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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM GEOGRAFIA
A NATUREZA MONUMENTAL DO COPACABANA PALACE
ULISSES DA SILVA FERNANDES
Rio de Janeiro
2006
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ii
Ulisses da Silva Fernandes
A Natureza Monumental do Copacabana Palace
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro como requisito para a
obtenção do título de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Miguel Ângelo Campos Ribeiro
Rio de Janeiro
2006
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iii
ULISSES DA SILVA FERNANDES
A NATUREZA MONUMENTAL DO COPACABANA PALACE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Geografia – Departamento de
Geografia da Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, como requisito parcial para a
obtenção do grau de mestre em Geografia.
Aprovada em:..............................................................
BANCA EXAMINADORA:
______________________________________________________
Prof. Dr. Miguel ÂngeloCampos Ribeiro – ORIENTADOR
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Prof. Dr. Roberto Lobato Corrêa
Universidade Federal do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Profª. Drª. Suzana Mara Miranda Pacheco
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
______________________________________________________
Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2006
iv
Batel,
O pescador que um dia batizou seu barco com o
nome do filho. Nada mais justo que o filho
retribua agora tal gesto, justapondo aqui o
‘nome’ do pai. Ao meu pai, todo o meu
reconhecimento e emoção no carinho de
reverenciá-lo.
v
Agradeço
A todos aqueles que de algum modo interagiram com o esforço em produzir o que
eu me permito chamar de “recompensa pessoal” pela dedicação e trabalho em
favor de um sonho já a muito acalentado.
Especialmente, ao meu orientador, Prof. Miguel Angelo Ribeiro, por sua
generosidade, amizade, compreensão e empenho em fazer com que esta
dissertação de fato viesse a existir;
Ao Prof. Roberto Lobato Corrêa, por tão gentilmente ter aceitado compor a banca
examinadora desta dissertação de mestrado;
À Prof. Suzana Miranda Pacheco, por sua importante colaboração na melhor
definição deste estudo, por seu profissionalismo ímpar e por sua amizade;
Ao Prof. Gilmar Mascarenhas de Jesus, pessoa vital nos momentos mais
importantes de minha trajetória de cinco anos na UERJ;
Aos demais professores do Departamento de Geografia da UERJ, com especial
atenção ao Prof. João Baptista Ferreira de Mello, Prof. Jorge Soares Marques,
Profª. Inês Aguiar de Freitas, Profª. Zeny Rosendahl, Prof. João Rua e Prof.
Gláucio José Marafon;
Aos meus colegas de classe, pelas experiências trocadas e pelo apoio nos
momentos mais difíceis; em especial, meu amigo Paulo Cezar Barros, pela troca,
pelas palavras decisivas e pelos cinco anos de convivência;
Aos meus ex-alunos Fernando Cezar Teixeira Soares Jr. e Michel Vieira de Lima
e Silva, pela doce culpa de um dia tê-los influenciado a estudar Geografia e pela
alegria de hoje vê-los enquanto colegas de mestrado;
Ao Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em
cuja excelência de seu corpo docente está a clara razão da minha melhor
qualificação acadêmica e profissional consignada ao longo dos últimos cinco
anos;
À Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro e à FAETEC
pelo apoio institucional em favor de minha participação neste Mestrado; aos meus
colegas de profissão, das escolas nas quais leciono ou lecionei, em especial aos
amigos da Escola Municipal Nerval de Gouveia e da Escola Técnica Estadual
Santa Cruz.
A meu pai, porque me enxergo nele; a minha irmã, que de onde está me ilumina;
a Rosane, por me fazer enxergar melhor a vida; a Pedro e Lucas, força e luz de
minha vida; a Deus.
vi
A paisagem dos meus dias parece compor-se,
como as regiões montanhosas, de material
heterogêneo desordenadamente acumulado. Aí
encontro minha natureza, já realizada, formada
por partes iguais de instinto e cultura. Aqui e ali
surgem os granitos do inevitável e, por toda
parte, os desmoronamentos do acaso. Esforço-
me por voltar sobre meus passos para tentar
encontrar um plano inicial e seguir um veio
qualquer, de chumbo ou de ouro, ou mesmo o
curso de um rio subterrâneo, mas esse plano
inteiramente fictício não é mais que uma
aparência enganosa da lembrança. De quando
em quando, julgo reconhecer uma fatalidade
num encontro, num pressentimento, numa série
definida de acontecimentos, mas muitos
caminhos não conduzem a parte alguma e
muitas somas não se adicionam jamais. Distingo
perfeitamente, nessa multiplicidade e nessa
desordem, a presença de uma pessoa, mas
seus contornos parecem traçados quase sempre
pela pressão das circunstâncias e seus traços
baralham-se tal como acontece com uma
imagem refletida na água. Não sou daqueles que
dizem que suas ações não se lhes assemelham.
Pelo contrário. É imprescindível que elas se
pareçam comigo por que são minha única
medida e o único meio de me delinear na
memória dos homens, ou na minha própria, pois
que a impossibilidade de continuar a exprimir-se
e a modificar-se pela ação é talvez a única
diferença entre os mortos e os vivos. Mas entre
mim e esses atos de que sou feito, existe um
hiato indefinível. A prova disso é que
experimento continuamente a necessidade de
pesá-los, explicá-los e deles prestar contas a
mim mesmo.
Memórias de Adriano. Marguerite Yourcenar
(1993, p. 32-33).
vii
RESUMO
O presente estudo objetiva interagir o caráter monumental do Copacabana
Palace Hotel com a concepção simbólica da paisagem de entorno a ele
associada, fundamentalmente interpondo aquela dita urbana com a que diz
respeito à praia e ao mar. Nesse sentido, em um primeiro momento, partiu-se
para a abordagem da paisagem na qual se inseriu o hotel, onde sua capacidade
subjetiva tornou-se mister não apenas para configurar a expressão monumental
do hotel como também, ao interagir com o mesmo, permitiu antever uma série de
transformações no trato urbano de Copacabana. Em seguida, foi observada uma
análise das formas de representação dos monumentos, intencionais ou não, mas
associados a sua expressão monumental em meio às paisagens de entorno.
Desse modo, sendo a paisagem notada de subjetividade, verificou-se na
simbologia do olhar a constituição de uma leitura para o Copacabana Palace
Hotel enquanto obra de caráter monumental. Na subjetividade do olhar também
se interpôs a necessidade de compreender como natureza e mito compactuam
para constituir novas intenções de uso, como as observadas em Copacabana,
tendo como marco maior a construção do hotel. Ao final, observa-se que há
interação entre a percepção simbólica da paisagem e a ação dos agentes de
transformação do espaço urbano, centrando esta conclusão no marco conferido
pelo hotel na antevisão da nova paisagem constituída.
Palavras-Chave: paisagem – monumento – simbolismo – Copacabana –
Copacabana Palace Hotel.
viii
ABSTRACT
The present study seeks to interact the monumental character of the
Copacabana Palace Hotel with the symbolic conception of surrounding landscape
with it associated, fundamentally opposing the one of urban origin to the one that
concerns the beach and the ocean. In this sense, firstly, it’s embraced the
approach of the landscape in which the hotel was inserted, where its subjective
capacity became necessary not only to form the monumental expression of the
hotel but also, when interacted with it, permitted to foresee a series of
transformations in the urban treatment of Copacabana. Later on, was observed an
analysis of the representative forms of the monuments, intentional or not, but
associated to their monumental expression in the middle of the surrounding
landscapes. This way, being the landscape noted for its subjectivity, was verified
in the symbology of the look the constitution of a reading for the Copacabana
Palace Hotel while work of monumental character. In the subjectivity of the look
was also interposed the necessity of comprehending how nature and myth join
forces to constitute new intentions of use, like the ones observed in Copacabana,
having, as main mark, the construction of the hotel. At the end, it’s observed
interaction between symbolic perception of landscape and urban space
transformers action, focusing this conclusion on the mark conferred by the hotel to
the foresight of the new established landscape.
Keywords: landscape – monument – symbolism – Copacabana – Copacabana
Palace Hotel.
ix
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
1. Imagem de localização do Rio de Janeiro – p. 29
2. Imagem de localização da orla sul do Rio de Janeiro – p. 29
3. Imagem de localização da Praia de Copacabana – p.30
4. Imagem de localização do Copacabana Palace Hotel – p. 30
5. Imagem de localização detalhada do Copacabana Palace Hotel – p. 31
6. Imagem da fachada do Copacabana Palace Hotel e Av. Atlântica – p. 31
7. Concepção artística da “paisagem remota” de Copacabana – p. 41
8. Fotografia do atual Museu da Imagem e do Som em 1922 – p. 101
9. Fotografia da igrejinha de Copacabana – p. 129
10. Fotografia da Avenida Central em 1905 – p. 145
11. Fotografia do Palácio Monroe em 1904 – p. 146
12. Fotografia da inauguração da Av. Beira-Mar em 1906 – p. 148
13. Planta de Copacabana em 1980 – p. 149
14. Planta de Copacabana em 1894 – p. 150
15. Fotografia da vista geral de Copacabana em 1905 – p. 151
16. Fotografia da resseca no calçadão da Av. Atlântica em 1921 – p. 152
17. Fotografia do aterro na Lagoa Rodrigo de Freitas em 1921 – p. 157
18. Fotografia da derrubada do Morro do Castelo em 1921 – p. 158
19. Fotografia do Hotel Carlton, em Cannes – p. 165
20. Fotografia do Hotel Negresco, em Nice – p. 165
21. Fotografia do Hotel Copacabana Palace em 1923 – p. 167
22. Fotografia do “coração” de Copacabana em 1934 – p. 169
23. Perfil edificado de trecho da Av. Atlântica na década de 20 – p. 173
24. Perfil edificado de trecho da Av. Atlântica nas décadas de 30 e 40 – p. 173
25. Perfil edificado de trecho da Av. Atlântica nas décadas de 50 e 60 – p. 173
x
SUMÁRIO
1. PARA INICIAR 01
2. A ABORDAGEM DA PAISAGEM FRENTE AO OBJETO 32
2.1 PAISAGEM: DO MATERIAL AO IMATERIAL 35
2.2 PAISAGEM: TEMPO E AÇÃO 53
2.3 PAISAGEM E SUBJETIVIDADE 57
2.4 PAISAGEM: ESPAÇO E ANTEVISÃO 72
3. MONUMENTOS: A SIMBOLOGIA NO OLHAR 83
3.1 MONUMENTOS EM DISTINTAS EXPRESSÕES 85
3.2 A EXPRESSÃO MONUMENTAL: O COPACABANA PALACE 100
3.3 UM OLHAR POR SOBRE O ESPETÁCULO 108
4. NATUREZA E MITO: OS MISTÉRIOS DO MAR 117
5. COPACABANA: ANTEVISÃO DO ESPETÁCULO 135
5.1 TRILHOS PARA A PRAIA: UM BAIRRO EM CONSTRUÇÃO 137
5.2 COPACABANA: ENTRE A NATUREZA E O PROGRESSO 154
5.3 COPACABANA PALACE: UM HOTEL EM MEIO AO AREAL 160
5.4 COPACABANA: ANTEVENDO A DESTRUIÇÃO RENOVADORA 167
6. PARA NÃO CONCLUIR 176
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 186
ANEXOS 194
1. PARA INICIAR
As primeiras palavras referenciadoras de uma pesquisa tornam-se por vezes,
em função do próprio objeto de estudo, as mais difíceis de serem alocadas. Até
porque, neste caso específico, o referencial teórico-metodológico acolhido reflete
uma necessidade básica, a de interagir continuamente objeto e teoria, como se
indica a seguir.
O objeto de estudo que ora se inicia nasceu de uma trajetória acadêmica
retomada nos últimos anos, precisamente, 2001, após um afastamento de quatorze
anos, quando do término da graduação – licenciatura plena – em Geografia pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro. A retomada do convívio acadêmico fez
ressurgir um joven preguntón
1
preocupado em interagir da melhor maneira possível
com o que a Academia poderia se lhe oferecer: a busca pela construção do
conhecimento, de forma a buscar conter-se no que dela principia: o saber.
Nas muitas leituras pertinentes ao tema elegido para a referida pesquisa,
talvez as de referência ao filósofo e padre Teilhard de Chardin tenham sido as mais
ilustres, na acepção maior do termo, por conta de nelas identificar aquilo que
agradeço ao meio acadêmico: o conter-se no saber. O engenheiro Albert Thys
(1968, p. 55) cita Teilhard – “quem diz unanimização personalizante pressupõe, para
cada posição individual, uma escolha de certa forma recíproca e harmônica, ao
mesmo tempo da parte da hierarquia ordenadora da coletividade e da parte do
indivíduo que dela faz parte”.
1
Peço licença à Profª. Suzana Miranda Pacheco para reproduzir a expressão por ela utilizada quando da defesa
do anteprojeto de pesquisa frente à banca examinadora, da qual ela mesma fazia parte.
2
A reflexão capaz de gerar a visão coletiva no ser humano, no ponto de vista
de Teilhard, acaba em manifestação ímpar no que diz respeito às atividades
intelectuais, onde a Academia é seu maior exemplo: “construções improváveis,
hierarquizadas, unanimizadas, de consciências individuais que se apóiam umas nas
outras, simultânea e sucessivamente” (Ibidem, p. 74). Tomar consciência desta
estrutura é poder avançar no entendimento da pequena contribuição do mestrando
que se quer sentir parte da Geografia.
O caminho de retomada do mestrando e a possibilidade de contribuir com o
estudo que ora almeja apresentar se imbricam no ingresso ao Curso de Pós-
Graduação em Políticas Territoriais no Estado do Rio de Janeiro ministrado pelo
Departamento de Geografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, no citado
ano de 2001. Das múltiplas experiências vividas ao longo do curso, uma marcou o
início da trajetória acadêmica no que concerne à produção científica: em uma
disciplina oferecida pelo Prof. Gilmar Mascarenhas de Jesus, Território e Políticas de
Uso do Tempo Livre, com outros dois colegas de classe, fora instado a pesquisar e
escrever sobre a atividade turística em favelas no Rio de Janeiro.
Esta experiência rendeu a apresentação de um seminário de pesquisa
denominado “O Turismo na Favela da Rocinha”. Posteriormente, por caminhos que
fugiram da ortodoxia acadêmica, acabou este trabalho se desenvolvendo em uma
monografia final de curso denominada “A Favela da Rocinha: Uma Centralidade
Turística na Cidade do Rio de Janeiro”, apresentada ao final do ano de 2002 a uma
banca composta, além do orientador, pelos professores João Baptista Ferreira de
Mello e Gilmar Mascarenhas de Jesus. Nesse sentido, louva-se a figura exponencial
do Prof. Miguel Angelo Ribeiro, o orientador, grande incentivador e responsável
3
maior pela lapidação do trabalho e qualificação para que o mesmo estivesse a altura
do que o curso representara como um todo.
Desenvolver uma temática associada à Geografia e ao Turismo – aqui
claramente evitando polemizar sobre a existência ou não de uma Geografia do
Turismo – permitiu que se percebesse o quão tangível tornou-se o fenômeno
espacial do turismo, estando o mesmo associado a estudos relacionados com a
Geografia Urbana, a Geografia do Consumo, a Geografia Histórica, entre outras
frentes da análise espacial. A discussão dos processos relacionados ao tema da
monografia polarizou a necessidade de se caminhar no sentido de buscar a
construção de um novo objeto capaz de manter o debate até então empreendido.
O desafio seguinte, pois, seria o de desenvolver uma nova temática
associada ao turismo e capaz de almejar ingresso no Programa de Pós-Graduação
em Geografia – Mestrado – oferecido pelo mesmo Departamento de Geografia da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a partir do ano de 2003. É salutar deixar
claro, de antemão, que o vértice da estruturação desta nova pesquisa, preconizava
um estudo que vislumbrasse a expressão de uma centralidade turística
2
, em
paradoxo com o cenário desafiador da imagem da favela, anteriormente analisado.
Seria criado, então, um contraponto capaz de discutir de que forma o uso de
paisagens tão diversas poderia ter o mesmo destino: o consumo turístico.
E, nesse sentido, faz-se aqui um reconhecimento aos mentores da base
teórico-conceitual que fizeram por eclodir “A Monumentalidade do Hotel Copacabana
Palace e o Turismo Global”
3
: o Prof. Roberto Lobato Corrêa, principalmente a partir
2
Em “Favela da Rocinha: Uma Centralidade Turística na Cidade do Rio de Janeiro” cunhou-se o termo para
identificar um lugar central de uso ou referência turística, no caso específico, caracterizado por um apelo
relacionado ao que John Nasbitt (1994) denomina Turismo Cultural Alternativo.
3
Aqui foi mantido o título original do anteprojeto de pesquisa, tendo o mesmo sofrido, posteriormente, uma
série de modificações em razão das intervenções da banca do exame de qualificação (do anteprojeto) e do avanço
no próprio estudo empreendido para a realização da dissertação final de mestrado.
4
de suas intervenções nos fóruns de Geografia Cultural, o responsável por aguçar um
estudo atrelado à cultura em sua dimensão espacial
4
; o Prof. Miguel Angelo Ribeiro,
por instigar a expressão do caráter monumental através da construção de um recorte
espacial vinculado ao Hotel Copacabana Palace e ao seu pertinente uso turístico no
seio da metrópole carioca.
O discípulo esforça-se, portanto, em fazer ver aos mestres inspiradores o
quão pertinente foi às suas aspirações acadêmicas a possibilidade de delinear um
objeto de estudo a partir de tais proposições. Em verdade, reduzir a construção do
objeto aos fanais inspiradores causaria um simulacro. Tal construção foi para além
do que a ortodoxia poderia engendrar quando diante da temática acerca do trato
monumental do Hotel Copacabana Palace.
Primeiro, porque a discussão acerca da idéia de monumento – intencional ou
não – caminhou para além de uma compreensão clássica, ligada ao louvor da
memória ou à expressão do poder, mas, sim, associada à percepção do simbólico
na paisagem como fio condutor das transformações espaciais condizentes com o
recorte onde se insere; segundo, até como decorrência do primeiro ponto, este
estudo jamais adentrou, literalmente, ao Hotel Copacabana Palace, ou seja, a
expressão monumental do hotel foi capciosamente
5
atrelada à paisagem externa e
circundante, de cunho natural ou cultural, porém incisivas para a análise espacial
das transformações sofridas na decorrência da interação do recorte direto, o próprio
Hotel Copacabana Palace, com o recorte indireto, o meio circundante.
4
Ao escrever “A Dimensão Cultural do Espaço: Alguns Temas”, Corrêa (2001, p. 298-299) propõe alguns
temas para investigação sob a ótica anunciada: “o caráter simbólico dos prédios, monumentos, praças, ruas,
bairros, cidades, regiões ou montanha, vale ou área florestal, entre outros, para os diversos grupos sociais,
étnicos, religiosos etc”.
5
O termo capcioso quer denotar um ardil: entende-se ser possível corresponder uma temática inserida na
subjetividade da Geografia Cultural com uma outra, de trato mais objetivo, que corresponde à análise da
organização espacial.
5
Na apresentação do pré-projeto
6
original denominado “Globalização e
Turismo: A Monumentalidade do Hotel Copacabana Palace”, o próprio título denota
preocupações até então balizadoras da pesquisa: o trato espacial do fenômeno do
turismo; os efeitos da globalização concernentes a uma dita nova economia, onde
atividades econômicas como o turismo passam a ter grande importância na dinâmica
sócio-espacial; a associação desses dois pressupostos anteriores ao trato do
consumo do simbólico inerente ao Hotel Copacabana Palace. Até então, a
preocupação maior do estudo estava na correlação da força do simbolismo
monumental do Hotel Copacabana Palace com as transformações espaciais sofridas
por Copacabana, bem como a identificação desta como uma centralidade turística
dentro da Cidade do Rio de Janeiro.
Importante salientar que as proposições do nexo pretendido pelo então
postulante ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro foram alvo de intensa discussão frente à banca
examinadora constituída para tanto. E talvez aí o formato do que até então era
pretendido pelo futuro mestrando tenha tomado outros enquadramentos, não por
pressupor que o cerne do pretendido se encontrava desconexo, mas pelas
contribuições que a própria banca, mesmo que indiretamente, assentava ao pré-
projeto inicial.
Posteriormente, ao longo do curso, diante da preocupação de se lapidar um
objeto de estudo, pôde-se perceber quão importantes foram as interações da banca
examinadora ao pré-projeto de pesquisa. Ali se constituía a Academia na sua
expressão impar: a de agregar conhecimento, a de questionar e a de instigar novas
construções do saber. Retomando as idéias do Padre Teilhard de Chardin, criavam-
6
O pré-projeto foi apresentado enquanto uma etapa do concurso de seleção ao Programa de Pós-Graduação em
Geografia – Mestrado organizado pelo Departamento de Geografia da UERJ.
6
se ali as condições necessárias à reflexão do todo sobre a parte que se quer
agregar – a construção de um objeto de pesquisa não pode estar atrelada apenas à
visão do indivíduo que se crê sapiente, mas a uma reflexão coletiva à qual se
permita interagir agregando saberes.
Havia no pré-projeto original uma preocupação assentada na organização
espacial, expressa em Santos (2002), por conta da ordenação de um sistema de
objetos e ações onde a estruturação urbana de Copacabana, na zona sul da
metrópole carioca, estaria vinculada a uma redinamização empreendida após a
construção do Hotel Copacabana Palace. O turismo seria uma atividade condizente
com esta nova expressão de Copacabana claramente aliada à onda modernizadora
– em especial na capital federal, o Rio de Janeiro – empreendida pelas elites
nacionais nas primeiras décadas do Século XX.
Não obstante, a própria dinâmica do curso, com as diferentes disciplinas
oferecidas, interagiram ainda mais na já anunciada transformação do objeto de
pesquisa até então definido. Muitas foram as discussões engendradas, para tanto,
entre os professores e seus mestrandos, sendo expostas, a seguir, aquelas que
mais fundamentais se tornaram na reconstrução do objeto de pesquisa.
Na disciplina Geografia e Turismo, na idéia de seu condutor, Prof. Miguel
Angelo Ribeiro, os cinco conceitos-chave da Geografia – espaço, lugar, território,
paisagem e região – foram inter-relacionados à temática do turismo, com a
participação de palestrantes especialmente convidados para tal. A presença da
Profª. Zeny Rosendahl discutindo acerca do conceito de paisagem deixou uma
marca indelével nessa reconstrução: não haveria como construir um objeto dessa
monta sem se vislumbrar o uso do conceito de paisagem – o caráter monumental só
se expressa via paisagem, interagindo com a percepção de espaço. Cabe, pois, à
7
eminente professora a definição, por parte do mestrando, do punctum saliens na
condução do estudo pretendido: a paisagem na abordagem geográfica.
À Profª. Susana Mara Miranda Pacheco deve este estudo uma compreensão
da dinâmica urbana e as possibilidades de associá-lo à existência de um patrimônio
urbano, algo vital ao próprio objeto da pesquisa. Retomar as discussões do urbano
empreendidas pela Escola de Chicago permitiram, posteriormente, entender como
os rearranjos urbanos acabam por produzir expressões monumentais, como no caso
específico do Hotel Copacabana Palace. Mais ainda, com as leituras de Kevin Linch
(1990) e David Harvey (1996), por ela propostas, se pôde entender o quão
importante poderia se tornar a percepção do monumento em face à sociedade, em
relação ao seu próprio meio circundante.
Ao Prof. João Baptista Ferreira de Mello empenha-se a constatação da
indivisibilidade da percepção da metrópole carioca em relação àqueles que a
habitam. A imagem que se constrói do Rio de Janeiro está estampada em cada
objeto e seus significados, sua refuncionalização por vezes, sua memória e à
construção de um sentimento de pertencimento. Ao mestre apaixonado pela cidade
protegida por São Sebastião, tira-se a lição maior das centralidades que aqui não
escapam à pertinência do hotel que na sua própria se expressa. Se aliar a isso a
análise de Milton Santos (1994) para a existência de espaços luminosos e opacos,
tem-se, então, o sentido maior de se buscar no hotel as condições para as
dinâmicas transformadoras de Copacabana.
À Profª. Inês Aguiar de Freitas deve-se uma parte substancial deste trabalho.
A discussão empreendida ao longo de seu curso sobre a História da Natureza no
Ocidente – e nas leituras exponenciais de Alain Corbain (1989), Clarence Glacken
(1990) e Simon Schama (1996) – fez aludir à existência do mito e a sua capacidade
8
de criar arquétipos fundamentais para divisar a paisagem enquanto componente
essencial do caráter monumental da própria natureza.
Ao caminhar, portanto, para o exame de pré-qualificação do mestrando, já se
estruturava um “novo” – e então denominado – anteprojeto de pesquisa: “A
Monumentalidade do Hotel Copacabana Palace e o Turismo Global”. Numa banca
composta por alguns dos professores já aqui citados – Profª Inês Aguiar de Freitas,
Profª Susana Mara Miranda Pacheco e Prof. Gilmar Mascarenhas de Jesus – a
exposição do referido projeto resultou em uma salutar discussão a respeito das
possíveis modificações que elevariam o objeto de estudo a uma melhor dimensão.
Afinal, era pretendido: 1. analisar o mito em que se constituíra o mar; 2.
expressar a dinâmica sócio-espacial que criaria o lugar Copacabana; 3. relacionar a
edificação de um hotel e sua direta vinculação com as posteriores transformações da
dinâmica da estrutura urbana; 4. inter-relacionar a percepção desse mesmo lugar
com sua interação com um turismo de escala global. Grosso modo, seriam esses os
temas traçados frente ao que se expunha no anteprojeto original.
Entretanto, coube à banca – e mérito se faça ao Prof. Gilmar Mascarenhas de
Jesus – advogar pela fragmentação do estudo pretendido, fazendo com que ele
migrasse para uma escala de compreensão que expressasse muito mais o caráter
monumental do hotel frente ao patrimônio urbano constituído e à própria natureza
circundante, em especial o mar, do que sua correlação com uma análise referente
ao turismo em escala global.
Nesse sentido, teria o mestrando fugido de sua guia inicial – em verdade,
tornou-se, desde então, muito mais pertinente entabular um estudo inicial sobre a
monumentalidade do Hotel Copacabana Palace capaz de, a posteriori, permitir uma
continuação, onde o próprio hotel pudesse vir a ser referenciado junto às tendências
9
do turismo, enquanto fenômeno de análise espacial, nas suas diferentes escalas e
ao longo dos tempos.
Isto posto, permite-se centrar nosso objeto maior de estudo, a
monumentalidade do Hotel Copacabana Palace, naquilo que imbrica a estruturação
urbana de Copacabana com a visualidade-visibilidade
7
de uma praia não perceptível
antes da constituição do lugar urbano, ainda mais se considerando a influência de
uma nova postura acerca do mar por parte da população que a ela afluía. Nesse
ponto, as idéias de Gustavo Giovannoni
8
tornaram-se preciosas por conta de seu
entendimento da validade de um monumento conquanto à manutenção do seu
entorno. E, sendo assim, desta forma, como será ainda demonstrado, constituiu-se
um sumário – e a sua óbvia explanação – concernente com os novos rumos
traçados após a qualificação do anteprojeto frente a sua banca examinadora.
O estudo agora denominado “A Natureza Monumental do Copacabana Palace
Hotel: A Antevisão de Uma Paisagem”
9
retrata toda uma gama de preocupações do
seu autor – bem como de seu orientador – em face das vicissitudes inerentes ao
próprio desafio de consigná-lo. Seu objetivo prior concerne à identificação do caráter
monumental do Hotel Copacabana Palace no bojo de uma paisagem que articula
patrimônio cultural e natureza. E sendo assim, o maior questionamento a ser feito
diria respeito à inserção do hotel enquanto um novo elemento de uma paisagem – e
não o hotel pelo hotel, apenas – que ia se constituindo e se transformando conforme
as aspirações das distintas classes interventoras: diligentes, empreendedoras e
consumidoras.
7
Em considerando Ferrara (2002, p. 142), distinguindo visualidade e visibilidade “entre dado e processo, entre
valor e dinâmica de valores, entre imagem e percepção da cidade, entre cidade e lugar na cidade”.
8
O resgate e a discussão da principal obra deste urbanista italiano – “Vecchie Città ed Edilizia Nuova”, lançada
originalmente em 1913, depois ampliada e relançada em 1931 – é feito por Françoise Choay (2001).
9
Mantém-se a designação original do hotel, modificada para a atual anos mais tarde, porquanto a expressão do
recorte espacial indicada vincular-se ao momento em que assim era conhecido.
10
Neste ponto se torna mister interagir o estudo com as demandas das linhas
de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. A tônica do estudo pretendido parece remeter a uma
linha específica do referido programa, “Dimensões Culturais na Dinâmica Sócio-
Espacial” – “(...) a perspectiva cultural contempla as diferentes práticas, olhares,
subjetividades, simbolismos e identidades, que realçam a pluralidade da dinâmica
sócio-espacial” (folder do PPG para o concurso de admissão do ano de 2003) – em
detrimento, a princípio, daquela elegida ainda no anteprojeto de pesquisa submetido
à banca examinadora durante o processo seletivo: “Globalização, Políticas Públicas
e Reestruturação Territorial” – “(...) a Linha contempla as dimensões
reestruturadoras e as iniciativas de interesse sobre o território” (Ibidem).
Em sendo assim, impõe-se um esforço para deixar bastante clara a
orientação original deste estudo, que sempre pressupôs a possibilidade vital de
trafegar entre as duas linhas. Mas, ora, se a construção do arcabouço teórico da
pesquisa revela uma paisagem tratada a luz da organização espacial, decerto a
primeira linha do programa, “Globalização, Políticas Públicas e Reestruturação
Territorial”, expressa a razão maior do que aqui se produz.
Nesse sentido, usando a expressão original do geógrafo francês Philippe
Pinchemel, traçou-se uma linha de conduta forjada num palimpsesto
10
entre
paisagem e organização espacial. De certo que Santos (2002) torna-se, deste modo,
um dos grandes balizadores do objeto a ser construído, pois ao expressar a
conjugação de um sistema de objetos e ações preconiza a paisagem como
componente indissociável de qualquer análise espacial.
10
Oliver Dollfus, ao tecer comentário sobre o texto de Augustin Berque (1998), “Paisagem-Marca, Paisagem-
Matriz: Elementos da problemática Para Uma Geografia Cultural”, faz referência ao termo original de
Pinchemel. No Brasil, coube ao Prof. Milton Santos (2002) utilizar o termo ao tecer considerações em respeito à
correlação entre os conceitos de paisagem e espaço.
11
Não se refuta, porém, de modo algum, a visão humanística que transcende
para a metafísica a compreensão da paisagem e sua correlação com a perspectiva
humana, ou a vivência humana, pois ela injeta na paisagem uma carga de valores
cultural-ideológicos capazes de lhe configurar perspectivas distintas em sociedades
e tempos idem. Como apregoa Cosgrove (1999) não por querer negar a consistência
de uma Geografia Humanística, mas por considerar que a construção teórica do
objeto engendra, pela práxis até aqui formatada, “acréscimo ao privilegiamento do
espaço como um agente ativo na modelagem tanto dos eventos como do
conhecimento deles (...)” (Ibidem, p.19).
Por esta lógica se projetam os dois recortes básicos do estudo: o recorte
espacial diz respeito ao próprio Hotel Copacabana Palace, mas impossível
açambarcá-lo a si próprio pelas próprias interações que o hotel deve ao seu entorno
e, porque não dizer, vice-versa. Da mesma forma, o recorte temporal transborda
para além ou para aquém do seu marco, a inauguração do hotel no ano de 1923.
Fugir à ortodoxia dos recortes é mais do que uma necessidade da pesquisa;
na verdade é um imperativo, pois as marcas da paisagem (Berque, 1998)
entronizadas pela existência físico-temporal do hotel expressam, mantidas as
devidas proporções, a civilização que o empreendeu. A escala do tempo varia
conforme se explicam os atributos materiais e imateriais concernentes à (pré)
existência do hotel. A escala do espaço justapõe as devidas dimensões dessa
paisagem marca seja em abrangência local ou mundial.
Por outro lado, há uma preocupação inerente à própria (re)concepção do
objeto a partir das intervenções da banca de qualificação do anteprojeto de
pesquisa: a definição dos recortes de tempo e espaço constitui fundamento na
construção do objeto, pois os mesmos estão estreitamente vinculados à expressão
12
da conduta deste último. Porém, a dilatação dos limites requer cuidado, pois do
contrário há sempre o risco de transformar-se o que ora se empreende numa
panorâmica pouco tátil e desprovida de senso de objetividade.
E esta é uma preocupação de tal importância que acaba por mobilizar
esforços no sentido de clarificar reais pretensões sempre quando se torna
imprescindível extrapolar os limites inicialmente impostos aos recortes. Em verdade,
é correr o risco calculado de ir além de acordo com a precisão do objeto. Tal ideário
absorve vínculos com os questionamentos superpostos ao longo do exercício da
redação do que se intenta qualificar.
Neste sentido, buscar os vínculos da paisagem praia a montante do limite
tempo expresso na própria inauguração do hotel ou a jusante da qual sucede tem
razões suficientemente fortes e intrínsecas à própria percepção desse limite. Em
suma, o que foi a praia antes da sua concepção de local de amenidades (já a
caminho do final do Século XIX), ou de mercadoria consumível na ótica capitalista
que fez do turismo um grande empreendimento (já nos últimos decênios do Século
XX), é parte da própria compreensão do objeto em construção.
Até porque, o recorte temporal que exige maleabilidade, mesmo que
controlada, justifica critério idêntico impregnado na delimitação do recorte espaço.
Um objeto não se constrói por sua simples nomeação. Ele resulta de uma série de
intervenções do autor no sentido de alinhavá-lo ao longo de seu texto. Ele resulta na
real possibilidade de expressão de algo que mesmo já pensado pode incorporar uma
nova visão. Crendo ser o conceito de paisagem fruto direto de um olhar próprio do
sujeito mediante seu objeto, nada mais justo que ele dialogue tanto quanto com a
retrovisão ou com a antevisão que se carrega nessa paisagem.
13
Sendo assim, a existência da paisagem-hotel vincula espacialmente o tempo
que procede ou sucede tal ato. Há pertinência na qualificação do lugar-paisagem
receptáculo da concriação representada pela edificação do hotel. Não se ergueu
apenas um hotel, mas um novo estilo de vida, uma nova concepção de aceitação da
paisagem e uma antevisão que permitiu uma série de transformações que se
tornaram únicas frente a uma concepção impar, visto ter sido a que foi – fosse outra
e não produziria o mesmo efeito.
Se volta no tempo, o espaço justifica ações pretéritas que desembocam
naquilo que se almeja: o recorte-espaço é o hotel, mas o mesmo não é nada sem o
que o circunda, visto não poder encaixar-se no vácuo, pois perderia a capacidade de
integrar-se ao uso social que o justifica. Portanto, o hotel-recorte não esgota a
percepção da paisagem após a sua criação. Ele foi introduzido numa paisagem que
carregava uma visibilidade comum aos que dela dispunham. Em sendo erguido
passou a constituir-se, ele próprio, em paisagem, mas também um novo fixo no todo
de uma percepção maior já antes constituída, mas agora (re)transformada – Milton
Santos (2002, p. 103) clarifica tal posição quando se refere à paisagem: “é
transtemporal, juntando objetos passados e presentes, uma construção transversal”.
Porém, em ainda não considerando as correlações diretas entre paisagem e
espaço, tão apta em Santos (2002), mas ao mesmo tempo sincronizado às idéias
que o próprio preconiza, deve-se ainda considerar a introdução do hotel como um
novo elemento de composição da paisagem, sendo esta, a partir deste ponto,
reconsiderada conquanto aos que a ela vislumbram. A postura dos “insiders” e dos
“outsiders” – em consonância com as idéias de James Duncan (2004) – tem agora
um outro referencial: aos primeiros, a introdução de um novo ícone, um monumento,
capaz de referendar a pertinência das transformações em curso no local em que se
14
erguia o hotel; aos outros, um outro olhar, pois Copacabana jamais seria a mesma a
partir do momento em que o hotel nela se inseria.
A intenção de comparar o Hotel Copacabana Palace a um monumento atende
aos anseios de construção do objeto, mas não é em momento algum original. Em
verdade, o próprio construtor do hotel, Octávio Guinle, já expressava, à época da
edificação do mesmo, estar “erguendo não um hotel de ocasião, e sim um
monumento do qual se orgulharia para sempre” (BOECHAT, 1998, p. 32). Se a
qualificação do hotel enquanto monumento não é original, por outro lado, responde
pela melhor qualificação possível ao apelo simbólico que o mesmo veio a consignar
ao ser contido pela paisagem circundante.
Poder-se-ia incrementar tal intento com a idéia de capital simbólico defendida
por Pierre Bourdieu (1989) ou com a postura crítica de Guy Debord (2004) nas suas
ilações acerca da sociedade do espetáculo. De fato, tais leituras acabaram por se
tornar cânones dessa intenção. Em verdade, o pilar de tal visão está intrinsecamente
associado no disposto por Françoise Choay (2001) ao considerar as múltiplas faces
do caráter monumental ao longo do tempo e sua mais completa tradução do caráter
alegórico elegido junto ao patrimônio urbano.
Vislumbrar distintas percepções do caráter monumental torna obrigatória a
interdisciplinaridade que conduz ao olhar do filósofo, do historiador ou do arquiteto
concatenado ao olhar do geógrafo. Mas o último prevalece, com certeza, pela
disposição de se produzir um estudo geográfico, onde a análise espacial,
assessorada pelas discussões do conceito de paisagem, bem refletem a natureza da
construção do objeto em voga.
A bem da verdade, há uma clara pretensão de se associar a imagem do
monumento a de um fixo componente da paisagem, mas com uma
15
representatividade ímpar. Tal fixo pode estar travestido de intenções múltiplas, pois
o caráter monumental transvaria conforme as necessidades de interação paisagem-
sociedade preconizadas em determinado momento por um grupo social qualquer.
Ou seja, o caráter monumental vai assumir posturas distintas, conforme a ele se
assemelham intenções sociais. Da mesma forma que Milton Santos (2002, p. 109)
relaciona os objetos a formas-conteúdo, visto serem dotados de uma presença
humana, o monumento, tal qual um fixo, um objeto, tem uma reciprocidade social,
pois advém da capacidade humana de compreendê-lo como tal.
Advoga-se, pois, uma visão peculiar ao monumento erguido nos areais de
Sacopenapan
11
, na medida em que o mesmo é fruto de algo engendrado nas teias
de um passado que representa constituição inigualável frente aos anseios sociais
determinantes de tal época. Ao mesmo passo, o referido hotel imbrica com o louvor
do futuro a ele configurado, por ser préstito do que almejava o grupo social que o
considerou. E vem daí a possibilidade de ensimesmar ao hotel o que dele próprio
derivou ou ao que nele desembocou: o hotel é o monumento de si mesmo. Mas este
“si” carreia toda uma carga de valores culturais, visto ser impossível desvincular uma
criação dos humanos de sua própria humanização.
O hotel surgiu no bojo de transformações sócio-econômicas e dos anseios
nacionais de um país cuja elite condutora almejava louvar o que considerava um
futuro promissor. É, portanto, monumento desse louvor, visto querer prestar uma
homenagem aos novos tempos que o mesmo anunciava. Não por acaso, como se
expressa mais detalhadamente nos capítulos seguintes, estaria a altura de hospedar
autoridades nacionais e estrangeiras que participariam das cerimônias relativas ao
11
Cf. Cardoso et al (1986), o nome indígena Sacopenapan pode ser traduzido do seu original tupi como “o
barulho e o bater dos socós”, na língua portuguesa.
16
centenário da independência do país. Seria, pois, um marco do que se pressupôs
chamar, em dado momento, de modernidade.
Aqui se retomam as idéias de retrovisão e antevisão. O hotel expressa
homenagem ao fim dos tempos idos, sendo fruto do entendimento do que neles se
passou, bem como também expressa homenagem aos tempos vindos, porque
rechaçou o passado e louvou o futuro. Impossível entender o caráter monumental do
hotel sem compreender o passado o qual o fez existir. Impossível, idem, quanto ao
que o futuro trouxe: transformação a par de um novo ícone, de um novo símbolo – o
próprio hotel. Mister ser crítico o suficiente para assimilar que o que se chama de
futuro, frente à inauguração do hotel, tornou-se passado e hoje é visto com o olhar
do presente – não sem razão se invoca muito da lógica da Geografia Cultural na
composição desse estudo: admite-se não haver imparcialidade total por parte do
pesquisador, por estar ele influenciado pela ideologia que lhe é contemporânea.
Ao hotel sucedeu uma série de transformações sócio-espaciais do lugar
Copacabana. Mas a escala desse lugar também é transbordante, mesmo porque se
tornara representativo de um modo de pensar emoldurado no limbo entre burguesia
e aristocracia, com proporções que podiam variar da postura cosmopolita que
almejava a cidade do Rio de Janeiro, bem como na representatividade nacional
advinda do que se engendrava na capital do país.
Olhar para o hotel enquanto um serviço de hospedagem deixou de ser intento
deste estudo. Nele o que menos se lhe importa – conquanto as novas delimitações
de recorte tempo-espaço surgidas durante o exame da banca de qualificação do
Programa de Pós-Graduação em Geografia – é o que o hotel expressa por dentro de
suas próprias paredes. Esse salto se torna pretendido para além dos limites do que
se logra agora enquanto uma dissertação de mestrado. Ao pesquisador fica posto a
17
clara necessidade de expressar nas linhas finais do que ora intenta aquilo que dela
poderá advir e que originariamente era pretendido no anteprojeto de pesquisa
apresentado.
O objeto de estudo preconizado é, em suma, o caráter monumental associado
ao Hotel Copacabana Palace no que diz respeito à série de transformações sócio-
espaciais resultantes do caráter simbólico de sua constituição. As transformações
dizem respeito ao lugar Copacabana, mas, como já mencionado, com escala
transbordante. E também dizem respeito à sociedade carioca, mas igualmente
transbordante mediante o apelo reverenciado a uma identidade nacional expressa
em um modo de vida representativo da urbe carioca.
A questão central a par do objeto constituído encontra-se presente na forma
como o Hotel Copacabana Palace se expressa enquanto monumento. Em verdade,
torna-se condição sine qua non explicitar o modo pelo qual o hotel adquire
simbolismo suficiente para transformar-se no fio condutor das transformações sócio-
espaciais dele advindas. Adjacentes à questão central, mas com conduta apside,
aparecem questões igualmente norteadoras do estudo ora introduzido: demonstrar
como o tido caráter monumental do hotel está associado ao entorno presente em
duas distintas formas de paisagem: a cultural, expressa na ação dos agentes da
estruturação urbana do lugar Copacabana; a natural, enquanto uma criação sócio-
cultural fruto de uma percepção ocidental da natureza.
