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que atravessam as relações étnicas. A alternativa que ele apresenta para os parentes ainda
submetidos aos fazendeiros invasores é de usar a força de seu pertencimento indígena na
segurança do convívio da família para conscientizar as novas gerações da necessidade
imprescindível de entrar no movimento indígena para se formarem como gerações mais fortes
e resistentes capazes de se libertarem dos opressores de seus pais.
Tem outra questão, nós aqui Tremembé, nós temos uma parte de gente que não se
assume né, fica meio cabreiro. Por quê? Porque para ele ganhar o pão de vida dele,
ele esta trabalhando para os latifundiários. Então como é que ele está trabalhando
para o latifundiário e vai aparecer contra o latifundiário? [...] se ele aparecer
envolvido nessa luta ele vai perder aquele trabalho, porque o pessoal faz mesmo.
Como é que ele se ausenta? O pai não tem uma influência dentro do movimento, o
pai não se respeita, não se assume. Então, aquela criança não vai ter influência
nenhuma dentro do movimento, se de ambas as partes ele está vendo o pai naquela
situação e está vendo a mãe também, que influência esse jovem, essa criança vai
ter? Ele tem é que se afastar mesmo, porque ele não vê o pai conversar, chamar:
“meu filho, você tem que fazer parte, eu não estou fazendo parte porque eu trabalho
para um posseiro ou para o fulano de tal dos anzóis pereira, eu não posso, mas você
como jovem você tem que ir, você tem que abraçar a luta, porque essa luta eu
também faço parte, eu tenho uma origem indígena, meu sangue é muito forte”.
Então, tem que ter esse diálogo com o jovem porque se não tiver o jovem, ele não
se entrega; ele se afasta. E aí pelo outro lado, vêm às coisas aí absurda: a televisão,
as notícias de jornal, as notícias de rádio, se você abre a televisão, o primeiro que
dá logo é assalto, é droga e por aí vai, é a marginalização entrando mesmo! E se a
gente não tiver cuidado, o jovem ele entra no embalo também, que é o que ele está
vendo. (CACIQUE JOÃO VENANÇA)
Seu filho Chico levou consigo para a cidade essa consciência formada dentro da família
Venança, ele foi criado pela avó e bisavó paternas que, apesar de terem sido expulsas da
Lagoa Seca pelos invasores, não se deram por vencidas e transmitiram para os filhos, netos e
bisnetos a memória sobre o processo de invasão de suas terras e a utopia de reconquistarem a
liberdade, e esta utopia foi assumida pelas novas gerações concretamente na luta dentro do
movimento indígena. Chico fala da demarcação como um projeto de retomada da terra e com
ela de um modo de vida livre de cercas e da opressão dos “brancos”.
Eu ia para lá mais elas visitar a Lagoa Seca, aí eu via aonde era a casa do meu avô,
dos meus parentes lá, os meus bisavós, todos que eram meus parentes, aí tinha as
casas, tinha os cajueiros. [...] aí um comprava uma parte aí já cercava tanto, aí só
davam o que queriam, cercavam a mais. [...] Aí teve um homem lá que comprou,
cercou tudo e até os coqueiros que ela tinha ele veio pagar sem nem ela saber que
estava cercado. Aí como era que ela ia fazer confusão, a pessoa tinha dinheiro e a
gente não tinha, aí nem foi atrás de confusão não. Mas se demarcar as terras vai ser
bom porque a pessoa vai ter mais liberdade; hoje em dia os animais são todos
presos lá, porque não tem nem para você fazer uma casa mesmo, o Antonio já teve
que comprar um terreno para fazer uma casa porque não tem [...] Estão querendo
fazer igual antigamente, como era: a pessoa não precisava passar cerca, não
precisava andar como bicho tudo trancado. [...] Com a demarcação vai ser melhor
para a gente. É, vai tirar cerca, vai tirar tudo do meio, vai ser uma coisa livre [...]
até ali onde fizeram o colégio ele teve que conseguir, ele tomou quase na marra [...]
brigar para fazer o colégio ali, porque ali era dos índios, aí os índios tiveram que
comprar para fazer o colégio, aí fica chato uma coisa que já era da pessoa, chegar