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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
Departamento de Economia e Contabilidade
Departamento de Estudos Agrários
Departamento de Estudos da Administração
Departamento de Estudos Jurídicos
CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO
NILSON HEIDEMANN
A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS):
AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL
Ijuí (RS)
2009
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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
NILSON HEIDEMANN
A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS):
AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL
Ijuí (RS)
2009
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1
NILSON HEIDEMANN
A GESTÃO NOS CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL (CAPS):
AS CONCEPÇÕES DE GESTOR NA DINÂMICA GERENCIAL
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Desenvolvimento
Mestrado, Linha de Pesquisa: Gestão de
Organizações e do Desenvolvimento,
objetivando a obtenção do grau de Mestre em
Desenvolvimento.
UNIJUÍ Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Doutora Enise Barth Teixeira
Ijuí (RS)
2009
2
UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento – Mestrado
A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação
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elaborada por
NILSON HEIDEMANN
como requisito parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Desenvolvimento
Banca Examinadora:
Profª. Drª. Enise Barth Teixeira (UNIJUÍ): ________________________________________
Profª. Drª. Denize Grzybovski (UPF): ____________________________________________
Profª. Drª. Lurdes Marlene Seide Froemming (UNIJUÍ): _____________________________
Ijuí (RS), 31 de agosto de 2009.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha orientadora, Enise Barth Teixeira, por acolher este projeto, pelas
intensas horas de orientação, por compartilhar sua experiência e seus saberes e por dar
continência às angústias que surgiram no decorrer do mestrado.
Aos coordenadores, servidores, usuários e familiares, e aos demais profissionais dos
Centros de Atenção Psicossocial, que acolheram este projeto e contribuíram para sua
realização.
Aos colegas do Mestrado, com os quais tanto aprendi sobre questões de administração.
Ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional da Unijuí, pela
formação de qualidade.
Aos amigos e colegas de tantas lutas que, em espaços acadêmicos ou extra-
acadêmicos, compartilharam idéias, em especial à colega psicóloga Luciane Gheller
Veronese, aos advogados Niki Frantz e Giovana Mattioni Viecili e à acadêmica de Direito da
Unijuí, Daiana Uecker de Moura.
À minha família, que compartilhou com meu estresse quando da produção desta
dissertação.
4
RESUMO
Esta dissertação trata da relação entre gestor, equipe, usuários e familiares e servidores dos
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades Básicas, e tem como principal objetivo
discutir os sentidos que circulam em CAPS sobre a presença do gestor e sobre as práticas
desenvolvidas por ele no interior desse serviço público. Sustenta-se no aporte teórico de
teorias psicanalíticas, administrativas, sociológicas e psicológicas e inspira-se
metodologicamente em entrevistas com atores sociais dos CAPS de Ijuí/RS. Através da
análise documental da legislação pertinente e de ofícios, atas, relatórios, registros e
comunicações informais dos CAPS e da produção científica do material publicado em livros e
artigos científicos constantes em revistas indexadas e redes eletrônicas. A pesquisa
participante é desenvolvida a partir da interação entre o pesquisador e os atores sociais que
compõem o CAPS I e II de Ijuí/RS e selecionados para as entrevistas; foram traçados
movimentos de aproximação entre as políticas públicas em saúde mental e a função do gestor.
O trabalho de campo foi realizado nos dois CAPS do Município de Ijuí/RS. Apesar das
entrevistas terem sido gravadas na íntegra, foram utilizados apenas alguns fragmentos do
material produzido em campo para visualizar pontos de articulação entre o coordenador, a
equipe, usuários, familiares e a rede. Ao final da investigação foi possível perceber que a
presença do gestor no CAPS exige funções sociais da instituição que não se resumem à
simples implantação de programas de atividades no interior do serviço, o que permite
vislumbrar a constituição de uma gestão de CAPS e suas práticas que mobilizam
subjetividades na busca de outras formas de organizar o cuidado em saúde mental,
identificadas com a reinserção social, a desinstitucionalização e a humanização.
Palavras-chave: Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Saúde mental. Gestor.
Subjetividade. Desinstitucionalização.
5
ABSTRACT
This dissertation treats of the relationship among manager, team, users and family and servers
of Attention Psicossocial (CAPS's) and Centers and Basic Units, and it has as objective
principal the senses that circulate in CAPS on the manager's presence to discuss and on the
practices developed by them in the interior of that public service. It is sustained in the
theoretical contribution of theories psicanalitical, administrative, sociological and
psychological and it is inspired metodological by interviews with social actors of CAPS of
Ijuí/RS. Through the documental analysis of the pertinent legislation and of occupations,
minutes, reports, registrations and informal communications of CAPS and of the scientific
production of the material published in books and constant scientific goods in indexed
magazines and electronic nets. The participant research is developed starting from the
interaction between the researcher and the social actors that composes CAPS I and II of
Ijuí/RS and selected for the interviews; approach movements were traced among the public
politics in mental health and the manager's function. The field work was accomplished in two
CAPS of the Municipal district of Ijuí/RS. In spite of the interviews they have been recorded
in the complete, just some were used fragments of the material produced in field to visualize
articulation points among the coordinator, the team, users, family and the net. At the end of
the investigation it was possible to notice that the manager's presence in CAPS demands
social functions of the institution that they are not summarized to the simple implantation of
programs of activities inside the service, the one that allows shimmer the constitution of an
administration of CAPS and your practices that mobilize subjectivities in the search in other
ways of organizing the care in mental health, identified with the social reinsert, the
desinstitutional and the humanization.
Key words: Centers of Attention Psicossocial (CAPS). Mental health. Manager. Subjectivity.
Desinstitutional.
6
LISTA DAS FIGURAS
Figura 1 - Forças de coesão e/ou divergência............................................................. 23
Figura 2 - Modelos de comunicação........................................................................... 25
Figura 3 - Cone invertido............................................................................................ 34
Figura 4 - Esquema de cone invertido........................................................................ 38
Figura 5 - Comparação entre grupos e equipes de trabalho........................................
40
Figura 6 - Maníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838................................... 54
Figura 7 - Lipemaníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838............................ 54
Figura 8 - Organograma do Sistema Municipal de Saúde de Ijuí/RS ........................
101
Figura 9 - Foto 1 de tela pintada por paciente do CAPS II.........................................
102
Figura 10 - Foto 2 de tela pintada por paciente do CAPS II ........................................
102
7
LISTA DOS QUADROS
Quadro 1 - Caracterização de indivíduos e organizações ...........................................
31
Quadro 2 - Acompanhamentos realizados em grupos terapêuticos............................. 82
Quadro 3 - Síntese das percepções dos coordenadores sobre a gestão dos CAPS.......
86
Quadro 4 - Trabalho inter-redes e função do gestor na visão dos servidores.............. 95
Quadro 5 - Entrevista com servidores da UB ..............................................................
99
Quadro 6 - Entrevista com usuários dos CAPS I e II ..................................................
103
Quadro 7 - Entrevista com familiares de usuários dos CAPS I e II ............................ 104
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................9
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO ..........................................................................12
1.1 Apresentação do tema.........................................................................................................12
1.2 Problema.............................................................................................................................14
1.3 Objetivos.............................................................................................................................15
1.3.1 Objetivo geral..................................................................................................................15
1.3.2 Objetivos específicos.......................................................................................................16
1.4 Justificativa.........................................................................................................................16
2 REFERENCIAL TEÓRICO..............................................................................................19
2.1 Organização formal: burocrática e pública.........................................................................19
2.2 Dinâmica organizacional em organizações públicas..........................................................22
2.3 A função gerencial e a liderança.........................................................................................30
2.4 Grupo e trabalho em equipe nas instituições/organizações formais...................................37
3 METODOLOGIA................................................................................................................44
3.1 Classificação da pesquisa ...................................................................................................44
3.2 Descrição da realidade institucional...................................................................................45
3.3 Sujeitos da pesquisa............................................................................................................47
3.4 Coleta de dados...................................................................................................................48
3.5 Análise e interpretação dos dados ......................................................................................49
4 GESTÃO EM CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS..........................50
4.1 Fragmentos históricos da loucura.......................................................................................50
4.2 Dos manicômios aos Centros de Atenção Psicossocial: a imagem no social.....................52
4.3 O Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP........................................................................57
4.4 Um traço da história institucional na gestão da loucura em Ijuí/RS ..................................60
5 DAS PREMISSAS REGULAMENTARES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE À
GESTÃO DOS CAPS DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS ........................................................77
5.1 Constituição e funcionamento dos CAPS...........................................................................78
5.2 A gestão no olhar dos atores sociais...................................................................................85
5.2.1 Considerações sobre a equipe de saúde mental dos CAPS de Ijuí/RS............................89
5.2.2 Uma possibilidade de passagem de grupo para equipe ...................................................94
5.2.3 Da narrativa dos servidores da Unidade Básica à visão dos coordenadores
e dos CAPS...............................................................................................................................98
5.2.4 Da rede de cuidados à rede intersetorial..........................................................................99
CONCLUSÃO.......................................................................................................................106
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................108
9
INTRODUÇÃO
A presente dissertação apresenta as práticas e intervenções no campo da saúde mental
estão atreladas a discursos dominantes, os quais determinam a especificidade da gestão
institucional, assim como a concepção da função gestor, fundamental na dinâmica da equipe
na instituição. A necessidade de abordar este tema provém da relação profissional do
pesquisador como servidor público no Município, no cargo de Psicólogo do CAPS II e como
seu gestor no período 2000/2003.
Apesar de o tema sofrimento humano ser recorrente e interessar ao homem desde a sua
existência/desde sempre, foi necessário delimitá-lo, pois permite vários enfoques.
A partir do momento em que foi criada uma instituição para cuidar dos doentes
mentais, denominada de manicômio, o que remonta à fundação da psiquiatria moderna,
também se instituiu uma forma de gestão, com procedimentos e intervenções que sofreram
influência das descrições constantes nos compêndios da psiquiatria.
O período que interessa à presente análise é a partir de 1980 até a atualidade, mas, para
entender a gestão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), há de se considerar o passado
deste processo.
A questão de investigação se atém à concepção do gestor dos CAPS, vinculada à
proposição do Ministério da Saúde e, ao mesmo tempo, às dificuldades que se encontram
quando a concepção do gestor se contrapõe aos princípios que fundamentam a referida
proposta.
O suporte teórico está em teorias administrativas, sociológicas, da psicológica
humanista existencial e da psicanálise.
10
A investigação empírica tem como objeto os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I
e II) do Município de Ijuí/RS, tendo como sujeitos os atuais coordenadores, o ex-coordenador,
servidores do CAPS, usuários da instituição e familiares, bem como servidores da rede básica.
Partindo do referencial teórico, inicialmente se aborda o fato de as instituições
necessitarem da burocracia. Hoje é impossível pensar a sociedade sem ela, razão pela qual foi
conferida uma discussão sobre a função da burocracia na instituição CAPS, a qual aponta para
a organização do trabalho, assim como para a impessoalidade nas relações na instituição.
Esse diálogo teórico fez o enlace com a dinâmica organizacional e o trabalho em
equipe proposto pelo Ministério da Saúde para compor a proposta em saúde mental. Conduzir
as equipes com base na função gerencial e da liderança, nas teorias administrativas, com os
estilos gerencial sistêmico controlador e sistêmico processual relacional, e trazer a função do
líder na teoria psicanalítica também possibilita visualizar o grupo e o trabalho em equipe nas
organizações/instituições.
Definem-se como níveis que constituem todo e qualquer trabalho: o grupo, a
organização e a instituição
1
. Há, ainda, uma proposição de ser acrescida à equipe como um
quarto nível.
Para falar na gestão em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), foi necessário
abordar a gestão da loucura, com fragmentos de sua história que compõe o processo de
inserção nas instituições que abrigaram os doentes mentais por séculos: os manicômios. Estes
formaram os primeiros recortes da instituição de doentes mentais e de modelo de gestão.
Os Centros de Atenção Psicossocial são modelos diferentes de instituição, com
propósitos diferenciados na gestão, pois em seus fundamentos as subjetividades constituem
paradigma à impessoalidade. Com isso, outra imagem começa a se desenhar para os loucos e
suas instituições.
O hospital São Pedro foi o único endereço dos loucos do Estado do RS e é símbolo das
passagens das políticas de Saúde Mental. Essa instituição manteve relações com todos os
municípios do Estado, incluindo Ijuí, cujo vínculo se deu por meio do Poder Executivo,
representado primeiro pelo Intendente e depois pelo Prefeito. A partir de uma política de
1
Entende-se por organização o conjunto de normas que organiza a instituição e produz efeitos no discurso que
dá o lugar das falas na instituição.
11
saúde da vigilância sanitária dos anos 60, a relação passou a se efetuar pelos médicos
contratados pelo Estado para também tratar e encaminhar pacientes aos hospitais
psiquiátricos. Isso ocorreu durante décadas, até 1998, quando foi fundado o Centro de
Atenção Psicossocial de Ijuí. Com esse novo serviço de atenção à saúde mental, as
internações passam para o Hospital Geral e Hospitais Psiquiátricos, com sensível decréscimo
no número de internações.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são regulamentados pelo Ministério da
Saúde, que prescreve as normas institucionais e o processo de gestão. Para ilustrar esta
prescrição foram efetuadas pesquisas com a equipe de saúde mental dos CAPS de Ijuí. Ainda,
teceram-se articulações entre conceitos de rede de cuidados e rede inter-setorial para dizer que
esta interface auxilia na possibilidade de trabalhar a instituição no seu processo de abertura à
aprendizagem. Na sequência, as entrevistas com gestores, servidores, usuários e familiares
vão apontar os ganhos da proposta dos CAPS, mas também vão mostrar os entraves gerenciais
e subjetivos que se instalam nestes centros.
12
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO
A contextualização do estudo compreende a apresentação do tema, a problematização,
o propósito a que se pretende atender por meio da definição de seus objetivos (geral e
específicos) e a justificativa do estudo.
1.1 Apresentação do tema
O sofrimento humano interessa ao homem desde a Pré-História. Para adentrar ao tema,
serão analisados quatro importantes momentos históricos, sendo os dois primeiros de forma
sucinta e os outros de uma forma mais enfática, por sua importância para o cenário atual.
Assim, pode-se caracterizar: com Hipócrates (384-322 a.C.); com a Idade Média (476-1650);
com Philipe Pinel (século XVIII); e século XX, a partir da década de 80.
A medicina antiga tem em Hipócrates (384-322 a.C.) o seu fundador, o qual diz que as
doenças mentais nada têm de sobrenatural e que o verdadeiro centro da atividade mental é o
cérebro. Os médicos do Império Romano seguiram a tradição da medicina grega ao dizer que
o sofrimento não era demoníaco e chegaram a estabelecer uma nosografia para os alienados.
O segundo momento histórico pode ser considerado a partir da queda do Império
Romano e do surgimento de uma sociedade feudal, marcada pela relação senhor e escravo,
com um sistema de trocas sustentado por essas duas posições, as quais vão estabelecer o
sistema de poder da Idade Média. O clero era o detentor do conhecimento científico da época,
julgava os fenômenos sociais e psíquicos pela inquisição, do exorcismo e para expirar os
males na fogueira.
A monarquia era outra instância do poder, a qual fazia de seus súditos trabalhadores
para a Coroa. Esse sistema perdurou por mais de dez séculos, cerca de 200 anos depois do
Renascimento, deixando marcas profundas no tratamento dos doentes mentais. Quando
Erasmo de Rotterdam, com sua obra O Elogio da Loucura”, entre outras vozes importantes
da época como a de Santa Tereza D´Avila, começou a questionar a forma dos procedimentos
dados aos preceitos da tradição, fez com que o indivíduo começasse a ter visibilidade na cena
social.
13
O terceiro momento histórico da saúde mental tem início com Philipe Pinel, no século
XVIII. Inicia-se a denominada Psiquiatria Moderna, a qual produzira um recorte na condução
dos tratamentos, dando um lugar específico para os loucos: os manicômios. Pinel isolou o
alienado numa instituição especial, mas só ficavam num hospício os loucos considerados
nocivos e perigosos para a sociedade, ali permanecendo enquanto doentes, e assim que se
tivesse certeza de sua cura, eram reinseridos nas suas famílias (BERCHERIE, 1989).
o quarto momento tem início ainda no pós-guerra, na Europa e nos EUA, com um
amplo questionamento sobre a estrutura institucional dos hospitais psiquiátricos. No Brasil, a
inquietação aconteceu na década de 1980 com o Movimento dos Trabalhadores em Saúde
Mental, haja vista que a sociedade brasileira, nessa mesma década, enfrentava a ruptura de
uma política nacional ditatorial. No campo político, a efervescência se estabeleceu pela
redemocratização do país. A passagem da governança militar para a civil criou espaços para
movimentos sociais quebrarem os paradigmas constituídos e fomentar novas formas de
instituir o instituinte.
Respondendo a uma exigência do sistema capitalista da atualidade, defrontava-se
também com a ebulição da globalização, o que implicaria uma regionalização do poder
mundial. As políticas econômicas passaram a influenciar em todos os recantos do país. O
capitalismo contemporâneo está se transformando para adequar-se aos novos tempos. Ao
remodelar-se, cria mecanismos para continuar a expandir e controlar, direta ou indiretamente,
todas as formas de atividades humanas (BRUM, 1999).
Na economia, o Brasil vive um movimento de instabilidade, pois na cada de 80
mergulhava numa profunda crise, com índices inflacionários elevados decorrentes de
estrangulamentos internos e de dificuldades externas. De acordo com Brum (1999, p. 110), “O
maior problema externo estava relacionado com o endividamento junto aos bancos
internacionais, sobretudo os norte-americanos”.
Na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, a terra representava o valor
simbólico de pertença a um determinado ethos
2
que orientava o laço no social até meados dos
anos 80, ou seja, tinha sua organização social e econômica em torno do setor agrícola e sofria
profundamente com as turbulências do mercado nesse período em que as transformações
econômicas marcavam novas formas de reconhecimento social. Com isso, ao invés de a terra
2
A palavra ethos significava para os gregos antigos a morada do homem, isto é, a natureza, uma vez processada
mediante a atividade humana sob a forma de cultura, faz com que a regularidade própria aos fenômenos
naturais seja transposta para a dimensão dos costumes de uma determinada sociedade (LASTÓRIA, 2001).
14
ordenar as referências simbólicas, dá-se passagem à tecnologia e à produtividade como
sustentação à entrada de novos símbolos na cultura.
As novas leis de mercado e os sistemas de troca atravessavam, na década de 80, as
individualidades e produziam outras formas de gestão nas instituições, percebendo-se essas
mudanças particularmente no setor agrícola com a implementação da tecnologia e o aumento
dos índices de produtividade. Essa nova forma de se relacionar com a terra contribuiu para a
quantificação ser tomada como referência de valor. Assim, a variável produtividade/lucro
tornou-se central também na área da saúde mental, pois o modelo hospitalocêntrico primava
pela quantidade de internados para manter a sua estrutura. No senso comum, diríamos:
“quanto mais, melhor”. As instituições operavam nesta lógica, que se instaura através da
economia e da política, com seus efeitos sociais/institucionais.
Com o projeto de Lei da Reforma Psiquiátrica iniciado na década de 1990, surgiram os
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e
também os Centros de Atenção Integrada à Saúde (CAIS). A Lei 10.216, de 06/04/2001,
com o firme propósito de romper com o paradigma de funcionamento dos hospitais
psiquiátricos, fez com que a gestão da “instituição loucura” sofresse deslocamentos, assim
como o sofrimento, que passou a ser contextualizado de maneira diferente, com ênfase em um
estatuto puramente biológico, reduzindo o sofrimento psíquico a uma linguagem química
cerebral produzida a partir de um ideal que apresenta os fármacos como uma ilusão de
felicidade.
Neste contexto, a pesquisa centra-se na gestão dos CAPS e na discussão da função do
seu gestor, como um agente que utiliza dispositivos de inclusão da subjetividade no
tratamento do sofrimento psíquico no serviço público e as influências das subjetividades na
dinâmica gerencial.
1.2 Problema
A partir do momento em que foi criada uma instituição para cuidar dos doentes
mentais, o que remonta à fundação da psiquiatria moderna, também se instituiu uma forma de
gestão com procedimentos e intervenções que sofreram influência das descrições constantes
nos compêndios da psiquiatria.
15
O momento que interessa para a presente análise é a partir de 1980 até a atualidade.
Para entender a gestão dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que se considerar o
passado deste processo.
Até os meados de 1980, a gestão se constituía em uma estrutura hierárquica (vertical)
para a condução do trabalho hospitalar e fora dele, isto quer dizer, o discurso médico era o
único a reger o processo de condução dos propósitos terapêuticos e de instrumentalização do
grupo de funcionários. A partir da década de 1980, no Brasil, com o Movimento dos
Trabalhadores em Saúde Mental, que surge para questionar a estrutura e a condução de
intervenções nos hospitais psiquiátricos, é criado um novo modelo para atender a demanda
crescente de pessoas em sofrimento psíquico. A Constituição de 1988 implantou o Sistema
Único de Saúde (SUS) e sua municipalização. No conjunto da Constituição, a Saúde Mental
garante dispositivos de lei que favorecem a articulação para a construção de um novo modelo
de instituição para cuidar dos doentes mentais.
Com o processo da Lei da Reforma Psiquiátrica implantou-se um modelo de gestão
formado por uma equipe mínima de diversas áreas do conhecimento humano para pensar a
terapêutica, ou seja, outros discursos além do discurso médico começam a participar da vida
institucional e dos procedimentos que conduzem os planos terapêuticos dos usuários.
A descentralização da posição de um discurso único na condução dos casos abre outras
possibilidades de intervenções, as quais vão produzir sintomas que diferem dos que se
instituíram a partir da concepção hospitalocêntricas. Com os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), depois de uma década de trabalho, uma pergunta ecoa: que concepção de gestor se
faz necessária para conduzir a instituição CAPS?
1.3 Objetivos
1.3.1 Objetivo geral
Analisar a concepção de gestor e as influências da subjetividade na dinâmica gerencial
no modelo de gestão proposto aos CAPS.
16
1.3.2 Objetivos específicos
Realizar um estudo sistemático e interdisciplinar que delineia a relação entre as
concepções de sujeito, de organizações e de gestão em saúde mental.
Examinar a trajetória das Políticas de Saúde Mental, especificamente em Ijuí/RS.
Descrever a dinâmica organizacional, seus paradoxos de trabalho em equipe
multidisciplinar e a sua complexidade nos CAPS existentes em Ijuí.
Identificar as concepções de gestor e seus efeitos nos CAPS I e II em Ijuí.
Analisar os traços subjetivos que compõem o estilo de gestor dos CAPS existentes no
Município de Ijuí/RS.
1.4 Justificativa
A pesquisa sobre gestão dos CAPS, sobretudo as concepções de gestor, pretende levar
em consideração o desenvolvimento regional e o deslocamento das formas de intervenção da
saúde mental nos diferentes espaços e épocas.
Nos primeiros tempos, cujo período de referência vai de 1890 a 1960, por cerca de 70
anos, as intervenções no campo da saúde mental eram efetivadas pelas figuras representantes
do poder estatal e municipal – o espaço para os “loucos” era o presídio municipal, quando não
era possível o encaminhamento para o Hospital São Pedro, em Porto Alegre/RS, tido como
referência para os alienados no Estado.
No final da cada de 60, o Hospital São Pedro esgota sua capacidade de internação,
obrigando o Estado, por meio da Vigilância Sanitária, a utilizar novos procedimentos, nos
quais o conhecimento médico determinava as ações, intervenções, conduções e
encaminhamentos daqueles que necessitavam de atendimento das patologias mentais. Assim,
os espaços dos alienados passaram a ser suas residências familiares e os hospitais
psiquiátricos do Estado do Rio Grande do Sul. Esta nova conduta ofereceu escassa
organização no campo da saúde mental, efetivando-se apenas mediante os reagendamentos de
consultas médicas e visitas familiares.
17
Nos anos 80, a especialidade psiquiátrica passa a ser referência em Ijuí/RS. A
demanda de atendimento reprimida e a busca de um especialista na área começam a mostrar o
cenário e a organização por parte do poder público estadual. A crescente procura por
atendimentos nesta área de especialidade médica vai ao encontro das políticas públicas
instituídas pela União.
Os municípios são chamados pela política do Sistema Único da Saúde (SUS) para
prestar os serviços de cuidados aos loucos, isso nos anos 90. Na sequência, surgem os Centros
de Atenção Psicossocial (CAPS), os Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) e os Centros de
Atenção Integrados à Saúde (CAIS) para difundirem um novo paradigma, um novo espaço,
com equipes multidisciplinares para intervir nas ações, intervenções, conduções,
encaminhamento e tratamentos dos doentes mentais.
Após dez anos de inserção destas instituições na cultura, cuja concepção está no
processo de gestão que promoveu a ruptura hegemônica de métodos que orientavam
funcionários e pacientes, ocorre, para as equipes e usuários, a substituição de uma estrutura de
poder verticalizada para uma gestão horizontalizada. Eis a vertente dialética destas duas
posições, pois elas se confundem.
Essa trajetória mostra a relevância do tema a ser pesquisado, porque faz emergir a
hierarquia de uma amarração discursiva única de poder, que vai das autoridades estaduais e
municipais à autoridade do discurso médico nas condutas e procedimentos vinculados ao
destino dos loucos.
Apesar de uma nova concepção de instituição de saúde mental, observa-se que essa
antiga forma aparece sob outra roupagem nas instituições da atualidade, mesclada pelo
discurso da ciência que dá ao sujeito um lugar de auto-regulação, ou seja, o sujeito é encarado
como uma máquina orgânica (MORGAN, 1996), cuja deficiência é suprida pela
medicalização, em detrimento do sujeito da relação. Quando se fala de mudanças propostas
pelos CAPS para promover a cidadania, pode-se pensar: Como elas se estabelecem? Até onde
elas avançam? E por que elas não progridem?
Se por um lado ainda perdura a forma antiga, é no modelo de CAPS que se vai
produzir uma ruptura deste paradigma. Com isso, a pesquisa vai deparar-se com o papel do
gestor como agente de condução da gestão dos CAPS. Isto quer dizer: o Ministério da Saúde,
no que tange à proposta de saúde mental, tem seus princípios norteadores definidos; de outro
18
lado, a gestão dos CAPS está definida a priori, após o declínio do discurso hegemônico
hospitalocêntrico que determinava a ordem na condução da loucura.
Com a reforma psiquiátrica, outro paradigma e uma nova forma de gestão são
estabelecidos para conduzir os trabalhos com os loucos. Esta nova forma rompe com
pressupostos antigos, de fundamental importância para a função do gestor, pois se sabe o
quanto de resistência provoca uma nova concepção.
A razão da escolha do tema decorre do fato de o pesquisador ter participado como o
primeiro profissional da área da psicologia no CAPS II, bem como ter tido a atribuição de
gestor durante o período de 2000/2003 nesta instituição, no Município de Ijuí/RS.
19
2 REFERENCIAL TEÓRICO
O quadro teórico de referência congrega conceitos básicos necessários para o
desenvolvimento da pesquisa sobre a gestão nos CAPS com enfoque nas concepções de gestor
e as influências das subjetividades na dinâmica gerencial. Nesta abordagem, serão utilizadas
concepções de organização formal burocrática e pública, a dinâmica organizacional e o
trabalho em equipe, a função gerencial e liderança, o grupo e o trabalho em equipe nas
organizações e instituições para se articular com os princípios que sustentam os CAPS.
2.1 Organização formal: burocrática e pública
O fato de as instituições necessitarem da burocracia para organizar o fluxo do trabalho
exige que se inicie citando a organização da forma burocrática ligada aos serviços públicos no
imaginário nacional para, posteriormente, fazer-se menção de como Weber concebia a
burocracia e em seguida como ela se estrutura, para daí adentrar na função do Gestor a partir
da burocracia.
A propósito do imaginário social no Brasil existe certa ligação entre serviço público e
burocracia. As primeiras idéias que vêm à mente sobre serviços prestados pela rede pública
são de morosidade, de trabalho emperrado, de excesso de formulários para autenticar a ação.
O que inquietava Weber era como as organizações ultrapassavam o tempo, as gerações
e continuavam seu destino. Ele chamou de burocracia os aspectos essenciais que davam
suporte à continuidade de uma organização. Isso retira a imagem fixa daquilo que se concebe
como burocracia, pois para este autor é o modo como as organizações se perpetuavam no
tempo. Para isto, as organizações possuíam princípios que se vinculam: ênfase da forma,
modelo hierárquico, com cargos estabelecidos, regras e normas bem delimitadas.
