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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA
MARIA LUCIA CLARO CRISTOVÃO
Descrição Pictórica:
A influência da pintura impressionista na literatura
francesa do século XIX
São Paulo
2009
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ii
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E LITERATURA FRANCESA
Descrição Pictórica:
A influência da pintura impressionista na literatura
francesa do século XIX
MARIA LUCIA CLARO CRISTOVÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Língua e Literatura Francesa do Departamento de
Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
para a obtenção do título de Mestre em Letras.
Orientadora: Prof.ª Dr.
a
Maria Cecília Queiroz de Moraes Pinto
São Paulo
2009
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iii
A minha mãe, Helena
A Fátima
A João Henrique
Em memória de meu pai, João
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tudo, em tudo e acima de tudo.
A minha família, por seu amor e apoio constantes e incondicionais.
A minha orientadora Prof.ª Dr.
a
Maria Cecília Queiroz de Moraes Pinto, por seus
ensinamentos, por sua ampla visão interdisciplinar, pelo interesse e amizade com
que sempre se dispôs a me orientar, por ter me ajudado a crescer como pessoa e
como profissional.
A Prof.ª Dr.
a
Cristina Moerbeck Casadei Pietraróia por seu exemplo inspirador, por
sua leitura atenciosa e por suas sugestões imprescindíveis na realização deste
trabalho.
A Prof.ª Dr.
a
Sandra Margarida Nitrini por seu apoio precioso e motivador, por seus
ensinamentos e por seus valiosos conselhos que tanto contribuíram para a
realização deste trabalho.
A meus professores, alunos e amigos com quem continuo sempre a aprender.
v
RESUMO
Desde Horácio e sua célebre expressão Ut pictura poesis, diversos autores
tentaram estabelecer um paralelo entre a literatura e a pintura ao longo dos séculos.
Vários são os exemplos de obras literárias e pictóricas unidas por temas e
inspirações em comum, que se desenvolveram em caminhos paralelos durante uma
determinada época, numa determinada sociedade. Menos freqüentes, porém, são as
ocorrências de elementos que configurem um verdadeiro diálogo, uma convergência
ou uma interferência entre as artes visuais e a arte literária.
Neste trabalho, pretendemos identificar uma influência do olhar impressionista
na literatura francesa da segunda metade do século XIX. Para isso, analisaremos
seqüências descritivas de obras de Gustave Flaubert e de Émile Zola. Através da
análise da construção das pinturas impressionistas e da construção das seqüências
descritivas na literatura, pretendemos demonstrar que esses dois sistemas de
representação não estão unidos apenas por temas e inspirações em comum, como
havia sido o caso até então, mas também pelas técnicas e metodologias utilizadas e
pelas reações que essas mesmas técnicas provocaram e provocam até hoje no
leitor e no espectador.
Palavras-chave:
Descrição pictórica, impressionismo literário, literatura francesa, pintura.
vi
RÉSUMÉ
Depuis Horace et sa célèbre formule Ut pictura poesis, divers auteurs ont
tenté, le long des siècles, de tisser des parallèles entre la littérature et la peinture. De
nombreux exemples confirment que ces deux arts ont non seulement souvent puisé
aux mêmes sources d’inspiration, mais aussi parcouru des cheminements parallèles
au fil de l’Histoire, en différentes sociétés. Il est toutefois plus difficile de dégager des
éléments attestant un vrai dialogue, une réelle convergence ou une interférence
entre Lettres et Peinture.
L’objet de notre travail est d’identifier une influence du regard impressionniste
sur la production littéraire française de la seconde moitié du XIX
e
siècle. Pour ce
faire, nous nous proposons d’analyser des passages descriptifs d’oeuvres de
Gustave Flaubert et d’Émile Zola. Nous cherchons à démontrer, à travers l’analyse
de la construction des peintures impressionnistes et celle des séquences
descriptives de ces deux auteurs, qu’à partir du XIX
e
siècle, le lien entre la littérature
et la peinture n’est plus exclusivement constitué de thèmes et d’inspirations
communs, mais provient des mêmes techniques et des mêmes méthodologies ainsi
que des réactions que ces procédés ont suscitées et provoquent aujourd’hui encore
chez le lecteur et l’observateur.
Mots-clés :
Description picturale, impressionnisme littéraire, littérature française, peinture.
vii
ABSTRACT
From the time of Horace and his famous phrase Ut pictura poesis, several
authors have attempted to draw a parallel between literature and painting. There are
many examples of literary and pictorial works linked by common topics and
inspirations that have taken parallel paths across time and across societies. Less
frequent, however, are the examples of a real dialogue, a convergence or
interference between the visual and the literary arts.
In this study, we aim at identifying an influence of the impressionist view in the
French literature of the second half of the 19
th
century. For this purpose, we will
examine descriptive sequences of the works of Gustave Flaubert and Émile Zola. By
analysing the process through which Impressionist paintings were made and the
descriptive sequences were written, we aim at demonstrating that these two systems
of representation are not united only by common topics and inspirations, as had been
the case to date, but also by common techniques and methodologies, in addition to
being united by the reactions that these same techniques provoked and still provoke
today in the reader and the spectator.
Keywords:
Pictorial description, Literary Impressionism, French literature, Painting.
viii
SUMÁRIO
Introdução............................................................................................................... 1
Capítulo 1: Literatura e pintura.............................................................................. 6
1.1 Um diálogo através da história................................................................................ 7
1.2 Pintura: de uma “representação a serviço do texto” a uma “arte criativa”............... 10
1.3 Renascimento: evoluções paralelas na literatura e na pintura................................ 11
1.4 Século XVII: a “noção de artista”............................................................................. 14
1.5 A Real Academia e a ascensão da pintura, uma “arte criativa”............................ 16
1.6 As regras do classicismo na literatura e na pintura................................................ 17
Capítulo 2: Em busca de uma independência na literatura e na pintura.......... 20
2.1 Convivência de estilos ao longo do século XVIII................................................... 21
2.2 A caminho de uma “independência na pintura”...................................................... 24
Capítulo 3: Século XIX: uma época de transformações..................................... 26
3.1 O Romantismo na pintura e na literatura............................................................... 27
3.2 O Realismo: uma nova forma de representação escrita e pictórica...................... 30
Capítulo 4: O advento do impressionismo: uma nova forma de ver o mundo.. 34
4.1 Observação e efeitos de luz: uma revolução na maneira de ver o mundo............ 35
4.2 A influência da fotografia....................................................................................... 42
4.3 A luz e seu aspecto transitório como próprio tema da pintura: Claude Monet e a
catedral de Rouen.................................................................................................... 46
4.4 Impressionismo literário: a pintura como uma “arte criadora”................................ 48
Capítulo 5: Descrição pictórica, luz e cor............................................................ 52
5.1 “A ação torna-se impressão”.................................................................................. 53
5.2 Descrição pragmática e descrição pictórica............................................................ 59
5.3 Ekiphrasis e hipotipose: como reconhecer uma descrição pictórica?.................... 62
5.4 Elementos para uma análise da seqüência descritiva............................................ 63
ix
Capítulo 6: A descrição pictórica nas obras de Flaubert e de Zola................... 65
6.1 Luz, cor e paisagem........................................................................................... 66
Descrições de ambientes ao ar livre, de grandes horizontes.
Descrições de elementos da natureza: céus, nuvens, paisagens.
6.2 Luz, cor e ambientes.......................................................................................... 79
Descrições de ambientes fechados, à meia-luz.
Descrições de mobiliário, de objetos.
Iluminações artificiais e naturais: seus efeitos, reflexos e jogos de luz.
6.3 Luz, cor, vestimentas e personagens.............................................................. 102
Descrições de roupas, tecidos, suas cores e texturas.
Descrição física, aparência dos personagens através da luz e da cor.
Conclusões............................................................................................................ 113
Pintura e literatura: paralelismo e evoluções.
De uma representação do texto narrativo a uma hipotipose impressionista........... 114
Bibliografia............................................................................................................. 118
Bibliografia - Obras de Flaubert e de Zola......................................................... 119
Bibliografia geral................................................................................................ 120
1
INTRODUÇÃO
2
Vários autores tentaram estabelecer um paralelo entre as artes visuais e a
arte literária. Na Antiguidade clássica, dois pensadores se destacaram ao determinar
o que é considerado como o início do estudo de confluências entre essas duas
formas de arte.
O primeiro deles foi Horácio (65 a.C. - 8 a.C.), poeta e filósofo romano, que
utilizou a lebre expressão “Ut pictura poesis” na sua obra Arte Poética (20 a.C.).
Essa expressão tem o significado: “Como pintura, é poesia” e foi interpretada como
um dos princípios de similaridade entre esses dois sistemas de representação.
Alguns anos mais tarde, Plutarco (46 - 119), filósofo e prosador grego, atribui
ao poeta Simonides de Cós a seguinte frase: “A pintura é uma poesia muda, a
poesia é uma pintura que fala”, em sua obra De Gloria Atheniensium. Nessa mesma
obra, Plutarco esclarece ainda que tal comparação se baseia no fato de a pintura e a
poesia serem imitações da natureza, princípio este que se revelaria fundamental no
estudo da analogia entre ambas as artes ao longo da Antiguidade clássica.
Muitas vezes essa analogia foi estabelecida buscando-se encontrar temas em
comum entre as artes plásticas e a literatura. De fato, se partirmos do pressuposto
de que toda manifestação artística é o espelho da alma de uma época, podemos
afirmar que pintura e literatura estão, efetivamente, unidas pela história, ou seja,
pelo estilo e ideais de uma época, numa determinada sociedade. Esse fato pode
então levá-las a manifestar o mesmo "estado de espírito" de uma época, as mesmas
aspirações de uma sociedade, apesar de o fazerem através de formas tão
diferentes.
O crítico Mario Praz (1982, p.59) faz a seguinte distinção entre as artes
visuais e a as artes verbais:
3
“Como as distinções entre as artes são distinções sensoriais da expressão
estética (visão, fala, audição), as artes visuais cristalizam um estado de
espírito em seu ponto mais afastado, ali onde ele confina com as imagens das
coisas. As artes verbais parecem, em vez disso, deter, captar a impressão
incerta que um estado de espírito produz em nós antes de assumir aquela
simplificação capaz de reconciliá-lo com o espaço e dele fazer uma imagem
visual.”
Sendo assim, apesar de constituírem expressões estéticas diferentes, tanto a
pintura quanto a literatura buscam captar o estado de espírito de uma época, o que
resulta, muitas vezes, numa confluência histórica e temática entre essas duas
formas de representação.
Mario Praz (1982, p.70) cita anda a seguinte frase de Janitscheck (1892):
“Giotto descobriu em pintura a natureza da alma, tal como Dante a tinha descoberto
em poesia.” O mesmo autor cita também a conclusão a que chegou Hausenstein,
em 1923: “São Tomás de Aquino, Dante e Giotto são a expressão teológica, poética
e figurativa, respectivamente, do mesmo pensamento.” Essas duas citações ilustram
bem a ocorrência, ao longo da história, de textos e pinturas unidos pelo mesmo
tema, pelos mesmos anseios, pelas mesmas fontes de inspiração.
O que poderíamos, no entanto, perguntar é se seria possível identificar, além
de temas e inspirações em comum, elementos que configurem uma convergência,
um diálogo ou uma verdadeira interferência entre a pintura e a literatura.
Na verdade, trata-se de um paralelo nem sempre fácil de ser estabelecido.
Em 1766, o escritor e filósofo alemão G. E. Lessing (1729-1781) publicou o ensaio
Laocoonte, no qual se mostra contrário à analogia entre pintura e literatura, que
seria, segundo ele, uma interpretação abusiva da doutrina de Horácio. Diz o autor:
4
"Se (...) a pintura, devido aos seus signos ou ao meio da sua imitação que ela
pode conectar ao espaço, deve renunciar totalmente ao tempo: então ações
progressivas não podem, enquanto progressivas, fazer parte dos seus objetos, mas
antes ela tem que se contentar com ações uma ao lado da outra ou com meros
corpos que sugerem uma ação através das suas posições."
Por outro lado, segundo o mesmo autor, a poesia é capaz de descrever várias
ações progressivamente ao longo do tempo. Essa dicotomia na qual o espaço seria
o campo da pintura enquanto o tempo seria o campo da literatura limitaria as
possibilidades de correlação entre essas duas formas de arte.
No entanto, vale lembrar que houve momentos em que a pintura afastou-se
definitivamente de qualquer intenção narrativa - como a que tinha na Idade Média ao
representar os grandes fatos das Sagradas Escrituras. Houve uma época em que o
interesse da pintura fixou-se não somente no espaço, mas numa impressão
instantânea do mesmo, o que exclui por completo a importância que se pudesse dar
às ações e aos elementos cronológicos. Estamos falando da época do
impressionismo, movimento artístico revolucionário que modificou a forma como se
via e se representava o mundo na segunda metade do século XIX.
Paralelamente, na mesma época, a própria literatura parece, por vezes,
afastar-se de sua função narrativa durante as longas e detalhadas descrições de
alguns autores. Nesses momentos, ela também parece buscar no espaço seu
principal objeto de estudo.
Neste trabalho, pretendemos identificar uma influência do olhar impressionista
em alguns textos da literatura francesa da segunda metade do século XIX. De fato,
5
se o impressionismo mudou a forma como a sociedade da época via o mundo, a
forma como os escritores também o viam não poderia permanecer a mesma.
Ainda tomando por base a frase de Lessing, talvez pudéssemos afirmar que
a literatura aproxima-se da pintura nos momentos em que seus objetivos deixam
também de ser narrativos e passam a concentrar-se no espaço, na descrição dos
aspectos visuais e não na narração de fatos e ações ao longo do tempo.
6
CAPÍTULO 1.
Literatura e pintura
7
1.1 UM DIÁLOGO ATRAVÉS DA HISTÓRIA
Seria difícil estabelecer-se de forma precisa a primeira ocorrência de uma
comunicação entre a pintura e a literatura. No entanto, podemos encontrar um
exemplo interessante desse diálogo numa narrativa de ficção em prosa que data do
século II ou III d.C. Trata-se do texto fnis e Cloé, do escritor grego Longo. Nessa
narrativa, que se insere na obra Pastorais, o narrador justifica da seguinte forma sua
criação literária:
Em Lesbos caçando, no bosque das Ninfas, um espetáculo vi, o mais belo de
quantos vi: uma pintura de um quadro, uma história de amor. Belo também
era o bosque arborizado, florido, irrigado: uma fonte tudo alimentava, tanto as
flores, quanto as árvores. Mas a pintura era mais encantadora, mostrando
uma arte ímpar, um entrecho de amor. Assim muitos, mesmo dentre os
estrangeiros, pela fama ali vinham, como suplicantes das Ninfas, como
espectadores do quadro. Mulheres havia, nele, que davam à luz e outras que
enrolavam em cueiros, criancinhas abandonadas, gado que nutria, pastores
que recolhiam, jovens que faziam juras, incursão de piratas,
invasão de inimigos. Muitas outras coisas - e todas de amor - vendo eu e
admirando-as, um desejo tomou-me de contra-escrever a pintura. E, tendo
procurado um exegeta do quadro, quatro livros trabalhei, oferenda ao Amor e
às Ninfas e a Pã, patrimônio encantador para todos os homens, o qual ao
doente curará, ao triste consolará, ao que amou fará recordar, ao que não
amou instruirá. Pois jamais ninguém do amor fugiu ou fugirá, enquanto beleza
houver olhos para ver. E, a s, o deus permita sermos sensatos ao escrever
o acontecido a outros.
Dáfnis e Cloé, Pastorais, Longo
É interessante notar que a pintura aparece, nesse exemplo, como uma
inspiração para a obra literária: a partir de um quadro e dos sentimentos que ele
inspira, quatro livros são produzidos. No entanto, vale lembrar que o escritor não
considerava seu texto como uma simples cópia da pintura. De fato, essa mesma
8
pastoral tem como desfecho elementos narrativos que não se encontravam no
quadro descrito inicialmente. Segundo o crítico Jacyntho Lins Brandão (2005, pág.
200), caso Longo considerasse seus livros como uma simples descrição da pintura,
seria “desnecessário pontuar as diferenças entre os dois registros, fazendo até
mesmo interferir, na passagem de um a outro, um “exegeta do quadro”, isto é,
alguém capaz de narrar o que a pintura apresentava em cenas sucessivas, mas
estanques.” Não se tentaria então simplesmente escrever a pintura - o que seria
uma tarefa do pintor - mas sim, contra-escrever a mesma - essa sim, uma função do
escritor.
Ainda segundo o mesmo crítico, o avanço da narrativa com relação à pintura
“diz respeito à possibilidade de, impregnando-se de elementos visuais, registrar
também o movimento, as seqüências das ações, suas concatenações, e não apenas
cortes estanques. De fato, a pintura é mais sugestiva do que propriamente narrativa,
daí a razão porque necessita, para romper a cristalização de uma cena, de uma
intermediação exegética.”
o crítico Mario Praz (1982, p. 03) cita a descrição do escudo de Aquiles
feita por Homero como um exemplo de paralelo que há muito tempo tem sido
estabelecido entre a literatura e a pintura.
Nos dois exemplos, a literatura vai “além da pintura graças a seu poder
narrativo, mas é interessante notar como ela aparece aqui como uma decorrência e
não como uma influência e inspiração para a pintura - o que viria a acontecer nos
séculos seguintes.
De fato, vários séculos mais tarde, na Idade Média, é o Cristianismo que
fornece as bases ideológicas para esse diálogo entre texto e imagem. Numa época
em que a cristã ocupa um papel fundamental na sociedade, é preciso divulgar o
9
grande texto dessa religião, ou seja, a Bíblia, a todos aqueles que não sabem ler. É
necessário difundir esses conhecimentos e torná-los acessíveis ao povo em geral. E
é justamente através da imagem que esses objetivos poderão ser alcançados.
A imagem passa então a ter como objetivo não só a simples representação de
um texto literário, mas sim a representação simbólica de uma história sacra e a
difusão da fé. Segundo o papa Gregório o Grande, os vitrais representam uma
“Bíblia dos iletrados”, numa expressão interessante que une a pintura à literatura.
Com efeito, não só os vitrais como também as esculturas e pinturas nas paredes das
igrejas transcrevem em figuras visuais passagens importantes dos textos sagrados
que, a partir de agora, encontram-se ao alcance de todos.
Os textos da época também passam a inserir esta iconografia religiosa, uma
vez que é a religião que alimenta grande parte da produção literária da Idade Média.
Literatura e pintura intensificam seu diálogo. Podemos encontrar então inscrições
em vitrais e pinturas enquanto a imagem passa a acompanhar textos religiosos e
Bíblias ilustradas.
Vale lembrar que nesse tipo de obra, no entanto, não vemos a “tradução” da
pintura na literatura, mas sim o caminho contrário, ou seja, a literatura traduzida em
imagens, acompanhada de seu texto original. Temos assim uma co-existência
dessas duas formas de arte que se completam para formar uma obra única, como
provam as iluminuras, os livros de horas e de vidas dos santos e missais (Imagem
01).
10
Imagem 01. Jésus enseignant Saint Pierre.
Missal romano, 1370 (Avignon).
1.2 PINTURA: DE UMA “REPRESENTAÇÃO A SERVIÇO DO TEXTO” A UMA
“ARTE CRIATIVA”
É preciso ainda ressaltar que a obra de arte medieval não tem como objetivo a
originalidade ou a representação da beleza em si, mas sim uma missão profética e
sagrada. O artista coloca-se a serviço das Sagradas Escrituras com o objetivo de
trazer a revelação ao alcance de todos. Ele não é considerado como um criador
intelectual, mas sim como um artífice, um artesão.
A partir do Renascimento, esse conceito passa por uma grande transformação. A
obra de arte não se situará mais quase que exclusivamente no campo da
representação. A criação artística passará a ser vista como uma busca da verdade
através da beleza. A estética pura e simples e a busca do belo tornam-se os
11
próprios objetivos de uma obra de arte e o pintor, como o escritor, tem a missão de
captar e sublimar a beleza do mundo.
Ora, como representar a beleza do mundo a não ser através da observação?
Observação esta que tem como objeto de estudo não mais as Escrituras Sagradas,
mas sim o mundo e tudo o que é humano - através não mais de uma revelação, mas
com um “simples“ objetivo estético e representativo.
