk, o rap, o forró e o axé-pop,
de forte capacidade animogênica e de acentuado vínculo com festas e diversões seculares.
Esses estilos são retirados do universo midiático secular e ressignificados nas práticas
musicais dos novos pentecostais, que os dotam de sentido religioso com a inserção de uma
nova letra e um propósito diferente.
A apropriação da canção popular não é um atributo particular do novo modo de ser
evangélico. Embora em conjunturas sócio-religioso-culturais bastante diferentes e com meios
de produção artística tradicionais, alguns modelos de apropriação/adequação litúrgica podem
ser encontrados no protestantismo resultante da Reforma e, também, nos cultos avivalistas
norte-americanos do século XIX. No século XXI, a ressemantização de estilos como o funk ou
o axé está inserida na tradição pentecostal de mínima preocupação com a origem de um estilo
musical e de máxima elaboração de canções que denotam similaridade em muitos aspectos
musicais e extramusicais que marcam o repertório pop.
Além disso, cresce a quantidade de eventos, como festas, baladas e cristotecas, em que
os estilos musicais dançantes são tocados ao vivo, ou eletronicamente por um DJ gospel, ao
passo que a postura no palco e o figurino customizado de artistas seculares são reproduzidos
no gestual teatralizado e no visual de diversos artistas neopentecostais, os quais, também,
recebem tratamento de estrelas pop por parte dos fãs evangélicos.
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O consumo de CDs e DVDs é estimulado na medida em que se aumenta a expectativa
do público por meio da divulgação do sucesso de um cantor gospel e, ainda, por meio do
surgimento da figura do garoto-propaganda gospel. Ao anunciar artigos musicais ou roupas e
acessórios, o artista evangélico, visto pelos fiéis como portador da unção divina, passa a ser
visto como símbolo de marcas de bens e serviços.
A construção da identidade gospel está na agenda de visibilidade social do
neopentecostalismo, sendo os empreendimentos comerciais evangélicos um vetor de elevação
da autoestima dos fiéis, que veem sua confissão religiosa adquirindo respeitabilidade, apesar
da existência de denúncias de corrupção de alguns líderes evangélicos.
Não se pode, sem os riscos de desumanizar as pessoas que consomem os diversos
produtos religiosos e de se esgueirar pelo território do senso comum, atribuir ao consumo
evangélico um caráter estritamente negativo. As produções da indústria fonográfica gospel
apontam rumos musicais para o louvor pentecostal e contribuem para as experiências de
adoração dos fiéis, enquanto a oferta de espaços seguros de entretenimento e lazer é
considerada pelos frequentadores como uma oportunidade tanto de diversão sadia quanto de
afirmação coletiva da identidade evangélica.
A aquisição de um grande número de redes de comunicação midiática auxilia na
disseminação da cultura gospel e na organização de megaeventos, nos quais a música é o fator
dominante de atração, o espetáculo religioso atende requisitos de profissionalização e o
caráter supradenominacional supera as diferenças de interpretação bíblica entre as igrejas.
O esforço de conferir sentido aos conteúdos cristãos tradicionais para as novas
gerações exige o remodelar das práticas musicais, o que, dentro da cultura gospel, assinala a
mimetização de eventos seculares e aciona a assimilação de estilos musicais populares em
voga nas mídias.
Observa-se, então, que o nivelamento entre sagrado e profano procede do sentido de
missão evangelística de propagação do ideário cristão. O comando missiológico de levar o
evangelho a todo o mundo” funciona como justificativa para a apropriação de ritmos e
melodias pop, sendo a juventude o alvo privilegiado de artistas e gravadoras. Por um lado,
acolhe-se a renovação musical como produtora de relevância dos conteúdos cristãos para as
secularizadas faixas juvenis, e de outro lado, censura-se o utilitarismo neopentecostal, cujo
valor da forma comunicacional (a música pop e suas convenções de performance) é
determinado pelos fins que almeja (a conversão).