A justaposição destas vertentes desemboca na possibilidade de argumentar
sobre uma nova questão, ou seja, que um monumento nunca prescinde do seu
entorno, pois, como já dito, não se expressa no vácuo. E, em sendo assim, o
conceito de paisagem adquire singularidade, pois sob sua égide intenta-se
demonstrar o quanto das transformações sócio-espaciais contidas em um local pode
18
estar relacionado às distintas marcas contidas na paisagem. O hotel singularizou,
em dado momento, enquanto marca indelével da paisagem, uma nova concepção
sócio-espacial atrelada ao lugar Copacabana.
Por fim, criam-se questões voltadas para a continuidade do estudo, por já
estar suficientemente claro que o mesmo não encerra ao final do que por agora se
constrói. Tais questões devem estar alinhavadas ao final do texto, nas conclusões
finais, pois são frutos da narrativa desencadeada e não podem pressupor
antecedência à mesma.
Em comunhão com as idéias de Roberto Lobato Corrêa (2003), não se
pressupõe a construção de hipóteses e a aceitação da lógica da verificação, pois se
“privilegia a lógica da descoberta” (Ibidem, p. 15) e, tampouco, se intenta aqui uma
nova formulação teórica que viesse a par de “formulações hipotético-dedutivas e
suas implicações metodológicas” (Ibidem, p.15). Os questionamentos são os
grandes balizadores do objeto de estudo, sendo pois, o maior intuito, fazer valer a
dissertação de respostas, nunca complacentes, visto pretender-se constantemente
crítico, e sempre o mais possível translúcidas, por conter o afã de uma necessidade:
a construção desse mesmo objeto.
Quanto à metodologia, que fique claro estar a dissertação em curso
fortemente vinculada a um embasamento teórico-conceitual que pressupõe
geografizar uma visão pertinente à idéia de monumento – e, em assim sendo,
efetiva-se a correlação do trato da paisagem a partir da Geografia Cultural com a
expressão da organização espacial da qual a paisagem é um de seus pilares. Para
tanto, visto na presteza das proposições de Santos (2002) quanto ao palimpsesto
paisagem-espaço, norteia-se tal estudo pela correlação direta dos dois conceitos
anunciados. Em sua operacionalização, preteriu-se uma pesquisa de fontes
19
primárias, em particular a iconografia, por ser por demais claro que o objeto em
discussão é permeado por literaturas ímpares, beirando o definitivo, acerca de
Copacabana – como em Elizabeth Dezouzart Cardoso et al (1986) e em Lilian
Fessler Vaz e Elizabeth Dezouzart Cardoso (2002) – e do Hotel Copacabana Palace
– como em Ricardo Boechat (2002). Empreender uma nova discussão a respeito das
temáticas correlacionadas ao objeto sempre foi o maior intento do estudo realizado.
As fontes secundárias tornaram-se vitais, até porque as mesmas expressam
um tom peremptório, sendo, pois consagradas como por demais relevantes ao que
tencionaram produzir no que diz respeito ao recorte espacial em questão. Dialogar
com essas fontes e produzir uma postura crítica em relação às mesmas, ora
argumentando sobre seus pressupostos, ora concatenando suas idéias, enfim,
dispor das mesmas pela lógica a qual pressupõe a difusão do saber.
Também não houve a intenção de buscar em campo, via postulação de
questionários de pesquisa, impressões sobre a magnitude da edificação do Hotel
Copacabana Palace, pois a mesma está introjetada na própria dinâmica do tempo.
Em sendo assim, não há como resgatar na memória dos homens, já vivos àquela
época, as impressões carregadas desde a infância sem o ludismo peculiar que
transfigura as dimensões de qualquer paisagem, qualquer objeto ou qualquer ação.
Por fim, em pleno acordo com Umberto Eco (1992), a contribuição esperada
quando da elaboração de uma tese é a de que amplie o fecho de luz que incide
sobre o objeto e o torne cada vez mais claro. Somar esforços é propósito primordial
ao estudo empreendido; é resgatar, ainda, as referências iniciais ao Padre Teilhard
de Chardin expostas ao início desta introdução, pois há a pretensão clara de
agregar-se ao esforço acadêmico de cientificizar – conforme Eco (1992) – e produzir
20
literatura pertinente ao âmago norteador da Academia: a produção do saber a
serviço dos que almejam o conhecimento.
Nesse sentido, a postura de Eduardo Yázigi (2005) quanto ao papel da
criação não se exclui desta proposta: mesmo quando trafegando entre a
racionalidade e a lateralidade, não se pode perder o norte que indica o papel da
produção científica; não se pode desperdiçar recursos, sejam humanos ou materiais,
ajuizando uma produção científica inócua; também não se pode perder o tino da
grandeza da produção científica: ao que ela se presta?
Ainda em Yázigi (2005) se vislumbra a relevância do que se intenta: não há
nele o princípio da intencionalidade, portanto não se pode chamá-lo de inventivo;
apela para o sentido da descoberta, pois que de certa forma busca uma forma de
expressão peculiar para algo que já existia; agrega instintos de originalidade e
criação, mas não é petulante a ponto de crer-se como tal.
Frente ao geógrafo, dois caminhos se empreendem como forma de mediação
às vicissitudes que expressam a sua postura diante da sociedade: na produção
intelectual – que interage com a ação que fomenta avanços sociais; como ator na
cena política, ao usar seu conhecimento na luta pelo aperfeiçoamento do trato
social. Em Unwin
12
(1995), esses dois caminhos ganham expressão em dois
distintos geógrafos: primeiro em D. Harvey, seminal em sua proposta crítica para o
mundo intelectual da Geografia; depois em W. Bunge, com a expressão prática da
combatividade política (que lhe fez ser perseguido pela simples expressão de suas
idéias) – permear entre as duas frentes fosse o desejo mais coerente de todos
aqueles que advogam a Geografia, mas fundamentalmente crer que, independente
12
Tim Unwin (1995) desenvolve uma análise comparativa à ação do geógrafo quando da sua opção pela
Geografia Radical (Crítica) e, neste sentido, aponta para as diferentes trajetórias de D. Harvey e W. Bunge como
formas de atuação distintas frente ao apelo social que o novo enfoque imprimia: ora uma produção acadêmica
muito mais crítica quanto a dinâmica sócio-espacial frente ao capitalismo; ora uma ação política mais explícita
quanto à atuação do geógrafo diante de tal expressão do conhecimento.
21
de um papel pré-definido há o almejar de uma postura sempre próxima da
capacidade de transformação social necessária a uma melhor existência dos
humanos.
Assim fica, atribuída aqui, a intenção de se produzir um estudo norteado pelas
posturas intrínsecas ao papel do geógrafo: a intenção do espaço ganha dimensões
maiores do que a simples concretude e se imbrica com valores para além do
sensorial, constituindo assim a dinâmica sócio-espacial concernente à existência
humana – cabe ao geógrafo distinguir na intencionalidade do espaço as ações
empreendidas, diagnosticá-las e posicionar-se frente às mesmas. Eximir-se da ação,
julgando a ciência com códigos de isenção, é querer, de antemão, negar a carga
ideológica pertinente a qualquer expressão humana no seu próprio tempo.
Nesse sentido, assinala-se a possibilidade de se contribuir, minimamente que
seja, para a capacidade transformadora da expressão da Geografia, visto a mesma
aportar concepções ou enfoques muitas vezes diferenciados, mas ao mesmo tempo
convergentes: caminhar com a subjetividade da abordagem cultural não pode estar
desconexo da existência e ação dos agentes modeladores do espaço, muito pelo
contrário, pois possibilita buscar elos entre diferentes formas de abrangência do
conhecimento.
O que se segue diz respeito à dinâmica do texto que ora se constrói: um
sumário, aqui, diante do até exposto, torna-se vital no sentido de delegar conexão à
construção do objeto, sendo por ele possível concatenar distintas expressões do
conhecimento instadas nessa tarefa. Tratar do caráter monumental do Hotel
Copacabana Palace foi o modo encontrado para expressar a percepção
13
da
13
Tratando a idéia de percepção conforme o pressuposto por Descartes – “perceber não é sentir nem imaginar,
pois a imaginação é incapaz de abranger a infinidade das mudanças possíveis: perceber é conceber. Com efeito, é
apenas pelo entendimento que sou capaz de apreender o corpo como potência de uma infinidade” (BARBARAS,
(2004, p. 70).
22
paisagem – onde ele se contém ou está contido - constituída pela convergência ou
conflito de aptidões tidas por diferentes agentes sociais num dado momento, e com
as pertinentes conseqüências delas derivadas.
Desse modo, logo após o primeiro tópico da dissertação, concernente à
presente introdução, empreende-se o trato da paisagem ao longo de todo o segundo
capítulo deste estudo. A paisagem está sendo concebida conforme a ela se
apresentam interações sociais que atestam suas múltiplas aptidões – mister indicar
que a praia, por exemplo, tem concepções diferenciadas conforme a percepção
humana atribui-lhe novos predicados; isto em se tratando da visão ocidental, pois
outras concepções mais seriam somadas se fossem analisadas também as distintas
posturas de múltiplas culturas orientais frente ao mesmo tema. O olhar humano pode
restringir a capacidade de absorção da paisagem, daí a importância de se
concatenar diferentes formas de apreensão dessa paisagem, onde ela postula
relevância na costura dos arranjos sócio-espaciais. Cria-se, pois, um quid pro quo
entre paisagem e espaço, se permitido for olhar a paisagem para além do que a
mesma expressa de concreto.
Neste capítulo também impera a necessidade de se discutir não apenas o que
sucessivas paisagens, sobrepostas pela ação do tempo, permitem confluir na
constituição do espaço, mas também o que delas se espera. A paisagem pode
responder por uma antevisão da ação humana na construção do espaço, sem que
isso represente uma defesa de qualquer rasgo determinista – postula-se na
expressão monumental do Copacabana Palace uma antecipação da posterior
transformação da paisagem e a pertinente reconfiguração do tecido urbano de
Copacabana.
23
Visto isto, atenta-se, num terceiro capítulo, para a expressão simbólica do
monumento. Conforme Choay (2001), ao longo do tempo, ele revezou caracteres
mnemônicos conforme variavam, também, as pretensões ideológicas da civilização
ocidental. Não seria pertinente açambarcar visões para além do mundo ocidental,
pela magnitude do empreendimento, o que implicaria num desvio para além dos
contornos do objeto a ser retratado; mas por demais indevido seria admitir o
monumento como forma de reverência exclusiva da herança ocidental.
Outrossim, diria respeito às distintas concepções acerca do monumento: se
apenas retratado enquanto forma artística intencional oriunda da estética ocidental,
seja escultura ou arquitetura, minimiza sua amplitude espectável. Nesse sentido,
torna-se producente elencar as idéias alusivas ao assunto, possibilitando distinguir o
caráter monumental do Copacabana Palace, bem como depreender, através de uma
discussão sobre o olhar, sua simbologia espetacular. Em sendo assim, nada mais
adequado que o monumento venha a ser expresso também a partir de formas ditas
como naturais, mas atrelado a um outro capítulo, o de número quatro, relacionado
ao simbolismo contido pela praia e pelo mar – se o hotel também ganhou distinção
por seu apelo frente a uma natureza tida como espetacular, questiona-se o mesmo
teria tamanha magnitude estivesse longe da referida paisagem.
Como dito, o imaginário ocidental frente à praia e ao mar é parte fundamental
do que se disserta: a par do grande conjunto de transformações sócio-espaciais
definidas pelo avanço do capital com a Revolução Industrial, já a partir do século
XVIII, surgem grupos sociais, mormente o que se pode qualificar no todo como uma
elite burguesa, com necessidades ímpares na expressão da sua ascensão de
padrão de vida – Hobsbawm (1989) engendra uma teia de necessidades adquirida
por esta nova classe que busca na antiga aristocracia formas de expressá-la. Por
24
outro lado, os avanços da ciência são responsáveis também pela nova concepção
que se tem do mar e da praia. A correlação entre ciência e status social será
fundamental para alçar a paisagem litorânea a novas concepções,
fundamentalmente as de espetáculo e consumo.
Ainda neste capítulo, intenta-se correlacionar postulados tidos como distintos
na Geografia: a lógica física não pode ser simplesmente defenestrada quando se
alude à praia, como também simplesmente dela não devem ser excluídas quaisquer
referências aos mitos da natureza. Concepções da História Ambiental ou da História
da Natureza no Ocidente fazem valer uma premissa: qualquer ilação de caráter
geográfico não implica na obrigatoriedade da imbricação do físico com o humano,
mas o contrário disto não é necessariamente verdadeiro.
Num passo seguinte, em um quinto e último capítulo, alude-se às novas
aspirações da então chamada modernidade. Entre a segunda metade do século XIX
e o início do século XX experimentam-se novas concepções do espaço urbano –
sem esquecer que o mesmo se expressa claramente de forma concreta através da
paisagem – como reflexo direto dos rumos tomados pelo modo de produção
capitalista frente à já mencionada Revolução Industrial. Na Europa ou nos Estados
Unidos da América, pilares dessa nova economia, os arranjos urbanos são fruto ora
da constituição de novas áreas urbanas (em acordo com as necessidades da
produção industrial, principalmente), com profundas transformações ditadas por
agentes como o Estado ou os empreendedores imobiliários, ora pela adequação de
uma paisagem urbana pré-existente.
A cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, tomadas as devidas
proporções, experimenta situações similares quanto aos novos arranjos urbanos
constituídos conforme as necessidades de expressão dessa modernidade. Em
25
verdade, a peculiaridade brasileira diz respeito a uma transformação de caráter
muito mais político e ditada pela transição do arcaico – o que estaria relacionado ao
antigo regime imperial – para o moderno – correlacionado com o advento da
República em 1889. O Brasil moderno está longe de ser uma nação industrializada,
mas sofre e interage com os efeitos dessa industrialização, buscando marcar
posição frente ao novo cenário internacional que se desenha. Interagir com tal
cenário requer viabilizar possibilidades de nele estar incluso, sendo, pois, posta em
ordem uma série de transformações de caráter urbano, em sua capital, o Rio de
Janeiro, mormente em seu então decadente centro, que viessem estar a par desta
nova realidade.
Mas, ao pontuar sobre a área central do Rio de Janeiro, corresponde imediato
paralelo com o que foi produzido na orla litorânea sul da cidade, em especial nos
areais que se estendiam entre as pontas do Leme e do Arpoador. Neste ponto,
deve-se buscar entender como a agregação desse novo espaço urbano traz
embutidas variáveis subjetivas consignadas pela mise em valeur (Choay, 2001)
ditada pelas aspirações das elites brasileiras. A praia está presente e a ela
relacionada um novo modo de vida: nova área urbana empreendida já nasce com a
concepção dessa modernidade.
Neste capítulo, não se intenta apenas explicitar o que literaturas consagradas
já o fizeram a respeito da agregação urbana da orla sul da cidade do Rio de Janeiro,
em especial Copacabana. É fundamental relacionar esta compreensão com uma
série de valores abstratos, como o do “dever cívico” atrelado às elites nacionais
quanto ao seu papel empreendedor no quadro de transformações que se
anunciavam; de suma importância também indicar a pertinência da construção de
ícones nacionais ligados à natureza monumental da nação – na confluência dessas
26
informações está implícita a edificação do Copacabana Palace: ergue-se um
monumento ao novo, o próprio hotel, seja diante da expressão urbana que o
notabiliza, seja diante da exuberante natureza que o sacraliza.
Por último, se discute a fundamentação de um estudo sobre um hotel, mas
sem considerá-lo como uma unidade funcional, e sim por sua pertinência na
transformação da paisagem. Em verdade, a tônica não é considerar o hotel como
uma unidade funcional, dotada de serviço de hospedagem, mas todo o caráter
simbólico que o mesmo passou a adquirir e representar. Há vínculos claros deste
simbolismo com as transformações sócio-espaciais pertinentes ao seu tempo de
edificação.
Este capítulo se expressa também enquanto pináculo da intenção do objeto
proposto. É a partir dele que se apresentam as considerações sobre o caráter
monumental do hotel, mas é a partir dele também que são arrematadas as
considerações finais dessa pesquisa, pois as mesmas adquirem função vital:
entabular um conjunto de questionamentos pertinentes ao mesmo objeto, cuja
análise deve ser postergada por vincular distintos recortes – seja o temporal, com as
implicações decorrentes da própria dinâmica do tempo agindo sobre o objeto; seja o
espacial, pois os vínculos adquiridos pelo objeto interagem o local com o global.
Dessa forma, novos questionamentos aliados a novos recortes pressupõem a
constituição de um estudo contínuo acerca do mesmo objeto. Ele não é estático
quanto a usos ou funções; nem mesmo a forma deixa de ter um apelo diferenciado:
o monumento que reverenciou a modernidade do presente quando da sua
inauguração impõe-se hoje com ares de monumento histórico. Sua forma concreta
permanece basicamente intacta tal qual o era em 1923, porém sua forma abstrata
adquiriu outra percepção.
27
Nas considerações finais deste trabalho impera o sentido de fomentar novos
questionamentos acerca do objeto, de modo que o mesmo adquira outra
personalidade: tal qual um ente, sujeito às mudanças do tempo, ao atributo de novos
valores, portanto dinâmico o suficiente para se revestir dos matizes que tais
mudanças lhe proporcionaram.
Do Copacabana Palace Hotel dos anos vinte, do século anterior, ao Hotel
Copacabana Palace dos tempos atuais, há uma série de transformações incidentes
sobre a própria performance funcional do hotel, bem como na escala de reverência
social que o mesmo pudera oferecer aos seus hóspedes. As transformações estão a
par com os novos atributos do adquiridos por Copacabana ao longo do tempo, pela
própria dinâmica interna da cidade do Rio de Janeiro e pelos novos ditames do
grande capital, especialmente quando relacionado a uma esfera do consumo
simbólico. Buscar a correlação desses processos e as razões pelas quais o hotel
veio a vivenciar períodos distintos de opulência ou decadência torna-se por demais
pertinente enquanto estudo geográfico.
Em verdade, a expressão da paisagem em tempos de espetáculo,
pressupondo a mesma um item de consumo tanto como qualquer outro concreto,
atribui ao conceito uma nova perspectiva frente ao saber geográfico. Se for possível
enxergar na paisagem mais do que ela representa fisicamente e dela extrair valor
simbólico, poder-se-á estabelecer elo com uma nova escala de valores de consumo
– nessa, o produto concreto perde em relevância para o produto abstrato, mas
ambos são igualmente consumíveis. Por outro lado, essa paisagem sofre as
alterações derivadas dessa perspectiva, seja pela mudança ou acomodação física
da sua forma, seja pela nova mise em valeur (Choay, 2001) adquirida pela mesma –
28
nessa hora, uma análise espacial estaria sendo produzida a partir desse valor
agregado pela paisagem enquanto consumo.
Parece pertinente entrelaçar, em momento seguinte, as linhas do presente
estudo às novas possibilidades de entendimento do futuro que consumiu o
Copacabana Palace e o adequaram às exigências que o tempo, fugaz, exige dos
objetos que se prestam ao consumo. O Copacabana Palace passou por diferentes
etapas do tempo onde, pela ótica do grande capital, os objetos e seus valores foram
se readequando. Instigar um estudo posterior mantendo-se atrelado a esta
concepção é, pois, senão o objetivo maior do presente estudo, mas o que o mesmo
deixa de herança por conta de sua própria constituição. As considerações que por
ventura venham a ser feitas em respeito ao que se disserta talvez façam urgir a
relevância de realização.
As páginas que se seguem, entrelaçam a base teórico-conceitual
empreendida com a análise do objeto, considerando seus recortes espacial e
temporal. Em assim sendo, é necessário expressar os contornos gerais desse
objeto, sob pena de se confundir a leitura do que ora se intenta.
Desta forma, identifica-se o Copacabana Palace Hotel, em sua denominação
original quando de seu baile inaugural, realizado a 1º de setembro de 1923. Este fixo
resistiu ao tempo e à destruição da memória da configuração urbana original do
referido bairro, embora mantenha, hoje, uma distinção social similar a de outrora.
Sua localização é feita através da disposição de imagens recentes (vide ilustrações
1, 2, 3, 4 e 5) obtidas em acesso ao sítio Google Earth (s. l., s. p.) da rede Internet,
tendo, pois as referidas imagens um sentido de mapeamento, o que principia sua
dimensão espacial e colabora, como dito, para uma melhor compreensão do estudo
pretendido.
29
Ilustração 1. Localização da Cidade do Rio de Janeiro. Fonte: Google Earth [s. d., s. p.].
Ilustração 2. A orla litorânea sul do Rio de Janeiro. Fonte: Google Earth, [s. d., s. p.].
30
Ilustração 3. A Praia de Copacabana. Fonte: Google Earth, [s. d., s. p.].
Ilustração 4. Detalhe da Praia de Copacabana com o Copacabana Palace em destaque no
retângulo em vermelho. Fonte: Google Earth, [s. d., s. p.].
31
Ilustração 5. O Copacabana Palace em destaque frente à Avenida Atlântica. Fonte: Google
Earth, [s. d., s. p.].
Ilustração 6. A fachada do hotel, a Avenida Atlântica e o seu calçadão em pedras portuguesas.
Fonte: Google Earth, [s. d., s. p.].
32
2. A ABORDAGEM DA PAISAGEM FRENTE AO OBJETO
De minha parte eu gostaria de arriscar uma
hipótese quase maniqueísta: em última instância,
estaríamos lidando não com uma apropriação do
objeto-mundo pelo sujeito, mas com um duelo entre
sujeito e objeto. E nele o jogo não está feito...
Tenho mesmo a impressão de que há uma espécie
de reversão, de desforra, quase que de vingança
do objeto, pretensamente passivo, que se deixou
descobrir, analisar, e que subitamente se tornou
um pólo de estranha atração e também de repulsa.
Desenrola-se aí um antagonismo quase fatal, da
ordem do de Eros e Tanatos, em uma espécie de
confronto metafísico.
Senhas . Jean Baudrillard (2001, p. 51-52).
33
A Geografia desde cedo atribuiu ao conceito de paisagem uma relevância
significativa em qualquer assertiva de caráter científico relacionada à sua temática.
O conceito nunca permaneceu estático, embora muitas vezes os rumos ditados pela
análise espacial o tenham hierarquizado de forma inadequada. À Geografia Cultural
deve-se a retomada de estudos onde o conceito de paisagem volta a adquirir
importância fundamental enquanto análise geográfica, pois a subjetividade adjacente
à expressão concreta do homem sobre a superfície do planeta torna imprescindível a
consideração das formas para além de suas funções básicas.
A paisagem carreia um simbolismo capaz de desaguar na compreensão dos
arranjos sócio-espaciais inconcebíveis frente a uma análise ortodoxa da interação
dos agentes de construção do espaço. Todavia, desconectar as duas análises não é
obrigatoriedade para a constituição de um estudo de bases geográficas, sendo, pois,
empreendida uma correlação entre as duas formas do pensar geográfico, embora
em momento algum privilegiando totalmente a organização espacial como essência
maior de compreensão deste estudo.
O intento maior deste capítulo é correlacionar as diferentes formas de
abordagem do conceito de paisagem ao longo do tempo com o recorte espacial em
questão, visto estar a construção do Copacabana Palace Hotel para aquém de
literaturas hoje consideradas melhor qualificadas para tal intento. Entretanto, admite-
se que, ao longo desses aproximadamente oitenta e três anos que se separam da
construção do hotel, a própria Geografia apresentou possibilidades distintas para a
análise da paisagem enquanto conceito de fundamental importância no trato
geográfico.
Desse modo, voltar ao tempo da construção do hotel estimula uma análise do
conceito conquanto suas diferentes concepções, pois as mesmas ora são anteriores
34
e ora são posteriores à edificação do hotel. A análise do objeto deve ser pertinente
às literaturas hoje consagradas, mas ao aludir a fontes anteriores preconiza-se que a
representatividade do hotel em tempos idos esteve tão conectada às formas de
expressão do conhecimento daqueles tempos quanto agora o conhecimento
premente se permite ter acerca do mesmo assunto.
Nesse sentido, considerando que o ser humano arquiteta contínuas
transformações do saber em conexão com a carga ideológica peculiar ao seu tempo,
por demais ilusório seria admitir que as pretensas considerações ora entabuladas
em respeito ao objeto de estudo venham a configurar-se como expressão
incontestável do conhecimento. Do mesmo modo que as considerações sobre a
paisagem de brilhantes geógrafos do passado perderam foco à luz das recentes
concepções da Geografia sobre o tema, não se pode deixar de vislumbrar que o
conceito, por mais reelaborado tenha sido, não deixou de guardar a essência do que
sempre pretendeu. Além do mais, tampouco os geógrafos de hoje deixaram de
buscar na literatura consagrada do passado resgate de produção científica que se
torna presente.
Por fim, advoga-se pela possibilidade de buscar na paisagem a antevisão
necessária à construção do espaço. Não há rastro de determinismo ambiental nesta
pretensão, e entende-se que os elementos constitutivos da paisagem carregam
carga subjetiva suficiente capaz de fazer antever a ação humana que nela pode ser
empreendida. Deste modo, paisagem e espaço se imbricam de tal forma que os dois
conceitos se tornam dissociados um do outro, possibilitando, assim, uma análise
cuja carga subjetiva está fincada na paisagem ao mesmo tempo em que a ação
objetiva se expressa em espaço.
35
2.1 Paisagem: do Material ao Imaterial
A ciência que nasce para descrever a Terra busca conceber, ao final do
Século XIX e sob a influência da revolução darwiana, importância nas relações entre
os grupos humanos e o meio (CLAVAL, 1999). O recorte temporal que nos baliza
remete a um período onde as discussões em respeito à ciência geográfica, enquanto
fruto dessa nova concepção, se antagonizam entre a lógica do determinismo
ambiental, acenada por uma escola que se fez chamar alemã, e uma outra,
possibilista, associada aos franceses, em especial Vidal de La Blache, mas ambas
pressupondo a ênfase na paisagem “enquanto objeto essencial da investigação
geográfica” (CAPEL, 1988, p. 345).
Ainda segundo o mesmo autor, “a paisagem traduziria de alguma maneira as
interações entre os distintos elementos físicos e entre esses e os grupos
14
” (Ibidem,
p. 345), sendo que “a concepção paisagística se preocupa, sobretudo do resultado
material destas interações mais delas mesmas” (Ibidem, p. 345). E é nesta
seqüência que se vê surgir a necessidade de expressar cada uma dessas paisagens
através de distintas regiões – “cada região, por outra parte, se traduz em uma
paisagem, e isto é reflexo da diferenciação espacial” (Ibidem, p. 345), o que explica
muitos autores alemães terem usado o termo landschaft tanto para paisagem como
para região.
Por tal lógica, a análise do conceito pertinente à edificação do Copacabana
Palace sofreria, de início, de um problema de escala
15
. A qual paisagem poder-se-ia
vincular o estudo sobre as transformações da paisagem associadas à construção do
hotel? À paisagem da praia ou à paisagem dos trópicos? Nesse último caso, seria
14
O autor faz aqui clara referência aos grupos humanos, ou seja, às diferentes sociedades.
15
Entende-se que a escala indica a controvérsia da dimensão pouco criteriosa na qual caberiam os limites da
“praia” (mesmo que estivesse no plural) em oposição aos limites dos “trópicos”.
36
inserida uma postura (neo)colonialista européia frente às transformações advindas
de sua presença em terras meridionais do planeta. Tal fato determinaria uma escala
de tratamento para além do micro, ou seja, prevaleceria uma análise regional
centrada nos “trópicos”
16
, preterindo uma visão específica de um fenômeno plausível
de ser identificado similarmente, por exemplo, nas próprias praias do mediterrâneo
europeu.
Buscasse na literatura geográfica brasileira – produzida nesse momento –
referencial para tal empreitada e limite seria posto na falta da especificidade da
mesma. Em Machado (2000) pode-se observar que as preocupações dos estudiosos
da Geografia (normalmente oriundos de outras ciências, mas em par com o que se
podia chamar de pensamento geográfico) de então, no Brasil, convergiam para
preocupações outras, como as do historiador João Capistrano de Abreu, “em
estabelecer as condições que teriam modelado a organização social e territorial
brasileira” (Ibidem, p. 319), com fortes conotações de determinismo geográfico, ou
nas tentativas de Carlos Delgado de Carvalho, cientista político e Everardo
Beckheuser, engenheiro, em mostrar a viabilidade da Geografia enquanto disciplina
já na década de vinte do século passado.
Situação semelhante se observa em relação ao início da filosofia no Brasil,
onde um de seus precursores, Gonçalves de Magalhães
17
“procurava conciliar o que
houvesse de razoável e sem excessos em todos os sistemas filosóficos” para “desse
modo associar a filosofia a um projeto global de construção, pela educação, do
homem moral e cívico” (ABRÃO e COSCODAI, 2002, p. 465). As mesmas autoras
indicam que o “ecletismo” presente em tal proposta “não passa de uma mescla de
16
Horacio Capel (1988, p. 353) cita, por exemplo, estudos realizados por Pierre Deffontaines, no Brasil, como os
sobre as paisagens do Mato Grosso ou sobre a incidência da atividade pecuária sobre a paisagem americana.
17
Cf. Abrão e Coscodai (2002), poeta romântico, pioneiro na introdução da filosofia em instituições oficiais no
Brasil, tendo proferido a aula inaugural do primeiro curso de filosofia no Brasil, instituído no Colégio Pedro II.
37
idéias justapostas sem muito rigor, em que se destaca seu aspecto moralizante”
(IBIDEM, p. 465). A colagem de idéias, no caso, preconizava, na prática, muito mais
uma doutrina do Império, do que a sua própria discussão.
Em retomando as idéias da geógrafa Lia Osório Machado (2000), a mesma
salienta que a Geografia preconizada por Delgado de Carvalho e Everardo
Beckheuser era fruto da colagem de diferentes idéias e autores, sem que os
mesmos fossem mencionados em seus escritos. Tal fato, considerado comum à
época, acabava por tornar fácil “transacionar com idéias formuladas em momentos
diferentes ou com autores que se opunham entre si” (Ibidem, p. 326), o que permitia
a produção de um discurso com múltiplas possibilidades de adesão.
Em sendo assim, a alusão a uma paisagem para o momento da edificação do
Copacabana Palace revelaria as próprias incongruências da postura da Geografia
frente ao que entendia ela como seu objeto primordial de análise. Expressar a
paisagem apenas como um reflexo da ação humana – ou tê-la como expressão
singular da natureza determinante no uso humano – limitaria, pelo entendimento
presente, uma análise de trato científico associado à própria Geografia.
Sem embargo, à altura em que se constrói o hotel, a pertinência da sentença
grifada no parágrafo anterior merece outra reflexão: há uma crença no desígnio
humano de transformar a natureza em seu próprio benefício – em Glacken (1990)
observa-se uma das concepções dominantes do pensamento ocidental, como sendo
o homem um ‘parceiro’ de Deus, portanto empreendedor das ações que viessem a
domar a natureza e colocá-la a seu serviço; Worster (1991, p. 210) explica através
da História Ambiental
18
os “abusos ambientais contemporâneos que datam de muito
18
Para efeito de melhor entendimento, Worster (1991) condiciona o estudo da História Ambiental a três pontos
básicos: o entendimento da natureza propriamente dita; as interações objetivas, socioeconômicas, do homem
com a natureza; a percepção abstrata – que envolve valores éticos, leis, mitos – que rege o diálogo entre homem
38
tempo atrás”, com o domínio do homem sobre a natureza articulado por propostas
demiúrgicas ou racionais.
Deste modo, os salutares questionamentos em prol da defesa do ambiente de
inserção do homem nos tempos de hoje não corresponderiam ao desafio de
transformar o natural enquanto um objeto dotado de desígnios para além do
concreto. A paisagem na qual se inseriria o hotel já há muito havia sido modificada –
questionar-se-ia hoje sobre a validade de tal feito em face da defesa de um discurso
conservacionista (DIEGUES, 1996). Entretanto, fato consumado, retoma-se ao
passado como forma de se observar o comportamento humano a esse respeito:
como a Geografia pensava a transformação do físico mediante a necessidade do
humano?
Os discursos neocolonialistas não apresentam tanta divergência entre si,
transitem eles pelos apostolados ratzelianos simplificados em determinismo
ambiental ou na proposta vidalina da escola francesa, onde o homem também se
torna um ser ativo sobre o meio (MORAES, 1995). Neles há uma grande
preocupação em fazer crer o predomínio das idéias da civilização ocidental e as
mesmas partem tanto da própria matriz quanto das porções do planeta fruto de
intervenção notadamente européia.
Em se tratando de Brasil, como já visto, cunhar um pensamento em qual linha
fosse (ou na junção pouco perceptível das duas) seria pertinente para um país
transitando do regime monárquico para o republicano, como citado por Machado
(2000), pela necessidade de articulação do pensamento cientifico dominante de
então ao trato de modernização empreendido pelas elites brasileiras naquele
momento. A apreciação de outras formas de pensar está longe de maiores
e natureza. Convém lembrar que a obra de Clarence Glacken (1990) se prende fundamentalmente ao terceiro
item exposto, aquele também depreendido como História da Natureza.
39
possibilidades para aquele momento: há o predomínio de uma racionalidade
européia pouco afeita a formas de pensar que transpassem as portas do sensível.
Desse modo, pensar significa fazer valer como absoluto a interpretação ocidental
dos objetos e valores do mundo. Se hoje já se observa um salutar questionamento
acerca desse “absoluto”, o mesmo não se podia dizer dos tempos que desembocam
na edificação do Copacabana Palace.
Dessa forma, retomando a paisagem como fio condutor da observação
ocidental no embate entre o meio físico e a ação humana, corresponderia buscar,
uma vez mais, nos estudos das escolas alemã e francesa modos do pensar que
viessem a convergir com a transformação experimentada pelo recorte espacial e
arredores elegidos para a pesquisa.
Não obstante, a dicotomia entre o físico e o humano exacerbada na
constituição da Geografia não foge à regra quando da discussão do conceito de
paisagem. E foi através do referido conceito, como observa Capel (1988, p. 346-
347), considerando idéia do geógrafo italiano Almagia, que se adequou uma forma
de pensar geográfica, pois
estes dois ramos principais da ciência aparecem unidos pela unidade do
método, que se baseia na observação direta, e também pelo objeto final que
é, em essência, a descrição explicativa e a classificação dos vários aspectos
da superfície terrestre (paisagens geográficas) que resultam da atuação dos
agentes físicos (paisagens naturais), da presença e da diferenciação das
formações vegetais e animais (paisagens biológicas), da presença e da
multiforme atividade do homem (paisagens culturais e humanizadas).
Não há crítica em descrições ou classificações, mas apenas a constatação da
ação antrópica sobre o meio, seja mais ou menos significativa. Permanece a base
do pensamento ocidental quando diante da natureza, como se estivesse ela a
serviço do homem. A dicotomia entre o físico e o humano talvez seja o ponto
fundamental de análise relacionado à temática da paisagem até então, visto o
método não dirimir tal dicotomia, e porque a mesma permaneceria marcante ao
40
longo da história do pensamento geográfico. Nas abordagens a respeito da
paisagem que perdurarão até meados do século XX percebe-se uma clara
amálgama entre o concreto e o abstrato, entre o natural e o cultural, com este último
– o cultural – vindo a ganhar um patamar de importância muito mais significativo do
que outrora.
Sendo resgatado Otto Schlüter e se observa quando a Geografia encontra, a
princípio, unidade para a constituição de um objeto (CLAVAL, 1999). Naquele
momento, a paisagem “mantém a unidade da Geografia, pois uma paisagem é tanto
modelada pelas forças da natureza e pela vida, quanto pela ação dos homens”
(Ibidem, p. 23). Conforme Capel (1988), através de Schlüter concebe-se o ponto no
qual paisagem natural e cultural – naturlandschaft e kulturlandschaft
19
– ganham
diferenciação, mesmo que pouco perceptível, conforme o autor. Para Paul Claval
(1999), enquanto em Ratzel “o estudo da cultura confundia-se com o dos artefatos
utilizados pelo homem” (Ibidem, p. 24), em Schlüter “é a marca que os homens
impõem à paisagem que constitui o objeto fundamental de todas as pesquisas”
(Ibidem, p. 24).
Mais do que isso, a variável tempo interpõe-se como fundamental, pois a análise
prende-se agora às transformações da paisagem. Mesmo hoje seria pouco provável
a identificação de paisagens ditas naturais, ao pé da letra, sem a intervenção
humana, algo que Schütler invoca através da urlandschaft, com livre tradução para
paisagem remota” (CAPEL, 1988). Algumas ponderações pertinentes ao objeto
dissertado, neste ponto: qual seria a “paisagem remota” alusiva ao Copacabana
Palace, ou seja, aos areais de Sacopenapan? Poderia ser ela assim considerada
ainda ao final do Século XIX, com a quase inexistência de edificações e arruamentos
19
Baseiam-se, cf. Schlüter (apud Capel, 1988, p. 346), “no reconhecimento da forma e da disposição dos
fenômenos da superfície terrestre, em tanto que sejam perceptíveis pelos sentidos” – pontua-se a exclusão, nessa
paisagem visível, de elementos de caráter imaterial.
41
(ilustração 7)? Remota sem a interferência humana, porém sendo essa a
interferência humana ocidental, ou os nativos já nela atuando muito tempo antes
seriam percebidos como tal? E se o fossem, teriam eles o manejo técnico necessário
para serem concebidos como marcantes na transformação da paisagem remota?
Ilustração 7. Uma concepção do artista plástico Camões pode fornecer uma idéia da possível
“paisagem remota” de Copacabana ao final do Século XIX. Fonte: sítio do artista na rede
Internet – <
www.camoes.art.br>., [s. d., s. p.].
Pela lógica do pensamento ocidental, ao início do século XX, as
transformações estariam associadas a um evolucionismo técnico imponderável na
apreensão de ações não disseminadas fora do espectro da civilização ocidental. Em
verdade, ainda considerando Machado (2000), pesa ao Brasil da virada do século
XIX para o século XX, a necessidade de empreender – na compreensão de suas
elites – uma transformação modernizadora que incida, inclusive, no branqueamento
da raça, como forma redentora do atraso, conforme o pensamento dominante à
época. Desta forma, conceber o fim da paisagem remota estaria associado a uma
expansão do modo de viver europeu disseminado no Brasil. O passar do tempo
42
indicaria o grau das transformações associado a um maior domínio técnico. Ainda
assim estariam reduzidas as possibilidades de análise, pois se empreende uma
análise da paisagem na sua expressão material, nunca imaterial. Talvez assim se
explique a facilidade do trato do físico da paisagem geográfica, conquanto a mesma
não se permite variar conforme uma escala de atributos humanos que vá para além
do sensível, a não ser quando da consideração do mito.
Antes de inserir qualquer idéia que busque na paisagem algo para além do
material, atenta-se para as pesquisas de fundo etimológico e considerações a elas
pertinentes defendidas por J. B. Jackson (1989). Para o autor a origem do termo
landscape associa duas partículas da língua inglesa: land com um significado que
pode ir para além da concepção de localidade, mas também com a compreensão
similar nas línguas latinas, ou seja, como terra agrícola – Jackson (1989) chama a
atenção para o momento da introdução do termo na Grã Bretanha, no Século V, e
seu desígnio correlato, como o aquele associado ao uso da terra; scape, conforme o
que se vê a seguir.
Por outro lado, na origem latina o vocábulo pagus (identificando uma
determinada porção de terras, na Idade Média) está na base da formação do seu
sucessor, paisagem. Segundo Claval (2004), deve ser relacionado ao termo italiano
paesaggio e seu correspondente derivado no francês, paysage. Atenta-se para o
fato do autor estar preocupado em buscar os significados do termo paisagem dentro
da (re)concepção do mesmo aliado a uma perspectiva artística oriunda dos Países
Baixos, no século XV.
Incide-se, não obstante, numa perspectiva etimológica que pode também
configurar a idéia de paisagem, na origem latina, ao ambiente do campo. O vocábulo
43
francês paysan
20
(ou paysanne) traduz-se por camponês, por exemplo. Há
elementos, tanto nas línguas de origem latina quanto nas de origem anglo-saxônica,
capazes de referendar a idéia de paisagem enquanto fruto da ação humana dos que
vivem na terra e sobre a terra, sempre agrícola. Esta é a base do pensamento de
Jackson (1989), ainda mais quando acrescenta a raiz de compreensão do vocábulo
scape com a idéia de sistema (ou organização).
Sendo assim, segundo esse autor, a idéia de paisagem deve estar associada,
em livre tradução, a “uma composição espacial humana sobre a terra” (Ibidem, p.
68), portanto, “paisagem não seria um aspecto natural do meio, mas um espaço
sintético
21
” (Ibidem, p. 68) ou ainda, como “um sistema de origem humana
funcionando e evoluindo não em acordo com leis naturais, mas para servir a uma
comunidade” (Ibidem, p. 68).
Com tais indicações a respeito das concepções etimológicas alusivas ao
conceito de paisagem, torna-se melhor compreensível a pouca simetria na pretensão
de se buscar na paisagem uma simples evocação do natural, desprendido da
atuação humana. Torna-se ainda menos tangível a idéia de paisagem natural visto
ter havido uma concepção muito mais pragmática do termo, centrada na
necessidade da sobrevivência humana, do que na abstração filosófica do natural.
Mas por outro lado, não se pode desmerecer o apelo do natural sobre a
ambição ocidental de domínio sobre o conhecimento e, tampouco, a importância que
o mesmo passa a adquirir quando das grandes transformações advindas da
transição de um meio natural para o predomínio de um meio técnico-científico
(SANTOS, 2001 e 2002). O mesmo fascínio que comove o ser humano ao perceber
20
Cf. Corrêa e Steinberg (1980, p. 432), no Dicionário Escolar Francês-Português – Português-Francês do
Ministério da Educação e Cultura.
21
Palavra originalmente grifada pelo autor; considerando o vocábulo “sintético” como alusivo à idéia de síntese
ou, cf. o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1986, p. 1592), “que
compõe ou reúne”.
44
obras esculturais e arquitetônicas de grande monta anteriores ao domínio técnico-
científico proporcionado pela Revolução Industrial, conforme Choay (2001), pode ser
atribuído àqueles que se deparam com formas geomonumentais
22
atribuídas à
natureza.
