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CLÁUDIO FRANCISCO DA COSTA
Londrina
2005
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CLÁUDIO FRANCISCO DA COSTA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação do Departamento de Ciências Sociais da
Universidade Estadual de Londrina como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Ciências Sociais.
Orientadora: Prof
a
Dra. Maria Regina Clivati
Capelo
Londrina
2005
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
C837i Costa, Cláudio Francisco da.
A imagem das mulheres na publicidade no Brasil nas décadas de 1940
e 1950 / Cláudio Francisco da Costa. Londrina, 2006.
136 f. ; 30cm.
Orientadora: Prof
a
Dra. Maria Regina Clivati Capelo.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade
Estadual de
Londrina.
1. Imagem da mulher – Publicidade – Brasil – Tese. 2. Mulher –
Tese. 3. Publicidade – Tese. I. Capelo, Maria Regina Clivati. II.
Universidade Estadual de Londrina. III. Título.
CLÁUDIO FRANCISCO DA COSTA
A IMAGEM DAS MULHERES NA PUBLICIDADE NO BRASIL NAS
DÉCADAS DE 1940 E 1950
COMISSÃO EXAMINADORA
______________________________________
Prof. Dr. Nelson Dacio Tomazi
______________________________________
Prof
a
Dra. Ana Maria Chiarotti de Almeida
______________________________________
Prof
a
Dra. Maria Regina Clivati Capelo
Londrina, 10 de fevereiro de 2005.
COSTA, Cláudio Francisco da. A imagem das mulheres na publicidade no Brasil nas
décadas de 1940 e 1950. 2005. 133f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) -
Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2006.
RESUMO
Este trabalho analisa a imagem das mulheres brasileiras em anúncios publicitários de revistas
de massa veiculadas nas décadas de 1940 e 1950, tempo que marca contraditoriamente a
gênese da sociedade de massa e da modernização industrial do país e a continuidade de uma
sociedade tradicional. A pesquisa de campo foi realizada nos arquivos do Departamento de
Documentação Editora Abril (Dedoc) e em arquivos pessoais, com a recuperação de 407
anúncios pertinentes ao tema. O referencial teórico permite entender que a publicidade não
vende apenas mercadorias, vende também estilos de vida, padrões de consumo,
representações sobre a sociedade, a família e relações homem-mulher. A categorização aponta
a vida familiar, o lar, o papel de mãe, de socialite, os cuidados-de-si e a vida de trabalho como
centrais na apresentação do discurso publicitário. A publicidade se coloca além da
representação da realidade, produzindo e reproduzindo representações sobre a sociedade,
contribuindo para a construção de significados e colaborando para delimitar a hegemonia de
determinadas visões de mundo.
Palavras-chave: Imagem. Mulher. Anúncios. Revistas. Publicidade.
COSTA, Cláudio Francisco da. The image of women in advertising campaigns in Brazil in
the decades of 1940 and 1950. 2006. 160f. Dissertation (Master’s Degree in Social
Sciences) – State University of Londrina, Londrina, 2006.
ABSTRACT
This work analyzes the image of Brazilian women in adverts of mass magazines which were
sold in the decades of 1940 and 1950, a time that establishes contradictorily the creation of the
mass society and the industrial modernization of the country and the continuity of a traditional
society. The field research was carried out in the archives of the Documentation Department
of Abril Publisher (Dedoc) and in personal archives, with the recovery of 407 ads concerning
the theme. The theoretical framework enables us to understand that the advertising not only
sells goods but also lifestyles, consumption standards, representations about the society, the
family and man-woman relationships. The categorization points out family life, home, the role
as a mother and a socialite, the self-care and workload as central aspects in the presentation of
the advertising discourse. Advertising is put beyond the representation of reality, producing
and reproducing representations about the society, contributing to the construction of
meanings and helping delimit the hegemony of certain world views.
Keywords: Image. Woman. Adverts. Magazines. Publicity.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Aberta ao acaso, a contracapa do livro 100 anos de propaganda traz apenas
anúncios relacionados à imagem das mulheres.................................................. 11
Figura 2 - Cenas do filme What women want, da Paramount Pictures, extraídas do site
http://www.imdb.com/title/tt0207201/ em 30 de novembro de 2005....................... 12
Figura 3 - Matéria publicada em 20 de setembro de 2005 na Seção Marketing &
Marcas do jornal eletrônico Diário Econômico relacionando marketing e
marcas................................................................................................................. 14
Figura.4 - Cartazes de filmes das décadas de 1940 e 1950................................................. 16
Figura 5 - Capas de revistas, posters e anúncios das décadas de 1940 e 1950................... 17
Figura 6 - Anúncios de mulheres na indústria bélica americana veiculados no Brasil....... 26
Figura 7 - Página dupla com quadro dos campos de referência I ....................................... 29
Figura 8 Capa da revista As Variedades ou Ensaios de Literatura, de 1812 ................... 33
Figura 9 - Ilustração de Sisson para a revista Ostensor Brasileiro, de 1845...................... 34
Figura 10 - Anúncio criado pelos modernistas para o cliente Lacta, em 1928..................... 36
Figura.11 - Anúncio (Agora podemos contar) de 1940 ........................................................ 44
Figura 12 - Anúncio (Black Widow II) de 1940................................................................... 44
Figura 13 - Anúncios (rostos) de 1940.................................................................................. 47
Figura 14 - Anúncio (rosto) de 1940..................................................................................... 48
Figura 15 - Anúncio G.E. (Rosinha) de 1950 ....................................................................... 50
Figura 16 - Página de rosto do jornal Folha de S.Paulo de 24 de abril de 2004 .................. 61
Figura 17 - Fotos: Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas; Adolf Bloch e Juscelino
Kubitschek; e anúncio institucional Editora Abril em homenagem ao Dia da
Propaganda ......................................................................................................... 62
Figura 18 - Página de rosto jornal Folha de S.Paulo de 24 de abril de 2004 e página de
rosto jornal Folha da manhã de 24-25 de janeiro de 1954................................. 64
Figura 19 - Quadro de diagramação da página de rosto do jornal Folha de S.Paulo ........... 66
Figura 20 - Quadro de diagramação da página de rosto do jornal Folha da Manhã ............ 67
Figura 21 - Anúncio liquidificador Arno 1954 ..................................................................... 74
Figura 22 - Anúncio sobre novas cores da multinacional Sherwin Willians década 1950... 78
Figura 23 - Anúncio liquidificador Arno fundo rosa ............................................................ 81
Figura 24 - Anúncio liquidificador Arno sem a mulher........................................................ 81
Figura 25 - Anúncio liquidificador Arno com domínio da mulher....................................... 83
Figura.26 - Trinca de anúncios experimentais ..................................................................... 84
Figura 27 - Anúncios Zenith e Marvella, da década de 1940 ............................................... 92
Figura 28 - Anúncios Century, Ninho e GE da década de 1950........................................... 93
Figura 29 - Anúncio (A Patroa) da década de 1940.............................................................. 94
Figura 30 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (bloco geladeiras I) .. 99
Figura 30a - Quadro dos campos de referência II................................................................... 100
Figura 31 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (bloco geladeiras II). 102
Figura 32 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (máq. lavar Easy) ..... 103
Figura 33 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (bloco rádios I)......... 105
Figura.34 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (bloco rádios II)........ 106
Figura 35 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (bloco rádios III)...... 107
Figura 36 - Anúncios década de 1940 - campo vida eletrodoméstica (bloco rádios IV)...... 108
Figura 37 - Anúncios década de 1940 - campo vida de saúde (Phillips e Squibb)............... 109
Figura 38 - Anúncio década de 1940 - campo vida de saúde (Phillips)................................ 111
Figura 39 - Anúncios década de 1940 - campo vida de saúde (Kodak e York).................... 112
Figura 40 - Anúncios década de 1940 - campo vida de saúde (Phillips e consumidor)........ 114
Figura 41 - Anúncios década de 1940 - campo vida de família (Hamilton, Eversharp,
Kodak)................................................................................................................ 115
Figura 42 - Anúncios década de 1940 - campo vida de família (Esso e Coca-Cola)............ 116
Figura 43 - Anúncios década de 1940 - campo vida de família (Royal e Swift).................. 118
Figura 44 - Anúncios década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (geladeiras)............... 120
Figura 45 Anúncios década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (televisores).............. 122
Figura 46 - Anúncio década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (televisor Decorama) . 123
Figura 47 - Anúncios década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (enceradeiras)........... 125
Figura 48 - Anúncio década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (Arno dupla) .............. 126
Figura 49 - Anúncios década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (Arno, Panex,
Empress)............................................................................................................. 127
Figura 50 - Anúncio década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (Walita)...................... 129
Figura 51 - Anúncios década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (ventiladores) ........... 130
Figura 52 - Anúncio década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (lazer, rádio e TV) ..... 130
Figura 53 - Anúncio década de 1950 - campo vida eletrodoméstica (ouvindo rádio).......... 131
Figura 54 - Cartazes de cinema década de 1950................................................................... 132
Figura 55 - Anúncio década de 1950 - campo vida para sí (cigarros) .................................. 133
Figura 56 - Anúncios década de 1950 - campo vida para si (Modess I)............................... 134
Figura 57 - Anúncio década de 1950 - campo vida para si (Modess II)............................... 135
Figura 58 - Anúncios década de 1950 - campo vida para si (champagne)............................ 136
Figura 59 - Anúncio década de 1950 - campo vida para si (Yes, Angel Face, Lever) ......... 137
Figura 60 - Anúncios década de 1950- campo vida de família (super com-vair da Real).... 138
Figura 61 - Anúncios década de 1950 - campo vida de família (aymoré e rancheiro) ......... 139
Figura 62 - Anúncios década de 1950 - campo vida de família (Lobo, Klim, Kodak)......... 140
Figura 63 - Anúncios década de 1950 - campo vida de família (Fontoura e Emulsão
Scott) .................................................................................................................. 140
Figura 64 - Anúncios das décadas de 1940 e 1950 (Eversharp, Zenith e consumidor)........ 146
Figura 65 - Anúncios das décadas de 1940 e 1950 (Arno e Rochedo) ................................. 147
Figura 66 - Anúncios das décadas de 1940 e 1950 (Arno, Philips e Coca-Cola). ................ 148
Figura 67 - Anúncio 1960 - Calça Far-West......................................................................... 149
SUMÁRIO
1 A IMAGEM DAS MULHERES NA PUBLICIDADE NO BRASIL NAS
DÉCADAS DE 1940 E 1950................................................................................... 9
1.1 T
RAJETÓRIA IMAGENS QUE GRUDAM ................................................................................. 9
2 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
PRIMEIRA PARTE.............................................................................................................. 31
3 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 32
3.1 V
ARIEDADES: A HISTÓRIA EM REVISTAS............................................................................. 32
3.2 O MUNDO É UM ANÚNCIO: A FORMAÇÃO DOS CONTEXTOS NO BRASIL GRÁFICO................. 37
3.2 S
ER OU TER, EIS A QUESTÃO: O CONSUMO COMO DEFINIDOR DE POSIÇÕES SOCIAIS ............ 51
3.3 O
OLHAR DOS OUTROS: O REAL E O IMAGINÁRIO NAS REPRESENTAÇÕES ............................ 55
3.4 D
ITO PELO NÃO ERUDITO: INTRODUÇÃO A UMA ANÁLISE SOBRE A MÍDIA DE MASSA .......... 59
SEGUNDA PARTE............................................................................................................... 69
4 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 70
4.1 O
QUE VEMOS SÓ VALE PELO QUE NOS OLHA: INTRODUÇÃO À ANÁLISE DOS ANÚNCIOS
PUBLICITÁRIOS
.......................................................................................................... 71
4.2 A
S VIDAS COMO ELAS SÃO: ANTES DE INDIVÍDUOS SOCIAIS, SOMOS NICHOS DE
CONSUMO
.................................................................................................................. 90
4.3 A
NÁLISE DOS CAMPOS TEMÁTICOS: A IMAGEM SEM INOCÊNCIA ......................................... 95
4.4 1940................................................................................................................................... 98
4.4.1 Primeira Leitura: Campo I – Vida Eletrodoméstica....................................................... 98
4.4.2 Segunda Leitura: Campo III – Vida e Saúde.................................................................. 108
4.4.3 Terceira Leitura: Campo VII – Vida e Família.............................................................. 115
4.5 1950................................................................................................................................... 119
4.5.1 Primeira Leitura: Campo I – Vida Eletrodoméstica....................................................... 119
4.5.2 Segunda Leitura: Campo IV – Vida para si.................................................................... 131
4.5.3 Teceira Leitura: Campo VII – Vida de Família.............................................................. 138
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: ELA É GAROTA-PROPAGANDA .............................. 141
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 151
9
1 A IMAGEM DAS MULHERES NA PUBLICIDADE NO BRASIL NAS DÉCADAS
DE 1940 E 1950
1.1T
RAJETÓRIA IMAGENS QUE GRUDAM
No ano de 1984
1
formei-me em Ciências Sociais na Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e, depois de desenvolver pesquisa sobre consumo, vida alternativa ou
alternativa de vida na feira de artesanato de Campinas, financiada pela Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), na
qual discuti com mais dois autores
2
o consumo do artesanato e a inserção dos produtos
industrializados nos mercados formal e informal, decidi seguir as trilhas da publicidade. A
relação mercado, produtos e clientes muito me fascinou, pois colocava em confronto, real e
imediatamente, sem intermediações teóricas para a maioria dos envolvidos, questões sobre
embates
3
entre diferenças com as quais nunca havia me deparado.
Durante 16 anos exerci com exclusividade a profissão de publicitário,
embora sempre estivesse ligado à Antropologia e à Sociologia em minhas pesquisas, carência
que o marketing só muito recentemente veio a incorporar qualitativamente, com o chamado
etnomarketing. Deixando de lado questionamentos ou discussões sobre esse tipo de estratégia,
a utilização da imagem da mulher na publicidade como recurso de vendas, o crescimento da
sua presença nos estúdios de criação e nas agências de propaganda nos anos 1980
4
, o boom da
publicidade e dos cursos acadêmicos particulares nessa área, o glamour, os almoços longos e
chiques, os egos e as feiras de cume nas reuniões dos clubes de criação, tudo isso contribuiu
— como imagem — para que duas questões despertassem meu interesse e levassem à busca
de sua compreensão. A primeira: como ensinar criatividade, dentro da esfera do marketing e
da propaganda, ligada a um humanismo, sem deixar de lado a visão de mercado; que incutisse
respeito nos profissionais sobre as diferenças e uma ética, ausente em grande parte da
publicidade “sabonete” produzida até então, em detrimento das necessidades possíveis de
serem demonstradas pela utilização de recursos de linguagem historicamente definidos. A
1
O “Big Brother” de George Orwell só veio a acontecer duas décadas depois, e apenas como entretenimento na TV.
2
Ver COSTA; COSTA; JEOLÁS (1985).
3
No sentido da impetuosidade do Brain Storm (tempestade cerebral) da criação de campanhas publicitárias.
4
A chamada “década perdida”, 1980, paradoxalmente foi a década de ouro para a publicidade brasileira (MARCONDES,
2002).
10
segunda: como respaldar o processo de formação dos novos profissionais que ingressavam na
área, através da análise crítica dos materiais publicitários — em sua grande maioria
constituídos por anúncios gráficos, devido à minha própria trajetória como publicitário.
Neste momento os anúncios com imagens de mulheres entraram em minha
vida, quando comecei a colecionar todo tipo de material impresso que, de alguma maneira,
causasse sensação, fossem materiais publicados em revistas, promocionais ou que viessem
selecionados nos show cases
5
. Des-folhear imagético de páginas, conhecimentos que vieram a
partir de conversas sobre os mitos do mercado, do ouvir dizer quem fez, das histórias contadas
nas mesas dos restaurantes em São Paulo nos idos de 1986 e 1987. Durante a pesquisa para a
realização deste trabalho, vi centenas de anúncios; e centenas e centenas de anúncios
passaram pelos meus olhos durante o tempo em que estive trabalhando (full time) com
publicidade — tempo que me deixou a sensação de um código déjà vu pintado de novo. Pode
ser apenas uma sensibilidade exagerada pelas amplas vistas das peças gráficas ou pela
sucessão de imagens a que somos submetidos cotidianamente, porém, passei a compreender
melhor o papel da publicidade na produção e na reprodução das representações sociais, as
quais são dotadas de sentido atuante no desenvolvimento histórico e cultural das imagens e
dos sentidos, isso porque são produtoras de significados: as imagens grudam e, ao lidar-se
com elas, faz-se muito sucesso.
Em meu trabalho como publicitário, um dos pontos principais que me
chamavam a atenção nos materiais de comunicação impressa era que a presença da mulher
quase nunca tinha a ver com os produtos vendidos/anunciados, e esses, por sua vez, não eram
necessariamente “femininos”. Entre outras peças
6
, encontrava-me imerso em imagens típicas
de “borracharia”: cartazes que vendiam pneus, baterias de automóveis, amortecedores e
molas, faróis e uma série de acessórios ligados a veículos e que se utilizavam das imagens de
garotas sensuais e “gostosonas”. Garotas de biquíni, voluptuosas, que ilustravam as paredes e
os sonhos sujos de graxa dos rapazes que davam duro no batente. Hoje, vejo que as garotas
trocaram os veículos pelas garrafas de cerveja e, ao contemplar, por exemplo, a contracapa em
página dupla do livro 100 anos de propaganda
7
, publicado pela Abril Cultural (apresentada a
seguir), encontro uma composição de anúncios de épocas variadas ilustrados apenas com
imagens de mulheres em determinadas situações, porém não tão sensuais quanto aquelas, mas,
5
Anuários de publicidade com peças referenciais premiadas.
6
Peças: referência a materiais publicitários, muito utilizada como jargão no meio profissional.
7
Ver 100 anos de propaganda. São Paulo: Abril Cultural, 1986.
11
inevitavelmente, uma coletânea de anúncios relacionados exclusivamente às imagens das
mulheres.
Por ser uma publicação dirigida a um público-alvo específico, leitor acima da
média, essa contracapa poderia indicar outras opções em relação à escolha do material
gráfico, com anúncios envolvendo imagens masculinas. Talvez seja uma questão de
comportamento frente a um conceito amplamente objetivado e realizado por produtores de
imagens: publicitários/criadores e consumidores/criadores/criaturas, homens e mulheres que
se ocupam dos espaços públicos e privados num mercado de bens tornado cada vez mais
indefinido.
Figura 1 - Aberta ao acaso, a contracapa do livro 100 anos de propaganda traz apenas
anúncios relacionados à imagem das mulheres.
Essa fartura gráfica de mulheres me fez deparar, em um primeiro momento,
com a saudável dúvida entre estudar a condição da mulher e suas representações veiculadas
nesses anúncios ou a própria condição das peças, propagandas que são de idéias e venda de
produtos e que acabam por ser a via de construção da imagem de mulheres inexistentes:
mulheres ideais, pesquisadas, mediatizadas. Os anúncios são pensados e postos a existir.
12
Tornam-se um fenômeno no exato sentido do termo
8
. Acabam por projetar vidas, que imitam
a arte (que re-imita a vida), conectadas a um mundo de amplas possibilidades a que só a
comunicação e as ciências sociais, juntas, poderão dar sentido (CANEVACCI, 2001).
Ao revelar o que a publicidade faz, utilizando a imagem do produto ou
buscando associar a ele uma outra imagem, mostro o que virá pela frente neste trabalho. Cito
um exemplo bem próximo de nosso cotidiano, o filme O que as mulheres querem
9
[What
women want], que trata da possibilidade do uso da representação social das mulheres por um
publicitário que partilha, assim como muitos outros homens, de uma visão machista sobre
elas, utilizando esses construtos para vinculá-los às imagens de produtos dos clientes da
agência onde trabalha.
Figura 2 - Cenas do filme What women want, da Paramount Pictures, extraídas do site
http://www.imdb.com/title/tt0207201/ em 30 de novembro de 2005.
O fato desse publicitário, no filme, em dado momento, poder ler os
pensamentos das mulheres, não traz uma mudança em sua linha de raciocínio mercadológico
nem uma mudança de atitude prática no cotidiano de sua publicidade; é apenas uma
8
Como um objeto de intuição sensível (KANT, 1983).
13
oportunidade do momento — e ele vai aproveitá-la, como acontece em tantos outros
momentos na história da indústria da propaganda, em que a criatividade busca ligação
oportuna e funcional para alavancar marcas, para sustentá-las ou mesmo para criar condições
específicas para suas inserções no mercado. E, para isso, desenvolvem-se meios, especializam-
se mídias, descobrem-se nichos.
A oportunidade de vendas que a utilização da imagem das mulheres torna
real já é conhecida e explorada no campo profissional do marketing e da propaganda de
nossos dias. Com a ajuda da Antropologia e da Sociologia, é direcionada a um público-alvo
específico, deixando claro para o mercado em quais circunstâncias se tornarão favoráveis,
porque ainda não foram total e amplamente exploradas, especializando segmentos,
conquistando novos nichos e incorporando a mulher, cada vez mais, como consumidora e
como operadora de decisões, tornando-a reconhecida como portadora de significada
importância. Assim temos visto em vários segmentos, como demonstra o site que reproduzo a
seguir, recentemente disponibilizado pela internet para um público específico: gente da área
de marketing de vendas e de relacionamento das empresas, que fazem transitar produtos
industriais, culturais e de serviços de maneira concorrente pela sociedade; gente que cria
produto e opinião, que tem nas mãos instrumentos de atuação capazes de influenciar o
público em geral
*
sobre o poder de decisão, em voga atualmente, de propagandear que cabe
às mulheres tomar as decisões sobre tudo e sobre todas as compras realizadas, não somente
por e para si próprias, mas para a casa, o parceiro ou o marido (MILLER, 2002); elas
enquanto sujeito e objeto de devoção.
9
What women want. Direção: Nancy Meyers; Paramount Pictures Corp., 2000; 127 min.; País: USA; Linguagem: Inglês;
Color: Color Deluxe; Sound Mix: DTS/ Dolby Digital; com:
Helen Hunt como Darcy Maguire Foto by Melinda Sue Gordon
- © 2000 - All Rights Reserved e
Mel Gibson como Nick Marshall: Foto by Andrew Cooper - © 2000 - All Rights Reserved.
*
Este recurso, colorir palavras, frases ou sentenças iluminando-as com tarjas, utilizarei durante o trabalho para colocar em
vista do leitor conotações publicitárias. Aqui, nesse caso, merece uma tarja por colocar como referência o consumo de massa,
ao mesmo tempo em que nos lembra os “armarinhos multicoisas da rua dos turcos”, como era conhecida a rua dos bazares no
interior paulista dos anos 1970.
14
Fonte: http://www.diarioeconomico.com/edicion/noticia/0,2458,660827,00. html
Figura 3 - matéria publicada em 20 de setembro de 2005 na Seção Marketing & Marcas do
jornal eletrônico Diário Econômico relacionando marketing e marcas.
Mas nem sempre foi assim, pois temos lidado o tempo todo com uma
construção masculina da identidade das mulheres que não percebe a sua (das mulheres)
condição sócio-sexual, cultural e/ou individual (RAGO, 2004b), constituindo obstáculo à
entrada e à manutenção das mulheres no mercado de trabalho e mesmo na configuração de
sua identidade sociocultural, que passa sempre pelo crivo dos homens. Portanto, a presença
das mulheres nos anúncios pode ser considerada muito mais que um indicativo pioneiro de
sua publicização — é o que está reservado para o leitor a partir da introdução deste trabalho e
da perspectiva do universo dos anúncios publicitários das décadas 1940 e 1950, foco da
análise aqui desenvolvida.
15
2 INTRODUÇÃO
Apresentarei, inicialmente, as décadas de 1940 e 1950 como importantes
mundialmente, por conterem não só uma guerra mundial, mas também um processo de
revolução em ação, abarcando uma grande parte da população dos países mais diretamente
envolvidos nas grandes mudanças que se desenharam na forma de novas políticas
econômicas, sociais, culturais e geográficas no globo e, também, as populações dos países
considerados periféricos (conhecidos como de Terceiro Mundo), influenciados na constituição
do processo de industrialização e da produção de bens simbólicos que vai predominar no
planeta desde então: primeiro imagens, depois produtos e serviços.
Nesse contexto, não posso deixar de apresentar, ainda que rapidamente, a
forma como se instalou o parque industrial moderno no Brasil e suas influências no processo
de projeção da mulher em nossa sociedade à época, o que demanda a mescla com um pouco
da história anterior às duas décadas mencionadas.
O leitor encontrará, muitas vezes, uma dinâmica não-linear na colocação dos
dados relacionados às mulheres e poderá se perguntar o porquê dessa atemporalidade nos
blocos de texto. Isso acontece porque nas fontes históricas pontuais sobre determinados fatos
encontram-se vácuos sobre os atores sociais que abordo, o que obriga a colorir através de
citações de textos referenciais e insights obtidos pelas análises e observações de pesquisa.
O trabalho está dividido em duas partes: na primeira abordo o contexto da
formação das revistas, do mundo dos anúncios e do consumo como definidor de posições
sociais reais e imaginárias através do uso das representações, além de introduzir uma
discussão sobre a necessidade do aprendizado da “leitura” das mídias de massa. Chamo a
atenção para a palavra mídia, utilizada ao longo do texto simplificadamente no lugar de
revista, apesar de seu amplo espectro, que abarca desde publicações tais como revistas quanto
aparelhos de televisão — veiculadores do sinal e, portanto, mídia para esse sinal, assim como
o papel também é mídia para a tinta de impressão ou pintura, mas isso por si daria um outro
trabalho. Quando necessário, será indicado seu sentido mais amplo.
Na segunda parte apresento o quadro dos campos de referência — mosaico
dos anúncios — e uma leitura específica sobre anúncio publicitário e sua completa
dessuperficialização, calcada no didatismo necessário indicado na primeira parte do trabalho.
Apresento, ainda, as análises categoriais que a observação dos anúncios possibilitou organizar
a partir da construção de um quadro de campos de referências onde estão organizados os
16
anúncios em indicações de possibilidades de vidas a partir de um núcleo familiar: para a
década de 1940, sete campos de vida da mulher brasileira; para a década de 1950, três campos
foram agrupados. Um total de seis campos vou analisar aqui, além da exposição do rosto
10
dos
jornais e da dessuperficialização do anúncio Arno, de 1954.
In the beginning
O começo do processo de formação político, econômico e cultural brasileiro
foi característico, e as diferenças culturais aqui encontradas podem ser consideradas
significativas em relação à matriz cultural que, nas décadas de 1940 e 1950 (que me
interessam tratar aqui), deixa de ser européia para ser americana: mais precisamente,
estadunidense.
A imagem das mulheres que se nos insinua como sendo “daquela época”
remete à de nossos próximos: tias, mães, avós, muitas vezes situadas em papéis distantes dos
atuais modelos exibidos nos anúncios publicitários, os quais são formados por campos
fotográficos que, ao passarem por nossa retina, fixam-se na nossa memória formando imagens
culturais. É o mundo dos impressos, dos anúncios das revistas e dos cartazes de cinema desses
anos que nos influenciou na formação de clichês e que reproduzimos em nosso dia-a-dia,
precursor de uma história que se repete continuadamente, como exemplo para as futuras
gerações.
Fontes: Arquivos pessoais e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 4 - Cartazes de filmes das décadas de 1940 e 1950.
10
“Rosto” é a parte visível do jornal quando dobrado e exposto em bancas e pontos de venda. É a área de maior custo ($) X
cm
2
, ou seja, a que vale mais.
17
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 5 - Capas de revistas, posters e anúncios das décadas de 1940 e 1950.
A idéia de mulher que carregamos como sendo de senso comum tem a ver
com a reprodutibilidade de determinadas realidades que se apresentam como espelho,
calcadas nas velhas brincadeiras infantis “de comidinha e de mamãezinha”, que “preparavam
para o futuro papel de mãe-dona-de-casa-consumidora” (LIPOVETSKY, 2000, p. 252) as
mulheres de todas as famílias, como representação ideológica construída ao longo de um
processo que não se vê em curto prazo (ELIAS, 1994).
É justamente a imagem das décadas de 1940 e 1950 — que são formadas, em
nós, por imagens populares de fácil digestão, romantizadas, digamos assim, veiculadas
segundo o ideário de segmentos que disputam o poder de manutenção de múltiplas realidades
e que continuam a ser dadas, ressignificadamente, durante as 24 horas do dia, todos os dias da
semana, pelas diversas mídias
11
, incondicionalmente —, que pode nos ajudar a desvendar
nossas imagens presentes.
11
Aqui estou me referindo às atuais mídias gráficas e eletrônicas conjuntamente.
18
Segundo Virilio (1994, p. 17), “é comum afirmar que nossas lembranças são
multidimensionais, que o pensamento é uma transferência, um transporte (metaphora) no
sentido literal”, consolidado com o uso e com o tempo, que transformaria nossos sentidos
civilizadores (Elias, 1994).
Em relação à verdadeira década de 1940, ela se encontra bem distante de nós
e ao mesmo tempo bastante presente, num duplo sentido (FEATHERSTONE, 1995;
CANEVACCI, 2001), com sua guerra em um continente distante, seus milhares de mortos e
sua modernidade eficazmente construída, com seus jornais diários e suas manchetes sujas de
tinta, como nossas manchetes, primeiras páginas quase sem fotografias, que nos faziam
brincar nas enxurradas com Jeeps de lata amarrados a barbantes, motores que éramos desses
sonhos, pedidos escondidos sob lembranças de crianças, um estilo de pensar alto, parecendo
um “reclame”
12
, mas que eram apenas propagandas de um desejo. Ele, presente todo o tempo,
fazendo de conta que ia embora, deixando-nos aparentemente tranqüilos para, de repente, dar
um flash-cegante em nossa ansiedade escondida atrás do morrinho, de capacete e fuzil de pau.
Emboscada fatal nos nossos sonhos.
Certeira em seu objetivo original como influenciadora geopolítica e cultural
moderna, deve-se pensar a sedução cultural norte-americana ligada à dinâmica industrial
como sendo necessária à nova condição do mundo moderno do pós-Segunda Guerra
(WALLERSTEIN, 2002b) e se contrapondo à orientação educacional, carregada de tradição,
que indicava para a mulher um lugar de permanência, e não de mudança, em nossa sociedade.
Os conflitos entre os pedidos traduzidos no corpo das revistas, em termos de artigos e de
anúncios, também vão refletir o caráter dicotômico resultante do pensamento social da época:
núcleos familiares versus nichos de consumidores.
A análise que adoto aqui, baseada nos autores que me dão fundamento, como
Canevacci (2001), Elias (1994) e Gastaldo (2001), para citar alguns, mostra como a mulher,
educada para ser “do lar” ao longo de sua história, em dadas circunstâncias, a partir de um
determinado momento da história brasileira, é realçada como ícone portador de ideais de
consumo em suas representações nos anúncios publicitários.
Mas a história sempre começa mais cedo. Rapazes e moças que nasceram em
1925 e que tinham 13 ou 17 anos de idade durante a Segunda Guerra Mundial, Leites Moça
*
surgidos durante o auge do plantio do café e da política de supervalorização da economia
cafeeira no Brasil, que viveram a primeira infância na crise de 1929, época em que nossa
12
Como eram denominados os anúncios daquela época — 1940/50 — até os anos 1960.
*
Merchandising como tantos outros que o leitor encontra por aí.
19
economia beirou o naufrágio, quase nem se aperceberam disso, envolvidos que estavam em
brincadeiras inocentes. Caso as meninas fossem filhas dos grandes proprietários rurais, ainda
poderiam viver em fantasia o fim dos bons tempos de folguedos e fartura econômica, mas se
descendessem dos empregados das fazendas estariam ameaçadas pelo desemprego, pela
desilusão, pelo medo e, em conseqüência disso, poderiam migrar com a família para a cidade
grande — muito diferente de nossas cidades grandes atuais —, à procura de sustento.
No começo do século XX, nossos políticos eram oriundos, inicialmente, das
antigas conexões imperiais e das grandes famílias de proprietários rurais. Esse tipo de ligação
foi mantido durante todo o período inicial da República, e a visão europeizante, conflitiva
entre a ética burguesa, católica e operária (que se formava) dominava todas as relações, e era
mantenedora da moral e dos costumes; e, no trabalho, preservava-se a memória dos idos
escravagistas nos relacionamentos entre as diferenças. (SCEVENKO, 1999; FURTADO,
1977). Via-se claramente essa “memória escravagista” na imposição do trabalho pelos
patrões, na falta de cuidados em geral, na falta de assepsia dos lugares, na falta de iluminação,
na falta de limpeza e na falta de preservação dos instrumentos de trabalho (que pertenciam aos
patrões, não aos empregados) e nas próprias relações de trabalho do tipo patrão versus
empregado.
No que se referia às mulheres trabalhadoras,
As trabalhadoras pobres eram consideradas profundamente ignorantes,
irresponsáveis e incapazes, tidas como mais irracionais que as mulheres das
camadas médias e altas, as quais, por sua vez, eram consideradas menos
racionais que os homens. No imaginário das elites, o trabalho braçal, antes
realizado em sua maior parte pelos escravos, era associado à incapacidade
pessoal para desenvolver qualquer habilidade intelectual ou artística e à
degeneração moral. (RAGO, 2004b, p. 589)
No Brasil, à época, as mulheres e as crianças eram absoluta maioria nas
indústrias de tecelagem e fiação, porém as mulheres não eram encontradas nos setores de
metalurgia, de mobiliário ou de calçados. Apesar de termos uma população feminina de
72,74% como trabalhadoras têxteis,
[...] não se deve supor que elas foram progressivamente substituindo os
homens e conquistando o mercado de trabalho fabril. Ao contrário, as
mulheres vão sendo progressivamente expulsas das fábricas na medida em
que avançam a industrialização e a incorporação da força de trabalho
masculina. (RAGO, 2004b, p. 581)
20
Entre nós, as condições de trabalho só começaram a melhorar no começo da
década de 1920, quando Roberto Simonsen trouxe dos Estados Unidos a filosofia taylorista
(FURTADO, 1977), aplicada nas relações de trabalho da grande indústria americana. Nesse
período, rapidamente começaram a se modernizar as relações entre patrões e empregados,
tanto aqui como pelo resto do mundo: “Isso significava tratar os operários como ‘cidadãos
inteligentes’ e não mais como escravos” (RAGO, 2004b, p. 587). A modernização do tipo
americana traria uma perspectiva de melhoria de vida e, como conseqüência, um maior
consumo da família, tendo como reflexo a profissionalização da indústria nacional e o
aumento da sua produção.
Um dos canais que possibilitou esses indicativos de mudanças foi a Justiça
do Trabalho, criada em 1939 por Getúlio Vargas, que trouxe a instituição do salário mínimo e
a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (GETÚLIO VARGAS E A ERA VARGAS,
2005), possibilitando que um grande número de mulheres pudesse exercer ocupação do
espaço público com amparo legal, liberando-as, de certa maneira, da autorização marital para
o trabalho. Há casos em que mulheres mudaram os documentos de registro de nascimento
para poderem prestar o concurso nacional do Departamento Administrativo do Serviço
Público (DASP) e “caber” na lei, burlando as normas para poderem trabalhar e sustentar a si e
à família
13
.
