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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
DIÁRIOS DE GUERRA: MEMÓRIAS E TESTEMUNHOS DOS
SOLDADOS BRASILEIROS QUE COMBATERAM NA ITÁLIA
DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL (1944-1945)
Florianópolis
2009
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CARMEN LÚCIA RIGONI
DIÁRIOS DE GUERRA: MEMÓRIAS E TESTEMUNHOS DOS
SOLDADOS BRASILEIROS QUE COMBATERAM NA ITÁLIA
DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL (1944-1945)
Tese apresentada como requisito parcial à
obtenção do título de Doutor em História, Linha
de Pesquisa Jogos de Linguagens, Cultura e
Poder pela Universidade Federal de Santa
Catarina.
Orientadora: Profª. Drª. Cynthia Machado
Campos
Florianópolis
2009
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TERMO DE APROVAÇÃO
CARMEN LÚCIA RIGONI
DIÁRIOS DE GUERRA: MEMÓRIAS E TESTEMUNHOS DOS
SOLDADOS BRASILEIROS QUE COMBATERAM NA ITÁLIA
DURANTE A 2ª GUERRA MUNDIAL (1944-1945)
Tese aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor no
Curso de Pós-Graduação em História, Linha de Pesquisa Jogos de Linguagens,
Cultura e Poder pela Universidade Federal de Santa Catarina, pela seguinte banca
examinadora:
Orientadora: Profª Drª Cynthia Machado Campos
Departamento de História, UFSC
Profª Drª Maria Aparecida de Aquino
Departamento de História, USP
Profª Drª Marlene de Fáveri
Departamento de História, UDESC
Prof. Dr. Antônio Manoel Elíbio
Departamento de História, UNISUL
Profª Drª Karla Leonora Dahse Nunes
Departamento de História, UNISUL
Suplentes: Profª Drª Cristina Scheibe Wolff
Departamento de História, UFSC
Prof. Dr. Marcos Monysuma
Departamento de História, UFSC
Aos combatentes da FEB, um dia jovens recrutas, que, movidos pelo amor
incondicional à pátria brasileira, atenderam ao chamado da guerra. Embarcaram nos
Escalões, cruzaram os mares e foram para a Itália lutar pelas liberdades. Lá,
permaneceram nos acampamentos e atenderam à população italiana em suas
necessidades. De tropa de reserva, foram alçados contra um inimigo preparado e
experiente, mas no bom combate se tornaram combatentes. Trouxeram consigo
lembranças, para todo o sempre, dos clarões dos bombardeios, do barulho
ensurdecedor que as palavras não explicam. Passaram por jornadas desgastantes
no frio, na chuva e na lama. Atônitos, perderam não só os companheiros que ficaram
em Pistóia, mas também parte da juventude alegre e descompromissada.
Sacrificaram-se, mas tornaram-se testemunhos vivos do cenário quase inenarrável.
Com suas memórias e testemunhos, conseguiram compor uma parte da história
brasileira. Histórias de vida, de soldados, que ainda tocam os corações de italianos e
brasileiros.
AGRADECIMENTOS
BRASIL
A Arlindo Rigoni, meu esposo, pela ajuda e incentivo, proporcionando, no
convívio diário, a mesma paixão pelo tema, que rendeu, no processo todo,
discussões e reflexões maravilhosas. Não esquecerei.
A Luiz Pirolo, meu genro, a Luciana Tereza e a Eder Mauricio, meus filhos,
pela compreensão nos momentos da minha ausência, quando a pesquisa exigiu
dedicação exclusiva.
À profª Drª Cynthia Machado, pela orientação segura durante todo o processo
de investigação nesta pesquisa. Momentos de fragilidade que venci com a sua
ajuda.
Aos professores do Departamento de s-Graduação em História da
Universidade Federal de Santa Catarina, fontes seguras nos aportes e
incentivadores da livre produção textual.
Aos amigos do curso de Pós-Graduação em História, seleção 2005, muitos
mestres e doutores, buscando caminhos para a realização de seus desafios.
À profª Drª Marlene de Fáveri, com a sua obra Memórias de Outra Guerra,
fonte inspiradora do meu trabalho. O olhar sensível apontando caminhos.
À profª Drª Maria Auxiliadora Schmidt, da Universidade Federal do Paraná,
pela oportunidade de fazer parte do seu grupo de estudos e conhecer as reflexões
do historiador alemão Jör Rüsen.
À profª Drª Maria Aparecida Aquino, do Programa de Pós Graduação em
História da USP, pelo incentivo dado em relação à pesquisa sobre a FEB, no ano de
2005.
A Virginia Leite, tenente enfermeira da FEB, pelo apoio incondicional,
ajudando a organizar documentos, fazendo contatos, narrando suas histórias e
lembrando das enfermeiras brasileiras que atuaram na guerra.
À Academia Brasileira de Ciências da Educação, pelo apoio da Diretoria e aos
meus alunos dos cursos de pós-graduação - a quem tento mostrar o caminho das
pedras -, pelo carinho, compreensão.
Aos amigos do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, sempre bons
‘ouvidos’ a escutar as minhas histórias, onde a cada dia faço mais admiradores da
FEB.
À Direção Central da Associação Nacional dos Veteranos da FEB do Rio de
Janeiro, amigos e combatentes pelo carinho e confiança depositada no presente
escrito. Ao coronel da FEB, Osnelli Marttinelli (in memorian), homem de discurso
forte, quando disse, em 2007, não me conhecer, mas acreditar no meu trabalho.
À Legião Paranaense do Expedicionário, pela oportunidade de pesquisa e,
em especial, às pessoas: do general Ítalo Conti, que detém o bastão da FEB, em
Curitiba, dos soldados Geraldino Werner, Aristides Saldanha Vergés, João Trella,
Francisco Raabe e Laertes de Abreu, pelo carinho e incentivo dado em todas as
ocasiões.
Ao amigo combatente capitão Alfredo Klas, que, corajosamente, expõe os
fatos polêmicos ocorridos na sua companhia do 1º batalhão do 11º R.I., durante os
ataques ao Monte Castelo, nos episódios de Guanella e Abetaia, refutando algumas
‘verdades’ e imaginários introjetados na História, buscando uma aproximação dos
fatos. Argumentos admiráveis.
Aos amigos combatentes da Associação dos Ex-combatentes do Brasil, seção
de São Paulo, que sempre mantiveram as portas abertas aos pesquisadores e
admiradores da FEB.
À Associação dos Veteranos da FEB de Belo Horizonte, a nos mostrar que a
organização e a união fazem a força.
À Associação de Veteranos da FEB de São João Del Rey, com a memória do
11º R.I., sempre prontos a disponibilizar documentos.
Aos combatentes de Juiz de Fora, de Petrópolis, de Florianópolis e de
Brasília, sempre dispostos a colaborar com a pesquisa.
Aos filhos e familiares de combatentes, sempre dispostos a descobrir
histórias, tentando demarcar um tempo. Ao Edson Hipólito Jr. e a Nair Schmidt.
A Joaquim Caravelas, jovem jornalista e pesquisador da FEB, pelo incentivo.
ITÁLIA
Ao Instituto da História da Resistência de Bolonha e de Parma, aos
combatentes italianos que um dia combateram ao lado dos brasileiros.
Às ‘comunes’ de Gaggio Montano, Montese, Porreta Terme e Vergato que, no
período de 2003 a 2005, disponibilizaram seus arquivos e bibliotecas especializadas
ajudando no construto da presente pesquisa.
A Fabio Gualandi, memória viva do tempo dos nossos soldados, que, nos
arredores de Monte Castelo e Montese, me guiou pelos caminhos dos pracinhas na
Itália e, a cada marco, chorou comigo.
A Anna Gualandi, pela paciência de atender aos que chegam do Brasil.
A Francesco Berti, da brigada Giustizia e Libertà, proprietário da Casa
Guanella, marco histórico para brasileiros e italianos, em cujos jardins conflitos
aguerridos aconteceram, defronte ao Monte Castello. A doação de livros e
documentos que tratam da participação da FEB foram importantíssimos a este
trabalho.
A Giancarlo Maccianteli, que, jovem na guerra, vivenciou episódios marcantes
com os soldados brasileiros. Em Bolonha, no ano de 2005, colaborou na escolha
exaustiva de documentos para a atual pesquisa.
Ao Dr. Ezio Trotta, pesquisador da comune de Tolé. Quando das
investigações sobre os soldados do Exército Americano, produziu escritos
inéditos que muito ajudaram a entender as relações entre brasileiros e italianos.
A Giovanni Sulla, em Montese. Jovem que não viu a guerra, mas apaixonou-
se pelo que lhe contaram.
A Roberto Venturi, de Porreta Terme. Italiano que combateu ao lado dos
brasileiros e que, com suas histórias, narrou a sua passagem pela FEB, guarda até
hoje a fotografia que documentou o momento.
A Caterina Bruni. Um dia, jovem italiana, vivenciou o episódio dos 17 de
Abetaia, quando, com um grupo de retirantes, em fevereiro de 1945, passou ao lado
dos corpos dos soldados brasileiros. Jamais esqueceu.
A Clara Castelli, de Gaba. Quando do nosso encontro em Bolonha, fez
questão de mostrar o período em que sua família conviveu com os soldados
brasileiros.
A Maria Marchi, sobrinha do pároco de Gaggio Montano. No longínquo 1945,
quando do seu relato, nos mostrou a religiosidade que moveu os brasileiros na
guerra.
A Margareth Cecchelli e Adelfo Cecchelli, editores do Gente di Gaggio,
quando abriram espaços nesse boletim semestral, para publicações dos artigos
sobre a FEB.
À biblioteca de Gaggio Montano pela disponibilidade de consulta nas duas
ocasiões em que precisamos: 2003 e 2005.
Ao prof. Dr. Ivo Mattozi, da Universidade de Bolonha, pesquisador da
transposição didática dos eventos históricos. Quando de um seminário na UFPR, em
2007, disponibilizou textos significativos que ajudaram a refletir sobre as nuances da
memória.
Neste lugar,
hoje, onde o verde vale nos faz perder o respiro.
E por ele corta o rio Taro,
renova-se o olhar.
Um dia...
Brigadas partigianas e
Soldados Brasileiros das Forças Aliadas,
na união de intentos,
levaram à rendição
imensas forças nazi-fascistas
nos últimos dias de Abril de 1945
da libertação.
Placa existente na entrada da cidade de Fornovo di Taro (Itália).
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 16
1 RECONSTRUINDO O PASSADO: A MEMÓRIA QUE CONSTRÓI O TEXTO, O
BRASIL VAI À GUERRA .......................................................................................... 47
1.1 DIÁRIOS DE GUERRA: FONTES RELEVANTES NA RECONSTRUÇÃO
HISTÓRICA DA FEB ................................................................................................. 47
1.2 A GUERRA PRECEDE O ESTADO UMA VISÃO SOBRE A GUERRA
MUNDIAL .................................................................................................................. 59
1.3 A ERA VARGAS, PERSPECTIVAS DE UM TEMPO EM QUE O BRASIL VAI À
GUERRA ................................................................................................................... 63
1.4 O PERÍODO QUE ANTECEDEU AO GOLPE DE 1937 ...................................... 72
1.5 O GOLPE DO ESTADO NOVO E SUAS DIRETRIZES ...................................... 84
2 OS INTELECTUAIS, CULTURA E EDUCAÇÃO NO ESTADO NOVO ................ 96
2.1 A GÊNESE DO DISCURSO DOS VETERANOS DA FEB - OS INTELECTUAIS
NO ESTADO NOVO .................................................................................................. 96
2.2 O DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA (DIP) ÓRGÃO MÁXIMO
E EDUCADOR DO REGIME LEGITIMANDO O PODER DE VARGAS .................. 103
2.3 AS REPERCUSSÕES DE UM NOVO IDEÁRIO, A BRASILIDADE, OS
INTELECTUAIS E O PODER .................................................................................. 110
2.4 O PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO NO ESTADO NOVO..................................... 127
2.4.1 Segurança Nacional, Militarização, Educação de Jovens. ............................. 129
2.4.2 Nacionalizar o Ensino, Educar o Povo como Metas Principais ...................... 136
3 A FEB PARTE PARA A GUERRA: LEMBRANÇAS DA PARTIDA .................... 149
3.1 POVO LABORIOSO E PACÍFICO, MAS PRONTO A REAGIR CONTRA
QUALQUER AGRESSÃO ....................................................................................... 149
3.2 ALIANÇAS E INCERTEZAS: O BRASIL PREPARA A FORÇA
EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA ............................................................................ 158
3.3 OS BRASILEIROS VÃO À GUERRA, MAS ONDE É A LUTA? ........................ 164
3.4 A SELEÇÃO DOS HOMENS DA FEB: AS DIFICULDADES DAS JUNTAS
MÉDICAS ................................................................................................................ 173
3.5 SOLDADO CONVOCADO OU VOLUNTÁRIO PARA A FEB, TEU DESTINO É O
QUARTEL ............................................................................................................... 181
3.6 A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA UMA AGÊNCIA A SERVIÇO DO
SOLDADO BRASILEIRO ........................................................................................ 196
3.7 O EMBARQUE RUMO À ITÁLIA DESAFIANDO OS SUBMARINOS DE
HITLER ................................................................................................................... 204
3.8 OS CAMINHOS DE UM PRACINHA: A PARTIDA ............................................ 208
3.9 COBRAS FUMANDO: O BRASIL ESTÁ PRESENTE ....................................... 218
3.9.1 Nápoles Destruída: a primeira visão da guerra para os soldados brasileiros . 229
4 OS DIAS DA LINHA GÓTICA: CRONOLOGIA DOS DIÁRIOS SOBRE OS
EVENTOS NO ULTIMO FRONT DE GUERRA NA ITÁLIA .................................... 236
4.1 A SOCIEDADE NA GUERRA: AS TRAGÉDIAS QUE APROXIMARAM
ITALIANOS E BRASILEIROS ................................................................................. 236
4.2 OS AVANÇOS DO PRIMEIRO ESCALÃO EM TERRAS ITALIANAS: A GUERRA
CONTADA PELA IMPRENSA OFICIAL .................................................................. 244
4.3 CHEGAM À ITÁLIA O SEGUNDO E O TERCEIRO ESCALÕES DA FEB: A
VISÃO DA IMPRENSA BRASILEIRA ...................................................................... 251
4.4 AS MANOBRAS DO R.I. NO VALE DO SERCCHIO: O BRASIL ESTÁ
PRESENTE ............................................................................................................. 266
4.4.1 O revés de Somacolonia ou o desastre anunciado que a imprensa não
noticiou .................................................................................................................... 278
4.5 O BRASIL ESTÁ PRESENTE NO FRONT: POPULAÇÃO E CIDADES, AS
PRIMEIRAS IMPRESSÕES .................................................................................... 289
4.6 OS ACAMPAMENTOS NA ITÁLIA, AGNARO, TARQUINIA, VADA E SAN
ROSSORE: ESPAÇOS DE SOLIEDARIEDADE ..................................................... 297
4.6.1 Dia de soldado: vida social, bailinhos, amores e casamentos ........................ 310
4.6.2 As Vilas: as famílias e a figura da mamma, laços de amizade que se
fortificaram............................................................................................................... 328
4.6.3 O pracinha velho de guerra enfrenta a neve .................................................. 339
4.6.4 Na linha de frente: o primeiro natal na guerra ................................................ 345
5 DEMARCANDO AS LEMBRANÇAS ................................................................... 363
5.1 A GUERRA DAS PATRULHAS: COM OS NERVOS À FLOR DA PELE .......... 363
5.1.1 A legendária figura do patrulheiro Max Wolff Filho ......................................... 374
5.2 BATALHAS DE VIDA E MORTE: O SIGNIFICADO PARA A FEB DA TOMADA
DE MONTE CASTELLO E MONTESE .................................................................... 384
5.2.1 Casa Guanella: quando correr após fogo pesado não significa covardia ....... 395
5.2.2 Abetaia é nome feio: quando os mortos ficaram insepultos ........................... 406
5.2.3 O dia em que o Castello caiu ......................................................................... 416
5.2.4 Montese: o último reduto alemão na Itália. Desafio aos brasileiros ................ 430
5.2.5 Anjos de branco: médicos, enfermeiros e padioleiros salvando vidas na
guerra ...................................................................................................................... 460
5.3 HISTÓRIAS REUNIDAS: O FIM DA GUERRA ................................................. 483
5. 4 A IMPRENSA LEMBRANDO QUEM SÃO OS HERÓIS................................... 494
5.5 A CHEGADA AO BRASIL: A ALEGRIA DELIRANTE DE QUEM
SOBREVIVEU ......................................................................................................... 506
5.6 A FEB E SUA MISSÃO PERMANENTE............................................................ 520
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 539
GLOSSÁRIO ........................................................................................................... 555
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 557
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 – A COBRA QUE FUMA ........................................................................ 219
FIGURA 2 – OS CORRESPONDENTES DE GUERRA BRASILEIROS ................. 220
FIGURA 3 – FRANCIS HALLAWELL ...................................................................... 221
FIGURA 4 KESSELRING COMANDANTE GERAL DAS TROPAS NA
ALEMANHA ............................................................................................................. 241
FIGURA 5 – MAJOR WALTER READER................................................................ 243
FIGURA 6 – HORA DO RANCHO ........................................................................... 256
FIGURA 7 – ALIMENTO AO POVO ........................................................................ 264
FIGURA 8 – GÊNEROS ALIMENTÍCIOS ................................................................ 302
FIGURA 9 – CENA DE UM CASAMENTO .............................................................. 324
FIGURA 10 – NATAL NA NEVE .............................................................................. 350
FIGURA 11 – MASCARENHAS DE MORAES E MARCK CLARK .......................... 360
FIGURA 12 – INVERNO 1944-1945 ....................................................................... 364
FIGURA 13 – DESARMANDO MINAS (FEVEREIRO DE 1945) ............................. 368
FIGURA 14 – A PATRULHA ................................................................................... 372
FIGURA 15 – OUTONO ITALIANO ......................................................................... 394
FIGURA 16 – MAPA DAS OPERAÇÕES BRASILEIRAS ....................................... 408
FIGURA 17 – MONTESE ABRIL DE 1945 .............................................................. 449
FIGURA 18 A RENDIÇÃO EM COLLECCHIO DA 192ª DIVISÃO DE INFANTARIA
ALEMÃ (29 DE ABRIL DE 1945) ............................................................................. 458
FIGURA 19 – AS ENFERMEIRAS BRASILEIRAS .................................................. 469
FIGURA 20 – POSTO MÉDICO EM RIOLA ............................................................ 472
FIGURA 21 – PADIOLEIROS .................................................................................. 476
FIGURA 22 – BOLONHA LIVRE ............................................................................. 484
FIGURA 23 – CEMITÉRIO DE PISTÓIA (ABRIL DE 1945) .................................... 517
FIGURA 24 – LEGIÃO PARANAENSE DO EXPEDICIONÁRIO ............................. 527
FIGURA 25 – TRASLADO DOS MORTOS PARA O BRASIL ................................. 530
FIGURA 26 – MASCARENHAS DE MORAES COMANDANTE DA FEB ............... 532
LISTA DE SIGLAS
AD - Artilharia Divisionária.
ANVFEB - Associação Nacional dos Veteranos da FEB.
AECB - Associação dos Ex-Combatentes do Brasil.
BE - Batalhão de Engenharia.
BIBLIEX - Biblioteca do Exército.
DE - Divisão de Exército.
DIE - Divisão de Infantaria Expedicionária.
DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda.
CPP - Companhia de Petrechos Pesados.
EME - Estado Maior do Exército.
ELO - Esquadrilha de Ligação e Observação.
GC - Grupo de Combate.
LCI - Landing Craft Infantry.
PC - Posto de Comando.
PO - Posto de Observação.
PS - Posto de Saúde.
QG - Quartel General.
R/2 - Oficial da Reserva formado no CPOR.
RI - Regimento de Infantaria.
TO - Teatro de Operações.
VO - Verde Oliva.
RESUMO
65 anos se passaram e boa parte da população brasileira da primeira metade do
século XX esqueceu a participação brasileira na Guerra Mundial; um combate
acontecido na Europa, que os mais jovens nem chegaram a conhecer. Nesse
sentido, buscaram os ex-combatentes da FEB em uma missão que se diz
permanente, não deixar morrer as suas memórias. O objetivo desta tese é localizar
os lugares das memórias e compreender a motivação dos difusos discursos. O que
buscavam os soldados? Seriam os ideais de ontem expressos nos relatos dos
acontecimentos, na busca incessante de um sentido histórico? Pelos caminhos das
memórias de guerra, os diários dos combatentes são as fontes primeiras. Mas de
onde vinha a força nos escritos que denotavam o exacerbado espírito cívico? A
pesquisa seguindo roteiros norteadores recuou no tempo e chegou à primeira
metade do século XX, quando os intelectuais buscavam nesta fase as raízes
nacionais, desse modo, foram exercendo o papel de vanguarda social e o ano de
1924 constituiu o marco inicial de uma caminhada que chegou ao Estado Novo. Na
polifonia de vozes se intercruzam os discursos modernistas, as ações pela
militarização dos jovens e a formação cívica dos cidadãos. Os diários de guerra e
testemunhos vão denotar o discurso nacionalista, mesmo nos momentos de grandes
fragilidades que a guerra proporcionou.
Palavras-chave: Diários de Guerra, 2ª Guerra Mundial, Estado Novo, Nacionalismo.
ABSTRACT
65 years have passed and a big part of the Brazilian population of the first half of the
twentieth century has already forgotten the Brazilian participation in the 2
nd
World
War; a fight happened in Europe, that the youngest did not come to know.
Accordingly, the ex-combatants of the FEB sought, on a mission they say permanent,
not let their memories die. The objective of this thesis is to locate the places of the
memories and understand the motivation of the fuzzy speeches. What were the
soldiers seeking? Were the yesterday's ideals expressed in the reports of the events,
in a constant quest for a historical sense? In the path of the memories of the war, the
diaries of the combatants are the first sources. But where did the strength of the
writings come from that denoted the exacerbated civic spirit? The research following
guiding itineraries went back in time and reached the first half of the twentieth
century, when intellectuals sought at this stage the national roots, thus, were
performing the role of social vanguard and the year of 1924 was the initial milestone
of a journey that reached the “New State” (Estado Novo). In the polyphony of voices,
the modernist discourses, the actions for the militarization of the young and the civic
education of citizens are intersected. The war diaries and testimonies will denote the
nationalist discourse, even in moments of great fragilities that the war brought.
Keywords: War Diaries, 2
nd
World War, New State, Nationalism.
16
INTRODUÇÃO
Como afirma Jöhr Rüsen, o historiador alemão defensor da teoria da história
como autocompreensão, “Escrever história é tarefa dos historiadores, isso é trivial,
como fazê-lo, é um problema.”
1
Na ponderação do autor, a escrita da história se
perde no profícuo trabalho de reflexão sobre os fundamentos da ciência da história e
na busca por uma competência literária que a práxis historiográfica tem solicitado.
Do cuidado metodológico à arte historiográfica, o presente trabalho se apoiará nos
testemunhos dos soldados brasileiros, seja em seus diários ou nos relatos
apresentados durante entrevistas, respeitando-se as peculiaridades de cada um e
suas filosofias de vida. Da velocidade cronológica dos momentos vivenciados,
surgem momentos singulares da história da Força Expedicionária Brasileira, que
emergem com força e emoção.
A história distingue-se das demais ciências por ser, simultaneamente, arte.
Ela é arte ao dar forma ao colhido, ao conhecimento e ao representá-los.
Outras ciências satisfazem-se em mostrar o achado meramente como
achado. Na história, opera a faculdade da reconstituição. Como ciência, ela
é aparentada à filosofia, como arte, à poesia.
2
Passados muitos anos dos dramáticos dias de guerra, nos idos de 1944 e
1945 (que boa parte da população mais antiga esqueceu e que os mais jovens
não chegaram a conhecer, justamente por ter sido uma guerra fora do Brasil),
buscam os ex-combatentes não deixar morrer memórias, indo à defesa de princípios
que lhes eram muito caros, como a responsabilidade, a dignidade, a liberdade e a
justiça. Com o passar dos anos, a consciência, ainda não adormecida, interpela o
passado, em busca de reviver o vivido, no alvorecer da experiência de cada um,
clama-se para que tais fatos jamais sejam esquecidos.
O objetivo principal desta tese é localizar os lugares das memórias dos
soldados brasileiros, inseridos nos diários de guerra e em testemunhos de homens e
de mulheres que formaram a Força Expedicionária Brasileira, combatendo na Itália,
nos idos de 1944-1945, durante a Guerra Mundial. É propósito também verificar
como estas memórias foram expressas, bem como desvendar a motivação que
1
RÜSEN, Jörn. História Viva. Teoria da História III: formas e funções do conhecimento histórico.
Tradução de Estevão Rezende Martins. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2007, p.17.
2
L. Von Ranke, citado por RÜSEN, op. cit., p.18.
17
levou a difusos registros e discursos. Neste aspecto, a memória se constituirá em
um tema relevante para esta pesquisa. No decorrer das reflexões que nortearão os
caminhos deste estudo, autores como Mauricio Halbwachs, Michael Pollak, Ecléa
Bosi, Pierre Nora, dentre outros, com seus estudos sobre a memória individual e
coletiva tornar-se-ão aportes necessários no andamento deste trabalho.
Os lugares da memória dos combatentes brasileiros nesta pesquisa, estão
centrados nos depoimentos escritos, seja em forma de diários com uma linha
temporal definida pelos seus autores, ou pela narrativa da memória expressa em
livros de memórias, em situações episódicas vivenciadas na guerra. Também serão
considerados relevantes, os depoimentos registrados pelos pesquisadores durante
as entrevistas onde os soldados brasileiros narraram suas histórias de vida. Ainda se
incluem como documentos de análise neste estudo as crônicas publicadas pelos
componentes da FEB, bem como os seminários e congressos dos quais estes
homens tenham participado.
Na primeira tomada da pesquisa, foi necessária uma contextualização do
tempo em que o Brasil vai à guerra. Neste aspecto, no aporte necessário da época
do governo de Getulio Vargas entre 1930 a 1937, o Estado Novo terá um peso
essencial e será fundamentado pelos discursos de Getulio Vargas na coletânea
reunida sob o titulo As Diretrizes da Nova Política do Brasil, que cobrem o período
de 1930 a 1942. Tais documentos retratam momentos importantes para a sociedade
brasileira, e dizem respeito aos momentos políticos que antecederam à participação
brasileira na 2ª Guerra Mundial.
A consulta a esses documentos será feita sempre que necessária na busca
do contraponto entre os fatos políticos da época e a posição dos soldados brasileiros
em seus discursos. Estes se constituem em narrativas pessoais e expressas nos
documentos a serem abordados, e nos possibilitam a principio as seguintes
perguntas: Nesses locais da memória, o que buscam os veteranos da FEB? Seria o
reconhecimento dos ideais de ontem, pontos de referência na realidade de hoje?
Que valores foram exaltados e recordados? Seria o desejo de que os valores que
dizem respeito aos acontecimentos vivenciados em tempos de guerra fossem
transmitidos e perpetuados no tempo?
Por meio da análise das fontes, na qual a voz do combatente será
considerada a primeira, pelo suporte historiográfico brasileiro e italiano, e pela
18
aproximação desta pesquisa com os temas da memória, tentar-se-á responder a
essas questões.
É pela voz da narrativa e por seus lugares da memória que a história dos
combatentes brasileiros na Itália durante a Guerra Mundial será contada. Será
feita uma breve viagem pelo mundo de uma História e de suas histórias, aquelas que
mesclam em dados momentos o “eu” narrador, expresso pela autoria desta pesquisa
e a “narrativa” dos combatentes. O caminho escolhido nem sempre será
harmonioso, pois a longa trilha traçada apresentará turbulências que colocarão o
trabalho à prova todo o momento. Delineando a pesquisa, a trama imbricada da
história, na voz dos narradores, vai tornar plausível uma história quase impossível,
de consciências que interpelam a memória e afloram nas palavras que fazem eco
em busca das respostas, mostrando que o abismo entre a História (com agá
maiúsculo) e aquela dos mitos, dos sonhos, das utopias, a tal história (com agá
minúsculo) não é tão profundo, porque, na verdade, a História está sendo feita
pelos homens e mulheres que um dia ajudarão a escrevê-la.
No âmbito do delineamento tomado, como a narrativa terá a força do
construto nesta pesquisa, necessidade definir os conceitos que regem a
complexidade da palavra narrativa, as concepções e o caminho imbricado dela
própria, na visão de literatos e historiadores.
Os anos de 1970 foram conturbados pelos debates acirrados entre os
historiadores em torno da história e da historiografia (literária), quando se discutia
sobre uma história narrativa e uma história problema. O público leigo rendia-se com
entusiasmo aos livros de história, nos quais o historiador é visto como testemunho
do real, e, segundo os opositores, se faz crer pelas “manhas da narrativa.”De outro
lado, estava a “história-problema”, da comunidade científica, que, alheia aos
interesses do público leigo, estabelecia o diálogo apenas com seus pares e fazia
circular suas reflexões em revistas ou obras especializadas.
A renovação da história e da historiografia, nesta mesma fase, foi um
empreendimento dos historiadores franceses, que demonstravam uma preocupação
em relação à explicação histórica e à sua forma de escrita. O despertar
epistemológico centrado sobre a investigação das próprias condições da produção
do saber, se manifestava nos tulos de livros, coletâneas e ensaios, como ilustra o
autor do artigo intitulado História da Literatura: Faire de l’ histoire (Le Goff e Nora),
19
L’Atelier de l’histoire (Furet), L’ Ecriture de l’histoire (Veyne), L’operation historique
(Certeau). São obras que sublinham a vontade de uma autorreflexão sobre a tarefa
do historiador no mundo atual, uma vontade explicitada e reclamada nos três
volumes, dedicados à história, organizados por Jacques Le Goff e Pierre Nora.
3
A revolução paradigmática de ordem epistemológica, então justaposta, foi
responsável por um novo olhar sobre a história e historiografia, possibilitando a
escrita do tempo presente a partir da investigação histórica. Mas a escolha do
discurso do historiador ainda provocava sérios atritos entre os pesquisadores, que,
na busca de objetividade em seus trabalhos, deveriam perceber a realidade como
uma construção social e cultural.
Os efeitos deste movimento sugeriam a substituição total da história narrativa
pela história conceitual, como explica o historiador Elmir: “Se, para os saberes
tradicionais, a narrativa, historicamente, é portadora de verdade, a sua presença no
discurso douto, inversamente, é capaz de perder o engano, a palavra equivoca e,
por conta disto, deve ser expurgada do saber acadêmico.”
4
O historiador Cláudio Elmir aponta dualidades inconciliáveis: “a narrativa faz
parte do campo literário, aí, sim subjetividade e ficcionalidade podem se legitimar,
sem reservas”
5
, diferente do discurso proveniente do espaço “imaculado” da
academia. A “narrativa literária se afasta do horizonte da verdade reverenciada pelos
historiadores, enquanto a “narrativa histórica” é constituída pela primazia da
historiografia, mas, reconhece o autor, que mesmo termos inconciliáveis se
encontram.”
Diante de conceitos equivocados sobre a palavra narrativa, mesmo sob
polêmica, alguns historiadores desestabilizaram o discurso vigente, como o de
Lawrence Stone, que, no final dos anos de 1970, ao publicar o seu The Revival of
narrative. Reflections on a new old history, defende a volta da narrativa contra a
desqualificação da história-acontecimento, enfatizada pela nova história. Na
verdade, Stone ao entrar nesta querela, como a “vanguarda da profissão”, tinha a
intenção de entender o abandono de uma tradição que durante dois séculos havia
considerado a narrativa como modalidade ideal da escrita da história.
3
OLINTO, Heldrun Krieger. Histórias de Literatura: as novas teorias alemãs. o Paulo: Ática,
1966.
4
ELMIR, Claudio Pereira.. A narrativa e o conhecimento histórico. R.G.S. História Unisinos, vol. 8,
nº 10, jul/dez. 2003, pp.35-52.
5
Ibid., pp.35-38.
20
Ao propor a volta da narrativa, Stone credita novos parceiros e seus métodos
como auxiliares da investigação histórica. Neste caso, destaca a Antropologia em
substituição à Sociologia e à Economia. A volta da narrativa apregoada por Stone
estava de acordo com outros interesses, ou seja, o olhar voltado para os
sentimentos, emoções, padrões de comportamento e para possibilitar as
descobertas acessíveis a um público não especialista.
O artigo de Stone suscitou a reação de outros historiadores como Eric
Hobsbaw em seu The revival of narrative: some comments”, em que o autor
questiona a adequação do termo, a volta da narrativa, uma vez que Stone a definia a
partir de um ordenamento cronológico. No debate que se estende ainda nos anos
1990, o historiador Peter Burke propõe uma integração da narrativa à análise e à
medida, que recomenda ao historiador evitar a suposição de onisciência,
objetividade e imparcialidade nas suas interpretações. O historiador deveria analisar
os acontecimentos a serem relatados a partir da posição de um observador
posterior, assumindo que a sua voz se limita a ser uma entre outras. Ainda, segundo
Burke, a narrativa poderia lidar não apenas com a sequência de acontecimentos e
com as atenções conscientes dos atores envolvidos, mas igualmente com as
estruturas, intuições e modos de pensar.
6
Já, para o historiador Jörn Rüsen, toda pesquisa tem como objetivo
transformar-se em historiografia, não só porque seus resultados necessitam ser
expressos em linguagem, mas também pelo fato de funcionarem como componentes
de uma história. Ao analisar o debate mais recente sobre o estatuto científico da
história e sua proximidade com a arte, mesmo na contraposição das perspectivas
aplicáveis ao ofício do historiador, diz Rüsen:
De um lado, tem-se uma consciência crescente da ciência da história acerca
de suas pretensões de racionalidade. Essas pretensões se fundam na
conquista do todo analítico e no emprego de construtos teóricos para a
construção explicativa do passado. [...] mas por outro lado, cresce a
aceitação de que não tem como abandonar os elementos narrativos da
história (“narrativo” entendido, aqui, como uma forma possível de
apresentação histórica, dentre outras).”
7
6
BURKE, Peter. A história dos acontecimentos e o renascimento da narrativa. In: A escrita da
história. Novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992, p.341.
7
RÜSEN, op. cit., p.23-25.
21
Nessa perspectiva, dentro dos procedimentos metodológicos, a presente
pesquisa propõe um olhar mais detido sobre as operações narrativas da consciência
histórica, buscando trazer à luz fatores do conhecimento histórico que dificilmente
poderiam ser reduzidos à concepção corriqueira da racionalidade científica. Ao
buscar a conexão narrativa, que articula os fatos procedentes das fontes, trilha-se
por caminhos que transformam o “passado” em “história”.
No debate que seguiu-se nos últimos tempos, em que os pontos de vista
determinantes da interpretação histórica foram considerados critérios poéticos de
sentido, abalou o estatuto científico da história. Também a própria teoria
contemporânea da literatura, questionou a pretensa cientificidade da história,
mediante o mito da facticidade da história, que se obtém a partir de dados adquiridos
interpretativamente pela crítica das fontes. “Sua crítica continua na dependência de
uma concepção positivista da ciência.”
8
Na leitura dos diários dos soldados brasileiros, mesmo em seus testemunhos
em outros documentos, considerados nesta pesquisa como fontes primeiras, não
haverá a pressão de se comprovar a verdade apontada pelas fontes, mas vamos em
busca da sua facticidade própria, aquela que aponta, que delineia o passado e se
torna influente na vida pratica do presente.
Na esteira das discussões recentes sobre o pensamento histórico, as
expressões enunciadas pela oralidade, as literárias e as metafóricas, por exemplo,
criaram desconfianças dos especialistas diante do paradigma narrativista, que
firmavam seus pontos de vista nos métodos de investigação, afirmando a sua
incompatibilidade com a recionalidade histórica.
Quando Rüsen afirma narrativa não é basicamente histórica no sentido
coloquial do termo. “Histórico” é o passado interpretado, em relação à experiência,
no construto próprio a uma história.” Essa função passa a desempenhar o seu papel
na cultura contemporânea. “Como nem toda narrativa está relacionada à experiência
do passado, que se verificar os elementos que a constituem”.
9
A especificidade
da narrativa histórica, está em que os acontecimentos articulados narrativamente
são considerados como tendo ocorrido realmente no passado.
Não apenas nessa perspectiva, não são apenas os relatos dos soldados
brasileiros sobre o passado longínquo da guerra que marcam as especividades ,
8
RÜSEN, op. cit., p. 24.
9
Id.
22
mas também busca-se o sentido que esta narrativa quer conduzir, para que esta se
vincule à experiência do tempo passado e possa se tornar presente.
Que sentido se procura na narrativa dos pracinhas brasileiros? : “Sentido
articula percepção, interpretação, orientação e motivação, de maneira que a relação
do homem consigo e com o mundo passa a ser pensada e realizada na perspectiva
do tempo.”
10
Sentido histórico, nesta pesquisa, vai significar também compreender a
relação do relato dos personagens nas suas experiências orientadoras e
motivadoras no modo de agir, Nas narrativas, vamos em busca do que Rüsen
chama de “cena originária” de constituição de sentido, no qual o passado é tornado
presente como história.
Na abordagem das fontes que direcionam a presente pesquisa, o “eu”
narrador vai ao encontro da “cena originária”, descrita pelos soldados em seus
relatos. São as marcas indeléveis dos sacrifícios a que foram submetidos na guerra
em terra estrangeira, o que nos permite então perguntar: Por quê? Como? Onde?
São perguntas que vão orientar a narrativa histórica proposta nesta pesquisa,
lembranças dos homens, um dia soldados na Itália, compondo lições profundas no
passado e que emergem do tempo a orientar o presente.
Quantas vidas e eventos a serem narrados após os 60 anos que marcaram a
participação brasileira na Guerra Mundial. São aspectos da partida dos soldados
nos navios, das lembranças dos acampamentos, dos momentos tensos ocasionados
pelas patrulhas em território inimigo a provocar uma reflexão da luta empreendida,
para dela tirar os ensinamentos que transformaram os ideais e valores em luta
continua.
Nesse aspecto, a constituição histórica de sentido nesta pesquisa não vai
estar centrada apenas na forma de uma narrativa elaborada a partir de uma prática
cultural, oriunda do cotidiano do soldado, mas vai perpassar as mais diversas
manifestações humanas vivenciadas pelos pracinhas na guerra e suas lembranças,
que, muitas vezes, de forma inconsciente, tenham influenciado a vida concreta dos
sujeitos desta história. “Ela (constituição histórica de sentido) perpassa a
comunicação do dia-a-dia, na forma de fragmentos da memória e de histórias, de
referências a histórias, de símbolos, cujo sentido só transparece na narrativa.”
11
10
RÜSEN, op. cit., p. 24.
11
Ibid., p. 160.
23
Nos lugares da memória onde os soldados brasileiros depositaram suas
lembranças, a “cena originária”, vai apontar também os sentidos que delinearam os
discursos de pertencimento, momentos extraídos do passado a orientar o presente.
Nessa perspectiva, a narrativa que se inicia nesta pesquisa será formada por
histórias dos ex-combatentes brasileiros, hoje quase todos entre 80 e 90 anos, que
viveram suas experiências na Guerra Mundial nos campos da Itália, entre 1944-
1945. São momentos singulares, muitos de grande tensão, provocados pelo estado
beligerante que, nos relatos emocionantes e apaixonados, evidenciaram da parte
desses homens, coragem, participação, saber, persistência, solidariedade e a busca
constante pela vida no mundo caótico provocado pela guerra.
Quem o estes senhores personagens da história que se pretende narrar?
Do vasto elenco de nomes que serão os testemunhos desta história, é possível
destacar os seguintes combatentes: Alfredo Bertoldo Klas, José Edgard Eckert,
Miguel Pereira, Alípio Corrêa Netto, Ruy de Oliveira Fonseca, Boris Schnaiderman,
Carlos Paiva Gonçalves, Joaquim Xavier da Silveira, Ernani Ayrosa da Silva, José
Alves da Silva, Ítalo Diogo Tavares, Joaquim Urias de Carvalho, Leonércio Soares,
Ruy Fonseca, Geraldino Werner, Aristides Vergés, Virginia Leite, Guilhermina
Gomes e Ilda dos Santos. Muitos conhecidos da pesquisa anterior, sob o título
Forza di Spediozione Brasiliana: marcos históricos na monumentalística italiana. Do
relato anterior, que ficou inconcluso, buscaram-se para esta pesquisa outros
personagens e outras histórias.
Na busca incessante por perceber o perfil destes sujeitos,foram de grande
valia as cerimônias comemorativas ocorridas em 1999, por ocasião do Ano do Idoso
(o que também ocasionou toda uma produção literária sobre este segmento da
sociedade). Das leituras sobre estes temas, que muito ajudaram a compreender esta
fase importante da vida, cabe uma pergunta: Como os velhos soldados das histórias
que se pretende narrar têm sentido as barreiras impostas pela idade? Recentes
pesquisas mostram que muitas vezes não é a idade que os impede de fazer algo,
mas os preconceitos.
As pesquisas e entrevistas realizadas por essa autora, por mais de duas
décadas com ex-combatentes revelaram uma série de perfis e de imagens.
Encontraram-se homens não apenas idosos, mas gente especial, sensível, criativa,
exemplos de uma história de vida que valia a pena ser contada. Que lembranças
24
teriam para contar? Naturalmente, temas mesclados com fatos da vida e do
cotidiano da guerra. Talvez, momentos significativos de suas existências que o
registro histórico marcou, seja nas entrevistas estruturadas pelo método ou nos
manuscritos dos diários que antecederam aos livros, fontes inspiradoras e primeiras
na composição desta pesquisa.
“Um desejo de explicação atua sobre o presente e sobre o passado,
integrando experiências nos esquemas pelos quais a pessoa norteia sua vida. O
empenho do indivíduo em dar sentido à sua biografia penetra as lembranças como
um desejo de explicação,”
12
como refletiu Ecléa Bosi em suas pesquisas sobre
velhos paulistanos.
Miscelânea de ideais, diriam alguns, colcha de retalhos? Não. Portelli, que
pesquisa a história oral, diz sobre depoimento e testemunhos: Esta [...] “tende a
representar a realidade não tanto como um tabuleiro em que todos os quadrados
são iguais, mas como um mosaico ou colcha de retalhos em que os pedaços são
diferentes, mas formam um todo depois de reunidos.”
13
No rastreamento das lembranças, dialogar-se-á com muitos personagens,
sejam eles combatentes, seus familiares, amigos e contemporâneos, todos que
possam de certo modo contribuir com suas lembranças. São, portanto, fontes
narrativas que, contrariando o gosto de muitos pelos arquivos, foram negligenciadas
pelos pesquisadores de outrora, tornam-se hoje, sob outro olhar, o somente a
história dos acontecimentos, mas a dos homens que a fizeram.
Muitos desses personagens, os ex-combatentes, conseguem ainda manter-se
atentos aos acontecimentos que afetam o país. O espírito crítico prevalece nas
posturas e nas falas, na ordenação de idéias, que denotam, ao interlocutor mais
atento, um discurso muitas vezes patriótico na grande preocupação com a
cidadania. Esta última vai impulsionar os discursos que serão destacados nesta
pesquisa. Não se trata apenas da consciência cívica que move a memória dos
velhos tempos de guerra, nem é tão saudosista, mas prevalece a busca constante
do reconhecimento pelos feitos na guerra, dos homens que um dia cruzaram os
12
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
1994, p.419.
13
PORTELLI, Alessandro. O que faz a história oral diferente. Revista Projeto História, n. 14, São
Paulo, 1997, p.25.
25
mares para lutar em terras italianas, vivenciando momentos marcantes em suas
vidas com grandes perdas e sofrimentos.
Decorridos mais de 60 anos do fim da Segunda Guerra Mundial, os
combatentes brasileiros, no limiar das suas idades e ainda acreditando serem úteis à
sociedade, têm buscado destacar suas experiências de vida nos ensinamentos
direcionados à sociedade, principalmente aos jovens.
Descortinar-se-ão, neste trabalho, retalhos de histórias, fragmentos da
memória, na voz dos atores que ajudam a engendrar a história. São conexões de
memórias, da memória pública, abalizada pela memória individual e coletiva,
herdadas ou construídas pela memória nacional, e que proporcionarão a esta
pesquisa um inesgotável material para a análise dos discursos vigentes na época,
que plasmaram o contexto brasileiro. Mostrar-se-á, de forma determinante, no
discurso polissêmico dos pracinhas brasileiros, o peso da convivência com a
caserna de orientação estadonovista e de seus ideólogos, que, pelo discurso
modernista, encontrava campo fértil no governo de Getúlio Vargas. Um eco de vozes
perpassou um ideário a toda a sociedade brasileira, que não ficou imune a estes
ensinamentos.
Esses intelectuais, na primeira metade do século XX, buscavam as raízes
explicativas da identidade brasileira e exerciam o papel de vanguarda social em
nome das idéias e dos princípios, se configurando os paladinos da nacionalidade
brasileira.
14
Convocavam todos a uma volta ao passado, à busca da nacionalidade
perdida. O ano de 1924 constituiu o marco dos rumos do próprio movimento
modernista, quando as orientações iam além da renovação estética, no sentido de
elaborar uma literatura de caráter nacional, no primeiro momento, e, depois, de
elaborar um projeto de cultura nacional em sentido amplo.
Diante do caminho imbricado que a pesquisa vai antevendo, reflete-se sobre
o papel do historiador e de sua posição em relação aos questionamentos da
realidade e das experiências. As fontes deixam fluir para o historiador informações
sobre o que foi o caso no passado. O fluxo dessas informações são, por princípio,
definidas pelas perspectivas da atribuição de sentido, com as quais o pesquisador
14
VELLOSO, Mônica. Cultura e Poder político: uma configuração do campo intelectual. Rio de
Janeiro: Zahar, 1982.
26
vai às fontes. Suas perguntas, contêm possíveis respostas. Embora possíveis,
não reais.
15
Na revisão bibliográfica, as leituras reunidas orientam os sentidos e a
reflexão, educam os olhares, colocam em xeque alguns conceitos e aquilata-se a
escrita. A escolha do próprio objeto de pesquisa pode ser resultante de várias
situações. As opções são tantas que se poderia discorrer sobre vários temas, assim
tem sido ao longo dos tempos, a opção pessoal em adotar como objeto de estudo a
trajetória dos soldados brasileiros que combateram na Itália durante a Segunda
Guerra Mundial. São desafios de longa data, que iniciaram na década de 1980, com
a publicação dos primeiros artigos sobre o Brasil na guerra.
Nos desdobramentos das pesquisas, sob o singular interesse em historiar os
temas relacionados aos pracinhas brasileiros, muitas vezes existe o questionamento
até por parte de outros pesquisadores: que interesse teria levado a este objeto de
pesquisa? Entre os estudiosos, é quase senso comum que os argumentos que
envolvem as questões de guerra geralmente são considerados áridos demais ou
pouco atrativos, por imaginarem que estes temas devam ser desenvolvidos por
historiadores militares. No Brasil, é reduzido o número de pesquisadores que optam
por esta temática em seus estudos. Na verdade, a maior concentração de
estudiosos encontra-se nos meios militares, oriundos das academias militares e do
próprio Instituto Histórico e Geográfico Militar.
No caso desta pesquisadora, a escolha do objeto de investigação sobre os
temas relacionados à participação brasileira na 2ª Guerra Mundial reflete a sua
trajetória profissional a partir dos anos de 1980, como coordenadora de pesquisa no
Museu do Expedicionário em Curitiba até 1994. Tal situação foi sedimentada, ao
longo do tempo, pela publicação de artigos e publicação de livros.
O percurso natural conduziu para o mestrado desenvolvido no Curso de Pós
Graduação da Universidade Federal do Paraná e finalizado em abril de 2003 onde
definiu-se pela problemática que envolvia os monumentos construídos na Itália após
1995, sob o título é La Forza di Spedizione Brasiliana (FEB) Memória e História:
marcos na monumentalística italiana. O método de trabalho constituiu-se pela
metodologia da história oral, compondo a pesquisa qualitativa. Por meio das
entrevistas realizadas na Itália entre 2000 e 2003, nas pequenas comunes
15
RÜSEN, op. cit..
27
localizadas na Linha Gótica, chegou-se aos monumentos dedicados aos soldados
brasileiros. No Brasil as entrevistas realizadas com os combatentes fizeram o
contraponto proposto na problemática.
De grande valor na Itália foram as consultas efetuadas aos autores e os
levantamentos monumentalisticos efetuados a partir da década de 1960, dentre as
quais os estudos de Patrizia Dogliani sobre História- Memória. A pesquisa tentou
determinar as circunstâncias políticas e os fatos que conduziram às homenagens
prestadas aos brasileiros.
Foi possível, em La Forza di Spedizione Brasiliana, verificar a inserção
histórica dos monumentos dedicados aos brasileiros que combateram na Itália,
durante a Segunda Guerra Mundial, a partir da década de 1995, vistos como uma
reivindicação das populações italianas nos locais onde o Brasil combateu. São
conexões que possibilitaram o acesso à nova historiografia produzida pelos
especialistas e pelas memórias reconstituídas.
Da pesquisa anterior, das lembranças que ficaram retidas, dos anseios dos
pracinhas ao chegar à Itália em 1944 e da permanência destes até 1945, muitas
manifestações e passagens não foram avaliadas. Eis que a presente pesquisa
possibilita a oportunidade de novas abordagens. Também pelo relato se privilegiará
o discurso do retorno ao Brasil, pois o inevitável desaparecimento dos combatentes
brasileiros tem provocado uma preocupação por parte dos que atuam nesta área da
investigação.
Diante das opções apresentadas, o investigador do século XXI poderia
perguntar a si próprio, mas afinal o que se espera do historiador? E, por decorrência,
o que esperam os leitores destes escritos que ora se iniciam? Buscar-se-á em todo o
percurso da construção desta pesquisa, am da objetividade necessária, dar aos
argumentos forma harmoniosa que possa levar o leitor à compreensão dos
propósitos deste estudo. Nesse aspecto, os apontamentos de Ariés sugerem uma
nova educação do olhar, ver a história voltada para os outros sujeitos e preocupar-
se com as histórias prosaicas do cotidiano, como já apregoavam Marc Bloch e
Lucien Febvre.
Como Ariés, enfatizar-se-á os questionamentos, perguntar-se-á
constantemente: Desde quando? É antigo? Novo? De onde parte?
28
Quero conhecer a sua origem e situá-la numa genealogia, quer se trate de
um veículo, de um frigorífico, de um garfo, de umas calças, de um
preservativo, de um gesto como o beijo, de um sinal como o sinal da cruz,
etc. Em geral detenho-me no primeiro degrau [...] Trata-se do início de uma
investigação séria, sou tentado a ir mais adiante, a ir mais acima, através de
questões em cascata, uma cascata que é preciso escalar.”
16
São esses os desafios que se tomam para esta pesquisa e se propõe a
realizar, na forma que se apresentarem, seja pelos diversos questionamentos, seja
pelas congruências, mesmo nas discordâncias que o processo de investigação
apresentar.
Na seqüência da investigação vão-se delinear os aportes teóricos, que
ajudarão a amadurecer a reflexão e o olhar crítico. Nesse aspecto, a ponderação da
historiadora Maria Stella Bresciani, em obra recente, é modelar quando retrata a
figura de Oliveira Vianna, um dos mais cotados intelectuais do Estado Novo. Na
obra, a autora faz uma avaliação da trajetória de Vianna, buscando os fatos,
deixando de lado as rotulações e pré-julgamentos sobre o ideólogo estadonovista
tão costumeiramente destacados pelos estudiosos. Nesse sentido, Bresciani propõe
um diálogo com as fontes, aprofundar a investigação e entrar pelos meandros da
argumentação para a compreensão daquele contexto.
17
A finalidade maior desta pesquisa diz respeito à compreensão dos discursos
dos pracinhas brasileiros, vistos por muitos pesquisadores como ufanistas demais. É
intenção desse estudo perceber a sutileza desses escritos, a emoção do
depoimento, as nuances das entrelinhas, dos silêncios reveladores, que, muitas
vezes, falam por si mesmos. Essas falas mostram momentos instigantes para a
compreensão da participação brasileira na 2ª Guerra Mundial.
Como soldados voluntários para a guerra, reservistas ou mesmo aqueles que
haviam escolhido a carreira no Exército como profissão, os “pracinhas”
indubitavelmente foram alinhados nas tradições e discursos que envolviam a vida
em caserna. Estas, intimamente ligadas à identidade e à memória da instituição.
Perceber essa dimensão coloca o pesquisador diante de acontecimentos e da
história do próprio Exército Brasileiro, da sua trajetória antes e depois da
Independência do Brasil em 1822, até chegar aos dias mais recentes. Mas o que
16
ARIÉS, Philippe. Uma nova educação do olhar. In: L´Histoire Aujourd´hui. Tradução de Carlos da
Veiga Ferreira. Lisboa: Editorial Teorema, 1986, p. 23.
17
BRESCIANI, Maria Stella Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade: Oliveira
Vianna entre os intérpretes do Brasil. São Paulo: UNESP, 2005.
29
cabe no momento presente é entender de que modo a vivência nos quartéis pode ter
incidido no discurso dos veteranos que combateram na 2ª Guerra Mundial.
Percebe-se que poucos historiadores têm se debruçado sobre o tema, pois
em sua maioria acabam por historiar o próprio Exército, o que ocorre com os
historiadores militares.
Trabalhos recentes, como de Celso Castro em O Espírito Militar (1990), Os
militares e a República (1995) e a Invenção do Exército Brasileiro (2002) ajudam na
compreensão de períodos diversificados do Exército Brasileiro, a partir da
proclamação da República. Também a obra de Miriam de Oliveira: Berços de Heróis:
o papel das escolas militares na formação dos salvadores da Pátria (2004) e a
Missão Militar Francesa de instrução junto ao Exército Brasileiro do general. Alfredo
Souto Malan (1998) e a Revista do Exército Brasileiro, vol.132 (1995) acrescentam
dados de relevância sobre a dinâmica e vivência que nortearam por muito tempo o
discurso da instituição.
No artigo de Miriam de Oliveira Santos, sobre as escolas militares brasileiras
do fim do século 19 ao século 20 (UFRJ), 2007, ela aponta estas instituições como
centros irradiadores do discurso militar, não apenas para o exército, mas para a
própria sociedade brasileira:
Além de determinantes para o Exército, por se constituírem locais
privilegiados de transmissão do ideário, as escolas militares eram também
importantes para uma grande parcela da população brasileira no final do
século 19 e início do século 20. [...] Os alunos das escolas militares eram
oriundos de classe média e muitos buscavam o exército não por vocação,
mas por ser a única oportunidade de realizar seus estudos superiores.”
18
Tal afirmativa vem de encontro às concepções que ordenamos entre discurso
e ideologia. As ideologias, segundo Bourdieu, são determinadas pelos interesses de
classe e pelos interesses específicos daqueles que a produzem e pela lógica
específica do campo de produção. Destaca-se a ênfase nas funções políticas que os
“sistemas simbólicos” têm em detrimento da sua função gnoseológica. Os símbolos
seriam produzidos para servir à classe dominante.
19
18
SANTOS, Miriam de Oliveira. Um olhar sobre as instituições escolares militares brasileiras do fim
do século 19 ao início do século 20. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, vol.88, n.
219, p.310-330, 2007.
19
BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand
do Brasil, 1998, p.10-11.
30
Ao historiar a genealogia do Exército Brasileiro, outros autores buscam
mostrar as origens dessas visões de mundo, suas representatividades através dos
tempos e de que maneira estas incidem na conduta militar. Na análise desses
especialistas, algumas evidências buscam explicar a raiz do discurso calcado nos
eventos que ocorreram após a independência do Brasil, em 1822. O exército
brasileiro nasceu ao ser dado o “Grito do Ipiranga.” e seu destino foi traçado ao ser
prescrito, na Constituição de 1824, que cabia sustentar a independência e a
integridade do Império.
Neste ano de 1824, o da primeira reorganização propriamente brasileira, os
elementos das três armas, que se achavam organicamente reunidos, foram
definitivamente separados. [...] Durante o período regencial, o Exército foi
reestruturado três vezes. [...] Entre 1822 e 1851, o efetivo do exército era de
doze mil homens.”
20
Foram muitas as ocorrências militares internas e externas das quais o
exército participou, com grandes dificuldades. Dessas, é possível destacar a guerra
contra Oribe e Rosas entre 1851-1852 e a Guerra do Paraguai, com seus primórdios
ocorridos entre 1864-1865, quando foram colocados à prova os esforços de
remodelação do Exército, com as novas formas de recrutamento e a doutrina nos
processos de combate, duramente criticados dentro do próprio exército.
Não possuía armas nem efetivos. [...] faltava quase tudo, organização e até
instrução militar em dia com os progressos da arte da guerra. Houve suprir
tais deficiências com esforço abnegado dos melhores elementos de seus
quadros militares e com o patriotismo dos que acorreram aos campos de
batalha.
21
Portanto, no Reinado, não dispunha o exército de um regulamento próprio.
Em 1850, são adotados os manuais portugueses e franceses. Somente com a
Proclamação da República, em 1889, foi criado o regulamento Benjamim Constant,
que dava maior preparo intelectual aos quadros efetivos.
As unidades militares se encarregavam da instrução primária, um oficial
ensinava os cabos e soldados a ler e escrever e as quatro operações. E, aos
graduados, sargentos suboficiais, a geometria plana. Ainda havia uma escola para
20
MALAN, Alfredo Souto. Missão Militar Francesa de instrução junto ao Exército Brasileiro. Rio
de Janeiro: Bibliex, 1988, p.23.
21
MAGALHÃES, J.B. A evolução Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Bibliex, 1958, p. 82.
31
recrutas em cada corpo. A instrução consistia de escola de pelotão e manejo,
conservação de armas e tiro. A formação do recruta não deveria exceder aos seis
meses
Efetivado em 1890, o Regulamento Benjamim Constant apresentava alguns
pressupostos doutrinários cujos objetivos visavam ao melhor aperfeiçoamento do
efetivo nas escolas militares, melhorar a arte da guerra e conciliar esta última com a
missão civilizadora, humanista e moral, que, no futuro, estava destinada aos
exércitos do continente sul americano. Nesse ideário, o soldado é um cidadão
armado, corporifica a honra nacional, é um cooperador do progresso, da garantia da
ordem e da paz públicas e jamais um instrumento servil e maleável, por uma
obediência passiva e inconsciente que rebaixa o caráter, aniquila o estímulo e abate
o moral. O ensino era positivista e transmitido através de grêmios e associações.
Duas décadas depois da Proclamação da República, o ideário dos jovens
militares continuava sob o peso do discurso positivista, mostrando que a Nação
deveria ser dirigida por técnicos e não pelos políticos que desorganizavam o país.
No início dos anos de 1920, muitos oficiais brasileiros buscaram estágios tanto na
Alemanha, como na França. O duro treinamento proporcionado pelo exército
prussiano, o mais poderoso seguidor das tradições militares, chamou a atenção de
oficiais brasileiros que foram se atualizar e, mais tarde, imbuídos destes
ensinamentos e pelo espírito combativo e irreverente, foram aqui apelidados de “os
jovens turcos.”
Naturalmente, muitas idéias trouxeram esses militares, que aqui no
Brasil também ganhavam adeptos, que defendiam uma aproximação maior do
exército brasileiro ao da Alemanha.
Havia sempre a preocupação em procurar trazer missões estrangeiras que
pudessem instruir os oficiais brasileiros. Em função da forte aproximação com a
Alemanha, muitos desejavam que fosse firmado um contrato com uma missão militar
deste país, no sentido de instruir as Forças Armadas. Em virtude da Grande Guerra
(1914-1918) e pela participação brasileira como aliada da França, os papéis se
inverteram. No sentido de modernizar o exército brasileiro, foi assinado um acordo
com o governo francês e a vinda da Missão Francesa, em 1920, tornou-se um fato
preponderante da nova linha de conduta do Exército Nacional. Tal fato acabou por
O termo jovens turcos faz menção a esses oficiais brasileiros, à semelhança daqueles que na velha
Turquia se insurgiam contra o desmando e a estagnação de seu país. Para melhor compreender este
assunto veja DENYS, Odylio. Ciclo revolucionário brasileiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
32
sedimentar toda uma filosofia e ideologia militar, que perduraria por longos anos,
muito próxima à deflagração da 2ª Guerra Mundial.
Nesse período, houve uma elevação do padrão profissional dos oficiais de
todos os escalões e da Instituição Militar como um todo, o que redundou em diversos
contratos firmados entre 1918 e 1940. Foram criados cursos especiais para a
preparação de “Oficiais do Estado Maior”, como verificou MOTTA em suas
pesquisas: “As tarefas dos franceses serão, assim, fundamentalmente, tarefas de
ensino, a realizarem-se no âmbito das Escolas. Certo, elas influíram, também, na
orientação das reformas orgânicas que então se iniciaram e os regulamentos que
foram sendo elaborados contaram com a colaboração deles.”
22
No dia 7 de abril de 1920, a Missão Francesa era recebida com as
festividades e os discursos que os anais registraram: “[...] urgiam novas diretrizes e
os altos poderes públicos, indo ao encontro da corrente que se acumulava no seio
das Forças Armadas, estas solicitam o auxílio de uma grande Missão da pátria
gloriosa do maior gênio da História Militar Moderna”.
23
Segundo o registro, a missão
francesa iria cooperar na grande obra de transformação eficiente do exército
brasileiro.[...] e quando estiverdes progressivamente habituados a encará-las (as
questões táticas) da mesma maneira, poderemos dizer que a Doutrina passou para
os vossos reflexos,”
24
O documento destaca ainda, a vinda da missão como um
grande laboratório para o Exército Brasileiro, não somente para os mestres, mas
também aos discípulos, pois estes teriam uma alta missão a desempenhar. A
intenção era preparar um corpo de oficiais aptos para, um dia, se fosse preciso,
“reproduzir aqui as qualidades dos militares que fizeram do Exército francês um dos
maiores do mundo. Tal obra será um orgulho.”
25
Aos poucos, a direção do ensino e as funções de professor vão sendo
substituídas por oficiais brasileiros, escolhidos dentre os melhores alunos. No início
do ano de 1934, havia na Escola Militar apenas um oficial francês, no caráter de
Superintendente no Ensino. Os outros segmentos que constituíam os cursos tinham
22
MOTTA, Jeovah. In: SANTOS, Miriam de Oliveira. Um olhar sobre as instituições escolares
militares brasileiras do fim do século 19 ao início do século 20. Revista Brasileira de Estudos
Pedagógicos, Brasília, vol.88, 2007, PP. 310-330.
23
MALAN, op. cit., p.99-100.
24
Id.
25
Id.
33
como docentes os oficiais brasileiros nas categorias de professor, adjunto e
estagiário. Nessa fase, já eram muitos os oficiais formados pela Missão Francesa.
A presença da Missão Francesa marcou profundamente o pensamento dos
militares brasileiros. Além dos ensinamentos sobre a doutrina militar, a sua
organização nos diversos campos que regiam a instituição, os hábitos de vida, a
indicação de fontes de leituras demarcariam o conhecimento das ideologias
vigentes. Nesse sentido, Bourdieu mostra que as relações de comunicações são
relações de poder material ou simbólico, acumulado pelos agentes envolvidos nas
relações. “Os sistemas simbólicos” atuam como instrumentos estruturados e
estruturantes de comunicação e conhecimento e asseguram a dominação de uma
classe sobre a outra a partir de instrumentos de imposição e legitimação
‘domesticando’ os dominados.”
26
Além das novas questões que chegam com a Missão Francesa, que se
avaliar as tradições do Exército Brasileiro, os novos simbolismos criados e os
elementos que sugerem a herança de um passado imemorial, bem destacados na
pesquisa de Celso Castro em A invenção do Exército Brasileiro. São questões que
envolvem identidade e memória, resultantes de um esforço cultural, no intento de
torná-los reconhecíveis aos indivíduos. O passado é recriado por referência a um
toque simbólico anterior e precisa guardar alguma verossimilhança com o real, sob o
risco de não vingar.
27
Era necessário se contrapor às agitações internas que poderiam desacreditar
o Exército como instituição. Nesse sentido, são criadas várias representatividades.
Figuras militares ocupam os patronatos, como Luiz Alves de Lima e Silva, o Caxias,
que galgou a posição maior: a de patrono do Exército Brasileiro. Em 1926, com o
objetivo de reforçar o nome de Caxias, a Brigada do Rio de Janeiro expediu um
documento às suas unidades e o patrono surge como o “maior dos nossos
guerreiros”, quase evocado como um ser supremo, o que foi reforçado pelos
seguintes dizeres:
[...] quando a política vos quiser enlevar nas suas tramas enganosas
procurando vos fazer crer não ser o perjúrio o quebramento dos deveres da
disciplina e o insurgimento com as autoridades, o vos esqueçais de que
26
BOURDIEU, op. cit., p.11.
27
CASTRO, Celso. A invenção do Exército Brasileiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002, p.11.
34
Caxias, espelho da lealdade, não obstante ter militado na política, foi
constantemente o baluarte inexpugnável da legalidade.”
28
Nesse aspecto, a função do simbolismo tem o seu desempenho, como diz
Bourdieu:
Os símbolos são instrumentos por excelência da ‘integração social’:
enquanto instrumentos de conhecimento e de comunicação, eles tornam
possível o concensus acerca do sentido do mundo social que contribui
fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração ‘ilógica’
é a condição da integração ‘moral.’
29
Segundo Castro, o processo de escolha de outros patronos “corte de heróis”
de Caxias, estendeu-se pelas Armas do Exército. A escolha dos padrinho não era
movida apenas por interesses históricos, mas buscava inserir a vida dos
homenageados nos “espíritos de cada Arma.” Os elementos de vida do escolhido
eram valorizados e fundamentais para a socialização não somente dos cadetes, bem
como dos soldados na construção das identidades militares.
O culto a Caxias não foi exclusividade do Exército, ele foi extensivo à
sociedade brasileira. A partir de 1930, o conteúdo das mensagens veiculadas no
governo Getulio Vargas sobre Caxias e o Dia do Soldado não enfatiza somente a
legalidade e a disciplina, mas também a fusão do Exército com a Nação, tendo como
ponto focal o bravo soldado, apresentado como o maior lutador pela integridade da
Pátria. No Estado Novo, em 1937, as suas qualidades militares a serviço de um
estado forte são exaltadas. Caxias então aparece como símbolo da união militar e,
acima disso, da própria nação, passando a representar a “cara nacional da
República.”
30
Quase às vésperas da Guerra Mundial, Getúlio Vargas, em um discurso,
ressalta:
O culto dos heróis e das glórias passadas não pode traduzir-se numa pura
contemplação, de passividade estéril. de se revestir, antes, a
grandiosidade de um compromisso público, projetando diante de nós as
figuras máximas da história pátria, a exigirem, pela memória dos seus feitos,
28
CASTRO, op.cit,. p. 21. A ordem de serviço da Brigada de Exército que o autor faz referência foi
retirada da Revista Defesa Nacional, n.153 (1926) e depois republicada em 1930.
29
BOURDIEU, op. cit., p.10.
30
CASTRO, op. cit., p. 22.
35
que saibamos perpetuar-lhes o exemplo e manter o ritmo da prosperidade
nacional.
31
Paulatinamente, esses preceitos o sendo incorporados no cotidiano dos
brasileiros pelas diversas vozes articuladas pelo poder. Muitos destes resistem ainda
e estão presentes no imaginário de uma geração.
Das premissas levantadas à guisa de introdução desta pesquisa, na tentativa
de analisar a presença do positivismo e do discurso modernista que se manifestaram
numa cadeia infinita de enunciados na narrativa dos pracinhas brasileiros, centrados
em valores específicos, principalmente os da brasilidade, que se refletir sobre o
contexto da época e a influência desses discursos, ajudando a compor o discurso,
forjando identidades. Neste aspecto, a coletânea dos discursos de Getúlio Vargas,
no período de 1930 a 1942, avaliadas nesta pesquisa, constitui fonte relevante e
esclarecedora.
Para a compreensão da influência do modernismo no contexto político do
período a ser enfocado nesta pesquisa, é importante destacar os debates que
mostram o ano de 1924 como o marco da reviravolta modernista, com os rumos
delineados e apontados por Wilson Martins. Na sua reflexão, são tantas e
desencontradas tendências que servem para mostrar que 1924 é o ano decisivo, se
não na formulação de uma estética modernista definitiva (jamais houve tal coisa),
pelo menos na escolha de um rumo nacionalista, contra o cosmopolitismo primitivo.
32
Um verdadeiro surto literário ocorre a partir do ano de 1924 e com força maior
nos anos subsequentes, ligado aos nomes de Graça Aranha, Mario de Andrade,
Oswald de Andrade. O Manisfesto Pau- Brasil, publicado a 18 de março de 1924, no
Correio da Manhã, veio propor a inauguração do processo de redescoberta do
Brasil, marcando uma virada brusca dentro do caminho de renovação, da
brasilidade, da realidade.
Com o manifesto, a elite intelectual inaugura o discurso brasileiro de
vanguarda, estético e ideológico, cujas idéias serão aproveitadas no plano político
pelos ideólogos do Estado Novo, com seus aparatos sofisticados e discursivos que
se traduzem em uma nova concepção de mundo, que procura reativar as
representações destinadas a legitimar a nova distribuição de poderes que então se
31
Discurso proferido a 7 de setembro de 1938. In: VARGAS, Getulio. As Diretrizes da Nova Política
do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1942, p. 337.
32
MARTINS, Wilson. O modernismo - A literatura brasileira. vol.6. São Paulo: Cultrix, 1969.
36
estabelece. Estão presentes neste momento, figuras proeminentes como Azevedo
Amaral, Francisco Campos, Almir de Andrade, Lourival Fontes, intelectuais de
renome como Nelson Werneck Sodré, Gilberto Freire e Graciliano Ramos que, de
modo geral, ou se encontram diretamente vinculados ao aparelho do Estado, pelos
cargos que ocupam, ou têm participação efetiva na montagem do projeto
ideológico.
33
Na perspectiva dos intelectuais e ideólogos, a história do Brasil é recuperada
como exemplo de “renúncia, crença, sacrifício, generosidade e paz” dado o espírito
cristão do povo brasileiro mais afeito à unidade do que ao separatismo. Buscou-se
mostrar o contraste com a história das grandes civilizações que nasceram de
violentas guerras de conquista, enquanto a nação brasileira é fruto do pacifismo e
novos valores são acrescentados, dando força ao heroísmo.
[...] a recuperação do passado adquire, portanto, espaço expressivo no
discurso que busca mostrar o Estado Novo como realizador do passado. O
presente realiza o que o passado não pôde realizar devido aos obstáculos
que lhe foram impostos de fora para dentro. Assim, o Estado Novo coloca-
se como divisor de águas entre o “velho Brasil” e o “Brasil novo.”
34
Na enredada trama que se descortina nesta pesquisa, as evidências mostram
a plausibilidade de se encontrar no discurso do combatente brasileiro, ao narrar e
escrever suas memórias, muito dos discursos vigentes durante o Estado Novo. São
repercussões que atravessaram a juventude desses soldados, passando pelos
bancos escolares na voz dos professores, nos manuais didáticos ou mesmo no
cotidiano do Exército, quando do ingresso como soldados. Sobre essa polifonia das
vozes, reflete Bakhtin: “vozes plenivalentes e de consciências independentes e não
fundíveis têm direito de cidadanias-vozes e de consciências que circulam e
interagem num diálogo infinito”
35
.
São vozes vindas da sociedade, dos letrados, das famílias, dos comandantes
e da simbologia e que fortalecem as questões de identidade e de pertencimento.
Aos poucos vão sendo introjetadas no campo e no habitus destes personagens,
como diz Bourdieu: “As ideologias por imposição ao mito, produto coletivo e
coletivamente apropriado, servem a interesses particulares que tendem a se
33
VELLOSO, op. cit., p.78.
34
Ibid., p. 87.
35
FARACO, Carlos Alberto. Linguagem e Diálogo, as linguagens linguísticas do círculo de
Bakhtin. Curitiba: Criar Edições, 2003, p. 74.
37
apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo”.
36
Desse
modo, a cultura dominante contribui para a integração real da classe dominante,
assegurando uma comunicação imediata entre todos os membros e distinguindo-os
das outras classes.
Até que ponto as diretrizes discursivas do positivismo presente na instituição
militar e no ideário do Estado Novo vão intervir na postura e no discurso dos
combatentes brasileiros? De que maneira esses elementos estão presentes em seu
cotidiano e representados no material de análise desta pesquisa, disponibilizados
nos diários, cartas, jornais e palestras? Na reflexão de Velloso, é possível adiantar:
No momento em que o discurso ideológico interpela fortemente o indivíduo,
chamando-o à responsabilidade pelos destinos da nação, “Qualquer negligência,
qualquer manifestação de comodismo ou de inércia individual, qualquer recuo ou
diminuição de intensidade no esforço de luta e de construção pode interromper essa
continuidade de patrimônio.”
37
Buscando entender o sentido do discurso construído no pós-guerra expresso
na literatura, nas memórias e depoimentos, cogitou-se também analisar as
estratégias de lutas indelevelmente registradas como lugares da memória.
Tendo em vista a vasta documentação disponível, a pesquisa encontrou-se
diante da árdua tarefa de conciliar as idéias, promover escolhas, delimitar o
processo de investigação e optar não apenas por um modelo metodológico, mas
pela junção de outros modelos que conferissem objetividade à pesquisa. Qual é a
trajetória metodológica que vai pautar o encaminhamento desta pesquisa?
A princípio, tais decisões e escolhas constituíram um desafio, e somente as
leituras e a ordenação de documentos levadas a cabo durante vários meses levaram
a optar por determinados métodos de abordagem que exigiam compreensão sobre o
que constitui o método na pesquisa científica. No encaminhamento das leituras,
emergiram as diversas acepções da palavra método, a qual, de acordo com sua
origem etimológica, derivada do grego thodos”, significando “caminho para
chegar a um fim.Na busca do saber, como diz Galiano, o método vai constituir um
conjunto de etapas ordenadamente dispostas, que se vence pela investigação com o
objetivo de alcançar determinado fim
38
.
36
BOURDIEU, op. cit., p.10-11.
37
VELLOSO, op. cit., p.91.
38
GALLIANO, Guilherme. O método científico: teoria e prática. São Paulo: Harbra, 1979.
38
O método vai assinalar, portanto, um percurso escolhido entre outros
possíveis, uma via de acesso que permitirá uma melhor interpretação dos dados que
se deseja apresentar nesta pesquisa. Nesse aspecto, é primordial a fundamentação
necessária, no que diz respeito aos especialistas que têm dedicado seus estudos à
compreensão da participação brasileira na Guerra Mundial, seja pela literatura
especializada e desenvolvida pelos autores militares muitos deles participantes
como combatentes na Guerra Mundial, oriundos dos diversos veis hierárquicos
do Exército –, como pelas fontes documentais representadas pelos diários dos
pracinhas e previamente escolhidos para este trabalho, de que se tratará mais
adiante.
Os discursos de Getulio Vargas, localizados na obra As Diretrizes da Nova
Política do Brasil ( 1942 ) a serem destacados na presente pesquisa no período de
1930 a 1944, tem o objetivo de ajudar a compreender os momentos políticos
vivenciados pelos soldados brasileiros em seus discursos e o contraponto
demonstrado em suas posições.
São também do interesse desta pesquisa os artigos e palestras que fazem
referência à participação brasileira na guerra, bem como os periódicos da época,
principalmente os do Rio de Janeiro, a capital federal, pela cobertura efetuada da
campanha do Brasil na Itália entre os anos de 1944 e 1945, dos quais se destacam:
Diário da Noite, O Globo, A Notícia, Folha Carioca, l, A Manhã , O Jornal e Correio
da Manhã
Essas reportagens constituem duas coletâneas diferentes: a primeira de
jornais que fizeram a cobertura do embarque dos diversos escalões de soldados da
FEB, entre julho de 1944 e fevereiro de 1945, da campanha entre os meses de
setembro e abril de 1945 e do retorno dos brasileiros. A segunda coletânea
compreende um período especifico situado entre os dias 22 e 25 de maio de 1945,
onde se ressalta nessas edições a volta dos brasileiros no término da guerra,
destacando-se as comissões e os festejos que fariam parte da recepção do primeiro
escalão brasileiro, que chegou ao Rio de Janeiro dia 18 de julho de 1945.
Ainda cabe destacar os Boletins da Legião Brasileira de Assistência que
circularam no Brasil a partir da saída do primeiro escalão da FEB para a Itália e o
Globo Expedicionário que era enviado aos soldados que já se encontravam em
território Italiano.
39
Quais foram os temas mais recorrentes dessas publicações? Quem são os
seus autores? Os temas abordados permitirão visualizar uma forma de pensar e de
fazer os registros sobre a campanha da Itália? A quem eram destinadas essas
leituras?
A partir de Bourdieu, para quem as escolhas dos temas se relacionam a
chances de reconhecimento e legitimação de seus produtores, vê-se a possibilidade
de respostas.
O que é percebido como importante e interessante é o que tem chances de
ser reconhecido como importante e interessante pelos outros: portanto
aquilo que tem a possibilidade de fazer aparecer aquele que o produz como
importante e interessante aos olhos dos outros.
39
Portanto, da proposta de pesquisa contida nesta pesquisa, as fontes seo
elaboradas no sentido de possibilitar a concretização das hipóteses levantadas
neste trabalho. Seguindo o pensamento de Jörn Rüsen, a pesquisa se ocupa
primariamente da realidade das experiências, nas quais o passado se manifesta
perceptivelmente, ou seja, por meio das fontes.
40
Mas, não basta obter uma história
buscada apenas pelo fluir das fontes. O fluxo das informações obtidas deve acatar,
por uma questão de princípio, as perspectivas de sentido atribuídas pelo
historiador.Suas perguntas pré-formulam as respostas das fontes.
Nesse aspecto, o estudo das obras especializadas sobre a FEB, os diários
dos pracinhas, as entrevistas, as conferências realizadas no pós-guerra e os
periódicos constituirão fontes privilegiadas de consulta neste estudo, no sentido de
levar à compreensão dos modos e do funcionamento do campo social onde estão
inseridos os ex-combatentes. Desse modo, tentar-se-á verificar o sentido que os
veteranos deram às suas ações efetivas e a seus discursos. Nesse aspecto, a
contextualização da época terá um papel preponderante, pois lá estão localizados os
diversos grupos sociais de interesse desta pesquisa, que a acepção a seguir clarifica
com propriedade: “Contexto é a situação histórico-social de um texto, envolvendo
não apenas as instituições humanas, como ainda outros textos que sejam
39
BOURDIEU, Pierre. O campo científico. In: ORTIZ, Renato. Sociologia. São Paulo: Atica, 1994,
p.125.
40
RÜSEN, op. cit., p.104.
40
produzidos em volta e com ele se relacionem. Pode-se dizer que o contexto é a
moldura de um texto.”
41
Acredita-se que o núcleo de investigação desta pesquisa esteja centrada na
seguinte pergunta: de que modo o ideário positivista e o tempo vivenciado no
Estado Novo vieram repercutir no discurso dos combatentes brasileiros? Em que
momento se constituiu esse discurso? Quais são os sujeitos desses diálogos? No
mundo imbricado de vozes e de memórias da sociedade brasileira e dos pracinhas,
quais elementos estão presentes? Qual é a amplitude e as repercussões dessas
idéias na relação Estado-sociedade e como elas estão expressas nos lugares da
memória?
Depois de mais de 60 anos do final da guerra, os combatentes brasileiros,
com suas experiências e visões de mundo, podem ajudar na compreensão dos
fatos, constituindo um mosaico de memórias. A lembrança, para ser reconstituída e
identificada, necessita que sua organização seja promovida a partir de elementos e
noções individuais e coletivas.
Não é suficiente reconstruir peça por peça as imagens de um acontecimento
do passado para se obter uma lembrança. “[...] É necessário que esta reconstrução
se opere a partir de dados ou de noções comuns que se encontram tanto no nosso
espírito como no dos outros”
42
São lembranças que passam incessantemente entre
os que fazem parte da mesma sociedade, desse modo, reconhecidas e
construídas.
43
Não existe uma memória individual pura, pois nunca se está só, mas inserido
em vários grupos. Portanto, a lembrança do indivíduo depende também do nível de
engajamento em relação ao grupo, em função do fato de que a memória dos outros
reforça e complementa a memória individual. O ato de rememorar do indivíduo é
dado pelo coletivo: “Nossas lembranças permanecem coletivas, e elas nos são
lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acontecimentos nos quais nós
estivemos envolvidos e com objetos que só nós vimos.”
44
41
N.A. (Nota da Autora): Texto é o produto da atividade discursiva, o objeto empírico de análise do
discurso; é a construção sobre a qual se debruça o analista para buscar, em sua superfície, as
marcas que guiam a investigação científica. Disponível em: http://wikipedia.org./wiki/AnÃ,lise _do_
Discurso. Acesso em: 01 ago. 2005.
42
HALBWACHS, Maurice. Memória Coletiva. São Paulo: Vértice, 1990, p. 34.
43
Id.
44
Ibid., p.16.
41
Os diários dos combatentes brasileiros e outros testemunhos deixados, não
serão vistos nesta pesquisa como histórias de vida, mas se esquadrinham as
narrativas de uma história vivenciada por homens e mulheres que foram para a Itália
na condição de soldados durante a Guerra Mundial. Muitos desses testemunhos
foram colhidos entre os anos de 2002 e 2005.Configuram ainda como fontes os
documentários gravados no mesmo período, nos quais os combatentes narram suas
experiências de vida, suas passagens pela guerra e as perspectivas imaginadas em
relação ao futuro da FEB.
Na dificuldade de colher novos depoimentos dos pracinhas brasileiros, dada a
dispersão dos testemunhos pelo território nacional, elaborou-se um dispositivo de
investigação que recebeu o nome de “Cadernos da memória”. Trata-se um
questionário impresso, composto de 9 perguntas estruturadas, subdivididas em
outras perguntas, com o objetivo de facilitar as respostas, que incluíram, além dos
dados pessoais do entrevistado, a identificação do posto e regimento ao qual o ex-
combatente pertenceu na FEB. A ênfase maior do questionário diz respeito ao
retorno desses combatentes ao Brasil.
Os questionários foram enviados e distribuídos em grande parte no mês de
maio de 2007 para as seguintes associações: Associação Nacional dos Veteranos
da FEB com sede no Rio de Janeiro, Regional da Associação Nacional dos
Veteranos da FEB em São Bernardo do Campo e Associação dos Ex-combatentes
do Brasil localizada em São Paulo, capital.
Ao acervo expressivo formado pela vasta documentação escrita e oral da
época, seja pela literatura editada por especialistas, ou pelo relato dos combatentes,
somam-se os artigos publicados, conferências ministradas pelas associações de
veteranos existentes no Brasil e a pesquisa promovida pelo Exército Brasileiro na
obra História Oral do Exército (2000), todos constituindo o interesse desta pesquisa.
Dos imeros trabalhos acadêmicos organizados sobre A Força
Expedicionária Brasileira, ressaltam-se as pesquisas recentes de Maria do Carmo
Amaral, O Museu do Expedicionário, um lugar de memórias, (UFPR-2000) e A
guerra não acabou: a reintegração social dos veteranos da Força Expedicionária
Brasileira, de Francisco César Alves (USP-2003).
Na difícil escolha das fontes que nos apropriamos nesta pesquisa, é
interessante o parecer do capitão da FEB Francisco Ruas Santos, quando da
42
apresentação do primeiro levantamento bibliográfico em seu livro Fontes para a
História da FEB (1958), onde ele revela a infinidade de possibilidades do uso de
uma fonte. “A participação do homem nas atividades guerreiras é uma floração de
temas para todas as Artes. A literatura tem o seu quinhão nos diários, nas cartas,
nas crônicas, nas poesias, nos romances e nas proclamações”.
45
Como a antever o
futuro, do que poderia despertar interesses inusitados, Ruas Santos, destaca
ainda, a pintura, a escultura, a fotografia, o cinema e a televisão como meios de
tornar a história da FEB imperecível.
Quanto aos diários selecionados para esta pesquisa, em muitos casos o
anotações feitas em pequenos cadernos, ou cadernetas, ou ainda em papel de
carta, que ficaram guardadas durante quase uma vida e somente agora vieram a ser
publicadas, em idade avançada, pelos próprios protagonistas ou pelos familiares
na ausência do veterano por motivo de falecimento. A princípio, selecionaram-se oito
diários, seguindo o critério ordenado da temporalidade na narrativa, no contraponto
dos fatos enunciados, no relato da campanha em si, buscando na voz do eu”
narrador, articular os acontecimentos nas diferentes percepções.
Sabemos que todas as narrativas, sejam orais ou escritas, pessoais ou
coletivas, oficiais ou não-oficiais são narrativas de identidades” tanto que elas são
representações da realidade nas quais os narradores também comunicam como eles
vêem a si mesmos e como eles são vistos por outros. “Narrativas revelam o
alinhamento dos narradores com certos indivíduos, grupos, idéias e símbolos
através dos quais eles externam seus maiores valores, qualidades positivas e de
orgulho para si mesmos”.
46
É interesse desta pesquisa descobrir de que maneira o discurso baseado nas
memórias de guerra está posto nesses diários. Como lembra Pierre Nora:
É uma memória registradora que delega ao cuidado de se lembrar por ela
(História) e desacelera os sinais por onde ela se deposita. [...] A passagem
da memória para história obrigou cada grupo a redefinir sua identidade pela
45
SANTOS, Francisco Ruas. Fontes para a história da FEB. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1983, p. 5.
46
ANDERSON, Bendict, (1991) Imagined communities. London. STEIN, H.F (1987) Developmental
Time, Cultural Space; Studies in Psychogeography, London, apud FERRANTE, Antoinette. In: Mas
afinal,a memória é de quem? Histórias Orais e Modos de Lembrar e Contar. Revista da História da
Educação. ASPHE/ FAE/ UFPel, Pelotas(8): 141-174, setembro de 2000.
43
revitalização de sua própria história, o dever da memória faz cada um
historiador de si mesmo.
47
No sentido da lógica na trajetória desta pesquisa, é de interesse verificar a
política de duas associações de veteranos brasileiros que combateram na Guerra
Mundial: a Associação Nacional dos Veteranos da Força Expedicionária Brasileira,
fundada em 1963 e localizada na Rua das Marrecas, no Rio de Janeiro e a Legião
Paranaense do Expedicionário, localizada na Praça do Expedicionário, em Curitiba,
criada em 1946, ambas como condutoras das ações e direcionamentos delineados
em seus estatutos.
Das obras especializadas sobre a FEB, de interesse para esta pesquisa e que
se destacam no rol das consultas, está A FEB Pelo Seu Comandante, de autoria do
próprio marechal Mascarenhas de Moraes e seus auxiliares. Na verdade, trata-se do
relatório dos acontecimentos na Itália, onde o comandante expõe toda a trajetória
da FEB, da sua formação até a campanha propriamente dita. Para os pesquisadores
que estudam a participação brasileira na 2ª Guerra Mundial, esta é uma obra
relevante e que não pode ser deixada de lado. Mesmo Mascarenhas de Moraes, na
época da organização da obra, buscou lembrar: “A atuação das tropas que
representam o Brasil em território italiano, durante a 2ª Guerra Mundial, ainda não foi
relatada aos nossos patrícios segundo um plano de conjunto e no quadro da
verdade histórica”.
48
No contraponto ao comandante da FEB, a obra A verdade sobre a F.E.B, do
chefe do Estado Maior da FEB, Lima Brayner, apresenta um relato menos técnico e
mais acessível ao leitor. É mais contundente nas criticas ao comando brasileiro e ao
próprio Exército Americano do qual o Brasil foi aliado na guerra. Esmiúça em seu
relato detalhes pitorescos da guerra e as estratégias errôneas na campanha da
tomada de Monte Castelo.Tenta dirigir o olhar do leitor para os pontos importantes
da atuação da FEB, não tratados em outras obras.
47
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Les lieux de mémoire. La
Republique, Paris, Gallimard. Tradução de Yara Aun Khoury, 1984. Projeto História, São Paulo, (10)
dez. 1993.
48
MORAES, João Batista Mascarenhas de. A FEB pelo seu comandante. São Paulo: Instituto
Progresso Editorial, 1947, pp. 10-15.
44
Na visão dos participantes da guerra, seja como soldados ou oficiais e seus
relatos esclarecedores, a obra Depoimentos dos Oficiais da Reserva sobre a FEB
49
,
traz à luz os acontecimentos da guerra na época considerados tabus, que envolvem
desde os preparativos da formação da FEB às experiências particulares dos
soldados. Na época, a obra foi considerada polêmica e sua consulta, mesmo em
nossos dias, é relevante, pois levanta questões esclarecedoras.
A partir da perspectiva da teorização da investigação histórica do campo
militar, a análise desta tese centrar-se-á nas memórias dos pracinhas, e atentará
para a historicidade de suas experiências, do processo de formação da FEB, dos
eventos ocorridos no teatro de operações de guerra, do retorno dos veteranos ao
país, marco significativo desta pesquisa. Assim, delinear-se-á o rumo desta história.
No desenrolar dos capítulos que deverão compor esta tese, descortinar-se-
ão as lutas de resistências dos pracinhas brasileiros, sejam elas individuais ou
coletivas, engendradas pelo reconhecimento de valor. Lutas apresentadas sob forma
de reivindicações, dentre as quais, pelo direito de exercer a plenitude da cidadania e
do não esquecimento.
Ao fixar-se a delimitação desta pesquisa entre os anos de 1945 e 2008, focar-
se-á um viés pouco discutido sobre os brasileiros que combateram na Itália,
principalmente na perspectiva do retorno desses soldados ao solo brasileiro, fator
preponderante na singularidade desta tese.
A seqüência dos capítulos do presente estudo vai buscar um
encaminhamento lógico para a compreensão do texto como um todo, delineado a
partir da metodologia organizada.
No primeiro capítulo, destacar-se-ão os diários de guerra dos veteranos
considerados fontes primeiras nesta pesquisa, onde o próprio conceito de diário na
modernidade, conduz ao entendimento deste estilo literário, visto aqui como
documento. Também serão discutidas as questões que precederam à guerra, numa
visão sintetizada dos acontecimentos, aproximando-se da Era Vargas, dando
destaque ao golpe do Estado Novo e a suas diretrizes. A declaração de guerra aos
países do eixo terá um enfoque peculiar dentro da política dos bastidores do Estado
Novo, que norteará a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados.
49
ARRUDA, Demócrito Cavalcanti. Impressões de um infante sobre o comando da FEB, In:
Depoimentos de Oficiais da Reserva sobre a FEB. São Paulo: Cobraci, 1949, pp. 42-58.
45
No segundo capítulo, o texto visa focar os intelectuais, a cultura e educação
vigentes no Estado Novo, avaliando o papel dos intelectuais durante o novo regime,
suas posições e influências que acabaram por atingir a sociedade brasileira como
um todo. Os modernistas ocupam postos estratégicos junto do novo governo e lhes
dão respaldo. O Departamento de Imprensa e Propaganda, será apresentado no seu
papel de divulgador e controlador das ações do governo. A Educação será o vetor
primordial na Campanha de Nacionalização, fator preponderante a apontar o que é
ser brasileiro, em situações delicadas voltadas principalmente para os núcleos
coloniais no sul do Brasil.
No terceiro capítulo, será destacada a formação da Força Expedicionária
Brasileira. Nesse aspecto, tornou-se imprescindível a análise da convocação dos
soldados, os preparativos nos quartéis, o treinamento e os momentos delicados da
despedida da família quando do embarque nos navios. As primeiras imagens da
Itália destruída serão repassadas pelos testemunhos e seus aportes nos diários de
guerra. Nos diversos acampamentos, será possível delinear o treinamento e a
adaptação dos homens às vésperas dos primeiros combates.
O quarto capítulo vai de encontro aos pracinhas brasileiros na Itália. Pelo
olhar dos soldados vamos penetrando nas cidades destruídas, sentido os impactos
da guerra. A convivência dos homens nos acampamentos, além do desconforto,
quando o senso do privado deixou de existir, mas em troca, vislumbram-se
momentos de solidariedade. A miserável população italiana é alimentada pelos
brasileiros, constituindo-se, portanto, laços de amizades significativos. Para os
italianos, ao se reportarem aos brasileiros, “aquela gente diferente” a fazer guerra
em terras estranhas, causava empatia. O inverno rigoroso muda os hábitos, o front
estaciona e o convívio social entre o provo e exército fica mais próximo. O soldado
nem sempre está na frente de batalha, busca nas famílias italianas o convívio social,
participa dos eventos que acontecem nos povoados, assistem-se missas, dança-se
nos bailinhos. No natal mais gelado de 1944, o grande presente ansiosamente
esperado era a correspondência que vinha do Brasil.
O quinto capítulo vai abordar a parte mais fragilizada da guerra, na qual a
narrativa vai compor o enredo de histórias singulares, numa versão do presente a
partir dos fatos registrados. É como tirar o passado a limpo, onde se cruzarão as
memórias ditas verdadeiras e as essencialmente imaginativas. Trata-se da narrativa
46
dos momentos marcantes da campanha em si. O fantasma proporcionado pela
imagem do Monte Castelo e o imaginário de sua invencibilidade ficou retido em
muitas mentes. O reduto difícil, cercado dos horrores que as lembranças insistem
em não esquecer, norteia a pesquisa para a compreensão desse momento. O
“Depois da Guerra”, constituirá o final desta pesquisa. Aqui se descortinarão os
momentos quase inenarráveis da alegria do retorno à pátria. A desmobilização da
FEB em alto mar prenunciava tempos difíceis. Como a sociedade civil organizou-se
para receber os seus heróis, as festas patrocinadas, o clamor popular e por fim o
silêncio e o esquecimento,são momentos delicados a serem investigados para a
compreensão dos discursos dos soldados brasileiros no pós guerra.
A partir desse contexto que se avaliar a ação conjunta dos veteranos de
guerra atuando como molas propulsoras em prol dos seus ideários como
verdadeiros “agentes da memória”. Desse modo, buscam explicar uma guerra que
nunca acabou, pois os valores estão inseridos. Neste trajeto, estão inseridas as
associações, não apenas os bens materiais representados pelos acervos de guerra,
mas todo um trabalho de sentido, que diz não à apologia da guerra, mas se mantém
pelos ideais que nunca fenecem, como um lugar de memórias.
Mas o que espera o outono da vida desses pracinhas? É algo para refletir. No
cenário a ser descrito nesta pesquisa, onde se combinam personagens e enredos,
na diversidade de vozes que emergem com singularidade, ora respondendo alguma
coisa, ora refutando ou confirmando, antecipam-se respostas e objeções aos
questionamentos sobre os caminhos pedregosos, que têm se mostrado heróicos
nessa longa caminhada de reconhecimento.
47
1 RECONSTRUINDO O PASSADO: A MEMÓRIA QUE CONSTRÓI O TEXTO, O
BRASIL VAI À GUERRA
1.1 DIÁRIOS DE GUERRA: FONTES RELEVANTES NA RECONSTRUÇÃO
HISTÓRICA DA FEB
“Uma razão pela recepção positiva do diário nos anos de pós guerra
foi certamente a mania de documentação na época.”
Claudia Bettina I.R.Janhnel.
50
O capítulo a seguir ”Reconstruindo o passado: a memória que constrói o
texto, o Brasil vai a guerra” visa destacar os diários de guerra e seus autores, bem
como os testemunhos de outros veteranos da 2ª Guerra Mundial. Ao longo do
presente estudo, tal situação foi tomando vulto e estas fontes se mostraram de
relevância para esta pesquisa. O objetivo maior, não está em analisar o gênero
literário do “diário”, mas entender a função e o sentido do registro. Antevendo seus
conteúdos, delineados por leituras feitas anteriormente, é possível destacar o seu
caráter individual em que o autor se dedicou a escrever os acontecimentos que
achou mais importantes de um dado momento, ou seja, guardar a memória
esculpida pelos sentimentos nos escritos neles contidos.
Os diários de guerra dos soldados brasileiros, na verdade, são anotações da
época da guerra, hoje transformadas em livros, dos relatos e das memórias que
marcaram um tempo significativo para o combatente e seu grupamento, aquela
memória que “atravessa”, “vence obstáculos”, “emerge” e irrompe os sentimentos
associados a este percurso, que são ambíguos, mas estão sempre presentes.
Neste aspecto, como diz Pierre Nora, “a memória é vida sempre carregada
por grupos vivos e nesse sentido está sempre em permanente evolução, aberta a
dialética da lembrança do esquecimento, inconsciente de suas deformações
sucessivas”
51
. Desse modo passível e vulnerável aos usos e manipulações, sujeita
às latências e de repentinas revitalzações.
50
JAHNEL, Claudia Bettina Irene Römmelt. O arquivamento do Eu: O Diário de Hugo Delitsch e as
lembranças de Emma Antom.(1844-1859).Tese (Doutorado), Curitiba, UFPR, 2002.
51
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Les lieux de mémoire. La
Republique, Paris, Gallimard. Tradução de Yara Aun Khoury, 1984. Projeto História, São Paulo, (10)
dez. 1993.
48
Essa memória, segundo Nora diferencia-se da arquivistica, pois ela se aia
sobre o que mais preciso no traço, mais material que vestígio, mais concreto no
registro, mais visível na imagem”.
52
Não memória involuntária que não venha carregada de afetividade, como
diz Jacy A. Seixas citando M.Proust
53
ou ainda como diz Pierre Nora, uma
constituição gigantesca e vertiginosa do estoque do material daquilo que nos é
possível lembrar, repertório insondável daquilo que teríamos ter necessidades de
nos lembrar
54
.
Neste aspecto, os diários de guerra dos veteranos brasileiros que
combateram na Guerra Mundial, tornam-se documentos primordiais, pois
transmitem claramente o espírito particular de cada um, demonstrando sua visão e
interpretação da guerra, com detalhes pitorescos, ainda não retratados pela
historiografia. O diário vive do desejo de preservar o esquecimento as experiências
vividas individualmente e do preservar aqueles dias da memória que a história oficial
não mencionara.”
55
Como diz Claudia Bettina:
De todas as possibilidades de se preservar o presente, o diário aparece ser
a forma mais simples. É necessário somente um pedaço de papel e uma
caneta. É muito simples e talvez por isso a forma mais utilizada e
conhecida, tanto no espaço como no tempo.
56
Assim, percebemos o soldado brasileiro, cada um a seu modo a registrar os
acontecimentos que lhes eram muito particulares. Em que momentos foram
escritos? Neste momento, cabe a pergunta. Possivelmente, logo após uma missão
na terra de ninguém
57
, do regresso de uma patrulha, de passar por um campo
minado, de enfrentar um bombardeio cerrado como aconteceu na Tomada de Monte
52
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Les lieux de mémoire. La
Republique, Paris, Gallimard. Tradução de Yara Aun Khoury, 1984. Projeto História, São Paulo, (10)
dez. 1993, p.15.
53
SEIXAS, Jacy Alves. Percursos da Memória em terras de História: Problemáticas atuais. In:
BRESCIANI, Stella; NAXARA, Márcia. Memória e (re)sentimento: indagações sobre uma questão
sensível. São Paulo: Unicamp, 2001, p. 47.
54
NORA, op. cit., p.13.
55
JAHNEL,op. cit., p.3.
56
Ibid., p.12.
57
N.A.: O termo “terra de ninguém” na guerra é utilizado para indicar uma zona fronteiriça onde os
embates ocorrem, portanto, um local de grande tensão, onde não é possível antever os
acontecimentos.
49
Castello, de responder aos fogos de artilharia inimiga, ou de retratar o descanso em
um dos acampamentos.
Muitas vezes tais diários, remetem mais a um relato do que foi visto e
refletido, sem muita preocupação de destacar uma cronologia precisa, ou mesmo
pela ausência da citação de locais percorridos. Muitos dos diários, como o do
tenente, Massaki Udihara pertencente ao Regimento de Infantaria , editado por
familiares após a sua morte, mostra as vivências do médico que viu frustrada a sua
participação na guerra, pois lhe foi negada ainda no Brasil a condição de passagem
para o Serviço Médico da FEB.
O infante, Dr. Udihara foi convocado para a FEB como oficial da Reserva,
depois de quatro anos de sua formatura em medicina. Em seu diário, com muita
sutileza, não poupou criticas aos oficiais e ao Exército Brasileiro. Como testemunho,
transparece em seu diário reflexões filosóficas e sonhos de um médico pensador,
transformado em soldado da infantaria à sua revelia. Tal indignação, no relato
monótono para o leitor leigo, transparece a angustia com a desconsideração da vida
humana. Do seu registro no dia 26 de Junho de 1944, na Vila Militar no Rio de
Janeiro, durante os preparativos para o embarque para a Itália, ele diz: Começa
este diário (não sei se será um diário no sentido de quotidiano, ao menos pretenderá
ser).[...] Desse momento em diante todos os meus atos e ações o terão mais a
significação de todos os dias e tudo já escapou da minha vontade.”
58
No rol dos diários abordados nesta pesquisa, destacamos A Verdade sobre
Guanella e A Verdade sobre Abetaia de Alfredo Bertoldo Klas, combatente
pertencente ao 11º Regimento de Infantaria. Nestas duas obras, frutos de seus
escritos durante a vida, contesta com clareza, lucidez e severa crítica os episódios
da participação brasileira na Guerra Mundial, desmistificando fatos considerados
tabus na Força Expedicionária Brasileira, principalmente em relação aos sucessivos
e malogrados ataques ao Monte Castello, nas localidades de Guanella
nos dias 2 e
3 de novembro de 1944, e Abetaia, no dia 12 de dezembro de 1944, fazendo-o com
58
UDIHARA, Massaki. Um dico brasileiro no front. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2002,
p. 41.
N.A.: Guanella era na guerra uma propriedade rural (vale do Rio Reno).Tanto Guanella como
Abetaia,constituíam pontos estratégicos nos mapas de combate,localizado em frente ao Monte
Castello, na pequena comune de Gaggio Montano a 60 quilometros de Bolonha, baluarte dos
alemães e passagem obrigatória para as tropas brasileiras nos confrontos da Linha Gótica, e
mistificado no imaginário dos combatentes brasileiros pela morte de 16 companheiros, motivadas pela
desconexões do comando responsável pelos ataques.
50
a segurança de quem realmente participou destes combates. Na justificativa que
serve de intróito ao seu livro sobre Abetaia, assim se expressou:
Ao escrever este trabalho fui animado por um objetivo: Levar os
acontecimentos vividos em Abetaia para o seu verdadeiro lugar. Não tenho
a intenção do confronto, da critica irreverente, de ferir memórias. Sinto as
opiniões e as contradições ,na expressão da verdade lógica, que é a
verdade do nosso conhecimento ,expressa por um juízo que pode ser
verdadeiro ou falso.[...] Muitos não estiveram em Abetaia, mas
escreveram.Eu estive em Abetaia, no dia 12 de dezembro de 1944.Vou
escrever.Sessenta anos são passados.
59
Os diários do combatente Alfredo Bertoldo Klas são obras esclarecedoras,
que nos colocam a par dos acontecimentos delicados e sofridos pelos combatentes,
valendo-se de fontes documentais extraídas dos arquivos militares, consegue
evidenciar fatos considerados tabus pela FEB, e até recentemente pouco
explicados.
Outro diário relevante, transformado em livro é Verdades e Vergonhas da
Força Expedicionária Brasileira, de Leonércio Soares, que pertenceu ao 11º
Regimento de Infantaria, e constitui ainda hoje uma obra considerada bastante
polêmica mesmo entre os combatentes. O livro foi editado pelo próprio autor na
década de 1980, não poupando em suas críticas o próprio comando da FEB. Buscou
mostrar uma série de equívocos por parte dos oficiais, que levaram os soldados a
determinados confrontos sem estarem preparados para estas situações. Segundo os
seus companheiros da Legião Paranaense do Expedicionário em Curitiba (PR), os
escritos de Leonércio Soares são contundentes por estarem focados apenas na
ótica do autor, de sua companhia e do seu Regimento, o que não deixa de ser uma
critica importante. Nas notas iniciais de seu diário, o autor se posiciona:
Mandar a juventude à guerra, mesmo despreparada e bisonha por
imposições inevitáveis é uma coisa; submetê-la às humilhações e aos
vexames, agüentando ainda as conseqüências dos comandos ineptos,
desnecessariamente ou por interesses alheios, é outra.
60
Outro diário editado no pós guerra é do tenente Ernani Ayrosa da Silva, oficial
de carreira e combatente do Regimento de Infantaria, escreveu Memórias de um
59
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005.
60
SOARES, Leonércio. Verdades e Vergonhas da Força Expedicionária Brasileira. Curitiba:
Edição do autor, 1982.
51
soldado, a obra foi editada em 1985 e pode ser vista até como uma história de
vida, pois retrata o início da sua carreira como aluno da Escola Militar no Rio de
Janeiro, a sua participação na FEB, onde destaca a sua participação na libertação
das primeiras italianas. Na década de 1960, pouco antes da eclosão da Revolução
de 31 de março de 1964, segundo seu relato, atuou na Secretaria do Conselho de
Segurança entre 1960 a 1964. Com o movimento militar, atuou diretamente junto
novo governo ao assumir a chefia da 2ª Seção de Informações.
Como tenente da FEB participou das jornadas iniciais da campanha no mês
de setembro de 1944. No seu diário, a descrição da movimentação dos soldados,
agora ajustados a uma nova maneira de combater, e a reação da população local
com a liberação das cidades, com ruidosas expansões de alegria, mostraram a
importância destas primeiras vitórias para a FEB, recém chegada no território
italiano, constituindo fator de equilíbrio e confiança para os soldados e seus
grupamentos.
Dos documentos preparados antecipadamente para esta pesquisa, havia
sobremaneira uma preocupação com as fontes que tratassem do Batalhão de
Engenharia da FEB São raros os diários ou mesmo testemunhos dos seus
componentes que se tem conhecimento. Neste caso, o Diário de um paisano na
Segunda Guerra Mundial de Rudemar Marconi Ramos, veio ao encontro das
expectativas,
pois na época dos preparativos da formação da FEB, este Batalhão
foi organizado no Rio de Janeiro e levado para Aquidauana, no Mato Grosso do Sul.
No seu relato, descreve passagens pitorescas do seu embarque no dia 20 de
setembro de 1944 para a Itália. “Oficiais brasileiros e americanos assistiam em
silêncio ao nosso lento desembarque do trem. Fomos nos alinhando diante do
passadiço e de duas enormes portas que haviam sido abertas.Entramos em ordem
com nossos saco A
nas costas, no bojo do grande e imponente navio americano.”
61
N.A.: O B.E foi criado no dia 7 de novembro de 1942, até hoje é difícil explicar porque o Exército
na época, resolve reunir na vila militar (RJ) no quartel do Batalhão de engenharia Vilagran Cabrita,
vários outros contingentes das mesmas armas, oriundos de outras regiões do Brasil e enviá-los ao
Mato Grosso, quando poderiam ser alocados no R.J, com maior conforto.Diante de tantos percalços,
os soldados se revoltaram e a inclusão de elementos de conduta duvidosa, da própria região do Mato
Grosso, resultaram no apelido recebido de batalhão conduta”. Somente ás vésperas do
embarque para a Itália, dado às ações diretas do comandante José Machado Lopes,e a expulsão dos
maus elementos, foi que o grupo de 900 homens partiu para a Itália, lá recuperou-se e muitas vezes
é citados nas pesquisas italianas como um dos melhores batalhões brasileiros.
N.A.: Os soldados embarcavam com dois sacos de viagem, o saco A continha o necessário para ser
usado na frente de batalha, geralmente uma muda de uniforme e seus complementos.No saco B
52
O Batalhão de Engenharia é o que faz o primeiro contato em frente de
batalha, abrindo passagem aos demais combatentes, às viaturas, ao armamento e
munição. Ao passar pelos povoados destruídos, vai tomando contato com a
população que permaneceu, reabrindo estradas, construindo pontes, e, executando
a tarefa mais difícil que consiste em desarmar campos minados. O diário de
Rudimar, ao recordar essas situações, descreve o contato das populações italianas
com os soldados brasileiros.
Outro diário bastante minucioso e polêmico tem como titulo A Saga de um
Catarina na FEB de José Alves da Silva, do 11º Regimento de Infantaria. Em 1942
ocupou o posto de sargento, no ano de 1944 segue voluntariamente para a
guerra. Saindo de Florianópolis, juntamente de outros militares, passa por Curitiba
onde ocorrem outras incorporações de soldados oriundos de outras regiões do
Paraná e Santa Catarina. De trem seguem para a cidade de Caçapava no interior de
São Paulo. José Alves busca na linguagem simples da narrativa uma maneira de
comunicar ao leitor as primeiras dificuldades dos soldados que vinham de outros
estados para o acantonamento em São Paulo.
62
[...] à tardinha chegamos a Caçapava, uma cidade pequena, feia, com
casas velhas, desolada, despida de atrativos e seguimos para o quartel do
R.I que já se encontrava no Rio de Janeiro, em treinamento para integrar
a FEBCom o estomago nas costas, fomos para o rancho e de tão
esfomeados jantamos bastante uma refeição aceitável, não havendo tempo
para reparar se a comida era boa ou não, porque naquela altura do
campeonato os homens comeriam até pedra. Posso garantir que era muito
melhor do que aquela coisa mal cheirosa que o 4º RI. havia nos ofertado a
título de almoço.
No diário Notas de um Expedicionário Médico de Alípio Corrêa Netto,
destacado cirurgião do Rio de Janeiro, são apontados aspectos interessantes sobre
o Serviço de Saúde durante a guerra na Itália, colocando tópicos esclarecedores.
Muitos dos dados contidos no diário o pessoais, como por exemplo a resolução de
eram colocados os demais pertences, que por não serem tão necessários, pois eram objetos
pessoais, ficavam na retaguarda.
61
RAMOS, Rudemar Marconi. Diário de um paisano na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
H.P Comunicação Editora, 2003.
62
N.A.: Os acantonamentos eram localizados nos quartéis, geralmente prédios precários para
receber um contingente grande de homens que necessitavam de todo o tipo de assistência. As
cozinhas eram precárias, faltava higiene nos recintos, principalmente nos banheiros, os alojamentos
não ofereciam nenhum conforto aos soldados. Somente depois da guerra é que os quartéis passam a
utilizar os ensinamentos obtidos com os norte americanos, no sentido de cuidar da profilaxia em suas
unidades militares.
53
deixar o cargo que ocupava no Brasil como chefe do Serviço de Saúde do Exército
para se candidatar a acompanhar o grupamento de saúde, até o teatro de operações
de guerra em território italiano. As anotações do seu diário, foram inicialmente
publicadas no retorno ao Brasil em 1946, e reeditadas mais tarde em 1983. Como
cirurgião - médico, os episódios narrados por Alípio Corrêa, mostram sua visão
sobre os feridos, os mutilados, o encaminhamento dado aos doentes, as cirurgias de
emergência e os tratamentos médicos a que foram submetidos os soldados
brasileiros nos Estados Unidos. Na introdução do seu livro, deixa de lado o olhar frio
do especialista, mas com humanidade relata: “O meu posto de observação era o
hospital onde os feridos e os mortos representavam o máximo de sacrifício, ao dar a
vida e derramar o sangue pela causa. Procurei identificar de maneira geral a
natureza do esforço e do sacrifício e como eram suportados pela nossa gente.”
63
No processo de organização da pesquisa sobre a FEB, houve a oportunidade
por parte desta autora em conhecer o combatente Ruy Fonseca em uma das
viagens feitas à Itália. dez anos, com menos idade, era comum a estes homens
visitarem os locais onde haviam combatido. Geralmente, o momentos que
evidenciavam grande emoção desses participantes, principalmente a Ruy, pessoa
culta e que no pós guerra foi também professor. No seu diário Uma face da Glória,
destaca de forma singular a sua trajetória na guerra, pois inicia falando da
convocação, das dificuldades encontradas nos primeiros dias na caserna, até o
retorno ao Brasil no dia 17 de setembro de 1945. Seguindo uma cronologia quase
rígida, ele coloca o leitor diante de fatos que envolveram não apenas os homens do
seu batalhão, mas de outros soldados e as ocorrências que delinearam a passagem
da FEB pela Itália.
Da sua narrativa extraímos uma das passagens sobre o acantonamento do
Capistrano no Rio de Janeiro, local onde a FEB foi sendo reunida antes do
embarque para a Itália e que demonstra as condições precárias em que o soldado
foi recebido.
Nesses anos todos do pós-guerra, com cada febiano que conversamos e
que passou pelo acantonamento, nos barracões do Capistrano, nenhum
desses – nenhum, mesmo –deixou de lastimar pelos tempos sofridos que ali
convivemos. [...] Sem vegetação alguma, nem uma árvore sequer, o sol
castigava os telhados e tábuas das paredes, transformando cada
63
CORREA NETTO, Alípio. Notas de um expedicionário médico. São Paulo: Almed, 1983.
54
alojamento num forno durante o dia e numa estufa durante a noite, era um
verdadeiro campo de concentração.
64
A ótica apuradíssima de Ruy conduz o leitor pelos caminhos da sua
Companhia na Itália, destacando passagens interessantes entre os habitantes e os
soldados, quando destaca o cenário do cotidiano dos acampamentos e da sua visão
dos primeiros combates.
Outro diário muito minucioso pertence ao combatente, José Edgar Eckert do
Regimento de Infantaria, dos dados registrados na Itália ele transcreveu o seu
Memórias de um ex-combatente: relato de um ex-combatente da Força
Expedicionária Brasileira publicado em 2000. É um relato absorvente, afinal são
poucas narrativas que retratam com tantas minúcias o embarque do e 3º escalões
da FEB, constituindo o maior deles com cerca de dez mil homens com destino para
a guerra. Buscando ser didático, orienta o leitor, destacando nas primeiras páginas
as causas da participação do Brasil na guerra e a formação da Força Expedicionária
Brasileira.
Da viagem ao cotidiano da guerra, a riqueza do relato coloca o leitor diante de
situações inusitadas. A sua Companhia de Transmissões era uma as encarregadas
de manter funcionando a comunicação entre os postos de comando e os que se
encontravam na frente de combate, situação primordial para manter os objetivos.
Uma das passagens do seu relato datado de 22 de fevereiro de 1945 diz respeito
aos acontecimentos do dia anterior sobre a conquista de um dos baluartes mais
importantes para a FEB.
Às 13:00 hs fui com uma equipe de telefonia puxar uma linha de telefonia
até Fornello,que é a ruína de uma casinha isolada, que havia ali antes dos
combates, e fica a meia encosta do Monte Castello.Tivemos de levar nas
costas duas bombas DR-4, subindo de uma ladeira íngreme ,de 45º, por
uma trilha que conduz ao cimo do monte, e desenrolando o fio. No trajeto
ainda jaziam alguns cadáveres de brasileiros que haviam tombado no
ataque do dia 12-12-1944.Estavam com a tez preta como carvão, mas sem
indício de mau cheiro, nem decomposição, o que faz crer que tenham sido
cobertos pela neve durante o inverno e ali ficaram até agora, insepultos.
Havia armadilhas tipo booby traps, interligadas com fios e amarradas aos
cadáveres.
65
64
FONSECA, Ruy de Oliveira. Uma face da glória-reminiscências e diário de campanha. Rio de
Janeiro: Editora Agora da Ilha, 2002.
65
ECKERT, José Edgar. Memórias de um ex-combatente. Florianópolis: Insular, 2000, p. 38.
55
Edgar Eckert consegue por meio dos fatos considerados menores em
algumas óticas, retratar momentos especiais vivenciados pelo seu grupamento que
enriquecem a narrativa, fugindo do lugar comum de muitos diários meramente
cronológicos.
Entre os combatentes, era expressivo o número de profissionais liberais
convocados ou voluntários que partiram para a Itália. Havia dicos e dentistas
atuando como infantes
,fato constrangedor para muitos combatentes que durante a
seleção e preparativos no Brasil, poderiam ter sido remanejados para atuarem na
guerra dentro de suas especialidades. Entre as centenas de testemunhos que
compõem a história da FEB, a narrativa do estudante Joaquim Xavier da Silva, aluno
do curso de Direito antes da guerra, autor de duas obras: Cruzes Brancas e Diário
de um Pracinha foi a escolha para compor o presente trabalho. Chama a atenção o
seu testemunho pois, na difícil arte de narrar os acontecimentos de uma guerra,
consegue destacar aspectos humanizados de um período crucial, onde os soldados
geralmente são números e a palavra final sempre é dos estrategistas.Na guerra
esteve como soldado na Companhia de Comando do Regimento de Infantaria,
tendo sido ferido em combate.O relato de Xavier tem um tom crítico mais profundo,
ao avaliar o papel do soldado na frente de batalha, com suas angústias, sofrimento e
dor. No pós guerra suas anotações transformaram-se nas obras citadas. Na
apresentação de O Diário de um pracinha em janeiro de 1947, seu professor Pedro
Calmon recorda o antigo aluno:
Lembro-me do dia em que à aula de Teoria Geral do Estado, compareceu
fardado, e pronto para partir para a guerra. O uniforme de expedicionário
dobrava-lhe nas mangas; a sua cabeça infantil, de “calouro imberbe”,
traduzia a inocência_ e a calma vontade do sacrifício.[...] havia um resto de
timidez,senão o receio de parecer heróico, quando era apenas correto.[...]
Indaguei-lhe: onde vai servir? e respondeu, perfilando os calcanhares,
juntos, a voz sem ênfases: na Itália. Correu pela sala o murmúrio de
aplausos.
66
Ainda na Itália, Joaquim Xavier da Silva buscou manter contato com a
imprensa brasileira, e escreveu muitas cartas que foram veiculadas por vários jornais
não apenas no Rio de Janeiro, mas também em outros estados. A participação de
Infantes, oriundo de infantaria, tropa que faz o serviço a pé, nesta fase da guerra exercendo papel
preponderante numa guerra de movimento.
66
SILVEIRA, Joaquim Xavier da. Cruzes Brancas: o diário de um pracinha. Rio de Janeiro: José
Álvaro Editor, 1963.
56
estudantes na FEB poderia constituir um estudo à parte de grande interesse, pois
esta é uma vertente ainda não explorada pelos pesquisadores.
que se acrescentar nesta pesquisa partes preponderantes das memórias
de Celso Rosa, Ítalo Diogo, Miguel Pereira, Jarbas Albrincker e José Dequech, além
do diário manuscrito de Guilhermina Gomes e dos apontamentos de Maria
Conceição Suarez, Altamira Pereira Valadares, Hilda Ribeiro, e os depoimentos de
Virginia Leite, todas enfermeiras do Serviço de Saúde da FEB, que prestaram
serviços nos diversos hospitais dos aliados em território italiano.
Ao avaliar os discursos contidos nos 10 diários que constituem a peça central
desta investigação, estaremos trabalhando com as memórias de guerra registradas
pelos seus personagens que, nos seus escritos, relatam histórias de vida que o
tempo não apagou. Como diz Pollak, locais distantes “fora do espaço-tempo vida de
uma pessoa que podem constituir lugar importante para a memória do grupo”.
67
Os veteranos da FEB constituem nesta pesquisa os sujeitos das ações que se
busca avaliar, são os narradores da memória do grupo. Lembrar não é reviver, mas
refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do
passado. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão agora à
nossa disposição, no conjunto das representações que povoam nossa consciência
atual, como reflete Halbwachs.
68
Ao evidenciar as narrativas dos combatentes brasileiros em seus diários, é
possível perceber a existência de uma memória fragmentada, levando em
consideração que a guerra é um acontecimento traumático que faz e refaz um
passado pela narrativa do presente. São momentos em que os acontecimentos
atuam sobre as condições do ato do discurso de quem conta, propiciando a criação
de novos relatos, histórias e narrativas que surgem.
O que pretende avistar nestes discursos? Provavelmente os elementos que
se combinem no seu todo, como os personagens, os enredos, a ação e o cenário.
São as privações, os sofrimentos que envolveram os personagens ao passarem pela
dramaticidade da guerra, descritos pelos momentos grande tensão. Tais momentos,
expressam a fragilidade dos homens diante da ação do inimigo, ou ainda a
incompreensão e a inépcia das lideranças, os elementos da natureza como a
67
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Caderno de Estudos de História, n. 3, FGV,
Rio de Janeiro, 1989, pp. 1-13.
68
HALBWACHS, op. cit., p.51.
57
chuva, o frio, e a topografia acidentada no teatro de operações, que desequilibravam
muitas vezes qualquer planejamento.
Naturalmente, esses relatos misturam com um repertório previsível de
qualidades, que estes homens imputavam a si mesmos como analisa Salles
69
:
“bravura, coragem, inteligência, astúcia, obediência, disciplina, dedicação, honra,
amor próprio, abnegação.” Esta combinação de relatos interessa a este estudo.
No cenário que envolve os diários e memórias, que se levar em conta a
diferença existente entre os gêneros diários e memórias, segundo Claudia Bettina
Jahnel, o que os diferencia é a própria maneira de escrever. “Enquanto o diário
constitui-se de registros feitos em poucas horas, ou em casos extremos, poucos dias
depois de ter vivido a situação, a memória geralmente é um registro feito anos ou
até décadas de um acontecimento.”
70
Na abordagem das fontes esta pesquisa
privilegiará ambos os gêneros
Na persistência do discurso dos veteranos brasileiros que combateram na
Guerra Mundial em busca de reconhecimento vê-se a possibilidade de organizar um
documento histórico a partir de suas memórias orais ou escritas, muitas vezes
multifacetadas. Então o que se tem em mãos? Na verdade, percebe-se um discurso
não estruturado sem a preocupação com a linearidade ou temporalidade da história.
São relatos que marcam a narrativa e buscam reafirmar os valores que um dia os
conduziram aos campos da Itália, uma vez que o silêncio é rompido e a própria
memória sob a pressão do tempo, no ato de recordar, busca um passado que é
inerente à sua biografia. Como Jacy Alves de Seixas esta situação? Segundo a
escritora, “temos a sensação de viver sob o império da memória, e da obsessão
comemorativa que tem acometido a sociedade final do século XX , que não cessa de
irromper em escala internacional, pelos poros e cicatrizes sociais.”
71
Ao privilegiar as fontes referendadas acima, têm-se nítida consciência de que
tantos os diários como as memórias contem omissões, ou até certo embelezamento
no ato do registro, estes também podem registrar os medos e angustias de uma
maneira direta, fresca, sem terem sido misturados com outras vivências ou reflexões
que pudessem modificar em demasia o sentimento atual.
72
69
SALLES, Ricardo. Memórias de Guerra: guerra do Paraguai e narrativa nacional. Disponível
em: http://www.guerragrande.com. Acesso em: 31 jan. 2008.
70
JAHNEL, op. cit., p.15.
71
SEIXAS, op. cit., p. 38.
72
JAHNEL, op. cit..
58
Ainda de acordo Claudia Bettina Römmelt, observando-se o diário mais de
perto, é possível perguntar: O que oferece o diário em si e quais as suposições a
partir das quais é ele aceito com documento? Temos a consciência que um
documento pessoal não é um mero reflexo daquilo que aconteceu. “Um documento
pessoal pode conter mentiras, pode conter estetizações, acréscimos”
73
Neste
aspecto, cabe uma observação: Embora a autora tenha mostrado sua reflexão, e se
respeita o seu ponto de vista, cabe salientar que a presente investigação, está
pautada em vários documentos e principalmente nos diários dos pracinhas
brasileiros, portanto, devem ser assumidos como autênticos e criveis,
independentemente da forma como são apresentados, pois todos os seus autores
participaram da guerra na Itália.
Diante das diversas hipóteses que se apresentam nesta pesquisa, sobre as
origens dos discursos dos pracinhas brasileiros em seus enunciados nos diários e
em outras falas, seja pela divergência de vozes, como pelas visões de mundo e suas
relações dialógicas, não estariam estes homens enfrentando a ordem constituída por
outros discursos no passado, quando o poder simbólico impunha significados
legítimos? Não estariam os combatentes rompendo a homogeneidade intrínseca do
habitus, que esse já não era mais harmonioso, não garantia a objetividade das
ações e não era vivenciado como uma necessidade? O que fazer de um modelo que
nada mais dizia respeito à trajetória social deste grupo?
Enfim, verificando o conceito de habitus, este não expressa apenas uma
ordem social funcionando pela lógica pura da reprodução e da conservação, ao
contrário, a ordem social constitui-se através de estratégias e práticas nas quais e
pelas quais os agentes reagem, adaptam-se e contribuem no fazer histórico
74
.
Portanto, assim como Setton, vê-se a necessidade de considerar o habitus
um sistema flexível de disposição, não apenas resultado da sedimentação de uma
vivência nas instituições sociais tradicionais, mas um sistema em construção, em
constante mutação e, portanto adaptável aos estímulos do mundo moderno
75
. Neste
sentido, busca-se também perceber nas ações perpetradas pelos combatentes
brasileiros no pós-guerra em busca de reconhecimento contrariando a orientação
73
JAHNEL, op. cit., p.23.
74
BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Bertrand
do Brasil, 1998, p.35.
75
SETTON, Maria da Graça Jacintho. A teoria do habitus em Pierre Bourdieu, uma leitura
contemporânea. Revista Brasileira de Educação, n. 20, maio, jun, jul, agosto de 2002, p.67.
59
institucional do exército um habitus como trajetória, mediação do passado e do
presente, habitus como história sendo feita, habitus como expressão de identidade
social.
Ao organizar as informações das fontes em histórias, volta-se heuristicamente
à narrativa, interpretando as ações e estratégias dos pracinhas brasileiros em busca
de reconhecimento. Pela memória questiona-se o passado a partir de conjeturas
acerca do sentido que é dado nos discursos dos veteranos da Força Expedicionária
Brasileira.
Neste aspecto, este capítulo vai se constituir pelos traços da memória. Não se
trata de uma reta que une os caminhos prováveis, dois pontos no espaço, mas sim
um feixe de hipérboles, que as vozes aqui narradas, que atuam na busca da
recuperação desta memória, vêm mostrar a interferência de muitos outros fatores na
construção da narrativa. É por meio dessa linguagem que o relato memorialista será
construído. Nele, estarão presentes escolhas, silêncios, lembranças e imprecisões.
1.2 A GUERRA PRECEDE O ESTADO UMA VISÃO SOBRE A GUERRA
MUNDIAL
Uma preocupação se aproximava na escrita deste texto, esta diz respeito aos
conceitos pertinentes á palavra guerra, pois a sua utilização durante o construto
histórico será uma constante.Neste aspecto, tanto ela é mencionada pelos autores
consultados, bem como pelos memorialistas da FEB em seus testemunhos, pelos
cronistas, pelos conferencistas e outros que a abordam em seus temas.Também
neste momento, se faz necessário uma abordagem sobre as origens da Guerra
Mundial e o teatro de operações de guerra na Europa, local de direcionamento da
tropa brasileira. Ainda que uma breve e esclarecedora análise.
Nos anos que se seguiram à Guerra Mundial, buscaram os historiadores
uma definição científica do conceito de guerra. Nesse aspecto, houve uma
aproximação entre estes, os cientistas e os matemáticos, visto que novos tempos se
apresentavam com estratégias nucleares, para delinear a partir daí um estudo mais
aproximado aos problemas militares. Assim, os resultados, preocupantes,
apontavam para as catástrofes que foram impostas a muitas nações, para o
60
massacre em massa sofrido pelas populações, como as tragédias que ocorreram em
Hiroshima e Nagasaki, no Japão.
Havia a necessidade de apurar as responsabilidades pelos efeitos drásticos e
pelos horrores potenciais da Guerra. Nessa fase, como argumenta o historiador
militar Russel F. Weigley: O avanço continuado da Tecnologia, tanto nuclear como
de mísseis, fez com que os problemas militares se tornassem cada vez mais assunto
para a pesquisa científica, vinculando a Estratégia e a Dissuasão do equilíbrio
nucleares ainda mais estreitamente à Física e à Matemática.
Paralelamente ao progresso na área da computação, nasceram a pesquisa
e a análise operacionais e a sua evolução para a Análise de Sistemas,
como um meio de se chegar aos temas correlatos da Estratégia e da Tática
e dos Sistemas de Armas. A pesquisa operacional surgiu na 2ª Guerra
Mundial, com a aplicação da análise sistêmica, e especialmente
quantitativa, ao problema decorrente da necessidade de assegurar uma
otimização da performance dos armamentos.
76
Como historiador Militar, Weyglei alerta os leitores e a comunidade científica
sobre a “propensão que têm os historiadores a olhar de maneira superficial (fatos e
lugares), quando deveriam - muito mais que quaisquer outros - ter uma visão em
muito maior profundidade, constitui, com certeza, um outro motivo para a parcimônia
no uso da História.”
77
Ao tentar conceituar a palavra guerra, os historiadores se dividem. Segundo
alguns, a guerra seria a continuidade da política por outros meios. Aristóteles dizia
que o “homem é um animal político”, Clausewitz (um veterano prussiano das
guerras napoleônicas, autor de Da guerra), destaca que a guerra é, na verdade, a
“continuação das relações políticas”. O pensamento de Clausewitz, segundo
Keegan, estaria incompleto, pois toda guerra implica também a existência de
Estados, de interesses de Estado e de cálculos racionais sobre como eles podem
ser atingidos. Na visão deste autor, a guerra precede o Estado, a diplomacia e a
estratégia por vários milênios. Ainda segundo Keegan, “A guerra é quase tão antiga
quanto o próprio homem e atinge os lugares mais secretos do coração humano,
76
WEYGLEY, Russel F. Novas Dimensões da História Militar. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1981. p.18-19.
77
Ibid., p. 19.
61
lugares em que o ego dissolve os propósitos racionais, onde reina o orgulho, onde a
emoção é suprema, onde o instinto é rei.”
78
Na confusa interpretação provocada pelo debate historiográfico sobre as
causas da Guerra Mundial, os historiadores se dividem em relação à análise da
participação da Alemanha no conflito e dos motivos que teriam levado este país, a
tomar as posições que depois se tornaram desastrosas.
Segundo Vigevani, não há indícios importantes a indicar que antes de 1933, e
mesmo nos quatro anos seguintes, houvesse na Alemanha, nem mesmo no Partido
Nacional Socialista, da parte de Hitler, forças significativas que buscassem algo além
das conhecidas reivindicações nacionais alemãs de restabelecer as fronteiras de
1914 e, no máximo, a reunificação com a Áustria. Embora essa situação seja
discutida por outros historiadores, há os que argumentam sobre o Estado racial
germânico ou ariano e os nexos causais que tornariam clara a evolução da
Alemanha e de uma parte dos alemães para posições que outros consideram
estarem abaixo da linha civilizatória ou serem mesmo criminosos.
79
O ano de 1995, quando das cerimônias pelos 50 anos do final da Guerra
Mundial, suscitou em várias partes do mundo, principalmente nos países que se
viram envolvidos nesse conflito, um volume expressivo de pesquisas e debates. No
Brasil, do grupo organizado pelo historiador Osvaldo Coggiola, da Universidade de
São Paulo, textos relevantes, que, na visão dos autores, mostram as implicações
deste período de tanto significado para a humanidade.
Os números apresentados por Coggiola são impressionantes: Cerca de
sessenta milhões de homens em armas, entre quarenta e cinco a cinqüenta milhões
de mortes (a maioria na população civil) como resultado direto dos combates, sem
se contar também os que morreram por fome e doença, como resultado direto da
guerra, e também pelas situações calamitosas provocadas pelos massacres
absurdos da população civil, desnecessários sob o ponto de vista militar.
80
que se recordar os fatos que ocorreram em 1933, quando Adolf Hitler, ao
assumir o poder na Alemanha, instalou a ditadura, implementou um programa
maciço de militarização no país e declarou a ilegalidade dos partidos políticos, com
78
KEEGAN, John. Uma história da guerra. São Paulo: Cia das Letras, 2006, p. 19.
79
VIGEVANI, Tullo. Origens e desenvolvimento da Segunda Guerra: considerações sobre a querela
dos historiadores, apud COGGIOLA, Osvaldo. Segunda Guerra Mundial: um balanço histórico. São
Paulo: USP, 1995.
80
COGGIOLA, Osvaldo. Natureza da Segunda guerra Mundial, In: COGGIOLA, op. cit., p.37.
62
exceção do Partido Nazista. As grandes potências mundiais, preocupadas com seus
problemas, não perceberam a gravidade do que estaria por vir; neste caso, os
Estados Unidos, a França e a Inglaterra. Com essa atitude, acabaram por deixar o
caminho aberto para uma das guerras mais sangrentas da história e que traria
graves conseqüências para o mundo, com sofrimentos, perdas e mortes com
estatísticas estarrecedoras.
Tais fatos reportam a outros, ocorridos anteriormente, que entremearam os
acontecimentos político-militares como, por exemplo, o fim das guerras napoleônicas
(1815), as guerras civis em diferentes países europeus (1848), a guerra franco-
prussiana (1870) e a Primeira Guerra Mundial (1914). A Alemanha, nesta época,
como perdedora nesta última guerra, foi obrigada a entregar todo o seu equipamento
bélico, reduzir o seu efetivo militar a 100 mil homens e a pagar uma indenização
bilionária aos vencedores. Tais procedimentos causaram um grave ressentimento à
nação, que se sentia humilhada e estava disposta a lutar por uma revanche.
Em 1933, com a chegada do Partido Nacional Socialista ao governo, a
situação européia muda completamente. Embora surgissem outras forças políticas e
ideológicas, não se imaginava que tal situação redundasse em novo conflito
mundial.
Preocupado em recuperar a economia e a força alemã militar da Alemanha,
Hitler revogou o Tratado de Versalhes, que, a seu ver, impedia a conquista de
territórios vitais para atenuar o desemprego que grassava na Alemanha durante
décadas. em 1938, sem encontrar muita resistência da Inglaterra e da França,
anexou a Áustria e invadiu a Tchecoslováquia. Com essas vitórias, Hitler se
convenceu da debilidade dos aliados e isto o fez aproximar-se da Rússia, firmando
um pacto de não agressão, cujas cláusulas implicavam a partilha da Polônia.
No dia de setembro de 1939, a humanidade assistia aturdida à invasão da
Polônia pela Alemanha depois da denúncia do pacto de não agressão, que havia
sido firmado em 1934, e das recusas do governo polonês para a cessão de Dantzig
bem como do “corredor polonês”. Utilizando um novo conceito de luta armada, a
blitzkrieg, ou o ataque relâmpago, com a combinação e uso de veículos blindados e
bombardeios aéreos, a Alemanha começou a se mostrar imbatível diante da
perplexidade do mundo todo.
63
1.3 A ERA VARGAS, PERSPECTIVAS DE UM TEMPO EM QUE O BRASIL VAI À
GUERRA
Este subcapítulo será constituído por considerações sobre o momento político
e econômico da Era Vargas (1937-1945), tanto na avaliação dos especialistas sobre
o período, como na visão demonstrada pelos ex-combatentes brasileiros - na
maneira como ela foi exposta nos seus diários, nos testemunhos e em outros
documentos. Embora não se perceba uma profunda discussão política por parte dos
pracinhas, em muitas situações o assunto é evidenciado na exposição de datas e
acontecimentos que fazem conexão com a experiência de vida de cada um. Nesse
sentido, será relevante compreender esta fase que, após o golpe de 1937, passou à
história como estadonovista e em quais situações ela incide nos pronunciamentos
dos soldados brasileiros.
A agricultura brasileira, com base na monocultora do café, vinha acarretando
sérios problemas para a economia do país, situação que se arrastava desde a
década de1930, pronunciando-se no período que antecede o Estado Novo e
obrigando o país a adotar novos rumos econômicos, atendendo à demanda da
guerra que acontecia na Europa. Tais acontecimentos não ficaram alheios aos
soldados que embarcaram para a guerra, pois são manifestados nos depoimentos,
quando se avalia este momento brasileiro, retratando momentos de reflexão sobre
como suas vidas foram afetadas: no campo político, cultural, educacional, bem como
sobre a relação desses fatos com a carreira escolhida dentro do exército brasileiro,
ou então a convocação de recrutas para lutar numa guerra externa ao país.
Uma das análises mais completas sobre a conjuntura política brasileira, que
compreende a fase da decretação do Estado Novo (1937) e o fim da Segunda
Guerra Mundial (1945), foi apresentada pelo brasilianista McCann, que assim
destacou o cotidiano do que seria a capital às vésperas do golpe que iria instalar o
regime do Estado Novo, que durou oito anos.
O Rio de Janeiro amanheceu mais frio e varrido por uma brisa na quinta-
feira, 10 de novembro de 1937. Os jornais da manhã não faziam menção
alguma ao manifesto lido no dia anterior no Congresso, havia apenas uma
matéria de destaque sobre o novo Ministro da Justiça, Francisco Campos.
Tudo parecia normal e a cidade estava aparentemente calma, a despeito do
súbito fechamento do Congresso naquela manhã. [...] Mas alguma coisa
64
fermentava aquela calma aparente, rumores de um golpe iminente
ganhavam curso a cada dia.
81
A avaliação deste período, feita por McCann, é importante, pois coloca o leitor
diante de um olhar de fora, que, subsidiado pelas diversas fontes, se reporta não
apenas à vasta documentação americana principalmente dos Arquivos Nacionais
da Segunda Guerra Mundial, dos Arquivos Diplomáticos e dos Arquivos do Itamarati
mas também aos importantes arquivos da família de Getúlio Vargas e de Oswaldo
Aranha, na época, uma concessão dos familiares.
Em seu trabalho, McCann entrevistou muitos participantes da FEB, dentre os
quais o comandante, marechal João Batista Mascarenhas de Moraes - que repassou
ao autor uma cópia do seu diário - e o marechal Estevão Leitão de Carvalho, que na
época da guerra representou o Brasil na Comissão de Defesa Brasil-Estados Unidos
- autor de obra específica, que explica a política de bastidores entre o governo de
Getúlio Vargas e os norte-americanos, numa abordagem relevante para a
compreensão do momento político antes de o Brasil entrar na guerra. O rol de
autores brasileiros consultados por McCann é significativo e a consulta à sua obra
tem relevância a partir da ótica introduzida neste estudo, qual seja, a busca
incessante de dados que possam inferir interpretações sobre a participação
brasileira na Segunda Guerra Mundial.
Buscando contextualizar sua pesquisa, McCann revela o país na época de
Vargas:
O Brasil de Vargas era, em espírito e realidade, um país rural que apenas
começava a povoar seus 8,5 milhões de quilômetros quadrados de território.
Mais de 90% de seus 41 a 42 milhões de habitantes se acumulavam em
320 km da costa atlântica de 7.408 km da Guiana Francesa ao Uruguai.
Aproximadamente 70% viviam em áreas rurais [...]. Pobreza, desnutrição e
doença afligiam o interior dominado por uma agricultura-monocultura -
geralmente, café, algodão ou cacau.
82
Refletindo sobre o momento brasileiro que antecedeu à declaração de guerra
e seus preparativos, o oficial de informações da FEB, Octavio Pereira da Costa, em
seu livro de memórias e, depois, em testemunho gravado, registrou: “Pouco
havíamos progredido em meio culo de República”. Getúlio Vargas, auxiliado por
81
MCCANN, Frank. A Aliança Brasil Estados Unidos 1937-1945. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca
do Exército, 1995, p. 25-48.
82
Id..
65
Lindolfo Collor, implantava, com imensas dificuldades, uma legislação trabalhista.
“Arrastavam-se, crônicos, os nossos problemas sanitários e educacionais”.
83
Octavio
Costa vai mais longe, ao criticar o que ele chama de ópio ufanista, ilusório,
deprimente, subserviente e imobilista do povo brasileiro. “No país dos basbasques,
onde tudo vinha de fora ou de fora tudo se copiava, ainda não tinha ido mais fundo,
na sensibilidade nacional, o safanão da Semana de Arte Moderna, de 1922, na
rotina da nossa macaqueação cultural”.
84
Nesse caso, é perceptível a proximidade
do ideário de brasilidade, que vai se manifestar em diversas segmentos da
sociedade brasileira, como já houve oportunidade de se expor nesta pesquisa.
Tudo vinha de fora: o trem, o automóvel, o navio, o trator. A escassa
manufatura feita aqui não era de qualidade. O país essencialmente agrícola era o
sustentáculo de muitas famílias, mas a política econômica estava voltada para servir
aos interesses externos.
As regiões brasileiras denotavam uma grande diferenciação entre norte e sul,
o que não surpreende nas questões referentes aos padrões de vida das cidades
como Rio de Janeiro e São Paulo em relação ao nordeste, cujos Estados haviam
passado por secas periódicas, principalmente as ocorridas entre 1930 e 1933.
A agricultura de subsistência era praticada pela maioria do povo, enquanto a
monocultura do café basicamente ditava as regras do comércio com o exterior.
Setenta por cento das exportações brasileiras consistiam em café, dois
terços dos quais vinham de São Paulo. Cerca de metade dos grãos
geravam divisas internacionais, iam para os Estados Unidos e duas ou três
firmas norte-americanas dominavam o comércio de exportação do café do
Brasil.
85
Quando ocorreu a crise de 1929, que acabou por afetar a economia do país
em função da queda do preço internacional do café, o Brasil estava diante de uma
superprodução cafeeira. A redução da receita cambial chegou a 62% entre 1929 e
1933, causando a suspensão dos investimentos externos. Isso obrigou o governo
recém-eleito a alterar o campo econômico, principalmente no que diz respeito à
política de defesa do café, a qual redundou em medidas importantes, assinaladas
pela compra da safra paulista entre 1929 e 1930, pela queima do café e pelas “cotas
83
COSTA, COSTA, Octávio. Trinta Anos depois da volta: O Brasil na Guerra Mundial. Rio de
Janeiro: Biblioteca do Exército, 1976., p.21.
84
Id.
85
MCCANN, op. cit., p. 31.
66
do sacrifício” entre 1943 e 1944, tendo como desfecho uma ofensiva internacional
em busca de novos mercados para o produto.
O general Cordeiro de Farias - interventor no Rio Grande do Sul, antes de
comandar a Artilharia da FEB na Itália -, em seu depoimento, registra momentos
importantes para o país. O primeiro diz respeito ao funcionamento do Instituto
Nacional da Carne em 1940. “Nossa orientação era melhorar a qualidade do
rebanho.” Nesse aspecto, foram trazidos reprodutores do Uruguai e da Argentina, o
que veio incrementar a exportação de gado para a Europa. Já era significativa a
produção de carne pelos frigoríficos que exportavam para o sul, principalmente para
o Uruguai.
86
O outro, sobre o processo de industrialização que vinha algum
tempo sendo praticado pelos gaúchos de origem européia. “Já tínhamos a indústria
têxtil, embora não produzíssemos algodão. Na indústria de Caxias, havia a
metalúrgica de Abramo Eberle [...]. Em Novo Hamburgo, desde o século passado,
se havia iniciado a produção de calçados.”
87
Com a entrada dos Estados Unidos na guerra e, posteriormente, com a
declaração de Guerra pelo Brasil aos países do eixo, a situação do país passa por
mudanças substanciais. Muitos viram, na mobilização da FEB para a guerra, uma
continuidade das medidas tomadas no campo econômico para atender aos novos
tempos.
Do ponto de vista do capitão Thorio Benedro de Souza Lima, do R. I., tal
situação já vinha ocorrendo desde 1935, quando muitas nações da Europa,
notadamente a Alemanha, começavam a se preparar para o conflito e o Brasil
começou a ser solicitado para a exportação de matéria-prima. Muitos produtos eram
necessários, especialmente minérios, materiais estratégicos, borracha e alimentos,
dentre os quais café e carne enlatada. Dos dez principais importadores do Brasil,
sete eram europeus.
88
Destaca, ainda, Thorio Benedro o documento em que Osvaldo Aranha,
Ministro das Relações Exteriores, faz uma exposição de motivos, as chamadas
diretrizes para a mobilização do país, onde era proposta a arregimentação pública,
voltada para a economia de combustíveis e trigo e, por conseqüência, a
86
CAMARGO, Aspásia; GÓES, Walder. Meio Século de combate: diálogos com Cordeiro de Farias.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
87
Ibid., p. 255.
88
BENEDRO, Thorio. Entrevista. História Oral do Exército. Tomo 8. Rio de Janeiro: Bibliex, 2001.
67
racionalização desses produtos. Nesse ínterim, foi proibida a exportação de ferro e,
a partir de 1942, a corrente de exportação diminuiu consideravelmente o custo de
vida para os brasileiros.
89
Nesta fase, o Brasil exportava para os Estados Unidos minério de ferro,
algodão, babaçu, borracha, cera de carnaúba e materiais estratégicos de origem
mineral, como o quartzo, a mica e a chielita.
Recentes estudos fazem menção à economia brasileira dessa fase, e, nesse
aspecto, o artigo de Maria Antonieta Leopoldi evidencia alguns dados que dão um
parâmetro do quadro econômico anterior ao golpe de estado em 1937 e que ajudam
a compreender melhor as medidas que foram tomadas pelo governo.
Passado o momento de crise e recessão (1929-1931), as medidas adotadas
visaram a provocar um choque externo, reduzindo as importações, substituindo os
bens de consumo por produtos internos e buscando apoiar o crescimento industrial.
Ainda de acordo com a autora, não existiu um projeto varguista de desenvolvimento,
mas este foi sendo construído de acordo com os acontecimentos, respondendo aos
desafios conjunturais
90
.
O forte impulso à indústria é dado a partir das políticas protecionistas por
meio de taxas tarifárias e de medidas cambiais que regulam as taxas de câmbio e
importações. O Conselho Federal de Comércio Exterior foi um importante órgão
decisório no período de 1934 a 1939, o qual manteve as restrições na importação de
equipamentos para a instalação de fábricas concorrentes com as instaladas no
país até 1938. Sobre as diretrizes para o setor industrial, assim se manifestou
Getúlio Vargas: “Devemos manter o critério geral, protecionista, para as indústrias
que aproveitam a matéria-prima nacional; não assim para o surto de indústrias
artificiais, que manufaturam a matéria-prima importada, encarecendo o custo de vida
em benefício das empresas privilegiadas”.
91
No período de 1930 a 1945, o governo preocupou-se especialmente com a
questão do petróleo, da siderurgia e da energia elétrica, pois se acreditava que
esses fatores seriam determinantes para o desenvolvimento industrial, tendo em
89
BENEDRO, op. cit..
90
LEOPOLDI, Maria Antonieta P. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-1945): a
política econômica em tempos de turbulência. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucila de Almeida
Neves. O Brasil Republicano: o tempo do nacional estatismo do início da década de 1930 ao
apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
91
VARGAS, Getúlio. Discurso. A Plataforma da Aliança Liberal. In: VARGAS, op. cit., p.153.
68
vista a situação de enfrentamento ao episódio provocado pela crise internacional de
1929. Esses três fatores previam um envolvimento da máquina governista com a
diplomacia econômica nacional, pois era patente o desejo das empresas
estrangeiras em participar deste mercado em expansão. Em seu discurso de 24 de
março de 1939, Getúlio Vargas pronunciou-se:
[...] é muito o que estamos fazendo, mas é mais ainda o que temos a fazer:
a fundação da nossa indústria básica, para o fornecimento da matéria-prima
a todas as nossas fábricas, e para exportarmos a sobra das nossas
necessidades.
92
Na década de 1920, surgem, em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro,
as primeiras empresas siderúrgicas de pequeno porte. Com o impacto da 2º Guerra
Mundial, surgem muitos países que necessitam da produção de ferro de boa
qualidade, sobretudo o manganês. A produção de ferro-gusa em 1930 era de cerca
de 100 mil toneladas por ano. Embora o setor privado constituísse um incipiente
mercado de empresas siderúrgicas, os militares da época sonhavam com uma
grande usina siderúrgica estatal, capaz de sustentar o processo acelerado da
industrialização que estava em curso.
Seja na área da construção civil, naval ou das ferrovias, as indústrias
metalúrgicas produziam em proporções ainda não conhecidas no país. Pressionado
cada vez mais pelos militares que o apoiavam, Getúlio Vargas buscou recursos no
mercado externo para a construção de uma grande usina siderúrgica. Dessa
situação, resultou o convite para que as empresas alemãs e americanas viessem
explorar e industrializar o minério de ferro. As decisões tomadas a partir desse fato
redundaram em investimentos e acordos que foram mudados logo depois do ataque
a Pearl Harbor e da entrada dos Estados Unidos na guerra, processo que acelerou
as negociações do Brasil com os norte-americanos.
Com a guerra na Europa, muda sensivelmente a balança comercial entre os
países. No caso brasileiro, ela pôs fim ao comércio bilateral Brasil-Alemanha e
reduziu o papel do Reino Unido em relação ao comércio exterior. Com os Estados
Unidos, a partir de 1943, há uma mudança sensível na diplomacia comercial, que
atinge o maior produto de exportação brasileiro.
92
Discurso de Getúlio Vargas a 24 de março de 1939. In: VARGAS, op. cit., p. 32.
69
O período de bonança nas relações entre Brasil e Estados Unidos começou
a mudar em 1943. Os benefícios provenientes dos americanos, inclusive no
comércio exterior, no serviço da dívida de créditos para a siderurgia
brasileira (45 milhões de dólares), agora faziam parte de uma página virada
da política externa americana. A mudança na postura da diplomacia
comercial americana aparece nos atritos em torno dos preços do café
brasileiro, que envolveram até uma suspensão parcial das importações que
continuou até o fim da guerra.
93
Ao fazer um balanço da Era Vargas anterior a 1937, McCann evidencia dados
importantes, que levam o leitor à compreensão dos fatos ligados à Educação e
Cultura no país. As pesquisas sobre a educação revelam a deficiência no país,
principalmente na década de 1930. Getúlio Vargas havia declarado, na época, que o
Brasil nunca olhara de frente os problemas da educação, ao ponto de chamar a
massa de analfabetos de “peso morto” do progresso nacional, uma desgraça da
qual devíamos nos envergonhar”.
De cada mil brasileiros, cerca de 510 nunca haviam entrado numa escola.
Havia ainda o abandono escolar, praticado pela maioria expressiva. A alfabetização
mesma era superficial e as escolas secundárias, em sua maioria, particulares, o que
dificultava o acesso dos que não tinham condições de pagar. As universidades, de
ensino gratuito, eram novas e constituídas por faculdades patrocinadas pelo
governo, fundadas depois da revolução de 1930. A Universidade de São Paulo,
recém-criada, era vista por muitos como um local de status, e seus graduados, mais
tarde, acabaram por constituir uma nova elite que iria ocupar os cargos mais
importantes durante o governo de Getúlio Vargas.
94
A dimensão do território brasileiro mostrava realidades diferentes. No Rio
Grande do Sul, já na instalação do Estado Novo, havia o problema das populações
descendentes de alemães e italianos que conservavam muito da cultura dos países
de origem. Na campanha organizada contra o nazismo, segundo Cordeiro de Farias,
foi encetada uma ação pioneira, principalmente na educação das crianças: “Os focos
da infiltração nazista eram todas as regiões onde havia a concentração de alemães,
na encosta da serra, sobretudo em Cruz Alta em direção ao mar. Em tais regiões, a
segregação era absoluta. Nas escolas, não se falava o português”.
95
93
VARGAS, op. cit., p. 275.
94
MCCANN, op. cit., pp. 25-48.
95
CAMARGO e GÓES, op. cit., p. 270.
70
Um programa de abrasileiramento, voltado para as escolas alemãs, foi levado
com rigor por Cordeiro de Farias, que governava o Estado. “Era uma política voltada
a reorientar a nova geração de alemães e descendentes de alemães no Rio
Grande”.
96
Esse assunto será melhor explanado no segundo capítulo da presente
pesquisa.
No território brasileiro, as classes menos abastadas tinham dificuldades em
proporcionar estudo aos seus filhos. São muitas as manifestações dos soldados
brasileiros que partiram depois com a FEB para a Itália, destacando episódios da
sua instrução.
O sargento Miguel Pereira, a quem se fez menção nesta pesquisa quando
da abordagem inicial do seu diário, destaca as dificuldades por que passavam as
famílias para que seus filhos pudessem estudar. “Quando trabalhava na roça, não
faltavam oportunidades, mas a escola não era o perto. Para freqüentar o primeiro
grau, devia andar doze quilômetros e de tamanco”. Em função de muito trabalho,
com a lavoura e o gado, as crianças quase não tinham oportunidade de estudar.
“Sobravam somente três meses por ano, quando me tornei militar, mal sabia ler e
escrever.” Dois anos depois de ter entrado na vida militar, se tornara instrutor de
outros jovens. “Então, como cabo, dava aulas aos rapazes, pois uma grande praga
no Brasil sempre foi o analfabetismo.”
97
Pesquisas recentes na área da história militar brasileira, dentre as quais as de
McCann, revelaram o perfil do Exército Brasileiro na década de 1940. Os oficiais
provinham, em sua maioria, da classe média urbana. Os filhos de oficiais,
funcionários públicos e comerciantes, buscavam ingressar nas academias militares.
os filhos da velha aristocracia e de outros segmentos da sociedade mais
abastados associavam-se aos clubes de tiro e deles saíam como reservistas. Os
recrutas eram extraídos das classes trabalhadoras, com freqüência, analfabetos e de
baixo nível educacional.
98
Poucos podiam estudar, pois tinham de ajudar no sustento das famílias. As
oportunidades de trabalho eram raras e o Exército acenava com as possibilidades de
engajamento e de uma carreira que, se não remunerava bem, era o que se mostrava
96
CAMARGO e GÓES, op. cit., p. 270.
97
INNOCENT, Michela. Miguel Pereira e a Força Expedicionária Brasileira no Apenino Tosco
Emiliano. Pistóia, Itália. Editricee: C.R.T., 2003, p.230.
98
MCCANN, op. cit., p. 287.
71
possível a muitos jovens na idade militar. As comunidades no interior brasileiro eram
muito pobres e os filhos de camponeses labutavam no dia-a-dia do trabalho na
lavoura ou na criação de gado. Tal fato é evidenciado pelo tenente José Conrado em
seu testemunho. “Percebi, então, que a única maneira de melhorar de vida era ir
para o Exército”.
99
Outros com mais oportunidade conseguiram uma boa formação educacional e
recordam dos tempos estudantis vivenciados no Estado Novo. Nesta fase, Eduardo
Ulhôa Cavalcanti, do R. I., (O Sampaio) destaca em seu testemunho: “Em 1939,
eu cursava o ginasial e sentia o ambiente do Estado Novo, estava presente no meio
escolar”. No mesmo depoimento, faz referência à Parada das Raças, cujo
comparecimento era obrigatório, principalmente na véspera do dia 7 de setembro.
Também os colégios tinham a obrigatoriedade de desfilar: “Desfilavam marcialmente
tendo à frente as suas bandas e corneteiros. O aluno mais destacado conduzia o
pavilhão nacional. Esse ambiente nacional chegava n´alma dos alunos. O farto
noticiário do DIP nos influenciava bastante”.
100
Os efetivos do Exército Brasileiro na década de 1940 eram de 90 mil homens,
daí a dificuldade de se enviar uma FEB, mais tarde, com pelos menos 100 mil
homens. Soa quase como uma utopia em razão da precária situação militar
brasileira, cujos quadros pouco se diferenciavam dos anos de 1930. A marinha
brasileira estava reduzida a um papel quase nulo com seu amontoado de vasos
antiquados”.
101
O Exército, por sua vez, com seus equipamentos e armamentos
antiquados, não tinha condições de fazer frente a uma guerra que acontecia na
Europa com toda uma tecnologia avançada para a época.
Na junção dos Regimentos da FEB no Rio de Janeiro, antes do embarque, os
problemas só aumentaram. Os quartéis ficaram abarrotados, obrigando muitos
soldados a permanecerem nos barracões de madeira. Com o calor insuportável, as
condições de higiene se tornaram péssimas. Todos os que passaram por essas
unidades têm nítidas tristes lembranças, como capitão Medrado, que pertenceu ao
11º R.I.: “As filas intermináveis do rancho e dos banheiros criavam um ambiente de
descontentamento, que era contido pela rígida disciplina.”.
102
Muitos ainda
99
SOUZA, José Conrado. Entrevista. Rio de Janeiro, 27 de abril de 2000.
100
CAVALCANTI, Eduardo Ulhôa de. Entrevista. Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2000.
101
HILTON, Stanlei, apud NEVES, Luis Felipe da Silva. A Força Expedicionária Brasileira uma
perspectiva histórica. Dissertação (Mestrado). UFRJ, Rio de Janeiro, 1992.
102
MEDRADO, Divaldo. Entrevista. Rio de Janeiro, 20 de maio de 2000.
72
aguardavam os resultados dos exames de saúde, pois ainda sobrava uma vaga
esperança de serem dispensados e poderem voltar para as suas cidades.
Os que tinham um nível mais elevado, conforme reflete o capitão, lutavam
pela dispensa, mas os que vinham do meio rural, geralmente jovens muito simples,
com restrito poder aquisitivo “ficavam de olho no rancho”. Os ambulantes circulavam
pelos quartéis, oferecendo todo tipo de alimentos, sem muita preocupação com a
higiene, que eram comprados por quem podia, até porque a comida ofertada no
quartel era de péssima qualidade. “Face a esses problemas, não seria difícil concluir
as razões que certamente motivaram desestímulos e deserções”.
103
Escapavam do entendimento de muitos soldados as razões do chamamento
para uma guerra que não estava acontecendo em território brasileiro, como declarou
o capitão Thorio Benedro: “Também julgamos que a guerra não nos foi explicada
convenientemente. Não havia a compreensão entre nossos soldados e mesmo em
nós, uma consciência que capaz de impulsionar ou estabelecer uma dinâmica, que
nos fossem explicitadas claramente as razões da entrada do Brasil na guerra”.
104
1.4 O PERÍODO QUE ANTECEDEU AO GOLPE DE 1937
São muitas as leituras e interpretações possíveis que se podem fazer para
compreender as questões que levaram ao golpe em 1937 e à implantação do Estado
Novo. Nesse aspecto, dentro das considerações metodológicas, nos dois próximos
subcapítulos, far-se-á a junção de pesquisas que refletem o momento brasileiro às
vésperas do golpe e respaldadas pela autora da presente pesquisa na coletânea de
discursos de Getúlio Vargas
105
e nos relatos do Marechal Cordeiro de Farias, que
fora interventor no Rio Grande do Sul ao tempo da ditadura. Suas lembranças foram
registradas nas entrevistas concedidas a Aspásia Camargo, da Fundação Getúlio
Vargas e ao jornalista Walder de Góes. O aporte a essas fontes ajudou a compor
uma reflexão. No recorte que se apresenta, buscou-se compreender o momento
político brasileiro vivenciado no Estado Novo.
103
MEDRADO, op. cit..
104
BENEDRO, op. cit..
105
N.A.: A coletânea a que fazemos referência foi organizada sob o nome de Diretrizes da Nova
Política do Brasil, do próprio Getúlio Vargas e editadas em 1942, pela Livraria José Olimpio, em 1942.
73
Durante as cerimônias comemorativas do 11aniversário da Indepenncia
do Brasil, no dia 7 de setembro de 1936, Vargas lançou mão de um discurso
decisivo com apelos patrióticos, prevenindo: “Os agentes da subversão e da
desordem” persistem em seus “planos diabólicos”
106
para destruir por completo a
pátria, a família e a religião e transformar o Brasil numa “colônia de Moscou”. O
presidente assegurava que era “vital manter a vigilância” contra um “golpe
traiçoeiro”. Nesse caso, estaria usando da dissimulação, a mesma tática que atribuía
aos comunistas?
Recordando o episódio do levante comunista de 1935, Cordeiro de Farias,
com a possível participação de militares, destacou que nenhum movimento desta
natureza seria realizado sem o apoio dos russos. Destaca também que o clima
dentro dos quartéis entre 1934 e 1937 não era tranqüilo, havia problemas com a
cúpula do exército, problemas de promoções, soldos e reivindicações ao governo.
Pela proximidade das eleições presidenciais em 1938, acirravam-se as opiniões.
107
A
liderança militar era disputada por diversos personagens como Góis Monteiro, Daltro
Filho, Guedes da Fontoura e Valdomiro Castilho de Lima. Com o golpe de 1937,
Góis Monteiro tornou-se pessoa influente como chefe do Estado Maior do Exército e
Daltro Filho, o primeiro interventor escolhido por Getúlio Vargas.
Atento aos acontecimentos, Getúlio Vargas, em um dos seus
pronunciamentos, buscou contar com os militares ao seu lado, enaltecendo o papel
deles: “A função das corporações militares sobreleva a de quaisquer outras, em
importância e complexidade”.
108
, ao mesmo tempo em que destacava o papel
educador do exército brasileiro: “Além da vigilância e garantia que oferecem, são
entidades educadoras em contato direto com as populações às quais dão exemplo
de estímulo de amor à Pátria e respeito às instituições.”
109
O discurso abria
precedente para as ações educativas que seriam abarcadas pelo exército durante o
período do Estado Novo, na trajetória a ser delineada pelo ideário e a que se fará
menção nos próximos subcapítulos.
No jogo que envolvia o poder, Getúlio Vargas tinha de produzir verdadeiros
malabarismos e equilíbrios, não apenas em relação ao país, mas em seu próprio
106
MCCAN, op. cit., p. 34
107
CAMARGO e GÓES, op. cit., p. 224-225.
108
VARGAS, Getúlio. Discurso proferido a 29 de abril de 1937. In: VARGAS, op. cit., p.260.
109
Id.
74
regime. Entre 1930 e novembro de 1937, quarenta e duas pessoas haviam
assumido as funções ministeriais e cento e três tinham sido nomeadas interventoras
ou eleitas governadoras dos vinte Estados, Distrito Federal e Território do Acre. Os
Estados, por sua vez, mantinham milícias de forças policiais que, em muitos casos,
suplantavam o efetivo das forças federais aquarteladas em todo o território nacional.
No Rio Grande do Sul, Cordeiro de Farias, recordando este momento, mostra que
se caracterizava uma divergência entre Flores da Cunha e o presidente Getúlio
Vargas. Era de conhecimento que o governador dispunha de grandes efetivos na
Brigada Militar, a polícia gaúcha. Flores da Cunha usava de estratégias, como as
adotadas pelos “corpos provisórios”, formados por trabalhadores, mas que a
qualquer momento poderiam ser arregimentados pelos comandantes. “O efetivo de
Flores era muito maior que o do Exército. Era um poder paralelo, que competia com
as forças regulares”.
