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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL
Doutorado em Saúde Coletiva
A invenção do WHOQOL e a construção de políticas de saúde
globais
Autor:
Gustavo Corrêa Matta
Tese apresentada como
requisito parcial para
obtenção do grau de Doutor
em Saúde Coletiva área de
concentração em Política,
Planejamento e
Administração em Saúde do
Instituto de Medicina Social
da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro.
Orientador:
Ruben Araújo de Mattos
2005
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2
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CBC
M435 Matta, Gustavo Corrêa.
A medida política da vida: a invenção do WHOQOL e
a construção de políticas de saúde globais / Gustavo
Corrêa Matta. 2005.
226f.
Orientador: Ruben Araujo de Mattos.
Tese (doutorado) Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, Instituto de Medicina Social.
1. Política de saúde Teses . 2. Qualidade vida Teses.
3. Organização Mundial da Saúde Teses. I. Mattos,
Ruben Araujo de. II. Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Instituto de Medicina Socia l. III.Título.
CDU614.008.1
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3
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - UERJ
INSTITUTO DE MEDICINA SOCIAL IMS
A MEDIDA POLÍTICA DA VIDA:
A INVENÇÃO DO WHOQOL E A CONSTRUÇÃO DE POLÍTICAS DE
SAÚDE GLOBAIS
Aluno: Gustavo Corrêa Matta
Banca Examinadora:
_______________________________________
Prof. Dr. Ruben Araújo de Mattos (coordenador)
_______________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Plastino
_______________________________________
Prof. Dr. Kenneth Rochel de Camargo Jr.
_______________________________________
Prof. Dr. Marcelo Land
_______________________________________
Prof. Dra. Mary Jane Paris Spink
Rio de Janeiro
2005
4
Para meus pais,
Fuad e Maria Therezinha.
5
Agradecimentos
_________________________________
São tantos amigos, mestres, colegas, conhecidos que construíram comigo
esta trajetória. Gostaria aqui de lembrar e de agradecer aqueles que fizeram da
minha vida e do meu trabalho, uma construção, ao mesmo tempo, coletiva e
singular. Sinto que essas pessoas foram capazes de trazer um brilho especial à
vida e ao mundo que vivemos.
Algumas pessoas me apresentaram o mundo, transmitiram não só
conhecimentos mas ética, respeito e afeto. Seus trabalhos influenciaram minhas
idéias e minha vida. A vocês a minha eterna gratidão e o meu reconhecimento:
Nise da Silveira, Júlio de Mello Filho, José Cavaliere Sampaio, Virgílio
Pinho da Cruz, Jurandir Freire Costa, Madel Luz, Benilton Bezerra, Kenneth
Rochel de Camargo Jr, Ruben Mattos e Mary Jane Spink.
À Michel Foucault e suas idéias, que me acompanham desde a graduação
e até hoje surgem renovadas a cada desafio intelectual e social.
À Universidade do Estado do Rio de Janeiro que me acolheu há 15 anos, e
me faz acreditar e lutar pela universidade pública, e tentar retribuir tudo o que me
proporcionou em conhecimento e experiência.
À Ruben Mattos pelo apoio, simplicidade e carinho com que conduz nossa
amizade e nosso trabalho. A sabedoria e a crítica precisa e pertinente que sempre
está presente em nossos encontros, invade nossas almas querendo sempre mais,
fazendo com que nosso ofício seja ainda mais prazeroso. Com Ruben ganhei mais
que um orientador, ganhei um amigo e um companheiro de idéias para um mundo
melhor.
À Mary Jane. Suas idéias, seu carinho e apoio me fizeram acreditar ainda
mais neste trabalho e na psicologia. Seu trabalho sobre práticas discursivas deu
novas cores à minha pesquisa e a Psicologia Social que conhecia até então.
Kenneth, sinto-me muito feliz por ter a tua companhia e amizade por tantos
anos. Suas idéias, seu apoio e nossa cumplicidade construíram muito do que sou
hoje. Você, uma vez, me incentivou a alçar vôos mais longos ... É muito bom voar
na tua companhia.
À amizade. Compreender os sentidos dessa palavra é talvez conhecer os
sentidos da vida. É um valor que quero aprender a cultivar ainda mais.
6
Meus amigos muito especiais, cúmplices na vida e no trabalho: Marly Cruz,
Marcelo Maciel, Mauro Paiva, Rosinda Oliveira, Erimaldo Nicácio e Sylvia Lima.
Aos meus colegas de mestrado, de doutorado e de toda a vida: Tatiana,
Carlos e Sueli, Márcia, Gabriela Mosegui e Gabriela Soares.
À Mario Dal Poz, pela atenção em responder minhas constantes
mensagens de esclarecimento e contatos junto à OMS.
A secretaria, em especial à Márcia e todos os funcionários do IMS, que
sempre me receberam com muito carinho e boa vontade.
Gostaria de agradecer à Mônica Moraes pela digitação da bibliografia e pela
solidariedade ao perceber minha exaustão no trabalho final da tese.
Aos meus alunos, pelo quanto me ensinam e me fazem procurar
alternativas emancipatórias para o desafio da educação.
Aos colegas da Clínica Nefrológica que acompanharam e sempre torceram
pelo sucesso deste trabalho.
Aos meus irmãos de todas as horas, de poesia e beleza, de força e
coragem: Fabíola e Pablo.
À Eliane, minha companheira de tantos anos, minha amiga, meu amor. Teu
incentivo, tua força e tua verdade me fizeram chegar até aqui. Para Gisella,
Stephanie, Nicholas e a linda e alegre Luna, o amor de um “pãe”.
Philippe: Dizem que os filhos envelhecem os pais. O meu filho traz o cheiro
e a força da juventude para minha vida. Esse amor é a minha qualidade de vida.
À meus pais, meu irmão Paulo, Cristina e Bia. Tantos são os tropeços da
vida, mas nesse caminho conheci a força do seu amor e a fé que temos em nossa
união.
7
“Os classificadores de coisas, que são aqueles homens de ciência
cuja ciência é só classificar, ignoram, em geral, que o classificável é
infinito e portanto se não pode classificar. Mas o em que vai meu
pasmo é que ignorem a existência de classificáveis incógnitos, coisas
da alma e da consciência que estão nos interstícios do conhecimento.”
Fernando Pessoa
8
Sumário
Agradecimentos...................................................................................................................5
Sumário.................................................................................................................................8
Lista de Ilustrações............................................................................................................10
Resumo...............................................................................................................................12
Abstract...............................................................................................................................13
Introdução...........................................................................................................................14
Capítulo 1 - Nossas escolhas ético-metodológicas .....................................................22
1.1 A nova retórica e a teoria da argumentação .............................................27
1.2 A perspectiva construcionista......................................................................32
1.3 Boaventura de Sousa Santos e a Transição Paradigmática..................34
1.4 Foucault e a Governamentalidade..............................................................40
Capítulo 2 - Processos de Globalização e Saúde........................................................47
2.1 Processos de Globalização..........................................................................47
2.2 Produção de Conhecimento e Processos de Globalização....................50
2.3 Global Health: A constituição de novo campo político ............................55
Capítulo 3 - Organização Mundial de Saúde: Do controle de epidemias à luta pela
hegemonia..........................................................................................................................66
3.1 OMS Sua História e sua política..................................................................68
3.2 OMS Funcionamento .....................................................................................74
3.3 OMS Financiamento ......................................................................................77
3.4 OMS: Um passado glorioso. Um futuro duvidoso........................................78
3.5 OMS: Mudança ou Morte .................................................................................85
3.6 A Crise na OMS .................................................................................................89
3.7 Ofertar idéias ou implementar programas ?..................................................90
3.8 A gestão Gro Harlem Brundtland ....................................................................92
3.9 O Polêmico Relatório de 2000.........................................................................95
3.10 Reforma Administrativa-financeira ou Política ?...........................................98
9
Capítulo 4 - Qualidade de Vida: Uma Noção Global.................................................102
4.1 Histórico e desenvolvimento da noção de qualidade de vida..............103
4.2 Do desenvolvimento humano à qualidade de vida ................................106
Capítulo 5 - Qualidade de Vida como indicador de saúde........................................112
5.1 O Surgimento de um novo Campo:Qualidade de Vida Relacionada à
Saúde 113
5.2 Duplo Corte Epistemológico:Avaliando Sistemas de Saúde e
Intervenções.............................................................................................................118
5.3 Qualidade de Vida em Saúde: Retórica social, ética e política ? ........122
5.4 Esquartejando e Medindo: A Mecânica da Qualidade de Vida em
Saúde 128
5.5 Em busca de uma definição de Qualidade de Vida...............................132
Capítulo 6 - O Projeto WHOQOL..................................................................................137
6.1 A Origem e Desenvolvimento do Projeto WHQOOL.............................138
6.2 O Método WHOQOL ...................................................................................139
6.3 As fases do desenvolvimento do instrumento ........................................142
6.4 Os Usos do WHOQOL na literatura médica............................................151
6.5 A Estrutura dos Artigos sobre o WHOQOL.............................................155
6.6 Classificação dos trabalhos utilizando o WHOQOL...............................158
6.7 A OMS e o WHOQOL Group atualmente ................................................162
Considerações Finais......................................................................................................168
Bibliografia........................................................................................................................177
Artigos Pesquisados sobre o WHOQOL no MEDLINE .............................................190
ANEXO I - Resultado do WHOQOL-BREF on-line ....................................................206
ANEXO II - Versão Brasileira do WHOQOL-100........................................................212
10
Lista de Ilustrações
__________________________________________
Figura 1 McDonald’s na China .....................................................................................53
Figura 2 Fórum Social Mundial....................................................................................54
Figura 3 I Assembléia de Saúde dos Povos..............................................................59
Figura 4 - Assembléia Mundial de Saúde......................................................................75
Figura 5 Reunião do Grupo-Executivo........................................................................75
Figura 6 Conferência de Alma-Ata ..............................................................................79
Figura 7 Halden Mahler em Alma-Ata.........................................................................81
Figura 8 Esquema de Qualidade de Vida................................................................129
Figura 9 Dimensões da Qualidade de Vida I...........................................................130
Figura 10 Dimensões da Qualidade de Vida II........................................................131
Gráfico 1 - Orçamento Regular da OMS nos últimos 13 anos...................................91
Gráfico 2 -Tema Qualidade de Vida em Periódicos 1970 - 2004............................114
Gráfico 3 - Contribuição de Questões para o WHOQOL ..........................................147
Gráfico 4 - Artigos Publicados no Medline com WHOQOL......................................152
Gráfico 5 - Distribuição dos artigos por países...........................................................153
Gráfico 6 - Trabalhos Publicados pelos centros participantes do projeto piloto do
WHOQOL Group......................................................................................................155
Gráfico 7 Escore do WHOQOL 100 em 6 grupos de doenças.............................156
Gráfico 8 Qualidade de Vida Global em 1999.........................................................157
Gráfico 9 Classificação dos trabalhos utilizando WHOQOL .................................158
Gráfico 10 Resultado da Aplicação do WHQOOL-BREF on-line ......................... 174
Gráfico 11 Qualidade de Vida Global com Relação à Idade.................................175
Quadro 1 - Os Escritórios Regionais da OMS e sua área de abrangência..............76
Quadro 2 - Evolução Orçamentária bi-anual OMS - 88/99 - 00/01 ...........................77
11
Quadro 3 - Recursos Orçamentários e Extra-Orçamentários por Escritório
Regional OMS - 98/99...............................................................................................78
Quadro 4 - A evolução dos Indicadores Genéricos de HRQL..................................115
Quadro 5 Domínios da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde.......................128
Quadro 6 - Metodologia de tradução da OMS............................................................141
Quadro 7 - Fases no Desenvolvimento do WHOQOL...............................................142
Quadro 8 - DOMÍNIOS E FACETAS DO WHOQOL..................................................145
Quadro 9 - Critérios para as questões do WHOQOL................................................146
Quadro 10 Centros de Pesquisa sobre WHOQOL .................................................163
12
Resumo
_________________________________
Este trabalho tem o objetivo de discutir o surgimento e desenvolvimento da
noção de qualidade de vida como uma estratégia de avaliação em saúde, a partir
da trajetória do instrumento de qualidade de vida da Organização Mundial de
Saúde, WHOQOL. Através de uma perspectiva construcionista foi realizada uma
pesquisa bibliográfica e documental identificando os usos da noção de qualidade
de vida nas políticas de saúde internacionais e na literatura médica. A discussão
proposta pelo trabalho aponta para as relações entre os processos de
globalização e o campo da saúde como a matriz política e cognitiva para o
surgimento dos instrumentos de avaliação de qualidade de vida, principalmente a
partir de sua perspectiva transcultural. A criação e uso do WHOQOL em seus
diversos centros de pesquisa distribuídos em 40 países visam produzir consensos
técnicos e políticos para a construção de sistemas de informação em saúde
baseada em critérios universais, possibilitando às agências internacionais, como
a OMS, influir globalmente sobre as políticas nacionais de saúde.
Palavras-chave: Qualidade de Vida; Organização Mundial de Saúde; WHOQOL;
Globalização; Construcionismo.
13
Abstract
______________________________________
This work aims to discuss the emergence and development of the concept
of quality of life as an strategy to assess health, based on the WHOQOL, an
instrument developed by the World Health Organization to assess quality of life.
Through a constructionist perspective, a bibliographical and documental research
has been carried out, in order to identify uses of the concept of quality of life in
international health policies and in medical literature. The discussion provided by
this work points to the relations between globalization processes and the health
area as political and cognitive matrix for the emergence of tools to assess quality of
life mainly from their transcultural perspective. The creation and use of the
WHOQOL in research centers in 40 countries aim to produce technical and political
consensus to build health information systems based on universal systems, and
afford international agencies, like WHO, worldwide influence on national health
politics.
Key words: quality of life; World Health Organization; WHOQOL, globalization,
constructionism.
14
Introdução
______________________________________
Em minha dissertação de Mestrado (Matta, 1998) pesquisei as estratégias e
processos de subjetivação empreendidos pela instituição médica no tratamento
dos chamados Renais Crônicos. Tinha o objetivo de mostrar como as práticas,
discursos, hábitos e linguagem que concebiam a doença renal e seu tratamento
convergiam para uma descrição naturalizada e medicalizada dos sujeitos que se
submetem ao tratamento hemodialítico, impossibilitando outras descrições,
diferentes dos passivos, impotentes, deprimidos e não cooperativos renais
crônicos.
Chamava-me a atenção, a partir da pesquisa bibliográfica e depoimentos
dos atores entrevistados, a presunção de que a boa qualidade da diálise e o
transplante renal trariam qualidade de vida aos pacientes. Nas legislações mais
recentes sobre o tratamento da Insuficiência Renal Crônica (IRC) uma das metas
fundamentais a ser atingida é a melhoria da qualidade de vida dos doentes,
principalmente através do controle da qualidade técnica do tratamento oferecido
(Brasil, 1997 e 2000).
Como descrevi anteriormente (Matta, 2004), pude observar em meu
trabalho como psicólogo do Programa Rio Transplante da Secretaria de Estado de
Saúde do Rio de Janeiro, era comum observar o argumento da melhoria da
qualidade de vida do paciente como um efeito direto do transplante, e utilizado
como critério de indicação dessa terapêutica, para sensibilizar a população e
estimular a doação de órgãos.
15
É interessante observar que essas descrições não apresentam uma
definição do que seria qualidade de vida, e nem dos critérios mínimos que
indicassem a possibilidade de descrevê-la ou avaliá-la, ficando subentendido que
a boa qualidade técnica dos procedimentos resultaria na melhoria da qualidade de
vida dos doentes. (Matta, 2000)
Desse modo, algumas questões me inquietaram: da mesma forma que a
medicina produziu os chamados “renais crônicos” (Matta, 2000), não estaria em
curso um processo de construção de uma concepção naturalizada e medicalizada
de qualidade de vida ? Que valores estruturam ou concebem esse uso da noção
de qualidade de vida ?
Certamente, ninguém será capaz de negar, por exemplo, que o transplante
bem sucedido, o tratamento dialítico realizado com critérios de excelência técnica,
o bom controle da hipertensão arterial através orientações médicas e nutricionais,
proporcionarão condições físicas, e muito provavelmente psicológicas, melhores
para o paciente e sua própria vida.
Poderíamos inicialmente valorizar e incentivar essa “atitude” médica,
através da noção de Qualidade de Vida, como um avanço no reconhecimento de
uma concepção mais ampla de saúde, mais humanizada, ética e democrática, e
que parta principalmente das repercussões da doença e de seu tratamento sobre
a realidade dos próprios pacientes (Ferraz, 1998). Também poderíamos
comemorar o declínio do reducionismo biológico da medicina frente a valorização
da vida, a consolidação de uma visão interdisciplinar do processo saúde/doença
na avaliação do tratamento e na definição de políticas.
Mas por outro lado, o que se entende por qualidade de vida ? Quais os
jogos de linguagem que dão origem a essa concepção ? Como essa noção surge
na literatura médica e a partir de que momento ela se torna um importante aliado
16
do ato médico e um argumento para a definição de políticas de assistência à
saúde ?
Com essas questões em mente iniciei uma investigação do tema qualidade
de vida e suas relações com a saúde, a medicina e a sociedade. Entre as diversas
evidências observadas, gostaria de destacar alguns pontos relevantes:
1- O volume crescente de publicações sobre o tema qualidade de vida, e a
concentração da produção desses trabalhos a partir da década de 90.
Esse tópico evidencia a influência, relativamente recente, dessa noção
na área da saúde e principalmente, a intensa produção científica em
torno da noção de qualidade de vida. Como se verá adiante, qualidade
de vida tornou-se muito mais um instrumento de avaliação de políticas e
procedimentos médicos, do que uma política de intervenção e / ou
promoção em saúde.
2- A existência de numerosos instrumentos de mensuração de qualidade
de vida.
Com um enfoque predominantemente quantitativo, esses instrumentos
reduzem a vida a um complexo mecânico e analítico, dividindo-a em
dimensões ou domínios, onde a indexação e soma desses domínios
resultaria em escores numéricos de qualidade de vida. Essa
metodologia evidencia a necessidade de controle, mensuração e
padronização de um fenômeno ou descrição subjetiva transformando-a
em um dado objetivo, universal e determinista.
3- A existência de esforços e cooperações internacionais no sentido de
desenvolver um instrumento transcultural de qualidade de vida.
O objetivo é a utilização dos instrumentos de qualidade de vida como
um critério para avaliação e implementação de condutas médicas,
programas e políticas de saúde, a partir do estabelecimento de critérios
17
universais que permitam estabelecer comparações entre as populações
de diversas regiões do mundo, independente de suas especificidades
socioculturais.
No que diz respeito a esse último item, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) tem desempenhado um papel fundamental no estudo, desenvolvimento,
aplicação e divulgação desses instrumentos em todo o mundo, produzindo
indicadores para avaliação de procedimentos, políticas e até mesmo de sistemas
de saúde.
Como uma agência internacional que pretende ser referência e influir sobre
as políticas de saúde nacionais, a OMS desenvolveu, desde o início dos anos 90,
uma estratégia para a construção de indicadores que reforcem a hegemonia
dessa organização no cenário sanitário internacional. E entre esses indicadores, a
possibilidade de formulação de instrumentos transculturais e multidimensionais,
são fundamentais para identificação de demandas e o mapeamento global da
situação de saúde em todo o mundo.
A partir dos argumentos descritos acima pude perceber que o tema
qualidade de vida tomou uma proporção não somente cultural, mas principalmente
científica e política, especialmente no campo da saúde.
Nesse sentido, nos interessamos em examinar a criação e desenvolvimento
de um instrumento de mensuração de qualidade de vida, o WHOQOL (World
Health Organization Quality of Life), que foi desenvolvido no âmbito da OMS, com
o objetivo inicial de realizar uma investigação da noção de qualidade de vida e sua
apropriação pela medicina e pela política.
No início do trabalho de investigação tínhamos em mente algumas
hipóteses:
18
A primeira hipótese era que a OMS adotava, a exemplo do que ocorreu com
o Banco Mundial no episódio do Relatório Investindo em Saúde, uma nova
estratégia para a retomada da liderança política no cenário internacional, agora
instrumentalizada por indicadores multidimensionais, que a partir da construção de
evidências científicas poder influir na organização dos sistemas nacionais de
saúde de forma mais sistemática.
A segunda hipótese era que o instrumento de avaliação de qualidade de
vida em saúde da OMS, WHOQOL, era um dos instrumentos em competição no
interior da própria agência, ao lado do DALY e outros, em busca de um
instrumento hegemônico que pudesse avaliar sistemas de saúde, políticas,
procedimentos, programas de saúde e terapêuticas.
No decorrer da pesquisa fomos nos deparando com evidências que
redirecionaram o trabalho, produzindo novos sentidos e construindo novos
objetos.
A primeira, e talvez mais significante evidência, foi a percepção de que
qualidade de vida tornou-se uma noção global, no sentido de suas relações com
os processos de globalização social, política, econômica e cultural.
É possível podermos seguir a origem e desenvolvimento dos discursos
sobre qualidade de vida emergindo de noções como desenvolvimento humano,
condições de vida, expectativa de vida, preocupações ecológicas e ambientais,
condições de trabalho, e que se apresenta como um valor e com um forte apelo
retórico na maioria das formas de globalização atuais. É como se qualidade de
vida possa ser um dos argumentos para empreender comparações, avaliações e
políticas em diversos países e culturas, apresentando-se como uma ferramenta de
governo.
19
Ao longo da pesquisa, identificamos também a organização de um novo
campo político denominado "Global Health", que em nome da qualidade de vida e
da saúde dos povos em desenvolvimento, propõe avaliações globais de saúde,
políticas globais para os sistemas nacionais, a expansão da tecnologia e recursos
da indústria da saúde dos países desenvolvidos para todo o mundo, e identifica a
necessidade de monitoramento de doenças nos países pobres, como malária,
cólera e outras, como questão de defesa nacional para países como os Estados
Unidos.
Essa trajetória reorientou inteiramente a perspectiva que tínhamos da
política da OMS e do uso dos instrumentos.
O que parece estar em jogo não era apenas a hegemonia da OMS no
campo de lutas políticas da saúde internacional, e nem somente a competição por
um instrumento de qualidade de vida no interior da OMS. Está em jogo a
expansão de um dispositivo de governamentalidade. Através de instrumentos
transculturais, as avaliações de qualidade de vida vão abrindo portas para novas
formas de influência sobre as políticas de saúde dos estados nacionais, na
expansão das tecnologias médicas, na reificação da doença como o objeto
privilegiado de avaliação e intervenção global.
Portanto, a linha narrativa que guia o trabalho passou a ser conduzida pela
noção/avaliação de qualidade de vida nas suas relações com os processos de
globalização, que tem como artefatos as estratégias de hegemonia da OMS, a
constituição do campo de pesquisa sobre Health Related Quality of Life (HRQL) e
os usos do WHOQOL na literatura médica.
A partir dessa orientação que atravessa todo o trabalho, montamos três
blocos temáticos, interligados pelos seus atravessamentos cognitivos, políticos e
sociais: globalização, saúde e a reorientação política da OMS; qualidade de vida e
20
avaliação em saúde como estratégia de governamentalidade; e a trajetória do
WHOQOL na política da OMS e na literatura médica.
A tese é composta por sete capítulos. No primeiro capítulo discutiremos as
escolhas teórico-metodológicas que desenharam a construção deste trabalho. São
identificadas as influências do construcionismo como a perspectiva que embasa
toda a teia de relações entre ciência, política e medicina; o uso da teoria da
argumentação na identificação dos auditórios e as estratégias de persuasão para
o uso de indicadores de qualidade de vida em saúde; o conceito de transição
paradigmática e as alternativas para a construção de um conhecimento-
emancipatório; e as estratégias de governamentalidade instituídas pelas políticas
e técnicas de informação populacionais, em especial, as informações em saúde.
No segundo capítulo realizamos uma breve descrição dos processos de
globalização e suas relações com o campo da saúde. Destacamos o surgimento
de um campo denominado "Global Health" que transforma o cenário das políticas
de saúde internacionais, suas instituições e suas práticas.
No terceiro capítulo realizamos um histórico da Organização Mundial de
Saúde desde o surgimento dos primeiros movimentos de cooperação sanitária
internacional no século XIX, até a crise da OMS e perda da liderança da saúde
internacional durante os anos 80, e as propostas de superação durante a gestão
de Gro-Brundtland no final da década de 90.
No quarto capítulo identificamos o surgimento e desenvolvimento da noção
de qualidade de vida e suas relações com a política e a economia, e sua
instituição como uma estratégia de governo.
No quinto capítulo descrevemos a inserção da noção de qualidade de vida
no campo da saúde a partir dos anos 70, e a construção de indicadores voltados
21
por um lado, para a avaliação da saúde populacional, e por outro, para os
resultados de procedimentos e intervenções terapêuticas.
No sexto capítulo finalmente apresentamos o desenvolvimento do
instrumento da OMS, WHOQOL, identificando as etapas de sua construção, sua
ênfase transcultural, bem como, a análise de 125 artigos pesquisados no
MEDLINE que fazem referência ao instrumento, descrevendo seus usos na
literatura médica.
No último capítulo discutiremos os principais argumentos e reflexões
produzidos pela pesquisa.
22
Capítulo 1
Nossas escolhas ético-metodológicas
____________________________________________________
Dar início a essa pesquisa trouxe uma certa inquietude quanto ao objeto
pesquisado e suas possibilidades de orientação metodológica. De um lado
instrumentos de avaliação de qualidade de vida inteiramente fundamentados em
uma metodologia psicométrica e epidemiológica "hard", com a agravante do meu
pouco conhecimento a respeito das estratégias matemáticas e sua linguagem e,
principalmente em um campo onde as crenças e valores sobre a construção do
conhecimento científico eram aparentemente distintos dos meus.
Por outro lado o desafio de entender, contextualizar e analisar uma agência
internacional como a Organização Mundial de Saúde, que naquela época
apresentava-se em meu imaginário como uma liderança inconteste do campo
técnico e político sanitário mundial.
Essa inquietação já começou a produzir um grande impacto no
direcionamento metodológico do trabalho.
Desde o surgimento da idéia do projeto de pesquisa, o encontro e
aproximação com o grupo de pesquisa sobre práticas discursivas da PUC-SP,
coordenado pela psicóloga social Mary Jane Spink, foram fundamentais para o
fortalecimento da perspectiva construcionista da ciência e da própria psicologia
social.
Influenciado pelas leituras sobre retórica realizadas por Ruben Mattos no
Instituto de Medicina Social; pelo acompanhamento e produção de trabalhos na
área de ciência, medicina e sociedade, influenciados por Kenneth Rochel de
23
Camargo Jr., Madel Luz e Jurandir Freire Costa, alguns enquadres metodológicos
foram estabelecidos desde o início.
O primeiro diz respeito ao enfoque do trabalho incidir sobre os usos do
instrumento de qualidade vida em saúde, WHOQOL, e sua relação com as
políticas da OMS e a literatura médica, e não nas discussões metodológicas do
instrumento. Isto quer dizer que em nenhum momento da pesquisa questionamos,
inquirimos ou propomos qualquer discussão técnica sobre as propriedades
psicométricas, as técnicas de validação, reprodutividade e tradução do
instrumento. Nesse sentido, tomamos aquelas discussões metodológicas como
parte das estratégias de persuasão de um dado auditório da comunidade
científica, da OMS ou da comunidade internacional.
O segundo posicionamento reside na adoção da perspectiva construcionista
da produção do conhecimento científico. Isto é, conceber a ciência como um modo
de produção de conhecimento histórico e que é atravessado pelas contingências
sociais, políticas, econômicas e culturais, opondo-se a qualquer perspectiva
essencialista ou positivista com relação à neutralidade e objetivismo do
conhecimento científico.
Este posicionamento procurou seguir as estratégias de construção do
campo de investigação científica sobre qualidade de vida relacionada à saúde no
contexto mais amplo das políticas de saúde internacionais e na luta pela
hegemonia da OMS no cenário sanitário mundial.
Esses posicionamentos desenham um modelo metodológico heterogêneo e
que constrói suas estratégias de acordo com os indícios deixados pelo próprio
processo de pesquisa.
Essa perspectiva é instrumentalizada pelo método indiciário proposto pelo
historiador italiano Carlo Ginzburg.
24
"A existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos
superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que
um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a
realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios -
que permitem decifrá-la." (Ginzburg, 2003: 177)
Portanto ter como objeto os usos do WHOQOL na literatura médica e sua
relação com as políticas para saúde internacional, foi produzindo nosso material
de trabalho a partir desses posicionamentos, indicando, tecendo e seguindo as
pistas encontradas em artigos científicos, protocolos de pesquisa da OMS e do
WHOQOL Group, discursos de diretores da OMS, documentos, editoriais de
jornais médicos como The Lancet e British Journal of Medicine, resumos de
artigos disponibilizados pelo MEDLINE, e tentativas
1
de realização de entrevistas
com membros do grupo de pesquisa do WHOQOL ligados à OMS.
Neste sentido não foi fácil encontrar uma produção nacional a respeito tanto
das políticas da OMS quanto da produção de instrumentos sobre qualidade de
vida. Percebi que estava diante de dois campos muito pouco estudados no Brasil:
o campo de estudo das ações políticas da OMS e o campo de investigação crítica
sobre qualidade de vida relacionada à saúde.
Quando confrontado com a literatura internacional identifiquei a constituição
de um campo de estudo muito maior e de luta política mais abrangente que a
própria OMS. São diversos estudos que procuram investigar, criticar e avaliar as
ações políticas das agências internacionais voltadas para a saúde global,
identificados neste trabalho como "Global Health". Os pesquisadores e
observadores dos países desenvolvidos parecem estar atentos às influências da
1
Fazemos questão em afirmar que as "tentativas" de entrevistar os membros do grupo de pesquisa do
WHOQOL, fizeram parte do material de trabalho, pois a dificuldade em contatar e a ausência de resposta dos
pesquisadores ligados a OMS transformaram-se em indícios muito significativos do lugar atual do WHOQOL
na política da OMS e sua relação com os centros colaboradores.
25
nova ordem mundial apresentando-se ao mesmo tempo como críticos e
produtores de idéias sobre as chamadas políticas de saúde globais.
Então, um campo de investigação política e social foi se delineando. Seria
necessário não só entender as estratégias de organização política e técnica da
OMS, mas também compreende-la no contexto mais amplo das relações entre
globalização e saúde.
Neste conjunto de tensões políticas e cientificas encontramos nos trabalhos
de Boaventura de Sousa Santos um solo fértil e crítico em discussões teóricas e
táticas sobre as relações entre processos de globalização e cultura. Essa
influência teórica é discutida em detalhe no capítulo sobre Processos de
Globalização e Saúde.
Por outro lado identificar a formação de um novo campo de pesquisa e
avaliação em saúde chamado "Health Related Quality of Life" (HRQL), apontou
para a complexa relação entre ciência, medicina e política. Nosso estudo então
tem como principais ferramentas teóricas de desconstrução dos discursos as
noções de conhecimento-regulatório e conhecimento-emancipatório de
Boaventura de Sousa Santos e governamentalidade de Michel Foucault.
Nesta perspectiva, tomando de empréstimo de Bruno Latour suas
concepções de rede e de híbridos, fazemos a crítica aos teóricos da chamada
modernidade, que por tanto tempo separaram natureza e cultura, sujeito e
sociedade, singular e coletivo. Latour espera reatar esses nós através da noção
de rede, concebendo os objetos como híbridos, ou seja, naturezas-culturas,
sujeitos-coletivos, que não se distinguem por suas identidades cognitivas, ou
origem epistemológica, mas sim pelas relações que estabelecem, pelos laços que
incitam.
26
Nosso meio de transporte é a noção de tradução ou de rede. Mais
flexível que a noção de sistema, mais histórica que a de estrutura,
mais empírica que a de complexidade, a rede é o fio de Ariadne
destas histórias confusas. (Latour, 1994:9)
É neste sentido que resgatamos o uso da retórica como uma ferramenta
fundamental para identificação dos argumentos, das técnicas de construção de
consensos e de dissensos, ou melhor, os fios que ligam os nós dessa rede tecida
por ciência, medicina e política.
Através da obra de Chaïm Perelman e sua teoria da argumentação
acabamos por construir nossas escolhas metodológicas, possuindo a consciência
que essas escolhas são parte inseparável de um processo de consenso do qual
também faço parte, junto com meus pares.
Além de serem escolhas teórico-metodológicas, são fundamentalmente
escolhas e consensos éticos, no sentido da construção de um paradigma científico
mais afinado com uma perspectiva emancipatória e solidária.