A especialização da tarefa e da competência por meio do preparo técnico adequado fez
com que o treinamento adquirisse importância nesse contexto. O quadro administrativo prima
pela qualificação, tanto dos diferentes quanto da homogeneidade do quadro de funcionários.
As regras e as normas entram para garantir e orientar os objetivos a serem alcançados. As
responsabilidades são definidas de forma que cada ocupante de cargo tenha clareza da
20
extensão da sua competência em relação à tarefa que executa. Os relatos, a documentação, as
atividades e tarefas importantes na e da organização devem ser registradas.
A burocracia é, portanto, consequência formal, e seu caráter é impessoal, com
conotação profissional. Essas características o as condições fundamentais para que se
obtenha a previsibilidade e o controle de comportamentos dos membros e usuários de uma
organização. Na sociedade civil, a corporação é a burocracia, enquanto que no Estado “a
burocracia é a corporação” (LAPASSADE, 1989, p. 105). Nesta instância, ela adquire caráter
de lei, com objetivo de unificar a diversidade.
O formalismo da burocracia se expressa no fato de que a autoridade deriva de um
“sistema de normas racionais, escritas e exaustivas, que definem com precisão as relações de
mando e subordinação, distribuindo as atividades a serem executadas de forma sistemática,
tendo em vista os fins visados” (MOTTA; PEREIRA, 1986).
Na visão de Caravantes (1998), a administração é formalmente planejada, organizada,
e sua execução se realiza por documentos escritos. Com isso se definem as características do
caráter formal das burocracias. Assim sendo, o discurso de uma organização é que vai dar o
tom das características burocráticas mais evidenciadas, a racionalização integral da produção
e da dinâmica institucional.
Um termo utilizado na estrutura moderna das organizações, e citado por Gouldner
(apud MENEGASSO, 2001), é o da dimensão, a qual aponta os exageros dos desvios do
modelo burocrático weberiano. A velocidade em escala gigantesca dos fenômenos
burocráticos que invadem o Estado introduz um novo sistema de valores, um controle de cima
para baixo, verticalizado através do sistema que serve de modelo para as relações humanas.
Esse processo retira, em grande parte, o poder de decisão, iniciativa, responsabilidade dos
atos, a comunicação, dificultando a apropriação da aprendizagem e da formação. Robert
Merton (apud CARAVANTES, 1998, p. 50), sociólogo que interpretou os estudos da
burocracia weberiana, determinou esses desvios ou exageros de disfunção da burocracia.
Referindo-se a ela descreveu:
Uma estrutura social formal, racionalmente organizada, implica modelos de
atividades claramente definidos, nos quais idealmente cada série de ações está ligada
funcionalmente aos objetivos da organização. Em tal organização há uma série
integrada de funções, de status hierárquicos, que implica um número de privilégios e
obrigações, definidas por regras limitadas e específicas. Cada uma dessas funções
compreende uma esfera de competência e responsabilidade. A autoridade, o poder
21
de controle, vindo de um regulamento reconhecido, é prerrogativa do cargo e não da
pessoa que ocupa o mesmo. O sistema de relações estabelecido entre diversas
funções implica um grau considerável de formalismo e define claramente a distância
social, separando os indivíduos que ocupam esses cargos. Assim, o tipo ideal de uma
organização formal seria a burocracia, e para melhor compreensão, a análise clássica
da burocracia seria a de Weber. O principal mérito da burocracia é a sua eficiência
técnica. Ela prima por precisão, rapidez, avaliação, continuidade. Marx mostra o
caráter ilusório dessa eficiência, ao conservar a análise hegeliana e referendar que o
verdadeiro espírito da burocracia é a rotina administrativa e o horizonte de uma
esfera limitada (CARAVANTES, 1998, p. 50).
Dessa forma, tem-se um paradoxo entre o ideal de uma organização formal situada na
burocracia e a burocracia nos órgãos públicos. Nota-se, no contexto das instituições públicas,
que as ações ficam travadas nas engrenagens da máquina
3
estatal devido ao “espírito geral da
burocracia é segredo, o mistério guardado em seu seio pela hierarquia, e para o exterior, o seu
caráter de corporação fechada” (LAPASSADE, 1989, p. 106).
A rígida adesão às regras e aos instrumentos traz consequências negativas, tais como
perda das faculdades críticas, timidez e conformismo, conservadorismo, tecnicismo,
incapacidade de adesão, resistência às mudanças, defesa e interesses pessoais, corporativismo
e conflito com o usuário da rede pública de saúde.
Os desvios e exageros das características do modelo ideal de burocracia auxiliam na
redução da precisão do seu funcionamento e, conseqüentemente, a sua eficiência, pois os
seres humanos ficam privados de sua atividade humana. Ao se utilizar do principal mérito da
burocracia, que é sua eficiência na cnica, também a avaliação passa a ser instrumento e não
objeto de trabalho. “A partir desse momento, o laço que liga o indivíduo à sua comunidade e à
terra fica preso numa nova estrutura e passa por uma nova mediação. Por outro lado, o
controle social não é mais apenas assunto que pertence a toda a coletividade: ele passa a ser
exercido por funcionários” (LAPASSADE, 1989, p. 109). Isto contextualiza uma faceta da
organização formal-pública.
Lapassade (1989) entende que o primeiro momento da burocracia é o da passagem da
gestão para o domínio e à exploração, isto é, um momento político, às vezes politiqueiro.
Talvez por isso, no contexto atual e em uma projeção futura, fica impossível conceber o
pensar uma sociedade de massa sem a presença da burocracia. O lugar oficial ocupado pelo
indivíduo na hierarquia das organizações burocráticas confere a ele um poder limitado, que
será tanto mais restrito quanto mais a separação entre preparação e tomada de decisões. A
3
A mecanização assume o comando e as organizações são vistas como máquinas. As organizações planejadas e
operadas como máquinas são burocratizadas devido à maneira mecanicista de pensamento (MORGAN, 1996).
22
complexidade da organização da vida humana, à medida que o processo civilizatório passa
por um refinamento das relações entre os homens e dos contratos necessários para dar
sustentação à espécie, a burocracia continuará sendo o instrumento de adesão dos objetivos
comuns.
Certamente, os deslocamentos dos traços e dos laços que constituem uma determinada
época abrirão espaços para outras formas de organização. Para efeito desta pesquisa, pode-se
afirmar que a função do gestor nas organizações formais públicas não irá prescindir do caráter
burocrático para conduzir a proposta de trabalho com a equipe profissional e usuários. Ao
dimensionar a função da gestão, é importante ressaltar ao gestor as suas limitações, que estará
sempre sujeito a ser redimensionado, que seu objetivo é o bom funcionamento do grupo. Ele
existe porque o poder burocrático é incapaz de cuidar de tudo, pois este reintroduz o elemento
humano num mecanismo tido como totalmente formalizado. Mas, o gestor preenche os vazios
da organização burocrática, ele é simultaneamente sua contradição e sua afirmação.
Contudo, a concepção de gestor é que vai emprestar a esta organização burocrática um
espaço menos alienante e mais humano. A participação da equipe, com seu poder de auto-
determinação, à burocracia um lugar de defesa ao abrupto do humano que aparece nesse
local de trabalho e institucionaliza a legitimidade da equipe na condução menos alienante dos
alienados.
2.2 Dinâmica organizacional em organizações públicas
Para abordar a dinâmica organizacional e o trabalho em equipe, faz-se necessário
perceber a complexidade da proposição idealizada pelo Ministério da Saúde, pois os grupos
de trabalho em saúde mental são formados a partir de concursos públicos e determinados
pelos Gestores (Secretários de Saúde) para atuarem nas unidades que compõem a Secretaria
de Saúde.
Em muitas ocasiões, o profissional não pretende trabalhar em uma unidade de saúde.
Isso faz surgir um impasse na constituição de um trabalho, tornando complexa a estruturação
da interdisciplinariedade, pois é paradoxal idealizar uma equipe e ao mesmo tempo não
proporcionar que o desejo articule o laço de trabalho.
23
Segundo Pichon (2005) e Lapassade (1989), a abordagem sobre a dinâmica
organizacional e o trabalho em equipe passa pelo grupo e seus fenômenos. Os grupos se
organizam por diversas razões, seja por afinidade política, laços familiares, culturais,
profissionais, entre outros. Neste estudo aborda-se o grupo constituído por profissionais dos
Centros de Atenção Psicossocial.
Como se observa, todo grupo se organiza e possui leis de funcionamento no seu
interior, e são estas que determinam a sua finalidade, ou seja, seus objetivos, seu sistema de
participação, as tarefas, a comunicação e a gestão. Em suma, a implementação de um
conjunto deontológico, de uma dinâmica, cujo objetivo é o funcionamento do grupo, do qual
se há de observar a coesão, a criatividade, a comunicação e o comando.
No esquema proposto por Lapassade (figura 1) pode-se observar as forças que
impulsionam os grupos à coesão ou à divergência em torno do objetivo.
FORÇA DE COESÃO GRUPO OBJETIVO
DIVERGÊNCIAS GRUPO OBJETIVO
Figura 1: Forças de coesão e/ou divergência.
Fonte: Lapassade (1989, p. 68).
Um grupo, para manter-se coeso, precisa de visibilidade, pertinência das finalidades,
assim como clareza e aceitação. Isso possibilita o trânsito do objeto de trabalho, as suas
tarefas em comum para participação em toda a organização. Por outro lado, um grupo pode
24
divergir em suas finalidades e com isso desarticular todo o processo de organização do objeto
de trabalho, pois seus membros não adotam os valores, as normas e a finalidade de que se
constitui o objetivo e o objeto de trabalho. Quando o grupo se posiciona pela divergência,
coloca-se um paradoxo no seu interior. Por um lado, rejeição dos membros que divergem,
mas por outro, a divergência traz elementos para questionamentos. Quem tem a clareza do
objeto de trabalho e dos objetivos também possui uma ilusão, a de querer unir o grupo. Ao
não conseguir a união, os divergentes ficam na posição de inimigos do processo que organiza
o trabalho e fortalecem aqueles que aceitam as finalidades dos propósitos instituídos
(LAPASSADE, 1989).
Assim, a convergência dos objetivos ou a divergência dos objetivos se estabelece no
processo de troca no interior do grupo. Aí, há que se dar lugar ao sistema de comunicações, a
circulação das informações, as redes formais (circulares, memorandos, relatórios, notas de
serviços e as redes informais de comunicações, sussurros de corredores, boatos a fatos novos).
Essa complexa teia de comunicação passa pela enunciação. Quem fala a quem? O que se fala?
Fala-se muito ou pouco? Qual a atitude, a empostação da fala? As comunicações são
preferencialmente verbais ou não verbais? Como circula a comunicação? (LAPASSADE,
1989, p. 69).
Facilita a observação do processo de comunicação em grupo, que se estabelece da
seguinte maneira, nem sempre nessa ordem ou de uma única forma, pois a estrutura da
comunicação se flexibiliza ou se imobiliza, conforme o grupo.
25
Comunicação em cadeia
1)
O Processo é verticalizado de cima para baixo, o qual abre poucas possibilidades para
a circulação da palavra.
2) Outra possibilidade de comunicação pode ser estabelecida em forma de estrela.
Esse Processo tem “um” que concede a palavra aos outros.
3) O terceiro modelo de comunicação é em forma de círculo.
Figura 2: Modelos de comunicação.
Fonte: Lapassade (1989, p. 70).
Nesse processo, todos têm possibilidade de falar. As estruturas de comunicações
produzem efeitos no clima do grupo, assim, por exemplo a forma de estrela favorece o
rendimento grupal, mas também pode fazer crescer a frustração e manifestações agressivas. A
comunicação em círculo pode ser evasiva, improdutiva, como pode aglutinar as forças
grupais. Quando o processo acontece em cadeia, a passividade e a falta de iniciativa são a
tônica do grupo.
26
Ainda para perceber as estruturas das organizações e suas formas de comunicação, não
se pode furtar de aludir as teorias administrativas, que passam de forma explícita ou implícita
dos gestores às instituições. Para exemplificar as teorias, parte-se das primeiras que
constituíram os modelos organizacionais e, quando necessário, à pesquisa, faz-se alusões a
outras, pois se acredita que foram essas teorias que fundaram as bases das mais complexas
formas dos processos de gestão.
Para iniciar a primeira fase do pensamento de uma organização, temos que citar a frase
do racionalismo mecânico, período das “teorias clássicas” de Taylor e de Fayol. Tempo e
movimento constituíam a base do controle para alcançar as metas de produção. O trabalho
repetitivo constitui o desenrolar das tarefas. Atualmente ainda 2/3 do trabalho alinha-se a este
modelo. “Estatísticas simples são difíceis de encontrar, mas uma boa estimativa dos trabalhos
modernos, é que pelo menos 2/3 são repetitivos” (SENNET, 2003, p. 50) por um lado aliena e
produz sofrimento aos humanos, mas que por outro lado organiza as “pulsões
4
que põe em
evidência a humanidade.
Diderot (apud SENNET, 2003, p. 37) tentou explicar como o ator ou a atriz explora as
profundezas de um papel repetindo as falas sem parar. E esperava encontrar essa mesma
virtude da repetição no trabalho industrial. “Vamos trabalhar, sem teorizar”, diz Martin em
Cândido de Voltaire. “É a única forma de tornar a vida tolerável”. Embora mais inclinado a
teorizar, Diderot acreditava, como Voltaire, que dominando a rotina e seus ritmos, as pessoas
ao mesmo tempo assumem o controle e se acalmam (SENNET, 2003, p. 38).
Para ilustrar esta narrativa, utiliza-se um exemplo da obra de Dejours (1992), “A
loucura do trabalho”, que cita um caso de sofrimento produzido pelo trabalho e o não trabalho
repetitivo. Um homem de 30 anos é conduzido ao hospital psiquiátrico de uma cidade do
interior. Na noite anterior ele apresentava sinais de agitação e no próprio dia seu estado tinha
agravado: ele mantinha diálogos incoerentes, havia batido com violência no médico.
Movimentos de agressividade alternavam-se com frases de ansiedade, alucinações e vozes
ordenavam certos comportamentos, como andar de quatro e comer flores e plantas verdes. No
hospital, tratado com fortes doses de neurolépticos e de ansiolíticos, seu estado melhora
rapidamente. Mas é então preciso cuidar de seus problemas metabólicos, uma vez que o
paciente sofre de uma diabete insulino-dependente. Levado a Paris por um serviço
4
É o representante psíquico de uma contínua fonte de excitação proveniente do interior do organismo
(CHEMAMA, 1995, p. 178).
27
especializado, sua glicemia é rapidamente controlada, mas seu estado mental dominado pela
ansiedade permanece muito preocupante. A investigação permite o esclarecimento de alguns
elementos recentes, determinantes na aparição do episódio agudo. Este homem ocupava há 10
anos o posto de chefe de armazém numa fábrica.
Contramestre, sua função era de organizar e de controlar o trabalho de uma equipe de
uma dúzia de operários. Entretanto, ele punha “a mão na massa” e, além de suas funções de
vigilância, assumia um trabalho equivalente ao dos operários que ele dirigia. Sua esposa,
gerente de um salão de beleza, insistia, havia vários meses, com seu marido para que ele
abandonasse seu emprego por uma profissão mais “respeitável”. Diante do esforço conjugado
de sua mulher e de seus amigos, o paciente havia finalmente renunciado, a contragosto, a seu
trabalho na fábrica para aceitar um emprego numa companhia de seguros. Lá, seu trabalho
consistia em ler autos policiais de seguro e ver sua conformidade. Muito mal adaptado a este
trabalho sedentário, ele assistia, impotente à acumulação de autos sobre a sua mesa. No fim de
alguns dias de trabalho particularmente esgotantes, ele havia encontrado um meio de gastar
sua energia e de descarregar sua tensão. Jogador de futebol, ele tinha se tornado em algumas
semanas presidente do clube municipal e esta atividade secundária particularmente intensa lhe
proporcionava o relaxamento que não lhe ofereciam suas horas no escritório. Entretanto, nada
mudava, as dificuldades profissionais continuavam. Procurando, numa fuga desenfreada fora
do trabalho, compensar os efeitos nocivos de seu novo emprego, ele deveria logo sucumbir à
fadiga e ao esgotamento. Foi neste momento de hipoglicemia provocada por um esforço físico
não compensado por um suporte alimentar insuficiente que o precipitou na descompensação
psiquiátrica de que falamos. Assim, como é o caso com esse tipo de sujeito, as atividades
psicomotoras, esportivas ou os trabalhos de forte carga física são as únicas defesas
verdadeiramente funcionais para assegurar o equilíbrio. Foi decidido com o paciente e a
família que, deixando o hospital, ele deveria retomar seu antigo posto de chefe de armazém.
Esta simples decisão foi suficiente para acalmar a angústia do paciente e para permitir um
controle rigoroso do metabolismo após a suspensão dos tratamentos psicofarmacológicos.
Esse traço de organizar e se organizar está presente implícita ou explicitamente nos
grupos, organizações e instituições, haja vista que o tempo e a realização da tarefa ocorre de
acordo como a atitude e a postura de cada um, em cada grupo. Isso vem demonstrar o seu
movimento em dois sentidos, um pela sua implicação com o trabalho proposto, o outro, pela
sua agilidade de intervenção e condução do propósito.
28
No campo que ora se propõe a analisar, a produção do trabalho, as metas a serem
alcançadas nem sempre são congruentes com as determinações verticalizadas, como propõe a
reforma clássica da Administração. Isso por que não raro dois campos se interpõem: o da clí-
nica e o da política. Esse impasse produz nos grupos de trabalho um descompasso nas ações.
Com isso, se pode inferir que, quando o racionalismo mecânico faz da máquina administrativa
o único agente sem interlocução com os agentes do processo, a máquina emperra.
De acordo com Morgan (1996), a partir do momento em que a máquina automatizada
entra em cena, novas demandas de organização de trabalho, surgem, em especial na vida das
indústrias. O conhecimento começa a ser introduzido, novas técnicas de produção e de
trabalho são exigidas, o que torna mais complexas as tarefas e a vida institucional. Fayol,
outro representante institucional da teoria clássica da administração, produziu conceitos que
ainda hoje são empregados nas organizações: “Administrar é prever, organizar, coordenar e
controlar” (CARAVANTES, 1998, p. 43). Por sua vez, esta abordagem mostra a performance
anatômica e fisiológica que dá ênfase à estrutura da organização.
De cima para baixo são comandados os agentes dos processos de trabalho.
Planejamento, controle, coordenação são alguns dos temas mais citados nas funções
administrativas, compostas por departamentos (Secretarias). À medida que se complexificam
as organizações, os grupos nas instituições buscam outros aportes conceituais fundamentados
em teorias diversas. Aqui, para fins de auxiliar, situar, grupos, organizações, instituições e
equipes, busca-se também a abordagem burocrática, das relações humana e estruturalista,
como matrizes das articulações do processo trabalho.
A abordagem das relações humanas do psicólogo Elton Mayo exorta os administrado-
res a mostrar interesse pelos empregados, e adaptar práticas psiquiátricas de consultoria ao
local de trabalho. Contudo, os psicólogos como Mayo eram lúdicos. Sabiam que podiam
temperar as dores do tédio, mas não as abolir na janela de ferro de tempo (SENNET, 2003, p.
46). É momento da emergência da psicologia industrial no campo das teorias administrativas.
Um campo do conhecimento, o da psicologia industrial, na sequência organizacional e
trabalho, tem suas raízes neste período, com efeitos diversos. Na grande maioria das vezes,
solicitado para diluir o tédio através do lúdico, o que põe questão, mas não é o propósito da
pesquisa. O incentivo econômico não é a única força motivadora a que o trabalhador
responde, sua produção é fortemente influenciada tanto por suas relações com os outros
agentes de trabalho quanto por seus problemas pessoais, tanto dentro quanto fora da fábrica.
29
O trabalhador não se compara como um ser isolado, mas sim como um membro do
grupo. Tais inter-relações criam aquilo que se denomina de organização informal. A
especialização funcional não cria necessariamente a organização mais eficiente. “Tanto que a
rotação de cargos, em que o indivíduo alterna tarefas a serem executadas, contribui para seu
melhor desempenho” (CARAVANTES, 1998, p. 56).
Esses pressupostos apontam para uma quebra de paradigma na relação
produção/relação humana, e seus efeitos na subjetividade, ainda que timidamente, começam a
ser visualizados no contexto do trabalho. Destarte, o estruturalismo, ao introduzir uma lógica
que leva em consideração o indivíduo e também a organização, lugar à integração dos
fenômenos que ocorrem, propiciando análise das organizações, dos desempenhos. Novos
temas que passavam despercebidos surgem assim como conflito, alienação, poder que será
analisado no decorrer da pesquisa.
A análise é do discurso e põe a organização como um ente em processo constante de
suas atribuições tanto internamente com seu grupo de agentes como externamente por seu
lugar no contexto social. Dessa forma, a “subjetividade é o centro previamente constituído da
experiência de cultura e história, e como tal fornece o fundamento básico das ciências sociais
ou humanas” (GIDDENS, 1989, p. 1).
Para Giddens (1989, p. 2) essa “abordagem muito parcimoniosamente pode apoiar-
se na filosofia analítica da ação” como é vista por autores contemporâneos. A ação não é uma
sucessão de “atos”, os “atos” são constituídos de experiências de vida na forma de discurso.
Nessa perspectiva, faz-se necessária a estruturação para inscrever a nova ação,
ressaltando Giddens (1989, p. 2) quando diz que a “estrutura tem primazia sobre a ação e suas
qualidades restritivas são fortemente acentuadas”. Essa conceitualização é que trata dos laços
entre as estruturas sociais e a ação. A idéia da estruturação visa a “habilitar o analista das
práticas sociais a apreender as estruturas sob o ângulo do movimento, de sua historicidade,
levando em conta a maneira como elas constituem-se em um momento e em local específico”
(DAVEL; VERGARA, 2007, p. 225).
Duas teses fundamentam a teoria da estruturação: a da qualidade estrutural e da
competência do agente. A primeira possui uma visão circular de construção da realidade
social, fazendo com que a ação tome as dimensões estruturantes e estruturadas no momento
da efetivação do propósito a ser atingido. A segunda é a da competência do agente. Essa
30
competência social exprime-se nas “falas, pelo viés da consciência prática. Além do controle
reflexivo que cada indivíduo exerce nos percursos da ação, a estruturação do social é limitada
pelas motivações inconscientes dos agentes e pelas conseqüências não intencionais e não
reconhecidas da ação” (DAVEL; VERGARA, 2007, p. 226).
Observa-se que, com o enfoque que os autores dão à teoria da estruturação, o
indivíduo é capaz de aprender e mudar a partir da ação, pois entende que a capacidade
reflexiva está enraizada no desencadear de um processo cognitivo, o qual emerge
racionalmente (explícito) quando os espaços privilegiam a experiência humana, as relações
com terceiros, em suas múltiplas intenções cotidianas nas quais as formações inconscientes
(implícito) se presenciam nos laços que se constituem.
2.3 A função gerencial e a liderança
As funções gerencial e de liderança nos aspectos tradicionais e contemporâneos devem
ser considerados. No primeiro, a função gerencial decorre de uma visão ordenada e tradicional
na qual o dirigente é um decisor racional, um planejador sistemático e um coordenador e
supervisor eficiente das atividades organizacionais (MOTTA, 1991). Hoje essa visão é
contrária. “Sua atenção é constantemente desviada por chamados diversos, o que fragmenta
sua ação e torna intermitente o seu envolvimento no processo decisório organizacional”
(MOTTA, 1991, p. 20).
na arte de liderar, o vício excessivamente técnico, restrito a uma área ou profissão,
pode trazer prejuízo à função gerencial. O autor usa a metáfora de um túnel para explicar a
visão essencialmente técnica: “vê-se a luz ou ambiente ao final, porém restrita à dimensão do
diâmetro desse túnel. Na profissão, vê-se somente um caminho obscurecido pela
impenetrabilidade dos raios de outros conhecimentos” (MOTTA, 1991, p. 27).
O mesmo autor comenta que o mundo moderno exige dos dirigentes capacidade de
negociação entre os interesses e as demandas múltiplas e de integração de fatores
organizacionais cada vez mais ambíguos e diversos. Essa capacidade gerencial só se consegue
pelo aprendizado, “o mais importante que ocorre é que não somente podem se esclarecer e
corrigir problemas e situações, mas sim que gradualmente tem lugar uma meta-aprendizagem
que consiste em que os implicados na tarefa apreendem a observar e refletir sobre os
acontecimentos e a encontrar seu sentido, seus efeitos e integrações”, não se trata de um
31
processo educacional para formar um profissional, mas para abrir novos caminhos e valores
(BLEGER, 1984, p. 47).
Para observar os efeitos da função gerencial e de liderança no comportamento das
equipes, as quais possuem valores e traçam caminhos, será utilizado o modelo de gestão que
enfatiza “duas formas alternativas de caracterizar discursivamente as atividades organizacio-
nais e gerenciais: uma forma sistêmico-controladora e outra processual-relacional”
(WATSON, 2005, p. 14). Utiliza-se o Quadro 1 para dar maior visibilidade às formas
sistêmico-controladora e processual-relacional de caracterização de indivíduos e
organizações.
Quadro 1: Caracterização de indivíduos e organizações
Fonte: Watson (2005, p. 14).
32
Os padrões de relacionamento decorrem dos estilos de gestão e da estrutura de poder
existentes nas instituições. O foco do modelo gerencial no discurso de boa parte dos
administradores públicos é voltado, além destas duas lógicas, para a gestão de resultados, o
que não acontece com fluidez porque a “máquina” emperra, isto é, o sistema burocrático se
atravessa (MORGAN, 1996).
O discurso da gestão de resultados, que por ora será chamado de dominante, está em
evidência frente às mudanças em curso para adaptar a organização a uma dinâmica mais
flexível, o que é paradoxal, porque a linha de pensamento é inovadora, mas a ação continua
conservadora. Para ilustrar, reporta-se ao pensamento de Hegel
Hegel (1941) tratou em profundidade das contradições lógicas e perspectivas. Para o
filósofo, a lógica baseia-se na dialética tese-antítese e síntese, que é a única maneira
pela qual podemos alcançar a realidade e a verdade como movimento interno da
contradição. Hegel afirma que a realidade é o fluxo eterno dos contraditórios. Assim,
termos paradoxais não são dois positivos excludentes, mas dois predicados
contraditórios do mesmo sujeito e só existem negando-se um ao outro (Sabelis,
1996). Dessa forma, o paradoxo se expressa pela proposição “A e não-A”, em uma
impossibilidade lógica de se atribuir ao mesmo objeto, ao mesmo tempo, duas
qualidades opostas e mutuamente excludentes (POOLE; VAN DE VEM, 1989 apud
VASCONCELOS; VASCONCELOS, 2004, p. 4).
A exemplo disso, “o modelo de gestão por e para resultados fundamenta-se no
programa para a excelência que focaliza quatro variáveis básicas de todas as instituições:
filosofia, resultado desejado, pessoas e processo” (MENEGASSO, 2001, p. 74). A excelência
nos resultados está relacionada com o investimento nas pessoas, mais um paradoxo entre o
discurso e a prática, haja vista os fracos investimentos em qualificação no setor público.
Para que aconteça um processo de mudança em uma organização, a instituição precisa
contar com um grupo dirigente estratégico, que deseje levar a efeito as mudanças, uma vez
que a cúpula é a responsável pelo processo de sustentabilidade da instituição e a garantia do
desenvolvimento da ação proposta (PICHON-RIVIÈRI, 2005). Para isto, um projeto de
mudança precisa ter claros seus objetivos, conhecimento destes e atores socializados
(dirigentes, equipe, usuários) com a nova filosofia e o novo estilo de gestão.
Assim, neste momento, pensar no líder e sua função para o suporte do grupo é
pertinente para o propósito do estudo. Le Bon (apud FREUD, 1969) traz considerações sobre
o líder de grupos, dizendo que, quando seres vivos se reúnem em um número, sejam eles um
rebanho de animais ou um conjunto de seres humanos, se colocam instintivamente sob
33
influência de um chefe. Um grupo é um “rebanho obediente, que nunca poderia viver sem um
senhor. Possui tal anseio de obediência, que se submete instintivamente a qualquer um que se
indique a si próprio como chefe” (FREUD, 1969, p. 105). Assim, as necessidades de um
grupo o conduzem ao encontro de um líder. Este deve ajustar-se às características e
qualidades pessoais daquele.
