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LUZITANIA VILAS BOAS BELARMINO
AS MULHERES DE CLASSE MÉDIA DE LONDRINA/PR
E A DUPLA JORNADA DE TRABALHO – MUDANÇAS
E PERMANÊNCIAS
ORIENTADORA:
PROFª DRª ANA MARIA CHIAROTTI DE ALMEIDA.
Londrina
2008
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LUZITANIA VILAS BOAS BELARMINO
AS MULHERES DE CLASSE MÉDIA DE LONDRINA/PR
E A DUPLA JORNADA DE TRABALHO – MUDANÇAS
E PERMANÊNCIAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Ciências Sociais, da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do tulo de
Mestre.
Orientadora: PROFª DRª ANA MARIA
CHIAROTTI DE ALMEIDA.
LONDRINA
2008
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LUZITANIA VILAS BOAS BELARMINO
AS MULHERES DE CLASSE MÉDIA DE LONDRINA/PR
E A DUPLA JORNADA DE TRABALHO – MUDANÇAS
E PERMANÊNCIAS
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Ciências sociais, da
Universidade Estadual de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do tulo de
Mestre.
Orientadora: PROFª DRª ANA MARIA
CHIAROTTI DE ALMEIDA
COMISSÃO
EXAMINADORA
____________________________________
PROFª DRª ANA MARIA C. DE ALMEIDA
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
PROFª DRª ILEIZI L. F. SILVA
Universidade Estadual de Londrina
____________________________________
PROFª DRª MARIA R. CLIVATI CAPELO
Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE.
Presidente Prudente
Londrina, _____de ___________de _2008.
DEDICATÓRIA
Agradecer é muito pouco...dedico à vocês
esta conquista.
Ao meu marido Luiz minha inspiração e co-
autor de minha vida!
Às minhas filhas Daniela e Mariana que
farejam fatos e afetos, desenvolvendo
instintos contidos somente na essência da
alma feminina.
AGRADECIMENTOS
Agradecer com palavras todo o apoio, incentivo e amor que recebi
no decorrer dessa dissertação torna-se o momento mais difícil, porém a sensação de
chegada é muito agradável.
Primeiramente agradeço a Deus, por ter me dado força e coragem
para enfrentar a tempo e contratempo os desafios.
Faço questão de agradecer de maneira especial a pessoa que mais
efetivamente esteve comigo em cada etapa dessa dissertação, a minha orientadora
Profª Drª Ana Maria C. de Almeida, pela decisão em aceitar a orientar-me ensinando
que para enfrentar desafios “é começar!” Sua postura ética diante do trabalho
acadêmico como a dedicação, disciplina e ordem possibilitaram que meu tempo
interno fluísse. Assim ajudou-me a construir cada linha desta dissertação,
emprestando seus “fios” para que eu pudesse tecer esta, especialmente, por me
ensinar a “cortar as palavras” e dizer tudo! Obrigada pela sua dedicação, pelo seu
carinho e por acreditar...!
Ao meu marido Luiz, sou especialmente grata, a vitória deste título
de mestre devo à você que indiscutívelmente foi quem mais me incentivou no
alcance desse objetivo, ninguém acompanhou como você essa travessia, vigilante,
incansável, em comovente gesto de companherismo e amor. Através desse alicerce
proporcionado recebi apoio, incentivo e a paz que precisava para que não me
perdesse no meio dessa jornada. Obrigada, por cuidar com tanto zelo e amor de
nossas filhas enquanto eu me dedicava à pesquisa e, especialmente, por acreditar
que eu daria a volta por cima! Eu amo você!
Às minhas filhas Daniela e Mariana, pelas quais vejo a “face de
Deus”, quero fazer um agradecimento mais que carinhoso, foram vocês que
suportaram por muitas vezes todas as dificuldades e crises que atravesei no
decorrer dessa dissertação. Obrigada por cobrarem todos os compromissos que eu
tinha com vocês, atitude esta que rejuvenesceu enormemente meu mundo afetivo. E
por todos os lindos desenhos de corações e estrelas que pregavam na parede do
escritório para que eu não esquecesse que me esperavam. Minhas princesas eu
amo vocês. Obrigada pela compreensão!
Aos meus primeiros “Mestres”, Maria e Joaquim, meus pais e porto
seguro para onde eu sempre posso voltar quando as coisas não vão bem. Obrigada
mãe pela grande mulher que você é e por levar seu empenho pela vida e família ao
limite. Entre os seus ensinamentos os mais importantes estão o sentido do amor e a
perseverança feroz frente às dificuldades. Seu exemplo de “fortaleza” e “raça” foram
os alicerces que me fizeram vencer. Obrigada, mãe! À meu pai que no momento
oportuno dessa dissertação disse “Minha filha, faça o que precisa ser feito!” Foi
uma ordem amorosa cravada como orientação para minha vida. Suas sábias
palavras me ajudaram a vencer. Obrigada, pai! Sou eternamente grata, pelo amor e
amparo que me proporcionaram. Amo imensamente vocês dois!
À 3 grandes amores, meus irmãos. À Céia, meu “anjo protetor”, sinto
amor e gratidão ao pensar em você, especialmente, quando suas mãos, em certos
momentos, substítuiram as minhas, nos cuidados das minhas filhas. À você Celma
seu amor foi como uma luz-guia pelas trilhas por onde passei. Imagino o quanto
está orgulhosa da minha chegada! À você Robson, agradeço pela torcida silenciosa,
mas sempre presente. Obrigada, amo imensamente vocês!
Aos meus sobrinhos. À Thais, pelo carinho naquele período que
ajudou liberando-me para à pesquisa. Ao Marco Antônio, meu pequeno incentivador.
Ao Alison, meu admirador. E ao Rafael, que me fazia sorrir ao me chamar “Tia
Filósofa”. Obrigada meus amores, vocês enriquecem minha existência!
Às minhas grandes amigas, à Jocimara, que se fez porto seguro nas
horas mais difícieis, fazendo-me acreditar que existem anjos na Terra que nos
protegem e iluminam. À Zulmara grande admiradora e incentivadora de meus
estudos, seu o amor e estímulo foram ferramentas dessa vitória. À Claúdia, com
quem aprendi a buscar primeiro em Deus a coragem e direcionamento. Sua amizade
de tão grande fez-se tudo. À Sandra que chamou carinhosamente essa dissertação
de “nossa filhinha”. À Nilcéia por se fazer presente com palavras de esperança.
Obrigada, amigas queridas, por partilharem cada etapa dessa dissertação comigo.
Amo imensamente vocês!
À minha avó Mariazinha suas sábias palavras, ditas ou não,
emanam de ti, quais estrelas-guia. Obrigada, amo você!
À meu querido Tio Jacob meu “inspirador dos livros”. Obrigada pelo
carinho!
Gostaria de fazer um agradecimento especial à Profª Drª Maria José
de Rezende, pelo carinho e estímulo expressos em atos e palavras e por sempre ter
acreditado no meu potencial. Obrigada!
Meu agradecimento especial também, ao Prof°. Dr°.Ro naldo Baltar,
que em alguns momentos pontuais atuou como retaguarda e apoio, mostrando que
sempre torceu por mim. Obrigada!
À Profª. Drª. Regina Clivati você não sabe mas fiquei muito feliz de
tê-la em minha banca (agora sabe). Agradeço por me fazer repensar dizendo: -
Aonde você quer chegar? - Suas contribuições qualificaram esta dissertação.
Obrigada!
À Profª. Raimunda de B. Batista à mim foi uma lisonja sua presença
alegre em minha banca. Agradeço também pelo empréstimo do material e a
generosidade com que leu e interagiu com meu texto. Obrigada!
Agradeço alguns amigos queridos que percorrem nas entrelinhas,
cujas palavras, gestos e silêncios foram valiosos no meu percurso. Hoje é com o
coração que os abraço: Bel, Denise, Fátima, Suelen e Victor. Todos vocês foram
indispensáveis em algum momento. Obrigada queridos amigos!
À Lucimara, minha secretária, por ter assumido com carinho a
direção de minha casa liberando meu tempo para a pesquisa. Obrigada!
À Durva, secretária do programa de pós graduação pela
solidariedade naquele momento difícil...!. Obrigada!
À Clarice que conheci no Mestrado que tive o prazer de dividir o
horizonte de uma estrada comum. Agradeço os momentos especiais compartilhados.
Obrigada!
À minha psicóloga Ana M. Addor, que me recebeu de braços abertos
quando meus nervos estavam “à flor da pele”, vai aqui meu agradecimento pelo
progresso que tenho sentido desde que nos conhecemos. Obrigada!
À Fátima, da Casa do Pioneiro pela revisão do texto e formatação,
especialmente, pelo carinho. Obrigada.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), agradeço pela bolsa concedida que proporcionou tranquilidade para
dedicar-me integralmente à pesquisa.
Por último, mas não menos importante às mulheres que
dispusseram seu tempo, seus valores, sua intimidade, à devassa da pesquisadora
e embora permaneçam anônimas sob as designações de categorias, sujeitos,
entrevistadas -, constituem, de fato, “a carne e o sangue” desta dissertação.
“Não, nem a pergunta eu soubera fazer. No
entanto, a resposta se impunha a mim desde
que eu nascera. Fora por causa da resposta
contínua que eu, em caminho inverso, fora
obrigada a buscar a que pergunta ela
correspondia.”
Clarice Lispector
BELARMINO, Luzitânia Vilas Boas. As Mulheres de Classe Média de Londrina/Pr
e a Dupla Jornada de Trabalho mudanças e permanências. 2008. Dissertação
(Mestrado em Ciências Sociais) Universidade Estadual de Londrina, s
Graduação em Ciências Sociais, Londrina, 2008.
RESUMO
O presente trabalho analisa as mudanças e permanências nos valores,
comportamentos e papéis das mulheres de classe média, moradoras de Londrina,
cidade de médio porte, localizada no Norte do Paraná. Com base em pesquisa
qualitativa, analisam-se depoimentos de seis mulheres casadas, com idade entre 35
e 50 anos, que exercem uma atividade profissional concomitante com as várias
atividades domésticas, configurando a dupla jornada de trabalho na
contemporaneidade. As análises indicam que essas mulheres de classe média,
apesar de valorizarem a vida profissional, continuam a desempenhar e assumir as
tarefas domésticas (cuidado com os filhos, com o marido, cozinhar, passar, entre
outras) mesmo que conte com a ajuda de outras mulheres, a exemplo das
empregadas domésticas. Foi possível observar que justificam o exercício da dupla
jornada através do ‘habitus’ incorporado pelo processo de socialização de suas
famílias de origem e que se apóia em valores estabelecidos pela ordem patriarcal,
ainda presentes na moderna sociedade brasileira. Os valores e comportamentos
provenientes desse habitus’ chocam - se com suas recentes conquistas e fazem
com que muitas delas se sintam culpadas pelas mudanças que foram obrigadas a
assumir e que atingiram o âmbito das relações familiares. Se, de um lado, a imagem
que se desenha da mulher de classe média, hoje, não é mais aquela de dona de
casa, dependente e submissa; de outro, revela uma mulher ‘multifacetada’ que,
apesar de possuir um envolvimento mais identitário com a vida profissional e rejeitar
a figura da mulher exclusivamente dona de casa, não consegue se desligar de
antigos e tradicionais valores, comportamentos e papéis. Desse modo, a dupla
jornada de trabalho aparece muitas vezes como ‘sofrimento’, porém inevitável.
Palavras-chave: mulheres, classe média, dupla jornada de trabalho.
BELARMINO, Luzitânia Vilas Boas. Middle-Class women of Londrina/Pr. and the
Double Workday changes and permanence. 2008. Dissertation (Master’s Degree
in Social Sciences) State University of Londrina. Post-graduate education in Social
Sciences, Londrina, 2008.
ABSTRACT
This work analyzes the changes and the permanence in values, behaviors and roles
played by middle class women who live in Londrina, a medium-sized city located in
the North of Paraná. Based on a qualitative research, it was analyzed evidence of six
married women, with ages ranging from 35 to 50 years old who have a professional
activity together with the several household chores, setting up the double workday in
contemporaneity. The analyses show that these middle-class women, in spite of
valuing the professional life, continue to perform and take on the household chores
(taking care of children, husband, cooking, ironing, among others), even if they count
on other women’s help, that is, the maids. It was possible to observe that they justify
the double workday through the habit incorporated by the socialization process of
their original families and that is supported on values established by the patriarchal
rule, which is still present in the modern Brazilian society. The values and behaviors
that come from this habit are contrasted with their recent conquests and make these
women feel guilty by the changes that they were forced to take on and that reached
the family relations scope. If, on one hand, the image that is outlined of the middle-
class woman nowadays is not that one of a dependent and submissive housewife, on
the other hand, it reveals a ‘multi faceted’ woman who, in spite of being more
involved with the professional life and rejecting the image of the woman as
exclusively a housewife, cannot turn her back to old and traditional values, behaviors
and roles. Consequently, the double workday is very often considered an inevitable
‘suffering’.
Key words: women, middle class, double workday.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13
CAPÍTULO I
1 O PATRIARCALISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA MULHERES DE CLASSE
MÉDIA E A OPRESSÃO E SUJEIÇÃO À DUPLA JORNADA DE TRABALHO ........ 20
1.1 A Construção Social de Gênero – A Importância da Família .............................. 21
1.2 A Inclusão das Mulheres no Espaço Público A Coexistência de Antigos e
Novos Padrões de Comportamento .......................................................................... 25
1.3 Apontamentos Sociológicos Sobre a Classe Média A Posição da Mulher e a
Dupla Jornada de Trabalho ....................................................................................... 31
1.4 A Delimitação do Espaço da Mulher na Sociedade Moderna .............................. 34
1.5 A Mulher de Classe Média e a Relação Contraditória com o Mundo do
Trabalho ................................................................................................................... 39
CAPÍTULO II
2 A MULHER BRASILEIRA TRABALHO PRODUTIVO, TRABALHO DOMÉSTICO
E REPRODUÇÃO DA VIDA. ..................................................................................... 47
2.1 Conjugalidades e Arranjos - Entre as Rupturas e Continuidades nas Famílias de
Camadas Médias ...................................................................................................... 51
2.2 O Lugar da Mulher O Processo de (Re) Significação dos Arranjos Domésticos
(Entrecruzando “Tradicional” e “Moderno”) ............................................................... 54
CAPÍTULO III
3 A CIDADE DE LONDRINA E AS MULHERES DE CLASSE MÉDIA (UM RECORTE
EMPÍRICO) – O CENÁRIO E AS ENTREVISTAS .................................................... 60
3.1 Recorte do Objeto de Estudo e Metodologia de Trabalho ................................... 64
3.2 Caracterizando o Cenário O Perfil das Entrevistadas (Um Grupo de 6 Mulheres
de Camadas Médias Urbanas) .................................................................................. 69
CAPÍTULO IV
4 A DUPLA JORNADA DA MULHER O FEMININO EM UMA SOCIEDADE EM
TRANSFORMAÇÃO (MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS) ......................................... 80
4.1 A Família Como ‘Habitus’ Primário ..................................................................... 86
4.2 Conjugalidades e Arranjos .................................................................................. 96
4.3 A Importância do “Estudo” ................................................................................. 100
4.4 Participação Comunitária, Religiosa e Lazer ..................................................... 102
4.5 Aspirações de Vida ........................................................................................... 108
4.6 O Trabalho Doméstico ...................................................................................... 111
4.7 O Trabalho na Esfera Pública ........................................................................... 118
4.8 A Dupla Jornada – O Trabalho Remunerado e o Trabalho Doméstico ............. 120
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 128
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 135
ANEXOS ................................................................................................................. 140
ANEXO A – Roteiro de Entrevista ........................................................................... 141
13
INTRODUÇÃO
O interesse pela questão da dupla jornada de trabalho que as
mulheres cumprem ao realizarem as tarefas do mundo da casa mesmo assumindo
uma atividade profissional no mercado de trabalho teve início em 1997, quando
desenvolvi monografia de especialização em sociologia intitulada: “A cultura da
obrigação: a mulher e a dupla jornada de trabalho”.
A pesquisa foi desenvolvida com mulheres da classe operária,
costureiras de fábrica de confecções. A problemática principal e norteadora daquela
pesquisa foi se as mulheres de ‘baixa renda’ desempenham a dupla jornada de
trabalho devido a um conjunto de valores, próprio do sistema patriarcal, que atribui
os afazeres domésticos como função inerente à mulher, resultando em um processo
de internalização que define todo um padrão de comportamento.
Assim, naquela pesquisa pude constatar que as mulheres operárias
reproduzem e aceitam como natural a continuidade do exercício dos papéis
domésticos mesmo cumprindo exaustiva jornada de trabalho na brica. Se por um
lado as dificuldades materiais do cotidiano as obrigam a um trabalho remunerado
para complementar o orçamento familiar, por outro, continuam assumindo o trabalho
no mundo da casa como obrigação inevitável.
É importante ressaltar que minha trajetória também influenciou a
opção por pesquisar esta temática. Muitas vezes, a partir dos 10 anos de idade
assumi o lugar de minha mãe nas tarefas domésticas, tendo em vista que ela exercia
a dupla jornada de trabalho. Sendo assim, a influência materna foi fundamental para
a construção de minha identidade feminina. Fui ser mãe, esposa e dona de casa, tal
como havia aprendido com minha mãe. “Cabe à mulher iniciar outra mulher, para
que aprenda a ser mulher. É a transmissão de um ‘ritual feminino’ que perpetua uma
tradição: a de ser dona de casa”. (MONTEIRO, 1991, p.150).
Todos esses aspectos contribuíram para a continuidade do estudo
dessa temática, porém deslocando o foco da pesquisa para as mulheres de classe
média da cidade de Londrina-Pr, inseridas no trabalho produtivo, tentando perceber
como em suas trajetórias incorporam a realidade social, com mudanças e/ou
permanências de antigos valores, sedimentados ainda em uma sociedade patriarcal.
14
Para entendermos a atual condição dessa mulher de classe média
foi necessário perceber como ocorre uma (re) significação da identidade social
feminina pelo seu deslocamento do espaço privado para o espaço público, através
da inserção no mercado de trabalho.
Neste sentido, investigou-se como vivem as mulheres de classe
média de Londrina, procurando conhecer suas condições de vida (familiar, social,
econômica, afetiva, política e religiosa, entre outros), dando especial atenção ao
exercício de um trabalho profissional concomitante com a realização do trabalho
doméstico, configurando assim a dupla jornada de trabalho.
Os dados analisados são provenientes de entrevistas realizadas
com mulheres profissionais de classe média de Londrina, que estão entre 35 a 50
anos, percebem de 8 a 15 salários mínimos por mês, que exercem trabalho
profissional concomitante com as atividades domésticas, casadas e com filhos
meninos e meninas. Os dados coletados nas entrevistas foram gravados, transcritos
na íntegra e submetidos à análise.
Voltando o olhar para a contemporaneidade, este estudo tem como
objetivo conhecer como estas mulheres lidam com a multiplicidade de identidades
que lhe são atribuídas na sociedade moderna, e quais sentidos elas atribuem à
maternidade, ao casamento, à família e ao trabalho. Sendo assim, busca-se
investigar como a dupla jornada de trabalho ao gerar sobrecarga cotidiana define um
modo particular de vida e arranjos específicos.
Além do mais, considera-se que nas camadas médias o conflito
entre o trabalho e função materna adquire maior visibilidade. Ser mãe e profissional
é assumir identidades múltiplas e contraditórias, construídas socialmente e em
permanente processo de mudança (HALL, 2001; LOURO, 1997). Desse modo,
pontua-se aqui que, na contemporaneidade, esta trabalhadora tem a possibilidade
de descobrir na esfera pública a trilha da sociabilidade possibilitada pelo trabalho
coletivo, que lhe permite desconstruir preconceitos secularmente designados ao ser
mulher e substituí-los por suas reais qualidades. No espaço da sociabilidade ela
toma ciência que pode gerenciar sua própria vida, pode exercer chefia na família e
através do convívio coletivo criar sonhos. (FISCHER, 1997)
15
Ao enfatizar esses aspectos, a hipótese principal desta pesquisa é
de que a mulher de classe média exerce a dupla jornada de trabalho devido ao
‘habitus’ incorporado na ordem patriarcal que ainda hoje se faz presente
1
.
Acredita-se que nas relações cujas estruturas configuram-se como
relações patriarcais, os indivíduos incorporam os valores em suas subjetividades
contribuindo inconscientemente para a reprodução das relações de gênero, segundo
a dominação masculina que caracteriza a sociedade patriarcal. Neste sentido, as
ações que definem os lugares e os papéis de homens e mulheres seriam
incorporadas como naturais, porque seriam constitutivas do indivíduo. (BOURDIEU,
2003)
É relevante apontar que a hierarquização dos papéis, o caráter
ideológico de tal fenômeno mascara sua produção cultural e a coloca como imutável.
Tal ideologia é transmitida pelos agentes socializadores primários (a família e seus
membros) e secundários (escolas, religião, meios de comunicação). Cabe, portanto,
indagações sobre as mudanças e permanências de comportamentos, valores e
papéis que envolvem as relações entre homens e mulheres diante do novo contexto
cultural globalizado, que produz novos sujeitos, especialmente com a inserção mais
vigorosa da mulher no mundo do trabalho. Afinal, quem é esta mulher? Como ela se
reconhece e se identifica?
Todas essas preocupações e indagações orientaram a organização
do presente trabalho, como segue.
O capítulo 1 consiste num exercício teórico. Nele exploram-se
alguns textos clássicos sobre a questão da mulher, a formação de sua identidade
social na sociedade ocidental, especificamente na sociedade brasileira.
Nesta tentativa de compreensão do que é culturalmente ‘ser mulher’
em nossa sociedade, utiliza-se Bourdieu (1972), e seu conceito de habitus’ quando
afirma que expectativas de comportamento para cada sexo, sendo este
estruturado desde o nascimento. Ainda hoje, homens e mulheres são socializados
tendo como referência valores e expectativas diversos.
1
O ‘habitus’ configura-se como um sistema de situações duráveis estruturadas de acordo com o meio
social dos sujeitos, ou seja, é o principio gerador de práticas e representações. Portanto o ‘habitus é
o elo entre o objetivo e o subjetivo na constituição dos indivíduos e nas práticas sociais. (BRIOSCHI,
1989, p.14).
16
O ‘habitus’ gera as práticas e as representações, pois ele é imposto
pelas instituições, inclusive a familiar, que condiciona o aprendizado e, no caso de
gênero, cria identidades de feminino e masculino. Neste contexto, acaba por existir
um sistema de disposições construídas que dão significado às ações e às
representações do indivíduo. É um sistema que adentra nas consciências e
perpassa pelas estruturas sociais e pelas práticas individuais. (BRIOSCHI & TRIGO,
1989)
Apesar de não ser o foco principal desta pesquisa, faz-se uma
conceituação teórica de gênero, tendo em vista que a compreensão das relações de
gênero entre homens e mulheres nos abre caminhos para entender a dupla jornada
da mulher na sociedade contemporânea. Portanto, se algum tempo era explícito
o papel ocupado por mulheres e homens dentro da sociedade, procura-se verificar
quais são as permanências e mudanças no processo de socialização e subjetivação
dos indivíduos quanto aos lugares de gênero.
A discussão sobre a classe média, ainda neste capítulo, faz-se
necessário considerando as especificidades deste grupo no contexto social
brasileiro, ou seja, busca-se apreender como as recentes transformações da atual
sociedade moderna atingem as mesmas.
Paralelamente, abordam-se as mudanças e continuidades do papel
da mulher na sociedade contemporânea, bem como os novos rumos da família em
nossa sociedade. Mostrando que, muitas vezes, antigas práticas e atitudes adquirem
apenas nova roupagem.
O capítulo 2 examina os fatores que permitiram a absorção feminina
no início do industrialismo brasileiro enquanto principal mão-de-obra, bem como a
atuação do Estado neste contexto histórico através do código civil de 1916 que
legitima a família patriarcal, postula o homem como seu chefe principal e defende
também a masculinização dos espaços públicos da sociedade. (PENA, 1981)
Considera-se ainda, neste capítulo, as transformações que
ocorreram no mundo do trabalho, em particular a reestruturação produtiva, bem
como o desemprego provocado pela onda tecnológica que levou a mulher a assumir
cada vez mais a chefia da família. O homem como tradicional provedor da família
cede lugar à mulher, que se torna provedora parcial ou total da família, afirmando
assim sua competência no desempenho da atividade masculina, mesmo que seja
numa conjuntura desigual.
17
Permanece o modelo nuclear de família, mas com outras versões, a
exemplo da coabitação sem vínculos legais, porém, aceito socialmente. Desse
modo, o número de filhos diminui, crescem os recasamentos e as recomposições
familiares. A tendência atual coloca em xeque os valores da família patriarcal
baseada na autoridade, mas não aponta para o fim da família. No entanto as novas
recomposições familiares, papéis, regras e responsabilidades vão ter que ser
negociadas diariamente. (CASTELLS, 2003).
No capítulo 3 faz-se um breve histórico da formação da cidade de
Londrina, no Norte do Estado do Paraná. Destacam-se aspectos do período de
formação e consolidação do Centro principal de Londrina, as mudanças recentes
físico-territoriais da cidade, as áreas preferenciais desta expansão, os agentes
sociais que estão comandando este processo, bem como práticas e ações
desempenhadas pelos mesmos. (RIBEIRO, 2003 ; FRESCA, 2002).
É necessário destacar que nosso olhar está voltado para os
aspectos referentes à realidade da mulher londrinense, dentre eles: educação,
trabalho, política e saúde.
É neste capítulo que estão explicitados os procedimentos metódicos
da pesquisa: o contexto do estudo, os critérios de seleção das mulheres
entrevistadas, a opção pela pesquisa qualitativa e o recorte do objeto.
No capítulo 4 a proposta é interpretar as ‘interpretações’ das
mulheres de classe dia de Londrina que cumprem a dupla jornada de trabalho.
Sabe-se que novas dinâmicas macrossociais ocorrem trazendo mudanças que vão
repercutir na esfera da família e nas relações entre homens e mulheres. A inserção
cada vez maior da mulher no mercado de trabalho, a influência dos movimentos
feministas pela igualdade dos direitos, o avanço da ciência em relação à
contracepção, a melhoria educacional das mulheres, dentre outras, trazem um
conjunto de novos valores, que são considerados neste capítulo.
Através das análises dos relatos investigam-se como as mudanças
sociais, políticas, culturais e econômicas na sociedade e famílias brasileiras
transformaram os papéis da mulher, especialmente no grupo pesquisado de
mulheres de classe média de Londrina. Melhor dizendo, busca-se perceber as
mudanças e permanências de comportamentos e valores no universo feminino.
18
Nas considerações finais, procura-se realizar um atento retorno aos
primeiros movimentos deste trabalho, tentando reconstruir o trajeto percorrido e
apontar os principais resultados da pesquisa.
19
CAPÍTULO I
O PATRIARCALISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA – MULHERES
DE CLASSE MÉDIA E A OPRESSÃO E SUJEIÇÃO À DUPLA
JORNADA DE TRABALHO
20
1 O PATRIARCALISMO NA SOCIEDADE BRASILEIRA MULHERES DE
CLASSE MÉDIA E A OPRESSÃO E SUJEIÇÃO À DUPLA JORNADA DE
TRABALHO
Como exposto na Introdução, a intenção desta pesquisa é discutir
o fenômeno da dupla jornada de trabalho das mulheres nas sociedades
contemporâneas, em específico, mudanças e permanências desse duplo encargo
exercido por mulheres de camadas médias na sociedade atual brasileira. Para
melhor precisar o que se pretende no presente estudo é necessário esclarecer que
não se trata de discutir aspectos biológicos, mas a representação de um lugar e de
uma significação para a mulher na sociedade. Portanto, culturalmente uma idéia
de um lugar e de atributos que compõem a definição do que é pertencer ao sexo
feminino e os papéis a serem cumpridos.
Neste sentido salienta Kofes:
Ser mulher seria, portanto constituir-se a partir do mundo doméstico e ser
parte constitutiva dele. Espaço que não é apenas de tarefas, de esferas
desenhadas pela divisão social e sexual do trabalho. Mas o local definidor
da feminilidade. Ser mulher seria ser dona do espaço doméstico. É também
ser doméstica. O doméstico seria ele próprio feminino (KOFES, 2001,
p.186).
É neste universo doméstico o lugar de construção e definição da
mulher e do desempenho de papéis femininos. Nesse sentido, a noção de habitus’
desenvolvido por Bourdieu (1972) oferece elementos importantes para a
compreensão desse processo de definição e significação do lugar da mulher e dos
papéis a ela atribuídos, ou seja,
O habitusé entendido como um conjunto de disposições de agir, pensar,
perceber e sentir de uma maneira determinada; é o princípio gerador das
práticas e representações. O habitus se expressa por uma aptidão dos
agentes para se orientar espontaneamente dentro do espaço social e a
reagir de forma mais adaptada aos acontecimentos e situações.
As disposições que definem o habitussão impostas aos indivíduos por um
processo pedagógico contínuo e a ação pedagógica mais precoce é aquela
que advém do grupo familiar, e vai ser o mais decisivo, uma vez que vai
condicionar todo o aprendizado posterior que se na escola, convivência
com os amigos, relações de trabalho. Nesses termos, a primeira educação,
aquela recebida no âmbito doméstico vai influenciar toda a vida posterior
dos agentes. Assim receber uma educação é adquirir disposições a
reproduzir espontaneamente, em pensamento e por pensamento, palavras
21
e ações as relações sociais existentes no momento da aprendizagem.
(BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.15).
Assim aprende-se no lócus privado gostos, costumes e sentimentos
que definem “o que é ser mulher”: brincar de casinha, ser carinhosa e ou sensível.
Enquanto os homens devem: jogar bola, não demonstrar sensibilidade, falar
palavrão, entre outros. Mais ainda, as mulheres devem se afastar do espaço público
- o lócus da liberdade e onde os homens se reconhecem iguais para rivalizar, falar e
agir. Esta exclusão da mulher do espaço público tem sua explicação nos papéis que
lhe são atribuídos na esfera doméstica: ser mãe, esposa e dona-de-casa. Desse
modo, “seu espaço de poder está reservado, no plano social, mais como mãe, dona-
de-casa, esposa e, secundariamente, como ser autônomo e integral” (SILVEIRA,
1997, p.170). Disso decorrem, em grande parte, as conhecidas dificuldades de
participação pública de parcela significativa da população feminina.
Em decorrência dessas discussões, torna-se necessária breve
reflexão sobre gênero na sociedade brasileira
2
, a fim de melhor fundamentar o
fenômeno da dupla jornada de trabalho entre mulheres de classe média como
segue.
1.1 A Construção Social de Gênero – A Importância da Família
Nunca como na atualidade se debateu de forma tão democrática a
posição do homem e da mulher na sociedade brasileira. O fim da década de 1960 e
início da década de 1970 do século XX é marco fundamental nas transformações
dos papéis femininos e masculinos. A produção científica sobre a questão de gênero
ampliou substantivamente. Estes estudos buscam desconstruir a idéia de que
uma ‘natureza’ pertencente ao sexo feminino e masculino e reforçar a concepção de
que as características atribuídas à mulher e ao homem são socialmente construídas.
A categoria de gênero é um primeiro modo de dar significado às
diferenças e que tais diferenças são produzidas socialmente, não sendo, portanto,
distinções de anatomia ou de marcas biológicas do sexo. (SCOTT, 1990). Tais
diferenças são operadas como desigualdades no cotidiano. Uma vez rejeitado o
2
Nos remeteremos sempre que necessário à discussão de gênero nessa dissertação, tendo em vista que em nossa
sociedade as diferenças de gênero são utilizadas para produzir desigualdade na vida cotidiana. Todavia
evidencia-se aqui que o nosso objeto de análise é: “A Dupla Jornada da Mulher de Classe Média: Mudanças e
Permanências”.
22
determinismo biológico, que busca a sujeição da mulher em sua capacidade
reprodutiva, a noção de “gênero enfatiza as qualidades sociais das distinções
baseadas no sexo. É uma categoria relacional que define homens e mulheres uns
em relação aos outros, ou seja, gênero feminino e gênero masculino”. (SARTORI,
2004, p.173).
O conceito de gênero pode ser definido em uma conexão entre duas
preposições: “(I) o gênero como um elemento constitutivo das relações sociais
baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos e (II) o gênero como uma forma
primária de dar significado às relações de poder”. (SCOTT, 1990, p.86).
A autora considera gênero como relação de poder e apresenta como
o poder é articulado pelo gênero. Dentro desse contexto, a família é uma das
principais instituições que aprendem a pensar e agir de acordo com determinadas
regras sociais, tendo o gênero caracterizado como dual oposto e desigual entre os
sexos. Reproduz na sociedade relações de poder e comportamentos categorizados
como de homem e mulher.
A importância da família conjugal moderna ocorre com a valorização
e invenção da infância, nos séculos XVII e XVIII. É nesse período que se tem a
constituição da família burguesa, a denominada família nuclear pai, mãe e filhos/
as ou seja, o casamento monogâmico, que concedia aos homens ampla liberdade
sexual e às mulheres um controle absoluto por parte do seu marido. Sabe-se que
este tipo de família é muito freqüente na maior parte das sociedades, pode-se dizer
da existência quase universal da família conjugal. Esta família tem origem no
casamento e é formada por esposa, marido e filhos ligados por laços
consangüíneos, por direitos, obrigações econômicas e obrigações emocionais.
(SARTORI, 2004).
Dentro desde contexto, vale à pena destacar o conceito de
patriarcalismo
3
que surge “como uma forma de categorização histórica de
organização das sociedades sexuadas, produto das próprias relações sociais de
gênero”. (SARTORI, 2004, p.137). Desse modo o patriarcalismo marca o caráter
opressivo, explorador e discriminatório que as relações de gênero tem instituído na
3
Patriarcalismo: O conceito procura descrever relações concretas de poder entre os sexos,
organizadas na família, ou seja, o comando do pai, tem sua expressão particular na divisão sexual do
trabalho e na apropriação do trabalho doméstico da mulher pelo homem”. (PENA, 1981, p.75).
23
organização sexuada da sociedade, cujo comando tem referência o homem e o
masculino, os quais são concebidos como superiores à mulher e ao feminino.
Considerando a família uma instituição social, supõem-se que é
nesse ambiente de convivência cotidiana que se formaliza a socialização da criança
através da incorporação de um habitus’ normas, valores, símbolos, representações
sociais que tem a ver o com o grupo doméstico, mas também pelo fato de
serem seres sexuados, desigualmente valorizados socialmente e internamente no
espaço doméstico. É dentro desse contexto que as crianças internalizam as relações
de gênero, aprendem a serem homens e mulheres, constroem sua identidade e
iniciam a vivência de sua sexualidade, bem como reproduzem as desigualdades
sociais e as relações de poder entre homens e mulheres.
Desse modo, o todo relacional representado na família exprime-se
por meio de uma divisão de trabalho entre os gêneros, que institui ao masculino
como destinado ao domínio público e o feminino direcionado ao domínio privado.
Dessa forma, a casa e as/os filhas/os encarnam o universo feminino, cabendo ao
homem prover as necessidades econômicas do espaço doméstico. A casa, portanto,
é tida como o lócus familiar. Portanto no ambiente doméstico ocorrem às inter-
relações entre cônjuges, pais, mães, filhos/as, irmãos, configurando uma divisão
sexual e moral do trabalho impregnada por uma forte oposição entre os gêneros,
principalmente no que tange aos países em desenvolvimento, como é o caso do
Brasil. No entanto, isso não quer dizer que não se possam encontrar homens e
mulheres, meninos e meninas atuando em esferas distintas daquelas que lhe seriam
atribuídas. (SARTORI, 2004).
Neste sentido, Sartori afirma:
No que se refere ao universo das relações familiares quando demarcadas
pelas relações de gênero, verifica-se uma diferença acentuada entre
‘obrigação’ e ‘ajuda’. Obrigação diz respeito aos elos a e aos deveres que
unem os membros de um grupo doméstico, dando conta do princípio que
ele subjas: a reciprocidade troca engendrada pela inter qualificação de
gênero, idade, papel social de seus elementos. Tal noção engloba a ‘ajuda
que deve ser entendida de acordo com cada contexto situacional em que se
encontra. Desse modo, em virtude da maneira diferencial como se articulam
os papéis sociais, o trabalho doméstico reveste-se de um conteúdo de
‘obrigação’ para as mulheres/meninas e ‘ajuda’ para os homens/meninos,
condicionada a vontade deles. Revela-se, nesse modelo complementar, a
lógica de gênero que organiza as relações do grupo doméstico, fazendo
com que o domínio da casa e à sua articulação com o mundo público
cabem, primordialmente, ao elemento masculino. (SARTORI, 2004, p.178).