Outra lei que beneficiou as mulheres foi a do direito ao voto (HAHNER,
1981, p. 120), decretada em 24 de fevereiro de 1932
14
, também no governo de Vargas. Essas
leis foram significativas porque, tomadas em conjunto com outros canais de expressão das
mulheres, foram formadoras da base da cultura contemporânea brasileira, manifestadas a um
público amplo não somente pela mídia de massa, mas através das ações do Estado
(SEVCENKO, 1998b). Esses benefícios, divulgados como dádivas e não como conquistas,
frutos de um processo histórico, marcam o aparecimento das novas estratégias de
comunicação política calcadas nos planejamentos de marketing, que também têm origem
nessas décadas, pelo estabelecimento de novos conceitos que ajudariam a constituir uma
cultura de massa e a compor um amplo mercado consumidor notadamente moderno, com
reflexos na indústria do entretenimento e da propaganda.
Aquelas meninas nascidas por volta de 1925 e que durante a Segunda Guerra
Mundial teriam por volta de 13 ou 17 anos, nos conduzirão no fio de nossa história,
juntamente com sua família. No caso de terem migrado, poderiam ter tomado um trem no
13
Entrevista com M, 97 anos, fluminense, funcionária pública federal aposentada.
14
Decreto n
o
21.076, de 24 de fevereiro de 1932.
21
interior do Estado de São Paulo, transporte dos mais modernos à época, mas já em vias de
sucateamento, e descido na Estação da Luz, na capital, São Paulo, que, junto com o Rio de
Janeiro (capital da República, nos idos de 1940), eram as mais modernas cidades do país,
responsáveis pela receita que mantinha a política governista. A estação ferroviária da capital
paulista havia sido construída totalmente ao estilo inglês, do tempo em que o país ainda
mantinha seus braços voltados para a Europa, lugar de origem da grande maioria dos
produtos, culturas e gentes importados, usufruídos direta ou indiretamente pela população
nacional, a qual era formada por uma massa de imigrantes italianos, alemães, austríacos,
poloneses, japoneses, espanhóis, portugueses, sírios, húngaros, judeus, os alijados africanos
(RAGO, 2004b) e por uma massa cruzada entre si e por aqui nascida, porém nova, muito
nova, como geração constituidora de uma história brasileira que viria a formar o colorido de
nossa experiência multiétnica.
Segundo Rago (2004b, p. 580), entre o fim do século XIX e 1930,
[...] entraram no país cerca de 3,5 milhões de imigrantes. Um terço deles, ou
melhor, 1.160.000 eram italianos; 1 milhão, portugueses; 560 mil, espanhóis;
mais de 112 mil eram alemães; 108 mil, russos e 79 mil, australianos.
Desanimados com a difícil condição social em seus países de origem, os
imigrantes sonhavam em fare l’America (“fazer a América”), seduzidos
pelos anúncios que acenavam para um futuro extremamente promissor.
Como vemos, não é de hoje que os anúncios vendem sonhos, e essa
população veio formar parte da massa que geraria os possíveis futuros consumidores dos
produtos e dos anúncios das revistas aqui analisados. A exemplo da família que desceu na
Estação da Luz, em São Paulo, com as meninas a tiracolo (e que é uma família tipicamente
brasileira), a maioria dos imigrantes lhe é correspondente: quase analfabeta.
Na nossa pequena narrativa, o pai vai procurar uma morada na periferia da
cidade (lugar em que o preço do aluguel é mais acessível) para acomodar a família, já que é
tido como “cabeça” do casal; depois, procura trabalho na indústria, que se forma
“modernamente”, devido às dificuldades que o país encontra para importar produtos da
Europa, a qual está envolvida na guerra. A mãe, por sua vez, vai cuidar da casa e talvez
costure para fora, com o intuito de melhorar a renda familiar; as filhas ajudarão nos afazeres
domésticos e poderão trabalhar na indústria têxtil: serão operárias, aos 13 e aos 17 anos,
trabalhando 14 horas por dia e ganhando menos que os homens. Um bom casamento e alguém
que as sustente é o ideal sonhado pela maioria das meninas educadas nessa época e que
22
iremos encontrar ilustrado até nos anos dourados, reforçado pelos artigos encontrados nas
revistas femininas.
Lugar de mulher é o lar [...] a tentativa da mulher moderna de viver como
um homem durante o dia, e como uma mulher durante a noite, é a causa de
muitos lares infelizes e destroçados. [...] Felizmente, porém, a ambição da
maioria das mulheres ainda continua a ser o casamento e a família.
(Querida, nov. 1954 apud BASSANEZI, 2004, p. 624).
Nos anos 1940, dominava marcadamente a proposição do homem em relação
ao papel da mulher e de seu lugar nos espaços públicos e privados. Primeiramente
determinados no interior da família, pelo pai, depois tratados nas editorias dos jornais e
revistas, pelos chefes, todos homens à época, veiculados nacionalmente, essa proposição
ajudava a formar a mentalidade geral através de uma política de homens que não socializava
informações importantes para as mulheres, desqualificando seu espaço na esfera pública,
mantendo-as restritas ao ambiente privado, doméstico (RAGO, 2004a). No entanto, Heinich
(
2001, p. 75) se reporta a Elias otimistamente:
Durante uma conferência feita em Paris, no fim de sua vida, Norbert Elias
declarava que, a seus olhos, a principal revolução advinda na sociedade
ocidental desde sua origem é o direito adquirido, ao longo de nosso século,
pelas mulheres, a uma identidade própria, não mais definindo-se pela relação
de filiação ao pai ou de união com o marido.
A dominância de valores pregnantes contrários ao trabalho das mulheres fora
de casa e de juízos de valor que taxavam e rotulavam as que se atreviam a enfrentá-los como
prostitutas, vagabundas, mulheres de vida fácil, colocava dificuldades e empecilhos concretos
e de valor nas suas ações por conquistar maior espaço público. Segundo Rago, “as autoridades
e os homens de ciência do período consideravam a participação na vida pública incompatível
com a sua [da mulher] constituição biológica”. O preconceito foi convertido em código que,
aos poucos, porém continuadamente, foi regendo as relações entre os sexos, criando
argumentos que justificavam as ações preconceituosas e castradoras. Para a autora, “o espaço
público moderno foi definido como esfera essencialmente masculina, do qual as mulheres
participavam apenas como coadjuvantes [...] desempenhando as funções consideradas menos
importantes nos campos produtivos que lhes eram abertos” (RAGO, 2004b, p. 603).
Os campos produtivos de que estou falando, as indústrias nacionais que
substituíram o setor artesanal e de pequena produção e o setor agrícola exportador em crise
23
desde a quebra mundial, não absorveram completamente a mão-de-obra feminina,
diferentemente do que ocorreu nos Estados Unidos — que se tornaria a referência mundial a
partir de 1945 com “esmagadora margem de vantagem econômica” em produção e
produtividade, institucionalizando essa vantagem em uma hegemonia ideológica e cultural
(WALLERSTEIN, 2002b, p. 20). No caso brasileiro,
[...] somente um desenvolvimento intenso do setor não ligado ao comércio
exterior poderia haver contrabalançado o declínio relativo das exportações.
As atividades não ligadas ao comércio exterior são, via de regra, indústrias
e serviços localizados nas zonas urbanas. (FURTADO, 1977, p. 108)
Uma produção de bens de consumo e um parque industrial com
características de indústrias de transformação leve, com forte preponderância dos setores de
alimentação e de tecidos, foi a configuração aqui estabelecida como parque industrial. Mas,
do ponto de vista de Lima (1976), o fator de aceleração mais importante da economia
nacional a partir dos anos da Depressão americana foi o setor industrial leve, que se
aproveitou dos anos posteriores, de guerra, para ampliar a capacidade de produção e
exportação da indústria têxtil nacional, tornando-a uma potência:
[...] com a forte redução das importações e a cessação das inversões
estrangeiras, a produção manufatureira nacional viu-se liberta dos vários
entraves que a tolhiam, como a concorrência externa, podendo expandir-se
então livremente, utilizando todos os fatores ociosos que existiam. (LIMA,
1976, p. 357)
Essas transformações operaram mudanças no mercado interno, as quais
refletiram no processo econômico e cultural, mas não acarretaram alterações significativas em
relação à situação da imagem das mulheres em nossa sociedade. Houve um lento
desenvolvimento econômico do mercado interno, expandindo-se a oferta de empregos e de
oportunidades na prestação de serviços. Ainda segundo Lima (1976, p. 359),
[...] as atividades ligadas ao mercado interno não somente cresceram,
impulsionadas por seus maiores lucros, mas ainda receberam um maior
impulso atraindo capitais que se formavam, ou desinvertiam no setor da
exportação. A indústria passa então a ser o fator dinâmico principal na
criação da renda.
24
A mulher trabalhadora que se virava pela cidade para aumentar a renda do
lar, que trabalhava fora de casa, cuja imagem estava vinculada à da mulher fácil, da vida,
prostituta, tem ainda bastante dificuldade de separar sua imagem desses conceitos. No
entanto, segundo Rago (2004b, p. 604), “as trabalhadoras recusaram, alteraram e recriaram
muitos dos significados e das práticas que os dirigentes pretenderam impor ao mundo do
trabalho e da vida pública”. E vamos encontrar na imagem das mulheres nos anúncios
publicitários das décadas de 1940 e 1950 a recriação desses significados, com apelos tão
variados que nos indicam múltiplos personagens por elas assimilados, ou a assimilar, e que
irão influenciar os costumes de toda uma geração ainda por vir: transformações que não
ocorrerão de maneira isolada no mundo
15
.
A publicidade dessas duas décadas mostra sua responsabilidade na
valorização de alguns desses papéis, ao começar a colocar em evidência mulheres bem-
vestidas, refinadas, lindas e limpas, que estavam consumindo as facilidades de uma nova vida
e que, como vimos não correspondia à realidade da massa de mulheres brasileiras, fossem elas
donas de casa ou trabalhadoras. As mulheres brasileiras ligadas à vida doméstica e, portanto, à
vida dos tanques de lavar roupa ou dos aparelhos, liquidificadores, máquinas de lavar,
geladeiras (e mesmo dos produtos de beleza, mascarados com a justificativa de preservação
da saúde, do lazer e das facilidades do trabalho), agora estavam representadas nos anúncios e
à disposição para um público mais amplo, de acordo com as perspectivas da imagem da
mulher americana.
Nos Estados Unidos, durante o período que englobou a Segunda Guerra
Mundial, como demonstra Bassanezi (2004,), um caminho diferente foi apontado para as
mulheres, cooptadas pelo Estado para o trabalho na indústria bélica devido ao fato de os
homens estarem no campo de batalha, na Europa. Assim, as americanas atendiam a um pedido
para se colocarem fora do ambiente doméstico e se sujeitarem a diferentes transições de
lugares, que iam de encontro a uma multiplicidade de trocas culturais entre o caminho para o
trabalho, o próprio circuito desse e a volta para casa, durante o período do conflito mundial.
Mas, segundo a autora,
[...] se o Brasil acompanhou, à sua maneira, as tendências internacionais de
modernização e de emancipação feminina — impulsionadas com a
participação das mulheres no esforço de guerra e reforçadas pelo
desenvolvimento econômico —, também foi influenciado pelas campanhas
estrangeiras que, com o fim da guerra, passaram a pregar a volta das
mulheres ao lar e aos valores tradicionais da sociedade. (BASSANEZI 2004,
p. 608)
15
Mudanças que ocorreriam a partir da década de 1960, como a contracultura e a revolução sexual.
25
A mudança de vivências que ocorreu, a partir das elites, em direção às
camadas mais populares da sociedade nacional, — as quais, em grande parte, recém-saídas da
vida enclausurada do mundo rural e das pequenas áreas urbanas, onde o encontro religioso era
o centro das principais atividades, viram-se diante de “novas formas de reunião social e de
diversão abertas com a modernização das cidades” (RAGO, 2004b, p. 586), o que fez com
que substituíssem as formas costumeiras “domésticas” da pequena produção comunitária,
formando (como vimos) novos “campos produtivos”, modernizadores das relações
socioeconômicas sem, contudo, atingir as relações na esfera dos costumes — operou
modificações no mercado interno que refletiram no processo econômico e cultural, mas essas
modificações não acarretaram transformações significativas em relação à situação da imagem
das mulheres em nossa sociedade. Elas continuaram com suas atividades de trabalho nas
indústrias, no comércio e no lar, sem que ocorresse a substituição dos homens nas várias
esferas do trabalho e sem a ampliação dos contatos culturais e, mesmo após a Segunda
Guerra, nossas mentalidades, como afirma Rago (2004a), se confirmaram como papéis
distintivos, estendendo-se durante a década de 1950 e se fazendo notar claramente como uma
moral sexual diferenciadamente forte e inclinadamente masculina: lugar de mulher é na
cozinha.
O excedente de mulheres que se encontrava na indústria bélica americana e
que se deparou com a volta dos homens para casa e para seu lugar profissional se viu, muito
mais, frente a um efeito simbólico dessa volta ao lar e ao trabalho, pelo fato de projetar as
aspirações de uma geração que iria iniciar as mudanças vindouras no mundo a partir do ponto
de vista do american way of life. A construção de uma imagem cultural que seria exportada
para outros países, os do Terceiro Mundo, principalmente, e os que estavam em reconstrução,
focalizando as esperanças nutridas no “liberalismo global” após a revolução mundial que
gerou um programa de “reformismo racional” (WALLERSTEIN, 2002b, p.165), estava
focada nesse tipo de efeito de retorno e reforço do núcleo familiar como força de coesão
social e de manutenção de uma cultura oficial.
26
Fonte: Seleções, Fev. 1944
Figura 6 - Anúncios de mulheres na indústria bélica americana veiculados no Brasil.
As décadas de 1940 e 1950, que me interessam marcar como de influência e
de “upgrade” cultural entre nós, propiciaram o desenvolvimento de uma mentalidade nova
que, ao ser tomada rapidamente pelos rítmos mais dinâmicos da industrialização e vista sob
um olhar a partir do qual outras culturas se debateram diretamente nos vários conflitos
internacionais e nacionais, foi adocicada pelas amplas imagens institucionalizadas,
principalmente pela indústria do cinema americano, exportado à época como principal
produto de consumo dos Estados Unidos, pois trazia a reboque a venda
16
de muitos outros
produtos industrializados. Ao marcar ideologicamente a réplica americana e seguir a trilha dos
sonhos do american way, importando técnicos, equipamentos e conceitos, assim como o
sonho de muitas outras culturas que se seguiram no pós-guerra, reforçamos e repatriamos esse
sonho como sendo o caminho brasileiro a ser indicado às novas gerações.
As imagens carregadas de ideologia da indústria de comunicação e de
entretenimento foram disseminadas via publicização de um mundo que aparecia como um
amplo mercado de possibilidades (experimentado como investimento a partir do Estado com a
ampliação das estratégias militares utilizadas durante as campanhas em conflitos mundiais,
então aplicadas como marketing ao mercado, à política e à diplomacia, com influências
profundas nos países descapitalizados e sob a esfera da política americana) e vendidas sob a
luz colorida de um futuro promissor: bem-vindos ao fantástico mundo da publicidade.
27
Ora, voltando no tempo em 60 anos, veremos um espetáculo bastante
interessante ao passear por entre os anúncios publicitários aqui analisados e pelo quadro de
campos de referência composto a partir dessas observações, que me possibilitaram criar esse
esquema onde estão organizados os anúncios em indicações de possibilidades de vidas a partir
de um núcleo familiar, num total de sete campos, e que o leitor pode encontrar na folha dupla
adiante inserida ao fim da introdução. Veremos que não só através de cada anúncio e de seu
grupo, mas também da composição desse mosaico, o marketing e a publicidade se envolveram
(e se envolvem) continuadamente em um trabalho que visa mostrar apenas uma das faces de
Janus
17
para o público consumidor.
A categorização dos anúncios aqui proposta, em campos significativos do
tipo “vida eletrodoméstica”, “vida para os outros”, “vida de saúde”, “vida de modelo”, “vida
de trabalhadora”, “vida para si” e “vida de família”, vem caracterizar o discurso publicitário
como um processo contínuo de construção de representações do social através da linguagem
visual, referindo, sintetizando ou mesmo antecipando tendências culturais e comportamentais
vulgarizadas através da veiculação das peças publicitárias em diferentes mídias, como visões
de um mundo perfeitamente ideologizado e compartimentalizado e que vai se dissolver em
campos mais amplos de maneira mais abrangente, porém, contraditoriamente, pulverizando-
os em hábitos cotidianos, homeopaticamente, como apropriação social das peças publicitárias
e como fator de composição do imaginário cultural.
O discurso publicitário atual vai muito além da representação da realidade,
evidenciando o jogo das representações reais e imaginárias, produzindo e reproduzindo os
temas mais importantes do mundo contemporâneo, que são as representações sobre a própria
sociedade e seus grupos de formação (GASTALDO, 2001; CANEVACCI, 2001). Neste
sentido, minha hipótese é que não é a mulher como um ser biológico, dotado de uma anatomia
e socialmente construído ao longo dos séculos que é representada nesses anúncios, mas um
ícone/imagem que vende bem qualquer produto no mercado, sem contradição, seja ele local
ou global. A publicidade contribui, e muito, para a construção de múltiplos significados,
colaborando para delimitar a hegemonia de determinadas visões de mundo — mas não se
pode negar que, ao encorajar, nos indivíduos, a leitura das diferenças nos sinais que ela
comunica, a publicidade vai destruir os sinais anteriormente construídos por ela própria, numa
liquefação cultural constante de símbolos, ícones e mitos.
16
Estamos novamente frente à manipulação do merchandising, muito utilizado, de várias maneiras, no mercado.
17
Na iconografia de Roma, o Jano de dois rostos vigiava entradas e saídas, o passado e o futuro, os viajantes que partiam e
voltavam (TRESIDDER, 2003, p. 59). Era tido, também, como o porteiro do céu, que abria o ano, como divindade guardiã
das portas, geralmente apresentado com duas cabeças, pois as portas se voltam para dois lados (BULFINCH, 2004, p. 17).
28
Vale ressaltar que fui a campo — nos anos de 2003 e 2004 — realizar a
pesquisa empírica tendo em mente fotografar todos os anúncios que me caíssem nas mãos,
não importando o produto, desde que em sua composição houvesse menção à imagem das
mulheres. Ao final da pesquisa, havia fotografado 407 anúncios de revistas como Seleções do
Reader’s Digest e as nacionais Sétimo Céu, Manchete, O Cruzeiro, Grande Hotel e Capricho,
entre outras, e também de anúncios de arquivos pessoais e dos Arquivos de Memória da
Editora Abril, em São Paulo, relativos aos anos 1940 e 1950. Foram selecionados, por
questões de legibilidade, 107 anúncios dos anos 1940 e 168 dos anos 1950, com os quais
compus a grade que me possibilitou o insight dos campos de referência que compõem o
quadro dos anúncios aqui analisados.
29
Figura 7 - Página dupla com quadro dos campos de referência I (continua)
30
Figura 7 - Página dupla com quadro dos campos de referência I (continuação)
31
PRIMEIRA PARTE
32
3 INTRODUÇÃO
As informações, do jeito como as dispomos, procedentes dos vários meios,
contêm suas próprias versões sobre os acontecimentos antes de serem apresentadas à massa e
jazer como sementes na terra. Misturadas, determinam, à vontade, o crescimento
relativamente independente de sua contribuição para a ampliação de nosso imaginário. A
formação dos jornais e revistas, o mundo dos anúncios e do consumo como definidor de
posições sociais que se utiliza de estratégias que usam das representações da mulher, além de
introduzir a discussão sobre o didatismo da publicidade e da necessidade do aprendizado da
“leitura” das mídias de massa em nosso mundo contemporâneo, abre a possibilidade para ver
as possíveis configurações na qual o espaço reservado às mulheres foi restrito e relegado à
margem. Esse barramento não impediu que, num prazo de cerca de 70 anos, as mulheres
fossem abordadas não pelo lado de participantes ativas da produção, mas como ativadoras do
próprio sonho da publicidade: foi aberta a Caixa de Pandora
18
.
3.1 V
ARIEDADES: A HISTÓRIA EM REVISTAS
São Paulo, em meados da década de 1940, possuía uma população de pouco
mais de dois milhões de pessoas e um pequeno parque gráfico, que publicava algumas revistas
mais permanentes (A REVISTA NO BRASIL, 2000), sendo que algumas delas circulavam
nacionalmente: Revista Brasileira, Grande Hotel, Seleções e Jornal das Moças. A revista
Diretrizes, produzida em São Paulo, mantinha circulação restrita às duas grandes capitais do
país, e Sombra, produzida no Rio, também circulava restritamente, para citar as mais
influentes em certos segmentos que formavam opinião. Já o Rio de Janeiro concentrava
grande parte da população intelectual e da produção midiática dessa época (com a maioria dos
jornais, rádios e publicações), com imensa produção e as principais revistas nacionais tendo
suas matrizes editoriais nessa cidade: O Cruzeiro e A Cigarra, para citar duas, entre tantas
outras (que veremos na linha do tempo, no item 2 desta primeira parte), ambas de propriedade
de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello. Estou falando de publicações com
18
Pandora foi a primeira mulher criada por Júpiter, que a fez e a enviou a Prometeu e a seu irmão, para puni-los pela ousadia
de furtar o fogo do céu, e ao homem, por tê-lo aceito (BULFINCH, 2004, p. 20).
33
longevidade editorial de algumas décadas, e não da publicação de revistas de poucos e
espaçados números, que pipocavam sem freqüência, o que implicava aventura e falta de
estrutura e profissionalismo, e de serem mero trampolim para futuras projeções individuais de
seus participantes (A REVISTA..., 2000).
O espetáculo diversificado e colorido que encontramos nas bancas
atualmente é bastante recente em nossa história:
[...] toda essa festa de informação, cultura e entretenimento nasceu de tão
pouco — de um maço mal encadernado de folhas de papel, trinta páginas
monotonamente recobertas de texto, sem uma ilustração que fosse.
Quem chamaria aquilo de revista? Nem mesmo seu editor, o tipógrafo e
livreiro português Manoel Antonio da Silva Serva: ao colocá-las à venda, em
Salvador, no mês de janeiro de 1812, Silva Serva apresentou As Variedades
ou Ensaios de Literatura como “folheto” — embora o termo “revista” já
existisse desde 1704, quando Daniel Defoe, o autor de Robinson Crusoe,
lançou em Londres A Weekly Review of the Affairs of France. (A
REVISTA..., 2000, p.16)
Fonte: A revista no Brasil, 2000, p. 12
Figura 8 - Capa da revista As Variedades ou Ensaios de Literatura, publicada em Salvador
por Manoel Antonio da Silva Serva em janeiro de 1812.
34
Muitas outras revistas foram editadas, seguindo o exemplo de Manoel Serva,
só que algumas delas fora do país e aqui distribuídas, devido a critérios técnico-industriais:
falta de equipamentos gráficos e mão-de-obra especializada. Não possuíam preocupação
noticiosa, apenas cultural/literária. Porém, para que as revistas descendentes de As Variedades
tomassem a feição atual e se enraizassem na vida dos brasileiros, seriam necessários alguns
fatores combinados entre si. A ilustração foi um deles, o primeiro, que projetou a nova mídia
com a devida força comunicacional, seguida da fotografia. Ocorre que, em princípio, pela
dificuldade de impressão das fotografias, elas serviam de “base” para a confecção das
ilustrações, criadas a partir dos originais fotográficos e desenhadas em estampas passíveis de
serem impressas nas condições técnicas da época: como não havia condições de reproduzir os
meio-tons das fotos e as gradações de cinzas, aquelas eram substituídas pelos pontilhismos e
riscos finíssimos das ilustrações, impressas em metal, como mostra a figura 9, (a seguir), no
traço de Sisson impresso na revista Ostensor Brasileiro, em 1845.
Fonte: A revista no Brasil, 2000, p. 13
Figura 9 - Ilustração de Sisson, a partir de fotografia do Largo do Paço (Rio de Janeiro), para
a revista Ostensor Brasileiro, de 1845.
Em janeiro de 1904, Olavo Bilac vaticinou, no número 1 do semanário
carioca Kósmos, o temor de que as revistas ameaçassem de morte a indústria do livro: “quem
35
está matando o livro não é propriamente o jornal; é, sim, a revista, sua irmã mais moça, cujos
progressos, no século passado e neste começo de século, são de uma evidência maravilhosa”
(BILAC apud A REVISTA..., 2000, p. 18-21). Assim como Bilac, muitos de nossos
pensadores erraram ao emitir juízo sobre novas tecnologias e novas mídias: o que acontece é
um reacomodamento do público em relação a esses novos setores, passado o boom frissonante
e novidadeiro.
Para a manutenção longeva das publicações, há a necessidade de verbas que
cubram despesas com pessoal e material, e essas verbas vêm necessariamente da venda de
revistas e dos anúncios em suas páginas. Para isso é necessário o estabelecimento de uma
logística: coleta, produção e distribuição. Anunciantes só se mantêm se houver confiabilidade
na distribuição e no conteúdo da mídia. A experiência dos modernistas, “acomodados” no
Diário de São Paulo, de Assis Chateaubriand (amigo de Getúlio Vargas), para a primeira e a
segunda edição de sua revista Klaxon, em 1928, mostra como a confiabilidade do anunciante
e a sobrevivência da mídia estão intimamente associadas:
[...] os “klaxistas” conseguiram anúncios de quarta capa — dos chocolates
Lacta e do refrigerante Guaraná. Decidiram, porém, criar eles mesmos os
anúncios, dentro do espírito de renovação estética em que estavam
exaltadamente embarcados. O resultado é que os anunciantes, assustados
com a modernidade gráfica, retiraram o patrocínio — o que levou os editores
a publicar um editorial em que instavam o leitor a não mais consumir os dois
produtos, que de “magníficos” haviam passado a “detestáveis”. “Não comam
Lacta nem bebam Guaraná”, recomendaram os poetas, “enquanto essas
marcas não nos derem anúncios”. Não deram, e Klaxon não foi adiante (A
REVISTA..., 2000, p. 118-119).
36
Fonte: A revista no Brasil, 2000, p. 206
Figura 10 - Revista antropofágica Klaxon: anúncio criado pelos modernistas para o cliente
Lacta, em 1928.
Pode-se dizer que o anúncio dos modernistas foi o primeiro veiculado como
publicidade criativa feito por brasileiros para um público brasileiro. O fato de não
corresponder aos hábitos nacionais ou não ter a ver com a cultura dominante, ou mesmo com
o público-alvo a que se direcionava o produto, acabou por produzir efeito contrário nos
empresários, que cancelaram os contratos de publicidade com a revista devido à
funcionalidade imperativa do mercado e à objetividade imposta ao sistema de gerenciamento
de marketing e vendas: uma questão de posicionamento, não de criatividade. O anúncio da
Lacta foi um anúncio à frente de seu tempo, pois a criatividade, em termos de expressão
gráfica comercial, só viria a ocorrer a partir do desenvolvimento de repertório particular anos
mais tarde, durante as décadas de 1960 e 1970 (MARCONDES, 2002).
37
3.2 O MUNDO É UM ANÚNCIO: A INFORMAÇÃO DOS CONTEXTOS BRASIL GRÁFICO
No início de 1900, em plena movimentação das grandes invenções do século
XX, a publicidade passou a contar com os avanços técnicos da imprensa, grande responsável
pela qualidade de impressão gráfica das ilustrações e das fotografias nas revistas. Além da
novidade da impressão em cores, os “reclames” (como os anúncios eram chamados),
ingênuos, formais e adjetivados, convidavam o leitor, em verso, para uma ampla
memorização. Inicialmente textuais, as imagens foram sendo acrescentadas nos anúncios de
início timidamente, como molduras, cobrindo os espaços em branco, ilustrações sem conteúdo
definido em relação à descrição do produto, para depois passar a expressar maior
contigüidade. Os anúncios para a mídia impressa vão nascer a partir de uma “colagem de
recursos” já existentes e conhecidos, tais como as ilustrações das pinturas e os textos da
literatura e do jornalismo (MARCONDES, 2002).
No Brasil, a primeira empresa a se constituir como agência de publicidade e
a merecer essa classificação foi A Eclética, em 1914, em São Paulo. Na década de 1920, Júlio
Cosi, diretor dessa agência, foi o primeiro publicitário brasileiro a se firmar como criador (A
REVISTA..., 2000), após visitar jornais, revistas e agências nos Estados Unidos e fazer
contatos com a mídia de várias regiões do Brasil. Segundo o editorial de A revista no Brasil,
Embora outras agências tenham sido criadas logo após a I Guerra Mundial, o
salto de qualidade só seria dado em 1926, com a instalação no Brasil do
departamento de propaganda da General Motors e, mais tarde, com a
chegada de agências internacionais como J. W. Thompson, McCann-
Erickson e Lintas. Ao lado das nacionais A Eclética e Standart, elas fixariam
a base da publicidade moderna. (A REVISTA..., 2000, p. 207)
Essa base da publicidade moderna a que A REVISTA NO BRASIL se refere
é incentivadora da produção gráfica e ao mesmo tempo incentivada por ela, ao fazer girar o
capital financeiro entre empresas de comunicação, produtos e serviços e o mercado de
consumo, calcados em oferecimentos de serviços na área de marketing e vendas das empresas
e veículos, instituições jurídicas, políticas, industriais e culturais. Múltiplas relações se
estabelecem em mútuo benefício. Muitos dos proprietários e dirigentes desses veículos
flertavam com o poder político/econômico abertamente.
38
A revista O Cruzeiro foi criada no Rio de Janeiro em 1928, como semanário,
e conseguiu arrebanhar o que havia de melhor entre jornalistas e intelectuais brasileiros,
muitos dos quais trabalhavam em outras revistas, tais como David Nasser, o fotógrafo Jean
Manzon e o humorista Millôr Fernandes, além de colaboradores como Gilberto Freire e
Rachel de Queiroz. Dominou o mercado até os anos 1950, quando precisou disputar espaço
com a recém-lançada revista Manchete, de Adolpho Bloch, fervoroso defensor da construção
de Brasília e que dedicou espaço na mídia de sua propriedade para isso. Essa estrutura de
criação, produção, distribuição e vendas de revistas, com textos, imagens e contatos com as
fontes capazes de suscitar convencimento, fantasias e de gerar publicidade/faturamento, é
completamente diferente das nossas primeiras revistas, que foram toscamente produzidas e
sem quaisquer preocupações comerciais, muito próximas ao que hoje denominamos
“Fanzines”
19
.
Confirmando Elias (1994), sobre o aprendizado, e Canevacci (2001), sobre o
didatismo da publicidade, Orígenes Lessa, escritor, autor de O feijão e o sonho, e membro da
Academia Brasileira de Letras, registrou um episódio de sua vida, nos anos 1930, quando era
redator de uma agência de publicidade: “o problema não era apenas vender, era ensinar para
que servia o produto, [...] ninguém sabia para que servia uma geladeira elétrica” (A
REVISTA..., 2000, p. 207) (destaque meu). Havia um estilo que dominava na publicidade até
os anos 1940, no qual o texto era muito discursivo e os layouts deixavam a desejar, eram
“pobres” (A REVISTA..., 2000). “Apenas as campanhas feitas para as revistas femininas —
segmento que passava a liderar a veiculação de anúncios — fugiam ao padrão” (A
REVISTA..., 2000, p. 207) (destaque meu). Começa a aparecer, nessa época, uma atenção
especial à mulher, comprovada nas edições que abusavam da qualidade de impressão e das
surpresas gráficas, construindo uma nova realidade comercial
20
. Uma linha do tempo editorial
incluindo as décadas de 1940 e 1950 mostra com clareza a quantidade de revistas publicadas
nesse período (e dá uma noção do comportamento do mercado)
21
:
19
Revistas feitas por pequenos grupos tidos como fãs de determinado segmento cultural e distribuidas mano a mano.
20
Por exemplo, a impressão em papel couché, que vai diferenciar revistas que privilegiam imagens (A REVISTA NO
BRASIL, 2000, p. 53).
21
Nessa linha do tempo não estão as publicações de quadrinhos e cadernos de jornais, que tornarão a década de 1950 a maior
produtora de revistas no país até então, e conseqüentemente, de anúncios impressos.
39
1935 ___ 1940 ___ 1945 ___ 1950 __ 1955
Anauê! Publicidade, Literatura Álbum do Manchete
1935-37 depois, Publicidade 1946-48 Radio, depois Esportiva
Carioca e negócios e Grande Hotel Álbum do (1ª fase)
1935-54 Política e negócios 1947-80 Radio e TV 1955-59
Revista 1940-64 Iris 1950-59 Módulo
Contemporanea Sombra 1947-99 Anhembi 1955-89
1935-35 1940-60 Problemas 1950-62 Revista Bra-
A Voz do Radio Clima 1947-56 Cinderela siliense
1935-36 1941-43 Revista de 1950-66 1955-64
A Novela Cultura Política Administração Habitat Teatro Bra-
1936-37 1941-45 1947 1950-64 sileiro
São Paulo Planalto Vida Infantil Para Todos... 1955-56
1936-? 1941-42 1947-61 (2ª fase) TV Programas
Transito Revista Brasileira Edição 1950-57 1955-63
1936-37 (5ª fase) Maravilhosa Cinemim Club dos
Vamos ler! 1941-66 1948-61 (1ª fase) Artistas
1936-48 X-9 Fundamentos 1951-64 1956-57
Contos Magazine 1941-62 1948-55 Dionysos Contos de
1937-45 Engenharia Meia-Noite 1951-89 Amor
Don Casmurro 1942 1948-68 Capricho 1956-65
1937-46 Leitura (1ªfase) Revista do Radio 1952 Maquis
1942-49 1948-70 1956-62
Mirim Rio Encanto Cinelandia Mercado
1937-45 1942-53 1949-54 depois, 1956
Problemas Seleções do Filme CineTVlandia Propaganda
1937-39 Reader’s Digest 1949-49 1952-67 1956
Propaganda 1942 Investigações Epopéia Revista do
1937-39 Digesto Economico 1949-54 1952-60 Livro
Revista do 1944 Vida Juvenil Manchete 1956-70
do Serviço Digesto Economico 1949-59 1952 Você
do Patrimonio 1944 Meu Bem 1956-59
Histórico e A Granja 1952-53 O Cruzeiro
Artístico Nacional 1944 Visão Internacional
1937 1952-93 1957-65
Tit-Bits Revista do Brasil Casa&Jardim Desenvolvimento
1937-38 (4ª fase) 1953 & Conjuntura
Cultura – 1944-44 O Mundo 1957-68
Mensario Ilustrado Jóia
Democratico 1953-63 1957-69
1938-40 Radiolândia, Leitura
Diretrizes depois, (2ª fase)
1938-44 Radiolândia 1957-68
Revista Tevelândia Estudos
do Brasil e, TV Sociais
(3ª fase) RadioLândia 1958-64
1938-43 1953-63 Ilusão
Cadernos Filmelândia 1958-82
da Hora 1954-63 Panfleto
Presente Querida 1958-59
1939-40 1954-71 Sétimo Céu
Sport Ilustrado 1958-92
1938-41 Destino
Seiva 1959-73
1939-43 Garôtas
Jornal das Moças 1950-67
1914-61 Manequim
1959
40
Metalurgia
&Materiais
1959
Noturno
1959-75
Senhor
1959-64
Sentimental
1959-65
Até meados da década de 1940, encontramos nos títulos das revistas um
reflexo do que podemos chamar de “o espírito de uma época”. Esse dominava as relações
familiares e a maioria das relações sociais em que se incluía a mulher, os jovens e os valores
culturais mais tradicionais; as mudanças eram pouco desejadas e havia dureza e reduzida
plasticidade nos relacionamentos. Quando vemos Encanto como título de uma revista em
bancas nas ruas das cidades mais urbanizadas, vendida junto a outras como Querida,
Cinderela, Capricho, Você e Ilusão, por exemplo, lemos indicativos de mudanças
estacionados em “pontos” estratégicos comercialmente. O marketing dos pontos de vendas
amplamente ilustrados: Breve! “Corações e Mentes”
22
está esquentando os motores da nova
cultura.