Sendo assim, parte-se deste ponto para a pertinente distinção que deve ser
atribuída ao meio natural, independente de uma pré-concepção de que não seria ele
o alicerce fundamental da paisagem. À Geografia Física deve-se a capacidade de
tangenciar a compreensão do físico à necessidade do humano, mas fazendo deste
último, quando muito, um elemento de atuação sobre as alterações do que se
concebe como natural
23
. Não é objeto maior de seu estudo tal empreendimento, mas
sim a capacidade de entendimento sobre as forças compreendidas como naturais na
dinâmica do planeta ou de suas partes.
Mesmo assim, anuncia-se como fundamental uma discussão que entabule a
dimensão do físico na compreensão das transformações humanas, mas não por
querer compreender a dinâmica pertinente ao físico, mas sim os elos míticos que o
homem sempre fez com o mesmo. Nesse sentido, antecipa-se que tal colocação
tornar-se-á mister, em capítulo posterior, pois melhor justapõe a compreensão do
objeto pretendido, visto a consideração supracitada dos valores abstratos
relacionados à compreensão da paisagem – os monumentos naturais ou
geomonumentos atendem a esta solicitação.
22
Cf. o artigo do geólogo português João Carlos Nunes, na revista virtual Ambiente Insular (disponível em
<
http://www.ambienteinsular.uac.pt/artigos4.htm> - sítio acessado em 26 de fevereiro de 2006), considerando
geomonumentos como “elementos de geodiversidade, bem delimitados geograficamente e que, pela sua
peculiaridade ou raridade, apresentam valor científico, pedagógico, cultural e estético (em geral paisagístico),
econômico (em geral turístico), ou outro” (sic).
23
Em consonância com as idéias de Mendonça (2002, p. 131), por considerar que “a natureza não deve mesmo
ser enfocada a partir de métodos específicos aos estudos da sociedade, assim como a sociedade não o deve ser a
partir de métodos das ciências naturais”. O referido autor não prega a existência de uma dicotomia explícita entre
as duas vertentes de análise, mas apenas faz ver que a metodologia determina distintas formas de produção de
uma análise geográfica.
45
Em considerando elementos para além do concreto no trato da paisagem,
retoma-se o arco temporal de abrangência do conceito e salienta-se o momento em
que a abordagem incide para além da expressão do sensível e alude à expressão
cultural do homem também como elemento de análise.
Na análise do Geógrafo Tim Unwin (1995), ao final do século XIX e início do
século XX, “o interesse geográfico pelas relações entre população e o meio se
contemplava desde duas perspectivas principais: o determinismo ambiental e o
possibilismo” (Ibidem, p. 134). Ainda segundo o autor, o determinismo ambiental,
referendado pela antropogeografia
24
ratzeliana, foi influenciado pelos pressupostos
inerentes à Biologia presentes fundamentalmente a partir da publicação das idéias
de Charles Darwin, na segunda metade do Século XIX – o que Unwin (1995)
denomina de darwinismo
25
. A lógica determinista fundamentava e legitimava a
superioridade de raças brancas européias e norte-americanas através das leis
naturais contidas na proposta de Darwin, que acabaram sendo relacionadas a
“comportamentos e características biológicas que determinariam que uma pessoa é
superior à outra e, que, as pessoas que se enquadrassem nesses critérios seriam as
mais aptas” – o darwinismo social
26
. Em assim sendo, passaria o meio físico a ter
notável importância enquanto conhecimento, pois o mesmo seria responsável pela
diferenciação entre povos do planeta.
24
Cf. Buttmann (1977 apud Claval, 1999), três princípios guiam esta proposta: a descrição das áreas em que
vivem os homens e seu conseqüente mapeamento; as causas geográficas da repartição dos homens sobre a Terra;
a definição da influência da natureza sobre os corpos e os espíritos dos homens.
25
Hanes (disponível em http://biociencia.org/index.php?option=com_content&task=view&id=103&Itemid=83
sítio acessado em 15 de fevereiro de 2006) indica ser o darwinismo um conjunto de teorias a respeito da
evolução das espécies propostas por Charles Darwin a partir da publicação, em 1859, de On the Origin of
Species by Means of Natural Selection. Segundo o autor, as cinco teorias concernentes à Teoria de Darwin, como
um todo, são: evolução das espécies; descendência comum; multiplicação da espécie; gradualismo; seleção
natural.
26
Cf. consulta à Enciclopédia Virtual Wikipédia (disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Darwinismo_social
- sítio acessado em 15 de fevereiro de 2006).
46
Não está em pauta a validade ou não da proposta – no que pese hoje o juízo
comum abnegar tal argumentação – e sim a forte correlação que ela acaba
determinando para com o meio físico, pois este, na articulação espacial da idéia,
seria o responsável pela opção de muitos geógrafos, naquele momento, em
privilegiar a análise da base física em detrimento da humana. Tal fato chama a
atenção de Unwin (1995), que vê nas críticas desenvolvidas pelas ciências sociais
ao darwinismo social a razão para que alguns geógrafos passassem a privilegiar o
trato cultural, em especial nos Estados Unidos da América.
Por outro lado, já nas primeiras décadas do século XX, ainda conforme Unwin
(1995), geógrafos franceses como Vidal de La Blache e Jean Brunhes influenciam
um outro francês, o historiador Febvre, a formular um famoso enunciado: “não
existem necessidades, senão possibilidades por todas a partes; e ao homem como
maestro das possibilidades corresponde decidir sobre o seu uso” (FEBVRE, 1925, p.
236 apud UNWIN, 1995, p. 138). As idéias de La Blache, sobretudo, estão em
acordo com a sua formação original nas ciências sociais: “definiu o objeto da
Geografia como a relação homem-natureza, na perspectiva da paisagem”
(MORAES, 1995, p. 68), colocando “o homem como um ser ativo, que sofre a
influência do meio, porém que atua sobre este, transformando-o” (Ibidem, p. 68) – na
perspectiva vidalina, “a natureza passou a ser vista como possibilidades para a ação
humana” (Ibidem, p. 68).
Não se pode deixar de relacionar o embate das duas diferentes escolas, a
determinista, de origem alemã, e a possibilista, de origem francesa. O contexto
político da época tornava implícito, nas duas linhas de pensamento, a expressão
imperialista das nações européias destacadas (MORAES, 1995). Porém, para além
desta disputa, está a própria dificuldade da Geografia em definir seu campo teórico
47
de ação: alguns geógrafos mantinham-se limitados ao estudo do mundo inorgânico,
como a considerar a Geografia uma “ciência natural mais vasta” (UNWIN, 1995, p.
140); outros circunscrevem a disciplina ao seu caráter cultural (Ibidem, p. 140).
Herbst (1961, p. 541 apud UNWIN, 1995, p. 140) afirmou que enquanto os
geógrafos das ciências naturais
sofriam a duvidosa reputação de intrusos e atores de segunda categoria nos
campos da geologia, meteorologia, geofísica e ecologia vegetal e animal, os
geógrafos humanos foram rapidamente taxados de pseudo-sociólogos,
pseudo-cientistas políticos, economistas e historiadores.
Nesse sentido, ressalta-se a importância de Carl Sauer, que “considerava que
a geografia física participava da formação do contexto das atividades humanas
(UNWIN, 1995, p. 141), sendo portanto conciliador das vertentes que se
aproximavam mais da análise de parâmetros físicos da geografia ou da visão
culturalista – a qual, nos Estados Unidos da América, com os cientistas sociais de
Harvard fazia coro contra as idéias calcadas no determinismo ambiental. Além do
mais, em seu trabalho “Morfologia da Paisagem”, deixa claro o fim do determinismo
ambiental na análise geográfica e estabelece uma ponte com a Geografia européia
desenvolvida nesse momento, a que pressupõe estudos regionais baseados na
análise da paisagem. Em consonância com tal idéia, Sauer (1998, p. 17) insiste em
um lugar para a ciência que encontra seu campo inteiramente na paisagem,
na base da realidade significativa da relação corológica. Os fenômenos que
compõem uma área não estão simplesmente reunidos, mas associados ou
interdependentes. Descobrir esta conexão e ordem dos fenômenos em área é
uma tarefa científica e de acordo com a nossa posição a única à qual a
Geografia deveria devotar suas energias.
Correlação justa com o Copacabana Palace poderia ser focada em
observando alguns posicionamentos de Sauer (1998) a respeito da paisagem. Ao
dizer que “a identidade da paisagem é determinada, antes de tudo, pela visibilidade
da forma” (Ibidem, p. 28) o autor pressupõe um julgamento pessoal acerca dos
elementos da paisagem que norteiam a pesquisa. Em seu modo de ver, identificam-
48
se na paisagem elementos que dizem respeito à necessidade humana, em
detrimento daqueles que muito pouca serventia teriam – “a geografia é distintamente
antropocêntrica no sentido do valor ou do uso da terra para o homem” (Ibidem, p. 28-
29).
Os areais de Sacopenapan foram considerados estéreis por muitos e muitos
anos, pois tal paisagem não apresentava atributos que diagnosticassem interesse
pela mesma. A visibilidade da forma carece de atributos humanos para verter-se em
necessidade. As areias que por tempos estiveram associadas a usos menores,
como a sobrevivência de grupos sociais desprivilegiados, ganharam importância
com uma nova justa identificação de uso, fundamentalmente a partir da segunda
metade do século XIX: área de amenidades ou de lazer e de terapêutica por conta
da presença do mar.
Ainda há no trato da paisagem uma concepção de análise do concreto:
Uniwin (op. cit.) cita uma vez mais o geógrafo alemão Schlüter, que em 1906
escreve que o estudo da paisagem deve centrar-se no visível e excluir todos os
aspectos não materiais da atividade humana. O geógrafo Tim Unwin (1995) afirma
que, para este autor, “a análise morfológica da paisagem cultural era um elemento
chave de investigação geográfica” (Ibidem, p. 144) e tal concepção irá orientar
muitos geógrafos até o fim da primeira metade do século XX, em especial os
alemães, como também influenciou Carl Sauer.
O fato é que o componente cultural, mesmo abstraído de seu caráter não
material, ganha importância bastante significativa na análise de trabalhos
geográficos. Ao mesmo tempo, uma nova linha de entendimento acerca do estudo
da paisagem é formulada pela escola francesa tangida na lógica do possibilismo
traçado pelo historiador Lucien Febvre (MORAES, 1995). Unwin (1995) destaca que
49
os geógrafos franceses, ao contrário dos geógrafos norte-americanos, como Carl
Sauer, não estão influenciados pela geologia, mas sim pelas ciências humanas. Ao
contrário dos geógrafos mais afeitos à variável física – que buscavam diferenciar a
geografia de ciências como a Geologia – os geógrafos franceses buscavam se
distinguir da Sociologia, em tanto que acabaram por incorporar a natureza como um
elemento dinâmico da geografia humana.
Nesse sentido, destaca-se o geógrafo francês Vidal de la Blache,
fundamentando sua proposta em três pontos básicos: milieu, genre de vie e
circulation (meio, gênero de vida e circulação, na tradução literal para a língua
portuguesa). Unwin (1995, p. 145) identifica os princípios básicos dessas três
variáveis, onde
o milieu era o distintivo básico da superfície terrestre, que tendia a
uniformizar as variações culturais em um lugar concreto; genre de vie eram os
estilos de vida de uma região determinada, reflexo das identidades
econômicas, sociais, ideológicas e psicológicas estampadas nas paisagens; e
circulation era o processo perturbador mediante o qual se produzia o contacto
e progresso humanos entre as regiões.
As idéias vidalinas contemplam a região como o foco principal da geografia,
“onde podiam estudar-se conjuntamente os fenômenos naturais e culturais” (Ibidem,
p. 145) ao mesmo passo em que “cada região se contemplava como a expressão
única da interação entre a humanidade e o meio físico” (Ibidem, p. 145). O trato do
“meio” rural será privilegiado na análise regional, conforme indica Paul Claval (1999),
e tal concepção influenciará por longa data – até a década de quarenta do século XX
– a compreensão dos estudos geográficos, notadamente os produzidos na França
ou por geógrafos por ela influenciados (UNWIN, 1995.).
Após este período, ainda pode-se observar a importância do trato dos
“gêneros de vida” na obra de geógrafos como Max Sorre (2002), ainda que o próprio
(como também outro geógrafo francês, Pierre George) viesse a apontar para a
50
inaptidão do conceito de “gênero de vida” em virtude das novas vicissitudes
empreendidas pelo avanço dos meios urbanizados e industrializados (CLAVAL,
1999). Não obstante, Corrêa e Rosendhal (2002, p. 10) indicam a relevância de suas
colocações em face, hoje, de um “mundo em que a globalização aparentemente
induziria a uma homogeneização dos gêneros ou modos de vida”.
De fato, em retomando colocações acerca do Copacabana Palace e seu
entorno, pode-se identificar como determinados gêneros de vida se reproduzem,
mesmo que em verdadeiros simulacros, à luz das necessidades de determinados
grupos sociais, notadamente os mais elitizados, responsáveis pela reprodução de
uma ideologia dominante do conhecimento calcada na civilização ocidental. O
Copacabana Palace é fruto de uma concepção de mundo para muito longe dele,
mas que acabou prevalecendo – não estaria aí um exemplo claro, já nas primeiras
décadas do século XX, dessa reprodução homogeneizada dos modos de vida?
Outro ponto fundamental identificado em Sorre (2002) diz respeito a sua
consideração para além do sensível. Articula idéias capazes de justificar a
importância do abstrato na fundamentação dos diferentes gêneros de vida: “ao lado
dos elementos materiais, os elementos espirituais têm seu lugar” (Ibidem, p. 19) –
importante salientar como idéias relacionadas ao mito encerram grande mérito na
retomada nos estudos culturais produzidos por geógrafos contemporâneos.
Ao pretender uma retomada das idéias chaves relacionadas ao meio, à
circulação e aos gêneros de vida, Max Sorre produz “A Noção de Gênero de Vida e
Seu Valor Atual”, em 1948. Demonstra como a técnica acaba sobrepujando o
homem na análise das transformações do meio e na própria definição dos gêneros
de vida e como a tendência ao urbanismo detona uma homogeneização intrincada
que por si só põe em cheque a idéia chave de gênero de vida – o geógrafo estaria
51
buscando na técnica a razão maior de seu estudo e deixando de lado o homem, daí
seu questionamento sobre a validade da “noção fecunda de gênero de vida” (Ibidem,
p. 62).
Uma vez mais se alude ao Copacabana Palace: o meio no qual fora inserido,
enquanto ainda não transformado pela saga modernizadora da passagem do Século
XIX para o Século XX, estaria muito mais associado aos estudos dos gêneros de
vida. A presença do hotel pressupõe o uso da técnica e por suposto também incide
sobre a possibilidade da homogeneização, como já dito antes. Mas, de fato, a idéia
de circulação é primaz para que se entenda como se reproduziu em uma praia dos
trópicos um modo de vida das elites relacionadas aos balneários do mediterrâneo
europeu.
Com efeito, atenta-se, ainda, para um dos últimos artigos de Max Sorre,
citado por Capel (1988), L’Homme sur La Terre, de 1958. Nesse artigo, o autor
enfatiza a necessidade de serem isolados “os traços humanos na paisagem em que
estão incorporados, porque paisagem humana e paisagem cultural não coincidem
necessariamente” (CAPEL, 1988, p. 355). Tal concepção está em sintonia com a
postura de Carl Sauer ao mesmo respeito: “o conteúdo da paisagem é encontrado,
portanto, nas qualidades físicas da área que são importantes para o homem e nas
formas do seu uso da área, em fatos de base física e fatos de cultura humana”
(SAUER, 1998, p. 29).
Isso demonstra uma clara preocupação em estabelecer uma distinção entre a
paisagem natural (ou remota) e a paisagem cultural, ou seja, aquela transformada
pela ação humana e por isso denominada “paisagem humana” (CAPEL, 1988). Este
mesmo autor está atento às dificuldades identificadas por Max Sorre na
diferenciação e estudo de paisagens humanas, mas que ao mesmo tempo fornece
52
pistas para a identificação de elementos não materiais no trato das paisagens – “a
inteligência da paisagem humana não pode prescindir de todos esses elementos,
tanto materiais como imponderáveis porque cada paisagem (...) é a expressão
concreta de uma civilização
27
” (SORRE, 1958, p. 14 apud CAPEL, 1988, p. 356).
Esse discurso é culturalista, na análise de Capel (1988), afastando-se da
concepção inicial de Schlüter – que excluía elementos não materiais – e ao mesmo
tempo próximo do pensamento de Vidal de La Blache, que já havia incorporado
aspectos imateriais da cultura e da civilização. Sendo assim, obrigará os geógrafos a
incorporarem novas dimensões e questões aos estudos de caráter geográfico.
Por fim, em alusão ao Copacabana Palace, entende-se que no momento de
sua edificação, a compreensão maior alusiva ao fato pode ser lida numa paisagem
que não está limitada apenas aos processos de natureza física, como também já é
capaz de esboçar a intenção do humano e na apreensão de alguns elementos que
transbordem para além do sensível. Não há, todavia, a possibilidade de se vincular
ao hotel e seu entorno formas de análise mais contemporâneas resultantes da visão
culturalista que galga seus primeiros passos na década de sessenta do século XX e
que acabam por resultar no resgate do conceito de paisagem em tempos mais
recentes.
Fundamental associar à dinâmica do tempo a compreensão do objeto. O
estudo da paisagem que se constituiu no passado, enquanto postura teórica, não
resultou numa apreensão da realidade, com bases científicas (mesmo que calcada
no conhecimento da época) sobre as transformações em curso nas quais se inseriria
a construção do hotel. Da mesma forma que se observa tal fato, deve-se deixar claro
que o mesmo não pode ser correspondido quando da tentativa de correlação do
27
grifo do próprio autor
53
passado com o conhecimento do presente. Na verdade, a variável tempo resulta em
um condicionante primaz: ao tempo da edificação do hotel não se atentou para uma
produção científica que o abordasse, pela lógica do conhecimento erudito ocidental
daquele momento; ao tempo de hoje, articular o pensamento mais recente sobre
conceito de paisagem com a ação do passado resultante da construção do hotel e
das transformações de seus arredores tampouco se torna facilmente tangível.
Isto posto, empreende-se, em etapa seguinte, a correlação de idéias de
autores contemporâneos com essa retomada culturalista. Da mesma forma que se
intentou estabelecer vínculos do cabedal teórico produzido no passado acerca do
conceito de paisagem com o objeto de estudo, torna-se mister também proceder do
mesmo modo quando da discussão das idéias atuais a respeito do tema.
2.2 Paisagem: Tempo e Ação
Dois pontos fundamentam o desenvolvimento deste segmento do capítulo: um
diz respeito à variável tempo e sua correlação com o estudo pretendido; outra diz
respeito à concepção que se busca do conceito de paisagem e seu uso na
delineação do objeto.
Assim, enceta-se a postura crítica de Gomes (1997) em face do resgate
histórico como forma de referendar fenômeno presente em nexo causal com o
passado, pois, a princípio, a construção do objeto em voga pressupõe uma análise
concernente a um tempo pretérito. Até então, pela releitura de alguns dos
postulados que vieram a articular o conceito de paisagem, estabeleceu-se um
54
vínculo entre o objeto e essas múltiplas possibilidades de leitura e, por conta disso,
não pressupondo o rigor condizente com a carga de historicismo
28
a ele vinculado.
Em verdade, compactua-se com a idéia do supracitado autor na medida em
que se pode incorrer em erro ao estabelecer uma reconstituição do passado, pois
“toda reconstituição é uma construção, mais ou menos voluntária, que procura um
sentido demonstrativo ou exemplar” (GOMES, 1997, p. 31). Fique claro, pois, não
haver aqui intencionalidade no resgate do passado como se todo ele pudesse ser
abarcado de forma precisa e imparcial. Primeiro porque qualquer leitura do passado
incorre em uma escolha ideológica, argüindo sua imparcialidade; também porque,
pelo próprio relato do supracitado autor, “ao discorrermos sobre o passado
procuraremos os eventos que interessam à nossa narrativa e desprezaremos tantos
outros que não corroboraram (...) para os nossos próprios propósitos narrativos e
explicativos” (Ibidem, p. 31).
A real importância das transformações de caráter urbano associadas ao
período da construção do Copacabana Palace, no bairro que lhe fez nome, será lida
de forma bastante diferenciada, no presente, daquelas que as constituíram no
passado. Abstrai-se também o valor refutado por distintos grupos sociais – as
transformações de Copacabana nunca estiveram a par das necessidades dos
grupos menos privilegiados, pelo contrário, voltaram-se sempre contra eles na
medida em que se interpunham como obstáculo.
Em respeito a essa carga ideológica pertinente ao uso da História, o filósofo
Leandro Konder (2003) posiciona-se claramente quando aborda o historicismo:
“enquanto não enxergamos a dimensão histórica de um ser, de um objeto, de um
fenômeno, de um acontecimento, não podemos aprofundar, de fato, a compreensão
28
Ferreira (1986, p. 901) empresta ao vocábulo a seguinte definição: “o estudo dos objetos do ponto de vista da
origem e desenvolvimento deles, vinculando-os às condições concretas que os acompanham”. Para Mora (2001,
p. 336), este consiste no historicismo antropológico, “que atribui historicidade ao homem e às suas produções”.
55
que temos deles” (Ibidem, p. 187). Afirma ainda ser o real processual e, quando da
sua ausência, “desliga a parte do todo, perde de vista a conexão que integra o micro
ao macro, a interdependência entre o imediato e a mediação, entre o singular e o
universal” (Ibidem, p. 187).
A par das idéias desses autores empreende-se, pois, uma abordagem
histórica em relação ao objeto balizada por uma conduta que, mesmo longe de ser
imparcial, refuta “emprestar uma objetividade absoluta aos acontecimentos”
(KONDER, 2003, p. 32). Ao mesmo tempo, mantém-se a preocupação de
correlacionar distintas interpretações do conceito de paisagem com os fatos
pertinentes referentes aos recortes espacial e temporal pretendidos. Este tem sido o
caminhado estabelecido, o qual vislumbra uma possibilidade concreta: depreender
distintas formas de tratamento para um mesmo objeto a partir da variação temporal
de idéias consagradas em um conceito chave da Geografia: a paisagem.
Sendo assim, já se identifica a segunda preocupação concernente a este
segmento do capítulo: de qual forma o conceitual relativo à paisagem pode vir a ser
empregado na construção do objeto. Em comunhão com Moraes (1991, p. 25),
observa-se a paisagem “como elemento revelador de uma época e de uma cultura”
e, com a vastidão de possibilidades de leituras que o conceito permite, torna-se
viável pressupor essa “revelação” para além do campo do sensível. Observa-se
ainda o que o mesmo autor interpõe em respeito à relação da paisagem com a
historicidade do objeto, pois, segundo ele
a historicidade engata os vários planos em uma mesma trama uma, na qual o
próprio espaço é apenas uma dimensão. A paisagem resulta dessa trama
(história, de múltiplas determinantes), sendo mais do que a materialização da
produção imediata na superfície terrestre. (Ibidem, p. 24-25)
Deste modo, eleger a paisagem como conceito balizador da construção do
objeto de estudo foi intencional: nele se pode buscar elementos para além do
56
concreto – a leitura da paisagem não pode estar apenas vinculada ao que ela
oferece aos olhos do observador, até porque esses mesmos olhos possuem lentes
ideológicas que concedem aos objetos concretos possibilidades distintas frente ao
seu observador.
Do mesmo modo que não se pode resgatar como um todo a reprodução exata
do recorte tempo-espaço elegido não se pode também deixar de perceber como
leituras diferenciadas, de ângulos diferentes, permitem dar ao objeto maior clareza
quanto, não ao seu total domínio, mas a sua maior compreensão.
A concretude dos fatos reveladores das transformações urbanas produzidas
em Copacabana entre o último quartel do século XIX e o primeiro do século XX não
esgotam as possibilidades de leitura deles hoje abstraídas. Os fatos são
determinados por um conjunto de forças dominantes à época e lidos (ou
vivenciados) de uma forma diferente, naquele momento, da qual seria hoje. Os fatos
espacialmente delineados expuseram uma paisagem. Atenta-se para um
questionamento derivado: a paisagem pode ser expressa apenas como resultado ou
teria ela condições de imprimir dinâmica aos mesmos? E, mesmo sem querer ser
determinante, poderia ela motivar ações de transformação?
O Copacabana Palace aparece como um fixo da paisagem entrelaçado à
mesma. Sua edificação atende a determinadas necessidades do período, mas
também se verifica que a partir dele novas necessidades são desencadeadas, como
se o surgimento do hotel tivesse servido de estopim às mesmas. Nesse sentido,
remete-se a Moraes (1991, p. 23), o qual observa que
ninguém irá negar que a organização dos lugares obedece a funções e
necessidades de produção, que a disposição dos objetos responde a
imperativos técnicos, que os padrões espaciais do capitalismo por exemplo
revelam a ânsia do lucro. Todavia isso não recobre a integralidade do
processo.
Deste modo, o próprio autor salienta um pouco mais à frente que
57
para dar conta deste outro universo há que se reconhecer o estatuto
ontológico
29
da esfera da consciência e da subjetividade, adentrando nos
meandros do imaginário humano. No limite, as concepções do belo, da
harmonia, as sensibilidades, as auto-imagens e demais motivações, passam
a interessar nossa Geografia. (Ibidem, p. 24)
Em assim sendo, caminha-se em direção aos novos elementos articulados
junto ao conceito de paisagem pela Geografia, principalmente a partir da década de
setenta do século passado. A subjetividade inerente à análise dos objetos,
incorporada a partir dos geógrafos culturalistas, possibilita um redimensionamento
do conceito, pressupondo avançar para além da simples compreensão do material.
Novas possibilidades de leitura da paisagem, articuladas com a dimensão do
imaterial tornarão imprescindível sua conexão para com seus antigos pressupostos,
mas manterão a mesma como um elemento chave para a análise do espaço
geográfico.
2.3 Paisagem e Subjetividade
A leitura da paisagem é pressuposto básico num trabalho de natureza
geográfica. Esteja ela como conceito dominante na realização do mesmo ou apenas
como coadjuvante em relação a outros, acaba por se tornar fundamental na
Geografia ao se associar, por princípio, diretamente à existência do concreto ou
sensível. Aponta-se para a idéia de Moraes (1991, p. 23): “a paisagem é um registro
de época e um documento de cultura” – a paisagem expressa momento e é mutável
conforme a ação humana.
Documento tem caráter de memória, tal qual o monumento, assim indica o
historiador Jacques Le Goff (1985). No passado foram concebidos para fazer
perpetuar à memória dos que vem as ações dos que se foram. Tal qual um
29
Recorre-se a Mora (2001) para marcar sua correlação com o trato metafísico, pois o termo pode suscitar
dúvidas quanto as suas referências.
58
documento a paisagem propicia uma leitura do passado, de ações empreendidas
por distintas sociedades. A paisagem é uma escrita peculiar: não se oferece em
textos, até porque os mesmos transbordam indevidos pelas lentes da ideologia
dominante; se oferecida em imagens, torna-se refém de quem a vê, sendo este
limitado pela intencionalidade – o que se quer ver e para que se quer ver?
Há uma apreciação humana na paisagem, tanto quanto se indicou
anteriormente que ela estaria muito mais vinculada à expressão do humano sobre a
Terra do que esta última se oferecendo original. Ela é, portanto, um documento de
cultura por oferecer-se em interpretação para aqueles que a concebem – depende,
pois de múltiplas possibilidades de interação do homem com o meio, do atendimento
de suas necessidades vitais e até mesmo da apreciação subjetiva dos que a
vivenciam.
Ela é memória, portanto mantém um apelo de reverência à passagem
humana. Oferecida em texto ou imagem repercute como expressão do passado,
mas se oferecida in locu apresenta-se como capaz de demonstrar a dinâmica
daqueles que compõe o espaço: está em constante transformação, vinda repleta de
emoções outras: odores, movimentos e sons, por exemplo, facultando a quem a
toma uma expressão singular dos sentidos.
O geógrafo francês Pinchemel, na concepção de Capel (1988, p. 357), trata a
análise da paisagem a partir de três aspectos básicos: a análise das formas; a
cronologia dos elementos; a dinâmica – resulta, assim, em um trato semelhante à da
organização espacial. Na verdade, em acordo com Capel (1988), o geógrafo francês
interpreta aos dois conceitos enquanto sinônimos.
Uma citação de Pinchemel presente na obra de Capel (Ibidem, p. 357)
demonstra a postura do autor quanto ao uso do conceito de paisagem: “a paisagem
59
é o mesmo que um quadro ou uma obra literária, a expressão de uma civilização”.
Procede que quadros ou obras literárias podem se expressar para além de seus
conteúdos pretensamente pretendidos; também podem consignar valores estéticos
questionáveis: o que pode resultar em esteticamente aceitável para um não é
necessariamente para outro; amealham distintos valores simbólicos, por vezes.
Enfim, comparar a paisagem a um quadro ou obra literária pode representar mais do
que uma narrativa literária ou representação inerte do que se vê – para além do
apelo comum das obras outros elementos acabam sendo embutidos pela
perspicácia humana.
Diferenciar paisagens entre si ou ler de maneiras diversas uma mesma
paisagem? Ao que se prestaria melhor o uso da paisagem? Por outro lado, por que
não considerar que ambas as propostas são válidas, pois não há choque entre os
seus fundamentos? No que tange ao objeto deste estudo, se aposta na segunda
opção. Paisagens podem ser interpretadas de formas diferentes, pois estão
condicionadas ao grupamento humano que as concebe ou aos que de fora incidem
sobre ela. Grupos sociais distintos dentro de uma mesma sociedade também podem
absorvê-la de formas variadas – uma paisagem, conforme Pinchemel (1968 apud
CAPEL, 1988), agrega mais do que a simples descrição; uma paisagem pode ter
várias interpretações.
Em se calcando na interpretação da paisagem podem ser relacionadas idéias
de autores ímpares, cujas propostas apresentadas nos últimos anos somam ao
conceito uma gama de novas possibilidades. Se Carl Sauer havia se insurgido
contra o determinismo ambiental para iniciar a produção de sua Geografia Cultural
(Corrêa, 2001), ainda não associa a ela possibilidades outras de leitura que não as
tangíveis pelo sensível. Entendendo inicialmente ser a paisagem geográfica fruto da
60
ação humana ao longo da história, acaba por caminhar em direção a “um estudo
comparativo de culturas localizadas em áreas, ou seja, o estudo de áreas culturais”
(CORRÊA, 2001, p. 270). As críticas feitas à Geografia Cultural proposta por Sauer
são eco de uma visão desenvolvimentista predominante para meados do Século XX.
Nesse aspecto, Corrêa (Ibidem, p. 276) aponta que
Os geógrafos culturais são acusados de estarem voltados para o passado, de
se interessarem por temas pouco relevantes para os problemas imediatos
vinculados ao desenvolvimento, servindo mais aos interesses puramente
acadêmicos de alguns deles. Em outras palavras, os geógrafos culturais
estariam mais voltados para fenômenos de divergências do que convergência
cultural, esta sendo associada a uma certa homogeneização de grupos
sociais sob o impacto da expansão capitalista.
A crítica de Max Sorre (2002) – anteriormente mencionada – aos gêneros de
vida reforçam a idéia que a visão culturalista da geografia necessita de novas bases
de compreensão. Isto se verá cerca de duas décadas depois, com questionamentos
que refutavam a abordagem neopositivista da Geografia que então havia se tornado
predominante. A leitura sistêmica da Geografia abrange críticas sobre
a incapacidade clara da metodologia geográfica para oferecer soluções a
muitos dos problemas sociais, econômicos e ambientais em finais dos 60
levou alguns geógrafos humanos a contemplar criticamente a filosófica que
constituía a base das ditas metodologias (UNWIN, 1995, p. 189).
A retomada da Geografia Cultural nas décadas de sessenta e setenta do
século passado possibilita, pois, restituir ao conceito a importância que lhe é devida.
Ao inglês Lowenthal deve-se a inserção da subjetividade, quando aponta para “a
relação entre o mundo exterior e a imagem que dele temos na mente“
(LOWENTHAL, 1961, p. 241 apud UNWIN, 1995, p. 198). Sob tal premissa, na
paisagem haveria elementos diversos e estes acabariam por ser selecionados de
acordo com critérios referenciais de um dado grupo ou indivíduo. Elementos
destacados também podem ser alvo de comparações, e neste caso, estando a par
de atributos ajuizados por distintos grupos ou seres humanos.
61
As idéias de Lowenthal são próximas àquelas propostas por Guy Debord na
obra “A Sociedade do Espetáculo”, editada pela primeira vez em 1968. Tal autor
será retomado em capítulo posterior, mas de antemão observam-se as
possibilidades de consumo daquilo que transcende o material e a própria
espetacularização que fomenta tal consumo levam a observar um novo paradigma
para além do ver: o ver e o sentir. Há uma subjetividade latente nesse princípio e,
mesmo que de forma não proposital, a Geografia com ele passa a se corresponder.
Retomando o Copacabana Palace, aponta-se para a impossibilidade de se
buscar, ao tempo de sua edificação, carga subjetiva tão claramente posta em
relação ao seu conteúdo. É certo que um hotel do garbo do Copacabana Palace já
expressa, na sua concepção inicial, mesmo que indiretamente, a carga aristocrática
absorvida pela burguesia como forma de distinção social (HOBSBAWM, 1989). Um
hotel sinônimo de palácio e com serviços identificados como tal já responde por valor
subjetivo. O problema está na intencionalidade: no passado, havia distinção na
esfera da estratificação social preconizada pelo capitalismo; no hoje, futuro, essa
distinção tornar-se-ia objeto de negócio capitalista.
A esfera psicológica pode ser trabalhada em função das necessidades de
reprodução do capital. Lazarotti (2002) cita Sauter para indicar o que se pode
compreender como paisagem-fetiche. Sauter (apud LAZAROTTI, 2002, p. 300) trata
com o exemplo das agências de propaganda que associam o consumo de cigarros à
contemplação de paisagens, ao fundo. Transformar a paisagem num objeto de
mercado é hoje, indubitavelmente, um recurso largamente difundido como forma de
propiciar amplas possibilidades de reprodução do capital – o próprio turismo não
fugiria desta lógica. É importante entender, não obstante, que distinção social é algo
que não possui apenas valor venal, portanto, não é uma mercadoria pura e simples.
62
Há várias formas de se consumir uma paisagem e nem sempre é apenas através
dos negócios que se possibilita tal consumo.
Ademais, consumir constitui-se num fato associado às forças de produção do
capital, mas há outras necessidades humanas que podem ser expressas na própria
cultura. A esse respeito, destacam-se as palavras de Paul Claval (1999, p. 28) sobre
a institucionalização cultural do indivíduo, considerando que
se aplica aos sistemas de relações cada vez que estes fazem referência à
riqueza, ao poder e ao prestígio, e desta forma afetam o funcionamento da
sociedade. Desta maneira, o enfoque cultural se converte em indispensável
para compreender a arquitetura das relações que dominam a vida dos
grupos. Este enfoque renova a geografia social. Ilumina a vida econômica, na
medida em que põe em evidência as finalidades perseguidas pelas famílias
ou pelas empresas: suas lógicas dependem da maneira como se estruturam
e dos valores que os guiam.
Retoma-se a questão da subjetividade ressaltando o texto de Freitas et al
(1999), sobre a renaturalização da paisagem, onde apontam para a “Janela de
Hitler”
30
como uma janela-quadro no qual se mantinham vivos alguns dos ideais
românticos caros aos defensores do nazi-fascismo. Para os autores, através da
janela “pode-se descortinar um quadro de referências estéticas, literárias, poéticas,
históricas e sonoras” (Ibidem, p. 34). A janela flagra em momentos ímpares distintas
possibilidades de uma mesma paisagem. Não apenas pelas variações
meteorológicas que impõe matizes diferentes ao “quadro”, mas pela gama de
elementos subjetivos concernentes a uma expressão ideológica que o “quadro” faz
representar.
Tal lógica ganha paralelo na obra organizada por Donald Meinig (1979), The
Interpretation of Ordinary Landscapes, quando no seu primeiro artigo, “Axioms for
30
A observação sobre a “Janela de Hitler” é feita a partir do filme de Peter Cohen, “Arquitetura da Destruição”,
produção sueca de 1992, no qual se faz referência à janela construída no chalé alpino do líder nazi-fascista. Com
dimensões desproporcionais à dimensão do chalé, possibilitava uma vista alpina tal qual um quadro com
influências românticas.
63
Reading the Landscape – Some Guides to the American Scene”, Peirce Lewis
aponta para a dificuldade da leitura das paisagens indicando que
Ler paisagens não é tão fácil como ler livros, por duas razões. Em primeiro
lugar, paisagens comuns parecem sujas e desorganizadas, como um livro
com páginas faltando, rasgadas ou manchadas. Um livro cuja cópia tem sido
editada e reeditada por pessoas com caligrafia ilegível. Como livros,
paisagens podem ser lidas, mas diferente deles, não foram feitas para serem
lidas. Em segundo lugar, a maioria dos americanos não está acostumada à
leitura da paisagem. Nunca lhes ocorreu que pode ser feita e que há razão
para fazê-lo, muito menos que há um prazer decorrente disso. (LEWIS, 1979,
p. 11-12)
Posteriormente, aponta para alguns axiomas pertinentes a essa capacidade
de leitura, mesmo não os considerando tão óbvios, o que favorece a compreensão
do artigo seguinte, “The Beholding EyeTen Versions of the Same Scen”, onde o
próprio Donald Meinig demonstra que diferentes visões que podem ser refletidas
numa mesma cena. Diferentes indivíduos reagem de forma diversa à compreensão
de uma paisagem. Os objetos e sensações nela contidos podem ser absorvidos em
partes e maneiras diferentes por distintos grupos ou indivíduos (MEINIG, 1979).
Emoldurar um “quadro” para o Copacabana Palace, por exemplo, incidiria na
apreensão diferenciada de elementos constantes dessa cena. Aos indivíduos
passantes em frente ao hotel, sua identificação na paisagem versa contrariamente
ao que nela deveria estar contido: a praia. Mas como vislumbrar tal “quadro” sem se
posicionar por sobre o mar? De fato, a visão direta do hotel para um observador está
desapercebida da praia por detrás de seus ombros?
Este ponto é por demais importante na compreensão do que se pretende do
presente estudo como um todo, pois, de antemão, se justapõe à idéia do urbanista
italiano Gustavo Giovannoni (apud CHOAY, 2001) a respeito da relação do
monumento com seu entorno. Tal assunto merece destaque em capítulo posterior
deste estudo, mas o ponto de relação com a paisagem que expressa necessita de
64
exposição direta, pois o Coapacabana Palace não é tratado em dissociação com sua
paisagem circundante.
Não obstante, em ainda considerando a leitura da paisagem tal qual a de um
quadro, observa-se princípio estético-filosófico indicado por Gardner (2002, p. 242):
“a pintura fornece experiências visuais, e é desse modo que elas diferem de
descrições da prosa, mapas, logotipos de empresas, placas rodoviárias e outros
símbolos visuais que precisam ser lidos”. A leitura da qual fala o filósofo é ipsis literis
e a experiência visual frente a um quadro não a concebe. Talvez esteja aí um dos
grandes dilemas da paisagem dos geógrafos: há uma insistência numa expressão
textual, mas não haveria nela elementos contidos incapazes de serem demonstrados
através de palavras? Cosgrove (1999) alerta para esta preocupação quando
questiona a persistência dos geógrafos (culturais) “sobre sua tendência ocasional de
privilegiar a palavra mais do que o artefato material ou imagem gráfica” (Ibidem, p.
39).
O filósofo Sebastian Gardner (2002) também faz alusão à idéia de introvisão
(seeing in) defendida pela proposta teórica de Wollheim
31
. Nela depreende-se “que a
representação pictórica explora e cultiva uma capacidade inata do espírito – a
capacidade de gerar experiências visuais por si próprio” (Ibidem, p. 243). O que
chama a atenção é quando o autor faz referência a essa capacidade relacionada ao
mundo externo: “quando essa capacidade é exercida durante a percepção do mundo
externo e se funde com a percepção dos objetos externos (...) temos uma introvisão”
(Ibidem, p. 243).
Estabelecendo uma correlação com a idéia antes apresentada, a de
paisagem-quadro, poder-se-ia advogar que a paisagem agrega, em dados
31
Sebastian Gardner (2002) fundamenta a idéia de introvisão a partir das obras de Wollheim, R.: Art and its
Objects. Cambridge: Cambridge University Press, 1980; Painting as an Art. London: Thames and Hudson, 1987.
65
momentos, a introvisão? Fitar o Copacabana Palace, por exemplo, a partir de um
ponto frontal na Avenida Atlântica
32
traz aos olhos do indivíduo algo mais que a
simples visualização de um prédio? O matiz das cores presentes na fachada do
hotel seja de dia, ou ainda mais à noite, com toda a misé-en-scene do atual jogo de
luzes a ele dispensado não faz o observador nele enxergar mais do que o devido? E
assim, diante de tal experiência visual, fosse ela factível, acrescentaria alguma
informação à leitura da paisagem onde o mesmo se encontra?
Os questionamentos são dispostos pela própria inquietude de quem os
produz. Mas há senso crítico suficiente para indicar que a imagem não se distorce,
como literalmente ocorreria na introvisão. Na verdade, postar-se diante do hotel e
apreciá-lo, mesmo que enquanto obra arquitetônica, apenas, revela mais do que
uma construção ou um local de hospedagem: é como se dispusesse de uma aura
solene que lhe reputasse grandiloqüência – seja pelo trato arquitetônico, ímpar ao
todo circundante, seja pela carga de distinção simbólica que lhe é reputada ou pelo
matiz das cores, de dia ou à noite – diante do hotel enxerga-se mais do que um
hotel.
A autocrítica, nesse ponto, também respeita o recorte tempo. Por poucos
acréscimos que tenham sido feitos à fachada original do hotel, bem como de suas
cores, deve-se manter respeito à desproporção das formas atuais em paralelo com o
passado; nem a ausência da verticalização no passado, o que superdimensionava a
escala do hotel na paisagem. Tampouco havia luz na misé-en-scene noturna que
ressalta aos olhos o valor arquitetônico da obra. Por outro lado, não há como medir
as sensações de quem o presenciou no passado, salvo o ledo engano de se
produzir ficção ao invés de ciência (GOMES, 1997).
32
Avenida que beira o mar de Copacabana, onde fica o seu conhecido calçadão de pedras portuguesas e onde foi
edificado o hotel.