O líder deve ser fascinado por uma intensa (numa idéia) a fim de despertá-la no
grupo, que não tem vontade própria e que possa ser contagiado pela idéia dele (líder). Em
geral, acredita-se que os líderes se fazem notados pelas idéias em que eles acreditam
fanaticamente. Além disso, por atribuírem às idéias e aos líderes um poder misterioso e
irresistível, a que chamam de “prestígio”. O prestígio é uma espécie de domínio exercido
sobre o ser humano por outro, um trabalho ou uma idéia. Tem a força de paralisar nteiramente
a faculdade crítica. Enche o indivíduo de admiração, desperta um sentimento com
“fascinação” na hipnose.
Importante distinguir prestígio adquirido ou artificial de prestígio pessoal. O primeiro
vincula-se ao nome, fortuna e reputação; o segundo liga-se a pessoas que se tornaram líderes,
e com esse prestígio fazem com que todos sejam guiados como por uma força de alguma
magia. Nesse caso, o prestígio se conquista pelo sucesso e se perde no fracasso.
Dessa forma, o importante é visualizar dois tipos de liderança: o transacional e o
transformacional. A liderança transformacional, segundo Vasconcelos e Vasconcelos (2004,
p. 14), “por ser mais um conjunto de premissas, teorias e idéias dispersas e inter-relacionadas
por meio de temas específicos do que um modelo prescritivo, estruturado em torno de regras
específicas.” Já a liderança transacional, ainda segundo os autores citados, caracteriza-se pela
troca não duradoura entre o líder e o liderado, que pode ser política, psicológica ou
econômica. O indivíduo aceita seguir um líder, o seguidor aceita as ordens do líder por uma
questão de poder formal, o que implica benefícios de caráter extrínseco. Por outro lado, na
liderança do tipo transformacional ou administração dos sentidos, o líder caracteriza-se pela
articulação da experiência e dos sentidos compartilhados pelo grupo para viabilizar
determinadas ações.
Sabe-se que nas instituições todo processo de mudança produz resistências, e para
pensar o medo do novo a ser instituído, toma-se emprestado de Pichon-Rivière (2005) o
esquema do cone invertido, para permitir a circulação da palavra.
34
Figura 3: Cone invertido.
Fonte: Pichon-Rivière (2005, p. 279).
Nesse esquema, o que aparece primeiro é “o explícito; o implícito, em contrapartida é
o que corresponderia à zona do inconsciente. Mas é partindo do explícito e por uma espiral
constante que se pode chegar ao implícito, analisando-se que elementos atuam e como podem
romper a estrutura rígida da situação para poder chegar à situação de progresso e uma nova
formulação” (PICHON-RIVIÈRE, 2005, p. 279).
Em um órgão público, mais precisamente nos serviços de saúde, é preciso investir na
mudança de estrutura assistencial e gerencial; é
preciso criar novas formas de organização, capazes de produzir outra cultura e de
lidar com a singularidade dos sujeitos. Nessa esteira, considerar a competência
humana do chefe, baliza a concepção de gestão que por um lado mostra o poder
baseado na personalidade do chefe. Determinadas qualidades excepcionais,
determinados atributos, que somente poucas pessoas têm, conferem-lhe a capacidade
de obrigar o outro a realizar certos atos ou a abster-se deles (BRASIL.
MINISTÉRIO DA SAÚDE. NÚCLEO TÉNICO DA POLÍTICA NACIONAL DE
HUMANIZAÇÃO, 2004, p. 26).
Assim, a relação entre as aptidões do chefe, as características de sua personalidade,
seu comportamento e as “dimensões” da pessoa e do grupo por ela dirigido devem ser levados
em consideração. Por outro lado, o poder é vivido como uma relação. Essa relação ocorre
numa situação que se encaixa em determinada estrutura que tem a predisposição de co-gestão
entre o gestor e a equipe. Assim a relação do chefe passa pela identificação.
O poder, na experiência primitiva, é apreendido, ao mesmo tempo, “como recusa e
como referência” (ENRIQUEZ, 2007, p. 27): a identificação com a pessoa do mesmo sexo, no
35
final do complexo de Édipo, é a marca da referência a essa pessoa. O filho internaliza os
valores parentais, o que lhe possibilita se definir como homem ou como mulher. O caminho
da socialização passa necessariamente pela identificação.
Na experiência do dia-a-dia, a identificação se faz constante. Identificação do aluno
com o mestre, de um membro da empresa com a própria empresa, por exemplo, são sinais de
forte fascinação. A esse respeito, é preciso observar que, nos textos de psicologia social e de
sociologia, a identificação, que se dá baseada no amor ou no medo, se embaraçam
(ENRIQUEZ, 2007, p. 27).
O termo identificação, no sentido que a ele é conferido pela psicanálise, equivale a
estabelecer um laço de referência com o pai, fato que atribui ao sujeito, por sua vez, a
capacidade de ser pai. A referência supõe um ato livre. Por outro lado, a identificação por
medo ou por conformismo parece marcar uma identificação falha: com efeito, o ser não
encontrou sua própria identidade. Ele permanece dependente do outro e se asfixia num
comportamento estandarizado. Não se trata, então, de uma identificação, mas de uma fusão,
de um rebaixamento na relação.
O processo de fusão pode ser provocado pelo medo das punições ou pelo desejo de
recompensa, e opera na pulsão amorosa. Quando um “indivíduo sente-se possuído por outro,
quando suas ões são totalmente moldadas nas do outro, é por que ele sente por esta pessoa
um amor total (que pode se transformar em ódio total) e se abandona completamente a ela.
Nesse caso não de pode mais falar em identificação. Trata-se de um decaimento, de uma
perda da individualidade” (ENRIQUEZ, 2007, p. 28).
Dessa forma, o poder é reconhecido como sagrado, provoca respeito, e o amor é
apreendido como sagrado. Tal espécie de amor-fusão é possível no caso de um poder
carismático, tal como foi definido por Weber: “A legitimidade do poder carismático baseia-se,
assim, na crença em poderes mágicos, na crença na revelação, na crença nos heróis; sua fonte
é a ‘confirmação’ da qualidade carismática através dos milagres, vitórias e outros sucessos
tais como a prosperidade dos governados” (ENRIQUEZ, 2007, p. 29).
Se por outro lado, não se confirmar a crença, ela se extinguirá, deixando seu lugar ao
ódio. Com efeito, o que caracteriza esse amor é que ele é profundamente repressivo. As
tendências à autonomia, à realização de si desaparecem. O que aparece são sujeitos
dependentes do mestre e tentam se tornar semelhantes a ele, com “medo da liberdade”, este
36
indivíduo precisa de um suporte mágico, de um poder exterior a si. Esse poder é coercitivo:
ele impõe determinados atos, determinados pensamentos, proíbe outras ações. Afinal ele
“sabe tudo, ele pensa por nós todos. Em troca, ele permite que sejamos fortes contra os outros.
Mas, quando a submissão ao chefe deixa levar à submissão dos outros, à crença na
superioridade dos discípulos, o movimento se inverte e queima-se o que era adorado. É o
assassinato do pai; é a transgressão, é a negação do poder enquanto castrador. A negação do
poder traz ao chefe uma questão: a legitimidade” (ENRIQUEZ, 2007).
Pode-se inferir dessa análise que todo poder busca ser legítimo, umavez que não
nascer com tal prerrogativa e pretende adquirir adesão unânime, a qual o legitima e confere a
ele duração. Um poder fundado na força só pode ser banido por outra força; um poder
constituído no amor pode ser fulminado pelo surgimento de outro objeto de amor. Revela-se
assim outro caráter da legitimidade: a recusa histórica das relações humanas da possibilidade
de se criar um mundo sem conflitos.
A legitimidade é sempre pontual, reflexo do poder de um grupo sobre outros. Os
critérios de legitimidade demonstram isso claramente (ENRIQUEZ, 2007). Conforme os
casos, invocar-se-ão a idade, a casta ou a categoria social, a raça, a graça divina, o nível de
inteligência, o sexo, os laços de sangue, a competência, a estrutura social, a vontade coletiva,
os valores, a adesão do grupo, a eficácia, cada um no lugar de poder.
A partir do momento em que os valores parecem estar internalizados pelas equipes,
eles se tornam legítimos e passam a ter em mãos um poder racionalmente constituído. O
poder que busca ser legitimado quase sempre tem por base o consentimento: por
internalização, por medo ou por amor: Quando o poder é fundado na internalização, na
aceitação das regras estabelecidas, ele então se torna legítimo e como tal é reconhecido. Ele
define os direitos e as obrigações, cria um mundo ordenado que tende a durar. E essa criação é
possível à medida que atende a uma dupla necessidade:
necessidade que os indivíduos têm de viver em estruturas estáveis, a fim de prever os
comportamentos dos outros atores e de orientar sua própria conduta, em relação a eles;
necessidade de tornar as ações eficazes, conhecendo as fronteiras da ação e suas
modalidades de realização (ENRIQUEZ, 2007, p. 31).
Em um CAPS isso se atualiza na dinâmica de trabalho da equipe e no real do trabalho
com os usuários e familiares.
37
2.4 Grupo e trabalho em equipe nas instituições/organizações formais
A existência de um “grupo”, de uma “organização social” é sempre determinada por
uma instituição. “Existe assim uma relação de interdependência entre os conceitos de grupo,
de organização e de instituição” (LAPASSADE, 1989, p. 14).
Segundo o autor, o sistema social se utiliza destes três níveis: grupo, organização e
instituição na linguagem do cotidiano para situar sob o ponto de vista tópicos as narrativas
que se estabelecem entre estas instâncias. O primeiro nível é o do grupo. Neste nível se
constitui a base (oficina, escritório, classes) assim como os fenômenos de grupo. Neste nível
do sistema social, existe a instituição: horários, ritmos, normas de trabalho, sistema de
controle e estatutos.
As instituições regem a base da sociedade, fazendo emergir o humano e o desumano
nas relações de produção, de domínio, de exploração. O poder do discurso dominante, do
Estado, está presente no chão da fábrica, na oficina, na sala de aula, no escritório, nas
repartições públicas. Os efeitos dos fenômenos grupais se fazem sentir na afetividade, na
sexualidade, nos contrastes geracionais, nas novas formas de configurações de laços de
família e no sistema de trocas, constituindo a base do sistema.
O segundo nível é o da organização, da representação como unidade total: fábrica,
universidade, Poder Judiciário, reino da organização burocrática. Neste vel, apresentam-se
as formas jurídicas, assim como a propriedade privada e os meios de produção.
O terceiro nível é o da instituição: “para Durkheim e para os sociólogos que o
seguiram, as instituições definem tudo o que está ‘estabelecido’, quer dizer, em outras
palavras, o conjunto que está ‘instituído’” (LAPASSADE, 1989, p. 15). O terceiro nível, na
verdade, é o Estado, que faz a lei.
A base do sistema é instituída pelos dirigentes, e somente em situações de crise de um
modelo institucional é que se suspende a repressão da cúpula sobre a base. Nesses momentos,
liberta-se a palavra social; torna-se possível a criatividade coletiva, as instituições se
reinventam e não são inicialmente marcadas pelo discurso dominante do Estado. Isso
aconteceu na década de 1980, com os movimentos sociais e, no campo da saúde mental, os
grandes questionamentos à ordem estabelecida.
38
Nesses três veis, observa-se um esquema anatômico e dinâmico dos grupos,
organizações e instituições, o qual produz a seriedade da velha ética de trabalho que impunha
pesados fardos ao Eu trabalhador. As pessoas tentam provar seu próprio valor pelo trabalho.
Aqui se sugere um quarto nível, o da equipe, a qual enaltece a sensibilidade nos outros
e exige aptidões, como ser bom ouvinte e cooperativo. Acima de tudo, o trabalho em equipe
realça a adaptabilidade às circunstâncias. É a ética de trabalho que serve a uma economia
política do flexível. Na atualidade, fala-se em equipe como sendo algo instituído e estruturado
naturalmente. No entanto, indicar profissionais de diferentes áreas para trabalhar em uma
instituição não constitui um ato de formação de uma equipe. A formação de uma equipe não
se de forma natural, ela se constrói a partir da concepção que organiza uma instituição e
com muito trabalho.
Apesar de todo o empenho psicológico da administração moderna sobre o trabalho em
equipe, é o ethos de trabalho que permanece na superfície da experiência. “O trabalho de
equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante” (SENNET, 2003, p. 118). A posi-
ção narcísica das equipes constitui resistências às mudanças. A equipe posiciona-se dialetica-
mente: de um lado, querendo que a organização do trabalho ordene a ação e, por outro, os
fenômenos de grupo promovendo resistências ao processo que conduz as ações do trabalho.
Para trabalhar com a perspectiva de mudança, faz-se necessária “a constatação
sistemática e reiterada de certos fenômenos grupais, que permitem construir uma escala de
avaliação básica através da classificação de comportamento grupal” (PICHON-RIVIÈRE,
2005, p. 268).
Figura 4: Esquema do cone invertido.
Fonte: Pichon-Rivière (2005, p. 268).
39
O esquema do cone invertido é constituído por vários vetores na base dos quais se
fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise interrelacionada desses
vetores, chega-se a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza. A eleição do desenho do cone
invertido se deve a que em sua parte superior estariam os conteúdos manifestos e, em sua
parte inferior, as fantasias latentes grupais. Pichon-Rivière (2005) propõe que o movimento de
espiral é que vai fazer explícito o que é implícito, atuar ante os medos básicos subjacentes,
permitindo enfrentar o temor à mudança.
Um conjunto de pessoas que se unem por objetivos diversos constitui um grupo, mas a
diferença dos grupos se pelo objetivo comum que os faz funcionar. Exemplos: família,
atividade profissional, cultural, oficina. O “grupo é ainda passagem dialética da quantidade à
qualidade”. Nessa perspectiva, é preciso haver deslizamento do modelo mecanicista para uma
lógica do incompleto, da ação que precisa sempre ser recomeçada. O grupo, a organização,
será uma totalização em processo, jamais realizada. Com isso o grupo se movimenta nesse
espaço aberto para a palavra que faz ato. O grupo, com efeito, define-se não um ser, mas um
ato. “Um grupo é verdadeiramente tal se for fundado, de maneira permanente, ao mesmo
tempo na autogestão, ou na autodeterminação, e na autocrítica, ou na auto-análise”
(LAPASSADE, 1989, p. 229).
Esses traços no grupo são os que marcam a passagem para a constituição da equipe, o
que demonstra a diferença entre grupo e equipe. No dizer de Robbins (2004, p. 106-107,
grifos do autor),
Grupos e equipes não são a mesma coisa. [...] vamos definir e esclarecer as
diferenças entre grupo de trabalho e equipe de trabalho. [...] definimos grupo como
dois ou mais indivíduos, em interação e interdependência, que se juntam para atingir
objetivos específicos. Um grupo de trabalho interage basicamente para
compartilhar informações e tomar decisões para ajudar cada membro com seu
desempenho em sua área de responsabilidade.
Os grupos de trabalho não têm a necessidade nem a oportunidade de se engajar em
um trabalho coletivo que requeira esforço conjunto. Portanto, seu desempenho
consiste apenas no somatório das contribuições individuais dos membros que os
compõem. Não existe uma sinergia positiva capaz de criar um nível geral de
desempenho maior do que a soma das entradas.
Uma equipe de trabalho gera uma sinergia positiva por meio do esforço
coordenado. Os esforços individuais resultam em um nível de desempenho maior do
que soma das entradas individuais. [...].
40
Figura 5: Comparação entre grupos e equipes de trabalho.
Fonte: Robbins (2004, p. 107).
O trabalho em equipe é abordado de um modo mais efetivo, mundialmente, a partir da
década de 70, com repercussão no Brasil nos fins dos anos 80, pois o padrão de acumulação
de capital sustentado por produtos de bens duráveis entra em crise, há perda do poder
aquisitivo, entrada de novos países produtores, a formação de blocos regionais fomentou a
busca de novos modelos de organização. Isso vem colaborar para o declínio da “organização
científica do trabalho”, como técnica de dominação do capital sobre o processo de trabalho.
A resistência dos trabalhadores ao trabalho parcelado e repetitivo e a depreciação da
força de trabalho contribuíram para o surgimento do trabalho em equipe. Neste contexto de
mudanças, as instituições de toda ordem começam a reestruturar as relações de trabalho, e o
que constituía um grupo de trabalhadores passa a ser uma equipe, um time. Essa maneira de
narrar os laços constitutivos de trabalho produz um ethos.
O fato de pessoas estarem juntas fazendo algo não significa que se constitui uma
atividade ou a ética de equipe. A formação das equipes não se de forma automática; é
preciso construir esse trabalho (FIGUEIREDO, 1997, p. 2).
Há equipes de diferentes tipos que se organizam em determinados setores com funções
diversas. Para ilustrar, De Masi (2003, p. 376) ressalta a história do primeiro grupo de físicos,
na Itália, a trabalharem como um time. Dirigido por Enrico Fermi contribuiu não somente
para a ciência, “mas também à experimentação avant lettre das formas organizacionais pós-
industriais”. A história desse grupo é a de uma “progressiva transformação de indivíduos
41
estudiosos em um único time tão compacto a ponto de redigir e assinar os artigos
coletivamente, após tê-los enviado, na forma de pré-impressão, a uns 40 físicos no mundo
inteiro”.
O que caracterizava esses trabalhos dos físicos era a interdisciplinaridade, a autoridade
do líder e as decisões tomadas pelo colegiado. No campo da saúde mental, a equipe torna-se
responsável pela atenção integral do doente, cuidando de todos os aspectos de sua saúde,
através dos planos terapêuticos. Nesse sentido, cada trabalhador de um CAPS faz dos
diferentes profissionais pares de trabalho, o que possibilita uma valorização profissional e, ao
mesmo tempo, a efetividade das ações. Numa linguagem de gestão administrativa, fica
atrelada a resultados, à produção de procedimentos. A concepção de gestor é que vai conduzir
a equipe a trabalhar integrada e não somente ligada ao status ou prestígio de determinadas
profissões.
Ao serem analisadas as equipes seguem duas posições para o propósito deste estudo.
São elas hierárquicas e igualitárias. Essas categorias são analisadas por Figueiredo (2005, p.
3): a equipe hierárquica preserva, como o nome diz, a hierarquia das profissões,
distribuição mais verticalizada do poder da intervenção. Logo, nas instituições médicas,
normalmente prevalece a autoridade do médico seguida da do enfermeiro ou do psicólogo,
mas pode variar. O efeito disso é que a primeira e a última palavra estarão dadas de antemão
seja pelo olhar do médico ou pela especialidade que, em determinada situação, se autorize.
Este é o reino das especialidades no qual a autorização tende a ser mais restrita e as outras
opiniões devem contar o menos possível, pois, caso contrário, a hierarquia estaria ameaçada
em sua base.
Ou seja, quanto mais hierárquica for a organização da equipe, mais hierarquia ela
produzirá. Esse modelo pode ser mais impregnante nos hospitais gerais ou nos hospitais
psiquiátricos e ambulatórios, mas está presente, ainda que de forma velada, no interior das
equipes dos CAPS’s, podendo predominar em diferentes situações, principalmente em relação
ao trabalho dos médicos. Nesse caso, a questão da autorização se confunde com a de uma
autoridade vertical, inquestionável. A equipe igualitária se apresenta no extremo oposto, onde
as especialidades sofrem uma implosão, devendo todos os participantes ter a palavra seja em
que momento for. A hierarquia lugar a uma autorização difusa e sempre questionável de
um profissional para outro.
42
Ao contrário da anterior, as discussões são infindáveis e a cada argumento novo, surge
uma nova situação ou uma nova dúvida. Tudo pode ser discutido, e o que prevalece é o
conforto de ‘igualdades’, no qual cada diferença pode ser tomada como desavença ou ameaça
ao equilíbrio harmonioso do todo no qual se sustenta a equipe. Aqui, a equipe se sustenta na
lógica do ‘todo’. O igualitarismo corre o risco permanente de desconsiderar a especificidade
de certas ações no trabalho clínico em nome de abolir especialidades profissionais ou de
confrontá-las (FIGUEIREDO, 2005).
Os estudos psicossociológicos dos últimos vinte anos trouxeram à tona uma nova
forma de poder: a realização das funções que permitem ao grupo atingir os objetivos
planejados. A legitimidade do poder individual é oriunda de sua capacidade de propor
objetivos da equipe, de sua adaptação às necessidades variáveis de seu grupo, de sua
influência sobre a velocidade de progressão de sua equipe, da autenticidade de suas
comunicações para facilitar a coesão consciente entre os membros da organização.
O poder está, portanto, ligado à contribuição trazida ao desenvolvimento e à coesão do
grupo. Na própria medida em que todos os membros intervêm ativamente no funcionamento
do grupo, todos eles são investidos de determinado poder. Essa distribuição do poder não
impede a atribuição das responsabilidades definidas e a diferenciação do status. No entanto, as
responsabilidades subordinadas a uma forma de organização que favoreça clara ligação entre
os objetivos gerais da comunidade e as razões pessoais de cada um organizam o grupo.
A repartição do poder concretiza-se pela participação de todos nas decisões (decisões
coletivas, direção colegiada) ou então pela delegação às diferentes equipes da possibilidade de
elas mesmas fixarem seus objetivos de trabalho, escolherem os meios e os métodos, definirem
os instrumentos e os critérios de avaliação do resultado de suas ações.
A autonomia das equipes é uma condição importante para, além de gerir suas próprias
atividades, aproximar a organização da democracia. Democracia, que é política no sentido
mais preciso da palavra, favorecer e aperfeiçoar o processo de participação de todos os atores
de uma organização, sem estabelecer poder diferenciado. Assim, muitas vezes, decisões
importantes podem partir de indivíduos de níveis inferiores.
Na prática democrática, os aportes de informação, as decisões coletivas associadas ao
entendimento de que em cada indivíduo um duplo desejo: a realização pessoal e
participação na vida coletiva viabilizam o trabalho da equipe e a ele dão sentido.
43
Em uma equipe, mesmo antes que estejam seus integrantes prontos a se confrontar, a
admitir a existência de desacordos seguidos até mesmo de conflitos, a se aceitar mutuamente
como seres humanos e não como objetos manipuláveis, a se comunicar, sabendo que a
comunicação sem falhas não existe, o poder pode ser continuamente redimensionado. A
distância psicológica entre os membros das equipes pode ser reduzida, e o detentor do poder é
a própria equipe. O gestor designado é simplesmente aquele que tem melhores capacidades de
levar o grupo a alcançar os fins coletivos. Caso seja necessário, outro indivíduo será
encarregado por seus mandantes a tomar a direção da equipe. De qualquer forma, seu poder é
limitado e se pretende limitado; ele é partilhado na equipe.
Desta maneira, o poder pode ser exercido por ser legítimo e porque sua legitimidade é
fundada no desejo que a equipe tem de alcançar determinados fins. O poder, tal como
imaginado nessa concepção, é partilhado, discutido, limitado, um poder continuamente
redimensionado, conforme as trocas entre os membros da equipe. A relação que ele implica
entre as pessoas é marcada pelas diferenças. O desnível na concepção das tarefas de trabalho é
ínfimo.
Trata-se, pois, de uma relação fraterna, na qual se expressa o laço positivo de
alteridade entre os participantes. As transgressões já não têm mais razão de ser, não mais
características totalitárias. Vemos que aqui se desvela uma forma de poder totalmente
singular, que nega todas as formas anteriores. Ela se torna possível, desde que se quebre a
dialética: fraternidade-destruição do outro, ou seja, desde que o possuidor do poder (o pai)
aceite relações simétricas. Talvez seja essa a razão pela qual seja tão difícil aceitá-la e
conduzi-la.
44
3 METODOLOGIA
A metodologia adotada para o desenvolvimento do estudo utilizou a teoria
psicanalítica intercruzada com as teorias administrativa, psicológica e sociológica, utilizando-
se de pesquisa de campo.
3.1 Classificação da pesquisa
Considerando-se o critério de classificação de pesquisa proposto por Vergara (2000),
Cervo e Bervian (1996), a presente pesquisa classifica-se como aplicada, qualitativa,
exploratória, descritiva, bibliográfica, documental, de levantamento e participante.
Quanto à natureza, trata-se de uma pesquisa aplicada, pois ela objetiva gerar
conhecimentos para aplicação prática e dirigidos à solução de problemas específicos e
interesses locais dos CAPS I e II do Município de Ijuí/RS.
A pesquisa é qualitativa e se ocupa com o universo dos significados, das atitudes, dos
valores, pois os fenômenos sociais estão em questão. Esta compreensão profunda de
determinados fenômenos sociais é da maior relevância do aspecto subjetivo da ação social
(GOLDENBERG, 2003, p. 49). Assim, no que se refere à forma de abordagem do problema, a
pesquisa assim se classifica, pois considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e
o sujeito. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no
processo de pesquisa qualitativa. O ambiente natural é a fonte direta para coleta de dados, e o
pesquisador é o instrumento-chave. Ainda, trata-se de uma pesquisa descritiva, pois o
pesquisador busca os dados indutivamente, sendo os focos principais de abordagem o
processo e o significado que os atores atribuem à instituição.
É uma pesquisa exploratória e descritiva, pois visa proporcionar maior familiaridade
com o problema com vistas a torná-lo explícito e a descrever as características de uma
determinada população (gestores dos CAPS), assumindo a forma de pesquisas bibliográfica,
documental e participante, pois investiga o local onde ocorre o fenômeno mencionado,
incluindo-se entrevistas com os sujeitos citados no item 2.3. Na utilização do meio
documental, são analisados os documentos conservados no interior dos CAPS I e II, como
atas, registros, regulamentos, circulares, ofícios, memorandos, comunicações informais. Na
45
pesquisa bibliográfica, o estudo sistematizado e desenvolvido tem como base o material
publicado em livros, artigos científicos constantes em revistas indexadas e redes eletrônicas.
Ainda, trata-se de uma pesquisa participante, pois se desenvolve a partir da interação entre o
pesquisador e os atores sociais selecionados para as entrevistas e que compõem o CAPS I e II
de Ijuí/RS.
3.2 Descrição da realidade institucional
A instituição objeto deste estudo, apesar de ser uma entidade de saúde pública em
âmbito nacional, é efetivada apenas nas existentes no Município de Ijuí/RS, mais
especificamente nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS I e II). O primeiro completou
onze anos de existência em 2009 e o segundo possui três anos de atividades. São unidades de
atendimento intensivo, semi-intesivo e não-intensivo que atendem psicóticos e neuróticos
graves, constituindo-se a partir de uma equipe nima. Assim sendo, é um serviço de atenção
extra-hospitalar, destinado a prestar assistência psicossocial a pacientes, com ênfase na
reabilitação e reinserção social de seus usuários.
Os CAPS são serviços de atenção diária, com abrangência territorial restrita, que
oferecem suporte aos familiares, procuram a reinserção social dos usuários e laborativa desta
clientela, com a participação comunitária para reverter o estigma que envolve o paciente
psiquiátrico.
Historicamente, as políticas de saúde mental têm sido formas sistemáticas de exclusão
econômica e social de setores da sociedade, isto é, têm sido formas de marginalização (LUZ,
1994, p. 86).
Esse caráter favoreceu o surgimento de críticas e de reivindicações em prol da
transformação do padrão de intervenção do Estado sobre os doentes mentais. Dessa forma, a
Psiquiatria, como campo de saber e como prática assistencial que legitima essas políticas, foi
alvo de uma série de críticas que questionavam sua legitimidade e sua capacidade para tratar e
curar os doentes mentais. “No fundo, o conjunto da psiquiatria moderna é atravessada pela
anti-psiquiatria, se por isso se entende tudo aquilo que recoloca em questão o papel do
psiquiatra, antigamente encarregado de produzir a verdade da doença no espaço hospitalar”
(FOUCAULT, 1991, p. 124).
46
As propostas contemporâneas de reformas psiquiátricas surgiram no período posterior
à Segunda Guerra Mundial. Nesse período, a situação de violência, abandono e cronificação
dos internos nos hospitais psiquiátricos deixava exposta a incompetência dessas instituições
para alcançar a finalidade de tratamento e recuperação a que se propunham, além de lembrar a
situação dos prisioneiros de campos de concentração (AMARANTE, 1995a, p. 28).
A “discussão sobre a loucura e a psiquiatria saiu definitivamente dos compêndios para
as ginas dos jornais, para as telas dos cinemas e foi invadida pelos olhares críticos da
Filosofia, Antropologia, Sociologia e História” (BEZERRA JUNIOR, 1995, p. 172).