Imersas na grande onda, serão vistas sob novas luzes/flashes nas brilhantes
caras
23
da modernidade (CANEVACCI, 2001), refletindo grandes mudanças, não só no
mercado, com a descoberta do universo da mulher enquanto espaço de consumo e de geração
de valor. Revistas como Sentimental, Manequim, Sétimo Céu, Contos de Amor e Meu Bem,
entre tantos outros títulos publicados, são portadoras de matérias, imagens e anúncios que, em
sua maioria, vêm traduzir “o espírito de uma nova época”, a do capital cultural, a da
sentimentalização do mercado; início de uma cultura do consumo (FEATHERSTONE, 1995)
que se vai fazer extremamente volátil e que comunica valores.
A realidade dos anúncios publicitários, das capas das revistas femininas e dos
cartazes é veiculada como um mundo ideal e prazeroso, sem conflitos, distante do mundo
considerado real de nosso cotidiano. A relação é complexa e a eficácia das estratégias de
marketing e da publicidade em expressar ad continuum essa ideologia é comprovada e
interfere no mercado. Os anúncios pioneiros, que mencionam mulheres e que serão mostrados
adiante, ao contrário dos anúncios atuais, interferem na própria realidade ao se mostrarem
descritivos e colados em sua eficácia de venda e, dificilmente, ao se descolar desse berço
22
Mais merchandising.
41
dourado do marketing. Entretanto, como afirma Gastaldo (2001, p. 129), “considerar a
publicidade somente sob o ponto de vista de seu papel de ‘ferramenta mercadológica’
significa eliminar toda a dimensão social, cultural e simbólica presente no discurso dos
anúncios”.
Além de vender produtos, os anúncios vendem estilos de vida, mesmo que de
acordo com o estilo de vida americano, pois esse passa a dominar o mercado de bens
simbólicos e industriais no pós-Segunda Guerra Mundial. Os anúncios vão vender padrões de
consumo, representações sobre a sociedade, a família e sobre as relações homem-mulher, ou
seja, a publicidade vem para educar e, conseqüentemente, transforma o civilizar
didaticamente (CANEVACCI, 2001; ELIAS, 1994). Os jovens e, principalmente, a “nova
mulher”, que vemos representados nos anúncios a partir das décadas de 1940 e 1950, estão
submetidos a ideologias, estereótipos, preconceitos pregnantes na sociedade — todos eles
produtos da própria sociedade, elaborados em um contexto sociocultural bastante específico
—, sintetizados ou mesmo antecipados em tendências de comportamento expandidas pela
veiculação de anúncios nas diferentes mídias
24
que se encontra em ação.
Um importante aspecto constituinte das culturas contemporâneas é a
apropriação social dos anúncios como fator cultural, pelo fato de representarem nichos,
segmentos sociais a que são destinados em sua comunicação e linguagem, pois o fazer dos
anúncios parte do princípio de que as experiências ali mostradas são frutos de realidades:
pesquisas extraídas da própria realidade desses grupos e derivadas de um planejamento
estratégico. Segundo Gastaldo (2001, p. 132), o universo das imagens da publicidade “pode
ser uma janela reveladora que se abre sobre uma espécie de ‘mundo das idéias’”, o que
possibilita uma melhor compreensão da sociedade. Mas esse “mundo das idéias” de que fala o
autor, longe de estar situado apenas como imaginário, pauta-se em uma congruência com a
realidade no i-media-ato
25
de sua representação. Acontece que esse processo é dissolvido, na
medida em que os anúncios são veiculados com o sentido de captura de um público
receptor/consumidor/cidadão bastante específico e que, porém, acaba por atingir amplo
espectro da massa leitora. Os anúncios, assim como os produtos que eles vendem e os seus
consumidores, tornam-se novos sujeitos sociais, dotados de vida e biografia próprias: passam
a compor uma trama histórica com o esvaziamento do “real” e com a abolição da contradição
entre o real e o imaginário (FEATHERSTONE, 1995; BALANDIER, 1987).
23
No sentido de primeiro plano de Courtine e Haroche, de que fala Canevacci (2001) no capítulo “Cabeças cortadas: a
máscara e o visus”, sobre a projeção do rosto como “figura” significativa de comunicação da modernidade.
24
Anúncios encontrados não apenas nas revistas, mas modelos apresentados nos filmes dos cinemas, nos cartazes e na arte.
25
Neologismo no sentido de “imediatamente” e de “uma ação dos meios de comunicação de massa”, conjuntamente.
42
Temos a possibilidade de inserir os anúncios em três tipos de argumentação
representativa: a dos criadores, que crêem representar com presteza a realidade do mundo nos
anúncios, no momento de sua criação; a das peças (anúncios), que, por serem baseadas em
panoramas de grupos sociais e pesquisas de mercado, acabam por adquirir uma vida social e
uma biografia cultural que passam a existir por si mesmas; e a dos receptores (consumidores),
que, por serem de segmentos amplos e de variados públicos, vêm interpretar essa “realidade”
como uma possibilidade de acesso a um mundo do possível, do assimilável, a partir da
aquisição de tal produto ou de tal modelo de vida representado no anúncio como sendo o seu
mundo plausível.
Parafraseando Blásquez (2000, p. 172), o poder dessas representações acaba
derivando não apenas do que elas representam, mas delas próprias: “Pode-se dizer que existe
uma preponderância tal do significante sobre o significado” que os anúncios são consumidos
por seus próprios modelos, assim como esses modelos são extraídos (via pesquisas de
mercado) de diferentes comunidades para a mídia — tal qual Ouroborus
26
comendo a própria
cauda.
Mark de Szentmiklósy, diretor de criação de uma agência de comunicação de
São Paulo, em entrevista dada a Maria Carolina de Araújo Antonio, ao falar sobre o
procedimento do trabalho publicitário em uma agência profissional, coloca:
[...] hoje existe uma segmentação cultural muito grande das pessoas e essas
pessoas têm uma seleção natural, de acordo com seus interesses, [...] o maior
advento da nossa época é a segmentação. Se você for ver o número de
edições de revistas que tem hoje, comparado com o tinha há dez anos atrás, é
absurdo; o número de canais de televisão é incomparável com o que tinha
dez anos atrás. O que existe hoje, cada vez mais, é a segmentação, que está
diretamente ligada com elementos culturais, e o filtro é esse. [...] as pessoas
vão se identificar mais com os anúncios que utilizam elementos de sua vida
cotidiana, que se comunicam através da linguagem do grupo/público
específico. Dessa forma, se o consumidor passou batido, não prestou a
devida atenção a um anúncio, isso não é resultado de uma saturação visual,
mas sim, porque o anúncio não foi direcionado para esse consumidor
específico ou, então, a construção do discurso foi falha na utilização de
elementos representativos que fizessem com que esse consumidor se
identificasse com a mensagem. (apud ANTONIO, 2004, p.41)
A especialização das mídias, principalmente das revistas, se dá em época
bem recente da nossa história. A segmentação do mercado se deu pela necessidade de
26
Da simbologia egípcia do eterno retorno; a cobra que come o próprio rabo.
43
“atender públicos cada vez mais diversificados” (A REVISTA..., 2000, p. 22), salientando
outros recortes da sociedade, com o seu auge nos anos 1970.
Ao analisar as publicações das décadas de 1940 e 1950, vamos encontrar em
revistas mundiais, como é o caso de Seleções
27
, matérias e anúncios díspares em relação à
composição de seu público-alvo: um público leitor constituído em sua maioria por jovens e
mulheres que passam muito tempo dentro de casa. Essa revista, originariamente destinada ao
lar e a um público médio
28
(do tipo família), trazia matérias médicas; de sobrevivência;
experiências pessoais; piadas de caserna (“de quartel”, típicas do âmbito militar, contadas por
homens num ambiente de homens); dicas de remédios; comportamento e os anúncios que
trafegavam por produtos e serviços, desde o refrigerante universal Coca-Cola; canetas;
máquinas datilográficas; cremes e remédios para beleza até tanques militares; aviões de
combate; armas; ferramentas e equipamento industrial pesado: um modo de vida tipicamente
americano, ligado às armas. Seleções traduz, ainda, uma síntese de opiniões veiculadas na
maioria das revistas de grande circulação e das grandes publicações americanas; editoriais de
jornais diários; matérias principais de jornalistas-chave e de escritores renomados; revistas de
grandes tiragens; ligas comunitárias e católicas; rotarianas e círculo do livro; revistas
científicas e especializadas; revistas da aeronáutica; agrícolas; petroquímicas e de todas
aquelas envolvidas na coalizão antifascista a partir dos anos 1940.
Nela estão ilustrados comportamentos que exprimem claramente um retrato
que me possibilitou um primeiro insight para o quadro dos campos de referência apresentado
na figura 7: vida doméstica, vida de família, vida de soldado, vida de operário, vida de
fazenda, vidas em geral. E também curiosidades sobre tudo e todos, além da divulgação de
uma moral e de uma ética/ideologia consolidadas em costumes consensuais. Um conjunto de
interações que forma um sistema planejado e que acaba por estruturar progressivamente
relações entre os grupos sociais que a ela têm acesso (ELIAS, 1994). Os anúncios dessa
revista, ao serem “traduzidos” para o nosso público, embora passem por um filtro cultural
brasileiro, não perdem seu sentido original (SANTOS, 1996), como no anúncio “Viúva
Preta”, a seguir:
27
A pesquisa foi realizada com Seleções do Reader’s Digest de 1942 até 1959, abarcando a Segunda Guerra Mundial.
28
Por isso denominada como mass media por Featherstone (1995).
44
Fonte: Seleções
Figura 11 - Anúncio de 1940.
Observe o termo utilizado, pelo qual foi traduzida a expressão black widow,
para descrever a aeronave de combate Viúva Negra P-61: “Viúva Preta”, que aparece três
vezes no texto do anúncio, não se atendo à metáfora da aranha caçadora noturna, rendida à
máquina. Temos outro anúncio que se refere ao avião utilizando o termo correto, conforme
descreve o texto junto à marca deste anúncio, veiculado em Seleções de 1944:
Fonte: Seleções
Figura 12 - Anúncio de 1940.
45
Se comparados com os anúncios das revistas nacionais, que faziam
referência aos campos mais afetivos e de âmbito doméstico e as matérias internas
expressavam sentido mais documental, com reportagens sensacionais abrindo vagas no amplo
estacionamento do supermercado desse segmento que estava por se consolidar por aqui
29
, os
anúncios de Seleções dessa época vieram representar, em seus diferentes contextos, a
naturalização e a soma de interesses corporativos das grandes produções das publicações
mundiais de massa, tais como as revistas glamourizadoras de cenas cotidianas, responsáveis
por uma ampla vulgarização e, ao mesmo tempo, pela globalização de um mercado de bens
simbólicos representativo das classes dominantes americanas e do próprio Estado americano.
Alguns dos anúncios veiculados em Seleções foram escolhidos para a análise
aqui desenvolvida justamente devido à abrangência dessa revista enquanto veículo portador
de opiniões do american way of life e enquanto vulgarizador dessas opiniões para o restante
do planeta, através de composições estratégicas como a parceira com outras publicações para
a divulgação do american way de acordo com os desígnios da Divisão de Telecomunicações
do Departamento de Estado americano, mostrado no artigo que tem por título “Periga a
liberdade do cinema?”, originalmente publicado pela Harper’s Bazaar em setembro de 1945,
e que mostra que o controle do cinema por parte do governo foi um dos meios de intervenção,
condução e distribuição de aspectos culturais e ideológicos americanos: veio mais cedo do
que se pensa?
Eu o reproduzo a seguir.
Ninguém negará que o cinema americano tem as suas falhas. Mesmo, porém,
os mais severos críticos de Hollywood provavelmente admitirão que essas
falhas não serão absolutamente remediadas mediante controle
governamental. Todavia, esse controle, direto ou indireto, é exatamente o
que vai haver nos Estados Unidos, se os produtores de Hollywood e os
freqüentadores de cinema não tomarem sérias providências. [...] que envolve
política externa norte-americana, as rivalidades do comércio internacional e
as divergências internas, tudo isso agravado pelas lutas que se travam dentro
da própria indústria [...].
Essa ameaça à liberdade da tela diz respeito intimamente ao futuro do
cinema americano no estrangeiro. O mercado de Hollywood no exterior
ainda é, apesar da guerra, uma fonte considerável de lucros. Em 1944, a
receita bruta procedente da distribuição de filmes norte-americanos fora do
país ascendeu ao total de quase 170 milhões de dólares, [...] representa 70 ou
80 por cento de lucro líquido para o produtor. [...] Anunciou-se, em
setembro do último ano [1945], que o Departamento de Estado,
reconhecendo a importância do cinema, tanto para o comércio como para a
diplomacia, estava estudando uma série de medidas, em cooperação com
outros departamentos do governo americano, no sentido de “proteger e
29
Em referência aos mercados editoriais brasileiro e latino-americano.
46
possivelmente ampliar” as operações das companhias cinematográficas
norte-americanas no estrangeiro.
Os círculos administrativos mostraram-se realmente encantados em ter que
fornecer tal ajuda [...]. A verdadeira natureza do interesse do Governo acha-
se revelada em uma declaração feita por Francis Colt de Wolf, chefe da
Divisão de Telecomunicações do Departamento de Estado: “Um filme, de
tipo adequado, pode constituir uma apresentação esplêndida da vida
americana, do ponto de vista político, cultural e comercial, do mesmo modo
que um filme de tipo inadequado pode ter o efeito justamente oposto. “Por
esta razão, o Departamento de Estado deseja cooperar, de uma maneira
completa, para proteger os filmes norte-mericanos no exterior. Em
compensação [...], o Departamento de Estado confia em que a indústria do
cinema coopere com o Governo, para ter a certeza de que as películas
distribuídas no estrangeiro reproduzam uma imagem favorável deste país”.
(SELEÇÕES DO READER’S DIGEST, out. 1945, p. 78-80) (grifos meus)
Talvez isso explique o boom do cinema americano na década seguinte (1950)
e da indústria do tabaco e do álcool nas telas grandes, assim como o dos automóveis e de
outros produtos americanos exportados via telona para o mundo todo como um verdadeiro
estilo de vida. Os anúncios e as capas das revistas reproduzem, em big close cinematográfico,
atrizes e personagens em imitações, cópias, equivalentes, porém nunca em diferenças. Um
estilo a ser copiado, com seus sabonetes e cremes rejuvenescedores vendendo uma vida de
beleza e de saúde, de estúdio cinematográfico que os tornaria indiferenciados. Esta era a
mensagem: a diferença que vos une em um só corpo, um só rosto.
Mas o véu que vem cobrir o rosto da mulher pubiana
30
a mostra frente a um
espelho de duas faces. Ao ser retirado, por ser maleável, transparente e expansível, cada vez
mais rostos se fundem sobre a efígie do um. Os “policiais da ordem”, que estão observando
através do espelho, vêem o desordenado que ordena. A mulher começa a aparecer nos
anúncios como co-autora de seu destino ao ser expressada na comunicação frontal com sua
própria totalidade: ela vira Musa. Colore-se o cinza da cidade, preenche-se o branco dos
papéis, ocupam-se os espaços acima dos muros, cercam-se os terrenos vazios,
compartimentaliza-se tudo. É a era do indivíduo e foi eleita sua representante a mulher, não
mais submetida à reclusão de sua sexualidade doméstica. Trancafiatta pubis, torna-se pública
sob a forma da publicidade feita com suas medidas: púbis/cidade/pública.
Segundo Lipovetsky (2000), transformada em heroína da “nova cultura” do
consumo, a mulher vai manifestar sua individualidade e seu senso de “estilo” numa
30
Adj. ANAT relativo a ou próprio de púbis; púbico ETIM púbi(s) + -ano; ver pub(i/o)-. Eu procurei e vi que possuem a
mesma etimologia: PUB: s.m.1 estabelecimento comercial onde se servem bebidas alcoólicas; ETIM ing. pub (1865) 'id.',
red. de public 'público', do snt. public house 'casa pública'. (HOUAISS 1.0)
47
especificidade retratada num conjunto de bens, tais como roupas, práticas, experiências,
aparências e certas disposições corporais que serão destinadas a compor seu novo estilo de
vida. Como Featherstone (1995, p. 123) argumenta,
[...] a publicidade da cultura de consumo sugere que cada um de nós tem a
oportunidade de aperfeiçoar e exprimir a si próprio, seja qual for a idade ou
a origem de classe. Este é o mundo dos homens e das mulheres que
procuram a última novidade em termos de relacionamentos e experiências.
Assim, o mundo de hoje deixa de ser aquele mundo distante e
sacrificializado da luta pelo capital para ser o mundo do mercado e do prazer. Muito mais
concreto, objetivo e próximo em “seus princípios de estruturação” (FEATHERSTONE, 1995,
p. 121), torna-se fundamental para entender a sociedade contemporânea através do consumo
das imagens e da própria publicidade, como bem argumentaram autores como Canevacci
(2001), Rocha (1985) e Gastaldo (2001), que a incorporaram como parte integrante de nossa
cultura. A metamorfose da onipotência que sofremos, a despeito de tudo que nos separa do
novo “mal do século”, tem sentido estético e sentimento patético. Feita para comover
planejadamente, a exemplo dos sorrisos estampados nos rostos dos anúncios a seguir
inseridos, “é o espelho em que se reflete o valor cada vez maior que nossas sociedades
atribuem à aparência física, à tonacidade do corpo, à juventude das formas” (LIPOVETSKY,
2000, p. 181). Idéia concebida para expressar, com um poder cada vez maior, a medida exata
do falo numa publicidade que começa com nome próprio: garota-propaganda.
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 13 - Anúncios de 1940.
48
Nessas três imagens podemos ver o desígnio de uma história: como o
consumo do plano cinematográfico pela publicidade vai influenciar na construção de imagens
a partir das décadas de 1940 e 1950. “Há nos rostos uma espécie de eloqüência silenciosa que,
sem agir, de qualquer forma ‘age’” (COURTINE; HAROCHE apud CANEVACCI, 2001, p.
129). No entender de Canevacci, a comunicação da modernidade vai ser subjetivada através
da comunicação visual frontal, de impacto direto, vis-à-vis, olhos nos olhos, com a
configuração semiótica do rosto humano — comunicador da percepção de si, das atenções
para com os outros — elevada a principal forma de linguagem.
Fonte: Seleções
Figura 14: Anúncio de 1940.
A expressividade da publicidade (até então dissolvida em contextos de baixa
comunicabilidade, devido aos extensos textos explicativos) com a utilização das imagens e,
principalmente, com o uso da imagem das mulheres e dos panoramas vindos do cinema e de
sua nova publicização, recarrega esses contextos com força comunicacional, os quais se
reproduzirão, através da valorização de suas partes em diferentes atitudes, a partir da
descoberta do corte da fotografia.
Um outro exemplo clássico desse tipo de corte e mesmo das traduções e
adaptações não tão literais aos contextos das expressões idiomáticas dos anúncios estrangeiros
49
veiculados no Brasil, são as revistas em quadrinhos, que eram conduzidas pelo mesmo
mecanismo:
O veio dos quadrinhos mostrara seu potencial já em 1937, quando Roberto
Marinho criou O Globo Juvenil, embrião da Rio Gráfica Editora. Na redação
trabalhava o dramaturgo Nelson Rodrigues, a quem cabia traduzir os balões
— embora não soubesse inglês. (A REVISTA..., 2000, p.151)
Embora os anúncios viessem, em sua maioria, prontos para serem adaptados
(como no caso de Seleções ou das agências americanas por aqui instaladas), havia um espaço
interpretativo, que se baseava nas imagens desses anúncios para traduzi-los de acordo com as
expressões idiomáticas em uso (SANTOS, 1996), envolvendo a adaptação das ilustrações para
o qual o anúncio se destinava e, conseqüentemente, diminuindo a eficácia do american appeal
original. É o caso do anúncio sobre a menina Rosinha, que “tem vivido, durante milhares de
anos, no pensamento e no coração de todos como símbolo de tão almejada vitória da ciência
sobre a enfermidade”. Ela é uma “criança sadia e graciosa [...]. Jamais ficou doente”. Um
anúncio feito para a empresa General Eletric (G.E.) americana divulgar seus estudos no ramo
da ciência eletrônica, “provindos do esforço bélico”. O anúncio começa por traçar uma
referência mitológica de um ser que nunca adoeceu, de milhares de anos, mas que tem por
nome Rosinha, cuja aparência é esta: uma criança com lacinho cor-de-rosa no cabelo
cacheado. São construções nem um pouco símeis à transposição mitológica como se quis dar
a entender. Não é apenas uma questão de tradução do anúncio, mas da estrutura conceitual
que a publicidade utiliza como meio de vincular idéias e produtos/serviços e, mesmo,
questões institucionais.
50
Fonte: Seleções
Figura 15 - Anúncio G.E. de 1950.
No Brasil, a tiragem das revistas nacionais, excepcionalmente, atingia 500
mil exemplares, caso da fotonovela publicada na íntegra em uma edição de Capricho, de 1954
(A REVISTA..., 2000, p. 176). Já a tiragem mundial de Seleções, em 1945, pulou de cinco
para sete milhões de exemplares (no mundo todo), o que mostra uma alavancagem nas suas
vendas nesse período, o que se deveu ao marketing e à própria configuração de leitura de
intimidade que o veículo mantinha.
O texto principal do exemplar de Seleções de julho de 1942 tinha por título
“Não se afobe”, uma condensação do livro Take it easy, do norte-americano Walter B. Pikin
(não cabe aqui reproduzi-lo). Esse número traz artigos do tipo narrativo, de intimidade, que
pede luz próxima, uma xícara de café, uma tarde nublada e meias grossas. Por isso eram
condensados pelos editores e seguidos, ao final, por pequenos silogismos e pensamentos,
como este, de Stevenson: “Pode estar certo, amigo, de que se os princípios morais que
dirigem a sua vida o aborrecem, é porque estão errados” (SELEÇÕES DO READER’S
DIGEST, jul. 1942, p. 4) Um indicativo de que os americanos não terão problemas de
consciência em mudar o mundo e imprimir uma nova dinâmica de sociabilidade que vai
influenciar os costumes de toda uma geração de consumidores políticos/culturais.
51
3.3 SER OU TER, EIS A QUESTÃO: O CONSUMO COMO DEFINIDOR DE POSIÇÕES SOCIAIS
Olhar a publicidade veiculada no Brasil nas décadas de 1940 e 1950 requer
olhar não só o mercado de bens de consumo, mas também, como vimos, a produção
industrial, a questão do trabalho do homem e da mulher e a de seus lugares estendidos da
profissão à vida doméstica e social. Ainda, deve-se dirigir o olhar para o mercado de bens
simbólicos que compõem o imaginário social, transformado em imaginário cultural
(FEATHERSTONE, 1995) e, imprescindivelmente, olhar a mídia: veículos que se colocavam
principalmente dentro das casas, com a especificidade dos cômodos de intimidade e de
convívio e, posteriormente, nas salas de espera dos consultórios e nos escritórios. Esses
veículos refletem os pontos de vista da comunidade e da classe dominante nas suas formas
diferenciadas. Organizam, de certa maneira, os lugares sociais, reproduzindo padrões de
interação e de representação em nossa sociedade, ao longo de um processo histórico que vai
transformar, lentamente, os lugares temáticos mais importantes desenvolvidos pela imprensa e
pelas revistas no conjunto da cultura de massa, e não somente como continuidade de um lugar
já dominado pelo masculino.
No Brasil, com a entrada das agências profissionais de publicidade no
mercado, em meados da década de 1930, em apoio às empresas de comunicação e às
indústrias, uma nova organização da economia de mercado refletiu culturalmente no
consumo. Esse sistema, ao transformar lugares sociais antes exclusivamente masculinos em
uma mescla ambígua de lugares masculinos e femininos (MORIN, 1997), torna-os modelos
identificadores para o grande público consumidor apoiando-se no próprio público: cover
girls
31
de um universo onde reina não só um determinado valor de vida social, mas uma rede
direcionada a uma mútua singularidade. Construiu também biografias culturais para as
próprias produções gráficas no formato de revistas e anúncios enquanto produtos de consumo
destinados a públicos específicos, segmentados, porém massificadores. Essa é a contradição,
pois embora estejam ligados a produtos industrializados e ao oferecimento de serviços
(através de artigos e reportagens), acabam por enriquecer o sentido do “eu”, do estilo de vida,
ao mesmo tempo ultrapassando o âmbito do privado. Canevacci (
2001, p. 239) argumenta que
31
Em menção às garotas da capa das revistas glamourosas que ditam estilo.
52
[...] Da sociedade de consumo [...] passamos à cultura do consumo
(FEATHERSTONE, 1982, 1990), que se vai difundindo na vida quotidiana e
que transformou a ordem simbólica, em parte prescindindo e em parte
condicionando a expansão das mercadorias a serem vendidas no mercado.
[...] A cultura do consumo é fundada na constante produção e reprodução de
sinais bem reconhecíveis por seus donos e por seu público; ela não encoraja
um conformismo passivo na escolha das mercadorias, mas, pelo contrário,
procura educar os indivíduos a ler as diferenças dos sinais, a decodificar
facilmente as infinitas minúcias que diferenciam as roupas, os livros, os
alimentos, os automóveis, os ambientes.
Desse modo, vemos o campo “vida de saúde” da década de 1940, migrar
para o campo “vida de beleza” da década de 1950, e nele se dissolvendo em “vida de cuidado
de si”; assim como o campo “vida eletrodoméstica” dos anos 1940 migra, na década seguinte,
para o de suporte tecnológico de última geração, que se divide com amigas mais ou menos
ociosas. Ao analisarmos essas categorias socioculturais presentificadas em alguns anúncios,
percebemos que a construção de um vir-a-ser passa, antes, por um vir-a-ter.
Trata-se de não se fixar apenas em uma análise que se faz do interior do
próprio anúncio, desvendando suas características formais e os diferentes tipos de produção,
mas de considerar também seus elementos externos, ou seja, os temas expressos pelo anúncio
que servem de categorias de análise para a interpretação das representações sociais nele
presentes enquanto contextos móveis e dinâmicos, participantes ativos dos processos de
construção dos conteúdos simbólicos. Essa abordagem busca compreender as representações
“não somente como produzidas pelo social, mas também como produtoras de realidade”
(BLÁSQUEZ, 2000, p. 192) e, principalmente, as práticas culturais que irão expressar os
valores e muitos dos significados construídos na relação entre as mídias e as instituições
sociais urbanas da nossa sociedade, através do emprego direto de técnicas visuais para
documentar e/ou interpretar as realidades. A análise das imagens das mulheres nos anúncios
tem o fim de buscar os valores, os estilos de vida e as inovações dos códigos veiculados para a
elaboração de modelos que irão atuar no convencimento público (CANEVACCI, 2001).
Nas décadas de 1940 e 1950, as agências de publicidade e as editoras
possuíam, em seu staff, pessoas de origem variada, regidas por uma ideologia comum. E é de
bom tom frisar que, nessa época, a maioria dos seus funcionários era composta por homens.
Em minha pesquisa, somente encontrei informações sobre umas poucas colaboradoras —
externas ao ambiente redacional e de estúdio e, outras trabalhando diretamente com as
instituições —, como é o caso de Eugenia Brandão nos idos da década de 1910, em datas
anteriores à época do levantamento dos anúncios:
53
[...] nossa primeira “reportisa”, qualificação que se dava às autoras de
reportagens. Eugenia, moça avançada para o seu tempo, ganhara notoriedade
ao relatar, no jornal carioca A Rua, em 1914, as agruras de jovens
enclausuradas pela família em um convento do Rio. Para obter as entrevistas,
a “reportisa”, que tinha dezesseis anos de idade, não hesitou em se internar
na instituição, movida, segundo Fon Fon!, por uma “curiosidade nervosa”.
(A REVISTA..., 2000, p. 44)
Quando, em 1914, encontramos na apresentação da matéria de Eugenia sobre
as meninas enclausuradas a menção de que a “reportisa” encontrava-se movida por uma
“curiosidade nervosa”, essa implicava um tipo de envolvimento pleno por adquirir
informações, porém o envolvimento era considerado “histérico” quando tratado pelos homens
da redação, que “viam”, no seu fazer jornalístico, exagero desnecessário, conforme
subtendido na citação. Temos uma leitura desse fazer jornalístico no sentido de um
envolvimento do fazer à americana
32
, diferentemente da forma como era feito por aqui e,
portanto, inadequado para a mulher daquela época. Essa “leitura” acaba se fixando como um
código social, estabelecendo limites às ações das mulheres em vários campos durante
gerações (ELIAS, 1995), incorporada como um “valor agregado” ao comportamento das
mulheres de atitude da próxima geração, constante nos anúncios veiculados nas páginas das
revistas vindouras. Esse valor sofre tentativas, várias, de rachaduras através dos movimentos
de mulheres em fazer valer o direito ao voto e ao trabalho extradoméstico só alcançado na era
varguista e sob intensa propaganda do Estado. Propaganda que Sevcenko (
1998b, p. 38) ilustra,
quando nos anos 1930 e 1940,
[...] vividos predominantemente sob a tutela varguista (1930-45), a
orientação autoritária do governo pretendeu compor doses complementares
de repressão e doutrinação a fim de construir sua base social de sustentação
política. Haurindo ensinamentos dos regimes repressivos que se multiplicam
na Europa nesse período, as autoridades federais procurariam tirar o máximo
proveito das técnicas de propaganda e dos meios de comunicação social,
muito especialmente do rádio. [...] Ademais, o envolvimento da imagem do
presidente com o cinema, o teatro, o disco, o humor gráfico, o Carnaval e a
gravura popular revelava que a prática inédita de produzir o consenso por
meio de apelos sensoriais e conotações afetivas, se mostrava muito mais
eficiente que a racionalidade dos discursos. Ao amestrar os potenciais
desestabilizadores das novas tecnologias, o regime expunha a inclinação
conformista de suas formas de consumo e sua particular adequação como
recursos de gestão social. Interferindo na dinâmica dos instintos e dos afetos
mais íntimos de cada um, o regime consolidava a ordem política coletiva.
54
Como é nas décadas de 1940 e 1950 que suponho encontrar a gênese de um
momento histórico que inaugura a modernidade brasileira, pois o país migra “de uma
população majoritariamente analfabeta, num salto para uma ordem cultural centrada em
estímulos sensoriais de imagens e dos sons tecnicamente ampliados” (SEVCENKO, 1998b, p.
38), torna-se imprescindível compreendê-las para entender nossas formas de comunicação
contemporâneas. Os significados dos enredos assumidos pelo discurso publicitário não são
estáticos e não podem ser interpretados de maneira definitiva; devem ser interpretados nas
suas variantes geográficas e biográficas ao assumirem a negociação entre a subjetividade dos
autores, de suas peças/personagens e a subjetividade de seus espectadores (CANEVACCI,
2001), a quem os anúncios são direcionados: vivemos imersos na cultura do consumo como
uma cultura de comunicação visual do tipo de repetição eletrônica industrial.
É a nova história e, nesse sentido, a publicidade tem marcado aqueles lugares
da diferença: a apropriação social das peças publicitárias como fator cultural faz com que a
publicidade concentre em seu interior poderes e conflitos que suplantam em muito a tradição
e a mudança, a experimentação e o hábito, expandindo-se do local para o global
33
e
homologando o sincrético (CANEVACCI, 2001). O público-alvo/receptor não é um
consumidor passivo; em geral, é um decodificador ativo das narrativas presentes nos discursos
da comunicação visual, o que faz de acordo com seus códigos culturais, que se ativam a partir
de seu próprio local, expandindo-se. Por esses discursos, impregnados de valores móveis,
plurais e descentralizados, os observadores e os observados, queiram ou não, assumem papéis
variados, que se encontram nas dobras do ser, suscitados pela publicidade. Essa pode, então,
ser compreendida como um campo privilegiado de produção e reprodução de representações
socioculturais. Entende-se, assim, o potencial ideológico que possui a linguagem publicitária
como produtora e reprodutora de aspectos da realidade e do imaginário. Nesse caso, ser
mulher, a partir da década de 1940, é um indicativo sociocultural e politico-econômico, antes
de se tornar um indicativo de identidade psicossocial.
Como já coloquei anteriormente, não é a mulher como um ser biológico,
dotado de uma anatomia e socialmente construído ao longo dos séculos que é representada
nos anúncios, mas um ícone/imagem que “vende”
34
bem qualquer produto no mercado global;
ao contrário do ícone/imagem homem, que encontra rejeição quando colocado junto a algum
produto e posto a venda nesse mesmo mercado. Hoje, diferentemente da mulher apresentada
32
Nessa época o jornalista “não costumava descer à rua em busca de inspiração, muito menos de informação, ao contrário do
que faziam seus colegas americanos” (A REVISTA..., 2000, p. 41).
33
Glocal, segundo Canevacci (2001, p. 19), em referência à síntese do global com o local na experiência de comunicação.
34
Em associação a algum produto.
55
nos anúncios da mídia impressa das décadas de 1940 e 1950, a mulher entra em cena política,
social e economicamente como uma realidade multiplicada, viva e ativa — porém, continua
sendo apresentada sob formas ideais de consumo a partir da visão de um mundo de homens,
mas não necessariamente masculino. Esse consumo não se dá em um modo passivo de
absorção e apropriação, que se opõe ao modo ativo da produção dos objetos anunciados; trata-
se de uma atividade sistemática e de resposta global, que influencia todo o nosso sistema
cultural, apesar do fato de que “as linhas divisórias entre informação e entretenimento
tornaram-se cada vez mais embaçadas durante as décadas de 1950 e 1960, tanto na imprensa
escrita quando na mídia eletrônica — mais tarde viriam a ser cada vez mais indistintas”
(BRIGGS; BURKE, 2004, p. 196), como que abreviadas em sinais de fácil reconhecimento no
mercado.
A linguagem publicitária vai além dessa representação de realidades, agindo
de forma particular ao evidenciar a ambigüidade do jogo que dissolve as representações reais
e imaginárias (BALANDIER, 1987), produzindo e reproduzindo representações sobre os
indivíduos e suas imagens, sobre os grupos e a sociedade. Contribui, assim, para a construção
de novos significados e na produção de uma cultura como instância universal não-duradoura,
referência ideal de um modo de produção que traz em seu bojo o conceito de “obsolescência
programada”, da coisa que já não é produzida para durar. Os produtos e sua comunicação
confundem-se em sua volatilidade no mercado, juntamente com seus consumidores: ambos
não são feitos para durar e têm consumo rápido. Não há tempo para nostalgia ou memória,
pois Cronos
35
foi substituido e seu tempo é tomado como o novo capital da modernidade.
3.4 O O
LHAR DOS OUTROS: DESCONSTRUINDO O REAL IMAGINADO
O mundo a nossa volta é apreendido como real porque podemos ver, tocar,
ouvir e sentir as coisas e os fatos que nele se seguem. Aprendemos, pelos sentidos, a acreditar
no que experienciamos, e isso torna real a tudo e a todos. Mesmo quando, pela manhã,
acordamos e rememoramos nossos sonhos, apesar de os considerarmos desconexos e irreais,
encontramos nas imagens filtradas pela memória o que nos pode dar sentido. Entre a
idealização da realidade e sua congruência estão as formas culturais, os códigos que irão
35
Pertenceu à raça dos titãs, surgido do Caos era um deus primitivo cujo domínio posteriormente passou para outros deuses.