66
Por outro lado, a introvisão do filósofo pode expressar a inquietude de
geógrafos que trabalharam com o comportamento humano através da relação entre
percepção e imaginação. Lowenthal (1961, p. 248 apud UNWIN, 1995, p. 199)
enfatiza que “por debaixo de qualquer discurso há mundos pessoais de experiência,
aprendizagem e imaginação diferentes”. Há uma clara consideração da percepção
humana quanto à paisagem, até porque existia influência prévia dos estudos
desenvolvidos por Sauer na Escola de Berkeley
33
– em acordo com Unwin (Ibidem,
p. 198), a geografia cultural deste momento “estava impregnada da idéia de que a
interpretação da cultura forjava as paisagens humanas a partir do meio”. Ao mesmo
tempo, o próprio Uniwin (1995) enfatiza haver naquele tempo uma preocupação com
o papel da imaginação e dos mundos particulares dos indivíduos na consideração de
estudos de natureza geográfica.
À época das palavras de Lowenthal, contidas no parágrafo anterior, os
geógrafos já experimentam a crítica ao positivismo lógico predominante e partem em
busca de novos enfoques que voltem a “reincorporar as pessoas na Geografia
Humana” (UNWIN, 1995, p. 193). Nesse sentido, duas linhas distintas passam a ser
consideradas: uma envolvendo uma “Geografia Comportamental”, ainda com bases
no positivismo lógico, mas capaz de “superar os pressupostos do conhecimento
perfeito e do comportamento racional humano” (Ibidem, p. 193); uma outra,
fundamental para a retomada da geografia cultural, recorria a filosofias
humanísticas. Se grande parte da perspectiva cultural da paisagem desenvolvida
recentemente se deve à segunda linha, incoerente seria menosprezar as
possibilidades de interpretação desenvolvidas pela primeira.
33
Berkeley foi a Universidade onde Carl Sauer lecionou por cerca de três décadas, daí alguns autores mais
recentes, como Claval (1999), fazerem referência a uma Escola de Berkeley, a partir da qual as idéias de Sauer a
respeito da Geografia Cultural teriam sido difundidas.
67
Assim sendo, ao investigar imagens e percepção ambiental levou-se em
consideração a análise de outras ciências humanas, como a Psicologia e a
Sociologia ou autores como Kevin Lynch (1990), por conta de suas considerações
em “A Imagem da Cidade”, com publicação original no ano de 1960 – o autor
defendia a tese de que “podemos desenvolver a nossa imagem do meio ambiente
operando sobre a forma física externa, através de um processo de aprendizagem
interno” (LYNCH, 1990, p. 23).
Relacionar o supracitado autor com a idéia de introvisão parte da premissa de
que muitas de suas considerações, mesmo que voltadas para um treinamento do
olhar sobre o ambiente (urbano), interagem na idéia de imaginabilidade cunhada
pelo mesmo – “àquela qualidade de um objecto físico que lhe dá uma grande
probabilidade de evocar uma imagem forte num dado observador” (Ibidem, p. 20).
Considera ele que visibilidade e legibilidade são sinônimos para a imaginabilidade,
pois “os objectos se podem não apenas ver, mas também são apresentados de uma
forma definida e intensa aos nossos sentidos (Ibidem, p. 20). Adianta, ainda, que
O conceito de imaginabilidade não tem, necessariamente, conotações com
algo de fixo, limitado, preciso, unificado ou ordenado regularmente, embora
possa, por vezes, ter estas qualidades. Também não significa visível, óbvio,
evidente ou claro. O meio ambiente é fortemente complexo se o tentarmos
estruturar no seu todo, enquanto a imagem evidente cansa e apenas pode
apontar para poucas características do mundo vivo. (Ibidem, p. 20-21)
De certo, não se deve esquecer que o autor faz referência ao urbano, mesmo
que em fragmentos, passíveis de articulação e de reconhecimento de seu ambiente
como um todo. Mesmo assim, a referência a um objeto, no caso o Copacabana
Palace, pode representar um “impacte estético”, conforme preconiza Linch (1990, p.
20) distinguido na paisagem de Copacabana, sem que a mesma viesse a perder sua
imagem básica – aguça a sua percepção para além do sensível, como que tirando o
foco do que concretamente se vê e estimulando uma outra concepção do objeto,
68
como que a buscar nele respaldo para uma conexão com o intangível. A perda do
foco impõe a introvisão, como visto, na medida em que o objeto adquire uma
conotação para além do que funcionalmente expressa.
Não se advoga aqui pela abordagem como um todo das idéias de Linch
(1990), visto o mesmo defender que “aumentar e aprofundar a nossa percepção do
meio ambiente seria continuar um desenvolvimento biológico e cultural, que foi dos
sentidos de contactos distantes, e dos sentidos distantes às comunicações
simbólicas” (Ibidem, p. 22-23). A intenção de sua abordagem está na qualificação
da abstração da paisagem, fazendo com que ela dialogue com o sujeito por sobre o
que materialmente nela está consignado – a percepção utilizada pela lógica
comportamental pode revelar que para além do treinamento do olhar há uma outra
perspectiva, ao menos aquela concernente à própria subjetividade do olhar.
Em verdade, cria-se uma perspectiva particular do observador e o mesmo
pode estar influenciado por diferentes informações, vivências e subjetividades. Pode
ter este observador, hipoteticamente falando, no caso do Copacabana Palace,
existido desde antes de sua edificação e tê-lo visto impregnado na paisagem em
diversos momentos da estruturação urbana e expressão sócio-espacial do lugar
onde o mesmo foi edificado. Pode ter esse indivíduo convivido apenas com as
últimas décadas de existência do hotel; pode ser ele um morador do bairro ou da
cidade; e pode ser um estrangeiro também. Em suma, muitas são as possibilidades
de “leitores” da paisagem onde o fixo Copacabana Palace se insere.
Esta idéia é embasada por Lazarotti (2002, p. 310), ao expressar que
a sensibilidade cultural de uma época, jamais isolada de seus grandes
fenômenos sociais, é uma chave essencial de aproximação das lógicas de
produção, de interpretação e portanto de contestação à ordem das
paisagens. Isso pode nos fazer refletir sobre a diferença entre o que é visível,
o espaço bruto, e o que nele está legível, a paisagem, e qual vem sob a
responsabilidade de nosso olhar.
69
A título de exemplificação, o autor propõe imaginar como um aborígine,
desprovido de qualquer contato com o mundo ocidental, poderia diferenciar duas
cidades européias. De fato, carregamos em nosso olhar informações que estão para
além do simples sentido da visão, pois ele está em sintonia com toda uma outra
gama de sensações e concepções que geram um olhar peculiar.
Estas distintas possibilidades de leitura são bem interpretadas por Cosgrove
(1999) ao estabelecer a paisagem como um modo definido de ver, pois equivale
admitir que ao olhar não basta estar diante do objeto, mas saber o que nele quer se
ver. Por tal lógica, quando o mesmo autor estabelece uma diferenciação entre o
olhar nativo (insider) e o olhar estrangeiro (outsider) indica que o olhar carrega a
intencionalidade das emoções.
Mas quem é o estrangeiro? Deve-se tomar cuidado com o “outsider” – pode
ser ele literalmente estrangeiro, dentro da concepção de senso comum que o termo
hoje abarca, mas pode ser ele um morador da própria cidade não familiarizado com
o objeto. Pode-se crer, inclusive, que um rico empresário estrangeiro tenha uma
visão próxima aos da elite carioca na apreciação do hotel. Em tempos de
hipermundo, como atesta Lazarotti (2002), “as paisagens se transformaram nas
grandes referências coletivas dos homens” (Ibidem, p. 318) e a mobilidade tem
favorecido tal percepção.
As paisagens podem permitir uma leitura das sociedades que as produzem.
Os elementos dessa sociedade, pois, terão um comportamento similar no momento
que lhes é atribuída a necessidade de ler ou analisar a paisagem. Lazarotti (2002)
cita Augustin Berque para demonstrar que “as sociedades organizam seu ambiente
em função da interpretação que fazem dele, e reciprocamente podem ser
70
interpretadas em função da organização que foi feita (BERQUE, 1995, p. 15 apud
LAZAROTTI, 2002, p. 299).”
Impõe-se retomar que, mantidas as devidas proporções permeadas pelo meio
físico, houve uma exportação eurocêntrica de valores socioculturais a partir da
própria expressão dessa civilização sobre outras do planeta. Ler a paisagem do
Copacabana Palace, hoje ou no passado, significa ler com os mesmos olhos dessa
civilização. Mas, ao mesmo tempo, tal leitura é tratada tal qual um pastiche do
original quando apresentada àqueles que a inspiraram. Ocorre, então, que a leitura
do Coapacabana Palace pode traduzir-se pelos mesmos valores simbólicos
inspirados na distinção de classes ditados pela Revolução Industrial, mas ao tempo
é inibida pelo sentido menor de se lhe atribuir simulacro tropical.
Perspectivas de leitura acabam se confundindo, mas ela tem sua expressão
maior na estratificação social: sejam quais forem as origens dos atores, sua
familiarização com a distinção social simbólica pertinente ao modo de produção
capitalista é dada por sua condição social: grupos nativos imunes ao mundo
ocidental iriam decifrá-la? Pobres tem acesso à compreensão dessa distinção
simbólica? Mas as elites, mesmo discordando da imponência original da obra,
enxergam o que os outros não vêem – status para além do social: estar no hotel
requer tanto savoir-faire como savoir-vivre, algo não alcançado apenas pelo acesso
à riqueza.
Ainda na leitura de Lazarotti (2002, p. 299-300), a paisagem conserva duas
distintas reflexões: “a paisagem é uma construção social, tanto concreta como
simbólica” e nela também não se pode negligenciar sua interpretação, o que resulta
numa questão de aprendizagem. A interpretação tem sido o mote maior enfatizado
71
por conter as informações que podem levar a formas outras de leitura e uso que a
primeira reflexão proposta costuma produzir.
Há paralelo com as idéias de Augustin Berque (1998), quando o mesmo
contrapõe as idéias de paisagem-marca e paisagem-matriz. Destaca a paisagem-
marca com uma pertinente necessidade de descrição e inventário – “o ponto de
partida continua sendo, no caso, a descrição da paisagem enquanto dado
perceptível” (Ibidem, p. 85). Deixa claro que “a explicação ultrapassa decididamente
o campo do percebido” (Ibidem, p. 85) e indica dois caminhos a serem tomados
capazes de consignar valor de leitura a essa paisagem: “por um lado ela é vista por
um olhar, apreendida por uma consciência, valorizada por uma experiência, julgada
por uma estética e uma moral, gerada por uma política etc”; “por outro lado, ela é
matriz, ou seja, determina em contrapartida, esse olhar, essa consciência, essa
experiência, essa estética e essa moral, essa política etc” (BERQUE, 1998, p. 85-
86).
Tais considerações a respeito da paisagem-matriz enfatizam ainda mais a
idéia de Olivier Lazarotti (2002) sobre o aprendizado da paisagem, sobretudo
quando Berque (1998) considera a existência de um “sujeito coletivo” interagindo
com a paisagem, pois demonstra que para englobar seu conteúdo não apenas a
visão e a percepção da paisagem são suficientes.
Para além deles, Berque (Ibidem, p. 87), apregoa que
de fato o que está em causa não é somente a visão, mas todos os sentidos;
não somente a percepção, mas todos os modos de relação do indivíduo com
o mundo: enfim, não é somente o indivíduo, mas tudo aquilo pelo qual a
sociedade o condiciona e o supera, isto é, ela situa os indivíduos no seio de
uma cultura, dando com isso um sentido a sua relação com o mundo.
O referido autor também sustenta que a Geografia, ao contrário de outras
ciências humanas também relacionadas ao tema, “sempre levará cuidadosamente
em conta o material físico no qual cada cultura imprime a sua marca” (Ibidem, p. 87),
72
o que ele considera “a escrita da terra por uma sociedade” (Ibidem, p. 88), mas
também ressalta que tal escrita “possui um sentido que implica toda uma cadeia de
processos físicos, mentais e sociais na qual a paisagem desempenha um papel
perpétuo e simultâneo de marca e matriz” (Ibidem, p. 88).
A escrita da terra resultante requer uma interpretação, como já visto. A
interpretação advém de algo já produzido por conta da ação antrópica sobre a terra:
analisa-se um produto final. Ocorre que o produto – marca – pode gerar força matriz
suficiente para injetar novas ações sobre o meio fazendo com que se estabelecesse,
por princípio, uma dúvida: teria a paisagem-matriz capacidade suficiente para fazer
antever ao homem sua capacidade transformadora?
O que se entabula no próximo segmento do capítulo está contido na premissa
de uma capacidade de antevisão do homem frente à paisagem no qual se insere. Ao
mesmo tempo, considerando o próprio comentário feito por Olivier Dollfus sobre o
texto de Berque (1998), retoma-se idéia original de Pinchemel, quando se auferem
na paisagem “funções de palimpsestos”
34
. Norteia-se esse estudo em demonstrar o
quanto a subjetividade inerente à expressão da paisagem pode agir no sentido de
transformar, de organizar o espaço do homem.
2.4 Paisagem: Espaço e Antevisão
O conceito de paisagem acabou por se tornar um norteador do estudo
proposto acerca do caráter monumental do Copacabana Palace Hotel. Em verdade,
o simbolismo contido na apreciação do hotel-monumento obrigatoriamente conduziu
34
Expressão usada por Olivier Dollfus ao comentar o texto de Augustin Berque (BERQUE, 1998, p. 89).
73
a uma releitura do conceito de paisagem em consonância com os atuais
pressupostos da Geografia Cultural.
De início, conforme visto, a incorporação do referido conceito incidiu na
análise de uma gama diversa de proposições em torno do tema. Mas a preocupação
maior inicial acaba sendo a relação que pode ser feita entre a paisagem e um outro
conceito chave na Geografia: o espaço.
Tal preocupação advém do fato de possuir o estudo ora apresentado um
cerne condutor que desemboca no questionamento da validade do seu próprio
empreendimento, pois entremeado entre duas linhas distintas do Programa de Pós-
Graduação em Geografia do Departamento de Geografia – UERJ, conforme indicado
na introdução ao estudo, poderia incidir na sua própria falta de clareza em relação
as suas pretensões. Confluir os conceitos de paisagem e espaço impera em uma
reciprocidade: buscar no apelo subjetivo da leitura da paisagem interação com a
análise espacial enquanto pressuposto de que tal interação permita fundamentação
a este estudo.
Empreende-se tal argumentação em suporte com o entendimento de Gomes
(1997) sobre a análise geográfica: “deve examinar o espaço como um texto, onde
formas são portadoras de significados e sentidos” (Ibidem, p. 39). A leitura ortodoxa
da paisagem é reticente em admitir uma dinâmica para além da transformação do
sensível, mas o que se coloca é justamente a intencionalidade da paisagem. Não há
determinismo, mas condicionantes. A paisagem pode exercer a capacidade de
instigar a ação, pois considera-se que nela pode haver antevisão suficiente que
mobilize tal idéia.
Num sistema de objetos e ações, conforme entendimento de Santos (2002),
pressupõe-se que os objetos são fruto da manipulação física ou mental da ação
74
humana, ou seja, o sujeito determina função, valor e até mesmo forma ao objeto, até
porque a forma deve ser percebida como tal, portanto ser funcional, sob pena de ser
descartada. Depreenderia-se, em algum momento, que objetos determinam ações?
O sociólogo francês Jean Baudrillard (2001) considera, em primeira análise, que “os
objetos foram sempre considerados um universo inerte e mudo, do qual dispomos a
pretexto de que fomos nós que os produzimos” (Ibidem, p. 10). A partir daí faz um
questionamento acerca da aparente passividade do objeto frente ao sujeito,
considerando que “este mesmo universo tinha algo a dizer, algo que ultrapassava
seu uso” (Ibidem, p. 10).
À luz deste entendimento, retomam-se as preocupações iniciais do autor
responsáveis por tal apostolado. Refere-se aos anos sessenta, do Século XX,
quando “a passagem do primado da produção ao consumo trouxe ao primeiro plano
o objeto” (Ibidem, p. 09). Nesse ponto, remontam-se as reflexões sobre a retomada
da Geografia Cultural e as novas premissas entrelaçadas ao conceito de paisagem,
o diagnóstico da sociedade enquanto espetáculo e as novas formas de consumo do
não concreto. É crível, pois, uma rearticulação do pensamento que transcenda a
lógica organizacional produtiva positivista, colocando esta última em xeque e
buscando novas possibilidades do pensar em relação aos objetos. Em Corrêa (2000,
p. 30) se expressa claramente esta nova orientação considerada pela Geografia
Humanista:
está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na
experiência, no simbolismo e na contingência, privilegiando o singular e não o
particular ou o universal e, ao invés da explicação, tem na compreensão a
base da inteligibilidade do mundo atual.
Isto posto, intenta-se uma correlação de idéias: a paisagem, articulada por
fixos-objetos pode e deve ser lida expressando-os em funções. As funções
expressam a essência do espaço, mas não podem ser desprendidas de seus fixos.
75
Crer que os objetos sejam capazes de ir além de suas funções e carregar
subjetividade suficiente para incidir em ação humana é o que se questiona. Retomar,
pois, a possibilidade de interação conceitual entre paisagem e espaço tal qual
preconizou Pinchemel (apud CAPEL, 1988) é buscar na paisagem algo mais do que
o plano do sensível.
Neste ponto, seria vital introduzir o pensamento de Santos (2002) quando, ao
abordar a interação entre paisagem e espaço, expressa no termo palimpsesto o grau
de co-responsabilidade pertinente aos dois conceitos: “paisagem e espaço são
sempre uma espécie de palimpsesto onde, mediante acumulações e substituições, a
ação de diferentes gerações se superpõe” (Ibidem, p. 104).
O vocábulo tem origem na língua grega e ao pé da letra significa “raspado
novamente”. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1986, p. 1251), eminente
dicionarista, empresta duas definições ao vocábulo
antigo material de escrita, principalmente o pergaminho, usado, em razão de
sua escassez ou alto preço, duas ou três vezes (duplo palimpsesto),
mediante raspagem do texto anterior; manuscrito sob cujo texto se descobre
(em alguns casos a olho desarmado, mas na maioria das vezes recorrendo a
técnicas especiais, a princípio por processo químico, que arruinava o papel, e
depois por meio de raios infra-vermelhos, raios ultravioletas ou luz
fluorescente) a escrita ou escritas anteriores.
A primeira definição indicada pelo dicionarista fundamenta a idéia original de
Pinchemel resgatada por Santos (2002): diferentes paisagens se superpõem na
construção do espaço, pois revelam páginas distintas da ação humana e,
indiretamente, suas relações, sobre a base física do espaço. Porém, superposição
de paisagens não indicaria por si só sinônimo de espaço, pois é para além da
expressão concreta que também se expressa o mesmo. E talvez aí a segunda idéia
possível para o vocábulo traga algo mais para a sua compreensão, pois há de se
pressupor que dependendo da técnica empreendida para a leitura dos distintos
textos corre-se o risco de “arruinar o papel”.
76
Se o palimpsesto está na superposição de dois textos, paisagem e espaço,
pressupõe que, mediante a metodologia empregada, a “técnica”, pode arruinar a
leitura do papel concernente à paisagem e, por conseqüência, os textos
superpostos. Ao mesmo tempo, supondo que pela própria dinâmica da Geografia
enquanto ciência moderna, o conceito de paisagem fosse texto predecessor ao de
espaço, a “técnica” corretamente empregada poderia possibilitar a leitura de ambos
os textos e, então, caberia perguntar se haveria muita diferença entre ambos.
Uma outra preocupação advém dessa leitura. Textos antigos representados
pela leitura do passado muitas vezes são resgatados sem o balizamento necessário,
basicamente sua historicidade, como já visto antes. Leituras de paisagens pretéritas
na compreensão do espaço têm que estar a par com os condicionantes ideológicos
do momento daquele ou daqueles que escrevem o texto. Pode-se incorrer em quid
pro quo – o isto por aquilo – na concepção que o termo consagrou: o de confusão.
Deve-se observar também, que a paisagem sofre com a ação avassaladora
do tempo e das sucessivas gerações humanas que se contrapõem a ela, mas
sempre se recompondo para – mesmo interagindo com outros significados – manter
a sua essência. Nesse sentido, impera enquanto questão saber se a paisagem não
traria embutida uma carga de palingenesia
35
– eterno retorno. A paisagem sempre
renasce de si mesma, pois reside no espaço, venha a adquirir ela qualquer outra
forma para mais ou para menos da original. Se idêntica nunca permanece, pois é
fruto de uma constante interação com forças humanas ou naturais, impõe-se em seu
35
Javier Echegoyen Olleta, no sítio “Historia de la Filosofia” (disponível em <http://www.e-
torredebabel.com/Historia-de-la-filosofia/Filosofiagriega/Filosofiahelenistica/Palingenesia.htm> - acessado em
1º de março de 2006), indica o seguinte sobre o termo: “a palingenesia, o eterno retorno, foi defendida pelos
estóicos (com exceção de Panecio) embora também a encontremos no pitagorismo e em Heráclito, de quem
provavelmente a tomaram. O Universo nasce e perece em uma sucessão cíclica: a partir de um fogo primogênito,
que é por sua vez logos ou razão generativa (‘logos espermatikós’) se gera o mundo e suas variadas
manifestações. O logos inscrito em todas as coisas determina a geração, duração, mudança e morte das mesmas.
Por sua vez, a totalidade do universo, através de um processo de decadência e destruição, volta ao fogo
originário. De novo, todas as coisas surgem da mesma maneira, em idênticas formas e idênticos destinos. Este
processo se repete eternamente”.
77
destino, sendo ele sua capacidade de retorno à própria interação com os seres
vivos, humanos ou não.
Paisagem e espaço podem se estabelecer enquanto palimpsesto
principalmente quando se agrega caráter subjetivo à leitura da paisagem. Ao pinçar
uma leitura fora de seu contexto pode-se colocar essa correlação em risco, portanto,
o mérito dessa formulação está não na analogia pura e simples, mas na intrincada
correlação entre o homem e o meio – nos dizeres de Pinchemel (1968, p. 360 apud
CAPEL, 1988, p.357)
dentro das perspectivas apresentadas aqui, a Geografia pode ser definida – e
é último paradoxo – como uma ciência humana cujo objeto de estudo é o
homem. Sua originalidade reside em ‘explicar a marca da energia humana na
superfície terrestre’, como diria Roger Dillon.
Se considerar que a paisagem se presta apenas ao visível, sendo distintiva
apenas quando da interação com o homem, pode-se incorrer no risco de
desmerecer aquilo que ela por si só carrega e fomenta: a capacidade de injetar
tônus necessário a sua ação para com ela própria.
Tal fundamento estaria presente inicialmente na própria consideração
aristotélica segundo a qual a “percepção do mundo sensível mostra que tudo se
transforma continuamente” (ABRÃO e COSCODAI, 2002, p. 56). Dessa forma, as
noções de “ato” e “potência”
36
elaboradas por Aristóteles tornar-se-iam adequadas à
consciência de uma paisagem dinâmica, mas mantenedora de sua própria
“essência”. Se, pelas idéias do estagirita, o “ato” diz respeito ao que se é e
“potência” àquilo em que se transforma, mas sem deixar de sê-lo, é caso de se
pensar se a paisagem também não possui tal capacidade transformadora e,
inclusive, incitando a própria ação humana no sentido de promovê-la.
36
Recorre-se a Mora (2001, p. 55) quanto a uma melhor explicitação da noção aristotélica: “a mudança, que para
Aristóteles é apenas uma forma de movimento, seria ininteligível se o objeto que muda não possuísse, em algum
sentido, a potencialidade de mudar”. O filósofo ainda resgata fragmento da obra de Aristóteles para melhor
ilustrar a questão: “ato é como o ser que constrói está para o que tem a faculdade de construir, e como o que está
desperto está para o que dorme, e o que vê para o que tem olhos fechados, mas é dotado de visão”.
78
Este raciocínio chama pela proposta de Bertrand Russell (2002) em torno de
sua analise sobre a civilização, onde constitui a idéia de antevisão. Pressupondo o
homem com a capacidade de antever transformações capazes de lhe propiciar o
bem-estar, o referido autor sustenta que esta seria a principal característica do
homem em uma civilização. Ele vislumbra uma antevisão coletiva em tudo que é
produzido pela dita civilização ocidental contemporânea, com o advento da era
industrial. Ele pressupõe bem-estar futuro naquilo que pode ser antevisto pelo
sofrimento da construção no presente.
Ao se considerar a paisagem como um todo, questiona-se se ela própria não
pressupõe uma antevisão à necessidade humana. E se essa antevisão, além do
mais, não seria responsável por si só por sua transformação. O geógrafo Donald
Meinig (1965) elabora um estudo considerando implícita a idéia de antevisão ao
propor uma identidade para uma região de cultura mórmon presente no Estado de
Utah
37
, nos Estados Unidos da América. A identidade dos colonos mórmons que se
instalavam na região está caracterizada nas concepções pré-estabelecidas do uso
da terra e da arquitetura. Portanto, pressupor o trato da antevisão na paisagem
abarcaria não apenas uma compreensão filosófica, mas algo com pertinência na
própria Geografia.
Permitindo uma análise concernente ao objeto maior desse estudo, urge
enquanto questão se a existência de uma paisagem natural adequada foi vital à
existência do Copacabana Palace Hotel. A praia e seu entorno natural foram
transformados (ato e potência aqui se correspondem) pela construção do hotel.
Antevê-se na paisagem o reflexo da edificação do hotel, bem como as razões que o
levaram a ser ali empreendido. A ação humana mobilizadora da transformação (ato)
37
Na revista “Utah – Historical Quarterly” - Salt Lake City, volume 71, number 2, primavera de 2003 -
(disponível a partir de <http://www.xmission.com:8000/~drudy/ushs/uhq.html>) podem ser vistas maiores
referências sobre a história da presença mórmon no estado.
79
foi empreendida frente à qualidade latente (potência) auferida pela paisagem: a
potencialidade de mudar estava presente na paisagem que se apresentava àquele
que detinha o ato de mudar.
A autocrítica devida faz questionar se a paisagem por si só determinaria a
mudança: – não, seria a resposta. A paisagem não se modifica sozinha, por
princípio, considerando expressão cultural humana. Corresponde a uma ação
antrópica a possibilidade de mudança. Mas pode-se, e é o que se pretende, mudar o
enfoque: não é apenas a necessidade humana que determina a transformação da
paisagem. A própria paisagem irá fomentar tal possibilidade. Não é ser determinista,
mas perceber na paisagem condicionantes propícios à transformação: a mudança
seria ininteligível se o objeto não possuísse a potencialidade de mudar – recorre-se
uma vez mais à filosofia de Aristóteles.
Nesse sentido, evoca-se Santos (2002) para emoldurar uma linha de
raciocínio antípoda: “o espaço não pode ser estudado como se os objetos materiais
que formam a paisagem tivessem uma vida própria, podendo assim explicar-se por
si mesmos” (Ibidem, p. 105). Antípoda, sim, pois são idéias opostas, mas ao mesmo
tempo com algo em comum – a paisagem não possui vida própria, pois este é
atributo humano e tampouco se estuda a paisagem pela paisagem, mas a paisagem
pelo homem. Em comum, há sempre a possibilidade de estabelecer a leitura do
homem (das sociedades) através da paisagem.
Sendo assim, apela-se por não alienar o conceito de paisagem de sua
capacidade transformadora. Não se objeta aqui o papel primordial que vem a
desempenhar a ação humana em respeito ao que se entende por transformação,
mas propor que a paisagem guarda, por si só, força motriz suficiente que instigue tal
obra, pelas mãos do homem.
80
A paisagem vai para além da expressão da simples materialidade ou do
simbólico: ela guarda a capacidade de instigar a modificação, sem que com isso se
caia na perspectiva de um determinismo mórbido. Pelo contrário, na análise de
Gomes (1997, p. 36), observa-se que “o arranjo físico das coisas é o que vai permitir
que determinadas ações se produzam, ou seja, as práticas sociais são dependentes
de uma certa distribuição ou arrumação das coisas”.
A preocupação norteadora do que se pretende construir através da
consideração do caráter monumental do Copacabana Palace Hotel não foge ao que
até aqui se expõe. A natureza monumental do hotel perpassa por entre um arranjo
de objetos cujas origens atrelam-se ao natural e ao cultural, e que no conjunto
surtiram efeito suficiente na transformação do espaço.
A praia terá sido o elemento vital na localização do hotel, pois sem a praia, o
hotel não seria exatamente o que é. Já o hotel construído na praia criou um arranjo
tal capaz de gerar a antevisão necessária à sucessão de outros arranjos, o que
gerou uma estrutura urbana própria ao bairro de Copacabana. Não se descartam,
com certeza, os agentes empreendedores, pois estes concernem à própria ação
humana aqui enfatizada, mas houve motivação para tal fato e, nesse sentido, não
pode ser desprezada a subjetividade inerente à paisagem.
Não há neste estudo interesse em sobrepor o recorte espacial estabelecido.
– não por apenas considerar o que poderia ser chamado de “amarras
metodológicas”, mas por não querer incutir no erro de se produzir uma visão
panorâmica capaz de por em demérito a própria objetivação do estudo pretendido.
Por outro lado, há esforço suficiente neste trabalho para demonstrar o quanto a
expressão monumental do hotel não pode ser desvinculada de seu entorno, o que
81
produz um outro problema: a interação entre o físico-natural e o humano-cultural,
mas ambos expressos em caracteres concretos e abstratos.
Ainda em Gomes (1997), destaca-se uma preocupação em relação à
produção da análise geográfica em respeito a uma linha de atuação única que
proceda a uma costura entre o físico e o humano. Ao contrário, o autor não objeta
qualquer distinção entre ambas, sendo incisivo: “o que estamos afirmando é que não
há unidade ou complementaridade entre a Geografia dita física e a Geografia
humana” (Ibidem, p. 36) e, mais à frente, enfatiza que “não há uma dicotomia entre a
Geografia física e a humana, o que existe são lógicas e coerências diferentes”
(Ibidem, p. 38). As idéias de Gomes corroboram com a perspectiva de justapor tanto
a paisagem física quanto a humana na constituição do objeto, mas sem a
preocupação de justificar qualquer tipo de entrosamento entre as duas perspectivas.
De certo que ambas as linhas estão concatenadas à apreensão do espaço
geográfico e reitera-se a possibilidade de tomá-lo como a um texto. Assim, pode-se
entender que há nesse texto uma “linguagem na maneira pela qual as coisas estão
postas no espaço, no fluxo de coerência que as une espacialmente, no sentido que
as atravessa nas diferentes seqüências de elementos” (ibidem, p. 38). E é dessa
forma que se intenta inter-relacionar não apenas ao físico e ao humano, mas
também os distintos apelos que venham a considerar a abordagem espacial. Nos
dizeres de Corrêa (2000, p. 44), o espaço geográfico deve ser tomado como “o
espaço do Homem” – ele deve ser tomado com “múltiplas dimensões”, sendo
factível, portanto, a possibilidade de construção de diferentes abordagens para o
mesmo. Porém, ao eminente geógrafo, não escapa a visão maior que do mesmo
deve ser tomada e, comungando com idéia de Lefébvre, diz o que se torna
imperioso no espaço: “torná-lo inteligível é, para nós geógrafos, uma tarefa inicial.
82
Decifrando-o, revelamos as práticas sociais dos diferentes grupos que nele
produzem, circulam, consomem, sonham, enfim, vivem e fazem a vida caminhar...”
(Ibidem, p. 44).
A tarefa ora empreendida muito se reflete nesta proposta: colaborar no
sentido de articular idéias capazes de permitir leitura do espaço em consonância
com o esforço de torná-lo cada vez mais inteligível. Não há pleito por querer fazer o
que não foi feito, mas apenas imbricar idéias e leituras, com a premissa de que o
saber geográfico tem uma dimensão social ímpar àqueles que fazem dele uma
ferramenta para o melhor entendimento do homem sobre a terra.
Não obstante, parte-se para um novo empreendimento: o de articular valores
simbólicos na percepção dos monumentos, em especial o Copacabana Palace Hotel
e relacioná-lo ao trato da paisagem que lhe fornece entorno. Se paisagem e espaço
permitem uma interação teórica, se para além do concreto da paisagem se antevê
capacidade transformadora do espaço, nada mais adequado do que buscar em uma
avaliação do fixo-monumento, o hotel, a subjetividade do olhar capaz de motivar as
ações humanas que caracterizam tais transformações.
83
3. MONUMENTOS: A SIMBOLOGIA NO OLHAR
Para nós, os fanáticos da estética e do
sentido, da cultura, do sabor e da sedução,
para nós, para quem só é belo o que é
profundamente moral, e só é apaixonante a
distinção heróica entre natureza e cultura;
para nós, que estamos indefectivelmente
ligados aos prestígios do senso crítico e da
transcendência, para nós é um choque
mental e uma desvinculação inaudita
descobrir o fascínio do contra-senso, dessa
desconexão vertiginosa igualmente
soberana nos desertos e nas cidades.
Descobrir que se pode desfrutar da
liquidação de toda a cultura e exaltar-se com
a sagração da indiferença.
América. Jean Baudrillard (1986, p. 102).
84
O presente capítulo considera uma abordagem acerca das diferentes
possibilidades de leitura dos monumentos, primordialmente aquela que diferencia
seu trato intencional do não-intencional. Esta articulação de idéias sobre os
monumentos possibilita identificar o fixo Copacabana Palace Hotel enquanto um
monumento histórico que, como tal, prescinde de conexão com seu entorno, natural
ou edificado, para marcar sua expressão na paisagem.
Deste modo, torna-se mister interagir idéias concernentes ao trato da
paisagem de entorno na qual se insere o objeto deste estudo. A referência a um
tecido urbano constituído para aquém ou para além da construção do Copacabana
Palace, em conjunto com a praia, disposta a sua frente, impõe uma expressão
monumental capaz de acenar para uma identidade transbordante ao seu recorte
espacial.
Ao mesmo tempo, a distinção de fixos como o hotel ou a praia na expressão
monumental de Copacabana, como um todo, requer um trato do olhar em respeito à
própria paisagem de referência. É criada, portanto, uma imagem, capaz de se
difundir, mesmo enquanto simulacro, mas essencial na identificação, não apenas de
elementos em separado, mas da paisagem como um todo.
85
3.1 Monumentos em Distintas Expressões
Remontar às origens da concepção inicial dos monumentos não garantiria a
possibilidade de expressá-la numa obra como a do Hotel Copacabana Palace. Seria
necessário percorrer as distintas considerações que foram feitas ao longo da história
acerca dos monumentos, para, aí sim, consignar o hotel como tal. Em considerando
as palavras da historiadora francesa Françoise Choay (2001, p. 18-19), “o papel do
monumento (...) foi perdendo progressivamente a sua importância nas sociedades
ocidentais, tendendo a se empanar, enquanto o termo adquiria outros significados”.
Torna-se necessário, então, revisitar distintas referências dadas aos monumentos
através da história, mas sem perder de vista ser esta uma consideração tipicamente
alusiva á civilização ocidental.
Sendo assim, o que seria um monumento em seu primeiro significado? As
raízes etimológicas da palavra estão no latim, monumentum, que por seu turno
deriva de monere, vocábulo que faz referência à idéia de lembrar. Choay (2001, p.
18) destaca, pois, que “a natureza afetiva de seu propósito é essencial: não se trata
de apresentar, de dar uma informação neutra, mas de tocar, pela emoção, uma
memória viva”, ressaltando, ainda, a “função antropológica” do monumento, por
conta de sua relação com o tempo e a memória.
Para o historiador Le Goff (1985), como já citado anteriormente, monumentos
se expressam, inicialmente, em documentos, pois guardam um legado à memória
coletiva das gerações futuras. O caráter memorial está impresso nas duas formas,
documentos e monumentos, ao fazer perpetuar afetivamente os feitos do passado
de um dado grupo ou sociedade.
86
Choay (2001) destaca as idéias de um outro historiador, o austríaco Aloïs
Riegl
38
, para atestar aos monumentos caracteres variados conforme o avanço da
História – ele seria um “monumento intencional” até a Idade Média, prevalecendo a
sua função de exaltação ou comemoração patriótica, por isso intencional no que diz
respeito a deixar um legado de força às gerações futuras; no Renascimento os
monumentos perderiam o seu caráter intencional e passariam a ser avaliados por
sua condição artística, tendo por base estética o próprio classicismo; ainda nesta
condição, de não intencionais, chegariam ao século XX tratados não mais pelos
rígidos valores do classicismo, mas por um questionável valor artístico. Finalmente,
Choay ainda destaca que todos os monumentos intencionais ou não intencionais
que transbordem em muito o seu tempo de existência serão reconhecidos por este
próprio mérito, o de resistirem ao tempo.
A autora expressa a nítida transfiguração do valor atribuído ao monumento
com o passar dos tempos: do caráter memorial ao caráter arqueológico, como
testemunho histórico da grandeza de civilizações do passado, bem como passando
a ser reconhecido por seu encanto artístico. E cita Quatremère de Quincy
39
, onde
este observa que, “aplicada às obras de arquitetura”, essa palavra “designa um
edifício construído para eternizar a lembrança de coisas memoráveis, ou concebido,
erguido ou disposto de modo que se torne um fator de embelezamento e de
magnificência das cidades”. É ainda do urbanista francês a idéia de que
caracterizaria monumento quando o efeito produzido pela edificação fosse mais
importante do que a sua própria destinação.
38
Há uma observação muito perspicaz no trabalho de Rodrigues (2000) acerca do historiador em questão. Cita-o
como um dos poucos a empreender um estudo sistematizado dos monumentos, mas com uma prática positivista
(nomeia, diferencia e classifica os monumentos) onde não há questionamentos maiores em relação ao seu
conteúdo, uso e destino.
39
Encyclopédie Methodique. Dictionaire de l’architeture, t. 2, ano IX. Paris: Pancckoule, Veuve Agasse, 1798-
1825. 3v. apud CHOAY, 2001, p. 19.
87
Em face destas primeiras colocações sobre os diferentes enfoques acerca
dos monumentos, se pode auferir uma primeira conexão com a edificação do
Copacabana Palace. Não há como vislumbrar no hotel, ao momento de sua
construção, possibilidade de trato memorial, muito pelo contrário. O hotel foi
concebido como um empreendimento funcional, caracterizado por um serviço de
hospedagem de alto luxo, mas, mesmo assim, concede-se a ele, desde o início, uma
reverência à chegada de “um novo tempo”. Ele não é um monumento intencional e
sua identificação, como tal, pode estar melhor associada à última das fases
indicadas por Choay em respeito à transfiguração da idéia de monumento ao longo
do tempo.
Em relação ao Brasil, conforme já destacado em Machado (2000), o país
transitava entre o atraso e a modernidade, como se entendia, ao tempo da
edificação do Copacabana Palace. A construção do hotel é tida como um dos
marcos desta transformação, portanto caberia ao hotel, mesmo que assim não o
fosse à época considerado, um papel de monumento. Para além da celebração de
um feito, embora sua gênese não tenha sido esta, reconhece-se no hotel um valor
de caráter artístico, por seu estilo eclético
40
, por sua capacidade empreendedora
digna dos novos tempos que se anunciavam e pela magnitude da obra frente à
paisagem na qual se inseria. – em sintonia com a consideração de Choay (2001, p.
19), em respeito ao patrimônio urbano, “ao prazer suscitado pela beleza do edifício
sucedeu-se o encantamento ou o espanto provocados pela proeza técnica e por
uma versão moderna do colossal”.
40
O ecletismo é posto por conta da conjugação de obras que hoje correspondem ao todo do hotel, principalmente
considerando que o estilo do prédio original é “Luís XVI”, ao passo que o anexo, construído em 1948, é “neo-
clássico”.
88
A obra de Françoise Choay (2001), “A Alegoria do Patrimônio”, é rica em
demonstrar como monumentos se converteram em patrimônio histórico
41
e,
principalmente como os monumentos foram adquirindo um viés de trato muito mais
de reverência histórica do que memorial. Não obstante, a reverência histórica
guarda, intrinsecamente, uma reverência memorial, mas a intencionalidade já não
está mais presente. O dado afetivo é mantido e pode ser visto como referência na
“Carta de Atenas”, documento produzido em 1931 como resultado da primeira
Conferência Internacional para a Conservação de Monumentos Históricos, citada por
Choay (2001). No trecho final da carta, a conferência diz estar
profundamente convencida de que a melhor garantia de conservação dos
monumentos e das obras de arte vem do afeto e do respeito do povo, e
considerando que este sentimento pode ser favorecido com uma ação
apropriada de instituições públicas (CARTA DE ATENAS, ANEXO 1).
Neste mesmo documento não há uma definição clara do que posteriormente
passou a ser denominado de patrimônio, mas apenas referências “à preservação
dos monumentos artísticos e históricos” (ANEXO 1). Talvez o ponto mais importante
tenha sido o de atestar, “em referência à conservação da escultura monumental, que
o traslado dessas obras fora do contexto para o qual foram criadas deve considerar-
se, como princípio, inoportuno” (ANEXO 1). A importância dessa consideração
reforça a tese, a ser desenvolvida mais à frente, de que o trato do caráter
monumental não pode estar desvinculado do seu entorno.
Como resultado do II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos de
Monumentos Históricos, reunido em Veneza, de 25 a 31 de maio de 1964, aprovou-
se um texto o qual passou a ser denominado de “Carta de Veneza” (ANEXO 2).
Neste texto já há uma definição clara de monumento histórico, ao considerar que
41
Consideram-se as palavras de Françoise Choay (2001, p. 11) acerca do patrimônio histórico – “a expressão
designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões planetárias, constituído
pela acumulação contínua de uma diversidade de objetos que se congregam com o seu passado comum: obras e
obras-primas das belas-artes e das artes aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos
seres humanos”.
89
A noção de monumento histórico compreende, além da obra arquitetônica em
si, os sítios urbanos e rurais, testemunhos de uma civilização de terminada de
um, a evolução significativa, e de fato histórico. Compreende as grandes
criações, e também as obras modestas, que, através do tempo, adquiriram
valor cultural significativo (CARTA DE VENEZA, ANEXO 2).
Este mesmo texto mantém a idéia de que “o monumento é inseparável do
ambiente em que se situa e do qual é testemunho histórico” (ANEXO 2).
Monumentos intencionais, do passado, evocam essa necessidade, de vincular-se ao
seu entorno tanto quanto os não intencionais, cuja escala de tempo, hoje, transforma
a designação “histórico” em algo ao menos questionável, conforme indica Choay
(2001). Mas o ponto crucial permanece na relação entre o fixo, monumento, e o seu
entorno, ou seja, a paisagem na qual está contido ou se fez conter.