A partir de então, as obras de autores como Foucault (1991), Castel (1991), Goffman
(1996), Basaglia (1991), entre outros, ganharam repercussão mundial. Embora estes autores
apresentem muitas diferenças em suas idéias, todos criticavam a medicalização da loucura e
a psiquiatrização do sofrimento; tinham em comum uma perspectiva que lhes fazia ver
história, cultura, sociedade naquilo em que a psiquiatria só enxergava biologia e idiossincrasia
individual” (BEZERRA JUNIOR, 1995, p. 172).
As experiências de transformação do modelo psiquiátrico clássico em andamento em
outros países e as obras destes autores influenciaram, de forma decisiva, o movimento de
Reforma Psiquiátrica Brasileira, que teve início no final dos anos 70, no contexto das lutas por
redemocratização.
Assim, as propostas de reforma procuravam criar novas bases teóricas e institucionais
para o tratamento das doenças mentais, surgindo os CAPS como resultado de um processo de
questionamento dos tradicionais equipamentos assistenciais em saúde mental e das mal-
sucedidas tentativas de mudança.
“A discussão de alternativas institucionais de atendimento da psicose e neurose grave
não se inicia pela decretação pura e simples da falência dos hospitais e ambulatórios, em
nome da suposta apreensão imediata do doente num contexto psicossocial” (GOLDBERG,
1994, p. 28).
Nesse contexto, foi constatada, então, a necessidade de um outro lugar terapêutico,
estabelecendo-se no CAPS um projeto público de atendimento a pacientes psicóticos e
neuróticos graves, ou seja, uma clínica de cuidados que “conjuga num mesmo espaço o
tratamento e a reabilitação e busca uma atuação mais globalizada frente às questões da saúde
47
mental, com a implantação de setores de ensino e pesquisa” (GOLDBERG, 1994, p. 22). Sua
proposta é lidar com a psicose e a neurose graves e seus procedimentos de marginalização e
cronificação, surgindo com o propósito de substituir o modelo psiquiátrico tradicional.
Os CAPS são unidades de saúde extra-hospitalares, abertas e comunitárias, em
substituição ao modelo hospitalocêntrico. Apresentam-se como referência para pessoas com
transtornos severos e persistentes. São regionalizados, com população definida pelo âmbito
local. Oferecem atendimento em regime intensivo, semi-intensivo e não-intensivo, assim
como propiciam o atendimento de cuidados intermediários entre o ambulatório e o hospital.
São multidisciplinares e devem gerenciar projetos terapêuticos oferecendo tratamento clínico
eficiente e personalizado. Promovem a reabilitação psicossocial dos usuários.
3.3 Sujeitos da pesquisa
Em virtude do objeto de estudo, são os seguintes os atores sociais ou “sujeitos
incluídos no estudo” (MINAYO, 2007, p. 48) que foram analisados na rede pública de saúde
mental: os dois coordenadores atuais, dois ex-coordenadores, dois servidores do CAPS II e
dois do CAPS II, dois usuários e dois familiares, sendo um de cada CAPS e três servidores de
unidades básicas diferentes.
Inicialmente a escolha recaiu sobre os coordenadores que estão diretamente ligados à
instituição, ou seja, os gestores do CAPS, que refletem, em alguns casos, a própria instituição
com as tomadas de decisão e concepções políticas institucionais adotadas. Os demais
servidores (equipe) que trabalham no CAPS, que não têm função de coordenação, são atores,
pois possuem uma visão diferenciada em relação ao objeto de trabalho. Portanto, também
conduzem a instituição com um olhar clínico, de acordo com sua formação profissional. Além
dos profissionais, também são partes integrantes da instituição os familiares e usuários que
participam do processo de gestão da unidade. Para um maior entendimento de como a unidade
está inserida na rede, integram ainda a pesquisa três servidores que trabalham em três
unidades diferentes da rede básica.
No entendimento de Goldenberg (2003), para pesquisar a multidisciplinaridade, o
pesquisador tem de se despir e se caracterizar pelo interesse real dos pesquisados, colocando-
se em uma posição de flexibilidade e sensibilidade com as concepções diferentes que se
apresentarem. Isso porque, para além da pesquisa bibliográfica, foram promovidas entrevistas
48
dialogadas, nas quais a intenção entre pesquisado e pesquisador é percebida diretamente, face
a face, onde o semblante produz efeitos.
Com isto, Vergara (2007, p. 68) exige do pesquisador “habilidade para interagir com o
pesquisado, conduzindo a entrevista sob a forma de um diálogo”, sendo o outro da relação que
se presentifica na entrevista. A autora salienta os cuidados com a autenticidade dos relatos que
se fizerem necessários.
3.4 Coleta de dados
Considerando que se procura saber quais são as concepções de gestor e as influências
das subjetividades na dinâmica gerencial, as entrevistas dialogadas e semi-estruturadas com
os sujeitos citados no item 3.3, como observações iniciais e com caráter exploratório e de
coleta de informações, foram estabelecidas com base em um planejamento para que, no
momento em que elas estiverem sendo realizadas, as informações necessárias não deixem de
ser colhidas. Para tanto, a pesquisa de campo foi realizada através de entrevistas semi-
dirigidas, com quinze sujeitos, sendo quatro gestores, sete servidores, dois usuários e dois
familiares, a partir de uma guia de campo a seguir exposta.
1. Coordenador atual: qual é a sua prática de gestão com: equipe, usuários, familiares, rede,
registros e manutenção da instituição?
2. Ex-Coordenador: qual foi a sua prática de gestão com: equipe, usuários, familiares, rede,
registros e manutenção da instituição?
3. Servidor do CAPS: como acontece o trabalho interdisciplinar e qual é a função do gestor
na equipe?
4. Usuário: como é o atendimento da equipe e do Coordenador?
5. Familiares: como você percebe o atendimento da equipe e do Coordenador?
6. Servidor da Unidade Básica: como vopercebe a relação entre a unidade e o CAPS, e a
função da Coordenação nesta relação?
Com relação à escolha da ordem e dos sujeitos entrevistados, referente ao CAPS II,
decorreu de uma reunião dos seus integrantes; já com relação ao CAPS I foi estabelecido com
a sua coordenação.
49
3.5 Análise e interpretação dos dados
A análise dos dados é a ocasião de agrupar todos os dados coletados com a teoria
previamente referenciada. “Deve-se analisar comparativamente as diferentes respostas, as
idéias novas que aparecerem, o que confirma e o que rejeita as hipóteses iniciais, o que estes
dados levam a pensar de modo mais amplo” (GOLDENBERG, 2003, p. 94).
A análise dos dados é um momento reflexivo do pesquisador, pois este se detém na
interpretação dos “ditos” e dos “não-ditos” pelos pesquisados. Tanto Cooper e Schindler
(2003) quanto Goldenberg (2003) chamam a atenção para a relevância das informações
coletadas nas entrevistas e nas suas análises.
Goldenberg (2003) alerta para o risco de o pesquisador usar mais sua intuição do que o
quadro de referência teórico apropriado para analisar os dados. As ferramentas metodológicas
empregadas para a realização do estudo, o percurso teórico, a maturidade intelectual são
balizadores de uma pesquisa.
Na concepção de Cooper e Schindler (2003, p. 73), o pensamento é científico e
condição sine qua non para resolver problemas gerenciais de pesquisa. Com isso, nas
narrativas das entrevistas abertas pretende-se que as informações sejam descritas a partir de
palavras, expressões, frases, o que pode abrir uma infinidade de conteúdos. Cooper e
Schindler (2003, p. 253) advertem que o “que dizemos ou fazemos como entrevistadores pode
construir ou destruir um estudo.” Nessas circunstâncias, a Psicanálise deu sustentação teórica
para a escuta psicanalítica dos entrevistados,pois a escuta das entrelinhas são dos “ditos e não-
ditos”, são materiais de trabalho da Psicanálise.
A análise foi realizada a partir de uma triangulação entre os conceitos pesquisados e
abordados na revisão bibliográfica, na análise documental e no conteúdo das entrevistas.
50
4 GESTÃO EM CENTROS DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL – CAPS
Para se estudar a Gestão em Centros de Atenção Psicossocial-CAPS, há que se abordar
as políticas de saúde mental no Brasil, de forma a se situar alguns aspectos históricos da
loucura para identificar as diferentes épocas. O surgimento dos hospitais psiquiátricos é o
marco que define o estatuto do louco. No Estado do Rio Grande do Sul, o hospital São Pedro
constitui-se como símbolo, referência e primeiro endereço dos loucos.
Os manicômios fundados por Pinel traziam em seu bojo concepções científicas de
seu tempo; depois, com Kreaplim, que passou a organizar a nosografia e a nosologia
psiquiátrica, teve seus sucessores/questionadores nas correntes psicanalíticas e, por último, os
opositores dos manicômios pela antipsiquiatria, culminando com a reforma psiquiátrica.
Nessa perspectiva, as políticas de saúde mental do país e do Município de Ijuí/RS passarão a
ser contextualizadas sob o ponto de vista histórico-político e econômico.
4.1 Fragmentos históricos da loucura
O sofrimento humano é tão antigo quanto a história da humanidade. Em todos os
tempos sempre houve pessoas interessadas em dar suporte para aquelas que não conseguiam
se inserir em seu contexto (BASTOS, 2000). Em um primeiro momento, era conferida aos
feiticeiros, babalaôs, xamãs, sacerdotes, entre outros, a tarefa de cuidar do sofrimento
humano.
Numa segunda fase, a Medicina antiga procurou desfazer a visão mística dada a esses
acontecimentos, advertindo que nada de sobrenatural acontecia nas pessoas que padeciam de
tal mal, pois tudo tinha uma relação orgânica, conforme as palavras de Hipócrates,
considerado o pai da Medicina, que se manifestou sobre a epilepsia, até então considerada um
mal sagrado.
num terceiro tempo, a Idade Média, tem-se uma época em que o mal dos espíritos
eram expiados na fogueira; a religião cuidava desses fatos e sentenciava. No Renascimento,
apesar de não se ter modificado muito a ordem das coisas, talvez um fato possa ser
significativo nesse período: os diferentes não iam mais para a fogueira (BASTOS, 2000).
51
A insuportabilidade de convivência com os loucos, no entanto, fez com que as
autoridades, com o apoio da sociedade, colocassem os insanos em uma nau e os soltassem rio
abaixo, para imaginariamente desaguar no mar. Esse ato ficou conhecido como
Narrenschiff”, ou a nau dos loucos (FOUCAULT, 1997, p. 9). Nesse mesmo período
também se inicia um processo de institucionalização muito precário e desorganizado, em que
os diferentes eram trancafiados e isolados do restante da sociedade.
Em 1650, iniciou-se na Europa um movimento que pregava a internação nos hospitais
gerais de todas aquelas pessoas que não se enquadravam nas regras e normas impostas pela
sociedade. O objetivo da internação era livrar a população dos riscos que aquelas pessoas
poderiam oferecer, protegendo-a também dos atos que poderiam cometer. Embora fossem
considerados hospitais, em momento algum ali se fazia o tratamento das pessoas internadas.
O espaço destinava-se tão somente ao enclausuramento e à segregação daqueles que não se
adaptavam às normas existentes, devendo, por isso, ser isolados do convívio social.
Os indivíduos pertencentes a essa população vinham de quatro regiões ou domínios
de experiências diferentes: havia aqueles que apresentavam um desregramento no
campo da sexualidade, como os venéreos, as prostitutas, os sodomitas, havia
também aqueles que se envolviam em fenômenos considerados como desordem
moral e ou social, como a blasfêmia, o suicídio, a magia, a alquimia, a feitiçaria; ou
ainda que se subordinavam aos desejos do coração, como os libertinos; e finalmente
havia os loucos. Toda essa população trazia consigo a marca da desrazão e, aos
olhos do leigo, o louco, desprovido que era da razão, se encaixaria bem neste novo
espaço que ora se inaugurava (FOUCAULT, 1997, p. 70).
Com o fim dos hospitais gerais, criam-se os manicômios ou hospitais psiquiátricos,
também com a finalidade de reclusão. Concomitantemente começa a se delinear a Psiquiatria,
que até o século 18 não possuía teoria formalizada. O que impulsionou o nascimento da
Psiquiatria foi justamente a observação dos doentes internados na estrutura manicomial. Com
base no ideário da Revolução Francesa, de liberdade, igualdade e fraternidade, eram estas as
palavras que davam possibilidades para o social se organizar.
A Psiquiatria surge nesse contexto para realizar o que Birman (1992, p. 74) chamou de
“ortopedia moral do louco”, ou seja, recuperar esse cidadão de modo a torná-lo responsável e
moralmente compatível com os ideais vigentes. O manicômio, como “local privilegiado da
sociedade reproduzia a hierarquia, exigindo do louco a obediência ao poder, à vontade
coletiva e o reconhecimento das normas que regulavam o contrato social”.
52
Ao mesmo tempo em que o manicômio é marcado pela exclusão, é ele que vai
promover a criação da Psiquiatria e estabelecer um novo olhar sobre a loucura, instaurando
um objeto de estudo. Desse modo, o hospital psiquiátrico tornou-se a instituição que
catalogou o louco, reduzindo a loucura à doença mental.
Os loucos, leprosos e prisioneiros, todos em uma mesma casa de internamento,
passaram a ser classificados de acordo com sua especificidade nosográfica. Nesse processo
classificatório, os loucos foram separados dos demais encarcerados, surgindo os manicômios
(FOUCAULT, 1997).
4.2 Dos manicômios aos Centros de Atenção Psicossocial: a imagem no social
Philipe Pinel, fundador da Psiquiatria moderna, introduziu um novo espírito de
orientação. No plano clínico, não acrescentou nada de essencial aos antigos procedimentos,
nem no plano nosológico, tampouco no institucional ou terapêutico. “Inversamente, no plano
do método, veremos que ele fundou uma tradição: a clínica, como orientação consciente e
sistemática” (BERCHERIE, 1989, p. 31).
Pinel ligou-se ao grupo dos ideólogos, pensadores franceses do culo 18, que
marcaram época por seus princípios metodológicos por meio da observação empírica dos
fenômenos, matéria-prima da percepção, que eram agrupados e classificados pelos estudiosos.
A História Natural serviu de recurso a um método para a abordagem da loucura.
Dentro do rigor e da doutrina do campo médico, surge a obra “O Tratado Médico-Filosófico
da Alienação Mental”, um retorno a Hipócrates em seu culto à clínica em detrimento de
Galeno, em sua observação empírica e clínica com bases explicativas e cuja transmutação
seria o positivismo. Neste sentido, nomeiam-se duas vertentes da Medicina antiga: a grega,
com Hipócrates, e a romana, com Galeno.
A primeira alia-se ao positivismo, e a segunda ao empirismo. O método de Pinel
libertou das correntes os prisioneiros das celas e os que estavam sob suspeita no ano de 1793,
colocados ali pela Revolução Francesa. Pinel teve o mérito de ter protegido aristocratas e
sacerdotes ao opor-se à sua extradição sob pretexto de que eram alienados.
A partir da Revolução Francesa, os alienados só ficavam num hospício se fossem
considerados nocivos e perigosos para a sociedade; os loucos permaneciam neles enquanto
53
doentes, e assim que se tivesse certeza de sua cura, eram reinseridos nas suas famílias. A
“prova disso está na saída geral de todos os que recobravam o bom senso, e mesmo daqueles
que haviam sido condenados à prisão perpétua por este Parlamento, sendo dever da
administração manter presos apenas os loucos sem condição de gozar da liberdade”
(FOUCAULT, 1997, p. 464).
A Psiquiatria procurou respostas orgânicas para o tratamento dos alienados, mas desde
Pinel somente foi encontrado um tratamento moral, em que o corpo era “entregue a sua reação
natural, na alienação mental, inversamente, o espírito perturbado podia ser reconduzido à
razão com o auxílio da instituição de atendimento” (BERCHERIE, 1989, p. 41).
Pinel isolou o alienado numa instituição especial, primeiramente para retirá-lo de suas
percepções habituais, aquelas que haviam gerado a doença ou, pelo menos, acompanhado seu
despontar, e depois, para poder controlar inteiramente suas condições de vida. A disciplina
regida pela lei médica consistia na ação dosada de ameaças, recompensas e consolações, “e
pela demonstração simultânea de uma grande solicitude e de uma grande firmeza, era
progressivamente assujeitado à tutela médica e à lei coletiva da instituição, ao ‘trabalho
mecânico’ e ao ‘policiamento interno’ que regiam” (BERCHERIE, 1989, p. 42).
A contenção mecânica e o policiamento interno pertencem a uma categoria de
instituições nas quais seus integrantes parecem reunir muitos aspectos em comum. Segundo
Goffman (1996), criam e mantêm um tipo de tensão entre o mundo doméstico e o
institucional, e usam como força de estratégia o controle dos pacientes. Essas instituições são
definidas como totais, e colocam entre o internado e o mundo externo uma ruptura inicial
profunda com os papéis anteriores e um processo de institucionalização daquele, o qual, se
porventura se rebelar à ordem, é contido mecanicamente, podendo-se citar como exemplos as
camisas de força e as celas solitárias, como ilustram as seguintes imagens:
54
Figura 6: Maníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838.
Fonte: Bercherie (1989, p. 33).
Figura 7: Lipemaníacas. Esquirol, Des Maladies Mentales, 1838.
Fonte: Bercherie (1989, p. 34).
Os psiquiatras vigiavam os alienados e descreviam os fenômenos clínicos observados.
Essa clínica, denominada de descritiva, pertence aos primeiros clássicos da literatura
psiquiátrica, tal como Esquirol, em 1837 (França) e Griesinger em 1845 (Alemanha).
Paralelamente ao avanço da clínica em seu método, surge o determinismo onipotente dos
médicos Gall e Lombroso. O primeiro pretendia ver “no formato da calota craniana, o reflexo
das estruturas anatômicas do córtex cerebral e localizadas nestas as características da
55
personalidade”, enquanto o segundo (Lombroso), descrevia as características morfológicas de
Il uomo delinquente(BASTOS, 2000, p. 11), isto é, as características sicas e/ou fenótipo
como determinantes da delinqüência.
Segundo Bastos (2000), o final do século 19, em toda a Europa, foi marcado pelo
início da Psiquiatria científica, com a classificação e descrição das doenças mentais feitas pelo
psiquiatra Emil Kraepelin. Nessa mesma época ocorria a descrição da anatomia, fisiologia e
histologia e do sistema nervoso central e suas correlações com os quadros clínicos.
A principal doença da época, a sífilis, foi definida pela Psiquiatria como a responsável
por inúmeros casos de loucura, mas em 1916 com o seu isolamento microscópico, teve seu
quadro clínico definido. Nesse período disseminava-se na Europa a enfermidade histérica e a
correlação desta com a hipnose como técnica para intervir, além de sugestões desenvolvidas
por Berheim, mas foi com Sigmund Freud que surgiram as intervenções clínicas, as quais
fizeram os histéricos falarem da sua enfermidade, surgindo, com isto, a Psicanálise.
Assim, a Psiquiatria do século 20 prosseguiu com a criação da Psicanálise por Freud,
trazendo outros enfoques, como a Psiquiatria dinâmica. A Psicanálise, desde então e até a
década de 70, foi a sustentação teórica para o psicopatológico, enquanto a Psiquiatria
absorveu as referências psicanalíticas para trabalhar seus casos. Freud, em seu texto “O
sentido do sintoma”, descreve que um famoso psiquiatra de sua época, Dr. Leuret, dizia que
mesmo nas idéias delirantes do insano se poderia encontrar um sentido, bastaria que
compreendêssemos a maneira de traduzi-las” (FREUD, 1969, p. 305)
.
Curiosamente, mesmo a Psicanálise, tendo grande influência no campo da
psicopatologia dentro das instituições psiquiátricas, não se aplicava como possibilidade de
intervenção, salvo exceções. No Brasil, por exemplo, nos hospitais psiquiátricos a médica
Nise da Silveira, ao trabalhar com oficinas, ela conferia o estatuto de sujeito aos pacientes.
Até a década de 50, os hospitais psiquiátricos faziam seus tratamentos empregando a
contenção mecânica. Em 1950, Chapontier e sua equipe sintetizaram a cloropromazina, o
primeiro neuroléptico, e, em 1953, Delay e Deniker descobriram seu uso psiquiátrico. A partir
de então o tratamento dos estados psicóticos passou a não necessitar de internação em
manicômios, e pôs-se fim a uma onda de psicocirurgias, iniciada de 1936, que teve seu ápice
nos Estados Unidos da América entre 1949 e 1951, quando cerca de 20.000 pacientes foram
lobotomizados (BASTOS, 2000).
56
Apesar de os psicofármacos descobertos nessa época trazerem avanços ao tratamento
psiquiátrico, as décadas de 60 e 70 acompanharam o surgimento das críticas às internações
manicomiais de uma Psiquiatria tradicionalmente repressiva. Na Inglaterra, a antipsiquiatria
fundada por Laning, Cooper, Szatz e Basaglia, pelo lado da Psiquiatria social, e por Foucault
e Goffman, pelas Ciências Sociais, tiveram grande influência em questionamentos críticos a
uma cultura repressiva instalada nos manicômios.
A década de 80 é marcada pela Psiquiatria biológica e a intensificação de estudos
sobre as substâncias neurotransmissoras cerebrais, numa busca por drogas com ações
específicas e com menos efeitos colaterais, bem como por movimentos políticos e sociais de
redemocratização do Brasil, encabeçados pelos trabalhadores da saúde mental (MTSM), tendo
como eixo principal a clínica institucional e a Psiquiatria democrática italiana, marcada por
uma abordagem mais política das questões que envolvem a saúde mental.
A ciência moderna dá lugar a outra forma de conhecimento, que pretende um senso
comum esclarecido e uma ciência prudente, ou melhor, uma nova configuração do saber que
se aproxima da phronesis aristotélica, ou seja, um saber prático que sentido e orientação à
existência e cria o hábito de decidir bem (SANTOS, 1989, p. 38-9).
A phronesis combinada com o caráter prático e prudente do senso comum, com o
caráter segregado e elitista da ciência, uma vez que é um saber que cabe aos mais
esclarecidos, isto é, aos sábios. Daí a necessidade da dupla ruptura epistemológica
que permitia destruir a hegemonia da ciência moderna sem perder as expectativas
que ela gera. A nova configuração do saber é, assim, a garantia do desejo e o desejo
da garantia, de que o desenvolvimento tecnológico contribua para o aprofundamento
da competência cognitiva e comunicativa e, assim, se transforme num saber prático
e ajude a dar sentido autêntico a nossa existência.
Esta posição cria um paradoxo: assim como os medicamentos produzem um avanço
nos tratamentos psiquiátricos e uma nova camisa de força, a química, a psicofarmacologia
toma a cena dos tratamentos para o sofrimento psíquico, tornando-se uma espécie de
imperialismo ao carregar o estandarte da promessa da cura. De fato, ela permite que todos os
médicos abordem da mesma forma qualquer tipo de sofrimento psíquico, com poções
medicamentosas que pouco se diferenciam, sem que jamais se saiba de que tratamento elas
dependem, com diagnósticos unificados para diversas patologias.
Assim, psicoses, neuroses, fobias, melancolias e depressões são tratadas pela
psicofarmacologia como estados ansiosos, decorrentes de lutos, crises de pânico passageiras
ou de um nervosismo extremo, devido a um ambiente difícil: “O medicamento psicotrópico só
57
se transformou no que é”, um produto a mais a ser consumido perdendo as propriedades de
pharmacon (ZARIFIAN apud ROUDINESCO, 2000, p. 23-4). A psicofarmacologia tornou-se
a marca da ciência glorificada, aquela que explica o irracional e a cura incurável. O
psicotrópico sinalizou a vitória do pragmatismo e do materialismo sobre as infindáveis
discussões psicológicas que procuram definir o homem.
Influenciada pelos movimentos dos anos de 60/70, a reforma psiquiátrica chega ao
Brasil na década de 80, trazendo, para alguns, uma marca distinta de indissociação entre
clínica e política, apesar de ser observada, na prática, resistência à clínica, pelo fato de esta
propiciar que o sujeito se enuncie, uma vez que os ideais da cidadania privilegiam o social.
Em muitos momentos as manifestações singulares caminham em direção oposta às pretensões
coletivas. Nessas ocasiões, a clínica e a política ficam dissociadas. Basaglia, idealizador da
reforma psiquiátrica italiana, foi o inspirador do processo da reforma psiquiátrica brasileira,
com princípios vinculados ao social.
4.3 O Hospital Psiquiátrico São Pedro – HPSP
A partir do culo 19, denominado século dos manicômios, os hospícios proliferam
como o principal sistema de tratamento da loucura, pois eram considerados a modalidade
terapêutica mais eficaz.
O primeiro manicômio do Estado do Rio Grande do Sul foi o Hospital Psiquiátrico São
Pedro, nome que referenciava a Província, assim denominada. Inaugurado no dia 29 de junho
de 1884, com a presença da Princesa Isabel, foi por décadas o endereço dos loucos do Estado.
Contava com 40 leitos e foi construído longe da cidade de Porto Alegre/RS, indicando a real
exclusão que veio a representar. Hoje, a área em que está instalado, no Bairro Partenon, faz
parte do centro da cidade, e a sua infra-estrutura, tida como cartão de visitas da capital, foi
tombada como patrimônio histórico do Estado.
Longe da área urbana da cidade, o São Pedro foi erguido para atender às indicações
terapêuticas vigentes na época. Natureza, córrego, local para o trabalho agrícola
compunham o cenário ideal. Ali, também, diversas práticas terapêuticas foram
empregadas antes do surgimento das medicações psiquiátricas, tais como os banhos,
a insulinoterapia, eletroconvulsoterapia e malarioterapia. Esta última introduzida no
Brasil pioneiramente no HPSP e considerada com grande sucesso, segundo os
padrões da época. O fundamento destes “choques” era a busca da desmontagem da
estrutura psíquica doente para uma eventual reconstrução sadia. (CONSELHO
REGIONAL DE PSICOLOGIA CRPO7, jul/ago 2002, p. 4).
58
A fragmentação da estrutura psíquica era tratada com a eletroconvulsoterapia, que
consiste na aplicação de uma carga elétrica no cérebro, com o paciente anestesiado. Esta carga
elétrica age diretamente no cérebro, originando uma convulsão, daí o nome
eletroconvulsoterapia. Suas principais indicações: esquizofrenia, depressões graves,
transtorno bipolar ou Parkinson com depressão.
Outro método utilizado era a insulinoterapia que consistia num choque insulínico, em
que o produto era injetado nos pacientes para que as células do pâncreas retirassem a glicose
do sangue. Isso provocava um quadro de hipoglicemia grave que produzia, como
conseqüência, a convulsão, levando o paciente a um estado de prostração.
Além desses, nas décadas de 30 e 40, antes da invenção dos psicofármacos, que
ocorreu em 1950, foram bastante utilizados os banhos e a malarioterapia. No primeiro,
buscava-se a desmontagem do que não estava funcionando bem por choques térmicos,
alternando no paciente banhos quentes e frios; no segundo, se tratava-se da inoculação do
agente transmissor da malária para quebrar as resistências físicas e psíquicas do paciente.
Esses foram os principais métodos utilizados nos primórdios do São Pedro, alguns dos
quais, por mais polêmicos que possam parecer, continuam sendo empregados atualmente.
Com a construção dos hospitais psiquiátricos, estabelece-se o que é normal e o que é
patológico, o que vai tendo seus contornos nas diferentes épocas. Os hospitais, como eram o
único endereço destinado aos loucos, acabaran gerando superlotação, inobstante bom número
dos internados não necessitar deste tipo de tratamento.
Grande parte dos pacientes foram internados por não concordarem com normas e
idéias estabelecidas na cultura. A população que superlotava a instituição era constituída, na
sua maioria, por pessoas sem nenhuma necessidade de tratamento. Assim, podemos referir a
uma certa semelhança à casa dos internados, que abrigava aqueles que não se alinhavam à
bela ordem antes de Pinel. Curiosamente, os manicômios continuam com a função de dar
suporte ao discurso dominante de cada época.
A década de 60 foi um marco nas internações, uma vez que a instituição alcançou
aproximadamente seis mil internados.
Nos anos 70, começaram a surgir discussões em relação ao hospício e ao valor
terapêutico do isolamento dos doentes. A equipe do hospital começou a procurar as
famílias dos pacientes para tentar reinseri-los na sociedade. Desde a década de 80 se
intensificaram os avanços no desenvolvimento de drogas psicotrópicas e as
59
mudanças no tratamento dos doentes. Em 1987, abrigando 1350 pacientes, o hospital
criou uma área hospitalar com 130 leitos e estabeleceu rígidas normas para
internação (ESPERANÇA, 1996, p. 6).