(BULFINCH, 2004, p. 11)
56
indicar a que tipo de história vamos ter pertencimento, ou seja, nosso repertório, aderido a nós
como toda imagem: com viscosidade.
As imagens, as idéias e representações produtoras de significado são também
alimentadas pelos meios de comunicação. Dada a contínua interação existente entre esses e os
repertórios que formam o imaginário social/cultural, pode-se dizer que eles se retroalimentam.
Para Balandier (1987), o imaginário social é como uma forma de respiração — eu diria que é
o ar sem o qual toda a vida pessoal e coletiva deixaria de existir. As representações são
construções sociais que se manifestam através de imagens, conceitos, categorias e teorias
plenas de significados, constituindo o imaginário social ao mesmo tempo em que esse é o
arsenal que possibilita a elaboração das representações sociais. O autor insiste sobre a
importância que as imagens vêm adquirindo nas sociedades atuais, e com razão. Elas são
mensageiras que liberam sentido, daí a dinâmica relação existente entre o imaginário e o
simbólico: a contextualização de sentido.
Nascemos e somos criados num mundo que não nos pertence (ARENDT,
1999) — o já dado —, pois constantemente temos que atualizar nossa página da realidade e os
acessos a esse “constante atualizar” são encontrados no relacionamento com os outros e
avaliados constantemente por nós; nascemos imersos em ideologias, num mundo que já nos é
dado historicamente (ORLANDI, 2000), e a separação entre ideologia e história, como coloca
Buitoni (1981), acontece como uma tentativa de manutenção e de permanência dessa divisão
do mundo, o que, para Blásquez (2000), é uma garantia de que os seres humanos (de carne e
osso) se relacionem em sociedade. A correspondência entre os significados que lhes darão
sentido serão justamente as representações. Malerba (2000) cita um caso ocorrido em 1970:
em uma discussão sobre como se falava o nome do governante romeno Ceausescu, uma
mulher romena que se encontrava no local, intervindo, disse que deveria se falar
simplesmente como se escrevia:
Tomemos, por exemplo, o modo como o psicólogo social S. Moscovici
focaliza a elaboração de uma representação social. Dois processos intervêm
nessa elaboração: o da objetivação [...], através do qual se provê um
contorno (imagem, figura) a determinadas idéias ou noções; e o da
ancoragem, que assegura a vinculação social da representação, tanto em
relação aos valores cognitivos de sentido e saber com que deve ser coerente
no grupo social que a vê surgir, quanto pela atribuição de um valor funcional
a seu conteúdo específico. As representações integram, com efeito,
conhecimentos essenciais, do ponto de vista instrumental e no nível do
sentido comum, com a finalidade de que todos os membros de um
determinado grupo recorram a um mesmo capital cognitivo. Assim, para um
romeno, a naturalização dos valores fonéticos, tais como convencionados
57
para a escrita e a leitura de sua própria língua, é absolutamente necessária. O
absurdo do episódio relatado derivou de uma extensão do processo de
naturalização dessa representação para fora de seu universo legítimo de
aplicação (do contexto interno ou específico do romeno para aquele, muito
mais vasto e heterogêneo, das línguas em geral, no que tange à fixação por
escrito de seus sons). (MALERBA, 2000, p. 10)
Essa simplicidade “vista por dentro”, no que se refere à imagem das coisas,
vai indicar, em relação às mulheres em nossa sociedade, que sempre lhes foram dedicados os
contextos tradicionais, tais como a culinária, o romance, a moda, a beleza, a decoração ou as
novelas — dados e entretenimentos que possuem pouca ou nenhuma ligação com a
“verdadeira realidade”
36
, essa sim, dada como noticia nos jornais diários e nas revistas
especializadas, que se incumbem desse propósito e de outros mais e têm como público-alvo
exatamente os “outros” que constroem a realidade cotidiana: os homens comuns. Mas a
verdade, como cada grupo a quer, não existe como modelo absoluto de um evento, e sua
interpretação distanciada permite apresentar sentidos da histórica, colocando “o dito em
relação ao não dito, o que o sujeito diz em um lugar com o que é dito em outro lugar, [...],
aquilo que ele não diz, mas que constitui igualmente os sentidos de suas palavras”
(ORLANDI, 2000, p. 59). Presentes nessa conversa, porém ocultos no “não dito”, estão tanto
a imagem que o sujeito faz de si mesmo quanto a que ele faz do mundo. O que existe não é a
verdade em si, mas uma certa congruência com a realidade (ELIAS, 1994). Podemos ordenar
o espaço a nossa volta se tomarmos como pressuposto que a realidade é a unidade dessas
contradições que compõem nossa experiência e, se diminuirmos a opacidade de nossos filtros
ideológicos, poderemos realizar uma leitura mais objetiva das indicações de possíveis
combinações de fatos que podem compor uma congruência mais objetiva com a realidade
apresentada pelos veículos de comunicação e pelas agências de publicidade. Indo além dessas
contradições, é possível desvendar as combinações possíveis e as inferências presentes nos
anúncios das revistas (como é o caso aqui trabalhado) feitos para o consumo de um público
leitor em que as mulheres, que até as décadas de 1940 e 1950 sofriam com o modo como
existiam enquanto pessoa pública ou ser social, constituíam maioria.
A compreensão desse processo, além de iluminar as significações produzidas
pelos anúncios, os valores e os comportamentos específicos das sociedades modernas neles
ilustrados, acaba por lançar luz para os sentidos das representações sociais da mulher na
36
A divisão do mundo em racional e emocional, ficando os homens ligados à esfera do racional e, portanto, ao mundo
verdadeiro.
58
publicidade brasileira nessas duas décadas. Soma-se a isso o fato de que, na atualidade, a
mulher brasileira tem sido representada exaustivamente na linguagem de senso comum do
discurso publicitário como mais um objeto de consumo desejado, fazendo confluir valores da
nossa cultura acerca dos papéis sociais atribuídos ao homem e à mulher.
No entanto, isso não se deve apenas a uma questão de gênero, pois o
universo simbólico de representações sociais acerca da mulher, produzido e reproduzido pela
publicidade, é extenso e foi amplamente explorado até nossos dias. Nele podemos identificar
como e quais são os valores pregnantes da cultura brasileira referentes à mulher, aqueles mais
permanentes, produtos da memória coletiva, e outros mais dinâmicos, que emergem e se
transformam no jogo de significados que compõem o imaginário social (BALANDIER, 1987;
1994). A linguagem publicitária representa as realidades de uma forma particular —
evidenciando um jogo bastante complexo ao ampliar o espectro do imaginário social para o
cultural a partir de uma dinâmica de dissolução das representações reais e imaginárias —,
colocando-se em ação na esfera do ideológico enquanto mediadora do conflito situacional
imediato de valores que vão dar sentido à vida comum e tornando-se um dos temas mais
importantes no mundo contemporâneo: o do capital sociocultural.
A apropriação social das peças publicitárias como fator cultural é um
importante aspecto constituinte das culturas contemporâneas, pois elas têm marcado os
lugares da diferença através das linguagens concebidas para “falar” com determinados
nichos/segmentos de mercado, constituídos de pessoas pertencentes a grupos mais ou menos
homogêneos e que se identificam com certos aspectos culturais e econômicos de identidade
ali expressos. A publicidade pode ser compreendida, nesse sentido, como um campo
privilegiado de produção de representações sociais na interface da Comunicação e das
Ciências Sociais (GASTALDO, 2001), ocupando um outro espaço em nossa cultura, só que
concentrando, em seu interior, poderes e conflitos nos quais a tradição se encontra com a
mudança e com a experimentação, com velhos hábitos locais que acabam por se tornarem
globais (glocal – CANEVACCI, 2001), muitas vezes homologando o sincrético, porém
dourando a pílula. Como colocado por Carvalho (2000, p. 24),
A publicidade bate sempre na mesma tecla: para ser feliz e bem-sucedida, a
mulher precisa estar sempre bela e ser (ou parecer) jovem. Podemos
observar que os anúncios e campanhas publicitárias dirigidos ao público
feminino são centrados no sucesso, na vaidade e na aparência.
59
O consumo dessas formas culturais não se dá de modo passivo, no sentido de
absorção e apropriação, que se opõe ao modo ativo da produção dos objetos anunciados. É
preciso que fique claramente estabelecido que o consumo é um modo ativo de relação não
apenas com os objetos, mas também com a coletividade, no qual se vê uma perda de
referentes que “empurra a cultura para o centro da vida social, embora se trate de uma cultura
fragmentada e continuamente reprocessada, que absolutamente não se articula numa ideologia
dominante” (FEATHERSTONE, 1995, p. 160), única. Trata-se (o consumo) de uma atividade
sistemática e de resposta global/local, que influencia todo o nosso sistema sociocultural. Já a
realidade veiculada nos anúncios publicitários e consumida pela população, em status de
prata
37
à margem, expressa um mundo sem conflitos, ideal e prazeroso, distante do mundo
real; baseada em cálculos de efeitos estéticos, de estilos e, conforme mencionado
anteriormente, num tipo de “razão” emocional.
3.5 D
ITO PELO NÃO ERUDITO: INTRODUÇÃO A UMA ANÁLISE SOBRE A MÍDIA DE MASSA
A utilização ativa da tecnologia e da ideologia pela mídia de massa, com a
adesão de indivíduos (de carne e osso, e não apenas indivíduos sociais das pesquisas: data-
indivíduos), empresas e instituições, representando cada um seu papel na formação e na
manutenção de mentalidades (que em épocas anteriores ao século XX faziam coro às críticas
pedagógicas das práticas cotidianas), têm seu papel ressignificado. Através da reflexão e da
educação podem ser estabelecidos novos critérios de avaliação dos conteúdos expressos pelas
várias publicações, mesmo que a nova função imposta às universidades pelo sistema
econômico — que dita a política mundial desde meados do século XX — bem como pelos
contornos de poder que a comunicação de massa tem claramente assumido em escala
transnacional, (WALLERSTEIN, 2002b), exponha as dificuldades aos pesquisadores e
intelectuais.
Os pensadores eruditos do século XIX e do início do XX ocuparam lugar
como comentaristas diários e como editores de jornais de grande circulação — e transmitiram
uma visão sobre os acontecimentos políticos e econômicos que influenciaram a vida cotidiana
de milhares de cidadãos e, conseqüentemente, a sobrevivência e a manutenção do Estado em
37
Em refeência ao trocadilho “status de margem e Argenstatus”
60
sua forma moderna, como mercado de amplas possibilidades (JAMESON, 1996). Hoje, bem
como nos idos de 1940 e 1950, essa influência mostra-se pouco decisiva com a crescente
profissionalização privada do Estado, com amplas variações.
A leitura que farei da página de rosto
38
do jornal Folha de S.Paulo publicado
em 24 de abril de 2004 (ver adiante) pode ajudar a desvendar os mecanismos de dominação e
a entender as tendências ideológicas que apresentam os problemas nacionais e mundiais nas
várias formas de representações que nos são indicadas (e que recebemos quase que
inocentemente) pelos produtores de informação através das mídias
39
, ao mesmo tempo em que
pode auxiliar a entender os mecanismos de construção e de interpretação dos anúncios
publicitários aqui analisados. O rigor de uma leitura acadêmica transforma as condições de
vulgarização dos fatos cotidianos que nos posicionam ideologicamente no mundo, fazendo-
nos ver como a partidarização do pensamento intelectual e de seus veiculadores acompanhou
o processo de constituição e de fortalecimento das ideologias que resultaram, atualmente, em
Estados-empresas e em instituições monopólio de comunicação (PINTO, 2002).
O idealismo — aqui tido como algo que é mais satisfatório para o espírito do
que a própria realidade —, segundo Fitche (1999), foi convertido em ideologia, e o filtro de
realidade é exercido com rigor por profissionais que, cotidianamente, constroem uma visão de
mundo para milhares de consumidores/cidadãos. O autor acredita que “a sociedade não
poderia existir sem a confiança na honestidade e competência dos outros e essa confiança está
nas profundezas dos nossos corações” (FITCHE, 1999, p. 51).
Mas, ao defrontar com uma primeira página de jornal nossa confiança pode
ser abalada, nossa honestidade pode ser induzida e nossos corações podem não continuar a ter
um sentimento tão romântico assim, pois, diferentemente dos ideais incorporados pelo autor
ao papel dos intelectuais, as “testemunhas da verdade” de nossos dias são aquelas pessoas que
dependem do faturamento da publicidade paga aos jornais pelas grandes corporações de
anunciantes. Lima (2001) mostra que não há mídia independente, porque os jornais dependem
dos anunciantes para continuarem no mercado e, conseqüentemente, os temas delicados,
relacionados às questões de interesse corporativo, são tratados pelos editores com prudência e
de acordo com os interesses do segmento dominante que se encontra no poder, como ocorreu
com a Rede Globo de Televisão na campanha Diretas Já:
38
“Rosto” é a parte visível do jornal quando dobrado e exposto nas bancas e pontos de venda. É a área de maior custo $ x
cm
2
, ou seja, a que vale mais.
39
Gráficas e eletrônicas.
61
[...] na cobertura da campanha das Diretas Já, entre 1984 e 1985, o papel da
Rede Globo também foi além de distorção, omissão e promoção de
informação. Aqui, esse papel não pode ser entendido fora do contexto mais
amplo das lutas internas dentro do “bloco histórico” que durante 21 anos deu
sustentação ao regime autoritário. Mesmo enfrentando a hostilidade
crescente de populares contra seus carros de reportagem e contra seus
principais atores, e mesmo correndo o risco de perdas de audiência e
credibilidade, a Rede Globo manteve um quase silêncio por 90 dias e só
iniciou a cobertura da campanha quando uma nova configuração do “bloco
histórico”, articulada com a participação direta de Roberto Marinho, estava
assegurada em torno da liderança de Tancredo Neves, com ou sem eleições
diretas. (LIMA, 2001, p. 173)
Dentro desse panorama e do exemplo dado por Lima, vemos que, se não
lançarmos mão de procedimentos de interpretação objetivos, é difícil acessar as relações
presentes nos vários contextos dos discursos dominantes que nos indiquem os pontos de
deriva “suscetíveis de se tornarem outros” e que podem oferecer lugar à interpretação. Nesse
sentido, com a utilização de algumas ferramentas da Análise de Discurso (AD) — como
ferramenta, não como método —, reconstitui-se o espaço cotidiano ao intelectual/pesquisador
através da interpretação e da desconstrução do discurso dominante apresentado na página de
rosto da Folha de S.Paulo. Posteriormente, esse tipo de análise será estendido, associado à
análise de conteúdo, aos campos dos anúncios de circulação nacional retirados das revistas
mencionadas anteriormente.
Figura 16 - Página de rosto do jornal Folha de S.Paulo de 24 de abril de 2004.
62
Os veículos de comunicação têm interesse na manutenção de um sistema de
valores e sempre estiveram dispostos a fortalecer as estruturas do Estado para que pudessem
controlar as forças populares, as quais, historicamente, lutam por mudanças. Pois bem, a
omissão do veículo de comunicação com cobertura nacional vem corroborar a tese de Lima
(2001) e a de Wallerstein (2002b), os quais enxergam nas articulações entre os segmentos
mais liberais e entre os conservadores de nossa sociedade uma tentativa não de ampliação dos
direitos individuais — sendo o sufrágio universal a única garantia de um Estado democrático
—, mas do esforço em ter o Estado como principal instrumento de qualquer reforma que
venha a atender interesses objetivos e utilitários. É uma “filosofia utilitarista”, que apela para
uma “interferência propositada e de certa forma científica do governo” (HALÉVY apud
WALLERSTEIN, 2002b,
p. 92), harmonizando interesses aparentemente díspares entre si e
que extrapolam a esfera do poder público, com o centro de poder deslocando-se para o setor
privado.
Fonte: A revista no Brasil, 2000, p. 138-141
Figura 17 - À esquerda, Assis Chateaubriand e Getúlio Vargas; ao centro, Adolf Bloch com
Juscelino Kubitschek; à direita, anúncio institucional de Editora Abril em
homenagem ao Dia da Propaganda (veiculado na revista Veja de 7 de dezembro
de 2005), que se refere à relação da publicidade com a imprensa livre.
Assumindo que o intelectual/pesquisador “não precisa da turba” para
perceber suas próprias tolices, porque deve estar alerta para se antecipar a ela, podemos
recolher, a partir dos meios de comunicação de massa, aquilo que vai gerar um verdadeiro
estado de guerra “entre o raciocínio do senso comum e o pensar especulativo” (ARENDT,
63
1999, p. 96), e que teria lugar no espírito do próprio pesquisador. Examinando mais de perto
essa afinidade entre “o mundo das aparências, o mundo comum em que aparecemos pelo
nascimento e do qual desapareceremos pela morte” (ARENDT, 1999, p. 96), e o desejo de
conhecer o cenário onde se desenrola a vida comum, juntando e amontoando todos os
tipos de conhecimento sobre ela, olhando para isso como espectadores que não participam
do espetáculo, encontramos em Arendt (1999) o argumento razoável de “que só o
espectador ocupa uma posição que o capacita para ver a peça inteira — tal qual o filósofo
é capaz de ver o kosmos como um todo harmoniosamente ordenado” (ARENDT, 1999, p.
106). A autora coloca que o ator da peça em representação (a massa), “sendo parte do
todo, tem de representar o seu papel” (ibidem), enquanto que o filósofo (o intelectual, o
bem informado, o educado), como espectador, não se encontra “amarrado” ao particular, o
que lhe possibilita ter uma visão expandida e crítica do todo e das conexões possíveis que
o formam. Segundo Orlandi (2000, p. 59), “é porque há essa ligação que as filiações
históricas podem se organizar em memórias, e as relações sociais em redes de
significantes”. Pinto (2002, p. 44) vai no mesmo sentido:
Ao nos assumirmos como emissores ou coemissores de um evento
comunicacional, desde aqueles primeiros momentos em que na primeira
infância acordamos para a comunicação e a linguagem, estamos entrando no
amplo mundo das representações (conhecimento e crenças), das relações e
identidades sociais, e aceitamos alguma forma de controle social.
Aprendemos a ser o que somos por meio das regras e convenções
subjacentes aos discursos que dominamos [...], as quais não podemos ignorar
e que só podemos alterar em situações de mudança social, mesmo que
pensemos ser senhores absolutos de nosso próprio arbítrio [...]. Entramos
nesse mundo de aparências, no mundo do ideológico e do poder, que é o
mundo da linguagem, e no qual estamos condenados a “viver”.
Para amplificar o estudo em questão, utilizo a página de rosto da Folha de
S.Paulo publicada em 24 de abril de 2004, que atendeu às expectativas de análise pelos
seguintes motivos: primeiro, em relação à utilização das imagens (verbais e não-verbais),
das fotografias e de sua composição gráfica; segundo, em referência às conexões verbais,
de texto, da chamada de capa (manchete) com as imagens escolhidas e utilizadas pelos
editores para a composição do rosto
de capa (à esquerda, na figura posta a seguir). A do
jornal Folha da Manhã publicado em 24-25 de janeiro de 1954 (à direita, na figura), é
utilizada apenas para comparação sobre a composição do caderno. Estenderei minha
64
análise brevemente a essa peça, ficando apenas um pequeno comentário comparativo
sobre o corpo da diagramação.
Figura 18 - À direita, página de rosto do jornal Folha de S.Paulo de 24 de abril de 2004; à
esquerda, página de rosto do jornal Folha da manhã de 24-25 de janeiro de 1954.
O movimento começa com a apresentação da história concreta dos fatos
segundo concebida pela Folha de S.Paulo e que faz parte do eixo do esquecimento do homem
(ORLANDI, 2000): ele contém o que já foi dito e esquecido, a estratificação dos enunciados,
que compõem nossa realidade no tempo e no espaço, em nossa história. Com um respaldo
jurídico que traduz tremenda força e poder como formador de opinião e influenciador de
ações políticas, ideológicas e de mercado, temos, acima de tudo, a logomarca da Folha de
S.Paulo: ela é a roupa que veste o sujeito que está falando dos fatos, sua imagem, sua cabeça.
Expressa confiabilidade e indica uma posição política histórica e, também, que não é um
sujeito comum (pessoa física), mas uma instituição com tradição em termos de confiabilidade
sobre as informações que publica: um sujeito jurídico reconhecido do público. “Folha, não dá
pra não ler”: esse slogan (que não aparece no jornal) é um conceito incorporado pela empresa,
através de resultado demonstrado por pesquisas de opinião, que visa posicioná-la no mercado
em relação à concorrência e assim conquistar leitores. Como esse conceito é amplamente
divulgado nas mídias gráfica e eletrônica (jornais, revistas, outdoors, rádio, TV e internet),
sua capacidade de “informar” aos leitores e ao público em geral sobre a idoneidade da
empresa tem grande poder de penetração e de sustentação ideológica, como confiabilidade,
“ficando” na mente do consumidor.
65
Em seguida, temos a leitura da manchete: “Lula faz o maior aperto fiscal da
história”, seguida pela justaposição de duas fotografias. A primeira, de caixões de soldados
americanos mortos em combate no Iraque, trazidos para casa no interior de um avião; a outra,
de caixões de trabalhadores brasileiros mortos por índios em um garimpo localizado dentro de
uma reserva indígena, trazidos de volta para casa, porém dispostos em uma vala comum. Vale
ressaltar que a colocação das duas fotografias (dos caixões) abaixo da chamada principal de
capa (manchete), com o texto explicativo da chamada à direita das fotos, induz a uma
interpretação de relação entre fotos, texto e chamada. A terceira menção é uma pequena
chamada com texto no canto direito inferior da página, que, dobrada, só deixa antever o título
em referência ao Banco Interamericano Regional de Desenvolvimento (Bird), o Banco
Mundial (instituição que empresta dinheiro para desenvolvimento de projetos sociais): “Bird
defende gasto social até 15 vezes maior no país”. Ao observar o jornal nas bancas,
apreendemos o conjunto valorizado in extremis, ou seja, pelo todo: pelo nome do presidente
da República em primeiro plano e pelas fotografias de impacto afetivo que ilustram esse
primeiro plano, “assinado embaixo” pelo alerta do Bird.
A transparência da construção desse discurso e de sua ideologia pode ser
vislumbrada em um eixo que permite desvendar a opacidade do primeiro sentido, que, por sua
vez, se deixa atravessar pela luz da interpretação, ao percebermos um outro sentido, oculto,
subliminar, e, por isso mesmo, não explícito, não apreendido, do que se nomeia como
informação. Há ligação entre as quatro histórias encontradas nesse “rosto” do sujeito que fala
e que são experimentadas através de uma leitura realizada a partir dessa parte do jornal,
responsável que é pela fixação do campo visual junto ao público cidadão/consumidor, pelo
conjunto dessas informações, tidas e reconhecidas originariamente — devido tanto ao senso
comum quanto à publicidade do veículo — como independentes.
A caracterização de personagens públicos, obtida por meio de fotografias
escolhidas, recortes pensados, bordas (coloridas ou não), colocação de textos e legendas com
determinadas características tipográficas, tais como a escolha de tipologias (fontes) mais
pesadas, agressivas ou mais leves, ou que indiquem velocidade (expansivas) ou compressão
(condensadas), é uma constante nas mídias (PINTO, 2002). Em seguida iniciamos a leitura
decomposta da superficialidade dessa capa/rosto que nos dirige o olhar; vemos as camadas
que podemos identificar através da história ou da interpretação de fatos mais ou menos
recentes ou, ainda, através desse conjunto apresentado. Vejamos a decomposição por
valoração de efeitos de sentido dessas informações passadas ao público:
66
1. Folha de S.Paulo
2. Lula
3. Aperto
4. História
5. Fotos de mortos em caixões.
(em correspondência a todo o restante, num giro constante de combinação imagem/texto)
6. Bird defende
7. Gasto social
8. Quinze vezes maior
9. No país
Esses nove tópicos falados pelo jornal mostram como é apreendida a
informação de maneira implícita pelo público consumidor/cidadão, podendo originar
determinada emoção, sentimentos e sentidos que não expressam a “realidade” singular de
cada notícia divulgada isoladamente: eles se multiplicam. Sua distribuição (diagramação) pelo
papel é feita de maneira organizada, sobre três eixos (colunas) verticais que sustentam dois
eixos horizontais em perfeito equilíbrio (ver figura a seguir), organizando o movimento dos
olhos, que percorrem o espaço das notícias. Segundo Pinto (2002, p. 48), “a produção, a
circulação e o consumo dos textos são controlados pelas forças socioculturais, mas os textos
[e aqui as imagens falam em complementaridade] também constituem a sociedade e a cultura
[...]”, e podem transformá-la ou reproduzi-la, conforme o grau de ritualização do processo
comunicacional e de seu entendimento pelas várias forças sociais em ação.
Figura 19 - Quadro de diagramação do jornal Folha de S.Paulo.
Essa formatação de capa não faz parte de uma composição originada na
identidade corporativa da empresa jornalística, ou seja, não é um padrão. Apesar de constituir
67
uma base sólida, através das análises de outras capas é possível perceber como a empresa
manipula a construção do “rosto” de cada edição.
Vejamos a capa de 1954:
Figura 20 - Quadro de diagramação do jornal Folha da Manhã.
Apesar da força reduzida da cabeça do jornal, a utilização de tipologia gótica
em mistura com manuscrita vazada em branco sobre tarja vermelha na mesma linha logo
abaixo, sugerindo quebra de linearidade temporal, o espaço reservado à imagem é o mais
amplo nesse corpo clássico que sustenta uma cabeça gótica. A ilustração em ascendência
soante (índio, bandeirante, missionário e o sino da igreja) revela os graus de importância
ideológica/dominante do pensamento da época. Ao fundo, o casebre, o pátio do colégio e um
moderno edifício, supostamente o Martinelli — o mais famoso, mais alto e moderno de então
—, indicam o futuro a que veio a cidade; condensada entre tantas palavras, tanto a ser dito e
descrito historicamente. Comparativamente, o jornal de 2004 suprime o texto verbal em
detrimento da imagem. Essas imagens não são tão diretas e descritivas. Permeiam outros
sentidos.
A informação transmitida pela Folha de 24 de abril de 2004 mostra um
presidente (popular) da nação/país Brasil, originário da classe trabalhadora e, por isso mesmo,
identificado com a maioria da população — indicada pelas pessoas simples ao redor da vala
comum na segunda foto à direita. Vale lembrar que “Lula” é um apelido, dado por pessoas de
certa intimidade e que reduz de maneira afetiva o nome Luis, muito embora o Presidente
tenha incorporado o apelido a seu nome como marketing político durante seu processo de vida
pública, para marcar seu domínio jurídico/social e de recall nas mentes dos possíveis
68
consumidores eleitorais. Mas mesmo tendo sido utilizado dessa maneira pela mídia, é
inegável que funde o íntimo, o privado, ao lugar do espaço público, espaço esse institucional,
criando uma identidade afetiva em relação à representação do cargo que o homem ocupa.
O termo “aperto” indica retração na economia e sofrimento para a população
(a mesma da segunda foto à direita: mortos na vala comum), utilizado historicamente pela
mídia em referência a planos econômicos passados: “vamos apertar o cinto”
40
. A palavra
“história” amplifica o sofrimento do povo brasileiro através de uma longevidade que se perde
no tempo: 500 anos do país; juntamente com as fotografias dos caixões que, além de
indicarem o sofrimento daqueles próximos — a cena da mulher, em primeiro plano, apoiada
em desespero clássico sobre o caixão de algum familiar —, ressoa como separação entre o
sofrimento do Primeiro e do Terceiro Mundo, ou entre o eixo norte/sul: organização x
desorganização; riqueza x pobreza.
Vale notar que essa publicação é contemporânea do ganho de causa do Brasil
na Organização Mundial do Comércio
(OMC) em relação aos subsídios agrícolas realizado
pelo Governo dos Estados Unidos junto aos seus agricultores e que pode indicar uma
mudança no ponto de apoio da política internacional vigente até então no planeta. Uma nova
configuração está a caminho, com a hegemonia dos Estados Unidos começando a ser
colocada à prova quando foi derrotado politicamente no Iraque e pelo fato de a China estar
crescendo perto de 14% ao ano, tendendo a desequilibrar as forças políticas e econômicas
mundiais.
Finalmente, a chamada pequena, texto crítico sobre a defesa que o Banco
Mundial faz para que o governo do Brasil, mais especificamente, do presidente Lula,
representante de uma população sofrida, gaste mais em obras sociais do que fez até então, ou
seja: se endivide mais. O sofrimento indicado pela pose dramática da mulher junto ao caixão,
mostrado no conjunto, poderia ser menor caso o governo — o homem e também a maioria dos
espectadores que são homens e que observam a mulher chorando gregamente — investisse
mais no social; poderíamos, quem sabe, sair da vala comum: é o que pode estar sendo
silenciado nesse contexto.
40
Como senso comum de que estamos tratando, me lembra palavras de Delfin Neto décadas atrás.
69
SEGUNDA PARTE
70
4 INTRODUÇÃO
No campo das ciências sociais, da comunicação e da cultura, a publicidade
tem chamado a atenção dos estudiosos dado o papel fundamental que assume na sociedade
atual, em que informação e consumo adquirem proeminência. Com o advento das técnicas
promocionais, do marketing e do imperativo de uma sociedade de consumo, muitos valores
foram incorporados à publicidade e assumidos por grupos culturais diversos, transformando
dinamicamente as diferentes linguagens (inclusive as corporais) e códigos utilizados e
reutilizados na construção dos discursos, atestadamente o publicitário, contribuindo
ativamente na construção de novas significações. Pode-se dizer que são movimentos culturais,
surgidos, antes, como contraculturais até, originalmente desagregadores da cultura “oficial” e
que são a ela incorporados. Possuem em comum a característica de tornar valores díspares,
socialmente dominantes, carregados de um corpo simbólico mítico e cheio de imagens
concernentes à vida prática e à vida imaginária. Essas linguagens/discursos são
frequentemente utilizadas em re-definição de valores/modas, como alimento de novos sonhos
de consumo, patrocinado pelas indústrias e executado pelas agências, ativamente perseguido
por Cool Hunters
41
, ativado como construções sociais símeis aos fatos, que se manifestam
através de imagens, conceitos, categorias e teorias plenos de significados.
Vou mostrar, no decorrer desta parte do trabalho, como se faz a “leitura” —
pelo lado de dentro — de um anúncio veiculado na revista O Cruzeiro em 1954, data da
comemoração do aniversário de 400 anos da cidade de São Paulo. Ele foi tomado como
exemplo porque traz a figura da mulher ligada a um produto para consumo, de alta tecnologia
à época e, com a análise, poder-se-á lançar luz sobre a plástica das técnicas de produção
publicitária, as representações sobre a imagem da mulher e o método aqui utilizado. A seguir
esclarecerei o funcionamento do quadro dos campos categoriais e a própria análise dos blocos
de anúncios, tema deste trabalho.
41
Caçadores de diferenças, pagos pelas grandes corporações, giram pela sociedade a caça de grupos que se trajam
diferentemente, com posturas, linguagens e tipos para “lançar moda” junto a grande marcas (KLEIN, 2002).
71
4.1 O QUE VEMOS SÓ VALE PELO QUE NOS OLHA: INTRODUÇÃO A ANÁLISE DOS ANUNCIOS
PUBLICITÁRIOS
A cultura de massa integra e se integra, ao mesmo tempo, “numa realidade
policultural” (MORIN, 1997), agregando e simultaneamente desagregando valores da
sociedade de consumo/informação, ao se tornar globalizada e socialmente adquirida. Ela é co-
fundadora de linguagens, conhecimentos, memórias e pensamentos (MALERBA, 2000), o
que permite o desenvolvimento de recursos e de tecnologia (materiais e de inteligência)
“destinados à criação e divulgação dos valores simbólicos ligados às mercadorias” (PINTO,
2002, p. 83), e que a publicidade, como uma das permeadoras culturais da atualidade, permite
vulgarizar, motivados pelos anúncios publicitários, entre outros meios de divulgação.
O relacionamento entre indivíduos culturalmente diferentes possibilita
visualizar a criação de valores inseridos na linguagem da comunicação publicitária, que, ao
completar o circuito da informação, tornam-se amplamente massificados: a diferença que vos
une. A publicidade como parte integrante da cultura das sociedades contemporâneas é
considerada uma das formas capazes de recriar os sonhos em mitos, tornando os muitos
diferentes em iguais entre si; os produtos por ela veiculados acabam se tornando mais
sedutores quando chegam envoltos em mundos míticos, encarnados por personagens
marcadamente distintivos, envolvidos em um sistema de projeção no qual sonhos e fantasias
possuem uma assinatura que os individualiza, levando ao seu consumo identitário. Falamos
que esses produtos são “marcadores sociais” (FEATHERSTONE, 1995), e quando dizemos
produtos incluímos, aí, os não-mensuráveis, como os serviços e as imagens, que exercem
fascínio e poder.
Por fazer parte da cultura brasileira dos anos 1940 e 1950, a comunicação
aqui representada pelo discurso publicitário refere-se a muitos contextos que esse veicula: a
montagem, o enquadramento, as cores, os possíveis ruídos, a linguagem verbal, iconográfica,
os conteúdos da própria ideologia de seus autores, incluso a questão de gênero (KELLER
apud WALLERSTEIN, 2002a). Assim, esse discurso envolve diferentes tipos de
subjetividades, que estão submersos no sentido primeiro do anúncio: a venda objetiva para um
mercado previamente estipulado e dotado de um público consumidor específico.
A escolha do anúncio da Arno como exemplo de interpretação que aqui
apresentarei para análise (ver adiante), foi feita tendo em mente algumas questões: por ser
uma determinada época, os anos 1950 são considerados como os anos dourados
72
(HOBSBAWN, 1995), em que as condições históricas acabam por jogar o foco em uma
personagem importante na formação das sociedades humanas: a mulher, personagem
comumente tida (ao longo da história), nas sociedades ocidentais, unicamente como geradora
e cuidadora do lar, da família, do homem e do bem-estar psicológico de seus próximos; e pela
reincidência exaustiva de anúncios veiculados nas revistas da época que vinculavam o
surgimento de novas tecnologias relacionando à eletricidade ao lar e aliando à imagem da
mulher a essas inovações. Por que a mulher? É o que tentarei desvendar.
Atualmente, com a difusão de uma cultura mais abrangente e heterogênea, de
conexão planetária, supera-se o caráter nacional/local em que se movimentavam os sentidos
de antigamente. Há uma diminuição junto àquela instância de estranhamento que facilitava ao
pesquisador o levantamento das diferenças culturais, pois, muitas vezes, “o objeto de estudo
se afirma impetuosamente como coincidente com a própria identidade cultural e, ao mesmo
tempo, em contínua mutação” (CANEVACCI, 2001, p. 11), o que dificulta certas
interpretações. Como trafego numa via de mão-dupla entre as Ciências Sociais e a
publicidade, creio ter suficiente background para gangorrear entre elas.
A publicidade foi considerada por Henry como um verdadeiro sistema
filosófico, expressão de uma economia “irracional” e “desenvolvida para sobreviver num
padrão de vida fantasticamente alto, incorporado na mente americana como um imperativo
moral [...]” (HENRY apud CANEVACCI, 2001, p. 154). Esse imperativo estava em demanda
a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, levada pela locomotiva
42
estadunidense.