Já foi visto o quanto o monumento perde de seu legado inicial e incide
dinâmica de transformação de reverência memorial e estética. Uma outra grande
transformação diz respeito ao que Françoise Choay (2001, p. 20) chama de
“desenvolvimento, aperfeiçoamento e difusão das memórias artificiais”. A autora
enfatiza o surgimento da imprensa como o mote de maior responsabilidade em
determinar fim à hegemonia memorial dos monumentos. A difusão das obras
literárias emprestaria à disciplina História o poder de memória viva, pois “as próteses
da memória cognitiva são nefastas para a memória orgânica” (Ibidem, p. 21).
Cabe aqui uma retomada da referência ao historiador Jacques Le Goff (1985)
a relação intrínseca entre monumento e documento – ela já existia. Mas, a produção
de documentos era restrita demais para poder alçar a mesma importância obtida
com o advento da imprensa. E, para além da difusão das obras escritas, o século
XIX traz também “o aperfeiçoamento de novas formas de conservação do passado:
memória de técnicas de gravação da imagem e do som, que aprisionam e restituem
o passado sob uma forma mais concreta, porque se dirigem diretamente aos
sentidos e à sensibilidade” (CHOAY, 2001, p. 21).
90
Haverá uma transferência da razão signo do monumento para a razão sinal
42
.
Seja intencional ou não, ou com apelo memorial distinto do original, o fato é que a
presença física do monumento guarda sua capacidade de expressar-se para além
do conteúdo aparente do objeto. Através da imagem, ocorre o que Françoise Choay
(2001, p. 22) chama de semantização do monumento-sinal: “pela mediação de sua
imagem, por sua circulação e difusão, na imprensa, na televisão e no cinema, que
esses sinais se dirigem às sociedades contemporâneas”.
Uma oportuna colocação pode ser aqui interposta face ao Copacabana
Palace. Caberia enquanto pergunta se ter nascido sob as lentes de um fotógrafo
como Augusto Malta (Oliveira, 2002)
43
– que em conjunto com Marc Ferrez tão bem
retratou, e até de forma institucional, a Cidade do Rio de Janeiro – não teria
possibilitado ao hotel ter conquistado a projeção de uma obra monumental, não só
sob a face de sua magnitude arquitetônica, para a época, mas também por estar ele
vinculado a uma paisagem cuja dimensão até então não guardava tais formas. Além
do mais, a perspectiva do moderno, que então se fazia querer, não se vinculava a
formas pretéritas, as do atraso, mas às novas formas que se faziam presentes na
paisagem, principalmente.
Finalizando, destacam-se duas noções fundamentais dos monumentos: em
primeiro lugar, há de se considerar que “o monumento histórico é uma invenção,
bem datada, do Ocidente” (CHOAY, 2001, p. 25). Além disso, baseando-se no
equilíbrio das considerações de Aloïs Riegl, a mesma historiadora destaca ser
42
Não há razão em aprofundar aqui uma leitura semiótica, porém foram utilizadas as distinções dispostas por
Epstein (2001), por permitirem uma clareza maior sobre a difusão da idéia de monumento.
43
Em seu artigo, Memórias do Rio de Janeiro, Lúcia Lippi Oliveira (2002) ressalta a importância de fotógrafos,
como Augusto Malta e Marc Ferrez. O primeiro teria atuado como fotógrafo documentarista ligado à Prefeitura
do Distrito Federal do Rio de Janeiro entre os anos de 1903 a 1936, onde “fotografou a execução e a inauguração
de obras; fixou a imagem de logradouros que seriam alterados, de prédios que seriam demolidos, de escolas,
hospitais, asilos; registrou festas organizadas pela Prefeitura; captou flagrantes – ressacas, enchentes,
desabamentos – da vida da cidade, além de acompanhar o dia-a-dia do prefeito” (Ibidem, p. 157). Antes dele,
Marc Ferrez , que se intitulava “fotógrafo de vistas e panoramas” (grifo da autora), “esteve envolvido em muitas
expedições que marcaram o século XIX” (Ibidem, p. 158).
91
o monumento é uma criação deliberada cuja destinação foi pensada a priori,
de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é, desde o princípio,
desejado e criado como tal; ele é constituído a posteriori pelos olhares
convergentes do historiador, do amante da arte, que o selecionam na massa
dos edifícios existentes, dentre os quais os monumentos representam apenas
uma pequena parte (Ibidem, p. 25).
Para além do olhar do historiador, há também o modo como os arquitetos
identificam nos monumentos formas de expressão que lhes asseguram sua própria
distinção enquanto expressão arquitetônica e, conseqüentemente, artística. Assim
sendo, evoca-se aos arquitetos a expressão espacial dos monumentos através da
monumentalidade ou das formas monumentais. Nesse sentido, é mister demonstrar
que o conceitual teórico a esse respeito peca pela pouca precisão no diagnóstico da
monumentalidade. A geógrafa Cristiane Moreira Rodrigues (2000, p. 05) observa
que
enquanto o substantivo concreto “monumento” ainda é definido e analisado
por alguns autores, o substantivo abstrato “monumentalidade” geralmente
tem seu significado derivado do primeiro, como algo que esteja implícito. (...)
Estando presente no monumento, mas indo muito além dele, a
monumentalidade mostra-se complexa se deixarmos de nos limitar à
realidade empírica imediata e começarmos a nos indagar, por exemplo, sobre
o seu significado na construção do espaço, sua origem e seu papel social na
história. Realmente a monumentalidade pode até parecer, mas não é óbvia,
estando aí talvez a razão de seu limitado tratamento teórico.
As preocupações maiores do estudo da geógrafa
44
estão na associação do
caráter monumental com a expressão do poder. O estudo ora pretendido tangencia
com esta visão porque admite conotação simbólica do poder pertinente à expressão
de uma forma como o Copacabana Palace. Por outro lado, ao eleger uma forma
peculiar e única, além do seu entorno, tenta vincular a transformação da paisagem a
essa expressão monumental, daí ganhando um viés próprio de expressão.
Foi pertinente, pois, à geógrafa, buscar na Arquitetura a expressão da
monumentalidade na medida em que esta poderia estar muito mais próxima da
capacidade de embutir a expressão do poder em suas formas. De um outro modo,
44
Monumentalidade e Poder na Construção das Cidades: Um Estudo Sobre os Projetos Urbanos Não Realizados
no Rio de Janeiro da Segunda Metade do Século XIX. 2000. 201 f. Dissertação (Mestrado em Geografia,
Instituto de Geociências – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2000.
92
ao se admitir a “natureza monumental” do Copacabana Palace, fundamentou-se a
premissa da expressão de um ícone da paisagem e a sua potencial capacidade de
incidir sobre as eventuais transformações espaciais nela implícitas.
Em assim se tratando, Rodrigues (2000) resgata a postura da dita arquitetura
moderna, onde a mesma apregoa uma desideologização dos monumentos – não
serviriam mais à expressão aristocrática do passado, mas a uma democratização
dos seus benefícios no presente. Além disso, transformavam a expressão
monumental como algo pura e simplesmente inerente à natureza do monumento,
“daí este ser sólido e duradouro, impressionante”
45
; prevaleceria a funcionalidade
por sobre a monumentalidade, como se inspirasse uma arquitetura mais racional e
menos simbolista. Tais posturas, porém, segundo a autora deixavam escapar que “a
oposição entre funcionalidade e monumentalidade nos parece algo mais forjado do
que real”, pois “antes de a funcionalidade ter negado a monumentalidade, ela a
incorporou” (RODRIGUES, 2000, p. 16). Há uma carga ideológica pertinente à obra,
daí embutindo um apelo simbólico, mesmo que ele venha revestido pelo nome
“democrático”. Finalizando, a mesma autora ressalta que
os monumentos históricos permanecem como os documentos/monumentos
da história: são símbolos do poder, daquilo que este escolhe para ser
transmitido às pessoas do presente e do futuro. Sua monumentalidade deriva
da intenção de fazer do espaço urbano um palco com cenografia exuberante
capaz de gerar emoções (que podem variar do orgulho ao medo) em milhões
de espectadores, estejam eles assistindo ao “espetáculo” de perto ou de
longe. Pois a força da monumentalidade não se limita ao controle daqueles a
ela diretamente subordinados, uma vez que ela será idéia e imagem
transpostas ao espaço, e, num caminho inverso, espaço transposto às idéias
e imagens – e estas não são fixas, elas viajam no imaginário (grifo da autora)
como tempo e espaço. Está aí o maior poder do monumento/documento
(Ibidem, p. 16).
De fato, todo monumento encerra em si uma monumentalidade. E nela
também está implícita uma carga ideológica, uma carga de poder. Harvey (1996, p.
73), numa crítica à estética urbana modernista do pós-guerra, aponta que
45
Cf. Creighton, Thomas H. The Architecture of Monuments: The Franklin Delano Roosevelt Memorial
Competition. Nova York: Reinhold Publishing Corporation, 1962 apud RODRIGUES, 2000, p. 13.
93
quando comandava (especialmente nos Estados Unidos), o capital
corporativo se apropriava alegremente de todo artifício modernista do livro de
arquiteto para dar continuidade à prática da construção de monumentos que
se elevavam cada vez mais no horizonte como símbolos do poder
corporativo.
A leitura de HARVEY (1996) em relação aos monumentos não se prende a
uma intencionalidade direta. Os prédios, gigantescos, imputam grandiloqüência na
expressão monumental e, mesmo não sendo fixos criados com a função restrita de
louvar ou homenagear acabam por traduzir-se dessa forma. Impõem, também, uma
leitura da força que rege “o capital” – só força tão poderosa seria capaz de produzir
obras de monta extraordinária e, por assim ser, demonstrar ao seu oponente, “o
trabalho”, o quão insignificante seria – hipérboles fruto de metáforas.
Nesse sentido também imperam as idéias do cineasta Peter Cohen em seu já
citado filme-documentário “Arquitetura da Destruição” – a contundência do nazi-
fascismo viria atrelada às edificações monumentais consagradoras de uma dita raça
ariana superior às demais existentes no planeta. Entendia o cineasta que a liderança
nazista esperava fazer com que no futuro os restos arqueológicos desta raça fossem
revelados e tomassem a mesma dimensão já então observada junto aos restos e
ruínas das milenares civilizações grega e romana.
Importante também frisar a relação entre a expressão dos monumentos e a
espacialidade, sendo, nesse sentido, importante consignar a posição de alguns
geógrafos em respeito ao assunto. Envolve esta espacialidade não apenas a
constituição do concreto como forma de marcar a força do capital, já visto em Harvey
(1996), mas outras possíveis ilações que venham a envolver, inclusive, a vertente
culturalista da Geografia.
Rodrigues (2005) se apóia na expressão da Arquitetura para instigar o
“espaço monumental”. Na expressão monumental, para ela, estavam
fundamentados alguns dos pilares das transformações urbanas preconizadas na
94
Cidade do Rio de Janeiro ainda na segunda metade do século XIX. A autora destaca
que
adotando de maneira praticamente irrestrita e generalizada uma ideologia do
progresso contida num ideário positivista, nossas elites tinham como
paradigmas de construção do urbano as cidades européias e norte-
americanas que aspiravam à condição de monumento e, nesse sentido,
baseariam o sonho da (re)construção da Capital nos mesmos princípios que
guiavam a (re)construção daquelas cidades (Ibidem, p. 151).
Observa-se claramente a relação entre a expressão monumental – mesmo
que as mesmas estejam principalmente associadas a formas arquitetônicas
edificadas – e a idéia de poder. O simbolismo também está presente, até porque a
autora aponta para o geógrafo Denis Cosgrove
46
para expressar a “produção
simbólica de uma sociedade” (Ibidem, p. 128). A geógrafa não se prende a fixos para
expressar a idéia de monumento, mas enfatiza a monumentalidade inserida na
dimensão espacial de uma cidade como o Rio de Janeiro.
A visão do geógrafo Roberto Lobato Corrêa é fundamentada “no âmbito de
uma geografia cultural renovada” (Corrêa, 2005, p. 02) e, assim sendo, também
fazendo referência a Denis Cosgrove
47
, “crítica e centrada nos significados
atribuídos à natureza e às construções humanas” (Ibidem, p. 02) e em “estudos que
discutem os significados atribuídos aos monumentos, incluindo os debates sobre a
construção, localização e iconografia” (Ibidem, p. 02). O autor destaca como
monumentos “formas simbólicas grandiosas como estátuas, obeliscos, colunas e
templos” (Ibidem, p. 02), pois sendo “representações materiais de eventos passados,
integram o meio ambiente construído, compondo de modo marcante a paisagem de
determinados espaços públicos da cidade” (Ibidem, p. 02). Considera, ainda, que os
46
Em Direção a uma Geografia Cultural Radical: Problemas da Teoria. Espaço e Cultura - UERJ/NEPEC. Rio
de Janeiro, n. 5, p. 5-29, jan.-jun. 1998.
47
Mundos de Significados: Geografia Cultural e Imaginação. In: Geografia Cultural: Um Século (2), org. R.L.
Corrêa e Z. Rosendahl. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000.
95
monumentos tenham um caráter intencional e converge na concepção de poder
atribuída aos mesmos.
A leitura desses monumentos intencionais, segundo Corrêa (2005), investe
em “forte potencial para perpetuar antigas tradições, fazer parecer antigo o que é
novo e representar valores que são passados como se fossem de todos” (Ibidem, p.
03). Na leitura que Hobsbawm
48
(1989) faz sobre o nacionalismo pode-se interagir a
construção desses monumentos, fundamentalmente entre o final do século XIX e o
início do século XX. Ao fazer referência a J. Duncan
49
, e a D. Livingstone e T.
Harrison
50
, Corrêa (2005, p. 02) incide sobre o conteúdo das “mensagens em forma
simbólica, associadas a temas como poder, identidade e conflitos gerados por
ambos”.
O viés nacionalista produz “monumentos nacionais” e os mesmos guardam tal
identidade justapondo “monumento” e “monumento histórico” numa única leitura – os
monumentos nacionais, portanto, exercem duas funções: “o de monumento, quando
ativa a memória por intermédio das emoções, de modo que o passado pareça
reviver o presente” (MAGALHÃES, 2004, p. 59); e o de monumento histórico, na
medida em que é visto como “fonte de informações para a escrita da história,
essencialmente, da história nacional” (Ibidem, p. 59). A identidade nacional necessita
de ícones capazes de lhe garantir o substrato – não basta contar a história da
nação, é necessária torná-la crível e reverenciá-la através dos fixos-monumentos
instituídos para tal função.
48
Hobsbawm (1989) destaca a questão da afirmação da língua como grande invenção da onda nacionalista que
varreu grande parte dos estados europeus entre o final do século XIX e o início do século XX – a identidade dos
povos, associada a essa onda nacionalista, podia ser expressa de maneiras diversas e, em sendo assim,
monumentos consagrariam a visão de uma pátria mais do que nunca construído por conta do peso nacionalista.
49
City as Text - The Politics of Landscape Interpretation in the Kandyan Kingdom. Cambridge: Cambridge
University Press, 1990.
50
Meaning Through Metaphor: Analogy as Epistemology. Annals of the Association of American Geographers,
87(2), 1997, p. 306-329.
96
A questão da identidade, de acordo com Corrêa (2005), é consoante com a
vertente culturalista da geografia, tornando-se fundamento ímpar na análise desses
monumentos. Afirma o autor que “por meio da necessária espacialidade que os
monumentos têm, implicando em localizações fixas e dotadas de grande
permanência, os monumentos são poderosos meios de comunicar valores, crenças
e utopias” (Ibidem, p. 04). Em seguida, reforça a questão do poder, pois os
monumentos encerram “o poder daqueles que os construíram” (Ibidem, p. 04).
A dimensão espacial dos monumentos indicada por Corrêa (2005) embute
uma expressão monumental – o monumento é um fixo dentro de uma paisagem,
mas há uma direta correlação associativa entre os dois: um – o monumento – está
contido e o outro – a paisagem – só é, do modo que é, porque contém o primeiro.
Em concordando com as palavras de Rodrigues (2000), a racionalidade requerida
pelos arquitetos na expressão monumental nada mais é do que a imposição de um
simbolismo próprio de uma visão estética dita modernista, onde há uma isotopia
51
latente nas suas múltiplas aparições no trato urbano.
As releituras urbanas explodiram na Europa em consonância com a
articulação das novas forças produtivas predominantes já no século XIX. Ao mesmo
tempo, tais releituras imbricam propostas de controle social – elas estão presentes,
por exemplo, na articulação monumental dos novos espaços urbanos; na
justaposição de monumentos alusivos a esta nova etapa; a revalorização dos
antigos como forma de resgatar o sentido pátrio, sendo este capaz de criar a
51
Citando Paris, Lefebvre (2002) discorre sobre como a isotopia bem dimensiona o avanço da articulação
simétrica do espaço urbano vinculado ao urbano-industrial, dito moderno, em oposição aos meandros das
articulações espaciais advindas de caminhos rurais do passado. Não se pretende aqui articular idéias em instância
direta com o conceito de lugar, mas demonstrar apenas que a simetria racional modernista é mais do que uma
simples revisão espacial, na verdade ela simboliza essa transformação, portanto nada tem de neutra.
97
identidade nacional necessária à costura dessa nova relação imposta, sobretudo
pelo poder econômico.
É certo também, como visto em Corrêa (2005), que nem sempre a articulação
destas formas identitárias consegue prevalecer, mas é fato que ao menos foram
intentadas e, em assim sendo, encerram também uma outra leitura simbólica – por
exemplo, no filme alemão “Adeus, Lênin”, produção alemã de 2003, do cineasta
Wolfganger Becker, é célebre a cena da estátua de Lênin sendo transportada por
helicóptero pelos céus de Berlim. O adeus a Lênin quase se expressa de forma
literal, sendo muito mais do que uma metáfora, pois a remoção do monumento
impunha o símbolo de uma nova época. O monumento não mais existiria e talvez
fosse substituído por outro, mas o caráter memorial indicativo da sua existência
original fora substituído pelo caráter memorial da imagem de sua transferência –
haveria aí o que Françoise Choay (2001, p. 22) designa como “semantização do
monumento-sinal” feita através da imagem.
Será então possível justapor um monumento ao seu caráter monumental ou a
sua monumentalidade? Ora, se o monumento se articula com a paisagem ao seu
redor não haveria como ele prescindir dela. A afetividade inerente ao monumento
comporta sua correlação com a paisagem, pois marca o lugar – e o lugar não
encerra afetividade? – em que fora constituído. Se a representação monumental é
própria do trato arquitetônico, não é, como vista dissociada do monumento e, sendo
assim, a carga simbólica de um tangencia com o do outro, quando não se
incorporam mutuamente.
Por outro lado, há ainda a questão da intencionalidade, considerando esta
vinculada às possibilidades de leitura dos monumentos destrinchada por Françoise
98
Choay (2001) a partir da obra original de Aloïs Riegl
52
. Coube aos historiadores
questionar a validade da intencionalidade do monumento – considerando que sua
expressão cultural variou de significado conforme o passar dos tempos, admitindo-
se, então, que obras de arte e edifícios, por exemplo, viessem a ser considerados
como tal. A autora supracitada deixa claro, inclusive, que a apropriação do mesmo
enquanto “patrimônio cultural”
53
enlevou uma distinção de caráter planetário dada
aos Estados que os promoviam, restauravam e conservavam, daí os mesmos se
multiplicaram numa escala questionada por esses mesmos historiadores – o que
pode hoje ser considerado monumento histórico salta da casa dos séculos para a
casa das décadas, se muito.
O geógrafo Miguel Angelo Ribeiro (2005) produz um artigo onde articula a
refuncionalização, no caso basicamente para fins turísticos, da Fortaleza de Santa
Cruz, situada na cidade de Niterói, antiga capital do Estado do Rio de Janeiro.
Apóia-se ele em um “fixo social enquanto atração turística e de lazer” (Ibidem, p. 02),
reconhecida enquanto patrimônio histórico brasileiro pelo Iphan desde 1939, mas
onde não há, em sua gênese inicial, o intuito de consagrá-lo como um monumento e,
tão pouco, como patrimônio histórico nacional. Em verdade, a fortaleza por séculos
honrou sua existência, a de tentar, ao menos, proteger a Baía de Guanabara e as
cidades nela encontradas, notadamente a do Rio de Janeiro, de ataques
estrangeiros inimigos.
A evolução técnica dos tempos progressivamente inibe essa função notória
inicial e aos poucos ganhará ela o status de estrutura edificada que resiste ao tempo
52
Der Moderne Denkmalkultus. Viena, 1903.
53
Evitou-se neste estudo um vínculo maior com a idéia de “patrimônio cultural” mesmo se admitindo uma
correlação muito forte dessa com a de monumento. A própria obra de François Choay (2001), “A Alegoria do
Patrimônio”, guarda uma dimensão maior ao trabalhar o patrimônio – especificamente o patrimônio urbano,
edificado – por evidenciar toda a problemática que se encerra na sua identificação, promoção, restauro e
conservação. Eleger o monumento, ao contrário, possibilitou centrar-se em um fixo simbólico da paisagem cuja
problemática ora se desenvolve.
99
e marca a paisagem com os feitos do passado do grupo social que a produziu –
mantém-se sob os auspícios do poder militar, mas responde por novo significado: o
de patrimônio histórico. Ao mesmo tempo, como bem destaca Ribeiro (2005, p. 06),
“expressa uma monumentalidade fantástica, destacando-se na paisagem da Baía de
Guanabara” – uma vez mais ratifica um princípio: aquele no qual nenhum
monumento pode ser julgado livre da paisagem que lhe dá entorno. A
monumentalidade deriva do fato de se impor afetivamente impressa na vastidão
espacial, causa maior de sua grandiloqüência.
Enquanto patrimônio urbano edificado, conforme Choay (2001), a fortaleza
responde como um monumento tanto quanto o Copacabana Palace. A questão da
intencionalidade é discutível e tem apelos diferenciados entre distintas ciências
sociais e autores idem. A identidade, por seu turno, melhor qualifica a compreensão
da paisagem pelo grupo social que dela se apropria e a faz refletir tal qual seu
próprio espelho: ela é humana, mesmo sendo puramente natural, pois é lida por
aqueles que dela se apropriaram enquanto idéia ou forma de expressão.
Ao mesmo tempo, desdobra-se em poder: seja o poder que repercute das
formas implícitas nas quais Harvey (1996) demonstra a força do capital; seja do
poder transmissor das idéias dominantes na história das sociedades, através do qual
Rodrigues (2000, 2005) faz por se expressar em monumentalidade; seja porque são
intencionalmente dotados de sentido político e assim se expressam em poder, como
é visto por Corrêa (2005); seja pelo poder midiático mais recente que transforma
fixos em apelo de consumo turístico, conforme expressa Ribeiro (2005).
À guisa de constituir uma consideração final sobre o assunto, recorre-se uma
vez mais a Rodrigues (2000), como forma de encetar, ao mesmo tempo, a
100
possibilidade de articulação de outras idéias acerca dos monumentos. Segundo a
autora,
o monumento encerra em si uma monumentalidade, a qual, por sua vez, é
transcendente, pois ela não é só mais um objeto presente no espaço urbano;
ela é uma idéia, concepção, crença: objetivo simbolizado em objeto-símbolo,
mas capaz de viajar no imaginário. Os monumentos diversos (esculturais:
homenageando pessoas e fatos históricos; ou arquitetônicos: edifícios,
praças, avenidas e planos urbanísticos inteiros), são a própria espacialização
de uma idéia, de uma concepção de mundo que procura tanto sua auto-
afirmação quanto a subjugação de outras idéias e concepções destoantes
(Ibidem, p. 09).
Advoga-se pelo Copacabana Palace em nele se resgatando – ao tempo de
sua construção – um “objetivo simbolizado em objeto-símbolo”, conforme a idéia
original da autora destacada no parágrafo acima. Isto produz uma necessidade: a de
buscar um arcabouço teórico que sustente tal suposição, mesmo de antemão
admitindo uma não-intencionalidade inicial. Nesse sentido, impõe-se
significativamente a correlação entre o monumento, o hotel, e a expressão de sua
monumentalidade, a paisagem na qual está contido.
3.2 A Expressão Monumental: o Copacabana Palace Hotel
Atribui-se a Octavio Guinle, empresário fundador do Copacabana Palace, ter
dito que “não estaria construindo um hotel de ocasião, mas um monumento do qual
se orgulharia para sempre”. A frase está estampada no livro Copacabana Palace,
Um Hotel e Sua História (Boechat, 2002, p. 32), e bem reflete a vocação que se
esperava do hotel antes mesmo de ser edificado.
O primeiro questionamento advindo da colocação do empresário seria sobre o
senso comum no qual poderia estar inserida, para ele, a idéia de monumento.
Partindo-se da premissa que sim, qual idéia então estaria sendo impingida ao
101
proferir tal frase? Pela tônica do momento, a construção do hotel poderia ser
considerada como a edificação de um monumento?
Ora, se monumentos são construídos como marcos comemorativos de uma
determinada nação, porque não depreender que as obras levadas a cabo para a
comemoração do centenário da independência brasileira não teriam implícita tal
capacidade? É questionável, de certo, atribuir a essas obras, muitas delas
consignadas por sobre o desmanche do Morro do Castelo, no centro da cidade, o
caráter de monumentos, visto não terem sido empreendidas apenas com o propósito
comemorativo, pois muitas também guardavam o sentido funcional, como no próprio
caso do Copacabana Palace.
Ilustração 8. Construção do Pavilhão administrativo da Exposição do Centenário da
Independência, prédio onde atualmente funciona o Museu da Imagem e do Som. Foto de
Augusto Mata, datada de 15 de maio de 1922. Fonte: Fotografias do Rio de Ontem, [s. d., s. p.].
102
Por outro lado, é fato que o tempo veio transformar muitas dessas obras:
algumas vieram abaixo; outras, raras por sinal, foram refuncionalizadas, como no
caso do atual MIS – Museu da Imagem e do Som (Ilustração 8).
Já no caso específico do Copacabana Palace, a simples frase de efeito de um
dos membros da renomada família Guinle não justificaria por si só o pleito inicial
como monumento, não fosse ele tido como marco da dita modernidade. Como
marco, isso já visto, não como monumento, pois se erguido assim fosse, não
abarcaria a já referida funcionalidade de um hotel. Tornar-se-ia monumento histórico,
com o decorrer dos anos, mas mesmo assim, não é desprezível sua contribuição
como marco monumental de uma transformação.
Em verdade, toda a série de mudanças empreendidas desde a virada dos
séculos XIX-XX exprimia a conjugação da funcionalidade com a monumentalidade
(ou marco-monumental) e estaria plenamente vinculada às transformações depois
realizadas quando das comemorações do centenário da independência. Nesse
sentido, destaca-se um fragmento do artigo de Luis Felipe Ferreira
54
(2005, p. 164)
sobre as obras produzidas no início do século XX, onde indica ser a
concepção de um eixo monumental cortando a antiga cidade e levando o
visitante ao Rio de Janeiro moderno dos bairros da Zona Sul que melhor
esclarece o sentido de uma via “rasgando” o tecido urbano colonial em lugar
de uma extensa reforma à francesa. O novo eixo, ao transpassar a cidade
antiga, serve de cenário para “esconder” e, de certo modo “virar as costas”
para o velho implante colonial, levando o visitante diretamente do novo Porto
do Rio para a cidade moderna, bonita e limpa, representada por bairros como
catete, botafogo ou Cosme Velho.
Observa-se a não citação do bairro de Copacabana, pois o mesmo ainda se
constituía, naquele momento, num dos extremos da expansão do tecido urbano da
cidade, porém já se explicita que as razões das reformas abarcam todo um sentido
54
O autor escreve sobre a expressão do carnaval carioca na virada do século XIX e a busca de uma identidade a
qual ele chama de “brasilidade” – observa-se a competência da articulação com as transformações urbanas
advindas do período, pois as mesmas se entrelaçam com a necessidade, à época, de criar uma nova identidade e
onde o simbolismo adjacente às reformas urbanas acabou por ter um significado ímpar.
103
simbólico. Tal idéia mais clara ainda fica quando o autor aponta: “neste sentido, a
arquitetura ‘cenográfica’ do ecletismo oitocentista irá cumprir o duplo papel de
identificar a função do prédio e criar verdadeiramente um cenário, uma fachada, para
ocultar a face colonial da cidade” (Ibidem, p. 164).
Não apenas na construção de monumentos ou prédios isolados se
contemplariam espacialmente as transformações necessárias para se celebrar o
“novo” preconizado. Essa expressão espacial, monumental, viria associada à
conquista de novos espaços urbanos, concebidos por conta de uma percepção
moderna do urbano, como no caso de Copacabana, ou na magnitude de obras
colossais e marcantes o suficiente para fazer perpetuar à memória das pessoas a
dimensão de sua execução. A paisagem de imediato remete a essa encenação do
moderno, pois é de fato o palco único onde pode ser espetacularizada. A par da
metáfora, resta dizer que nem toda paisagem se transforma tão facilmente quanto a
de um verdadeiro palco. E essa é a diferença marcante no que diz respeito às
transformações ocorridas no centro da cidade do Rio de Janeiro e na orla oceânica
da cidade, particularmente, no caso, Copacabana.
A bem da verdade, a expressão monumental estendida ao Copacabana
Palace se torna complexa porque o entorno paisagístico que a enleva está vinculado
a dois pilares distintos: o tecido urbano, já previamente produzido (e posteriormente
retransformado); e a paisagem dita natural – a praia e o mar, fundamentalmente. Ao
contrário do centro da cidade, onde o apelo do natural na expressão monumental
atendia por outros clamores – aliás, recorrendo a Barros (2005) percebe-se que o
cunho natural, a presença de um morro como o do Castelo, muito mais prejudicava
do que ajudava na expressão monumental, tanto que foi removido.
104
Lidar com a perspectiva de um entorno complexo – a junção do “natural” com
o “cultural” – atende, acima de tudo, por um desafio. As leituras em respeito ao trato
do patrimônio urbano edificado, especialmente a obra citada de Françoise Choay
(2001), geraram o questionamento chave do que se disserta, pois há nela referência
ao urbanista Gustavo Giovannoni e sua obra original, já referenciada antes, “Vecchie
Città ed Edilizia Nuova”. Nesta obra, seu autor qualifica o caráter quase que cirúrgico
a ser adotado nas velhas cidades italianas quando da sua adaptação às novas
exigências do moderno consignadas pela expansão capitalista.
O urbanista italiano identifica a importância da manutenção dos monumentos
no tecido urbano e, indo além, preconiza que o caráter simbólico dos monumentos
está associado à apreciação do seu entorno, ou seja, o trabalho de reforma urbana
deve ser meticuloso o suficiente para diagnosticar o grau de relevância e
manutenção de segmentos do tecido urbano que estejam vinculados ao monumento
nele existente.
Giovannoni chamaria de diramento
55
a técnica empregada para tal fim. O
termo deriva da botânica e, como muitas outras expressões do urbano, carreiam
informações oriundas das ciências biológicas, visto ainda ser relevante naquele
momento a influência do darwinismo no âmbito das ciências sociais, como tal qual já
está presente em Patrick Geddes, também citado por Choay (2001) contemporâneo
ao italiano, uma expressão similar, a de “cirurgia conservatória”. Em um trecho de
sua obra, “Vecchie Città”, o autor bem expressa o sentido do diramento ao
considerar que
a reabilitação dos bairros antigos é obtida mais a partir do interior que do
exterior dos quarteirões, especialmente restituindo casas e quarteirões a
condições tanto quanto possível próximas das originais, porque a habitação
55
Françoise Choay (2001, p. 201) explica o que ela qualifica de “bela metáfora do diramento” – “evoca o
desbastamento de uma floresta ou de uma sementeira por demais densas, para designar as operações que visam
eliminar todas as construções parasitas, adventícias, supérfluas”.
105
tem a sua ordem, sua lógica, sua higiene e sua dignidade próprias
(GIOVANNONI, 1931, p. 252 apud CHOAY, 2001, p. 201-202).
O que depreender desta lição? Não se reconhece caráter monumental
apenas ao fixo que pelo senso comum venha a ser assim reconhecido. Sua
relevância é imanente à cultura do grupo que assim o consagrou, portanto, o entorno
no qual se localiza não pode ser defenestrado pura e simplesmente quando da
avaliação do grau de importância do monumento, ou do seu simples
reconhecimento.
Na verdade, Giovannoni propõe uma das hoje difundidas formas de
tratamento dos monumentos – assunto também tratado na obra de Choay (2001) –
acerca da reconfiguração original dos monumentos, descortinando-os a partir da
supressão de elementos incorporados para além de sua originalidade. Se não é uma
linha de conduta indiscutível entre aqueles que tratam o patrimônio histórico, como
ressalta Choay (2001), tem sido posta em prática por aqueles que a defendem –
exemplo mais claro seria a recuperação do Paço Imperial
56
, na Cidade do Rio de
Janeiro, no início dos anos oitenta, no século passado.
Não há como justapor a estruturação urbana de Copacabana e a construção
do Copacabana Palace Hotel na leitura fiel de Gustavo Giovannoni, a não ser
conjeturando sobre o retorno irreal do casario original que circundava o hotel. Não
se trata de defender uma reconstituição original, muito pelo contrário, pois a
dinâmica da transformação, abstendo qualquer juízo de valor, impõe-se na
fundamentação do objeto de estudo.
56
Cf. consulta ao sítio eletrônico do Paço Imperial, acessado em 02 de março de 2006 e disponível em
<
http://www.pacoimperial.com.br/enterhtm/paco/conh.html>, observa-se que, após a Proclamação da República,
o Paço Imperial passa a sediar o Departamento de Correios e Telégrafos, tendo ganho, a partir dos anos 20 e 30,
um prédio de três andares no seu pátio interno maior, bem como o terceiro piso é ampliado por toda a sua
extensão. A obras de restauração e refuncionalização do Paço Imperial, iniciadas em 1982, promovem uma
retirada cirúrgica dos acessos acrescidos para além de seu estilo original.
106
Ocorre abstrair da idéia original do urbanista italiano o mote já enunciado: o
monumento como um todo requer a justaposição da sua paisagem de entorno e,
para além disso, sublinhar as palavras do arquiteto: “uma cidade histórica constitui
em si um monumento” (Giovannoni, apud CHOAY, 2001, p. 200), mas, em conjunto
com a própria leitura da autora, “o conceito de monumento histórico não poderia
designar um edifício isolado, separado do contexto das construções no qual se
insere” (Ibidem, p. 200). A tônica deste discurso é refletida na elaboração das atas
da Conferência de Atenas, já citada, da qual Gustavo Giovannoni participou – deste
entendimento, pode-se destacar que
a própria natureza da cidade e dos conjuntos urbanos tradicionais, seu
ambiente, resulta dessa dialética da ‘arquitetura maior’
57
e de seu entorno. É
por isso que, na maioria dos casos, isolar ou ‘destacar’ um monumento é o
mesmo que mutilá-lo. O entorno do monumento mantém com ele uma relação
essencial (CHOAY, 2001, p. 200-201)
.
Isto posto, remete ao diramento em uma razão inversa: o plano monumental
no qual teria sido erguido o hotel contrapõe de um lado as escarpas do Maciço da
Tijuca e do outro o mar. Entre os dois, o areal em cujo qual se pronunciou uma das
vertentes da expansão da malha urbana carioca, ainda na segunda metade do
século XIX. Ocorre, pois, ao invés de subtrair os elementos, adicioná-los. Mas,
atentar para o fato que esta adição infere numa leitura simbólica, pois para mais de
sua simples adição ou identificação há a interpretação que deles venha a ser feita.
Há, como dito, um plano monumental sustentado pela idealização da praia e
do mar, assunto com maior ênfase em capítulo posterior, imbricando com a
idealização de um novo plano monumental alinhado ao natural. A Avenida Atlântica,
construída nesse sentido, assegura esse apostolado. Por outro lado, a incorporação
do hotel, obra colossal quando comparada ao casario pré-existente, potencializa a
57
Entendendo que a “arquitetura-maior” faz referência às obras de maior magnitude, como os monumentos e
edifícios, ao passo que uma “arquitetura-menor” diria respeito ao mote do espanhol Cerdá (apud CHOAY, 2001,
p. 196): “o homem repousa, o homem se move”.
107
percepção desse caráter monumental. A monumentalidade está, pois, entremeada
no simbolismo arquitetônico do hotel e da malha urbana instituída, em especial a
avenida beira-mar, com o simbolismo monumental de uma paisagem natural que
passa a ser lida – ou vista – com outros olhos. Assinalar no título da dissertação “a
natureza monumental do Copacabana Palace Hotel” resultou desse sentido, visto o
jogo de palavras poder consignar ao vocábulo “natureza” as correlatas dimensões
pretendidas no objeto.
Assim, se constitui uma necessidade decorrente: decodificar a visão, para
além de um simples sentido. Já foi dito que a esfera do consumo sucedeu, pelos
idos da década de sessenta do século passado, a esfera da produção. A
espetacularização da imagem vem a par desta nova apreensão de reprodução do
capital, então, uma preocupação se institui: olhar para além do capital, frente ao
simbólico, como forma de buscar outras aspirações passíveis de criar estopim de
(re)compreensão de valores, quais sejam, pelo grupos sociais, mas ao mesmo
tempo entendendo que este novo paradigma não ficaria imune à própria ação do
capital.
O discurso indicado pode criar paralelo com o recorte-tempo identificado nas
amarras do objeto? Por não postular que o capital tenha, deliberadamente,
interagido nessa nova percepção da paisagem – constituída pelo menos cerca de
cinqüenta anos antes – é que se entende ser possível entabular tal proposição. A
esse tempo, a esfera da produção concreta ainda é mais preciosa ao capital e não
se advogaria uma defesa de um pré-existente entendimento da premissa suscitada.
Então, por sustentar tal idéia, o passo seguinte envolve uma leitura da subjetividade
do olhar incorporada à releitura da paisagem a qual faz referência essa dissertação.
108
3.3 Um Olhar Por Sobre o Espetáculo
A questão da subjetividade do olhar tornou-se vital na apreensão da
dimensão do conceito de paisagem para o trato geográfico. Como visto, Cosgrove
(1999) reitera a importância desse olhar em seu próprio trabalho, mas produz uma
autocrítica na qual embute ser um desafio aos geógrafos culturais estudar a visão à
luz das teorias contemporâneas.
O que o autor chama de “contestação à inocência do olho” (Cosgrove, 1999,
p. 39) impera ser atributo da ciência, em correspondência com a Geografia, desde
os tempos em que a mesma ainda postulava seu reconhecimento institucional. O
norte-americano George Perkins Marsh é citado por Tim Unwin (1995) por conta de
sua obra “Man and Nature”, publicada originalmente em 1864. Para Unwin (1995, p.
137), em um momento onde o determinismo ambiental prevalece, Marsh foge a essa
ordem, pois “sublinhava a importância das pessoas como agentes ativos que
reagiam ante ao meio ambiente em que viviam e deste modo o modificavam”.
Chama a atenção na obra de Marsh (1965), além da ação humana sobre o meio,
fundamentalmente a paisagem física, seu peculiar modo de contrapor aquilo que se
vê àquilo que se crê ver. Desse modo, destaca que
ao filósofo natural, o poeta descritivo, o pintor, e o escultor, assim como o
observador comum, o poder mais importante de se cultivar, e, ao mesmo
tempo mais difícil de se obter, é o de ver o que está diante dele. Visão é uma
capacidade; ver, uma arte. O olho é material, mas não um aparato de vontade
própria e geralmente vê o que procura. Como um espelho, o olho reflete
objetos a ele apresentados; mas pode ser tão insensível quanto um espelho e
ele não necessariamente reflete o que distingue (Ibidem, p. 15).
Resgatar um fragmento de texto tão antigo como este, mas ao mesmo tempo
tão coerente com o pensamento atual revela que tal questão já é atributo de quem
lida com a ciência desde longa data. Como em Descartes, por exemplo, que cerca
de duzentos anos antes abordava sobre a visão em sua “Segunda Meditação
109
Metafísica” e impunha uma conotação empirista e realista da visão
58
, a qual o
filósofo Renaud Barbaras (2005, p. 67) critica
segundo a filosofia empirista e realista, a coisa existe independente do
sujeito: ela tem qualidades objetivas que vão agir sobre o órgão da visão e
suscitar sensações visuais, principalmente de cores e formas. Desse ponto de
vista, o objeto pode ser definido como um conjunto, uma coleção de
sensações, e a visão, como a recepção das qualidades constituintes do
objeto.
Parafraseando Marsh (1965), o olho que vê o que procura atende a seu
mestre. E em sendo assim, Bárbaras (2005) busca em outro filósofo, Merleau-Ponty
subsídios em sua crítica ao conceito de sensação para demonstrar que
nosso mundo não é constituído por conteúdos, mas sim por formas,
fisionomias, qualidades afetivas, isto é, por significações, e o que os
empiristas chamam “conteúdos” (as sensações visuais) é o mínimo da
matéria necessário para a aparição dessas significações (Ibidem, p. 68).
E em assim considerando, Barbaras (2005) finaliza seu raciocínio:
a visão não é, em hipótese nenhuma, a pura recepção de um conteúdo
visual, o que equivale a dizer que não vemos apenas com nossos olhos.
Enquanto apreensão de um sentido dentro do sensível ou como sensível, a
visão é mais do que visão física: ela envolve uma forma de compreensão ou
de pensamento (Ibidem, p. 69).
Não se busca a filosofia pela filosofia, mas referenciar na paisagem
elementos que escapam para além do sentido da visão. Por assim pensar, são
apresentados dois exemplos em contribuição ao trato que se espera da paisagem
em face da crítica à visão indicada. No primeiro, os abricós de Russell
59
(2002),
tornados mais saborosos, para o próprio autor, quando da sua compreensão
histórica e etimológica; no segundo, os tomates de Cosgrove
60
(1998), cuja acepção
enquanto objetos naturais, tirados do pé, alcançam significado cultural por conta do
destino dado a eles pelos homens.
58
Descartes concebe o que é visto enquanto uma coleção de qualidades sensíveis.
59
A alusão aos abricós é feita no contexto de uma crítica ao utilitarismo do conhecimento e pode ser encontrada
no capítulo sobre O conhecimento “Inútil” presente em seu livro Elogio ao Ócio.
60
A alusão aos tomates é feita em seu artigo “A Geografia Está em Toda Parte: Cultura e Simbolismo nas
Paisagens Humanas” e reflete a preocupação do autor para com a invisibilidade dos atributos culturais
pertinentes a um determinado objeto.