"Basta pensar que nossa moral só pode manter-se de pé se
defendermos, sem transigência, o princípio do direito à vida, à
liberdade e à busca da felicidade. Com ele, tudo em nossa cultura
pode fazer sentido; sem ele, mesmo o impensável torna-se
possível. A imagem do humano que temos só existe como efeito
desta ética. Privada dela, voaria aos pedaços. Estaríamos
entregues à violência, ao horror. Tais são as conseqüências do
pragmatismo. Ou agimos como sujeitos morais, solidários no que
podemos conhecer e na ética à qual podemos aspirar, ou tornamo-
nos todos homens supérfluos."(Costa, 1994:14-15)
27
Este capítulo portanto apresenta os principais posicionamentos
metodológicos utilizados como estratégias de visibilidade dos processos políticos,
cognitivos e sociais empreendidos pela Organização Mundial de Saúde no que
tange aos estudos transculturais de qualidade de vida realizados pelo WHQOOL.
1.1 A nova retórica e a teoria da argumentação
A retórica era considerada na antiga Grécia como a arte de convencer pelo
uso de instrumentos lingüísticos, ou seja, sem comprovação ou argumentos que
conduzam a sua inteligibilidade com o real. Essa prática foi uma criação dos
sofistas no século Va.c.(Abbagnano, 1982)
Aristóteles reconhece a retórica como uma estratégia de pensamento tão
importante quanto o raciocínio analítico.
A estratégia analítica de produção de verdades seria conduzida por meio de
proposições baseadas em evidências observáveis e que resulta em conclusões
verdadeiras; e a estratégia retórica seria produzida por um conjunto de enunciados
prováveis, articulados por verossimilhança e conduzira a conclusões prováveis.
Para Aristóteles portanto, estas duas formas de pensamento, sem distinção
hierárquica, conduziriam a dois métodos de aproximação da verdade distintos: a
comprovação analítica e a argumentação dialética.
"Segundo Aristóteles a retórica é a faculdade de considerar
em qualquer caso os meios de argumentação disponíveis. Ao
passo que qualquer outra arte somente pode instruir ou persuadir
acerca de seus próprios objetos, a retórica não é limitada por uma
esfera especial de competência, mas considera os meios de
persuasão que se referem a todos os objetos possíveis."
(Abbagnano, 1982:824)
28
Com o racionalismo dogmático de Descartes no século XVII e o
desenvolvimento do positivismo científico nos séculos XIX e XX, a retórica
praticamente desapareceu, sendo considerada uma forma de pensamento menor,
e condenada ao seu sentido pejorativo, ou seja, do vazio da significação, da
racionalidade irresponsável, da "mera retórica".
Chaïm Perelman, em conjunto com Olbrechts-Tyteca, realiza uma
operação de resgate e tradução da retórica para sua apropriação contemporânea
em seu denso e ainda atual "Tratado da Argumentação: A nova retórica".
Perelman logo no início do 'Tratado' denuncia o descaso dedicado à
retórica nos últimos séculos e o império da coerção dos fatos sobre a dialética, da
comprovação sobre a persuasão.
"A publicação de um tratado consagrado à argumentação e
sua vinculação a uma velha tradição, a da retórica e da dialética
gregas, constituem, uma ruptura com uma concepção da razão e
do raciocínio, oriunda de Descartes, que marcou com seu cunho a
filosofia ocidental dos três últimos séculos". (Perelman &
Olbrechts-Tyteca, 2000:1)
Para o autor, o campo da argumentação é o do provável, do verossímil,
não possuindo a certeza do cálculo e nem o compromisso com ele.
A retórica então seria "o estudo dos meios de argumentação, não
pertencentes à lógica formal, que permitem obter ou aumentar a adesão de
outrem às teses que se lhes propõem ao seu assentimento". (Perelman, 1999:57)
Não se trata propriamente de uma disciplina ou de uma teoria, talvez um
ramo da psicologia como diz Perelman, mas para nós a retórica é uma ferramenta
29
fundamental para identificar os argumentos e as técnicas de persuasão em um
dado auditório.
Para Perelman o auditório é o ponto de partida para a construção dos
argumentos, ou seja, o respeito ao auditório, considerando uma relação recíproca,
intersubjetiva, entre o "orador" (que constrói o discurso) e o auditório (construído a
partir da idéia que o orador faz do auditório), ou seja, o público ao qual se dirigem
os argumentos que sensibilizarão os espíritos para o que se pretender persuadir
ou aderir.
"...parece-nos preferível definir o auditório como o conjunto
daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação.
Cada orador pensa, de uma forma mais ou menos consciente,
naqueles que procura persuadir e que constituem o auditório ao
qual se dirigem seus discursos." (Perelman & Olbrechts-Tyteca,
2000:23)
Algumas vezes o autor de um discurso imagina que se dirige a todos os
seres humanos, pois toma como ponto de partida apenas premissas que são
aceitas por todos. Nesse caso, fala-se que seu discurso é dirigido a um auditório
universal, nos quais o orador deve persuadir sobre o estatuto coercivo de seus
argumentos, e que seu valor é atemporal e absoluto, independente das
contingências históricas e sociais.
Esse parece ser o caso das avaliações de qualidade de vida transculturais,
onde os critérios de qualidade de vida deverão apresentar um estatuto universal e
que seja construído a partir da semelhança entre as crenças e valores de
populações de diversas partes do mundo.
30
"O auditório universal é constituído por cada qual a partir do
que sabe de seus semelhantes, de modo a transcender as poucas
oposições de que se tem consciência."(Perelman & Olbrechts-
Tyteca, 2000:37)
Por outro lado o orador concebe o desenho de auditórios particulares, onde
deve conhecer as premissas que governam os espíritos do público em questão. É
em um auditório particular, ou especializado, onde se encontram os grandes
embates sobre a formação dos consensos científicos.
"O cientista dirige-se a certos homens particularmente
competentes, que admitem os dados de um sistema bem definido,
constituído pela mesma ciência em que são especialistas."
(Perelman & Olbrechts-Tyteca, 2000:38)
A partir dessas idéias brevemente apresentadas, usaremos as noções de
técnicas de argumentação e auditório para identificar os principais usos da noção
de qualidade de vida e sua instrumentação na construção de políticas de saúde
internacionais e na literatura médico-científica.
Este uso retórico-metodológico foi aberto por Mattos (2000) no estudo sobre
a oferta de idéias do Banco Mundial acerca das políticas de saúde para os países
em desenvolvimento.
"... parece-me que pode ser útil examinar as propostas de política
de saúde elaboradas pelo Banco Mundial, utilizando as
contribuições da teoria da argumentação, exatamente para poder
distinguir as diversas linhas de argumentação que as compõem e
examiná-las frente aos possíveis auditórios às quais se destinam.
O que nos remete ao campo da retórica."(Mattos, 2000:63)
31
Da mesma forma, utilizaremos a retórica como uma ferramenta útil para
identificar a construção dos discursos científicos sobre qualidade de vida, bem
como suas estratégias de argumentação junto aos auditórios de especialistas, e
na construção de uma noção global de qualidade de vida em um auditório voltado
para as políticas nacionais de saúde.
Para empreender essa estratégia era fundamental conhecer o
funcionamento e organização da OMS, identificando seus principais auditórios,
para então reconhecer seus argumentos para a adesão aos instrumentos de
avaliação transcultural de qualidade de vida.
Por outro lado, ao realizarmos a pesquisa, percebemos a luta e as
estratégias de persuasão empreendidas no seio das discussões metodológicas da
comunidade de especialistas dos estudos sobre HRQL. A disputa entre diversos
instrumentos, a busca por uma concepção dominante, fundada empiricamente, de
qualidade de vida, a eleição de técnicas que permitam a avaliação e a tradução
transcultural das medidas de qualidade de vida são facetas de uma grande
operação de produção de consensos.
A estratégia retórica adotada aqui é parte integrante de uma concepção
construcionista do conhecimento, presente em autores como Thomas Kuhn (1996)
e Boaventura de Sousa Santos.
"O desenvolvimento da ciência é assim uma teia de discursos
argumentativos, tão diferentes quanto as diferenças regionais e
setoriais da comunidade científica, mas interligados pelo que
distingue esta comunidade de outras comunidades
argumentativas. A concepção retórica da ciência pretende levar às
últimas conseqüências o processo de desdogmatização da ciência,
e o seu propósito de restituir, tanto quanto possível sem
mistificação, a prática concreta dos cientistas."(Santos, 2000b:104 )
32
Esta perspectiva aberta por Boaventura Santos aponta para a necessidade
de discutir a construção do paradigma científico moderno, pautado por sua
normatividade e totalitarismo, e suas possibilidades de superação.
Mas para estabelecer a crítica à ciência moderna e discutir a transição
paradigmática apontada por Boaventura, é necessário apresentar o nosso
entendimento sobre a perspectiva construcionista.
1.2 A perspectiva construcionista
É como se o dito de Durkheim se tivesse
invertido e em vez de serem fenômenos sociais a
serem estudados como se fossem fenômenos
naturais, serem fenômenos naturais estudados
como se fossem fenômenos sociais.” (Santos,
2002: 42)
Partindo de uma perspectiva construcionista da realidade, seguindo as
trilhas abertas por Mary Jane Spink, a construção dos conhecimentos científicos
tem sido alvo de inúmeras pesquisas e discussões acaloradas. A idéia de que o
conhecimento científico é construído socialmente e são subordinados às
contingências históricas e culturais estão presentes na obra de diversos autores e
constitui o ponto de partida metodológico deste trabalho. (SPINK, 2000)
Ao discutirmos a construção do conhecimento científico estamos tratando
de implicações e imbricações nas relações entre ciência e sociedade. Neste
sentido, não se trata de uma abordagem representacionista frente aos referentes
33
empíricos científicos. Não se trata de um espelho mental no qual somos capazes
de representar a natureza das coisas, mas sim da impossibilidade de pensar, dizer
e fazer algo que não seja fruto de nossas práticas sociais. (Spink, 2004)
A "verdade científica" seria então o resultado de uma operação retórica
onde os enunciados científicos se produziriam a partir de acordos sociais, fruto de
nossas relações institucionais e de nossas crenças e interesses. Esta operação
retórica se daria em uma arena onde determinadas regras do que é ciência e
como fazê-la, são compartilhadas por um grupo social em busca de
reconhecimento, financiamento e influência, e formam o que Bourdieu (1994)
chama de campo científico.
Spink (2004) comentando Hacking aponta para dois elementos
fundamentais na pesquisa construcionista. O primeiro diz respeito a construção de
idéias que por sua vez constroem objetos. E o segundo elemento, é que as idéias
emergem de uma matriz, de um conjunto de elementos formados, por exemplo,
por instituições, artigos, políticas, médicos, estatísticos, doenças e psicólogos de
onde são construídas as idéias sobre qualidade de vida.
"Ideas do not exist in a vacuum. They inhabit a social setting.
Let us call the matrix within which an idea, a concept or kind, is
formed." (Hacking, 1999: 10)
"Em suma, não basta focalizar a evolução das idéias, é
preciso entender como essa idéias emergem na matriz de eventos
que é sua condição de possibilidade."(Spink, 2004:27)
Queremos enfatizar que para nós, a partir da postura construcionista,
consideramos que a noção de qualidade de vida em saúde é uma construção
histórica das relações entre ciência, medicina e políticas de saúde globais que se
34
materializam em instrumentos, medidas, propriedades psicométricas, discursos e
programas políticos de governos e agências internacionais.
1.3 Boaventura de Sousa Santos e a Transição Paradigmática
A obra do sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos, tem
influenciado a forma de descrever as relações entre ciência e sociedade no
mundo contemporâneo. Algumas de suas idéias e conceitos estão presentes nas
reflexões que faremos sobre qualidade de vida e conhecimento científico.
Diversos autores têm apontado para uma crise no modo de produção social
do conhecimento baseado na ciência moderna que teve sua origem no século
XVI. (Kuhn, 1996, Latour, 1994 e Camargo Jr., 2003) O discurso científico
caracteriza-se pela normatividade, regulação e objetividade com a qual constrói
suas verdades e produz suas técnicas. Esta crise se evidencia por diversos
fatores:
-O distanciamento entre discurso científico e senso comum.
Segundo Boaventura os discursos científicos em sua versão moderna e
regulatória produziu a separação entre ciência e senso comum, reconhecendo um
lugar de autoridade inquestionável à ciência, excluindo toda e qualquer
possibilidade de diálogo com outras formas de conhecimento como o senso
comum. O conhecimento que advém da experiência, da cultura e das práticas
sociais passa a ser considerado menor e não confiável frente à positividade do
conhecimento científico.
Além de estabelecer uma relação de dominação e controle em relação às
demais formas de conhecimento, a ciência tornou-se o modo privilegiado de
construção de verdades no mundo moderno.
35
-A criação das ontologias que moldaram a modernidade: Objetividade X
Subjetividade; Corpo X Mente; Natureza X Cultura; Indivíduo X Sociedade.
A criação de ontologias que transformaram o mundo em um complexo
mecânico-analítico, é uma característica da ciência moderna, transformando os
mais recônditos e minúsculos registros de objetividade em disciplinas, em lugares
de produção de saber que por sua vez multiplicam-se em novos objetos e novas
disciplinas.
Vivemos ainda em um mundo cindido entre ciências e técnicas, entre
pensar e fazer, entre a linguagem e as coisas, entre neutralidade e ética.
-A ciência moderna não produziu os avanços políticos, sociais e éticos
prometidos.
Apesar dos avanços tecnológicos a ciência não conseguiu estabelecer uma
relação positiva entre conhecimento científico e desenvolvimento. Isto quer dizer
que apesar de desvendar o funcionamento e o domínio de diversos aspectos da
natureza, a ciência produziu a deteriorização dos recursos naturais e a poluição
do meio ambiente; a promessa de igualdade social e econômica se por um lado
desenvolveu formas cada vez mais sofisticadas produção, por outro aumentou de
forma ainda mais contundente a desigualdade social e econômica no mundo; e a
promessa de paz e liberdade através da ciência durante o iluminismo produziu
guerras, discriminação social, racial, étnica e sexual em níveis ainda mais
intensos e complexos.
Vários teóricos apontam para a necessidade de superação desse
paradigma, e que Boaventura Santos, seguindo Kuhn (1996), chama de transição
paradigmática.
36
Para Boaventura Santos há duas vertentes de produção do conhecimento.
O conhecimento-regulatório que visa transformar o caos em ordem, constituindo
epistemologicamente uma relação entre saber e objeto, entre teoria e realidade.
Esta é a forma que moldou a relação entre a ciência e a sociedade, criando um
abismo entre o discurso científico e o senso comum. Por outro lado, a transição
paradigmática aponta para a necessidade de valorização de um conhecimento-
emancipatório, que visa transformar a regulação em solidariedade. Nesta
concepção, a teoria crítica proposta por Boaventura, eleva o outro à condição de
sujeito e não mais de objeto, reconhecendo suas especificidades e estabelecendo
uma relação de solidariedade entre conhecimento e vida.
"Esse conhecimento-reconhecimento é o que designo por
solidariedade. Estamos tão habituados a conceber o conhecimento
como um princípio de ordem sobre as coisas e sobre os outros que
é difícil imaginar que funcione como princípio de solidariedade."
(Santos, 2000a:30)
A influência de Marx é marcante no pensamento desse autor, mas
abandona as clássicas divisões entre alienação e trabalho, elites e proletariado,
centro e periferia. Sua concepção de solidariedade abarca noções como
multiculturalismo e singularidade, conhecimento-edificante e crítica ao binômio
objetividade-neutralidade.
Boaventura empreende uma estratégia de desconstrução-construção que
denomina de teoria crítica, na qual a realidade é um campo de possibilidades de
avaliação, definição e passível de enxergar alternativas ao que está
empiricamente dado.
37
"A análise crítica do que existe assenta no pressuposto de
que a existência não esgota as possibilidades da existência e que
portanto há alternativas susceptíveis de superar o que é criticável
no que existe. O desconforto, o inconformismo ou a indignação
perante o que existe suscita impulso para teorizar a sua
superação." (Santos, 2000a:23)
A crítica empreendida por Foucault, segundo Boaventura, aponta ainda
para um paradigma "super-moderno" e não para a sua superação. Foucault
demonstra que não há saída emancipatória possível no "regime da verdade"
governado pela ciência moderna através do poder disciplinar.
"O grande mérito de Foucault foi de ter mostrado as
opacidades e os silêncios produzidos pela ciência moderna,
conferindo credibilidade à busca de 'regimes da verdade'
alternativos, outras formas conhecer marginalizadas, suprimidas e
desacreditadas pela ciência moderna." (Santos, 2000a: 27)
A crítica que Boaventura faz a Foucault considerando-o um teórico crítico
moderno, ou supermoderno, e não um pensador pós-moderno merece uma
estratégia de defesa a Foucault.
A obra de Foucault, como discutiremos adiante, de fato identifica e
denúncia as formas de produção e reprodução do poder na modernidade,
ressaltando seus marcos arqueológicos e genealógicos, principalmente no que diz
respeito à construção do sujeito moderno.
Mas por outro lado a riqueza e detalhamento da circulação do poder
através de micropoderes, de mecanismos disciplinares que engendram e dão
forma ao tecido social, ainda não esgotaram sua potência crítica e metodológica
nas pesquisas que envolvem as relações entre saber, política e sociedade, e se
38
tornam ainda mais atuais quando aplicadas de forma crítica aos processos de
globalização cultural, econômica e social.
Valorizamos também a última fase da obra de Foucault denominada por
alguns autores de ética e estética (Costa, 1995 e Ortega, 2001). Nesta fase
Foucault procura alternativas para as formas de produção de subjetividade
modernas, baseadas principalmente na estética e na constituição de sujeitos
morais. (Foucault, 1985)
Voltando a Boaventura, a teoria crítica se coloca atualmente em um lugar
de oposição aos universalismos e totalitarismos, e de reconhecimento das
diversidades culturais, do multiculturalismo e das produções do cosmopolitismo.
A posição da teoria crítica no que tange à crise do paradigma moderno, se
baseia resumidamente em duas proposições. A primeira diz respeito à
inexistência de um único princípio de transformação social, propondo uma teoria
da tradução que torne as diferentes lutas sociais mutuamente inteligíveis, e que
permita a troca sobre as diversas opressões a que são submetidos e a
emergência de proposições locais para os seus problemas .
A segunda desresponsabiliza a industrialização como "o motor do
progresso e a parteira do desenvolvimento", apontando para a necessidade de
criação de modelos alternativos à concepção de desenvolvimento fundados no
Produto Interno Bruto (PIB) e na distribuição das riquezas.
Essas concepções que se afirmam pela sua oposição e necessidade de
superação do paradigma científico moderno, deixam claro que o principal
processo de desconstrução desse modelo é a crítica aos ideais universalistas e
colonizadores da ciência, e a busca por estratégias alternativas e emancipatórias
de conhecer e fazer ciência como uma prática social.
39
Essas estratégias de descrição da realidade e produção do conhecimento
estão envolvidas em um procedimento retórico (argumentativo) onde estão em
jogo as regras e valores dos atores em questão.
Neste sentido as estratégias retóricas presentes nos documentos, artigos,
discursos e instrumentos sobre qualidade de vida são processos que deflagram
os objetivos, os sentidos, as regras e valores cultivados pelos cientistas e
instituições, e o auditório que pretendem atingir.
Boaventura vale-se da teoria da argumentação de Perelman, para enfatizar
que no discurso científico não existe uma verdade superior, mas que: “é definida
pelo tipo de argumentos considerados válidos e mais válidos no seio do auditório
relevante desse discurso” (Santos, 2000b:98) Neste caso a escolha do auditório,
ou do público, a quem o cientista se remete é fundamental para a escolha dos
argumentos e das proposições a ele destinadas. Logo um discurso que tem como
seu auditório a comunidade científica, exclui todos os atores “não competentes”
da discussão e seus desdobramentos éticos e políticos. Por outro lado um
discurso que se produz a partir do respeito a um auditório mais amplo, em uma
perspectiva emancipatória e edificante, poderá prover uma discussão solidária e
voltada para os problemas locais, distante das soluções universais e
normatizantes da ciência moderna.
A influência do pensamento e das estratégias emancipatórias é utilizada
aqui na perspectiva dialógica, na produção de consensos que levem em conta as
regras e valores do auditório e uma flexão do conhecimento na direção do sujeito
e não mais da objetividade.
40
1.4 Foucault e a Governamentalidade
A produção das práticas e saberes médicos no ocidente tem se guiado,
desde o século XVIII, pelos ideais de cientificidade tão presentes em nossa
cultura. (Foucault, 1987 e Luz, 1988) Esses ideais se caracterizam pela rígida
estruturação do conhecimento a partir de critérios a-históricos, universalizantes e
mecanicistas de análise, excluindo todo e qualquer rastro subjetivo da natureza e
dos objetos de estudo. Esses saberes e práticas elegem a metodologia
quantitativa como a estratégia fundamental de produção de verdades.
Esta perspectiva crítica foi discutida em detalhe em outros trabalhos (Matta,
1998; Camargo Jr., 2003; Pinto, 2000) mas todos fazem referência às pistas
abertas por Foucault em obras como "O Nascimento da Clínica" (1987) e
"Microfísica do Poder" (1979). Neste sentido vale pontuar de um lado a
perspectiva arqueológica que identifica o conhecimento anátomo-clínico como a
episteme da medicina moderna apontando para a construção cognitiva do olhar
médico sobre a doença; e por outro a perspectiva genealógica das relações de
poder entre medicina e Estado no surgimento da medicina social e suas
estratégias disciplinares de governo dos corpos e da subjetividade.
A estratégia de desconstrução discursiva empreendida por Michel Foucault
a partir dos métodos arqueológico e genealógico, permite seguir as
descontinuidades e atravessamentos dos discursos e das práticas científicas, ao
longo de seu desenvolvimento e de suas relações com o saber, a medicina e a
cultura. Os dispositivos disciplinares empreendidos pelo saberes médicos,
possibilitam não só a maior regulação e controle dos corpos e das subjetividades,
mas principalmente determinam processos de governamentalidade que
identificam, classificam e quantificam domínios de vida, crenças e experiências.
Esta relação das ciências com o Estado na construção de níveis de
governamentalidade diversos e dispersos no tecido social, é fundamental para
41
compreendermos o nascimento dos métodos sobre informação populacional, e
mais especialmente as informações em saúde.
A questão das informações em saúde, surgiu concomitantemente, segundo
Moraes (1998), com o desenvolvimento do pensamento anátomo-clínico e da
anatomia patológica durante o século XIX.
"Isto implica a constituição de saberes específicos, classificatórios,
que darão a base para a classificação das doenças e a
conseqüente possibilidade de constituição de acervos estatísticos
comparáveis no tempo e no espaço. A constituição gradual de
sistemas de informações como um processo de coleta, tratamento,
análise e disseminação de informações, passa a ser um
instrumento fundamental para o próprio desenvolvimento dos
saberes médicos." (Moraes, 1998:7)
A construção de um saber informacional para a mensuração, avaliação e
prescrição sobre a vida e a morte, instrumentaliza o saber médico, além de tornar-
se um forte aliado na regulação, monitoramento e otimização dos corpos pelo
Estado.
Neste sentido é fundamental monitorar as doenças (medidas de
morbidade), as mortes (medidas de mortalidade), e a vida (medidas de natalidade
e expectativa de vida).
"Ou seja, o que se pretende enfatizar é que o aparecimento de
novos saberes referidos à coleta, ao processamento, ao
tratamento, à análise e ao armazenamento de informações
relacionadas a situações de saúde remete a condições de sua
possibilidade externas a esses próprios saberes, não como efeito
42
ou resultante, mas, como elementos imanentes de dispositivos de
natureza essencialmente estratégica." (Moraes, 2002:18)
Isto significa dizer que as informações em saúde fazem parte de uma
tensão entre saber e poder, entendendo como um dispositivo de governo do
Estado moderno.
É importante entender poder em Foucault não como uma instância
autoritária e imanente, e nem um lugar determinado da estrutura social. O poder
para Foucault, em um de seus vários sentidos presentes em sua obra, é
construído nas relações entre os sujeitos e entre os saberes e as práticas,
estendendo-se de forma às vezes invisível por todo o tecido social.
“O Poder não é alguma coisa que se adquire, se subtrai ou se
divide, alguma coisa que se guarde ou que se deixe escapar - sem
dúvida há que ser nominalista: o poder, isso que não é uma
instituição, não é uma estrutura, não é determinada capacidade da
qual alguns seriam dotados: é o ícone que se dá a uma situação
estratégica complexa em uma determinada sociedade." (Foucault,
1979: 74)
Foucault ao mesmo tempo em que denuncia as formas de opressão pelo
poder, aponta para sua positividade, no sentido que materializa relações, sujeitos,
verdades e instituições.
Essa estratégia de vigilância e de construção de realidades faz parte do que
Foucault chamou de estratégias de governamentalidade.
A idéia de governamentalidade está na origem do problema do Governo
dos povos e da nação, que segundo Foucault começa a se materializar no século
XVIII com a noção de economia, que significava para Rousseau o modo de gestão
dos indivíduos, dos bens e da casa para o bem da família.(Foucault, 1979) Esta
43
operação se complexifica ao expandir a noção de governo da família para o
Estado.
"Governar um Estado significará portanto estabelecer a economia
ao nível geral do Estado, isto é, ter em relação aos habitantes, às
riquezas, aos comportamentos individuais e coletivos, uma forma
de vigilância, de controle tão atenta quanto a do pai de família."
(Foucault, 1979: 281)
Aos poucos o foco sobre as famílias desaparecerá frente a necessidade de
um enfoque mais amplo, populacional, mas permanecerá com um elemento
fundamental das propriedades populacionais na economia política.
"Em outras palavras, até o advento da problemática da população,
a arte de governar só podia ser pensada a partir do modelo da
família, a partir da economia entendida como gestão da família. A
partir do momento em que, ao contrário, a população aparece
como absolutamente irredutível à família, esta passa para um plano
secundário em relação à população, aparece como elemento
interno à população, e portanto não mais como modelo, mas como
segmento. E segmento privilegiado, na medida em que, quando se
quiser obter alguma coisa da população - quanto aos
comportamentos sexuais, à demografia, ao consumo, etc. - é pela
família que se deverá passar.De modelo, a família vai tornar-se
instrumento, e instrumento privilegiado, para o governo da
população e não modelo quimérico para o bom governo."(Foucault,
1978: 288-289)
Esta estratégia de governo das populações implica na construção de
métodos informacionais de controle, mensuração e avaliação na circulação e
aplicação dos sujeitos. A sistematização das informações permite observar a
44
objetividade individual, bem como reorganiza-la em séries, estabelecendo regras e
classificações.
"A organização das informações se dá de tal modo a permitir ligar o
singular e o múltiplo. A permitir recuperar a informação de tal modo
que seja possível caracterizar o indivíduo enquanto indivíduo e ao
mesmo tempo inseri-lo em uma ordem, em uma série, em um
conjunto de uma multiplicidade dada."(Moraes, 1998:25-6)
A busca por informações cada vez mais detalhada, mapeando os diversos
aspectos da vida humana que se relacionam com a vida, a doença e a morte, cria
em Foucault a imagem do Panopticon de Jeremy Bentham, escrito no final do
século XVIII. A idéia é a construção das condições de vigilância dos sujeitos e dos
acontecimentos, como se apresentam na medicina e nos presídios.
"Algo importante a ser assinalado: Bentham pensou e disse que
seu sistema ótico era a grande inovação que permitia exercer bem
e facilmente o poder. Na verdade, ela foi amplamente utilizada
depois do final do século XVIII. Mas os procedimentos de poder
colocados em prática nas sociedades modernas são bem mais
numerosos, diversos e ricos. Seria falso dizer que o princípio da
visibilidade comanda toda a tecnologia do poder desde o século
XIX." (Foucault, 1978: 211)
Isto quer dizer que as tecnologias de governamentalidade se tornaram mais
sofisticadas e que é necessário compreender um conjunto de estratégias que
multiplicam as formas de poder percebidas não mais exclusivamente pelo olhar.
"Desde o século XVIII, vivemos na era da governamentalidade.
Governamentalização do Estado, que é um fenômeno
particularmente astucioso, pois se efetivamente os problemas da
45
governamentalidade, as técnicas de governo se tornaram a
questão política fundamental e o espaço real da luta política, a
governamentalização do Estado foi o fenômeno que permitiu ao
Estado sobreviver. Se o Estado é hoje o que é, é graças a esta
governamentalidade, ao mesmo tempo interior e exterior ao
Estado. São as táticas de governo que permitem definir a cada
instante o que deve ou não competir ao Estado, o que é público ou
privado do que é ou não estatal, etc.; portanto o Estado, em sua
sobrevivência e em seus limites, deve ser compreendido a partir
das táticas gerais da governamentalidade." (Foucault, 1979:292)
Ao discutir a construção de instrumentos que procuram definir, avaliar e
mensurar de forma universal a qualidade de vida dos sujeitos na sua relação com
a saúde e a doença, com o objetivo de avaliar procedimentos, terapêuticas e
políticas, estaríamos assistindo ao surgimento de uma estratégia sofisticada de
governamentalidade. Agora não mais ligada aos interesses do Estado Moderno,
mas aos processos de globalização política, cultural e econômica, identificados
nas estratégias de saúde globais.
Poderíamos inicialmente descrever esses processos de produção do
conhecimento a partir de seus referentes cognitivos, ou epistemológicos, ou então
realizar uma leitura das lutas políticas entre os diversos grupos científicos em
busca de reconhecimento, recursos e prestígio social (Camargo Jr. et al., 1999) .
Mas o que parece estar em jogo aqui é a complexidade da produção de
conhecimento nas suas relações com os atores envolvidos, as instituições e a
política, e das teorias que procuram segui-la . (Callon e Latour, 1991)
Seguir as diversas descrições que envolvem o surgimento da noção
Qualidade de Vida no campo da saúde, é distinguir os nós que compõem essa
rede de fatos, poder e discursos.
46
O problema é ao mesmo tempo distinguir os acontecimentos,
diferenciar as redes e os níveis a que pertencem e reconstituir os
fios que os ligam e que fazem com que se engrenem, uns a partir
dos outros.” (Foucault, 1979:5)
A partir das obras e conceitos desses autores compreendemos a produção
de conhecimento sobre qualidade de vida na área de saúde, como um processo
histórico determinado pelas relações que essa noção estabelece com as práticas,
poderes e discursos presentes nesta cultura de fim de século e que configuram as
políticas e estratégias de governo sobre o homem e a sociedade contemporâneos.
Entendemos aqui a contemporaneidade como um conjunto de valores e
práticas, especialmente atravessadas por suas dimensões globais, principalmente
nas relações entre trabalho, ciência e globalização, como discutiremos adiante.
47
Capítulo 2
Processos de Globalização e Saúde
__________________________________________________
Para melhor situar o contexto das estratégias de saúde internacionais,
denominadas atualmente por políticas de saúde globais, bem como, a utilização
de instrumentos de avaliação transculturais, como WHOQOL, e as novas
estratégias de liderança da OMS, é importante atentar para as relações entre
globalização e saúde.
Inicialmente será realizada uma breve descrição dos principais processos
de globalização em andamento no mundo contemporâneo, a partir dos trabalhos
de Boaventura Santos, identificando seus movimentos hegemônicos e contra-
hegemônicos.
A partir dessas reflexões identificamos as principais conseqüências da
globalização para a saúde, e também, o surgimento de um novo campo político
denominado "Global Health".
2.1 Processos de Globalização
O fenômeno da globalização tem sido denominado por muitos autores de
diversas formas mas que recorrentemente evocam o adjetivo global em suas
conceituações: Sistema Global, Cultura Global, Processo Global, entre outros.
Essa semântica se desenrola no entardecer do século XX e promete, como um
destino inexorável, instaurar-se definitivamente no século XXI.
Esse fenômeno apresenta características complexas e até agora, muito
pouco consenso existe acerca de seu desenvolvimento e repercussões. Mas o
48
que há em comum, e é o que nos interessa até o momento, são alguns elementos
de ordem política, econômica e cultural que se fortaleceram nas últimas décadas e
transformaram as ideologias que polarizavam o mundo, o cotidiano dos cidadãos e
a forma de expansão do capitalismo.
É muito difícil definir com precisão transformações que aconteceram em um
passado muito recente e que ainda se desenrolam em sucessivas ondas de
influência, estruturação e reestruturação. Muita discussão existe sobre o assunto,
portanto não partiremos de uma posição monolítica do conceito de globalização.
Apenas seguiremos as trilhas abertas pelo sociólogo português, Boaventura de
Sousa Santos, para discutir alguns itens que servirão de argumentos críticos
fundamentais em nosso trabalho.