Como colocado anteriormente, há que se levar em conta que a publicidade é
calcada em objetivos extremamente racionais, do ponto de vista do sistema econômico em
que está inserida: sistema capitalista de mercadorias à venda, de sociedade em rede e mercado
internacional com relações público/privadas. Mas ela também consegue representar, sintetizar
e, muitas vezes, antecipar tendências culturais e comportamentais mais sutis. “Por isso, os
estilos de vida atuais, hierarquia de valores e modelos de comportamento possuem na
publicidade um dos mais lúcidos espaços de divulgação didática, com um alto índice de
aprendizagem ‘espontânea’”, comenta, com razão, Canevacci (2001, p. 154). Mas não
podemos esquecer que a publicidade também está vinculada a um mercado e a um sistema
econômico dotado de uma ideologia que domina globalmente. Embora mantenha suas
diferenças, envolve o espectador numa série de mensagens nem sempre muito claras, com
promessas e ameaças paradoxais, resultado complexo de muitas linguagens parciais,
42
Neologismo sobre insanidade tecnológica a todo vapor.
73
fragmentárias, fundidas numa síntese comunicativa pelos seus criadores e interpretada com
uma sensibilidade que varia de acordo com as bases socioculturais próprias do público a que
se destina.
Essa “escala de valores” é tonal e constantemente recebida por esse público,
que então realiza (de maneira inconsciente, não proposital) uma tradução e uma interpretação
“descentralizadas e seletivas” e em contínua tensão
43
com os processos expansivos mundiais
atuais. A formação social da mulher ao longo da história tem mostrado que as relações de
força e de sentido muitas vezes antecipam a continuidade do uso de sua imagem diante desses
processos de aprendizagem que envolvem grande massa de público. A formação de novas
condições culturais criadas pelo consumo e propiciadas pelo boom da publicidade, da
urbanização e da industrialização veio desmantelar os últimos laços que mantinham as
tradições de “comunidades discursivas tradicionais, tais como a família, as comunidades
locais, regionais, étnicas ou de religião” (PINTO, 2002, p. 83), embora parcialmente.
Trabalhar o jogo discursivo que envolve as imagens, os textos e a
diagramação nos anúncios publicitários torna possível mobilizar e desvendar a constituição
não só desse sujeito histórico (mulher) numa sociedade de economia de mercado como a
nossa, mas também o funcionamento das “comunidades de consumo” de que Pinto (2002) nos
fala e que “se superpõem a, e recortam aquelas comunidades tradicionais” que “puderam
surgir como resultado do trabalho empreendido pelo capital por meio da mídia com ênfase
para a publicidade e seus anúncios” (PINTO, 2002, p. 83). É como busco desvendar as
condições de formação dessas imagens de mulheres. O alvo é retirado do interior dessas
comunidades tradicionais e pode se tornar mais tradicional que as próprias comunidades.
Fairclough, ao descrever o processo de construção de pessoas em
consumidores, sintetiza:
A publicidade constrói as comunidades de consumo no sentido de que
transforma pessoas em consumidores, ao fornecer os modelos mais coerentes
e persistentes para as necessidades, valores, gostos e comportamentos do
consumidor, pela repetição de sucessivas interpelações. Se no início é uma
espécie de jogo, uma experiência suspeita para os membros da audiência,
acaba se transformando em hábito, por ser real. (FAIRCLOUGH apud
PINTO, 2002, p. 84)
43
Ver página 43. As três forças: a do produtor, a da peça e a do receptor/consumidor.
74
O anúncio veiculado em O Cruzeiro de 23 de janeiro de 1954 possibilita
checar essa experiência, dita “suspeita”. Nele estão os seguintes enunciados:
Fonte: 100 anos de propaganda
Figura 21 - Anúncio Arno.
Primeiramente, temos um anúncio no formato retangular vertical, que indica
uma compressão dos sentidos no âmbito da espacialidade. Uma página dupla colocaria em
cinemascope o percorrer de nosso olhar sobre os dados contidos no anúncio. Todos os dados
(e são muitos) se aglomeram na verticalidade: um (1) liquidificador; uma (1) ilustração de
mulher; uma (1) marca desenhada; cinco (5) setas coloridas contendo textos vazados em
branco; um (1) texto em vermelho, do lado esquerdo de quem olha o anúncio e o aparelho; um
(1) texto em preto, com traço vermelho embaixo, manuscrito acima de toda informação;
quatro (4) blocos de texto em preto, ao lado da ilustração da mulher; uma (1) ilustração
quadrada em verde-claro abaixo desses blocos; uma (1) marca redonda Arno, em vermelho;
uma (1) logotipia Arno em preto bold (negrito); um (1) texto em preto com informações
adicionais, tais como endereço da empresa e slogan, na base do anúncio. Ao todo, são dezoito
75
(18) dados, que os olhos do consumidor têm que percorrer, decifrar, organizar e entender, e
que se reproduz sobre a superfície branca do papel, compondo o anúncio.
O primeiro decifrar vai nos levar à sua dessuperficialização. Começando pelo
lado direito do anúncio, temos um motivo que vem remetido através da indústria da
publicidade: atualmente, a página da direita é a página de maior custo para o anunciante,
exatamente devido à melhor visibilidade para o leitor.
Lançando a nova linha surge...: esse texto está colocado no topo da página,
do lado direito do anúncio, lado de quem lê, pois, ao virarmos as páginas de uma revista,
nossos olhos repousam primeiro sobre a página da direita; a página da esquerda fica
“escondida”. O texto está colocado ali para, justamente, chamar a atenção do(a) leitor(a). O
anunciante, Arno, é quem está “lançando” o produto, sujeito raptado para que a marca possa
ser comunicada explicitamente a seguir. O eixo de comunicação verbal está situado nessa
posição, deixando o lado esquerdo (o lado pelo qual se começa a “ler didaticamente”, no
Ocidente) para a imagem fotográfica/ilustrada, dominadora, do eletrodoméstico, a qual ocupa
a maior área do anúncio e é matizada por pequenas setas coloridas indicativas de vantagens e
melhoramentos que essa “novidade” apresenta em relação ao seu próprio produto anterior ou
em relação aos produtos concorrentes.
O traço em vermelho, que sublinha a palavra “nova linha”, tem o objetivo de
ressaltar um valor atribuído ao aparelho e sua moderna tecnologia descrita nas setas, além de
suas vantagens. Porém, está ligado à figura feminina colocada abaixo da marca e da massa de
texto, remetendo à idéia da valorização das linhas da nova mulher, através de sua
representação em ilustração característica de revistas de moda e estilismo (lugares de
consumo de mulheres modernas, inclusive o consumo das próprias revistas de moda pelas
platéias chiques), e não vinculada à atividade do lar. Pode ser lido como a nova linha da
mulher moderna. A palavra “surge” poderia ser descartada se não fosse pelas reticências, que
indicam como deve ser lida a frase: com uma sustentação da respiração do consumidor ao
final, um espaço vazio para a entrada vigorosa da linha Arno IV Centenário. Poderíamos ler:
“Lançando a nova linha, Arno IV Centenário”, expressando maior objetividade, mas o
anunciante pede uma suspensão, de peito cheio, ao falarmos o nome da marca
44
.
Há que se notar que, atualmente, as pontuações como indicativos de leitura
para anúncios são consideradas como excesso, ruídos, em desuso na publicidade, pois os
consumidores de anúncios não lêem como o criador quer, mas como sua disposição indica.
44
Mais merchandising (ver FONTENELLE, 2002).
76
Arno IV Centenário: A logomarca está envolvida em desenho trapezoidal
marrom, com a fonte em amarelo-ocre. Há sobreposição de um desenho na forma de gota
horizontalizada, em laranja, que abriga o texto de apoio “IV Centenário”, em preto e
centralizado em relação a Arno, o que o faz exercer força imagética, equilibrando o anúncio
dentro do espaço do fundo e das massas de textos explicativos. O desenho se sobrepõe
ligeiramente à fotografia do aparelho, sem comprometer sua identificação, porém dando ao
anúncio um aspecto de composição ousada. Não há medo de “sujar” a imagem do aparelho do
anunciante com as sobreposições do trapézio da marca e das setas coloridas, pois elas não
adquirem ar carnavalesco, mas sim de novidade moderna. Não há anúncio similar a esse, na
concorrência, durante a década de 1950. Vamos encontrar essa ousadia apenas na década de
1960, quando os publicitários começam a desenvolver suas próprias concepções de linguagem
e diagramação.
Moderno, funcional, características exclusivas: as citações, colocadas em
fonte caixa baixa (termo técnico do meio publicitário e gráfico que significa o uso de tipologia
com letras minúsculas), bold, condensada e centralizada, destacam a informação que contêm,
organizadamente, ao lado da imagem da mulher que admira, em observação idílica — observe
a postura de suas mãos —, tamanha exclusividade; ela olha para cima, o texto está ao seu
lado, lhe faz companhia, lhe é indicativo de leitora, alfabetizada, culta na utilização de
aparelhos modernos, elétricos, que vibram, trituram com lâminas protegidas, seguras pelo
corpo de alumínio (moderno/industrial) polido.
O seu Arno - IV Centenário é o liquidificador que cria um novo padrão de
beleza... novas possibilidades exclusivas para seu lar: fonte em caixa baixa, corpo (indicação
de tamanho da fonte) pequeno e centralizado em relação ao texto anterior, apresenta quase
silenciosamente as informações que contém, como se falasse baixinho, para a figura da
mulher, sobre a existência desse novo padrão de beleza. Respira, quase suspirando, ao colocar
as reticências, e abre a perspectiva de “novas possibilidades”, que podem ser tanto o desejo
das mulheres à época sobre suas próprias perspectivas como as perspectivas das novas
tecnologias que elas dominam com exclusividade na cozinha: modernas, práticas e funcionais,
e que o aparelho proclama. A palavra “exclusivas” carrega o significado de singularidade,
diferenciando seu possuidor do comum dos mortais — não possuidores — (veja a ilustração)
e, finalmente, mostra o lugar a que se destina esse produto: “para seu lar”. A imagem da
mulher, aqui, apesar de não estar ilustrada como dona de casa, que cuida dos afazeres
domésticos e de seus entes queridos, garante o direcionamento do anúncio para que ele não se
distancie de seu público-alvo e de sua caracterização de sentido de origem e de destino. Uma
77
tentativa de objetividade na venda do produto e indicativo de posse não só do produto, mas do
espaço, ambiente, lugar da mulher: os afazeres domésticos, o lar; ao mesmo tempo em que o
ícone possui indicativo de nobreza e alta-cultura: gente fina é outra coisa!
(Primeira seta, laranja, indicando a tampa.) Sobre-tampa aerodinâmica com
capacidade de meia xícara que serve como prático medidor: a seta indica objetividade,
posição. A seta não erra; ela “fala” claramente, a partir de um lugar de quem sabe a
informação correta; fala para quem vive na cozinha praticando receitas e não pode errar. Ela é
técnica, exata e funcional, como a própria publicidade. Acerta o alvo como o marketing. Duas
tampas do liquidificador equivalem a uma xícara de farinha, de açúcar, de leite ou do que for,
mas é um complemento importante na constituição do aparelho que o coloca como
diferenciador (objeto marcador) e acaba marcando mesmo sua posição de valor dentro da
cozinha, em detrimento dos outros eletrodomésticos que compõem esse universo da casa da
mulher.
(Segunda seta, marrom, indicando a base da tampa e do copo.) Tampa
inquebrável flexível... à prova de vazamento!: indica, exclamando, uma série de problemas
enfrentados pelas donas de casa e, agora, finalmente solucionados pelos fabricantes do
aparelho. Eles fizeram pesquisa. Por sinal, a marca Arno aparece quatro vezes no anúncio,
com o objetivo de se fixar na mente do consumidor: objetivo altamente recomendado pelo
marketing e a propaganda atuais. As mãos molhadas e lisas podem manusear com segurança e
tranqüilidade. Não haverá mais o risco de liquidificador sem tampa, de tormento na hora do
uso, do mal-acabado na cozinha, da dor de cabeça do consumidor diante do acontecimento: a
quebra da tampa ou o vazamento durante o preparo de uma vitamina e o aparelho inacabado
pela falta da peça num canto da cozinha.
(Terceira seta, laranja, no corpo do aparelho.) Alça circular que facilita o
manejo: ou, poderia estar silenciando: até você que não fica na cozinha, mulher moderna,
poderá utilizá-lo com facilidade, sem fazer sujeira. Ou: confie o aparelho à empregada, ou aos
garotos.
(Quarta seta, azul, na base do aparelho.) Motor ‘Super-Silent’, Ultrapotente...
3 velocidades para todas as utilidades: aqui, as referências técnicas sobre motor, potência,
barulho, têm claras evidências masculinas e do falo, sentido de domínio do poder masculino,
como presentifica o posicionamento do aparelho na diagramação do anúncio. Quem se
preocupa com essas configurações geralmente é o homem, não a mulher.
(Seta verde à direita do aparelho, na base do copo.) Copo em forma de
coqueteleira: a coqueteleira é um símbolo de status, feita para o preparo de drinks, oferecidos
78
a convidados especiais, e não no dia-a-dia — também uma atitude masculina e tipicamente
americana, muito vista nos filmes, em referência ao ato de beber socialmente. Curioso é que
vamos encontrar nos anúncios do Leite de Magnésia de Phillips o aconselhamento para sua
ministração e descrição de sintomas, dados que concedem aos homens naquela época
(fevereiro de 1946), tais como: “embora tenha se excedido na noite anterior, ao comemorar
um acontecimento agradável ou uma data feliz, [...], tome uma dose do Leite de Magnésia de
Phillips [...], que elimina os efeitos desagradáveis de qualquer excesso no comer, beber, ou
fumar, evitando a asia e [...]” (SELEÇÕES, FEV. 1946, p. 151 – direita). Vamos encontrar
apenas imagens de mulheres ilustrando esses anúncios, alegres e sorridentes, com os braços
ao alto, a dançar (ver análises dos campos temáticos: a imagem sem inocência. III - Vida de
saúde).
Cores modernas... harmonizam com sua cozinha!: texto em vermelho, na
altura da base do copo do liquidificador, faz essa referência, reforçando à mulher, ilustrada em
tons vermelhos e traços modernos para a época, diferenciando-a de uma operadora do
aparelho, a posse não sobre sua casa, mas sobre um pequeno espaço dentro dela, sua cozinha,
lugar de privacidade e de domínio: lugar de exclusão/inclusão, o fora-dentro do mundo. A
invasão das cores na sociedade está em voga na década de 1950 (veja o próximo anúncio
inserido). Os automóveis passam a ostentar o brilho colorido das tintas; a fórmica in color
invade os ambientes, os acrílicos translúcidos/lúdicos e a arte moderna conquistam espaço em
todos os lugares.
Fonte: Seleções, dez.de 1959
Figura 22 - Anúncio sobre novas cores da multinacional Sherwin Willians.
79
Foto do aparelho ocupando quase toda a altura do anúncio: indicação de
conhecimento técnico sobre as táticas de diagramação e vendas. Dentro da objetividade do
marketing, ciência declaradamente nova, como sendo de uma década anterior — a de 1940,
década do marketing, do cinema e da mídia de massa —, esse anúncio obedece a certas
normas de produção bastante objetivas, com destaque para o produto em primeiríssimo plano,
com a imagem colocada no sentido de leitura, da esquerda para a direita. Depois de passear os
olhos descendo pelas informações, eles “colam” na fotografia do eletrodoméstico falótico-
vertical. As informações descrevem as novidades do aparelho; alta definição de sentido da
marca, ligada diretamente ao aparelho, em sua diagramação, inclusive sobrepondo-se a ele
ligeiramente, é indicativo de conhecimento em diagramação e criação publicitária, mas a
imagem se constitui como uma força fálica no sentido de poder comunicante: ela grita, não
nos largando, agarrada à nossa cara.
Ilustração de uma mulher ocupando metade da altura do aparelho: essa
mulher, como já foi dito, está representada sem avental, com uma roupa que indica atividade
social externa à casa, e remete à idéia de uma mulher européia, cabeça erguida e mãos em
maneirismo afetado, indicadores típicos de classe social de origem. Afinal, São Paulo está
fazendo 400 anos, e uma das concepções sociais que indicam poder com raiz é o fato de as
famílias serem taxadas de “quatrocentonas” européias, que não se misturam com a plebe
ignara. Uma maneira de homenagear as geradoras que possibilitaram a continuidade da
descendência histórica da cidade a partir de seus lares.
Certificado “termo de garantia”: ao lado das pernas da mulher, à direita,
oferece ao leitor um sentido de qualidade total, do tipo ISO 9000 de atualmente. Um
certificado de grande valor, que deveria ser mostrado com maior clareza e definição, porém é
único nos anúncios da época e dimensiona plano de visualização re-colocando a dama de
vermelho
45
.
Marca da Indústria Arno: em vermelho e preto, cores da indústria, situada na
base, entre a mulher e o liquidificador, age como reforço e indica referendum ao apoio de
texto logo abaixo, que carrega o sentido de localização espacial da empresa, o endereço da
matriz e das distribuidoras: o mapa da mina.
45
The woman in red (comédia) dos anos 1980 — 1984 . Direção: Gene Wilder; Orion Pictures Corporations; País: USA;
Linguagem: Inglês; Color: Techinicolor. Foi um dos primeiros filmes lançados a receber a classificação de censura PG-13,
que havia sido recentemente criada.
Podemos também considerar as “donzelas de finas canelas” como é de fato a senhorita ilustrada na peça publicitária. Essas
donzelas, as preferidas dos gregos —em Hesíodo e na Ilíada de Homero— já as reclamavam para si em seus versos.
80
Slogan de fechamento, “compre Arno nas melhores casas do ramo”: o termo
“melhores” indica que o produto é melhor que os outros produtos similares encontrados no
mercado e que, “subliminarmente”, o consumidor encontra nas melhores casas da cidade, não
apenas casas comerciais, aí incluindo as residências quatrocentonas, de respeito e, por que
não, a casa do possível leitor/consumidor.
Fundo do anúncio: sem cor, “branco”, porém o branco pode ser considerado
simplesmente como ausência ou como presença de um ideário de limpeza, assim traduzido.
Porém, esse ideário, no caso da publicidade, pode ser oriundo da minimal art, e vai exceder
esse campo a partir dos anos 1980, com a explosão yuppie: muito dinheiro, poucos móveis,
roupas repetidas. A chamada linguagem clean, utilizada na publicidade e que é característica
dessa época (1986, mais precisamente, segundo Marcondes, 2002). Mas, uma leitura mais
atenta nos faz perceber que o fundo limpo não denota uma mensagem clean, porque o espaço
da superfície é ocupado por textos carregados de diferentes tipologias — que vão desde a leve
script comercial até a condensada impact
46
. Esse anúncio poderia ter sido produzido sobre um
fundo rosa sem que sofresse descaracterização ou desobjetivação no mercado; a cor rosa é
tida caracteristicamente como uma cor feminina pela senso comum.
Essa dessuperfialização do anúncio em camadas (layers) transparentes
permite desvendar seus antecedentes particulares. O que interessa nessa leitura é a relação das
imagens não-verbais nele presentes, e a ausência de cor é apenas uma dessas imagens-não-
imagens. Essa ausência reforça a presença dos demais elementos e não compromete a
possibilidade de outros ruídos virem a se impor na peça: sujeiras da reticulagem que poderiam
confundir os leitores, por exemplo. A ausência pode ser uma opção, em vez de um
esquecimento.
46
Nomes de fontes.
81
Figura 23 – Anúncio liquidificador Arno fundo rosa
Há maneiras de fazer esse anúncio e uma delas é de forma funcional em cada
detalhe. A colocação objetiva da altura do eletrodoméstico em relação à altura do anúncio, o
produto à esquerda, no sentido da leitura ocidental, tornando-o primeira presença; a ilustração
da mulher à direita, reduzida em sua força comunicativa, de tal maneira que se torne
dispensável sem que isso comprometa a venda do produto e, ao mesmo tempo, idolatrando a
tecnologia que facilita sua vida. Mas, vejamos, a seguir, na figura modificada, como fica o
anúncio sem essa pièce de resistence:
Figura 24 – Anúncio liquidificador Arno sem a mulher
82
O anúncio também pode ser criado de forma menos objetiva em relação aos
significados de cada texto e imagem, com colocações aleatórias e sem intuito demarcativo
específico, o que pode ser considerado como uma composição mais intuitiva. A subjetivade
do “fazedor” do anúncio pode dominar o fazer criativo, porém, não podemos esquecer que a
peça analisada faz parte de um sistema e esse é elaborado para atingir um público da maneira
mais objetiva e direta possível, pois se trata de vender coisas, produtos. Mas existe a presença
da mulher em imagem ilustrada nessa peça gráfica, e sua presença, apesar de ser dispensável
(como vemos na figura modificada), do ponto de vista exclusivo da venda, está ali colocada e
participa da peça com um “colorido” especial. Por quê? É um anúncio feito por homens? Não
é possível comprovar, a não ser pelo fato de que nos anos 1950 (época de criação e veiculação
desse anúncio), as agências de publicidade no Brasil empregavam homens, escritores, saídos
do jornalismo e do marketing, e essas atividades, como vimos na primeira parte deste
trabalho, eram “coisas de homem” até então. Poucos veículos possuíam em seus quadros
mulheres, excetuando-se algumas publicações jornalísticas específicas, como alguns
magazines já mencionados.
A ausência de fundo como inanimagem pode ser remetida ao ícone mulher
nesse caso? Honestamente, do ponto específico de venda? Do ponto de vista sociológico, ou
mesmo filosófico, a imagem da mulher aqui representada junto ao aparelho liquidificador em
nada altera o produto, já que com ele não estabelece contigüidade. É dispensável não por ser
mulher, mas imagem em excesso e, nesse sentido, ela foi utilizada.
A seguir apresento uma rediagramação desse anúncio que ressignifica a
mulher e o sentido de sua representação, ao colocar todos os elementos encontrados na peça
original, destacando a mulher ao colocá-la em primeiro plano. A posição sugere desdém pelo
uso das mãos sobre qualquer aparelho produtor/facilitador de serviços, nada de fazer: mandar
fazer! Contudo, descartá-lo como item de modernidade não é algo que se faça. Ela o terá na
cozinha, que visita em seu lar, valorizando sua residência e à mulher em condições de
igualdade no uso de tecnologia e em sua relação à condição de “patroa”, “rainha do lar”.
As imagens equivalem-se em força de comunicação quando o anunciante
tenta chamar a atenção do consumidor para as excelentes condições que o aparelho apresenta
enquanto a mulher e-finge
47
(ver figura 25) que não ouve, pois, como mulher contemporânea
(em sua época) que é, tem outras preocupações. Contudo, o anúncio valoriza a mulher sem
47
E-finge: neologismo que menciona a possibilidade de acontecer ao mesmo tempo o reforço mitológico da mulher ideal
como ícone cultural de publicidade e de domesticidade, ou seja: do privado para o público pelo privado, muito embora de
lado. Termo também utilizado no meio fashion como pejorativo para aqueles que não conversam olhando nos olhos.
83
perder a objetividade: vender o produto. Questão de ponto de vista de quem faz a criação ou
expressão de valores ideológicos inerentes a toda nova re-configuração do mercado?
Na verdade, parece que pontos de vista são problemas a serem resolvidos em
relação ao contexto da reprodução das hierarquias sociais, reconhecidas no interior das
instituições em que esses processos de comunicação se dão e que se reforçam numa
constância de produção até seu esgotamento, via mercado, modificando-se segundo sua
própria exigência.
Figura 25 – Anúncio liquidificador Arno com domínio da mulher
Mas, se na peça original substituíssemos a imagem do eletrodoméstico
liquidificador por outro produto característico da época, o que poderia acontecer com esse
anúncio, de maneira que pudéssemos ser minimamente idôneos na escolha dos objetos?
84
Figura 26 – Trinca de anúncios experimentais
Retirei de outros anúncios imagens e não posso afirmar que são totalmente
isentas de julgamento pré-disposto, visto o campo a que pertence o anúncio em primeira
análise: vida eletrodoméstica. Substituí o liquidificador para observar as possibilidades de
mudança de sentido ou de significado. Qual o sentido? Qual o significado? Por onde
começar? Continua parecendo um anúncio feito por homens e mantém um sentido fálico
devido à própria verticalidade da página, que condensa, oprimindo o vagar dos olhos.
Primeiro o sentido, após o já lido: verticalidade; contido; suspirando por
cima, no topo da página, por onde entra a alma do anúncio em densa matéria, arremetendo à
esquerda, para a leitura do fato. Venda de produto circulante em mercado de estranhas
proporções, dimensões e múltiplas facetas, porém onde tudo se equivale
monetariofinanceiramente (FEATHERSTONE, 1995): há um sentido bastante objetivo.
Em seguida, o significado: o poder que a imagem transmite nunca foi tão
impressionante como nos anos 1950 e seus big closes. Não pela imagem em si, mas pela
inovação dos meios de comunicação que proporcionaram uma nova maneira de “ver” as
coisas. Pudemos “ver” clara e definidamente imagens de pessoas que amávamos, nossos
ídolos do cinema, carros enormes, colossos brilhantes iluminados pareciam mais velozes, e o
aparelho aspirador de pó, esguio como um inseto, familiar como um secador de cabelos do
salão que a mulher costuma freqüentar nas quintas-feiras. Animo-cultura, tecno-imagens,
mixes-misses. Clara-evidência
48
sobre os produtos apresentados limpos e retocados para o
público. Essas imagens são convertidas com maior espontaneidade porque escorregam para
48
Neologismo no sentido de mais evidente impossível, porém previsto pelo marketing e sociologia juntos.
85
dentro das pessoas, grudando nelas, assim como, de modo contrário, a imagem da panela vai
encontrar ruído na comunicação e ter dificuldade em sua entrada. Não devo parecer
provocador, mas o relacionamento desses sentidos de verticalidade e significados de poder
pela imagem com ampla dominação cultural pode ter sentido quando pensamos nos diversos
simbolismos que o consumo deve ativar. E o consumo de imagem também faz girar a roda.
Diversas palavras são empregadas para exemplificar o sentimento do falo,
que tem origem no órgão sexual masculino: falo, logos existum
49
. Uma delas é a palavra
pênis. Se essa palavra fica reservada ao membro real, a palavra falo, derivada do latim,
designa esse órgão mais no sentido simbólico, com um significado de privação, mais do que
de castração. (ROUDINESCO, 1998).
Em sua história, o falo foi investido de suprema potência, tanto na celebração
dos antigos mistérios quanto em diversas religiões pagãs ou orientais. Os deuses itifálicos
(culto ao membro em ereção) foram rejeitados pela religião monoteísta, que considerava que
eles remetiam a um passado bárbaro da humanidade, caracterizado por práticas orgiásticas.
Reivindicado por Sade no século das Luzes, numa contestação radical do cristianismo, e por
Nietzsche, 100 anos depois, o falo tornou-se, para as seitas no período moderno, como
tentaria mostrar Rorscharch, o instrumento de uma verdadeira sujeição dos membros da
comunidade, obrigados a obedecer às injunções sexuais do guru e a idolatrar seu órgão
(ROUDINESCO, 1998). A publicidade mostra-se acompanhante sedutora, e qual “homem
não sonhou ser visto com mulheres bonitas? A beleza feminina realça o valor e a posição dos
homens [...]”, afirma Lipovetsky (2000). E a sociedade, como “homens”, ampara nos braços
essa beleza feminina da publicidade, idolatrando em “verdadeira sujeição” esses “membros da
comunidade”, por vezes cometendo atrocidades em troca de uma satisfação egotrip que se
esgotaria em outros setores do Estado, tais como na educação, por exemplo: moleque não ia
roubar/matar por causa de marca — ícone de mercado, imagem cultural com poderes
transformadores sociais — em tênis.
O adjetivo “fálico” foi ocupar um lugar de grande importância na teoria
freudiana da libido (de essência exclusivamente masculina), na doutrina da sexualidade
feminina e da diferença sexual e, por fim, na concepção dos diferentes estágios da sexualidade
da mulher. As feministas viram nessa doutrina a expressão de um “falocentrismo” ou de um
“falogocentrismo”. Lacan afastou-se ao máximo da concepção biológica da sexualidade,
interessando-se mais pela perversão do que pela neurose, pelo gozo do que pelo prazer, pelo
49
Configuração do tripé da vontade moderna: falo, como poder de domínio sobre o outro; logos, como origem do todo que
ocupa; existum, do latin, como sendo formados à sua feição.
86
desejo do que pela necessidade e pelo objeto do que pela pulsão. A partir de julho de 1956,
Lacan fez do falo o próprio significante do desejo, aplicando-lhe uma maiúscula e evocando-
o, antes de tudo, como o “falo imaginário” e, depois, como o “falo da mãe”, antes de passar
finalmente à idéia de “falo simbólico” (ROUDINESCO, 1998), que é o que me interessa tratar
aqui. Porém, estamos falando de peças de publicidade sob a ótica das Ciências Sociais e,
apesar da necessidade de entender o funcionamento desse conceito, as diversas representações
figuradas do órgão masculino vão se organizar num sistema simbólico cujo temor só existe no
inconsciente. Como consumidores comuns não pensamos a respeito (do que estou tratando
aqui) quando estamos a ler uma revista. São códigos ativados por modelos
construídos/configurados durante o tempo (ELIAS, 1995) e que só o exercício pedagógico das
análises permitirá o sentido de presentificação dos anúncios.
Depois da Segunda Guerra Mundial, com o crescimento do movimento
feminista, a palavra “falocentrismo” adquiriu conotações pejorativas, na medida em que foi
assimilada a uma doutrina corrente da “falocracia”, isto é, de um modo de poder sexista,
baseado na desigualdade e na dominação das mulheres pelos homens. Contudo, como explica
Rago (
2004a, p. 36),
[...] numa avaliação mais otimista e mais atenta às mudanças do que às
permanências, observa-se que são muitos os efeitos da contundente crítica
que o feminismo realizou, nos últimos 30 anos, ao falocentrismo, isto é, às
formas masculinas de organização social e de codificação da experiência,
tanto ao desnudar sua dimensão sexista e misógina como ao propor a des-
hierarquização do modo cêntrico de pensar, em que o universo feminino era
inferiorizado.
Hahner (1981) se pergunta sobre o porquê de as mulheres se encontrarem
ausentes ou serem mal-interpretadas nos estudos de história social. Por que elas não
receberam crédito por seus papéis desempenhados no desenvolvimento da sociedade? A
autora diz que “a mulher é essencial para o alcance de uma visão equilibrada e
multidimensional da realidade, passada e presente” (HAHNER, 1981, p. 13). Mas a
manutenção da imagem da mulher junto às imagens construídas das minorias acabou por
mascarar a importância de seu papel histórico, mesmo levando-se em consideração que as
mulheres não são numericamente inferiores ao número de homens na população brasileira. O
desenvolvimento de estudos do tipo que estou realizando aqui contribui para re-significar
esses papéis atualmente, e as imagens aqui encontradas deixam entrever um mercado de
87
representações com contornos tipicamente masculinos. Como confirma Hahner (1981, p. 14):
“Uma razão importante para essa desatenção [mulheres ausentes na história] diz respeito à
natureza da história tradicional assim como àqueles que a escrevem. Os homens enquanto
transmissores tradicionais da cultura na sociedade, [...]”. Sempre houve uma valorização das
questões mais gerais do cotidiano, que vê na busca por esse tipo de generalização atitudes de
homem, sem emoções individuais, um típico “condicionamento cultural que relaciona
mulher/emoção” (BUITONI, 1981, p. 46).
No anúncio original do liquidificador Arno, o produto apresentado pode e
deve ter serventia prática em sua utilização: ajudar no preparo de refeições na cozinha de uma
casa. Porém, sua apresentação dispensa a necessidade prática, colocando-o como um ícone
demarcador de posição social (já mencionado). Talvez a mulher imaginada no anúncio sequer
soubesse cozinhar, ou talvez ela tivesse empregados para cuidar de sua casa e cozinha. Não
importa, a apresentação desse produto passa a idéia de que a mulher pode comprá-lo e não
utilizá-lo, comprando em seguida outro produto que, com mesma função, mais novo e com
traços de modernidade mais definidos, faça o serviço e, ao mesmo tempo, demarque lugares
diferenciadores-igualitários.
Essa é a típica “magia do capitalismo”, conforme indica Rocha (1985). Essa
“magia” nada mais é do que uma manifestação da criação ideológica que se banha no discurso
publicitário, como observa Bakhtin (1988, p. 38):
Nenhum signo cultural, quando compreendido e dotado de um sentido,
permanece isolado: torna-se parte da unidade da consciência verbalmente
constituída. A consciência tem o poder de abordá-lo verbalmente. Assim,
ondas crescentes de ecos e ressonâncias verbais, como as ondulações
concêntricas à superfície das águas, moldam, por assim dizer, cada um dos
signos ideológicos.
Um produto desses, anunciado em uma revista de massa, carrega uma visão
de mundo como marcador de lugar (FEATHERSTONE, 1995), mas essa visão não é inerente
ao objeto em sua linha de produção; ela é agregada a ele pela criação do marketing e da
publicidade, com o intuito de revesti-lo com uma representação que induza ao seu consumo e
ao consumo de seus pares. A constituição de um objeto enquanto signo ideológico não pode
ser realizada com esse objeto tomado individualmente nem com a própria ideologia
incorporada sem a interação entre os indivíduos e entre esses e os objetos (produtos)
encontrados no mercado. É “fundamental que esses três indivíduos [pessoas, peças
88
publicitárias e produtos] estejam socialmente organizados, que formem um grupo: só assim
um sistema de signos pode constituir-se” (BAKHTIN, 1988, p. 35) e tornar-se “consciência”
individual, sociocultural.
Ao entrar em contato com o universo das imagens publicitárias experimenta-
se a sensação de participar de um grupo, ou mesmo de manter um “convívio social maior”
(MARCONDES FILHO, 1985a, p. 87). Essa sensação é obtida através de uma impressão
subjetivada — não apenas através da compra de determinados produtos, mas do sentir —
participar, o qual é a expressão de uma vontade
50
que se realizará de algum modo.
Até a década de 1940 temos uma visão de mundo sob o domínio exclusivo
do ponto de vista masculino, não sendo permitida a expressão de liberdade em relação à
mulher fora do lar. Porém, como já visto, após a Segunda Guerra Mundial se faz necessário
expandir o mercado para a ampliação do consumo de mercadorias em suas variadas formas.
As mulheres e os jovens constituem um novo segmento a ser explorado. Elas são o público-
alvo predileto dos anunciantes de mercadorias concretas e abstratas, produtos e valores
colocados à venda, direcionados planejadamente para cada segmento de consumidoras. Como
há o domínio costumeiro do homem nas relações de trabalho, nas relações econômicas e
políticas, o pedido veiculado nos meios de comunicação e apresentado pelas garotas-
propaganda torna-se ambíguo: ao mesmo tempo em que indica possibilidade de mudança de
valores, pede que esses valores sejam do monopólio do lar — espaço reservado
caracteristicamente à mulher tradicional.
Não podemos ler esses anúncios como se eles não estivessem inseridos
dentro de um contexto mais amplo. Os anúncios publicitários encontrados nas revistas de
massa das décadas de 1940 e 1950 jogam no campo ideológico das próprias revistas e do
meio circulante, espaço tornado social para a mídia. Os artigos, pequenas notícias, sessões de
humor e dicas de saúde, formam um corpo ilustrado por anúncios os mais variados, porém
com uma mensagem que se estende para muito além do produto anunciado. Uma análise mais
cuidadosa dos materiais da época, em seu conjunto, pode indicar uma onda em cuja crista
explodem as bolhas publicitárias, porém essas ondas carregam em si pedidos já expostos e
contados como histórias de vida ou como exemplos de histórias traduzidas nos artigos,
sessões e reportagens que configuram o corpo das revistas.