110
Durante uma entrevista, Cordeiro de Farias, avaliando a situação política no
Rio Grande do Sul, às vésperas do Estado Novo, concluiu: Hoje, lembrando-me
das campanhas de Flores da Cunha, não teria, naquela época, justificadas
desconfianças que o presidente Getúlio Vargas preparava uma mudança de
instituições... não sei, é uma hipótese para a qual não tenho resposta”.
111
Em 1936, Vargas evidentemente começou a refletir com seriedade sobre
sua permanência no Poder, embora a Constituição literalmente o proibisse.
[...] Os que se situavam próximos ao Presidente mostravam-se ou
pessimistas quanto à continuação de um governo via eleições, ou
determinadamente adversários à idéia de um pleito eleitoral.
112
Nesse grupo, situamos Oswaldo Aranha, amigo pessoal do presidente, que,
em declarações feitas em Washington, afirmara não acreditar em eleões e prever
que o Brasil teria primeiro uma ditadura.
Na diversidade de pensamentos que ocorriam nesta fase, o Ministro do
Trabalho, Agamenon Sergio Godoy de Magalhães, atacou com severidade o
antiquado governo presidencial na Assembléia Constituinte de 1934, enquanto o
general Góes Monteiro arquitetou um plano secreto em 1935 para desacreditar o
Congresso e ampliar a influência militar.
110
FARIAS, Cordeiro. Entrevista. In: CAMARGO e GÓES, op. cit., p. 228.
111
Ibid., p. 229.
112
MCCANN, op. cit., p. 37.
75
Francisco Campos, antigo ministro da Educação e autor da Carta do Estado
Novo de 1937, acreditava que onde o poder era difuso e não concentrado em “um
único poder”, o Governo não existia, pois governo era “um só pensamento e uma
ação”. Outros, como Felinto Muller, chefe da polícia repressiva do regime,
mantinham vínculos estreitos com a Embaixada do terceiro Reich; enquanto o
Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, também um germanófilo, não simpatizava
com o governo representativo e acreditava que o Brasil precisava de uma
disciplina.
113
Todos esses nomes acabaram por ocupar os cargos mais importantes
durante o governo de Getúlio Vargas, o que demonstra uma intensa relação de
poder entre os agentes, como afiança Bourdieu: em sua construção, constitui o
habitus e nos ajuda a entender o funcionamento da máquina administrativa do
Estado Novo.
Sistema de posições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a
funcionar como estruturantes, quer dizer, enquanto princípio de geração e
de estruturação, de práticas e de representações que podem ser
objetivamente ‘reguladas’ e ‘regulares’, sem que, por isso, sejam o produto
da obediência a regras, objetivamente adaptadas ao seu objetivo sem supor
a visada consciente dos fins e domínio expresso das operações necessárias
para atingi-las e, por serem tudo isso, coletivamente orquestradas sem
serem produto da ação combinada de um maestro.
114
Para entender os rumos dos acontecimentos que levaram ao golpe de
novembro de 1937, é importante salientar a questão que envolvia o processo
sucessório ao governo de Getúlio Vargas como um dos fatores principais que
conduziram ao Estado Novo. Na política situacionista, vai se encontrar uma frente
constituída pelos Estados de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco e Bahia, com
apoio das facções do PRP e do PL gaúcho, lançando a candidatura do paraibano
José Américo de Almeida, ex-ministro da Viação e Obras Públicas. Pela oposição,
foi lançado o nome de Armando Salles de Oliveira pela recém-formada União
Democrática Brasileira, que contava com o apoio do Partido Constitucionalista de
São Paulo, originário do Partido Democrático.
Dentro da cautela que lhe era peculiar, Getúlio Vargas sabia que era o
elemento chave da situação. Ele próprio tinha seus planos e a campanha sucessória
113
MCCANN, op. cit., p. 37.
114
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 53.
76
para presidente da República tomava rumo. O candidato de oposição, como se
disse, era Armando Sales de Oliveira, ligado por parentesco a Julio de Mesquita
Filho, editor de O Estado de São Paulo, e isso poderia trazer à disputa elementos da
oposição em todo o país. Pairava no ar a possibilidade de, no caso da vitória de
Armando Sales, haver a subida ao poder dos revolucionários de 1932 e que, nessa
possibilidade, os revolucionários de 1930 fossem rechaçados e perseguidos.
Outros tantos “candidatáveis” também entravam declaradamente, ou o, no
jogo da disputa, dentre eles José Antonio Flores da Cunha, governador do Rio
Grande do Sul, que, diante de decisões tomadas em favor do seu estado, acabou
por comprar armas modernas e aumentar o efetivo da Brigada Militar para 26 mil
homens, fator que causou preocupação ao Exército, que estava às voltas com o
aumento do poderio militar argentino.
Ainda sobre os acontecimentos no Rio Grande do Sul, Cordeiro de Farias, na
época chefe do estado maior na Região Militar, disse em seu testemunho: “Eu
tinha minhas artimanhas. Organizei um serviço especial para poder penetrar na
Brigada Militar e sentir o ambiente dentro das unidades militares. E foi assim que
conseguimos localizar grande quantidade de armamento clandestino, obtido na
fronteira. Num segundo momento, requisitamos todas aquelas armas, que foram
entregues à região.”
115
Tal resolução e a requisição da Brigada Militar para compor
com o Exército apressaram os acontecimentos no Rio Grande do Sul e Getúlio
Vargas, depois do golpe, soube prestigiar os militares que o apoiaram.
Junto ao imbróglio que havia com a corrida à sucessão presidencial, um
pretenso golpe que deveria ocorrer em 30 de outubro de 1937 foi denunciado pelo
“Plano Cohen”, um documento que estava nas mãos dos militares, mas que na
verdade era de quem? Dos integralistas com o apoio do Chefe do Estado Maior,
General Góes Monteiro? Seria obra dos comunistas, dos integralistas ou do próprio
General? Como resultado dessa situação, a dois de outubro, o congresso aprovou a
suspensão das garantias individuais, dando oportunidade, desse modo, de o
governo afastar Flores da Cunha da disputa presidencial.
116
Ele abandona o governo
e sai do país.
115
FARIAS, op. cit., p. 232.
116
MCCANN, op. cit..
77
Getúlio não apoiou oficialmente nenhum dos candidatos. Em primeiro lugar,
porque ele e a cúpula militar tinham outros planos. Subsidiariamente,
porque José Américo realizava uma campanha populista e antiimperialista
(“Onde está o dinheiro? Está no estrangeiro”, dizia). Cultivou o apoio
pessoal dos integralistas; advertiu significativamente para o perigo de a
campanha eleitoral reacender as agitações de rua; e, sobretudo, construiu
lealdades no plano regional e no cada vez mais reforçado aparelho do
Estado, consolidou o esquema militar, nomeando o general Góis para a
chefia do Estado Maior do Exército e o general Dutra para o Ministério da
Guerra. Antes mesmo do lançamento da candidatura de José Américo,
Francisco Campos já redigira a futura Carta de 1937, “A Polaca”, como ficou
depreciativamente conhecida por suas semelhanças com a carta autoritária
baixada pelo marechal Pilsudski na Polônia.
117
Ao tratar da questão do que chamou de encenação do Plano Cohen, Boris
Fausto atribuiu a responsabilidade desse boato aos integralistas, pois o “plano
comunista”, como o governo chamava o episódio, era um imaginativo desfile de
horrores, prevendo como lance final a tomada do poder, com incêndio de prédios
públicos e a “condução das massas aos saques e às depredações.” Os estudos
sobre este período apontam para o capitão Olímpio Mourão Filho, chefe do serviço
secreto, que teria forjado o documento. Getúlio Vargas e a cúpula militar aprovaram
a farsa. O plano foi amplamente divulgado pela imprensa e “martelado na emissão
radiofônica da Hora do Brasil.”
118
A aproximação dos militares a Getúlio Vargas vinha de longa data. O próprio
chefe do governo procurava manter essa situação, muitas vezes garantida nos
discursos do presidente que, em 1933, assim se reportou aos militares:
Julgo natural que qualquer cidadão, o militar exerça atividade política, desde
que para isso evidencie competência e pendores especiais, podendo,
também, atuar com relevância na administração pública. Perturbadora seria,
em contraste, a interferência coletiva dos militares como corporação, ou
classe, na vida política do país, sobrepondo-se à consciência vica
nacional, para instituir o regime militarista que, felizmente, nunca se tentou
implantar no país, onde as forças armadas foram sempre braço executor da
vontade civil da Nação.
119
Tudo era uma questão de tempo. O golpe do Estado Novo tinha data para
acontecer, ou seja, a 15 de novembro de 1937. Getúlio Vargas contava com apoio
de alguns governadores e o último resistente, Flores da Cunha, do Rio Grande do
Sul, fora obrigado a refugiar-se no Uruguai. A primeiro de novembro de 1937, de
117
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.
79.
118
Id.
119
Mensagem lida a 15 de novembro de 1933. In: VARGAS, op. cit., p. 258.
78
uma das sacadas do Palácio do Catete, o presidente Vargas assistiu ao desfile dos
integralistas em sua homenagem, enquanto o processo sucessório ia caindo em
descrença entre os participantes. A nove de novembro, o candidato Armando Salles
de Oliveira lançou um protesto direcionado aos militares, mas considerado icuo. O
manifesto terminava com uma posição patética dos seus autores: “a nação está
voltada para seus chefes militares; suspensa, espera o gesto que mata ou a palavra
que salva”. A palavra não veio, mas o golpe ocorreu no dia seguinte, a seco.
Os vários setores da classe dominante ansiavam pela ordem; o aparelho
militar e civil formava um bloco homogêneo; a grande maioria da elite
política preferia a ditadura ou se conformara com ela; a frágil organização
independente dos trabalhadores desaparecera, enquanto crescia nos meios
populares o prestígio de Getúlio, a esquerda para a qual o Estado Novo
começara em 1935 – fora praticamente arrasada.
120
Na manhã de 10 de novembro de 1937, soldados da polícia do Distrito
Federal cercaram o Congresso, evitando assim a presença ostensiva do Exército -
este, visto como um dos arranjos do general Eurico Gaspar Dutra. O Congresso e os
deputados iniciaram um protesto, mas foi tudo em vão, o encontraram apoio. Às
dez horas, Getúlio Vargas e seus ministros assinaram a Carta de 1937, inaugurando
assim o período ditatorial que iria durar exatamente até 1945.
Getúlio Vargas tentou ainda cooptar aos seus planos a participação da
população, no discurso nacionalista que vinha amadurecendo a longa data. “O
movimento de 10 de novembro foi, sem dúvida, um imperativo da vontade nacional.
Tínhamos necessidade de ordem e segurança para trabalhar, e contra isso
conspirava o estado crítico de decomposição política a que chegáramos. A nossa
vida pública se transformara, aos poucos, numa arena de lutas estéreis”.
121
À noite, durante o programa radiofônico Hora do Brasil, Getúlio falou ao povo,
buscando justificar o golpe. “Quando as competições políticas ameaçam degenerar
em guerra civil, é sinal de que o regime constitucional perdeu o seu valor prático,
subsistindo apenas como abstração”.
122
Dos diversos pronunciamentos de Getúlio Vargas a que se teve acesso,
percebe-se em linhas gerais uma síntese do seu pensamento. Muitas de suas idéias
foram divulgadas pela imprensa escrita e pelo dio no dia 10 de novembro de 1937
120
FAUSTO, op. cit., p. 80.
121
Entrevista à imprensa a 19 de fevereiro e 22 de abril de 1938, In: VARGAS, op. cit., p. 53.
122
Proclamação ao Povo Brasileiro, 10 de novembro de 1937, In: VARGAS, op. cit., p. 28.
79
por ocasião do Golpe do Estado. Neste dia, no pronunciamento feito aos brasileiros,
chama a si próprio a responsabilidade de decisão pelo ato tomado, que considerou
oportuno e acima de qualquer deliberação ordinária, visto que lhe fora delegada a
prerrogativa da confiança nacional.
123
Na avaliação de Maria Helena Capelato, o Estado Novo se constituiu em
decorrência de uma política de massas que foi sendo definida no Brasil a partir da
Revolução de 1930, com Getúlio Vargas no poder. Esse regime de governo se
desenvolveu no período entre guerras a partir das críticas ao sistema liberal,
considerado incapaz de resolver os problemas sociais. A crise do liberalismo na
Europa, os impactos da Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa acabaram
por criar uma crise de consciência generalizada, com críticas à democracia
representativa parlamentar e de cunho individualista.
As diversas correntes políticas e intelectuais antiliberais e antidemocráticas
eram favoráveis a um maior controle social por meio da presença de um Estado forte
comandado por um líder carismático, capaz de conduzir as massas no caminho da
ordem. Dessa época, são os regimes como o fascismo na Itália, o nazismo na
Alemanha, o salazarismo em Portugal e o franquismo na Espanha. Apesar das
características próprias, o Estado Novo brasileiro é resultante das iias que vinham
da Europa. No Brasil, sem qualquer participação popular, que passa a ser informada
dos propósitos do poder central e veiculada pelos meios de comunicação, a encargo
do DIP. O objetivo maior era atingir as classes menos abastadas. Dois meses antes
do golpe do Estado Novo, Getúlio Vargas em seu discurso aventava para
mudanças no governo. Era o processo de construção pelo qual o Estado Novo
pretendia se firmar: “Já adquirimos bastante experiência, para não acreditarmos no
fetichismo das formulas e, reconhecemos que o bem público não deve encontrar
obstáculos nas leis e nas convenções jurídicas. Se essas dificultam o progresso,
entravam a administração, fazem periclitar a segurança social,cumpre modificá-las
ou revogá-las”.
124
Essa ponderação nos reporta à visão bourdieuniana da violência simbólica,
que ocorre entre o agente dominador e o dominado, da coerção mecânica e da
submissão voluntária, livre, deliberada, até mesmo calculada. A dominação é o uso
da pressão dos dominantes com o consentimento (ou razões) dos dominados. [...]
123
VARGAS, op. cit., p. 26.
124
Id.
80
vem a ser uma forma de poder sobre os seres humanos. [...] como que por magia,
sem coação física, atingindo-os veladamente, dominado e oprimido.
125
[...] enquanto
instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento de
que “sistemas simbólicos” cumprem a sua função política.
Getúlio Vargas, ao consolidar uma política voltada para as massas,seja por
meio do rádio, da imprensa, teatro e cinema acabou por atingir a sociedade como
um todo, não de uma forma exacerbada como nos países totalitários da Europa, pois
temiam seus colaboradores serem confundidos como fascistas ou nazistas. Mas
usaram de outras estratégias, os encarregados da propaganda procuravam
aperfeiçoar-se na arte de empolgação e envolvimento das multidões através de
mensagens políticas
126
. Neste aspecto, é considerável a importância e avaliação das
mensagens do governo, seus conteúdos e de que forma elas chegaram até a
população.
Sobre as eleições que estavam suspensas, Getúlio Vargas argumenta em seu
discurso:
O sufrágio universal passa, assim, a ser instrumento dos mais audazes e
máscara que mal dissimula o conluio dos apetites pessoais.[...] As novas
formações partidárias surgidas em todo o mundo, por suas própria natureza
refratárias aos processos democráticos, oferecem perigo imediato para as
instituições, exigindo, de maneira urgente e proporcional à virulência dos
antagonismos, o reforço do poder central.
127
Provavelmente Getúlio Vargas estivesse fazendo menção ao partido
comunista, pois muitos não haviam esquecido o movimento comunista de 1935,
iniciado no Nordeste, mais precisamente em Recife e também no Rio Grande do
Norte, onde o levante conseguiu completo domínio sobre o estado. Em Recife foi
abafado no mesmo dia, em seguida eclodiria no Rio de Janeiro.
Após o golpe de 1937, como os partidos políticos e o Parlamento foram
desfeitos, não havia mais intermediários entre as massas e o governo. Os Estados
foram governados por interventores da confiança de Getúlio Vargas, que assumiram
o poder Executivo orientados pela nova Constituição. Nos Estados, a política era
reproduzida pela determinação do governo central. Nesta época, as bandeiras dos
125
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, pp. 46-
53.
126
CAPELATO, Maria Helena. Propaganda política e controle dos meios de comunicação. In:
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
127
Proclamação ao Povo Brasileiro, 10 de novembro de 1937. In: VARGAS op. cit., p. 28.
81
Estados foram eliminadas, passando a existir apenas uma, que representava o
poder central em relação aos Estados. A censura proibia qualquer manifestação
contrária ao regime. Um dos ideólogos do Estado Novo, Francisco Campos,
responsável pela Carta de 1937, afirmava que o Estado Novo suscitara no país uma
“consciência nacional”, unificara uma nação dividida, colocara um ponto final às lutas
econômicas e impusera o silêncio à querela dos partidos empenhados em quebrar a
unidade do Estado, e, por conseguinte, a unidade do povo.
Em 1938, durante uma entrevista com jornalistas, Getúlio Vargas ressalta o
papel do Estado Novo e a disposição de se resolverem os problemas fundamentais
que haviam sido protelados no regime anterior. Ressalta à imprensa que o programa
não é dos ministros, mas sim do governo, mas que aproveita a contribuição de
diversos órgãos na revisão das iniciativas tomadas anteriormente.” Assim, tudo o
que não entrar nos objetivos do governo é secundário e adiável”.
128
O Estado Novo, na visão dos historiadores, não foi um projeto exclusivo de
Getúlio Vargas. que se avaliar o papel de outros segmentos, como os ideólogos,
os militares, os intelectuais e os burocratas, que tiveram grande participação no que
iria constituir o governo estadonovista, ao participarem, com suas idéias, de um
governo que se tornou regime repressivo, insuportável para quem compartilhava as
idéias em relação a um projeto que prometia a modernização do país “de cima para
baixo. Mas, para Getúlio Vargas, o movimento de 10 de novembro fora, sem duvida
um imperativo da vontade nacional’ diante da decomposição política ao que o pais
chegara. “O Estado Novo, corporifica, portanto, vontades e idéias que se impõem e
se afirmam, dispostas a lutar em qualquer terreno, contra todos os fatores de
dissolução e enfraquecimento da pátria”.
129
Propunha o Estado Novo conduzir o país à racionalização da administração
pública e ao desenvolvimento da indústria por meio de incentivos, também com a
criação de uma poderosa indústria de base. Neste sentido: da sociedade como um
todo, das oligarquias à Igreja Católica, Getúlio Vargas obteve o aval necessário para
atingir seus objetivos, mas a grande força para esse projeto, como avaliaram os
especialistas, veio mesmo das Forças Armadas.
Getúlio Vargas, durante a sua trajetória sabia da importância de contar com o
apoio das Forças Armadas. Ainda em 1930, ao ler em uma sessão a plataforma
128
Entrevista à Imprensa a 19 de fevereiro de 1938. In: VARGAS, op. cit., p. 71.
129
Ibid., p.53.
82
política da Aliança Liberal, colocava em evidência para a sociedade civil o quão seria
importante para a Nação as suas forças terrestre e marítimas na manutenção da
soberania nacional.
130
Em outro discurso, em 1933, reafirmava os discursos
anteriores, enfatizando agora os problemas que a instituição vinha enfrentando e do
seu propósito de resolver as dificuldades mais prementes: “O problema máximo do
Exército, já o declarei, é o do material. Sob certos aspectos, a sua penúria atingiu os
limites que não podem ser ultrapassados.[...] é necessário admitir um nimo de
aparelhagem bélica indispensável ao exercício normal da função militar”.
131
Anos
mais tarde, por ocasião da partida da FEB para a Itália durante a Guerra Mundial,
tanto a Marinha Brasileira e o Exército padeciam de uma estagnação de meios, quer
seja pela defasagem dos equipamentos e armas, bem como das estruturas físicas
que pudessem humanizar o trato necessário aos recrutas e oficiais.
Neste período, Francisco Campos consolidou-se como um dos mais
importantes ideólogos do Estado Novo, aprofundou as suas convicções antiliberais e
passou a defender explicitamente a ditadura como o regime mais apropriado para as
massas. Nesse sentido, tornou-se uma das figuras centrais, junto com Getúlio
Vargas e a cúpula das Forças Armadas, responsável pelos preparativos que levaram
à ditadura. Logo após o golpe, foi nomeado Ministro da Justiça.
A Constituição de 1937 tinha características corporativistas e revelava-se nas
suas disposições transitórias e finais. Estas davam a possibilidade ao Presidente da
República de confirmar o mandato dos governadores eleitos e de nomear
substitutos, os interventores. Determinam que a Constituição deveria ser submetida
a um plebiscito nacional e também a dissolução do Parlamento, das Assembléias
Estaduais e das Câmaras Municipais, enquanto as eleições para o Parlamento
poderiam ser realizadas após o plebiscito. Nesse meio tempo, o Presidente
governava através de decretos-leis e o artigo 186 das disposições” colocava o país
em estado de emergência, anulando as liberdades civis que a própria constituição
determinava.
132
No pronunciamento feito ao povo reiterou o chefe da nação:
A Constituição hoje promulgada criou uma estrutura legal, sem alterar o que
considera substancial nos sistemas de opinião: manteve a forma
130
A Plataforma da Liderança Nacional, lida a 2 de janeiro de 1930. In: VARGAS, op. cit., p. 255.
131
Mensagem dia 15 de novembro de 1933. In: VARGAS, op. cit., p.257
132
FARIA, Antonio Augusto; BARROS, Edgard Luiz. Getúlio Vargas e sua época. São Paulo:
Global, 1982, p. 47.
83
democrática, o processo representativo e a autonomia dos Estados, dentro
das linhas tradicionais da federação orgânica.
133
No dia dois de dezembro, os partidos políticos foram dissolvidos, o que definiu
o caminho para a ditadura, porque, com essa atitude, o plebiscito não ocorreu e
Vargas substituiu os governadores eleitos pelos interventores, pessoas de sua
confiança. A Constituição de 1937, portanto, não passou de um formalismo para
legitimar o poder absoluto de Vargas até 1945.
Para controlar os Estados, foram criados os Departamentos Administrativos
Estaduais, que, juntamente com o Ministério da Justiça, controlavam os
interventores nos Estados, dando continuidade a uma rede oligárquica, com pessoas
de confiança à frente da administração pública. A obra centralizadora mantinha sob
seu poder todas as forças militares. Todo o processo da administração emanava do
presidente e de seus ministros, da alta burocracia civil e especialmente da cúpula
das Forças Armadas. Estas, por meio de suas lideranças, inegavelmente, foram o
sustentáculo do Estado Novo, influenciando os órgãos técnicos, por intermédio dos
Estados maiores e do Conselho de Segurança Nacional.
Da experiência do passado, quando chegou ao poder em 1930, Getúlio
Vargas no vazio deixado pelas oligarquias regionais, viu-se obrigado a obter apoio
político de outros pilares, neste caso a sua aproximação com os militares, nesta
época, foi determinante para aparecimento de novos atores no cenário nacional e
que grande influencia exerceriam no cenário nacional. “O auge do entendimento, a
lua-de-mel se deu durante o Estado Novo (1937-1945), quando houve quase total
coincidência dos interesses do presidente e da corporação militar”.
134
Os acontecimentos políticos eram acompanhados pela sociedade brasileira,
tanto pelo noticiário do rádio e pelos jornais. Diante de tantos boatos, muitas dúvidas
e incertezas pairavam sobre as pessoas. Que rumos tomaria o Brasil? Muitos se
perguntavam. O golpe de Estado era esperado? Ao recordar estes tempos o
sargento da FEB José Alves da Silva registrou em deu diário:
em casa ficamos sem saber o que fazer, porque estávamos virtualmente
sozinhos. De um lado nós da Aliança Liberal e do outro os nazistas:
133
Proclamação ao Povo Brasileiro,10 de novembro de 1937. In: VARGAS, op. cit., p. 51.
134
CARVALHO, José Murilo de. Vargas e os militares: aprendiz de feiticeiro. In: ARAÚJO, Maria
Celina d’. (org.) As Instituições Brasileiras da Era Vargas. Rio de Janeiro: EDUERJ/FGV, 1999,
p.55.
84
seguindo-se os comunistas de Prestes, e nas proximidades estavam os
integralistas. Ficamos esperando dentro de um enorme sanduíche, e agora?
[...] ainda bem que papai jamais perdia a calma. Dizia: - Não se incomode,
porque Getúlio em breve dará um jeito nisso: ele apenas está esticando a
corda para esse pessoal todo se enforcar.
135
Ainda em outra observação, fazendo referência sobre o golpe de Estado em
1937. “Sou contra as ditaduras, porém naquela época era a única coisa que ele
podia fazer para evitar a guerra civil que nos ameaçava com todos os horrores,
ensangüentando o país. Portanto, dos males o menor”
136
Assim como pensava o sargento da FEB José Alves e seus familiares, é
possível perceber um posicionamento favorável de uma parcela significativa da
sociedade brasileira em relação ao golpe que inaugurava o período ditatorial no
Brasil, para os opositores seria uma continuidade das premissas assumidas
anteriormente pelo governo anterior de Getúlio Vargas e seus colaboradores, que
com ardil preparavam os caminhos para a permanência de Getúlio Vargas no poder.
1.5 O GOLPE DO ESTADO NOVO E SUAS DIRETRIZES
O sub-capítulo a seguir, visa ressaltar de que maneira O Estado Novo e as
práticas discursivas chegaram até a sociedade brasileira e de que modo elas
acabaram influenciando as reflexões e os pronunciamentos dos combatentes
brasileiros. Sobre esse assunto, vamos no ater mais adiante no segundo capítulo
quando nos referirmos aos propósitos da Educação no Estado Novo e a perspectiva
da militarização de jovens e adultos por meio da Organização Nacional da
Juventude ainda em 1938.
A participação das Forças Armadas no processo da instalação e
desenvolvimento do Estado Novo, em função das inúmeras fontes já disponibilizadas
aos pesquisadores, mereceria um trabalho à parte. Nesta pesquisa, a participação
militar na instalação e participação do governo de Getúlio Vargas, tem apenas o
caráter de servir de intróito aos estudos que serão feitos em relação aos soldados
pertencentes à FEB, quer seja na sua formação, nas diretrizes de suas ações e no
135
SILVA, José Alves da. A saga de um catarina na FEB. Itajaí: Edição do autor, 2001, p.13.
136
Id.
85
retorno dos combatentes ao Brasil, após o término da Segunda Guerra Mundial,
desse modo, busco legitimar a abordagem.
Nessa perspectiva, que se avaliar nestas questões a figura do general
Pedro Aurélio de Góis Monteiro, dada a sua posição de destaque no Exercito,
acabou por tornar-se um dos principais articuladores do golpe que deu origem ao
Estado Novo, fator que veio ao encontro dos interesses entre o Exército e o
Governo. Na avaliação do seu perfil feita pelos seus companheiros de farda,
demonstrou a preponderância do lado político de Góis Monteiro em relação ao seu
lado militar. Dentre os testemunhos, estão presentes o coronel Nelson de Melo
(FEB), Cordeiro de Farias (FEB) Nero Moura (FAB) “O Góis era um político fino,
inteligente e honesto. Agora tinha uma ambição: ser presidente. Mas nunca
conseguiu ser e ele tinha ascendência sobre todo o Exército. Ele conduzia todos os
generais a seu bel prazer e de acordo com Getúlio.”
137
Buscando uma política de reforma inovadora para o Exército Brasileiro, Góis
Monteiro contou com o beneplácito de Vargas, a quem interessava uma aliado forte
e confiável. A primeira mudança importante, foi a instituição da obrigatoriedade do
serviço militar para todos, uma maneira de trazer para as fileiras do Exército a classe
média e a classe alta, para a formação de futuras reservas. Foram reativados os
Tiros de Guerra para o treinamento de civis e Escolas de Instrução Militar,
destinadas aos alunos que freqüentavam o ginásio (atual ensino fundamental).
Desse modo, o contingente passou a ser renovado anualmente e estes recrutas
retornam à sociedade imbuídos dos valores militares. “Indivíduos disciplinados de
corpo e mente.”
138
Outra mudança impetrada por Góis Monteiro, diz respeito à criação dos
centros de treinamentos para oficiais da reserva, neste caso o CPOR e NPOR
(centros e núcleos de Preparação de oficiais da Reserva), uma maneira de conduzir
a classe média e a alta para as obrigações militares. Visava também com esta
atitude, uma aproximação do Exército com as elites.
A longa presença de Góis Monteiro nas fileiras do Exército sempre ocupando
posições importantes, e a sua ascensão sobre os seus comandados, chama a
atenção dos estudiosos para uma análise mais profunda da essência do seu
137
MOURA, Nero. A doutrina de is: síntese do pensamento militar no Estado Novo. In:
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
138
CARVALHO, op. cit., p.62.
86
ideário. Nesta perspectiva, o conjunto de depoimentos tomado pelos pesquisadores
ao longo do tempo, são elementos esclarecedores, que ajudam a entender as
questões do nacionalismo tão enraizadas dentro do Exército, incidindo ao longo do
tempo na postura discursiva dos pracinhas brasileiros em suas ações.
Como bom leitor, quais seriam as leituras preferidas de Góis Monteiro que o
teriam levado às suas concepções estratégicas para o Exército Brasileiro? “Góis era
um homem muito inteligente, muito lido, mas político também.”
139
Estudos recentes
efetuados tanto por historiadores como jornalistas, apontaram algumas concepções
efetuadas com base em textos do próprio general. É o caso da pesquisa formalizada
por Sergio Murillo Pinto, com seus dados reveladores sobre a essência da doutrina
Góis. Os traços marcantes desse ideário, nitidamente nacionalista e transformador
do discurso militar endossa o pensamento e os escritos de toda uma fase do
Exército Brasileiro, mas cabe uma pergunta, quais seriam suas origens?
Segundo o pesquisador, naturalmente, o general Góis sofreu grandes
influências tanto da Missão Francesa que deixou marcas no Exército Brasileiro na
década de 1920, bem como a influência da escola alemã que aportou no Brasil vinda
da Alemanha pelas mãos dos oficiais brasileiros também chamados de “jovens
turcos”, que haviam estagiado no Exército Alemão trazendo inovações da
organização militar alemã. Além das missões estrangeiras destacadas, que se
ressaltar o interesse de Góis Monteiro pela obra de Alberto Torres, cujos trabalhos
foram publicados entre 1909 e 1915, ainda os escritos de Juarez Távora e Oliveira
Vianna. Em relação a este último, ideólogo de destaque entre os anos 20e 30, os
estudos recentes de Bresciani, vieram destacar o pensamento de um intelectual
sistemático, que nas suas criticas ao liberalismo, afirmava inexistir no Brasil, a
condição fundamental para um regime democrático. No emaranhado das
articulações intelectuais, provavelmente, muitas delas foram fontes inspiradoras para
o pensamento e os escritos de Góis Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército,
vindo a corroborar com o discurso impregnado dentro dos quartéis e que
hierarquicamente chegaram mais tarde aos combatentes brasileiros.
É do próprio Góis Monteiro, o pensamento que segue abaixo:
139
GEISEL, Ernesto, apud A doutrina de Góis: síntese do pensamento militar do Estado Novo. In:
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999.
87
O instrumento de força da soberania nacional, o Exército, vem sendo
progressivamente enfraquecido no país pelas contradições e vícios da
política própria de nosso funesto sistema democrático, o que expõe a
nação a constante perigo.Esse fato exige que as Forças Armadas
mantenham coesão e unidade, uma vez que são as ultimas instituições
nacionais e à sombra delas poderão organizar-se as demais forças de
nacionalidade.
140
Fortalecendo esta reflexão, muitas das idéias de Góis Monteiro acabaram por
vingar no meio militar a partir de 1930, e busca mostrar a força do nacionalismo a
marcar a história de um povo. Para que isso pudesse ocorrer era necessário que o
Estado regulasse e disciplinasse a vida coletiva da nação. Somente o espírito
nacional, tem conseguido manter a unidade, a raça, a língua e a religião e sobretudo
a política.
141
O discurso de Góis Monteiro, direcionado ao Exército e à Marinha, reforçava o
papel dos militares ao apoio a um governo forte capaz de dar nova estrutura à vida
nacional. As Forças Armadas, são apresentadas como fontes seguras e defensoras
da unidade nacional, esta última fator preponderante nos discursos dos pracinhas
diante das ameaças nazi-fascistas que já grassavam a Europa.
Tal discurso,foi de grande repercussão no ideário dos veteranos brasileiros
que combateram na Itália. No diário de guerra do tenente da FEB Ítalo Diogo
Tavares, fica clara esta posição quando do registro no dia 5 de agosto de 1944 no
acampamento em Tarquínia (Itália)
Todos nós sabemos agora porque viemos à Europa para lutar.Não foi para
defender a liberdade e a democracia, não. Foi para evitar que esta guerra
se transportasse para o nosso país, que nossas famílias passassem miséria
e fome, que nossas mulheres e crianças fossem torturadas.
142
Na palavra que move o discurso dos veteranos da FEB, a preocupação com
os desígnios da pátria estava sempre presente, fortalecida pelo ideal do
nacionalismo. No livro de memórias do médico Alípio Côrrea Netto, deixou registrado
Quando o Brasil foi obrigado a declarar guerra à Alemanha por causa do
afundamento dos navios nacionais, verificou-se um abalo social em todo o
140
MURILLO PINTO, Sérgio. A doutrina Góis: síntese do pensamento militar do Estado Novo. In:
Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p.297.
141
Id.
142
TAVARES, Ítalo Diogo. Nós vimos a cobra fumar: Diário de um jovem tenente brasileiro na Itália
durante a II Guerra Mundial. Salvador: P&A Gráfica e Editora Ltda, 2005.
88
país.[...] Dentro desse pensamento e impelido por esse sentimento, julguei
ser obrigação cívica pôr-me a disposição das autoridades.
143
Também como o médico Alípio, o veterano Rudemar Marconi em seu diário
destaca a sua resolução de ir para a guerra: “Nunca tive vocação militar, mas como
brasileiro de consciência respondi ao chamado do meu país para combater na
Europa pela democracia, apesar do nosso país viver numa ditadura.”
144
Nesta fase, nem sempre há unanimidade na avaliação positiva do contexto
político brasileiro, entre os veteranos da FEB. Contrariando a opinião de muitos, há
os que questionem as autoridades brasileiras, de suas atitudes anti-nacionalistas.
Neste caso, o tenente Ernani Ayrosa da Silva, um pouco antes da sua partida no
Escalão da FEB para a Itália, registrou em suas memórias fazendo referencia ao
desfile de despedida da FEB no dia 24 de maio de 1944 e ao discurso do chefe de
Governo em praça pública: “Como se não bastasse, durante o desfile da FEB, o
chefe de governo reafirmou num discurso em praça pública, sua posição pacifista”,
como diz Ayrosa, lavando as mãos da responsabilidade do embarque da FEB. Os
que haviam aderido a FEB por idealismo, não receberam bem as palavras do
presidente,
145
e ficaram perplexos diante do presidente que estava naquele momento
as tropas brasileiras para combater na Itália.
Do registro dos combatentes brasileiros, fica a imagem gravada do
comprometimento com os destinos do país, muito antes do enfrentamento de
qualquer missão de guerra e explicito nas palavras Ernani Ayrosa em seu livro de
memórias.
Refiro-me a um dever mais alto - para com os semelhantes e para com a
Pátria - traduzido, o primeiro, na solidariedade humana, o segundo no
patriotismo, palavra que se tenta tirar do dicionário e erradicar dos corações,
mas que resiste como tudo que é perene, como as tábuas da lei divina
resistem à fúria predatória dos tempos.
146
No sentido de granjear o apoio e a confiança dos militares, o governo central
buscou atender às suas reivindicações, principalmente no que concernia ao
143
CORREA NETTO, op. cit., p.2.
144
RAMOS, Rudemar Marconi. Diário de um paisano na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
H.P Comunicação Editora, 2003, p. 7.
145
SILVA, Ernani Ayrosa da. Memórias de um soldado.Rio de Janeiro: Bibliex, 1985. p. 32.
146
Ibid., pp.175-176.
89
reaparelhamento das Forças Armadas, mas também buscou ceder espaços no que
concernia à administração da estatal do aço criada em 1938.
Nesse âmbito, os militares forçaram também a participação da instituição na
questão que envolvia os preparativos para a criação de uma indústria siderúrgica e,
conseqüentemente, uma aproximação do governo com a Alemanha. Para os
militares, havia dois interesses que se sobrepunham aos demais: era a questão da
modernização do país como um todo e a segurança nacional. Não havia uma
homogeneidade nas ações e nem sempre Getúlio Vargas cedeu às pressões. Como
hábil político, soube administrar grupos diferentes em seu governo.
Dentre os muitos órgãos nascidos durante o Estado Novo, ou mesmo antes
deste período, que tinham como objetivo viabilizar a máquina administrativa e
visualizar qualquer tipo de pressão externa ao governo, destaca-se o Conselho
Federal do Comércio Exterior, criado em 1934. Desse período até 1937, esse órgão
reduziu o poder do Congresso na elaboração da política externa comercial,
canalizou interesses e foi o órgão que decidiu sobre a política do aço e do petróleo.
O Conselho Técnico e Financeiro do Ministério da Fazenda foi o maior
representante dos interesses privados dentro da burocracia do Estado, ocupando
um lugar de destaque na política econômica e financeira do Estado Novo. Nesse
aspecto, a intervenção do Estado foi decisiva para esta fase, além de propiciar o
fortalecimento do pólo interno da economia, da auto-suficiência na produção de
matérias primas e de bens manufaturados, buscando adaptar-se aos problemas
críticos de ordem internacional que acenavam com um novo conflito mundial. Nos
discursos o chefe do governo, faz questão de enfatizar os valores humanos e os
valores econômicos, elos fortes que se ligam, responsáveis pela prosperidade da
nação. “Donos de meio continente, tendo de mobilizar riquezas e criar uma
civilização própria, não podemos permanecer em atitude passiva, deixando indefeso
o patrimônio histórico que nos foi legado”.
147
Em discurso anterior, enfatizou que a
revolução na sua grande obra transformadora social, política e econômica é também
nacionalista, no bom sentido do termo
148
. “O movimento de 10 de novembro foi, sem
dúvida, um imperativo da vontade nacional”.
149
147
Saudação aos Brasileiros a 31 de dezembro de 1937, In. VARGAS, op. cit., p.124.
148
Discurso proferido a 23 de fevereiro de 1931, In: VARGAS, op. cit., p. 41.
149
Entrevista à imprensa a 19 de fevereiro e 22 de abril. In: VARGAS, op. cit., p 52.
90
Buscando reduzir as diferenças econômicas e sociais que nitidamente se
apresentavam entre o norte e o sul brasileiro, o que ele denominou de fronteiras,
Getúlio Vargas destaca a integração como caminho na tentativa de diminuir os
limites existentes entre essas regiões em detrimento das peculiaridades econômicas
de cada uma. Nessa perspectiva, mostra disposição de suprimir as barreiras que
separam zonas e isolam regiões, desse modo, acreditando que: reequipando portos,
remodelando o material ferroviário, construindo novas linhas, abrindo rodovias e
aparelhando a frota mercante, conseguiria articular em função dos objetivos, os
meios de transporte e os escoadouros da produção.
150
Com a Imprensa Nacional Getúlio Vargas tinha de início uma convivência
pacifica, em 1934 seu discurso tinha deixado aos jornalistas uma boa impressão. “A
palavra do jornal pode ser efêmera, pode luzir, apenas, um minuto e desaparecer na
voragem dos dias. Mas permanece indelével, o rasto que ela deixa no espírito.”
151
no Estado Novo, o colóquio com a imprensa, agora sob o controle do DIP,
passou a ter um sentido mais direcionado, a fim de cultuar a imagem, o pensamento
e a ação do ‘construtor do Brasil novo’. A figura de Vargas é construída com fortes
apelos por meio das imagens, que o identificam ora como uma pessoa comum,
próxima ao povo, ora como político eficiente e realizador de inúmeras reformas. O
chefe da nação também era de índole pacífica, cordato, ponderado, sensível e
pacificador, podendo ser comparado a outros vultos históricos. A imagem de Vargas
tomou vultos regionalistas: o estadista personificou o ideal positivista presente ao
longo da história dos gaúchos. Assim como os heróis Julio de Castilhos e Caxias,
Vargas tornou-se o homem que personificava a ordem com liberdade, visando
sempre ao progresso.
Getúlio Vargas tinha, como meta principal do seu governo, superar o atraso
apontado como entrave econômico para o desenvolvimento do país. A idéia de
modernização tomou vulto. A meta do progresso indicava a ordem, que somente
seria possível com a racionalização do mundo do trabalho e com o controle social,
tido como ameaçado pelos agentes de subversão. Nesse aspecto, a legislação
trabalhista tinha a orientação de regulamentar os conflitos entre patrões e operários
e, ao mesmo tempo, controlar os sindicatos que até então agiam livremente.
150
Saudação aos brasileiros a 31 de dezembro de 1937. In: VARGAS, op. cit., p.124.
151
Discurso proferido a 12 de julho de 1934. In: VARGAS, op. cit., p. 331.
91
No sentido de dar ordem a esse progresso, os legisladores importaram, da
Itália, as idéias principais retiradas da “Carta del Lavoro”. Era estabelecido um
sindicato único reconhecido pelo Ministério do Trabalho. Este podia intervir no
sindicato, caso algum regulamento fosse descumprido, enquanto, nas eleições
regulamentares, cerceavam-se candidatos que professassem “ideologias
incompatíveis com as instituições e os interesses da nação”. O anúncio das leis
trabalhistas era manifestado com grandes festividades no dia Primeiro de Maio,
ocasião oportuna para as cerimônias festivas que abrangiam desfiles, inaugurações
e discursos,
152
como o discurso proferido no Dia do Trabalho, em 1938: “Nenhum
governo, nos dias presentes, pode desempenhar a sua função sem satisfazer as
justas aspirações das massas trabalhadoras”.
153
Os trabalhadores constituíam uma
grande parcela da população, preocupado com essa massa obreira, a ela direcionou
Vargas seus discursos mais proeminentes, quando buscou alinhavar as questões da
ordem e do trabalho. “O trabalho só pode se desenvolver em um ambiente de
ordem”.
154
Relembrando possivelmente dos seus vários encontros com o operariado
brasileiro, buscou no discurso de de maio ressaltar as benesses da nova
legislação, que vinham ao encontro das aspirações da classe tão laboriosa, desse
modo, legitimando o discurso.
O orador operário, que foi o intérprete dos sentimentos dos seus
companheiros, declarou, pouco, que a legislação social do Brasil veio
estabelecer a harmonia e a tranqüilidade entre empregados e
empregadores. É esta uma afirmativa feliz, que ecoou bem no meu
coração.
155
Às vésperas da Guerra Mundial, ao acompanhar os acontecimentos que
ocorriam na Europa, Vargas salienta os velhos clichês, que definiam a sociedade
brasileira nas suas principais qualidades: povo pacífico, cordato e harmonioso
avesso às agressividades. Mas não deixa de mostrar apreensão em relação à
política internacional, e que fica evidente na entrevista à imprensa.“Nenhum
sacrifício, nesta hora grave, será bastante: nenhuma vigilância excessiva”.
156
Ao
tempo em que exulta a defesa da bandeira, do idioma e das tradições brasileiras,
152
FARIA e BARROS, op. cit.. CAPELATO, op. cit..
153
Discurso Proferido a 1º de maio de 1938. In: VARGAS, op. cit., p. 225-227.
154
Id.
155
Id.
156
Entrevista à Imprensa, a 10 de novembro de 1938. In: VARGAS, op. cit..
92
reafirma a confiança nos povos civilizados dentro das normas de respeito e
acatamento. “Estou convicto, de que os brasileiros responderão, como uma voz
única a qualquer apelo da nação”.
157
Este foi o discurso assumido pelos combatentes
brasileiros por ocasião da convocação.
Era necessário mostrar aos aliados militares o quanto era importante, as
ações governamentais e seus objetivo concretos. Assim no dia 10 de novembro de
1940, uma grande festa era preparada no meio militar no Rio de Janeiro. Tratava-se
da inauguração do prédio do Quartel General, uma obra de grande porte que vinha
dar características mais modernas à administração do Exército. Para o grande
evento, inaugurou-se a Exposição Retrospectiva do Exército (1930-1940) onde os
estandes demonstravam os novos empreendimentos em matéria de Engenharia
Militar construção de quartéis, fábricas, ferrovias, rodovias, escolas, hospitais,
enfermarias e depósitos, espalhados no território nacional. A Fábrica de Pólvora, em
Piquete e a Nova Escola Militar em Rezende, constituíam as obras mais importantes.
Getúlio Vargas foi recebido e saudado no discurso do ministro da guerra
Eurico Gaspar Dutra. Na ênfase dada pelas suas palavras iniciais fica expresso o
apoio dado pelas Forças Armadas ao Estado Novo. O discurso vigoroso que seguiu-
se, lembrou a data da inauguração do Estado Novo, não apenas como um ato
simbólico, mas marcava um novo tempo, portanto, pertencente também Exército
Brasileiro “e com direitos adquiridos, uma verdadeira data do Exército”.
158
Fica
evidente, neste caso, por parte dos militares da escolha do 10 de novembro de
1940 para a inauguração apoteótica. Ela significava naquele momento a apropriação
de uma data, o desejo de cristali-la perante a sociedade, na perspectiva expressa
de identidade, coesão e estabilidade social ao alcance e reconhecimento dos
indivíduos.
159
No discurso são colocados em evidência os empreendimentos, que exaltavam
não apenas as realizações materiais, mas o aspecto histórico que a data
representava: “Nessas majestosas realizações materiais, há tanto tempo exigidas
pelo Exército, o Estado Novo, encontra motivos os mais convincentes para atestar o
157
VARGAS, op. cit..
158
ANAIS DO EXÉRCITO BRASILEIRO. O Exército e o Estado Novo. Rio de Janeiro: Biblioteca
Militar, 1940, p. 179.
159
N.A.: Um estudo especifico sobre os rituais, memória e identidade do Exército Brasileiro podem
ser verificados na obra A invenção do Exército Brasileiro de Celso Castro,Editora Jorge Zaahar: Rio
de Janeiro, 2002, onde o autor destaca as cerimônias dedicadas a Caxias, a Intentona Comunista e o
Dia do Exército.
93
acerto e a oportunidade de sua implantação, em momento histórico, nitidamente
percebido pela visão de estadista de V.Excia”.
160
No discurso dirigido, enfatizou-se a
participação do Exército Nacional na implantação do Estado Novo, poupando a
nação de uma revolução que conduziria os brasileiros à subserviência.
Respondendo ao discurso de saudação do Ministro da Guerra, Getúlio Vargas
chama a atenção para a guerra que já acontecia na Europa há quase um ano: “ Não
precisamos da lição da experiência desta guerra tremenda que sacode o mundo em
seus fundamentos, para saber que nada valem, a uma Nação, as conquistas do
engenho humano, da ciência e da arte, do trabalho e do sacrifício, se não contar
com uma força suficiente para se fazer respeitar e recursos militares para defender o
seu solo”.
161
Evoca no discurso o papel de integração do Exército nos grandes
movimentos’ que expressaram o sentir profundo do povo brasileiro: “A Abolição, da
Proclamação da República e no advento do Estado Novo”.
162
No pronunciamento do festivo dia da Inauguração do novo Quartel General,
Getúlio Vargas, destaca ainda a construção de vários edifícios militares que se
encontravam em construção ou concluídos, como os quartéis de Blumenau, São
Salvador, Aracaju, São Luiz do Maranhão, Cuiabá, Natal e Belém, além das
guarnições de fronteira. Foram citados também os edifícios da Policlínica Militar, os
hospitais das cidades de Santo Ângelo e Alegrete, o Pavilhão de Neurologia e
Psiquiatria do Hospital Central. Além destes, o importante Laboratório Farmacêutico
Militar, o Departamento Médico da Aviação, e várias enfermarias regionais. Obras de
estruturas no atendimento médico aos militares, tão carentes no serviço blico de
Saúde e que reverteriam mais tarde em benefícios da grande seleção médica que
enviaria tropas brasileiras para a Itália.
Os discursos neste dia buscavam mostrar os principais aspectos de um
exército novo, e da estreita ligação entre os militares e o Estado. Representando a
equipe que havia organizado a grande Exposição Retrospectiva, o coronel Bentes
Monteiro, ressalta:
Foi senhores uma idéia feliz a desta exposição, para mostrar as atividades
do Exército, no decênio de 1930-1940.[...] A transformação político-social,
que se operou no Brasil,com a implantação do novo regime governamental,
160
ANAIS DO EXÉRCITO BRASILEIRO, op. cit..
161
Ibid., p.183.
162
Id.
94
retrata incontestavelmente com exatidão a grandiosidade da obra idealizada
pelo Exmo.Snr.Presidente da República.
163
O coronel Bentes, chama a atenção para o papel do cumprimento da missão
patriótica de restauração da nação brasileira. Nesse dia, a Imprensa Nacional deu
ampla cobertura aos eventos, e foi elogiada pelos expositores pelo seu afam
patriótico de apoio às boas causas.’ Na organização da exposição estava envolvida
também a sociedade civil, que marcando presença ofereceu o almoço servido às
autoridades, cuja representação estava constituída pelos diretores dos
estabelecimentos fabris militares e os emissários das fabricas particulares de
material bélico
No desenrolar dos acontecimentos da guerra na Europa, a entrada dos
Estados Unidos em 1942 e o torpedeamento dos navios mercantes brasileiros, no
período de 1942 e 1943, fator preponderante na Declaração de Guerra contra os
países do eixo em 1942, veio exigir outro posicionamento do governo Getúlio
Vargas. Tais assuntos serão discutidos no terceiro capítulo desta pesquisa. Da
esperada neutralidade brasileira em relação à guerra na Europa, o chefe do governo
diante das pressões internas e externas que vinha sofrendo, se viu na contingência
de mandar para a Itália a Força Expedicionária Brasileira.
No primeiro capitulo deste estudo, buscou-se enfatizar a importância dos
diários dos combatentes brasileiros e seus lugares da memória na organização da
presente pesquisa. Estas fontes vão estar presentes em todos os momentos da
reflexão que conduzirá a uma compreensão da participação brasileira na Guerra
Mundial, na voz dos seus protagonistas.
Foi necessário o procedimento de buscar entendimentos referentes aos
diversos conceitos que estão contidos nesta pesquisa, tais como: o significado da
palavra diário na contemporaneidade e a compreensão da palavra guerra, discutida
por diversos especialistas.
Na linha do tempo, localizou-se a Era Vargas, tendo como recurso
metodológico as fontes reunidas em uma coletânea com seus discursos. No recorte
possibilitado entre os anos de 1930 a 1940, buscou-se destacar os principais
acontecimentos que mais tarde viriam a incidir no próprio Golpe de Estado em 1937,
destacando enredos e personagens, militares e civis que de certa forma com suas
163
ANAIS DO EXÉRCITO BRASILEIRO, op. cit,. p.190.
95
posições deixaram suas marcas. Pela contingência do momento, muitos deles
abarcaram as trilhas do Estado Novo, imprimindo suas idéias e reforçando o
discurso de brasilidade e nacionalidade. Inaugurava-se um tempo novo, de forte
ascensão sobre a sociedade brasileira, da qual os veteranos de guerra, como outros
brasileiros, vivenciaram a sua infância e juventude. São repercussões de um tempo
a marcar indelevelmente a memória e seus lugares.
No próximo capítulo abordaremos as questões referentes aos intelectuais do
Estado Novo, a produção intelectual da época, os objetivos culturais delineados pelo
Estado Novo, e a participação ativa do DIP em todas as esferas governamentais,
dentro de um poderio quase ministerial. Será dado destaque ao projeto da
Nacionalização do Ensino, ocorrido via decretos federais, principalmente no sul do
país, sob ótica de pesquisadores atuais, que questionam o projeto em si, seus
objetivos e repercussões, quando avaliam também os dissabores impetrados a estas
populações nos enfrentamentos com as policias locais.
96
2 OS INTELECTUAIS, CULTURA E EDUCAÇÃO NO ESTADO NOVO
2.1 A GÊNESE DO DISCURSO DOS VETERANOS DA FEB - OS INTELECTUAIS
NO ESTADO NOVO
Se os caminhos de construção da pesquisa nos levam aos discursos dos
pracinhas brasileiros na sua forma de verbalizar os momentos mais delicados de
suas vidas, seja por meios das narrativas em seus diários de guerra, nas
conferências organizadas, nos artigos e crônicas publicados que nesta tese
denominamos os lugares da memória que se buscar o principio destes
discursos. Na leitura possível das entrelinhas dos discursos ou das manifestações
escritas sobre os feitos da FEB, vamos conduzindo nossa reflexão no sentido de
verificar a constância ou não deste discurso e em que momento ele se transforma
pela memória que clama por reconhecimento. em 1952, Falconiere da Cunha,
um dos comandantes participantes da FEB, prefaciando o livro de do general João
Baptista de Mattos, denota a preocupação com um possível esquecimento desses
soldados.
Embora criada (FEB) com o apoio e o aplauso da grande massa da
população, é inegável que, em conseqüência mesmo das condições
políticas então vigentes no país, a FEB não conseguiu despertar o
entusiasmo e conquistas e o afeto popular. A noticia de sua partida foi
recebida pelo povo, com um sentimento de que havia mais curiosidade e
uma simpatia não isenta de certo ceticismo que, propriamente com
interesse e entusiasmo.
164
Para os combatentes brasileiros que em seus oito meses participaram da
Campanha na Itália, essa se constituiu em uma página de glória, e coube a eles a
decisão de registrá-la. Esse esforço inflexível retrata momentos delicados destes
sujeitos, revelados nas horas marcantes e decisivas de cada um. Do narrar singelo
de uma anotação a uma escrita mais elaborada de um diário, é possível encontrar
as palavras que designam valores e qualidades no sentido do que se quis dizer.
São palavras tecidas a partir de uma multidão de fios polissêmicos que servem de
trama às narrativas do cotidiano, expressando muitas vezes momentos únicos de
cada um: Falam do heroísmo diante do perigo, da saudade da mãe pátria e seu
164
MATTOS, João Baptista. Os monumentos nacionais: A Força Expedicionária no Bronze. Rio de
Janeiro: Imprensa do Exército, 1960.
97
gloriosos passado, do dever cívico cumprido diante dos desafios, da simbologia do
pavilhão nacional, do verde e amarelo, do sentimento puro de brasilidade a
fortalecer a idéia de pertencimento.
Palavras soltas ao vento? Não, naturalmente. Mas retratos singulares de
lembranças que insistem em não passar. Das razões da vida, do viço ágil lépido da
juventude, quando o raciocínio rápido pelos anos já se foram, e não é mais possível.
Mas o esforço, segundo muitos, vale a pena, continuam sendo histórias exemplares,
ou pelo menos é o que pretendem ser, na esperança de que estas resultem numa
lição de vida, daqueles que já fizeram a sua parte e esperam que façamos a nossa.
Neste momento é possível perguntar: de que maneira estes personagens, os
combatentes brasileiros, em seus diários e testemunhos teriam construído seus
discursos centrados na nacionalidade e brasilidade? Ao leitor atento e perspicaz é
possível responder: os fatos e as evidências apontam para as diretrizes
educacionais e culturais do Estado Novo, manifestadas pelos intelectuais e
pensadores, figuras proeminentes de uma época e representativas do poder
estabelecido.
De que forma este nacionalismo foi estruturado e qual teria sido sua origem,
são questionamentos iniciais. No ensejo destas perguntas, outras tantas seriam
possíveis dentro de um conjunto polissêmico de vozes. De que maneira este
conjunto teria influenciado a sociedade brasileira, e mais precisamente, o cotidiano
dos discursos dos pracinhas brasileiros em seus diários e os lugares da memória?
O que expressavam os intelectuais em seus discursos, e como estas idéias
chegaram até o Estado Novo, são perspectivas que esta pesquisa tenta desvendar.
Desse modo, buscam-se protagonistas e estratégias adotadas pelo Estado Novo
na inserção de um ideário singular.
Na tentativa de encaminhar as respostas a esses questionamentos, a
pesquisa nos obrigou a recuar no tempo, a fim de vasculhar os meandros da
sociedade brasileira do início do século XIX, em busca das evidências do discurso
intelectual que os especialistas apontavam como elementos desencadeadores do
Movimento Modernista no Brasil. Na década de 1920, logo as a Guerra
Mundial, com a derrota do mito cientificista, o ideal cosmopolita cede lugar ao credo
nacionalista, conforme os estudos levantados por Velloso. A busca das raízes
brasileiras e do ideal de brasilidade passa a constituir o foco dos intelectuais
98
brasileiros, sendo a constituição de identidade desse grupo decorrente dos ideais
comuns alicerçados na ciência e na racionalidade (geração de 1870), assim como na
arte e na intuição (geração de 1920). Imbuídos de uma vocação messiânica um
misto de missão e dever social os intelectuais progressivamente atribuíram a si o
título de detentores da consciência iluminada do nacional, e acabaram por exercer
um papel de grande ascendência sobre a configuração de identidades nacionais.
Nesta linha de pensamento é esclarecedor o artigo de José Horta Nunes, que
ao estudar o mesmo tema, abarca várias discussões que buscam explicar a
configuração das identidades nacionais nos discursos dos manifestos modernistas
da década de vinte no Brasil, dos quais ele situa duas concepções distintas:
[...] o Manifesto de Gilberto Freire e o Manifesto Antropófago de Oswald de
Andrade. O primeiro foi lido em 1926 no Congresso Brasileiro de
Regionalismo em Recife, e o último foi publicado no primeiro número da
Revista Antropofagia, em São Paulo, no ano de 1928.
165
Ainda de acordo com Nunes, os manifestos são vistos como uma forma
textual característica dos movimentos de vanguarda que despontaram na Europa no
final do século passado e início deste. No Brasil, essa vanguarda é na verdade um
reflexo do que acontecia na Europa, em sua motivação por fenômenos sociais,
políticos, econômicos, éticos e culturais. Em Paris ocorria um movimento curioso
sobre o Brasil, onde elementos da cultura e da arte francesas achavam interessante
a terra brasileira, o colorido tropical, o exotismo das cores, plantas e paisagens,
graças à divulgação de dois visitantes franceses: Paul Claudel, como
Plenipotenciário, e Darius Milhaud, como adido cultural da França. Até mesmo o
ritmo brasileiro, o samba, estava presente em Paris.
Tratava-se de um colóquio sobre o Brasil, no qual a elite paulista de São
Paulo se fez presente, e que, por ter apreciado o evento, acabou por trazer tais
idéias para o Brasil, juntamente com a influência francesa. Tudo era importante: o
exótico, o tropical, o brilhante, o primitivismo. Segundo Oswald de Andrade,
considerado o representante da aristocracia, tais fatos sugeriam a renovação da arte
e da literatura nacionais, conforme ilustra sua famosa citação: “Estamos atrasados
cinqüenta anos em cultura, chafurdados em pleno parnasianismo.” Eram tais ideais
165
NUNES, José Horta. Manifestos Modernistas: A Identidade Nacional no discurso e na língua. In:
ORLANDI, Enni Puccinelli. Discurso Fundador. Campinas: Pontes, 2003, p. 43.
99
que circulavam entre a elite econômica, principalmente a idéia de um Brasil novo, de
grandes perspectivas. Segundo os segmentos artísticos e literários era necessário
sacudir o marasmo, criar um movimento capaz de pôr a limpo as idéias novas,
substituir o parnasianismo pelo futurismo.
166
Mas qual teria sido o marco inicial do movimento Modernista no Brasil, quais
teriam sido seus representantes e, se o movimento não foi tão expressivo como
salientam alguns, de que forma esta militância teria influenciado com suas idéias não
apenas as sedes vanguardistas de São Paulo e Rio de Janeiro, mas também outras
estruturas, que teriam chegado mais tarde ao Estado Novo, aos quartéis, às escolas,
às famílias e a sociedade de um modo geral?
Conforme Velloso, a estrutura patriarcal e autoritária da sociedade brasileira,
composta por um grande contingente de analfabetos, acabou por reforçar durante
longo tempo, a idéia de que alguém deveria falar em nome dos destituídos. Tal idéia
reforçou a posição de muitos intelectuais brasileiros. “Sentindo-se consciência
privilegiada do nacional’, ele constantemente reivindicou para si o papel de guia,
condutor e arauto.”
167
Segundo a autora, é marcante a presença dos intelectuais na
instauração do Império, na Proclamação da República, na Revolução de 30 e no
Estado Novo, interferindo no processo de construção da nação brasileira, portando-
se como verdadeiros guias, inspirados pela idéia nacional.
Segundo Bourdieu os intelectuais desempenham um papel importante nas
sociedades desenvolvidas, e ocupam um determinado espaço social. Mas este
espaço, o campo social é constituído de tal forma que, quanto mais próximos
estiverem os grupos ou as instituições ali situados, mais propriedades eles terão em
comum, quanto mais afastados, menos propriedades em comum eles terão.
168
Em
razão da efetiva participação de intelectuais brasileiros às vésperas do Estado
Novo e depois na sua efetivação, esses buscavam uma aproximação do poder,
muitos por terem aderido plenamente ao novo regime, outros por perceberem que
haveria condições de se tornarem escritores conhecidos, mostrarem suas idéias e
divulgar suas pesquisas, com o anteparo das editoras ligadas ao poder central.
166
ATAIDE, Vicente. O Modernismo. Curitiba: Artes Gráfica Unificado, 1983, p.7.
167
VELLOSO, Mônica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. In: FERREIRA,
Jorge e DELGADO, Lucilia de Almeida Neves. O Brasil Republicano: O tempo do nacional estatismo
do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007,
p.147.
168
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.o Paulo: Brasiliense, 2004.
100
De um certo ponto de vista, o campo literário ( ou o cientifico) é um campo
como os outros[...] trata-se de uma questão de poder, o poder de publicar
ou, de recusar a publicação por exemplo_ de capital_ do autor consagrado
que pode ser parcialmente transferido para a conta de um jovem escritor,
por meio de um comentário elogioso ou de um prefácio_ aqui como em
outros lugares observam-se as relações de força, estratégias, interesses.[...]
e como todo o campo, o lugar das relações de força ( e de lutas que visam
transformá-las ou conservá-las), permanece o fato de que estas relações de
força se impõem a todos os agentes que entram no campo.
169
De acordo com as pesquisas de José Horta Nunes, o eixo Rio - São Paulo
teria expandido as suas idéias para outros estados. Dentro do grupo que formava a
ala dos modernistas, viam-se manifestações nacionais quer no aspecto estético,
filosófico ou ideológico, pois essa vanguarda sentia o momento de estar pronta para
as mudanças que ocorriam no mundo: havia uma premissa de posicionar este Brasil
“moderno”.
Neste roteiro do pré-modernismo no Brasil, a data de 1917 é significativa, pois
neste ano ocorreram os episódios mais importantes. Os escritores Oswald de
Andrade e Mario de Andrade travam conhecimento e resolvem implantar as bases
do Modernismo no Brasil, que vai conseguindo adeptos de outros literatos e poetas.
Embora a produção literária não tenha muito em comum com os aspectos
nacionalistas esperados, o espírito de rebeldia se alastra. O ano de 1920 constituiu
outro marco importante para o Modernismo Brasileiro com a publicação de “Paulicéia
Desvairada” de Mario de Andrade.
Em outubro de 1921 os paulistas unem-se aos cariocas, esses também
iniciados no movimento de rebeldia geral, com as seguintes personalidades: Ribeiro
Couto, Manuel Bandeira, Renato Almeida, Vila Lobos, Ronald de Carvalho, Álvaro
Moreira, Sergio Buarque de Holanda e Graça Aranha, que se unem aos jovens no
sentido de eliminar o marasmo cultural do país.
A Semana de Arte Moderna foi montada para repercutir como um espetáculo
bombástico para chamar a atenção de todos e mover a opinião pública à todo custo.
É indiscutível a importância de Graça Aranha para o Movimento. A Semana deveria
durar de 11 a 18 de fevereiro de 1922, e na sua representatividade contou com
presenças de artistas e literatos. Em 1972, durante as comemorações do
cinqüentenário da Semana de Arte Moderna, muitos especialistas acharam oportuno
realizar uma reflexão sobre o significado abrangente do Movimento Modernista para
169
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.o Paulo: Brasiliense, 2004, pp. 170-171.
101
a sociedade brasileira. Não apenas em termos da revolução estética e
conscientização ideológica da revisão critica do fato nacional e da sintonização com
as linhas renovadoras do pensamento universal, mas também de algumas
conclusões de ordem mais parcial, capazes de iluminar algumas constatações, que
definiriam o movimento paulista de 1922 como um dos passos cíclicos fundamentais
na evolução estética do processo criativo brasileiro, passos efetivos para a
consolidação de um modo de ver e de formar o brasileiro, de uma intuição criadora
brasileira.
170
Tal posição dos modernistas, ainda em 1924, mostra as evidências da tensão
existente no campo cultural, tão bem descrita por Bourdieu.
Eu diria que o campo literário é simultaneamente um campo de lutas que
visa transformar ou conservar a relação de forças estabelecida: cada um
dos agentes investe força (o capital) que adquiriu pelas lutas anteriores em
estratégias que dependem, quanto à orientação, da posição desse agente
nas relações de força, isto é, seu capital específico. Em termos concretos,
trata-se, por exemplo das lutas permanentes que opõem as vanguardas
sempre renascentes à vanguarda consagrada.
171
A “Revista” é o órgão divulgador em Minas Gerais, das idéias dos
colaboradores capitaneados por Oswald de Andrade, geralmente composta de 58
páginas em cada número. Neste ambiente propício, o movimento saía fortalecido
pela atuação compacta do saneamento crítico do ambiente artístico e literário, o que
se manifesta também em outros estados durante esta etapa de consolidação,
reforçada pelo lançamento do Manifesto da “Poesia Pau Brasil” de Oswald de
Andrade, que defende uma poesia nacionalista, contrário às fórmulas importadas e
temas estrangeiros.: “Sejamos agora de novo no cumprimento de uma missão étnica
e protetora, jacobinamente brasileiros. Libertemo-nos das influências nefastas das
velhas civilizações em decadência.”
172
Portanto, era necessário substituir uma ótica
falsa por uma verdadeira perspectiva, assim estariam a caminho da redescoberta do
Brasil. Tal pensamento se expressa em passagens significativas como: “uma nova
170
ÁVILA, Affonso. Nas Vertentes da Semana de 22: o grupo mineiro de A Revista. Revista Cultura,
Vozes, Rio de Janeiro, 1972.
171
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.o Paulo: Brasiliense, 2004, pp. 170-171.
172
ÁVILA, op. cit., p. 16-17.
102
perspectiva”, sentimental”, “intelectual”, dentre tantas outras a assinalar que a
poesia é “ágil e cândida, como uma criança.”
173
Será preciso dizer que temos um ideal? Ele se apóia no mais franco e
decidido nacionalismo. A confissão desse nacionalismo constitui o maior
orgulho da nossa geração, que não pratica a xenofobia nem o
chauvinismo’, e que longe de repudiar as correntes civilizadoras da Europa,
intenta submeter o Brasil cada vez mais ao seu influxo, sem quebra da
nossa originalidade nacional.
174
Como afirma Eduardo Jardim Moraes, o ano de 1924 constituiu, portanto, um
marco de mudanças de rumos dentro do movimento modernista, onde começara a
se esboçar uma renovação estética que se fazia presente nos anos anteriores,
mas que agora partia para novos desafios, os quais vão se acirrando até 1930 no
sentido de elaborar uma literatura de caráter nacional num primeiro momento, a fim
de que depois, com pretensões mais abrangentes, pudesse propor um projeto de
cultura nacional. Na análise que faz sobre a virada modernista no ano de 1924, o
autor aponta para as questões políticas que marcaram o contexto nacional, como a
revolução paulista de Isidoro Lopes, A Revolta Tenentista, o levante do Forte em
1922 e a Coluna Prestes, fatores que teriam redimensionado a ação modernista,
tornando possível a explicação da reviravolta nacionalista de 1924.
175
O Manifesto Pau Brasil busca mostrar os antagonismo existentes em um
Brasil considerado moderno, mas que na realidade mostra-se atrasado em muitos
setores. Segundo o Manifesto, era necessário verificar os dois lados, buscando
incessantemente a integração. Essa idéia de integração é significativa a partir do
momento que busca integrar a cultura ao restante da nação.
Há que se considerar a História do Brasil, revê-la criticamente e integrar seu
amplo projeto de elaboração de cultura na história culta de um Brasil
brasileiro. [...] também que considerar a integração, em um vel quase
de enraizamento no solo físico da nação, através da busca de inspiração
material do país, sua opulência e a exaltação da terra brasileira.
176
Fica evidente na abordagem sobre o Projeto Modernista, ocorrido nas suas
diversas fases, que esse representou a primeira tentativa de proposição de um
173
MORAES, Eduardo Jardim de. A Brasilidade Modernista: sua dimensão filosófica. Rio de
Janeiro: Graal, 1978.
174
Id.
175
Ibid., p.77.
176
Ibid., p.88.
103
projeto consistente para a cultura política brasileira. Dentro de suas diretrizes, pode
ser considerado um movimento típico de abertura coletiva, que exprimiu em certos
momentos, no plano da subjetividade e da consciência, diversas tentativas de
responder às condições objetivas brasileiras, mais tarde concretizadas pelos
mesmos intelectuais do modernismo e ideólogos do Estado Novo, que se apropriam
do projeto nacionalista para concretizá-lo em 1930.
2.2 O DEPARTAMENTO DE IMPRENSA E PROPAGANDA (DIP) ÓRGÃO MÁXIMO
E EDUCADOR DO REGIME LEGITIMANDO O PODER DE VARGAS
Havia uma preocupação por parte do governo com o controle da informação e
divulgação da propaganda ideológica, desse modo usou de todos os recursos que
dispunha o alcance da sua agência mais influente o DIP. A comunicação social
visava atingir não somente as classes trabalhadoras urbanas, mas direcionava os
meios de comunicação de massa levada com grande planejamento pela Divisão de
Rádio onde concretizaram a disseminação de ideologia do regime. A Hora do Brasil
desde 1931, já detinha o potencial de impacto na cultura brasileira, ganha força após
o Golpe de Estado de 1937, com grande audiência por parte da população.
Os discursos altamente doutrinários e autoritários chegavam às casas,
cobrindo também o noticiário fornecido pela Agencia Nacional, com uma série de
eventos nacionais e internacionais. Das ações do DIP. levadas à sociedade, seja
pelo rádio, imprensa, cinema e música de forma sutil e sofisticada, atingem também
os jovens brasileiros, depois recrutas, na forma de introjeção das idéias
compartilhadas pelas famílias no cotidiano. Nesse sentido, cabe nesta pesquisa uma
referência sobre o DIP. e a relação deste com o nacinalismo tão presente no
discurso dos soldados brasileiros.
No projeto político estadonovista, segundo Lippi Oliveira, a dimensão
ideológica assume um papel preponderante, na medida em que se constituiu uma
doutrina de “obrigação política” para a sociedade civil. Neste aspecto, a cidadania é
redimensionada por essa doutrina, que busca envolver os diversos setores sociais
na política do Estado. A preocupação maior consistiu em construir uma estratégia
104
político-ideológica capaz de legitimar a existência do regime frente à opinião
pública.
177
Segundo os especialistas, a preocupação com o controle e a divulgação da
propaganda ideológica ocorreu muito antes do golpe do Estado Novo. No ano de
1931, logo após a Revolução, o governo provisório criou o Departamento Oficial de
Propaganda (DOP), que inicia seu projeto de divulgação por meio de um programa
radiofônico, além de fornecer informações oficiais à imprensa. Em 1934 passa o
órgão por outra modificação, transformando-se no Departamento de Propaganda e
Difusão Cultural (DPDC) (nesta fase já dirigido por Lourival Fontes), que além de dar
continuidade ao planejamento anterior, expande mais a sua área de ação ao
produzir filmes educativos, utilizando-se de recursos modernos como o cinema e a
radiotelegrafia.
Em 1938, um ano após a implantação do Estado Novo, uma nova
reorganização amplia os poderes deste órgão, que passa também a coordenar as
ramificações estaduais. Foi então denominado Departamento Nacional de
Propaganda (DNP) e concentrou suas ações no rádio, cinema e turismo, controlando
a difusão das informações de caráter nacional e internacional. É dessa fase o
programa radiofônico “Hora do Brasil”, um meio prático de divulgar as idéias do novo
regime, que chegou a fornecer aparelhos de rádio para serem colocados nas praças
públicas das cidades do interior.
O Estado Novo trata com especial carinho o rádio, fazendo distinção entre o
“mau rádio”, o rádio diversão, e o bom rádio” aquele que é veiculo da
cultura como instrumento pedagógico.[...] O Estado quer fazer do rádio, do
cinema, da música instrumentos de formação de bons hábitos, de
‘civilização’ de fortalecimento do sentimento de unidade nacional.
178
O cinema era um meio de comunicação importante não somente como
divulgador das noticias do que ocorria no Brasil, pois na seção de turismo também
fornecia informações sobre o país para os estrangeiros visitantes. Foram editados
cartazes e folhetos de propaganda, além do serviço de informações direcionadas
aos jornais brasileiros e estrangeiros. Ampliava-se também a sua função de
“educador cívico”.
177
OLIVEIRA,Lucia Lippi. Os intelectuais e as raízes da ordem. In: ARAUJO, Maria Celina D’. (org)
As Instituições Brasileiras da era Vargas. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
178
Ibid., p.95.
105
Para os ideólogos do Estado Novo, a arte e a cultura, como outras atividades,
deveriam estar a serviço da nação, pois são instrumentos da ação educativa, daí a
importância dada ao rádio, ao cinema, aos esportes, direcionados à sociedade e o
estado pronto a cumprir o seu papel de homogeneizador cultural.
Em seu pronunciamento em novembro de 1933, Getúlio Vargas acenava
com a disponibilidade da intervenção do Estado nos assuntos relacionados à esfera
social:
A complexidade dos problemas morais e materiais inerentes à vida moderna
alargou o poder de ação do Estado, obrigando-o a intervir mais diretamente,
como órgão de coordenação e direção, nos diversos setores da atividade
econômica e social. Quanto à maior ou menor amplitude dessa intervenção,
podem divergir as doutrinas: na realidade, porém ela se apresenta como
imposição iniludível diante da preponderância dos interesses da coletividade
sobre os interesses individuais.
179
Diante deste contexto, logo depois surgiria o Departamento de Imprensa
Propaganda (DIP) criado em dezembro de 1939, que efetivamente trabalhou pela
legitimação do regime de Vargas perante a opinião pública. Em seu diário no dia 27
de dezembro laconicamente Vargas registra: “Assinei o primeiro decreto de reforma
do Departamento de Propaganda.”
180
Com funções bastante amplas, centralizava e
coordenava a propaganda do governo e dos ministérios, submetia à censura todos
os órgãos de comunicação e atividades culturais, dentre as quais o cinema, o rádio e
o teatro. Aprimorou o programa radiofônico oficial do governo, a Hora do Brasil, além
do controle que exerceu a todo o tipo de publicação que vinha fora do país, pois
essas poderiam ser “nocivas aos interesses brasileiros”. Todo o material de
propaganda do novo regime saía do D.I.P., que incentivava outros departamentos a
confeccionarem cartazes, objetos, espetáculos, livros e artigos enaltecedores do
poder.
Os organizadores da propaganda se valeram de símbolos e imagens na
busca de consentimento e adesão da sociedade. A bandeira brasileira e a
figura de Vargas foram os símbolos mais explorados nas representações
visuais do Estado Novo. [...] as imagens e os símbolos eram distribuídos
nas escolas com o objetivo de formar a consciência do pequeno cidadão.
Nas representações do Estado Novo, a ênfase ao novo era constante: o
novo regime prometia criar o homem novo, a sociedade nova e o país novo.
179
Mensagem, 15 de Novembro de 1933. In: VARGAS, op. cit., p.211.
180
PEIXOTO, Celina Vargas do Amaral. In: VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diários. São Paulo:
Siciliano, 1995, p. 281.
106
O contraste entre o antes e o depois era marcante: o antes era
representado pela negatividade total e o depois (Estado Novo) era a
expressão do bem e do bom. Havia promessas de um futuro glorioso. As
crianças aprendiam o que significava o novo através de publicações de
textos em forma de um diálogo: as perguntas e as respostas ensinavam
didaticamente o sentido das mudanças.
181
Para entender a dimensão desta simbologia no Estado Novo, buscamos em
Bakhtin a conexão desta com os signos que ele trata em Marxismo e Filosofia da
Linguagem.
Tudo que é ideológico, possui um significado e remete a algo situado fora
de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico, é um signo. Sem
signos não existe ideologia. [... ] todo o corpo físico, pode ser percebido
como símbolo: é o caso, por exemplo, da simbolização do principio da
inércia e de necessidade na natureza. [...] e toda imagem artístico-simbólica
ocasionada por um objeto físico particular já é um produto ideológico.
182
As imagens e símbolos eram difundidos nas escolas com o objetivo de formar
as novas consciências. Muitas das publicações estavam voltadas para o jovem
cidadão, como por exemplo: “O Catecismo cívico do Brasil”, cujo objetivo era ensinar
o princípio da autoridade e da ordem. Muitas biografias de Getúlio Vargas e obras
laudatórias foram publicadas nesta época. Como diz Capelato, a propaganda, além
de enaltecer a figura do der, demonstrava a preocupação do governo com a
formação de uma identidade coletiva e de pertencimento, quando agregavam nas
estratégias as imagens por associação entre o Estado, Pátria, Nação e Povo.
O jogo de palavras: amor, paz, felicidade, generosidade e concórdia eram
elementos que compunham uma estrutura efetiva, organizada para propor uma
unidade em torno de um todo harmônico e que Getúlio Vargas com sabedoria
propunha nos seus discursos: “Um país não é apenas um conglomerado de
indivíduos dentro de um trecho do território mas, principalmente, a unidade da raça,
a unidade da língua, a unidade do pensamento nacional.”
183
Os valores mais caros ao Estado Novo o nacionalismo e a valorização do
trabalho foram incentivados de várias formas: pela organização de manifestações
cívicas, festas patrióticas, exposições, concertos e conferências. Pelo rádio o DIP
monopoliza a audiência popular. O rádio era destacado como possuidor de notável
181
CAPELATO, op.cit,. p.123.
182
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo: Hucitec, 2004, p.31.
183
Discurso, 1º de maio de 1938. In: VARGAS, op. cit., 1942, p. 214.
107
poder de persuasão e dotado do “maior potencial socializador do mundo civilizado”.
A meta era “coagir a sociedade por dentro”, e desse modo, esvaziar a legitimidade
de outros meios de comunicação. Em suma, esse era o projeto educativo do novo
estado”.
184
Naturalmente tais estratégias ao longo do tempo atingiram também os
soldados brasileiros, muitos ingressando na carreira militar em função da própria
idade, outros egressos dos quartéis no tempo hábil, mas pela força da convocação
se fizeram presentes. Portanto, nestes tempos se mesclam os discursos, o
positivismo apregoado nos quartéis, os ensinamentos da missão francesa, e o
ideário estadonovista, repassado com ênfase a toda a sociedade, levada de roldão
pela nova política educacional.
Com seus poderes ampliados a partir de 1939, o DIP funcionava quase como
um ministério, e seus responsáveis reportavam-se diretamente ao presidente da
República. De 1939 a 1942 o DIP foi dirigido por Lourival Fontes, seguindo-se
depois o major Coelho dos Reis até 1943 e o capitão Amílcar Dutra de Menezes,
que atuou até a extinção do departamento em 1945. A sua estrutura era complexa,
formada de seis divisões dentre as quais destacamos: A Divisão de Divulgação,
responsável pela difusão da ideologia, em destacar as realizações do governo e
organizar eventos, espetáculos e cerimônias comemorativas. A Divisão de Imprensa
era a responsável pela censura, fornecendo artigos e fotografias distribuídos aos
jornais e aos outros meios de comunicação. Havia um controle do que era permitido
ou não publicar, e as punições eram sérias, pois a divulgação de qualquer matéria
contrária ao regime seria passível de cancelamento dos registros. Tais aspectos
podem ser observados na publicação dos artigos, nos diversos jornais brasileiros
que faziam a cobertura da guerra na Itália.
Portanto, o DIP funcionava como central jornalística do Estado Novo, pois
atuava nas modalidades de um grande jornal, com três expedientes, com equipes
completas de redatores, repórteres, tradutores, taquígrafos, constituindo uma equipe
ágil e bastante eclética que acompanhava os eventos principais relacionados ou
não ao governo central. A Agência chegou a registrar 220 funcionários.
Nos estudos que envolvem a pesquisa sobre o DIP e sua ação ideológica
voltada para o rádio e o cinema, destaca-se também a dissertação de mestrado de
184
VELLOSO, nica Pimenta. Os intelectuais e a política cultural do estado Novo. Revista de
Sociologia, n. 9, Curitiba. UFPR, 1997.
108
Daniel Cabral Borges. estão relacionados todos os departamentos do órgão. Na
pesquisa de Borges, um detalhamento especifico sobre as demais divisões
internas do DIP, dentre as quais a Divisão de Rádio, que era responsável por
regulamentar e coordenar os trabalhos das emissoras, divulgando a ideologia do
regime nos programas de rede nacional, principalmente no programa de grande
audiência a “Hora do Brasil” que enunciava discursos altamente ‘doutrinários’ e
‘autoritários’, reportagens apolíticas sobre educação, comércio, produção industrial e
eventos culturais, com conteúdo informativo.
A Divisão de Cinema funcionava como organismo censor dos filmes, que para
serem divulgados necessitavam de um certificado de aprovação, além da inspeção
do conteúdo, como a uniformidade e correção ortográficas de suas legendas. A
Divisão também produzia filmes de propaganda como o “Cinejornal Brasileiro” que
era exibido em todos os cinemas, com um formato cuidadosamente trabalhado, com
”imagens sedutoras” buscando mostrar a dinâmica e moderna administração do
governo Vargas. “As projeções obrigatórias certamente ajudaram a garantir que o
público fosse exposto a um Brasil imaginado que não possuía conflito ou miséria,
retrocesso, e sem batalhas culturais.”
185
Os documentários exibiam desfiles cívicos,
viagens presidenciais, comemorações como o dia do Trabalho, Dia da Bandeira,
Semana da Pátria, personificando sempre a figura de Vargas. O calendário oficial
marca as grandes datas, transmitindo a imagem de uma festa cívica constante.
Através dos rituais patrióticos, eram passados os sentimentos de unidade e
exaltação popular, indispensáveis, como enfatiza Velloso, para uma imagem do
regime apresentado como salvador da nacionalidade.
186
Segundo as pesquisas de Lucia Lippi, já em 1932 os signatários do Manifesto
da Educação reconheciam o cinema como o instrumento mais ágil de divulgação de
informações científicas e educacionais. Entre 1936 a 1945, foram produzidos cerca
de 230 filmes, que tinham o caráter instrutivo, e que de início eram filmes mudos
acompanhados de um roteiro feito por um professor e lido durante a projeção. Esses
documentários eram ecléticos e incluíam informações do avanço tecnológico.
185
BORGES, Daniel Cabral. A imagem e comunicação visual no discurso político da Era Vargas.
Dissertação (Mestrado), PUC, Rio de Janeiro, 2006. Disponível em: http://www.dbd.puc.rio.br/
pergamum/tesesabertas. Acesso em: 12 mai. 2008.
186
VELLOSO, op.cit., 1997, p.169
109
Na seqüência lógica dos acontecimentos, de acordo com as declarações de
Getúlio Vargas, já em 1933 é possível comprovar que houve um amadurecimento de
idéias em relação ao projeto educativo para o país. Afinal esteve sempre presente
nas manifestações de Vargas, que o progresso seria alcançado através da
educação do povo, fator preponderante na ação estadonovista, amalgamada pelos
seus auxiliares diretos, que longo tempo avançavam nestas idéias, amplamente
debatidas nos Manifestos Modernistas. Tal situação preparou os caminhos para que
a educação atingisse a sociedade como um todo, com linhas mestras adotadas pelo
DIP e seus departamentos, tornando-se durante o período do Estado Novo um
órgão educador por excelência.
A respeito de seu projeto educativo, Getúlio Vargas se manifestou:
Todas as grandes nações, assim merecidamente consideradas, atingiram
nível superior de progresso pela educação do povo. Refiro-me a educação
no significado amplo e social do vocábulo: física, moral, eugênica, cívica,
industrial, agrícola, tendo por base a instrução primária de letras e a técnica
profissional. [... ] diferença entre ensinar a ler educar. A leitura é ponto
inicial da instrução, e essa propriamente é completa quando se refere à
inteligência e à atividade. O raciocínio, força máxima da inteligência, deve
ser aperfeiçoado, principalmente por sabermos que o trabalho manual
também o exige, pronto e arguto. [...] A instrução que precisamos
desenvolver, até o limite extremos das nossas possibilidades, é a
profissional técnica. Sem ela,sobretudo na época caracterizada pelo
predomínio da máquina, é impossível trabalho organizado.
187
Além das prerrogativas peculiares que movimentavam a participação do
poderoso DIP com todas as suas divisões trabalhando em prol da máquina
administrativa do Estado Novo, é de vital interesse para essa pesquisa, avaliar o
desempenho da Revista Cultura Política”, considerada por muitos pesquisadores
como o maior instrumento de divulgação na construção da ideologia do Estado
Novo, entre outras que coexistiram no mesmo período em função dos seus
colaboradores e ideólogos.
No balanço possível que se possa fazer sobre a atuação do DIP.em relação à
sociedade brasileira, dadas às repercussões do longo processo, mereceria uma
análise mais aprofundada. Mas torna-se visível na presente argumentação, que o
controle sofisticado dos veículos de informação veio incidir ao longo do tempo e de
forma abrangente nos discursos da sociedade brasileira. As pessoas não ficaram
187
Discurso proferido a 18 de agosto de 1933. In: VARGAS, op. cit., 1942, pp.321-322.
110
imunes à carga cultural ideológica que receberam, portanto, é sintomático o discurso
nacionalista do soldado brasileiro.
2.3 AS REPERCUSSÕES DE UM NOVO IDEÁRIO, A BRASILIDADE, OS
INTELECTUAIS E O PODER
Este sub-capítulo vai tecer algumas ponderações sobre o movimeto
modernista e de que forma se percebeu a sutil inserção das Idéias de brasilidade no
discurso dos combatentes brasileiros. Muitas vezes, o equivoco de se avaliar
apressadamente o movimento dos intelectuais brasileiros a partir de 1924, apenas
na visão de um projeto voltado para a arte e a estética. Mas, sob a avaliação de
pesquisas recentes sobre o ideário do Estado Novo, é possível perceber o quanto
ele foi abrangente.
O nacionalismo vai ser uma das maoires preocupações deste grupo,
buscando rechaçar tudo o que vinha de fora e considerados na época como
modismos importados. No conjunto das ações, chegaram os intelectuais como
agentes dissiminadores das novas idéias que aos poucos vão sendo colocadas para
os brasileiros. Os intelectuais buscaram manter a posição de mentores das classes
menos letradas. De alguma forma essas idéias nacionalistas, das raízes brasileiras,
vão sendo colocadas nas mais diversas esferas da sociedade brasileira, e
reforçadas pelo Ministério da Educação e pelo DIP, do qual já fizemos referência. As
idéias mais fortes e depois reproduzidas pelos combatentes em seus diários e
testemunhos, dizem respeito aos signficados de identidade e pertencimento,
explorados de forma exacerbada pela imprensa, mais tarde reptetidas e enfatizadas
pelos combatentes nos congressos, nos encontros e nas celebrações a partir de
1946, quando eles se fizeram presentes.
A partir de nossa interpretação, e das evidências encontradas nos discursos e
ações direcionadas do projeto Modernista, em relação ao Estado Brasileiro entre as
décadas de 1920 a 1937, possibilitou-nos a compreensão da importância deste
grupo para a sua época e a maneira pela qual pensavam a realidade nacional.
Como afirma Bourdieu:
O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de
fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão de mundo e,
111
deste modo, a ação sobre o mundo; poder quase mágico que permite obter
o equivalente daquilo que é obtido pela força, graças ao efeito específico da
mobilização, se exerce se for reconhecido, quer dizer ignorado como
arbitrário
188
Coube às ações do Movimento Modernista – consideradas muitas vezes
incipientes, os subsídios necessários que apontam para a plausibilidade e
repercussões desse discurso ajudando a difundir não apenas idéias, mas obras
diretivas com alto grau de sutileza, que ao perpassar a sociedade em forma de
ideários, reforçou o jogo político na condução de um estado nacionalista.
A década de 1930 é o período em que se manifesta com maior intensidade a
ação dos intelectuais modernistas que direcionam sua ão para o âmbito do
Estado, conforme os estudos e apontamentos feitos por Mônica Velloso sobre os
ideólogos do Estado Novo. Estes percebiam a sociedade civil como um corpo
conflituoso, indefeso e fragmentado, de forma a corporificar no Estado a idéia da
ordem, da organização, da unidade, pois somente o Estado poderia fazer funcionar
com harmonia todo o organismo social.
Tal situação toma contornos mais definidos, pois o Estado é visto como o
cerne da nacionalidade brasileira, noções que haviam sido amplamente debatidas
no período pós 1924. Nas observações da autora, a pesquisa sobre o período do
Estado Novo é particularmente importante para se verificar o grau de inserção desse
grupo, na qualidade de participantes de um projeto político-pedagógico, destinado a
difundir o regime
189
. Tal fato é revelador e de interesse nesta pesquisa.
Na medida em que se investiga o Estado Novo, torna-se claro que os campos
de intervenção formavam um caudal considerável que se estendiam à política
econômico-financeira, à política trabalhista, à reforma administrativa e abarcava a
política externa, as forças armadas e a educação. No projeto político, a dimensão
ideológica tem um peso fundamental, pois constituiu uma “obrigação política” para a
sociedade civil. “A cidadania é redimensionada por essa doutrina, que busca
envolver os diversos setores sociais na política do Estado. Sabemos que o regime
188
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 63.
189
VELLOSO, op. cit., 1997, p.148.
112
tem como uma das suas maiores preocupações construir uma estratégia político-
ideológica, capaz de legitimá-lo frente à opinião pública”
190
Ao buscar a legitimação dos seus atos em relação às forças sociais, o Estado
amplia as suas bases de sustentação, incorporando algumas demandas das
camadas populares urbanas, sendo primordial estabelecer uma nova relação
Estado-sociedade. Para atingir este propósito, o Estado adentra nos domínios da
sociedade civil, assumindo o seu papel de condutor e organizador da sociedade, se
definindo como o educador mais eficiente junto às classes trabalhadoras,
argumentando ser o ‘bem público’, o móvel de sua ação, assumindo funções que em
outras épocas eram ocupadas por outros grupos sociais. Para concretizar essa nova
ordem, o Estado vai contar com a participação de agentes que partilhavam dos
mesmos interesses dos intelectuais, dos ideólogos, de ilustres pensadores da época,
que ratificam as bases do novo Estado esboçando uma nova concepção de mundo,
a qual procura reativar as representações destinadas a legitimar a nova distribuição
de poderes.
Na sutileza como o projeto estadonovista é montado, encontramos em
Bourdieu um exemplo esclarecedor sobre a força do campo simbólico, que se aplica
no presente estudo.
Num estado de campo em que se o poder por toda a parte, como em
outros tempos não se queria reconhecê-lo nas situações em que ele entrava
pelos olhos dentro, não é fácil lembrar que_ sem nunca sem fazer dele,
numa outra maneira de o dissolver, uma espécie de ‘ circulo cujo centro está
em toda a parte e em parte alguma’ é necessário saber descobri-lo, onde
ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto,
reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual
pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que
lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem.
191
A elite intelectual que na década de 1920 havia lançado suas discussões em
torno da busca do ideal de brasilidade e do remodelamento do Estado, acreditando
em suas idéias, em 1930, percebe formar um grupo identitário capaz de levar
adiante este arcabouço nacionalista para o âmbito do Estado, pois vêem no poder
central a maior representação da idéia de nação. Tal pensamento prossegue nos
190
OLIVEIRA, Lúcia; VELLOSO, Mônica. Cultura e Poder Político: uma configuração do campo
intelectual. In: OLIVEIRA, Lúcia; VELLOSO, Mônica; GOMES, Ângela. Estado Novo. Ideologia e
Poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, pp.71-108.
191
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 72.
113
anos subseqüentes, chegando ao Estado Novo em 1937 com uma bagagem
acrescida pela adesão de outros pensadores.
Se, historicamente, como afirma Velloso, a construção do nacionalismo
constituía a preocupação fundamental dos intelectuais, agora essa tarefa pode ser
extensiva aos domínios do Estado, o que atesta a inserção deste grupo em toda a
esfera governamental. O projeto político-pedagógico visa educar coletivamente, e
seu raio de ação une intelectuais das mais diversas correntes de pensamento. A
cultura passa a ser também a mola propulsora da valorização das coisas brasileiras,
tendo sido amplamente controlada pelo DIP.
192
Para entender a atuação direta do Estado em relação aos diferentes campos,
Bourdieu, deixou uma enorme contribuição quando construiu um modelo teórico
capaz de explicar as afinidades, as distâncias, os conflitos que caracterizam um
campo cultural, enfim, o complexo sistema no qual se movem autores, textos e
leitores, assim como os valores que estão em jogo nas lutas entre a tradição e a
vanguarda.
Pode-se medir o grau de autonomia de um campo de produção erudita com
base no poder de que dispõe para definir as normas de sua produção, os
critérios de avaliação de seus produtos e, portanto, para retraduzir e
reinterpretar todas as determinações externas de acordo com seus
princípios de funcionamento
193
Neste campo propício, os intelectuais puderam divulgar suas idéias, editar
seus livros, seus artigos, suas crônicas. O limite de tolerância era a proibição da
crítica, mas esta restrição tinha um tom conciliatório a partir da proximidade com os
intelectuais independentes, muito contrários ao regime, como Nelson Wernek Sod,
Graciliano Ramos e Gilberto Freyre, que restringiram suas discussões à história, ao
folclore e à literatura. Essa era uma exceção, pois a imprensa opositora foi a que
mais sofreu, conforme demonstra o caso do jornal O Estado de São Paulo da falia
Mesquita, cuja sede foi invadida pela policia em março de 1940, permanecendo o
jornal sob intervenção até o fim do Estado Novo.
194
O grande papel exercido pelo projeto educativo, na verdade, foi trabalhado
em duas vertentes: O Ministério da Educação, dirigido Gustavo Capanema e o
192
CAPELATO, op. cit,. p.127.
193
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
194
CAPELATO, op. cit..
114
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) chefiado por Lourival Fontes, do
qual fizemos referência neste capítulo. É notória a divisão de tarefas que cabia a
cada um, de maneira tão meticulosamente organizada, o que fornece a idéia de
como estes organismos foram tão bem pensados pelos responsáveis pela estrutura
do projeto ideológico. Enquanto o Ministério Capanema se ocupava mais
efetivamente com a educação formal e a cultura erudita, o DIP controlava as
comunicações voltadas para as manifestações da cultura popular. Junto de
Capanema, encontramos expoentes da literatura ligados ao projeto modernista, tais
como: Carlos Drummond de Andrade, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Candido
Portinari, Mário de Andrade, dentre outros. Enquanto o DIP é assessorado por
intelectuais como Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Cândido Motta Filho, os
quais são conhecidos pelo pensamento centralista e autoritário, fatores decisivos
para a organização da linha mestra conduzem a política cultural destinada às
camadas populares.
No final do século XIX, a intelectualidade estava praticamente marginalizada
por parte do Estado, que não aceitava criticas e tornava difícil a exposição de idéias.
O local do intelectual era fora do mundo político.
No século XX, a realidade é outra: em conformidade com a ação modernista,
o intelectual agora se posiciona e se expressa com relação ao que está ao ser redor,
além de formar diversas militâncias e buscar atuar em prol dos ideais estipulados
para a nova brasilidade.
No Estado Novo, o intelectual responde à chamada do regime, que o incube
de uma missão: a de ser o representante da consciência nacional. Reedita-
se, portanto, uma idéia enraizada historicamente no campo intelectual. O
que varia é a delimitação do espaço, a atuação do grupo da torre de
marfim para a arena política –, permanecendo o papel de vanguarda social.
O trabalho intelectual agora engajado nos domínios do Estado deve
traduzir as mudanças ocorridas no plano político.
195
Um fator importante para a intelectualidade no Estado Novo foi a entrada de
Getúlio Vargas para a Academia de Letras, pois agora viam no representante da
República um colega acadêmico, pois significava o “homem de pensamento e o
homem de ação, entre a política e a literatura”. Portanto, Vargas simbolizava a ação,
o idealismo e o pragmatismo. Ele é o homem político, mas também é um ilustrado
195
VELLOSO, op.cit., 1997, p.153.
115
capacitado a refletir sobre os destinos da nacionalidade. O presidente autor de obras
importantes para o país como a “Nova Política do Brasil”, passa a ser admirado por
estes dotes, o que destoa um pouco do pensamento demonstrado em 1938.
Precisamos reagir em tempo, contra a indiferença pelos princípios morais,
contra os hábitos do intelectualismo ocioso e parasitário, contra as
tendências desagregadoras, infiltradas, pelas mais variadas formas, nas
inteligências moças, responsáveis pelo futuro da Nação; precisamos com
maior urgência, dar um sentido claro, diretrizes construtoras e regras
uniformes à política educacional, o mais poderoso instrumento a utilizar, no
fortalecimento da nossa estrutura moral e econômica.
196
A classe letrada é eleita como intérprete da vida social por que é capaz de
transmitir múltiplas manifestações sociais, trazendo-as para o seio do Estado que irá
discipliná-las e coordená-las. Ela é vista como intermediária entre o governo e o
povo porque “eles é que pensam, eles é que criam.” Embora esta seja uma frase de
Amaral Azevedo, um ideólogo proeminente do Estado Novo, é na teoria de Bourdieu
que vamos compreender o papel do autor no campo literário.
O autor é realmente o criador, mas num sentido muito diferente do que a
hagiografia literária e artística entende por isso.[...] Ele transforma
profundamente a visão do mundo, ou seja, as categorias de percepção e de
apreciação do mundo, os princípios de construção do mundo social, a
definição do que é importante e do que não é, do que merece ser
representado e do que não merece.O poder de nomear o inominável, o que
ainda não foi percebido ou que está recalcado, é um poder considerável.
197
Getúlio Vargas, o chefe de governo, torna-se um modelo a ser seguido por
toda a intelectualidade do país. Neste aspecto, vale as observações de Azevedo
Amaral, no sentido de mostrar que os intelectuais eram os mais indicados para
colaborar com o governo. “graças ao senso de ordem e organização apresentadas
em suas propostas.”
Emergidos da coletividade como expressões mais cidas do que ainda não
se tornou perfeitamente consciente no espírito do povo, os intelectuais o
investidos da função de retransmitir às massas sob forma clara e
196
Discurso proferido a 2 de dezembro de 1937. In: VARGAS, op. cit., 1942, p.311.
197
BOURDIEU, Pierre. Coisas Ditas.o Paulo: Brasiliense, 2004, pp.179-180.
116
compreensiva o que nelas é apenas uma idéia indecisa e uma aspiração
mal definida.
198
Como veículo primordial da transmissão das idéias está a imprensa como
setor mais eficiente do DIP. Toda veiculação é promovida para as revistas e jornais.
Azevedo Amaral, um dos mais atuantes intelectuais do Estado Novo, é defensor da
participação ativa dos intelectuais nos meios de comunicação, pois segundo sua
afirmação, estes não fazem a ‘demagogia jornalística’, mas colaboram para o
engrandecimento do país, afirmando que, por estarem mais próximos dos interesses
nacionais, devem apoiar o poder público, por que ele dispõe de recursos de
informação e de conhecimento aos interesses nacionais.”
199
A preocupação demonstrada por Azevedo Amaral quanto à escrita jornalística
tem precedente, e nós a encontramos na afirmação de Vargas muito antes do Golpe
de 1937:
Entendida como deve ser, a profissão do jornalista confina com o exercício
de um sacerdócio. A crítica dos atos do poder, o exame das leis, a análise
dos sucessos da vida cotidiana exigem serenidade de juízo, conhecimento
exato da matéria em julgamento, amor, desinteresse e verdade. O
jornalismo, nos países como o nosso, onde ainda perdura percentagem
dolorosa de analfabetos, não deve converter-se em armas para saciar
paixões, mas cumpre que seja sempre uma tribuna de ensinamento
equilibrado e seguro.
200
Da análise que efetuamos da vasta documentação e obras que tratam do
período do Estado Novo, foi possível compreender que o ideário estanovista foi
perpassado à sociedade, por diversos meios estruturadamente sofisticados e
delineados pelo DIP, cujos lances eram cobertos pelos meios de comunicação como
o rádio, o cinema e teatro, dentre outros. Mas coube à imprensa escrita, por meios
dos jornais aliados ao poder central e às revistas alicerçar o discurso do Estado
Novo, repassando e reforçando idéias.
O número de revistas editadas no Estado Novo, dada ao seu conjunto e
expressividade, constituem fontes de interesse para o estudo deste período. Estas
tinham a orientação do D.I.P e serviam de agentes para a reprodução das idéias
198
AMARAL apud VELLOSO, Mônica. Os intelectuais e a Política Cultural do Estado Novo. In:
FERREIRA e DELGADO, op. cit., 2007, p.156.
199
VELLOSO, Mônica. Cultura e Poder Político. Uma configuração no campo intelectual. In:
OLIVEIRA, VELLOSO e GOMES, op. cit., p.71.
200
Discurso proferido no dia 12 de julho de 1934. In: VARGAS, op. cit., 1942, p.331.
117
norteadoras para a população. Algumas tiveram curta existência, outras tiveram uma
repercussão maior, pois eram subsidiadas diretamente pela imprensa do governo e
estabelecem excelente documentação para se entender a tramitação do discurso
estadonovista.
Das revistas de grande teor político e que mereciam toda a atenção dos
dirigentes do poder central podemos destacar duas delas: A Cultura Política e
Ciência Política. No estudo destas, Mônica Velloso, faz uma projeção e revela dados
que o de grande auxilio para os pesquisadores na busca de fontes. Nas revistas
atuavam uma diversidade de autores, ligados à política, à educação e à cultura, mas
o foco central era direcionado para a problemática da organização e legitimação do
Estado Novo, que na voz do representante maior da nação, durante certa passagem
assim se dirigiu aos colaboradores: “Torna-se necessário, por isso, divulgar as
atividades do Governo, para que todos as conheçam e as acompanhem, para que
façam sugestões e intervenham, quando menos, por dever patriótico, na marcha dos
negócios políticos.”
201
A revista “Cultura Política” estava sob a direção de Almir de Andrade e seu
primeiro número é publicado em 1941. Estava diretamente vinculada ao DIP e tinha
um caráter oficial diante da publicação de manifestações não apenas do presidente
da República, mas dos próprios ministros. Era bastante divulgada e vendida nas
bancas de jornal no Rio de Janeiro e São Paulo. Segundo os pesquisadores, a
remuneração dos seus colaboradores era o dobro do que recebiam por outras
publicações. As edições traziam diretivas firmes da doutrina e promoviam um
elevado e constante debate dos problemas nacionais, portanto considerada uma
“revista de estudos brasileiros”. Servia também de propaganda para as realizações
do governo no campo político, econômico, técnico, artístico, científico e literário.
Cumprindo seu papel informativo, a “Revista Cultura Política” registra com
assiduidade na seção bibliográfica, tudo o que se escreve sobre Vargas e o Estado
Novo. Havia uma preocupação explícita em atualizar, centralizar e controlar as
informações, situação que mostrava o alto grau de organização e eficácia do projeto
ideológico. As seções eram variadas, mas muito bem colocadas, no sentido de
ordenar facilmente as consultas, sendo que a estrutura obedecia a seguinte
característica: “o pensamento político do chefe de governo”, “textos e documentos
201
Entrevista à imprensa a 19 de fevereiro de 1938, In: VARGAS, op. cit., 1942, p.331.
118
históricos”, “a atividade governamental”, “Brasil, social, intelectual e artístico”. O título
do editorial exprime a ênfase ao político, no campo que se queria distinguir.
Na revista Cultura Política escreviam os principais ideólogos do regime, como
Francisco Campos, Azevedo Amaral, Cassiano Ricardo e Oliveira Viana. Geralmente
os colaboradores da revista sentiam o grande prestígio pessoal que tal situação lhes
proporcionava. Dentre estes, e que se destacou no processo de construção de
identidade brasileira, está Oliveira Vianna, cujos estudos privilegiaram a análise
social brasileira num momento de grande efervescência literária no país. Quando
lança a sua obra “Populações meridionais do Brasil”, em 1921, em função da
discussão profunda que promove, é considerado pelos pesquisadores como um dos
principais intérpretes do Brasil.
Tal fato é significativo para esta pesquisa, que busca descobrir as influências
destes debates teóricos e seus significados. Segundo hipótese aventada nesta
pesquisa, a introjeção de significados de identidade e pertencimento do que era ser
brasileiro, da valorização do nacional em detrimento do que vinha de fora, são fatos
preponderantes a serem considerados também no discurso dos combatentes
brasileiros nos seus lugares da memória.
O discurso, segundo Velloso, estreita dessa forma, a conexão individual com
o coletivo, mostrando o Estado como corporação do indivíduo, do seu
‘subconsciente’, que contém as verdadeiras reservas de brasilidade, cuja fonte é o
passado. O discurso explicita a existência de uma “alma nacional” latente, um
projeto político presente intuitivamente na realidade brasileira. Tais discursos não
são neutros, sem dúvida, como explica Bourdieu, pois os agentes constroem a
realidade social, entram em lutas e relações visando impor a sua visão, mas eles
fazem sempre com pontos de vista, interesse e referenciais determinados pela
posição que ocupam no mesmo mundo que pretendem transformar ou conservar.
202
Tais argumentos não passariam despercebidos pela sociedade brasileira, que
acabou sendo influenciada por várias gerações neste contexto e depois seus
sucedâneos. Estes discursos chegam até às famílias, às escolas pelos professores,
nos quartéis pelos comandantes, no cinema e teatro pelos artistas, e pela imprensa
cotidiana e seus editoriais.
202
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987, p.118.
119
As ações integradoras, conforme já demonstradas na análise dos Manifestos
Modernistas, buscavam mostrar que o Brasil deveria seguir um caminho próprio,
evitando as ‘deformações no espírito do homem brasileiro’, moldado, diriam, pelas
‘influências’ de correntes intelectuais e políticas européias, que imputavam uma
‘evolução anômala’ da política e das instituições no país.
Segundo os analistas das obras de Oliveira Vianna presentes nesta
pesquisa,
na esteira das publicações do próprio Vianna, inclusive nas dedicadas
aos problemas concretos de política social e trabalhista, o que se percebe é o aval
da interferência do Estado como promotor do civismo e, particularmente da paz
social. A formação do cidadão deveria passar não pelo conflito, mas por sua
eliminação, pela implantação de uma sociedade cooperativa. Um tema constante em
sua obra dizia respeito à acusação de idealismo, alienação, marginalismo e
ignorância das elites em relação à realidade brasileira.
O artigo publicado pela “Letras Brasileiras” em setembro de 1943, mostra a
militância de Oliveira Vianna, ao destacar a própria auto-referência que sustentava e
dava peso às suas convicções. cerca de vinte anos, ao publicar o meu livro de
estréia Populações Meridionais do Brasil eu alertava o espírito, um tanto
descuidado, das nossas camadas políticas”. Prosseguindo no mesmo texto, Vianna
insiste nos métodos de educação, legislação, e governo.
Este problema se reduz, no fundo, ao problema de reeducação das nossas
elites dirigentes, digo elites’ porque sou dos que acreditam que os povos
contam pelo teor moral e intelectual das suas classes dirigentes e que as
nações se salvam, ou perecem pela incapacidade de suas elites.
203
Na reflexão de Luiz de Castro Faria, ao destacar a obra de Oliveira Vianna, o
considera fundador de um discurso,
pelo conjunto da obra e pontualmente em
Populações Meridionais do Brasil, de 1920, que ao longo dos anos, vem sendo
realimentada com muitas valorizações e críticas, confirmando o prestígio do autor
enquanto intérprete da sociedade brasileira.
N.A.: Fazemos referência aos autores: Maria Stella Martins Bresciani, José Murilo de Carvalho, e
Luiz de Castro Faria.
203
FARIA, Luiz de Castro. Oliveira Vianna: De Saquarema à Alameda o Boaventura, 41- Niterói.
O autor, os livros, a obra. pp.112-113.
Segundo Eni Puccinelli, os discursos fundadores são discursos que funcionam como referência
básica no imaginário constitutivo desse país. Sobre o assunto especifico ver: ORLANDI, Eni
Puccinelli. Discurso Fundador, a formação do país e a construção da identidade nacional. São
Paulo: Pontes, 2003.
120
Neste aspecto, como enfatiza o analista de discurso Michel Pêcheux: o papel
da ideologia no contexto da produção do discurso, destaca o papel decisivo que o
sujeito ocupa no processo e nos sentidos textuais. Não há, segundo ele discurso
sem sujeito, como também não sujeito sem ideologia, pois ela é responsável por
interpretar o individuo enquanto sujeito para que se produza o seu dizer.
O discurso o é um aerólito miraculoso, independente das redes de
memória e dos trajetos sociais nos quais ele irrompe, mas de sublinhar que,
por sua existência todo o discurso marca a possibilidade de uma
desetruturação-reestruturação dessas redes e trajetos: todo o discurso é o
índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de
identificação.
204
Assim percebe-se na modalidade discursiva proposta pelo Movimento
Modernista e dos ideólogos do Estado Novo, uma época de grande efervescência
cultural, marcada pelo discurso de brasilidade e nacionalidade iniciado em 1920 e
que tomou vulto por mais de uma década, possibilitado pelas condições sócio-
históricas.
Dentro desta visão doutrinária, as revistas ocupam um lugar de destaque na
sua função de agente difusor das idéias. Buscava-se personificar padrões éticos de
comportamento, cuidadosamente delineados pelos responsáveis, como diz Velloso
“apelar para a empatia e as emoções foram recursos amplamente utilizados pelo
governo. Este tinha muito claro que um artigo político de doutrina, por si só, era
incapaz de seduzir um público mais amplo.”
Para atrair os “olhos femininos e infantis”,nada melhor do que os contos, e as
crônicas as estampas. Nessa literatura o pensamento é resumido em fórmulas ou
apenas de maneira a não provocar nenhum esforço intelectual por parte do
receptor.
205
Outra publicação de interesse para este estudo é a revista Ciência Política
que esteve sob a direção de Paulo Filho e depois Pedro Vergaro, foi publicada a
partir de novembro de 1940, encerrando-se em maio de 1945 e era editada pelo
Instituto Nacional de Ciência Política (INCP) que se definiu como entidade cultural,
agregando as elites intelectuais em torno do pensamento do Estado Novo. As
publicações constavam de palestras promovidas semanalmente na Associação
204
PÊCHEUX, Michel. O Discurso. Estrutura e Acontecimento. São Paulo: Pontes, 2002, p. 56.
205
VELLOSO, Mônica. Os intelectuais e a política cultural do Estado Novo. In: FERREIRA e
DELGADO, op. cit., p.163.
121
Brasileira de Imprensa (ABI), além das noticias das suas realizações, das seções
destinadas aos professores e estudantes, registrava os eventos e divulgava a
promoção de campanhas cívicas nacionais.
A revista estampava claramente seu papel de divulgadora do ideário,
declarando que seu objetivo maior era propagar para o conjunto da sociedade os
fundamentos do Novo Estado e enuncia como uma das suas propostas
fundamentais a de ministrar educação cívica, despertando o patriotismo consciente
e cultural’ voltado para a ação e, portanto isento das visões sentimentais’ e dos
outros ‘arroubos literários’.
206
Durante o Estado Novo, dentro do projeto de brasilidade, a intenção de
aproximar o poder público da população. Desse modo, foram criadas várias
estratégias que levaram a comunidade a participar diretamente de vários eventos
constituídos pelas paradas cívicas. Na verdade, eram comemorações obrigatórias
programadas pela Liga Defesa Nacional criada em 1942, pelo exército e outras
instituições, no sentido de reforçar o patriotismo. Esta situação fica mais evidente,
quando o Brasil declara guerra aos países do Eixo, com objetivo de combater o
quinta- colunismo.
Tal situação viria reforçar, um decreto assinado anteriormente pelo ministro
do Exército Setembrino de Carvalho, em 25 de agosto de 1923, ao baixar um aviso
para que fosse comemorado a partir daquela data o aniversário de Caxias. Tal
resolução, tornava obrigatória a comemoração da data, que passou a ter um caráter
permanente, com o nome “festa de Caxias”, onde se promoviam formaturas,
desfiles dos soldados diante de sua estátua. Em 1925 esta festa passa a ser
conhecida como o “Dia do Soldado”, homenagem ao homem que era o protótipo
das virtude militares’. A partir de 1930 as mensagens veiculadas sobre Caxias não
enfatizam apenas a legalidade e a disciplina, mas a fusão do Exército com a Nação,
e Caxias é mostrado como o maior lutador pela unidade e integridade da Pátria.
Com o Estado Novo em 1937, os militares destacam as suas qualidades de chefe
militar a serviço de um Estado Forte.
207
Em agosto de 1940 o ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra, por ocasião do
lançamento do livro Comemoração do Dia do Soldado, ao prefaciar registrou:
206
VELLOSO, op. cit., 1982, p.71-108.
207
CASTRO, op. cit..
122
Nos momentos angustiosos a humanidade recorre ao exemplo dos varões
que se ilustraram por seus notáveis feitos. Esses grandes vultos, perdem,
então, sua pátria de origem. Assim tem ocorrido a Napoleão, como a
Frederico, a Aníbal, como a Cipião. Neste particular o Brasil é uma país
privilegiado: sem menosprezar as virtudes daqueles, tem na História
Nacional um nome que sintetiza todas elas:_ CAXIAS.
208
A inserção da imagem de Caxias, fortemente trabalhada nesta fase, foi sendo
referendada por muitos combatentes em seus testemunhos, principalmente aos
componentes do 6º Regimento de Infantaria que embarcaram no 1º Escalão da FEB,
ao recordarem o Dia do Soldado comemorado no acampamento de Vada
209
na
Itália, no dia 25 de agosto de 1944. Recém chegados do Brasil, este grupamento foi
o que primeiro teve contato com a guerra em si, diante de um front que ia mudando
conforme os rumos dos embates, passaram por diversos acampamentos, onde
receberam o novo armamento, executaram treinamentos e foram aos poucos se
adaptando ao novo ambiente.
O diário do tenente Ítalo Diogo Tavares registra o momento da festividade que
comemorou o Dia do Soldado no acampamento de Vada:
O general Clark passou em revista todas as tropas brasileiras no mesmo
local da outra revista. A banda americana tocou os hinos nacionais,
americano e brasileiro e a canção Deus Salve a América.. Depois
desfilamos em continência ao comandante do Exército. No discurso que
o general fez, disse que nunca tinha visto tropa tão disciplinada. Que ainda
haveria vitória para nós. Continuamos a ter todos esses dias instrução até
24 horas.
210
Em algumas situações os diários dos combatentes registram também, além
dos fatos pessoais, aspectos do pensamento que conduzia o grupamento. Neste
caso, o diário do tenente médico Massaki Udihara, trás à luz algumas situações
colocadas ao R.I. às vésperas do dia do Soldado, e as ocorrências do dia em
questão, destacando fatos que eram do conhecimento dos companheiros, mas
raramente relatado.
208
SILVA, Benício da. (org.) Comemoração do Dia do Soldado. Rio de Janeiro: Biblioteca Militar,
1940.
209
N.A.: O primeiro escalão de combatentes da FEB, saiu do Brasil no dia 30 de junho de 1944, ao
chegar em território italiano, os soldados foram conduzidos ao acampamento de Vada Rossignaro,
situado a oeste da Itália, próximo à Pisa. Cerca de 500 viaturas conduziram os soldados.O local
escolhido tinha o objetivo de adaptar os soldados à frente de batalha, conhecer o armamento e iniciar
os treinamentos.Foi considerado um dos melhores acampamentos,lá permaneceu o Regimento de
Infantaria, o primeiro a enfrentar as agruras da guerra.
210
TAVARES, op. cit., pp.36-37.
123
Amanhã querem os homens de cabelos cortados, barbeados e roupa limpa.
para uma formatura. Uma palhaçada de mostra. Dia 25 de Agosto. Dia
do Soldado no Brasil. Aqui para não perder o costume, uma formatura. O
fim era receber a visita do gen. Clark. Marcada para depois das 11, saímos
às 8. Para que? Para ficarmos esperando inutilmente essas horas sob um
sol inclemente. As nossas capacidades não concebem senão uma espera
de muitas horas. Durante a espera, para tornar mais interessante, ensaios
com Deus Salve a América e o Hino Nacional. [...]A disposição de cantar
nessas condições não podia ser senão a melhor possível. Em
conseqüência, sua Exª. Em frente à tropa, o barrigão a prolongar o peito
inflado, o andar gingado, em altos brados, como se estivesse dirigindo uma
parelha de burros empacadores a berrar: Mais alto! Mais alto! Que dúvida,
repetiu mais 4 vezes.[...] o general Clark passou em revista a tropa e falou
meras banalidades e cortesias próprias dessas ocasiões.
211
Era de conhecimento de todos as dificuldades do R.I. em relação ao seu
comandante, o general Zenóbio da Costa, dado os procedimentos do referido
comando e seus comandados. O comandante dotado de caráter muito forte,quis
imprimir à força um caráter combativo na tropa, mas esquecendo-se do lado
humanitário e o espírito de companheirismo, só arraigou inimizades. Como não
gostava que os soldados usassem bigodes, proibiu o seu uso, e foi afrontado por
quase todo o regimento que passou a utilizar desse dispositivo pessoal. Nas
fotografias da época, onde os homens do 6º R.I aparecem, é possível verificar o uso
dos bigodes por grande parte da tropa, principalmente dos contestadores.
No depoimento, do combatente Antonio Gomes Linard, ficou registrado o
discurso de Mark Wayne Clark durante a sua visita ao acampamento de Vada e a
celebração do Dia do Soldado.
Eu aqui vim esta manhã para saudar-vos, apresentar-vos as boas vindas do
V Exército Americano e dizer-vos quão sincero é o nosso orgulho de vos ter
ao nosso lado.Reuniste-vos a uma organização de combatentes o V
Exército.Dentro de poucos dias, 9 de setembro marcará o primeiro
aniversário do nosso desembarque em Salerno. Depois de Salerno, como
sabeis, lutamos desesperadamente e vencemos. [...]Com vosso espírito
combativo, grandes dias vos esperam. Gostei muito do que vi esta manhã.
Tendes um aspecto decidido. Percebi, pelas observações, que fiz durante a
revista, que sois bem disciplinados. Não vos esqueçais que a disciplina é o
fator mais importante para quem quer ganhar batalhas.
212
Naturalmente, tal colocação contrastava, com os dados do diário do tenente
médico Massaki Udihara, e sua narrativa dos momentos que precederam à visita do
211
UDIHARA, op. cit., p. 78
212
LINARDI, Antonio Gomes. De Caçapava a Fornovo di Taro. Missão Velha Ceará: Editora do
autor, 1998, p.27.
124
gen. Clark ao acampamento em Vada., quando fez menção a uma das reuniões do
Comando Geral da Infantaria com os comandantes das companhias.
213
Dias antes, sua Exª. Reunia os cmts. de Cias, para conversar
amigavelmente com eles.Começou a dizer que ninguém prestava, pois o
davam assistência aos soldados. Deixavam-nos ao léu, sem se interessar
por eles. E foi por ai a fora com as amabilidades que lhe são características.
Horas tantas disse: “ O soldado que der alteração, não tenham dúvida dêem
nele”.
214
É visível, também em outros depoimentos, o descontentamento dos
componentes do Regimento de Infantaria em relação ao seu comandante,
situação que transpareceu em vários episódios durante a guerra, embora tenha sido
sob o seu comando, o momento de melhor organização dos soldados como tropa de
combate e o envolvimento desses homens, em uma guerra chamada de movimento,
onde o uso do jipe e a perseguição do inimigo, não davam chance de recuperação.
Desse modo, garantiam-se terrenos, cidades foram tomadas, populações liberadas,
dando chances à retaguarda .Foi a fase áurea da FEB com as primeiras conquistas,
um pouco antes do difícil outono e inverno italiano em 1944. Considerada também o
melhor momento de adaptação à guerra, cujos resultados acabaram por elevar a
FEB da posição de tropa de reserva para combatentes de primeira linha, na opinião
dos especialistas e analistas desta fase histórica.
Há que se avaliar o espírito de contestação do 6º Regimento de Infantaria, em
relação não apenas ao seu comandante, mas tamm aos outros oficiais que
dirigiam o Regimento como um todo. O nível cultural dos soldados era baixo, onde
prevalecia o lema “soldado bem mandado”, não discute, mas cabe uma ressalva:
entre os oficiais havia os mais preparados e politizados, que, embora sujeitos à
disciplina rigorosa do exército, de uma forma ou de outra, buscavam contestar as
ordens emanadas do comando, não deixando de registrar com criticas contundentes
sua passagem pela FEB. É possível imaginar o que se passava na cabeça desses
homens_ em plena guerra fazer parte de uma cerimônia dedicada a Caxias. Muitos
desses militares, em diversas situações, buscaram mostrar a diferença entre o
Exército de Caxias e o Exército da FEB, enfatizando talvez novos tempos.
213
N.A.: As companhias na formação de um regimento da FEB, eram compostas de 100 a 200
homens, podiam ser divididas em 3 pelotões de fuzileiros e 1 de petrechos leves ( metralhadoras e
morteiros de menor calibre) e ser comandada por 1 capitão ou 1 tenente.
214
UDIHARA, op. cit., p.91.
125
Os jornais A Manhã e A Noite no Rio de Janeiro, representativos do Estado
Novo e direcionados pelo DIP,noticiavam em suas manchetes, os acontecimentos da
FEB na Itália referentes ao dia 25 de agosto de 1944. O discurso de Mark Clark,
saudando os soldados brasileiros no acampamento de Vada, foi publicado na sua
integra. Tal discurso é mencionado por muitos combatentes em seus testemunhos.
No caso dos jornais do DIP, destaca-se nesta pesquisa as seguintes passagens:
Vossa presença aqui, hoje, outra coisa, não significa senão a identidade de
propósito que existe entre as nossas duas grandes nações. Sois a nata do
Exército Brasileiro. Estais bem dirigidos. Tendes por comandantes
excelentes chefes _ O general Mascarenhas de Moraes e o general Zenóbio
da Costa.Vossos oficiais imediatos estão bem afeitos às suas funções.
Estais bem equipados. Com vosso espírito de luta, grandes dias vos
aguardam.
215
Diante dos acontecimentos que ocorriam na Itália entre o 6º Regimento de
Infantaria e o comando, o discurso de Mark Clark soa um pouco vazio para os
oficiais e soldados deste grupamento. E para qualquer analista da situação da FEB,
e para os homens que estavam acampados em Vada, a colocação do comandante
do V Exército Americano, de que a FEB estava bem equipada, o condizia com a
realidade. Como a FEB embarcou para a guerra, sem armamento, na promessa de
que armas e equipamentos seriam distribuídos em território italiano, os soldados
acabaram recebendo a principio, os velhos fuzis Springfield, pois o armamento mais
moderno e em volume expressivo, seria carreado para as tropas aliadas que
preparavam o Desembarque na Normandia, no esforço descomunal de barrar a
força alemã em território europeu. Naturalmente, não somente brasileiros
ressentiram-se deste apoio estratégico, mas também as divisões americanas. As
armas mais modernas vieram depois, mas poderiam ter evitado atrasos
imprescindíveis para quem está exposto na luta.
O depoimento do sargento José Alves vem atestar a questão do recebimento
de armas junto ao V Exército Americano.
Recebemos fuzis ‘Springfield’ modelo 1893, bem piores que nossos
‘Mauser’. Os americanos usavam o ‘Garand’, 8 tiros, semi-automático e com
215
A NOITE, Rio de Janeiro, 26 de agosto de 1944.
126
grande poder de fogo, porém a nós, os mestiços, que chegamos
desarmados, entregaram aquela peça de museu que estava encalhada.
216
O grupo do qual fazia parte o sargento José Alves, constituiu o maior
contingente de soldados brasileiros enviados para a Itália, em dois navios, no total
de 10 mil homens. A saída desse grande comboio deu-se no dia 22 de setembro de
1944 no Rio de Janeiro, e o desembarque em Nápoles ocorreu no dia 8 de outubro.
Portanto, é possível imaginar, que o grupo que havia chegado anteriormente,
estava entrando em linha e não dispunha de armamento mais sofisticado.
No roteiro de pesquisa delineado neste capítulo e seus sub-capítulos, buscou-
se compreender a gênese do discurso dos veteranos que combateram na Itália
durante a Guerra Mundial.Do ponto de partida do discurso modernista, verificou-
se a polissemia dos discursos, vindos de várias frentes, seja pelos ideólogos do
Estado Novo e pelo positivismo apregoado nos quartéis, a incidir fortemente no
imaginário e na reflexão daqueles que em dado momento expressaram seus
registros particulares, seja nos diários ou testemunhos como participantes da
Guerra Mundial.
Mas necessário se faz, também uma avaliação das estratégias educacionais
adotadas pelo Estado Novo, quando do projeto de nacionalização em massa, vai
esbarrar em situações diferenciadas, dentro do território nacional, principalmente em
relação ao sul do país, como bem coloca Marlene de Fáveri em suas pesquisas:
Sobre a guerra e a nacionalização forçada, implica lançar olhares que
alcançam políticas governamentais, identificações, religiosidades, relações
étnicas, de gênero, educação e escolarização, entremeadas às
transgressões, resistências, burlas, denúncias, ganhos e perdas, onde as
relações de poder do Estado,da policia política ou dos civis, parecem nas
entrelinhas do período do conflito.Um tempo outro, onde a realidade vivida
na cotidianidade compõe o pano de fundo de muitas histórias e
memórias”.
217
216
SILVA, op. cit., p.61.
217
FÁVERI, Marlene de. Dossiê Guerra e Nacionalização. Fronteiras. Revista Catarinense de
História, n. 13, UFSC, ANPUH-SC, 2005, p. 5.
127
2.4 O PROPÓSITO DA EDUCAÇÃO NO ESTADO NOVO
Neste estudo, comprender a origem do discurso patriótico dos combatentes
brasileiros inseridos nos diários e testemunhos, tornou-se uma das metas principais.
Dos questionamentos e hipóteses que haviamos aventado anteriormente, o
encaminhamento para as respostas, possivelmente, estariam nos projetos
educativos voltados para a sociedade durante a administração do governo de
Getulio Vargas muito antes do Golpe do Estado Novo. Naturalmente, essa linha de
conduta seria ampliada e alicerçada pelo ideário estadonovista com todas as suas
implicações.
As questões educativas sempre estiveram presentes nos discursos de
Getúlio Vargas, notadamente a partir de 1930. Da sua reflexão na época se percebe
a ampla visão de um projeto que abarcasse a educação física e moral, o civismo,
bem como a educação industrial e agrícola, tendo como base a instrução primária de
letras e a técnica profissional. Nos projetos de Getulio Vargas, o ensino seria uma
questão de salvação pública, pois a massa de analfabetos constituia pêso morto’
para o progresso da nação. Em 1934 a Constituição da República estabelecia a
obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário. Nesta fase a maior parte dos
jovens que foram para a FEB tinha apenas a idade de 12 anos.
Em 1935 era grande a preocupação com as escolas de etnia alemã no sul
do Brasil. Na estratégia de nacionaliização progressiva, abriram-se escolas públicas,
para a divulgação do vernáculo, além de outras medidas de caráter sócio educativo
com o objetivo de criar uma identidade nacional. De acordo com a Constiuição de
1937, competia à união traçar as diretrizes relativas à formação cívica, moral,
intelectual para a infância e a juventude. Este é o momento em que os jovens
tornaram-se alvos diretos de toda a política educacional do Governo Getúlio Vargas,
de um lado, e os militares do outro, estabelecendo as regras para a militarização dos
cidadãos, assunto relavante para a presente pesquisa.
O projeto politico pedagógico visava educar coletivamente dentro de uma
identidade nacional. Neste sentido, acabou tomando vários modelos culturais
regionais, que se orienta por um projeto ufanista para o Brasil. Para o ideário “o novo
era o nacional”. A juventude de um modo geral acaba absorvendo esses
ensinamentos.
128
Dentro do ideário estadonovista para os assuntos ligados à educação, há que
se fazer menção ainda que breve ao período ocorrido entre 1934 a 1945,quando das
diversas reformas implementadas no ministério de Gustavo Capanema, abordando
portanto, o período que antecedeu ao golpe de estado de 1937, o próprio Estado
Novo e a fase inicial da redemocratização do país.Não se torna objetivo primordial
avaliar todas as políticas e projetos implementados nesta fase, mas verificar os
pontos que incidem na educação de jovens e adultos, quando se reporta ao período
vivenciado pelos soldados brasileiros nos bancos escolares, morando nos grandes
centros, ou na zona rural, pertencendo a um determinado grupo étnico, marcados
profundamente pelo cotidiano familiar. Enfim todos, vivenciando como personagens,
os momentos iniciais do Estado Novo.
É importante verificar, nesta fase, como ressalta Helena M.B.Bomery,
pesquisadora deste período, que em linhas gerais, tanto a cultura como a educação
em suas políticas, sempre contaram com o peso e atuação dos intelectuais
modernistas como, Mario de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Anísio
Teixeira, Lourenço Filho, Rodrigo Mello Franco, Alceu Amoroso Lima, Vila Lobos,
Jorge de Limam, Manoel Bandeira. “Foi o ministério dos modernistas, dos Pioneiros
da Escola Nova.
218
Foram muitas as reformas educacionais, espalhadas pelo Brasil e que
levaram os nomes de seus mentores, assim como a de Anísio Teixeira, a reforma
Fernando de Azevedo e a reforma Francisco Campos. Em 1937 às vésperas do
Golpe do Estado Novo, Gustavo Capanema, elabora um Plano Nacional de
Educação, que é enviado pelo presidente da República ao Congresso para
aprovação. Com cerca de 500 artigos e 100 páginas de texto, foi aprovada
globalmente, sem chances de discussão e priorizava a reforma de ensino secundário
cuja matriz “definia do que e como ensinar à juventude em um momento crucial de
sua formação como futuros profissionais e cidadãos.”
219
Foi delineada uma educação humanista que se completaria com o ensino
profissionalizante, sistematizado pelos novos institutos criados nesta fase como o
Senai, o Senac, o Sesi. Nas suas linhas mestras, o projeto educativo, inspirado nas
218
PANDOLFI, Dulce; BOMENY, Helena M.B. Três decretos e um ministério: a propósito da
educação no Estado Novo. In: Repensando o Estado Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1999.
219
Ibid., p. 138.
129
décadas de 1920 e 1930, visava formar um homem novo”para um Estado Novo,
conformar mentalidades e criar o sentimento de brasilidade,fortalecer a identidade
positiva do trabalhador brasileiro, um projeto cultural e político de fôlego a ser
promovido pela educação.
2.4.1 Segurança Nacional, Militarização, Educação de Jovens
Nos regimes fortes, de política autoritária, se percebe a educação como meio
eficaz de controlar as massas, e no caso do Brasil, após a instalação do Estado
Novo, não foi diferente. Na abordagem feita no capítulo e nos desdobramentos
históricos relacionados ao golpe de Estado e suas diretrizes, foi possível
compreender como o governo aproximou-se do Exército, por questões que
envolviam a segurança nacional e o enfoque dado pelo influente Ministro Chefe do
Exército Góis Monteiro e o ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, em relação à
política a ser adotada dentro dos quartéis e fora deles, desse modo incidindo
fortemente na sociedade civil, com o objetivo de formar cidadãos soldados. “O Brasil
reclama de um sistema completo de segurança nacional, o que pressupõe,
fundamentalmente, uma entrosagem dos órgãos militares com os órgãos federais,
estaduais, e notadamente municipais, incumbidos da educação e da cultura.”
220
Da parte do Ministro da Guerra da Guerra, havia a grande preocupação com o
entrosamento entre os militares e os diversos órgãos do governo e a sociedade civil.
[...] torna-se dificílimo aos militares realizar totalmente seus objetivos
previstos na Constituição, nas leis ordinárias e nos regulamentos, sem a
prévia implantação no espírito, dos conceitos fundamentais de disciplina,
hierarquia, solidariedade, cooperação intrepidez, aperfeiçoamento físico, de
par com a subordinação moral e com o culto ao civismo; e sem a integração
da mentalidade civil no verdadeiro espírito de segurança nacional.
221
.Além da cuidadosa censura imposta pelo DIP à imprensa, pois esta publicava
apenas o que interessava ao governo, as denúncias de infiltração nazista, partiam
de várias frentes e muitas resultaram em intervenções ou até no fechamento de
algumas instituições como a que sofreu o Esporte Clube Germânia no Rio de Janeiro
220
PANDOLFI e BOMENY, op. cit., p. 142.
221
Id.
130
e a captura de espiões em março de 1942, seguida da prisão de pastores
protestantes e agentes políticos em abril do mesmo ano. Na ocasião o chefe de
Policia Felinto Muller, declarou que os registros de seus fichários apontavam a partir
de 1940, com uma listagem de 8.800 nomes. Desses 3.000 eram alemães, 500
italianos e 400 japoneses. Como diz Gambini: “Interessante esse tal fichário, se se
considerar a simpatia nunca escondida por ele pela causa nazista, dissimulada
quando sua própria permanência no governo foi posta em questão”.
222
Mas se as táticas nazi-fascistas de infiltração existiram, de que modo elas
foram vistas pelos combatentes brasileiros que combateram na Itália? Muito se
falava na época no quinta-colunismo, neste caso, uma situação impingida mais aos
alemães, pois segundo algumas hipóteses, os italianos, radicados nos grandes
centros, estavam mais voltados para apoiar o integralismo.
Sobre o quinta-colunismo é interessante observar o artigo de Dennison de
Oliveira, quando avalia esta questão, partindo do próprio termo “quinta
coluna”.Conforme documentação, este teria sido cunhado durante a Guerra Civil
Espanhola (1936-1939) quando eram denunciados elementos infiltrados em território
inimigo, e que muitas vezes decidiram o desfecho de episódios militares. O termo
passou a ser empregado também na Europa, por ocasião da ocupação nazista
durante a guerra, quando expressivos setores sociais, também chamados de
colaboracionistas, davam apoio aos invasores.
No caso brasileiro segundo Dennison, o termo quinta-coluna, podia ter várias
conotações. Para o governo era conveniente tachar de “quinta coluna”, quaisquer
elementos que divergissem da sua orientação. Assim foram considerados os
integralistas de Plínio Salgado que fundou o partido em 1932, bem como os
membros do ilegal Partido Comunista, alvo de brutal repressão depois da fracassada
intentona em 1935.
223
O termo também foi utilizado pela população, diante de várias situações,
principalmente as que envolvessem questões que designassem a quebra de voto de
confiança, por traição e outras conotações. No senso popular os quinta- colunas
estavam todos fichados nos DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social). Mas no
222
GAMBINI, Roberto. O duplo jogo de Getulio Vargas: Influência americana e alemã no Estado
Novo. São Paulo: Símbolo, 1977, p.69.
223
OLIVEIRA, Dennison de. A Ditadura do Estado Novo e a luta contra o nazi-fascismo (1942-
1945). Curitiba: UFPR, 2002.
131
arquivo do DOPS paranaense, aberto logo após a Ditadura Militar de 1964, os
pesquisadores constataram que entre o período de 1937 a 1945, nenhum
documento foi encontrado que conseguisse identificar um quinta-coluna que
estivesse envolvido em ações de espionagem, propaganda ou sabotagem.
Mas por conta do que ocorria, foram efetuadas dezenas de prisões e
centenas de pessoas colocadas sob investigação, geradas a partir de dencias
pelo uso de língua estrangeira em lugar público, por estar presente em reuniões
particulares com elementos de origem alemã, italiana ou japonesa, por estar de
posse de aparelhos de rádio, livros estrangeiros ou armas.
224
Dos relatos de combatentes pertencentes à FEB, muitas são as menções
sobre os quinta-colunas, principalmente em relação às dificuldades que se
apresentaram em relação ao embarque da FEB para a Itália. Neste aspecto o
depoimento do médico do Destacamento de Saúde da FEB, Oliveira Ramos é
esclarecedor:
O governo pouco fez para anular a campanha quinta-colunista e a
mobilização militar se arrastou no ambiente frio, de vontade, que tudo
entravava e dificultava. Basta lembrar que para se resolver a mandar tropa
ao teatro de guerra, na Europa, e preparar uma única divisão, levamos dois
anos, pois o estado de beligerância foi reconhecido a 21 de agosto de 1942,
e o primeiro escalão da FEB somente chegou à Itália a 14 de julho de 1944,
sendo que a maior parte da tropa, formada pelo segundo e terceiro
escalões, só desembarcou em Livorno em outubro daquele ano.
225
Na memória de quem estava para embarcar para a guerra, as preocupações
eram muitas. Havia o perigo constante de alguma sabotagem no navio de transporte
da tropa brasileira e mesmo o torpedeamento do navio em alto mar. Apesar do
segredo em que foi revestida a saída dos combatentes embarcados, durante toda a
trajetória dos navio saindo do porto no Rio de Janeiro, a população nas vizinhanças,
acenava dando adeus ao grupo que se dirigia para a guerra. Mas o depoimento de
Palhares tem uma outra particularidade, está o seu desalento não somente pelos
seus compatriotas, mas também com o pensamento das famílias expedicionárias,
em relação à FEB e os seus soldados.
224
OLIVERA, op. cit., p.6.
225
RAMOS, Rudemar Marconi. Diário de um paisano na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
H.P Comunicação Editora, 2003, pp. 27-28
132
Nós expedicionários, prontos para a partida [...] Lá fora, nas ruas do Rio de
Janeiro, porém pairava uma espécie de dúvida, um ceticismo mórbido
criado pela 5ª coluna e espalhado por entre as massas. Havia incredulidade,
incerteza, comentários heterogêneos. não partiam de elementos
terroristas: as próprias famílias dos expedicionários, porque se
influenciassem com a persuasão falsa de maus compatriotas, ou porque se
deixassem levar pelo natural sentimentalismo de seus corações amantes,
mostravam-se duvidosas.
226
Este ceticismo destacado no depoimento de Palhares, dizia respeito a
incredulidade das pessoas, amigos, familiares, militares, que um dia a FEB partiria
para a guerra. Tal procedimento afetaria de perto todos os participantes, criando
uma mística derrotista que vai influenciar no comportamento do grupo, mesmo antes
do enfrentamento de qualquer embate contra o inimigo, questão esta superada
somente no mês de outubro de 1944, diante da performance da FEB contra o
inimigo.
Ainda sobre a questão da infiltração do quintacolunismo, a narrativa
contundente do sargento José Alves, ajuda a compor o pensamento de outros
febianos. A crítica tem um tom mais particular contra os comandos aos quais ele foi
submetido durante o seu breve estágio nos quartéis de Caçapava e Capistrano Rio
de Janeiro antes do embarque para a Itália.
Os sulistas que tiveram a felicidade de ser incluídos nas Cias., cujos
comandantes haviam servido em nossa terra, foram recebidos de braços
abertos, porque os capitães conheciam sobejamente a competência, o valor
e a disciplina à que estavam habituados. Entretanto, outros - como eu - que
caíram em sub-unidades dirigidas por capitães nordestinos, ou oriundos do
centro-oeste, no início comeram o pão que o diabo amassou, porque esses
oficiais estavam com a cabeça feita pela maldita 5ª coluna, pelo pan-
germanismo e principalmente pela imprensa escandalosa que divulgava
noticias banais do sul, carregando nas tintas. Julgavam erroneamente que
todos os sulistas fossem espiões nazistas em potencial, quando na verdade
a 5ª coluna agia com vigor intenso no Rio, São Paulo e, especialmente junto
aos altos escalões do governo.
227
A imprensa brasileira na época foi também responsável pelo grande alarido
que se provocou em torno dos assuntos que denunciavam as infiltrações nazistas na
sociedade brasileira. Os correspondentes de guerra brasileiros, previamente
selecionados pelo governo e pelo exército brasileiro, compunham um corpo de
jornalistas e fotógrafos que deveriam fazer a cobertura dos acontecimentos na
226
PALHARES,G. De São João Del Rey ao Vale do Pó. São João Del Rey: Gráfica do Comércio,
1951, p.191.
227
SILVA, op. cit., p.43.
133
guerra e a participação brasileira. Estes correspondentes embarcaram no 2º Escalão
da FEB, que saiu juntamente com o no dia 22 de setembro de 1944, levando o
grosso do contingente da FEB, cerca de dez mil homens. Da Itália estes
correspondentes enviavam as noticias que aqui eram selecionadas pelo DIP e
depois distribuídas pelos jornais coligados ao governo.
Egydio Squeff era correspondente de guerra de O Globo, na Itália e como
observador, ao acompanhar um dos regimentos da FEB, destacava o que a rádio
alemã anunciava nos programas diários endereçados à tropa aliada. Naturalmente,
era a guerra das comunicações visando atingir os soldados, embora nem todos
fossem autorizados a fazer o uso do rádio.Tal benesse era concedida apenas aos
oficiais. Para os brasileiros, uma hora desta programação era levada ao ar todos os
dias. Squeff não cita o lugar onde se encontra, pois eram orientados, por questões
logísticas e de segurança da tropa. Mas pela data noticiada é possível imaginar que
os brasileiros se encontram nas proximidades de Bolonha. Em suas
considerações, é possível perceber o direcionamento da reportagem e o enfoque
dado à presença da quinta-coluna, mesmo na frente de combate.
O rádio alemão vem se preocupando quase diariamente com a Força
Expedicionária Brasileira. Instituiu mesmo uma hora especial destinada aos
nossos acampamentos na Itália. Que dizem os nazistas? Vamos ajudá-los
um pouco. Um dos últimos programas citava nomes de oficiais da FEB,
procurando criar intrigas. Que cresciam as filas no Brasil, que o Governo
não cuidava das famílias dos expedicionários. Por que nos sacrificávamos,
sofrendo um clima duro e estranho, quando podíamos estar em nossa terra,
no calor do nosso lar? Outras coisas e outras perguntas temos ouvido aqui
no microfone de Berlim. Podíamos responder aos nazistas e à renitente
quinta-coluna indígena, que com tanta presteza informa o Dr. Goebbels.
Podíamos dizer, por exemplo, que o nosso povo sabe agüentar as filas, e
que as nossas famílias aceitam o racionamento da guerra. Os nossos
soldados, se sacrificam porque os fascistas assassinaram seus irmãos,
macularam a nossa bandeira.
228
Mas, pelas memórias febianas, é possível perceber posicionamentos
contrários aos arroubos da linguagem que enaltecia a presença da quinta coluna nos
temas referentes à FEB. Muitos deixam transparecer nas entrelinhas que não havia
um pensamento abominável contra os soldados alees, que esta não seria a mola
propulsora para motivar a participação na guerra, como bem destaca o sargento
José Eckert:
228
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro,8 de dezembro de 1944.
134
O povo brasileiro, nesta fase, sentia-se mais propenso a ficar neutro do que
se envolver numa guerra. Isto se percebia muito claramente quando se
conversava com qualquer pessoa do povo. Mas o incitamento através de
comícios nas praças públicas, jornais e dios, fez com que ficasse a idéia
de que o Brasil tinha obrigação de envolver-se.
229
Como se frisou anteriormente, o pensamento de Eckert vai ao encontro da
reflexão de outros combatentes brasileiros. São muitos os destaques a respeito,
denunciando a imprensa escandalosa da época, responsabilizando-a pelas
manchetes incitadoras que eram publicadas no dia a dia, principalmente durante os
preparativos e organização da FEB, bem como no transcurso da guerra na Itália e no
espetáculo grandiloqüente preparado pelos correspondentes de guerra. Tal postura
da imprensa teve grandes repercussões, pois incidiu em situações conflitantes, que
envolveram tantos os expedicionários, seus comandos e o governo brasileiro.
Chama a atenção a manchete publicada pelo O Globo em novembro de 1944:
Indignação no front ante os boatos da quinta-colunano Rio. Tal fato dizia respeito
à boataria espalhada no Rio de Janeiro, que nos primeiros embates dos soldados da
FEB na Itália entre os meses de agosto a novembro de 1944, as baixas por mortes
de soldados, teriam sido expressivas e de maior envergadura do que aquelas
admitidas pelo exército.Tal fato não se comprovou, pois para os especialistas que
avaliaram o início da campanha brasileira, a liberação das primeiras cidades, os
combates de São Quirico, Camaiore, Barga, o enfrentamento aos alemães em
Granaglione e mesmo as primeiras tentativas da tomada de Monte Castello no mês
de novembro de 1944, não confirmam os dados. Conforme diz o jornal:
Esta é uma guerra de bombas e de balas, lagrimas e sacrifícios totais. Uma
guerra que não admite meio termos e exige esforços sobre-humanos. Seria
pura infantilidade supor que nossos soldados serão integralmente poupados
pelos obuses inimigos, que nossas tropas regressarão intactas. Mas daí a
dizer que estão sendo dizimados no campo de batalha italiano, que a morte
‘prefere’ os nossos acampamentos e que o número de baixas é incalculável,
vai uma grande distancia. Ou será incrível ignorância da realidade ou fruto
de tendenciosa manobra quinta colunista.
230
Tais boatos, afligiram os familiares dos combatentes brasileiros, a ponto do
governo Getúlio Vargas solicitar explicações mais concretas por parte do comando
229
ECKERT, op. cit., p.25.
230
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1944.
135
da FEB. Estes fatos, também preocupavam o general Mascarenhas de Moraes, o
que resultou na sua decisão de vir ao Brasil pessoalmente.
Na manhã de do dia 7 de janeiro, após uma noite passada em branco, com
o Q.G Avançado intensamente bombardeado, o gen. Mascarenhas declarou
aos generais e ao chefe do Estado Maior do Ercito que pretendia ir ao Rio
de Janeiro, conferenciar com o presidente da República e com o Ministro da
Guerra.
231
Era temerário nos rumos que a guerra tomava na Europa, do comandante da
FEB ausentar-se deste cenário. Após refletir sobre a situação, e com o parecer do
Estado Maior da FEB, decidiu-se pelo envio ao Brasil como emissário o Chefe do
Estado Maior do Exército, coronel Lima Brayner, cujo relato deixou em suas
memórias:
Nessa mesma noite de 7 de janeiro, iniciei a viagem.[...] era portador de
duas cartas do gen. Mascarenhas de Moraes, uma para o presidente
Getúlio Vargas e a outra para o ministro da Guerra, gen. Eurico Gaspar
Dutra. Não foi fácil a missão que me levara ao Brasil. O ambiente estava
conturbado sob dupla pressão: política ditatorial em desgaste e pessimismo
em torno da atuação da FEB, graças aos informantes desavisados ou
suspeitos que irradiavam boatos. E também a ação diabólica dos agentes
da quinta-coluna nazi-fascistas.
232
Com a vinda do coronel Lima Brayner ao Brasil para dar esclarecimentos, um
ponto final foi colocado neste grave incidente, que abalou não somente o alto
comando da FEB, mas também a cúpula governamental do Estado Novo. Não resta
dúvida, que tal situação foi desgastante para os comandantes, os soldados e seus
familiares. Diante do ocorrido, seria possível perguntar: Qual a origem deste
episódio? Seria pela fragilizada atuação de alguns comandantes na Itália, que não
exerciam com confiança seus papéis? Ou, a ação de militares no Brasil que não
embarcaram e tudo fizeram para minar a FEB, diminuindo o seu valor em frente de
combate?
Do cenário político e militar que se apresentava no momento em que a FEB
estava na Itália, a quem interessava esta conturbação? Diante desses
questionamentos conjetura-se sobre estas questões que devem ser vistas sob o
olhar de outros documentos. Portanto, um trabalho direcionado aos historiadores e a
231
BRAYNER, Floriano de Lima. A verdade sobre a FEB. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
1968, p.312.
232
Ibid., pp.312-313.
136
historiografia, na tentativa de desvendar as ações dos agentes sociais e da própria
imprensa brasileira.
A análise efetuada nas páginas anteriores, sobre as idéias e possíveis ações
da quinta-coluna incidindo neste período, se fez necessária até para compreender
os procedimentos do governo de Getúlio Vargas e as medidas adotadas na
condução da política voltada para nacionalização do país, que vai incidir tamm na
militarização dos jovens, asssunto a ser abordado no próximo sub-capítulo. Neste
aspecto a abordagem de pesquisas recentes, bem como a memória e os
testemunhos dos combatentes, sobre situações episódicas foram producentes, a
partir do momento que se busca a lógica e objetividade nesta pesquisa.
2.4.2 Nacionalizar o Ensino, Educar o Povo como Metas Principais
Diante desses fatos, a Educação no Estado Novo passa a ser vista dentro
dimensão estratégica. Desafios deveriam ser ultrapassados e se manifestavam
pelas questões das especificidades regionais em um país com dimensões quase
continentais. A presença de núcleos estrangeiros nas zonas de colonização, era
preocupante.
Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP)
ainda em 1940, apresentavam dados mais precisos da distribuição dos grupos
estrangeiros em território nacional.
233
Essas informações eram levadas ao governo,
que tentava adotar procedimentos em relação a essas comunidades, visto que em
sucessivos governos, ficara claro a incapacidade de atingir essas populações, por
seus costumes arraigados, avessos a uma política eficaz de aculturação.
Sob a direção de Lourenço Filho, o (INEP), buscou verificar os estudos
efetuados anteriormente pelos historiadores, escritores, pensadores e políticos
desde o século XIX, sobre a ocupação estrangeira dos territórios ao sudeste e sul do
Brasil. Tais estudos alertavam sobre o perigo dessas concentrações étnicas,
principalmente a alemã.
233
N.A.: Para verificar o levantamento efetuado com mais detalhes, ver o artigo de Helena Bomeny,
Três decretos e um ministério: a propósito da educação no Estado Novo, In: Repensando o Estado
Novo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1999, p.153.
137
Segundo a pesquisadora Helena Bomeny, não foi do Estado Novo a
preocupação com a nacionalização do ensino. Em 1906, Silvio Romero alertava para
o perigo de se criarem nacionalidades’ dentro do Brasil. A proposta indicada após
estudos, partia da estratégia de aproveitamento do proletariado nacional, a ser posto
perto do estrangeiro, para educar-se no trabalho e por efeito contribuir com o
abrasileiramento dessas populações.
234
Haveria necessidade premente de uma padronização do ensino, centralização
das atividades escolares, da unidade de programas e material didático para atender
a demanda. Dentre todas as medidas estudadas para se atingir os objetivos acima,
uma delas mais premente, era a questão de ‘homogeneizar’ a população, pois do
contrário, corria-se o risco de impedimento do grande projeto de identidade nacional.
Das regiões brasileiras o sul do país, era alvo de preocupação dos dirigentes
governamentais do Estado Novo. “O alemão, foi sem dúvida, quem mais despertou
atenção e maior preocupação das autoridades”, pelo fato de ser o mais fechado em
torno de sua cultura, da própria língua e da sua nacionalidade. Por este motivo,
eram acusados de impedir o processo de nacionalização, conforme destaca a
pesquisadora Helena Bomeny. Por outro lado, mantinham estreitos laços culturais
que os mantinham próximos à nação de origem. Nestas condições, ascendiam
reações das mais diversas origens, mesmo da intelectualidade, como de Vianna na
defesa de uma consciência nacional.
Esta consciência de grupo nacional, este devotamento ao grupo- nação se
acompanhe de uma mística nacional”.Quero dizer, de um sentimento de
orgulho nacional, de grandeza nacional, da superioridade nacional.Este
ideal de grandeza ou de superioridade nacional é o que de ser a fonte
alimentadora do “ espírito brasileiro” anêmico,débil, inoperante.
235
O Estado Novo buscava a sustentabilidade política, neste aspecto, a
aproximação com os grupos de “direita” foi quase uma conseqüência, visto a
similaridade do governo em relação aos regimes italiano e alemão.Tal situação
acenava aos grupos de imigrantes desses países, as possibilidades de assumirem
uma dimensão política, que em outra situação seria irrealizável. Neste, aspecto
conforme ressalta Gambini analisando este contexto:
234
BOMENY, op. cit., p.154.
235
Ibid., p. 152.
138
[...] quanto maior a identificação entre o grupo imigrante e as forças
autoritárias de seu país de origem, tanto maiores seriam suas possibilidades
de ação durante o Estado Novo. Dessa forma,é possível explicar a diferença
entre o comportamento político dos imigrantes do Eixo, como um todo e os
demais grupo- especialmente portugueses e espanhóis- bem como a
diferença das atitudes de alemães, italianos e japoneses, conforme o seu
grau de assimilação.
236
Nas evidências disponíveis, este período caracterizado pela ascensão
generalizada do fascismo, os imigrantes alemães na América Latina procuravam
reforçar e manter os laços com a Alemanha, esta por sua vez, reservava aos seus
descendentes o cumprimento do seu projeto expansionista. Ainda de acordo com as
pesquisas de Gamberini, os alemães somavam nesta época um milhão de pessoas.
Não há dados precisos da totalidade dos simpatizantes do nazismo, mas ficava claro
a dificuldade de assimilação deste grupo, em relação aos demais imigrantes, até
pela concentração geográfica dessas pessoas, em colônias rurais no sul do país,
fechadas sobre si mesmas e impenetráveis à cultura brasileira.
A assimilação dos grupos de imigrantes ia se tornando um problema para o
governo central, pois se tornava um obstáculo à integração nacional, a um controle
mais globalizante idealizado pelo Estado Novo. Embora expressivamente, no seu
interior o governo contasse com simpatizantes pelo eixo, como se definiu nesta
pesquisa. A simpatia do Estado Novo pelo Nacional-Socialismo tinha um limite claro:
“a preservação inquestionável do poder centralizado e da soberania nacional.”
237
que se avaliar as situações que levaram á dificuldades de assimilação
destes imigrantes à cultura brasileira. Já no passado o lento processo de
assimilação da comunidade alemã viu-se abruptamente interrompido pela
suspensão na década de 1930, da prática de casamentos com brasileiros, fator
discriminatório que acirrava as questões raciais, reforçadas, pela ideologia praticada
nas 1900 escolas particulares alemãs então existentes. Essa dificuldade de
entrosamento com a cultura nacional, não seria também resultado do auto-
isolamento dessas comunidades, pelo inesgotável trabalho de propaganda
perpetrado pelos agentes manipuladores de opinião, o que acabou por configurar a
especificidade alemã, em contraste da integração dos colonos italianos e outras
etnias? “Encarando a assimilação como degradante perda de identidade superior, a
236
GAMBINI, Roberto. O duplo jogo de Getulio Vargas: Influência americana e alemã no Estado
Novo. São Paulo: Símbolo, 1977, p.61.
237
Ibid., p.68.
139
crescente arrogância da auto- suficiência cultural alemã acabou pro provocar
medidas restritivas por parte do governo Vargas”.
238
O problema que se impôs aos núcleos de imigrantes no sul do país, deve ser
visto com algumas particularidades, como o fez a antropóloga Giralda Seyferth
quando estudou as comunidades de Brusque e Guabiruba em Santa Catarina, uma
região povoada por alemães a partir da segunda metade do culo XIX, quando são
levantadas as questões de identidade. Neste aspecto, a pesquisadora, buscou
analisar a concepção de identidade étnica teuto-brasileira, baseadas em elementos
próprios da ideologia germanista. Segundo suas pesquisas a idéia de germanidade
estava contida no Deutschtum e que foi divulgada em todas as colônias alemãs no
sul do Brasil pela imprensa em língua alemã, desde 1851 até 1941. Tal fato,é
preponderante, uma vez que incide diretamente na representação que o grupo
alemão tem da sua nacionalidade. A relevância deste estudo está na possibilidade
de auxiliar na compreensão do que realmente aconteceu nas áreas de colonização
alemã, o que poderia justificar a reação desse grupo em relação ao projeto de
nacionalização colocado pelo governo do Estado Novo.
Como estas populações percebiam a questão da nacionalidade? O ponto
básico está entre a distinção que se fazia entre os conceitos de cidadania e
nacionalidade. Segundo a pesquisa, neste aspecto, a cidadania tinha a ver com a
vinculação ao Estado, enquanto a nacionalidade estava ligada aos laços de sangue,
e não com o fato de ter ou não nascido na Alemanha. Por esta razão como diz
Seyferth “na concepção pangermânica todos os alemães e descendentes de
alemães, em todo o mundo, poderiam formar uma unidade nacional sem se
constituírem necessariamente, em traidores do Estado dos quais são cidadãos.” O
que parecia natural aos alemães, tornava-se ameaçador para as autoridades
brasileiras.
No contexto da guerra e a expansão do nazismo na Europa, fortaleceu no
governo a convicção de que medidas enérgicas deveriam ser tomadas. Sob
justificativa de impedir a infiltração nazista no Brasil, a questão da nacionalização do
ensino passa a ter um caráter de segurança nacional, com o Exército exercendo
uma função estratégica ao tempo em que se definia uma política a respeito da
imigração de estrangeiros para o Brasil.
238
GAMBINI, op. cit., p.67.
140
Por parte do governo estadonovista, medidas coercitivas contra a população
foram adotadas, principalmente no sul do Brasil, conforme avaliação de pesquisas
mais recentes, como o de Marlene de Fáveri em seu livro Memórias de uma (outra)
guerra: cotidiano e medo durante a Guerra em Santa Catarina. Dos depoimentos
levantados pela pesquisadora, emergem conteúdos brilhantes para a historiografia,
que ajudam a clarear um período obscuro de traumas e desafios sofridos pelas
populações locais e que se mantiveram na incógnita durante todos esses anos.
Ao destacar em sua obra, a administração do governador Nereu Ramos de
Santa Catarina, compromissado com a estrutura do Estado Novo, ajuda a
compreender o alinhamento da autoridade local ao projeto ideológico de
nacionalização das massas, ou seja, um tempo novo, festivo, visando aproximar o
poder público com o povo e construir a “alma brasileira”. É revelador, quando as
estratégias educativas partem de diversos núcleos, assim como a Liga de Defesa
Nacional com a colaboração do Exército e instalada em 1942 na cidade de
Florianópolis, e mais tarde em outros municípios catarinenses. O empenho educativo
é dado principalmente nas escolas, quando das efemérides comemoradas. O Dia da
Pátria, Aniversário das autoridades, o Dia do Trabalho, o Duque de Caxias, o dia da
Bandeira, dia da Raça, do Soldado, que eram transformados em jornadas festivas.
Tais eventos, não ocorreram na tranqüilidade desejada, choques inevitáveis,
perseguições e prisões demonstraram o grau de reações provocadas pelas medidas
impositivas e mesmo diferenças proporcionadas pelas culturas locais, onde se
fixaram portugueses, alemães e italianos, todos alvos da policia fiscalizadora, como
atestam as pesquisadoras Helena M.B Bomeni e Marlene de Fáveri na consulta
efetuada a vasto documental da época. que se esclarecer que essas medidas
aconteceram com a FEB na Itália, quando os filhos de alees e italianos se
encontravam combatendo, fato registrado com indignação pelo sargento Edgard
Eckert em seu diário quando de retorno da guerra, ao chegar em sua cidade no sul
do Brasil, foi surpreendido com a perseguição impetrada contra seus familiares.
Foram organizados pelo território brasileiro, os Congressos de Brasilidade,
entre 1941 a 1944, cujas diretrizes saiam do governo federal. Em Florianópolis o 1º
Congresso aconteceu entre 10 a 19 de novembro de 1941, quando da realização de
nove conferências, direcionadas para a unidade cultural tão propalada no Estado
Novo. Estas motivavam pelos temas abordados em relação à política, cultura,
141
história, moral, jurídica, social, geográfica, econômica, financeira e patriótica. “O
segundo congresso ocorreu de 10 a 19 de novembro de 1942”, e “propunha um
projeto de unidade étnica, que padronizasse os brasileiros através do trabalho, da
saúde e da beleza, salientando que o sentimento comum formaria o amálgama do
caráter”.
239
em 1938, o Estado Maior do Exército alertava sobre a necessidade da
nacionalização do ensino brasileiro. Além das escolas rurais, as particulares também
tornaram-se alvos dos observadores tecnocratas do novo regime. O índice das
escolas fechadas foi considerável se avaliarmos por estados dentro do território
nacional: No Rio Grande do Sul, num total de 103 escolas foram obrigadas a
encerrar suas atividades, em Santa Catarina 298 escolas, Em São Paulo 284
escolas, no Espírito um total de 11 e no Paraná 78. Este total abarcou o índice de
774 escolas proibidas de funcionar. Em contrapartida o governo abriu 876 escolas
oficiais.
Com o projeto de nacionalização a ser desenvolvido pela Educação, o alvo
maior foram as escolas étnicas localizadas principalmente no sul do Brasil. Foi
proibido o uso do idioma estrangeiro, os alunos intensamente vigiados, mesmo
durante as brincadeiras infantis, pois não havia tolerância.
Com a proibição, foram muitos os protestos da comunidade alemã. O jornal O
Estado de São Paulo estampava em 1942 a carta de indignação de um pastor
alemão, em relação ao decreto governamental proibindo o uso do idioma
estrangeiro. Nela fica expressa claramente a situação de um orgulho ferido:
No Parlamento Brasileiro foi votada uma lei tornando obrigatório o ensino da
língua da terra: dessa maneira, o alemão poderá ser ensinado como
língua estrangeira. Esse é o agradecimento das grandes nações pelo
trabalho e cultura alemã no mundo. O que o sul do Brasil possui deve ao
trabalho alemão. Se fizermos ali abstração dos alemães, restará apenas
uma mísera carniça.
240
Segundo Neide Fiori,em algumas escolas foram organizadas as associações
que recebiam o nome de Liga- Pró-Língua Nacional, em caráter obrigatório, cujo
objetivo era ajudar os professores na tarefa da vigilância idiomática. O mesmo
ocorreu mais tarde em relação ao idioma falado nas residências. “considerava-se a
239
FÁVERI, Marlene. Memórias de (uma) guerra: cotidiano e medo durante a Segunda Guerra em
Santa Catarina. Florianópolis: UFSC, 2005, p.63.