Na década de 80 intensificam-se os questionamentos sobre a visão hospitalocêntrica, e
esta procura flexibilizar com melhoramentos os aspectos físicos dos hospitais ao organizar
alas específicas para categorias diferentes de patologias.
As conferências de saúde mental tiveram papel importante na proposição de um novo
paradigma para a saúde mental. As organizações panamericana e mundial de saúde
convocaram, na década de 90, na Venezuela, o evento denominado Declaração de Caracas.
Um dos seus efeitos no Rio Grande do Sul foi colocar em prática a reforma psiquiátrica,
instituída pela Lei Estadual 9.716, assinada pelo governador Alceu Collares em agosto de
1992. Pela forte influência do modelo italiano, organizada por Franco Basaglia, a lei para
regulamentação da reforma psiquiátrica aqui no RS surgiu dez anos antes que nos demais
Estados do país,
A lei prevê a criação de uma rede de serviços de saúde para as “pessoas que
padecem de sofrimento psíquico”, ou seja, os doentes mentais. A rede seria
composta por unidades de internação psiquiátrica em hospitais gerais, centros
residenciais de cuidados intensivos, lares abrigados e pensões comunitárias, entre
outros (ESPERANÇA, 1996, p. 5).
O Hospital São Pedro passa de asilo de loucos a hospital psiquiátrico, com pacientes
residentes que ali permanecem tão somente por não possuírem família ou condições
econômicas para se sustentarem. Atualmente, as pessoas envolvidas com a instituição estão
empenhadas no projeto São Pedro Cidadão, por meio do qual foram construídas pequenas
casas, em que os internos poderão resgatar o vínculo com a sociedade. Nas 40 residências que
este projeto dispõe, os seus moradores administram seu próprio espaço físico e as rotinas
domésticas, além de freqüentarem oficinas de geração de renda.
Está prevista também a revitalização do espaço hospitalar com atividades culturais
para a comunidade, além da criação de um Memorial, onde ficará exposto tudo que possa
contar a história da instituição. Estas iniciativas são tidas como referências no tratamento em
saúde mental. Abordar essas questões, como também conhecer a história do Hospital
Psiquiátrico São Pedro, significa percorrer o próprio percurso da loucura no Rio Grande do
Sul, pois foi nessa instituição o início de qualquer intervenção sobre a doença mental no
Estado.
60
4.4 Um traço da história institucional na gestão da loucura em Ijuí/RS
No Município de Ijuí, antes de analisar o fenômeno da loucura, é relevante considerar
alguns aspectos históricos da sua fundação. Em 1890, quando se deslocaram imigrantes das
colônias, “é de notar que grande parte desses imigrantes procediam da zona urbana, tendo
pouca ou nenhuma afinidade com o trabalho na agricultura” (MIRON, 1998, p. 60).
Aproximadamente 17 etnias povoaram Ijuí/RS, cada uma trazendo traços psicológicos
singulares, mas todas passam a ter em comum sua ligação com a terra, que é o ordenador
simbólico e que o estatuto de pertença na sociedade e na família, ou seja, aquele que não
aceitasse as lides da terra estava fora.
A colônia de Ijuhy, criada em 1890 sob a coordenação geral da Comissão de Terras,
nomeada pelo governo estadual republicano, representou a ocupação das últimas terras
disponíveis do Estado. Ijuhy, que na língua guarani significa “Rio das águas claras” ou “Rio
das águas divinas”, atualmente é conhecida por Terra das Culturas Diversificadas, Cidade
Universitária, Colmeia do Trabalho, Terra das Fontes de Água Mineral e Portal das Missões
(LAZZAROTTO, 2002).
Localizada no Planalto Médio Gaúcho, possui uma área de 689,124 quilômetros
quadrados, com uma população, em 2007, de 76.739 habitantes, o terceiro Município mais
populoso da região Noroeste, que abrange 216 municípios. Por ser uma cidade universitária e
com amplos recursos hospitalares, tem um fluxo de aproximadamente 100.000 pessoas,
constituindo o maior e mais importante centro populacional da região.
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
5
de Ijuí é de 0,803, segundo o Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2000. Possui um Produto Interno
Bruto (PIB) de R$ 788.789,00
6
, consoante dados de 2007 da Fundação de Economia e
Estatística (FEE) e um PIB per capita de R$ 10.061,00
7
, igualmente conforme dados da FEE
de 2007.
5
A metodologia de cálculo do IDH envolve a transformação destas três dimensões em índices de longevidade,
educação e renda, que variam entre 0 (pior) e 1 (melhor), e a combinação destes índices em um indicador
síntese. Quanto mais próximo de 1 o valor deste indicador, maior será o nível de desenvolvimento humano.
6
PIB total do Estado do Rio Grande do Sul: R$ 142.874.226,00 – FEE/2007.
7
PIB per capita do Estado do Rio Grande do Sul: R$ 10.061,00 – FEE/2007.
61
A cultura dos povos é uma tradição de Ijuí, pois a cidade caracteriza-se pela
diversidade de etnias: afro-brasileiros, índios, portugueses, franceses, italianos, alemães,
poloneses, austríacos, letos, holandeses, suecos, espanhóis, japoneses, russos, árabes,
libaneses, lituanos, ucranianos, dentre outros.
A imigração da Europa para o Brasil teve como origem o contingente da população
excluída pelo processo de industrialização, seja por questões políticas e religiosas, seja porque
simplesmente representava uma ameaça à ordem estabelecida (GILES, 1997). Os efeitos da
exclusão são sentidos nos indicadores sociais, pois a organização do laço social ocorre a partir
das posições subjetivas decorrentes do interjogo das relações interpessoais.
Nesse processo ocorrem as organizações de trabalho nas diferentes instituições. Giles
relata que a especialidade, tanto das formas organizativas (clubes, cooperativas, associações
de mútua ajuda) quanto de suas manifestações socioculturais (o ensino da língua de origem na
escola, corais e grupos de dança), é fruto de um conjunto de fatores, “onde as relações e
contradições próprias de uma economia mercantil baseada na pequena produção agrícola e no
trabalho em regime de família estão associadas a um esforço de preservação da identidade,
com base de sustentação do grupo” (GILES, 1997, p. 14).
Ao se pensar a saúde mental nesse contexto, é necessário levar em consideração que
os imigrantes que aqui chegaram e seus descendentes têm como referência de inserção no
contexto social a sua língua materna (do país de origem), jogada em meio a tantas outras e
todas sendo barradas pela língua oficial do país que os recebeu, ou seja, a língua portuguesa.
Na visão de Giles (2001), somos referidos como sujeitos a diferentes registros
identificatórios. Um destes é a experiência do espelho, que nos permite a identificação
imaginária. Esta se apresenta insuficiente, sendo necessárias outras identificações que
possibilitem permanência, como os elementos da nossa história, família, cultura, filiação,
enfim, elementos simbólicos. Quando existe uma discordância entre as referências simbólicas
e as imaginárias, origina-se um mal-estar, não somente individual, mas também social. Diante
disso, pode-se pensar o contexto multiétnico deste município como problemático, pois
encontra dificuldades em garantir referências simbólicas autênticas aos sujeitos que estejam
em consonância com a identidade imaginária. Isso produz um mal-estar que pode ser a causa
do sofrimento psíquico na cidade.
62
Os colonos vindos da Europa tinham como função expandir a fronteira agrícola. Caso
não fossem capazes dessa tarefa, eram reprimidos pelos funcionários do INCRA - Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária (MIRON, 1998). O fato de que essas condições
de existência condicionam e determinam o modo como se relacionam com o social não é
levado em conta.
A economia local é de subsistência, o sistema de trocas acontece entre as famílias. A
figura central das cenas da colônia tem como protagonista o pai, o que vai ter deslocamentos
no decorrer da história. Como afirma Miron (1998), a loucura, resultado dessas condições de
existência, recebe a mesma repressão comum a outros delitos, como bebedeiras, desavenças.
O significado social aqui não se vincula ao caráter de insanidade, mas sim à necessidade de
dar produtividade à terra.
A partir da década de 60, a loucura começa a receber no Município uma atenção
sistematizada por parte da prefeitura, com a criação de uma Unidade Sanitária SSMA/RS.
Esta política pública aconteceu por duas vias: primeiro a da Vigilância Sanitária do Estado,
que treinou os médicos clínicos gerais do INPS (Instituto Nacional de Previdência Social)
para receber os egressos; e segundo, a descoberta dos psicofármacos, a partir de 1955, que
começaram a substituir a camisa de força mecânica pela “camisa de força química”.
Louvam-se essa descoberta e os efeitos que produziram os medicamentos para a
condução dos tratamentos psiquiátricos, proporcionando a desinstitucionalização. Resta,
porém, uma interrogação dessa prática clínica devido aos excessos nas prescrições.
Importa ressaltar que a desinstitucionalização é um termo criado nos anos 60, com o
movimento da psiquiatria preventiva ou comunitária (EUA), para designar o
processo de altas administrativas e reinserção de pacientes psiquiátricos na
comunidade, tendo sido empregado como sinônimo de desospitalização. No
contexto da psiquiatria democrática italiana, entretanto, a desinstitucionalização é
empregada como sinônimo de desconstrução. A instituição que se nega é a própria
psiquiatria, bem como a redução que ela opera ao aprisionar a loucura no conceito
de doença mental. Em outros termos, a desinstitucionalização proposta pela vertente
italiana, à qual a reforma psiquiátrica brasileira recorre, não é um processo que
dispensa instituições. Ela propõe a criação de dispositivos institucionais com base
em uma nova gica de assistência, visando superar o paradigma clínico racionalista
da psiquiatria (ALTOÉ; LIMA, 2005, p. 149-150).
Conforme Miron (1998, p. 164), entre 1959 e 1972 funcionou em todo o país um
programa, o Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), que atendia
na residência o paciente em surto. No Município de Ijuí, essas visitas eram feitas por duas
equipes, formadas por médico, enfermeiro e motorista. Também havia outro espaço para o
63
atendimento ao doente mental além da Unidade Sanitária: o Posto de Assistência Médica
(PAM), quando já não mais havia a ida da equipe até o domicílio, mas o paciente devia buscar
o atendimento.
Retomando o curso da constituição da loucura em Ijuí/RS, muitos que aqui vieram não
conseguiram se identificar com o ordenador simbólico, a terra, que dava o estatuto de sujeito,
ou seja, carregava o traço de representação junto ao seus semelhantes na colônia.
8
Em não havendo essa possibilidade de representação, o sujeito enlouquecia. Quando
isso acontecia, a família recorria ao intendente, que era a autoridade máxima do município,
dono dos destinos de homens e mulheres e com plenos poderes, que hoje se equivale ao
prefeito, que exerceu a mesma função até 1960.
Esta relação é verticalizada, isto é, o intendente, ou o prefeito, era quem encaminhava
os loucos para o Hospital São Pedro. Na linguagem exata de algumas das nossas mais antigas
instituições totais
9
, as quais segregavam os pacientes, começa uma série de degradações,
humilhações e profanações do eu, o seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não
intencionalmente, mortificado. Começa a passar por algumas mudanças radicais em sua
carreira moral, uma carreira composta pelas progressivas mudanças que ocorrem nas crenças
que têm a seu respeito e a respeito dos outros que são significativos para ele (GOFFMAN,
1996).
Para Miron (1998), a única instituição hospitalar que a região possuía na década de 20
era o Hospital Ijuhy. Localizava-se em uma casa de dois pisos, com dez leitos que, por vezes,
atendia pessoas que passavam por momentos de loucura. Esse atendimento consistia na
contenção mecânica e na aplicação de medicamentos por injeção. O Dr. Kuhlmann, um dos
8
Quando empregamos esse termo “sujeito”, é importante destacar que o diferenciamos de “indivíduo”, “pes-
soa”, “personalidade” ou qualquer outro termo que signifique unidade ou todo. O sujeito não é todo, ele é
antes de tudo um efeito. Um efeito da intervenção do Outro. Podemos dizer que o sujeito porta o Outro na sua
própria constituição, nele se aliena e dele se separa pontualmente, parcialmente, e nunca se faz um com o
outro. O sujeito não faz Um, nem com o outro, nem com seu objeto. Nada o complementa. Pelo contrário, se
às vezes temos a impressão de estar diante de um sujeito completo, a quem parece faltar nada porque nada
demanda, este deve estar suspenso em seu próprio isolamento, seu autismo particular, sua recusa ao Outro
como o ápice de sua patologia. Cabe a nós provocá-lo para sair disso. O sujeito é uma abertura, é
sobredeterminado, como nos ensinou Freud, em sua abertura ao Outro (FIGUEIREDO, 2005, p. 8).
9
Ao analisar as diferentes instituições da sociedade ocidental, constata-se que umas são mais fechadas do que
outras. Seu fechamento, ou seu caráter total, é simbolizado pela barreira, a ausência de relação social com o
mundo externo e por proibições à saída, que muitas vezes estão incluídas no esquema físico, por exemplo,
portas fechadas, paredes altas, arame farpado, fossos, água, florestas ou pântanos. A tais estabelecimentos -
se o nome de instituições totais (GOFFMAN, 1996).
64
donos desse hospital, na maioria dos casos enviava esses pacientes para internação na capital,
pelo fato de que a insanidade não fazia parte da clínica médica.
No final da década de 20, é criada no Rio de Janeiro a Liga Brasileira de Higiene
Mental (LBHM), que exerceu forte influência nas práticas da saúde na cidade. Baseada nos
ideais da Psiquiatria alemã, como a purificação da raça, esta Liga surgiu com “a tarefa de
normalizar e disciplinar uma parcela da população que apresenta desvios morais e
comportamentais em relação à sociedade” (MIRON, 1998, p. 139). A LBHM conseguiu, num
jornal de circulação no Município de Ijuí, um espaço para a divulgação de suas idéias de
cunho moralista. Em algumas reportagens inclusive abordava a incapacidade e a inferioridade
dos doentes mentais.
Em Ijuí, em 1940, conforme registra Miron (1998, p. 144), o Hospital Ijuhy foi
substituído pela Associação Hospital de Caridade de Ijuí (AHCI). Este registrava, em seu
primeiro regimento, uma proibição quanto à internação de loucos, o que vai mudar mais tarde
pelas políticas adotadas pelo Estado para a desospitalização dos internos do Hospital
Psiquiátrico São Pedro. Quando não havia espaço para internação, o louco permanecia no
presídio da cidade, até que abrisse uma vaga na instituição. “Esse é o recurso visível e
disponível, pois não durante esses primeiros 70 anos (1890-1960) uma estrutura
sistemática no município para atenção à doença mental” (MIRON, 1998, p. 64).
Assim, o destino do doente era, geralmente, o presídio, pois o hospital não possuía
estrutura para recebê-lo devido a sua “periculosidade”. A instituição hospitalar nunca era
ponto de referência, a o ser como um lugar onde era aplicada a medicação, possibilitando o
seu deslocamento para outro espaço, como o hospital psiquiátrico ou a cadeia.
As Polícias Civil e Militar eram acionadas para buscar e levar aqueles que estavam
apresentando algum tipo de distúrbio. Para cumprir essa tarefa, os policiais utilizavam a força
para intimidar o sujeito, atitude que causava reações por parte da família. Esta, ao mesmo
tempo que solicitava a ação, interferia para que ela não se efetivasse. Segundo depoimento de
um dos policiais da época, participante da pesquisa de Miron (1998), nenhum dos policiais
gostava de ser chamado para esse tipo de intervenção, pois se sentiam constrangidos pela
abordagem violenta do sujeito diante dos seus familiares.
Era muito difícil porque a gente assume pessoas que não raciocinam e a gente não
consegue manter aquele diálogo pra poder... então tinha que chegar e agarrar
mesmo, não tinha outro jeito. Então era muito difícil. Às vezes as pessoas, quando
chegava para escalar alguém lá — “Bali, me deixa fora dessa”, O pessoal não queria
65
ir, dificilmente, Tanto que cada um dizia, as famílias estão perto, fica ruim, porque
tem que agarrar, derrubar e amarrar, então fica difícil. Se sentiam mal fazendo esse
tipo de atendimento (MIRON, 1998, p. 107).
Não restando alternativa, o destino era Porto Alegre. O traslado era feito de trem, que
dispunha de um vagão específico, nomeado de o “Vagão dos Loucos”. Essa relação das
famílias com o Executivo e o Hospital São Pedro perdurou até a cada de 60, quando a
superlotação do manicômio atinge 5 mil internados.
Quase sempre as instituições dessa natureza parecem funcionar apenas como depósito
de internados. Usualmente se apresentam ao público como organizações racionais,
conscientemente planejadas como máquinas eficientes para atingir determinadas finalidades,
oficialmente confessadas e aprovadas. Esta é a contradição entre o que a instituição realmente
faz e aquilo que oficialmente deve divulgar que faz.
Dentro deste contexto, talvez a primeira coisa a declarar a respeito da equipe dirigente
é que o seu trabalho e, portanto, o seu mundo, se refere apenas às pessoas. “Como material de
trabalho as pessoas podem adquirir características de objetos inanimados” (GOFFMAN,
1996, p. 69-70), o que vem confirmar a instituição representada como uma máquina
(MORGAN, 1996).
Perde-se de vista o conteúdo dos objetivos organizacionais, pelo apego excessivo a
regras e formalismos, que não deixa margem à nenhuma flexibilidade ou questionamento do
sistema, revelando-se uma engrenagem do sistema. Com isso, toda instituição conquista parte
do tempo e interesse de seus participantes e lhes algo de um mundo, em resumo, toda
instituição tem tendência de fechamento (MOTTA; VASCONCELOS, 2004).
Somente a partir da década de 60, um leve deslocamento acontece no que diz respeito
à instituição total como a única forma de acolher doentes mentais. A relação família-
executivo-hospital declina, iniciando-se outra constituição relacional: família-médico-
hospitais psiquiátricos. Nesse momento histórico da saúde mental, os internados nos hospitais
psiquiátricos, principalmente no Hospital São Pedro, retornam as suas cidades de origem.
Desta forma, os médicos começaram a tratar dos pacientes egressos do Hospital São
Pedro que eram trazidos pelos familiares para consulta. No senso comum, assim como na
cultura da população desta região, quando um paciente recebe alta hospitalar é porque está
curado, mas este não é o caso das doenças mentais. Apesar de os pacientes virem com a
prescrição do hospital psiquiátrico para dar continuidade ao tratamento no Município com os
66
médicos do INPS, os familiares não se sentiam seguros, pois sabiam da realidade da patologia
e o que os aguardava com o retorno do familiar enfermo, o que mostra uma ambigüidade, pois
a fantasia vai muito longe quando se trata da relação médico/paciente. Em muitas ocasiões, no
imaginário social, é como se esta relação pudesse dar conta de todos os sofrimentos.
Os familiares acreditavam que o seu doente estava sob cuidados médicos, mas ele o
seguia as prescrições. Como a maioria não tomava os medicamentos, voltavam os surtos.
Com isso, o retorno aos hospitais psiquiátricos teve seu reinício, agora com o
encaminhamento do médico e não mais do Poder Executivo. As referências a doentes mentais
procedentes de Ijuí, nesse período, são escassas. Isso decorre do fato de que por essa época o
serviço público estadual tomava conta de grande parte dos encaminhamentos e tratamentos
desse tipo de pacientes, não sendo mais a prefeitura a protagonista da história. A Medicina aí
passa a ocupar o “lugar principal no encaminhamento e na atenção aos doentes mentais”
(MIRON, 1998, p. 70).
Os anos 60 foram marcados por um movimento evasivo de Psiquiatria Comunitária.
Muitos foram os questionamentos sobre os hospitais psiquiátricos, seus tratamentos e sua
organização administrativa, que tiveram início com o movimento antimanicomial, cujo ápice
ocorreu nos anos 90. O primeiro processo de reforma psiquiátrica brasileira surgiu entre os
anos de 1978 e 1980, quando da criação do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental
(MTSM).
Para Amarante (1995a, p. 52), o MTSM caracterizava-se por ser "o primeiro
movimento em saúde com participação popular, o sendo identificado como um movimento
ou entidade da saúde, mas pela luta popular no campo da saúde mental", haja vista a
verticalidade das condutas terapêuticas dos trabalhadores que antecederam o MTST. As
primeiras discussões oficiais do Movimento ocorreram em 1987, quando da realização do
evento que ficou conhecido como Congresso de Bauru, no qual foi lançado o lema “Por uma
Sociedade Sem Manicômios”.
A forma de condução da gestão hospitalar perpassava os tratamentos dos internados,
os quais ficavam, ou eram colocados, numa posição de objeto. “Quase sempre, muitas
instituições totais parecem funcionar como depósitos de internados” (GOFFMAN, 1996, p.
69), devido à forma verticalizada de administrar uma instituição em que o objeto de trabalho é
o ser humano. Nesse período, os ambulatórios começam a oferecer uma assistência
psiquiátrica desvinculada dos hospitais. Este leve deslocamento de lugar foi caracterizado
67
como um início de reformismo chamado de “ambulatorização”. Sob a influência da ditadura,
as decisões nos serviços de saúde eram tomadas por um
pequeno grupo que ocupa cargos mais altos na hierarquia destes serviços, e cuja
organização é baseada no poder das corporações profissionais, tende a gerar
descompromisso e falta de interesse de participação na maioria dos trabalhadores.
Processo de trabalho centrado em procedimentos burocráticos, e que se restringem a
prescrever, tendem a fragilizar o envolvimento dos profissionais de saúde com os
usuários (GOFFMAN, 1999, p. 5-6).
Com o início da luta pela redemocratização do Brasil, o tema da saúde mental foi
incluído no debate dos movimentos sociais, os quais eram influenciados por dois processos
que se encontravam em plena ebulição: a globalização e a regionalização, respondendo a uma
exigência do sistema capitalista vigente e implicando uma regionalização do poder mundial.
O capitalismo está se transformando para se adequar aos novos tempos. Ao remodelar-
se, cria mecanismos para continuar a se expandir e controlar, direta ou indiretamente, todas as
formas de atividades humanas (BRUM, 1999).
Na Região Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, essencialmente agrícola, os
sinais que vêm marcar os novos tempos começam a se apresentar. As insuficiências do
mercado atravessam as individualidades e produzem novas formas de gestão das instituições,
tendo em vista que no campo econômico começa a se acentuar o desenvolvimento tecnológico
no setor agrícola. Ao invés da terra ordenar as referências simbólicas, dá-se vez à tecnologia e
à produtividade para se firmarem como sustentação de referência.
Essa nova forma de se relacionar com a terra também vai influenciar na condução dos
tratamentos no campo da saúde mental, pois desde então a variável produção entrou como
quantificação de procedimentos para obter recursos financeiros da União e do Estado para
aquisição dos psicofármacos e manutenção de toda a estrutura voltada à saúde mental.
Nessa perspectiva, Ijuí inicia uma nova organização em saúde mental. Na metade da
década de 70 consolida-se o Programa de Interiorização das Ações de Saúde Mental,
ocorrendo atendimentos sistemáticos de doentes mentais por clínicos gerais. A chegada de
enfermeiros vem trazer um elemento a mais nesse trabalho que extrapola o espaço restrito da
unidade, ampliando-se para visitas domiciliares. A eles cabe “realizar a pré e pós-consulta
médica, o controle de faltosos e a intervenção em casos de reagudização no domicílio”
(MIRON, 1998, p. 162).
68
Atento a essa situação, o setor da enfermagem começou a organizar um
reagendamento desses pacientes, ou seja, consultas médicas periódicas. Este foi o início de
trabalho na Saúde Mental em Ijuí/RS, de forma mais sistemática e organizada. O objetivo dos
reagendamentos foi controlar para que os pacientes não entrassem em surto
10
, além de conter
os suicídios, que eram muito frequentes no universo desses enfermos. Importante salientar
que todo este movimento de trabalho ocorreu na década de 70, marcada pelo êxodo rural e
pelo aumento das patologias mentais, o que nos leva a acreditar que a perda do referencial da
terra, como estatuto simbólico, mostrava seus efeitos, pois nesse período o número de
internações psiquiátricas cresceu sensivelmente.
Como no Município não existiam hospitais psiquiátricos, a Secretaria Municipal de
Saúde disponibilizava um veículo para levar os doentes mentais para essas modalidades
hospitalares existentes na região, ou mesmo fora dela. A demanda era excessiva, pois os
pacientes não tinham condições de serem acompanhados sistematicamente, não havendo
alternativa a não ser o encaminhamento aos hospitais psiquiátricos. Na época, todo o trabalho
de saúde mental era prestado pela Secretaria de Saúde e Ação Social do Município em
parceria com o Estado, por meio da SSMA/RS, como afirma Miron (1998, p. 94),
[...] uma variação na idade dos sujeitos encaminhados ao hospício desde menores (8,
10, 12 e 15 anos) até idosos (76, 80 anos), a maioria em idade produtiva (18/55
anos), permanecendo no espaço asilar grande parte de seus anos mais férteis [...]
nota-se que a maior parte destes pacientes estão ligados à atividade agrícola, o que é
compreensível em um município de economia predominantemente rural [...].
A reflexão sobre a loucura passou a integrar as discussões nas universidades e dos
profissionais de instituições psiquiátricas. A luta corporativa por melhores condições de
trabalho, dignidade e autonomia profissionais questionava as condições de atendimento aos
pacientes e a hegemonia dos hospitais privados, que representavam a assistência psiquiátrica
até então, mobilizando setores da sociedade civil em favor dos direitos dos pacientes.
Essa década, definida pelos economistas como “a década perdida” devido à estagnação
econômica, também foi um momento de forte movimentação dos trabalhadores em saúde
mental, apesar de as instituições evoluírem em suas práticas ultrapassando o modelo
tradicional, qual seja, os atendimentos ambulatoriais e de internações hospitalares permanece
o paradigma hospitalocêntrico.
10 Ocorrência inesperada de um novo sintoma ou de um sintoma antigo, com duração superior a 24 horas.
69
Nessa época, ocorrem quatro fatos importantes para o entendimento do processo de
implantação da reforma psiquiátrica no Brasil, a saber: a) 8ª Conferência Nacional
de Saúde, marco criador do SUS (Sistema Unificado de Saúde); b) II Congresso
Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental; c) apresentação do projeto de lei
3657/89, de autoria do deputado Paulo Delgado; e d) Conferência Nacional de
Saúde Mental (RABELO; TORRES, 2006, p. 57).
Toda essa movimentação termina por enriquecer a trajetória da reforma psiquiátrica no
Brasil, que passa a articular as transformações técnico-assistenciais a campos político-
jurídico, teórico-conceitual e sociocultural (AMARANTE, 1995a).
As produções teóricas buscam outras referências conceituais para definir um novo
objeto de conhecimento para dar suporte à clínica institucional. Curioso é notar que a
Psicanálise, até então ordenadora da psicopatologia, lugar à Psiquiatria biológica. Com
isso, a ciência assume a condução dos tratamentos em detrimento de um espaço para o sujeito,
propósito da reforma psiquiátrica. no que diz respeito à gestão institucional, esta
continuava sob os efeitos de uma clínica positivada, considerando que a especialidade médica
era quem estabelecia as orientações aos enfermos mentais. nos outros campos, citando
Amarante, as autoras assim se manifestam
O campo técnico-assistencial tenta construir novos espaços de sociabilidade, trocas
e produção de subjetividades. O campo jurídico-político propõe a revisão das
legislações que envolvem os doentes mentais e tenta instaurar a construção de novas
possibilidades de ingresso social. Por último, o campo sociocultural tem por objetivo
transformar o imaginário social acerca da loucura, buscando práticas sociais de
solidariedade e inclusão dos diferentes (RABELO; TORRES, 2006, p. 58).
A partir do movimento dos trabalhadores em saúde mental e de todas as discussões
feitas em fóruns; com a efervescência dos movimentos de redemocratização do país, com a
proposta das “Diretas Já” e no embalo de um novo modelo de gestão, mais democrático,
voltando-se ao resultado para o usuário e não para a produção de procedimentos terapêuticos,
resultou na instituição de dois projetos piloto: em São Paulo, o Centro de Atenção
Psicossocial (CAPS) e em Santos, o Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS).
São modelos de instituições com propósitos opostos ao da visão dos hospitais
psiquiátricos que visam à internação dos pacientes. Esses modelos vão permitir que
profissionais de diferentes áreas do conhecimento atuem de modo transdisciplinar e juntos
construam vínculos terapêuticos e uma responsabilização compartilhada entre pares na equipe
e também com o usuário em seu plano terapêutico.