São pouquíssimos os anúncios formatados para veiculação em várias revistas
simultaneamente, entre as aqui analisadas. Levando-se em consideração os formatos, radicais,
50
Conforme descrito nas Considerações Finais.
89
diferenciados das publicações (Seleções tem a medida de 18,6 cm x 13,6 cm no sentido
vertical; O Cruzeiro tinha a medida de 32 cm x 23 cm no sentido vertical), os anunciantes
produziam peças diferenciadas para um e outro formato, pois o padrão de corte das pranchas
de papel ainda não possuía uma forma universal. Esse padrão surgiu com o monopólio das
indústrias de papel e celulose na década de 1960, em estreita correspondência com as
indústrias produtoras de equipamentos gráficos e de impressão, e visava o mínimo desperdício
de matéria-prima. Essa padronagem também se deu no setor industrial de tintas gráficas e de
fotolitos. A chamada escala “Europa” de cores, nada mais é do que a vulgarização de um
padrão de reticulagem para fotolitos a partir da utilização de quatro filmes das cores básicas
de impressão, a saber, Cyan (azul), Magenta, Yellow (amarelo) e Black (preto), conhecidas
tecnicamente como padrão CMYK
51
.
Podemos considerar que, como não havia ainda um padrão gráfico nem um
planejamento sobre a construção da imagem da marca
52
, um dos diferenciais dos veículos se
dava por seu formato. Revistas grandes proporcionavam impressões de fotografias mais
próximas da linguagem do cinema, com big closes e um detalhamento cheio de frescor, pela
novidade da impressão. Revistas grandes e de lombadas finas também tinham o privilégio de
aparecer nas salas de visitas dos lares e dos lugares de passagem rápida, como os consultórios,
as quais traziam textos condensados em detrimento das imagens ampliadas. As revistas de
pequeno formato com lombadas grossas eram comumente deixadas nos banheiros ou nos
quartos, pois “pediam” tempo e dedicação para a leitura dos longos artigos. Lugares esses
considerados de intimidade e de reflexão: lugares privados.
Durante os anos 1950, a especialização do setor de comunicação e do
mercado, a metropolização dos trabalhadores, a apropriação dos mitos urbanos pela indústria
da propaganda e da moda, o estabelecimento de corredores de automóveis, que setorializam o
agrupamento comercial de imagens, acabaram por acrescentar valores que diferenciam tipos
sociais a partir da apresentação e do consumo de objetos/produtos nos campos de vida
privada, nos espaços de intimidade. Vamos encontrar o marketing e a propaganda em ação
nos veículos de comunicação de massa e nas principais estruturas administrativas das grandes
empresas, de maneira contundente e indissociável de qualquer ação dessas empresas no
mercado. Há uma modificação geral das histórias pessoais, glamourizando e tornando público
comportamentos construídos em laboratórios de produção de mercado. As biografias cedem
51
Através da reticulagem, a impressão alcança uma gama variada de cores correspondentes.
52
Assis Chateaubriand, em 1929, lança o jornal Diário de São Paulo usando uma estratégia de marketing agressivo para a
época: distribuiu o jornal gratuitamente, durante um mês, para possíveis assinantes.
90
lugar a um espelho translúcido que vai refletir esteticamente e estrategicamente as múltiplas
subjetividades, não só, mas principalmente, das mulheres nessa época. Como Carvalho (1996-
1997, p. 150) aponta,
Através dessa profusão de imagens, apelos e mensagens visuais, o mercado
inicia seu curso intensivo de retórica visual. É preciso mitificar e mistificar
os antigos valores de uso, representar algo diferente, enfeitiçar a alma
através dos olhos, embalar com máscaras ou revestir de uma segunda pele o
corpo prosaico e sem vida da mercadoria.
As mercadorias não são corpos sem vida, elas falam e, muitas delas, vestem-
se com as melhores roupas — rótulos e embalagens criados a partir de pesquisas de mercado
— e são apresentadas aos possíveis consumidores dentro de suas casas, nos escritórios e nos
consultórios, como portadoras definitivas de soluções para o cotidiano. Imantada nesse
sentimento produzido pela indústria do consumo, a mulher passa a se ver com os olhos de
outrem. Idealizada, romantizada na proximidade do campo doméstico, ela vê seu reflexo, com
a diferença de que esse não é causado pela matéria de seu corpo, mas pelas aspirações
subjetivas dos outros: sua representação, ela é o espelho da mercadoria.
4.2 A
S VIDAS COMO ELAS SÃO: ANTES DE INDIVÍDUOS SOCIAIS, SMOS NICHOS DE CONSUMO
A configuração dos anúncios e seus contextos visa o entendimento da
construção do ser mulher em nossa sociedade a partir dos pequenos grupos de referência
caracterizados por eles (ver quadro de referência no fim do tópico adiante, em página dupla).
Os campos, como já colocado no início deste trabalho, foram pesquisados e analisados, sendo
107 anúncios da década de 1940, assim distribuídos: “Vida eletrodoméstica”, 19 anúncios;
“Vida para os outros”, 16; “Vida de saúde”, 11; “Vida de modelo”, 20; “Vida de
trabalhadora”, 14; “Vida para si”, 18; e “Vida de família”, 8 anúncios; abordados e ilustrados
em blocos para a análise.
Nos anos 1950, temos 168 anúncios, assim distribuídos: “Vida
eletrodoméstica”, 45 anúncios; “Vida para os outros”, 15; “Vida de saúde”, 10; “Vida de
modelo”, 39; “Vida de trabalhadora”, 3; “Vida para si”, 39; e “Vida de família”, 17 anúncios.
91
A construção do indivíduo mulher (de carne e osso, mas que consome),
distinguindo-o dentro de um contexto social maior, baseado em critérios de compra e venda
de produtos apresentados ao público em uma galeria de anúncios, dotados de uma estética que
se torna modelo para uma estética humana (MARCONDES FILHO, 1985a), se dá como uma
roda-viva de vidas a partir de elementos dados como reais nas premissas de pesquisas
encomendadas por escritórios de marketing e propaganda e exibidos nas revistas para uma
massa de leitores.
A força atual da publicidade como fomentadora sociocultural foi retirada
estrategicamente da drástica experiência de 1930, após a falência econômica mundial, que
teve origem nos Estados Unidos influenciando o restante do planeta. A Depressão americana
foi a primeira crise econômica global a partir de um centro financeiro, e
[...] Sua característica básica foi
a “quebra” de todo o sistema econômico;
e a conseqüência mais séria, a falência das firmas, bancos e companhias de
seguro. Havia um índice enorme de desemprego, uma grande miséria, uma
falta de qualquer possibilidade de ganhar a vida e por isso os consumidores
deixaram de comprar mercadorias.
Tal situação fez que a economia e as indústrias sofressem drasticamente com
a crise e que esta tivesse repercussões seriíssimas. A partir daí, os
empresários começaram a estudar fórmulas para fazer que os consumidores
comprassem mais (o capitalismo depende basicamente do consumo [...]).
Para isso foi desenvolvida a “indústria da persuasão”, que hoje é a grande
indústria publicitária que conhecemos. Esta tinha a função, exatamente, de
fazer que as pessoas criassem vontade de compra, embora os produtos
fossem absolutamente secundários e não houvesse dinheiro para isso.
(MARCONDES FILHO, 1985a, p. 77-78)
A idéia da publicidade é, justamente, trabalhar com os produtos imersos em
ideais positivos, relegando todos os aspectos negativos ou de “realidade”, como eles são, de
fato, em sua natureza. Ou seja, o marketing e a propaganda (conforme já foi falado aqui), se
envolvem em um trabalho que visa mostrar apenas uma das faces de Janus para o público
consumidor. Esse, enquanto público-alvo, sem opção imediata ou sem qualquer critério de
consulta e avaliação das peças, a não ser sua própria consciência, mal percebe a polarização, a
idealização e a valorização da face que está de acordo com o melhor ideal do segmento de seu
campo, enquanto público-alvo.
92
Fonte: Seleções
Figura 27 - Anúncios Zenith e Marvella, da década de 1940.
Observe, no anúncio acima, à esquerda, que o rapaz sequer esboça
movimento ou tendência para tal. Sua postura é a de “segura dama que se exibe ante os
outros”. O casal e, mais precisamente, a garota, é o centro das atenções. Ela é o foco das
atenções. É a mulher que se exibe propagandisticamente: a que recebe os aplausos e os
olhares. Os rapazes se comportam cuidando da atitude e cuidando da técnica. A dança
permitida é a dança de casal, não uma dança moderna, em separado, mas dentro das tradições
de uma sociedade conservadora como a norte-americana e a brasileira à época: emergindo da
Segunda Guerra (1944), para uma época de expressão e consumo, a década de 1950. É a
juventude de então, expressando as mesmas atitudes delineadas pelos pais e pelos mais
velhos. Qual o futuro? Presumidamente desinteressante, porque sabido de antemão,
previsível. Traduz-se na permanência e na manutenção da tradição, veiculada pelas pérolas
Marvella, no anúncio à direita. O casamento tão sonhado e preparado para a futura dona de
casa pré-anunciada, pré-parada: profissão, do lar, como veremos nas peças a seguir.
93
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 28 - Anúncios Century, Ninho e GE da década de1950.
No anúncio à esquerda, o marido dá de presente para ela uma geladeira
novinha, amarrada como uma caixa de jóias, e ela adora. O fato de ele se esconder para
observar a surpresa da esposa, meio que se mostrando à espera do reconhecimento, revela que
o excesso de expectativa está em ambos: marido e mulher a se expectarem, surpreenderem-se
mutuamente ante tamanho ícone que vai indicar a importância dada à família acima de tudo.
A geladeira indica presença de mais pessoas na casa, onde se guardam e conservam os
alimentos que atenderão às necessidades desses seres que habitam o ambiente doméstico.
Quem gere esse ambiente está em primeiro plano, a olhar egipticamente (olhar não olhando,
olhar de lado, uma necessidade da publicidade em mostrar o rosto, vis-à-vis com o público
expectador e, ao mesmo tempo, manter o relacionamento dentro da cena) para o presente e a
desvendar o marido que observa. Os enfeites abaixo da ilustração e o texto fazem referência a
bolas de natal e substituem as setas enquanto portadoras de mensagens sobre o aparelho, com
muito menos ênfase. A imagem do aparelho continua a ser apresentada pela esquerda, só que
em segundo plano, valorizando a expressão da mulher. Ela se atira nos braços do marido na
ilustração complementar ao pé do anúncio, à esquerda, ao lado do endereço, não parecendo
uma dona de casa na ilustração, mas complementando a história de vida do casal que dança no
anúncio anterior. Um presente de natal bastante representativo em relação ao núcleo familiar,
à união do casamento, ressoando como patrimônio, dando peso a uma data comercial, de
vendas, com apelo mais forte e sazonal do que uma data “esparsa”, caso de uma
comemoração de aniversário de casamento ou outra qualquer. Observemos o liquidificador
94
colocado estrategicamente ao lado da geladeira. Está sendo “vendido” como complemento
indispensável da surpresa, só que já presente no cotidiano desse relacionamento. O homem,
assim como a indústria, que põe à disposição da mulher os eletrodomésticos de última geração
para que seu trabalho, ainda não reconhecido enquanto tal, seja leve, sem esforço. Como bater
bolos com a nova massa Patrôa:
Fonte: Seleções
Figura 29 - Anúncio (A Patroa) da década de 1940.
Os filhos e os cuidados com a alimentação, nos anúncios aqui apresentados,
possuem um sentido de força, depois do “presente” dado, mas a “força” aqui e nos anúncios
anteriores é a representação do espaço destinado à mulher no lar, na casa, no interior
doméstico e no vínculo com os produtos daí derivados: ambigüidade de espaço público e
privado, ao traduzirem pedidos do lar para a mulher e os veicularem em revistas de massa
para fora desse espaço, no mercado. As mãos indicam ao leitor um comportamento das
mulheres nestes anúncios em afetação, que se tornarão marcas de feminilidade, quando essas
posturas forem imitadas por outros personagens que pretendam se “tornar mulheres”. Quem
quebra o ritmo do anúncio do meio é a filha, ao olhar para a câmera fotográfica no momento
da exposição (não aprofundarei a análise das peças, mantendo somente a leitura no sentido
que me interessa frisar, da imagem da mulher). Assim como o homem do primeiro anúncio se
encontra raptado, o garoto do segundo anúncio se encontra de costas, “ausente” de
95
manifestação, porém, aqui, quase como um ruído de um indicativo de filho, homem, mais
velho. A mulher, de pé, se encosta ligeiramente na mesa, segurando o copo de leite com as
mãos, tocando-o e sorrindo, não querendo, arrependida por ter passado batom e posado
para a foto. Na figura 28, o terceiro anúncio vem confirmar a tradição da mulher em casa
cuidando dos filhos, fazendo comida, limpando e esperando o marido: a ilustração da
década de 1950 mostra como esta década continua como a de 1940 na maioria dos lares do
planeta ocidental.
Dos sete campos observados na década de 1940, há uma redução — em
difusão — para três campos na década de 1950. Há que se observar que a mídia TV já se
encontrava presente nessa última década, influindo de maneira agressiva na presença da
mídia impressa nos seus lugares de costume e na própria linguagem dos anúncios
publicitários, que acabaram por “enxugar” seus textos. Tornaram-se comuns as “pílulas”
de informação, os textos curtos, textos foguetes nos rádios, slogans. As revistas perderam
um pouco do seu lugar de leitura companheira para o de leitura “mandiopã”
53
, rápida e
digestiva — como os petiscos das décadas de 1950/60, que se faziam em casa, frituras de
farinha de mandioca quase transparentes que se dissolviam na boca, leves, rápidas, de
pouca duração, mas que não enchem a barriga; um exemplo similar hoje em dia seria a
batata rufle —, em que os textos são raptados e transformados em pouco conteúdo de
informação; a imagem determina o ritmo dessa época, em profusão: shake on.
4.3 A
NÁLISES DOS CAMPOS TEMÁTICOS: A IMAGEM SEM INOCÊNCIA
É redundante escrever sobre a existência de uma nova ordem mundial nos
dias de hoje, mas é necessário para o entendimento da produção de imagem das mulheres nos
anúncios publicitários a partir de, mais especificamente, 1945. Apoiado no Estado americano
capitalista do pós-guerra, o processo de modernização do mercado internacional pôde se
desenvolver mais livremente com a organização de um sistema de interesses financeiros
independente e internacional (Wallerstein, 2002), organizado por “cidadãos livres”, pessoas
concretas, independentes e que influiriam na vida de milhões de outras pessoas ao redor do
planeta.
53
Mandiopã, do jargão publicitário pejorativo, com sentido de rápido, fast food, vazio de conteúdo, que não enche a barriga,
nem a cabeça de ninguém.
96
Desde então, a lógica que acabou por organizar nossas vidas não se submete
mais às possíveis resistências culturais. Enganamo-nos quando pensamos que não vai haver um
barramento do novo — como desagregador ou como ameaça à cultura pública/oficial que
mantém a crença na fatura expedida em favor da manutenção da tradição —, pois a história
mostra que, além de não existir possibilidade de “se colocar fora” do sistema, de “se estar fora”
dele (drop out, como diziam na contracultura dos anos 1960), tudo é dinamicamente
incorporado a sua apoteose. À tradição, há um equivalente monetário em que todos os códigos
produzidos pelas populações são a ela devolvidos numa trama de consumo organizado. As
polarizações de outrora, como natureza e cultura ou inconsciente e consciente, em que nos
fiávamos em significações pela salvaguarda da autonomia do indivíduo, se encontram
dissolvidas (JAMESON, 1996) e ressignificadas: a primeira devido às próprias condições da
“destruição das formas antigas de produção agrícola”; a segunda devido ao constante
“bombardeamento pela mídia” (ibidem, p. 5). É um tripé político, financeiro e mercadológico
com poder e influência de mobilizar um volume ideológico muito potente, capaz de organizar
quaisquer mudanças necessárias a quaisquer de seus interesses. Pode ser considerado como a
grande Vontade
54
contemporânea.
O ser humano, ao contrário do que supus inicialmente em minha hipótese
sobre os anos 1940 e 1950, chegou num limiar de passagem. Coloquei essas décadas como
sendo a gênese de um momento histórico que inaugurara a modernidade brasileira, em que as
novas tecnologias utilizadas na comunicação “para massa” seriam negociadas subjetivamente,
como uma nova cultura industrial, do tipo visual. A utilização de imagens pouco congruentes
com a realidade brasileira ou dotadas da capacidade de causar ilusão — sendo possível serem
portadoras de uma gradação tonal bastante ampla, porém, a meu ver, de sentido duvidoso —
se constitui, segundo Elias (2002), como uma língua que vai representar, simbolicamente, o
mundo tal como ele pode ser experimentado pelas pessoas de uma sociedade em que o uso
dessa língua é comum. Ou, para nos situarmos no universo das representações gráficas
(falando a língua do mundo dos anúncios), essas peças podem comunicar a experiência de
uma dada comunidade como linguagem configurada que reflete o mundo em geral e, ao
mesmo tempo, reflete as idéias de um grupo de pessoas, de uma sociedade que se utiliza
desses símbolos/imagens como meio de comunicação, de manipulação ou mesmo de
dominação sobre o outro e sobre si mesma.
54
Vontade no sentido desempenhado pelo sistema desenvolvido por Schoppenhauer (1985, p. 5): “a vontade tornada objeto,
i.e., representação”.
97
Os códigos de comunicação gráfica baseados em imagens são passíveis de se
tornarem universais mais rapidamente que as línguas faladas/escritas, porque são mais
dinâmicos e assimilados com maior velocidade — as imagens grudam. Já as línguas faladas
são o resultado de seqüências inumeráveis de gerações como produção coletiva (ELIAS,
2002). No caso dos anúncios, um indivíduo pode criar uma nova maneira de comunicá-los,
que venha a se constituir como uma nova “linguagem”, carregada de conhecimento muito
mais plástico porque o “mundo da publicidade” permite tais inovações individuais. Um
anúncio fala para muitas pessoas, enquanto que um indivíduo fala para uns poucos outros,
estabelecendo uma autonomia maior dentro da teia de representações, criando novos
relacionamentos simbólicos de certa congruência com realidades bastante específicas, porém,
antecipadas, porque planejadas com base nessas próprias realidades. O fato de ser produzido
por poucos e acessado por muitos, faz com que o poder ideológico dos anúncios seja muito
grande e que eles adquiram uma vida social e uma biografia cultural próprias, quase
independentes (CANEVACCI, 2001), se mesclando às biografias exteriores, ao branco do
papel das revistas: enfim, juntos.
55
Entre os sete campos temáticos montados no quadro de referência, escolhi
para análise três blocos da década de 1940, que apresento não na ordem seqüencial dos
campos de vida, mas de significação básica eleita para análise: a do núcleo familiar: o campo
I, “Vida eletrodoméstica”; o III, “Vida de saúde”, e o VII, “Vida de família” por remeterem à
idéia do núcleo familiar em parte da comunicação dos anúncios e, onde centrei minha análise.
Essa idéia foi possível de ser percebida devido aos apelos dos conteúdos das
revistas junto ao público consumidor e explicitada visualmente em alguns anúncios. Como é
de senso comum que a família é o núcleo social mais imediato ao indivíduo, achei por bem
aproximar essa idéia, também veiculada nos anúncios, como sendo o ponto central de
interpretação para montar a abordagem em relação às outras peças. Dos anos 1950, escolhi o
campo I, “Vida eletrodoméstica”; o campo VI, “Vida para si”; e o VII, “Vida de família” que
se fundiram no mosaico que apresento no quadro (figura 30-A), indicando a individualização
que adviria em nossa sociedade e presente nos anúncios como um forte indicativo
sociocultural e como um apelo às mulheres para a vida social.
Isso explica a inclusão do campo de vida de saúde dentro do campo de vida
para si na década de 1950 no quadro de referência, assim como a citação aos modelos de
beleza aliados aos produtos tais como os cremes, que deixam as pias dos banheiros para
55
Clichê.
98
ocupar lugar dentro das mesas de cabeceira nos quartos de dormir. Em vida para os outros,
por exemplo, as mulheres que se apresentam como apoio aos homens na década de 1940,
mulheres pinduricalhos, mulheres enfeites, na década de 1950 se dissolvem nestes anúncios
em vida para si, tendo os homens ao seu redor, invertendo esses papéis. O campo de vida para
si, daria um trabalho único devido à sua extensão, deixo-o de lado para um projeto futuro.
4.4 1940
4.4.1 Primeira Leitura: Campo I – Vida Eletrodoméstica
Os sete campos derivados das análises dos anúncios a partir da década de
1940 foram montados numa base comum, um quadro de referência, que possibilita visualizar
as peças como o desenrolar de um habitus cotidiano. A eleição de três desses campos de vida,
com base nas relações familiares, ajudará a entender o desdobramento das relações da
imagem das mulheres fora do ambiente doméstico, pois os anúncios tendem a reproduzir o
social e, ao mesmo tempo, a dissolvê-lo através de outros “pedidos”. Muitos desses pedidos se
tornam ambíguos, o que vai “contra” as regras objetivas da publicidade e que aqui acabaram
por entrar na análise. A publicidade pede constantemente que não se deixe dúvidas ou
ambigüidade na cabeça do consumidor. Já que atua como formadora de conceito de marca,
deve ser objetiva em seu sentido de comunicação. Abriremos esse sentido ao consumo
público!
99
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 30 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (bloco geladeiras I).
100
Figura 30a – Quadro dos Campos de Referência II (continua)
101
Figura 30a – Quadro dos Campos de Referência II (continuação)
102
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 31 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (bloco geladeiras II).
No campo “vida eletrodoméstica” vemos três anúncios de mulheres em
situação de núcleo familiar explícito, em que aparecem mãe com filhos, seguidos de um
anúncio que apresenta um casal comprando geladeira junto a um vendedor que ensina o
funcionamento de seu sistema. Essa configuração é pertinente para começar a análise, visto
que toda a literatura — leiga e científica — que aborda o tema mulheres, naquela época, as
colocam como sendo preparadas para o trabalho doméstico e para a recepção do marido
através do casamento.
As mulheres que aparecem nesses anúncios sempre estão colocadas ao lado
da porta da geladeira, aberta, geralmente pegando coisas ou mostrando, como por exemplo, a
capacidade de acondicionamento do produto geladeira. Esse é um eletrodoméstico
representativo típico de núcleo familiar, pois agrega valores de sobrevivência e de serviços de
manutenção do lar, onde vive mais de uma pessoa, geralmente um casal e seus filhos.
Há mais anúncios em que aparecem mulheres mostrando — diretamente para
o público leitor — a capacidade de abastecimento desses aparelhos, pois seus olhos buscam
nosso olhar, elas falam para nós leitores. Em outro anúncio, um operário técnico ensina o
funcionamento do eletrodoméstico a uma mulher, possivelmente dona de casa; nos é revelado
somente a ilustração de uma gola branca sanfonada que pode nos remeter à idéia dos
uniformes das mansões, mas não é explícito. Tanto o operário quanto o produto encontram-se
sobre um diagrama técnico, ambos são ilustrados, como indicadores de precisão e
103
confiabilidade e apoiados pela marca do fabricante, colocada junto ao pé do homem. Temos
sete anúncios que mencionam direta ou indiretamente a noção de aspectos familiares, através
do produto geladeira, ao público leitor/consumidor.
Nesse campo incorporei outro produto que também se configura como
representativo de núcleo familiar, pois sua presença dentro da casa vai atestar a atuação de
mais habitantes que necessitam de cuidados domésticos por parte da mulher: este produto é a
máquina de lavar; depositária de aspectos de manutenção doméstica similar ao da geladeira.
Esse objeto também vem confirmar a existência da representação típica de núcleo familiar:
pais e filhos com roupas sujas e manutenção pela dona de casa e/ou empregada doméstica.
Temos então mais um anúncio agregador do valor “vida eletrodoméstica”: o anúncio da
máquina de lavar Easy, que, porém, extrapola de modo mais claro sua função de venda de
produto industrial.
Fonte: Seleções
Figura 32 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (máq. Lavar
Easy).
Esse anúncio, como outros (ver a noiva sorridente em “Vida de família”,
adiante), ensina à dona de casa, e mesmo ao leitor da revista, um pouco da cultura americana:
ensina a pronunciar a palavra “easy” (“ísi”) que, em português, significa “fácil”, como
descreve a modelo que segura o cartaz de venda do produto. O anúncio é uma prova cabal da
pulverização do american way pelas nossas plagas através da publicidade e da confirmação de
uma das profissões alardeadas como sendo tipicamente “de mulher”, à época: professora —
104
só que, nesse caso, em dualidade com o sentido de dona de casa, que nos lembra das
facilidades dos serviços do lar quando dispomos de tecnologia. Lembra-nos de Orígenes
Lessa e suas memórias do tempo em que era publicitário, do tempo em que esses profissionais
tinham que “ensinar” os consumidores; mas aqui, não somente sobre o funcionamento do
aparelho, mas de uma lógica multicultural. Há um didatismo na ótica publicitária
(CANEVACCI, 2001), que se reflete rapidamente no social em termos de aprendizado
(ELIAS, 1995).
O senso comum dirá que, naquela época, anos 1940, a mulher era confinada
aos afazeres domésticos e a literatura confirma que os pedidos são explícitos nesse sentido, o
mesmo acontecendo na década seguinte, como mostra Bassanezi (2004, p. 626) a partir de
pesquisas nas revistas da época:
O casamento-modelo definia atribuições e direitos distintos para homens e
mulheres. Tarefas domésticas como cozinhar, lavar, passar, cuidar dos filhos
e limpar a casa eram consideradas deveres exclusivamente femininos.
Dentro de casa, os homens deveriam ser solicitados apenas a fazer pequenos
reparos. Para as revistas da época, as mulheres não têm o direito de
questionar a divisão tradicional de papéis e exigir a participação do marido
nos serviços do lar — comprometeriam, com essa atitude, o equilíbrio
conjugal.
Porém, a maioria dos anúncios aqui analisados acabou por mostrar um outro
pedido realizado através das revistas: de que o lugar da mulher deveria ser alçado além do
ambiente doméstico, para um campo diferente daquele pregado pelas mídias especializadas e
direcionadas a esse público, pois, entre os 107 anúncios da década de 1940 analisados, apenas
doze fazem menção explícita a núcleos familiares completos — casais ou mulheres com filhos
— e, no campo “vida de família” (ver adiante), nos oito anúncios pesquisados não aparecem
crianças, apesar da configuração familiar: apenas em um deles há menção de um bebê,
enrolado a uma manta ao lado da mãe na cama de uma maternidade, com o pai presenteando-a
com um relógio.
Observa-se que nos anos 1940 a noção de mulher como sendo “do lar” está
sendo colocada através da mídia — via anúncios publicitários —, conjuntamente com outras
noções individualizadoras. Ao mesmo tempo em que ela é mantida cativa do lar nos artigos
internos das revistas é manifestada como indivíduo consumidor de novos produtos e de novas
tecnologias. Ao ser reverenciada nesse sentido novo as mulheres são realçadas como ícones
105
de fantasia de um mercado bastante amplo, como ilustração de venda de produtos e de novas
atitudes, inclusive representando homens (ver adiante, campos de saúde — figura 38). Estas
atitudes passam a ter uma aceitação com sentido bastante positivo no mercado consumidor,
pois lhe é dado prosseguimento, como veremos nos outros campos de significação. A mulher
se torna um ícone cada vez mais ampliado no uso de sua imagem, justamente pelo fato de ter
se resguardado durante tanto tempo como valor doméstico e estético, como símbolo de honra
familiar calcado em antepassados — e, por isso mesmo, considerado “do lar”, do latim lares,
“deuses da família, deificados dos mortais, eram as almas dos antepassados que velavam por
seus descendentes” (BULFINCH, 2004, p. 17) — e de nomenclatura que legitima ao que o
acompanha. Por isso à mulher, e não ao homem, foi designada o lar; por ser a geradora, dar
passagem a gerações e permitir o caminho dos antepassados através do tempo no espaço
doméstico, ficando assim marcada no senso comum.
Os anúncios ilustrados a seguir mostram imagens de mulheres como
apresentadoras de produtos eletrônicos em dez anúncios; no caso, rádios e radiolas. Um dos
anúncios apresenta uma artista famosa — Carmem Miranda — como a excêntrica que
“pretende comprar” os produtos G.E. Carmem Miranda aparece também em uma peça do
medicamento Melhoral. Muitos produtos ainda não estavam disponíveis no mercado, mas o
fabricante pedia ao consumidor — no texto junto da imagem — que se encaminhasse às lojas
e os encomendasse enquanto era tempo, pois “brevemente” eles estariam “à disposição”, com
“as novíssimas tecnologias de guerra” disponibilizadas para uso civil.
Fonte: Seleções
Figura 33 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (bloco rádios I).
106
As apresentadoras dos produtos se colocam em posturas delineadas por
criadores publicitários, não naturais, em vestidos de gala, exuberantes, ao segurarem a cortina
que esconde ligeiramente o produto sob as luzes no palco. Como as atrizes de cinema — o
qual ainda não havia atingido todo o seu glamour (que aconteceu através de projeto de lei de
Francis Colt de Wolf, chefe da Divisão de Telecomunicações do Departamento de Estado
americano, como publicado pela Harper’s Bazaar em setembro de 1945) —, ou apoiadas
levemente sobre as peças polidas dos móveis dos aparelhos eletrônicos que foram
renomenclaturados como radiônicos, seguindo as “novíssimas pesquisas militares em rádio e
equipamentos receptores de ondas de radar” (sic).
Fonte: Seleções
Figura 34 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (bloco rádios II).
Mulheres ilustram os anúncios em pé, ou sentadas em dolce far niente ao
lado do novíssimo aparelho; por vezes apenas um rosto feminino sorridente aparece ou se
repete, a olhar o leitor, indicando aprovação ao texto e fotografia apresentados. Não importa:
todas as mulheres se aproximam, se curvam, encostam, tocam e aprovam. Elas se comunicam
com o consumidor através dos produtores gráficos, dos fabricantes e dos publicitários, que
nos falam por seus olhos e poses corporais. Estão a nossa espera, são pedidos para que os
consumidores se integrem ao sistema através das encomendas: é a fase do estar por vir, do
aguardar as maravilhas do pós-guerra, pedidos legitimados pela iconicidade da mulher e
assinatura do gratificante: a indústria que ressurge das pesquisas de guerra para o uso civil.
A utilização do termo gratificante aqui visa marcar a nova relação da
indústria com o marketing e a propaganda, e à nova idéia desse último ao “dar” em troca, algo
107
de “valor” ao consumidor do produto, seja pelas qualidades intrínsecas a ele — o produto —,
pela tecnologia, acabamento, ou como símbolo de status e de modernidade: aparelho
demarcador de lugar (FEATHERSTONE, 1995).
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 35 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (bloco rádios III).
Junto a essa série de anúncios em que se misturam os textos discursivos, é
configurado um espaço onde a presença da mulher é raptada enquanto dona de casa, sendo
sua nova função a de apresentadora, seguradora de cortina, composição de página, ícone de
ilustração. Isso não significa uma ampliação dos valores femininos, mas a utilização da figura
da mulher como cover, como representante de um microcosmo de valores práticos em que a
mulher-imagem é a eleita que vai indicar um sentido de linguagem como apresentadora no
lugar de dona de casa e que vai ser iconicizado para além desse gênero como desfrute de lazer
(muitas vezes colando-se nesse sentido de lazer, do tempo vago), se tornando seu campo
estendido do seu atual campo temporal-histórico legítimo de domínio: o ambiente da cozinha,
porém ainda dentro de casa.
108
Fonte: Seleções
Figura 36 - Anúncios década 1940 – campo vida eletrodoméstica (bloco rádios IV).
A publicidade está aí apenas vulgarizando esse novo poder, em sua prática
discursiva, o que já esta se tornando dito popular, reforçando, assim, os contornos da imagem
das mulheres não apenas como indivíduo sexualmente ativo — não demonstrado nos anúncios
da época, mas explicitado em nossos anúncios contemporâneos —, caricaturizando-a em
corpos de diferentes contornos simbólicos.
4.4.2 Segunda Leitura: Campo III – Vida e Saúde
O campo “vida de saúde” me possibilitou seguir o complemento da pista para
a composição dos núcleos familiares como mote de análise a partir de uma perspectiva
comum, ao colocar à luz três anúncios ambientados com crianças, dos quais mostro dois a
seguir: complemento para análise de outros nove anúncios, formando um total de 12 dentro
desse núcleo de apelo familiar. É pouco para um total de 107 anúncios recuperados da década
de 1940, 11,2% da referência ao ambiente do campo de vida doméstica, o que me
surpreendeu, dado que as publicações mantinham em seu interior, uma insistência editorial no
sentido da manutenção do status quo a respeito da clausura das mulheres dentro do lar —
cuidando do marido e dos filhos e em total submissão —, ao mesmo tempo em que as
colocavam como eixo de conduta moral.
109
Fonte: Seleções
Figura 37 - Anúncios década 1940 – campo vida de saúde (Phillips e Squibb).
Há um conflito de mentalidades nessa década, pois, embora as mulheres se
empenhassem em trabalhar fora de casa, muito do pensamento dos anos 1940 ainda via nessa
condição um obstáculo, principalmente devido à sua instabilidade emocional no comando e
no gerenciamento de negócios e pela falta de cuidado que poderia haver na educação das
crianças com a ausência da mãe no lar (já descrito aqui). Como a Caixa de Pandora fôra
aberta e, para muitos, soltas suas mazelas, restava a esperança por dias melhores.
Segundo Lipovetsky (2000, p. 11), “Foi de Pandora que saiu a ‘corja maldita
das mulheres’ e é a beleza de Helena que serve de pretexto à guerra contra Tróia.” O autor
assim explica o desenvolvimento do ente mulher, similar ao desenvolvimento da publicidade
entre nós:
Para os gregos, a mulher é um “terrível flagelo instalado no meio dos
homens mortais”, um ser de astúcia e de mentira, um perigo temível que se
oculta sob os traços da sedução. Como glorificar a beleza feminina quando
ela é assimilada a uma armadilha maléfica, quando domina uma misoginia
que considera a mulher como um ser pérfido e nefasto? São muitos os textos
que enumeram os vícios femininos e dirigem censuras aos estratagemas que
elas utilizam para seduzir os homens. Em particular, a coqueteria feminina e
o uso de pinturas são sistematicamente condenados. [...] Ao contrário da
beleza enérgica imortalizada pelos nus masculinos de Michelangelo, a da
mulher rima com repouso, langor, suavidade das atitudes [...] maneira de
ilustrar a predominância do papel “decorativo” da mulher; maneira de
associar a beleza feminina à passividade e à ociosidade [...]. Maneira, enfim,
de oferecer a mulher que sonha, desapossada de si, aos sonhos de posse dos
homens. (LIPOVETSKY, 2000, p. 111-112; 120)
110
Parece-me que a associação entre a mulher e a publicidade vai nesse sentido,
de ilusão e passividade, e que a escolha da mulher como ícone, pelos homens, para constar
como ilustração junto aos produtos, atende a um apelo, se não, coincidentemente planejado,
para ascender e acender essa personagem junto ao cenário do mercado de bens simbólicos e
de consumo que se delineava com ares de modernidade.