240
ESTADO DE SÃO PAULO, São Paulo 20 de agosto de 1942.
142
escola pública como o grande responsável pela ‘construção’ da homogeneidade
cultural, que passou da fase policial para ingressar na fase pedagógica”.
241
Neste processo estavam envolvidos os profissionais que compunham a
equipe burocrática de cada escola, ou seja: inspetores, diretores dos
estabelecimentos de ensino e os professores das escolas públicas. Em muitos
casos, tais procedimentos não ocorreram dentro dos parâmetros da normalidade,
quando a policia ameaçadora se fazia presente com mais constância.
Com a participação brasileira diretamente na guerra, no território nacional os
problemas advindos do conflito entre os habitantes e autoridades, contavam com a
ação direta e decisão dos delegados locais e na zona rural pelos inspetores de
quarteirão, que ao seu modo tentavam resolver os problemas. Eram tempos de
denuncias, em que as palavras podiam ser distorcidas, bem como havia por parte da
população, o medo de falar e escrever. Muita atenção se fazia aos atos dos
professores e dos alunos, principalmente em relação ao que escreviam.
242
A partir de 1942, o controle idiomático passa a ser mais rígido. Nesta
situação, os imigrantes alemães, italianos, e japoneses, bem como seus
descendentes, constituíram objeto de vigilância, pois acreditava-se em possíveis
envolvimentos que diziam respeito à segurança nacional. No processo de
nacionalização do país, as características éticas e as práticas culturais dos
imigrantes, eram consideradas quistos culturais’, que precisavam ser diluídos na
cultura nacional, a ‘ brasilidade’ deveria absorver toda a diversidade cultural.
As escolas ficaram encarregadas não só de difundir a língua portuguesa, mas
também de repassar as concepções de pátria necessárias na formação de uma
cultura coletiva, onde se juntavam as recomendadas expressões como “bom
brasileiro”, designando aquele que falava um bom português, que era patriótico em
seus sentimentos, que somente se comunicava neste idioma.
A escola deveria difundir o idioma português, e ainda desenvolver em seu
alunado um forte sentimento de pertença- de pertencimento ao mundo
nacional- no que diz respeito à emoção, era fundamental que os alunos se
sentissem brasileiros. [...] essas eram rupturas consideradas como
necessárias para que, a partir da criança e com a ajuda da escola,
241
FIORI, Neide Almeida. A nacionalização do Ensino em Santa Catarina: tempos de guerra e de
controle político-cultural. Dossiê: Guerra e Nacionalização. Fronteiras. Revista Catarinense de
História. UFSC, Associação Nacional de História, 2005, p.105.
242
Ibid., p. 108.
143
emergisse o bom brasileiro”, que mais tarde seria o adulto “bom
brasileiro.”
243
Em Florianópolis, segundo Marlene de Fáveri, nesta fase a Escola dentro do
seu papel institucional, acabou por adotar práticas educativas que envolviam a
comunidade escolar. É o caso do Grupo Escolar ‘Lauro Muller’ com seu jornalzinho “
A criança brasileira”, onde os alunos atuavam como autores de poesias, crônicas,
concursos de textos.”
244
Os textos eram simples, e os personagens da histórias,
versavam geralmente sobre o duque de Caxias, A pátria, Dia da criança, Higiene,
Religião, Bandeira, comemorações e homenagens aos homens públicos.
Naturalmente, a receptividade dessas escritas, abarcava os propósitos da
nacionalização das etnias. As imagens patrióticas, foram fortalecidas por todo um
anteparo vindo do governo central, da performance do DIP e seus diversos
departamentos, onde estava inclusa a imprensa de modo geral, o rádio, o cinema e
o turismo.
Até o início da guerra, a mobilização política dos imigrantes era tolerada pelo
regime, pois a ideologia expressa não se incompatibilizava com o próprio ideário
estadonovista e seus objetivos. Mas nos rumos que o conflito vai tomando, e a
declaração de guerra aos países do eixo, “o perigo totalitário” adquire matizes
diferentes, quando a ameaça não está pelas mãos dos comunistas, mas sim no
“perigo nazista”.Este passa a ser denunciado a partir do momento em que o
governo Getúlio Vargas se decide por novas alianças, neste caso a americana.
Na busca das pretensas infiltrações nazistas, inicia-se um período de “caça às
bruxas”, ou seja, buscar o inimigo onde quer que pudesse ser encontrado. Mas
quem é o inimigo pergunta Marlene de Fáveri em suas pesquisas, quando avalia os
sofrimentos perpetrados às populações do sul do Brasil, mais precisamente em
Santa Catarina, em recente obra publicada . Neste caso é esclarecedor o seu texto:
Em Santa Catarina, como em todo o país, alemães, italianos, japoneses e
descendentes foram os alvos suspeitos na mira da população e da policia,
o que oportunizava, então, enfrentamentos étnicos.Com a entrada do Brasil
na guerra, em 22 de agosto e 1942, o Decreto Federal, nº 10.358, de 31 de
agosto de 1942, declarou Estado de Guerra em todo o território
nacional.Esta suspeição/ demonização do outro” tomou forma mais
explicita na imprensa, que veiculou artigos apresentando estrangeiros e
243
FIORI, op. cit., p.115.
244
FÁVERI, op. cit., p.70.
144
descendentes como inimigos e prováveis colaboradores do Eixo,detonando
um clima de violência .
245
No Rio Grande do Sul, as escolas dos imigrantes, com o currículo
privilegiando a tradição cultural da etnia, com ênfase na língua de origem, foram
consideradas na época, grande entrave para as políticas públicas voltadas para a
nacionalização, o que acabou por priorizar um currículo comum, nacional, com
ênfase na língua portuguesa, na História, na Geografia Pátria, e na formação da
Moral e Cívica.
246
A partir de 1938, a Campanha de Nacionalização adotou uma sistemática
mais ostensiva e repressiva em relação às comunidades que mostravam maior
resistência, o que provocou em alguns casos, sério acirramento entre os habitantes
e a policia. O clima estudantil que deveria ser pedagógico, diante dos atritos,
permaneceu mais com um caráter policialesco. Muito deste controle no Rio Grande
do Sul, estava a encargo de Interventor Federal, Cordeiro de Farias, que mais tarde
embarcaria para a Itália como comandante da Artilharia Brasileira da FEB.
Do decreto regulador das atividades educacionais, grande parte estava
voltada para as escolas étnicas, direcionado o programa escolar, voltado para o
ensino da língua portuguesa, e das disciplinas escolares destacadas
anteriormente. Estipulava ainda a presença de professores do Estado, para
ministrarem aulas de português, principalmente nas escolas onde fosse ministrada
pelo menos uma língua estrangeira.
Um dos itens do decreto que chamava a atenção dizia o seguinte: “nenhum
estabelecimento particular de ensino poderá ser subvencionado por governo ou
instituição estrangeira.”
247
Assim como em outros estados brasileiros, cujas medidas coercitivas foram
tomadas em relação às escolas étnicas, o Rio Grande do Sul, não fugiu à regra. Os
decretos estaduais foram adaptados à legislação federal. Como resultado destas
estratégias, foi criado um número maior de escolas blicas na região colonial e o
aperfeiçoamento qualitativo das mesmas, a nacionalização dos estabelecimentos
245
FÁVERI, Marlene. Memórias de uma (outra guerra): cotidiano e medo durante a Segunda Guerra
em Santa Catarina. 2 ed. Itajaí: Univali, ,2005. p.43.
246
KREUTZ, Lúcio. A nacionalização do Ensino no Rio Grande do Sul: medidas preventivas e
repressivas.in Fronteiras: Revista Catarinense de História. UFSC.Associação Nacional de História
(ANPUH-s.c), n 13, 2005.
247
Ibid., p. 77.
145
particulares de ensino através regulação severa para licença dos professores, a
prescrição de livros escolares das escolas públicas e do idioma nacional obrigatório,
dentre outras medidas.
248
Os decretos assinados pelo interventor Cordeiro de Farias, respaldados pelo
secretario de Educação, Coelho de Souza, não apenas foram recebidos com
reservas pelas comunidades teuto-brasileiras, mas denotavam segundo as
autoridades locais, indícios seguros de resistência “local antibrasileira” e que exigia
do governo um esforço máximo do em extirpar o foco nazista. De acordo com
documento da época, o secretario da Educação mostrava sua preocupação:
Problema sem vida gravíssimo e de difícil solução, é o que oferece a
zona colonial alemã [...] a colônia alemã oferece uma organização capaz de
provocar atenção e a preocupação governamentais [...] A ação
germanizadora do nazismo introduziu-se subrepticiamente na chamada
população teuto-brasileira. Para tanto, dominaram as escolas particulares às
centenas espalhadas pelo estado. [...] Esse domínio tornado absoluto, foi
conseguido por meio de subvenções distribuídas pelo consulado alemão de
Porto Alegre.
249
Diante do quadro apresentado, 241 escolas particulares foram fechadas e a
oposição teuto-brasileira era encerrada. Segundo avaliação de Lúcio Kreutz, para se
avaliar melhor as questões que envolveram a Campanha de Nacionalização em
relação às escolas teuto-brasileiras no Rio Grande do Sul, que se avaliar que
estes argumentos ainda não se esgotaram. O longo silêncio envolvendo essa
problemática, por si só é revelador. Somente na década de 1970, ocorreram estudos
mais producentes sobre estas questões, ainda não conclusivas, até porque muito da
documentação da época foi destruída, tanto pelos agentes da nacionalização, bem
como pelos próprios teuto- brasileiros para se protegerem das acusações que
poderiam sofrer. Segundo o autor mencionado, não foi a Campanha de
Nacionalização de ensino responsável pelo encerramento das escolas teuto-
brasileiras nesta fase, mas o nacionalismo exacerbado que lhes foi impingido.
Na esteira do processo de nacionalização que envolvia as comunidades
estrangeiras, principalmente ao sul do Brasil, que se verificar que a juventude
brasileira consituia também uma preoucpação para o governo estadonovista. Neste
aspecto o projeto do ministro da justiça Francisco Campos, sob nome de
248
KREUTZ, op. cit., p. 77.
249
Ibid., p.79.
146
Organização Nacional da Juventude, previa uma ampla arregimentação de jovens
brasileiros, cujas características foram copiadas do fascismo italiano. Buscou-se
demonstrar como os jovens brasileiros seriam iniciados nos valores tão caros à
nação e inclusos no chamado ‘catecismo cívico’, expressos nos ideais da
cooperação, da intrepidez, da disciplina, do culto ao civismo e aos valores pátrios.
Na defesa destes valores, alinharam-se pensadores, idealistas e poetas, como disse
Olavo Bilac ao defender o sorteio de jovens para o exercício militar: “um triunfo da
democracia”. Buscava-se, segundo o ideário, o cidadão soldado.
Além da política de nacionalização dirigida às comunidades de etnia
estrangeira, no intricado planejamento educacional brasileiro para o período que
iniciava com o Estado Novo, muitos eram os envolvidos: os modernistas
comprometidos com o novo ideário e que ocupavam cargos de confiança no
governo, o ministro da Justiça Francisco Campos, a lesgilar para um estado forte, o
Chefe do Estado Maior do Exército ministro Góis Monteiro a criar os moldes de um
exército novo, e o Ministro da Educação Gustavo Capanema direcionando os
projetos educativos, todos voltados para um direcionamento único, ou seja, o
fortalecimento do Estado Novo.
Nesta fase foi defendida uma modalidade de educação, conhecida como pré-
militar para a juventude. Ao longo do período estadonovista, se apregoava a
integração da juventude pelo Estado, conferindo a este uma tutela pedagógica.
É do ministério da Justiça, mais exatamente das mãos de Francisco Campos
que toma corpo o projeto Organização Nacional da Juventude, cujo objetivo era
prepará-lo e ajustá-lo aos novos princípios que deveriam reger o Estado Nacional.
Os modelos de organização fascista, difundidos a partir das experiências alemã,
italiana e portuguesa, seriam adaptados para um projeto brasileiro. Naturalmente,
acabou por esbarrar na estrutura militar do Exército, que paralelamente organizava
seus quadros militares.
O projeto inicial da Organização Nacional da Juventude, tinha a intenção de
institucionalizar a nível nacional uma organização paramilitar, de arregimentação da
juventude. Tal decisão sem consulta prévia ao Ministério da Educação e Saúde,
causou melindres ao ministro, bem como aos demais ministérios que se sentiram
postergados das resoluções.
147
A reação dos envolvidos foi imediata, o protesto mais significativo foi do
Ministério da Guerra, que denunciava o conflito das competências, o controle e as
atribuições a um mando único, ou seja do próprio Ministério da Justiça, em
detrimento de outros ministérios para os assuntos pertinentes à arregimentação de
jovens. O Ministério da Guerra, solicita que se respeite a faixa etária acima de 17
anos, pois esta era uma característica do chamamento militar para os jovens
cumprirem seu tempo no Exército. Segundo o Ministério da Guerra, em muitos
pontos o projeto Organização Nacional da Juventude, feria a autonomia militar
representada pelo Exército Brasileiro. No processo de negociação, o ministro da
Educação Gustavo Capanema, buscando uma nova reedição cívica para a
organização, sugere um outro nome, essa passaria a chamar-se Juventude
Brasileira. Nos desencontros, os grupos se aproximam e obtêm o apoio da ala mais
conservadora da igreja.
O novo nome vingou, e passa a ser conhecido por Juventude Brasileira, aos
poucos a militarização cedeu lugar à formação dos jovens, mas ainda ressaltando
valores previstos anteriormente, ou seja: do amor ao dever militar, a consciência das
responsabilidades do soldado o cultivo de valores cívicos. Tais premissas e valores,
estavam presentes na reflexão e comportamento dos soldados brasileiros, muito
antes do embarque para a guerra, conforme se evidencia na leitura dos diários e
testemunhos.
Nas trilhas que a vida conduziu, os jovens combatentes brasileiros vivenciam
não somente um tempo presente, mas também o tempo passado reservado pelas
lembranças. Ao passar pelos bancos escolares, ou serem arregimentados para a
Juventude Brasileira, ou ao transpor os muros dos quartéis, selariam para sempre
seus destinos como combatentes brasileiros em uma das maiores guerras que a
história contemporânea registrou. Assim, assumem um discurso de
comprometimento pela causa expedicionária, onde o sentido do discurso patriótico,
expresso nos diários e memórias, é a mola propulsora na preservação dos valores.
Nestes lugares das memórias, os feitos são realçados, com timbres de brasilidade,
sentimento de pertencimento como a indicar um tempo que não passou, mas que
permanece vivo a questionar o presente.
No próximo capítulo, pela narrativa dos combatentes, o fio condutor será a
formação da FEB, o tempo de convocação para a guerra e as lembranças da
148
partida. Tentar-se-á ‘pinçar’ nesta pesquisa os fios discursivos de um tempo, dos
entrelaçamentos introduzidos em diferentes momentos, muitos interrompidos ou até
relançados. Neste sentido, mesmo que as palavras sutis apontem para os
deslocamentos, onde a conexão de ideais possa ser a grande ausente, o que
importa é trabalhar a matéria prima, aquela que representa as experiências, as
vivências e os sentimentos dos pracinhas brasileiros.
149
3 A FEB PARTE PARA A GUERRA: LEMBRANÇAS DA PARTIDA
3.1 POVO LABORIOSO E PACÍFICO, MAS PRONTO A REAGIR CONTRA
QUALQUER AGRESSÃO
Neste capítulo, a leitura e compreensão dos diários e testemunhos escritos
dos combatentes brasileiros que participaram da guerra na Itália, são relevantes
pois ajudarão a compor o enredo de histórias singulares, onde a memória de guerra
será o fio condutor de todas as narrativas, das lembranças e seus significados para
os homens que fizeram parte da FEB. É no diário que o comentarista articula a sua
voz interna, seus pensamentos mais íntimos onde estabelece um tipo de linguagem
coloquial, na verdade um monólogo em que ninguém pode interferir. Os
testemunhos, por sua vez, ligam-se pelas lembranças, das vivências, e só existem
quando laços afetivos criam o pertencismo do grupo. Nesta perspectiva vemos os
pracinhas brasileiros com seus laços identitários reforçando o discurso dos valores,
buscando as conexões, e as formas de permanência da memória.Uma outra guerra
se inicia , é a manifestação do direito à fala e ao reconhecimento da presença social.
Mas, pela avaliação do discurso, e na leitura das entrelinhas buscar-se-á as
conexões e o sentido histórico desses documentos que não se esgotam no construto
narrativo histórico, mas abrem os caminhos para as conjeturas e possibilidades do
historiador adotá-los como fontes para um estudo da participação brasileira na
Guerra Mundial.
No Brasil, mesmo antes da Declaração de Guerra, o país vinha sofrendo os
efeitos de uma crise econômica de âmbito geral, que agravava à medida que a
situação política na Europa evoluía, obrigando-o a adaptar-se às novas
contingências internacionais, o que deixava clara a necessidade de uma
mobilização, com leis e decretos específicos. A partir de 1939, com o irrompimento
da guerra, houve uma perda gradativa dos melhores mercados da Europa,
reduzindo-se ao comércio inglês que continuava a comerciar, mas que, mais tarde,
envolvido pela própria guerra, acabou por direcionar os recursos para a indústria
bélica.
Oswaldo Aranha, ministro das Relações Exteriores, antevendo uma extensão
da crise, em 29 de junho de 1939, propunha algumas diretrizes para a mobilização
150
do país, mas que não tiveram a repercussão desejada. Dentre essas medidas,
salientava a necessidade da arregimentação blica, a economia de combustíveis e
de trigo, a regularização dos vencimentos e de obrigações internacionais, estoques
de produtos indispensáveis e racionalização do seu consumo.
Em relação à mobilização militar, que se observar que, no país, as
orientações eram eminentemente pacíficas, além do problema maior de estar o
Exército desaparelhado para atender o chamado de uma guerra.
Nessa época, o Exército dispunha, apenas, de um efetivo da ordem de 60
mil homens, distribuídos pelas inúmeras unidades espalhadas por todo o
território nacional [...]. Os armamentos e equipamentos, na sua grande
maioria, de procedência estrangeira, eram antiquados e em número
insuficiente para atender às novas exigências.
250
As relações com a Alemanha, a partir de 1938, vão entrando em colapso,
devido às exigências do embaixador alemão Karl Ritter para que o Partido Nazista
funcionasse livremente. Tal situação provocou uma reunião emergencial com os
embaixadores, e a postura alemã passa a ser mais maleável no trato com as forças
armadas. O General Góis Monteiro é convidado para assistir às manobras do
Exército Alemão, enquanto uma comissão brasileira para compras de armas se
instalava na cidade de Essen, perto das instalações da fábrica de canhões Krupp.
Em meados de março de 1940, os discursos de Vargas sinalizavam um
desenvolvimento econômico, a cooperação interamericana e a neutralidade vis-à-vis
à guerra na Europa. Em suas visitas aos Estados brasileiros como Santa Catarina,
Rio Grande do Sul, São Paulo e Minas Gerais, enfatiza a questão do progresso
nacional e a importância de ser brasileiro. Em Blumenau, coração da colonização
alemã em Santa Catarina, preveniu: “O Brasil não é inglês, nem alemão. É um país
soberano que exige respeito às suas leis e que defende os seus interesses. O Brasil
é brasileiro[...].”
251
Num banquete em Belo Horizonte, possivelmente uma resposta à
arrogância alemã, disse que o governo não “permitiria elementos extremistas... que
praticam o culto da violência para que ela viva e floresça na sociedade brasileira.
250
BRANCO, Manoel Thomaz Castello. O Brasil na II Grande Guerra. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército, 1960, p. 77.
251
MCCANN, op. cit., p.150.
151
Declarou que, se o Brasil tomasse alguma medida em relação ao conflito europeu, o
faria de acordo com outros países sul-americanos.”
252
As alianças provocadas pela guerra acabaram por reunir a Alemanha, a Itália
e o Japão, considerados os países do Eixo. O cenário parecia desesperador para a
Europa, e os Estados Unidos assistiam a tudo na cômoda posição de observadores,
até o fim de 1941. O apoio americano aos aliados constava mais de ajuda
humanitária do que de um reforço ou de um posicionamento militar. Tal situação
mudou radicalmente quando o Japão resolveu atacar a frota americana do Pacífico
em Pearl Harbor, em dezembro de 1941. Em meia hora, os Estados Unidos
perderam 188 aviões e sofreram mais de três mil baixas, fator crucial e decisivo para
a entrada na guerra.
A Alemanha e a Itália aproveitam para também decretar guerra à potência
americana. O Brasil rompe relações com os países do Eixo:
A ruptura de relações por parte do Brasil apressou a sua entrada na guerra.
De muito que seus navios efetuavam comércio regular com os países
amigos, especialmente com os Estados Unidos, a quem fornecíamos
substanciais produtos para a sua economia de guerra, então em fase de
surto. Inconformadas com a atitude brasileira, a Alemanha e a Itália
desencadearam uma guerra submarina contra a navegação comercial.
253
Nos rumos que a guerra ia tomando, em conseqüência ao estado beligerante
existente entre os países do Eixo e os Estados Unidos, com o rompimento das
relações entre eles e as demais repúblicas americanas, os alemães decidem
estender sua campanha submarina, que no início dizia respeito apenas às Ilhas
Britânicas, às costas do continente americano, com o objetivo de prejudicar o seu
comércio exterior. Tal situação acabou provocando graves danos aos navios da
Marinha Mercante Brasileira. Entre 14 de fevereiro de 1942 e 23 de outubro de 1943,
foram afundados cerca de 31 navios brasileiros, com grande perda de timas entre
mortos e desaparecidos, no total de 971 pessoas.
O torpedeamento dos navios brasileiros por submarinos alemães e italianos
acelerou a entrada do Brasil no conflito. Tais ataques, a maioria em águas nacionais,
eram revestidos de grande crueldade por parte dos agressores, em relação aos
sobreviventes que estavam na água. Nem todos os atacantes foram devidamente
252
MCCANN, op. cit., p.151.
253
MELLO, Newton C. de Andrade. Conferência. Causas e conseqüências da participação do Brasil
na segunda grande Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1958.
152
identificados. Porém, os processos e inquéritos apontavam para os submarinos
nazistas, responsáveis pela maioria dos torpedeamentos, cabendo diminuta parcela
aos fascistas.
Das muitas recordações desses tristes episódios, os diários de guerra dos
pracinhas brasileiros registraram estas narrativas. O médico e voluntário para a
guerra, Alípio Corrêa Neto, muitos anos após estes incidentes, o seu depoimento
com emoção:
Quando o Brasil foi obrigado, em 1942, a declarar guerra à Alemanha por
causa do afundamento dos navios comerciais nacionais, verificou-se um
abalo social em todo o país, como era natural. A guerra obrigava a enormes
sacrifícios e pontilha de dúvidas o futuro dos povos. Mesmo quando
necessária, é uma atitude de violência, de retrocesso social, prejudicando a
evolução desenvolvimentista, mormente das populações ainda faltas desta
forma de progresso
254
.
No exercício da medicina, o médico Alípio Corrêa Neto, pensava na maneira
de como ajudar seus compatriotas, diante da possibilidade de ser organizado o
Serviço de Saúde da FEB, idéia que deixou registrada em seu diário:
Dentro deste pensamento e impelido por esse sentimento, julguei ser
obrigação cívica pôr-me à disposição das autoridades. [...] Recebendo a
carta na qual eu me candidatava a prestar serviços em qualquer condição,
respondeu-me que, se concretizasse a intervenção objetiva do Brasil no
teatro de luta, ele me convocaria como voluntário a prestar serviços
cirúrgicos à nossa tropa.
255
Além do médico Alípio Corrêa, outros veteranos em seus livros destacaram os
episódios que envolveram o afundamento dos navios brasileiros. Usando um tom
mais critico, o veterano José de Oliveira Ramos, destaca o papel da imprensa
brasileira nesta fase. São suas as palavras: “Naquela época a imprensa vivia sob o
controle absoluto do DIP.” Ramos, reporta-se ao episódio ocorrido com o navio
Taubaté,que no dia 22 de março de 1941, foi bombardeado e metralhado por uma
avião alemão próximo à ilha do Chipre, durante setenta minutos, embora portasse
a identificação da bandeira nacional. Os protestos da Chancelaria Brasileira, na
época ficaram sem respostas. Em relação a este incidente, não se percebeu
nenhuma repercussão da imprensa brasileira, apenas uma nota muito discreta do
254
CORREA NETTO, op. cit., p.2.
255
Ibid., pp 1-2.
153
DIP foi publicada.Tal situação demonstrou que, se providências fossem tomadas,
evitar-se- iam outros desastres e bombardeamentos no mar com perdas de
inúmeras perdas de vidas. Na visão de Ramos:
Praticamente o foram tomadas medidas eficientes para evitar novos
torpedeamentos de navios nacionais, em águas estrangeiras, nosso
governo, seguindo os impulsos pacíficos do povo, que não desejava a
guerra, apenas respondeu confiscando parte dos bens dos súditos do eixo.
Os navios continuavam e enfrentar corajosamente o perigo, com
desprendimento e fatalismo.
256
Os alemães estavam sempre inteirados dos movimentos dos navios que
navegavam nas costas brasileiras. Nas primeiras semanas de agosto de 1943,
comboios carregados de carros de combate Sherman, destinados às tropas que
combatiam na África, faziam escala em Recife. Portanto, pode-se concluir a respeito
do interesse dos alemães não somente por esses navios, mas também pelos navios
que transportavam material que seria usado na guerra pelos americanos.
Os episódios referentes a esses ataques estão também nos apontamentos do
sargento José Alves da Silva, na sua avaliação do dramático acontecimento que
resultaria na declaração de guerra aos países do Eixo.
Enquanto lutava no comércio, em 1942, nossos navios mercantes
metodicamente iam sendo afundados, com perda de milhares de vidas
preciosas. O povo vivia inquieto, pedindo aos brados uma providência
imediata. Nossa diminuta frota de guerra e os poucos aviões da recém
criada FAB eram impotentes para patrulhar o vasto Atlântico Sul. Na última
semana do trágico mês de agosto de 1942, em uma noite em nossas
águas, nas costas da Bahia e de Sergipe, foram torpedeados de uma
vez, por submarinos do Eixo, cinco navios de cabotagem conduzindo mais
de um milhar de passageiros compostos de homens, mulheres e crianças,
apesar dos navios se encontrarem bastante iluminados, com a Bandeira do
Brasil pintada nos lados em tamanho grande, muito bem visível.
257
Na opinião de José Alves, tal situação era uma afronta demais e o ordeiro
povo brasileiro, pois do norte a sul e de leste a oeste, as pessoas mostravam sua ira
com veemência, exigindo que governo declarasse guerra aos países do Eixo: O
povo praticamente não dormia, fazendo passeatas noite e dia com profundo clamor
pedia vingança.
258
256
RAMOS, José de Oliveira. A Epopéia dos Apeninos. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1947,
p.23.
257
SILVA, José Alves da, op. cit., p. 23.
258
Id.
154
Também o tenente Raul da Cruz, que participou da guerra juntamente com o
Batalhão de Engenharia da FEB, o primeiro a entrar em linha no território italiano,
na difícil missão de abrir estradas e reconstruir pontes, recorda esse passado das
vítimas brasileiras que pereceram na campanha dos submarinos do eixo em águas
territoriais brasileiras.
A idéia inicial era enviar ao teatro de operações europeu um corpo do
Exército Brasileiro composto de três divisões de infantaria. Era o resultado
dos conciliábulos de Washington entre as autoridades brasileiras e
americanas, visando à nossa contribuição humana. Os que assim agiam
não meditavam sobre a realidade de uma mobilização naquelas
circunstâncias, sem ao menos uma preparação psicológica, apesar do
pesado tributo já pago com o torpedeamento dos barcos brasileiros.
259
As criticas dos combatentes brasileiros em relação a estes desastres que
vinham ocorrendo, eram atribuídos ao fraco desempenho da política interna e
externa do governo Getúlio Vargas, como afirmou o combatente Oliveira Ramos:
[...] os métodos de sua política interna, manhosos e indecisos, à procura
sempre de uma corrente mais forte para seguir.[...] chefe de um governo
que se dizia democrático, mas na realidade era de francas tendências nazi-
fascistas, criador do Estado Novo, que nunca chegou a ser claramente
explicado, mas inegavelmente era totalitário. Getulio Vargas, não oferecia
ao povo brasileiro um ambiente psicológico favorável a uma reação mais
rápida e intensa contra o Eixo.
260
Diante do clamor público, segundo alguns, a campanha a favor da guerra
cresceu nas ruas com as diversas representatividades acenando bandeiras
brasileiras e americanas. No dia 18 de agosto de 1942, a população invade as salas
dos jornais Pró- Eixo, como Eixo Meio Dia e Gazeta de Notícias. As cenas descritas
a seguir foram descritas no Brazil: The New Ally, no dia 5 de novembro de 1942.
Mais tarde, naquele mesmo dia, deslocaram-se, céleres, sob as palmeiras
da rua Paissandu até o Palácio Guanabara, onde milhares de vozes exigiam
‘O presidente! e bradavam em ameaça ‘Queremos a Guerra! Vargas
apareceu numa janela apoiado no braço da esposa. Lá embaixo, até onde a
vista conseguia atingir, seus concidadãos, as mãos erguidas com o sinal da
vitória, clamavam por guerra. Disse a eles que lhes entendia a ira; que o
governo tomaria os navios e propriedades alemãs e daria aos quinta-
colunas, espiões e outros traidores pás e picaretas e os mandaria para o
259
LIMA JUNIOR, Raul da Cruz. Quebra Canela: a Engenharia Brasileira na Campanha da Itália. Rio
de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1962.
260
RAMOS, José de Oliveira. A Epopéia dos Apeninos. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1947, p.
27.
155
interior para abrir estradas. As multidões se deslocaram para outras partes
da cidade, alguns grupos, defendendo a imediata declaração de guerra,
faziam manifestações em frente ao Itamaraty e à Embaixada Americana.
261
Os fatos mostram que o clamor público momentâneo que se manifestou na
seqüência do torpedeamento dos navios brasileiros, segundo a opinião dos próprios
combatentes, foi passageiro. Não havia entre os brasileiros um clima favorável à
participação brasileira em uma guerra externa ao território nacional. Neste aspecto, é
possível conjeturar: Este não seria um fator a ser considerado como preponderante
ao esquecimento e o o registro desta memória da guerra pela população
brasileira? Verificada as devidas proporções, tal memória se mostra diferente pelos
habitantes italianos no pós guerra, que reverenciam a memória de guerra, com muita
ênfase, nos locais onde os fatos ocorreram. No ato de recordar, os brasileiros são
lembrados pelas inúmeras placas e monumentos lá construídos.
262
No final de agosto de 1942, o presidente Getúlio Vargas baixou um decreto
declarando o estado de guerra em todo o território brasileiro; desse modo, ampliando
o poder do governo. Em 16 de setembro do mesmo ano, foi determinada a
mobilização geral e Góes Monteiro, chefe do Estado Maior do Exército, tinha
intenção de convocar 2 milhões de homens e enviar ao exterior uma força
expedicionária brasileira. Dos Estados Unidos chegavam constantemente boletins
enviados pelo general Leitão de Carvalho, que havia sido enviado para servir na
comissão Conjunta de Defesa Brasil-Estados Unidos.
que se levar em consideração os interesses particulares dos que
buscavam exercer um papel mais ativo na guerra. Segundo alguns estudiosos, para
Getúlio Vargas, o envolvimento do Brasil nesta guerra poderia assegurar um tempo
para a reestruturação do seu governo, enquanto a população era distraída pelas
ocorrências militares. Para os grupos democratas, a ida do Brasil para a guerra
significava a luta contra o nazi-fascismo e, por conseqüência, restaurava a
democracia no Brasil. Para as Forças Armadas, participar diretamente do conflito
significava estar diante de técnicas modernas de combate, além de projeção
internacional. Outro fator significativo era também estar à frente de outras forças sul-
americanas.
261
MCCANN, op. cit., p.230.
262
RIGONI, Carmen Lúcia. Monumentos brasileiros na Itália, honra e glória aos veteranos da
FEB. Curitiba: Torre de Papel, 2005.
156
Na avaliação que se faz deste período, destaca-se que ele marcou
profundamente a posição brasileira em relação à sua política externa. A
aproximação do Brasil em relação aos Estados Unidos ainda era ressentida por
germanófilos no alto Comando do Exército, como os generais Eurico Gaspar Dutra e
Góes Monteiro. Esses eram admiradores da máquina de guerra alemã, mas, diante
de uma posição mais expressiva pró-aliados por parte de um segmento da
população, pesava muito, em qualquer situação, qualquer ato ou manifesto de apoio
à Alemanha.
Mantinham esses militares, muitas reservas em relação aos Estados Unidos,
que já tinham suas bases aéreas localizadas no nordeste brasileiro. Tampouco
confiavam nos ingleses que haviam durante longo tempo dominado o mundo luso-
brasileiro. As Forças Armadas Brasileiras tinham consciência da fragilidade material
do Exército Brasileiro. Pesava nas ações a serem direcionadas nesta guerra a
possibilidade de o Nordeste Brasileiro ser invadido pelos alemães, e, como se esta
situação não bastasse, outras tantas povoavam as preocupações do comando do
exército, e não podem ser consideradas apenas situações fantasiosas.
O que preocupava os generais era a fantasia de desembarques do Eixo em
Santa Catarina, onde milhares de imigrantes alemães e italianos de
discutível lealdade poderiam inchar os efetivos do invasor e mergulhar o
Brasil numa guerra interna.Tal situação daria à Argentina oportunidade de
atacar, abrindo, dessa forma, uma nova frente no conflito mundial. Esta
visão não era muito convincente para os oficiais aliados envolvidos na
guerra convencional, mas o Estado Maior geral brasileiro tinha sido formado
em rebeliões, guerra civil e campanhas de guerrilha. Seus temores não se
baseavam nos acontecimentos da Europa e Norte da África, mas se
originavam na realidade da História brasileira.
263
Por outro lado, um grupo de militares recém-concludentes da Escola de
Estado-Maior do Exército estava interessado em se alinhar aos Estados Unidos na
guerra que tomava vulto. Pesava nessa decisão a questão dos ataques de
submarinos alemães aos navios mercantes brasileiros, em que parentes e amigos
haviam sido mortos. Na seqüência dos acontecimentos, a pressão por uma
participação mais ativa do Brasil nesta guerra aumentou a partir do momento em que
já se articulava uma invasão aliada ao norte da África.
Não havia unanimidade nos posicionamentos pró-guerra, neste caso, os
americanófobos implicavam com a cessão de bases aéreas e propagavam o perigo
263
MCCANN, op. cit., p.273.
157
dos americanos permanecerem no território brasileiro. Esquecendo do
torpedeamento dos navios brasileiros, como diz Oliveira Ramos e outros motivos
consideráveis que exigiriam uma postura mais firme do governo diante do eixo, por
obra ou não do quinta - colunismo
264
, se dizia abertamente: “Espalhavam a idéia de
que íamos nos sacrificar para defender ingleses e americanos, de que nada
tínhamos a ver coma guerra e devíamos continuar neutros como a Argentina, enfim
argumentos desfavoráveis à nossa mobilização moral e material”
265
Tal versão seria
usada mais tarde, pelas tropas alemãs que combateram os brasileiros na Linha
Gótica. Foi engendrada toda uma guerra de panfletagem, arremessada pelos
morteiros da artilharia alemã nos vales dos Apeninos, em direção às tropas
brasileiras, incitando também os soldados à deserção.
Juntava-se a esse estado de coisas a diminuta opinião da imprensa brasileira,
que buscava influenciar a opinião pública, como fez o Correio da Manhã em seu
editorial: “o que os nossos aliados norte-americanos estão fazendo”, situação
também abarcada pelo Diário Carioca, mostrando a insatisfação com a postura
passiva do Brasil.
266
Tal situação muda radicalmente, a partir do momento da saída
dos soldados brasileiros para a guerra, quando a imprensa brasileira, capitaneada
pelo DIP, atendendo a interesses particulares do próprio governo, divulga suas
interpretações de fatos muito antes do Brasil dar o primeiro tiro.
Das negociações entre brasileiros e norte-americanos sobre o envio de
oficiais de ligação ou observadores para avaliar a guerra que já vinha ocorrendo, o
Exército norte-americano estava inclinado a aceitar os últimos. O Departamento de
Estado norte-americano estava interessado em tratar “nossos amigos brasileiros
como se estivessem na guerra, que eles ficam de frente para aquela parte da
África.”
267
Getúlio Vargas tinha o desejo de enviar tropas brasileiras para lutar no norte
da África, mas o parecer do Exército Americano foi contrário ao emprego dessas
forças, por diversas situações: O Exército Brasileiro não dispunha de transporte,
264
N.A.: O quintacolunismo foi visto no Brasil, por uma parcela significativa da população e os ex-
combatentes, como uma ação promovida pelos germanófilos interessados em desestabilizar o
governo e a FEB em suas ações, e neste aspecto provocando inúmeros incidentes.
265
RAMOS, José de Oliveira. A Epopéia dos Apeninos. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1947,
p.29.
266
CORREIO DA MANHÃ, Rio de Janeiro, 23 de dezembro de 1942. DIÁRIO CARIOCA, 24 de
dezembro de 1942. In: MCCANN, op. cit., p. 274.
267
Ibid., p. 275.
158
pessoal e equipamentos necessários para atuar naquela região. Para os brasileiros,
a participação da campanha ao norte da África junto a outras tropas aliadas,
significava, além da projeção internacional tão esperada, certa tranqüilidade em
relação a uma pretensa invasão do Nordeste brasileiro. A Campanha da África vinha
fluindo com normalidade e os americanos precisavam fazer um balanço mais
aprofundado das questões que envolviam a aliança Brasil-Estados Unidos.
Independentemente das decisões tomadas, Getúlio Vargas participou do
encontro com o presidente Franklin D. Roosevelt em janeiro de 1943, levando
consigo o plano de guerra de participação brasileira. Esse documento havia sido
estudado pelos militares e revisado pelo ministro das relações exteriores, Osvaldo
Aranha, homem de confiança do presidente brasileiro. Ainda em maio de 1943, o
general J. Garesche, delegado norte-americano da comissão mista Brasil-Estados
Unidos, e Leitão de Carvalho chegavam ao Brasil para acertar os detalhes do
emprego da força brasileira na guerra junto dos aliados. Nesse meio tempo, as
tropas do Eixo se renderam ao norte da África, o que eliminava a idéia de os
brasileiros combaterem no norte deste continente. Mas para os expedicionários
embarcados nos diversos escalões rumo à Itália, tal situação nunca fora esclarecida,
segundo muitos, pelo próprio sigilo que os destinos da guerra conduziam.
3.2 ALIANÇAS E INCERTEZAS: O BRASIL PREPARA A FORÇA
EXPEDICIONÁRIA BRASILEIRA
É necessário mostrar o papel da organização da Força Expedicionária em
relação aos momentos políticos vivenciados pelo país, seja na política externa que
envolvia uma série de alianças, seja na questão da guerra que ocorria na Europa
desde 1939. Por força dos acordos que aproximavam o Brasil e os Estados Unidos,
foram organizadas duas comissões mistas, uma em Washington, chefiada pelo
general Estevão Leitão de Carvalho e outra no Rio de Janeiro, pelo general norte-
americano J. Garesche, com o objetivo de conseguir apoio do Brasil e participação
de sua força militar na guerra.
159
Leitão de Carvalho
268
, tanto em seu livro, como na correspondência que se
obteve de seus arquivos, evidenciados em outras pesquisas, expõe com clareza
de propósitos os percalços enfrentados por ele e pela comissão americana, em
relação à postura dos governantes brasileiros, que dificultavam as negociações.
Carvalho fazia menção aos mandatários do poder, entre os quais o presidente
Getúlio Vargas, o ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra e o chefe de Estado Maior
do Exército, Góis Monteiro.
Segundo Carvalho, havia muitos germanófilos
269
também nas próprias fileiras
do Exército e simpatizantes. Em situação delicada ficava o chefe da comissão mista
brasileira, no diálogo que era obrigado a encetar entre esses grupos com os mais
diversos interesses. Na política de bastidores, podia contar apenas com o ministro
das relações exteriores, Osvaldo Aranha. Em meio a toda essa situação
preocupante, pairava no ar a possibilidade de as forças do eixo invadirem o Brasil.
No memorando da delegação brasileira “Princípios a aplicar na elaboração dos
planos em defesa mútua”, de autoria do próprio chefe da delegação brasileira, em
sua exposição de motivos, é possível verificar momentos críticos que a guerra
proporcionava:
Acresce que, devido ao pequeno efetivo do Exército Brasileiro, que em
tempo de paz possui apenas seis Divisões de Infantaria e três de Cavalaria,
com poucos elementos reais, não seria possível dividir as forças de terra em
dois agrupamentos capazes de enfrentar com êxito uma situação de guerra
268
CARVALHO, Estevão Leitão. A Serviço do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
A Noite, 1952.
269
N.A.: A palavra germanófilo (que ou aquele que é amigo ou admirador da Alemanha e dos
alemães) é encontrada em quase toda a literatura que retrata a FEB. Muitos veteranos usam o
termo coluna, para indicar os pró-nazistas que boicotaram a FEB mesmo antes da partida para a
Itália. Como germanófilo ainda encontramos os que eram adeptos às idéias de Hitler. Cordeiro de
Farias, comandante da artilharia da FEB, em depoimento ao CPDOC, diz não proceder a idéia de que
os boicotes iniciais na formação da FEB tenham partido de Getúlio Vargas e Góes Monteiro por
serem germanófilos. Defende o presidente dizendo que este jamais ligou-se à causa alemã, pois a
sua formação era mais francesa, mas Getúlio era presidente de um país fraco e a Alemanha estava
ganhando a guerra e que o objetivo maior era salvaguardar a posição do Brasil. Quanto a Góes
Monteiro, o autor não esclarece, mas o documento nº 3 anexo à obra com o título Attitude of
Brazilian Chief of Sataff Góis Monteiro and Federal Interventor Cordeiro de Farias. Towards Nazis”,
mostra que o próprio Cordeiro foi alvo de investigação americana. Na mesma visão de Cordeiro,
muitos receberam a pecha de germanófilos apenas por admirarem a Alemanha. CAMARGO, Aspásia;
GOES, Walder de, apud FARIAS, op. cit., p. 305-306.
160
em teatros de operações tão afastados, isto é, no Norte e no Sul, ao mesmo
tempo: o Exército Brasileiro seria por demais fraco em ambas as regiões.
270
Na avaliação dos participantes da campanha da Itália, sobre a questão dos
germanófilos dentro do exército brasileiro, encontra-se, no depoimento de Meira
Matos, comandante da 2ª companhia do Regimento de Infantaria da FEB, a
seguinte observação: “Havia militares de alta patente que eram simpatizantes da
Alemanha, admiravam o militarismo alemão. Talvez não admirassem o sistema
político, mas, por admiração ao Exército, achavam que a Alemanha ia ganhar a
guerra. A tropa que lá estava vinha lutando pelo menos desde 1942”
271
Ao destacar a experiência dos soldados alemães, Meira Mattos cita os
comandantes que estiveram mais tarde em contato com a FEB, na Itália:
Havia o Exército americano do general Mark Clark, e o VIII Exército Inglês
de Montogomery, enquadrados pelo XV Grupos de Exércitos, comandados
pelo general Harold Alexander. Eram veteranos de três anos de guerra e
nós chegávamos (Itália) completamente recrutas. Nosso último conflito
havia sido a guerra do Paraguai, que terminou em 1869. Não se pode exigir
que uma tropa recém-chegada a um teatro de operação faça tudo certo.
Aprende-se muito durante a campanha na guerra.
272
Essa foi a grande preocupação o apenas de Mattos, mas de outros
comandantes e dos soldados brasileiros, na avaliação que faziam não somente dos
inimigos que deveriam enfrentar, mas dos próprios aliados, que julgavam muito mais
preparados para a guerra.
As bases americanas haviam sido instaladas em Natal e no Recife, e se
constituíam em pontos estratégicos de defesa para americanos do norte e do sul. Do
contraste entre os defensores pró-americanos ou germânicos nasce a Força
Expedicionária Brasileira no dia 9 de agosto de 1943, da qual Estevão Leitão foi um
dos mentores mais aguerridos.
No dia 7 de outubro deste mesmo ano, era designado o general João Batista
Mascarenhas de Moraes para comandar a Divisão de Infantaria, parte do Corpo
Expedicionário que seria enviado ao front europeu.
270
CARVALHO, Estevão Leitão. Memorando da delegação brasileira, escrito por Gen. Estevão Leitão
de Carvalho, Washinton DC, 22 de dezembro de 1942. Relatório da Comissão Mista Brasil
Estados Unidos. Museu do Expedicionário, Curitiba, Paraná, 1942.
271
MATTOS, Meira. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 22 de fevereiro de 2000, p.
69-70.
272
Id.
161
O General Mascarenhas de Moraes era um oficial respeitado entre seus
pares. Era dotado de um caráter enérgico e austero, por vezes inflexível nas suas
atitudes, sem, entretanto, ser intransigente. Possuía vários cursos e, antes da
guerra, já havia feito um estágio no Exército norte-americano, onde teve contato com
a organização, meios e processos de emprego da instituição nos planejamentos
para a guerra.
Para compor a FEB como um todo, contava o general Mascarenhas com três
generais que o secundavam no comando, dentre os quais destacam-se: Olympio
Falconiere da Cunha, Euclides Zenóbio da Costa e Osvaldo Cordeiro de Farias,
respectivamente Inspetor Geral e Comandantes da Infantaria e Artilharia
Divisionárias. Os quadros da FEB aos poucos vão sendo completados, com a
indicação de oficiais para o Estado Maior, muitos conceituados instrutores da Escola
do Estado Maior do Exército, ex-discípulos da Missão Militar Francesa.
Para o preenchimento das funções de Comandante de subunidades das
armas, comissionaram-se, nos postos de capitão, centenas de jovens, primeiros
tenentes das turmas de 1936 e 1937, dado o envelhecimento dos quadros de
capitães de então. Era notória a falta de experiência desses jovens em suas novas
funções, embora em sua maioria houvessem freqüentado curso de especialização
tanto no Brasil como no exterior, fator que acabou por levar tais jovens à certa
inoperância nos momentos delicados quando a campanha tornou-se mais árdua
durante alguns ataques inimigos.
Segundo Manoel Castello Branco, tenente coronel na época da guerra, outro
fator que provocou desgaste no comando durante períodos críticos dos embates foi
o rodízio excessivo de chefes nos diversos segmentos da FEB, provocado por uma
série de motivos, dentre as quais se destacam as baixas hospitalares e as
readaptações aos comandos dos oficiais que haviam sido feridos em combate, por
acidentes diversos, doenças e exaustão.
273
A contingência de realizar uma campanha externa, uma guerra estranha ao
seu povo, com unidades totalmente diferentes no Exército Brasileiro e de uma
doutrina aqui não praticada, acabou por provocar duros impactos entre comando e
comandados. Os esforços para organizar a FEB exigiram força redobrada dos
planejadores.
273
BRANCO, op. cit., p.133.
162
A princípio, havia a necessidade de serem preenchidas as inúmeras funções
especializadas existentes nos novos quadros da organização. Como os armamentos
conhecidos eram apenas as metralhadoras Madsen e Hotkiss, os fuzis de modelo
1895 e 1908, os canhões Scheneider e Krupp, os equipamentos de engenharia e de
comunicações e os apetrechos de um modo geral, de origem alemã, francesa e
nacional, dificultavam a adaptação dos soldados brasileiros ao material de
procedência norte-americana.
Nas unidades do Exército Brasileiro, não existiam, antes da guerra, aparelhos
telegráficos, teletipos, criptógrafos, detetores de minas, buldozers, que passaram a
ser manuseados por homens oriundos da zona rural brasileira, sem nenhuma
experiência, fator que acabou por gerar grandes dificuldades para os instrutores,
obrigando os organizadores a buscar nos militares que se encontravam na reserva
ou entre os recém matriculados nas escolas de instrução a o de obra a ser
habilitada convenientemente.
Em geral, as necessidades da FEB superaram, em espécie, as
possibilidades dos contingentes convocados, de modo que o preenchimento
de determinados claros tornou-se premente. A solução encontrada foi
submeter oficiais e praças a intensos períodos de instrução especializada,
de modo a habilitá-los às vagas existentes. Essa medida apresentou ótimos
resultados, conquanto muitas funções tenham sido preenchidas, apenas,
por curiosos e entusiastas.
274
O depoimento do Marechal Cordeiro de Farias, um dos comandantes da FEB
na Itália e figura proeminente no Exército, mesmo depois da guerra, constituiu um
documento importante para os estudiosos da FEB. Grande e respeitado articulador,
era sempre consultado para dar seu parecer, o que explica a sua aproximação e
participação na política de bastidores que envolviam pessoas do governo como o
próprio presidente Getúlio Vargas, o ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra, o
chefe do estado maior do exército Góis Monteiro e o ministro das relações exteriores
Oswaldo Aranha, de quem era amigo pessoal. Desses personagens políticos e
militares emerge a história da FEB e as dificuldades de se preparar o Brasil para a
guerra.
Quando assumiu o comando da Artilharia, Cordeiro de Farias teve noção das
grandes dificuldades encontradas pelo próprio Mascarenhas na composição do
274
BRANCO, op. cit., p.136-141.
163
efetivo da FEB, segundo suas observações,
[...] em relação à Divisão de Infantaria integrada basicamente em três
regimentos. Em condições normais, no Brasil, um regimento de infantaria
tem um efetivo de mil homens. No entanto, os regimentos organizados para
lutar na Itália tinham cerca de 3.300 homens cada um, o que criou
problemas bem complexos.
275
Os problemas manifestados por Cordeiro de Farias diziam respeito à
organização dos quadros da FEB, pois faltavam soldados experimentados e técnicos
para as diversas armas. Por que não contar com as Divisões existentes? Estas
não estariam prontas para qualquer enfrentamento, em reduzido espaço de
treinamento? Assim como outros segmentos da FEB, Cordeiro de Farias esbarrava
na resolução ministerial que proibia este reaproveitamento. A resolução de não
serem aproveitadas as Divisões existentes nos quadros do Exército e enviá-las à
guerra, procedia de um problema de segurança nacional, pois pesava no ar a
questão da possibilidade de uma invasão ao território brasileiro, embora muitos
achassem que a resolução era meramente política.
276
Era necessária uma nova organização, a FEB seria um novo Exército e teria
de atender às premissas do aliado norte-americano. Seria deixada para trás toda
uma filosofia militar francesa que imperou nas academias militares brasileiras por
mais de 60 anos. Da guerra das trincheiras, passava-se para a guerra moderna do
movimento. A FEB foi organizada pela junção das unidades militares aquarteladas
em São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso. Com o tempo, esperava-se organizar
mais duas divisões que seriam constituídas de elementos do Nordeste e do Sul.
277
275
CAMARGO, Aspásia; GOÉS, Walder. Cordeiro de Farias. Revista de Ciências Sociais, Rio de
Janeiro, FGV,1981, p. 296.
276
O general Leitão de Carvalho, chefe da delegação brasileira (Comissão Mista) em carta enviada
ao ministro das Relações Exteriores explica sobre a aprovação da Recomendação nº 14, que
dispunha sobre a proteção do norte e nordeste. Com o desenrolar dos acontecimentos da guerra e a
ocupação do norte e nordeste da África pelas tropas aliadas, achava a comissão americana
desnecessário manter a referida resolução, sugerindo que se eliminasse o termo “defesa contra
ataques do eixo transformando as emendas ali contidas como “caráter de preparativos para r as
forças brasileiras em condições de tomar parte, com os aliados, da ofensiva contra os exércitos do
eixo”. Para os americanos não havia ameaça nenhuma para a região. Como articulador, Leitão
introduz mudanças no documento para satisfazer a delegação americana, mas mantém partes
importantes do documento, no sentido de salvaguardar os interesses do país, reafirmando os itens
principais que diziam respeito ao fornecimento de material para as tropas do nordeste pelo governo
dos Estados Unidos. CARVALHO, Leitão de. Carta do gen. Leitão de Carvalho ao ministro das
Relações Exteriores Oswaldo Aranha. Rio de janeiro, 27 de janeiro de 1943. Correspondência do
chefe da Delegação, Arquivo do Museu do Expedicionário, Curitiba, Paraná, 1943.
277
COSTA, Otávio. Trinta Anos depois da Volta. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1977.
164
3.3 OS BRASILEIROS VÃO À GUERRA, MAS ONDE É A LUTA?
E agora José?
[...]
Você marcha, José.
José, para onde?
278
A guerra na Europa acabou por dar uma nova feição às relações exteriores do
Brasil, na análise do brasilianista Mccann. Se a Alemanha vitoriosa se confrontasse
com um Estados Unidos débil ou neutro em relação ao hemisfério ocidental, o Brasil
ficaria à mercê do Reich. Diante dessa força poderosa que arrasava a Europa, a
situação estratégica brasileira apontava para uma neutralidade também definida.
Havia, da parte brasileira, uma dúvida em relação à Argentina, até então neutra, mas
uma ameaça constante às nossas fronteiras no sul do Brasil, embora a preocupação
norte-americana dissesse respeito à vulnerabilidade do Nordeste brasileiro,
suscetível a uma invasão a qualquer tempo.
Embora Getúlio Vargas se mantivesse no poder sob os auspícios das Forças
Armadas, o Exército desaparelhado não tinha condições de vistoriar milhares de
quilômetros das costas do Brasil.
Por bons motivos, as autoridades brasileiras manobraram durante os meses
de 1940 para aumentar o seu poder de barganha tanto com a Alemanha
quanto com os Estados Unidos, na expectativa de escolherem um curso de
ação que as colocasse no lado certo, pouco importando quem ganhasse a
guerra.
279
Dentre tantos outros objetivos em relação à sua política internacional e militar,
os Estados Unidos da América, de 1938 a dezembro de 1941, buscaram evitar o
estabelecimento de bases do Eixo no Continente. O rápido aperfeiçoamento da
aviação nos anos 30 tornou viável o procedimento de vigiar a costa norte-americana
e mais tarde a própria América do Sul. A ponta nordeste do Brasil, mais perto da
África Ocidental Francesa, era o ponto do continente vulnerável aos ataques aéreos
em grande escala ou a invasões.
Com a invasão da França, em 17 de junho de 1940, os nazistas dominavam
toda a Europa Continental. Por outro lado, Mussolini e os fascistas progrediam
278
ANDRADE, Carlos Drummond de. Reunião Drummond. Rio de Janeiro, 1969, p.70.
279
MCCANN, op. cit., p.147.
165
também em suas conquistas em grande parte do território africano. A Inglaterra,
isolada em suas ilhas, era submetida a um intenso ataque aéreo e, na América, os
Estados Unidos precisavam garantir a defesa do seu flanco sul, ou seja, o Nordeste
Brasileiro. “Obedecendo às ordens de Franklin D. Roosevelt, o Departamento de
guerra dos Estados Unidos preparou um plano denominado Pot of Gold,que previa
o envio de 100 mil homens para a área. Não houve concordância e os nossos
chefes militares declararam que necessitavam de material para defender o seu
território. “[...] a ocupação seria feita à força, a despeito da concordância do governo
brasileiro.”
280
Depois de Pearl Harbor, a mentalidade de segurança naturalmente
aumentou e Vargas acedeu à solicitação de Roosevelt de que o Brasil
permitisse fuzileiros navais uniformizados estacionados em Belém, Natal e
Recife. Sem chegar a surpreender, houve uma considerável oposição a
essa ação dentre os oficiais brasileiros, notadamente o general João Batista
Mascarenhas de Moraes, comandante da Região Militar do Nordeste, mais
tarde comandante da FEB na Itália e do brigadeiro Eduardo Gomes
comandante da Força Aérea Regional. O ministro do exterior, Oswaldo
Aranha, era igualmente contrário à admissão de estrangeiros armados, mas
aceitou, em principio, a necessidade de os americanos trazerem pessoal
dos serviços para operar a rota de transportes que se desenvolvia até a
África.
281
A conquista da Sicília foi o trampolim que permitiu a entrada dos aliados no
território italiano, além de fornecer os ensinamentos necessários relativos ao
desembarque no continente. Neste momento, as forças armadas eram constituídas
por dois exércitos, a saber: o 8º Exército britânico, sob o comando do general
Montgomery, muito experiente pela própria campanha da África, especialmente
em Alamein e na Tunísia e o 5º Exército anglo-americano sob o comando do general
Mark Clark, cujo preparatório para o desembarque no Norte da África, a 8 de
novembro de 1942, e no decurso da campanha da Tunísia, sob o comando de
Eisenhower, mostrara ser um grupo colaborador e com experiência.
O plano engendrado pelos aliados na conquista e ocupação do território
aliado foi considerado simples pelos especialistas: consistia em usar o poderio
proporcionado pela tática dos combates aéreos e marítimos. Um desembarque na
Calábria e seu entorno, ao longo da costa italiana, com desembarques simultâneos
280
MORGADO, Sergio Roberto Dentino. A II Guerra Mundial: O Brasil e Monte Castello. Por quê?
Como? Pra quê? Memória do Exército Brasileiro e do Jornal do Brasil. São Paulo: Bibliex, 2005.
281
MCCANN, op. cit., p.176-192.
166
em Taranto e Salerno, próximo de Nápoles. Temia-se, por outro lado, pelo próprio
terreno a ser percorrido, no sentido norte da bota, visto que o material pesado a ser
transportado esbarrava seriamente na topografia montanhosa.
Diante desse quadro, além dos desastres provocados pelas tropas alemãs,
buscavam os aliados minimizar o sacrifício da população italiana, aquela que
permaneceu na zona de conflito e não se retirou.
Na madrugada de 3 de setembro de 1942, uma grande quantidade de
barcaças de desembarque atravessou as águas que separam a Sicília da Calábria.
Dois dias depois, os atacantes tinham feito milhares de prisioneiros, o estreito de
Messina estava completamente livre para a realização de novos desembarques,
como o ocorrido na baía de Salerno, o que poderia definir vantagens para os aliados
atingirem com êxito e progresso as linhas demarcadas do Ocidente para o Oriente,
cortando transversalmente o território italiano, na tentativa de impedir a saída dos
alemães pelo sul.
No dia 16 de setembro, ocorre, basicamente, a junção das forças do 8º
Exército britânico com o Exército Americano. Diante dessa situação, cai a defesa
alemã e o comandante supremo das forças alemãs em território italiano, o marechal
Albert Kesselring, decreta a retirada de suas tropas, um êxito para as tropas aliadas
que em 11 dias conseguiram avançar cerca de trezentos quilômetros em território
inimigo. O caminho para Roma estava aberto, e tornava-se a sua conquista e
manutenção, pelas forças beligerantes, uma estratégia militar de grande significação
política. A situação de Roma era delicada, visto que a tropa de ocupação alemã
havia sufocado todo o tipo de revolta levada a cabo pela população, com prisões,
fuzilamentos e outros atos de força no sentido de inibir os cidadãos.
Nápoles também, situada no meio do caminho desses exércitos, aproveitando
a presença aliada no sul e a libertação da Calábria, Sicília e Salerno, promoveu, com
seus voluntários, um levantamento popular, aguerrida e sofrida, fortemente reprimida
com violência pela tropa de ocupação. Quando os aliados entraram na cidade, seu
estado era deplorável.
Os bairros situados nas proximidades do mar, incluindo as docas e o
arsenal, tinham sido praticamente destruídos pelos bombardeamentos da
aviação anglo-americana. Nos outros, os alemães haviam se encarregado
167
de fazer terríveis devastações para infligir um castigo exemplar à população
e para dificultar o avanço aliado em direção a Roma.
282
Das ruas principais de Nápoles e de seus belos casarios históricos ligados à
história romana e ao período medieval, pouco restou. Os principais edifícios
particulares, instalações de serviços públicos, fábricas de gás e eletricidade,
depósitos de água, tudo fora reduzido a ruínas. As comemorações encetadas pela
população em relação ao armistício constituíram um pretexto para que os sapadores
alemães fizessem ir pelos ares, como medida preventiva ou punitiva, as mais lindas
residências particulares da cidade. Esta ficara à mercê dos meios de vida mais
elementares, não havia água, nem gás, nem eletricidade, e a população vagueava
no meio das ruínas. Em pouco tempo, a situação sanitária da população era
calamitosa, sob o perigo eminente do aparecimento de graves epidemias. A fome
atingiu todos os lares. Este era o quadro da cidade por ocasião do desembarque da
tropa brasileira em agosto de 1944, na primeira visão do que seria a guerra a ser
enfrentada em terra estrangeira.
Antes de abandonarem a cidade, no dia 12 de outubro de 1943, os alemães,
em ato punitivo, dirigiram-se ao edifício da Universidade de Nápoles, anunciaram ao
respectivo reitor que pretendiam lançar fogo, como represália pela participação ativa
dos estudantes durante as manifestações desenroladas na cidade. Junto do edifício,
perdeu a cidade, e toda a Itália, uma das mais completas bibliotecas européias, a
biblioteca da Real Sociedade de Nápoles, que lá se encontrava instalada. Há que se
registrar, neste tempo, a perda irreparável de ilustres personagens, ligados à história
e à intelectualidade local.
Depois da ocupação de Roma, a campanha aliada em território italiano
durante os meses de Novembro e Dezembro de 1943, em função do clima e do
outono chuvoso, seguido do inverno rigoroso ocorrido neste tempo, veio frear a
seqüência estabelecida pelos estrategistas na posição de cercear as tropas alemãs
ao norte da Itália. Havia ainda outras preocupações, talvez mais absorventes: o
grande pensamento concentrava-se, agora, nos preparativos para o grande
desembarque no Ocidente da Europa, que acabou por ocorrer poucos meses
depois. Tal solução dizia respeito a acelerar o desencadeamento desta guerra que
poderia se estender por muitos meses e não era de interesse dos aliados. Tal fato
282
HISTÓRIA DA GUERRA. Fasciculo n. 33, Cap. LXXII, Lisboa, Editorial Século, 1957.
168
tem particular interesse para essa pesquisa, pois os rumos tomados pela guerra
nesta fase, acabaram por imprimir decisões doExército Americano em relação às
forças militares que não poderiam mais atuar apenas como reserva, mas no
enfrentamento direto dos seus homens com o inimigo.
As notícias sobre a guerra que acontecia na frente russa e na África, aqui no
Brasil chegavam por intermédio dos boletins do British News Servic. É interessante,
segundo os especialistas, a avaliação de um desses comunicados, que tratava da
batalha aérea da Grã-Bretanha e da guerra de informações prestadas pelos serviços
de comunicação, tanto ingleses como alemães, no sentido de entender como era
vista em território brasileiro a engenhosa máquina de guerra alemã.
Dada a natureza da guerra nos ares, as fantasias alemãs eram dificilmente
verificáveis pelos observadores não envolvidos nos acontecimentos, e
pelos resultados se tornou possível julgar o que efetivamente se passara.[...]
no caso das operações terrestres, essa verificação é mais fácil através dos
inúmeros indícios que os combatentes fornecem.[...] Ainda em pleno curso
da ofensiva alemã do ano passado, as fontes oficiais do Reich anunciaram
que o exército russo tinha deixado de existir como força combatente. E essa
tendência a prestar informações de vitórias esmagadoras, quando os
resultados reais eram muito mais modestos ou francamente desfavoráveis,
voltou a se pronunciar agora nas batalhas de Kerch e de Karkov.
283
Os acontecimentos que ocorreram na Itália durante o outono e o inverno de
1943, seguidos da queda do fascismo e a capitulação da Itália, levaram os aliados
às portas de Roma. Essas operações constituíram, pode-se dizer, num prólogo da
invasão da península italiana iniciada no dia 3 de setembro de 1943. São eventos
que, em suas decorrências, dizem respeito à ida dos brasileiros para combater em
território italiano.
A presença aliada no território italiano prosseguiu ininterruptamente, com
alternativas diversas até maio de 1945, data em que as últimas forças alemãs se
renderam incondicionalmente, abrindo caminho para a capitulação completa da
Wehrmacht. Esse foi o resultado de grandes coligações conduzidas no território
europeu contra o Reich.
A frente italiana, nesse caso, teve o papel de fixação das forças aliadas e
constituiu uma ameaça constante para a segurança do dispositivo de defesa dos
alemães, cuidadosamente preparado pela Wehrmacht, na sua preocupação de
garantir posições adquiridas. Enquanto isso, as forças anglo-americanas se
283
BRITISH NEWS SERVICE. Boletim, 348, Rio de Janeiro, 1 de junho de 1942, p. 42.
169
debatiam com dificuldades em relação à natureza do terreno montanhoso, que
colocava por terra os esquemas estratégicos mais sofisticados, emperrando a
movimentação da guerra, na dificuldade de transportar veículos, armas, homens e
alimentos, na região inóspita dos Apeninos. Os tanques ficavam atolados durante o
período difícil do outono italiano, com muita chuva e lama. Neste teatro de
operações, os alemães, além da topografia local, contavam com tropas de elite,
muitas experientes na frente russa ou norte africana. Segundo os especialistas,
“Estas se opuseram tenazmente ao avanço dos seus adversários disputando-lhe o
território da península italiana palmo a palmo.”
284
Das inúmeras memórias desse período,o comandante do Exército Norte
Americano, Mark Clark, ao qual os brasileiros estavam subordinados, quando o
seu testemunho sobre a atuação dos aliados na região, leva à compreensão do
contexto onde lutaram os aliados e todas as dificuldades apresentadas, seja pela
topografia dos Apeninos, onde os meios de locomoção quase se tornavam
impraticáveis no transporte de soldados, armas e equipamentos de guerra que não
conseguiam subir, dificultando qualquer planejamento estratégico adotado pelos
especialistas, além do forte inverno ocorrido entre dezembro de 1944 e fevereiro de
1945,quando o front ficou estacionado.
De suas recordações, no pós-guerra, visitando o antigo front onde atuou
comandando tropas oriundas de várias partes do mundo, inclusive brasileiros, ele
registrou:
Nossa viagem de volta a Roma era como que uma máquina do tempo a
toda velocidade. Cada dia, à medida que cruzávamos o cenário dos
combates ou realizávamos visitas oficiais nas cidades italianas.[...] de certo
modo, pois, o percurso de volta a Roma oferecia-me novas imagens que
iam como apagando minhas vividas lembranças da guerra na Itália até que
no Memorial Day, fomos ao cemitério americano de Anzio e contemplamos
as fileiras intermináveis de cruzes brancas que falavam tão eloquentemente
do preço que a América e seus aliados pagaram pela libertação da Itália. Se
alguma prova fosse necessária de que lutamos por uma causa e não por
conquista, seria encontrada naqueles cemitérios. Ali estava a nossa única
conquista: tudo o que pedimos à Itália foi o indispensável solo para
enterrarmos nossos bravos que tombaram. [...] A campanha aliada no
Mediterrâneo na Segunda Guerra foi, desde o principio, um gigantesco risco
calculado. Tivemos de abrir uma frente inicial contra a Alemanha e a Itália
em 1942 e, depois de perdermos as chances durante meses, aventuramos
284
HISTÓRIA DA GUERRA, op.cit.
170
no que o Primeiro Ministro Winston Churchill chamou de o “flácido baixo
ventre do Eixo.
285
Na visão dos aliados, acreditava-se que os exércitos alemães não poderiam
combater eficientemente na Itália. Os aliados confiavam plenamente que seu
poderio aéreo destruiria rapidamente as linhas inimigas, principalmente as de
suprimento, fator primordial no avanço de qualquer campanha. Segundo Clark, a
esperança do comando não correspondeu à realidade, diante dos problemas
apresentados: “[...] os aliados tiveram de disputar palmo a palmo de terreno com um
adversário resoluto, homogêneo, experimentado e poderoso. O inimigo soube
capitalizar as grandes vantagens proporcionadas pelas fácies topográficas.”
286
As dificuldades destacadas por Marc Clark quanto ao front dos Apeninos,
foram corroboradas também por dois comandantes que se destacaram nas decisões
e destinos da guerra em território italiano. Assim lembrou o general Albert Kesselring
comandante supremos das forças alemãs:
“La battaglia degli Apennini può veramete essere descrita come uma pagina
famosa nella storia militare tedesca”: gli risponde Alexander Chi non
visto gli Apennini, non p comprendere quale formidable ostacolo
rappresentino per um esercito che avanza dal sud.Il 15º gruppo di Armate
compì una’impresa di um valore militare che certamente non è mais stato
superato”
287
Durante todo o mês de agosto de 1943, o território da Itália foi
incessantemente atacado pela aviação de bombardeamento anglo-americana, que
buscava atingir os centros de comunicação do país, os portos, aeródromos, linhas
vitais de abastecimento e a região industrializada localizadas ao norte do território,
onde existia uma grande concentração de fábricas e estaleiros utilizados para o
esforço de guerra do Eixo.
285
N.A.: Risco calculado é a ação empreendida ou por empreender, de resultado incerto mas que se
realiza depois de pesados todos os fatores favoráveis ou desfavoráveis, porque o prêmio antevisto,
pode ser de tal forma compensador que supere em importância as dificuldades, riscos e perdas
passiveis de ocorrer. CLARK, Mark. Risco Calculado. Rio de Janeiro: Bibliex, 1970. p.1.
286
Ibid., p. 2.
287
ZANINI, Dario. Operazione Militare sulla Línea Gotica-Resistenza nelle Retrovie. Bolonha:
Instituto della Storia da Resistenza, 1975. “A batalha dos Apeninos pode ser verdadeiramente
descrita como uma pagina famosa na história militar alemã disse Kesselring”: em resposta Alexander
comandante supremos das forças inglesas teria respondido. Quem não viu os Apeninos não pode
compreender quão formidável obstáculo representam para um exército vindo do sul...O 15º Grupo de
Forças Armadas cumpriu um empreendimento de valor militar que certamente nunca mais será
superado”.
171
A R.A.F. e a aviação de bombardeamento americano limparam rapidamente
o céu da Sardenha e o Sul da Itália de aviões inimigos. Os aeródromos
situados no calcanhar da bota italiana, na região compreendida entre a
Calábria e Nápoles e nas ilhas do Mar Tirreno, foram sistematicamente
alvejados com êxito pelos aparelhos aliados que operavam a partir de Norte
da África, do próximo Oriente, da Sicília e de Malta.
288
No desenrolar dos acontecimentos na Itália, os aliados presumiram nos
princípio do outono italiano, que o comandante geral das tropas alemãs na Itália,
Kesselring mostrava sinais de estar perdendo terreno. Percebendo a presença
maciça dos aliados no território, resolve dar continuidade a um plano pré-
estabelecido, iniciando uma retirada estratégica com suas divisões das margens do
Rio Arno para os Apeninos. Tais fatos merecem destaque, a partir do momento vai
se delineando a efetiva participação brasileira nesta região da Itália.
Havia premência de se quebrar a Linha Gótica e das restantes barreiras
estabelecidas nos Apeninos, por meio de ataque frontal que atingisse as planícies
de Bolonha. Para se realizar empreendimento de tal envergadura, sentiram os
aliados a necessidade de contar com o apoio concreto de outros países que
formavam um frente de luta contra o nazifascimo.
No sentido de compreender o andamento da guerra nos Apeninos, e a
participação brasileira diretamente nesta região, é necessário observar-se os
personagens que estão diretamente ligados aos brasileiros. Neste caso, as
memórias do comando aliado representados pelo comandante tenente general Willis
Crittenberger do Exército dos Estados Unidos e Mark Waine Clark comandante do
V Exército Americano, que mais tarde seriam os responsáveis por toda a estratégia
da condução da guerra na frente italiana. Eram oficiais com larga experiência na
guerra e responsáveis pela invasão da Sicília em 1942 e depois o continente em
1943. Quando os brasileiros chegam à Itália, o sul do território já estava livre dos
invasores alemães e guerra tomava rumo para o seu final, mas os alemães
persistentes,continuavam encastelados nos Apeninos.
Nas recordações de Mark Clark, é possível perceber as dificuldades do
comando norte americano, em razão de suas tropas de combate, sem descanso,
estarem apresentando sinais de exaustão, situação agravada pela falta de
suprimentos e equipamentos necessários às estratégias longamente preparadas.
288
ZANINI, Dario. Operazione Militare sulla Línea Gotica-Resistenza nelle Retrovie. Bolonha:
Instituto della Storia da Resistenza, 1975, p. 5.
172
Quando Alexander foi ao meu Q.G, disse-lhe que três de minhas divisões
estavam um tanto exaustas, mas que empreenderia a travessia do Arno e a
captura de Pístóia e Lucca, depois de minhas tropas terem umas duas
semanas de repouso. Expliquei-lhe que estávamos lançando mão de todos
os artifícios para compensar nossas deficiências, como emprego de tropas
italianas.[...] no fim de julho, todavia, ainda estávamos mais inferiorizados
pela carência de suprimentos.
289
Também pela narrativa de Crittemberger, fazendo as suas considerações,
expõe os problemas encontrados pelos aliados em uma frente de combate muito
ampla, que somadas às precariedades já destacadas por Mark Clark, traçariam a
nova conduta para o Exército Americano. Havia premência de se convocar tropas
descansadas para prosseguirem com os planos que envolviam a transposição da
Linha Gótica e chegar até Bolonha, último baluarte alemão em terras italianas. A
narrativa de Crittemberger é esclarecedora:
A tropa com que contava o IV Corpo para a sua arrancada através do
Noroeste da Itália era originaria de várias nações, representando as mais
diversas tradições militares. Estavam incluídas entre elas unidades
americanas (de brancos e pretos) e a Força Expedicionária Brasileira. Ainda
que poucas dessas unidades tivessem tido uma prolongada experiência de
combate, tinham, por outro lado, arcado com a defesa do flanco esquerdo
da frente italiana.
290
A Linha Gótica e toda a sua estrutura e planejamento, tem constituído nos
últimos tempos objeto de estudo dos pesquisadores americanos e italianos dentre
outros.Os primeiros porque seus exércitos estiveram envolvidos diretamente nos
acontecimentos ocorridos na Itália, justamente com as tropas aliadas, das quais o
Brasil fazia parte. os italianos, buscam compreender nesta região como vivia a
sociedade em guerra e a ação da resistência em si com os soldados partigianos..As
últimas pesquisas realizadas pelo Instituto Histórico da Resistência sediada em
Bolonha, são esclarecedoras, pois envolvem um rol de pesquisadores, das mais
diversa interdisciplinaridade.São os historiadores, antropólogos, sociólogos e
pedagogos,que utilizam metodologias diferenciadas, dando ênfase à história oral a
partir de 1969.
A medida que estes pesquisadores revelam suas descobertas, muito se
esclarece sobre a Linha Gótica, a partir do momento que esta deixa de ser apenas
289
CLARK, op. cit., p.402.
290
CRITTEMBERGER, Willis D. Campanha ao Noroeste da Itália. Rio de Janeiro: Biblioteca do
Exército,1952, p.29.
173
uma linha abstrata no pensamento de quem a ela se alude. Para os pesquisadores
brasileiros, essas pesquisas tem relevância e devem constar dos estudos de quem
se dispõe a falar dos brasileiros na guerra e a importância desta linha estratégica
montada pelos alemães próximo a Bolonha, para barrar as tropas aliadas.
Entre os grandes estrategistas alemães, Rommel, segundo levantamento de
documentos, foi quem sugeriu em 1944 a criação de uma linha de defesa sobre a
parte centro-setentrional da Itália, e desse modo, evitar o desembarque dos aliados
ao norte. Nesta fase, apenas o sul e parte do centro da Itália estavam liberados.
No verão de 1944, os alemães resolveram fortificar o front sobre os Apeninos.
A linha de defesa aproveitaria as posições naturais, unindo Pisa a Rimini. Nessa
obra trabalharam cerca de 15 mil operários italianos.Uma série de fortificações que
se estendia por mais de 350 quilômetros, atravessando a península, passando
muitas estradas de vital importância para a guerra.
3.4 A SELEÇÃO DOS HOMENS DA FEB: AS DIFICULDADES DAS JUNTAS
MÉDICAS
O Exército Brasileiro inicia os preparativos de embarque da Força
Expedicionária Brasileira para atuar como força de reserva em uma guerra que não
dava sinais para o seu desfecho. Devido aos velhos quadros da instituição, há muito
os processos de combate eram baseados na “escola francesa” que, da noite para o
dia, teriam de ser completamente modernizados, para atender às necessidades das
novas alianças e organizar a tropa para um guerra moderna, a guerra do movimento.
A nova organização exigia a criação de órgãos absolutamente novos e a
revisão quase revolucionária de princípios, há muito firmados em nosso
meio militar. O problema consistiu em fazer de um maquinismo montado à
francesa, uma Força Expedicionária que funcionasse à americana.
291
Outras tantas questões desafiavam as autoridades brasileiras no envio da
tropa brasileira para combater no exterior. Sem muita certeza dos rumos da guerra,
muitos se perguntavam: O Brasil vai mesmo à guerra? Ou a guerra acaba antes de o
Brasil embarcar? Na descrença de que um dia o Brasil pudesse fazer parte do grupo
291
MATTOS, Raul A Simões. A presença do Brasil na Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Bibliex,
1966, p.57.
174
dos aliados, dada a demora das resoluções a serem tomadas pelos chefes militares,
esbarrava-se no o fino humor carioca, sobre este episódio, retratado pelo
combatente major Elber de Mello Henriques:
Para ainda mais configurar a descrença da partida da FEB, ouvi do general
Cordeiro de Farias, numa tarde em que o homenageávamos no ‘Brahma’, a
seguinte anedota que ele colhera nas altas rodas: A FEB não partirá. Não
partirá porque o seu comandante é De Morais, o comandante da Infantaria é
da Costa, e o comandante da Artilharia é Cordeiro, isto é, não é de briga.
292
Das providências que iam sendo desencadeadas (dentre elas, a chamada de
reservistas e o pedido dos voluntários para formar os quadros da FEB), a seleção
médica talvez possa ser considerada um dos epidios mais complicados para os
organizadores. Diante dos padrões americanos, a questão do peso, altura e dentição
dos soldados brasileiros deixava a desejar, eram quesitos importantes para quem vai
para a guerra, onde todos os percalços estão presentes. Esbarrava-se o tempo todo
em vários problemas. O Brasil, com características continentais, obrigava o Exército
a manter comissões médicas em pontos longínquos, tudo feito às pressas, sem
muito critério na aprovação ou não dos diversos contingentes, ora com rigor
exagerado ora com ausência de qualquer responsabilidade.
Destacando os momentos delicados que nortearam a seleção médica do
pessoal da FEB, o comandante Mascarenhas de Moraes, assim relatou:”A seleção
física dos nossos expedicionários foi um dos assuntos mais palpitantes da guerra,
porquanto implicava as medidas que deveriam decidir da vitória das nossas armas
na Campanha da Itália. Controvérsias, incompreensões, protelações perturbaram a
marcha desse importante serviço.
293
O desabafo do comandante da FEB, diz respeito aos resultados da seleção
médica, que agravados pelo atropelo da execução e pelo exagero dos derrotistas,
escandalizaram e alarmaram as autoridades militares. As denúncias e as criticas
aumentavam dia a dia, em momento tão crítico para a organização dos quadros da
FEB. De acordo com as denuncias chegadas até Mascarenhas de Moraes, o que
292
N. A.: Os nomes aqui destacados na verdade fazem menção ao comandante geral da FEB,
general Mascarenhas de Moraes, ao comandante da Infantaria, general Euzébio da Costa e ao
comandante da Artilharia, general Osvaldo Cordeiro de Farias. HENRIQUES, Elber de Mello. A FEB
doze anos depois. Rio de Janeiro: Bibliex, 1959, p.31.
293
MORAIS, João Baptista Mascarenhas de. In: GONÇALVES, Carlos Paiva. Seleção médica do
pessoal da FEB. Rio de Janeiro: Bibliex, 1951, pp.14-15.
175
estava sendo exposto, era a “miséria física do nosso material humano, expressa na
apuração de grande número de subnutridos, parasitados e intoxicados crônicos”
294
Embora reconhecidamente, o esforço do comandante da FEB, para que tais
fatos não tomassem vulto, o que se constatou mais tarde, foi a precariedade com
que os soldados do contingente chegaram na Itália. Muitos eram os doentes
crônicos, outros portadores de doenças venéreas, também a falta de dentes foi outra
agravante. Tal situação escandalizou o comando aliado na Itália, pois somente uma
tropa similar à brasileira, vinda do Marrocos, mostrava um grupamento com tantas
dificuldades de saúde.
As Juntas dicas de Seleção foram instituídas em 1943, para a escolha, sob
o ponto de vista médico, dos homens que integraram as Forças Expedicionárias
Brasileiras. O médico Carlos Paiva Gonçalves, um dos participantes do processo da
seleção médica, reuniu dados importantíssimos sobre os cem mil examinados que
passaram pelos mais variados exames. Das fichas de registro, muitas delas
minuciosas, pela primeira vez, é possível verificar um estudo voltado para a
avaliação da saúde dos homens do Exército Brasileiro, fato inédito para a época e
para os pesquisadores, pois torna-se também um documento de entrada para
compreender as questões de saúde do povo brasileiro.
Pela obra de Carlos Paiva, somos inteirados das principais instruções que
norteavam a Seleção Médica. A seleção deveria atender ao ponto-de-vista
psicossomático desses homens, e os aprovados deveriam estar em boas condições
físicas, mentais e intelectuais para que o aproveitamento deles pelos seus
comandos pudesse ser feito sem inconvenientes e receios.
Neste ínterim, as juntas médicas, atropeladas pelo prazo dado de três meses,
para a finalização dos seus trabalhos, tinham diante de si um caudal humano
destinado às inspeções de reservistas e voluntários. O objetivo era selecionar um
efetivo de 60 mil homens, oriundos da escolha provável de 200 mil homens, o que
tornava a tarefa quase impraticável, pois seria efetuada em várias partes do território
brasileiro, nas diferentes Regiões Militares.
O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro, por sua vez, esbarrava em outros
problemas, como registra Paiva em seus documentos:
294
MORAIS, op. cit..
176
Onde buscar, porém, o número elevado de profissionais necessários? Onde
encontrar especialistas, psiquiatras, psicologistas, etc.; se, normalmente,
eles não existem no Quadro de Saúde em proporções justas? havia um
recurso, apelar para as reservas do Serviço de Saúde. Na seção
competente da diretoria de Saúde, estavam relacionados, somente nesta
Capital, mais de dois mil médicos da Reserva e, nas outras regiões, outros
mais havia fichados. A eles nos dirigimos, ou melhor, a alguns deles nos
dirigimos, enviando convites, assim dirigidos:
295
Capital Federal, 13/X /1943.
Prezado colega.
Tendo o nome do distinto colega sido indicado pela Seção Técnica desta
Diretoria para trabalhar com o Serviço de Saúde na seleção dos homens
que deverão integrar o Corpo Expedicionário Brasileiro, convido-o, em nome
do Sr. General Diretor de Saúde, a comparecer ao Anfiteatro desta
Repartição,( andar do Palácio de Guerra) às 13 horas do dia 18 corrente.
Certo de que se valerá desta oportunidade para colaborar de maneira ativa
no esforço de guerra do nosso país, aguardo sua presença para melhores
esclarecimentos. Servindo-me do ensejo, apresento-lhe os protestos de
estima e consideração. Paiva Gonçalves, capitão médico.
296
Segundo os registros de Paiva, foram remetidos 175 convites somente para o
Rio de Janeiro. Desses, compareceram 143 dicos. Reunidos os interessados, e
explicadas as razões do convite, a estes profissionais foi apresentado um livro de
registro e compromisso a ser assinado por cada um. ”Era absolutamente necessário
que todos se compenetrassem da importância da tarefa que iria ser designada a
cada um e que os trabalhos não fossem comprometidos pelas faltas e ausências dos
integrantes das juntas.”
Para atender à demanda que se apresentava, o Serviço de Saúde do Exército
entrou em contato com a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, na esperança
de que os estudantes pudessem dar a sua colaboração nos serviços auxiliares, na
verificação dos procedimentos mais corriqueiros. Tal chamado não surtiu efeito,
obrigando os médicos das juntas a realizarem todos os serviços, com muita
precariedade, o que redundou em problemas gravíssimos de saúde surgidos
posteriormente, em soldados que não deveriam ter sido embarcados.
Na estimativa dos médicos, cada junta poderia inspecionar cerca de 30
homens por hora, e, numa jornada de 12 horas, seriam cerca de 360 homens a
serem examinados e cadastrados. Para o registro individual de saúde, para cada
militar foi adotado um tipo de ficha, acompanhando o modelo norte-americano.
295
GONÇALVES, op. cit., p.56.
296
Id.
177
Anexada a cada ficha, havia uma folha para lançamento dos dados colhidos
durante o exame neuropsiquiátrico. o preciso encarecer o seu valor. Ao
fim de poucos dias, foi imperioso o seu abandono, muitos se consideravam
injuriados, incompreensivelmente feridos em seu amor próprio, quando se
lhes pediam repostas para certas perguntas. [...] não foi só esse o embaraço
que tivemos, havia até quem se recusasse a submeter-se ao exame
proctológico. [...] simuladores surgiram pretextando doenças ou males
agravados, mas esses foram em cifra bem menor.
297
Na tentativa de padronizar os serviços das juntas médicas espalhadas em
diversas regiões brasileiras, os planejadores buscaram emitir cartas circulares de
instruções. Não havia muita certeza de que estas correspondências houvessem
chegado aos seus destinatários. Outras vezes, respondiam da impossibilidade de
atender a tão rigorosas orientações, principalmente nos lugares onde o número de
médicos militares era insignificante para integrar tais Juntas. Muitas dessas
contavam com o apoio dos médicos civis, que, segundo o relato de um médico
militar, deixavam a desejar: “apesar da boa vontade, solicitude e competência,
careciam de tarimba e se apegavam ao mínimo detalhe para pôr em foco a sua
inteligência, criando, dessa maneira, sérios embaraços no andamento normal dos
trabalhos.”
298
As anotações e as interpretações de Paiva sobre os procedimentos médicos
da seleção dos homens da FEB acabaram por constituir um dos poucos documentos
a que se tem acesso sobre este período, uma vez que ele próprio fazia parte da
coordenação geral do Exército Brasileiro; portanto, responsável pelas diretrizes e
documentos que referendavam as principais instruções direcionadas às Juntas de
Seleção Médica em todo o território.
Com um olhar bastante crítico, o médico Paiva Gonçalves buscou avaliar as
questões que fugiram do planejamento do Serviço de Saúde do Exército Brasileiro,
cujas conseqüências foram, em alguns aspectos, desastrosas para a tropa brasileira
em território italiano. Estas foram motivadas pela baixa hospitalar por doenças
pré-adquiridas, que poderiam ter sido detectadas em exames mais apurados pelas
diversas juntas médicas, muito antes do embarque desses homens para a guerra.
Na visão de Paiva, o desacerto de algumas juntas dizia respeito ao atropelo
inicial, em decorrência do curto prazo de que dispunham para selecionar os 60 mil
homens que iriam combater na Itália. Somente as juntas médicas localizadas nos
297
GONÇALVES, op. cit., p. 64.
298
Ibid., p.76.
178
grandes centros olhavam com critério para o cumprimento das circulares emanadas
do Serviço de Saúde do Exército. Por outro lado, muitos comandantes não acatavam
ou não disciplinavam seus homens para o comparecimento diante das juntas
médicas.
Além disso, havia a displicência de alguns médicos durante suas avaliações,
não registrando pormenores e não emitido pareceres finais que poderiam ter evitado
maiores problemas no embarque de homens doentes sem condições de entrar em
combate. Na Itália, constituíram casos médicos que os regimentos não conseguiam
resolver, pois muitos casos se manifestaram em frente de combate, como lembra o
médico da infantaria Massaki Udihara, que, na guerra, não exerceu as funções de
médico, porque fora convocado para exercer o posto de comandante de pelotão,
posto designado a ele pelos organizadores da FEB, mesmo diante dos documentos
que comprovaram a sua formação.
Do diário de Udihara, observa-se o seu olhar médico sobre os casos
presenciados por ele, mesmo antes da partida do R. I., bem como de passagens
na Itália, onde os casos de doenças se manifestaram entre soldados que deveriam
ter permanecido no Brasil. As incoerências, segundo o infante médico, partiam de
várias esferas. Ao relatar um dos desfiles que seu grupamento participou, antes do
embarque para a Itália, com o objetivo segundo o comando, de mostrar a aptidão
dos comandados e recrutas, o R.I efetuou uma caminhada de 30 quilômetros. Na
descrição de Udihara é possível verificar o quanto tal resolução foi pesarosa e
sacrificada para os componentes do seu grupo.
Na Companhia do I Batalhão do 6º Regimento de Infantaria, um soldado
só conseguiu marchar até a metade do trecho. Foi depois transportado para
o hospital. Depois, já com alta do hospital, foi licenciado e saiu carregado do
hospital, na Vila Militar. Não podia mais andar.
299
O mais grave, ocorreu dias depois antes do embarque no navio transporte,
pois fora dada a ordem que todos os que estavam baixados nos hospitais
retomassem seus postos, se bem que, em alguns casos a situação era deprimente,
299
UDIHARA, Massaki. Um médico na Infantaria. In: Depoimento dos Oficiais da Reserva. Rio de
Janeiro: Cobraci, 1949, pp.134-155.
179
sem nenhuma condição de viajar. “Vários deles chegaram transportados porque não
conseguiram mover-se pelos próprios meios”.
300
O estudo específico realizado pelo médico Carlos Paiva Gonçalves, a respeito
do processo seletivo de saúde para a formação do grupamento da FEB, como se viu
nas páginas anteriores, e os dados minuciosos sobre os embarcados para a Itália
com problemas de saúde, vêm demonstrar as falhas mais contundentes que
derivaram das ações das juntas médicas e de seus critérios diversificados para a
avaliação desses soldados. o números expressivos que chamam a atenção dos
pesquisadores.
Nas considerações do médico Gonçalves, sobre o estado de saúde dos
embarcados,compreende-se porque chegaram a partir para a Itália homens que
deveriam ter sido retidos no Brasil e porque, alguns deles, apenas desembarcados,
tiveram de ser recambiados por estarem sofrendo de males cuja eclosão era de fácil
previsão pela simples leitura das fichas. As doenças crônicas como a úlcera de
estômago que se reabria, a hipertensão arterial que produzia acidentes circulatórios,
a tuberculose que se manifestava, foram efetivamente assinaladas pelo Serviço de
Saúde da FEB.
Por outro lado, como também relata Gonçalves, se fosse efetuada uma
avaliação neuropsíquica dos soldados, certamente o Serviço de Saúde da FEB não
teria registrado a ocorrência de 433 casos de perturbações mentais. Se os exames
fossem extremados, teriam reduzido os 22 casos de tuberculose e os 44 casos de
impaludismo das estatística do S.S. da FEB. Por fim, diz Gonçalves a respeito das
condições dentarias da tropa: “A sobrecarga de trabalho (dos dentistas da FEB)
pode ser avaliada lendo os números de 16.015 consultas, 10.399 curativos, 9.071
extrações e 8.329 obturações. E muitas próteses se fizeram.
301
Ainda nas observações registradas pelo dico infante Massaki Udihara é
possível verificar as ocorrências relacionadas aos casos de saúde dos soldados que
apresentaram sérios sintomas de doenças e como estas foram solucionadas dentro
dos próprios batalhões, em vista da dificuldade até de locomoção destes homens
para um hospital da retaguarda, diante do ataque pesado da artilharia inimiga.
300
UDIHARA, op. cit., 1949.
301
GONÇALVES, op. cit., p. 98-104.
180
Posteriormente, durante a campanha, com o inverno no apogeu do seu
rigor, era comum observar-se a cozinha de certas companhias servir de
posto de convalescença. Principalmente nas companhias em que os
comandantes agiam também com sentimento.
302
O inverno atípico italiano provocou rios sofrimentos para a tropa brasileira,
muitos que haviam chegado com a saúde fragilizada, constituíram-se nas
primeiras vitimas. Mal suportavam caminhar na neve, ou permanecer nos fox hole
303
,
diante de temperaturas tão baixas. Na dificuldade de transportar esses doentes para
os hospitais, havia ainda segundo observação de Udihara, a posição irredutível de
alguns comandantes.
Eram indivíduos que, no entanto, não podiam ser baixados, pois não
satisfaziam ao critério exigido para internação e convalescença em
hospitais. À guisa de elucidação, pode-se mencionar que muitos ouviram
dos oficiais médicos a informação de que a baixa se dava quando havia
saída de sangue. Era preciso estar sangrando.
304
Dos diários destacados nesta pesquisa são poucos os relatos que fazem
menção aos exames realizados pelo Serviço Médico, talvez motivados pelo
constrangimento dos procedimentos médicos adotados, ou porque o fossem
considerados relevantes pelos examinados. O sargento Edgard Eckert da FEB,
registrou em suas memórias:
Seguiam-se inspeções de saúde de toda a tropa.Cada meio dia era a vez
de uma companhia a se apresentar no posto de saúde da Vila Militar.[...]
Para quem não estava acostumado, o procedimento dessas inspeções de
saúde parecia algo hilariante ou até mesmo grotesco.
305
A seleção médica mostrou contrastes. A critica direcionada às juntas de
seleção dos homens para a FEB, aparece claramente no relato dos próprios
examinados. Para os combatentes em algumas regiões as normas aplicadas para
302
UDIHARA, op. cit., 1949, pp.145-146.
303
N.A.: A palavra fox hole na tradução do inglês significa, ‘toca da raposa’. Na explicação dos
soldados brasileiros, era a improvisação de um local seguro e quente para se proteger do ataque
inimigo. Um buraco era escavado no chão, ou na parede de um morro, onde os homens forravam o
ambiente com cobertores tentando amenizar o frio. A mobilidade era mínima, depois de horas nesta
posição, ocorria o temível ‘pé de trincheira’, responsável pelo congelamento do pé, pela ausência de
circulação do sangue, o que causava a amputação dos dedos. Tal situação provocou grandes baixas
na tropa americana e em número menor na tropa brasileira, dada a criatividade do soldado, que ao
livrar-se de botas muito apertadas, usava apenas a galocha de borracha, permitindo maior mobilidade
dos membros.
304
UDIHARA, op. cit., 1949, pp. 145-146.
305
ECKERT, op. cit., pp.32-33.
181
seleção médica foram muito rígidas, para outras, a displicência e a pressa como
estas pessoas foram examinadas, deixou muito a desejar. Conforme denuncia citada
pelo combatente Clóvis Garcia, cerca de 80% dos examinados em Caçapava foram
considerados incapazes, mas embarcaram, criando dificuldades imensuráveis para o
comando brasileiro já em território italiano.
Recordo-me de que, quando fui submetido à inspeção médica em
Caçapava, em 10 de novembro de 1943, fiquei impressionado com a
minuciosidade do exame médico. Havia especialistas em quase todos os
ramos da Medicina, e os homens eram examinados inteiramente, anotadas
desde as falhas dentárias até a conformação dos s, terminando tudo
por testes psicológicos. Por qualquer dúvida que surgisse, era o examinado
remetido ao Hospital Militar de São Paulo, onde exames de laboratório eram
realizados, de modo a considerar aptos apenas os que estivessem em boas
condições físicas e mentais.
306
Ainda segundo Garcia, quando do desembarque dos primeiros soldados
brasileiros em Nápoles, mais de uma centena de soldados com moléstias venéreas,
casos de tuberculose, úlcera de estomago e outras moléstias baixaram o hospital.
Tal situação provocou uma estupefação das autoridades norte-americanas, as quais,
buscando informações sobre as condições sanitárias da tropa brasileira, haviam
recebido a informação de que a tropa era selecionada. Conjeturavam os norte-
americanos, sobre o péssimo estado de saúde de parte da tropa brasileira, pois tal
situação havia ocorrido com a tropa marroquina organizada pelos franceses nos
confins do Saara.
3.5 SOLDADO CONVOCADO OU VOLUNTÁRIO PARA A FEB, TEU DESTINO É O
QUARTEL
Para recordar a convocação dos soldados brasileiros, a chamada de milhares
de homens para guerra, nada é mais imperativo do que partir da memória gestada
pelos seus narradores. A história da organização do Exército Brasileiro mostra uma
vivência focada nas diretrizes e normas do espírito militar francês. Em suma, os
conteúdos dos manuais técnicos e táticos perpassavam por toda a oficialidade, o
que levou a criar vínculos históricos com a escola francesa. Isso ocorreu em razão
306
GARCIA, Clóvis. Como um combatente viu os serviços médicos. In: GONÇALVES, op. cit., pp.
285-296.
182
da estada, no Brasil, de uma Missão Militar Francesa, entre 1921 e 1940. Tal fato
repercutiu em vários momentos na atuação da FEB, quer na compreensão dos
relacionamentos do grupo como um todo, nas questões de hierarquia tão fortemente
forjadas na vida em caserna, até nas questões de logística que esta nova guerra e
seus aliados impunham.
Com os novos aliados, foi necessário que se absorvessem, rapidamente,
suas novas diretrizes. Não se tratava somente de uma adaptação ou de um reexame
de novos ensinamentos, mas de se acatar esses novos ensinamentos e colocá-los
em prática.
Do projeto à realidade, houve uma série de percalços. Para preparar um
exército conforme exigiam os norte-americanos, era necessária a criação de novos
órgãos. Não havia pessoal nem material adequado, tudo esbarrava na realidade
brasileira. As dificuldades somavam-se, principalmente em razão do tamanho do
território brasileiro, no qual as unidades militares eram esparsas.
Na análise que se faz do Exército brasileiro em 1942, Mccann, revela que os
oficiais provinham da classe média urbana, eram filhos de oficiais, comerciantes ou
funcionários públicos que buscavam ingressar na academia. Os velhos segmentos
da aristocracia evitavam o serviço militar associando-se a clubes de tiro, que
proporcionavam exercícios militares periódicos e capacitavam todos depois de um
ano de serviço como reservistas.
Os recrutas eram conscritos extraídos das classes trabalhadoras e, com
freqüência, analfabetos ou de baixo nível educacional. Mostravam baixa
resistência às doenças e o moral parecia extraordinariamente dependente
da liderança dos oficiais, que poderiam, com facilidade, levá-los à ação ou à
indecisão. Os oficiais geralmente tratavam seus soldados como seres
inferiores. [...].
307
Mas em tempos difíceis e de poucos empregos para os jovens, a carreira
militar acenava com certa estabilidade que a vida civil não podia proporcionar. No
diário do ex-combatente Ernani Ayrosa, é possível perceber a importância que as
famílias davam à carreira militar. Ao retratar a década de 1930, ele deixou em seus
registros as seguintes observações:
307
MCCANN, op. cit..
183
É oportuno que se faça, a esta altura, um comentário com relação aos
tempos que vivíamos na cada de 30. As profissões civis, por não
apresentarem um alto nível de especialização, ocupavam um lugar discreto
na nossa sociedade. Somente aqueles que alcançavam grande sucesso
eram destacados nas mesmas. Nesses tempos as Forças Armadas
destacavam-se no ambiente social do país. Desde muitos anos que a
sociedade considerava uma família bem sucedida, aquela que, em seu seio,
possuía um sacerdote ou um militar. O cadete do Exército e o aspirante da
Marinha eram cortejados por inúmeras famílias, que os consideravam um
“bom partido” para suas filhas casadoiras.
308
Outros combatentes, ao rememorarem suas lembranças, buscam mostrar a
realidade que ocorria com as famílias que moravam no interior do país, tentando
sobreviver em pequenas propriedades agrícolas, que o se sustentavam. No
depoimento do tenente José Conrado, temos uma projeção do perfil familiar de
grande parte dos soldados que compuseram os quadros da FEB. A grande maioria
era composta de jovens agricultores, provenientes de famílias numerosas, sem
escolaridade e sem grande perspectiva de vida futura.
Nascido em Palmeira das Missões, no Rio Grande do Sul, em 1921, Conrado
foi motorista do Depósito de Pessoal na FEB Com nove anos, foi trabalhar na
lavoura, aos dezesseis, apresentou-se ao Exército Brasileiro. Da sua narrativa,
extraímos o delicado relato que poderia ser de tantos outros soldados que viam no
Exército Brasileiro uma oportunidade de trabalho, de uma carreira promissora, de um
futuro mais digno para si e seus familiares:
Nós não nhamos mais condições de sobrevivência. A minha mãe era uma
pessoa modesta, criada em fazenda e não tinha condições de dar aos filhos
a educação que precisavam. Percebi então que a única maneira de
melhorar a vida era ir para o Exército, onde eram aceitas todas as criaturas,
todos os cidadãos que tinham algum objetivo na vida.
309
À medida que a mobilização de guerra ia crescendo, os oficiais do Estado-
Maior do Exército, mesmo os mais otimistas, sentiam as dificuldades que teriam de
enfrentar. Da proposta inicial para o Brasil participar da guerra com três Divisões,
ficava a grande dúvida: Conseguiriam embarcar pelo menos uma?
Sobre a mobilização e o esforço de guerra, que envolvia o somente o
chamado dos soldados, mas toda uma série de preparativos, o combatente
Demócrito Arruda imprime a sua visão pessoal, bem como a de seus companheiros,
308
SILVA, Ernani Ayrosa da, op. cit., 1985, p. 6.
309
CONRADO, José. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro 27 de abril de 2000.
184
em uma obra de memórias das mais criticas contra o comando da FEB.Na Itália
pertenceu ao Regimento de Infantaria, o mesmo do tenente médico Massaru
Udihara, do qual já fizemos referência anteriormente.
Segundo Demócrito, a mobilização para a guerra, não poderia jamais ser
unicamente militar, mas sim uma junção de procedimentos que abrangesse o setor
de energia, agricultura, indústria, transportes, pesquisas cientificas, dos
combustíveis ao potencial humano. Na sua reflexão: “Desorientado e incapaz, o
governo limitou-se, timidamente, à mobilização militar, também mal projetada e pior
executada, encaminhando-a quase toda às fileiras do exército. [...] Nós vimos o
funcionamento dessaquina da mobilização entre janeiro de 1943 e julho de
1944”
310
Mas quem eram os convocados? Na questão dos convocados da reserva do
Exército, estes compreendiam os reservistas de e categorias, mas ainda havia
os que haviam feito os tiros de guerra e os recrutas, com pouco aproveitamento dos
veteranos, criando uma sobrecarga para os oficiais que tinham de organizar os
treinamentos desses grupos recém-chegados.
A idade dos convocados, nesta situação, variava dos vinte aos trinta anos. A
crítica de Arruda ocorreu por esse modo de chamada, quando foram escolhidas
classes diferentes, em vez de convocar uma única classe, começando pelos mais
jovens.
Em relação ao estado civil dos convocados: os solteiros e casados, os últimos
com família numerosa. Neste caso, a convocação indiscriminada de muitos pais de
família acabou por criar situações absurdas. Era necessária a comprovação do
casamento para que a dispensa pudesse ser feita, mas a maioria era casada apenas
no religioso. Como não tinham comprovantes, não puderam ser beneficiados pela
portaria ministerial que poderia dispensá-los.
Quanto às especialidades profissionais que seriam necessárias durante a
campanha, a falta de percepção dos militares foi gritante: não houve tempo de
preparar em tempo os especialistas fora dos quartéis, visto que a instituição não
oferecia os cursos necessários. Mesmo com a organização do Centro de Instrução
Especializada no Rio de Janeiro, poucos homens tiveram acesso aos cursos
disponibilizados. Desse modo, ainda no relato de Arruda, o Regimento de
310
ARRUDA, op. cit., pp. 42-58.
185
Infantaria chegou à Itália sem motoristas, cozinheiros, telefonistas, rádio-operadores,
desenhistas e mecânicos. Foram promovidos cursos de emergência, dirigidos pelos
americanos, na tentativa de preparar alguns soldados. No disparate dos
acontecimentos, o R.I. teve cinco médicos convocados como infantes, que
estiveram em frente de combate, quando, na verdade, diante das suas
especialidades, deveriam estar prestando serviços nos hospitais.
311
Tal fato é corroborado pelo depoimento do tenente, médico da reserva,
Massaki Udihara, filho de japoneses, nascido em São Paulo, em 1914. Seu estágio
militar foi em 1940 e sua convocação deu-se em dezembro de 1942, quando da sua
classificação para o R.I. Foi promovido a tenente e embarcou para a Itália com
o 1º Escalão, como comandante de pelotão de fuzileiros.
Das anotações de seu diário, foi possível acompanhar a trajetória do infante
médico em território italiano. Em Nápoles, os oficiais foram enviados para um curso
de emergência na Leadership and Battle Trainning School, na localidade de Santa
Ágata dei Gotti, próxima a Caserta, onde ficava parte do comando aliado.Sobre a
sua passagem pela escola de treinamento em Santa Ágata dei Gotti, Udihara
recorda a surpresa dos instrutores ao verificarem a presença de um médico para
receber instruções na infantaria.
Incluído entre os que foram enviados, não posso esquecer a expressão de
assombro do secretário da escola, quando soube da qualidade de médico
de quem com ele conversava. Era uma escola de infantaria e, dentro dela,
na função de combatente não cabia um médico. Quis saber a razão disso.
Expliquei-lhe que circunstâncias peculiares ao nosso país determinaram
este estado de coisas e que a minha situação era de tenente de infantaria, o
médico sendo um incidente como outro qualquer, sem qualquer relação de
causa e efeito com o caso em questão. Não estava na infantaria por ser
médico e nem deixaria de estar por sê-lo.
312
Ainda no Brasil, quando esses homens obrigatoriamente compareceram para
os exames rotineiros das juntas de seleção médica, muitos tiveram que deslocar-se
cerca de 400, 800 e até 1000 quilômetros de suas residências, pois não foi
observada a existência de unidades militares localizadas mais próximas. As
passagens para locomoção deveriam ter sido fornecidas pelas unidades militares
que realizaram a convocação, mas muitos agentes de estrada de ferro não as
reconheciam, obrigado os homens a viajarem às suas próprias custas, o que não era
311
ARRUDA, op. cit., p. 44.
312
UDIHARA, op. cit., 1949, p.137.
186
tão fácil naquela época. Avaliando a situação, Arruda pergunta: Por que os exames
médicos não foram feitos na própria sede municipal, nos locais onde residissem pelo
menos três dicos? Haveria uma economia de tempo, de dinheiro, tanto para o
Estado, como para o particular.
A conseqüência maior de toda essa mobilização de homens para compor os
quadros da FEB foi a chegada de contingentes e mais contingentes de convocados,
durante dois anos. Estes se apresentavam em quartéis, mas, mesmo assim, a
deficiência dos regimentos ainda era grande. No caso, o Regimento de Infantaria,
localizado em Caçapava, acabou por receber soldados de São Paulo, Paraná, Mato
Grosso e Rio Grande do Sul, na tentativa de preencher as lacunas que ainda
restavam, um pouco antes do embarque para a Itália.
Nas recordações que falam de Caçapava, das dificuldades das famílias que
para se deslocaram antes da partida dos brasileiros para a guerra, destaca-se o
testemunho de Irene de Godoy, esposa do sargento Benedito de Godoy, residente
em Curitiba. “Certa noite, ele apareceu dizendo que teria de embarcar para
Caçapava. Fiquei muito emocionada, pois ele havia escondido até aquele momento
o horário do embarque, pois era segredo e ele não queria que eu me aborrecesse,
pois havíamos casado há tão pouco tempo.”
313
Em Caçapava as famílias permaneceram por três meses, depois seguiram
para o Rio de Janeiro e as esposas envolvidas na maratona dos quartéis, seguiam
acompanhando seus maridos. No Rio de Janeiro, muitas dos paranaenses, por
motivos econômicos, acabaram alugando algumas casas que eram divididas entre
outras famílias. No desabafo de Irene de Godoy é possível perceber a aflição destas
mulheres:
Suportávamos tudo, porque não sabíamos nada sobre o embarque. Eu
estava sempre preocupada, pois não acreditava que ele fosse embarcar.
Até o último momento foi assim. Enfim, um dia antes do embarque do
escalão, nós, as mulheres, deixamos o Rio de Janeiro.
314
que se observar os casos dos que fugiram da convocação. Os meios
praticados na tentativa de escapar dessa situação foram os mais diversificados
possíveis, pois compreendiam desde o apadrinhamento de um político, subornos,
313
GODOY, Irene. Entrevista. Curitiba, 5 de fevereiro de 2002.
314
Id.
187
até desculpa de não ser convocado por estar exercendo uma função pública. Tal
prática ocorreu principalmente com os que estavam na reserva. Quanto aos militares
que se encontravam na ativa, dentro dos quartéis, muitos buscaram transferências
para outras unidades militares, tentando ficar bem longe dos regimentos onde o
grupamento da FEB ia se formando. Como afirma Arruda: “Corre entre nós a lenda,
ainda não averiguada, da existência de um dilema nascido no próprio Ministério da
Guerra: ‘escolha‘, ou a FEB ou as fronteiras.”
315
Os voluntários que se apresentaram para ir para a guerra foram muitos. É o
caso do major médico Alípio Côrrea Netto, destacado nesta pesquisa pelas
palavras iniciais do seu diário: “Toda a nação sofre sério abalo emotivo e cada
cidadão se compenetra do dever de acorrer ao chamamento do governo. Dentro
deste pensamento e impelido por este sentimento, julguei ser obrigação cívica pôr-
me à disposição das autoridades.”
316
Sobre a convocação dos soldados para a guerra, em seu drio de campanha,
o médico Alípio Corrêa lembra: A FEB, pelos seus soldados, os chamados
impropriamente de “pracinhas” e pelos oficiais nos postos de tenentes foram
convocados em todo o território nacional. Aqueles eram recrutas, estes são
profissionais liberais jovens que fizeram o curso do C.P.O.R.( Centro de Preparação
dos oficiais da Reserva).
317
Na perspectiva do médico Alípio Corrêa, a FEB constituiu-se em amostra de
todo o povo, porque seus elementos vieram de todos os Estados que constituíram a
República, portanto, “ uma perfeita amostra do povo brasileiro”
No relato dos combatentes que atuaram na Itália, A FEB sempre é
representada como um dos “esteios da nação”. O discurso de pertencimento,
constantemente ressalta as origens do grupamento, do chamado voluntariado para a
guerra, da convocação que abrangeu a todos os brasileiros, e a participação efetiva
das classes mais humildes da população, que acorreram em defesa da pátria
brasileira. No diário do tenente da FEB Miguel Pereira
318
, nascido no Rio Grande do
315
ARRUDA, op. cit., p. 47.
316
CORREA NETTO, op. cit.,pp. 2-3.
317
Ibid., p. 3.
318
N.A.: Miguel Pereira, depois da guerra casou-se na Itália, formou uma família e até o seu
falecimento em 2003 foi responsável pelo Monumento Votivo de Pistóia (Itália) onde foram sepultados
os brasileiros que combateram na 2ª Guerra Mundial, depois trasladados para o Brasil em 1960.
188
Sul, em 1918, encontramos os dados sobre a sua família, que muitas vezes se
aproxima do relato de outros combatentes.
[...] Morávamos no Rio Grande do Sul, minha família era de camponeses e a
gente trabalhava mesmo, um trabalho muito difícil. Apesar que o pai era
dono, a gente acordava ao amanhecer para ir no campo, e voltávamos
ao escurecer, trabalhávamos muito, eu comecei a arar a terra desde os sete
anos de idade, nem tinha força para virar a carrua, então amarrava uma
corda na orelha do boi, ele virava a carrua, eu não conseguia fazê-lo.
319
Miguel Pereira era o quinto entre dez filhos. A propriedade era grande e
administrada pela própria família, que produzia quase tudo de que necessitava e se
revezava tanto na lavoura como na criação de ovelhas. Na dificuldade de encontrar
emprego fora do âmbito rural, muitos jovens, como Miguel Pereira, viram no Exército
Brasileiro a possibilidade de granjear um futuro melhor. Sobre o início da carreira
militar, ele diz:
[...] Me apresentei militar, mas não pensava fazer a guerra. O Brasil há
cinqüenta anos estava atrasado, agora é muito diferente, os filhos de
camponeses o para a escola, para a universidade, mas então não. Então
esta (ir para o Exército) era a única fresta para sair daquele campo, daquele
jugo.
320
Segundo o testemunho de Miguel Pereira, o Exército lhe proporcionou uma
pequena cultura, pois a escola que havia freqüentado durante a infância, cujo trajeto
era feito a pé, ficava distante da casa cerca de doze quilômetros. Destaca também
que a época da safra agrícola e o envolvimento com a criação de gado, muitas
vezes, o impediram de freqüentar a escola com mais assiduidade, o que explica a
sua grande dificuldade na leitura e na escrita, quase analfabeto, como grande parte
do contingente de recrutas brasileiros que seguiram mais tarde para a guerra.
Foi no Exército que Miguel Pereira encontrou oportunidade de estudar.
com a patente de cabo, conseguiu instruir outros soldados. A luta contra o
analfabetismo está presente no seu testemunho: “[...] Por isso estudei, desde o
primeiro dia como militar. Quando fui para o quartel levei um livro, e quando fui para
a guerra, na mochila tinha livro em lugar de munições. Os sargentos deviam ensinar
319
BARONTINI, Roberto. Miguel Pereira e la Força Expedicionária brasileira sull´Appennino
Tosco Emiliano. Istituto Storico della Resistenza e della Società Contemporânea nella Província di
Pistóia, Itália: Editrice C.R.T.Pistóia, 2005, p. 228.
320
Ibid., p. 230.
189
os analfabetos e os dividiam em grupo”. Na continuidade do seu depoimento ele
retrata a posição do jovem que vai para a guerra: “Se a guerra é uma imensa
tragédia pra todos que passam por ela, ainda mais difícil parece a situação de quem,
deixando casa e falia, é obrigado a partir para um destino mais ou menos
desconhecido, chegando do outro lado, para lutar por um país que não é o próprio, e
sim pelo qual deve estar pronto para morrer”
321
Diante da demanda dos contingentes que chegavam, era necessário
organizar os soldados e os respectivos Regimentos que comporiam a FEB, agora
sob novas diretrizes. Três Grandes Regimentos são unidos: o 1.º Regimento de
Infantaria do Rio de Janeiro, o Regimento de Infantaria dos paulistas de
Caçapava e o 11º Regimento de Infantaria dos mineiros de São João Del Rei. Cada
um obteve o apoio de um grupo de obuses auto-rebocado. A Engenharia do B.E.
foi organizada em Aquidauana, M.S..
A formação da Força Expedicionária Brasileira contou com componentes de
todo o Brasil, com todos os estados dando a sua colaboração para o grupamento
final de 25 mil homens. A demora para a formação da FEB provocou expectativas,
porque pensou-se que a tropa brasileira não embarcaria rumo à Itália. Uma das
maiores dificuldades foi quanto à instrução da tropa. Muitos afirmam que o
treinamento dos soldados brasileiros fora insuficiente, embora os soldados recordem
das instruções consideradas pesadas. O soldado Paulo Stankevecz, que pertenceu
ao 6º R.I. e embarcou para a Itália no 1º Escalão, relembra:
Saí do 20º Regimento de Infantaria de Curitiba para a cidade de São Paulo,
fizemos baldeação, havia muita gente desertando de medo. No Rio de
Janeiro, ficamos na Vila Militar, fazendo instrução. O treinamento era
pesado, muito puxado, eu o tinha tempo nem de dormir, tínhamos de
correr pelo mato, o bombardeio era de verdade, nós sofremos.
322
Mesmo na Itália, após o desembarque das tropas brasileiras, tem-se notícias
dos treinamentos a que foram submetidos os soldados brasileiros. Tais fatos foram
registrados pelos correspondentes de guerra brasileiros, em um número expressivo
de jornais tanto na capital, Rio de Janeiro, bem como em São Paulo e em outras
cidades. Entre esses correspondentes, havia os norte-americanos, encarregados de
321
BARONTINI, op. cit., p. 232.
322
STANKEVECZ, Paulo. Entrevista. Curitiba 28 de fevereiro de 2002.
190
colher informações para a central de notícias que cobria a guerra na Itália. Nesse
caso, destacam-se as internacionais Associated Press e Reuters, dentre outras.
Seus jornalistas, assim como os brasileiros, percorriam O Quartel General do
Exército Americano todos os dias em busca das informações sobre a frente de
campanha. Apesar de censura imposta pelo Alto Comando Aliado, a liberação da
notícia muitas vezes tinha que ocorrer entre os censores americanos e brasileiros
que ficavam lotados no Quartel General do Marechal Mascarenhas de Morais na
cidade de Porreta Terme (BO). Essas notícias chegavam até a imprensa brasileira,
muitas vezes, com atraso, pois vinham via aérea ou por cabograma e as radiofotos
eram enviadas pela Reuters. Portanto, além da questão do sigilo imposto pelo
comando, muitos dos fatos ocorridos na frente de batalha eram estampados pela
imprensa muito tempo depois de ocorridos.
O correspondente norte-americano, David Brown, relata a instrução da tropa
brasileira recém chegada à Itália. “Os soldados brasileiros vinham, de muitos
meses, sendo treinados no Brasil e com eles estavam quatro oficiais americanos que
os acompanharam, além do grupo de oficiais adidos, para fins de treinamento. O
treinamento básico no Exército Brasileiro foi, durante muitos anos, no modelo
francês.”
323
Ainda na continuidade da notícia: “Colunas de soldados brasileiros,
envergando uniformes verdes, espalham-se ao longo das estradas poeirentas,
subindo montanhas e percorrendo trilhas aos redores da cidade, em exaustivos
exercícios que os fazem caminhar uma média de 25 quilômetros diariamente.”
Entre o que imprensa publicava e o que diziam os combatentes há um espaço
importante de investigação para os pesquisadores mais atentos. Em relação ao
treinamento dos soldados ainda no Brasil, chama à atenção a posição dos soldados
e oficiais que participaram do R.I., que havia saído de Caçapava para o Rio de
Janeiro, justamente a fim de aglutinar o seu pessoal e participar das instruções.
É importante lembrar que esse Regimento foi o primeiro a combater na Itália
e, nas ocorrências durante os preparativos, foi alvo de crítica a respeito do comando,
não somente dos seus componentes, mas de outros oficiais que estavam atuando
em outros setores da FEB Ao relatar sobre os fatores que implicaram a deficiência
do preparo para a guerra é possível destacar: a burocracia desordenada, a
323
A NOITE. Reportagem de David Brown da Reuters. Quartel General da Itália, 24 de julho de 1944.
191
movimentação dos quadros, a falta de material, a falta de campos de instrução
apropriados e as contra-ordens.
Dos fatores destacados acima, este trabalho se aterá à falta de material, mais
exatamente no que diz respeito aos novos manuais de instrução recém chegados
dos Estados Unidos. Na dificuldade de traduzi-los, as informações foram repassadas
aos oficiais e soldados, de maneira superficial, resultando, portanto, em pouco
aproveitamento, conforme destaca o capitão da reserva, Mario Amaral, nascido em
São Paulo e convocado em 1941. Na Itália, serviu como oficial de ligação com as
unidades norte-americanas e foi comandante de pelotão de fuzileiros na
companhia. Suas observações, apesar do caráter particular, vão ao encontro da
opinião de outros combatentes que atuaram na linha de frente e esclarecem alguns
pontos sobre a questão da instrução dos soldados.
Os oficiais, em número limitadíssimo, conhecedores da língua inglesa,
foram sobrecarregados com a tradução dos regulamentos. [...] o tempo não
pára e os dias se sucederam e, embora a quase totalidade dos brasileiros
duvidassem, o Regimento de Infantaria embarcou mal instruído e mal
uniformizado.
324
Nas observações de Mario Amaral, a instrução de tiro era feita no stand da
vila Militar, mesma companhia de um regimento, não chegava a utilizá-lo três vezes
durante um mês. A Instrução do 6ºR.I., até a organização da FEB, se calcou nos
diversos regulamentos do Exército Brasileiro, por demais antigos, o que na zona de
combate não seria produtivo. Assim sendo, o Regimento começou a aprender a
guerra moderna somente quando desembarcou na Itália e 90% de seu adestramento
foi feito na própria linha de frente em combate com um inimigo experimentado, com
sacrifício de vidas preciosas.
No Brasil, a execução e organização dos quadros da Força Expedicionária
Brasileira exigiram redobrados esforços dos responsáveis. O que não foi
readaptado, modificado, foi criado. Tudo agora com a supervisão americana de
oficiais que haviam recém-chegado e pouco dominavam a língua portuguesa e de
um pequeno grupo de oficiais brasileiros que haviam estudado nos EUA. A
324
AMARAL, Mario. A Instrução da FEB, In: Depoimento dos Oficiais da Reserva, op. cit., p.163-
166.
192
dificuldade de aquartelar tantos
325
soldados foi outra grande questão: havia o
problema de espaço, pois centenas e centenas de homens recém-convocados e
voluntários apresentavam-se às pressas.
326
O ambiente era desagradável, as
dificuldades de acomodar com conforto esses homens geraram fatos que
reverteriam mais tarde, inclusive, na disciplina da tropa.
Como salienta Mccann, os soldados ao chegarem aos locais onde passariam
por instrução, viram-se instalados em galpões improvisados e desconfortáveis,
construídos sem a menor preocupação com a higiene. “Lamentavelmente, recrutas
inexperientes, soldados problemáticos, oficiais da reserva e novos graduados da
Escola Militar do Realengo foram utilizados para completar o efetivo das unidades -
e não outros profissionais.”
327
Na análise de Mccann, tal situação reverteria em
problemas para a FEB.
Profundo conhecedor das questões sobre a convocação dos soldados
brasileiros para guerra, Mccann, por meio de farta documentação da época
apresenta as seguintes questões: “Havia boatos de que estudantes oponentes ao
regime haviam sido compulsoriamente incorporados em unidades da FEB. Pelo
menos 302 dos 870 oficiais subalternos de Infantaria eram da reserva, muitos deles
profissionais liberais na vida civil, inclusive médicos e engenheiros.” Estes homens,
viam-se subitamente à testa dos pelotões de infantaria aprontando-se para o
combate”.
328
Era uma situação preocupante, que muitos não perceberam na época.
Foram muitas as cenas de desequilíbrio durante os embates mais sérios
contra o inimigo, quando oficiais não conseguiram permanecer firmes diante do seu
comando, ou por serem jovens demais, não tinham a experiência necessária
exigidas nos momentos de maior tensão.
Os ataques efetuados ao Monte Castello, pelo menos por duas vezes,
demonstraram a falta de equilíbrio do comandante de uma companhia, o que
redundou em pânico generalizado e debandada, com as armas abandonadas pelo
caminho. Tal fato, considerado gravíssimo, ocorreu com a companhia do 11º R.I,
325
N.A.: Aquartelar: Define-se como “alojar em quartéis”. As unidades militares tinham a capacidade
máxima de abrigar 2.000 homens, mas à última hora acomodaram cerca de 3.500 soldados antes do
embarque.
326
N.A.: A concentração da Divisão foi no Rio de Janeiro (capital) entre os meses de fevereiro e
março. Esta unidade tinha uma feição estranha dentro do Exército e do próprio povo. Enfim, como
desabafa o autor, o povo acreditava mais em carnaval e campeonato de futebol do que numa Força
Expedicionária para lutar ombro a ombro com os alemães. BRAYNER, op. cit., p. 49-50.
327
MCCANN, op. cit., p.289.
328
Id.
193
por ocasião do surto psicótico do comandante, que muito vinha mostrando
comportamento estranho e jamais deveria ter permanecido à testa do seu grupo.
Muitas das recordações desse tempo estão inscritas nos diários dos
combatentes. Elas retratam fatos longínquos retidos na memória seletiva que a
guerra proporcionou. Nesse aspecto, a memória é basicamente a intrusão do
passado no presente, seja sob a forma de imagens, seja como instruções, implícitas
ou explícitas, sobre como agir. As lembranças podem surgir de forma mais ou
menos vivida, espécie de cópia dos eventos vividos anteriormente, cópia quase
sensorial.
329
Nas lembranças do sargento José Alves, ficaram retidas as imagens da sua
saída de Joinvile para apresentar-se na R.M.E., em Curitiba, local onde foram
reunidos os soldados do Paraná e de Santa Catarina, antes do embarque para
Caçapava. São momentos especiais que aconteceram na despedida emocionada de
sua família.
Na estação, papai me abraçou, chorando bastante e emocionado, disse
orgulhar-se muito de mim, entregando-me de presente um revolver HO,
calibre 32, cabo de madrepérola.[...] Nossa viagem era longa, de12 horas;
porém, a região serrana constituía novidade para muita gente e sua
magnífica paisagem com serras íngremes, rios e cachoeiras e o verde a se
perder de vista, nos distraiam bastante e os soldados faziam cantorias e
soltavam piadas, demonstrando uma moral elevada. [...] fomos avisados de
que no dia seguinte, 1º de maio, iríamos desfilar para nos despedir do povo
paranaense.
330
José Alves em seu diário retrata as dificuldades de arregimentação dos
contingentes do Paraná e de Santa Catarina, que seguiram de trem para Caçapava-
SP.
Naquela ‘Maria Fumaça’ morosa, nossa alimentação consistia de sanduíche
e no dia seguinte passamos por São Paulo e para almoçar paramos na
estação de Quitaúna, defronte ao quartel do R.I., onde estavam nos
esperando no pátio. Ao ar livre e em mesas de tábuas dispostas no pátio,
nos aguardava o jabá fedorento, de mau aspecto.
331
A questão da alimentação dos novos recrutas ou convocados para a guerra,
não poderia ter sido mais caótica, a falta de higiene imperava nas cozinhas dos
329
ADES, César. Múltipla Memória. São Paulo, Psicologia, USP, vol. 4, n. 1 e 2, 1993.
330
SILVA, José Alves da, op. cit., pp. 37 e 38.
331
Id.
194
quartéis, e aqueles que podiam transpunham os portões para buscar alimentos nos
bares e restaurantes da vizinhança. Ainda segundo Alves,
[...] ninguém conseguiu tocar naquele arremedo de jabá, contentamo-nos
em comer apenas pão e chupar uma laranja para enganar o estômago. O
pessoal estava faminto e ninguém conseguiu tocar naquela comida
nauseabunda, porque nem mesmo os porcos conseguiriam comê-la.
332
Na cidade de Caçapava, no interior de São Paulo, iam sendo reunidos os
contingentes oriundos de vários estados brasileiros. Segundo relato do sargento
José Gonçalves, em um mês, estavam aquartelados cerca de cinco mil homens
da Infantaria. Na cidade de Guaratinguetá, estavam sendo reunidos os soldados da
Artilharia e Engenharia para compor os quadros da FEB. Em maio de 1944, esses
grupamentos seguem para o Rio de Janeiro, a fim de participar do desfile no dia 24
de maio na despedida do povo carioca. receberam o uniforme e os sacos de
viagem para acondicionar as roupas que levariam para a guerra. Sobre o uniforme
recebido, José Alves faz observações contundentes que depois as encontramos em
outros depoimentos. Neste aspecto, cumpre dizer que desvios de numerários,
acabaram por empregar os tecidos e materiais de péssima qualidade para os
uniformes da FEB.
Recebemos o uniforme tipo FEB, constando de calça e blusa verde-oliva, de
um tecido ordinaríssimo e de corte ainda pior. As perneiras eram de lona
v.o. (verde oliva), a maior porcaria concebida por um ser humano e o
chapelão modelo Lampião v.o. era feio que dava dó e servia só para o
deserto.
333
O restante do uniforme era composto pelas meias brancas, segundo os
testemunhos, era de péssima qualidade. O par de borzeguins (botas) era pesado e
duro, provavelmente de couro de péssima qualidade, completamente diferente dos
calçados macios e leves e de boa aparência que os oficiais haviam recebido no
exército. Segundo o sargento Alves o dia 24 de maio (1944) foi o grande desfile da
tropa da FEB na despedida do Rio de Janeiro: “Vestimos aquele mostrengo de
uniforme com a camisa enviesada de todos os lados, as meias brancas, grossas, os
borzeguins e perneiras e tocamos para o café. Às 8h da manhã, deixamos o Estádio
Vasco da Gama”. No itinerário do desfile, seguiram pela rua São Januário, depois a
332
SILVA, José Alves da, op. cit., pp. 37 e 38.
333
Id.
195
São Cristóvão, passaram pela Estação Leopoldina, penetrando na Avenida
Presidente Vargas por um trecho não interrompido, porque na época estavam
construindo aquela avenida. Um itinerário bastante longo para quem teria de
enfrentar a viagem de navio até as terras italianas, e que o diário de Alves registrou:
“Fizemos meia volta e ficamos sentados na calçada, mais mortos do que vivos”.
334
O uniforme da FEB foi alvo da crítica e observações de muitos combatentes,
pois não primava por uma boa apresentação, seja pela qualidade inferior do tecido e
pela própria confecção, criando constrangimentos para a tropa. Não havia nessa
época uma indústria de roupa que pudesse atender a demanda do atendimento ao
elevado número de soldados que estavam nos preparativos para embarcar para a
Itália. Segundo depoimento de Octávio Pereira da Costa,
O uniforme foi permanente motivo de vexames para os homens da FEB, no
confronto com a vestimenta dos ercitos aliados. [...] o calçado preto, de
qualidade e as polainas verde-oliva, de pano impróprio, que haviam
substituído as velhas perneiras pretas dos “pés de poeira” da infantaria
brasileira - que assim distinguiam ainda no Brasil, o “pracinha” do soldado
tradicional -, não suportando o esforço, a lama e o frio, foram substituídas,
na Itália, pelos combat boot americanos, mais resistentes e
apresentáveis.
335
Sem a definição sobre o local em que a FEB iria combater, os uniformes
foram confeccionados em brim, em tecido de má qualidade, que, nas primeiras
ações militares em território italiano, acabaram por romper nas costuras e nos
joelhos. Mesmo o uniforme de verde-cinza, feito às pressas, com material de
carregação, não assegurou a proteção contra o frio italiano. Além de seu modelo
grotesco, era confundido com o uniforme alemão em virtude da cor. Durante as
chuvas e o frio do rigoroso outono italiano, tal uniforme mostrou-se inadequado, pois
não era impermeável. Foi necessário a Intendência do Exército americano vestir
os soldados da FEB, a precariedade dos uniformes brasileiros foi motivo de crítica
entre os mais observadores. Octavio Costa lembra que a roupa de cama e a de
“dentro” - meias, luvas, camisas e ceroulas - vieram todas das bases americanas de
suprimento.
Como tropa aliada os brasileiros receberam os mesmos uniformes que os
americanos para enfrentar o rigoroso inverno, sem demérito para a tropa brasileira,
334
SILVA, José Alves da, op. cit., pp. 37 e 38.
335
COSTA, op. cit., 1976.
196
visto que ocorreu o mesmo com os outros exércitos coligados ao Exército
Americano. Das peças de melhor qualidade estavam as Field Jacket (jaquetas de
campo) impermeáveis, bem forradas e revestidas de lã. Também as capas de
camuflagem brancas para a neve. A bota brasileira, foi trocada pelo combat boot,
acrescida das galochas utilizadas tanto na chuva como na neve.
3.6 A LEGIÃO BRASILEIRA DE ASSISTÊNCIA UMA AGÊNCIA A SERVIÇO DO
SOLDADO BRASILEIRO
A Legião Brasileira de Assistência, foi criada pelo governo Getúlio Vargas e
no seu leque amplo de atividades, que se levar em conta o papel preponderante
que esta instituição exerceu diretamente com o Exército Brasileiro durante a 2ª
Guerra Mundial.
Na presidência da instituição vamos encontrar a senhora Darcy Vargas, que
desenvolveu um trabalho filantrópico voltado para a sociedade brasileira, mas que
na época da guerra direciona quase todas as atividades aos combatentes brasileiros
que estavam para embarcar para a Itália, utilizando como meio de comunicação o
seu Boletim da Legião Brasileira de Assistência. Este era o órgão aglutinador de
incentivo às campanhas pró-expedicionários e de tantas outras que acabaram por
demarcar os seus vários papeis, ou seja: A LBA ora é benemérita, ora filantrópica,
ora patriótica, mas certamente acima de tudo, política. O seu maior órgão divulgador
é certamente o Boletim que acompanhará os soldados brasileiros durante toda a
guerra, o que evidenciou a grande ligação da instituição e seus dirigentes com
Exército Brasileiro, conforme verificado na consulta que fizemos aos boletins
emitidos pela L.B.A, no período de setembro de 1944 a julho de 1945, durante os
preparativos de embarque dos soldados da FEB para a Itália.
Da estreita vinculação entre o Exército e a LBA, esta última em seus
propósitos direcionados aos soldados embarcados e suas famílias, acabou por
realizar um trabalho significativo, ao qual reputamos real importância para os
homens que estavam prestes a embarcar para uma guerra, bem como para os que
se encontravam em frente de combate. Dos registros em seus boletins, vamos
encontrar desde a saudação protocolar às autoridades do alto escalão da FEB,
quanto aos expedicionários que partiam. Das saudações, passava-se por
197
campanhas diretas de coleta de uma diversidade de produtos que mais tarde foram
distribuídos ou enviados aos soldados. Além dessas campanhas, vemos o incentivo
inestimável que a LBA prestava na manutenção da troca de correspondências entre
familiares e combatentes. Este era o momento mais apreciado pelos soldados, toda
correspondência trazia muito conforto, algo indescritível para quem não sabia sobre
o dia de amanhã, fator de grande tensão para aqueles que distante da pátria
ansiavam por dar e receber notícias. Em sua linha editorial, os boletins da LBA
também veiculavam mensagens do Governo e do Exército em forma de incentivo à
tropa embarcada.
na Itália, o comandante da FEB João Batista Mascarenhas de Moraes, ao
passar pelos acampamentos onde estavam instalados os soldados brasileiros,
mostrava sempre o desejo de providenciar o conforto físico e elevar a moral dos
homens que brevemente estariam em frente de combate, pois a longa viagem de
navio e a apreensão das ordens a serem recebidas, deixaram os soldados um pouco
combalidos. Conforme os relatos da época, e nos registros feitos pelo comandante
no pós-guerra, há que se ressaltar que essa preocupação procedia.
Cada acampamento tinha sua cozinha e os encarregados de providenciar o
preparo da alimentação. A comida era reforçada não apenas por produtos brasileiros
como o feijão preto e o café, mas também usufruíam os brasileiros do que era
fornecido pela intendência americana
, como por exemplo, carne enlatada, doces de
todos os tipos, leite em pó, farinha de ovos para omelete, além de frutas. O pão era
fornecido diariamente pelas panificadoras das cidades mais próximas.
Portanto, os gêneros de primeira necessidade eram distribuídos nos diversos
acampamentos, mas a L.B.A, nas suas campanhas arrecadadoras, não perdia a
oportunidade de enviar as suas contribuições muito bem recebidas pelos soldados.
N.A.: A Intendência Americana ficava na retaguarda, uma espécie de grande depósito, onde os
produtos referentes à alimentação e vestuário para os soldados aliados eram guardados e
redistribuídos conforme as necessidades.
N.A.: Esta era a alimentação nos acampamentos, para quem estava nas patrulhas, nos “fox hole” ou
de prontidão para o combate, eram fornecidas as caixas de ração, compostas de produtos que
variavam na seqüência de café, almoço e jantar,eram as rações K. No almoço encontrava-se 1 lata
com presuntada, 6 biscoitos, 1 tablete de doce, 5 cigarros, e sforos, 2 chicletes, café solúvel ,
açúcar, esterilizador para água, papel higiênico e profilático.As rações c eram constituídas de latas
hermeticamente fechadas,contendo galinha com vegetais e feijão branco com carne de porco. Sobre
outros dados específicos consulte LOPES, José Machado. Em 100 vezes responde a FEB. Curitiba:
Imprensa Oficial do Estado do Paraná, 1980.
198
Em certa ocasião, expressando a estreita ligação entre a FEB e a L.B.A, o
comandante João Batista Mascarenhas de Moraes, em reconhecimento à
participação ativa da L.B.A, em entrevista dada na Itália faz os seus
agradecimentos: [...] por sua precípua e nobre finalidade, a Legião Brasileira
de Assistência está, hoje, fortemente vinculada à Força Expedicionária
Brasileira; No exercício das funções desse comando, nos habituamos a
ver e sentir o carinho e a dedicação com que são tratados por essa
patriótica associação, os interesses particulares dos homens convocados
para o serviço da Pátria, em hora grave e solene da vida nacional.
336
Na continuidade do seu discurso, Mascarenhas de Moraes, ressalta o papel
da Legião Brasileira de Assistência, como o traço de união entre o quartel e o lar dos
soldados brasileiros, proporcionando-lhes uma clima de confiança e tranqüilidade e
um ambiente de sadio de justa compreensão na emergência necessária ao trabalho
e disciplina militares. No mesmo discurso, o comandante da FEB, elogia o papel da
mulher brasileira da sua abnegação e bondade. “sempre comprovadas e nunca
demais exaltadas, irão iluminar, sem intermitências, as estradas que percorrer e as
lutas em que se empenhar a Força Expedicionária Brasileira, em nome do Brasil e
em defesa”
337
Com relação ao trabalho que a L.B.A se propôs a fazer com os soldados que
haviam embarcado para a Itália, foi criada uma modalidade de ligação com os
combatentes por meio de seu Boletim, que recebeu o nome de madrinhas de guerra.
Seu objetivo era manter um elo entre esses soldados e o Brasil por meio de
correspondência. Nas chamadas de primeira página do Boletim da L.B.A, de
fevereiro de 1945, quando os brasileiros enfrentavam os combates de maior
envergadura, encontramos a seguinte nota: “A LBA está pronta para atender a você,
expedicionário. Peça o que quiser, o que desejar, sem acanhamentos, sem pensar
que ela não possa fazer”
338
.Outro aviso, no mesmo boletim: “Ainda é “pagão”?
Mande uma carta à LBA e logo arranjará “madrinha de guerra”. As madrinhas de
guerra eram geralmente jovens que pertenciam à sociedade local na capital federal
Rio de Janeiro. Entre outras atribuições, as madrinhas de guerra buscavam
colaborar com os soldados enviando roupas de como meias, cachecol e toucas,
tricotadas por elas próprias, assim como produtos de higiene pessoal. Com a
chegada no Brasil dos primeiros feridos em campo de batalha, no mês de
336
A NOITE. Rio de Janeiro 21 de julho de 1944.
337
Id.
338
BOLETIM DA L.B.A.,n 2, Rio de Janeiro, fevereiro de 1945.
199
fevereiro de 1945, muitas madrinhas organizavam grupos para as visitas ao Hospital
Central do Exército.
Ainda no mesmo boletim de fevereiro de 1945, na página número três, sob o
título Assistência Moral aos Bravos da FEB, o Boletim enfatizava o seu papel
humanitário e assistencialista.
A Legião Brasileira de Assistência, que está sempre pronta a atender aos
expedicionários e suas famílias, enviou no primeiro dia de visitas do H.C.E
uma comissão de senhoras para apresentar aos feridos da FEB, os
cumprimentos da sra. Darci Vargas e da instituição e ao mesmo tempo da
saber de suas necessidades e desejos.Os feridos em número de 80, muitos
dos quais se encontravam em vias de completo restabelecimento ( a
maioria está em e muitos saíram para passear) ficaram imensamente
gratos e comovidos e formularam seus desejos. Era preciso, no entanto
telegrafar aos parentes e amigos distantes, Forneceram os textos e a L.B.A,
no mesmo dia expediu os telegramas.Solicitaram, também, livros, revistas,
troca de dólares, jogos esportivos, caneta-tinteiro e outras utilidades.
339
Dos boletins da LBA consultados nesta fase, não é feita nenhuma menção
aos feridos brasileiros na Itália que foram mandados para um hospital do exército
norte-americano em Charleston, na Carolina do Sul, a bordo do navio hospital
Arcádia, conforme notícia e foto estampadas no Rio de Janeiro em fevereiro de
1945.
340
Como destacamos em documentos anteriores, a L.B.A acompanhava
atentamente a saída dos navios transporte (soldados) que saiam do Brasil rumo a
Itália, pois era uma oportunidade de encaminhar sem muita burocracia os produtos
que haviam sido arrecadados em diversas campanhas encetadas pela instituição. O
embarque destes escalões na época da guerra, por questões de segurança em alto
mar, não eram divulgados com antecedência, pois tais informações poderiam cair
em mãos inimigas, e a todo o custo visavam os militares proteger os soldados. Ainda
era muito recente a tragédia ocorrida com vários navios brasileiros que foram a
pique em águas brasileiras, entre 1942 e 1943 nos ataques efetuados por
submarinos alemães e que redundaram na morte de mais de 972 pessoas entre civis
e tripulantes, fato que apressou a Declaração de Guerra do Brasil aos países do
Eixo em 22 de agosto de 1942.
341
339
BOLETIM DA L.B.A. fevereiro de 1945
340
A NOITE, Rio de janeiro 9 de fevereiro de 1945.
341
N.A. Entre 22 de março de 1941 a 23 de outubro de 1943, foram atacados 32 navios de bandeira
brasileira por submarinos alemães, para mais informações sobre o assunto vide relação dos navios
200
Desta maneira, poucos setores sabiam sobre a saída de navios com soldados
embarcados para Itália. Muitas vezes os próprios combatentes foram surpreendidos,
com o embarque feito na calada da noite, evitando assim o elemento surpresa, que
poderia constituir numa catástrofe caso um desses navios fosse a pique em alto mar.
Em setembro sairiam dois navios levando cerca de 10 mil homens, assim
distribuídos: Navio de transporte de pessoal Gen. Mann com 5075 homens do
escalão sob o comando do general Cordeiro de Farias; e a bordo do navio
gen.Meigs, do 3º escalão cerca de 5.000 homens sob o comando do general Olimpio
Falconiere da Cunha. Tais dados eram guardados sob sigilo, mas Egydio Squeff
correspondente de guerra de O Globo embarcado com a tropa do 2º Escalão, em
seu relato mostra um pouco da preocupação que todos sentiam:
Conforme as instruções recebidas, à 12:30 horas de um certo dia de
setembro compareci ao Ministério da Guerra onde encontraria um oficial que
iria conduzir a mim e ao Rubem Braga,correspondente do Diário
Carioca.Uma hora depois embarcávamos os dois num grande navio
transporte de tropas americano.
342
Poucos sabem que o Brasil foi o país que mais mandou correspondentes de
guerra para a Itália. Estes embarcaram no e Escalões juntamente com
soldados, no final da guerra foram reconhecidos como combatentes, como ocorreu a
outros países, no reconhecimento do trabalho desses homens. dentro do navio,
Squeff guardou cuidadosamente o rascunho onde havia escrito as primeiras notas
durante o embarque. Essas anotações foram depois transformadas em uma
reportagem e publicadas pelo O Globo. Ele se reportava às palavras de despedida
do presidente Getulio Vargas, que marcou profundamente a todos que escutavam:
“Soldados do Brasil! Os vossos compatriotas já estão lutando com eficiência e
vencendo as hordas nazistas que nos atacaram, cabe agora a vossa vez.Não estais
sós, marchareis ao lado dos brasileiros e veteranos soldados americanos, ingleses e
de outros países amigos”
343
O tom marcial do discurso, conclamava ao
enfrentamento das hordas nazistas, ao tempo em que colocava os homens da FEB.
Na mesma posição dos soldados das outras nações.
expostos, bem como o dia do ataque, o número de tripulantes, e o nome do comandante do
submarino atacante, no painel térreo do Museu do Expedicionário em Curitiba, Paraná. (2008)
342
JORNAL O GLOBO, 8 de setembro de 1944.
343
Id.
201
Durante a viagem, enquanto a maioria sentia-se tranqüila em relação à
viagem, muitos, conforme depoimentos, mesmo entre oficiais, sentiam uma
apreensão que procedia, o roteiro do navio, viajando em zig-zag, tinha o objetivo de
evitar os torpedeamentos. As pessoas, ainda se ressentiam dos ataques provocados
pelos submarinos alemães aos navios mercantes brasileiros, que vitimaram tantas
pessoas.
Como rotina, todos os dias, era feito um treinamento de abandonar o navio,
que sempre era anunciado pelo toque de uma sirene. É possível imaginar o que se
passava na cabeça desses homens, quando isso ocorria. Durante a viagem Squeff,
preocupado, relata:
[...]seria afirmar que não tivéssemos sentido apreensão.[...] procurei saber
do comandante o que de fato havia ocorrido.Nada me disse...entretanto
contaram-me e mais tarde obtive confirmação que de fato,fora assinalada a
presença de um submarino.Imediatamente, a nave capitanea da escolta
movimentou-se para o largo, seguido de um destroyer, soltando algumas
bombas de profundidade.
344
Tal fato foi depois, amplamente divulgado pela imprensa brasileira.
Esses são aspectos do noticiário da época, sendo que a L.B.A, buscando dar
continuidade aos seus beneméritos trabalhos, mesmo no período de guerra,
desenvolveu outras atividades dedicadas aos seus sócios, e informou sobre outros
eventos, dando ênfase às noticias internacionais e ao promissor futuro do país, que
no pós guerra ocuparia um lugar de destaque logo no pós-guerra, entre as nações
que se destacassem na guerra. Mas a maior parte do boletim da LBA era realmente
dedicado à FEB Uma das colunas muito procurada pelos familiares era a das
Mensagens, quase sempre ilustradas com a foto de quem enviava a mensagem.
Havia também a coluna das Respostas, geralmente mensagens enviadas pelos
soldados que estavam na Itália aos seus familiares. Essas correspondências vinham
diretamente para a sede da LBA no Rio de Janeiro que as distribuía pelo Brasil.
Logo após os primeiros combates que ocorreram em solo italiano, foi criada a
Galeria dos Heróis, além dos slogans especiais que enalteciam os combatentes, tais
como, Confiamos em vocês, Os feridos da FEB, O Brasil condecora seus heróis,
sendo sempre reservado à presidente Darcy Vargas um espaço nobre do boletim
para as suas mensagens. Nesta fase da guerra foi extremamente importante para o
344
JORNAL O GLOBO, 8 de setembro de 1944.
202
soldado brasileiro o papel desempenhado pela LBA em relação à condução destas
cartas e mensagens. Muitas vezes estas correspondências não tinham uma ordem
cronológica de saída do Brasil, ou seja, às vezes o soldado recebia a mais recente
para depois receber as mais antigas. Culpa de quem, é possível perguntar: De quem
redistribuía as missivas aqui ou na Itália?
Na saída do maior grupamento de soldados para a Itália no mês de agosto de
1944, neste caso, e escalões juntos, como nos referimos anteriormente,
Darcy Vargas envia uma mensagem intitulada Confiança e orgulho da Pátria aos
nossos soldados no front”, dirigida ao general Oswaldo Cordeiro de Farias,
comandante do 2º escalão da FEB.
No momento em que sob o comando de V.Ex., outro contingente de nossos
soldados deixa o solo da pátria em direção à Europa ensangüentada, quero
apresentar-lhe em meu próprio nome e no da Legião Brasileira de
Assistência um fraterno abraço de despedida.A confiança nos soldados que
partem e a segurança que saberão honrar o pavilhão do Brasil, vingando o
sangue de seus irmãos com que a sanha nazista atingiu as águas do
Atlântico, enchem de júbilo o coração de quantos aqui permaneceram
materialmente presos à terra, mas transportando o espírito para bem junto
daqueles que lutam pelos supremos ideais humanos de liberdade e
justiça.[...]Formulando votos para que o retorno à Pátria ocorra no mais
breve espaço e que voltem cobertos de glória, passo às os de V.Ex.as
oferendas que acompanham a presente, remetidas em parte pela L.B.A e
coletadas em parte pela “Campanha da Madrinha do Combatente” pedindo-
lhe que aceite e transmita a todos e a cada qual dos nossos soldados um
afetuoso abraço.
345
Os boletins da L.B.A são minuciosos na descrição dos produtos que enviavam
aos brasileiros na Itália, pois nos relatórios técnicos dos oficiais da FEB, tais
assuntos são considerados de menor importância ou sequer aventados, Os objetos
de higiene, como pastas dentifrícias, sabonetes, tesourinhas, sabão, espelhos, e
pentes, aparecem em varias campanhas da LBA Na alimentação havia uma
variedade de produtos que envolviam biscoitos, açúcar, café e mate. Na questão do
vestuário, foram enviados pijamas, capuzes de lã, sweaters”, luvas, meias de lã,
camisas, meias, lenços, e até instrumentos musicais, como pandeiros, violões,
bandolins, gaitas, cavaquinho, papel de carta, envelopes, lápis, tintas de escrever e,
345
A NOITE, Rio de Janeiro 4 de setembro de 1945.
203
cerca de 10.210 maços de cigarros, que na data do embarque do segundo e terceiro
escalões foram distribuídos quase pela metade
.
Sobre a atuação da L.B.A, outras abordagens devem ocorrer na continuidade
desta pesquisa, principalmente nos últimos capítulos, que discorrerá sobre o
trabalho da imprensa brasileira na guerra, e o Boletim da própria instituição.
Neste aspecto será interessante averiguar não apenas o seu papel
filantrópico e de amparo aos soldados, mas também as expectativas que o Boletim e
a imprensa, de um modo geral, acabaram por criar entre os combatentes no seu
retorno, referente principalmente ao amparo social que seria dado a esses homens e
o que não se cumpriu.
No trabalho incessante da imprensa brasileira e da própria LBA entre
fevereiro e julho de 1945, nos preparativos de recepção aos soldados, foi criada uma
‘aura’ em torno da tropa que estava a caminho para o Brasil. A FEB foi enaltecida de
forma exacerbada tanto pelos agentes da imprensa como de outras instituições,
criando mais tarde muitas expectativas e depois constrangimentos.
A configuração heróica dada a cada soldado da FEB criou expectativas não
somente aos soldados que foram recebidos em clima de festa, mas a toda
sociedade que no desenrolar dos acontecimentos ansiava pela espera dos heróis.
Com o tempo, a aclamação vai perdendo força, para o desencanto dos combatentes
que se sentiram abandonados e lançados depois à própria sorte no cotidiano que os
esperava. O que teria acontecido? Seria a descontinuidade de um projeto para os
expedicionários após a queda da ditadura de Vargas, diante de tantas propostas de
amparo? Que outros fatores evidenciam tais acontecimentos? Estes são
questionamentos vamos tentar responder durante a exposição desta pesquisa,
buscando focar o tema abordado por Francisco Ferraz em sua tese de doutorado
sob o título: A guerra não acabou: a reintegração dos veteranos da Força
Expedicionária Brasileira.
A NOITE, Rio de Janeiro 4 de setembro de 1945. Cabe lembrar, segundo os relatos muitos destes
produtos não chegavam às mãos dos combatentes, onde ficaram? Quanto aos cigarros, de qualidade
duvidosa, os que apresentavam uma jovem loura estampando na carteira, era chamados de Bionda
Cativa (loura ruim),pois não caíram no gosto dos fumantes que preferiam os cigarros americanos
distribuídos entre tropas brasileiras e americanas.
204
3.7 O EMBARQUE RUMO À ITÁLIA DESAFIANDO OS SUBMARINOS DE HITLER
O comandante da FEB, marechal Mascarenhas de Moraes, concentrou todas
as unidades da FEB na capital da República (Rio de Janeiro) ou nas imediações
Valença e Três Rios, dada a impossibilidade de instruir, adestrar e treinar
convenientemente uma divisão de Infantaria cujos elementos das diversas armas
estavam concentrados em cinco Estados.
Transportar esses homens para a Itália foi outro grande problema: não
dispunha, a marinha Brasileira, de navios de passageiros em quantia suficiente para
suprir a necessidade de embarcar tantos homens. O governo brasileiro foi obrigado
a recorrer aos Estados Unidos, que dispunham de uma frota numerosa de navios de
passageiros com acomodação para quatro, cinco, seis mil homens. Devido a vários
problemas surgidos, optou-se pelo envio das tropas separadamente, o que acabou
se tornando uma constante em relação ao transporte dos soldados.
O 1º escalão parte do Rio de Janeiro no dia 2 de julho de 1944, transportando
cerca de quatro mil homens. Os demais seguiram no mês de setembro, ou seja, o
e o escalões juntos, partindo do Rio de Janeiro no dia 22 de setembro de 1944.
Para fechar o quadro do escalão, embarcou o grupamento pertencente ao
Depósito do Pessoal, que ficaria à retaguarda dos combatentes, encarregado dos
suprimentos, sejam eles armamentos, munições e alimentos para os diversos
acampamentos onde estavam os soldados. Os últimos escalões sairiam: O quarto
escalão, no dia 23 de novembro de 1944 e o quinto escalão, no dia 8 de fevereiro de
1945. Desse modo, a FEB completava o seu efetivo na Itália, perfazendo um total de
25.445 homens.
Todos os escalões da FEB atestaram as dificuldades de viajar em um navio
transporte. Aos oficiais eram reservados os camarotes também coletivos, usufruídos
também pelos representantes da imprensa. Aos soldados cabiam os deks, a parte
inferior do navio, com beliches sobrepostos, localizados quase na linha d’água. É
possível imaginar como calor insuportável e a falta de refrigeração, tornavam o
ambiente insuportável. Pensar nas necessidades pessoais dos 5 mil homens ali
retidos por 15 dias, que era a duração da viagem, imaginar as dificuldades
relacionadas à alimentação da tropa, quando era possível servir apenas um refeição
ao dia,são transtornos incalculáveis, mas que emergem na narrativa dos
expedicionários, quando cada qual expressa a seu modo o cotidiano da viagem.
205
A FEB é, então, incorporada ao Exército Americano, depois de muitos
contratempos. Os soldados receberam armamento, equipamentos e viaturas que
estavam sendo esperados com ansiedade; isto não por culpa do comando brasileiro,
mas em função dos americanos que não estavam também suprindo suas divisões na
Itália, pois, nesse ínterim, se preparavam para os grandes embates na costa
francesa, e para lá desviavam tudo o que podiam.
Em seu livro de memórias
346
, Mascarenhas de Moraes tenta explicar os
problemas relacionados à demora do embarque da tropa para a guerra, bem como
as situações que pesaram mais tarde na situação de enfrentamento ao inimigo. As
Memórias mostram a trajetória do jovem que saiu da cidade de São Gabriel (RS),
vivenciou momentos importantes da história política e militar brasileira, até chegar ao
comando da FEB. No prefácio da obra, Moraes assim se manifestou: “Esforcei-me
por dar aos acontecimentos uma narrativa exata. Mais ainda: em relação à
Campanha da Itália, onde exerci o comando-chefe da Força Expedicionária
Brasileira, expus as causae et rationes, isto é, as causas intrínsecas e extrínsecas
de certas decisões minhas, de poucos conhecidas e agora tornadas públicas,
mas de capital importância para interpretação daqueles fatos históricos.”
347
Em muitas ocasiões, pergunta-se qual foi o verdadeiro papel da FEB diante
do Exército Americano. Qual era a posição do comandante João Batista
Mascarenhas de Moraes diante do oficialato americano, de quem o Brasil era
aliado? Entre os veteranos, existe quase uma unanimidade em torno do personagem
do velho marechal. Muitos acham que até maiores desastres não ocorreram com a
FEB, dada a ação do comandante. O comandante da FEB, em seu retorno ao Brasil,
segundo Brayner, teria arcado com todas as responsabilidades diante dos
acontecimentos ocorridos à FEB nos campos da Itália. Talvez seja essa a origem da
aura de respeito que existe em torno do comandante da FEB e da admiração mesmo
daqueles que não o conheceram.
Ao relatar as dificuldades iniciais que enfrentou, Mascarenhas de Moraes,
cujo parecer não pode ser desprezado, embora sutil nos comentários, fornece o
contexto político da época. Um dos problemas levantados pelo comandante diz
respeito à falta de preparo psicológico da tropa, situação que tomou vulto nos
346
MORAES, João Batista Mascarenhas de. Marechal J.B. Mascarenhas de Moraes: Memórias. Rio
de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1984.
347
Ibid., p. 11.
206
campos de batalha, quando os soldados e comandantes foram colocados diante de
duras provas. Também faz menção aos uniformes que não eram apropriados para o
frio italiano, e ainda à questão do suprimento dos novos armamentos que foram
entregues na Itália com muito atraso. Situação semelhante também sofreram os
americanos com suas tropas estacionadas naquela região dos Apeninos.
Passados mais de sessenta anos da participação brasileira na Segunda
Guerra Mundial, são ainda muitas as perguntas que rondam as expectativas não
somente dos historiadores, mas dos simpatizantes dos assuntos ligados à Segunda
Guerra Mundial. São temas diversos, que dizem respeito ao cotidiano desses
homens, dos armamentos, do vestuário, da correspondência, da vida em sociedade
exercitada em tempos de guerra. Mil motivos que levam os pesquisadores aos
arquivos, na busca de fatos e argumentos, como o fez Boris Fausto em um artigo
recentemente publicado, ao chamar a atenção dos historiadores para a participação
brasileira na Guerra Mundial, fator que considerou crucial para a compreensão
desse período da história do Brasil, ainda pouco estudado.
Convocados para a guerra, impelidos assim pelas circunstâncias, os
pracinhas demonstraram uma disposição e uma coragem heróicas,
enfrentando um inimigo muito mais bem adestrado, em condições climáticas
adversas, quando o inverno chegou. Cerca de 460 brasileiros morreram no
conflito, sem mencionar os feridos, sendo mais da metade das mortes
decorrentes da conquista, a duras penas, do Monte Castelo, na cordilheira
dos Apeninos, onde se entrincheiravam os soldados alemães.
348
Dos jornais mimeografados e editados no front durante a Campanha da Itália,
direcionados aos soldados que combatiam, os redatores buscavam recordar dos
fatos passados, mas que permaneceram e se tornaram evidências concretas para as
suas existências individuais e do grupo que se fortaleceu na campanha da Itália.
Faz muito tempo, mais de um ano, que nós estávamos na “Cidade
Maravilhosa” preparando-nos para a guerra. Naquela época, não havia
gente que acreditasse no nosso embarque, os próprios membros da Força
Expedicionária eram os primeiros a dizer que não sairíamos do país.
349
348
FAUSTO, Boris. Soldados Desconhecidos. Folha de São Paulo, 1 de junho de 2008.
349
A TOCHA, 17 de julho de 1945.
207
A demora do embarque dos primeiros escalões da FEB para a Itália,contribuiu
para a divulgação de um anedotário localizado no Rio de Janeiro e que muito
constrangia os febianos, como este publicado no jornal de campanha:
Os exercícios continuavam, foram aparecendo os sacos “A” e o “B.
350
Quem não se recorda sobre as anedotas sobre a FEB? Estas eram
implacáveis contra os expedicionários. Já se formava uma ambiente quase
hostil quando o Escalão partiu para a Itália, sem aplausos, sem
ostentações.
351
Segundo os especialistas, o treinamento da tropa brasileira foi precário,
tornando despreparado o Exército Brasileiro para enfrentar uma guerra moderna. Os
preparativos e o treinamento dos recrutas esbarravam na escola tradicional
francesa, que, durante décadas, havia preparado o oficialato brasileiro em relação
aos novos preceitos que norteavam a posição do Brasil como aliado dos norte-
americanos. Tal situação envolvia a tecnologia representada por novos armamentos,
manuais, instrução e táticas de guerra desconhecidas dos brasileiros.
Armas como o fuzil M1, o morteiro de 60 mm, o lança rojão, a metralhadora
leve de calibre 30mm, o fuzil automático Browning, o canhão anticarro de
57mm e o morteiro de 105mm requeriam manutenção e procedimentos
peculiares que tinham de ser ministrados e dominados. [...] o equipamento
de comunicações da guerra do século XX, como os telefones de campanha
e radiotelegrafia, eram desconhecidos.
352
Outros fatores serão determinantes para a compreensão da participação
brasileira na Segunda Guerra Mundial e serão apontados ao longo desta pesquisa,
mas nada se iguala aos momentos vivenciados pelos soldados brasileiros indo para
uma guerra fora do país, deixando para trás sua família, esposas, noivas e
namoradas, enfrentando situações para as quais não estavam preparados. São
momentos de grandes dificuldades até para soldados mais experimentados que,
colocados diante da prova, não conseguem resolvê-la. O que dizer da Força
350
N.A.: O jornal de campanha ao fazer referência aos sacos A e B, se apropriava da linguagem
usual dos combatentes. No saco A estava contido apenas o uniforme e apetrechos para serem
usados na frente de campanha. No saco B, o restante, como artigos pessoais, que não eram de
primeira necessidade, portanto ficavam na retaguarda. Durante a campanha na Itália, foi dada grande
importância aos homens do saco A, aqueles que realmente estiveram na frente. O saco B ( passa a
ser visto como aquele que não enfrentou guerra ,mas ficou na retaguarda, portanto discriminado
entre os seus pares.
351
A TOCHA, 17 de julho de 1945.
352
MCCANN, op. cit., p. 303.
208
Expedicionária Brasileira, mal selecionada, sem equipamentos e preparo para
vivenciar tantos episódios?
3.8 OS CAMINHOS DE UM PRACINHA: A PARTIDA
Vivemos num tempo em que os conceitos de objetividade estão
supervalorizados em detrimento da sabedoria subjetiva. [...] experiências de
vida valem muito pouco. Vive-se a transitoriedade plena. A cada dia, o
conceito de continuidade é cada vez mais esquecido. [...] é preciso
questionar este mundo transitório pelo qual somos empurrados. Enquanto a
transitoriedade valoriza o presente e a circunstância, [...] as novas gerações
vivem intensamente o presente como se não houvesse futuro e passado.
Nossa sociedade desvaloriza o passado. [...] Numa sociedade dominada
pela sedução do presente, os idosos estão destinados a parecer
gradualmente menos importantes.
353
Os testemunhos, livros e depoimentos, que têm se multiplicado nos últimos
tempos, seria uma forma de enfrentamento dos combatentes frente a este estado
de coisas? Estariam os combatentes, do alto de suas experiências, respondendo à
conclamação do então major da FEB, Francisco Ruas Santos, em 1958, na cidade
do Rio de Janeiro, por ocasião do lançamento do seu livro Fontes para a História da
FEB, em relação à sua preocupação quanto aos destinos da FEB?