1.3 RENASCIMENTO: EVOLUÇÕES PARALELAS NA LITERATURA E NA
PINTURA
Dentro deste contexto, era de se esperar que o homem ocupasse um lugar de
destaque nas produções artísticas e literárias da época. De fato, se tomarmos como
exemplo Rabelais, veremos que sua obra coloca o ser humano, a natureza e a
ciência em posição de destaque. Com sua paixão pelo humanismo, esse autor
retoma o interesse pelo corpo humano, que havia sido desprezado pela Idade
Média, e volta-se para os aspectos físicos do homem e da vida. O poeta Ronsard
também dedica alguns de seus poemas à celebração do corpo feminino. Essas
evoluções na literatura aproximam-se de uma idéia de realismo, na qual é o mundo
humano que fornece a matéria-prima para a criação do artista.
Essa mesma evolução ocorre na pintura. O corpo humano passa a ocupar um
lugar de destaque, numa redescoberta da herança greco-romana (Imagem 02).
Enquanto Ronsard e os poetas da Pléiade traduzem suas emoções através da
mitologia, os pintores da escola de Fontainebleau (Imagem 03) representam também
ninfas e divindades da Antiguidade. O que se passa a ver é um corpo humano
erotizado, representado através de vários nus, nos quais os temas míticos da
Antiguidade se sobrepõem pouco a pouco aos temas religiosos.
12
O Fontaine Bellerie,
Belle fontaine chérie
De nos Nymphes, quand ton eau
Les cache au creux de ta source
Fuyantes le satyrea
Qui les purchasse à la course
Jusqu’au bord de ton ruisseau
Ronsard, Odes, II, 9 (1550)
Mignonne, allons voir si la rose
Qui ce matin avait déclose
Sa robe de pourpre au soleil,
A point perdu cette vesprée
Les plis de sa robe pourprée,
Et son teint au vôtre pareil.
Ronsard, Odes, I, 17
Imagem 02. O Nascimento de Vênus, 1486.
Botticelli
13
Imagem 03. Diana Caçadora, 1550-1560.
Escola de Fontainebleau
Podemos então afirmar que a pintura e a literatura passam nessa época por uma
mesma evolução, uma vez que elas buscam sua inspiração nas mesmas fontes: o
humanismo e a mitologia antiga.
Talvez seja possível afirmar também que essa semelhança se deva ao contexto
histórico e social da época, mas que o diálogo entre a literatura e a pintura não
parece alterar suas trajetórias individuais.
É como se a pintura e a literatura evoluíssem paralelamente numa mesma
direção, sem que houvesse ainda grandes interferências, convergências ou
traduções entre elas.
14
1.4 SÉCULO XVII: A “NOÇÃO DE ARTISTA”
A relação entre a pintura e a literatura se intensificaa partir do século XVII. A
época do Renascimento ficava para trás e, com ela, vários de seus ideais. As
guerras de religião e a descoberta de que a Terra o era o centro do Universo
deixavam o homem em uma posição menos centralizada e menos segura.
O homem não é mais visto como uma representação micro-cósmica do universo,
como bem ilustrava o desenho de Leonardo da Vinci, O Homem de Vitruvio, durante
o Renascimento.
Face à Reforma protestante, a Igreja Católica reage em busca de uma religião
triunfante que possa atrair os fiéis. Esse anseio se traduzirá em rebuscadas pinturas,
esculturas e vitrais. Era o aparecimento de um estilo que mais tarde seria definido
como Barroco.
A sensibilidade do Barroco é marcada por uma relação de fascínio com o
inconsciente e com todas as metamorfoses, ostentações e senso de espetáculo.
Esse fascínio e gosto teatral também influenciam pintores como Rubens e El Greco.
A ornamentação e um forte conteúdo emocional caracterizam esse novo estilo de
pintura. Passa-se a evitar as composições piramidais ou muito centralizadas,
preferindo-se posicionar as figuras de maneira dispersa. O drama humano torna-se
um elemento fundamental na pintura barroca e é representado por gestos teatrais,
expressivos, sob uma iluminação que põe em evidência o claro-escuro e as fortes
combinações cromáticas (Imagem 04).
15
Imagem 04. A Ceia em Emmaús, 1600-1601.
Caravaggio
A estilística barroca é complexa, rebuscada, cheia de ornamentos. Essa retórica
de excessos também encontra um paralelo na literatura, com produções marcadas
pela hipérbole e dramaticidade. Não é estranho que o gênero literário por excelência
do barroco seja o teatro, onde a representação cênica pode atingir sua plenitude.
Ao mesmo tempo, afirma-se durante o culo XVII o que se define hoje como a
“noção de artista”, no sentido individualista do termo. O pintor não é mais um
produtor de imagens destinadas a propagar as Sagradas Escrituras, mas sim um
autor, um criador, que passa a assinar suas obras. Os auto-retratos de Dürer e os
Ensaios de Montaigne mostram que o autor pode afirmar sua individualidade
tomando-se a si próprio como objeto de estudo, como tema de sua obra.
16
1.5 A REAL ACADEMIA E A ASCENSÃO DA PINTURA, UMA “ARTE CRIATIVA”
A fundação da Real Academia de Pintura e Escultura na França, em 1648,
potencializa esse processo de autonomia na produção artística. Os pintores o, a
partir de então, elevados ao estatuto de teóricos e críticos, ou seja, ao mesmo
estatuto dos homens de Letras, membros da Academia Francesa de Letras, que
havia sido fundada por Richelieu em 1643.
A Real Academia apresentava as obras de seus pintores e escultores o como
um trabalho manual e artesanal, mas sim como obras intelectuais e artísticas. O
grupo dos Acadêmicos pretendia diferenciar-se do grupo dos Mestres da
Corporação, de tradição medieval.
De fato, além de seus conhecimentos e domínio técnico, os Acadêmicos
inspiravam-se na tradição da Antiguidade clássica e não na tradição medieval. Eles
não se viam como simples “santeiros” ou criadores de imagens, mas sim como
verdadeiros artistas liberais.
O humanismo renascentista libertará o pintor dessa imagem de simples artesão
oriundo das classes populares, à qual ele esteve vinculado durante toda a Idade
Média. A partir de agora, o pintor aproxima-se do poeta: trata-se de um homem
letrado e com conhecimentos técnicos, o que confere às artes visuais um valor mais
intelectual e elitizado.
Segundo Gombrich (1972, p. 379), a pintura “deixara de ser um ofício ordinário
cujos conhecimentos eram transmitidos de mestre para aprendiz. Convertera-se, em
vez disso, numa disciplina, como a Filosofia, a ser ensinada em academias.”
Vale ressaltar que, ao longo dos séculos, conferiu-se à literatura um estatuto
superior ao da pintura. A criação da Real Academia marca um momento de
transição nesta convicção e inscreve-se numa tentativa de recuperar para os artistas
17
a antiga posição social superior que um dia eles ocuparam na Antiguidade clássica.
Tentava-se convencer o poder absoluto de que os pintores e escultores eram tão
merecedores da proteção do rei quanto os homens de letras.
Além disso, escritos sobre a arte feitos por pintores e amadores propõem, a partir
dessa época, o que se pode chamar de uma reflexão estética sobre a pintura. Esses
textos, juntamente com a tentativa de se elaborar uma teoria pictórica para as belas-
artes, contribuem para a consolidação do aspecto filosófico e intelectual da pintura.
1.6 AS REGRAS DO CLASSICISMO NA LITERATURA E NA PINTURA
O classicismo é marcado por um trabalho de reflexão baseado em princípios e
conceitos dos filósofos e escritores clássicos. Na verdade, a época clássica aparece
como um contraponto aos excessos do barroco e tanto a literatura como a pintura
passam a ser regidas por normas bem mais rígidas, inspiradas na Antiguidade
clássica.
No teatro, a tragédia clássica deve respeitar a unidade de ação, de lugar e de
tempo, regras estas inspiradas da Poética de Aristóteles. É a época de grandes
autores clássicos na França, como Racine e Corneille.
No prefácio de Britannicus, Racine preconiza para suas peças “uma ação
simples, sem excesso de matéria” a fim de concentrar ao máximo o efeito emocional
e estético da obra. Trata-se de uma economia que tem por objetivo reforçar a
intensidade.
Pode-se observar esse mesmo procedimento nas pinturas clássicas. Artistas
como Poussin tratam temas antigos, inspirados da mitologia ou da Bíblia. São temas
nos quais a história e os sentimentos humanos ocupam uma posição de destaque.
18
Da mesma forma que a literatura procura a ordem no discurso, busca-se na pintura
o equilíbrio na composição, a clareza e a limpidez do desenho (Imagem 05).
Imagem 05.
A Sagrada Família na escada, 1648.
Nicolas Poussin
Os temas mais valorizados na época são os de história, seja ela sagrada ou
profana, tendo como referência um texto religioso, mitológico ou histórico. A
erudição e as dificuldades técnicas requeridas por esse tipo de pintura justificam o
prestígio atribuído aos pintores de História e valorizam ainda mais essa arte.
As alegorias são freqüentes e passam a representar valores morais, religiosos
e políticos. Como exemplo, temos os retratos de Luís XIV que recorrem à figura de
Apolo, o deus-sol.
19
Respeitando sua tradição humanista, a pintura acadêmica coloca o homem no
centro de suas telas. A paisagem sem a presença humana, a pintura de gênero e a
natureza-morta são consideradas como temas inferiores.
Para a Real Academia, tanto o pintor como o autor de tragédias devem
escolher temas sublimes e dramáticos para suas obras, além de respeitarem as
regras das três unidades. Essas regras traduzem-se na pintura na representação
daquilo que acontece em um tempo, que a vista pode descobrir de imediato com
um único olhar e que pode ser representado num único quadro.
20
CAPÍTULO 2.
Em busca de uma independência
na literatura e na pintura
21
2.1 CONVIVÊNCIA DE ESTILOS AO LONGO DO SÉCULO XVIII
O culo XVIII é marcado no plano estético pela convivência de estilos
diferentes. O Barroco sobrevive até a metade do século com Tiepolo e seus afrescos
em trompe-l’oeil. Há também o surgimento do Rococó, um estilo extremamente
decorativo que aparece como uma variação do Barroco.
Na França, o Rococó é representado na pintura por Watteau, com seus temas
festivos ao ar livre que foram batizados pela Academia de “Festas Galantes”
(Imagem 06). De fato, esses temas representavam bem a época da Regência,
marcada por uma busca da felicidade e por certa melancolia, no que pode ser
considerado como uma antecipação do Romantismo.
Imagem 06. Embarque para Citera, 1717.
Antoine Watteau
22
Na literatura, pode-se identificar esta busca pela felicidade na obra Lettres
Philosophiques de Voltaire. O homem do culo XVIII passa a buscar a felicidade
imediata aqui na Terra, em meio à natureza.
Ao mesmo tempo, a pintura histórica, influenciada pela herança clássica,
mantém uma posição de destaque e encontra outros desdobramentos.
Na metade do século XVIII surge um estilo que foi chamado de
Neoclassicismo: um movimento que se voltava contra o Barroco e o Rococó tardio e
que exaltava idéias de honra e patriotismo, inspirando-se nos ideais da Grécia e da
Roma antigas.
Pintores como Jacques-Louis David, e mais tarde Dominique Ingres, foram
grandes expoentes desse estilo e retrataram temas antigos e históricos sob um
grande rigor formal.
Por outro lado, também em meados do culo XVIII, o escritor Diderot
encorajava os pintores a representar cenas da vida cotidiana, privada, doméstica,
num desejo de emancipação em relação às representações heróicas herdadas da
Antigüidade. A evolução da literatura no século das luzes segue um caminho
parecido, uma vez que a filosofia da época toma como base de reflexão as
condições concretas da existência.
Na pintura, o aspecto pitoresco da vida cotidiana se fortalece com as
naturezas mortas de Chardin e com a pintura de gênero holandesa que representa
cenas da vida doméstica.
Ao mesmo tempo, ocorre uma descoberta da paisagem, o que de certo modo
antecipa o Romantismo. Tanto em A Nova Héloïse quanto em As Confissões,
Rousseau dá grande destaque à paisagem, descrevendo-a de forma intensa e
panorâmica, como mostra esta passagem:
23
“Ce nétait pas seulement le travail des hommes qui rendait ces pays
étranges, si bizarrement contrastés; la nature semblait encore prendre plaisir
à s’y mettre en opposition avec elle-même, tant on la trouvait différente en un
même lieu sous divers aspects. Au levant les fleurs du printemps, au midi les
fruits de l’automne, au nord les glaces de lhiver: elle réunissait toutes les
saisons dans le même instant, tous les climats dans le même lieu, des terrains
contraires sur le même sol, et formait l’accord inconnu partout ailleurs des
productions des plaines et de celles des Alpes. Ajoutez à tout cela les illusions
de l’optique, les pointes des monts différemment éclairées, le clair-obscur du
soleil et des ombres, et tous les accidents de lumière qui en résultaient le
matin et le soir: vous aurez quelque idée des scènes continuelles qui ne
cessèrent dattirer mon admiration, et qui semblaient m’être offertes en un vrai
théâtre; car la perspective des monts, étant verticale, frappe les yeux tout à la
fois et plus puissamment que celle des plaines, qui ne se voit quobliquement,
en fuyant, et dont chaque objet vous en cache un autre.”
La Nouvelle Héloïse, 1761.
Pode-se observar nesse texto que a precisão e a riqueza na descrição da
natureza e de seus efeitos pictóricos elevam a paisagem ao status de próprio tema
da obra literária.
Na pintura, artistas como Gainsborough (Imagem 07) também colocam a
paisagem no centro de suas obras. Logo, tanto na literatura como na pintura, a
paisagem passa a ser aceita como o próprio tema da obra.
24
Imagem 07. Wooded Landscape with a Seated Figure, 1747.
Thomas Gainsborough
Ao compararmos o texto de Rousseau à pintura de Gainsborough, notamos
que o escritor e o pintor utilizam meios diferentes para comunicar a mesma
interpretação da natureza.
Retomando as palavras do crítico Mario Praz, podemos afirmar que enquanto o
pintor cristaliza os sentimentos no ponto em que eles produzem uma imagem, o
escritor põe em palavras as impressões que tais sentimentos produzem antes de
assumir aquela simplificação que os transformam numa imagem visual.
2.2 A CAMINHO DE UMA “INDEPENDÊNCIA NA PINTURA”
É também nessa época que o aspecto “pictórico” se impõe, talvez pela primeira
vez, como a própria finalidade da pintura. Até então, o que se tinha visto foram
pinturas com temas históricos, bíblicos, clássicos, onde toda imagem submetia-se a
uma mensagem. A partir de agora, o próprio aspecto pictórico pode ser considerado
25
como a finalidade da obra. Talvez possamos considerar essa mudança como uma
“emancipação” ou “independência” da pintura.
A ascensão da burguesia influencia também os temas dessas pinturas, uma vez
que pouco a pouco se deixará de lado a cultura clássica e erudita, que havia sido
recuperada pelo Renascimento. Esse novo público se identifica mais com a pintura
de gênero, em que são retratadas cenas do cotidiano que espelham a moral da
família burguesa. Os pintores passam então a receber encomendas privadas, o que
traz certa liberdade para os artistas.
Não por acaso, é nessa mesma época que aparece no campo da literatura a
noção de “direitos autorais”. Beaumarchais funda em 1777 a Sociedade dos Autores
dramáticos: o escritor passa então a poder viver diretamente de seu trabalho, numa
relação direta com o leitor. E é justamente para esse novo leitor que surge o
romance, substituindo a epopéia e a tragédia. Todas essas transformações trazem
uma democratização da pintura e da literatura.
De fato, não se pode negar que o século XVIII foi uma época de transformações
para essas duas formas de arte. A partir desse momento, pintura e literatura
encontram-se suficientemente amadurecidas para o grande salto que viria a ocorrer
no século seguinte.
26
CAPÍTULO 3.
Século XIX:
Uma época de transformações
27
3.1 O ROMANTISMO NA PINTURA E NA LITERATURA
Na França, o Romantismo surge no início do século XIX e pode ser considerado
como uma reação às épocas anteriores, dominadas pela rigidez clássica e pelo
racionalismo dos iluministas.
O Romantismo caracteriza-se por uma vontade de se explorar todas as
possibilidades da arte, tendo como principal objetivo a expressão dos sentimentos e
tormentos da alma. O poeta romântico procura o mistério, o fantástico, a evasão
para expressar seus sentimentos. Para isso, ele busca inspiração no sonho, no
exotismo, na natureza e no passado. A Idade Média, época que havia sido rejeitada
pelos clássicos, é agora redescoberta pelos românticos.
Por todos esses motivos, o Romantismo pode ser considerado como uma reação
do sentimento contra a razão.
Na literatura, a obra O Gênio do Cristianismo (1802) de Chateaubriand constitui
um marco importante para o movimento romântico. Essa obra traz uma nova
inspiração que influenciará seus admiradores. Sem ser historiador, Chateaubriand
deu à história uma liberdade nunca antes vista. É através de Chateaubriand que a
história se abre ao Romantismo, uma vez que o autor privilegia a cor local e a
sensibilidade nas suas descrições das grandes cenas do passado. Períodos como a
Idade Média, as Cruzadas e o Renascimento voltam à moda. E é através desses
temas que a história invadirá o teatro e o romance algumas décadas mais tarde.
Na pintura, praticamente na mesma época (1804), o pintor Gros mostra em sua
tela Les Pestiférés de Jaffa uma amplidão e um colorido intenso que pareciam
caminhar no mesmo sentido das obras de Chateaubriand.
Mas o verdadeiro movimento romântico, anunciado por essas obras na pintura e
na literatura, desenvolver-se-ia efetivamente apenas quinze anos mais tarde, numa
28
segunda intervenção romântica. Durante esse intervalo, o que dominou foi o estilo
Império, marcado pelo Neoclassicismo e pelo gosto de Napoleão e de pintores como
Jacques-Louis David e Jean-Dominique Ingres por temas e estéticas do ideal
clássico.
No entanto, tanto a literatura como a pintura não poderiam ficar durante muito
tempo imunes aos novos ares românticos anunciados por Chateaubriand e Gros. De
fato, no final do império de Napoleão, alguns pintores passam a buscar uma nova
forma de arte. Seu objetivo, na verdade, é mesclar as formas da época clássica aos
sentimentos “modernos”, ou seja, eles anunciam um período de convivência e de
transição entre o clássico e o romântico.
Eugène Delacroix foi um dos pintores desse período, sendo considerado por
muitos críticos como o grande nome da pintura romântica. Apesar de sua formação
clássica, Delacroix desenvolveu um estilo intenso, expressivo, cheio de
dramaticidade. Influenciado por Rubens, suas cores eram vívidas, colocando-o
entre os grandes coloristas.
A análise das obras de Delacroix e de outros pintores românticos como Géricault,
mostra que, apesar da permanência dos temas históricos de épocas anteriores, o
tratamento dado ao tema é agora completamente diferente. A partir de agora, não
são mais as formas e os temas heróicos que são ressaltados, mas sim a intensidade
das cores, dos contrastes e da luz.
Pode-se notar essa evolução ao se comparar as obras O juramento dos
Horácios, de David (Imagem 08) e A morte de Sardanapalo, de Delacroix (Imagem
09). Dois temas históricos tratados de maneiras bem diferentes, nas quais a frieza e
o rigor clássicos dão lugar à intensidade e à dramaticidade da pintura romântica.
29
Imagem 08. O juramento dos Horácios, 1784.
Jacques-Louis David
Imagem 09. A morte de Sardanapalo, 1827.
Eugène Delacroix
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A pintura romântica também se caracteriza pelo exotismo dos temas orientais,
como os haréns e odaliscas. Alguns desses temas já haviam sido tratados por
Ingres, mas a partir de agora aparecerão com uma abordagem diferente, mais
colorida, dramática e misteriosa. Ao mesmo tempo, as obras tornam-se mais liberais
e sensuais, marcando o início de uma nova época.
Pode-se afirmar que a pintura romântica representa uma grande ruptura não
somente em relação à pintura clássica, mas, sobretudo, à pintura neoclássica, uma
vez que os românticos apelam para os sentimentos e para os sentidos enquanto que
os neoclássicos voltavam-se totalmente para a razão e para a rigidez formal.
3.2 O REALISMO: UMA NOVA FORMA DE REPRESENTAÇÃO ESCRITA E
PICTÓRICA
Segundo o historiador Arnold Hauser (1953, p.728), a cada de 1830 marca na
França o início da literatura moderna: uma literatura diretamente preocupada com os
problemas de sua sociedade. Esse tipo de literatura só pôde surgir a partir da
Monarquia de Julho, quando se desenvolveram os alicerces do século seguinte, ou
seja, a ordem social que seria a base do mudo moderno. De fato, os romances de
Stendhal (1783-1842) e de Honoré de Balzac (1799-1850) apresentam os primeiros
personagens modernos da literatura ocidental, ou seja, personagens voltados para
problemas, dificuldades e conflitos morais desconhecidos de gerações anteriores.