110
Aos objetos, dos mais simples aos mais complexos, competem informações
que muitas vezes escapam da sua simples visualização. Essas informações têm
origens variadas e contribuem, na medida que são adicionadas, a uma contínua
(re)significação cultural. A paisagem, expressão de fixos, torna-se também um texto
quando é tratada à luz desta compreensão. James Duncan (2004) demonstra
preocupação para com a leitura que pode ser feita dos objetos e nos problemas dela
decorrentes, pois
as descrições não são reflexos espelhados; são necessariamente construídas
dentro dos limites da linguagem e das estruturas intelectuais daqueles que
descrevem. Tal linguagem não é uma série de palavras que tem
correspondência exata com a realidade ‘exterior’. Ela se baseia em discursos
que são significados partilhados constituídos socialmente, em ideologias, em
séries de suposições do ‘senso comum’. As mesmas palavras podem ter
diferentes significados em diferentes discursos (Ibidem, p. 95-96).
Há uma crítica contumaz à pura abordagem empirista que possa ser dada ao
estudo da paisagem, visto Duncan (2004) considerar que “nem tudo que é real e que
tem poder causal pode ser observado ou experimentado” (Ibidem, p. 97). O autor
argumenta ainda que a resistência a uma teorização explícita peca por deixar “fora
de consideração muitos dos mais interessantes e poderosos fatores causais que
afetam os fenômenos sociais” (Ibidem, p. 97).
Na interpretação de Melo (2001), o geógrafo James Duncan analisa a
paisagem “como um texto em um contexto de intertextualidade” (Ibidem, p. 42), por
ser a mesma capaz de codificar informações. A autora ressalta palavras de James
Duncan as quais demonstram que, “no caso das paisagens, o contexto em que são
produzidas e lidas podem ser textos escritos em outros meios” (DUNCAN, 1990, p.
03 apud MELO, 2001, p. 42). E são essas outras possibilidades de leitura, não
formais, que são subjetivas no contexto da paisagem e não tão facilmente
percebidas numa leitura empirista.
111
O geógrafo ora citado trabalha a paisagem como um “sistema significante” e,
de acordo com Melo (2001, p. 43), tal perspectiva incide na avaliação de três
aspectos: a maneira como as pessoas (nativas) consideram a paisagem; os valores
diferenciados que tem a paisagem para os intérpretes externos e para os intérpretes
locais; a análise dos diferentes elementos no sistema cultural por parte do elemento
externo, no caso o pesquisador. A correlação desses três aspectos permitirá
consignar uma leitura da paisagem para além daquilo que ela, na análise empírica,
possibilitaria.
Um ponto fundamental na perspectiva de Duncan em compasso com o objeto
ora em estudo diz respeito ao uso das paisagens para mais do que o funcional. Em
Melo, ainda considerando Duncan, destaca-se que
as paisagens não serviriam apenas para atender às necessidades funcionais
dos homens, nem representariam simplesmente criações culturais
localizadas, pois as formas que tomam através dos conjuntos arquitetônicos
traduzidos por signos, símbolos e ícones representam a história que os
grupos – principalmente os grupos poderosos – contam sobre eles mesmos
(MELO, 2001, p. 44).
Em considerando o próprio texto original de James Duncan (2004), destaca-
se uma citação de Michel Foucault (1970, p. 251 apud DUNCAN, 2004, p. 99) – “a
ordem visível, com sua grade permanente de distinção, é agora somente um brilho
superficial sobre o abismo”. A partir desta citação, Duncan (2004) questiona sobre o
“desafio apresentado pelo antiocularismo que caracterizou alguns dos estudos mais
interessantes nas ciências sociais e humanas, no século XX, notadamente na
Europa” (Ibidem, p. 99). A argumentação teórica de Duncan (2004) aponta também
para a necessidade do geógrafo interagir com outras ciências sociais e humanas
como forma de empreender um discurso que não transmita apenas possíveis
obviedades da paisagem.
112
O filósofo Francis Wolff (2004) identifica nas imagens uma capacidade de
difusão do real – tal qual Françoise Choay (2001) apontou nos monumentos-sinais –
e preocupa-se com a ilusão promovida a uma escala ameaçadora. Segundo este
autor
as imagens estão uma vez mais abandonadas a si mesmas, a seu próprio
poder de representar, e criam a ilusão de não representar, de não ser
imagens fabricadas, de ser o simples reflexo, transparente, aquilo que elas
mostram, de emanar diretamente, imediatamente, daquilo quem elas
representam, de ser o puro produto direto da realidade, como outrora
acreditávamos que emanavam diretamente dos deuses que representavam.
O mais perigoso poder da imagem é fazer crer que ela não é uma imagem,
fazer-se esquecer como imagem (WOLFF, 2004, p. 43).
Produzir fisicamente uma imagem seja uma pintura, uma gravura ou uma
fotografia – um simulacrum, conforme indica Wolff (2004) ser este o vocábulo em
latim pertinente para sua expressão em português – depreende um corte
instantâneo de um objeto ou, porque não, de uma paisagem qualquer. A imagem se
difunde através de meios de comunicação, hoje mais modernos e rápidos, no
passado nem tanto, mas capazes de fazer valer chegar a diferentes olhos aquilo que
ela captou. Mas, o que ela captou? Eis aí uma crítica explícita de Wolff (2004), e que
fornece suporte para uma série de considerações: em correlato com a crítica de
Duncan (2004), a imagem difundida se limita a demonstrar sinais não decodificados
por possuir uma leitura limitada – é apenas uma imagem; parafraseando Marsh
(1965), “o olho vê o que quer ver” e o foco de quem produz a imagem pode produzir
uma espetacularização capaz de promovê-la para além de seus sentidos; para
atender aos apelos de quem ou por que a imagem foi produzida, pois ela pode ser
porta-voz, mesmo muda, da necessidade específica de um grupo, mormente
daquele que detém o poder, até mesmo de difundi-la.
Leituras forjadas no empirismo podem ser difundidas no poder das imagens –
constrói-se o cenário, empregam-se os objetos, e apregoa-o como expressão
cultural de uma nação, por exemplo. Trocando o cenário pela paisagem (literalmente
113
construída ou assimilada por ter sido idealizada, quando dita “natural”) e nela se
observando os fixos, não haveria aí similaridade na produção de uma imagem,
mesmo que de fato a visualização da paisagem se desse in locu? Ora, depois de
difundida e apreendida na forma da qual se queria a imagem criada pode ter mais
força de que a própria matriz que a originou e sobrepô-la.
A Praia de Copacabana, o bairro Copacabana e o Copacabana Palace Hotel,
refletem, em diferentes pares, em conjunto ou isolados imagens que foram
consagradas numa sucessão de fatos cujo estopim maior pode ter sido a própria
edificação do hotel. A imagem veiculada dessa Copacabana, expressão monumental
que permitiu forjar uma identidade alusiva a um jeito de ser “carioca” pode ser posta,
então, enquanto factível? Mas, em não sendo, não terá sido ela constituída, mesmo
que não intencionalmente, com o intuito de se fazer ver algo que não existia? E se
assim o foi feito, a quais atores – e diretores – da encenação dessa imagem veio a
atender (e seus pertinentes interesses)?
Compreende-se, então, que a espetacularização da paisagem pode estar
perfeitamente adequada à sua expressão monumental e os fixos nela contidos
podem compartilhar dessa correspondência. A imagem difundida desse espetáculo
encerra uma possibilidade de criação de uma identidade, mas pode também se fazer
útil enquanto produto “não material” frente ao capital. Bucci (2005, p. 219), logo no
primeiro parágrafo de seu texto, aponta que
o capitalismo atual tem sua mercadoria antes na imagem da coisa do que na
coisa corpórea. È como imagem que a mercadoria circula. É sua imagem que
precipita seu consumo – é sua imagem que inicia, e que embala, a realização
de seu valor.
Ao tempo da edificação do Copacabana Palace Hotel, como já visto, consumo
pressupõe matéria, sendo a imagem condução da difusão do próprio consumo. De
qualquer modo, a difusão de uma imagem associando, praia, mar, hotel, o bairro,
114
enfim, os elementos relacionados ao objeto em discussão, criou uma identidade,
mesmo que próxima a um simulacro, capaz de promover distinção aos que nela se
espelhavam ou dela compartilhavam. O tempo incute nessa imagem o apelo de mito
– Copacabana extrapola seus limites físicos e passa a ser “um espaço altamente
simbólico para a imagem da cidade”, representando “um Rio de Janeiro ideal pelos
idos dos anos 40, 50” (PINHEIRO, 2002, p. 152).
Nesse sentido, a figura do espetáculo responde pela idéia de seu criador,
enquanto conceito: “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação
social entre pessoas, mediada por imagens” (DEBORD, 2004, p. 14). Resta saber
quem produz e difunde as imagens, pois daí resulta o problema de quem as
consome – “o consumidor real torna-se consumidor de ilusões; a mercadoria é essa
ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral” (Ibidem, p. 34). O
olhar que se habituou ao consumo da imagem difundida pelo objeto Copacabana
Palace Hotel foi treinado, de certo, a assimilar nesta imagem algo mais do que um
hotel, tanto quanto a própria Copacabana avançou para algo além de um bairro da
metrópole carioca – a epígrafe deste capítulo busca seu sentido.
Ao tratar da questão do olhar é possível resgatar na própria imagem
construída para Copacabana os elementos que possibilitaram tal apreensão dessa
“imagem-realidade”. Retornar ao tempo de sua estruturação e relacioná-la com
elementos ímpares em sua trajetória – como a própria construção do Copacabana
Palace – possibilita compreender que se houve uma antevisão na remodelação de
sua paisagem, não se pode afirmar sobre uma intencionalidade na produção, para
consumo, de sua própria imagem. A paisagem torna-se, então, elemento chave
dessa discussão, pois procede que carregue em si toda uma carga de subjetividade
115
capaz de proporcionar ao olho a leitura das qualidades elegidas para uma
determinada distinção.
Por fim, atenta-se para o fato de que a paisagem enquanto imagem pode ser
inserida num conjunto maior, aquele tratado por Bourdieu (1989) enquanto “sistemas
simbólicos”. As produções simbólicas destacadas por Pierre Bourdieu, presentes
nesses sistemas, como a arte, a ciência e a moral teriam um papel fundamental, pois
seriam capazes de organizar a percepção dos indivíduos e de propiciar a
comunicação entre eles exatamente porque seriam internamente
estruturadas, apresentariam uma organização lógica interna, passível de ser
identificada pela investigação científica (NOGUEIRA e NOGUEIRA, 2004, p.
34).
Os mesmos autores apontam para a postura de Bourdieu acerca de
diferentes perspectivas no trato dessas produções simbólicas na medida em que ele
se situa entre
as perspectivas conspiratórias, que concebem as produções simbólicas como
artefatos intencionalmente criados com vistas à dominação ideológica, e as
perspectivas idealistas, que negam ou desconhecem o papel das construções
simbólicas na manutenção e legitimação das estruturas de dominação.
Segundo Bourdieu, as produções simbólicas participam da reprodução das
estruturas de dominação social, porém, fazem-no de uma forma indireta e, à
primeira vista, irreconhecível (Ibidem, p. 35).
Em assim sendo, parte-se em busca dos elementos estruturadores dessa
paisagem, tendo sido ela criada ao longo do tempo e capaz de difundir uma imagem
cujo atendimento varia entre o de ser identidade e o de ser objeto – não-sensível –
de consumo. Esta paisagem é fruto de uma construção mística da praia e do mar,
bem como de uma reeducação do olhar a esse respeito. As novas formas de
apreensão da paisagem da praia – especificamente a de Copacabana – serão
responsáveis, em comunhão com os agentes empreendedores, por sua estruturação
urbana. Haverá, assim uma expressão monumental, onde fixos artificiais, como o
Copacabana Palace, ou naturais, como a praia, enquanto monumentos, operam no
sentido de marcar frente ao espectador a memória afetiva dessa capacidade.
116
O próximo capítulo abrange a primeira parte desta questão, aquela
concernente à leitura da praia enquanto mito e do novo olhar a ela confiado,
fundamentalmente a partir do Século XIX. Tal abordagem será capaz de possibilitar
uma melhor compreensão da construção do segmento urbano da paisagem,
incluindo aí a própria edificação do Copacabana Palace, fatos que em conjunto
proporcionaram a criação de uma imagem única à Copacabana.
117
4. NATUREZA E MITO: OS MISTÉRIOS DO MAR
Havia lido em Plutarco uma lenda sobre
navegantes que referia uma ilha situada
nestas paragens vizinhas ao Mar Tenebroso,
onde, vitoriosos, os habitantes do Olimpo
teriam há séculos repelido os Titãs vencidos.
Esses grandes cativos do rochedo e da
vaga, flagelados para sempre por um
oceano sem sono, incapazes de dormir, mas
interminavelmente ocupados em sonhar,
continuariam a opor à ordem olímpica a sua
violência, sua angústia, sua vontade
perpetuamente crucificada. Reencontrava,
nesse mito situado nos confins do mundo, as
teorias dos filósofos que adotara como
minhas: no curso da sua vida breve, cada
homem tem sempre de escolher entre a
esperança incansável e a sábia ausência de
esperança, entre as delícias do caos e as da
estabilidade, entre o Titã e o Olimpo. Em
suma, escolher entre eles, ou conseguir
harmonizá-los um dia.
Memórias de Adriano. Marguerite Yourcenar
(1993, p. 140).
118
O presente capítulo considera uma correlação entre natureza e sociedade
pressupondo sua leitura simbólica através da figura do mito. Para tanto, foram
consideradas perspectivas de autores que conectam a concepção do mito a uma
melhor capacidade de enfrentamento e controle por parte do homem em relação à
própria natureza, por ser esta fonte de questionamentos, angústias e também do
atendimento das necessidades vitais da existência humana.
Desse modo, buscou-se interagir com esta perspectiva do mito,
especificamente sobre o mar e a praia, visto serem dois elementos concernentes à
paisagem de entorno na qual foi concebida a edificação do Copacabana Palace
Hotel. De certo que a construção do hotel teve a ver com a própria reconsideração
do valor simbólico da paisagem relacionada ao mar e a praia, daí sua importância na
constituição deste estudo como um todo.
Desta forma, entende-se a praia enquanto um monumento natural ou
geomonumento, bem como se atribui à mesma um caráter monumental por conta de
sua própria dimensão e expressão em conjunto com o mar. Esta forma subjetiva de
olhar se associa a novos usos e funções adquiridos pela paisagem a qual se remete
e, no conjunto, fundamentam sua própria transformação e compreensão por parte a
sociedade. Através da interpretação da paisagem associada ao mar e à praia, como
se vê nos parágrafos que sucedem, interpõe-se uma variável de máxima importância
na construção do objeto de estudo como um todo.
Um dos questionamentos específicos ao estudo do caráter monumental do
Copacabana Palace Hotel reside na identificação dos diferentes significados
absorvidos pela paisagem associada ao mar e à praia ao longo dos tempos. Ora,
tanto o mar como a praia expressam, hoje, necessidades de uso vinculadas a um
caráter sócio-espacial inimagináveis a cerca de dois séculos atrás. Esta mudança
119
está, de fato, impregnada no mérito cultural da paisagem, portanto, nada mais
pertinente do que o resgate de idéias acerca do conceito até aqui consignado.
Porém, também se faz mister resgatar um aporte de idéias a respeito da história da
natureza no ocidente por ser vital enquanto ponte que viabiliza discutir a praia e o
mar diante do imaginário-simbólico ocidental.
As leituras de Clarence Glacken (1990), Simon Schama (1996) e Antonio
Carlos Diegues (1996) permitiram que fossem ordenadas algumas correlações a
respeito da interação entre a natureza e a sociedade, mormente a ocidental. Com
esses autores pode-se observar o quanto de misticismo – fundamentado pela
compreensão judaico-cristã do mundo difundida no Ocidente – fora relacionado na
produção de uma história natural que pressupõe a intervenção divina. Mesmo
assimilando que tais idéias tenham sido colocadas em xeque pelo racionalismo
científico desenvolvido, fundamentalmente, no século XIX, as mesmas, até por
assimilarem uma compreensão religiosa, não deixaram de resistir ao tempo.
A bem da verdade, a figura do mito não está totalmente desconectada da
compreensão racional do mundo por ser ele produto da necessidade humana de
justificar sua própria existência. Nesse sentido, aponta-se para Morin (1986, p. 150,
apud DIEGUES, 1996, p. 55), onde, segundo o qual, os mitos são narrativas que
descrevem
a origem do mundo, a origem do homem, o seu estatuto e a sua sorte na
natureza, as suas relações com os deuses e os espíritos. Mas os mitos não
falam só da cosmogênese, não falam só da passagem da natureza à cultura,
mas também de tudo o que concerne a identidade, o passado, o futuro, o
impossível, e de tudo que suscita a interrogação, a curiosidade, a
necessidade, a aspiração. Transformam a história de uma comunidade,
cidade, povo, tornam-na lendária, e mais geralmente, tendem a desdobrar
tudo que acontece no nosso mundo real e no nosso mundo imaginário para
os ligar e os projetar juntos no mundo mitológico.
A citação a Edgard Morin feita por Diegues (1996) atende pela necessidade
do autor de fundamentar a visão da qual o mundo natural – ou o mundo selvagem,
120
wilderness, como a ele se refere – não pode ser apreendida totalmente sem recorrer
às imagens e representações do mundo mítico, como também demonstra haver uma
convivência entre a apreensão do conhecimento técnico-racional e a expressão
mitológica. Nesse sentido, o autor argumenta que
nas sociedades primitivas ou pré-industriais, essa unidade/dualidade do
homem reflete-se também nas duas formas de apreensão da realidade: uma
empírica, técnica, racional, pelo qual ele acumulou uma complexa bagagem
de saber botânico, zoológico, ecológico, tecnológico; e outra simbólica,
mitológica e mágica. No entanto, essas duas formas de conhecimento do
homem arcaico, ainda que distintas, não vivem em dois universos separados;
são praticadas num universo único ainda que dual (DIEGUES, 1996, p. 56).
Atentar para a incorporação do mito na construção da racionalidade humana
parece apontar para um paradoxo, mas o mito se expressa para além da capacidade
de compreensão da existência do próprio homem e o conforta perante a dúvida.
Simon Schama (1996) busca no pensamento do historiador da arte, Aby Warburg,
voz para esta colocação: “debaixo de suas pretensões de ter construído uma cultura
baseada na razão, acreditava ele, nossa sociedade guarda um poderoso resíduo de
irracionalidade mítica” (SCHAMA, 1996, p. 29). Essa irracionalidade mítica, conforme
Horace Minner (1991) é que permitiu ao homem sobreviver ao desafio frente a tudo
que lhe era apresentado e do qual não possuía domínio e, não fosse por ela, talvez
não tivesse alcançado o domínio da técnica ou da pretensa razão que se lhe atribui
– o autor, ao final do seu texto, “O Ritual do Corpo Entre os Sonacirema”
61
recorre
às palavras de Malinowski para sacramentar que
olhando de cima e de longe, dos lugares elevados da civilização
desenvolvida, é difícil ver toda a rudeza e a irrelevância da magia. Mas sem
este poder e este guia, o homem primitivo não poderia ter dominado as
dificuldades práticas como fez, nem poderia o homem ter avançado até os
mais altos estágios da civilização (MINNER, 1991, p. 07).
61
Texto originalmente escrito em 1956, no qual “SONACIREMA” é anagrama para “AMERICANOS”, pois
Horace Minner articulara o modo de vida urbano cotidiano atual do mundo ocidental como uma fantástica
alegoria impressa numa hipotética sociedade primitiva – dessa forma, o leitor crê estar diante de um tratado
antropológico sobre uma estranha tribo primitiva, quando na verdade está diante de seu próprio modo de viver.
121
Portanto, não há como negar toda uma carga simbólica inerente ao “mito
natureza”. Não há como dissociá-la de ritos, de símbolos ou de quaisquer outras
formas de absorção que não a racional. A paisagem da qual fala Simon Schama
(1996) busca na memória algo mais do que a sua simples apreensão pelo homem,
mas também a correlação com uma existência mais equilibrada. Ao seu turno,
Clarence Glacken (1990), ao procurar interagir o homem, sua cultura e o dito meio
natural expressa “verdades” produzidas até o século XVIII que acabaram por
influenciar direta ou indiretamente a compreensão desse homem acerca da
natureza.
Deste modo, pode-se considerar que ao longo da história do mundo ocidental
a natureza invariavelmente esteve presente como um elemento com funções
definidas, algumas veladas, embora coubesse ao homem o dever de desvendá-las.
Ela, a natureza, flutuou entre três papéis: o papel de ser onipresente, o de ser
onipotente e o de ser onisciente. Se pôde assumir tais papéis, pôde também ser o
grande ponto de referência do humano em relação ao seu próprio destino: o de
domá-la. Para tanto, seria necessário a este homem desvendar os mistérios que
envolvem os papéis determinados à natureza.
É ela onipresente, pois onde está o homem, lá se encontra a mesma. Mas
sua onipresença tende a ser questionada. É tida como o ventre inicial do homem,
aquela que o pariu por osmose e que automaticamente se transformou no berço que
embalaria este novo ser, por ela própria concebido em autogestação. Teria crescido
aprendendo a domar a própria mãe, cansada em sua velhice, mas que rabugenta,
também seria capaz de desafiá-lo com sua fúria de tempos em tempos.
Ela é onipotente, pois a tudo domina. Ao homem restaria ir aos poucos
transformando este papel, assegurando que com o passar do tempo ao menos
122
dividiria este poder, ou se acabaria por conquistar de vez a capacidade de domínio
exercida por ela.
Ela é onisciente, tal qual um autor que conhece os destinos de suas
personagens. O homem seria uma dessas personagens, e por que não dizer a
personagem principal. O humano estaria tentado trocar de papel com a natureza e
ter domínio sobre suas (futuras) ações. Na verdade essa ubiqüidade da natureza é
aceita pela sociedade ocidental, que ao mesmo tempo sente-se tentada a desvendá-
la. Daí as várias concepções e os inúmeros questionamentos que essa natureza
passa a oferecer ao longo da história do homem.
Em Glacken (1990) é visto, logo em seu prefácio, um ordenamento das
questões que balizaram o homem na sua relação com esta natureza: teria sido a
Terra uma criação proposital? Teria seu quadro natural influenciado socialmente o
homem? De que maneira o homem teria modificado sua condição primária
hipotética? Não se construíram tais questionamentos sem uma longa interação de
conhecimentos adquiridos pelo homem ao passo do tempo. De fato, a natureza
ainda carrega algo de divino, o que parece ser inconcebível para a ciência, daí a sua
relutância em encará-la como um ente. Assumir a idéia de uma natureza influente na
ação humana – moral, social e cultural – ainda soa como determinismo geográfico
para muitos autores. Na medida em que se enquadra a natureza no campo do
divino, perde-se ciência e se ganha uma compreensão maior da importância dessa
mesma natureza para o caráter evolutivo da sociedade ocidental.
É neste contexto que a leitura de Schama (1996) se tornou imprescindível,
pois permitiu descortinar mais claramente alguns dos elementos fundamentais da
natureza – a floresta, a água, e a montanha – que mais diretamente estiveram
entrelaçados ao desenvolvimento da sociedade ocidental e, certamente,
123
repercutiram na idealização da paisagem-natureza. Sendo este estudo pertinente a
uma das questões específicas de nossa dissertação de mestrado, destaca-se o
capítulo referente à temática da água, bem mais esclarecedora quanto aos
elementos oriundos de mitos e crenças capazes de nos permitir uma inflexão sobre
a transformação monumental da Praia de Copacabana.
Isto se torna mais facilmente exeqüível ao se aliar o texto de Alain Corbain
(1989), cuja ênfase a um dos elementos da natureza de mais difícil compreensão
para a sociedade ocidental, o mar, opera como fundamento básico na compreensão
subjetiva dessa paisagem e sua zona de contato com a terra, ou seja, a praia.
Pretende-se, desta forma, resgatar uma gama de mistérios que envolviam as águas,
sobretudo o mar, responsáveis por seu uso cotidiano diferenciado – e das praias que
representavam o seu próprio limes – ao longo da história ocidental, correlacionado-
as com a própria história de Copacabana.
Nesse sentido, a presença do mar e da praia frente ao Copacabana Palace
Hotel não poderia deixar de guardar, nela própria, um atributo indispensável na
caracterização do objeto de estudo. Atribuída ao hotel a condição de monumento e
identificada a importância de sua inserção na paisagem de entorno, observa-se que
a leitura da paisagem urbana, constituída por expressão cultural humana, concentra
a atenção nos atributos arquitetônicos e urbanísticos. Mas, a porção pré-existente
concernente ao mar e à praia, impõe-se enquanto pré-condição à existência de
tamanha manifestação da cultura humana.
Monumentos naturais – ou geomonumentos – respondem pela grandeza e
beleza estética das formas, sendo, pois assegurado às mesmas distinção frente a
outros arranjos naturais que não tenham sido compreendidos como tal. Simon
Schama (1996) indica que a opção norte-americana pela reverência às formas
124
naturais monumentais também se deve a ausência de uma memória coletiva
associada à existência de cidades, obras arquitetônicas ou esculturais aquém da
Idade Moderna. Não por acaso Diegues (1996) relaciona o mito de uma natureza
intocada ao movimento de criação de parques nacionais nos Estados Unidos da
América, ainda no Século XIX.
Pondera-se pela compreensão de uma natureza como fruto da expressão
cultural que lhe concede valor utilitarista, mesmo quando a depreende enquanto
objeto de conservação. Uma forma monumental natural é tida assim enquanto um
valor de natureza humana. Identificar nas formações geológicas – montanhas,
escarpas, depressões etc – o caráter de monumento (natural) incide na
pseudocomparação entre estruturas esculturais fruto da cultura humana com as de
gênese natural.
No caso específico do entorno do Copacabana Palace, as primeiras imagens
relacionando à construção do hotel à presença da natureza, conforme Boechat
(2002), dizem respeito à existência de montanhas cobertas pela Mata Atlântica e os
areais presentes na borda do Atlântico. As montanhas de certo não se tornaram
símbolo da presença do hotel, até porque sua maior referência seria o próprio mar,
mas como buscar aspecto monumental na vastidão oceânica? O mar contemplado
por Corbain (1989) não guarda os atributos necessários a sua identificação
enquanto monumento, pois sua feição é monótona, desprovida de forma – como
visto, apenas na sua vastidão poder-se-ia indicar uma expressão monumental, o que
necessariamente não o torna um monumento.
O monumento, no caso, não está no mar, mas na praia. A forma escultural
distinguida pelo trato cultural humano se depreende do contato do mar com a terra.
É nesse contato com o mar que se produz a forma – ou as múltiplas formas, em
125
considerando o espetáculo das ondas – que lhe distingue enquanto monumento
natural. A praia é o verdadeiro monumento e guarda também uma expressão
monumental, por conta de sua dimensão. Torna-se, então, entorno tão fundamental
quanto aquele concebido pela ação direta da cultura humana, a que diz respeito á
constituição do espaço urbano onde se aloca o hotel.
Se há uma carga de subjetividade nessa leitura é porque a mesma mantém
implícita uma relação com o mito, cuja responsabilidade maior passou a ser a de
guardar um trato afetivo – e também não é este um dos atributos do monumento? –
do homem para com a grandiloqüência do mar. Porém, para além do que se expõe
enquanto subjetivo, há um uso cotidiano desse mar, e principalmente da praia a ele
associado, quando se reporta a uma cidade como o Rio de Janeiro. Ao tempo de
Luis Edmundo, na passagem do século XIX para o século XX, a praia ainda possuía
uma conotação um pouco distinta da que desfruta hoje. Em uma das passagens de
seu livro, “O Rio de Janeiro do meu Tempo”, Edmundo (2003, p. 525) observa que
o banho de mar, pela época, ainda não é recreio, mas, receita de médico. O
Boqueirão
62
é um pequeno hospital. No começo do século, a terapêutica usa
e abusa dos banhos de mar. Às sete da manhã a praiazinha vai-se fazendo
vazia de famílias, pois senhora de qualidade não aparece nunca para banhar-
se depois dessa hora, que é hora das cocottes e da rapaziada barulhenta que
nada, que rema, grita, prega partidas e quer divertir-se.
Ao mesmo tempo, boa parte da orla central da cidade é acometida de violenta
impactação ambiental correlata aos graves problemas sócio-espaciais identificados
na “velha capital colonial”. Em 1892, Artur Azevedo fazia pilhéria das dificuldades
em se viver no Rio de Janeiro encenando a revista “O Tribofe”. A alusão a tais idéias
é fruto do artigo de Jorge Luiz Barbosa (1992, p. 317), onde pode ser lido que
as praias que até então eram circunvizinhas ao imenso aglomerado humano
que caracterizava o território central da cidade, foram transformadas em
notórios vazadores “naturais” de lixo e excrementos. Tal situação tendeu, ao
que nos parece mais imediatamente, a se agravar com a expansão da rede
62
O Boqueirão é uma praia e, pela menção do próprio autor, ficava ao final da confluência do Passeio Público
com a Rua de Santa Luzia, ao tempo em que ficavam bem mais próximos do mar.
126
de esgotos criada pela City Improvements Company
63
que, nas palavras do
engenheiro André Rebouças, convertera a baía do Rio de Janeiro numa
imensa cloaca.
Na reconstituição da juventude de Luis Edmundo e na pilhéria moderna de
Artur Azevedo encontram-se alguns elementos balizadores da discussão acerca do
valor de uso das praias, que varia, e muito, conforme fez andar o tempo. Varia no
significado simbólico, varia na significação social, varia na adequação do uso direto
– discutir algumas dessas idéias é tentar entender porque praias, como a de
Copacabana, assimilarão usos e significados simbólicos distintos ao longo do tempo.
Entre tantos outros questionamentos, ressaltam: por que então teria o mar ganho
ares de salubre se até então poucos se atreviam a indicar nele um banho? Por que,
tão temido para a maioria dos mortais, passa a galgar um status social relevante,
quem dele vive próximo, nas praias ou zonas litorâneas?
Atendo-se inicialmente ao significado simbólico da praia e do mar, ressalta-se
a obra de Alain Corbain (1989) onde o mesmo diz terem estado estes associados a
um sentimento de repúdio por parte da sociedade ocidental, pelo menos até o
alvorecer da Renascença, na medida em que o mar remetia a uma simbologia
negativa e era causador de uma profunda repulsa. Para Corbain (1989), o mar
começa por não existir no próprio paraíso bíblico, pois “o horizonte líquido sobre cuja
superfície o olhar se perde não pode integrar-se à paisagem fechada do Paraíso”
(Ibidem, p. 11-12) – a criação dele ocorreu em razão do homem: foi sua função
expiar a desgraça dos homens.
Assim sendo, segundo o autor, o próprio relato bíblico do dilúvio associava o
mar à punição do homem. Segundo o que define como “cosmologia bíblica”, o
criador teria determinado a existência de duas diferentes massas líquidas: a bacia
63
De acordo com Gomes (2005), foi a primeira companhia criada na cidade do Rio de Janeiro, em 1862, com a
finalidade de implantar esgotamento sanitário na cidade.
127
dos mares e a que se prende à abóbada celeste (as águas oceânicas) – sua
separação (e limites) se daria pela linha definida pelo litoral, com a ligação entre o
mar e a terra e a linha das nuvens no horizonte, limite no qual se findava a bacia dos
mares.
Ao fim do dilúvio evidencia-se uma diferença: as águas oceânicas passaram a
ser associadas ao caos, sem as formas divinas vistas no paraíso, e onde
sucumbiram alguns dos homens punidos por Deus com o dilúvio. O barulho
produzido pelo oceano quando em fúria pareceria lembrar a agonia dos homens,
como se estivessem numa espécie de purgatório. O silêncio e o respeito que se
devia ao mar, nessas horas de agitação, deveriam ser associados ao medo de
também ser punido e à misericórdia devida àqueles que vagavam no fundo do mar.
Se os homens sobreviventes descobrem-se na terra antediluviana, fica o oceano à
espreita, a mostrar o caminho correto senão o oposto.
A análise de Corbain (1989) nos permite uma primeira associação com o mar
de Copacabana. Se em tempos presentes sua natureza remete a uma espécie de
paraíso, conquanto um atributo cultural produzido, nada disso poderia ser associado
nos séculos XVI, XVII e até mesmo XVIII. O homem sucumbe no mar profundo
quando desafia a sua imensidão. Por outro lado, não havia praia no paraíso bíblico;
portanto, qual seria a visão do homem ocidental perante um lugar ermo, arenoso,
açodado pelo mar bravio e inatingível senão sob intenso fastio como o que era
Copacabana naquele momento?
Em Cardoso et al (1986, p. 19) é visto que Sacopenapan transformou-se em
Copacabana
64
por conta de mercadores peruanos, que só alcançavam o Rio de
Janeiro senão através do mar. São esses mercadores que trazem para cá uma
64
“O mirante azul”, na língua quíchua dos altiplanos andinos.
128
imagem de Nª. Sª. da Candelária ou Nª. Sª. de Copacabana, como assim era
venerada às margens do Lago Titicaca, entre os atuais territórios da Bolívia e do
Peru. Ao censo comum consta ter sido encontrada uma imagem da santa nas areias
de Sacopenapan – essa imagem, depois de alguns anos presente na Santa Casa de
Misericórdia seria entronizada numa pequena capela construída pelos pescadores
no local onde hoje se ergue o Forte de Copacabana.
Ora, sendo então Copacabana uma pequena vila de pescadores – se assim
poder-se-ia chamar essa pequena ocupação humana até pelo menos meados do
século XIX – e estando quase na entrada da Baía da Guanabara, nada mais comum
que os viajantes associassem a sua visão ao término da viagem, mormente se tal
qual para os mercadores peruanos o acesso à baía fosse pela costa sul do país. O
referencial da praia da imagem de Nª. Sª. de Copacabana é da acolhida da chegada,
nada mais natural que a ela fossem feitas promessas e apelos pela boa viagem. Ao
mesmo tempo, em outra passagem da obra de Corbain (1989, p. 19), pode ser feita
uma interação pontual, visto que
as costas do mar e as populações que as habitam participam de todas as
imagens repulsivas anteriormente evocadas. (...) É nessa beira, mais que em
qualquer outro lugar que o cristão pode contemplar os traços do dilúvio,
meditar sobre a antiga punição, experimentar os sinais da cólera divina.
Os perigos do mar estão no dia-a-dia dos pescadores. A própria cidade se
atemoriza com o mar, pois além do que o pensamento cristão-ocidental incutiu em
termos de temores abstratos, surgem outros perigos, como os corsários que a
atacam até com uma certa freqüência. Tal idéia compactua com a de Krus (1998,
apud SILVA, 2001) ao abordar o medo do mar no imaginário português – a fobia
transcende o imaginário, pois seria reflexo da oposição entre o medo conflagrado
pelo domínio islâmico sobre o Mar Mediterrâneo à época mercantil com a segurança
da lida e da vida desfrutado na terra pelos portugueses. No mar havia mais do que o
129
mágico a aterrorizar, pois havia o domínio islâmico, mas mesmo este recebeu vestes
de um perigo imaginário.
E se o mar, por outro lado, traz o viajante desejável para a cidade, é
necessário, então, aplacá-lo de sua fúria. O mar é inatingível para o homem. Ele não
consegue domá-lo e entendê-lo, sendo a ele associadas idéias nefastas como morte
e destruição. Ninguém conhece e domina suas profundezas, por isso a imagem de
que vive apinhado de monstros atemorizantes. Pescadores erguem capelas pedindo
proteção contra esse mar tenebroso; viajantes e náufragos poupados pelo
destempero do mar também o fazem.
Ilustração 9. A foto da Igrejinha é de 1906, quando a mesma ainda guarda as características da
última reforma sofrida, em 1858. A igreja virá abaixo para que seja ali construído o forte de
Copacabana. Foto de Augusto Malta. Fonte: O Rio de Janeiro do Bota-Abaixo, 1997, p. 25.
E assim fez o bispo D. Antonio do Desterro, surpreendido por um temporal à
altura do Arpoador, e salvo por uma promessa feita a Nª. Sª. de Copacabana,
manda erguer uma capela maior (Ilustração 9) que substituísse a já quase arruinada
e que fora construída pelos pescadores (GERSON, 2000). Da capela erguida pelo
130
bispo náufrago à imagem trazida pelos peruleiros da região do Lago Titicaca
observa-se um misto de devoção e temor cristão pelo mar, sendo, portanto bravio e
inexpugnável, a não ser pela própria intervenção divina. Posteriormente, seriam
comuns as romarias feitas por pescadores e religiosos que buscavam graças junto à
capela erguida. Seria a santa capaz de intervir divinamente e proteger os
pescadores das intempéries do mar? Seria a santa protetora daqueles que se
aventurassem a atravessá-lo?
Assim, os areais de Sacopenapan, quase que interligados à lagoa de mesmo
nome, ganham uma identificação própria: Copacabana. Como a capela fora erguida
onde hoje se encontra o Forte de Copacabana e o Morro do Inhangá ainda existia,
os limites da praia iam do Inhangá até o Arpoador. Ainda era Leme a parte que se
iniciava no Inhangá e ia até a Pedra do Leme. Só bem mais tarde, com o
desmanche do Inhangá e a ocupação acentuada dessa orla é que se definem os
limites hoje conhecidos
65
(CARDOSO et al, 1986).
Posteriormente, dois elementos aparecem para pactuar com a revisão do
olhar sobre a praia e o mar: um diria respeito à questão da salubridade; o outro, não
necessariamente desconectado do primeiro, diria respeito ao apelo paisagístico que
a orla oceânica passaria a remeter aos citadinos.
Não se torna tão difícil a verificação deste questionamento sobre a
salubridade ou nocividade da água na cidade colonial – o Rio de Janeiro é uma
cidade portuária, sendo o porto sua quase única alternativa de conexão com o
mundo. A leitura de Corbain (1989) aponta claramente que o porto, contato com o
mundo, não tem o mesmo desmerecimento da praia, local reconhecido como o antro
da não-civilidade. Não teria a praia o apelo cultural que passou a desfrutar nas
65
A autora indica que o novo limite entre as duas praias será reconhecido na abertura da Avenida Princesa
Isabel, já que a antiga Pedra do Inhangá, que praticamente cortava a praia em duas metades, fora parcialmente
removida com a obra de construção do Copacabana Palace Hotel.
131
últimas décadas e tão pouco havia lá grande preocupação para com seu trato
ambiental. Os habitantes da cidade, durante séculos, tratam o mar como receptáculo
de seu próprio lixo e a ele associa, notadamente nos manguezais, um tom de
insalubridade. A esse respeito, Gomes (2005, p. 56) indica que
o crescimento populacional e a persistência de uma forma urbana exígua e
colonial agravam problemas presentes e característicos do Rio de Janeiro. As
dificuldades para obtenção de água e iluminação somam-se ao precário
estado sanitário da cidade, agravado cotidianamente pelo despejo de lixo
sólido nas valas da cidade, ou mesmo em mangues, pântanos, praias,
terrenos ermos e ruas.
Afora isso, freqüentar as praias enquanto lazer destoa das regras sociais de
conduta presentes até meados do século XIX. Em verdade, a difusão do uso das
praias reproduz o vínculo colonialista: somente serão vistas com respeito à
balneabilidade como eco do que é feito na Europa. Nesse sentido, convém salientar
o duelo entre detratores e defensores do uso terapêutico das águas marinhas que se
estabelece na Europa a partir do final do século XVIII, resultando, no século
seguinte, de uma concepção onde passa a prevalecer o apelo de sua salubridade
(CORBAIN, 1989). Mesmo assim, “a prescrição médica encontrava alguma
resistência, por ser o mar um domínio particularmente denso de crenças mágicas”
(JESUS, 1999, p. 27). O mesmo autor ressalta, porém, que em razão da difusão do
uso terapêutico dos banhos de mar, “iniciou-se um processo de apropriação da praia
como local de lazer” (Ibidem, p. 27) – a correlação entre a salubridade do mar e o
lazer da praia acarretam em uma verdadeira revolução no sentido da paisagem
praiana.
As classes sociais dominantes na Cidade do Rio de Janeiro nada mais faziam
do que reproduzir aquilo que se lançava como que moda na Europa, entendendo
que até mesmo os avanços da medicina, como no caso do uso terapêutico do mar,
advinham usualmente de sua matriz cultural, o Velho Mundo. Se não houve
132
nenhuma concomitância plena de eventos, é certo que os novos hábitos europeus
quanto ao uso terapêutico ou de lazer das praias acabou também por se difundir no
Rio de Janeiro. Corroborando com a idéia última de uso médico das águas e ainda,
com a anterior, sob a fobia do mar, Gomes (2005, p. 65) indica ser importante
ressaltar que o debate sobre os despejos no mar, e não mais na baía, girava
em torno da influência que teriam no estado sanitário da cidade. Não se
considerava a poluição das águas causada pelo esgoto, despreocupação que
está relacionada com o imaginário a respeito do mar nessa época. Até então
lugar temido pelos homens, em fins do século XVIII e principalmente durante
o século XIX, o mar começou a ter uma conotação terapêutica e medicinal. É
a partir daí que as praias passaram a ser sinônimo de entretenimento e
diversão.
As palavras da geógrafa Isabelle Gomes (2005) são também embasadas por
Corbain (1989), mas principalmente refletem sua preocupação em demonstrar como
o tratamento de esgotos na cidade do Rio de Janeiro gerou polêmica suficiente ao
mesmo passo em que as preocupações acerca do destino desse esgoto,
normalmente não tratado, correspondia a uma nova perspectiva de uso da praia e
do mar. Mesmo assim, prevalecia a concepção, contraditória, de que o mar, fosse o
da Baía de Guanabara ou fosse o da orla oceânica, possuía capacidade auto-
depuradora suficiente para se fazer receber matérias fecais (GOMES, 2005).
As preocupações e contradições apontadas fazem ver que um novo viés de
percepção da praia e do mar começa a ser instituído, mais pela força da expressão
sócio-cultural advinda da “matriz civilizatória européia” e menos, todavia muito
importante também, pelas vicissitudes de adequação às necessidades locais da urbe
carioca.
Mas, também é certo que esta nova forma de perceber o mar e a praia não
ocorrerá de uma hora para outra. Cardoso et al (1986) aponta que as primeiras
construções da praia do Leme, na Rua Gustavo Sampaio, tinham a frente voltada
para a rua e os fundos para a praia. Não necessariamente morar na orla significava
ter a paisagem marinha como um fator de prestígio e valorização do imóvel. E se é
133
fato concreto que a freqüência às praias levava o apelo da salubridade, ganhava
terreno também, em idos do século XIX, a incipiente, mas já demarcada atividade
turística. Nesse sentido, Silva (2001, p. 205) aponta que
ao final do século XIX as áreas litorâneas vão ser incorporadas de maneira
definitiva ao espaço urbano carioca. Sua valorização passa do simbólico ao
concreto, já que uma série de iniciativas de incorporação e valorização
começa a ser levada a cabo pelos agentes responsáveis pela produção
efetiva do espaço, ao mesmo tempo que estas reforçam, em suas estratégias
de promoção imobiliária, os novos conteúdos simbólicos atribuídos às áreas
litorâneas.