No pós-guerra, Rua Santos, detentor de uma das maiores bibliotecas sobre a
FEB e profundo conhecedor da participação brasileira na guerra, publicou vários
artigos em jornais e boletins das associações de veteranos. Eram alertas aos
companheiros, dizendo da importância de uma ação direcionada, para atender a
demanda de uma memória de guerra que não poderia ser esquecida. Neste aspecto,
seus escritos são reveladores: “A verdade é que não temos uma história da FEB [...]
seja como for, não devemos adiar por mais tempo o estudo das fontes dessa
história. Muitos dos expedicionários já faleceram nestes doze anos que nos separam
do término da guerra na Europa.”
354
Pensando no futuro da FEB, do destino natural que a vida conduz, Ruas
Santos expunha claramente o perigo do esquecimento da memória da FEB, pelo
desaparecimento dos seus homens, o que ele justifica com palavras precisas:
353
KAMIA, Ushitaro. Envelhecer dói. Folha de São Paulo, 22 de junho de 2008.
354
SANTOS, Francisco Ruas, op. cit., pp. 5-7.
209
E com o seu silêncio eterno, depoimentos talvez interessantes não poderão
mais ser conhecidos. [...] Todos sabemos que a experiência, os feitos, os
erros e as glórias da FEB, não dizem mais respeito a pessoas apenas. São
patrimônio do país que precisa incorporar à sua História aquilo que o
merecer.
355
Nesta narrativa, buscar-se-ão fatos decorrentes da própria guerra: num dado
momento, a FEB, cuja função inicial era servir como tropa de reserva junto aos
aliados norte-americanos, se vê, de repente, alçada à tropa de primeira linha, tendo
de combater o soldado alemão em suas especialistas, cujas histórias marcantes, os
ligavam às experiências em campo de batalha, tanto na frente russa, como no Norte
da África.
Outro elemento a se integrar aos depoimentos e diários dos pracinhas
brasileiros nesta pesquisa será a participação da imprensa brasileira por ocasião da
guerra. Apesar da ação coercitiva do Departamento de Imprensa e Propaganda e da
censura imposta pelo Estado Novo, uma grande cobertura sobre a guerra foi
desencadeada pelos periódicos brasileiros, com diversas coligações tanto no
território brasileiro, como com a imprensa internacional, fator instigante para esta
pesquisa em função das diretrizes tomadas tanto pelos correspondentes como pelos
editores em si.
É notória a influência e as posturas adotadas pela imprensa local, o
somente em relação à sociedade, extrapolando a propaganda estadonovista, mas
também reforçando a imagem heróica dos soldados brasileiros, criando, desse
modo, um comprometimento do soldado brasileiro frente ao inimigo, pesando
substancialmente na postura do combatente em frente de batalha.
Segundo Isabel Lustosa, quando da publicação recente do seu artigo Insultos
Impressos: a guerra dos jornalistas na Independência do Brasil, ela coloca em xeque
a versão dos fatos propalados pela imprensa. “a palavra impressa tem um peso o
considerável que o critério para ver a tendência autoritária de um governo são as
medidas que toma para cercear a publicação e a circulação dos jornais.”
356
Da experiência da autora acima citada, fica ainda a recomendação aos
historiadores, no sentido de que estes vasculhem e interpretem os jornais, resistindo
ao ‘fetiche da página imprensa’, buscando confrontá-la com outras fontes. Da
355
SANTOS, Francisco Ruas, op. cit., pp. 5-7.
356
LUSTOSA, Isabel. A Verdade que vem impressa nos jornais. Folha de São Paulo, 30 de abril de
2008.
210
mesma maneira alerta aos leitores, lembrando que não texto neutro, pois nele
estão embutidas as paixões e os interesses do jornalista, do editor ou da empresa
jornalística a que estão ligados.
Neste sentido, além dos testemunhos e dos diários dos pracinhas, a narrativa
histórica que se conduzirá, pautar-se-á também pelas fontes impressas e pela
cobertura jornalística, dentro da cronologia que abarca a saída dos soldados
brasileiros e os principais acontecimentos ocorridos em frente de batalha.
Nas narrativas escritas e orais sobre as lembranças do embarque do 1º
escalão brasileiro da FEB, no dia 29 de julho de 1944, para a Itália, é possível
perceber a reconstituição da memória social, individual e coletiva, que remete ao
passado de cada um e à história do grupo social a qual pertenceram os combatentes
brasileiros. Mas as lembranças estão sempre situadas num espaço de tempo e
lugar, não há como se lembrar de um lugar sem que se conte o que nele se viveu.
que se lembrar que todo novo vínculo grupal, como se deu com a FEB,
acaba por fomentar uma adesão de memórias aos fatos importantes ocorridos
naquelas circunstâncias. Dentro desta reflexão, explica Ecléa Bosi sobre os
meandros da memória: “é um ponto de encontro de vários caminhos, é um ponto
complexo de convergências de muitos planos do nosso passado.”
357
Assim, momentos delicados são expressos nos diários como os do tenente
Ernani Ayrosa da Silva, quando recorda de sua partida:
Tinha de me apresentar no quartel, no dia 29 até vinte horas, ocasião em
que todas as Unidades ficariam em condições de abandonar a Vila Militar.
Até o momento, poucos eram sabedores dos destinos de todos nós. Toda
essa movimentação tinha por objetivo manter o sigilo sobre o embarque das
unidades.
358
Pela narrativa de Ayrosa, é possível perceber que medidas diversificadas
consideradas sigilosas, foram adotadas para o embarque dos primeiros soldados.
Todos os contingentes foram acionados, para não ficar muito claro, qual regimento
embarcaria na primeira leva, os demais também se afastariam por alguns dias dos
quartéis,cada uma com destino diferente.Passados oito dias, as que
permanecessem no Brasil deveriam iniciar o regresso aos quartéis e então
ficariam caracterizadas as que tinham seguido além mar.
357
BOSI, op. cit., p.35.
358
SILVA, Ernani Ayrosa da, op. cit., pp.34-35.
211
No caso de Ayrosa, segundo seu testemunho, a situação era um pouco
diferente dos demais:
Minha família, pela situação inopinada da transferência para o R.I , era
sabedora do meu embarque definitivo. Foram cinco dias difíceis. Nada era
comentado em minha casa. Meus pais procuravam disfarçar o estado de
preocupação em que se encontravam. Meu último jantar com a
família,reuniu todos os parentes.
359
Da ansiedade que margeava o pensamento dos soldados que embarcariam
no primeiro escalão era patente a preocupação de todos, principalmente em relação
ao destino do contingente. A partida para o desconhecido assustava a todos. Afinal,
seguiriam para a África, ou seria a Europa? A agitação dentro dos quartéis é exposta
na narrativa de Ayrosa:
Quando cheguei ao quartel do 6º R.I., o clima estava por demais agitado.
Na plataforma, nos fundos do quartel, estava estacionada a composição
que nos conduziria ao cais do Porto para o embarque nessa noite, de 29 de
junho de 1944, com o Primeiro Batalhão. O trem que nos conduziu fez todo
o percurso com as luzes apagadas e as cortinas abaixadas. Ao atingirmos o
Cais do Porto, em torno das vinte e três horas, várias autoridades se
encontravam. Nosso batalhão deixou o trem ordeiramente, embarcou,
ocupou os lugares determinados e assumiu os serviços a bordo. Quando
passávamos uma primeira revista à tropa embarcada, foi anunciada, pelo
microfone do navio, a presença do Presidente da República a bordo. Vinha
fazer a última visita aos integrantes da FEB, e na ocasião proferiu curto
discurso de despedida, apresentando votos de felicidades no cumprimento
da missão.
360
Sobre o embarque dos soldados que seguiram para a Itália no Escalão da
FEB, é importante o diário de guerra de Ítalo Diogo Tavares, intitulado Nós vimos a
cobra Fumar. Segundo o próprio autor, foi escrito em meio aos preparativos para o
embarque da tropa no dia 29 de junho de 1944 e retrata as esperanças e
frustrações, mescladas à inocência da juventude. Em outros momentos, segundo
sua narrativa, denota a revolta pessoal diante da incompetência do comando.
Ao se reportar ao momento de prontidão do seu grupo, no dia 29 de junho ele
recorda:
Estamos de prontidão às 17h. A informação que nos foi prestada era que
iríamos passar 15 dias no campo, tendo instrução no âmbito do Regimento
de Infantaria, porém nós tínhamos impressão que seria o embarque para os
359
SILVA, Ernani Ayrosa da, op. cit., pp.34-35.
360
Id.
212
campos de batalha. O meu capitão deu-me três horas para ir em casa me
despedir de minha família.
361
Retornando a sua casa, Ítalo Diogo encontrou-se com sua mãe a senhora
Marcilia, segundo o combatente, foi um momento de grande tensão já esperado:
Foi difícil abordar o assunto que me levava a casa. Já sabia que minha mãe
não resistiria a minha partida. [...] Nem me recordo como fiz ver a ela que
devia partir. Creio que balbuciei algumas palavras. O tempo era tão curto.
Não foi possível me despedir do meu pai e de meus avós.
362
Na pressa do momento, Ítalo presta as últimas informações sobre como ela
deveria fazer para se corresponder, dando os indicativos necessários. O momento é
de grande tensão, que ficou gravado em seu diário: “ela não resistiu e, chorando, me
disse: ‘Vai meu filho, vai’. Saí com os olhos cheios d’água. O momento da partida
não me sairá jamais da lembrança”. No seu retorno ao quartel, o intenso trabalho
de lacrar portas, de queimar os papéis, deixar e limpar o alojamento todo, causava
muita tristeza a todos “tal apreensão nos deixava um pouco tristes. Porém, sentia-
me contente por embarcar para defender o meu Brasil”.
363
No discurso de Ítalo
Diogo, fica expresso o senso de patriotismo assinalado, que é demonstrado também
nos testemunhos de outros pracinhas por ocasião do seu embarque para a Itália.
Assim como a de outros embarcados, a sensação de Ítalo Diogo era de
apreensão. Porém, em outros relatos, muitos soldados estampavam contentamento
e felicidade, quem sabe até pela demora com que o processo de embarque vinha
ocorrendo, criando momentos de instabilidade e questionamentos entre a tropa.
Neste momento, eu me lembrei dos meus amigos que eu deixava no Rio.
[...] Enfim, lembrei-me de todo o meu passado. Iria seguir para uma terra
desconhecida, onde se falava uma língua diferente da nossa e os costumes
seriam completamente diferentes.
364
Transportar tantos homens para a Itália foi um grande problema, a Marinha
Brasileira não dispunha de navios de passageiros em quantia suficiente para suprir
tais necessidades. O governo brasileiro foi obrigado a recorrer aos Estados Unidos
361
TAVARES, Ítalo Diogo. Nós vimos a cobra fumar. Salvador: P&Gráfica e Editora Ltda, 2003,
pp.11-12.
362
Id.
363
Id.
364
Id.
213
que dispunham de uma frota de navios cargueiros, adaptados para a emergência da
guerra. Na impossibilidade de embarcar todos de uma vez, optou-se pelo envio
das tropas separadamente, o que acabou se tornando uma constante em relação ao
transporte da tropa.
Segundo o coronel José Machado Lopes, comandante do Batalhão de
Engenharia da FEB, em seu esclarecedor livro 100 Vezes Responde a FEB, além da
dificuldade sobre o transporte dos soldados para a guerra, pairava no ar o destino
desses homens. “Inicialmente, não sabíamos qual o nosso destino. Seria o sul da
França ou a Itália? quando rumamos para Nápoles é que tivemos a confirmação
de que seríamos incorporados ao V Exército americano.”
365
Dos dados apresentados por Machado Lopes, é possível ter uma idéia mais
aproximada da maneira como ocorreu o embarque dos 25 mil soldados brasileiros.
Buscando descrever as embarcações que por um determinado tempo ficariam
encarregadas de conduzir estes homens, ele deixou registrado:
Tratava-se de embarcações deslocando cerca de 15 mil toneladas, com
armamento próprio para a defesa antiaérea e anti-submarina, mas que em
velocidade de cruzeiro baseava a sua principal defesa. A capacidade de
cada navio era na ordem de 5 mil homens embarcados que se distribuíam
por seus cinco ‘decks’ nos quais se encontravam os compartimentos com
três ordens de macas (camas de lona) superpostas. Não possuindo
escotilhas (janelas), eram dotados de um sistema de ar condicionado que
deveria tornar suportável o ambiente, principalmente à noite, quando se
fazia o escurecimento total do navio. É cil calcular o que suportaram os
integrantes da FEB durante a travessia do Atlântico, que durou em média
quinze dias: ao temor de um possível torpedeamento se juntava o enjôo,
numa temperatura asfixiante, por não funcionarem os aparelhos de ar
condicionado e com a obrigação de manterem o navio sempre limpo.
366
A saída dos diversos escalões iniciou no dia 2 de julho de 1944, com o navio
General Mann, por ocasião do embarque de 5.075 homens do escalão. Nele,
estavam presentes o comandante da FEB, general Mascarenhas de Moraes, e
Zenóbio da Costa, que comandou a Infantaria Divisionária e outros segmentos da
própria FEB, que seriam responsáveis pelo andamento da guerra, como o caso do
pessoal da Intendência, responsável pela manutenção de reservas para a tropa,
quando tal situação dizia respeito não somente ao armamento e munição dos
365
LOPES, op. cit., p. 26.
366
Id.
214
combatentes, mas a produtos relacionados à alimentação dos soldados e até a
uniformes.
A situação dos soldados embarcados era muito difícil e se pode imaginar o
sofrimento de muitos na permanência obrigatória e vigilante nos quinze dias de
duração da viagem até a Itália, enclausurados no porão do navio. Muitos se referem
a este percurso, que marcou as memórias de comandantes a comandados, cujos
registros ocuparam dezenas de diários e de testemunhos marcantes. Do alto
comando, o general Lima Brayner, que foi chefe do Estado Maior da FEB e viajou
junto ao escalão, em um livro polêmico, assim expôs o episódio: “O ambiente
geral era melancólico, triste mesmo. Nenhum sinal de entusiasmo, talvez devido à
surpresa que assaltou a todos e à severidade do segredo que dominava os mínimos
atos ligados ao embarque.”
367
O serviço de refrigeração não funcionou, pode-se imaginar o calor infernal
pelo qual passaram os soldados, cujos compartimentos, os ‘decks’, ficavam abaixo
da linha d’água. Eram compartimentos estanques com capacidade para 200
homens, com camas superpostas de 4 em 4. Prosseguindo na narrativa do cotidiano
a bordo, Brayner destaca outras referências:
Não havia lavanderia à nossa disposição, cada qual lavava a sua roupa. A
comida era muito saudável, pois prevalecia a questão da qualidade à
quantidade. Imagine, duas refeições servidas ao dia. Para alimentar 6 mil
homens, foi possível assim, às 9h e às 16h, tinha direito a uma
refeição quem prestasse serviços a bordo.
368
Segundo vários testemunhos, não havia o que reclamar das refeições. O
cardápio servido a bordo do navio era constituído de produtos usados na
alimentação dos norte-americanos: produtos desconhecidos da alimentação dos
soldados brasileiros, como, por exemplo, o rice krispies. Era servido leite, bem como
bacon, omelete, frutas em calda, creme, café e geléia. A comida com sal geralmente
era ofertada com os pré-cozidos, como o feijão branco, carne e batata. Tais iguarias
não foram muito bem recebidas pelos soldados, que reclamavam da comida ser
doce. Sentiam falta os recrutas do arroz e feijão, carro chefe da alimentação de
milhares de brasileiros. Por outro lado, o enjôo estomacal cotidiano sentido por
367
BRAYNER, op. cit., 1968, p. 30.
368
Id.
215
muitos tolhia qualquer desejo de fazer uma farta alimentação. Muitos passaram
vários dias alimentando-se apenas de frutas.
Enquanto os soldados eram obrigados a permanecer no porão do navio
grande parte do dia, por questões de segurança, os oficiais ficaram melhor
acomodados, pois ocuparam camarotes coletivos, geralmente de 11 pessoas,
agrupados pelos postos hierárquicos exercidos nos quartéis. Em seu diário, o
tenente Ítalo Diogo lembra das acomodações.
Coube a mim um camarote do qual faziam parte mais 11 companheiros,
todos tenentes, como eu. [...] Para nos fazer levantar pela manhã, tocam na
corneta umas notas à americana e, depois, uma voz diz: ‘alvorada,
alvorada, os praças devem se preparar para o pequeno almoço.’
369
A aparente pouca comida servida no restaurante do navio, para muitos, dava
a sensação de muita fome, pois os praças estavam acostumados à farta refeição
que era servida nos quartéis, principalmente nas porções de arroz, feijão e carne
seca. Mas, a partir do dia, as cantinas americanas foram abertas e todos podiam
se abastecer de outros produtos, principalmente do chocolate, que agradava a
todos.
Todos os embarcados tinham consciência, principalmente os soldados, de
que se, por ventura, ocorresse um torpedeamento, dificilmente escapariam, pois,
como evacuar o navio às pressas com milhares de pessoas? Por outro lado, uma
viagem longa proporcionava todo o tipo de pensamento, pois as notícias não eram
repassadas e a situação de viajar em comboio, com os navios contra torpedeiros
seguindo ao lado do navio principal, gerava insegurança, pois a qualquer momento o
navio poderia ser atacado. Os exercícios de ‘tiro’ dos tripulantes americanos não
poderiam ser confundidos com um ataque?
Após 36 horas do embarque dos soldados e dos seus comandantes do
escalão, finalmente, no dia 2 de julho, o grande navio vai deixando o Rio de Janeiro.
Muitos retratam os últimos momentos em águas nacionais, com seus depoimentos
carregados de emoção, como aconteceu com o chefe do Estado Maior da FEB, Lima
Brayner, anos mais tarde e também na descrição de outros combatentes.
Finalmente, o navio General Mann vai deixando o porto entre navios
mercantes e barcos, levando no seu bojo o Contingente brasileiro. Se o povo
369
TAVARES, op. cit., p.14.
216
tivesse sido avisado, as amuradas, os cais e centenas de embarcações estariam na
vigília para o último adeus, na reflexão de Brayner. assim o povo acreditaria na
realidade, ele próprio conjetura: “Mas a verdade é que isto poderia ter custado uma
tragédia, logo ao ganharmos o alto-mar. Os submarinos alemães estavam de tocaia
e nós estávamos praticando um perfeito ato de guerra.”
370
Quando o navio ia deixando a cidade ao longe, no tombadilho os soldados
aos poucos iam se despedindo da paisagem brasileira. Passaram pelo Forte da Laje
e pela Fortaleza de Santa Cruz, as guarnições estavam formadas, no alto das
muralhas e da grande cúpula. As bandeiras multicores e trêmulas içavam os votos
fraternos de “Boa viagem”, enquanto a tropa erguia hurras e permanecia em
continência. “[...] À frente, muito à frente, esgueiravam-se entre as ondas, em alta
velocidade, os três destróieres da escolta brasileira, abrindo caminho, com uma
disposição e audácia que nos enchiam de orgulho.
371
Da maneira de ser de cada um, da sua visão de mundo, de seu estilo
particular de escrever, surgem as narrativas que vão desvendando os olhares para
os episódios marcantes, do que constituiu para cada um,, a saída do Rio de Janeiro
embarcando para a guerra. A descrição do sargento Boris Schnaiderman é um
destes momentos, que retrata a delicadeza da lembrança dos homens que não
tinham muitas certezas sobre os caminhos a seguir, nem sobre o que os esperava lá
adiante. “E, eis-me também, mares afora, rumo ao meu destino ignorado. Olho as
caras incolores dos companheiros e vejo refletido nelas o meu olhar de indiferença,
os meus próprios gestos mecânicos, a minha própria entrega ao monstro que nos
transporta”.
372
O diário dos combatentes descreve também as jornadas do cotidiano da vida
de quem está no navio. Do convívio forçado entre milhares de homens, onde o
público invade o privado, mudam-se os comportamentos, fortalecem-se as amizades
e conjetura-se sobre o futuro,como no relato do sargento Schnaiderman :
Suamos em bica, pois os alto-falantes, categóricos e impessoais, impondo
um novo tipo de disciplina, mais difícil de suportar que os impropérios do
pior dos oficiais, transmitiram a ordem de usar o salva-vidas. Estes são uma
370
BRAINER, op. cit., p. 30.
371
Id.
372
SCHNAIDERMAN, Boris. Guerra em Surdina: histórias do Brasil na Segunda Guerra Mundial.
São Paulo: Brasiliense, 1995. pp.35-36.
217
espécie de casacões grossos e feios, cheios de algo que parece algodão ou
paina comprimida, e que logo recebem apelido de morcegão.
373
À bordo, nas filas constituídas para as duas refeições diárias, continua
Schanaiderman:
[...] a caneca de café dançando sobre a travessa de estanho, raspando nela
com um som angustioso, um cheiro penetrante de cozinha e tinta fresca, o
calor, a roupa grudando no corpo, o gira-gira da cabeça, a névoa nos olhos,
a zoeira nos ouvidos, os restos de comida que se atiram num latão cheio de
líquido asqueroso, a lufada de ar frio que atravessa os pulmões quando se
sobe ao convés, o bate papo, o carteado.
374
São palavras que descrevem o cenário, onde a memória congelou o tempo,
na impossibilidade se levar ao esquecimento.
Neste instante, mesmo para o historiador, cabe também a narrativa poética, a
evidenciar os fatos. No relance, imagina-se - o sargento Schanaiderman teria voltado
às suas anotações? Como as teria feito - Talvez no tombadilho do navio, em um
daqueles momentos lúgubres, quando o navio em marcha regular vai cruzando as
águas serenas. Quem sabe!... Pouco importa, a mensagem é bela e vale a pena ser
transcrita
[...] o mar cinzento e triste, as dificuldades para encostar o corpo, que
parece quebrado na roda de tortura, novamente a fila, o escurecimento
geral às cinco e meia, depois da ordem transmitida pelas goelas enormes e
impassíveis dos alto-falantes, o fechamento das portas para o convés, o
calor cada vez mais sufocante, a morrinha do suor que se espalha pelo
compartimento, as luzinhas vermelhas e foscas que desenham na escuridão
contornos mal definidos, o crescente balançar do navio, que repercute como
golpes no crânio, o corpo que se atira mecanicamente sobre o leito de lona,
os dias e as noites, mar e céu, céu e mar, mais filas, mais escurecimento,
os companheiros que vomitam, e eu que tenho de rondar.
375
O maior embarque de soldados da FEB deu-se no dia 22 de setembro de
1944 em dois navios. A bordo do primeiro, General Mann, saíram 5.075 mil homens,
que compunham o 2º Escalão. Nele, estava o Comandante da Artilharia Divisionária,
o general Cordeiro de Farias; o Regimento de Infantaria, conhecido como
Sampaio; partes do grupamento do 9º Batalhão de Engenharia; o Batalhão de
373
SCHNAIDERMAN, op. cit., pp. 35-36.
374
Id.
375
Id. N.A.: O ato de rondar, que Schnaiderman faz referência é a vigia que se fazia durante todo o
dia pelos compartimentos do navio, para as ressalvas de segurança.
218
Saúde; o Serviço Postal; o Serviço de Justiça; correspondentes de guerra e o Banco
do Brasil.
O outro navio era o General Meigs. Nele, embarcaram os 5.239 homens do 3º
Escalão, formado pelo 11º Regimento de Infantaria, pelos componentes do
recompletamento dos grupos que haviam embarcado anteriormente e pelo Pelotão
de Sepultamento. Comandando este grupamento estava o general Olimpyo
Falconiere da Cunha.
O Escalão da FEB saiu do Brasil a bordo do navio General Meigs, no dia
23 de novembro de 1944, com 4.691 homens. Nele, estava o 1º Escalão do Depósito
do Pessoal da FEB.
O Escalão saiu do Rio de Janeiro no dia 8 de fevereiro de 1945 e foram
embarcados 5.082 homens com o restante do grupo do Depósito do Pessoal. Por via
aérea, foram transportados 111 elementos, dos quais 67 eram enfermeiras.
Muitos destes escalões ainda nem tinham saído do Brasil, quando a imprensa
brasileira, a partir de 18 de julho de 1944, irrompeu em manchetes vibrantes que
anunciavam a chegada em segurança a Nápoles, dois dias antes de o primeiro
contingente chegar à Itália. Em atitude inusitada, os jornais, por meio de suas
colunas e editoriais, por todo o país, anunciavam o idealismo da nação ao buscar
combater os bárbaros nazi-fascistas e retratavam o Brasil erguendo-se em defesa
das instituições democráticas da liberdade.
3.9 COBRAS FUMANDO
376
: O BRASIL ESTÁ PRESENTE
O título acima foi veiculado pelo Jornal do Brasil, no dia 19 de julho de 1944,
no Rio de Janeiro, logo após a chegada do primeiro escalão brasileiro de
combatentes à Itália. A cobertura da participação brasileira na guerra pela imprensa
autorizada pelo governo do Estado Novo mereceria um capítulo à parte, dada a
conotação adotada na veiculação das notícias, que, durante muitos meses,
ocuparam as principais manchetes dos jornais brasileiros, numa linguagem
376
N.A.: Cobras fumando, o termo é originário de um caudal de lendas, que se sobrepõem em uma
explicação central: De acordo com os pracinhas, conforme a história era contada no Rio de Janeiro,
dada a dificuldade da FEB embarcar para a Itália, pois muitos achavam que a guerra estava
terminando era mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil ir para a guerra.” Basicamente esta
explicação ficou retida no imaginário de muitas pessoas e dos próprios soldados.
219
grandieloqüente, enaltecendo o valor combativo dos homens da FEB, muito antes de
o Brasil dar o primeiro tiro, como evidencia McCann.
FIGURA 1 – A COBRA QUE FUMA
FONTE: Acervo da autora.
A imprensa dizia aos brasileiros que seus filhos estavam conquistando para
o Brasil o direito de participar da reconstrução da sociedade internacional do
pós-guerra. Embora muita gente, indubitavelmente, acreditasse que os
corajosos rapazes da FEB desempenhavam uma ação de pura
generosidade, a ironia de uma ditadura enviando o seu exército através dos
mares para libertar povos oprimidos não passava despercebida. Para
muitos, a FEB era a garantia de que Vargas honraria o seu compromisso de
1943, de fazer o país retornar à regra constitucional.
377
As expectativas da imprensa em relação à importância da representatividade
brasileira na guerra eram anunciadas diariamente ao público leitor, nos principais
jornais da cidade e reproduzidas em outros periódicos, por força das coligações que
eram feitas pelos diversos setores da imprensa brasileira, interessada em fazer parte
do ‘pool’ que iria cobrir os acontecimentos em frente de batalha.
Os jornais de maior circulação no Rio de Janeiro se manifestavam durante
o embarque do escalão, ressaltando as esperanças dos brasileiros. O editorial de
O Jornal, em 19 de julho de 1944, dizia estar orgulhoso de o Brasil estar cumprindo
o seu destino histórico e desempenhando “um papel coerente com a realidade de
uma grande potência.”, ou ainda, “A FEB era a demonstração de que a Nação
“estava preparada para assumir as responsabilidades totais da aliança com os
Estados Unidos.” Já o jornal O Globo expressava a confiança de que, nas mãos dos
377
MCCANN, op. cit., p. 318.
220
pracinhas, a Bandeira Brasileira não seria vilipendiada. O jornal Diário da Noite
explicava o prosito da FEB, a esperança dos brasileiros: “com a presença das
tropas, nos lançamos como grande nação junto às potências livres.”
378
que se perguntar qual foi o real papel da imprensa brasileira durante o
período em que a FEB fez o seu combate na Itália. No projeto estadonovista,
segundo Lucia Lippi Oliveira, a dimeno ideológica assume um papel
preponderante, na medida em que constituiu uma doutrina “obrigação política” para
a sociedade civil. Neste aspecto, a cidadania é redimensionada por essa doutrina,
que busca envolver os diversos setores sociais na política do Estado. A preocupação
maior consistiu em construir uma estratégia político-ideológica capaz de legitimar a
existência do regime frente à opinião pública.
379
Segundo levantamento do marechal Machado Lopes, a imprensa brasileira
fez-se representar junto à FEB pelos jornalistas correspondentes, que,
“abnegadamente, documentavam com as suas crônicas não os feitos
extraordinários dos nossos pracinhas, como até passagens pitorescas da vida na
frente.”
380
FIGURA 2 – OS CORRESPONDENTES DE GUERRA BRASILEIROS
FONTE: Acervo da autora.
378
MCCANN, op. cit., p. 318.
379
OLIVEIRA, Lucia Lippi, op. cit., p. 93.
380
LOPES, op. cit., p.49.
221
Dos jornalistas acreditados junto à FEB, O Globo enviou Egydio Squeff; em
nome dos Diários Associados, foram Joel Silveira e José Leite; O Diário Carioca era
representado por Rubem Braga; o jornalista Raul Brandão atuou junto Correio da
Manhã; enquanto a Agência Nacional acabou enviando dois jornalistas, Thassílio de
Campos Mitke e Sylvio da Fonseca. As principais notícias que temos da época da
guerra, foram conduzida por estes profissionais.
Além dos jornalistas brasileiros, a FEB contou com um bom número de
correspondentes estrangeiros como Francis Hallawell, correspondente da BBC
(British Broadcasting Corporation); também com Henry Bagley, da Associated-Press;
com o tenente coronel, Carrel Peck, da coordenação de Assuntos Interamericanos e
com Clinton Conger, da United Press.
FIGURA 3 – FRANCIS HALLAWELL
FONTE: HALLAWELL (1946, p. 17)
A Imprensa filmada foi representada pelos cinegrafistas Allan Fisker, Frank
Norall, Horacio Coelho Sobrinho, Fernando Stameto, Silvio da Fonseca e Abelardo
Cunha.
Os jornais dos batalhões apareceram em profusão. Os mais conhecidos eram
A Cobra Fumou, do Batalhão do 6º Regimento de Infantaria; O Sampaio, do R.
I.; o Carioca, uma publicação do Serviço Especial da Divisão de Infantaria do
Exército; o Brasil Ultramar; O Chicote e a Tocha, este ultimo uma publicação que
222
existiu durante o retorno dos soldados brasileiros no navio General Meigs. Dos
jornais que surgiram nesta fase, o Cruzeiro do Sul era o órgão oficial da FEB Grande
parte destes jornais, buscava informar os soldados sobre os acontecimentos da
guerra na Europa, principalmente as noticias que vinham da frente alemã.
381
A leitura minuciosa destes tablóides, pode fornecer dados relevantes para o
pesquisador que se proponha a verificar as tendências de seus redatores. No caso
da imprensa produzida nos batalhões, seus redatores eram todos oficiais da mais
diversificada escala hierárquica da FEB, mas que contava com outros
colaboradores, entre os quais soldados. Neste ponto, é possível perguntar: qual era
a ótica de um jornal de batalhão? Havia liberdade de expressão, ou o controle de
uma censura prévia?
Muitos dos jornais brasileiros, mesmo os que haviam enviado seus
correspondentes, dependiam estritamente dos censores que atuavam junto ao
Exército Brasileiro. Para o envio de uma notícia, era necessária, primeiro, a
autorização destes responsáveis, que, por sua vez, as enviavam ao Brasil e, aqui, o
DIP funcionava como central catalizadora e distribuidora das notícias da guerra.
em território brasileiro, ocorria uma ramificação entre os jornais conveniados, que
funcionavam como multiplicadores das informações. Nesta rede de influências e
agregados da imprensa, devidamente autorizados a reproduzir as matérias que
vinham do front, é possível destacar os seguintes periódicos: Diário da Noite, A
Notícia, A Noite, Jornal do Comércio, Tribuna Popular, A Democracia, A Manhã, O
Radical, O Jornal, Correio da Manhã e Jornal do Brasil, dentre outros.
Buscando dar ênfase à chegada do Escalão da FEB na Itália, estes jornais
destacavam manchetes de vibrante confiança nos soldados brasileiros. Muitas
vezes, tais editoriais eram reforçados também pelos correspondentes de guerra,
que, sem conhecer a realidade da tropa rem chegada, publicavam informações
improcedentes.
381
N.A.: Sobre os nomes dos jornais dos batalhões, cabe uma explicação: A Cobra Fumou é uma
referência ao mbolo máximo da FEB, ou seja a cobra desafiadora que vence obstáculos. O
Sampaio homenageava o próprio regimento e combatente Sampaio o seu patrono morto na Guerra
do Paraguai. O Carioca lembrava o uniforme de brim do combatente brasileiro pela sua cor ser
igual ao do papagaio personagem de Walt Disney e que fazia muito sucesso na época da guerra. O
Chicote, tinha intenção de ser um jornal critico que pudesse bater fortemente nos episódios,
resoluções e pessoas que contrariavam o bom andamento do regimento.A Tocha, na linguagem dos
expedicionários, significava fugir, escapulir, era muito usado quando os soldados saiam às
escondidas para um passeio, visitar uma cidade, promover algo que não era permitido na disciplina
militar.
223
A 19 de julho, muitas notícias sobre os combatentes iam chegando ao Brasil,
dando detalhes do desembarque do Escalão da FEB. Um dia antes, o
correspondente norte-americano, Clinton Conger, da United Press, havia reunido
os principais dados sobre a tropa brasileira, que foram publicados no Brasil sob o
título Pisam o solo italiano os soldados do Brasil. De acordo com os jornalistas que
se encontravam de plantão no porto, as tropas brasileiras chegaram a poles às 9
horas da manhã, realizaram o primeiro desembarque às 18 horas, o qual foi
encabeçado pelo comandante chefe brasileiro, general Mascarenhas de Moraes,
antes que o general norte-americano Jacob L. Devers subisse ao transporte que
conduziu as forças expedicionárias. Em seguida, a tropa desembarcada carregou os
diversos caminhões destinados à condução de seu equipamento e marcharam para
a estação sob o sol abrasador de Nápoles, nesta época do ano.
Ainda de acordo com o jornalista Clinton Conger, após entrevistar alguns
oficiais e saber destes, os motivos da presença de um contingente tão expressivo,
obteve a seguinte colocação: “Segundo declararam os oficiais brasileiros presentes,
essa força constitui o contingente avançado da FEB. [...] São essas as primeiras
tropas latino-americanas enviadas para combater ultramar, embora o Brasil
tivesse tido uma experiência na primeira guerra mundial.
382
No dia 21 de julho de 1944, o jornal A Noite estampava as palavras do
comandante da FEB, ao desembarcar em poles: “Apurem-se bem, porque há
muito trabalho para nós de agora em diante”. Neste mesmo dia, pequenas notícias
davam conta da manifestação estrangeira diante da chegada dos brasileiros: Nova
York: órgãos da imprensa local tecem grandes elogios ao general Mascarenhas de
Moraes, comandante da FEB, pela solicitude com que trata os seus soldados.
Falando à imprensa, esse general declarou que não descansará enquanto os
alemães não forem aniquilados.”
No dia 30 de julho de 1944, O Jornal destacava o embarque dos
expedicionários para a Itália:
se encontram contingentes de nossa Força Expedicionária Brasileira em
território da Itália, ansiosos para entrar em luta contra os nazistas. Podem,
agora, ser divulgados detalhes da partida dessas tropas para o teatro de
guerra europeu. O presidente Getúlio Vargas e o ministro Eurico Gaspar
Dutra estiveram a bordo, examinando todo o material destinado aos
mesmos. O titular da pasta da Guerra teve oportunidade de pronunciar
382
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 19 de julho de 1944.
224
palavras de incentivo aos bravos combatentes brasileiros que o
desagravar a honra nacional.
383
No mesmo mês de julho de 1944, o jornal O Globo, em sua manchete,
anunciava: “Prontos para a primeira batalha os soldados do Brasil.” Nas declarações
prestadas à imprensa, o general Mascarenhas de Moraes declarou que o Corpo
Expedicionário havia sido beneficiado com as observações colhidas na linha de
frente. Naturalmente, diante da expectativa, sobre o que esperavam da ação dos
soldados brasileiros em frente de campanha, o comandante procurou manter sempre
uma postura de cautela.
Dei ordens - disse ele - para que a bandeira que tremulou no primeiro dia do
acampamento fosse guardada para ser usada na primeira batalha que
travemos com os alemães. O general Mascarenhas de Moraes fez esta
declaração no curso da palestra que manteve com os correspondentes ao
terminar na noite passada uma reunião do seu Estado Maior.
384
Declarou com entusiasmo sua satisfação pela significativa recepção
concedida aos brasileiros pelos norte-americanos e se referiu também às felicitações
que lhe enviou o presidente Vargas, quando suas tropas chegaram a salvo em
Nápoles.
Mal o primeiro Escalão da FEB chegara ao Porto de Nápoles, a presença de
jornalistas americanos era significativa e constituía algo inusitado. Diante da política
da boa vizinhança, algo que vinha se firmando desde as políticas de bastidores
que foram o prenuncio da participação brasileira na guerra, tinha por objetivo selar
os votos de amizade, ao tempo em que usariam o material das entrevistas para
serem divulgadas em rede por todo o território americano e brasileiro. Tal fato era
possível constatar pela presença mais tarde, desses repórteres estrangeiros nos
acampamentos brasileiros e pelas noticias divulgadas pelo DIP por meio dos jornais
agregados, mas sempre assinadas por jornalistas estrangeiros.
Como todo o noticiário de guerra seja por meio da imprensa falada ou escrita,
passava pela censura, os americanos também usaram desse expediente com muita
sutileza. Em recente estudo sobre a imprensa americana na época da guerra,
justamente na região de Bolonha, os autores de Combat Photo (1944-1945),
383
O JORNAL. Domingo, 30 de julho de 1944.
384
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 27 de julho de 1944.
225
destacaram os procedimentos e como eram as relações entre a imprensa e o Chefe
do Estado Maior do Exército Americano, da Marinha e da Aviação Americana. Os
italianos acharam muito estranho o rígido o esquema de cobertura dos fatos que
ocorreram na Itália:
[...] per strano que possa sembrare, più attiva e ciega nel paese della
democrazia che in qualsiasi altra nazione in guerra, perché i militar, pur
fotografando e filmando tutto, non pubblicizzaro tutte informazioni o
immagini che arrivarono nei loro uffici, ma tennero per classificandole
come documenti militari, Secret o Restricted.
385
Mesmo algumas revistas como a Life”, a Weekly”, a Picture Post”, cujos
fotógrafos e correspondentes gozavam de certa autonomia de ação, pois estavam
creditados a determinados comandos. Mesmo assim, todas as informações e
imagens passavam pelo serviço de censura.
Quando o navio general. Mann aproxima-se Nápoles, os correspondentes
americanos, ávidos pelas informações, resolveram fretar um pequeno rebocador,
para tentar alcançar o navio transporte com os soldados brasileiros, que já se
encontrava na altura da Ilha de Capri. Foi a tentativa, pois o navio transporte
seguia mais rápido, o pequeno rebocador fez meia volta, enquanto os soldados
brasileiros, debruçados nas amuradas, “torciam” pela vitória do insignificante
rebocador que desafiava a velocidade, bem reduzida, do grande transporte de
guerra.
As noticias chegadas no Brasil mostravam algumas novidades: No
desembarque, no cais, buscando se conduzir pelas novas normas, que acenava
para a inserção entre os militares , os oficiais brasileiros carregavam para terra suas
próprias bagagens em seus volpacks, do mesmo modo que os soldados
carregavam suas mochilas e sacos. Poderia ser visto como algo normal, mas era
perceptível o início das mudanças, desse modo, a quebra hierárquica proporcionada
pelas novas diretrizes, mostrava algo difícil de acontecer no Brasil antes da guerra.
Para os oficiais oriundos da escola francesa, jamais um oficial carregaria seus
385
PATTICHIA, Vito; ARBIZZANI, Luigi. (org.) In Combat Photo (1944-1945) L’Ammnistrazione
militare alleata dell’ Appennino e la liberazione di Bologna nelle foto e nei documenti della Armata
Americana. Bolonha: Grafis Edizone, 1994, pp 310-311. Por estranho que possa parecer, nesse país
que se diz democrata, muito mais que outra nação em guerra, seus militares que fotografam e filmam,
não publicam todas as informações ou imagens que chegam nos seus escritórios, mas apenas os
classificam como documentos militares, registrando-os como Secreto ou Reservado.
226
pertences. Era a sinalização de novos tempos para o Exército Brasileiro, que partia
para a modernidade.
Muitos soldados do R.I. foram entrevistados, pois os correspondentes
queriam saber como tinha sido a viagem. Sobre os soldados brasileiros, dizia o
jornal:
O sentimento geral de todos os soldados de bordo parece ter sido resumido
com fidelidade nas palavras do sargento Helio Marques - um artilheiro de
cabelos ruivos, que era estudante de odontologia no Rio de Janeiro –
Naturalmente, estamos muito satisfeitos... Por que não? Boa comida, boa
viagem, muita rapidez, boa camaradagem, nenhuma interferência do
inimigo... E, depois, a grande recepção.
386
Foi destacada também, na mesma edição, a quebra do rigorismo das
autoridades americanas em relação aos pertences pessoais que os soldados
portavam durante o desembarque em Nápoles.
A mesma quebra ocasional e simpática de certos rigorismos característicos
dos soldados norte-americanos também pode ser observada entre os
brasileiros que desembarcavam. É claro que os instrumentos musicais não
são nunca considerados como equipamento essencial de guerra, mas os
marinheiros e fuzileiros norte-americanos sempre os trazem consigo. Agora
com a chegada dos brasileiros, bem se pôde ver que entre as mochilas e
sacos de lona, chegavam cuidadosamente, resguardados, certos volumes
sobraçados por soldados brasileiros, e cuja forma não permitia enganos -
eram violões, nem sempre muito bem disfarçados.
387
Outros jornais brasileiros buscaram dar destaque à chegada dos soldados à
Itália. Com o título Nossa Contribuição, o Diário de Notícias chama a atenção dos
seus leitores para a relevância daquele momento histórico, que resumia os
preparativos quase infindáveis da FEB para ir à guerra, em alguns momentos até
desacreditada, não apenas pela população, mas por outros, cujos interesses
escusos nunca ficaram muito claros:
A notícia da chegada das forças expedicionárias brasileiras a Nápoles
representa a conclusão feliz de um dos aspectos mais importantes do nosso
esforço de guerra. Alargamos desse modo nossa participação na luta,
contribuímos com suor e sangue para a derrota do nazismo.
388
386
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 27 de julho de 1944.
387
Id.
388
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 18 de julho de 1944.
227
O Diário de Noticias, busca chamar a atenção dos leitores, para a questão de
honra e o significado da participação brasileira na guerra. Dizia também dos
sacrifícios extremos que eram impostos por esse gesto.
Os sacrifícios causam tristezas sem dúvida. Porém, como haveríamos de
desempenhar nosso dever de contribuir para a defesa da liberdade e da
dignidade humana, em face do assalto que o fascismo e o nazismo
desfecharam contra esses valores da civilização?
389
No processo de veiculação das noticias que eram divulgadas nas grandes
cidades brasileiras, a imagem do soldado brasileiro é colocada no mesmo patamar
dos demais soldados aliados :
[...] soldados brasileiros vão exatamente ombro a ombro com os soldados
ingleses e norte-americanos completar essa obra, essa libertação, já não só
da Itália, senão da Europa e do mundo. É em nome da liberdade que as
forças expedicionárias brasileiras desceram na Itália, numa missão de
guerra, mas tocada do mais puro idealismo.
390
A reportagem encerra louvando as qualidades da nação brasileira: Um país
sem idéias imperialistas, sem interesses de benefícios próprios.
Não temos conquistas a fazer. Nada desejamos da Europa, que signifique
domínio, influência para tirar benefícios materiais Ali estamos puramente
em nome de uma causa, de um princípio, de uma idéia. Evidentemente, a
permanência desses valores representa, para nosso país, a segurança de
sua independência, a certeza de sua soberania.
391
Tais observações, naturalmente, não passariam despercebidas pelos
soldados brasileiros, que, amadurecidos em frente de batalha, combatentes
verdadeiros na acepção da palavra, acabaram por colocar em xeque tais valores e,
mais tarde, no discurso de reconhecimento, usam os mesmos argumentos em suas
reivindicações por reconhecimento e cidadania.
A imprensa brasileira procurava acompanhar as famílias dos expedicionários
brasileiros, principalmente as que moravam no Rio de Janeiro, na época, capital da
República, onde fervilhavam as notícias não sobre o cotidiano da cidade, mas
389
DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 18 de julho de 1944.
390
Id.
391
Id.
228
sobre a própria guerra, pois não fazia muitos dias que o primeiro escalão havia
chegado à Itália.
As redações dos jornais estavam ligadas aos meios de comunicação
modernos da época, para manter contato com seus correspondentes, muitos
desses, buscavam por notícias que pudessem tranqüilizar os familiares dos que
haviam partido. Amiúde, os jornais abriram espaços em suas colunas, como ocorreu
durante a campanha na Itália, a fim de facilitar a comunicação entre os combatentes
e seus familiares. Eram colunas dedicadas às mensagens e respostas, que serviam
não somente aos que estavam nos longínquos campos italianos, mas aos que aqui
tinham permanecido. Substituíam, portanto, o correio, que, além de demorado, teria
de enfrentar o corte dos censores do Exército Brasileiro. Esse foi o modo pelo qual
que atuou o Boletim da Legião Brasileira Assistência e o Globo Expedicionário.
A angústia, reinante entre os familiares dos que haviam embarcado para a
guerra, acabou se tornando tema de aporte de muitos jornalistas que procuravam
demonstrar os momentos tensos e de emoção que a guerra proporcionava. Assim
ocorria também com os programas radiofônicos, muito ouvidos na época, como o de
André Carrazzoni, Neste em especial, se fazia menção aos telegramas provenientes
de Nápoles, após a chegada dos brasileiros.
Todos quanto leram os telegramas procedentes de poles
experimentaram a mais intensa emoção. Ainda aqueles que, por ventura,
não possuíam nenhum parente próximo ou amigo íntimo entre as tropas que
já se acham na vizinhança do front também vibraram com a leitura do
noticiário: parentes ou amigos, conhecidos ou desconhecidos, os soldados
que lá estão são nossos irmãos, porque filhos da mesma terra.
392
Busca o noticiário radiofônico tranqüilizar os familiares dos combatentes
Eles não estão tristes. Lendo o que muitos deles declararam aos jornalistas,
após o desembarque em Nápoles, nós ficamos reconfortados. Se não
amam a guerra, porque a guerra é cruel e o povo brasileiro é de índole
suave e cultiva os ideais de fraternidade humana, igualmente não a temem
e se dispõem a afrontá-la com a mesma flama do soldado do Brasil, em
todos os tempos.
393
Mais uma vez, seja pela imprensa ou pelo rádio é explicitada a idéia de uma
“alma nacional”, onde a nação brasileira adquire sua verdadeira fisionomia, é
392
A NOITE. Rio de Janeiro, 20 de julho de 1944.
393
A NOITE. Rio de Janeiro, 20 de julho de 1944.
229
representada na guerra pelo Corpo Expedicionário Brasileiro, verdadeira expressão
de um novo nacionalismo, onde os costumes são respeitados, as tradições, a
unidade moral da pátria a amalgamar a nova ordem.
3.9.1 Nápoles Destruída: a primeira visão da guerra para os soldados brasileiros
O desembarque dos brasileiros no Porto de Nápoles e a visão da cidade
destruída pela guerra foi realmente marcante para os soldados, em seu primeiro
contato com a guerra. Muitos deixaram suas impressões nos diários e anotações de
guerra, retratando a situação caótica em que a cidade se encontrava pela maneira
como os alemães em retirada a deixaram, após os atos de sabotagem, minando
prédios, casas, escolas, praças e pontes.
O sargento Boris Schnaidermann um dos embarcados no Escalão
descreve com delicadeza esse raro momento, - De longe, era possível ver o casario
de Nápoles, com as suas cúpulas, o seu colorido, os contornos estranhos em face
do Vesúvio. Aos poucos, porém, os contornos delineiam-se melhor: as cúpulas
brilhantes e os palácios no alto das colinas servem de fundo a casas velhas e
miseráveis.
394
Na descrição precisa de Schnaiderman, à medida que o navio vai passando
em meio aos vasos de guerra americanos, ingleses, franceses, de todos os tipos, de
todos os tamanhos, e sobre os quais há dezenas de balões cativos de defesa
antiaérea, vão se tornando visíveis os estragos junto ao cais. Os soldados
desembarcados, aguardam, à espera da ordem de marcha. Em seguida, começa o
desfile. A tropa vai beirando o cais em passo ordinário, a população curiosa, acorre
de todas as partes, estranhando aquela tropa diferente, com gente grande e
pequena e uma mistura incrível e raças. Russi?” - pergunta um deles, apesar do
escudo da cobra fumando e com o nome Brasil, pregado junto à ombreira de cada
um. Tedeschi, tedeschi! - gritam outros alvoroçados, pois o uniforme brasileiro
lembra pela cor o alemão.
395
A cidade de Nápoles também impressiona o combatente Ítalo Tavares, em
sua anotações ele diz:
394
SCHNAIDERMAN, op. cit., p. 50.
395
SCHNAIDERMAN, op. cit., p. 50.
230
A cidade é muito antiga, com ruas estreitas e prédios de no máximo de sete
andares. As ruas são sujas e a população mesmo é suja e mau
vestida.Pelas ruas, as crianças andam pedindo cigarros e liras. As crianças
andam nas ruas oferecendo senhorinas para os soldados, a moral do povo
italiano está muito baixa.
396
O desfile pelas ruas de poles, tinha o objetivo de conduzir a tropa
desembarcada até a estação de trem, a fim de chegar à localidade de Bagnoli nas
cercanias da cidade. Porem, mais transtornos aguardavam os soldados brasileiros,
pois o local indicado para o estacionamento da tropa recém chegada fazer uma
parada e montar seu acampamento provisório era, na verdade, a cratera de um
vulcão extinto chamado Astrônia.
Para chegar ao local determinado, a tropa rompeu o caminho, parte a pé,
como os 8 quilômetros do porto até a estação, e o restante de trem. Como o
comando norte-americano houvesse solicitado à FEB para não trazer nenhum
equipamento para a guerra, os soldados portavam apenas seus pertences de mão.
As barracas e demais utensílios haviam ficado no Brasil. Lá chegando, depois de
uma jornada inteira de deslocamentos, nada encontraram: não havia instalações
para banhos e cozinhas. Somente existiam as instalações sanitárias e três tendas
para a chefia. Como resolver o problema de 5.800 homens? A culpa cabia
inteiramente aos norte-americanos, mas o havia ninguém para responder a
tamanho desacerto.
Como os pracinhas lembram deste dia? Tal situação marcou profundamente a
memória dos soldados brasileiros, como a recordação manifestada por Lima
Brayner, chefe do Estado Maior da FEB:
no dia imediato poderia se remediar o mal. Se deixassem a nossa
Seção providenciar a solução, posso garantir que antes do cair da noite as
barracas estariam montadas. Mas... nós somos latinos e eles anglo-saxões.
Conseqüência: a tropa foi, ali mesmo, às 14 horas, condenada a passar
uma noite ao relento.
397
Tal situação somente não ficou mais agravada, pois o verão peninsular estava
no seu auge, mas comumente, à noite a temperatura cai demasiadamente, o que
obrigou os praças a se valerem dos recursos que tinham em mãos. Segundo
Brayner foram 10 horas de muito frio. ”Os homens se acomodaram no chão,
396
TAVARES, op. cit., p.21.
397
BRAYNER, op. cit., pp.108-109.
231
envoltos nos capotes e cobertores, para passar uma noite infeliz, embora satisfeitos
por estarem livres dos porões do general Mann.”
398
Voltando o seu pensamento para os companheiros de viagem, o sargento
Schnaidermann também relembrou dos momentos desgastantes daquele dia fatídico
na cratera do vulcão Astrônia:
Os homens, que se sentiam esquecidos pela pátria, abandonados por
todos, tiveram este sentimento reforçado pelos vinte dias que passaram na
cratera do vulcão extinto, quase isolados do mundo exterior, condenados à
inatividade, não dispondo de armamento de qualquer espécie e não
compreendendo o porquê daquele campo de concentração, em território
recém conquistado do inimigo.
399
Da calamitosa situação em que se encontravam, os homens retidos,
transformam-se em profundos observadores: o sargento Schnaiderman, estranha a
ausência de pássaros e borboletas no local. o tenente Ítalo Tavares, acreditava
na história que lhe contaram: “ali, diziam os italianos, muitos cadáveres
enterrados”
400
Parecia tudo, menos uma tropa destinada a entrar brevemente em combate.
Pensava Schnaiderman a respeito do grupamento do 6ºR.I. Mundo estranho e
diferente, aquela cratera. As árvores tinham as folhas cobertas de poeira escura,
cada automóvel que passava erguia verdadeiros turbilhões, e, andando, fazia-se
surgir uma nuvem atrás de si. Almoçava-se e jantava-se poeira, a própria alma
parecia recoberta de uma película de pó
401
A visão do acampamento no vulcão Astrônia, ficou retido nas lembranças
do soldado Aristides Saldanha Vergés, incorporado ao 6º R.I.
Como as barracas não tinham sido providenciadas, tivemos de dormir no
relento, ainda aquela noite os alemães, sabendo da nossa presença,
fizeram um bombardeio no porto de Nápoles, nós vendo aqueles tiros com
balas traçantes no ar, nos apavorou um pouco, pensávamos que haveria
um bombardeio no acampamento, mas graças a Deus, tudo aquietou-se e
ficamos bem.
402
398
BRAYNER, op. cit., pp.108-109.
399
SCHNAIDERMAN, op. cit., p. 52.
400
TAVARES, op. cit., p.17. Segundo consta, no local foram mortos muitos fascistas partidário de
Mussolini, embora os brasileiros não tenham encontrados resquícios de fossas coletivas contendo os
corpos, como se dizia abertamente naquela época.
401
SCHANAIDERMAN, op. cit., p.52.
402
VERGÉS, Aristides Saldanha. Entrevista. Curitiba 25 de outubro de 2000.
232
O tenente médico Udihara, também avaliou o local do primeiro acampamento
do 6º R.I, assim que chegaram a Nápoles:
O nosso acampamento é no fundo de uma espécie de cratera.Lindo!.Lindo
de deixar boquiaberto. Cercado por uns montes que se elevam altos de
todos os lados.[...] de madrugada acordei com frio.Soube depois que os
alemães estavam por perto. Parece que não houve nada.Nada ouvi.”
403
Dos componentes do R. poucos fazem menção à presença de uma divisão
de negros americanos, cujo acampamento ficava ao lado dos brasileiros. O tenente
Udihara, faz esta menção em seu diário “- muitos pretos por aqui.Todos
americanos.” Schnaiderman destaca em seu diário a presença de uma tropa aliada
italiana, pertencente ao exército de Badoglio.Tinham lutado contra os aliados, mas
depois aliaram-se aos inimigos de véspera. Sobre os negros americanos, que vieram
ocupar o lugar da tropa italiana, recém saída do local, ele diz : “Eram quase todos
grandes e robustos, de pigmentação que variava do preto retinto ao mulato claro.Os
oficiais eram todos brancos e mantinham-se distantes dos comandados.”
Segundo relatos, os habitantes dos dois acampamentos, americanos e
brasileiros, promoveram uma comunicação intensa entre si.Os brasileiros conheciam
algumas palavras em inglês e os americanos conheciam algumas em espanhol.
Estes negros que os brasileiros lembram, nos 12 dias de permanência no vulcão
Astrônia, não foram esquecidos, constituíram-se laços de amizade imbuídos da
sociabilidade necessária e agiam como velhos amigos. Nas visitas de um
acampamento ao outro, ouvia-se música, fotografias de familiares eram mostradas,
se conversava sobre banalidades
Este grupamento, a 92ª Divisão de Infantaria Americana, tinha um efetivo de
15 mil homens, e combateu ao lado da FEB. Chegaram na Itália no final de julho de
1944, na mesma fase da chegada do R. I. brasileiro. Assim como o brasileiros,
vinham suprir as brechas do exército aliado, por ocasião da transferência de
milhares de soldados americanos destinados ao Desembarque da Normandia, fator
de grande fragilidade para os aliados.
Esta Divisão não teve uma boa atuação em frente de combate, reputa-se tal
situação, pela falta de motivação dos seus combatentes, outras fontes indicam o
403
UDIHARA, op. cit., 2002, p.54.
233
despreparo técnico para a guerra. Mas, as atitudes racistas e segregacionistas
contra este grupamento, redundaram na atuação catastrófica desses homens.
Saindo de Agnaro, onde estava localizado o acampamento brasileiro na
cratera do vulcão Astrônia, os soldados são deslocados para o novo acampamento
na cidade Tarquinia. Era a aproximação da Linha de Frente. No dia 16 de agosto
foram distribuídos os primeiros armamentos, eram os fuzis Springfield, as bazzocas,
carabinas e metralhadoras.
O tenente médico Massaki Udihara, não acompanhou o seu grupamento,
segue com outros oficiais para Santa Ágata dei Gotti ao sul de Nápoles, para uma
escola de instrução de infantaria americana, onde faria com os demais um curso de
aperfeiçoamento. Mais tarde, tais ensinamentos seriam repassados aos soldados no
novo local destinado a tropa.
Aristides Vergés soldado do 6º R.I, lembra da transferência para o novo
acampamento:
Fomos com aqueles motoristas negros que nos levaram nos
caminhões.Tarquínia era uma cidade romana, muito antiga e nos
tínhamos contato com a população, as lavadeiras lavavam nossas roupas,
nosso acampamento ficava no meio de muitas oliveiras, eu e meu
companheiro armamos nossa barraca.[...] em Tarquinia, foi onde recebemos
nosso armamento e viaturas.
404
O sargento Schnaiderman segue para o novo acampamento e reclama por
haver interrompido seu diário:
[...] passei vários dias sem escrever o amolecimento geral estende-se a
mim também. Largados entre as oliveiras, deitados sobre o capim,
passamos longas horas conversando. Houve duas distribuições de
correspondências, as cartas passam de mão em mão, formam-se grupos
entusiasmados. Todos se emocionam, há uma simplicidade infantil.
405
Do acampamento de Tarquinia, seguem os soldados do 6ºR.I para o
acamamento de Vada . Este deslocamento tinha como objetivo a aproximação maior
dos soldados à frente de combate. Um comboio de 500 viaturas conduziu os 5 mil
homens, que paulatinamente foram embarcando nos caminhões. O acampamento
era bem organizado e ocupava os dois lados da estrada que dava para o povoado
404
VERGÉS, op. cit..
405
SCHNAIDERMAN, op. cit., p.78.
234
de Vada. No dia 21 de agosto chegaram os primeiros instrutores americanos. Deste
local era possível perceber que a guerra estava muito próxima, segundo
Schnaiderman “Ouvem-se de vez em quando explosões surdas, pois o front fica a
vinte e cinco quilômetros. Frequentemente, há também os estrondos mais fortes: são
os americanos que fazem explodir as minas”
406
Nesta fase, os soldados do 1º Escalão iniciam a campanha propriamente dita,
ao se dirigirem para o norte de Pisa. É um período considerado de grandes vitórias,
pois o R.I. mesmo diante dos percalços, aqueles que ensinam os procedimentos
na hora exata, fizeram desse homens verdadeiros combatentes na verdadeira
acepção da palavra.
No dia 15 de setembro de 1944, a FEB entra em Linha
407
com o R.I. Para
os brasileiros fica a responsabilidade de guarnecer cerca de nove quilômetros, e dar
prosseguimento à conquista de pequenas cidades como Barga e Camaiore e seguir
no planejamento de isolar cada vez mais para o norte da Itália a experimentada
tropa alemã. As dificuldades se apresentaram de todas as ordens, seja pelo
equipamento e a topografia local. O rigoroso outono italiano, com chuva, lama e
muito frio, acenavam para situações que impediam a todo o instante o cumprimento
do dever assumido, mas que se transformaram em ensinamentos para a FEB. Inicia-
se neste ponto, um rol de acontecimentos da participação dos brasileiros Guerra
Mundial. São momentos que instigam à pesquisa, no sentido de verificar os fatos
narrados pelos combatentes, das ações que participaram como protagonistas, e
desse modo compreender o papel da FEB nesta guerra.
Neste capítulo buscou-se avaliar as questões que levaram o Brasil a decretar
guerra aos países do Eixo. O torpedeamento dos navios brasileiros, desestabilizou
Estado Novo. Na política de bastidores, defrontam-se os germanófilos e os
americanófobos, as bases aéreas no nordeste aceleram os pactos para a guerra. A
FEB é organizada, mas sobre grandes dificuldades diante do processo de
reorganização do Exército. A convocação dos soldados e a seleção médica dos
homens escolhidos para a FEB, são considerados os momentos mais delicados de
todo o processo.
406
SCHNAIDERMAN, op. cit., p. 82.
407
N.A.: Entrar em Linha significa estar na zona de guerra, diante do inimigo.No local também
chamado de “terra de ninguém”.
235
A partida da FEB para guerra, os diversos escalões, demonstraram todo um
imbricado de memórias, onde estavam envolvidos não apenas os protagonistas, mas
a imprensa e o DIP, mais a Legião Brasileira de Assistência, esta última como
benemérita dos soldados da FEB.
A chegada do Regimento de Infantaria na Itália, demonstrou a trajetória do
1º Escalão da FEB, a rotina dos acampamentos e a partida para a linha de frente.
Neste capítulo, partindo dos sujeitos envolvidos, seja pela narrativa dos
testemunhos, ou pelos diários e outros documentos de consulta, constatou-se a
sutileza do discurso estadonovista, interagindo na vida dos soldados brasileiros, seja
pela vivência nos quartéis, na escola, na vida em sociedade e na guerra. O Projeto
do Estado Novo, assume uma obrigação política para a sociedade civil. As formas
de integração, o levadas paulatinamente aa sociedade, por meio de um projeto
educativo. Com nuances militares, visava educar os brasileiros, recuperando o
passado, incutindo a brasilidade e preservando o nacionalismo, seja pelas palavras
de ordem ou pela simbologia.
Tudo passa a ser novo, o novo estado, o novo homem, o novo exército. Era
necessário unificar as ordens política e social, que aentão estavam divorciadas. O
discurso interpela cada individuo à sua responsabilidade. A FEB na guerra,
representará esta nova nação, sob seus ombros, o Brasil trilhará pelo caminho da
decência, dos homens cordatos, sensíveis e pacíficos, contrários ao imperialismo,
mas que se vão à luta é para combater doutrinas estranhas como o nazifascismo e
não permitir que estes males cheguem ao país.
A Campanha da FEB em território italiano será apresentada no quarto
capítulo dessa pesquisa, desse modo, tentar-se-á perceber a intensidade e o
comprometimento dos testemunhos em relação aos episódios vivenciados. Portanto,
se constituirá do momento mais fragilizado da guerra, onde estão retidas as imagens
do que ficou para trás. São memórias imbricadas, desenterradas das mentes,
rastreando lembranças. Seguiremos os caminhos dos batalhões, dos seus
comandantes, dos soldados e os momentos singulares que marcaram essas
narrativas.
236
4 OS DIAS DA LINHA GÓTICA: CRONOLOGIA DOS DIÁRIOS SOBRE OS
EVENTOS NO ULTIMO FRONT DE GUERRA NA ITÁLIA
4.1 A SOCIEDADE NA GUERRA: AS TRAGÉDIAS QUE APROXIMARAM
ITALIANOS E BRASILEIROS
As tropas brasileiras capturaram importantes posições nazistas e
penetraram em plena região das fortificações externas da Linha Gótica.
Todos os avanços realizados pela FEB têm sido conseguidos através de um
dos mais difíceis terrenos de toda a Itália - sobre montanhas que se elevam
a mais de mil metros, cheias de precipícios e ravinas um terreno, em
suma, inteiramente favorável aos nazistas. Pelo que se sabe, os brasileiros
já infligiram sérias perdas aos alemães. (A.P)
408
Este capítulo vai destacar aspectos interessantes da FEB. Nele, a campanha
em si não será o mais importante, mas a vida dos soldados em terras italianas. Com
a chegada dos homens a poles, avaliar-se-ão as primeiras impressões que eles
tiveram da guerra em si. A passagem pelos diversos acampamentos e o contato com
a população italiana, provoca nos homens uma comiseração humana. Cenas
chocantes, susceptibilidades diante do “outro”, e a vida nas pequenas cidades semi-
destruídas, passa a constituir-se no cotidiano de muitos soldados.
Dos acampamentos, segue-se para a linha de frente. As notícias vão sendo
veiculadas pela imprensa do DIP, que fantasia os momentos nos quais os homens
da FEB são vistos quase como heróis. A vida do soldado, na verdade é outra, nem
tudo é o belo e fácil como assegura a imprensa. O contato com os italianos vai se
descortinando na trilha dos soldados, a saudade de casa é muito grande e as cartas
que chegam do Brasil, traz nas imagens longínquas o carinho das famílias. Ao longo
do conflito, as madrinhas de guerra no Brasil cumprem o seu papel, intermediando
as mensagens que chegam à Itália. Nos pequenos vilarejos as belas ragazze
409
conquistam os corações brasileiros, quantos casamentos! Chega o Natal, o primeiro
na neve para muitos brasileiros, o frio rigoroso provoca sentimentos que afloram,
mostrando verdadeiramente o quão difícil era os “dias dos soldados”.
Se as tropas brasileiras foram destinadas a combater no noroeste da Itália, há
que se averiguar a importância desta região no contexto da guerra européia e nos
408
Associated Press, setembro de 1944.
409
N. A.: Ragazze significa moças em italiano.
237
rumos que a guerra ia assumindo. Após a liberação das cidades ao sul da Itália,
como se destacou no capítulo número 3 desta pesquisa, cabe avaliar os estudos
recentes em território italiano que têm almejado descortinar não apenas o aspecto
de dificuldade do terreno, do local onde os eventos militares ocorreram, mas também
uma série de pesquisas publicadas recentemente, que mostram a vida em
sociedade e seus personagens, saídos das populações locais, por onde os exércitos
iam passando. Considerando que na sociedade da época, outros atores, homens,
mulheres e crianças, vivenciaram os fragilizados momentos da guerra junto dos
homens da FEB, no pequeno espaço que a interação possibilitou, registram-se
histórias de interesse para essa pesquisa.
Como a construção da Linha Gótica e a formação das tropas partigianas
italianas têm a ver com a presença brasileira nos campos da Itália? - seria possível
perguntar. Dentro da conjuntura que se apresentava na época da chegada dos
escalões da FEB, é possível dizer que essas questões estão paralelas à participação
brasileira na guerra e, historicamente, seria um hiato não mencioná-las, dada a
importância que elas revelaram nos acontecimentos ligados à permanência da FEB
durante a guerra.
Na trajetória dos batalhões, das companhias e dos pelotões de soldados, seja
em missões complexas ou em patrulhas avançadas nas terras inimigas, estavam
as cidades, os cenários históricos e as tragédias locais, que se alastravam por toda
zona de guerra. Os brasileiros, de uma forma ou de outra, vivenciaram tais
acontecimentos e os deixaram transparecer em seus testemunhos. Muitas dessas
lembranças partem das recordações dos oficiais ou dos soldados e foram inscritas
nos diários ou inseridas nos testemunhos prestados no pós-guerra, às vezes
lembrados como episódios mais sutis, “onde o esquecimento profundo, a
incapacidade absoluta de lembrar aquilo que se esgarça, se perde ou por algum
motivo se sepulta, não deixando que emerja para a narrativa”.
410
Nesse aspecto, cabe ao pesquisador avaliar as ocorrências. Na verdade, são
lembranças que não constam da documentação oficial, mas que, pinçadas ao longo
da trajetória da pesquisa, acenam com a vivência com as populações locais, como
as tragédias perpetradas ao povo italiano pelos alemães, que, na retirada para o
410
FERREIRA, Jerusa. Armadilhas da memória. Salvador: Fundação Casa Jorge Amado, 1991, p.
14.
238
norte, fortificavam a Linha Gótica e provocavam os rastrelamentos
411
; isto é,
episódios de mortandade da população civil, homens, mulheres e crianças,
justamente no período em que iam chegando à Itália os brasileiros do 1º Escalão.
Sobre a construção da Linha Gótica ao norte da Itália, são inúmeras as
pesquisas realizadas naquele país a partir da década de 1960, quando os
pesquisadores voltaram suas atenções para os pequenos povoados localizados na
extensa linha, onde os fenômenos políticos e sociais gravitavam ao redor da
população.
Da mar Tirreno all’ Adriático, lungo 320 chilometri, i tedeschi construiscono
fortini, fosse anticarro, postazioni per cannoni e mitragliatrici, trincee, posti di
ossevazone, ecc. In prossimità dei passi appennici a sud del
crinale.Impiegano decine di miglaia di uomini forzatamente inquadrati nella
Todt, l’ organizzazione tredesca incaricata di costruire le opere defensive.
412
A Linha Gótica foi fortemente armada e tinha como o objetivo barrar as forças
aliadas, que, depois dos combates realizados no centro do território italiano, haviam
conseguido liberar as cidades mais importantes, dentre as quais a capital, Roma.
Muitos dos dados disponíveis sobre a Linha Gótica podem ser encontrados
nos trabalhos mais recentes, mas também em muitas memórias como a do
comandante alemão Alberto Kesselring em seu livro Memorie di guerra”, e dos
habitantes das localidades próximas à linha imaginária, por onde passavam as
estradas principais da Itália, cuja permanência no local era interesse do domínio da
tropa aliada.
Os habitantes locais foram convocados pelas tropas alemãs para construírem
uma linha de reforço contra os aliados. Segundo estatísticas da época, cerca de 15
mil homens trabalharam nesta região. Esses homens recebiam um soldo estipulado
e documentos, o que era convidativo em época de guerra, quando as pessoas
praticamente haviam perdido tudo. Além dos homens, as mulheres também
prestavam serviços aos soldados, seja como cozinheiras ou lavadeiras. Muitas
vezes, esses trabalhadores foram considerados colaboracionistas, situação que
411
N.A.: Rastrelare em italiano significa represália.
412
Do Mar Tirreno ao mar Adriático, com 320 quilômetros, os alemães construíram fortins, fossas
anti-carro, postações (lugares) para canhões e metralhadoras, trincheiras, postos de observação,
etc., .na proximidade dos passos apeninicos ao sul do Quirinal Empregaram dezenas de milhares de
homens forçadamente enquadrados na TODT, a organização alemã encarregada de construir uma
obra de defensiva. apud ANPI. Resistenza Oggi, n. 1, Bologna, Istituto Storico della Resistenza,
2000.
239
divide a memória italiana, tão bem descrita em recentes pesquisas. Afinal, quem era
o colaborador?
Na construção da Linha Gótica, o maior desafio para as tropas anglo-
americanas, há que se referendar o nome do comandante geral da força alemã para
o território italiano, Albert Konrad Kesselring. Dele, emana toda a política de defesa
contra os aliados e as decisões tomadas, que marcaram profundamente toda uma
população que vivenciou a presença das diversas divisões alemãs na região em
questão.
Na Itália, durante muito o tempo, o nome de Kesselring esteve ligado à
imagem da guerra. “dopo tanti anni quel nome suscita ancora ricordi e paura?
Quante furono, su quei bandi, minace di rappresaglie, di morte, di sterminio, gli
anni di cárcere, le deportazione promessi per ogni infrazione o colpa?
413
“Um coração generoso e sensível. Fez muito pelos italianos, especialmente
para a população civil italiana”. Assim, Kesselring foi descrito por Siegfried Westphal,
chefe do Estado Maior do exército alemão em território italiano.
414
Quem poderia responder sobre a generosidade e sensibilidade de Kesselring
seriam os habitantes de Marzabotto, Sant’ Anna di Stazzema, Boves, Meina,
Bassano del Grappa, Villamarzana, La Benedicta, le Fosse Adreatine, localidades
destruídas, vidas humanas destroçadas, incêndios, violência, sangue, terror e
lágrimas assinalaram a passagem dos seus soldados.
415
Quando Kesselring foi enviado por Hitler para comandar as tropas alemãs na
Itália, era um dos mais jovens generais, que vinha ao longo da guerra disputando
posições hierárquicas com Van Rommel. Segundo os especialistas, não era um
nazista, mas um soldado que respeitava a hierarquia e fazia do Exército o
norteamento para a sua vida.
Juntamente com a ameaça das tropas aliadas que vêm do sul, os alemães
acabaram por ter de enfrentar a população civil que se organizava, eram as
formações partigianas, formadas por grupos de cidadãos comunistas, que não
413
N.A.: Depois de tantos anos aquele nome suscita ainda recordações e medo? Quantos foram,
sobre aqueles bandos, as ameaças de represálias, de morte, de extermínio, os anos em cárceres, as
deportações e as sanções ocorridas à infração ou culpa? apud BERTOLDI, Silvio. I Tedeschi in
Itália: Álbum di uma occupazione (1943-1945). Milano- Itália: Rizzoli Libri.S.p.A, 1994, p.241.
414
BERTOLDI, op. cit., p. 252.
415
Ibid., p. 241.
240
usavam uniformes, mas se opunham aos fascistas e nazistas a lado das tropas
aliadas.
Segundo o pesquisador Gianni Rocca, aos primeiros dias do mês de julho de
1944, durante as inspeções que fazia nas linhas avançadas aliadas, Marck Clark, em
seu jipe, encontrou um grupo de italianos que o saudaram:
[...] vide venirgli incontro um reparto vestito in fogge strane com stelle rosse
sul barreto, in cui omini quando lo incrociarono gli facero il saluto alzando il
pugno chiuso della mano destra. Erano partigiani che dopo aver
guerreggiato nele retrovie tedeschi se mettevano a disposizione degli
alleati.Clark ne recordara l’ impegno nel suo diário riconoscendo che “ci
furono di grande aiuto.
416
Enquanto preparava a Linha Gótica, Kesselring, como os aliados, tomava
consciência da presença de forças partigianas, inicialmente em Florença e, depois,
irradiando-se para outras localidades, pequenos burgos que, na Itália, recebem o
nome de paese. Tratava-se do grande fenômeno revolucionário italiano. Fato
surpreendente, porque, quando as tropas anglo-americanas se aproximavam para
libertar essas comunidades, encontravam grupos partigianos participando da
heróica luta contra os invasores. Foi o que aconteceu com os brasileiros quando se
aproximaram de Gaggio Montano, onde está localizado o Monte Castello: o pequeno
burgo já estava em mãos do grupo Justiça e Liberdade.
A liberação de Florença consistiu em um marco para a história italiana,
porque havia também o reconhecimento da força partigiana auxiliando na libertação
das cidades. Sobre o assunto, assim escreveu o correspondente do Times: Firenze
è stata il teatro di um esperimento spontaneo di autogoverno che può avere
importanza considerevole per determinare quale sarà il sistema político che in
definitiva prenderà il posto de fascismo”.
417
Anteriormente à libertação de Florença, Albert Kesselring, durante uma das
viagens feitas ao front, chega até Roma e decide, sob orientação direta de Hitler,
partir para as represálias que tinham por objetivo inibir a ação da população italiana
416
N.A.: Na estrada, aparece um grupo vestido com roupas estranhas, com uma estrela vermelha
sobre o barrete, que o saúdam levantando o punho fechado da mão direita. Eram os partigianos que
depois de haver guerreado na retaguarda se colocaram à disposição dos aliados. Clark em seu diário
reconhecerá o seu empenho dizendo “eles foram de grande ajuda”. apud ROCCA, Gianni. L”Itália
Invasa (1943-1945). Milano: Arnoldo Mondatori Editore, 1998, p. 218.
417
N.A.: Florença foi um teatro de experimento espontâneo de autogoverno que pode ter importância
considerável para determinar qual será o sistema político que tomará definitivamente o lugar do
fascismo. apud ROCCA, op. cit., p. 219.
241
pró-libertação. No dia 3 de março de 1944, em represália ao atentado partigiano
contra os alemães nas redondezas de Roma, mais precisamente na Via Rasella, são
fuzilados cerca de 335 civis, mortos a golpe de pistola na nuca. O episódio ficou
conhecido como a tragédia das cavas Ardeatinas, local onde os corpos foram
enterrados. Era basicamente o início das grandes tragédias para a população civil
colocada no meio de todo o conflito.
Na continuidade dos horrores perpetrados pelas tropas de Kesselring em
Roma, este decretou a deportação para a Alemanha de 700 pessoas de origem
hebraica que habitavam o quarteirão de Quadraro. Foram dias de horrores para a
população, ressentida da ação direta do comandante alemão, que assumia
publicamente sua ação anti-partigiana, por meio de vigoroso manifesto aos seus
comandados:
A primeira recomendação é uma ação vigorosa, decisa e rápida. Os
comandantes fracos e indecisos serão chamados por mim, para que se
dêem conta do perigo que uma decisão imprecisa possa levar a perigo a
segurança da tropa e também para assegurar a sua fidelidade ao exército
alemão.
418
FIGURA 4 – KESSELRING COMANDANTE GERAL DAS TROPAS NA ALEMANHA
419
FONTE: BERTOLDI (1994, p.249)
418
ROCCA, op. cit., p. 223.
419
Marechal Kesselring comandante do exércio alemão na Itália (a direita), Von Rommel (a esquerda)
Itália (1944).
242
Saindo de Roma em direção à Linha Gótica, Kesselring disse:
A luta contra os partigianos estabelecia novas ordens: deve ser conduzida
com cada meio à disposição. Protegerei cada comandante que exceda a
nossa habitual moderação na escolha e na severidade dos métodos
adotados contra os partigianos.
420
Desse modo, estava legalizado qualquer tipo de crime a ser impetrado pela
tropa alemã em território italiano. Com a crescente ão das facções partigianas, as
represálias assumem atrocidades nunca vistas durante a guerra. Segundo o relatório
de Walter Read, responsável pelo setor no entorno de Bolonha, sob sua orientação,
no período de 29 de setembro a 2 de outubro de 1944, foram mortas 718 pessoas e
bandidos (partigianos) e 174 casas foram incendiadas. Mas a estatística apontada
por sobreviventes conta de um número maior de vítimas, dentre as quais, 213
eram crianças, inclusive recém-nascidos. O local da grande tragédia foi o povoado
de Marzabotto e outros nas proximidades de Bolonha, a cerca de 60 quilômetros.
Essas localidades foram abandonadas pelos sobreviventes e hoje permanecem
como museus a céu aberto. Marzabotto é considerado símbolo europeu que mostra
a bestialidade nazista. Constituem, portanto, lugares da memória, de reflexão e de
orações praticadas por inúmeros visitantes do mundo inteiro.
Na busca por infratores, sabotadores e outros inimigos, tinham os
comandantes alemães poderes irrestritos, como o praticado pelo major da SS,
Walter Reader, nas ações entre 28 de setembro e 18 de outubro de 1944. Suas
vítimas estavam centradas nas povoações de Marzabotto, Cerpiano, Casaglia di
Caprara, San Giovanni, San Martino e vizinhança, quando velhos, mulheres, jovens
e crianças foram torturados, fuzilados e queimados com lança-chamas no interior
das casas, das igrejas e dos cemitérios. Tais acontecimentos ocorridos contra a
população civil foram, mais tarde, declarados necessários, pelos próprios Kesselring
e Reader, nos tribunais militares do pós-guerra, porque, segundo o comando
alemão, os habitantes teriam abrigado e ajudado as forças partigianas da Stella
Rossa que agia naquela zona.
Esses tristes eventos ocorriam exatamente no momento em que o Escalão
brasileiro se encontrava na Linha Gótica. O Escalão brasileiro, que saiu do Rio
de Janeiro no mês de setembro de 1944 e chegou à Itália em 2 de outubro de 1944,
420
ROCCA, op. cit., p. 223.
243
durante o período de organização diante da linha de frente, mal imaginava que
essas tragédias ocorriam não muito distantes de sua retaguarda. Em pesquisas
efetuadas nessas localidades, muitas vezes, a história dos brasileiros é colocada ao
lado desses episódios chocantes, porque, no registro da memória trágica, por meio
de monumentos e placas que se encontram nessa zona, destaca-se a homenagem
à FEB, dos que morreram no combate aos desatinos do nazi-fascismo.
O comandante Kesselring, no pós-guerra, foi levado a diversos tribunais para
responder pelas atrocidades cometidas às populações civis e perpetradas pelas
suas tropas. Em 1947, diante do tribunal aliado em Veneza, o comandante alemão
tenta fazer a sua própria defesa, enaltecendo o seu passado e bravura como general
nas batalhas de Cassino e Anzio. Nesse ano, foi condenado à morte, mas, depois, a
pena foi comutada para prisão perpétua. Segundo observadores, em nenhum
momento, foi percebido qualquer sinal de arrependimento ou de emoção. Para os
que assistiram o julgamento, o seu rosto denotava estar petrificado sob um sorriso
frio que lhe era característico.
FIGURA 5 – MAJOR WALTER READER
421
FONTE: BERTOLDI (1994, p. 256)
421
Comandou as atrocidades contra a população italiana em 1944.
244
Dizem os testemunhos, que, Kesselring com o mesmo olhar distante, viu a
sua pena ser reduzida a 20 anos de prisão. Dos registros da época, sabe-se que,
em 1952, saiu da prisão, escreveu e publicou as suas memórias. Em 1960, faleceu
na Alemanha e, segundo jornais alemães, foi muito prestigiado pela Associação de
Ex-combatentes Alemães, da qual era presidente. Walter Reader, o executor das
ordens de Kesselring e que ordenou os ataques à população civil, em sua defesa,
disse ter acatado todas as ordens do grande comandante. Desse modo, conseguiu
safar-se de todas as condenações. Para a população italiana, os nomes de
Kesselring e Reader marcaram para sempre suas vidas e os eventos de Marzabboto
constituem hoje os lugares da memória, marcos na luta constante contra a guerra, o
fascismo e o nazismo, presentes nos discursos das liberdades.
4.2 OS AVANÇOS DO PRIMEIRO ESCALÃO EM TERRAS ITALIANAS: A GUERRA
CONTADA PELA IMPRENSA OFICIAL
Nesta guerra diferente de todas as guerras, onde perigo por todos os
lados, e uma total desorganização da vida, primeira linha é assim mesmo,
uma experiência funda, e deixa a gente pensativa na noite que precede a
madrugada da batalha. (Majoy)
422
O ingresso dos Estados Unidos na guerra e a declaração de Guerra do Brasil
aos países do eixo têm uma conotação particular a partir da visão da imprensa
internacional e brasileira que cobriram os eventos militares em terra italiana. É
preciso não esquecer os interesses que moviam esta ação propagandística e a
censura que imperava no noticiário militar, seja para os interesses norte-americanos
ou brasileiros. No caso da FEB, havia uma censura primordial feita pelo próprio
exército brasileiro, em relação aos eventos a serem permitidos para divulgação,
ainda sob o severo olhar do D.I.P., que estipulava o que podia e não podia ser
publicado.
Na imprensa italiana fascista, ainda em seu apogeu, e na parca distribuição
dos seus jornais pelos maiores centros italianos, os Estados Unidos eram colocados
422
N.A.: MAJOY é o pseudônimo da correspondente de guerra Silvia de Bittencourt, que era brasileira
e trabalhava para várias agências de notícias norte-americanas concessionárias da (P.R.O) Public
Relation Office.
245
como um país muito rico, de grandes recursos, o que contrastava com situações de
larga pobreza em seu território, além do grave problema racial principalmente contra
os negros.
423
Os brasileiros são citados pela imprensa italiana, apenas durante o
avanço sobre as tropas alemãs e divisões italianas aquarteladas em Granaglione,
noroeste da Itália, papel que foi exercido pelos soldados do R.I. recém chegados
à Itália.
424
Para os italianos que vão sendo liberados pelas tropas norte-americanas, a
imagem do soldado americano, bem vestido, com seus maquinários novos, os carros
de combate, os canhões, os caminhões e os jipes, mostrava uma tecnologia nunca
vista. Admirava-se também a maneira como esses aliados vinham administrando a
guerra, como se fosse uma grande empresa. Para os pequenos burgos, por onde
todo esse segmento vai passando, há um misto de surpresa e de admiração. Novas
técnicas e táticas conduzem a uma guerra moderna, jamais imaginada.
Naturalmente, por trás de todo este aparato, estava também a imprensa americana e
sua censura a divulgar e levar para o mundo as imagens e textos aprovados
previamente, conforme se fez referência nesta pesquisa.
425
Era premente
convencer aos outros e a si próprio, sobre a força e a invencibilidade desses
exércitos.
Acompanhar os avanços da FEB em território italiano, na voz da imprensa e
no contraponto dos soldados que da guerra participaram, é um dos objetivos deste
capítulo. O que dizia a imprensa sobre a campanha brasileira na guerra e o que
diziam os soldados. A visão dos participantes coloca por terra muitos mitos pelos
quais os combatentes brasileiros nunca tiveram o menor interesse. Na medida em
que se avalia o discurso grandiloqüente movido pela imprensa nacional, ao
descrever os eventos, os protagonistas, as armas e os equipamentos, percebe-se a
difusão de uma imagem heróica dos feitos brasileiros, que muitas vezes não condiz
com a realidade vivenciada pelos soldados e que tinha apenas o objetivo de
reafirmar o discurso estadonovista. Para se alcançar esse objetivo, não faltaram os
correspondentes e suas matérias escritas, por meio de artigos e de crônicas, bem
423
MIGNEMI, Adolfo. La Seconda Guerra Mondiale. Storia Fotográfica della Società Italiana. (1940-
1945). Roma- Itália: Editora Riuniti, 2000.
424
N.A.: O jornal de referência é Il Resto del Carlino, de 19 de setembro a 2 de dezembro de 1944,
justamente no período de ação de brasileiros e americanos naquela zona. O soldado brasileiro é
apontado como mercenário e corrupto, bem como os ingleses e outras tropas aliadas. Sobre este
assunto ver: RIGONI, op. cit., p. 122.
425
PATICCHIA e , ARBIZZANI, op. cit..
246
como de fotografias e de filmagens feitas pelos cine-operadores, tão evidenciados
pelo D.I.P.
Tais imagens, escritas ou fotografadas, retratavam os soldados da FEB, bem
como os familiares que estavam no Brasil. Na representação dos soldados, buscava-
se destacar a sólida convicção da superioridade e do espírito guerreiro do soldado
brasileiro, do homem cordial e sensato, mas pronto a puxar o seu fuzil em nome da
defesa da paz e da democracia. Nesta pesquisa, busca-se avaliar o paradoxo desta
situação, sem que isto venha diminuir em nenhum momento a ação do soldado
brasileiro nos campos da Itália, militarmente considerada eficaz, combatendo um
inimigo aguerrido e preparado, como demonstraram até o presente momento os
especialistas em assuntos da participação brasileira na Campanha da Itália.
As primeiras notícias que chegaram ao Brasil, referentes ao Primeiro Escalão
da FEB, foram veiculadas por correspondentes estrangeiros, na maior parte,
desconhecedores da realidade brasileira e do próprio exército. Foram muitas as
interpretações errôneas que chamam a atenção das pessoas que participaram
desses acontecimentos, como os ocorridos durante o desembarque das primeiras
tropas em Nápoles.
O Jornal, no Rio de Janeiro, publicava matéria do correspondente de guerra
do International News Service (I.N.S.), Willian Lander.
A rádio de Nápoles expressou que, antes que os navios que conduziam as
tropas brasileiras atracassem no porto napolitano, enorme multidão de civis
italianos se comprimia à frente do porto para saudar os expedicionários. O
aspecto que apresentava a zona portuária era de dia de festa e se respirava
uma atmosfera marcial. [...] Quando os primeiros grupos de soldados
pisaram em terra firme, a multidão prorrompeu em entusiásticos aplausos,
aclamando o Brasil, enquanto os civis italianos corriam até a beira do
cais.
426
O desembarque do Primeiro Escalão da FEB em Nápoles foi assim descrito
por outros correspondentes da I.N.S.:
Largas colunas de jipes e de caminhões militares passaram pelas estradas
da Itália, cheios de soldados sedentos por lutar. A FEB apresenta-se bem
treinada, muito bem equipada. [...] quando passavam estes valentes
soldados, nos seus uniformes verde-oliva, ouviam-se aplausos e ovações.
426
O JORNAL, Rio de Janeiro, 19 de julho de 1944.
247
[...] Um oficial norte-americano afirmou que os soldados brasileiros saberiam
dar boa conta dos nazistas.
427
Na percepção dos soldados desembarcados e seus registros nos diários de
guerra, a visão é completamente diferente. O que se destacou foi apenas a
presença de uma banda de fuzileiros norte-americanos a tocar as marchas militares.
Além disso, nenhum aparato foi registrado, mesmo durante o desfile da tropa
brasileira pelas ruas de Nápoles para chegar até a estação de Bagnoli. Permaneceu
nas lembranças, apenas, a sordidez e o mau aspecto da população, o olhar vazio
das pessoas, que mostraram muito mais curiosidade pelos uniformes brasileiros:
Imaginava-se que lá estavam passando soldados russos ou alemães, conforme
destacou o sargento Schanaiderman em seu diário.
428
O tenente médico Udihara, que fazia parte do 6º R.I., sobre o mesmo assunto,
deixou registrada a sua opinião contrária ao que estava publicado no jornal
brasileiro, onde se falava da grande recepção dada aos primeiros combatentes da
FEB na Itália. Tal fato demonstra que, entre os oficiais e soldados, havia vozes
discordantes do que dizia o comando e a própria imprensa, sobre fatos que, de certa
forma, pretendiam dar uma grandiosidade à FEB, muito antes de se pisar o território
inimigo.
Tive oportunidade de ler um jornal de casa. Um general que chegou trouxe-
o. ”O Jornal, do Rio. A descrição confirmou o que sempre pensei de notícia
de jornal: falsidade e deturpação consciente e criminosa da verdade. Diziam
que viemos preparados. Nada disso. Que trouxemos barracas. Passamos a
noite ao relento por não termos trazido. Fomos recebidos com ovações de
uma grande multidão. Cais deserto, sem ninguém. Só alguns oficiais nossos
americanos e um grupo de italianos.
429
Com a chegada do Escao à Itália, os correspondentes de guerra
estrangeiros buscaram repassar as informações sobre os brasileiros aos jornais
coligados. Essas notícias chegavam aos jornais por meio de telegramas, de
radiofotos e de código morse para as transmissões a longa distância, ou até por via
aérea. Tais notícias eram filtradas pela censura militar norte-americana e brasileira.
Para entender a questão da censura feita aos jornais da época, no que diz
respeito às notícias da FEB, é relevante o testemunho de Thassilo Mitke,
427
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 12 de setembro de 1944.
428
SCHNAIDERMAN, op. cit.,.p.61.
429
UDIHARA, op. cit., 2002, p.63.
248
correspondente brasileiro da Agência Nacional. Em depoimento efetuado em junho
de 2000, ele aborda as questões da censura a que eram submetidos todos os
jornalistas, e destacou: “Sabíamos da censura do D.I.P. ‘Escreveu, então mostra
para o censor’. O censor lia o que era escrito e, depois, carimbava autorizando os
escritos. Caso contrário, a edição era apreendida pela polícia.”
430
Segundo Mitke, muito antes do embarque para a Itália, havia, por parte do
D.I.P., uma preocupação com a presença dos repórteres. ”Embora nos vissem como
delatores, isso nunca houve, porque, sobretudo, não fazíamos política. Tudo o que
escrevêssemos dentro da área militar, passava pelas mãos dos censores militares
do V Exército Americano.”
431
De acordo com Mitke, é possível avaliar como acontecia a censura das
reportagens que tratavam da participação da FEB na guerra. Muitas vezes, os
escritos que eram vetados passavam depois por uma explicação dos censores aos
responsáveis.
Em alguns casos, não se podia dizer que o pelotão, ou uma guarnição
qualquer, estava em tal lugar, porque significava ‘dar serviço ao bandido’.
Em pouco tempo, aprendemos o que podia e o que não podia ser
informado. Assim, nos adequamos às normas, pura e simplesmente
militares, e não de ordem política ou profissional, para contabilizar o desejo
da segurança e informação.
432
Para a transmissão do noticiário da guerra, tanto os correspondentes
brasileiros como os estrangeiros utilizavam duas organizações internacionais, a
América Cable e a American Press. Elas recebiam as correspondências aprovadas e
as transmitiam ao Brasil. Nada seria transmitido se não tivesse o visto da censura
americana. Os correspondentes que não tivessem a franquia de transmissão eram
obrigados a usar de outro expediente. Nem todos tiveram essa franquia, como
aconteceu com Rubem Braga, que era obrigado a enviar os seus escritos por avião,
para serem publicados quase um mês depois do ocorrido. Nesse aspecto, urgia
enviar as notícias do front o mais rápido possível.
O cotidiano dos soldados brasileiros em seus acampamentos também foi
objeto de curiosidade da imprensa internacional. O jornal A Noite destacou fotos
430
MITKE, Thassilo. Depoimento, apud História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 6 de junho de
2000.
431
Id.
432
Id.
249
onde os soldados são vistos fazendo as refeições quentes, passando a ferro o
uniforme e preparando a “bóia”.
433
A imprensa latino-mericana, no sentido de informar os seus leitores sobre a
guerra que acontecia na Europa, buscava destacar a importância da tropa brasileira
como única representante sul-americana nesse conflito. Em Santiago do Chile, o
Jornal La Opinion, em julho de 1944, informava a posição dos países sul-americanos
que não se envolveriam com a guerra:
Os países latino-americanos que até o momento declararam guerra às
potencias do Eixo não combateram e muitos deles não o pretendem fazer.
Salvo o caso dignificante do Brasil, que se prepara como país combatente,
para enviar, aos campos da Europa, uma considerável força
expedicionária.
434
Nessa posição, O L’Opinion avalia a importância do Brasil diante dos demais
países latino-americanos:
O Brasil, irmão maior da América Latina, de acordo com o conteúdo natural
de sua declaração de guerra, pediu, exigiu e hoje se prepara a fim de
ocupar o seu posto de luta e de sacrifício no atual conflito bélico mundial.
Sua atitude deve ser quanto antes respeitada pelos demais povos irmãos
deste hemisfério.
435
Tais notícias vinculadas aos jornais brasileiros denotavam a responsabilidade
depositada nos ombros dos soldados da FEB, claramente exposta no LOpinion: “E
assim ostentarão, no futuro, ao lado das forças dos países aliados, o honroso título
de terem sido camaradas na luta, na dor e no sacrifício”.
436
Com a chegada do Primeiro Escalão a Nápoles, o Quartel General Aliado, por
meio dos seus órgãos divulgadores, deu início a uma série de reportagens que iam
sendo repassadas também para o Brasil. No dia 19 de julho, o INS informava que as
tropas brasileiras haviam chegado à Itália, a fim de reunir-se ao Exército Aliado no
avanço contra os alemães.
437
Assim como o jornal L’Opinion, o correspondente norte-americano da United
Press, Willian Lander, também chamava a atenção dos leitores sobre a tropa
433
A NOITE, Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1944.
434
JORNAL L’OPINION, julho de 1944, apud, A NOITE, Rio de Janeiro, 3 de agosto de 1944.
435
Id.
436
Id.
437
A NOITE, Rio de Janeiro, 19 de julho de 1944.
250
brasileira recém-chegada. “Trata-se da primeira força de soldados latino-americanos
que cruza o oceano nesta guerra”.
438
A Agência Nacional, órgão divulgador do D.I.P., no dia 20 de julho de 1944,
recebeu as primeiras radiofotos dos brasileiros desembarcando no Porto de
Nápoles, que foram imediatamente publicadas pelos jornais coligados. A manchete
do jornal A Noite destacava: O coração do Brasil ao lado de seus filhos, e dizia o
seguinte: “acontecimento que se deu no dia 18 do corrente e que encheu de júbilo
os brasileiros, repercutindo também mundialmente. Isto representa a participação
direta e ativa do Brasil ao lado das Nações Unidas”.
439
No mesmo noticiário acima destacado, o correspondente mostrava que, após
o desembarque dos brasileiros, o porto foi retomando a sua atividade normal. ”A
única atividade que continuou foi a normal descarga dos equipamentos bélicos da
força brasileira, enquanto o público se retirava, comentando com entusiasmo a
chegada das forças expedicionárias do Brasil”. Tal afirmação denotava total
desconhecimento sobre a FEB, porque os registros oficiais do embarque dos
escalões brasileiros, em respeito aos acordos feitos pela comissão mista Brasil e
Estados Unidos, indicavam a impossibilidade de a FEB embarcar com equipamento
bélico ou outro qualquer, porque até barracas faltaram no primeiro acampamento
brasileiro na cratera do vulcão Astrônia.
A Intendência da FEB ficava em um dos acampamentos. O maior deles era o
da localidade de Staffoli, próxima a Bolonha. estava todo o material necessário
para a guerra, desde os armamentos, equipamentos, uniformes até produtos para a
alimentação dos soldados, que depois eram redistribuídos para os regimentos que já
se encontravam em frente de combate, muitos com suas cozinhas próprias. Esse
local também era visitado constantemente pelos correspondentes de guerra, que
buscavam dados para os seus noticiários. O Diário de Notícias ressalta a passagem
da correspondente Rita Humes, do International News Service. No mesmo jornal, as
fotos mostram o general Mascarenhas de Morais recebendo a continência de um
grupo de enfermeiras da FEB, dentre as quais Carmen Bebiano, Inacia Braga,
Virginia Portocarrero, Antonieta Ferreira e Elza Medeiros.
440
438
A NOITE, Rio de Janeiro, 19 de julho de 1944.
439
A NOITE, Rio de Janeiro, 20 de julho de 1944.
440
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1944.
251
No dia 21 de agosto, os jornais do Rio de Janeiro publicavam o cartaz “O
Brasil está presente”, amplamente distribuído pelo D.I.P., mostrando a
representação da figura do soldado da FEB, envergando um uniforme de brim verde-
oliva, como se estivesse participando de um desfile e saudado por populares em via
pública. O texto colocado estrategicamente no jornal, logo abaixo da gravura,
buscava chamar a atenção dos leitores. Trazia informações, dizendo do revide
necessário, da necessidade de castigar os bárbaros invasores,
[...] agora com as Forças Expedicionárias, no teatro de guerra, um preito de
homenagem às nossas classes armadas e, ao mesmo tempo, fazendo
conhecido de nosso povo, o que tem sido a luta do Exército, da Marinha e
da Aeronáutica, na atual guerra que ensangüenta todos os continentes.
441
No tulo de capa do jornal A Noite, com letras garrafais, era anunciado: “Os
Brasileiros na Zona de Combate”. Esse jornal, na época, era uma das expressões
máximas do D.I.P. Era necessário urgentemente explicar à população o envio da
FEB para a Itália, justamente no segundo aniversário da entrada do Brasil na guerra,
fato que passava despercebido pela maioria da população, que não se ressentia do
espírito beligerante de uma guerra que acontecia fora do país.
4.3 CHEGAM À ITÁLIA O SEGUNDO E O TERCEIRO ESCALÕES DA FEB: A
VISÃO DA IMPRENSA BRASILEIRA
No dia 22 de setembro de 1944, embarcava para a Itália o maior contingente
brasileiro, composto por 10 mil soldados do Segundo e do Terceiro Escalões da
FEB. Junto com esse grupamento, saíram os correspondentes brasileiros, que
passam a priorizar as notícias veiculadas sobre a participação do Brasil na guerra da
Itália. O Segundo Escalão, a bordo do navio General Mann, era comandado pelo
general Cordeiro de Farias, enquanto os embarcados no navio General Meiggs eram
comandados pelo general Falconieri Cunha. Esses navios eram comboiados pelos
cruzadores Rio Grande do Sul, brasileiro, e pelos americanos Menphis, Trumpter e
Cannon.
Segundo Brayner, em seu testemunho, a viagem transcorreu tranqüila,
porque não havia o perigo mais incisivo da ameaça de submarinos do Eixo, no
441
A NOITE, Rio de Janeiro, 21 de agosto de 1944.
252
Atlântico Sul. Os navios chegaram ao porto de Nápoles no dia 5 de outubro de 1944.
Nos diários e testemunhos, bem como pela imprensa local, é possível descrever o
que significou para os expedicionários esta viagem e os caminhos que levaram
esses homens para a guerra.
O sargento Edgard Eckert recorda muito bem a presença do presidente
Getúlio Vargas no interior do navio transporte e o discurso de despedida dos
escalões:
Bonito discurso! Tudo bem! De nossa parte, não tem problema, mesmo
sabendo que a gente vai servir de bucha pra canhão. [...] havia também os
que perguntavam por que os filhinhos desses ricaços o estão no nosso
meio, para irem junto para a linha de frente? - Ao que os outros respondiam:
- É que eles ficam bem guarnecidos em suas luxuosas mansões,
construídas, quem sabe, com dinheiro havido de forma não muito
honesta.
442
O espírito crítico dos combatentes era algo que já se manifestava com mais
freqüência, porque, mesmo nos preparativos da formação da FEB, as questões que
envolviam a hierarquia dentro do Exército, a precariedade dos quartéis e o
treinamento dos jovens para a guerra, levavam à reflexão de que nem tudo
acontecia com igualdade para todos.
As manifestações de apoio aos soldados brasileiros do e do Escalões
partiam de várias frentes. A LBA, por meio de sua presidente Darcy Vargas, em
correspondência ao general Cordeiro de Farias, explicou que havia enviado todo o
material existente no almoxarifado da instituição, bem como o produto colocado na
“Campanha da madrinha do combatente”. Das campanhas da LBA, esta última, foi,
talvez, uma das mais grandiosas. O relatório enviado por Darcy Vargas colocava o
comandante Oswaldo Cordeiro ciente dos produtos que seriam destinados aos
soldados. O relatório continha uma listagem enorme de produtos alimentícios e de
vestuário, destacados neste trabalho nas páginas anteriores. Além desses, a lista
incluía produtos para diversas utilidades, como papel de carta, envelopes aéreos,
papel hamburguês, lápis preto, tinta de escrever e material cirúrgico
443
.
O Globo Expedicionário também enfatiza o importante trabalho das
‘Madrinhas de Guerra’ na campanha voltada para atender aos expedicionários, tanto
os que haviam partido, bem como diante do embarque dos escalões que sairiam
442
ECKERT, op. cit., p. 39.
443
A NOITE, Rio de Janeiro, 4 de setembro de 1945.
253
no mês de setembro de 1944. Ao dizer do trabalho emérito dessas mulheres, assim
se manifestou o editorial: “A madrinha do expedicionário é impessoal e tão atenta
aos sofrimentos, ambições e desejos de seu protegido quanto as religiosas na frente
de batalha prestam assistência direta ao combatente. Formando no vasto front da
retaguarda, ela providencia a remessa de utilidades para o soldado”.
444
Os jornais buscavam acompanhar o trabalho das madrinhas de guerra.
Geralmente, eram moças e senhoras da alta sociedade carioca. Uma das
entrevistadas na época, a senhora Martinez de Hoz, declarou ao repórter que se
sentia orgulhosa pelo papel que exercia e também pelo seu filho João de Souza
Lage, que, ao ser convocado para o serviço do Exército, se incorporou
voluntariamente às tropas que se preparavam para o serviço ultramar. Um dos
trabalhos beneméritos da madrinha, assinalado pela reportagem, fazia referência ao
festival realizado no cassino da Urca - na época, ponto de encontro da elite carioca.
A festa rendeu 109 mil cruzeiros, a metade dos quais foram destinados aos
combatentes. As atividades desenvolvidas por Martinez Hoz são significativas e
estavam voltadas para a confecção de sweaters”, escrever cartas, receber
contribuições e aproveitar o seu prestígio na haute gomedo Rio para obter toda a
sorte de utilidades.
A Presidente da LBA, Darcy Vargas, no ensejo de divulgar as atividades da
instituição, mantinha uma estreita ligação com os jornais locais, enviando sempre
mensagens de incentivo aos combatentes. ”A feliz iniciativa do Globo dá-nos o
ensejo de transmitir aos nossos soldados, que em outras terras irão honrar e
defender as tradições brasileiras, a manifestação da fé em sua bravura.”
445
Ao
destacar as tradições brasileiras, provavelmente Darcy Vargas fizesse menção aos
valores da cultura brasileira a serem defendidos também em um campo de batalha,
na perspectiva de quem finaliza sua mensagem com as seguintes palavras: “Aqueles
a quem o destino e as circunstâncias recusaram a participação direta na refrega
marcham espiritualmente ao lado dos nossos expedicionários, comungando de suas
dores e de suas glórias”.
446
De alguma forma, para Darcy Vargas e muitos
brasileiros, a FEB era a representação máxima da nação brasileira em defesa das
liberdades e da democracia.
444
O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 7 de setembro de 1944.
445
O GLOBO EXPEDICIONARIO, Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1944.
446
Id.
254
Egydio Squeff, correspondente de O Globo, embarcado no Segundo Escalão
da FEB, ainda no navio-transporte redige as primeiras reportagens publicadas em O
Globo, em outubro de 1944, com a seguinte manchete: “Só um alarma anti-
submarino seguido de algumas bombas de profundidade da escolta pôs uma nota
de guerra na serena viagem do Segundo Contingente da FEB”.
447
Na introdução da
reportagem, Squeff faz um balanço dos momentos que levaram o Brasil a declarar
guerra aos países do eixo, ao destacar os mortos brasileiros em águas nacionais.
Não é uma guerra simbólica, decidida apenas pelo governo. O povo lavrou-
a com o sangue ainda quente de seus irmãos assassinados nas próprias
praias. O povo queria vingança. [...] Agora estamos frente a frente com seus
exércitos. Que faz Hitler? Outra vez lança o do medo, procurando
desorganizar a nossa retaguarda, com notícias alarmistas. Seus microfones
visam as nossas famílias, os nossos quartéis, as nossas fábricas. É um
truque já desmoralizado. A voz dos seus ‘ speakers’ chegou até nós em alto
mar. Os brasileiros não passam de Gibraltar - disseram eles.
448
É possível imaginar a apreensão dos soldados e de seus comandantes diante
da ameaça de torpedeamento dos dois navios-transporte. O contingente maior da
FEB, dez mil trezentos e quatorze homens, muito vinha realizando exercícios de
abandonar os navios, caso tal tragédia ocorresse.
Segundo Squeff, a notícia da presença de um submarino próximo ao navio
havia corrido todos os camarotes e os decks. Ao tentar maiores informações, dirigiu-
se ao comando, mas não obteve nenhuma explicação. Havia muita confiança na
escolta dos navios, “a idéia de um ataque de submarinos pouco nos preocupava. [...]
Houve longos momentos de expectativa e em poucas horas quase todos
duvidavam que algum submersível germânico houvesse sido mesmo assinalado.”
449
Muito do que foi relatado do cotidiano dos soldados no navio que conduzia o
Segundo Escalão saiu dos escritos de Squeff. Por seu intermédio, foi possível
constatar a dificuldade de adaptação dos homens da FEB à comida servida a bordo,
a permanência por longas horas nos beliches sobrepostos no porão do navio, o calor
insuportável e a falta de refrigeração, bem como o blackout à noite. Para os oficiais,
também não foi fácil o convívio nos camarotes, cujo espaço era dividido entre 11
pessoas. O café era servido às 7h, quando eram servidas frutas, doces, café e
creme. Às 17h, era servida a segunda refeição. Os que estavam em serviço tinham
447
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 21 de outubro de 1944.
448
Id.
449
Id.
255
direito a uma refeição ao meio-dia. Por outro lado, as cantinas americanas podiam
suprir os viajantes com guloseimas, como chocolates, cigarros e outros objetos.
O serviço religioso a bordo ocorria todos os dias. Havia missa católica e culto
protestante simultaneamente. Raros momentos, quando americanos e brasileiros se
misturavam. Para passar o tempo mais rápido, cada qual procurava arranjar uma
ocupação para o período da viagem. Os oficiais se reuniam em grupos para jogar
xadrez. Havia música também para os que apreciavam um “choro” do Exército
executando canções brasileiras, populares ou carnavalescas. Os norte-americanos,
por sua vez, organizam shows para os soldados. Diariamente, os microfones
buscavam inteirar os combatentes das notícias da guerra, que eram ouvidas com
muita atenção. As primeiras anunciadas diziam respeito à frente russa. Também
foram noticiadas a libertação de várias cidades italianas, o que provocou uma alegria
ruidosa entre os ouvintes.
Squeff fez muitas entrevistas no interior do navio, entre oficiais e soldados.
Essas entrevistas foram mais tarde veiculadas pelos jornais brasileiros. Ao
entrevistar o tenente José Ferreira Lopes, de Minas Gerais, obteve do depoente a
seguinte posição sobre a importância da participação do Brasil na guerra. “O clamor
dos nossos iros covardemente sacrificados no cumprimento do dever pelos
agressores nazistas encontra eco nesta nossa jornada ao teatro de guerra pronto a
vingá-los”.
450
Ainda era recente, entre os soldados, a imagem dos navios brasileiros
torpedeados em águas nacionais, um dos fatores que apressou a entrada do Brasil
na guerra.
450
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 22 de outubro de 1944.
256
FIGURA 6 – HORA DO RANCHO
FONTE: HALLAWELL (1946, p. 31)
Também como componente da FEB embarcado no Segundo Escalão estava
o cabo Carlos Scliar, que desenhava muito bem. Mais tarde, na frente de batalha,
registrou o cotidiano dos soldados por meio de desenhos ilustrativos, que foram
destaques nos jornais dos batalhões e no Cruzeiro do Sul. Na entrevista, concedida
a Squeff ainda no navio, Scliar diz: “Será enorme a importância da FEB na luta pela
Democracia que empreendemos. Todos voltaremos mais conscientes”.
451
É
necessário ressaltar que muitos, como Scliar, tinham convicção de que a ditadura
de Getúlio Vargas não teria condições de continuar no poder, porque percebiam os
combatentes um novo tempo para a política brasileira, no qual o poder de exceção
não teria sobrevida após a guerra.
Outros, como o tenente Alfredo Viana Filho, do Rio de Janeiro, projetavam em
seus depoimentos uma visão mais abrangente:
Representamos, aqui, não só o Brasil, mas a América do Sul, para a
organização de um mundo melhor. Mundo em que não mais seja possível
uma nova Munique, em que o cerceamento da liberdade de um homem seja
uma ameaça à liberdade de todos.
452
Enquanto as tropas brasileiras chegavam à Itália, em outubro de 1944, a
cidade do Rio de Janeiro, como os demais grandes centros, prosseguiam em seu
451
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 22 de outbro de 1944.
452
Id.
257
cotidiano, a vida ia seguindo na sua normalidade. No Rio de Janeiro, o noticiário
havia dado algum destaque para o embarque dos soldados do Segundo e do
Terceiro Escalões. Não havia uma estreita relação da população com os
embarcados, a não ser para as famílias que estavam ligadas diretamente aos
soldados que se dirigiam para a Itália. Os espetáculos culturais eram amplamente
anunciados pelos jornais. Os cinemas cariocas exibiam bons filmes. No Pathé,
estava em cartaz Por quem os sinos dobram, com artistas muito conhecidos do
publico carioca, como Gary Cooper e Ingrid Bergman. Carmen Miranda, a
pequena notável, estava no cine Palácio. Bibi Ferreira, a jovem filha de Procópio
Ferreira, revivia nos palcos A Moreninha, no teatro Phoenix, em uma temporada de
comédias que tinham alcançado êxito absoluto. Dizia o jornal: “a Atriz de um futuro
brilhante. Além das qualidades inatas, é portadora de cultura e inteligência pouco
comuns”.
453
Foi cogitado, nesta fase, se enviar ao front brasileiro um elenco de artistas
brasileiros, emissários da música popular e dos astros da ribalta, como Linda Batista
e Grande Otelo.
Essa troupe’ escalonaria pelo Natal, quando faria um show para os nossos
soldados. Chegaria finalmente à Itália, devendo percorrer várias cidades
onde se encontravam os combatentes e, inclusive, a zona de operações,
onde todos querem ver se é verdade mesmo que a cobra está fumando.
454
Tanto a L.B.A., por meio do seu boletim, bem como o Globo Expedicionário,
prestaram serviços relevantes às famílias expedicionárias em várias partes do Brasil,
ao disponibilizarem as seções nos seus cadernos noticiários, especialmente voltadas
às entrevistas com os parentes dos combatentes que já se encontravam na Itália. As
seções de recados incluíam os familiares, com suas pequenas notas, anunciando
nascimentos, casamentos ou enviando saudações.
O Serviço Postal da FEB, embora considerado regular, funcionava com
dificuldade, porque da entrevista dada na época ao Globo Expedicionário pelo
responsável, o major Gilberto da Cruz Messeder, é possível verificar que a trajetória
da mala postal era complicada. As correspondências eram enviadas por via aérea
até Natal, através do Correio Aéreo Nacional. chegando, esse material era
453
O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1944.
454
O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1944.
258
responsabilidade dos norte-americanos, que o transportavam por avião. Portanto,
era um serviço que dependia dos problemas do tempo e da disponibilidade do avião,
e há que se lembrar que o estado de guerra dificultava o acesso a todos os meios de
transporte.
455
as encomendas, como roupas, agasalhos, luvas, suéteres, doces e
outros mimos seguiriam depois por navios brasileiros.
Nesse aspecto, as entrevistas estampadas nos jornais que chegavam até o
front serviam de alento para os homens que viviam dias incertos na frente de
batalha. Os pais, as esposas, as noivas e sobrinhos são entrevistados e
devidamente fotografados pelos repórteres. Segundo o Globo Expedicionário, os
telegramas sobre a atuação da FEB ocupam lugar destacado no noticiário
internacional e, no Brasil, são lidos sofregamente pelas multidões ansiosas. “Nada
mais justificável, por conseguinte, do que se sentirem os parentes dos
expedicionários orgulhosos de os terem como combatentes”.
456
Nos jornais, abriam-se colunas para mensagens, pequenos recados, como o
enviado à enfermeira Viriginia Portocarrero
[...] nossos soldados sentem sem dúvida que os seus cuidados m muito
da imensa saudade que teriam em seus lares distantes. Faça extensiva às
suas companheiras, a nossa admiração. Queremos recebê-la em nossos
braços, no dia em que - heroína desta guerra pela liberdade e pelo Brasil -
retorne à sua terra saudosa.
457
São organizadas colunas especiais para as mães, como aconteceu às Mães
Campineiras. Segundo estatística do jornal, Campinas, em São Paulo, havia
colaborado com um contingente grande de homens para a FEB.
As crianças também são ouvidas. Na família Donnola Pereira, o repórter do O
Globo Expedicionário observa Tonio, o menor da família: diante de um mapa italiano,
aponta com o dedinho um determinado local e vai dizendo: “maninho está aqui, na
Itália”. Os outros irmãos de Tonio agrupam-se ao redor do repórter. Alguém diz:
“Chegaram cartas da Itália e até os vizinhos querem saber como vai o velho Léo”
um herói naquele trecho do bairro. Tal entrevista foi estampada com o seguinte
título: O que é um herói?
458
455
O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 14 de setembro de 1944.
456
O GLOBO EXPEDICIONARIO, Rio de Janeiro, 6 de outubro de 1944.
457
Id.
458
Id.
259
Assim, recebem os soldados notícias das suas casas, nos acampamentos ou
na linha de frente; enfim, onde possa chegar o jornal. São anúncios pequenos e
acompanhados das fotografias dos familiares. Geralmente, a mensagem é de
encorajamento aos homens e mulheres da FEB e fazem referência à confiança que
o povo brasileiro neles deposita. No elenco dos nomes, destacados pelo O Globo
Expedicionário nesse dia, são lembrados o Major Alberico Avelar, a enfermeira
Viriginia Portocarrero, Raul de Castro Filho, o soldado Rafael Caruso, o soldado
José Leopoldo Menna Barreto, o sub-tenente Eudaldo Roosevelt, o oficial Charles
Pullen Hargreaves, o cabo Virginio Noronha Trindade, o primeiro-tenente Oswaldo
Mendes Leite, o soldado Alcides Surato, Manoel Alves Cardoso, o soldado Geraldo
Alvarenga do Nascimento, o soldado Jesuíno Vargas, o soldado Carlos Alberto,
Walthemir Gerck, o coronel Sagadas, Sylvio da Fonseca, Bernardino Salgado, o
soldado Arnaldo Stelini, Vergílio Violaro, o soldado Manoel Lemos Paulo e o soldado
Ermelindo Rangoni.
Qual o teor dessas mensagens? Reconhece-se, aqui, o valor da
expressividade transcrita em tão poucas linhas. Elas registram desde votos de um
feliz aniversário até perguntas do tipo: como você está passando? Falam do
heroísmo pela campanha que se acompanha de longe, na esperança de que esses
homens cumpram o seu dever na luta pela democracia, como verdadeiros soldados
do Brasil; dizem dos pais que abençoam seus filhos e da reza diária a Senhora
Aparecida, na esperança de que esses homens possam um dia regressar para os
seus lares.
Ao aportarem em Nápoles, assim como os soldados do 1º Escalão, os dez mil
homens recém-chegados no e no Escalões da FEB ficam chocados com o
aspecto da cidade, como afirmou o paranaense Leonércio Soares:
Aquela primeira visão de Nápoles com todos os tremendos estragos
provocados pela guerra, bem recentes, impressionou profundamente o
espírito dos jovens brasileiros. Muitos deles desconheciam ou possuíam
escassos conhecimentos do que a guerra traz em si de barbarismo, de
catastrófico e de cruel.
459
Durante dois dias, os navios ficaram atracados no porto de Nápoles e a tropa
não havia recebido permissão para o desembarque. No terceiro dia, foi anunciado
459
SOARES, op. cit., p.28.
260
que não seria mais fornecida comida aos soldados. Todos deveriam se preparar
para receber a primeira refeição em terra firme. Todos seguem para o local indicado:
um conjunto de prédios antigos, junto à orla, que anteriormente haviam servido de
quartéis às forças fascistas e depois para as tropas da Wehrmacht.
Não escapou do olhar critico de Leonércio Soares o fato de os oficiais
brasileiros se obrigarem a efetuar filas junto dos soldados para receberem a refeição
do dia e o constrangimento que tal ato proporcionou: posicionados, superiormente,
pela rígida e tacanha estratificação do exército à qual se habituaram, “muito difícil
ser-lhes-ia aceitar aquela imponderável mudança de normas. [...] indignados, saíram
para um lado, falavam e gesticulavam, podia-se ouvir, pela entonação de voz, a
exasperação de alguns”.
460
Terminado o almoço, a viagem deveria prosseguir para os soldados do
Segundo e do Terceiro Escalões nas 64 barcaças Landig Graft Infantary, que
tomaram parte na invasão do sul da França (L.C.I.).
461
Próprias para a condução e
desembarque de soldados, comportavam cerca de 200 homens cada uma e
conduziriam a tropa até o porto de Livorno, onde já se encontravam os norte-
americanos e os equipamentos de guerra. Desse porto, os brasileiros seguiriam seu
rumo à Pisa, para a ambientação geral antes da chegada ao front, nas
proximidades. As embarcações estavam presas umas às outras, enfileiradas,
formando uma espécie de esteira flutuante como bem as descreveu Leonércio
Soares: A tarde nublada tornava o mar Tirreno agitado.
Ondas imensas se erguiam fazendo as barcaças desaparecerem nos
buracos abertos, a água espumante varria os conveses de lado a lado. Fora
dos porões apertados, tinha-se que se agarrar às cordas e cabos de aço
para não ser arrastado pelas ondas que vinham e passavam.
462
As barcaças L.C.I. partiram na manhã do dia 10 de outubro. Não eram
confortáveis e o fundo chato, diante do mar revoltado, jogava muito, o que causou
sérios danos orgânicos para passageiros e tripulação. O resultado desse percurso é
bem descrito pelo médico da FEB, que estava em uma delas:
460
SOARES, op. cit., p.33.
461
N.A.: Depois do dia D, estas barcaças fizeram ainda quatro viagens de ida e volta levando
prisioneiros e feridos à Inglaterra e trazendo soldados para a França. Para saber mais detalhes sobre
a viagem nas barcaças, vide BRAGA, Rubem. Crônicas de Guerra na Itália. Rio de Janeiro: Bibliex,
1996, pp. 34-35.
462
Ibid., p. 35.
261
Era de amargar. Os valentes’ que se julgavam velhos lobos-do-mar se
revelaram miseravelmente. Houve alguns que quase morreram de tanto
enjoar e não arredaram a cabeça do travesseiro. Nunca haveríamos de
esquecer aquelas trinta horas de enjôo.
463
No dia 11 de outubro de 1944, os dez mil soldados chegaram ao porto de
Livorno, bastante destruído pelos ataques ocorridos anteriormente, mas somente no
dia 12 receberam ordens para o desembarque. O aspecto da tropa era uma lástima,
segundo o registro do sargento José Alves:
[...] pálidos, de olhos fundos, os pracinhas pareciam cadáveres. Porém,
depois de chupar algumas laranjas e saborear maçãs, foram recuperando a
cor e o ânimo começou a voltar. [...] Embarcamos nos caminhões, seguindo
nosso destino: Pisa, a histórica cidade da Torre Inclinada, o bosque de
Caça Real, a Tenuta de San Rossore, distante 4 quilômetros ao norte da
cidade.
464
O outono italiano já aparecia com todo o seu rigor, a chuva mda encharcava
os caminhos e a lama criava dificuldades tanto para o transporte de equipamentos
como dos homens. A estrada que ligava Livorno a Pisa era uma das mais
movimentadas, porque, depois de Nápoles, era o porto de Livorno o mais procurado
para o desembarque do material bélico. Portanto, por todos os lados da estrada,
percebiam-se fileiras intermináveis de materiais que seguiam para o front, era um
desafio da máquina de guerra a enfrentar o poderio alemão. Também em Livorno
estavam localizados grandes depósito de víveres e de material bélico. Próximo ao
cais do porto, eram feitas as montagens das viaturas, caminhões e jipes dentre
outros, que seriam utilizados na campanha alguns quilômetros mais adiante. que
se imaginar que os alemães estavam estrategicamente localizados no Porto de
Spezzia, a apenas 80 quilômetros de Livorno.
A principal proteção contra ataques aéreos ao Porto de Livorno estava
localizada no campo de aviação em Pisa. Ali havia centenas de aviões de caça que
aguardavam o primeiro sinal para voarem em perseguição. No aeroporto de Pisa, os
norte-americanos organizaram uma poderosa base aérea. estavam os
representantes da FAB, os pilotos brasileiros que, durante sua permanência neste
463
RAMOS, José de Oliveira. A Epopéia dos Apeninos. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1947, p.
83.
464
SILVA, José Alves, op. cit.,p. 57.
262
local, desenvolveram importantes missões, reforçando a estratégia de combate em
apoio à FEB.
O grupamento da FAB tinha como comandante o tenente coronel aviador
Nero Moura e foi criado em dezembro de 1943, treinado durante seis meses em
escolas e bases de aviação nos Estados Unidos, mais precisamente na Zona do
Canal do Panamá. O primeiro grupo de Caça da Força Aérea Brasileira chegou à
Itália no dia 6 de outubro de 1944, incorporando-se ao 350º Grupo de Caça
Americano, pertencente à 62ª Brigada de Caça do XXII Comando Aerotático da
Força rea do Mediterraneo. No dia 11 de novembro do mesmo ano, iniciou a sua
primeira missão, em aviões P.47, e desempenhou, principalmente, missões de
bombardeio em objetivos diversos, com fogos de metralhadora, vôos rasantes em
apoio às operações ofensivas das Forças de Terra.
O grupo de caça era composto por 410 oficiais e praças, inclusive seis
enfermeiras e um capelão. O grupo da FAB perdeu oito dos seus oficiais aviadores e
teve abatidos dezesseis dos seus aviões. Além do apoio dado à FEB, por ocasião
dos ataques ao Monte Castello, um dos seus grandes feitos foi em 22 de abril de
1945, na localidade de San Benedetto do
465
, quando, por meio de sucessivos
ataques, impediu a formação de uma resistência alemã nas margens do Pó, o que
teria sido um desastre para as forças aliadas. A participação da FAB será mais bem
detalhada no capítulo referente à campanha de Monte Castello.
O grande contingente brasileiro chegava finalmente ao setor denominado
Staging Area 3” pelos americanos, mas conhecido pelos brasileiros como a
Tenuta de San Rossore”. Essa era uma vasta propriedade que pertencia aos reis da
Itália e servia como local de passeio, onde o soberano italiano e seus convidados
costumavam passar o verão. O local havia sido previamente preparado justamente
para que se evitassem os problemas ocorridos com o desembarque do Primeiro
Escalão em Nápoles. Portanto, as barracas estavam montadas, as cozinhas
funcionando, as instalações higiênicas prontas.
Desse acampamento, muitos soldados não esqueceram; como disse José
Ramos:
465
FOLDER MUSEU DA FEB. Força Expedicionária Brasileira (FEB) Sumário Histórico. Casa da
FEB, 1986.
263
Começávamos então a receber o material de acampamento – cama de
campanha, mosquiteiro, velas, fósforos; e fomos nos ajeitando. Em cada
barraca, ficavam em média dois a quatro oficiais. [...] As refeições, em
número de três, obedeciam ao seguinte horário: café, às 8h; almoço, às 11h
e jantar, às 17h, horário esse que foi religiosamente seguido, desde o
primeiro ao último dia.
466
Na Tenuta de San Rossore, os soldados brasileiros aprenderam muito com os
norte-americanos. Naturalmente, além do treinamento com os novos equipamentos
e armas, o preparo das refeições e a higiene das cozinhas e banheiros foram
ensinamentos que o Exército Brasileiro vai trazer da Itália para os quartéis. Nas filas
muito bem organizadas, diante das cozinhas, os soldados portavam seus pratos de
alumínio, canecos e talheres, que, após o uso, eram mergulhados em camburões de
água fervente, com sabão, desinfetante e água limpa. Os recipientes para lixo eram
estrategicamente colocados por todo o acampamento, ao lado das barracas, das
cozinhas e banheiros. A higiene imperava no acampamento, onde uma micro-cidade
funcionava com seus dez mil habitantes.
Pela manhã, se via o pessoal de cara ensaboada, diante de espelhos
dependurados nas portas ou nos cantos das barracas, fazendo a barba. Os
chuveiros tinham uma concorrência permanente e os barbeiros da unidade
tosavam os pracinhas sem cessar. A bordo, havíamos treinado a lavar
nossa própria roupa.
467
Nesse acampamento e nos demais por onde a tropa brasileira passou, inicia-
se o primeiro contato dos soldados da FEB com a população local.
466
RAMOS, José de Oliveira. A Epopéia dos Apeninos. Rio de Janeiro: Gráfica Laemmert, 1947, p.
86.
467
Ibid., p. 87.
264
FIGURA 7 – ALIMENTO AO POVO
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 155)
Eram as crianças, mulheres e homens que vinham buscar as sobras do farto
rancho que era servido. Diante de tanta miséria, os soldados contritos instituíram a
Liga dos P.M. (porta mangiare, que, em italiano, significa ‘levar a comida’). Segundo
os pracinhas, tal modelo funcionou em todas as unidades. Muitos simpatizavam com
as crianças, outros tinham piedade dos mais velhos. Muitas refeições eram
entregues nas casas miseráveis, onde faltava tudo. Era comum os soldados saírem
dos acampamentos carregados de embrulhos contendo a tão preciosa alimentação
para aquela gente.
Antes de os soldados entrarem em linha com seus batalhões, a vida no
acampamento, muitas vezes, tornava-se monótona para tanta gente jovem. O
noticiário sobre a guerra era passado, segundo o soldado Leonércio Soares, de
boca em boca e sempre aumentado. Falava-se sobre os sucessos que vinha
alcançando em combates, o primeiro Escalão no vale do rio Sérchio. Os nomes das
cidades de Camaiore, Barga, Monte Prano e a Linha Gótica eram amplamente
divulgados. Geralmente, tais notícias eram trazidas pelos motoristas e soldados que
265
haviam ficado na retaguarda. Elementos que jamais haviam estado numa frente de
combate.
468
Com a proximidade do inverno, as primeiras geadas caem no acampamento,
os soldados recebem roupas de fornecidas pelos norte-americanos. Cabe
ressaltar que tudo o que foi fornecido, mais tarde, foi pago pelo governo brasileiro,
com juros e correção, sendo que nem as armas e munições gastas foram
perdoadas. Os últimos treinamentos foram realizados nesse local: uma longa
marcha de 20 quilômetros. Os soldados receberam o armamento, os fuzis
Springfield, o que causou espanto e revolta geral, já que as tropas norte-americanas
foram provisionadas com armamento mais moderno. “Ofereceram ao nosso
Regimento o rebotalho da indústria bélica, sem o fuzil Garand, carabinas e o
armamento individual”.
469
Nesse local, os soldados participaram de uma única
instrução de tiro.
A informação do tenente Klas contrastava com as notícias veiculadas pelos
jornais brasileiros:
Um grande contingente das Forças Expedicionárias Brasileiras, integradas
por tropas perfeitamente treinadas e prontas para entrar imediatamente em
ação, chegou hoje a este porto a fim de juntar-se ao primeiro contingente da
FEB, já atuando no setor ocidental da frente do quinto Exército
Americano.
470
Antes de partir para a linha de frente, os soldados ainda foram deslocados
para Filetole, no dia 19 de outubro de 1944. O novo acampamento era considerado
o melhor para treinamento dos soldados, mas, como observa o soldado Leonércio
Soares, não havia instrutores capazes, técnicos em armas e estrategistas de guerra.
A providência tomada foi completamente inócua. A desinstrução, o
desconhecimento das coisas ia dos soldados aos comandantes dos mais
altos escalões. Todos, embora não querendo admitir, eram igualmente
ignorantes, tanto em questões de guerra como naquelas armas.
471
Na praticidade de quem vive de um acampamento para o outro, os soldados
vão se organizando, como destacou em seu diário o soldado Linhares:
468
SOARES, op. cit.,p. 38.
469
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005, p.112.
470
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1944.
471
SOARES, op. cit.,p. 45.
266
Como de costume, minha mochila estava muito bem organizada: cobertor
novo e bem peludo. três caixas de ração K e C, marmita completa, creme
dental, escova de dentes, pente, toalha esverdeada, sabonete, aparelho e
creme de barbear, caderno, lápis, pincel, lenços, barra de chocolate,
chicletes.
472
Com o frio que foi ficando dia-a-dia mais rigoroso, os soldados receberam
uma jaqueta mais pesada conhecida como combat–jacket: o tecido era impermeável
e por dentro era forrada de lã. Em qualidade, o se comparava à frágil roupa de lã
que os soldados haviam levado do Brasil. O novo uniforme seria ainda composto de
um par de galochões, tipo meia bota, um capacete de fibra e um de aço e um capote
de lã, com botões dourados e a insígnia americana de uma águia, que
provisoriamente substituía o Cruzeiro do Sul. O mesmo uniforme foi distribuído para
todos os soldados que compunham o quinto Exército.
Nessa fase, como parte dos preparativos para a entrada em Linha, muitos
oficiais deixaram o acampamento e seguiram para as localidades onde o sexto R.I.
vinha combatendo. Desse modo, verificando ’in loco’ como ocorriam os primeiros
embates contra os alemães.
4.4 AS MANOBRAS DO R.I. NO VALE DO SERCCHIO: O BRASIL ESTÁ
PRESENTE
Tenho em mãos a carta desse comando, por gentileza de V.S.ª,
comunicando-me a morte do meu idolatrado filho – o soldado Ademar
Fernandes, em combate e no cumprimento do dever. Desnecessário se
torna frisar a dor que me punge a alma que só nas palavras de conforto de
outro brasileiro que partilha a mesma luta em prol da Pátria, pode encontrar
um lenitivo. A morte não é nada como ponto final à vida bem vivida.
Tudo pelo Brasil!
473
Theodoro Fernandes Ferrugem
O Brasil se fez presente em um conflito internacional e, embora o número dos
participantes não tenha sido expressivo (25.000 homens) em relação a outras
unidades militares estrangeiras, os soldados brasileiros, como aliados, lutaram ao
472
LINHARES, Manoel Antonio. A cobra vai fumar: memórias de um soldado da Força
Expedicionária Brasileira. Florianópolis: Rocha, 2004, p.53.
473
O CRUZEIRO DO SUL, 14 de março de 1945. N.A.: A carta foi enviada ao coronel João de
Segadas Viana, comandante do 6º R. I.
267
lado de combatentes experientes, os norte-americanos, em várias frentes de luta nas
quais já estavam engajados.
São muitas as maneiras pelas quais os soldados podem ser lembrados em
uma guerra. Os livros retratam as campanhas das diferentes unidades militares, sob
a ótica dos seus autores - seja de forma histórica ou literária. Os relatórios da frente
de combate, por sua vez, reportam a registros técnicos e sucintos, nos quais o grupo
e/ou o soldado são lembrados por atos de bravura.
Nesse estudo sobre as manobras no Vale do rio Sercchio, buscou-se focalizar
as lembranças brasileiras e italianas, porque os episódios aqui destacados, narrados
pelos participantes, constituíram o batismo de fogo do Primeiro Escalão a
desembarcar na Itália. Na reconstituição dos fatos, buscou-se determinar as
circunstâncias em que eles ocorreram e como foram registrados. Desses
apontamentos, privilegiaram-se os depoentes brasileiros em seus diários ou em seus
testemunhos; e italianos, também depoentes, ou ex-combatentes, que, em certo
momento da guerra, estiveram frente a frente. Sempre numa visão da amplitude
humana, embora se tenha consciência de que a documentação apresentada não
seja suficiente para os historiadores contemporâneos brasileiros e italianos.
O vale do rio Sercchio fica ao norte de Pisa. Os alemães, sendo pressionados
para o norte, defendiam esta região com muita obstinação. Acreditavam que, se a
guerra se prolongasse por mais um tempo, poderiam obter sucesso, caso novos
equipamentos e armas chegassem até as suas linhas.
Com a ruptura dessas posições na frente compreendida entre as estradas nº
64 e 67, decidiu o comando americano colocar o Destacamento FEB para uma ação
direta com o IV Corpo do V Exército Americano, sob o comando do general Willis
Crittemberger em todo o vale do Sercchio, iniciando a sua ação a 18 de setembro de
1944, quando os brasileiros substituíram os norte-americanos naquela região.
Com um efetivo de 237 oficiais e 4.331 praças, era formado o Destacamento
FEB. Na verdade, os componentes do primeiro Escalão que chegara à Itália em julho
de 1944. Comandava o Destacamento FEB, o general Zenóbio da Costa.
Com as novas instruções, cabia aos brasileiros ir na direção de Castelnuovo
di Garfagnana, uma região temida e desafiadora onde estavam concentradas fortes
unidades alemãs, auxiliadas por divisões italianas - embora estas últimas
apresentassem grandes dificuldades de articulação, tanto pelo número de soldados
268
como de equipamentos, porque a longa permanência delas na guerra, ao norte da
África e na Grécia, havia desestruturado as suas unidades.
A situação para o Destacamento FEB era então de grande responsabilidade.
A frente a vasculhar duplicara, atingindo aproximadamente 20 quilômetros de
largura, com a presença de experientes soldados alemães que vinham de lutas
anteriores na frente russa ou no norte da África.
Pela cidade de Castelnuovo di Garfagnana, havia um entroncamento de
estradas importantíssimas para os aliados, de modo que a queda dessa localidade
importaria em graves prejuízos para o setor alemão. O caminho a percorrer era
longo e coube ao R.I., comandado pelo general Zenóbio da Costa, servir de
vanguarda da FEB, no desenvolvimento operacional e na ocupação de áreas que
ainda estavam nas mãos das tropas alemãs, fazendo uma integração dos brasileiros
no âmbito do V Exército.
No dia 15 de setembro de 1944, o destacamento FEB substituía o 370º
Regimento Americano, que perdera o contato com os alemães em retirada.
Sucessivamente, foram ocupadas pelos brasileiros as cidades de Massarosa,
Bozano, Chiesa e Camaiore. Segundo os especialistas, uma página importante da
história para a compreensão da participação da FEB nos episódios marcantes da
guerra na Itália. Pela primeira vez, os soldados foram exigidos em uma guerra que
caminhava para o seu final, mas não menos agressiva e plena de surpresas que
desafiavam os melhores estrategistas.
Segundo os organizadores do livro de memórias Depoimentos dos Oficiais da
Reserva, destacado nesta pesquisa, poucos daqueles que não estiveram na FEB
hão de se lembrar da palavra Camaiore. São várias as versões sobre a conquista
desta cidade, tanto dos que lá estiveram, como também daqueles que por o
passaram, mas sobre ela escreveram.
Na expectativa de clarear os acontecimentos ocorridos nesta localidade,
juntaram-se aos especialistas em estratégias de guerra, os autores de obras
específicas e os próprios combatentes, porque os fatos lá ocorridos marcariam
profundamente os seus participantes e a FEB como um todo. A imprensa brasileira,
por sua vez, intermediada pelos correspondentes de guerra estrangeiros, acabou
por provocar um discurso ufanista sobre os feitos dos soldados, em situação
inusitada, nunca antes visto e que, nos últimos tempos, tem provocado o
269
constrangimento dos próprios pracinhas.
Segundo afirmam os combatentes que participaram da libertação da cidade
de Camaiore, na visão mais objetiva dos acontecimentos: “não houve, por certo,
jornal do Brasil que deixasse de estampar, em títulos garrafais, esse nome, porque
foi a primeira cidade italiana a ser conquistada pelas tropas brasileiras”.
474
O conjunto da obra Depoimento de Oficiais da Reserva, organizada pelo
tenente Demócrito Arruda, com a colaboração de vários combatentes do sexto R.I.
vai balizar a discussão que se fez em torno dos primeiros combates da FEB,
principalmente o de Camaiore.
A cidade de Camaiore, segundo o tenente coronel J. Almeida Freitas, possuía
na época cinco mil habitantes, situada ao dos Apeninos, no fundo de uma bacia,
a dez quilômetros da costa. Para os italianos, constituía um centro de
abastecimento, aonde todos acorriam dentro de suas necessidades. Para os
estrategistas militares e alguns brasileiros que combateram na Itália, não era apenas
um centro comercial: seu valor avultava e cresceu imensamente, projetando-se na
História Militar do Brasil e quiçá na dos Exércitos da Itália, como o lugar onde se
desenvolveu uma das mais belas manobras do Exército, sob a responsabilidade do
6º R.I., comandado pelo general Zenóbio da Costa.
No contraponto dessa história, estão duas versões apresentadas sobre a
conquista da cidade, que dão a dimensão da memória fragmentada sobre um
mesmo episódio. A primeira foi narrada pelo Cruzeiro do Sul, órgão oficial da FEB.
E na manhã de 18, a infantaria do sexto R.I., em cujas veias corre o sangue
bandeirante, diretamente impulsionada por seu General-Comandante, foi
lançada em direção a Camaiore. [...] sua artilharia e morteiros cobriam a
cidade, com tremendo bombardeio. As estradas e pontes estavam
destruídas. [...] mas o general Zenóbio, dirigindo pessoalmente as
operações de uma elevação que domina a cidade pelo sul, lançou
arrojadamente, em jipes, a Companhia de Infantaria. [....] enquanto os
brasileiros entravam pelo sul, os alemães fugiam rumo ao norte, para os
contrafortes dos Apeninos. [...] os soldados estavam eletrizados com a
presença do seu general.
475
O segundo testemunho sobre a Tomada de Camaiore foi exposto no
jornalzinho de Campanha do R.I. “A cobra fumou” e seu autor foi o tenente Alfio
474
ARRUDA, Demócrito. Depoimento de Oficiais da Reserva sobre a FEB. Rio de Janeiro:
Cobraci, 1956, p. 425.
475
Ibid., pp. 425-433.
270
Piason, diretor do jornal e oficial de informações do Batalhão de onde saíram os
elementos participantes da tomada de Camaiore.
Foi assim que na noite de 15 para 16 de setembro o nosso I Batalhão e a 6ª
Companhia do II entravam em linha. [...] Logo no dia seguinte, assim à
queima-bucha, desencadeou-se o ataque, com muitas faltas, fruto
unicamente da inexperiência da guerra verdadeira, [...] A linha Massarosa-
Chiesa (duas aldeias) tinha sido atingida e consolidada. [...] alguns copos de
vinho e viva i liberatori. [...] A 18, assume o capitão Ayrosa o comando de
tropa tão heterogênea e a partida dos nossos homens para uma grande
incógnita, a 16 quilômetros à frente da nossa linha avançada, sem apoio, é
qualquer coisa digna de ser recordada. [...] caem os primeiros tiros de
artilharia inimiga. [...] era o batismo de fogo da FEB, não havia mais dúvida.
[...] Urgia uma decisão, os tanques e os carros de Pelotão de
Reconhecimento não poderiam prosseguir. [...] o comandante não vacila
(Capitão Ayrosa) e partiu ele mesmo em direção ao jipe. [...] com intervalo
de 100 metros entre um e outro, vão eles serpenteando serra abaixo,
desembarcou a tropa transportada e nova viagem de outros jipes trouxe, até
aí, o resto do pessoal. [...] cerca de 19,30 horas, Camaiore é atingida,
debaixo de fogos de morteiros inimigos. [...] Entra-se na cidade, alguns
partigiani locais juntam-se à tropa. [...] Assim estava Camaiore ocupada,
instala-se o capitão Ayrosa, o primeiro oficial brasileiro a conquistar uma
cidade italiana.
476
A narrativa do tenente José Alfio Piason, do R.I. se contrapõe ao Jornal
oficial da FEB, o Cruzeiro do Sul. De maneira tranqüila, expõe os fatos, sem alardes
e não deixa de enaltecer a quem de direito, neste caso o próprio Capitão Ayrosa,
que comandou o grupamento do R.I., na investida com jipes, em que os tanques
e carros mais pesados se mostraram ineficientes. Inaugurava o Brasil uma página de
feitos de grande valor para a FEB, em que o aprendiz de soldado fez a guerra e dela
tirou ensinamentos como homem e combatente. O reconhecimento não tardou, seja
do próprio exército americano, pelo cumprimento de missão tão importante, que veio
a condecorar Ayrosa com uma das mais altas condecorações militares, a Medalha
Estrela de Bronze.
Outros combatentes também se pronunciaram em seus depoimentos sobre a
conquista da Camaiore. O capitão Thorio Benedro de Souza Lima, do 1º R.I., muitos
anos depois do fato ocorrido, manifestou-se em relação ao artigo publicado pelo
Cruzeiro do Sul:
Os fatos militares são testemunhados, realmente, por poucos,
exatamente por aqueles empenhados na ação ou próximos do local onde se
desenrola. E esses poucos estão em condições de dar um depoimento
mais ponderado. [...] Certamente, o objetivo deste artigo era exaltar a
476
ARRUDA, Demócrito, op. cit., 1956, pp. 425-433.
271
personalidade do comandante, mas o comandante da Infantaria Divisionária
e não do primeiro Escalão.
477
Assim como as ponderações de Thorio Benedro estavam direcionadas ao
general Zenóbio da Costa, comandante da Infantaria Divisionária, outros
depoimentos mostravam, pela crítica, o descontentamento de muitos febianos contra
o comando da FEB.
A conquista de Camaiore e das aldeias vizinhas repercutiram
estrondosamente no Brasil. Os correspondentes de guerra, principalmente os
estrangeiros, por meio de seus escritórios jornalísticos, enviavam as notícias para o
Brasil e a população, principalmente a do Rio de Janeiro, era bombardeada
diariamente com esse noticiário.
O Globo do dia 3 de outubro de 1944 destacava a passagem dos brasileiros a
noroeste da cidade de Lucca, enfrentando forte resistência alemã. Na manchete do
dia 17 de outubro, o jornal A Noite destacava o seguinte tulo: Os brasileiros em
violentos combates”, pelo correspondente da U.P., via Roma:
Patrulhas brasileiras travaram violentos choques contra os nazistas no setor
costeiro da região de Bolonha. Os brasileiros infligiram reveses aos
nazistas, preparando o avanço geral das Forças Expedicionárias Brasileiras
em direção a Bolonha.
478
O mesmo jornal comunicava a presença de oficiais da Marinha Brasileira em
apoio à FEB. Também se noticiava a presença da FAB na localidade de Tarquinia,
próximo à Pisa.
Reportagem no acampamento dos pilotos da FAB (Henry Bagley, da A.P.):
O tenente-coronel Nero Moura, que comanda o contingente da FAB na
Itália, teve ocasião de dizer que tanto ele como seus comandados
provavelmente entrarão em ação muito em breve. ‘A nossa tarefa disse -
será a de atacar, em bombardeio de mergulho, as posições alemãs’”.
479
Enquanto o 1º Escalão da FEB vai se deslocando pelas pequenas aldeias, em
perseguição à tropa alemã, o Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, decidiu visitar
a FEB em operações na Itália por ordem do governo Getúlio Vargas e verificar
477
LIMA, Thorio Benedro de Souza. Entrevista. Rio de Janeiro, 14 de novembro de 1978, apud
História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 2000.
478
A NOITE, Rio de Janeiro, 17 de outubro de 1944.
479
Id.
272
pessoalmente o andamento da guerra.Mal o e o 3º Escalões haviam saído com os
navios do Rio de Janeiro, o ministro descia no aeroporto de Nápoles, no dia 26 de
setembro. Muitas eram as queixas acumuladas pelo Comando da FEB, situação que
preocupava não apenas o ministro, mas também o governo. O general Dutra,
pessoa muito introspectiva, sisudo e pouco comunicativo, era aguardado com
expectativa pelo Comando Aliado, que via com bons olhos a chegada do
representante brasileiro na averiguação das suas tropas.
No dia 2 de outubro de 1944, os jornais do Rio de Janeiro, informavam “No
comando, o general Dutra”.
O general Eurico Gaspar Dutra, acompanhado por uma comitiva, atravessou
a região montanhosa mantida pelos brasileiros, fazendo uma visita pessoal
a algumas posições avançadas das tropas brasileiras. Ao andar por essa
região, teve o ministro da guerra do Brasil a oportunidade de atravessar
pontes e estradas reconstruídas pelos soldados do corpo de engenharia do
Brasil.
480
Depois de visitar os quartéis dos comandos aliados, em Roma, Florença e
Lucca, no dia 16 de outubro de 1944, o Ministro da Guerra chega até o
acampamento de San Rossori, próximo a Pisa, onde já se encontravam os dez mil
soldados do 2º do 3º Escalões.
A correspondente Majoy (Silvia de Bittencourt), na sede da United Press, em
Roma, recebeu a missão de cobrir a frente brasileira. Segundo seu relato,
(acampamento) estava muito frio e a ‘cobra fumava’. O hotel onde ficava a maioria
dos correspondentes era o Hotel della Città, localizado na praça Trinità dei Monti. É
também, por meio do seu noticiário, que se obtiveram as informações mais
detalhadas dos primeiros acampamentos brasileiros. Majoy esteve também na linha
de frente, nas áreas mais atuantes da FEB Em alguns diários, o seu nome foi
lembrado pelos combatentes brasileiros, como o registrado pelo tenente médico
Massaki Udihara do 6º R.I..
Em Roma, ela conta sobre o G.I.
481
e o pracinha, era o modo de dizer que
mais notícias sobre os brasileiros seriam necessárias. O Quartel General da
imprensa aliada, o Public Relation Office, funcionava no Palácio Marguerita. Desse
célebre hotel, segundo Majoy, saíam as narrativas da guerra para o mundo: “de lá
480
A NOITE, Rio de Janeiro, 2 de outubro de 1944.
481
N.A.: O G. I, segundo Majoy, o termo em inglês significa Governement Issue, ou seja “produto de
guerra”, ou seja o que você deverá produzir para formatar um texto para o jornal.
273
partíamos, caçadores de sombras ou realidades por essas batalhas à dentro, onde o
feltro verde bordado a ouro com War Correspondent, passado na ombreira da
camisa é a senha para os lugares mais secretos”.
482
Durante a permanência do ministro da guerra, Eurico Gaspar Dutra, em
Florença, na Itália, Majoy seguiu com comitiva rumo à Linha Gótica, para verificar o
front brasileiro. Junto de Dutra, estava o comandante general Mark Clark. Da
descrição feita por Majoy, dos terrenos percorridos com o ministro, foi possível
perceber as dificuldades que os correspondentes de guerra enfrentavam no sentido
de dar cobertura às notícias mais importantes do front:
Subimos, subimos ainda. Paira no ar um cheiro horrível, que o soldado
chama o Cheiro da Morte – porque vem dos mortos. Derrama-se pela
doçura montanhesa como uma maldição. A poeira encardida embrulha o
cenário e os atores num sudário. Subimos. Subimos mais. Chegamos.
483
Essa correspondente esteve muito próxima do local onde o Regimento de
Infantaria, sob o comando do general Zenóbio da Costa, cumpria as primeiras
missões de guerra. Provavelmente, do alto da montanha, todos que os
acompanhavam de seus postos, conseguiam ver a movimentação da tropa e seus
jipes. Ao descerem os morros, passaram pelas trincheiras brasileiras, onde foi
possível avistar os canos de metralhadoras camufladas pelas coberturas de
folhagens. Nas proximidades, a correspondente e a comitiva chegaram a um velho
castelo, onde ficava o Posto de Comando do general Zenóbio da Costa. Cerca de
500 metros abaixo dessa localidade, segundo a correspondente, troavam os
canhões da FEB Crescente e ininterrupta a pressão dos brasileiros, assim o Jornal
da Noite, no dia 19 de outubro de 1944, veiculava as notícias da guerra. Pelo
correspondente da U.P. era informado que a Wermacht continuava recuando na
Costa da Ligúria, setor onde operavam as tropas brasileiras.
Sobre os feridos brasileiros, o Ministério da Guerra informava que fora
reduzido o número de baixas até o fim de setembro, “cabendo-nos aceitar com
resignação e estoicismo o sacrifício desses bravos irmãos que deram a vida pela
honra da pátria, em defesa da humanidade”.
484
482
BITTENCOURT, Silvia de, apud, MAJOY. Seguindo a Primavera. Rio de Janeiro: Bibliex, 1951,
p.38.
483
Ibid., p.45.
484
A NOITE, Rio de Janeiro, 19 de outubro de 1944.
274
Sobre os oito mortos em território italiano durante o mês de setembro, os
jornais cariocas extrapolaram as informações. Nesse contexto, os jornais
enfatizaram a situação das famílias diante do ocorrido e se apropriam do discurso
militar:
Segundo os últimos despachos recebidos do campo de batalha na Itália, o
Brasil perdeu, até o fim de setembro, oito homens que faziam parte da FEB.
Apesar da eficácia do atual material da guerra e da brutalidade dos
modernos processos de combate, a nossa perda foi baixa. Isso prova o
elevado grau de adestramento da nossa tropa e a segurança que está
sendo conduzida pelos seus chefes e oficiais.
485
Tais afirmações por parte do Exército e outras que ocorreram após o dia 30
de outubro de 1944, perderam muito o sentido diante da realidade sentida pelos
combatentes da FEB. Os problemas enfrentados pelos soldados em missões, que
vão se tornando dia-a-dia mais difíceis, colocaram em xeque a posição dos
comandantes de muitos batalhões. A não observância de normas de segurança
redundou em desastres para a FEB, principalmente nas missões de Castelnuovo di
Garfagnana e de Monte Castello, essa última considerada a mais heróica batalha
travada na Itália pelos brasileiros.
As notícias sobre os desencontros das chefias e comandos da FEB já haviam
chegado ao Brasil e preocupavam o governo. Lima Brayner, Chefe do Estado Maior
da FEB, em seu livro, descreve a passagem de Eurico Gaspar Dutra pela Itália:
A jornada transcorreu em ambiente cordial, embora não se sentisse uma
grande afabilidade, da parte do general Ministro da Guerra para com seus
compatriotas lançados naquela aventura perigosa. Aliás, não era de
estranhar. O general estava no seu feitio normal Além de tudo, ele e o
general (Mascarenhas de Moraes) não eram amigos.
486
Para contrabalançar esse mal estar, a imprensa brasileira publicava as fotos
enviadas que haviam sido feitas recentemente em território italiano. Geralmente,
fotografias posadas, onde os soldados aparentavam tranqüilidade, junto dos seus
equipamentos e armamentos. Tais fotografias exibiam o título de capa: “A cobra está
fumando”. O texto buscava levar aos leitores mensagens de otimismo. “O bom
humor é o traço que mais distingue o soldado brasileiro”, segundo frisam os
485
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1944.
486
BRAYNER, op. cit., p.204.
275
correspondentes de guerra na frente italiana. “Quando é mais intensa a peleja, a
flama de nossa tropa se revela não no ímpeto de suas arrancadas, mas ainda no
tom mordaz das legendas que improvisam e nas canções de sabor irônico”.
487
Cabe
salientar que na propaganda de guerra de seus exércitos, os norte-americanos
usavam também de tal expediente.
No dia 31 de outubro, em virtude da pressão exercida pela imprensa
brasileira, no sentido de enaltecer cada passo dado pela FEB em terras italianas,
ainda não haviam chegado à redação do D.I.P. os acontecimentos desastrosos
ocorridos em Castelnuovo di Garfagnana.
O noticiário continuava exercendo a sua função de manter o seu discurso
grandiloquente da guerra ao alcance dos seus leitores. O Jornal A Noite, um dos
principais ligados ao D.I.P., em letras garrafais, estampava as jornadas da FEB
ocorridas no final do mês de outubro. Dentre as manchetes, as que chamavam mais
a atenção: Forças Brasileiras ocuparam o Monte Faeto e Vitória dos Brasileiros.
Essa última, anunciada pela B.B.C. de Londres, dava a entender que a FEB,
operando em território italiano, havia liberado cerca de 100 mil habitantes. Quem
conhece os pequenos povoados nesta área, imagina quantas cidades a FEB teria de
liberar para poder contemplar o número exagerado de habitantes livres que a
reportagem apontou.
Em carta direcionada à redação do jornal A Noite, o general Gaspar Dutra
agradece a cooperação que o Exército estava recebendo:
Seu jornal, prezado amigo, sempre patrocinou as boas causas, colocando-
se na vanguarda de todos os movimentos que implicam a exaltação da
grandeza e dos feitos do Brasil. Nessa luta tremenda que estamos
sustentando, a imprensa tem sido um combatente ao nosso lado, denodado
forte e infatigável.
488
Durante todo o mês de setembro de 1944, a imprensa do Rio de Janeiro,
norteada pelo D.I.P., diariamente preenchia os espaços mais significativos dos seus
jornais com as informações sobre as jornadas da FEB, cujos destaques eram dados
pelos jornais A Noite e A Manhã, os mais representativos, bem como pelo Globo e
pelo Globo Expedicionário.
487
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 20 de outubro de 1944.
488
A NOITE, Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1944.
276
Esses jornais salientavam, em seus artigos, os feitos heróicos dos febianos
na guerra que, para os brasileiros, mal havia começado. Até que ponto foi benéfico
para as famílias e para os próprios combatentes a leitura desses noticiários? O
engrandecimento de uma tropa iniciante e sem experiência de guerra vai acarretar
mais tarde grandes dissabores aos combatentes, no momento em que os soldados
passam a ser mais exigidos, nas missões que exigiam cautela.
Eis que os homens da FEB se sentem premidos pela imprensa
grandiloquente, revestidos da aura da infalibilidade proferida no ideário e no discurso
evocativo dos quartéis. Vai se delineando no dia-a-dia a imagem do bom soldado,
aquele que não foge da luta, mas busca constantemente a paz. Na esteira de
qualidades, exalta-se a figura do homem estóico, anônimo, destemido, avesso a
bravatas, do soldado que cumpre o seu dever. No discurso assumido pela sociedade
brasileira, verifica-se a manifestação não unicamente dos jornais, mas de outros
meios de comunicação, como o rádio, o cinema a levar adiante imagens dos
destemidos heróis. Na verdade, se esperava muito dos homens da FEB.
No dia 21 de setembro de 1944, O Globo Expedicionário estampava fotos dos
combatentes: “O Júbilo do Brasil pelas vossas primeiras vitórias”. Na mesma página,
as notícias eram sobrepostas com títulos chamativos para o leitor: “Batismo de fogo
dos soldados do Brasil” “Força Brasileira na Linha Gótica”. Na verdade, eram
notícias publicadas pelo jornal A Noite e ratificadas pelo O Globo Expedicionário
em sua edição extra.
489
A imprensa brasileira busca ainda atrelar a participação brasileira na guerra
ao noticiário internacional, no sentido de qualificar as ações da FEB em relação a
outros exércitos. Desse modo, as notícias eram pinçadas na central jornalística
aliada à Public Relation Office com sede em Roma, como as que foram publicadas
nos meses de setembro e outubro pelo O Globo Expedicionário. Uma das
reportagens caracteriza bem a intenção dos editores: “Elogiados por Churchill“.
Reforçando o título, um pequeno texto reafirmava: Toda a Câmara dos Comuns
aplaude as referências do “premier” à FEB. Junto do noticiário internacional, as
notícias do Brasil ganhavam também seus status junto aos leitores brasileiros. Na
mesma edição, o jornal perguntava: Quem ainda não tem madrinha? ou O que as
489
O GLOBO EXPEDICIONARIO, Rio de Janeiro, 21 de setembro de 1944.
277
madrinhas fazem por você? Naturalmente, uma referência às senhoras da sociedade
carioca filiadas à LBA, no seu digno trabalho de atender os soldados brasileiros.
Também as enfermeiras brasileiras eram lembradas pelo noticiário. No
discurso patriótico assumido pela imprensa, que durou todo o período em que o
Brasil participou da guerra, ressaltavam-se as enfermeiras brasileiras, destacando
seu papel na luta pelas liberdades: eram elas verdadeiras reservas de brasilidade,
assim como as mulheres brasileiras, as mães e filhas, verdadeiros baluartes da
família e da pátria brasileira.
Nos primeiros momentos de fervor patriótico, quando o povo saiu às ruas
em busca de desagravo, [...] lá estava a mulher brasileira, gritando bem alto,
pedindo que lhe vingassem o marido, o filho e o irmão assassinados de
tocaia. E o ficou nisso. Aceito o estado de beligerância, a mulher
brasileira procurou todos os lugares onde se organizava a luta contra o nazi-
fascismo. [...] Temos que dedicar palavras especiais à coragem dessas
moças que abandonaram seus lares, o carinho da paz, para servir a pátria
na guerra.
490
A 19 de outubro de 1944, o título do jornal afirmava: “O justo orgulho do povo
pelo aumento do nosso efetivo nos campos de batalha da Europa”, era uma
referência ao grande contingente formado pelo e Escalões, recém-chegados.
Tal afirmação deixa dúvidas: ela realmente emanava do povo? Hoje é possível
perguntar: até onde foi esse justo orgulho do povo? Quanto tempo essa população
realmente lembrou dos soldados brasileiros, para justificar o orgulho que diziam ser
justo? Ou será que foi necessário, por parte dos soldados, dos sobreviventes da
guerra, durante todos esses anos, buscar lembrar o quão justo deveria ser esse
orgulho?
Aos combatentes, pode-se perguntar: Houve reconhecimento por parte dos
brasileiros aos soldados pelo seu valor na participação da guerra? Ao ser
questionado a respeito, assim respondeu o soldado Aristides Saldanha Vergès, do
6º R.I. da FEB:
Nos primeiros tempos, até que houve, mas este reconhecimento foi
passageiro. Até hoje tem gente que tem dúvidas dos brasileiros terem
490
O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, n. 3 e 4. Rio de Janeiro, 28 de setembro e 5 de outubro de 1944.
278
participado da guerra na Itália. Também me falaram que os brasileiros
foram para a Itália, mas não houve guerra.
491
Também se questionou o coronel Jairo Junqueira da Silva - na época da
guerra, comandante da 2ª seção de morteiros - com a mesma pergunta, e a resposta
sucinta pode dar uma idéia do que ocorreu no pós-guerra: “Passada a euforia da
chegada, não houve o reconhecimento esperado. O Exército não soube aproveitar a
experiência adquirida pelos oficiais”.
492
Outro entrevistado, o cabo armeiro, Antonio Gonzalez, que não esteve na
linha de frente, disse ao responder às perguntas nos Cadernos de Lembranças:
O reconhecimento do febiano foi ssimo, principalmente aos nossos
inutilizados de guerra. Muitos, sem emprego e sem poder trabalhar,
recebiam uma miséria, a ponto de precisarem pedir esmola, até que
estabeleceram a pensão de segundo tenente, isso só em 1962.
493
4.4.1 O revés de Somacolonia ou o desastre anunciado que a imprensa não noticiou
“Brasiliani buoni e bravi”.
Muitas vezes, ao avaliar a documentação que diz respeito ao prosseguimento
da campanha da FEB em terras italianas, na região de Castelnuovo di Garfagnana,
no mês de outubro de 1944, percebe-se um grande hiato na seqüência cronológica
das missões que estavam destinadas à Força Expedicionária Brasileira. Se a
imprensa nacional vinha a miúde noticiando os feitos heróicos da FEB, é válido
perguntar: O que realmente teria acontecido? A omissão dos fatos ocorridos na
região do Vale do Rio Serchio leva a mil conjunturas. Por que fatos relevantes da
campanha da FEB não aparecem na história oficial do Exército Brasileiro, ou mesmo
nos livros de memórias? Quem realmente tentou explicar tais acontecimentos e
491
RIGONI, Carmen Lúcia. Cadernos de Lembranças: Depoimentos escritos dos veteranos da FEB
Curitiba, maio de 2007. Tal documento foi instituído pelo projeto-piloto em 2007, e composto de 9
perguntas abertas, que se subdividiam em outras, buscando dados pessoais sobre os combatentes
depoentes, bem como a sua participação efetiva na FEB, ao tempo que se verificavam as impressões
sobre a guerra e o retorno ao Brasil. Todos os documentos reunidos formaram uma coletânea de 20
cadernos, manuscritos de próprio punho pelos expedicionários.
492
Id.
493
Id.
N.A.: Expressão italiana popular para indicar que os brasileiros eram bons e bravos, corajosos e
valentes.
279
quais as implicações para a FEB como um todo? É significativo esse silêncio, a partir
do momento em que a própria imprensa interrompe o noticiário nos jornais
brasileiros no fim de outubro de 1944, para destacar apenas episódios isolados ou
fatos menos expressivos da frente italiana.
Nesse caso, a referência acima diz respeito ao episódio conhecido como o
revés de Somacolonia, quando a FEB sofreu grande desgaste e insucesso na
continuidade de suas missões próximas à cidade de Bolonha. Com base em
pesquisa da autora em entrevistas e questionários realizados, procurou-se mapear
essas lembranças, no sentido de compreender o contexto: se a missão, considerada
infrutífera, configurava uma situação de revés, principalmente na visão dos
participantes das ações desenvolvidas em Somocolonia no fim de outubro de 1944.