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Enquanto a música pop-religiosa encontra-se consolidada na cultura gospel, há críticos
que argumentam que a dimensão da canção pop com letra religiosa contribui para o
enfraquecimento das distinções entre os domínios do sagrado e do secular.
Os músicos do universo gospel representam essa contradição aparente, posto que a
consideração de que a letra/mensagem é capaz de sacralizar o estilo musical pop tem em
contrapartida o argumento de que a mensagem pode estar sendo dessacralizada pelo estilo,
comprometendo, assim, a pertinência e o sentido da mensagem original.
Entende-se que a refuncionalização integral de um dado repertório passa pela
necessidade de atender a novas exigências estéticas e a antigas demandas espirituais dos
evangélicos contemporâneos, mas também deveria orientar o cancionista cristão em suas
escolhas artísticas e teológicas, incluindo sua performance vocal e gestual, sua produção de
melodias e arranjos, sua capacidade de lidar com temáticas de alta reflexividade sem incorrer
em equívocos hermenêuticos e vulgarizações homiléticas, seu autodistanciamento de atitudes
de popstar e seu posicionamento crítico quanto à espetacularização da música gospel e da
religião.
A ética da refuncionalização da música pop é definida pela cosmovisão pentecostal
que articula, também, os modos de conduta e os novos comportamentos e ações dos
evangélicos.
Verificou-se, entretanto, no cerne da cultura gospel neopentecostal, a adoção de estilos
musicais, de matriz nacionalista ou globalizados, em interação com o marketing de artistas
evangélicos, e também com a promoção de festas e de espaços de confluência jovem e com a
criação de prêmios para os mais bem-sucedidos, evidenciando-se uma fusão da estrutura
midiática com a aura religiosa.
A configuração da indústria fonográfica gospel brasileira ressalta a sistematização da
competitividade e da busca de meios, muitas vezes sensacionalistas, de divulgação de
editoras, gravadoras, programações de rádio e televisão, produção de DVDs, comercialização
de objetos musicais e circulação de novos artistas.
Alguns dos compositores relacionados nos capítulos dessa pesquisa têm se deixado
orientar por uma teologia de superfície que evita o adensamento de temas religiosos nas suas
letras. O emprego de gírias e de jargões identificados com subculturas urbanas jovens servem
aos propósitos de facilitar a comunicação com um determinado público e dar relevância a
conteúdos tradicionais do cristianismo. Esse processo, também, resulta em superficialidade
hermenêutica, em distorções de conteúdos doutrinários e em subtração da solenidade e da
reverência em prol da festividade e da descontração.
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determinados aspectos da sica gospel que são indicadores dos conteúdos
teológicos que caracterizam a cosmovisão pentecostal ao mesmo tempo em que expressam
uma integração ao universo pop:
a) A similaridade da canção pop-religiosa quanto ao percurso melódico,
quanto à performance vocal e gestual e quanto à instrumentação do arranjo,
em suma, a semelhança do pop-gospel em relação à música popular das
mídias. A indumentária e o gingado da cultura hip hop, os jargões do funk
carioca, o visual dos roqueiros e as coreografias do axé-pop são modos de
conduta também assimilados, em maior ou menor grau, por compositores e
cantores evangélicos pentecostais e católicos carismáticos;
b) A consolidação da fórmula entretenimento-evangelismo, ou diversão e
salvação, advém da oferta de espaços e períodos de lazer e descontração em
logradouros públicos ou em auditórios virtuais de programas de televisão ao
som de artistas gospel. Em locais fechados, disponibiliza-se mais uma
função para a música cristã: servir como fundo musical para refeições em
restaurantes, para conversas informais em um barzinho (pub), para a busca
de relacionamentos amorosos.
c) O evangelismo dirigido especialmente às faixas etárias juvenis apropria-se
da estética musical com a qual os jovens estão familiarizados. As
sonoridades que marcam a música pop e a linguagem repleta de expressões
idiomáticas empregadas por adolescentes e jovens são itens adicionados à
promoção de programações e eventos em que se procura conservar a
fidelidade desse público à igreja e atrair os jovens não-convertidos.
d) O estilo congregacional dos ministérios de louvor e adoração revelou-se
capaz de incentivar uma participação mais ativa dos fiéis. Nota-se uma
repetição dos moldes de canto e ministração de sucesso do Ministério de
Louvor Diante do Trono, em que acentuado estímulo ao êxtase
pentecostal.