A valorização simbólica da praia e do mar estarão atreladas também à difusão
do lazer e do turismo. Se, com os séculos XVIII e XIX, o avanço capitalista
exponencia uma classe abastada ainda que muito inferior, em valores quantitativos,
à popular, é essa classe que será responsável pelo que Boyer (2003) chama de
invenção do inútil. Para ele, não é o turismo uma atividade fruto de capitalistas
conquistadores, pois
na origem de tudo está a invenção do inútil: uma nova prática, um lugar
desconhecido são identificados por alguém original, marginal, na alta
sociedade, um marginal secante, como dizem certos sociólogos; ele não está
no centro das atenções, mas suas inovações são imediatamente conhecidas
pois ele é um gate-keeper; ele tem as chaves da cultura (Ibidem, p. 31-32).
A raiz cultural da dita sociedade (elitizada) carioca encontra-se na mesma
Europa que produz essa nova forma de uso da paisagem litorânea. Em parte pela
salubridade – O que nos trópicos garantiria um forte apelo face à disseminação de
doenças infecto-contagiosas – e em parte pelo surgimento do uso turístico, um
deslugar como Copacabana ganhará uma visibilidade até então ignorada ou
desconhecida.
Por fim, juntam-se os agentes concretos de mobilização da configuração da
nova paisagem de Copacabana, como os agentes imobiliários, construtores e o
próprio poder público, a seu tempo. Os areais de Sacopenapan irão experimentar
uma violenta transformação, sendo compreendidos pelo tecido urbano da urbe
carioca, mas guardarão diferença significativa em relação aos antigos parcéis da
134
cidade já ocupados. A mudança na concepção da paisagem praiana e o avanço da
malha urbana transformarão Copacabana em um símbolo “do moderno” apregoado
pelas elites locais. Nesse cenário será erguido o Copacabana Palace e, com ele, as
memórias dessa nova forma de ocupação irão lentamente desaparecer, como que a
consagrar um modelo de renovação – o mito Copacabana começa a ser esboçado.
135
5. COPACABANA: ANTEVISÃO DO ESPETÁCULO
Se Copacabana não é o coração, é, de certo
modo, o pulmão do Rio. Mas em toda a sua
beleza uma coisa é simbólica: é que,
sentados ou em pé nessa praia e voltados
para o mar, verdadeiramente temos o Rio
pelas costas, pois essa avenida olha para a
Europa. Ela é tão novieuropéia quanto a
Avenida Rio Branco há trinta anos o era, e é
característico o fato de que os estrangeiros e
viajantes gostem mais de viver na Avenida
Atlântica do que os próprios cariocas, que
nela se sentem mais em casa alheia do que
na própria casa.
Brasil, País do Futuro. Stefan Zweig, 1941
(apud Boechat, 2002, p. 104).
136
Este último capítulo trata da reconfiguração da paisagem de Copacabana a
partir dos novos valores de uso da praia em associação com os interesses dos
empreendedores urbanos, principalmente as empresas de transporte público, os
agentes imobiliários e o próprio poder público.
Deste modo, é observado como os significados em respeito à natureza
imbricam posicionamentos de louvor à sua existência com a capacidade técnica de
domínio humano sobre a mesma. Especificamente em relação à expressão de uma
identidade nacional, elementos da natureza, tida como pródiga, são exaltados ao
mesmo tempo em que as expressões de progresso e civilização implicam numa
cada vez maior capacidade de sua transformação.
A edificação do hotel, com uso de técnicas pioneiras para a época, bem como
a própria incorporação de Copacabana como um todo à malha urbana carioca
resultam na explicitação dessa correlação do simbolismo da paisagem com a sua
própria transformação. Na verdade, a paisagem agrega novos elementos ou
conotações simbólicas capazes de anteverem a sua própria transformação.
137
5.1 Trilhos Para a Praia: Um Bairro em Construção
Fossem identificados os muitos ambientes que compõem a metrópole carioca,
hoje, e neles se observaria uma complexidade própria, de cada um, se entrelaçando
com os demais e, desse modo, expressando a ambiência como um todo da
metrópole. Corrêa (1992, p. 35) expressa a idéia de que esses múltiplos ambientes
não se constituem células isoladas, independentes, mas articuladas entre si pelo
que ele nomeia de “diversos laços visíveis”, como circulação de bens e pessoas, por
exemplo, bem como os que ele denomina de “invisíveis”, como “decisões ordens,
circulação de mais-valia, valores, mitos, utopias etc”.
Também é certo que a identificação de múltiplos ambientes em uma área
urbana como a do Rio de Janeiro é devida, em grande parte, à própria configuração
geográfica da cidade. Sobre este aspecto, considerava Soares (1965, p. 07) que
o relevo é ainda o responsável, através, principalmente dos prolongamentos
dos maciços, pela fragmentação da cidade em elementos que adquirem, por
isso, a individualidade de bairros. O Rio de Janeiro é uma cidade em que o
grande número de bairros têm no fator sítio uma das razões principais de sua
unidade e de sua individualidade.
As idéias de ambos os autores se complementam. A singularidade da cidade
está na singularidade das muitas de suas próprias partes. Daí resulta a idéia de
buscar as motivações que acabaram por gerar o que se pode chamar de bairro
66
de
Copacabana, visto ser imprescindível esta leitura preliminar à própria leitura da
incorporação de um fixo a sua paisagem, o Copacabana Palace Hotel – esta
incorporação é posterior à criação do referido bairro, mas é crível que ela tenha sido
fundamental na gênese da singularidade do mesmo.
66
No próprio texto de Soares (1965, p. 36) é postulada uma identidade para os bairros: citando Pierre Mombeig
(1957, p. 50), “um bairro tem uma feição que só a ele pertence, uma vida particular, uma alma”, a autora admite
ser o bairro “um conjunto dotado de individualidade”, não havendo, na maioria das vezes, “coincidência entre a
área dos bairros e das unidades fiscais, administrativas ou censitárias rotuladas com o nome de certos bairros”.
Após quarenta anos, o texto ainda bem se aproxima do caráter identitário que se faz prevalecer entre seus
habitantes, independente de qualquer outro.
138
Ainda de acordo com Soares (1965), as interseções produzidas pelo sítio –
denominado urbano, com a própria estruturação da cidade – onde veio a se edificar
a cidade, além de sua própria natureza, criaram condições ímpares, para, no todo,
garantir uma expressão sem igual à metrópole carioca. Nesse sentido, Soares
(1965, p. 07) indica que
os espaços vazios de construções são cheios de encanto, o súbito contraste
entre a área edificada e os paredões lisos de gnaisses ou a floresta verde e
densa, a que se soma a presença sincopada do mar, são aspectos de mais
pura beleza da fisionomia urbana carioca.
Advoga-se pelo texto, produzido em um momento onde ainda fica marcante a
expressão da paisagem na concepção geográfica. Ao certo também, que quarenta
anos o separam, para menos, da estruturação urbana atual da cidade, mas, por
outro lado, dele também se separam quarenta anos, para mais, do recorte temporal
sob o qual se baliza o objeto de estudo. Desta forma, a leitura é quase lírica,
impostando à cidade muito do que nela se instituiu como mito, pois se este último
também configura diferenças entre as partes, possibilita também a identidade no
todo. A paisagem da qual fala Soares (1965) não é a paisagem de todos os parcéis
da cidade, mas é uma paisagem identitária da cidade, constituída, entre tantas
razões, pela possibilidade da elevar distinção para aqueles com a qual se
relacionam.
Nesse sentido, as colocações de Yázigi (2001) acerca da valorização da praia
bem sintetizam a conotação simbólica de um todo a partir de uma parte (no caso do
Rio de Janeiro, a orla sul, oceânica). Para o autor, “quando se fala do Rio de Janeiro
como cidade maravilhosa, as imagens evocadas pelas lembranças recaem
preponderantemente na linha divisória com o mar e seus panoramas” (Ibidem, p.
159), mas seria “anacrônico e falso estender essa adjetivação de ‘maravilhoso’ para
todo o sítio urbano” (ibidem, p. 159). Na verdade, Eduardo Yázigi (2001) expõe o
139
contraponto entre a expressão paisagística e simbólica da praia e do mar com outras
porções nas quais atesta um “valor paisagístico menor” (Ibidem, p. 159), não como
visão preconceituosa, mas por não conterem o apelo que a paisagem da zona sul
oceânica remete.
Esta paisagem é associada às classes sociais que denotam prestígio, pois
dela se apropriaram, física e abstratamente, aqueles que passaram a ocupar, já no
início do século XIX, sendo atestado por Bernardes (1992, p. 49), apontando que
no primeiro Império, portanto, ao lado das ruas da Ajuda, dos Barbonos, da
Lapa, dos Inválidos, do Lavradio, do Resende, e mesmo dos Andradas, ou do
Hospício, também a Glória se torna residência de famílias mais abastadas. E
essa função iria ser daí por diante, na Zona Sul, uma das características da
área pioneira da cidade.
A referida autora aponta para as dificuldades encontradas na expansão da
malha urbana em direção à orla oceânica desde a época da chegada da Família
Real Portuguesa ao Brasil, indicando ser a ocupação “de certo modo linear, ao longo
de suas pontas de lança nas praias, nos vales, nos sopés de encostas da zona sul”
(Ibidem, p. 47). Como observa, tal expansão ficaria limitada ao prolongamento
costeiro que envolvia locais como Flamengo e Botafogo, bem como áreas interiores
adjacentes, como as Laranjeiras e o Cosme Velho. As dificuldades de locomoção
ditadas pela natureza do sítio e pelas longas distâncias a serem percorridas só serão
vencidas na segunda metade do século XIX, razão maior para incrementar uma
ocupação mais expressiva da zona sul da cidade.
Paralelo a esse fato, e corroborando com a idéia de distinção já apontada por
Bernardes (1992), Abreu (1997, p. 47) indica que uma das razões para o incremento
urbano da zona sul carioca estava ligado “à difusão da ideologia que associava o
estilo de vida ‘moderno’
67
à localização residencial à beira-mar”. É fato que os
empreendedores urbanos, mormente os ligados à difusão das redes e meios de
67
Grifo do próprio autor.
140
transportes, bem como os agentes imobiliários se articularão com o poder público,
como indica Abreu (1997), na dotação de condições para o avanço dos interesses
ligados à incorporação de novos espaços urbanos na porção sul da cidade.
Mas também é plausível admitir que o caráter simbólico estava mais do que
implícito na distinção da orla sul como área preferencial de moradia das classes
mais abastadas que viviam na cidade. Importante que se frise também a questão da
saúde pública, pois era associado à velha porção colonial central da cidade um
aspecto malsão que fazia as elites dela se isolarem. Se as elites não aprofundaram
a ocupação privilegiada de áreas para além de São Cristóvão, onde outrora se
instalou a realeza por querer fugir deste mesmo centro insalubre, é porque a
distinção do viver junto ao mar também passou a prevalecer (ABREU, 1997). E,
como já visto, a nova concepção acerca do morar junto à praia advém de duas
novas considerações geradas no berço cultural das elites cariocas: a Europa – a
terapêutica associada às “emanações” do mar, outrora nocivas, como forma de
tratamento de doentes e a incorporação de uma paisagem tomada como nobre, a
praia, tornarão decisiva esta nova forma de ver o litoral oceânico.
Por seu turno, os empreendedores urbanos faziam valer a difusão desses
novos atributos como forma de incorporar novos negócios. Em Abreu (1997, p. 48)
há citação sobre um relatório da empresa constituída para lotear a maior parte de
Copacabana, no qual afirma ser
incontestável que as duas praias de Copacabana e Arpoador são dotadas de
um clima esplêndido e salubre, beijadas constantemente pelas brisas frescas
do oceano... A exceção de um ou outro prédio bom, os demais são, na
verdade, pequenas e pobres choupanas... É (pois) um bairro a crear-se.
68
68
Cf. Noronha Santos, F. A. Meios de Transporte no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Typografia do Jornal do
Commercio, 1934, vol. 1, p. 24l.
141
As condições aprazíveis indicadas servem de fundo para interesses
capitaneados pelos detentores da permissão dos serviços de transporte,
notadamente as linhas de bonde, e dos grandes investidores imobiliários. Os
interesses, não são divergentes, pelo contrário, pois a lucratividade das linhas
depende do maior povoamento do local e, para tanto, é necessário que se lhe facilite
o acesso. Tal condição é apontada por Cardoso et al (1986, p.38) visto ser
inegável, portanto, que a chegada do bonde interessava diretamente aos
proprietários locais; por outro lado, a urbanização da área era de grande
importância para a Companhia Jardim Botânico
69
. Nada mais natural, pois,
que as duas partes se aliassem em diversos momentos.
Desde a segunda metade do Século XIX havia interesse por parte dos
empreendedores na ocupação de Copacabana. Até meados do século, pouco havia
de ocupação nos areais e os acessos, muito dificultosos, inibiam, em conjunto com
as distâncias a serem percorridas, quaisquer tentativas de plena ocupação. O
desenvolvimento dos meios de transportes possibilitou crer neste intento, sendo a
partir daí objeto de cobiça de diferentes empresários ou grupos empresariais.
A bem da verdade, como bem destacam Cardoso et al (1986) e Abreu (1997),
não cabia ao poder público outro papel senão o de proceder à concessão para os
loteamentos urbanos ou das linhas dos bondes, pois cabia aos investidores privados
a responsabilidade maior de dotar o local de infra-estrutura capaz de suportar sua
incorporação como novo tecido urbano da cidade. As disputas maiores envolviam a
Companhia Jardim Botânico, que já estendia trilhos até o bairro de mesmo nome a
partir do centro da cidade, e via na concessão de direitos a outra empresa – para se
estender até Copacabana – uma ameaça a seus negócios.
Esta outra empresa, conforme relatam Cardoso et al (1986) fora fruto do
Decreto nº 5.785, de 04 de novembro de 1874, que garantia ao Conde de Lages e
69
Como mesmo apontam Cardoso et al (1986), a Companhia Jardim Botânico tinha como denominação inicial
“Botanical Garden Rail Road”, para mais tarde ser denominada “Light” – esta empresa terá domínio sobre a
concessão de transporte por bonde nos areais de Copacabana.
142
seu sócio, Francisco Teixeira de Magalhães, estabelecer uma linha de carris bem
como uma série de melhorias que possibilitassem o povoamento do local. Por não
disporem de terras e capitais, mas apenas de influência junto à nobreza para
conquistar tal concessão, acabaram por se associar com o rico negociante
Alexandre Wagner, dono de vastas áreas em Copacabana e detentor dos capitais
necessários à realização das obras.
Uma linha, cujo traçado não podia coincidir com a da Companhia Jardim
Botânico – que seguia para a zona sul da cidade via Botafogo até o Jardim Botânico
– chegou a ser iniciada, mas não ultrapassou a altura do Largo do Machado, nunca
tendo obtido autorização para funcionar nem nesse trecho concluído. Conforme
Cardoso et al (1986), as disputas entre as duas empresas eram motivo de grande
murmúrio junto à imprensa e opinião pública. Os autores destacam que
a polêmica “questão dos bondes de Copacabana” já ocupava as páginas de
diversos jornais, que, tomando partido deste ou daquele lado, trocavam
acusações e revelavam detalhes de conchavos, negociatas e propinas que
envolviam agentes das duas empresas, do governo e da imprensa. A
divulgação de tal “cambalacho” conferiu notoriedade a Copacabana, mas, ao
mesmo tempo, suas brancas areais continuavam distantes e inacessíveis
(Ibidem, p. 30).
Apenas em 1890 é que a Municipalidade do Rio de Janeiro concedeu à
Companhia Jardim Botânico o direito de estender seus trilhos a partir de Botafogo
através de um túnel a ser construído – o Túnel Velho – que ligasse a Rua Real
Grandeza à Rua do Barrozo e alcançasse a hoje denominada Rua Siqueira Campos,
já em Copacabana, obra concluída em 1892, momento a partir do qual será
consignada a formação do bairro. Porém, a estruturação urbana de Copacabana
fugiu aos moldes do que era empreendido, ao longo dos tempos, no restante da
cidade. Sobre esta temática Cardoso et al (1986, p. 32) se posicionam observando
que
143
a partir de meados do século XIX, formaram-se vários dos atuais bairros nos
então arrabaldes do Rio de Janeiro. Estes arrabaldes haviam passado de
distantes áreas rurais para zonas de chácaras e de residências nobres, onde
aos poucos, aqui e ali, ruas iam sendo abertas, por iniciativa dos
proprietários, para facilitar o acesso a suas terras. Surgiram numerosos
arruamentos e grandes chácaras foram sendo loteadas, definindo a formação
de novos bairros. Foi o caso de Botafogo, Tijuca e Rio Comprido e
Laranjeiras, entre outros. Copacabana, ao contrário, não atravessou aquelas
etapas: deixou rapidamente de ser um deserto e despontou como um bairro.
Sobre esta mesma temática, o pensamento de Bernardes (1992, p. 51) se
justapõe perfeitamente ao demonstrar que
não se pode esquecer que este crescimento da cidade se fez graças à
subdivisão das antigas chácaras. E por esta subdivisão, tendo-se processado
diferentemente e nem sempre na mesma ocasião, é claro, pois era fruto de
iniciativas isoladas, quase sempre de particulares, adquiriu a paisagem
urbana um caráter heterogêneo. São enormes quarteirões onde verdadeiros
palacetes, protegidos por suas grades altas, se intercalam com vilas de casas
pequenas e modestas; são as ruas de aspecto nitidamente operário com
casas térreas coladas umas às outras, que, ao mesmo tempo, abrigam
luxuosas mansões.
O fragmento do texto de Bernardes (1992) vem no bojo de uma leitura sobre o
incremento urbano da cidade a partir do século XIX, não havendo nele comentário
direto sobre Copacabana. Mas ressalta-se a coerência entre os dois textos ao
apresentarem uma única leitura do tecido urbano produzido na cidade, a exceção de
Copacabana. Para além desta leitura, deve-se observar que a incorporação de
Copacabana coincidirá com o advento de uma nova perspectiva para com o trato
urbano da cidade como um todo: logo no início do século XX, fundamentalmente sob
os auspícios da administração municipal do Prefeito Francisco Pereira Passos, o
poder público terá uma participação direta na transformação da paisagem urbana.
O prefeito fora nomeado pelo então Presidente da República, Rodrigues
Alves, que sucedera Campos Sales, que se ganhou fama por ter saneado as contas
públicas do país, o mesmo não se podia dizer sobre a questão da saúde pública,
que maltratava a capital federal. Pereira Passos, assim como o médico sanitarista
Oswaldo Cruz, passam a colocar em prática as promessas do presidente recém
empossado em relação ao saneamento da cidade. Ao mesmo tempo, as obras
144
executadas entronizavam a cidade, de fato, na “belle époque tropical” cujo início fora
definido por Needell (1993) como a partir do governo Campos Sales.
Pereira Passos, engenheiro por formação, havia participado da “Comissão de
Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro”, instituída pelo Império, e que nos
anos de 1875 e 1876 produziu dois relatórios para apontar propostas de melhoria da
salubridade e da circulação na cidade. O relatório de 1876, específico sobre o centro
da cidade, chega a apontar para um radical arrasamento da área sobre o qual seria
erguida uma nova cidade (RODRIGUES, 2005). Também esteve a serviço da
embaixada brasileira em Paris, onde pode acompanhar de perto as reformas
realizadas pelo urbanista Haussmann à época do Imperador Luís Napoleão
(MORAES, 1994). Essas referências de certo pesaram na visão de transformação
radical empreendida, então pelo prefeito “bota abaixo”
70
.
Viver, pois, a belle époque tropical propiciaria (re)criar a “Paris dos Trópicos”,
na medida em que “a abertura de grandes avenidas, a criação de boulevards e o
embelezamento da região central revelaram de maneira clara as influências das
reformas parisienses” (MORAES, 1994, p. 58). As novas edificações advindas da
criação da Avenida Central (Ilustração 10) – Palácio Monroe
71
(1906 – Ilustração 11),
Escola Nacional de Belas Artes (1908), Teatro Municipal (1909) e a Biblioteca
Nacional (1910) – constituíam um conjunto urbanístico que “simbolizava e sintetizava
todas aquelas referências de ‘progresso, civilização e bom-gosto’ criadas pela elite
brasileira, sempre baseadas, é claro, na Europa” (Ibidem, p. 58).
70
Referência direta ao grande número de edificações demolidas no centro da cidade para viabilizar as reformas
empreendidas pelo Prefeito Pereira Passos – só na abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco,
foram demolidas cerca de seiscentas casas (MORAES, 1994).
71
Dos edifícios destacados, apenas o Palácio Monroe não existe mais, tendo sido derrubado, nos anos setenta do
século passado, em razão de um nebuloso traçado das linhas do metropolitano que estavam sendo implantadas à
época, na cidade. O Palácio Monroe, todo em estrutura metálica, foi erguido originalmente em Saint Louis,
Estados Unidos da América, no ano de 1903, para abrigar o pavilhão brasileiro na exposição internacional
comemorativa dos cem anos da aquisição da Lousiana à França pelo governo norte-americano. Por determinação
do Presidente Rodrigues Alves, sua edificação ficou condicionada à sua reconstrução, no Rio de Janeiro, logo
após o término da exposição da qual participara (REBELO e CARVALHO, 1997).
145
Ilustração 10. A Avenida Central, obra do Prefeito Pereira Passos. Foto de Augusto Malta,
datada de 1º de dezembro de 1905. In: O Rio de Janeiro do Bota-Abaixo, 1997, p. 92.
146
Ilustração 11. O Palácio Monroe em construção. Foto de Augusto Malta, do ano de 1904.
Fonte: O Rio de Janeiro do Bota-Abaixo, 1997, p. 118.
147
Como já observado antes, é neste momento que se coloca em ação toda uma
estratégia de reconfiguração da imagem da capital nacional frente ao mundo – nas
palavras de Abreu (1997, p. 60)
era preciso, também criar uma nova capital, um espaço que simbolizasse
concretamente a importância do país como principal produtor de café do
mundo, que expressasse os valores e os modi vivendi cosmopolitanos e
modernos das elites econômica e política nacionais.
O Estado passa a agir no sentido de promover as reformas urbanas e a
administração Pereira Passos, ao longo de seu mandato, realizará transformações
profundas na urbe carioca. Abreu (1997, p. 60) ressalta que “o Prefeito Passos
comandou, então, no curto período de quatro anos, a maior transformação já
verificada no espaço carioca até então, um verdadeiro programa de reforma urbana”.
Se as maiores transformações produzidas por Pereira Passos remetem ao centro da
cidade, outras áreas, incluindo Copacabana, acabarão por sofrer influência dessa
avalanche de ações da Prefeitura do Distrito Federal.
Sendo assim, nota-se que não mais apenas nas mãos do capital privado
ficarão centradas as ações de incorporação de novas áreas à malha urbana da
cidade. Nesse sentido, se pode observar em Abreu (1997, p. 63) que:
a integração de Copacabana ao espaço urbano foi, por sua vez, promovida
pelo poder público, seja através da intimação dada à Companhia Jardim
Botânico para acelerar a obra de perfuração do Túnel do Leme (inaugurado
em 4/3/1906), seja pela construção da Avenida Atlântica, de início modesta,
com apenas 6 m de largura, embora pavimentada.
O autor também destaca uma melhoria indireta, a construção da
Avenida Beira-Mar (Ilustração 12), a partir do centro da cidade em direção à zona
sul, que viria a facilitar em muito o acesso à Copacabana. Essas melhorias também
são destacadas por Cardoso et al (1986), considerando Pereira Passos como “o
primeiro prefeito a dedicar atenção ao bairro” (Ibidem, p. 45) e os mesmos também
148
destacam participação decisiva do prefeito em sua ordenação urbana. Segundo os
autores
uma medida importante tomada na administração de Pereira Passos, que
definiria a ocupação do bairro por uma população de poder aquisitivo mais
elevado, foi a revogação do decreto que permitia “liberdade de construção”
em Copacabana. Este decreto, que teve como objetivo estimular a ocupação
do bairro, foi revogado no intuito de evitar a construção de moradias precárias
e cortiços, moradias das classes pobres (Ibidem, p. 46).
Ilustração 12: A inauguração da Avenida Beira-Mar. Foto de Augusto Malta, data de 12 de
novembro de 1906. Fonte: Fotografias do Rio de Ontem, [s. d., s. p.].
Se a onda modernizadora varre o centro da velha capital colonial, nada mais
coerente que novas áreas de ocupação venham a ser dotadas de legislação capaz
de inibir qualquer tentativa de manutenção (ou retomada) das antigas formas de
ocupação então vistas como decadentes por aqueles que comandavam a cidade. Ao
abrir a Avenida Atlântica, por exemplo, Pereira Passos não apenas promoveu o
“embelezamento” da orla como também retirou dos proprietários a extensão dos
149
fundos de seus terrenos até o mar. Era uma forma de coibir formas não ordenadas
de ocupação (VAZ E CARDOSO, 2002).
Ao mesmo tempo, a Companhia Jardim Botânico incrementava a dimensão e
a eletrificação da rede de carris que davam acesso e cortavam o novo bairro, bem
como os principais proprietários de terra providenciavam a legalização e efetivação
dos loteamentos – nesse sentido destaca-se a Empresa de Construções Civis, entre
cujos sócios principais figurava Alexandre Wagner, um dos maiores proprietários de
terras locais (vide Ilustrações 13 e 14), sendo de propriedade da empresa os
terrenos do areal existentes entre a Ponta do Leme e à altura da hoje Rua Siqueira
Campos, bem como, no outro extremo da praia, o trecho compreendido entre o que
seria hoje as imediações da Rua Sá Ferreira e o atual Forte de Copacabana.
Ilustração 13 Planta de Copacabana em 1980. Fonte: História dos Bairros – Copacabana, 1986,
[sobreposição] p. 39. A partir dela e em conjunto com a planta de 1894 (Ilustração 14), pode-se
observar a dimensão das terras pertencentes à Empresa de Construções Civis.
150
Ilustração 14. Planta de Copacabana em 1894. Não há quase nada construído, mas a planta do
bairro já está praticamente definida, quando comparada a de 1980. Na planta estão indicadas
as áreas pertencentes à Empresa de Construções Civis. Fonte: História dos Bairros –
Copacabana, 1986, p. 39.
Vaz e Cardoso (2002) destacam a divulgação empreendida pela Empresa de
Construções Civis com o intuito de viabilizar o negócio. Havia um apelo relacionado
à salubridade do lugar em contraponto com a insalubridade presente nas áreas de
ocupação tradicional da cidade. As autoras destacam um texto de divulgação da
empresa no qual alardeiam que
dentro de um lustro, aqueles desertos do Saara, como os qualificam, se
converterão em grandes povoações, para aonde afluirá, de preferência, a
população desta cidade na estação calmosa, devido à salubridade e à
excelência dos banhos de mar, como se pratica nas cidades balneárias da
Europa (Ibidem, s. p.).
Se não de fato exatamente um lustro, é certo, mas somente um pouco mais
de tempo, como se referia Ferreira da Rosa (apud CARDOSO et al, 1986, p. 43) a
Copacabana no ano de 1905: “em 1889 havia lá três casas. Hoje tem seiscentas”
(vide Ilustração 15).
151
Ilustração 15. Vista geral de Copacabana em 1905, com o Morro do Inhangá ao centro. A área
ainda está pouco ocupada, mas os que seriam depois alguns dos eixos fundamentais de
circulação já estão definidos. Foto do ACRJ. Fonte: História dos Bairros – Copacabana, 1986,
p. 140.
Copacabana crescia embalada pela ação dos agentes empreendedores, como visto,
e da ação mais direta do poder público. Cardoso et alii (op. cit., pp. 49 e 50)
destacam que “a implantação das redes de serviços básicos como água, esgoto e
iluminação a gás foi rápida”, até por “ser um local pouco ocupado, cujas ruas em sua
maior parte não estavam calçadas”, o que “facilitou a execução das obras”.
Até a inauguração do Copacabana Palace Hotel, muitas serão as administrações
municipais a intervir diretamente em Copacabana: Serzedelo Correa, por exemplo,
ajardinou a praça que depois receberia seu nome; Paulo de Frontin, após resseca
destruidora, reconstruiu e duplicou a Avenida Atlântica (Ilustração 16), dotando-a,
inclusive, de um novo sistema de iluminação que embelezava a praia. Até 1920, a
prefeitura abre diversas novas vias ou aprimora o traçado de outras, com destaque
152
Ilustração 16. A intervenção do Poder Público em Copacabana podia ser observada tanto na
presença do calçadão já característico da Avenida Atlântica, como nas obras de recuperação
ou remodelação feitas em função das fortes ressacas que incidiam na mesma – Administração
do Prefeito Carlos Sampaio. Foto de Augusto Malta, datada de 18 de julho de 1921. Fonte:
Fotografias do Rio de Ontem, [s. d., s. p.].
para o desmonte de parte do Morro do Inhangá, que permitiu dar seqüência única à
Avenida Nª. Sª. de Copacabana e ao prolongamento da Rua Barata Ribeiro,
incorporando em seu traçado a antiga Rua Pereira Passos (CARDOSO et al, 1986).
Assim como o jornal “O Copacabana – o Novo Rio” se auto-intitulava,
também preconizava uma idéia clara à época frente à sociedade carioca:
“Copacabana era um novo bairro a ser criado para uma nova cidade” (CARDOSO et
al, 1986, p. 49). Mas é certo que a primazia dada a bairros como Copacabana pelas
prefeituras das primeiras décadas do Século XX fez com que se configurasse uma
verdadeira segregação sócio-espacial por parte da prefeitura. Nesse sentido,
incidem palavras de Abreu (1997, p. 73) argumentando que
153
com efeito, atuando agora diretamente sobre um espaço cada vez mais
dividido entre bairros burgueses e bairros proletários, e privilegiando apenas
os primeiros na dotação de seus recursos, O Estado veio acelerar o processo
de estratificação espacial que já era característico da cidade desde o Século
XIX.
Se privilegiava recursos em locais como Copacabana, onde prevaleciam
classes mais abastadas, o Estado também pouco se importava com o destino da
população menos favorecida que era expulsa das antigas áreas de ocupação
remodeladas no centro, como por exemplo, no desmonte do Morro do Castelo
(BARROS, 2005.). De concreto, a retomada da idéia de um misto de (re)estruturação
urbana e simbolismo que em marcos, como obras urbanísticas monumentais,
expressavam o desejo de elites políticas e econômicas em demonstrar a
modernização do país, mesmo que ao custo do pouco censo para com as porções
populacionais menos favorecidas.
E assim, desta forma, é criada uma imagem de expressão de um parcel da
cidade, sua orla meridional, notadamente Copacabana, donde principia uma
transformação que não quer guardar em memória aquilo que não lhe concede a
distinção pretendida. Copacabana será, inclusive, modelo da não memória que faz a
porção antiga da cidade colocar abaixo marcos do seu passado colonial. É esta
Copacabana que ao longo de algumas décadas será construída e reconstruída,
apagando da memória, conforme destacam Cardoso et al (1986), vestígios do que
foi outrora.
Porém, talvez uma das raras rugosidades hoje presente em Copacabana
ainda lá se encontra para impor-se como o marco desta transformação: o
Copacabana Palace emerge na teia urbana do bairro como um ícone das
transformações que a ele se sucederiam – e, mesmo que não intencionalmente, lá
está até hoje como a marcar tamanha monta de transformação. A partir do seu
empreendimento, Copacabana acabaria por encetar a visão monumental que fez
154
antever um novo estilo de vida, uma nova forma de gestão do urbano e eclodir o
mito que a fez ser representativa do moderno. Procede-se, pois, a uma abordagem
condizente com o que se defende, razão do segmento de capítulo que se sucede.
5.2 Copacabana: Entre a Natureza e o Progresso
Em 19 de agosto de 1923, o jornal “O Beira-Mar” publicou suas impressões
sobre a inauguração do Copacabana Palace Hotel. O texto, presente em Costa
(2002), bem claramente demonstra o que ecoaria por entre imprensa e opinião
pública ao longo do período de sua edificação e inauguração. Mantendo a grafia
original, reproduz-se o texto:
A Próxima Inauguração dessa Maravilha da Arte – Impressões da Visita do
‘Beira-Mar’ ao Magestoso Palácio Copacabana, este lindo recanto do Rio de
Janeiro, emmoldurado por maravilhosas praias e montanhas cobertas da
mais luxuriante vegetação, dia a dia transforma-se. As suas incomparáveis
belezas naturais, casando-se com as fantásticas obras do homem, tornaram-
na o mais encantador lugar do mundo. Agora mesmo, graças a um punhado
de brasileiros, que preferem ligar patrioticamente seus nomes á grandeza, ao
progresso de sua terra, a fazer, como tantos outros, viver desfrutando os juros
das suas fortunas, deve Copacabana hoje o poder ostentar aos olhos
maravilhados dos estrangeiros, que nos visitam, e aos dos próprios
brasileiros, o magestoso monumento de arte que é o Copacabana Palace
Hotel (Ibidem, s. p.).
Havia por entre as elites do país um discurso bem a par do que ilustra o
fragmento do jornal reproduzido, o que aponta um dever cívico para com a pátria ao
participar da construção de uma nação que se pretendia moderna. O discurso
nacionalista que inflama a Europa por entre o século XIX e o Século XX (Hobsbawm,
1989) também teve eco por sobre o país, como também não esteve à margem de
tantas outras transformações de caráter social, cultural ou econômico – mesmo não
se reproduzindo fielmente como na Europa, o discurso da matriz colonial adequou-
se a uma necessidade das elites nacionais (detentoras do capital ou do poder
intelectual): era necessário uma identidade para a nação, mas sem valer o
155
pressuposto de uma luta popular, como o nacionalismo europeu fazia crer desde a
Revolução Francesa. E se as elites colaboravam em seu dever cívico ao “construir”
um novo país, ainda não estava claro sob qual simbologia deveria ser identificada a
nação.
Desta forma, dois discursos passam a ser elaborados no sentido de se fazer
buscar essa identidade: há um discurso mais conservador, produzido entre o final do
Século XIX e o início do Século XX, carregado no determinismo ambiental, como o
de Afonso Celso em “Por que me Ufano de Meu País”
72
, que de certo trazia uma das
marcas dessa adequação da identidade da nação: denotar a riqueza natural que o
vasto território oferecia como contraponto à riqueza das transformações de cunho
econômico e social advindas, fundamentalmente, da Europa. Impor aos dotes
naturais um caráter de sagração divina, comparados aos existentes no paraíso
bíblico, os enlevava ainda mais enquanto valores indispensáveis à identidade da
nação brasileira
73
. Há também uma estratégia ideológica de fazer crer que as
transformações em curso no país eram não apenas necessárias, mas a real
expressão da grandeza da pátria frente à grandeza monumental de uma natureza
72
Cf. Gilberto Câmara et al (disponível em <www.cgee.org.br/cncti3/Documentos/Seminariosartigos/
Areasintnacional/DrGilberto%20Camara.doc> – sítio acessado em 04 de março de 2006): “no infamoso e
influente livro ‘Porque me Ufano de Meu País’, o Conde Afonso Celso proclama numa visão mítica de um Brasil
superior a todos os outros países’, cuja natureza é um ‘dom da providência’. Nisto somos bem diferentes dos
americanos, que entendem seu território como parte integral da nacionalidade e declamam o poema de Robert
Frost: ‘the land was ours before we were the land’s’. Na medida em que o território do Brasil pertence a Deus e
não aos brasileiros, ele é concebido como elemento externo à nossa sociedade, o que impede que seja apropriado
como propriedade dos brasileiros”.
73
Marilena Chauí (disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/fol/brasil500/dc_1_6.htm> - sítio acessado em
04 de março de 2006), escrevendo sobre ‘O Mito Fundador do Brasil’ expõe alguns exemplos sobre a expressão
mítica de uma identidade nacional: “a bandeira brasileira não exprime a política nem a história. É um símbolo da
Natureza: floresta, ouro, céu, estrela e ordem. É o Brasil-jardim, o Brasil-paraíso terrestre. O mesmo fenômeno
pode ser observado no Hino Nacional, que canta mares mais verdes, céus mais azuis, bosques com mais flores e
nossa vida de ‘mais amores’. O gigante está ‘deitado eternamente em berço esplêndido’, isto é, na Natureza
como paraíso ou berço do mundo, e é eterno em seu esplendor”.
Outro exemplo indicado pela autora: “a poesia ufanista que toda criança aprende a recitar na escola, como o
poema do conde Afonso Celso, ‘Porque Me Ufano de Meu País’, ou os sonetos parnasianos de Olavo Bilac:
‘Ama com fé e orgulho a terra em que nasceste!/ Criança, jamais verás país como este!/ Olha que céu, que mar
que floresta!/ A natureza, aqui perpetuamente em festa,/ É um seio de mãe a transbordar carinhos’.
Essa produção mítica do país-paraíso nos persuade de que nossa identidade e grandeza se encontram
predeterminadas no plano natural.”
156
divina. Domar esta natureza e torná-la afável à existência humana era como que
uma obstinação por parte daqueles que empreendiam tal ação e faziam crer ao
restante da população ser esta a forma correta. Esta última visão está em comunhão
razoável com o que é apostolado por Lucien Febvre, em consonância com as idéias
de Vidal de La blache, pois conforme observa Abreu (2002, p. 44)
para Febvre, Vidal de La Blache, em sua cruzada contra o determinismo
ambiental, ‘havia colocado e resolvido, de um só golpe, o problema
geográfico da cidade’ quando escrevera: “La nature prépare le site et l’homme
l’organize pour lui permettre de repondre à sés désirs e à sés besoin”’. Ou
seja, a cidade seria mais um palco de exibição da superioridade da “vontade
humana” sobre o jugo ambiental, e cabia ao geógrafo demonstrar essa
verdade.
A citação a tais idéias reflete o que ao menos em censo comum já se
considerava no país – o misto de idéias advindas da matriz cultural européia
influenciava o pensamento científico e até político da época, como já visto em
Machado (2000) e Abrão e Coscodai (2002), produzindo visões a princípio
contraditórias para com o ufanismo que se fazia da natureza. Mas não havia voz
dominante de preservação ambiental
74
e sim em louvor de riquezas e belezas
naturais que estavam ao dispor da nação.
Um exemplo claro em rota comum com o trato urbano dispensado ao Rio de
Janeiro à época da edificação do Copacabana Palace está no discurso de Carlos
Sampaio sobre a obra de saneamento da Lagoa Rodrigo de Freitas (Ilustração 17)
realizada durante sua gestão à frente da prefeitura, entre 1920 e 1922, destacando a
questão de saneamento de um subúrbio de nossa Capital, que será sem
dúvida num futuro próximo, um dos mais bellos e mais importantes. Mas se a
questão do saneamento devia ter a preferência, também não era descurável
a parte esthetica, principalmente quando a Natureza já fornecia um quadro de
74
Cf. pesquisa ao sítio eletrônico eBookLibris (sítio acessado em 04 de março de 2006 e disponível em
<
http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/fontes.html>), exceção se encontra no trabalho, à época contemporâneo,
de Alberto Torres, que em 1915 publicava “As Fontes de Vida no Brasil”, onde logo no esclarecimento inicial
da obra, aponta: “a publicação deste estudo obedece ao propósito de destacar aos olhos da geração
contemporânea de dirigentes dos nossos destinos dois aspectos radicais da soma de crises que perturbam a vida
deste país: a crise da natureza e a crise do trabalho. Ele revela a realidade pungente de um país novo que chegou
a esta fase crítica da História sem haver nada construído e tendo estragado a sua terra e anemiado o vigor
comprovado das suas raças, e confronta-a com as tendências irrefletidas da nossa política e com as dos centros
financeiros e do pensamento superficial do mundo”.
157
incomparável encanto; e, por outro lado, não era difícil de se prever que se
tratava, talvez não de uma operação vantajosa sob o ponto de vista
financeiro, mas pelo menos de um empreendimento em que as despezas
seriam inteiramente cobertas pelas vantagens imediatas e resultantes da
venda dos terrenos, sem, por conseqüência, levar em conta os lucros
indirectos de novos impostos e da valorização do capital. Foi assim, sob o
tríplice aspecto da hygiene, do embellezamento e da economia, que resolvi
emprehender a realização de uma idéia, que acariciava desde o começo de
minha carreira (SAMPAIO, 1924, p. 54 apud ABREU, 1997, p. 78).
Ilustração 17. Aterro da Lagoa Rodrigo de Freitas, aproveitando parte dos despojos do Morro
do Castelo. Foto de Augusto Malta, datada de 21 de dezembro de 1921. Fonte: Fotografias do
Rio de Ontem, [s. d., s. p.].
Não que houvesse um discurso único, aonde a preservação dos elementos
naturais não viesse e a ser considerada – Motta (2002, p. 206) indica a posição
contrária do Jornal do Brasil ao desmanche do Morro do Castelo, por exemplo: “uma
pérola a engastar na jóia suntuosa que a Providência pousou à beira do Atlântico”.
Mas o fato é que o discurso progressista predominava entre os que comandavam o
destino da cidade. O mesmo autor destaca (2002, p. 207) que “em oposição ao
discurso que demandava a preservação dos elementos naturais estavam aqueles,
como Sampaio, que consideravam condição essencial ao ingresso do país no
Século XX a submissão da natureza à ordem da cultura”.
158
A gestão de Carlos Sampaio em muito coincide com o preparo da cidade para
o Centenário da Independência do país no ano de 1922. A cidade se prepara, então,
para a “Exposição do Centenário da Independência”, que seria inaugurada em 7 de
setembro de 1922, ainda na gestão do ”prefeito demolidor” (Motta, 2002). Sua
grande obra foi a conclusão do arrasamento do Morro do Castelo (Ilustração 18), já
timidamente modificado antes, como à época do Prefeito Francisco Pereira Passos –
com a demolição surgiu a Explanada do Castelo, local preferencial para a
construção dos pavilhões onde se alocaria a exposição internacional.
Ilustração 18. Operários na derrubada do Morro do Castelo. Foto de Augusto Malta, datada de
29 de outubro de 1921. Fonte: Fotografias do Rio de Ontem, [s. d., s. p.].