Priorizaram-se algumas passagens consideradas oportunas na expectativa de
encontrar as lembranças retidas por brasileiros e italianos sobre o episódio. Mas
antes, é necessário localizar o vale do Serchio, que serviu de palco para os
acontecimentos. O vale onde está localizado o rio Serchio fica ao norte de Pisa. Os
alemães estavam ali e defendiam a localidade com muita obstinação. Tinham
esperanças de que a guerra continuasse por mais tempo, e de que novas super-
armas pudessem fazer o processo ser revertido a seu favor, ganhando espaço e
retomando localidades que haviam perdido.
Nesse local, ficava Castelnuovo di Garfagnana, considerado ponto-chave, um
entroncamento de estradas importantes na região. Vários pontos estavam
assinalados nas cartas topográficas e constituíam objetivos da FEB. Esses pontos
seriam Calomini, C. Casela, Monte San Quirico, Colle, Cota 906 e Lama di Soto.
Eram pequenos povoados, com poucas casas e quase nenhum habitante, porque,
diante da pesada artilharia alemã, a população saíra em busca de refúgio em outros
lugares, principalmente em Bolonha, desse modo engrossando o número de
retirantes que atravessavam as linhas aliadas e as estradas, causando dificuldades
para americanos e brasileiros na administração do caos que a situação apresentava.
O comando brasileiro sabia da presença da experiente 232ª Divisão de
Infantaria alemã na região. Havia também notícias de que a divisão italiana
Monterosa estaria apoiando a defesa dessas localidades. A frente do ataque era
constituída de 4,5 quilômetros de largura, e a tarefa de enfrentamento estava
entregue a um batalhão de 871 homens. Os fatos demonstraram a fragilidade
dessa
280
logística, que resultou no primeiro revés brasileiro na guerra
.
Para se compreender o revés de Somacolonia
, a importância do episódio nas
memórias brasileiras e italianas e as repercussões do ocorrido, é necessário verificar
o que disseram os testemunhos. Do comando brasileiro, as apreciações do general
Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, e do chefe do Estado-Maior coronel
Lima Brayner, são relevantes. Procurou-se, nas palavras do capitão José Gonçalves
e do capitão Ernani Ayrosa, compreender a posição de quem esteve combatendo na
linha de frente na região enfocada. Expôs também o que viu o combatente italiano
Cesare Fiaschi, da divisão Monterosa, participante do combate ao lado dos alemães.
Os acontecimentos anteriores mostram a FEB exercendo o seu papel com
primazia. Após a conquista de Camaiore, registrada nos anais do Exército como a
mais brilhante manobra realizada na 2ª Guerra Mundial, outros povoados foram
sendo liberadas pelo Regimento de Infantaria. Tudo parecia dar certo para os
brasileiros. Em Monte Prano e Pescaglia, a população os recebeu como verdadeiros
libertadores. É possível verificar a alegria estampada nos rostos daqueles que foram
fotografados, ao acompanhar a tropa pelas ruas da cidade.
O Regimento avançava sobre o rio Serchio, abrindo dessa maneira uma
brecha na Linha Gótica, tão tenazmente defendida pelos alemães. O terreno
montanhoso e as defesas organizadas pelos alemães constituíram-se em problemas
para o Exército Americano e para a FEB. Segundo os observadores, a Linha
Gótica, diante das dificuldades apresentadas, tinha o mesmo peso de Cassino.
494
No Brasil, o Diário de Notícias falava dos Novos Êxitos das Forças Brasileiras
na Itália. O noticiário empolgava os leitores com as informações que vinham da
Itália. Enalteciam-se os feitos brasileiros, que combatiam em uma região inóspita e
de difícil acesso. Na visão do correspondente da U.P., numa formidável investida,
chegaram até a crista de uma montanha a 2.800 pés de altura ao longo do Sercchio.
O destaque da reportagem era para cidade de Calomina. ”A montanha ficou
completamente nas mãos dos brasileiros. [...] Agora com o domínio de um amplo
Segundo os especialistas, para uma frente de batalha naquelas características, o comando deveria
ter usado pelo menos quatro batalhões.
Somacolonia é um pequeno lugarejo onde se reuniram a e a Cias. do 1º batalhão antes do
ataque decisivo a Catelnuovo di Garfagnana.
494
A batalha de Cassino foi a mais exaustiva e cruciante das batalhas ocorridas em território italiano.
As fortificações alemãs, construídas nas montanhas, tornavam aquele lugar inexpugnável. O 5.º
Exército Americano ali passou o inverno de 1943, deixando naquele solo milhares de vidas. Para
saber mais sobre o assunto, consulte: CLARK, op. cit.,p. 323.
281
setor na frente da costa do mar da Ligúria e com a posse da montanha, possuem
magníficas bases para futuras operações”.
495
No mês de outubro de 1944, a situação vai mudando paulatinamente. Os
aliados enfrentavam sérias dificuldades com as tropas que se encontravam naquelas
localidades, porque os meios estavam restritos. Libertar Bolonha antes do Natal era
a expectativa geral. A cidade estava próxima, mas o outono chuvoso e o frio
anunciavam um inverno rigoroso, atrapalhando assim o planejamento aliado.
A oposição alemã tornava-se cada vez mais ferrenha. Cada quilômetro era
vencido pelo 6º R.I. sob violento bombardeio das patrulhas. No dia 11 de outubro de
1944, o regimento toma a cidade de Fornaci di Barga, tendo ao lado um grupamento
de partigianos da brigada “Pippo”, comandada por Manrico Ducceshi. Nesse local,
encontrava-se uma importante fábrica de material militar. O soldado paranaense
remanescente do R.I., Aristides Vergés, lembra-se de como foi a participação da
sua companhia na tomada da cidade:
[...] Os alemães tinham uma boa visão de onde nos encontrávamos e
ficavam nos bombardeando. Havia momentos que era um tiro atrás do
outro, esvamos mais ou menos em 100 homens, naquele local, dentro de
um prédio. Comigo, cerca de 30 homens, era um pelotão, devia ser uma
hora da tarde e durou quase até a noite. O barulho das bombas caindo, tudo
ali perto, sendo a primeira vez que isto acontecia com o nosso grupo.
Ficamos muito apavorados, deitados no chão e orando, cada um do seu
jeito, para que nada nos acontecesse. O perigo maior é quando ela passa
chiando (a bomba), a gente escuta quando o tiro é dado, às vezes passa
meio longe, estavam comigo soldados e um sargento. Nós tínhamos a
instrução para permanecer deitados [...]
496
O mês de outubro se aproximava do fim, e não se modificava o ritmo dos
soldados do R.I. A fadiga era evidente, porque esses homens combatiam sem
descanso praticamente desde primeiro de agosto de 1944. Os relatórios oficiais
produzidos pelo comandante da FEB, marechal Mascarenhas de Moraes e pelo
chefe do Estado-Maior da FEB, Lima Brayner, dentro de uma ótica particular,
buscaram mostrar os acontecimentos ocorridos entre os dias 30 e 31 de outubro.
Para o comandante da FEB, marechal Mascarenhas de Moraes, havia um
excesso de confiança dos combatentes em relação aos seus objetivos na região do
vale do Sercchio. Na observação de Brayner, no dia 30 de outubro, seria a jornada
495
DIÁRIO DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 1 de novembro de 1944.
496
VERGÉS, op. cit..
282
final no vale do Serchio, quando a tropa teria sua última missão naquela região, e
deveria atingir os povoados de San Quirico e Lama de Sotto. Tudo convergia a favor
dos brasileiros. Para os que observavam do alto das montanhas, a operação
surpresa dos brasileiros contra os alemães encastelados nestes pequenos povoados
foi considerada um sucesso.
Ninguém se dava conta de que os soldados brasileiros e seus comandantes
estavam à beira da exaustão, ninguém ponderou sobre o assunto. O ambiente era
de otimismo, mas os combatentes estavam no limite e o cansaço era extremo.
O depoimento do capitão da reserva, Jo Gonçalves, comandante do
pelotão de fuzileiros, integrante da companhia do R.I., sobre os fatos ocorridos
na noite de 31 de outubro de 1944 - quando as posições brasileiras pareciam estar
asseguradas -, lança luzes sobre um episódio, em que foi impingida aos soldados
toda a responsabilidade de perderem posições estratégicas na localidade. Em seu
relato sobre esse dia fatídico, ele questiona: “A quem caberia a culpa pelo primeiro
revés sofrido por nossas tropas? Poder-se-ão considerar reveses os acontecimentos
desenrolados na região de Garfagnana
?”497
Como combatente participante dos fatos ocorridos naquela localidade,
Gonçalves não aceita a avaliação e culpas que foram imputadas à sua companhia e
ao batalhão do R.I.. Ele diz que elas foram deprimentes e ofensivas, não
poupando mesmo aqueles que tudo fizeram e foram sacrificados.
Segundo Gonçalves, a frente de combate era muito extensa e o terreno criava
todo o tipo de dificuldades, em razão de a topografia ser acidentada e de difícil
acesso. O transporte de víveres e munição para a tropa, debaixo de chuva,
comprometia as reservas, entre outras questões afetas ao comando.
498
“[...]
Constata-se de pronto que é enorme a frente do batalhão, o que acarretará grandes
e perigosos intervalos entre as companhias, com prejuízo direto de segurança”.
499
A partida para o ataque, se bem que estivesse marcada para as sete horas,
às 8 foi possível, e, assim mesmo, sem que se completassem certas
medidas de segurança. Foi quando apareceu lá um oficial do Estado Maior
do Destacamento FEB, o qual, não querendo tomar conhecimento das
razões que haviam determinado aquele atraso, em termos coléricos, foi logo
497
GONÇALVES, José. Nosso Revés em Somacolonia. In: Depoimento de Oficiais da Reserva
Sobre a FEB. Rio de Janeiro: Cobraci, 1949, p. 185.
498
N.A.: Dos analistas que mais tarde avaliaram a situação, as ordens e contra-ordens provocaram
confusão no entendimento das companhias de ataque a Castelnuovo di Garfagnana.
499
GONÇALVES, op. cit.,p. 190.
283
se dirigindo aos capitães e tenentes dizendo-lhes: Vocês estão com medo
de meia dúzia de vagabundos. A pau eles sairão de lá!
500
Os alemães e italianos permanecem estáticos com o avanço da FEB. Às
11h45min, a FEB atacou e conquistou dois povoados - Lama di Soto e depois Lama
di Sopra -, prosseguindo para seus dois objetivos principais: os povoados de
Garfagnana e San Quirico, defendidos pela brigada italiana Aosta. Na noite de 29
para 30 de outubro, a FEB estava em posse dessas regiões.
Da memória imbricada dos acontecimentos, quando muitos opinaram sobre o
assunto, até com muita leviandade, porque, jamais passaram naquelas localidades,
um dos homens da FEB, o capitão Ernani Ayrosa, que havia conquistado Camaiore,
também destacou a sua visão e participação nos acontecimentos ocorridos em
outubro de 1944. Digno, portanto, de argumentar sobre o assunto, porque, foi
comandante uma das companhias que sofreu o ataque direto dos alemães.
Nos registros do capitão Ayrosa, a jornada assim se passou: Na noite de 29
para o alvorecer do dia 30 de outubro, a base de partida para a tropa era o povoado
de Somacolonia, com o objetivo de conquistar as pequenas comunas de Lama di
Sotto, Padrocelli e San Quirico. Eram elevações de maior altitude da região, muitas
delas ultrapassando os 1.200 metros.
Distribuídas as missões para cada companhia, um problema se apresentava,
segundo Ayrosa:
A tropa que ia realizar o ataque desconhecia totalmente o terreno e, sobre o
inimigo, as informações eram por demais genéricas. Quando foi recebida a
missão, ficou estabelecido que o ataque deveria partir o mais cedo possível,
isto é, às sete horas do dia 30, e que cinco grupos de Artilharia realizariam
tiros de preparação.
501
As posições para o ataque foram atingidas à meia-noite do dia 29 de outubro
de 1944. Na tentativa de manter a surpresa, foram suspensos os tiros de
preparação, o que não agradou os comandantes das companhias. Por volta das três
horas da madrugada, a situação havia evoluído e o ataque ficou marcado para as
cinco horas com a Artilharia ajudando, o que se fez minutos antes. Ordens
diferenciadas confundiam os participantes, gerando confusão.
500
GONÇALVES, op. cit.,p. 190.
501
SILVA, Ayrosa, op. cit., pp. 51-56.
284
Ainda de acordo com Ayrosa, uma densa neblina impedia o deslocamento de
qualquer tropa, principalmente desta que não conhecia a região. Nos momentos que
seguem, uma série de percalços resultaria em verdadeiro desastre para esses
homens. Baixada a névoa, seguiu a Companhia para o seu objetivo, exatamente
às sete e meia. A Companhia iniciou seu deslocamento por volta das treze horas.
Ambas conseguiram, com êxito, aprisionar 78 soldados entre alemães e italianos da
Divisão italiana Monterosa.
A 3ª Companhia, a do capitão José Gonçalves, deu início à sua partida
somente às quinze horas, mas atingiu seu objetivo por volta das dezoito horas e
trinta minutos. Quando tudo parecia terminado e as companhias vibravam com o
sucesso obtido, o inesperado aconteceu:
[...] os alemães, utilizando tropa fresca, trazida da retaguarda, atacaram a 3ª
Companhia, a última a chegar a sua posição. Com um conhecimento
perfeito do terreno, porque os alemães já estavam aí há muito tempo,
lançaram-se sobre as frações da 3ª Companhia, que pouca resisncia pôde
oferecer.
502
No clarear do dia, a tragédia estava consumada com a Companhia. O
número de baixas era enorme, uma seção inteira de metralhadoras havia sido
capturada e prisioneira dos alemães No contra-ataque alemão, a Companhia foi
atacada violentamente e recuou pela falta de munão. Todos se retraíram para as
suas bases. Mas restava ainda a 2ª Companhia que estava encarapitada nas alturas
de Lama de Soto e Padrocelli. Neste mesmo dia, por volta das vinte horas, os
alemães deram início ao ataque aos remanescentes dessa companhia. A
Companhia encontrava-se em situação difícil, porque estava muito distante do Posto
de Comando do Batalhão e havia dificuldades de comunicação com o rádio.
503
Por volta de uma hora da madrugada do dia 31, Zenóbio da Costa deu a
ordem para a retirada de Somacolonia. A dificuldade estava na infiltração dos
alemães na retaguarda brasileira. Não havia como voltar pelos mesmos caminhos,
era necessário um novo enfrentamento, para que se pudessem descobrir novas
passagens que os levassem para lugar mais seguro. Nesse ínterim, Ayrosa foi ferido
502
SILVA, Ayrosa, op. cit., p.53.
503
Ibid., p.54.
285
por um estilhaço de artilharia.
504
No Brasil, o noticiário, atrasado propositadamente, buscava destacar as
primeiras vitórias dos brasileiros próximos a Castelnuovo di Garfagnana, exibindo o
seguinte título: Os Brasileiros levaram de roldão tropas nazi-fascistas. O destaque
era para a cidade de São Quirico, onde tinham sido feitos prisioneiros inúmeros
soldados italianos fiéis a Mussolini.
505
Nenhuma palavra foi escrita sobre as
ocorrências em Somocolonia. O assunto foi completamente censurado pelos
militares e pelo D.I.P. Por muito tempo, nada se falou sobre a questão. A imprensa,
acostumada ao discurso grandiloquente, calou-se em profundo hiato e, somente no
pós-guerra, os remanescentes do R.I. resolveram sair em defesa dos
companheiros do seu batalhão, destacando os fatos que tragicamente ficaram
marcados pelas lembranças.
De novembro a dezembro de 1944, basicamente, o noticiário jornalístico no
Brasil repete as notícias sobre as conquistas das primeiras cidades do Vale do Rio
Sercchio, que estava sob responsabilidade do 6º Regimento de Infantaria.
No disfarce adotado pela imprensa em seu noticiário, é dada evidência
apenas às informações sobre os acontecimentos que ocorriam no país, geralmente
amenidades. Enquanto isso, a LBA e O Globo Expedicionário dedicaram suas
colunas às famílias dos expedicionários, anunciando nascimentos, aniversários, a
ação das madrinhas de guerra e as entrevistas com as mães dos combatentes.
Também eram anunciadas as reuniões promovidas pelas instituições patrióticas, às
quais se somavam a Cruz Vermelha, a Associação Brasileira de Imprensa e a Liga
de Defesa Nacional, que se mobilizavam para o Natal. Não havia idéia sobre se a
guerra realmente caminhava para o seu final. Era necessário pensar sobre os
combatentes na Itália. Mas lá estava o Monte Castello no caminho dos aliados a
dominar a estrada Porretana 64. Havia a esperança da sua conquista, objetivando a
grande máxima dos Exércitos Aliados: “Bolonha antes do Natal”. Muitas surpresas e
sofrimentos seriam ainda reservados aos brasileiros e americanos nos dias que
caminhavam lentamente pelo mês de novembro de 1944.
504
N.A.: No dia 11 de fevereiro, o jornal O Cruzeiro do Sul publicava a citação para a outorga da
Medalha Estrela de Bronze ao capitão Ayrosa. Durante o ataque sobre Lama e Lama de Sotto, o
capitão Ayrosa, mais uma vez mostrou seu valor, ocultando seus ferimentos, a fim de comandar sua
companhia mantendo suas posições até que a retirada fosse ordenada”. O CRUZEIRO DO SUL,
Itália, 11 de fevereiro de 1945.
505
O GLOBO EXPEDICIONARIO, Rio de Janeiro, 10 de novembro de 1944.
286
Sobre o noticiário italiano da época em que esses fatos aconteceram, que
se recorrer à imprensa fascista da época. Ela tinha o objetivo de desestabilizar as
forças aliadas e muitos jornais da época (1944-1945) encontravam-se em mãos dos
fascistas, que, a serviço da imprensa alemã, divulgavam notícias infundadas. Um
deles, Il Resto Del Carlino (editado em Bolonha), nos uma idéia de como as
notícias de guerra eram publicadas.
Sobre os brasileiros, são poucas informações e sempre difamatórias. No
jornal do dia 16 de outubro de 1944, os brasileiros são chamados de “mercenários”,
assim como os ingleses.
I mercenari brasiliani deludono i loro padroni. Uni corrispondente neutrale
informa che um aiutante di campo del generale Clark há dichiarato che al
Quartili generale anglo-americano in Itália si criticano aspramente le forze
armate brasiliane, l’addestramento delle quali si è dimonstrato non troppo
completo, anche per quanto riguarda la disiciplina.Nel combattimento presso
Castelnuovo di Garfagnana di cui dato notizia il bolletino germânico di
ieri, tra i numerosi prigioneri brasiliani fatti dagli alpini, ne sono stati trovati
alcuni Che portavano persino um ombrello a tracolla e altri talmente
infagotati e coperti di undumenti che fu assai facile catturali. Tutti si
lamentavano e hanno chiesto di venire internati in campo di concentramento
situati in zone temperade.
506
A vitória do fascismo na Itália, em 1922, havia gerado uma base ideológica e
política que perdurou até a queda de Mussolini, em 25 de julho de 1943. Mas, em
pleno 1944, a imprensa ainda estava nas mãos dos fascistas e havia um público
interessado em suas publicações.
A elite fascista, que sempre desfrutou de bem-estar, prosperidade, prestígio e
benefícios do Estado, procurava manter-se no poder ainda sobre as demais facções,
seus adversários eram principalmente os comunistas.
O regime fascista, ao estender o seu campo ideológico por todo o país, criou
um aparato de mobilização, uma rede de organismos específicos, que tinham o
papel de gerenciar a estrutura da propaganda. Assim, a imprensa era um dos meios
506
IL RESTO DEL CARLINO. Bolonha, 3 de nov., 1944 “Os mercenários brasileiros iludem seus
próprios chefes. (Diz respeito aos combates do mês de outubro de 1944 no rio Serchio). Um
correspondente neutro informa que um ajudante de campo do gen. Clark declarou que no quartel-
general anglo-americano se criticam asperamente as Forças Armadas brasileiras. O adestramento
não foi muito completo e se observa a disciplina. Nos combates que ocorreram em Castelnuovo di
Garfagnana, do qual me deu notícias o boletim germânico de ontem, entre os numerosos brasileiros
feitos prisioneiros pelos alpinos, alguns foram encontrados usando um guarda-chuva a tiracolo, e
outros vestidos com roupas tão pesadas e cobertores que foi fácil capturá-los. Todos se lamentavam
do clima e pediram para ser colocados num campo de concentração em zona temperada”.
287
pelos quais as situações factuais eram delineadas, com o objetivo de atingir a
grande massa.
Os fascistas, com a chegada dos aliados, tentaram reviver os antigos rituais
políticos coletivos, incitando, por meio dos jornais, a população contra os que
estavam lutando contra a Alemanha. As informações são invertidas como forma de
desestabilizar o comando aliado na Itália. Desse modo, brasileiros, americanos e
ingleses passaram a ser desacreditados diante da opinião pública.
Na análise dos historiadores italianos, é reconhecida a presença da FEB nos
primeiros embates no vale do rio Serchio. São estudos desconhecidos no Brasil,
efetuados por M. Gabriele
507
, M. Bernadoti e Casali
508
, referentes ao primeiro período
da conquista das primeiras cidades pelo R.I. que, de início, o era combativo,
mas transformou-se no desenrolar da Campanha. As atividades desse regimento
foram acompanhadas de perto pelos componentes do B.L.D. (Brazilian Liaison
Detachment - Seção Brasileira de Coligação), formado por uma dezena de oficiais
americanos, entre os quais o coronel Nathan S. Mathewson.
Reportando ao mesmo episódio, vivenciado pelos brasileiros do R.I., vai-se
encontrar o ex-combatente Cesare Fiaschi,
509
da Divisão Italiana Monterosa
(fascista), que, em recente obra publicada, fruto das anotações da guerra, tentou
recuperar a imagem da divisão italiana e de suas brigadas, narrando episódios de
um momento difícil, quando praticamente havia grandes dilacerações nessa
unidade.
Ao tratar de episódios ocorridos no vale do rio Serchio, FIASCHI basicamente
mostra os oponentes da tropa brasileira, principalmente aqueles pertencentes à sua
Divisão Monterosa, ou seja, os grupamentos formados pelas brigadas Bergamo,
Aosta e Bréscia.
Além dessas divisões, havia o II / 6º batalhão de Infantaria da Marinha San
Marco - composto por diversas companhias e a 1.044 R.I., da 232.ª D.I. alemã.
Diante desse quadro, é possível avaliar quanto foi complicado aos brasileiros o
enfrentamento dos oponentes na localidade de Somocolonia. Por outro lado, Fiaschi
507
GABRIELE, Mariano. La Forza di Spedizione Brasiliana (FEB) Sulla Linea Gótica. In: Linea Gotica
1944 esercite populazione partigiani. Milano-Italia: Angeli, 1986.
508
CASALI, Luciano; BERNADOTTI, Maria. In: ARBIZZAN, Luigi (a cura di) Al di qua e al di là della
Linea Gótica: 1944-1945. Aspetti socialli, politici e militari in Toscana e in Emiglia-Romagna,
Bolonha: Itália, 1993.
509
FIASCHI, Cesare. La Guerra Sulla Linea Gotica occidentalle Div. Monterosa 1944-45. Itália: Lo
Scarabeo, 1999.
288
segue demonstrando os percalços da unidade de Monterosa até a frente de batalha.
Nas palavras desse autor, os episódios foram muito traumáticos, porque os
soldados, seus companheiros, para chegarem o local onde estavam os oponentes
brasileiros, cumpriram o caminho parte a pé, parte em carro de combate, perfazendo
150 quilômetros - sob chuva e com lama, sem tempo hábil para organizar-se com as
unidades alemãs, que já se encontravam no local.
Em alguns momentos, Fiaschi tenta diminuir o espírito combativo dos
brasileiros. Mas, por outro lado, não consegue esconder que a barreira brasileira foi
eficaz, causando grandes baixas do lado italiano.
Na madrugada do dia 31 de outubro, inicia-se um contra-ataque ítalo-alemão.
Diante das intempéries climáticas daquela jornada, da falta de munição e da
desorganização do comando, a FEB retira-se, com uma baixa de 59 homens,
deixando sobre o terreno seus mortos: o tenente Pinto Duarte, o aspirante Gerônimo
Mesquita, o sargento Geraldo Berti e 15 prisioneiros.
As brigadas italianas sofreram também pesadas baixas. Os mortos e
prisioneiros do efetivo de 200 homens da Companhia Aosta somaram mais de 80
homens.
Das memórias esfaceladas sobre o revés de Somacolonia, cabe aseguinte
reflexão:
[...] sobreviveram momentos marcantes que as personagens tentam reaver
nos lugares da memória, sempre aberta à dialética da lembrança, do
esquecimento, do inconsciente, das deformações sucessivas, vulnerável a
todos os usos e manipulações, suscetível a longas latências e de repentinas
revitalizações.
510
Dos relatórios oficiais da FEB, as anotações do capitão Manuel Castello
Branco, bem como de outros autores, apontam as causas dos incidentes: o terreno
difícil e “enrugado”, as chuvas pesadas que caíram no final da tarde durante o
ataque e o anoitecer que veio muito rápido, uma ocorrência normal no outono
italiano.
Como outros analistas, que buscam pelo lado técnico as explicações do
acontecido, esquecendo-se de avaliar as questões reais vivenciadas pelos soldados
510
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Les lieux de mémoire. La
Republique, Paris, Gallimard. Tradução de Yara Aun Khoury, 1984. Projeto História, São Paulo, (10)
dez. 1993, p. 9.
289
do R.I., Castello Branco encerra melancolicamente esse período da FEB, no vale
do Rio Serchio, lançando acusações já conhecidas em relação aos comandos e
combatentes: falta de humildade no enfrentamento do inimigo, ausência de unidade
de pensamento, excessiva confiança e falta de segurança da manobra.
511
O que o autor não considerou foi a forte presença de alemães e italianos
naquela região, que lutaram ofensivamente para não perder posições estratégicas,
dispondo de melhores condições no enfrentamento, porque ali estavam muito
mais tempo.os brasileiros foram, depois, substituídos pela tropa americana, que
também não conseguiu desalojar daquelas localidades os alemães, que
permaneceram lá até o final da guerra.
Desse modo, o R.I. de infantaria, que saiu do Brasil no primeiro escalão,
composto por soldados originários principalmente de São Paulo e que se adestraram
na arte da guerra durante os próprios combates do mês de setembro a outubro de
1944, foram marginalizados na história da FEB, pela ausência de registros mais
aprofundados.
Não é possível esquecer que este mesmo R.I. daria credibilidade à Força
Expedicionária para outros embates junto dos aliados, e que, a partir da ação destes
homens, a Divisão Brasileira não seria mais vista como uma tropa de reserva, mas a
ela se confiaram missões de resolução dentro da estratégia de desalojar os alemães
da Linha Gótica.
4.5 O BRASIL ESTÁ PRESENTE NO FRONT: POPULAÇÃO E CIDADES, AS
PRIMEIRAS IMPRESSÕES
Este será o espaço dado pela narrativa aos protagonistas que vivenciaram
muitas histórias. São relatos brasileiros e italianos que lembram do passado,
lembranças gravadas pelos acontecimentos ocorridos em tempo difíceis, em um país
que se encontrava em guerra.
Com a liberação das primeiras cidades italianas, as juntas das comunas, que
assumiram a responsabilidade da reorganização da vida pública, enfrentaram
momentos caóticos. Muitos povoados estavam completamente destruídos, primeiro
511
BRANCO, op. cit..
290
pelos alemães em retirada, depois pelos bombardeios aliados. A reconstrução era
uma emergência e deveria ser feita com o novo exército de ocupação.
A população, sem governo e com costumes diferentes, passa a conviver com
exércitos oriundos de países longínquos, numa situação inusitada para aquela gente
que precisava de tudo. Os brasileiros chegaram logo após os americanos e, nessas
circunstâncias, alguns setores próximos ao front foram colocados sob a
administração da FEB, que passa a ter um contato direto com a população. Essas
recordações estão inscritas nas memórias e expostas pelos depoimentos colhidos,
ou inseridas nas diversas pesquisas feitas no pós-guerra.
O local era a Itália setentrional. Ali, estavam presentes mais de 800 mil
soldados alemães - que por ali passaram e se defrontavam com os soldados que
constituíam o V Ercito Americano -, e as unidades inglesas - perfazendo
aproximadamente um total de 290 mil homens das mais diversas nacionalidades,
dentre as quais americanos, poloneses, australianos, sul-africanos, neo-zelandeses,
com suas divisões. É possível imaginar o impacto que tal situação representou para
a população italiana, porque culturas diferenciadas chegavam a todo o momento, um
verdadeiro contraste para as culturas regionais italianas.
O relacionamento entre os soldados e a população italiana constitui uma
história singular, a partir do momento em que é possível direcionar um olhar ao
cotidiano, ou seja, o que faziam os soldados quando não estavam em frente de
combate, como era a convivência com os habitantes dos povoados próximos aos
acampamentos ou dos pequenos burgos libertados. Apesar da pouca dificuldade
dos narradores para rememorar aquilo que se buscava, a história sempre pode
surpreender aquele que está disposto a ouvir.
O que dizem essas lembranças no tocante aos soldados brasileiros e à
população quando se avistaram pela primeira vez em poles - seguida de outras
cidades como: Livorno, Pisa, Porreta Terme, Montecatini, Florença, Gaggio
Montano, Montese, Massarosa, Monte Prano, Camaiore, Colecchio e Fornovo, todas
localizadas no rastro da Linha Gótica -, é algo que a pesquisa pretende abordar.
No fluir natural da narrativa, a perspectiva é de que os testemunhos e outros
documentos possam mostrar como os brasileiros eram vistos, que lembranças
deixaram e de que maneira elas são significativas. o memórias revisitadas,
portanto, instigantes nas reconstruções do passado.
291
Nessa reconstituição do tempo longínquo, a tendência é mostrar as
lembranças, não como um tabuleiro, onde tudo se encaixa perfeitamente. Na
verdade, o que se espera é um mosaico tal colcha de retalhos, em que os pedaços
diferentes se agrupem formando um todo.
512
Simultaneamente, essas vozes ora serão de brasileiros, ora de italianos,
sejam elas dos comandantes, soldados, partigianos ou fascistas a dizer de suas
lembranças na Itália, do cotidiano da guerra, do encontro e da convivência entre as
pessoas, nos raros momentos em que a vida parecia voltar à normalidade. Na
intenção do relato, seguir-se-á o roteiro dos batalhões, não como uma narrativa de
guerra, mas pela singularidade dos acontecimentos. Será como entrar no nel do
tempo, instigar as lembranças e, a partir delas, tentar compor o fio condutor da
história, um espaço para as lembranças marcadas profundamente pela guerra.
Dos cronistas da época que se encontravam na Itália, Rubem Braga, também
correspondente do Diário Carioca, como bom observador registrou: “O invasor
nazista que se retira é acompanhado pelas pragas e maldições do povo. No dia
seguinte àquele em que os brasileiros tomam conta de algum lugar, começam a
aparecer, descendo as montanhas, homens e mulheres italianos”.
513
Essa e outras
notícias que Rubem Braga veiculou em seu jornal foram escritas quando da chegada
dos correspondentes brasileiros à Itália junto do Escalão, no mês de outubro de
1944. Mais tarde, as mais significativas foram reunidas em várias obras, lançadas
individualmente ou associadas a outros correspondentes.
A população italiana encontrava nos brasileiros várias afinidades, inclusive a
semelhança da própria língua. Tal situação facilitava a aproximação e se revestia de
atos de camaradagem que aos poucos foram se alicerçando.
No diário do sargento José Edgar Eckert, notícias da população de
Nápoles:
Do lado de fora do acampamento, que é cercado, murado e cujos acessos
têm obstáculos até contra tanques de guerra, italianos e italianas procuram
conversar conosco. Contam que não gostam dos alemães, nem dos
americanos e ingleses. Ouvem-se tantas queixas que dá pena.
514
512
PORTELLI, Alessandro apud NEVES, Lucila de Almeida. Memória, história e sujeito. Revista
História Oral, n. 3, São Paulo, 2000.
513
BRAGA, op. cit., p. 36.
514
ECKERT, op. cit.,p. 58.
292
No relato do sargento e de outros combatentes, a prostituição que ocorria nos
grandes centros italianos é lembrada como uma necessidade da população que se
vendia até por um maço de cigarros, que depois seria vendido no mercado negro.
Na maior parte dos relatos dos soldados brasileiros, a questão da prostituição
é sempre assunto muito velado, mas era tema corriqueiro em um ambiente
extremamente masculino. Não passava despercebido, entre os que ainda primavam
pela moral e pelos bons costumes, o comportamento de muitos companheiros, no
vale tudo, na troca de benesses sexuais por pouquíssimas liras. Não se pode dizer
que eram falsos moralistas, mas pessoas com princípios batendo-se contra os
aproveitadores de ocasião que exploravam as mulheres e famílias. Para muitos, tal
situação era escabrosa.
A miséria que assolava tanto as cidades maiores, quanto as menores, acabou
por ficar retida no diário do tenente médico Udihara - muito chocado com esse
estado de coisas: “Se comercializava de tudo, desde um artesanato mal feito e
barato. Tudo banal“. As ruas de Nápoles lembravam uma cidade grande, mas suas
lojas vazias não tinham o que vender. Em alguns pontos do seu escrito, o tenente
desabafa:
A nossa partida para o acampamento encheu-se de pedintes, italianos de
ambos os sexos e de todas as idades. Os meus sentimentos estão
mudando. De piedade em princípio, estou tendendo a olhá-los com má
vontade. acho que são culpados de nossa vinda. Aliás, o mesmo estão
pensando os soldados.
515
Muitos desses italianos foram vítimas de crimes hediondos, perpetrados pelos
homens no palco da guerra, onde se imaginava que tudo fosse permitido:
fuzilamentos sumários, perseguições, matanças provocadas não apenas pelo
inimigo mais próximo (os alemães), mas, muitas vezes, pelas próprias facções
italianas contrárias e amplamente manifestadas na guerra civil, que seguia
paralelamente à guerra, segundo apontam os analistas italianos. Talvez a parte mais
dolorida para a população.
Entre os anos de 1943 e 1945, a perseguição alemã sobre a população civil e
as tragédias causadas pelas matanças criaram uma aversão enorme por esses
515
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 105.
293
soldados, que desprezavam completamente qualquer ato de solidariedade com os
habitantes italianos.
Por outro lado, os ingleses eram considerados soldados “frios” e eram
duramente criticados pelos italianos. Depois da retirada dos alemães, chegaram os
norte-americanos e os brasileiros. Esses eram considerados benevolentes e alegres,
traziam com eles uma nova ordem administrativa para os povoados e prestaram
àquela população os primeiros socorros necessários, principalmente em relação ao
abastecimento com os gêneros de primeira necessidade. Uma população famélica
rondava os acampamentos aliados em busca de qualquer coisa que pudesse
amenizar a miséria estabelecida.
Mas a expectativa da pesquisa em determinados momentos também aponta
para outras realidades. Que outras circunstâncias, além das já expostas foram
omitidas pelos testemunhos brasileiros e italianos no que concerne à convivência
entre um povo oprimido e o exército de ocupação?
Muitas vezes, as tropas consideram aquele território como “terra de ninguém”.
Os encontros desordenados entre grupos inimigos e bandos sediciosos criaram o
espaço ideal para as mais terrificantes ações humanas, das quais os soldados
aliados - entre os quais norte-americanos e brasileiros - não estavam isentos.
As tropas aliadas entraram em Porreta Terme na madrugada de 5 de outubro
de 1944, debaixo de tiros de artilharia alemã pesada, que vinha da Serra de
Ronchidoso e atingindo a cidade. A chegada dos anglo-americanos e brasileiros
causou um problema administrativo, político e territorial para essa e outras cidades.
A Administração aliada criava medidas repressivas, que, muitas vezes, entrava em
choque com as formações partigianas essa última querendo fazer justiça com as
próprias mãos. que se acrescentar, a esse estado de coisas, o mal estar criado
pelos aliados durante a ocupação das habitações de Porreta, quando os soldados
demonstraram comportamentos indesejáveis, ferindo os costumes e as tradições do
povoado.
Por sua vez, os exércitos procuraram mover-se dentro de princípios
regulamentadores inscritos nos manuais militares e na justiça militar, submetendo
seus homens à lei e, dessa maneira, evitando o caos. Em relação aos soldados
brasileiros, cabem aqui algumas considerações sobre seu perfil, muito dele
abalizado pelos seus superiores ou pelos próprios camaradas de campanha: Os
294
oficiais provinham, em sua maior parte, da classe média urbana; os recrutas, na
maioria, oriundos das classes trabalhadoras, eram analfabetos ou pessoas com
baixo nível de escolaridade, tratados pelos seus superiores como pessoas inferiores.
Somando-se a esses fatos, os recrutas apresentavam baixa resistência às doenças -
o que será demonstrado mais adiante; além disso, o moral da tropa dependia
sempre da liderança dos oficiais. Alguns regimentos da FEB passaram, em plena
campanha, pela troca constante dos comandantes, criando, desse modo, situações
de instabilidade entre os soldados.
Grande parte desses homens não sabia o que era uma guerra, nem onde iam
lutar. O segredo de embarque do escalão envolveu a todos na mais completa
especulação sobre seus destinos, gerando incertezas e dificuldades. No geral, os
fatos nefastos relacionados à FEB - não mencionados na historiografia -
permanecem como uma sombra.
O Relatório Secreto do General Mascarenhas de Moraes, que compõe o
volume I, ao tratar da seleção da tropa quanto ao moral, diz o seguinte:
Casos houve em que os contingentes das unidades não pertencentes à
FEB e que deveriam integrar a D.I.E. foram compostos, na sua maioria,
por homens de conduta. Houve mesmo uma unidade que indicou para
serem transferidos à FEB soldados cumprindo sentenças e outros ainda em
curso de processo. [...] Erro grave, porque muitos desses elementos foram
mesmo incluídos na FEB e seguiram para o Teatro de Operações. Foram
eles, certamente, os autores de fatos escabrosos que nos envergonharam
além-mar.
516
Muitos atos foram cometidos não somente contra as pessoas, mas também
em relação ao patrimônio cultural de algumas cidades que serviram de
estacionamento aos soldados da FEB, como aconteceu à Porreta Terme. A história
da cidade remonta ao século XII, quando a Itália não tinha uma unidade política e
era dividida em vários reinos. Nessa fase e posteriormente, Porreta era famosa
pelas suas águas termais, até hoje muito procuradas pela medicina alternativa e
pelos tratamentos médicos praticados. Na guerra, estava localizado o Quartel
General do marechal Mascarenhas de Moraes, comandante da FEB, junto de outras
unidades americanas e inglesas que preparavam a investida contra o Monte
Castello, localizado não muito longe da cidade.
516
MINISTÉRIO DA GUERRA. Relatório Secreto. vol.I. Gen. Mascarenhas de Moraes.
295
Se, por um lado, a cidade registra o gesto benemérito da FEB em atender a
população com pão que era distribuído diariamente, ou na disponibilidade em
atender os doentes da região no hospital brasileiro localizado; por outro lado, há
uma crítica severa sobre os soldados e os danos públicos causados às obras de arte
seculares, como os objetos de marchetaria que se encontravam nas igrejas, palácios
e casas residenciais.
Nos tempos atuais, a Itália tem buscado o resgate da sua história. Os
pesquisadores de Porreta fizeram um levantamento de dados referentes às
administrações públicas da sua cidade no período anterior à guerra, durante o
conflito e no pós-guerra até 1947.
O levantamento levou em consideração documentos e depoimentos colhidos
nos arquivos ou no pronunciamento dos entrevistados. Sobre os brasileiros, o
várias as informações, mas as que pesam contra os homens da FEB dizem respeito
à irresponsabilidade dos soldados.
Si è criata uma situazione spiacevole a causa della pratica sempre più
diffusa sai tra brasiliani che tra quelli americani, di ri muovore porte,
persiane, e infissi dagli edifici pubblici e dalle case, per dormirci sopra o
bruciarli come legna da ardere.I soldati brasiliani, inoltre, hanno utilizzato
numerosi civili per il trasporto di porte, persiane, ecc. [...] Il generale
Comandante del BEF emanato um oridine che proisbisce questa pratica,
ma La Polizia Militare, sembra incapace di prevenirla. [...] Tutto quello che
non avevano destrutto il bombadermenti e i tedeschi. Per scaldarsi
bruciarono travi, mobili antichi, finestre, perfino e libri religiosi.
517
Com a chegada da FEB à Itália, a Justiça Militar Brasileira, criada por lei
especial, procurou resolver de forma adequada os problemas apresentados pelos
soldados. No período em que esteve em atividades, ela realizou 65 seções de
orientação e julgamentos, sendo 14 em Nápoles e 51 no Distrito Federal, R.J.; foram
efetuados 278 julgamentos, sendo que, desses, 137 delitos foram condenados.
Entre os casos mais graves, 2 foram homicídios dolosos e 14 culposos, além de
outras categorias como furtos, roubos, insubordinação, violência contra superiores,
517
N.A.: Foi criada uma situação desagradável, pela prática difusa seja entre os brasileiros ou norte
americanos, de moverem portas, persianas, dos edifícios públicos e das casas para fazer as camas,
ou queimá-los como lenha. Os soldados brasileiros usavam os civis para o transporte desse material.
O general comandante da FEB baixou uma ordem proibindo esta prática, mas a Polícia Militar parecia
incapaz de resolver esta questão. Tudo aquilo que os bombardeios e as tropas alemãs não fizeram
[...] Para esquentar-se do rigoroso frio os soldados queimaram, móveis antigos, portas e livros
religiosos, apud FACCI, Mario; BORRI, Alessandro. Porreta dall’ Unità alla Repubblica. (1859-
1948). Bolonha-Itália: Zampighi, 1998.
296
inobservâncias do dever militar, abandono de posto, 34 deserções
518
e 8 casos
referentes a crimes sexuais.
As estatísticas não são bastante claras, mas, no período citado, segundo
Manuel Castello Branco,
[...] ocorreram 33 crimes, sendo 2 punidos com a pena capital. O Presidente
da República de então as comutou para prisão perpétua. Posteriormente,
houve um indulto para todos os condenados, excluindo inicialmente os dois
citados criminosos que, entretanto, tempos depois, também seriam
indultados.
519
Por outro lado, são muitos os casos não informados - quer seja pela omissão
das autoridades constituídas ou mesmo pela omissão das vítimas que não
registraram suas queixas, impossibilitando desse modo a pesquisa.
Os fatos acima citados, sobre os acontecimentos registrados pela Justiça
Militar, estão relacionados à pesquisa feita anteriormente em território italiano, por
ocasião da organização do estudo sobre os monumentos brasileiros na Itália.
Quanto aos combatentes brasileiros e seus depoimentos, percebe-se que são
muitos os tabus envolvendo diretamente os chefes superiores encobertos até hoje,
por um período “esfumaçado”, ou as situações controvertidas. Muitas delas somente
agora estão vindo à baila, nos escritos mais recentes protagonizados pelos próprios
combatentes.
Outras tantas formas de “silêncios” são percebidas, mas chama a atenção a
questão dos doentes e feridos em território italiano. Pouco se sabe a respeito do
destino daqueles que sofreram ferimentos mais graves durante a guerra e a atual
historiografia pouco esclarece. Em casos esporádicos, é possível acessar as
memórias particulares, seja dos médicos como Massaki Udihara, José Rocha Loures
ou Lacerda Manna. Esse último, um dos poucos especialistas que avaliou a situação
psiquiátrica dos soldados brasileiros em campo de batalha e que dará respaldo à
discussão sobre o Serviço de Saúde da FEB no próximo capítulo.
Qual foi a apreensão dos diálogos proporcionados pelas fontes privilegiadas?
Todas essas memórias compactaram a lembrança do soldado brasileiro nos campos
de guerra, com aspectos considerados positivos. Mas nada foi tão preponderante
518
N.A.: Os 34 casos precipitadamente considerados como deserção, a maioria foi em função a
desobediência aos prazos de licenciamento ou de dispensas do serviço e não decorrentes de evasão
na hora do combate.
519
BRANCO, op. cit..
297
quanto as reminiscências da população civil, daqueles que permaneceram na zona
do front. São os testemunhos oculares que vivenciaram, em um dado momento, as
históricas batalhas enfrentadas pelos brasileiros e promoveram o ato de juízo sobre
as tropas brasileiras, ao afirmarem que os soldados da FEB foram bons
combatentes e cumpriram sua missão.
4.6 OS ACAMPAMENTOS NA ITÁLIA, AGNARO, TARQUINIA, VADA E SAN
ROSSORE: ESPAÇOS DE SOLIEDARIEDADE
No acampamento de Agnaro, aliás, na cratera do vulcão Astrônia, que abrigou
os primeiros soldados que chegaram à Itália, os brasileiros permaneceram por dez
dias. Havia água corrente, era quente e vinha das profundezas do vulcão, o que
tornava o banho extremamente agradável. Funcionava até as 2h. Havia também o
“banho de lata”, feito sob revezamento: um mal necessário, para tirar o escuro
(do vulcão) que insistia em grudar no corpo e na roupa.
Em Agnaro, as autoridades do V Exército Americano se depararam com os
primeiros problemas relacionados ao Corpo Expedicionário, que acabara de chegar.
Era deplorável o estado dentário da tropa. Na inspeção feita por oficiais americanos,
constatou-se que a maioria dos homens o usava meias e havia incidência de
doenças venéreas.
520
Foi nesse acampamento que os brasileiros tiveram contato com outros
exércitos, provenientes de vários países europeus, sul-africanos, neozelandeses e
indianos, que chamavam a atenção pela multiplicidade dos uniformes bem como
pela heterogeneidade da língua. Mas foi com os negros americanos o contato mais
significativo, porque esses ocupavam um acampamento ao lado da FEB.
No registro do sargento Schnaiderman, que estava acampado no vulcão, em
um pido passeio por Nápoles, que ficava a curta distancia do acampamento, a
cidade aparentou ser bastante diferente do que preconizavam as canções, os
romances e os cartões postais. Era, antes de tudo, “uma cidade feia e triste
transformada em algo intermediário entre um acampamento e um bordel para os
soldados. Havia ali duas ou três ruas largas, com edifícios do começo do século.
Circulava por elas verdadeira multidão uniformizada: indianos de turbante alto
520
HENRIQUES, Elber de Mello. A FEB doze anos depois. Rio de Janeiro: Bibliex, 1959.
298
passavam ao lado dos senegaleses de fez vermelho e faces tatuadas. Marroquinos
bronzeados, louros ingleses de short, com ar de escoteiros, um jeito de quem
estivesse brincando de guerra”.
521
Próximo ao acampamento, era possível encontrar os moleques napolitanos,
os scugnizzi, que serviam de cicerones aos soldados que circulavam pelas ruas da
cidade. Meninos espertos que conheciam as mazelas da vida e abordavam os
soldados pelas mangas das túnicas perguntando: Do you want a girl?”. A penúria
chamava a atenção.
Tudo ali parecia diferente, um mundo sujo e repugnante, que fedia a urina e
lixo. [...] Sobre os passeios, crianças nuas arrastavam-se aos pés dos
transeuntes. E, no ar, pairava um rumor confuso de choros, gritos, brigas e
discussões.
522
Rubem Braga, o correspondente do Jornal O Diário Carioca, registrou, em
uma de suas crônicas, os preços aviltantes dos produtos de primeira necessidade
em Nápoles: “um quilo do pão custa 130 liras e isso quer dizer 26 cruzeiros; o quilo
da carne custa de 300 a 350 liras; o litro do azeite, 380 liras; o quilo do macarrão,
250 liras”. Na sua avaliação, o povo de Nápoles morava mal, vestia-se mal, comia
pouco e sua liberdade estava cheia de restrições. “[...] o mercado negro funciona por
toda a parte: tem-se a impressão cômica e trágica de que cada pessoa procura
comprar escondido uma coisa por 20 liras para revender por 40 para outra pessoa,
que a revenderá para outra por 70 liras”.
523
Saindo de Agnaro, o destino do 1º Escalão foi a velha cidade de Tarquínia. Os
deslocamentos foram feitos parte por via férrea e, o restante, em caminhões. Os
soldados iam se aproximando à linha de frente. Pelo caminho, era possível constatar
o grau de destruição provocado pelos bombardeios. Cidades destruídas, ferros
retorcidos, madeira carbonizada, crateras no leito das estradas, dificultando a
passagem das viaturas.
O acampamento ficava distante cerca de dois quilômetros da cidade. Havia
dificuldade com a água onde os camburões eram cheios, para atender as
necessidades destes homens. Diariamente, aumentava o número de civis italianos
que ficavam ao redor do acampamento para pedir comida, ou nas estradas para
521
SCHNAIDERMAN, op. cit., pp. 60-61.
522
Id.
523
BRAGA, Rubem. Crônicas de Guerra na Itália. Rio de Janeiro: Bibliex, 1996.
299
pedir condução. Esse foi o contato mais próximo dos soldados com a população
local.
No dia 16 de agosto, foram distribuídos os primeiros armamentos. Eram fuzis
Springfield, bazucas, carabinas e metralhadoras, a maior parte usada, mas em bom
estado de conservação. Os homens permaneceram poucos dias nesse local. Depois
de receberem o armamento completo, o deslocamento do Regimento deu-se entre
os dias 19 e 20 de agosto de 1944.
Na urgência de preparar a FEB para a zona de conflito, o general Mark Clark
e o comando da FEB decidiram pelo deslocamento do 6.º R.I., que tinha por objetivo
uma adaptação mais concreta dos homens ao meio que iriam enfrentar. O local
escolhido foi Vada Rossignano, que ficava cerca de 200 quilômetros ao norte de
Tarquínia. Desse modo, os treinamentos continuariam, agora de forma mais objetiva.
Para conduzir 500 viaturas lotadas de soldados, foi organizado um rigoroso
esquema de marcha, saindo 25 caminhões de cada vez, com horário certo, para se
evitarem congestionamentos na estrada de passagem, porque, no caminho, estavam
também tropas americanas. Depois de ter passado por tantas dificuldades, logo
após o desembarque, o R.I. finalmente ficaria estacionado neste local, que era
bastante espaçoso e proporcionaria maior conforto aos soldados.
No dia 21 de agosto de 1944, chegaram os primeiros instrutores americanos,
com o objetivo de orientar os recrutas sobre o novo armamento. Como o
acampamento ficava próximo à praia, no local ainda encontravam-se minas, redes
de arame e outras fortificações. Assim, não foram poucos os incidentes com minas,
justamente pela falta de atenção dos soldados. Para os capitães e tenentes, foram
organizados estágios na linha de frente, com revezamento constante, além daqueles
que seguiram para Caserta, ao sul de Nápoles para freqüentar cursos na Escola
Americana de Infantaria.
Nos acampamentos onde os brasileiros ficaram, era comum a presença dos
civis, principalmente de mulheres e crianças. Quando os praças terminavam suas
refeições, para evitar aglomeração, esta população era organizada em uma coluna e
todos se abasteciam dos alimentos que os soldados haviam propositadamente
deixado.
Para compreender a realidade vivenciada pelas populações locais e as
condições materiais de quem habitava a região da Linha Gótica, mostrou-se
300
oportuno nessa pesquisa um aporte aos estudos da resistência italiana, uma vez
que, nos caminhos trilhados pela tropa brasileira, foram efetuados contatos com as
diversas facções que lutavam pela queda do fascismo. Cada qual buscava seu
espaço político, pensando no novo governo italiano que seria organizado após a
guerra. Preocupados com a história da sociedade na guerra, os pesquisadores
italianos, a partir de 1969, resgataram aspectos relevantes da população que
conviveu com os soldados aliados. Nesse aspecto, o artigo de Giuliana Bertagnoni
sobre a cidade Monzuno é revelador. Ele serve de parâmetro para que se
compreenda a situação das famílias lá residentes, embora se possa deduzir que a
situação desses e dos habitantes dos grandes centros urbanos eram, na verdade,
realidades diferentes.
524
Nesse aspecto, a pesquisa mostrou as condições de vida das famílias, no
período crucial da guerra em andamento, quando grande parte da população
transformou-se em retirante, os chamados sfollati”, que, na fuga do exército alemão,
iam engrossando o número de habitantes em outras localidades, provocando, assim,
dificuldades para os administradores e para a força aliada.
525
Na pesquisa realizada em Monzuno, localizada na zona rural, a autora
recolheu muitos depoimentos e constatou que a “fome” não foi algo dramático
naquela localidade durante a guerra, mas era uma situação de penúria,
principalmente para as mulheres. A elas, cabia a tarefa de alimentar a família, visto
que os homens estavam ausentes, seja pela participação direta na guerra junto do
exército italiano, seja participando das frentes de trabalho forçado impostas pelos
alemães.
Alguns depoimentos colhidos entre os habitantes locais, dão déia das
possibilidades e das dificuldades encontradas no dia-a-dia de quem habitava a zona
rural. Segundo uma das depoentes, a fome não grassava tão radicalmente a cidade
de Monzuno, como em outros lugares da Itália. Era necessário sair em busca dos
alimentos que eram encontrados nos bosques vizinhos, principalmente as
castanheiras e seus frutos utilizados no fabrico da farinha, da qual se faziam pães e
tortas. Quem criava porcos, deles aproveitava quase tudo. Além da carne, a gordura
524
BERTAGNONI, Giuliana. Condizioni materiali e consumi a Monzuno fra guerra e doppo guerra. In:
La Montagna e la Guerra.L´Appennino Bolognese fra Savena e Reno. 1940-1945. Bolonha, Itália:
Aspázia, 1999.
525
FACCI, Mario; BORRI, Alessandro. Porreta dall’ Unità alla Repubblica. (1859-1948) Bolonha-
Itália: Zampighi, 1998.
301
era utilizada em vários alimentos. A criação de galinhas também proporcionava
alimento garantido para as famílias. O papel de buscar as castanhas e outros tipos
de ervas comestíveis cabia às mulheres, em trabalho arriscado em zona de
bombardeio. Andavam-se quilômetros à procura desses alimentos, uma tarefa dura
para essas mulheres que se expunham a todo perigo: andar a céu aberto e correr o
perigo de encontrar facções rivais, fascistas e comunistas, além dos delatores que,
por uma ajuda mais concreta por parte dos alemães, denunciavam seus vizinhos,
criando situações de grave insegurança. O depoimento de Ana Menini mostra um
período difícil para as mulheres italianas.
Se comia mais do que duas vezes ao dia, era quase sempre polenta.[...]
Mas era um fortuna quem possuía galinhas. Nós todos tínhamos porcos em
casa, o óleo era uma coisa desconhecida e não havia temperos. Frutas?
Eram uma raridade, somente os doutores podiam usufruir desta regalia.
Comer peixe era uma festa quando isto acontecia. [...] A solidariedade entre
as pessoas era muito grande.
526
Anna Menini e seu testemunho nos colocam diante de fatos e realidades
vistos sob uma ótica diferente. Em Monzuno, a vida era relativamente normal até
1944, quando a região passou a ser alvo da ação das forças alemãs. No período de
setembro de 1944 em diante, as tropas que atuavam sobre a Linha Gótica
encontraram dificuldades para alimentar seus soldados. Em um país destruído há
muito tempo pela guerra, nada se plantava ou se colhia. Alimentos faltavam para
todos, civis e militares. Diante desta situação, os alemães tomavam de assalto o que
encontraram pelo caminho, fato constatado em diversos depoimentos.
A situação dos sfollat era um caso peculiar abandonando os grandes
centros, ou os locais de fortes bombardeios acabaram por criar dificuldades para
os aliados, que se viam na contingência de alimentar essas pessoas. Nos
acampamentos brasileiros, localizados na zona da Linha Gótica, a situação o era
diferente. São muitos os testemunhos que falam do flagelo em que se encontrava a
população italiana e a maneira como os soldados ajudavam a alimentá-la, não
apenas com o que sobrava nas mesas, mas também com gêneros de primeira
necessidade retirados das cozinhas dos batalhões.
O acampamento de San Rossore seria o destino dos soldados que
compunham todos os escalões da FEB. Antes da guerra, era uma propriedade da
526
MENINI, Ana, apud BERTAGNONI, op. cit., p. 175-176.
302
família real, destinada ao lazer da família do rei, com todas as comodidades
necessárias para atender à casa real italiana. No local, havia uma boa casa, que
deveria ser a sede, e uma significativa infra-estrutura para diversos esportes, o lazer
na praia, banhos e um lindo bosque com variedade de animais.
Ali foi organizado um dos melhores acampamentos para os soldados. As
instalações eram perfeitas, desde barracas a banheiros, com as melhores condições
de higiene. De San Rossore, era possível ouvir o barulho dos canhões na frente de
combate e à noite ver a ação da bateria antiaérea aliada com suas balas traçantes,
respondendo a um ataque ao porto de Livorno. Tanto as praias estavam minadas,
como as estradas vizinhas, amplamente balizadas por cartazes, orientando aqueles
que passavam. Mesmo assim, ocorreram vários acidentes.
FIGURA 8 – GÊNEROS ALIMENTÍCIOS
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 141)
Acompanhando os escalões que chegaram no mês de outubro 1944 à Itália, o
repórter Rubem Braga fez algumas observações: Todos os brasileiros eram bem
recebidos na Itália. O que ajudava muito era a aproximação da língua latina, que
resolvia muito as questões de camaradagem. Mas o que chamava mais a atenção
era a generosidade dos brasileiros, daqueles que partiam em comboio, porque era
comum jogarem dos caminhões caramelos, chocolates e cigarros para a população,
que acenava alegremente no caminho.
303
Ao redor dos estacionamentos da tropa, juntavam-se pedintes, mulheres,
homens e crianças, que sempre diziam a mesma coisa: Tutto rovinato. Tutto
bombardato, gli tedeschi hano portato via tutti quanti. Niente a mangiare, molto
lavorare. Uma cigaretta, ciocolata, carameli uma scatoleta.”
527
Na chegada dos aliados, os nazistas se retiraram. Esse é o momento da
passagem dos brasileiros pelas estradas, pelas montanhas. Sempre que uma cidade
italiana era liberada, a população que estava escondida começava a descer das
montanhas: são homens, mulheres e crianças em situação de penúria que comove
os soldados diante do quadro caótico que a guerra proporcionava. Muitos não
encontravam mais as suas casas, ou elas estavam destruídas e sem condições de
uso. Outros tinham apenas a roupa do corpo.
É possível avaliar o que aconteceu de ambos os lados, à população e aos
recém-chegados. A miséria e a lamúria da população era tocante, não era possível
manter-se alheio a fatos tão gritantes. Envolvidos em querelas políticas, sem
alimentos, carregando o mínimo para sua sobrevivência, velhos, mulheres e crianças
chocavam os homens da FEB. Esta era a realidade do front que iniciava. Na rapina
efetuada pelos nazistas, tudo fora levado ou destruído: não havia água, luz,
alimentos, nem organização civil.
No documentário gravado em vídeo pelo museu Atílio Rocco, de São José
dos Pinhais, no Paraná, o soldado Dombroski do 1º R. I. retratou este momento:
No acampamento, a comida era feita nas cozinhas brasileiras, e muito boa.
Ao redor do acampamento, juntavam-se pessoas famintas, e nossos
soldados davam os restos das marmitas e outros gêneros alimentícios. O
comandante nos chamou a atenção, dizendo que não devíamos proceder
assim, porque poderia faltar comida para o contingente. [...] Eu pegava
minha marmita e comia no fundo da barraca. Outros comiam na frente
dessa gente, era de cortar o coração.
528
Uma população famélica ia chegando, doente do espírito e do corpo, o
comando brasileiro avaliou esta situação e apetrechos de cozinha e alimentos eram
entregues a cada povoado, vilarejo ou conjunto de casas por onde a tropa passava.
Tais notícias corriam, era uma tropa nova que chegava, vinha para ajudar, eram os
527
BRAGA, Rubem. Crônicas de guerra. (Com a FEB na Itália). Rio de Janeiro: Ed. do autor, 1964,
p. 49. Tradução: Tudo destruído, tudo bombardeado, os alemães levaram tudo, não há nada para
comer, temos de trabalhar muito (por favor)... um cigarro, chocolate, caramelos, uma caixa (ração).
528
DOMBROWSKI, Antonio. Depoimento. Vídeo-documento. Museu Atílio Rocco. São José dos Pin
hais, PR. out. 1994.
304
brasiliani”. Por este motivo, a tropa é sempre bem recebida nos lugarejos e aparece
sempre nos depoimentos italianos.
No testemunho do soldado Aristides Saldanha Vergés, quando foram
liberadas várias cidades, próximas ao rio Sérchio, fica explícita esta situação:
Por onde nós íamos passando, o povo italiano ia nos aplaudindo e gritando
Liberatori,
529
e até nos parava... ofereciam vinho, mas a gente tinha
cautela...a gente meio que refugava... mas a gente não resistia e tomava o
vinho. Eu me recordo da cidade de Filetolli [...]
530
Também o sargento José Edgar Eckert, que pertenceu ao segundo batalhão
do primeiro R.I. (Regimento Sampaio), registrou em seu diário:
No dia 29 de novembro de 1944, passamos por uma enorme coluna de
famílias italianas, homens, mulheres, mocinhas e crianças, todos
maltrapilhos, carregando enormes trouxas, arrastando-se pelas estradas.
Eram refugiados da guerra, que estavam voltando na direção de suas
casas. Dá pena de ver tudo isso. Gente que fugiu dos horrores da guerra,
depois de haverem perdido quase tudo, e agora aproveitando o tempo em
que os Exércitos estão fazendo uma ligeira parada, em defensiva, na Serra
dos Apeninos, conseguiram uma brecha e arriscam a vida para tentar voltar
às suas casas (se é que ainda o encontrar um pouco mais que ruínas).
Vendo aquilo tudo, sinto no meu íntimo uma raiva impotente, contra os
provocadores das guerras do mundo todo [...]
531
Também os comandantes dos batalhões e regimentos se reportam à situação
das famílias italianas. O coronel Olívio Gondin de Uzeda, comandante do primeiro
batalhão do primeiro R.I. (Sampaio), em seu livro de crônicas, lembra a situação dos
sfollati, ‘como aquela gente que circulava entre o front e as montanhas, ora ao lado
das linhas inimigas ora ao lado da linha aliada.’
Outros emigravam porque tinham fome e frio, ou por estarem doentes,
fugindo dos alemães e sempre sob os olhares desconfiados dos aliados. Uzeda
lembra de tantas famílias que foram conduzidas pelos soldados até o comando do
batalhão e lá chegavam famintas e friorentas, geralmente pela manhã, porque
aproveitavam a noite para fugir dos alemães.
529
N.A.:
Libertadores, até hoje quando brasileiros visitantes passam por essas cidades são assim
saudados pela população.
530
VERGÉS, op. cit..
531
ECKERT, op. cit..
305
O comando insistia pela separação entre soldados e sfollati dentro das linhas
brasileiras, mas sempre a situação desta gente causava muita piedade entre os
homens, que procuravam alimentá-la.
A situação dos desabrigados era de angústia e aflição. O inverno não havia
ainda terminado e a odisséia da população continuava. Na tentativa de fugir dos
bombardeios aliados ou da perseguição alemã, a população procurava abrigo nos
pequenos povoados que já haviam sido liberados. Conseguiam chegar a pé,
carregando pequenos pertences, ou com carroças e animais, outros se arriscavam
atravessando a “terra de ninguém” para chegar às linhas aliadas.
Os primeiros dias de dezembro de 1944 foram de intenso afluxo a estas locais
e a cidade de Bolonha, considerada “cidade aberta”, portanto, desmilitarizada, viu
sua população crescer repentinamente, quase dobrando, chegando perto de
500.000 mil pessoas.
Faltavam víveres para alimentar toda essa gente e combustível para os
aquecedores, obrigando a população a usar outros expedientes. Para facilitar os
meios de transporte, foi permitido aos agricultores entrarem em Bolonha com suas
carroças e animais. Uma estatística demonstra que entre 1944-45 havia cerca de
14.000 mil cabeças de gado que circulavam pelas ruas, inclusive no centro histórico
da cidade
532
. É possível imaginar o estado caótico vivenciado pelos habitantes
naqueles dias de guerra.
Nos campos, muitos se arriscavam a passar pelos postos de comando
alemães na tentativa de chegar às suas casas, à procura de víveres e de roupas
para o inverno, mas muitas vezes era decepcionante encontrar somente as ruínas
provocadas pelos bombardeios. Outros eram surpreendidos pelas patrulhas e
fuzilados sumariamente. Muitos eram forçados a refugiar-se em galpões ou lugares
inóspitos, o que acarretava graves problemas sanitários.
Era comum, também, chegarem aos acampamentos brasileiros os feridos
italianos - por tiro, arame farpado, minas. Parte desta gente refugiada tinha, ainda,
grande temor ao se deparar com soldados, porque havia ficado o estigma do
tratamento alemão, e muitos demonstravam insegurança no momento de se
submeter a um auxílio médico.
532
TROTA, Ezio. Cronache di guerra fra Reno e Samoggia (1943-1945). Modena, Itália: Edizione Il
Fiorino, 2000.
306
São inúmeros os depoimentos que fazem referência aos atos de
solidariedade brasileira, relativos à alimentação e saúde. Vejamos o caso narrado,
na cidade de Gaggio Montano (Bolonha), por um dos seus moradores, Fabio
Gualandi. Ele tinha 15 anos de idade, em 1944, quando ali chegou o Regimento
de Infantaria, lá permanecendo alguns meses.
Fabio, ajudante de cozinha de um desses batalhões, alimentou sua família
com o que levava para casa. A cidade havia sido liberada pelos americanos em
outubro daquele ano. A miséria na guerra foi assunto que sempre esteve presente
em todas as entrevistas realizadas na localidade de Gaggio Montano. Muitos desses
habitantes constituem hoje a geração do pós-guerra, responsável pelo não
esquecimento dos dias atrozes, e que se reafirma pelos lugares da memória, seja
pelas inúmeras placas e monumentos erguidos nos locais onde fatos marcantes
sucederam, ou pelas diversas associações culturais criadas a partir das histórias de
guerra sempre contadas e recontadas de pai para filhos.
No seu depoimento, Gualandi fala sobre o acampamento em Gaggio Montano
e sobre benfeitorias praticadas pelos soldados do regimento brasileiro, que incluíam
principalmente o fornecimento em grande quantidade de pão proveniente de
Florença à população. As famílias também recebiam o mingau feito de leite em pó, o
café distribuído em grande quantidade, a carne de porco, o arroz, o churrasco que
era feito de carne de gado e ovos em pó, do qual se fazia uma saborosa omelete.
Os americanos chegaram a Gaggio Montano no dia 13 de outubro de 1944,
era uma sexta-feira. Na metade do mês de novembro, chegaram os
brasileiros. Procuravam um lugar para erguer o seu acampamento,
ocupavam as casas vizinhas, as maiores. Faziam amizade facilmente. [...]
Eles (os habitantes) levavam para casa o que ali comiam. Uma centena de
pessoas (companhia) [...] havia frutas, principalmente laranja. Quando os
soldados terminavam, basicamente a população invadia o acampamento.
Os refugiados não passaram fome dessa forma [...]
533
Nesses povoados, os refugiados não podiam contar com um serviço especial
de saúde. A administração pública havia sido desmantelada e os civis foram
socorridos nos hospitais próximos, como aconteceu em Porreta Terme (Pistóia).
Com o início do verão de 1944, as forças aliadas estavam próximas a
Bolonha e os mais diversos batalhões ocupavam as pequenas cidades. Porreta
Terme, antes da guerra, era um grande centro turístico e possuía uma boa estrutura
533
GUALANDI, Fabio. Entrevista. Gaggio Montano, Itália, 3 jun. 2001.
307
hoteleira procurada por inúmeros italianos da classe mais abastada, que buscavam
tratamento de saúde em suas águas sulforosas. Com os bombardeios constantes, a
vida tornou-se difícil, os prédios históricos foram muito danificados, parte da
população abandonou a localidade. Com a chegada da FEB, a cidade abrigou o
comando brasileiro, que ali se estabeleceu durante longos meses.
Misturando-se à tropa, encontravam-se os refugiados que vinham de vários
lugares e os habitantes da cidade. Havia uma necessidade premente de se dividir os
espaços residenciais que ainda estavam em pé e pudessem fornecer um mínimo de
segurança. Todas estas pessoas se abrigaram nos edifícios públicos ou nas termas,
dividindo espaço com os militares.
Entre 1944 e 1945, a cidade de Porreta Terme tornou-se um objetivo militar,
visto estar situada no entroncamento principal de rodovias que atravessavam o país,
principalmente a estrada 64 (Porretana). Em conseqüência de novos bombardeios, a
administração pública foi transferida para o pequeno município de Castellucio. Parte
da população, receosa, também se transferiu.
Na função de mensageiro e motorista da FEB, o soldado Jorge Luiz de Barros
recorda os civis que se encontravam e os perigos que rondavam a cidade a cada
passo.
Nas horas de refeição da unidade, havia uma fila de civis italianos, idosos e
menores, a espera do rancho, que o sargento Agenor sempre fazia para
ajudar os moradores carentes de tudo. Essa sua maneira cristã e
humanitária foi a causa inconsciente de uma tragédia.
534
Segundo Barros, a fila de civis em busca de alimentos crescia dia a dia e
formava-se na praça da estação, no local onde ficava o rancho para os soldados
brasileiros ali instalados. No alto dos morros, do local onde estavam, os alemães,
percebendo maior movimentação de pessoas, começaram a atirar sobre a praça
com canhões de grosso calibre. O resultado foi realmente uma tragédia para
brasileiros e italianos. “Uma das granadas explodiu no centro da praça. Os
estilhaços da granada provocaram quatro mortes e vinte um feridos”.
535
Dois
soldados brasileiros foram feridos gravemente e o cozinheiro que atendia ao rancho
teve morte instantânea.
534
BARROS, Jorge Luiz G. de. Entrevista concedida a Carmen Lúcia Rigoni. Curitiba, 24 de maio
de 2007.
535
Id.
308
O relato do mesmo episódio está inscrito no diário do soldado Rudemar
Marconi, do 9º Batalhão de Engenharia.
De repente, veio a tarde fatídica de 20 de novembro, em que, por ironia do
destino, se comemorava o dia de Ação de Graças. Waldomiro e eu
almoçávamos no caminhão-cozinha da Companhia. [...] quando estava
de volta ao jipe, desabou um bombardeio e o local virou um inferno. [...] ao
regressarmos ao posto de comando, soubemos, pelo rádio da companhia,
da morte de Joaquim, do cozinheiro Waldemar e vários feridos.
536
Segundo Marconi, o sangue encharcava o chão e respingava nas paredes. O
bombardeio insistente durou ainda muitas horas, o que dificultou o atendimento aos
feridos, dentre os quais estavam pessoas da população de Porreta Terme, soldados
brasileiros que se encontravam na fila para almoçar e amigos pessoais do próprio
Marconi, como Joaquim Pires Lobo, para cuja família o tenente Viveiros havia
prometido protegê-lo durante a guerra. Segundo Marconi, estava entre os mortos, “o
impacto emocional atingiu a todos”.
O soldado Barros também demonstra a situação dos brasileiros recém-
chegados à cidade de Porreta, e da minuciosa procura, dele e dos companheiros,
dos locais que serviriam de abrigo e pernoite por alguns dias. Geralmente, os
espaços eram pequenos e comportavam poucas pessoas. De início, a escolha
recaiu sobre um antigo prédio, localizado próximo à Ponte, mas havia um
inconveniente: ela era diariamente bombardeada pelos alemães. Não havia muita
escolha. Além do mais, percebia-se um grande buraco no telhado, por onde havia
caído uma bomba aérea que não explodiu, e ficara cravada no piso. Este foi o
motivo principal do abandono deste local e a busca imediata por outro abrigo.
Na procura por outro refúgio e mediante as ameaças diárias de
bombardeios, cujos tiros partiam do Monte Castello e estavam destinados a acertar
o Quartel General –, Barros e outros soldados brasileiros encontraram uma
construção, que alguém havia dito tratar-se de um hotel para turistas. Na descrição
de Barros, o prédio tinha uma dependência para os banhos em águas sulforosas
quentes, com banheiras de mármore, um presente para o seu grupo que não tomava
banho havia cinco dias.
536
RAMOS, Rudemar Marconi. Diário de um paisano na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
H.P Comunicação Editora, 2003, pp. 96-97.
309
A curiosidade dos soldados sempre era muito grande em relação aos prédios
que iam vistoriando. Com Barros e seus companheiros não foi diferente. Ao
depararem com um portão de ferro trancado com cadeado, não tiveram vidas:
estouraram os cadeados.
Aberto o portão, no porão estavam amontoados todos os móveis do hotel,
lareiras portáteis e tudo mais necessário a um hotel. [...] Deixamos limpa
boa parte do porão, que iria em seguida ser mobilizado, com duas boas
camas, colchões e travesseiros, esses com penas de ganso. Recolhemos
do entulho: uma mesa, quatro cadeiras, duas lareiras, louças, talheres e
copos, bem como roupas de cama, estávamos bem instalados.
537
No mesmo local, foram encontradas cerca de 50 garrafões de vinho tinto,
branco e rosê. Mesmo com o receio de que os vasilhames pudessem estar
envenenados, uma prática usual dos alemães, companheiros de Barros abriram
todos os garrafões, e contaram com a ajuda de um ‘provador’, um italiano que se
prontificou a “tirar a prova”. Segundo o depoimento de Barros, “nada de grave
aconteceu, a não ser o porre do nosso provador. Os vinhos o estavam
envenenados. Reconheço que minha atitude não foi muito cristã, mas guerra é
guerra”.
538
Para os porretanos, a chegada dos aliados transformou-se em sérios
problemas, porque, de setembro de 1944 em diante, a cidade foi bombardeada
todos os dias, com impedimento de qualquer atividade civil, além da destruição dos
edifícios públicos provocada pelos constantes ataques. O comando do V Exército
achava temerário o Quartel General de Mascarenhas de Moraes estar localizado em
Porreta, porque era alvo constante dos alemães que observavam a cidade na sua
movimentação diária.
O Hospital de Porreta passou a atender não os militares que vinham da
frente de combate, mas toda a população necessitada. No inverno anterior (1944), o
hospital acusava uma mortandade mais atípica, entre velhos e crianças. Os casos
de desnutrição eram gravíssimos.
Com a queda de Bolonha, os habitantes de Porreta enfrentaram outra grande
tragédia: os alemães, em retirada, haviam minado estradas, campos, praças,
aquedutos e pontes. Os habitantes dos povoados vizinhos que retornavam aos seus
537
BARROS, Jorge Luiz G. de. Entrevista concedida a Carmen Lúcia Rigoni. Curitiba, 24 de maio
de 2007.
538
Id.
310
lares, como Marzabotto, Montese, Castel d´Aiano e Vergato foram vítimas dessas
minas e todos foram socorridos no hospital de Porreta.
Fatos marcantes dessa época ficaram retidos na memória dos habitantes.
Muitos lembram das dificuldades relacionadas à saúde de seus familiares. A falta de
médicos e medicamentos ocasionava mortes repentinas, principalmente entre os
mais velhos e crianças. No relato do gaggense
539
, senhor Giuseppe, na manhã do
dia 21 de junho de 2001, na biblioteca comunal, durante o seu depoimento, foi
possível verificar a dimensão da tragédia ocasionada por tantos anos consecutivos
de guerra, quando a presença de uma unidade militar e de um médico na localidade
significavam a única esperança de vida para uma população abandonada.
Adelfo, meu filho, estava muito doente e tinha dois anos durante a guerra.
Quando a tropa brasileira esteve aqui, havia um médico, não me recordo o
nome... Adelfo tinha dois anos, porque nasceu em 18 de abril de 1942. [...]
ele não podia respirar, eu estava só, não sabia o que fazer. O médico
(brasileiro) esteve em Firenze (Florença) e apareceu uma noite com o
remédio. [...] meu filho sarou, em dois dias não tinha mais nada. Aqui não
havia nada, nem remédios, comida era uma miséria. Morávamos aqui nesta
casa (antiga burgo medieval) mais ou menos umas 20 pessoas. Este
tenente médico foi para mim como um irmão, meu filho não estaria aqui [...]
eu tenho sempre uma boa recordação dos brasileiros... meu filho teria
morrido... quando digo que eram bravos...
540
Dos relatos italianos e brasileiros, as lembranças emergem dos momentos
cruciais, como uma espécie de cópia dos momentos vividos anteriormente e que
permanecem presentes a partir do momento em que se suscitou a vivência dos
tempos de guerra, quando brasileiros e italianos estiveram tão próximos.
4.6.1 Dia de soldado: vida social, bailinhos, amores e casamentos
Volete voi uma ragazza linda
Que tenha charme e uma beleza infinda?
Que queira escatoleta e beba vino,
Que voglia cigarrete per papá,
Que peça carameli per bambino
Que tope uma parada para já?
Que enfrente esta nevada sem paura?
Fazei bem presto e adesso, em quatro vias,
Pedido urgente dessa criatura.
541
539
GAGGENSE - habitante de Gaggio Montano.
540
CECHELLI, Giuseppe. Entrevista. Gaggio Montano Itália, 30 jun. 2001.
541
Autor Desconhecido, apud Coquetel de Línguas. Revista Militar Brasileira, Brasilia, 1973, p.62
311
Os estudos recentes sobre as famílias italianas que habitavam a zona de
conflito durante a Segunda Guerra têm demonstrado um lado da guerra pouco
conhecido. A pesquisadoras Sabrina Da Roit e Roberta Monticelli, no artigo La
famiglia em Guerra e il nuovo ruolo delle donne
542
, afirmam que as pesquisas sobre
famílias foram muito tempo deixadas de lado, em detrimento dos acontecimentos
bélicos.
Tais pesquisas eram consideradas banais e insignificantes, sem nenhuma
validade científica, porque partiam das narrativas e depoimentos das personagens
que haviam vivenciado a guerra fora dos grandes exércitos, o que provocou durante
muitos anos um vazio muito grande, até mesmo um abandono dos temas que
tratavam da vida em sociedade na época da guerra.
O estudo em questão, efetuado pelas autoras citadas, estava voltado para
uma análise das famílias que moravam nos Altos Apeninos (Bolonha e municípios
vizinhos) e tinha como objetivo retratar a realidade familiar e a figura da mulher.
A pesquisa vinha em tempo, porque poderia demonstrar como viviam essas
famílias e suas experiências em tempo de guerra, o enfrentamento às adversidades,
a resistência e a luta pela sobrevivência. Para esta pesquisa, esses estudos sobre
as famílias italianas são importantes, pois muitas delas se aproximaram dos
brasileiros, por contingência do deslocamento da FEB, nos campos ou nos
povoados. Elas viviam ainda sob o impacto do fascismo, o que agravava o quadro
social durante a guerra. Segundo as análises das autoras, neste período iniciava-se
o embrião da mudança do que seria a nova família italiana, com a mulher passando
a exercer um novo papel na representação da sociedade.
543
Enquanto a guerra não havia chegado a estas localidades, a vida era normal,
as crianças iam à escola, brincavam, as noivas se casavam. Com os bombardeios, a
vida mudou rapidamente, era o pavor que atingia aqueles que não tinham fugido. A
miséria era tocante, e, juntando-se todos esses medos, as mulheres agora tinham
outras preocupações. Não era apenas a preocupação de conseguir os alimentos. À
N..A . “Você quer uma moça linda, que tenha charme e uma beleza infinda, que queira uma caixa de
ração e beba vinho. Que queira cigarros para o papai, que peça caramelos para o menino, que tope
uma parada para já? Que enfrente esta nevada sem medo. Faça bem rápido e agora, em quatro vias,
Pedido urgente dessa criatura.
542
ROIT, Sabrina da. La famiglia em guerra e il nuovo ruolo delle donne. In: PATICCHIA, op. cit..
N.A.: Neste artigo a autora destaca os estudos sobre as famílias e o novo papel das mulheres.
543
ROIT, op. cit..
312
mulher italiana durante a guerra, cabia o papel que até então que era reservado ao
homem. Na ausência do marido ou dos filhos homens que tinha ido combater em
lugares longínquos, ela se torna a chefe do clã, com a responsabilidade de
direcionar os destinos da família.
Próximo aos acampamentos dos soldados, encontravam-se os velhos, as
mães de família, as mocinhas e as crianças. Para os italianos, era a maneira mais
fácil de se obter alguma coisa para comer, trocar serviços por vestuário, ou ganhar
umas poucas liras.
As famílias italianas são sempre lembradas nos depoimentos brasileiros. O
que emerge dessas informações diz respeito à solidariedade entre soldados que
estavam longe de seus familiares, que encontravam nos núcleos familiares italianos,
muito calor humano, retribuído com gestos de fraternidade, desse modo, estreitando
laços de amizade. Paulo Stankevcz que, na função de motorista de jipe, conduzia o
alimentos e munição para a tropa em frente de combate, lembra das passagens
rápidas e dos caminhos a percorrer. Tudo tinha que ser feito com muita agilidade e
ele pouco parava nos acampamentos. Na entrevista, quando indagado sobre o que
achava das mulheres italianas, respondeu:
O que a gente conheceu, pouco conheceu, eram boas [...] no front dava
tempo de dançar, as moças nós ia buscar na casa delas, nós tínhamos uma
folga, tinha lugar que não dava para avançar. [...] Muitos deixaram as
italianas apaixonadas, eu tenho um cartão [...] não me lembro do lugar [...]
era perto de Lucca. Havia vários lugares assim, nós ia lá, eles convidavam a
gente para dançar. Em Juniano, estivemos com as moças, ali teve um
bombardeio muito grande, não sei como não morremos todos.
544
Um assunto difícil de entabular com os ex-combatentes diz respeito à
prostituição, na época da guerra. Apenas em alguns diários e mais recentemente,
nos depoimentos e entrevistas, é possível verificar a menção de episódios onde o
tema aparece. No relato do soldado Aristides Vergés, que já fizemos referência,o
assunto foi lembrado quando da abordagem do nome de uma cidade italiana.
Acho que já falaram em Francolise, das filas [...] O pessoal fazia fila e
levava as moças para o mato. Mas tinha também casas de prostituição,
onde às vezes distribuíam senhas, porque podia ter uma moça mais bonita,
e assim não iam todos para lá. [...] Pagávamos estas moças com as liras
americanas de ocupação, ou então em comida, elas preferiam. Por isso que
eu digo: os cozinheiros é que estavam melhor, ficavam sempre na
544
STANKEVECZ, op. cit..
313
retaguarda.
545
Muitas vezes, durante as entrevistas realizadas, tentou-se compreender como
os combatentes viam o contexto da guerra, a miséria das famílias, a fome e a
prostituição. No depoimento do cabo remuniciador da FAB, Eronides da Cruz - cujo
grupamento estava estacionado na cidade de Pisa e de outros combatentes, foi
possível perceber o choque perante as condições das famílias italianas,
completamente desestruturadas durante a guerra.
Uma ocasião, pegamos um trem para Nápoles (um passeio até Pompéia).
Antes de Pompéia, havia um lugar chamado Torre Anunciata, nas
vizinhanças do Vesúvio. [...] Resolvemos descer, e quando você mal desce
vem uma enxurrada de garotada oferecer as signorine” (prostitutas). Os
colegas diziam: “Como é, vamos lá” [...]? Eu, claro, acompanhei. [...]
Entramos. Lá, tinha uma sala grande, umas moças sentadas e um casal de
velhos. Assim e tal. [...] Cada um conversava com uma signorina. [...] Eu
fiquei de pé [...] observando a fragilidade humana, eu sentei, veio uma moça
e eu perguntei: “Quem são eles?” Ela disse: “Meu pai e minha mãe”.
Confesso que aquilo me chocou profundamente.
546
A questão dos relacionamentos revela momentos de grandes sentimentos
entre brasileiros e italianos. A maior parte das famílias italianas era composta por
mulheres ou homens de bastante idade. Os homens em idade militar estavam no
front (exército italiano), eram prisioneiros em outros países, estavam desaparecidos
ou tinham morrido.
A simplicidade dos brasileiros logo atraiu a simpatia dos italianos. A língua
não foi problema, porque a raiz latina aproximava muito os dois povos. Quando os
soldados do Regimento de Infantaria chegaram a Gaggio Montano, no mês de
novembro de 1944, os combates principais ainda não tinham ocorrido. O pequeno
vilarejo tinha sido recém-libertado por tropa americana e partigianos da banda
Giustizia e Libertà
547
. Um dos remanescentes, Francesco Berti, conheceu muitos
soldados do regimento brasileiro e, na entrevista realizada em sua residência, em
Guanella
548
na Itália, quando perguntado como tinha sido o convívio com os
545
VERGÉS, op. cit..
546
CRUZ, Eronides. Entrevista. Curitiba, 20 dez. 2000.
547
N.A.: Banda era uma parte de um grupamento maior. No caso Giustizia e Liber, agregava
centenas de partigianos italianos.
548
N.A.: Casa Guanella, é a residência de verão do advogado Francesco Berti, conserva ainda as
paredes de uma construção medieval do século XII.O local é histórico para os brasileiros, pois muitos
dos ataques ao Monte Castello, saíram deste local, onde se avista o morro que acabou se tornando
um dos maiores desafios para a FEB. Hoje, a demarcar o local foi erguido em 2001 o Monumento
314
brasileiros, respondeu que fora excelente, porque os brasileiros eram latinos: a
comunhão de raízes, a própria língua facilitava tudo. A comunicação era muito fácil e
os brasileiros eram considerados pessoas alegres. Por esse motivo, logo se
identificaram com a população. Lembrou também das músicas populares, que eram
cantadas e acompanhadas pelas crianças. “À noite, sempre passavam com as
famílias que os hospedavam, havia grande solidariedade, coisa que não aconteceu
com os americanos, devido à barreira da língua”.
549
Outros depoimentos de ex-combatentes brasileiros atestam a profundidade
dos relacionamentos. Mesmo andando em patrulhas, ou junto de suas companhias,
passando pelos campos ou pequenos povoados, a reação dos habitantes era
sempre positiva, conforme relata o combatente Celso Rosa do Regimento de
Infantaria: “Chegamos ao povoado e fomos recebidos com grande alegria. Tratava-
se de uma dessas pequeníssimas aldeias, minúsculas aglomerações, de umas
poucas casas, denominadas genericamente pelos italianos de “Piccolo paese”.
[...] Nossa recepção foi festiva E viva i liberatori diziam alguns. Fomos
recebidos como verdadeiros libertadores e percebia-se que as
manifestações eram espontâneas e sinceras. [...] dentro de poucos minutos,
nossos soldados eram donos do povoado. Espalhavam-se por todos os
cantos e recantos, como se se derramasse um saco de laranjas em uma
superfície plana.
550
Desiludida dos benefícios do fascismo, comprimida pela fome, fora do jugo de
Mussolini, a população italiana aproximou-se da FEB, o que foi muito útil para os
soldados. Por amizade, identidade de princípios, por harmonia de idéias ou por
necessidade, ela colaborou para as vitórias aliadas na Itália. Não os partigiani
que foram minando, destruindo, removendo, vencendo as resistências do inimigo,
mas também a população.
Muitos comandantes deixaram inscritos, em seus relatórios, o reconhecimento
dos serviços prestados pela população italiana, como ressaltou o major Olívio
Gondin Uzeda, comandante do 1º Batalhão do Regimento Sampaio:
Liberazione, pela escultora brasileira Mary Vieira, uma homenagem dos italianos aos soldados
brasileiros.
549
BERTI, Francesco Arnaldo. Entrevista. Gaggio Montano, Itália, 30 jun. 2001.
550
ROSA, Celso. Um gostoso cafezinho. In: O pracinha na Guerra. São Paulo: Ca Editora
Expressa, 2000.
315
Não foram os alpinos, transportando nossas munições e armamentos,
nossos abastecimentos. As populações civis estimavam-nos com suas
acolhidas. [...] A população de Piacenza nos recebeu entre alas, com
palmas e flores. Quando nosso batalhão conquistou Monte Castello,
recebemos convites de muitas famílias de Silla que nos queriam
homenagear. [...] Inegavelmente, essa acolhida, esse carinho, sobretudo
para os que estão fora dos seus, é um estimulo, é um fortalecente.
551
Nas suas memórias, Uzeda, recorda o encontro com as falias de retirantes,
os sfollati”, quase diariamente na linha de frente onde se encontrava o batalhão
brasileiro:
Os esfolatos viviam de léo em léo, fugindo dos alemães, sob a desconfiança
dos aliados. E, de quando em vez, famílias inteiras cruzavam nossas linhas
e vinham ter ao posto do comando do Batalhão, ora trazidas por uma
patrulha volante, ora mandadas por uma companhia. E chegavam friorentos
e famintos.
552
Havia, constantemente, também, a possibilidade de estarem infiltrados
nesses grupos espiões que pudessem trazer grande perigo ao batalhão, visto que
informações pudessem dar a localização dos brasileiros, o que era muito temerário.
Tal situação, rodeada de cuidados, procedia. Comprovadamente, muitos espiões
atravessavam as linhas brasileiras, para poder enviar informações aos alemães, que
não estavam muito longe do estacionamento dos brasileiros.
Diante dessa situação, os esfolatos eram mantidos separadamente do grupo
de brasileiros. Seus documentos eram vistoriados, e uma listagem de nomes
suspeitos com as características físicas poderiam identificar um possível espião.
Mas, apesar dos cuidados, o comandante não podia diminuir a solidariedade do
Batalhão para com os recém-chegados, o que aparece no relato do próprio
comandante, quando da permanência dos retirantes em seu batalhão: “Lá vinha o
Damasceno com um prato de mingau para uma criança, vinha o Camargo com
pão e queijo para um velhinho e lá vinha o Azeredo com um chocolate para uma
‘signorina”.
553
Também os doentes e feridos recebiam atenção por parte do sargento
enfermeiro. Em certa passagem, Uzeda relata a chegada de uma menina ferida ao
acampamento, pelas mãos da mãe.
551
UZEDA, Olívio Gondin. Crônicas de Guerra. Rio de Janeiro: Bibliex, 1952.
552
Ibid., p. 146.
553
Id.
316
Convidamos para que fosse conosco ao nosso posto-médico. Agradeceu.
Insistimos. Relutou. A mãe, percebendo nossa intenção, interveio, e a jovem
segura a mão que lhe oferecemos. Mas, como tremia! Tremia-lhe o braço
fortemente, tremia-lhe o corpo todo! Parecia que a levávamos para a morte!
Era o recalque! Eram as conseqüências do trato alemão.
554
À medida que o batalhão ia caminhando, seguindo a retirada dos alemães
que a cada dia ia se tornando mais amiúde, os soldados brasileiros eram
recepcionados também por italianos que estavam estabelecidos, porque o perigo
havia passado, e agora aguardavam com ansiedade a chegada das tropas aliadas.
Foi o que aconteceu na pequena cidade de Samone. Passando por um colégio de
freiras, o Batalhão de Uzeda pediu permissão para usar do alojamento, visto que os
alemães lá haviam permanecido um bom tempo.
Rotineiramente, foram distribuídos alimentos, biscoitos e chocolates para as
crianças que lá conviviam com as freiras. Os alemães haviam dito que os brasileiros
eram bárbaros e selvagens, que traziam facas na boca, eram antropófagos.
Entretanto, as madres de Samona encontraram, por parte do batalhão, carinho,
respeito e consideração. Nesse colégio, bem como por onde batalhão passou, foram
entregues vários produtos como café, açúcar, pão, sabão e carne, porque esses
eram os artigos de que a população mais necessitava. Por muito tempo, Uzeda,
no Brasil, guardou a carta de agradecimento da diretora do colégio de freiras de
Samona enviada ao Batalhão, logo no pós-guerra, que dizia:
muito tempo desejava demonstrar a nossa viva gratidão, pela grande
bondade e generosidade a nosso respeito, durante brevíssimo tempo que o
senhor passou em Samone. Conosco, toda a cidade recordará a vinda dos
bravos e bons brasileiros que aqui se impuseram com respeito e
generosidade d’alma.
555
Foram muitas as situações que colocaram os soldados brasileiros diante da
população extremamente necessitada. Também o encontro com as famílias italianas
que haviam permanecido próximas aos locais de combate criou possibilidades de
convivência, consolidando laços de amizade, que perduraram não somente durante
a permanência dos batalhões em algumas cidades, mas, em alguns casos,
continuaram após o término da guerra. Nesse aspecto, os habitantes do vilarejo de
Gaggio Montano recordam os brasileiros com carinho, assim como Giuseppe
554
UZEDA, op. cit., p. 146.
555
Ibid., p.172.
317
Cechelli.
Eu me recordo dos brasileiros. [...] Minha mãe fazia o café que eles
apreciavam tanto antes de ir para o combate, rezavam muito. Como nós,
eles tinham muita fé, mas eram também alegres, cantavam muito, as
crianças gostavam de estar por perto. Meu filho mais velho recorda-se. [...]
Não posso esquecer dos combates no Monte Castello, principalmente
aquele do dia 21 de fevereiro de 1945.
556
A família de Giuseppe não abandonou a casa durante o ataque ao Monte
Castello, podia ver tudo o que estava ocorrendo. Ele mesmo relata o contato com as
tropas norte-americanas e brasileiras que estavam estacionadas para ajudar no
principal combate. As imagens dessas jornadas ficaram retidas em sua memória:
Era possível ver o fogo cerrado sobre Ronchidoso. A nós, o que mais
assustava não eram os tiros de canhões, mas sim as metralhadoras, porque
vinham de todos os lados e atingiam as paredes da casa. Nós
permanecíamos num abrigo mais abaixo da casa.
557
Entre os acampamentos e os deslocamentos dos soldados pelo território
italiano, muitos brasileiros fizeram os seus registros. São imagens longínquas, mas
que permaneceram nítidas, com detalhes e nomes que deixaram recordações.
Nesse aspecto, é necessário ressaltar a lembrança que os partigianos deixaram
entre os comandantes e os soldados brasileiros. Os partigianos, como se fez
referência nesta pesquisa, eram italianos e suas diversas bandas, que o comando
brasileiro costumava erroneamente chamar de guerrilheiros. Na verdade, não
formavam um exército regular, mas haviam aderido à causa democrática, auxiliando
os aliados de várias formas.
Da proximidade desses homens com o 1º Batalhão do Regimento Sampaio, o
comandante major Uzeda destacou algumas anotações. Nesse registro, os homens
são chamados de patriotas, um termo muito usado na Itália, ainda hoje. No relatório
de Uzeda, os partigianos são lembrados como grandes auxiliares dos aliados,
porque foram conquistando cidades, dificultando a retirada do inimigo, combatendo
os fascistas, muitas vezes usando de força, de sabotagem e de emboscadas. Foram
os conquistadores de Milão, Torino e cidades ao norte da Itália, no julgamento
556
CECHELLI, op. cit..
557
Id.
318
sumário contra Mussolini, foram os responsáveis pelo seu fuzilamento e dos amigos
fiéis em plena praça pública.
São muitos os relatos feitos por partigianos italianos que atuaram junto à
tropa brasileira. Os pesquisadores Luciano Casali e M. Gabriele valorizaram essa
participação em suas obras. Nessa perspectiva, os pesquisadores citados, por meio
de entrevistas, resgataram algumas passagens históricas referentes a brasileiros e
partigianos.
O que predomina nos depoimentos tomados por Casali são as frases ditas
pelas testemunhas, os partigianos, e pronunciadas com muito afeto e grande
simpatia em relação aos brasileiros. Nos confrontos em que participaram com
aqueles estranhos soldados brasileiros “que não sabiam combater, não se
submetiam às ordens, mas procuravam sempre nas vizinhanças o apoio e a
colaboração partigiana - havia quase um relacionamento que um irmão mais velho
pode oferecer.”
558
Da brigada Folloni”, encontram-se as palavras de Ezio Bompani, explicando
sobre uma patrulha partigiana e americana:
[...] Nós havíamos dito (aos americanos) que era muita gente na patrulha,
haveria muito barulho, para efetuarmos uma vingança com os alemães.
Resolvemos separar os grupos e fizemos o tipo de um jogo. Quem
retornasse mais rápido com mais prisioneiros, ganharia a aposta. Era uma
patrulha feita durante o dia. Quando retornamos (os americanos) não
haviam chegado ainda, trazíamos conosco alguns prisioneiros alemães.
Quando retornaram, juntos vieram os brasileiros, a quem nós queríamos
muito bem, nos faziam dar saltos de alegria.
559
O então major Uzeda, em seu relatório, explica o quanto era difícil tratar com
as forças partigianas, em função de elementos inseridos nestas brigadas, cujos
ideais o comungavam dos estatutos partigianos. Em muitos casos, eram pessoas
de índole, que sacrificaram a posição dos próprios companheiros e, por esse
motivo, criavam muitas desconfianças com suas presenças entre os brasileiros.
O comandante do Batalhão é um dos poucos que faz referência à força
partigiana, destacando o lado negativo do grupamento. Nesse caso, ele ressalta o
caso episódico ocorrido na localidade de Rocca Pitgliana, conforme suas palavras:
558
CASALI e BERNADOTTI, op. cit.,p. 538.
559
GABRIELE, op. cit.,p. 106.
319
Lá, herdamos um contingente de 90 partigiani, demos-lhes missões,
mesclávamo-los com os nossos soldados. Um dia, eles alegavam
armamento deficiente, outro que não possuíam roupa adequada, e, quase
sempre, achavam tudo “molto pericoloso”.
560
As brigadas italianas recebiam agasalhos e tinham um reforço no armamento,
mas, segundo o comandante, após organizar um grupo partigiano, vinha outro e
mais outro, que necessitavam do mesmo auxílio e não se fixavam junto à tropa
brasileira, muitas vezes desestabilizando os brasileiros, causando pânico em
algumas patrulhas.
Mas, como em qualquer situação, não é possível generalizar o
comportamento dos partigiani. O próprio Uzeda, mais tarde, rende homenagens a
esses homens quando os encontrou em Piacenza, libertando a região do jugo
alemão. Nas suas palavras, ressaltou: “Aí tivemos conhecimento do magnífico
trabalho que realizaram. Vimo-los morrer, socorremos seus feridos, testemunhamos
outro tipo de partigiani: corajosos e valentes”.
561
Outra grande vantagem que aproximava os brasileiros dos italianos era a
religião. Mesmo sob bombardeio, os pequenos povoados italianos mantinham a
tradição e as missas eram rezadas.
A assistência religiosa aos soldados brasileiros durante a guerra foi uma
preocupação da FEB. Ainda aqui no Brasil, foi criada a Capelania Militar. Para a
Itália, embarcaram cerca de 7 capelães católicos que receberam a patente honorífica
de capitães e 16 capelães com a patente de tenentes, sendo 2 deles protestantes
com o mesmo posto. Esses religiosos foram os responsáveis pela assistência
religiosa, principalmente nos momentos que precediam a saída para uma missão
mais delicada diante do inimigo. Muitas vezes, esses religiosos serviam de
conselheiros em momentos de crises pessoais, bem como ajudavam na
correspondência entre os soldados analfabetos e suas famílias. Assistiam aos
moribundos que chegavam muito feridos ou após um combate de maior
envergadura.
Em muitas passagens, os padres brasileiros são lembrados tanto pela
população italiana como pelos próprios combatentes, quando descrevem suas
passagens pelos campos da Itália.
560
UZEDA, op. cit.,p. 190. N.A.: “tudo muito perigoso”.
561
Id.
320
Relendo as memórias de um capelão da FEB, é possível verificar que, mesmo
em situação difícil, quando as cidades sofriam um forte bombardeio, a população
não deixava de assistir à missa, o mesmo acontecendo com os soldados. A narrativa
do capelão Jacob Scheneider, que, em dezembro de 1944, se encontrava na
pequena vila de Marano, juntamente com a tropa brasileira, é exemplo de como se
oficiava uma das missas nessas condições:
Era o dia 8 de dezembro de 1944, festa da Imaculada Conceição de Nossa
Senhora. A pequena cidade chamava-se Marano e ficava perto da estrada
64 (Porretana), muito visada pela Artilharia inimiga. Depois de 3 fortes
bombardeios sobre a tropa brasileira, o padre Jacob Emilio deixou o refúgio
para verificar se algo sucedera aos soldados. “Estávamos todos meio
atordoados, mas ilesos, graças a Deus e ao “santo forte de cada um”. As
casas eram de pedra grossa, mas as granadas penetravam pelos telhados.
[...] A convite do padre Antonio Poli, desde logo um grande amigo, me fez
rezar missa, e ainda me convidou para o dia seguinte, festa da
Imaculada.
562
Os testemunhos italianos encontrados fazem referência à significativa
lembrança dos brasileiros em relação à religiosidade. Neste caso, é importante
reportar à entrevista concedida por Maria Marchi, uma das remanescentes da
guerra Mundial e moradora da cidade de Gaggio Montano. Era sobrinha do pároco
da cidade e conhecia todos os capelães brasileiros, porque a casa paroquial ficava
bem ao lado da Igreja principal. Como a cidade era pequena e todos se conheciam,
ela acompanhava diretamente a movimentação dos soldados brasileiros. Muitas
vezes pôde participar das missas realizadas pelos capelães brasileiros. “A maior
parte dos brasileiros era católica e assistia às missas”. Ao descrever a situação da
cidade durante os vários bombardeios, Maria Marchi enfatiza que a cidade estava
quase vazia:
As mulheres, jovens e crianças haviam abandonado o local, permanecendo
apenas os mais velhos, que queriam cuidar de suas coisas. Era perigoso
ficar ali [...]. Na época, eu tinha 20 anos e fiquei. Conheci todos os capelães
que por ali passaram: [...] o capitão Leite, Francisco, Eloi [...]. A maior parte
dos brasileiros era católica e assistia às missas, outros nem tanto [...].
563
Nos dias que se sucederam entre o outono e o inverno italiano de 1944,
praticamente o front estacionou e as operações bélicas tinham sido reduzidas
562
SCHENEIDER, Jacob Emilio. Vivência de um capelão da FEB. Curitiba: Edições Rosário, 1983.
563
MARCHI, Maria. Entrevista. Gaggio Montano, Itália, 30 jun. 2001.
321
apenas aos tiros de canhão e às missões de patrulhas. O frio anunciava-se com as
chuvas torrenciais no mês de outubro, o que impedia a progressão dos Exércitos. A
lama impedia a locomoção de viaturas mais pesadas e dificultavam também o
deslocamento dos soldados em função da topografia acidentada dos Apeninos.
Segundo os que vivenciaram esta fase, o frio do outono, às vezes, foi muito mais
severo que o inverno em si. Foi em novembro e dezembro que o comando brasileiro,
assistido pelo V Exército Americano, no empenho de agilizar a guerra, resolveu
atacar o Monte Castello, o que ocasionou uma série de percalços e erros
estratégicos prejudiciais à campanha da FEB Tema que seabordado no próximo
capítulo.
Na retaguarda, os soldados que estavam nos acampamentos buscavam levar
a vida de maneira normal. Muitos conseguiam licença para se aventurar nas cidades
mais próximas. Outros, como os oficiais, eram encaminhados para descanso nas
Termas de Montecatini, ou iam conhecer Florença e ficavam hospedados em um
hotel a eles destinado. Outros, conseguindo carona, chegavam até Roma. Enfim,
todos tentavam aproveitar um pouco, porque sabiam que, passado o inverno, novas
missões seriam empreendidas na continuidade das missões sob responsabilidade
para a FEB.
Nas aldeias, quem estava de prontidão buscava uma aproximação com as
famílias italianas; e as belas ragazze (jovens) não passavam despercebidas.
Também as jovens se encantavam com os soldados. Muitas, contrariando as
determinações dos pais, participavam dos eventos sociais, geralmente organizados
pela própria comunidade. Com a retirada dos alemães, o clima de um país ocupado
se tornou um pouco mais respirável, com ares de liberdade e novidades que
apareciam nas aldeias com os libertadores. Os soldados aliados conseguem um
ambiente de maior diálogo com a população e a ideologia do fascismo vai ficando
cada vez mais distante.
Relembrando o longínquo outubro de 1944, Caterina Gamberini diz da sua
primeira impressão com a chegada dos soldados aliados à sua aldeia:
No dia 5 de outubro de 1944, escutamos o barulho de veículos que
chegavam da estrada. Não acreditávamos, parecia um sonho. Máquinas
com motor? Da minha janela, víamos os jipes estacionando ao lado da
322
casa.“Beautiful girls”, nos saudou um coro de jovens elegantes, sorridentes,
briosos e cheios de vida.
564
Na pesquisa italiana, fica evidente a mudança dos tempos que a chegada dos
aliados proporcionou a uma Itália que, durante décadas, sofrera o domínio de um
ideário fascista. A mulher, sob o jugo masculino dele, era considerada propriedade
sem nenhum direito. No novo cenário proporcionado pela guerra, houve um abreviar
das relações, que iniciou timidamente e foi crescendo, embora com dificuldades,
porque uma cultura delineada anos a fio pelo fascismo ainda criava barreiras
enormes por meio do cerceamento da liberdade feminina.
Os soldados que, na estação do verão italiano, mantiveram-se em barracas,
como ocorreu aos brasileiros e americanos, agora, na proximidade do inverno,
precisavam de melhores acomodações. Nesse aspecto, são ocupadas as
residências que a população em fuga havia deixado, bem como as cantinas, os
hotéis e restaurantes. O bombardeio cada vez mais pesado não permitia que os
soldados ficassem expostos. Portanto, em algumas situações, as famílias que
permaneceram em suas casas foram obrigadas a alojar os soldados que apareciam
às suas portas.
Também os italianos vivenciaram esses momentos. O diário de guerra do
morador Domenico Cassarini registra a situação da vila de Castiglione dei Pepoli,
quando as notícias sobre a chegada dos soldados aliados ao povoado fervilhavam
entre os parcos habitantes:
[...] 28 de outubro, péssimo dia. Pela manhã, a notícia que chegou do
comando aliado manifestava a intenção de que a cidade fosse evacuada
para que as casas fossem ocupadas pela tropa. Com eles (os habitantes),
aqueles que não haviam encontrado lugar para ficar (os retirantes) seriam
encaminhados para Arezzo. Na tarde do mesmo dia, a notícia é atenuada
no senso que em cada casa seria deixada um quarto para a família e a
cozinha. O restante seria ocupado pelos soldados.
565
A coabitação favorece o estabelecimento das relações de amizade, dando
oportunidade de a população civil prestar serviços aos aliados, seja nos armazéns
onde ficavam estocados os alimentos, ou trabalhando nas cozinhas e na
564
GAMBERINI, Caterina. Entrevista. Di qual à sel Savena, Rastignano Bolonha, 1996, apud DALLA
CASA, Brunella e PRETI, Alberto. La montagna e la Guerra: L’ Appennino Bolognese fra Reno e
Savena (1940-1945) Bolonha: Aspazia, 1999, p.343.
565
CASSARINI, Domenico. Passagio del front a Castiglione dei Pepoli 1944, apud DALLA CASA e
PRETI, op. cit., p. 344.
323
organização dos uniformes - que eram lavados e passados pelas mulheres italianas.
Tal situação ajudava a população a se abastecer de alimentos, de vestuário e de
calçados para seus familiares, porque a Itália, com tantos anos de guerra, nada
podia oferecer a esta população. Sem indústrias, não havia roupas, calçados,
alimentos e remédios para se comprar.
Com a permanência dos americanos na região de Porreta Terme, os soldados
organizaram clubes, que davam oportunidades à população de participar das
apresentações de músicas, onde todos podiam também dançar. Conseqüentemente,
se multiplicam os relacionamentos e as jovens são cortejadas, uma situação
inusitada para as mulheres, inclusive as casadas, que, por força da guerra, se
encontravam muito tempo longe dos seus maridos.
Foram muitos os casamentos realizados na fase em que os aliados
permaneceram em território italiano, mas é difícil uma estatística precisa do número
total dos matrimônios realizados. O que a pesquisa italiana revelou é que em apenas
3 casos ocorreram casamentos com os soldados oriundos do exército alemão,
sendo pelo menos dois deles provenientes da Thecoslováquia e Holanda,
incorporados depois à Wermacht.
O caminho percorrido pelos futuros nubentes não era fácil. Am da
burocracia militar, eram envolvidas as paróquias administradas pela igreja,
encarregadas de estudar os documentos dos candidatos ao matrimônio com as
mulheres italianas. Os documentos percorriam distâncias enormes e, nesse caso,
levavam-se meses para obtenção das respostas entre uma paróquia e outra.
324
FIGURA 9 – CENA DE UM CASAMENTO
FONTE: MIGNEMI (2000, p. 168)
Não se tem notícia no Brasil, com precisão, de quantos casamentos
ocorreram entre brasileiros e italianas. A burocracia do Exército também não
permitia que os soldados trouxessem suas noivas ou esposas. Muitos que se
casaram foram encontrar suas esposas quase um ano depois do término da
guerra.
Um desses casamentos, por exemplo, do cabo Gediel Gripp com a italiana Íris
Elme, foi muito atribulado. Ele a conheceu na comunidade de Casalecchio di Reno,
com a sua família de retirantes, em 1944. O casamento foi realizado a distância, no
dia 6 de julho de 1947. Ela, assistida por um padre, e ele, diante de um cartório
público no Rio de Janeiro. Somente dois anos depois de terminada a guerra, foi
quando ela pôde vir para o Rio de Janeiro juntar-se ao marido.
Em entrevista aos pesquisadores, Íris demonstrou o longo caminho percorrido
por ela e seu noivo brasileiro, antes do embarque da FEB para o Brasil. Recorda-se
de que, sabendo da presença de Zenóbio da Costa, comandante da Infantaria
Brasileira na cidade de Porreta Terme, resolveram acorrer à autoridade brasileira, na
tentativa da autorização para o casamento com Gediel. Segundo Íris, a receptividade
foi péssima, porque o comandante, além de proibir qualquer iniciativa por parte dos
noivos, mostrou-se frio durante as ponderações. Sabia-se também que os oficiais
eram autorizados a ratificar seus casamentos, como aconteceu ao tenente Glauco
325
de Castro e sua noiva Silvia Capitani, que se casaram em Gaggio Montano. O que
se percebe, então, é que a proibição do casamento valia apenas para os soldados
da tropa.
A caminhada da recém-casada Íris Elme com o brasileiro Gediel Gripp seria
digna de estar inscrita até em um grande romance. Como os documentos
demoraram a serem aceitos, porque a própria Embaixada Brasileira não fez questão
nenhuma de agilizar o processo dos nubentes, a comunicação entre o Brasil e a
Itália foi resolvida por cartas. Nesse aspecto, outro problema surgia para Íris, porque
não havia quem traduzisse as cartas enviadas por Gediel. Passados quase três
meses do recebimento da primeira carta, um professor da Universidade de Padova
se encarregou da tradução das missivas que foram chegando.
Íris Elme conseguiu consumar seu casamento somente em 1947, residindo na
cidade de Volta Redonda, até a morte do marido, em 1996.
Alguns casos aconteceram e não existem dados concretos sobre o número de
filhos italianos que nasceram e não tiveram o reconhecimento dos pais brasileiros. É
o caso da jovem Loretta, nascida em Granaglione, em 1945, local onde se fixaram
os soldados do Escalão. Do pouco que sabe sobre sua mãe, esta teria ficado
grávida no mês de abril de 1945, quando os brasileiros se retiraram da região por
ocasião da Ofensiva da Primavera.
No relato de Loretta, seu pai chamava-se Giuseppe (José). Sua mãe,
Ginevra, recebera do jovem brasileiro a promessa de casamento, mas com o término
da guerra e o retorno da FEB para o Brasil, perderam-se os contatos. Envergonhada
da própria sorte, Ginevra abandonou a família, deixando Loretta sob os cuidados
dos avós. Dirigiu-se para Milão, onde foi trabalhar em uma fábrica de roupas. Algum
tempo depois, morreu de uma infecção causada por peritonite.
Em entrevista concedida aos pesquisadores italianos, Loretta disse que seus
tios, que a criaram, tentaram, enquanto ela ainda era criança, procurar pelo pai
brasileiro, por meio do consulado brasileiro em Florença, mas o esforço foi em vão.
Quando perguntaram a ela se em algum tempo tivera vontade de conhecer o seu pai
brasileiro, ela respondeu que nada sabia dele e que nada queria saber. Também os
acontecimentos referentes à sua mãe continuavam na obscuridade.
566
566
BARBIERI, Remigio. Spose di Guerra, apud DELLA CASA e PRETI, op. cit., p. 357.
326
Dos poucos registros a que se tem acesso sobre o episódio das esposas
italianas que vieram ao Brasil para encontrar os maridos brasileiros, a história de
Rita da Silva pode ilustrar as dificuldades imensuráveis por que passaram essas
mulheres. Com uma história de infância muito sofrida, ela criou-se em um abrigo
para órfãos de guerra. Na juventude, conheceu o soldado João da Silva, no
acampamento brasileiro da retaguarda, em Staffoli. Com a assistência prestada aos
familiares, logo João tornou-se uma pessoa da casa. Como a guerra caminhasse
para o final, José fez menção do seu desejo de casar-se com Rita.
A desconfiança que os familiares de Rita tinham em relação ao soldado João
foi demonstrada por todos, principalmente por suas irmãs e parentes mais próximos,
não tanto pela pessoa de João, por quem todos tinham afeição, mas, segundo
relato de Rita, o receio era por concordarem que ela fosse para um mundo novo,
onde não conhecia ninguém e sabe-se Deus, se um dia poderia retornar à Itália.
567
Como a FEB iniciava, em agosto de 1945, a junção dos regimentos e os
preparativos do retorno ao Brasil, Rita e João trataram de agilizar o seu casamento.
Assim, saímos procurar um padre, também porque o tempo era pouco e
necessitava-se da licença do bispo. No dia 25 de agosto de 1944, pela
manhã, nos casamos na Igreja de Santa Cristina. Não tinha sequer um
vestido de noiva. Assim, organizamos um vestido comum: pegaram umas
flores de laranjeira e colocaram nos meus cabelos e assim eu e Giovanni
(João) subimos ao altar.
568
Os navios brasileiros não podiam trazer as esposas italianas. No mês de
agosto, os últimos soldados deixaram a Itália. Segundo Rita, momento de grande
tristeza e desespero. Somente no mês de outubro de 1945, o navio Pedro II estava
pronto para zarpar para o Brasil, conduzindo, entre outros passageiros, 54 mulheres
italianas que partiam para o encontro dos seus maridos brasileiros. Rita recorda
muito bem desse dia.
Nos despedimos de nossos entes queridos. Um pranto convulsivo tomava
conta do meu ser. Eu parecia viver um sonho irreal. Beijos, abraços,
recomendações e o coração batendo forte. Não lembrava mais de quem eu
567
GUALANDI, Fabio. Rita da Silva um silêncio que durou 50 anos. Gente di Gaggio - Storia e
Luoghi d’Appennino, nº 15. Gaggio Montano (BO) Itália, 1997.
568
Ibid., p.58.
327
havia me despedido, eu olhava a amada terra e procurava imaginar como
seria aquele mundo novo.
569
No relato de Rita, é possível imaginar o que se passava na cabeça dessas
jovens italianas. Nenhuma tinha muita certeza do próprio destino. Desconhecendo a
língua portuguesa, muitas se perguntavam se os esposos as estariam esperando no
porto. Após 20 dias de viagem, o navio chegou ao Rio de Janeiro. A alegria se
estampava em cada rosto, quando da chegada de cada companheiro. Rita confessa
ter sentido inicialmente um grande pavor, quando todos os viajantes, já em posse de
suas bagagens se retiravam e João não chegava. Confusa, sem saber o que fazer,
mas muito religiosa, fez uma prece e buscou ficar tranqüila. Eis que um jipe se
aproximou do cais do porto, era seu marido. Este dia ela jamais esqueceu, era 30 de
outubro de 1945. Os primeiros tempos não foram fáceis, relatou Rita: “Como a FEB
não existia mais, havia sido desmobilizada mal os navios chegaram ao Brasil, os
soldados foram abandonados à própria sorte. Empregos eram raros e os dois
acabaram partindo para Recife, onde residem até hoje”.
570
Vários diários dos pracinhas fazem menção às belas garotas e eternas
amadas. O sargento Miguel Pereira deixou seu testemunho gravado, hoje
transformado em um livro biográfico editado após a sua morte, em 2003. Ele
conheceu Giuliana Menichini em Pistóia, quando chegou junto à companhia de
comunicações. A jovem tinha 16 anos e recorda como foi o primeiro contato com os
soldados brasileiros.
Não me lembro quantos chegaram às casas onde moravam e faziam
pequenas festas. A dona de uma casa convidou todas as moças: “vamos,...
são legais” - a gente era suspeitosa porque tinha histórias feias a respeito”.
Ainda segundo Giuliana, “aí, chegou o amor, mas não foi um relâmpago, e
sim uma coisa muito sossegada. Ele era muito gentil, uma pessoa na qual
logo se queria bem.
571
A narrativa de Giuliana prossegue falando sobre seu noivado com Miguel
Pereira em junho de 1945. “Ele tinha intenção de permanecer na Itália após a guerra
e ficar encarregado pela administração do Cemitério de Pistóia local onde
569
GUALANDI, op. cit., p. 58.
570
Id.
571
INNOCENT, op. cit., p. 234.
328
permaneceram por muitos anos os brasileiros mortos em combate”.
572
Mais tarde,
isso se tornou realidade: Miguel organizou e cuidou do campo santo brasileiro, papel
que exerceu até a sua morte.
4.6.2 As Vilas: as famílias e a figura da mamma, laços de amizade que se
fortificaram
Vivenciar o cotidiano das famílias italianas, foi algo que os combatentes
brasileiros não esperavam. Nos relatos deixados, seja nos diários, nos testemunhos
ou crônicas, as histórias foram inscritas, eram muitas vezes detalhes simples,
amenidades do dia a dia. As cenas que ficaram congeladas na memória, insistiam
em recordar nomes de pessoas e lugares, era como trazer o tempo de volta. No rol
dessas lembranças, surgem as donas de casa, as mais idosas carinhosamente
chamadas de mamma, os homens mais velhos eram os nonos, que lembravam
muito os avós que haviam ficado no Brasil, as belas jovens não foram esquecidas,
mas havia também as crianças, que na inocência da tenra idade, quebravam
qualquer hierarquia na aproximação dos soldados. Eram pessoas muito simples que,
mesmo sob os fortes bombardeios, o deixaram esvanecer a necessidade de estar
juntos, de preparar a comida, de sentar-se à mesa, propiciando uma atmosfera
familiar do qual o soldado brasileiro soube compartilhar.
Embora a guerra obrigasse o soldado a viver como itinerante, as lembranças
ficaram retidas e se reportam aos pequenos vilarejos abandonados à própria sorte,
onde muitas vezes a chegada de uma companhia inteira, cerca de 150 homens,
poderia significar a redenção para quem precisava de tudo. Que motivação de júbilo
para os habitantes, acima de tudo a sobrevivência em dias tão amargos. Alimentos,
roupas e remédios seriam distribuídos, trazendo um alento para os dias tão
conturbados.
Era o caminho da normalidade, do fim do caos provocado pelo esfacelamento
do conquistador alemão, das execuções sumárias, da aragem de liberdade
esperada tantos anos. Mas, ao mesmo tempo, a guerra incutira nas
mentalidades, o medo extensivo a qualquer estranho que se aproximasse.ao
vilarejo, ou à sua casa. Ao receber os novos ocupantes, soldados de outras
572
INNOCENT, op. cit., p. 234.
329
nacionalidades, a desconfiança brotava a cada gesto ou palavra, denotando aos
recém-chegados o estado lamentável em que se encontrava a população.
Os brasileiros passaram por muitas aldeias e casas pelos caminhos, onde
teimosamente a população permaneceu, pagando caro pela insistência. Geralmente,
o comando ocupava as casas e passava a coabitar com os donos da residência. A
convivência era pacífica. São raros os casos registrados que mostram o contrário.
No caos que emerge da guerra, as pessoas se unem e os gestos de solidariedade
são conseqüentes e praticados de forma natural entre brasileiros e italianos. Muita
dessa solidariedade foi digna de nota e, por esse motivo, ficou inscrita nas
memórias.
Rubem Braga, correspondente de guerra e jornalista do Diário Carioca,
registrou muitas das passagens, com descrições tão nítidas que reportam o leitor ao
cenário presenciado. Era comum, como explica Braga, o front estar logo ali e as
casas tomadas pelos novos inquilinos transformarem-se em quartéis generais. Pelas
dependências da casa, se misturavam armamentos e equipamentos dos soldados.
As camas provisórias, organizadas com cobertores, davam idéia do número dos
ocupantes. Os mapas, espalhados sobre sacaria de batatas, indicavam um
manuseio constante dos que preparavam as missões. Das panelas no fogão de
lenha exalava o aroma agradável do alimento que estava sendo preparado e que
seria servido a todos mais tarde. Tal situação trazia lembranças de casa, momentos
raros de paz para quem enfrentava uma guerra. O calor irradiado pelo fogão era um
convite para se aproximar, servindo de aquecedor para os usuários. Ao do fogo,
os pracinhas se aqueciam do frio rigoroso que vinha despontando, e, de maneira
trivial, se desenvolviam longas conversas, com os brasileiros usando um arremedo
do italiano, mas todos se entendendo. Para os italianos, essa conversa informal,
recheada de banalidades, significava chiacherare, ou seja, jogar conversa fora.
A chegada dos brasileiros significava, para muitas famílias, uma alimentação
mais farta. Nos tempos apertados da guerra, segundo os moradores das vilas, em
suas narrativas, mesmo nas montanhas de pedras como nos Appenninos, sempre
havia um pouco de terra, que era bastante valorizada. Era possível aproveitar os
frutos das castanheiras, que nasciam espontaneamente, com os quais se fazia a
farinha, que as mammas (mães) utilizavam no fabrico de tortas e pães. As
castanheiras tinham de ser muito bem protegidas, porque a fina camada de terra
330
sobre a pedra facilitava a erosão. Para protegê-las, os italianos construíam os
corredores de pedra, que serviam tamm de divisores das propriedades. As casas
feitas de pedra constituíam um estilo próprio que os italianos haviam herdado dos
seus parentes ao longo dos tempos. Cultivava-se a batata, da espécie lisa e dura.
Os animais eram criados no quintal: galinhas, porcos, gansos, carneiros. Mas, com a
passagem dos alemães por essas aldeias, de repente, a população se viu destituída
dos produtos essenciais, que foram levados, restando à população poucas chances
de enfrentar o inverno de 1944.
O relacionamento dos brasileiros com os habitantes das casas era algo que ia
acontecendo paulatinamente. O sargento Ítalo Diogo, que embarcou para a Itália
junto ao Regimento de Infantaria, deixou em seu diário registrada a passagem
pelo pequeno lugarejo que se chamava Fabricche, quando cada pelotão ia em busca
de um lugar para pernoitar. Ítalo foi acolhido pela família da senhora Zaira que
aquela noite preparou para o seu grupo algumas castanhas assadas. No dia
seguinte, como registrou em seu diário a 6 de outubro de 1944, acabou aderindo ao
grupo de moradores que fariam uma incursão aos campos em busca de
castanheiras.
Depois de mais de 4 horas de caminhada, o meu grupo chegou a
Campolemisi. Encontramos a cidade praticamente vazia, porque todos
estavam nos bosques à procura de castanhas. Era necessário abastecer as
cozinhas, antes da chegada do inverno.
573
Geralmente, os soldados brasileiros eram bem-vindos e o sargento Ítalo, em
sua narrativa, destaca a recepção dos proprietários da casa onde ele permaneceu
em Campolemisi: “A dona da casa é uma senhora muito boa, chamada dona Rose.
Tomei logo amizade por todos, porque me trataram como um filho da casa. Passei a
dormir numa cama de casal no segundo andar”.
574
Os costumes brasileiros
coadunavam com o jeito de ser das famílias italianas, principalmente as do sul do
Brasil. Nas noites frias italianas, a conversa à beira do fogão transformava-se em
uma rotina que era muito apreciada.
Lá, as conversas giravam sobre as famílias brasileiras e estas eram alvo da
curiosidade dos italianos, que queriam saber muito sobre a terra brasileira, sobre os
573
TAVARES, op. cit., 2005, p. 60.
574
Id.
331
costumes, sobre os pais dos soldados, sobre os que eram casados, sobre as
esposas e seus filhos. Nas noites frias, na cozinha das casas, a vida prosseguia
para brasileiros e italianos a contarem suas histórias, que se reportavam aos
ausentes, aos mortos na guerra, ao dilaceramento da falia italiana. Por outro lado,
os brasileiros falavam sobre suas famílias, sobre as vivências nos campos e nas
cidades e sobre a grandiosidade da pátria brasileira. As castanhas constituíam o
ritual diário oferecido aos visitantes e soavam como: sejam bem-vindos, justamente
daqueles que não tinham muito para oferecer. A variedade oferecida era grande:
umas tinham o sabor um pouco acentuado e não apeteciam o paladar dos
brasileiros. Dentre as mais apreciadas estavam as de qualidade balote, monaline e
borgatelli.
Também as moças das aldeias faziam parte do ciclo de amizades e muitos
diários destacam este convívio. Ítalo ressalta em seu diário a pessoa de Ana, uma
jovem de 17 anos, muito bonita.
Devia ter 1,50m de altura, olhos grandes e pretos, cabelos pretos e
ondulados. Sua voz parecia um gorjeio. De vez em quando, ia com ela e a
família colher castanhas. Porém, passava a maior parte do tempo
conversando do que propriamente trabalhando.
575
A vida social era uma necessidade entre os jovens soldados, mesmo na zona
limítrofe do perigo, onde as missões delineadas eram executadas. Nessa
perspectiva, buscavam os soldados o prazer da companhia das famílias e das
jovens da localidade. Algumas aldeias, fora do alcance da artilharia inimiga,
promoviam os bailinhos caseiros, que eram muito apreciados. Ítalo relata ter
participado de vários desses encontros durante o mês de outubro de 1944. Na idade
em que ascendiam as paixões, as namoradas o citadas diversas vezes nos
testemunhos dos soldados. No caso do sargento Ítalo, duas italianas marcaram os
tempos de juventude na guerra. A primeira era Ana, que ele deixou na cidade de
Campolemisi, e a outra se chamava Adriana, que residia na pequena vila de
Fabbriche.
As visitas às famílias faziam parte do ciclo social, aproximavam as pessoas. A
rede familiar italiana, constituída por tios, tias, primos, avós era apresentada aos
visitantes, selando votos de confiança e amizade, que, em muitos casos, perduraram
575
TAVARES, op. cit., 2005, p. 60.
332
mesmo depois da guerra. Os familiares ofereciam seu melhor vinho e queijo, que
guardavam parcimoniosamente, com receio de uma investida dos alemães. Ítalo
recorda a visita à casa dos avós de Adriana, que moravam próximo a Fabbriche, nos
morros não muito distantes, no povoado chamado Bovite. Segundo Ítalo, foi muito
bem recebido. A vida fugaz do soldado tinha de ser aproveitada ao máximo. Os
deslocamentos eram constantes e nunca havia a certeza de um dia poder retornar a
esses lugares.
As oportunidades de aproximação do soldado com a população civil ocorriam
também durante as dispensas para descanso, quando podiam sair da rotina dos
acampamentos ou das unidades militares em que se encontravam na frente de
combate. O primeiro tenente Ruy Fonseca recorda que, durante a sua passagem
pelo acampamento de San Rossore, visitando Pisa, no dia 22 de outubro de 1944,
ao olhar o estrago que os bombardeios haviam ocasionado à cidade, refletiu sobre
os combates que ali foram travados e pensou: “E dentro das casas? E por trás
daquelas ruínas, quantos dramas vividos... pobre povo italiano e pobre Itália, o berço
da civilização latina”. O passeio solitário de Ruy pela cidade o conduziu até um bar
bastante freqüentado. Notou que pelas calçadas havia muita gente, principalmente
moças. Ao cruzar com um grupo de garotas, uma delas se dirigiu a ele:
Brasiliano? - Si - respondi no meu incipiente italiano,... reforçando a
resposta, mostrando-lhe o distintivo com a palavra ‘Brasil‘ no meu braço.
Credevo che sarebbe um tedesco
576
disse uma delas - Entendi a piada,
que já tinha ouvido em Nápoles por causa do uniforme verde-oliva.
577
Dos acampamentos às aldeias e pracinhas das cidades, o convívio com as
pessoas ia se tornando usual. Ruy recorda de que a roupa para lavar não se tornava
um problema muito sério para quem estava na retaguarda. As lavadeiras eram
muitas. Nesse aspecto, os soldados não se apertavam. As mulheres italianas
chamavam este tipo de prestação de serviço de da lavare”. A lavagem dos panini
incluía de tudo um pouco, ou seja, a roupa de baixo, toalhas e camisetas, e tinha um
preço módico para os soldados, que podia ser constituído por cigarros ou por uma
576
N.A.: Acreditava que você fosse um alemão. A colocação da jovem procede, porque a cor do
uniforme dos soldados brasileiros era idêntica dos soldados alemães, criando em vários lugares muita
confusão. FONSECA, op. cit., p. 92.
577
Id.
333
scatolleta
578
, que servia tanto para alimentar a família, como no mercado negro
virava dinheiro, tão necessário nesta fase.
Em novembro de 1944, Ruy e seus companheiros ocupavam uma casa de
contadini
579
. Os donos haviam permanecido no local e dividiam com os recém-
chegados os cômodos da casa.
Eles nos acolheram com simpatia e amizade. A família nos agrada muito e
participa das nossas refeições, com a mesa posta e tudo. Mas logo que
começa o bombardeio, eles somem, vão para a cantina, uma espécie de
adega abaixo do nível do solo, e lá ficam quietos rezando.
580
Também o diário de Miguel Pereira destaca as primeiras impressões que as
famílias italianas deixaram, quando os soldados passaram pelos povoados de Riola,
Montese e Gaggio Montano. As suas anotações dizem sempre da cordialidade
nesses encontros: “As famílias nos acolhiam, não falávamos italiano, mas trazíamos
coisas que tínhamos: leite, pão excelente, muita carne de peru, que nos davam a
cada dia”. Nos dias frios, recebidos nas cozinhas das casas, os brasileiros juntavam-
se aos proprietários para aquecerem-se nas lareiras.
Em Gaggio Montano, quando os soldados se preparavam para atacar o
Monte Castello, Miguel Pereira disse ter chegado à casa do senhor Marchioni, que,
dias antes, havia perdido o filho fuzilado pelos alemães. A sua esposa chamava-se
Pia. Ainda ressentidos pela perda violenta, receberam os brasileiros com o maior
carinho. Muito comovida, a dona da casa chamava Miguel de “meu filho” e, apontado
para o quarto que ficava ao lado da sala principal, disse-lhe “este era o quarto do
meu filho que morreu há poucos dias, você pode dormir na cama dele”.
581
Segundo o testemunho de Miguel Pereira, os brasileiros deixaram na região,
em particular em Pistóia, uma imagem de muito calor e humanidade, por não
utilizarem o comportamento nem as prerrogativas de uma força de ocupação, por
não oprimirem as famílias. Ainda, em suas lembranças, escreveu:
578
N.A.: Scatoletta eram caixas de ração, que continham produtos necessários para alimentação em
frente de combate. Podiam conter: queijo, presunto, bolacha, chocolate, cigarro ou carne enlatada.
579
N.A.: Os contadini eram os lavradores que habitavam o interior da Itália.Os grupos eram
constiuidos por pessoas muito simples, logo cativaram os soldados brasileiros e são destacados em
muitas lembranças.
580
FONSECA, op. cit., p. 101.
581
INNOCENT, op. cit., p. 232.
334
A guerra não é como a gente acha, a gente combatia por duas semanas e
depois tinha dez dias de folga. Terminada as duas semanas, a gente vinha
para Florença, Pistóia ou Pisa, para descansar, era obrigatório. Minha
primeira folga foi em Pistóia. Vi esta loirinha na janela, minha esposa era
lindérrima (referindo-se a Giuliana).
582
A longa permanência fora de casa, para os soldados, foi uma experiência
inusitada. A vida monótona nos acampamentos, a situação de dormir muito mal nas
barracas, sentir o outono italiano, as chuvas que inundavam tudo, praticar exaustivos
exercícios, conhecer novos armamentos, e a falta de notícias do Brasil provocavam
nos jovens soldados o desejo enorme de sair dessa conjuntura. Não é possível
esquecer a idade da maioria dos soldados brasileiros, todos com cerca de 20 anos,
a idade da curiosidade e dos desafios, principalmente para aqueles que eram
provenientes da zona rural e viam, mesmo na passagem das cidades italianas
destruídas pela guerra, uma possibilidade de conhecer um mundo diferente do seu,
que havia ficado para trás. Tudo tinha também um sabor de aventura para esses
rapazes.
Muitos, no contato com as famílias italianas, buscavam lembrar dos parentes
que haviam ficado no Brasil. Neste sentido, buscavam uma aproximação das
crianças carinhosamente, principalmente os que eram casados.
O diário do tenente Ruy Fonseca retrata, muito dos seus contatos com as
famílias italianas, ao tempo em que deixava transparecer muita tristeza. Ele havia
perdido a esposa um pouco antes da participação do Brasil na guerra e, na situação
de viúvo, havia deixado dois filhos pequenos com os familiares, ao embarcar no
Escalão da FEB Pessoa muito sensível e religiosa, constantemente faz menção às
missas a que assistia, e, nessas condições, com mais experiência, longe da Pátria e
dos filhos, transpassa nos escritos, o sensível relacionamento com as famílias
italianas com quem conviveu.
Em novembro de 1944, se encontrava no acampamento de Filitolle, próximo à
cidade de Lucca, onde ficava o quartel general de Mark Clark, segundo Ruy, o
marco zero da entrada do seu grupamento na guerra, que fora marcado pelo
desconforto das chuvas. Para os tenentes, como ele, cabia a missão de controlar o
andamento do cotidiano do local, entre as pessoas que ali circulavam, no caso,
centenas e milhares de homens. Do lado de fora, circulavam também famílias
582
INNOCENT, op. cit., p. 234.
335
italianas, em busca de algo que pudesse ser revertido em benefício da
sobrevivência. Procuravam por cigarros, caixas de ração, ou qualquer outra coisa
que pudessem carregar. Também apareciam as signorinas, que desejavam far l
amore com gli brasiliani che sonno tutti buona gente.
583
No policiamento que os brasileiros faziam às cidades próximas aos
acampamentos, Ruy não deixa de registrar, em Vecchiano, o que ia no seu coração:
[...] meu pensamento escapa e me transporta para o Brasil, a pátria que
agora sei que amo. Recordo-me dos dias felizes que passei com minha
querida morta e meus queridinhos. Recuo mais no passado e vejo meus
pais e meu irmão, bem como todos os percalços que enfrentei e venci. E,
eis o que conquistei, sou um candidato a carne para canhão.
584
Muitos brasileiros, assim como Ruy, diante dos acontecimentos que iam
vivenciando em território italiano, tinham a mesma perspectiva em relação à
participação brasileira na guerra e registraram com veemência suas críticas. Elas
tinham não somente o teor de desabafo, mas apontavam para uma reflexão mais
apurada, como um balanço da participação brasileira na guerra, de quem percebia
pouca perspectiva de reconhecimento do esforço realizado pela FEB.
As críticas diziam respeito às fragilidades dos preparativos da FEB para
embarcar para a Itália e ao pouco adestramento dos soldados, tanto no Brasil como
na Itália, o que provocou a sensação de os soldados não estarem preparados para o
enfrentamento de grande porte, diante de uma máquina de guerra sofisticada para a
época e de um inimigo aguerrido. Esta crítica aparece em muitos depoimentos,
principalmente entre os oficiais e soldados que possuíam um melhor nível cultural.
Do cotidiano dos soldados brasileiros, as cartas que iam e vinham foram
consideradas como os momentos mais prazerosos da FEB, pela expectativa que
elas criavam. Tal manifestação é possível ser observada em rios diários. No caso
do tenente Ruy, embora estivesse na Itália, desde setembro de 1944, somente no
dia 8 de novembro teve notícias dos familiares.
Recebi as primeiras cartas de casa: três. Minhas mãos tremiam ao apanhá-
las. Abri primeiro a da minha e. Cartas devem ser todas iguais, porque
todas amam seus filhos, do mesmo modo, saudade, recomendações,
583
N.A. Em italiano: ‘Que desejavam fazer amor com os brasileiros que eram tudo ‘boa gente’, esta
última é um expressão italiana, usual, para referir-se a uma pessoa de boa índole. Pela aproximação
dos italianos e brasileiros durante a guerra, acabou por ser incorporada aos diálogos de referência.
584
FONSECA, op. cit..
336
cuidados, notícias, tudo nessa ordem. Li e reli, primeiro com pressa, depois
mais devagar, depois lentamente, nas entrelinhas, algo que pudesse conter.
A segunda do meu ex-sogro, dava notícias dos meus filhos, dos parentes
em geral. A última, finalmente, consistia em uma folha de papel cheia de
desenhos e garatujas e desenhos de meus queridos: barquinhos, casas,
bandeiras, e, por baixo de tudo, alguém guiara-lhes as mãozinhas para
escreverem a palavra ‘papai’.
585
Muitas vezes, o serviço do correio atrasava a entrega da correspondência aos
soldados, o que acarretava momentos instigantes, porque, além desse problema, às
vezes as cartas mais recentes eram entregues antes das mais antigas. Por essa
razão, as notícias tinham de ser entendidas como um quebra-cabeça.
Francis Hallawell, correspondente da B.B.C., durante o período em que
permaneceu entre os brasileiros, fez uma estatística sobre a maneira como os
soldados se correspondiam com seus familiares. Segundo seu levantamento, o meio
mais utilizado era o telegrama, que custava torno de 60 liras, ou seja, em torno de 12
cruzeiros. Essas mensagens versavam sobre os seguintes assuntos:
correspondência, saudações de Natal, Ano Novo, saúde, promoção, dinheiro,
felicitações e outros. Como havia censura prévia, dispunha-se de 124 frases prontas,
dentre as quais o remetente podia escolher três para dar o recado que desejava. É
possível imaginar a confusão que muitas das frases prontas acarretavam. O
remetente, no balcão do correio, indicava o número da palavra. Hipoteticamente,
quem pretendia mandar um recado dizendo que estava bem de saúde e desejando
feliz Natal: saúde (22), cidade (20), Natal (32). Os números fornecidos eram
deixados com o telegrafista, que, por conta e risco, juntava os números. Como as
mensagens chegavam ao Brasil? É possível imaginar.
Tal serviço não agradava ao usuário, mas era algo que podia ser feito, na
ânsia de manter contato com os familiares. Frases cifradas, escolhidas às pressas,
pelo numero indicado, não correspondiam exatamente ao que se queria dizer e
talvez não fossem compreendidas por quem as recebeu.
Se telegrama era um meio lento de levar as notícias até as casas, as cartas,
por sua vez, tinham uma demora muito superior. Segundo muitos, levavam de vinte
dias a um mês para chegar ao destino. Mas nada se igualava, segundo os
combatentes, ao momento da chegada do correio até um acampamento. Para quem
estava na retaguarda, ou para os que estavam na zona limítrofe do inimigo, de
585
FONSECA, op. cit., p. 77.
337
acordo com Francis Hallawell em suas observações, a frase mágica, ‘chegou o
correio’, criava entre os homens uma aura contagiante de alegria ou de tristeza: “é
uma frase que mobiliza mais gente que qualquer ordem de general aliado ou
inimigo. A cara do sujeito que não recebe carta nesse dia é de naufrágio. O sujeito
se sente abandonado em uma ilha deserta”. Outros, mais entusiasmados, lêem suas
cartas para os que estão mais próximos, piorando a situação daquele que nada
recebe.
586
As cartas, geralmente eram postadas nos envelopes do correio brasileiro,
facilmente identificados, pelas bordas verde-amarela, ainda hoje, no mesmo padrão,
mas identificados naquela época pelo carimbo impresso no verso: Serviço Postal da
Força Expedicionária Brasileira – FEB.
As cartas dos familiares que estavam no Brasil, constituíam motivo de grande
felicidade para os filhos e, geralmente, enfocavam recomendações, principalmente
das mães, mostrando sentimentos de grande esperança pelo retorno do ente
querido. Durante todo o período da guerra, o sargento Odayr da Costa Andrade, de
Curitiba, que havia partido para a guerra no quinto escalão da FEB em fevereiro de
1945, manteve correspondência constante com sua mãe, cujas cartas guardou ao
longo dos anos, perfazendo uma coletânea de 31 exemplares. Em todas elas,
percebe-se o carinho devotado ao filho, as preces dirigidas aos santos protetores, as
recomendações sobre os cuidados com a saúde e as notícias dos irmãos, parentes
e amigos que haviam ficado em Curitiba.
Meu saudoso filho Odayr. Que ao terminar o ano de 1944, sejas feliz e no
próximo de 1945 seja mais feliz em estar em nossa companhia e que
venhas vitorioso e satisfeito de ter sabido defender a nossa pátria com
bravura. Que Deus te proteja e te faça muito e muito feliz, porque merece
como bom filho e amigo de sua mãe. O meu começo de ano será voltado
para e para o teu retrato do qual o deixo um momento de olhar e
beijar que não posso fazer diretamente, mas tenho a certeza que me
sentes sempre junto de você, porque sempre estou imaginando o que
estará se passando. Tenha fé em nossa senhora do Rosário que logo
estarás de volta, para então podermos dar graças a ela por tão grande
milagre.
587
Em razão da censura, as cartas chegavam cortadas e, muitas vezes, quem as
recebia era obrigado a tentar organizar o jogo das palavras que levasse a uma
586
HALLAWELL, Francis, apud BRAGA, op. cit., pp. 61-62.
587
ANDRADE, Argentina. Carta. Curitiba, 31 de dezembro de 1944.
338
compreensão. Todos eram instruídos a não citar os lugares onde se encontravam,
até por uma questão de segurança do próprio remetente. Isto valia para as cartas
que saíam da Itália. As cartas que iam do Brasil para a Itália eram abertas pela
censura, mas não sofriam o corte radical como as que eram enviadas pelos
soldados.
O tenente médico Massaki Udiharam, cujo grupamento, nesta fase, estaria
nas proximidades de Granaglione, trata desta questão em seu diário: “Ontem recebi
3 cartas. Hoje, 6. Essas cartas servirão depois para evidenciar o serviço da nossa
censura. Um trabalho que não só causa nojo, como revolta”.
588
As cartas chegavam
todas esburacadas, como uma “rede”. Na visão de Udihara, eram cortadas coisas
insignificantes como datas, nomes de pessoas, locais, citações de comemorações
escolares, dentre outras. “Tem-se a impressão de que tudo que lhes desagrada é
cortado”.
589
As críticas de Udihara procedem, porque muitos reclamavam da mesma
situação. Em certos casos, como contam os combatentes, havia mesmo um exagero
da parte dos censores. O tenente Ruy Fonseca, no dia 13 de janeiro de 1945, faz
referência a essa situação entre os companheiros. “Recebi diversas cartas, sendo
duas da minha mãe, e por isso estou contente e feliz, tanto quanto se pode estar
aqui. Tamm muitos soldados do pelotão receberam correspondências e é bom,
quando todos estão eufóricos e alegres”.
590
E, na continuidade do registro, escreve:
[...] como não há felicidade completa, alguns receberam as cartas com
recortes da censura e, é claro, não gostaram e xingaram os censores do
Serviço Postal da FEB dos piores nomes em português e italiano. É preciso
explicar-lhes que eles, da censura, tem um dever a cumprir. É o que faço,
sem muita convicção.
591
Apesar dos contratempos dos recrutas com os telegramas que saíam da
Itália, das cartas que demoravam mais de um mês para chegar ao destinatário, ou
das que vinham como uma “rede”, cheias de furos por obra da censura, como disse
o tenente Udihara, esse era o momento mais feliz para os soldados brasileiros.
Como era bom ser lembrado, sentir-se querido pela família, parentes e amigos. Nos
depoimentos, nada se iguala a essa alegria interior, vivenciada por muitos
588
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 127.
589
Id.
590
FONSECA, op. cit.,p. 117.
591
Id.
339
combatentes. Era como estar junto dos entes queridos novamente, sentir a pátria já
não tão distante e ter esperanças do breve retorno.
4.6.3 O pracinha velho de guerra enfrenta a neve
COM OS PÉS GELADOS
Que culpa tenho eu de ter nascido
Em terra cuja lua é reluzente?
Que culpa tenho eu de ter vivido
Em pátria cujo sol é tão ardente?
Que culpa tenho então de haver mudado
O rótulo do paradeiro?
Não sou acaso um nobre e bom soldado,
Não sou, por certo, um simples brasileiro?
Saudades hei de ter da minha terra.
Saudades hei de ter do seu calor
Nos dias que vivemos nessa serra.
O que porém, não gosto é deste frio...
Não sou nem ‘pingüim’ nem ‘urso branco’
Eu sou da terra quente, eu sou do Rio.
Zé Carioca.
592
Os soldados brasileiros provenientes do 1º e escalões que chegaram à
Itália, de início, vivenciaram um clima melhor: o verão estava no final e o outono
havia se pronunciado com muita chuva e muito frio, o que aumentava a expectativa
em relação ao inverno que se aproximava já no final do mês de novembro.
O terceiro Escalão da FEB, recém-chegado no início do mês dezembro,
encontrara temperaturas nunca vistas no Brasil. Em função da experiência adquirida
pelos escalões anteriores, esses homens mostravam maior organização: as
barracas de lona verde não estavam plantadas no chão, mas sim suspensas, como
toldos em cabanas de madeira, assoalhadas e forradas de papelão. As barracas
eram para dez homens; as camas, construídas sob giraus armados, buscavam
trazer um pouco mais de conforto para os homens, que, aos poucos, iam se
organizando contra o frio que prometia ser rigoroso.
Improvisavam-se aquecedores com latas de gasolina e chaminés eram
armadas com latinhas de comida. Cada qual tentava tornar o seu ambiente melhor.
O campo de instrução ficava nas proximidades e um cinema dentro do
592
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL, primeiro de fevereiro de 1945.
340
acampamento distraía o pessoal passando filmes educativos. Deste acampamento,
partiriam as patrulhas que formavam uma nova modalidade de combate, justamente
no período em que o front ia permanecer estacionado e os carros de combate não
conseguiam subir as montanhas pela lama que se formara nos caminhos e, mais
tarde, pelo acúmulo de neve que impedia a passagem.
Segundo registros, as temperaturas ficaram em torno de 17 graus abaixo de
zero. O reforço dos uniformes para tão baixas temperaturas veio dos americanos,
que assistiam não apenas à tropa brasileira, mas também aos diversos grupamentos
norte-americanos. Os brasileiros utilizavam o uniforme de que haviam trazido do
Brasil. Nos pés, usavam, além do combat boot, uma bota de couro reforçada - uma
galocha de borracha para impedir a umidade nos pés -, e, como agasalho, a field
jacket - a jaqueta de campo, que era impermeável e forrada com lã, protegendo os
recrutas das intempéries, principalmente quando os homens se expunham em tempo
aberto.
Na cabeça, geralmente, por baixo do capacete, usavam-se gorros de lã ou de
pele astrakan, que protegiam a cabeça, orelhas e rosto. Muitos desses acessórios
invernais foram enviados pelas famílias brasileiras e especialmente pelas madrinhas
de guerra. As luvas de verde-oliva, ou de couro, protegiam os dedos contra o
congelamento. As fotografias da época revelam um pouco da miscelânea dos
uniformes dos brasileiros na época. Embora os oficiais tentassem padronizar o
uniforme de inverno, muitos se protegiam a seu modo. Os flocos de neve
começaram a cair em abundância, no final de dezembro de 1944, e mostravam uma
paisagem diferente para esses homens.
Os jornais do Rio de Janeiro davam informações sobre as condições do
terreno onde combatiam os brasileiros nesta fase do inverno. Embora houvesse um
sigilo sobre a localização das tropas, o correspondente de guerra Henry Bagley, da
A.P., com ramificações nos jornais cariocas, destacava o front inóspito para os
americanos e brasileiros localizados nas proximidades de Bolonha. A manchete de
capa ‘Sob a neve, a chuva e a lama’, dizia respeito ao difícil terreno onde a FEB
estava combatendo. Tratava-se dos Apeninos, a 32 quilômetros de Bolonha, quando
a tropa brasileira estava estacionada na cidade de Porreta Terme. O correspondente
Bagley chama a atenção para algo que, segundo ele, era uma temeridade: ”Não há
341
dúvida de que os alemães conhecem as novas posições brasileiras”.
593
Ao noticiar tais informações, os jornais criaram muita apreensão entre os
familiares no Brasil. Na dificuldade de aguardar as cartas provenientes da Itália, quer
seja pela censura, quer seja pela demora dos correios, muitos buscavam as
informações pela imprensa. Esta era a preocupação de D. Argentina, mãe do
sargento Odayr, em uma das suas missivas enviadas no mês de novembro de 1944,
na sua 31ª carta: “Tenho acompanhado tudo pelos jornais do Rio que tenho
comprado, porque a assinatura só vem do dia primeiro em diante”.
594
Nos diários, sempre um destaque para o momento das primeiras
nevascas. O sargento Edgard Eckert registra esse instante quando ainda se
encontrava na cidade de Porreta Terme: “O dia amanheceu chovendo levemente.
Não tardou, a chuva transformou-se em neve. Belo espetáculo! Nevava com tanta
intensidade que, em poucas horas, o tapete de neve sobre a terra atingia meio metro
de espessura”.
595
Para sair nas patrulhas, havia também a preocupação de se
proteger dos atiradores de elite alemães. Neste caso, os soldados usavam um
abrigo de camuflagem branco com capuz que se sobrepunha ao capacete. Os
combat-boot foram deixados de lado, porque, com o uso das meias grossas,
apertavam muito os pés e podiam ocasionar o chamado “pé de trincheira”.
596
O soldado Joaquim Silveira lembra também do dia em que os uniformes de
inverno foram distribuídos:
Era deveras engraçado ver aquela moçada de luvas, uns andavam de
dedos abertos, outros não as tiravam nem para tomar sopa e, por fim, houve
um grupo mais reduzido que gostou tanto das luvas, achando-as tão bonitas
que resolveu não usá-las. Foram guardadas religiosamente.
597
593
A NOITE, Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1945.
594
ANDRADE, op. cit..
595
ECKERT, op. cit., p. 145.
596
N.A.: de trincheira era um mal físico que acometia o soldado. Tal fenômeno ocorreu tanto ao
soldado brasileiro, como ao norte-americano. Como o combat boot apertava muito os dedos dos pés,
havia o grande perigo do congelamento dos dedos, por falta de circulação. Tal situação tirava o
soldado da frente de combate, o mesmo era obrigado baixar hospital e amputar o membro ofendido.
Esse soldado o retornava mais à frente de combate. Os brasileiros, usando de criatividade,
aboliram a bota que asfixiava os dedos, passaram a utilizar mais a galocha, que era preenchida por
dentro com capim ou pedaços de tecido, garantindo assim a mobilidade dos dedos e mantendo os
pés aquecidos, sem o pé de trincheira.
597
SILVEIRA, Joaquim Xavier da. Cruzes Brancas: o diário de um pracinha. Rio de Janeiro: José
Álvaro Editor, 1963, p. 71.
342
Tais complementos eram de boa qualidade, diferentes dos provenientes do
Brasil, mas não se tratava de doação dos americanos amigos. Saíram, sim, todos da
Intendência norte-americana, mas foram pagos pelo governo brasileiro, como
ressalta Joaquim Xavier: “Os agasalhos ‘pagos‘ eram ótimos, material americano,
bem acabado e de boa qualidade”.
598
Na cobertura que estava fazendo da guerra na Itália, O Globo informava aos
seus leitores sobre o período difícil proporcionado pelo inverno às tropas brasileiras.
Tais notícias eram acompanhadas não apenas pelos cariocas, mas também pelos
familiares dos soldados que moravam em outros estados, geralmente assinantes
dos jornais, que viam na imprensa uma maneira mais rápida de serem acessadas as
informações sobre a guerra. As notícias do correspondente Egydio Squeff
geralmente vinham por via área, e, a partir de O Globo, eram repassadas aos jornais
coligados.
Das suas impressões e dos testemunhos colhidos na época, é possível
verificar como os soldados brasileiros reagiam às dificuldades apresentadas, seja
pelo frio quase insuportável, seja pela presença constante do inimigo
experimentado: sempre pronto a desferir golpes precisos, na tentativa de ganhar
posições perdidas, a surpreender os postos de comando avançados, a assegurar
presença nos pequenos povoados e a garantir as posições do alto do Monte
Castello, impedindo, desse modo, qualquer audácia por parte das tropas aliadas em
direção à estrada Porretana 64 e à conquista de Bolonha.
Muitas patrulhas que não podiam abandonar suas posições a fim de manter
as linhas conquistadas abrigavam-se nos fox-hole, que eram buracos cavados no
chão ou nas encostas dos morros. Para poder aquecer-se em lugar tão improvável,
organizava-se um aparato rudimentar com galhos, pedras, tijolos, construindo um
piso provisório para que os pés não tocassem o piso gelado. Tais providências
protegiam o lugar de possíveis avalanches. As armas eram colocadas de forma
estratégica para que pudessem ser utilizadas tanto na defesa como no ataque a
patrulhas inimigas.
As notícias sobre os soldados brasileiros e a pouca movimentação dos
homens no front estacionário eram enviadas pelos correspondentes de guerra.
Egydio Squeff, de O Globo, em contato com alguns desses homens, buscou informar
598
SILVEIRA, Joaquim Xavier da. Cruzes Brancas: o diário de um pracinha. Rio de Janeiro: José
Álvaro Editor, 1963, p. 71.
343
os leitores brasileiros sobre o trabalho difícil das sentinelas avançadas. Sob o título
de capa “Heróis Solitários”, destacou as qualidades dos soldados da FEB,
empenhados em executar a difícil missão de ficar à espreita do inimigo. Nesse
aspecto, apontou pontos relevantes dessas personagens, ao enaltecer a
inteligência, a intuição, a sensibilidade, o espírito de improvisação, a rapidez e
iniciativa na resolução de situações que dependiam unicamente delas. Essas
sentinelas eram responsáveis pela segurança dos demais, ou seja, de quem estava
na zona limítrofe entre o inimigo e a ’terra de ninguém’. Não longe do pequeno
reduto do fox hole, estavam os batalhões e suas companhias, os pelotões e os
acampamentos de retaguarda, o que exigia um esforço dobrado de atenção dos
responsáveis pelo setor.
Egydio Squeff, em uma das entrevistas com um soldado, pergunta como vive
a sentinela no front. Este responde
Vive dentro do fox-hole e o fox-hole vive dentro da noite. Principalmente na
primavera, o fox hole pode ser até o balcão de Julieta. As estrelas, o cheiro
silvestre, a lua recortando no buraco desenhos surrealistas. Mas no inverno,
o fox-hole é apenas um fox-hole. A neve caindo não lembra fios brancos de
seda, lembra somente a neve. E o inimigo que pode surgir a cada
momento.
599
Das sentinelas que permaneceram nesses locais, o testemunho de Vitório
Zen, paranaense, de 24 anos de idade, que havia chegado à Itália no primeiro
escalão, é esclarecedor: “A neve cai de todos os lados. Não há capuz de que
defenda. Às vezes tem neve e depois chuva na mesma hora. E a gente tem de estar
de olho aberto, porque o tedesco é traiçoeiro”.
600
O soldado Vitório explica como é viver dentro do fox–hole, juntamente com
outro companheiro. Não havia possibilidade de conversar, porque o silêncio era vital
para a segurança. Não era possível fumar. Segundo o seu testemunho, “a tentação
era grande, mas a gente fica firme”.
601
O fox-hole, cavado no chão, em um dos seus modelos, se constituía por um
espaço mínimo para dois homens. Lá dentro, cobertores, palhas ou feno ajudavam a
conservar a temperatura corporal dos homens. Os incômodos galochões eram
tirados e os pés enrolados nas mantas ou em tiras de cobertores. As situações de
599
JORNAL O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1945.
600
N.A.: Tedesco era como os italianos e os brasileiros chamavam os soldados alemães.
601
JORNAL O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1945.
344
higiene eram precárias, e os homens, diante das necessidades fisiológicas, tinham
que se expor ao tempo fora do abrigo. Banho era algo impraticável para essas
patrulhas na zona limítrofe com o inimigo. Muitos ficaram até 30 dias sem água para
uma higiene mais completa. A aparência dos soldados o era boa: barbados, com
suas roupas emporcalhadas pela lama e gelo, no ato de se arrastar. Causavam
impressão aos curiosos que ficavam na retaguarda.
Muitas amizades foram seladas nessas trincheiras. O paulista Dorival Soares
Silva e o paranaense Vitório tornaram-se bons companheiros durante a permanência
de sentinela em uma das frentes brasileiras, próximas ao Monte Castello. O primeiro,
quando perguntado sobre a situação de viver dentro da pequena trincheira,
respondeu: “A gente nem pode mastigar. chiclete e, assim mesmo, com muito
cuidado. A única diversão é olhar a patrulha que não se vê... Tudo é neve, um frio de
amargar. O tedesco dizia que brasileiro não agüenta frio. Agora ele está vendo”.
602
Também o soldado Alberto Bonfim dos Santos, baiano, de 22 anos de idade,
recorda como em uma dessas sentinelas aprisionou dois alemães:
Estava como sentinela avançada quando atacamos Monte Castello. De
noite, parece que ‘a orelha ouve mais’. Escutei um estalinho e me virei.
Então, vi dois tedescos que se aproximavam. O buraco onde eu estava
tinha folha por cima. a minha cabeça de fora. Eles não me viram e eu
fiquei quieto, eu estava com fuzil na mão já de baioneta calada. De repente,
saltei e encostei a baioneta nas costas do alemão, como tinham me
ensinado no Rio. Eles gritaram umas coisas que não entendi e levantaram
os braços.
603
Esta fase do inverno italiano foi considerada pelos analistas como o pior
momento da guerra para os brasileiros, o “novo e poderoso inimigo dos nossos
soldados”, conforme publicou O Globo no mês de janeiro. Segundo Squeff, “a neve e
o frio hibernal começaram com impiedosa precisão a 21 de dezembro e desceram
sobre as zonas de combate”.
604
Uma visão inusitada se apresenta aos brasileiros.
Pela primeira vez, muitos tinham a neve ao alcance dos seus olhos e das mãos. As
fotografias tiradas na época registram raros momentos da tropa brasileira, uma
lembrança que jamais seria esquecida. Segundo O Globo, uma alegria contaminou a
tropa e alguns arranjaram esquis para distrair-se e esquentar o corpo, ao mesmo
602
JORNAL O GLOBO EXPEDICIONÁRIO, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1945.
603
Id.
604
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 23 de janeiro de 1945.
345
tempo em que iniciaram uma aprendizagem que lhes seria útil nas operações
futuras.
Mas a surpresa e ingênua alegria diante do espetáculo maravilhoso
proporcionado pela neve, seria, em breve, substituída pelo rigor de temperaturas
que iam baixando cada vez mais, com severas nevascas, um clima que não se
conhecia. Estavam ainda envoltos na luta contra inimigos experimentados e que,
nos últimos dias, haviam recrudescido suas atividades. “Durante todo o mês de
dezembro, os alemães atiraram muito sobre nossas posições, mas seu fogo
aumentou particularmente à véspera de Natal”.
605
Com a temperatura baixando muito, foram freqüentes os casos das doenças
respiratórias, como gripe forte, amidalites, faringites e otites chegando aos quadros
mais graves de pneumonia conforme registram os relatórios da época. Da chegada
dos brasileiros à Itália, até outubro de 1944, as baixas hospitalares somaram em
torno de 486 homens. Já, no mês de dezembro, 1497 soldados foram atendidos nos
hospitais da retaguarda.
606
4.6.4 Na linha de frente: o primeiro natal na guerra
Através das montanhas cobertas de neve e sob uma temperatura de quase
zero, os brasileiros compareceram aos serviços religiosos do Natal,
realizados sob todas as condições possíveis, desde os celebrados nos
edifícios e barracas dos seus acampamentos, até aqueles que puderam
ser levados a efeito nos pequenos abrigos na linha de frente, branqueados
pela neve e batidos pela metralha inimiga.
607
A maioria dos soldados brasileiros que via a neve pela primeira vez estava
vestida com roupas que jamais havia imaginado. Todos traziam seus agasalhos de
sob o capacete, desse modo protegendo a face, além dos grossos capotes e
botas de campanha. Nos raros momentos de desconcentração brincava-se, fazendo
bolas de neves que eram atiradas uns nos outros, ou se faziam bonecos de neve.
Eram brincadeiras ingênuas experimentadas pelos jovens soldados, nos raros
momentos em que a guerra permitia um pouco de paz.
605
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1945.
606
RIGONI, op. cit., p. 111.
607
A NOITE, Rio de Janeiro, 26 de dezembro de 1944.
346
As cerimônias religiosas ocorreram à meia-noite com a missa do galo, em
todos os acampamentos da FEB. No Q.G. avançado do general Mascarenhas de
Moraes, foi exposta a imagem do Menino-Deus e a missa foi celebrada pelo padre
João Silva. Também outras missas foram celebradas: no destacamento de
Engenharia da FEB, no Serviço de Saúde, nos hospitais de evacuação norte-
americanos onde estavam os feridos brasileiros, com a assistência de todos os
médicos e enfermeiras.
Todos os que assistiram a essas cerimônias receberam seus presentes. O
pacote continha cigarros, meias, lenços, abrigos de lã, sweaters, escovas de dentes,
lâminas de barbear, pasta de dentes, sabonetes, lápis, penas e outros artigos de
utilidade. Esses produtos resultaram das diversas campanhas promovidas pela LBA
em território brasileiro, muito antes do embarque do segundo Escalão Brasileiro ter
chegado à Itália, em setembro de 1944.
Em outubro de 1944, Globo Expedicionário destacava na primeira página os
resultados da Campanha das Madrinhas. Este era o trabalho benemérito de quem
pensava nos soldados da FEB, procurando amenizar a permanência deles em
campos de batalha. Uma das campanhas contou com a participação de pessoas de
todo o país, até de crianças que se encarregaram de obter doações de cem discos
com músicas populares brasileiras a serem enviados para a Itália.