24
Interpretando a autora, esta dinâmica familiar torna-se clara nos
primeiros anos de vida, quando os meninos gozam de maior relação com o domínio
público os mesmos podem permanecer por um tempo maior fora do domínio da
casa, tendo mais tempo para lazer. Ao contrário, as meninas ficam restritas aos
locais que ‘podem’ freqüentar e ao ‘tempo’ que podem permanecer na ‘rua’. O
trabalho doméstico emerge como inevitável à vida das meninas/mulheres, que se
vêem submetidas e condicionadas a renunciarem a si mesmas e se dedicarem aos
outros devido à maternidade, por exemplo. Nesse processo sexuado de socialização
supõe-se haver um ‘jogo duplo’ na vida das mulheres: lutar contra aquilo que lhe foi
imposto, mas ao mesmo tempo apoiar-se em um aspecto de auto-valororização
pessoal, pois graças ao desempenho do trabalho doméstico são elas consideradas
‘zelosas da casa’. Assim, o trabalho doméstico constitui-se numa referência que
afirma um sentimento de auto-estima e de crítica à bagunça, desmanzelo e
desordem que são atributos do gênero masculino.
Considera-se, portanto, que este processo condicional ao
comportamento individual limita as mudanças. Apesar de todas as transformações
que vêm ocorrendo no âmbito do grupo doméstico ou o que se pode chamar de
‘novos arranjos familiares’, deve-se atentar para as mudanças reais e mais
profundas nas relações de gênero. Um dos acontecimentos que mais têm
contribuído para a possível mudança que está ocorrendo é à entrada da mulher no
mercado de trabalho.
A visão de que a participação cada vez maior da mulher no mundo
economicamente ativo pode ser uma das causas de ‘desestruturação familiar’ deve
ser analisada com cuidado, tendo em vista que em nenhuma época a instituição
familiar foi estável’
4
. No entanto a questão da inserção da mulher no trabalho
assalariado e a questão da dupla jornada de trabalho têm suscitado muitos estudos
em relação ao fim da instituição família. No que se refere especificamente à dupla
jornada de trabalho, esta tem sido marcada pelas transformações das condições de
vida urbano-industrial, ou seja, capitalista, acirrando o conflito entre trabalho
assalariado e trabalho doméstico tradicional.
Neste sentido salienta Moraes:
4
Essa afirmação e de BIASOLI-ALVES, Zélia Maria Mendes (2000). Desse modo, não se trata de apontar o
trabalho profissional da mulher como gerador da desestruturação familiar. Tendo em vista que essa é uma
conquista feminina que não aponta ao retrocesso. Na verdade o entrave a essa conquista é que não houve
contrapartida dos homens ao mundo doméstico.
25
O rompimento do modelo familiar baseado na divisão do trabalho entre o
marido-provedor e a mulher dona-de-casa aumentou as exigências de
desempenho feminino, gerando a denunciada ‘dupla jornada’. Em outras
palavras, a transformação capitalista ao generalizar as relações
assalariadas de trabalho integra o contingente feminino ao ‘mercado de
trabalho’, garantido a autonomia econômica das mulheres em oposição ao
modelo tradicional do homem como exclusivo provedor doméstico. Mas, a
abertura das portas do mundo do trabalho assalariado para as mulheres
não teve como contrapartida a entrada dos homens ao mundo doméstico,
e/ou alguma outra forma de divisão de trabalho (MORAES, 1996, p.4).
Interpretando a autora, diante desse novo contexto histórico e de
relações sociais diferentes, ainda permanecem muitas das representações de
gênero no cotidiano familiar, que foram sendo reproduzidas e assimiladas pelas
gerações mais jovens que advém de um universo imaginário, que representa a
mulher como a principal responsável pelo trabalho doméstico. Meninas e meninos
assimilam desde cedo que as mulheres estão num processo de conquista do
mercado de trabalho, mas o homem ainda permanece como referencial de igualdade
na relação homem-mulher. “Daí que se destaca a importância da ‘solidariedade
conjugal’ ao qual homens/meninos e mulheres/meninas participem das tarefas
domésticas no sentido de eliminar essas diferenças tão presentes nas relações de
gênero que afetam a dinâmica do grupo familiar”. (SARTORI, 2004, p.182).
A inclusão das mulheres no espaço público é um dos avanços que
possivelmente serão apontados nas análises do presente estudo, assumindo um
significado de ‘liberação’ da mulher em relação ao trabalho doméstico. Em
contrapartida, há os impasses em relação à aceitação e à permanência da mulher no
trabalho assalariado. Pode-se dizer que existem idéias de ‘luta’, ‘conquista’, ‘abertura
de espaço’, mas que não têm representado a completa eliminação das relações de
desigualdade entre homens e mulheres.
Assim, as mulheres que hoje desempenham papéis que antes eram
atribuídos ao sexo masculino, após as transformações ocorridas, são pessoas
múltiplas. Tanto elas como os homens trocam em parte os papéis que lhes foram
atribuídos. Cada vez mais as mulheres atuam no espaço público, no entanto devem-
se perceber suas especificidades, pois pertencem a classes sociais diferentes, não
se constituindo em grupo homogêneo e estão situadas em contexto e condições
distintas.
26
1.2 A Inclusão das Mulheres no Espaço Público A Coexistência de Antigos e
Novos Padrões de Comportamento
A inclusão das mulheres no espaço público foi marcada por muitas
lutas e conquistas, por isso a necessidade de breve levantamento do movimento
feminista. Este se organizou primeiro na Europa e nos Estados Unidos da América e
depois repercutiu no Brasil. A mídia brasileira: jornais, revistas, televisão e outros
passaram a dar maior espaço às reivindicações femininas. O denominador comum
das lutas feministas foi o questionamento da divisão tradicional dos papéis sociais
como recusa da mulher, o segundo sexo ou o sexo frágil, cujo principal papel é o de
esposa-mãe. As feministas reivindicavam a condição de sujeito de seu próprio corpo,
buscando um espaço próprio de atuação profissional e política. O feminismo trouxe a
denúncia e a revolta contra uma cotidianidade baseada na repetição, na reclusão e,
sobretudo, na falta de autonomia para inventar a vida.
Neste sentido, salienta Martins:
Nessa adversidade, a questão é saber como a história irrompe na vida de
todo dia e trava o embate a que se propõe o de realizar no tempo miúdo
da vida cotidiana as conquistas fundamentais do nero humano realizar
aquilo que liberta o homem das múltiplas misérias que o fazem pobre de
tudo: de condições adequadas de vida, de tempo para si e para os seus, de
liberdade, de imaginação de prazer no trabalho, de criatividade, de alegria e
de festa, de compreensão ativa de seu lugar na construção social da
realidade. Uma vida em que, além do mais, tudo parece falso e falsificado,
inclusive a esperança, porque o fastio e o medo parecem autênticos. Na
abundância aparente, o estamos realizados estamos apenas saturados
e cansados em face dos poderes que parecem nos privar de uma
inteligência histórica do nosso agir cotidiano
(Martins, 2000, p.100-101).
A difusão da psicanálise também tem sua participação para a
rejeição das práticas autoritárias e repressivas como, por exemplo, o
questionamento do exercício da sexualidade somente dentro dos limites do
casamento. Na realidade, o tom de mudança social foi dado pela reivindicação de
igualdade na esfera pública e privada e pela recusa de padrões morais sexuais para
homens e mulheres. Com isso, as mulheres passaram a viver o dilema de ‘mudar’ ou
‘permanecer’, coexistindo um padrão tradicional de ‘ser mulher’ (a ‘virgem e
‘esposa-mãe’), voltado para o mundo doméstico, e um novo modelo de mulher que
trabalha, que atua politicamente e que busca o prazer sexual.
Novos modelos de ‘ser mulher’ entraram em disputa. De um lado,
um modelo com forte sentido religioso, aquele que exige da mulher a negação de
27
sua sexualidade (virgindade) ou a contenção de seu exercício nos limites do
casamento, que tem como fim a procriação, e de outro, um modelo que pode ser
pensado como o difundido pela psicanálise e pelas lutas femininas, que busca a
igualdade entre homens e mulheres e o controle sobre sua própria vida.
(GOLDENBERG, 2007).
Neste contexto de mudança de costumes, mais precisamente por
volta das décadas de 1940-1950, a mulher se descobre como ser social e começa a
pedir divórcio, reivindicar a legalização do abordo, tomar contraceptivos, insere-se
no mercado de trabalho, passa a estudar mais e a não depender dos homens para
sobreviver, conseqüentemente a mãe perde sua função exclusiva de educadora e de
domínio do lar. (TANAKA, 2007).
A clássica divisão sexual de trabalho está sobre pressão, pois as
mulheres mesmo ainda ocupando o espaço privado da reprodução já incorporaram o
significado de trabalhar “fora”. Portanto ser dona-de-casa na sociedade moderna
passa a ser desvalorizador, enquanto que o definidor de identidade social para a
mulher se dá no espaço blico, ou seja, possuir uma carreira profissional significa
valor fundamental para a construção de sua identidade. O novo tom social das
reivindicações femininas, desencadeado pelos movimentos feministas, promoveu a
entrada das mulheres, especialmente as das camadas médias no mercado de
trabalho pois as mulheres das camadas baixas sempre trabalharam para garantir
sua sobrevivência e de seus familiares, portanto sempre exerceu a jornada dupla.
Desse modo, novos papéis e padrões de comportamento são delineados,
especialmente o de mulher trabalhadora. (TANAKA, 2007).
Salienta Tanaka:
Quando Simone de Beauvoir, em 1949, em ‘O Segundo Sexo’, disse que
‘não se nasce mulher, torna-se mulher’, expressou a idéia básica do
feminismo: a desnaturalização do ser mulher. O feminismo fundou-se na
tensão de uma identidade sexual compartilhada (nós mulheres),
evidenciada na anatomia, mas recortada pela diversidade de mundos
sociais e culturais nos quais a mulher se torna mulher, diversidade essa
que, depois, se formulou como identidade de gênero, inscrita na cultura
(TANAKA, 2007, p.25).
É a própria Beauvoir quem nos a chave para essa discussão,
quando diz que ‘aprende-se a ser mulher’. (BEAUVOIR, 2000). Ela foi contra o
modelo biológico de mulher enquanto geradora de filhos e que deveria ter como
28
lugar principal o lar. Hoje, quando grande parte das mulheres escolhe não ter filhos,
ou quando as tecnologias reprodutivas podem dispensar a gravidez da mãe
biológica é porque a conquista do livre arbítrio sobre o próprio corpo possibilitou às
mulheres programar suas vidas e exercer tanto a vida profissional como escolher a
forma que deseja exercer sua maternidade.
Porém, com esta ruptura de padrões convivem-se continuidades em
novos argumentos (biológicos) criados para fundamentar a distinção existente
entre os gêneros sob outra roupagem. “É no tamanho do cérebro, na quantidade de
neurônios, nas diversas regiões do cérebro, nos genes, nos cromossomos, nos
hormônios, que são encontradas as diferenças para comportamentos masculinos e
femininos”. (GOLDENBERG, 2007, p.19).
Essas discussões indicam que, se de um lado, as diferenças de
gênero resistem à mudança, de outro, a ciência reforça as idéias de diferenças entre
homens e mulheres. Apesar de nas últimas cadas se observar aproximações
significativas entre homens e mulheres, especialmente no que se refere ao
comportamento e à moda (mesmas vestimentas, acessórios, cortes de cabelo, entre
outros), as diferenças de sexo estão tão impregnadas em nossa forma de pensar e
estar no mundo que fica impossível pensar no modelo de sexo único. Mesmo que
descobertas científicas questionassem essas diferenças, acabariam se adaptando
ao modelo de dismorfismo e criando novas divisões
5
.
5
(GOLDENBERG, 2007) “As meninas falam mais cedo e com maior correção gramatical. Aos 12
anos de idade, por exemplo, são bem melhores em escrita e empregam muito mais palavras em
oratória. Isso está diretamente ligado com o estrogênio (grupo de hormônios sexuais que estimula
caracteres femininos). Quando os níveis de estrogênio se elevam – no meio do círculo menstrual – as
mulheres ficam ainda melhores em descobrir a palavra exata de modo correto e mais rapidamente...
O cérebro feminino é mais bem equipado para lidar com linguagem. ...Num estudo com 22
sociedades em todo planeta, a conclusão foi unânime: as mulheres falam mais” (Helen Fischer, Isto
É, 10/03/1999). Viva a diversidade: o cérebro do homem é maior do que o da mulher, mas o dela é
mais complexo. Os homens têm em média 16% de neurônios a mais que as mulheres. São 23 bilhões
contra 19 bilhões. O cérebro feminino faz mais sinapses e tem maior densidade de neurônios em
certas áreas, o que pode explicar diferenças cerebrais sutis em áreas que processem a linguagem,
emoções, informações e cognição. Os homens têm mais facilidade para realizar cálculos matemáticos
e se orientar no espaço. as mulheres reconhecem nas outras pessoas aspectos emocionais, têm
melhor desempenho na linguagem verbal e na execução de tarefas detalhadas e pré-planejadas”
(Isto É, 23/03/2005). “As meninas aprendem a ler mais rápido que os meninos. Saem-se melhor em
gramática e vocabulário. Têm maior facilidade em decifrar exatamente o que o professor quer.
Prestam mais atenção nas aulas. Têm melhor desempenho em testes orais e escritos do que nos
testes de múltipla escolha. São mais habilidosas na execução de tarefas minuciosas, que exigem
maior atenção” (Veja, 09/06/2004). O psiquiatra Alfredo Castro Neto diz que “as mulheres falam mais
e se expressam melhor que os homens. O cérebro delas já vem estruturado para usar a fala como
principal forma de expressão” (O Globo, 18/08/2002).
29
No Brasil, as transformações dos papéis e comportamentos
femininos nas três últimas décadas contribuíram para que as mulheres brasileiras
assumissem novos espaços no mundo público, tanto no que tange ao mundo
profissional quanto ao político. Porém, é preciso o esquecer nossas raízes
históricas. A escravidão, a tardia emancipação do centro de dominação, o modelo
fundiário desenvolvido pelo colonizador português e a influência da Igreja Católica
como força política e instrumento de controle social são alguns dos elementos que
permitem compreender as peculiaridades das lutas das mulheres brasileiras.
(GOLDENBERG, 2007)
São estes elementos que ajudam a entender, também, o
patriarcalismo e o conservadorismo dos homens brasileiros. Esse conservadorismo
se manifestava sempre que alguma mulher tentava inovar algum costume, mesmo
no comportamento cotidiano (como o comprimento das saias, o corte dos cabelos ou
as danças mais descontraídas). O que comandava esse conservadorismo era o
medo de que tais atos de ruptura com os padrões tradicionais se refletissem sobre a
família, “célula básica da sociedade da qual a mulher era fiel guardiã’’
6
.
No período entre o final do segundo império e a primeira Grande
Guerra o Brasil sofreu mudanças significativas, tais como: a intensificação das
relações internacionais (protagonizada pelas camadas de renda alta, por meio de
viagens ao exterior e troca de correspondência com intelectuais de outros países) e
o grande fluxo migratório da Europa. Estas mudanças semearam idéias que até
então eram restritas a pequenos grupos de intelectuais. Dessa forma, as idéias
feministas vieram no bojo deste movimento, refletindo o que ocorria na Europa, cuja
tônica era a luta pela participação da mulher na vida pública. (GOLDENBERG,
2007).
Contudo, a autora salienta que nem toda essa reação conservadora
foi capaz de deter a luta de alguns grupos de mulheres vanguardistas. Por maiores
que fossem as resistências, as mudanças aconteciam atingindo um universo cada
vez maior de mulheres. O direito ao voto (1932) e a legislação trabalhista de
proteção ao trabalho feminino (1932 e 1943, com a consolidação das leis de
trabalho) são exemplos dessas transformações. As resistências ao feminismo foram
6
(DA MATTA, 1983) salienta que no Brasil existem duas figuras pragmáticas: a da virgem-mãe” (a
mulher que têm sua sexualidade controlada pelo homem, a santa”, a “mulher da casa”) e a “puta” (a
mulher que não é controlada pelos homens, a “mulher da vida”, a mulher da rua”), a quem é negado
o direito de ser mãe.
30
agravadas pelo radicalismo que caracterizou certo momento da luta das mulheres,
nos EUA e na Europa. Por muito tempo associou-se a esta luta o que foi apenas um
de seus episódios: ‘a queima de sutiãs em praça pública’. Sendo que este momento
foi muitas vezes usado para ridicularizar o movimento feminista, na tentativa de
apagar a simbologia que este ato carregava
7
. (GOLDENBERG, 2007).
Os acontecimentos de maio de 1968, na França e na Alemanha
foram um marco importante nessa transformação. “A questão do ‘especifico
feminino’ se insere nesse clima de contestação geral. Foi colocado em xeque a não
representatividade feminina nas áreas de poder, as desigualdades no mercado de
trabalho e na educação, o que constituíram uma predisposição para uma ação
política organizada”. (GOLDENBERG, 2007, p.8).
Conforme os argumentos dessa autora, as conquistas femininas
concretizadas nas últimas décadas transformaram as vidas públicas e privadas das
mulheres. No entanto, é preciso reconhecer que muitas mulheres sentem-se hoje
mais estressadas, são mais competitivas, preocupam-se com necessidades que não
se preocupavam no passado, a exemplo de suas carreiras profissionais e consumo
de determinados bens. Criam-se novas exigências, novos desejos, novas ambições
e novas culpas.
No que tange à dupla jornada de trabalho da mulher, acredita-se que
reflexões atuais sobre essa sujeição, ou seja, a conjugação da atividade doméstica
pela inserção no mercado de trabalho com o trabalho doméstico no espaço privado
coloca em debate questões importantes, explicitadas a seguir, acerca da relação
homem-mulher e família na sociedade brasileira, especialmente entre os segmentos
médios, foco do presente trabalho. São elas: Homens, principalmente da classe
média, dividem atualmente os afazeres domésticos com suas mulheres? O lugar da
mulher, apesar de exercer atividade profissional fora de casa, continua sendo o
espaço privado, cuidando de sua prole, dos afazeres domésticos e o lugar do
homem é o espaço público, cumprindo o papel de provedor, o que deve manter
materialmente esposa e filhos, bem como exercer a autoridade sobre seus
7
Goldenberg (2007, p.7), salienta que a feminista Heleieth Saffioti, em depoimento para o livro A
Revolução das mulheres, lembra o significado deste ato:
“Os movimentos feministas são o que são hoje porque foram o que foram no passado. Hoje nós
podemos questionar as bases do pensamento ocidental porque houve um grupo de mulheres que
queimou sutiãs em praças públicas. O sutiã simbolizava uma prisão, uma camisa-de-força, a
organização social que enquadra a mulher de uma maneira e o homem de outra. A simbologia é
essa: vamos queimar a camisa-de-força da organização social que aprisiona a mulher”.
31
dependentes? Quando a mulher profissional de classe média ausenta-se o dia todo
de sua casa, quem é que se responsabiliza pelo trabalho doméstico e cuidado com
os filhos? Enfim, quais os valores que determinam, nos dias atuais, o lugar do
homem e da mulher e quais mudanças e permanências nos padrões de
comportamento e nos papéis desempenhados, no mundo da casa, por mulheres de
classe média que atuam no mercado de trabalho? Será que o trabalho remunerado
suprimiu o trabalho doméstico da mulher da classe média?
Todas essas questões, no presente trabalho, implicam em discussão
sociológica acerca do conceito de classe média.
1.3 Apontamentos Sociológicos Sobre a Classe Média A Posição da Mulher e
a Dupla Jornada de Trabalho
um crescimento freqüente da mulher no mercado de trabalho.
Para estudá-las deve-se levar em conta que a sociedade contemporânea impõe que
se reconheça a heterogeneidade dessas mulheres, bem como suas situações
distintas.
O estudo de Bonelli (1989) aponta como ocupações de classe
média-alta as profissões liberais (médico, advogado, engenheiro), as posições de
chefia de nível universitário, psicólogo, jornalista, químico. Como de classe média-
média os docentes (excluindo-se os professores universitários) professor primário,
professor secundário, diretor de grupo escolar, os pequenos e médios proprietários,
os das ocupações burocráticos- administrativos de escalão médio (secretária,
tesoureiro, analista do orçamento) e as ocupações não-manuais de nível cnico
e/ou qualificadas (corretor imobiliário, vendedor, desenhista, mestre-de-obras).
De acordo com Bonelli:
Salienta-se que a classe média que interessa a este estudo é o grupo de
pessoas que se encontram nos escalões intermediários da pirâmide social.
Quando o termo é mais uma vez objetivado de médio ou alto está se
referindo aos estratos sociais compostos por indivíduos que compartilham
entre si semelhanças nos atributos psicossociais relacionados à educação,
ocupação e renda. Os atributos psicossociais em questão são aqueles de
cunho comportamental, com os valores e visão de mundo. (BONELLI, 1989,
p.16).
32
O grupo em análise, no presente trabalho, possui estas
características; é formado por médica, dentista, professora, advogada, jornalista e
funcionária pública.
Neste debate, é possível perceber na concepção marxista a idéia de
uma possível classe média, que estaria localizada entre a classe detentora dos
meios de produção e os trabalhadores assalariados. Para Marx e Engels a classe
média
8
seria um elemento conservador da sociedade, pois tanto a proposta
revolucionária do proletário como a hegemonia da burguesia comprometeria seus
interesses de ascensão. (SILVA, 2005).
No século XX aparece uma nova classe média, devido ao
surgimento das funções técnicas e de profissões ligadas a um saber mais
qualificado. Portanto, esta nova classe média, a exemplo de sua antecessora
histórica - a velha classe média constitui-se em classe emergente e importante na
constituição da estrutura de classe na sociedade moderna. (KLAUS 2001; SILVA
2005).
A classe média é formada por profissionais que dominam áreas
importantes da sociedade moderna, como saúde, comunicação, educação.
Dependentes diretamente de sua renda, possuem poder de compra de bens
duráveis como automóveis, imóveis e também eletrônicos. Porém, a política
neoliberal
9
afeta diretamente a classe média desde meados da década de 1980 com
tendência a sua paulatina proletarização pelo crescente processo de privatizações e
outras medidas econômicas. (SILVA, 2005).
Neste sentido salienta Silva:
Esta política visa à estabilidade econômica mediante uma política
orçamentária que contenha gastos com políticas de cunho social como
direitos trabalhistas, por exemplo, e também e também uma restauração da
taxa trabalhista considerada natural para esta política, ou seja, a criação de
um exercito de reserva de trabalho para desestruturar os sindicados. Desta
forma, para o neoliberalismo
10
o crescimento retomaria quando a
8
Sobre conceito de “classe social” ver: Marx, Karl. O capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
livro I, v.1, 1971.
9
Política Neoliberal Visa à estabilidade econômica mediante uma política orçamentária que
contenha gastos com políticas de cunho social como direitos trabalhistas, por exemplo, e também a
uma restauração da taxa de desemprego que é considerada natural para tal política, ou seja, a
criação de um exército de reserva para desestruturar os sindicatos. (SILVA, 2005).
10
Neoliberalismo: “É um movimento ideológico, em escala verdadeiramente mundial, como o
capitalismo jamais havia produzido no passado. Trata-se de um corpo de doutrina coerente, auto-
consciente, militante, lucidamente decidido a transformar todo o mundo à sua imagem, em sua
ambição estrutural e sua extensão internacional”. (SILVA, 2005, 15).
33
estabilidade monetária e os incentivos essenciais houvessem sido
restituídos (SILVA, 2005, p.14).
Todas essas medidas neoliberais repercutem nas classes dias,
tendo em vista que em sua grande maioria é composta por funcionários públicos
11
.
Na sociedade moderna, as mulheres da classe dia saíram do
invisível espaço doméstico vivenciando com maior intensidade o espaço público,
foram estudar, qualificar-se, e agora ocupam postos importantes na esfera do
trabalho.
O que mudou então para as mulheres da classe média? Pode-se
dizer que foi a relação que algumas delas passaram a ter com o saber, ou seja, o
qual pode ser explicado pela sua entrada nas universidades. Assimilaram a cultura
masculina, legitimaram seus estudos e depois de árduos caminhos passaram a
assumir sua independência social através da atividade profissional, contribuindo de
forma significativa para o orçamento familiar. Elas agora são profissionais liberais,
professoras universitárias, funcionárias públicas, médicas, advogadas, enfim, têm
independência financeira e status social.
No entanto, discriminações indiretas e sutis (piadas sobre os
neurônios femininos, assédio no local de trabalho, entre outros) fazem parte do seu
cotidiano. Discriminações estas que dificultam o acesso a postos de maior
responsabilidade somados ao exercício do trabalho doméstico que interfere na sua
atividade profissional, a exemplo do filho doente, dos cuidados com o marido, falta
da empregada doméstica, entre outros.
É fundamental acentuar aqui que os obstáculos e dificuldades
enfrentadas pela mulher no mercado de trabalho incidem mais sobre a mulher da
classe dia e alta, pois a mulher da classe operária sempre trabalhou. Nestes
termos, longe de significar emancipação feminina, o trabalho ainda propicia pouca
liberdade para uma vida fora de casa e condições de igualdade com o homem.
11
“Um estudo divulgado na Universidade de Campinas – Unicamp – demonstra que a política
econômica do país está ‘encolhendo’ a classe média e ‘engordando’ a classe trabalhadora. As
análises, baseadas na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNAD abrange o período de
1980 a 2005 e indicam que a classe média representava 45% da população ocupada em 1996,
número que caiu para 36,2% em 2004 e subiu, no ano seguinte, para 40,6%. Já a chamada massa
trabalhadora subiu de 22,9% para 31,6% (2004) e alcançou o pico de 37,4% da população ocupada
em 2005. Em entrevista, o economista Waldir Quadros, um dos autores desse estudo, afirma que
ocupações precárias e mal remuneradas vão sendo aceitas como um mal menor, e cada vez mais os
indivíduos e as famílias vão relaxando seus padrões morais na luta pela sobrevivência” (REZENDE,
2007, p.B10).
34
A partir dessa discussão, torna-se necessário discutir a posição da
mulher da classe média na sociedade urbana brasileira. Para tanto, a questão do
patriarcalismo nas sociedades ocidentais e especificamente no Brasil, constitui
referencial importante, como segue.
1.4 A Delimitação do Espaço da Mulher na Sociedade Moderna
É fato que a problemática da inferioridade social da mulher está
presente em quase todas as sociedades, que se vincula ao próprio processo do
desenvolvimento do capitalismo. Porém, existem singularidades nas sociedades de
capitalismo menos desenvolvido como no Brasil, pois não raro depara-se com
expressões como segue: “a participação da mulher no mercado de trabalho está
aumentando’’, “a mulher está se libertando de seu papel de dona-de-casa, esposa e
mãe”. Porém, deve-se perguntar se esta situação é verdadeira, pois o trabalho da
mulher está em toda parte:
Olhem as crianças chegando limpinhas nas escolas, carregando suas
lancheiras; olhem os maridos elegantes lavados, engomados, passados;
olhem embaixo das camas: quem tirou o ? Olhem em cima das camas:
mulheres vendendo seus corpos para que a dupla moral sexual e a ordem
patriarcal possam subsistir.
12
(FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS, 1981, p.34).
Para a mulher, que atua diretamente no sistema produtivo, o
trabalho doméstico constitui um sobre-trabalho, por representar uma segunda tarefa,
configurando a dupla jornada de trabalho. Assim, para compreender o que se
desenrola atualmente na vida de homens e mulheres de classe média deve-se
recorrer à análise sociológica e histórica de como a dimensão do trabalho envolve a
relação homem-mulher. (CORDEIRO, 1979).
A autora SCHOLZ (1996) parte do pressuposto de que existe um
princípio masculino que envolve o trabalho abstrato e a produção da forma-valor.
Resgata a origem do patriarcalismo, discutindo a correlação que há entre capitalismo
e patriarcalismo. Propõe que devemos ter como base de análise “[...] a tese de que a
contradição básica da socialização através da forma-valor é determinada com
12
Sobre a questão da dupla moralidade sexual ver: FREYRE, 1981.
35
especificação sexual” (SHOLZ, 1996, p.15). O que significa afirmar que a dominação
originada da relação patriarcal é sem sujeito.
Neste sentido salienta Scholz:
Os depositários do domínio não são sujeitos autoconscientes, mas agem no
interior de uma moldura de sociabilidade dotada de constituição
historicamente inconsciente. O valor sem sujeito remete ao homem sem
sujeito, que na qualidade de dominador, de iniciador e realizador, colocou
em movimento instituições culturais e políticas capazes de cunhar a história,
que começaram a ter vida autônoma, inclusive com relação a ele.
(SCHOLZ, 1996, p.17).
A delimitação de um espaço aos sexos foi constituída na Grécia
Antiga, formando o ideal de patriarcalismo, com influências em todo o mundo
ocidental. Foi a própria situação geográfica da Grécia, dispersa em ilhas, bem como
sua necessidade de busca de alimentos em outros países que favoreceu a troca de
mercadorias e, conseqüentemente, ensejou a forma monetária, nascendo daí a
necessidade de um organismo jurídico e uma jurisdição pública de legitimidade.
(SCHOLZ, 1996).
Em decorrência desse processo, a vida pública assumiu um novo
sentido, devendo o discurso perante o tribunal e a assembléia popular apresentar-se
de forma racional e abstrata, a fim de que os elementos participantes ganhassem
prestígio. No entanto, a participação nessas instituições era permitida apenas aos
homens, cabendo às mulheres atenienses o exílio doméstico e a tarefa da
reprodução. Caso não concebessem um filho sua vida teria sido em vão. Assim, a
inserção do pensamento racional no mundo ocidental significou, desde o início, a
exclusão das mulheres. (SCHOLZ, 1996).
Na passagem da sociedade antiga para a medieval, o patriarcalismo
preso a este valor teve que reconstruir seu poder, visto que a realidade das tribos
germânicas, em muitos aspectos, se diferenciava da sociedade grego-romana. Se,
por um lado, a mulher era juridicamente subordinada ao marido e precisava de um
representante legal (pai ou marido) que a representasse, por outro lado, na vida
cotidiana, diferentemente do que ocorria na sociedade anterior, a mulher podia
participar do comércio, embora não com a mesma atuação dos homens. (SCHOLZ,
1996).
No lar ela possuía maior autoridade. Todavia, a Igreja encarregou-
se, nessa época, através de sua doutrina, da preservação da imagem negativa da
36
mulher. A partir do séc. XII, a mulher sucessora de Eva, a pecadora, foi confrontada
com a Virgem Maria, firmando gradativamente a idéia de que a mulher, quando
muito, deveria ser um ser assexuado.
A Renascença marca o ressurgimento do antigo mundo espiritual,
mudando os fundamentos sociais. A mulher, por sua vez, perdeu muito com a
reestruturação da sociedade. O novo ser humano que deveria ser fundado na nova
sociedade deveria ser o homem, portanto, a mulher deveria ser destituída de
qualquer poder que pusesse em risco a imagem do homem, agora detentor de
superioridade, virilidade, alteridade e, sobretudo, racionalidade. (SCHOLZ, 1996).
Na Revolução Industrial, quando se utilizou maciçamente braços
femininos, acentua-se a contradição do papel feminino, ou seja, a mulher deveria
permanecer no lar e os valores do patriarcalismo continuam a manter a diferença
entre os sexos. Mesmo sendo o trabalho da mulher necessário à sustentação do
novo modo de produção capitalista, seu espaço se legitima culturalmente no âmbito
privado devendo ela, mesmo trabalhando fora, dar conta de suas atribuições
domésticas.
Essa breve reconstituição histórica visa mostrar que, quando uma
nova era se faz, isso não significa que as relações de ordem econômica, política e
social serão totalmente renovadas. No processo de desenvolvimento das sociedades
ocidentais, principalmente, as novas relações sociais preservam a assimetria entre
os sexos.
Na segunda metade do século XX, a relação entre os sexos assume
novas condições. Se o grupo familiar é a base da sociedade industrial formada, o
surto do individualismo produzido pelos mecanismos do mercado atinge
gradativamente a mulher, tornando a tradicional separação dos papéis ainda mais
problemática. É preciso salientar que, por mais problemática que tenha se tornado a
diferença entre os papéis sociais no capitalismo, continua a sociedade estruturada
sob forma patriarcal, ou seja, o ideal patriarcal continua intacto. No interior da
sociedade atual, um novo fenômeno se formou, agora cabe às mulheres um duplo
papel social.
Salienta Scholz:
O valor é o homem, não o homem como ser biológico, mas o homem como
depositário histórico da objetivação valorativa. Foram quase que
exclusivamente os homens que se comportaram como autores e executores
37
da socialização pelo valor. Eles puseram em movimento, embora sem
saber, mecanismos fetichistas que começaram a levar vida própria cada vez
mais independente por trás de suas costas (e obviamente por trás das
costas das mulheres). (SCHOLZ, 1996, p33).
E complementa:
Como neste processo a mulher foi posta como antípoda objetivo do
‘trabalhador’ abstrato antípoda obrigada a lhe dar sustentação feminina,
em posição oculta ou inferior -, a constituição valorativa do fetiche já é
assimétrica em sua própria base e assim permanecerá até cair por terra.
Hoje parece chegada à hora em que este fim se aproxima historicamente,
pois o homem deixou de ser literalmente ‘senhor’ de seus próprios monstros
e de si mesmo. O homem aparece assim como um aprendiz de feiticeiro, só
que agora não mais um mestre patriarcal capaz de consertar a situação.
(SCHOLZ, 1996, p.33).
É possível articular esses argumentos com PENA (1981), quando
esta última alerta que o trabalho abstrato não é mais exclusividade masculina,
embora não tenha o sexo feminino atingido, nesta atividade, o mesmo poder
conferido ao homem.
Desse modo, se pode compreender a contradição da dupla
jornada de trabalho exercida pelas mulheres na sociedade moderna, a partir do
entendimento da formação patriarcal. Se no c. XX muitas foram as alterações dos
valores, práticas e papéis nas relações entre homens e mulheres, a literatura nos
aponta que houve continuidades em todos estes aspectos, daí a explicação da
mulher que exerce uma profissão vivenciar a contradição de ser obrigada a exercer
antigas atribuições domésticas.
Uma das características da modernidade, no contexto dos países
em desenvolvimento, está na oposição entre o presente e o passado, ou seja, uma
procura exacerbada pelo novo em detrimento do velho. “Isto leva a afirmar, sem
receio, que no séc. XX assiste-se a um movimento de constantes alterações em
valores, práticas e papéis que as pessoas desempenham, em um número
considerável de sociedades”. (BIASOLI-ALVES, 2000, p.233). Em tais alterações
podemos citar: urbanização crescente, avanço da ciência e tecnologia, e
necessidades educacionais, tendo como pano de fundo a economia e a questão da
globalização.
A instituição familiar, neste contexto, vem sofrendo grandes
modificações, as quais estão sendo interpretadas ingenuamente por alguns
38
estudiosos como “crise”. “Como se, em algum outro período, a família tivesse sido
essencialmente estável na sua estrutura e nos papéis desempenhados por adultos
homens e mulheres, jovens e crianças”. (BIASOLI-ALVES, 2000, p.233). A autora
afirma que investigações mais cuidadosas mostram que isto não se confirma.
Para compreender os novos rumos da família na sociedade
contemporânea é preciso partir de sua história, analisar, em épocas diferentes, a
rotina de vida e os padrões de comportamento dos seus membros. Para conhecer o
presente é importante que se conheça normas e práticas do passado e as transições
que foram ocorrendo. Desse modo, dois aspectos devem ser considerados: as
mudanças e as continuidades. Às vezes, práticas e atitudes parecem assumir
apenas e tão somente outra roupagem, mostrando, numa análise mais aprofundada,
que certas questões ainda se encontram presas aos padrões de outras épocas,
especialmente no que se refere à posição das mulheres.
É verdade que rápidas mudanças ocorreram nas relações familiares,
no mundo da casa e, conseqüentemente, na relação entre homens e mulheres.
Porém, vivemos em um tempo de transição, observam-se mudanças das relações,
mas também permanências.
O antigo modelo de família nuclear está em processo de
transformação com a instituição do divórcio e a maior inserção das mulheres no
mercado de trabalho, novos arranjos emergem. Muitas mulheres passam a ser
“chefe de família”, com o direito inclusive de reduzir o número de filhos.