"Uma revisão dos estudos sobre os processos de globalização
mostra-nos que estamos perante um fenômeno multifacetado com
dimensões econômicas, sociais, políticas, culturais, religiosas e
jurídicas interligadas de modo complexo. Por esta razão, as
explicações monocausais e as interpretações monolíticas deste
fenômeno parecem pouco adequadas." (Santos, 2002:2)
Com a intensificação dos fluxos transnacionais na indústria, no comércio e
na cultura, o surgimento de empresas e organizações transnacionais que detêm a
maior parte dos investimentos financeiros no mundo, o desenvolvimento e a
disseminação das tecnologias de informação e comunicação, o aumento do fluxo
de pessoas e mercadorias nos cinco continentes, além do surgimento de novas e
precárias formas de organização do trabalho, a redução do papel do Estado-
Nação e bem-estar social foram perdendo seus contornos e novas formas de
gestão da política-econômica internacional foram desenvolvidas.
A Globalização em seu registro econômico, segundo SANTOS (2002) e
FIORI (1995) tem seu marco político no final da década de 80, durante o
49
Consenso de Washington, no qual faziam parte instituições financeiras de ajuda
internacional americanas como o Banco Mundial, o FMI e o BID. Neste
documento, uma série de prescrições foram realizadas para a reestruturação
econômica da América Latina. Nestas prescrições o ajuste estrutural monetário
era o principal objetivo que devia ser alcançado através de ajustes fiscais, redução
do papel do Estado na Economia, privatização dos serviços públicos, liberalização
dos investimentos estrangeiros, direito a propriedade e redução dos investimentos
nas políticas sociais.
Para SANTOS (2002) essa é a parte mais consensual e hegemônica do
fenômeno da globalização. Mas como os processos de globalização não são
convergentes e nem se apresentam apenas em sua face econômica, há
movimentos, ou para alguns autores (Castells, 1999), repercussões culturais e
sociais que são percebidas como efeitos colaterais da globalização econômica.
A aceleração do capitalismo globalizado através de investimentos e ajustes
estruturais nas políticas econômicas dos países periféricos produziu também o
aumento, em escala jamais vista, da desigualdade econômica e social no mundo.
Diversos dados apontam para o fosso existente entre os países mais ricos e a
progressiva dessocialização da economia nos países mais pobres.
"Nos últimos trinta anos a desigualdade na distribuição dos
rendimentos entre países aumentou dramaticamente. A diferença
de rendimento entre o quinto mais rico e o quinto mais pobre era,
em 1960, de 30 para 1, em 1990, de 60 para 1 e, em 1997, de 74
para 1. As 200 pessoas mais ricas do mundo aumentaram para
mais do dobro a sua riqueza entre 1994 e 1998. A riqueza dos três
mais ricos bilionários do mundo excede a soma do produto interno
bruto dos 48 países menos desenvolvidos do mundo."(Santos,
2002:7)
50
Além da desigualdade na distribuição das riquezas, várias têm sido as
conseqüências da globalização como a desigualdade de acesso à informação e
comunicação produzindo a exclusão digital de bilhões de pessoas em todo o
mundo, a falta de acesso à medicamentos essenciais, a redução do consumo de
bens e alimentos nos países pobres, a expansão da AIDS no mundo e em
especial na África, a redução da contribuição dos países ricos para a ajuda ao
desenvolvimento, a corrosão econômica dos países endividados pelo juros da
dívida externa, a emigração de profissionais e intelectuais dos países pobres para
o mundo desenvolvido, entre outros.
Esses dados fazem da globalização um fenômeno complexo, sujeito a
múltiplos atravessamentos, resistências e processos que vão desde a
universalização de políticas, comportamentos e discursos, até o reconhecimento
das particularidades e singularidades de diversas culturas e etnias.
Neste sentido nos interessa discutir as tensões entre universalismo e
particularismo contidos nos processos de globalização apontados por SANTOS, e
seus atravessamentos científicos e culturais.
Essa discussão trará subsídios para compreender e dar visibilidade política
ao surgimento de instrumentos avaliação transculturais de qualidade de vida como
o WHOQOL.
2.2 Produção de Conhecimento e Processos de Globalização
Boaventura Santos aponta para três tipos de globalização: Econômica,
política e cultural. A primeira já tratada anteriormente diz respeito à nova ordem
econômica mundial onde os fluxos de capitais e investimentos não obedecem
limites nacionais ou geográficos e são controlados por empresas transnacionais
que através de seus movimentos de injeção ou retirada de investimentos afetam
profundamente a economia dos estados nacionais.
51
A globalização política que redefine inteiramente o papel do estado na
regulação econômica e na provisão de políticas sociais, desestatizando
instituições, cultuando o ideário político da democracia liberal, enxugando as
ações do Estado e reestruturando as formas jurídicas para a abertura ao capital
estrangeiro e o direito à propriedade.
A globalização cultural é descrita como uma promessa do surgimento de
uma cultura global, fundada na universalização de crenças, valores e
comportamentos que seriam potencializados pelo desenvolvimento das
tecnologias da informação e da comunicação, entre elas a televisão e a internet, e
o crescente fluxo migratório de pessoas em todo o mundo, uniformizando
vestuários, a alimentação e as formas de entretenimento.
A ciência tem sido uma das formas mais intensas de globalização do
conhecimento e das subjetividades, expandido-se pelo mundo como uma
expressão moderna e iluminista da verdade. Neste sentido o mundo globalizado
teria como umas de suas bases retóricas o regime da verdade:
“...um conjunto de procedimentos regulados para a produção, a lei,
a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados.(...)
circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e
apoiam, e a efeitos de poder que ela induz e que a reproduzem.
Regime da verdade.” (Foucault, 1979:14)
Na Globalização Hegemônica a ciência tem um papel fundamental na
justificação e instrumentalização dos dispositivos globais. Ou seja, formas de
universalização de conceitos, procedimentos, políticas e comportamentos.
Neste momento é fundamental fazer uma distinção entre globalização
hegemônica e globalização contra-hegemônica, proposta por Boaventura. O autor
52
parte da crítica à existência de uma única globalização, sendo ela marcada pelos
mecanismos de poder econômico e político do paradigma neoliberal. A maioria
dos autores vê uma globalização que se impõe ao mundo e as formas de luta
contra ela.
"Um dos debates actuais gira em redor da questão de saber se há
uma ou várias globalizações. Para a grande maioria dos autores,
só há uma globalização, a globalização capitalista neoliberal, e por
isso não faz sentido distinguir entre globalização hegemónica e
contra-hegemónica." (SANTOS, 2002:28)
Para Boaventura não devia se falar em globalização mas em globalizações
no plural. Este fenômeno apresenta contradições, disjunções e formas de
organização social tão diversas que vão desde a dicotomia entre local e global, até
às contradições a respeito do papel do Estado-Nação na adesão/resistência à
globalização.
"Aquilo que habitualmente designamos por globalização são, de
facto, conjuntos diferenciados de relações sociais; diferentes
conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes fenómenos
de globalização. Nestes termos, não existe estritamente uma
entidade única chamada globalização; existem, em vez disso,
globalizações; em rigor, este termo só deveria ser usado no plural."
(Santos, 2002: 20)
Neste sentido Boaventura identifica movimentos de globalização
hegemônicos e contra-hegemônicos partindo de processos ao mesmo tempo
distintos e contraditórios. O autor aponta quatro modos de produção de
globalização.
53
O primeiro seria o localismo globalizado que seria descaracterização das
identidades locais pela construção de valores globais em territórios locais, como a
universalização da língua inglesa, a disseminação de restaurantes fast-food ou a
adoção mundial das leis e patentes de propriedade intelectual americana.
Figura 1 McDonald’s na China
McDonald's na China é um exemplo de localismo globalizado.
O segundo modo de produção de globalização proposto por Boaventura
seria o globalismo localizado que representaria as repercussões e transformações
locais para responder às práticas e imperativos transnacionais produzindo a
degradação das condições sociais, econômicas e ecológicas locais.
O terceiro seria o cosmopolitismo, onde grupos sociais, Estados-Nações,
regiões ou organizações apresentam uma resistência transnacional ao localismo
globalizado e ao globalismo localizado, valendo-se da possibilidade de interação
transnacional em busca de causas comuns, usando para isso tecnologias de
informação e comunicação globais.
54
Figura 2 Fórum Social Mundial
O Fórum Social Mundial de Porto Alegre seria uma manifestação de Cosmopolitismo.
"O cosmopolitismo não é mais do que o cruzamento de lutas
progressistas locais com o objectivo de maximizar o seu potencial
emancipatório in loco através das ligações
translocais/locais".(Santos, 2002:26)
A quarta forma de produção de globalização é denominada por Boaventura
como patrimônio comum da humanidade. Este último item é uma forma de luta
transnacional para a manutenção e proteção da vida e das populações
representada por exemplo pela "desmercadorização" de produtos essências para
a sobrevivência humana (medicamentos e alimentos), o estabelecimento de áreas
de proteção ambiental e o estabelecimento de consensos internacionais contra a
emissão de gazes tóxicos em todo o mundo.
Desta forma, podemos perceber movimentos distintos que tornam híbrida a
distinção entre local e global, e que estabelecem distinções e usos diversos dos
processos globais hegemônicos e contra-hegemônicos.
55
Poderíamos fazer uma analogia, a partir de conceitos do próprio
Boaventura, entre Globalização Hegemônica e conhecimento-regulação e
Globalização Contra-hegemônica e conhecimento-emancipatório. Ou seja, a
relação da produção e uso do conhecimento científico com os processos de
globalização, onde concepções universalistas, deterministas, partindo de uma
ciência que monitora e intervem nas realidades locais (globalização hegemônica);
e outra que parte de uma crítica à regulação e normatização da ciência e da vida,
que se alia às práticas locais e à cultura em busca de um conhecimento
emancipatório, ou seja um conhecimento prudente para uma vida decente
(globalização contra-hegemônica).
Estas distinções são fundamentais para compreender as relações entre
globalização e saúde, e mais profundamente, as relações entre ciência, políticas
globais e saúde.
2.3 Global Health: A constituição de novo campo político
Recentemente, mais precisamente durante o final da década de 90,
observa-se o surgimento de um movimento denominado "Global Health". Este
movimento tem procurado relacionar as transformações do mundo globalizado e
suas repercussões para a saúde do mundo e de cada país. São instituições
governamentais como Office of Global Health do Departamento de Saúde e
Serviços Humanos do governo americano; instituições acadêmicas como a
Universidade de Pittsburgh nos Estados Unidos; organizações não-
governamentais como o Global Health Council; programas de grandes
organizações e corporações econômicas como o Global Health Intiative do Fórum
Econômico Mundial; Programas e Políticas de agências internacionais como a
OMS, o Banco Mundial e a UNICEF.
Essas instituições e agências definem "Global Health" de diversas formas:
56
"The Institute of Medicine refers to global health as "health
problems, issues, and concerns that transcend national boundaries,
may be influenced by circumstances or experiences in other
countries, and are best addressed by cooperative actions and
solutions.
As it becomes increasingly clear that countries around the world
share many of the same health problems, though perhaps of
different magnitudes, the term "global health" becomes more
aligned with current realities and more relevant to each country.
The enlightened notion of global health as a two -way street allows
us all to understand that countries around the world benefit from
engaging globally in health - working together to share solutions to
shared or common problems." (U.S.A. Department of Health and
Human Services,2005)
"Global Health refers to health issues that transcend national
boundaries. Global health today faces unprecedented challenges.
The need of the world's poor for health care is greater now than
ever before. In particular, the third world faces demographic and
epidemiological concerns that have never previously been
encountered. Its population is slowly shifting from environments
with exposure to infectious diseases to localities with a higher
prevalence of risk factors for non-communicable diseases like
motor vehicle accidents, unsafe workplaces, and air pollution.
Concurrently, individual and social behaviors are changing in a
manner than increases the risk of developing chronic diseases.
Developing countries are in the unenviable position of having to
plan for the control of communicable diseases at the same time that
non-communicable diseases are becoming important. On a positive
57
note, our knowledge of these needs has increased and so has our
ability to address them." (University of Pittsburgh, 2005)
Global health is a discipline within public health that focuses
on preventing and controlling diseases and other health problems
and promoting health in developing nations or among underserved
populations throughout the globe, including the United States.
Because of the globalization of the world economy, global
movements of people and commerce, and the increased
importation of infectious agents and hazardous contaminants, what
occurs in one part of the globe can have far reaching effects
throughout the rest of the world(Brigham Young University,2005)
O alinhamento da agenda de saúde com as estratégias de globalização
econômica, cultural e científica parecem ter norteado essa nova arena de
negociação política denominada "Global Health". Ao mesmo tempo em que
algumas transformações provocadas pela transnacionalização da economia, a
revolução proporcionada pelas tecnologias da informação e comunicação
produziram novos desafios para o mundo, incluir o adjetivo "global" nas políticas e
práticas institucionais transmite a idéia que se está atento e alinhado com a nova
ordem mundial, e conseqüentemente com as práticas lingüísticas
contemporâneas.
Há uma discussão sobre a substituição do adjetivo internacional para global
em alguns fóruns sobre a saúde no mundo.
"These questions attracted the attention of Supinda Bunyavanich
and Ruth B. Walkup who published, under the provocative title
“U.S. Public Health Leaders Shift Toward a New Paradigm of
Global Health,” their report of conversations conducted in 1999 with
29 “international health leaders.” Their respondents divided into
two groups. About half felt there was no need for a new terminology
58
and that the label “global health” was meaningless jargon. The
other half thought there were profound differences between
“international” and “global” health and that “international” implied
coordination constrained by national boundaries and interests,
whereas “global” meant something clearly transnational. Although
these respondents felt that a major shift had occurred within the
previous few years, they seemed unable clearly to articulate or
define it."(Brown et al., 2005:4)
Para além do seu uso retórico, o fenômeno político "Global Health",
representa não apenas uma mudança de nomenclatura, mas também a
construção de uma nova agenda para a saúde do mundo. As lutas e discussões
sobre política de saúde internacional, deixam o território geográfico de países e
regiões, e procuram impor uma "transterritorialidade" às demandas, avaliações e
procedimentos. Discussões sobre atenção primária, controle de doenças,
avaliação de sistemas de saúde passam a constituir um painel para planejamento
e ações globais, baseada na interdependência econômica e tecnológica dos
estados-nacionais.
"Global Health" apresenta também contradições próprias da complexidade
dos processos de globalização. Ou seja, por um lado apresenta sua face
hegemônica e por outro uma posição de luta contra-hegemônica, partindo da
capacidade de novas estratégias políticas e emancipatórias.
O título de um relatório do Instituto das Academias Nacionais de Medicina
dos Estados Unidos ilustra bem os usos que essa noção incita na construção de
oportunidades e estratégias no cenário sanitário hegemônico: "America's Vital
Interest in Global Health: Protecting Our People, Enhancing Our Economy, and
Advancing Our International Interests" (IOM, 1997)
59
Neste relatório a globalização é descrita ao mesmo tempo como uma
ameaça para o povo americano, derivada da expansão dos fluxos migratórios
internacionais que podem deflagrar doenças de alto poder epidêmico, e por outro
como uma oportunidade de expandir comercialmente e cientificamente a influência
americana sobre as tecnologias de saúde globais.
Em outra parte do Globo, em Bangladesh, teve lugar a I Assembléia da
Saúde dos Povos em 2000, organizada a partir de um movimento popular, o
People's Health Movimement, no qual fazem parte representantes de países em
desenvolvimento, organizações não-governamentais, associações de profissionais
de saúde que reivindicam uma ação ampla de atenção primária em todo o mundo,
maior participação popular nas tomadas decisão políticas sobre saúde, a saúde
pública e gratuita a todos os povos e a monitoração das atividades de empresas e
organizações transnacionais no mercado e nas políticas de saúde.
Figura 3 I Assembléia de Saúde dos Povos
Ilustração retirada do documento de discussão para a I Assembléia de Saúde dos Povos. (PHM,
2000)
Essas e outras iniciativas demonstram claramente o caráter plural deste
campo denominado "Global Health", que qualquer definição apressada reduziria a
60
diversidade dos interesses e lutas que estão em jogo nas políticas de saúde
globais atualmente.
Apesar da luta por uma definição hegemônica de "Global Health" estar em
franca disputa nos meios acadêmicos e político-institucionais, podemos destacar
alguns itens que são comuns em alguns textos que identificamos como defensores
da noção dominante de "Global Health".
- Controle de Doenças Globais
Com a aceleração do comércio globalizado, o transporte de pessoas,
produtos, alimentos, animais e outros itens do comércio global, o risco da
transmissão de doenças como a malária, a AIDS, febre amarela, tuberculose,
cólera, influenza e outras doenças comunicáveis, cresceu enormemente,
alarmando as autoridades sanitárias dos países desenvolvidos.
A necessidade de monitoramento e controle dessas doenças no mundo é
um assunto de defesa nacional para alguns países como os EUA, e também um
grande obstáculo à expansão da globalização econômica.
- Controle e disseminação de hábitos de vida saudáveis
A prevenção e o controle de doenças crônicas são práticas vulneráveis aos
estilos de vida de uma cultura. Portanto, a promoção de hábitos de vida que
diminuam o risco de morbidade e agravamento das doenças crônicas é um
objetivo importante para a redução de doenças.
A globalização seria responsável pela adoção de hábitos de vida insalubres
envolvendo alimentação, consumo de álcool, drogas e tabaco. Ao mesmo tempo
um novo movimento global com pautas de comportamentos saudáveis que elegem
61
o cuidado com o corpo, alimentos com baixo teor de gordura e complexos
vitamínicos é o estabelecimento de um novo mercado global.
- Atenção aos países pobres
"Global Health" tem uma clara intenção em priorizar suas ações junto aos
países pobres, onde a pobreza, as condições desfavoráveis de vida e a fome têm
um impacto importante sobre a saúde das populações.
É importante destacar que apesar de tratar-se de políticas de âmbito
transnacional, a agenda dessas organizações voltam-se prioritariamente para os
países pobres e em desenvolvimento.
- Desenvolvimento de parcerias público-privado
A interdependência tecnológica e econômica entre os diversos países
sugere que a parceria entre industrias farmacêuticas e de equipamentos médicos,
agências de ajuda internacional, seguros privados de saúde e sistemas nacionais
de saúde com o objetivo de estabelecer ações conjuntas para reduzir custos,
desenvolver insumos, políticas e programas em cooperação público/privado.
Diversos interesses hegemônicos estão em jogo no cenário sanitário
internacional. Desde o problema da propriedade de patentes até a expansão de
grandes companhias de seguro de saúde privados nos países em
desenvolvimento. A ampliação e proteção mútua de grandes interesses
econômicos internacionais lutam em bloco para influir nos modelos nacionais de
saúde.
62
- Orientar e influir nos sistemas nacionais de saúde
A globalização fornece ferramentas de informação e comunicação para
reunir dados sobre saúde em todo o mundo e organizar protocolos internacionais
e locais para atender as demandas dos diversos países. A suposta colaboração
global para evolução dos sistemas de saúde, encobre as estratégias de
supremacia tecnológica e ideológica dos países desenvolvidos, como podemos
observar neste relatório do governo americano:
"The report recommends that the United States exert greater
leadership in global health by taking full advantage of its strength in
science and technology. In so doing, the United States will fulfill its
national responsibility to protect Americans' health, enhance U.S.
economic interests, and project U.S. influence internationally.
The direct interests of the American people are best served when
the United States acts decisively to promote health around the
world."(IOM, 1997)
Essas estratégias apontam para a tentativa de diminuir as desigualdades e
promover a equidade no atendimento às necessidades de saúde no mundo.
"The Council works to ensure that all who strive for improvement
and equity in global health have the information and resources they
need to succeed."(Global Health Concil, 2005)
No entanto os processos de globalização produziram ao longo das últimas
décadas mais iniqüidades na resolução, acesso e financiamento dos problemas de
saúde no mundo do que a prometida e defendida "equidade global":
"A área da saúde é talvez aquela em que de modo mais chocante
se revela a iniquidade do mundo. Segundo o último Relatório do
63
Desenvolvimento Humano das Nações Unidas, em 1998, 968
milhões de pessoas não tinham acesso a água potável, 2,4 biliões
(pouco menos que metade da população mundial) não tinha
acesso a cuidados básicos de saúde; em 2000, 34 milhões de
pessoas estavam infectadas com HIV/SIDA, dos quais 24,5
milhões na África subsahariana (UNAIDS, 2000: 6); em 1998,
morriam anualmente 12 milhões de crianças (com menos de 5
anos) de doenças curáveis (UNICEF, 2000). As doenças que mais
afectam a população pobre do mundo são a malária, a tuberculose
e a diarreia.(4) Ante este quadro não pode ser mais chocante a
distribuição mundial dos gastos com a saúde e a investigação
médica. Por exemplo, apenas 0,1% do orçamento da pesquisa
médica e farmacêutica mundial - cerca de 100 milhões de dólares
em 1998 (PNUD, 2001:3) - é destinado à malária, enquanto a
quase totalidade dos 26,4 biliões de dólares investidos em
pesquisa pelas multinacionais farmacêuticas se destina às
chamadas "doenças dos países ricos": cancro, doenças
cardiovasculares, do sistema nervoso, doenças endócrinas e do
metabolismo. O que não admira se tivermos em mente que a
América Latina representa apenas 4% das vendas farmacêuticas
globais e a África, 1%. É por isso também que apenas 1% das
novas drogas comercializadas pelas companhias farmacêuticas
multinacionais entre 1975 e 1997 se destinaram especificamente
ao tratamento de doenças tropicais que afectam o Terceiro Mundo
(Silverstein, 1999)." (SANTOS, 2002:7-8)
O Relatório de Desenvolvimento Humano também apresenta dados
alarmantes em relação distribuição desigual dos recursos em relação às
prioridades globais.
64
"Na definição da agenda de pesquisa em biotecnologia, o dinheiro
também fala mais alto do que a necessidade, diz o Relatório
“cosméticos e tomate de amadurecimento lento assumem
prioridade em relação a vacina contra a malária e as colheitas
resistentes à seca em regiões periféricas”."(PNUD, 1999: 8)
"Global Health" como nossos estudam apontam aparece muito mais como
uma nova forma de gerenciar, negociar e fazer política de saúde internacional do
que um novo campo científico, uma nova disciplina. Nesse novo tipo de
negociação os sistemas de saúde, os indicadores e seus resultados, o meio-
ambiente, a capacitação para o trabalho em saúde, o acesso a serviços e insumos
e outros itens são como 'produtos' voltados para a expansão da economia e dos
mercados, para as estratégias de defesa nacionais contra as epidemias que
povoam os países pobres e ameaçam a expansão das indústrias da saúde e a
segurança do mundo desenvolvido.
"Global Health" também amplia o conjunto de instituições, agências e
organizações nacionais e internacionais em disputa pela liderança política e
tecnológica da saúde no mundo, trazendo para a OMS a necessidade de conjugar
forças, realizar pactos e estabelecer parcerias para manter-se atenta e no "jogo"
da nova ordem da saúde mundial.
Neste sentido a adoção de estratégias de avaliação de qualidade de vida,
em uma perspectiva transcultural, coloca a OMS na agenda da construção de
indicadores para o monitoramento da saúde global, permitindo reunir, em um
único instrumento, as dimensões da vida que afetam e são afetadas pela doença
no indivíduo, bem como, a possibilidade de avaliar seu impacto em todo o mundo.
Esses resultados podem indicar, sugerir, ao mundo globalizado, quais
procedimentos, medicamentos e políticas são mais eficazes globalmente, além de
uniformizar informações, indicadores e evidências para sua avaliação global.
65
É esse esforço de construção de indicadores e políticas afinadas com as
estratégias de saúde globais que a OMS concentrará suas ações durante a
década de 90, tentando posicionar-se nesse novo espaço de luta política no
campo da saúde internacional, atravessado pelos interesses econômicos e
culturais instituídos pelos processos de globalização.
66
Capítulo 3
Organização Mundial de Saúde: Do controle de epidemias
à luta pela hegemonia
___________________________________________
A criação e desenvolvimento do instrumento de avaliação de qualidade de
vida da OMS, WHOQOL, foram organizados no interior do departamento de saúde
mental dessa organização. Entendemos que o WHOQOL é um dos instrumentos
produzidos pela OMS para a construção de base de evidências e que constitui
uma das estratégias retóricas fundamentais para a formulação de políticas de
saúde internacionais e para a formação de consensos no cenário sanitário
nacional e global.
Portanto se faz necessário discutir o desenvolvimento do WHOQOL no
contexto da estrutura organizacional e política da OMS, bem como de suas
relações com os estados-membros e com as outras agências internacionais.
Inicialmente, é importante situar a Organização Mundial de Saúde como
uma agência internacional que influencia, monitora e avalia as políticas de saúde
em todo o mundo, e que nesse sentido o esforço de cooperação técnica e
científica é a principal estratégia para influir nos sistemas nacionais de saúde.
A noção de agência internacional é utilizada neste trabalho conforme a
definição de Mattos, isto é:
"(...) a participação de vários governos nacionais (pelo menos três) na
constituição e na sustentação financeira e política de uma organização (Walt,
1996). Os governos que constituem e sustentam as agências internacionais são
denominados de países-membros." (Mattos, 2001:379)
67
Esperava-se que a OMS, como uma agência especializada das Nações
Unidas, exercesse uma certa liderança no campo da saúde internacional, mas
com a entrada do Banco Mundial nesse cenário
2
, a luta pela hegemonia no
mercado de idéias para a saúde, tornou vital para a OMS a revisão de seus
objetivos e estratégias, e a reafirmação da OMS como uma organização que
orienta as ações em saúde em todo o mundo.
Traçaremos um breve histórico dessa agência internacional, suas origens,
funcionamento e políticas, através de documentos da OMS, discursos de seus
diretores gerais, textos de apresentação institucionais, artigos e editoriais que
trataram sobre a OMS e suas transformações,
Com o objetivo de contextualizar o nascimento de instrumentos de
avaliação em saúde em uma perspectiva transcultural, destacamos alguns
períodos no desenvolvimento das políticas da OMS, como o programa “Saúde
para todos no ano 2000” e a crise de credibilidade e a perda da liderança da OMS
no cenário sanitário internacional.
O estudo histórico-institucional da OMS realizado aqui tem como limite a
gestão Gro Brundtland, até 2002, período no qual são realizadas profundas
transformações nas políticas de saúde internacional, e em especial a necessidade
de estabelecer nexos metodológicos e políticos com as estratégias de
globalização da economia e das políticas globais.
2
Um editorial do Lancet chegou a afirmar que o Banco Mundial teria assumido a liderança no que
tange à saúde internacional, que antes era da Organização Mundial da Saúde. O Banco Mundial publicou o
Relatório do Desenvolvimento Mundial de 1993: Investindo em Saúde. O Relatório sugere a utilização de
medidas do impacto da doença e a adoção de políticas nacionais de saúde para a melhoria do estado de saúde
no mundo, principalmente nos países em desenvolvimento. Ver Mattos (2000 e 2001).
68
3.1 OMS Sua História e sua política
Segundo um texto de apresentação histórica da OMS
3
, desde o século XIX,
várias tentativas de organizar uma instituição de caráter internacional para tratar
dos problemas sanitários do mundo foram empreendidas. Diversos autores
apontaram para diferentes explicações para o surgimento de fóruns e organismos
de cooperação internacional para formação de consensos em saúde e ações
estratégicas para o controle e prevenção de enfermidades, mas todos apontam
como um dos fatores fundamentais ‘o crescente fluxo de mercadorias e pessoas,
assim como de doenças’(Lima, 2002:25) devido à industrialização e a expansão
dos mercados nos grandes centros urbanos.
O esboço dessas organizações teve início na Europa, devido à epidemia de
cólera, sendo realizada em 1851, em Paris, a primeira Conferência Internacional
de Saúde. Esta reunião tinha o objetivo de produzir um Consenso Internacional de
Saúde, o qual não teve êxito.
Em 1892 esse consenso foi adotado, mas restrito unicamente à cólera.
Lima (2002) aponta que em decorrência do impacto das epidemias de
cólera e febre amarela na América Latina, realizou-se em 1873, em Montevidéu
uma convenção sanitária, com a presença de autoridades sanitárias brasileiras,
argentinas e uruguaias, determinando medidas comuns de prevenção da cólera
asiática, febre amarela, peste e tifo. Em 1887 esses países realizaram no Rio de
Janeiro um novo encontro onde foi estabelecida a Convenção Sanitária do Rio de
Janeiro.
3
In: http://www.who.int/aboutwho/en/history.htm. (acessado em 20/04/2002). O texto em questão apresenta
um histórico da OMS, bem como uma cronologia das suas principais realizações, a apresentação dos
Diretores-Gerais e algumas informações adicionais. É importante observar que o texto não estava indicado na
home-page inicial da OMS e nem era encontrado na ferramenta de busca da organização. Só foi possível
encontrá-lo a partir de uma pesquisa junto ao Altavista.com.
69
Outros esforços foram envidados no sentido de produzir consensos quanto
à prevenção e classificação de doenças, bem como, a organização de instituições
sanitárias internacionais. Entre as principais, a OMS cita o International Sanitary
Bureau em 1902, sediado em Washington EUA, atualmente conhecido como a
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS); o L'Office International d'Hygiène
Publique (OIHP) em Paris (1907); e The Health Organization of the League of
Nations sediado em Genebra, Suíça (1919).
É interessante perceber que a preocupação dessas organizações residia no
controle e prevenção da transmissão de doenças entre os países, como por
exemplo, no estabelecimento de um Consenso Sanitário Internacional para a
navegação aérea.
No período imediato do pós-guerra ocorre o surgimento de diversas
instituições de âmbito mundial, subsidiados pelos países aliados, como a ONU -
1945 e o Banco Mundial - 1944.
4
Um texto de 1947 da OMS
5
aponta para a incapacidade das organizações
sanitárias existentes em fazer frente aos novos desafios que o campo da saúde
apresentava em todo o mundo, sendo necessária à constituição de uma única
instituição intergovernamental de saúde com a estrutura e sob as diretrizes da
ONU.
All these bodies were limited in space, time or function and it
became increasingly clear that the end of second war must
see the creation of a single worldwide intergovernmental
health organization, within the general framework of the
United Nations, which would not only assume responsibility
4
Tais agências consistiam um arcabouço institucional de agências internacionais, pensadas como
sustentadoras da nova ordem mundial no pós-guerra.
5
WHO, Chronicle of World Heath Organization. (1947)
70
for the work of the earlier bodies but have an extended role
necessitated by the new problems arising out of the war and
the changed conditions of the post-war world.” (WHO, 1947:1)
O período pós-guerra colocou uma necessidade irrefutável e imediatamente
subordinada a ONU, da constituição de ações de colaboração internacional para o
cuidado e restabelecimento das condições de saúde em populações afetadas pela
guerra, e pelo desenvolvimento de medicamentos, procedimentos e métodos
diagnósticos iniciados pelos avanços ocorridos durante as guerras mundiais.
Durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre
Organização Internacional em 1945, em São Francisco, foi aprovada a proposta
encaminhada pelo Brasil e China para estabelecer uma nova e autônoma
organização internacional de saúde”.
6
Em 22 de julho de 1946, durante a Conferência Mundial de Saúde em Nova
York, com a participação de 61 países, foi aprovada a Constituição da
Organização Mundial de Saúde. A Constituição dispõe sobre os objetivos e regras
de funcionamento da OMS.
Em 1947 a comissão interina da OMS organiza uma assistência ao Egito
para o combate à cólera.
Finalmente, em 7 de Abril de 1948, a Constituição da OMS entrou em vigor
com a ratificação da participação de 26 dos 61 estados membros. Durante a
Primeira Assembléia Mundial de Saúde realizada em Genebra, delegações de 59
governos tornaram-se membros da OMS. 7 de Abril tornou-se, então, o Dia
Mundial da Saúde que é celebrado a cada ano.
6
Ibdem
71
A unificação das diversas instituições sanitárias internacionais na OMS, não
foi tão simples como leva a crer a narrativa histórica construída pela OMS. A
OPAS, já em atividade desde 1902, possuía uma organização forte, com estrutura
e orçamento muito superiores a recém constituída OMS. A OPAS reivindicava
autonomia frente à OMS, devido a sua capacidade institucional e técnica de
sustentação.
Não foi simples o estabelecimento do papel a ser
desempenhado e a garantia de alguma autonomia de ação à
OPAS. Um fator decisivo foi o aumento de seu orçamento
com base na elevação das contribuições dos países latino-
americanos, principalmente a Argentina, o Brasil e o México.