A LBA contava não apenas com o trabalho voluntário das senhoras da alta
sociedade carioca, O Globo Expedicionário ressalta também a participação de
senhoras das classes menos abastadas, no sentido de dar apoio moral e material às
tropas brasileiras em operações no front europeu. No destaque da página número
dois desse jornal, uma das madrinhas o seu depoimento: “Disse-nos D. Sarita
que muitas madrinhas trabalham até a noite na confecção de echarpes e sweaters e
capacetes de lã, porque os nossos soldados devem sentir muito frio”.
608
Ainda as madrinhas atendiam a encomendas de difícil transporte, como eram
as solicitações para o envio de doces em calda. Buscando uma comunicação direta
com os pracinhas, o jornal destacou: “Por esses pequenos e significativos detalhes,
podem vocês calcular o alvoroço que vai no coração das mulheres brasileiras e o
seu empenho em ser o mais útil possível aos expedicionários do Brasil”.
609
608
JORNAL O GLOBO EXPEDICONÁRIO. Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1944.
609
Id.
347
Os expedicionários na Itália também mencionaram suas madrinhas de guerra.
Em carta enviada ao jornal O Cruzeiro do Sul, o cabo José César Borba diz o que
segue: “Todos os expedicionários têm madrinhas, a do nosso camarada Maciel
Barbosa chama-se Neusa Pinto e mora em São Cristóvão. É uma moça de 19 anos
que ele conheceu pouco antes de embarcar para a Itália”.
610
Na carta, há um
agradecimento pelos produtos brasileiros que foram enviados por ela, bem como era
ressaltado o trabalho de Neusa em relação aos familiares de Maciel que moravam
em Minas Gerais. Dessa forma, laços de amizade foram fortalecidos durante todo o
tempo em que a guerra durou para os brasileiros.
611
Embora os registros de alguns diários dos combatentes brasileiros confirmem
o recebimento dos presentes enviados pela LBA e pelas madrinhas de guerra, por
ocasião do Natal, os que dizem nada ter recebido. Sobre esse problema,
apenas conjeturas, o que teria acontecido? Os soldados que estavam na linha de
frente tinham posições inacessíveis para a entrega dos mimos Natalinos?
O tenente Udihara, em seu diário, no dia 16 de outubro de 1944, registrou o
seguinte comentário.
À tarde, encontrei O Cruzeiro do Sul 2, do dia 14 de setembro. ‘O que as
madrinhas fazem por vocês’. Fala ao Globo Expedicionário a senhora
Regina Castro Neves: ‘Estamos muito contentes em saber que os
capacetes de enviados para a Europa lograram o melhor sucesso entre
os nossos soldados.’” Tal enunciado foi duramente refutado por Udihara, no
seu estilo direto de dizer as coisas: “Para começar, não recebemos. Nem
esperamos.
612
O tenente Udihara formava, com seus companheiros de farda, no sexto R.I.,
um grupo intelectualizado, sempre pronto a contestar os ditames dos comandantes,
dentro de um critério de respeito aos valores humanos e pessoais, pouco
respeitados nesta época. Tal contestação não poderia ir a público devido a
hierarquia militar. Assim, os diários de guerra foram, neste caso, a válvula de escape
para as manifestações desses homens. O tenente dico Massaki Udihara,
observador e crítico, nas suas ponderações, não deixou de expor o que achava
sobre o episódio das ’madrinhas’ de guerra no Brasil:
610
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 7 de janeiro de 1945.
611
Id.
612
UDIHARA, op. cit., 2002, pp. 135-136.
348
Agora o que revolta são essas informações que são realmente capciosas.
Com isso, se fazem benfeitoras e adquirem renome. Pode ser que
realmente tenham trabalhado e fossem informadas que recebemos. Mas
não creio. Quem se a essas exibições patrióticas é da alta esfera e
sabem perfeitamente o que estão fazendo nesse sentido. Admira o
desplante com que se fazem essas campanhas para os soldados e mais
ainda nenhuma providência que se toma nesse sentido. Uma série de
descalabros que vão se dando e com isso motivando um sentimento de
revolta e descrença entre os soldados. vai se estabelecendo uma
consciência individual que faz com que não se aceite mais, passivamente,
muita coisa que antes nem precisava ser imposta. um reconhecimento
maior do próprio valor.
613
O olhar crítico de Udihara era compatível com o de outros oficiais. Os
desacertos do comando do seu regimento não passavam despercebidos e as
atitudes não podiam mais ser aceitas. A participação na guerra havia apenas
amadurecido as posições. Eram militares politizados, muitos, da reserva do Exército
e sentiam-se deslocados na guerra, por trilharem outros ideais e posturas diferentes
do que a guerra estava apresentando. Não aceitavam as banalidades, as atitudes,
as ordens, as contra-ordens emanadas dos superiores que não respeitavam os
soldados como seres humanos.
Na crítica aos jornais oficiais da FEB, como fez Udihara contra o artigo
publicado no O Cruzeiro do Sul, várias vozes se levantaram, em situações
diferentes. Entre elas, a do tenente Ítalo Tavares em seu diário: “Os jornais, todos
controlados pelos chefes, dizem aquilo que eles querem. Trazem bonitas frases,
incentivando-nos ao cumprimento do dever. Eles, porém, atrás estão. São
capazes sim, de, de suas privilegiadas cabeças, tirar frases bonitas”.
614
No início do mês de dezembro, por iniciativa do jornal O Globo, agregaram-se
figuras de prestígio social e instituições de provada benemerência, no sentido de
preparar um Natal expressivo para os combatentes. A comissão era constituída por
senhoras de prestígio, a maior parte esposas de militares sob a presidência da
esposa do ministro da guerra Eurico Gaspar Dutra. As primeiras reuniões ocorreram
na sede da Associação Brasileira de Imprensa. Outras instituições participaram
dessas reuniões, dentre elas a Cruz Vermelha Brasileira, a Liga de Defesa Nacional
e a Legião Brasileira de Assistência.
Dada a urgência das decisões a serem tomadas, ficou resolvido que uma
campanha relâmpago seria desenvolvida no prazo de vinte dias, para não atrapalhar
613
UDIHARA, op. cit., 2002, pp. 135-136.
614
TAVARES, op. cit., 2005, p. 85.
349
as campanhas institucionais que já estavam sendo realizadas. “Essa campanha
relâmpago está congregando amplas camadas sociais e todo o povo”. Em matéria
veiculada no mesmo jornal, sob o título Papai Noel de Malas Prontas, os pracinhas
eram informados do trabalho da L.B.A: “O Natal do Expedicionário e de suas famílias
é a preocupação dos bons patriotas”.
615
O forte apelo patriótico denotado no discurso da sociedade brasileira, às
vésperas da partida da FEB para a Itália, vai tomando vulto no dia-a-dia dos
brasileiros. Passa a ser expresso pela imprensa e pelo rádio, reforçado pelos
primeiros enfrentamentos dos brasileiros na Itália, onde o heroísmo e o patriotismo
são destacados. As campanhas institucionais tomam corpo, as famílias dos
pracinhas o lembradas diariamente e é configurada no discurso oficial a família
brasileira, onde filhos, sobrinhos e netos o os elos patrióticos tão necessários ao
desenvolvimento da nação. Apelava-se para a empatia e para as emoções, para o
mérito da busca constante da brasilidade, da alma nacional que a guerra fora
conseguia reforçar. A FEB revigorava o passado de glórias, de um tempo novo, da
transformação e da revitalização do já existente.
No dia de Natal, em território italiano, nos locais onde foi possível cozinhar, o
menu oferecido pelo Exército Aliado constituiu-se por carne de peru, acompanhada
por um prato quente com cenouras, batatas frescas, além de uma seleta de frios
com azeitonas, manteiga, presunto, queijo, nozes; um coquetel que foi servido a
todos. As frutas eram abundantes, principalmente laranjas vindas da Califórnia.
Encerrando o lauto jantar, foi servido o saboroso café brasileiro.
616
Os jornais do Rio de Janeiro recebiam de seus correspondentes na Itália as
descrições do primeiro Natal dos brasileiros na neve. O correspondente Henry W.
Bagley, para a Associated Press carioca, dizia:
A neve que começou a cair anteontem transformou-se pouco tempo depois
numa forte nevasca e ontem, 24 de dezembro, toda a área da frente nada
mais era que um enorme lençol branco, marcado aqui e ali pelos abrigos
individuais dos postos avançados.
617
615
JORNAL O GLOBO EXPEDICONARIO, Rio de Janeiro, 7 de dezembro de 1944.
616
JORNAL O GLOBO EXPEDICIONÁRIO. Rio de Janeiro, 12 de outubro de 1944.
617
Id.
350
FIGURA 10 – NATAL NA NEVE
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 173)
Nos dias que antecederam ao Natal, as famílias no Brasil preocupavam-se
com seus entes queridos e com a maneira como poderiam tornar esta festa religiosa
mais próxima de todos. Na carta endereçada por D. Argentina ao seu filho, o
sargento Odayr, em dezembro de 1944, pode-se ler:
Que Deus te abençoe e te um Natal feliz e uma entrada de ano novo
risonha, e que toda a sua vontade se realize. Neste dia de Natal, irei à
missa do galo pedir ao menino Jesus trazer a paz e vitória. Neste dia,
estarei mais em pensamento com você.
618
Na carta enviada por D. Argentina dois dias depois, costumeiramente, ela faz
a saudação ao filho: Que Nossa Senhora esteja ao teu lado te protegendo e que a
até agora a graça de Deus nada tenha te acontecido. [...] Faltam dois dias para o
grande dia de Natal, nesse dia você será muito lembrado por tua mãe, que sente
muita falta desse filho”. Além das preces que constavam na missiva, havia notícias
dos presentes que seriam enviados, tanto pela família como pelos amigos. Os
cigarros eram considerados um bom presente. Em rias cartas, eles são citados.
Preocupada com o frio intenso, D. Argentina relata ao filho o que está fazendo:
618
ANDRADE, Argentina Costa. Carta. Curitiba, 20 de dezembro de 1944.
351
Eu hoje comecei a fazer umas meias de tricot para você, um está
acabado. Mas como faltou lã, pedi ao Murillo para me trazer. [...] Tenho
cuidado com as tuas cousas e não deixarei se estragar nada que é de você.
As tuas roupas estão no guarda-roupa de Isail e o teu sapato no meu
guarda-roupa.
619
A carta que o sargento Odayr recebeu perto do Natal dava notícias sobre os
presentes que estavam sendo enviados por sua mãe:
Hoje preparei uma caixa com roupas de para você, são as seguintes
peças: um capuz branco para agasalhar bem as orelhas, foi Isail quem fez e
te envia como presente de Natal. Eu fiz um par de punhos verdes para os
braços e um par de joelheiras ou caneleiras, como queira usar, um par de
luvas verdes, um par de meias de lã cinzenta e um pacote de chocolate do
Murillo.
620
Outros combatentes registraram em suas mentes a passagem pelo Natal em
terras italianas, porque foram surpreendidos pelo clima rigoroso e pelo fenômeno da
neve que, para os brasileiros, era inusitado. Os momentos descritos são de rara
beleza e significativos.
O tenente Celso Rosa, que havia chegado à Itália no Escalão, juntamente
com o primeiro Regimento de Infantaria, surpreendia-se a cada dia com as
intempéries de um clima diferente. Enfrentou de início o difícil outono europeu, viu
muita chuva e lama atrapalharem o deslocamento dos soldados e dos carros de
combate, mas nada se igualava às nevascas do inverno italiano, como registrou no
mês de dezembro:
Ao cair da tarde do dia 23 de dezembro, os brasileiros presenciaram um
fenômeno para eles inédito. [...] Durante toda a noite, a neve caíra sem
cessar, cobrindo os telhados, as árvores, os campos, as estradas. Estas
ficaram perigosas para o trânsito e os primeiros motoristas tinham de se
orientar mais ou menos por intuição.
621
Na narrativa de Celso Rosa, percebe-se o tom nostálgico, pelo
distanciamento da família e pelas imagens de outros natais que a data invocava. As
lembranças insistiam em destacar a reunião da família, a mesa farta da comida
saborosa que contrastava com o momento vivido no Natal italiano: “A deglutição
rotineira da comida insípida e fria das rações de guerra e a solidão, a terrível solidão
619
ANDRADE, Argentina Costa. Carta. Curitiba, 22 de dezembro de 1944.
620
ANDRADE, Argentina Costa. Carta. Curitiba, 8 de dezembro de 1944
621
ROSA, Celso. O Pracinha na Guerra. São Paulo: Café Editora Expressa, 1999, p.59.
352
provocada pela ausência da família, dos entes queridos e pela distância da pátria.
Tudo isto deixou aquela noite marcada pela tristeza”.
622
Assim como o tenente Celso Rosa, muitos brasileiros nos recantos dos
acampamentos, na linha de frente, nas patrulhas avançadas, na véspera do Natal
podiam estar sentido a mesma coisa. As noites longas e frias eram convidativas para
o aconchego do lar, ou até para um descanso merecido ao redor de uma lareira, ou
para dormitar nos colchões de pena tão conhecidos dos soldados que haviam saído
do sul do Brasil, como lembra Celso Rosa: ”Noites frígidas, friíssimas com bacias de
brasas no meio da sala, com castanhas a pipocar no borralho”.
623
Para os que estavam na linha de frente, não havia possibilidade de se levar a
comida quente e saborosa que fora servida na retaguarda. A narrativa de Celso
Rosa, tão bem descrita, apontava para a dura realidade de noites mal dormidas, dos
pés enregelados, das patrulhas perigosas, “da terra de ninguém”, dos fox-holes, dos
porões úmidos das casas de pedras esburacadas pelos bombardeios.
Nos locais mais bizarros, muitos soldados passaram sua noite de Natal. Na
noite de 24 de dezembro de 1944, o capitão Meira Mattos, que pertenceu ao R.I.,
encontrava-se em um fox-hole, assim como tantos outros soldados. Segundo seu
testemunho, o local ficava a uns cinco metros do rádio da companhia, e a notícia
irradiada em português dizia que haveria uma trégua no período de duas horas, ou
seja, das 23h à 1h. Todas as operações de combate foram suspensas e o rádio
captava a música Noite Feliz. “Pensei que aquela música vinha do céu. Saímos do
fox-hole, de seis a oito companheiros. Nos rostos, a incerteza. Juntamo-nos em
torno daquele rádio. Surgiu uma garrafa de vinho. Quando tomei um gole, toda
aquela angústia foi passando, como se caísse uma força divina sobre nós”.
624
Também o soldado Joaquim Cruz, no seu diário, acabou registrando
momentos significativos que a proximidade do Natal lhe proporcionava. As
anotações mostravam a última correspondência que havia recebido da sua mãe:
“Recebi uma carta de mamãe, que, apesar de mostrar um forte ânimo, fez-me sentir,
nas entrelinhas, o seu sofrimento atroz. Respondi-lhe, tentando consolá-la, se é que
há consolo para essa dor de mãe”.
625
622
ROSA, op. cit., p.59.
623
Id.
624
MATTOS, Meira, op. cit..
625
SILVEIRA, op. cit.,p. 75.
353
Joaquim prossegue em seu diário avaliando aquele momento, a imaginar a
sua mãe no Brasil, preocupada com o destino que a guerra havia traçado para seu
filho.
As mães quase nunca compreendem essas coisas... é difícil, eu sei como
você se sente e pensará: com que direito pode o Estado arrebatar meu
filho?.
626
As mães são as heroínas dessa conflagração. São elas que
suportam toda a separação dos filhos.
627
Na noite de Natal, Joaquim deixou registrado em seu diário: “passamos
metade com os companheiros e depois fomos à festa dada pelos ingleses na bateria
antiaérea vizinha. É impossível descrever uma festa de Natal num abrigo cheio de
sacos de areia, perto de um canhão anti-aéreo”. Também faz referência aos novos
amigos, que há muito tempo já estavam em guerra.
Muito deles estavam ausentes de suas casas já pelo quinto ano consecutivo
e, por esse motivo, tinham a experiência dos natais em outras trincheiras.
Um deles mostrou-me o retrato de uma filha que não conhecia, porque
nascera quatro meses depois de ele ter saído de Londres. Aqueles rudes
veteranos, apesar de curtidos e calejados, estavam tristes e sentimentais.
628
Em função do sigilo que envolvia a localização das posições brasileiras, são
raros os diários ou testemunhos de época que revelem as localidades onde estavam
os soldados brasileiros. Tal situação dificulta o entendimento, a partir do momento
em que o pesquisador se obrigado a caminhar com o narrador, lendo as
entrelinhas, pinçando momentos, juntando as descrões dos fatos narrados, a
topografia, a indicação de nomes e a aproximação das datas indicadas no
enunciado; desse modo, tentando dar significado histórico aos fatos não
evidenciados.
Para o infante médico Massaki Udihara, os dias que precederam o Natal
constituíram momentos especiais registrados em seu diário, cujas entrelinhas
revelam a escrita de uma narrativa sensível, de pessoa letrada, que mesmo as
sandices da guerra não conseguiam apagar.
No diário de Udihara, é possível perceber que o seu grupamento, já às
vésperas do Natal, se encontrava próximo a Porreta Terme, local onde a FEB vinha
626
SILVEIRA, op. cit.,p. 75.
627
Id.
628
Ibid., p. 76.
354
concentrando seus homens para a tomada do Monte Castello, que ficava a
exatamente 15 quilômetros. A proximidade das linhas inimigas e o front, estacionário
naquele momento, proporcionava aos soldados mil conjeturas do que poderia
ocorrer. O próprio silêncio era revelador. Nessa perspectiva, o tenente descreve os
momentos vivenciados por ele e pelos soldados.
No dia 21 de dezembro de 1944, ele anotou:
Mesma manhã nublada e úmida. O sol, dias em que não parece. Dias
sem alegria. Depressivos e monótonos. [...] frio intenso, de endurecer os
dedos. Noite mal passada. Uma insônia que não sei explicar. O telefone
continua a ser o mesmo martírio de sempre, um suplício a sua campainha
que sobressalta e faz prever qualquer imprevisto.
629
No inverno italiano, os dias eram muito curtos e, pouco depois das 16h,
começava a escurecer. Massaki Udihara prossegue em sua narrativa: “Praticamente
não se nada, com o tempo se fica um pouco mais familiarizado. [...] a cerração,
que persistiu o dia todo, cedeu um pouco. Vê-se o contorno dos montes próximos. É
onde está a ameaça que não dá sossego”.
630
Udihara se referia aos atiradores de elite alemães, que ficavam postados nos
morros. A missão das sentinelas era uma árdua tarefa: ficar imóvel por cerca de
quatro horas, sob baixa temperatura, quando não era possível mais sentir os pés.
“Olhos fixos numa direção e atento ao menor ruído. Uma atenção tão intensa que
cansa mais que tudo. E isso já há um mês”.
631
O frio intenso atormentava os soldados, segundo Udihara, principalmente os
que estavam mais expostos ficavam com os dedos duros e insensibilizados. Uma
sensação dolorosa. Os ossos todos, da perna, principalmente, eram os que mais se
ressentiam dessa exposição. A qualquer movimento mais brusco dos dedos,
surgiam as cãibras. “Os nossos soldados resistem a tudo, adaptam-se a quaisquer
circunstâncias, dizem os chefes. Dizem e não verificam a situação real das coisas.
Tão fácil fazer relatórios em que a verdade está sempre ausente”.
632
Essa era a
forma do tenente médico Udihara contestar os relatórios e os boletins assinados
pelos oficiais.
629
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 217.
630
Id.
631
Id.
632
Ibid., p. 219.
355
As noites para quem está na linha de frente eram sempre mal dormidas, como
disse Udihara: “são sempre de prenúncio. Perigo iminente: quando menos se
espera, qualquer coisa está acontecendo e se acorda de sobressalto. Às vezes não
é nada, mas fica se esperando, como a noite é longa, não se acaba mais”.
633
Nessas condições e sem a previsão de uma ceia natalina, na posição em que
se encontrava com seus companheiros, restava ao tenente apenas esperar a comida
quente que chegaria mais tarde nos marmitões carregados no lombo dos muares e
conduzidos por um italiano, geralmente os bersagliere.
634
Era o único meio de
transporte viável na subida tortuosa dos morros. Sob qualquer tempo, com
bombardeio ou não, a comida era levada todos os dias. Com sensibilidade que lhe
era característica, Udihara perguntou ao muleiro: Vocês deram comida ao animal?
Ao que o condutor respondeu, sim. Segundo o tenente, a pergunta procedia, porque,
muitas vezes, faziam os animais trabalharem sem alimentá-los, ou, quando o faziam,
a comida era tão ínfima que não dava para uma jornada toda.
Na noite de Natal, Udihara sentou-se ao redor da lareira e assaram
castanhas.
O fogo vivo, cheio de labaredas, dava à expressão de todos um ar
nostálgico. A conversa girou em torno do que estariam fazendo se
estivessem no Brasil. Uns responderam que iriam ao cinema, outros que
assistiriam à missa, outros compartilhariam, com a família, a ceia à meia
noite. Gente de vida simples que com pouco se divertia. Agora, aqui, nesta
situação. Largados no alto de um morro, sujeitos a tudo e sem nada. Vida
de preocupações, sem alegria, sem nada. sofrer. spera de Natal
que por isso ficará na minha memória.
635
No dia 25 de dezembro de 1944, a manhã fria despontou, para os homens
que aguardavam na frente de combate, as novas missões a serem cumpridas. Logo
pela manhã, chegaram os presentes da LBA.
Pacote com malha, sabonete e outros objetos. Uma surpresa. Não pensei
que isso fosse acontecer. [...] os soldados prepararam um almoço, vieram
me convidar para compartilhar dele. Admirei essa boa vontade. [...] Natal
sem significação, dia como outro qualquer que passará e deixará uma
633
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 219.
634
N. A.: Bersagliere eram os soldados alpinistas italianos, reconhecidos pelo barrete verde-oliva com
uma pena, usado na cabeça. Estes homens prestaram relevantes serviços aos aliados.
635
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 222.
356
lembrança que só se recordará como um exemplo de mau momento.
636
A entrega dos presentes da LBA, no dia da Natal, deve ter surpreendido o
tenente Udihara, quem sabe, ele até tenha refeito o seu conceito sobre a instituição
duramente criticada no seu diário do dia 16 de outubro de 1944.
em Porreta Terme, não muito longe do grupamento de Massaki Udihara,
que estava nas cercanias, o sargento José Eckert, do grupo de transmissões, se
preparava para o dia de Natal. A nevasca que caíra no dia anterior deixara os
telhados todos brancos e criava dificuldades para se caminhar nas ruas. Os jipes e
caminhões faziam filas defronte aos endereços onde estavam alojados os soldados.
Segundo o sargento, ‘tudo um espetáculo muito lindo’, que fazia recordar da casa,
da mãe, dos irmãos e de todos os parentes da pátria distante. Às 10h, houve uma
missa, em que grande parte dos presentes era constituída por pessoas da cidade,
bem como por retirantes e soldados da FEB.
Por ocasião do Natal de 1944, as lembranças registradas pelos soldados
diziam respeito às suas famílias no Brasil, como fez o sargento Echert, ao evocar
seus pensamentos para os dias da sua infância ocorrida no Rio Grande do Sul. De
maneira reflexiva, questiona-se sobre a validade de uma festa universal pela paz,
quando os homens, como ele, se batia em uma frente de combate.
Meus pensamentos voavam para longe, recordando os tempos passados,
principalmente os lindos tempos de infância, quando o mundo parecia ser
mais bonito. Por isso, por mais que me esforçasse, não pude ter uma
impressão convincente da efeméride que se comemorava no mundo cristão!
Porque desde criança aprendi que, em Belém, quando Jesus nasceu, os
anjos cantavam: Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens de
boa vontade! Hoje eu me pergunto: Onde está a paz? Onde estão os
homens de boa vontade?
Nos raros momentos em que os soldados podiam esquecer um pouco a
artilharia inimiga, que do alto dos morros castigava a cidade de Porreta todos os
dias, muitos sentiram a vontade de abandonar um pouco seus abrigos e tentar
encontrar os amigos, saber notícias de como se encaminhava a guerra há poucos
quilômetros do local onde estavam. A população civil fazia o mesmo, saía dos
porões das velhas habitações de pedra, ía a busca do pão que era distribuído
gratuitamente e também tinha a esperança de encontrar outros alimentos
636
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 222.
357
necessários. Sobre a continuidade da guerra, nada se sabia, nem os oficiais, nem
soldados, muito menos os civis. Era necessário pensar no abastecimento dos
alimentos básicos, porque a incerteza do momento vivido não apontava para o fim
da guerra logo depois do inverno.
Segundo o sargento Eckert, no almoço, aquele dia, foi servida carne de peru
e muito vinho, que veio amainar o frio intenso da manhã de Natal em Porreta Terme.
Mas a trégua dada pelos alemães não iria durar muito. Por volta das 16h30min, os
alemães iniciaram o bombardeio de grosso calibre sobre a cidade. “Durante mais de
meia hora, as granadas explodiam sem cessar, fazendo estremecer os prédios,
abrindo buracos por toda a cidade: nas ruas, jardins, calçadas, mas principalmente
na ponte aqui do lado e suas imediações”.
637
A ponte a qual fez referência Eckert era um objetivo importante para os
alemães. Por ela, passava todo o tipo de transporte, homens, armamento, munição,
e fazia a ligação entre a retaguarda e a estrada 64 Porretana; ou seja, um anel de
ligação para as tropas aliadas que pretendiam chegar a Bolonha logo após o Natal.
O bombardeio de uma cidade é algo que somente os que vivenciaram este
momento têm capacidade de explicar, como fez Eckert em seu diário:
Durante o bombardeio, nós todos, com os nervos à flor da pele, deitados ou
mesmo de pé, reagíamos gritando palavras desconexas, e ouviam-se os
mais afoitos berrando: é mais pra cá!... A nossa sorte foi que uma grande
parte das bombas caiu do outro lado do Reno, onde explodiam.
638
Os dias prosseguiam com bombardeio insistente dos alemães. Muitos
esperavam que, pela passagem do Ano Novo, houvesse um recrudescimento da
artilharia alemã, mas, exatamente à meia-noite, quando muitos começavam a
cumprimentar-se pelo ano que acabara de chegar, a população de Porreta foi
novamente surpreendida. As granadas foram explodindo em profusão e mesmo as
casas com as grossas paredes de pedra sacolejavam, parecendo que iam desabar.
Nessa mesma noite, o ronco típico dos aviões alemães deixou todos aturdidos.
Nesse mesmo instante, as baterias antiaéreas inglesas entravam em ação,
respondendo ao ataque ocorridos minutos antes.
Eckert registrou esses momentos:
637
ECKERT, op. cit., p. 135.
638
Id.
358
Mas como não mal que sempre dure, recebemos hoje o nosso “Papai
Noel”. Os soldados e os cabos haviam recebido na noite de Natal. Do
meu pacote, só aproveitei alguns objetos e distribuí o restante entre o
pessoal da casa, assim como o sabonete, escova e pasta de dente. Tenho
certeza que estas famílias ficam muito satisfeitas com esses mimos.
639
Na correspondência assídua que mantinha com o filho, o sargento Odayr, D.
Argentina, em carta enviada no dia 24 de dezembro, buscava saber se ele havia
recebido as caixas com os presentes de Natal. Junto do papel de carta, enviou um
santinho com a imagem do menino Jesus, e no seu verso uma dedicatória: “Que o
menino Jesus te um feliz Natal com as bênçãos do menino Jesus, tua mãe beija-
te: Argentina”. Na mesma carta, comunicava que iria assistir à missa do galo, mas
afirmava: “não fazemos o Natal aqui como nos outros anos, com sapatos na porta
esperando presentes. Como você não está, resolvemos não receber e nem dar. Eu
só recebi uma garrafa de champanha”.
640
Na demora em receber as respostas das cartas enviadas, muitas famílias,
assim como D. Argentina, acompanhavam os jornais que vinham do Rio de Janeiro.
Esses eram vendidos nas ruas de maior movimento, como acontecia em Curitiba, no
centro da cidade. Essa era uma maneira de saber sobre os acontecimentos do dia-a-
dia dos soldados, dos acampamentos, das notícias das frentes de combate, dos
bombardeios.
Os que ficaram no Brasil sabiam das dificuldades de comunicação com os
que estavam na Itália. Nesse sentido, as notícias vinham dos correspondentes
estrangeiros e dos brasileiros que se encontravam. Tudo passava pela censura:
as cartas enviadas por D. Argentina continham a tarja escrita com tinta impressa
preta: Aberto pela Censura. Nas cartas que iam e vinham, era comum encontrar-se
parte do escrito cortado, principalmente se o comentário fosse considerado
inoportuno, ou se o soldado indicasse o local onde estava com seu grupamento. As
cartas dos soldados não podiam conter informações sobre episódios vivenciados,
locomoções e nomes de cidades. A trigésima primeira e última carta de D. Argentina
ao seu filho, da coletânea que ele conservou, foi enviada no dia 31 de dezembro de
1944.
muito próximo do Natal, é cada vez maior a concentração de soldados
brasileiros e norte-americanos nas proximidades de Porreta Terme. Também o
639
ECKERT, op. cit., p.145.
640
ANDRADE, Argentina Costa. Carta. Curitiba. 24 de dezembro de 1944.
359
soldado paranaense, Leonércio Soares, registra em seu diário o deslocamento do
seu grupo para o povoado de Sila. Essa cidade ficava do outro lado da ponte que
fazia a ligação entre as duas cidades. Era uma situação logística, um afastamento
do Monte Castello, porque três investidas feitas pela FEB anteriormente, entre
novembro e o início de dezembro, mostraram-se desastrosas. Nesses dias em que
se preparavam as investidas finais para o ataque de Monte Castello, a
movimentação pela ponte entre Sila e Porreta era uma constante: homens, viaturas
e muares buscavam atender às necessidades de quem estava em posição como
sentinela avançada.
A narrativa de Leonércio Soares, assim como a de Massaki Udihara, faz
menção aos bersagliere, uma tropa de soldados alpinos, à qual fizemos menção
em páginas anteriores, a quem ele atribuiu uma grande colaboração ao Exército
brasileiro, mas que raramente é citada nos documentos oficiais. Na descrição de
Leonércio, eles tinham a aparência de montanheses, eram naturais da região dos
Apeninos. Habituados a viver em terrenos íngremes, conseguiam chegar aos
soldados brasileiros com os marmitões de comida quente. “Sempre em dupla, a pé,
e puxando os muares carregados com as bruacas de couro, levando alimento e
munição às posições isoladas e de difícil acesso através das linhas estreitas e
tortuosas, beirando abismos e despenhadeiros”.
641
A casa em Sila, onde Leonércio alojou-se com seus companheiros, era um
prédio grande de três andares, tinha linhas mais modernas que outras construções
no vilarejo e deveria ter sido uma escola. Como não ficava no alvo dos alemães que
atiravam sob Porreta, era lugar seguro para os soldados recomporem as forças e
dormirem um pouco. A rota 64 ficava nas proximidades.
No dia 20 de dezembro, os quadros da FEB foram se completando. Muitos
soldados, que haviam chegado no 4º e no Escalões, vinham em substituição aos
que se encontravam meses em frente de combate. Os uniformes de inverno
americanos foram entregues aos soldados. De acordo com Leonércio, não havia
roupas para todos, mas as entregas foram feitas e distribuídos cerca de 30
uniformes para cada companhia. Como estas eram compostas por pelo menos 150
homens, a recomendação era de que elas fossem destinadas principalmente aos
soldados que ficavam mais expostos ao tempo. Mas Leonércio diz que o material
641
SOARES, op. cit.,p. 144.
360
destinado aos soldados acabou sendo manipulado e distribuído entre os oficiais.
Eram uniformes bonitos e bem talhados, de cores firmes, confeccionados com os
melhores tecidos e totalmente impermeáveis.
Conforme os registros de Leonércio, a má qualidade dos uniformes brasileiros
havia chamado a atenção do Comandante Mark Clark. Diante dessas evidências, e
na proximidade do inverno, “interferiu pessoal e diretamente, para que todos os
soldados que combatiam na Itália fossem socorridos no devido tempo. Assim, com
as primeiras nevascas, mais uniformes chegaram via aérea, atendendo aos pedidos
de urgência”.
642
Leonércio Soares critica severamente o comando pelo que ele chama de
imprestabilidade dos uniformes fornecidos à FEB, e chama a atenção por o ter
sido feita uma investigação mais profunda sobre os responsáveis que acabaram
criando desconforto e constrangimentos aos soldados brasileiros. No seu
julgamento, uniformes, e botas americanas acabaram nas mãos dos oficiais
brasileiros e amigos.
FIGURA 11 – MASCARENHAS DE MORAES E MARCK CLARK
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 165)
Às vésperas do Natal, Leonércio e seus companheiros viveriam ainda,
momentos conturbados pela falta de alimentos nas cozinhas das diversas
642
SOARES, op. cit.,p. 144.
361
companhias, fato que também foi narrado por outros combatentes. A queixa dizia
respeito à pouca da pouca comida oferecida a eles. Bons produtos saíam da
intendência brasileira que ficava na retaguarda, mas eram desviados pelos
cozinheiros e vendidos no mercado negro, uma situação inaceitável para quem está
na guerra. Os produtos tinham grande valor comercial, nesta fase da guerra, quando
eram tão raros, e serviam de barganha para qualquer outra coisa. Viravam comércio;
portanto, dinheiro.
Constavam dessa listagem: leite, manteiga, biscoitos, pão, café solúvel,
açúcar, doces, geléias, mel, presunto, bacon. Diante desses tristes acontecimentos,
buscam os homens soluções próprias. No depoimento de alguns soldados, o
relato de que cozinhas paralelas foram montadas, buscando cada companhia
estocar o máximo de produtos para os soldados, situação que causaria grande
aborrecimento a todos os infratores. Mas, como relata Leonécio: “Nas noites frias de
Sila, com a neve caindo fora, não faltava na cozinha do Pelotão de Petrechos, o
chocolate quente, o café com leite, o pão, a manteiga e as geléias. As deliciosas
coisas fornecidas pelos americanos”.
643
Para Leonércio Soares, Ítalo Tavares, José Vergés, Massaki Udihara, João de
Barros, José Eckert, Ruy Fonseca, Celso Rosa, Odayr Andrade, Ernani Ayrosa,
Rudemar Marconi, Meira Mattos, Joaquim Silveira e seus companheiros, as festas
natalinas encerravam-se com os canhões alemães. Foi abreviado o período de rara
paz, em uma contra-ofensiva que atingiu a todos os povoados vizinhos, obrigando
também a tropa americana a recuar; colocando em perigo a tomada do porto de
Livorno, o principal centro de abastecimento para as tropas que se preparavam para
uma nova frente de batalha a ser desencadeada após o inverno.
Deste Natal difícil para os brasileiros, restaram as lembranças, talvez de um
breve momento, quando o vento e o frio eram os piores inimigos. O vento que descia
pelos vãos das montanhas gélidas adquiria força, invadia as casas, os fox-hole, os
acampamentos. “Assoviava nas noites de tempestades”. Ninguém suportava
permanecer por muito tempo junto às armas, nas posições. A carne do rosto, as
orelhas, o nariz e mesmo as mãos enluvadas endureciam.
Para as sentinelas avançadas, viver dias difíceis, sob os efeitos da
promiscuidade e da ausência total do banho, embrutecia muito os homens, que não
643
SOARES, op. cit.,p. 158.
362
percebiam quão maltratados estavam. O exalar dos corpos surrados misturava no ar
o cheiro de suor constante, misturado a outros odores que se desprendiam das
roupas imundas que não eram trocadas. Como disse Leonércio: “Um viver à margem
do inferno. Inferno esse, imundo e tenebroso, tanto quanto Dante imaginara”.
644
Nas longas madrugadas, não muito longe das linhas brasileiras, um possante
alto–falante colocado pelos alemães tocava músicas brasileiras, que distraía, mas,
ao mesmo tempo, fazia brotar a saudade nos corações mais sensíveis.
Provavelmente os soldados se questionavam: O que estariam fazendo ali? Na
guerra psicológica, os alemães eram especialistas. Nos intervalos, falando um bom
português, o locutor incitava os soldados à deserção com promessas de salvo
conduto e abrigo nas linhas alemãs.
Nos dias céleres que vão passando, prenúncios da primavera italiana. O
sol vai parecendo com mais freqüência, mas ainda esmaecido, embaçado. Os
ventos que saem da África cruzam o Mediterrâneo. Assim, a neve vai derretendo, as
torrentes voltam a fazer seus caminhos tortuosos. Apenas os altos picos mostram
suas pontas brancas pelo gelo que resiste. O vento quente africano, ao chocar com
o intenso frio europeu, irrompe ainda sobre os povoados, provocando dias gelados,
misturados ao derretimento da neve. O chão amassado pelas viaturas pesadas e o
pisar de milhares de soldados vai se transformando em um lodaçal.
Chegava-se ao término da estação hibernosa e também ao final do período
em que os militares chamaram de período defensivo” da guerra, no qual os
combatentes de ambos os lados foram obrigados a permanecer em suas linhas de
defesa, sem acontecimentos de grande vulto a serem narrados. A guerra, neste
período, ficara por conta das patrulhas e incursões, ora de um lado, ora de outro.
São situações que a pesquisa vai procurar focar no próximo capitulo,
destacando as diversas empreitadas brasileiras na chamada “Ofensiva da
Primavera”. O capítulo 5 será composto por narrativas mais abrangentes, pelas
missões que levaram os soldados brasileiros ao Monte Castello e Montese, descritas
não apenas com o desenrolar dos acontecimentos bélicos em si, mas com os
depoimentos dos que deles participaram, demarcando, assim, os lugares da
memória.
644
SOARES, op. cit.,p. 158.
363
5 DEMARCANDO AS LEMBRANÇAS
5.1 A GUERRA DAS PATRULHAS: COM OS NERVOS À FLOR DA PELE
A memória age “tecendo fios entre os seres, os lugares, os acontecimentos
(tornando alguns mais densos em relação aos outros), mais do que
recuperando-os, resgatando-os ou descrevendo-os como ‘realmente’
aconteceram. Atualizando os passados, reencontrando o vivido e ao
mesmo tempo no passado e no presente”.
645
quase 65 anos de distância dos acontecimentos ocorridos durante a
Guerra Mundial, os brasileiros que participaram do conflito na Itália demarcaram
suas lembranças na tentativa de reforçar a memória histórica pública e coletiva,
neste ato que consideraram um ‘dever’. Elas estão expressas nos diários, nas
crônicas, nas reportagens e nas entrevistas com que os homens e mulheres da FEB,
um dia, buscaram avidamente contribuir para o aprofundamento e a compreensão
de recente passado.
Na ausência de estudos específicos sobre a participação brasileira na guerra,
é de grande valia a avaliação desses documentos, não apenas na questão que
envolve os eventos militares, mas também pelo impacto sobre essas memórias,
proporcionadas pelas histórias dos pequenos povoados, da população que os
soldados iam encontrando pelos caminhos - as famílias, com suas vivências locais,
muitas delas, como disse um pesquisador, enterradas no húmus’
646
em que se
afundavam cada vez mais suas raízes. Em dado momento, essas lembranças o
italianas e brasileiras e emergem dos escritos e recordações.
São também histórias locais, de encontros casuais com facções políticas,
sejam elas de partigianis, fascistas ou comunistas, tão bem destacadas nos
registros, muitos de forma clara e objetiva, que denotavam a relação entre os
soldados e a população, como se fez referência no quarto capítulo. Na verdade, são
narrativas que não têm a preocupação de serem absolutas, mas que se modificam,
se estruturam, segundo os interesses e a percepção de quem recorda.
645
SEIXAS, Jacy Alves. Percursos da Memória em terras da História: Problemáticas Atuais. In:
BRESCIANI e NAXARA, op. cit., p. 51.
646
VENTUROLI, Cinzia. La guerra sotto il sasso: populazione, tedeschi, partigiani (1940-1945).
Bolonha: Aspásia, 1999.
364
Durante a guerra, o mundo conhecido tomava novas dimensões, as fronteiras
eram movediças e tornavam os espaços reduzidos em fragmentos de histórias a
serem compartilhadas. Muitos desses registros, às vezes emblemáticos, formaram
mosaicos reveladores, onde o ponto de encontro elege a narrativa como sua maior
representante.
A guerra é vista como uma violência pública e privada. No período histórico
que se examina, entre 1944 e 1945, as narrativas falam de pessoas, dos locais, dos
entraves, enfim, do vivido; portanto, com suas lacunas, distorções, contradições
provocadas pelas distâncias em que os fatos aconteceram.
No front invernal italiano, quando tudo parecia estar parado, entre os meses
de dezembro de 1944 e janeiro de 1945, os brasileiros foram obrigados a praticar
uma forma diferente de combate contra os golpes de mão. Essas eram as formas
preferidas dos adversários da FEB, algumas até de grandes proporções, quando
conseguiam juntar dois pelotões, mais um grupo especializado na colocação de
minas. Esses golpes de mão tinham o propósito de ocupação, ou seja, avançar e se
apossar das linhas brasileiras. Para superar essas investidas, os brasileiros partiram
para a guerra das patrulhas, com o objetivo claro de surpreender o inimigo.
FIGURA 12 – INVERNO 1944-1945
FONTE: Acervo da autora.
365
Geralmente, as patrulhas eram formadas para atingir as linhas inimigas, a fim
de provocar uma reação da parte delas e indicar onde estavam suas posições, ou
para fazer prisioneiros. A carta topográfica ficava em posse do oficial que conduzia o
grupo, geralmente um tenente ou sargento. Do armamento que conduziam,
constavam um fuzil metralhadora, uma bazuca, uma submetralhadora, além dos
fuzis, munição e granadas. Também para facilitar as comunicações, usava-se o Han-
talk, para se poder falar com os oficiais no posto de comando de suas companhias.
Se não houvesse um bombardeio mais forte, era possível também levar uma equipe
de telefonistas, que acompanhavam a patrulha, desenrolando as bobinas de fios até
onde fosse possível. Nesse caso, era usado o telefone de magneto (fone-microfone),
que constituía uma peça única.
Conforme explica o capitão Octávio Pereira da Costa, que atuou na FEB
como artilheiro, pode-se afirmar que os embates ocorridos nos Apeninos, nos quais
o Brasil tomou parte, foi uma guerra de batalhões, de subunidades ou de pelotões.
Uma guerra de pequenos efetivos, dos homens combatendo, quase cara a cara com
o inimigo
647
.
Quanto ao disfarce das patrulhas nos dias de nevasca, eram providenciadas
as capas brancas com capuz, destinadas a confundir o patrulheiro com a neve.
Quando voltavam das patrulhas, havia um cuidado especial com essas capas, que
eram lavadas, porque o branco retinha com facilidade a cor do barro encontrado nos
caminhos. Como o tecido rasgava até pelo contato com o terreno, com galhos secos
espalhados no trajeto dos homens, constantemente tinham de ser costuradas pelo
próprio usuário. Nesse aspecto, foram providenciais os pequenos estojos de costura
que os homens levavam consigo para a frente de combate.
Os contatos por telefone eram comuns entre aquele que iria comandar a
patrulha e os capitães que ficavam nos postos de comando. As conversas diziam
respeito aos locais onde eram combinadas as dotações de munição e granadas que
cada um deveria levar. Eram feitas experiências com os aparelhos de rádio, de suma
importância nos contatos que se fizessem necessários. O peso da munição era outra
preocupação, porque poderia cansar quem tivesse de carregar todos os apetrechos,
mas não deveria ser pouca, pois a quantia suficiente, geralmente, significava
sobreviver a um enfrentamento.
647
COSTA, Octávio Pereira da. Entrevista. História Oral do Exército, Rio de Janeiro, 15 de agosto
de 2000.
366
A patrulha poderia ser precedida por uma outra, que tinha a missão de
verificar a posição dos alemães. Podia, também, seguir junto da patrulha uma
partigiano, que era conhecedor dos caminhos e das supostas posições do inimigo.
Junto com este grupo, podia ir um enfermeiro padioleiro, que portava as mochilas de
medicamentos de emergência e também uma padiola, no caso de haver feridos ou
mortos.
Os comandantes das diversas companhias de soldados acompanhavam a
saída das patrulhas dos seus batalhões. O capitão Antorildo Silveira,
costumeiramente, assim como os soldados, chamava as patrulhas de “cordões
carnavalescos”. Segundo seu testemunho, fazer parte de uma patrulha não era
assunto muito agradável. A operação de atravessar “a terra de ninguém” e chegar
aos domínios onde estavam os inimigos não era tarefa fácil.
A sensação de atravessar esse vazio que separava as linhas litigantes:
Esperava-se a qualquer momento ser atravessado por uma bala de fuzil,
disparada pelos franco-atiradores que pululavam nessas paragens, ou
rasgado por uma rajada traiçoeira de metralhadora, partida dum ponto que o
infeliz nunca localizaria.
648
Formada a patrulha, cabia ao tenente ou ao sargento a averiguação dos
apetrechos. Tudo tinha que ser muito bem vistoriado para se evitarem surpresas
durante o ataque. As armas até então deveriam estar travadas, mas o teste
afirmativo somente viria com um estalido metálico. Ao mesmo tempo, eram
acionadas, para verificar o seu funcionamento, evitando erros de última hora. As
armas que apresentassem qualquer problema eram lubrificadas e novos testes eram
realizados, demonstrando o seu funcionamento. Caso contrário, eram trocadas por
outros armamentos. Sob o frio muito intenso, as armas podiam travar.
Cada soldado podia levar consigo cerca de 8 granadas - que pesavam cerca
de 650 gramas cada - caso o batalhão dispusesse delas, e todos sabiam que o
grampo retirado era o que acionava a espoleta. O tempo de explosão, após o
lançamento, de cerca de seis segundos. Cabia ao comando da patrulha averiguar a
posição dos grampos das granadas, uma a uma. Aos poucos, as incorreções iam
sendo eliminadas para salvaguardar a vida de cada um.
648
SILVEIRA, Antorildo. O Sexto Regimento de Infantaria Expedicionário: Fatos da Campanha do
Território da Itália. Rio de Janeiro: Gráfica Lambert, 1947, p.86.
367
Sobre o uniforme de inverno, os homens usavam ainda o pesado sobretudo
de lã, ou a Field Jacket, que era sobreposta pela capa branca de camuflagem.
Sobre a cabeça, iam os dois capacetes, acoplados um ao outro, o de fibra e o de
aço. Geralmente, a patrulha era conduzida pelo mais graduado (responsável pela
segurança de todos os homens), em cujas qualidades os soldados depositavam toda
a confiança.
Era necessário ao líder da patrulha ter experiência para avaliar o terreno por
onde os homens passariam. Nas trilhas, era preciso evitar o terreno muito batido
pela artilharia, morteiros ou armas automáticas, tentando, desse modo, atingir
objetivos sem baixas ou, pelo menos, com o mínimo de perdas. As posições
inimigas reservavam muitas surpresas aos patrulheiros: eram protegidas por minas
anti-pessoais e anti-tanques, que estavam enterradas na extensão das linhas. As
anti-pessoais explodiam sob o peso de um homem: as anti-tanques, sob o de um
tanque, caminhão ou jeep. Em muitas situações, era necessário proceder-se à
“limpeza” da área, com pessoal e aparelhos especializados, que assinalavam a
presença desses engenhos. Assim, os mineiros removiam a leve camada de terra ou
qualquer coisa que os ocultasse ao nível do solo, retiravam a espoleta, depois a
própria mina e, assim, anulavam o perigo da explosão.
O sargento Ayrton Viana Alves Guimarães, do 9º Batalhão de Engenharia, era
um dos encarregados de localizar as minas no terreno por onde a patrulha deveria
passar. Um dos apetrechos que usava para essa finalidade era o ‘bastão de prova’.
Segundo sua descrição, tratava-se de uma bengala pontuda. Em sua narrativa, ele
explica como funcionava:
Você ia furando o terreno à procura de um corpo estranho. Quando tocava
em algo mais sólido, você dizia “Mina!Os meus companheiros recuavam
uns 60 metros ou mais, você colocava o sabre, que era a sua arma, cavava.
Então, ia inspecionar aquilo ali para saber se realmente era uma mina, uma
pedra, ou outro corpo estranho qualquer.
649
Havia também o detector de metais, que funcionava com uma bateria e era
levado a tiracolo. Quando enquadrado sobre a mina, ele emitia um som indicativo de
que o objeto era de metal.
649
GUIMARAES, Ayrton Viana Alves . Entrevista, História Oral do Exército, dia 3 de maio de 2001.
368
FIGURA 13 – DESARMANDO MINAS (FEVEREIRO DE 1945)
FONTE: Acervo da autora.
Como as patrulhas tinham de caminhar fazendo o mínimo de ruído possível a
fim de não revelarem sua passagem, geralmente os aparelhos detectores de metais
não eram levados, pelo barulho que emitiam. Nesse sentido, abriam-se precedentes
para as surpresas. Uma patrulha que saía à noite tinha muita dificuldade para
perceber a presença de minas no caminho. Muitos se apercebiam tardiamente delas
e, ao acioná-las, levavam de roldão os companheiros que estavam nas
proximidades.
Também o soldado Oudinot Willadino, responsável pela manutenção das
viaturas, recorda o cuidado que a sua função exigia com os equipamentos,
principalmente os carburadores, que congelavam nos dias de intenso frio. Além
desse, ocorriam outros problemas, como as trocas de pneus que tinham de ser
constantes e dos motores que fundiam devido a um esforço maior para subir
estradas localizadas em terreno muito acidentado. Muitas vezes, Oudinot teve de
socorrer viaturas que haviam passado sobre minas terrestres.
Quando uma viatura passava em um campo minado e, na explosão,
danificava toda a dianteira da viatura, mas sobravam partes que não sofriam
369
dano algum, quando a desmontávamos, restava muita coisa boa: o motor, o
diferencial. Aproveitávamos o que podíamos e colocávamos em outra
viatura que precisasse.
650
Participar de uma patrulha era algo realmente temeroso, como destacou o
sargento Rubens Leite de Andrade:
Para o soldado da infantaria, a patrulha é mais temível que o ataque. Nela,
partíamos para o desconhecido, não sabíamos o que nos esperava. Às
vezes é emboscada, como aconteceu com a minha companhia. Foram
cercados pelos alemães. Alguns conseguiram se retirar, porém três não
tiveram a mesma sorte. Resistiram até ao último cartucho.
651
A neve que cobria a estrada era também grande problema, acabava por
petrificar, criando dificuldades para os homens e as viaturas. Era comum o silêncio
da patrulha ser quebrado por alguém que caía, além do barulho provocado pelos
equipamentos que se soltavam, o que era inevitável. As trilhas batidas tinham a
preferência dos homens, pois a neve solta nas laterais impedia as passadas e se
afundavam os pés em até meio metro de neve, criando sérias dificuldades no
caminhar. Os ruídos eram percebidos a longa distância. Desse modo, usavam-se os
sinais para comunicação entre os homens.
A longa caminhada noturna estava envolta no comprometimento de estar
sempre atento à testa da coluna. Se o da frente se ajoelhava ou deitava, todos
seguiam o mesmo movimento. O fuzil e um dos braços levantados significavam
perigo: poderia ser emboscada. Cada homem se distanciava do outro cerca de 10
metros. Muitas vezes, o fuzil ou os cacetes eram usados como bengalas, para evitar
as quedas constantes.
A longa marcha esquentava os corpos. O peso que conduziam, as jaquetas
bem forradas, ou o sobretudo, e a capa de neve, bem como o deslocamento dos
homens, faziam os patrulheiros transpirarem. Às vezes, pelos caminhos,
encontravam-se algumas casas habitadas, o que não era novidade, pois vários
testemunhos deixaram em seus registros os encontros com famílias. O convite para
entrar significava o descanso merecido ao lado do fogo, que ajudava a manter a
temperatura corporal, tão necessária nas jornadas noturnas em que se empenhavam
esses homens.
650
VILLADINO, Oudinot. Entrevista. História Oral do Exército,
23 de maio de 2000
651
ANDRADE, Rubens Leite de. Entrevista. História Oral do Exército, 19 de setembro de 2000.
370
Além das minas anti-carro, havia as armadilhas conhecidas como booby
traps, que consistiam num fio atravessando horizontalmente os caminhos e
passagens por onde as patrulhas poderiam passar. O fio, claro, ficava a pouca altura
do solo. Uma, ou ambas as extremidades dele ligavam-se a argolas de grampos de
granadas. Essas, a pouca distância do patrulheiro, tinham condições de explodir, a
partir do momento em que a pessoa enroscava uma de suas pernas, em 6
segundos, não dando tempo de a vítima correr, quando percebia o ocorrido. Nessa
situação, o soldado perdia a perna inteira. Caso ocorresse a presença de minas em
lugar das granadas, o efeito mortífero era muito maior.
Outra preocupação das patrulhas eram os very lights,
652
armadilhas
luminosas, sem efeito mortífero, mas que denunciavam as posições da patrulha, à
medida que o seu foco iluminado a atingia em cheio, dando possibilidade de os
inimigos enfrentarem os brasileiros, num curto espaço de tempo, varrendo-os com
fogos de metralhadoras.
Muitas dessas patrulhas encontravam-se com os opositores pelos caminhos e
os confrontos eram inevitáveis. Muitas delas fizeram vários prisioneiros alemães.
Mas também brasileiros caíram nas mãos do inimigo.
No retorno da patrulha ao seu posto de comando, as precauções eram as
mesmas da partida. Dois elementos iam à frente, na posição de esclarecedores. Em
seguida, vinham os feridos e os prisioneiros. Três ou quatro homens na retaguarda,
e os demais contornando o centro do dispositivo.
O soldado Geraldino Werner, que participou do R.I., recorda em seu diário
algumas situações que envolviam as patrulhas, quando o seu grupamento, depois
do fracassado ataque ao Monte Castello, no dia 29 de novembro, havia sido
deslocado para uma localidade chamada Monte Áfrico. Ele havia baixado ao hospital
de Porreta, por causa do deslocamento de ar provocado por uma bomba.
Restabelecido, recebera o novo equipamento e retornara ao front, onde se
encontravam os companheiros. Como o abrigo ficava no alto do morro, podia ver a
movimentação que acontecia no vale logo abaixo. No dia 10 de dezembro de 1944,
ele anotou: “Os velhos inimigos faziam patrulhas suicidas, tornavam constante
652
N.A.: Normalmente, os very light eram lançados por morteiros como se fossem granadas.
Explodiam no espaço e o seu foco luminoso fica suspenso a grande altura, por meio de um pequeno
paraquedas, demorando cerca de 5 minutos no espaço. Sua luz possante iluminava quase como a
luz do dia.
371
perigo para as nossas linhas. O terreno montanhoso e acidentado dificultava a
passagem para ambos os lados e nós estávamos ali para garantir nossa posição a
qualquer preço”.
653
Relata ainda Geraldino que os alemães, tentando chamar a atenção dos
brasileiros, todas as noites invadiam o quintal de um colono que criava galinhas,
fazendo a maior confusão no galinheiro. O objetivo era que os brasileiros revidassem
com tiros, assim, identificando a posição onde se encontravam. Mas os soldados
brasileiros, habituados com essas estratégias na guerra, permaneciam escondidos,
sem denunciarem suas posições.
No dia 8 de janeiro de 1945, Geraldino Werner fazia parte de uma patrulha de
reconhecimento nas imediações do rio Marano e anotou em seu diário:
Vestimos capas brancas, nos pés galochas altas, capacetes de fibras e,
sobre eles, o de aço, e armados “até aos dentes”. Na noite muito escura,
parecíamos fantasmas. Em certos lugares, a neve atingia a altura dos
joelhos. Com 1 fuzil, 2 granadas, 1 talabarte de munições e 1 faca de
campanha na cintura, fomos avançando. Caminhávamos lentamente e com
muito cuidado e silêncio, pois a morte caminha sobre os nossos pés, e foi
justamente o que aconteceu. Próximo do rio, dois companheiros se
afastaram à direita sem que alguém tivesse percebido, não se sabe se por
imprudência ou o destino os levou a sair da nossa rota. Nisso, ouvimos uma
explosão abafada. O tenente rapidamente ordena a retirada da patrulha,
pensando que os alemães estavam por ali. Não caminhamos 50 metros,
quando demos por falta de dois companheiros, o cabo Jorge e o soldado
Paulino. A patrulha volta em busca dos companheiros e, para nosso
espanto, os alemães, que realmente estavam nas proximidades, os
aprisionaram. Pelos gritos que ouvimos, de desespero e de dor, estavam
feridos. Naturalmente, deveriam ter pisado em uma mina, nada mais podia
ser feito a não ser retornar, com tristeza e frustração, à nossa posição.
654
As companhias ficavam estacionadas em determinados pontos, que
demarcavam a zona limítrofe entre brasileiros e alemães. A movimentação de
patrulhas era grande. Geralmente, saíam à noite para se resguardarem da visão dos
alemães. Os relatos das patrulhas destacavam aspectos que fugiam do relato
técnico dos escreventes. Os Regimentos tinham necessidade de anotar os
acontecimentos, organizando os relatórios. Nesse sentido, foram escolhidos os
oficiais que possuíssem um nível de escolaridade melhor, para efetuar o resumo dos
acontecimentos. Cada companhia tinha o seu escrevente. Esses homens eram
procurados no final de cada missão. A eles, eram repassadas as informações de
653
WERNER, Geraldino. Tomada de Monte Castelo... Memórias de Geraldino Werner. Documento
digitalizado. Curitiba, 12 de setembro de 2008, p. 9.
654
Ibid., p. 10.
372
forma clara e objetiva e lhes cabia efetuar o registro de forma sucinta, enfatizando as
ocorrências. No caso das patrulhas, era destacada a hora da saída, os objetivos da
missão, o número e os nomes dos componentes, as dificuldades encontradas, as
emboscadas, os feridos, os prisioneiros e, no caso de um enfrentamento maior, o
oficial que comandava a patrulha se encarregava de destacar os detalhes e os
nomes dos soldados que haviam se sobressaído e de que maneira haviam atuado.
FIGURA 14 – A PATRULHA
FONTE: HALLAWELL (1946, p. 34)
No depoimento de José Maria Rodrigues, cabo escrevente, é possível avaliar
o seu papel diante do 6º R.I., ao qual pertencia.
Como escrevente, tinha a incumbência de colocar em dia toda a
escrituração militar dos elementos de minha companhia. Tomei nota de
todos os dados do pessoal da subunidade, das identidades, onde
nasceram, o que faziam, para que as fichas deles fossem completas.
655
655
RODRIGUES, José Maria. Entrevista. História Oral do Exército, Rio de Janeiro, maio de 2000.
373
Os dados registrados pelo escrevente eram de suma importância para que
fossem, mais tarde, encaminhados às ‘folhas de alteração’ de cada soldado ou
oficial, quase como uma ficha de identificação, com o nome completo, onde a vida
militar estava descrita. Dessa ficha, dependiam as promoções e, no caso da guerra,
direcionavam-se as indicações para as parcas medalhas que a FEB conferiu aos
seus homens.
Além dos dados pessoais de cada homem, havia a descrição da ocorrência
da missão empreitada em determinado dia. Os escreventes cumpriam a difícil
missão de identificar ainda os mortos, o que era verificado pelas duas placas de
identificação que o soldado portava no pescoço, como um colar. estava inscrito o
nome do soldado e o seu número, bem como o tipo sangüíneo. As placas eram
retiradas. Uma delas seria enviada à família e a outra colocada estrategicamente
dentro da boca do morto, o que facilitou muito a exumação dos corpos quase 20
anos depois de terminada a guerra, quando os corpos dos soldados brasileiros
foram retirados do cemitério de Pistóia e trasladados para o Monumento aos Mortos
no Rio de Janeiro, já em 1960.
A memória dos patrulheiros registrara situações que o oficial escrevente,
diante da preocupação com uma escrita meramente técnica, o achava relevante
mencionar. Pela voz dos soldados, tem-se uma noção da difícil topografia do terreno
italiano, das dificuldades enfrentadas pelos homens em pleno inverno, quer seja com
o armamento ou com o transporte complicado dos equipamentos, dos encontros
com as patrulhas inimigas, do temor que assolava a cada passo e da fragilidade do
momento vivenciado.
O soldado Geraldino Werner, em seu relato, destaca algumas situações
realmente pesarosas. Em uma das missões, em que dois companheiros seus foram
mortos e outros dois foram feitos prisioneiros dos alemães, ele transmite o estado de
espírito da patrulha:
O cansaço tomava conta de todos. Não estávamos acostumados a grandes
alturas, mas as andanças, um café quente ou um bom chocolate, muito iam
contribuir para acalmar os nossos nervos e nossa angústia. Nesta investida,
nossa patrulha não obteve sucesso. [...] o que mais nos perturbava no
momento era o sentimento de tristeza pelos nossos companheiros.
656
656
WERNER, op. cit.,p. 10.
374
Os registros dos patrulheiros mostram o quão tênue era a linha divisória entre
brasileiros e alemães. Muitas vezes, um rio servia de divisor. O soldado Werner
mostra, em seu relato, que do outro lado do rio Marano, onde seu grupo estava em
posição, era possível avistar uma casa onde os alemães, fugindo às pressas,
sentido a presença próxima da patrulha brasileira, haviam deixado vários baldes com
suco de maçã. Ele e seus amigos mostraram desejo de experimentar o suco que
parecia tão apetitoso, mas alguém foi mais prudente:
Nosso tenente foi mais cauteloso, pois achou que o refresco poderia estar
envenenado e não quis saber de experimentar, mas sempre tem um
curioso... O refresco geladinho fez um bem para todos, que saciaram aquele
líquido delicioso, sem que para isso tivéssemos que dar um tiro.
657
5.1.1 A legendária figura do patrulheiro Max Wolff Filho
Muitos fatos na guerra, para os soldados brasileiros, estão envoltos no nome
do sargento Max Wolff Filho, que pertenceu ao 1 Regimento de Infantaria. O seu
nome está ligado às patrulhas, das quais ele participou ou que comandou durante o
inverno e, mais tarde, na Ofensiva da Primavera. Os rumos da guerra iam sendo
delineados, mas cabia à FEB a responsabilidade de resolver missões de extrema
importância, abrindo caminhos para que os norte-americanos pudessem conquistar
Bolonha, finalizando a campanha no último reduto alemão em terras italianas.
No encaminhamento da guerra, o general Cordeiro de Farias, comandante da
Artilharia da FEB, em um dos seus últimos pronunciamentos, deixa bem clara a sua
visão sobre as missões de responsabilidade da FEB, delineadas pelo Exército
Americano. No testemunho que ele deu a Aspásia Camargo e a Walder de Góes, em
1981, recordou a chegada do 2º Escalão da FEB, do qual era comandante. Lembrou
também da frente de Bolonha.
Os alemães estavam oferecendo grande resistência antes de Bolonha, o
que deixou o general Clark numa situação difícil, sem poder avançar ou
recuar. [...] Logo que nossa tropa chegou à região, recebeu a missão de
657
WERNER, op. cit.,p. 10.
375
juntar-se às que estavam lutando mais de um mês e, sob o comando
dos norte-americanos, atacar Monte Castelo.
658
Segundo Cordeiro de Farias, era uma “missão duríssima , porque os alemães
ocupavam todos os lados”.
659
Diante da dificuldade de atingir Bolonha, decidiu-se que as tropas brasileiras
iriam realizar manobras diversionistas na região de Monte Castelo, com o objetivo de
desviar a atenção dos alemães. Ainda no relato de Cordeiro de Farias:
Com isso, facilitaríamos as operações dos americanos. É claro que o V
Exército sabia, de sobra, que não se podia tomar o Monte Castelo, que
aquela era uma operação suicida. Isso ninguém conta e nem pode contar. O
general Clark fez muito bem, a desgraça é que essa dura missão tenha
caído em cima das tropas brasileiras.
660
Max Wolff foi também chamado por seus companheiros como “o rei das
patrulhas”. Pertenceu à Companhia do 11º R. I. e embarcou para a Itália no
escalão. A história de vida do sargento conduz à Policia Municipal do Distrito
Federal, quando servia a essa unidade militar. No percurso da carreira, conheceu o
general Zenóbio da Costa, o que teria facilitado a sua passagem para os quadros da
FEB, porque outros impedimentos haviam ocorrido: primeiro, pela sua idade; e,
depois, por um problema de saúde apresentado, que o considerou incapaz de viajar
para a Itália. Sanadas as dificuldades, que se avaliar seu esforço pessoal para
embarcar com a tropa brasileira.
Das diversas missões em que participou, seu nome foi registrado pelos
escreventes do 11º Regimento de Infantaria, principalmente nas primeiras jornadas
infrutíferas na Tomada de Monte Castello, quando buscou levar tranqüilidade a um
grupamento de soldados da 1ª Companhia do 11º R. I. que havia debandado,
sugestionados pelo pânico reinante. Tal ocorrência deu-se no dia 2 de dezembro de
1944.
Mais tarde, no dia 12 de dezembro, em outro ataque sem sucesso ao Monte
Castelo, o sargento Max Wolff Filho teve o reconhecimento de seu comando, pelo
ato voluntarioso de ir à busca dos feridos e do capitão João Tarciso Bueno, que
havia sido ferido gravemente. Embora não tivesse obtido êxito na recuperação dos
658
CAMARGO e GOES, op. cit., p. 319
659
Id.
660
Id.
376
feridos e desaparecidos, um reconhecimento dos batalhões envolvidos nos
acontecimentos desesperadores daquela jornada e a admiração dos seus superiores
e camaradas pela intrepidez com que aceitou a penosa missão, uma marca da sua
personalidade de soldado.
A mais célebre missão de Wolff, juntamente com os 19 homens que o
seguiam, estava direcionada à cota 747, assinalada no mapa, próxima à cidade de
Montese. Era o mês de abril de 1945 e o comando da FEB desconfiava da forte
presença de alemães naquela localidade. Havia necessidade de se verificar a
realidade das informações esporádicas que chegavam ao comando. Nesse aspecto,
foi designada a patrulha de Wolff para que fizesse o levantamento das localidades
vizinhas.
Foram muitos os contemporâneos que escreveram sobre a pessoa de Wolff,
mesmo os que não o conheceram, até de outros regimentos, e, mesmo nos diários
de guerra, seu nome é mencionado constantemente. O que chama a atenção é a
força com que o seu nome vai crescendo e emergindo nas narrativas, como salienta
Salomão Naslausky, capitão da Artilharia na época da guerra:
[...] figura consagrada como personagem lendária em vários combates,
tendo recebido das mãos do Comandante dos Exércitos Aliados na frente
italiana, General Mark Clark, a Estrela de Prata, condecoração das mais
valiosas dos Estados Unidos da América.
661
O fato memorável que liga a história de Wolff à lenda e que tem persistido
entre os pracinhas, é que o elegeram como o maior herói da FEB, em função da
patrulha efetuada por ele e por seus companheiros no dia 12 de abril de 1945. As
ocorrências dessa jornada, que o vitimaram, estão envolvidas até hoje pelas mais
diversas interpretações.
Aquele dia fatídico mal amanhecera e o Posto de Comando do do 11º R.I.,
localizado na região de Monteforte, nas vizinhanças de Montese, estava tomado
pelos artilheiros e correspondentes de guerra. Havia sérios boatos de grande
movimentação de tropas inimigas, o que gerava dupla interpretação: poderia tratar-
se de reforço ou de retirada das tropas alemãs na região de Montese.
661
NASLAUSKY, Salomão. Cota 747. In: REVISTA MILITAR BRASILEIRA. Ano LIX. Volume CII,
Brasília, Ministério do Exército, 1973, p. 175.
377
O lançamento de patrulhas à luz do dia era algo de muita temeridade.
Escolhido na noite anterior para comandar o pelotão especial, Wolff havia estudado,
com o oficial de operações, todos os detalhes que conduziriam a tão perigosa
empreitada. Os homens que o acompanhariam seriam de sua escolha. Geralmente,
o grupo era formado por 19 homens.
Como era de seu feitio, segundo muitos dos seus companheiros, Wolff tinha o
hábito de verificar cada soldado do seu pelotão. Como comandante de linha de
frente, previa e providenciava tudo o que fosse necessário para a patrulha. Solicitava
que cada um verificasse seu armamento, geralmente, as sub-metralhadoras e fuzis,
minúcias importantes que não poderiam ser esquecidas. Cada homem portava
algumas granadas que iam enganchadas no cinto de guarnição, que junto a outros
equipamentos tornavam o caminhar do grupo uma árdua tarefa para os patrulheiros.
Os homens que o acompanhavam sentiam confiança e segurança na sua liderança.
Ao passar pelo observatório da Artilharia Brasileira em Monteforte, conforme o
relato do capitão Naslausky, que estava presente, a patrulha seguia em coluna por
um, e estava sendo observada ao longe, também pelos correspondentes. Minutos
antes, a patrulha havia sido fotografada com os homens em formação. Foi a célebre
foto que ficou na história, com Max Wolff à testa do grupamento, com seus
talabartes
662
cruzados sobre o peito.
Passando pela localidade, no mapa assinalada como a cota 732, conhecida
como Morciani, Wolff deixou para trás parte dos seus doze homens, para um apoio;
caso uma retirada fosse necessária; seguindo à frente com mais seis. O restante do
grupo foi dividido em dois. Ao se aproximarem da cota 747, na localidade de Riva di
Biscia, objetivo maior da patrulha, Wolff e os demais se aproximam muito das casas.
O terreno estava fofo, pois havia sido arado recentemente, o que dificultava a
caminhada. Neste instante, perto do meio-dia, o comandante foi atingido pelas balas
da metralhadora MG42 (Lourdinha)
663
e ferido mortalmente.
662
N.A.: Talabarte ou boldrié é um cinturão onde os militares poderiam prender a espada. Na
Guerra Mundial, muitos usavam atravessados no tórax, onde iam penduradas as granadas e
munição.
663
N.A.: A metralhadora alemã mais conhecida e temida pelos soldados brasileiros, a MG42. Foi a
arma que causou maior número de baixas. Tinha esse nome porque o seu matraquear das balas
muito rápido, quando disparando, parecia com o ruído de uma máquina de costura. Muitas costureiras
no Rio de Janeiro chamavam-se Lurdinhas. A arma tinha de comprimento cerca de 1,20 m. A
velocidade do projétil era 745 m/s. A cadência de fogo era entre 1.100 e 1.200 disparos por minuto.
Seu peso, com bipé, era de 12 quilos.
378
O inimigo havia preparado uma barragem de fogos, frente às suas posições,
dificultando o resgate do corpo de Wolff. Nesse momento, foram feridos o sargento
Faccion e o soldado Antonio de Rodrigues O soldado João Estevan morreu no
local. O tenente médico Dr. Yvon de Miranda Azevedo, que estava mais recuado,
tentou socorrer os feridos no próprio local. Entre os remanescentes da patrulha,
permaneceu um grande desalento. A notícia da morte de Wolff espalhou-se por
todos os acampamentos brasileiros. Tal fato ocorreu na frente e na retaguarda das
tropas, nos fox hole e nos postos de observação avançados, reforçando a cada
narrativa a figura heróica da personagem. Ficara retida, nas mentes, a figura do
soldado destemido, líder do seu grupo e, o mais relevante, a marca da sua
personalidade altruísta e espírito de companheirismo denotado a quem precisasse.
O capitão Naslausky, da FEB, referindo-se ao sargento, em artigo publicado
no pós-guerra, ressalta os valores do militar morto no cumprimento do dever: “figura
consagrada como personagem lendária, pelos feitos heróicos, por vezes sobre-
humanos, realizados em vários combates”.
664
Dos companheiros que conviveram com Max Wolff, além dos soldados que
faziam parte das suas patrulhas, poucos deixaram seus testemunhos a respeito das
missões em que o sargento esteve presente. o capitão Adhemar Rivermar de
Almeida, na época oficial de Operações do mesmo Batalhão, deixou um documento
manuscrito, não publicado, em que, pela primeira vez, fora organizada uma biografia
completa do sargento Wolff, dando destaque às citações que constam da folha
militar e que lhes foram concedidas pelos comandantes, em diversas situações. No
dia 24 de Janeiro de 1944, assina o elogio o major Jacy Guimarães, comandante do
I/11º R. I.: “Pelas qualidades de disciplina, devotada ao trabalho, iniciativa, coragem
e sangue-frio demonstrados, através das ações de combate em que se empenhou o
Batalhão”.
665
Outra citação lembrando Wolff foi registrada no relatório do I/11º R. I. quando,
no dia 7 de março de 1944, junto de mais 2 companheiros, socorreu os telefonistas
que reparavam as linhas da Companhia, destruídas pelos alemães. O terreno
percorrido por Wolff estava minado e oferecia grande perigo à aproximação. “O
desassombro e o exemplo dos guias permitiram o trabalho de recuperação. As
664
NASLAUSKY, op. cit., p. 175.
665
ALMEIDA, Adhemar Rivermar de. Max Wolff, um símbolo, quase uma lenda. Documento
manuscrito. Rio de Janeiro, 1987.
379
linhas foram consertadas e as ligações restauradas.” O feito, considerado de alto
nível, foi elogiado também pelo comandante da FEB, o general Mascarenhas de
Moraes, que destacou aquele momento: “Releva notar que do sargento Wolff é a
segunda citação que tenho o prazer de registrar por ato meritório praticado em
combate”.
666
As memórias individuais dos homens da FEB mostraram que, em algumas
situações no cotidiano da guerra, foram partilhadas experiências similares às do
sargento morto em campo de batalha. Nas trajetórias recuperadas da memória, os
relatos relacionados à morte são os mais contundentes, pois ressaltam os valores
dos amigos tombados em situações drásticas, em que vidas foram ceifadas,
carreiras interrompidas, irrompendo em enorme tristeza dos familiares. Os relatos de
Geraldino Werner, Salomão Naslausky e Adhemar Rivermar de Almeida colocam o
leitor diante da significação e da valorização dos trágicos acontecimentos.
Octávio Costa, tenente da FEB, também se encontrava no dia 12 de abril de
1944 no observatório da Artilharia em Monteforte. Da sua convivência com Wolff, em
outros momentos, ele recorda os motivos que levaram o amigo à testa da patrulha
naquele dia. Segundo o tenente, na posição ocupada pelos brasileiros, próximo a
Montese, o silêncio era instigante. Nenhum tiro de morteiro ou canhão era ouvido
durante vários dias. ‘Nosso observatório e todo o setor brasileiro estavam
impunes’.
Era preciso medir a incerteza. Cada batalhão deveria enviar, à luz do dia,
duas patrulhas fortes, até onde a reação costumava ser cruenta. Fariam
prisioneiros, colheriam informações para o ataque do dia seguinte.
Estranho, a guerra dos homens, melhor a intimidade do contato com o
inimigo que o vazio da incerteza.
667
Muitos, em seus depoimentos, afirmam terem visto Max Wolff morrer. Cada
um a seu modo tenta descrever o que lembra da época. Provavelmente, são relatos
que se mesclam à memória dos patrulheiros sobreviventes ao ataque, como o
descrito pelo tenente Octavio Costa, que não estava no local:
Dois homens rastejavam, puxando o corpo pelas pernas. Um deles ficou
colado ao chão. Veio outro. Viram que Wolff estava morto, junto à cerca. E
outro estava morrendo. [...] examinou o herói, ajeitou-lhe o uniforme,
666
ALMEIDA, op. cit., p. 26.
667
COSTA, op. cit., p. 179.
380
colocou-lhe o capacete. [...] Inútil a peregrinação da noite dos padioleiros
para encontrar o Wolff.
668
É possível imaginar os acontecimentos desses últimos momentos, sob fogo
pesado das armas que vinham da casa, de onde saíram os tiros que sacrificaram os
patrulheiros. Também no alto dos morros vizinhos havia um intenso bombardeio
entre as duas artilharias, a alemã e a brasileira, como bem descreve Adhemar
Rivermar de Almeida, em seu relato: “A situação agravou-se com o início da
barragem solicitada pelos nazistas, com intenso bombardeio de morteiros vindos de
Cassano di Mezzo, de di Gnoco e de uma outra localidade não identificada,
cortando a retirada do reconhecimento”.
669
O 1º Tenente médico, Dr. Ivon de Miranda de Azevedo, que se encontrava na
retaguarda, acompanhado de homens do Serviço de Saúde, teve permissão para
socorrer os feridos nas proximidades e tentou resgatar os corpos dos mortos. Os
enfermeiros e padioleiros atendiam o grupo. Duas tentativas foram feitas para
resgatar o corpo de Max Wolff, mas qualquer movimento era impedido, dada a forte
reação alemã.
Ainda segundo o relato do tenente Adhemar Rivermar, o regresso da patrulha
ao local da partida foi acabrunhante. Os homens mostravam-se inconsoláveis com a
perda do chefe amigo. “São homens afeitos ao combate, criados desde cedo na luta
pela vida, homens em sua maioria simples, almas rústicas dominadas pela mística
do seu sargento, que não concebem que o corpo do seu comandante permaneça
insepulto na terra de ninguém”.
670
Nos dias que se seguiram à morte dos patrulheiros, a FEB desencadeou toda
a sua ação sobre a cidade de Montese e seu entorno, onde não se podia imaginar a
forte concentração alemã. O corpo de Wolff não foi resgatado, provavelmente tenha
sido enterrado pelos alemães ou por colonos italianos que habitavam as
redondezas.
Sobre o corpo de Wolff ter sido encontrado, ou não, as referências são
poucas e o tema torna-se polêmico por não ser possível documentar uma prova
circunstancial do ocorrido. Segundo alguns, seu corpo foi levado em um jipe pelos
brasileiros, mas daí emerge o questionamento: onde, quando? No boletim interno do
668
COSTA, op. cit., p. 180.
669
ALMEIDA, op. cit.,p. 34.
670
Ibid., p. 37.
381
Regimento, consultado por Adhemar Rivermar, encontra-se: “A 18, foi publicado ter
ficado considerado como desaparecido em 12 do corrente, quando comandava uma
patrulha, às 15 horas, na região do ponto 747”.
Outros dados são incorporados à ficha militar de Max Wolff ainda na Itália.
No dia 22 de abril, foi público ter passado da categoria de desaparecido” a “morto
em ação”, sendo, portanto excluído do estado efetivo do Regimento, I Batalhão e
Companhia. No dia 8 de junho de 1945, foi promovido ao posto de segundo tenente
“post mortem”. No dia 24 de junho, foi verificado o saldo bancário deixado por Wolff,
o que reportava a quantia de quatro mil cruzeiros.
A conclusão do tenente Adhemar Rivermar, sobre o destino do corpo de
Wolff, fica muito clara na sua declaração: “Ao contrário do que fomos informados na
ocasião, não é verdadeira a declaração de que o corpo de Wolff tivesse sido
resgatado uns poucos dias depois, pois vamos encontrar, com data de 20 de agosto
de 1945, a seguinte solução de sindicância”.
671
A sindicância do Exército expõe a conclusão a que chegaram os responsáveis
pela procura dos desaparecidos:
Pela conclusão das averiguações que mandei proceder, verifica-se que o
sargento Max Wolff Filho, do 11º Regimento de Infantaria, foi morto em
combate no dia 12 de abril de 1945, que o corpo do mesmo ainda não foi
encontrado, presumido-se que tenha sido sepultado pelos alemães.
672
Também os correspondentes de guerra, que se encontravam, no dia 12 de
abril de 1944, no posto de observação da Artilharia em Monteforte, puderam
acompanhar a saída da patrulha de Max Wolff. Dentre esses jornalistas, Joel
Silveira, dos Diários Associados, disse ter visto quando a rajada de metralhadora
rasgou o peito do sargento Wolff. A distância, segundo o próprio Joel, era de
aproximadamente 1 quilômetro. Tal narrativa foi reforçada pelas seguintes palavras:
[...] vimos, com ajuda dos binóculos, quando o sargento abriu com o a
porta de uma delas (a casa). [...] Às duas e meia da tarde, a patrulha
estava a menos de 100 metros do objetivo a ser alcançado – um novo grupo
de casas alinhadas sobre uma lombada macia. O sargento Max Wolff deu
671
ALMEIDA, op. cit.,p. 38.
672
COSTA, Dalton Martins. Boletim n. 43, de 20 de agosto de 1945. In:, ALMEIDA, op. cit.,p. 38.
382
mais alguns passos: e então uma gargalhada curta e nervosa estilhaçou o
silêncio do vale. Max Wolff caiu de bruços sobre a grama.
673
Joel Silveira continua o seu relato sobre os acontecimentos que encerraram o
fatídico dia dos patrulheiros que acompanharam Wolff naquela manhã do dia 12 de
abril de 1945. Teria também o jornalista conversado com alguns homens que
escaparam com vida, dentre os quais o sargento Nilton José Facion e o sargento
Alfeu de Paula Oliveira, a fim de colher informações. Joel Silveira relata também que
o corpo do sargento teria sido resgatado depois de três dias, quando a cidade de
Montese se encontrava nas mãos dos brasileiros após violentos combates,
contrariando o parecer de Adhemar Rivermar de Almeida, que aponta como válida a
sindicância do Exército em 1945, ainda em terra italianas, quando Wolff foi
considerado morto em ação e desaparecido.
A descrição do local também deixa dúvidas, quando Joel Silveira diz que o
sargento caiu sobre a grama, contestando outras memórias, que afirmaram estar o
terreno “fofo”, o que dificultava o caminhar. Segundo testemunhos, os terrenos
tinham sido arados para plantio, após longo inverno, uma vez que a primavera
italiana apresentara ótimas condições para o plantio e os agricultores preparavam
suas lavouras, não imaginando que a guerra chegasse às suas pequenas
propriedades.
Outra versão sobre a morte do sargento Wolff é encontrada nas memórias de
José Dequech, da companhia de Obuzes do 11º R.I.:
À noite, quando um pelotão ainda tentou resgatar os corpos, os alemães
armaram uma emboscada e não permitiram. Somente no dia 15 de abril,
depois da Tomada de Montese, é que o pelotão voltou a 747, mas já
encontrou os corpos minados pelos alemães e sua retirada possível com
um emprego de mineiros.
674
Aos pesquisadores caberá sempre uma pergunta: por que tantos soldados e
oficiais da FEB afirmam terem visto Max Wolff morrer? Seria uma busca incessante
de reafirmação do grupo de combatentes da FEB? Mesmo os que não pertenceram
ao seu regimento, que não o conheciam pessoalmente, o prantearam em seus
673
SILVEIRA, Joel e MITKE, Thassilo. A luta dos pracinhas: A força Expedicionária Brasileira na II
Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Record, 1983, p. 82.
674
DEQUECH, José. Nós estivemos . Legião Paranaense do Expedicionário. Curitiba: Bibliex,
1994, p. 87.
383
testemunhos. O relato do tenente Naslausky sintetiza o pensamento daqueles que
pensavam como ele:
[...] não havia mais dúvidas. Morrera o hei. E, ao certificar-se da triste
verdade, procurou o artilheiro seu abrigo individual, único lugar em que
poderia, naquele momento, ficar só. E não se conteve. Chorou. Chorou o
Artilheiro a morte de seu herói da Infantaria.
675
Percebe-se que as lembranças deixadas pelo sargento Max Wolff Filho foram
cristalizadas na memória dos combatentes, pelos acontecimentos que marcaram a
memória individual e coletiva do grupo. Tais recordações fortaleceram o sentimento
de pertencimento dos homens da FEB, ligados a um passado comum.
Como soldado, Max Wolff Filho construiu, para os soldados que pertenceram
à sua companhia, laços sólidos de respeito e de amizade, que muitas vezes
extrapolaram suas funções. Fato marcante deu-se quando socorreu outros
companheiros durante a tentativa frustrada da tomada de Monte Castello, no dia 12
de dezembro de 1944. Nesse episódio, o Capitão João Tarcisio Bueno, ferido
gravemente, permanecia inerte do lado alemão. Max Wolff centrou esforços para
resgatá-lo, não conseguiu, porque o capitão acabou sendo salvo por seu ordenança.
Dada a representatividade que se fez em torno de sua pessoa, ele era admirado
pelo espírito impetuoso, que não temia as adversidades no cumprimento de missões
perigosas.
A conduta militar de Wolff, perpassada através dos tempos, aponta para
várias virtudes, mas a mais admirada por todos era a do seu voluntarismo, que
abraçava mesmo as causas impossíveis. Para os soldados FEB, Max Wolff Filho
representou o militar de conduta ilibada, o modelo a ser seguido, assim colocado no
panteon dos heróis, como o foram Caxias e Osório. Do heroísmo resgatado do
passado, resplandecem os que se sacrificaram em campo de batalha, no amor
incondicional pela pátria no cumprimento do dever. A figura do líder sempre presente
impulsionou os seus homens na escalada difícil da guerra. Tão bravo e heróico se
mostrou, não poderia ser esquecido.
675
NASLAUSKY, op. cit., p.177.
384
5.2 BATALHAS DE VIDA E MORTE: O SIGNIFICADO PARA A FEB DA TOMADA
DE MONTE CASTELLO E MONTESE
Sob a metralha dentro das trincheiras.
Em pleno ‘black- out’, eu ouvi noites inteiras.
Uma canção no céu a vibrar.
Era o inimigo a recordar.
A ti, Lili Marlene,
A ti, Lili Marlene.
676
Suportando o terrível inverno nas faldas das montanhas dos Apeninos,
vivendo nos fox-holes ou participando das desgastantes guerras das patrulhas, os
brasileiros imaginavam que os planos do V Exército Americano, para as tropas
aliadas e para a FEB, colocariam um ponto final na guerra ainda no Natal de 1944.
Mas na ânsia que estavam os norte-americanos em tomar de assalto a cidade
de Bolonha, o último reduto das forças alemãs em território italiano, criava-se uma
expectativa no comando da FEB. Segundo depoimento do general Cordeiro de
Farias, comandante da Artilharia da FEB, em depoimento a que se fez referência,
eram explícitas as resoluções tomadas pelo comando do V Exército Americano: “Em
virtude das dificuldades criadas na frente de Bolonha, as tropas americanas não
podiam avançar nem recuar”. Com a chegada do inverno, decidiu-se que as tropas
brasileiras moveriam suas tropas na região do Monte Castello e nos morros
adjacentes. Segundo Cordeiro de Farias, havia necessidade de tirar a atenção dos
alemães de Bolonha, buscando minar outras tropas também consideradas de
peso.
677
Ainda no depoimento de Cordeiro de Farias: “Não se diz a uma tropa que ela
vai ser lançada numa manobra sem perspectivas de vitória. Não se diz que vai lutar
com prévia certeza de derrota. Assim, era natural que o general Clark não nos desse
detalhes da operação que iríamos executar”.
678
A partir desses acertos, os brasileiros, no mês de novembro e, depois,
dezembro, vão se envolver em vários ataques contra o Monte Castello. Os primeiros,
exatamente nos dias 24 e 25 de novembro, ineptamente empregados pelo Comando
676
N.A.: Lili Marlene é a música que fala da namorada do alemão. foi cantada pelo inglês, pelo
americano e por muitos soldados que combateram na Guerra Mundial. Os brasileiros também
cantavam.
677
CAMARGO e GÓES, op. cit.,p. 319.
678
Id.
385
da Task Force 45. A frente brasileira ampliou-se incrivelmente para 18 quilômetros
de responsabilidade defensiva, incluindo a missão de conquistar a crista que corre
do Monte Belvedere para Nordeste e o Monte Castello, a fim de que os alemães
perdessem esses pontos estratégicos, de onde se visualizava toda a Estrada 64,
local de passagem das tropas e equipamentos para o norte do país.
O tenente Celso Rosa, que embarcou para a Itália no Escalão, relata suas
impressões sobre o local onde os soldados brasileiros passariam por sérias
dificuldades.
O Monte Castelo é um dos mais famosos acidentes geográficos na história
da Campanha da FEB. [...] Castelo não é um morro isolado, faz parte de um
conjunto de elevações que se apóiam mutuamente. Isto, do ponto de vista
militar, é de suma importância, [...] é uma elevação de difícil escalada por
um ataque frontal, justamente por causa do terreno limpo, de excelente
visão por parte dos defensores e pela facilidade de ser protegido pelas
rajadas de metralhadoras.
679
Tal situação provoca, ainda em nossos dias, muita perplexidade nos que a
estudam com mais profundidade. Como é possível um jovem tenente, na época,
fazer esse tipo de observação, quando o próprio comando brasileiro não se opôs a
essas missões suicidas a que se referiu Cordeiro de Farias? O coronel Lima
Brayner, Chefe do Estado Maior da FEB, a que se fez menção nesta pesquisa,
também não teria concordado com esses ataques, mas tanto ele como Cordeiro de
Farias pertenciam ao comando. Por que o foram contrários a essas
determinações, que tantas vítimas provocaram?
No Brasil, durante o mês de novembro, as notícias que vinham do front
brasileiro na Itália chegavam por meio dos correspondentes, brasileiros e
estrangeiros, e davam conta dos acontecimentos. O Globo, em manchete de capa,
registrava: “Enfrentam os brasileiros obstinada resistência inimiga.” O
correspondente da Reuters afirmava: “Ontem, pela manhã, uma unidade brasileira,
operando em terreno montanhoso, iniciou um ataque contra algumas colinas, onde
se achavam instaladas tropas alemãs”. Naturalmente, o correspondente fazia
referência ao Monte Castello.
680
Ao visitar o local, Henry Buckley descreve a situação do campo onde estavam
estacionados os brasileiros. O local apresentava profundas crateras, resultantes do
679
ROSA, op. cit.,p. 61.
680
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1944.
386
fogo pesado provocado pelos alemães, vindo dos pontos estratégicos, onde se
encontravam. Percebeu tamm a movimentação no telefone, a que acorria todo o
momento o oficial comandante da unidade, que mostrava feições cansadas e barba
por fazer. Aquele comando estava em ininterrupta atividade por 36 horas.
Como nessas operações, ocorridas durante as jornadas de 24 e 25 de
novembro, os brasileiros estavam sob ordens diretas do comando da Task Force, a
dificuldade de comunicação entre brasileiros e americanos era muito complicada,
mesmo para os oficiais, conforme registrou Buckley.
681
Nessa fase, devido aos desencontros e infortúnios ocorridos sucessivamente,
com estratégias inadequadas para a tomada de posições, o Monte Castello torna-se
uma imagem negativa para os soldados da FEB. Passou, então, a ser mencionado
pela tropa com muitas denominações: o “Monte Maldito”, o “Monte Fantasma”,
conforme reportagem de Egydio Squeff. Tais situações nefastas deixavam
apreeensivas as tropas designadas para a sua conquista.
682
Os jornais dos batalhões continuavam circulando nos acampamentos, e
mesmo nas trincheiras de linha de frente. Eram lidos todos os dias, pois se tornaram
fontes de informações sobre o andamento da guerra. Mesmo sob censura, sabiam
os soldados descobrir o que ocorria aos outros regimentos. O correspondente
Egydio Squeff, de O Globo, mostrava, em seu texto publicado no O Cruzeiro do Sul,
que os alemães estavam usando tropas frescas na frente brasileira. Eram soldados
especialistas em guerra nas montanhas e acostumados a combater na neve, mas
salientava: “os brasileiros não sentiram a superioridade desses novos guerreiros.
Também nós estamos nos preparando para a guerra no inverno, com a perícia que o
soldado brasileiro tem demonstrado adquirir com presteza”. Ele fazia menção ao
treinamento com os ‘skis’, que era ministrado por oficial americano. No seu relato,
escreve: “Assisti à primeira aula, e posso adiantar que nossos oficiais e soldados
aprenderam com extraordinária rapidez”.
683
Esses preparativos visavam a melhorar o desempenho das patrulhas, mas
também os alemães, mais adestrados nessa especialidade, programavam algumas
reações, os chamados “golpes de mão”, que ocorriam como ataque surpresa a uma
posição já adquirida pelos brasileiros. No dia 9 de janeiro, os brasileiros foram
681
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 27 de novembro de 1944.
682
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1945.
683
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL, Itália, 8 de janeiro de 1945.
387
surpreendidos por um desses golpes, registrado pelo O Cruzeiro do Sul, quando os
brasileiros revidaram e morreram dois soldados alemães.
Em janeiro de 1945, Bagley, correspondente da Associated Press, escreveu
para O Cruzeiro do Sul:
Algumas vezes a morte vem impiedosamente, no assovio de uma bomba
que arrebenta e espalha estilhaços enfurecidos que rasgam e põem à
mostra intestinos ou penetram nas cabeças revolvendo miolos, ou ainda por
uma bala silenciosa que encontra um ponto vital.
684
Na continuidade de sua exposição, vai descrevendo as causas que mais
provocavam as mortes para quem estava na linha de frente:
Mais frequentemente, ele morre em agonia, seu sangue derramando sobre
o solo frígido. Ou talvez morra sobre uma maca, a caminho do hospital, ou
sobre a mesa de operação. Muitos outros voltam mutilados para a Pátria.
Naturalmente, todos sabiam que a guerra era assim.
685
Impossível o imaginar o que se passava na cabeça dos combatentes
brasileiros, diante das perspectivas do correspondente americano.
No Brasil, os jornais davam continuidade à linguagem grandiloquente das
manchetes. O Globo, em dezembro de 1944, anunciava: ‘A engenharia da FEB, em
luta contra os famosos Tigres Nazistas’. Henry Bukley, da Reuters, publicou
entrevista com os feridos brasileiros do Batalhão de Engenharia da FEB, que se
restabeleciam no hospital. Recordavam os soldados o papel do grupamento na
guerra, quando um deles disse: “Esta guerra parece estranha. Na guerra passada,
os engenheiros agiam na retaguarda. Agora, vamos na frente da infantaria que
avança”.
686
Durante os fortes bombardeios, os mineiros retiraram 24 minas. A
reportagem fazia menção ao tanque-tigre alemão que os engenheiros não
conseguiram enfrentar, dada a potência do seu canhão de 88 milímetros que,
naquele momento, destruíra uma ponte.
O Batalhão de Engenharia da FEB, a que Bukley faz referência na
reportagem, embarcou para a Itália com um efetivo aproximado de 500 homens, em
escalões diferentes, atuando com duas companhias. O comando do grupamento
coube ao coronel José Machado Lopes, um homem de caráter forte que imprimiu
684
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL, Itália, 8 de janeiro de 1945.
685
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL, Itália, 7 de janeiro de 1945.
686
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 5 de dezembro de 1944.
388
rigorosa disciplina na formação de tão conturbado batalhão, que, no início, causava
desconfianças, superadas com o tempo. Os homens do B.E. eram responsáveis
pela recuperação das estradas que haviam sido bombardeadas, bem como pela
reconstrução de pontes e pela localização de minas. A montagem das pontes Bailey-
Bridge acabou se tornando uma especialidade dos brasileiros, pela criatividade e
praticidade no ato de montá-las. Tais referências são apontadas nos relatórios norte-
americanos, onde se destacou a eficiência do trabalho prestado pelos brasileiros.
687
No Brasil, a imprensa ressaltava a importância da FEB no contexto do
Exército Americano. Propalou-se pelos jornais o espírito colaborador do Exército
Brasileiro quando propôs tomar um monte a mil metros de altura:
Seu nome, Monte Castelo, que em outro despacho eu havia chamado de
Monte Maldito. Esse setor fornece maior relevo à atuação dos soldados
patrícios e maior glória às tropas brasileiras devido à extraordinária
importância estratégica conferida aos nossos soldados.
688
Egydio Squeff, com seu texto, ajudou a reforçar o imaginário da
inexpugnabilidade do Monte Castello, que se reverteria, para os leitores e soldados,
sempre em um mau agouro, ao ser lembrado.
689
Os desastres apresentados pelos ataques dos dias 24 e 25 de novembro de
1944 provocaram alguns melindres entre o comando brasileiro e Crittemberger,
comandante do IV Corpo de Exército Americano. Tratava-se de uma pessoa difícil,
de palavras diretas e sem meios-termos, que, em encontros anteriores, muitas vezes
irascível nas decisões, imputava os fracassos à responsabilidade de Mascarenhas
de Moraes, esquecendo-se de que os soldados brasileiros junto à Task-Force eram
comandados por americanos. Do diálogo difícil entre os comandantes, a serenidade
do comandante da FEB, na exposição de motivos, conseguiu interromper a
agressividade do chefe americano. Desse momento em diante, a FEB assume seus
regimentos e batalhões, sem que haja interferência direta do comando norte-
americano sobre as decisões das missões.
No dia 29 de novembro de 1944, uma nova investida ocorreu contra a
montanha Fantasma, o Monte Castello. Agora, uma missão exclusivamente
687
NATHAN, S. Mathewson. Storia Operativa della Divisione di Fanteria del Corpo di Spedizione
Brasiliano. Public Record Office. Itália, set. de 44 a 45 de maio de 1945.
688
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 8 de janeiro de 1945.
689
Id.
389
brasileira. Essa empreitada coube a 2 batalhões brasileiros, soldados oriundos dos
batalhões do R. I., o Sampaio, e do 11º Regimento de Infantaria de são João Del
Rey, soldados ‘verdes’, inexperientes, que haviam chegado no 2º Escalão da FEB,
fator de gravidade, caso se considere que lutariam com soldados alemães tão
preparados para a guerra.
Mais uma vez, a tentativa era conquistar o Monte Castello pela frente, algo
temeroso. Na véspera, os americanos haviam perdido uma posição estratégica
importante, era o monte de Belvedere, logo ao lado, que serviria de apoio ao ataque,
o que limitava muito o apoio desses à tropa brasileira.
Era necessário juntarem-se os batalhões. No dia 27 pela manhã, os soldados
do III Batalo do 11º R. I. partiram rumo a Bombiana, um pequeno povoado
próximo ao Monte Castello. À noite, ocupariam as posições iniciais, uma marcha
difícil para os soldados, com o inimigo à espreita e sob terreno minado. o outro
grupo de brasileiros, a quem, se daria também a responsabilidade de apoiar o
ataque, era formado pelo 1º Batalhão do 1º R. I., sob o comando do coronel Uzeda.
Os soldados do 11º R.I. chegaram à noite, percorreram as trilhas estreitas que
serpenteavam morro acima com enormes dificuldades. Havia chovido e a lama,
acrescida ao peso do material que os soldados tinham de levar, dificultava a marcha
dos homens. Além do armamento, outros equipamentos e munição faziam a missão
ficar mais custosa. As posições somente foram alcançadas duas horas antes da
hora marcada para o ataque. Esses homens haviam caminhado por 17 quilômetros,
não tiveram um tempo para descansar e não foram alimentados.
O soldado Geraldino Werner, incorporado ao R. I. (Regimento Sampaio),
recorda muito bem como foi a jornada do seu grupo no dia 27 de novembro.
Ao anoitecer, recebemos ordem do tenente do nosso pelotão que todos
estivessem prontos para deixar Sila e seguirmos a marcha a
690
.
Atravessamos a “ponte da morte”, margeando a encosta da montanha que
dava a Gaggio Montano. Chegamos e fomos acomodados nas casas que
beiravam o morro, bem abaixo da observação do inimigo.
691
690
N.A.: Hoje de carro, é possível sair de Sila, pela estrada asfaltada e chegar a Gaggio Montano em
20 minutos. O terreno é escarpado e tortuoso. Sila está localizada em um vale. Pela ponte a que
Geraldimo faz referência, é possível chegar até Porreta Terme, onde ficava o quartel do General de
Mascarenhas de Moraes.
691
WERNER, op. cit..
390
Aquela noite, os soldados procuraram abrigar-se nas casas oferecidas pelos
poucos habitantes que lá se encontravam, pois, com o receio de fortes bombardeios
naqueles dias, grande parte da população havia se retirado. Ali, passaram o dia 28
de novembro, não havia como sair dos abrigos, porque a cidade, basicamente
encostada ao Monte Castello, estava sendo vigiada pelos alemães. Ainda no seu
relato: “Às 18h, recebemos uma lata de feijão e avisados que deixaríamos as casas
a fim de tomar posição frente ao Monte Castello”.
692
Pelo tempo que permaneceram, os soldados tinham outras necessidades.
Geraldino recorda de que seu amigo Leônidas avisou que ia às proximidades em
busca de uma bica d´agua. Foi avisado do perigo que corria. Subindo uma escada,
aproximara-se da bica, tomou água e encheu o cantil. Ao retornar, perto da casa
onde estavam os companheiros, foi atingido nas costas por um estilhaço de
morteiro. Com o impacto, foi jogado violentamente para dentro da casa. Gritava
horrivelmente. Tentam dar-lhe o socorro. Logo abaixo da casa, havia uma
enfermaria americana, mas já chegou lá morto.
Era necessário seguir o planejamento do ataque. O III Batalhão do 11º R. I.,
(batalhão Cândido), que saíra do acampamento de Filetole, ocupava suas
posições em Bombiana. Ao que se percebe, seriam duas frentes de ataque, ficando
na reserva o III Batalhão do R. I.. A estratégia parecia perfeita, mas, como diz
Brayner, na guerra, o milagre é a exceção.
De acordo com Geraldino, os soldados caminhavam sob uma chuva fina.
Costeando o morro, dirigimo-nos a um determinado ponto da estrada para
começarmos a subir o terreno molhado e escorregadio. Com muita
dificuldade, devido ao peso da nossa carga e ao sono que se abatia em
todos, a caminhada tornava-se um tormento. À nossa esquerda, estava
Guanela e, à direita, Le Roncolle. Definitivamente, estávamos à frente do
nosso objetivo.
693
Do alto, os alemães não esperaram o dia amanhecer. Um fogo cerrado foi
desencadeado pela artilharia alemã. “O front tornou-se um verdadeiro inferno de vida
e morte”. Geraldino vai descrevendo em seu diário toda a dificuldade que teve ao
procurar abrigo. O Monte Castello, quando visto de longe, não causa muita
impressão, não é uma das escarpas mais altas dos Apeninos, mas está a cerca de
692
WERNER, op. cit., p. 6.
693
Id.
391
mil metros de altitude. Somente quem está no seu sopé tem a idéia da sua real
grandeza. No senso comum, poder-se-ia dizer que é um morro esparramado; com
vários espoes, como dizem os especialistas, dificultando a vigilância constante a
quem sobe. Vários combatentes fazem menção aos muros de pedras que circundam
o morro, construídos de modo rudimentar pelos agricultores, no sentido de evitar a
erosão das terras.
Conforme Geraldino, seu grupo vai se abrigando na ‘pequena muralha de
pedras, uma sobre as outras’. À sua direita, outro grupo se protegia, usando do
mesmo expediente. À sua retaguarda, vinham outros soldados. O bombardeio
tornava-se sempre maior. O tenente do seu grupo pediu que ele seguisse mais à
frente, e solicitasse aos que estavam que continuassem a progressão. “Cumprida
a missão, retorno à minha posição, em lances rápidos, sou obrigado a jogar-me no
chão e a alcançar uma castanheira para defender-me do bombardeio. Nossa tática
de guerra era ineficiente”.
694
Não muito longe de onde se encontrava o soldado Geraldino, os soldados do
III Batalhão do 11º R.I., após caminharem 17 quilômetros do acampamento de
Filetoli até a base da partida, abaixo de chuva e com as roupas encharcadas,
enfrentaram ainda o frio cortante. Chegaram ao local do ataque sem tempo de
recompor-se. Tão incrível sofrimento fica difícil avaliar.
Nesse Batalhão, estava o soldado Antonio Dombrowski. A função para qual
havia sido treinado era a de rádio-telefonista, serviço muito arriscado a partir do
momento que tinha de se expor mais que os companheiros para garantir as
comunicações. Durante os fortes bombardeios, geralmente os fios eram atingidos ou
cortados por uma patrulha inimiga. No dia 29 de novembro, Dombrowski sentiu
dificuldade com o terreno encharcado e as poças d’água. Diante do forte impacto da
munição dos morteiros, que vinham do alto, conseguir esticar os fios telefônicos sob
terreno barrento era uma dificuldade que ele nunca esqueceu. O grupo de
Dombrowski, pela posição que ocupava, não foi tão castigado pela Artilharia, como
ocorreu com os soldados do regimento de Geraldino Werner.
A narrativa do soldado Geraldino prossegue: Ele viu seus companheiros
serem atingidos. “Tenho dúvidas, mas parece que o sargento foi atingido pelos
estilhaços. Não vi direito, pois neste momento estourou uma spirraf sobre nossas
694
WERNER, op. cit., p. 7.
392
cabeças, vindo atingir as duas vistas do meu colega, e faíscas sem gravidade, em
mim”.
695
O relato pesado e emocionado indica os amigos feridos que são
nominados. Além desses, os mortos. São cenas que cristalizaram na memória do
soldado do R. I.. Os alemães, por sua vez, saíam de suas casamatas e
enfrentavam o grupo quase corpo a corpo. “Assim vimos que desciam o morro dois
alemães com cunhetes de munição às costas. Miramos a metralhadora em suas
direções, mas não os atingimos devido a distância e percebemos que se jogaram
para trás de uma castanheira para se protegerem”.
696
Os estrondos e a fumaça provocados pela Artilharia afogavam os
combatentes e impediam a visão do que se passava logo à frente. Tal situação
mexeu com os nervos de todos. O capitão do grupamento, José Barreto de Oliveira,
comunicou ao comando que ia abandonar o local, o mesmo acontecendo com o
tenente Euvidio Souto Silva. Tais episódios, muitos deles ocorridos diante dos
soldados, criaram sensações indescritíveis, no momento em que os homens tinham
de atacar e tentar sobreviver ao mesmo tempo. O que fazer se os líderes estavam
abandonando a luta? Estas são as cenas que Geraldino Werner guardou do dia 29
de novembro de 1944:
Soubemos que o capitão havia abandonado o front, se recusara a continuar
o ataque achando impossível a tomada de Monte Castello. Seu argumento
baseava-se na potência do bombardeio inimigo. Ainda neste dia,
aproximadamente às cinco horas da tarde, uma grande explosão nos deixou
atordoados. O tenente, completamente alucinado, empunhando sua pistola,
saiu em direção ao tanque que nos apoiava e imediatamente dois soldados
americanos saltaram sobre ele, desarmando-o. Diziam as ‘más línguas’ que
foi o golpe mais inteligente para se afastar do combate.
697
Na urgência que o momento apresentava, assumiram o comando o capitão
Arnóbio Pinto de Mendonça e o tenente José Machuca. À noite, o bombardeio
diminuiu, mas ninguém pôde afastar-se de suas posições. Os tiros de inquietação e
as balas traçantes cortavam a noite escura. Eram os alemães a lembrar que
dominavam as posições. Durante toda a noite, os enfermeiros e padioleiros
trabalharam no resgate dos feridos e dos mortos.
695
WERNER, op. cit., p. 7.
696
Id.
697
Id.
393
No dia seguinte a esse ataque violento, Geraldino Werner, ainda ensurdecido
pelos estrondos das bombas, e todo sujo de lama, mostrava sinais de neurose. Foi
encaminhado pelos seus companheiros de pelotão ao hospital de Porreta Terme.
Eu estava muito sujo e, após um banho, fui levado para tratamento. Não me
recordo, nos dias seguintes, se comia, dormia, ou estava sonhando com a
guerra. Tinha me perdido no tempo. Jamais tive vocação ao uso de armas
de fogo. Quando ouvia os seus zumbidos, uma fraqueza apoderava-se do
meu corpo e do meu espírito.
698
Ao sair do Hospital de Porreta Terme, no dia 10 de dezembro de 1944, dois
colegas foram buscá-lo. Geraldino se apresentou ao novo comandante e recebeu o
material completo para continuar a guerra: “um fuzil, dois talabartes de munição,
duas granadas e uma faca de campanha.” Foi para um abrigo, um pequeno buraco
no topo do morro, por sinal muito úmido, onde volta e meia pingava água em seu
capacete. “Confesso que senti uma paúra danada só em olhar lá de cima para baixo,
mas o tempo nos coragem e a gente vai dominando os nervos e aceitando com
humildade nosso destino. Deus sabe o sacrifício que fizemos em prol da nossa
Pátria”.
699
O saldo do frustrado combate do dia 29 de novembro de 1944 veio abalar as
estruturas da FEB. O batalhão do R.I., sob o comando do coronel Olívio Gondim
de Uzeda, do qual fazia parte o soldado GeraldinoWerner, teve 25 mortos e 128
feridos. o III batalhão do 1 R. I. não sofreu conseqüências tão trágicas, os seus
mortos somaram 5 e os feridos foram 25.
A quem caberia a culpa desses desastres que se sucederam às jornadas dos
dias 24, 25 e 29 de novembro? - Este último de responsabilidade unicamente da
Divisão Brasileira. - São muitas as conjeturas, mas os relatórios afirmaram: “faltou
comando”, além de outros problemas que se apresentaram de última hora. Os 5
tanques americanos que deveriam ter apoiado os batalhões que subiam o morro não
conseguiram andar cem metros da base da partida, ficaram atolados na lama, pois o
tempo chuvoso não permitiu que seguissem adiante.
698
WERNER, op. cit., p. 8.
699
Ibid., p. 9.
394
FIGURA 15 – OUTONO ITALIANO
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 117)
Segundo os especialistas que avaliaram a situação, não houve entrosamento
entre os carros de combate e a infantaria, em qualquer conflito. Essa é uma situação
temerosa e comprometedora. Também não foram envidados esforços para
conquistar as elevações adjacentes, como Belvedere, Gorgolesco e La Torracia, os
tais esporões do Monte Castello, que durante todo o tempo serviram de refúgio aos
alemães, dando a eles uma defesa impenetrável.
Atacar o Monte Castello de frente, como disseram os especialistas, foi uma
temeridade, um erro que persistiu ainda no combate do dia 12 de dezembro de
1944. Mas toda a argumentação acima exposta perde o sentido, como diria Brayner:
“à posteriori, calcada na análise topográfica daquele ‘caldeirão do inferno’ não
prevaleceu no espírito dos que montaram o ataque de 29 de novembro, cujo
amontoado de erros deixou um lastro sangrento”.
700
O capitão comandante de Geraldino Werner, que abandonou o posto durante
a luta, foi levado a julgamento pelo Tribunal Militar. Foi condenado, mas a sentença
acabou sendo comutada, como em outras ocorrências militares na Itália.
700
BRAINER, op. cit., p. 261.
395
5.2.1 Casa Guanella: quando correr após fogo pesado não significa covardia
Depois dos frustrados ataques ao Monte Castello nas jornadas de 24, 25 e 29
de novembro de 1944, o monte continuava nas mãos dos soldados alemães. Nessa
perspectiva, se fazia dele a imagem de uma fortificação inexpugnável, que crescia a
cada dia para os soldados brasileiros. Com uma frente ampla demais para ser
coberta pelos homens da FEB, mais os compromissos assumidos perante o
renitente IV Corpo de Exército, comandado por Crittemberger, era necessário não só
manter as posições já adquiridas, mas também conquistar o Monte Castelo, a
qualquer preço.
Os episódios a serem narrados foram, durante muito tempo, considerados
tabus pelos soldados e oficiais da FEB que participaram desses eventos, e estão
ligados aos brasileiros que tentavam manter as posições diante do Monte Castello.
O ataque sofrido pela tropa brasileira no dia 2 de dezembro de 1944 passou à
história da FEB como uma página negra do seu passado e, segundo muitos, digna
de ser esquecida. Entre os soldados dos outros batalhões, o incidente ficou
conhecido, de forma pejorativa, como o dia em que “O Laurindo desceu o morro”.
701
Nesse dia, os soldados do Batalhão do 11º R. I. substituíram o Batalhão do
R.I.. Nesse caso, diante de fogo pesado da artilharia alemã. Tomados por nico
coletivo, foram obrigados a fazer uma retirada descontrolada, mostrando como os
fatos podem extrapolar a racionalidade.
O que poderia ter sido considerado um malogro, foi levado até às ultimas
instâncias, cujas interpretações, dadas as circunstâncias em que ocorreram,
mostraram o quão descabido foi o julgamento que se processou na avaliação dos
soldados desse Regimento. Apavorados, mediante uma forte reação alemã, os
jovens recrutas, soldados totalmente inexperientes, abandonaram suas posições,
correndo morro abaixo, deixando armamento e munição para trás.
Tal situação deixou marcas profundas em seus participantes. O assunto,
velado por uns, foi, em outras situações, discutido de forma desmoralizante e ignóbil
pelos que desconheciam os fatos. O que realmente teria acontecido a esses
homens? Segundo os relatórios, esse grupo deveria render outro batalhão que havia
701
N.A.: Laurido era a personagem de um samba muito conhecido no Rio de Janeiro por ocasião da
guerra. Como a letra da música dizia que Laurindo havia descido o morro, a pecha coube aos
soldados do 1º Batalhão, que passaram a ser conhecidos como os ‘laurindos’.
396
participado do ataque no dia 29 de novembro de 1944. Diante das jornadas do mês
de novembro, acredita-se que substituídos e substitutos tenham conversado sobre o
horror que fora o ataque alemão. Nesse dia, o III Batalhão do 11º R. I. sofrera
pesadas baixas e o pessimismo imperava entre os participantes. Não poderiam,
portanto, dar boas informações sobre aquela frente a ser assumida pelo recém-
chegado 1º Batalhão.
É possível imaginar o que tenham sofrido seus participantes sob a pecha de
medrosos, fugitivos, incapazes e outros qualificativos que lhes foram imputados.
Muitos, em suas interpretações, não levaram em consideração detalhes
esclarecedores dos fatos. Em 1956, o sargento Virgilino de Souza, pertencente ao
mesmo batalhão, e encorajado por outros, deu o seguinte depoimento:
Nunca tive oportunidade, a então, de manifestar-me no caso do nosso
comandante (major Jacy Guimarães) e o inquérito em que se viu envolvido
por força da circunstância. [...] sempre que eu ouvia falar da situação em
que se encontrava o major Jacy, ficava bastante triste, porque presenciei
sua atitude na guerra, a sua fibra, a sua disposição e o podia admitir
fosse ele responsável pela ligeira desarticulação do meu batalhão.
702
O episódio vivenciado por muitos soldados e oficiais no dia 2 de dezembro de
1944 passou por diversas interpretações, como ocorreu ao capitão Alfredo Betoldo
Klas, subcomandante da 1ª Companhia, do 1º Batalhão do 11º R. I., que foi acusada
da debandada. Após juntar suas anotações, buscou mostrar a sua visão, que, de
certo modo, vem retratar as condições dos seus homens no processo de
substituição de outro batalhão, diante de uma frente muito fragilizada. Tratava-se de
jovens recrutas que chegaram à Itália na condição de ‘tropa fresca’,
inadvertidamente colocados na linha de frente, sem terem o treinamento sico e
psicológico que a situação exigia.
Segundo Klas, mesmo no acampamento de San Rossore, o contato dos
rapazes da Companhia com os soldados do 6º R. I., que combatiam algum
tempo, era uma constante. Naturalmente, com mais experiência, esses últimos
narravam fatos com tanta realidade que deixavam deslumbrados e pensativos os
rapazes do Batalhão. Tais narrativas diziam respeito à superioridade do soldado
alemão, da invencibilidade no confronto, do seu armamento, dos morteiros, das
lurdinhas. No pensamento de Klas, o medo foi se instalando aos poucos.
702
VIRGILINO, Souza de, apud PALHARES, op. cit., p. 210.
397
Como ocorreu aos demais escalões da FEB, os soldados do 11º R. I. tiveram
poucos preparativos. Somente no dia 17 de novembro os soldados exercitaram o
armamento com tiro real. No dia 23 de novembro, no novo acampamento em
Filétolli, iniciaram a instrução de campo, para se adaptarem ao terreno. Devido às
chuvas, os soldados voltavam sujos e molhados, sem que se obtivesse um resultado
prático nos exercícios extenuantes.
Sentindo a complexidade do momento e a gravidade da situação, em relação
ao precário preparo que vinha ocorrendo com a tropa de um modo geral, às
vésperas de entrar em linha, o comandante do 11º Regimento, coronel Delmiro de
Andrade, emitiu uma proclamação pessoal, que foi lida no aquartelamento:
O nosso querido regimento tem sido o último até hoje, por circunstâncias
que não lhe interessam investigar, quer na organização que foi precedida na
ordem numérica, quer no embarque, onde constituiu o Escalão, quer
ainda para o recebimento do material e do armamento a fim de se
apresentar para o combate.
703
No dia de dezembro, retirados às pressas do acampamento de Filetolli,
distante do Monte Castello, os soldados foram embarcados em caminhões, em
viagem tumultuada. “Em plena noite, iniciamos o deslocamento. Comboio viajando
às escuras, entre rampas íngremes e curvas perigosas. Estrada deslizante e
lamacenta, sentíamos a dificuldade do motorista que precisava estar atento e ser
perito”.
704
Passando por Porreta Terme, os caminhões atingiram a ponte de Silla, os
soldados a atravessaram a e em coluna, os caminhões permaneceram do outro
lado. As dificuldades da companhia para alcançar o Monte Castello não haviam
ainda começado. As reclamações partiam de todos os lados e diziam das
dificuldades de caminhar sobre a lama, sobre o terreno íngreme, escorregadio, com
armamento e munição muito pesados, além das botas apertadas nos pés e uma
sede que se abateu sobre os homens, que logo esvaziaram seus cantis.
Dadas as dificuldades em se encontrar o caminho até o local onde iriam fazer
uma substituição, foram recebidos mais no alto, por um grupo remanescente do
Companhia do 6º R. I., aquela em que se fez referência ao soldado Geraldino
703
ANDRADE, Delmiro. Proclamação, Itália 9 de novembro de 1944, apud KLAS, Alfredo Bertoldo. A
Verdade sobre Guanella: Um drama da FEB. Curitiba: Juruá Editora, 2002, p. 88.
704
Ibid., p. 91.
398
Werner. Na rápida palestra que tiveram com os soldados que iam chegando, devem
ter demonstrado o fracasso do ataque anterior, fazendo menções à grandiosidade
do soldado alemão. O que poderia ser esperado do grupo que chegava já tão
precavido?
Segundo Brayner, não era necessário esperar muito. Os soldados não
conheciam o local, nem as atitudes do inimigo, uma vez que não tiveram tempo de
verificar essas peculiaridades.
705
Buscou o comando alertar os novos recrutas sobre
os perigos que rondavam a posição do batalhão. Vários avisos e recomendações
vinham dos que tinham mais experiência: “não apareça ali”, não caminhe daquele
lado”, “não se mostre, o inimigo vê”. De tanto avisarem, segundo o soldado
Leonercio Soares, os soldados ficaram saturados. O local parecia tão tranqüilo, por
que se aborrecer? Como os comandantes participavam de uma reunião com outras
companhias, o comandante do batalhão, major Joacir, e o capitão Scheleder se
ausentaram por algum tempo. Os soldados, percebendo a falta do comando,
sentiram-se mais à vontade, a despreocupação foi generalizada. Segundo
testemunhos, os soldados caminhavam tranqüilos, entre os abrigos de
metralhadoras, ‘visitando’ amigos. Era a grande imprudência, que foi logo percebida
pelos alemães. Tratava-se de ‘tropa verde’, totalmente despreparada.
706
Mas, como os problemas nunca estão sós, havia outra situação delicada
dentro da Companhia. Muitos tinham percebido um comportamento diferente do
comandante, o coronel Carlos Frederico Cotrin Rodrigues Pereira, que vinha
mostrando sinais de apreensão e insegurança com tudo o que se passava ao seu
redor. Colocava restrições em tudo, via fantasmas e brechas onde não existiam.
No dia 2 de dezembro, segundo o relato do capitão Klas, a Companhia
permanecia assim:
A noite estava relativamente clara, prenunciando o aparecimento da lua.
Calma em toda a linha de frente. Na semi-escuridão da noite,
aguardávamos o monótono transcorrer das horas. A luz bruxuleante de uma
vela meio encoberta, no interior do Posto de Comando, fornecia a claridade
suficiente para não batermos nos objetos espalhados pelo chão.
707
705
BRAYNER, op. cit.,p. 265.
706
SOARES, op. cit.,p. 62.
707
KLAS, Alfredo Bertoldo. A Verdade sobre Guanella: Um drama da FEB. Curitiba: Juruá Editora,
2002, p. 96.
399
A espera dos acontecimentos foi gerando na soldadesca um clima de grande
apreensão. Armas em punho, posição de combate. De repente: “Precisamente às
vinte e três horas, um tiro de fuzil partiu da direita do dispositivo da Companhia e
despertou a linha de frente. Logo em seguida, outros tiros foram amiudando para se
generalizarem em toda a frente da companhia”.
708
A resposta dos alemães não demorou. Os relógios marcavam três horas da
madrugada. Isso significou que o tiroteio pesado, de um lado e do outro, prosseguia
quatro horas. Ao lado da casa Guanella, a que se fez referência nesta
pesquisa, notou o subcomandante, no semblante dos homens, feições cansadas e
apreensivas pela repercussão pesada dos estrondos por horas a fio, que iam, num
crescente, gerando muito nervosismo e indecisão.
Nesse ínterim, uma granada atingiu o quarto da casa onde ficavam os oficiais.
No deslocamento de ar, todos foram atirados ao chão. O capitão Cotrin, que já
demonstrara um humor diferente, cismou que aquele ocorrido havia sido preparado
pela coluna, pois alegava que a explosão se dera no sentido contrário ao
inimigo.
709
Sobre o comandante Cotrin, da companhia que esteve envolvida no incidente,
que se fazer algumas considerações, visto seu comportamento ter incidido
diretamente nos acontecimentos: Antes de embarcar para a Itália, vivia uma vida
estável em o João Del Rey. Era solteiro e morava no Hotel Central. Tratava-se de
pessoa elegante, esportista, sedutor. Segundo alguns, cavalgava muito bem e era
admirado por todos. Sempre demonstrou ser uma pessoa alegre, extrovertida,
simpática e bondosa.
Na guerra, foi como voluntário, e, pelas atitudes demonstradas, sabia tudo
sobre as questões de guerra. Constantemente vociferava a todos sua capacidade de
liquidar com todos os exércitos. Não respeitava a hierarquia militar, buscava resolver
os problemas sem consultar os superiores, vivia às turras com o comando, diga-se
major Jacy Guimarães. Todos se tornaram protagonistas do lamentável acontecido,
que, aliado à falta de comando, revelou oficiais descontrolados e jovens recrutas
assustados diante de um inimigo tecnicamente e psicologicamente melhor
preparado. Enfim, ingredientes mais perigosos que a pólvora, prestes a explodir a
708
KLAS, Alfredo Bertoldo. A Verdade sobre Guanella: Um drama da FEB. Curitiba: Juruá Editora,
2002, p. 96.
709
Ibid., p. 101.
400
qualquer momento. “Na segunda noite do front, em seu batismo de fogo,
desmoronou-se aquele gigante de bravura e de habilidades”.
710
O bombardeio da casa em Guanella abalou consideravelmente o capitão
Cotrin. Outros problemas surgiram, as armas não eram conhecidas dos soldados,
muitas travaram. Diante das fortes explosões, o rádio deixou de funcionar, cortando,
assim, a comunicação com as outras companhias, e não se podia mais verificar a
real situação do momento.
A desordem tomou conta do front, não se esperava mais a ordem de retrair.
Muitos soldados abandonaram suas posições, que agora sofriam também o ataque
da artilharia brasileira, por trás, fato que levantou conjeturas, na época, em razão da
posição em que a granada caiu sobre a casa, e pela outra que teria destruído o
rádio. Nessa hora, não havia muito tempo para pensar, mas, quem teria mandado
encurtar a alça
711
, quando a própria artilharia dizia ser impossível tal medida”?,
pergunta Klas.
712
Tudo levava a crer que seria o que se chama hoje de “fogo amigo”.
Desconcerto total, sair correndo, desordenamente, “salve-se quem puder”, ir o
mais longe possível do caos que se instalara. Tentavam alguns oficiais encontrar
seus homens pelos caminhos, pois muitos haviam se perdido. “Saímos das
posições, abandonando tudo o que era de uso pessoal. Levamos adiante o nosso
armamento e o sargento Souza Santos conduziu a documentação da Companhia,
salvando assim as minhas anotações.”
713
Contagiadas pela onda de pânico, outras companhias abandonaram suas
posições, retirando-se da frente de combate. Enquanto isso, espalhava-se a notícia
de fantásticos ataques do Exército Alemão. Mas nem tudo podia ser resumido e
qualificado como fantasias de recrutas assustados. A forte concentração de fogos
sobre a companhia, os estrondos dos canhões e os estilhaços que passavam aos
milhares zunindo sobre as cabeças dos soldados criaram condições para a imensa
onda humana que se formou descendo morro abaixo.
A Companhia, comandada pelo capitão Scheleder, conseguiu retirar seus
homens, com segurança e tranqüilidade. Foram orientados a seguir a estradinha
710
SOARES, op. cit., p 69.
711
N.A.: Dada a proximidade dos alemães, junto à posição onde estavam os homens e armas,
alguém deve ter solicitado que os tiros da artilharia brasileira fossem mais curtos.
712
KLAS, Alfredo Bertoldo. A Verdade sobre Guanella: Um drama da FEB. Curitiba: Juruá Editora,
2002, p. 102.
713
Ibid., p. 103.
401
asfaltada, que conduziria a todos para a segurança da retaguarda. O pânico não
havia tomado proporções tão catastróficas nas demais companhias.
Pelos caminhos, encontravam-se pessoas desordenadas, alguém gritava:
“Estamos cercados!”. Difícil foi segurar a torrente humana que descia morro
abaixo. Ninguém via ninguém, “todos eram iguais no medo e na fuga:
oficiais, sargentos e soldados. Na ânsia atropelada da corrida, aos poucos,
procuravam se desfazer de tudo que os embaraçasse, pesasse ou
retardasse o avanço para retaguarda”.
714
Os soldados foram deixando as armas mais pesadas, depois as mais leves,
os bornais de munição, as caixas de ração, os cantis, os cintues, os
equipamentos, os cobertores e agasalhos, tudo enfim era jogado.
Os que estavam mais distante da Casa Guanella haviam se protegido em
outras casas ou palheiros, não sentiam o pânico reinante. Conseguiram permanecer
nas suas posições e, por muitas razões, não fugiram. Muitos mostraram fibra e, mais
tarde, se destacaram como soldados competentes nas situações em que estiveram
envolvidos.
Os que haviam descido o morro e encontraram o caminho para Porreta
Therme chegaram em estado lastimável. Chovia, estavam encharcados,
enlameados, desarmados e mudos, sem saber o que fazer. A presença de tantos
homens, no centro da cidade, transformou o pequeno burgo em uma ‘verdadeira
praça de guerra’.
Segundo Leonércio, os soldados foram chegando e ficando, sem que
soubessem para onde ir, e eram olhados com desdém pelos habitantes locais.
Esses, habituados com as agruras da guerra, na insensibilidade do cotidiano, não
se aperceberam do momento difícil em que aquela tropa se encontrava. Os
uniformes mal ajeitados e as caras imberbes, marcadas pelos chamuscos pretos da
pólvora, faziam os jovens parecerem velhos, embora a maioria tivesse em torno dos
25 anos. Foram alimentados ali mesmo, nas piores condições possíveis.
No dia seguinte, o comando da FEB providencia a prisão do capitão
Scheleder e de mais alguns comandantes de companhia, todos acusados de
covardia, fato que causou grande desolação aos soldados em relação ao seu
714
SOARES, op. cit.,p. 71.
402
comandante, pois viam nesse ato uma injustiça contra o militar que havia se
comportado com honradez, durante todo o ataque.
Segundo Klas, a Companhia foi mandada para a cidade vizinha de
Granaglione. Não se sabe até hoje por que esses homens foram enviados para esse
local. Segundo Leonércio, seria meramente um castigo. No dia 5 de dezembro, os
oficiais foram interrogados e receberam a visita do alto comando, o que acabou
causando grande apreensão. O general Mascarenhas de Moraes não perdeu a sua
postura.
Homem, de fina educação, cheio de nobres virtudes, disse que levava o
conforto moral aos seus comandados. [...] Em seguida, falou o general
Zenóbio. Iniciou recriminando a atitude da companhia e, particularmente,
dos seus oficiais. As frases que saíam dos seus lábios revelavam mais uma
vez o homem áspero que com satisfação o sacrifício do soldado,
dizendo, ainda, que, como General, jamais comandava recuos.
715
Paradoxalmente, em de janeiro de 1945, o comandante da Infantaria, aquele
mesmo que se dirigia aos seus homens com impropérios, foi entrevistado pelo O
Cruzeiro do Sul e saudou os seus comandados:
Sinto-me verdadeiramente jubiloso com a apresentação da nossa Infantaria.
Poderíamos, como o nosso grande Euclides da Cunha, dizer: ‘o brasileiro é
antes de tudo, um forte’. [...] Percorro amiudamente os postos mais
avançados, e é com profunda emoção que verifico a fortaleza dos nossos
intrépidos soldados, que alegres, destemerosos.
716
É interessante observar o que disseram outros combatentes em seus diários
ou em seus testemunhos sobre os acontecimentos do dia 2 de dezembro de 1944.
O soldado Ítalo Diogo Tavares, do 6º R. I., escreveu sobre o assunto:
Agora vou comentar a proeza do Laurindo, pois faço questão de não me
esquecer dela. Uma manhã, estava ainda escuro. [.. ] chega a Iella, de jipe,
um capitão e ele, afobado, diz: ‘Depressa, depressa! Caiu toda a frente. O
nosso batalhão vem por , pelas estradas. Não é mais possível resistir.
combatemos toda a noite, a nossa munição terminou.
717
Ítalo continua sua narrativa:
715
KLAS, Alfredo Bertoldo. A Verdade sobre Guanella: Um drama da FEB. Curitiba: Juruá Editora,
2002, p. 105.
716
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL, Itália, 14 de janeiro de 1945.
717
TAVARES, op. cit., 2005, p.73.
403
Ficamos todos espantados, seria verdade que toda a frente havia caído,
que os alemães vinham em direção a Porreta Therme? Rapidamente,
pusemos as metralhadoras batendo a ponte, ponto obrigatório de
passagem. Outras armas foram colocadas em pontos estratégicos.
718
Outros oficiais que se encontravam em Porreta, adidos ao Quartel General da
FEB, recordam, em seus testemunhos, o estado em que os soldados da
Companhia chegaram após a debandada. Os homens apresentavam-se
transfigurados, as faces pálidas e os olhos esbugalhados, outros buscavam abrigar-
se em qualquer ponto que servisse de proteção, alguns ainda portavam seus fuzis,
enquanto a maioria os havia deixado pelos caminhos.
Como diz o capitão Klas, subcomandante da companhia que sofreu os
maiores problemas no dia 2 de dezembro: “Fica fácil falar do que não se viu”. Tal
fato leva a pensar sobre as declarações de Ítalo Diogo. Naturalmente, ele estava em
Porreta, a sua companhia iria reforçar o Batalhão do seu regimento, o 6º R. I, mas
até que ponto as informações dele podem ser confrontadas com os relatórios?
que se levar em consideração a confusão reinante na ponte e na própria cidade com
a chegada de toda a soldadesca vinda da região do Monte Castello.
Também Ítalo, em sua narrativa, vai mais longe.
Depois foram mandadas patrulhas para verificar o que havia e nada
encontraram. Os alemães não tinham estado ali. Mais tarde, depois que o 3º
Batalhão, do 6º R. I. entrou em posição, como substituto, acabou por
encontrar equipamentos e armamentos deixados pelos soldados em fuga.
foram encontrados cadáveres de brasileiros. Ainda, segundo Ítalo, foi
simplesmente ‘burro branco’. Na afobação, os que estavam atrás atiraram
nos da frente.
719
No relato do capitão Alfredo Klas e de Leonércio Soares, tal fato não é
registrado.
No dia 2 de dezembro, o jornal A Noite destacou o Avanço Brasileiro sob
pesado fogo, fazendo referência, sem citar a data, ao combate ocorrido em torno do
Monte Castelo, no dia 29 de novembro de 1944. O correspondente Henry Buckley,
da Reuters, considerou-o a luta mais áspera experimentada pelas forças
expedicionárias brasileiras, desde que haviam entrado em linha. A reportagem
mostra as dificuldades encontradas pelos soldados para atingirem o pico da
718
TAVARES, op. cit., 2005, p.73.
719
Ibid., p. 74.
404
montanha, e, sem maiores comentários, encerra melancolicamente a reportagem,
descrevendo o céu da Itália, naquele dia, como um ‘lençol azul, apenas marcado por
nuvens leves’.
720
Era sintomática a posição do jornal.
Enquanto, na Itália, a campanha centrada na conquista do Monte Castelo
causava grandes dificuldades para a FEB, o jornal A Noite, no Rio de Janeiro,
publicava como manchete: ‘5 brasileiros aprisionam 15 alemães’. Na descrição do
jornal, o sargento brasileiro, Thomas Aguirre, com 4 soldados sob seu comando,
havia flanqueado o inimigo, enquanto seus companheiros mantiveram o fogo para
conservar distraídos os alemães.
721
o jornal O Globo, no mês de janeiro, destacava a ação dos pilotos da FAB,
enaltecendo os nomes dos pilotos observadores, bem como os que tinham o registro
de maior número de missões. “Esses pilotos observadores sentem-se satisfeitos
com os resultados alcançados em sua missão principal de orientar o fogo de
artilharia”.
722
No mesmo mês, O Globo informava ainda sobre as ações do grupo de Caça
que estava atuando nas fronteiras da Suíça, da Áustria e no Passo de Brenner,
salientando que, nos primeiros meses de operações, foram lançadas 80 mil
toneladas de bombas contra objetivos inimigos. Como reforçou Egydio Squeff: “os
nossos patrícios podem ficar certos de que os seus pilotos ombreiam, em decisão e
perícia, com os companheiros das forças aliadas”.
723
Mas o que destino reservava aos comandantes e aos soldados do 11º R. I.,
após aquele fatídico dia 2 de dezembro de 1944?
A questão sobre a Casa Guanella foi julgada pelo Supremo Tribunal Militar,
contra os comandantes Carlos Frederico Contrim, Rodrigues Pereira, Silvio
Scheleder Sobrinho, Emilio Guimarães Tinoco e contra o major Jacy Guiamarães,
buscando esclarecimentos sobre as atitudes de cada um naquela jornada. O capitão
Cotrim, junto de seu advogado, mostrou que, após os ataques da artilharia alemã,
havia procurado ajuda médica no Posto Avançado de Neuropsiquiatria. O seu caso
foi diagnosticado como ‘comportamento de inferioridade e estado ansioso’. Os
depoimentos consignaram dois mortos, oito feridos e um desaparecido. Não se
720
A NOITE, Rio de Janeiro, 2 de dezembro de 1944.
721
A NOITE, Rio de Janeiro, 4 de janeiro de 1945.
722
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 1945.
723
JORNAL O GLOBO, Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 1945.
405
entrará aqui em detalhes e considerações apontadas durante todo o processo do
julgamento. Contrim foi condenado a 1 ano e 8 meses de detenção, depois
transformada em prisão simples. Nesse ínterim, perdeu a patente e deixou o
Exército. Foi o único condenado pela Justiça Militar.
Os demais não foram condenados, como afirma Klas,
[...] mas tiveram as suas vidas marcadas pelos acontecimentos. Esses,
mesmos absolvidos, sofreram as agonias do processo: viram seus nomes
rolarem pela auditoria de guerra, nas colunas da imprensa e nas folhas dos
boletins diários. Jacy Guimarães, Silvio Scheleder e Tinoco,
incontestavelmente, tiveram o seu prestígio abalado perante muitos.
724
Ainda de acordo com Klas, o inquérito em torno do caso Guanella foi uma
farsa, montado com o objetivo de dar uma satisfação aos norte-americanos.
“Preferiu-se o escândalo, o alarde, o sensacionalismo”.
725
Mais tarde, ao regressar
ao Brasil, Contrim passou a estrelar um programa de televisão como o Capitão Asa,
papel que naturalmente deve ter lhe caído muito bem.
Quantos soldados ficaram à margem da história da FEB, calaram-se. Não
conseguiram externar seus pensamentos, seus pareceres, buscando uma defesa
que pudesse aliviar o peso da incompreensão da culpa que lhes foi imputada pelo
abandono da área do conflito. Contudo, o depoimento do sargento Virgilino de
Souza pode resumir o pensamento dos seus companheiros:
Com lágrimas nos olhos, pois que, como integrante daquele Batalhão
fatídico, mas sempre histórico, também tenho sofrido abatimentos de ordem
moral. Devo dizer-lhe que sou testemunha ocular de todos os fatos e que,
no meu modo de ver, nenhum comandante de Batalhão escaparia, por mais
bravo que fosse, àquela jornada dolorosa do dia 2.
726
O balanço que se faz hoje desses acontecimentos é de que faltou ponderação
aos protagonistas das decisões tomadas contra o Batalhão. Um recuo, ou a retirada
de um batalhão sob fogo pesado, como aconteceu à Companhia, da qual faziam
parte Alfredo Bertoldo Klas e outros tantos soldados valorosos, como Ari Rauem,
não justificam a grandiosidade que se tentou dar ao assunto. Aquela noite fria e
chuvosa, com os clarões e os fortes estrondos e mais de quatro horas de
724
KLAS, Alfredo Bertoldo. A Verdade sobre Guanella: Um drama da FEB. Curitiba: Juruá Editora,
2002, p. 128.
725
Id.
726
SOUZA, apud PALHARES, op. cit., pp. 207-208.
406
bombardeio cerrado deixariam em dificuldade qualquer tropa experimentada. Basta
se observar os jovens recrutas do 1R. I., muitos com menos de 25 anos, para se
questionar: por que tudo isto?
5.2.2 Abetaia é nome feio: quando os mortos ficaram insepultos
Cai a noite no campo de batalha
tudo é silêncio. Às vezes, um lamento,
Rouco grito de dor a calma talha,
Levado, longe, longe, logo, pelo vento.
A música sinistra da metralhadora cessou.
Só resta agora o sofrimento
Deixado pela bala que estraçalha
E lança mais alguém no esquecimento.
E quando o sol, novamente nascer,
Gloriosamente, lá por trás do morro
Só se ouvirão os gritos de socorro,
Daquele cujo sangue ainda a correr
De peito aberto numa só ferida
Tudo ofertaram à pátria, até a vida.
727
Mais um ataque seria desferido pela FEB contra o ‘morro fantasma’. Os
combates anteriores haviam demonstrado o quão sacrificado foram para os
brasileiros que deles participaram, com conseqüências desastrosas. Vidas foram
ceifadas, criou-se um pânico generalizado nos jovens recrutas e destruíram-se
carreiras promissoras dentro de Exército Brasileiro. Causa espanto que os erros
cometidos durante os dois ataques do mês de novembro e o último, realizado no dia
2 de dezembro de 1944, não tivessem servido de alerta para que mudanças
estratégicas fossem delineadas, ou que se usasse de bom sucesso nos preparativos
dessas operações.
Prevaleciam os acordos firmados com o V Exército Americano. O comando da
FEB não opinava mais. Omitiu-se um erro gravíssimo, na visão de qualquer leigo.
Pela ausência de decisões mais realísticas, a FEB ainda iria trilhar por caminhos
extremamente perigosos, com centenas de vítimas, entre mortos e feridos, no
ataque que seria desferido conta o Monte Castello, passando por um punhado de
casas em Abetaia.
727
VARELLA, R. F. Fim de Batalha. O Febiano, n. 35, maio-junho. Rio de Janeiro, 1970, p. 29.
407
O novo ataque estava marcado para o dia 12 de dezembro. Crittemberger
tinha pressa e queria resolver a questão da tomada do morro até o dia 15. O grande
fator que marcou os anais da história da FEB neste combate não foi nenhum evento
bélico de grandes proporções, mas a morte de 17 soldados, próximo a Abetaia, e o
fato de terem permanecido insepultos até o degelo. Isso criou uma aura de
representatividade heróica que, por longo tempo, tem sobrevivido nas lembranças
dos combatentes. Segundo as histórias cristalizadas nas lembranças, esses homens
teriam morrido em formação militar, empunhando seus fuzis e granadas.
Sobre os acontecimentos relacionados ao combate do dia 12 de Dezembro de
1942, muitos escreveram, manifestando interpretações e vivências pessoais dos
acontecimentos. Outros, lá não estiveram, mas também opinaram.
Dos diários e testemunhos selecionados para consulta, chamam a atenção as
anotações do capitão Alfredo Bertholdo Klas, da Companhia do I Batalhão do 11º
R.I., que, no dia 2 de dezembro de 1944, havia participado dos desastres ocorridos
com seus companheiros. Viu a tropa ser tomada de um pânico coletivo e
incontrolável, sofreu com seus homens a desmoralização da incompreensão. Sentiu
também o peso do julgamento sobre seus comandantes imediatos, homens
honrados e destituídos de seus postos, situações delicadas que marcaram tantas
vidas. Nesse aspecto, muito tempo depois dos acontecimentos, na maturidade das
idéias e das reflexões, Klas resolveu romper o silêncio, animado por um amigo, para
escrever sobre o assunto, quando recebeu o seguinte conselho: Procure, estude e,
se possível, escreva.
Novamente o mesmo batalhão seria colocado à prova. É de se perguntar por
que tamanho desatino? Os acontecimentos que afetaram esse grupo tinham
ocorrido menos de 10 dias. Qualquer um poderia perceber que os soldados não
estavam ainda refeitos da jornada anterior. Nesse aspecto, o que se sucedeu
acabou falando por si.
408
FIGURA 16 – MAPA DAS OPERAÇÕES BRASILEIRAS
FONTE: Acervo da autora.
Segundo Brayner, ao amanhecer dia 12 de dezembro, chovia
ininterruptamente. A visibilidade era zero, pensava-se até em adiar o ataque, pois a
aviação não teria condições de dar apoio, além do impedimento do emprego das
bases de fogo fortemente dotadas de metralhadoras ponto 50, mesmo se
empregando projéteis–traçantes. Nesse caso, falhariam pontos de apoio importantes
para a infantaria conseguir alcançar seus objetivos. Tudo levava a crer que o ataque
seria um insucesso, mesmo antes de acontecer.
O ponto de partida seria o povoado de Bombiana; na descrição de Klas, uma
localidade com poucas casas, construídas ao lado de uma igreja semi-destruída
pelos bombardeios. Como restassem poucas casas em pé, os soldados da 1ª
409
Companhia se alojaram como foi possível. No interior da igreja, o vai e vem dos
soldados misturava-se ao vozerio de pessoas falando ao mesmo tempo.
O capitão Tarcisio Bueno, o novo comandante, era um brilhante oficial de
carreira, com muitos cursos realizados na área militar. Homem culto e inteligente,
que fazia parte do Estado Maior da Divisão. Porém, sua experiência de militar
resumia-se às missões estrangeiras das quais havia participado, ou então aos
gabinetes de quartéis, sempre afastado do contato com a tropa. Diante da crise
provocada pelos ataques anteriores, cuja responsabilidade se imputou aos capitães,
as substituições se tornaram um problema. Nesse aspecto, resolveu a FEB alçá-lo
ao comando da 1ª Companhia.
Ainda no relato do capitão Klas: “O capitão Tarcisio dava impressão de estar
nervoso. Comia pouco, tomava muito café e fumava bastante”.
728
Provavelmente o
capitão mostrasse esse comportamento em função da responsabilidade que
assumira diante dos comandantes, embora sabendo que a operação do ataque que
iria acontecer dentro de poucas horas fosse algo quase impresumível.
Os soldados, para atingirem as posições inimigas, teriam que passar por um
terreno plano, uma relva sem arvoredo, ou qualquer acidente. Não havia como
abrigar-se da fuzilaria que iria descer o morro. Lá estava a Casa de Abetaia,
construída com paredes grossas feitas de pedra ferro, no estilo muito usado pelos
italianos. Próxima à casa, uma cerca de arame farpado tentava proteger o avanço
dos inimigos.
A noite de 11 para 12 de dezembro era para todos descansarem e dormirem,
pois na manhã seguinte o ataque seria iniciado. Segundo Klas, dentro da casa que
lhes servira de abrigo, o capitão deitou, mas não dormiu. Ao seu lado, o soldado
Sergio. Além deles, uns quinze homens compartilhavam o improvisado alojamento,
todos deitados no chão, inclusive o capitão. Na lembrança de Klas, quando
perguntou ao capitão por que o dormia, este respondeu: “estou nervoso, porque
temo pelo bom desempenho da missão por parte da companhia”. Klas,
naturalmente, havia percebido, por parte do capitão, outras razões para o estado de
ânimo em que ele se encontrava.
729
728
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005, p. 127.
729
Ibid., p.130.
410
O capitão Tarcisio Bueno solicitou que às 24 horas fosse acordada a
companhia para a saída, que, depois, foi transferida para as três horas da manhã. O
capitão não conseguiu conciliar o sono. Conforme a ordem recebida, Klas acordou
todo pessoal da Companhia. Foi servido um rápido café a todos. Às cinco horas
da manhã, a companhia estava pronta. A visibilidade àquela hora da manhã era
quase nula, enxergava-se de dois a três metros no máximo. Os homens foram
formando coluna por um. “Molhados e com frio, chegamos à estrada asfaltada, onde
nos esperava o capitão Tarcísio com os oficiais”. O plano de combate previa uma
ação surpresa, mas a artilharia americana, que estava escalada para dar apoio,
“iniciou extemporaneamente uma ‘brilhante’ barragem, determinando a quebra da
surpresa da operação”.
730
O que se desencadeou em seguida serviu de narrativa para muitas pessoas.
Klas estranhou o silêncio, não houve a cobertura do batalhão Syzeno, da
Companhia do batalhão. Esse grupamento chegou tarde à sua base de partida,
pois teve de caminhar 16 quilômetros, abaixo de chuva fina, lama, muita serração.
Levou sete horas para chegar ao apoio. Sem saber desse detalhe, o capitão Tarcisio
ordena o ataque. Quando os soldados de Syzeno chegaram para dar cobertura,
não havia muito que fazer.
O inimigo estava muito bem escondido, não desperdiçou tiros de
metralhadoras ou de fuzis, mas despejava sobre a tropa sua munição de morteiros.
Klas foi a Bombiana buscar mais munição. No retorno, encontrou um soldado da
companhia, esfalfado, aterrorizado, quase sem forças. Como o rádio tinha sido
danificado, foi por intermédio de um mensageiro que se soube das notícias nefastas
com a Companhia. havia muitos feridos e mortos, e, sem muita possibilidade
de defesa, inclusive o capitão Tarcisio Bueno, fora ferido e se encontrava caído em
campo inimigo,ao lado de outro soldado brasileiro. O desastre anunciado aconteceu
e a operação foi suspensa.
Na análise do acontecido, Klas manifestou a sua reflexão: “O sangue e a vida
dos brasileiros não tinha muito valor. Rufem os tambores, soem as trombetas e
na estrada para conquistar o maldito Castelo, pelo menor preço possível, com honra
e glória ao Corpo do Exército Americano”.
731
A companhia foi obrigada a recuar.
730
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005, p.131.
731
Ibid., p. 134.
411
Eram homens cansados, sujos, amedrontados, desesperados com as mortes ou
com os ferimentos dos amigos, sem ter condições de se esconder. Na cabeça dos
jovens soldados, tudo se repetia novamente, o insucesso e as frustrações. O Monte
Castelo continuava nas mãos dos alemães.
Na visão de Klas, cada qual poderia dar a sua interpretação sobre o combate:
“Quem saiu vitorioso não precisa pensar muito para descrever os detalhes do
ocorrido. Palavras fluentes, facilidade de encaixar as ocorrências e as citações
naturais de pessoas ou atos dignos de menção.”
732
O capitão Tarcisio Bueno tinha sido ferido com muita gravidade e várias
patrulhas foram a campo para tentar salvá-lo. Em uma dessas patrulhas, participou o
sargento Max Wolff Filho, mas não obteve sucesso. Provavelmente com os
binóculos, seus companheiros pudessem ver o corpo caído do capitão. Mas
perceberam também que os alemães mudavam a cada momento a posição o
capitão ferido, no sentido de colocá-lo como isca para as patrulhas que iam às
buscas. O que se passou depois do seu resgate provavelmente ficou por conta das
palavras do próprio capitão Tarcisio, dos participantes do seu batalhão, ou de outros
que lá não estiveram, mas ouviram falar.
Sobre o que teria conversado Tarcísio com um soldado brasileiro, também
ferido no mesmo momento, é algo a se especular. A distância entre os feridos e o
batalhão brasileiro era significativa, mas muitos diálogos entre essas duas
personagens foram criados, à mercê da criatividade de cada narrador.
O tenente Gentil Palhares, também pertencente ao 11º R.I., em seu relato,
buscou mostrar os últimos lances de Tarcisio Bueno no comando:
O capitão Bueno quer dar exemplo de sacrifício e bravura aos seus
subordinados, marcha à frente de sua companhia; a certa altura, o combate
chega a desenvolver-se a granadas de mão, homem para homem, brutal,
violento. Foi quando recebeu certeiro tiro à esquerda do peito. O explosivo
era a desumana ‘dundum–dum’, que o atingira em cheio. Cinco costelas são
partidas, um pulmão é atingido.
733
Na explicação de Palhares, depois de algumas horas, o capitão Tarcisio, que
deveria estar desmaiado, despertou com o vozerio e os risos dos soldados alemães
732
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005, p. 139.
733
PALHARES, Gentil. De São João Del Rei ao Vale do Pó. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército,
1957, p. 237.
412
que retornavam às suas posições. O capitão olhou em torno e viu que estava na
“terra de ninguém”, deserta, tendo apenas por companheiros os cadáveres de
amigos que jaziam pelo chão. Junto do capitão, um soldado muito ferido contorcia-se
de dor. Mesmo assim, tentaram reunir forças para fugir do local, o que, pelo grave
ferimento de ambos, tornou-se inviável.
734
O dia passou e o escuro da noite dificultava o trabalho das patrulhas que, sob
ameaça constante dos alemães, tentavam resgatar o capitão. Foi realmente
extraordinário ter escapado da morte com graves ferimentos e com a hipotermia que
tomava conta do seu corpo. Mais tarde, seu ordenança, o soldado Sergio Pereira,
sozinho, e sem alarde, conseguiu, com cuidado, atravessar a linha inimiga e resgatar
o ferido, trazendo-o para as linhas brasileiras, onde foi salvo.
Novamente, a Companhia do 1º Batalhão foi a que sofreu o maior número
de baixas: 112 no total, entre mortos e feridos. O que chama a atenção é a
apropriação que se fez, pelo imaginário dos combatentes, do episódio em que
morreram os “Os 17 de Abetaia”. Nas narrativas, os tombados naquele dia, em
Abetaia, simbolizaram a dignidade do patriotismo daquele que morre pela pátria. “O
heroísmo está na serenidade diante da morte, pela verdade, pela liberdade, pela
honra e pelo bem”.
735
Constantemente, o episódio é lembrado, não somente pelos
componentes do 11º R. I., mas também por soldados de outras unidades que
combateram na Itália, e tem servido de motivação nos discursos que foram
proferidos no pós-guerra, como o fez Gentil Palhares.
Na narrativa de Palhares, após o combate, quando se efetuou a chamada
nominal dos soldados para se apurarem as baixas, o levantamento apontou para a
ausência de muitos soldados e oficiais. Na Companhia, dezesseis homens de um
Pelotão não responderam à chamada. Os ausentes, que o tinham sido enviados
aos hospitais, foram considerados “desaparecidos em ação”, teriam sido feitos
prisioneiros ou teriam ficado no campo, insepultos. Mais tarde, já por ocasião da
Tomada de Monte Castello, na primavera italiana, os 16 corpos dos soldados da 1ª
Companhia, e mais um de outro batalhão, foram encontrados quase perfeitos. Seus
corpos tinham sido preservados pela neve. O reverendo Sorrem, com seus
734
PALHARES, op. cit., p. 139.
735
FERREIRA, Tarcísio C. Nunes. Boletim Escolar n. 80, 23 de abril de 1952, apud MATTOS, op. cit.,
1960, p.55.
413
voluntários, procuraram os desaparecidos. Caso fossem encontrados, seriam
levados para o cemitério de Pistóia.
Segundo Palhares, no estreito corredor de Abetaia, que flanqueava o Monte
Castello, lá estavam os corpos:
[...] em torno a uma casamata, em formação semi-circular de combate, e
num campo aberto, a uns 20 metros das seteiras, jaziam 17 cadáveres
brasileiros, hirsutos, agressivos, colhidos por traiçoeira ceifa de morte.
Alguns comprimiam o gatilho que disparara o último tiro, e outros tinham,
nas mãos cerradas, as granadas, já sem o grampo.
736
A população italiana, que nesses dias vagava pelos pequenos povoados em
busca de alimentos e roupas, sentia enormes dificuldades. O mês de dezembro, na
Itália, sempre é o prenúncio de como o clima invernal vai se comportar. Sabiam os
retirantes que era necessário, com urgência, organizar um farnel com alimentos e
carregá-lo junto das pequenas tralhas que conseguiam transportar, atravessando
ora as linhas brasileiras, ora as linhas alemãs, muitas vezes sob forte bombardeio.
Foi o que aconteceu a Caterina Bruni, a parte da sua família desestruturada
pela guerra e a alguns vizinhos, que se aventuraram entrar nas linhas brasileiras.
Em seu testemunho, ela diz:
Partimos no dia 13 de dezembro de 1944, eu, meu irmão Evaristo, minha
cunhada Rina (sua mulher), que estava num estado adiantado de gravidez,
perto de 8 meses, e a Clarice (amiga), que era de Abetaia, e estava na casa
Toschi (casas vizinhas). Em suma, saímos para ir a Abetaia (próximo ao
monte Castello) e Spondella para pegar um pouco de comida e roupas, pois
o capitão brasileiro, chamado Covas, havia nos dito que Abetaia estava
liberada dos alemães e que ali se encontravam brasileiros. Quando
passávamos por Caramella, encontramos muitos soldados e ficamos um
pouco incertos e, quando nos aproximávamos da Casa Bosque (povoado),
vimos uma fila de soldados mortos. A cabeça de um tocava os pés do outro.
Seguimos adiante. Vi os corpos dos brasileiros. Era dia de Santa Lucia, uma
coisa que não se esquece.
737
Quando Caterina Bruni afirma ter conversado com um certo capitão brasileiro
de nome Covas, e que este havia afiançado que Abetaia havia caído em mãos dos
brasileiros, motivo pelo qual ela e seu grupo sentiram mais segurança para chegar
às linhas brasileiras, a informação procede, pois, erroneamente, fora informado, pela
736
MATTOS, op. cit., 1960, pp. 249-250.
737
BRUNI, Caterina. Entrevista a Carmen Lúcia Rigoni. Gaggio Montano, Itália, 8 de agosto de
2002.
414
fonia do rádio, que Abetaia havia caído, o que logo em seguida fora desmentido:
“Abetaia e Valle continuavam em poder do inimigo”.
738
Clarice, a mais velha do grupo de retirantes, queria dirigir-se para Abetaia, e o
restante pensava seguir para o povoado de Spondella. Nesse impasse, quando o
grupo pensou em separar-se, escutou vozes de soldados alemães dizendo:
“Komml Kolmm” “Parem, parem...”. Eles tinham duas metralhadoras. Vendo
que estava impedido de continuar o caminho, o grupo de amigos italianos
resolveu passar na casa de um conhecido, Elzo Petroni. Como explica
Caterina: “Os alemães nos seguiam de perto e iam fazendo acusações,
dizendo: “Vocês são espiões!” Refletindo com rapidez, e temendo pela
própria vida, Caterina respondeu: “Como podemos ser espiões se estamos
vindo de Seneveglio e foram os alemães que nos deram autorização para
passar em busca de todas aquelas coisas?”.
739
Com insegurança, o grupo de Caterina foi escoltado pelos alemães até a
cantina de um outro conhecido, chamado Cioni Giovanni. Os alemães haviam
requisitado o estabelecimento como alojamento. Mais alemães foram se juntando ao
grupo. Caterina e seus amigos, cada vez mais amedrontados, seguiram com a
pequena caravana até um posto de triagem alemã. O local era Casone Masti, onde
havia um posto para atendimento aos feridos. Naquele momento, chegava um
carregamento de produtos alimentícios conduzidos pelas mulas. Segundo Caterina,
na confusão de tanta gente junta, houve a possibilidade de todos fugirem, mas o
receio de uma represália era muito maior.
A saga de Catarina continuou. Todos foram obrigados a seguir os soldados
alemães, o terreno era difícil, “uma estrada cheia de barro que vinha até aos
joelhos”. Nas proximidades, havia um lugarejo chamado Bernardini di Maserno.
Naquele local, ficaram todos retidos para trabalharem para os alemães. O irmão de
Caterina foi obrigado a seguir com os alemães para o front. Permaneceram no local
ela, Clarice e a cunhada, Rina, que estava prestes a dar a luz. Um grande grupo de
alemães chegou naquela noite para fortalecer o Monte Castello. Com 20 anos,
Caterina era um jovem vistosa e chamava a atenção dos soldados, que lhe diziam
“grande amor” e outras palavras. Temendo por si mesma, ela agarrava-se a Clarice,
que pedia, quase rogando, que deixassem a moça em paz.
738
BRAYNER, op. cit.,p. 291.
739
Id.
415
Para Caterina e para outras mulheres, foram momentos de grande tensão
jamais esquecidos e expressos mais tarde no seguinte depoimento: “Mas se vê que
o Senhor não me abandonou. Neste momento, aparece um tenente ou capitão,
uma ordem e todos obedecem. Em seguida, abandonam o local, mas antes
aprisionam todas em um quarto da casa”.
740
Na manhã seguinte, as mulheres foram soltas, mas permaneceram três
dias descascando batatas e cozinhando verduras para os soldados. Na distração
deles, conseguiram fugir e, pelo caminho, foram encontrando outras pessoas que
também buscavam as frentes brasileiras. Tal caminhada não era segura. Debaixo do
bombardeio americano, as mulheres não conseguiam andar muito rápido. Clarice
porque era muito idosa e a cunhada de Caterina por estar grávida de oito meses.
Quando o grupo chegou a Guanella, nas terras dos Berti, todos foram feitos
prisioneiros novamente, mas agora de uma patrulha brasileira.
Pela manhã, fomos encontrados pelos brasileiros que haviam ocupado o
local, expulsando os alemães. Fomos feitos prisioneiros e nos levaram a
Casellina di Romano, onde ficava o seu comando e, depois, para Porreta
Terme, ainda como prisioneiras. Pedi para telefonarem ao capitão Covas,
na Casa Toshi e disse: “Diga-lhe que é donna Caterina e donna Clarice...”
Não sei o que falaram, mas logo fomos colocadas em liberdade.
741
Os momentos de tensão que Caterina vivenciou ficaram retidos para sempre
em suas lembranças. Eram as zonas limítrofes entre brasileiros e alemães, junto ao
Monte Castello, justamente nos dias que sucederam ao ataque dos brasileiros a 12
de dezembro de 1944. Depois de passar pelas linhas brasileiras, Caterina foi ao
encontro dos familiares que a aguardavam com muita apreensão. “Cheguei a Poggio
del Buço, onde estava meu pai, também desabrigado, mas, com lágrimas no rosto,
abraçou-me com carinho e disse: ‘sabia que você voltaria’.” Encerrando a sua
narrativa, Caterina afirmou: “Nos últimos anos, agradeço a Deus todos os dias por
estar viva”.
742
Sobre aqueles dias de tristes jornadas contra o Morro Fantasma, de um lado,
estavam os brasileiros com seus batalhões, jovens recrutas, muitos quase
adolescentes; do outro, um inimigo experiente e uma topografia onde deveriam ter
combatido apenas os homens especializados nas lutas em montanhas. Sofreram o
740
BRAYNER, op. cit.,p. 291.
741
Id.
742
Id.
416
frio, a altitude, a lama, o peso do armamento e das caixas de munição. Perderam a
hora de comer, ficaram atônitos, correram do improvável, ficaram surdos pelos
estrondos provocados pela artilharia. Muitos ficaram mutilados ou perderam amigos.
Vidas foram ceifadas, carreiras obstruídas. Mas o Monte Castello teria de ser
tomado, era um desafio para a FEB, diante da incredulidade daqueles que não
acreditavam nesses homens.
5.2.3 O dia em que o Castello caiu
Em meados de fevereiro de 1945, a neve e o frio já não eram tão intensos
como tinham sido no mês de dezembro. As tropas estavam praticamente paradas,
persistindo ainda as patrulhas que, de um lado e do outro, tentavam manter suas
posições. Os alemães ainda tinham em seu poder as montanhas nas grandes
alturas, das quais dominavam os vales adjacentes. Superá-los seria garantir a
marcha para Milão, Turim, Alessandria e Bolonha, cidades importantes localizadas
ao norte da Itália, cuja conquista poderia minar as forças alemãs, obrigando-as a um
recuo ou à rendição total em território italiano. Nesse contexto geográfico, estavam
os montes Belvedere e Monte Castello que, indiscutivelmente, representavam uma
abertura para o vale do Rio Pó e para os Alpes. O primeiro representava uma
empreitada para a tropa americana da 10ª de Montanha; e o segundo, uma missão
desafiadora para os brasileiros, diante do imaginário da sua inexpugnabilidade.
O Exército aliado sabia das reais condições do Exército Alemão: de tudo
faltava um pouco, desde combustíveis para os carros e munição para armamento,
até roupas e calçados para seus homens. Muitos desses combatentes, envolvidos
na guerra quase cinco anos, ansiavam também pelo fim dela. Todos haviam
chegado a um limite. Sem rever suas famílias, recebendo a cada instante notícias
que vinham da Alemanha, esses homens não viam perspectivas de que o exército
alemão saísse vitorioso. Lutava-se pela dignidade de soldados que eram, mas o dia-
a-dia apontava outras situações, muitas de cunho pessoal, para as quais a guerra
não tinha resposta.
Para os brasileiros, a situação não era diferente: três meses estacionados
diante do Monte Castello, a olhar aquele morro de onde partia todos os dias o
martelar estrondoso da artilharia alemã, criaram uma expectativa muito grande em
417
relação aos regimentos que se sentiam fisicamente e espiritualmente envolvidos
com ele.
que se avaliar também o desgaste emocional. Muitos soldados haviam
participado de patrulhas, geralmente à noite e em terreno montanhoso, coberto com
espessa camada de neve, onde todo o cuidado era pouco. Todos esses são fatores
de grande desgaste emocional que, nos relatórios técnicos frios e impessoais, não
foram registrados.