A mulher enquanto cuidadora de terceiros está sempre a olhar para o outro
no cenário que se fecha desses anúncios; não olha para o receptor a quem o produto é
direcionado. As crianças da família estão sempre sob sua vista, mesmo quando há um
profissional de saúde envolvido e a mulher está de costas para o filho e para o consumidor, ela
se vira, torcendo-se em primeiro plano para olhar — o filho — sobre a balança do médico,
evitando-nos. Aqui a mulher cuidadora é mãe em tempo integral, reclusa e sem tempo para
dedicar-se a outras tarefas quaisquer, como desvenda o texto de Bassanezi (2004) sobre as
mulheres dos “anos dourados”:
Entretanto, ter filhos fazia parte dos planos dos cônjuges, sem que isso fosse
muito questionado. Para a mulher, ser mãe e dedicar-se aos filhos, mais que
um direito ou uma alegria, era uma obrigação social, a sagrada missão
feminina, da qual dependia não só a continuidade da família, mas o futuro da
nação: “[...] Uma mulher casada, com filhos não tem o ‘direito de escolher’,
pertence aos filhos, sendo suas obrigações intransferíveis [...]”.
(BASSANEZI, 2004, p. 633-634; citando Jornal das Moças, 12 jun. 1958)
Segundo Telles (2004), as mulheres permaneciam dentro de casa, longe dos
olhares dos outros— como nesses anúncios, nós as vemos não as vendo, porque elas não
estabelecem relações com quem as olha —, fora da vista dos homens, porém, formando a
história e, com ela, nossa cultura, nosso modo de ser; nossa educação que perdura no tempo
(ELIAS, 1995). Encontramos o seguinte relato em seu texto “Mulher, mulheres”:
E me lembro neste instante do naturalista francês Saint-Hilaire que numa das
suas famosas viagens esteve por estes trópicos (tristes?) por volta de 1819.
Após a estada numa daquelas antigas fazendas, ouviu o anfitrião, homem
muito cordial e educado, pedir desculpas na despedida: se o ilustre visitante
não chegou a ver nem sua esposa e filhas era simplesmente por ser esse um
costume da terra e que ele precisava obedecer, não, as mulheres da família
não podiam ser vistas. Tinha três filhas moças. O casamento delas poderia
ser prejudicado se por acaso se mostrassem, mesmo por alguns momentos,
ainda que fosse na sala de visitas. (TELLES, 2004, p. 671)
111
Assim, essa reclusão vai colocar a mulher como “mulher torce-colo”, de
pescoço virado, que não olha nos olhos, nem do leitor que assiste a cena, quase foge da
imagem de ambiência que reproduz e que se submete, ao abaixar a cabeça e receber o castigo
quando assim não age. A imagem da mulher sorridente do anúncio da noiva solitária (figura
42), baixa os olhos tristes para a xícara de chá na imagem do anúncio seguinte (figura 43),
ainda solitária, mas em seu lugar, submetida, dentro de casa. Ela vive em função de um outro,
do homem, centro do anúncio publicitário por ser — nessa época — seu criador. A mulher
acaba ilustrando seus males — do homem — também, como no anúncio do Leite de
Magnésia de Phillips que mostro a seguir (figura 38), porém em alegre contradição. O traçado
histórico que os anúncios permitem remontar, nos presentificam com um seriado em branco e
preto, matizados por nuances coloridas de atitudes diferenciadoras, porém confusas porque
novas e situadas com ambigüidade dentro do contexto dos anúncios publicitários.
Fonte: Seleções
Figura 38 - Anúncio década 1940 – campo vida de saúde
(Phillips).
Como já vimos em comentário na introdução à análise dos anúncios
publicitários
56
, vamos encontrar nos anúncios do Leite de Magnésia de Phillips
aconselhamentos para a administração desse remédio e sua ação em vários dos males que nos
acometem, sendo que a maioria são devidos aos excessos da bebida, do fumo e da comida;
males esses que concernem em sua maioria aos homens (segundo as descrições de estilo de
vida encontradas nas próprias revistas, em artigos e comentários aqui já falados).
112
Encontramos a imagem da mulher ilustrando este anúncio, alegre e sorridente a dançar sob o
rítimo da música “Oh, que lindo dia!”, tendo em último plano a janela que revela o mundo. O
mundo fora de sua casa e de seus comentários. O mundo dos homens.
Fonte: Seleções
Figura 39 - Anúncios década 1940 – campo vida de saúde (Kodak e York).
A mulher da figura 39 a esquerda, admira o homem e recebe de suas mãos os
processos de cura. Não é ela quem opera os milagres, mas ele; é ele quem opera a tecnologia;
ela espera ilustrando essa utilização e ficando ao seu lado (do homem). A imagem da mulher
aqui utilizada está representando uma das profissões legitimadas como femininas à época:
enfermeira. Não existe o ditado “Por traz de um grande homem há sempre uma mulher que
cuida”? Ela não aparece, fica à sombra, com o paninho úmido nas mãos para colocar na testa
suada do homem que agoniza heroicamente, sobrevive e mata o dragão; como nos filmes de
Hollywood, a mulher
[...] tem uma missão a cumprir no mundo: a de completar o homem. /ele é o
empreendedor, o forte, o imaginoso. Mas precisa de uma fonte de energia
[...] A mulher o inspira, o anima, o conforta, [...] [a arte de ser mulher] exige
muita perspicácia, muita bondade, um permanente sentido de prontidão e
alerta para satisfazer às necessidades dos entes queridos (O Cruzeiro, 15
mar. 1958, apud, BASSANEZI, 2004, p. 628).
56
Referência à página 66 deste trabalho.
113
Quando a mulher está feliz, encontra-se sozinha e dentro de casa. É o que os
anúncios estão nos mostrando até agora. Na década de 1940, são raros os anúncios em que
mulheres sozinhas e sorridentes se encontram fora do ambiente doméstico. As representações
nesse sentido são ilustrações (desenhos) de mulheres, e recaem no campo de “vida para si”,
em especial nos anúncios da Coca-Cola (ver adiante) — talvez pela dificuldade técnica de
fazer fotografias externas, mas se trata de mera suposição.
Nos anúncios do medicamento Leite de Magnésia, que vimos acima, o texto
vai revelar o prodígio dessa alegria: a “ruidosa expansão depois de uma noite de festa”
valorizando os atributos do produto que propicia um alívio (no dia seguinte), aos exageros de
qualquer comemoração. O texto funde preceitos masculinos e femininos em sua descrição de
alívio, pois a imagem de homens expansivos, em atitude como a da moça do anúncio — após
ter exagerado numa comemoração no dia anterior, em uma festa, talvez de ressaca pelo
aniversário de um amigo ou em razão de uma “data feliz” qualquer —, não condiz com a
seriedade do código masculino veiculado pelo cinema e pelos anúncios com imagens de
homens: equipamentos militares e industriais, situações de conquista (de mulheres) que
envolvem outros homens.
Mesmo que o texto do anúncio indique males comuns a ambos os sexos,
geralmente estão mais comumente associados ao exagero masculino, porém são ilustrados
com a imagem da mulher que continua reclusa, a olhar o mundo pela janela da casa onde
vive: “o poderoso antiácido e desintoxicante que elimina os efeitos desagradáveis de qualquer
excesso ao comer, beber ou fumar, evitando a asia e regularizando integralmente as funções
digestivas”.
“Dá gosto vê-los saudáveis e felizes...”, ela se apóia na cadeira com o avental
indicando o exaustivo trabalho caseiro, porém seu rosto é de beatitude encomendada,
vulgariza o anúncio seguinte à esquerda.
114
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 40 - Anúncios década 1940 – campo vida de saúde
(Phillips e consumidor.
Como o medicamento, não há efeitos “drásticos” ou “inopinados” na
sociedade em que a mulher vive cuidando, “vigilante, infatigável,” conformada, “sempre
pensando em proteger nossa vida”. O texto faz referência aos cuidados médicos e acaba
servindo como referência às representações que as imagens da mulher vêem ilustrar em várias
peças aqui apresentadas, na vigilância que a mulher passou a exercer, não só enquanto
consumidora, mas enquanto aquela que se apresenta junto aos vários “outros”, ilustrando o
contraponto de venda do produto.
Uma mudança de imagem drástica. A mulher em contraponto ao homem,
vigilante confrontiva; à peça cabe o comentário de extensão cuidadora à mulher fora dos
afazeres domésticos: ela se insere como significante no mercado. Vigia os homens (garotos)
travessos ao deixar seus afazeres, e o anunciante virá proclamar perdas e prejuízos por se
encontrar no mundo real, fora de casa, mas dentro dela mesmo assim, sofrendo a perda do
consumo pelo tempo parado de sua autora/executora, que se desvia de suas funções para
exercer seu contraponto amparado pelo sacrossando da mídia. Há um jogo dúbio/sem
bandeirinhas a marcar impedimentos: a mulher pode estar pisando na linha do impedimento,
ou estar sendo lançada solitariamente numa ação que requeresse combinatória de jogadores
para realização de gol de placa nesse campo de gramado novo do mercado. É o que veremos a
seguir.
115
4.4.3 Terceira Leitura: Campo VII – Vida e Família
No campo “vida de família”, entre os oito anúncios analisados, a única
menção ao núcleo familiar acontece no anúncio dos relógios Hamilton, representado na
menção do presente junto à cama da maternidade. A “lembrança do momento” é o registro do
tempo doado pelo homem à mulher que cuida de uma geração. Ela terá todo o tempo para
cuidar do filho que está ao seu lado e todo o tempo para cuidar do marido — segundo os
valores da época mencionados nos corpos das revistas —, que a lembra disso ao presenteá-la
com um relógio: representante de uma dimensão valiosa que condiciona à mulher o lar e seus
vários afazeres.
Temos anúncios de um casal de noivos assinando a certidão de casamento;
uma noiva sorridente, sozinha; um casal de idosos sentados frente a frente conversando; uma
mulher solitária tomando chá, à espera de alguém; uma moça apresentando uma lata de óleo
de cozinha para o preparo de pratos para a família e, finalmente, dois anúncios de pratos
deliciosos para que você, mulher, faça para os seus.
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 41 - Anúncios década 1940 – campo vida de família (Hamilton, Eversharp, Kodak).
116
A imagem do casal de noivos assinando a certidão de casamento, com as
testemunhas ao fundo e a da noiva sorridente
57
, porém sozinha, têm, em comum, o registro
gráfico marcado no tempo: um pela tinta de um produto — uma caneta especial —,
determinando uma data “memorável”, como diz o próprio texto; o outro, pelo registro
químico da película fotográfica emulsificada no papel.
Esses dois registros servirão para que, no futuro, seja possível testemunhar,
como documentos que datam no tempo — ao serem retirados de um álbum ou de uma gaveta
e jogados à luz para serem colocados em cena — o “momento único de felicidade”, de um
“ritual de passagem”, do fato de terem saído da casa dos pais ou pela mudança de vida da
adolescência para a vida adulta; e, mesmo, para testemunhar a marca no tempo dessa vida
que, de um lado, observa como companheira, junto ao futuro marido olhando-o assinar os
papéis e, por outro lado, solitária sorri por não saber o que a espera.
Talvez seja ela a tomar o chá, à espera de alguém, daí a alguns anos, como
nos anúncios a seguir.
Fonte: Seleções
Figura 42 - Anúncios década 1940 – campo vida de família (Esso e Coca-Cola.)
São registros solitários, como o do casal de idosos sentados frente a frente
conversando, no anúncio da Coca-Cola, aquele mesmo casal do anúncio da caneta Evership:
uma longa convivência no tempo desde a assinatura do contrato de casamento, com as pessoas
57
A referência à vulgarização de idiomas neste anúncio, assim como em outros da série “Kodak”, é feita pelo autor e não
pela imagem, que se encontra livre para atuar em tantas representações quanto for disposta, o que não invalida a consideração
117
ao longe em suas vidas, testemunhas retiradas para extremo da página: duas garrafas solitárias
pela metade da vida. “A companheira de sempre” é o slogan de Coca-Cola, posicionado à
esquerda e pontuado pela garrafa ícone da marca e pelo “sol” redondo e vermelho onde está
impressa o logotipo mundial com a recomendação: beba gelado, como o relacionamento
ilustrado por esse casal de “idosos” americanos, porém nacionalizados. Frente a frente a se
olhar, sem intimidade representada. Eles quase que se tornam visitas dentro de casa a beber,
in freezing
58
, Coca-Cola.
No campo “vida de família” o tempo tem importância fundamental na
demarcação dos lugares dentro dos anúncios, diferentemente dos lugares de cuidados, ou de
ilustração icônica como apresentadora, que a imagem da mulher tem em “vida
eletrodoméstica”. A mulher solitária, que no anúncio toma seu chá, possivelmente à espera do
marido, ou mesmo de alguma visita, talvez pense em seu tempo de juventude: perdeu seu
sorriso durante o tempo entre a alegria do casamento, que representei como continuidade no
anúncio anterior, e o que vai fazer no “daqui a pouco”. Ela perdeu sua noção de tempo; seu
presente se faz de passado em suas lembranças. Ela não nos olha, a empresa patrocinadora do
anúncio simplesmente comunica que entre tantas ações, está presente nas vidas das famílias e
das pessoas, mesmo num simples ato de adoçar o chá. O que se comunica com o consumidor
é a marca Esso na base do canto direito. A xícara obedecendo a orientação de cor padronizada
pela imagem corporativa. A mulher, distante, não quer dizer para o que está aí representada.
Não sorri, esta introspecção vende o quê? A utilização da imagem da mulher neste anúncio
quer nos dizer o quê? Passividade? Resignação? Um tempo que está acabando? Então, a
marca deveria mudar seu texto lembrando ao leitor que um tempo ficou para trás e uma nova
era de produtos altamente tecnológicos está em vigor: a imagem fala sem a vitalidade que o
texto afirma existir sobre o produto que é a própria marca da empresa.
Nos anúncios a seguir (figura 43), as tortas gostosas talvez já estejam frias,
porque os garotos não existem como referência dentro de casa e o marido está sempre “prestes
a chegar”, ou cuida demais do jardim. Pelo fato de a maior parte das situações em que os
alimentos são fotografados seja feito um mockup (maquete), para que o produto saia com
perfeição, conforme planejado/visualizado pelo diretor de arte/criador da peça publicitária,
estes produtos não tem alma. Mockup que não serve para comer, mas apenas como ilusão,
feito para ficar bonito depois de pronto e admirado no papel depois de impresso. Pintado com
inicial sobra a multiculturalização.
58
Termo utilizado na publicidade para frisar, congelar uma imagem.
118
tinta amarelo-frango-assado, bem iluminado e com a fumaça “soprada” no momento certo,
para suscitar vontades de consumo: é assim que se faz comida em publicidade!
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 43 - Anúncios décadas 1940 – campo vida de família (Royal e Swift).
A repetição do mesmo tema sob diferentes mantos acontece, na publicidade,
como uma vantagem, seja esta em variações na cozinha — como no caso da “boa nova para
as donas de casa” do fermento Royal — ou na serialização dos alimentos e da vida; na
facilidade que a indústria demonstra na aplicação doméstica ou através de exemplos mais
drásticos e que contagiaria a todos nós: as modas e estilos importados. Segundo Santos,
(1996, p. 47) “As novas modas traziam a marca da origem norte-americana” e a publicidade,
em sua origem,
[...] mostra-se como prática paradigmática, na medida em que ela nasce de
profundas transformações no interior da sociedade norte-americana e
simultaneamente expande-se pelo globo, revelando as nuances e
complexidades da história da mundialização e daquela identidade que
Renato Ortiz denomina de “internacional-popular”, construída a partir da
socialização em um imaginário que não se restringe aos símbolos e signos
nacionais, mas refere-se ao amplo universo de imagens e ícones da cultura
industrializada (
SANTOS, 1996, p. 48).
Assim, não só o arroz com feijão começa a deixar nossas panelas,
exemplificado como base de uma cultura, mas também o colorido dos pratos de nosso
119
background histórico é trocado por outras misturas. Todo um tecido cultural disputa as ruas
da nova urbanidade, que se explicita como uma questão incisiva no processo de construção de
nosso caráter identitário através da educação pelas mãos da nova mulher brasileira, via
anúncios publicitários: esses sim, poderosos sistemas de comunicação e de cons,trução
ideológica a partir de um modo de vida oriundo dos Estados Unidos.
4.5 1950
4.5.1 Primeira Leitura: Campo I – Vida Eletrodoméstica
Nota-se, a partir dessa década uma especialização no espaço dos anúncios:
um quarto de página, meia página e páginas duplas. Isso não quer dizer que anúncios desse tipo
não existissem, mas que sua utilização em revistas durante a década de quarenta foi subutilizada
nas revistas. Com a ampliação do mercado, nos anos 1950, à especialização da produção e do
consumo de bens seguiu-se a da comercialização dos espaços publicitários e, portanto, de sua
criatividade, produção e distribuição pelas revistas da época. Essa divisão do espaço publicitário
é mais uma característica dos jornais diários que migrou para as revistas de massa. Isso provoca
uma difusão comercial com acesso de muitas empresas às mídias gráficas que se especializaram
para diferentes públicos. Muitos conceitos comerciais, de produtos e criativos, são então
veiculados, nessa década, pela indústria da propaganda, do rádio e da televisão que se instalava
comercialmente. A TV influi no processo criativo, na execução dos textos publicitários que
passam a valorizar a rapidez de leitura e de comunicação. É um dos fatores que notamos,
primeiramente, a diminuição da carga de textos nos anúncios da década de 1950 em detrimento
da imagem. Eles passam a ser mais visuais, porém não menos didáticos. São menos narrativos
verbalmente, mas o uso de cores vibrantes como fundo ou como contraplano diferenciadores de
perspectiva assume posição nos layouts apresentados pelas agências, dominando o mercado
visual junto às fotografias coloridas e ilustrações.
120
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura.44 - Anúncios década 1950 – campo vida eletrodoméstica (geladeiras).
É a década das cores modernas e inovadoras, das novas tintas, do technicolor
de luxe no cinema. As mulheres que vamos encontrar nos anúncios publicitários estão em
imagens mais fantasiosas, menos realistas, quando se trata da performance para venda de
produtos.
Perdeu-se a noção do núcleo familiar ao pasteurizar-se o ícone mulher junto
ao ambiente. O anúncio parece passar-se numa vitrine virtual e o ícone deixa de ser dona de
casa para ser o de vendedora. O mesmo se dá com o anúncio da direita, onde a mulher passeia
entre geladeiras de portas abertas, pequenas, como borboletas que voam sobre ela em cima de
um fundo preto, o qual tem a missão de jogar como plano de destaque em perspectiva. A
presença da imagem da mulher aqui também tem o sentido de humanização do produto, mas o
anúncio parece representar uma vitrine de loja, ao invés do ambiente doméstico. Apenas o
primeiro anúncio (à esquerda) se mantém dentro da perspectiva do núcleo familiar, como já
comentado anteriormente, com a mulher em primeiríssimo plano dentro da cozinha, seguida
da geladeira em segundo plano, e depois o homem, que se esconde, em terceiro plano na sala.
Ele não entra no espaço reservado à mulher. Ela finalmente agradece, se atirando em seus
braços na pequena ilustração abaixo, levantando ligeiramente os pés: donzelas de finas
canelas (Homero), eram as preferidas pelos homens desde o tempo da Ilíada. O primeiro
plano, narrado nesse anúncio é típico do cinema e dele a televisão vai se apropriar, por ser
amplamente sedutor e, portanto, passível de ocasionar vendas.
121
O anúncio da geladeira de fundo vermelho com o produto centralizado, de
porta aberta mostrando toda a capacidade de acondicionamento, mantém o ícone mulher
segurando a porta, com o sentido de humanizar o produto, como nos anos quarenta. A solução
racional para o máximo aproveitamento de espaço na cozinha é seguida à risca pelo criador do
anúncio em termos de otimização de espaço (diagramação), com o domínio das linhas retas e
dos planos verticais do fundo possibilitando a projeção do aparelho e da apresentadora (que é
segundo plano) para frente do anúncio, quase numa mesma superfície de importância que o
texto ocupa com sua mensagem esclarecedora em relação ao design inovador e outros dados.
O que aconteceu então nessa década (1950) com a imagem das mulheres
relacionadas aos aparelhos que remetiam tão preciosamente à idéia de manutenção de um
núcleo familiar? Noto que há um sentido de individualização aberto e trilhado como um
caminho para os contextos criativos relacionados a outros produtos e construções de imagens
de mulheres.
No anúncio sobre as televisões (ver a seguir, figura 45), a imagem da fada
madrinha — fada boa, do bem — que, com um toque da varinha de condão mostra ao
consumidor seis aparelhos de TV em formatos de móveis e com telas de tamanhos diferentes
(e que é um “direito” desse consumidor “exigir” que se apresente a ele), há indicação de que a
multiplicidade de escolha dos produtos no mercado é, de fato, uma necessidade. Não só da
indústria em produzir essa multiplicidade de aparelhos e produtos, mas uma necessidade que
se instaura na sociedade como excesso bem-vindo. A árvore de natal, em terceiro plano,
diagonal, funda a idéia do presente máximo do título, mas só por representar o momento
específico da data comemorativa, porque é desnecessária enquanto ícone de composição
gráfica. Pode ser retirada que não compromete o conjunto na venda do produto nem na
presença da imagem da mulher.
122
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 45 - Anúncios década 1950 – campo vida eletrodoméstica (televisores).
Esse produto, do jeito que aqui está apresentado no anúncio à esquerda,
também desvincula a imagem da mulher do núcleo familiar, ao contrário do anúncio à direita,
que a vincula à família (cuidado dos filhos), à casa e à imagem do lazer, reforçando a idéia —
através da imagem — do não-trabalho junto à imagem da mulher ao longo da história
(ELIAS, 1993). O texto da chamada vem reforçar essa última idéia ao proclamar
“tranqüilidade absoluta” com a posse do televisor anunciado. Note que a imagem que aparece
na TV é de uma garota-propaganda: portanto, mulher. O complemento do texto, abaixo da
foto, diz ao leitor que a mulher “agora, não quer outra vida...”; dentro de uma sala tradicional,
onde se deu um “exaustivo dia de rotina doméstica, ela repousa e se diverte”. Ou seja, ela não
quer outra vida que não seja a mesma vida tradicional de rotina doméstica exaustiva, onde ela
possa descansar ao final do dia com as crianças, à espera do marido, na sala vendo televisão.
O que há de diferente? A TV tem imagem nítida e som cristalino, acompanhada de um móvel
moderno. Não há mudança, nem mesmo nova perspectiva de vida para a mulher, além do que
aqui é proclamado.
O anúncio de TV apresentado a seguir (figura 46), promete algo novo, mas é
uma inovação estética: decorama. Escrito em letras coloridas, pode dar a sensação de um
televisor a cores, mas é apenas um móvel novo, desenhado para ser composto como aparelho
de TV e mesa de suporte que combina com a sala: decorama decora sua casa, poderia ser um
123
slogan. A mulher, ao desenlaçar a fita do aparelho, indica seu papel atuante como
consumidora em nossa sociedade e como definidora de compra: mulher de opinião.
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 46 - Anúncio década 1950 – campo vida eletrodoméstica
(televisor Decorama).
O homem aqui representado não está à vontade como marido, mais parece
um vendedor da loja, distanciado que está da cena principal. O plano afetivo está dado pela
mulher/laço/aparelho seguido da emoção da criança, emoldurados pelo barrado azul: estão
todos vestidos nesse tom. O homem, de preto, rompe com esse monotom, colocando-se fora
da situação/anúncio enquanto núcleo familiar: ele é dispensável, assim como o pai que passa
fora a maior parte de seu tempo, ele é excesso de informação. O homem aqui é ruído que só
deve voltar a noite para casa, em melhor sintonia. É a mulher que importa, juntamente com a
criança animada em plano secundário. Esse é o público-alvo. Quem paga a conta pode
desaparecer e ficar no background. Há uma inversão em relação à década passada sobre quem
fica na sombra. Na década de 1940, a mulher, como cuidadora, mantinha-se na sombra,
cuidando e não aparecendo, reclusa. Na década de 1950, o homem pode ficar na sombra ao
cuidar da mulher, fornecendo-lhe produtos de lazer e que tornam sua vida mais prática e
“fácil” dentro de casa. O homem torna-se o cuidador da mulher e da permanência, ao
presenteá-la com produtos que acabam por prendê-la em seus tradicionais afazeres. O homem
124
é o vínculo da mulher à tradição, sua prisão, porém é a mulher que aparece como ostentadora
da liberdade via publicidade.
A relação de núcleo familiar vai ser mais bem definida nos anúncios desta
década, a partir do campo “Vida de família” (ver adiante), que acabam por fechar em habitus
tradicionais as imagens amplificadas para a massa de consumidores, mantendo o formato da
tradição. A mulher continua apresentando coisas, sejam produtos, seja uma vontade. Essa
vontade pode ter sido retirada da própria base de segmentos do público mulher, mas nessa
década, no Brasil, sobre as pesquisas de foco específico, com grupos característicos,
segmentados, direcionados à campanhas publicitárias, não se tem notícia ou documentação
segura. Não possuo dados a respeito, o que não invalida minhas observações, pois anúncios
são realizados enquanto tais e não enquanto campanhas identitárias.
O tempo na década de 1950 é o do lazer e do desenvolvimento do consumo,
com o trabalho em expansão. Há tempo para tudo, para pesquisa nas indústrias, na produção,
na experimentação, na arte e na vida. É o novo tempo que se abre para mulheres e jovens se
colocarem no mundo e a publicidade não perde o seu tempo.
Os anúncios a seguir inseridos (ver figura 47), se referem às novidades de
limpeza do ambiente doméstico. Enceradeiras, aspiradores de pó e ferros elétricos de passar
roupa. Tudo novo para aliviar o “peso” do trabalho que cansa os braços das mulheres, as
pernas, as costas, trabalho duro: lavar, secar, passar, varrer, limpar, encerar, dar brilho, fazer
almoço, cuidar dos filhos, do marido e de si mesma. Com esses produtos, sobrará mais tempo
para o lazer, para assistir a TV e aos comerciais que apresentam os novos e fantásticos
auxiliares da dona de casa.
Mesmo que o apelo seja relativo à abundância, ao excesso, à completude; ter
em casa os dois aparelhos, lustratirapó ao mesmotempoagora
59
(a velocidade que começa a se
impor em uma sociedade brasileira que parece ainda roceira, de calcanhar rachado), a
imagem das mulheres utilizada como ilustração desses “momentos facilitadores” junto aos
aparelhos modernos demonstra que há um conceito que caminha em direção a uma
individualização desse personagem de carne e osso. Caminha a passos largos, rapidamente,
sem tempo a perder.
59
As palavras juntas indicam velocidade e expressão idiomática de uso poético na música por Ivo Meirelles e o funk da lata:
“tudoaomesmotempoagora”.
125
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 47 - Anúncios de 1950 – campo vida eletrodoméstica (enceradeiras).
Os olhos sensuais apaixonantes por traz da enceradeira Nova Arno são
direcionados ao leitor do sexo masculino que vai pagar a conta e reclamar o duplo sentido
da posse à mulher presenteada: troféus. Como o novo deus itifálico de “dupla firmeza” a
exclamar sentido dessa dupla posse. Duplo poder no templo doméstico da “perigosa”
Pandora de muitas faces e objetos. Os olhos não mentem jamais, são “as janelas da alma”
e reveladores de sentimentos e sentidos ocultos. Tal é o olhar desacreditado da mulher no
terceiro anúncio, em que ela segura o ferro de passar roupa e a haste da enceradeira,
olhando para o fio enrolado, com expressão pouco convincente para o leitor. “Ô lasquêra
de presentes!”, estes são estudados “detalhe por detalhe para o conforto de seu lar”, numa
época em que a demanda pela individualização da mulher é grande, geram esse
desconforto apresentado por essa imagem sobre o fundo azul do anúncio. Presentes para
trabalhar. Anúncios falando de tranqüilidade e lazer. O que a mulher deve fazer com
esses apetrechos?
A indústria da propaganda passa a desenvolver recursos gráficos e a
utilização desses recursos em “espelho” para incrementar o espaço do anúncio, para
ocupar o espaço da página na diagramação e mostrar vantagens dos aparelhos, vêm
ilustrar a tese de que a mulher é vista através dessa metáfora, ou por ela disfarçada, sob o
olhar de outros, como mercadoria/ícone da publicidade. O espelho faz a mulher valer por
duas, trabalhar por duas, mas só dentro de casa, via anúncios publicitários que, ao se
desdobrarem com os novos instrumentos de produção e de manutenção do lar, a mostra
lidando com o tempo que dispõe a seu bel prazer: equívocos.
126
Fonte: Seleções
Figura.48 - Anúncio de 1950 – campo vida eletrodoméstica
(Arno dupla).
A idéia da duplicidade e a utilização da imagem em contraste espelhado são
bastante comuns como recurso gráfico nessa década. É um recurso que virou moda, como
uma linguagem, assim como certos cortes fotográficos e alguns clichês utilizados nos
anúncios até os dias de hoje. O anúncio acima (figura 48), é bastante objetivo em relação ao
posicionamento da marca Arno. Esta é grifada mecanicamente — feita a mão a partir dos
fotolitos — nos aparelhos em vermelho, formando uma base Arno em que a marca e o
logotipo aparecem seis vezes. Há sentido de importância em ligar a marca à imagem da
mulher, Arno é um fabricante de produtos destinados exclusivamente a esse público.
Nos anúncios a seguir (figura 49), observamos também a utilização do
recurso gráfico “espelhado” com a imagem da mulher, jovem que sorri para o leitor. “Com
ambos é melhor” é a chamada para a venda do liquidificador e batedeira da marca Arno. A
fotografia rouba a cena por conter preto em demasia em sua composição, fazendo com que os
olhos do expectador se concentrem involuntariamente nesse campo. Chamo a atenção do
leitor para uma palavra utilizada no texto de chamada: “ambos”. Quanto tempo não vemos
essa palavra na publicidade? Muitas frases e palavras foram abolidas devido à sonoridade. Há
um código em que elas deixaram de comunicar, não grudam mais como imagens facilitadoras
de transferência, como “palavras ponte” entre o verbal e o não verbal. Chamo a atenção
127
também para o fato da ligação de duplicidade com as fotos espelhadas da mulher: ambas,
fotos e textos tentam se comunicar.
Com o desenvolvimento da indústria do alumínio também se multiplicam os
anúncios de panelas e similares e a imagem da mulher vai ilustrar esses anúncios. Muitas
vezes não há a imagem da mulher, mas o texto faz referência a ela, como é o caso do anúncio
da Panex: “para dona de casa exigente”. É a única menção à mulher. O anúncio poderia passar
ileso e falar de economia de combustível e de tempo no cozimento do feijão — como faz em
texto explicativo abaixo do anjo/ícone ao lado da panela de pressão —, mas o slogan foca no
público-alvo ao nomenclaturá-lo objetivamente: são os instrumentos da mulher.
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 49 - Anúncios década 1950 – campo vida eletrodoméstica (Arno, Panex, Empress).
Na figura 49, o anúncio da panela de pressão Empress possui imagens da
mulher em afazeres domésticos na cozinha, se movimentando do fogão para a mesa em uma
tentativa de mostrar rapidez no preparo dos alimentos. A imagem estilizada da mulher remete
à idéia de que esta imagem caberia a qualquer mulher. Dentro do conceito dessa similaridade
com o público-alvo, qualquer mulher pode se ver aí representada, sem comprometimento do
anúncio. Não é uma mulher popular que foi desenhada; está dado que é uma mulher de classe
média, desejo de ser da ampla maioria da população de mulheres brasileiras, pobres e quase
sem instrução (RAGO, 2004a).
128
Como já visto aqui, uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo,
em outubro de 2001
60
, com mulheres a partir de 15 anos, revelou que, atualmente, “a maioria
considera de fundamental importância a inserção no mercado de trabalho, a independência
econômica, a possibilidade de tomar decisões e de agir livremente, dissociando, pois, sua
definição de gênero da idéia de maternidade” (RAGO, 2004, p. 33) e de ser do lar. Idéia essa
que reinou durante muito tempo no imaginário de nossa sociedade como definição de “um
ideal romântico masculino projetado” (ibidem) sobre as mulheres, historicamente incorporado
por elas (ELIAS, 1994) e que, ainda hoje, reina em muitos vãos da nossa sociedade
contemporânea. Porém, vale ressaltar que estudos de várias autoras, como Leal e Fachel
(1999), Paiva (1996) e Monteiro (2002), apontam para o fato de que as meninas das classes
populares ainda hoje têm esse ideal (do lar) como valor pregnante, embora entre as meninas
da classe média o valor da realização profissional já se destaque (RAGO, 2004).
No anúncio abaixo (figura 50), a mulher que levanta a mão pede permissão
para falar a um público mais amplo; seu vestido vermelho a coloca em destaque, embalando-a
como o novo produto da modernidade. Para ela não há dúvida entre ser ou não ser do lar,
entre procurar uma profissão em que se realize seu ser interior ou arranjar um marido que lhe
dê as últimas novidades em tecnologia doméstica. Mas ela não se parece em nada com as
meninas da periferia nem com a ampla maioria das mulheres brasileiras dessa década (1950).
A imagem que nos fala é a de uma mulher tipicamente norte-americana, tocando em um
presente que repousa sobre o que parece ser uma carteira escolar. Talvez ela possa ensinar —
e a propaganda não se descola desse aprendizado constante — às mulheres como lidar com os
homens e sua mania de dar presentes de grego. Presentes que não se dirigem às mulheres, mas
ao ambiente doméstico, a um espaço físico. Não são presentes pessoais, são presentes
institucionais, como esse anúncio da figura 50.
60
Essa pesquisa entrevistou 2.502 mulheres, residentes em 187 municípios de 24 estados, das cinco macrorregiões
brasileiras.
129
Fonte: Seleções
Figura 50 - Anúncio década 1950 – campo vida eletrodoméstica
(Walita).
Os anúncios institucionais vão lembrar à mulher as marcas que lhes fazem
companhia durante a maior parte da vida, junto ao seu corpo, mais presentes do que o
companheiro, homem, em sua vida. Por isso os slogans prometem liberdade, praticidade,
conforto, comodidade, diferenças, com um toque de liberdade e independência. Ela grita: eu!
E está sozinha para tomar as decisões que lhe cabem, em data que está por vir: breve, anos
1960 e a revolução sexual.
61
Mas ainda há o que mudar e os anúncios podem indicar alguns
caminhos para quem ficar atento. Tem novidade no ar, não importa o quanto as perspectivas
esquentem as esperanças, a condição da mulher parece não decolar; sempre há uma cadeira ou
uma pol- trona vazia onde pedem para ela ficar, sentada a ler, ouvindo, ou vendo alguma coisa.
Enquanto ela se ocupa disso, o produto é colocado ao seu lado como detalhe de composição,
ilustrando a situação da cena, mas é justamente o oposto que ocorre. A idéia de leveza, não-
trabalho e de la- zer está associada à mulher e marcada nos anúncios publicitários,
contraditoriamente, não só nessa década. Ao referirem-se às imagens de mulheres ligando-as
a conceitos tais como: “férias” (figura 52, anúncio à esquerda, em contraposição ao conceito
de trabalho para o homem, no mesmo anúncio); “distração ao alcance dos dedos” (figura 52,
61
Merchandising do que está por vir.
130
anúncio ao centro); “tranqüilidade absoluta” (figura 53, anúncio à esquerda), colocando a
dona de casa trajando roupa de passeio, calçados de salto alto, em posição confortável ao lado
da filha; e “um alarde de arte e beleza” (figura 53, acima a direita), uma jovem ouvindo o
rádio, cercada de flores e a “olhar” a paisagem sonora, vagando pelas horas livres da
domesticidade; os publicitários estão realizando nada mais do que calcar essa iconicidade do
doce vagar às mulheres em geral, formando opinião/conceito sociocultural, na medida em que
as imagens trafegam pela sociedade se fixando em nosso imaginário e ajudando a compô-lo
para futuro usos, como se segue no interior dos núcleos familiares tradicionais a respeito
dessa própria questão do “não trabalho” doméstico atribuído às mulheres em seu ambiente
legítimo de poder, pelo outro: o homem, através da mídia.