Ocorrem também mudanças significativas nos padrões públicos de
conduta sexual, se admite a bissexualidade, lesbianismo, ou seja, aparecem várias
situações que eram silenciadas e que se tornaram públicas. Os papéis não são mais
óbvios, porque as relações se complexificaram, com novos arranjos e novos
comportamentos.
Pode-se, portanto, considerar que a mulher brasileira, especialmente
a de classe média, vive hoje uma situação contraditória, melhor dizendo, entre a
ruptura de antigos padrões de comportamento, a incorporação de novos papéis e de
permanência de valores da sociedade patriarcal. Por isso, a necessidade de
aprofundamento dessa questão.
1.5 A Mulher de Classe Média e a Relação Contraditória com o Mundo do
Trabalho
39
Segundo Lopes (2003, p.172), “A miscigenação e o patriarcalismo,
fizeram surgir no Brasil formas específicas de organização da vida sexual, de
definição dos papéis sexuais de masculinidade e feminilidade, noções do que foi, e
ainda hoje é, ser homem em oposição à mulher na sociedade brasileira”.
Na obra “Casa Grande e Senzala”, Freyre examinou a estrutura
patriarcal da família brasileira, de forma a revelar a vida social na intimidade e a
identificar as raízes de uma tradição brasileira que dura até hoje, embora de forma
modificada. (FERREIRA & CUSTÓDIO, 2007).
No tocante a esta questão:
O patriarcalismo constituiu um modelo universalmente adotado (o Brasil
herdou dos colonizadores portugueses) de colocar o homem no comando,
domínio de seu clã, sua prole, sujeitando a mulher a seus caprichos e
mandos. Era assim o costume português, e aqui achou, literalmente falando,
uma terra fértil para continuar esta prática: latifúndios, homem branco
desbravador, mulher branca para continuar a família, negras pra o prazer
carnal e índia que antes das negras eram a diversão dos homens brancos,
mas que ensinaram muitas técnicas de agricultura, e escravos negros,
estrutura monocultora para exportação. ‘Eis aí a origem patriarcal brasileira’.
(FERREIRA & CUSTÓDIO, 2007, p.1).
Desse modo, a identidade da mulher brasileira vai se delineando
através de uma extrema diferenciação entre os sexos, fato característico de uma
organização do tipo patriarcal, o qual justifica o chamado padrão ‘duplo de
moralidade’. Para o homem toda a liberdade do amor físico, para a mulher a
procriação, ou seja, a obrigação de conceber, parir e dar filho do sexo masculino ao
seu marido.
Neste sentido, salienta Freyre:
O padrão duplo de moralidade, característico do sistema patriarcal,
também ao homem todas as oportunidades de iniciativa, de ação social, de
contatos diversos, limitando as oportunidades da mulher ao serviço e às
artes domésticas, ao contado com os filhos, a parentela, as amas, as
velhas, os escravos. E uma vez por outra, em um tipo de sociedade católica
como a brasileira, ao contato com o confessor. (FREYRE, 1992, p. 208).
Na verdade, o tipo mais comum de mulher brasileira durante o
império e mesmo depois na era semipatriarcal da metade do séc. XIX era o da
mulher boa, generosa, devota. Aquela que se sentia feliz entre os parentes, os
íntimos e as mucamas, totalmente desinteressada dos negócios e da vida política do
40
marido. Alheia ao mundo que não fosse o da casa, ignorando que houvesse Império,
pátria, literatura, rua, cidade e praça. Portanto, nessa era os dois sexos nunca se
ajustaram numa criação comum, de significado político ou literário.
Freyre afirma que o regime patriarcal fez com que houvesse uma
forte separação do homem à mulher, ao homem se deu um caráter de sexo forte, à
mulher o fraco, ele o sexo nobre e a ela o belo. A beleza, no sistema patriarcal,
ganhou um aspecto mórbido, de um lado a menina tipo franzino, quase doente, e de
outro lado, a senhora “gorda, mole, caseira, maternal, coxas e nádegas largas”
(FREYRE, 1992, p.125). Nada do tipo corajosa, ágil equiparando-se à figura do
rapaz
13
.
Articulando com Freyre, Ferreira & Custódio afirmam:
Este modelo de tipo físico e moral da mulher, como criatura franzina,
neurótica e caseira, nas sociedades patriarcais e escravocratas, resultante
de fatores econômicos, sociais e culturais, que a reprimiram e amoleceram,
acentuando-lhes os arredondamentos das formas, para melhor adequar os
interesses do sexo dominante e da sociedade organizada sobre a
dominação exclusiva de uma classe, de uma raça e de um sexo.
(FERREIRA & CUSTÓDIO, 2007, p.3).
A análise das obras de Freyre: “Casa Grande e Senzala” e
“Sobrados e Mucambos” faz suscitar inquietantes questões. Como estes papéis
definidos no sistema patriarcal sobre masculino e feminino são (re) significadas
contemporaneamente? Como este patriarcalismo, com esta construção de papéis
sexuais entre feminino e masculino, ainda influi na sociedade brasileira? Para
responder estas questões as argumentações desenvolvidas pelos autores a seguir
fornecem importantes explicações.
Segundo Parker:
Ligados pelo seu relacionamento marital, pelo ato da coisa que simboliza
esse relacionamento e pelas noções subjacentes de dominação e
submissão que o estruturam, essas figuras reproduzem e reforçam as
distinções fundamentalmente hierárquicas implícitas nas categorias mais
gerais de homem e mulher. Entre os símbolos ou incorporações mais
concretas dos valores culturais, tais como virilidade e fertilidade, eles
servem de exemplos de masculinidade e feminilidade levados a seu
13
Lipovetsky, Gilles, (2000), salienta que para nós do século XXI as Vênus dos anos 50” nos
parecem um tanto roliças. Porque hoje as mulheres inseridas no mercado de trabalho exibem uma
estética sarada. Além disso, são boas mães e esposas. Na prática as mulheres precisam cumprir
uma verdadeira odisséia para enquadrar-se neste novo ideal, que conciliar todas as expectativas
que lhe são destinadas exige um grande investimento pessoal de sua parte.
41
potencial máximo e funcionam como modelos para a construção dos papéis
do macho e da fêmea. (PARKER, 1991, p.74).
Interpretando o autor, ressalta-se que o passado patriarcal com seu
sistema de representações continua a influenciar as maneiras pelas quais os
brasileiros contemporâneos compreendem a ordem das coisas, estruturam suas
interações e interpretam o sentido das suas relações sociais. As circunstâncias
históricas que tornaram possível a clássica configuração patriarcal desapareceram
visivelmente muito tempo. Porém, a extensão em que essa estrutura foi, de fato,
plenamente realizada, mesmo quando circunstâncias históricas o permitiram, é uma
questão aberta ao debate. No presente contexto, entretanto, essa questão é, talvez,
menos importante do que a permanência de uma visão socialmente construída de
que a família patriarcal continuou a afetar o pensamento do brasileiro e as maneiras
pelas quais visualizam não apenas sua própria história, mas também seu atual meio
social.
Talvez em nenhuma outra área o impacto do patriarcalismo tenha
sido mais poderosamente sentido do que na construção do gênero em
interpretações de masculinidade e feminilidade e compreensões dos
relacionamentos que deveriam existir entre homens e mulheres na vida social
contemporânea. Essas compreensões foram transformadas e (re) significadas, mas
com permanências importantes para o pensamento contemporâneo brasileiro
14
.
Todo o conjunto dos fatos até aqui explicitados permite dizer que a
identidade da mulher e do homem brasileiro que se formou na era patriarcal pode
explicar, hoje, muitos dos valores e costumes internalizados pelos mesmos. O
homem foi o elemento móvel, militante e renovador e a mulher, o conservador e o
estável. (FREYRE, 1992).
A tirania contra a mulher brasileira era reinante no ambiente
patriarcal, primeiro a tirania dos pais, depois a tirania dos maridos. Estas mulheres
sufocadas, sem voz e sem rosto, foram nada mais que um elemento de “decoração
social” que conseguiram repercussão moral e psicológica em seus filhos e
principalmente filhas.
À transição do patriarcalismo absoluto para o semi-patriarcalismo
foram dando lugar à sociedade burguesa desenvolvida nas cidades. É a partir daí
14
Se for do interesse do leitor a discussão da (re) significação dos conceitos “masculino” e “feminino”
ver: (PARKER, 1991).
42
que, gradativamente, a velha ordem patriarcal deu mostras de uma necessária
renovação. Foi então que o poder absoluto do senhor da casa-grande foi diminuindo
à medida que a nova ordem social ia se instalando na sociedade brasileira.
Na sociedade contemporânea, a organização social que se configura
é o da mulher que trabalha fora e dentro de casa e realiza dupla jornada. Muitas
vezes assume o papel de chefe de família quando, na ausência do homem ou de
desemprego do mesmo, precisa sustentar a casa e os filhos. Entretanto, a mulher e
o homem brasileiros contemporâneos ainda vivem, cotidianamente, a herança
patriarcal de divisão de papéis sociais seja na esfera pública, seja na esfera privada.
As discussões realizadas até o presente, possibilitam acreditar na
persistência de costumes patriarcais ainda hoje e que permeiam as relações de
gênero e encontram sua sustentação no modo como foram se construindo a
identidade homem-mulher na sociedade brasileira.
As representações construídas sob os moldes patriarcais estão
impregnadas no interior de cada homem e cada mulher. Como salientado
anteriormente, as mulheres sempre foram e ainda são as responsáveis pela
educação das novas gerações
15
, dos afazeres domésticos e dos cuidados com os
homens, apesar de sua inserção no mercado de trabalho, desenhando-se, dessa
forma, o que se denomina hoje de “dupla jornada de trabalho”.
Pressupõe-se, portanto, existir uma possível crise das
representações patriarcais nas relações de gênero em nossa sociedade atual. A
precursora desta idéia é a pesquisadora Luz (1987), a qual aponta uma perda de
referência do que é “ser homem” e o que é "ser mulher” hoje.
Salienta Luz:
15
Com relação a esta questão Holanda (1995, 143) afirma: “A pedagogia científica da atualidade
segue rumos precisamente opostos aos que preconizavam os antigos métodos de educação. Um dos
seus adeptos chega a observar, por exemplo, que a obediência, um dos princípios básicos da velha
educação, só deve ser estimulada na medida em que possa permitir uma adoção razoável de
opiniões e regras que a própria criança reconheça como formuladas por adultos que tenham
experiência nos terrenos sociais em que ela ingressa. ‘Em particular’, acrescenta, ‘a criança deve ser
preparada para desobedecer nos pontos em que sejam falíveis as previsões dos pais.’ Deve adquirir
progressivamente a individualidade, ‘único fundamento justo das relações familiares’. ‘Os casos
freqüentes em que os jovens são dominados pelas mães e pais na escolha de roupas, dos
brinquedos, dos interesses e atividades gerais, a ponto de se tornarem incompetentes, tanto social,
como individualmente, quando não psicopatas, são demasiado freqüentes para serem ignorados’. E
aconselha: ‘Não os pais de idéias estreitas, mas especialmente os que são extremamente atilados
e inteligentes, devem precaver-se contra essa atitude falsa, pois esses pais realmente inteligentes
são, de ordinário, os que mais se inclinam a exercer domínio sobre a criança. As boas mães causam,
provavelmente, maiores estragos do que as más, na acepção mais generalizada e popular destes
vocábulos’.
43
A vanguarda dos homens, digamos assim, foi para a cozinha, faz baby
sitting, alterna os dias de saída, não importa se empurrado pelas
mulheres, já aceita ganhar menos, já aplaude o sucesso das mulheres.
(LUZ, 1987, p.85).
O patriarcalismo não tem condições de persistência na sociedade
atual, com as transformações que estão ocorrendo. Até as próprias representações
de masculino e feminino estão sendo questionadas, mas a crise não conseguiu
afirmar e interiorizar novas representações que sirvam de base para um novo
relacionar-se entre os gêneros, bem como a instituição de novas relações pautadas
por maior simetria. (LUZ, 1987).
É preciso deixar claro, no entanto, que falando em crise das
representações ou em mudanças de comportamento, referimo-nos especificamente
a atitudes e a expressões de sentimentos comuns de setores urbanos da população
brasileira menos reprimida política e socialmente, que têm condições de sentir e
pensar sobre a crise, devido às informações a que tem acesso. Na verdade, o
sentimento de um mal estar decorrente dos papéis de homem e mulher, em nossa
sociedade e em relação à vida do casal e do lar, tem encontrado ressonância no que
diz respeito às mulheres mesmo nos setores menos privilegiados.
Há, portanto, um descompasso entre as novas práticas sociais das
mulheres trabalhando fora de casa com o velho modelo internalizado da mulher
dona-de-casa, mãe e esposa. Acerca dessa inovação é fundamental esclarecer que
existe um pensamento liberal que vive a contradição de propor a igualdade e a
diversidade, sabendo que o mundo sobre o qual se propõe existir está definido por
uma relação sica de dominação do capital. Por isso, a igualdade pode se
realizar no discurso. Para o pensamento liberal, a identidade masculina e feminina
pode trocar a roupa, mas não a realidade, pode trocar a aparência, mas não a
posição na relação.
A este respeito Salienta Souza:
O questionamento da ordem passa pela crítica das relações dominantes
que a compõem e uma das relações fundamentais da ordem dominante de
nossos dias é exatamente a relação entre os dois absolutos construída
como masculino e feminino. Nesse sentido inventar a democracia, pensar a
democracia com a criação de um novo mundo e de novas relações
fundamentais, significa inventar, propor, criar um novo conceito de
masculino e feminino num contexto de liberdade, igualdade e participação.
Neste mundo os homens e as mulheres, os masculinos e os femininos
44
trabalharão suas identidades e relações como sujeitos iguais porque
diferentes. Inventar a democracia é inventar um novo modo de ser da
própria humanidade e desses dois seres que se compõem. Isso quer
também dizer que sem isso não haverá democracia. (SOUZA, 1987, p.44).
A divisão de papéis deu origem a um conjunto de representações
sociais sobre masculino e feminino. Estas associam, ainda hoje, uma constelação de
características a um e outro sexo. Convém também ressaltar o volume de
discussões que se têm levantado, nos últimos vinte anos, sobre essas mesmas
características e as representações sociais que estão associadas a elas.
É verdade que mulheres pertencentes a uma vanguarda histórica,
como a feminista Simone de Beauvoir, em o “Segundo Sexo” (2000), o fizeram
antes, mas as discussões avolumaram-se com o movimento feminista superando as
fronteiras do movimento vanguardista. Na verdade, tanto filósofos, como cientistas
sociais, grupos de psicanálise e psicologia, artistas e jornalistas, independentemente
de serem homens ou mulheres, alimentam as discussões.
A penetração atual dessas discussões na sociedade civil: grupos
sociais organizados (associações de diversos tipos, movimentos sociais ditos de
minoria, setores de sindicatos e partidos políticos) e o organizados (grupos de
profissionais de classe média, em geral, mas também mulheres de classes
populares) desenvolvem palestras, debates, seminários, reuniões para discutir a
questão da mulher, da família, dos sexos, etc. Também, os meios de comunicação
de massa, através de artigos em jornais e revistas, através de seriados na televisão
e de filmes, entre outros, não deixam de alimentar essas discussões.
Na verdade, a busca por mudanças das representações de
masculino e feminino, ou a constatação da prática de mudanças nessas
representações ainda não é bem assimilada em termos de comportamentos novos,
gerando crises nas relações homem e mulher, tanto entre casais como nas famílias
das novas gerações.
Neste sentido salienta Luz:
Se é verdade que as relações entre pais e filhos dos tempos atuais parecem
ser mais abertas que as relações entre pais e filhos das gerações
anteriores, as relações entre homem e mulher nos casais continuam
bastante resistentes às mudanças. Isto é em parte devido à persistência das
representações masculino e feminino, apesar das transformações na
estrutura produtiva e no acesso das mulheres ao domínio público. (LUZ,
1987, p.79).
45
As mulheres são o elemento detonador dessa crise, o que não
poderia ser diferente, que é sobre elas que recai o ônus maior desse sistema
ainda marcado pela permanência de um modelo de mulher baseado no sistema
patriarcal. Na verdade, se não são mais ‘domésticas’, se trabalham, se estudam, se
votam, se estão informadas sobre seu corpo e suas sensações, por que continuarem
domesticadas?
Para melhor compreender essas contradições vivenciadas, hoje,
pela mulher no Brasil, analisa-se a seguir o processo histórico de sua inserção no
sistema produtivo.
46
CAPITULO II
A MULHER BRASILEIRA – TRABALHO PRODUTIVO, TRABALHO
DOMÉSTICO E REPRODUÇÃO DA VIDA
47
2 A MULHER BRASILEIRA TRABALHO PRODUTIVO, TRABALHO
DOMÉSTICO E REPRODUÇÃO DA VIDA
Ao tratar particularmente do Brasil no início do industrialismo, fica
evidente a função econômica das mulheres. Foram elas e as crianças os primeiros
braços do sistema fabril. Tornou-se mais evidente a exploração do sexo feminino no
nascente sistema de produção capitalista brasileiro, o qual utilizou a condição social
dita “inferior” da mulher para tirar vantagens de seu trabalho. Em suas análises Rago
(2004), demonstra que “Pagu”, Patrícia Galvão, escritora, feminista e comunista dos
anos 30, foi uma das poucas mulheres a descrever, no romance Parque Industrial,
a difícil vida das operárias de seu tempo: as longas jornadas de trabalho, os baixos
salários, os maus tratos de patrões e o contínuo assédio sexual. Assim, exemplifica
tais afirmações por um trecho de um jornal da época “O Amigo do Povo”, de 5 de
setembro de 1902 que dizia:
A que não se submete às exigências arbitrárias, não do burguês [...] mas
às dos capatazes, ao serviço dos mesmos senhores, é desacreditada e
maltratada por esses homens sem consciência, até o extremo de ter de
optar entre a degradação e a morte. (apud RAGO, 2004, p.578).
Alguns poucos documentos escritos por mulheres trabalhadoras da
época (em geral o que existe são textos de denúncia redigidos pelas militantes
políticas, além de algumas entrevistas orais realizadas em períodos mais recentes),
permitem entrever de que maneira elas representavam a si próprias e o mundo do
trabalho.
A maior parte da documentação foi escrita por autoridades públicas,
como médicos higienistas ou policiais responsáveis pela segurança pública, por
industriais e, posteriormente, por comunistas, preocupados em conscientizar o
proletariado. Isso significa que lidamos muito mais com a construção masculina da
identidade das mulheres trabalhadoras do que com a própria percepção delas sobre
sua condição social, sexual e individual. Portanto, não é a toa que, até
recentemente, falar de mulheres trabalhadoras urbanas no Brasil significava retratar
um mundo de opressões e explorações, sem rosto e sem corpo, a operária como
figura passiva, sem expressão política e tampouco contorno pessoal. (RAGO, 2004).
48
Foi na metade do século XX, quando houve no Brasil apreciável
surto industrial, que a participação da mulher nas atividades fabris caiu
substantivamente, devido ao fato de as indústrias terem passado do trabalho
artesanal para o trabalho mecânico.
Quanto a esta questão Saffioti esclarece:
Compreende-se, pois, que a mulher cedendo seu lugar aos homens à
medida que a substituição de teares manuais por teares mecânicos vai se
processando e na medida em que teares mais simples são substituídos por
maquinaria mais sofisticada. As necessidades da empresa em matéria de
pessoal especializado na manutenção de máquinas aumentam, enquanto a
maior produtividade alcançada com as novas tecnologias expulsa
contingentes humanos diretamente ligados à produção. (SAFFIOTI, 1976,
p.26).
O contexto social emergente necessitava de mão-de-obra
especializada, portanto a qualificação tornou-se requisito para participar na produção
industrial. Para tanto, foi necessário criar condições para os trabalhadores brasileiros
se qualificarem. Para as mulheres, a preparação técnica se não foi barrada, pelo
menos foi dificultada em razão de interessar ao capital a sua permanência no lar,
devido à sua função de reprodutora de força de trabalho e à falta de capacidade do
sistema capitalista de absorver a totalidade de mão-de-obra disponível.
A mídia da época também estava em consonância com o capital e a
moral feminina disseminada na época.
A Revista Querida de novembro de 1954 afirmava que:
Lugar de mulher é o lar [...] a tentativa da mulher moderna de viver como um
homem durante o dia, e como uma mulher durante a noite, é a causa de
muitos lares infelizes e destroçados. [...] Felizmente, porém, a ambição das
mulheres continua a ser o casamento e a família. Muitas, no entanto,
almejam levar uma vida dupla: no trabalho e em casa, como esposa, a fim
de demonstrar aos homens que podem competir com elas no seu terreno, o
que freqüentemente as leva a um eventual repúdio de seu papel feminino.
Procurar ser à noite esposa e mãe perfeitas e funcionária exemplar durante
o dia requer um esforço excessivo [...]. O resultado é geralmente a confusão
e a tensão reinantes no lar, em prejuízo dos filhos e da família. (apud
BASSANEZI, 2004, p.624).
Não se pode deixar de refletir sobre esse duplo movimento, qual
seja, as relações entre a organização do trabalho na esfera pública e a organização
do trabalho na família, como eles se definem e quando o trabalho produtivo e
49
trabalho doméstico são considerados femininos. Se o trabalho da mulher serve ao
capital, antes de qualquer coisa ele serve ao homem. (PENA, 1981).
Neste sentido salienta Pena:
O trabalho tanto quanto o corpo, constitui para a mulher a expressão de sua
sexualidade subjugada. Na organização patriarcal, na qual o homem é dono
da principal função simbólica, através da qual os sujeitos aprendem a se
reconhecer, a mulher constrói sua identidade por uma ausência. Ele possui
o falo, ele é um homem; eu não possuo um falo, eu não sou um homem,
logo eu sou uma mulher. Porque o prazer e o desejo são organizados em
torno do principal significante, a mulher se representa como um sujeito no
mundo através dos seus órgãos genitais, em torno de seu útero. É pela
reprodução que ela contribui para a história. (PENA, 1981, p.217-8).
Para melhor fundamentar o que foi dito a autora acrescenta que, no
Brasil, quando se constituiu a sociedade urbano-industrial, a dinâmica do trabalho
feminino esteve profundamente marcada pelo que se concebia sobre a natureza da
mulher. Os laços que uniam uma mãe à sua criança foram incentivados por um
sistema de valores (juridicamente imposto) que criava dependência e
possessividade mútua entre ambas; por mais perversos que fossem esses laços (e
permanecem sendo), a sociedade não interveio para destruí-los; ao contrário
reforçou-os.
Na sociedade moderna a reestruturação produtiva torna-se fator
importante que atinge as relações de homens e mulheres. A forma de
desenvolvimento capitalista produziu historicamente uma vida cotidiana onde o
tempo é que tem valor, ou seja, o tempo empregado na produção é o que gera mais
valia
16
. O tempo de cuidado com os filhos, com a reprodução da vida, não é levado
em conta nesta distribuição do tempo. (ÁVILA, 2007).
Mas onde está o tempo necessário para manter os cuidados da
coletividade humana e desenvolver tarefas que garantam educação, alimentação, a
saúde, entre outros? Esse tempo, que não é percebido como parte da organização
social do tempo é retirado da vida das mulheres como parte das atribuições
femininas e são determinadas pelas relações de poder de gênero. (ÁVILA, 2007).
As mulheres, que estão desenvolvendo uma atividade profissional
no Brasil e em outros países, produzem por sua conta um tempo para os cuidados
dos filhos e para as atribuições domésticas. É aí que se configura a dupla jornada de
16
Para aprofundamento sobre este conceito ver o capítulo “Mercadoria e Fetichismo” de: MARX,
Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, livro I, v.1, 1971.
50
trabalho, sendo que as tarefas da reprodução são entendidas como não portadoras
de valor social.
No contexto da reestruturação produtiva, sabe-se que os
trabalhadores perderam muito, pois há uma flexibilização nas relações de trabalho,
que na verdade se traduz por uma precarização nas formas de contrato e das
condições de trabalho. São as mulheres o alvo preferencial dos empregadores nos
contratos de trabalho parcial, pela sua inserção mais fragilizada do que o homem no
mercado de trabalho. Esta forma de trabalho parcial vem com a agregação de uma
justificativa conservadora, isto é, que este tipo de contrato favorece as mulheres em
função de suas obrigações reprodutoras
17
.
Existe uma tradição entre as mulheres, mesmo quando estão no
exercício de sua profissão, em preocupar-se com a esfera doméstica. São as
próprias mulheres que liberam os homens para que se dediquem exclusivamente à
atividades externas e desenvolvem entre elas uma forma de solidariedade para
liberarem umas as outras para poderem exercer atividades não domésticas.
Conforme Ávila:
São as mulheres que liberam o tempo de outras mulheres. As mulheres de
classe média e alta estão apoiadas no trabalho de outras mulheres que
formam a categoria das empregadas domésticas – para se liberarem no seu
cotidiano das tarefas domésticas. Quanto às mulheres pobres, estas não
têm acesso à alta tecnologia disponível para uso doméstico nem contam
com recursos para contratarem outras mulheres. O que se produz neste
caso são redes de solidariedade comunitária ou familiar nas quais as
mulheres trocam entre si o cuidado com as crianças e fazem as outras
tarefas domésticas dentro da dupla jornada. (ÁVILA, 2007, p.7).
O cotidiano doméstico é o cus em que se formou a identidade
feminina. Quando a “dona desse espaço” precisa se ausentar para exercer uma
profissão precisa ser substituída por outra mulher e esta trama, porém, não se
desenrola sem conflitos. A relação social propicia um encontro entre mulheres, mas
mulheres socialmente desiguais. (KOFES, 2001).
As representações sobre as interações no doméstico contêm uma
estrutura e uma história. Desse modo, esta relação social tem dois pólos bem
definidos que são “patroas” e “empregadas domésticas”. O que se espera é que a
17
Segundo Antunes, o capital tem sabido se apropriar intensificamente da polivalência e
multiatividade do trabalho feminino, da experiência que as mulheres trabalhadoras trazem de suas
atividades realizadas na esfera do trabalho reprodutivo, do trabalho doméstico. ANTUNES, R. Os
Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 2000.
51
patroa, a mulher, a dona de casa organize, dê ordens, supervisione e complemente
o trabalho da empregada. Cabe a ela efetuar o pagamento e ter responsabilidade de
procurar, contratar e manter o vínculo com outra mulher, a empregada. À empregada
cabe realizar o trabalho para qual foi contratada, respeitar os termos da relação,
adequar-se aos costumes da casa e da patroa, receber um salário e sustentar o
vínculo com outra mulher.
Apesar do emprego doméstico não se constituir o tema central do
presente trabalho é necessário ressaltar que a substituição da “dona-de-casa” pela
“empregada doméstica” gera novas práticas e papéis.
Todos esses aspectos somados ao fato de que nos segmentos das
camadas médias o modelo tradicional de casamento e família sofre, atualmente, a
concorrência de relações com novos conteúdos institucionalizados sob novas
formas, a mulher passa a vivenciar a contradição da coexistência de um “antigo”
modelo de família com novos modelos de conjugalidade.
2.1 Conjugalidades e Arranjos - Entre as Rupturas e Continuidades nas
Famílias de Camadas Médias
O conceito tradicional de família o se enquadra nas novas
representações presentes nas sociedades ocidentais. Pode-se dizer, então, que a
família perdeu muitas de suas funções, no entanto, adquiriu outras
18
.
O século XIX aparece na produção acadêmica como uma “década
devoradora de padrões”
19
, com o surgimento de novas formas de relações entre os
sexos e o surgimento de modelos alternativos de relações entre homem e mulher
que fomentaram a discussão da chamada “nova” família.
Neste contexto, a partir do século XIX, ainda com a permanência do
modelo de família nuclear, surgem versões inéditas de conjugalidade, sendo as
camadas médias urbanas as que primeiro buscaram alternativas fora dos padrões
institucionalizados. Apesar da predominância do modelo nuclear conjugal,
18
ENGELS, Friedrich: A Origem da família, da propriedade privada e do Estado. 1987. O autor
faz um levantamento histórico da passagem da família primitiva à sua inserção no capitalismo.
- LÉVI-STRAUSS, Claude. A família. In: O Homem, a cultura, a sociedade. 1972. Para ele entende-
se por família uma união mais ou menos duradoura, socialmente aprovada, entre um homem, uma
mulher e seus filhos, fenômeno que estaria presente em todo e qualquer tipo de sociedade.
19
Está idéia foi primeiramente preconizada por: GOLDANI, Ana Maria. Retratos de família em
tempos de crise. 1994.
52
aumentam as experiências de vínculos afetivo-sexuais variados e um grande
contingente de mulheres que optam pela maternidade fora do casamento
20
.
A coabitação sem vínculos legais ou união consensual como
alternativa ao casamento se torna cada vez mais expressiva numericamente e aceita
legal e socialmente. Porém, a duração destas uniões informais tende a ser cada vez
menores. O tamanho das unidades domésticas tende a diminuir ainda mais, com o
decréscimo do número de filhos. Crescem os recasamentos e a famílias
recombinadas.
Não mais um modelo Ocidental de famílias, mas vários
21
. Desse
modo o divórcio, a união livre, as recomposições familiares abalam o que até pouco
tempo se chamava de “modelo de família ocidental”.
Salienta Goldenberg:
Este modelo será ainda mais abalado com as novas cnicas de procriação.
A doação de óvulos, a fecundação por inseminação artificial ou in vitro, a
possibilidade de clonagem de seres humanos, levam a que se ponham em
causa os princípios fundamentais sobre os quais se assenta o nosso
sistema de parentesco: sexualidade e parentesco são dissociados,
paternidades e maternidades são multiplicadas (genética e socialmente), o
nascimento de um filho não provém necessariamente de um casal.
(GOLDENBERG, 2007, p.4).
Com todas essas mudanças nas relações familiares e com a
independência econômica das mulheres que exercem uma profissão, visivelmente
as mesmas adquiriram consideravelmente mais poder e mais autonomia pessoal em
relação às que o exercem uma profissão. Uma vez capazes de se sustentarem a
contrapartida é a “liberdade”.
Na inexistência de novos modelos estáveis, o estabelecimento de
padrões de divisão do trabalho na família fica na dependência do confronto
interpessoal entre os cônjuges. A intensificação da vida erótica do casal, bem como
a valorização e exigência simultânea de apoio emocional e prazer sexual recíprocos,
a relação conjugal recebe uma sobrecarga de exigências
22
. Desse modo, fica difícil
20
CASTELLS, 2003. Assinala que um crescimento do número de pessoas vivendo sós e um
crescimento expressivo das famílias chefiadas por mulheres (em função de elevação das taxas de
separações e divórcios; da expectativa de vida maior para as mulheres gerando mais viuvez feminina
e da crescente proporção de mulheres solteiras com filhos, o apenas por abandono de seus
parceiros mas, como opção feminina).
21
Quem preconizou esta idéia: SEGALEN, Martine. Sociologia da família. Lisboa: Terramar, 1999.
22
DURHAM, Eunice. Família e reprodução humana. 1983. Acredita que a impossibilidade de
satisfazer todas as condições colocadas como necessárias à manutenção da parceria conjugal
53
satisfazer todas as condições colocadas como necessárias à manutenção da
parceria conjugal igualitária, sendo que a solução muitas vezes é encontrada no
divórcio, que acarreta a fragmentação da família original e a constituição de outra,
através de novo casamento. (GOLDENBERG, 2007).
Não apenas a família nuclear, mas a família baseada no domínio
patriarcal está se tornando um modelo cada vez menos adotado
23
. Não está
emergindo nenhum tipo prevalecente de família, sendo a regra a diversidade e a
criatividade. Assim, não existe uma crise de família, mas uma crise da família
patriarcal. Desse modo, o que está em jogo não é o desaparecimento da família,
mas a profunda diversificação e a mudança do seu sistema de poder. “Nos EUA
90% dos indivíduos casam-se ao longo de suas vidas. Quando se divorciam, 50%
das mulheres e 75% dos homens tornam a se casar, em média dentro de três anos.
Gays e lésbicas lutam pelo direito de casarem-se legalmente”. (GOLDENBERG,
2007, p.5).
A argumentação é que, na verdade, ocorrem a multiplicidade e a
flexibilidade dos atuais arranjos conjugais, sendo que o que está mesmo em crise é
o modelo de família e casamento nos moldes tradicionais. “A pluralidade de formas
de casamentos e famílias existentes em nossa cultura, demonstra que homens e
mulheres continuam querendo casar e constituir famílias, sem, no entanto,
reproduzir o modelo tradicional de conjugalidade”. (GOLDENBERG, 2007, p.6).
Apesar desses novos arranjos, permanece o modelo de família
nuclear, ainda baseada nos costumes patriarcalistas fortalecido pela socialização e
pela ação da Igreja.
Na sociedade moderna, no lugar das antigas categorias utilizadas
pelas feministas, como a luta por igualdade e reivindicação dos direitos da mulher,
temos hoje novas idéias que expressam melhor o que ocorre no cotidiano de um
casal, “como respeito às diferenças e ao espaço do outro, negociação diária, diálogo
permanente, troca, crescimento mútuo”. (GOLDENBERG, 2007, p.15).
Ademais, hoje muito mais do que modelos sociais a serem
reproduzidos, homens e mulheres têm que “inventar” suas formas de parceria.
igualitária encontra solução na crescente aceitação social do divórcio, que acarreta a fragmentação
da família original e a constituição de outra, através de novo casamento.
23
CASTELLS (2003) aponta que nos estados Unidos, por exemplo, na década de 1990, apenas um
quarto dos lares se enquadrava no modelo de casal legítimo com filhos. O resultado deste quadro de
diversificação dos relacionamentos afetivo-sexuais é que um número cada vez maior de crianças está
sendo criada em tipos de famílias marginais e até mesmo inconcebíveis.
54
Muitas vezes trocam-se a segurança e a estabilidade das relações antigas pela
“batalha” permanente. Hoje, mais do que nunca, homens e mulheres são quase
iguais. (GOLDENBERG, 2007).
Pode-se afirmar, portanto, que a mulher obteve ganhos significativos
com todo o processo de reestruturação da sociedade. Ao compartilhar hoje com o
homem o espaço público pode também negociar na esfera doméstica, embora esse
espaço continue inconteste feminino.
2.2 O Lugar da Mulher O Processo de (Re) Significação dos Arranjos
Domésticos (Entrecruzando “Tradicional” e “Moderno”)
Após duas ou três décadas quais valores mudaram e quais
permaneceram? Estamos em um período de transição onde o “novo” e o “velho”
entrecruzam-se. A pesquisa de Biasoli-Alves (2000) indica que em todo esse
período, que se poderia classificar como de transição, há um “pano de fundo”
através do qual a mulher continua sendo avaliada, ainda que o quadro já se desenhe
nos anos de 1930, 1940 e 1950 e mostre a mesma vivenciando uma abertura
maior para a escolarização.
Apesar das mudanças do período, as expectativas maiores são em
relação à vida escolar e profissional dos filhos homens. As meninas muitas vezes
são retiradas da escola para “ajudar” na casa. Também pode ocorrer a interrupção
dos estudos para se preparar para o casamento, que pode ocorrer antes dos 18
anos, desde que o noivo tenha condições financeiras favoráveis para prover uma
família.
Também ainda continua a existir mulheres que priorizam a vida
doméstica, mesmo tendo conseguido obter um diploma (universitário) e um
emprego, deixando tudo de lado quando casam ou chegam os filhos, o que
evidencia o papel principal do homem dentro da família, que por construção social
seria “o provedor” de todas as necessidades materiais.
Esse quadro suscita algumas perguntas. Por exemplo por que a
mulher conquista, nesta época, o direito a escolarização? De onde partiu a
mudança? Teria por acaso, “acontecido, em diferentes lugares, uma luta aberta, em
que meninas e moças pegaram bandeiras e foram para a praça clamar por
liberdade, autonomia e possibilidades de profissionalização? Ou seriam outros
55
fatores associados, ou, talvez, quem sabe, uma mescla de tudo isso?”. (BIASOLI-
ALVES, 2000, p.236).
Salienta a autora que a análise de alguns aspectos da sociedade,
que aceleradamente se torna urbana e com muitas mudanças, leva e identificar
como subjacentes às alterações nos papéis e nas atividades femininas certos fatores
que não estavam diretamente sob seu domínio. A realidade mostra a estrutura da
economia anterior desfazendo-se e, aos poucos, sendo substituída por outra, que
passa a exigir mais habilidades da mulher.