70
Seguindo esta tendência, é apresentado o projeto de Lei 3.657/89, do deputado
Paulo Delgado, procurando a extinção progressiva das instituições públicas manicomiais e
regulamentando os direitos dos doentes mentais. Como declara Gondim (2001, p. 34), o
referido deputado apresentou seu projeto de lei com base na constatação de que o
“crescimento desordenado da oferta de internações psiquiátricas gratuitas, ao longo da
segunda metade dos anos 60 e até o terceiro quarto da década de 70, torna-se o principal
obstáculo para a implantação de programas assistenciais mais competentes”. Em linhas gerais
propõe:
a) a proibição da expansão dos leitos manicomiais públicos;
b) um novo desenho do dispositivo de cuidado, ou seja, um novo tipo de cuidado;
c) uma rede de serviços a ser construída pelas administrações regionais de saúde, e
d) o fim das internações compulsórias.
Assim foi-se constituindo uma adesão dos trabalhadores em saúde mental a novos
saberes, com a substituição do paradigma da Psiquiatria clássica, que produziu durante três
séculos uma relação direta entre doença/manicômio/periculosidade, por um novo estatuto, que
tem como proposta a inserção dos doentes mentais na sociedade, promovendo sua cidadania.
A influência do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental na cidade de Ijuí/RS
não difere das outras cidades da região. Fato marcante neste período é a chegada de um
especialista para assumir o trabalho na SSMA/RS e a partir daí, as referências voltam-se para
a Psiquiatria. Na década de 80 Ijuí passa a contar com um Psiquiatra (MIRON, 1998). Os
pacientes eram encaminhados para os hospitais psiquiátricos da região. A demanda era
excessiva, acreditando-se que este aumento estava relacionado com a perda do ordenador
simbólico, que era a terra, uma vez que nessa época inicia-se o fenômeno da globalização,
com quase todos os países latino-americanos mergulhando em profunda crise (BRUM, 1999).
O efeito dessa realidade no campo das patologias mentais é uma massificação do
desejo e uma impossibilidade de marcar a diferença, o que é antagônico nesse mesmo
momento, pois o ser humano vem deliberadamente polir-se para poder representar a sua
singularidade numa sociedade que cada vez mais exige um espetáculo para que seja possível
alcançar um reconhecimento individual. “Nos perguntamos em que medida barrar a
individualidade de muitos é condição sine qua non para a individualidade de alguns, ou se a
individualidade, sem sua presente versão, pode ser outra coisa que não um privilégio”
(BAUMANN, 2007, p. 39-40).
71
Com vários segmentos da sociedade percebendo os efeitos dos tratamentos nos
doentes mentais, uma mudança no sistema foi se impondo para que se preservasse a
integridade psíquica e se restabelecesse a condição de cidadão dos pacientes. Acredita-se que
culturas manifestam-se fundamentalmente por meio de sua inserção nas instituições e
organizações. Para Castells (2002, p. 209):
Por organizações, entende-se os sistemas específicos de meios voltados para
execução de objetivos específicos. Por instituições, compreende-se as organizações
investidas de autoridade necessária para desempenhar tarefas específicas em nome
da sociedade como um todo. Lógicas organizacionais são as bases ideacionais para
as relações das autoridades institucionalizadas.
O modelo de gestão das práticas de saúde seguia a estrutura do modelo hierárquico
imposto no país naquele momento histórico, e as instituições respondiam ao discurso
dominante, cuja cultura estabelecida era determinada pela produção de atendimentos ao invés
de criar espaços para os sujeitos; era a quantidade de pessoas atendidas que balizava o
trabalho, o que perdura até o presente momento na cultura dos serviços em saúde.
Quando a ênfase é dada exclusivamente aos fatores econômicos, Brum (1999) refere-
se à década de 80 como uma “década perdida” em termos de desenvolvimento, com taxas de
inflação elevadas e um processo de passagem de um longo período de ditadura militar para
uma governança civil, o que produz efeitos nas instituições. Sob o ponto de vista das receitas
públicas, logicamente que o número de atendimentos vai captar mais recursos das esferas
federal e estadual para o Município, mas se a produção for o propósito de uma política de
saúde, a população que busca este serviço passa a ser massificada e categorizada por
procedimentos.
Apesar de o Município de Ijuí/RS instituir o CAPS em 1998, os hospitais continuaram
a desempenhar um papel importante, principalmente nos casos em que a contenção do
sofrimento psíquico requer uma instituição com uma equipe preparada para tal finalidade. “A
principal mudança pode ser caracterizada como a mudança de burocracias verticais para
empresa horizontal” (CASTELLS, 2002, p. 221). É importante ressaltar, contudo, que neste
momento histórico do movimento da saúde mental, os hospitais não são a única instituição
capaz de trabalhar com as afecções psíquicas.
Assim, coexistem as duas formas de condução do tratamento das pessoas em
sofrimento psíquico. A opção de trabalhar em uma vertente do conhecimento ou noutra
72
depende muito das concepções teórico-conceituais adotadas, da formação de cada equipe,
assim como também das concepções de sujeito e, principalmente, de gestor.
Com o início dos trabalhos do CAPS pela Secretaria de Saúde, um novo paradigma de
atendimento e concepção da loucura se estabelece no Município de Ijuí. Os anos 90 se
caracterizaram pelo fortalecimento do processo de globalização e a utilização mais eficiente e
eficaz do sistema de relações em rede. Essas diferentes tendências da transformação
organizacional da economia informacional são relativamente independentes entre si. A
formação de redes de subcontratação centralizadas em empresas de grande porte constitui um
fenômeno diferente da formação de redes horizontais de pequenos e médios negócios. A
estrutura em forma de teia resultante das alianças estratégicas entre as grandes empresas é
diferente daquela de uma empresa horizontal. As redes são os componentes fundamentais das
organizações e são capazes de se formar e se expandir por todas as avenidas e becos da
economia global porque contam com o poder da informação, propiciado pelo novo paradigma
tecnológico (CASTELLS, 2002).
Por meio das novas tecnologias ficaram facilitadas as informações e as comunicações,
passando o serviço de saúde mental a se organizar em rede, isto é, os encaminhamentos dos
usuários às instituições psiquiátricas ocorrem via rede pública de atendimento. Como regra,
um paciente que chega ao CAPS foi encaminhado por um ambulatório da rede. Na hipótese
de ele necessitar de hospitalização, normalmente é mediante a avaliação feita no CAPS que
será encaminhado a um hospital geral ou para uma clínica especializada, no caso um hospital
psiquiátrico.
Assim, podem-se considerar três níveis de atendimento: primeiro o da rede básica, o
ambulatório; segundo, o do CAPS, um atendimento especializado; e terceiro o da
hospitalização, para atendimentos dos casos mais complexos. Este nivelamento caracteriza o
atual modelo de organização em rede para esta especificidade de trabalho.
Com o fenômeno da globalização e o advento do avanço das pesquisas nas
neurociências, novas patologias começaram a surgir, levando a loucura, paulatinamente, a
tomar outro lugar na cena social. Nem todo louco é institucionalizado: muitos circulam e
gozam das prerrogativas da cidadania, e são reconhecidos por marcarem uma diferença numa
sociedade que tem o propósito de tornar todos iguais.
73
É na quebra das fronteiras entre os povos que também as fronteiras e os limites entre
Eu e o Outro
11
se enfraquecem. Com esses limites enfraquecidos, as representações de “um
dentro e um fora” declinam. O efeito disso é a elasticidade que se estabelece entre “o dentro e
o fora de mim”.
Até meados dos anos 70, “fora de mim” significava um estado de loucura, enquanto
“dentro de mim”, definia um sujeito autocentrado. Hoje, na sociedade do espetáculo, diz-se
que o sujeito está “fora da casinha”, é um diferente, polindo seu próprio Eu e como
conseqüência tendo grandes dificuldades de estabelecer relações interpessoais (BIRMAN,
1998).
Outrora esse sujeito era “considerado um alienado, na relação mestre e escravo, como
ato imoral ou irracional pelo qual alguém entrega todos os seus bens para o gozo de Outro.
Esse é o sentido negativo do termo que será preservado na Psiquiatria” (POLI, 2005, p. 95).
Atualmente é visto como um narcisista que transita em sua errância em uma sociedade
organizada em rede e sob efeito da medicalização do espírito, uma forma sutil de aprisionar e
controlar os humores humanos. Em detrimento desta análise, fica-se inclinado a ver nos
arranjos contemporâneos do poder uma nova e melhorada versão das velhas e basicamente
inalteradas técnicas panópticas
12
(BAUMANN, 1999).
A psicofarmacologia tornou-se uma espécie de imperialismo, permitindo que todos os
médicos abordem da mesma maneira todo tipo de afecção psíquica. Atualmente se utiliza em
escala mínima a camisa de força mecânica, e opta-se pela camisa de força química, ocorrendo
assim um avanço na contenção e nos tratamentos da loucura, apesar da perda da condição
humana verificada quando o sujeito fica imobilizado quimicamente.
Este é um paradigma, o da Psiquiatria biológica, que concebe o homem como uma
máquina que pode ser ajustada, e que todo o sofrimento humano tem uma matriz na
bioquímica cerebral, bastando administrar a dose certa para que funcione, ficando o
especialista no comando do tratamento, uma verticalização que se mantém pela hierarquia das
profissões.
11
Lugar onde a Psicanálise situa, além do parceiro imaginário, aquilo que, anterior e exterior ao sujeito, não
obstante o determina (CHEMAMA, 1995).
12
Arquitetura de uma instalação penitenciária bastante especial. Trata de um princípio apropriado tanto para
prisões quanto para fábricas, escritórios, hospitais, escolas, casernas, reformatórios, entre outros (PINOCHET
apud MOTTA; VASCONCELOS, 2004).
74
Metaforicamente, pode-se afirmar que foi “passada a régua” no sofrimento humano.
Assim, receitados tanto por clínicos gerais quanto por especialistas em psicopatologia, “os
psicotrópicos têm o efeito de normalizar comportamentos e eliminar os sintomas mais
dolorosos do sofrimento psíquico, sem lhes buscar a significação” (ROUDINESCO, 2000, p.
21).
Outro paradigma é composto pelas Ciências Humanas Psicologia, Psicanálise,
Sociologia, Antropologia, Filosofia, Assistência Social que dão à loucura a dimensão do
humano e suas desmesuras como constituinte da espécie, não tendo a pretensão de banir o
sofrimento psíquico, mas trabalhar em busca do próprio sentido do que faz um ser humano
enlouquecer, estabelecendo uma horizontalidade na relação entre os profissionais e os
usuários. Esta forma igualitária pode ter efeitos de discussões infindáveis e sem
resolutibilidade, mas também pode dar um lugar de sujeito, sujeito da enunciação, isto é,
oportunizar ao usuário de se implicar em seu sofrimento por intermédio da sua fala.
A partir dessa nova concepção de saúde, o conhecimento médico passou a ser
questionado pelo seu caráter apenas curativo, exigindo assim uma atuação mais ampla,
visando ao bem-estar físico, mental e social das pessoas.
Pinel havia acentuado o fato de haver contradições entre a prática psiquiátrica,
que as instituições do grande enclausuramento apontavam, e o projeto terapêutico-
assistencial original da medicina mental. Seu ato de “libertação dos loucos
ressignificou práticas e fundou um saber/prática que aspirava reconhecimento e
território de competência sobre um determinado objeto: a doença mental. Fundou
um monopólio de competência de acordo com a realidade sócio-histórica vigente.
Assim, as reformas posteriores à reforma de Pinel procuram questionar o papel e a
natureza, ora da instituição asilar, ora do saber psiquiátrico, surgindo após a Segunda
Guerra, quando novas questões são colocadas no cenário histórico mundial
(AMARANTE, 1995b, p. 21).
Outro marco importante que permitiu repensar a forma de assistência hospitalocêntica
então vigente foi a descoberta da clorpromazina, na década de 50, o que mudou o perfil dos
doentes psiquiátricos, tornando mais viável sua volta ao convívio social. No fim da década de
50, a situação da assistência psiquiátrica brasileira era caótica: superlotação, deficiência de
pessoal, maus tratos, condições de abrigo deploráveis nos hospitais. A clínica medicamentosa
veio para dar um alento a tais condições, e muitos pacientes em sofrimento, a partir de então,
não necessitavam mais de serem institucionalizados.
Amarante (1995b) subdivide, para fins metodológicos, o processo da reforma
psiquiátrica em três momentos. O primeiro, o período inicial da reforma, coincide com os
75
últimos anos do regime militar e com a fase do “milagre econômico”, em que houve
crescimento da insatisfação popular, decorrente da falta de liberdade na ditadura militar,
provocando um aumento da participação social e política dos cidadãos.
Em meio a esse contexto, formam-se grupos na área da saúde, como o Centro
Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), que se constituiu pela própria necessidade de
discussão e organização das políticas de saúde. O Cebes, com a participação de outras
organizações, origem, no ano de 1978, ao Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental
(MTSM), que assumiu papel relevante ao denunciar as irregularidades do sistema psiquiátrico
brasileiro, como torturas, corrupções e fraudes.
É principalmente a partir destas organizações que são sistematizadas as primeiras
denúncias de violências, de ausência de recursos, de negligência, de psiquiatrização
do social, de utilização da psiquiatria como instrumento técnico-científico de
controle social e a mobilização por projetos alternativos ao modelo asilar dominante.
É neste momento, efetivamente, que começa a se construir em nosso meio um
pensamento crítico sobre a natureza e a função social das práticas médicas e
psiquiátrico-psicológicas (AMARANTE, 1995a, p. 90).
O segundo momento da reforma psiquiátrica trata-se do movimento sanitarista, que se
iniciou nos primeiros anos da década de 80. Grande parte do movimento da reforma sanitária
e da reforma psiquiátrica passou a ser incorporada ao aparelho do Estado. Resultante de uma
tática desenvolvida inicialmente no seio da reforma sanitária, de ocupação dos espaços
públicos de poder e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no sistema de
saúde, num momento em que se renovavam as lideranças tecnoburocráticas (AMARANTE,
1995a).
Nesse período, foi elaborado o Plano de Reorientação da Assistência Psiquiátrica no
âmbito da Previdência Social, que se desdobra em Ações Integradas de Saúde, que constituem
os Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde (SUDS), que darão lugar ao Sistema
Único de Saúde (SUS).
O terceiro momento da reforma iniciou-se em 1987, com a 1ª Conferência Nacional de
Saúde Mental, que marca o fim da trajetória sanitarista, por confrontos ideológicos entre os
grupos organizadores e o início do projeto de desinstitucionalização. Também ocorreu nesse
período o Congresso Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, quando foi lançado o
lema “Por uma sociedade sem manicômios”. Surge, a partir daí, o Centro de Atenção
Psicossocial em São Paulo, modelo de atenção adotado até hoje.
76
A consolidação da proposta da reforma psiquiátrica exige uma série de mudanças nos
mais diversos setores da sociedade para que estes estejam preparados para receber a
população que será desinstitucionalizada, não dando continuidade à exclusão até então
existente. Para que o projeto da reforma alcance seus objetivos, é fundamental que as pessoas
desinstitucionalizadas consigam estabelecer vínculos sociais, possuir autonomia, além de
apoio familiar, e ter assegurados os direitos de usuários dos serviços de saúde mental.
A rede pública deve colaborar para a concretização dos princípios da
institucionalização por meio da redução do número de leitos hospitalares e com o
concomitante incremento dos serviços em saúde que se responsabilizem pelo
acompanhamento dos pacientes psiquiátricos, de maneira a evitar seu redirecionamento para
internação hospitalar. Para atender a essas mudanças, o Município de Ijuí dispõe, desde 1991,
de um serviço público que presta atendimento clínico e ambulatorial à parcela da população
em sofrimento psíquico. É a partir desse ano que o Município passa a contar com
atendimentos psicológicos no serviço público de saúde.
Em agosto de 1998, é inaugurado o CAPS e contratado o primeiro psicólogo na
Secretaria Municipal de Saúde e Meio Ambiente. Até então esse profissional prestava serviço
somente na Secretaria de Ação Social. Neste novo modelo de atenção o CAPS as mais
diversas áreas que constituem a equipe multidisciplinar têm como objetivo, por meio do
“trabalho institucional aos sujeitos em sofrimento psíquico, que se possibilite o deslocamento
desse sofrimento numa forma em que se resgatem e/ou construam um lugar de cidadania”
(Projeto Técnico do CAPS de Ijuí, 2003).
E para que isto aconteça todos os processos, tanto de organização quanto de
planejamento das ações da instituição, devem ter a participação dos pacientes, seus familiares
e os profissionais envolvidos, de modo a possibilitar aos sujeitos em tratamento a construção
da autonomia. Esta é importante na reabilitação, pois propicia ao sujeito o convívio social e,
por consequência, a sua inserção.
É assim que os CAPS buscam alcançar a reformulação dos paradigmas até então
vigentes sobre o tratamento da doença mental. Há muito a ser construído no que se refere às
práticas para a concretização da reforma psiquiátrica, mas, com certeza, muitos efeitos o
trabalho produziu na interlocução da loucura como constituinte da condição humana e
produto do social que inclui e exclui.
77
5 DAS PREMISSAS REGULAMENTARES DO MINISTÉRIO DA SAÚDE À
GESTÃO DOS CAPS DO MUNICÍPIO DE IJUÍ/RS
Apesar de a concepção e o território de localização de um CAPS serem variáveis e de
que isto influencia na condução dos trabalhos da instituição, todas as gestões dos CAPS
seguem as mesmas prescrições, eis que regulamentadas em todo o país pelo Ministério da
Saúde, através de Portarias.
A primeira normatização foi a Portaria 224, de 29 de janeiro de 1992, que
estabeleceu as normas para implantação destas instituições. Referida norma foi revogada pela
Portaria 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, a qual veio para regulamentar as diferentes
categorias destes Centros (CAPS I, CAPS II, CAPSad e CAPSia).
Esta regulamentação é válida em todo o território nacional, o que estabelece uma certa
unidade padrão para a instituição CAPS, mas cada CAPS está inserido em um determinado
território e atuação e sob a coordenação de um gestor, que coloca em movimento, ou não, as
políticas de saúde mental estabelecidas nesta linha de trabalho.
A Portaria nº. 336/GM, de 19 de fevereiro de 2002, estabelece que os serviços de
CAPS I se instalam em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes e CAPS
II que se alojam em municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes, os quais
possuem as seguintes características: sob coordenação de um gestor local, a equipe dos CAPS
se responsabiliza pela organização da demanda e da rede de cuidados em saúde mental,
devendo ainda possuir capacidade técnica para desempenhar o papel de regulador da porta de
entrada da rede assistencial no âmbito do seu território e/ou do módulo assistencial, definido
na Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS), além de coordenar as atividades de
supervisão de unidades hospitalares psiquiátricas, supervisionar e capacitar as equipes de
atenção básica, serviços e programas de saúde mental no âmbito do seu território e/ou do
módulo assistencial, bem como realizar, e manter atualizado, o cadastramento dos pacientes
que utilizam medicamentos essenciais para a área de saúde mental regulamentados pela
Portaria/GM/MS 1077 de 24 de agosto de 1999 e medicamentos excepcionais,
regulamentados pela Portaria/SAS/MS 341 de 22 de agosto de 2001, dentro de sua área
assistencial.
Ainda nos termos constantes na Portaria nº. 336/ 02, para atuação no CAPS I, para o
atendimento de 20 pacientes por turno, tendo como limite máximo 30 pacientes/dia, em
78
regime de atendimento intensivo, a determinação de uma equipe cnica mínima de 09
(nove) profissionais, assim composta: um médico com formação em saúde mental; um
enfermeiro; três profissionais de nível superior entre as seguintes categorias profissionais:
psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário
ao projeto terapêutico; e quatro profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de
enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.
para atuação no CAPS II, a Portaria estabelece que a equipe técnica mínima para o
atendimento de 30 pacientes por turno, tendo como limite máximo 45 pacientes/dia, em
regime intensivo, será constituída de onze profissionais, devendo estar assim constituída: um
médico psiquiatra; um enfermeiro com formação em saúde mental; quatro profissionais de
nível superior entre as seguintes categorias profissionais: psicólogo, assistente social,
enfermeiro, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário ao projeto
terapêutico; e seis profissionais de vel médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão.
Importante ainda acrescentar, com base na Portaria já mencionada, as atividades
desenvolvidas pelas equipes que compõem os CAPS. Assim, para os pacientes dos CAPS I e
II, são estabelecidas as seguintes atividades: atendimento individual (medicamentoso,
psicoterápico, de orientação, entre outros); atendimento em grupos (psicoterapia, grupo
operativo, atividades de suporte social, entre outras); atendimento em oficinas terapêuticas
executadas por profissional de nível superior ou nível médio; visitas domiciliares;
atendimento à família; atividades comunitárias enfocando a integração do paciente na
comunidade e sua inserção familiar e social; os pacientes assistidos em um turno (quatro
horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois turnos (oito horas) receberão duas
refeições diárias.
5.1 Constituição e funcionamento dos CAPS
Para entender uma proposta de trabalho de uma instituição, faz-se necessária a
apresentação. Será apresentado o CAPS II do Município de Ijuí/RS, com sua organização e
proposta de atividades, utilizando os dispositivos prescritos na referida Portaria, os quais são
conduzidos pela equipe e pelo gestor. Os dispositivos vão-se articular com a proposta das
79
políticas públicas de saúde mental, à medida que estiverem alinhados com as concepções que
fundam o novo paradigma através da reforma psiquiátrica.
O serviço de saúde mental em Ijuí/RS, com uma equipe mínima, multidisciplinar,
iniciou suas atividades no ano de 1991. A partir desse ano, o Município se insere nas políticas
de saúde mental, até então de responsabilidade do Estado. Seu engajamento maior dá-se
através dos CAPS I e II.
Para verificar a proposta das instituições construídas na interface das gestões e equipe,
necessário fazer um relato da organização dos trabalhos através das atividades desenvolvidas
no CAPS II. A pesquisa ainda vai apresentar as entrevistas efetuadas com os gestores,
servidores, usuários e familiares, as quais serão articuladas com referencial teórico.
Devido à incidência elevada de pessoas em sofrimento psíquico e à necessidade de um
atendimento qualificado e aperfeiçoado para atender essas pessoas, de forma a terem uma
vida independente e produtiva, fez-se necessário ampliar o Programa de Saúde Mental. A
partir de agosto de 1998, este serviço se constitui como Centro de Atenção Psicossocial,
atendendo à Portaria MS/SAS nº 224, de 29 de janeiro de 1992.
No ano de 2002 o CAPS de Ijuí/RS foi recadastrado como CAPS II, de forma a
atender a Portaria 336/GM de 19 de fevereiro de 2002 e a Portaria 189, de 20 de março
de 2002. A política de atendimento ambulatorial acompanha o início e a história do CAPS II,
por isso o CAPS de Ijuí/RS presta atendimento clínico e ambulatorial às pessoas em
sofrimento psíquico do Município e tem como principal objetivo proporcionar à comunidade
atenção na área de saúde mental, estimulando a socialização do indivíduo em sofrimento
psíquico, possibilitando-lhes o desenvolvimento de uma vida independente e/ou produtiva,
bem como do exercício pleno de sua cidadania.
Dentre os objetivos constantes no Plano de Trabalho do CAPS II de Ijuí/RS constam:
Proporcionar à comunidade um local que oportunize às pessoas em sofrimento psíquico
ter um espaço de escuta e terapêutica, com acompanhamento dos familiares, através da
equipe multidisciplinar;
Realizar oficinas de trabalho e expressão com os pacientes;
Reduzir as internações hospitalares, possibilitando ao sujeito, sua permanência no seu
meio sócio-familiar;
80
Promover trabalho de educação junto à comunidade, para sensibilização quanto à
reintegração das pessoas em sofrimento psíquico, ao meio social e os preconceitos em
relação à doença mental;
Promover ações que incentivem o lazer e a preservação dos valores culturais das pessoas
em sofrimento psíquico;
Realizar e participar de grupos de estudos, seminários, fóruns, debates, jornadas, com a
equipe multidisciplinar e outras entidades e profissionais afins;
Promover e incentivar ações de integração do CAPS com os diversos seguimentos da
comunidade de Ijuí/RS;
Promover trabalho de educação aos profissionais de toda a rede básica, capacitando-os
para o atendimento de pessoas em sofrimento psíquico.
O Centro de Atenção Psicossocial atende a demanda e a incorpora ao sistema de
saúde. É neste tipo de acesso em que a noção de vínculo de acolhida garante não só o
atendimento dos pacientes no serviço, mas o comprometimento da equipe por sua saúde
integral de forma individual e coletiva. Os pacientes, na sua maioria, são encaminhados por
médicos, psicólogos e enfermeiros que atuam na rede básica. São também encaminhados por
outros serviços de saúde ou egressos de internação hospitalar. As pessoas que procuram o
serviço espontaneamente são também acolhidas.
O primeiro atendimento é feito pela enfermeira, que realiza o acolhimento, a triagem e
avaliação inicial. Na entrevista levanta dados de identificação, queixas principais, sinais e
sintomas clínicos. A partir disso, faz o encaminhamento para os outros atendimentos,
conforme severidade do quadro clínico do paciente e/ou da indicação do profissional que o
acompanha.
Durante o período de tratamento, o paciente recebe o acompanhamento da equipe
multidisciplinar. Ele possui um prontuário único e individual, onde são registrados o Plano
Terapêutico Individual, os atendimentos da equipe e ou intercorrências do paciente. O
controle dos medicamentos é realizado pela equipe de farmácia e enfermagem, que orienta,
administra e faz o acompanhamento clínico necessário. No prédio do CAPS, também
funciona a farmácia de psicotrópicos da SMSMA, que fornece gratuitamente os
medicamentos aos pacientes que consultam na rede básica.
O serviço de psicologia é realizado pelos psicólogos da instituição. O indivíduo que
demandar atendimento psicológico será agendado conforme disposição de horário. O setor de
81
Assistência Social realiza coleta de dados para avaliação sócio-familiar. As visitas
domiciliares são realizadas em dois períodos semanais pelos setores de assistência social e
enfermagem.
As internações locais pedidas pelos médicos da instituição são encaminhadas pela
Assistente Social para hospitais especializados, fora do Município, através da 17ª
Coordenadoria de Saúde.
A equipe do CAPS II reúne-se semanalmente, na segunda-feira, das 13h30min às 17h,
visando discutir assuntos clínicos e questões administrativas do serviço, bem como para
realizar estudos de casos e estudos sobre as psicopatologias, com elaboração de planos
terapêuticos dos casos discutidos.
O Centro de Atenção Psicossocial CAPS II Colméia foi criado para ser um serviço
substitutivo ao hospital psiquiátrico e para promover a construção de uma rede efetiva de
cuidados em saúde mental. Sua principal função é constituir-se em um lugar de referência e
tratamento para pessoas que sofrem de transtornos mentais cuja severidade e/ou persistência
demandem sua inclusão num dispositivo de cuidados intensivos. Dentre as atividades
desenvolvidas no CAPS II Colméia, destacam-se atendimentos individuais, visitas
domiciliares, oficinas terapêuticas, atendimentos em grupo, alimentação, reuniões de equipe,
supervisão clínico-institucional.
Equipe deste CAPS se compõe de: um Coordenador; dois Médicos Psiquiatras; uma
Médica Clínica Geral; uma Enfermeira; duas Técnicas de Enfermagem; três Psicólogas; uma
Farmacêutica; uma Assistente Social; uma Terapeuta Ocupacional; três Auxiliares
Administrativos; dois Estagiários; dois Auxiliares Técnicos de Farmácia; e duas Serviçais.
Atualmente, o CAPS II atende a uma demanda de em torno de 373 pacientes com
transtornos mentais graves e persistentes, nas modalidades intensivo, semi-intensivo e não-
intensivo.
82
Quadro 2: Acompanhamentos realizados em grupos terapêuticos
Fonte: CAPS II, Ijuí/RS.
Os princípios que regem os encontros de grupo foram sendo construídos pelos
próprios integrantes. A proposição é construir um lugar possível de ser sujeito. Fica claro no
trabalho que um fazer-se. É um processo, uma passagem de vida, uma filosofia de
solidariedade que permeia o discurso dos envolvidos no processo grupal. No trabalho em
grupo, a possibilidade de resgate da auto-estima tem espaço genuíno. Este espaço coletivo
resgata o olhar e oferece a possibilidade de reconhecimento de um sujeito ativo que age e
reage na busca de novas perspectivas de vida, com reinserção na cena familiar e/ou social.