Influenciado pelo realismo político, fruto de revoluções fracassadas, e pelo
progresso das ciências, o romance afasta-se a partir dessa época de temas e ideais
históricos para retratar o homem da classe média e o realismo social da época. O
31
público, como observa Balzac
no prefácio de La peau de chagrin (1831), está “farto
da Espanha, do Oriente e da história da França à maneira de Walter Scott.”
Balzac passa a retratar esta nova sociedade e suas mudanças, criando o que é
chamado de “romance social” ou de “romance moderno” e que, mais tarde, daria
origem ao naturalismo.
Os temas principais da literatura voltam-se então para o próprio homem, com
todas as suas limitações, dificuldades e fraquezas. Tanto o racionalismo econômico
quanto o pensamento político, em termos de luta de classes, remetem o romance
para o estudo da realidade social e dos mecanismos sociopsicológicos (Hauser:
1953).
Balzac afirma-se então como um escritor fundamental nessa transição. A obra do
autor de A Comédia Humana ainda é marcada por certos aspectos característicos
do Romantismo, como a exaltação do “eu e de seus desejos ou o gosto pela
história e pela autobiografia, que orientam seus primeiros romances. No entanto,
Balzac vai além da sensibilidade e da paixão romântica ao querer explicar e
representar, com extrema lucidez, a realidade histórica e social de sua época. Filho
da geração burguesa oriunda da Revolução de 1789, Balzac vai inserir sua obra na
sociedade de 1830 - uma sociedade radicalmente renovada pela aparição de novas
categorias socio-profissionais.
Em A Comédia Humana, Balzac é guiado por uma vontade tanto descritiva
quanto explicativa de sua sociedade. Seu desejo era estabelecer uma nomenclatura,
uma classificação das espécies humanas, criando uma obra que não fosse apenas
uma representação do mundo, mas que fornecesse também sua explicação, como
podemos notar nesta sua frase: “La Société devait porter avec elle la raison de son
mouvement”.
32
O romance balzaquiano é, antes de tudo, uma construção. Seguindo quase
sempre a mesma lógica, essa construção compõe-se de uma exposição lenta,
minuciosa e descritiva de cada personagem, numa verdadeira simbiose com o meio
social no qual ele está inserido.
A partir de agora, parece inteiramente impossível retratar um personagem
isolado da sociedade em que ele vive e permitir seu desenvolvimento fora de um
ambiente social definido.
Paralelamente, na pintura, temas históricos de pintores neoclássicos como David
ou Ingres, e que ainda persistiram durante o romantismo - movimento esse
essencialmente burguês, mas ainda marcado por ideais aristocráticos e pelo
exotismo oriental - dão lugar a temas próprios da classe média, que ocupa agora um
papel central na sociedade da época. Artistas como Jean-François Millet passam a
retratar a vida no campo, pois consideram o trabalho dos camponeses um tema
digno de ser representado, o que era chocante numa época em que as academias
ainda buscavam temas mais nobres. Gustave Courbet foi o pintor que liderou este
movimento, o Realismo. Trata-se de um movimento que iria marcar uma revolução
na história da arte. Courbet chegou a retratar a si mesmo caminhando pelo campo
com uma mochila nas costas, no quadro Bonjour, Monsieur Courbet! (Imagem 10),
o que parecia um protesto contra as convenções da época. De qualquer forma, tanto
a pintura como a literatura voltavam-se para o homem comum da classe média; ele
passava a ser o seu tema central.
33
Imagem 10. Bonjour, monsieur Courbet, 1854.
Gustave Courbet
34
CAPÍTULO 4.
O advento do impressionismo:
uma nova forma de ver o mundo
35
4.1 OBSERVAÇÃO E EFEITOS DE LUZ: UMA REVOLUÇÃO NA MANEIRA DE
VER O MUNDO
Após a revolução romântica com Delacroix e a revolução realista com Courbet,
uma terceira onda revolucionária marca a pintura no século XIX. Trata-se do
movimento impressionista, iniciado por Edouard Manet (1832 - 1883) e seus amigos.
Segundo esses pintores, a forma de representação na qual a arte tradicional se
baseava era totalmente artificial.
De fato, tanto os estudantes de arte quanto os pintores faziam seus modelos
posarem em estúdios, ou seja, em um ambiente fechado, onde a luz penetrava
através de uma janela provocando uma lenta transição entre as áreas de sombra e
de luz de um objeto ou de um modelo. A única função dessa luz era tornar
perceptíveis as formas e volumes do objeto retratado.
Segundo o crítico de arte E. H. Gombrich (1972, p.406), o público estava tão
acostumado a ver os objetos representados desta maneira que havia esquecido que
essas suaves graduações não costumam ser perceptíveis ao ar livre. Em ambientes
abertos, banhados pela luz natural, o que se vê, pelo contrário, são contrastes
violentos de luz e sombra. As partes iluminadas parecem muito mais brilhantes do
que quando retratadas num estúdio e mesmo as partes de sombra não são
cinzentas e monocromáticas, mas sim influenciadas pelos reflexos produzidos pelas
áreas de luz. Manet e seus seguidores provocaram uma revolução na história da
arte ao mostrar que, ao se observar a natureza ao ar livre, os objetos não são vistos
de forma isolada e uniforme, mas sim através de uma mistura de matizes de cores
que se transformam conforme as características da luz que os ilumina.
O efeito da luz do dia que esses pintores procuravam explorar costuma modificar
a aparência das formas, criando manchas, imagens de muito contraste ou
36
esmaecidas. Ao passar a retratar a natureza tal como ela se apresenta e não como
o público estava acostumado a vê-la representada, esses artistas criaram uma nova
forma de ver o mundo que chocava a sociedade e as academias da época.
Essas novas teorias não insistiam apenas no tratamento dado à iluminação. Elas
também se preocupavam em retratar somente aquilo que os olhos do espectador
realmente podem ver, num determinado instante. Esse aspecto fugaz da imagem
era retratado simplificando-se formas confusas e afastadas que passaram a ser
representadas por manchas. De fato, num determinado momento, se consegue
focalizar um ponto com os olhos, e tudo mais parece um amálgama de formas
desconexas. Pode-se saber o que representam essas formas, mas elas não são
realmente vistas. Ora, uma vez que não se vêem esses detalhes, eles também não
serão representados, mas sim simplificados e sugeridos nesse novo tipo de pintura,
exatamente como ocorre na vida real. Trata-se de uma revolução enorme não
somente na história da arte, mas também na própria maneira de se ver e de se
perceber o mundo.
Todas essas transformações ocorreram em etapas e tiveram predecessores na
história da arte, mas é através de Manet e de seus amigos que este movimento se
solidifica e acaba por se impor apesar das resistências que provocou.
De fato, essa forma de representação não era compreendida pelos pintores
acadêmicos, que recusaram repetidas vezes a entrada desse novo tipo de pintura no
tradicional Salon, numa batalha que se estendeu por mais de 30 anos. Uma dessas
obras recusadas foi O Balcão de Manet. Nessa obra, o artista renuncia ao tradicional
esquema de sombras suaves e utiliza contrastes fortes e duros. Manet queria
explorar os efeitos de luz e manchas coloridas nos motivos retratados sob a plena
luz do dia.
37
Da mesma forma, sua obra Argenteuil, de 1874, (Imagem 11) mostra um casal
retratado sob uma intensa luz do sol. Como resultado dessa iluminação,
desaparecem os volumes arredondados e as lentas transições entre áreas de luz e
sombra que tanto caracterizavam as pinturas acadêmicas. O que vemos agora são
manchas intensas de cores e fortes contrastes entre as áreas de luz e sombra. O
rosto da moça adquire uma forma plana na parte fortemente iluminada pelo sol e
encontra-se também parcialmente encoberto pela sombra do chapéu. A luz intensa
do sol aplaina também a flor de seu bouquet, que adquire a aparência de uma
mancha vermelha, quase sem contornos. Quanto ao rapaz, seus olhos são
representados por uma pequena pincelada na área de sombra - o suficiente para
que o próprio espectador “complete” o retrato.
38
Imagem 11. Argenteuil, 1874.
Édouard Manet
39
Dentre os pintores que ajudaram a desenvolver esse novo tipo de pintura,
destaca-se Claude Monet (1840-1926). Ele defendia a idéia de que toda pintura da
natureza precisa ser feita in loco. A natureza ou o motivo a ser pintado muda a cada
minuto, de acordo com a intensidade e inclinação da luz do sol ou mesmo em função
da quantidade e da movimentação das nuvens no céu. Ora, para dar conta de todas
essas modificações fugazes de maneira fiel, um pintor deveria reproduzi-las
imediatamente em sua tela, através de pinceladas rápidas e econômicas.
Conseqüentemente, o efeito resultante desse novo conceito de pintura são obras
que priorizam mais o efeito geral do que os detalhes de uma paisagem, o que não
era facilmente compreendido pelos críticos da época.
Em uma de suas primeiras obras, Mulheres no jardim (Imagem 12), Monet
mostra essa preocupação em recriar o efeito da luz ao ar livre. Os vestidos brancos
representam uma base neutra sobre a qual o artista mostra os efeitos da luz
colorida. Essa luz tinge o vestido branco de amarelo claro, nas zonas iluminadas, e
de azul e violeta, nas áreas de sombra, criando-se um contraste de cores
complementares.
o vestido de listras verdes reflete os tons da folhagem. Monet renuncia às
sombras suaves e cores quentes próprias do estúdio, substituindo-as por contrastes
de luz e sombras coloridas.
40
Imagem 12. Mulheres no jardim, 1867.
Claude Monet
Foi essa nova forma de retratar o mundo que levou Claude Monet a criar o
quadro Impression, Soleil Levant, em 1874 (Imagem 13). Essa obra, que parecia
“inacabada” aos olhos do público da época, levou um jornalista a classificar
ironicamente esse grupo de pintores de “impressionistas”, nome que eles mais tarde
aceitariam e pelo qual passaram a ser conhecidos até os dias de hoje.
Essa revolução cromática só foi possível graças ao trabalho dos pintores
impressionistas. Foi preciso que eles retratassem o mundo dessa forma para que o
espectador pudesse reconhecê-la. De fato, trata-se de uma revolução que teve sua
origem na observação.
41
Imagem 13. Impression, soleil levant, 1874.
Claude Monet
Os pintores impressionistas mais velhos, como Manet e Degas, continuavam
trabalhando principalmente dentro do estúdio, embora utilizando métodos novos.
os pintores mais jovens, como Monet, Renoir e Pissarro, utilizaram a pintura ao ar
livre como uma maneira de se investigar novas possibilidades de representação do
mundo real. Eles abandonaram os contrastes de luz e sombra e as cores escuras
como o marrom e o negro, que ainda estavam presentes nas paletas de Manet e
Degas na década de 1860.
Esses jovens pintores foram influenciados pelas cores claras e pelos céus
luminosos do pintor Eugène Boudin (1824 - 1898). Eles criaram obras feitas ao ar
livre nas quais procuravam reproduzir certos efeitos e jogos de luz. Se alguns
42
contemporâneos consideravam estas telas como simples estudos ao ar livre, para
esses pintores tratava-se, na verdade, de obras legítimas e acabadas.
Apesar de a batalha dos impressionistas ter se estendido por décadas, face à
resistência e à incompreensão da crítica e do público em geral, esse estilo de pintura
acabou por se impor. Os jovens pintores impressionistas que viveram por mais
tempo, como Monet e Renoir, tiveram seu trabalho reconhecido em vida e suas
obras extremamente valorizadas.
4.2 A INFLUÊNCIA DA FOTOGRAFIA
Uma das influências dessa nova forma de pintura foi o advento da fotografia. Em
1850, a fotografia dava seus primeiros passos e o surgimento da máquina
fotográfica instantânea e portátil ocorreria ao mesmo tempo em que a ascensão da
pintura impressionista. Vale lembrar que no passado, uma das principais funções da
pintura era a de retratar a imagem de uma pessoa notável, preservando aquele
momento para a posteridade. Além disso, não se teria conhecimento de vários
aspectos das paisagens, costumes e mesmo de espécies da fauna e da flora do
passado, se não fosse através dos pintores que os retrataram.
A partir de agora, no entanto, é a fotografia que passa a assumir essa função da
arte pictórica, de maneira bem mais eficaz e econômica. Essa transformação
representa um duro golpe para os pintores, que perdem uma parte de sua função.
No entanto, com advento da fotografia, muitos pintores sentiram-se também livres da
obrigação de representar o mundo sob um aspecto extremamente real e passaram a
procurar novos caminhos, através de uma representação mais pessoal. Foi o caso
dos impressionistas, cujo método visava a traduzir na pintura as percepções
individuais do artista, algo que não estava ao alcance da máquina fotográfica.
43
Se por um lado, os primeiros motivos da fotografia eram bastante ligados à
tradição acadêmica, algo de diferente se fazia notar nos efeitos de luz por ela
obtidos. Ao comentar a arte de Manet e seus seguidores, o historiador e pintor
Eugène Fromentin culpava a fotografia pelo declínio espiritual que se via nessas
obras. Segundo ele, esse novo tipo de pintura não apresentava os “sutis mistérios
da paleta” que tanto admirava nos pintores holandeses do século XVII.
1
De fato, a fotografia havia alterado a visão dos artistas, sobretudo no que se
refere aos efeitos de luz. Como essa nova técnica dava seus primeiros passos, as
limitações técnicas impossibilitavam a reprodução do claro-escuro, tão estimado
pelos pintores acadêmicos. O que se viam nas primeiras fotografias eram
graduações tonais simplificadas, sem as sutilezas de iluminação consideradas
fundamentais para o efeito do claro-escuro. Devido à falta de sensibilidade dos
primeiros filmes fotográficos, essas graduações tonais eram reduzidas a blocos de
luz e sombra, com fortes contrastes tonais, que aplainavam as formas
tridimensionais. Essa visão simplificada e direta do mundo natural inspirou artistas
como Manet, que viram nesse tipo de representação uma alternativa à iluminação
acadêmica.
Um exemplo dessa influência é a obra Olímpia (1863) de Manet. Nela, o pintor
utilizou uma forte iluminação frontal que eliminou as graduações tonais,
contradizendo as normas acadêmicas.
Por outro lado, a máquina fotográfica também teve grande influência na
composição das obras impressionistas. Através dela, passa-se a observar cenas
fortuitas e de ângulos e enquadramentos inesperados, bem diferentes daqueles que
se encontravam até então nas tradicionais pinturas acadêmicas.
1
Les maîtres d’autrefois, 1876.
44
Dentro desse mesmo conceito, outro fator é citado por Gombrich (1972, p.
416) como aliado na vitória do impressionismo: trata-se dos motivos e esquemas de
cores presentes nas estampas japonesas. Em meados do século XIX, quando o
Japão foi forçado a manter relações comerciais com a Europa e a América, essas
estampas eram usadas em embalagens e podiam ser compradas por preços
acessíveis. Elas tornaram-se então objeto de coleção de vários pintores
impressionistas que viam nessas estampas uma tradição não-contaminada pelas
regras de tema e de composição acadêmicas.
As pinturas japonesas passam então a representar uma nova opção artística,
uma vez que elas apresentavam composições inesperadas que mostravam figuras
cortadas pela margem da gravura ou por um objeto. Esse total desdém pelas regras
elementares de composição européia exerceu grande influência sobre os pintores
impressionistas e, ao mesmo tempo, preparou a crítica e o público para aceitá-los.
Um dos pintores que mais se aprofundou nessas novas possibilidades de
composição foi Edgard Degas (1834-1917). Em várias obras ele retratou as
bailarinas dos espetáculos que costumava assistir na Ópera de Paris. Nesses
quadros, Degas retrata não somente cenas das apresentações de ballet, como
também instantâneos do cotidiano das bailarinas nos momentos de ensaio ou de
espera entre uma apresentação e outra. Em ambos os casos, o pintor escolhe
ângulos inusitados e surpreendentes, que mais se aproximam de instantâneos de
fotografia (Imagem 14). O que lhe interessava eram os jogos de luz e sombra e a
forma como os personagens se posicionavam no espaço.
45
Imagem 14. La classe de danse, 1874.
Edgard Degas
Nesse aspecto, podemos dizer que Degas representou bem a revolução
impressionista. Uma revolução feita primeiramente pela escolha do tema: uma
escolha que privilegia temas prosaicos da cidade, das paisagens ou do cotidiano.
Em seguida, essa revolução se faz pela maneira pictórica como esse mesmo tema é
representado, privilegiando-se o aspecto instantâneo dos jogos de luz, deixando-se
de lado os detalhes para se concentrar na primeira impressão captada pela visão.
Finalmente, essa visão tem seu aspecto instantâneo complementado por seu
formato, ou seja, pelo enquadramento do motivo, que foge às regras pregadas pelos
acadêmicos e busca caminhos mais livres e experimentais para a composição.
46
Mas não foi somente na composição que as pinturas japonesas influenciaram os
impressionistas. Em 1878, Théodore Duret escreveu um importante ensaio
2
onde
dizia: “Antes do Japão, era impossível: o pintor sempre mentia. Tinha a natureza
diante de seus olhos, mas na tela se viam cores atenuadas e esmaecidas num
semitom generalizado”. Com suas cores fortes e justapostas, os japoneses
mostraram novos métodos para se reproduzir efeitos de luz, como ainda não se
havia feito na Europa. Os impressionistas adotaram da escola francesa a maneira
direta de pintar paisagens, adotando ao mesmo tempo o colorido japonês. É a partir
desses elementos que eles desenvolvem sua própria originalidade, entregando-se a
suas sensações pessoais e abrindo novos caminhos para a pintura.
4.3 A LUZ E SEU ASPECTO TRANSITÓRIO COMO PRÓPRIO TEMA DA
PINTURA: CLAUDE MONET E A CATEDRAL DE ROUEN
vimos que o interesse dos impressionistas concentrava-se nos aspectos
dinâmicos da realidade, na mudança, no movimento e, sobretudo, nas variações da
luz e das cores. Como conseqüência dessa busca, surgem obras com mais
claridade e cores mais luminosas. Esses pintores sabiam também da importância da
luz na qual um objeto se insere para a representação de sua cor. Como as telas
eram pintadas sob a luz do sol, num ambiente de muita claridade, esse aspecto
luminoso passa a ser reproduzido através da utilização de manchas de cor pura. O
resultado é uma “mistura ótica” que passa a fazer sentido e a ser decodificada
através dos olhos do observador.
Dentro dessa técnica, passamos a notar que o tema do quadro não tinha, em si,
muita importância. Tratava-se, na verdade, de um detalhe, de um subterfúgio para
2
Les peintres impressionnistes. Paris, 1878.
47
se estudar o que realmente interessava: uma experiência pictórica através da luz e
de seus efeitos transitórios.
O quadro passa também a ser uma “forma aberta”
3
que estimulará o observador
a pôr em prática um novo modo de realização visual e de percepção, ou seja, cabe
ao observador por em prática uma espécie de colaboração na decodificação da
forma pictórica e de seu conteúdo.
Nesse sentido, a pintura impressionista aproxima-se - mais que outras
técnicas - da descrição na literatura. É preciso se afastar da pintura e esperar para
que ela “tome forma” diante dos olhos do espectador, exatamente como em algumas
descrições pictóricas, como veremos mais adiante, na análise de passagens
literárias.
Assim como outros jovens impressionistas de sua época, Claude Monet utilizava
uma paleta clara e colorida. Ele costumava aplicar tintas de cores não-misturadas
diretamente sobre as telas que preparava com uma camada de branco puro. Essa
superfície brilhante reforçava ainda mais a luminosidade de cada mancha de cor
pura, provocando um efeito luminoso que reproduzia a iluminação natural de
maneira surpreendente.
Em suas grandes séries de pinturas, Monet estudava um mesmo tema em
diferentes condições climáticas e em diferentes horas do dia. Conforme o ambiente,
isto é, a luz, mudava, mudavam também as formas e as cores do objeto retratado.
Ora, se a catedral de Rouen parecia até então imutável e permanente, nas telas de
Monet ela se mostra constantemente transformada pela luz: ora em tons fortes e
quentes, ora esmaecida em tons de azul e cinza nos dias nublados, mas nunca a
mesma. A catedral de Monet se impõe pelas cores com que é retratada, ou seja, a
3
Peter H. Feist, Impressionismo, Tachen, 2006.
48
luz e seus aspectos pictóricos e transitórios tornam-se o próprio tema e sentido da
pintura (Imagem 15).