Originário dos ministérios musicais norte-americanos (Marcos Witt para a
comunidade hispânica nos EUA –, Paul Baloche, Don Moen) e australianos (Ministério
Hillsong), o estilo louvor e adoração aportou no Brasil, na década 1990-2000, com ampla
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aceitação por parte das congregações evangélicas e com plena assimilação da estética musical
e das temáticas centrais.
Essa assimilação é identificada nas versões em português das canções estrangeiras, na
indefectível gravação “ao vivo” das apresentações, na participação emocionada do público, na
presença de um vocalista-líder carismático, na prolongada duração das músicas, no tempo
concedido a longos momentos de intercessão improvisada e contrita, na produção conjugada
de CDs e DVDs, na organização de encontros nacionais e internacionais na área do louvor e
adoração, nas letras com reiteração ostensiva dos temas do milagre, da cura, da prosperidade,
da intimidade com a divindade descrita de forma romântico-passional, da realeza divina.
A ascenção musical e religiosa do Ministério de Louvor Diante do Trono, que se
tornou referência para o surgimento de uma grande quantidade de grupos de louvor nas
igrejas, ressalta as temáticas preferenciais do gênero e os modos de performance pentecostal
durante as apresentações. O fenomenal sucesso do gênero louvor e adoração teve repercussões
sobre a carreira de Aline Barros, cuja trajetória tomou novos rumos a partir dos álbuns
gravados ao vivo nesse estilo. Sua discografia denota o ensejo de comunicar-se com diversos
públicos: produções voltadas para crianças (incluindo bebês), pop/rock para as faixas juvenis
e adolescentes, álbuns lançados para o mercado gospel hispânico e “louvor e adoração” para
todos.
No decorrer da escuta das produções musicais que essa pesquisa exigiu, observou-se a
diversidade formal e a densidade expressiva na abordagem dos conteúdos cristãos. O funk e o
axé-pop gospel acionam dispositivos referenciais dos seus equivalentes musicais seculares,
como a dança e a menor preocupação com a densidade da letra, o que pode ser tomado como
base de uma religiosidade de estímulo ao entretenimento e à corporalidade. Com o intuito de
comunicar claramente as mensagens do evangelho, os cantores e compositores que vertem
aqueles gêneros para as igrejas pentecostais parecem estar incorrendo em vulgarização das
doutrinas cristãs.
O rap gospel, a despeito da marginalização a que os círculos elitizados religiosos e
seculares ainda lhe relega, reflete a interação entre a cultura politizada do hip hop e a cultura
de nova moralidade da religião. Sem, no entanto, desconsiderar sua contribuição à
espetacularização da religião e sua adesão às fórmulas pop de entretenimento juvenil, o hip
hop gospel, do figurino ao canto falado, passando pelas bases tmicas e harmônicas, confere
às performances visuais, gestuais e vocais um sentido de missão que conjuga o esclarecimento
político e a noção de santidade pentecostal.
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O movimento do pentecostalismo renovado tem um equivalente nas modificações
religiosas e culturais admitidas pelo carismatismo católico. As formas de reunião de multidões
em estádios, ginásios e logradouros públicos, a vedetização das figuras do artista-levita e do
padre-cantor, a representação simbólica do milagre religioso, a recontextualização do
repertório pop, a midiatização do conteúdo doutrinário e a busca de projeção social estão entre
os caracteres semelhantes que identificam os mecanismos de evangelização de
neopentecostais e carismáticos.