Neste novo contexto histórico, ela precisa ser capaz também de
aprender a gerir salários (fazer contas), cuidar na escola das crianças, sendo
fundamental que domine a leitura e a escrita. Competências estas que assegurem a
educação dos filhos e a própria vida doméstica. Essas alterações também marcam a
emergência de conflitos entre gerações e críticas de mães para com suas filhas,
avós para com as netas e vice-versa. (BIASOLI-ALVES, 2000).
Desse modo, abrem-se novas possibilidades de mudanças, mas, ao
mesmo tempo, limites quanto ao que seria excesso e ao que seria visto como
inversão de papéis. Salienta Biasoli-Alves que,
Com relação a este aspecto, é importante enfatizar que a família e a Igreja
ainda estão falando uma linguagem muito próxima, e pretendem continuar
dizendo o que é certo e o que é errado, o que se pode considerar como um
bom comportamento e o que é inaceitável para “uma moça de família.
(BIASOLI-ALVES, 2000, p.237).
Contudo, percebe-se uma diminuição na rigidez das normas, um
começo de encantamento com a competência, o trabalho e a independência da filha,
resguardado o valor atribuído ao casamento com um “bom partido”
24
, ou seja,
obediência a padrões de moralidade estabelecidos e mantidos através das
gerações.
Da escolarização à profissionalização um caminho longo, no
entanto inevitável. As pressões econômicas que a modernidade trouxe, a herança
de antigos valores que não mais se sustentaram e a “crise de 1929” constituíram
fatores importantes na alteração da perspectiva de trabalho da mulher, em período
mais recente. A família que, no meio urbano, torna-se cada vez mais atingida às
24.
Para Biasoli-Alves (2000), nas décadas de 1930, 1940 e 1950 o “bom partido”, significava o homem
ter condições favoráveis para casar.
56
pressões do mundo ao seu redor, sofre mudanças acentuadas na sua estrutura e no
seu cotidiano, colaborando para que outras mudanças advindas de suas novas
necessidades aconteçam no âmbito social.
A maior escolarização e profissionalização da mulher acarretaram o
alargamento das suas relações sociais e, como conseqüência, a intensificação de
críticas e questionamentos em relação ao seu processo de escolarização, à
submissão, aos limites estreitos impostos ao seu desenvolvimento dentro de grupos
sociais e as possibilidades de escolha profissional.
Todos esses aspectos aparecem em discussões, quer de grupos
feministas quer de outros que enfatizam o excesso de trabalho que recai sobre a
mulher que, agora, exerce atividade profissional, mas ainda é a responsável pelo
“bom andamento” da casa, dos filhos e do bem estar do marido. “É como se um
caldeirão estivesse no fogo, pronto para entrar em ebulição a qualquer momento”.
(BIASOLI-ALVES, 2000, p.237).
De acordo com Biasoli-Alves:
Assim com as transformações acorridas os valores tradicionais como
‘respeito’, ‘obediência’, ‘submissão’, ‘delicadeza’, ‘capacidade de doação’
entre outros, que eram considerados atributos da ‘boa moça’, foram
‘deixados para trás’, o que significa ‘deixar de estar na linha de frente’ da
educação da menina/moça, permanecendo de forma encoberta’, enquanto
a mulher conquista o direito à educação e exercer atividade profissional
25
.
(BASOLI-ALVES, 2000, p.237).
Pode-se afirmar que houve alterações significativas e o
questionamento de muitos valores sociais, fazendo com que alguns velhos costumes
fossem negados enquanto que outros assumissem maior relevância.
25
BIASOLI-ALVES (2000, p.237), Dados de uma pesquisa de Biasoli-Alves (1995) mostram, de
modo inequívoco, que os meninos na década de 1980, ainda estavam muito mais sujeitos a serem
fisicamente punidos, diferentemente do que acontecia com as meninas, que eram mantidas próximas
de suas mães e submetidas a um controle emocional, o que pode ser constatado através das
seguintes falas: ... que coisa mais feia! (Mulher de 43 anos), ... o que eu fiz, meu Deus, para
merecer... (Mulher, 48 anos); ... a gente te tudo o que você pede e ainda assim nada está bom...
(Mulher de 50 anos)”.
“Por outro lado, as mães relataram que perdem a paciência, gritam e, se a criança não obedece, elas
fazem algum tipo de ameaça. Os dados evidenciam que elas, hoje, mostram-se mais irritadas e
apressadas e querem que o filho cumpra com seus compromissos, sem trazer muitas dificuldades
para um cotidiano conturbado. Também, não se pode negar que, de meados da década de 1970
em diante, está-se frente ao fenômeno da grande incerteza e insegurança dos pais quanto a melhor
maneira de educar os filhos. Não se trata agora da preocupação de que eles sejam ‘bem educados’,
‘respeitadores dos mais velhos’ para que a família receba elogios; a preocupação gira em torno do ‘vir
a ser’, do futuro e das conseqüências negativas de certas práticas de cuidado e educação”.
57
Se nos anos de 1930 a mulher não podia sair à rua e fazer compras,
a não ser que estivesse acompanhada por uma pessoa mais velha ou pelo marido,
atualmente adquiriu o direito de ir e vir. Com o “trabalho fora” de casa liberta-se do
espaço doméstico e se profissionaliza, alcançando postos elevados e importantes
em muitas sociedades. No “casamento”, a “escolha é livre”, não são mais os pais
que decidem com quem a “moça” vai se casar. Elas escolhem, hoje, com quem
conviver, talvez para o resto de seus dias, mas muito provavelmente não para
sempre.
Entretanto, se, por um lado, alterações, por outro, aspectos em que
não se percebe tão claramente que a direção seguida, hoje, seja oposta a
de décadas atrás. Um exemplo típico diz respeito ao papel da mulher dentro
do ambiente familiar. Na verdade, observa-se que mudam algumas
palavras: - casa ao invés de lar, mulher ao invés de esposa, o que parece
indicar quer a rejeição das amarras, quer a luta, agora sim, muito mais
direcionada, da mulher para se posicionar frente ao mundo masculino-
feminino. (BIASOLI-ALVES, 2000, p.238).
Nessas rupturas com o passado, contudo, ao fazer face a um
processo consolidado ao longo de muitas décadas, “[...] sobrou para mulher, ainda,
o ‘sentimento de culpa’ que aparece a cada vez que ‘a criança fica doente...’, ‘os
pais precisam de seus cuidados...’, ‘o casamento vai mal...’”. (BIASOLI-ALVES,
2000, p.238).
Enquanto ser social, o homem faz parte de uma espécie que evoluiu,
seus filhos o socializados a partir de padrões, valores e normas do grupo social
em que estão inseridos
26
. Portanto, os valores significativos de um grupo começam
a ser assimilados quando ainda a criança nem aprendeu a falar direito,
estabelecendo que ela seja socializada para se tornar um adulto dentro daquela
cultura.
É justamente esse processo que faz com que antigos e novos
valores coexistam. Esses se acham entranhados na cultura e sua assimilação é
lenta, constante e profunda. Desse modo, uma transformação total leva muito tempo
para se efetivar. Para que isto ocorra,
26
Em VELHO (2004) salienta-se que a construção da identidade do ser humano se no contexto
social, através de um processo de olhar para o outro e estabelecer comparações, formando uma
subjetividade que contém e contempla a forma como se é visto.
58
[...] as gerações precisariam não manter contato umas com as
outras; e, numa sociedade que envelhece também rapidamente,
estão convivendo, na mesma família, os bisavós, os avós, os filhos e
os netos, negando, assim, a descontinuidade do processo de
transmissão de padrões, valores e normas. (BIASOLI-ALVES, 2000,
p.239).
Fica óbvio, portanto, que não aconteceram somente rupturas.
muitas continuidades a serem consideradas. Os valores que os mais velhos
cultivaram e buscaram imprimir aos seus filhos e netos ainda estão presentes, hoje,
mesmo que sob outras roupagens. Tais continuidades ocorrem, mesmo que se
tenha observado que a imagem da mulher enquanto “ser frágil e necessitado de
proteção”, “emotiva”, “atuando na intimidade” e “cuidando de sua prole”, ganhe
outros contornos que fazem dela um ser em construção, na busca de seu
desenvolvimento e realização de suas potencialidades.
A permanência da identidade feminina baseada nos papéis de
esposa, mãe e dona-de-casa, em contraponto com sua atividade profissional,
tornou-se um dos paradoxos a serem problematizados nas análises sociológicas da
atualidade, tendo em vista que o exercício de duplo encargo pela mulher tornou-se
um dos principais impasses para o seu desenvolvimento. Essas discussões
permitem supor que a permanência da identidade feminina calcada nos moldes
patriarcais levou a mulher a arcar com o ônus da dupla jornada de trabalho na atual
sociedade brasileira, especialmente a mulher de classe média. É o que se pretende
demonstrar através das análises a seguir.
59
CAPÍTULO III
A CIDADE DE LONDRINA E AS MULHERES DE CLASSE MÉDIA
(UM RECORTE EMPÍRICO) – O CENÁRIO E AS ENTREVISTAS
60
3 A CIDADE DE LONDRINA E AS MULHERES DE CLASSE MÉDIA (UM
RECORTE EMPÍRICO) – O CENÁRIO E AS ENTREVISTAS
Surgida em 1929, ao longo da década de 1930 a cidade de Londrina
estava ainda em construção. A mesma fazia parte integrante do empreendimento
CTNP Companhia de Terras Norte do Paraná um loteamento que objetivava o
sucesso de um núcleo urbano que garantisse condições para a sobrevivência de
pequenos proprietários rurais em termos de coleta, beneficiamento e transporte de
produção, oferta de bens e serviços e atendimento às demandas sicas da
população rural. Como forma de garantir tais condições foi criado um desenho da
cidade, denominada “planta” a qual seguia o padrão de um tabuleiro de xadrez. A
cidade foi constituída por cerca de 250 quadras de aproximadamente 10.000 m²,
esperando contar com a 30 mil habitantes. (FRESCA, 2002). Rapidamente
atraídos pelas propagandas foram chegando migrantes de origem nacional
mineiros e paulistas do interior e estrangeiros provenientes de várias localidades
dando início a um vigoroso movimento migratório. (TANAKA, 2007; RIBEIRO, 2003).
A cidade de Londrina foi fundada em 21/08/1929, levada à condição
de município em 10/12/1934. Mesmo sendo relativamente jovem a cidade teve um
crescimento populacional rápido, atingindo atualmente cerca de 446.849 mil
habitantes, sendo considerado o terceiro município do sul do Brasil em importância
econômica e em população. (FRESCA, 2002).
A primeira rua aberta foi a Rua Heimtal, atual Duque de Caxias. Para
Ludovico Surjus, em 1935 o centro de Londrina era basicamente o trecho da Rua
Heimtal entre a rua Santa Catarina e Rua Maranhão. As primeiras vendas de datas
foram nos arredores da rua Heimtal. Desse modo, percebe-se que as primeiras
ocupações acorreram na área onde era considerado o centro principal de Londrina,
as quais atendiam as necessidades imediatas dos moradores, como vestuário e
alimentação. Pelos ramos de atuação dos primeiros estabelecimentos comerciais,
verifica-se a expressão de uma centralidade de caráter local, que atendia a
população que se instalava em Londrina. (FRESCA, 2002).
O rápido desenvolvimento da cidade deve-se a vários aspectos
como a forte produção agrícola decorrente, principalmente, da economia cafeeira
que atraiu o investimento de capital para essa região até meados dos anos de 1970.
Com o declínio da produção cafeeira em 1960, houve aumento de pastagens e
61
introduziu-se novas culturas como soja e trigo e a diminuição da produção do arroz e
feijão. Desse modo, introduziram-se novas formas de produção e comercialização
através de cooperativas. Por algum tempo o setor primário continuou sendo a base
econômica da cidade, mas foi substituído pelo fortalecimento do setor terciário.
Tendo em vista que a população urbana em 1960 representava um pouco mais da
metade da população rural, como conseqüência ocorre a expansão da periferia e a
valorização da região central. (TANAKA, 2007).
A partir do ano de 1980 a cidade experimenta um vigoroso processo
de verticalização com grande investimento nesta área.
“A atuação dos promotores imobiliários criou bairros residenciais verticalizados para
a classe alta nas proximidades da área central – no quadrilátero formado pela
Avenida Higienópolis, Rua Goiás, Rua Paranaguá e Rua Belo Horizonte onde, no
final do período em tela e início dos anos 1990, encontrava-se o preço mais elevado
por m2”. (FRESCA, 2002, p.249).
A construção do Shopping Center Catuaí e sua inauguração em
1990 tornaram-se um fator atrativo para a expansão urbana da área sudoeste da
cidade. A área do entorno do Shopping foi incorporada à malha urbana e destinada
a uma classe de alto poder aquisitivo, mediante a implantação de chácaras de lazer
ou segunda residência e condomínios fechados. Mas este processo não foi imediato;
passaram-se quase dez anos até que o entorno do Shopping começasse a ser
efetivamente ocupado. (FRESCA, 2002). Pode-se afirmar que a classe alta que
antes ocupava a região central da cidade, “centro velho”, passou a ocupar essa nova
região atualmente em grande expansão pela exploração imobiliária.
Conforme dados do estudo de TANAKA (2007)
27
, que trabalha com
dados do censo demográfico do IBGE de 2000 e do site da Prefeitura Municipal de
Londrina (Perfil de Londrina 2007), olhar Londrina sob uma perspectiva de gênero
significa compreender como se encontra o masculino e feminino em nossa cidade, a
real situação e as relações de homens e mulheres, os quais embora sejam
diferentes biologicamente nas suas capacidades fisiológicas são potencialmente
iguais em capacidades e ações.
Gênero pode ser entendido como “uma maneira de se referir à
organização social da relação entre os sexos” (SCOTT, 1990, p.5). Por se tratar de
27
Alguns dos dados utilizados neste tópico foram retirados do TCC: TANAKA, 2007.
62
uma construção social e cultural pode, portanto, variar de um lugar para outro e
sofrer transformações no decorrer do tempo. Dessa forma, falar das questões de
gênero é falar das “diferenças e desigualdades entre homens e mulheres por razões
sociais e culturais”. (LONDRINA..., 2008, p.1)
Segundo essas fontes que norteiam o olhar sobre a mulher em
Londrina, acentuam-se os aspectos sobre: educação, trabalho, renda, participação
política e saúde.
Em 2000 a população total de Londrina era de 447.065. Sendo que
deste total 231.249 do sexo feminino (51,73%) e 215.816 do masculino (48,27%). A
população da cidade de Londrina concentra-se na zona urbana, 96%. Na zona rural
a população masculina é maior, 52.685, para 47,32% de pessoas do sexo feminino,
ou seja, no campo residem 734 homens a mais do que mulheres. (TANAKA, 2007).
Na educação os dados encontrados afirmam que o número de
mulheres que se matriculam e concluem os estudos em Londrina é maior em todos
os níveis escolares. No ensino fundamental matricularam-se mais meninos. No
ensino médio as meninas são maioria. Na evolução geral das matrículas da
universidade Estadual de Londrina, no recorte temporal entre 1993 a 2003, confirma-
se a preponderância do sexo feminino.
Do ensino fundamental ao superior são as mulheres a maioria dos
concluintes. Apesar do crescimento do número de mulheres com formação
universitária elas ainda se direcionam em carreiras socialmente caracterizadas como
femininas e freqüentam cursos considerados como “mais fáceis”, como os da área
de ciências humanas.
No entanto, mesmo formando o contingente maior de profissionais
dessa área, elas ainda encontram obstáculos para a ascensão na carreira e são
minoria no sistema universitário público. Elas representavam em 2003 43% da
totalidade dos docentes na Universidade Estadual de Londrina. (TANAKA, 2007).
Muitas foram as transformações que ocorreram na sociedade que
podem ser apontadas como fatores indicadores da maior inserção das mulheres no
mercado de trabalho, o aumento de famílias chefiadas por mulheres, a pílula
contraceptiva que a partir de 1960 contribuiu para que as mulheres tivessem poder
de escolha entre ter ou não ter filhos e a maior inserção das mulheres na educação.
Embora as mulheres sejam maioria entre a população em idade ativa, 52% contra
63
47% de homens, estes últimos formam o maior contingente da população ativa:
131.538 homens (56,91%) para 99.606 mulheres 43%.
Ainda que o acesso das mulheres no mercado de trabalho venha
aumentando, o desemprego ainda é maior neste grupo. No ano 2000 em Londrina, a
taxa de ocupação mais elevada fica entre as mulheres que compõem a faixa etária
de 30 a 39 anos (62, 73%), em segundo lugar as mulheres na faixa etária de 40 a 49
anos com a taxa de ocupação de 59,16%
28
.
Em Londrina, desde a instalação da câmara municipal em Fevereiro
de 1936 até 2006, ou seja, nos últimos 70 anos, foram eleitas apenas 8 mulheres
para o Legislativo em Londrina a primeira foi a Profª. Amanda Sabino Lopes em
1958. A segunda foi a Profª. Vera Esperança Manella Cordeiro, eleita em 1978.
Atualmente temos 2 vereadoras: Maria Angela Santini (PT) e Sandra Graça (PP).
Portanto, apesar das mulheres de Londrina formar 52% do eleitorado, sua
participação na disputa eleitoral ainda é pequena. Dados da justiça eleitoral mostram
que nas eleições de 2004 o total de candidaturas para o legislativo foi de 331, sendo
251 homens e 80 mulheres (24%). Na disputa do executivo houve apenas uma
candidatura feminina.
No ano de 1986 foi implantada em Londrina a Delegacia da Mulher,
uma das primeiras do país. Em 1993, com a implantação da Coordenadoria Especial
da Mulher, foi criado o Centro de Atendimento à Mulher (CAM), serviço que oferece
atendimento social, jurídico e psicológico à mulheres que sofrem violência.
Os dados dos casos atendidos no Centro de Atendimento à Mulher
do município de Londrina referente ao ano de 2006
29
chamam a atenção, tendo em
vista dados como tipo de violência, o ambiente em que ela ocorreu e a queixa
principal. No dado tipo de violência o número maior encontrado foi o “emocional”;
193 casos, ou seja, 58% por cento dos casos de violência. A queixa principal é a
“tortura psicológica”, 113 casos ou 34,24% e o ambiente onde ocorreu a violência é
doméstico, 317 ou 96,06% contra 12 casos no ambiente público ou 3,64%. Acha-se
relevante indicar estes dados, tendo em vista a permanência de relações tradicionais
e violentas que balizam os comportamentos e as relações de homens e mulheres
em nossa sociedade.
28
Estes dados foram encontrados no censo demográfico de 2000.
29
Estes dados encontram-se no site: www.londrina.pr.gov.br/planejamento/perfil/perfil-2005-2006
64
A seguir, através de um recorte empírico de um grupo de mulheres
da classe média urbana da cidade de Londrina, tenta-se pensar como essas
mulheres vivenciam as mudanças e permanências de valores no seu cotidiano,
especialmente em relação às experiências com o exercício de suas profissões e os
afazeres domésticos.
3.1 Recorte do Objeto de Estudo e Metodologia de Trabalho
O que determina a escolha de uma metodologia de pesquisa são os
pressupostos que a sustentam aliados à especificidade do problema a ser
investigado. Entretanto, uma vez definida a problemática, ao aproximá-la dos
primeiros dados surge continuamente à necessidade de reconstruir os princípios
teóricos previamente selecionados. Diante da pesquisa que se propõe investigar a
internalização dos valores patriarcais de um grupo de mulheres de classe média que
justifica a incorporação da dupla jornada de trabalho - escolheu-se a linha
metodológica centrada na fala gravada através de roteiro como alternativa adequada
e operacional.
Nesta pesquisa busca-se interpretar as concepções de um grupo de
mulheres de classe média em Londrina sobre o que é “ser mulher” hoje e que exerce
a dupla jornada de trabalho.
Desse modo, uma vida é inseparavelmente o conjunto dos
acontecimentos de uma existência individual concebida como história e o relato
dessa história. É exatamente o que diz o senso comum, isto é, a linguagem simples,
que descreve a vida como um caminho, uma estrada, uma carreira e suas
encruzilhadas. (BOURDIEU, 1972).
Assim, podemos encontrar no ‘habitus’’
30
o princípio ativo, irredutível
às percepções passivas, da unificação das práticas e das representações (isto é, ao
equivalente, historicamente constituído e, portanto historicamente situado) desse eu,
cuja existência devemos postular para justificar a síntese do universo sensível
operada na intuição e a ligação das representações numa consciência. Mas essa
identidade prática somente se entrega à intuição, na inesgotável série de suas
manifestações sucessivas, de modo que a única maneira de apreendê-la como tal
30
O conceito esta definido no capítulo I.
65
consiste talvez em recuperá-la na unidade de um relato totalizante. (BOURDIEU,
1972).
Orientando-se por essa perspectiva, é intuito desta pesquisa
analisar-se a internalização dos valores patriarcais de um grupo de mulheres de
classe média da cidade de Londrina: professoras, médicas, advogadas, dentistas,
jornalistas trabalhadoras de setores públicos e privados, que tenham nível superior,
faixa etária entre 35 a 50 anos, que percebem de 6 a 15 salários mínimos por mês e
que tenham filhos do sexo masculino e feminino ainda em idade escolar.
A intenção em buscar compreender as relações entre a dupla
jornada de trabalho e valores patriarcais foi um grande desafio. Inicialmente, como
num labirinto da solidão, surgiram dúvidas sobre qual o melhor caminho para atingir
a porta de saída, qual a melhor metodologia para o entendimento da realização da
dupla jornada de trabalho por um grupo de mulheres das camadas médias urbanas,
através das percepções das mesmas.
Em primeiro lugar, era preciso identificar e depois analisar os
elementos que estruturam a aceitação dessa subordinação à dupla jornada de
trabalho por essas mulheres que, na contemporaneidade, percebem trabalhar “fora”
como formação de sua identidade social. Outros caminhos poderiam ser
selecionados para a obtenção dos dados que se desejava. No entanto, escolheu-se
a pesquisa qualitativa, com roteiro pré-determinado, pois se apresentava como a
modalidade melhor para entender as trajetórias de vida do grupo de mulheres das
camadas médias urbanas dentro do contexto familiar e do exercício de uma
profissão.
A experiência adquirida anteriormente na pesquisa: “A cultura da
obrigação: a mulher e a dupla jornada de trabalho”, com um grupo de mulheres de
baixa renda (costureiras de uma fábrica de confecções em Londrina, 1997), exigiu
da pesquisadora um cuidado maior em não se repetir. O contato anterior com o tema
poderia levar ao equívoco de transformar essa dissertação em “lugar comum”.
Ademais, experiência anterior não implica em conhecimento. A desconfiança neste
conhecimento prévio alimentou e melhorou a autocrítica. Entende-se que as
melhores perguntas são aquelas que se repetem. Portanto, a compreensão da dupla
jornada do grupo de mulheres em estudo seguirá as seguintes questões: O que as
mulheres deste grupo pensam? Como se comportam? O que dizem? É importante,
66
porém, distinguir entre o que o objeto diz sobre o que faz, o que realmente faz e o
que pensa sobre o que faz. (GOLDENBERG, 2007).
Para Minayo e Sanches (1983), o debate quantitativo qualitativo
nas ciências sociais é ainda um debate aberto. A investigação quantitativa atua em
níveis de realidade na qual os dados se apresentam aos sentidos e tem como
campo de práticas e objetivos trazer à luz fenômenos, indicadores e tendências
observáveis. A investigação qualitativa trabalha com valores, crenças, hábitos,
atitudes, representações, opiniões e aprofunda a complexidade de fatos e processos
particulares e específicos a indivíduos e grupos. A abordagem qualitativa é
empregada, portanto, para a compreensão de fenômenos caracterizados por um alto
grau de complexidade interna.
Os autores citados consideram que, do ponto de vista metodológico,
não contradição tampouco o continuidade entre investigação quantitativa e
qualitativa. Ambas são de natureza diferente. Dessa forma, do ponto de vista
epistemológico, nenhuma das abordagens é mais científica do que a outra. Ou seja,
uma pesquisa, por ser quantitativa o se torna “objetiva” e, portanto, “melhor”. Da
mesma forma, uma abordagem qualitativa em si o garante a compreensão em
profundidade de um determinado fenômeno. (PAULILO, 2008). Desse modo, segue
as características particulares da investigação qualitativa.
O universo não passível de ser captado por hipóteses perceptíveis e
de difícil quantificação é o campo, por excelência, das pesquisas qualitativas. A
imersão na esfera da subjetividade e do simbolismo enraizados no contexto social
do qual pertencem, é a condição para o seu desenvolvimento. Sua utilização é
indispensável em temas que demandam estudo interpretativo. (PAULILO, 2008).
A identificação com os métodos qualitativos de pesquisa, reforça que
o envolvimento inevitável com o objeto de estudo não constitui defeitos ou
imperfeições dos métodos utilizados. Sendo o pesquisador membro da sociedade,
cabe-lhe o cuidado e a capacidade de relativizar o seu próprio lugar ou de
transcendê-lo de forma a poder colocar-se no lugar do outro. (VELHO, 1978 apud
PAULILO, 2008).
Uma crítica constante à abordagem qualitativa é aquela que diz
respeito ao rigor do método utilizado, da questão da cientificidade e da suposta
fragilidade da pesquisa qualitativa nesta esfera. Embora se aceite que a produção
intelectual é sempre um ponto de vista a respeito do objeto, é preciso que haja
67
critérios de cientificidade internos e externos para que o trabalho seja considerado
científico.
De acordo com Demo (1986), os critérios internos seriam a
coerência, a consistência, originalidade e a objetivação. A coerência significa a
argumentação lógica, premissas iniciais, construção do discurso e conclusões
combinadas entre si. A consistência é a capacidade de resistir a argumentações
contrárias; refere-se à qualidade de argumentos do discurso. A originalidade diz
respeito a uma produção inovadora, que permite avançar no conhecimento. E
objetivação é uma palavra substituta ao conceito de objetividade que o autor acima
citado utiliza por não aceitar a possibilidade de um conhecimento objetivo. E tem por
significado a tentativa de reproduzir a realidade o mais próximo possível do que é.
O mesmo autor aponta como critério externo de cientificidade, a
“intersubjetividade, significando a ingerência da opinião dominante dos cientistas de
determinada época e lugar de demarcação científica”. (DEMO, 1986, p.17). Isto, em
outras palavras, seria o alerta do autor sobre a necessidade de visualizar a ciência
como produto social, histórico e em processo de formação. Acrescenta ainda que,
todo debate aberto de demarcação científica trará mais problemas que soluções
uma vez que a ciência dá soluções apenas à medida que levanta novos problemas.
São muitos os métodos e as técnicas de coleta de dados em uma
abordagem qualitativa, elegeram-se, dessa forma, os relatos e as trajetórias de vida,
através de roteiro pré-determinado, como propiciadoras de uma mediação adequada
com a contemporaneidade. Cada etapa da pesquisa é uma experiência a ser
elaborada para que, quem nela estiver empenhado, venha participar de uma
reflexão teórica sobre a formação e os processos por meio dos quais essa pesquisa
se faz conhecida.
A experiência de campo não acontece sem dificuldades. Esta
investigação irá possibilitar sentido à vida humana? De que forma? Essas e outras
indagações acompanham o pesquisador e, na caminhada, proporciona o
enfrentamento de desafios; às vezes, pelo desejo de viver de forma mais útil na
sociedade e, às vezes, por nos sentirmos (re) significados na experiência pessoal.
Assim, com a investigação “As Mulheres de Classe Média de
Londrina/Pr. e a Dupla Jornada de Trabalho - Mudanças e Permanências” busca-se
através do encontro pessoal e social suscitar o questionamento constante: por que
68
as mulheres de classe média inseridas no mercado de trabalho realizam a dupla
jornada de trabalho? Por que a preocupação com a identidade dessas mulheres?
A obtenção de dados iniciou-se no semestre de 2006. Uma vez
que a pesquisa propõe-se a trabalhar com um grupo de mulheres profissionais de
classe média, o critério adotado foi que exercessem uma atividade profissional
concomitante com as atividades domésticas, que fossem casadas e com filhos
meninos e meninas.
Realizaram-se três entrevistas que estão dentro desses critérios e as
outras três serviram para efeito de comparação, pois uma delas não possui filhos,
outra possui apenas 1 filho e a última 2 filhas gêmeas. Três entrevistas ocorreram
em local de trabalho, pois para que ocorresse em outro local, seria necessário maior
disponibilidade de tempo das entrevistadas, o que geralmente não existe. Três
entrevistas foram realizadas na própria residência. A primeira entrevista aconteceu
no apartamento da entrevistada, sendo interrompida pelo filho que havia chegado da
escola (menino de 10 anos) e pelo telefone. A segunda não houve interrupções e o
relato foi bem tranqüilo. A terceira foi feita na residência da entrevistada, foram 4
interrupções (o filho de 22 anos que pediu sua atenção 2 vezes, a cunhada que
chegou, o telefone que tocou). A quarta entrevista foi no local de trabalho, num
sábado de manhã dia que a entrevistada não trabalha, não houve interrupções. A
quinta também foi feita no local de trabalho, em um lugar reservado sem
interrupções. A sexta entrevista ocorreu na residência, foi tranqüilo, sem
interrupções. Acredita-se, porém, que estas situações não interferiram nos
resultados operados.
À medida que as entrevistas iam acontecendo foram sendo
transcritas, o que propiciou uma maior aproximação dos sujeitos e aprofundamento
no objeto de pesquisa.
É importante salientar que a pesquisadora no momento da coleta de
dados sentiu dificuldade em manter-se calada no decorrer do procedimento. Quando
a entrevistada com o olhar pedia sua opinião a mesma acabou cedendo ao pedido,
na verdade foi impelida a interagir com as mulheres. Cabe destacar que as
entrevistadas sentiram-se tão tranqüilas, durante o relato, que não perceberam o
quanto falaram, fato notado pela pesquisadora, no momento das transcrições.
Ressalta-se, também, a difícil atitude de ouvinte do pesquisador. Embora a
entrevista seja um momento de escuta, sem ser passiva, destaca-se que esta é a
69
parte mais complicada do processo. Todavia, ressaltamos ser extremamente difícil
ouvir relatos tão verdadeiros e, ao mesmo tempo, conter a ansiedade, tendo em
vista pontos de identificação entre pesquisador e pesquisado.
Admite-se que não foi uma tarefa das mais fáceis. É difícil calar.
Quando precisamos apenas ouvir, sem fazer comentários, observamos o quanto
falamos. É a voz do sujeito que queremos (e precisamos) ouvir! São as histórias
delas que vamos relatar, não a nossa. Nossas impressões aparecerão sim no
momento da análise. Na ocasião das entrevistas é a voz da entrevistada que precisa
ser ouvida. De certa maneira, a entrevista aberta com roteiro mostrou-nos as
vicissitudes do pesquisador em campo e a complexidade da relação entre o
pesquisador e os pesquisados.
Ressalta-se a importância do “atar” e o “desatar de nós” que vêm
nos instigando, pois o constituidores de possíveis respostas ou novas buscas.
Nesta investigação entre muitas coisas aprendidas, destaca-se uma, aquela que
mostrou claramente que cada um de nós traz dentro de si uma história fascinante.
3.2 Caracterizando o Cenário O Perfil das Entrevistadas (Um Grupo de 6
Mulheres de Camada Média Urbana)
Procura-se por meio dos relatos de vida das mulheres apreender o
seu cotidiano, ou a opinião que têm sobre determinado aspecto de sua vida. É
através da análise das práticas diárias dos indivíduos que se pode chegar a uma
compreensão da dinâmica da personalidade de uma pessoa, ou das características
e atitudes de um grupo social.
Para obtenção dos relatos, a pesquisadora aproximou-se do grupo
de mulheres explicitando os objetivos do estudo e convidando-as a participar dele.
Com as mulheres que se interessaram foram realizadas as entrevistas, utilizando o
recurso de gravação, mediante prévio acordo com as entrevistadas, visando garantir
a fidedignidade daquilo que foi dito, bem como o anonimato.
Assim, procurou-se ouvir os relatos do grupo de mulheres, evitando
interferir nas suas falas, a não ser para esclarecer algum detalhe ou estimular o seu
dizer. Na teoria tudo pode parecer muito simples, todavia, na prática, nem sempre o
é.
70
A imagem da mulher dona-de-casa, que vive para a família e os
filhos, está cada vez mais rara. faz algum tempo que os doces e crochês deram
lugar a “mulher multitarefa”, que acumula funções.
A partir de 1960 é possível perceber uma mudança do papel da
mulher na sociedade. Houve um aumento na participação da mesma no mercado de
trabalho resultante do crescimento do aumento do setor de serviços, seguido por
períodos recessivos que diminuíram o poder de compra e exigiram a participação da
mulher na vida familiar.
A obrigação de uma dupla jornada, associada à evolução de
métodos contraceptivos, contribuiu para que as mulheres passassem a ter menos
filhos. No entanto isso não diminui a função da mãe. Como foi salientado em
discussões anteriores a responsabilidade pelo cuidado com os filhos é o resultado
de um processo datado historicamente. Essa mensagem foi reforçada no século
XVIII com objetivo de manutenção da sociedade patriarcal. Com o tempo as
mulheres tiveram que lutar para ter um espaço maior na sociedade, apesar de no
presente ainda muitos dos valores patriarcais estarem presentes, conforme
descrições a seguir das entrevistadas.
HELENA (DENTISTA)
A Dentista Helena, 48 anos, sabe bem como foi essa luta. Casou-se
aos 30 anos, teve seu primeiro filho aos 32, mas nunca pensou em parar de
trabalhar. Ela acha o trabalho doméstico cansativo e repetitivo, por isso não
agüentaria ficar em casa. Ela optou por ter uma faxineira 2 vezes por semana e
dividir as tarefas com o marido e seus filhos. Ela tem uma filha de 16 anos e um filho
de 14 anos e procura ensinar aos dois as tarefas domésticas. Mas embora haja
divisão de tarefas em casa o ônus maior acaba ficando para ela, ir ao sacolão,
supermercado e dar atenção aos filhos à noite.
Helena é uma mulher dinâmica e alegre, mas não deixa de
conservar valores tradicionais que afirmam os papéis da mulher. A mesma, no dia-a-
dia, vive uma dinâmica exaustiva, alternando-se entre o exercício de sua profissão, o
cuidado com os filhos, bem como a organização e administração do lar. Ela exerce a
sua profissão 20 anos e está estabilizada profissionalmente. Confessa que
enfrentou um ritmo frenético trabalhando até 08h00min da noite, mas conseguiu
71
diminuir o ritmo devido aos apelos da filha que reclamou sua ausência. Analisa-se de
forma diferente quando se compara à sua mãe que era “uma mulher corajosa e
independente nos anos 1945”, que ao se formar professora de magistério foi morar
sozinha em uma cidadezinha do interior onde conheceu seu pai e casaram-se.
Helena vem de uma família de classe média, seus pais tinham nível
de escolaridade superior, os quais deram condições a ela e seus irmãos (possui uma
irmã e um irmão) de estudarem e trabalharem. No entanto, em sua concepção ela
acha que trabalhar depois de estudar não é a melhor opção. Os pais de Helena,
segundo seu relato, se respeitavam mutuamente e se ajudavam, valor que ela e
seus irmãos procuram praticar em suas novas famílias. Afirma que gosta de estar
casada, mas salienta que gosta do “casamento que têm” porque seu marido foi
educado nos mesmos valores que ela, os pais dele também tinham os valores de
seus pais. Por isso ela acredita que aprende-se naturalmente os papéis. Ela e o
marido aprenderam vendo seus pais e acredita que seus filhos também estão
aprendendo com ela e seu marido.
Helena tem um padrão médio de vida sua renda esta entre 6 a 8
salários mínimos e a de e seu marido 4 a 5 salários mínimos. Seu padrão de vida
proporciona a ela e família a saírem para jantar nos finais de semana, ser sócia de
clube na área central da cidade e os filhos estudarem em colégio particular. Ela diz
que esperava mais da profissão e há muitas coisas materiais que gostaria e que não
consegue ter, por exemplo, “viajar mais”. Ela em seu trabalho a possibilidade de
afirmar sua identidade social, por isso apesar de achar e sentir a dupla jornada de
trabalho pesada para a mulher, mesmo quando o homem divide “um pouco”,
segundo seu relato, prefere ficar se equilibrando entre uma atividade e outra.