Imagem 15. Série : Catedral de Rouen, 1894.
Claude Monet
Anos mais tarde, Monet continuava seus estudos de luz, desta vez nos jardins de
Giverny, que pintou incessantemente. Em suas grandes telas dessa época, dentre
as quais se destacam as ries de ninféias, Monet retratou as diferentes matizes de
cor e reflexos de luz, produzindo obras que se aproximavam da abstração.
4.4 IMPRESSIONISMO LITERÁRIO: A PINTURA COMO UMA “ARTE
CRIADORA”
Realmente, eram muitas as revoluções propostas pelos impressionistas, e isto
talvez explique a dificuldade de sua aceitação pelo público e crítica da época. No
entanto, apesar da longa batalha desses pintores, seu triunfo final foi definitivo e eles
foram finalmente respeitados em toda a Europa.
49
O triunfo do impressionismo levou o historiador Henri Focillon a afirmar que os
maiores poetas da época eram os pintores impressionistas
4
. Segundo Arnold Hauser
(1953), o final do século XIX na França é marcado por um domínio da pintura que
chega a superar em qualidade as realizações literárias e musicais do mesmo
período. Segundo o mesmo crítico, a pintura impressionista descobriu sensações
que a poesia e a música também procuraram expressar e para as quais adaptaram
seus meios de expressão a formas pictóricas. Uma dessas adaptações se faria notar
quando o crítico Paul Bourget
5
sublinhou que, no estilo de seu tempo, a impressão
causada pela página era sempre mais forte do que a do livro todo, que a causada
por uma frase era mais profunda do que a de uma gina, e que a de uma palavra
isolada era mais impressionante do que a de uma frase. Esta definição retoma o
método impressionista (Hauser:1953), que prioriza o primeiro efeito, a primeira
impressão e no qual cada pincelada tem uma carga importantíssima para o efeito
final.
Ora, se durante toda a história a obra literária serviu como exemplo e inspiração
para a pintura, nota-se, pela primeira vez, um fenômeno inverso. A partir deste
momento e deste contexto do final do culo XIX, pode-se afirmar que pela primeira
vez a pintura se sobrepõe à literatura podendo mesmo servir como fonte inspiradora
para esta.
Ao analisar-se a evolução da pintura ao longo dos culos, nota-se que ela se
libertou de seu status de simples representação e “arte menor” que ocupava na
Idade Média, firmou-se em seguida como “arte criativa” inspirando certos artistas
como Verlaine e chega agora mais adiante. Se até então a pintura tinha apenas
servido de inspiração para alguns poucos escritores, ela assume agora uma posição
4
La peinture aux XIX
e
et XX
e
siècles, 1928, p. 200.
5
Essais de psychologie contemporaine, 1885, p. 25.
50
mais ativa e dominante, uma posição de “arte criadora”, uma vez que ela pode, pela
primeira vez, influenciar a maneira como outras formas de arte são criadas.
De fato, se a revolução impressionista afetou a maneira como as pessoas viam o
mundo, ela afetou igualmente a maneira como os escritores o viam. Um dos
objetivos deste trabalho é tentar encontrar como essa influência se faz notar em
certas obras literárias da época.
...
Outro paralelo entre esta nova forma de pintura “inacabada” e impressionista
e a nova literatura que havia surgido nesse mesmo século pode ser estabelecido ao
analisarmos uma passagem de Port-Royal
6
. Nela, Sainte-Beuve comenta que na
era do classicismo era considerado maior escritor aquele que criasse a obra mais
acabada, mais clara e mais agradável, ao passo que os modernos procuram num
escritor, sobretudo, a estimulação, isto é, oportunidades para se associarem aos
sonhos e à atividade criativa dele. Ainda segundo o mesmo autor, os escritores mais
populares são aqueles que apenas insinuam muitas coisas e sempre deixam algo
por dizer, algo que se tem de adivinhar, explicar e completar por conta própria.
Sendo assim, a obra incompleta, inexaurível, indefinível é a mais atraente, a mais
profunda e a mais expressiva. Toda a arte psicológica de Stendhal tem por objetivo
estimular o leitor a cooperar, a tomar parte ativa nas observações e análises do
autor.
Será que não poderíamos ver nessa reflexão de Saint-Beuve um paralelo com
a pintura impressionista, na qual o espectador também é chamado a completar, com
seu olhar, sua mente, sua impressão, a imagem sugerida?
6
Sainte-Beuve, Port-Royal, 1888, 5ª ed., VI, pp. 266-7.
51
Os métodos utilizados nessas duas formas de arte também parecem
apresentar pontos em comum: enquanto o escritor da segunda metade do século
XIX coloca seu personagem sob a luz complexa e fragmentada da realidade para
melhor observá-lo e descrevê-lo, o pintor impressionista coloca o seu motivo ao ar
livre, sob a imprevisível luz do dia, para poder representá-lo da forma mais real
possível. Nos dois casos, o personagem/ motivo não é importante por si mesmo,
mas sim em função do estilo pelo qual é descrito e em função da luz pela qual é
representado.
Confirmando-se estas hipóteses, poderíamos dizer que a literatura e a pintura
não estariam unidas somente pelos temas tratados, como havia sido o caso até
então, mas também pelas técnicas e metodologias que elas utilizam e pelas reações
que essas mesmas técnicas provocam até hoje no leitor e no espectador.
52
CAPÍTULO 5.
Descrição pictórica, luz e cor
53
5.1 “A AÇÃO TORNA-SE IMPRESSÃO”
Como vimos anteriormente, a história da pintura é marcada também pela
modificação dos temas pelos quais ela se interessa. No culo XIX, ficavam para
trás os temas religiosos dos primeiros tempos da pintura como simples ilustração e
também os temas clássicos e edificantes que se seguiram. Da mesma forma, no
final desse mesmo século, os temas pitorescos e exóticos do Romantismo já haviam
dado lugar a cenas simples e prosaicas do cotidiano, representadas pelos pintores
realistas.
No entanto, é interessante notar que, para a pintura impressionista que
começava a nascer por volta de 1860 com as obras de Manet, o grande interesse
não parecia ser o tema da obra em si, como se havia notado aentão, mas sim a
maneira como este era representado. A pintura passa a valorizar o aspecto
instantâneo e transitório das imagens, os reflexos, efeitos, jogos de luz e sensações
que eles provocam. Acrescentando-se a isso a invenção da fotografia, estamos
diante de um momento de independência para a pintura, como bem ilustra esta frase
de Pablo Picasso:
« La photographie est venue à point pour libérer la peinture de toute
littérature, de l’anecdote et même du sujet ».
A pintura encontra-se, a partir de então, totalmente livre das amarras da
representação. Tornando-se independente, ela está pronta para dar um grande salto
e, como disse Picasso, libertar-se até mesmo do tema, o que parecia impossível a
então.
Paralelamente, no campo da literatura, o escritor Gustave Flaubert (1821 -
1880) parecia criar um estilo que ainda não se havia visto até então. Apesar de
incompreendido e criticado em sua época, Flaubert teve seu valor inovador
54
reconhecido por autores que vieram depois dele, dentre os quais se destaca Marcel
Proust (1871-1922). Em 1920, Marcel Proust escreve uma carta à prestigiosa
publicação Nouvelle Revue Française
7
para contestar os argumentos de um artigo
que criticava o estilo de Flaubert. Diz Proust :
« Je lis seulement à l’instant l’article du distingué critique de la Nouvelle
Revue Française (Albert Thibaudet) sur Le style de Flaubert. J’ai été stupéfait,
je l’avoue, de voir traité de peu de doué pour écrire, un homme qui par l’usage
entièrement nouveau et personnel qu’il a fait du passé défini, du passé
indéfini, du participe présent, de certains pronoms et de certaines
prépositions, a renouvelé presque autant notre vision des choses que Kant,
avec ses Catégories, les théories de la connaissance et de la Réalité du
monde extérieur. »
Proust admirava as construções rebuscadas das frases de Flaubert que, por
sua vez, costumava citar uma frase de Montesquieu como seu modelo de sintaxe
perfeita:
« Les vices d’Alexandre étaient extrêmes comme ses vertus ; il était terrible
dans la colère ; elle le rendait cruel. » (Montesquieu)
Flaubert admirava o encadeamento das diferentes orações que pareciam
formar uma corrente de sentidos: o complemento nominal na primeira oração torna-
se o sujeito da segunda e o complemento circunstancial da segunda torna-se sujeito
da terceira. Ele utilizou e desenvolveu esta técnica no seu romance Madame Bovary
(1857).
Flaubert também foi criticado por suas longas descrições que foram
chamadas de inúteis, gratuitas e também consideradas como um ornement. Esse
7
Marcel Proust, « A propos du ‘style’ de Flaubert », article publié dans la La Nouvelle Revue Française, janvier
1920 et repris dans Chronique, Paris, Gallimard, 1928.
55
“problema” foi evocado pelos irmãos Goncourt após a leitura das obras Salamm e
Madame Bovary, como vemos a seguir:
Puis il y a une grande fatigue dans ces éternelles descriptions, dans ces
signalements, bouton à bouton, des personnages, dans ce dossier miniaturé
de chaque costume. La grandeur des groupes disparaît par là. Les effets
deviennent menus et concentrés sur un point ; les robes marchent sur les
visages, les paysages sur les sentiments.
[...]
On ne peut nier que pour la volonté, la précision de la couleur locale,
empruntée à toutes les couleurs locales de l’orient, il n’arrive par moments à
un transport des yeux et de la pensée dans le monde de son roman ; mais il
donne bien plus l’étourdissement que la vision. Les tableaux, dont tous les
plans sont au même plan, se mêlent et s’embrouillent.
8
Au fond et dans le vrai, Madame Bovary - un chef d’oeuvre dans le genre, le
dernier mot du vrai dans le roman - représente un côté très matériel de l’art et
de la pensée. Les accessoires y vivent autant et presque au même plan que
les gens. Le milieu des choses y a tant de relief autour des sentiments et des
passions, qu’il les étouffe presque. C’est une oeuvre qui peint aux yeux, bien
plus qu’elle ne parle à l’âme. La partie la plus noble et la plus forte de l’oeuvre
tient beaucoup plus de la peinture que de la littérature.
9
É interessante notar na passagem : « Les accessoires y vivent autant et
presque au même plan que les gens. » que a maneira como se e se descreve
passa a ganhar mais importância do que o tema descrito. É a valorização do estilo e
das sensações em detrimento do tema e das ações - também na literatura.
8
E. et J. de Goncourt, Journal. Mémoires de la vie littéraire, Éd. R. Ricatte, Paris, Robert Laffont, 1989, t. I,
p. 692 (1861).
9
Ibid., p. 642 (1860).
56
Vale ainda lembrar a frase de Julien Gracq, segundo a qual a descrição é “o
que na literatura mais se aproxima de um quadro.”
10
E é justamente esse excesso
de descrições e de elementos visuais que é criticado pelos Goncourt por pertencer
mais ao campo da pintura do que da literatura.
De fato, se na obra de Balzac, um dos modelos literários de Flaubert, nota-se
a importância das ações dos personagens para sua caracterização e compreensão,
na obra de Flaubert o tempo e o espaço parecem se reduzir a um plano suspenso
no tempo, onde o estilo é mais importante do que a ação. Esse autor dizia querer
fazer um livro sobre « nada », pois, no seu modo de ver, as mais belas obras eram
aquelas onde havia menos matéria. Talvez pudéssemos ver certa independência
da literatura, que se torna mais autônoma ao poder libertar-se do tema e da função
narrativa.
Ainda no artigo À propos du « style » de Flaubert, Proust comenta esta nova
função estética da literatura na seguinte passagem:
« Dans L’Éducation Sentimentale, la révolution est accomplie ; ce qui jusqu’à
Flaubert était action devient impression. Les choses ont autant de vie que les
hommes, car c’est le raisonnement qui [après] coup assigne à tout
phénomène visuel des causes extérieures, mais dans l’impression première
que nous recevons cette cause n’est pas impliquée. »
Neste trabalho, pretendemos pesquisar uma possível influência das técnicas
de representação impressionista na produção literária da época. É por essa razão
que a frase de Proust: “ce qui jusqu’à Flaubert était action devient impression” nos
10
Julien Gracq En lisant, en écrivant (1980), in Oeuvres complètes, éd. B. Boie et Cl. Dourguin. Gallimard,
coll. « Bibliothèque de la Pléiade », Paris, 1989-1995, p.564
57
leva a buscar nesse autor nosso primeiro objeto de estudo. Buscaremos na obra
L’Éducation Sentimentale (1869) elementos que confirmem esse tournant entre ação
e impressão.
Sabemos, no entanto, que o impressionismo estava nascendo nessa época e
que só surgiria oficialmente como movimento a partir da exposição de 1874, ou seja,
após a publicação desse romance. Ora, se Flaubert se inscreve ainda entre os
escritores realistas, será preciso avançar um pouco mais no tempo para se buscar
em autores posteriores o desenvolvimento e uma possível intensificação desse olhar
impressionista na literatura. Isso se faatravés do estudo das obras L’Assommoir
(1877), Nana (1880) e Au Bonheur des Dames (1883), do escritor Émile Zola (1840-
1902). A escolha desses romances pode ser justificada pelo fato de eles
apresentarem numerosas descrições de temas urbanos, sobretudo da cidade de
Paris no final do século XIX, sem deixar de lado as paisagens do campo -
exatamente como na pintura impressionista.
Quanto a Zola, além de contemporâneo do movimento impressionista, ele
também é conhecido por suas longas e detalhadas descrições, que vêm a ser o
principal objeto de estudo deste trabalho. Vale ainda lembrar que Zola foi um grande
defensor do movimento impressionista, tendo dedicado algumas críticas de arte a
esse novo estilo de pintura.
É interessante notar que, no século XIX, a crítica de arte era uma passagem
obrigatória na carreira de vários homens de letras. Foi somente no final do século
que ela tornou-se uma atividade independente. Segundo o crítico Bernard Vouilloux
(2003), essa formação comum aos homens de letras e aos críticos de arte explica
porque eles dividem certo número de noções e de conceitos. Por isso, eles tratam
em termos similares a questão do detalhe na pintura e na literatura durante os anos
58
1850 a 1870. Segundo o mesmo autor
11
, isso pode ser notado ao compararmos as
críticas ao estilo de Flaubert com a seguinte crítica de Thoré-Bürger, destinada ao
pintor Manet durante o Salon de 1868:
« Son vice actuel est une sorte de panthéisme qui n’estime pas plus une tête
qu’une pantoufle ; qui parfois accorde même plus d’importance à un bouquet
de fleurs qu’à la physionomie d’une femme, par exemple dans son tableau
Chat Noir ; qui peint tout ou presque uniformément, les meubles, les tapis, les
livres, les costumes, les chairs, les accents du visage, par exemple dans son
portrait de M. Émile Zola, exposé au présent Salon »
Vale notar que todas as obras a serem aqui analisadas situam-se ainda
dentro no realismo, época em que a transposição de aspectos sensoriais da pintura,
da música e da fotografia para o texto literário começava a se estabelecer. Esse
diálogo viria a se intensificar mais tarde, principalmente no início do século XX,
com escritores como Marcel Proust. No entanto, apesar de nos dedicarmos neste
trabalho a autores do período realista, nosso objeto de estudo não será a narração,
mas sim as seqüências descritivas que permeiam as obras desses escritores. É a
partir da análise dessas seqüências que tentaremos estabelecer uma analogia entre
dois sistemas de representação: o texto literário e a pintura.
11
Bernard Vouilloux, “Les tableaux de Flaubert”, in Poétique, nº 135, septembre 2003, pp. 259-287.
59
5.2 DESCRIÇÃO PRAGMÁTICA E DESCRIÇÃO PICTÓRICA
Não foi somente Flaubert que recebeu criticas por suas longas seqüências
descritivas. O lingüista Jean-Michel Adam (1997) nos lembra que a descrição
encontrou resistências ao longo da história; ela era considerada como um simples
ornamento inútil que quebrava o ritmo da narração. Segundo o mesmo autor, várias
críticas ao longo dos séculos vêm provar essa desconfiança como podemos ver
nestes textos de Marmontel e de Paul Valéry:
Toute composition raisonnable doit former un ensemble, un Tout, dont les
parties sont liées, dont le milieu réponde au commencement, et la fin au
milieu : c’est le precepte d’Aristote et d’Horace. Or, dans le poème descriptif,
nul ensemble, nul ordre, nulle correspondance : il y a des beautés, je le crois,
mais des beautés qui se détruisent par leur succession monotone, ou leur
discordant assemblage.
12
Toute description se réduit à l’énumération des parties ou des aspects dune
chose vue, et cet inventaire peut être dressé dans un ordre quelconque, ce
qui introduit dans l’exécution une sorte de hasard. On peut intervenir, en
général, les propositions successives, et rien nincite lauteur à donner des
formes cessairement variées à ces éléments qui sont, en quelque sorte,
parallèles. Le discours n’est plus qu’une suite de substitutions. D’ailleurs, une
telle énumération peut être aussi brève ou aussi veloppée quon le voudra.
On peut décrire un chapeau en vingt pages, une bataille en vingt lignes.
13
12
J.-F. Marmontel, Éléments de littérature, (1787) Oeuvres complètes, Paris, Verdière, tome 2, p. 444.
13
Paul Valéry, Oeuvres, Pléiade, tome 2, pp. 1324-1325.
60
De fato, essa autonomia que a descrição proporciona ao escritor era muitas
vezes vista pelos críticos como uma anarquia, uma vez que, numa enumeração, por
exemplo, não é preciso seguir um plano ou uma ordem coerente. Por esse motivo, a
narração era considerada como uma forma mais próxima do ideal prescrito pela
estética clássica.
Por outro lado, em seu artigo La description “picturale”, (Poétique, 1997), Liliane
Louvel nos lembra que, apesar desse descaso, a descrição aparece constantemente
como objeto de estudo nos manuais de retórica e que, muitas vezes, ela está
associada a um termo pictórico ou visual. Deste modo, a descrição foi definida
como “uma pintura verdadeira e animada de objetos” ou ainda como uma “figure de
pensée” como vemos nesta passagem da Encyclopédie no século XVIII:
“La description est une figure de pensée par développement qui, au lieu
d’indiquer simplement un objet, le rend en quelque sorte visible, par l’exposition vive
et animée des propriétés et des circonstances les plus intéressantes. »
Segunda a autora, essa definição aproxima-se, o da descrição pragmática,
que possui uma função didática e pedagógica, mas sim da descrição pictórica, que
aparece como “l’autre du texte, langue dans la langue”, ou seja, como uma figura de
pensamento.
Em um de seus estudos sobre o texto descritivo, Phillipe Hamon (1981) define da
seguinte forma a descrição:
« La description n’a pas de véritable statut théorique puisqu’elle devait servir à
définir et à caractériser - elle était un peu la servante du texte - , et, à la
différence des tropes, la description ne ‘détourne’ pas un sens propre en un
61
sens figuré, un sens premier en un sens second, ne change aucun ordre
normal en ordre artistique. »
14
Louvel cita essa passagem de Hamon para mostrar como essa descrição
pragmática diferencia-se da descrição pictórica. Diz a autora:
Si la description picturale suspend bien le texte, dans un effet d’expansion, de
dilatation, elle « résiste à la linéarité » en ajoutant un espace, celui de l’image
mentale, dont l’étendue n’a pour limites que l’imagination, la culture artistique
et... la capacité de mémorisation du lecteur. Sa fonction n’est pas
principalement didactique ou pédagogique. Il semble que l’une de ses
fonctions majeures soit la fonction poétique, la description picturale
fonctionnant d’abord comme trope opérant un détour vers un sens « figuré »,
une « translation ».
Louvel comenta também como a descrição pictórica pode afetar o outro lado
da comunicação estética, ou seja, o pólo da recepção, quando o leitor deverá
“saber” reconhecer o aspecto pictórico e, conseqüentemente, “abrir o seu grande
livro de imagens, revisitando o seu Museu imaginário”. Sendo assim, a descrição
pictórica não somente mobiliza o extra-texto e os conhecimentos do leitor, como
também exige dele a capacidade de estocar uma informação que será reutilizada
mais tarde a partir do texto.
14
Philippe Hamon, Analyse du descriptif, Paris, Hachette, 1981.
62
5.3 EKIPHRASIS E HIPOTIPOSE: COMO RECONHECER UMA DESCRIÇÃO
PICTÓRICA?
Ainda segundo Louvel (1997), pode-se falar com segurança de “descrição
pictórica” quando se está diante de uma ekiphrasis, ou seja, da descrição na
literatura de uma obra de arte.