A capacidade de sustentação da OPAS, em contraste com o
exíguo orçamento da OMS, pesou definitivamente na
negociação entre as duas entidades. Em julho de 1948,
durante a 2ª Assembléia Mundial de Saúde, firmou-se acordo
entre o diretor geral da OMS, Brock Chisholm e Fred Soper,
diretor da OPAS, pelo qual esse organismo, sem perda de
sua identidade, converteu-se em Oficina Regional para as
Américas da OMS.” (Lima, 2002:70)
Sob a rubrica das Nações Unidas a OMS inicia, já em suas origens, a luta
pela hegemonia
7
no campo da saúde, tanto no aspecto político quanto na
construção de normas e consensos técnicos internacionais.
O esforço inicial da OMS foi rever os Consensos Sanitários Internacionais,
uniformizando classificações de doenças e seu potencial epidêmico. Essas regras
7
Hegemonia aqui é entendida tal como descrita por LUZ: “...Gramsci elabora o conceito de hegemonia,
poder político-ideológico que a classe dominante procura estender ao conjunto da sociedade, à totalidade
das classes e grupos sociais. Procuramos ter deste conceito uma interpretação dinâmica, vendo a hegemonia,
em primeiro lugar, como processo, como prática sempre recomeçada e, em segundo lugar, como prática
contraditória, na medida em que institui como universal uma Ordem que é fundamentalmente particular.”
(LUZ, M. 1986:29)
72
e classificações foram nomeadas “Regulamentos Internacionais de Saúde” em
1969. As principais doenças que deveriam ser reguladas e controladas pela OMS
e seus estados-membros eram a cólera, a peste, varíola e febre amarela.
A partir de 1973 observa-se uma primeira revisão da política da OMS em
relação a sua influência sobre os países-membros. Durante a 26
a
Assembléia
Mundial de Saúde, foi apresentado um relatório do grupo-executivo que concluía
que havia uma grande insatisfação com os sistemas de saúde. A Assembléia
então decidiu que a OMS deveria contribuir, mais do que assistir, seus estados-
membros no desenvolvimento de normas práticas para os sistemas nacionais de
saúde.
Em 1974 a OMS expandiu seu Programa de Imunização Infantil com ênfase
na poliomielite, sarampo, difteria, coqueluche, tétano e tuberculose.
Uma nova política da OMS foi lançada em 1977 com o objetivo inicial de
propiciar um padrão de saúde que permita todas as pessoas terem a oportunidade
de levarem uma vida social e economicamente produtiva. Em 1978 este projeto
intitulado “Saúde para todos no ano 2000”, foi lançado durante a Conferência de
Alma- Ata, que adotou como carro-chefe dessa política, em uma parceria entre a
OMS e UNICEF, a Declaração sobre Cuidados Primários em Saúde.
O planejamento do “Saúde para todos no ano 2000” contava com o apoio
financeiro e político de instituições governamentais, privadas, não-
governamentais, comunidades científicas e acadêmicas. A OMS tentava
consolidar-se como uma organização que não apenas assistia seus estados-
membros, em uma perspectiva doença-centrada, mas também, e agora
principalmente, intervinha e propunha políticas e estratégias sanitárias e sociais.
Essas ações teriam o apoio político e econômico de instituições internacionais
como a ONU e o respaldo científico das comunidades acadêmicas e de pesquisa.
Essas ações eram instituídas em nome da saúde e da ciência e que tinham
73
repercussões diretas sobre as políticas sociais e econômicas empreendidas pelos
estados nacionais.
Para fundamentar esta nova direção política da OMS, que teve início em
1973, “Saúde para todos no ano 2000” foi inspirada em um dos princípios
constitucionais da OMS: “O gozo do maior nível de saúde que se possa alcançar é
um dos direitos fundamentais do ser humano, sem distinção de raça, religião,
ideologia política, condição social ou econômica.” (WHO, 1946:2)
É interessante notar que a mudança de rota na OMS se dá durante a 26
a
Assembléia Mundial de Saúde em 1973, marcada pela saída do brasileiro
Marcolino Gomes Candau da Direção-Geral da OMS (1953-73), e a eleição do
dinamarquês Halfdan Mahler. Mahler (1973-1988) foi assistente da Direção-Geral
durante a gestão de Candau, dirigindo o Projeto de Análise de Sistemas de
Saúde. A gestão de Mahler foi marcada pelo lançamento e execução do “Saúde
para todos no ano 2000” e suas estratégias de implantação junto aos estados-
membros, com ênfase na atenção primária e na imunização infantil.
Em 1978 a ONU, simultaneamente à realização da Assembléia Mundial de
Saúde, reafirma que a saúde é a alavanca poderosa para o desenvolvimento
socioeconômico e a paz. A ONU repete a estratégia em 1981 adotando a
"Estratégia Global para Saúde para todos no ano 2000", solicitando o apoio de
outras organizações internacionais interessadas em colaborar com a OMS.
Apesar da grande importância de Alma-Ata, a OMS ao longo dos anos
oitenta, como se verá em detalhe adiante, foi perdendo sua influência. De um lado,
a mudança da direção do UNICEF em 1981 fez com que esse fundo se afastasse
das teses universalistas de Alma-Ata, e assumisse uma proposta de difusão de
um pacote mais seletivo de ações voltadas para a redução da mortalidade infantil.
Em torno da iniciativa do UNICEF aglutinaram-se grandes volumes de recursos
(do Banco Mundial, de entidades privadas, e de agências de ajuda ao
74
desenvolvimento). Nesse sentido, o UNICEF assumia um papel de destaque no
cenário internacional, ao mesmo tempo que a sua iniciativa “diluía” a ênfase da
OMS no desenvolvimento de sistemas. (MATTOS, 2001)
Logo no início da década de oitenta, por sua vez, o Banco Mundial, que
rapidamente vinha elevando o volume de recursos destinados a saúde, e que
vinha propondo várias reformas setoriais com ênfase na redução do papel do
Estado, inicia um programa de pesquisa destinado a oferecer aos países em
desenvolvimento. Esforço que culmina na publicação pelo Banco Mundial do
documento 'Investindo em Saúde'.
Esta diversidade de ações empreendidas por outras agenciais
internacionais ofuscou seriamente a liderança da OMS, colocando-a em um lugar
politicamente instável e pouco estratégico frente às mudanças na ordem política e
econômica mundiais.
Essa crise que tomou dimensões estruturais e será tratada adiante no item
a Crise na OMS.
3.2 OMS Funcionamento
A assembléia mundial de saúde é a principal instância de decisão da OMS
e é realizada no mês de maio a cada ano. Dela fazem parte as 191 delegações
dos países membros. Sua principal função é determinar a política da organização.
Na assembléia é eleito o diretor geral da OMS, supervisiona-se a política de
financiamento, e é avaliada e aprovada a proposta do programa orçamentário.
75
Figura 4 - Assembléia Mundial de Saúde
Fonte: WHO
Da mesma forma, avalia e considera o relatório do grupo executivo para
investigação, estudo ou ação que possa ser requerida.
O grupo executivo é composto por 32 membros tecnicamente qualificados
do campo da saúde, e são eleitos pelo o período de 3 anos. As principais funções
do grupo executivo são efetivar as decisões e políticas determinadas pela
assembléia, instruí-la e, de forma geral, facilitar o seu trabalho.
Figura 5 Reunião do Grupo-Executivo
Fonte: WHO
O secretariado da OMS é formado por 3.500 especialistas da área de saúde
e de outras áreas, marcando compromissos, trabalhando na sede ou nos 6
escritórios regionais ou nos países membros.
76
Quadro 1 - Os Escritórios Regionais da OMS e sua área de abrangência
PAHO EURO AFRO EMRO SEARO WPRO
(AFRO) - Escritório Regional para a África - Harare - Zimbábue
(PAHO) - Organização Pan-Americana da Saúde - Washington, DC - EUA
(SEARO) - Escritório Regional para o Sudoeste da Ásia - Nova Deli - Índia
(EURO) - Escritório Regional para a Europa - Copenhague - Dinamarca
(EMRO) - Escritório Regional para Mediterrâneo Oriental - Cairo - Egito
(WPRO) - Escritório Regional para o Pacífico Ocidental Manila - Filipinas
77
3.3 OMS Financiamento
A OMS é financiada através de duas fontes de receita diferentes:
- Receita Regular: Contribuições dos Estados-Membros e Membros-
Associados.
- Outras Fontes
8
: Contribuições Voluntárias
9
de Estados-Membros e
outras fontes de doações e incentivos.
O quadro abaixo apresenta a evolução orçamentária da OMS desde o
biênio 98/99 até 2000/01.
10
Quadro 2 - Evolução Orçamentária bi-anual OMS - 98/99 - 00/01
1998-1999 2000-2001 Increase
US$ million US$ million %
Income
Total 2 200 2 700 23
for WHO programme activities 1 800 2 300 28
Expenditure
Total 2 000 2 500 25
for WHO programme activities 1 700 2 100 24
Regular budget
(assessed contributions)
Appropriations 843 843 -
Extrabudgetary resources
(voluntary contributions)
Total 931 1 450 56
Fonte: WHO, 2002c.
8
Também chamadas de fontes extra-orçamentárias.
9
Essas contribuições geralmente são feitas através das agências nacionais voltadas para a ajuda internacional.
Parte dos recursos dessas agências nacionais são destinados a programas específicos coordenados por alguma
agência e/ou fundo do sistema das Nações Unidas. Essa dinâmica de doação cria uma certa competição entre
agências especializadas do sistema das nações unidas pela captação desses recursos.
10
WHO. Report of the Director-General 2001, 2002.
78
O quadro abaixo apresenta o Programa Orçamentário de 98/99 de recursos
regulares e extra-orçamentários por região / níveis global/inter-regional.(em 1.000
US$)
Quadro 3 - Recursos Orçamentários e Extra-Orçamentários por Escritório
Regional OMS - 98/99
Regular
budget %
Other
sources %
Total %
Africa
157 413 18.68 66 447 6.94 223 860 12.43
The Americas
82 686 9.81 222 311 23.20 304 997 16.94
South-East Asia
99 251 11.78 15 811 1.65 115 062 6.39
Europe
49 823 5.91 36 037 3.76 85 860 4.77
Eastern Mediterranean
90 249 10.71 6 905 0.72 97 154 5.40
Western Pacific
80 279 9.53 17 127 1.79 97 406 5.41
Global/ interregional
282 953 33.58 593 453 61.94 876 406 48.67
Total
842 654 100.00 958 091 100.00 1 800 745 100.00
Fonte: WHO, 2000.
Os quadros anteriores mostram claramente o crescimento dos recursos
extras e a dependência da OMS nestes recursos para o desenvolvimento de suas
atividades e do cumprimento do seu programa orçamentário.
3.4 OMS: Um passado glorioso. Um futuro duvidoso.
Nos últimos 50 anos o mundo testemunhou o aumento na expectativa de
vida provocado pelo desenvolvimento das ciências da saúde e pelo manejo de
condições de vida para a promoção da saúde e prevenção de doenças. Em uma
escala mundial, em 1955 a expectativa de vida ao nascer era de 45 anos, e 65
79
anos em 1995. Estima-se que em 2025 essa média cresça para 73 anos (Reid &
Pearse, 2003).
Sem dúvida a OMS teve uma importante participação nesses fantásticos
resultados, principalmente com ações de imunização e erradicação de doenças
até então fatais, divulgação de protocolos e treinamento de profissionais em todo o
mundo, e também, no apoio e orientação aos países membros em situação de
exclusão social e tecnológica. (WHO, 1998)
Além da erradicação da varíola e da poliomielite no mundo, talvez o
momento mais influente, politicamente, da OMS no cenário internacional foi a
Conferência de Alma-Ata sobre Cuidados Primários de Saúde em 1978, que gerou
em 1979, a Declaração de Alma-Ata.
Figura 6 Conferência de Alma-Ata
A Conferência de Alma Ata contou com a presença de quase 3.000 pessoas.
Fonte: OPAS/OMS
Alma-Ata ocorre durante a gestão de Halfden Mahler, um gestor hábil e
diplomático, que conseguiu transmitir a necessidade de estabelecer um pacto
mundial para a saúde, juntamente com outra agência da ONU, a UNICEF. A
estrutura do que seria proposto na Conferência foi desenhada durante a 30ª
Assembléia Mundial de Saúde em 1977 e aprovada por unanimidade pelos países
membros da OMS. Em 1978, em Alma Ata no Cazaquistão, antiga União
80
Soviética, 134 países assinam um acordo, com a presença de representações de
67 organizações internacionais e não-governamentais, que tem como meta atingir
um nível de saúde que permita, até o ano 2000, a todos os cidadãos do mundo
uma vida social e economicamente produtiva. Este programa foi chamado de
“Saúde para todos no ano 2000”.
Neste momento histórico para a saúde pública mundial a OMS atinge o
apogeu de sua influência internacional, convocando os sistemas de saúde em
todo o mundo a redirecionarem sua política para a saúde como um direito humano
e que deve ser construída por políticas sociais e econômicas que reduzam a
desigualdade e que permitam a participação social.
"III) O desenvolvimento econômico e social baseado numa ordem
econômica internacional é de importância fundamental para a mais
plena realização da meta de Saúde para Todos no Ano 2000 e
para a redução da lacuna existente entre o estado de saúde dos
países em desenvolvimento e o dos desenvolvidos. A promoção e
proteção da saúde dos povos é essencial para o contínuo
desenvolvimento econômico e social e contribui para a melhor
qualidade de vida e para a paz mundial.
IV) É direito e dever dos povos participar individual e coletivamente
no planejamento e na execução de seus cuidados de saúde."(Alma
Ata, 1978)
A OMS tenta convencer a comunidade internacional que a saúde é
fundamental para o desenvolvimento econômico e social, e para isso necessita de
recursos, planejamento e orientação, esta última subsidiada pela OMS.
81
A participação e capacidade de trabalho de Mahler para muitos autores
foram fundamentais para o sucesso de Alma Ata e também para a ascensão da
OMS no cenário internacional.
“Under
its new director general, Dr Halfden Mahler, WHO began a
major
shift away from its strict disease orientation to a broader
focus
on the socioeconomic causes of illness.”(Godlee, 1994b)
Figura 7 Halden Mahler em Alma-Ata
Halfden Mahler (Diretor geral da OMS 1973-1988) ao lado do Senador Edward Kennedy durante a
Conferência de Alma Ata.
Fonte: OPAS/OMS
Mais que influir no direcionamento dos sistemas de saúde, a OMS
determina as áreas de ação prioritárias do “Saúde Para Todos no Ano 2000”, onde
ênfase na atenção primária em saúde seria a principal estratégia de transformação
dos sistemas de saúde nacionais, principalmente os países em desenvolvimento.
“VII) Os cuidados primários de saúde:
3 - Incluem pelo menos: educação, no tocante a problemas
prevalecentes de saúde e aos métodos para sua prevenção e
controle, promoção da distribuição de alimentos e da nutrição
apropriada, previsão adequada de água de boa qualidade e
82
saneamento básico, cuidados de saúde materno-infantil, inclusive
planejamento familiar, imunização contra as principais doenças
infecciosas, prevenção e controle de doenças localmente
endêmicas, tratamento apropriado de doenças e lesões comuns e
fornecimento de medicamentos essenciais.” (Alma Ata, 1978)
A OMS deixa a arena puramente técnica de uma agência especializada
para influir na condução das políticas sociais, impor valores como direito à saúde,
participação social, equidade no acesso aos recursos, e principalmente, a adoção
de políticas que visam intervir nas desigualdades sociais e no fosso entre países
ricos e pobres.
Não é acidentalmente que Alma Ata ocorre em território soviético, em plena
Guerra Fria”, e onde os gastos com armamentos e equipamentos bélicos
representam boa parte do orçamento dos países desenvolvidos. A mensagem
política é clara e a OMS e a UNICEF são os anfitriãos desse evento.
Nesta passagem da Declaração de Alma-Ata há uma referência crítica
muito clara sobre a corrida armamentista que ocorreu durante a Guerra Fria nos
anos 70 e 80.
“X) Poder-se-á atingir nível aceitável de saúde para todos os povos
do mundo até o ano 2000 mediante o melhor e mais completo uso
dos recursos mundiais, dos quais uma parte considerável é
atualmente gasta em armamento e conflitos militares. Uma política
legítima de independência, paz, distensão e desarmamento pode e
deve liberar recursos adicionais, que podem ser destinados a fins
pacíficos e, em particular, à aceleração do desenvolvimento social
e econômico, do qual os cuidados primários de saúde, como parte
essencial, devem receber sua parcela apropriada.” (Alma Ata,
1978)
83
Nesta época a OMS começou a sofrer pressões de indústrias, grupos
econômicos e países membros. Alguns elementos fundamentais para o sucesso
do programa foram duramente atacados, não por critérios técnicos, mas agora por
pressões políticas e econômicas. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a
determinação pela OMS das regras para substituição do leite materno, que foram
duramente combatidas pelos Estados Unidos, e principalmente pela luta que a
OMS empreendeu, no início dos anos 80, a favor da distribuição de medicamentos
essenciais e na auto-sustentação desses itens pelos países em desenvolvimento.
“A second major confrontation followed the launch of the
WHO's
essential drugs programme in 1977. WHO's aim was to
encourage
more rational drug policies based on short lists of
essential
drugs, and to encourage countries to develop their own
capacities
to produce the drugs they needed. The pharmaceutical
industry
was strongly against the initiative; and in 1985, partly in
protest at the essential drugs programme, the United States
withheld its contributions to WHO's regular budget. At that
time the
United States was home to 11 of the world's 18 largest
drug
companies.” (Godlee, 1994b)
Essas mudanças que a OMS realiza em seus objetivos e ações colocam
uma nova arena de negociação. O que antes era discutido em comitês para a
criação de consensos técnicos, agora, nesta nova perspectiva, é imperativa a
necessidade de negociação política, econômica e ideológica.
A década de 80 reserva um futuro não tão glorioso para a OMS devido a
algumas contingências econômicas e políticas características da conjuntura da
época, pela entrada de outras agências na disputa do mercado de idéias em
saúde, e pelas dificuldades de gerenciamento interno da OMS.
84
A proposta de “Saúde para todos” era abrangente demais para uma
agência especializada das Nações Unidas. Apesar da aliança com a UNICEF,
muitas ações deliberadas em Alma Ata dependiam de políticas, pactos sociais e
econômicos que iam muito além das possibilidades de ação da OMS naquele
momento.
Críticos apontam para a falibilidade do “Saúde para todos” e para
incapacidade da OMS, perante suas dificuldades atuais, em conduzir esse
processo.
Its slogan "Health
for All by the Year 2000" has entered the
international vocabulary,
but few people, apart from diehard
enthusiasts in the organisation,
believe the target can be realised or
understand how WHO intends
to achieve it.”(Godlee, 1994)
A OMS justifica a dificuldade em implantar o “Saúde para todos” em
conseqüência da conjuntura política e econômica internacional que a partir da
instabilidade política de alguns países, a má utilização dos recursos financeiros e
humanos, o precário desenvolvimento sócio-econômico na maioria dos países
pobres, e além disso a OMS aponta também para a manutenção da
desvalorização da mulher na sociedade. (WHO, 1998)
A incapacidade gerencial dos países pobres e em desenvolvimento no
estabelecimento de prioridades, na gerencia dos recursos, na captação de
investimentos internacionais e na precariedade da gestão público/privado nos
sistemas nacionais de saúde são obstáculos estratégicos importantes para o
estabelecimento do “Saúde para todos” segundo a OMS.
Ou seja, o não cumprimento das metas propostas em Alma-Ata não foi
resultante da incapacidade gerencial da OMS em monitorar o processo, estimular
pactos, apoiar e orientar os países em ações estratégicas, mas sim devido à
85
complexidade da conjuntura política e econômica dos anos 80 e da incompetência
dos sistemas nacionais de saúde em conduzir, adaptar e aplicar as orientações de
Alma-Ata.
Alma-Ata é para a OMS um ícone de sucesso e fracasso simultaneamente.
Sucesso de um passado influente, capaz de reunir a maioria dos estados
nacionais, conduzir propostas, influir no desenho dos sistemas de saúde e nas
políticas econômicas e sociais. E fracasso de uma meta jamais alcançada, de uma
proposta que se pulverizou com a mesma velocidade do seu surgimento, no
descrédito de uma ação ambiciosa e uma data jamais cumprida. Na incapacidade
de gerenciar processos de negociação política e econômica internacionais e no
interior dos estados nacionais. No recuo frente às pressões de grandes interesses
econômicos do mundo capitalista.
É inegável o marco da Declaração de Alma-Ata para as estratégias de
promoção à saúde, para a defesa da saúde como direito e para uma concepção
ampliada de saúde em todo o mundo. Mas o projeto “Saúde para todos no ano
2000” representa, para muitos autores, uma bela e ingênua intenção de uma
antiga agência especializada das Nações Unidas.
3.5 OMS: Mudança ou Morte
Este é o título do Editorial do British Jornal of Medicine (Smith, 1995) que,
ao lado do The Lancet, realizou durante os anos 90 uma série de artigos sobre a
OMS e a perda da liderança no cenário internacional, bem como a necessidade de
sua reestruturação e renovação política e administrativa.
Com o término da gestão de Mahler houve o também o abalo da liderança
da OMS na saúde internacional. Em 1988 o Dr. Hiroshi Nakajima assumiu a
direção geral da OMS e com ele o desenho político e social empreendido pelo seu
predecessor foi substituído por uma gestão centrada na tecnocracia, no retorno a
86
ações voltadas as doenças e o recuo dos grandes debates contra os interesses
dominantes da indústria da saúde.
O estilo imposto por Nakajima era conciliador, portanto apaziguador, e por
vezes omisso frente às grandes questões políticas e econômicas vigentes no final
da década de 80.
When Dr Hiroshi Nakajima took over as director general in
1988,
fears were expressed that he lacked the leadership and
vision
for such battles. As director of the Western Pacific region
he
had been responsible for successfully rehabilitating WHO's
programme in Vietnam after the liberation of Saigon and for
taking
WHO into China ahead of all other UN agencies. But he
was known
to prefer compromise to conflict, and observers feared
that as
director general he would retreat with WHO out of international
controversy and back into the safer waters of medical technological
consensus.”(Godlee, 1994b)
A partir dessa gestão, questões como a oferta de medicamentos essenciais,
a crítica à privatização da saúde e à ênfase na atenção terciária, tornaram-se
distantes dos embates promovidos pela OMS.
Analisando as dificuldades da OMS durante a década de 90, Godlee
comenta:
“After 15 years under the charismatic
visionary Dr Halfden
Mahler, WHO staff and donors were unimpressed
by Dr Hiroshi
Nakajima, who they saw as reserved and a poor
communicator.
Today people outside the organisation fear that
under his direction
WHO is losing ground to other international
agencies. They see
WHO retreating from Dr Mahler's high profile
approach, which made
87
the organisation an influential advocate
of international equity and
rational use of resources, back
into its traditional role of setting
standards and providing
advice on technical medical
matters.”(Godlee, 1994)
O golpe político mais violento sofrido pela OMS, e que expôs sua fragilidade
ao mundo, foi a retirada do controle exclusivo do Programa Global de AIDS pela
ONU, dividindo com o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas e com o
Fundo Populacional das Nações Unidas um orçamento anual de US$ 164 milhões.
Suas ações ficaram restritas às consultorias médicas, enquanto às ações de
controle e prevenção ficaram a cargo das demais agências.
Dr Michael Merson, the programme's director,
acknowledged that many people in the United Nations felt that
WHO's technical base was too narrowly medical for it to deal
effectively with AIDS prevention and control.”(Goglee, 1994)
Aos poucos outras agências foram surgindo no cenário internacional com
políticas voltadas para saúde, intervindo e prescrevendo diretrizes para os
sistemas nacionais de saúde. A UNICEF e o Banco Mundial começam a disputar a
liderança de um campo que era domínio exclusivo da OMS.
“In principle, WHO is described as the leading international health
organisation, but in practice this status has often been challenged
by the initiatives of other institutions.” (Lee, 1998:901)
Dois momentos fundamentais marcaram a entrada da UNICEF e do Banco
Mundial na disputa pelo domínio das estratégias mundiais de saúde.
O primeiro, já citado anteriormente, foi o distanciamento da UNICEF das
propostas abrangentes do “Saúde para todos”, optando por ações isoladas,
88
através de programas de intervenção verticais para a redução da mortalidade
infantil e a imunização. Essas ações receberam apoio de poderosas organizações
internacionais como o Banco Mundial, contratando profissionais, capacitando
recursos humanos e fornecendo insumos.
O segundo foi a divulgação do Relatório do Desenvolvimento Mundial de
1993, conhecido como “Investindo em Saúde”. As teses expressas pelo relatório
propunham ajustes econômicos estruturais, o financiamento da atenção à saúde
pelo capital privado e a crítica contundente à universalidade do acesso à saúde.
11
Observadores do campo da saúde internacional afirmam que em gestões
anteriores como a de Mahler, a OMS teria reagido veementemente às propostas
do Banco Mundial.
Under other circumstances,
says Professor L M Nath, dean of the
All India Institute for
Medical Sciences in Delhi, WHO would at least
have discussed
if not criticised the report's conclusions. Its role as
technical
adviser has prevented it from doing so. "WHO used to be
the
ultimate court of appeal where health was concerned," he said.
"The World Bank has wrested the initiative from WHO in health
matters. A few years ago this would have been inconceivable.”
(Godlee, 1994b)
11
Um estudo detalhado sobre as propostas do Banco Mundial na área de saúde e em especial o “Investindo
em Saúde” foi realizado por MATTOS, 2000.
89
3.6 A Crise na OMS
Com a gestão de Nakajima e os acontecimentos nas políticas internacionais
de saúde, a OMS se depara com uma crise sem precedentes. Uma crise não
apenas política, mas principalmente de identidade.
Da década de 90 em diante encontram-se diversos artigos, editoriais e
cartas de leitores em revistas como The Lancet, British Medical Journal e outras,
comentando em tom de denúncia uma crise política e econômica na OMS. Esses
argumentos apontam para a falta de objetivos, o excesso de burocracia e até
mesmo a existência de ações corruptas no interior da agência.
The Geneva-based agency, which had just celebrated its 50th
anniversary, was criticised as being a top-heavy, slow moving,
overpoliticised, even corrupt, bureaucracy that seemed incapable of
responding to the fast-hanging challenges of international health.”
(McCarthy, 2002)
O que é importante destacar aqui, é a repercussão da necessidade de
reestruturação da OMS frente à opinião pública, abalando negativamente sua
credibilidade no cenário político internacional. Essa “crise” política faz com que a
OMS reveja seus objetivos, sua metodologia, sua relação com os países
membros, e principalmente, lute para tentar retomar a liderança no mercado de
idéias sobre saúde no âmbito mundial.
The World Health Organisation has an image problem. People
know
that it exists, and most people know that it eradicated
smallpox,
but few have a clear idea what it does.” (Godlee,
1994:1424)
90
3.7 Ofertar idéias ou implementar programas ?
Há uma discussão estratégica no interior da OMS e também entre críticos
atentos às suas ações, gastos e metodologias, na qual há duas questões centrais:
Para que serve a OMS? E como ela deve agir ?
Neste sentido, uma agência como a OMS, deve normatizar ações e
políticas de saúde em todo o mundo, oferecer manuais de orientações e
protocolos, assessorar os paises membros na condução de políticas e programas
de saúde ? Ou deve implementar ações, intervir no combate a doenças e
desigualdades que afetam o estado de saúde das populações?
One debate is the perennial argument over whether WHO should
be predominantly a normative agencysetting standards,
developing guidelines, and providing information that can be used
by governments and agencies when implementing their own
programmesor whether WHO should also be involved in
implementing programmes itself.” (McCarthy, 2002)
Essa não é apenas uma discussão política, mas também econômica, no
sentido do uso dos recursos investidos pelos países membros na OMS, e o
retorno desses investimentos em termos da resolutividade de determinados
problemas sanitários.
Algumas repercussões podem ser observadas com relação ao
direcionamento de ações produzidas pela OMS, como por exemplo, o crescimento
da receita extra-orçamentária (extra-budget). Nos últimos anos 20 anos a receita
regular (regular-budget) da OMS, que compreende a contribuição anual dos
países membros na OMS, baseada em critérios populacionais e renda, não
aumentou. Devido à crise inflacionária dos anos 80 e as prioridades políticas e
econômicas de diversos países, essa receita estacionou e foi corroída pela
inflação, mas os próprios países membros e outras instituições começaram a
91
investir recursos extras orçamentários em programas específicos como AIDS,
malária e outros.
Gráfico 1 - Orçamento Regular da OMS nos últimos 13 anos.
Fonte: Godlee, 1994
Com esta mudança de comportamento a OMS perde sua capacidade de
coordenação política e cada programa passa a ser um “produto” em um mercado
doméstico, interno à própria OMS.
It is WHO that loses out. These freestanding or vertical
programmes
are generally disease specific, dealing, for example,
with malaria,
AIDS, and diarrhoeal diseases. Their increasing share
of the
money and the limelight detracts from WHO's routine
activities
within member countries, especially its efforts to establish
integrated networks for primary health care.” (Godlee, 1994)
Era necessário rever os objetivos, conquistar credibilidade, reaver
investimentos, mostrar claramente ao mundo que a OMS esta atenta a nova
ordem mundial, trabalhando com áreas prioritárias e que sabe pensar e agir
globalmente.
92
É nesse contexto, de uma OMS também ofuscada pela oferta de idéias do
Banco Mundial e pela articulação de recursos voltados para a saúde feita pelo
Banco Mundial e UNICEF é que Gro Harlem Bruntland assume, tentando levar a
OMS a reassumir sua hegemonia.
3.8 A gestão Gro Harlem Brundtland
Tomada como uma organização tradicional, pesada administrativamente e
ineficiente, a OMS também recebia críticas por não acompanhar a mudança da
relação entre gêneros, especialmente quanto à ausência de mulheres em seu
corpo diretor. Em 1998, uma mulher, a norueguesa Gro Brundtland, Ex-Primeira
Ministra de Estado, assume a Direção-Geral da Organização Mundial de Saúde
com a responsabilidade de reestruturar e mostrar ao mundo que a OMS está viva
e apta a reaver o seu lugar na liderança do cenário sanitário internacional.
One woman was charged with saving the organisation. Gro Harlem
Brundtland, a former prime minister of Norway, took office as
director general on 21 July 1998 and promised radical reform for
WHO.”(Yamey, 2002:1107)
Sua posse é marcada por promessas de mudanças na política interna e
externa na OMS e pelo apoio de organizações como a Fundação Rockefeller.
La Fundación Rockefeller le aportará un fondo de US$ 2,5
millones para que pueda contratar expertos de alto nivel de fuera
de la OMS, que funcionen como asesores durante el próximo
período de transición de uno a dos años. Así estará en libertad
para escoger entre las personas más talentosas del mundo.”(WHO,
1998b:286)
93
Ao realizar seu discurso na 51ª Assembléia Mundial de Saúde, Gro, antes
de tomar posse, anuncia algumas diretrizes da sua gestão e a necessidade de
influir e orientar os países membros em suas políticas e ações.
In the reorganization - which I intend to start implementing from the
very first day - I will focus on four areas of concern:
WHO will help monitor, roll back and where possible eradicate
communicable diseases.
WHO will help fight and reduce the burden of
noncommunicable diseases.
WHO will help countries build sustainable health systems that
can help reach equity targets and render quality services to all,
with a particular emphasis on the situation of women and
mothers who are so critical for giving children a safe and
healthy start in life.
WHO will speak out for health, back its case with solid
evidence and thereby be a better advocate for health towards a
broader audience of decision-makers. (Brundtland, 1998)
O recado é rápido, mas certeiro. Gro anuncia para a comunidade dos
países membros que compõem a Assembléia Mundial de Saúde que a nova
gestão terá prioridades e voltará a exercer sua liderança técnica e política sobre a
oferta de idéias para os sistemas nacionais de saúde. Para isso já anuncia sua
preocupação em avaliar, a partir de instrumentos que aferem a carga da doença, o
impacto dos estilos de vida e dos contextos sócio-econômicos e ambientais sobre
a saúde das populações.
Um outro comunicado, breve, mas contundente para a organização interna
da OMS, é reorganização do relacionamento com os seus escritórios regionais,
bem como, a crítica da repartição entre receita regular e receita extra-
orçamentária.
94
"To succeed in this endeavour we must be able to say: WHO is
one
12
. Not two - meaning one financed by the regular budget and
one financed by extrabudgetary funds. Not seven - meaning
Geneva and the six regional offices. Not more than fifty - meaning
the individual programmes." (Brundtland, 1998)
A então futura diretora da OMS também anuncia que a OMS estará atenta a
nova ordem mundial, identificando avanços e desafios para a saúde no mundo
globalizado.