CAROLINA (FISCAL)
No tempo da mãe de Carolina, 47 anos e Auditora Estadual, ter uma
família era prioridade, sua mãe era 100% do lar segundo sua definição. Sua mãe
casou-se antes dos 20 anos e teve 9 filhos, ela seguiu o padrão da mãe e casou-se
aos 18 anos.
Carolina é uma mulher alegre, veste-se e porta-se de maneira
“elegante”, porém discreta, fala em tom baixo e possui um vocabulário que poderia
ser classificado como “sofisticado”. Seu perfil pode ser definido como conservador,
72
ao passo que acredita que a mulher não deve se meter em brigas, mas sim ser dócil.
Todo tempo da entrevista é possível verificar na sua fala a internalização do que é
“ser mulher dócil”. Na sua concepção embora a maioria das mulheres do seu tempo
precisem trabalhar para o provimento da família, devem manter atitudes tidas como
próprias do sexo feminino como docilidade, candura, proteção e doação para os
seus.
Carolina mora em um bairro de classe média alta na zona sul de
Londrina, percebe 15 salários mínimos por mês. Seu marido também é Auditor
Estadual com rendimento de 15 salários mínimos. Tem uma filha de 18 anos e um
rapaz de 22 anos. O rendimento familiar está por volta de 30 salários mínimos, o que
confere a ela e sua família de 2 a 3 viagens no ano, faculdades particulares para os
dois filhos, um carro para cada membro da família e uma empregada doméstica fixa
que ela denomina de “secretária”.
Carolina é de origem humilde, seus pais possuíam pouca instrução e
eram da zona rural. Seu pai foi comerciante e pedreiro. Ela demonstra uma grande
admiração pelo pai, pois fazia questão dos filhos estudarem e mesmo com
dificuldades mantinha a filha mais velha no colégio Mãe de Deus (colégio particular
de freiras em Londrina). Na sua concepção na sua família não se formou quem
não teve vontade suficiente, pois o pai queria ver todos formados. Dentre os 9
irmãos 4 são formados (2 homens e 2 mulheres).
Segundo relato, Carolina concebe seu marido como “machista” e
sentiu muito a ausência dele na educação de seus filhos quando crianças. Ela, para
evitar discussão, não pedia ajuda dele e se sobrecarregava, apenas eventualmente
contava com sua ajuda. Afirma existir demarcação de espaço em sua casa, porque é
um lar calcado em valores tradicionais, mas acredita que os casais mais modernos
são mais companheiros, mais cúmplices. Acredita ser centralizadora e que acaba
não dividindo as tarefas do lar com seu marido e filhos.
Quanto ao lazer, não faz muita coisa para si. No seu relato diz sofrer
de um estresse muito grande, por isso tem a necessidade de dormir bastante.
Dorme, assiste novela de vez em quando e faz caminhada. Considera a dupla
jornada rotina de sua vida. Achava que o trabalhar fora “de casa” iria mudar essa
situação.
Carolina é uma mulher dinâmica no seu dia-a-dia, desde os 15 anos
de idade trabalhou “fora”, porém dividiu-se entre trabalho profissional e trabalho
73
doméstico, ou seja, sempre exerceu a dupla jornada de trabalho. Assim revela uma
personalidade formada por traços conservadores e antigos costumes mesclados
com traços e valores modernos. Por ser católica, acredita que a religião a acalma e é
através do modelo de “Maria” que mostra o lado mais doce da mulher. Na sua
concepção a mulher pode ser competente, ter seu espaço muito bem traçado, mas
continuar com doçura, com seu papel de mãe, isso faz a diferença para o homem e
para a mulher.
MARIA (PROFESSORA)
Observa-se que, na atualidade, nas famílias de classe média o
número de filhos diminuíram, pois as mulheres querem dedicar-se aos estudos e a
atividade profissional. Maria, 39 anos, foge deste padrão, casou-se aos 22 anos, tem
5 filhos, 4 meninos e uma menina. Diz saber o ser um número comum em nossa
sociedade, mas se sente muito feliz, pois seu projeto era ter 5 filhos, ou seja,
sonhava constituir uma família extensa.
Maria é professora 20 anos de uma escola de inglês em
Londrina. Trabalha apenas 9 horas semanais, percebe dois salários e meio por mês
e adora o que faz. Na sua concepção, ser mãe é muito mais importante, mas não
deixaria seu trabalho para ficar só em casa. Possui padrão de classe média alta. Seu
marido percebe de 18 a 20 salários mínimos por mês. Isto proporciona manter os 5
filhos em colégio particular, morar em um condomínio de padrão alto na zona sul da
cidade, possuir carro individual e ter 2 empregadas domésticas.
Maria é de origem humilde, seus pais possuem gr au incompleto.
Sua mãe, ao contrário dela, sempre foi do lar, apesar de considerar o trabalho
doméstico de escalão. Porém, seu pai impedia sua e de trabalhar. Sua irmã,
ao contrário dela, não fez faculdade. Na concepção de Maria ela não estudou
porque não quis, porque não gostava de estudar.
Maria é uma mulher que se veste de forma despojada e alegre,
porém na sua fala aparece a incorporação de valores tradicionais da sociedade
patriarcal, seja quando diz que sua irmã não estudou porque “não quis” e ou quando
diz que “a mulher é o pilar da sociedade”. Todavia, é muito dinâmica ao falar, possui
um vocabulário requintado e é sorridente. Ela adora seu trabalho e nunca vai dar
aula sem levar algo novo para os alunos. Diz ter a opção de “não trabalhar fora”,
74
mas nunca deixaria seu trabalho. Ela considera cuidar de filhos uma atividade
doméstica da qual sente muito prazer.
Maria concebe-se uma “administradora do lar”. Não é uma patroa
que deixa tudo por conta de empregada doméstica. Deixa-as à vontade, mas tem
uma “tabela” de atividades que afirma fazerem em conjunto. Maria acredita que tem
mulher que não sabe nem onde está sua “tuperware”, mas diz saber onde estão
suas “panelas” e qual está faltando o cabo. Gostaria que suas “secretárias” tivessem
mais iniciativa, pois se falta alguma coisa em casa gostaria que batessem e
pedissem na porta da vizinha, no entanto, percebe que é “centralizadorae acaba
gerando insegurança nas mesmas.
Maria aprendeu o trabalho doméstico efetivamente depois do
casamento. Na sua concepção quem não sabe “fazer” não sabe “mandar”. Aprendeu
fazendo, depois de ter iniciado com sua mãe. Perguntava como “fazer”. Quando
casou ficava observando a empregada e na observação aprendeu a “fazer”.
Na sua concepção, em sua casa não demarcação de espaços
que seu marido “ajuda” bastante com as crianças. Para ela a divisão dos esforços
existe por questão cultural e são as próprias mulheres que não ensinam seus filhos e
não exigem do marido.
Maria realiza cotidianamente leituras espirituais e de auto-ajuda.
Gosta de livros que falem sobre valores e psicologia para leigos. Gosta de sentar e
montar jogos com os filhos. Acredita que aprendeu a “ser mulher” através da igreja.
É bastante religiosa e para ela a mulher é o “fio central”. Dessa forma, pensa que
tudo que a “mulher coloca à mãotransforma para melhor ou para pior. Sente-se
realizada porque queria casar com um “bom homem” e acredita que conseguiu. Às
vezes há desavenças e sente vontade de jogar tudo para o alto, mas sempre
recomeça.
Maria, embora não abra mão de conquistas como trabalhar fora e
estudar possui traços “conservadores” no modo de enxergar o mundo. Não é a favor
da igualdade entre os sexos, ou seja, a mulher não deve querer se igualar ao
homem, mas sim conservar os valores tradicionais do gênero feminino. Na sua
concepção o mais importante dos papéis da mulher é o de “mãe”, por isso espelha-
se no exemplo de “Maria”, como mãe e protetora.
75
SOFIA (MÉDICA)
A dica Sofia, 42 anos, tem o perfil da mulher “multitarefa”, sua
vida é controlada por uma secretária no consultório e outra em casa, que ela
concebe como “seu braço direito e esquerdo”. Ela é “médica endocrinologista” 19
anos, têm filhas gêmeas de 12 anos, possui residência própria e percebe de 6 a 8
salários mínimos. Faz 8 horas diárias de trabalho, exceto 2 tardes que reserva para
sua vida pessoal. Seu marido é cirurgião e percebe 15 salários mínimos.
Sofia vem de família de classe média. Seus pais têm grau
completo. Ela teve condições de formar-se primeiro para depois trabalhar. Seu pai
tinha profissão de Técnico em Contabilidade e sua e era do lar. Para ela, sua
mãe foi um exemplo de mulher, porque ela e seu irmão lavam, passam e cozinham.
Nunca tiveram empregada em casa e sua mãe ensinou aos dois o trabalho
doméstico.
Sofia possui um padrão de vida alto tendo em vista que sua renda
familiar está em torno de 20 salários mínimos. O que proporciona vestir-se com
roupas finas, ter carro individual, escola particular para as filhas, comer fora com a
família e viagens. É uma mulher dinâmica, fala com segurança e é bastante
sorridente. É ela que administra o lar, porém gostaria que seu marido a ajudasse
mais quando se trata de buscar e levar as meninas para as atividades, porque para
ela sozinha é muito cansativo.
Sofia acha importante ensinar os filhos a cuidar do trabalho
doméstico, mas não tem muita paciência, quando uma roupa fora do lugar vai
pega e põe no cesto. Confere grande importância à família e coloca em plano a
profissão. Neste sentido, a religião atua na união da família. Desde que começou a
participar mais da igreja, percebeu que a família mudou e ela, segundo sua
concepção, tornou-se mais “sensível e paciente”.
Nas horas de folga gosta de ir para chácara da sogra tomar sol,
fazer churrasco e jogar conversa fora. Para ela a “revolução feminina” trouxe
problemas; na verdade veio somar e não dividir. Mas acredita que o modelo de sua
mãe está se acabando. Percebe-se como mulher de uma geração em transição e,
acredita que nas próximas gerações vai ser melhor do que para as mulheres de sua
geração, que ainda têm o peso da dupla jornada de trabalho.
76
Sofia possui traços conservadores e modernos ao interpretar o que
“é ser mulher”. O seu padrão de vida alto de ter “secretárias” em casa e no trabalho
poderia mascarar seu cotidiano de jornada dupla. As suas assistentes suavizam sua
frenética vida de trabalho fora, levar as filhas à escola e às atividades extra-
curriculares, sacolão, supermercado e outras tarefas. Embora reconheça o cansaço
diário do duplo encargo é otimista e acha que a situação é transitória.
Sofia acha que a sociedade esta mudando bastante. morou na
França, relata que os homens buscam a criança na escola, vão passear com elas
e ajudam na cozinha. E em uma visão otimista, acredita que isto também vai
acontecer, no futuro, na sociedade brasileira.
REGINA (ADVOGADA)
Regina, 36 anos é arrimo da família. Advogada, divorciada, possui
um filho de 10 anos. Tem apartamento próprio e sente-se muito orgulhosa por isso.
Regina veste-se de maneira sóbria, têm um senso crítico aguçado e é falante. Não
tem empregada doméstica nem faxineira. A mesma combina seu horário com o do
filho, trabalha à tarde e de manhã executa as tarefas domésticas que como
“exorcismo de sair daquele papel quadradinho da profissão”. Ela tem ajuda das
amigas que estão na mesma situação para cuidar do filho ou pegar no colégio,
quando viaja ou têm que trabalhar até mais tarde. Quando chega em casa dá
atenção para o filho, mas depois das 10 horas da noite vai para o computador
trabalhar com as pesquisas que arquivou e aí, segundo ela, “a noite é uma criança”.
A origem de Regina é de uma família de classe dia. Seu pai é
advogado e sua mãe professora aposentada. Ela acredita ter herdado os “dons” do
pai, vendo-o como um homem “realizador e apaixonado pela vida”. Em sua
concepção sua mãe foi uma “exímia” dona-de-casa. Trabalhava fora e no sábado
limpava e passava. A mesma acha que organizar a casa é o primeiro passo para a
organização interna. Ela aprendeu isso quando criança com sua avó e sua mãe que
a iniciaram aos afazeres domésticos aos sete anos. Os irmãos também tinham
funções em casa, mas os meninos e o pai faziam serviços externos, pois diz que na
sua época não havia “divisão de tarefas”. Relata nunca ter visto seu pai “limpar a
casa”, mas complementa “ele limpava o jardim”. Ela segue o mesmo padrão do cus
primário, ensina seu filho nas tarefas pequenas de colocar lixo para fora, e carregar
77
sacolas do mercado, mas segundo suas palavras: - “como um bom homem ele ainda
está na cozinha”.
Regina acha que delimitação de espaço na sua profissão tem
áreas que a mulher não tem credibilidade. A religião tem mais influência em sua vida
como ser humano do que enquanto mulher, “não se permite roubar e ser desonesta”.
Mas como mulher, depois do casamento não ter dado certo, ela “se permitiu buscar
o amor com mais liberdade”. A mesma gosta de ler romances, economia, gênero
policial, ou seja, tudo que ajude no seu dia-a-dia. Com o filho, gosta de “passear e
criar situações novas”. Acha que “a dupla jornada não é cansativa para quem a
encara com alegria e desafio”.
Regina é uma mulher que mescla valores tradicionais com valores
da sociedade moderna. É dinâmica, independente, busca o conhecimento
diariamente e amor com liberdade. Porém, na sua concepção, acha que tem mulher
que se como mártir. Ela com bons olhos: - “Ó Deus, Ó senhor, mais um dia
começando, hoje vou limpar minha casa depois vou para o escritório e
complementa: - “aí a borralheira vira cinderela e vai à luta”.
Regina acha que a mulher tem mais condições de encarar a dupla
jornada que o homem, porque em sua concepção, emocionalmente, a mulher tem
mais preparo, pois acredita que os homens são infantis. Segundo seu relado: - “Do
mundinho a mulher foi para o mundão. Eles estão no mundão e de repente se vêm
fechados numa gaiola”. Analisa-se plenamente realizada, inclusive antes do tempo.
Quando se separou propôs metas para atingir até os 40 anos e atingiu aos 35 anos.
Neste momento volta a citar o pai e diz que ela é uma mulher de “paixões”, por isso
ficou inquieta e viu que precisava de “novas metas e novas paixões”.
MARINA (JORNALISTA)
A jornalista Marina, 42 anos, é uma mulher à frente de seu tempo,
discorre sobre o curso de sua vida tentando demonstrar que têm sob controle as
rédeas de sua vida profissional e doméstica. Este modelo de “controle” adquiriu na
sua família de origem, pois seu pai tinha problemas de saúde e sua mãe controlava
a vida familiar.
Marina vem de uma família de classe média, seus pais concluíram o
ensino médio. Sua mãe sempre trabalhou fora. Suas 2 irmãs fizeram administração
78
e seu irmão engenharia. Ela fez faculdade respaldada financeiramente pela mãe.
Quando terminou, começou a trabalhar.
Marina exerce o jornalismo há 20 anos, trabalha em casa como “free
lance”. É uma estabilidade que conquistou com o tempo, pois já trabalhou dois
turnos consecutivos. Marina percebe de 6 a 8 salários mínimos por mês. É casada,
seu marido é cabeleireiro e percebe de 5 a 6 salários mínimos. Ela cultiva a
liberdade de não ter filhos, ir a barzinho, tem um grupo de amigos que reúne para
curtir a piscina e para cantar, faz ginástica, aulas de inglês e adora sua cachorra. Na
sua concepção, é mais racional que o marido, por isso administra a vida do casal,
inclusive financeiramente.
No momento está sem empregada doméstica e sem faxineira. O
marido “ajudaem tudo, na limpeza, mas na organização quem se sobressaí é ela
que sabe o “lugar” até de uma “agulha” na casa. Adora cozinhar, mas desempenha
outras tarefas porque gosta de ver a casa limpa. Diz que precisa ter empregada por
conta de seu trabalho. Na sua concepção herdou essa organização da mãe que
exigia que ela arrumasse a cama ao levantar desde pequena. O gosto pela cozinha
também vem da infância, pois cozinhava desde menina.
Embora seja batizada e crismada na igreja católica não tem religião.
É uma mulher antenada aos acontecimentos a sua volta, 3 jornais diariamente e
revistas semanais, livros um a cada dois meses de assuntos variados, ao passo
que de auto ajuda foi para tomar conhecimento do que é isso mas não gostou.
Escuta rádio, noticiário e usa muitos sites da internet para saber o que eles estão
colocando em manchete.
Marina consegue revelar sua personalidade até na maneira de se
vestir. Veste esporte despojado, usa cabelo vermelho e óculos escuros. A mesma
diz que “em sua casa não há demarcação de espaços”, mas acha que existe
bastante na sociedade brasileira. A mesma remete-se a valores tradicionais para
fundamentar seus valores e sua dupla jornada. Embora seja uma mulher com
valores “ultramodernos”, é contraditória na sua fala em muitos momentos da
entrevista. Especialmente quando exagera nas justificativas do porque exerce as
tarefas domésticas e porque não têm filhos. Dessa forma, denuncia de alguma forma
a contradição que vive muitas mulheres do nosso tempo, entre valores tradicionais e
modernos.
79
CAPÍTULO IV
A DUPLA JORNADA DA MULHER – O FEMININO EM UMA
SOCIEDADE EM TRANSFORMAÇÃO (MUDANÇAS E
PERMANÊNCIAS)
80
4 A DUPLA JORNADA DA MULHER O FEMININO EM UMA SOCIEDADE EM
TRANSFORMAÇÃO (MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS)
A proposta deste capítulo é ‘interpretar as interpretações’ das
mulheres de classe média de Londrina, que cumprem a dupla jornada de trabalho,
sobre o seu lugar na sociedade moderna, em específico na sociedade brasileira
atual, acentuando as “mudanças” e “permanências” nas representações em torno do
que “é ser mulher” hoje. Tem-se como pressuposto que é pelo sistema de valores
calcados no sistema patriarcal que as mesmas exercem e aceitam este duplo
encargo.
A utilização simultânea da conceituação teórica seutilizada como
forma de correlacionar teoria/prática, bem como a relação indivíduo e sociedade,
preocupação esta que perpassou todo o trabalho. Assumiu-se desde o início que
trabalhar com a relação mulher e sociedade estávamos diante de estruturas
historicamente constituídas. “Essas estruturas se modificam pela atuação dos
agentes sociais, implicando na formação de novas conjunturas e eventualmente a
modificação das próprias estruturas”. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.91).
Dessa forma, a coleta de dados é tomada enquanto um processo de
comunicação e interação social que, como tal, deve ser problematizado e
questionado. Uma reflexão sobre a situação de entrevista que, como relação social,
varia de acordo com as circunstâncias e é determinada, de certo modo, pela
interação que estabelece entre o pesquisador e o pesquisado, é de suma
importância para a construção do objeto de conhecimento. Dessa forma, o exame da
situação de entrevista subsidiará a análise do material.
Fica evidente que a pesquisadora vai assumir suas características
individuais, procurando conhecer como elas influem na interação. “Dadas às
preocupações metodológicas da pesquisa, vamos procurar verificar de que forma as
determinantes sociais dos entrevistadores são significativas na situação interativa”.
(BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.41). No limite, vamos procurar tratar a entrevista
como uma reação do entrevistado a uma situação de comunicação com o
pesquisador e à questão proposta. Cabe ressaltar que o discurso obtido é um entre
outros possíveis e determinado pela situação. “Assume-se, o pressuposto da
existência de uma interação constante entre os indivíduos e o meio social, portanto
81
um aqui-agora que mobiliza e modifica os conteúdos emergentes, direcionando o
discurso produzido”. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.42).
O referencial teórico que faz parte do interior deste estudo estará
implícito nas interpretações que seguem, porém neste momento dar-se-á mais
ênfase em Bourdieu (1972) do qual emprestaremos o conceito de ‘habitus e Luz
(1987). O primeiro para interpretar as representações das mulheres em torno de
suas identidades sociais passada e presente, a segunda para apontar a possível
crise do patriarcalismo suposta por ela. Todavia, outros autores serão utilizados aqui
para fundamentar todas as interpretações e argumentações como: Oliveira (1993),
Brioschi & Trigo (1989), Minayo (1999), Duvven (1999), Lipovetsky (2000), Canôas
(1997), Castells (2003) entre outros.
“Não se nasce mulher, torna-se mulher”. Está afirmação de Simone
de Beauvoir, em 1949, em “O segundo sexo”, estilhaçou a camisa de força da
pretensa inferioridade da mulher. Expressando que os dois sexos nunca partilharam
o mundo da igualdade, e ainda hoje apesar dessa condição ter evoluído, a mulher
fica muito atrás, tendo em vista que praticamente em nenhum país a sua condição
legal é igual a dos homens. Seus direitos ainda são reconhecidos de forma abstrata
e o conjunto de valores e comportamentos impede que eles se efetivem de forma
concreta. Economicamente homens e mulheres constituem duas castas. Os
primeiros com salários mais elevados, com maiores chances sobre as concorrentes
mulheres. Além de poderes concretos, os homens, encontram-se revestidos de
prestigio legitimado pela educação e tradição.
Mesmo com as mudanças mais recentes, as atribuições do
casamento são bem mais pesadas para a mulher do que para o homem. A servidão
da maternidade reduziu-se pelo controle de nascimentos (pílulas contraceptivas),
mas esta prática não se expandiu universalmente e não abrange as mulheres das
diversas classes sociais. Dessa forma, além de trabalharem nas fábricas, nos
escritórios e faculdades, continuam buscando no casamento e na maternidade a sua
realização.
Os argumentos construídos sobre a inferiorização e subordinação da
mulher são um dos elementos sociais que reafirmam o poder simbólico em nossa
sociedade, perpetuando os mecanismos de dominação masculina. O conceito de
poder simbólico (BOURDIEU, 1972) é utilizado como uma construção da realidade
que reafirma os instrumentos de imposição ou legitimação da dominação. É um
82
poder caracterizado pela sua invisibilidade, mas que não pode se exercer sem a
colaboração dos que lhe são subordinados e que se subordinam a ele porque o
constroem como poder.
A dominação masculina exercida sobre as mulheres muitas vezes é
apoiada na violência simbólica
31
e estabelecida a partir do compartilhamento entre
quem domina e quem é dominado. (BOURDIEU, 2003). Desse modo, segundo este
autor, a inferioridade feminina é considerada como ‘natural’. Este processo está
inserido na organização natural das coisas fazendo parte dos esquemas perceptivos
dos indivíduos, do pensamento e da ação. Esta oposição entre ser e conhecer é
mediada por meio do habitus’ pois na medida em que os subordinados
compreendem o mundo a partir da relação de dominação estabelecida
socialmente, suas formas de conhecimento seriam pautadas também em atos de
submissão.
A partir destas argumentações, percebe-se a manutenção das
estruturas de poder senhoriais ainda presentes em nossa sociedade e como tem
caminhado o (re) ordenamento das identidades sociais no decorrer das últimas
décadas com o advento da globalização. O nosso olhar estará atento entre o
“mudar” e o “permanecer” do grupo em análise, apesar das trajetórias diferenciadas.
A trajetória tem um poder explicativo, mas deve ser dimensionada e relativizada
como tentativa de perceber o que possibilita essa trajetória particular e não outra.
Ao utilizar o universo de camadas médias pode se refletir sobre a
possibilidade de estabelecer limites entre os grupos e segmentos dentro do que se
costuma chamar com imprecisão de classe média. diferenças de motivações
vinculadas a trajetórias e leituras específicas do sistema simbólico que constitui a
cultura de que participam. Essas diferenças estão associadas a variações da escala
de valores mais ampla e da própria construção social da realidade. Dessa forma,
pode-se observar que, “dentro de um universo segundo critérios cio-econômicos
como renda e ocupação que poderia ser visto como homogêneo, encontram-se
descontinuidades em termos de ethos e visão de mundo”. (VELHO, 2004, p.41).
31
Este conceito utilizado por Bourdieu, (2003, p.47) “A violência simbólica se institui por intermédio da
adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante [...] quando os esquemas que
ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os dominantes (elevado/baixo,
masculino/feminino, branco/negro), resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas,
de que seu ser social é produto”.
83
Através deste olhar atento, foi possível constatar as variações entre
as componentes do grupo em estudo. Todavia é certa a existência de uma relação
entre crenças, valores e experiências de classe, trajetórias, natureza da rede de
relações experienciadas por todas. No caso das representações de um grupo de
mulheres de classe média da cidade de Londrina é crucial não perder de vista a
noção de que estão inseridas em uma unidade mais ampla, ou seja, num todo
global.
Uma primeira reflexão sobre a situação interativa mostrou que o
encontro entre duas mulheres, uma em atividade profissional e outra sendo
solicitada para falar de sua vida de família, mobilizou o discurso em torno do
“feminino”: o que é “ser mulher”? Qual o papel dela na família e na sociedade?
Como conciliar valores incorporados na infância com as mudanças conjunturais? É
melhor trabalhar fora ou dedicar-se integralmente aos afazeres domésticos?
As posições individuais frente à questão dão as nuances, o tom
particular de cada uma das entrevistadas. Todas se apresentam como profissionais,
no entanto, a educação, ou seja, o que chamamos neste estudo de ‘habitus’ primário
demonstra que foram socializadas para além do exercício de uma profissão ser a
principal responsável pelas tarefas domésticas, submetidas a valores patriarcais.
É sabido que na sociedade brasileira é comum, independente de
classe social, a existência da representação de que a identidade feminina está
vinculada às funções de mãe e esposa. Todas as entrevistadas embora
desempenhem a atividade profissional partilham de uma mesma visão sobre a
participação e atuação na sociedade, querem assegurar o espaço para
desempenhar as funções que as definem como mulher (mãe, esposa, dona-de-
casa).
Portanto, na concepção das mesmas, “ser mulher” é ter uma
existência plena como mulher, é desempenhar durante a vida funções que
incorporaram como sendo definidoras da condição feminina. A impressão que se
tem é que algumas determinações do que é ser mulher são transmitidas
precocemente e independem de classe social. Ou seja, desde o nascimento as
crianças são imbuídas de códigos de comportamento socialmente determinados
para seu sexo. São criadas para serem homens ou mulheres. É assim que as
meninas são levadas a incorporar o que se convencionou ser o comportamento
feminino, a identificar-se como mulher, qualquer que seja sua classe social. “As
84
especificidades de um habitus’ de classe vai somar-se essa idéia de gênero”.
(BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.50).
Apenas duas mulheres do grupo em estudo nasceram em Londrina
e passaram sua infância na região centro-oeste da cidade. Sendo que três nasceram
em cidades do interior de São Paulo e uma é de São Paulo, capital. As mulheres
pertencentes a este grupo foram socializadas no modelo de família nuclear. Sendo
que as mães de três delas eram donas-de-casa
32
.
A minha mãe nunca trabalhou fora, ela era 100% do lar(Carolina
entrevista concedida em 09/2006).
As mães das outras três exerciam a dupla jornada de trabalho.
“Minha mãe foi uma exímia dona de casa, trabalhava fora, chegava
no sábado limpava a casa e passava a roupa. Ela fazia as coisas da casa, porque
naquele tempo era difícil arranjar alguém para trabalhar em casa. Então eu via
sempre a minha mãe além de trabalhar fora fazer tudo dentro de casa também. Ela
sempre dizia: -‘Quem não sabe fazer, não sabe mandar’. Eu me lembro disse como
se fosse hoje: - ‘Você pode ser muito rica na sua vida e ter três empregadas dentro
de sua casa, mas quem não sabe fazer não sabe mandar. Não sabe quanto gasta,
não sabe como se faz, então tem que aprender de tudo nessa vida’”. (REGINA,
entrevista concedida em 07/2006).
Pode-se classificar este grupo como pertencente a classe média alta
devido aos altos salários mensais familiares que chegam a30 salários mínimos
possuem residência própria, carros individuais e os filhos estudam em colégios
particulares. Sendo que três delas moram em bairro de alto padrão na região sul da
cidade. No mesmo, as residências geralmente são sobrados com piscina,
churrasqueira e jardim. No grupo estudado, quatro delas possuem empregada
doméstica, uma têm faxineira e 1 executa sozinha os afazeres domésticos.
“Hoje, por exemplo, eu levantei cedo, fiz faxina, passei aspirador na
casa inteira, de repente fiz almoço, coloquei na mesa, ajeitei as coisas, fui para o
banheiro e me transformei na advogada sabe? Quer dizer a gata borralheira virou
cinderela e foi a luta” (Regina entrevista concedida em 07/2006).
O relato acima nos remete a uma forte representação do que “é ser
mulher” hoje. A entrevistada utiliza um clássico dos contos infantis: “Cinderela”,
32
Os relatos das entrevistadas estão destacados em itálico e transcritos sem correções gramaticais.
85
reforçando a ideologia das características próprias do sexo feminino, um pouco “gata
borralheira” para cuidar da casa, um pouco “cinderela” que se transforma em “bela”
para exercer uma profissão. Entre um papel e outro, ou seja, entrecruzando os
espaços públicos e privados e os valores tradicionais e modernos, a mulher vai
tentando justificar sua posição no mundo.
Estas mulheres são de uma geração em transição. Na geração de
suas mães ainda era embrionária a questão do trabalho na esfera privada, como
segue.
“Minha mãe diz que meu pai nunca deixou ela trabalhar. Minha mãe
e do tipo que acha que o trabalho doméstico de segundo escalão, que o bonito
mesmo e trabalhar fora” (Maria, entrevista concedida em 10/2006).
Observa-se que os valores começam entrar em crise e insere na
sociedade o dilema de “mudar” ou “permanecer”, embora de certa forma, este seja
um dilema em qualquer categoria social. Parece que no Brasil contemporâneo as
classes dias são mais atingidas por estarem mais expostas à medida das
ideologias e modernização. (VELHO, 2004). Esta crise das representações foi
apontada por Velho (2004), Luz (1987), Castells (2003), entre outros, quando
apontam que na sociedade moderna há uma tendência ao enfraquecimento do
modelo patriarcal familiar baseado na dominação masculina, onde o homem é a
cabeça do casal e dos filhos.
De acordo com Velho (2004), uma teoria da cultura deve fazer um
esforço de relativização das premissas do nosso próprio trabalho de intelectuais,
conforme se pretende realizar neste estudo com as mulheres de classe média
urbana da cidade de Londrina. O mesmo autor aponta que representações referem-
se à crenças e valores que cimentam, colam, juntam uma sociedade. Dessa forma,
procura-se, neste estudo, levar em conta as diferentes trajetórias, as especificidades
do contexto urbano em estudo e outras particularidades. No entanto, a atenção está
voltada também ao que é recorrente em termos mais amplos, o que é comum e
compartilhado.
Não se pressupõe uma cultura de camadas médias, mas trata-se de
perceber como sistemas simbólicos operam em nossa sociedade. Por outro lado,
representações e prática são dimensões de vida social e não se pode pensar uma
sem a outra, desde que se entenda cultura como expressão simbólica. Portanto,
86
parafraseando Velho “o trabalho do pesquisador é procurar interpretar as
interpretações”. (VELHO, 2004).
4.1 A família Como ‘HabitusPrimário
As mulheres do grupo estudado em sua totalidade foram
socializadas no modelo de família nuclear. Estas tiveram uma educação
conservadora, expressando-se até no modo de vestir e falar, com exceção de uma
delas que foge do padrão.
A família é o primeiro grupo ao qual pertencemos. Dessa forma o
‘habitus’ primário, adquirido dentro da família é o mais decisivo, uma vez que passa
a condicionar todo o aprendizado posterior que se dá na escola, na convivência com
grupos de amigos, nas relações de trabalho, e outros. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989).
Com base nas discussões o ‘habitus’ é como uma lei “imanente”
depositada em cada ator social, desde a primeira infância, a partir de seu lugar na
estrutura social. São marcas das posições e situações de classe. Segundo Bourdieu
(1972) o ‘habitus é a mediação universalizante que proporciona às práticas, sem
razões explícitas e sem intenção significante de um agente singular, seu sentido, sua
razão e sua organicidade.
Tendo em vista que família e mulher são interligados procura-se,
através dos depoimentos, conhecer as representações sobre família elaboradas
pelas mulheres pertencentes à classe média de Londrina. Tendo em vista que “a
primeira educação, aquela recebida no âmbito doméstico vai influenciar toda a vida
posterior dos agentes, a sua posição de classe, inerente a essa primeira educação,
permeará todos os campos de atuação em que se insira”. (BRIOSCHI & TRIGO,
1989, p.15). Mais ainda,
Receber uma educação é adquirir disposições a reproduzir
espontaneamente, em pensamento e por pensamentos, palavras e
ações, as relações sociais existentes no momento da aprendizagem.
O que é interiorizado é a lógica do sistema de diferenças que é o
campo
33
das classes sociais. No entanto, cada campo exerce sobre
33
O conceito de campo elaborado por Bourdieu (2003) é de grande importância para a definição e
delimitação do objeto de estudo. Considera-se que um campo é um sistema específico de relações
objetivas, que podem ser de aliança e/ ou conflito, de concorrência e/ ou cooperação, entre posições
diferenciadas, socialmente definidas, largamente independentes da existência física dos agentes que
as ocupam”. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.16).
87
os agentes uma ação pedagógica diferente. (BRIOSCHI & TRIGO,
1989, p.16)
A partir dessas considerações, propõe-se a seguir focalizar as
relações familiares não no que concerne à sua totalidade, mas as representações e
as posições definidas do grupo em estudo: profissionais, mães, esposas e donas de
casa.
A família para a maioria das mulheres do grupo é considerado o
primeiro em grau de importância, apenas uma delas optou pela maior importância do
casamento
34
. O trabalho ficou em segundo lugar, depois: casamento, estudo,
participação religiosa e a participação política.
As mulheres do grupo de estudo compõem a faixa etária de 35 a 50
anos e se reconhecem como uma geração em transição. A mudança que aparece é
que estas, diferentemente de suas mães, foram socializadas para além de exercer
as funções domésticas, ter uma profissão.
Sabe-se que no contexto atual, em especial na classe social
estudada, as mulheres o preparadas para estudar e pensar no futuro. Enquanto
que na época de suas mães as mulheres eram educadas para casar, ou seja, “as
espera marido” como eram chamadas, atualmente estas mulheres devem estar mais
realistas, mais comprometidas com o próprio futuro. Hoje, para a mulher, possuir
uma identidade social é antes de tudo exercer uma profissão. Dessa forma, quando
indagadas sobre se suas mães trabalhavam fora, três delas responderam
afirmativamente, enquanto que três afirmaram que suas mães eram do lar.
A vida inteira com sete filhos minha mãe trabalhou fora, chegou a
dar aulas em dois colégios. Minha mãe trabalhou a vida toda e não tem nenhum filho
bandido, ladrão, muito pelo contrário. (HELENA, entrevista concedida em 08/2006)
No relato de Helena é perceptível o tom de orgulho com que narra
os detalhes e as minúcias das dificuldades que sua mãe teve que vencer para
34
De acordo com Brioschi & Trigo (1989, p.52-53), o casamento funciona como o rito mágico que vai
permitir a passagem, dentro do campo das relações familiares, da posição de filhas que devem
obediência ao de dona-de-casa com poder instituído. Porém, se há uma representação do casamento
que é comum a todas as entrevistadas, uma retradução específica é feita dentro de cada segmento
social. uma atribuição de significados ao casamento, especificamente ligada à posição que ocupa
a entrevistada na hierarquia social. Mais distantes das urgências do cotidiano, “as mulheres de
classe média de Londrina” podem esperar do casamento vantagens de ordem mais simbólica. Para
elas casar é realizar o sonho que alimentam desde a infância.
88
cumprir a chamada “missão de criar os filhos, não deixando que se
desencaminhem.
Todas as entrevistadas aprenderam o trabalho doméstico com suas
mães. Embora não terem sido socializadas para exercer apenas a vida doméstica
acreditam que é preciso “saber fazer para saber mandar”, por isso acham que a
mulher deve aprender as funções domésticas antes de se casar.
“Eu acho que se ela não quiser sofrer como eu vi minha prima que
não sabia fritar um ovo, se for por este lado eu acho que deve. Agora se for por
outro lado da sociedade moderna onde tudo pode ser resolvido na questão da
praticidade Eu não sei fazer vou lá, busco no quilo e trago pra casa. Eu não sei
limpar pago para alguém que venha e faça para mim. Eu acho que saber fazer vai
ser menos doloroso se você não tiver condições financeiras de viabilizar as coisas.
Minha mãe e minha avó sempre fizeram questão que eu aprendesse desde quando
tinha sete anos deixar a louça do café lavada e fazer a lição de casa. Com onze
anos eu já fazia o almoço isso nunca foi problema, ‘eu brincava de casinha’’.