No entanto, nosso centro de interesse neste trabalho não é a ekiphrasis. De
fato, foi justamente por esse motivo que não escolhemos obras literárias que falem
de pintura, que tenham pintores como personagens ou que descrevam obras
pictóricas.
Nosso verdadeiro objeto de estudo constitui a hipotipose, definida por
Fontanier (1821) nos seguintes termos:
« La description donne lieu à ‘l’hypotypose’ quand l’exposition de l’objet est si
vive, si énergique, qu’il en résulte dans le style une image, un tableau. »
15
Louvel afirma que diante da hipotipose é preciso um cuidado especial para se
falar de “descrição pictórica”. Isso porque o aspecto subjetivo pode levar o leitor a
pensar estar diante de um quadro. Desta forma, é preciso que se estabeleçam com
rigor critérios textuais para que se possa afirmar com pertinência que há uma
passagem do textual para o pictórico. Neste trabalho, seguiremos esta metodologia
analisando a presença de marcadores fundamentais como o campo lexical, os
tempos verbais utilizados e ainda outros elementos como o olhar do personagem e a
determinação de sua posição espacial que precedem uma descrição.
Somente através da análise de todos esses aspectos, dentro de uma reflexão
paralela entre os dois sistemas de representação - a pintura e a literatura -
15
P. Fontanier, Les Figures du discours, Paris, Flammarion, coll. Champs (1821).
63
poderemos atestar com propriedade o aspecto pictórico das obras literárias
estudadas.
5.4 ELEMENTOS PARA UMA ANÁLISE DA SEQÜÊNCIA DESCRITIVA
Para a análise das passagens descritivas, utilizaremos neste trabalho as teorias
de tipologia de texto desenvolvidas pelo lingüista francês Jean-Michel Adam (1992).
Ele propõe cinco tipos de estruturas seqüenciais de base: narração, descrição,
argumentação, explicação e diálogo. Segundo Adam, a seqüência descritiva
obedece aos seguintes procedimentos:
Procedimento de ancoragem: por essa operação - ancoragem referencial - a
seqüência descritiva indica, através de um substantivo (tema-título):
a) no início da seqüência: a entrada de quem / do que vai se tratar (ancoragem
propriamente dita);
b) no final da seqüência: de quem / do que acaba de se tratar (condensação
lexical);
c) pode haver também uma combinação dos dois procedimentos anteriores: no final
da seqüência, retoma-se e modifica-se o tema inicial (reformulação).
Procedimento de aspectualização: se a operação de ancoragem é
responsável por colocar em evidência um todo, a aspectualização o divide em
partes. É o descritor quem determinará a escolha dos adjetivos, que poderão
ser neutros ou de caráter, isto é, portadores de um julgamento pessoal.
64
Procedimento de relação analógica: o descritor recorre a um outro objeto ou a
uma outra imagem para descrever o tema em questão. Esse procedimento
poderá ser comparativo ou metafórico.
Procedimento de encaixe por sub-temas: essa operação de encaixe de uma
seqüência na outra constitui a fonte da expansão descritiva. Nesse
procedimento, uma parte selecionada pela aspectualização pode ser
escolhida como base de uma nova seqüência, que será considerada como
novo tema-título e, por sua vez, considerada sob diferentes aspectos numa
segunda operação de aspectualização. Essa divisão da seqüência descritiva
em subseqüências pode se prolongar infinitamente.
Além desses aspectos estabelecidos por Adam, ou seja, a estrutura e os
protótipos das seqüências descritivas, estudaremos também seu conteúdo
lingüístico a partir de uma análise do vocabulário e dos tempos verbais empregados.
Finalmente, nos preocuparemos também com o efeito provocado pela descrição
pictórica, numa tentativa de se comparar os pólos receptores da literatura e da
pintura, isto é, as reações do leitor e do espectador.
65
CAPÍTULO 6.
A descrição pictórica nas obras
de Flaubert e de Zola
66
6.1 LUZ, COR E PAISAGEM
Com o advento do impressionismo, a paisagem adquire uma importância que,
até então, nunca lhe havia sido atribuída. Na época clássica, a paisagem era
representada de maneira histórica e meramente figurativa. a paisagem de
concepção romântica, mesmo com toda a sua exuberância e mistério, ainda possuía
um aspecto um tanto artificial e demasiadamente pitoresco. Foi realmente
necessário esperar as obras impressionistas, realizadas ao ar livre, para que se
pudesse conhecer uma visão mais viva, natural e fiel da natureza.
Foi com esse objetivo que os impressionistas deixaram seus ateliers e
instalaram-se nos arredores de Paris, às margens do Sena ou na região da
Normandia para estabelecerem os fundamentos de uma nova tendência pictórica.
Seguindo os passos de seus predecessores, como Millet e Courbet, que
haviam retratado a vida e os costumes do campo, a nova geração de pintores
impressionistas caminhava na mesma direção, mas chegava um pouco mais além.
Pintores como Boudin, Monet e Pissarro buscavam incessantemente traduzir a
primeira “impressão’ causada por uma paisagem e sua espontaneidade. Suas
pinturas reservavam grandes espaços para os us, seus jogos e efeitos de luz.
Eles tornavam-se o grande tema da pintura impressionista.
O mesmo fenômeno parece acontecer em certas obras literárias dessa época.
Comparemos esse céu e esse vasto espaço impressionista com algumas descrições
na literatura:
« Un côté de l’horizon commençait à pâlir, tandis que, de l’autre, une large
couleur orange s’étalait dans le ciel et était plus empourprée au faîte des
collines, devenues complètement noires. Mme Arnoux se tenait assise sur une
grosse pierre, ayant cette lueur d’incendie derrière elle. Les autres personnes
67
flânaient çà et là ; Hussonnet, au bas de la berge, faisait des ricochets sur
l’eau. » (L’Éducation sentimentale, p.103)
Notamos nessa passagem a importância que Flaubert concede à luz e a seus
efeitos luminosos. Tudo parece se modificar a cada instante e um certo aspecto
caleidoscópico e fragmentado é sugerido por expressões como “çà et e também
pelos “ricochets” na superfície da água. Ricochets esses que parecem reproduzir os
mesmos efeitos provocados pelos pintores impressionistas na nova forma de pintura
que surgia na época.
Curiosamente, a personagem de Mme Arnoux ocupa uma posição meramente
“figurativa” e estática nessa descrição. O que constitui realmente o tema principal
dessa passagem são as cores do céu, suas transformações e seus efeitos
luminosos.
É interessante notar que, por vezes, também na literatura, cada elemento da
paisagem tem sua descrição/ representação influenciada pelas cores que o rodeiam,
como numa pintura impressionista:
« Derrière les Tuileries, le ciel prenait la teinte des ardoises. Les arbres du
jardin formaient deux masses énormes, violacées par le sommet. Les becs de
gaz s’allumaient ; et la Seine, verdâtre dans toute son étendue, se déchirait en
moires d’argent contre les piles des ponts. » (L’Éducation sentimentale, p. 41)
Por vezes, outras sensações vêm se juntar a uma paisagem colorida e pouco
nítida, como vemos neste trecho:
« [...] Un air humide l’enveloppa ; il se reconnut au bord des quais.
Les réverbères brillaient en deux lignes droites, indéfiniment, et de longues
flammes rouges vacillaient dans la profondeur de l’eau. Elle était de couleur
ardoise, tandis que le ciel, plus clair, semblait soutenu par les grandes masses
d’ombres qui se levaient de chaque côté du fleuve.
68
Des édifices, que l’on n’apercevait pas, faisaient des redoublements
d’obscurité. Un brouillard lumineux flottait au-delà, sur les toits ; tous les bruits
se fondaient en un seul bourdonnement ; un vent léger soufflait.
»
(L’Éducation sentimentale, pp.68-69)
A descrição é precedida pela precisão do personagem, de sua posição
espacial e do tema-título, numa frase curta - il se reconnut au bord des quais - mas
importante pois serve de ancoragem para a seqüência descritiva. O aspecto pouco
definido do tema em questão é reforçado por expressões como: vacillaient, semblait,
apercevait, flottait, se fondait, grandes masses, brouillard lumineux. Esse vocabulário
remete a uma visão imprecisa e ao mesmo tempo luminosa da paisagem. A
utilização do pretérito imperfeito ao longo de toda a seqüência reforça seu caráter
descritivo. Trata-se de uma descrição extremamente visual e, mesmo quando outros
sentidos aparecem - como a audição em bourdonnement, o leitor permanece
inserido nesse mesmo campo lexical que remete à imprecisão e à fragmentação.
Vejamos agora como essas descrições de espaços amplos, luminosos e
pouco definidos, parecem ser retomadas e mesmo intensificadas em algumas
passagens de Zola:
« Mais, bientôt, la fenêtre les attirait, ils s’y accoudaient, s’y oubliaient dans
des bavardages rieurs, des souvenirs sans fin sur le pays de leur enfance. Au-
dessous deux, sétendait l’immense vitrage de la galerie centrale, un lac de
verre borné par les toitures lointaines, comme par des côtes rocheuses. Et ils
ne voyaient au-delà que du ciel, une nappe de ciel, qui reflétait, dans l’eau
dormante des vitres, le vol de ses nuages et le bleu tendre de son azur. [...]
Et leurs voix défaillaient, ils demeuraient les yeux fixés et perdus sur le lac
ensoleillé des vitres. Un mirage se levait pour eux de cette eau aveuglante, ils
voyaient des pâturages à l’infini, le Contentin trempé par les haleines de
l’océan, baigné d’une vapeur lumineuse, qui fondait l’horizon dans un gris
délicat d’aquarelle. » (Au Bonheur des Dames, pp. 376-377)
69
Mais uma vez, podemos notar que toda a descrição é precedida pela
definição de um ponto de referência. Primeiramente, situam-se os personagens no
espaço - la fenêtre les attirait, ils s’y accoudaient - para então passarmos à visão
que será descrita, sempre a partir desse ponto de referência, ou seja, o olhar desses
personagens a partir dessa posição espacial.
O procedimento de relação analógica pode ser observado logo no início da
passagem: Au-dessous d’eux, s’étendait l’immense vitrage de la galerie centrale, un
lac de verre borné par les toitures lointaines, comme par des côtes rocheuses. Tal
procedimento é feito primeiramente através de uma metáfora, quando a galeria é
descrita como “un lac de verre” e encadeia-se em seguida numa comparação:
borné par les toitures lointaines, comme par des côtes rocheuses.”
O que temos em seguida é uma paisagem marcada por uma sensação de
vastidão, como prova a escolha do vocabulário: sans fin, s’étendait, immense, à
l’infini, etc. O céu é o grande motivo dessa descrição - ils ne voyaient que du ciel,
une nappe de ciel - e seus efeitos de luz são o ponto de interesse dos personagens,
do escritor e, conseqüentemente, do leitor / observador, que pode quase que ‘ver’ a
cena, ou melhor, reconstruí-la mentalmente, graças à precisão dos detalhes visuais.
Faz-se também notar a abundância de termos utilizados para reproduzir as cores, os
jogos e efeitos de luz: reflétait, vitre, mirage, bleu tendre, azur, etc., dentro de um
campo lexical que remete à precisão dos efeitos visuais.
70
Imagem 16
Le Pont d’Argenteuil, 1874.
Claude Monet
Seriam esses efeitos aqueles que encontramos na natureza? Sim, mas
certamente tornaram-se mais facilmente perceptíveis a Zola graças às
representações pictóricas da época; uma comparação implícita que vem se explicitar
na última palavra da descrição que remete a um termo das artes plásticas, a
aquarela.
Vale relembrar que a pintura impressionista utilizava cores suaves e pontos
luminosos e coloridos para representar a iluminação natural e seus efeitos. Podemos
reconhecer esses elementos pictóricos na seguinte passagem :
« On avait craint de la pluie, vers dix heures ; mais le ciel, sans se découvrir,
s’était comme fondu en un brouillard laiteux, une poussière lumineuse, toute
blonde de soleil. » (Nana, p. 204).
71
Nessa descrição do céu, reencontramos as cores esmaecidas - un brouillard
laiteux - os pontos de luz - une poussière lumineuse - e as imagens pouco definidas
que tanto marcam a pintura da época. Curiosamente, essas expressões retomam o
mesmo vocabulário utilizado por Flaubert na passagem citada anteriormente: un
brouillard lumineux (L’Éducation sentimentale, p. 68).
Elementos semelhantes podem ser identificados nesta outra passagem de
Zola:
« Paris, autour d’eux, étendait son immensité grise, aux lointains bleuâtres,
ses vallées profondes, où roulait une houle de toitures ; toute la rive droite
était dans l’ombre, sous un grand haillon de nuage cuivré ; et, du bord de ce
nuage, frangé d’or, un large rayon coulait, qui allumait les milliers de vitres de
la rive gauche d’un pétillement d’étincelles, détachant en lumière ce coin de la
ville sur un ciel très pur, lavé par l’orage. » (L’Assomoir, p.107)
Mais uma vez, reencontramos a precisão do tema-título - a cidade de Paris - e
o ponto de referência precedendo a descrição - autour d’eux - como se fosse o olhar
do espectador. Seguem-se elementos que também remetem à sensação de
vastidão, de espaço. Notamos também que, como numa pintura, os elementos mais
afastados tendem a se fundir, a se homogeneizar em tons mais frios e neutros -
immensité grise, lointains bleuâtres.
Como citamos anteriormente, Lessing definiu o espaço como o domínio da
pintura e o tempo como o da literatura. De fato, numa pintura, o tempo parece parar
a fim de nos concentrarmos, em um determinado instante, numa representação do
espaço. A literatura, ao contrário, tem o poder de acompanhar um personagem ao
longo de sua vida e, dessa forma, narrar o tempo.
72
No entanto, vale notar que, numa longa descrição, a literatura se aproxima um
pouco mais da pintura, pois é como se ela parasse no tempo por alguns instantes
para fornecer ao leitor/ observador uma explicação/ representação espacial.
Dessa forma, algumas descrições da literatura francesa no final do culo
XIX, parecem também querer dar conta de alguns momentos visuais efêmeros da
natureza e da paisagem, tal como os pintores impressionistas em suas
representações. Podemos notar tal fenômeno na descrição acima, quando Zola
descreve a luz que ilumina essa paisagem, bem como os seus efeitos: un large
rayon coulait, qui allumait les milliers de vitres de la rive gauche d’un tillement
d’étincelles, détachant en lumière ce coin de la ville”. Ou seja, a luz e seus efeitos
transitórios passam a ser um tema pertinente também para a literatura da época.
Analisaremos em seguida algumas passagens no romance Nana, de Émile
Zola, nas quais o autor descreve os efeitos provocados no céu pelos diferentes tipos
de luz:
« Ce dimanche-là, par un ciel orageux des premières chaleurs de juin, on
courait le Grand Prix de Paris au bois de Boulogne. Le matin, le soleil s’était
levé dans une poussière rousse. Mais, vers onze heures, au moment les
voitures arrivaient à l’hippodrome de Longchamp, un vent du sud avait bala
les nuages ; des vapeurs grises s’en allaient en longues déchirures, des
trouées d’un bleu intense s’élargissaient d’un bout à lautre de l’horizon. Et,
dans les coups de soleil qui tombaient entre deux nuées, tout flambait
brusquement, la pelouse peu à peu emplie d’une cohue d’équipages, de
cavaliers et de piétons, la piste encore vide, avec la guérite du juge, le poteau
d’arrivée, les mâts des tableaux indicateurs, puis en face, au milieu de
l’enceinte du pesage, les cinq tribunes symétriques, étageant leurs galeries de
briques et de charpentes. Au-delà, la vaste plaine s’aplatissait, se noyait dans
la lumière de midi, bordée de petits arbres, fermée à l’ouest par les coteaux
boisés de Saint-Cloud et de Suresnes, que dominait le profil sévère du mont
Valérien. » (Nana, p. 353)
73
Trata-se de uma descrição totalmente dedicada ao céu, à sua luz e aos seus
efeitos. A sensação novamente é de amplitude, como reforça o vocabulário:
s’élargissait d’un bout à l’autre de l’horizon, la vaste plaine, etc.
Notamos também que certos aspectos da paisagem são descritos como
elementos gráficos: “des trouées d’un bleu intense”; “bordée de petits arbres”; “le
profil sévère du mont Valérien”, o que proporciona ao leitor uma representação
completa da cena, com formas e cores, descritos com ajuda de um campo lexical
normalmente utilizado no domínio das artes plásticas.
Na frase “des trouées d’un bleu intense s’élargissaient d’un bout à l’autre de
l’horizon”, é difícil não se lembrar das pinturas de Boudin (Imagens 17 e 18) e da
própria frase que ele utilizou para definir o objetivo do movimento impressionista: “O
estudo da luz plena, do ar livre e da sinceridade na reprodução dos efeitos do céu”.
Imagem 17 : La plage de Trouville, 1863.
Eugène Boudin
74
Imagem 18 : Scène de plage à Trouville, 1863.
Eugène Boudin
A luz momentânea, fugaz, que muda as cores e a paisagem aparece na
expressão: “Et, dans les coups de soleil qui tombaient entre deux nuées, tout
flambait brusquement.” É interessante notar a importância da fugacidade do
momento nesta descrição da luz e do efeito que ela produz.
Esse tipo de descrição havia sido anunciado por Flaubert em L’Éducation
sentimentale, como podemos notar na seguinte passagem :
« Des femmes, nonchalamment assises, dans des calèches, et dont les voiles
flottaient au vent, défilaient près de lui, au pas ferme de leurs chevaux, avec
un balancement insensible qui faisait craquer les cuirs vernis. Les voitures
devenaient plus nombreuses, et, se ralentissant à partir du Rond-Point, elles
occupaient toute la voie. Les crinières étaient près des crinières, les lanternes
près des lanternes ; les étriers d’acier, les gourmelettes d’argent, les boucles
de cuivre, jetaient çà et des points lumineux entre les culottes courtes, les
gants blancs, et les fourrures qui retombaient sur le blason des portières. Il se
75
sentait comme perdu dans un monde lointain. Ses yeux erraient sur les têtes
féminines ; et de vagues ressemblances amenaient à sa mémoire Mme
Arnoux. Il se la figurait, au milieu des autres, dans un de ces petits coupés,
pareils au coupé de Mme Dambreuse. Mais le soleil se couchait, et le vent
froid soulevait des tourbillons de poussière. Les cochers baissaient le menton
dans leurs cravates, les roues se mettaient à tourner plus vite, le macadam
grinçait ; et tous les équipages descendaient au grand trot la longue avenue,
en se frôlant, se dépassant, sécartant les uns des autres, puis, sur la place de
la Concorde, se dispersaient. » (L’Éducation sentimentale, p.41)
Mais uma vez notamos a utilização do pretérito imperfeito que atravessa toda
a seqüência descritiva. Além disso, essa passagem se detém nos mesmos aspectos
que interessariam a Zola e pelos quais Flaubert fora criticado: a importância
concedida aos detalhes, o ritmo entrecortado, o aspecto fragmentado do texto - ses
yeux erraient sur les têtes féminines - e, finalmente, os pontos luminosos que
permeiam a descrição : les étriers d’acier, les gourmelettes dargent, les boucles de
cuivre, jetaient çà et des points lumineux entre les culottes courtes, les gants
blancs, et les fourrures (...)
É interessante notar como essas mesmas impressões luminosas e
fragmentadas são retomadas por Zola na seguinte passagem de Nana:
« Par moments, un cavalier passait, un flot de piétons courait, effaré, à travers
les équipages. Sur l’herbe, tout d’un coup, le roulement lointain qui venait des
allées du Bois cessait dans un frôlement sourd ; on n’entendait plus que le
brouhaha de la foule croissante, des cris, des appels, des claquements de
fouet, envolés dans le plein air. Et, lorsque le soleil, sous les coups de vent,
reparaissait au bord d’un nuage, une traînée d’or courait, allumait les harnais
et les panneaux vernis, incendiait les toilettes ; tandis que, dans cette
poussière de clarté, les cochers, très hauts sur leurs sièges, flambaient avec
leurs grands fouets. » (Nana, p.357)
76
Mais uma vez, é a mudança da aparência dos elementos provocada pela luz
que interessa o escritor, como podemos ver na tentativa de reprodução desses
efeitos: lorsque le soleil [...] reparaissait au bord d’un nuage [...] une traînée d’or
courait, [...] incendiait les toilettes [...] dans cette poussière de clarté”. O uso de
expressões como: par moments”, “tout d’un coup” et “lorsquereforça a importância
do caráter transitório, instantâneo e fugaz desses efeitos de luz, enquanto que a
expressão “poussière de clarté” parece remeter à luz soberana e fragmentada da
pintura impressionista.