"Globalization is opening up new opportunities for growth and
progress. But the benefits are not adequately distributed.
Globalization has also brought new and critical threats to health and
the environment.
(...)
The world is in transition. So accordingly WHO must be in
transition. Looking ahead." (Brundtland, 1998)
O discurso é muito rico em alusões a respeito da necessidade de mudança,
reestruturação, união, e principalmente a necessidade de estabelecer prioridades.
Prioridades de ações e programas, prioridades nas relações e apoio aos estados
membros, principalmente os mais pobres, prioridade nas ações contra o fumo e
contra a malária. Essas prioridades deverão ser objeto de uma base sólida de
evidências científicas. Baseada na noção de carga de doença, a gestão Gro,
avaliará os diversos sistemas de saúde, propondo, a partir dessas evidências
construídas com o uso de indicadores compostos e transculturais, estratégias e
ações para o desenvolvimento da saúde no mundo.
12
O grifo está no original. Como é um discurso, o texto original apresenta algumas palavras e expressões para
serem enfatizadas oralmente.
95
Brundtland,” said Derek Yach, one of WHO's executive directors, is
a “data oriented person. Over the course of her term, she
emphasised the need for WHO to base its work on empirical
evidence". (Yamey, 2002:1109)
3.9 O Polêmico Relatório de 2000
Durante a década de 90, principalmente durante a gestão de Gro Harlem
Brundtland, a OMS realiza uma “mega-operação” para avaliar os sistemas de
saúde em todo o mundo. O resultado pode ser observado no Relatório Mundial de
Saúde de 2000, intitulado “Sistemas de Saúde: Melhorando a Performance”.
Esta política é apresentada como a missão da OMS para empreender o
maior nível possível de saúde, fundamentado em um dos seus princípios
constitucionais, com o objetivo de reduzir as desigualdades em cada país e entre
eles.
“The Organization’s ability to fulfil this mission depends greatly on
the effectiveness of health systems in Member States and
strengthening those systems is one of WHO ’ four strategic
directions. It connects very well with the other three: reducing the
excess mortality of poor and marginalized populations; dealing
effectively with the leading risk factors; and placing health at the
centre of the broader development agenda.” (WHO, 2000:xii)
Além de avaliar, a OMS organizou um index dos sistemas de saúde de cada
país, classificando-os de acordo com o escore de suas performances. Para a OMS
essa classificação auxiliaria os estados-membros a avaliar seus próprios sistemas,
contribuindo para sua melhoria e para perceber as necessidades de sua
96
população.“Policy-makers need to know why health systems perform in certain
ways and what they can do to improve the situation.” (Ibdem)
Para a realização do trabalho Gro trouxe especialistas da Universidade de
Harward e do Banco Mundial, formando um forte grupo pesquisa para a
construção de evidências que ao longo de sua gestão publicou diversos trabalhos
e exerceu sua influência para o uso de instrumentos multidimensionais enfocando
a vida como um valor relacionado à saúde.
"Brundtland brought many of the report's authors from Harvard to
establish a new unit, Evidence and Information for Policy. The
WHO, said one academic in global health, had become “a branch of
Harvard and the World Bank.”(Yamey, 2002:1110)
Com o ingresso dos especialistas de Harvard e do Banco Mundial, a OMS
parecia iniciar um modelo político que se assemelhava ao realizado pelo Banco
Mundial. Ou seja, avaliando sistemas de saúde, criando demandas e colocando-se
como autoridade técnica e política para orientar e conduzir os processos de saúde
globais.
Esse relatório causou enorme polêmica entre os estados-membros da
OMS, questionando-se os interesses da OMS em realizar um estudo dessa
natureza, que não só avalia mas também compara os diversos sistemas de saúde,
cuja metodologia e instrumentos utilizados, e o distanciamento do estudo das
realidades sociais, culturais e políticas nacionais foram duramente criticados.
"Avaliar sistemas de saúde não é tarefa simples, principalmente
quando o objetivo é comparar realidades distintas, como os
sistemas dos países membros e a recente contribuição da OMS é
bastante criticável."(Travassos & Buss,2000: 890)
97
Entre os objetivos desse trabalho, destacam-se três que fundamentaram a
metodologia do trabalho: 1- Melhoria do estado de saúde da população, reduzindo
as desigualdades; 2- Aumento da capacidade de resposta à expectativa da
população; 3- Assegurar a eqüidade na distribuição dos recursos financeiros.
Entre os instrumentos utilizados no estudo então dois que se incluem na
perspectiva dos HRQL. São eles o DALE (disability-adjusted life expectancy) e o
DALYs (disability-adjusted life years). Este último utilizado pela equipe do Banco
Mundial no Relatório “Investindo em Saúde”
13
.
Esse novo perfil político da OMS na sua relação com seus estados-
membros procura re-situar sua influência no contexto sanitário internacional,
principalmente a partir da construção de indicadores e da análise e comparação
dos sistemas de saúde nacionais. Os indicadores são utilizados a partir da
premissa que o objeto a ser avaliado é a qualidade de vida da população,
avaliando as dimensões da vida que contribuem para o processo saúde/doença.
Essa política permite a OMS opinar não apenas no setor saúde mas também
sobre as políticas sócio-econômicas de uma nação, do mesmo modo que o Banco
Mundial o fez com o “Investindo em Saúde”, constituindo sua estratégia de
hegemonia atual.
"What is our Key mission? I see WHO’s role as being the moral
voice and the technical leader in improving health of the people of
the world. Ready and able to give advice on the key issues that can
unleash development and alleviate suffering. I see our purpose to
be combating disease and ill-health - promoting sustainable and
equitable health systems in all countries". (Brundtland, 1998
Discurso de posse na Assembléia Mundial de Saúde)
13
Uma observação oportuna é que Christopher Murray, Diretor do Programa Global sobre evidência para
Saúde Pública da OMS, participou também do desenvolvimento da metodologia do Investindo em Saúde do
Banco Mundial.
98
3.10 Reforma Administrativa-financeira ou Política ?
O aumento dos recursos extra-orçamentários, segundo a Diretora-Geral da
OMS
14
, se deve ao início de uma reformulação administrativa, financeira e política
da instituição. Nessa reformulação administrativa os países doadores solicitam
maior controle sobre a destinação dos recursos em programas específicos em vez
de destina-los à estrutura da OMS. Estas mudanças culminaram no que se
denominou Determinações Estratégicas. Estas determinações foram elaboradas
pelo Grupo Executivo em 2000, e apresentam quatro aspectos básicos, que se
inter-relacionam
15
:
1- Redução do excesso de mortalidade, morbidade e incapacidade,
especialmente em populações pobres e marginalizadas.
2- Promoção de estilos de vida saudáveis e redução dos fatores de risco para
a saúde humana que se originam de causas comportamentais, sociais,
econômicas e ambientais.
3- Desenvolvimento de sistemas de saúde que aperfeiçoem com equidade os
indicadores de saúde, respondendo às legítimas demandas populares e
financeiramente viáveis.
4- Estruturação de uma política empreendedora e criação de um ambiente
institucional para o setor saúde, promovendo uma efetiva política de saúde
para as dimensões sociais, econômicas, ambiental e desenvolvimentista.
As determinações deverão ser aplicadas a cada uma das 35 áreas de
concentração da OMS, sendo que 11 dessas áreas terão prioridade. Estas
prioridades foram escolhidas pelo Grupo Executivo a partir da avaliação dos
principais problemas de saúde do mundo, com ênfase nas iniqüidades
sanitárias entre e dentro dos países, maior efetividade, necessidade urgente de
novas tecnologias, necessidade de construções de consensos e políticas e
14
WHO. Report of the Director-General 2001, 2002.
15
WHO. Proposed Programme Budget 2002/2003, 2002.
99
maior demanda de suporte aos Estados-Membros. Segue abaixo as 11 áreas
prioritárias :
- Malária, tuberculose e HIV/AIDS
- Câncer, doenças cardiovascular e diabetes
- Tabaco
- Saúde Materna
- Desnutrição
- Saúde Mental
- Segurança no Sangue
- Sistemas de Saúde
- Investindo em mudanças na OMS
As determinações estratégicas, tendo em vista a atuação da OMS nestas
áreas específicas, orientam o programa orçamentário, determinando o
investimento dos recursos em cada região ou programa.
Não foram apenas as determinações estratégicas que estabeleceram
prioridades e novas relações com os países membros. Durante a gestão de Gro
novas relações institucionais foram empreendidas pela OMS para o
desenvolvimento de ações que trouxessem investimentos e fortalesessem sua
capacidade de influir politicamente em um mundo globalizado.
Uma das críticas recebidas pela Gestão Gro Brundtlend foi a parceria com
instituições privadas como indústrias farmacêuticas e com a Organização Mundial
do Comércio (OMC).
"The private sector has an important role to play both in technology
development and the provision of services. We need open and
constructive relations with the private sector and industry, knowing
where our roles differ and where they may complement each other.
100
I invite industry to join in a dialogue on the key issues facing
us."(Brundtlend, 1998:5)
"We consider this joint study by the WHO and the WTO Secretariat
a useful and timely initiative in this regard. It illustrates that there is
much common ground between trade and health." (WTO/WHO,
2002:1)
No site da OMS é possível encontrar mais de 70 parcerias com instituições,
principalmente fundações, que participam de várias formas em programas e ações
da OMS.
"The website of the Geneva-based Initiative on PublicPrivate
Partnerships for Health currently identifies 79 collaborative
partnerships. The nature and purpose of these partnerships vary
widely. Some have been created for product development
(including vaccines), others for distribution of a subsidised product
(such as drugs for HIV), others for health education purposes,
others for product regulatory or quality improvements, and others
more generally for health systems coordination."(Reid & Pearse,
2003)
A gestão de Gro é apontada pela maioria dos autores como uma gestão
que trouxe a OMS de volta ao debate da saúde internacional. Apesar de curto, seu
mandato deu um direcionamento à desacreditada agência da ONU, conquistou a
confiança da comunidade internacional de doadores, e acima de tudo, colocou na
agenda da OMS a necessidade do ajuste político e estrutural para acompanhar as
transformações de um mundo globalizado.
Estes movimentos institucionais acontecem em uma época que diversas
agências internacionais começam a voltar seu interesse para à saúde, e grandes
101
volumes de recursos começam a transitar pelo mundo para investir em saúde.
Esse movimento, identificado no capítulo anterior, tem sido chamado por alguns
autores de "Global Health". Onde poderosas organizações não-governamentais,
fundações, agências internacionais e, até mesmo, departamentos de saúde de
países desenvolvidos começaram a se interessar pela saúde das populações de
países pobres.
Um novo cenário se organiza no que vem sendo denominado no movimento
político-sanitário internacional de “Global Health” e que denominamos
anteriormente de Processos de Saúde Globais.
A OMS entra nessa corrida por investimento e pela hegemonia técnica e
política sobre o mercado da saúde global. Com isso há um movimento nas
políticas das agencias internacionais de saúde na constituição de políticas globais,
isto é, avaliações transculturais, conceitos universais e traduzíveis em diversas
culturas, em uma uniformização dos métodos de avaliação, das necessidades e
das políticas. Pensar globalmente, planejar globalmente, avaliar globalmente têm
sido práticas comuns, na qual o DALY e WHOQOL são instrumentos que se
situam nesse espaço para a criação de padrões de evidências empíricas
observáveis globalmente, estabelecendo comparações, ranqueando sistemas de
saúde, avaliando e padronizando procedimentos em todo o mundo.
Portanto, nossa pesquisa indica que qualidade de vida começa a ser
associada a um padrão de medida global, alinhada com os processos de saúde
globais e como uma noção que será amplamente incorporada nos sistemas de
informação em saúde internacionais.
102
Capítulo 4
Qualidade de Vida: Uma Noção Global
___________________________________________________________
Bebida é água.
Comida é pasto.
Você tem sede de que?
Você tem fome de que?
A gente não quer só comida,
A gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
A gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
A gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
A gente quer a vida como a vida quer.
Bebida é água.
Comida é pasto. (...)
Comida (1987)
Marcelo Fromer / Arnaldo Antunes / Sérgio Britto
A escolha da denominação noção para esse conjunto de competências
chamado qualidade de vida, não está relacionada a qualquer tentativa de
classificação. Poderíamos denominá-la como um termo, uma expressão ou
qualquer outro rótulo. Nossa intenção foi delimitar o vocabulário a ser utilizado ao
longo do texto. Pretendemos principalmente perceber o seu uso, seus sentidos,
seguindo-o pelas teias metodológicas, discursivas e políticas que atravessam e
configuram o campo da saúde.
Neste capítulo discutiremos o nascimento da noção de qualidade de vida e
como seu uso foi se transformando em uma estratégia de construção de
evidências para o mundo globalizado.
103
4.1 Histórico e desenvolvimento da noção de qualidade de vida
O levantamento bibliográfico exploratório permitiu identificar que a noção de
qualidade de vida começa a ser utilizada após a Segunda Guerra Mundial, através
do registro econômico, como sinônimo de aquisição de bens materiais e
tecnologia. Apenas algumas décadas mais tarde, a noção transforma-se em um
parâmetro para identificar os avanços no campo social, em especial saúde,
trabalho e educação.(Ferraz, 1998 ; Minayo et al. , 2000; Nussbaum & Sen, 1989)
Qualidade de vida é uma noção subjetiva, histórica e cultural, uma vez que
diz respeito a um conjunto de competências, crenças e valores compartilhados por
um grupo social e identificados como uma representação do bem-estar individual
ou coletivo. Esse é um o campo polissêmico e pode ser objeto das mais diversas
disciplinas como a filosofia, a sociologia, a antropologia , a psicologia e a política.
Poderíamos discutir o que entendemos como bem-estar, como uma boa vida ou
como as condições para o desenvolvimento das potencialidades humanas. Ideais
como liberdade individual, amor e acesso a bens de consumo, por exemplo,
poderiam descrever os sentidos de qualidade de vida na cultura ocidental
moderna (Nussbaum & Sen, 1993; Costa, 1998). Qualidade de vida, então, parece
estar presente no imaginário social atual como um ideal e como uma prática
discursiva que penetra os mais diversos setores da sociedade. Tornou-se lugar
comum a preocupação com a qualidade de vida dos pacientes que sofrem de
alguma doença crônica, dos funcionários de uma empresa, das crianças nas suas
relações com a escola e a família, de uma comunidade, entre outras.
Uma outra idéia que se associa à qualidade de vida é noção de
prosperidade. Segundo Nussbaum & Sen (1993) para conhecer a prosperidade de
uma nação e de seus cidadãos é necessário saber mais do que a renda per capita
de seus habitantes, mas também é necessário saber como são distribuídos esses
recursos, qual a autonomia que os sujeitos possuem para conduzir suas vidas, a
expectativa de vida em suas regiões, qual o acesso e qualidade do sistema de
104
saúde e educação, não só saber quantos estão empregados mas também como
se dão as relações de trabalho, o acesso ao lazer e à cultura, a organização da
família e as relações de gênero, e até mesmo a capacidade para desenvolver e
expressar sentimentos como o amor e a solidariedade. O problema que se impõe
para esses autores é como medir e como avalizar esses domínios da vida
humana? Como avaliar o peso de cada um desses aspectos no desenvolvimento
humano ? Como dar objetividade a esses itens e como compara-los como dados
provenientes de culturas diferentes ?
A percepção do que é qualidade de vida parte, também, de uma lógica
individual, colocando questões importantes em relação aos limites dessa noção
nas suas relações com a sociedade e a cultura, entre as necessidades individuais
e coletivas (Tamaki, 2000). O que um indivíduo considera qualidade de vida pode
diferir de outro, dependendo de sua origem e classe social, da região geográfica,
ou simplesmente, de contingências singulares entre os sujeitos históricos na sua
relação com a cultura.
Neste sentindo, qualidade de vida é uma noção contemporânea e que
relaciona desenvolvimento, prosperidade, condições materiais de bem-estar
(como alimentação, água potável, saneamento e outros), liberdade individual e
direitos humanos e sociais. Podemos afirmar que qualidade de vida estabelece
uma associação muito estreita com o campo da democracia. Portanto, por
extensão, podemos afirmar também que qualidade de vida é uma questão de
governo.
"Estas coisas, de que o governo deve se encarregar, são os
homens, mas em suas relações com coisas que são as riquezas,
os recursos, os meios de subsistência, o território em suas
fronteiras, com suas qualidades, clima, seca, fertilidade, etc.; os
homens em suas relações com outras coisas que são os costumes,
os hábitos, as formas de agir ou de pensar, etc.; finalmente, os
105
homens em suas relações com outras coisas ainda que podem ser
os acidentes ou as desgraças como a fome, a epidemia, a morte,
etc." (Foucault, 1979:282)
Na tentativa de sistematizar e servir como indicador social e econômico, a
noção de qualidade de vida foi apropriada pelo discurso cientificista,
principalmente com características econométricas e estatísticas. Esses
indicadores serviriam como uma base de dados que orientam as políticas, os
investimentos e os programas para atender as demandas de cada país, região ou
até mesmo as demandas de desenvolvimento e qualidade de vida no mundo.
Entre esses indicadores, apesar de não usarem a denominação Qualidade
de Vida, poderíamos citar o Índice de Desenvolvimento Humano, o IDH,
elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento(PNUD),
onde a longevidade aparece como uma das dimensões de avaliação
fundamentais, outras são a renda e a educação. Esse instrumento inspirou outros
modelos como o Índice de Condições de Vida - ICV, desenvolvido pela Fundação
João Pinheiro. O ICV composto por 20 indicadores distribuídos em cinco
dimensões (renda, educação, infância, habitação e longevidade) tem o objetivo de
avaliar as relações entre desenvolvimento humano e condições de vida em
microrregiões. (Minayo et al., 2000)
O que há em comum entre esses indicadores é a crítica ao reducionismo
econômico que limitava a avaliação do desenvolvimento dos países a um único
indicador: o PIB (Produto Interno Bruto). O objetivo era propor uma avaliação mais
ampla e que procurasse inventariar os diversos fatores que influenciam no
desenvolvimento da vida humana.
"Devo reconhecer que não via no início muito mérito no IDH em si,
embora tivesse tido o privilégio de ajudar a idealizá-lo. A princípio,
demonstrei bastante ceticismo ao criador do Relatório de
106
Desenvolvimento Humano, Mahbub ul Haq, sobre a tentativa de
focalizar, em um índice bruto deste tipo - apenas um número -, a
realidade complexa do desenvolvimento e da privação humanos.
(...) Mas, após a primeira hesitação, Mahbub convenceu-se de que
a hegemonia do PIB (índice demasiadamente utilizado e valorizado
que ele queria suplantar) não seria quebrada por nenhum conjunto
de tabelas. As pessoas olhariam para elas com respeito, disse ele,
mas quando chegasse a hora de utilizar uma medida sucinta de
desenvolvimento, recorreriam ao pouco atraente PIB, pois apesar
de bruto era conveniente. (...) Devo admitir que Mahbub entendeu
isso muito bem. E estou muito contente por não termos conseguido
desviá-lo de sua busca por uma medida crua. Mediante a utilização
habilidosa do poder de atração do IDH, Mahbub conseguiu que os
leitores se interessassem pela grande categoria de tabelas
sistemáticas e pelas análises críticas detalhadas que fazem parte
do Relatório de Desenvolvimento Humano."(SEN apud PNUD,
2004)
4.2 Do desenvolvimento humano à qualidade de vida
O IDH é, com certeza, o indicador mais utilizado mundialmente para avaliar
a qualidade de vida em todo o globo. O IDH vem sendo aplicado pelo PNUD, outro
órgão das Nações Unidas, através do Relatório Anual de Desenvolvimento
Humano como um indicador central para avaliar o desenvolvimento e a qualidade
de vida, que parte do PIB dos países, para indicar o desenvolvimento econômico,
social e cultural das populações em todo o mundo. Além da dimensão econômica
(renda), o instrumento conta com os domínios da longevidade e a educação.
O objetivo inicial do IDH era a avaliação das condições sociais,
educacionais e econômicas que permitam o pleno desenvolvimento das
capacidades humanas. Porém as noções de qualidade de vida, desenvolvimento e
107
capacidades humanas, perdem seus limites e são utilizadas indistintamente em
muitos discursos políticos e científicos.
"Quanto maior a capacidade das pessoas de controlarem os
fatores objetivos e subjetivos que determinam a qualidade de vida
e o nível de participação da sociedade civil organizada nas
decisões sociais, maior será a capacidade de alcançar um melhor
grau de qualidade de vida e, conseqüentemente, o
desenvolvimento humano em consonância com o conceito de
qualidade de vida de Amartya Sen, ao influenciar o Índice de
desenvolvimento Humano da Organização das Nações Unidas
(ONU)."(Queiroz,C.M.B. et al., 2004:412)
16
Portanto, neste contexto, a idéia de qualidade de vida está associada
fortemente à noção de desenvolvimento. Ou talvez fosse melhor, afirmar ao
contrário, que recentemente a idéia de desenvolvimento foi associada à de
qualidade de vida. O conceito inicial de desenvolvimento humano formulado por
seus criadores não menciona a expressão qualidade de vida, que posteriormente
será utilizada muitas vezes como sinônimo.
"The basic purpose of development is to enlarge people's choices.
In principle, these choices can be infinite and can change over time.
People often value achievements that do not show up at all, or not
immediately, in income or growth figures: greater access to
knowledge, better nutrition and health services, more secure
livelihoods, security against crime and physical violence, satisfying
leisure hours, political and cultural freedoms and sense of
participation in community activities. The objective of development
is to create an enabling environment for people to enjoy long,
healthy and creative lives." Mahbub ul Haq (PNUD, 2004)
16
O grifo é nosso para ressaltar a utilização um tanto indiscriminada das três noções.
108
Recentemente o site do PNUD ao definir o conceito de desenvolvimento
humano e os princípios do IDH, identifica que as dimensões avaliadas pelo
indicador expressariam a qualidade de vida uma população.
"O conceito de Desenvolvimento Humano é a base do Relatório
de Desenvolvimento Humano (RDH), publicado anualmente, e
também do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Ele parte do
pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se
deve considerar apenas a dimensão econômica, mas também
outras características sociais, culturais e políticas que influenciam a
qualidade da vida humana." (PNUD, 2004)
É importante perceber aqui que a noção de qualidade de vida vai alargando
e capturando para dentro da indeterminação semântica de seu campo conceitos
como desenvolvimento, capacidade, prosperidade, nível de vida, condições de
vida e outros. Quanto maior a sua indefinição, maior o seu poder retórico. Ao
reunir tantos sentidos, a noção de qualidade de vida perde a capacidade de
identificar nexos causais ou interpretativos, servindo para os mais diversos fins.
Apesar de um dos idealizadores do IDH, o economista Armatya Sen,
afirmar que o indicador não representa a felicidade das pessoas, diversos usos
políticos e financeiros tem sido produzidos para deflagrar processos de
investimentos ou retração de recursos em países, cidades ou mesmo municípios.
"... o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do
desenvolvimento humano. Não abrange todos os aspectos de
desenvolvimento e não é uma representação da "felicidade" das
pessoas, nem indica "o melhor lugar no mundo para se
viver".(PNUD, 2004)
109
Apesar da afirmação de Sen, muitos municípios, como o Distrito Federal
brasileiro por exemplo, utilizam o IDH para atrair investidores nacionais e
internacionais, como nessa reportagem do site do Governo do Distrito Federal:
"IDH Alto Atrai Investimentos
Desde 1991, o Distrito Federal é líder em qualidade de vida entre
as 27 unidades da Federação, segundo o índice de
Desenvolvimento Humano medido pela ONU. Em uma escala que
vai de 0 a 1, o IDH do DF passou de 0, 799 em 1991 para 0,849
em 2003, bem acima da média brasileira, que é de 0,766.(...)
...Tudo isso transforma o Distrito Federal num lugar ideal para a
implantação de novos empreendimentos, pois as condições de
segurança estão muito acima da média nacional e a população
está mais preparada para enfrentar novos desafios." (GDF, 2005)
O IDH também tem servido de parâmetro para investimentos na saúde,
atentando às autoridades governamentais para a importância do setor saúde na
melhoria do IDH de seus estados e municípios.
"O objetivo do Saúde Bahia é atender aos municípios baianos com
menor IDH através da adequação física das unidades de saúde e
aquisição de equipamentos, proporcionando assim as condições
para prestação do atendimento básico à saúde, com o PSF. A
previsão é beneficiar ainda neste semestre os 88 municípios mais
carentes do estado de acordo com o IDH."(AGECOM, 2005)
O IDH ao mesmo tempo que tem sido utilizado como parâmetro para uma
comparação global do desenvolvimento humano/qualidade de vida entre os
países, tem reproduzido sua metodologia em estados, municípios e micro-regiões.
110
A utilização de indicadores complexos e transculturais como o IDH tem
repercussões políticas que reorientam, influenciam e valorizam políticas globais e
locais. Globais, devido a muitos países e gestores basearem suas ações em
modelos de países com IDH elevado e também por servir de negociação política e
econômica entre os diversos estados-nacionais. Locais por influenciarem
diretamente a arena de negociação política nacionais e regionais, as
necessidades de investimentos e de reorganização da gestão.
A criação de indicadores de qualidade de vida, servindo como base de
evidências científicas para avaliação da situação econômica e social dos países,
tem sido uma das mais poderosas armas de negociação para implantação e crítica
política no mundo globalizado. A reunião de metodologias que procuram avaliar
objetivamente as dimensões complexas da vida e do desenvolvimento humano, e
a utilização das tecnologias de informação e comunicação atuais abriram um
campo de estudo e de difusão de informações que podem movimentar volumosos
recursos financeiros, testar políticas e programas de desenvolvimento social e
econômico, e até mesmo desestabilizar governos e nações.
17
Outros instrumentos e índices foram criados desde então, mas nenhum
deles, segundo Minayo et al. (2000), apresentavam uma descrição mais
pormenorizada de elementos ou itens médicos ou epidemiológicos. Saúde seria,
então, uma resultante de um complexo processo social e econômico.
O sucesso do IDH, sua metodologia razoavelmente simples e sua
importância no cenário político-econômico internacional, influenciaram outras
áreas do conhecimento como a saúde. A construção de instrumentos compostos
que avaliassem a saúde e o impacto de terapêuticas e políticas de forma mais
17
Ao alinhar à noção de qualidade de vida à de prosperidade, desenvolvimento e liberdade no campo
mais amplo da democracia, poderíamos problematizar o uso de instrumentos de qualidade de vida, como uma
medição dos valores democráticos no mundo.
111
ampla do que as taxas de mortalidade e morbidade, tornou-se atualmente um
desafio para as tecnologias de informação em saúde.
112
Capítulo 5
Qualidade de Vida como indicador de saúde
________________________________________________________
John Keating : Gentlemen, open your texts to page 21 of this introduction.
Mr. Perry, will you read the opening paragraph of the preface entitled
"Understanding Poetry"?
Neil : [reading] "Understanding Poetry," by Dr. J. Evans Pritchard, Ph.D. "To
fully understand poetry, we must first be fluent with its meter, rhyme and
figures of speech, then ask two questions: One, how artfully has the objective
of the poem been rendered and two, How important is that objective?
Question 1 rates the poem's perfection; question 2 rates its importance. And
once these questions have been answered, determining the poem's
greatness becomes a relatively simple matter. If the poem's score for
perfection is plotted on the horizontal of a graph and its importance is plotted
on the vertical, then calculating the total area of the poem yields the measure
of its greatness. A sonnet by Byron might score high on the vertical but only
average on the horizontal. A Shakespearean sonnet, on the other hand,
would score high both horizontally and vertically, yielding a massive total
area, thereby revealing the poem to be truly great. As you proceed through
the poetry in this book, practice this rating method. As your ability to evaluate
poems in this matter grows, so will, so will your enjoyment and understanding
of poetry."
John Keating : Excrement. That's what I think of Mr. J. Evans Pritchard.
We're not laying pipe. We're talking about poetry. How can you describe
poetry like American Bandstand? "Oh, I like Byron. I give him a 42, but I can't
dance to it." Now, I want you to rip out that page.
DEAD POET'S SOCIETY by Tom Shulman, 1989
Minayo et al. (2000) apontam para uma arqueologia da noção de qualidade
de vida na sua relação com o campo da saúde que remonta a medicina social,
através da noção de condições de vida na Europa do século XIX. Neste sentido,
mais voltada paras as classes trabalhadoras urbanas e para formulação de
políticas públicas e sanitárias.
"No campo da saúde, o discurso da relação entre saúde e
qualidade de vida, embora bastante inespecífico e generalizante,
existe desde o nascimento da medicina social, nos séculos XVIII e
113
XIX, quando investigações sistemáticas começaram a referendar
esta tese e dar subsídios para políticas públicas e movimentos
sociais." (Minayo et al., 2000:9)
Os autores enfatizam a preocupação dos discursos da medicina social, da
saúde pública e da saúde coletiva, com as condições de vida da população, com a
prevenção e a promoção da saúde, e também com os determinantes não-médicos
das relações entre saúde e doença. Contudo o termo qualidade de vida parece ter
sido forjado apenas recentemente, sendo desde então recorrentemente citado em
publicações, discursos, e como uma ética da assistência nas instituições de
saúde.
Apesar do excelente estudo desenvolvido por esses autores, nossa
pesquisa aponta para duas perspectivas diferentes. A primeira é que a
constituição de um campo científico sobre as medidas de qualidade de vida
relacionadas à saúde teria suas origens nas últimas décadas do século XX. E a
segunda é que o surgimento desses indicadores produziriam um duplo corte
epistemológico no campo das avaliações em saúde.
5.1 O Surgimento de um novo Campo: Qualidade de Vida
Relacionada à Saúde
O surgimento de um campo de estudo e investigação específico que têm
como finalidade a criação de indicadores de avaliação de qualidade de vida,
unindo em um único instrumento itens objetivos e subjetivos do processo
saúde/doença é uma criação recente e seus múltiplos desdobramentos é um dos
objetos dessa pesquisa.
114
Nossa pesquisa indica a significativa presença de estudos que utilizam a
expressão qualidade de vida no campo da saúde e a avalanche de instrumentos
compostos a partir da década de 70.
"The field of health status assessment is relatively young,
originating only some 30 years ago. Methodological advances in
measuring the outcomes of disease and treatment from the patient
point of view have been the defining signature of the field."
(McHorney, 1999: 309)
Para se ter uma idéia da difusão recente do termo Qualidade de Vida no
meio médico, realizamos uma pesquisa exploratória no MEDLINE, via internet,
que mostra claramente a entrada dessa noção no imaginário da medicina nas
últimas décadas. Inserindo-se unicamente o termo qualidade de vida como uma
opção de busca por assunto, encontramos a publicação de 32.962 artigos no
período de 1970 à 1999. Deste total, 26.224 artigos foram publicados somente na
década de 90, e até 2004 já foram publicados 31.414 artigos, como pode ser
observado no gráfico abaixo.
Gráfico 2 -Tema Qualidade de Vida em Periódicos 1970 - 2004
0
5000
10000
15000
20000
25000
30000
35000
70 80 90 2000 - 2004
Fonte: MEDLINE (2005)
115
Portanto, aproximadamente 80 % dos trabalhos foram publicados na última
década, demonstrando a influência recente dessa noção na literatura médica.
Ainda seria necessário realizar uma classificação desses trabalhos, uma vez que
os artigos foram selecionados pela presença do tema qualidade de vida em suas
chaves de indexação ao medline. Quando inserimos a busca pela expressão
qualidade de vida no título dos trabalhos, encontramos resultados semelhantes,
onde 6.392 artigos foram publicados na década de 90 contra apenas 983 na
década de 80.
O quadro abaixo mostra a evolução dos principais indicadores genéricos de
qualidade de vida ao longo do tempo. É nítida a concentração de indicadores a
partir da década de 70.
18
Quadro 4 - A evolução dos Indicadores Genéricos de HRQL
Fonte: McHorney, 2005
Não se trata simplesmente de um marco no tempo, mas principalmente
uma convergência de interesses, investimentos e disputa entre pesquisadores que
dão forma e sentido a este novo campo.
18
Não vale a pena descrever aqui cada instrumento citado no quadro. Nosso interesse foi enfatizar a
concentração desses instrumentos nos últimos 30 anos.