(REGINA, entrevista concedida em 07/2006).
“Eu acho que ela deve aprender sim. Eu tento passar isso para
minha filha para que ela não sofra depois. Porque a hora que ela tiver que assumir e
não souber vai ter que aprender tudo do nada. Eu aprendi porque minha mãe pedia
ajuda, ela não ensinava, eu que aprendi fazendo. Quando ela pedia participação
estava implícito o ensinar”. (CAROLINA, entrevista concedida em 08/2006).
“Eu não acho isso fundamental, porque se ela estiver trabalhando
pode colocar alguém para fazer. Mas fico indignada ver uma mulher não saber se
virar numa cozinha, que não sabe fritar um ovo, fazer um arroz, fritar um bife, eu
acho fundamental isso para uma mulher. Acho que é natural, minha mãe dizia para
eu arrumar a cama do quarto, eu perguntava para que arrumar? Ela dizia: - ‘Observa
quando você for dormir a cama arrumada... vai dar mais prazer’! Minha mãe
internalizou isso na minha vida, então eu fui incorporando”. (MARINA, Entrevista
concedida em 12/2006).
Os depoimentos fundamentam uma possível crise das
representações e assimilação de valores modernos, quando afirmam que, na
sociedade moderna, a mulher se não souber fazer pode comprar o alimento por quilo
ou pagar para que alguém faça o trabalho doméstico. No entanto, expressam idéias
de que é “indigno” para a mulher não saber mexer no fogão e/ou de “sofrimento” se
89
não aprender a fazer as tarefas domésticas. Revelam, assim, a ambigüidade entre
valores tradicionais e os signos da modernidade. Mesmo que estas mulheres sejam
apenas uma parcela das demais, fazem parte do todo social, prevalecendo a visão
de que a mulher deve, ainda que trabalhe fora, saber cuidar de sua casa e
principalmente do seu fogão.
A “permanência” de que as mulheres devem aprender o trabalho
doméstico é evidenciada nos depoimentos. No entanto, a “mudança” é que não
socializam suas filhas apenas calcadas pelo velho costume de aprendizagem das
tarefas domésticas e acham que suas filhas devem estudar e pensar no futuro.
Agora, as meninas devem se lançar aos estudos para trabalhar e assegurar sua
independência econômica. Ao contrário dos anos 1960, os pais de agora declaram
dar tanta importância aos estudos das meninas quanto dos meninos, e a maioria
deseja que as filhas ingressem em carreiras promissoras (médicas, advogadas,
entre outras).
“Ainda existe aqueles que falam: - Deixa a Ana (filha) fazer. Houve
uma tarde que eu fiquei louca, porque cheguei e encontrei a Ana lavando o banheiro
com a empregada e ela tinha prova no dia seguinte”. (MARIA, entrevista concedida
em 10/2006).
Este depoimento nos remete ao inegável aspecto sexista da
educação infantil, lembrando que vivemos em um sistema patriarcal que embora
arcaico ainda está em vigência. Dessa forma, desde muito pequenas, as meninas
são estimuladas a valorizar determinados brinquedos e brincadeiras – bonecas,
loucinhas, roupinhas que instrumentam o brincar de casinha, comidinha e costura
como um aprendizado informal de suas futuras funções de mãe, esposa e dona de
casa.
“Eu tento ensinar as meninas, mas olha... é difícil. Elas acostumam
ver a gente fazendo, empregada fazendo, mas eu procuro fazer com que elas
aprendam”. (SOFIA, entrevista concedida em 11/2006).
“Eu sinto porque tentei ensinar e minha filha não se interessou
muito. Agora a vida tá cobrando isso dela e ela tá tendo que aprender”. (CAROLINA,
entrevista concedida em 09/2006).
No relato de Carolina percebe-se que inserida uma vez em uma
conjuntura em que o exercício de autoridade ostensiva torna-se difícil, é através
de conversas e de uma postura de intimidade e igualdade que o digo de valores
90
pode ser transmitido. Isso uma dimensão das “mudanças” ocorridas no campo
das relações sociais. É a modificação do habitus’ que se transforma de uma
geração para outra, integrando outras dimensões e aspirações contraditórias de
“mudança” e “permanência” da ordem existente.
Contudo, é possível perceber que os valores constitutivos do
‘habitus’ do grupo de mulheres de classe média de Londrina em estudo, como a
noção de continuidade, de responsabilidade na reprodução social do grupo são
integralmente inculcados nas filhas, ainda que através de estratégias mais flexíveis.
Retoma-se aqui a noção de “campo
elaborado por Bourdieu (2003)
para utilizá-lo na compreensão do “campo doméstico”. O mesmo é marcado por
interesses específicos e regras de funcionamento próprias, ou seja, todos que
pertencem a um campo” ou grupo doméstico determinado agem de acordo com os
interesses internos do campo que pertencem. uma cumplicidade subjacente a
todos os antagonismos: “Todas as pessoas que estão engajadas em um campo tem
em comum um certo mero de interesses fundamentais, a saber, tudo aquilo que
está ligado à existência do campo” (BOURDIEU, 2003 apud BRIOSCHI & TRIGO,
1989, p.17).
Tendo em vista que a mulher é considerada a principal responsável
pela educação dos filhos, são elas que vão passar os valores sociais às crianças. Se
nesta pesquisa focalizam-se as representações de mulheres de um determinado
grupo sobre sua identidade social, as noções de “campo doméstico” e de habitus’
constituem-se de grande importância. Portanto, a criança nasce em um mundo que
está estruturado pelas representações sociais de seu campo, o que lhe garante a
tomada de um lugar em um conjunto sistemático de relações e práticas sociais.
Para a criança recém-nascida, identidades de gênero são, no início,
externas. Elas se apresentam à criança através de práticas dos outros. O que nós
vemos no desenvolvimento das representações sociais de gênero é um tomar de
consciência, em que a criança desenvolve uma consciência reflexiva dos
significados do ato social de assimilação a um grupo de gênero. (DUVEEN, 1999).
As mulheres do grupo pesquisado quando indagadas sobre se
ensinam seus filhos os afazeres domésticos, as respostas se dividem como veremos
adiante.
“Ensino. Apesar de ele ter só nove anos, mas sempre que é possível
eu ensino. O lixo é ele que tem responsabilidade de tirar e levar até embaixo.
91
Quando vamos fazer compras ele ajuda a carregar as sacolas. Às vezes uma
louça... mas como um “bom homem” ele ainda esta na cozinha”. (REGINA,
entrevista concedida em 07/2006).
De acordo com Oliveira (1993), desde o nascimento, o sexo
determina o lugar do indivíduo de um lado e de outro da fronteira, primeira seleção
que será reafirmada pela prática social. O objetivo dos inúmeros ritos de passagem
35
que perpassam as sociedades humanas é justamente o de afastar o menino da
mãe, substituindo-a pela comunidade dos homens. Iniciar uma criança quer dizer
definir-lhe o sexo. Neste sentido,
O tema básico do rito iniciático é a posse, pelas mulheres, em virtude
de seu poder de gestação, dos segredos da vida. O papel do homem
é incerto, indefinido e talvez desnecessário. A compreensão dessa
inferioridade básica exige deles um grande esforço, exige a
descoberta de uma maneira de superá-la. ... A retirada dos meninos
do mundo das mulheres, marcados como seres incompletos a serem
transformados em homens pelos homens, atualiza esse poder
compensatório. Assim, as mulheres engendram os seres humanos
mas os homens podem produzir outros homens. (OLIVEIRA,
1993, p.35).
“Ensino. A menina e o menino”. (MARIA, entrevista concedida em
10/2006).
“Pois bem, pelo fato de ter um marido machista me levou a ser
também. Eu até tento. Mas eu acabo aceitando a visão do meu marido que serviço
doméstico é coisa de mulher, eu acabo encarnando o papel e ensinando menos
para ele. As vezes quando meu filho era pequenininho eu pedia: - Filho passa este
pano aqui para a mamãe, mas meu marido vinha e dizia: - Não faz não filho isso é
coisa de mulher. Isso me desestimulou e eu fui aceitando passivamente, eu acho
que estou errada, mas ele tem o apoio irrestrito do pai”. (CAROLINA, entrevista
concedida em 09/2006).
Ainda de acordo com Oliveira (1993) a tarefa dos homens é retirar o
menino do mundo das mulheres, ou seja, iniciá-lo ao mundo dos homens. Este rito
de passagem reveste-se de contornos de uma morte simbólica, a morte do menino
35
MONTEIRO, Tânia (1991), afirma que os rituais de passagem se efetivam nas esferas
educacionais, como a família e a escola, e são marcados como momentos cruciais de “aprendizagem
de vida”. O que marca a passagem de uma fase para outra não é a celebração como rito, mas sim as
experiências vividas no cotidiano, as exigências, os compromissos, as responsabilidades.
92
que pertencia ao mundo das mulheres e que pela experiência social obtida pelo seu
iniciador – o homem – renascerá homem e adulto.
Essa passagem é inseparável de uma certa violência, em atos e
palavras. Gestos e ritos, cantos e mímica, representam a luta dos
homens contra as mulheres; os homens ganham essa luta e afirmam
sua primazia, o que indica bem o caráter doutrinário da iniciação.
(OLIVEIRA, 1993, p.34).
Mais ainda,
O medo do outro, duplicado pelo medo do Mesmo, exprime
psicologicamente o dualismo conflitual dos sexos. Esse dualismo
reforça o sentimento de identidade de gênero e explica a repressão
do outro, objetivamente nas relações sociais e subjetivamente dentro
de si mesmo. (OLIVEIRA, 1993, p.35).
As leituras sobre a iniciação dos meninos são múltiplas, porém a
significação gira em torno de um eixo comum, ou seja, quer sancione a passagem
da natureza para a cultura, do espaço privado para o público, quer ela privilegie em
cada sociedade um ou alguns desses sentidos, ela reafirma sempre uma polaridade
fundamental: o feminino é o infantil e o natural, o masculino é o adulto e o social.
(OLIVEIRA, 1993).
Como apontado, a identidade social da mulher não se configura
mais somente relacionada ao universo da casa, mas também à esfera pública. Como
as entrevistadas possuíam profissão no momento que se tornaram es, o
pensaram em abandonar o trabalho para cuidar da prole.
“Como eu tinha um trabalho garantido não podia perder a
estabilidade”. (CAROLINA, entrevista concedida em 08/2006).
“Eu tenho essa opção, mas não deixaria de exercer minha profissão
jamais. para conciliar, pois eu trabalho nove horas por semana”. (MARIA,
entrevista concedida em 09/2006).
Os depoimentos apontam que a família patriarcal, base fundamental
do patriarcalismo têm sido contestada na sociedade contemporânea com a prática
social de mudança do trabalho da mulher, que até bem pouco tempo tinha seu lócus
de atuação no universo privado da casa. As forças propulsoras do processo de
mudança são as conquistas tecnológicas, globalização da economia mundial e o
93
movimento feminista, as três tendências que ocorreram a partir 1960. (CASTELLS,
2003).
Como explicitado por elas, uma mudança de comportamento pode
ser assinalada aqui. É cada vez maior o número de mulheres que não param de
trabalhar depois do casamento e do nascimento do primeiro filho ou do segundo. Ao
contrário do que ocorreria no passado, a continuidade do emprego se impõe como
norma dominante e os casais em que os dois cônjuges trabalham ultrapassaram
muito, em número, as famílias em que apenas os homens trabalham. Portanto, um
novo ciclo se estabelece nas sociedades ocidentais: o da mulher no trabalho.
O trabalho remunerado da mulher aumentou seu poder e abalou a
legitimidade do poder de dominação do homem baseado na qualidade de provedor
da família. Todavia, colocou um peso insustentável nos ombros das mulheres com
suas multitarefas (trabalho remunerado, criação dos filhos, organização do lar e
jornada noturna em benefício do marido). As invenções científicas de
anticonceptivos, a fertilização in vitro permitiu às mulheres o controle de suas
gestações. Além do mais, muitas lutas urbanas, antigas e contemporâneas, foram
conquistadas por movimentos feministas que envolviam necessidades dessa vida
diária feminina. (CASTELLS, 2003). A entrevistada Marina é exemplo desta
autonomia anticonceptiva conquistada pelas mulheres. A mesma optou por viver a
instituição do casamento sem filhos.
“Não ter filhos foi uma opção de vida, por que na minha vida não
cabe... tenho planos de morar fora do país, tenho amigos que vem em casa para a
gente cantar, faço inglês, ginástica, passeio com meu cachorro, por isso não ter
filhos facilita uma série de coisas. Quem tem filho tem que abrir mão de uma série de
coisas e sempre foi muito claro na minha vida que eu não queria abrir mão de
estudo, trabalho e de sair de Londrina. Quero morar eu outro país ou em uma cidade
que tenha mar. Meu marido compartilha comigo, ele concorda que a pessoa mais
requisitada quando opta por ter filhos é a mãe”. (MARINA, entrevista concedida em
12/2006).
O depoimento nos remete a uma possível mudança do foco das
mulheres de hoje, isto é, não é o casamento e a reprodução, tampouco o trabalho
como uma atividade de complementação imposta por condições materiais de vida.
Esta relação com o trabalho findou, não interrompem a atividade profissional pelo
casamento ou nascimento do filho. Esta continuidade da atividade feminina traduz
94
um envolvimento mais profundo, mais identitário na vida profissional. Muitos estudos
mostram que o compromisso feminino com o trabalho responde, agora, ao desejo de
escapar ao encerramento da vida doméstica e, correlativamente, a uma vontade de
abertura para a vida social. (LIPOVETSKY, 2000).
Pode-se dizer que a crise da família patriarcal se fundamenta no
enfraquecimento do modelo familiar baseado na dominação e autoridade do homem
sobre a mulher e seus filhos. A dissolução dos lares através do divórcio foi um dos
indicadores dessa crise. Pode até haver um patriarcalismo sucessivo, ou seja, a
reprodução do modelo com parceiros diferentes, mas a estrutura de dominação se
enfraquece com essa experiência. Principalmente no que diz respeito às mulheres e
filhos. (CASTELLS, 2003). O depoimento de Regina confirma o que foi dito:
“Desde a separação o pai esteve com o filho uma vez em 7 anos.
Então todas as decisões: se vai viajar, o que vai fazer, o que vai comer, como vai se
vestir, que escola vai freqüentar... Então ficou tudo pra mim, inclusive a orientação
sexual, a orientação religiosa, orientação em todos os sentidos...!” (REGINA,
entrevista concedida em 07/2006).
No relato de Regina pode-se perceber o tom de decepção pelo fato
de o casamento não ter ocorrido como esperava. Além do mais, na idealização do
casamento está implícita a divisão sexual do trabalho: casada, teria um marido que
cuidaria do sustento familiar e ela da reprodução e dos filhos. Com o divórcio, o
contrário aconteceu, teve que arcar além da sua com a parte do que era destinada
ao marido, acumulando tarefas.
A “mudança” do costume “felizes para sempre” convertido em
divórcio trouxe a “liberdade” para as mulheres de classe média que exercem uma
profissão, exprimindo, assim, uma ascensão ao individualismo feminino,
paralelamente às atitudes relativas ao abordo, contracepção, à liberdade sexual e o
recuo do casamento e das famílias numerosas. A partir do direito ao divórcio
manifesta-se a vontade feminina de ser protagonista de sua própria vida. Por outro
lado, certamente esta não é regra geral, mas constitui um número crescente de
casos. Na maioria das vezes, as mulheres de classe média ficam com a casa e as
crianças, uma pensão com a qual apenas educam os filhos.
Como os homens têm a tendência a constituírem quase que
imediatamente após (período de seis meses a um ano geralmente) nova família, nos
mesmos moldes da anterior, acabam, por sua vez, por ficarem onerados. À luz de
95
tendências atuais, as teses da “derrota dos homens” não podem inspirar mais que
ceticismo. Apenas os valores machistas, os sinais mais enfáticos da virilidade estão
desvalorizados. Não uma crise de masculinidade, mas sim a permanência
identitária de dominação herança do patriarcalismo que rege ainda nossas relações
de modo geral. Ainda, sob nova roupagem, podemos observar a necessidade dos
homens de medir-se com os outros, o gosto de ganhar por ganhar continuam a ser
princípios mais interiorizados no masculino do que no feminino. (LIPOVETSKY,
2000). A opinião de Giddens sobre a nova posição do homem nos interessa aqui:
Comparados com as mulheres, eles podem largar o papel de
provedor sem renunciar às suas vantagens econômicas superiores.
A ‘máscara da masculinidade’ pode ser removida e ao mesmo tempo
o homem pode evitar qualquer envolvimento doméstico prolongado,
concentrando-se, assim, em seus próprios prazeres. Foi criado um
clima social que endossa a ‘irresponsabilidade, a auto-indulgência e
um desligamento isolacionista das reivindicações dos outros’. Os
homens ganharam sua liberdade enquanto as mulheres esperam a
delas. A liberdade econômica obtida pelos homens não se tornou
disponível às mulheres, que tiveram de assumir as responsabilidades
que os homens abandonaram. ‘As mulheres, particularmente aquelas
que sustentam famílias sem pai’. (GIDDENS, 1993, p.168).
A partir dos depoimentos das mulheres em estudo, pode-se assumir
aqui que houve alterações no modo de conceber a família no decorrer do século XX,
fazendo com que certos valores chegassem a serem negados enquanto outros
adquirissem maior relevância, levando a mulher a se distanciar do ideal
anteriormente pregado. (BIASOLI-ALVES, 2000). No entanto, analisar, levantar
crises e buscar compreender construindo uma visão do que se passa hoje, quer se
esteja olhando a educação dada à menina e ao menino no ambiente familiar, quer
se discuta o papel atribuído a cada um dos membros do casal, não é tarefa que se
esgote em um único estudo.
Não se trata do fim da família patriarcal, mas o fim da família que
conhecemos até agora. Tendo em vista que outras estruturas familiares estão sendo
testadas, poderemos, no fim, reconstruir a maneira que vivemos uns com os outros,
como procriamos e como educamos de formas diferentes.
96
4.2 Conjugalidades e Arranjos
Não está muito distante o tempo em que os papéis atribuídos a cada
um dos sexos no seio do casal quase não constituíam problema. Até os anos de
1950, o marido encarregava-se de fornecer os rendimentos do lar e a esposa era
responsável pela coesão afetiva do grupo doméstico e cuidar da casa e dos filhos.
Um é encarregado das tarefas externas, outro é encarregado das tarefas do interior.
Essa ordem das coisas é bom deixar claro, que se trata das camadas mais
privilegiadas da sociedade, pois as mulheres das camadas populares sempre
trabalharam. Até este período os papéis eram nítidos; apenas a mulher se dedicava
às tarefas do lar, a tal ponto ser desonroso para o marido cuidar de bebê ou ocupar-
se da casa.
Reconhecido pela lei, “chefe da família”, o homem, dotado de
prerrogativas e de responsabilidades externas, exerce autoridade tanto sobre os
filhos quanto sobre a mulher. No entanto, a mudança de papéis é testemunha de
um processo inédito de rediscussão dos papéis familiares que começou à uns 30
anos. Agora é outro modelo de casal que se impõe. Na medida em que o homem
não é mais o “chefe da casa” e a mulher dispõe dos rendimentos de seu trabalho, vê
aumentar seu poder de decisão no casal. “O ideal igualitário, o descrédito dos
comportamentos machistas e a emancipação econômica da mulher tendem a
construir um novo modelo marcado pela autonomia feminina e pela participação dos
cônjuges nas decisões importantes”. (LIPOVETSKY, 2000, p.247).
A “mudança” que podemos vislumbrar, hoje, principalmente entre os
jovens casais é que o principio que conferia à mulher a quase totalidade do trabalho
doméstico perdeu sua antiga evidência. Reforça-se a idéia que cada um deve
contribuir nas tarefas domésticas, ainda que seja segundo algumas inclinações e
disponibilidades. Em épocas anteriores, as normas de distribuição das tarefas do
casal eram transmitidas pela tradição, no presente são objetos de debates e
negociações entre homem e mulher. Através dos depoimentos que seguem podem-
se confirmar tais argumentações. O processo de integração total das mulheres no
mercado de trabalho gera conseqüências muito importantes na família.
“Em casa é meio a meio porque meu marido tem a maior parte da
renda. Mas na minha casa a gente vai ganhando e colocando tudo ali no bolo e vai
97
pagando e fazendo o que tem que fazer”. (SOFIA, entrevista concedida em
11/2006).
“Em casa é bem dividido a história. Mas quem cuida da conta
bancária sou eu, porque sou mais racional, então eu cuido de tudo, o “Lu” (marido)
ganha e deposita no banco e eu administro tudo, eu meio que mando no “Lu”, mas
ele gosta”. (MARINA, entrevista concedida em 12/2006).
“O meu salário não sustenta a casa. A renda do meu marido está em
torno de 20.000,00”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
Uma das entrevistadas “Maria”, ganha R$800,00 e têm renda
familiar de R$20.000,00. No ponto de vista da subsistência não precisa trabalhar,
mas quer realizar-se profissionalmente, que a condição de dona-de-casa não tem
reconhecimento no mundo de hoje.
No que diz respeito a conjugalidades vivenciadas na família de
origem, uma delas revela com orgulho a compatibilidade mútua de seus pais na
esfera doméstica.
“Meu pai era um homem que lavava louça e trocava criança. Até
meu pai falecer, minha mãe fazia almoço e meu pai lavava a louça, meu pai fazia
supermercado, pagava todas as contas bancárias”. (HELENA, entrevista concedida
em 08/2006).
No depoimento de Helena a presença do valor de pertencer a
determinada família e ser filha de determinados pais é garantia da herança de certos
predicados. A idéia básica é que a mesma seria uma atualização de potencialidades
familiares. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989).
Em outros dois depoimentos foram encontradas algumas frustrações
em relação a conjugalidade dos pais.
“Meu pai era machista não deixava minha mãe trabalhar fora”.
(MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
“Eu nunca vi o meu pai limpar uma casa, não ajudava no serviço da
casa, também não existia essa divisão ainda”. (REGINA, entrevista concedida em
07/2006).
As entrevistadas reclamam de um tempo em que o cotidiano das
mulheres era marcado por tarefas gratuitas que interessavam a família e o cotidiano
dos homens por um trabalho remunerado que interessava a sociedade. Essa
98
fronteira demarcava claramente um universo privado, onde se movimentavam as
mulheres e um universo público, onde se movimentavam os homens.
A irrupção das mulheres no espaço público está na raiz de uma
problematização da vida privada. Num primeiro momento, as mulheres tentaram
pura e simplesmente fazer de conta que o problema não existia. Procuraram
compatibilizar, no espaço de um dia, o que antes eram duas vidas. Realizavam
em casa as ocupações essenciais à preservação da família e na rua os trabalhos de
interesse da sociedade. Cansadas, divididas, insatisfeitas, acabaram se revoltando
com a dupla jornada de trabalho e passaram a denunciar a invisibilidade que pesava
sobre o trabalho doméstico no espaço privado. (OLIVEIRA, 1993).
Porém, o poder de negociação da mulher tem crescido
significativamente. Num regime estritamente patriarcal isso era impensável. No
entanto, com o fato das mulheres trazerem o dinheiro para a casa e os homens
terem seus salários diminuídos, as divergências passaram a ser discutidas de forma
mais democrática, portanto a idéia patriarcal de quem sustenta a família deveria
gozar de privilégios caiu por terra. Por que os homens não devem ajudar nas tarefas
da casa se os dois trabalham fora? Sabe-se que aumentam as dificuldades para as
mulheres exercerem o trabalho remunerado e assumirem sozinhas as tarefas
domésticas e o cuidado com os filhos. A realidade hoje não é mais daquela mulher
que se dedicava em tempo integral aos trabalhos domésticos. Dessa forma, na
sociedade atual arranjos são feitos na família para viabilizar o trabalho do homem e
da mulher.
“De manhã ele leva as crianças para a escola e eles voltam com
outra mãe. Eu à tarde levo às atividades... a gente divide bem... mas algumas coisas
em casa acabam sobrando para mim. Mas em relação aos homens por ai ele ajuda
bem”. (HELENA, entrevista concedida em 08/2006).
“Eu gostaria de dividir um pouco mais com o meu marido a
responsabilidade de levar e trazer as minhas filhas das atividades. Porque ir ao
sacolão e ao supermercado eu sei que é mais difícil para os homens mesmo”.
(SOFIA, entrevista concedida em 11/2006).
“Meu marido quando as crianças eram pequenas nunca dividiu nada
comigo. Eu ficava bem cansada e estressada, mas ele é machista. E eu acho que
absorvo muito sou centralizadora”. (CAROLINA, entrevista concedida em 09/2006).
99
“Tem mulheres que reclamam que os seus maridos o ajudam em
casa. Se eu disser que meu marido ajuda, elas exclamam: - Nossa como seu marido
é “bom”! Mas o que elas fazem se o marido ou o filho deixa a toalha no chão? Elas
vão e pegam. em casa participar é regra para marido e filhos, todos
participam”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
Nos depoimentos as opiniões se dividem. Enquanto Carolina nunca
dividiu as tarefas com seu marido, Sofia gostaria que seu marido partilhasse mais
nas atividades das filhas, no entanto, Maria e Helena estão satisfeitas com a ajuda
que recebem dos seus maridos. Porém, no depoimento de Maria fica evidente que o
projeto alimentado para o casamento tem seus alicerces nas idéias de reprodução
social
36
. O importante para as mulheres do grupo em estudo é a transmissão de
valores simbólicos e das práticas sociais para as gerações seguintes.
O melhor lócus de observação dessas mudanças é a família e a
casa. Pois, são através dessas dimensões que se podem analisar as relações entre
os sexos e entre as gerações. Na maioria das sociedades essas relações resistiram
de maneira impressionante às mudanças. Neste sentido, resistências e mudanças
dependem das relações que estão envolvidas familiares, geográficas, econômicas,
das relações familiares que eles vivenciaram e que estão vivenciando.
Hoje, vêem-se atividades outrora exclusivamente femininas
(cozinhar e lavar a louça, limpar os vidros, varrer, fazer compras) serem realizadas
por homens, isso ocorre mais em famílias onde o homem é diplomado e a esposa
exerce atividade profissional. Manifestam-se nessas famílias igualmente um maior
interesse e uma maior participação dos pais nas atividades escolares e nos cuidados
com os filhos, os “novos pais” já não acham indigno trocar, acalentar, dar mamadeira
a seu bebê. (LIPOVETSKY, 2000).
Por mais significativas que sejam essas mudanças” continuam,
apesar de tudo, lentas, limitadas e incapazes de aproximar os homens e as
mulheres de uma democracia doméstica. As mulheres continuam maciçamente a
assumir a maior parte da responsabilidade pela educação dos filhos e pelas tarefas
da casa. A “permanência” que aparece é que o trabalho de casa continua em geral
fortemente estruturado pela diferença entre os sexos, valor esse herdado do sistema
36
No grupo em estudo pode-se afirmar que a representação é de que casando o início à tarefa de
contribuição à continuidade que, no caso das camadas médias, assume uma conotação quase
histórica.
100
patriarcal. Portanto, praticamente não tarefas domésticas efetuadas com
igualdade pelos dois sexos.
Prevalece a representação de que lavar e passar roupa, limpar
banheiros continuam sendo atividades de responsabilidade das mulheres. Mesmo
que os homens intervenham mais do que antigamente nas atividades domésticas, a
gestão da vida cotidiana cabe, prioritariamente, às mulheres. Se os homens ajudam
mais as mulheres, ainda não assumiram de modo algum a responsabilidade principal
dos filhos nem a de organizar e executar tarefas. Sua participação é pontual, muito
raramente estrutural, é mais a título de auxiliar ou de ajudante que eles contribuem
para o trabalho doméstico do que responsável primeiro ou permanente.
(LIPOVETSKY, 2000).
4.3 A Importância do “Estudo”
As mulheres ao sentirem vontade de trabalhar, estimuladas pela
nova ordem proposta pelo processo de industrialização, perceberam que precisavam
se preparar melhor, estudar, entrar para a universidade e ingressar em cursos antes
direcionados ao universo masculino.
Para as mulheres do grupo pesquisado, estudar está ligado à
possibilidade de mudança na vida pessoal e melhoria profissional.
“Eu até gostaria de estudar mais, mas s-graduação e mestrado
ficam mais difíceis. Porque qualquer curso envolve mais de 1.000,00 reais e a gente
tem encargo com os filhos. Para mim não me interessa mestrado nem doutorado,
eu quero fazer cursos que tragam benefícios para meu consultório, então eu faço
congresso”. (HELENA, entrevista concedida em 08/2006).
“Eu acho que se tivesse oportunidade faria mestrado, tentei mas,
não consegui terminar”. (SOFIA, entrevista concedida em 11/2006).
“Eu estou satisfeita, mas tenho o sonho de fazer mestrado”.
(CAROLINA, entrevista concedida em 09/2006).
“Eu gostaria de estudar mais, mas Londrina não oferece mestrado
dentro da língua inglesa especifica então eu optei por estudar em casa, eu faço
cursos em São Paulo, mas ainda penso em fazer mestrado”. (MARIA, entrevista
concedida em 10/2006).
101
Os depoimentos nos sugerem a uma interpretação de que estas
mulheres foram socializadas para exercer uma profissão. O projeto de vida das
mulheres do grupo estudado não está ligado às necessidades de sobrevivência, mas
tem um significado mais simbólico: desejo de identidade social, de uma vida mais
autônoma não vinculada ao funcionamento da casa e dos seus habitantes. A grande
aspiração das mulheres desse grupo é poder se definir por uma identidade pessoal
e não mais como parte de um todo formado pela família e pela casa. (SAFFIOTI,
1976).
Porém, carregam consigo marcas de um código identitário de mulher
esposa, mãe e dona de casa. Divididas ainda entre o profundamente incorporado
com a identidade social de ser uma profissional introduz a necessidade de negociar
o sucesso profissional com o equilíbrio familiar e afetivo. Para elas, esta
possibilidade pode configurar uma ameaça de desencontro que elas preferem evitar.
em 1949 Margaret Mead afirmava: “quanto mais bem-sucedido é
um homem em seu trabalho, mais certeza todos tem de que ele será um bom
marido; quanto mais bem sucedida for uma mulher, mais receia-se que ela talvez
não seja uma esposa bem-sucedida”. (apud OLIVEIRA, 1993, p.84). Vinte anos mais
tarde, Martina Horner baseada em estudos referentes às representações e
expectativas de cada sexo em relação aos papéis masculino e feminino, constata
que uma das causas determinantes da falta de sucesso profissional das mulheres
decorre do receio de que o seu êxito comprometa sua feminilidade e as ponha em
perigo. (apud OLIVEIRA, 1993).
No entanto, embora ainda divididas entre seus papéis da vida
privada e sua atividade profissional, a “mudança” que deve ser destacada aqui é que
o século XX se caracteriza por uma forte progressão das matrículas e dos diplomas
femininos e quando mais diplomadas, mais são favoráveis à atividade feminina e
mais trabalham. Posto isso, não se pode interpretar o novo olhar dirigido ao trabalho
feminino como efeito mecânico do desenvolvimento da formação feminina. Deve-se
lembrar que, por muito tempo a escolarização secundária e superior das jovens
coabitou com o ideal da esposa no lar. Mesmo quando prosseguiam os estudos, as
jovens tinham como objetivo casar-se e dedicar-se aos filhos.
Talvez esta observação explique a não inclinação destas mulheres
de uma geração ainda em transição não ambicionarem uma maior qualificação que
102
aquela obtida na graduação, tendo em vista que ainda possuem traços patriarcais
atravessados pelos traços modernos em sua identidade feminina
37
.
4.4 Participação Comunitária, Religiosa e Lazer
Ao sair de casa para trabalhar a mulher percebeu que a realidade
vai além dos muros de seu jardim. Compreenderam que problemas que afetam
ruas e bairros e que é pouco importante reclamar deles só com a vizinha do lado.
No entanto, no grupo de mulheres de classe média de Londrina foi
quase que unânime nos depoimentos a não participação na associação do bairro e
participação política. Quanto às reuniões da comunidade acreditam ser importante
mais não encontram tempo para participar, pois geralmente estas reuniões são à
noite e alegam estar muito cansadas tendo em vista a jornada dupla.
“Não participo, acho importante, mas eu não tenho horário. Minha
filha reclamou que eu estava trabalhando muito. Ela chegou e falou: - e eu não
quero ser dentista. Eu disse: - Por que? Ela respondeu: - Ah, porque dentista
trabalha muito. eu fui diminuindo. Diminui por que? Para outra atividades. O
pessoal me chama...mas nunca certo”. (HELENA, entrevista concedida em
08/2006).
Interpretando o relato, a hipótese é de que a culpa sentida pelas
mães por não se dedicar de forma integral aos cuidados com a casa e os filhos seja,
de forma subliminar, percebida pelas filhas que, ao cobrarem a presença materna,
reforçam os sentimentos das mães. Cria-se um círculo vicioso que termina por
ajudar a incorporação por parte das jovens de que a tarefa primordial da mulher é
cuidar dos filhos.
“Não. Mas eu procuro estar sempre informada do que esta
acontecendo”. (CAROLINA, entrevista concedida em 09/2006).
“Não. Eu acho importante participar desde que não seja para criar
confusão. Porque existe associações que existe para reclamar. Eu gosto de
solução”
38
. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
37
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda, (1995) afirma que no Brasil a origem da
sedução exercida pelas carreiras liberais vincula-se estreitamente ao nosso apego quase exclusivo
aos valores da personalidade. E complementa que no trabalho não buscamos senão a própria
satisfação, ele tem o seu fim em nós mesmos e não na obra: um finis operantis, não um finis operis.
103
Apenas uma delas disse participar da associação do bairro. A seguir
o seu depoimento:
“Participo sim. Na verdade eu não faço parte da diretoria nem nada,
mas em algumas situações, principalmente com o meu trabalho como jornalista
posso estar ajudando. Nós tivemos recentemente um problema com a empresa que
queria se instalar no bairro que é estritamente residencial, de acordo com a lei de
saneamento era uma universidade que ia gerar uma série de problemas para os
moradores daqui. O bairro se mobilizou e eu participei oferecendo meu trabalho,
colocando o pessoal da diretoria em contato com os jornalistas, fomos para a
imprensa, isso teve uma projeção e a gente conseguiu”. (MARINA, entrevista
concedida em 12/2006).
Esta apatia
39
, refletida nos depoimentos nos remete à herança da
sociedade patriarcal salientada neste estudo, na qual a mulher era totalmente
desinteressada da vida política, pois isso cabia a seu marido. Pode-se, assim,
caracterizar o comportamento das mulheres do grupo em estudo fortemente
influenciado por essa herança em atribuir o mundo público aos homens e o mundo
privado às mulheres. Analisa-se como apático e alienado o comportamento do grupo
de mulheres de classe média de Londrina em estudo, em relação à realidade política
e social externa ao seu lar.
No que tange a participação religiosa, é quase unânime entre as
entrevistadas a participação mais efetiva, apenas uma afirma não ter religião. Talvez
a explicação desta prática religiosa seja pelo fato de se encontrar nas escrituras
bíblicas a confirmação da missão da mulher, além do mais a hierarquia no grupo
familiar sob os moldes patriarcais se faz segundo o preceito bíblico de que o homem
é a cabeça e a mulher o coração. A religião, como se sabe, reafirma os papéis
38
(HOLANDA, 1995, p.177), afirma que “[...] não ambicionamos o prestígio de país conquistador e
detestamos notoriamente as soluções violentas. Desejamos ser o povo mais brando e mais
comportado do mundo. Pugnamos constantemente pelos princípios tidos universalmente como os
mais moderados e os mais racionais. Fomos das primeiras nações que aboliram a pena de morte em
sua legislação, depois de a termos abolido muito antes na prática. Modelamos a norma de nossa
conduta entre os povos pela que seguem ou parecem seguir os países mais cultos, e então nos
envaidecemos da ótima companhia. Tudo isso são feições bem características do nosso
aparelhamento político, que se empenha em desarmar todas as expressões menos harmônicas de
nossa sociedade, em negar toda espontaneidade nacional”.
39
(HOLANDA, 1995, p.177-8) salienta que “[...] ‘a separação da política e da vida social’, atingiu, em
nossa pátria, o máximo de distância, ou seja, formou-se aqui uma classe política artificial e estranha a
todos os interesses nacionais. Dessa forma, há um costume tradicional do brasileiro de manter
distância da política, a qual por aqui desde sempre apresentam programas e fórmulas que o
passam de pretextos para a conservação das posições”.