Os momentos antes da partida para o combate pesam em seu desenrolar: o
nervosismo, o suor excessivo, as roupas molhadas. Segundo o historiador militar
Kellett, além desses aspectos, o soldado sente a iminência do combate, em maior ou
menor escala, e está sujeito a todas as tensões: o perigo, a fome, a sede e as
incertezas.
743
Essas situações envolviam o medo que o soldado experimentado tenta
reverter.
Ainda segundo Kellet, em suas pesquisas sobre as questões que envolviam o
pânico de uma tropa diante de uma situação de perigo, os soldados norte-
americanos, respondendo a um questionamento, disseram que uma das maneiras
de controlar o medo excessivo se apoiava em três situações: A que se deveria ter
nos objetivos de guerra, a confiança no líder e o treinamento. Todos os
entrevistados reconheciam a possibilidade de um futuro melhor com a vitória final.
744
Entre os soldados brasileiros, a situação não era muito diferente, segundo o
médico psiquiatra paranaense, Lacerda Manna, que atuou no Station Hospital de
Livorno, na Itália. Porém, havia uma singularidade: dos jovens recrutas brasileiros
entre 18 e 19 anos, muitos não haviam atingido a maioridade mental, o que lhes
proporcionava a falta de maturidade para as situações que envolviam o poder de
decisão, além de ser baixo o nível escolar da maioria dos homens provenientes do
interior do Brasil. Nos Hospital de Livorno, onde atuou, existiam duas enfermarias
abertas destinadas aos casos mais leves de descontrole emocional e dois quartos
de segurança para os casos de pacientes mais graves. Dos registros de Manna
neste hospital, constam cerca de 377 atendimentos a praças e oficiais no período
entre novembro de 1944 e abril de 1945.
745
743
KELLETT, Anthony. Motivações para o combate. Rio de Janeiro: Bibliex, 1987, p.42.
744
Ibid., p. 48.
745
MANNA, Rubens de Lacerda. Serviço de Neuropsiquiatria da Secção Brasileira. Curitiba:
Editora do autor, 1962, p. 48.
418
Os depoimentos dos médicos sobre este período são enriquecedores. Nesse
caso, reportar-se-á ao quartanista de medicina Sebastião Diaz Cammarosano, que
partiu para a guerra como voluntário, compondo a companhia do Batalhão de
Saúde da FEB. Como ele mesmo diz: “levado pelo espírito de patriotismo, compareci
para responder ao chamamento da pátria”.
746
No posto de sargento enfermeiro, durante a guerra, o estudante de
medicina pode aperfeiçoar-se no atendimento aos feridos. “Verificamos que tudo o
que aprendíamos não se aplicava no teatro de operações”.
747
As suas lembranças
buscam mostrar os procedimentos de acompanhamento ao soldado ferido, não
apenas na parte física provocada pelos ferimentos graves, mas também na parte
emocional, que podia, de certa forma, afetar não somente o comportamento do
soldado, mas, às vezes, diante de um quadro mais violento, provocar um surto
psicótico desgastante, como aquela debandada da 1ª companhia do 11º R. I., no dia
2 de dezembro de 1944 .
Havia uma cadeia de serviço de neuropsiquiatria que atendia de Porreta
Terme até o Hospital de Nápoles, onde o Dr. Mirandolino Caldas prestava
assistência. A maior movimentação ocorria exatamente após os combates, segundo
Cammarosano, o psiquiatra Mirandolino Caldas opunha-se aos tratamentos
recomendados pela clínica psiquiátrica ortodoxa, aquela que, nos casos extremos,
aplicava o coma induzido com insulina e recorria ao choque de convulsoterapia
elétrica. Como médico de práticas modernas, Mirandolino preferia a psicoterapia de
impacto, apelando para os brios do soldado, para que avaliasse a sua situação, na
perspectiva de estar na guerra representando sua pátria. Uma boa conversa
convencia os doentes de que tudo era psicológico e passageiro.
748
Não havia também medicamentos modernos como Aldol, Tripiridol, Anatensol.
Na época, dispunha-se de sequenol, fenobarbitol e alitol line.
749
Trabalhava-se muito
nos hospitais com a terapia ocupacional: os soldados eram tratados com música,
ouviam rádio, liam revistas e praticavam jogos. Segundo as estatísticas do Hospital,
havia cerca de 80% de recuperação.
750
O modelo aplicado por Mirandolino, na Itália,
746
DIAZ, Sebastião Cammarosano. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 8 de abril
de 2000.
747
Ibid., p.118.
748
Ibid., p.131.
749
Ibid., p.125.
750
Id.
419
era conhecido como “psiquiatria analítica”, na qual o papel do médico era ‘encarar o
indivíduo, examinando sua personalidade e sua reação sem rotulá-lo como
esquizofrênico, psicótico, maníaco depressivo ou neurótico.’
Os preparativos para tomar o Monte Castello já eram planejados desde o mês
de janeiro. Eram produto de reuniões entre o Comando Brasileiro e o V Exército
Americano, pois previa-se uma ação conjunta das duas forças, com envolvimento
também do grupo de Caça da FAB. No dia 18 de fevereiro de 1945, a movimentação
era grande nas estradas que conduziam ao Monte Castello. Na cadência
sincrônica, os carros de combate, os carros de assalto e os jipes foram aos poucos
tomando posição e eram disfarçados dos olhares do inimigo pela fumaça artificial
produzida pelos ingleses em Porreta Terme. Ao amanhecer do dia 19, a FAB fazia
seus vôos com objetivo não somente de reconhecimento, mas derrubando toneladas
de bombas nas posições alemãs. Agora, o segredo do ataque não era o mais
importante.
No dia 19 de madrugada, a agitação no entorno do Monte Castelo foi
crescendo com a movimentação dos soldados do R. I. Esses o aos poucos
galgando as posições que até então se encontravam nas mãos inimigas. O que faz
um grupo de combatentes antes de sair para uma missão perigosa é algo
surpreendente: além dos preparativos usuais da verificação do armamento, são
checados os cunhetes de munição e os talabartes, que deveriam estar muito bem
presos com as granadas. Checavam-se as metralhadoras e sua munição, um
cuidado de vida ou morte, uma vez que na hora do embate o homem tinha que
confiar em sua arma. Também um cobertor pequeno e bem dobrado ajudava a
compor os equipamentos de quem iria subir o morro sem saber quanto tempo iria
permanecer lá em cima. Apesar do degelo que começava, as temperaturas no
Monte Castello ainda eram muito baixas.
Muitas vezes, antes de um ataque importante, costumavam os padres que
pertenciam ao Serviço Religioso da FEB levar um apoio religioso aos soldados.
Algumas fotos são reveladoras desses momentos e emocionam mais do que as
palavras. Para atender aos soldados brasileiros na Itália, lá se encontravam 26
capelães católicos e 2 protestantes, ligados ao Estado Maior da FEB.
No Brasil, assim como os soldados, os capelães haviam passado por um
rápido treinamento nos quartéis do Rio de Janeiro. O padre Carlos Alberto da Costa
420
Reis era um deles. Todos ficavam adidos a um Batalhão, e, como soldados,
vivenciaram o cotidiano da guerra. Assim como a tropa, passaram pelos
deslocamentos, pelo desconforto dos acampamentos, pelo frio intenso e registraram
em suas mentes os momentos de maior tensão durante os bombardeios, como bem
lembrou padre Alberto:
Nunca me esqueço dos alemães quando usavam seus morteiros: os tiros
chegavam perto e eu, na expectativa de morrer. E quem disser que não tem
medo de morrer, soldado, ex-combatente e até general, quem disser que
não tem medo da morte está mentindo ou está doido. Em alguns momentos,
vi toda a vida passar num átimo de tempo.
751
Esses religiosos estavam sempre muito unidos aos soldados. A presença
deles em um acampamento tinha um alto significado para os homens: era a
presença amiga do conselheiro, daquele que estava disposto a ouvir alguém em
conflito, levando mensagens que acalmavam os espíritos. Atestando esses
momentos, o padre Alberto aparece em várias fotografias, não somente nos locais
onde os soldados se encontravam, mas também nas comunidades italianas.
Retratando esses locais, sua coleção de fotos formou um acervo considerável.
Geralmente, nos pequenos povoados, havia uma junção das atividades
religiosas entre os rocos locais e os padres do Serviço Religioso da FEB. As
missas eram organizadas e rezadas sempre que os bombardeios cessavam, como
explica o capelão padre Jacó Scheneider: “Depois de três violentos bombardeios
desabados sobre nós na madrugada do dia 3 de dezembro em Sila, deixei meu
refúgio para ver o que acontecera à tropa.. Estávamos todos atordoados, mas ilesos,
graças a Deus e ao santo forte de cada um”.
752
Em outra ocasião, o padre Jacó estava com os soldados na cidadezinha de
Marano. Os dias ainda eram do outono muito gelado, chovia muito e o terreno virava
um lodaçal, provocado também pelos bombardeios que não deixavam nada em pé.
O seu relato coloca o leitor dentro da cidade, imaginando o que sentiram os
soldados e a população após um bombardeio:
751
REIS, Alberto da Costa. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 6 de março de
2000.
752
SCHNEIDER, Emilio Jacob. Vivência de um ex-capelão da FEB. Curitiba: Edições Rosário,
1983, pp. 58-59.
421
Caindo de buraco em buraco, chuvisco fino batendo, às duas e meia,
alcançamos a casa, onde entramos eu, o médico Barcelos e os enfermeiros,
enquanto os pracinhas se ajeitavam nos respectivos buracos... No dia
seguinte, visão nenhuma, mas parei fora, ao ar livre e escutei o silêncio,
percebi o som de um sino.
753
Nesse dia, após o bombardeio, a população foi chegando, escondendo-se
entre os escombros, juntou-se aos pracinhas e a missa aconteceu.
Das histórias de amizades entre os soldados e os religiosos, a de Frei
Orlando foi uma das mais marcantes. Nascido em São João Del Rey, era
franciscano. Quando convocado, com 31 anos, resolveu acompanhar o regimento.
Embarcou para a Itália no Escalão. chegando, alçou a posição de capitão no
11º R.I.. Viveu no acampamento com os soldados e, antes de qualquer combate,
tinha por hábito levar palavras de fé e incentivo a eles. Era uma pessoa voluntariosa,
que não via barreiras para concretizar essa assistência, denotando sempre boa
disposição e alegria no trabalho que realizava. Além das missas rotineiras que
rezava para os soldados, o seu lado amigo e alegre era admirado por todos.
O tenente Ruy Fonseca, pertencente ao mesmo Regimento, lembra a
passagem do religioso pelo acampamento e dos encontros alegres que Frei Orlando
proporcionava aos soldados. Era comum reunir os católicos e os que gostavam de
rezar, em algumas noites: com sua gaitinha de boca, tocava um repertório não só de
músicas religiosas, como o Louvado Maria, mas outras do seresteiro mineiro:
Saudades do Matão, Sobre as Ondas, Saudades de Ouro Preto, uma maneira
inteligente de puxar a turma para o terço.
Os locais para rezar as missas eram muitas vezes inusitados, como explica
Ruy, ainda falando de Frei Orlando: “Ele chegou ao local de reunião do pelotão, a
velha estrebaria, e, improvisando um altar na baia sobre a manjedoura, explorou a
situação, falando-nos que Jesus Cristo estava no meio de nós, como no dia do
nascimento, onde viveu seus primeiros dias: um estábulo”.
754
Quando perguntava se
os soldados haviam se confessado naqueles dias e a resposta era negativa, ele
procurava tranqüilizar a turma: “Tudo que vocês iriam me dizer, Deus sabe de
sobra. Vou pedir a Deus que perdoe a todos, desde que se arrependam
sinceramente daquilo que lhes pesa a consciência”.
755
753
DIAZ, op. cit., p. 125.
754
FONSECA, op. cit., p. 107.
755
Ibid., p. 108.
422
Também o padre Alberto da Costa Reis lembra da personagem marcante do
religioso “Era jovem, físico de atleta, cabelos negros, semblante sempre alegre.
Onde ele estivesse, estaria também alegria”.
756
Era comum também o Frei Orlando visitar os soldados em seus fox holes,
como afirma Alberto Reis:
“Com tanta naturalidade, era visto como a figura do pai extremado junto dos
seus filhos, na hora em que suas vidas corriam perigo”.
757
Alberto Reis lembra-se também da última vez em que se avistaram, depois de
uma das reuniões na casa paroquial mais próxima do Quartel General em Porreta
Therme.
Fomos conversando sobre os mais variados assuntos, a nossa vida
sacerdotal, a experiência nova de capelães em época de guerra: as
incompreensões de que é alvo o sacerdote; enfim, a conversa de dois
jovens sacerdotes, entusiasmados com a missão que Deus e a Pátria lhes
confiaram. Parecia ser aquela a última viagem.
758
No dia 20 de dezembro, como era de sua rotina, o Frei Orlando tinha intenção
de visitar os soldados da e da companhias, que pertenciam ao Batalhão. A
localidade era próxima à Bombiana, muito castigada pela Artilharia alemã. Foi
advertido do perigo e aconselhado a fazer um roteiro mais curto, onde não ficasse
tão exposto. A companhia entraria em linha na manhã seguinte, justamente no
ataque que seria desferido ao Monte Castello. A visita do frei era sempre aguardada,
pois o bom humor e a alegria que envolviam a pessoa do frei eram contagiantes. Na
visita, todos esperavam pela benção e muitos comungavam, com as granadas
explodindo o tempo todo sobre os abrigos dos soldados. O amanera incerto, o
melhor era estarem quites com o Senhor.
Naquele dia, teimosamente, “lá se foi com o seu bornal a tiracolo, levando
consigo o ritual e os santos óleos”. Como a distância onde estavam os soldados a
quem ele levaria a benção era de apenas 300 metros, iniciou a caminhada a pé.
Frei Orlando não havia dado muitos passos, quando estacionou ao seu lado o
jipe dirigido pelo cabo Gilberto Torres Ruas, que lhe ofereceu uma carona. A
estradinha não era asfaltada, mas muito empedrada para facilitar a locomoção das
756
REIS, Alberto da Costa. Morreu Frei Orlando. In: REVISTA MILITAR BRASILEIRA, op. cit., p. 110.
757
Id.
758
Id.
423
conduções nos dias de chuva. Não tinham andado muito e uma pedra travou uma
das rodas. Todos desceram para desencalhar o veículo. Além dos militares
brasileiros, um partigiano, que portava um fuzil, procurou tirar a pedra que estava
sob o eixo traseiro do veículo, mas, de forma desastrada, com a coronha da arma. A
arma, engatilhada, com os golpes, disparou. O tiro certeiro atingiu o coração do frei
Orlando. Desesperados, os que estavam presentes buscaram socorro médico, que
veio às pressas. Segundo os testemunhos, Frei Orlando conseguiu apenas balbuciar
“Minha Nossa Senhora!”. O partigiano, descontrolado, permaneceu abraçado ao
corpo, chorando copiosamente. Nos últimos momentos, segundo dizem, segurando
o rosário, balbuciou algumas palavras: “Não há mais jeito, estou ferido”, e, em
seguida proferiu uma oração abafada, percebida apenas pelo leve movimento dos
lábios. Morreu rezando.
Diante do quadro trágico, formou-se uma aglomeração de pessoas que o
conheciam. Eram soldados e civis que habitavam o pequeno povoado de Bombiana.
A notícia correu toda a frente brasileira. Ao pesar dos soldados, juntavam-se as
imagens que faziam lembrar a figura jovial do frei, que soubera em vida dar conforto
aos que precisavam. Como escreveu mais tarde seu amigo, monsenhor Alberto da
Costa dos Reis: “Aquelas mãos contraídas segurando o terço, quantas vezes
souberam perdoar, tantas vezes se ergueram aos céus para pedir pelos filhos, que,
distantes da Pátria, bravamente lutavam para que o Brasil e o mundo fossem livres.”
Os anos passaram em toda essa frente de guerra. Hoje, quem visita a cidade
de Bombiana, vai encontrar, não muito longe da igrejinha que abrigou os corpos dos
soldados brasileiros mortos no combate de Monte Castello, um morro não muito alto.
Lá, em 1995, foi colocada uma placa de bronze onde está escrito: “Aqui morreu Frei
Orlando”, uma homenagem da população, dos remanescentes da guerra que nunca
o esqueceram.
Às vésperas do dia 21 de fevereiro de 1945, os correspondentes de guerra se
preparavam para mais uma cobertura dos eventos militares sob a responsabilidade
da FEB. exatamente 3 meses, os alemães haviam sentado praça forte sobre o
Monte Castello e não davam sinais de abandoná-lo tão cedo, haja vista os
acontecimentos anteriores, nos meses de novembro e dezembro de 1944, que
tantos dissabores haviam criado para o setor brasileiro.
424
No dia 21 de fevereiro, Joel Silveira, correspondente dos Diários Associados,
amanheceu no posto recuado da Artilharia Brasileira. Havia conseguido permissão
do general Cordeiro de Farias para verificar como se procederia ao ataque dos
brasileiros. “Eram 8 horas da manhã, quando o general me cedeu seu lugar diante
de uma luneta binocular e me disse: “Começamos a atacar às 6 da manhã”.
759
As tropas envolvidas neste que deveria constituir o melhor ataque planejado
até então, seriam constituídas pelo Regimento de Infantaria, o Sampaio, sob o
comando geral do coronel Caiado de Castro. Seus três batalhões seriam
comandados na seguinte ordem: o 1º, comandando pelo major Olívio Gondim de
Uzeda; o 2º, pelo major Sizeno Sarmento; e o 3º, pelo tenente-coronel Emilio
Rodrigues Franklin. Houve apoio, ainda, do II Batalhão do 11º R.I., comandado pelo
major Orlando Gomes Ramagem. A intenção era envolver o morro inteiro. Nesse
aspecto, contar-se-ia com o apoio americano, que se encontrava no monte
Belvedere, e, naquele dia, tinha a missão de conquistar o Monte della Toraccia.
Nesse esquema tático, a esperança era terminar tudo na mesma tarde.
Sobre esse dia, são vários os relatos, tanto dos participantes, como dos
correspondentes brasileiros que se encontravam junto dos artilheiros. Das anotações
rápidas que o momento lhe permitiu, dada a velocidade dos acontecimentos, Joel
Silveira escreveu:
Os morteiros nazistas rebentam nas faldas do sul, mas nossa artilharia
reinicia seu canhoneio sistemático e certeiro, como fizera toda a noite.
Escuto os silvos das granadas sobre nós, vejo-as explodir adiante, numa
coroa de fumaça que cai sobre o Castelo, como uma auréola de chumbo.
760
No esforço de guerra que envolvia todos os setores da FEB, na empreitada
do ataque que objetivava ser definitivo, os pilotos brasileiros da FAB, um mês antes,
no peodo entre 31 de outubro e 21 de janeiro de 1945, tinham cumprido 1.045
operações de bombardeio e ações de combate contra o inimigo. No levantamento
efetuado pelo correspondente da Reuters, Henry Baglei, foram lançadas 1.620
bombas de demolição e 90 bombas incendiárias em toda a frente brasileira. O
objetivo era atingir vias férreas, acampamentos militares, plataformas, depósitos de
combustíveis, armazéns, cabos de alta tensão, navios, linhas ferroviárias, estradas e
759
SILVEIRA, Joel. Aniversário da Tomada de Monte Castelo. Revista O Expedicionário, ano VII, n.
74, fevereiro de 1980, Rio de Janeiro, Editora do Expedicionário, 1980, p. 5.
760
Ibid., p. 6.
425
uma fábrica de munições.
761
O objetivo era enfraquecer a frente alemã, que contava
com todos esses meios.
Na visão do major Uzeda, comandante do Batalhão, para quem tentasse
chegar ao Monte Castello, por terra, com lembrou mais tarde, era necessário um
esforço físico muito grande, um exagerado desgaste para os homens, além do
transporte de armamento e de equipamentos muito pesados. Havia ainda o fator
surpresa, que poderia ser desencadeado a qualquer momento pela tropa ocupante
da posição. Na parte de trás do morro, bem protegida, havia uma numerosa
instalação de morteiros alemães.
762
Quanto ao regimento Sampaio e seus três batalhões, vinham encontrando
dificuldades. Transpondo terrenos minados, venciam, passo a passo, terríveis
resistências alemãs que vinham do alto do Monte Castello. Experimentados por
diversos dias de campanha, os soldados sabiam como proceder diante desses
percalços. Agora, coordenados, formavam um grupo coeso, auxiliado pelos soldados
norte-americanos, que, ao lado do Castello, envidavam esforços na conquista do
Monte della Toraccia. O planejamento havia demonstrado que, nestas
características, seria garantido o cerco total ao morro, evitando as derrocadas como
as dos combates desferidos no mês de dezembro de 1944.
Na sucessão das horas, e premido pela quantia de informações que iam
chegando ao comando, Joel Silveira anotou:
Sem dúvida alguma, o instante mais sensacional de toda a luta do dia 21
aconteceu às 16h20min, quando toda a Artilharia Divisionária concentrou
seus fogos sobre o Castelo. havia fora qualquer coisa da noite e os
obuses explodiam em chamas altas, que o binóculo me mostra tão próximas
e reais.
763
O ambiente onde estava o correspondente de guerra era de pleno mutismo,
ninguém falava. Cordeiro de Farias, acompanhando pelo binóculo, num fiapo de voz,
diz: “Todo mundo está andando”. Às 17h45min, o general, olhando para os outros
artilheiros, ressalta: “Praticamente o Castelo está conquistado”.
764
“Na crista do
morro, a voz do coronel Franklim vem forte pelo rádio: ‘Estou no cume do Castelo,
761
A NOITE. Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1945.
762
UZEDA, Olívio Gondin de. A conquista do Monte Castelo. Revista O Febiano, n. 40, Rio de
janeiro, ANVFEB, janeiro e fevereiro de 1971, p.39.
763
SILVEIRA, Joel, op. cit., p. 7.
764
Id.
426
estamos aqui e ninguém nos tira daqui’”.
765
O major Olívio de Uzeda, comandante do Batalhão do 1º R.I., que
participou ativamente da ação, lembrou que o combate do porte de Monte Castelo
não se encerrou com os brasileiros já de posse da crista do morro, era necessário
mandar patrulhas para vasculhar os pontos em que se acreditava ainda haver
resistência alemã. As patrulhas voltavam carregadas de muito material bélico. Nos
padrões técnicos militares, era necessário também transferir constantemente
armamento e equipamentos do próprio batalhão para outros pontos do Monte
Castello, garantindo-se assim as posições assumidas.
Lembra também Uzeda que, ao contrário do que muitos pensam, o monte não
estava desocupado:
Era defendido por fortes elementos das famosas SS, a tropa de elite de
Hitler, formada por verdadeiros fanáticos, que se abrigavam em casamatas
resistentes aos numerosos tiros potentes e precisos da artilharia brasileira.
O inimigo não lançou nenhum dos seus famosos contra-ataques, mas não
cessava o bombardeio de sua artilharia, aumentando o número de baixas
do nosso batalhão.
766
Lembrando, anos mais tarde, as baixas que ocorreram aos homens do seu
batalhão, Uzeda escreveu:
E quanto custou ao nosso Batalhão essa conquista! De quando em vez,
chega ao Posto de Comando do batalhão a notícia de mais um ferido, mais
um morto! E não nos tínhamos refeito da notícia de que o valoroso Cap.
Yedo fôra ferido gravemente numa das pernas, quando nos informaram de
que uma granada de Artilharia tinha morto o tenente Godofredo.
767
Na continuidade do seu registro, o major ainda expõe com emoção:
“Godofredo, você morreu quando a sua pátria esperava tanto a sua experiência, do
seu patriotismo, do seu destemor”.
768
No dia 21 de fevereiro de 1945, os brasileiros se encontravam no cume do
Castelo e houve a necessidade de passarem a noite em cima, num trabalho
constante de vigilância. Os alemães, acuados, tentavam ainda impingir alguns
estragos à tropa que estava no local, onde até recentemente eles haviam
765
SILVEIRA, Joel, op. cit., p. 7.
766
UZEDA, op. cit., 1971, p. 114.
767
Ibid., p. 41.
768
Ibid., p. 120.
427
permanecido. Além das minas, havia as armadilhas colocadas e disfarçadas das
formas mais criativas: às vezes, em um palheiro dentro do abrigo, em uma cápsula
vazia de granada jogada ao chão ou em algo chamativo no vão de uma janela,
dentro de um armário, coisas que, na menor distração dos homens, poderiam
ocasionar morte imediata.
Do dia 21 ao dia 23 de fevereiro, ainda havia resistência de pequenos, mas
não menos renitentes, grupos de alemães em Abetaia, respondendo à presença dos
brasileiros com um violento e concentrado fogo de artilharia. Joel Silveira relata os
acontecimentos das últimas horas em que permaneceu nas vizinhanças de Abetaia.
“Vinte horas depois da conquista de Monte Castello. Os caminhos na frente ainda
não estavam inteiramente transitáveis. Havia muitas armadilhas, campos e estradas
estavam minados”.
769
Nessa ocasião, foram encontrados os corpos dos brasileiros que haviam
ficado insepultos na neve, durante todo o período invernal, pois os companheiros
não haviam conseguido resgatá-los. Eram os mortos em ação no dia 12 de
dezembro de 1944. O jornal O Cruzeiro do Sul, em março de 1945, relata que foram
encontrados os corpos dos brasileiros, não muito longe das posições alemãs:
42 corpos de camaradas nossos, mortos nos primeiros assaltos. Mais de
dois meses ficaram insepultos. A neve chegou para cobri-los e protegê-los.
[...] os alemães os deixaram insepultos, indiferentes aos sentimentos, à
piedade cristã e de respeito aos bravos. Morreram olhando de frente o
inimigo”.
770
O jornal acusa também os alemães de não terem dado sepultura aos
brasileiros, enquanto que os padioleiros atendiam aos feridos alemães e enterravam
os seus mortos.
771
Egydio Squeff, correspondente de O Globo, mostra também sua indignação
diante do quadro que viu na região de Abetaia, após a conquista do Monte Castello.
A localização de tantos corpos de soldados juntos, semicobertos pela neve do
degelo, causava comoção aos que se encontravam no local.
769
SILVEIRA, Joel. O Dia em que Monte Castelo caiu. Revista Militar. Rio de Janeiro, Cia. Brasileira
de Artes Gráficas, março-abril, 1975, pp.7-15.
770
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 1º de março de 1945.
771
Id.
428
Retorno à estrada, e, ao ver longe Abetaia, lembro que ali morreram muitos
brasileiros, numa emboscada nazista. Mas eu nunca tinha visto um
procedimento semelhante ao que tiveram os fascistas alemães, deixando
insepultos os nossos mortos, leais e valorosos adversários.
772
Das anotações de Joel Silveira, é possível acompanhar a situação dos
soldados brasileiros que se encontravam sobre o Monte Castello e dos povoados
que estavam localizados nas proximidades.
Todas as casas desta região não estão mais desertas e caladas, como lares
mortos de um mundo impraticável. Agora, em todas elas, é cil divisar a
presença do pracinha brasileiro, com seu fardamento amarfanhado, a barba
por fazer e um tremendo cansaço, dormindo nos olhos pesados de sono.
773
Os soldados do major Uzeda haviam chegado a Gaggio Montano, o ponto de
partida para o combate, no dia 19 de novembro. Durante doze horas, esses homens
estiveram envolvidos na manobra do cerco aos nazistas, que envolveu a passagem
por dois povoados: Manzacana e Fornace. Após quatro dias consecutivos na frente
de batalha, foram substituídos para um merecido descanso.
O relato final de Joel Silveira, no qual não preocupação com a exposição
técnica dos eventos bélicos sobre os últimos acontecimentos que marcaram o bem
projetado ataque às posições nazistas, conseguiu traduzir um raro momento de
beleza nas palavras do coronel Olívio Gondim Uzeda, comandante do Batalhão
do R.I., em um desabafo: “Tudo isto aqui era terra deles. É um dos locais mais
belos de toda a frente. pequenas porções de pinheiros compridos e verdes,
pequenas árvores em fileiras que naturalmente rebentarão em flores na primavera,
o clássico riachinho de toda a paisagem italiana”
774
. Não estava sonhado o major.
Muitos anos depois das ocorrências que marcaram as histórias brasileiras e
italianas, os italianos conseguiram reflorestar todo o morro. As castanheiras foram
replantadas e o vale se tornou belo como era antes, com seus novos moradores, os
passarinhos, as borboletas e animaizinhos de pequeno porte. Na atualidade, para
demarcar a memória, as trilhas do Monte Castello são demarcadas por números
registrados nos troncos das árvores, indicando as trilhas a serem seguidas pelo
visitante que tem curiosidade de conhecer o local onde bravamente combateram os
772
JORNAL O GLOBO. Rio de Janeiro, 28 de março de 1945.
773
SILVEIRA, Joel, op. cit., 1975.
774
UZEDA, op. cit., 1971.
429
soldados brasileiros.
O dia 21 de fevereiro passou para os anais da FEB como a celebre conquista
do morro do Castello, após a repercussão das diversas e frustradas tentativas. O
Monte Castelo foi lembrado, pelos noticiários brasileiros, como a conquista mais
brilhante da FEB, em detrimento às campanhas realizadas com sucesso no Vale do
Rio Serchio, no mês de outubro de 1944, e de outras missões sucedâneas que
ficaram ao encargo dos brasileiros.
Nesse caso, reporta-se a uma elevação conhecida pelo nome de
Soprassasso, quase um fortaleza como o Castello. Durante três meses, os que
viviam no seu entorno, soldados e a população, viveram momentos de grandes
sobressaltos. O morro, muito alto, apresenta uma projeção na sua parte frontal,
quase como um nariz. Ali estavam os franco-atiradores alemães, que dominavam
uma parte da estrada 64. Nas vizinhanças do Soprassasso, fica o rio Marano e uma
ponte que ligava a retaguarda ao front. Todo o material necessário para o
abastecimento, bem como os soldados que se revezavam com outros batalhões,
passava por este local. O movimento na ponte era constantemente vigiado pelos
alemães. Como disse o tenente Juarez Bastos: “Como sentinela avançada, dessa
ponta de linha de altura, debruçado sobre a estrada 64, com encostas escarpadas e,
em grande parte, inacessíveis, dotado de observatório e vários núcleos de defesa,
sobressaia-se o Soprassasso”.
775
A conquista dessa elevação conduziria a guerra até a cidade de Castelnuovo,
onde a presença de alemães era dada como certa. Para invadir o local, juntaram-se
componentes de dois regimentos brasileiros: o R. I. e 11º R. I.. Atravessando
campos minados e sofrendo a ação da artilharia alemã, os brasileiros tiveram perdas
significativas. A partir do momento em que a artilharia brasileira entrou em ação, os
soldados brasileiros manobraram e conquistaram o Soprassasso pelas laterais.
Desse modo, não havia como os alemães resistirem ao avanço das tropas da FEB,
ao tempo em que perdiam o poder de fogo que vinha da altura dos morros, de onde
dominavam todo o vale.
Conforme lembrou Egydio Squeff, de O Globo, falando sobre o Soprassasso:
“O combate começou no dia 5, às 9h, e se prolongou até as 19h, quando os
brasileiros convergiram sobre Castelnuovo. O Soprassasso caiu às 18h, depois de
775
PINHEIRO, José Juarez Bastos. In: A Força Expedicionária Brasileira, op. cit., p. 42.
430
forte resistência inimiga. Durante o dia, fizemos muitos prisioneiros, quase 550”.
776
A conquista desses pontos estratégicos foi aos poucos desarticulando as
tropas de Kesselring. Os soldados alemães desciam os morros, entregando-se tanto
aos brasileiros como aos americanos. Os que chegavam, mostravam-se em péssimo
estado, tanto física como moralmente. O Jornal A Noite, no Rio de Janeiro,
estampava em manchete de capa os seguintes dizeres: Os brasileiros conquistam
Castelnuovo. Trazia também a informação prestada pela United.Presss: “Brasileiros
e norte-americanos conseguiram chegar a um ponto situado a apenas 24
quilômetros ao sudoeste de Bolonha”.
777
Ao tempo em que os brasileiros faziam prisioneiros alemães na Região de
Castelnuovo, A Cruz Vermelha Internacional anunciava uma lista de prisioneiros
brasileiros que se encontravam nos “Stalag”, nome dado para os campos onde
ficavam retidos os soldados em território alemão situados em diferentes locais. A
Cruz Vermelha Brasileira, por intermédio do núcleo central localizado em Genebra,
nesse período, remeteu 60 caixas contendo materiais de uso pessoal e alimentos
para esses soldados.
778
5.2.4 Montese: o último reduto alemão na Itália. Desafio aos brasileiros
Uma fumaça negra cobria o pequeno lugarejo e os montes que o
circundam. Homens e carros blindados estavam espalhados por toda a
parte. Uma compacta formação de aviões bombardeiros passou ruidosa
sobre nossas cabeças e foi despejar a sua carga na retaguarda do inimigo.
A gente sentia nos pés os estrondos das bombas largadas.
Vicente Pedroso da Cruz - combatente do 6º R.I.
Na visão da imprensa nacional e dos discursos que se processaram nas
esferas institucionais e particulares, a imagem da FEB foi aos poucos sendo
processada pela representação de figuras heróicas e intrépidas transfiguradas pela
nova geração de soldados que combatiam na Itália. Assim como o heróico patrono
Caxias, que, diante de conjunturas diferentes, nunca esmoreceu na convicção de
que autoridade e liberdade se compõem, muitos acreditavam que os soldados
776
JORNAL O GLOBO. Rio de Janeiro, 6 de março de 1945.
777
A NOITE. Rio de Janeiro, 7 de março de 1945.
778
JORNAL O GLOBO. Rio de Janeiro, 5 de março de 1945.
431
combatentes da Itália eram as expressões verdadeiras do novo Exército, do qual a
FEB era a sua expressão máxima. Em um discurso, na época, o deputado Euvaldo
Lodi perguntou:
Quem é esse soldado anônimo? Quem é, senão o homem do povo,
integrado ao Exército. Quem é esse brasileiro, disciplinado, esclarecido,
combativo, destemeroso, que rivaliza em terra, no mar, nos ares, com os
veteranos da história militar dos povos mais aguerridos? Quem é ele senão
o soldado de Caxias, que foi para os campos de ardente carnagem da
Europa, servir ao povo a que pertence.
779
Era a fusão tão aventada pelos ideais do Estado Novo, onde se entrelaçavam
o povo, a nação e o exército.
O prestígio da FEB vai crescendo, respaldado, agora, pela imprensa nacional
e internacional, pelas instituições de apoio, como a Legião Brasileira de Assistência,
a Liga de Defesa Nacional, grupos de estudantes, bancários, comerciários e donas
de casa. Até meados de fevereiro, a campanha apresentava para os brasileiros um
saldo positivo. A Tomada de Monte Castelo, ocorrida no dia 21 de fevereiro de 1945,
nas proximidades de Montese, colocava a FEB como tropa veterana e ofensiva,
pronta para atuar no planejamento do IV Corpo de Exército, na chamada Ofensiva
da Primavera.
Enquanto tais preparativos se processavam, no Brasil, chegaram os primeiros
feridos brasileiros retirados do front italiano, após atendimento nos hospitais de
evacuação. Depois dos primeiros atendimentos, decidia-se se os soldados viriam
para o Brasil, ou (nos casos mais graves) se seriam transportados para os hospitais
especializados nos Estados Unidos. Esses homens haviam sido vítimas de
ferimentos diversos durante as patrulhas, nos combates ocorridos no mês de
novembro e na penúltima e frustrada investida do dia 12 de dezembro de 1944. Os
feridos nos combates do dia 21 de fevereiro de 1945 estavam ainda sendo atendidos
nos hospitais brasileiros na Itália.
No Brasil, o boletim da LBA, em fevereiro de 1945, destacou a visita do
Presidente Getúlio Vargas e do ministro da Guerra ao Hospital Geral do Exército no
Rio de Janeiro. A manchete de capa dizia: “Visita aos heróis”. No mesmo Boletim, a
senhora Alzira Vargas dirige seu discurso aos soldados brasileiros que embarcaram
779
LODI, Euvaldo. Discurso proferido. Rio de Janeiro, 23 de abril de 1952, apud MATTOS, João
Baptista, op. cit., pp. 56-57.
432
no 4º Escalão, com palavras que incentivavam o moral da tropa:
Chegam até nós, diariamente, pelo rádio e pela imprensa, os ecos das
vitórias estrondosas conquistadas pelas Nações Unidas, em todos os fronts
de combate. [...] Ides partir com a mesma coragem e a mesma
determinação dos vossos camaradas. [...] A LBA, que aqui nos mandou,
deseja, ainda, dizer-vos: ‘Ide tranqüilos, soldados do Brasil. Nós velaremos
pelo que é vosso’.
780
Quando Alzira Vargas diz: “Nós velaremos pelo que é vosso”, ratifica o papel
assumido pela LBA naquele momento. Ressalta ainda que nenhum sacrifício seria
poupado, “nenhum obstáculo será grande, para que nada falte em vossos lares,
nenhum mal atinja vossas falias e vossos filhos não sofram”.
781
Da confiança
depositada nessas afirmações, o retorno dos soldados brasileiros imprimiria aos
soldados da FEB uma outra visão, ou seja, do abandono provocado pela auncia
de ações diretas e de uma legislação que pudesse atender aos combatentes e seus
familiares.
Em outro boletim do mês de fevereiro, a LBA manifesta o seu carinho e
solidariedade aos feridos:
O Brasil inteiro, comovido, volta-se para os bravos expedicionários que
acabaram de chegar da Itália e se encontram internados no Hospital Central
do Exército, onde a romaria é incessante. São parentes, amigos, fotógrafos
e representações que desejam render homenagens aos que regressaram,
para aqui mesmo recuperar a saúde e a vida empenhadas pela Pátria nos
campos de Batalha.
782
A senhora Darci Vargas, presidente da LBA, em mensagem aos feridos
brasileiros que ainda se encontravam na Itália, dirige-se ao comandante da FEB,
general Mascarenhas de Moraes:
Rogo a V. Excia., que transmita aos nossos soldados, hospitalizados na
Itália, a nossa admiração pela sua bravura e pelo seu heroísmo, com que
honrando as tradições da Pátria, derramaram seu sangue generoso. A
mulher brasileira, com dolorosa ansiedade, está, espiritualmente, ao lado
desses heróis feridos, que tombaram no campo santo em defesa da pátria,
e sofre com eles sofrendo as mesmas dores.
783
780
BOLETIM DA LBA., n.2. Rio de Janeiro, fevereiro de 1945, p. 2.
781
Id.
782
Ibid., p. 3.
783
Id..
433
O que se percebe então no boletim da LBA é a idolatria desmesurada que vai
tomando conta dos discursos, em que o teatro de operações de guerra já o tem
apenas o significado do embate bélico, mas vai se transformando em campo santo,
onde soldado é visto como herói, quase um santo.
Na imprensa, repercutiam as notícias da Tomada de Monte Castelo. O jornal
A Noite assinalava o valor da captura de ponto estratégico tão importante: “a limpeza
dos elementos nazistas, efetuada pelos soldados brasileiros, priva os alemães de
excelentes postos de observação e facilita o tráfego aliado no vale do rio Pó”.
784
No
mesmo jornal, a nota destacava o elogio do Departamento de Guerra dos Estados
Unidos aos pilotos de caças da Força Aérea Brasileira, que: “estabeleceu um notável
recorde durante três meses de ão como unidade independente da 12ª Força Área
Norte-americana”.
785
A esquadrilha havia chegado à Itália em seis de outubro de 1944, ficando
instalada no aeródromo de Livorno, cumprindo a sua primeira missão nesse mesmo
mês. O primeiro vôo como unidade independente foi realizado em 11 de novembro
de 1944.
Também outro grupo de pilotos, os da Esquadrilha de Ligação e Observação,
a ELO, cumpria seu papel no apoio à movimentação bélica que definiria os rumos da
guerra para a Artilharia Brasileira, Americana e Inglesa. Não usava, para trabalho de
tanta responsabilidade, nenhuma aeronave sofisticada. O trabalho era visual e
voava-se com os “Teco-tecos” brasileiros. O Cruzeiro do Sul salientava as vantagens
do uso desse aparelho: “Com ligeiras modificações, foi esse avião aproveitado para
fazer esses tipos de missões. É um aparelho de pouca velocidade, o que auxilia
muito a observação: grande facilidade de pilotagem e a grande possibilidade de
aterrar em curto espaço de terreno”.
786
Dos vários depoimentos que foram realizados no pós-guerra, o do major Elber
de Mello Henriques, do Grupo de pilotos da ELO, sobre como ele viu o ataque ao
Monte Castello, a partir do seu avião, mostra aspectos inusitados da movimentação
dos soldados nas proximidades dos objetivos daquela jornada de 21 de fevereiro de
1944.
784
A NOITE. Rio de Janeiro, 23 de fevereiro de 1945.
785
Id.
786
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 22 de fevereiro de 1945.
434
Meu avião alcançara altura e agora vigiava o inimigo, pronto a informar
sobre os seus movimentos ou a regular, sobre ele, a sempre precisa
Artilharia. Sob nós, como furiosas vespas, os Thunderbolts da FAB
despejavam gasolina gelatinosa ou metralhavam o inimigo.
787
Ainda, segundo o relato de Elber de Mello, o comandante da Artilharia pediu
que os observadores voassem mais baixo, para poderem transmitir informações
mais precisas sobre o campo de batalha, pedido ao qual ele teria respondido
prontamente:
Recebi a mensagem em linguagem clara pela radiofonia e a transmiti ao
meu piloto, tenente Taborda, que imediatamente baixou para dois mil
metros. Era uma visão dantesca. A artilharia, com seus fogos concentrados
e simultâneos, transformava o Monte Castello num pequeno nódulo
ebuliente e fumacento.
788
Tanto os vôos dos pilotos brasileiros do Grupo de Caça, como aqueles do
Esquadrão de Ligação e Observação, foram os responsáveis pelos movimentos
coordenados que garantiram aos aliados poder executar os planos que conduziriam
à fase final da Guerra, ou seja, a Ofensiva da Primavera. As observações
apontavam ainda para pontos do território italiano onde a resistência alemã persistia,
nas localidades de Montese e Castelnuovo, próximas ao Soprassasso. Era
necessário também verificar uma retirada alemã que poderia ser a partir da cidade
de Montese.
O jornal O Cruzeiro do Sul, órgão oficial da FEB, divulgou ainda em fevereiro
a importância estratégica da conquista do Monte Castello, ressaltando o bom
planejamento efetuado e a ão conjunta dos pilotos da ELO e da FAB, que
resultaram na vitória: “Irmanados na luta, os infantes, os artilheiros e os aviadores do
Brasil conquistam O Morro do Monte Castello. Lembrou também que a imprensa
italiana, por meio do Corriere del Mattino, de Florença, dizia da importância daquela
jornada brilhante, quando as ões empreendidas “cooperaram com entusiasmo na
luta pelo aniquilamento do nazifascismo e na libertação da nossa terra”.
789
Buscando a inserção da população brasileira nos assuntos da guerra, O
Cruzeiro do Sul, com seu noticiário, informava aos soldados e seus batalhões das
787
HENRIQUES, op. cit., p.148.
788
Id.
789
CORRIERE DEL MATTINO. Florença, 25 de fevereiro de 1945, apud JORNAL O CRUZEIRO DO
SUL. Itália, 25 de fevereiro de 1945.
435
cartas que a redação havia recebido do Brasil, dando conta das ações brasileiras
que vinham acontecendo em território nacional.
Para afirmarmos de antemão que nosso povo está na guerra, bastaria
lembrarmos que as famílias, parentes e amigos desses milhares de
brasileiros que aqui se encontram dedicam todo o seu tempo e fazem
convergir toda a sua preocupação para os seus entes queridos que estão
no front.
790
O jornal enumerava os objetos que eram enviados pelos familiares, informava
também sobre a qualidade do cigarro brasileiro que era enviado para a tropa
combatente, alegando que, se isso acontecia, era devido à campanha feita no Brasil
entre as pessoas das camadas sociais mais pobres. Nessa visão, os soldados
brasileiros seriam compreensivos e aqueles que os recebiam, os guardavam como
forma de recordação.
791
Segundo o jornal, na linha de frente, próxima a Bologna, não podiam faltar os
cigarros: “Lá, eles fumam do bom cigarro brasileiro e, ainda que estejam nos fox
hole, podem contar sempre com um ou dois maços por dia”.
792
A colocação do jornal
deixa dúvidas sobre vários pronunciamentos dos soldados brasileiros. Tem-se a
informação de que esses cigarros eram péssimos e serviam apenas de moeda
corrente para trocar mercadorias com os italianos. Em uma das marcas de cigarros
do Brasil, havia a figura de uma jovem loura, apelidada pelos soldados brasileiros La
Bionda Cativa. Em italiano, seria a loura ruim”. Os bons cigarros experimentados
pela tropa brasileira eram americanos.
Conclui o jornal no fim dessa reportagem: “Nosso povo está em guerra
também. Quando nós chegamos a esta concluo, esquecemos o frio, a lama, a
neve e, muitas vezes, a bóia, e até mesmo o “pé de trincheira”. Temos saudades da
nossa terra, da nossa gente, saudades imensas das pequenas coisas, que, como
grandes necessidades, já faziam parte integrante da nossa vida”.
793
Ao reforçar o moral das tropas brasileiras a quem o jornal se dirige, busca o
redator atrelar a questão da vitória contra o nazifascismo aos acontecimentos do
Brasil durante o período do Estado Novo:
790
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 25 de fevereiro de 1945.
791
Id.
792
Id.
793
Id.
436
Mas sabemos também que enquanto não houver a Vitória, derrotando
totalmente o inimigo nazista, a carne está racionada, o leite e o açúcar um
tanto difíceis, as filas aumentando e o custo de vida subindo. E tudo isso
porque nós fazemos parte dele, e o nosso povo está em guerra.
794
Aparentemente, essa era uma estratégia para conclamar os soldados para
que promovessem uma ofensiva de peso contra o inimigo comum, tentando mostrar
como os caminhos da uma vitória poderiam repercutir no cenário econômico
brasileiro, situação que afetava principalmente as camadas menos favorecidas da
população. A FEB, expulsando os inimigos do território italiano, teria também o
reconhecimento da sociedade brasileira. Os homens da FEB não eram somente os
heróis que lutavam e ganhavam as batalhas contra um inimigo experimentado e
aguerrido, mas tinham um significado especial para os brasileiros: “Vocês, como a
vanguarda do nosso povo, em armas contra o hitlerismo, são o fato mais decisivo da
situação nacional”.
795
Em março de 1945, o comandante da FEB, general Mascarenhas de Moraes,
comunicava, por mensagem radiotelegráfica, ao presidente Getúlio Vargas e ao
ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra a queda de Monte Castelo: “Nossa Divisão
atacou e conquistou Monte Castelo depois de um dia de séria resistência inimiga”.
No mesmo dia, recebeu mensagens de congratulações do próprio presidente e do
ministro da guerra. Nesse dia, era estampada a resolução do Exército, por meio do
seu Boletim: a criação das medalhas honoríficas a serem outorgadas aos soldados
brasileiros: as Medalhas de Guerra, de Campanha e a Cruz de Combate
796
.
Ainda em março de 1945, o jornal Carioca, também redigido como órgão
oficial da FEB, estampava o seu centésimo número. Seus redatores buscavam
lembrar aos leitores de como ocorrera a sua criação:
O Carioca nasceu sob o teto de uma barraca numa fria e torrencial
segunda-feira de outubro. O mimeógrafo, havíamos recebido no dia anterior,
e ainda não tínhamos papel suficiente para a primeira tiragem. Carioca,
com seu nome jovial, dirá coisas sérias com a mesma alegria que os
expedicionários lutam contra o inimigo.
797
794
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 25 de fevereiro de 1945.
795
Id.
796
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 1º de março de 1945.
797
JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 4 de março de 1945.
437
Na edição comemorativa, o jornal firmava seu compromisso de bem informar
os soldados, quer estivessem no front ou nos acampamentos. Os assuntos eram
atualizados com notícias de todas as frentes. Nelas, estavam contidos os discursos
de Churchill, as declarações de Roosevelt, as ordens do dia do marechal Stalin, os
comunicados de Eisenhower e as notícias do Brasil. Para o leitor que buscava um
comentário mais crítico, o Carioca deixava a desejar. No centenário de suas
edições, os redatores reafirmaram a conduta do jornal:
O Carioca tem a forma de um boletim informativo, é também um jornal
democrático. Todas as suas edições vêm acompanhadas de pequenas
inscrições, franceses, advertências, avisos, que preparam o ânimo dos
camaradas para a luta, dando-lhes consciência e responsabilidade de sua
missão.
798
Após a conquista do Soprassasso e da cidade de Castelnuovo, os alemães
remanescentes em território italiano, à medida que recuavam com suas tropas, iam
tomando conta de outros pontos estratégicos, de onde poderiam ainda tentar frear
as tropas aliadas. Assim, iam buscando sempre as alturas, para poder manter
posições com a sua Artilharia pesada. Montese, localizada a mais de mil metros de
altura, e a 15 quilômetros do Monte Castello, de onde tinham sido expulsos,
agradava à logística dos militares alemães.
A cidade de Montese é um pequeno burgo medieval e está localizada nos
contrafortes dos Apeninos (norte da Itália). A sua capital, Modena, está localizada a
58 quilômetros de Bolonha. É formada pela própria sede (Montese) e por dez
povoados ao seu redor, dos quais se destacam: Maserno, Castellucio di Moscheda,
Iola, Salto, San Martino. Naturalmente, pontos de referência na memória dos
brasileiros que combateram na Itália durante a 2ª Guerra Mundial.
Nas reuniões que definiram a participação da FEB nos eventos que
ocorreram no mês de março de 1945, vale lembrar os encontros promovidos entre o
comando da FEB e o IV Exército Americano. No dia 20 de março, o comandante da
FEB, general Mascarenhas de Moraes, compareceu ao quartel-general, em
Castelnuovo, onde foi discutido o novo plano de operações, cujo objetivo era barrar
os alemães ao norte e conquistar Bolonha. Acreditava-se que a guerra estava para
798
JORNAL ZÉ CARIOCA, apud JORNAL O CRUZEIRO DO SUL. Itália, 4 de março de 1945.
438
terminar, mas as notícias da forte presença alemã em Montese geravam apreensão
e nenhuma certeza.
Das ações militares efetuadas pela FEB até então, o saldo fora considerado
positivo. A conquista de Monte Castello, no dia 21 de fevereiro de 1945, reforçava o
pensamento de vitória entre os combatentes brasileiros, criando a imagem de um
novo soldado, redimindo, desse modo, os primeiros percalços da FEB, vista agora
como tropa de primeira linha.
Montese e suas fortificações naturais - como Montelllo e Monte Buffoni -
asseguravam refúgio importante das tropas remanescentes que ali estavam
estacionadas. O ataque aliado contra os alemães estava marcado para o dia 12 de
abril, mas havia mau tempo e o dia seguinte, 13 de abril, era considerado de mau
presságio para os americanos. Com essas condições, os aliados atrasaram a
ofensiva contra a cidade de Montese.
No intuito de incentivar os seus soldados, tinham decidido os comandantes
que atuavam no teatro de Operações do Mediterrâneo, desde o Marechal
Alessander, até o comandante da FEB, Marechal Mascarenhas de Moraes, dirigir
algumas proclamações concitando-os a mais este sacrifício, derrotando
definitivamente o inimigo até o desfecho final com a vitória:
Soldados do Brasil! A hora decisiva chegou. O fim do nosso inimigo se
aproxima com extrema rapidez. A arrogante Alemanha, invadida por leste e
oeste, já não suporta os duros golpes que lhes assestam os bravos Exército
das Nações Unidas. [...] A nossa Divisão, que tem sabido cumprir com
galhardia as honrosas missões impostas pelo 4º Corpo de Exército, aguarda
o momento de lançar-se ao inimigo. E quando essa hora for indicada, quero
ver os valentes soldados do Brasil, em ímpetos que o sentimento da honra
militar incentiva. [...] Avante, pois. É o último esforço que o Brasil exige de
nós.
799
A FEB também encontrava grandes dificuldades nas imediações de Montese,
porque os alemães haviam disseminado minas na zona sul, que circunda a cidade,
criando, desse modo, uma barreira, fazendo vítimas não somente entre os soldados
do 11º R.I. brasileiro, mas também entre os americanos da 10ªde Montanha.
O dia 12 de abril de 1945 marcou profundamente a passagem da tropa
brasileira por Montese. Do posto de comando da FEB em Monteforte, batalhões
deveriam enviar algumas patrulhas de reconhecimento com os objetivos de colher
799
PINHEIRO, José Juarez Bastos. A Força Expedicionária Brasileira, op. cit., pp. 47-48.
439
informações sobre a presença de inimigos, de fazer prisioneiros e de reconhecer os
locais onde seriam lançadas as forças contra o inimigo.
Havia notícias de grande movimentação dos alemães na área. As incertezas
nas informações nada esclareciam, pois poderia tratar-se de um reforço ou de uma
retirada total das tropas alemãs ali estacionadas.
Comandada pelo sargento Max Wolff Filho, uma das patrulhas brasileiras -
nesse dia, composta de 12 homens - partiu com a missão de averiguar o terreno. Ao
aproximar-se de um casario (cota 747), foi seriamente atingida pelas metralhadoras
postadas no interior da casa. O comandante Max Wolff morreu na hora. O terreno
estava minado, ocasionando a morte de mais dois soldados. Esse episódio marcou
profundamente a patrulha, bem como seus companheiros do 11º R.I. e a própria
população de Montese.
800
A Ofensiva da Primavera começou para os brasileiros no dia 14 de abril de
1945, quando foram empregados elementos dos três regimentos da FEB. No
balanço dos três dias de combate, as baixas somaram 426, em combates
considerados de grande vulto e pelos duelos proporcionados pelas Artilharias alemã
e brasileira. Algumas companhias foram quase dizimadas e tiveram de ser retiradas
de combate.
Após passar pela provação dos campos minados, os soldados praticamente
foram obrigados a utilizar técnicas de guerra moderna: combatia-se em um front
urbano, a partir do momento em que tiveram de tomar casa por casa dentro da
cidade de Montese, onde os alemães buscavam refúgio. Cada recinto, ou cada
porão das casas foi vasculhado. Uma missão penosa para os homens, na qual todos
os sentidos tinham de estar alertas. Nessa conjuntura, a atenção do soldado
significava viver ou morrer.
Os alemães receberam o ataque aliado com surpresa. Pelo menos, é o que
demonstra o depoimento de Frido Von Senger und Etterlin, comandante do 14º
Corpo da artilharia pesada alemã (14ª armada):
800
São poucos os documentos que retratam a pessoa do sargento Max Wolff Filho. Seu nome é
quase uma lenda entre os ex-combatentes que participaram da Guerra Mundial. Da sua vida como
militar no Brasil antes da Guerra, pouco se sabe. Os trabalhos que tentam reconstituir sua biografia
foram baseados em depoimentos dos seus companheiros do 11.º R.I.. Para saber mais sobre Wolff,
vide ALMEIDA, Adhemar Rivermar de. Max Wolff, um mbolo, quase uma lenda. Documento
manuscrito. Rio de Janeiro: 1987.
440
O ataque de 14 de abril contra o lado direito, onde se encontrava o Corpo
da 14ª, aconteceu tão rápido e de surpresa, com tanta surpresa que, ao
tomar consciência dos fatos, o ataque estava em andamento [...]. Depois
de ter atravessado a localidade de Tolé, a tropa aliada avança para o
terreno que eu sempre havia me preocupado [...], a cidade é desocupada e
tomada sem nenhuma resistência.
801
A missão de conquistar Montese foi entregue ao 11º R.I., na jornada de 14 de
abril. Os brasileiros deveriam apoderar-se das seguintes localidades: Montese, cota
888, e Montello, além de ocupar a cota 747 (lugar onde dias antes havia morrido
Max Wolff Filho). Nesse mesmo dia, a 10ª Divisão de Montanha americana iniciava
vigoroso ataque às posições alemãs, com o auxílio da Artilharia Brasileira.
A resistência alemã, fortemente entrincheirada nos morros vizinhos, provocou
muitas baixas na tropa americana. A Divisão Brasileira, em razão dos
acontecimentos desse dia, num golpe de sorte e audácia, conquistou a cidade.
Foi um ponto determinante, naquele momento, a ação das patrulhas e de
elementos mineiros (que desarmavam as minas), além do grande desempenho da
artilharia.
O tenente Maurício da Silva, da cia. de fuzileiros do batalhão do 1 R.I.,
que participou da Campanha de Montese, deixou seu testemunho:
Atacamos a montanha à direita de Montese. Da base da partida, víamos,
com muita tristeza, aquela bela cidade castigada pela nossa artilharia.
Naquele momento, pensamos que seria melhor poupá-la da destruição,
ainda que a custo de lutar um tempo maior e mandar embora os alemães
dos montes Paravento e Serretto, os nossos objetivos; não obstante os
intensos bombardeios sobre a cidade de Montese, tivemos embates
fortíssimos, e somente a nossa tenacidade conseguiu superar a admirável
dureza dos ataques tedescos.
802
Outros combatentes narraram episódios desses dias sobre os combates em
Montese. O soldado Antonio Corrêa buscou descrever o local onde a sua
companhia do 11º R. I., iniciara o ataque. Disse que o local não apresentava
vegetação, nenhum pé de árvore, a artilharia ale havia devastado quase tudo.
Relatou tamm que para chegar à crista da montanha, onde a cidade está
localizada, era necessário subir uma rampa. Nesse local, percebeu que os mineiros
durante a noite tinham demarcado o terreno, indicando o caminho por onde os
801
SENGER, Von Frido. Combater sem medo e sem esperança. In: SILVA, Maurício da. Montese -
fascismo, guerra e ricostruzione. Il Trebbo. Montese (MO), Itália: Ed. Golinelli, 1990, p. 283.
802
SILVA, Maurício da, op. cit..
441
soldados deveriam passar. No meio do caminho, encontraram alguns tanques
americanos que davam cobertura, segundo Côrrea:
Como aquilo era um bom escudo protetor, nós passamos a acompanhar o
tanque até um determinado trecho, onde ele chegou no topo da colina. Na
saída para a esquerda, nós recebemos um forte tiroteio de metralhadoras
alemãs. Então, nos acomodamos dentro de um buraco.
803
Diz também o mesmo combatente que, muitas vezes, sentia-se constrangido
de fazer a narrativa acima, pois muitos poderiam considerá-lo muito
“cinematográfico”. Explica também que, na guerra, quando um combate se dava em
um terreno aberto, os soldados se protegiam dentro das crateras provocadas no
bombardeio, pois todos imaginavam que uma “bomba não caía no mesmo lugar”. Do
relato de Corrêa, visualiza-se a situação do seu pelotão, fortemente atingido pelo
inimigo.
Quando nós tornamos a avançar em direção a Montese, meu pelotão foi
esfacelado. Foi que morreu o José de Lima, meu companheiro. O Paiva,
que havia chegado cinco dias do Depósito, morreu. O meu sargento foi
ferido. Um soldado comunicou isso por telefone e o comando mandou a
gente se retirar. Retornamos à retaguarda. Mas Montese estava quase
tomada.
804
Segundo os testemunhos dos soldados que combateram em Montese, o
contato diretamente com os alemães acontecia principalmente quando estes se
rendiam, ou eram pegos em patrulhas. Um desses episódios narrados pelo soldado
Vicente Pedroso da Cruz, quando se encontravam abrigados em uma casa em
Montese, é ilustrativo de um momento delicado. Ele e seus companheiros tinham
permanecido 12 horas a fio no porão da casa, sobre chão úmido e frio, com os
nervos à flor da pele. Escutaram passos que vinham em sua direção. Dos momentos
tensos, Vicente lembrou:
[...] um calor estranho percorria da garganta ao dedão do . Seguiu-se
uma desagradável sensação de que uma patrulha inimiga estivesse se
insinuando em nossa direção, até que me foi possível divisar um pedaço de
pano branco na ponta de um objeto qualquer. Agitando, nervosamente, a
803
CORRÊA, Antonio, apud MAXIMIAMO, César Campiani. Onde estão os nossos heróis. o
Paulo: Editora Santuário, 1995, p. 79.
804
Id.
442
bandeira improvisada, o inimigo bradou a impressionante frase que lhe abria
as portas para a vida.
805
Falaram em alemão, não se entendia nada, mas sabíamos que estavam se
rendendo.
Sob bombardeio cerrado, não havia como sair sem ser atingido. As casas e a
cidade como um todo eram atingidas pela Artilharia Alemã e pela Artilharia
Brasileira, momentos marcantes ainda no relato de Vicente:
Quanto a mim, praticamente sem comer nada - embora trouxesse comigo
uma lata de ração, simplesmente não aceitava qualquer alimento - fui
tomado de uma terrível ânsia de vômito. Curioso, nunca tive idéia de como
fui parar no P.C. (Posto de Comando), numa casa de pedras, para nós já na
encosta do Serreto. Sei que atravessei Montese, saltando pelos entulhos,
com vômitos, tiritando de frio.
806
Ao chegar, o capitão, vendo o estado do soldado, fez com que Vicente
deitasse em uma velha de cama de ferro. Naquele local, e assistido pelos
companheiros, conseguiu recuperar as forças e, na manhã do dia 17 de abril de
1945, seguia novamente para a frente, com seu grupamento.
No relato do soldado Joaquim Silveira, é possível avaliar o que passa um
soldado durante o bombardeio.
Um bombardeio é talvez a pior coisa que passa o infante na guerra. Pior do
que qualquer combate, porque é monótono, aterradoramente monótono.
Fica-se deitado horas num buraco cavado no solo, recebendo no rosto a
areia que se desprende com o estremecimento causado pelas explosões,
vendo os companheiros morrer, sem nada poder fazer.
807
O combatente Leonércio Soares, do 11º R. I., também relata sobre os campos
minados que ficavam no entorno de Montese.
Antes de alcançar aquela área de terra mole e revolvida, andando em chão
batido e duro, o perigo de que tinham de cuidar era o de fios de aço
esticados e rentes ao chão, presos a bombas. Mas os fios, quando se
movimenta cautelosamente, são mais fáceis de ser percebidos, e nunca tão
sensíveis como os pinos detonadores das minas enterradas. Quando o
805
CRUZ, Vicente Pedroso da. Revista O Expedicionário, ano VIII, n. 100, Rio de Janeiro, abril de
1982, pp. 19-20.
806
Id.
807
SILVEIRA, Joaquim Xavier da, op. cit, p. 141.
443
peso de um homem equipado calca sobre ela, a explosão é certa. E se
vai a perna.
808
O trabalho de localizar um terreno minado era algo muito complicado e não
cabiam titubeações. Segundo Leonércio, tudo pára naquele instante: a respiração,
as emoções e o medo têm de ser contidos: “o cérebro e os olhos estão nas pontas
dos dedos, procurando ver e imaginar pinos e fios detonadores secundários nas
laterais e no fundo da bomba engatilhada. Na guerra, não basta ser bravo, é preciso
ser astucioso”.
809
Os especialistas em minas seguiam à frente de seu grupo. Prosseguiam
lentamente na pesquisa do terreno. Na faixa por onde iam passando, desenrolavam
um cadarço branco que ia se destacando do solo, fosse noite ou dia. Quando os
soldados passavam pelos lugares, assim demarcados, tinham a segurança de saber
que o terreno havia sido vistoriado.
Também o tenente Ítalo Diogo, do 6º R. I., registrou em seu diário os dias que
passou com seus companheiros pela cidade de Montese.
Durante três dias, estávamos sendo bombardeados dia e noite sem trégua.
A cidade era um monte de ruínas. Eram poucas as casas que não estavam
totalmente por terra. Numa dessas casas, estava o posto médico do
Batalhão. , fomos encontrar o tenente Mallet. Aí, ficamos sabendo das
tragédias que tinham tido lugar. Vários mortos e dezenas de feridos, grande
parte ao atravessar campos de minas que havia ao sul da cidade.
810
O relato de Ítalo prossegue no registro que ele efetuou em seu diário no dia
16 de abril de 1945.
O ataque à cota 927 seria o grande assassínio. Nosso Batalhão tinha
sido dizimado ao substituir o 11º R.I.. Ao chegar à cidade, ainda
encontramos resistência, pois os elementos passaram pela mesma, porém
não fizeram a limpeza. Aí começou a tragédia. Um bombardeio sem tréguas
durante todo o dia e toda a noite. Foi considerado o maior bombardeio
alemão na campanha da Itália. O nosso bravo batalhão teve cerca de 200
baixas e mais de 20 mortos, isto em apenas três dias.
811
808
SILVEIRA, Joaquim Xavier da, op. cit, p. 141.
809
Id.
810
TAVARES, op. cit., 2005, p. 98.
811
Id.
444
Ítalo Tavares revelou também os bastidores do ataque dos brasileiros, quando
os comandantes não se deram conta da situação caótica em que se encontravam
alguns batalhões, principalmente os seus próprios.
Pois bem, não satisfeito, o nosso comando resolveu que o nosso batalhão
atacasse a cota 927. Na véspera, o capitão e nós, oficiais, havíamos feito
um reconhecimento debaixo daquele bombardeio infernal e verificamos,
desde logo, que a missão seria de sacrifício, que poucos se salvariam. O
ataque seria realizado às 6 horas. Poucas horas antes, resolveram transferi-
lo.
812
O tenente Ruy Fonseca também estava nas imediações de Montese, quando
os fortes bombardeios aconteceram. No dia 15 de abril de 1945, em um domingo,
ele anotou:
Acompanhamos por telefone os acontecimentos. As Artilharias não param
de malhar. É lá e cá. Mantemo-nos abrigados e vigilantes, pois a coisa anda
feia para os lados de Serreto e Paravento (são os morros no entorno),
apesar de Montese estar em nossas mãos. Soubemos que morreu o
Tenente Ari Rauen, do nosso regimento, e o aspirante Mega, do 1º R. I., no
ataque de ontem.
813
A comida quente que chegou na noite de 17 de abril de 1945, para o
grupamento do tenente Ruy, continha carne de galinha ou peru. “Sei lá!Foi a sua
expressão. Mas, para os soldados, tinha um significado que somente eles
entendiam.
814
Quando se deslocavam para a região entre Iola e Montese, os
soldados buscavam um local para descansar. As três ou quatro casas que
encontraram no local estavam bem destruídas. Uma delas, um sobrado, estava um
pouco melhor, como afirmou Ruy em seu relato:
“É nele que me alojo, com os telefones e mensageiros”. Perto da casa, dois
canhões 155mm. Quando atiravam, tremia tudo. Ruy sabia que seria uma
noite difícil. “Deitado sobre umas palhas, tendo por travesseiro um saco de
sementes não sei de quê, fico olhando para o teto, que aqui e ali deixa ver o
céu através dos buracos feitos pelas granadas. Estava eu nesse devaneio,
posto em sossego, com as mãos cruzadas sobre o peito, quando senti algo
812
TAVARES, op. cit., 2005, p. 98.
813
FONSECA, op. cit., p. 177.
814
N.A.: Na crendice dos soldados, galinha e peru não param, ciscam o tempo todo no quintal. Para
os soldados, a carne servida no jantar seria um presságio de que a noite seria agitada.
445
que se movia sobre o meu improvisado travesseiro. Virei a cabeça e
encarei... dois olhinhos vermelhos da maior ratazana que já vi.
815
Das passagens por Montese, o dia 14 de abril de 1945 ficou marcado na
memória do capitão Helio Amorin Gonçalves, quando ele saiu com o seu grupo com
destino a Creda, um lugarejo à direita de Montese. Esse local ficava a pelo menos
200 metros das posições inimigas. Sob forte bombardeio, os soldados foram
prosseguindo. Para alívio de todos, perceberam que, sob o comando do tenente
Antonio Almeida Rosa, o morro Possessione havia sido conquistado. Com a retirada
dos alemães desse ponto estratégico, a patrulha Amorim percebeu que poderia
prosseguir no intento de chegar a Creda.
O forte bombardeio sobre o pelotão havia provocado baixas. Estava ferido
o cabo Verani e havia duas mortes: a do soldado Lucindo Cebálio e do sargento
Edson Salles de Oliveira. Creda era formada apenas por duas casas com alvenaria e
pedra, que serviam de escudo para o pelotão. Às 13 horas, mesmo protegido pelas
paredes da casa, o capitão foi ferido por estilhaços de granada ‘88’, tendo sido
atingido nas duas pernas.
Com o forte deslocamento do ar provocado pela explosão, fui lançado fora
do abrigo, caindo em local exposto aos tiros diretos dos alemães, tornando-
me um alvo fácil das mortíferas metralhadoras. De repente, alguém do meu
pelotão, arriscando a vida, apareceu do meu lado, arrastando-me com
firmeza pela gola do uniforme para o local mais protegido. Fui salvo pelo
bravo cabo Raimundo Nonato.
816
No seu relato, Amorin continua:
Um soldado ao ver-me gritou: Ih! Olha aí! Eu estava coberto de sangue.
Nessa hora, pude avaliar a gravidade do meu ferimento. A perna esquerda
fora atingida e a virilha direita sangrava. Julguei ter perdido a perna, mas
julguei também ter perdido a parte mais importante do meu corpo. Até ali, já
me conformava em ficar sem a perna. Mas não aceitava ser emasculado.
817
Nos momentos cruciantes que se seguiram, Amorin viu quando o cabo
padioleiro Mello aproximou-se e examinou os ferimentos. “Identificou a hemorragia
815
FONSECA, op. cit., p. 179.
816
GONÇALVES, Helio Amorin. Depoimento para publicação. Rio de Janeiro, 20 de janeiro de
1996.
817
Id.
446
principal – a veia safena fora atingida – e, com habilidade e competência, salvou-me
a vida e a perna”.
818
Naquele momento de grande tensão, todos acompanhavam os primeiros
socorros ministrados ao tenente Amorin. O padioleiro, sob os olhares de todos, ia
estancando a hemorragia, ao tempo que dizia palavras de incentivo e solidariedade
ao ferido. No esquerdo do tenente, havia um estilhaço. A hemorragia estava
contida, mas Amorin também se preocupava com a outra parte do corpo.
“Finalmente, para o meu sossego, ele disse: ‘O senhor foi quase castrado’, não me
contive e soltei um grito de alegria, seguido de alguns palavrões não publicados”.
819
Mesmo ferido, Amorin foi obrigado a permanecer no local. Deveria, no
entanto, ser levado para a retaguarda para que tivesse o imediato atendimento aos
ferimentos que eram considerados graves. Por telefone, ainda fez contato com
outros pelotões que estavam nas proximidades. Muitos com os quais conversou
acabaram perdendo a vida nesse dia. Em seu depoimento, ele cita o nome do
aspirante Mega, morto por estilhaço de granada no mesmo dia.
Muito fraco pelo sangue perdido, Amorim,quase desfalecido, não chegou a
perceber quando o seu grupo, com dificuldade, conduziu a padiola até uma casa
vizinha, já era quase noite.
Levaram-me para um quarto da casa onde havia duas camas. Ocupei uma
delas e, bem próximos a mim, na outra, repousavam os corpos do sargento
Edson e do soldado Cebálio. se foram 51 anos e não consigo esquecer
aquele quadro que ficou gravado em mim como a representação da
violência da guerra.
820
Os momentos que passou no quarto da casa naquele dia fatídico, com seus
companheiros mortos ao lado, aliados ao estado de fraqueza em que se encontrava,
pois não se alimentava horas, fizeram com que Amorim fosse perdendo a noção
dos acontecimentos, mas algo ficou retido na sua memória:
Estava acordado e ouvi, entre as vozes dos soldados, uma voz feminina.
Era a de uma jovem de 22 anos de idade dona de casa que, ao tomar
conhecimento de que ali havia um homem ferido e que nada comera até
aquela hora, mandou por um soldado dois ovos frescos para aliviar o meu
818
GONÇALVES, op. cit..
819
Id.
820
Ibid., p. 6.
447
jejum. quem sabe da dificuldade de conseguir comida naquelas
condições pode imaginar o sacrifício que ela fez.
821
O tenente Amorin foi levado de jipe para a retaguarda, onde recebeu os
primeiros cuidados dos padioleiros. Foi atendido no Posto Médico do Regimento,
depois passou por duas cirurgias e regressou ao Brasil. Em 1995, por ocasião do
cinqüentenário do fim da guerra, como convidado especial das autoridades de
Montese, esteve na Itália e visitou o local onde foi ferido:
Nunca imaginei que houvesse tanta simpatia, tanta amizade e tanta
identidade com os brasileiros. A emoção que vivi naqueles instantes foi
grande e muito maior ainda quando, ao visitar Creda, constatei que aquelas
duas casas de paredes de pedra permaneciam ali, como as encontrei em 14
de abril de 1945!
822
Muitos habitantes que se encontravam em Montese, teimosamente, não
abandonaram suas casas e foram testemunhas dos fatos narrados nas jornadas de
12 a 17 de abril de 1945. O testemunho do pároco Don Augusto Banorri diz respeito
ao forte bombardeio ao qual a cidade foi submetida, sendo destruída.
Os mesmos aliados chamaram a luta para a conquista de Montese uma
segunda Cassino. Não se conhece com precisão o número de mortos, mas
a voz do povo diz que foram mais de 1.000 e que os tedescos haviam
colocado em prática um embuste: hastear a bandeira branca. Os alemães
acreditavam que os partigianos tinham se apoderado da cidade e avançado
numerosamente. Agora o inimigo começara das casas um grande disparo,
matando muitos soldados aliados, principalmente brasileiros. No final, os
alemães foram desbaratados e constritos a abandonar o território de
Montese.
823
Segundo a avaliação dos próprios combatentes brasileiros, em Montese,
ocorreu a maior operação de força feita por um Regimento. Nesse caso, ressalta-se
a efetiva participação da companhia do Batalhão do 11º R. I., aquela dos
jovens recrutas que tantos dissabores tiveram nas jornadas dos dias 2 e 12 de
dezembro de 1944, quando o mau planejamento dos ataques ao Monte Castello,
misturado à inexperiência dos soldados, havia redundado em sofrimentos
inesquecíveis.
821
GONÇALVES, op. cit., p. 9.
822
Id. N.A.: O tenente Amorin, passando por Creda, encontrou a jovem que lhe servira os ovos. Agora
uma senhora de meia idade que o abraçou fraternalmente.
823
BANORRI, Augusto. Relato. In: SILVA, Maurício da. op.cit., p. 156.
448
A imprensa brasileira também se fez presente na região de Montese, após a
sua conquista pelos brasileiros. Dos correspondentes de guerra como Egidio Squeff,
que representava O Globo; de Joel Silveira e José Leite, dos Diários Associados;
Ruben Braga, do Diário Carioca; Raul Brandão, do Correio da Manhã; Silvio da
Fonseca e Thassilo Mitke, ambos da Agência Nacional, foi possível avaliar a
situação da cidade após os combates. Muitos desses jornalistas encontravam-se
nas proximidades de Montese e, no instante em que a cidade fora libertada,
descreveram o que viram, deixando algumas impressões a respeito de Montese e
sobre a situação em que se encontravam os soldados brasileiros.
Escreve Egidio Squeff:
Escrevo de dentro de Montese destruída. Montese não existe mais,
nenhuma casa permaneceu intacta. A cidade é um deserto, pleno de ruínas.
Nas casas destruídas, as marcas de sangue testemunham a violência da
batalha. Mas a completa destruição ainda não chegou. Transcorreram mais
de 48 horas, e os alemães, com a artilharia, continuam atirando as bombas
sobre a cidade, quase interruptamente. A cada minuto se ouvem explosões.
Tanques de guerra destruídos, paredes caídas, uma bomba aérea que não
explodiu, montes de ruínas nas ruas, silêncio dos homens cansados. Esta é
Montese. A sua torre é semidestruída, o cemitério é danificado. Procurei
encontrar algum habitante, mas em vão. Vi somente portas arrebentadas,
leitos vazios, quartos em desordem.
824
Thassilo Mitke, por sua vez, que acompanhava seus companheiros
correspondentes de guerra, deixou o seu relato: Na sua visão, a cidade se
transformara em um fantasma. Pelas ruas da cidade, via passar colunas de soldados
brasileiros, que já haviam feito a “limpeza da cidade”, desalojando os alemães e
fazendo prisioneiros. Partiam depois para os morros adjacentes, não menos
perigosos, no intuito de frear a artilharia alemã que se encontrava em Montello. Essa
mesma artilharia tinha feito milhares de vítimas entre brasileiros e a população
local.
Ainda no relato de Mitke, o avanço prosseguiu e a sensação entre os que ali
se encontravam era de que seria iminente o golpe decisivo dos aliados e brasileiros
para quebrar o mais importante ponto de força alemão naquela zona. Soldados
descansados chegavam empenhados na operação, cujo objetivo era de caçar os
nazistas próximos do vale do Pó.
824
SQUEFF, Egidio. Depoimentos. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, junho de 2000, p. 276.
449
FIGURA 17 – MONTESE ABRIL DE 1945
FONTE: Acervo da autora.
A artilharia divisionária, apoiada pela aviação, continua a golpear
severamente as posições inimigas. Montese ora é bombardeada pela
artilharia alemã ou pelos canhões, como no ataque do dia 15. As estradas
que levam à cidade estão intransitáveis, cheias de minas e explosivos
deixados pelos nazistas durante a retirada.
825
Rubem Braga, do Diário Carioca, também fez um balanço do que presenciou
em Montese. Segundo o correspondente, o dia 14 de abril foi o mais frutífero, mas o
mais pesado foi o dia 15 de abril de 1945. Registrou ainda o alto preço pago pela
tropa brasileira, em relação aos mortos e feridos, a maior parte oriunda dos campos
minados, que tantas vítimas fizeram. Assim como Rubem Braga, grande parte do
comando brasileiro desconhecia, até a última hora, a participação de tanques
americanos na conquista da cidade. Nos ataques ao Monte Castello, as ações
dessas máquinas mostraram-se improdutivas, mas, em Montese, os tanques subiam
as estreitas estradinhas, servindo de escudo aos soldados, e, com seus tiros
certeiros, colocavam por terra as defesas alemãs.
825
MITKE, Thassilo. Depoimento. História Oral do Exército, Rio de Janeiro, 6 de junho de 2000, p.
278.
450
Passado o desassombro, segundo Braga, chegaram as notícias dos mortos e
feridos brasileiros.
Escurece, rodo pela estrada. No acampamento, uma brisa leve faz cair as
pétalas das flores de cereja, numa chuva de neve. A esta hora, os homens
estão cavando abrigos nas posições que conquistaram, para passar a noite.
E todas as noites, eles esperarão um contra-ataque inimigo, que não virá.
826
As linhas inimigas estavam rompidas e os alemães em retirada foram
seguidos pelos brasileiros. Na manhã de 21 de abril de 1945, o 1º e o 6º Regimentos
de Infantaria, apoiados por uma companhia de blindados americanos, retomaram a
progressão. Com a notícia de que os alemães haviam minado as margens do Rio
Panaro, coube ao Batalhão de Engenharia a responsabilidade de remoção e de
reparação das estradas para que as viaturas e os soldados pudessem transpô-las.
A FEB, agora, seguia coesa em perseguição ao inimigo que tantos problemas
havia criado para os aliados e brasileiros naquela parte setentrional da Itália. O
alemão, em derrocada, partiu para o Noroeste da Itália. Na tentativa de reter a tropa
aliada, ia disseminando minas pelos caminhos.
O major Elber de Mello, que do alto, no seu teco-teco, via a movimentação
da tropa, registrou: “O avanço aliado era tão rápido que os observadores aéreos não
identificavam, de pronto, se determinada tropa era amiga ou não”.
827
As ordens que vinham do Comando Geral Aliado eram claras e objetivas:
determinavam uma vigorosa perseguição com a utilização de todos os meios de
transporte e dos carros de combate. Enfim, todos os meios possíveis para que os
alemães, fragilizados, se sentissem acuados, o que de fato aconteceu, pois não
tinham muito aonde ir. Restava a eles a rendição ou a morte nas posições.
As informações que chegavam ao comando da FEB diziam que as tropas
alemãs se deslocavam do sul para o norte, agora na estrada 62, onde estavam
localizadas as cidades de Sarzana, Berceto, Fornovo, Collecchio e Parma. No dia 26
de abril, o Esquadrão de Reconhecimento, comandado pelo general Pitaluga,
chocava-se com as forças alemãs que estavam na cidade de Collecchio,
identificadas como a 90ª Divisão Panzer, com um efetivo muito superior à pequena
unidade brasileira. Nessa perspectiva, e na rapidez da solução a ser dada, seguiram
826
BRAGA, op. cit., p. 248.
827
HENRIQUES, op. cit., p. 177.
451
com o reforço os generais Mascarenhas de Moraes, Zenóbio da Costa e Cordeiro de
Farias.
Nesse mesmo dia, chegaram, por volta das 18h30m, as primeiras
companhias do e do 1 Regimentos de Infantaria. Segundo os relatos, a luta
prosseguiu a noite toda, sempre revigorada pelas tentativas de violentos ataques
das forças nazistas, que empregavam todas as suas armas para o rompimento do
cerco em direção a Parma.
São muitos os relatos sobre os combates ocorridos em Collecchio e Fornovo,
e o encerramento da campanha da FEB na Itália, que mereceriam um estudo à
parte, pois muitas vezes foi dada grande dimensão aos eventos ocorridos em Monte
Castelo e Montese, em detrimento dos fatos que levaram à Rendição de uma grande
unidade militar aos brasileiros na região de Parma.
Os dois batalhões acima citados atuaram nessa área, expostos a um inimigo
ferrenho, que lutou até as últimas conseqüências. Na verdade, o que se é que a
história dos combates nessas regiões está até hoje envolta em uma penumbra de
fatos ainda não revelados. Destaca-se, nessas questões, a presença de uma grande
força partigiana, que colaborou efetivamente ao lado dos brasileiros e americanos,
na liberação de várias localidades, dentre as quais Collechio e Fornovo, provocando
a rendição da 148ª Divisão de Infantaria Alemã. Esta, com um efetivo de mais de 15
mil homens, apressou, de certo modo, o fim da guerra nessa região da Itália. Tais
fatos foram minimizados pela FEB e pelo V Exército Americano. Nessa perspectiva,
muitas hipóteses podem ser discutidas em função do desinteresse da história oficial
em relatar a presença partigiana nessas regiões como co-participante em eventos
tão importantes.
Dos brasileiros, são muitos os relatos dos soldados pertencentes aos dois
batalhões que mais atuaram na região. Do 6º R. I., o tenente João Evangelista relata
os momentos com seus companheiros antes da tomada da cidade de Collecchio.
Pela primeira vez, recebiam uma missão para deslocar-se com os tanques de
guerra, juntando-se nessa empreitada a uma outra companhia. Segundo as
informações, na cidade ainda permaneciam entrincheirados cerca de 500 soldados
alemães, que guardavam um grande armazém com armamento e utensílios.
No relato de Evangelista, na noite de 26 de abril, aconteceu o deslocamento
pesado do seu grupamento, sob fogo cerrado.
452
Eu fui na frente no carro de comando com o capitão americano, comandante
dos tanques, e à meia-noite entrávamos em posição, para, às 4 horas da
manhã, nos deslocarmos a pé debaixo de torrencial chuva, com os
homens molhados, sem manta e comida. Às 10 horas, partimos para o
ataque debaixo de chuva e bombardeio. Jamais esquecerei tão bruta noite:
fome, chuva, deslocamento de 30 quilômetros, sendo 2/3 de tanque e o
restante a pé.
828
Mesmo sob a exposição de grande concentração de fogos, o grupamento do
tenente Evangelista ultrapassou um bosque e atingiu uma elevação que dominava a
cidade. Fez 30 prisioneiros que corriam desesperadamente.
Os partigianos italianos, que se encontravam nas proximidades, também se
organizaram, com suas diversas ‘bandas’ ou ripartos’. Na verdade, pequenas
companhias formadas por homens armados que combatiam os fascistas e nazistas,
pois pressentiam que o seu esforço junto aos aliados seria uma forma definitiva de
colocar um ponto final na resistência alemã. Não fica clara para o pesquisador a
omissão do reconhecimento da relevante ação partigiana nessa zona de combate.
Esse é um fator ainda hoje de grande constrangimento para os homens que
combateram ao lado dos aliados e brasileiros, o que tem rendido severas
recriminações por parte dos participantes. Segundo consta nos documentos do
Instituto da História da Resistência em Parma, durante a Guerra Mundial, a força
partigiana era representativa e somava mais de 1.500 combatentes.
Recentes estudos praticados na região por estudiosos ligados a esse Instituto
tentam redimir a situação, expondo os fatos, com testemunhos e documentos que
mostram a efetiva ação partigiana na campanha de Collecchio e Fornovo. São
documentos que acompanham uma ordem cronológica dos acontecimentos,
destacando o nome das bandas partigianas e de seus líderes. Mapas foram
organizados, também no sentido de mostrar os pontos estratégicos que, segundo os
combatentes italianos, seriam de responsabilidade desses grupos.
Segundo Ettore Cosenza, autor de obra esclarecedora sobre o assunto,
il resoconto del Mar. Mascarenhas condotto esclusivamente dal punto di
vista delle azione militari delle truppe brasiliane. Non riproduce, próprio per
828
ROCHA, João Evangelista Mendes da Rocha. Senha e Contra Senha: A 2ª Companhia do 6º R. I.
na Campanha da Itália. Rio de Janeiro: Marcelo Gráfica e Editora Ltda, s/ data, p. 67.
453
questo, in lutta la sua complessità, lo svolgersi dei fatti. Si avverte súbito
uma lacuna molto grave.
829
Quando avaliou a obra do comandante da FEB, Cosenza buscou minúcias
dos combates e verificou os mapas. Nesse aspecto, acompanhou todo o
cronograma da participação brasileira, dia-a-dia, destacando os batalhões que
participaram dessa campanha. um reconhecimento público, segundo Ettore
Consenza, da parte do comando brasileiro, quando reafirma que a campanha de
Collecchio Fornovo foi uma das partes mais importantes da guerra para os
brasileiros, mas, infelizmente, não pormenoriza a ação partigiana.
Ainda na observação de Cosenza, o Marechal Mascarenhas de Moraes cita
três vezes a participação partigiana nesses combates: “ma sono citazione fugaci e
rapidissime, dalle quali, non si può ricavare in alcun modo il peso determinante Che
esse ebbero per la soluzione favorevole della Bataglia”.
830
Mascarenhas não
conseguiu fazer uma relação mais detalhada das ações partigianas. Ainda questiona
o pesquisador: Não seria este o momento de se indagar sobre esses pontos, agora
sob a luz da vasta documentação recolhida dos nossos testemunhos pessoais, da
documentação, de que, por sorte, ainda se dispõe?
Ettore Cosenza, com muitos documentos, se posiciona em relação aos
últimos combates em que eles tiveram participação ativa junto dos brasileiros.
Ressalta que: o Comando Único da formação partigiana já tinha há algum tempo um
plano para fazer o enfrentamento, compatível com os meios de que dispunham,
contra os alemães que se retiravam; que os ataques empreendidos contra os
alemães, em forma de guerrilha, não afetaram de nenhum modo o planejamento
militar dos aliados, mas ajudaram a minar o moral dos soldados alemães que
manifestava deterioração. Ainda, na sua reflexão, muito antes da chegada dos
brasileiros e americanos, os partigianos dominavam grande parte da região do rio
Taro e que, mais tarde, as operações de guerra ocorridas na tomada de Fornovo
vieram demonstrar o grau de maturidade das forças de guerrilha.
829
N.A.: Na tradução das palavras de Cosenza: O testemunho do Marechal Mascarenhas de Moraes
(provavelmente fazendo referência à obra A FEB Pelo Seu Comandante), conduzido apenas sob o
seu ponto de vista sobre as ações da tropa brasileira, não reproduz, por isso mesmo, em toda a sua
complexidade o desenvolvimento dos fatos. Nesse caso, cabe uma advertência imediata sobre uma
lacuna muito grave para a história. COSENZA, Ettore. La Sacca di Fornovo. Aprile, 1945. Quaderno
nº 1. Istituto Storico della Resistenza per la Província di Parma. Itália, abril de 1975, p.12
830
N.A.: Segundo E. Cosenza, Mascarenhas de Moraes cita 3 vezes os partigianos, mas de maneira
fugaz e rápida, e não é possível encontrar o verdadeiro peso da ação partigiana durante a Batalha.
454
Ettore Consenza conseguiu reunir diversos documentos que atestam a
participação das diversas brigadas italianas no episódio da conquista de Fornovo e,
em 1966, conseguiu fazer a primeira publicação com o título La Sacca di Fornovo.
Em 1976, fez uma outra publicação, revisada, e com acréscimo de novos
documentos.
Vários documentos são apresentados pelo autor da obra, buscando mostrar o
quanto foi importante, em vários momentos, a ação das brigadas italianas que
ajudaram a conter as últimas forças nazistas até a rendição final. Espera também o
autor que, futuramente, esses documentos possam realmente demonstrar o valor
das forças partigianas, sem que isso venha de nenhum modo diminuir a participação
brasileira nesses eventos. Todos os que testemunharam esses combates antes da
rendição são de parecer que os alemães usaram de todo o vigor nos combates
antes de se renderem.
Na avaliação do combate em Fornovo, que colocaria um ponto final na guerra
para os brasileiros, o major Elber de Mello diz textualmente sobre as tropas alemãs
que se encontravam no local “Suas tropas não combatiam, embora alguns
comandantes mais duros ainda o se tivessem rendido”. Tal declaração vai ao
encontro das observações de Ettore Consenza, quando diz das ações agressivas
que também foram enfrentadas pelas brigadas italianas.
O tenente Ítalo Diogo Tavares e sua companhia se encontravam em Serreto
no dia 29 de abril de 1945.
Pela manhã, chegaram três parlamentares alemães que vinham tratar dos
termos da rendição. Sabiam que a guerra estava perdida para eles. Resistir
mais significava apenas mais derramamento de sangue inútil. Faziam
questão de não ser entregues aos partizans.
831
Também o capitão Ayrosa da Silva, do R.I., participou dos últimos
combates e buscou sintetizar em suas anotações os últimos acontecimentos.
A essa altura, recebíamos informações de que o grosso dos efetivos
alemães, em sucessivas manobras, vinha canalizando a sua resistência
para a região de Fornovo di Taro. [...] Na hora prevista, demos início ao
movimento. O inimigo, que havia abandonado muito material na noite
831
TAVARES, op. cit., 2005, p. 108.
455
anterior, percebeu que, se os brasileiros tivessem êxito, as perdas poderiam
ser muito maiores, por isso resolveu endurecer o combate.
832
A tropa brasileira ia fechando o cerco e as frentes apontavam para ações
diversificadas. O capitão Ayrosa, em seu depoimento, relatou:
Aproveitando um momento em que estávamos espalhados na região,
realizando buscas individuais, furtei-me das vistas do Koeller (tenente),
passei um pequeno número de granadas para o jipe, soltei o reboque e parti
com o sargento Apio ao meu lado e o soldado Hilário atrás. [...] Quando
atingimos a região de Gaiano, fomos surpreendidos por dois caminhões
atravessados na estrada, bloqueando-a por completo. À frente dos
caminhões, encontravam-se alguns soldados alemães com metralhadoras
nas mãos.
833
Segundo o tenente Ayrosa, houve um certo impasse, quando os alemães
perguntaram se os recém-chegados eram americanos. Diante da resposta negativa,
eles insistiram: “São partigianis?” “Também não!” Nesse ínterim, Ayrosa,
cautelosamente, tenta manobrar o jipe, buscando fazer o caminho de volta. Até ali,
nada havia acontecido, até que o soldado Hilário aciona a sua bazuca à queima
roupa diante do inimigo. Segue-se uma explosão de grandes proporções no jipe.
Ayrosa perdeu os sentidos.
À tarde, foi retomando a consciência e percebeu que, pela dificuldade de
efetuar movimentos, estava muito ferido. O sargento Apio apresentava ferimentos
graves na cabeça, mas podia movimentar-se. O grupo de feridos esperava que os
alemães tivessem retraído e que eles, caídos na valeta, fossem encontrados pelos
brasileiros. Mas isso não aconteceu. O sargento saiu em busca de socorro e foi feito
prisioneiro, o mesmo acontecendo com Ayrosa. As linhas limítrofes entre brasileiros
e alemães eram muito próximas. Ambos foram conduzidos ao Posto de Comando da
tropa alemã que defendia a região.
Enquanto Ayrosa era feito prisioneiro e levado para interrogatório, os
brasileiros iam fechando o cerco contra os alemães. Todos pressentiam que o fim
das ações bélicas estava próximo. Diante de seus ferimentos, Ayrosa foi conduzido
para um depósito de cereais, no fundo da casa. Foi também atendido por um médico
alemão que disse não dispor de recursos para tratá-lo. Nas horas seguintes, recebeu
832
SILVA, Ayrosa da, op. cit., p. 78.
833
Ibid., p.79.
456
os cuidados da dona da casa, que lhe oferecia leite quente, buscando atender o
jovem oficial como podia, pois não havia medicamentos.
A rendição alemã processou-se logo em seguida a esse dia fatídico e a
primeira ambulância a cruzar a linha do inimigo conduziu o capitão ferido ao Posto
de Socorro do Batalhão. Lá, Ayrosa recebeu os primeiros atendimentos. No hospital
de Modena, durante a primeira intervenção, foram retirados estilhaços de granada
do seu rim. Depois, foi encaminhado para o Hospital de Bologna, onde sofreu mais
duas intervenções e se recuperou, voltando ao seu grupamento. Tempos depois, o
próprio capitão perguntar-se-ia sobre o que teria ocasionado a explosão do jipe.
Teriam os alemães revidado os tiros e acertado as granadas que estavam na
condução? Ou o jipe teria passado sobre uma mina? Ayrosa nunca soube
responder.
Tais momentos, antes da rendição final por parte dos alees, marcaram
profundamente muitas vidas, a do capitão Ayrosa também. Ele recorda os momentos
mais delicados, quando estava ferido e caído na valeta, e o diálogo que se
processou entre ele e o sargento Apio, gravemente ferido na cabeça. O combinado
naquele momento era que Apio iria em busca de socorro, pois os brasileiros o
estavam tão longe, como refletiu depois o capitão:
A essa altura, senti que havia algo que perturbava o sargento Apio. Sabia
que, ao partir, ia deixar-me só, sem apoio de qualquer espécie e ferido
gravemente. Nesse estado de espírito, parecendo estar consciente de que
não mais se encontraria comigo, disse com toda a pureza e simplicidade:
Capitão Ayrosa, não quero partir sem lhe dizer o que todos nós praças do
Batalhão sentimos pelo senhor.
834
O sargento falava sobre as questões que envolviam o capitão comandante e
seus homens, da cordialidade no tratamento com os soldados, da camaradagem nos
momentos necessários e do apoio como amigo, demonstrado em várias situações.
Naquele momento, o sargento Apio prometeu que voltaria para buscar o
capitão ferido e, no ato da despedida, um beijo na testa selou o compromisso do
amigo. Não pôde o sargento cumprir a promessa, pois também fora feito prisioneiro.
Ayrosa, em seu diário, conseguiu registrar esses momentos, que demarcaram para
todo o sempre a sua existência. Do balanço da triste jornada em um jipe pelos
campos da Itália, dois homens salvaram-se pela contingência da vida. O soldado
834
SILVA, Ayrosa, op. cit., p. 79.
457
Hilário, que acionou a bazuca inadvertidamente, foi espedaçado pela explosão das
granadas.
No dia 27 de abril de 1945, na região conhecida como Neviano de Rossi, o
comando brasileiro solicitou os préstimos do pároco local, D. Alessandro Cavali, para
levar ao comando alemão, em Respício, uma intimação verbal para a sua rendição
incondicional. A intimação brasileira tinha o propósito de salvar vidas e de evitar os
horrores da destruição. Algumas horas mais tarde, o pároco retornava com o pedido
dos alemães para que a intimação fosse formalizada por escrito, o que foi feito pelo
coronel Nelson de Mello, comandante do 6ºR.I..
O referido documento dizia dos sacrifícios inúteis da continuidade das ações
de guerra que vinham acontecendo, ao tempo em que justificava a preservação das
vidas.
Intimo-vos a render-vos, incondicionalmente, ao Comando das tropas
regulares do Exército Brasileiro, que estão prontas para vos atacar. Estais
completamente cercados e impossibilitados de qualquer retirada. Quem vos
intima é o Comandante da Vanguarda da Divisão Brasileira, que vos cerca.
Aguardo dentro do prazo de duas horas a resposta do presente ultimatum’.
Nelson de Mello (coronel).
835
Ainda não foi sem resistência que os alemães se renderam. A frente brasileira
continuava firme nos seus propósitos, avançando cada vez mais sobre as posições
alemãs.
No dia 28 de abril, os alemães buscaram novas negociações. Representantes
da 148ª Divisão de Infantaria chegaram até Collecchio, onde ficava o comando do 6º
R. I.. Foram recebidos pelo chefe do Estado Maior, Lima Brayner e pelo Tenente-
coronel Humberto de Alencar Castello Branco, chefe da Seção de Operações da
Divisão; estes, encarregados de acertar os detalhes para a rendição final, o que
incluía o local, a apresentação da tropa, a deposição do armamento, a concentração
de viaturas e de animais, a cessação de fogos, a entrega de prisioneiros americanos
e a apresentação dos generais comandantes da Divisão Alemã.
No dia 29 de abril de 1945, surgiu, na Ponte Scodogna, a primeira coluna de
13 ambulâncias alemãs conduzindo 80 feridos graves e, meia hora depois, outra
coluna com 8 viaturas com mais 58 feridos. Todos foram transferidos para o Hospital
brasileiro em Modena. Conforme registrou o tenente Juarez Bastos, a rendição foi se
835
PINHEIRO, op. cit., p. 61.
458
processando a partir das 17h do dia 29 até as 18h do dia imediato. “As tropas
nazistas desfilaram diante dos pontos previstos nas regiões próximas a Gaiano e
Felegara, com suas colunas de tropa motorizada e coluna de artilharia, ambas
portando canhões de diversos calibres, colunas hipomóveis, transportando peças de
artilharia e munão e sucessivas colunas de infantaria, todas depositando seus
materiais, armas e equipamentos”.
836
No dia 30 de abril de 1945, apresentou-se o comandante da 148ª Divisão de
Infantaria, acompanhado de 31 oficiais do seu Estado-Maior. O general Otto Fretter
Picco foi escoltado pelo general Olympio Falconiere da Cunha para o Quartel
General do V Exército em Florença.
FIGURA 18 A RENDIÇÃO EM COLLECCHIO DA 192ª DIVISÃO DE INFANTARIA ALEMÃ (29 DE
ABRIL DE 1945)
FONTE: Acervo da autora.
O número total dos prisioneiros da 14 Divisão de Infantaria Alemã,
somando-se os remanescentes da Divisão Bersagliere Itália, com suas divisões
Monte Rosa e San Marco, mais a 90ª Divisão Panzer e um batalhão de Montanha,
germânicos, chegaram a 14. 779 homens que, acrescidos de mais 300 alemães que
836
PINHEIRO, op. cit., p. 64.
459
haviam se rendido em outros pontos, fizeram o número de prisioneiros subir para
15.079.
837
Do grande episódio que encerrou a participação efetiva da FEB como tropa
combatente, os embates de Fornovo di Taro e Collechio, ao contrário do que muitos
pensam, não trataram apenas de uma fase também conhecida como
Aproveitamento do Êxito, na qual a FEB teria de vencer rapidamente as tropas
alemãs e italianas que se desagregavam. Não é possível esquecer que tanto a 90ª
Divisão Panzer, quanto a 148ª Divisão de Infantaria Alemã e as brigadas
pertencentes à Divisão Monterosa eram constituídas por soldados muito experientes
e muitas delas haviam enfrentado tropas americanas e brasileiras na região de
Garfagnana no mês de outubro de 1944, sem que ninguém conseguisse desalojá-las
das alturas onde se encontravam. Eis que, em Collecchio, se apresentava uma
oportunidade de enfrentamento a essas tropas por brasileiros, americanos e
partigianos. Chama a atenção estes últimos não terem sido lembrados nos relatórios
brasileiros e americanos, pergunta-se por quê.
Como diz Ettore Consenza, “partigianos soldati di um popolo in luta, Erano
uomimi che dopo lunghi mesi di lotta, cominciavano a pensare ad um domani sereno,
mas non si sottrassero al combatimento”.
838
Concluindo seu relato, diz Cosenza:
No momento em que se conclui essa pesquisa, temos certeza de estar bem
documentados na reconstrução dos fatos. Esta conclusão parecerá mais
justa e fundada, quando se considerarem as particularidades que dizem
respeito à batalha, à limpeza da área ocupada pelos alemães, enfim onde
os eventos ocorreram.
839
Ainda, segundo Consenza, os prisioneiros feitos pelos partigianos na região
de Collechio e Fornovo somaram mais de dois mil homens.
Encerra-se aqui esse ciclo, que se reportou à fase de combates encetados
pela FEB, momentos de fragilidades para brasileiros, americanos e partigianos que
837
N.A.: Nos acampamentos ao redor de Fornovo, todo o material foi reunido pelos encarregados da
rendição: Cerca de 1.500 viaturas, farto equipamento de natureza diversa e 4.000 animais. A
organização e guarda de todo o material, bem como a responsabilidade sobre o volumoso número de
prisioneiros, ficaram a encargo dos americanos. PINHEIRO, op. cit., pp. 64-65.
838
N.A.: Nas palavras do pesquisador Ettore Consenza: Partigianos eram soldados do povo na luta.
Eram homens que, depois de longos meses de luta, começavam a pensar em um amanhã sereno,
mas sem submeter aos combates. COSENZA, op. cit., p. 33.
839
Id.
460
deles participaram. Da longa caminhada iniciada nos quartéis brasileiros, os
soldados da FEB chegaram aos campos italianos, com precariedade e sem
treinamento. Fizeram o bom combate e tiveram o reconhecimento, não apenas dos
seus pares, mas também dos comandantes aliados que viram, nos soldados, o
senso de responsabilidade nas missões que foram cumpridas. O espírito de
companheirismo prevaleceu nos instantes delicados do combate, seja nas patrulhas
levadas à terra de ninguém, ou no conflito mais ousado, quando prevaleceu a união
do grupo, na expressão mais pura de identidade.
Nesse subcapítulo sobre as campanhas da FEB, abriu-se espaço para as
vozes dos protagonistas, que, alternadamente, foram montando o grande mosaico
histórico da presença do soldado brasileiro nos campos da Itália.
Qual foi a apreensão dos diálogos proporcionados pelas fontes privilegiadas?
A história conduziu o pesquisador por terras italianas e, retornando no tempo,
com a clareza dos testemunhos, passou-se pelos campos de batalha. Verificou-se o
quanto a memória pode ser conflitante na narrativa de um mesmo fato. De um lado,
os militares brasileiros, comandantes e comandados; do outro lado, os combatentes
alemães e italianos, cada qual chamando para si os valores e méritos das
campanhas realizadas. Fazendo a junção desses eventos, vai-se ao encontro da
população civil - vozes de uma sociedade em guerra a registrar suas memórias,
fatos evidentes que não foram esquecidos.
5.2.5 Anjos de branco: médicos, enfermeiros e padioleiros salvando vidas na guerra
Tudo isto me veio à lembrança naquela trágica vigília que o destino me
impusera. Mais calmo, passei a encará-la como natural numa guerra, em
que as emoções se fazem mais violentas e a morte torna-se aceita sem
muita revolta. Aquietei-me e decidi enfrentar os fatos, certo de que, se
minha hora fosse aquela, a consciência estaria tranqüila com o que eu
tivesse realizado.
Capitão Erani Ayrosa, do 6º R. I., quando ferido gravemente no combate de
Collecchio, no dia 28 de abril de 1944.
Enquanto a FEB ia sedimentando o seu papel na guerra dos Apeninos, seus
homens, agora experimentados pela guerra, haviam levado adiante as missões que
lhes foram imputadas e que muitos duvidaram chegassem a um bom termo. Agora,
os seus participantes sentiam-se vitoriosos pelo empenho demonstrado em frente de
461
batalha e conseguiram abafar as vozes contrárias, aquelas que haviam ficado no
Brasil. Os feitos agora se sobressaíam nos registros dos combates. Era inegável o
sacrifício, o valor, o altruísmo e o espírito de luta que moveram esses homens em
nome da pátria. “Agora é a FEB que desfila no seu verde oliva, puxando a chumbo a
‘cobra fumando’ no escudo do seu braço”.
840
No Brasil, repercutiam ainda as notícias dos combates ocorridos nos mês de
abril, a Tomada de Montese, Colleccchio e Fornovo e a Rendição da 148ª Divisão de
Infantaria Alemã. Uma euforia quase incontida das instituições de apoio aos
expedicionários encontrava na imprensa do Rio de Janeiro o espaço necessário
para a divulgação das campanhas que seriam envergadas para o retorno dos
soldados ao solo brasileiro. A imprensa oficial também cumpria o seu papel,
provendo as redações por meio da Agência Nacional, com todas as notícias que
vinham do front, agora de forma veloz, quase acompanhando os eventos no
momento em que ocorriam. Fatos favoráveis que envolviam a FEB eram
interessantes para o Exército e para o governo; portanto, divulgá-los imediatamente
era a ordem.
Todas as notícias vinham estampadas com as fotografias dos locais onde os
eventos ocorriam. Agora não havia mais necessidade de censura sobre elas, pois o
segredo estratégico da posição das unidades militares já não constituía perigo para
os homens que estavam combatendo. No mês de março, os jornais e revistas
estamparam pela primeira vez uma foto do Monte Castelo, logo as o combate, na
qual o morro aparece completamente arrasado, sem nenhuma vegetação. O título
dizia: “Onde a cobra está fumando”.
841
A repercussão da Tomada de Monte Castelo era assunto diário dos jornais
cariocas, reforçada não apenas pelos correspondentes brasileiros que lá se
encontravam, mas também pela imprensa internacional e seus jornalistas. Para
esses profissionais, a FEB havia consolidado as suas posições: “Com ajuda das
tropas brasileiras, as forças do Exército Americano apoderaram-se de mais um
trecho de terreno dominante no decorrer do ataque local. Organizaram suas
posições no Monte Castelo e liquidaram vários bolsões alemães.”
842
840
PAIVA, Carlos Flores de. Discurso, In: MATTOS, João Baptista, op. cit., p. 203.
841
REVISTA DA SEMANA. Rio de Janeiro, 20 de março de 1945.
842
A NOITE. Rio de Janeiro, 25 de fevereiro de 1945.
462
Um dia após a conquista do Monte Castelo, O Globo colocou como manchete
de página: “As tropas brasileiras concitam os alemães à rendição”. Na reportagem,
Egydio Squeff dizia que alto-falantes haviam sido colocados nas linhas alemãs
transmitindo o convite da FEB para que os “boches” se entregassem.
843
No mês de abril, a conquista de Montese ocupou os espaços de toda a dia
carioca. Egydio Squeff, junto dos correspondentes Joel Silveira e Thassilo Mitke
vinham fazendo a cobertura dos eventos, pois estrategicamente acompanhavam os
batalhões. Em Montese, concluídos os trabalhos de rescaldo, os jornalistas tiveram
permissão para entrar na cidade. A manchete estampada pelo O Globo dizia:
Montese, a cidade fantasma que os brasileiros conquistaram”, fazendo alusão ao
fato de a cidade estar abandonada.
844
Na verdade, o grosso da população, já no final
de março, percebendo a movimentação das tropas alemãs que iam chegando à
cidade e se instalando nos morros vizinhos, abandonou seus lares. Mas outros,
imaginando que os alemães se retirassem com a chegada dos aliados,
teimosamente permaneceram no local, o que resultou em mais de mil pessoas
mortas e 1.500 prédios históricos destroçados pelas agressivas artilharias alemã e
brasileira.
No mesmo jornal, a manchete dizia: “Vitória mais difícil que a de Monte
Castelo”, ressaltando que as perdas tinham sido pequenas e que era considerável o
número de prisioneiros feitos naquelas jornadas.
As operações de ontem para a conquista de Montese foram mais duras do
que as de Monte Castelo. Muitas vezes, os nossos infantes tiveram que
investir utilizando-se dos seus próprios meios, pois a artilharia não podia
protegê-los, devido ao perigo de atingir alguns ‘tanks’ americanos muito
avançados.
845
Os jornalistas, por meio de sua função, conseguiam boa aproximação com os
soldados. Observando entrevistas concedidas, foi possível avaliar conteúdos
importantes sobre as ocorrências e a visão dos homens durante os enfrentamentos,
situação que não caberia no relatório oficial dos escreventes da FEB. Egydio Squeff,
em Montese, falava diretamente com os oficiais e soldados, obtendo dados
significativos sobre a campanha. No dia 18 de abril, ainda em Montese, houve
843
JORNAL O GLOBO. Rio de janeiro, 22 de fevereiro de 1945.
844
JORNAL O GLOBO. Rio de Janeiro, 17 de abril de 1945.
845
Id.
463
notícias dos interrogatórios a que foram submetidos os prisioneiros alemães.
Segundo Squeff: “Nunca havíamos feito tantos prisioneiros verdadeiramente
germânicos e membros do partido nazista. Isso confirma a minha informação
anterior, quando afirmei que estamos enfrentando tropa de elite do Exército
alemão”.
846
A partir dos combates ocorridos na Itália no mês de novembro de 1944,
cresceu o número de feridos brasileiros que eram atendidos primeiramente nos
hospitais de campanha. O Serviço de Saúde da FEB fora organizado junto dos
preparativos para o embarque da FEB e contava com 176 médicos, dos quais 84
eram militares da ativa. O pessoal da reserva foi recrutado por meio de estágios para
médicos, enquanto os cursos de emergência de Medicina Militar foram direcionados
a médicos civis, alguns realizados na Escola de Saúde do Exército, outros em
algumas universidades, nos vários Estados da Federação. “Foram também feitos
apelos aos estudantes para que colaborassem”.
847
Embora não se tenha muitas notícias sobre alunos dos cursos de medicina
que tenham atendido a essa convocação, o depoimento do jovem quartanista de
medicina, Sebastião Cammarosano, é enriquecedor. Na guerra, ele chegou ao posto
de 2º sargento enfermeiro, da 2ª companhia de Evacuação do 1º Batalhão de
Saúde. Conforme seu testemunho, ele teria procurado o Serviço de Saúde da FEB,
mostrando o desejo de embarcar com os soldados: “pelo elevado espírito de
patriotismo, compareci para responder ao chamamento da pátria”.
848
Cammarosano recorda que outros estudantes, de outras áreas, como o
Direito e a Engenharia, haviam atendido ao chamado de recompletamento das
diversas áreas de que a FEB necessitava. Como estudante de medicina, ficou adido
ao Batalhão de Saúde, sediado em Valença, no Rio de Janeiro. havia uma
estrutura do grupo formada por oficiais da ativa e da reserva, estudantes de
medicina, enfermeiros e padioleiros; uma companhia de triagem, que se
encarregava do tratamento das doenças; além de três companhias de Evacuação,
que deveriam prestar socorro aos feridos de guerra. Segundo Cammarosano, os
846
JORNAL O GLOBO. Rio de janeiro, 19 de abril de 1945.
847
MOURA, Aureliano Pinto de. O Serviço de Saúde do Exército Brasileiro. Revista do Exército
Brasileiro, v.123, n. 2, abril-junho de 1986.
848
DIAZ, op. cit..
464
padrões de atendimento aos feridos de guerra eram de moldes franceses que, na
guerra da Itália, se mostraram incompatíveis com os métodos norte-americanos.
849
Os estudantes que desejavam embarcar com a FEB passaram por um
processo de seleção. Nesse caso, foram levados em consideração: o preparo
intelectual e o preparo técnico para exercer as atividades. Como não podiam ir para
a guerra como soldados, fizeram um curso militar e, depois, conseguiram
embarcar. Todos foram promovidos a sargentos ou a aspirantes. “Os quartanistas
foram como
s
sargentos e os do e 6º ano foram como aspirantes. Para a
campanha da Itália, os estudantes seguiram com o 2º e o 3º escalões”.
850
Durante a viagem, os estudantes de medicina ajudaram a atender os
soldados. As queixas maiores diziam respeito a ‘tonteiras’, ‘vômitos’, ‘labirintite’ e
distúrbios gástricos. No controle da parte emocional dos soldados, que
manifestavam certas fobias pelo enclausuramento no porão dos navios, os
enfermeiros viajavam junto dos homens e amenizavam o mal-estar com
musicoterapia, técnica muito utilizada pela psiquiatria. Lembra Cammarosano que
eram colocadas muitas canções nos alto-falantes, como as de Ari Barroso.
851
Cabe lembrar que a organização da FEB era formada por uma Divisão de
Infantaria, na qual todos estavam incorporados. Não caberia, portanto, uma “Divisão
de Hospitais”. Na Divisão de Infantaria, cabiam apenas os serviços médicos de
urgência e o transporte dos feridos e doentes para a retaguarda, para um local mais
seguro onde pudessem ser tratados. Desse modo, para atender à demanda de
atendimentos, dentro das especialidades especificas relacionadas aos feridos, foi
criado o Serviço de Saúde da FEB, que acabou se estabelecendo como seções nos
hospitais americanos já existentes.
Comandava esse grupamento o coronel médico Emanuel Marques Porto,
cirurgião respeitado no meio médico e militar, com especialização nos Estados
Unidos sobre saúde em campanha. Cabia a ele supervisionar e controlar as seções
hospitalares brasileiras, integradas aos hospitais americanos.
As seções hospitalares do S.S. da FEB eram tecnicamente denominadas S1,
S2, S3 e S4, dentro das quais as tarefas eram distribuídas burocraticamente. A
849
DIAZ, op. cit..
850
Id.
851
Id.
465
primeira seção se encarregava de médicos, enfermeiros, dentistas e farmacêuticos,
e era chefiada pelo capitão médico Dr. Carlos Paula Chaves.
A segunda seção consistia na secretaria, encarregada da parte burocrática,
com a organização dos documentos, arquivos e fichas que identificavam os feridos,
tipo de tratamento, medicamentos. Essa seção era chefiada pelo Capitão médico Dr.
Fernando Mangia.
A terceira seção atendia o desenrolar das operações militares,
acompanhando a movimentação dos regimentos e dos batalhões e verificando as
necessidades de cada setor, visto que as emergências se apresentavam e era
necessário acompanhar as ocorrências, buscando encaminhar os feridos diante de
cada embate. Chefiava essa seção o capitão médico Dr. Adolfo R. Ratisbona.
A quarta seção era encarregada do material sanitário e cuidava do trâmite
que envolvia a chegada e a distribuição dos materiais necessários para atender às
unidades militares. Chefiava essa seção o capitão médico Dr. Nelson Rocha.
Em suma, os serviços médicos não divisionários se compunham do Posto
Avançado de Neuropsiquiatria, dirigido pelo médico capitão Mirandolino Caldas, dos
grupos hospitalares e do Serviço de Prótese Dentária.
As seções hospitalares brasileiras nos hospitais americanos dispunham de
equipes médicas brasileiras, compostas por renomados médicos; muitos deles
voluntários, como o prof. Dr. Alípio Corrêa. As seções estavam distribuídas nos
Hospitais de Nápoles, Livorno, Montecatini, Pistóia e no 32º Hospital de Campo, em
Valdeburra. Este último, o mais próximo da Linha de Frente. Nele, atuava um grupo
de cinco médicos, chefiados pelo Dr. Alípio Corrêa, onde eram atendidas as
primeiras emergências, os estados considerados graves e os considerados
“intransportáveis”. Esse hospital não recebia doentes, apenas feridos.
Muitas vezes, após os ferimentos, o soldado recebia o primeiro atendimento
nos postos médicos dos batalhões, chegando depois aos hospitais em situação de
ser levado para a sala de cirurgia ou não. Às vezes, devido à emergência, os
médicos eram obrigados a socorrer o ferido na própria padiola, colocada sobre dois
cavaletes. Muitas cirurgias salvaram vidas neste hospital.
Segundo Cammarosano, em seu depoimento, as equipes cirúrgicas
funcionavam tanto no hospital nº 45, em Nápoles, como no 7º Hospital de Guarnição
de Livorno. O 38º ficava localizado em Pisa e o 16º, em Pistóia. O mais próximo da
466
Linha de Frente era o 3 Fiel Hospital que, de início, esteve sediado em Pisa e
dispunha de 500 leitos, 12 salas de cirurgia, pessoal especializado em cirurgias
toráxicas, abdômen, membros, buço facial e isolamento para doenças infecto-
contagiosas. Dr. Alípio Corrêa operava com equipe muito capacitada, na qual a
atuação do médico Dr. Alfredo Monteiro tornou-se admirada pelos médicos
americanos, em função do uso de técnica inovadora para a aplicação de anestesia.
Para que o atendimento aos feridos se tornasse efetivo, na organização da
FEB, foi composto o contingente feminino de 67 jovens voluntárias, algumas já
diplomadas, outras com práticas de enfermagem, e ainda voluntárias socorristas.
Foram todas submetidas a um curso de emergência de seis semanas para formação
de enfermeiras militares, realizado por meio de estágio no Hospital Central do
Exército, no Rio de Janeiro, e por aulas teóricas, dadas no Quartel General.
As enfermeiras foram transportadas para a Itália por via aérea e designadas
para atuar nos diversos hospitais. Muitas organizaram seus diários, onde relatam em
detalhes a saída de suas cidades, como aconteceu a Guilhermina Gomes, de
Curitiba, Paraná. Na abertura do diário manuscrito se lê:
Raia o ano de 1944, uma tensão de morte e assombro paira sobre o Brasil.
É que os quartéis se movimentam e preparam os homens para a guerra.
Devo em muito breve seguir com o Escalão à Europa, a fim de ombrear
com as forças aliadas, nos campos de batalha.
852
No dia 29 de abril de 1944, ela registrou: “Dia da prova de seleção, estamos
todas apreensivas, apesar de conhecermos bem a matéria. Felizmente, todas
passamos e nos sentimos alegres, por vermos todas sem exceção graduadas”
853
As paranaenses partiram de trem para o Rio de Janeiro, para os últimos
treinamentos. A despedida das famílias foi algo muito emocionante e marcou muito a
vida dessas jovens. Dia 26 de abril, os amigos de Guilhermina já estavam na
estação férrea, para as despedidas: “Todos os meus já estão na estação. Nós
chegamos depois. A Estação se acha quase repleta, até meus alunos estão com
seus aventaizinhos brancos. Quando os vejo, meu coração se oprime e faço um
grande esforço para conter as lágrimas”
854
Pelos registros que se obtiveram sobre as
enfermeiras da FEB, muitas eram professoras em suas cidades antes de
852
GOMES, Guilhermina. Diário manuscrito. Curitiba,1943.
853
Ibid., p.13.
854
Id.
467
embarcarem para a guerra.
A viagem marcante ficou registrada no diário, bem como as apreensões de
todas aquelas jovens, como refletiu Guilhermina:
Talvez não visse mais os pinheirais do Paraná. Isso pertencia ao futuro e
Deus é que podia saber, minha mãe tão velha poderia me esperar? Não
viria uma doença ingrata arrebatá-la antes da minha chegada? Oh! Meu
Deus, que desespero. Que triste partida!.
855
O grupo das paranaenses, chegando ao Rio de Janeiro, foi alojado em um
colégio de freiras da congregação o Vicente de Paula. No Rio de Janeiro, as
jovens foram recebidas com grosserias por parte dos militares. Ao menor pedido de
transferência dos eventos programados para o mesmo dia, para que fossem
realizados em outro momento, alegando estarem cansadas da viagem, tiveram como
resposta: “Agora, as senhoras são militares e as filhinhas da mamãe deveriam ter
ficado em casa e não desejarem seguir para a guerra”.
856
Tal recepção deixou as
enfermeiras desencantadas com o universo masculino que iriam enfrentar daquele
dia em diante. E coube uma observação no diário de Guilhermina: “Esta foi a
recepção que a capital do nosso país fazia às enfermeiras que tudo deixaram para
atender ao chamado da Pátria”.
857
Esse momento marcou o início da carreira militar
das jovens enfermeiras brasileiras, como afirmou Guilhermina:
Este é o início do nosso calvário no Exército. Infelizmente, nossos militares
não estão preparados para lidar com moças de educação. Poucos são os
que dispensam delicadezas às enfermeiras. Servem para lidar com animais
e maltratar subalternos. A boa impressão que tínhamos dos militares do
Paraná não foi suficiente para apagar a mágoa.
858
E pensar que este mesmo oficial, major Paulino, com tanta insensibilidade,
comandaria a comissão que traria de volta para o Brasil a última leva de feridos em
Lagarde, em maio de 1945.
Após os cursos obrigatórios, consideradas aptas para a convocação do
serviço ativo, foram de imediato nomeadas “Enfermeiras da Reserva” e, em seguida,
convocadas para o serviço ativo como “Enfermeiras de classe”, com
855
GOMES, op. cit., p. 14.
856
Id.
857
Id.
858
Id.
468
possibilidades de promoções. O embarque de todas as enfermeiras deu-se por
avião, com escalonamentos diferentes, passando por Natal, Dakar, Casablanca,
Oran, Argel e Tunísia. Chegando a Nápoles, foram classificadas para os diversos
hospitais americanos então existentes em Pisa, Porreta Terme, Livorno, Pistóia e
Nápoles.
Esses hospitais ficavam na retaguarda e, em função dos deslocamentos da
linha de combate, os feridos eram atendidos nos postos de triagem, para posterior
encaminhamento aos hospitais.
Ao chegarem à Itália, experimentaram essas jovens muitas mudanças em
suas vidas. Era um mundo cheio de contrastes, do novo e do velho. Muitas se
ausentavam do convívio familiar pela primeira vez.
O vestuário impressionava as moças: o uniforme completo de gabardine
verde oliva - composto por saia, calças compridas e túnica e o uniforme completo
de lã para o inverno - jaqueta de lã, camisa verde oliva, sapatos e botas. Os
hospitais americanos eram completos, havia tudo de que uma jovem podia
necessitar. As novidades eram muitas, como diz Olímpia Camerino, em suas
lembranças: “No PX (Post Exchange), vários artigos eram vendidos por preços
razoáveis: lenços de papel - que eram novidade -, absorventes, perfumes,
chocolates, cigarros, refrigerantes, jaquetas de couro... quase tudo com tickets
racionados”.
859
Os hospitais americanos e a própria guerra - funcionavam verdadeiramente
como uma empresa, em sintonia, como um departamento onde tudo tinha de
funcionar perfeitamente. As enfermeiras cumpriam 8 horas de trabalho, com os
horários escalonados (também os dedicados às folgas), que eram publicados em
boletins e colocados em lugar público para que todos tomassem ciência deles.
Segundo Olímpia, havia muito conforto:
Nosso acampamento ficava do outro lado da estrada, de frente para o
hospital e sob um bosque de eucaliptos. O trajeto que tínhamos de cumprir
para ir à barraca era todo cercado, demarcado com as placas “off limits”. Na
entrada do acampamento, havia uma pequena sala, construída de madeira,
denominada Tenda Alegre, onde podíamos receber visitas.
860
859
CAMARINO, Olímpia. Manuscritos. Livorno, 10 de novembro de 1944.
860
Ibid., p. 23.
469
Para quem tinha de trabalhar em ambiente o tenso onde afloravam
situações de todo o tipo, o envolvimento entre as pessoas era algo natural. O
ambiente de pronto-socorro e hospital de guerra expunha os trabalhadores, médicos
e assistentes a estado profundo de estresse, na correria de dar alento a uma dor e
tentar salvar vidas. Por esse motivo, as folgas eram levadas a sério pela
administração hospitalar e as pessoas tinham de deixar seus afazeres,utilizando o
momento indicado para descansar ou mesmo para sair do hospital.
FIGURA 19 – AS ENFERMEIRAS BRASILEIRAS
FONTE: Acervo da autora.
Virgínia Leite, de Curitiba, recorda-se da ocasião em que passou por uma
situação de estresse dentro do hospital, logo no início, ao ter de participar
ativamente, sem descanso ou lazer, do cotidiano massacrante do hospital: “estava
ficando maluca” e, relembrando o tema, ressaltou: “o americano vai para guerra,
mas tem clube, cinema, teatro... eu não saía da região hospitalar. Como é que ia me
distrair, quando havia soldados feridos sentido dor?”
861
Um dia, o diretor do Hospital lhe chamou a atenção, dizendo que ela
precisava sair um pouco daquele cotidiano e que muitas enfermeiras na mesma
situação dela não suportaram a situação e haviam voltado para casa. E disse: “Você
está na mira!” “Eu? Por quê? O que é que eu fiz?”, perguntou ela. “Você não fez,
861
LEITE, Virginia. Entrevista a Carmen Lúcia Rigoni. Curitiba, 12 de janeiro de 2002.
470
você deixa de fazer! Todos nós temos uma válvula de escape. Não é possível ficar
só na rotina, vendo o horror que é um hospital de guerra”, justificou o diretor. A partir
desse dia, ela passou a freqüentar o cinema, o clube e o teatro dos americanos.
862
Os aposentos das enfermeiras no 7
th
Station estavam no perímetro hospitalar,
constituídos por barracas. Mesmo para pernoite eram confortáveis, apesar do frio
que em novembro já estava iniciando, com prenúncios de inverno rigoroso. As
barracas eram para quatro pessoas, com camas sobrepostas. As paredes eram de
lona grossa, impermeável, com material isolante, luz elétrica, estufa, chaminé e piso
de madeira.
O material de trabalho era farto: termômetros, estetoscópios, aparelhos para
medir a pressão, material sempre esterilizado e as famosas injeções de penicilina.
Os medicamentos ficavam na sala dos médicos e todo o remédio prescrito era
orientado pela enfermeira-chefe americana.
O funcionamento do 7
th
Station Hospital uma idéia de como funcionavam
os demais hospitais. São importantes as observações do sargento Lúcio Muniz
Barreto, do Grupo Hospitalar. Das suas anotações, quando foi designado para
servir no Laboratório de Pesquisas Clínicas, acumulando a função de almoxarife, é
possível avaliar como funcionavam a rede administrativa e as relações entre
médicos, enfermeiros e pacientes.
Por dominar o idioma inglês, foi transferido depois para a seção da farmácia.
Segundo Diniz, na questão do receituário, a confusão era grande, pois os médicos
brasileiros se embaraçavam com o sistema de pesos e medidas dos americanos.
Houve necessidade de adaptação. Quanto aos medicamentos, diferiam um pouco
dos brasileiros: havia medicamentos injetáveis, comprimidos, cápsulas, mas as
drogas eram as mesmas. estavam os xaropes, as poções, as pomadas. “Os
nomes das drogas são, como se sabe, muito semelhantes em inglês e português.”
863
Entre os dias 13 e 16 de dezembro de 1944, no 7
th
Station, Muniz registrou
em seu diário que a capacidade hospitalar para atendimento aos feridos tinha
chegado quase ao limite. Tal situação coincidia com os ataques desferidos ao Monte
Castelo nas jornadas de 2 e 12 de dezembro. Foi necessário usar-se do expediente
de barracas do lado externo. Ainda no seu depoimento:
862
LEITE, Virginia. Entrevista a Carmen Lúcia Rigoni. Curitiba, 12 de janeiro de 2002.
863
BARRETO, Lúcio Muniz. Depois da Guerra: Memórias de um Expedicionário. Rio de Janeiro:
Edição do autor, 1946.
471
Nosso hospital já está com cerca de 800 baixados entre doentes e feridos.
feridos de todo o tipo: sem perna, sem braço, sem olho, portadores de
fraturas múltiplas e variadíssimas, aleijados de toda espécie, temporária ou
definitivamente. Faz pena ver os doentes do sistema nervoso, são as
neuroses de guerra.
864
Era nos Postos de Socorro dos Batalhões que o pessoal do Serviço de Saúde
tinha de atender às emergências de vida ou morte. Socorrer um ferido era uma
tarefa descomunal, arriscando a própria vida em situações de grande tensão. Era
preciso agir em condições de grande perigo, nas proximidades do campo inimigo.
Eram os médicos, padioleiros, enfermeiros e os motoristas de viaturas a correr
contra o tempo, com os recursos mínimos que possuíam para a ocasião.
Os postos de Socorro dos Batalhões eram móveis, caminhavam com os
soldados em seus deslocamentos. Durante as tentativas da tomada de Monte
Castelo, estiveram localizados próximos à localidade de Silla. A Casa Marconi era
um posto bem avançado, em plena zona de guerra, com paredes espessas, de
pedra, rodeada por muitos fox holes. Em Bombiana, a uns 500 metros da Casa
Marconi, havia outro posto de atendimento e, no último combate a Monte Castello,
funcionou o Posto de Socorro em Gaggio Montano. Na continuidade da campanha,
durante a tomada do Soprassasso e Castelnuovo, o atendimento aos feridos era
feito em Riola.
864
BARRETO, Lúcio Muniz. Depois da Guerra: Memórias de um Expedicionário. Rio de Janeiro:
Edição do autor, 1946, pp. 58-59.
472
FIGURA 20 – POSTO MÉDICO EM RIOLA
FONTE: Acervo da autora.
Em função da topografia escarpada do terreno italiano, era difícil o trabalho
dos enfermeiros e padioleiros na missão de resgatar os feridos sob as intempéries,
como chuva, lama, neve ou frio excessivo, sob o qual o paciente poderia entrar a
qualquer momento em estado de choque.
O capitão médico Dr. Gilberto Peixoto, da 1ª Cia do Serviço de Saúde, em seu
relato, descreve as dificuldades de um grupamento de primeiros socorros que estava
na região de Serrasiccia, a 1.380 metros de altura. Esse era um local onde os
soldados brasileiros tinham de manter a posição dos aliados nos preparativos para a
tomada do Monte Castelo. O local era conhecido também como “Quarteirão de
Oeste”. O desafio concreto para os enfermeiros e padioleiros era transportar os
feridos por lugares quase inacessíveis, com a ausência de trilhas que pudessem
facilitar o trabalho dos socorristas.
A descida por cordas teve de ser usada algumas vezes. A tarefa era
facilitada por um cabo aéreo que os americanos tinham instalado e que
fazia o transporte de um pouco além do meio da montanha para baixo. Na
metade superior, os feridos eram carregados nas padiolas, a braços ou nas
costas de muares.
865
865
PEIXOTO, Gilberto Peixoto. O Serviço de Saúde da FEB no ‘Quarteirão Oeste’. Revista O
Febiano,. n. 39, Rio de Janeiro, novembro e dezembro de 1970.
473
A presença de tropas de elite alemãs dificultava o trabalho de seis equipes
socorristas que se revezavam: “quando uma delas chegava à base do Serrasiccia,
trazendo um ferido, vinha com as mãos em sangue e incapaz de tornar a subir. E
assim se revezavam os heróicos soldados da e Companhias de Evacuação do
Batalhão de Saúde. O tempo de descida em alguns casos era de oito horas”.
866
Na
crista do morro, permaneciam três enfermeiros que prestavam o primeiro
atendimento.
Os soldados que combatiam nesse local pertenciam ao R. I. e ao 11º R.I..
Eram comandados pelo major Julio Maximiliano Olivier Filho, cujo nome batizou na
história essas colunas de homens que atuavam como fuzileiros. No dia 5 de abril de
1945, havia notícias de fortes tiroteios na região e de muitos feridos. Para resgatar
os oito feridos que estavam no alto, foi necessário fabricar-se uma cortina de
fumaça para disfarçar os padioleiros que se sentiam impedidos de realizar os
resgates, porque também haviam se tornado alvo dos atiradores. Mesmo sob a mira
dos projéteis, os enfermeiros aplicaram plasma aos que tinham perdido muito
sangue. Nesse mesmo dia, com equipes diferentes de busca e traslado, os feridos
chegaram a salvo em Poggioforato, por volta das 24 horas.
São raras as narrativas dos enfermeiros e padioleiros sobre o trabalho que
realizavam com os feridos. Julio do Vale constitui um desses. Ele era do 1º Batalhão
de Saúde e sua experiência ocorreu durante a conquista da cidade de Barga,
quando o R.I. enfrentava violentamente os alemães e os padioleiros eram
obrigados a carregar os feridos, atravessando uma ponte sob a mira de muito
armamento. Tem-se na sua explicação a iia de como ocorriam os primeiros
socorros: “Eu sabia aplicar o plasma, que, misturado à água destilada, chacoalhava-
se e podia ser ministrado nos feridos em estado muito grave”.
867
Disse tamm que as equipes de socorro, geralmente, eram formadas por
quatro homens e que, nos momentos em que o combate ficava menos acirrado, os
socorristas saíam a campo em busca dos feridos, o mesmo acontecendo com os
alemães. Um encontro inusitado aconteceu:
[...] quando voltamos lá, a poucos metros, passaram quatro alemães
carregando um ferido. Eles para e nós para cá. Nenhum ligava para o
866
PEIXOTO, Gilberto Peixoto. O Serviço de Saúde da FEB no ‘Quarteirão Oeste’. Revista O
Febiano,. n. 39, Rio de Janeiro, novembro e dezembro de 1970, p. 39.
867
VALE, Julio do. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 2 de maio de 2000.
474
outro, porque o nosso interesse era igual, carregar o ferido. Os alemães
com uma cruz vermelha grande no peito e nas costas para não serem
confundidos com os combatentes, o nosso era um braçal e o capacete
com a cruz vermelha.
868
O diário do infante médico Massaki Udihara, do R. I., no dia 27 de
novembro de 1944, registrou que um soldado ferido necessitava ser evacuado.
“Serviço árduo, arriscado e penoso. Humildes componentes da arma de guerra aos
quais nunca se dará o valor devido”.
869
O que o tenente Udihara salientava nos seus
escritos eram as dificuldades quase indescritíveis por que esses homens passavam.
Na posição em que se encontrava o batalhão de Udihara, no mês de novembro, em
pleno outono e com muita chuva, os homens saíam pelos caminhos escuros e
barrentos, cuja lama chegava até o tornozelo, terreno liso e escorregadio,
carregando a padiola, desarmados. Um trabalho desgastante sob todos os aspectos,
com cuidado, escorregando, tropeçando, parando em alguns momentos. “Devagar,
lentamente, a passo de procissão, venceram todo o trajeto e chegaram. Noutro dia,
partiram para buscar outro. Admiráveis, espontâneos e dedicados. Nunca se dirá o
suficiente deles”.
870
Os feridos, depois do primeiro atendimento, eram encaminhados para
hospitais diferentes, dependendo da gravidade de cada caso. O Dr. Alípio Corrêa
atuou no 32º Hospital, onde o atendimento prestado pela equipe brasileira teve início
no dia 22 de novembro de 1944. Ali chegavam os feridos mais graves, geralmente
atingidos por estilhaços de granada no tórax e no abdômen, ou os portadores de
lesões arteriais dos membros, com grandes hemorragias - a mortalidade, nestes
casos, chegava a 50%.
Os relatos do Dr. Alípio esclarecem sobre as cirurgias praticadas por ele e
sua equipe:
Vivemos em ambiente de guerra, os dias misturam-se com as noites, os
dias da semana parecem iguais à nossa diária atividade. temos noção
da data porque o calendário nos indica. Não raro, ao sairmos da longa
permanência na sala de operações e atinarmos que, por exemplo, são sete
horas, perguntamos se não é manhã ou à tarde.
871
868
VALE, Julio do. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 2 de maio de 2000.
869
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 188.
870
Id.
871
CORREA NETTO, op. cit., p.47.
475
Segundo o padioleiro Julio do Vale, a maior incidência de ferimentos era nas
pernas, devido aos campos minados:
[...] os estilhaços de granada ninguém vê. O estilhaço se separa em
pedaços, é tão violento que, se pega alguém, corta, porque vem assim
rodando e a volta e fere terrivelmente. estilhaços grandes e
pequenos. Quando pequeno, vem com mais violência que uma bala de
revólver.
872
O capitão Túlio Campello, do R.I., tinha passado quase incólume durante
toda a guerra, até pisar em uma mina, no dia 4 de março de 1945, durante a
progressão do seu grupo na tomada de Soprassasso e Catelnuovo. Do momento em
que perdeu a perna, ele lembra com sacrifício os momentos que se seguiram:
Quando fui ferido, veio logo um enfermeiro que me aplicou uma injeção de
morfina para que eu agüentasse a dor. A amputação de um terço da minha
perna esquerda foi uma perda irreparável; mas, dentro das possibilidades,
fui bem atendido. Pelos padioleiros, fui levado para a retaguarda e Hospital
32, fui operado à noite.
873
Nesse período, iniciava a peregrinação de Campello pelos hospitais
americanos. Primeiro, foi levado ao 10º Hospital de Evacuação; depois, para o 7
th
Station de Livorno e para o Hospital 45, em Nápoles. Por fim, seguiu para os
Estados Unidos, a Long Island, Utah, onde eram tratados os casos de amputação de
pernas, braços e ferimentos cranianos.
O cotidiano dos médicos do Hospital 32, de acordo com o Dr. Alípio, era
revestido do horripilante estado em que chegavam os feridos.
Só temos serviço de guerra, isto é, feridos, amputações traumáticas, ventres
dilacerados, tórax abertos, crânios amolecidos pelo efeito da metralha,
gemidos, queixas, gritos de dor, sangue a correr, olhos vidrados para a
morte, faces encovadas devido ao estado de choque.
874
A cada investida dos brasileiros sobre o Monte Castelo, O Hospital era
alertado: seria mais um dia de push”, seja na frente de Porreta, de Sila, de
Bombiana, de Abetaia, ou em outras como Montese, Soprassasso, Catelnuovo,
Collecchio e Fornovo di Taro.
872
VALE, op. cit..
873
SOUZA, Tulio Campelo de. Entrevista. História Oral do Exército. Rio de Janeiro, 6 de março de
2001.
874
CORREA NETTO, op. cit., p. 47.
476
FIGURA 21 – PADIOLEIROS
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 257)
Referindo-se aos combates do mês de dezembro, Dr. Alípio anotou: “A zona
de luta continua nos dias seguintes a nos enviar mais homens portadores de lesões
graves e intransportáveis. O nosso trabalho vai sendo continuado dia e noite, sem
distinção, a cortar, a remendar, em esforço permanente de praças, sargentos,
enfermeiros, médicos, sem direito de descansar, apenas usando os intervalos para
nos alimentarmos às pressas, comida fria e fora de hora.”
875
Nos postos dos batalhões, médicos e enfermeiros corriam contra o tempo.
Mesmo os padioleiros podiam aplicar o plasma, todos tinham treinamento para essa
emergência. Para evitar que o ferido entrasse em estado de choque, seu corpo era
agasalhado, as feridas lavadas e desinfetadas e era aplicada uma injeção
antitetânica. Em alguns casos, havia possibilidade de se aplicar sulfanilamida e
morfina para tirar a dor. A assepsia era necessária, para que não ocorressem
infecções como peritonite, septicemia e gangrena. Os feridos tinham de chegar aos
hospitais com esse mínimo de cuidado.
876
Naturalmente, os combates provocavam um aumento de pacientes com os
mais diversos ferimentos nas alas dos hospitais. Os baixados se multiplicavam. No
875
CORREA NETTO, op. cit., p. 47.
876
DIAZ, op. cit..
477
dia 29 de dezembro de 1944, no 7
th
Station Hospital de Livorno, segundo os
registros de Olímpia Camerino, chegavam os feridos em combate, provenientes de
várias frentes. Eram doentes, acidentados, mutilados e perturbados mentais.
No dia 12 de março de 1945, Olímpia registrou, em seus escritos, que 70%
dos baixados haviam se recuperado e que grande parte dos pacientes havia sido
levada para hospitais na retaguarda.
A enfermeira Virginia Leite, lotada no 7
th
Station Hospital, foi companheira de
barraca de Olimpia Camerino. Do atendimento aos pacientes brasileiros que
estavam baixados, recorda que, em um dos seus trabalhos nos primeiros dias, ouviu
a voz de um paciente: “Enfermeira, você não pode imaginar o que é ter uma voz
feminina do lado, falando a mesma língua que nós. As outras enfermeiras
(americanas) nos atendiam bem, mas não nos entendiam”.
877
Em relação aos casos mais desesperadores de pacientes que chegavam
gravemente feridos, as surpresas eram muitas, como relata Virginia: “ferido dos pés
à cabeça, a gente dizia: ‘Ah! esse não anoitece’, acontece que anoitecia e
amanhecia e ele se recuperava.” Segundo Virginia, eram os medicamentos
modernos que salvavam os pacientes, principalmente a sulfa e a penicilina.
878
Olímpia Camerino recordava também a história de um mutilado brasileiro, que
havia amputado uma das pernas. Quando ela passava ao lado do seu leito, ele a
chamou. Estava apreensivo por ter de contar à noiva que havia cortado uma perna e
não se conteve em lágrimas: “Olhando para mim, murmurou: ‘Não é por causa da
perna... é porque minha noiva o vai querer casar comigo’. Confortei-o dizendo:
sua noiva não vai lhe abandonar, ela vai ter orgulho de você, você é um bravo”.
879
Do 7
th
Station Hospital, os doentes tomavam três destinos: Em primeiro lugar,
se estivessem totalmente curados, eram enviados para as suas unidades, por meio
do Depósito de Pessoal; se estavam curados, mas necessitavam de uma
convalescença, seguiam para o Hospital de Convalescentes, em Motecatini; e se,
finalmente, precisavam de tratamento demorado, que envolvesse uma cirurgia
plástica, a colocação de aparelhos ortopédicos, ou eram considerados incapazes
para o serviço ativo, eram enviados para o General Hospital, em Nápoles. Em casos
877
CENTRO SUL. E Virginia foi à guerra. 7 a 13 de setembro de 2005.
878
CENTRO SUL. E Virginia foi à guerra. 7 a 13 de setembro de 2005.
879
CAMARINO, Ompia. Relembrando o passado. In: REVISTA MILITAR BRASILEIRA, op. cit., p.
131.
478
mais delicados, após uma avaliação, os feridos eram enviados para os Estados
Unidos.
Sobre os feridos brasileiros enviados para tratamento no Exterior, são poucos
os documentos a que se tem acesso. Na época, os pacientes e trabalhadores não
deram depoimentos, ou, quando o fizeram, haviam passado muitos anos.
Também da parte dos participantes do Serviço de Saúde, são raros os testemunhos,
não houve interesse de tratar sobre o assunto. Não é possível esquecer que muitos
continuaram no Exército e não queriam envolver pessoas, ou criar situações
melindrosas, pelas quais tivessem de responder depois diante de uma sindicância.
Todos queriam preservar seus empregos. Cabe lembrar também que, no retorno dos
combatentes da FEB, alguns setores do Exército mostraram-se hostis à presença
dos febianos. Alguns quartéis chegaram a proibir o uso das medalhas, situação
desconcertante para os que tiveram de entrar para a reserva. Não bastava a esses
homens terem vivido uma guerra lá fora. Aqui, viveram outra.
Na verdade, alguns “boletins reservados” fizeram parte da documentação
oficial da correspondência trocada entre o Ministério da Guerra e a Comissão que
tinha sido instituída dentro do próprio exército com o objetivo de verificar como
estavam sendo atendidos no exterior os soldados brasileiros feridos.
Tal assunto fora tratado pelo general Estevão Leitão de Carvalho, no relatório
que cobria a época de 7 de dezembro de 1944 a 16 de março de 1945, enviado ao
Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. Nele, eram apontados os problemas e as
humilhações a que foram submetidos os feridos brasileiros nos hospitais norte-
americanos, com grandes falhas do Serviço de Saúde do Exército Brasileiro.
A equipe encarregada de providenciar o retorno da primeira leva de
brasileiros sentiu dificuldade em providenciar roupas brancas, pijamas e uniformes
brasileiros. Desse modo, diante da vontade das autoridades brasileiras, foram
solicitados cerca de 500 uniformes americanos, pois as baixas temperaturas
incidiam no tratamento dos pacientes. Eram necessárias roupas quentes.
880
Quase
um ano depois, muitos feridos, ao desembarcarem no Brasil, usavam o uniforme
americano com suas insígnias.
880
CARVALHO, Estevão Leitão. A Serviço do Brasil na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro:
Biblioteca do Exército, 1952, p. 374.
479
Nos Estados Unidos, os feridos mais graves, após transporte em navio
hospital, eram encaminhados para Nova Orleans, ao Hospital La Garde, do Exército
Americano.
Tudo aquilo era um formigueiro humano, onde os nimos detalhes eram
previstos, no sentido de ministrar o maior bem-estar aos enfermos e ao
pessoal de serviço. Quinze mil internados era a média de elementos com
que se ocupava aquele estabelecimento.
881
A maioria dos ferimentos revelava os efeitos das batalhas, sendo mais
comuns os ferimentos nas pernas, nos braços e pelo corpo, causados por projéteis
de armas de fogo, estilhaços de granada e minas. As primeiras fotografias dos
brasileiros feridos em tratamento nos Estados Unidos foram publicadas pela Revista
Em Guarda, cedidas pelo Exército Americano.
882
O Hospital La Garde era um misto de nosocômio e campo de concentração
para os prisioneiros de guerra. Os brasileiros, alguns, se encontravam em
tratamento longo tempo. Era necessário que esses soldados retornassem ao
Brasil. No mês de maio de 1945, uma missão brasileira seguiu para os Estados
Unidos com esse objetivo.
Segundo Jarbas Albricker, um dos componentes da missão, havia no La
Garde cerca de 500 soldados brasileiros. “Lá estavam os heróis abatidos pelos
ferimentos ou pelas enfermidades. Com toda exceção do pessoal de serviço, era
uma população que desvestira a farda e ensarilhara as armas, à procura da
recuperação da saúde física e mental”.
883
Os feridos que se encontravam eram, na verdade, casos desesperadores.
Cerca de 80, conforme o relatório de traslado. “Uns estavam atacados pela
tuberculose; outros, loucos; e, alguns, com fortes lesões. Ao primeiro contato com
aquela gente, senti um impacto, todo o horror que a guerra representava”.
884
Albrinker fazia referência aos amputados, sem mãos, sem braços, sem pernas, aos
queimados, aos cegos e aos loucos. No seu testemunho, ele cita o caso do soldado
Hino Sadayuki, que perdera as duas pernas em condições bem dramáticas, pois
estava perdido, longe das posições brasileiras e não pôde ser resgatado pelos
881
ALBRICKER, Jarbas. Memórias de um pracinha. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1983, p. 31.
882
REVISTA EM GUARDA, n. 4, 12 de abril de 1945.
883
REVISTA EM GUARDA, n. 4, 12 de abril de 1945.
884
Ibid., p. 41.
480
companheiros pelo intenso bombardeio local. Segundo o próprio ferido, teria ficado
atolado na neve durante 8 dias, sem alimento, derretendo neve na boca para não
morrer de sede.
O embarque dos brasileiros, em Charleston, em trem especial, constituiu-se
em novos sofrimentos para retorno ao Brasil. O restante da viagem seria feito por
navio-hospital. Muitos desses soldados, chegando ao Brasil, desembarcaram no Rio
de Janeiro, com o objetivo de continuar o tratamento. No dia 24 de março de 1945,
enquanto os soldados aportavam nos hospitais brasileiros - em Recife, em Salvador
e no Rio de Janeiro -, no Hospital Geral do Exército ocorria uma importante
cerimônia vica, dedicada aos feridos de guerra. Estiveram presentes o presidente
Getúlio Vargas e o Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra e várias instituições,
entre elas a LBA e a Cruz Vermelha, além de grande massa popular.
Nesse dia, com o objetivo de condecorar os heróis, o presidente fez um
discurso emocionado:
Soldados do Brasil, cumprindo o que prometera na visita feita a esse
mesmo hospital, quando aqui chegou a primeira leva de feridos, venho hoje
em ato público e solene conceder condecorações do mérito por serviço de
campanha aos soldados do Brasil, que seguiram a combater nos campos de
Batalha da Europa.
885
O boletim da LBA transcreveu parte do discurso do presidente Getúlio Vargas
e ressaltou o desfile dos feridos diante do palanque oficial sob o aplauso dos
presentes, onde cada qual recebeu a condecoração a que fez jus no campo de
batalha. No mesmo periódico, uma nota informava sobre a legislação recente que
dizia respeito à Pensão Condicional’, que iria regular a situação dos prisioneiros,
desaparecidos ou extraviados, e da concessão de uma pensão condicional aos seus
herdeiros, ao tempo em que o longo documento citado pela LBA discutia sobre
quem eram os “considerados herdeiros”.
886
Preocupava-se também a LBA em fazer um balanço das suas atividades
sociais, durante o período: “No Rio de Janeiro, cerca de 30 mil pessoas estão sendo
assistidas”; o trabalho benemérito realizado com 4.459 pessoas de famílias de
convocados em Pernambuco, no ano de 1944; a construção de uma creche em Belo
885
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 31 de março de 1945.
886
Id.
481
Horizonte; a inauguração do Hospital Regional de Angicos, no Rio Grande do Norte;
outras medidas incrementadas em prol das classes menos favorecidas.
887
O boletim de 15 de maio de 1945 estampava a manchete: “Honra ao rito e
à bravura”, dizendo respeito ao decreto recém-assinado pelo Ministro da Guerra, por
meio do qual eram concedidas Medalhas a oficiais e praças que se distinguiram na
conquista de Monte Castelo e Montese. A Medalha Cruz de Guerra premiava os
oficiais do alto Comando da FEB, cuja lista iniciava com os nomes dos generais
Euclides Zenóbio da Costa, Oswaldo Cordeiro de Farias, Olimpio Falconiere da
Cunha e com os coronéis Floriano Lima Brayner, Geraldo de Camino, José Machado
Lopes, José Sagadas Viana, Aguinaldo Caiado de Castro e Delmiro Pereira de
Andrade. Já a Cruz de Combate de Primeira Classe era repassada aos militares que
haviam se distinguido nos combates acima, dentre eles dois feridos: o major João
Tarciso Bueno e Ernani Ayrosa. A Medalha Cruz de Combate de Classe era uma
distinção entregue aos tenentes, sargentos e soldados citados por atos de bravuras
nos principais combates.
888
Os soldados feridos que se encontravam na Itália e ainda tinham condições
de ser removidos para o Brasil foram transportados em diversas levas. Os jornais do
Rio de Janeiro davam ampla cobertura à sua chegada. Foi criada uma comissão
especial de Readaptação dos Incapazes, uma iniciativa da Liga de Defesa Nacional.
Conforme informação do jornal A Noite, seus integrantes estiveram no Hospital
Central do Exército em visita aos feridos. Procurava-se por uma casa localizada no
centro da cidade, que pudesse atender aos combatentes na sua recuperação e se
cogitava a construção de um hospital com esses objetivos.
889
O jornal Tribuna Popular anunciava: “Centenas de heróis da FEB chegarão
amanhã pelo ‘Rodrigues Alves’. O povo carioca saberá receber com demonstrações
de orgulho e carinho a sua vanguarda combatente”. Eram soldados que haviam
passado por Recife, feridos em vários combates, e que lá haviam chegado em
aviões-ambulâncias.
A comissão de boas vindas que estaria esperando no cais do porto era
composta por vários sindicatos operários, organizações cívicas, associações
887
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 31 de março de 1945, p.2.
888
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1945.
889
A NOITE. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
482
desportivas, corporações de fábricas, oficiais e estaleiros, faculdades e colégios que
vinham se mobilizando.
Com toda essa movimentação, é um paradoxo que, alguns meses depois,
esses homens fossem totalmente esquecidos, em situações de grande dificuldade
para si próprios e seus familiares.
O jornal A Manhã estampava o comentário do dia, em relação ao discurso do
Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, pronunciado dias antes, quando este
mostrara preocupação com os mutilados de guerra. O jornal lembrava que o próprio
ministro, um ano antes, justamente às vésperas da saída dos combatentes para a
Itália, previa uma série de estudos, de medidas que viessem a amparar os mutilados
e seus familiares. Dizia o ministro na época “O Brasil não esquece aqueles que
souberam honrá-lo no instante supremo em que a Pátria deles reclamava todos os
sacrifícios”.
890
O jornal fez questão de lembrar as palavras ditas no passado.
O Correio da Noite lembrava os seus leitores sobre os mortos brasileiros que
haviam sido enterrados na cidade de Pistóia, na Itália, sugerindo que fossem
trasladados para o Brasil, enfatizando: “Há centenas de brasileiros. centenas de
lares enlutados no Brasil; lábios de noivas e de esposas que não se iluminarão de
sorrisos e de beijos quando os bravos desfilarem na cidade”.
891
O desejo de trazer os
corpos dos soldados para o território nacional foi defendido por muitos familiares. A
questão foi veementemente discutida por muito tempo pelas Associações de
Combatentes no Brasil, mas acabou se concretizando apenas em 1960, quando o
governo e o Exército construíram o Monumento do Flamengo, no Rio de Janeiro, e
os restos mortais foram assentados nesse local.
Todos os acontecimentos ocorridos nas jornadas dos hospitais de guerra
marcaram profundamente as vidas não somente dos feridos, mas dos dicos, dos
enfermeiros e de todos os envolvidos. São histórias de vida, demarcadas pelos
acontecimentos vivenciados e registrados com impacto na memória, pelos
momentos angustiantes de salvar vidas. Os rostos e os nomes jamais foram
esquecidos e ajudaram a compor a narrativa, como pequenos retalhos costurados
uns aos outros, histórias delicadas, antes não narradas. Assim também, os médicos,
farmacêuticos, padioleiros e enfermeiras da FEB; homens e mulheres, com suas
vivências, recriaram momentos delicados pelos quais passaram nos hospitais
890
JORNAL A MANHÃ. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
891
Id.
483
italianos. Ora são suas memórias, ora são as dos outros a relembrar momentos
especiais, dos quais eles foram ora protagonistas, ora coadjuvantes.
5.3 HISTÓRIAS REUNIDAS: O FIM DA GUERRA
La Guerra é finita.
Viva i liberatori!
exatamente 64 anos, no dia 8 de maio de 1945, o mundo vivenciava os
últimos dias de pesadelos proporcionados pela 2ª Guerra Mundial, que tiveram início
com a invasão da Polônia, em setembro de 1939; da Noruega, Bélgica, Holanda e
França, em 1940; seguidas por Iugoslávia e Grécia, em 1941. Do balanço geral
desses dias trágicos, contabilizaram-se milhares de vidas ceifadas, marcas
indeléveis que o registro da memória não apagou.
Na Itália, onde o Brasil combateu, os soldados brasileiros e os grupamentos
que ainda permaneciam nas pequenas localidades recém-libertadas escutavam a
população aos gritos: La guerra é finita”. Os sinos badalaram por jornadas inteiras,
cortando os campos e as grandes cidades. A alegria tomava conta também dos
acampamentos onde outros soldados estacionados esperavam impacientemente
com emoção o momento de retornar para a pátria e reencontrar suas famílias.
No Brasil, a notícia sensacional de que a guerra havia acabado tomou conta
do noticiário das emissoras de dio e das edições extras dos jornais. No Rio de
Janeiro, a cidade foi tomada de um entusiasmo incomum e o povo saiu às ruas
portando as bandeiras das Nações Unidas, dando vivas aos povos livres, entre as
mais ruidosas manifestações de contentamento.
484
FIGURA 22 – BOLONHA LIVRE
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 275)
Nos oito meses de luta (1944-1945), quando a guerra parecia dar sinais de
exaustão, os brasileiros desembarcam em Nápoles em seus diversos escalões. A
cidade destruída tinha sido palco de um combate ferrenho e os soldados, pela
primeira vez, visualizavam a situação caótica de uma guerra.
Por terra, pelo mar e ar, os brasileiros foram adentrando o território italiano.
Cerca de 25 mil soldados, testados em combates no vale do Rio Sercchio, eram
veteranos na opinião dos especialistas. Aliada ao Exército Americano, a FEB foi
se consagrando e ganhando a confiança dos aliados. As vitórias de Camaiore,
Monte Prano e Barga conduziram os brasileiros para a intrincada Linha Gótica, com
seus 250 quilômetros, situada entre o mar Cáspio e o Tirreno, fortemente armada
pelos alemães, com suas milhares de minas e atiradores de elite que, em seus
fortins, não queriam entregar Bolonha, o último baluarte. Esta era “a terra de
ninguém”, expressão máxima que designava momentos de maior tensão a qualquer
combatente, o front brasileiro durante a 2ª Guerra Mundial.
O soldado brasileiro foi colocado à prova em outros desafios, pelas
campanhas de Monte Castello, Montese e Fornovo de Taro. Para os combatentes
brasileiros, certamente esses nomes deveriam estar inscritos não apenas nos anais
485
da história, mas também nos compêndios escolares, como a designar o passado
recente da participação brasileira no conflito mundial, sendo motivo de reflexão para
uma nação que se permite vivenciar dias de liberdade.
Na proclamação da Vitória, o comandante da FEB, João Batista Mascarenhas
de Moraes, assim se expressou:
A FEB, que representou o Brasil nesta sanguinolenta guerra, cumpriu
galhardamente a missão que lhe foi confiada. Num terreno montanhoso a
cujos píncaros o homem chega com dificuldades; num inverno rigoroso que
a totalidade da tropa veio enfrentar pela primeira vez e contra um inimigo
audacioso, combativo e muito bem instruído, podemos dizer que os nossos
bravos soldados não desmereceram a confiança que neles depositavam os
seus chefes e a própria nação brasileira.
892
Para os italianos, o fim da guerra em seu território - após muitos anos de
opressão, primeiro pelo regime instalado do fascismo, depois pela ocupação do seu
território pelos nazistas -, e as lembranças das represálias contra as populações
civis em várias cidades italianas, provocando centenas e milhares de vítimas, falam
também de uma memória dividida, como diz a historiadora Patrizia Dogliani: eram as
formações partigianas, os soldados enquadrados nas formações regulares ao lado
dos aliados, os perseguidos, os deportados, os políticos, a comunidade hebraica que
sofreu a deportação.
893
Foram questões internas, acontecendo na mesma guerra,
quando da chegada dos brasileiros. A FEB e seus soldados fazendo seu próprio
combate não ficaram alheios aos acontecimentos que gravitavam ao seu redor: nas
narrativas das populações com que iam tendo contato, nos portões dos
acampamentos, nas ruelas das pequenas cidades, nas casas onde se abrigavam
nos campos junto das famílias italianas.
Para os italianos, a chegada dos americanos e dos brasileiros a suas
comunidades tinha um sabor de liberdade, de uma euforia incontida, com gritos
histéricos, em que as pessoas se abraçavam, chorando, disparando as armas para
cima. Seu brado se ouvia por vários recantos: Pace! É finita la Guerra!” Os sinos
badalavam freneticamente por onde passavam as tropas brasileiras, as notícias
corriam de boca em boca. Brasileiros estavam espalhados pela frente italiana de
892
MORAES, op. cit., 1947, p. 208.
893
DOGLIANI, Patrizia. Associazinismo resistenziale nel primo decennio della republica: politiche ed
insediamenti de uma memória, apud Memória e Ricerca, n. 10, Ponte Vecchio, Itália, 1997, p. 166.
486
Parma; outros, na retaguarda esperando ordens, informações que chegavam pelos
rádios das companhias, diziam: “Acabou! Vencemos!”.
No dia 7 de maio, Ruy Fonseca registrou em seu diário: “Estou, no momento,
ouvindo a BBC de Londres. Nos ouvidos, os fones tedescos que encontrei numa
casamata. Ouço a voz do locutor José Pedra, que anuncia a rendição total da
Alemanha. Tutto finito. Graças a Deus! É mais um passo na volta para casa, à
medida que vamos chegando perto de ir embora, mais aumentam as saudades”.
894
Ruy Fonseca encontrava-se em Alessandria com seu grupamento e pôde
vivenciar com a população local a alegria quase incontida daquele 8 de maio de
1945. A Rendição incondicional da Alemanha aos exércitos aliados repercutia por
toda a Europa. Os sinos das igrejas não paravam de repicar. Segundo Ruy, tudo era
alegria e a volta da paz. “Fui à missa e agradeci a Deus pelas graças recebidas
durante esses dias de sofrimento, de angústia e de incertezas que atravessei, em
constante perigo”.
895
Outros brasileiros, ainda com seus batalhões, permaneciam nos locais onde
os combates em torno de Colchio e Fornovo di Taro tinham ocorrido com uma
agressividade não esperada. Em seus apontamentos, o soldado Leonércio Soares,
sempre com um perfil mais crítico sobre a situação da FEB, diante de um comando
que ele julgava interessado apenas em seus problemas, relata os últimos momentos
ligados à tropa brasileira e à limpeza das margens do Rio Panaro, disseminadas por
minas terrestres. “Estava concluída a limpeza do vale do Panaro. Uma operação que
custou aos brasileiros oitenta e duas baixas: mais oitenta e dois jovens foram ali
sacrificados, culminando ainda com o aprisionamento de mais de noventa e seis
combatentes”.
896
Leonércio, no final de suas anotações de guerra, critica veementemente
muitas questões. Para esse soldado do 11º R.I., sempre os melhores recursos,
armamentos, transportes e uniformes foram destinados a outras tropas aliadas,
principalmente à 10ª de Montanha. “Célere como deslanchou, transpôs o Passo de
Brener e ingressou, vitoriosa e galhardamente, pela Áustria adentro. Um fecho
grandioso para ser permitido aos brasileiros A tropa dos necessitados, dos
894
FONSECA, op. cit., p. 199.
895
Id.
896
SOARES, op. cit., p. 326.
487
carentes de tudo!”.
897
Tal reflexão, no enunciado dito com mágoa, foi depois
corroborada por outros combatentes em seus depoimentos, que também se sentiram
defenestrados da história.
Na visão de Leonércio, nas cidades italianas situadas ao norte da Itália, assim
que os alemães se retiravam,
[...] brotavam, vindos das montanhas, os bandos turbulentos de
guerrilheiros, os chamado partigiani. Em muitos lugares, as tropas aliadas
passavam ao largo e, em outros, assistiam, indiferentes e
comprometedoramente, às degenerações de atos de vandalismo, saques e
desforras criminais, guerrilheiros contra a população civil, alvoroço.
Fuzilamentos, cenas aviltantes.