116
"In the 1970s, the development of generic tools burgeoned, in part
as a result of extramural support from the National Center for
Health Services Research. Definitional expansiveness was the
signature of this era, as exemplified by tools consisting of multiple
health profiles, each measured by multi-item scales. Development
of descriptive generic profiles began in earnest with the Human
Population Laboratory, which launched measurement work in
physical, mental, and social health."(McHorney, 1999:312)
Aqui vale a pena lembrar Bourdieu (1994) e a constituição do campo
científico com suas lutas pela competência, pelo investimento e pelo monopólio do
conhecimento. Neste sentido inaugura-se um campo específico de lutas por um
instrumento de mensuração de qualidade de vida hegemônico, reconhecido pelos
seus pares, e passível de desenvolvimento e superação.
A partir desses estudos que relacionam qualidade de vida e saúde, um novo
movimento/campo discursivo e político tem sido observado: O “Health-related
quality of life” (HRQL):
... é o valor atribuído à duração da vida quando modificada pela
percepção de limitações físicas, psicológicas, funções sociais e
oportunidades influenciadas pela doença, tratamentos e outros
agravos, tornando-se o principal indicador para a pesquisa
avaliativa sobre o resultado de intervenções.” (Minayo et al.,
2000:12)
Nesses estudos, é determinado um gradiente quantitativo crescente para
definir as condutas terapêuticas e as políticas para o setor, as quais
proporcionariam mais qualidade de vida para o sujeito ou a população. A
qualidade de vida seria então o resultado da avaliação dos domínios que
compõem as áreas do comportamento ou da experiência em estudo, por exemplo:
117
capacidade funcional, dor, aspectos psicológicos, redes sociais e econômicas,
religião, entre outros (Guyatt et al, 1993). Cada domínio será composto por itens,
que em última instância são questões relativas ao domínio relacionado, e
submetidos a escalas que oferecem ao indivíduo pesquisado uma padronização
de respostas hierarquizadas, representando os diferentes graus de satisfação.
Os domínios, chamados também de dimensões, esperam abranger os
diversos aspectos que determinam a relação do indivíduo com seu corpo, suas
emoções e o mundo que o cerca. A avaliação dessas dimensões fornecerá um
índex, através de recursos metodológicos psicométricos, que deverão responder a
três critérios básicos:
1- Índex discriminativo Possibilidade de discriminar padrões ideais de
normalidade (gold standard);
2- Índex preditivo Determinar quais sujeitos, patologias, procedimentos ou
condições apresentarão características específicas de comportamento ou
necessidades;
3 Índex Avaliativo: Usado para medir a magnitute ou escore entre indivíduos ou
grupos sociais. (Kirshner & Guyatt , 1985)
Esses autores determinam um guia metodológico para a criação / condição
de construção de um instrumento de qualidade de vida. Entre os elementos
fundamentais de um instrumento consta a seleção, escala e redução dos itens, ou
facetas, de cada domínio, e a determinação das propriedades de medida:
reprodutibilidade, validade e responsividade (ibdem.).
Os instrumentos de qualidade de vida têm sido classificados em genéricos
e específicos. Os instrumentos genéricos dizem respeito à mensuração da
qualidade de vida de uma população, voltada para a avaliação da assistência e/ou
das políticas de saúde. Os instrumentos específicos têm o objetivo de avaliar o
118
impacto de uma doença, procedimento ou condição na qualidade de vida dos
indivíduos envolvidos.
Outros instrumentos foram criados como a própria pesquisa bibliográfica
descreve, mas o que esses estudos indicam é o desenvolvimento e a
consolidação de dispositivos de mensuração de qualidade de vida que exercem
sua influência sobre as escolhas terapêuticas, a avaliação e discriminação de
subjetividades e grupos sociais, e a prescrição de instrumentos para a avaliação e
criação de políticas.
5.2 O Duplo Corte Epistemológico: Avaliando Sistemas de
Saúde e Intervenções
A segunda perspectiva que pretendemos contribuir é que ao surgir como
um novo campo, os indicadores de qualidade de vida relacionados à saúde sofrem
um duplo corte epistemológico. Um que provocará o alargamento dos elementos
que compõem os indicadores de saúde populacional, e outro com a principal
função de avaliar o resultado ou as conseqüências de intervenções médicas,
servindo como um método complementar aos tradicionais ensaios clínicos
19
.
"The mid-1980s began the era of psychometric reduction. There
was interest in using generic measures across two different units of
analysisat the individual level in clinical practice (47, 76) and in
large-scale, group-level studies."(McHorney, 1999:312)
19
Ensaios clínicos, em inglês Clinical Trials, é definido pelo Instituto de Medicina da Carolina do Norte da
seguinte forma: "Clinical trials are research studies to determine whether new drugs or treatments are safe
and effective. Phase I clinical trials is the first evaluation to determine the safety, safe dosage range or side
effects of new drugs or treatments. Phase I trials are usually conducted among a small group of people (20-
80). Phase II clinical trials tests the drugs or treatments among larger group of people (100-300). Phase III
clinical trials examines the drug or treatment among a larger group of people (1,000-3,000). These trials are
used to confirm effectiveness, monitor side effects, and compare the drug or treament to commonly used
treatments. Phase IV studies are conducted after the drug or treatment has been marketed. These studies
determine the effect of the drugs or treatments in various populations, and monitor any side effects from long-
term use".(http://www.nciom.org/hmoconguide/GLOSS31E.html)
119
No primeiro corte, a noção de qualidade de vida tem o efeito de abordar os
diversos determinantes que influenciam a saúde da população, no sentido da sua
coletividade, e serve para orientação dos sistemas de saúde e monitoramento das
políticas de saúde. Até então as medidas populacionais de saúde eram resumidas
às taxas de mortalidade e morbidade. Com a necessidade de estabelecer novas
formas de avaliar as ações de saúde, no conjunto das estratégias de
desenvolvimento das políticas sociais, qualidade de vida foi tomando diversas
formas neste contexto: Expectativa de vida ao nascer (QALY), carga de doença
(Burden of Desease), anos de vida ajustados pela incapacidade (DALY), entre
outros.
Em todas essas expressões é clara a intenção de ampliar o foco da
avaliação dos processos saúde/doença, permitindo uma melhor avaliação da
relação custo-efetividade, das repercussões da carga de doença para os sistemas
de saúde e possibilitando uma convergência entre informações de saúde e
critérios demográficos.
Segundo Murray et al.(2002), a necessidade de criar uma medida
populacional é fundamental para a avaliação dos sistemas de saúde, servindo
como um indicador privilegiado para os ajustes políticos, econômicos e gerenciais.
Os indicadores de saúde populacional teriam as seguintes aplicações:
- Comparar a situação de saúde das populações entre os diversos países e
regiões.
- Monitorar as mudanças do status de saúde de uma população
- Identificar e quantificar as iniqüidades em saúde nas populações
- Promover o controle adequado dos efeitos das doenças não fatais em toda a
população
- Determinar as prioridades de distribuição e planejamento dos serviços de saúde
- Determinar as prioridades de pesquisa e desenvolvimento
120
- Promover a atualização dos currículos para a formação e treinamento dos
profissionais de saúde
- Analisar os benefícios das intervenções em saúde para o uso em análises sobre
custo-efetividade.
Como se pode observar na descrição acima o objetivo desses estudos não
é avaliar a saúde da população propriamente dita, mas a performance dos
sistemas de saúde através da saúde da população, ou melhor, a qualidade de vida
relacionada à saúde. Os problemas tratados nesses estudos são de distribuição
de recursos, financiamento, acesso aos serviços de saúde, o custo social das
enfermidades e a comparação das performances dos sistemas nacionais de
saúde. (ver capítulo 3 sobre a OMS)
O segundo corte se dirige ao campo mais específico da avaliação das
intervenções e procedimentos médicos sobre a qualidade de vida do indivíduo. É o
oposto do que ocorre no conjunto de indicadores identificados no corte anterior.
Aqui o foco não é o sistema de saúde, nem a população, e podemos dizer, nem o
indivíduo, mas sim a relação entre doença, tecnologia médica e seus resultados.
A maioria dos trabalhos identificada como parte integrante dos estudos
sobre Qualidade de Vida Relacionada à Saúde tem o objetivo de avaliar os efeitos
de intervenções, doenças e terapêuticas sobre a qualidade de vida dos indivíduos.
"There is now recognition that meaningful measures of health-
related quality of life should be to evaluate health-care
interventions." (Bowling, 1997:1)
"More recently, QOL has emerged as an important attribute of
clinical investigation and patient care, being devised to take into
account anything beyond mortality and symptom levels." (Berlim e
Fleck, 2003:249)
121
"The area of research
that has resulted from this recognition is
termed "health related
quality of life." It moves beyond direct
manifestations of illness
to study the patient's personal morbidity
that is, the
various effects that illnesses and treatments have on
daily
life and life satisfaction. Although quality of life assessment
was almost unknown 15 years ago, it has rapidly become an
integral
variable of outcome in clinical research; over 1000 new
articles
each year are indexed under "quality of life." (Muldoon et
al., 1998:542)
Nesse campo não se enquadram apenas os instrumentos genéricos, mas
também os específicos, que tem por objetivo avaliar a qualidade de vida em
relação a uma doença ou a condições de vida específicas. Há instrumentos para
os mais diversos tipos de doenças, principalmente doenças crônicas ou
incapacitantes. Câncer, acidente vascular encefálico, doenças coronarianas, dor,
hemodiálise e, recentemente AIDS são algumas doenças que são objeto de
diversos instrumentos.
Além de doenças, atualmente há a preocupação em desenvolver avaliações
de qualidade de vida em algumas etapas da vida, como a terceira idade e a
adolescência.
Alguns autores criticam o desenvolvimento desses instrumentos, alegando
que ainda são indicadores centrados na doença, e que não teriam uma concepção
positiva de saúde.
"Unfortunately, many investigators claim to measure quality of life
when they are in fact measuring something else, such as physical
functioning."(Cohen et al., 1996:753)
122
"When studying severe ill populations, the best strategy may be to
employ measures of negative health status." (Bowling, 1997:4)
Um elemento fundamental desses estudos é que os instrumentos são
construídos para possibilitar a visão do indivíduo sobre a sua qualidade de vida, o
tratamento e a doença. Isto é, qualidade de vida então partiria da percepção do
indivíduo, caracterizando uma medida subjetiva.
É neste segundo corte que aprofundaremos nossa pesquisa, no sentido dos
estudos que pretendem avaliar, mensurar e monitorar os efeitos das intervenções
médicas sobre a qualidade de vida dos indivíduos. Esses estudos serão
prioritariamente denominados como Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (ou
em inglês Health Related Quality of Life - HRQL)
5.3 Qualidade de Vida em Saúde: Retórica social, ética e
política ?
Segundo Armstrong (2004) foi durante a década de setenta que os estudos
sobre qualidade de vida surgiram na literatura médica, e identifica três
determinantes fundamentais que justificariam a construção de indicadores.
O primeiro, seriam os dilemas do progresso social. Em função do
desenvolvimento tecnológico, diversas conseqüências sociais como o aumento
populacional e a degradação do meio ambiente foram afetando a qualidade de
vida da população dos grandes centros urbanos. Surge então, no interior dos
discursos médicos uma política que o autor chama de "quase-eugênica", no
sentido de indicar o controle da natalidade através da esterilização e a interrupção
de gestações indesejadas em defesa da qualidade de vida.
"For some medical commentators such as Flowers (1970) the
solution to the first problem was a quasi-eugenic policy of
123
eliminating unwanted pregnancies and the liberal use of sterilization
that would lead to an improved quality of life. This eugenic theme
was echoed by Abrams, Daugherty, Abrams et al (1971) who
viewed the national situation as ‘serious’ due to the effects of
poverty on ‘prenatal and paranatal abnormalities, low birth-weight
babies, increased infections, neurologic deficits, apathy, emotional
immaturity, lack of self-esteem, negative self-image, reduced social
mobility, identity confusion, high infant mortality, (and)
environmental and cultural deprivation’ (1971: 412). Again the
solution was seen as massive political programs to improve ‘the
quality of life’."(Armstrong, 2004)
Qualidade de vida então, seria a única medida capaz de avaliar o "real"
progresso da sociedade e a medicina, através de sua tecnologia e das estratégias
de educação em saúde, poderia ser um importante aliado para a promoção da
qualidade de vida da população.
Aqui não há a utilização de um instrumento de qualidade de vida em saúde,
mas a presença de uma ideologia liberal que dá voz e sentido ao uso retórico da
noção de qualidade de vida no meio médico.
Este primeiro uso da noção de qualidade de vida, nos remete às noções
totalitárias de vida, saúde e desenvolvimento. Em vários momentos da história
recente do mundo ocidental a medicina, lançou mão de políticas e intervenções
em nome do progresso e da defesa da sociedade e sua moralidade. Um dos
maiores exemplos que podemos citar é o nascimento da psiquiatria e toda a
estruturação do modelo asilar nos séculos XVIII e XIX. (Amarante,1995)
O segundo elemento apontado por Armstrong são as conseqüências éticas
do desenvolvimento tecnológico.
124
Durante as décadas de 50 e 60 houve um grande avanço nas tecnologias
médicas, marcado principalmente pelo surgimento da hemodiálise, o transplante
renal e as novas terapias para o tratamento do câncer. Essas terapêuticas,
quando não levavam o paciente à morte, proporcionavam dor, sofrimento e
limitações importantes aos sujeitos.(Matta, 2000)
Neste sentido, era necessário avaliar o custo dessas intervenções sobre a
vida das pessoas, promovendo uma discussão ética importante sobre os efeitos
do processo tecnológico no campo da saúde, da importância do consentimento
informado na relação médico-paciente e das dimensões não-médicas do
tratamento. A quantidade de vida proporcionada pela medicina e avaliada pelas
taxas de sobrevida e mortalidade não eram suficientes para avaliar a qualidade de
vida dos sujeitos submetidos à intervenções tecnológicas de alta complexidade.
Um novo indicador deveria ser criado, ampliando a possibilidade de avaliação e
conseqüente utilização de procedimentos e sua dimensão ética.
"Quality of life moved towards being the new common currency of
medical outcome that would allow more meaningful comparison of
surgical rates (Bunker 1973) or the explanation of medical care
variation (Martini, Allan, Davison et al 1977)."(Armstrong, 2004)
O terceiro e último elemento apontado por Armstrong seria a relação entre
doença crônica e a qualidade da assistência.
Com o desenvolvimento da medicina e a diminuição das taxas de
natalidade em todo o mundo, houve um aumento da população idosa, que muitas
vezes apresenta limitações importantes quanto à locomoção, co-morbidades e
necessidade de institucionalização. Neste caso, e também de algumas doenças
crônicas como a esclerose múltipla, deficientes físicos e transtornos mentais
crônicos, a noção de cura, ou as medidas de mortalidade não se aplicavam como
critérios válidos para a avaliação terapêutica. O interesse se volta então para a
125
qualidade da assistência no sentido de prover qualidade de vida para esses
sujeitos. Assistência deve por exemplo, promover a independência e autonomia
dos pacientes através de programas de reabilitação física e psicossocial.
Qualidade de vida seria então o resultado da qualidade da assistência.
"Although the demand for improvement to patients’ quality of life
emerged out of the problems of targeting care on those receiving
long term support it can be read as a response to yet another crisis,
this time one located in the health care (particularly nursing)
arena."(Armstrong, 2004)
Uma preocupação muito importante que obteve um desenvolvimento
marcante nos últimos anos foram as estratégias de promoção da saúde do idoso.
Estas estratégias freqüentemente lançam mão da retórica da qualidade de vida
para justificar suas ações.
"Uma das maiores conquistas deste século foi a ampliação do
tempo de vida. Agora é hora de se adicionar qualidade a estes
anos a mais que serão vividos, promovendo a integração e o
respeito de toda a sociedade com o cidadão idoso". (Veras, 1995)
Sem negar a importância ética e humana dos programas de atenção ao
idoso, é importante registrar que o grande incentivo político para o
desenvolvimento da saúde do idoso no Brasil e no mundo, foram o alto custo
financeiro representado pelas freqüentes internações e intercorrências durante a
velhice e a necessidade de maior controle das doenças crônicas tão presentes na
terceira idade. Esses custos, a longo prazo, produziria um colapso nas contas dos
sistemas nacionais de saúde (Lima-Costa e Veras, 2003).
Neste sentido, qualidade de vida não só possui um atravessamento ético
importante quanto à organização dos serviços e a necessidade de ampliação da
126
rede de cuidados, mas também uma retórica humanamente contundente para a
necessidade de contenção de custos.
O autor concluiu que a noção de qualidade de vida possui uma importante
função retórica no debate do campo médico e terapêutico, abordando questões
sociais e políticas por trás de seus indicadores e medidas.
"The alternative is to see the concept as being grounded in an
important socio-political rhetoric that enables an appeal to quality of
life as the arbiter of medical goals and clinical success. It is this
rhetorical function that continues to underpin the significance of
quality of life and it is this historical position that has made the
concept an essential part of medical thought and health policy in
the early twenty-first century." (Armostrong, 2004)
As três dimensões propostas pelo autor colocam em discussão a
articulação do uso de indicadores de qualidade de vida e o surgimento e
identificação de crises sociais, éticas e políticas no campo da medicina e das
políticas de saúde. Seus vários sentidos convergem para o debate em torno das
demandas e lutas políticas por uma concepção ampliada de saúde que produziu
polêmicos debates em diversas partes do mundo nas décadas de 70 e 80.
A título de ilustração poderíamos citar o programa Saúde para Todos no
ano 2000 da OMS, o início das campanhas de controle de natalidade e
planejamento familiar encabeçadas pela UNICEF e o pelo Banco Mundial, o
surgimento da bioética e dos conselhos de pesquisa envolvendo seres humanos e
o movimento da reforma sanitária brasileira que culminou na construção do
Sistema Único de Saúde.
É claro que alguns desses movimentos surgiram de lutas democráticas
originadas pelas reivindicações populares como a reforma sanitária brasileira. Por
127
outro lado, outras ações como os programas de controle da natalidade do Banco
Mundial, constituíram políticas verticais que respondiam aos interesses de
grandes grupos econômicos internacionais. Portanto, continuamos a oscilar entre
movimentos que fazem usos retóricos distintos da noção de qualidade de vida.
Movimentos que também podemos chamar, junto com Boaventura Santos, de
hegemônicos e contra-hegemônicos.
Oferecendo um contraponto à leitura de Armstrong, a noção e o uso dos
indicadores de qualidade de vida, não teriam uma função retórica de crítica e
reflexão no campo da saúde, mas, segundo nosso estudo indica, haveria o oposto:
o uso retórico da noção de qualidade de vida e seus indicadores é instituído pelos
discursos e práticas do campo da saúde, no sentido da construção de argumentos
que implementam procedimentos, intervenções e políticas. Seu sentido retórico
não implica em questionar ou criticar, mas sim em justificar, avalizar, persuadir a
comunidade científica e os gestores na adoção de protocolos, intervenções e
programas, que afinal, promovem a qualidade de vida dos seus usuários.
Afirmar que exista um discurso manifesto (qualidade de vida) e um discurso
latente (questões sociais, políticas e éticas) é partir de um enfoque
representacionista que imprime uma noção de qualidade de vida que independe
do seu uso, da sua instrumentalização e conjugação. A intenção que percebemos
nesses estudos é descrever a qualidade de vida não como um construto subjetivo,
uma representação social, mas sim um construtor de realidades, de intervenções
e de políticas.
128
5.4 Esquartejando e Medindo: A Mecânica da Qualidade de
Vida em Saúde
As teorias estatísticas, que como já discutimos, possuem uma forte
articulação entre ciência e governamentalidade, e o surgimento das teorias e
técnicas psicométricas, no sentido da mensuração dos fenômenos psicológicos,
as quais tiveram um avanço vertiginoso nos últimos 40 anos, forma um conjunto
de saberes que procuram esquadrinhar, mensurar e normalizar cada milímetro da
vida humana.
Para exemplificar o que estamos afirmando, os estudos sobre os elementos
selecionados que envolveriam as repercussões da doença sobre a qualidade de
vida apresentam esquemas e quadros bastante amplos, e que pretendem cobrir
as diversas dimensões da qualidade de vida.
O âmbito da qualidade de vida proposto por Schwartzmann (2003) é amplo
e envolve diversas dimensões, que atuam em três domínios distintos do processo
saúde/doença. A doença (disease) que envolveria a equipe de saúde, o doente e
seu padecimento (illness), e a sobrecarga social e familiar (burden).
Quadro 5 Domínios da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde
(Schwartzmann, 2003: 12)
129
Os planos esquemáticos vão se desenvolvendo tentando abarcar as
diversas dimensões que envolvem a vida, e suas possibilidades de mensuração,
como um eixo sincrônico que deve ser considerado em função das características
de cada faixa etária na sua relação com o tempo.
Figura 8 Esquema de Qualidade de Vida
(Schwartzmann, 2003:18)
Os esquemas para tentar compor uma avaliação de qualidade de vida
totalitária, no sentido de uma concepção "holística", onde todos os elementos que
compõem uma dinâmica vital deverão estar presentes, representam uma
descrição mecânica da vida, captando instantâneos, formando um grande quebra-
cabeça da vida na sua relação com a saúde, ou melhor, a doença.
O esquema de trabalho organizado pela OMS demonstra claramente a
complexidade do construto que se pretende avaliar.
130
Figura 9 Dimensões da Qualidade de Vida I
(WHO-IASSID, 2000:26)
Um outro modelo apresentado por Schwartzmann, insere também a
dinâmica temporal da identificação das dimensões que compõem a qualidade de
vida:
131
Figura 10 Dimensões da Qualidade de Vida II
Neste modelo tridimensional, qualidade de vida seria a resultante de três
eixos dominantes: a dimensão de referência (social), a dimensão temporal e a
dimensão da experiência.
A escolha de objetos gráficos para ilustração dos modelos conceituais de
qualidade de vida, é comum nos textos metodológicos e representam uma
importante estratégia retórica, não só nos estudos sobre qualidade de vida, mas
em toda a formação e exercício da medicina.
"As imagens remetem à realidade empírica sem sê-la jamais, o que
explica o papel fundamental que elas ocupam no ensino médico,
uma vez que este procura sempre identificar o seu discurso com
uma apreensão direta do mundo físico." (Pinto, 2000: 42)
Este modelo ontológico-dinâmico, onde a vida é distribuída em objetos
recortados da experiência, do comportamento e do tempo, representados em
132
domínios de qualidade de vida, e mensurados, apresenta-se como uma complexa
operação retórica.
dois processos fundamentais em luta por reconhecimento e que exigem
uma grande estratégia de persuasão. Um, interno ao campo dos especialistas em
HRQL, na busca de uma metodologia e um instrumento dominante para mensurar
a qualidade de vida. E outro, externo às querelas metodológicas e psicométricas,
na produção da necessidade, confiabilidade e uso desses indicadores para a
avaliação de políticas, procedimentos e terapêuticas. De um lado o auditório
particular dos especialistas, pesquisadores, a comunidade científica dos HRQL; de
outro um auditório mais amplo, formado por políticos, gestores, profissionais de
saúde, a comunidade de ajuda ao desenvolvimento.
5.5 Em busca de uma definição de Qualidade de Vida
Segundo um trabalho realizado por Gill & Feinstein (1994), a maioria dos
artigos pesquisados por eles fazem referência a importância da qualidade de vida
sobre as investigações clínicas, notadamente a avaliação das intervenções
terapêuticas, e a definição de políticas para o setor saúde, principalmente nas
relações custo-benefício. Os autores avaliaram 75 artigos que tratavam da
descrição de instrumentos de mensuração de qualidade de vida, onde listaram
nada menos que 159 instrumentos.
20
Em apenas 11 % dos artigos foi encontrada
alguma definição do que estava sendo medido, ou seja, qualidade de vida. A
maioria dos artigos investigados utilizava qualidade de vida como sinônimo de
capacidade funcional e de “health status”. (op. Cit.: 619)
20
No site da International Society for Ouality of Life Research - ISOQOL constam atualmente mais de 1.000
instrumentos registrados. (http://www.isoqol.org/)
133
Apesar de críticos em relação à “falta de clareza e a inconsistência do
significado e dos instrumentos de qualidade de vida” (op.cit.:619) , os autores
reduzem seus argumentos à carência de rigor científico (isto é, estatístico /
psicométrico) na criação, aplicação e validação desses instrumentos, e a
necessidade de deixar a cargo de “experts” essa tarefa.
Todos os trabalhos que pesquisamos ratificam a dificuldade da definição de
qualidade de vida, e sua relação com o desenvolvimento dos instrumentos.
Schwartzmann (2003), acredita ser necessária uma concepção de
qualidade de vida hegemônica e que possibilite identificar através de dados
empíricos confiáveis e comprováveis, a mensuração da qualidade de vida
relacionada à saúde.
As origens da noção de qualidade de vida para a autora apresentam
diversas influências importantes e que constituiriam a base histórica e disciplinar
desse campo de investigação. Entre elas estariam:
- Os dilemas éticos de situações limites como as unidades de terapia intensiva e
suas repercussões para a qualidade de vida do paciente;
- As repercussões dos progressos tecnológicos e as transformações sociais do
mundo globalizado nas condições de vida dos povos;
- A necessidade de estabelecer avaliações centradas no paciente e não da
doença e seus sintomas;
- Necessidade da transformação dos processos de atenção à saúde,
principalmente dos aspectos comunicacionais da relação médico-paciente;
- Necessidade de identificar os fatores que influenciam na adaptação do paciente
ao tratamento;
- Promover intervenções psicossociais que promovam o maior bem-estar possível;
- Possibilitar formas de avaliação de políticas e procedimentos alternativas às
avaliações puramente financeiras.
134
As influências teóricas apontadas pela autora para o surgimento de
indicadores de bem-estar e qualidade de vida na literatura médica e psicológica
contemporâneas seriam:
- As ciências sociais
A construção de indicadores nas ciências sociais procuraria identificar os
determinantes sociais e econômicos do bem-estar social. Esses estudos, segundo
a autora, apresentariam uma permanente divergência entre a mensuração de
fatores objetivos e apreciações subjetivas a partir de metodologias qualitativas.
Entre os fatores objetivos estariam o domínio das necessidades fisiológicas
(alimentação, água, saneamento, entre outros) e, entre os fatores subjetivos, a
necessidade emocional com outras pessoas, necessidade de adaptação social e
necessidade de realização e sentido.
- A definição de saúde da OMS
Segunda autora, a OMS foi pioneira no desenvolvimento da qualidade de
vida relacionada à saúde, através da definição de saúde contida em seus
princípios constitucionais. "Health is a state of complete physical, mental and
social well-being and not merely the absence of disease or infirmity."(WHO,1946)
Para Schwartzmann a definição era muito avançada para a época e não passou
da expressão dos desejos de seus criadores, afastando-se da prática médica e
dos critérios de avaliação das políticas de saúde.
- A investigação da felicidade
A autora aponta para os estudos psicológicos realizados na década de 50
nos EUA, que afirmavam que a felicidade era um construto psicológico possível de
ser investigado.
135
"Estudios posteriores evidenciaron la independencia de los afectos
positivos y negativos relacionados con el bienestar. Estudios como
los de Costa y Mc Crae (1980) y Abbey y Andrewes (1985)
mostraron la relación del afecto positivo con el control interno, la
tendencia a la acción, el apoyo social y la extraversión, mientras los
afectos negativos muestran mayor asociación con el estrés, la
depresión y la neurosis. La demostración por parte de los
psicólogos de que las respuesta subjetivas (sentimientos, deseos)
podían evaluarse de modo confiable y válido, a través de tests,
contribuyó a jerarquizar este campo del conocimiento y llevó al
desarrollo importante de la psicometría como soporte técnico de las
evaluaciones"( Schwartzmann, 2003:14)
A dificuldade reside em encontrar uma definição de qualidade de vida que
sirva aos propósitos de mensuração e avaliação.
Os princípios evocados para discutir as origens da noção de qualidade de
vida nos artigos estudados vão desde Platão através da ética da boa vida até os
conflitos e dificuldades do mundo globalizado. Porém, quando os pesquisadores
se defrontam com a necessidade de definir um construto que servirá a propósitos
psicométricos e estatísticos, a filosofia e a metodologia não formam uma
substância homogênea.
A tentativa de Schwartzmann em criar um modelo conceptual abrangente
que, ao mesmo tempo, ultrapassasse o modelo biomédico e proporcionasse
indicações para a melhoria da qualidade de vida da população, ilustra bem essa
estranha alquimia entre o conceito de qualidade de vida e sua mensuração.
"La verificación empírica de este modelo permitiría contar con la
evidencia científica para pasar del modelo biomédico que apunta
136
fundamentalmente a los aspectos biológicos de la enfermedad
(signos, síntomas) a un modelo integral bio-psico-social que,
además de tomar en cuenta todos los aspectos clínicos relevantes,
basados en la mejor evidencia disponible, agregue la consideración
de los factores psicosociales, a través de intervenciones que,
apuntando a mejorar el soporte social y flexibilizar mecanismos de
afrontamiento, permitan promover la mejor calidad de vida posible,
recordando la frase de Bacon con la que comenzamos este
artículo: “El oficio de la medicina no es sino tocar la curiosa arpa
que es el cuerpo humano y restituirle su armonía”. (Schwartzmann,
2003:20)
Os ideais sociais e políticos contidos na discussão filosófica em torno da
noção de qualidade de vida que permitem alusões poéticas e musicais à
pesquisadores criteriosos e positivistas, parecem se opor à operação de
esquartejamento e metrificação da vida, empreendida pela metodologia dos
estudos de HRQL.
É nessa matriz formada por psicólogos, técnicas psicométricas, medicina,
sistemas de informação em saúde e as demandas do mundo globalizado, que
surge o instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS, WHOQOL.
O WHOQOL representa a promessa de uma genuína avaliação
transcultural de qualidade de vida e que se alinha às políticas de saúde globais
desenvolvidas pela OMS durante o final da década de 90 e o início do século XXI.
137
Capítulo 6
O Projeto WHOQOL
_______________________________________________
Neste capitulo discutiremos o surgimento do instrumento de avaliação de
qualidade de vida da OMS, WHOQOL, a constituição do grupo de pesquisa que
desenvolveu o instrumento, bem como a revisão de 125 artigos indexados ao
MEDLINE onde relatam o uso ou fazem menção ao instrumento.
Como já discutimos anteriormente, nossa perspectiva não é, em momento
nenhum, discutir os aspectos metodológicos, as propriedades psicométricas ou
estatísticas do instrumento, mas sim o seu uso na construção dos discursos e
políticas da OMS e no campo da saúde internacional.
Este estudo é orientado por uma perspectiva construcionista na qual não
buscamos uma concepção representacionista do instrumento, e nem uma
definição de qualidade de vida que corresponda à realidade, mas seguir as teias
discursivas que constroem realidades, artigos, instrumentos, produção científica,
políticas e práticas a partir dos usos do WHOQOL.
É importante lembrar que o WHOQOL situa-se na perspectiva
epistemológica de avaliação de procedimentos, terapêuticas, resultados de
intervenções médicas sobre a qualidade de vida dos indivíduos. Diferentemente
da perspectiva populacional empreendida por outros instrumentos como o DALY.
Nosso argumento é que não há oposição entre essas duas perspectivas,
mas sim complementaridade , principalmente quando entendidas como estratégias
de construção de informações em saúde global.
138
6.1 A Origem e Desenvolvimento do Projeto WHQOOL
Em 1991, foi criado um grupo de trabalho na Divisão de Saúde Mental da
Organização Mundial de Saúde chamado The WHOQOL Group - World Health
Organization Quality of Life.
21
O objetivo desse grupo foi desenvolver uma
“avaliação internacional” de qualidade de vida. Entre as razões apontadas pelo
grupo para o desenvolvimento de tal projeto constam a importância de incluir a
qualidade de vida nas decisões sobre o tratamento, a aprovação de novos
medicamentos e para fornecer subsídios para avaliação das políticas e alocação
de recursos em saúde. Mas a originalidade do projeto reside no esforço de
considerar a qualidade de vida em uma perspectiva transcultural que, segundo a
OMS justifica-se pela possibilidade de realizar a pesquisa de forma colaborativa e
simultânea em diferentes culturas, o maior entendimento do próprio construto
qualidade de vida e compreender como ele é determinado individualmente,
socialmente ou culturalmente. Do ponto de vista epidemiológico o instrumento
possibilitaria identificar como a qualidade de vida, na vigência de algumas
doenças e sintomas, é afetada pelos fatores sociais e culturais.
22
O projeto também prevê a construção de um banco de dados sobre
qualidade de vida em todo o mundo, podendo contribuir consideravelmente para a
confiabilidade das informações e resultados, bem como auxiliar especialmente na
compreensão de transtornos raros quando comparados em diversas culturas e
regiões.