104
femininos e o modelo de mulher submissa ao homem, dedicada à família e aos
trabalhos domésticos. de se acrescentar que a religião católica e seus preceitos
bíblicos não fornecem nenhuma saída para mulher, a não ser exercer os papéis
domésticos.
É da natureza humana encontrar o consolo e refúgio na religião. “O
medo da morte, a dor da vida, precisam de Deus e da em Deus, sejam quais
forem suas manifestações para que as pessoas continuem a viver”. (CASTELLS,
2003, p.10). As mulheres do grupo vêem na religião uma forma de se acalmarem e
um auxílio na educação dos filhos. Religião para as mulheres do grupo é sinônimo
de conforto e apoio, nos dois sentidos, ou seja, dar e receber. As mesmas têm uma
preocupação acentuada em relação à questão religiosa, no sentido de qualificar as
atitudes de compreensão e solidariedade que vão se desenvolvendo com freqüência
na idade mais madura.
foi salientado no interior deste estudo que na era patriarcal, o tipo
comum de mulher que prevalecia era a boa, generosa, devota. O mito da criação
traz a maldição da mulher em gênesis:
Depois de comer do fruto proibido, Eva foi amaldiçoada: ‘Multiplicarei
os trabalhos de tuas gerações. Parirás com dor e buscarás com
ardor o teu marido, que te dominará’. E a maldição também recai
sobre Adão: ‘Por haver ouvido a tua mulher, comendo da árvore que
te proibi comer, com trabalho comerás da terra por toda a vida. Com
o suor de teu rosto comerás o pão até que voltes à terra, pois dela
viestes, já que pó eras e pó serás. (BÍBLIA... Gênesis, 1994, cap.3).
A mulher uma vez amaldiçoada no texto bíblico por sua curiosidade
e desobediência e o trabalho imposto como uma maldição ao homem poderia ser
uma das vias da compreensão do que caracteriza “ser homem” e “ser mulher” nos
preceitos bíblicos. A mulher foi marcada como a que será dominada pelo marido e
inaugura-se a partir daí a demarcação da diferença sexual e suas contradições.
Assim, abrangendo mitos, teorias sociais e sexuais, postulados dogmáticos e
científicos, o mundo caminha com progresso e contradições. As mulheres do grupo
em estudo são católicas, a visão das mesmas é de que a mulher é elemento que
acolhe e a imagem da “Virgem Maria” é o exemplo de mulher a ser seguido.
“Como mulher eu tinha o sonho de casar virgem, de ter ‘um amor’ na
minha vida, por isso até o casamento eu me mantive casta, conforme manda a santa
105
madre igreja. Mas este amor que eu escolhi não deu certo e as circunstâncias
levaram ao fim do casamento. Então dali para frente eu me permiti a buscar o amor
de uma forma mais livre sem me ater àquilo que a igreja pede”. (REGINA, entrevista
concedida em 07/2006).
Neste depoimento aparece também, implícita, a idéia de que a
partir do casamento (religioso) as moças teriam direito à prática da sexualidade. A
idade em que a grande maioria das entrevistadas desse grupo se casou parece
confirmar a hipótese. Educadas como foram entre 1960 e 1980, tinham como quase
única a opção legítima para a vida sexual a procriação e o casamento. No relato de
Regina, mesmo ela sendo a mais “jovem” das entrevistadas não faz parte das
gerações atuais que desfrutam de maior “liberdade sexual”. As relações pré-
conjugais de hoje possibilitam a postergação do casamento, que não aparece para
as novas gerações como a única forma de poderem viver suas sexualidades.
“Na minha religião católica tem presença muito forte de Maria, como
mãe e como auxiliadora”. (HELENA, entrevista concedida em 08/2006).
“Eu colocaria a religião antes de tudo para a união da família. Depois
que eu comecei a participar mais, minha família mudou, eu estou mais paciente e
dando mais importância a afetividade”. (SOFIA, entrevista concedida em 11/2006).
“Eu acho que ela acalma, porque se você considerar que as
mulheres têm os mesmos direitos que os homens isso vai gerar uma guerra. Eu
acho que a religião me acalma, me mostra um lado da mulher mais doce, que você
pode ser competente, mas pode continuar com sua doçura, com o seu papel de
mãe, isso faz a diferença da mulher para o homem”. (CAROLINA, entrevista
concedida em 09/2006).
“A minha religião influencia bastante. Eu acho que eu aprendi muito
na minha concepção de mulher através da religião. Eu acho que a mulher é o fio
central, onde a mulher coloca a mão as coisas acontecem, a mulher tem o poder de
transformar em melhor, mas também em pior. Eu vejo que seu eu ficar uma semana
fora de casa todo mundo fica perdido. Eu penso que a mulher é um relógio que
ajuda a casa funcionar”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
No relato de Maria a mulher aparece como “célula mater”, ou seja, a
mulher nestes termos seria considerada como esteio da família, a posição de “mãe
de família” é envolvida por um poder que extravasa o campo das relações familiares.
As mulheres do grupo estudado julgam-se as grandes responsáveis pela reprodução
106
social, obviamente dentro das especificidades de sua classe social. O trabalho da
mulher na esfera privada nos tempos modernos seria, portanto, definido como “boa
gerente do lar”, de fazer reinar a ordem e a limpeza, de ser a guardiã da saúde da
família, de fazer tudo para que os filhos ascendam na pirâmide social. Longe de
exibir ociosidade, ela nunca deve permanecer inativa, pois lhe são confiadas
responsabilidades reconhecidamente primordiais em relação ao futuro dos filhos, da
família e da nação.
Todavia, a ideologia dominante toma as mulheres como alvo
principal nos discursos de exaltação da família, onde são celebradas como “rainha
do lar”, com significação quase sagrada. “São discursos que reforçam a manutenção
do “status quo”, procurando alimentar essa identificação da mulher com sua posição
dentro do campo, isto é, a posição de dominada que se como dominadora”.
(BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.89).
“Eu sou batizada e crismada pela igreja católica por vontade de
minha mãe. Mas eu não rezo pra ninguém, pra nenhum santo, eu o acendo vela,
eu não vou visitar ninguém em cemitério, eu até agora não sei de onde a gente veio
e para onde a gente vai sabe?”. (MARINA, entrevista concedida em 12/2006).
É na religião que as mulheres encontram a confirmação da
representação de predestinação de mãe, esposa e dona de casa. Como
explicitado desde a Grécia Antiga até as sociedades ocidentais, a igreja e o
patriarcado foram desenhando e redesenhando o ideal de mulher que mais se
encaixava a cada época. Dessa forma, os mesmos reforçam as representações das
mulheres como devoção, docilidade, afetividade, vocação de mãe/esposa e dona de
casa, não existindo por si própria não é considerada um indivíduo autônomo. “Uma
mulher pode sempre ser feliz com a condição que não seja um ‘indivíduo’, mas o ser
adorável que vive fora dela e para os outros”. (LIPOVETSKY, 2000, p.209).
Todas recorrem à religião com o objetivo de fazer o bem, de
melhorar a qualidade do cotidiano. Com isso acreditam ganhar mais segurança na
condução das próprias vidas e ter o poder que a lhes confere. Percebe-se que é
dado grande valor à participação religiosa, embora ela aconteça de forma
assistemática e permeada por desejos nem sempre alcançados.
Com exceção de Marina, quando indagadas sobre o que fazem nas
horas livres, as entrevistadas que tem filhos dedicam-se à família enquanto que a
primeira, aproveita para relaxar entre amigos. Seguem os depoimentos:
107
“Leitura é uma das coisas. Passear com o meu filho criar uma
situação nova. Então acaba que meu tempo livre acaba sendo praticamente voltado
para ele. Uma parte em reservo para minha intimidade, minha interiorização”.
(REGINA, entrevista concedida em 07/2006).
“Gosto de ficar com as crianças, ir ao clube, ir ao cinema e comer
pipoca com eles”. (HELENA, entrevista concedida em 08/2006).
“A gente sai para passear, quando não dá a gente senta e monta um
jogo junto”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
“Eu saio bastante, vou para barzinho, tenho muitos amigos e todos
gostam de sair. A gente se reúne na beira da piscina, a gente canta, gosto de fazer
minha ginástica e meu inglês e passear com minha cachorra”. (MARINA, entrevista
concedida em 12/2006).
Nos depoimentos percebe-se que embora essas mulheres se sintam
realizadas e desenvolvidas na esfera profissional ainda estão muito envolvidas com
a maternidade. As três primeiras dizem dedicar suas horas de lazer
fundamentalmente aos filhos e desenvolver atividades voltadas aos interesses dos
próprios. Portanto, (re) elaboração do papel materno, mas não o abandono do
modelo. A maternidade constitui uma fonte de associação simbólica da mulher ao
domínio privado da vida. Desse modo: “como uma cultura poderia não dar um
sentido fundamental à função de maternidade, não traduzir em sistema de valores e
de modo de vida o fato de pôr filhos no mundo?”. (LIPOVETSKY, 2000, p.299).
Portanto, a progressão das instituições que cuidam de crianças, a participação
eventual mais ativa dos pais na vida doméstica não deve modificar em profundidade
a destinação tradicional das mulheres aos papéis privados da vida.
O depoimento de Marina diferencia-se dos demais, sua maior
“liberdade” pode ser atribuída ao fato de não ter filhos. A mesma utiliza seu tempo de
forma mais livre que as mulheres que possuem filhos. Contrariamente ao modelo de
mulher que prevalecia na sociedade patriarcal (FREYRE, 1992). Hoje as “novas
mulheres” valorizam a estética da magreza. “Nunca as mulheres combateram tanto
tudo que é flácido, gordo, mole. nas basta não ser gorda, é preciso construir um
corpo firme, musculoso, tônico, livre de qualquer marca de relaxamento ou de
moleza”. (LIPOVETSKY, 2000, p.133). De um lado, o corpo feminino se emancipou
amplamente de suas antigas servidões, sejam sexuais e/ou procriadoras, mas do
108
outro, esta submetido a coerções estéticas mais regulares, mais imperativas, mais
geradoras de ansiedade do que antigamente.
4.5 Aspirações de Vida
Sobre as aspirações da vida adulta as respostas das informantes se
dividem.
“Ó eu sempre sonhei em ser jornalista e consegui. Mas eu tenho
planos que eu e o “Lu” (marido) colocamos entre 40 e 50 anos que é morar mais
perto do mar, mas também queremos passar uns 2 anos fora do país. Eu e o “Lu
somos muitos parecidos, temos os mesmos gostos. Isso facilita para canalizarmos a
nossa energia para esse tipo de coisa. Estou realizada, mas eu tenho vontade de ter
menos posse e mais prazer”. (MARINA, entrevista concedida em 12/2006).
“Eu queria casar... mas o era qualquer casamento. Eu queria um
“homem bom” e é isso que estou vivendo. Tem hora que você quer mandar tudo
para “pá”, manda nada você recomeça. Eu acho que está tudo bem”. (MARIA,
entrevista concedida em 10/2006).
A representação é que a partir dessa união a mulher obtém o
espaço material simbólico para viver a condição inerente ao sexo
feminino. Portanto, passam a ser ‘senhora fulano de tal’, e passam a
viver o que imaginam ser a sua própria vida. Evidentemente, está
subentendida a idéia de um ‘bom casamento’, de uma aliança que,
se não imediatamente, pelo menos num futuro próximo possa
reproduzir a condição de vida que tem em casa dos pais. (BRIOSCHI
& TRIGO, 1989, p.58).
Dessa forma, a escolha do parceiro será feita entre os que têm
potencial para propiciar a reprodução social da família. Assim fica assegurada a
homologia de classe.
Quanto à expressão “homem bom” no relato de Maria, Luz (1991),
afirma:
Certamente os ‘bons maridos’, os ‘bons pais’, os ‘bons filhos’, isto
é, aqueles que correspondem às qualidades de soberania do
homem. Mas o homem não precisa ser; ‘bom’, ‘dar de si’, para
sobreviver. A bondade e a paixão são requisitos femininos de
sobrevivência. a mulher ‘degenerada’ é cruel, impiedosa, egoísta.
ela não vive para dar tudo de si aos outros. Mas ao homem resta
109
um consolo e uma saída: o exercício do poder e a acumulação do
saber, de razões. (LUZ, 1991, p.15-16).
“O que a pessoa sonha na vida? Ter uma família, um trabalho,
amigos... eu acho que tenho tudo isso, tenho mais do que sonhei”! (CAROLINA,
entrevista concedida em 09/2006).
“Eu me considero uma mulher feliz. Os objetivos que coloquei na
época da faculdade foram atingidos. Sou uma mulher realizada, embora cansada...
mas com certeza realizada”. (SOFIA, entrevista concedida em 11/2006).
“Esta muito longe do que eu imaginava. Eu imaginava a coisa mais
fácil, mas profissionalmente está muito difícil. muitas coisas materiais que você
quer e não consegue. Eu acho que quando se é jovem imagina muita coisa... na
minha tentativa furou muita coisa. Tirando o econômico sou feliz, o companheiro é o
que queria mesmo e meus filhos são maravilhosos”. (HELENA, 08/2006).
“Plenamente inclusive antes do tempo. Quando me separei me
propus metas, tinha metas para atingir até 40 anos. Há um ano atingi (com 36 anos).
E caiu a ficha a poucos dias. Porque me senti inquieta descobri que estava
sem paixões. Quando meu casamento acabou eu disse: - É um capítulo da minha
vida que acabou. Quais são as metas agora e fui em frente”. (REGINA, entrevista
concedida em 07/2006).
Através dos relatos pode-se argumentar que é pelo casamento que
elas adquirem o território para gerenciar o espaço simbólico para dar sentido às suas
existências, gerando filhos e reproduzindo o grupo social. Tendo em vista que
quando solteira, cabe à mulher apenas um papel secundário dentro da família, uma
vez que não pode, legitimamente, contribuir para a reprodução. O casamento
entendido como uma aliança institucionalizada passa a ser marco na vida das
mulheres.
Os depoimentos sobre as aspirações de vida se dividem, Marina
quer menos recursos materiais e mais prazer, Helena quer mais retorno financeiro
de sua profissão, Carolina, Sofia e Maria estão realizadas por terem sonhado com
trabalho, casamento e família e dizem ter conseguido mais do que sonharam.
Regina a mais jovem delas é uma mulher que retrata os signos da modernidade, é
divorciada, independente e pauta sua vida através de metas para seu
desenvolvimento pessoal e material.
110
Pode-se dizer que essas mulheres vivenciam muitas
ambigüidades
40
, suas práticas se pautam por representações de traços patriarcais
entrecruzados com traços de modernidade. (OLIVEIRA, 1993). No entanto a
ambigüidade é perceptível àquele que observa de fora, pois a pessoa ambígua
não consegue identificar ou discriminar contradições que se traduzem em suas
atitudes e comportamentos. “A ambigüidade é um tipo particular de identidade ou de
organização do eu que se caracteriza pela existência de múltiplos núcleos não
integrados que podem, por conseguinte, coexistir e alterar-se sem implicar confusão
ou contradição para o sujeito”. (OLIVEIRA, 1993, p.76).
A identidade da mulher brasileira na era patriarcal, em especial as
de classe média, foi marcada por características de recato social, docilidade,
religiosidade, devoção à família, desinteressada e alheia ao mundo, estudo voltado à
arrumar um marido, caseira e que chamava seu marido de “senhor”. Por volta de
1960 houve uma contestação generalizada da mulher sem profissão. Em 1963, o
livro de Betty Friedan, “A mulher mistificada”, que teve 1,5 milhões de cópias
vendidas teve efeito de um choque cultural ao destacar o mal estar da dona de casa
dos grandes subúrbios americanos, suas angústias e frustrações. (OLIVEIRA, 1993).
A partir daí a imagem da esposa e da mãe na casa encarnava um
sonho coletivo: torna-se sinônimo de pesadelo para as novas mulheres em revolta.
Nesse impulso, a opinião pública evoluiu muito no sentido de aprovação do trabalho
profissional da mulher. Nos anos 1960 o trabalho das mulheres casadas era
identificado como uma atividade imposta por condições materiais difíceis, sendo
assim incapaz de fundar uma identidade plena. Portanto, o ideal da “fada do lar” foi
gradativamente cedendo seu lugar para uma mulher “multifacetada”, aquela que é
menos marcada pelo espírito do devotamento, é mãe, chefe de família, esposa,
dona de casa e profissional. Possui um envolvimento mais profundo, mais identitário
na vida profissional e mais emancipada em relação aos costumes tradicionais.
É nesta ambigüidade que se situam as mulheres do grupo em
estudo, além de estudarem e assumirem uma profissão para estarem de acordo com
os signos e exigências da modernidade, administram suas próprias casas depois de
casadas. Como vimos nos depoimentos, elas se ocupavam dessas funções
quando crianças. É possível compreender o exercício da “dupla jornada de trabalho”
40
Ambígua: É a pessoa cujo comportamento se presta a diferentes interpretações e provoca, por
conseguinte, dúvida, incerteza e confusão. (OLIVEIRA, 1993).
111
das mulheres também através da forma ritualizada que elas assumem a preparação
para a vida futura. Suas avós e mães diziam: “Quem não sabe fazer não sabe
mandar”. Portanto, estar preparada para o casamento não é propriamente uma
questão de idade e sim o domínio sobre os afazeres domésticos, pois a mesma vai
ter que cuidar de uma casa, dos filhos e marido conforme antigos valores, claro que
(re) significados.
Nos depoimentos pode-se inferir que o casamento foi para esta
geração de mulheres uma das aspirações de vida, uma vez casadas sentem-se
realizadas. Entre as contradições dos antigos e modernos valores essas mulheres
tentam responder as diferentes e contraditórias mensagens que elas recebem e
incorporaram da sociedade moderna.
4.6 O Trabalho Doméstico
É necessário salientar que fatores de permanência e regularidades
pautaram desde sempre a existência feminina, “legitimadas em nome das injunções
naturais que serviram de explicação à relação de poder e hierarquia em que as
mulheres representam o pólo dominado”. (OLIVEIRA, 1993, p.40).
É sobre o pano de fundo dessa dominação que o humano se
constrói em oposição à natureza, ao passo que o feminino se constrói pela
assimilação das mulheres à natureza. O século XX preparou, porém, uma surpresa a
essa imutabilidade, quando as mulheres foram sendo inseridas no mercado de
trabalho tal qual os homens. Quando isto ocorre desnuda-se a insolúvel
solidariedade entre a natureza e cultura.
Somos contemporâneos de uma revolução, pois foi no século XX
que a ciência profanou a imutabilidade do feminino. A descoberta da contracepção
introduziu a liberdade cultural onde antes se conhecia fatalidade natural, permitiu
às mulheres, pela primeira vez, separar prazer e procriação. “Essa brecha que se
abre na existência feminina abala todo o edifício da relação entre os sexos. As
conseqüências sociais e morais da prática generalizada de contracepção vão
introduzir no espírito feminino a mais subversiva das convicções: o nosso corpo nos
pertence”. (OLIVEIRA, 1993, p.42).
O questionamento de um arcaísmo fundamental como o da
hierarquia social não pode ser reconstituído através de esquemas explicativos,
112
ligando causa e efeito. Entrelaçam-se inovações no plano das técnicas e relações de
produção, descobertas científicas e mutações tecnológicas, alterações importantes
dos quadros de referência sócio-cultural e emergência de novas aspirações, valores
e formas de conduta, que induzem a entrada progressiva das mulheres no espaço
público. Apareceram fissuras e rupturas onde antes só se viam passividade e
conformismo. O modelo inconteste da superioridade branca, ocidental, adulta e viril,
caiu por terra. Inicia-se o questionamento do paradigma da hierarquia sexual
baseado no costume patriarcal de dominação das mulheres pelos homens.
A contribuição de Oliveira (1993) se faz importante aqui para
compreensão desta dificuldade pessoal das mulheres no exercício de uma profissão
com as representações sobre o que significa ser mulher e que estão profundamente
incorporadas. Na verdade, foi a entrada das mulheres no mercado de trabalho que
gerou a desvalorização da vida no lar, quebrando por vez a antiga identidade
feminina, centrada na idéia de que a mulher se realiza nos papéis domésticos.
Portanto, no decorrer dos anos 1960 as mulheres investem no espaço público. Mas
é justamente na busca da igualdade ao mundo dos homens que elas vão esbarrar
em obstáculos que, até hoje, as colocam em crise com sua identidade feminina.
No esforço de se ajustarem ao novo perfil que emerge da ruptura de
sua antiga identidade, as mulheres se vêem obrigadas a tentar tornar compatíveis
dois estilos de vida, dois registros intelectuais e afetivos, dois modelos de conduta
cotidiana. Definidas por uma norma e um modelo que lhe são impostos, elas têm de
aceitar o paradoxo do universal e do particular, colocado por uma sociedade que as
universaliza como produtoras e as particulariza como mulheres. É nesta
possibilidade de opção que abre terreno para o conflito: como optar entre a
importância do papel de mãe e dona-de-casa, apoio e base da estrutura familiar e
trabalhar fora, buscar uma identidade além dos limites do doméstico e do privado?
Em Brioschi & Trigo (1989), encontra-se uma importante
contribuição a essa questão. Salientam as autoras que o conflito surge a partir das
exigências para o cumprimento das funções de mãe e dona-de-casa tal como foi
incorporado pelas entrevistadas: exigindo uma dedicação integral de seu tempo.
Isso é incompatível com o trabalhar fora. Em outras palavras, imbuídas, de uma
função feminina que pode ser desempenhada com a presença constante da
mulher no recinto da casa, em que o elemento básico de sucesso no papel é dar
exemplo de forma contínua, não possibilidade de conciliação com outra tarefa
113
que vai exigir, exatamente, que a mulher se ausente de casa por determinados
períodos. Desse modo, afirma-se que também no grupo estudado, ocorre a mesma
situação constatada pelas autoras citadas como segue:
Uma conjuntura social que trouxe em seu bojo novos valores e
outras oportunidades entrou em conflito com o profundamente
incorporado, com o ‘habitus’ primeiro das entrevistadas. (BRIOSCHI
& TRIGO, 1989, p.64).
No primeiro e segundo capítulos deste estudo demonstraram-se as
principais reflexões teóricas desenvolvidas na sociologia sobre os papéis
designados à mulher e o direcionamento que, desde a infância, é feito para que ela
se coloque em posição inferior ao homem na organização social. Existe uma
tendência cultural em se considerar o trabalho doméstico como destino natural da
mulher. Em um país como o Brasil onde o desemprego é crônico, não interesse
em modificar este estado das coisas. Pelo contrário, a manutenção do mito da mãe
disponível para os filhos e marido em sua casa é importante. No entanto, quando
muda o desenvolvimento econômico do país modifica-se a situação. Dessa forma,
meios são colocados em andamento para liberar a mulher e incorporá-la na
produção. Todavia, na realidade, isso tem significado uma sobrecarga de duplo
trabalho e não sua liberação.
Como dito, busca-se detectar nos depoimentos estes elementos
na vida cotidiana do grupo de mulheres estudado e como estas interpretam o seu
trabalho doméstico. uma preocupação central para essas mulheres: “as
dificuldades, as concessões e as conciliações necessárias para que se possa ser
cumprido o destino de uma mulher”. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.49). Dessa
forma, a representação de que a identidade feminina vincula-se às funções de mãe
e esposa foi fator comum a todas as entrevistadas e mesmo Marina, que não possui
filho, interpreta que se optar por ter filho enquanto mulher será a mais exigida.
O trabalho doméstico distingue-se dos outros trabalhos numa
sociedade por ser privado e por confundir-se com o papel da mulher na família.
Assim, produtos como roupa lavada, comida, limpeza da casa, cuidado com os filhos
não são produzidos para o mercado, por isso são considerados sem valor monetário.
É entre as próprias mulheres que se formam as redes de
solidariedade para realização dos afazeres domésticos e cuidados com os filhos,
114
levando em conta que os homens em nossa sociedade de um modo geral,
independente de classe social, aparecem nos depoimentos deste estudo como
“ajudantes”.
Dentre as mulheres estudadas três possuem empregadas
domésticas fixas, uma possui faxineira, uma está sem faxineira no momento e outra
faz sozinha as tarefas domésticas. Dedicam em média de 2 a 4 horas diárias aos
afazeres domésticos.
“Eu tenho duas empregadas. Uma lava, passa e cozinha, a outra
limpa e me ajuda a cuidar do Mateus (filho menor). Mas coisas que todos fazem
em casa, tirar a mesa, empilhar, nós todos fazemos, pai, mãe e filhos. Eu não sou
de se a empregada não está eu não faço nada. Adoro cozinhar e acho que todo o
trabalho confere dignidade a gente”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
No depoimento pode-se inferir que mesmo possuindo empregada
doméstica a mulher profissional não delega completamente as funções que são
incorporadas como suas. Desse modo, quando diz que todos colaboram com os
afazeres domésticos ela reproduz a simbologia cultural que na esfera privada se
estrutura em torno de relações afetivas, obedece a contratos não escritos de ajuda
mútua, não remunerada e não ser pela reciprocidade.
“Se eu trabalho 8 horas, eu acho que umas 5 eu dedico aqui, colocar
uma roupa para lavar, recolher uma roupa, uma varrida geral aqui em casa quando
estou sem faxineira. Agora almoço e janta sou eu que faço”. (MARINA, entrevista
concedida em 12/2006).
Pode-se perceber a coexistência dos dois mundos, o da esfera
privada e a do espaço público. O tradicional e o moderno entrecruzando-se no
cotidiano da mulher. Reflete a imagem “de quem tenta fazer coexistirem em si
desejos que se anulam e se superpõem sem integração possível alguém que se
desloca de um desejo a outro, de uma existência a outra, de uma personalidade a
outra, em um esforço desesperado de ser tudo ao mesmo tempo”. (OLIVEIRA, 1993,
p.88).
“Eu sou uma administradora mesmo. Eu não sou uma patroa que
deixa por conta. Eu deixo elas bem à vontade, mas tem uma “tabela” em casa e eu
falo que a gente trabalha em conjunto. Eu sei onde estão minhas panelas, qual que
está faltando o cabo. Porque tem gente que não sabe onde está sua tuperware. Eu
delego na minha casa onde guarda a tuperware. Sacolão e supermercado eu que
115
faço. Agora banco eu deixo para meu marido. Pagar é com ele, eu o gosto. Agora
administração doméstica sim”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
O depoimento de Maria reafirma os valores tradicionais incorporados
pelas entrevistadas. Para a mesma cabe à mulher tomar conta da casa, dos filhos e
do marido e do controle da casa. Para o homem cabem as funções externas como a
de pagar as contas do lar. Portanto o discurso sobre a casa é fundamentalmente um
discurso feminino, feito pelas mulheres. A casa é um espaço feminino, que confere
identidade cultural às mulheres, em contraposição à vida na rua.
O exercício do trabalho remunerado não as libera das tarefas
domésticas. Sentem-se como as principais responsáveis pela organização do lar. Os
filhos, os maridos e as empregadas domésticas aparecem como auxiliares das
mesmas que, nos depoimentos, chegam a naturalizar o lócus doméstico como
responsabilidade feminina. Afirmam que gastam em torno de 2 a 4 horas diárias na
organização do lar entre dar atenção ao marido, filhos e algumas tarefas que
realizam. Tudo que diz respeito à administração do lar é tarefa delas e não das
empregadas domésticas, a exemplo do sacolão, supermercado e atividades
extracurriculares dos filhos.
Regina relata que combina seus horários com os do filho, por isso
não trabalha de manhã e exerce sozinha a tarefa do lar.
“Como eu tenho horários flexíveis, eu posso me dar este luxo”.
Então minha jornada no escritório é a mesma que a jornada do Lucas (filho) na
escola. Mas muitas vezes acaba acontecendo de chegar a casa dar janta, colocar
para tomar banho, dar atenção, por ele para dormir e ir para o computador”.
(REGINA, entrevista concedida em 07/2006).
O depoimento de Regina revela uma mulher “multifacetada”, a
percepção de que em nenhum momento e em nenhum lugar se está inteira. A
situação vivida elas mesmas ajudaram a criar quando reivindicaram o acesso aos
papéis masculinos, sem exigir a contrapartida uma mudança equivalente e
concomitante que seria o acesso dos homens aos papéis femininos, que se
instaurasse de fato a polivalência para os dois sexos. (OLIVEIRA, 1993, p). No seu
cotidiano Regina usa a estratégia de trabalhar apenas no horário escolar de seu filho
no sentido de conciliar as fontes de conflito entre suas funções privadas e
profissionais.
116
“Olha por eu gostar muito de organização e limpeza, quando eu
limpo a casa eu até gosto, eu não gosto de cozinha. Mas a gente sabe que no outro
dia está tudo bagunçado de novo. Na verdade o trabalho doméstico de lavar e
passar é muito chato. Para mim a casa não me cansa por que tenho meu trabalho.
em faço bastante coisa, mas a casa fica equilibrando entre um e outro. Hoje por
exemplo, eu lavo tudo na máquina, mas passar eu não passo porque a faxineira
passa, no mais são as coisas do dia-a-dia não tenho escolha...tenho que fazer”.
(HELENA, entrevista concedida em 08/2006).
Neste depoimento, os afazeres domésticos não são vistos como
trabalho, mas como uma função específica das mulheres. A dupla jornada da mulher
é considerada natural.
Todas as entrevistadas partilham de uma mesma visão sobre sua
participação e atuação na sociedade: sem um espaço para desempenhar as funções
que as definem como mulher (mãe, esposa e dona-de-casa) não teriam identidade
social, não se sentiriam legítimas diante de si e dos outros. Portanto, a percepção é
de que “ser mulher”, ter uma existência plena como mulher é desempenhar durante
a vida funções que incorporaram como sendo definidoras da condição feminina.
(BRIOSCHI & TRIGO, 1989).
É na família que recebemos o habitus’ primeiro, um conjunto de
modos que correspondem o que é “ser homem” e o que é “ser mulher”. Em outras
palavras,
Desde a mais tenra idade, as crianças são imbuídas de códigos de
comportamento socialmente determinados para seu sexo. São
criadas para serem homens ou mulheres. É assim que as meninas
são levadas a incorporar o que socialmente se convencionou ser o
comportamento feminino, a identificar-se como mulher, qualquer que
seja sua classe social. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.50).
“É engraçado a moça da limpeza é mais despachada. Mas a outra
liga no meu celular para dizer que não fez o molho porque não tinha molho de
tomate ou não fez o suco porque não tinha limão. Eu digo: - Bate na porta do vizinho
e empresta, faz um chá, toma a iniciativa. O que não pode é deixar de fazer. Eu
também preciso melhorar, sou muito centralizadora, tudo eu faço, então ela fica
insegura. Às vezes eu viajo, mas deixo tudo escrito à geladeira fica parecendo um
mural”. (Maria, entrevista concedida em 10/2006).
117
O depoimento de Maria revela que, embora seja respaldada por
auxiliares, essa relação não se sem conflito, pois no comando a entrevistada
dificulta a autonomia de suas ajudantes. Dessa forma, que o lado econômico está
assegurado, as atenções e preocupações volta-se para o plano simbólico. Afinal, a
entrevistada desejaria estar e não estar ao mesmo tempo em casa ou no trabalho.
“A organização doméstica sempre foi tarefa minha. Eu acho muito
prazerosa. Adoro cozinhar e me realizo cozinhando”. (CAROLINA, entrevista
concedida em 09/2006).
No depoimento de Carolina é possível desnudar a primeira
impressão de que as mulheres da classe média em estudo estão imbuídas de uma
nova representação de mulher e de um novo papel a ser desempenhado pelo sexo
feminino na sociedade. Uma análise mais aprofundada, porém, deixa entrever que
continua a ser significativa nas representações destas mulheres a ambivalência
sobre a posição da mulher. Apesar de, em certos aspectos, terem sido atingidas
pelas transformações e modernizações ocorridas no plano social, o profundamente
incorporado por elas foi que as atividades domésticas parecem estar inscritas em
sua natureza.
“Eu fico com a maior parte da administração do lar. Eu acho que as
tarefas domésticas precisam ser feitas com tempo senão acaba virando fardo. Eu
faço sacolão, supermercado e levo minhas filhas à patinação”. (SOFIA, entrevista
concedida em 11/2006).
No depoimento de Sofia é possível perceber valores tradicionais
interiorizados. No centro da cultura patriarcal ênfase ao papel da mulher no que
diz respeito à atenção e ao cuidado do outro, à proteção da vida, à valorização da
intimidade e do afetivo, à gratuidade das relações. A entrada das mulheres na esfera
pública revestiu-se de problemas e dificuldades, especificamente a sobrecarga
material advinda da dupla jornada de trabalho. Portanto, parece que ao assumir a
dupla jornada de trabalho e a sobrecarga de tarefas materiais, as mulheres
tropeçaram na ambigüidade reveladora da dupla mensagem, das injunções
contraditórias. (OLIVEIRA, 1993).
4.7 O Trabalho na Esfera Pública
118
É importante salientar que, se a infância e juventude das
entrevistadas foram vividas em um período em que os valores vigentes em seu
grupo social atribuíam à mulher um papel inspirado em cânones tradicionais, elas se
tornaram adultas em épocas de grandes mudanças sociais. A partir de 1960, novas
alternativas se apresentam para a mulher. A principal é que o destino feminino não
está irremediavelmente ligado ao universo doméstico e às funções de mãe e esposa.
Ela pode aspirar ao exercício de um papel no âmbito público.
A “mudança” proporcionada pelo trabalho remunerado traz, contudo,
o valor de trabalhar fora como uma aspiração, uma necessidade para esta geração.
Foi nesta geração que as mulheres conheceram os todos anticoncepcionais que
lhe deram a possibilidade de planejar o número de filhos. Dessa forma, entre as
mulheres pesquisadas nenhuma demonstrou querer que as coisas voltem a ser
como antes.
As três últimas décadas foram anos “heróicos” da geração-exemplo
que não deixou escapar nada: teve acesso ao estudo, ao trabalho assalariado, à
participação política. “Somos, portanto, contemporâneos de uma geração com uma
face voltada para casa e outra para a rua, ou seja, as mulheres fazendo um esforço
de androgenia”
41
. (OLIVEIRA, 1993, p.54). Esforço de sobrevivência em um tempo
de ruptura de um código cultural milenar. Esta ruptura teve um preço que as
mulheres estão pagando sozinhas, devido à permanência de seus papéis
tradicionais na esfera privada. Na verdade, o papel de cada ator social é
desempenhado em interação com um outro, baseados numa relação de troca e
reciprocidade. Portanto, em se tratando de papéis sociais, quando um papel muda,
muda o outro que depende dele para se definir. Contrariando tudo isso o papel
feminino mudou sem que o papel masculino fosse fundamentalmente tocado.
(OLIVEIRA, 1993).
As mulheres passaram à fronteira do mundo dos homens
escamoteando a lado feminino da vida. Enfrentaram a concorrência no espaço
público carregando consigo, escondidas, as raízes do espaço privado. Neste
sentido,
Concorrência desleal para elas, mas assumida pelas mulheres com
coragem. Procuravam assim corresponder ao novo perfil de mulher
41
Androgenia: Hermafrodita de aparência sexual indefinida. (OLIVEIRA, 1993).
119
que emergia da agonia de um paradigma. Obedeciam a uma
mensagem dupla e contraditória: para ser respeitada pense, aja e
trabalhe como um homem; mas para ser amada continue sendo
mulher. “Seja homem e seja mulher”. (OLIVEIRA, 1993. p.55).
Seguem os depoimentos sobre o trabalho na esfera pública do grupo
das mulheres de classe média em Londrina:
“Eu brinco que ele é meu casamento, como um bom marido. Ele me
tudo que eu preciso e de quem eu tiro toda satisfação. Mesmo que tenha que
trabalhar até mais tarde, mesmo que eu tenha que fazer alguma coisa extra. Então
eu brinco que ele é meu novo marido, me plenitude, me retorno e eu gosto do
que faço”. (REGINA, entrevista concedida em 07/2006).
“Ah eu acho que é muito importante para mim, que me faz sentir útil
para a sociedade. Eu gosto e me realizo muito”. (HELENA, entrevista concedida em
08/2006).
“Acho o meu trabalho uma realização pessoal. O curso que fiz é
muito extenso. Eu fiquei 6 anos na faculdade e 5 anos me especializando. Então eu
acho que é uma realização pessoal”. (SOFIA, entrevista concedida em 11/2006).
“Ele me realiza. Claro que ser mãe é mais importante”. (MARIA,
entrevista concedida em 10/2006).