898
As referências de Leonércio colocariam em xeque os documentos levantados
pelo Instituto de História da Resistência em Parma, aos quais se fez menção
durante o relato da participação dos brasileiros no combates de Collecchio e
Fornovo di Taro. Assim como afirma a pesquisadora Patrizia Dogliani, a memória
dividida na Itália do pós-guerra. Como combatiam os guerrilheiros e como o faziam
os partigianos, é uma questão que poderia ser aprofundada, mas não constitui o
foco da atual pesquisa.
O tenente Massaki Udihara, com seus soldados nas proximidades de
Collechio, registra em seu diário, no dia 29 de abril de 1945: “Soube hoje cedo que
entraram em negociações. Estavam dispostos a se render. Até tudo se resolver,
passou-se o dia. Verdadeiro circo. Ambos os lados passeando juntos”. Na opinião do
tenente, a rendição dos alemães para os brasileiros veio em boa hora, pois se a
guerra continuasse mais um pouco, o sacrifício teria sido muito maior. Nesse mesmo
dia, iniciava-se a busca dos desaparecidos, estavam todos mortos, segundo o
testemunho de Udihara.
Quanto aos alemães que se rendiam, segundo Udihara, havia um ar de
felicidade entre eles: Para eles, tudo terminara.” Passavam sendo contados como
animais. Viaturas de todas as espécies. Os oficiais formavam um grupo à parte,
conservavam na derrota uma certa dignidade. Alguns demonstravam sofrimento. Os
italianos, não. Despreocupados no seu aspecto, pareciam ridículos. Soldados de
opereta. “A cidade estava cheia dessa gente armada de calças curtas, cabeleira
897
SOARES, op. cit., p. 327.
898
Ibid., p. 328.
488
longa, a andar em todos os sentidos, a dizer impropérios e a ameçar prisioneiros. É
o que sabem fazer. Espetáculo, palhaçada!”
899
. Esses talvez fossem os guerrilheiros
a que o soldado Leonércio Soares fizera referência em seu diário.
Nos preparativos que iam tomando conta das companhias e dos batalhões,
no sentido de aglutinar as tropas brasileiras para o retorno ao país, Massaki Udihara,
no dia 3 de maio de 1945, ouviu notícias promissoras:
Ouvi pela manhã no rádio. Ao que parece, havia sido anunciado na noite
anterior. Rendição incondicional de todas as tropas na Itália. Com isso, essa
guerra está terminando para nós. Pensei fosse sentir mais alegria e fosse
ver mais explosões de contentamento. Nada disso. Tomado tão
naturalmente, que não se notaria que o fato se tivesse dado. É a indiferença
que se sobrepôs a tudo, fazendo desaparecer a alegria.
900
Nas proximidades, deveriam estar o sargento José Alves e alguns soldados.
No rastreamento que vinham fazendo em busca de prisioneiros alemães,
encontraram inúmeras ambulâncias, caminhões, caminhonetes, furgões, automóveis
de vários tipos e tamanhos e uma infinidade de motos que as tropas alemãs, em
perseguição, haviam abandonado.
Em seus registros, ele anotou:
Por volta do meio-dia, subimos por uma estradinha de barro, íngreme e,
depois de algum tempo, avistei no alto uma cidade de médio porte, bem
desenvolvida para aqueles montes ermos. Ao nos aproximarmos mais,
ouvimos os sinos da catedral repicando festivamente e, ao penetrarmos na
cidade, uma grande multidão com enormes braçadas de flores nos dava as
boas vindas, aos brados de ‘Viva nostros liberatori’, ‘Viva Brasiliani liberatori
nostri’.
901
Lembrou-se José Alves, quando anotou em seu diário, dos fatos ocorridos no
povoado de Langhirano, como se tudo estivesse acontecendo naquele momento: o
copo de vinho saboroso e sorvido em vários goles, os queijos caseiros que
passavam pelas bandejas vinham, com outros petiscos, nas mãos das senhoras
italianas sempre muito gentis. “Fomos a primeira Força Aliada que ali chegou”.
902
Também a população tinha os seus queixumes:
899
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 332.
900
Ibid., p. 336.
901
SILVA, José Alves, op. cit., p. 166.
902
Ibid., p 167.
489
Nos contaram, um tanto envergonhados, que, na spera, ao saber que os
aliados andavam por perto, haviam destituído as autoridades e empossado
as novas por aclamação. Reservadamete soubemos que haviam justiçado
vários fascistas. Nada tínhamos com isso.
903
E, prosseguindo em suas anotações, Alves conjeturou consigo mesmo:
“Foram espontâneos em nos receber festivamente, porque nossa chegada
representou a liberdade ansiosamente esperada e o povo oprimido explodiu contra
seus algozes, sentindo-se de alma lavada quando justiçaram os culpados”.
904
Os soldados brasileiros, em muitos casos, foram testemunhas oculares dos
acontecimentos políticos que vinham ocorrendo, mas, como disse João Alves: não
devíamos nos imiscuir nos assuntos internos dos italianos”. “Na época, nosso
coração sensível condenou o fuzilamento dos ‘camisas neras’, achando que os
italianos eram bárbaros”.
O sargento Edgard Eckert não conseguia conter a sua alegria ao avistar a
população civil que ia encontrando pelas estradas. Os gritos de “Viva i Liberatori”
deixavam seu grupamento com grande entusiasmo. Muitos lhes beijavam as mãos.
“Muitas garotas, imitando essa expressão de regozijo espontâneo, também vinham
correndo, apertando-me a mão que eu estendera, sempre sob calorosos aplausos.
“Buona sera”, abanavam os lenços brancos”.
905
Na busca de encontrar um lugar para abrigo e pernoite para o seu pelotão,
Eckert conta que, chegando a Acerto, a uma casa de italianos, as pessoas, sob
tanto anos do jugo fascista e, depois, com a intervenção alemã, sentiam-se muito
atrapalhadas recebendo os brasileiros, agora novos visitantes.
Quando cheguei com o tenente Nogueira, à procura de cômodos,
saudavam-me, sempre com expressão de incerteza, afobação, mas ao
mesmo tempo sorrindo e gaguejando: Vi-vi-va il, il Duce”, ou então:
Kameraden”, levantando a mão direita, espalmada. Eu me aproximei, então
rindo, apertei-lhes a mão dizendo: Noi altri siamo tutti brasiliani! Buona
Sera!.
906
Os soldados brasileiros aproveitavam os últimos momentos em território
italiano para conhecer as cidades por onde a tropa ia passando, para o que a guerra
903
SILVA, José Alves, op. cit., p. 167.
904
Id.
905
ECKERT, op. cit., p. 264.
906
Ibid., p. 265. N.A.: Traduzindo as palavras de Eckert: Nós outros, somos todos brasileiros. Boa
noite!
490
não lhes dera oportunidade. Agora, eis que o momento se apresentava e todos
buscavam usufruir dos raros momentos de liberdade. O pelotão de Eckert ia
fotografando a região de Salsomaggiore: cenas onde estão pessoas desconhecidas,
animais, paisagens, desse modo buscando demarcar as lembranças, para que, um
dia, ao falhar a memória, as fotos fizessem relembrar os fatos.
O tenente Ítalo Diogo, ouvindo o rádio, no dia 7 de maio de 1945, soube que o
general comandante de todas as tropas alemãs havia decretado a rendição
incondicional de todas as tropas em operação. “Agora não é para nós que a
guerra terminou, porém para todos os que lutaram na Europa. Dizem que o
Exército, do qual fazíamos parte, vai para o Pacífico, continuar a luta contra os
japoneses”.
907
Os soldados também organizavam suas festas pelas comunas onde os
pelotões estacionavam. O grupo de Ítalo organizou um baile em Casei Gerola. Todos
contribuíram fazendo uma ‘caixinha’ para os gastos. Da vizinhança, vinham as belas
garotas. Festa alegre, com muita bebida, vermute, vinho branco, conhaque, vinho
tinto e licores. “Gastamos nesse baile, em bebida, 12 mil liras (2.400 cruzeiros).
Foi servido, durante a noite, um café com chocolate e distribuíram-se chocolates,
caramelos e cigarros”.
908
Segundo Ítalo, foi uma das melhores festas que aconteceram na cidade. “O
salão todo enfeitado. Nas paredes e no teto, viam-se bandeiras brasileiras e
italianas”. Ao baile organizado pelos brasileiros, compareceram ao todo 20
senhoritas. Ítalo dançou com quase todas. “Conheci uma morena de Voghia, devia
ter uns 17 anos, de nome Maria Luiz. Com ela, dancei grande parte da noite. Às
vezes, a revezava com Irides e Antonieta. Diverti-me muito nesse dia”.
909
Esse é também o período das “tochas” para os brasileiros. Sem muita
marcação por parte do comando, era possível fugir um pouco das responsabilidades
e da tensão a que foram submetidos os soldados e seus comandantes. Imitavam-se
um pouco os soldados americanos, era possível visitar outras cidades vizinhas
pegando carona, ou até “emprestando” uma viatura para esses passeios
inconseqüentes.
907
TAVARES, op. cit., 2005, p. 114.
908
Ibid., p. 115.
909
Ibid., p. 116.
491
O tenente Ruy Fonseca foi para Torino, que ficava a 100 quilômetros de
Alessandria. As fugas tinham sempre um sabor de aventura. Ruy aproveitou também
para visitar famílias amigas que havia conhecido nos deslocamentos. O passeio
prometia muito e Ruy, no comércio, comprou uma máquina fotográfica para registrar
os momentos que ele julgava serem importantes no seu regresso:
No trajeto, passamos por Asti, célebre por seu vinho Moscato D’Asti, que é
realmente bom, como pude verificar ao beber um bechiere numa tasca à
beira da estrada. De Torino, demos uma esticada e chegamos a Susa, na
fronteira com a França, mas não pudemos entrar, pois as fronteiras estavam
fechadas. Na volta, passamos por Salvatore para matar as saudades dos
Vescosi, da mamma Rita e de Mirella.
910
O soldado Leonércio Soares havia notado que em Alessandria, onde estavam
concentradas tropas brasileiras do 11º R. I., inclusive o seu pelotão, os prédios
antigos serviam ao comando brasileiro estacionado. As paredes, ainda inscritas,
continham letreiros de exaltação patriótica, extraídos do discurso de Mussolini.
Como os demais soldados, Leonércio lembrou das “tochas” de brasileiros.
Com um bornal cheio de cigarros e chocolates americanos, um punhado de
liras nos bolsos garantidas pelo governo americano –, o expedicionário
estava armado e equipado para ganhar as estradas, dando início a uma
tocha. Essa não tinha rigor, destino certo nem previsão de duração. Era pôr
o pé na estrada, tomando o rumo que lhe desse na telha.
911
Ainda de acordo com Leonérico, as melhores caronas eram as conduções
dirigidas por enfermeiras de todas as nacionalidades, freiras e padres. Geralmente
se ganhava também um mimo, podia ser uma botelha de vinho ou um pão caseiro,
que garantiriam o prosseguimento da tocha. Mas havia também as piores: os
veículos das polícias militares. Ao se pegar, por engano, uma dessas viaturas,
“ficava-se um tempão mudo, de cara fechada, sem assunto pra falar e descia-se na
primeira encruzilhada”. As tochas só terminavam quando acabavam os cigarros e os
chocolates.
912
Terminada a guerra, havia necessidade de se aglutinarem os soldados em um
determinado ponto do território italiano, para se organizarem os escalões de retorno
à Pátria. No avanço para Oeste, durante os últimos eventos bélicos, a FEB havia
910
FONSECA, op. cit., p. 199.
911
SOARES, op. cit., p.332.
912
Id.
492
ficado fracionada. O 1º R.I. estava estacionado em Picenza, o 6º R. I. ocupou
Tortona e o 11º R.I. permaneceu em um bairro afastado de Alessandria.
Em Alessandria, a presença do grande contingente brasileiro transformou-se:
eram as bandeiras brasileiras espalhadas pelas ruas ornamentadas. Aos domingos,
a população era brindada com concertos de música popular brasileira. Nessa
mesma cidade, foram recolhidas viaturas, armamento, equipamentos. Enfim, todo o
material que havia servido à guerra. Os uniformes de lá também foram entregues,
pois se adentrava ao verão italiano e os uniformes não tinham mais serventia. Para
todos os regimentos, iniciou-se a marcha para o sul. O trabalho de conduzir cerca de
25 mil homens não foi tarefa fácil. O destino era chegar a Nápoles: o mesmo porto
da chegada dos soldados, a eles daria as despedidas para o retorno ao Brasil.
Enquanto os soldados iam sendo deslocados de seus antigos
estacionamentos; no Brasil, a Imprensa passou a destacar com grande motivação os
preparativos que seriam organizados para a recepção dos expedicionários. O
boletim da LBA, do dia 15 de maio de 1945, estampava uma foto dos combatentes
desfilando, ao tempo em que conclamava o povo a participar das festas de
recepção, com o título de capa “O Brasil receberá, com justificado orgulho, os
soldados da FEB”. Dizia também do entusiasmo e da vibração cívica com o término
da guerra, com o regresso dos seus expedicionários e que o povo sentia-se
orgulhoso com o brilhante desempenho da FEB nos campos de batalha.
913
Mais uma
vez, ressaltou o papel da LBA no atendimento aos soldados brasileiros, dizendo que
havia feito tudo para que nada faltasse, nos momentos em que foi chamada a
colaborar. “Se falhas houve, também foram involuntárias e tudo isso deve ter sido
analisado e meditado pelos que sabem compreender os problemas complexos da
guerra”.
914
O mesmo boletim realçava a outorga de medalhas de honra ao mérito e
bravura, listando os nomes dos condecorados, iniciando pelos generais, seguidos
pelos coronéis, majores, capitães e tenentes, concluindo com um número quase
exíguo de sargentos e de soldados.
O tenente Massaki Udihara, no seu diário, no dia 19 de maio, registrou uma
observação pessoal sobre a questão das medalhas.
913
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1945.
914
Ibid., p. 1.
493
Contou-me um condecorado: Sabe quem recebeu a medalha de bravura?
Deu o nome de dois coronéis. Isto mostra bem a ironia e o paradoxo da
guerra. Quanto mais elevados, mais impossível serem bravos, não
possibilidade alguma para isso. Por força das funções, estão em
gabinetes e dão ordens escritas, às vezes verbais, no telefone. De como
conseguiram encontrar bravura, vai um mistério insolúvel.
915
O que se percebe eram os soldados da FEB externando as injustiças
praticadas com os soldados combatentes, aqueles que estiveram na linha de frente,
enfrentaram as tropas de elite alemãs, passaram o duro inverno nos fox-holes,
participaram das patrulhas na neve, perderam as pernas nas minas terrestres,
ficaram mutilados. Mais de 500 homens ficaram enterrados no cemitério de Pistóia.
Afinal, quem eram os heróis?
O capitão Alfredo Klas, que enfrentou com seu grupamento a campanha em
Guanella e Abetaia, talvez um dos momentos de maior tensão para comandantes e
comandados na tomada de Monte Castello, tem também sua opinião sobre as
condecorações efetuadas pela FEB aos que se distinguiram pelo heroísmo.
Quando fomos convocados, o Exército conhecia o nosso endereço. Sabiam
onde morávamos. Eu recebi a Cruz de 1ª classe numa sala do Quartel
General em Curitiba, com um único oficial que me entregou a
condecoração. Deveria ser entregue diante da tropa formada.
916
Klas ainda relata outros absurdos a que foram submetidos os homens do 11º
R. I. e, por conseqüência, os combatentes dos demais regimentos. Ao encontrar um
general amigo, este lhe perguntou: “Você recebeu a Medalha Bronze Star? Você
requereu?”, ao que Klas respondeu: “Não requeri, por não saber que precisávamos
requerer para receber uma medalha do Governo Americano”.
917
Outros tantos casos
aconteceram por todo o Brasil, mostrando o descaso do Exército Brasileiro para com
os combatentes. Muitos receberam suas folhas corridas muitos anos depois que a
guerra havia terminado e, para surpresa, estavam contidas as medalhas a que o
soldado fizera jus. Também, para o cúmulo dos acontecimentos, da negligência, do
desacato impetrado aos febianos, indicavam a Loja do Exército onde a medalha
poderia ser comprada. Tais fatos amadureceram os homens da FEB que, em
tempos recentes, resolveram denunciá-los.
915
UDIHARA, op. cit., 2002, pp. 347-348.
916
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005, p. 258.
917
Id.
494
5.4 A IMPRENSA LEMBRANDO QUEM SÃO OS HERÓIS
Terminou a Guerra! Esse era o título do Boletim da LBA no dia 15 de maio de
1945. A notícia sensacional foi confirmada pelas emissoras de rádio no Rio de
Janeiro. Os jornais lançavam-se à corrida de edições extras, estampadas com
muitas fotos dos brasileiros, cujos exemplares nas bancas se exauriam em poucos
momentos, procurados avidamente pela população em busca de notícias.
A avenida Rio Branco, toda embandeirada pela prefeitura, cheia de alto-
falantes, ficou completamente lotada por grupos humanos que expandiam
livremente o seu contentamento. As repartições blicas encerraram suas
atividades, o comércio fechou suas portas e o povo nas ruas demonstrava
calorosamente o grande significado do momento.
918
Grandes manifestações populares e estudantis se fizeram nas praças e em
outros logradouros públicos. O povo se fez presente também no Palácio Guanabara,
à noite, quando os jardins ficaram abertos para discursos e outras manifestações.
Levavam-se congratulações ao presidente Getúlio Vargas pelo grande
acontecimento. Vários oradores fizeram o uso da palavra. Depois deles, o presidente
manifestou-se, agradecendo. Fez um discurso em que retrocedeu ao ano de 1942,
chamando a atenção para o episódio do afundamento dos navios brasileiros: “Este
ato de brutalidade do nazi-fascismo despertou a cólera sagrada do povo brasileiro”.
Buscou também Getulio Vargas, recordar as palavras que ele pronunciara por
ocasião das despedidas do 1º Escalão da FEB: “Quando percorreres esses países
da Europa, sobre os quais pesam vários séculos de civilização e cultura e verificares
como foram devastados pela guerra, então sentireis que nenhum país existe melhor
que o Brasil”. O mesmo discurso conclamava a população para o que seria a grande
recepção:
E agora, enquanto aguardamos que regressem para recebê-los vitoriosos,
precisamos lembrar-nos de que somos todos brasileiros, que devemos
confraternizar cada vez mais, formando uma união sagrada e abraçando-
nos fraternalmente e, ainda mais, que estamos no limite de uma época em
que vamos assistir o mundo reconstruir-se democraticamente.
919
918
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 15 de maio de 1945.
919
Ibid., p. 7.
495
A campanha para recepcionar os expedicionários tomou vulto. o se tratava
apenas da LBA incrementando as ações de boas vindas, endossadas pela Liga da
Defesa Nacional. A Imprensa entrava com seu noticiário, enfatizando sempre: “A
recepção aos soldados da FEB, tão logo anunciada a sua volta imediata do teatro da
guerra, na Itália, tornou-se uma das preocupações máximas do povo carioca”.
920
Discutia-se, nesse tempo, a promoção dos que haviam falecido em combate,
bem como a campanha da casa própria para as viúvas e órfãos, um projeto da LBA,
que mantinha em seus cofres a quantia de 1 milhão de cruzeiros destinados a esse
objetivo. As campanhas se estenderiam aos filhos dos combatentes mortos, que
deveriam ter garantidas vagas nas escolas públicas e, em determinado número, em
escolas particulares. Em relação aos concursos públicos, os expedicionários
deveriam ter preferências nas nomeações. As ações de reconhecimento ainda
abarcavam o setor de divertimentos. Os combatentes da FEB teriam um desconto de
50% nos ingressos colocados à venda.
921
Também os bairros cariocas entravam no rol das festividades em homenagem
aos combatentes. A Sociedade Amigos de Lins e Vasconcelos dava início a alguns
projetos entre seus moradores, especialmente quando três expedicionários
retornaram mais cedo por terem sido feridos na guerra. Os pracinhas que haviam
combatido no Monte Castelo, uniformizados, foram conduzidos às respectivas
residências e devolvidos às suas famílias, na cerimônia cívica que representou a
união do povo à causa expedicionária. Tal evento foi também levado a outros
bairros, como aconteceu no Méier.
922
A imprensa procurava também os heróis vivos. Muitos foram os entrevistados,
bem como suas famílias. Os dados biográficos da personagem eram revelados em
toda a plenitude. A família do tenente da reserva Apolo Miguel Reski, considerado o
grande herói de Monte Castelo, foi entrevistada várias vezes e a história de Reski foi
reproduzida vários dias em jornais diferentes. Assim ocorreu com o Diário da Noite e
O Globo, quando se enfatizou a medalha recebida por Reski, diretamente do
comandante norte-americano Lucian Truscott.
No dia 22 de maio, o jornal carioca A Notícia, querendo fazer uma analogia
com o feito norte-americano ocorrido na Ilha de Iwo Jima, durante o hasteamento da
920
DIÁRIO DA NOITE. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
921
Id.
922
Id.
496
bandeira dos Estados Unidos, por um grupo de fuzileiros navais e eternizada na
mais célebre fotografia de Joe Rosenthal, colocou uma frase de efeito em seu
editorial: “Esses bravos hastearam nossa bandeira nos cimos do Monte Castelo,
como símbolo de Pátria Livre”. Seria uma maneira de dizer que os soldados
brasileiros, com seus resultados positivos, não foram em nenhum momento
inferiores aos vizinhos norte-americanos nos campos de batalha.
A imprensa carioca, a cada dia, imprimia com mais força os valores que
uniam os combatentes ao povo. Eram os laços de pertencimento, onde a nação é o
todo harmônico e indissolúvel de todos os brasileiros, pois representava a força e a
tradição. Os combatentes, como sentinelas avançadas do povo brasileiro, souberam
cumprir as missões que lhes foram impostas por ocasião da guerra. A FEB era a
própria força e tradição. Não era possível esquecer as páginas de ouro escritas por
seus homens, posto que simbolizassem a pujança da raça e o valor do povo
brasileiro. Valores, segundo a imprensa, inerentes ao povo brasileiro. “A recepção
aos soldados da FEB, tão logo se tornou conhecida a sua volta imediata do teatro de
guerra na Itália, tornou-se uma das preocupações máximas do povo carioca”.
923
Outra campanha de grande porte, divulgada pelos jornais cariocas, chamava
a atenção da sociedade. Reivindicava-se uma condecoração de guerra para a
senhora Darcy Vargas, pela sua obra patriótica diante da LBA. A obra dessa
instituição foi considerada como uma das experiências mais decididas que devem os
exércitos aliados às operações da retaguarda. A LBA foi comparada apenas à
‘Wafe’, corpo auxiliar feminino americano de ajuda aos combatentes norte–
americanos, como disse o jornal A Noite:
A Legião prestou não assistência moral e material aos combatentes e às
suas famílias, mas inspirou, animou e emprestou o seu prestígio a outras
iniciativas, que, paralelamente, se seguiram, tais como a campanha de
preparo do corpo de enfermagem da FEB.
924
Ainda no mês de maio, repercutiam alguns boatos que vinham da imprensa
internacional, por meio da I.N.S. (International News Service), e preocupavam as
famílias expedicionárias: o jornal A Democracia exibia, em sua primeira página, a
923
FOLHA CARIOCA. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
924
A NOITE. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
497
seguinte pergunta: “A FEB vai ou não vai para o Japão?”
925
Na verdade, um certo
imbróglio entre o que disse o jornal e o que disse o ministro Leão Veloso. O
correspondente alegou que o ministro havia declarado que as tropas brasileiras
estacionadas no território italiano estariam à disposição do comando aliado para o
prosseguimento da guerra no Japão.
Procurado pelos outros jornais, o ministro não desmentiu suas palavras. Tal
situação repercutiu não somente no Brasil, mas também nos locais onde estavam
estacionadas as tropas brasileiras em território italiano aguardando o retorno para o
Brasil. Era algo que não passava pela cabeça do ministro da Guerra, Eurico Gaspar
Dutra, e do presidente Getúlio Vargas, que se empenhavam no retorno imediato dos
combatentes ao Brasil. O jornal brasileiro não dizia maravilhas sobre a atitude do
ministro Leão Veloso, por essa e por outras posturas com a imprensa. Muito
inoportuna a declaração da autoridade, a partir do momento em que as autoridades
e as entidades preparavam as festas para o retorno dos brasileiros.
Reiterando a intenção do retorno imediato das tropas brasileiras, não houve
intenção, pelo menos por parte das autoridades governamentais, de criticar o
ministro Leão Veloso. Em entrevista, o ministro da Guerra dizia que a maior intenção
do Exército Brasileiro, naquele momento, era de atender o mais rápido possível os
mutilados de guerra. Tratou de mostrar as etapas burocráticas que estavam em
andamento, bem como o soldo a ser destinado a esses homens. Disse também que
novos estudos estavam sendo efetuados, no sentido de ser resolvido esse problema
sagrado que envolvia o compromisso de honra da nação.
926
Afirmava o jornal que o
Brasil não esquecia aqueles que souberam honrá-lo no instante em que a Pátria
deles reclamava todos os sacrifícios.
927
A cada dia se reforçava a questão das condecorações outorgadas na Itália
aos brasileiros que haviam se distinguido por ato de bravura. Os bravos viravam
heróis, os homenageados eram alçados à modalidade de autoridades. Muitas vezes,
tratava-se de homens simples, muitos mal letrados e semi-analfabetos, convidados a
dar entrevistas, algumas desastrosas, sem acuidade dos dados fornecidos, com
exageros recebidos com admiração por quem ouvia. Foram tratados como heróis
pela sociedade, não apenas a carioca, mas também de outros grandes centros.
925
A DEMOCRACIA. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
926
JORNAL A MANHÃ. Rio de Janeiro, 22 de maio de 1945.
927
Id.
498
Heróis momentâneos, cujas fragilidades depois de um ano já não empolgavam
quase mais ninguém.
Causava sensação no Rio de Janeiro a notícia da entrega de Medalhas
Americanas e Brasileiras no front. Segundo o Ministro da Guerra, Eurico Gaspar
Dutra, no dia 19 de maio de 1945, na cidade de Alessandria, os generais Truscott,
do V Exército Americano e Crittemberger, do IV Corpo de Exército Americano,
encabeçaram a entrega de 39 medalhas americanas, sendo uma de Cruz de
Serviços Distintos, quatro Estrelas de Prata, treze Estrelas de Bronze e vinte e uma
Medalhas do Ar.
928
No dia 23 de maio de 1945, chegava à Bahia o navio Rodrigues Alves,
transportando 172 feridos brasileiros oriundos da Itália, que seriam transferidos
depois para o Hospital Central do Exército no Rio de Janeiro. No mesmo jornal, os
editores ressaltavam as beneméritas ações que seriam implantadas em defesa dos
combatentes, assim que pisassem em território nacional. Fazia-se referência ao
movimento que acontecia no Serviço Público a fim de amparar os funcionários das
esferas federal, estadual, municipal e autárquica que estivessem nos quadros da
FEB e pudessem ter algumas regalias, ligadas a promoções em suas carreiras. Essa
era uma medida que se estudava, em meio a outras.
A Comissão de Readaptação, designada pelo Presidente da República,
estava encarregada de instalar o mais breve possível o Centro de Recuperação,
destinado a acolher os feridos e mutilados da FEB para um estágio preparatório,
antes de reenquadrá-los na vida civil, nos empregos ou ocupações antigos. Previa-
se que esse centro atenderia inicialmente no Centro de Recompletamento em
Deodoro. Essa comissão, por sua vez, atuaria com outra, a dos Heróis da FEB. Os
feridos que tivessem obtido a recuperação no Hospital Central do Exército seriam
encaminhados aos locais de procedência. Segundo o Exército, foram organizadas
fichas sobre cada ferido ou mutilado, contendo dados de orientação para o
aproveitamento de todos, “serão dados empregos a todos quantos deles
necessitarem. Tratando-se de convocados do interior, serão fornecidos os auxílios
indispensáveis à viagem de retorno, merecendo os mesmos, durante todo o período
em que se fizer necessário, todo o amparo das autoridades”.
929
O jornal A
928
CORREIO DA MANHÃ. Rio de janeiro, 22 de maio de 1945.
929
A NOITE. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
499
Vanguarda publicava nesse mesmo dia: “Porque a Vanguarda aplaude as iias
expostas à imprensa pelo presidente da Liga da Defesa Nacional”.
930
Outro jornal questionava os preparativos para a recepção dos soldados
brasileiros, com o título na primeira página: “No Regresso dos Heróis”, afirmando
que algo de mais concreto precisava assinalar as comemorações dos lutadores anti-
fascistas. “Erguer um arco do triunfo, jogar-lhes flores, saudá-los com as mais
quentes palavras de carinho e gratidão está bem. Mas é preciso ainda reparar nos
que voltaram mutilados, nos que sofreram distúrbios neuróticos, nos que trouxeram
uma cicatriz, uma doença, um sinal indelével da guerra”.
931
Com tantas comissões formadas, não fica claro seu resultado, nem se as
medidas propostas foram aplicadas. Não existe, pelo menos de conhecimento
público, um estudo mais profundo sobre os feridos e mutilados brasileiros e sobre
quais políticas públicas se fizeram efetivas. um grande hiato entre a idealização
dos projetos e a concretização dos atos empreendidos por Eurico Gaspar Dutra,
quando assumiu a presidência, no sentido de dar atendimento aos soldados. Como
Ministro da Guerra, no governo anterior, ele tinha pleno conhecimento sobre a grave
situação dos feridos e mutilados de guerra.
Ficam aqui muitas perguntas: Quais documentos hoje no Centro de
Documentação do Exército que podem ajudar a esclarecer essa situação? O que se
sabe, é que as Associações de Veteranos, no pós-guerra, tomaram para si essa
responsabilidade, buscando atender doentes, mutilados e neuróticos de guerra,
como fez a Legião Paranaense do Expedicionário, com sede em Curitiba - PR,
criada em 1954. Lá, durante muitos anos, funcionou um hotel para conduzir os
febianos aos tratamentos necessários, sempre com a meritória colaboração da sua
Diretoria de Assistência.
A imprensa, de um modo geral, conclamava também as autoridades
governamentais a não deixarem de olhar para a sorte dos demais combatentes que
haviam interrompido suas atividades na vida particular para atender à convocação
militar. Também eles deveriam ser amparados no seu retorno dos campos de
batalha, com medidas capazes de lhes garantir dias tranqüilos. Chamava também a
atenção para o grosso da FEB, constituído por massas rurais, não possuidora de
930
JORNAL A VANGUARDA. Rio de janeiro, 23 de maio de 1945.
931
TRIBUNA POPULAR. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
500
uma atividade remunerada efetiva na qual pudesse reingressar.
932
Entre a
campanha e a ação efetiva para atender a esses casos, permaneceram grandes
incógnitas. Os que mais padeceram no retorno da guerra foram justamente os filhos
de lavradores, a maior parte não se adaptou mais ao trabalho rural. Eram soldados e
a pátria lhes negava esse direito.
As homenagens preparadas para render as boas vindas aos combatentes
incluíam também a participação dos universitários da capital federal. Nesse sentido,
empenhou-se o reitor Raul Leitão da Cunha, da Universidade Federal do Distrito
Federal, que, em entrevista, ressaltou:
Os universitários que, tão comovidamente, acompanharam o desenrolar das
pelejas travadas no mar, em terra e no ar pelos nossos irmãos em armas,
não poderiam faltar às manifestações calorosas de solidariedade com que o
Brasil recebeu no regresso à Pátria os filhos que expuseram a sua vida.
933
Também os universitários do Engenho Velho organizaram uma Comissão
Estudantil de ajuda à FEB e promoveram uma visita ao Hospital do Exército, onde
foram distribuídas frutas, cigarros, revistas e outras pequenas utilidades. Os
estudantes organizaram um bonde especial que seguiu e foi apoiado pela Cruz
Vermelha Brasileira. Ainda participaram da visita representantes da Faculdade de
Filosofia do Instituto Lafayette, do Instituto Menino Jesus, do Colégio Paiva e Souza,
do Colégio Batista e do Colégio Tijuca-Uruguai.
934
Outras localidades também buscavam se organizar para receber os
combatentes. Os interventores, dentro dos seus estados, preocuparam-se com os
festejos e em como processar a chegada dos contingentes menores aos locais de
origem. Do território do Amapá, o interventor, capitão Janari Gentil Nunes, visitou os
feridos no Hospital Central do Exército, para onde levou brindes aos heróis de Monte
Castelo, orientado pela LBA do Ama. Junto dos brindes, os combatentes
receberam um pergaminho com a seguinte exortação patriótica: “Os guerreiros da
minha pátria, ou morrem de pé, no topo das trincheiras e vão, assim, vestidos de
chamas para a transformação da história; ou voltam sorrindo e regressam cantando
com a bandeira auri-verde coberta de glória”.
935
932
NOTÍCIA. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
933
FOLHA CARIOCA. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
934
DIÁRIO CARIOCA. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
935
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
501
Nesse dia, em nome dos feridos, falou o tenente Gilson Campos, dizendo
sobre a importância do pergaminho: “É um documento. Além de ser um tema de
combate, é também uma legenda de glória e, ao mesmo tempo, uma recordação do
reconhecimento e simpatia do Território do Amapá, pelos feitos da Força
Expedicionária Brasileira”.
936
É notável a sintonia dos discursos, a exortação patriótica que vem da caserna
e está inscrita nos corações e nas mentes dos soldados brasileiros. Mesmo entre os
feridos e mutilados, prevaleceu a resignação de quem um dia deu tudo de si pela
pátria, sem nada esperar dela. Foi necessário, no pós-guerra, outros porta-vozes a
chamar a dignidade e o reconhecimento para esses casos.
Justificava-se o Hospital do Exército no Rio de Janeiro, na tentativa de omitir
o quadro geral dos mutilados e feridos, afirmando que no mês maio de 1945,
“permaneciam nas alas disponibilizadas à FEB apenas uma dúzia de incapazes e
meia centena de feridos”.
937
Agora, é possível perguntar: E os feridos que ainda se
encontravam nos Estados Unidos, os mutilados de braços, pernas e olhos, os
neuróticos, que estavam sendo tratados? Foram esquecidos? Quem lembrou, no
momento da declaração dada acima, da comissão médica brasileira que saiu do Rio
de Janeiro com o propósito de recambiar esses soldados ao Brasil, no mês de maio
de 1945, da qual participou o médico Jarbas Albricker? O próprio Dr. Albriker, em
seu testemunho, no contato que teve com os mutilados brasileiros do Hospital de
Charleston, assim se manifestou: “Ao primeiro contato com aquela gente, muito mais
a que encontramos em New Orleans, senti como um impacto o horror que a guerra
representava”.
938
A ele, a imprensa não fez a menor referência.
Presume-se que os jornalistas de O Jornal tenham feito uma visita ao HCE,
para organizar matéria a ser publicada. Fizeram mistério ao entrarem nas alas do
hospital reservadas à FEB, conforme o enunciado publicado: “Ao entrar na primeira
enfermaria, estávamos preparados para tudo: para ver coisas horríveis... Nada. Na
segunda, idem. Visitamos todas. Em nenhuma delas encontramos os quadros
936
GAZETA DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
937
O JORNAL. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
938
ALBRIKER, op. cit., p.39. N.A.: A comissão da qual fez parte Albriker encontrava-se na Carolina do
Sul, nos Estados Unidos, quando da observação sobre os mutilados de guerra. O livro do autor é um
dos poucos em que há referências sobre os feridos graves brasileiros que se encontravam nos
Estados Unidos. Embora o autor intitule o seu trabalho como Memórias, o leitor se perde nas
divagações literárias e no aspecto turístico que o autor imprimiu ao seu trabalho.
502
pintados pela imaginação quintacolunista ou histérica dos boateiros”.
939
Foi
afiançado pela direção do hospital que não havia mais mutilados além dos que ali
estavam e, dentre os 500 feridos que passaram por atendimento, apenas 11 ou 12
podiam ser considerados inválidos.
940
O que diriam os mutilados gravíssimos que
estavam nos hospitais de Charleston nos Estados Unidos?
Enquanto tais fatos ocorriam no Brasil, as tropas brasileiras iam se
concentrando para o retorno ao país. O tenente Ítalo Tavares e seus companheiros
do R.I., no dia 14 de junho de 1945, saíram do local chamado Casei Gerola. O
destino era Nápoles, para aguardarem os navios brasileiros que fariam o
transporte dos soldados para o Brasil. A despedida dos conhecidos italianos foi algo
que marcou muito a passagem pela Itália. Eles e os demais, à noite, despediram-se,
mas, na hora da partida, havia ainda aqueles que queriam dar o último adeus.
“Promessas foram muitas de escrever mais tarde, até de voltar à Itália. Creio, porém
que ninguém as cumprirá. Quem deixará o Brasil para voltar a este país onde
encontramos sofrimento e miséria?”
941
O comboio de viaturas chega a Bolonha e todos seguem a viagem de trem,
quase um retorno aos locais onde haviam passado, meses antes, momentos de
tantas incertezas. O grupo passou por Livorno, o porto de chegada, quando os
homens pouco sabiam da realidade de uma guerra. Passaram por Roma, e o trem
foi chegando a Nápoles. ficaram em um acampamento aguardando o embarque.
No dia 16 de junho, Ítalo e os demais soldados do seu grupo começaram a recolher
os jipes, bem como o material de intendência, transmissões, engenharia, que ficaria
nas mãos dos americanos. No dia 6 de julho, o 6º R.I., o primeiro que havia
desembarcado na Itália, fazia o caminho da volta para o Brasil.
Um pouco antes, havia no Brasil uma incerteza sobre como transportar um
contingente de homens tão grande. Pensou-se em usar exclusivamente navios
mercantes brasileiros, pois todos os navios norte-americanos estavam empenhados
em seguir com suas tropas para a guerra do Pacífico, mas a Marinha Brasileira, com
seus navios sucateados, não poderia arcar com essa responsabilidade. Poucos
navios se prestariam a um transporte ágil e seguro para tantos homens.
939
O JORNAL. Rio de Janeiro, 23 de maio de 1945.
940
Id.
941
TAVARES, op. cit., 2005, p 124.
503
O tenente Massaki Udihara, do R.I., no dia de junho de 1945, registrava
em seu diário todo o desencanto com a Itália. “Estou contente de ficar longe, de me
afastar e de não ter mais relações senão de memória, com o que vai por aqui”.
942
Cada qual tinha uma reação diferente, e a deixaram registrada em seus diários.
O dia 2 de junho, Udihara passou arrumando as coisas que poderiam ser
levadas. Informações desencontradas não diziam se os oficiais partiriam com os
soldados. Não quis despedir-se deles, não porque não os estimasse.
Apesar da convivência de tanto tempo, e de sentir afeição por tudo e por
todos, a alegria que se sente é suficiente para ofuscar qualquer outro
sentimento. Não há, por isso, a sensação de estar abandonando os
companheiros de todos os momentos. Um simples afastamento e por pouco
tempo.
943
Da casa italiana onde permaneceu, levaria saudades de Maria Luiza, a
criança a quem se afeiçoara. “À noite, ela veio se despedir, com um sorriso um
pouco contrafeito. Também ela sentia. Veio me desejar boa viagem. Beijou-me no
rosto e foi dormir”.
944
O dia 3 de junho de 1944, para Udihara, pareceu um sonho: a sua companhia
partia para Livorno. Seguiam somente os oficiais. No caminho, ao divisar o antigo
acampamento, pôde ver que muita coisa havia mudado: os lavradores vinham
trabalhando e se via nos campos algumas culturas. Depois de muitas peripécias,
chegaram a Nápoles, onde a FEB, aos poucos, foi se concentrado. No dia 8 de
junho, partiu do aeroporto Capodicino à uma hora da tarde em avião transporte para
pára-quedistas. Seguiram para o norte da África. No dia 13 de junho, de
Casablanca, partiram para o Brasil. Ao todo, 29 brasileiros e um americano, com
destino a Natal, uma viagem que lhe pareceu muito curta.
Aproveitando o tempo, o tenente Udihara saiu para conhecer a cidade. Foi
que se deu conta de uma sensação estranha: “Ainda persiste a sensação de estar
no estrangeiro. Andava pelas ruas imaginando que estivesse vendo um país como
outro qualquer. Ao ouvir todos falarem português, parecia estranho. Com dificuldade
que me compenetrava da realidade”.
945
No dia 16 de junho de 1945, acredita-se que
Udihara desembarcara com outros oficiais no Rio de Janeiro. Como foi o retorno
942
UDIHARA, op. cit., 2002, p. 357.
943
Id.
944
Id.
945
Id.
504
para casa em São Paulo, não se sabe. Como foi a recepção da família, da sua noiva
Maria, a jovem que escrevia tantas cartas para a Itália, uma das maiores alegrias
demonstradas pelo introspectivo tenente. O seu diário encerra nesse dia, onde ele
diz: “Voltei à origem daquele dia em que saí sem saber o que seria de mim”.
946
O 11º R.I., do tenente Ruy Fonseca, aguardou o embarque para o Brasil no
acampamento de Francolise, próximo a Nápoles. Os praças estavam alojados em
barracas para 10 homens e os oficias, em outras menores, com capacidade para
duas pessoas. Era início do verão italiano. Ao excessivo calor, juntava-se o do
acampamento, que castigava os homens ali instalados provisoriamente. A
movimentação das viaturas que estavam sendo devolvidas tornava a vida quase
impossível. “Essa permanência nos afigurava a todos como um campo de
concentração melhorado”.
947
Com a concentração de tantos homens no local, havia
o perigo de um surto de malária. O Serviço de Saúde resolveu prevenir a situação,
obrigando o uso do medicamento Atabrine, o que ocasionou uma amarelado na pele
dos soldados. Juntando-se a isso o fino, todo o acampamento tinha um ar um
pouco estranho.
O sargento Edgard Eckert, do R.I., no dia 4 de maio de 1945, anotou os
boatos do dia, escutados no rádio do grupamento. Diziam respeito ao retorno das
tropas para o Brasil e que o embarque se daria pelo Porto de Livorno. Não deixou de
registrar a alegria pelo fato de poder sair um pouco da lida militar e conhecer os
castelos de Milão, Gênova, Munique, Berlim, Roma, Paris e de outros lugares.
O grupamento de Eckert estava reunido em Piacenza. Lá, ocupavam um
antigo quartel italiano. Os rádio-operadores haviam captado, no dia 15 de maio, a
mensagem do Regimento, com pedido de urgência da verificação de quantos praças
necessitariam de alojamento no Rio de Janeiro, logo após o desembarque.
Nas portas do quartel onde estavam alojados os brasileiros, ainda a
população miserável ficava de plantão, aguardando o resto de comida que podia ser
946
Id. N.A.: O que se sabe sobre as anotações do dr. Massaki Udihara foi preparado por dois editores
amigos da família, a pedido de sua filha, Maria Lucia Udihara que encontrara o diário de seu pai após
o falecimento deste. Udihara era formado em medicina quando foi convocado como oficial da
reserva. Foi como infante para a linha de frente. Como ele, mais seis na mesma situação e no mesmo
regimento. No pós-guerra, atuou como médico, no Hospital Santa Cruz, em São Paulo e ocupou
posições de destaque no Hospital do Câncer. Atuou também no Dojinkai, Sociedade Japonesa de
Beneficência. Do seu relato, extraem-se momentos significativos da guerra, da preocupação com
seus homens. A sensibilidade do seu olhar conseguiu tocar a todos profundamente no mundo caótico
como ele viu a guerra. Faleceu precocemente aos 50 anos.
947
FONSECA, op. cit., p. 211.
505
oferecido. Sensibilizado com a sorte daquela gente, no momento em que os
soldados brasileiros esperançosos aguardavam o retorno para o Brasil, Eckert
escreveu:
A guerra deixou sérias cicatrizes entre a população. Às horas da refeição
aqui no quartel, pena ver a infinidade de garotos e mulheres, crianças e
velhos parados na frente do portão principal. A maioria dessa gente uns
6 anos não vê café. Há muito tempo, não come carne, ovos ou leite. O pão,
que é o seu principal sustento (100 gramas por dia por pessoa), é quase
intragável.
948
No dia 30 de maio de 1945, o R.I., o Sampaio, do sargento Eckert, desfilou
em Piacenza, com a presença dos generais da FEB. “O povo, curiosamente, se
aglomerava ao longo das calçadas, batendo palmas algumas vezes, mas com pouco
entusiasmo, e com razão, pois somos estrangeiros e tropa de ocupação”.
949
O destino de Eckert e seus companheiros foi também Francolise. O calor e a
poeira no acampamento foram lembrados no diário. O comando, percebendo o mal
estar que isso causava à tropa, resolveu minorar um pouco o problema, enviando
grupos de 40 homens para a praia de Mondragone, a 25 quilômetros do local, o que
foi muito bem recebido pelos soldados. O verão italiano chegou causando vários
problemas.
No dia 5 de julho de 1945, passaram por Francolise os comboios de
caminhões americanos conduzindo os soldados do R. I.. Os que haviam chegado
antes à Itália tiveram a primazia do embarque. “Passavam gritando e acenando
como despedida para nós do 2º Escalão, que ainda tivemos de esperar”.
950
A saída do 1º Escalão da FEB reacendeu em muitos o desejo de voltar para o
Brasil, foi o que expressou Eckert em seu diário. Na sua reflexão, os soldados
deixaram no Brasil suas famílias e, sem muito preparo, enfrentaram um inimigo
aguerrido, deixaram seus companheiros mortos em Pistóia… e se perguntou: “Será
que valeu a pena?”
951
No dia 19 de julho de 1945, os soldados retidos no acampamento de
Francolise captaram as irradiações brasileiras, dando ciência da chegada do 6º R. I.
ao Brasil. “O locutor gritava ao microfone e, assim mesmo, a sua voz era superada
948
ECKERT, op. cit., pp. 296-297.
949
Id.
950
Id.
951
Id.
506
pelo vozerio e pelos gritos da multidão que aclamava os pioneiros da FEB que
regressavam à Pátria”.
952
Finalmente, para Eckert, o dia esperado para o embarque chegou. A 11 de
agosto de 1945, acordou cedo. Ele e seu companheiro de barraca deixaram tudo
limpo, desarticularam as camas de campanha e saíram no primeiro comboio rumo a
Nápoles. O navio que os transportaria era o “S.S. Mariposa”, um transatlântico de
luxo que, capturado pelos americanos, servia para o transporte de tropas. A emoção
sentida pelo sargento Eckert pode ilustrar o que muitos sentiram quando o navio
vagarosamente foi deixando a Baia de Nápoles: “Adeus, Nápoles! Foi por tuas
portas que entramos e saímos da Itália. Adeus, Francolise, com a tua poeira nos
proporcionaste os últimos dias amargos e empoeirados que passamos na Velha
Europa”.
953
A prioridade era embarcar os soldados, obedecendo-se à ordem de chegada
dos escalões. O grupamento de Ruy Fonseca ainda se encontrava na Itália durante
o mês de agosto, com a promessa de embarque após o dia 25. Muitos oficiais
anteciparam suas saídas da Itália. Para Ruy, foi um pouco diferente: “Quero estar
com meus comandados até o momento da despedida, quando, licenciados,
voltarmos para as nossas casas. Espero que Deus me conceda mais essa graça”.
954
5.5 A CHEGADA AO BRASIL: A ALEGRIA DELIRANTE DE QUEM SOBREVIVEU
QUADRA QUADRADA
Depois da guerra, a velhice.
Sossego próprio da idade
Um tanto de rabugice
E a saudade da saudade.
955
N. Licio.
Conforme noticiaram os jornais brasileiros, no dia 11 de julho, desembarcava
no Rio de Janeiro o comandante da FEB, general Mascarenhas de Moraes, que
antecipara sua viagem para receber o Escalão da FEB, a caminho do Brasil. O
952
ECKERT, op. cit., pp. 296-297.
953
Id.
954
Ibid., p. 221.
955
OPÚSCULO. 35 anos da FEB. Associação Nacional dos Veteranos da FEB, Belo Horizonte,
maio de 1980.
507
avião não pôde pousar no aeroporto Santos Dumont, pousando em Santa Cruz.
Mascarenhas desembarcou sem nenhuma manifestação, quase como um
desconhecido. Essas foram feitas no dia seguinte, quando Mascarenhas foi recebido
no palácio do Catete pelo presidente Getúlio Vargas e pelo general Eurico Gaspar
Dutra. Na visão dos historiadores, esse era um processo de boicote à FEB,
atingindo de pronto o seu comandante.
Os combatentes do Escalão haviam saído de Nápoles no dia 6 de julho de
1945, sob o comando do general Zenóbio da Costa. Junto ao 6º R.I., vinham
algumas frações do grupo de Artilharia. A viagem foi muito confortável para os
soldados. Não faltou comida boa e toda a sorte de entretenimentos preparados pela
tripulação norte-americana no sentido de amenizar a duração da viagem. Foi
instituído também o jornal A Tocha, com notícias que eram captadas pelo rádio, a
fim de manter os soldados informados. O primeiro número, editado no dia 7 de julho,
apresentava uma saudação aos soldados embarcados, assinada pelo general
Zenóbio da Costa, cujo enunciado principal dizia: “Aos bravos da FEB e da FAB”.
Nele, o comandante da Infantaria reafirmava o papel valoroso dos homens que
haviam se portado com bravura sem par e com lealdade no cumprimento do dever.
“Dentro de poucos dias, pisaremos o solo sagrado da Pátria e estou certo, com o
reconhecimento e admiração de nossos patrícios, de que, neste momento,
ansiosamente vos esperam”.
956
As notícias dadas pelo jornal A Tocha previam a chegada do Escalão para
o dia 19 de julho e informava os passageiros sobre as grandes festividades que
estavam sendo programadas no Campo de São Cristóvão. Dizia também que a LBA
havia convidado o povo de um modo geral para a participação nos festejos. Uma
notícia que chamou a atenção dos soldados foi o julgamento a que foram
submetidos os traidores Margarida Fichmann e Emilio Baldoni, ex-locutores da Radio
Auri-Verde, de Milão. Naquele momento, estavam presos em Nápoles.
957
Os soldados e oficiais que estavam a bordo foram convidados a colaborar
com o informativo. No dia 10 de julho, o artigo do sargento Theobaldo Andrade dizia
sobre a ‘Arte de amar... na Itália atual’. “Se as minhas idéias relembram tempos
956
A TOCHA.USS. Gen. Meiggs. 7 de julho de 1945.
957
N.A.. A dio Auri Verde, alemã, irradiava uma programação especial para as tropas brasileiras.
Os locutores eram dois brasileiros e concitavam os soldados à deserção. Os envolvidos foram
julgados, vieram como prisioneiros para o Brasil, mas foram depois indultados.
508
passados e todos cheios de pieguice e serenatas, pode o leitor amigo imaginar o
meu espanto diante do ‘amor scatoleta’ que vi e experimentei na península
itálica”.
958
Explicava o autor como ocorria esse namoro: As conquistas amorosas
estavam em função das latinhas, chocolates e cigarros que o pobre ser humano
possuía; isto é, se ganhava um amor oferecendo à pretendente um desses regalos.
Tempos de guerra. Tempo difíceis.
Ainda a bordo do navio Gen. Meiggs, foram repassadas aos oficiais as
primeiras instruções para o desembarque do 1º Escalão da FEB. Davam ciência aos
comandantes dos escalonamentos em que se procederia ao desfile após a descida
do navio. Os soldados deveriam desfilar em coluna de seis homens. A ordem tratava
do uniforme a ser usado na ocasião: deveria ser composto por calça de e blusão
de brim, tudo verde oliva, com mangas arregaçadas, capacete de fibra. Os oficiais
deveriam usar a camisa de tricoline e gravata. Essas e outras orientações foram
assinadas pelo coronel Nelson de Mello, comandante do 6º R. I..
959
O Ministério da Guerra informara também que, de acordo com as instruções,
o pessoal da FEB não poderia tomar contato imediato com as famílias, devido ao
desfile que ocorreria logo após o desembarque. Após o desfile, os soldados do
Escalão seguiriam para Vila Militar e Realengo, onde ficariam alojados nos quartéis.
Os familiares e amigos teriam a sua disposição os palanques colocados nos
percursos do desfile.
Ainda era madrugada do dia 18 de julho de 1945, quando pequenas
embarcações saíram do porto do Rio de Janeiro indo ao encontro do navio General
Meiggs, meio encoberto pela neblina. Eram 5h30min e, na aproximação, foram feitas
saudações com sirenes. Os soldados no convés gritavam e faziam gestos de alegria,
respondendo ao aceno dos que estavam nas embarcações. A cada momento,
juntavam-se mais barcos e tudo foi em um crescente até perto das 8h10min, quando
o navio transporte entrou na barra sob ruídos e aplausos da multidão que esperava
na orla da baía. As fortalezas saudaram o navio, tiros de canhões soaram nos ares,
era o navio respondendo à saudação, por certo um grande espetáculo para quem o
vivenciou.
Na parte da manhã do dia 18 de julho de 1945, a LBA havia conseguido
permissão dos militares para montar uma cantina ao ar livre, encostada ao armazém
958
A TOCHA. USS. Gen. Meiggs, 10 de julho de 1945.
959
P.C. USS. Gen. Meiggs, 12 de julho de 1945.
509
nº 9, no cais do porto. As legionárias haviam trabalhado sem descanso um dia antes,
para poder proporcionar uma boa recepção aos soldados da FEB. “Às 8h30min, o
general Mascarenhas de Moraes, acompanhado por oficiais do seu Estado-Maior,
visitou a cantina da LBA, palestrando com as legionárias que o aplaudiram
longamente, bem como o povo postado à margem e trepado nos muros”.
960
Segundo o boletim, o lanche servido aos combatentes foi muito saudável e
continha duas tangerinas, dois sanduíches - um de carne e outro de queijo e galinha
- duas bananas, doces diversos, um copo de café quente, um copo de mate gelado,
dois maços de cigarros, uma caixa de fósforos, Coca-Cola, Guaraná e Soda.
961
Liderava as legionárias a senhora Alzira Vargas do Amaral Peixoto,
representante da senhora Darcy Vargas. O grupo era auxiliado também por
funcionários da LBA. As barracas ficaram à disposição dos soldados até as
13h30min. Antes de se servirem do lanche tão providencial, os soldados
depositavam suas bagagens nos caminhões, que seguiram aos quartéis. Depois, em
fila ordenada, recebiam a atenção de todo o pessoal da LBA. que se recordar
que o contingente recém-chegado era composto por 4.931 homens, e o trabalho de
alimentar a todos constituiu uma boa organização da LBA.
No registro da LBA, raros foram os soldados que não aceitaram um copinho
de café ou que o o saborearam dizendo: “Que cafezinho gostoso! Que saudades
de um cafezinho como este!”
962
Antes do desfile fenomenal que aconteceria à tarde, as emissoras de rádio do
Rio de Janeiro irradiavam para as emissoras coligadas de outros estados, com
entusiasmo, os dados sobre o desfile da FEB. Segundo os locutores, nem a data
que assinalou o fim da guerra na Europa tinha repercutido com tanta expressividade
como a chegada dos expedicionários do Escalão da FEB. A cidade tinha uma
movimentação diferente, colorida, que, segundo muitos, não se via muito tempo.
Nem as festas do carnaval sobrepujaram os preparativos. Pela cidade, um vai e vem
de bondes, trens e ônibus que despejavam pelas ruas centrais do Rio de Janeiro
uma quantidade considerável de pessoas.
Todos queriam ver de perto os bravos rapazes da FEB, os jovens brasileiros
que souberam lutar galhardamente contra a neve, contra o frio, contra a
960
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 30 de julho de 1945.
961
Id.
962
Id.
510
lama e, sobretudo, contra os nazistas, a quem venceram em Monte Castelo,
Castelnuovo e tantos outros baluartes da frente italiana.
963
Desde o meio-dia do dia 18 de julho de 1945, a Avenida Rio Branco, no Rio
de Janeiro, estava apinhada de pessoas. Segundo os jornais da época, estava
difícil conter a multidão que, não respeitando o cordão de isolamento, foi para o
asfalto. Das janelas dos edifícios, viam-se senhoras, crianças e homens atirando
confete, serpentinas e fogos de artifício. Rojões e morteiros arrebentavam no ar e o
povo vibrava intensamente. Às 14h30min, teve início o desfile: um pelotão de
choque da polícia abria um estreito corredor entre a multidão, por onde os soldados
passariam. Os heróis da FEB foram abraçados e aplaudidos freneticamente.
As senhoritas mais entusiasmadas abraçavam-se aos soldados, beijando-
lhes, arrancando-lhes os distintivos. Comoventes cenas se desenrolaram
durante o trajeto difícil, mas compensador para os expedicionários, pois
tudo aquilo era sincero.
964
O soldado Aristides Saldanha Vergés lembra muito bem desse dia, quando
seu grupamento, o R.I., estava em peso no navio. “Desembarcamos e entramos
em forma de seis homens por coluna para seguir até a Estação D. Pedro II.
Andamos alguns metros e foi afunilando, passando com dificuldade, mas foi a coisa
mais gostosa do povo carioca, aquele carinho do povo, arrancando os distintivos do
bolso, o que eles podiam. Foi uma sensação inesquecível”.
965
Após os festejos, Vergés permaneceu por 15 dias no Rio de Janeiro, no
quartel do R. I.. Segundo suas lembranças, na Itália, ele recebia 200 liras por
mês. Economizou, vendeu alguns “cigarretes” e o dinheiro foi depositado no Banco
do Brasil. Com o que sobrou, comprou um relógio e um par de óculos. Segundo
Vergés, os companheiros também saíram às compras. No dia 25 de julho de 1945,
foi licenciado do Exército e recebeu o certificado de reservista.
Recebi Cr$ 17.000,00 (dezessete mil cruzeiros). Permanecemos alguns dias
aguardando o retorno. Mas os nossos comandantes foram para casa e
esqueceram de nós. Foi então que eu e o meu companheiro, Vicente Fila,
963
BOLETIM DA LBA. Rio de Janeiro, 30 de julho de 1945.
964
Id.
965
VERGÉS, op. cit..
511
resolvemos voltar por nossa conta. Pegamos o trem da Central do Brasil até
São Paulo.
966
Muitos dos cobradores dos bilhetes de trem tiveram o bom senso de não
cobrar a passagem dos expedicionários. Tal situação trouxe muita alegria para
Vergés. Contou também da pequena aventura do retorno, quando ele e seu
companheiro desceram em São Paulo para comprar tecidos de casemira, dada a
propaganda que os combatentes desta cidade haviam feito. “Nas ruas, várias
pessoas nos abordavam, conversavam sobre a guerra. Teve até uma família que
convidou para almoçarmos em sua casa. Estavam comemorando bodas de ouro, e
aceitei prontamente”.
967
No dia seguinte, Vergés embarcou para Curitiba. Na Estrada Sorocabana,
pagou a passagem. depois descobriu que havia um vagão especial para os
expedicionários. No dia 5 de agosto, retornava a casa. “Fiz uma surpresa para a
minha família, foi uma alegria. No dia seguinte, muitas visitas de amigos e perguntas
sobre a guerra”.
968
Curitiba também se preparou para um desfile na cidade. O jornalista e
combatente, João de Deus Freitas Neto, registrou o acontecimento no dia 9 de
agosto de 1945.
Hoje, cerca das 9 horas, chegará à gare da Rua Rio Branco o comboio
especial que traz o primeiro contingente paranaense da Força
Expedicionária Brasileira. Os heróis voltaram e a cidade parou. Ninguém
prestou atenção ao cartaz do cine Curitiba, que anunciava Brian Donlevy,
Allan Ladd e Verônica Lake em ‘Capitulou sorrindo’. [...] Toda a cidade,
como um corpo, recebeu, agradecida, os que voltavam “dos campos
tablados pela metralha do Velho Mundo”. O Café Alvorada colocava um
anuncio na Gazeta “homenageando os pracinhas que retornam à pátria
agradecida, destina às famílias dos expedicionários a renda bruta, no dia de
hoje, da venda de café em xícaras das suas casas à Rua XV de novembro e
Travessa Oliveira Belo”.
969
Segundo o artigo de Freitas Neto, não foi somente o comércio e a indústria a
dar uma atenção aos combatentes que retornavam, mas as autoridades os
cercavam de maior carinho. “O povo via, em cada pracinha, um filho. Os do interior
966
VERGÉS, op. cit..
967
Id.
968
Id.
969
NETTO, João de Deus Freitas. Boletim Informativo da Casa Rorio Martins. Curitiba, 9 de
agosto de 1982.
512
eram levados para as casas das famílias que não tiveram parentes na guerra.
Curitiba recebeu seus filhos. A mãe Curitiba”.
970
O soldado Vergés participou de todas as festividades que aconteceram
naquele dia para os combatentes. Com o dinheiro que juntou na Itália, conseguiu
saldar uma dívida com que sua mãe havia se comprometido para a construção de
uma casa. Ainda deu para comprar uns móveis e ajeitar tudo para o casamento,
inclusive para a festa que a família deu aos amigos. Dias depois, retornou à empresa
onde era empregado antes da guerra e lá permaneceu até 1982.
971
Depois da saída do Escalão da FEB, ainda no mês de julho, escalões
menores saíram da Itália. O Escalão A. partiu de Nápoles no dia 12 de julho, no
navio Pedro I, conduzindo 1.100 homens sob o comando do coronel Moraes Ancora.
O Escalão B. partiu da Itália no dia 26 de julho de 1945, no navio Pedro II, sob o
comando do coronel Machado Lopes, com os combatentes do B.E., no total de
1.200 homens.
No segundo escalão, estava o grosso dos combatentes do R. I., o
Sampaio, além do I, III e IV Grupos de Artilharia e do Batalhão de Saúde, sob o
comando do coronel Oswaldo Cordeiro de Farias, com 6.187 homens. O navio era o
americano Mariposa, que saiu de Nápoles no dia 12 de agosto de 1945 e chegou ao
Rio de Janeiro no dia 22.
Nesse navio, viajaram ts combatentes que fazem parte desta narrativa:
José Edgard Eckert, Boris Shnaiderman e Geraldino Werner. Não se sabe se eram
amigos, ou se durante a viagem chegaram a se conhecer, mas são relatos que
marcaram profundamente a chegada desses homens à pátria.
Como registrou Eckert:
E assim vamos singrando os mares, de volta à nossa Pátria, que deixamos
quase onze meses. Parece um sonho. Eu mesmo não esperava isto tão
depressa. Há onze meses, viajávamos em sentido contrário, embarcados no
General Mann,... Naquela viagem de encontro à morte, a incerteza do futuro
calava em todas as fisionomias! Agora, porém, é a alegria estampada em
nossos rostos, embora mais calejados pelos sofrimentos suportados durante
os meses de guerra.
972
970
NETTO, João de Deus Freitas. Boletim Informativo da Casa Rorio Martins. Curitiba, 9 de
agosto de 1982.
971
Id.
972
ECKERT, op. cit., p. 376.
513
A viagem no navio foi considerada confortável, a comida muito boa e servida
duas vezes ao dia, à vontade. O diário de Eckert anotou a informação que foi dada
pelo ‘jornal falado’ a bordo, no dia 12 de agosto, além das notícias que chegavam
provenientes de várias partes do mundo. A mais marcante foi a de que se esperava
a rendição do Japão dentro de poucos dias.
No dia 21, foi rezada a última missa a bordo, destacada no relato:
Agradeci a Deus pelo fim da guerra e pelo nosso feliz regresso à Pátria.
Durante a consagração, cantamos o Hino Nacional. A assistência era tão
grande que se achavam repletos os três conveses da popa. Terminada a
missa, cantamos o Hino à Bandeira.
973
O sargento Boris Schnaiderman lembrou muito bem dos últimos instantes
passados no navio Mariposa. Na noite de 21 para 22, quase ninguém conseguiu
dormir. Após a primeira refeição, foi permitido que os soldados subissem para o
convés para admirar a madrugada do dia 22 de agosto de 1945. O litoral fluminense
foi aparecendo aos poucos. Na entrada da barra, os canhões dos fortes atirando, os
barcos menores indo ao encontro do navio transporte, apinhado de gente que
agitava lencinhos no ar.
O sargento Eckert percebeu que dois navios da Marinha Brasileira também
acompanhavam o grande navio e, com salva de tiros de bateria anti-aérea, causava
grande emoção entre os combatentes. Todos os navios mostravam-se engalanados,
com bandeirolas verde-amarelas. No mastro principal, estava hasteada a Bandeira
do Brasil. “Sem demora, começamos a avistar o Corcovado, encimado pela estátua
do Cristo Redentor. Quando o Mariposa manobrou para a entrada da barra da Baia
da Guanabara, estávamos cercados por dezenas (talvez centenas) de embarcações
de todos os tipos e tamanhos, todas superlotadas de passageiros, iniciando-se um
‘terrível bombardeio’ de foguetes e fogos de artifício, com gritos e ovações, acenos
de boas vindas numa tal confusão e frenesi”.
974
Na manhã do dia 22 de agosto, quem levantou logo cedo encontrava nas
bancas de revistas os jornais do dia. A Folha Carioca exibia na primeira página o
título ‘Soldados da Liberdade’. estava todo o roteiro do desfile que iria acontecer
logo à tarde. Ressaltava o jornal:
973
ECKERT, op. cit., p. 382.
974
Ibid., p. 383.
514
Nunca, entre nós, o patriotismo tinha deixado de ser uma simples palavra
tão abusada e abstrata, para ter demonstrações tão concretas como agora,
nessas expressivas e carinhosas homenagens que o Brasil vem prestando
aos seus gloriosos pracinhas.
975
Às 9h30min, o Mariposa começou a atracar no cais do armazém 10. Às 10h, o
presidente Getulio Vargas subiu a bordo para dar as boas vindas aos combatentes.
A partir desse momento, iniciou-se o desembarque. O sargento Ecckert e os demais
haviam caprichado na composição do uniforme. Levando o saco ‘A’ nas costas, fuzil
a tiracolo, capacete de fibra na cabeça, cinto de guarnição na cintura, perneiras,
botinas engraxadas e todos com o distintivo da ‘cobra fumando’ no braço esquerdo.
Iniciaram a descida da rampa do navio.
Também a este escalão foi servido um lanche pela LBA, nos mesmos moldes
daquele que fora servido ao Escalão. O desfile iniciou às 14h, conforme havia
anunciado a Folha Carioca. O itinerário começaria pela Avenida Rodrigues Alves e
encerraria na Estação Pedro II.
No pensamento do sargento Schnaiderman, seria quase impossível desfilar
em formação. A multidão cercava os soldados, abraçava-os, beijava-os, arrancava-
lhes os distintivos metálicos. A infantaria não conseguiu desfilar, foi carregada nos
braços do povo, em meio aos vivas e às buzinas de automóveis que tocavam em
compassos marciais. Na estação D. Pedro II, onde o desfile foi encerrado, comboios
de trem aguardavam a chegada dos soldados. Saíram em direção à Vila Militar, sede
do Regimento Sampaio. Os soldados foram dispensados até o dia 25 de agosto.
Podiam voltar para casa. Muitos dos familiares já se encontravam nas dependências
do quartel para o encontro dos parentes que haviam regressado da guerra.
A Folha Carioca havia publicado, no mesmo dia da chegada do Escalão, a
notícia que iria repercutir muito mal entre os recém-chegados e que acabou criando
constrangimentos aos combatentes brasileiros
Segundo instruções baixadas pelo Estado Maior da FEB, no interior, as
praças, uma vez licenciadas do serviço ativo, não mais poderão usar o
uniforme daquela força. Os oficiais e praças que vão permanecer no
Exército Ativo, de acordo com a legislação em vigor, terão o prazo de 10
dias, a partir da chegada ao Rio, para readaptar os uniformes.
976
975
FOLHA CARIOCA. Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1945.
976
Id.
515
Esse era o segundo “presente” que recebiam os pracinhas do Exército
Brasileiro. O primeiro havia ocorrido no mesmo dia da saída do Escalão da FEB.
Pelo aviso 217- 185, no dia 6 de julho de 1945, a FEB era dissolvida, seus
elementos seriam desincorporados, retornando às suas atividades do tempo de paz.
Tais fatos, no apagar das luzes, como lembrou certo dia um combatente,
repercutiriam muito mal entre os componentes da FEB. Depois de uma volta
apoteótica para a pátria, do dia para noite, já não eram mais soldados.
O sargento Eckert retomou o rumo do sul do Brasil, onde moravam seus
parentes. Ao chegar, encontrou os moradores ainda um pouco assustados, quando
lhe contaram da agressividade que havia ocorrido na colônia durante o processo de
nacionalização.
Fiquei sabendo que minha mãe e meus irmãos menores tinham sido
perseguidos por essas mesmas autoridades, por terem falado alemão
dentro de casa. [...] estava eu na linha de frente, em plena guerra, servindo
de intérprete alemão, interrogando prisioneiros, enquanto, aqui, meus
familiares eram punidos.
977
O soldado Geraldino Werner, do R. I., chegou também no navio Mariposa.
Não participou do desfile, foi direto para o quartel. Lá, recolheu seus pertences em
um armário. À noite, pegou um trem na Estação Pedro II e foi para a casa de sua tia,
que se chamava Dina.
Ao entrar, foi uma alegria e disse da sua preocupação, pois não me viu
no desfile, e pensou que eu não tinha voltado. No dia do pagamento, fui
com o tio Jeremias ao seu alfaiate e mandei fazer dois ternos. Em uma loja,
compramos camisas, cuecas, meias, sapatos, chinelos, um belo chapéu
para viagem.
978
No dia 13 de setembro de 1945, Geraldino Werner recebeu o certificado de
reservista e não esperou as passagens gratuitas oferecida pelo Exército, embarcou
para São Paulo. Depois de um dia de viagem, chegou a Curitiba e desceu a serra
seguindo para a cidade de Paranaguá, onde residiam seus pais.
Cheguei de surpresa. Minha mãe e minhas irmãs levaram um tremendo
susto ao me verem, o mesmo acontecendo com meu pai na hora do almoço.
Não foi moleza não, pois foram três anos, sete meses e onze dias no
977
ECKERT, op. cit., p. 392.
978
WERNER, op. cit., p. 19.
516
exército. Tinha que começar pela adaptação à sociedade, pois todos que
voltaram da guerra eram tratados como neuróticos. Não foi o meu caso,
optei pelo trabalho de estivador no porto.
979
O 3º Escalão da FEB partiu de Nápoles no dia 28 de agosto de 1945, no navio
Duque de Caxias, que conduziu 1801 homens, sob o comando do coronel Mario
Travassos. Os embarcados eram soldados e oficiais do Depósito da FEB e do
Pessoal da Intendência, que ficava na retaguarda. Por esse motivo, eram chamados
de “sacos B”, pois os do “saco A” eram os combatentes da linha de frente.
Esse grupo saiu antes da Itália, pois tinha sido convidado para desfilar em
Portugal, homenageando o país. Tal fato contrariou os demais combatentes, pois
todos achavam que estes é que deveriam por merecimento ter recebido o convite.
Um desses protestos partiu do sargento do 11º R. I., José Alves:
Imagine, nós, os infantes sofridos, da linha frente, que vivíamos como
animais debaixo da terra, sob a lama, a neve, a chuva gelada e os ventos
cortantes dos montes escarpados, enfrentando as armadilhas invisíveis, os
ferozes bombardeios... Quando a mãe pátria Portugal exigiu a presença
dos soldados vitoriosos, quem foi mandado para lá?
980
O sargento José Alves e o tenente Ruy Fonseca retornaram ao Brasil no
Escalão, que saiu de Nápoles no dia 4 de setembro de 1945, sob o comando do
coronel Delmiro Pereira de Andrade, no navio Gen. Meiggs, com 5.342 homens.
Como na viagem anterior, o jornal A Tocha foi editado durante a viagem desse
escalão. Além das notícias que percorriam o mundo e eram lidas com muita
expectativa, os acontecimentos a bordo eram explorados em forma de piadas e
desenhos, que muito agradavam aos leitores. No dia 6 de setembro, o jornal
chamava a atenção para o racionamento de água a bordo, e satirizava: “Tome mais
banhos... de sol. Fazem bem à saúde e não exigem água.”.
981
O número editado no dia 8 de setembro apresentou o artigo do sargento
Bruno Schakal, com o título “Sepultura de Heróis”. O texto chamava a atenção para
os mortos que o Brasil havia deixado no Cemitério de Pistóia:
Naquele local, dormem o sono dos bravos os patrícios nossos que
derramaram o seu sangue no cumprimento do dever. [...] Prepararam-se
979
WERNER, op. cit., p. 19.
980
SILVA, José Alves, op. cit., p. 212.
981
A TOCHA. USS. Gen. Meiggs, 6 de setembro de 1945.
517
vigorosamente para uma jornada de heroísmo e de glórias, mas quis o
destino que eles penetrassem na noite, que o tem mais alvorecer, antes
de o mundo livrar-se dos conquistadores que combateram.
982
FIGURA 23 – CEMITÉRIO DE PISTÓIA (ABRIL DE 1945)
FONTE: Acervo da autora.
O último número de A Tocha, publicado no dia 16 de setembro, foi quase uma
despedida dos editores. As um texto abrangente sobre o histórico da FEB, em
quatro páginas, relatando toda a campanha, chamou a atenção também o artigo
intitulado “Adeus, Camaradas”, que dizia adeus aos praças e oficiais do Brasil, pelo
espírito de amizade que prevaleceu durante toda a viagem, mas também
recomendava: Esperamos que os oficiais e praças da FEB então falem com orgulho
e saudades, quando descreverem aos seus filhos e parentes os acontecimentos
passados e a camaradagem que mantiveram aos soldados dos Estados Unidos e
dos felizes dias de viagem no USS. Gen. Meiggs.
983
Consta que o navio Gen. Meiggs, em alto mar, reduziu a sua marcha,
aguardando a aproximação do navio Duque de Caxias, que vinha de Portugal, onde
desfilou o grupamento do pessoal do Depósito da FEB. O combatente Paulo Bonelli,
que estava neste navio, recorda do detalhe da saída do Escalão da cidade de
982
A TOCHA. USS. Gen. Meiggs, 8 de setembro de 1945.
983
A TOCHA. USS. Gen. Meiggs, 16 de setembro de 1945.
518
Lisboa. Após o desfile, houve uma confusão generalizada no embarque e mais de
vinte pracinhas não compareceram. “Quanta saudade eu senti da organização dos
americanos”.
984
O sargento José Alves, mesmo revoltado pelo atraso do navio Duque de
Caxias, que conduzia o 3º Escalão, conseguiu registrar os momentos finais da
viagem do seu Escalão. Quando o navio Meiggs atracou no cais, ele anotou:
“Estávamos em casa. Tivemos a felicidade de voltar! Naquele momento, fizemos
uma prece silenciosa pelo descanso eterno dos companheiros que ficaram
sepultados em Pistóia. Começamos a sentir a vibração calorosa do povo carioca”.
985
Pouco antes das 14h, o desfile dos pracinhas passava pela Avenida
Rodrigues Alves, seguindo pela Avenida Rio Branco. Ao passarem diante da sede
de A Noite e Rádio Nacional, o povo se comprimia em ambos os lados das calçadas
e aplaudia entusiasticamente, enquanto do alto das janelas a multidão atirava sobre
os soldados uma chuva de papel picado, confetes, serpentinas e pétalas de flores.
Como registrou José Alves: “Nossa recepção foi verdadeiramente apoteótica!
Uma coisa nunca vista! Inimaginável. Ficou sobejamente demonstrado o carinho, o
afeto e o calor humano do povo carioca”.
986
Ao chegar à Vila Militar, os soldados do 3º e escalões foram surpreendidos
pelo Boletim do Exército que proibia o uso do uniforme da FEB. Segundo José
Alves, tal ordem era intolerável. Qualquer nação teria orgulho de exibir os soldados
que derramaram seu sangue na Europa. Era uma vingança dos invejosos e
despeitados que, na hora precisa, fugiram do dever sagrado e tudo fariam para
humilhar os combatentes.
987
O major Ruy Fonseca encerrou o seu diário no dia 17 de setembro, por
ocasião da chegado do navio Gen. Meiggs ao porto do Rio de Janeiro, com essas
palavras:
Vou ao convés para acalmar-me e vejo a multidão que nos aguarda no cais.
Na volta ao lounge, escrevo estas palavras finais. Gostaria de fazê-lo com
984
BONELLI, Anselmo Olimpio. Cadernos de Lembranças. Blumenau, 20 de agosto de 2008.
985
SILVA, José Alves, op. cit., p. 212.
986
Id.
987
Id.
519
letras de ouro e, no momento, volto o pensamento para Deus. Agradeço-lhe
do fundo do coração por ter-me protegido todo esse tempo.
988
Muitas dúvidas quanto à continuidade da carreira no Exército povoaram seus
pensamentos naquele instante, mas, depois, com o passar do dias, resolveu
permanecer até cumprir o tempo final e entrar para a reserva. Foi também professor
durante 25 anos.
O 5º e último Escalão da FEB partiu de Nápoles no dia 19 de setembro de
1945, com 2.742 expedicionários, sob o comando do coronel Archiminio Pereira, no
navio James Parker. Chegou ao Rio de Janeiro no dia 3 de outubro.
O retorno dos combatentes aos seus lares foi uma experiência, muitas vezes,
dolorosa para soldados que acabavam de chegar da guerra. Muitos, com os seus
Certificados de Reservistas, não sabiam o que fazer. Os Certificados o abriam
portas para empregos e muitos reservistas eram olhados com desconfiança, seriam
os ‘louquinhos’ de guerra. Como desabafou o sargento José Alves: “Se o povo
carioca nos brindou com os maiores festejos e todo o carinho do seu coração
generoso; por outro lado, as autoridades nos trataram friamente, com hostilidade”.
Também o capitão Klas, da companhia do Batalhão do 11º R. I., um
defensor dos seus soldados, experiente nos campos de batalha nos difíceis dias de
Guanella e Abetaia, em dezembro de 1944, faz um balanço concreto dos rumos da
FEB, após os desfiles apoteóticos no Rio de Janeiro, entre julho e setembro de
1945:
O governo teve receio dos ideais democráticos que animavam os
expedicionários, com a vitória contra os países do eixo. Acontece ter o
soldado raso a única pretensão de voltar ao convívio da família. Jamais
pensou em derrubar o governo. O soldado, a quem chamavam de pracinha
(o que nunca admiti), foi pago e jogado fora do quartel ao voltar da Itália.
989
Os anos que se seguiram ao desembarque dos combatentes brasileiros em
1945, quando os soldados se sentiram realmente abandonados pelas autoridades e
pelo próprio exército, marcaram profundamente os combatentes da FEB. As
injustiças foram muitas, tanto para quem permaneceu nas fileiras do Exército, como
para os que voltaram à vida civil. Pela falta de informações e assistência, muitos
988
FONSECA, op. cit., p. 228.
989
KLAS, Alfredo Bertoldo. A verdade sobre Abetaia: Drama de sangue e dor no ataque da FEB
em Monte Castelo. Curitiba: Imprensa Oficial, 2005, p. 246.
520
combatentes sentiram-se desmoralizados e partiram para o alcoolismo. Não havia
quem os amparasse. Outros não se adaptaram ao trabalho que haviam deixado,
muitos morreram na miséria, até como indigentes, antes que a legislação federal
viesse socorrê-los. Era premente a união de todos e o fortalecimento do grupo. Era
necessário mostrar aos brasileiros que, além do exército de Caxias, existe um
Exército da FEB, composto por homens valorosos, bons combatentes, que um dia
cruzaram os mares para lutar, em terras estranhas, pelos ideais de liberdade que
sempre moveram seus homens. Era mais um desafio no pós-guerra. A Força
Expedicionária Brasileira agora tinha uma missão permanente.
5.6 A FEB E SUA MISSÃO PERMANENTE
Desejaria, se fosse um poeta, se fosse dos versos um cultor, um esteta a
compor um hino de glória, uma elegia da saudade, um preito de louvor à
memória dos nossos mortos expedicionários. Numa estrofe, épica e
altaneira, procuraria focalizar, descrever, narrar a ação desses bravos.
Numa segunda estrofe, nós lhe comporíamos um preito de louvor. Seria
uma homenagem do amor nacional. Um país inteiro, uma nação total a
repetir seus nomes. Os Silva, os Pereira, os Chico, o Wolff. Exaltaríamos
seus nomes, principalmente para a atual mocidade brasileira.
990
Celso Rosa, tenente da FEB
A participação do Brasil na Guerra Mundial constituiu para os participantes
da FEB, lembranças marcantes. A grande marcha empreendida entre os anos de
1943 a 1945, a partir de seus lares, muitos ainda com pouca idade, jovens recrutas,
mal preparados para a guerra, mas que no campo de batalha, se adestraram e
voltaram imbuídos de ideais. Mas também eram depositários de dúvidas quanto ao
futuro. Como seria o retorno à casa, o encontro com as famílias e a volta ao
emprego deixado antes? Eram perguntas sem respostas no momento em que
pisaram o solo brasileiro.
Para esses soldados, este período da vida significou chagas e cicatrizes que
ainda continuaram vivas. Durante longos meses de agonia e sobressaltos em campo
de batalha, aumentara-lhes a convicção de que eles como soldados, haviam
representado a honra, a dignidade e as esperanças da pátria .
990
ROSA, op. cit., p. 215.
521
Qual combatente não sentiu um lampejo de lembranças quando ouviu falar
em Porreta Terme, Gaggio Montano, Abetaia, Soprassasso, Torre de Nerone,
Bombiana, Monte Castelo, Sila, Riola, Montese, Colléchio e Fornovo di Taro?
Impossível, esquecer estes nomes tão ligados a um sacrifício humano.
A FEB para esses homens o significou apenas uma sigla, ela vai além,
lembra o sentimento da perda de muitas vidas, de sangue derramado, lágrimas das
mães, das esposas, e dos filhos e fazem hoje parte do acervo de misérias
provocadas pela guerra. Quantas vezes, na guerra, alguém não chorou a morte
estúpida de um amigo que estava ao seu lado? Os que voltaram, viram suas vidas
marcadas, a juventude truncada pelo antes e o depois. Sentiram-se ainda soldados,
que um dia imbuídos dos ideais democráticos, transportaram a honra, a dignidade e
a esperança da Pátria.
Os soldados da FEB, não entraram na guerra por interesse ou qualquer
paixão violenta e cruel.
Cumprimos apenas nossa palavra empenhada em solenes tratados,
obedecendo ao instinto profundo de nacionalidade, seguimos apenas as
tradições ao longo da nossa história se foram definidas com a nossa própria
razão de ser, isto é, batemo-nos pela liberdade dos povos.
991
Para os veteranos da campanha da Itália, a guerra não constituiu apenas um
dever cumprido, onde as tropas nazi-fascistas foram rendidas em Colléchio e
Fornovo di Taro no longínquo 30 de abril de 1945. Mas tinha um significado maior e
vinha em forma de reivindicação: - O reconhecimento dos feitos heróicos um dia
ocorridos na Itália e dos valores que moveram seus homens.
Ao desembarcarem no porto do Rio de Janeiro e dirigindo-se para os quartéis,
a curta permanência na cidade mostrou o quão difícil seria a caminhada. Sentido-se
abandonados pelas autoridades civis e militares, os combatentes perceberam a
necessidade de fortalecer o grupo e de perpetuar a história da FEB. Era necessário
unir forças, juntar suas histórias, seus símbolos e apresentá-las às gerações futuras,
como paradigmas a orientar o amor a pátria. A FEB seria como uma lâmpada votiva
a iluminar as memórias, pois um dia, eles como soldados, pensaram no povo,
defenderam o patrimônio moral em nome da reconstrução da paz.
991
ARAUJO, Vicente Barbosa de. No Bronze, oculto do herói. Revista o Expedicionário. Associação
dos Ex-Combatentes do Brasil. Nova Iguaçu. R.J. n.84, dezembro de 1980.
522
Não poderiam tais feitos cair no esquecimento. Deveriam servir de incentivo
às gerações futuras, recordá-los nas escolas e evocá-los nas comemorações
nacionais, desse modo revigorando o idealismo e a coesão da nobre cruzada que
dispunha a FEB em sua caminhada. Não teria um testemunho mais expressivo do
que o próprio combatente, volvido ao Brasil era necessário um novo enfrentamento,
perpetuar a memória da FEB, não deixar dissipar os fragores da batalha.
Do conjunto de ações que o tomando corpo, as Associações de
Combatentes aos moldes do que acontecia na Europa e nos Estados Unidos,
também são criadas no Brasil. Não tinham os febianos a força que os combatentes
europeus e americanos em seus países Os europeus tinham a seu favor uma
sociedade que havia vivenciado a guerra, e estavam extremamente motivados a
ajudá-los. Em relação ao norte americanos, dada aos grandes contingentes que
saíram para a campanha na África, Europa e Ásia, contavam suas associações com
o interesse da sociedade norte americana que na época havia desenvolvido o
grande esforço de guerra.
No caso brasileiro, o Brasil foi alçado a tropa combatente somente em 1944,
em um front que não era considerado prioritário, e se levarmos em consideração os
25 mil homens que embarcaram para a Itália, constituíam 0,06 da população
brasileira. Em termos de uma guerra que o aconteceu no território brasileiro, não
havia por parte da população conhecimento e interesse sobre a participação
brasileira na guerra.
Logo no pós-guerra, várias cidades se organizaram em torno dos
combatentes que haviam voltado, ou até pela lembrança dos mortos, lançaram-se à
criação de monumentos expressivos que foram erguidos em logradouros públicos. O
general João Batista Mattos, capitão na época da guerra conseguiu em uma obra
importante, relacionar os monumentos dedicados à FEB. Localizou-os por município,
destacando os pormenores da construção bem como reuniu a maior parte dos
discursos que marcaram as solenidades de inauguração. Como bem disse Mattos:
“a repercussão que teve tal Expedição em todo o país e que sobreviverá pelo futuro
em fora, graças ao bronze que a eterniza”.
992
Os primeiros núcleos de associativismo entre os combatentes, tinha a
principio o objetivo de retomar os laços de amizade, relembrar o espírito de
992
MATTOS, João Baptista de, op. cit..
523
camaradagem que havia iniciado na Itália e relembrar os fatos vivenciados. Em
de outubro de 1945, mal haviam chegado os últimos escalões que retornavam da
guerra, no Rio de Janeiro era criada a Associação dos Ex- Combatentes do Brasil,
sendo depois seguida por outras em todo o país. O número maior de combatentes
tinha saído do Rio de Janeiro, e por ser também a capital federal da República,
favorecia a instalação de uma associação que pudesse servir a todos que ela se
agregassem na primeira experiência de uma instituição voltada para essa categoria.
Do núcleo central no Rio de Janeiro, a Associação cresceu e acabou chegando no
interior do Brasil, sob a forma de seções que podiam ser municipais ou estaduais.
No início a Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, buscava promover a
integração social entre os veteranos de guerra, e ter uma representatividade diante
das autoridades. A questão da memória da FEB era algo colocado acima de
qualquer proposta, e deveria estar presente nas festividades públicas, civis e
militares. E outra preocupação da diretoria eleita era não assumir políticas de cunho
partidário, o que mostrou inviável mais tarde. O colegiado era eleito por meio de
chapas inscritas e votadas em assembléias gerais para períodos delimitados em
seus estatutos. O órgão centralizador era constituído pelo Conselho Nacional,
sediado no Rio de Janeiro, formado por delegados eleitos como representantes de
todas as seções nas Convenções Nacionais. O período vigente de atuação de cada
diretoria era por um período de dois anos. Essas seções em tempos passados,
chegaram a ter um mero expressivo em outra cidades, como São Paulo, Curitiba,
Belo Horizonte, São João Del Rey. Hoje gradativamente estão desaparecendo junto
dos últimos expedicionários, ou estão sobrevivendo com grandes dificuldades, dão o
número exíguo de combatentes.
A principio, os associados eram aceitos na condição de terem ido mesmo
para a guerra, mas depois, devido a legislação que foi dando cobertura à outras
categorias, como os que se mantiveram de plantão nos fortes brasileiros, também os
componentes da Marinha de Guerra, acabaram sendo reconhecidos como ex-
combatentes e são aceitos na Associação. Neste caso, foi efetiva a posição do
capitão na guerra Plínio Pitaluga,, reeleito presidente da Associação do Ex-
Combatentes do Brasil para várias legislaturas, favorável a permanência nos
quadros associativos dos elementos que não combateram na Itália e referendadas
em suas palavras: se o individuo foi convocado, largou o emprego, a família, ficou à
524
disposição do Exército para tarefas de vigilância de lugares vulneráveis, de quartéis,
depósitos de armas e munições. E se não foi a guerra na Itália, isso faria dele um
combatente, pois estava a disposição do país.
993
Nem todas as associações que
vieram depois concordariam com este posicionamento. Em nossos dias, a situação é
diferente, todos são aceitos dentro das diversas associações que estão em
atividade.
Das muitas formas de ações empreendidas pela Associação do Ex-
Combatentes do Brasil, há que se registrar a participação efetiva dos seus membros,
nos discursos proferidos, seja nos eventos públicos, onde a instituição fora
convidada a participar. Além desta modalidade, foi criada a revista O Expedicionário
direcionada aos sócios, com todo o tipo de informação, história e entretenimento.
Neste sentido, colaborava-se com artigos, que referendavam as ões da FEB,
muitos vivenciados pelo próprio autor. Entre os artigos dava-se preferência para os
que usavam das narrativas de guerra. Não era apenas o incentivo pela literatura,
mas também eram divulgadas as músicas, como os sambinhas que foram editados
no front, as poesias que retratavam as pessoas, o patriotismo e os ideais que
moveram os homens da FEB durante a guerra. No teatro, incentivaram-se as
apresentações de peças onde a Tomada de Monte Castelo e Montese, ocorriam não
somente nas unidades militares, mas nas praças públicas, por ocasião das datas
nacionais. Era a FEB demarcando a sua memória.
A Associação do Ex-Combatentes do Brasil, por muitos anos manteve a
edição de sua principal revista O Expedicionário em gráfica própria localizada no Rio
de Janeiro. A Revista muito bem organizada, dispunha além do editorial, duas
seções importantes: a da História e Noticias, ou então Atualidades e Pesquisas, mas
a prioridade era dada para a seção de História, com artigos voltados exclusivamente
para a exposição dos feitos da FEB. A revista recebia a contribuição de artigos
provenientes de outros associados das demais seções espalhadas pelo Brasil. Além
de enfatizar os dados históricos sobre a FEB, a revista servia também como tribuna
das reivindicações dos combatentes perante as autoridades como o editorial
publicado em junho de 1978, sob o titulo de Carta ao Ex-Combatente:
993
BONFIM, Luiz Paulino. Correspondência eletrônica. Rio de Janeiro, 4 de maio de 2003, apud
FERRAZ, Francisco. A Reintegração Social dos Expedicionários. Tese (Doutorado) USP, São
Paulo, 2005.
525
Vem, Ex- Combatente, à 17 ª Convenção Nacional, com tua alegria, com tua
decepção , com tua mágoa. Mostra aos mineiros as condecorações que
recebeste por tua valentia, teu heroísmo. Revela a Minas Gerais, berço de
Tiradentes, a tua decepção. Mostra a ele que não subsiste a um cadafalso,
porém, que te estiolas nas grande filas de beneficio, de uma pensão, de
aposentadoria.
994
Por quase uma década, de 1970 a 1980 a Revista O Expedicionário
sobreviveu, sob o patrocínio dos associados e de empresas que buscavam
publicidade.
Os combatentes paranaenses de inicio também organizaram em Curitiba uma
seção ligada à Associação dos Ex-Combatentes do Rio de Janeiro, mas na primeira
convenção veio o racha’ por divergências políticas. Seis estados afastaram-se da
representação central, foi o caso de Minas Gerais, Paraíba, Rio Grande do Norte e
São Paulo, Curitiba e Santa Catarina pois não aceitavam o envolvimento dos
febianos com o Partido Comunista. Era uma preocupação das delegações que se
retiraram da convenção, no sentido de não verem prejudicadas as relações dos
combatentes com a sociedade brasileira. Viram na Convenção uma desvirtuação
dos objetivos da FEB. Outra questão observada pela delegação paranaense na
época, e isto incomodava de fato, era o Sr. Pedro Sampaio Lacerda, presidente
eleito, ter sido saco B’ durante a guerra, já que este fora para a guerra como
funcionário do Banco do Brasil, nunca tinha escutado um tiro. Depois, segundo os
paranaenses, eles não eram nem de direita nem de esquerda.
995
A retirada do grupo de combatentes paranaenses, acabou incentivando a
criação de associação independente.O que competia aos paranaenses naquele
momento?
Sem abandonar o campo de luta, elaborariam seus próprios estatutos,
trocariam o nome da Associação de modo a exprimir decisivamente sua
independência, promoveriam a eleição dos camaradas que regeriam os
destinos da entidade em sua nova fase. No dia 18 de março de 1947, em
uma sessão no Circulo de Estudos Bandeirantes foram aprovados os
estatutos da Legião Paranaense do Expedicionário.
Foram muitos os percalços da nova instituição, o havia ainda uma sede
própria e tinham que contar com a boa vontade de outras entidades que lhes cediam
994
PINTO, Dalton Feliciano. Revista o Expediconário, ano V, n. 54, Rio de Janeiro, junho de 1978.
995
CONTI, Ítalo. Entrevista. Curitiba, 15 de junho de 2000, apud AMARAL, Maria do Carmo. O Museu
do Expedicionário um lugar de memórias. Dissertação (Mestrado), UFPR, 2001.
526
espaços para reuniões. “Vivia a Legião, num clima de desconfiança por parte das
entidades públicas”. O que veio a minorar essa questão, e dar credibilidade à nova
Associação foi a vinda do general Oswaldo Cordeiro de Farias, como comandante
da 5ª Região Militar.Tal fato repercutiu e novos sócios foram agregados, o que
reforçou o modesto caixa da instituição que não tinha como sobreviver com tão
poucos proventos.
A sociedade paranaense aos poucos vai ajudando a L.P.E., D. Herminia
Lupion, esposa do governador, na época, apoiou a realização do espetáculo
cinematográfico “Os melhores dias de nossa vida”, um filme que tratava da 2ª guerra
mundial. “O povo curitibano correspondeu a confiança que nele depositou a L. P.E.,
o espetáculo constituiu um episódio de raro brilho social, ao mesmo tempo que
representou um substancioso auxilio pecuniário para nossa entidade”.
996
A L.P.E. continuava ainda sem uma sede própria, perceberam os
combatentes paranaenses o quanto era necessário a edificação da Casa do
Expedicionário, pois esta em termos de futuro, se tornaria depositária dos feitos da
FEB. Para que tal projeto se tornasse realidade foi necessária uma aproximação da
sociedade. A 2ª Guerra Mundial foi lembrada nos desfiles, que vão se tornando cada
vez mais freqüentes. Á medida que a construção da Casa do Expedicionário tomou
fôlego, datas e nomes de febianos eram insistentemente lembrados junto da
população. Era necesrio esse envolvimento como estratégia de perpetuação da
memória dos que combateram na guerra. Recorreram-se a outras ações, abrem-se
oportunidades a novos associados, agora não somente os combatentes, mas se
permite a entrada de parentes, amigos e admiradores. “Dessa maneira, as medalhas
de condecoração não estavam mais relacionadas ao uniforme militar, elas passaram
a pertencer à esfera civil, como forma de reconhecimento pelo esforço na campanha
em prol do grupo”.
997
Várias campanhas em pról da construção da Casa do Expedicionário foram
empreendidas. A sociedade de Curitiba se viu de certo modo envolvida com todas
essas realizações, eram festas, jogos de futebol, bailes, quermesses, churrascadas
e rifas de objetos. Dentre estes, talvez o mais expressivo tenha sido o sorteio de um
996
LPE. A História da legião Paranaense do Expedicionário: Fundamentos Espirituais. Revista do
Jubileu de Prata da FEB. Curitiba, 1970.
997
AMARAL, op. cit., p. 62.
527
automóvel Ford Custom de luxo, quatro portas, cor cinza–chumbo ano 1949, que
rendeu recursos para a concretização do projeto arquitetônico.
Reforçando os laços de pertencimento os expedicionários do Paraná,
atrelaram a inauguração da Casa do Expedicionário no dia 15 de novembro de 1951
à data da Proclamação da Republica:
A população não faltou com sua presença. Altas autoridades civis e militares
compareceram. Delegações de vários estados honraram com suas
presenças. Entusiasmo indescritível quando, após o desfile em homenagem
ao povo, vêm os expedicionários para a sua CASA, casa deles vivos, e
também dos mortos por que a estes os expedicionários não esquecem
nunca. O visitante que entrar no sacrosanto recinto onde cultuam os
veteranos a memória dos que não voltaram, sentirá o respeito e
saudade.
998
FIGURA 24 – LEGIÃO PARANAENSE DO EXPEDICIONÁRIO
FONTE: Acervo da autora.
Vinte cinco anos depois da criação da L.P.E, em seu editorial comemorativo
assim se expressou o seu presidente Hely Marés de Souza:
A fim de manter viva a memória dos nossos heróis e assistir os egressos da
guerra para a sua integração à sociedade, os expedicionários do Paraná
liderados pelo ex-capitão Felipe Aristides Simão, criaram a L.P.E, albergue
dos desajustados, templo de comunicação de civismo, laboratório da
recuperação social do ex- combatente, Monumento Histórico a perpetuar a
998
MATTOS, João Baptista, op. cit., p. 174.
528
lembrança daqueles que ofereceram o seu sangue nos campos de
batalha.
999
Anos de luta reverteram a situação dos expedicionários para que pudessem
ser assistidos por legislação própria. A Casa do Expedicionário abdica então do seu
caráter assistencialista e 1982, instituiu o seu museu, com expressivo acervo: além
de armaria e munição, equipamentos, uniformes, documentos impressos e cartas
geográficas catalogados de acordo com a museologia. Durante quase uma década
o museu contou com o apoio de uma equipe técnica e multidisciplinar, que
desenvolveu projetos educativos ligados às diversas escolas do Paraná e ainda
incrementou exposições itinerantes. Estas constituíram ações paralelas, levadas a
vários municípios no interior do Paraná. Neste contexto os veteranos e a equipe de
trabalhadores, envolveram suas ações sobre um eixo-básico: trabalhar a guerra não
como apologia ao belicismo, mas como aporte para a cidadania. A Casa do
Expedicionário e o seu Museu, apresentam-se como espaço de cidadania e
celebração.
O professor Dennison de Oliveira da Universidade Federal do Paraná
estudioso da FEB, em artigo onde avalia a questão de Cultura e Poder nas
cerimônias militares, demonstrou que a Tomada de Monte Castelo, ocorre sempre
em dependências das instituições militares e de ex- combatentes.
Não tenho noticias de outras entidades da sociedade civil ou do poder
público que se dediquem a celebrar a data, pelo menos em Curitiba.
Embora tais festejos sejam abertos ao público em geral podemos
caracterizá-los, então como predominantemente, senão exclusivamente, de
natureza militar. Nem sempre foi assim, claro, na medida em que existem
indicações de que tal celebração alcançou em outras conjunturas um
público maior.
1000
Apesar do esforço dos combatentes, a situação se repete em outros locais do
Brasil onde a data é comemorada. Não há uma participação mais efetiva dos
escolares e das pessoas da sociedade. Hoje é uma festa militar.
No Rio de Janeiro, onde o número de participantes da Guerra Mundial foi
mais expressivo, pertencia também à Associação da Associação dos Ex-
Combatentes do Brasil na sua sede central. Mas, quando a legislação que concedeu
999
SOUZA, Hely Marés de. Editorial, Revista do Jubileu de Prata da FEB, Curitiba, 1970.
1000
OLIVEIRA, Dennison de. Cultura e Poder nas cerimônias militares das Forças Armadas
Brasileiras: o caso da vitória de Monte Castelo.UFPR, fevereiro de 2000.
529
a pensão foi abarcando outras categorias, aqueles que realmente combateram na
Itália foram percebendo que eram minoria. Havia também problemas internos,
questões doutrinárias divergentes, que, segundo os autênticos democráticos,
obstruíam a ordem o os objetivos da Associação. O grupo se retira, e tenta se
aglutinar. Na época formavam este grupo os componentes da FEB, do Grupo de
Caça, alguns oficiais da Marinha de Guerra e um oficial da Marinha Mercante. No
dia 16 de julho de 1963, após a cisão, fundaram, o Clube de Veteranos, que em
1969 recebeu a denominação de Associação dos Veteranos da FEB. Em 1972,
dada a sua expansão geográfica de modo surpreendente, passou à denominação de
Associação Nacional dos Veteranos da FEB (ANVFEB).
A Instituição passa a ter sua marca própria, quando instituiu como presidente
de Honra o Marechal João Batista Mascarenhas de Moraes e criou o Bastão
Simbólico de Comando que passou pelas mãos de Cordeiro de Farias e até
recentemente esteve nas mãos do último marechal da FEB, João Levi que faleceu
aos 103 anos. Outro ponto de referência para os brasileiros, foi a instituição da
Medalha Mascarenhas de Moraes em 1971, admirada pelas demais associações,
por justamente homenagear o comandante da FEB.
O Monumento aos mortos no Rio de Janeiro foi idealizado por Mascarenhas
de Moraes e teve a participação dos combatentes da ANVFEB. A construção teve
início em 1957e foi concluída em junho de 1960, o objetivo de abrigar os brasileiros
da FEB que tinham sido sepultados no Cemitério de Pistóia na Itália . Uma comissão
foi organizada com este objetivo e ficou responsável de preparar a exumação dos
432 corpos que estavam. O monumento, talvez um dos mais expressivos,
construídos para a FEB, foi projetado pelos arquitetos Helio Ribas Marinho e
Marcos Konder Neto. O monumento ocupa uma área de 6.850 m2, em três planos:
Plataforma, Patamar e Subsolo e foi inaugurado pelo presidente Juscelino
Kubitschek.
530
FIGURA 25 – TRASLADO DOS MORTOS PARA O BRASIL
FONTE: Acervo da autora.
A ANVFEB no Rio de Janeiro possui um dos maiores acervos de material
sobre a Guerra Mundial, que foram utilizados pela FEB. Também essa
Associação editou uma revista com o objetivo de divulgar os episódios da
Campanha, trata-se da revista O Febiano. As primeiras tiragens ocorreram em 1969,
por longa data manteve a mesma estrutura editorial, publicando artigos referentes a
episódios ocorridos durante a guerra, bem como crônicas, poesias, todas de cunho
patriótico e músicas que relembravam os comandantes e comandados. Dada ao seu
estilo versátil a revista agradava aos associados, pois seus enunciados estavam
voltados todos para os ex- combatentes.
A Revista inaugurou uma seção que recebera o nome de Nossos heróis’,
dedicada aos que haviam morrido na guerra. A cada publicação, obedecendo
sempre uma ordem alfabética do primeiro nome, a revista destacava os dados mais
importantes do biografado, desse modo cristalizando a memória para o vulto emérito
entrar na história.
No início de suas atividades, a ANVFEB contou com presidentes atuantes que
haviam se distinguido na Campanha da Itália, como o general Olívio Gondin de
Uzêda, comandante do 1º Regimento de Infantaria da FEB e mais tarde o coronel
Adhemar Rivermar de Almeida, que participou da campanha de Montese. Eram
Homens comprometidos com seus soldados e detentores dos saberes episódicos do
531
campo de batalha. Dessas fases, os escritos tinham o objetivo de recordar os
momentos marcantes, escrever sobre eles, provendo assim, o enraizamento da
memória e dela tirar ensinamentos, dos valores, dos ideais e do patriotismo que
conduziram esses homens para a guerra.
A ANVFEB, foi a Associação que mais cresceu em todo o Brasil, na década
de 1980 e 1990, chegou a ter 41 regionais ligadas à Direção Central do Rio de
Janeiro. Nesta fase as regionais eram muito atuantes e garantiam a subsistência da
Associação com um número elevado de associados. No Rio de Janeiro chegou a ter
7.000 mil sócios e no interior cerca de 6.000 mil. Nesta época deram início aos
Encontros Nacionais, que se revestiam de grande festa de confraternização entre os
participantes de todo o Brasil. Certa independência se percebia nesses Encontros,
pois eles eram os organizadores.
Hoje tais Encontros são idealizados pela ANVFEB, mas supervisionados pelo
Exército, e com um caráter estritamente militar, onde Exército busca carona nos
eventos da FEB, para glorificar o Exército de Caxias. Perdeu-se o brilhantismo da
confraternização e do aspecto cultural que eram dados pelos combatentes. Há
pressa nesses eventos, encarados como uma missão que tem que ter horários
rígidos e uma disciplina hierárquica que a FEB já esqueceu.
Até que ponto a ditadura militar inferiu nos assuntos da FEB, seria uma
questão a se debater. Muitos comandantes que retornaram da Itália, alçaram por
merecimento e dentro da hierarquia militar postos graduados até o generalato.
Quantos participaram da Revolução chamada 31 de março? Demandaria de um
estudo mais profundo. Olhando os nomes com vagar, se percebe que muitos
serviram à ditadura, e mantiveram silêncio. Não cabe aqui o julgamento precoce dos
fatos, sem uma análise mais profunda dos fatos. Seria improcedente e inteligível
envolver a FEB como um todo neste processo.
A morte do marechal Mascarenhas de Moraes 1968 constituiu um grande
golpe para a FEB. As honras fúnebres, prestadas ao general se revestiu de um
aparato dado apenas a nomes de grande significância na história brasileira.
Mensagens de outros exércitos chegaram das partes mais longínquas do país. A
revista O Febiano dedicou todo um caderno, o de número 22 em homenagem ao
general. Assim como Max Wolff, Mascarenhas de Moraes, era agora homenageado
pelos homens que ele comandou na Itália. Neste número foram publicados todos os
532
elogios da folha militar de Mascarenhas de Moraes, bem como as apreciações dos
eventos em que ele participara no comando da FEB. Tais honrarias, neste dia,
diferiam muito das jornadas do início do julho de 1945, quando Mascarenhas,
retornando da guerra, desceu quase incógnito no aeroporto do Rio de Janeiro.
Acabou recebendo os cumprimentos e as boas vindas da guerra em sua residência.
Nesta perspectiva, perguntamos: Por que o relatório de guerra de Mascarenhas de
Moraes, transformado em livro foi editado a primeira vez na Argentina, o que impediu
a sua impressão no Brasil?
FIGURA 26 – MASCARENHAS DE MORAES COMANDANTE DA FEB
FONTE: ARBIZZANI et al. (1994, p. 143)
Outros tempos naturalmente, as mensagens catalogadas pela revista O
Febiano em homenagem ao marechal Mascarenhas de Moraes, mostraram a
personalidade do marechal e como ele era visto pelas pessoas. Uma delas expressa
a força à stica criada em torno do comandante: “Se grande foi o General de
Guerra, menor não foi o cidadão da Paz. Fiel servidor de sua FEB, primeiro escreveu
a sua história, depois cuidou de seus mortos e dedicou o resto da vida a zelar pela
vida dos combatentes”.
1001
Nesta perspectiva, a FEB perdera o seu condutor, grande
1001
REVISTA O FEBIANO. Homenagem póstuma a um grande comandante. Boletim n. 22, ago., set.,
out. de 1968.
533
homem, quase um pai. Se fazia urgente escrever a sua história, registrar os fatos
episódicos, lembrar de Mascarenhas era recordar da FEB, era enaltecer o soldado
brasileiro.
Neste aspecto, vai buscando a FEB demarcar a sua história. Na iminência da
aceleração do tempo, como disse Pierre Nora , se assegura a memória acumulando
religiosamente os vestígios, os testemunhos, os documentos, as imagens, os
discursos, sinais visíveis do que foi, como um dossiê prolifero a comprovar os
fatos.
1002
Para os febianos constituíram-se as associações momentos oportunos
para esses registros.
Dos acervos mais completos e que sobreviveram sob o cuidado dos ex-
combatentes, é possível destacar a Casa da FEB no Rio de Janeiro, o mais
expressivo, mas ameaçado pela falta de manutenção. Durante anos localizado na
rua das Marrecas, no Rio de Janeiro, tem sofrido pela infestação de todo o tipo de
insetos, que destroem papeis, livros, e toda sorte de material raro. A situação grave
que se abate hoje sobre a instituição, não diz respeito apenas ao material, mas
também ao destino a ser dado a todo o acervo.
1003
Por mais de 60 anos coube a eles
essa tarefa. Outra confusão diz respeito ao prédio da sede construído em terreno do
governo do Rio de Janeiro, um imbróglio que ninguém conseguiu resolver até o
presente momento. Hoje pesa a decisão de entregar este acervo, a propensão é que
seja colocado em um dos museus militares do Rio de Janeiro, provavelmente no
Forte Copacabana.
Espelhando-se na Direção Central da ANVFEB no Rio de Janeiro, os
combatentes das seções regionais se sentiram estimulados a criar seus pequenos
museus. Os acervos foram coletados entre os combatentes, que se dispuseram a
fazer o repasse das relíquias de guerra, para que mais pessoas pudessem vê-las.
Para se narrar a história, não bastava o bem material, era necessário o testemunho.
Muitas das regionais da ANVFEB, funcionaram e estão até hoje em sedes
provisórias. Em Florianópolis, foi cedido pelo governo de Santa Catarina, uma sala
1002
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. In: Les lieux de mémoire. La
Republique, Paris, Gallimard. Tradução de Yara Aun Khoury, 1984. Projeto História, São Paulo, (10)
dez. 1993, p. 15.
1003
N.A.: As noticias mais recentes indicam que a sede central da ANVFEB passa por reforma bem
como o seu acervo está sendo revitalizado com ajuda de entidades particulares. Para dirigir a
Associação abrem-se perspectivas dos sócios e colaboradores comporem também os quadros
diretores além dos próprios combatentes.
534
que funciona também como museu. Grande parte da antiga diretoria não existe
mais, e sobrevive ainda pelo esforço de parentes e amigos dos expedicionários.
Outra regional que tem se mantido com muito esforço por parte dos
combatentes é a regional da ANVFEB de Belo Horizonte, que conta ainda com um
grupo ativo de associados, entre febianos, parentes e admiradores. Seu pequeno
museu é também expressivo na guarda da memória da FEB.
A Regional de Porto Alegre, em homenagem ao general Mascarenhas de
Moraes, transferiu todo o acervo que detinha em sua sede, transferindo-o para São
Gabriel, terra natal do comandante da FEB a 13 novembro de 1992. Segundo a
orientação museológica o acervo se divide em duas épocas, antes e depois da
guerra. “A história contada através e pelos troféus de guerra é viva e
contemporânea. Cada peça é um momento de terror, de desespero, de destruição
que sacrificou e marcou gerações”.
1004
Na febre da criação de pequenos museus, na verdade, acervos de guerra, as
unidades menores como Petrópolis, mantém ainda hoje suas exposições. Outras
unidades pelo interior do Brasil, foram desativadas pela ausência dos
expedicionários e entregues às unidades do exército locais.
Junto com as Associações organizaram-se os Encontros, Convenções,
Passeios, Reminiscências e Exposições, objetivos que não as diferenciava uma das
outras. Pelo discurso a FEB se faz conhecida e forte como entidade de expressão
pública dentro das suas reivindicações. Esta última diz respeito aos benefícios pelos
quais têm se batido as associações.
Entre a legislação oficial e o enquadramento das categorias com direito à
pensão dos participantes da guerra, foi uma longa caminhada. Em primeiro lugar
estavam as famílias dos mortos, dos desaparecidos e das vitimas de torpedeamento
em águas nacionais, seguidos dos incapacitados parcial ou totalmente, neste caso
os mutilados de guerra e os que haviam adquirido doenças no front, e por último as
aposentadorias e pensões destinadas aos que fossem considerados ex-
combatentes.
Os primeiros a serem atendidos pelas pensões foram os familiares dos
mortos em campo de batalha, ainda em 1945.Os familiares dos desaparecidos
recebiam uma pensão condicional. os mutilados e neuróticos de guerra tinham
1004
SOUZA, José Conrado de. Catálogo da História do Museu Gaúcho da FEB. ANVFEB de Porto
Alegre, 1992.
535
que passar por uma junta médica e /ou psiquiátrica, para terem o respaldo da
pensão. As doenças tinham de ser detectadas logo após o desembarque, as que se
manifestaram depois não foram levadas em consideração pelas juntas médicas,
ocasionando muitas injustiças entre os que ficaram doentes depois e morreram sem
deixar qualquer tipo de assistência às suas famílias.A partir do anos 60 é que se
concedeu um amparo maior aos combatentes e finalmente, em 1980 os benefícios
foram extensivos a todos que participaram diretamente das operações de guerra,
situação que coloca em de igualdade os que realmente tiveram em combate na
Itália e os que ficaram de prontidão no Brasil.
Com diz o pesquisador Francisco Ferraz:
Além das dificuldades de reintegrar-se socialmente e profissionalmente,
além de competirem um espaço no imaginário coletivo com futebolistas,
astros de rádio e televio, os expedicionários ainda sofreram outra
desvalorização de seus feitos, esta mais insidiosa: a extensão de vantagens
concedidas por seus méritos pela participação da guerra a grupos cada
maiores de não combatentes.
1005
O que pensar do atual momento vivenciado pela FEB, da heróica expedição
cantada em prosa e verso nos idos de julho de 1945 durante o desembarque do 1º
Escalão da FEB no Rio de Janeiro? O porque do esquecimento, é algo que possa a
remontar a diversas hipóteses, todas plausíveis de explicações, dependendo do viés
que se queira analisar. Como se demonstrou nesta pesquisa, toda a mídia voltada
para o embarque da FEB para a Itália, bem como a condução das noticias que
alimentavam as redes jornalísticas durante o Estado Novo, ficaram praticamente
centradas no Rio de Janeiro, local de onde saíra seu contingente maior. O restante
do Brasil não tomou conhecimento, a não ser pelos familiares dos embarcados. Uma
guerra feita fora do território brasileiro, não criou problemas para a população a nível
do que passaram as populações da Europa. Aqui houve racionamento de alguns
produtos, mas nada tão sério que viesse causar problemas de abastecimento.
Mesmo no empenho das Associações de Combatentes de modo geral, no
sentido de prolongar através dos seus descendentes e associados o ‘espírito
febiano’, este mergulhou no desinteresse dos próprios filhos, destaca-se neste caso
a tentativa da L.P.E de Curitiba ao tentar criar o clube do cobrinha’, onde os filhos
1005
FERRAZ, op. cit..
536
de combatentes participariam dos eventos da Associação. Infelizmente ficou apenas
no projeto.
Por outro lado, as revistas O Expedicionário e O Febiano, com edições
restritas, serviam apenas aos assinantes associados, com discursos voltados
somente a essa categoria. As outras ações encetadas pela criação de museus, as
exposições itinerantes e eventos localizados, ficaram restritas a pouquíssimo público
e com o passar do tempo, ninguém mais se aventurou a levar adiante essas
propostas.
Também as diretorias das associações, não se revezaram, eram quase
vitalícias, com presidentes que se perpetuaram na administração, como aconteceu à
sede central da ANVFEB no Rio de Janeiro e a regional de Porto Alegre. São
explicitas as situações de que algumas associações não conseguiram acompanhar o
tempo, não se modernizaram, mantiveram- se fechadas focando o mesmo discurso.
Tardiamente a população foi convidada a participar. Uma guerra que ocorreu fora
do Brasil, deixou como testemunho poucas pessoas que vivenciaram esses
momentos, muitos não existem mais, outros eram crianças. Quem lembra desta
guerra? Por outro lado, que se levar em consideração a análise abaixo e que
incide na questão do desconhecimento da participação brasileira na Guerra
Mundial:
[...] a dificuldade de muitos historiadores profissionais em aceitar as
pesquisas realizadas por historiadores militares de carreira, alem do
preconceito arraigado na comunidade de historiadores, de origens,
predominantemente políticas, a tradição’ de intervenção militar na política
brasileira coroada com as péssimas relações entre o mundo universitário e
o regime militar de 1964 afastou os historiadores.
1006
A historiografia não acompanhou a história da participação brasileira na
Guerra Mundial e por conseência esta guerra não está nos compêndios escolares
de forma mais didática e esclarecedora.
O tempo para a FEB tem sido inexorável, por mais esforços que tenham feito
os combatentes no passado, hoje no limiar da idade em que muitos se encontram, já
não tem mais condões de dar continuidade aos objetivos que se propuseram
mais de 60 anos. A medida que os anos foram passando, já não há os curiosos para
1006
HANSON, Victor Davis. The dilemas de contemporary military histórian. In: GENOVESE,
Elizabeth; LASCH-QUINN, Elizabeth (eds). Reconstructing History, the emergence of a New Historical
Society. New York.I Simpósio Internacional de História Militar, apud FERRAZ, op. cit..
537
perguntarem sobre a guerra de 1944-1945, quando se aborda este tema em
algumas rodas, as pessoas, meio que incrédulas, podem até arriscar uma pergunta:
- Mas afinal de guerra você esta falando mesmo?
Mesmo as galhofas não existem mais: - vocês foram mesmo para guerra?-
Foi um belo passeio, não? morreu gente, estão enterrados em Pistóia?- Morreram
em desastres de jeeps, dizem que os brasileiros dirigiam muito mal.
Na metodologia de pesquisa que envolveu a presente pesquisa, como
instrumento de investigação, organizou-se um conjunto de 10 perguntas abertas que
denominamos Cadernos de Lembranças e foram respondidas por 20 ex-
combatentes. No aspecto focado, perguntamos: Em relação à sociedade brasileira,
como um todo. Você diria que:
Houve e ainda existe um reconhecimento do valor do soldado brasileiro que
combateu na Itália?
Este reconhecimento foi passageiro?
O que fizeram os veteranos para não serem esquecidos.?
De que forma o governo brasileiro poderia hoje valorizar os soldados
combatentes?
Segundo o combatente Aristides Saldanha Vergés, de Curitiba-Pr, que
pertenceu ao RI, respondendo à pergunta disse: “Nos primeiros tempos (o
reconhecimento) até que houve, mas foi passageiro. Até hoje tem gente que tem
dúvidas de brasileiros ter participado da guerra na Itália”.
1007
Já o soldado Anselmo Bonelli de Blumenau-SC, disse que: “o reconhecimento
veio sim, muito mais tarde. Mas foi momentâneo”.
1008
O tenente Ruy Fonseca, do Rio de Janeiro disse que o reconhecimento “veio
mais tarde, mas não para todos, e que as Associações dos combatentes, foram as
únicas que conseguiram apoiar o combatentes e que da parte do governo deveria ter
mais atenção aos acervos e museus das instituições pertencentes às
Associações”.
1009
O combatente João Albuquerque, hoje secretário da Associação dos Ex-
Combatentes seção de São Paulo, respondeu que no início houve reconhecimento
por parte da população, mas as novas gerações e mesmo os mais velhos ignoraram
1007
VERGÉS, Aristides. Caderno de lembranças, Curitiba maio de 2007.
1008
BONELLI, Anselmo. Cadernos de lembranças, Blumenau, maio de 2007
1009
FONSECA, Ruy. Cadernos de Lembranças, Rio de Janeiro, maio de 2007.
538
totalmente o papel da FEB, 62 anos se passaram e ninguém mais lembra que o
Brasil participou da 2ª Guerra mundial.
1010
O capitão Jairo Junqueira da Silva, disse que o governo brasileiro deveria
lembrar dos combatentes através dos curriculos escolares para que as gerações
compreendessem o valor da FEB. Sobre o reconhecimento público, disse que a
Associação dos Ex-Combatentes que ele dirige em São Paulo (capital) com
recursos próprios inaugurou o monumento aos soldados da FEB. Não tiveram apoio
algum do Exército ou da comunidade, e que o projeto ficou emperrado por dois anos
diante do desinteresse.
1011
Para o soldado Antonio Gonzáles, as Associações do Ex-Combatentes são as
únicas que mantém a chama viva da FEB.
1012
Antonio Rolim Valença, que na guerra
combateu no 1ºR.I., (O Sampaio), chama a atenção para a luta das Associações e
diz que a legislação sobre as pensões deixou muito a desejar, a partir do momento
em que alguns prosseguiram na carreira militar no Exército, não tiveram o
reconhecimento de ex-combatente para efeito de pensão.
1013
Do balanço que se fez das respostas desses e de outros questionários
respondidos na ocasião, é que os combatentes brasileiros, de certa forma
expressaram a sua decepção, seja com a geração atual, com as
autoridades, com o exército brasileiro. Mas afirmam que ainda brilha a
chama do combatente que desembarcou no Rio de Janeiro em julho de
1945, cheio de planos e do amor incondicional pelo Brasil. A idade não
constitui problema para esses velhos soldados. – As Associações significam
os valores por quais eles sempre se bateram e que a missão do soldado
assim como a da FEB será permanente.
1010
ALBUQUERQUE, João. Cadernos de lembranças, São Paulo, maio de 2007.
1011
JUNQUEIRA DA SILVA, Jairo. Cadernos de lembranças, São Paulo, 5 de julho de 2007
1012
GONZALES, Antonio. Cadernos de Lembranças, São Paulo, 5 de julho de 2007.
1013
VALENÇA, Antonio Rolim. Cadernos de Lembranças, Petrópolis, 20 de maio de 2007.
539
CONSIDERAÇÕES FINAIS
64 anos, as forças aliadas que combateram contra o nazi-fascismo,
durante a Guerra Mundial, faziam ruir por terra as armas do eixo Berlim-Roma-
Tóquio, dando fim a uma guerra que iniciara em 1939. No maior conflito mundial
ocorrido em época contemporânea, a participação do Brasil, por meio da Força
Expedicionária Brasileira, foi modelar, elogiada pelo V Exército Americano,
cumprindo o seu papel na defesa das liberdades.
A participação brasileira na Guerra Mundial tem suscitado pesquisas
relevantes, embora o número de pesquisadores sobre o assunto seja considerado
pequeno. Nesse aspecto, a historiografia disponibilizada até o momento é restrita:
geralmente, são estudos com base no que foi até agora produzido sob a ótica dos
comandantes, tendo como ponto de partida o relatório do comandante Mascarenhas
de Moraes: um estudo complexo, que ele editou logo no pós-guerra em A FEB pelo
seu Comandante.
Na perspectiva de conhecer e compreender a Força Expedicionária Brasileira
na ótica dos combatentes, a presente pesquisa privilegiou como fontes principais
seus diários e testemunhos: memorialistas, embora soldados e oficiais que
estiveram em frente de batalha. Para grande parte dos pesquisadores, esses
documentos durante longos foram relegados a um segundo plano, considerados de
pouca consistência histórica e ufanistas demais.
Os relatos dos soldados brasileiros sobre o passado longínquo da guerra
marcaram um tempo e representaram o olhar de cada um sobre os acontecimentos.
Relatos singulares a dizer os motivos que antecederam à convocação, os
preparativos para a guerra, a vida nos acampamentos, o enfrentamento nos
pesados combates que culminaram com o fim da guerra e o retorno ao Brasil. Na
condução da pesquisa, buscou-se perceber o sentido desta narrativa, como foi
conduzida e que vinculação se fez da experiência do tempo passado em relação ao
presente.
O sentido histórico que se procurou na narrativa dos pracinhas brasileiros
dizia respeito à percepção, interpretação, e à motivação que esses homens tiveram
para anotar os acontecimentos em seus diários. Mas, ao mesmo tempo, as questões
instigantes buscavam a compreensão, no sentido de perceber a relação dos relatos
540
dessas personagens nas suas experiências e de que modo elas vieram a incidir nas
maneiras de agir.
Na abordagem das fontes que direcionam a presente pesquisa, buscou-se a
“cena originária”, descrita pelos soldados em seus relatos. São as marcas indeléveis
dos sacrifícios a que foram submetidos na guerra em terra estrangeira, em que se
permite perguntar: Por quê? Como? Onde? Perguntas orientadoras da narrativa
histórica proposta nesta pesquisa, lembranças dos homens, um dia soldados na
Itália, compondo lições profundas do passado, emergidas do tempo a orientar o
presente.
Buscou-se trabalhar com os diários já editados, pela dificuldade de
abordagem da documentação original. Os diários foram publicados em fases
diferentes, entre as décadas de 1970 e 2002. Poucos usaram o título “Diário”,
geralmente o termo usado é ‘Memórias’, sempre demarcadas pelas anotações feitas
na guerra. De maneira geral, os combatentes fizeram uso de uma cronologia diária,
como foi o caso do médico Massaki Udihara, de Edgard Eckert, de Ítalo Diogo e de
Ruy Fonseca. Outros fragmentaram os assuntos por tópicos e cronologia, como
ocorreu com as memórias de José Alves, Ernani Ayrosa, Alípio Côrrea e Rudimar
Marconi. O combatente Klas, em suas memórias, abordou as questões da retirada
de Guanella e o processo militar que incidiu sobre a retirada da 1ª Cia. do
Batalhão do 11º R.I. e o combate frustrado de Monte Castelo no dia 2 de dezembro
de 1944. Já o soldado Leonércio Soares escreveu os episódios da FEB em forma de
um conto, o mesmo acontecendo com Boris Schanairdeman. Ambos apresentaram-
se como narradores dos fatos da FEB, situando-se nos episódios em que foram
envolvidos com os companheiros, mas usando nomes fictícios para as suas
personagens. O único diário manuscrito a que se teve acesso foi o da enfermeira
Guilhermina Gomes, datado de 1946.
que se avaliar que os escritos produzidos nessa fase constituíram-se de
um número restrito de memorialistas, em função da pouca formação escolar que
detinham os soldados. Os testemunhos mostram que mesmo as cartas que eram
enviadas para as casas durante a guerra, geralmente, eram escritas, a pedido, por
pessoas conhecidas. O relato oral dos soldados, nos últimos tempos, tem ficado
restrito aos pesquisadores e aos temas de escolha para a produção de seus
trabalhos. Mesmo o Exército Brasileiro em suas pesquisa de história oral, no ano de
541
2000, não registrou os depoimentos dos soldados. Por questões de escolha, foram
registrados apenas os depoimentos dos oficiais.
Da narrativa dos diários, percebeu-se, em muitas ocasiões, as vozes
sintonizadas com os fatos que envolveram a convocação, a falta de emprego no
interior do Brasil e as poucas perspectivas que o futuro apresentava, como
aconteceu ao soldado José Conrado, a Oudinot Viladino e a Miguel Pereira, que
viram na carreira militar, ou na convocação, uma maneira de conseguir trabalho em
tempos difíceis.
Quando da instalação do Estado Novo, grande parte dos recrutas brasileiros
tinham 15 anos de idade e os oficiais eram um pouco mais velhos. Os soldados
que haviam conseguido freqüentar as escolas, na cidade ou na zona rural, passaram
por ensinamentos que fortaleciam as raízes brasileiras, tão defendidas pelos
intelectuais que se firmaram no discurso modernista de 1924. Mais tarde, durante a
implantação do Estado Novo, esses mesmos intelectuais ocuparam cargos chave na
administração pública brasileira, seja no campo da Educação, Cultura, Justiça ou em
outras esferas.
Os pensadores do Estado Novo viam a sociedade civil como um corpo
conflituoso, indefeso e fragmentado. Nessa perspectiva, se corporificou no Estado a
idéia de ordem, de organização, de unidade, pois somente o ele poderia fazer
funcionar com harmonia todo o organismo social; portanto, era o cerne da
nacionalidade. Do Estado, partiram as intervenções em um caudal considerável que
se estendia da política econômico-financeira à política trabalhista, à reforma
administrativa, abarcando a política externa, as forças armadas e a educação. Os
idealistas esboçaram uma nova concepção de mundo, e o projeto político
pedagógico vai educar coletivamente. A mola propulsora de todo esse empenho foi
a valorização das coisas brasileiras.
O Ministério da Educação, dirigido por Gustavo Capanema, se ocupou da
educação formal e erudita e contou com as figuras expoentes da literatura, ligadas
aos projetos modernistas, como Carlos Drummond de Andrade, Lucio Costa, Oscar
Niemeyer, Candido Portinari, Mario de Andrade, dentre outros. O D.I.P., por sua vez,
foi assessorado por intelectuais como Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia e
Candido Motta que, com seus pensamentos centralizadores, organizaram a política
cultural destinadas às camadas populares.
542
Do D.I.P., partiram as ações mais concretas e sofisticadas de que se lançou
mão. Os meios de comunicação como o dio, o cinema, o teatro e a imprensa,
principalmente a escrita, foram as formas adotadas e objetivas no cumprimento de
metas adotadas em relação ao grosso da população. Da Agência Nacional, partiam
as notícias que o D.I.P. permitia publicar e que eram repassadas a outras sucursais
jornalísticas. Durante a guerra, as notícias sobre a atuação da FEB passaram pelas
censuras militares norte-americana e brasileira e chegaram às redações. Lá, foram
adaptadas a uma linguagem grandiloqüente, que enaltecia a FEB malmente
desembarcada no porto italiano.
Do projeto de brasilidade, a intenção de aproximar o poder blico da
população foi aos poucos se concretizando. As várias estratégias chegaram aos
centros maiores, por meio do cinema e de documentários de propaganda, também
pelo rádio, música e teatro. No interior brasileiro, embora os meios de comunicação
não facilitassem tanto, o rádio era o centro divulgador das notícias. Os eventos
cívicos eram estimulados e as paradas escolares tinham a participação não apenas
dos escolares, mas da comunidade como um todo, em cujas homenagens os vultos
históricos eram encaixados e o grande herói Caxias, o soldado de vida exemplar, era
lembrado, como a mostrar um passado heróico, que o novo Estado se propunha a
recuperar. A sociedade brasileira e, por conseqüência, os soldados que depois iriam
para a guerra, não fugiram a esses ensinamentos. Às ações desencadeadas pelo
Estado Novo, juntavam-se sociedades organizadas como, por exemplo, a Liga de
Defesa Nacional e a Legião Brasileira de Assistência, que, em seus discursos
patrióticos, perpassaram à sociedade brasileira os valores em que acreditavam.
A partir de 1930, as mensagens vinculadas a Caxias não enfatizaram apenas
a legalidade e a disciplina, mas a fusão do Exército e da Nação. No Estado Novo, a
imprensa brasileira assumiu o discurso patriótico, tão enfatizado pelas correntes
idealistas e, na condução de seus editoriais, reforçou os laços de pertencimento.
Projetou-se a imagem da FEB como a vanguarda da nação.
A inserção da imagem de Caxias nos discursos dos combatentes brasileiros é
explícita quando da chegada do Escalão da FEB ao território italiano. No
acampamento de Vada, no dia 25 de agosto, o Dia do Soldado foi comemorado e
citado em vários diários. Poucos tiveram um aporte mais reflexivo e crítico nesse
sentido da comemoração. De certa forma, a celebração havia sido introjetada, não
543
apenas pela tomada do enraizamento da memória pensada pelo Estado Novo, mas
paulatinamente trabalhada há quase uma década pelos mesmos intelectuais que
serviram à ditadura.
Nos discursos efetuados no acampamento de Vada, onde estavam
acantonados os recrutas do R.I., do Escalão brasileiro, por ocasião do Dia do
Soldado, a presença do general Mark Clark é lembrada, afirmando que naquele
momento estava presente a nata do exército brasileiro. ‘Estais bem equipados’. Tal
afirmativa não condizia com a realidade. A FEB havia desembarcado sem armas e
equipamentos. O general americano sabia que antes de armar a Divisão Brasileira
que estava chegando à Itália, e mesmo as forças norte-americanas estacionadas,
teria, por prioridade, preparar as Divisões Americanas que iriam participar do
desembarque na Normandia. Nesse dia, segundo os diários de vários pracinhas,
após muitos ensaios, o Batalhão cantou com orgulho o “Deus Salve a América”. Os
soldados estavam contrariados, não com a presença do general, mas pela
obrigatoriedade de cantar. Eram as ordens emanadas do comandante da infantaria,
Zenóbio da Costa.
Nos quartéis brasileiros, funcionou, até 1890, o Regulamento Benjamim
Constant. Nesse ideário, o soldado era visto como um cidadão armado,
corporificador da honra nacional e cooperador do progresso, na garantia da ordem e
da paz públicas. Duas décadas depois da Proclamação da República, o ideário dos
jovens militares tinha o mesmo peso do discurso positivista, que prevaleceu em
muitas fileiras, mesmo após a Missão Francesa ter passado pelo Brasil. Incorporou-
se nesta fase, entre os oficias de carreira, uma nova visão de mundo, adquirida nas
leituras indicadas pelos militares franceses, cujo objetivo era incutir e reproduzir
entre os militares brasileiros as qualidades do exercito francês, um dos maiores do
mundo. O simbolismo do exército nacional é reforçado pela representatividade de
figuras militares, dentre as quais Luiz Alves de Lima e Silva, o Caxias, ocupa o
patronato mais importante do Exército Brasileiro.
A aproximação de Vargas com os militares colocou em evidência a pessoa de
Góis Monteiro, que ocupou o cargo de Ministro Chefe do Exército. Muitas das ações
empreendidas dentro dos quartéis passaram a existir também fora deles.
Preocupava-se o Ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, com o entrosamento
entre os militares, os demais órgãos do governo e a sociedade civil. De acordo com
544
os novos padrões educativos, buscava-se o cidadão soldado. Nesse intento, o
governo e o Exército contaram com apoio dos intelectuais, como Olavo Bilac, um
dos defensores do serviço militar obrigatório, pois, a seu ver, esse seria um triunfo
completo da democracia e iria proporcionar o nivelamento das classes, a disciplina,
a coesão, um laboratório de dignidade e patriotismo.
Na polissemia dos discursos que gravitaram em torno da sociedade brasileira,
os soldados acabaram reproduzindo o pensamento nacionalista, que chegava de
várias frentes, seja do ideário estadonovista ou do positivismo, que ainda era vigente
nas fileiras do Exército. Na trilha do projeto educativo, reforçou-se a tutela
pedagógica dos jovens, em que deveriam se sobressair a educação cívica, o asseio
e a higiene. Os jovens até 17 anos constituíam o alvo do governo. Nesse aspecto,
os soldados brasileiros, futuros recrutas da FEB, de alguma forma, receberam os
ensinamentos voltados para a Juventude Brasileira, que reafirmavam o amor ao
dever militar, a consciência e a responsabilidade do soldado, o cultivo de valores
cívicos.
O discurso perpassava a ação. É assim que os soldados, mesmo nos
momentos mais angustiantes, expõem em seus diários e testemunhos o destino
reservado aos soldados. Nas suas reflexões, mesmo os mortos e mutilados
cumpriram o mais elevado dever patriótico, aquele da mocidade que se aprestou a
servir a nação. Para muitos combatentes, a dignidade do patriotismo armado não
estava no matar, mas no morrer. O heroísmo estava na serenidade demonstrada
diante da morte, de alguém que combatera pela verdade, pela liberdade, pela honra
e pelo bem. Essa atitude de resignação aparece em vários testemunhos, por ocasião
da perda de um companheiro.
Não havia entre os combatentes uma forte convicção das lutas pela liberdade
e do seu significado. Repetiam-se os slogans da democracia. Poucos descrevem
uma situação mais reflexiva e crítica em seus diários e memórias. A guerra lá fora do
país fora encarada como uma missão da FEB. Nos questionamentos de hoje,
quando perguntados se iriam à guerra novamente, a maioria respondeu
positivamente.
O civismo e o comprometimento com a pátria brasileira estão em quase todos
os diários. Mesmo por ocasião da convocação, quando da chamada pelos meios de
comunicação, os que aderiam ao chamado para compor os quadros da FEB citam o
545
civismo como a maior motivação que os impeliu a gesto tão comprometedor. No Rio
de Janeiro, na imprensa local, repercutiam ainda as notícias de torpedeamento dos
navios brasileiros em águas nacionais e o grande número de vítimas. Movido por
essa questão, o renomado cirurgião carioca, Dr. Alípio Côrrea, deixou registrado em
suas memórias: ‘Dentro desse pensamento e impelido por esse sentimento, julguei,
por obrigação cívica, pôr-me à disposição das autoridades’.
Entre a posição dos combatentes e os motivos que os levaram a combater na
Itália, estavam interesses particulares da participação brasileira na guerra. De um
lado, o presidente Getúlio Vargas, tentando reestruturar seu governo e fugir um
pouco do foco das atenções. Era notório que a imprensa brasileira, com a saída dos
escalões da FEB para a Itália, buscaria outros alaridos para colocar nas manchetes.
Por outro lado, também os militares tinham o seu interesse em aderir à guerra na
qual a FEB seria coadjuvante. Significaria, no futuro, ter acesso a técnicas modernas
de combate, além da projeção internacional, que alçaria o exército brasileiro à
condição de vanguarda em relação aos outros exércitos sul-americanos que não
participariam da guerra.
Sobre as lembranças dos quartéis cariocas que deveriam abrigar os soldados
durante os preparativos para a guerra, há quase uma unanimidade nos depoimentos
quando se faz referência às péssimas condições encontradas. Isso dizia respeito
aos alojamentos e à falta de higiene em todo o acantonamento. A aglutinação de
milhares de homens em um mesmo lugar dificultou os preparativos finais dos
regimentos antes da partida. Como disse um combatente, poucos irão esquecer as
condições em que encontraram o quartel do Capistrano. As filas intermináveis do
rancho e dos banheiros criaram um ambiente de descontentamento, que era contido
apenas com a rígida disciplina militar. Faltavam armários para se colocar objetos
pessoais e foram usadas até estrebarias para acomodar os homens. Triste situação
para quem estava para embarcar para a guerra. Como registraram os soldados, as
pessoas de elite fugiram da convocação. A FEB foi constituída por homens simples,
trabalhadores, em sua maioria, vindos da zona rural.
Do relato da seleção médica, os dados obtidos mostraram a diversidade
como os exames foram realizados nas diversas seções de saúde do Exército
espalhadas pelas regiões brasileiras. Dos cento e vinte mil examinados, uma minoria
foi aprovada, pois, em alguns lugares, os critérios foram rígidos demais, enquanto
546
em outros serviram de facilitadores para compor os quadros da FEB. Muitos o
reuniam condições de embarque. Até portadores de doenças venéreas adentraram
aos navios. Mal chegados a Nápoles, baixaram nos hospitais americanos para se
curar do problema. Pelos relatos, verificou-se quanto se bateram os médicos, na
fase da seleção médica, para atender às premissas do aliado norte-americano, do
qual o Brasil era signatário: Os recrutas deveriam ter saúde perfeita, altura e
dentição. É intrigante esse comprometimento do Exército Brasileiro há sessenta
anos, com o sério histórico das questões de saúde do brasileiro que sempre
pesaram na sociedade.
A partida dos combatentes para a guerra constituiu um dos momentos mais
emocionantes dos depoimentos, somente suplantados pelo retorno da FEB e pelas
recepções que aconteceram em julho de 1945. A despedida das famílias mostrou
como foi difícil o momento da separação. A figura dos pais foi sempre muito forte nos
depoimentos. Os homens partiam para uma guerra que não lhes fora muito bem
explicada, não tinham muito conhecimento do que os esperava. Foi natural que
colocassem essas apreensões no relato de seus diários. O que os esperava na
guerra? A viagem em si, feita com navios descomunais, e a ameaça constante da
presença de submarinos alemães causavam uma sensação de insegurança para
aqueles que viajavam pela primeira vez.
No desembarque dos escalões em Nápoles, a dura realidade foi exposta aos
brasileiros. Das narrativas, emerge o impacto de verificar o que os bombardeios
haviam feito à cidade. A miséria da população foi escancarada aos soldados. A falta
de alimentos era gritante, as cantinas e bares vazios mostraram o inimaginável. O
câmbio negro grassava pelas ruas: tudo tinha valor de troca, mas a prostituição das
jovens italianas, muitas com a aquiescência das famílias, foi a questão mais
chocante, mesmo para os que não tinham padrões morais tão definidos.
A presença de outros exércitos pela cidade, as fardas multicolores, tudo era
uma grande novidade para os soldados brasileiros. Muitos, pela primeira vez, saíram
de suas casas e, movidos pela curiosidade natural dos jovens, buscaram desvendar
a cidade, mas também ir além dela, percorrendo as vizinhanças em busca de
aventuras. Segundo os depoimentos, os pequenos lugarejos ao redor de Nápoles
foram praticamente invadidos pelos soldados brasileiros.
547
Nos acampamentos, em Agnaro, em Nápoles, depois em Tarquinia, Vada e
San Rossore, bem como nos povoados por onde os soldados iam passando com
seus regimentos, o contato com a população italiana passou a ser mais amiúde. A
facilidade da língua latina permitia essa aproximação. Não faltou o espírito generoso
da tropa brasileira em alimentar essa gente, quando houve oportunidade. As
aglomerações nas portas dos acampamentos, formadas por mulheres, velhos e
crianças, aparecem em todos os depoimentos. Os clamores da população famélica
não passaram despercebidos e são descritas em várias passagens. A cantilena
sensibilizou os corações dos jovens recrutas que, mesmo contrariando as ordens
dos comandantes, buscaram atender a essa gente. Alguns regimentos, como o 1º R.
I., comandado pelo coronel Olívio Gondin de Uzeda, tomou para seu grupo a
responsabilidade de distribuir alimentos pelos povoados que estavam em seu
caminho. No registro das memórias, ele destacou o colégio de freiras na cidadezinha
de Samona, onde crianças órfãs eram atendidas. Muitos anos depois da guerra,
Uzeda manteve correspondência regular com as freirinhas da cidade, quando se
explicitaram o reconhecimento e o agradecimento pelo belo gesto do Batalhão.
Muitas vezes, as famosas escatoletas eram reservadas pelos soldados
especialmente para ajudar à população faminta, mas também serviram de escambo
para produtos de outro interesse ou mesmo para venda no mercado negro. Em
Porreta Terme, onde estava localizada a retaguarda brasileira e o Quartel General
do comandante Mascarenhas de Moraes, o pão era distribuído diariamente à
população local. Ele vinha de Florença, localizada a 30 quilômetros de Porreta, pois
os bombardeios diários dificultavam qualquer atividade dentro da cidade que não
fosse a bélica. As escatoletas serviram depois também para a aproximação dos
jovens recrutas às moças italianas, com chocolates, caramelos e outras delícias, que
conquistaram os corações. Muitos dos casamentos que ocorreram entre brasileiros e
italianas decorreram dessas oportunidades.
Na passagem dos brasileiros pelos pequenos povoados localizados na Linha
Gótica, o contato com a população passou a ser uma constante, eram os sfollati que
tentavam retornar com suas parcas tralhas para as antigas residências, sem ter idéia
sobre se as casas ainda estariam em pé. Laços de solidariedade são descritos pelos
soldados, quando a população retribuiu o que recebeu. Os que ainda tinham suas
casas ofereciam a melhor parte e, no inverno rigoroso, as conversas animadas ao pé
548
das lareiras constituíram momentos significativos onde a figura da mamma italiana
substituía algumas vezes a família brasileira que havia ficado tão distante. Os
soldados se afeiçoavam às pessoas e sentia-se a correspondência neste ato: eram
as crianças, as mulheres e os velhos que, na despedida, anotavam os endereços
com a recomendação de não serem esquecidos.
Também os partigiani estiveram presentes nas memórias dos soldados
brasileiros. Muitos foram confundidos com terroristas e, na época, eram
conhecedores profundos da topografia do relevo italiano. Serviram de guias para os
brasileiros, assim como os bersaglieri, encarregados da condução de alimentos,
transportados pelas mulas que chegavam até aos soldados de prontidão nos
escarpados montes italianos.
Os primeiros enfrentamentos dos soldados brasileiros com os
experimentados soldados alemães, combatentes das frentes russa e do norte da
África, mostraram o quão incipiente tinham sido os preparativos para a guerra. O
revés de Somocolonia, sofrido pelos combatentes do R. I., em 30 de outubro de
1944, colocou em xeque as primeiras vitórias da FEB. Os soldados desse regimento,
em seus testemunhos, não aceitam a condição de revés pelas condições em que os
fatos se sucederam. Nessa questão, também os combatentes italianos que se
encontravam no local expõem os momentos cruciantes que passaram durante o
ataque brasileiro. A imprensa brasileira não noticiava problemas. Após passarem
pela censura brasileira e norte-americana, as notícias chegavam à central de
distribuição do D.I.P. que as liberava ou o para a cadeia de jornais. O recuo da
tropa brasileira não foi anunciado pelos jornais.
Enquanto tais fatos ocorriam na frente brasileira, no Brasil era criada a Legião
Brasileira de Assistência, pelo presidente Getúlio Vargas, sob a presidência da
senhora Darcy Vargas, com o objetivo de atender aos combatentes. Do seu amplo
leque de atividades, moveu ações em prol dos expedicionários, por meio de várias
campanhas de arrecadação, seja de produtos que enviou por ocasião do natal de
1944, surpreendendo até os mais céticos, seja por outras ações meritórias. Apenas
algumas associações norte-americanas tiveram a conotação de um voluntariado tão
bem organizado como a L.B.A.. No Rio de Janeiro, por meio do seu boletim,
patrocinou a campanha das ‘madrinhas de guerra’, que se organizaram em várias
frentes, inclusive proporcionando o contato das famílias expedicionárias com os
549
soldados que se encontravam na Itália. Foram tamm as senhoras da L.B.A. que
estiveram presentes no recebimento dos feridos brasileiros que chegaram ao
Hospital Central do Exército e se mantiveram firmes na recepção de pelos menos
três grandes escalões por ocasião do retorno ao Brasil. Sobre elas, pesou o
preconceito dos críticos pela posição que ocupavam na elite da sociedade carioca.
Também nesse tempo, buscaram as patronesses da L.B.A. uma aproximação
com o Exército Brasileiro, no sentido de desencadear as suas ações beneméritas. A
L.B.A., no seu esforço de guerra, demonstrou que ora ela é benemérita, ora é
patriótica. Seu trabalho foi truncado no pós-guerra, lamentavelmente, quando Darcy
Vargas deixou a presidência e os projetos não foram levados adiante por seus
sucessores. A partir desse momento, a L.B.A. cumpriu apenas o papel
assistencialista de um modo geral.
As mensagens e as cartas recebidas pelos soldados brasileiros,
intermediadas ou não pela L.B.A., constituíram os momentos de maior alegria na
frente italiana. De início conturbado por parte do Correio Brasileiro, as cartas
chegavam atrasadas. Não foi incomum o destinatário receber a correspondência de
maneira invertida, ou seja, notícias novas diziam respeito à carta anterior que não
havia chegado. As correspondências constituíram-se no elo familiar entre o soldado
e o Brasil e, raramente, os testemunhos não fazem menção a elas. Também o
Boletim da L.B.A. cumpriu a mediação entre os familiares e os combatentes, o
mesmo fazendo O Globo Expedicionário, que abriu espaços para mensagens,
enquanto a BBC de Londres irradiava em determinados momentos as mensagens
em português que eram ouvidas nos acampamentos.
Na Itália, os brasileiros enfrentaram situações de grande desgaste. O destino
dos brasileiros, após serem alçados à condição de tropa combatente em substituição
às divisões norte-americanas que se dirigiram para a Normandia, foi a aproximação
da zona de combate conhecida como Linha Gótica. Traçada nos mapas, ela cortava
a Itália Setentrional, do litoral do Mar Tirreno ao Mar Adriático. Durante os anos de
1943 e 1944, os alemães a reforçaram com todo o tipo de barreiras imaginadas
pelos engenheiros da TODT, a empresa alemã responsável por toda a linha
defensiva alemã. A linha constituía-se de fortins e milhares de minas terrestres, que
durante todo o período da Ofensiva da Primavera constituíram momentos de
sofrimento para os brasileiros e norte-americanos.
550
Aproveitando as vitórias iniciais da FEB, interessava ao governo brasileiro
uma FEB ostensiva, a galgar notoriedade como força de vanguarda do Exército.
Nesse aspecto, organizou-se a saída dos correspondentes de guerra, que
representariam o pool de jornais brasileiros, a maior parte com sede no Rio de
Janeiro. Os correspondentes foram submetidos a uma seleção, não apenas pelo
D.I.P., mas pelo próprio Exército. Já no 2º escalão brasileiro embarcado para a Itália,
partiram os primeiros jornalistas. Além desses, a central de notícias do exército
aliado também acompanhava de perto o noticiário a ser distribuído para outros
países. Nesse caso, funcionava a poderosa Public Relation Office, localizada em
Roma. As notícias que chegavam ao Brasil, muitas vezes, tiveram a cobertura de
correspondentes estrangeiros que desconheciam totalmente a FEB, a ponto de
confundir os brasileiros com os negros norte-americanos da 92ª Divisão de Infantaria
Americana, que combatia no mesmo front.
Conforme se verificou neste estudo, a imprensa brasileira desencadeou no
Brasil um caudal de notícias que colocava a FEB ‘ombreando’ todos os exércitos na
Europa. A situação era vista com ceticismo pelos mais críticos a partir do momento
em que FEB mal desembarcara e ainda não fora dado nem o primeiro tiro.
Alimentavam essa situação os repórteres estrangeiros, autorizados pela Associated
Press e United Press. Grande parte dos escalões brasileiros encontrava-se ainda
nos acampamentos para adaptação e treinamento e a imprensa, com seu alarido
usual, criava uma aura de invencibilidade em torno dos soldados. Um dos slogans
dava a dimensão do fato: ‘Cobras Fumando, o Brasil está presente’, publicado no dia
19 de julho de 1944. No Rio de Janeiro, os familiares que tinham seus parentes na
guerra recorriam à imprensa brasileira para obter informações e notícias do front.
Até que ponto isso veio a influenciar os leitores o se tem idéia, mas muitos
tinham a séria convicção de que FEB, dentro dos seus propósitos, estava preparada
para qualquer enfrentamento.
Na representação que a imprensa brasileira fez do soldado da FEB,
materializou-se a imagem de pessoa com muitas qualidades: aquela resoluta e
convicta do seu papel de guerreiro, do homem intrépido, cordial e sensato, mas
pronto a usar a sua arma, desde que fosse para defender a democracia. A partir do
momento do desembarque dos brasileiros na Itália, se perpassou essa imagem, tão
bem descrita e convincente, que empolgou os soldados e leitores. Poucos se
551
opuseram a essas imagens e buscaram alertar o quão era perigoso estar diante de
um inimigo experimentado como o soldado alemão, travestido de um aparato
imaginado pela imprensa.
Também a imprensa brasileira atrelou a participação da mulher brasileira na
guerra, com o objetivo de qualificar as ações da FEB. Nesse caso, as enfermeiras
destinadas aos campos de batalha na Itália constituíram-se em baluartes da família
e da pátria brasileira. Tal discurso foi depois assumido também pelas profissionais
da saúde em seus testemunhos, pois sentiram-se na obrigação de ombrear com os
soldados aliados na guerra contra o nazismo.
Por outro lado, o cotidiano dos soldados, que não encontrava espaço no
relatório frio dos escreventes da FEB, preocupados apenas com os dados técnicos,
foi depois lembrado pelo olhar arguto dos correspondentes de guerra. O estilo
jornalístico transpareceu em forma de notícias, entrevistas, crônicas e artigos
publicados tanto pela imprensa nacional quanto, de forma mais incisiva, pelO Globo
Expedicionário e pelO Cruzeiro do Sul, órgão oficial da FEB, em Florença.
Dos grandes relatos e testemunhos que envolvem as memórias febianas,
estão os combates de Monte Castelo e Montese, todos localizados na Linha Gótica.
A idéia da inexpugnabilidade do Monte Castelo cresceu diante das primeiras
tentativas mal preparadas, e que custaram tantas vítimas entre mortos e mutilados.
Os combatentes questionam em seus depoimentos as condições em que a
campanha fora levada adiante, e reveladoras se tornaram essas impressões e
análises. Os jovens recrutas, ainda em idade de amadurecimento, se viram na
campanha, diante de um soldado alemão preparadíssimo para o combate. Nas
vozes dos envolvidos em situações episódicas, tem-se uma noção do que os
combates significaram para esses homens, e de como a volta por cima, com
altruísmo e amadurecimento, ajudou os homens a se tornarem verdadeiros
soldados. Objetivos concretos que ajudaram a coroar de êxito as missões
enfrentadas pela FEB.
Tais enfrentamentos tiveram um alto preço. Eles surgem nos diários, nos
testemunhos, nas memórias. Falam dos companheiros mortos, das marcas da
guerra, no corpo e no espírito, atestados por todos os participantes. Falam também
da fé, de se apegar com Deus nos momentos cruciantes que antecediam a batalha.
552
Mas as lembranças o são tecidas apenas de tristezas, elas acenam
também para momentos significativos e alegres, em que se inclui o primeiro natal
passado na neve, falam das cartas e das mensagens transmitidas pelas famílias, e
de que maneira elas apontavam para a esperança insofismável de voltar para casa.
O espírito de companheirismo cresceu a cada dia e as últimas missões apontavam
para o final da guerra. Chegou o Armistício, em maio de 1945, a lembrar que os
últimos momentos estavam ali para ser vivenciados. A idéia então era aderir às
tochas, fugir pelos caminhos, viver a alegria dos vivos, conhecer outros lugares,
comprar presentes para a família, voltar para os acampamentos, mas com muita
esperança de que o pior havia passado.
Nada foi mais emocionante nos relatos do que achegada no Brasil. Ela
transparece no sorriso que, lido, o se viu, não se presenciou, mas se pôde sentir.
O ardor cívico concluía mais uma etapa. Agora, eles desembarcavam como heróis.
O desfile pelas avenidas principais do Rio de Janeiro, proporcionou a sensação do
reconhecimento, do dever cumprido por tudo aquilo em que eles acreditavam e por
tudo que realmente valera a pena. O povo se engalfinhava diante das colunas
formadas pelos soldados que passavam, arrancando seus distintivos. As pessoas
conversavam com os soldados como se fossem velhos conhecidos, até como filhos.
O breve retorno aos quartéis denotou nos relatos as primeiras decepções.
Nada havia sido preparado para a adaptação desses homens. Pelo contrário, muitos
comandantes foram para as suas casas. Nem o uniforme foi permitido usar e uma
portaria, assinada em julho de 1945, também dissolvia a FEB. Para todos os efeitos,
ela não existia mais. A desmobilização abrupta viria a acarretar muitos problemas.
O retorno às casas foi outro grave problema. Como poderiam homens
soldados voltar para a antiga lida de antes da guerra? Não havia muita convicção
sobre o que fazer e muitos não conseguiram retomar à vida normal. Sentiam-se mais
soldados do que cidadãos e os empregos haviam desaparecido. Os mutilados de
guerra, nos casos mais graves, foram tratados nos Estados Unidos e retornaram ao
Brasil. Não se tem notícias da continuidade da assistência prestada, nesses casos,
no Hospital Central do Exército.
Os mais jovens, que foram levados para a guerra durante o recrutamento,
possuíam o certificado de reservistas, mas não tinham qualificação para o trabalho.
Muitos, desajustados, gastaram todo o soldo que haviam conseguido na guerra e,
553
decepcionados, não viram condições de manter o padrão de vida correspondente ao
imaginado e ao esperado. Nos discursos de partida, lembraram os expedicionários
as promessas feitas pelo governo, quando este lhes garantira a segurança
necessária para o futuro.
Terminadas as festas, as inaugurações de placas e monumentos, já não
existiam mais os heróis. Na memória curta, atropelada pelo tempo, o havia mais
quem quisesse perguntar alguma coisa sobre a guerra acontecida. Muitos até
duvidavam de que os brasileiros tivessem participado da guerra no território italiano.
Sentiram os combatentes a necessidade de reforçar a unidade do grupo e de dar
continuidade ao companheirismo iniciado na Itália. Nessa perspectiva, nasceu a
idéia do associativismo. Primeiro, entre os combatentes do Rio de Janeiro, quando
fundaram a Associação dos Ex-Combatentes do Brasil, em 1946, com a adesão de
grande maioria de praças e de oficiais subalternos. Aos poucos, suas seções se
espalharam por todo o Brasil. A partir desse momento, sentiram os homens da FEB
que a única forma de sobrevivência era a união.
Os objetivos e as diretrizes políticas, nem sempre apoiadas pela maioria,
provocaram o ‘racha’ da primeira Associação de Ex-Combatentes, surgindo depois a
Legião Paranaense do Expedicionário, em Curitiba, no ano de 1951, e o Clube de
Veteranos da FEB, no Rio de Janeiro, em 1963, depois transformado em Associação
Nacional de Veteranos da FEB, a maior delas, que chegou a ter, nos seus
primórdios, cerca de 13 mil associados, com regionais representativas em todo o
território nacional.
Além da luta pela pensão, os ex-combatentes se batiam também nas
associações pela valorização histórica dos feitos na Itália. Constantemente, foram
surpreendidos pela legislação que, a cada dia, abrigava outras categorias de
soldados que haviam ficado de prontidão no Brasil. “A lei da praia” favoreceu não
somente os soldados que haviam ficado nos fortes e nas divisas de fronteiras, mas
também os que pertenceram à Marinha de Guerra. Caía por terra a conquista da
pensão aos febianos que as Associações acreditavam, por direito e por mérito,
serem extensivas apenas os homens que estiveram na Itália.
Agora se fazia premente uma outra guerra, a do reconhecimento, dos valores,
das ações empreendidas durante a guerra. Seriam as associações as porta-vozes
dos febianos abandonados pelo governo, dos desassistidos, das famílias, dos
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mortos e dos mutilados. As Associações buscavam o bom combate, mas, diante de
uma sociedade conservadora, alguns atos de maior enfrentamento com os órgãos
públicos foram vistos com desconfiança de uma ameaça comunista e mesmo de
subversão. Retrocederam os combatentes e receberam, em conta-gotas, os
benefícios que deveriam estar assegurados assim que os Escalões da FEB
desembarcaram no Porto do Rio de Janeiro.
Mas, como soldados, sabiam os homens da FEB que na vida se perde uma
batalha, mas não se perde a guerra. Era necessário levar ao conhecimento dos
outros cidadãos o significado do que fora a FEB. Aos poucos, os ex-combatentes
foram se fazendo presentes nos eventos sociais, nas quermesses, nos bingos, nas
festas de um modo geral. Desse modo, granjeando amigos e admiradores. As
Associações criaram as suas revistas divulgadoras, relataram os fatos ocorridos na
guerra, escreveram crônicas, fizeram poesias, proferiram discursos nas escolas, nas
universidades. Demarcaram o tempo, escreveram memórias.
O Diário de Campanha, como disse o capitão Thorio de Benedro, do 11º R. I.,
de São João Del Rey, constituiu algo íntimo e sagrado para quem o escreveu. ‘Lá
estão expostas as alegrias e tristezas, um amigo inseparável e leal a quem se pode
confiar as decepções, as amarguras e as vitórias’. No elenco das datas, incluíram-se
os episódios alegres e as passagens divertidas, as esperanças, os ideais. Enfim, o
sentimento dos instantes que passaram e foram fixados com toda a franqueza
possível. Momentos que marcaram a mocidade, de entusiasmos e ações.
Buscaram os combatentes, nos Diários de Guerra e nas suas Memórias,
registrar “a cena”, o momento histórico dos eventos marcantes, dos sofrimentos
proporcionados por uma guerra de que eles não se sentiram convictos, nem
preparados para participar. As cenas descritas constituíram os lugares da memória a
mostrar às gerações futuras os aspectos da partida dos soldados nos navios, as
lembranças dos acampamentos, os momentos tensos ocasionados pelas patrulhas
em território inimigo, provocando uma reflexão sobre a luta empreendida, para dela
tirar os ensinamentos que transformaram os ideais e valores em missão
permanente da FEB.
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GLOSSÁRIO
ACANTONAMENTO - Local onde permaneciam os soldados durante os preparativos
para combate, seja no Brasil , seja na Itália.
ARMAS DE FOGO - Fuzil, arma individual, metralhadora leve ou pesada.
ARTILHARIA - Instrumentos bélicos compostos por canhões, equipamentos e
munições.
BALAS TRAÇANTES - A extremidade da bala tem a ponta vermelha. À noite,
deixam um traço de luz. Servem como tiros de inquietação.
BARCAÇA LCI - Serviu para o desembarque dos aliados na Normandia. Na Itália,
transportou os brasileiros. Capacidade: 200 homens.
BATALHÃO - Composto por três companhias. É a parte mais tática da Infantaria.
Havia também o CPP - Companhia de Petrechos Pesados, com 166 homens,
comandados por um capitão. o Batalhão de Engenharia contava com cerca de
655 homens. Todos com equipamentos diversificados, desde tratores e reboques.
BIVAQUE - Acampamento provisório ao ar livre.
CASAMATA - Fortificação subterrânea.
COMPANHIA - Composta por 100 a 200 homens. Pode ser dividida em três pelotões
de fuzileiros e um de petrechos leves (metralhadoras e morteiros de menor calibre) e
ser comandada por capitão ou tenente.
DIVISÃO - Formada por 10, 15 ou 20 mil homens. Geralmente comandada por um
general.
ESCALÃO – Grupamento de embarque para a Itália.
FORTIM - Pequeno forte.
GRANADA - Globo de ferro, lançado à mão. A carga é de trotil fundido, com peso e
carga total de 500 gramas, com o raio de ação de 30 metros.
MINA ANTITANQUE (Teller) - A detonação ocorre por pressão. Media 9 cm de altura
e 34 cm de diâmetro. Dificilmente um veículo escapava da explosão.
MINA SCHUMINE – ANTIPESSOAL - Consiste em uma caixa de madeira, de
dimensão pequena. Sob a pressão dos pés, detona uma carga poderosa capaz de
arrancar a perna do combatente. Foi apelidada de ‘quebra canela’.
MORTEIRO 60 mm De emprego coletivo, com alcance de 1.000 m,
aproximadamente.
OBUS - Peça de Artilharia em forma de Morteiro.
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PRAÇA - Soldado sem graduação.
PRACINHA - Nome pelo qual são conhecidos os expedicionários.
REGIMENTO - Unidade Militar. Geralmente, uma Divisão possui três regimentos.
Cada regimento tinha três batalhões.
SACO A - Onde os praças levavam seus pertences de primeira necessidade para a
Linha de Frente.
SACO B - Onde eram guardados os pertences não tão necessários. Ficava na
retaguarda. Serviu de apelido para os soldados que não atuaram em combate.
SCATOLETTA Caixa, em italiano. Continha alimentos para os soldados quando
não podiam receber comida preparada vinda da retaguarda.
TORPEDO - Engenho de guerra por meio do qual se produzem explosões
submarinas.
UFANISTA - Que é ufano, que se orgulha de alguma coisa. Sinônimo de patriota.
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