Os autores apontam para a existência de outros esforços para a criação de
instrumentos e medidas em diferentes culturas, mas a maioria desses projetos
está voltada para os idiomas europeus e norte americanos. O perigo desse tipo de
influência é a distorção dos resultados devido ao uso inapropriado dos construtos
21
Esta parte de apresentação do instrumento foi organizada a partir dos artigos iniciais do WHOQOL Group
que consideramos ser a base do projeto e que posteriormente terá novos desdobramentos.
22
No estudo de doenças e sintomas, os autores citam como exemplo doenças consideradas crônicas como
artrites e esquizofrenia, e sintomas de grande impacto funcional como a dor (dor nas costas e dores de
cabeça). (The WHOQOL Group, 1995)
139
de qualidade de vida, os quais são válidos para a linguagem de origem,
assumindo diferentes sentidos em outras culturas. Os autores citam o exemplo da
dimensão da autonomia: “..., autonomy is an important dimension related to quality
of life wich is valued in some cultures but has pejorative connatations of
selfishness and rejection in others.(The WHOQOL Group, 1995: 1404)
Segundo o grupo de trabalho, o desenvolvimento do WHOQOL responde a
uma necessidade de realizar uma “genuína avaliação internacional de qualidade
de vida
23
, nesse sentido a OMS iniciou esse trabalho resgatando seu
compromisso de promover uma abordagem holística da saúde e atenção em
saúde. Health care is essentially a humanistic transaction between a health care
professional and a patient, where the patient’s weel-being is the primary aim.”
(ibdem)
A metodologia adotada pelo grupo, consistiu em um processo original,
organizado a partir de três ênfases.
6.2 O Método WHOQOL
A primeira ênfase envolve o desenvolvimento do instrumento não só de
forma colaborativa, mas também simultânea. Esta seria a principal estratégia de
condução do projeto, ou seja, o instrumento deveria ser construído
simultaneamente com o objetivo reunir os “field centres
24
que representariam as
diferenças internacionais em relação à industrialização, disponibilidade de serviços
de saúde e outras influências relevantes para a mensuração da qualidade de vida
como família, percepção do tempo, religião, entre outros.
23
É interessante observar que o artigo aponta para uma demanda de construção de um instrumento de
avaliação internacional de qualidade de vida, sem contudo deixar claro que tipo de demanda seria essa. Os
textos descrevem apenas os prováveis usos do instrumento. Além disso, atribui à OMS a capacidade de
produzir uma avaliação genuína de qualidade de vida, no sentido não só do método proposto mas
principalmente pela capacidade técnica e política para empreender o projeto.
24
A tradução literal para o português seria “centros de campo”, que no sentido do projeto assume uma dupla
significação, de ser ao mesmo tempo um centro de estudo e colaboração, e também um campo de pesquisa.
140
A ênfase transcultural do trabalho resultou a reunião de especialistas de 15
países que participaram do projeto piloto (Austrália, Croácia, França, Índia, Israel,
Japão, Holanda, Panamá, Rússia, Espanha, Tailândia, Reino Unido, Estados
Unidos e Zimbábue). Os centros de pesquisa então identificaram os domínios, o
desenho e seleção das questões, gerando escalas de respostas e o teste piloto.
Este trabalho, realizado de forma colaborativa e simultânea, asseguraria a
construção de um instrumento que respeitaria as diversidades soócio-culturais
internacionais, possibilitando a escolha de domínios, facetas e respostas em um
padrão transcultural.
A segunda ênfase do método WHOQOL foi realizar uma iteração entre os
pesquisadores de qualidade de vida e a revisão das informações com a população
de cada centro, em cada etapa do desenvolvimento do instrumento. Este desenho
metodológico asseguraria que as concepções, tanto de pesquisadores quanto de
profissionais de saúde e pacientes, estariam representadas na construção do
instrumento.
Nos estudos de qualidade de vida, o ponto de vista do paciente é o
parâmetro para a aceitabilidade das medidas. Portanto a construção “participativa”
dos pacientes seria o enfoque subjetivo necessário à medida de qualidade de
vida, acrescido da percepção e aceite dos profissionais de saúde e pesquisadores,
que são os usuários finais do instrumento, procura transmitir a confiabilidade e
representatividade do método WHOQOL.
Na terceira ênfase do projeto é construído o método de tradução do
instrumento. A partir do teste piloto desenvolvido simultaneamente pelos centros
colaboradores é organizado um processo de tradução e retradução iterativa. Este
processo é realizado através de uma revisão realizada por grupos monolíngue e
141
bilíngüe com o objetivo de garantir a equivalência conceitual, semântica e técnica
nas diferentes versões idiomáticas do WHOQOL.
25
Neste quesito a OMS recorre à sua experiência na tradução de medidas e
instrumentos para avaliações em saúde internacional.
"WHO has accrued considerable experience in translating health status
measures" (WHOQOL Group, 1995: 1404)
A metodologia de tradução realizada no projeto WHOQOL é descrita em
detalhe no quadro abaixo.
Quadro 6 - Metodologia de tradução da OMS
1. Tradução por tradutor com entendimento detalhado do
instrumento.
2. Revisão da tradução por um grupo bilingüe composto
por entrevistadores, clínicos e antropólogos.
3. Revisão por um grupo monolíngue representativo da
população onde o instrumento vai ser aplicado.
4. Revisão pelo grupo bilíngue para incorporação das
sugestões do grupo monolíngüe.
5. Retrotradução por tradutor independente.
6. Reavaliação da retrotradução pelo grupo bilíngüe.
Qualquer diferença significativa é revisada
iterativamente.
Fonte: UFRGS, 2004.
Com a construção dessas três ênfases metodológicas, a OMS tinha o
objetivo não somente de construir um instrumento, mas de estruturar uma
metodologia própria, obrigatoriamente utilizada nas diversas versões e tipos do
25
Para maiores detalhes sobre a metodologia WHOQOL ver The WHOQOL Group, 1995.
142
instrumento, mas também influenciado nas metodologias de tradução e
construção de outros indicadores.(Hiro & Shima, 1996)
6.3 As fases do desenvolvimento do instrumento
O desenvolvimento do WHOQOL-100, composto por 100 questões, foi
realizado fundamentalmente em 4 fases, sendo acrescido posteriormente de mais
uma fase para a redução do instrumento e criação de uma versão abreviada,
como sintetiza o quadro abaixo.
Quadro 7 - Fases no Desenvolvimento do WHOQOL
Estágio Método Produto Objetivos
1) Clarificação do
conceito
Revisão por
experts
internacionais
- Definição de
qualidade de
vida
- Definição de
um protocolo
para o estudo
Estabelecimento de
um consenso para
uma definição de
qualidade de vida e
para uma
abordagem
internacional da
avaliação de
qualidade de vida
2) Estudo piloto
qualitativo
- Revisão por
experts -
Grupos focais
-Painel escrito
por experts e
leigos
- Definição de
domínio e
subdomínios
- Elaboração de
um conjunto de
questões
Exploração do
conceito de
qualidade de vida
através das culturas
e geração de
questões
3)
Desenvolvimento
de um Piloto
Administração
do WHOQOL
piloto em 15
centros para
250 pacientes e
50 normais
- Padronização
de um
questionário de
300 questões
Refinamneto da
estrutura do
WHOQOL. Redução
do conjunto de
questões.
4) Teste de campo
(WHOQOL-100)
Aplicação em
grupos
homogêneos
de pacientes
- Estrutura
comum de
domínios
- Conjunto de
100 questões
- Escala de
Estabelecimento de
propriedades
psicométricas do
WHOQOL.
143
respostas
equivalentes
nas diferentes
línguas
5)Desenvolvimento
do WHQOOL-
BREF
Análise dos
dados do
WHOQOL-100
Avaliação dos
26 itens
avaliados
Desenvolver uma
versão abreviada do
WHOQOL-100 para
uso em estudos
numerosos,
trabalhos clínicos e
de auditoria, quando
o uso do
questionário
completo for
impraticável.
Tabela organizada a partir de WHO, 1995 e UFRGS, 2004.
O primeiro passo era construir uma definição de qualidade de vida que
operacionalizasse a possibilidade de uma avaliação internacional. Como não há
consenso sobre uma única definição de qualidade de vida, a OMS empreendeu a
criação de uma definição que seguisse as seguintes premissas:
1- O reconhecimento que qualidade de vida é um construto subjetivo.
Haveria condições objetivas (ex. recursos materiais) e subjetivas (ex.
satisfação com os recursos) quanto a qualidade de vida. No entanto, a OMS
enfatiza o viés da percepção do indivíduo, atribuindo a essa escolha um status
subjetivo ao instrumento. Isto é, o instrumento parte de uma distinção entre
objetividade do funcionamento/comportamento, avaliação sobre
funcionamento/comportamento e satisfação quanto ao
funcionamento/comportamento, todas construídas a partir da percepção do
indivíduo.
144
Os três níveis de percepção do indivíduo podem ser melhor compreendidos
a partir dos seguintes itens extraídos do WHOQOL-100
26
:
F3.2 Você tem alguma dificuldade para dormir (com o sono)?
nada muito pouco mais ou menos
bastante extremamente
1 2 3 4 5
F3.1 Como você avaliaria o seu sono?
Muito ruim ruim nem ruim
nem bom
Bom muito bom
1 2 3 4 5
F3.3 Quão satisfeito(a) você está com o seu sono?
muito
insatisfeito
insatisfeito nem satisfeito
nem
insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
2- A natureza multidimensional e universal da qualidade de vida
Seguindo a definição de saúde da OMS e os estudos sobre qualidade de
vida, o WHOQOL Group determinou 6 dimensões (ou domínios) que deverão
organizar o instrumento e as facetas de cada domínio.
26
Todos os exemplos citados ao longo do trabalho estão baseados na versão brasileira do WHOQOL-100
(Fleck, 1999) ANEXO I
145
Quadro 8 - DOMÍNIOS E FACETAS DO WHOQOL
Domínio
físico
1. Dor e
desconforto
2. Energia e
fadiga
3. Sono e
repouso
Domínio
psicológico
4. Sentimentos
positivos
5. Pensar,
aprender,
memória e
concentração
6. Auto-estima
7. Imagem
corporal e
aparência
8. Sentimentos
negativos
Domínio Nível
de
Independência
9. Mobilidade
10. Atividades
da vida
cotidiana
11.
Dependência
de medicação
ou de
tratamentos
12.
Capcacidade
de trabalho
Domínio
Relações
sociais
13. Relações
pessoais
14.Suporte
(Apoio) social
15. Atividade
sexual
Domínio
Ambiente
16. Segurança
física e proteção
17. Ambiente no
lar
18. Recursos
financeiros
19. Cu
idados de
saúde e sociais:
disponibilidade e
qualidade
20.
Oportunidades
de adquirir
novas
informações e
habilidades
21. Participação
em, e
oportunidades
de
recreação/lazer
22. Ambiente
físico:
(poluição/ruído/
trânsito/clima)
23. Transporte
Domínio
Aspectos
espirituais-
Religião-
Crenças
pessoais
24.
Espiritualidad
e / religião
/crenças
pessoais
Esses domínios e facetas foram construídos através do estudo piloto
qualitativo, onde foram formados grupos focais, moderados pelos pesquisadores
de cada centro de pesquisa. Cada grupo focal reuniu indivíduos saudáveis,
doentes ou portadores de incapacidades e profissionais de saúde, com o objetivo
de gerar idéias e perguntas sobre qualidade de vida.
146
Para garantir a padronização entre os diversos centros, o grupo de
pesquisadores-moderadores dos grupos focais foi treinado na sede da OMS em
Genebra.
A partir da realização dos grupos focais foi produzido em cada centro um
conjunto de questões sobre cada domínio e faceta gerando ao todo cerca de
1.000 questões que sofreram um trabalho de redução por similaridade dos
conteúdos e a partir da importância para a cultura pesquisada, permitindo a
composição de 235 questões.
Os critérios para elaboração das questões foram:
Quadro 9 - Critérios para as questões do WHOQOL
§ Basear-se tanto quanto possível nas sugestões dos pacientes e
profissionais de saúde participantes dos grupos focais.
§ Proporcionar respostas que esclareçam acerca da qualidade de vida dos
respondentes, como definida pelo projeto.
§ Refletir o significado proposto pela definição das facetas.
§ Cobrir em combinação com outras questões para uma dada faceta, os
aspectos chaves de cada faceta como descritas na definição das facetas.
§ Usar linguagem simples, evitando ambigüidade nas palavras e frases.
§ Preferir questões curtas em relação às longas.
§ Evitar duas negações.
§ Serem compatíveis com uma escala de avaliação.
§ Explorar um só problema por faceta.
§ Evitar as referências explícitas em relação a tempo ou outro termo de
comparação (p.ex. o ideal, ou antes de eu estar doente).
§ Ser aplicável a indivíduos com vários graus de disfunção.
§ Ser formuladas como questões e não como afirmações.
§ Refletir a tipologia das questões adotadas no projeto.
Fonte: WHOQOL Group, 1994
A contribuição de cada centro de pesquisa para a construção das 235
questões selecionadas está disposta no gráfico abaixo:
147
Gráfico 3 - Contribuição de Questões para o WHOQOL
0
10
20
30
40
50
60
70
Croa Hol Austra Pan EUA Ind Fran Tail Zim UK Rus WHOQOL
Todo esse esforço de construção de questões, discussão e redução dos
itens, tinham o objetivo de produzir um instrumento originalmente transcultural,
agregando aos domínios e facetas propostos à formulação de perguntas que
representassem a especificidade cultural de cada centro.
Uma vez construídas as questões, essas foram reduzidas em busca de
uma universalização orientada pelos domínios e facetas.
Isto quer dizer que, tão logo as questões foram propostas, as
especificidades locais, regionais e culturais se pulverizaram em favor da produção
daquilo que é idêntico, semelhante e igual.
Longe de ser um instrumento que se constrói a partir das singularidades
culturais/sociais, o WHOQOL é uma proposta de mensuração da universalidade
de crenças e valores sobre qualidade de vida.
Os domínios seriam então uma representação universal dos valores
mínimos sobre qualidade de vida em diversas culturas.
148
"We have argued elsewhere that the broad physical, psychological,
social and spiritual domains of quality of life are universal values
across cultures, and there is some evidence that is so." (WHOQOL
Group, 1994: 1405)
3 - Qualidade de vida inclui dimensões positivas e negativas da saúde
O grupo de trabalho determina que o construto qualidade de vida deve
incorporar as dimensões positivas e negativas da saúde tais como funcionamento,
satisfação e mobilidade de um lado, e sentimentos negativos, dependência de
medicamentos, fatiga e dor, por outro.
Em cada dimensão será abordada uma face negativa e positiva relativa a
qualidade de vida.
F2.3 Quão satisfeito(a) você está com a energia (disposição) que você tem?
muito
insatisfeito
Insatisfeito nem satisfeito
nem
insatisfeito
satisfeito
muito satisfeito
1 2 3 4 5
F2.2 Quão facilmente você fica cansado(a)?
nada muito pouco mais ou menos
bastante extremamente
1 2 3 4 5
Em função dessas três diretrizes - qualidade de vida como um construto
subjetivo, universal, multidimensional, envolvendo aspectos positivos e negativos -
o WHOQOL Group definiu qualidade de vida comoa percepção do indivíduo de
sua posição na vida no contexto da cultura e sistema de valores nos quais ele
vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.
(Fleck, 2000:34)
149
Quando detalhamos os critérios e metodologias que estruturaram o Projeto
WHOQOL, parece difícil perceber as semelhanças entre a sua estratégia e valores
quanto à avaliação e mensuração de qualidade de vida e a definição adotada pelo
grupo. Aliás, como temos observado desde o início deste trabalho, não há uma
relação obrigatória, não há uma aproximação, mas uma ruptura irreparável entre a
discussão e conceituação acerca da noção de qualidade de vida, sua promoção e
sua visibilidade, e as estratégias utilizadas para mensurá-la, quantificá-la e
compará-la internacionalmente.
Nesta definição de qualidade de vida proposta pelo WHOQOL há uma
ênfase no enfoque subjetivo, a partir unicamente da idéia que a percepção do
paciente seria suficiente para assegurar, entres os itens propostos e sua escala de
valores, a "real" visão do sujeito a partir dos "seus objetivos, expectativas, padrões
e preocupações ".
Ora, aquilo que é oferecido como sendo a percepção do sujeito sobre a sua
qualidade de vida, é uma construção universal, minuciosamente edificada a partir
de consensos multicêntricos, sobre aquilo que o mundo "percebe" globalmente
como sendo qualidade de vida.
Parece estar em construção uma nova genealogia da percepção, para
utilizar uma expressão foucaultiana. Uma genealogia da percepção através da
mensuração de qualidade de vida global, construída por indicadores que
pretendem produzir uma percepção globalizada e universal de qualidade de vida.
Tal como nos artefatos psicométricos, o WHOQOL seria uma objetivação
das percepções e comportamentos dos sujeitos relativos à qualidade de vida, que
em última análise, ratificam, justificam, avaliam e indicam procedimentos,
terapêuticas e doenças.
150
A OMS, através do WHOQOL Group, criou mais quatro instrumentos: O
WHOQOL-BREF (instrumento abreviado que consiste em 26 questões),
WHOQOL-HIV/AIDS, WHOQQOL-SRPB (Avaliação de qualidade de vida no
domínio da espiritualidade/religiosidade/crenças pessoais), WHOQOL-PAIN
(Qualidade de Vida frente à dor) e WHOQOL-OLD (voltado para a terceira idade).
Todos os instrumentos são disponibilizados gratuitamente pelos centros de
pesquisa cadastrados pela OMS, solicitando apenas o envio dos resultados para
sua inclusão na base de dados, visando aperfeiçoamento do instrumento e a
realização de análises globais.
"O WHOQOL-100 e o WHOQOL-bref são uma propriedade da
Organização Mundial da Saúde. Apesar disso, os leitores podem
usar e copiar o questionário. Os usuários devem ser lembrados de
que, usando o WHOQOL-100 e o WHOQOL-bref, não devem
modificar as orientações, questões e "layout" de nenhuma forma.
Os usuários são estimulados a informar à equipe do projeto
quando usarem os instrumentos em ensaios clínicos e avaliações.
Também são estimulados a enviar seus dados ao coordenador do
projeto que irá, por sua vez, enviar os dados à OMS para uma
análise global."(UFRGS, 1998)
Esse grupo se estruturou na OMS como criador/fornecedor de
instrumentos de avaliação de qualidade de vida relacionada à saúde, ampliando
cada vez mais seu público-alvo com a criação de instrumentos específicos como o
WHOQOL-HIV/AIDS e outros. O grupo acredita que os instrumentos podem ser
utilizados com diversos fins: Para auxiliar a prática médica e melhorar a relação
médico-paciente, avaliando a efetividade e repercussões de diferentes
151
tratamentos, na avaliação de serviços de saúde, na pesquisa e na formulação de
políticas.
Além de avaliar e orientar procedimentos e sistemas de saúde em todo o
mundo, OMS oferece produtos para os mais variados fins e doenças, atendendo
aos interesses de médicos, gestores, pesquisadores e formuladores de políticas. A
medida de qualidade de vida pode servir, nesta perspectiva, como um indicador
que concebe a saúde de forma multidimensional, determinando a variável mais
relevante em uma doença e ainda teria a vantagem de ser comparável
mundialmente.
Com essa estratégia, a OMS ratifica sua posição na disputa pelo mercado
de construção de evidências para a saúde no cenário mundial, formatando
informações e métodos de avaliação em saúde para gestores, profissionais e
indústrias da saúde.
6.4 Os Usos do WHOQOL na literatura médica
Ao realizar uma análise dos resumos de 125 artigos publicados entre 1996
e 2004, procuramos identificar os principais usos que o WHOQOL têm
apresentado na literatura médica, através do MEDLINE. Ao inscrever WHOQOL
como palavra-chave por assunto identificamos 125 artigos que utilizam algum dos
instrumentos WHOQOL ou fazem menção ao mesmo.
É patente o aumento do uso do instrumento a partir de 2001, uma vez que o
primeiro instrumento, WHOQOL-100, foi disponibilizado em 1995.
152
Gráfico 4 - Artigos Publicados no Medline com WHOQOL
0
5
10
15
20
25
30
35
40
Artigos
5 0 9 13 11 9 17 23 37
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Ao identificar a freqüência de artigos por nacionalidade, observamos uma
grande concentração dos trabalhos no Reino Unido, Taiwan, China e Holanda,
totalizando 35% dos trabalhos publicados utilizando o WHOQOL.
153
Gráfico 5 - Distribuição dos artigos por países
0
5
10
15
20
25
UK
Taiw
Chi
Hol
Ale
Bra
WHOQOL
Ind
Jap
Aust
Isr
Rus
Sui
EUA
Croa
Fran
Ita
Nz
Tur
Cor
Din
Mal
Nig
Outros
Esses dados coincidem com as atividades dos centros de pesquisa que
participaram do projeto piloto do WHOQOL Group, marcando a liderança do grupo
do Reino Unido, em especial a Universidade de Bath, na utilização do instrumento.
Outro dado relevante é a quase inexistência de artigos publicados pelos
diretores do projeto. Ao buscar pelo nome de J. Orley (Diretor do projeto) e de
seus assistentes W. Kuyken, N. Sartorius e M. Power, encontramos apenas 2
artigos relacionados ao WHOQOL, apesar de terem diversos trabalhos sobre
qualidade de vida indexados ao MEDLINE.
Acreditamos que a nomeação desses pesquisadores para a direção do
WHOQOL deve-se a questões políticas internas à OMS, como é o caso do
psiquiatra inglês John Orley, (Diretor do Projeto WHOQOL) membro da Divisão de
154
saúde Mental da OMS ; e também à possibilidade de influências acadêmicas e
políticas externas, como é o caso de croata Norman Sartorius (assistente) que foi
Presidente eleito da Associação Mundial de Psiquiatria e Diretor da Divisão de
Saúde Mental da OMS até 1999, além de possuir um extenso currículo ligado à
avaliação em saúde mental internacional.
Willem Kuyken e Mick Power são psicólogos clínicos ingleses,
especializados em processos cognitivos-comportamentais, não possuindo um
histórico anterior como membros de algum departamento ou consultoria na OMS.
No projeto WHOQOL ocuparam a função de assistentes.
É interessante notar que as publicações que têm como autor o WHOQOL
Group, onde encontramos apenas seis artigos, concentram-se nos anos de 1996 e
1998, quando os instrumentos estavam sendo apresentados e divulgados. No
início do projeto parecia haver uma decisão política de nomear o esforço
internacional de criação e desenvolvimento do instrumento, identificando-o a um
projeto da OMS que posteriormente se concentrou em alguns grupos de pesquisa,
como é o caso do grupo inglês e holandês.
Procuramos identificar também os pesquisadores de cada centro de
pesquisa, participantes do projeto piloto do WHOQOL, e localizá-los na autoria dos
artigos estudados.
155
Gráfico 6 - Trabalhos Publicados pelos centros participantes do projeto
piloto do WHOQOL Group
0
2
4
6
8
10
12
14
UK Holanda Índia Israel Austrália Croácia França Japão EUA Zimbabue Panamá Rússia Espanha Tailândia
Nos chama atenção que alguns pesquisadores não publicaram um único
artigo e outros apenas um ou dois artigos como é o caso de centros de pesquisa
como a Croácia, França, Japão, EUA e Zimbábue (com no máximo dois artigos), e
Panamá, Rússia, Espanha e Tailândia (sem nenhum artigo).
Ao compararmos os gráficos 5 e 6, podemos perceber o surgimento de
países que iniciam os estudos com o WHOQOL como o Brasil, Taiwan, China e
Alemanha, e que não fizeram parte do projeto piloto.
6.5 A Estrutura dos Artigos sobre o WHOQOL
Os artigos estudados apresentam a formatação clássica exigida nos papers
científicos da área médica, com a determinação clara dos objetivos e com a
identificação das variáveis envolvidas, o detalhamento da amostra e instrumentos
utilizados, bem como o tratamento estatístico da análise dos dados e os
resultados matematicamente apresentados através de gráficos e tabelas.
Na maioria dos artigos é justificada a utilização de indicadores de qualidade
de vida como uma abordagem complementar aos tradicionais ensaios clínicos,
156
sendo crescentemente utilizada no campo das avaliações terapêuticas e da
percepção dos pacientes sobre a sua qualidade de vida.
Na maioria dos trabalhos o WHOQOL é utilizado ao lado de outros
indicadores, em especial o SF-36 e o HAQ, onde as análises de qualidade de vida
são complementares às análises funcionais. O WHOQOL ainda não é um
indicador de saúde hegemônico, e é visto pela literatura como uma medida
complementar aos demais indicadores.
Os resultados são apresentados em forma de gráficos e tabelas, após
tratamento estatístico e psicométrico, demonstrando o escore obtido por cada
domínio, como ilustrado nos gráficos abaixo:
Gráfico 7 Escore do WHOQOL 100 em 6 grupos de doenças
Fonte: Hasanah & Razali, 1999.
157
Gráfico 8 Qualidade de Vida Global em 1999
Fonte: Skevington, 2004.
O gráfico acima demonstra um estudo recente decorrente do acúmulo de
dados com a utilização do WHOQOL em diversas partes do mundo. O estudo, já
aderindo à noção de "Global Health", procura estabelecer uma comparação da
qualidade de vida em grandes regiões do globo, totalizando 11.830 respondentes.
A autora desse artigo, a inglesa Suzanne Skevington da Universidade de
Bath, é uma das principais pesquisadoras que atualmente utilizam o WHOQOL,
disponibilizando inclusive um site onde é possível responder o WHOQOL-BREF
online e obter seus resultados
27
.
27
Voltaremos à relação entre WHOQOL e Global Health mais adiante.
Para consultar o WHOQOL online ver http://www.bath.ac.uk/whoqol/questionnaires/brefonline.cfm e Anexo
II.
158
6.6 Classificação dos trabalhos utilizando o WHOQOL
Procuramos criar uma classificação dos trabalhos relacionados ao
WHOQOL, a partir da identificação do principal objeto de estudo em cada artigo, o
periódico no qual ocorreu a publicação, o ano de publicação e os instrumentos
envolvidos na pesquisa. Nosso interesse foi seguir os usos que o campo da saúde
tem produzido com o instrumento.
Gráfico 9 Classificação dos trabalhos utilizando WHOQOL
0
10
20
30
40
50
Doença Método Tradução Terap Social Outros
Doença
Os trabalhos classificados como doença foram aqueles que realizaram a
aplicação do WHOQOL para avaliar a qualidade de vida dos indivíduos na
vigência de doenças e agravos à saúde. As doenças reumatológicas e crônicas
foram as que obtiveram a maior freqüência de artigos, seguidas das doenças
mentais.
É importante notar que os trabalhos apresentam apenas escores de
qualidade de vida classificados pelos domínios, como foi demonstrado acima, e
que em nenhum momento apresentam propostas ou diretrizes para promover a
qualidade de vida dos sujeitos que sofrem dessas doenças.
O objetivo é obter mais uma informação sobre a doença além dos dados
morfológicos, clínicos e funcionais. Dificilmente, os dados apresentados dessa
159
forma irão possibilitar a modificação da relação médico-paciente ou influenciar
políticas de atenção à saúde como pretendia originalmente o projeto WHOQOL.
Essa categoria representou 40% dos artigos estudados, tornando claro que
ainda está muito distante a utilização do WHOQOL para avaliação de
procedimentos e terapêuticas, apesar de ainda ser muito cedo para avaliar as
possibilidades de difusão do instrumento na área clínica.
Na categoria doença, identificamos alguns estudos de comparação da
avaliação de qualidade de vida entre duas doenças. Nos seis artigos identificados
a comparação era entre uma doença orgânica crônica, como diabetes com
reposição de insulina, e uma doença mental, geralmente a esquizofrenia
controlada pelo uso regular de medicamentos.
A intenção era demonstrar a proximidade entre a qualidade de vida de
indivíduos que sofrem de doenças crônicas controladas pelo uso regular de
medicamentos, e de pacientes com transtornos mentais severos também fazendo
uso de medicamentos.
Um dos usos do instrumento apontaria então para uma nova forma de
medicalização do campo da saúde. Por um lado, mantido agora de forma
subjetiva, a partir da percepção dos indivíduos, o principal alvo de estudo e
intervenção: a doença. Por outro, monitorando e regulando as repercussões
sobre a qualidade de vida através de medicações.
Outro trabalho identificado, publicado pelo WHOQOL Group, tinha o
objetivo de avaliar a qualidade de vida de pacientes HIV/AIDS em 7 países
(Austrália, Brasil, Itália, Tailândia, Ucrânia e dois centros na Índia: Bangalore e
Nova Deli).
160
Este trabalho parece concretizar um dos principais usos pretendidos pelo
instrumento. Uma comparação do impacto de doenças sobre a qualidade de vida
em diversas culturas.
Método
Esta classificação obedeceu aos critérios de identificação a respeito de
discussões e apresentações metodológicas do instrumento. Também foram
encontrados esforços de adaptação do WHOQOL à especificidades institucionais
ou terapêuticas.
Há na literatura uma extensa produção metodológica em torno dos
instrumentos de qualidade de vida, desde revisões dos métodos de tradução até
critérios de universalidade do construto de qualidade de vida.
Chama a atenção, uma linha de estudos metodológicos não só ligada ao
WHOQOL mas à maioria dos instrumentos de qualidade de vida, preocupada na
construção de métodos que possibilitem a avaliação transcultural de qualidade de
vida.
Apenas em relação ao WHOQOL encontramos 6 artigos que tratam
especificamente do problema dos métodos transculturais.
Tradução
Os artigos classificados com o rótulo tradução, foram aqueles que
realizaram o processo de tradução do instrumento para os seus idiomas. Ao todo
foram 18 versões de instrumentos, principalmente o WHOQO-100 e o WHOQOL-
BREF.
161
O processo de tradução pode indicar a difusão e aceitabilidade do
instrumento em todo o mundo. Dados de pesquisadores ligados ao WHOQOL
Group apontam para a utilização do WHOQOL em 40 países e a tradução dos
instrumentos em aproximadamente 50 idiomas (Skevington, 2004). Esses
trabalhos não foram encontrados na revisão realizada no MEDLINE.
Terapêutica
Os artigos selecionados com esta classificação têm o objetivo de avaliar o
impacto de um tratamento sobre a qualidade de vida de indivíduos doentes. A
estratégias terapêuticas identificadas nos artigos são as mais diversas. Desde o
uso de antidepressivos na atenção básica até o impacto do uso de métodos
contraceptivos em mulheres, não observamos uma tendência para avaliação de
medicamentos ou procedimentos médicos. Observamos que 3 artigos
pesquisaram o tratamento ligado ao HIV/AIDS e outros 3 tiveram como objeto a
hemodiálise e o transplante renal. Encontramos também estudos que trataram das
terapêuticas do câncer e da diabetes.
Neste sentido o uso do WHOQOL para a avaliação das estratégias
terapêuticas parece seguir o mesmo público-alvo dos trabalhos que foram
classificados como Doença: os portadores de doenças crônicas.
Social
Classificamos como social aqueles trabalhos que tiveram como objetivo da
pesquisa, sujeitos que não eram portadores de uma doença específica, mas
encontravam-se em condições sociais que poderiam comprometer sua saúde ou
sobre condições de exclusão social. São casos como a qualidade de vida de
refugiados iranianos na Suécia, moradores da zona rural chinesa após serem
afetados por um terremoto, presidiárias na Irlanda, cuidadores de portadores de
HIV/AIDS e mães de crianças hospitalizadas.
162
São usos que se distinguem do padrão que encontramos nos estudos de
qualidade de vida e apontam para uma direção que se distancia da doença e seu
tratamento. A preocupação com as redes de suporte social, com as condições de
vida e as conseqüências de desastres naturais e situações de exclusão social, são
objetos que indicam novos campos de investigação em HRQL e que, de alguma
forma, denunciam formas de opressão e condições de vida desfavoráveis à saúde
e a qualidade de vida dos indivíduos.
Esses estudos, podem possuir alguma relação com o uso ético oculto nos
indicadores de qualidade de vida apontado por Armstrong (2004). Isto é, os
indicadores abordariam questões sociais e políticas importantes para o campo da
saúde e fora dele, apontando para uma dimensão ética no uso dessas medidas.
Outros
Essa classificação procurou agrupar as classificações que obtiveram uma
ocorrência pouco expressiva frente às demais categorias. Foram artigos que
trataram da avaliação da qualidade de vida entre trabalhadores de saúde, na
atenção primária, na reabilitação e frente aos custos do tratamento da
esquizofrenia.