Observemos ainda esta passagem que aparece um pouco mais adiante no
mesmo romance:
« Mais l’averse cessait déjà, le soleil resplendissait dans la poussière de pluie
qui volait encore. Une déchirure bleue s’ouvrait derrière la nuée, emportée au-
dessus du Bois. Et c’était comme une gaité du ciel, soulevant des rires des
femmes rassurées ; tandis que la nappe d’or, dans l’ébrouement des chevaux,
dans la débandade et l’agitation de cette foule trempée qui se secouait,
allumait la pelouse toute ruisselante de gouttes de cristal. » (Nana, p.365)
Se alguns momentos antes, o autor havia descrito o céu com “des trouées
d’un bleu intense”, encontramos agora a expressão “une déchirure bleue”. Podemos
notar que esse vocabulário utilizado na descrição da paisagem remete igualmente a
um suporte material, como o papel ou a tela nas artes plásticas. Mais uma vez
encontramos também a expressão “poussière”, que retoma a imagem de elementos
fragmentados, mas que, desta vez, encontram-se unidos pela luz na qual estão
banhados. Essa luz unificadora é descrita na passagem: “une nappe d’or [...] allumait
la pelouse toute ruisselante de gouttes de cristal.” Não estamos diante de uma
iluminação qualquer, mas sim, de uma luz cristalina que produz efeitos pontilhados
na paisagem. O escritor precisa os detalhes dessa luz através de procedimentos
77
analógicos que serão recodificados pelo leitor na representação mental que ele fará
dessa descrição.
Ainda dentro desse aspecto unificador exercido pela luz na descrição de Zola,
as massas na paisagem parecem se fundir, se esmaecer, se unificar. O que passa
então a ocupar realmente o centro de interesse na descrição o os brilhos, pontos
e efeitos de luz produzidos nesta iluminação intensa e ao mesmo tempo fugaz.
Observemos esta passagem:
« Mais une gaité, tout d’un coup, chauffa les cent mille âmes qui couvraient ce
bout de champ d’un remuement d’insectes, affolés sous le vaste ciel. Le soleil,
caché depuis un quart d’heure, reparut, s’épandit en un lac de lumière. Et tout
flamba de nouveau, les ombrelles des femmes étaient comme des boucliers
d’or, innombrables, au-dessus de la foule. On applaudit le soleil, des rires le
saluaient, des bras se tendaient pour écarter les nuages. » (Nana, p.379)
Encontramo-nos novamente diante de uma luz repentina - “tout d’un coup” -
que muda a aparência dos objetos. Uma cor quente e amarelada domina a
descrição, como podemos notar através das palavras: soleil, lumière, flamber, or.
Além disso, é interessante observar que os objetos são descritos não por suas
formas em si, mas sim, pelas impressões visuais que eles provocam no espectador.
Notamos que a luz é a grande responsável pela mudança das formas e aparências
dos objetos e pelas impressões que decorrem dessa iluminação: les ombrelles des
femmes étaient comme des boucliers d’or”. Nessa relação analógica, a expressão
“étaient comme” reforça a idéia de impressão, ou seja, o que realmente se
descrevem não são os objetos em si, mas sim a maneira como eles se apresentam
aos olhos do escritor, numa tentativa de se reproduzir essa mesma impressão aos
olhos do leitor.
78
Ao se comparar essa descrição com a obra O Baile no Moulin de la Galette,
(Imagem 19) de Pierre-Auguste Renoir, parece que nos encontramos, não diante da
mesma paisagem, mas diante da mesma luz, do mesmo tipo de iluminação. Trata-se
de uma luz fragmentada, provocada por uma breve aparição do sol que ilumina
apenas algumas partes da multidão provocando uma visão composta por diversos
pontos de luz. Luz esta que parece ser o verdadeiro motivo e objeto de estudo não
somente da pintura, mas também de algumas descrições literárias da época.
Imagem 19 :
O Baile no Moulin de la Galette, 1876.
Pierre-Auguste Renoir
79
6.2 LUZ, COR E AMBIENTES
Vários críticos de arte consideram Claude Monet como o grande pintor
impressionista por excelência. De fato, ele pertence a uma geração mais jovem que
a de Manet e pôde desenvolver e levar mais longe essas novas concepções de
representação da natureza. Foi ele quem levou ao seu extremo o interesse em
representar os efeitos de luz e sua transitoriedade.
Sua paleta era clara e colorida e suas telas eram preparadas com uma
camada de branco puro, o que reforçava a luminosidade dos pigmentos. Sobre essa
preparação, Monet aplicava inúmeras pinceladas de tintas não misturadas, criando
um efeito de aparência desigual, frenética e irregular. O grande “milagre’ de sua
pintura acontece quando o espectador se afasta um pouco da mesma: todas as
inúmeras pinceladas parecem fundir-se numa visão, criando uma unidade em
cada obra. Ou seja, os diversos pontos luminosos e as coloridas sombras
resplandecentes fundem-se numa única visão que parece se cristalizar e tornar
acessível aos olhos do espectador a fugacidade de um momento. É interessante
notar que esse ‘sentido” dado à pintura é possível graças à colaboração do
espectador que deve exercer uma posição ativa na reconstrução da obra.
Essa cnica de representação da luz e de seus efeitos fragmentados é
perceptível nas primeiras obras de Monet (imagem 20) e atingirá sua plenitude
quando, anos mais tarde, o pintor instala-se em Giverny e passa a pintar seu famoso
jardim (imagem 21).
80
Imagem 20 : Le Déjeuner, 1873.
Claude Monet
Imagem 21 : Le Bassin aux Nymphéas, 1899.
Claude Monet
81
Poderíamos estudar nessa técnica de Monet, não somente as cores e a
luminosidade do impressionismo, mas também o seu “ritmo”, a sua complexa
composição. Com certeza, não se trataria de um ritmo uníssono e uniforme, mas sim
de um ritmo onomatopéico que parece traduzir em inúmeras pinceladas a própria
essência da natureza, a própria essência da luz. Talvez pudéssemos comparar a
estrutura pictórica da pintura impressionista à própria luz branca, que, apesar de
compor um único tom, é formada por todos eles; uma composição complexa que
resulta em surpreendente simplicidade.
Esse aspecto fragmentado, entrecortado e pontilhado das pinturas
impressionistas parece às vezes encontrar um eco em algumas passagens de
Flaubert. Como vimos anteriormente, esse autor interessava-se particularmente pela
descrição e pelos detalhes. Observemos a seguinte passagem do romance
L’Éducation sentimentale :
« Frédéric dîna seul, puis flâna sur les boulevards.
Des nuages roses, en forme d’écharpe, s’allongeaient au-dedes toits ; on
commençait à relever les tentes des boutiques ; des tombereaux d’arrosage
versaient une pluie sur la poussière, et une fraîcheur inattendue se mêlait aux
émanations des cafés, laissant voir par leurs portes ouvertes, entre des
argenteries et des dorures, des fleurs en gerbe qui se miraient dans les
hautes glaces. La foule marchait lentement. Il y avait des groupes d’hommes
causant au milieu du trottoir ; et des femmes passaient, avec une molesse
dans les yeux et ce teint de camélia que donne aux chairs féminines la
lassitude des grandes chaleurs. » (L’Éducation sentimentale, p.108)
Novamente a seqüência descritiva é precedida pela definição de quem a
cena (Frédéric) e do que será descrito (les boulevards), numa operação de
ancoragem referencial acompanhada da precisão do ponto de observação.
82
Mais do que os fatos, o que interessa a Flaubert nessa passagem é a
impressão, ou melhor, as impressões causadas pela cena: trata-se de impressões
visuais, policromáticas, cheias de reflexos e nuances, como provam as seguintes
expressões: poussière, argenterie, dorures, se miraient, glaces.
Vale notar também que encontramos nessa passagem a evocação de outros
sentidos através de palavras como: arrosage, émanations des cafés, fraicheur,
chaleurs. Esses termos, que remetem a sensações táteis e olfativas, envolvem ainda
mais profundamente o leitor dentro da descrição.
Observemos a seguir outra passagem do mesmo romance na qual Flaubert
descreve a cena de um baile em Paris:
« Deux galeries moresques s’étendaient à droite et à gauche, parallèlement.
Le mur d’une maison, en face, occupait tout le fond, et le quatrième cô(celui
du restaurant) figurait un cloître gothique à vitraux de couleurs. Une sorte de
toiture chinoise abritait l’estrade jouaient les musiciens ; le sol autour était
couvert d’asphalte, et des lanternes vénitiennes accrochées à des poteaux
formaient, de loin, sur les quadrilles, une couronne de feux multicolores. Un
piédestal, çà et là, supportait une cuvette de pierre, d’ s’élevait un mince
filet d’eau. On apercevait dans les feuillages des statues en plâtre, Hébés ou
Coupidons tout gluants de peinture à l’huile ; et les allées nombreuses,
garnies d’un sable très jaune soigneusement ratissé, faisaient paraître le
jardin beaucoup plus vaste qu’il ne l’était. » (L’Éducation sentimentale, p. 90)
Mais uma vez encontramos uma descrição complexa na qual predomina uma
visão composta por pontos coloridos de luz, como provam as expressões: vitraux de
couleurs, lanternes vénitiennes, feux multicolores, çà et . A justaposição de frases
entrecortadas reforça ainda essa idéia de fragmentação. Curiosamente, a descrição
é também marcada pela impressão, como vemos no emprego de verbos como:
apercevoir et faire paraître.
83
Apesar de estarem mais evidentes em L'Éducation sentimentale, alguns
desses elementos descritivos haviam sido utilizados por Flaubert em Madame
Bovary, como podemos notar nesta passagem do romance:
« Puis on distinguait à peine ceux qui suivaient, car la lumière des lampes,
rabattue sur le tapis vert du billard, laissait flotter une ombre dans
l'appartement. Brunissant les toiles horizontales, elle se brisait contre elles en
arêtes fines, selon les craquelures du vernis ; et de tous ces grands carrés
noirs bordés d'or sortaient, çà et là, quelque portion plus claire de la peinture,
un front pâle, deux yeux qui vous regardaient, des perruques se déroulant sur
l'épaule poudrée des habits rouges, ou bien la boucle d'une jarretière au haut
d'un mollet rebondi.» (Madame Bovary, p.115)
Essa seqüência descritiva anuncia o interesse de autor pela impressão,
pelos efeitos e manchas de luz que formam o "quadro" a ser descrito.
Ao analisarmos essas descrições de Flaubert, notamos como elas foram
importantes para outros escritores que vieram em seguida, como Émile Zola.
Podemos notar a influência de Flaubert não somente na escolha dos temas em
questão (ruas e ambientes de Paris), mas, sobretudo, na construção complexa das
frases e em outros elementos que analisaremos nesta passagem do romance Au
Bonheur des Dames, na qual Zola descreve os interiores de uma loja de tecidos em
Paris:
«[...] Aussi, commençaient-ils à ne plus se reconnaître sur les comptoirs
envahis, où les tissus se mêlaient et s’écroulaient. C’était une mer montante
de teintes neutres, de tons sourds de laine, les gris fer, les gris jaunes, les gris
bleus, éclataient çà et des bariolures écossaises, un fond rouge sang de
flanelle. Et les étiquettes blanches des pièces étaient comme une volée de
rares flocons blancs, mouchetant un sol noir de décembre. » (Au Bonheur des
Dames, p.118)
84
Na primeira frase, situam-se os objetos a serem descritos e o lugar onde se
encontram, num procedimento de ancoragem. a partir da frase seguinte, a
descrição é feita através do procedimento de relação analógica que se manifesta
através de métáforas - “C’était une mer montante de teintes neutres...” - e de
comparações - « les étiquettes blanches des pièces étaient comme une volée de
rares flocons blancs. »
Como em Flaubert, notamos também aqui uma justaposição de períodos
curtos, entrecortados e ritmados por vírgulas, que parecem remeter à justaposição
das cores descritas: les gris fer, les gris jaunes, les gris bleus”. Temos a impressão
de estar diante de um mosaico de cores composto por pequenas pinceladas, ou
seja, por curtos períodos coloridos. Estamos diante de uma visão multicolorida,
multifacetada e pontilhada, como indicam as palavras: “éclataient çà et là”,
“mouchetant”, etc. No entanto, a impressão de uniformidade é a que prevalece,
formando uma imagem única, como mostra a passagem: C’était une mer montante
de teintes neutres”. De fato, as comparações reforçam a importância da impressão
causada por essa visão, como atesta também a frase: Et les étiquettes blanches
des pièces étaient comme une volée de rares flocons blancs, mouchetant un sol noir
de décembre. »
Observemos ainda a seguinte passagem do mesmo romance:
« A la soie, la foule était aussi venue. On s’écrasait surtout devant l’étalage
intérieur, dressé par Hutin, et Mouret avait donné les touches du maître.
C’était, au fond du hall, autour d’une des colonnettes de fonte qui soutenaient
le vitrage, comme un ruissellement d’étoffe, une nappe bouillonnée tombant
de haut et s’élargissant jusqu’au parquet. Des satins clairs et des soies
tendres jaillissaient d’abord : les satins à la reine, les satins rennaissance, aux
tons nacrés d’eau de source ; les soies légères aux transparences de cristal,
vert Nil, ciel indien, rose de mai, bleu Danube. Puis, venaient les tissus plus
85
forts, les satins merveilleux, les soies duchesse, teintes chaudes, roulant à
flots grossis. Et, en bas, ainsi que dans une vasque, dormaient les étoffes
lourdes, les armures façonnées, les damas, les brocarts, les soies perlées et
lamées, au milieu d’un lit profond de velours, tous les velours, noirs, blancs,
de couleur, frappés à fond de soie ou de satin, creusant avec leurs taches
mouvantes un lac immobile semblaient danser des reflets de ciel et de
paysage. Des femmes, pâles de désirs, se penchaient comme pour se voir. »
(Au Bonheur des Dames, p.120)
Reencontramos o mesmo ritmo frenético, justaposto e cheio de cores
descritas em todas as suas nuances, efeitos e reflexos. A comparação com o mar,
que havia começado na passagem estudada anteriormente, continua a ser feita
nesta descrição, através do emprego de um campo lexical ligado à água: un
ruissellement, jaillissaient, tons nacrés d’eau de source, roulant à flots grossis, un lac
immobile e na utilização de nomes de rios - Nil, Danube - para se precisar as cores
dos tecidos.
A imagem do lago é interessante, pois vem, no final da descrição, formar uma
imagem única, num procedimento de reformulação do tema-título através de uma
metáfora. Vale comparar esse procedimento de descrição com a técnica
impressionista: mesmo composta por inúmeros elementos fragmentados, reflexos,
nuances e pontos de luz, a imagem final que será recomposta pelo espectador e
pelo leitor é uma - e é justamente esta imagem final que dasentido à pintura e
à descrição.
Ao compararmos essas duas passagens, notamos vários elementos em
comum, mas, na primeira parte, Zola parte da visão/ impressão do todo (“comme
une mer”) para dirigir-se ao detalhe, às nuances e às cores. na segunda
86
descrição, ele parece seguir o caminho inverso, partindo da multidão de cores e
reflexos para chegar à imagem final do lago.
Vale comparar a frase: « ...creusant avec leurs taches mouvantes un lac
immobile semblaient danser des reflets de ciel et de paysage... » com alguns
exemplos da série de Nymphéas de Monet (Imagens 22 e 23). Mesmo sendo
posteriores ao romance, as obras de Monet parecem atingir a plenitude dessa
riqueza pictórica que é a própria essência da pintura impressionista.
Imagem 22
Les Nymphéas, 1904.
Claude Monet
87
« ...creusant avec leurs taches mouvantes un lac immobile où semblaient danser des reflets de ciel et
de paysage... »
Imagem 23
Les Nymphéas, 1904.
Claude Monet
A imagem caleidoscópica formada pela variedade de cores e elementos
aparece também nesta passagem do mesmo romance:
« C’était l’exposition des ombrelles. Toutes ouvertes, arrondies comme des
boucliers, elles couvraient le hall, de la baie vitrée du plafond à la cimaise de
chêne verni. Autour des arcades des étages supérieurs, elles dessinaient des
festons ; le long des colonnes, elles descendaient en guirlandes ; sur les
balustrades des galeries, jusque sur les rampes des escaliers, elles filaient en
lignes serrées ; et, partout, rangées symétriquement, bariolant les murs de
rouge, de vert et de jaune, elles semblaient de grandes lanternes vénitiennes,
allumées pour quelque fête colossale. Dans les angles, il y avait des motifs
compliqués, des étoiles faites dombrelles à trente-neuf sous, dont les teintes
88
claires, bleu pâle, blanc crème, rose tendre, brûlaient avec une douceur de
veilleuse ; tandis que, au-dessus, d’immenses parasols japonais, où des grues
couleur d’or volaient dans un ciel de pourpre, flambaient avec des reflets
d’incendie. » (Au Bonheur des Dames, p.268)
A descrição e a justaposição das cores remetem à justaposição e ao colorido
dos objetos, o que ainda é reforçado pelas assonâncias e aliterações: les teintes
claires, bleu pâle, blanc crème, rose tendre.” É interessante notar que a expressão
lanternes vénitiennes” já havia sido usada por Flaubert em L’Éducation sentimentale
(pág.90), como vimos anteriormente. Essa impressão de mosaico ou caleidoscópio
chega a ser explicitada agora por Zola nesta passagem:
« Il était quatre heures, les rayons du soleil à son coucher entraient
obliquement par les larges baies de la façade, éclairaient de biais les vitrages
des halls ; et, dans cette clarté d’un rouge d’incendie, montaient, pareilles à
une vapeur d’or, les poussières épaisses, soulevées depuis le matin par le
piétinement de la foule. Une nappe enfilait la grande galerie centrale,
découpait sur un fond de flammes les escaliers, les ponts volants, toute cette
guipure de fer suspendue. Les mosaïques et les faïences des frises
miroitaient, les verts et les rouges des peintures s’allumaient aux feux des ors
prodigués. » (Au Bonheur des Dames, p.292)
É interessante notar que essa descrição começa pela definição da luz, de seu
horário e de seu tipo de incidência. Ou seja, toda a descrição que segue só pode ser
feita e existe em função dessa luz, desse horário, desse instante. Mais uma vez
encontramos elementos em comum entre esse tipo de descrição literária e a pintura
impressionista: as duas têm a mesma razão de existir, a mesma função: a
reprodução dos efêmeros efeitos e jogos de luz.
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Observemos agora mais uma passagem do mesmo romance. O ambiente,
como sempre, é uma grande loja de tecidos parisiense.
« Et, sous la fine poussière, tout arrivait à se confondre, on ne reconnaissait
pas la division des rayons : -bas, la mercerie paraissait noyée ; plus loin, au
blanc, un angle de soleil, entré par la vitrine de la rue Neuve-Saint-Augustin,
était comme une flèche d’or dans la neige ; ici, à la ganterie et aux lainages,
une masse épaisse de chapeaux et de chignons barrait les lointains du
magasin. On ne voyait même plus les toilettes, les coiffures seules
surnageaient, bariolées de plumes et de rubans ; quelques chapeaux
d’hommes mettaient des taches noires, tandis que le teint pâle des femmes,
dans la fatigue et la chaleur, prenait des transparences de camélia. » (Au
Bonheur des Dames , pp.125-126)
Notamos novamente nessas duas descrições a imagem pontilhada da
poussière e o sentimento de uniformidade dentro da variação de cores e efeitos de
luz: “tout arrivait à se confondre”. Mais uma vez, observamos também a comparação
com elementos da natureza e seus efeitos na atmosfera, ainda dentro da metáfora
da água (noyée, surnageaient). No entanto, essa descrição é um pouco mais
“desenhada”, como mostra o campo lexical ligado a elementos gráficos: elles
dessinaient des festons ; le long des colonnes ; elles filaient en lignes serrées ;
rangées symétriquement ; un angle de soleil, une masse épaisse de chapeaux et de
chignons, etc.