Fonte: Seleções
Figura 51 - Anúncios década 1950 – vida eletrodoméstica (ventiladores).
Fonte: Seleções
Figura 52 - Anúncio década 1950 – vida eletrodoméstica (lazer, rádio e TV).
131
Fonte: Seleções
Figura 53 - Anúncio década 1950 – campo vida eletrodoméstica (ouvindo rádio).
4.5.2 Segunda Leitura: Campo IV – Vida para si
O campo “Vida para si” vem traduzir a aspiração da mulher enquanto ser
social e amplificada pela publicidade num mercado pulverizado de aspirações e produtos,
muito embora contraditoriamente. Os homens desaparecem do quadro de referência composto
a partir dos anúncios na década de 1950 — muito embora, na década anterior, fossem
acompanhantes dessas imagens —, sobressaindo às mulheres vários papéis que lhes fazem
voltar-se a si mesmas.
O processo de individualização da sociedade, principalmente dos jovens e
das mulheres, a partir da década de 1950, tem nos meios de comunicação um poderoso aliado.
É o auge do cinema glamour e da rebeldia, da literatura beat, do rock, dos experimentalismos
na arte, na pintura, de relativa paz social e da extensiva e intensiva produção industrial na
matriz americana. No Brasil, como vimos, há uma explosão de vontades políticas, econômicas
e intelectuais. Porém, somos colhidos mais pela tradição do que pela mudança, e por ela
tolhidos. Entende-se, assim, o potencial ideológico que possui a linguagem publicitária como
produtora e reprodutora de aspectos da realidade e do imaginário cultural. Nesse caso, ser
mulher, a partir dos anos 1950 é um indicativo sociocultural e politicoeconômico, antes de se
tornar um indicativo de identidade psicossocial, porém, essa está a caminho.
132
As três vias, o cuidado de si, a técnica e o domínio da família, são as vias em
que se transformaram os campos de vida como uma típica redução contraditória da
modernidade: ao mesmo tempo em que reduz, satura. “São essencialmente fenômenos não
calculados de mobilidade social em nível coletivo que explicam a censura progressiva dos
impulsos [...]” (HEINICH apud ELIAS, 2001, p.21). Em relação à imagem das mulheres na
década de 1950, me parece ter havido uma evolução dos costumes ligada à utilização dessa
imagem na publicidade, só que ocorrendo o inverso, pois temos as imagens se abrindo a partir
de campos fechados muito íntimos, tais como os lábios, os cílios, as mãos, o rosto, os seios.
Closes em corpos a partir de meio planos, maiôs, biquínis, na medida em que o conhecimento
sobre o corpo da mulher e sobre as técnicas de comunicação avançam, no Brasil, dentro da
família, se cala. Se há um ideal de mulher representado em todas as categorias, que as
atravessa durante os recortes para análise e durantes as décadas que se seguem, esse ideal há
de sobreviver e se transformar em puro hedonismo em nossa atualidade. Os cartazes de
cinema pré-anunciam o culto ao corpo ao desvendar pernas e bustos, antes proibidos pela
moral e bons costumes das sociedades da época.
Fontes: arquivos pessoais e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 54 - Cartazes de cinema da década de 1950.
Essa liberdade se traduz também nos anúncios que vão mostrar a mulher,
imagem de elegância ao fumar e beber em público, só ou acompanhadas. Esses anúncios
representam o estilo de vida para si, individualizador em que a opinião do outro parece não ter
133
importância, fundamentando um novo horizonte no mundo para a mulher em geral:
contribuição positiva se pensarmos nos fatores de mudança que se seguiram a esses anos.
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 55 - Anúncios década 1950 – campo vida para si (cigarros).
A mulher se encontra em exercício de plena liberdade nesses anúncios, como
observamos pela sua postura corporal, muito diferente dos anúncios anteriores. As pernas a
mostra, o aceite do cigarro pela mão de um homem que lhe oferece, indicando proximidade,
conversa, intimidade, como é o ato de fumar. No primeiro anúncio é a mulher quem oferece o
cigarro ao homem, num ambiente considerado moderno. Aos domingos, as famílias iam ao
aeroporto de Congonhas, em São Paulo, “ver avião”. Era como ir ao shopping hoje em dia:
era chique. Ali vemos o Electra da Varig (avião que fazia a ponte aérea Rio–São Paulo), os
copos com drinks, que descontraem a conversa, e o complemento do texto, que os
aproximam: “Feitos um para o outro”, indicando que “suas afinidades e predileções se
traduzem pelos mesmos gostos”, dando a idéia de que estão aptos a formarem um casal de
verdade, porém a mulher é dona de si. No anúncio ao centro, a frase “um ou outro atende sua
preferência” pode indicar uma mulher muito independente na escolha de seus parceiros,
conforme mostra a ilustração ao fundo. Mas o texto quer fazer referência à escolha dos maços
de cigarro jogando com a ambivalência. Essa duplicidade do jogo da sedução. O anúncio joga
com essa duplicidade, um jogo explícito em que a imagem da mulher entra como instrumento
da fantasia do criador publicitário. Ele se utiliza da imagem de duas mulheres diferentes. Uma
delas pode ser a mesma do primeiro plano, em lembrança; tendo que tomar atitude, fumando e
134
pensando. Mulheres de atitude talvez sejam o sonho dos homens, que somem dos anúncios,
ficam no fundo ou de costas para o público. Mulheres de atitudes e de unhas compridas, sinal
de sua pouca utilização no ambiente doméstico, onde quebrariam fácil, fácil, aparecem em
anúncios de esmaltes, cosméticos ou jóias. A vida para si indica o sentido da sociedade de
consumo para a ampla maioria da população, independendo do gênero. O que marca aqui, é a
imagem utilizada da mulher como ícone e composição mitológica de uma história que se está
formando, vai influenciar o imaginário de uma geração que está abrindo a porta do
supermercado simbólico e indo às compras no departamento de cultura.
O anúncio de Modess, apresentado a seguir (figura 56), re-coloca
explicitamente a questão da libertação da mulher em relação a muito de seus papéis
sociais/existenciais. Existem muitos anúncios de Modess, mas este, ao representá-la
quebrando as algemas que a aprisionava às tradições, coloca a ela (à mulher) a possibilidade
de traçar seu próprio caminho e de moldar o futuro da sociedade onde atua, sem tabus. A
chamada “Comece a Viver!” convida em sentido imperativo, mostra às mulheres como deve
ser acionado o processo. “Goze a liberdade que jamais pensou alcançar”. Em poucas
palavras, o anúncio diz à mulher o que ela pode conquistar: vantagens, modernidade,
invisibilidade, leveza, conforto e segurança. Basta que ela quebre as algemas da tradição e
comece a viver sua própria e independente vida.
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 56 - Anúncio década 1950 – campo vida para si (Modess I).
135
Os significados dos enredos assumidos pelo discurso publicitário nessas
peças e de maneira geral, não são estáticos e não podem ser vistos e interpretados de maneira
definitiva, mas devem ser interpretados nas suas variantes geográficas e biográficas ao
assumirem a negociação com a subjetividade dos autores, de suas peças/personagens e com a
subjetividade de seus espectadores (CANEVACCI, 2001). Essas peças são criadas justamente
para serem expostas e experimentadas através dos sentidos humanos e, de novo, através deles,
suscitar experiências em que imagens de sensibilidade mnemônica grafam conexões
significativas como as que aqui estou realizando.
A especificidade nesse campo é o que podemos chamar de “espaço de
pertinência”: o domínio de um conjunto de fatores bastante específicos que mostram a
utilização da tecnologia (material/científica e de inteligência) e suas aplicações no cotidiano.
A coincidência se dá justamente por esse cotidiano estar sendo apresentado dentro de uma
estrutura doméstica nem sempre fechada nas representações dos anúncios — fotografias ou
desenhos de espaços/lugares tidos como representativos de lares ou casas, tais como cozinhas,
quartos, salas e banheiros (os próprios aparelhos apresentados nos anúncios são indicadores
dos indicadores de lugares de uso, ou de utilidades domésticas), e lugares de intimidade quase
raptados pelo recorte da foto/desenho. Isso possibilita “criar” esses lugares em imagens
familiares, fazendo que as imagens dos anúncios sejam econômicas nesse sentido. Vejamos,
por outros anúncios de Modess:
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 57 - Anúncios década 1950 – campo vida para si (Modess II).
136
A epifania da modernidade grita bem alto por aqui. A começar pelo design
dos dois anúncios da direita que não pedem marcação de tempo: são atemporais, podem ser de
qualquer época. Pedem que a mulher saiba realmente viver em qualquer circunstância com
independência, praticidade e sem pudor: basta pedir pelo nome. Nesses anúncios, as imagens
remetem a afazeres que implicam um cuidar de si e valorizar-se enquanto pessoa do sexo
oposto: remetem ao gênero. Esses anúncios abordam essa questão mais diretamente do que os
outros, porque lidam com algo que só cabe às mulheres, o incômodo da menstruação, muito
diferente de o homem fazer a barba. Isso os tornam especiais, diferentemente, por exemplo,
do anúncio abaixo (figura 58), a imagem da mulher bebendo champagne em uma taça de cris-
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 58 - Anúncio década 1950 – campo vida para si
(champagne).
tal sobre o fundo creme (champagne) do anúncio, com o texto indicando “suavidade e
nobreza...”, dá a entender a própria nobreza da bebida, mas há um porém. Por que a imagem
da mulher é utilizada e não somente a da garrafa? Por que ligar (linkar
62
) o champagne à
imagem da mulher, ou vice-versa? Qual o conceito utilizado/pensado na elaboração desse
anúncio? E nos anúncios em geral que se utilizam das imagens das mulheres como ícones de
vendas de produtos? Ao contrário do liquidificador analisado neste trabalho, a imagem da
mulher, nesse anúncio, ocupa todo o volume de espaço necessário à venda do produto. A
imagem — uma ilustração — pode indicar peso desnecessário ao produto, ao parecer que a
62
De link, como um canal de comunicação através dele.
137
mulher está ligeiramente embriagada. Ponto negativo para o produto e para a imagem da
mulher, veiculada nas revistas onde apareceu o anúncio em questão. É para frisar que esse
champagne é uma bebida feminina? Leve, suave? A densidade da ilustração não permite
expor essa suavidade, que um sorriso mostraria consensualmente. A mulher olha
profundamente nos olhos do consumidor extraindo-lhe a alma, tanto que nossos olhos quase
não percorrem o anúncio em busca de informação. O anúncio se fecha nos olhos da mulher
que nos olha, densa e solitária com a taça na mão: embriagada pela solidão que o homem não
entende, muito menos o criador do anúncio ao posicionar a marca do champagne à imagem
dessa mulher.
Fonte: Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 59 - Anúncios década 1950 – campo vida para si (Yes, Angel Face, Lever).
Já os anúncios que na década de 1940 se relacionavam com saúde, aqui
migraram em vida para si ao implicarem um cuidado de si e não mais com a saúde física
pessoal ou dos entes queridos sob seu (da mulher) olhar. As mulheres não fogem mais da vista
do consumidor, não se escondem dentro do quarto nem dentro de casa. Olham nos olhos, olhar
firme e decidido, mostram o corpo sem medo e sem segredos: elas olham para fora da página.
Deixam de ser mulheres de papel
63
para assumirem uma biografia própria a partir dessa
década, nos anúncios gráficos e nos eletrônicos, que começam a freqüentar os lares via
63
Mais merchandising (ver BUITONI, 1981).
138
televisão. Sussurram entre si, entre os anúncios e, para o espectador gritam: agora minha vida
mudou!
4.5.3 Teceira Leitura: Campo VII – Vida de Família
Esse é o anúncio característico do núcleo familiar desejado. O homem que
trabalha fora, a mulher que fica cuidando da casa e das crianças, à sua espera. A imagem da
mulher em terceiro plano, com o garoto no colo, de braços esticados para o pai, mostra o
objetivo do anúncio. Não se trata de vender produtos para o ambiente doméstico, muito
menos direcionados ao público feminino. É um anúncio feito para os homens. Está presente
nesse imaginário. Homens que trabalham fora de casa, que viajam sempre e necessitam de um
meio de deslocamento rápido e de confiança. A imagem da mulher é mera ilustração de
sentido familiar, utilizada como composição de uma idealização de vida segura, desejo do
amparo que
Fonte: Seleções
Figura 60 - Anúncio década 1950 – campo vida de família
(super com-vair da Real).
139
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 61: Anúncios década 1950 – campo vida de família (aymoré e rancheiro).
A mulher do anúncio de biscoitos é a típica dona de casa que faz tudo. Os
filhos e o marido ficam sentados enquanto ela os atende: imagem da mulher-garçom, ilustra
melhor nossa realidade. A produção da fotografia foi feita com base em fatos reais domésticos
facilmente observáveis. Como se comporta uma típica família no café da manhã? Tudo é
pedido para a mãe/mulher, que atende prontamente sem reclamar. É o ícone da santa protetora
que faz tudo: imagem da mulher pronto-atendimento, delivery, que traz a vara de pesca para o
marido, comodamente deitado enquanto os filhos jogam peteca, no anúncio das calças ran-
cheiro (figura 61). “Bem! Faz isso, pega aquilo; benhê, traz um copo d’água?” Enquanto isso,
“através dos anos” ela cuida para que nada lhes falte. Os textos se repetem como um velho
clichê, como de fato são, representantes da tradição, mantenedores dos padrões de
confiabilidade agregados à imagem de um ser gerador de continuidades, perpetuador por si
mesmo, porém, através da ligação com o outro, o oposto, mas independente na manutenção
dessa tradição através do tempo. O registro fotográfico da Kodak, no anúncio à direita da
figura 62, nos mostra duas gerações em flagrante de perpetuação solitária, amplificada no
corte fotográfico a partir das mãos que medem do primeiro anúncio desse tríptico. A
continuidade consangüínea é exemplificada pelo anúncio Fontoura, do “sangue forte” que a
imagem da mulher transmite, que Modess torna invisível e que, apesar das negações sociais
sobre a menstruação como um problema psicossocial, deve deixar a “vovó sempre contente”
pelos seus descendentes aí apresentados, remetendo para a idéia de tradição: família é isso.
140
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 62 - Anúncios década 1950 – campo vida de família (Lobo, Klim, Kodak).
Fontes: Seleções e Departamento de Documentação Editora Abril
Figura 63 - Anúncios década 1950 – campo vida de família (Fontoura e Emulsão
Scott).
E, nesse sentido, os anúncios aqui apresentados implicam a manutenção
dessa tradição realçando à imagem da mulher o seu lugar de cuidadora e de mantenedora do
lar enquanto núcleo de abrigo do homem e dos filhos e enquanto espaço exclusivo de domínio
da mulher e de seus objetos tecnológicos, ao mesmo tempo em que confirmam a emergência
de uma estrutura icônica com base na imagem da mulher para o mundo da publicidade.
141
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS: ELA É GAROTA-PROPAGANDA
Cronos, o capitalismo antigo e gigante, que comia os próprios filhos é
destronado por uma de suas crias, protegida pela mãe Terra, o planeta globalizado (o
fundamento inconcluso de tudo, a firmeza inabalável
64
): este filho destronante é Mercado, de
amplos poderes — ágil e moderno como a pílula
65
. A Publicidade é mulher, filha de Mercado
e Necessidade: nascida entre tantos deuses e irmãs, compõe a mitologia contemporânea e
pode assim ser explicada, haja vista que as análises das ciências sociais e da comunicação
podem remeter ao tempo mitológico.
Parafraseando Balandier em seu texto O poder em cena (1980), vamos
localizar a verdade do Poder no substrato das grandes mitologias, mais do que no saber
produzido pelas nossas próprias ciências. Utilizo a narrativa dos mitos conjuntamente com a
especificidade da análise científica para dialogar com os fatos, pois como mencionou Orlandi
(2000), os homens cultivam o Esquecimento, dádiva da Memória, em nossa linha do tempo.
Necessidade, em júbilo, faz com que a morada das divindades se torne esplendorosa ao parir
no novo mundo seus filhos, Musa e Poder: a Publicidade, como Musa, detém a linguagem; e a
Imagem, como Poder, o desempenho/aparição. É na linguagem que se dá o apare-ser
66
e
também o simulacro, as “mentiras”
67
e o esquecimento. O irmão, Poder, se estabelecido
unicamente como violência ou controle não exerceria credibilidade nem se manteria no
domínio do imaginário pela justificação racional de seus emanadores, aí se conservando
apenas pela transposição e produção de imagens, operações que se efetuam de modos
variáveis, combináveis de apresentação pela irmã — Publicidade — através de seus motivos,
em nossa sociedade, como vimos no presente trabalho.
Publicidade torna-se presente, ao se dar entre os homens, exatamente essa
relação, enquanto experimentada como múltipla força de uma estrutura que acaba por conter
em si os eventos e as consciências dos homens e do mundo, donde Poder se expressa em
relação ao Querer e não mais em relação à Necessidade, em circularidade constante.
Na exuberância dessa grande festa social,
64
Hesíodo (1995, p. 41).
65
Slogan.
66
Neologismo que remete imediatamente ao aparecer e ao parece ser.
67
Aqui, mais com o sentido de ocultações, e não como inverdades.
142
[...] do canto e da dança, na fecunda exaltação da Vida e da Alegria, as
Musas fazem-se acompanhar de suas meio-irmãs, as Graças — filhas de
Zeus e Eurínome (vv.907-9) e “de cujos olhos brilhantes esparge-se o amor
solta-membros, e belo brilha o olhar sob os cílios” (910-1). No poder das
Musas, entre tantos encantos vibra também o sex-appeal. [...], “os gregos
conheciam três maneiras de se impor: pela violência (bía), pela persuasão
(peithó) e pela sedução”. Esta última é função das Khárites, Graças,
sequazes-irmãs das Musas, [...]. (TORRANO, 1995, p. 34)
Como Musa que é, Publicidade carrega a ambigüidade do Poder de
presentificar e raptar sua forma, colocando os fatos em claro e ao mesmo tempo ocultando-os,
ausentando-lhes de sentido, fechando-os na gaveta da memória. A Publicidade assim o faz,
pois, ao dizer-nos “mentiras” símeis aos fatos, nos furta, encobrindo à luz de Presença — uma
das filhas de nossos deuses modernos —, os próprios fatos como são, pois, como as mulheres
da antiguidade e os hábitos das mortais gregas e das mulheres ocidentais (nossas
contemporâneas), banham-se antes de se mostrarem mais belas no espetáculo; banham-se nos
córregos e nas fontes da criatividade e do planejamento ou nos chuveiros e duchas; banheiras
hidrojato e jacuzis douradas sobre o cimo dos apartamentos, como Ninfas/Musas desses
lugares do drama. “Ocultas por muita névoa
68
”, que as tornam invisíveis ou quase não
visíveis, ocultas ao dito objetivo do manifesto dos anúncios, como cantos e danças
esplendorosos dentro da noite, fazendo surgir os verdadeiros deuses, cover girls, estas sim,
reveladas como forças originárias da marcação histórica. A nova ordem cósmica das coisas
similares às próprias coisas, como determinação de sua própria essência: viva as garotas-
propagandas! Viva o maravilhoso mundo das compras, do eterno aqui-agora, do estar-sempre-
em-consumo!
A dissimulação do que estaria em um lugar, o Real e o Irreal, pode ser
pensada a partir da idéia de simulacro de Baudrillard ([19--]), e não enquanto representação
do não existente, mas do existente enquanto unidade-similitude exemplificada pelo anúncio
publicitário aceito dentro do planejamento, da realidade que o marketing executa via
publicidade no mercado. Não há o não-existente; a experiência fundamental da verdade é a
desocultação que fazemos ao desvelarmos os anúncios em sua superficialidade. Isso nos
revela que os fatos se dissimulam e se ocultam sob a simulação que é a própria força da
representação, quando o símil já é outro ao dar-se enquanto tal. Assim é a mulher construída
como imagem na publicidade: ela é ícone de si mesma. Tal é a similaridade entre as funções
68
Daí precipitando-se ocultas por muita névoa, vão em renques noturnos lançando belíssima voz, [...]” ( HESÍODO, 1995, p.
105, verso 10 da Teogonia).
143
exercidas nessa interpretação, cuja ordem que se impõe não é senão um dos aspectos que o
poeta Hesíodo (VIII a.C.) dá como senhor da palavra de há 2.800 anos atrás. A Publicidade,
por mim colocada como mulher — Musa —, assim como também Graça divina que se
relaciona com os homens, lhes prometendo o belo e benfazejo dom de dividir com divindades
outras a concorrência de suas forças produtivas, de suas conquistas e do dar sentido à vida, é
dotada de uma “consciência opositora”. Reúne aspectos díspares conflitantes com as
realidades e transcendem-nas ao se utilizarem de imagens/símbolos representativos para essas
realidades, “circunvoluindo através de enfoques sucessivos e por vezes constantes”
(FRÄNKEL apud TORRANO, p. 39-40), assim como a própria poesia de Hesíodo,
considerada arcaica, mas não menos bela ou isenta de crítica
69
.
Quando digo que a mulher é ícone de si própria na indústria da propaganda, é
nesse sentido: como a divindade, sua essência está em sua própria presença. Ela pode ser
publicizada em constante contradição sem comprometimento de imagem do produto, desde
que utilizada com bom senso de tragédia no circuito de seu drama, estipulado pelo briefing
bem organizado pelo diretor de marketing da empresa no mercado: mulher gorda anunciando
produtos light, por exemplo. Uma presença que não é senão ela mesma, que nos penetra e nos
ultrapassa; cuja força é exercida no sentido de duplo vínculo (FEATHERSTONE, 1995) em
nós consumidores, nos aproximando e nos distanciando ao mesmo tempo, nos fazendo cantar
em uníssono no Olimpo dos supermercados, cuja partitura vem impressa como anúncio
colorido nas revistas desde aquela época: 1940 e 1950, as décadas consideradas como “A era
da catástrofe” e “A era de ouro”, respectivamente, por Hobsbawn (1995), as quais
propiciaram mudanças culturais significativas no mundo todo e que aqui já discutimos.
A imagem da mulher na publicidade dos anos 1940, como sendo “do lar”,
vale aqui repetir, adquiriu aceitação bastante positiva no mercado consumidor pelo fato de ter
sido resguardada durante tanto tempo como valor doméstico, sendo-lhe agregado valor
estético e ético, como símbolo portador de honra familiar calcado em antepassados. A
mitologia aqui descrita indica a origem latina do que se denomina Lares: “deuses da família,
deificados dos mortais, eram as almas dos antepassados que velavam por seus descendentes”
(BULFINCH, 2004, p. 17). Por ser geradora, dar passagem a gerações e permitir assim o
caminho dos antepassados através do tempo no espaço doméstico, a mulher ficou marcada no
senso comum como sendo “do lar”, uma representação retirada, de fato, de uma cena do
drama vivido pelas mulheres, mas que ilustra sua utilização como imagem sendo re-
69
Que em hipótese alguma me proponho a fazer. Tomo apenas no sentido de magnífica poética e não como minha utilização
no texto.
144
colocada
70
através da mídia, via anúncios publicitários e, ao mesmo tempo, sendo convidada,
contraditoriamente (em atitudes ambíguas), a se apresentar em atividades outras, atitudes extra-
lares, elevando-se do sexo para a cabeça. Close-up em cinemascope, panorama expansivo de
um novo modo ativo de viver e do “dito”: pensar grande no mercado; abrir perspectivas; mais
negócios; mais gente no mercado; o público feminino é maior do que o número de homens na
população brasileira e mundial. Mais consumo; maior movimento de caixa e giro financeiro;
educação e ciência; qualidade de vida. E, paradoxalmente, a mulher é mantida presa ao
ambiente doméstico em artigos internos de revistas. Porém, como consumidora de produtos e de
novas tecnologias é, ao mesmo tempo, re-alçada
71
como ícone de fantasia no mercado:
ilustração de venda de produtos e de novas atitudes, o que não se enquadra como representação
de fragilidade, mas que ilude quanto ao comportamento real dessas consumidoras que
apresentamos no decorrer deste trabalho.
Já que estamos lidando com temporalidades, aos antigos devemos a palavra
Kháos, compreendida no senso comum como o estado geral e desordenado das coisas
72
como Mercado nos tem presenteado suas formas —, mas tido na cosmogonia grega de Hesíodo,
como o vazio primordial de caráter informe, ilimitado e indefinido, que precedeu e propiciou o
nascimento de todos os seres e realidades do universo. Uma das quatro Potestades primordiais e
independentes. Esse vazio Khaótico, que a indústria da propaganda preencheu tão bem,
ordenando o desordenado na transição da comunicação para massa, através da utilização da
imagem da mulher enquanto presente divino doado ao homem (antes resguardada pubis), Musa
eleita ícone de Mercado, inocente Ventura (agora idolatrada privus)
73
, Pandora, deusa da “nova
cultura” do consumo, aquela que se metamorfoseia e confunde nossa onipotência de agir e
representar a fim de provocar-nos a descoberta, sob seu sorriso eterno de cinema nos faz notar:
^>Carísimos humanos,
>todo sistema de imagens é um dispositivo destinado a
produzir efeitos, entre os quais se comparam as ilusões do
poder que a publicidade nos remete através das configurações
dos anúncios.
Ass. Felicidade.
P>S:Subjugamos Sísifo e seus eternos Rolling Stones.
70
Aqui, de colocar duas ou mais vezes seguidamente.
71
Da mesma forma que re-colocada, mas com o sentido de elevada várias e repetidas vezes simultaneamente, ou não.
72
DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS (2001).
73
DICIONÁRIO ELETRÔNICO HOUAISS, etimologia de privado, daquele que priva com, da origem à privilégio.
Privilegiado(a).
145
Já nos anos 1950, a imagem da mulher remete à confirmação dessa
individualização, bastando prestar atenção na redução dos campos de vida significativos do
quadro de referência da análise dos anúncios. O crescimento do valor da imagem em função
do texto, em relação à narrativa da linguagem escrita e falada que é raptada em conteúdo e
volume, remete à mudança do imaginário clássico sobre a imagem da mulher, onde tudo era
harmonia, ilusão que justificava uma ordem. O atual contador de histórias apenas mostra as
figuras que impressionarão nossas mentes infantis e lotarão os divãs dos psicanalistas. O
passado coletivo, elaborado em tradições, nos costumes que legitimavam, com a reserva de
símbolos, nossas ações, perde essa herança a partir da vulgarização do espetáculo que re-
presenteia
74
sua farsa ilusória em reforma/direção ao próprio futuro e à sua fragmentação.
Nesse sentido, e recontextualizando Balandier (1980), a publicidade é uma colaboradora que
em seu desempenho torna o imaginário e a ideologia ilusões realizadas.
Retificando o que afirmei anteriormente, não vejo as décadas aqui estudadas,
1940 e 1950, como a gênese, mas como a virada de um processo em que a cultura do consumo e
a inserção cultural imagética da mulher na sociedade presentifica paradoxalmente o indivíduo
mulher e sua imagem como objeto/ícone mulher em uma midiatilização cultural da
feminilidade. Estetização do apelo visual da comunicação para consumo de todos os tipos de
bens em uma mobilidade agregadora de valores múltiplos com base no mercado. Há uma
liquefação de signos e imagens com a mistura de códigos “à la mostruário comercial”, que
acaba por fundir sua principal mediadora juntamente com seu ícone — a publicidade e a
mulher — em um sistema distribuidor de arte, estilos, individualidades, identidades,
sociabilidades, tecnologia e convenções. Os anúncios adquirem um caráter ambíguo (em
termos de análise) ao serem reconhecidamente o espaço público e privado onde se dá a
manifestação dessas tendências com o próprio homem perdendo o bigode. As peças são
veiculadas pubicamente e consumidas também em um espaço reservado.
Olhando os anúncios é possível realizar um traçado histórico, tal como um
mapeamento de nosso cotidiano atual: como e por que aqui chegamos. Vejamos o que reuní
nessa consideração para análise a partir do background dos campos temáticos, em uma
mistura de anúncios das duas décadas pesquisadas, com o fechamento no ano de 1960,
quando foi feita a veiculação de um anúncio considerado “moderno” à época, que poderia ser
considerado como “a virada” em termos de linguagem publicitária para marcar um tempo em
que pode considerar-se o comportamento, a inserção de imagem que remeteria a essa idéia do
74
No sentido de presentear apresentando-se várias e simultâneas vezes.
146
moderno e a produção das demais peças que levariam a uma revolução nas linguagens da
comunicação/informação/comportamento human@s.
As imagens a seguir, algumas já foram analisadas, mas nem por isso deixarei
de recontextualizá-las. A arte se encontra presente em vários momentos da história humana,
marcando passagens e introduzindo ao homem sentidos de pertencimento a universos que em
princípio ele não entende ou domina.
Figura 64 - Anúncios das décadas de 1940 e 1950 (Eversharp, Zenith e consumidor).
A arte desaliena o mundo e a publicidade é tida, no senso comum, como
“arte publicitária”, por lidar com imagens, com o fazer manual (em sua origem), com o
desenho e a colagem, o que sugere a implosão da realidade última com o fato de a publicidade
estar sendo encarada (muito embora inconscientemente) como o baluarte da necessidade de
sentido pelo ser humano. Devido à publicidade se encontrar amplamente divulgada, o simples
nomear das coisas, a criação das palavras, a necessidade constante que temos por novas
imagens e conexões, como estrangeiros que somos, chegados ao mundo, acabamos por nos
aconchegar em seu colo, como realidade última de nossas próprias representações (ARENDT,
1999). Transformamos a longa trajetória do imaginário social que vai transitar em imaginário
cultural, como um novo paradigma estético, de rápidas paradas e partidas que não se fixam no
coletivo: metrô suburbano, pois trafega em nosso subconsciente, veloz e de múltiplas
estações. Faz a troca velozmente: periferia/centro/periferia.
147
Sustentamos nosso cotidiano em imagens que nos dizem o que fazer,
ilustradas a partir de um imaginário composto não apenas pelas idéias vendedoras do produtor
de publicidade, ou do empresário que quer vender o produto/serviço, mas a partir de imagens
com base em uma similaridade com fatos reais, acontecidos a pessoas próximas e, muitos
desses fatos, retirados de pesquisas de campo. Os anúncios são indicativos de acontecimentos
socioculturais. A mulher criada para o casamento tende a ficar sozinha em casa, com os
filhos, e a se virar para a manutenção do lar, tornando-se agente de um cenário demarcado
historicamente. Essa saída para a ação se dá com base no mercado de bens de consumo, onde
a mulher é tomada como eixo primordial: cliente-representante-ícone-vendedor-mediador.
A indústria re-descobre o mercado, ativando seus desígnios em termos de
“novidades” tecnológicas do pós-guerra para quem tem tempo e dinheiro para usufruí-los (os
produtos tecnológicos) e aprender a lidar com eles (e com a nova tecnologia e com os novos
códigos da vida em comum). Um exemplo óbvio são os dois anúncios abaixo representados
(figura 65).
Figura 65 - Anúncios das décadas de 1940 e 1950 (Arno e Rochedo)
Esses códigos são revisitados a todo lançamento, embora a manutenção
essencial da imagem da mulher não avance no sentido da mudança durante essas décadas, a
não ser pela sua inserção como ícone da publicidade: garota-propaganda. Os anúncios, em sua
148
grande maioria, lhe são devolvidos pelas revistas, dentro de casa, no espaço do privado, após
circularem pelas ruas e avenidas, consultórios e um amplo mercado de bens diversos.
Devolvidos no sentido de arremesso de sonhos e possibilidades impressas em cores ou
monotons, como a própria vida da maioria dessas mulheres aqui visitadas, publicadas e
consumidas por uma massa de consumidores ávidos pelo novo, por públicos variados,
masculinos e femininos. Porém, é preciso ter os olhos virgens de maio ao se construir essa
história; o índice está dado a partir dos anúncios, a imagem da mulher figura em casa por
pouco tempo, rapidamente ela toma as atitudes de manutenção do ambiente doméstico e dos
filhos, sai de uma casa — de classe média — narrada através das peças publicitárias e faz as
compras sozinha, reclama seus direitos de consumidora/cidadã, o que é novidade para a
época.
Figura 66 - Anúncios das décadas de 1940 e 1950 (Arno, Phillips e Coca-Cola)
Burla as regras quando possível — como os homens —; tem tempo livre
(segundo os anúncios descrevem), para usufruir das novas tecnologias e das informações que
chegam por essas vias: televisão, rádio, revistas e jornais; porém fixando-se nas mídias de
imagens sedutoras como a TV e, de vez em quando, o cinema. A mulher possui uma imagem
que, em princípio é nublada pela ira dos conservadores e que se encaminha para uma
duplicidade que, no sentido comum, levam as pessoas a dizer: vá entender as mulheres! Vá
entender a publicidade!
Ambiguidade que confunde (como a própria publicidade), a narrativa dos
anúncios; a mulher que trabalha por duas, que faz mágica através deles e de seus criadores, irá
149
envelhecer como o casal do anúncio da Coca-Cola, com o homem sentado a sua frente, vis-à-
vis, como a própria propaganda. Distantes/próximos, sem a certeza de se conhecerem
intimamente. Lembranças e imagens, memórias, sonhos, sem espaço para dúvidas do quem
sou. A única certeza é que a mulher tem uma imagem em demanda por poder públicizável de
alta vulgarização, circularidade e penetração em campos os mais variados e de reconhecida
confiabilidade.
A imagem da mulher na publicidade, até então, ilustra o inexistente, o irreal,
o fictício. A idealização de uma sociedade de cultura oficial bem-comportada, onde o
desajuste do jovem e o risco do inusitado feminino não encontram espaço de
veiculação/expressão, é bem representada no anúncio dos jeans Far-West. A mitologia se
forma em bases tradicionais e não inova em nada ao devorar os próprios filhos. A
adolescentização dos mais velhos como apelo de venda ainda é novidade nos anos 1959/60, e
abre a década de 1960 em que os campos temáticos se expandem em experimentações na arte
e na publicidade, com grande investimento do marketing privado e público — de Estado —
também. É uma onda em que esses campos vêm e vão, se expandem ou se contraem, na
medida em que as décadas passam e a tecnologia se apresenta diferente. Vamos ver as bolhas
estourarem em produção simbólica envolvendo a indústria que vai encontrar no eixo de
apresentação da imagem da mulher, na publicidade, um contínuum icônico mercadológico.
Figura 67 - Anúncios da década de 1960 (Calça Far-West).
E a mulher vai representar-se e a outros, sendo que sua imagem pode ser
dispensável enquanto contraditória junto a produtos que podem ou não levar sua imagem
150
como apoio de vendas. Mas vai conquistar um espaço em termos de imagem, que o homem
não será capaz de imbuir a si próprio enquanto propriciador de qualquer ordem. Não é
imagem dada, atribuída por desdém, ou calcada por atributo imaginário. Nem mesmo o jovem
nos anos seguintes — década de 1960 e suas conquistas culturais — vai ser cultuado e
mantido por quaisquer custos neste patamar idiossincrático em que a mulher é iluminada por
cores diferentes a cada circunstância num mercado de amplas possibilidades: vamos aos
interesses, quem dá mais? Os leiloeiros de plantão, que são muitos desde então, vêm à público
agradecer a generosidade com que são gastos cada centavo nessa articulada queima de bens.
O estoque — faz-se bem saber — é oficial!
151
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