Observa-se, então, que a via da música cristã no Brasil não é de mão única. Um olhar
muito distanciado não permitirá a visualização do cenário de multidiferenciação da música
evangélica, pentecostal e católica que envolve situações de continuidade e de ruptura geradas
no âmbito das atividades sacro-musicais.
Enquanto a renovação musical cristã acentua o caráter de continuidade no tocante aos
modos de apropriação da canção popular massiva, por outro lado, a renovação gospel sinaliza
para uma ruptura em relação aos tradicionais modelos institucionais e doutrinários.
A defesa intransigente da chamada revolução gospel” tem acarretado o aparecimento
de novas zonas de segregação e autonomia. Segregação em face do isolamento dado às
músicas que perfazem a trajetória da hinódia cristã, o que traduz tanto o senso de não pertença
ao passado quanto o sentido de presente perpétuo mobilizados dentro da cultura pós-moderna;
e autonomia verificável no apego exacerbado a nova e excludente tradição surgida na
dinâmica do gospel contemporâneo, ou seja, apenas os mecanismos e estratégias da cultura
gospel são admitidos como satisfatórios para as demandas espirituais dos evangélicos e como
instrumentos indispensáveis de evangelização da juventude.
Desse modo, ao mesmo tempo em que atua como um agente de continuidade dos
mecanismos de apropriação musical pentecostal, o gospel assinala um processo de ruptura
institucional e adota a inovação cancional como ferramenta de funcionalidade evangelística.
Considera-se que a noção de apropriação possibilitou o entendimento da ão de
recontextualização do repertório acionada pelos cancionistas gospel. Nesse processo, os
estilos musicais de circulação midiática, nacionais ou transnacionais, recebem um sentido e
uma função diferentes do contexto de origem, em um cenário de bricolagem religiosa que
estrutura a ressignificação e a refuncionalização do objeto musical.
O gospel pavimentou sua trajetória com a transladação do secular para os veis do
sagrado. Se uma estética da sica gospel, seria esta: a hibridação de suas formas
musicais, uma apropriação de elementos considerados mundanos refuncionalizados para a
esfera da igreja.
172
Diferentemente do reprocessamento dos estilos musicais populares dos cancionistas
protestantes das denominações histórico-tradicionais, que ocorre em meio a conflitos e
negociações, obviamente, mas em grau inferior de velocidade de assimilação, a
refuncionalização da música pop no campo neopentecostal tem se caracterizado por um
acelerado e industrial processo de assimilação estratégica.
Essa rapidez tem permitido pouco espaço para questionamentos e autocríticas, haja
vista que a intenção espiritual dos músicos gospel é vista como argumento suficiente para
validar seus procedimentos composicionais e performáticos. Desse modo, permanece o
impasse: como questionar as ações e comportamentos de uma indústria religiosa se apenas as
intenções subjetivas do coração podem ser consideradas?
Os sons e imagens do pop pentecostal não trafegam nas linhas artísticas pós-modernas
de intertextualidade, autorreferencialidade, recusa do juízo de valor e ausência de
sentimentalismo. Sua interação com a cultura da pós-modernidade incide em duas
proposições: na midiatização da mensagem religiosa, o que é necessário para os propósitos de
divulgação dos conteúdos cristãos, e na coexistência de elementos pré-modernos e modernos
agregados pela totalidade da cultura pós-moderna (embora esta segunda proposição mereça
uma reflexão mais cautelosa).
Na pós-modernidade, a maior autonomia do indivíduo e a distensão emocional são
marcas da religiosidade, o que resulta em liberdade de seleção de referências musicais para o
sujeito (cantor/compositor/produtor), e o que, ainda, efetiva a flexibilização do culto, que
passa a conter ingredientes relacionados ao espetáculo pop e a promover a transformação da
congregação em platéia.