Vale também notar que os diferentes elementos que compõem a cena, sejam
eles sombrinhas ou clientes, não são descritos em sua individualidade, mas sim
através da impressão visual que produzem. Ou seja, o que realmente interessa ao
escritor são os efeitos de luz, compostos por pequenos pontos que podem ser
escuros como as manchas pretas dos chapéus masculinos ou claros e translúcidos
90
como a tez feminina. As pessoas não são descritas de forma mais nobre do que os
objetos, o que nos lembra a crítica, que citamos anteriormente, feita ao pintor Manet:
« Son vice actuel est une sorte de panthéisme qui n’estime pas plus une tête
qu’une pantoufle ; qui parfois accorde même plus d’importance à un bouquet de
fleurs qu’à la physionomie d’une femme [...] »
16
Comparemos agora a parte final dessa descrição de Zola, com a parte final de
outra descrição de Flaubert que analisamos anteriormente:
« [...] tandis que le teint pâle des femmes, dans la fatigue et la chaleur, prenait
des transparences de camélia. » (Au Bonheur des Dames , p.126)
« [...] et des femmes passaient, avec une molesse dans les yeux et ce teint de
camélia que donne aux chairs féminines la lassitude des grandes chaleurs. »
(L’Éducation sentimentale, p.108)
Reencontramos em Zola não somente os mesmos temas que interessaram a
Flaubert, mas também os mesmos aspectos sensorias e visuais de suas descrições.
havíamos notado essa influência anteriormente com o emprego de expressões
como lanternes vénitiennes, çà et - utilizadas primeiramente por Flaubert, mas
essa última comparação torna a influência de Flaubert sobre Zola ainda mais
evidente.
No romance Au Bonheur des Dames, Zola descreve diversas vezes um efeito
pontilhado de cor e de luz que havia interessado a Flaubert. Podemos notá-lo em
várias passagens nas quais esse aspecto colorido e fragmentado da luz é posto em
evidência, como por exemplo : « des mosaïques et des faiences [...] éclairaient de
leurs notes fraiches la sévérité de l’ensemble » (p.276) , « des verres émaillés [...] et
16
Crítica de Thoré-Bürger ao pintor Édouard Manet, durante o Salon de 1868.
91
niellés d’or » (p.276), « la clarté diffuse des vitres émaillées » (p.277), « une
poussière d’or rouge » (p.84).
Porém, não é somente nesse romance que o autor utiliza esses
procedimentos na descrição das cores e dos efeitos de luz. Observemos esta
passagem que dá início ao romance Nana:
« À neuf heures, la salle du théâtre des Variétés était encore vide. Quelques
personnes, au balcon et à l’orchestre, attendaient, perdues parmi les fauteuils
de velours grenat, dans le petit-jour du lustre à demi-feux. Une ombre noyait la
grande tache rouge du rideau ; et pas un bruit ne venait de la scène, la rampe
éteinte, les pupitres des musiciens débandés. En haut seulement, à la
troisième galerie, autour de la rotonde du plafond où des femmes et des
enfants nus prenaient leur volée dans un ciel verdi par le gaz, des appels et
des rires sortaient d’un brouhaha continu de voix, des têtes coifées de
bonnets et de casquettes s’étageaient sous les larges baies rondes,
encadrées d’or. Par moments, une ouvreuse se montrait, affairée, des
coupons à la main, poussant devant elle un monsieur ou une dame qui
s’asseyaient, l’homme en habit, la femme mince et cambrée, promenant un
lent regard. » (Nana, p.21)
Notamos que a descrição começa com a precisão do ambiente, do horário e
da luz, desta vez artificial: le petit jour du lustre à demi-feux. Destacam-se nessa luz
pontos e manchas de cores fortes, uma vez que os objetos são descritos mais por
suas cores do que por suas formas, como notamos nas passagens: les fauteuils de
velours grenat ; la grande tache rouge du rideau. Mesmo os espectadores também
são aqui representados pelos pontos / manchas formados por seus chapéus, numa
representação essencialmente visual: “des têtes coifées de bonnets et de casquettes
s’étageaient sous les larges baies rondes, encadrées d’or.” Vale lembrar que a luz
dos objetos é ditada pela luz que banha o ambiente, como podemos notar na frase:
un ciel verdi par le gaz”. Notamos ainda um paralelismo entre um certo pontilhismo
92
auditivo e visual na frase: “des appels et des rires sortaient d’un brouhaha continu de
voix, des têtes coifées de bonnets et de casquettes s’étageaient sous les larges
baies rondes”. De fato, por vezes, em certas descrições literárias, à riqueza de
detalhes visuais vêm se sobrepor outras sensações e sentidos, como podemos notar
também nesta passagem do mesmo romance:
« Les deux hommes saluèrent et s’assirent. Un store de tulle brodé
ménageait un demi-jour dans le cabinet. C’était la pièce la plus élégante de
l’appartement, tendue d’étoffe claire, avec une grande toilette de marbre, une
psyché marquetée, une chaise longue et des fauteuils de satin bleu. Sur la
toilette, les bouquets, des roses, des lilas, des jacinthes, mettaient comme un
écroulement de fleurs, d’un parfum pénétrant et fort ; tandis que, dans l’air
moite, dans la fadeur exhalée des cuvettes, traînait par instants une odeur
plus aiguë, quelques brins de patchouli sec, brisés menus au fond d’une
coupe. Et, se pelotonnant, ramenant son peignoir mal attaché, Nana semblait
avoir été surprise à sa toilette, la peau humide encore, souriante, effarouchée
au milieu de ses dentelles. » (Nana, p.70)
Novamente temos a descrição de um ambiente banhado por uma luz suave,
um ambiente à meia-luz: “un store de tulle brodé ménageait un demi-jour dans le
cabinet”. também uma riqueza de detalhes na descrição dos materiais e tecidos.
Cada elemento acrescentado entre vírgulas parece acrescentar uma pincelada de
cor à descrição: tendue d’étoffe claire, avec une grande toilette de marbre, une
psyché marchétée, une chaise longue et des fauteuils en satin bleu”.
Quanto à enumeração das flores, além dos elementos visuais evocados pelas
cores - “les bouquets, des roses, des lilas, des jacinthes” - no que lembra uma
justaposição de pinceladas coloridas, acrescentam-se elementos olfativos através
93
dos perfumes evocados e também sensações táteis através de palavras que
remetem à umidade, como:“ dans l’air moite”, “la peau humide encore”.
O leitor encontra-se, dessa forma, inserido no ambiente descrito de uma
maneira mais completa e intensa, que as sensações atmosféricas também são
retratadas. No entanto, essa inserção mais intensa do leitor na descrição não se faz
durante um período de tempo mais longo, uma vez que continuamos no domínio do
fugaz, do instantâneo, do transitório, como vem nos lembrar a expressão par
instants”.
Observamos elementos semelhantes na seguinte passagem do mesmo
romance:
« Dans la salle, Fauchery et La Faloise, devant leurs fauteuils, regardaient de
nouveau. Maintenant la salle resplendissait. De hautes flammes de gaz
allumaient le grand lustre de cristal d’un ruisselement de feux jaunes et roses,
qui se brisaient du cintre au parterre en une pluie de clarté. Les velours grenat
des sièges se moiraient de laque, tandis que les ors luisaient et que les
ornements vert tendre en adoucissaient l’éclat, sous les peintures trop crues
du plafond. Haussée, la rampe, dans une nappe brusque de lumière,
incendiait le rideau, dont la lourde draperie de pourpre avait une richesse de
palais fabuleux, jurant avec la pauvreté du cadre, des lézardes montraient
le plâtre sous la dorure. Il faisait déjà chaud. À leurs pupitres, les musiciens
accordaient leurs instruments, avec des trilles légers de flûte, des soupirs
étouffés de cor, des voix chantantes de violon, qui s’envolaient au milieu du
brouhaha grandissant des voix. Tous les spectateurs parlaient, se poussaient,
se casaient, dans l’assaut donné aux places ; et la bousculade des couloirs
était si rude, que chaque porte lâchait péniblement un flot de monde,
intarissable. C’étaient des signes d’appel, des froissement d’étoffes, un défilé
de jupes et de coiffures, coupées par le noir d’un habit ou d’une redingote.
Pourtant, les rangées de fauteuils s’emplissaient peu à peu ; une toilette claire
se détachait, une tête au fin profil baissait son chignon, courait l’éclair d’un
bijou. Dans une loge, un coin d’épaule nue avait une blancheur de soie.
94
D’autres femmes, tranquilles, s’éventaient avec langueur, en suivant du regard
les pousées de la foule ; pendant que de jeunes messieurs, debout à
l’orchestre, le gilet largement ouvert, un gardénia à la boutonnière, braquaient
leurs jumelles du bout de leurs doigts gantés. » (Nana, p.29).
Estamos diante de uma descrição marcada e dedicada ao aspecto visual e
que se inicia a partir do olhar dos personagens, ou seja, de um ponto de referência -
“Fauchery et La Faloise (...) regardaient de nouveau - e do anúncio do tema-título
da descrição: “Maintenant, la salle resplendissait.”.
Essa descrição é marcada pela luz; mais especificamente, pelos pontos
brilhantes de luz e pelas diferentes nuances de cores que eles provocam nos
objetos: « ruissellement de feux jaunes et roses ; une pluie de clarté ; les velours
grenat des sièges se moiraient de laque ; les ors luisaient ; les ornements vert tendre
en adoucissaient l’éclat ; une nappe brusque de lumière ». São cores brilhantes,
delicadas, pontilhadas, inconstantes. A descrição das cores é também uma
descrição de fenômenos óticos provocados pela iluminação ambiente. Encontramos
novamente um acúmulo de diferentes elementos justapostos, como os vários pontos
de luz/ pinceladas que compõem uma pintura.
Além da visão, outros aspectos sensoriais também estão presentes, através
da descrição de elementos táteis: “Il faisait déjà chaud” e também auditivos, quando
são descritos os diferentes sons da sala de teatro, com uma justaposição de sons
leves e abafados: “des trilles légers de flûte, des soupirs étouffés de cor, des voix
chantantes de violon” - o que parece criar um paralelismo com a delicadeza das
cores.
O autor passa então à descrição do movimento dos espectadores, quando
novamente encontramos uma justaposição de informações: “Tous les spectateurs
95
parlaient, se poussaient, se casaient...”, num acúmulo de verbos que enfatiza a
sensação de agitação do público. Essa agitação dos espectadores é descrita por
movimentos fugazes, instantâneos, como em flashes de luz, onde manchas de cores
se destacam: “une toilette claire se détachait, un tête au fin profil baissait son
chignon, courait l’éclair d’un bijou.”; “Dans une loge, un coin d’épaule nue avait
une blancheur de soie”.
Seria interessante comparar essa complexa descrição com o quadro O Bar do
Folies-Bergère, de Édouard Manet (Imagem 24).
Imagem 24
O Bar do Folies-Bergère, 1882.
Édouard Manet
“Dans une loge, un coin d’épaule nue avait une blancheur de soie”.
96
De fato, os pintores impressionistas também haviam se interessado pela
representação de ambientes fechados, como nessa representação de uma casa de
espetáculos parisiense. Apesar da semelhança dos motivos, o que nos interessa
nesse trabalho é buscar semelhanças na maneira como se via o mundo na pintura e
na literatura da época. E estão os personagens aglutinados, indefinidos, numa
massa escurecida pelas roupas masculinas. O que prevalece é realmente a
impressão do conjunto, no qual se destacam as manchas mais claras da pele e das
roupas femininas, como foi descrito na passagem anteriormente citada: “Dans une
loge, un coin d’épaule nue avait une blancheur de soie.”
Com exceção da figura melancólica da garçonete no centro da pintura, tudo
mais nessa obra é puro reflexo, uma vez que a personagem encontra-se
posicionada diante de um espelho que reflete uma cena da vida moderna de Paris
no final de século XIX. A luz elétrica, novidade na época, produz reflexos e efeitos
diversos no lustre, nas garrafas e em outros objetos. O próprio ambiente onde se
encontra o público é por vezes coberto com pinceladas azuladas, o que dá ao
espectador a sensação de uma atmosfera esfumaçada e marca ao mesmo tempo os
reflexos da superfície do espelho.
Vale ainda lembrar que Zola descreve seus personagens através de uma
visão fragmentada, na qual eles são representados por pontos de luz ou partes de
suas roupas. Esse aspecto fragmentado da sinédoque havia sido antecipado por
Flaubert, como notamos nesta frase do romance L’Éducation sentimentale:
« Dussardier leur montra l’estaminet, où ils aperçurent le fils des preux, devant
un bol de punch, en compagnie dun chapeau rose.» (p. 94)
97
Um último aspecto a ser analisado nas descrições de ambientes será a
importância e a influência da luz nas cores dos objetos iluminados. Como sabemos,
os pintores impressionistas procuraram fugir do ambiente fechado do estúdio para
buscar, ao ar livre, a representação da luz. Os resultados de suas experiências
foram surpreendentes para a época, pois o público não estava acostumado a
encontrar na pintura esse tipo de representação das cores. De fato, a luz do sol
pode mudar totalmente a aparência dos objetos e, conseqüentemente, a maneira
como eles são vistos pelo espectador.
Observemos a seguinte passagem do romance L’Assommoir, de Zola:
« Par les quatre fenêtres ouvertes sur les acacias de la cour, le plein jour
entrait, une fin de journée d’orage, lavée et chaude encore. Le reflet des
arbres dans ce coin humide verdissait la salle enfumée, faisait danser des
ombres de feuilles au-dessus de la nappe, mouillée d’une odeur vague de
moisi. » (L’Assommoir, p.109)
Trata-se mais uma vez de uma descrição luminosa - le plein jour entrait ; le
reflet des arbres”, colorida - “acacias ; verdissait” e que contem também elementos
que remetem a outros sentidos, como: chaude, humide, mouillée, odeur vague de
moisi” .
Ao nos determos, no entanto, no estudo das cores desse ambiente,
notaremos que o mesmo não é descrito em função da coloração original da toalha
ou da parede, mas sim, em função das cores da luz que o ilumina: Le reflet des
arbres dans ce coin humide verdissait la salle enfumée.”
Vale ainda comparar essa descrição com o quadro Natureza morta com
melão e pêssegos de Édouard Manet (Imagem 25).
98
Imagem 25
Natureza morta com melão e pêssegos, 1866.
Édouard Manet
Notamos nessa obra como o pintor se interessou pelo estudo da iluminação e
das sombras. A luz que bate na toalha de mesa produz um efeito cintilante no tecido,
criando reflexos azulados e irisados. A rosa e o tecido da toalha, mesmo possuindo
a mesma cor, o branco, são representados de formas completamente diferentes
devido à textura de cada objeto, que reflete diferentemente as incidências da luz. A
mancha preta da garrafa não é representada por um preto comum, mas sim por uma
mistura de várias e intensas cores, como se tornou hábito na pintura impressionista.
O amarelo e o verde, também fortes e intensos, são representados por cores
chapadas, numa conseqüência direta desse tipo de luz. Vale ainda notar que as
99
sombras na toalha não são todas representadas pela mesma cor, como se
costumava fazer antes do impressionismo; elas variam de acordo com o objeto
iluminado. Sendo assim, podemos notar toques de verde na sombra das uvas e
pinceladas alaranjadas na sombra do pêssego. Tons amarelos e esverdeados -
como as cores que dominam essa pintura - também podem ser vistos à esquerda,
na sombra da dobra da toalha. Ora, não poderíamos então afirmar que, como na
descrição literária que acabamos de estudar, a luz e seus efeitos são os verdadeiros
motivos dessa pintura?
Observemos ainda este outro exemplo do mesmo romance:
« À cette heure, le soleil tombait d’aplomb sur la devanture, le trottoir renvoyait
une réverbération ardente, dont les grandes moires dansaient au plafond de la
boutique ; et ce coup de lumière, bleui par le reflet du papier des étagères et
de la vitrine, mettait au-dessus de l’établi un jour aveuglant, comme une
poussière de soleil tamisée dans les linges fins. » (L’Assommoir, p.169)
A descrição inicia-se pela precisão do horário: À cette heure, le soleil tombait
d’aplomb sur la devanture”. De fato, não teríamos a mesma iluminação, as mesmas
cores e, conseqüentemente, a mesma descrição em outro horário do dia. Essa luz é
intensa, mas não estática: trata-se de uma luz variável que produz reflexos, modifica
as cores e se transforma a todo instante: « le trottoir renvoyait une réverbération
ardente », « les grandes moires dansaient au plafond », « bleui par le reflet du
papier ». Apesar de sua força, trata-se também de uma luz delicada, irisada e
pontilhada - «comme une poussière de soleil tamisée dans les linges fins.” - cujos
efeitos constituem o próprio tema da descrição.
Efeitos semelhantes são notados nas seguintes passagens do romance Nana:
100
« On monta prendre le café dans le petit salon. Deux lampes éclairaient dune
lueur molle les tentures roses, les bibelots aux tons de laque et de vieil or.
C’était, à cette heure de nuit, au milieu des coffres, des bronzes, des faïences,
un jeu de lumière discret allumant une incrustation d’argent ou d’ivoire,
détachant le luisant d’une baguette sculptée, moirant un panneau d’un reflet
de soie. Le feu de l’après-midi se mourait en braise, il faisait très chaud, une
chaleur alanguie, sous les rideaux et les portières. » (Nana, p.343)
« Un jour rose se mourait au plafond de la pièce ; les tentures rouges, les
divans profonds, les meubles de laque, ce fouillis d’étoffes brodées, de
bronzes et de faïence, dormaient déjà sous une pluie lente de ténèbres, qui
noyait les coins, sans un miroitement divoire ni un reflet d’or. » (Nana, p.419)
Toda a descrição das cores é feita a partir e em função da luz que ilumina o
ambiente. Na frase un jour rose se mourait au plafond de la pièce”, vemos que o
teto do ambiente toma a cor que lhe é projetada pela luz do dia. O rosa neste caso
não descreve a cor do teto, mas sim a cor do dia, ou melhor, da luz a essa hora do
dia. A descrição dos reflexos e dos jogos de luz vem ainda reforçar o aspecto
transitório dessa iluminação.
Essa influência da luz na descrição dos ambientes e de suas cores também
pode ser notada no romance Au Bonheur des Dames, como vemos a seguir:
« Un brusque rayon du soleil couchant, qui venait de paraître au bord dun
grand nuage, dorait les cimes des marronniers du jardin, entrait par les
fenêtres en une poussière d’or rouge, dont l’incendie allumait la brocatelle et
les cuivres des meubles. » (Au Bonheur des Dames, p.84)
Nota-se novamente que os elementos do ambiente assumem, não sua cor
original, mas sim a cor da luz que os ilumina: un rayon du soleil couchant (...) dorait
les cimes des marronniers du jardin”. O vocabulário escolhido pelo autor reforça
101
ainda o caráter instantâneo e transitório da imagem: “brusque; venait de paraître”.
Verificamos também que os efeitos dessa iluminação transitória o aspectos
pontilhados e pontos de luz refletidos na descrição do ambiente: “une poussière d’or
rouge dont l’incendie allumait la brocatelle et les cuivres des meubles.”
Por vezes, vários dos elementos vistos anteriormente parecem se unir como
notamos na seguinte passagem do mesmo romance:
« Le soleil pâlissait, la poussière d’or rouge n’était plus qu’une lueur blonde,
dont l’adieu se mourait dans la soie des tentures et les panneaux des
meubles. A cette approche du crépuscule, une intimité noyait la grande pièce
d’une tiède douceur. Tandis que M. de Boves et Paul de Vallagnosc causaient
devant une des fenêtres, les yeux perdus au loin sur le jardin, ces dames
s’étaient rapprochées, faisaient là, au milieu, un étroit cercle de jupes, d’où
montaient des rires, des paroles chuchotées, des questions et des réponses
ardentes, toute la passion de la femme pour la dépense et le chiffon. » (Au
Bonheur des Dames, p.88)
Estamos diante de uma descrição da mudança de luz; descrição esta que
provoca alterações nas cores do ambiente: “le soleil pâlissait, la poussière d’or rouge
n’était plus qu’une lueur blonde, dont l’adieu se mourait dans la soie des tentures et
les panneaux des meubles”. O tom desmaiado das cores parece encontrar um eco
nas conversas sussurradas do ambiente: “l’adieu se mourait dans la soie des
tentures” ; “des paroles chuchotées”.
Reencontramos ainda a visão fragmentada - « un cercle de jupes » - além da
riqueza de cores e efeitos de luz que tanto caracterizam a pintura impressionista.
102
6.3 LUZ, COR, VESTIMENTAS E PERSONAGENS
No início deste estudo, concentramo-nos nas descrições de paisagens e de
grandes espaços a céu aberto. Num segundo momento, passamos à descrição de
ambientes fechados e de mobiliários, chegando agora a um plano ainda mais
aproximado: a descrição de personagens e de suas vestimentas. Concentraremo-
nos, nesta etapa, no estudo das descrições de roupas, tecidos e texturas e
analisaremos também a descrição da aparência dos personagens segundo a luz na
qual eles encontram-se inseridos.