Os grupos terapêuticos têm como objetivos:
criar espaços de fala onde os sujeitos possam trazer situações vivenciadas não em
termos de sofrimento, mas de avanços nas relações familiares e no social. Os grupos são
abertos a familiares;
incentivar um resgate prazeroso de atividades, buscando o ressurgimento da motivação;
estimular capacidades;
instigar os componentes do grupo via estímulos solidários vindos do próprio grupo;
acolher as queixas e propor a busca de alternativas com o próprio grupo;
buscar autonomia.
O grupo funciona como um continente, como suporte, onde os integrantes têm nome e
lugar próprio. O estar no grupo permite compartilhar suas questões e aliviar tensões além de
exercitar a capacidade de socialização.
Observa-se que, embora haja a solicitação constante por parte dos profissionais sobre a
participação dos familiares pelo menos a cada dois ou três meses, poucos a fazem. Os
pacientes desculpam-se por serem sozinhos ou porque os familiares trabalham e não podem
dispor desse tempo.
Modalidade Nº de pacientes Percentual (%)
Pacientes Intensivos 24 6
Pacientes Semi-Intensivos 67 18
Pacientes Não-Intensivos 114 30
Pacientes sem APAC (Autorização de Procedimentos
Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo)
168 46
TOTAL 373 100
83
Os CAPS, além de se apresentarem como organizadores da rede de assistência à saúde
mental, atuando ao lado das demais instituições, surgem com o principal objetivo de substituir
os tratamentos psiquiátricos tradicionais, em especial a internação, proporcionando, assim,
uma nova imagem da sociedade em relação aos doentes mentais.
A partir do momento da estabilização do paciente, segue-se a reinserção em sua rede
social, incluindo seu acompanhamento clínico na Unidade Básica (U.B.) de sua referência.
Para conduzir a inserção dos usuários no social, a instituição organiza atividades
comunitárias. Visando promover ações que incentivem a preservação dos valores culturais e
sociais das pessoas em atendimento, o CAPS promove passeios e festas em datas
comemorativas.
As festas desenvolvidas anualmente são a Festa de São João, Festa do aniversário do
CAPS e a Festa de Natal. No período da Feira de Exposições anual do Município (EXPOIJUÍ e
FENADI), o CAPS desenvolve também um passeio à Feira. Já foram realizados passeios às
Ruínas de São Miguel, um importante ponto turístico e histórico da região, e passeios à Fonte
Ijuí, Usina do DEMEI e Museu Antropológico Augusto Pestana, pontos turísticos de Ijuí/RS.
Ainda, como forma de incentivar os valores artísticos e culturais, os usuários do CAPS são
motivados a participar com apresentações musicais e poesias nas festas e eventos promovidos em
Ijuí/RS.
A diversidade do enquadramento clínico de cuidados se realiza pelas atividades
prescritas na Portaria 336/2002 e gestadas nos CAPS pela relação estabelecida entre o
coordenador e a equipe. Nesta visão, as atividades podem ter um cunho de ordem clínica ou
burocrática, com tendências mais a uma do que a outra, ambas com efeitos na equipe e
usuários. A clínica respalda o sujeito; a burocrática, a organização. A primeira coloca a
singularidade do sujeito como prioridade da ação terapêutica, enquanto a segunda faz emergir
a impessoalidade. Dependendo da concepção de gestor, uma das tendências vai apontar para o
traço da instituição.
Ao ingressar um usuário em um CAPS, há que se ter a clareza de que nenhuma relação
se a priori. Os vínculos iniciais são frágeis e demandam atenção e cuidados especiais;
qualquer deslize pode rompê-los. Por esta razão, perceber em que e qual mundo é deste ser
(família, trabalho, amigos), assim como ele se posiciona neste mundo, é tarefa da coordenação
e dos cuidadores.
84
A complexidade do ofício de quem cuida passa pela recepção, acolhimento, pela
clínica medicamentosa, atendimentos individuais, em grupo, oficinas expressivas e de geração
de renda, projetos de residência terapêutica, articulações intersetoriais, plano ou projeto
terapêutico individual.
O projeto terapêutico individual (PTI), elaborado pela equipe do CAPS, se reveste de
fio condutor da proposição e direção do tratamento. Envolve na proposta: o usuário, seus
familiares, bem como integrantes de equipes profissionais de outros serviços, ativados a partir
da necessidade do usuário.
Estabelecido o enquadramento clínico (PTI), o trabalho inicia com a responsabilização
e o compromisso com o tratamento. Em algumas ocasiões, a família resiste ao tratamento
proposto, quer internar o usuário num hospital psiquiátrico; o seu empregador pretende
demiti-lo, enquanto a escola não o aceita. Não raro, existem divergências entre os integrantes
da equipe do CAPS quanto a melhor intervenção ou projeto terapêutico. Nessas situações, a
posição do gestor pode ocasionar omissão, fechamento ou abertura para a condução do PTI.
Confirmado o projeto terapêutico (PTI), um integrante da equipe do CAPS fica como
referência para verificar os efeitos das ações no usuário. Ao coordenador, que tem a função de
conduzir a instituição, se os efeitos de sua comunicação fazem eco. A forma de comunicação
pode balizar as concepções prescritas das políticas públicas em saúde mental. Conforme
Lapassade (1989), o lugar de trabalho se estrutura através de três níveis: do grupo, da
organização e da instituição. A proposição de um quarto nível, qual seja, o da equipe, emerge
por considerar que a concepção do gestor tem participação direta na circularidade dos níveis,
pois, ao relacionar os efeitos da comunicação do gestor no grupo, os fenômenos grupais
podem emergir e produzir “coesão ou divergência” (LAPASSADE, 1989).
Comunicação, narrativa e discurso se entrelaçam com os níveis. O fenômeno de
coesão ou de divergência propicia a narrativa da organização, a qual se explicita na maneira
de os profissionais contarem suas trajetórias de trabalho na instituição. Esta tem um discurso
próprio de articular as relações de trabalho capaz de produzir alteridade ou não entre os pares
da equipe, usuários, familiares, ou seja, construir espaços para o sujeito fazer circular a
palavra capaz de produzir ato. Com isto, pretende-se estudar o lugar/estilo do gestor que tem a
função e a responsabilidade de administrar pessoas, como sugere Goffman (1996).
85
O levantamento das comunicações feitas pelos gestores, da narrativa dos servidores do
CAPS e das unidades básicas, além do discurso dos usuários e seus familiares são
apresentados por fragmentos de suas falas (Quadros 6 e 7).
5.2 A gestão no olhar dos atores sociais
A questão da gestão é um tema recorrente em diversas instituições. Nos CAPS I e II,
começa a se evidenciar. Com isso, quer-se perceber como o gestor se comunica, qual é o seu
estilo de relacionamento e de liderança e como concebe o processo de aprendizagem nos
CAPS.
As concepções de gestor e as influências das subjetividades na dinâmica gerencial se
presentificam na complexa teia de comunicação que passa pela posição do gestor e a
influência deste nas subjetividades que se reúnem em torno do coordenador. Seu estilo de
estabelecer vínculos e de se relacionar com os atores da instituição pode facilitar ou inibir o
processo de aprendizagem. Com vínculos estabelecidos em processo de aprendizagem, os
implicados com os propósitos da instituição podem aprender a observar, refletir sobre os
acontecimentos e encontrar sentidos no trabalho, haja vista que esta forma de estabelecer
laços com pessoas e com o objeto que os reúne produz subjetividade. Assim sendo, pode-se
utilizar as palavras de Guatarri e Rolnik (1986, p. 28), quando dizem: “produção de
subjetividade é a matéria-prima de todo e qualquer trabalho”.
As instituições dizem respeito a esta produção, ficando aos coordenadores a
incumbência de facilitar ou inibir o processo.
No quadro a seguir transcrito são levantados fragmentos de falas dos coordenadores.
Percebe-se que a comunicação em cadeia se evidencia no coordenador “A” e em estrela nos
coordenadores “B” e “C”, enquanto no coordenador “D”, ela ocorre em círculo.
86
Quadro 3: Síntese das percepções dos coordenadores sobre a gestão dos CAPS
COORD A B C D
EQUIPE Quem conduz a equipe
sou eu.
Quem faz essa gestão
sou eu.
Só alguns opinam
nas reuniões.
“É eu pensar que
tenho essa
situação.”
Nossa equipe tinha
uma posição clara,
bem unificada.
Procuro valorizar
os profissionais.
Equipe pequena
visão puramente
psiquiátrica.
Meu trabalho foi
trazer toda essa
discussão.
USUÁRIO A gente tem dificuldade
com o usuário,
principalmente a
frequência.
Eu vejo o usuário
como na parte
administrativa,
técnica e
assistência, ênfase
no plano.
Uma demanda
bastante acentuada.
Definir quem seria
atendido.
Meu lugar era de
gestora, o máximo
que eu fazia era
conversar com eles.
FAMÍLIA Falta de participação
da família. Eu cobro.
Sempre com um
familiar junto.
A gente procurou
fazer assembléia
com familiares.
Demanda muito
grande de
atendimento. A
família pressionava
junto ao secretário,
vereador para ser
atendida.
REDE Sempre tem que estar
restabelecendo esse
vínculo.
Referência/contra-
referência.
Proposta de
capacitação de toda
rede pela equipe
matricial.
A gente semeou
uma semente após
ouvir muitas
colocações das
necessidades
Foi feito um
trabalho de
marketing de que o
CAPS era uma
clínica pública,
com isso os
preconceitos
diminuíram.
REGISTROS/
INSTITUIÇÃO
Tudo era muito solto,
não tinha alguns
documentos, coisas não
registradas. Tudo passa
pela coordenação.
O registro é
importante, mas
muito pouco é
feito.
Registros eram
todos manuais, era
apenas uma idéia a
interação em rede
com os
ambulatórios.
O estilo de relacionamento sistêmico controlador aparece no coordenador “A”; uma
forma mista entre os estilos sistêmico-controlador e processual-relacional são evidenciados
nos coordenadores “B” e “C”, enquanto traços processual-relacional no coordenador “D”.
No que se refere aos estilos de lideranças, transacional e transformacional, assim se
apresentam: no coordenador “A”, o transacional; nos coordenadores “B” e “C”, o
transacional/transformacional, enquanto no coordenador “D”, o transformacional. Esta forma
oferece maior visibilidade aos traços mais evidenciados. Isto não significa que não possa
haver alternância nos estilos.
87
Quanto à aprendizagem, que é um processo, esta não se estabeleceu. As qualificações,
os eventos, as jornadas, as visitas às outras instituições estão na ordem da aquisição de
conhecimentos e da comparação do fazer da instituição.
O que se depreende dessas considerações, das falas dos gestores/coordenadores é a
interferência das prescrições que dão o norte da instituição, trazendo à tona a impessoalidade
que marca a história das instituições que trabalham com doentes mentais em detrimento de
um lugar que possa levar a singularidade como traço organizador da instituição,
principalmente nos casos mais difíceis.
Sobre a prática da gestão foram observados quatro estilos diferentes: o sistêmico-
controlador, a liderança por prestígio, a liderança por identificação “amor-fusão” e a liderança
“flexível”, este utilizando o marketing social
13
.
Na equipe a gente tem reuniões semanais. Quem conduz a reunião sou eu. Eu faço a
parte dos avisos gerais, de algumas coisas, como alguns conflitos que acontecem
durante a semana e após essa discussão, após todos esses avisos, a gente passa
para parte das discussões dos casos, mas tudo quem faz essa gestão sou eu. Eu e a
equipe, a gente está sempre fazendo uma auto-avaliação de como está o trabalho no
grupo. A gente faz grupo de estudo. Então tudo isso, coisas que não tinha e que hoje
a gente está colocando em prática, porque o CAPS não tinha uma coordenação,
então tudo era muito solto, não tinham alguns documentos e algumas coisas não
eram registradas (Coordenador “A”).
O coordenador “A” manifesta traços que podem ser relacionados para os efeitos da
função gerencial e de liderança no comportamento das equipes como uma forma sistêmico-
controladora, pois o eu” do coordenador está para garantir o cumprimento das tarefas que
asseguram a realização dos objetivos.
Os registros, toda a documentação que sai do CAPS, relatório, tudo passa pela
coordenação antes de ir pros determinados lugares, eu faço o controle de tudo isso.
Todos os profissionais registram no prontuário, e se eu chamo alguém pra
conversar, algum usuário ou familiar, também é registrado nos prontuários, que a
coordenação teve essa conversa. Tudo isso é registrado também no prontuário pela
coordenadora, que sou eu (Coordenador “A”).
13
Segundo Philip Kotler e Gerald Zaltman, marketing social é a modalidade de ação mercadológica institucional
que tem por objetivo atenuar ou eliminar problemas sociais, carências da sociedade relacionadas
principalmente com questões de higiene e saúde pública, trabalho, educação, habitação, transporte e educação.
(KOTLER; ROBERTO, 1992, p. 25).
88
Na mesma linha de pensamento, o coordenador “B” se apresenta como legítimo por ter
uma vasta trajetória de trabalho prestados à vida pública, e esta gestão é somente mais uma.
Neste sentido, a comunicação se processa a partir do prestígio adquirido na política.
Eu falei com o Prefeito que era fundamental que a gente começasse a se entrelaçar
com todas as outras estruturas públicas. Nós precisamos da Secretaria de Obras, da
Assistência Social, da Secretaria de Educação, por isso que aos poucos regando
como uma planta, para que depois a gente possa usufruir (Coordenador “B”).
A liderança com esse traço é uma espécie de domínio exercido sobre o ser humano por
outro, um trabalho ou uma idéia, tem uma força de paralisar inteiramente a faculdade crítica,
enche o indivíduo de admiração, desperta um sentimento como a fascinação na hipnose
(FREUD, 1969).
Ainda sobre os traços que constituem as concepções dos gestores apresentadas tem-se
o depoimento do coordenador “C”:
A nossa equipe, no momento que eu estava atuando, era bem unificada, com uma
posição muito clara sobre o que era e para quem dirigir os atendimentos. A partir
disso então a identificação dos profissionais, conhecendo o seu percurso e também
a sua atividade externa que também era correspondente a atividade interna. Nós
tínhamos um diálogo mais aberto e franco, e a gente procurou valorizar os nossos
profissionais, trazendo junto a Secretaria da Saúde algumas questões que tenha
melhoramentos internos da instituição para oportunizar com esse trabalho da
equipe também um melhor tratamento aos nossos usuários. Nós encontramos entre
os usuários uma demanda bastante acentuada, onde foram necessárias muitas
discussões e debates para então definir quem realmente teria o seu atendimento
junto a instituição CAPS (Coordenador “C”).
A busca da identidade pelo trabalho ou pelas funções exercidas, em muitas ocasiões, é
alvo de desejo de recompensa, reconhecimento, busca de legitimação para o exercício da
função. Beira as relações de poder como o “Amor-Fusão”. “O mundo é um teatro em que
cada um é obrigado a desempenhar um papel. A boca mata mais do que a faca” (ENRIQUEZ,
2007, p. 183).
Por sua vez, o coordenador “D”, que vem pela via do marketing, afirma:
Não existia a idéia do CAPS como uma clínica pública. Foi feito todo um trabalho
de marketing nesse aspecto na comunidade e junto aos veículos de comunicação
para se trabalhar essa idéia de que o CAPS era uma clínica blica. Isso fez com
que acontecesse um aumento imenso de pacientes, porque se tinha a idéia de
quando ele estava no centro de saúde, que era um local que atendia “loucos”, e
muita gente tinha o preconceito de buscar o serviço. Quando a gente começou a
trabalhar essa idéia de clínica blica, se percebeu na época que houve um
aumento da demanda de pessoa que entenderam que era uma clínica nos mesmos
patamares de uma clínica privada (Coordenador “D”).
89
O coordenador D”, no momento de implantar o novo modelo na saúde mental para
tornar visível a proposta e também para administrar as mudanças, conduziu de forma flexível
os trabalhos da equipe.
Outra questão que era importante, que eu considerei com a equipe em termos de
gestão foi no sentido de que pra mim o importante não era a questão de cumprir
horário, aquela coisa que o profissional tinha que ficar ali de tal a tal hora, havia
isso muito engessado na equipe. Nesse sentido, em termos de práticas, eu sempre
respeitei todos os profissionais, pois o importante era a qualidade do atendimento e
não a quantidade. Isso foi algo também novo que eu comecei a trabalhar com a
equipe. O importante não era ficar quatro horas lá, mas se permanecer duas ou três
horas, deveria fazer um trabalho de qualidade nos atendimentos. Isso era o que era
realmente valorizado na minha gestão (Coordenador “D”).
Nas falas dos gestores aparecem traços que singularizam em cada um o intuito de
conduzir a instituição. Por outro lado, em momento algum se percebe a concepção de um
sujeito, que talvez fosse um fio condutor para descaracterizar os traços individuais e
evidenciar o objeto de trabalho.
Da comunicação do trabalho, parte-se para a narrativa, isto é, como os servidores
contam aquilo que lhes é comunicado. Os relatos a seguir descritos são dos servidores dos
CAPS e das unidades básicas; como os lugares da rede se complementam, semelhança de
narrativa.
5.2.1 Considerações sobre a equipe de saúde mental dos CAPS de Ijuí/RS
A equipe de saúde mental sempre está envolta com suas intervenções, produções e
invenções, para a desconstrução de modelos fixos e construções que permitam um lugar
singularizado para o usuário. Questionamentos de como intervir com o usuário que se torna
dependente do serviço; com aquele que se recusa ir ao serviço; com a família que exige a
internação em hospital psiquiátrico; ou com o usuário que incomoda a vizinhança, são
questões que fazem parte do cotidiano da instituição. Como trabalhar com isto que o cessa
de aparecer?
Por sua vez, a produção de intervenções divergentes desencadeia afetos e efeitos nos
vínculos de trabalho entre os profissionais de um CAPS e dos seus usuários. Para trabalhar
com efeitos de afetos e vínculos, é necessário inventar. As invenções estão atreladas a uma
realidade que pode se modificar caso a instituição se encontre em processo de aprendizagem.
90
Esta pode se constituir em formação, desde que ocorra em etapas graduais e que estejam
relacionadas à concepção de sujeito.
O mais importante que ocorre é que não somente podem se esclarecer e corrigir
problemas e situações, mas sim que gradualmente tem lugar uma meta-
aprendizagem que consiste em que os implicados na tarefa apreendem a observar e
refletir sobre os acontecimentos e a encontrar seu sentido, seus efeitos e
integrações”, não se trata de um processo educacional para formar um profissional,
mas para abrir novos caminhos e valores (BLEGER, 1984, p. 47).
Em muitas ocasiões, o que se observa em uma equipe multidisciplinar são os diversos
problemas se tornarem dispositivos burocráticos. Com base em Figueiredo (2005), a divisão
do trabalho em um CAPS não raro emerge da hierarquização das relações, nas quais o saber
médico prepondera sobre os outros saberes que ocupam um papel secundário.
Por exemplo, no cotidiano dos ambulatórios de saúde mental, que se propõem como
espaços de trabalho em equipe multiprofissional, o reflexo desta divisão se com a
consulta do psiquiatra como a atividade prioritária e essencial, com agenda repleta,
atendimentos de curtíssima duração visando uma alta produtividade; depois a
consulta do psicólogo, geralmente individual e com longa lista de espera; depois os
grupos de orientação coordenados pela Enfermeira ou pela Assistente Social; e o
grupo de atividades da Terapeuta Ocupacional (YASUI, 2009).
A constatação inicial é de que as equipes são multidisciplinares em detrimento da
interdisciplinariedade. Têm-se assim dois pressupostos teóricos: o primeiro, o “multi” e o
outro, o “inter”, sendo o primeiro um
mero somatório de diferentes campos, que não estabelecem diálogo, não apresentam
nenhuma cooperação entre si, mantendo seus limites e fronteiras e olham desde suas
perspectivas e lugares para um mesmo objeto: no nosso campo, a doença mental.
Assim a equipe multiprofissional, por esta caracterização, está fadada a ser um
apenas grupamento de profissionais de distintas áreas que ocupam o mesmo espaço
físico (YASUI, 2009).
A passagem de um agrupamento profissional para uma equipe interdisciplinar de
trabalho em saúde mental pode se efetivar à medida que a equipe passa a ter claros alguns
conceitos que inibem ou facilitam o processo de aprendizagem da estrutura de um CAPS.
Interessante seria às equipes se apropriarem dos conceitos de fenômeno de grupo apresentado
por Pichón Riéver para perceber os movimentos na dialética multidisciplinar -
interdisciplinar.
O modelo de assistência de um Centro de Atenção Psicossocial CAPS, tido como
ideal, e de um trabalho em equipe multidisciplinar visando à interdisciplinaridade passa pela
concepção de gestor na condução das políticas de saúde mental.
91
A transformação da assistência em saúde mental nos moldes do CAPS exige uma série
de mudanças para uma verdadeira adequação substitutiva ao modelo manicomial. Isso
importa a necessidade de ruptura com o paradigma comprometido com a visão reducionista de
doença mental, ruptura que impõe a interlocução com campos diferentes do conhecimento,
quebra da hegemonia do discurso sobre a loucura, ou seja, a prática interdisciplinar como
propósito da condução da cura.
O sujeito que enlouquece apresenta seu sofrimento em várias dimensões, as quais, ao
mesmo tempo em que mostram a multiplicidade da possível causualidade da sua loucura,
desnudam a singularidade de sua dor. Dar lugar para a singularidade num contexto
institucional que ao longo da história, se constituiu em depósito de internados, é compreender
para além de uma axiomática, e transformar os paradigmas até então existentes, propiciando o
aparecimento do sujeito, esse que “não é o todo, ele é antes de tudo um efeito. Um efeito da
intervenção do outro” (FIGUEIREDO, 2005, p. 08).
Uma nova visão de saúde mental recusa o determinismo e a cristalização dos
conhecimentos. A diversidade da clínica recusa a hegemonia de um só conhecimento, de uma
técnica. No trabalho em equipe, o sujeito precisa ser tomado como ente das suas relações
sociais e das suas instâncias psíquicas, enquanto que o trabalho da equipe precisa ater-se aos
fenômenos do grupo que a compõe.
Focalizar os dois níveis, o de grupo e o de equipe, é também abrir espaço para situar a
organização e a instituição. Esses níveis: grupo, organização, instituição e equipe possibilitam
a inserção dos atores sociais na dinâmica subjetiva que compõe um CAPS.
Qualquer membro desta equipe deve estar habilitado para atender individualmente
ou em grupos, acompanhar internação e promover os cuidados básicos, visitar o
domicílio do paciente, atuar nas oficinas terapêuticas, às vezes junto a outros
profissionais não ligados à área de saúde (artistas plásticos, artesâos, contadores de
histórias, etc.) e participar intensivamente do cotidiano institucional e de seus
problemas administrativos. A única especialidade mantida é ministrar medicação,
facultada aos médicos (FIGUEIREDO, 2005, p. 7).
A interdisciplinaridade é o ideal que se busca alcançar para o trabalho em equipe de
saúde mental, pois se leva em consideração o homem como ser bio-psico-social. Reconhecer
o sujeito em atendimento nessas três dimensões é, segundo País (1996, p. 25), “admitir a
impossibilidade de abordar a problemática da saúde do homem desde uma disciplina”.
Assim, o homem é concebido em sua totalidade e deve ser atendido na sua integralidade. Isso
pode ser percebido nas diretrizes que organizam as ações em saúde mental na rede pública.
92
No trabalho em equipe, o sujeito não deve ser tomado em partes, ou seja, cada área do
conhecimento se interessar apenas pelo objeto do seu campo, sem considerar a relação desse
objeto com o sujeito como um todo, que também é resultado das relações sociais e das suas
instâncias psíquicas.
A interdisciplinaridade propõe-se uma atividade que não consiste na justaposição de
saberes alheios entre si, senão na constituição de um espaço comum em que o
conhecimento não se esgota em sua própria identidade, mas vai além de si mesmo
numa articulação mais abrangente (PAIS, 1996, p. 30).
Buscar o desenvolvimento interdisciplinar na equipe é se haver com os impasses, pois
exige que cada profissional repense sua própria prática, para assim construir uma abordagem
mais ampla do sujeito em tratamento, levando em conta também o seu sofrimento psíquico.
Esta proposta desloca o profissional de seu suposto lugar de saber, pois exige um
diálogo com outras áreas através do qual surgem idéias contrárias que certamente apontam
limites presentes em cada campo. É justamente com esta falta de saber que cada um dos
profissionais da equipe interdisciplinar deve se confrontar, para que não se interesse apenas
pelo determinismo de sua disciplina de saber, mas também em buscar o desconhecido.
Na prática interdisciplinar é mister que cada especialista seja capaz de transcender as
fronteiras de seus domínios epistêmicos, que seja capaz de abandonar a segurança e
o conforto que outorga um saber supostamente adquirido e se arrisque a escutar
outros discursos que, pelo fato de serem pronunciados questionam e colocam os
limites do próprio (PAIS, 1996, p. 30).
Essa inter-relação entre as disciplinas não significa que cada área deva abdicar de suas
especificidades, mas que deve conhecer também os fundamentos epistêmicos de outros
campos. Para que a interdisciplinaridade ocorra, é necessário superar o especialismo, e
também manter a especificidade de cada função. Para isso, deve-se ter clareza de que existem
particularidades em cada área do conhecimento, mas que, para a condução dos casos clínicos,
devem ser levadas em consideração as diferentes abordagens clínicas da equipe.
A aposta na interdiseiplinariedade surge a partir da necessidade de uma intervenção
que busque tomar um sujeito sem compartimentá-lo nas diferentes disciplinas que
dele possam se ocupar (GIONGO, 2003, p. 10).
Para que as diversas áreas do conhecimento consigam acompanhar o sujeito em
tratamento sem separá-lo por partes, é necessário que a concepção de sujeito esteja clara para
a equipe, ou seja, deve haver uma comunicação expressiva entre os diferentes discursos. O
93
trabalho da equipe se viabiliza então pela comunicação, a qual deve possibilitar a
construção de um lugar de enunciação, compreensível por todos os participantes.
Muito se trabalha sobre a interdisciplinaridade, o que aponta para uma necessidade
cada vez maior de compor, em outros discursos, possibilidades de respostas para as
limitações. É no contexto do trabalho em equipe interdisciplinar que se busca alcançar uma
equipe de saúde mental. Sabe-se que a equipe, ao acompanhar um usuário, não pode deixar de
levar em consideração a dimensão da inter-relação que acontece por meio da linguagem, pois
é pela fala que o homem biológico se faz valer como sujeito, e é este que interessa para o
profissional permeado pela ética do bem dizer.
Dentro deste contexto, talvez a primeira coisa a dizer a respeito da equipe dirigente é
que o seu trabalho e, portanto, o seu mundo, se refere apenas às pessoas. “Como material de
trabalho as pessoas podem adquirir características de objetos inanimados” (GOFFMANN,
1996, p. 69), o que vem demonstrar a instituição representada como uma máquina
(MORGAN, 1996).
Nessa, perde-se de vista o conteúdo e a concretização dos objetivos organizacionais,
uma vez que o apego excessivo a rotinas, regras e formalismos não deixa margem à
flexibilidade ou ao questionamento do sistema em questão, tornando-se uma engrenagem e
com isso toda instituição conquista parte do tempo e do interesse de seus participantes e lhes
algo de um mundo, em resumo, toda instituição tem tendência de “fechamento” (MOTTA;
VASCONCELOS, 2004).
A proposta é ter instituições de referência, que podem ser primária, secundária ou
terciária. Sempre que se utiliza de uma ou outra que constitui a rede, um sistema de contra-
referência se estabelece, estando o usuário de um território sob a responsabilidade de uma
determinada equipe, denominada de referência territorial, segundo a cartilha da PNH
Política Nacional de Humanização (BRASIL, 2004).
Essas equipes são compostas por profissionais de diferentes áreas: médicos,
enfermeiros, psicólogos, farmacêuticos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, auxiliares
e outros profissionais. Esta formação da equipe um caráter multidisciplinar, com
propósitos de interdisciplinaridade, modalidade própria dos atuais tempos.
94
Pensar a interdisciplinariedade na prática significa pensar nestes intercessores que se
apresentam em cada caso, em cada projeto terapêutico, e que nos provocam e nos levam a
refletir em torno da utilização dos esquemas conceituais referenciais que transformam esse
processo. Por exemplo, quando dois profissionais de distintas áreas elaboram uma
determinada atividade e exploram não apenas as habilidades e competências técnicas de cada
um, mas vão além e investem em outras alternativas para criar nos intervalos desses dois
campos profissionais um novo dispositivo de trabalho.