6.7 A OMS e o WHOQOL Group atualmente
Atualmente o Projeto WHOQOL possui 39 centros de pesquisa envolvidos
com a aplicação e desenvolvimento dos instrumentos WHOQOL.
163
Quadro 10 Centros de Pesquisa sobre WHOQOL
Como vimos anteriormente, a produção de pesquisas utilizando o
WHOQOL não apresenta uma uniformidade em relação aos centros de pesquisa,
mas uma grande concentração de trabalhos em alguns centros. O que significa
questionar a atividade de muitos dos centros de pesquisa discriminados acima.
Mais importante que produzir trabalhos sobre o WHOQOL, é estimular a
versão do instrumento em diversos países e idiomas, possibilitando análises
transculturais.
Ao longo da pesquisa, tentamos entrar em contato com o grupo de trabalho
do WHOQOL na OMS em Genebra através de e-mail. Foi curioso perceber que o
Alemanha
Arábia Saudita
Argentina
Austrália
Brasil
Bulgária
Canadá
China
Coréia
Croácia
Dinamarca
Egito
Eslováquia
Espanha
Estônia
EUA
França
Grécia
Holanda
Hong-Kong
Hungria
Índia
Israel
Itália
Japão
Lituânia
Malásia
Noruega
Panamá
Paquistão
Polônia
Reino Unido
República Tcheca
Rússia
Suécia
Tailândia
Turquia
Zâmbia
Zimbábue
Fonte: WHO, 2003.
164
e-mail institucional para contato com o grupo de pesquisa, disponibilizado em
documentos e artigos até 1998, não existia mais. Todas as mensagem enviadas
retornaram.
Outra tentativa de identificar o estado atual do WHOQOL Group na OMS foi
realizada através de contatos com membros da OMS em Genebra, que, também
curiosamente, nunca ouviram falar do instrumento e nem da existência de tal
grupo de trabalho. Cabe aqui observar que a sede da OMS em Genebra é imensa,
organizada em diversos departamentos e programas, o que poderia ser
"compreensível" o desconhecimento sobre o WHOQOL.
Portanto, essa dificuldade em contatar o grupo de pesquisa, passou a
operar como um forte indício de que a gerência do projeto não se encontra mais
na sede da OMS em Genebra. E por outro lado, o WHOQOL permanece vivo e
atuante nos diversos centros colaboradores.
Alguns dados bastante significativos apontam para o distanciamento da
sede da OMS em relação ao projeto WHOQOL.
1- A ausência de publicações de autoria do WHOQOL Group desde 1998.
28
2- A última atualização da página de apresentação do WHOQOL no site da OMS é
de 1998.
3- Não há qualquer indicação na página da OMS ou na Divisão de Saúde Mental
da OMS sobre o WHOQOL. Apenas encontramos referências na página de
publicações, onde são disponibilizados os instrumentos e seus manuais de
aplicação em PDF.
4- No departamento de pesquisa e evidência da OMS, onde são apresentados os
indicadores utilizados pela agência, não há qualquer referência ao WHOQOL.
28
A autoria do WHOQOL Group é reconhecida como um único autor (WHOQOL Group) sem identificação
de nacionalidade.
165
Observamos uma apropriação dos instrumentos WHQOOL de forma
descontínua e localizada. Ou seja, não há atualmente uma condução coordenada
e centralizada do projeto pela OMS. O grupo de trabalho denominado WHOQOL
Group, se ainda existe, não exerce atualmente qualquer influência sobre os usos
do instrumento e seus desdobramentos.
Identificamos que na Europa ocorrem dois movimentos localizados e não
necessariamente coordenados, que a partir do WHOQOL tem produzido trabalhos,
metodologias e propostas alinhadas com o desenvolvimento de estratégias de
avaliação transcultural de qualidade de vida.
O primeiro é organizado pela Universidade de Bath, através da psicóloga
inglesa Suzanne Skevington. A Universidade mantêm uma forte linha de pesquisa
sobre a aplicação e discussão dos instrumentos WHOQOL, além de possuir uma
extensa produção científica sobre o assunto.
Este texto de apresentação da página da Universidade de Bath dedicada à
linha de pesquisa, ilustra a importância do projeto para a Universidade, bem como,
legitima suas atividades veiculando-as à sede da OMS.
"What does quality of life mean to you? Is there universal
agreement about its meaning, or is it culturally defined? Can you
measure it, and if so, what is the best way to do this? Is it a single
idea or concept, and if not, do people agree about which
dimensions of quality of life are important? These and many other
questions have become the basis for over a decade of research on
the WHOQOL project carried out in the WHO Centre for the Study
of Quality of Life at University of Bath, through a collaboration set
up by the World Health Organisation, Geneva (Division of Mental
Health)." (University of Bath, 2004)
166
A ênfase no significado universal de qualidade de vida e sua possibilidade
de mensuração estão presentes logo na apresentação do projeto.
O site também disponibiliza as versões inglesas dos instrumentos
WHOQOL, indica os centros de pesquisa sobre WHOQOL em diversas partes do
mundo, responde à perguntas sobre o uso do instrumento, apresenta a equipe de
pesquisa e cadastra pesquisadores interessados no instrumento.
O segundo movimento identificado é o Projeto EUROHIS, organizado pelo
Escritório Regional da OMS para a Europa. O "European Health Interview
Surveys" (EUROHIS) tem como principal objetivo desenvolver e promover o uso
comum de instrumentos de avaliação em saúde na Europa.
O EROHIS pretende recomendar instrumentos comuns para a realização
dos inquéritos nacionais de saúde, bem como, a padronização das informações
dos sistemas nacionais de saúde em toda a Europa para comparação
transcultural. (Nasikov & Gudex, 2003)
"At the European level, the political impetus for such cross-national
comparisons comes from the European unification process, which
calls for common standards of documentation and intervention in
several areas of public concern, including health-related issues. A
well known example at the global level is the The world health
report 2000."(Bullinger, 2003:1)
Neste projeto, o WHOQOL e sua metodologia têm sido utilizados como uma
das referências para o desenvolvimento do EUROHIS, que também incluem
pesquisadores que fizeram parte do Projeto WHQOOL, como Mick Power,
assistente da direção do WHOQOL Group, e Monika Bullinger, membro do grupo
de consultores do WHOQOL e ex-presidente da ISOQOL.
167
Neste sentido, o WHOQOL parece ser uma etapa fundamental para o
desenvolvimento de métodos de construção de evidências transculturais em
saúde, com o objetivo de criar bases para o monitoramento, gerenciamento e
orientações para as políticas de saúde globais.
A existência de centros de pesquisa em torno do WHOQOL pode ser útil
para a difusão de métodos, informações e idéias buscando o desenvolvimento de
ações globais em diversos países simultaneamente.
A experiência da unificação européia parece transbordar os limites da
unificação econômica, exercendo influências significativas sobre a cultura, a
política e também os sistemas de saúde.
Esse movimento ilustra bem a atual política da OMS: criar estratégias de
homogeneização das informações, indicadores e avaliações para
acompanhamento e o estabelecimento de políticas globais. Isso explicaria também
o crescente interesse na construção de métodos de avaliação transcultural em
saúde, viabilizando a produção de evidências, na qual o WHOQOL tem um papel
pioneiro e estratégico.
168
Considerações Finais
______________________________________
"Quando, nos dias de hoje, um jornal propõe uma pergunta aos
seus leitores, é para pedir-lhes seus pontos de vista a respeito de
um tema sobre o qual cada um já tem sua opinião: não nos
arriscamos a aprender grande coisa. No século XVIII, se preferia
interrogar o público sobre problemas para os quais justamente
ainda não havia resposta. Não sei se era mais eficaz: era mais
divertido." (Foucault, 2000:335)
Neste trabalho, empreendemos um processo de construção/desconstrução
da noção de qualidade de vida a partir das estratégias de políticas de saúde
globais empreendidas pela OMS, tendo em vista a trajetória, o desenvolvimento e
os usos do WHOQOL.
Neste momento seria importante reunir os principais argumentos, reflexões
e indícios desenvolvidos na tese para proceder uma discussão sobre as relações
entre qualidade de vida e seu repertório retórico no cenário sanitário internacional,
no campo científico da produção de indicadores de saúde e nos discursos e
práticas médicos.
Os usos da noção de qualidade de vida nos últimos trinta anos apontam
para uma dimensão avaliativa da organização social e econômica do mundo
globalizado, que reúne sobre a rubrica qualidade de vida noções como
desenvolvimento humano, condições de vida e outras. Este uso está centrado em
estratégias de governamentalidade que organizam, metrificam, detalham e
preparam o solo de evidências populacionais para a formulação e planejamento
de políticas e ações globais.
169
É nessa matriz dos processos de globalização que o sentido dominante de
qualidade de vida se impõe em nossa pesquisa. Nos modelos de globalização
hegemônica, como definidos por Boaventura Santos, a necessidade da construção
de evidências universais que apagam a diversidade cultural, reunindo em uma
mesma tribo da "aldeia global" as dimensões da vida que nos fazem irmãos
idênticos em necessidades, valores e ideais.
Podemos considerar qualidade de vida como a construção de uma medida
global, que é instituída pelos países desenvolvidos, pelas agências internacionais,
pela comunidade de ajuda ao desenvolvimento, pela medicina e pela economia,
como uma estratégia retórica para influir nas políticas e organização dos estados
nacionais.
Como recuar frente a evidências universais ? Como não operar uma política
que em outros países elevaram os indicadores de qualidade de vida ? Como ser
um mercado atraente aos investimentos transnacionais com escores de qualidade
de vida tão inferiores ?
Qualidade de vida torna-se então uma noção que prepara, que possibilita,
ações de governo globais. São estratégias de governamentalidade que procuram
monitorar a vida não apenas no interior das famílias e dos estados, mas também
globalmente.
A OMS, durante a gestão Gro-Brundtland, atenta aos repertórios políticos e
científicos em jogo nos processos de globalização, empreende uma avaliação
global dos sistemas nacionais de saúde, ranqueando suas performances e
tentando legitimar seu espaço de influência sobre as políticas e programas
nacionais de saúde.
170
O recado do referido relatório da OMS não é dirigido apenas para os
estados-membros, mas principalmente para a comunidade internacional, tentando
produzir uma impressão sobre sua supremacia técnica e política como uma
agência especializada das Nações Unidas.
Junto com essa estratégia, a OMS aprende o jogo e a linguagem da
globalização, e se abre para parcerias com empresas privadas, captação de
recursos para o financiamento de programas de impacto global, dialoga com os
interesses da comunidade internacional, produz novos consensos sanitários
internacionais, ao mesmo tempo em que direciona suas ações para os países
pobres e em desenvolvimento.
A OMS, como já mencionamos, se insere então no campo político
denominado Global Health, regulado pelas relações entre globalizações e saúde.
A distinção retórica entre internacional e global se impõe de forma
contundente quando identificamos políticas internacionais como a cooperação
técnica, política e econômica entre países, onde os estados nacionais são os
principais atores dessa arena de negociação. Quando falamos de políticas globais
estamos identificando uma arena de negociação transnacional, sem identidade,
onde os principais atores-mediadores da relação entre os estados são as agências
e organizações transnacionais, que impõem uma ordem política, econômica e
cultural hegemônica. Apesar de utilizarem o adjetivo global em suas avaliações,
políticas e ações, o foco de intervenção continua sendo os países pobres e em
desenvolvimento.
Essa estratégia regulatória e hegemônica de governamentalidade tomam
dimensões sofisticadas quando aplicadas à medicina e às políticas de saúde.
Em nossos estudos procuramos evidenciar o uso de indicadores de
qualidade de vida, que, por um lado, prometem a melhoria da relação médico-
171
paciente, a avaliação da saúde a partir de uma perspectiva holítistica e subjetiva,
centrada no sujeito e não na doença; e por outro, reifica a doença como a unidade
de avaliação universal da medicina nos estudos de qualidade de vida onde a
doença é o principal objeto.
Atentar para a qualidade de vida durante a vigência de doenças e suas
limitações, mesmo em uma perspectiva multidimensional, não significa a criação
de novas políticas que empreendam um sentido ético, estético e humano no
cuidado em saúde. Pelo contrário, a medida de qualidade de vida, como nosso
estudo demonstra, é apenas mais um indicador na avaliação clínica de doenças e
na prescrição de procedimentos e terapêuticas.
Talvez a qualidade de vida em saúde represente um "retorno" ao método
clínico da medicina do século XVIII, ampliando as variáveis de observação do
fenômeno doença, onde a qualidade de vida é mais um dos "sintomas percebidos
pelo olhar". E também uma representação de uma nova anatomia-patológica, que
ao invés da dissecação e esquartejamento dos cadáveres, agora realiza uma
minuciosa operação da dissecação da vida, esquartejando e medindo dimensões,
facetas e itens.
É claro que essa perspectiva não é exclusiva da medicina mas de toda
ciência moderna, que a partir do mecanicismo do século XVIII concebe a vida
como um grande complexo mecânico-analítico onde o entendimento das partes de
um fenômeno, em sua objetividade, possibilitaria a compreensão da sua
totalidade. (Luz, 1988)
"Os esforços de legitimação da visão cientifica do mundo e da
visão médica da saúde são paralelos. A ciência legitima a
medicina, que reforça o modelo científico. Mesmo que para isso se
perca o rigor metodológico que em princípio caracterizaria uma e
outra." (Camargo Jr, 1990: 42)
172
Neste sentido, a construção de indicadores de qualidade de vida em uma
perspectiva transcultural tenta trazer contornos científicos e universalistas à
diversidade cultural, social, ética e estética.
Identificamos na metodologia de construção do WHOQOL uma genealogia
de uma percepção universal de qualidade de vida. Mais do que reconhecer as
especificidades sócio-culturais dos diversos países e etnias, o mais importante é a
produção de variáveis constantes que possibilitem a homogeneização e
estabilidade do construto qualidade de vida.
É interessante observar que não há nenhuma identificação de informações
sobre renda e nível de escolaridade, uma vez que consideram que o enfoque
subjetivo não seria influenciado por essas variáveis.(WHOQOL Group, 1994)
Ou seja, a percepção do que é qualidade de vida é produzida a partir de um
conjunto de itens selecionados previamente, dirigindo a percepção subjetiva para
a universalidade transcultural da qualidade de vida.
A ênfase transcultural do WHOQOL poderia também indicar a medida, o
alcance e o desenvolvimento de valores universais em diversos países,
comparando seu grau de desenvolvimento, quais dimensões nos distanciam de
nossa igualdade global, a mensuração das doenças e suas limitações quando
medidas por esses valores.
A trajetória do desenvolvimento e utilização do WHOQOL nos quase 40
centros de pesquisa espalhados no mundo, não indica necessariamente, como
nosso trabalho aponta, para a criação definitiva de um instrumento de qualidade
de vida e nem o controle da OMS sobre sua aplicação em todo o mundo. Mais do
que criar um instrumento transcultural de qualidade de vida, a OMS abre as portas
em diversos países para a demanda de avaliações padronizadas de saúde, para a
173
construção de sistemas de informação comuns e passíveis de monitoramento
global, como o recente projeto EUROHIS, capitaneado pela retórica da qualidade
de vida.
Essa estratégia se afina com as políticas de saúde globais, preparando os
espíritos da comunidade internacional, dos auditórios formados pelos sistemas
nacionais de saúde e pela comunidade científica para a construção de evidências
universais, padronizando demandas, e possibilitando a formulação de políticas e a
difusão de tecnologia, procedimentos e terapêuticas em todo o mundo.
Descrever qualidade de vida como uma concepção mecânica, métrica e
universal da vida nas suas relações com os processos saúde/doença é excluir
toda a possibilidade de emancipação política, de reconhecimento das
especificidades sociais, culturais e históricas, que nos fazem seres eticamente e
esteticamente tão diversos. É reduzir nossa percepção a um universo restrito de
percepções indexadas por escores quantitativos de objetividade, de
comportamento e de satisfação.
Ao visualizar graficamente minha qualidade de vida na realização do
WHOQOL-BREF on-line, disponibilizado pela Universidade de Bath, temos uma
visão clara dos objetivos finais do instrumento, principalmente quando
confrontados com a definição de qualidade de vida proposta pelo próprio
WHOQOL como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da
cultura e sistema de valores nos quais ele vive, e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações.
Abaixo, está representada graficamente minha qualidade de vida, bem
como o escore obtido na aplicação do WHOQOL em 5 de janeiro de 2005.
174
Gráfico 10 Resultado da Aplicação do WHQOOL-BREF on-line
100 = high quality of life
0 = low quality of life
Physical Health: 71.43
Psychological Quality of Life: 62.50
Social Relationships: 58.33
Environmental Quality of Life: 62.50
A organização mecânica da vida e seus escores não dizem absolutamente
nada a respeito da cultura em que o sujeito vive, dos seus padrões, expectativas e
preocupações em relação à vida.
Percebemos claramente a materialização e estandardização dos domínios
e suas facetas para proceder a "tradução" universal da percepção subjetiva de
qualidade de vida.
175
Esses dados serão armazenados no banco de dados dos centros de
pesquisa, para compor uma avaliação global da qualidade de vida em diversos
países. Como disposto no gráfico abaixo:
Gráfico 11 Qualidade de Vida Global com Relação à Idade
Skevington, 2004
Várias séries de classificações poderão ser produzidas: do individual ao
regional, do nacional ao global, das faixas etárias ao gênero, das doenças às
terapêuticas, das políticas aos sistemas de saúde.
Em nossa perspectiva ético-metodológica ressaltamos que a perspectiva
crítica e construcionista possibilitam a desconstrução daquilo que é apresentado
como "real", entendendo há alternativas emancipatórias ao que é hegemônico e
normativo.
Nesse sentido, o uso totalitário e universalista das avaliações de qualidade
de vida relacionada à saúde, se aproxima tanto dos processos de globalização
hegemônica quanto da reprodução do conhecimento-regulação, onde perspectiva
176
utilitarista da ciência, objetiva os sujeitos, grupos sociais e etnias em padrões
deterministas da vida e seu corolário.
Nossa intenção neste trabalho foi provocar uma reflexão que nos ofereça
alternativas emancipatórias e mais solidárias com as praticas sociais
participativas, com as demandas regionais, com as lutas pela democratização do
acesso à saúde como direito, com práticas políticas que empreendam a promoção
da cidadania e o respeito à diversidade dos sujeitos morais.
"Tomar essa posição nos libertaria de questões sobre a
objetividade de valores, a racionalidade da ciência e a viabilidade
de nossos jogos de linguagens. Todas essas questões teóricas
seriam substituídas por questões práticas sobre se convém
conservar nossos valores, teorias e práticas presentes ou tentar
substituí-los por outros. Dada uma tal substituição, não haveria
nada, exceto nós mesmos, que fosse responsável por eles." (Rorty,
1997:63)
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206
ANEXO I
Resultado do WHOQOL-BREF on-line
WHOQOL-BREF online: results
Thank you for participating in WHOQOL-BREF-UK online. Here are your results which
you can print.
Gender: Male
Date of birth: 15/12/1967
Highest education you've received: Tertiary (Higher or further education)
Marital status: Single
Currently ill: No
207
Quality of life assessment
Domain scores
100 = high quality of life
0 = low quality of life
Physical Health: 71.43
Psychological Quality of Life: 62.50
Social Relationships: 58.33
Environmental Quality of Life: 62.50
Facet scores
5 = high quality of life
1 = low quality of life
209
5 = high quality of life
1 = low quality of life
210
5 = high quality of life
1 = low quality of life
211
5 = high quality of life
1 = low quality of life
Other questions
How you would describe your ethnic group: White
Whether you currently live in Britain: No
Where your ho me is located: Centre of a town or city
Whether you have consulted a doctor in the last 2 weeks: Yes
212
ANEXO II
Versão Brasileira do WHOQOL-100
1
WHOQOL-100
Versão em português
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE
AVALIAÇÃO DE QUALIDADE DE VIDA
Coordenação do Grupo WHOQOL no Brasil
Dr. Marcelo Pio de Almeida Fleck
Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Porto Alegre- RS - Brasil
____________________________________________________________________________
Instruções
Este questionário é sobre como você se sente a respeito de sua qualidade de vida, saúde e outras
áreas de sua vida. Por favor, responda todas as questões. Se você não tem certeza sobre que resposta
dar em uma questão, por favor, escolha entre as alternativas a que lhe parece mais apropriada. Esta,
muitas vezes, poderá ser a sua primeira escolha.
Por favor, tenha em mente seus valores, aspirações, prazeres e preocupações. Nós estamos
perguntando o que você acha de sua vida, tomando como referência às duas últimas semanas .
Por exemplo, pensando nas últimas duas semanas, uma questão poderia ser:
Quanto você se preocupa com sua saúde?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
Você deve circular o número que melhor corresponde ao quanto você se preocupou com sua saúde
nas últimas duas semanas. Portanto, você deve fazer um círculo no número 4 se você se preocupou
"bastante" com sua saúde, ou fazer um círculo no número 1 se você não se preocupou "nada" com sua
saúde. Por favor, leia cada questão, veja o que você acha, e faça um círculo no número que lhe
parece a melhor resposta.
Muito obrigado por sua ajuda.
______________________________________________________________________________
2
As questões seguintes são sobre o quanto você tem sentido algumas coisas nas últimas duas semanas.
Por exemplo, sentimentos positivos tais como felicidade ou satisfação . Se você sentiu estas coisas
"extremamente" , coloque um círculo no número abaixo de "extremamente" . Se você não sentiu
nenhuma destas coisas, coloque um círculo no número abaixo de "nada" . Se você desejar indicar que
sua resposta se encontra entre "nada" e "extremamente" , você deve colocar um círculo em um dos
números entre estes dois extremos. As questões se referem às duas últimas semanas.
F1.2 Você se preocupa com sua dor ou desconforto (físicos)?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F1.3 Quão difícil é para você lidar com alguma dor ou desconforto?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F1.4 Em que medida você acha que sua dor (física) impede você de fazer o que você precisa?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F2.2 Quão facilmente você fica cansado(a)?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F2.4 O quanto você se sente incomodado(a) pelo cansaço?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F3.2 Você tem alguma dificuldade para dormir (com o sono)?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F3.4 O quanto algum problema com o sono lhe preocupa?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F4.1 O quanto você aproveita a vida?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
3
F4.3 Quão otimista você se sente em relação ao futuro?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F4.4 O quanto você experimenta sentimentos positivos em sua vida?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F5.3 O quanto você consegue se concentrar?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F6.1 O quanto você se valoriza?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F6.2 Quanta confiança você tem em si mesmo?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F7.2 Você se sente inibido(a) por sua aparência?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F7.3 Há alguma coisa em sua aparência que faz você não se sentir bem?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F8.2 Quão preocupado(a) você se sente?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F8.3 Quanto algum sentimento de tristeza ou depressão interfere no seu dia-a-dia?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
4
F8.4 O quanto algum sentimento de depressão lhe incomoda?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F10.2 Em que medida você tem dificuldade em exercer suas atividades do dia-a-dia?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F10.4 Quanto você se sente incomodado por alguma dificuldade em exercer as atividades do dia-a-
dia?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F11.2 Quanto você precisa de medicação para levar a sua vida do dia-a-dia?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F11.3 Quanto você precisa de algum tratamento médico para levar sua vida diária?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F11.4 Em que medida a sua qualidade de vida depende do uso de medicamentos ou de ajuda
médica?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F13.1 Quão sozinho você se sente em sua vida?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F15.2 Quão satisfeitas estão as suas necessidades sexuais?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F15.4 Você se sente incomodado(a) por alguma dificuldade na sua vida sexual?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
5
F16.1 Quão seguro(a) você se sente em sua vida diária?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F16.2 Você acha que vive em um ambiente seguro?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F16.3 O quanto você se preocupa com sua segurança?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F17.1 Quão confortável é o lugar onde você mora?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F17.4 O quanto você gosta de onde você mora?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F18.2 Você tem dificuldades financeiras?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F18.4 O quanto você se preocupa com dinheiro?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F19.1 Quão facilmente você tem acesso a bons cuidados médicos?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F21.3 O quanto você aproveita o seu tempo livre?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F22.1 Quão saudável é o seu ambiente físico (clima, barulho, poluição, atrativos) ?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
6
F22.2 Quão preocupado(a) você está com o barulho na área que você vive?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F23.2 Em que medida você tem problemas com transporte?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F23.4 O quanto as dificuldades de transporte dificultam sua vida?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
As questões seguintes perguntam sobre quão completamente você tem sentido ou é capaz de fazer
certas coisas nestas últimas duas semanas. Por exemplo, atividades diárias tais como lavar-se, vestir-se
e comer. Se você foi capaz de fazer estas atividades completamente , coloque um círculo no número
abaixo de "completamente" . Se você não foi capaz de fazer nenhuma destas coisas, coloque um
círculo no número abaixo de "nada" . Se você desejar indicar que sua resposta se encontra entre
"nada" e "completamente" , você deve colocar um círculo em um dos números entre estes dois
extremos. As questões se referem às duas últimas semanas.
F2.1 Você tem energia suficiente para o seu dia-a-dia?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F7.1 Você é capaz de aceitar a sua aparência física?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F10.1 Em que medida você é capaz de desempenhar suas atividades diárias?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F11.1 Quão dependente você é de medicação?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F14.1 Você consegue dos outros o apoio que necessita?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
7
F14.2 Em que medida você pode contar com amigos quando precisa deles?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F17.2 Em que medida as características de seu lar correspondem às suas necessidades?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F18.1 Você tem dinheiro suficiente para satisfazer suas necessidades?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F20.1 Quão disponível para você estão as informações que precisa no seu dia-a-dia?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F20.2 Em que medida você tem oportunidades de adquirir informações que considera
necessárias?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F21.1 Em que medida você tem oportunidades de atividades de lazer?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F21.2 Quanto você é capaz de relaxar e curtir você mesmo?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F23.1 Em que medida você tem meios de transporte adequados?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
8
As questões seguintes perguntam sobre o quão satisfeito(a), feliz ou bem você se sentiu a respeito de
vários aspectos de sua vida nas últimas duas semanas. Por exemplo, na sua vida familiar ou a respeito
da energia (disposição) que você tem. Indique quão satisfeito(a) ou não satisfeito(a) você está em
relação a cada aspecto de sua vida e coloque um círculo no número que melhor represente como você
se sente sobre isto. As questões se referem às duas últimas semanas.
G2 Quão satisfeito(a) você está com a qualidade de sua vida?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
G3 Em geral, quão satisfeito(a) você está com a sua vida?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
G4 Quão satisfeito(a) você está com a sua saúde?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F2.3 Quão satisfeito(a) você está com a energia (disposição) que você tem?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F3.3 Quão satisfeito(a) você está com o seu sono?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F5.2 Quão satisfeito(a) você está com a sua capacidade de aprender novas informações?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F5.4 Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de tomar decisões?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
9
F6.3 Quão satisfeito(a) você está consigo mesmo?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F6.4 Quão satisfeito(a) você está com suas capacidades?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F7.4 Quão satisfeito(a) você está com a aparência de seu corpo?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F10.3 Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de desempenhar as atividades do seu
dia-a-dia?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F13.3 Quão satisfeito(a) você está com suas relações pessoais (amigos, parentes, conhecidos, colegas)?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F15.3 Quão satisfeito(a) você está com sua vida sexual?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F14.3 Quão satisfeito(a) você está com o apoio que você recebe de sua família?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F14.4 Quão satisfeito(a) você está com o apoio que você recebe de seus amigos?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
10
F13.4 Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de dar apoio aos outros?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F16.4 Quão satisfeito(a) você está com com a sua segurança física (assaltos, incêndios, etc.)?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F17.3 Quão satisfeito(a) você está com as condições do local onde mora?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F18.3 Quão satisfeito(a) você está com sua situação financeira?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F19.3 Quão satisfeito(a) você está com o seu acesso aos serviços de saúde?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F19.4 Quão satisfeito(a) você está com os serviços de assistência social?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F20.3 Quão satisfeito(a) você está com as suas oportunidades de adquirir novas habilidades?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F20.4 Quão satisfeito(a) você está com as suas oportunidades de obter novas informações?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
11
F21.4 Quão satisfeito(a) você está com a maneira de usar o seu tempo livre?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F22.3 Quão satisfeito(a) você está com o seu ambiente físico ( poluição, clima, barulho,
atrativos)?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F22.4 Quão satisfeito(a) você está com o clima do lugar em que vive?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F23.3 Quão satisfeito(a) você está com o seu meio de transporte?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F13.2 Você se sente feliz com sua relação com as pessoas de sua família?
Muito infeliz infeliz nem feliz
nem infeliz
feliz muito feliz
1 2 3 4 5
G1 Como você avaliaria sua qualidade de vida?
muito ruim ruim nem ruim
nem boa
boa muito boa
1 2 3 4 5
F15.1 Como você avaliaria sua vida sexual?
Muito ruim ruim nem ruim
nem boa
boa muito boa
1 2 3 4 5
F3.1 Como você avaliaria o seu sono?
Muito ruim ruim nem ruim
nem bom
bom muito bom
1 2 3 4 5
12
F5.1 Como você avaliaria sua memória?
Muito ruim ruim nem ruim
nem boa
boa muito boa
1 2 3 4 5
F19.2 Como você avaliaria a qualidade dos serviços de assistência social disponíveis para você?
Muito ruim ruim nem ruim
nem boa
boa muito boa
1 2 3 4 5
As questões seguintes referem-se a " com que freqüência" você sentiu ou experimentou certas coisas,
por exemplo, o apoio de sua família ou amigos ou você teve experiências negativas, tais como um
sentimento de insegurança. Se, nas duas últimas semanas, você não teve estas experências de nenhuma
forma, circule o número abaixo da resposta "nunca". Se você sentiu estas coisas, determine com que
freqüência você os experimentou e faça um círculo no número apropriado. Então, por exemplo, se
você sentiu dor o tempo todo nas últimas duas semanas, circule o número abaixo de "sempre". As
questões referem-se às duas últimas semanas.
F1.1 Com que freqüência você sente dor (física)?
Nunca raramente às vezes repetidamente sempre
1 2 3 4 5
F4.2 Em geral, você se sente contente?
Nunca raramente às vezes repetidamente sempre
1 2 3 4 5
F8.1 Com que freqüência você tem sentimentos negativos, tais como mau humor, desespero,
ansiedade, depressão?
Nunca raramente às vezes repetidamente sempre
1 2 3 4 5
13
As questões seguintes se referem a qualquer "trabalho" que você faça. Trabalho aqui significa
qualquer atividade principal que você faça. Pode incluir trabalho voluntário, estudo em tempo integral,
cuidar da casa, cuidar das crianças, trabalho pago ou não. Portanto, trabalho , na forma que está sendo
usada aqui, quer dizer as atividades que você acha que tomam a maior parte do seu tempo e energia.
As questões referem-se às últimas duas semanas.
F12.1 Você é capaz de trabalhar?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F12.2 Você se sente capaz de fazer as suas tarefas?
nada muito pouco médio muito completamente
1 2 3 4 5
F12.4 Quão satisfeito(a) você está com a sua capacidade para o trabalho?
muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
F12.3 Como você avaliaria a sua capacidade para o trabalho?
muito ruim ruim nem ruim
nem boa
boa muito boa
1 2 3 4 5
As questões seguintes perguntam sobre "quão bem você é capaz de se locomover" referindo-se às
duas últimas semanas. Isto em relação à sua habilidade física de mover o seu corpo, permitindo que
você faça as coisas que gostaria de fazer, bem como as coisas que necessite fazer.
F9.1 Quão bem você é capaz de se locomover?
muito ruim ruim nem ruim
nem bom
bom muito bom
1 2 3 4 5
F9.3 O quanto alguma dificuldade de locomoção lhe incomoda?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
14
F9.4 Em que medida alguma dificuldade em mover-se afeta a sua vida no dia-a-dia?
Nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F9.2 Quão satisfeito(a) você está com sua capacidade de se locomover?
Muito insatisfeito insatisfeito nem satisfeito
nem insatisfeito
satisfeito muito satisfeito
1 2 3 4 5
As questões seguintes referem-se às suas crenças pessoais , e o quanto elas afetam a sua qualidade de
vida. As questões dizem respeito à religião, à espiritualidade e outras crenças que você possa ter. Uma
vez mais, elas referem-se às duas últimas semanas.
F24.1 Suas crenças pessoais dão sentido à sua vida?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F24.2 Em que medida você acha que sua vida tem sentido?
Nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F24.3 Em que medida suas crenças pessoais lhe dão força para enfrentar dificuldades?
Nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
F24.4 Em que medida suas crenças pessoais lhe ajudam a entender as dificuldades da vida?
nada muito pouco mais ou menos bastante extremamente
1 2 3 4 5
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