Comecemos esta aproximação através da análise de uma passagem de
Flaubert em L’Éducation Sentimentale na qual ele descreve com extrema precisão e
detalhamento um baile de máscaras:
« Frédéric, s’étant rangé contre le mur, regarda le quadrille devant lui.
Un vieux beau, tu, comme un doge vénitien, d'une longue simarre de
soie pourpre, dansait avec Mme Rosanette, qui portait un habit vert, une
culotte de tricot et des bottes molles à éperons d'or. Le couple en face se
composait d'un Arnaute chargé de yatagans et d'une Suissesse aux yeux
bleus, blanche comme du lait, potelée comme une caille, en manches de
chemise et corset rouge. Pour faire valoir sa chevelure qui lui descendait
jusqu'aux jarrets, une grande blonde, marcheuse à l'Opéra, s'était mise en
femme sauvage ; et, par-dessus son maillot de couleur brune, n'avait qu'un
pagne de cuir, des bracelets de verroterie, et un diadème de clinquant, d'où
s'élevait une haute gerbe en plumes de paon. Devant elle, un Pritchard,
affublé d'un habit noir grotesquement large, battait la mesure avec son coude
sur sa tabatière. Un petit berger Watteau, azur et argent comme un clair de
lune, choquait sa houlette contre le thyrse d'une Bacchante, couronnée de
raisins, une peau de léopard sur le flanc gauche et des cothurnes à rubans
d'or. De l'autre côté une Polonaise, en spencer de velours nacarat, balançait
son jupon de gaze sur ses bas de soie gris perle, pris dans des bottines roses
cerclées de fourrure blanche. Elle souriait à un quadragénaire ventru, déguisé
en enfant de choeur, et qui gambadait très haut, levant d'une main son surplis
103
et retenant de l'autre sa calotte rouge. Mais la reine, l'étoile, c'était
Mademoiselle Loulou, lèbre danseuse des bals publics. Comme elle se
trouvait riche maintenant, elle portait une large collerette de dentelle sur sa
veste de velours noir uni ; et son large pantalon de soie ponceau, collant sur la
croupe et serré à la taille par une écharpe de cachemire, avait, tout le long de
la couture, des petits camélias blancs naturels. Sa mine pâle, un peu bouffie
et à nez retroussé, semblait plus insolente encore par l'ébouriffure de sa
perruque tenait un chapeau d'homme, en feutre gris, plié d'un coup de
poing sur l'oreille droite ; et, dans les bonds qu'elle faisait, ses escarpins à
boucles de diamants atteignaient presque au nez de son voisin, un grand
Baron moyen âge tout empêtré dans une armure de fer. Il y avait aussi un
Ange, un glaive d'or à la main, deux ailes de cygne dans le dos, et qui, allant,
venant, perdant à toute minute son cavalier, un Louis XIV, ne comprenait rien
aux figures et embarrassait la contredanse. » (L’Éducation Sentimentale,
p.136)
A passagem inicia-se pela definição de um ponto de referência, ou seja, pela
citação do nome de Frédéric. É através de seu olhar que se fará toda a descrição da
cena. Na mesma frase, temos ainda o procedimento de ancoragem, com a citação
do tema-título (le quadrille) antes do início da descrição. Este primeiro parágrafo,
bastante conciso, funciona como uma base para o leitor, fornecendo-lhe elementos
de referência para a longa descrição que virá a seguir.
Ao longo dessa descrição, Flaubert decompõe a quadrilha em vários
personagens e descreve cada um deles detalhadamente, no que poderíamos
chamar de procedimento de encaixe por sub-temas, o que provoca um
encadeamento de seqüências descritivas que parecem multiplicar-se infinitamente.
A passagem de um sub-tema a outro faz-se, muitas vezes, pela utilização de
expressões de localização, como: “en face, devant elle, de l’autre côté, etc. As
vestimentas são descritas com extrema precisão - tanto em seus tecidos como em
104
suas cores - e o autor se vale por vezes de relações analógicas para descrever a
aparência de seus personagens: comme un doge vénitien; blanche comme du lait,
potelée comme une caille ; azur et argent comme un clair de lune.
Vale ainda lembrar que, ao rico vocabulário dedicado às cores, vêm se juntar
elementos que remetem a efeitos luminosos, como vemos nas expressões : soie
pourpre ; des bottes molles à éperons d'or ; des bracelets de verroterie; azur et
argent comme un clair de lune ; des cothurnes à rubans d'or ; en spencer de velours
nacarat; ses bas de soie gris perle ; ses escarpins à boucles de diamants. O
emprego desse vocabulário de luz e de cor, inserido em sub-sequências descritivas
numa enumeração de personagens que parecem não mais acabar, cria no leitor um
efeito caleidoscópico de espelhos múltiplos e coloridos. A unidade, ou melhor, o
fechamento desta longa seqüência acontece com a descrição do último personagem
- um anjo “qui ne comprenait rien aux figures et embarrassait la contredanse.
Nessa frase, após uma série de encaixes por sub-temas, o autor volta a fazer
referência ao “todo” em questão: a contradança, a quadrilha - ou seja, ao tema-título,
anunciado no início da passagem e aqui reformulado no final da seqüência.
Analisemos agora uma outra cena de baile, desta vez na obra Nana, de Émile
Zola:
« Il y eût une fanfare. C’était un quadrille, le monde refluait aux deux
côtés du salon, pour laisser la place libre. Des robes claires passaient, se
mêlaient au milieu des taches sombres des habits; tandis que la grande
lumière mettait, sur la houle des têtes, des éclairs de bijoux, un frémissemnt
de plumes blanches, une floraison de lilas et de roses. Il faisait très chaud, un
parfum pénétrant montait de ces tulles légers, de ces chiffonnages de satin et
de soie, les épaules nues pâlissaient, sous les notes vives de l’orchestre.
Par les portes ouvertes, au fond des pièces voisines, on voyait des rangées
de femmes assises, avec l’éclat discret de leur sourire, une lueur des yeux,
une moue de leur bouche, que battait le souffle des éventails. Et des invités
105
arrivaient toujours, un valet lançait des noms, tandis que, lentement, au milieu
des groupes, des messieurs tâchaient de caser des dames, embarrassées à
leur bras, se haussant, cherchant de loin un fauteuil libre. Mais l’hôtel
s’emplissait, les jupes se tassaient avec un petit bruit, il y avait des coins
une nappe de dentelles, de noeuds, de poufs, bouchait le passage, dans la
résignation polie de toutes, faites à ces cohues éblouissantes, gardant leur
grâce. Cependant, au fond du jardin, sous la lueur rosée des lanternes
vénitiennes, des couples s’enfonçaient, échappés à l’étouffement du grand
salon, des ombres de robes filaient au bord de la pelouse, comme rythmées
par la musique du quadrille, qui prenait, derrière les arbres, une douceur
lointaine.” (Nana, pp.407,408)
Também esta descrição inicia-se pelo procedimento de ancoragem referencial
através do uso de um substantivo que define o tema-título, isto é, a quadrilha.
Esta descrição é fortemente marcada pelas cores, mais precisamente por
pontos de cores. Na frase: “Des robes claires passaient, se mêlaient au milieu des
taches sombres des habits” o que se descreve não são os personagens em si, mas
sim o movimento das manchas coloridas de suas roupas. O mesmo acontece na
frase: “il y avait des coins où une nappe de dentelles, de noeuds, de poufs, bouchait
le passage”. A enumeração e justaposição de palavras curtas também remetem a
uma justaposição de toques de cores.
Mesmo na descrição das mulheres sentadas, o que vem à tona são pequenos
brilhos, pequenos pontos de luz refletidos nas personagens: des rangées de
femmes assises, avec l’éclat discret de leur sourire, une lueur des yeux, une moue
de leur bouche, que battait le souffle des éventails.”
O aspecto fragmentado da cena também se faz notar pela escolha do
vocabulário, como vemos no emprego de palavras como: taches, éclairs, notes,
éclats, lanternes vénitiennes , etc.
106
Ora, se o que prevalece na descrição não são os personagens em si, mas
sim, os brilhos e as cores refletidos em seus rostos e vestimentas, podemos dizer
que é essa própria luz que constitui o personagem principal desta descrição.
Vejamos ainda esta passagem do mesmo romance:
« Par moments, dans la pâleur brouillée des têtes, se détachait un visage de
femme, emporté par la danse, aux yeux brillants, aux lèvres entrouvertes,
avec le coup de lustre sur la peau blanche. » (Nana, p.412)
A expressão “par moments” remete ao aspecto transitório da descrição que se fará a
seguir. Como numa pintura impressionista, o que se destaca na imagem não são os
personagens individualmente, mas sim os pontos de luz coloridos em meio a esses
personagens e os diferentes efeitos que eles provocam na visão do espectador.
Nesta terceira etapa de nosso estudo, é interessante notar como a
aproximação dos personagens se faz muitas vezes através de um enquadramento
característico das artes visuais. Vejamos esta passagem de Flaubert, em
L’Éducation Sentimentale:
« Elle avait un large chapeau de paille, avec des rubans roses qui
palpitaient au vent derrière elle. Ses bandeaux noirs, contournant la pointe de
ses grands sourcils, descendaient très bas et semblaient presser
amoureusement l'ovale de sa figure. Sa robe de mousseline claire, tachetée
de petits pois, se répandait à plis nombreux. Elle était en train de broder
quelque chose ; et son nez droit, son menton, toute sa personne se découpait
sur le fond de l'air bleu. » (LÉducation Sentimentale, p.23)
Além de alguns elementos que já encontramos em passagens anteriores,
como a descrição das cores através de seu aspecto fragmentado, o que nos chama
a atenção nessa passagem é a última frase: toute sa personne se découpait sur le
107
fond de l'air bleu.” A personagem aparece finalmente uniformizada como uma
massa de cor / um volume que se destaca sobre um fundo azul. Essa descrição
extremamente visual remete ao enquadramento de um personagem numa obra
pictórica.
Vejamos ainda esta outra passagem do mesmo romance:
« La lumière était faible, malgré les lampes posées dans les coins ; car les
trois fenêtres, grandes ouvertes, dressaient parallèlement trois larges carrés
d'ombre noire. Des jardinières, sous les tableaux, occupaient jusqu'à hauteur
d'homme les intervalles de la muraille ; et une théière d'argent avec un
samovar se mirait au fond, dans une glace. Un murmure de voix discrètes
s'élevait. On entendait des escarpins craquer sur le tapis.
Il distingua des habits noirs, puis une table ronde éclairée par un grand
abat-jour, sept ou huit femmes en toilettes d'été, et, un peu plus loin, Mme
Dambreuse dans un fauteuil à bascule. Sa robe de taffetas lilas avait des
manches à crevés, d'où s'échappaient des bouillons de mousseline, le ton
doux de l'étoffe se mariant à la nuance de ses cheveux ; et elle se tenait
quelque peu renversée en arrière, avec le bout de son pied sur un coussin,
tranquille comme une oeuvre d'art pleine de délicatesse, une fleur de haute
culture. » (L’Éducation Sentimentale, p.261)
É interessante como o caráter pictórico desse retrato da personagem é
explicitado através da comparação com uma obra de arte: “comme une oeuvre d'art
pleine de délicatesse”.
Vale ainda observar como Flaubert se aproxima de seu objeto de estudo em
suas descrições e ultrapassa o formato “portrait” ao descrever seus personagens.
Vejamos esta passagem:
« Un postillon de Longjumeau la saisit par la taille, une valse
commençait. Alors, toutes les femmes, assises autour du salon sur des
banquettes, se levèrent à la file, prestement ; et leurs jupes, leurs écharpes,
leurs coiffures se mirent à tourner.
108
Elles tournaient si près de lui, que Frédéric distinguait les gouttelettes de leur
front ; et ce mouvement giratoire, de plus en plus vif et régulier, vertigineux,
communiquant à sa pensée une sorte d'ivresse, y faisait surgir d'autres
images, tandis que toutes passaient dans le même éblouissement, et chacune
avec une excitation particulière selon le genre de sa beauté. » (L’Éducation
Sentimentale, p.140)
Flaubert começa a descrição pelo movimento giratório das saias e écharpes.
Esse movimento vertiginoso das dançarinas, logo, logo, se fechará nas gouttelettes
de leur front”, segundo a visão de Frédéric. A visão/ descrição permanece
fragmentada, mas fecha-se num enquadramento mínimo que ainda não havíamos
visto até então.
Vejamos agora alguns efeitos de luz na descrição de personagens.
Comecemos com esta descrição de Flaubert:
« La chambre avait un aspect tranquille. Un beau soleil passait par les
carreaux, les angles des meubles reluisaient, et, comme Mme Arnoux était
assise auprès de la fenêtre, un grand rayon, frappant les accroche-coeurs de
sa nuque, pénétrait d'un fluide d'or sa peau ambrée. » (L’Éducation
Sentimentale p.155)
O procedimento de ancoragem é feito através da citação do tema-título, isto é,
o quarto. No entanto, o que vai determinar toda esta descrição é “un beau soleil”,
que aparece logo na frase a seguir. É ele que provoca os efeitos de luz nos veis
e também na personagem cujo tom da pele é descrito em função desta iluminação.
Podemos notar o mesmo procedimento em várias obras impressionistas nas quais
tanto os objetos quanto os personagens são tratados da mesma forma, isto é, em
função da luz que os ilumina.
109
Vejamos um procedimento semelhante numa passagem de Zola em Nana:
« Chaque fois que des filles en cheveux, des hommes au linge sale, sortaient et
le dévisageaient, il revenait se planter devant le cabinet de lecture, où, entre deux
affiches collées sur une vitre, il retrouvait le même spectacle, un petit vieux, raidi
et seul à l’immense table, dans la tache verte d’une lampe, lisant un journal vert
avec des mains vertes. » (Nana, p.218)
Se na descrição de Flaubert, o tom da pele de Mme Arnoux era ligeiramente
alterado pelo raio de sol, aqui estamos diante de uma mudança bem mais radical,
como vemos na frase: un petit vieux, raidi et seul à l’immense table, dans la tache
verte d’une lampe, lisant un journal vert avec des mains vertes.” Podemos afirmar, a
partir dessa descrição, que o que realmente determina a cor e a aparência dos
objetos é a luz que os ilumina. O mesmo efeito de luz pode ser observado na obra
La chanson du chien, de Edgar Degas (Imagem 26).
110
Imagem 26
La chanson du chien, 1876.
Edgar Degas
111
Vejamos finalmente uma outra passagem do romance Nana, de Émile Zola:
« Les femmes s’accoudaient en face de la débandade du couvert ; les hommes,
pour respirer, reculaient leur chaise ; et des habits noirs s’enfonçaient entre des
corsages clairs, des épaules nues à demi tournées prenaient un luisant de soie. Il
faisait trop chaud, la clarté des bougies jaunissait encore, épaissie, au-dessus de
la table. Par instants, lorsqu’une nuque dorée se penchait sous une pluie de
frisures, les feux d’une boucle de diamants allumaient un haut chignon. Des
gaités jetaient une flamme, des rieurs, des dents blanches entrevues, le reflet des
candélabres brûlant dans un verre de champagne. » (Nana, p.124)
Reencontramos nessa passagem vários elementos analisados anteriormente.
Mais uma vez, notamos que os personagens o descritos pelas manchas de cores
de suas roupas: “des habits noirs s’enfonçaient entre des corsages clairs”. As cores
quentes da descrição dependem novamente da luz que ilumina o ambiente: la clarté
des bougies jaunissait encore”. Finalmente, podemos dizer que o aspecto
fragmentado está também presente nessa descrição, uma vez que brilhos, luzes e
reflexos iluminam partes do ambiente e dos personagens: “une nuque dorée”; “les
feux dune boucle de diamants allumaient un haut chignon”; “des dents blanches
entrevues” (Imagem 27). Como num quadro impressionista, temos pontos do
ambiente iluminados por pinceladas de luz e, da mesma forma que esse aspecto
pictórico foi representado pelo pintor nas artes plásticas, ele é agora descrito pelo
autor através da arte literária.
112
Imagem 27
La chanteuse de café 1878.
Edgar Degas
« Des gaités jetaient une flamme, des rieurs, des dents blanches entrevues, le reflet des candélabres
brûlant dans un verre de champagne.»
113
CONCLUSÕES
114
PINTURA E LITERATURA: PARALELISMO E EVOLUÇÕES
DE UMA REPRESENTAÇÃO DO TEXTO NARRATIVO A UMA HIPOTIPOSE
IMPRESSIONISTA
Durante vários culos, a pintura esteve presa a uma função representativa
da narração. Na época medieval, seu único objetivo era transcrever, através da
imagem, as Sagradas Escrituras da maneira mais precisa e clara possível. A partir
da representação de um único momento, era preciso referir-se a um longo texto
narrativo, numa espécie de hipotipose às avessas.
Com a evolução da pintura e sua afirmação como arte criativa, ela liberta-se
dessa função representativa de uma narração - função esta que contraria sua
essência na concepção de Lessing. De fato, numa pintura, o tempo parece parar a
fim de nos concentrarmos, em um determinado instante, numa representação do
espaço. A literatura, ao contrário, tem o poder de acompanhar um personagem ao
longo de sua vida e, dessa forma, narrar o tempo.
Por outro lado, vimos também que, numa longa descrição, a literatura se
aproxima um pouco mais da pintura, pois é como se ela parasse no tempo por
alguns instantes para fornecer ao leitor/ observador uma descrição/ representação
espacial.
A partir dos exemplos estudados neste trabalho, vimos também que alguns
escritores da segunda metade do século XIX, como Flaubert e Zola, possuíam
objetivos que iam bem além dos elementos narrativos de suas obras. Em várias de
suas longas descrições, a impressão que esses autores desejavam provocar aos
olhos do leitor se sobrepôs ao aspecto narrativo de seus romances.
115
A grande influência para essa valorização e detalhamento do aspecto
pictórico nas descrições literárias da época parece vir da pintura impressionista. De
fato, na segunda metade do século XIX, os impressionistas passaram, não somente
a ver o mundo de outra forma, mas também a influenciar a maneira como os outros
o viam. Essa decodificação e essa fragmentação do tema através do olhar
impressionista exigem também uma reconstrução e uma recodificação do mesmo
pela parte do espectador.
Ora, muitas vezes esse espectador era também o escritor. Dessa forma, em
algumas descrições da literatura francesa no final do século XIX, o escritor parece
também querer dar conta dos aspectos visuais efêmeros da natureza e da
paisagem, tal como o pintor impressionista em suas representações.
Nesse sentido, podemos afirmar que escritores como Flaubert e Zola
aproximaram-se dos pintores impressionistas não tanto pela escolha dos temas,
mas, sobretudo, por seus objetivos descritivos, pelas técnicas utilizadas em suas
descrições, e pelas reações que essas mesmas técnicas provocaram e provocam
até hoje no leitor e no espectador.
Esses escritores parecem propor essa mesma decodificação e reconstrução
da imagem através de suas descrições, no que poderíamos chamar de uma
hipotipose impressionista, como podemos ver no esquema a seguir:
116
Decodificação
Fragmentação
Recodificação
Reconstrução
Decodificação Recodificação
Fragmentação Reconstrução
Tema A: tema de trabalho para o pintor
Tema B: tema de trabalho para o escritor
Tema B’: representação do tema B a partir da leitura da seqüência descritiva
OBSERVADOR /
PINTOR
PINTURA IMPRESSIONISTA
OBSERVADOR / ESCRITOR
DESCRIÇÃO
PICTÓRICA /
HIPOTIPOSE
IMPRESSIONISTA
LEITOR / RECE
PTOR
TEMA A
TEMA B TEMA B’
117
Não estamos mais diante de uma simples descrição de uma pintura, como na
ekiphrasis, mas sim da descrição de um tema pelo escritor através de um olhar
impressionista - o que configura uma real interferência da arte pictórica sobre a arte
literária.
Dentro desse processo de desconstrução e reconstrução visual e verbal, dois
papéis mostram-se fundamentais. O primeiro deles é o papel desconstrutor /
fragmentador do discurso e da imagem exercido pelo autor da seqüência descritiva
(escritor) e pelo autor do quadro (pintor). O segundo é o papel reconstrutor do
discurso e da imagem exercido pelo leitor da descrição literária e pelo observador do
quadro.
Escritor e pintor, leitor e espectador, desconstrutores e reconstrutores de dois
sistemas representativos que foram considerados opostos, mas que podem se
unir no momento efêmero - e suspenso no tempo - da descrição de um efeito de luz.
118
BIBLIOGRAFIA
119
BIBLIOGRAFIA - OBRAS DE FLAUBERT E DE ZOLA
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