As temáticas doutrinárias são perpassadas pela interpretação individualizada, em que a
pese a asseguração de valores cuja origem remonta à pré-modernidade, como a virgindade
sexual antes do casamento, as metáforas bíblicas do Noivo e da Noiva, o reprocessamento da
realeza divina segundo a visão hebraica e o dom de línguas ou glossolalia. Fatores como a
supervalorização da intuição, o estímulo à catarse coletiva, a compreensão anti-intelectualista
dos dogmas bíblicos e o “reencantamento” do cristianismo por meio de rituais mágico-
religiosos que prescrevem a cura e a prosperidade como sinais da unção divina o índices de
uma religião pós-moderna de matriz cristã, o pentecostalismo.
A música gospel não pode ser analisada através das lentes de uma musicologia que
proscreve o componente cosmovisão na conformação de um estilo ou que indefere os estudos
culturais enquanto metodologia de avaliação da construção social das preferências musicais.
As canções cristãs, assim como as canções pop, submetem-se a usos e referências múltiplas,
173
de ordem pessoal ou coletiva, o que torna necessário novos estudos sobre a refuncionalização
dos gêneros midiático-populares pelos músicos protestantes, católicos ou pentecostais. Além
disso, exames mais acurados dos processos de apropriação e recontextualização poderão fazer
novas leituras sobre a recepção musical dos evangélicos.
A pentecostalização da cultura pop, a ética do sucesso legitimada pela figura do
artista-adorador e a busca da religiosidade individualista são artigos que prefiguram as
propostas da renovação musical evangélica em um processo que acompanha a mundialização
do pentecostalismo, a globalização da lógica de mercado e o pluralismo confessional da
sociedade pós-moderna.
Conclui-se que o envolvimento dos neopentecostais com a indústria musical tem
remodelado as tradicionais distinções entre sacro e profano. Embora alguns analistas tenham
identificado um caráter mercantil na oferta de bens religiosos de consumo e um processo de
mercadorificação “profana” da religião, e tenham observado, também, a vulgarização do
sagrado e a consequente perda da aura da canção religiosa, para os cantores gospel e os fiéis
tais fatores constituem-se estratégia de evangelização massiva e resultado da benção divina.
Se o gospel é pop, deve-se à interação bem-sucedida entre religião e indústria musical,
interação esta que confere legitimação religiosa para a conduta publicitária de difusão dos
produtos, para a visibilidade social da identidade pentecostal e para o sentido de missão
evangelística por meio da música.
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ANEXO A
CD Tempero do Mundo Os Saqueadores (rap gospel)
(Ao centro, em pé, o senador Magno Malta) (www.rapnacional.com.br)
Panfleto do 1º Black Mix Gospel
CD Coração de Louvor – Sula Miranda CD Eu Amo Te Amar - Marcelo Aguiar
183
CD O Início – Priscilla Alcântara CD Quero me Apaixonar – Diante do Trono
Grupo Os Arrebatados
(site www.mkmusic.com.br)
Cassiane em “Tarde de Autógrafos” (Comemoração 25 anos de carreira)
(site www.mkmusic.com.br)
184
Xuxa e Aline Barros Aline Barros em Rio Claro (figurino Triton)
(www.evirt.com.br) (www.alinebarros.com.br)
David Quinlan (www.fogoegloria.com.br)
Convite do 2º Festival Gospel em Israel (www.comunidadebrasilisrael.com.br)
185
CD Entre o Desespero e a Esperança - CD Música de Guerra – Pregador Luo
Ao Cubo
Ana Paula Valadão CD Por Amor de Ti, Brasil CD A Chave - Pamela
(www.diantedotrono.com.br)
Carla Perez no bloco Algodão Doce (fev. 2008) Padre Fábio de Mello
(www.terra.com.br) (www.veja.com.br)
186
ANEXO B - Produções de Aline Barros
CD Aline Barros para Bebês DVD Aline Barros e Cia CD Aline Barros e Cia 2
CD O Poder do Teu Amor DVD Karaokê CD Som de Adoradores
Aline Barros e Cia
CD Aline (em espanhol) Livro Reflexões de Paz CD Duetos com Aline Barros
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