“Eu adoro minha profissão. (MARINA, entrevista concedida em
12/2006).
Neste grupo de classe média da cidade de Londrina, o trabalho
feminino não está ligado apenas às necessidades de sobrevivência, mas tem um
acentuado significado simbólico: desejo de identidade social, de uma vida mais
autônoma não vinculada ao funcionamento da casa e dos habitantes. A grande
aspiração das mulheres desse grupo é poder se definir por uma identidade pessoal.
(BRIOSCHI & TRIGO, 1989).
Estas mulheres não abrem mão da conquista da profissão. Quase
todas, com exceção da mais nova do grupo, Regina (36 anos), têm em torno de 20
anos de experiência profissional e via de regra realizam uma “dupla jornada”. As
mesmas se consideram felizes e não abririam mão do exercício da profissão.
Sentem dificuldades em manter os papéis tradicionais impostos pelo sistema
patriarcal, ora reclamam de cansaço ora os defendem com veemência. Percebem-
120
se, assim os conflitos e as ambivalências vividas pela coexistência de antigos e
tradicionais valores.
Foram muitas as mudanças ocorridas nestas três décadas passadas
e sabemos que no mundo moderno as transformações ocorrem num tempo rápido
demais devido às inovações tecnológicas. As mudanças econômicas, sociais e
culturais não caminham de forma linear. O capitalismo ao se engendrar no mundo
ocidental combinou-se com o sistema patriarcal para alijar o sexo feminino. Portanto,
o que acontece com as mulheres de 30 a 50 anos – a exemplo do grupo de
mulheres em estudo é que vive um tempo de conflito e crise do significado do que
“é ser mulher” nos dias atuais.
Como reconciliar a vida privada com a vida profissional? Como
encarar esse duplo encargo de trabalhar fora e ainda ser a principal responsável
pela administração do lar? Com o sistema patriarcal ainda vigente, a mulher se
entre duas funções inconciliáveis. Os homens o estão preparados e muitas vezes
ficam inseguros frente a tantas reivindicações das mulheres, pois não querem mais
ser mães-empregadas que asseguram o cuidado material aos filhos, esposas-
empregadas que cuidam da casa, trabalhadoras-empregadas que executam as
tarefas subalternas. O que é “ser mulher” hoje? A impressão que elas deixam é que
vivem no meio do caminho, num equilíbrio instável e precário entre dois mundos.
4.8 A Dupla Jornada – O Trabalho Remunerado e o Trabalho Doméstico
O exercício simultâneo dessas duas atividades naturaliza-se nas
falas das entrevistadas. A identificação dessas mulheres com o trabalho doméstico é
produto da cultura internalizada por elas a partir de “uma moldura de sociabilidade
dotada de constituição historicamente inconsciente”. (SCHOLZ, 1996, p.36).
Vivemos em uma sociedade de formação patriarcal onde o espaço
privado significa área de atuação feminina e o espaço público área de atuação
masculina. Dessa forma, na estrutura cultural brasileira, a mulher ideal seria uma
espécie de recosto social para o homem público. Percebe-se então, que em
sociedades com permanência de valores patriarcais um divórcio entre vida
pública e vida privada. A mulher ainda continua sendo convencida de que compete a
ela administrar o lar e, ao homem, dominar as coisas públicas. Desse modo,
“atribuiu-se à mulher uma definição de ente natural destinada pela natureza a não
121
ser mais do que dona de casa, mãe e esposa, devendo subordinar-se ao homem por
sua fraqueza corporal, de raciocínio e de caráter”. (SCHOLZ, 1996, p.25).
Essa socialização feminina que foi se formando ao longo dos tempos
levou as mulheres, através de gerações, a internalizarem os papéis domésticos
como sua função natural. Assim, contraditoriamente, se, por um lado a mulher de
classe média exerce atualmente uma profissão, por outro, vê-se presa ao seu papel
tradicional de dona de casa.
O trabalho remunerado da mulher e o acesso às atividades e
formações de outrora reservado aos homens faz parte de mudanças de um conjunto
mais amplo, que configuram três fenômenos de fundo:
O poder feminino sobre a procriação, a ‘desinstitucionalização’ da
família e a promoção do referencial igualitário no casal. O que
equivale a dizer que uma nova fase na história da vida doméstica e
econômica das mulheres. O que manifesta concretiza, mais
profundamente, uma ruptura histórica na maneira pela qual é
construída a identidade feminina, bem como as relações entre os
sexos. (LIPOVETSKY, 2000, p.231).
Dessa forma, pode-se inferir que a época atual iniciou uma
transformação sem precedentes no modo de socialização e de individualização da
mulher, a generalização do livre governo de si. De agora em diante é um novo
modelo que comanda o destino social da mulher. Novo modelo que se caracteriza
pela sua autonomia em relação à influência tradicional ditada pelo sistema patriarcal.
Até nossos dias, a existência feminina se ordenou em função de
caminhos sociais “naturalmente” pré-traçados: casar, ter filhos e exercer tarefas
subalternas. Essa época termina sob nossos olhos: com a mulher no exercício de
uma profissão, o destino feminino entrou pela primeira vez da imprevisibilidade. O
que estudar? Qual profissão escolher? Que plano de carreira adotar? Casar ou viver
em concubinato? Divorciar-se ou não? Ter quantos filhos e em qual momento?
Trabalhar em tempo integral ou parcial? Como conciliar a vida profissional e vida
maternal? Tudo na existência feminina tornou-se escolha, nenhuma atividade está
em princípio fechada às mulheres. Nada mais fixa seu lugar imperativamente na
ordem social, elas agora tal qual os homens estão entregues ao imperativo moderno
de definir e inventar sua própria vida. (LIPOVETSKY, 2000).
122
No entanto, seria forçoso constatar que os dois gêneros se
encontram, no presente, em uma situação “estruturalmente” similar. Não somos
testemunhas de um processo da distância assimétrica entre as posições dos
homens e das mulheres, mas de um processo de igualdade das condições dos dois
gêneros, uma vez que está em curso uma cultura que consagra, tanto para um
quanto para outro sexo, o reino do governo de si, da individualidade soberana sem
modelo social diretivo. “A liberdade de se auto-dirigir se aplica agora,
indistintamente, aos dois gêneros, mas se constrói sempre “em situação”, a partir de
normas e de papéis sociais diferenciados, sobre os quais não há nenhuma indicação
de que estejam destinados a um futuro desaparecimento”. (LIPOVETSKY, 2000,
p.239).
As mulheres do grupo de classe média de Londrina se percebem
exercendo a dupla jornada de trabalho. No entanto, não rompem com esta prática,
tendo em vista que todas fizeram parte de um processo de socialização com fortes
padrões patriarcalistas. Algumas assumem a condição de forma até heróica como no
relato a seguir.
“Eu acho que a mulher tem muito mais condição de encarar essa
dupla jornada do que o homem. Porque acho que emocionalmente nós temos mais
preparo que eles. É como o bebê: ele está engatinhando e de repente fica em pé...
Eu acho que a mulher está fazendo isso. Na evolução social nós estávamos
engatinhando e de repente ficamos em pé. E o homem sempre fez a mesma coisa
ao longo dos séculos. Para o homem é difícil pensar em cuidar de uma casa, fazer
supermercado e ainda trabalhar fora. Do nosso mundinho, nós fomos para o
mundão. Eles estão do mundão e estão tendo que vir de fora para dentro”.
(REGINA, entrevista concedida em 07/2006).
O tom de orgulho e desafio do depoimento acima afirma a idéia de
que a mulher tem realizado bem uma tarefa que estava além de seu campo de ação,
terreno este que para elas pertencia aos homens. Desse modo, Regina, fala de um
devir de inauguração de relações humanas em que a aceitação das diferenças sem
desigualdade reconcilie homens e mulheres e ponha fim aos desencontros das
mulheres consigo mesmas.
“Eu acho que para a mulher é muito mais difícil. Mesmo para mim
que a gente divide um pouco mais. Tem dia que eu estou muito cansada. É
complicado, mas ao mesmo tempo eu não queria ficar em casa. E também não
123
gostaria de trabalhar fora e deixar tudo por conta deles, eu também não ia me
sentir honesta. Não tem como não ter duplo encargo se você trabalha fora. A não ser
que você tenha empregada o tempo todo. Eu não sei como você poderia resolver”.
(HELENA, entrevista concedida em 08/2006).
No depoimento de Helena pode-se perceber que as mulheres
querem mudar de vida, mas temem as conseqüências da mudança. Tem medo de
questionar sua auto-imagem tradicional sem a certeza de encontrar outra mais
satisfatória por meio de sua inserção no mundo do trabalho. Têm medo de não
estarem mais em condições de desempenhar seu papel de alicerce emotivo e afetivo
da família sem a certeza de encontrar compensações em suas atividades
profissionais.
“As vezes eu brinco que esta revolução feminina veio trazer
problemas, porque na verdade veio somar e não dividir”. (SOFIA, entrevista
concedida em 11/2006).
O depoimento de Sofia revela com precisão que as conquistas
feministas não atingiram fundamentalmente os papéis tradicionais direcionados aos
homens e às mulheres, não havendo esta contrapartida não ocorreu também a
partilha das atividades privadas, em conseqüência o ônus da dupla jornada de
trabalho permaneceu com as mulheres. As mulheres que exercem atividade
profissional vivenciam como problemática essa coexistência da lógica da vida
pública e da privada.
“Já me disseram que a mulher achou que ia ser melhor quando ela
foi trabalhar fora, mas ela se prejudicou, sobrecarregou. Faz tanto tempo que eu
faço essa dupla jornada... mas agora o serviço diminuiu porque os filhos cresceram
e está menos pesada essa dupla função, então eu acho que foi válido, foi
necessário”. (CAROLINA, entrevista concedida em 09/2006).
A fala “sofrida” de Carolina revela que, devido a sua socialização, a
representação de papéis femininos como mãe, esposa e dona de casa está inscrita
em sua natureza por onde quer que atue. Se o estereótipo da mulher no lar
desmoronou por que o lugar preponderante da mesma na esfera familiar perdura?
Evocar o princípio da inércia cultural não basta em sociedades pautadas pela busca
de novas formas de identidade. Em resposta a essa questão, as mulheres insistem
na “má-vontade” dos homens de encarregar-se das tarefas da casa. Portanto,
124
envolvimento feminino na família e descompromisso dos homens apegados as suas
“vantagens adquiridas” deveriam ser pensados juntos. (LIPOVETSKY, 2000).
“Eu acho que é uma coisa cultural. Pensa bem eu durmo 6 horas por
noite. E trabalho diariamente de 8 a 15 horas. Trabalho 9 horas semanais com as
aulas, mas o tempo que estou em casa eu estou lendo ou estou atendendo uma
criança na tarefa ou estou vendo com a empregada sobre a limpeza de uma
marquinha na porta...é isso”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
No depoimento, pode-se inferir que Maria, por ter cinco filhos, sente-
se totalmente responsável por suas vidas, sua saúde, sua segurança, sua
inteligência, sua vida emocional e criatividade, até mesmo seu sono. Como é
possível vivenciar isso, sem sequer ter o direito a dormir sem interrupções? Mesmo
compartilhando situações diferentes, sendo mães ou não, pertencendo a essa ou
aquela classe social, as mulheres não escapam aos efeitos formadores de uma
mesma coletividade.
“Eu acho natural, porque é a gente que pega essa responsabilidade.
É culturalmente nossa coisa de determinar, de fazer, comprar. Eu acho que
culturalmente o lar é da responsabilidade da mulher. Não que tenha que ser, mas
culturalmente a gente nasce com isso. Vem com a gente essa coisa da casa, do
lar”. (MARINA, entrevista concedida em 12/2006).
Como se observa, os papéis domésticos são naturalizados, inscritos
em uma tradição: o “lugar da mulher” é no lar. É possível perceber os valores
constitutivos do habitus’ como noção de continuidade e de reprodução social. A
idéia básica aqui lançada seria a suposição de que Marina seja uma atualização das
potencialidades femininas pelas quais as mulheres foram socializadas, que no caso
seria a sua mãe. Ficando claro que a representação da condição feminina da mesma
difere superficialmente da de sua e. A vida para ela continua sendo balisada
pela função doméstica e pelo papel de esposa. Os valores maternos estão
profundamente arraigados em sua personalidade.
Entretanto, estas mulheres sabem que são de uma geração de
transição e acreditam num devir onde as mulheres irão romper com a dupla jornada.
“Eu acho que nas gerações futuras a divisão vai ser maior... eu sou
de uma geração de transição, minha mãe só do lar, eu sou do lar e do trabalho. Nas
próximas gerações essa divisão vai ser um pouco melhor, mas eu acho que ainda
125
pesa um pouco para a mulher de minha faixa etária”. (SOFIA, entrevista concedida
em 10/2006)
Sofia aponta para um devir de uma esfera privada compartilhada
com os homens. A bem da verdade não caminho de volta para as mulheres; nós
não queremos nem a sociedade propõe. Estamos mais bem situadas para
reconstruirmos nossos valores e não para fugir deles, mas para repensá-los no
sentido de um novo desenho de convívio entre os sexos.
“Dentro de casa é bem marcado. É fácil você ver um homem
cozinhando, mas lavando um banheiro é quase impossível. Então existem certas
atividades domésticas que eu nunca vi um homem colocando a mão. Ele lava uma
louça, eu acho que o homem está ainda literalmente na cozinha da casa, todo o
resto do ambiente fica para a mulher. E na profissão ainda é mais complicada.
Porque existem certas profissões que não aceitam a mulher. Então é como o Rio
Negro Solimões... estão juntos ali... andando juntos, mas você bem certinho a cor
de um e a cor de outro”. (REGINA, entrevista concedida em 07/2006).
A fala de Regina revela que se as mulheres reclamam contra a dupla
jornada de trabalho, recusa ainda, em grande número, a “submersão” dos homens
na esfera privada. No horizonte das sociedades modernas não se delineia a
comutação dos papéis familiares para os dois gêneros, mas sim o casamento da
tradição com a modernidade, com as normas diferenciais de sexo mais rearranjadas
e recicladas pelas normas de um mundo de mais autonomia dos sujeitos.
(LIPOVETSKY, 2000).
aquelas que naturalizam a condição da mulher como dona-de-
casa, mãe e esposa. Também há aquelas que se posicionam contra os ideais
feministas, como Maria.
“Em primeiro lugar se têm família tem que se dedicar bastante a ela.
Tem que parar com esse feminismo virado de querer igualar a mulher ao homem, eu
acho que isso diminui a mulher, porque a gente não precisa ser igual a eles. Eu
não tenho que fazer o trabalho de homem porque eu gostaria que mais mulheres
pensassem assim. Eu gostaria de ver mais mulheres educando seus filhos bem para
serem pessoas que façam diferença no país. Se cada um faz sua parte, a mulher vai
ter homens melhores na frente. O meu marido é ótimo, mais a mulher é aquela
ruelinha do relógio, trabalhando fora ou não a gente o tom na sociedade, na
família, nós somos muito importantes”. (MARIA, entrevista concedida em 10/2006).
126
Interpretando a fala de Maria, que é incisiva na questão da
preeminência da mulher nos papéis familiares, pensa-se que não é apenas em
razão aos pesos culturais e das atitudes “irresponsáveis” masculinas, mas também
em razão das dimensões de sentido, de poder e de autonomia que acompanham as
funções maternas. Nos lares em que os homens se envolvem nas tarefas familiares
e atritos conjugais, é preciso interpretar como uma reação diante do recuo de
uma posição preeminente pode significar uma resistência à perda do poder materno,
que muitas mulheres não desejam partilhar.
“Eu acho que a mulher deve manter as características de ser cil,
de ser delicada, não ficar lutando com muita bravura. A mulher é muito mais
poderosa do que as pessoas pensam, ela com seu jeitinho faz com que o marido, os
filhos e as pessoas que a cercam mudem de atitude, degrauzinho por degrauzinho
ela vai conseguindo tudo que deseja. Ela pode sim levar o trabalho doméstico com o
trabalho remunerado com tranqüilidade, ter filhos bem educados. Se ela tiver boas
horas com qualidade com seus filhos, nessas poucas horas consegue transmitir o
que uma mulher com muitas horas não consegue porque esta estressada. É
possível você conciliar as duas coisas”. (CAROLINA, entrevista concedida em
09/2006).
Percebe-se, nestes relatos, que nas representações femininas está
à resistência a duas culturas que coexistem e convivem disfarçadas em uma só. O
moderno desestabiliza os papéis imperativos dos dois sexos, mas esse processo se
vê contrariado pela exigência social e identitária de diferenciar os papéis e os
comportamentos da mulher e do homem. A tradição funciona como uma fronteira de
interditos que definem o horizonte de cada um. Desse modo, as representações
femininas entram em crise, debatendo-se na ambigüidade e na indefinição. Assim é
a experiência cotidiana das mulheres que vivem ora assumindo o mundo público
profissional, antes exclusivo dos homens, ora como mulheres no mundo privado da
casa. E nesta oscilação que transparece a identidade feminina em crise.
“Eu acho que a mulher se debate um pouco com essa dupla jornada.
Porque culturalmente ela assume. Não que isso seja certo e a gente precise se
acostumar com isso, porque hoje em dia você homens ficando em casa para as
mulheres se dedicarem na carreira. Eu acho que o certo mesmo é os dois terem a
mesma responsabilidade, um ajudar o outro. Eu acho que a mulher hoje, assume
esta responsabilidade de dona de casa, mãe e esposa, mas a questão da casa e de
127
mãe é uma coisa muito natural de ela assumir, porque quando a mulher tem filho ela
é mais exigida mesmo o tem como. Ficar com os filhos é uma questão da mãe, é
natural. E assumir a questão do lar, de estar a frente, saber o que é preciso, é
culturalmente impregnado na gente e que bom se todas conseguirem conciliar isso
numa boa. Para que nenhuma das três partes sejam prejudicadas, porque hoje em
dia o que a gente é que dessas três partes o que fica relegado é a educação dos
filhos. É natural, assume porque é natural. Mas ao mesmo tempo se realiza no
mercado de trabalho também. E isso é muito bacana. A gente juíza mulher, juíza
de futebol, bandeirinha, a mulher está ocupando cargos que jamais imaginamos que
fosse acontecer. É uma pena que a gente ganhe menos, as pesquisas mostram isso.
Não é uma obrigação da mulher, mas é o perfil da mulher”. (MARINA, entrevista
concedida em 12/2006).
Marina ao discorrer sobre a dupla jornada de trabalho não deixa de
naturalizar a mesma. É no habitus’ primário incorporado que ela naturaliza ser mãe,
esposa, dona de casa e, por conseguinte exercer a dupla jornada de trabalho.
“Quando as mulheres se voltam para o passado e se reconhecem na cultura
feminina, não é no feminino como essência que se referem, mas numa experiência
feminina”. (OLIVEIRA, 1993, p.15). Portanto, esta experiência passada encontra,
hoje, novas vivências e exigências e é nesse processo de mutação que a mulher vai
ganhando forma nova.
128
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa ao buscar “interpretar” o que é “ser mulher” a
partir de entrevistas de um grupo de mulheres de classe média na cidade de
Londrina - uma cidade de porte médio no Norte do Estado do Paraná, cumpriu um
trajeto que merece ser reconstituído.
A pesquisa partiu da problemática da dupla jornada de trabalho que
as mulheres enfrentam no mundo contemporâneo, portanto, tomou como
pressuposto que as mulheres de classe média de Londrina vivem a experiência do
duplo encargo incorporando as representações dos papéis de mulher atribuídos a
ela: “mãe”, “esposa” e “dona de casa”, ditas “tradicionais” e a atuação das mesmas
na esfera pública, que na atualidade confere identidade social a essas mulheres.
A focalização de um conjunto de mulheres em um determinado
contexto, nas suas práticas e representações em um campo específico das relações
sociais, permitiu pontuar as “permanências” e “mudanças” em torno das práticas
sociais destas mulheres de classe média de Londrina que vivenciam a contradição
da coexistência de valores “tradicionais” e “modernos” em suas vidas.
A interpretação das representações dessas mulheres trouxe para
esta investigação uma série de pressupostos: teóricos, metodológicos e também
ideológicos. Portanto, “problematizar a partir da crítica da produção científica
significa fornecer elementos para conhecer os modos de constituição da ideologia
nas práticas e representações dos agentes sociais”. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989,
p.81).
Três critérios orientaram a escolha das mulheres a serem
pesquisadas: pertencer a classe média, exercer uma profissão e ter filhos/as em
idade de socialização. A precisa localização no tempo e no espaço desses agentes
responde a outro pressuposto de pesquisa, ou seja, compreender o que é “ser
mulher” para este grupo de classe média em um contexto urbano particular:
Londrina.
Algumas descobertas no decorrer do estudo também devem ser
pontuadas, por exemplo, algumas determinações do que é “ser mulher” são
transmitidas precocemente, ou seja, é na socialização que se aprende a “ser mulher”
e a “ser homem”. Contudo, as meninas durante a infância são objetos de uma
socialização mais vigiada e estrita, dificultando assim a independência. É
129
compreensível, portanto, que ambivalências, contradições e conflitos originados pela
descoberta de outro universo, o “espaço blico”, seja motivo das dúvidas e
hesitações dessas mulheres. Contudo, seus relatos, como dito, o típicos do
período de transição que estão vivendo.
Encontra-se no grupo um número significativo de mulheres que
dizem que se orientam por normas da Igreja Católica para manter o controle de suas
famílias. Empenham-se na filiação de suas famílias, à igreja, a fim de conseguirem
com isso ajuda no controle familiar que talvez sozinhas não consigam.
Percebe-se, também, que em seus novos projetos de vida está
implícita uma nova visão de relacionamento conjugal, com novos arranjos, com
alterações na divisão de tarefas. Portanto, a mensagem contida em seus relatos é
muito mais a de uma adaptação das estruturas familiares às conjunturas sociais do
que uma alteração profunda na idéia de família. Cientes dos recursos de que devem
dispor para ter condições de promover mudanças, incluem em seus relatos e
projetos uma instrumentalização através da escolaridade, para que possam alcançar
os resultados desejados.
No que tange a análise do material, foi possível construir uma
reflexão sociológica contínua que acompanhou todo o processo de pesquisa,
acentuando o método qualitativo. Desse modo, a análises muitas vezes, foram
determinadas pelo objeto de estudo.
Ainda que as entrevistas tenham sido limitadas ao grupo de
mulheres de classe média, o “marido” foi agente implícito nos relatos, tornando-se
desnecessária a sua menção constante. A conjugação entre o dito e não dito
mostrou que a figura do marido é parte integrante das representações dessas
mulheres, quer seja mencionado ou não.
Embora o foco dos relatos diga respeito à família conjugal, os
relacionamentos com a família mais ampla o um ponto de referência para todas.
Desse modo, se os maridos o a possibilidade implícita de constituição da família
nuclear, as famílias de origem estão presentes nas manifestações do habitus’
primário – na expressão dos valores considerados fundamentais e nos conflitos
latentes provocados pelas novas conjunturas. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989).
Através da análise do material coletado percebe-se que “o conflito
situa-se entre o ser apenas para o outro e o ser também para si” (BRIOSCHI &
TRIGO, 1989, p.86). Neste sentido, as saídas que consideram válidas para uma
130
maior distribuição de tarefas no campo familiar seria a “negociação diária” e o
“diálogo” pelo fato de terem sido atingidas pelos novos valores, fruto das
contestações dos anos de 1960 e 1970.
A relação da mulher com o trabalho na esfera pública, bem como
com a esfera doméstica, ocasionando a dupla jornada de trabalho, está presente
nas representações das entrevistadas, sendo possível a sua percepção através da
interpretação dos seus relatos.
A visão que as mulheres do grupo em estudo têm de determinados
aspectos da vida social apresenta-se fragmentada e contraditória, da mesma
maneira que a realidade cotidiana. Por isso, foi necessário, através do filtro teórico,
organizar e dar sentido aos muitos aspectos expressos nos relatos.
A utilização do conceito de habitus’ (BOURDIEU, 1972), permitiu a
recuperação do indivíduo dentro da estrutura social e a captação da sociedade nas
práticas e representações individuais. Dessa forma,
Assumiu-se o pressuposto de que, ao lidarmos com as relações
familiares estávamos diante de estruturas historicamente
constituídas. Essas estruturas se modificam pela atuação dos
agentes sociais, implicando na formação de novas conjunturas e
eventualmente a modificação das próprias estruturas. Nesse sentido,
a focalização de um conjunto de indivíduos em determinado
momento, nas suas práticas e representações em campo específico
das relações sociais, constituiu um trabalho de construção de um
determinado aspecto do social. (BRIOSCHI & TRIGO, 1989, p.91).
As análises sobre a dupla jornada das mulheres de classe média da
cidade de Londrina permitiram desenhar um devir ainda distante do presente, no que
diz respeito à ocupação dos homens nos espaços privados. No entanto, foi possível
perceber que é recíproca e complementar a ocupação das mulheres dos espaços
públicos. Nota-se, hoje, sobretudo em casais jovens, uma maior partilha no cuidado
com os filhos. É também verdade que a organização da sociedade como um todo
não caminha no sentido de adotar políticas que permitam aos homens um maior
tempo dedicado à vida privada, ao mesmo tempo em que se acentua a pressão no
sentido de uma ocupação cada vez maior do tempo das mulheres no espaço
público.
Entre mudanças e permanências afirma-se em nossos dias a
questão da maternidade como valor fundamental para “ser mulher”, juntamente com
131
o controle da organização da casa, dos cuidados dos filhos e do marido. As
mulheres das classes médias de Londrina mostraram que vivem com orgulho sua
capacidade de poder enfrentar o trabalho profissional e as tarefas maternas e
domésticas. Desse modo, as mulheres sentem-se duplamente gratificadas por sua
capacidade em controlar dois universos, o do trabalho profissional e da esfera
privada.
Ao contrário da relação com os filhos as tarefas da casa seriam
menos prazerosas, no entanto, foi possível perceber a permanência neste grupo da
preservação deste território como seu, pois, como os depoimentos revelam, são elas
que impõem seus critérios, maneiras muito suas de agir e de pensar e de fazer valer
sua concepção de organização doméstica. Se essa posição das mulheres persiste
em nossos dias é porque através dela as mesmas podem marcar suas fronteiras e
afirmarem-se como diretoras de todo um conjunto de atividades cotidianas. Nestes
termos, há razões para se pensar que a preponderância da mulher na esfera privada
não desaparecerá tão cedo. Permanecem, portanto, os papéis de e, esposa e
dona de casa, não mais da mesma forma que conheceram nossas mães e avós.
Assim, parece que o legado, ou seja, a tradição de papéis herdados deixou de ser
predominantes na vida dessas mulheres, havendo uma (re) elaboração dos
mesmos.
Através dos depoimentos percebe-se também o conflito que há, na
atualidade, entre o exercício do trabalho remunerado e do trabalho doméstico. As
respostas se dividem, no entanto fica claro “o conflito entre uma atividade e outra”,
apontando nitidamente para uma crise das representações patriarcais. As mulheres,
hoje, se debatem entre os padrões incorporados e a realidade social de exercer uma
profissão e construir uma nova identidade social. Pois, sabe-se bem que hoje os
papéis de mãe, esposa e dona de casa que eram valorizados pelo sistema
patriarcalista foram (re) significados.
O conflito entre os papéis tradicionais e exercício de uma profissão é
um dilema vivido por todas as mulheres que trabalham na esfera pública e possuem
uma família. Embora a maioria das entrevistadas possua uma rede formada por
empregadas domésticas e faxineiras que facilitam seu dia-a-dia, a dupla jornada de
trabalho é cansativa, incompatível e sentida como sofrimento por muitas delas.
132
De acordo com os depoimentos, permanecem, mesmo diante dos
novos imperativos da vida moderna, as antigas representações (interiorizadas) de
homem e mulher, apesar da sua inviabilidade objetiva.
É possível interpretar na fala das mulheres que há, no entanto, uma
luta silenciosa e sutil que ocorre dentro do campo familiar, visando a mudança das
regras que regem as relações internas deste grupo, apontando talvez para um
apagamento da partilha entre um espaço masculino e um espaço feminino.
De acordo com Oliveira (1993), as mulheres são diferentes dos
homens; se essa diferença foi apresentada a hoje como justificativa de
desigualdade, depende das próprias mulheres mudarem esse dado. Como “projeto”
a diferença não é uma revalorização da vida privada para as mulheres, mas pelas
mulheres para o conjunto da sociedade. Neste sentido, o projeto da diferença difere
da armadilha da proposta feminista de outrora, não porque nega o projeto da
igualdade, mas porque corrige suas distorções. Não se trata de negar a importância
da luta feminista e suas conquistas, pois sem seus questionamentos, sem suas
mudanças não se teria a visibilidade que se tem hoje.
A proposta de identificarmos nos depoimentos das mulheres uma
possível crise nas representações sobre o que é “ser mulher” na sociedade atual,
nos mostrou que o patriarcalismo no seu sentido mais estrito não tem mais como
sobreviver nas sociedades modernas, especialmente no grupo pesquisado. A não
ser de forma transformada e (re) elaborada no coditiano das mulheres que vivenciam
a contradição da dupla jornada de trabalho.
De acordo com (OLIVEIRA, 1993), as lutas nos anos de 1960 pelo
ideal feminista de “igualdade” e “respeito aos direitos” das mulheres foi um mérito
histórico por ter denunciado “a insaciável intolerância à alteridade, paixão que nutre
nosso pensamento, e que nos levou a ver o nada em tudo que nos reflete, e
descrever o diferente como ausência”. (OLIVEIRA, 1993, p.74). Neste contexto, a
industrialização e a urbanização somadas aos ideais feministas transformaram
“donas de casa o apenas em enfermeiras e professoras, mas também em
executivas, advogadas e metalúrgicas. “Cinderela de terno e gravata ou gata
borralheira de macacão azul, em nome de modernidade e igualdade”. (OLIVEIRA,
1993, p.55). Na realidade, uma promessa de igualdade que nasce desfocada e, por
isso, se transforma em apenas caricatura.
133
Desse modo, fecha-se a porta de um tempo onde tudo era claro:
trajetórias de vida, sonhos e projetos, abre-se a porta de um tempo de vidas e
incertezas. Para as mulheres um mundo novo a inventar, sem modelo e sem
referência.
Ainda, de acordo com Oliveira (1993), a contestação feminina de
agora não se baseia mais em projetos de “igualdade”, mas anuncia a “diferença” que
longe de significar uma desvantagem, contém um potencial enriquecedor de crítica
da cultura. É através de crítica a uma ideologia hegemônica, ou seja, o consenso
ideológico da “superioridade masculina” que se pode desenhar, no movimento
feminista, o fio que permita às mulheres um novo desenho na trama social.
Desse modo, constata-se entre as mulheres do grupo estudado a
combinação de antigas representações patriarcais com seus novos papéis na
sociedade. As mesmas que hoje exercem uma profissão na esfera pública
combinada com seus papéis domésticos sentem-se, dessa forma, “sobrecarregadas
de papéis”, sem nenhuma compensação, sobretudo no nível pessoal e afetivo.
Estas mulheres exigem que os homens sejam, além de companheiro
reprodutor, o amigo, o amante, o pai, o auxiliar das tarefas em casa. Além disso,
reivindicam liberdade para o exercício de sua vida pública, mas sem abrir mão da
posse dos filhos e, na maioria das vezes, do controle da vida afetiva do
companheiro. Além disso, sentem-se muitas vezes ameaçadas quando seus
maridos tentam assumir tarefas do lar e no cuidado com os filhos. Verifica-se na vida
de casada de todas as entrevistadas a permanência de antigas representações,
apesar de algumas mudanças terem efetivamente se verificado. Mas a maior
resistência na transformação dos padrões de representação masculino-feminino
ocorre, ainda, na educação que as mulheres – enquanto mães - continuam dando as
meninas e aos meninos.
Toda essa crise identificada nos depoimentos do grupo de mulheres
pesquisado revela a coexistência de valores antagônicos. Entre ser profissional ou
cumprir os papéis de mãe, esposa, protetora do lar e dos filhos, parece que resta à
mulher de classe média viver a sobrecarga de papéis, configurando o que se
denominou no presente trabalho de “dupla jornada”.
A superação desse impasse parece não passar por modelos
teóricos, mas pela adoção de práticas novas por homens e mulheres. Com isso não
se estará assegurando a sobrevivência das relações homem-mulher na
134
sociedade, como também criando novas bases para novas relações entre os sexos,
com mais igualdade e solidariedade.
135
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(Bacharelado em Ciências Socais)-Universidade Estadual de Londrina, 2007.
140
ANEXOS
141
ANEXO A
ROTEIRO DE ENTREVISTA
1- Qual é a sua idade?
2- Qual o seu estado civil?
3- Há quanto tempo está na situação acima? (casada, separada, vivendo junto?)
4- Que idade tinha quando se casou?
5- Quantos filhos tem?
6- Como se sente com o número de filhos que tem?
7- Que idade tinha quando nasceu seu primeiro filho?
8- Qual o seu nível de instrução?
9- Você está satisfeita com ele ou gostaria de estudar mais?
10- Você conseguiria estudar mais hoje?
11- Em que ordem de importância você poria as seguintes coisas em sua vida:
a) Casamento;
b) Trabalho;
c) Estudo;
d) Participação política;
e) Participação religiosa;
f) Família;
g) Outra – especificar
12- Qual a sua profissão? Você a exerce? Onde trabalha? O que é o seu trabalho
para você?
13- Qual o seu salário? E sua renda familiar?
14- Considerando o trabalho que realiza fora de casa, gosta do que faz?
15- Acredita que seu trabalho é importante para os outros? Por quê?
16- Há quanto tempo você realiza esta atividade?
17-Qual é a sua jornada de trabalho?
18- Você é sindicalizada? Acha importante sua participação no sindicato?
19- Você participa da associação de seu bairro? Acha importante sua participação?
20- Participa de algum partido político? Acha importante participar?
21- Qual a influência que sua religião exerce sobre a sua concepção de mulher?
22- Quantas pessoas vivem na sua casa?
142
23- Quantas trabalham?
24- Quantas estudam?
25- Quem sustenta a casa?
26- O seu salário é fundamental para a manutenção da família?
27- As tarefas domésticas como lavar, passar, cozinhar, arrumar a casa são
responsabilidade de quem?
28- O cuidar dos filhos: (levar às atividades extra-curriculares, à escola, ao dentista,
ao médico, acompanhamento das provas escolares, levar em festas de aniversário,
acompanhamento da alimentação e higiene, horário de dormir, levá-los para cama,
contar histórias) é responsabilidade de quem?
29-Você encontra alguma realização com as tarefas domésticas?
30- A administração do lar: (pagar as contas no banco, administrar empregada
doméstica e faxineiras, compras em supermercados e sacolão) fica na
responsabilidade de quem?
31- Você teve licença a maternidade? Qual a sua opinião sobre este tipo de licença?
32- Caso você pudesse alterar a divisão de tarefas em sua casa como as arranjaria?
33- Você já cuidou exclusivamente de sua casa ou sempre trabalhou fora?
34- Sua mãe trabalhava fora?
35- Você acha que a mulher deve aprender a fazer o trabalho doméstico antes de se
casar? Alguém ensinou a você a realizar o trabalho doméstico? Quem?
36- Quando seu filho nasceu você deixou de trabalhar fora? Teve vontade de deixar
seu trabalho para cuidar exclusivamente de seu filho?
37- Quantas horas por dia você se dedica para as tarefas domésticas?
38- Na sua ausência quem se responsabiliza pela casa?
39- Na sua ausência quem cuida dos filhos?
40- Na sua opinião existe a demarcação de espaços de atuação entre homens e
mulheres?
41- Como você encara esse duplo encargo da mulher de trabalhar fora e dentro de
casa?
42- Você ensina suas filhas a realizar o trabalho doméstico? E seus filhos?
43- Você tem hábito de ler? Qual o tipo de leitura: revista, jornal, livros científicos,
romance, poesia, bíblia, ficção ou auto-ajuda?
44- No seu tempo livre o que você faz?
143
45- Acredita que seus desejos, aspirações ou sonhos de vida adulta estão sendo
atingidos? Por quê
46- Qual a sua origem?
Qual era a profissão de seus pais?
47- Qual era a escolaridade deles?
48- Quantos irmãos você tem?
49- Todos estudaram? Quais os locais que você morou aqui na cidade?
50- Quais foram suas profissões anteriores?
51- Com quantos anos começou a trabalhar?
52- Como você divide o seu tempo de trabalho diário?
53- Você gostaria de acrescentar mais alguma coisa enquanto mulher?
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