Ao produzir estes encontros, produzimos novas possibilidades de compreensão da
loucura, da subjetividade humana, do sofrer psíquico; novas perspectivas de olhar
para “aquilo que não faz sentido”. Arriscar-se a esta aventura misteriosa que é
trabalhar com a loucura, com a dimensão humana, nos provoca a permanecer em
uma constante disponibilidade para perceber detalhes, acolher angústias, estar atento
ao inusitado, ao inesperado (YASUI, 2009).
O cotidiano do trabalho em um CAPS é delicado e sutil, pois possibilita encontros e
desencontros que dizem respeito a uma prática de cuidados, os quais remetem à escuta
daquele que sofre de excesso e da falta da condição humana (ARENDT, 1992).
Apesar de todo o empenho psicológico da administração contemporânea sobre o
trabalho em equipe, é o ethos de trabalho que permanece na superfície da experiência. “O
trabalho de equipe é a prática de grupo da superficialidade degradante” (SENNET, 2003, p.
118). A posição narcísica das equipes constitui resistências às mudanças. A equipe posiciona-
se dialeticamente: de um lado, quer que a organização do trabalho ordene a ação e, por outro,
os fenômenos de grupo promovem resistências ao processo que conduz as ações do trabalho.
Para trabalhar com a perspectiva de mudança, faz-se necessária “a constatação
sistemática e reiterada de certos fenômenos grupais, que permitem construir uma escala de
avaliação básica através da classificação de comportamento grupal” (PICHON-RIVIÈRE,
2005, p. 268).
5.2.2 Uma possibilidade de passagem de grupo para equipe
O esquema do cone invertido apresentado na figura 4 (p. 38) é constituído por vários
vetores na base dos quais se fundamenta a operação no interior do grupo. A partir da análise
inter-relacionada desses vetores, chega-se a uma avaliação da tarefa que o grupo realiza.
95
Desconstruir conceitos e categorias, além de inventar outras, possibilitar articulações
semânticas e teóricas, desfazer entraves entre as disciplinas, proporcionar novas produções,
facilitar vínculos de trabalho, estabelecer relações transferenciais
14
na equipe, usuários e
familiares fazem com que a pactuação de um projeto de cuidado que emerge da demanda do
sofrimento psíquico, objeto de trabalho dos CAPS, fique atrelado a um esquema referencial
conceitual e às subjetividades que circulam na instituição.
A respeito do trabalho em equipe dos servidores e a relação estabelecida com a
unidade básica, foram observadas posições sobre a multi e a interdisciplinaridade, como
também a articulação da rede de cuidados e a ação do gestor nesses propósitos.
No olhar dos servidores, como acontece o trabalho interdisciplinar e a função do
gestor na equipe.
Quadro 4: Trabalho inter-redes e função do gestor na visão dos servidores
Servidores A B C D
O olhar da equipe
de trabalho
“O que se está
discutindo é a
necessidade de ter
um objetivo bem
focado para que
essa equipe
multidisciplinar
funcione... A
Teoria Lacaniana é
diverge da
concepção da
psiquiatria
biológica”.
“É importante a
participação de
todos os
profissionais...É um
trabalho em
conjunto... No
primeiro plano a
gente se baseia na
área médica”.
“Com a equipe é
um trabalho muito
bom... Eu sou a
mãe de todos...
Equipe unida”.
“Essa equipe é
coesa...A medicina
tem um olhar mais
evidenciado...tem
poder com a questão
da medicação”.
Função do Gestor
“Antes era o
número de
pacientes muito
grande. Agora é
uma idéia de
administração
baseada em
resultados”.
“Tem uma parte
bem política
também na saúde.
A gente enfrentou
bastante
dificuldade”.
“A coordenadora
anterior dava mais
segurança. Essa é
um pouco mais
distante”.
“Muitas vezes a
clínica se impõe e o
gestor não consegue
então dar conta,
como também às
vezes a burocracia,
toda essa questão
administrativa se
impõe e a clínica
sofre”.
14
Vínculo afetivo intenso, que se instaura de forma automática e atual, entre o paciente e o analista (na equipe
entre os pares e com gestor) comprovando que a organização subjetiva do paciente (organização subjetiva da
equipe e gestor) é comandada por um objeto que Lacan denominou de objeto a, objeto do desejo
(CHEMAMA, 1995, p. 217).
96
Com a quebra da hegemonia da organização hospitalocêntrica surgem outras maneiras
de narrar o trabalho da instituição que cuida dos loucos.
Os serviços em saúde mental no Município de Ijuí/RS iniciaram-se em 1991. Até
então, o Estado conduzia as ações. Por esta razão, o servidor se refere aos 18 (dezoito) anos
de trabalho, pois foi um dos pioneiros da organização em saúde mental no Município de
Ijuí/RS. Assim, conta:
Ao longo desses 18 anos, esse trabalho, então, foi se solidificando com a
participação de vários profissionais de outras áreas, acho que foram criando
necessidades da participação desses profissionais, porque num primeiro momento o
objetivo era afastar ou ajudar as pessoas a não realizarem um surto, se manterem
nas suas casas com suas famílias, mas isso não foi, isso criou uma outra
necessidade, é que essas pessoas também pudessem manter alguma motivação pra
se sentir capazes de fazer alguma tarefa, então, foram surgindo outros
profissionais, a assistência social pra trabalhar a família, terapeuta ocupacional
pra motivar e ensinar determinadas atividades, então isso foi surgindo de uma
forma bastante natural, capaz com bastante profissionais. Então, foi surgindo
naturalmente essa equipe multidisciplinar, então, hoje existem vários profissionais,
a psicologia, a assistência social, a terapia ocupacional e também a enfermagem.
Uma outra idéia é de que os mesmos profissionais ligados a área de serviço, a
recepção, enfim, que o trabalho deles também possa de alguma forma representar
um trabalho com uma atividade terapêutica para o paciente. O que hoje se está
discutindo mais, é a necessidade de ter um objetivo bem focado pra que essa equipe
multidisciplinar funcione realmente como uma equipe, e com a passagem então
desses profissionais de formar o CAPS, ou seja, o Centro de Atendimento
Psicossocial e depois de CAPS I para CAPS II que é a realidade atual (Servidor
“A”).
Ainda, por parte do entrevistado, tem-se a sua concepção de equipe multidisciplinar,
quando, ao se referir a gestão, afirma
As anteriores estavam mais preocupadas em responder aos pedidos e cobrir as
demandas de atendimento ... A gestão atual busca resultados: parece-me que
algumas idéias de administração estão vindo para a área da saúde estão sendo
implementadas ... É uma idéia de administração já baseada em resultados ... Parece
que também possa ser um aspecto novo ... Então, primeiro que o CAPS foi de um
local de passagem e não de cronificação das pessoas, mas que têm que ser
devolvidas à comunidade. E segundo, essa idéia que possa ter uma meta de
avaliação dos resultados. Como isso está sendo conduzido e os objetivos pra isso,
parece que esse é um momento novo que está se vivendo pelo menos na saúde de
Ijuí, para saúde mental. Essa possibilidade de se trabalhar baseado em resultados...
acho que isso também merece ser respaldado (Servidor”A”).
Os padrões de relacionamento decorrem dos estilos de gestão e da estrutura de poder
existente nas instituições. O discurso da gestão de resultados está em evidência frente às
mudanças em curso para adaptar a organização a uma dinâmica mais flexível, o que não
acontece com fluidez, porque a “máquina” emperra, isto é, o sistema burocrático se atravessa
(MORGAN, 1996). Pensamentos inovadores, mas ações conservadoras.
97
A narrativa descrita vem dizer de uma equipe multidisciplinar a qual se confirma na
fala do servidor “B”.
A princípio o que eu vejo o trabalho em grupo com os colegas é bem interessante, é
um trabalho que compõe de vários profissionais que atuam cada um dentro de sua
área, então d ncia deste entrosamento. No trabalho em equipe é muito importante a
participação a importâ de todos os profissionais que se envolvem no serviço, e
principalmente estes que convivem com pacientes em sofrimento mentais. É
importante que todos participem, é um trabalho em conjunto, não é um que
encaminha as coisas é toda a equipe. A importância da equipe é fundamental, mas o
primeiro plano se baseia na área a médica. Eu acho que é primeiro os médicos e
depois a equipe (Servidor “B”).
Contudo, o servidor “B” reitera que é importante a participação de todos os
profissionais, pois é um trabalho em conjunto. Quando as influências político-partidárias se
manifestam na clínica, os impasses também se manifestam: “a gente enfrentou bastante
dificuldade”. Inferimos que estas interferências criam um clima de insegurança e ameaça ao
grupo. O medo do ataque e de perdas, o que é próprio dos fenômenos que constituem um
grupo em sua estrutura, se manifesta na fala do servidor (PICHON, 2005).
O servidor “C” procura contar sobre a unidade da equipe.
Com a equipe é um trabalho muito bom, muito gratificante. Eu não tenho assim, de
ninguém, nada de contrário. Eles me tratam muito bem e eu sou a mãe de todos,
tanto aqui dentro do CAPS como fora. Eu vou a casa deles e eles vêm na minha. A
gente é uma equipe muito unida (Servidor “C”).
A função do gestor passa pela capacidade deste construir vínculos de proximidade, os
quais produzem segurança. Por outro lado, quando as relações são mais distantes, diz:
Quanto a coordenadora eu não tenho nada contra ela.... com a coordenadora
anterior, a gente se dava melhor, ela era mais antiga, eu tinha amais segurança
junto com ela, porque ela comprava a dor da gente. Junto com a atual, eu não tenho
nada contra ela, eu gosto dela e tudo ... o que eu puder fazer pra ajudar ela eu vou
fazer, assim como também com os pacientes ... eu considero todos como meus filhos
... com a coordenadora é um pouco mais distante (Servidor “C”)
.
Na fala do servidor “C”, o que une a equipe passa por uma identificação maciça com
o trabalho (PICHON, 2005).
Dos servidores dos CAPS, tem-se ainda o “D”. Após os relatos, serão descritas as
narrativas vindas das Unidades Básicas (UB).
98
O servidor “D”, ao se expressar sobre a equipe, diz que esta é coesa. A coesão de um
grupo aponta para a definição do objeto de trabalho (LAPASSADE, 1989). Em outras
palavras, para o autor esta perspectiva organiza as ações de um grupo.
Quanto à função do gestor, na percepção que tece o servidor: “Muitas vezes a clínica
se impõe e o gestor não consegue dar conta, como também às vezes a burocracia, toda essa
questão administrativa se impõe e a clínica sofre”, pode-se inferir que a clínica que se impõe é
a médica, que tem um olhar mais evidenciado na medicalização como magia na operação da
cura. A isto se atribuí o discurso da ciência operando como promessa. Boa parte da
humanidade se rende a essas promessas, ficando tênue a interlocução com outros campos do
conhecimento.
A partir das declarações dos servidores dos CAPS, fica claro que o trabalho é de uma
equipe multidisciplinar. Às vezes são percebidos movimentos de interdisciplinaridade, mas é
tênue, até porque o discurso médico faz a diferença discursiva.
No que concerne à UB e ao setor da rede do Município de Ijuí/RS, serão apresentadas
algumas considerações sobre a relação estabelecida com o CAPS e a função da Coordenação.
5.2.3 Da narrativa dos servidores da Unidade Básica à visão dos coordenadores e dos
CAPS
A posição dos servidores é de que a relação com o CAPS não é satisfatória. O CAPS II
conseguiu estabelecer minimamente vínculo através de contatos, principalmente dos
servidores do CAPS com servidores da U.B.
a função das Coordenações para estabelecer laços de trabalho são considerados
fracos. Sempre focalizam que o CAPS II se insere um pouco mais. A expectativa é com a
atual coordenação para integrar os serviços.
O fato do CAPS II se inserir no contexto, ainda não como esperado, pode estar
relacionado a duas variáveis: 1ª) quanto à existência – o CAPS II possui onze anos de história,
enquanto o CAPS I, três anos; ) quanto à locação do serviço o CAPS II está ligado
diretamente à Secretaria de Saúde e às políticas municipais de saúde mental através de seus
99
gestores, enquanto o CAPS I está ligado a uma instituição o hospital (Hospital Bom Pastor)
que, apesar de toda sua inserção social, possui uma visão de gestão privada.
O Quadro 5 expressa, de forma sintética, a relação entre a UB, os CAPS e a função da
Coordenação nesta relação.
Quadro 5: Entrevista com servidores da UB
Servidor da UB A B C
Relação da UB com o
CAPS
“A gente tem bastante
dificuldade em trabalhar
integrado ... a dificuldade
maior é com o CAPS I ... com
o CAPS II a gente consegue se
relacionar melhor”.
“ O CAPS I é mais
distante ... Os
profissionais do CAPS II
vieram para
encaminhamento de
pacientes para nossa
equipe”.
“A relação com o
CAPS não é muito
próxima ... a gente
tem uma certa
dificuldade de
conversar com o
CAPS”.
Função da
Coordenação nesta
relação
“Nunca teve nenhuma reunião,
algum encontro para
esclarecimentos para se ver
algum caminho para se
conseguir trabalhar mais
integrado”.
“Já teve uma reunião
colocando como vai
funcionar a partir de
agora, e a gente ficou
bastante motivada”.
“A coordenação
nunca fez um
movimento de
integração.”
A função do gestor sem representatividade junto as U.B. aponta para uma dificuldade
de organizar o trabalho em rede na saúde mental, temática estudada a seguir.
5.2.4 Da rede de cuidados à rede intersetorial
Falar em rede ou de rede traz inúmeras representações, o que demonstra a polissemia
da palavra, pois pode representar um valor para múltiplos usos: pode servir para acomodar um
corpo cansado que necessita de instantes de repouso; uma rede pode delimitar dois lados de
um território e dar contornos para um bom jogo; uma rede pode nos ligar com muitas outras
pessoas para que possamos nos comunicar; uma rede pode aparar a queda do corpo de um
trapezista, uma rede pode ser um instrumento de captura de enredamento, de alienação.
A rede aqui referida é a de atenção de cuidados em saúde mental. O CAPS, como
representante da política nacional de saúde mental, deve posicionar-se como uma estratégia de
transformação da assistência portadora de cuidados. A sua equipe inscreve-se na organização
da rede, ocupando um lugar de referência, pois sua escuta deve proporcionar abertura para o
100
diálogo, para o planejamento, organização, execução e avaliação das ações de saúde mental
dos municípios.
Atribuir a responsabilidade da organização da rede de cuidados não significa dizer
que a totalidade das tarefas deva ser executada pelo serviço. A organização de um
CAPS que assume isoladamente a responsabilidade de “dar conta” de toda a
demanda e toda a complexidade da vida do sujeito é muito semelhante à proposta
pretensiosa e autoritária do Hospital Psiquiátrico. Um CAPS, assim, transforma-se
em mais uma “instituição total” (YASUI, 2009).
O Ministério da Saúde entende que um representante da política nacional de saúde
mental pode se configurar como uma instituição total, ou seja, com restrição a abertura do
processo `a aprendizagem. Na esteira do conceito de saúde, amplia a concepção de cuidados e
compõe a rede intersetorial através das Secretarias de Assistência Social, Planejamento,
Obras, Administração e Educação, as quais, a partir de sua estrutura e organização, vão
contribuir na execução dos planejamentos dos CAPS quanto a concepção da definição do
conceito de saúde previsto na Constituição Federal. No paradigma do SUS, saúde não é
ausência de doença, mas faz parte dos direitos sociais, como dispõe os artigos da CF/88:
Art. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Para garantir a participação intersetorial, os CAPS não têm a resolução de todas as
demandas dos sujeitos em sofrimento psíquico, assim como a pretensa ilusão autoritária das
instituições totais, com sua fantasia de onipotência sobre os internados.
Os usuários e familiares, nesta relação com outros setores, terão que participar e, com
isto, depararem com o real de suas demandas, não mais protegidos pela instituição que o
amparou, promovendo-se, desta forma, a autonomia do usuário.
O organograma a seguir, do Município de Ijuí/RS, traz um modelo de rede de cuidados
em saúde mental.
Sec. Municipal de Saúde
Relações Institucionais
UNIJUI
FORUM
Min. Publico
B. Militar
COMUID
Hosp. Espec.
CX. Sul
Pelotas
POA
Irai
Hosp. Geral
HCI
Bom Pastor
S. Francisco
Grupos de Apoio
AA
NA
Amor Exigente
Igrejas
CAPS
CAPS A/D
CAPS I
CAPS II
Vida c/ Dignidade
CISA
Ambulatórios
Luis Fogliato
Glória
T. Neves
T. Souza
Herval
Boa Vista
Pindorama
CSU
Meio Rural
Modelo
Jardim
Penha
Mundstock
Posto Central
CMS
Com. Terapêutica
AVINAE
CRUZ AZUL
SOS Vida
Leão de Judá
AVIPAE
Coor.Adm.
Coor. Saúde
Coor. Saúde M
en
tal
Equipe Matricial
Figura 8: Organograma do Sistema Municipal de Saúde de Ijuí/RS
Fonte: CAPS – Ijuí/RS (2009)
17ª Coordenadoria Regional de Saúde do Estado
Secretária de Estado da Saúde
Ministério da Saúde
102
Nesta pesquisa, os CAPS I e II da cidade de Ijuí/RS dão mostras de seu processo de
engajamento nas políticas de saúde mental do Município. As políticas de saúde mental
começam ter um estatuto próprio no campo da medicina com Pinel. O endereço do louco era o
manicômio, o qual funcionava como depósito. Este local transfigurava o ser humano; havia
tratamentos de toda ordem, os quais citados e questionados desde o movimento da anti-
psiquiatria até a reforma psiquiátrica.
A quebra do modelo hospitalocêntrico acontece em vários países, influenciando na
ruptura deste modelo também no Brasil. Com isto, as políticas de saúde mental em nosso país
têm nos Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), uma organização de instituição com seus
propósitos.
Para inserir os excluídos em seu contexto social, os Centros de Atenção Psicossocial
(CAPS), que assistem psicóticos e neuróticos graves, possuem uma organização com diversas
atividades, incluindo atendimentos individuais e em grupo, oficinas terapêuticas e produtivas,
atividades de lazer e cultura, bem como o acompanhamento ao externo (à residência, à escola,
ao banco) (ALTOÉ; LIMA, 2005), trazendo novos dispositivos para o tratamento dos
usuários.
Para ilustrar as oficinas terapêuticas do CAPS de Ijuí/RS, apresentam-se duas fotos da
oficina de pintura e as entrevistas realizadas com usuários e familiares dos CAPS do
Município de Ijuí/RS:
Figura 9: Foto 1 de tela pintada por paciente Figura 10: Foto 2 de tela pintada por paciente do
do CAPS II do CAPS II
Fonte: CAPS II, Ijuí/RS. Fonte: CAPS II, Ijuí/RS.
103
Sobre os usuários e familiares, foram observadas a percepção do trabalho da equipe e a
do gestor, assim como a dicotomia do atendimento em hospitais psiquiátricos e os CAPS.
Quadro 6: Entrevista com usuários dos CAPS I e II
Usuário A B
Atendimento da equipe
“Estou no CAPS há 13 anos ... quando
comecei, comecei mal... eu não aceitava
os remédios, agora eu estou aceitando e
eu estou melhor. Sou atendido por
psicólogo, psiquiatra, grupos”.
“É tudo que a gente tem... eu fiquei
doente faz 22 anos ... eu gastei tudo
com minha doença... os doutores viram
que eu não tinha mais condições de me
tratar por conta, daí me passaram para o
CAPS... aqui é ótimo, eu sou suspeito
para falar porque sou um beneficiado,
mas é ótimo... isso aqui é tudo que a
gente pode ter e os meus colegas eu
acho que pensam a mesma coisa”.
Atendimento do
coordenador
“Eu não vejo nenhum outro lado de
dentro do CAPS. Eu vejo do lado de
fora... eu varro, eu limpo lá fora, eu não
tenho essa visão de dentro. De fora vejo
que funciona bem. O último
coordenador foi mais que um
coordenador”.
O eixo central do trabalho se sustenta nas premissas da reforma psiquiátrica de
autonomia, ressocialização e cidadania, como seus alicerces, objetivando reduzir as
internações hospitalares e proporcionar às pessoas em sofrimento psíquico um lugar na
comunidade de seu território.
O usuário “A” inicia como contestador ao tratamento e se rende aos medicamentos
“eu comecei mal... Eu não aceitava os remédios, agora estou aceitando e estou melhor...”.
Quanto ao atendimento do coordenador, não consegue emitir juízo crítico, apenas manifesta
gratidão ao último, dizendo: “foi mais que um coordenador”.
O usuário “B” faz uma nítida distinção entre o trabalho privado e o público. Aqui é
ótimo ...eu sou suspeito”. Ao referir sua percepção sobre a Coordenação prossegue: Porque
eu sou um beneficiário, mas é ótimo, isso aqui é tudo que a gente pode ter e os meus colegas
eu acho que pensam a mesma coisa”.
Em termos da visão dos familiares sobre o atendimento da equipe e do Coordenador, o
quadro seguinte apresenta uma síntese:
104
Quadro 7: Entrevista com familiares de usuários dos CAPS I e II
Familiar A B
Percepção do atendimento
“Quando começou meu problema
com meu esposo, foi muito difícil...
quando surgiu, eu procurei o
recurso. Foi difícil, porque era uma
pessoa completamente fora de si.
Aqui é super bem tratado”.
“A equipe é muito boa porque a
gente se trata há muito tempo
aqui...gostamos muito...somos
bem tratados”.
Percepção do coordenador
“Para mim é elogiável, não tem o
que falar, eu só tenho a agradecer e
elogiar, porque o que seria de nós
assalariados se não existisse ... o
problema é que o pobre não passa
por doente.. só se passa por louco”.
“A coordenação está
bem...qualquer coisa eu só peço
para ele e ele dá um jeitinho”.
O familiar “Ase posiciona nas mesmas linhas que o usuário B”, dizendo: “somos
bem tratados”. E, em relação à coordenação, o jogo interpessoal é da sedução: “Para mim é
elogiável, não tem o que falar, eu só tenho a agradecer e elogiar”. Já o familiar “B”
menciona: “Qualquer coisa só peço para ele e ele dá um jeitinho”.
O familiar “A” ainda refere: “O que seria do assalariado se não existisse o CAPS?... o
pobre não passa por doente.... só se passa por louco...”. A questão deste familiar traz à tona o
preconceito e a exclusão, temas de trabalho dos CAPS, pois a inserção social e a cidadania
são conceitos que circulam na instituição. Algumas dessas conseguem colocar na prática,
através dos trabalhos realizados pelo gestor e equipe nos territórios onde vivem os usuários
em sofrimento psíquico, a inserção social dos usuários. No discurso dos usuários e familiares
dos CAPS I e II de Ijuí/RS, fica demonstrada essa interface do trabalho interno e externo
voltada para as atividades que acontecem dentro da instituição. Já o trabalho de socialização,
que é um dos princípios da recuperação da doença mental, não fica evidente.
O discurso dos usuários demonstra certa gratidão por receberem atendimento na
instituição. No mínimo duas possibilidades de interpretação são possíveis: ) que a referência
aos hospitais psiquiátricos em suas passagens foi traumática; 2ª) a gratidão é um esforço para
assegurar um lugar.
A pesquisa de campo apontou, nas falas dos atores sociais, que o modelo da gestão nos
CAPS, lugar para a singularidade das subjetividades dos seus gestores, que em muitas
ocasiões preponderam aos princípios norteadores do modelo de gestão prescrito pela Portaria
105
organizadora da instituição. Observa-se essa constatação na fala dos servidores quando
identificam a primazia do discurso médico sobre a proposta da interdisciplinaridade almejada
pela política de saúde mental articulada pelo Ministério da Saúde.
Outrossim, diz respeito aos usuários e familiares que não manifestam a participação na
co-gestão da instituição. Mesmo assim, percebem-se avanços, apesar dos impasses produzidos
na inter-relação do coordenador, equipe, rede, usuário e familiares dos CAPS I e II de Ijuí/RS.
106
CONCLUSÃO
A dissertação não se volta para uma verdade única. Isso seria muito incoerente com os
referenciais adotados ou mesmo com a lógica da diversidade que embasa a Reforma
Psiquiátrica. Também não teve a pretensão de esgotar as discussões acerca dos temas que a
constituem. Cada uma das partes e dos capítulos ou seções poderiam compor projetos de
pesquisa específicos sobre o que ali foi arrolado.
Como destacado no decorrer da dissertação, a pesquisa não teve como objetivo
investigar benefícios de uma determinada prática de gestão. Ao determinar isso, afastou-se da
principal característica das produções científicas que possibilitam relações entre gestão e
desempenho. Isto constituiu um impasse à investigação, pela dificuldade em acessar literatura
acadêmica que contemplasse as influências da subjetividade na dinâmica gerencial dos CAPS,
questão norteadora da pesquisa.
A pesquisa contemplou perspectivas psicossociais, abordando a relação do gestor com
os atores institucionais, a partir da concepção de CAPS proposto pelo Ministério da Saúde.
Apesar de referir modelos, não houve a pretensão de elaborar um manual sobre a função do
gestor de CAPS. Estes foram utilizados apenas para destacar traços de gestor/gestão e
possibilidades de trabalho em equipe.
Os resultados apontam que o gestor assume uma identidade profissional de saúde
mental, sob a qual compõe suas práticas voltadas para a administração de cuidados dos
portadores de sofrimento psíquico. Às vezes essas práticas escapam a sua especificidade, mas
é a partir de sua identidade de coordenador de CAPS, de seu relacionamento com atores da
instituição que este profissional pode abrir espaços para a subjetividade às práticas do
contexto dos CAPS.
Para estabelecer uma crítica sobre a função do gestor, visualizam-se traços singulares
que interferem na condução da equipe, usuários, familiares e rede de atenção. Referente às
107
equipes, estas possuem tendências híbridas entre a igualitária e hierárquica. O CAPS I
apresenta característica mais igualitária (horizontalizada), e o CAPS II hierárquica
(verticalizada). Além de possuírem um grau de dependência do saber do médico, constituem-
se num modelo multidisciplinar em detrimento a interdisciplinaridade. Com relação aos
usuários, estes apresentam um grau de dependência muito grande com a instituição, haja vista
os anos de tratamento recebido nos CAPS I e II. Já os familiares, estes agradecem, não sabem
bem o que ou a quem, o que vem mostrar um caráter impessoal das instituições públicas. E
nas redes de atenção, não se configura o laço entre as instituições CAPS e Unidade Básica.
Esta crítica se estrutura a partir dos estilos de relacionamento e liderança, assim como
a forma de comunicação estabelecida entre o coordenador e os atores. Considera ainda a
forma como o gestor investe na instituição, no seu processo de aprendizagem ou de
conhecimento para estabelecer comparações com outras instituições da mesma natureza.
Os CAPS, como instituições recentes da sociedade que promoveram a ruptura com a
lógica hospitalocêntrica, estão no limbo para o processo de abertura através da aprendizagem,
ou seja, a aprendizagem constitui o processo de formação que acontece em etapas graduais e
contínuas. o conhecimento, se articula de forma não sistemática, privilegiando a forma
organizacional em detrimento da clínica institucional.
ainda que se destacar outro processo, o da presença do gestor nos serviços, que
mobiliza as subjetividades e propicia interrogações sobre a seriedade dos cuidados dos
doentes mentais, a integralidade e as especificidades das profissões.
Como é o gestor quem pode proporcionar, ou não, as produções subjetivas dos
atores da instituição, observa-se a necessidade de um programa de formação continuada para
que ele possa desenvolver, com enfoque no sujeito, a sua função. A complexidade do serviço
de atenção à saúde mental requer a implicação com a produção discursiva desta lógica.
Enfim, sobre a temática pesquisada, a continuidade deste estudo teria que pautar sobre
o aprofundamento do entrelaçamento dos níveis, grupos, organização/instituição e equipe com
comunicação narrativa e discurso, pois a forma de como se utiliza a palavra um lugar para
quem a enuncia e a sua percepção frente ao outro e a sua instituição. Isto instiga, porque as
instituições formais burocráticas na maioria das vezes não conseguem dar um lugar para os
diferentes posicionamentos. Desta maneira, o impessoal prevalece a despeito da subjetividade
e compõe a instituição CAPS.
108
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