Para fazer frente aos que eram contra a derrubada, notoriamente a Igreja
Católica, Carlos Sampaio “usou valores que eram queridos aos engenheiros, como a
conquista da natureza para a produção de riquezas, a vitória da técnica, a
159
identificação do passado como obstáculo a ser vencido, entre outros” (Motta, 2002,
p. 206). A derrubada do Morro do Castelo oferece excelente contraponto à
urbanização de Copacabana, pois bem denota como a primazia da técnica podia se
aliar ao apelo da paisagem natural ou, do contrário, podia fazer desta um obstáculo
somente transposto pela riqueza da cultura humana. Ao mesmo tempo, as
mudanças produzidas no velho centro da cidade surtiram o efeito desejado na
consignação da área como referencial da onda modernizadora que se impunha o
país no afã de se integrar com mais desenvoltura aos laços do capital internacional –
nas palavras de Motta (2002, p. 208)
no momento em que a capital brasileira se abria para os olhares estrangeiros,
era preciso mostrar a disposição da nação centenária de se integrar no que
muitos (...) concebiam, como ‘civilização moderna’. Tendo em vista que uma
das missões do Rio de janeiro, Distrito Federal, era exercer o papel de ‘vitrine
da nação’, ao seu prefeito caberia antes de qualquer coisa, empreender a
constante remodelação da cidade.
Esta onda de obras em que se empenhava a cidade, em especial aquelas que
melhor direcionavam as comemorações do centenário da independência,
expressavam duas palavras que se faziam crer como sinônimas: “civilização” e
“progresso”. Comemorar o centenário seria a forma ideal de fazer consonância ás
duas palavras e, mais do que isso, criar uma vitrine capaz de mostrar ao mundo que
o país era capaz de alcançar a modernidade que se supunha presente no par de
vocábulos. Ao longo do governo de Epitácio Pessoa, então, serão criadas as
estratégias necessárias para fazer ver ao mundo uma nação, com “identidade
própria”, mas atrelada aos ecos da modernidade. A par das imagens de civilização e
progresso, se insere a construção do Copacabana Palace, como uma das vitrines
projetadas para a melhor exposição do próprio país na celebração do centenário da
independência.
160
5.3 Copacabana Palace: Um Hotel em Meio Ao Areal
O governo de Epitácio Pessoa teve a responsabilidade maior pela
organização das obras e eventos relacionados à comemoração do Centenário de
Independência do Brasil. É certo que o presidente, empossado em 1919, estava
impregnado das mesmas idéias pelas quais as elites cariocas buscavam repetir
costumes europeus como forma de demonstrar-se “civilizada”. É certo também que
Epitácio Pessoa assumira o governo ainda com as impressões da era da
“modernidade” que conhecera na França quando lá esteve, ao fim da 1ª Grande
Guerra Mundial como representante brasileiro na Conferência de Versalhes, através
da qual decidiu-se o destino dos países derrotados na guerra, mormente a
Alemanha (BOECHAT, 2002).
O projeto de modernidade, comum à época, também é alvo do presidente
recém empossado. A hoje considerada “Velha República” outorgava-se enquanto
difusora do novo como forma de enterrar um passado visto como negativo e que de
fato, até por isso, a fez surgir. Na concepção de Martins (2004, p. 37)
o Rio se defrontava com um panorama promissor desde fins do século XIX.
Era o centro político do país: intermediava os recursos da economia cafeeira,
além de ter a maior Bolsa de Valores e várias agências bancárias. A isso
somaram-se os acontecimentos políticos que facilitaram a mudança da
paisagem carioca. A abolição da escravidão, em 1888, que levou maior
contingente populacional para a cidade e, um ano mais tarde, a Proclamação
da República. A República também foi importante nesse sentido pois
necessitava, com transformações urbanas, expressar novos valores e colocar
o período imperial no esquecimento.
Por essa lógica, depois de quase duas décadas de obras de reestruturação
urbana era necessário não apenas dar continuidade às mesmas, mas fazer com que
a “vitrine” da modernidade construída fosse vista e afastasse de vez os temores que
161
o seu passado recente impunha aos viajantes que nela aportavam
75
. O governo de
Epitácio Pessoa investe na vinda de visitantes ilustres que possam dar notoriedade
ao país, com destaque para a presença do Rei da Bélgica, Alberto I, e sua esposa, a
Rainha Elisabete. Na estadia de pouco mais de duas semanas, em setembro de
1920, o casal foi apresentado “ao que havia de melhor e mais exótico na jovem
nação” (Boechat, 2002, p. 29), onde não faltou uma visita à já considerada melhor
praia do Rio de Janeiro, Copacabana, na qual “tomaram demorados banhos de mar”
(Boechat, 2002, p. 30) – a estratégia era simples: o que encantasse aos visitantes
ilustres seria propagado na Europa através dos jornalistas que acompanhavam as
comitivas oficiais.
Esta estratégia de propaganda seria praticamente a mesma na idealizada
Exposição do Centenário da Independência, não fosse a pequena acolhida por parte
das autoridades estrangeiras frente ao evento – só compareceram, enquanto
Chefes-de-Estado, os presidentes de Portugal e da Argentina. De qualquer modo,
tudo fora planejado – e não necessariamente alcançado – para que a grande
exposição causasse o impacto necessário a uma projeção maior de país no cenário
internacional.
As obras de Carlos Sampaio no arrasamento do Morro do Castelo visavam
não apenas criar um novo espaço que abrigasse os pavilhões necessários ao
funcionamento da exposição, mas, pela grandeza da obra, destroçando um marco
natural, atestaria a capacidade técnica alicerçada pelo país nas duas últimas
décadas. Por outro lado, se há uma natureza a ser domada pela técnica que atesta
75
Através da leitura de Goulart (2003) é possível destacar, entre as ações do governo Epitácio Pessoa, a reforma
sanitária empreendida, a frente o Dr. Carlos Chagas, por conta da epidemia de gripe espanhola que assolara a
capital federal ainda no ano de 1919. A questão da salubridade era um dos pilares de sustentação das profundas
reformas urbanas que começaram a ser empreendidas na cidade no início do Século XX, não deixando de ser,
portanto, fundamento básico para a continuação das reformas pretendidas pelo próprio governo de Epitácio
Pessoa.
162
a proeza da civilização, essa mesma natureza se coloca como objeto de
contemplação e de interação por parte desse homem que a domou, ao menos
pretensamente.
As elites que agraciavam tais idéias se viam compungidas a interagir com a
nova dinâmica esperada daquilo que elas mesmas defendiam: a “modernidade”,
estando assim presentes, não apenas pela consignação de novos negócios, mas
pela distinção de poder tê-los realizado “para a grandeza da nação”. Por esta ótica,
a família Guinle não foge a um chamado do próprio Presidente da República, para
que edificasse um hotel que estivesse a altura do evento, que recebesse as
autoridades e demais visitantes esperados e que aliasse a proeza técnica de sua
execução com a paisagem praiana, que se tornara ícone de ostentação social na
matriz européia – o local não poderia ser outro senão Copacabana: aliava a
natureza impar, a modernidade de seu empreendimento enquanto bairro e a
distinção social de seus moradores. Como ressaltou Boechat (2002, p. 30),
“Copacabana, com suas maravilhas recém desbravadas, não poderia estar ausente
no cenário montado para inebriar os visitantes e precisava assim ganhar um hotel à
altura das expectativas”.
A escolha dos Guinle, como aponta Boechat (2002), não fora por acaso. Era
uma das famílias mais ricas do país
76
e, entre seus negócios, figurava o ramo de
hotelaria: Octávio Guinle, um dos filhos do patriarca Eduardo Palassin Guinle, era
proprietário, à época, do melhor hotel da cidade do Rio de Janeiro, o Palace,
localizado na Avenida Central, no centro, bem como arrendatário do melhor hotel de
São Paulo, o Esplanada. Acima de um dever cívico, está a ênfase no vultoso
76
Entre os negócios dos Guinle, à frente o patriarca Eduardo Palassin Guinle, destacavam-se a construção e
operação do Porto de Santos, produção e distribuição de energia elétrica, companhia de carris, imobiliárias,
indústria têxtil, um banco, seguradoras, comércio exterior, construção civil e a própria hotelaria (ALVARENGA,
2001).
163
investimento necessário para erguer um hotel de luxo em local ainda considerado
longínquo e que muitos a ele ainda se referiam como um “areal”. Sendo, então, um
negócio de risco era necessário que o empreendimento fosse bem alicerçado quanto
a sua futura rentabilidade.
O mesmo Boechat (2002) destaca que a contrapartida imposta por Octávio
Guinle para construir o hotel havia sido o direito de manter um cassino em
funcionamento no hotel. O pedido fora aceito pelo governo de Epitácio Pessoa, mas
desautorizado pelo governo seguinte, o de Arthur Bernardes, sob a alegação de que
o hotel não teria sido inaugurado no prazo combinado, ou seja, para atender as
comemorações do centenário da independência. É certo, também, que os
investidores do hotel recorreram à justiça, de onde saíram vitoriosos anos mais
tarde, ganhando de volta o direito de explorar o jogo nas dependências do hotel
(MARTINS, 2004).
Grande parte do dinheiro para o negócio partiu da herança de sua mãe,
Guilhermina Guinle
77
, com o qual comprou uma quadra inteira na Praia de
Copacabana, na altura do Morro do Inhangá, bem como lançou no mercado títulos
resgatáveis da “Companhia de Hotéis Palace” objetivando facilitar o gerenciamento
de seus negócios no setor hoteleiro. Um arquiteto francês, de nome Joseph Gire
78
,
foi contratado para projetar o novo hotel, com base nos principais empreendimentos
77
Ao morrer em 1912, Eduardo Palassin Guinle nada havia deixado enquanto herança para Octavio Guinle por
discordar de seu casamento com uma modesta enfermeira norte-americana. O casamento fora posteriormente
anulado pelo Vaticano (1922), uma das razões para mobilizar Dona Guilhermina Guinle a emprestar grande
parte do dinheiro necessário ao negócio (ALVARENGA, 2001 e BOECHAT, 2002).
78
Este mesmo arquiteto estaria empenhado em outras obras dos Guinle na cidade, como o atual Palácio
Guanabara (residência oficial do governo do Estado do Rio de Janeiro), construído pelo filho primogênito do
patriarca, Eduardo Guinle e a casa de veraneio da família, na Ilha de Brocoió, na Baía de Guanabara – Rio de
Janeiro. Também foi projeto do mesmo arquiteto o prédio do Jornal “A Noite”, onde hoje funcionam a Rádio
Nacional e o INPI, no início da Avenida Rio Branco, próximo à Praça Mauá, no centro da mesma cidade.
(ALVARENGA, 2001).
164
do ramo encontrados na já famosa Cote d’Azur francesa
79
– os hotéis Carlton
(Ilustração 19), localizado na cidade de Cannes e Negresco
80
(Ilustração 20), este na
cidade de Nice, ambos inaugurados em 1912, serviram de referencial para o projeto
do arquiteto francês, cuja matriz inicial acabou não sendo respeitada ao pé da letra.
O estilo arquitetônico “Luís XVI” é o original do projeto de Joseph Gire, para o prédio
frontal à Avenida Atlântica, bem como para o “Copacabana Theatro-Cassino”
81
.
Tempos depois, na construção do prédio anexo
82
, nos fundos, voltado para a
Avenida Nª. Sª. de Copacabana e inaugurado em 1948, foi utilizado o estilo
“Neoclássico”, razão pela qual, em tempos recentes, o hotel passar a ser
considerado como tendo um estilo “Eclético”. Convém lembrar também que na
configuração atual também está a área da piscina, inaugurada em 1935 e que
demandou a derrubada quase total do que restava do Morro do Inhangá
83
.
A obra do hotel demandou recursos técnicos pouco conhecidos no país, fato
que resultou, inclusive, na contratação de operários estrangeiros. Muitos dos
materiais utilizados na construção foram importados: o cimento veio da Alemanha;
os mármores, originais de Carrara, da Itália; lustres, vidros e espelhos, da antiga
79
Nome da região oeste do litoral mediterrâneo da França, muito destacada por seu apelo turístico e onde se
localizam as cidades de Nice e Cannes.
80
No sítio eletrônico oficial do hotel, disponível em < http://www.hotel-negresco-nice.com/index.htm>, consta
ser o hotel oficialmente reconhecido como monumento histórico francês, tendo sido construído em 1912, ou seja,
cerca de dez anos antes do Copacabana Palace Hotel.
81
O “Copacabana Theatro-Cassino” funcionou entre os anos de 1924 e 1949, com apresentações variadas,
inclusive de artistas internacionais. Em 1949 foi sucedido pelo Teatro Copacabana, que durante anos foi um dos
principais referenciais culturais do bairro de Copacabana (BOECHAT, 2002).
82
Além do estilo, o prédio também possuía um referencial diferente do hotel, pois abrigava apartamentos
individualizados de quarto e sala. O anexo, de onze andares, acabou por ser a residência de muitos políticos e
artistas, como o cantor Mário Reis (BOECHAT, 2002).
83
O Morro do Inhangá, como já mencionado antes, marcava a divisa das praias do Leme e de Copacabana e teve
parte de seu todo derrubada na década de dez, do Século XX, para permitir a interconexão por completo da Av.
Nª. Sª. de Copacabana. Posteriormente, também foi timidamente modificado com a construção do Copacabana
Palace Hotel. Ainda podem ser encontrados pequenos resquícios do morro em área próxima ao hotel, mas de
acesso quase imperceptível. No Plano Urbanístico de Alfred Hubert Donat Agache para a cidade do Rio de
Janeiro – encomendado no final da década de vinte durante a vigência do governo Washington Luís – é prevista
a manutenção do morro enquanto “monumento natural” a marcar a paisagem da Praia de Copacabana
(CARDOSO et al, 1986).
165
Ilustração 19. O Hotel Carlton, em Cannes. Fonte: sítio eletrônico oficial do hotel, disponível
em <
http://www.ichotelsgroup.com/h/d/ic/1/en/hpt/CEQHA/2/pt?ptLink=hd>.
Ilustração 20. O Hotel Negresco, em Nice. Fonte: sítio eletrônico oficial do hotel, disponível em
<www.http://www.hotel-negresco-nice.com/index.htm>.
166
Tchecoslováquia (ZAMBROTTI e RIBEIRO, 2003). As dificuldades de consignação
do projeto são atestadas por Boechat (2002, p. 32), pois
O projeto também acarretava procedimentos de engenharia muito complexos
para a época. Exigiu, por exemplo, fundações de quatorze metros quando
ainda não existiam estacas pré-fabricadas nem máquinas capazes de fincá-
las. E, para proteger as estruturas do hotel contra a ação das ressacas, foi
necessário construir uma grande barragem subterrânea.
Tamanha sofisticação na construção e maior ainda proeza técnica, justificam
o atraso no término da obra. O hotel (Ilustração 21), com inauguração planejada
para atender as comemorações do centenário em setembro de 1922, só foi
inaugurado quase um ano depois, em agosto de 1923. A partir desse momento,
inicia-se uma nova fase na distinção urbana já então identificada no bairro no qual
se erguia o hotel. Por não ser apenas um hotel, mas um referencial de distinção
social, conexão ímpar entre a natureza monumental que o continha – a praia e o
mar; a montanha e a floresta – e a modernidade anunciada na sintonia entre o
progresso e a civilização. O hotel antecipa um novo estilo de vida, uma nova
estruturação urbana – a “verticalização” do bairro – e a configuração de um mito:
Copacabana.
A tarefa final do capítulo passa pela compreensão dessa dinâmica
empreendida na ordenação espacial de Copacabana, por estar ela intimamente
associada ao desfecho da incorporação do hotel ao local. Um fixo na paisagem tido
como símbolo inicial de um simulacro do mediterrâneo europeu, a imitar seu uso,
sua ocupação e seu destino. Um fixo na paisagem que acabou por interagir com ela
própria e dar-lhe o substrato necessário a sua identidade – se não se pode limitar
Copacabana ao hotel, não se pode também deixar de nele vislumbrar uma gama de
injunções simbólicas capazes de fomentar muitos dos arranjos sócio-espaciais
inerentes ao bairro.
167
Ilustração 21. O Copacabana Palace quase concluído. Foto de Augusto Malta, do ano de 1922.
Fonte: Copacabana Palce – UM Hotel e Sua História, 2002, p.33.
5.4 Copacabana: Antevendo a Destruição Renovadora
O Copacabana Palace Hotel, inaugurado em 1923, “já nascia como ponto de
convergência da alta sociedade e do turismo cariocas” (Cardoso et al, 1986, p. 52) e
marcava, definitivamente, o início de uma segunda onda de transformação urbana
que experimentaria o bairro de Copacabana, como um todo, a partir deste momento.
É possível conceber que
Copacabana está dividida em duas fases: antes e depois da inauguração do
Hotel Copacabana Palace. O hotel foi uma peça chave e um poderoso cartão
de visitas para o bairro se transformar no principal pólo turístico do país,
conhecido em todo o mundo (PINHO, 2002, s. p.).
168
O hotel foi, de fato, o primeiro grande edifício da orla de Copacabana, o que
marcou substancial diferenciação em relação ao que ali se encontrava até então. A
ocupação do bairro, desde cedo, se mostrou diferenciada, quando comparada a
outras porções da cidade. Para Ana Madureira de Pinho (2002, s. p.)
o surgimento de outro tipo de residência, mais espaçosa e mais ampla, foi
fruto de dois fatores: a divisão do bairro em lotes maiores – bem diferente dos
estreitos e profundos encontrados geralmente no centro da cidade – e a
desvalorização das terras de Copacabana, ainda pouco ocupadas se
comparadas a outras regiões da cidade.
Essa “desvalorização”, por efeito comparativo, marcará uma conseqüência na
reestruturação do bairro, décadas mais tarde. Os lotes são maiores, o que de certo
facilitará a construção de edifícios, quando da falta de novas áreas para a venda,
havendo assim, uma verticalização da área. A forma de construção original, nos
grandes lotes, incide em “símbolos da riqueza da nova população do bairro” (Ibidem,
s. p.), que podem ser identificados “nas casas construídas em centro de terreno,
com estilos arquitetônicos diferentes e que exibiam estátuas, telhados pontiagudos,
alpendres” (Ibidem, s. p.). Tais construções, onde prevaleciam enquanto estilos
arquitetônicos, o normando e o art-nouveau irão praticamente desaparecer do bairro,
a partir de sua já referida verticalização.
A construção do hotel vai marcar claramente uma mudança no estilo
arquitetônico até então empreendido, mas manterá o mesmo forte apelo para os
grupos de maior poder aquisitivo. Em acordo com Vaz e Cardoso (2002, s. p.)
o surgimento do então chamado Copacabana Palace Hotel e dos edifícios de
apartamentos ao seu redor contribuiu para que a imagem do bairro fosse
associada às classes dominantes, ao bom, gosto, à vida moderna, ao
progresso.
Ana Madureira Pinho (2002) também indica que “o Copacabana Palace
também foi o ponto de partida para um novo estilo de moradia no bairro: os edifícios
de apartamentos, que ao longo das décadas ganharam as ruas de Copacabana”
(Ibidem, s. p.). Sua construção trouxe de imediato uma valorização dos terrenos
169
próximos a ele, principalmente a área hoje concernente ao Lido, visto a mesma ter
permanecido desocupada, até então, por conta de disputas judiciais. Alguns poucos
anos após a construção do hotel, a detentora dos terrenos, a já mencionada
Empresa de Construções Civis, “estabeleceu um zoneamento abrangendo alguns
quarteirões próximos ao hotel” (Cardoso et al 1986, p. 52), no qual ficava restrito à
construção de novos edifícios de apartamentos.
A verticalização deste trecho de Copacabana, entre o hotel e o Lido, será
rapidamente empreendida e, também por conta de seu uso, passará a ser
reconhecido como o “coração” ou a “capital” de Copacabana – vide Ilustração 22
(CARDOSO et al, 1986). Ainda segundo os autores, ao condicionar a venda dos
lotes na área supracitada à construção de edifícios de apartamentos, a Empresa de
Construções Civis visava “defender a estética do bairro” (Ibidem, p. 161), pois
acreditava que a construção indiscriminada de grandes edifícios sufocaria as
construções menores. A nova área a ser edificada, então, deveria voltar-se
exclusivamente para esta função, o que de fato acabou ocorrendo.
Ilustração 22. Em destaque na foto, o “coração de Copacabana”, com os primeiros “rasga-
céos”, o Copacabana Palace e o Morro do Inhangá. Foto de Rio Illustrado, 1934. Fonte: História
dos Bairros, 1986, p. 141.
170
Os autores também chamam a atenção para uma reportagem da Revista Fon-
Fon, de 1934, da qual extraíram fragmento que deixava bem clara a conotação do
trecho urbano em destaque: “restaurantes, bares, hotéis, arranha-céus, tudo isso
que o progresso do grande bairro reuniu ali, contribuiu para um deslocamento do
dinamismo vital para o trecho que fora justamente o mais deserto e que mais custara
a se povoar” (Ibidem, p. 52). O artigo da revista ressalta a questão da dificuldade de
novas terras para a expansão do bairro, indicando que
havia falta de terras em todo o bairro, que atingira um quase apogeu. Assim,
aquela parte ganhou toda a velocidade adquirida pelas outras e rapidamente
chegou ao pináculo. É agora o coração de Copacabana (Ibidem, p. 54).
Começam, então a surgir os “palacetes” – em 1931, já serão muitos: o
Duvivier, o Edifício Itaoca, o Veiga, a Casa Rosada, o Inhangá, o São Paulo e o
Oceânico (CARDOSO et al, 1986). Naquele momento ainda são conhecidos como
casas de apartamentos e ainda guardam características das formas tradicionais de
viver. No Duvivier, por exemplo, segundo Vaz e Cardoso (2002), era oferecido
“serviço de frigidaire, lavanderia e galinheiro”, conforme constava de um anúncio de
jornal publicado no Jornal do Commércio em 1930. As autoras destacam que “nos
primeiros prédios, embora de construção, técnicas e equipamentos novos, o seu
interior e a sua organização permaneceriam como as convencionais casas de
pensão ou hotéis residenciais” (Ibidem, s. p.).
De fato, os primeiros prédios guardam alusão ao estilo de moradia em
pensionato. Instalações sanitárias, por exemplo, são coletivas, bem como a área
direcionada para a cozinha. As primeiras unidades completas, independentes, só
surgirão no cenário de Copacabana no ano de 1935 e apenas em 1937 as casas de
apartamentos deixarão de ser conhecidas como tal para dar lugar à expressão
prédios de apartamentos. O surgimento dos prédios de apartamentos, encetados a
partir do Copacabana Palace, trazem modificações substanciais na forma de
171
organização das moradias. Nos palacetes, era “necessário que o apartamento
oferecesse o máximo de conforto, aliado ao mínimo de promiscuidade, tornando
impossível sua comparação às habitações coletivas” (CARDOSO et al, 1986, p.
164).
As legislações concernentes ao uso urbano começam a se adequar às
novidades trazidas pela construção dos prédios de apartamentos. Decretos
municipais de 1924 e 1925 determinam o número máximo de andares condicionados
à largura das ruas – duas vezes a largura das ruas no Centro e uma vez e meia nos
demais bairros da cidade (CARDOSO et al, 1986). Os “rasga-céos”, assim
conhecidos à época, ainda guardam as limitações de seus empreendimentos: são
construídos como um todo, sendo então normalmente encomendados ou adquiridos
por um único dono e, nesse caso, servem como hotéis ou têm suas unidades
alugadas em separado (VAZ e CARDOSO, 2002).
Somente ao final dos anos trinta começam a surgir empreendimentos onde as
unidades passam a ser comercializadas em separado e, para tanto, novos
regulamentos e legislações concernentes são constituídos. Segundo Cardoso et al
(1986, p. 178)
a divisão dos terrenos em quotas-partes – possibilitando a propriedade de um
mesmo terreno por diversos proprietários –, a compra do apartamento no
“crediário” e o esquema de construção por incorporação permitiram que um
maior número de pessoas adquirissem imóveis em Copacabana.
De certo, os empreendimentos imobiliários atendem a um número cada vez
maior de clientes os quais buscam desfrutar de um estilo de vida relacionado ao
moderno e ao progresso. A verticalização, como será observado, fundamentalmente
a partir dos anos quarenta, ganha seu quase derradeiro impulso, com uma tendência
à homogeneização das formas arquitetônicas do bairro. Consagra-se, pois, uma
forma de moradia, bem como a “selva de pedra” agora característica da paisagem.
172
Convém ressaltar que esta forma de ocupação foi sendo rapidamente acrescida de
avanços que permitissem sua adequação a cada vez menor oferta de terrenos para
a expansão do bairro. Ressalta-se também o fato de que, na base de todas essas
modificações, está o Copacabana Palace, como símbolo dessa transformação (vide
Ilustrações 23, 24 e 25).
Os primeiros momentos da verticalização resultam numa quase cópia da
distinção associada ao hotel. Se os primeiros palacetes, ou villas, como eram
conhecidos, representavam construções individuais isoladas, a par com o poder
aquisitivo de seus moradores, o hotel também veio servir a uma classe privilegiada.
Os novos palacetes, os edifícios de apartamentos, guardam essas duas premissas:
a distinção social e o luxo pertinente às edificações. Entretanto, esforçam-se para se
distanciar do estilo de vida em pensionato, pois tanto quanto a primeira construção
vertical original, o hotel, mantêm uma forma de moradia similar: não são unidades de
moradia totalmente isoladas.
É importante também salientar que muito das legislações e
regulamentações de uso em áreas edificadas da cidade tem a sua origem na
verticalização de Copacabana, na qual o hotel é sua semente. Se a construção de
prédios já se observava, concomitantemente, no Centro da cidade, em especial na
área próxima a atual Cinelândia, como é apontado em Abreu (1997), o uso dos
mesmos nesta porção da cidade era comercial ou administrativo. A função de
moradia está associada à Copacabana, portanto é justo que se deva à mesma a
primazia na adequação das formas do morar que posteriormente se espalhariam por
grande parte da cidade.
173
Ilustrações 23, 24 e 25. Mostram as mudanças no perfil de verticalização da Avenida Atlântica
no trecho compreendido entre as ruas Fernandes Mendes e Duvivier, onde se encontra o
Copacabana Palace. Fonte: História dos Bairros, 1986, pp. 07, 11 e 81, respectivamente.
174
A antevisão da paisagem aqui advogada não se prende apenas à constituição
física da paisagem, mas à ordenação dos modos de viver, à distinção do moderno,
ao status do “viver-de-frente-para-o-mar” e à simbologia impregnada no mito
Copacabana. De certo que não se pode única e exclusivamente atribuir ao hotel a
razão direta pelas transformações que sucederam ao bairro após a sua edificação.
Os agentes dessa transformação, como os empreendedores imobiliários, as
empresas de transportes, o poder público, enfim, todos aqueles que dispunham da
capacidade concreta de intervir não se prenderam apenas à simbologia da
construção do hotel para dar vazão à gama de ações empreendidas.
Ao mesmo tempo, também não se pode imaginar que Copacabana seria a
mesma fosse o sítio onde se encontra desprovido de sua paisagem original;
tampouco teria o Copacabana Palace o mesmo apelo simbólico não tivesse a seu
favor a referida paisagem. Esta paisagem não pode ser excluída do rol das ações de
transformação. Ela foi ação, não sendo, pois, passiva, visto abarcar uma carga
simbólica capaz de antever à civilização aquilo que dela se esperava – no apelo das
palavras de Santos (2002, p. 86)
objetos não agem, mas sobretudo no período histórico atual, podem nascer
predestinados a um certo tipo de ações, a cuja plena eficácia se tornam
indispensáveis. São as ações que, em última análise, definem os objetos,
dando-lhes um sentido. Mas hoje, os objetos “valorizam” diferentemente as
ações em virtude de seu conteúdo técnico. Assim, considerar as ações
separadamente ou os objetos separadamente não dá conta de sua realidade
histórica. Uma geografia social deve encarar, de modo uno, não separado,
objetos e ações “agindo” em concerto.
Nas considerações finais deste estudo são dispostas algumas idéias em face
às palavras de Milton Santos (2002), bem como a opção de se buscar na não
dissociação da paisagem e do espaço uma forma de tratar o caráter do simbólico
mais próximo das ações concretas que permitem aos humanos empreender
transformações na sua base de existência. Compreender esta base para além do
sensível, também nas relações sociais, por exemplo, é tratá-la enquanto espaço,
175
mas se a paisagem, por suas conotações simbólicas, também transcende o
sensível, ela também deve responder pela mesma base. Usar a expressão
palimpsesto, portanto, foi a forma encontrada para demonstrar o quanto o trato da
paisagem é valioso, na sua conotação simbólica, para a transformação concreta
daquilo que se depreende enquanto espaço geográfico.
176
6. PARA NÃO CONCLUIR
Se esta pesquisa considera a correlação entre os conceitos geográficos de
paisagem e espaço, nada mais adequado que se venha a parafrasear o Prof.
Roberto Lobato Corrêa quando, ao escrever sobre o conceito de espaço – Espaço:
um Conceito-Chave da Geografia (2000) – finaliza seu texto com a mesma
expressão: “para não concluir”.
A não conclusão advém de duas situações básicas: uma diz respeito à própria
trajetória do presente estudo, pois como foi visto em sua introdução, foi segmentado
em relação ao seu objetivo inicial; outra razão estaria na própria consideração
implícita de Corrêa (2000) ao optar por não concluir um texto sobre o espaço
geográfico, admitindo que as formas de “torná-lo inteligível” seria mais importante do
que chegar a uma definição única e fechada sobre o assunto.
Em considerando a primeira premissa, de fato a sugestão de divisão do
estudo – proposto durante o exame de qualificação do anteprojeto de pesquisa –
feita pelo Prof. Gilmar Mascarenhas de Jesus acabou por se tornar providencial. Ele
só se tornou exeqüível na medida em que o recorte temporal foi melhor
dimensionado frente às exigências da base teórico-conceitual à qual se intentava
correlacionar ao recorte espacial, ou seja, o Hotel Copacabana Palace.
Ora, em assim sendo, de antemão, muitas das questões que podem ser
empreendidas ao final desta pesquisa dizem respeito a respostas que só seriam
encontradas na sua própria continuidade. A mesma, considerada como um todo,
abrangeria a dinâmica do hotel ao longo de sua história, mas de certo que esta
história acabou por se confundir com a de Copacabana como um todo. A distinção
simbólica do hotel também se confundiu com a distinção simbólica da paisagem e a
177
segmentação do estudo permitiu assimilar melhor o ponto onde estas duas imagens
se bifurcaram e como foi essencial para ambas, ao menos inicialmente, que assim
fossem mantidas.
O anteprojeto inicial também incluía pretensões que o tornavam pouco claro.
Vagava entre um estudo da paisagem, correlacionada à organização espacial, com
a expressão da atividade turística ao longo da história do recorte espacial elegido: o
Copacabana Palace. Com a fragmentação priorizou-se o trato da paisagem, mas de
certo deixou implícito que a atividade turística foi fundamental para a dinâmica do
hotel e do próprio bairro de Copacabana. Uma continuação deste estudo deve
priorizar o tratamento do turismo, pois tanto o hotel quanto a própria Copacabana
interagem com a atividade, em diferentes escalas, em comunhão com a dinâmica
que a mesma vai experimentando ao longo do tempo.
De certo, a prática do turismo ao longo da existência do Copacabana Palace
foi ganhando a dimensão de mercadoria frente ao capital. Entretanto, fugindo à
dimensão marxista da mercadoria, esta veio a ganhar respaldo em expressões
imateriais, como o turismo. A dimensão do consumo espetacular enfocada por
Debord (2004) – numa obra originalmente lançada em 1968 – e a noção de capital
simbólico empreendida por Bourdieu (1989) possibilitam elevar o turismo à categoria
de “mercadoria” frente aos interesses da nova economia capitalista.
A distinção social no consumo de formas simbólicas, algumas pouco
acessíveis aos grupos de baixo poder aquisitivo, colocam o Copacabana Palace no
foco dessa nova estratégia de reprodução capitalista. Por outro lado, é fato que a
abrangência da atividade turística abarca muito mais do que a estadia em um hotel
de luxo e simbólico como o Copacabana Palace. A atividade pressupõe a difusão do
consumo da paisagem, entrelaçando uma teia de estruturas de apoio que a colocam
178
como sendo alvo de fortes aparatos de investimento de capital. Como se estabelece
em redes sobrepostas, não necessariamente difunde benefícios ou mazelas de
forma homogênea, sendo, portanto alvo de diferentes interesses e investimentos.
Ora, o foco ainda é o hotel e este deve ser analisado conforme a configuração
da atividade turística até a sua atual formatação. O hotel irá experimentar momentos
diferenciados de expressão frente à sociedade: atingirá seu apogeu nas décadas de
quarenta e cinqüenta do século passado – o referencial diz respeito não apenas a
sua função de hospedagem, mas a sua interconexão com distintas possibilidades de
trato: cultural-artístico, distinção social, difusor de valores culturais etc. Seria pontual,
então, uma correlação da “vida” do hotel, nesse momento, com a dimensão social e
cultural na expressão urbana de Copacabana, sendo esta espelho do país – mesmo
em simulacro – no cenário internacional.
Do mesmo modo, nas décadas seguintes, os anos sessenta e setenta, a sua
gradual decadência também pode correlacionar-se com a mesma Copacabana, que
nesse momento experimenta mudanças na sua expressão urbana, em consonância
com o trato cultural e social. Seria pertinente, também, alocar a mudança do eixo
político do país, do Rio de Janeiro para Brasília, com o próprio redimensionamento
da importância do hotel e da própria Copacabana frente ao apogeu que
experimentara nas décadas anteriores.
Por outro lado, a partir dos anos oitenta, o Copacabana Palace é
redimensionado em relação a sua importância de fixo majestoso enquanto uso
turístico. A recuperação do patrimônio urbano representado pelo mesmo pode ser
relacionado à ampliação da distinção simbólica, mas também está conectado a uma
visão muito mais flexível da atividade turística como um todo. A atividade passaria a
vivenciar uma espécie de “pós-fordismo” na sua dimensão econômica, buscando
179
diversificação de roteiros, atividades, paisagens etc – foge às regras dos pacotes
turísticos fechados, dos roteiros rígidos e das poucas possibilidades de consumo das
paisagens que se vê em momento anterior.
De uma forma geral, observam-se alguns momentos distintos para análise: o
primeiro diria respeito à edificação do hotel e a relação com a paisagem na qual viria
a se inserir; se este estudo pretendeu executar tal tarefa, não se preocupou em
dimensionar a atividade turística para o período e a inserção tanto do hotel, como da
própria Copacabana nesse contexto. Em seguida, o apogeu, com a identificação
clara do Rio de Janeiro como grande pólo de atração turística do país e com
Copacabana representando um modelo tido como moderno e associado ao
progresso. A decadência que vem em seguida, não tira dos recortes indicados sua
importância turística, mas estes já não respondem mais pelos mesmos valores
anteriores, experimentando o desgaste das funções urbanas pertinentes a
Copacabana.
Um quarto e último momento viria na recuperação do hotel a partir dos anos
oitenta, mas comparar esta revitalização com algo similar à Copacabana, como um
todo, soaria incoerente. Se nos momentos anteriores, tanto o hotel quanto o bairro
vivenciaram situações próximas quanto a sua importância enquanto espelho da
cidade ou do país, já neste momento uma associação desse tipo poderia produzir
uma incorreção. A decadência das formas de uso do bairro estão relacionadas a
estruturas econômicas, sociais e políticas que se inserem na condição de dinâmica
nacional, regional ou local. A nova expressão do hotel ganha conexão com uma
escala mundo – o turismo sobrepõe múltiplas redes de conexão, mas impera em
uma capacidade de articulação global.
180
Ora, nesse sentido, através de um fixo local – e da sua área direta de entorno
– poderia ser identificada correlação entre as escalas local e global, demonstrando
como ambas interagem entre si e quais as repercussões, fundamentalmente na
escala local, para este fato. A análise da atividade turística deve se manter na esfera
da Geografia, com a pertinência espacial frente ao desenvolvimento de uma
atividade que se pressupõe econômica, que possibilita fluxos materiais e imateriais.
Claro fica que, um estudo nesse sentido, foge para além das dimensões
estabelecidas na dissertação que ora se encerra.
A expressão turística da qual se reveste um fixo como o Copacabana Palace
ou um lugar como Copacabana se imbrica com a dimensão simbólica da paisagem,
visto ser a reprodução capitalista, neste caso, assentada, em grande parte, em
bases não materiais. Entretanto, as escalas e as formas de análise merecem um
tratamento especial, na medida que podem a vir a confluir de modo a prejudicar a
própria análise. Foi por esta lógica que se optou por estabelecer um corte na
análise, de modo a diferenciar a dimensão simbólica da paisagem primeiro, para,
numa eventual oportunidade, interagir com a dinâmica da atividade turística.
As análises são distintas e isto ficou bem claro frente ao pesquisador. A
complexidade do conceito de paisagem, em sua dimensão geográfica, acabou por
influenciar muito mais decisivamente as argumentações desta dissertação do que
qualquer outro enfoque. O conceito é extremamente rico em interpretações,
principalmente quando a consideração da subjetividade se faz presente e, por isso,
priorizá-lo frente a um estudo cuja base indicava a edificação de um hotel em uma
praia tornou-se uma conseqüência lógica. Em assim sendo, propositalmente buscou-
se um diálogo entre a dinâmica do conceito ao longo do tempo e a abordagem do
fixo-monumento, o Copacabana Palace Hotel.
181
Tratar o Copacabana Palace enquanto um monumento soa pertinente, pois se
apresenta enquanto um fixo da paisagem e, além do mais, mediante a correlação
com o seu entorno é capaz de expressar seu caráter monumental. Esta expressão
monumental acabou sendo o estopim de transformação da paisagem como um todo,
daí o tratamento de antevisão da paisagem, pois a mesma se reconfigurou a partir
da edificação do hotel, dos novos usos da paisagem e da possibilidade de
reprodução das formas de viver encetadas por essas novas condições.
A paisagem possui múltiplas possibilidades de leitura, como visto, sendo, pois
pertinente a alusão à dimensão do olhar. A cultura humana constrói sobre o sentido
da visão a peculiar capacidade de atribuir valor ao que enxerga. Ver não é apenas
uma capacidade humana, mas de certo que é apenas a civilização humana aquela
capaz de atribuir diferentes juízos de valores ao que enxerga, pressupondo ir além
do instinto, condição prior nos demais animais.
Isto posto, entabular uma discussão acerca da imagem, interagindo com a
idéia de introvisão, possibilitou produzir questionamentos sobre a educação do olhar
enquanto algo inerente à cultura. Mas nem todas as culturas são iguais e, portanto,
não são iguais as formas de olhar. Eleger a forma de olhar da cultura ocidental é
arbitrado pela correlata dimensão deste estudo, visto ser fruto da mesma. A leitura
da paisagem, matriz, no caso, é relacionada a uma forma de pensar ocidental, mas
nem por isso desprovida de uma simbologia inerente ao mito.
O mito ainda pode ser considerado um elemento importante na aceitação da
condição humana. Ela tranqüiliza a incerteza da existência e, por certo, não pode ser
desprezado em qualquer leitura da construção da cultura, inclusive da ocidental. O
mito associado ao imaginário da praia e do mar correspondeu, por muito tempo, a
uma prevalência do meio natural sobre o meio técnico-científico, para usar
182
expressões consagradas por Santos (2002). As incertezas advindas da pouca
capacidade de interação com o mar gerava uma conotação negativa para o mesmo,
tanto quanto a não civilidade das populações de praia as denotava enquanto
sentimento de repúdio pelos ditos civilizados.
Um maior domínio técnico-científico pode ter contribuído para a revisão do
trato da paisagem da praia, mas de certo que o mito da sagração do mar ainda se
impõe na sua própria dimensão monumental. De certo também que a nova
concepção simbólica acerca do consumo de paisagens tidas como saudáveis, como
o mar e a montanha, também interagem com esta primeira colocação. Em verdade,
são múltiplas as considerações em respeito à redimensão do olhar sobre a
paisagem da praia, especificamente – e o que se intentou foi justamente demonstrar
uma conjugação de tratamentos que venham a associar uma dimensão cultural a
uma dimensão espacial.
Tratar a antevisão da paisagem foi a forma elegida para esta tarefa: a
antevisão preconiza um caráter subjetivo – a paisagem não se move sozinha, pois
depende, como visto, da conotação que a cultura humana lhe fornece, seja ela qual
for. Por outro lado, se como apregoa Russell (2002), a antevisão é um atributo da
civilização, por que não dotá-la de uma dimensão espacial? E em tendo uma
dimensão espacial, como concebê-la sem a pertinência da paisagem? Mais uma vez
ressalta-se que não se alude a resquício determinista, pois não se dissocia da
paisagem uma dimensão social. Porém, por outro lado, não se quer enxergar a
paisagem apenas como fruto da expressão espacial, como se ela fosse resultado.
Pelo contrário, intenta-se priorizar a paisagem enquanto potência significativa na
transformação do espaço.
183
Talvez aí esteja a possibilidade de ler no mesmo papel tanto o espaço quanto
a paisagem – a função de palimpsesto. Mas ocorre que a antevisão relacionada à
edificação do Copacabana Palace Hotel qualificou melhor o conceito de paisagem
para tal intento. Primeiro pela própria simbologia associada à nova forma do olhar
sobre a praia; segundo pela distinção simbólica presente não apenas na construção
do hotel, como também no seu decorrente uso; a distinção, qualidade social,
portanto inerente à cultura, preconizava novas formas de uso para a paisagem como
um todo ou para o fixo que nela se destacava; ao fim, por considerar a partir daí a
multiplicação de novas formas – hotéis, edifícios de apartamentos etc – nessa
paisagem.
A paisagem se verticalizou na “parede de prédios” que se fez construir ao
longo da orla de Copacabana, a partir de um sentido pioneiro que rapidamente se
difundiu. A verticalização da moradia, pioneira nesse sentido, na cidade do Rio de
Janeiro tem no Copacabana Palace um monumento para sua sagração. Pôde ser
antevista na paisagem a projeção de sua forma e uso. Uma vez mais não são
descartados os elementos ortodoxos de análise. Pode-se argumentar sobre a
exaustão da dimensão física do local, mas a construção de prédios não estava
associada apenas à falta de novos terrenos: era necessário copiar um estilo de vida.
Os primeiros prédios, como visto, têm muito mais uma função de “pensionato de
luxo” do que de moradia fixa, como as das muitas moradias horizontais que até
então se destacavam na paisagem.
O Copacabana Palace nasceu monumento para louvar a civilização e o
progresso. Ambientou-se a uma paisagem de entorno capaz de transformá-lo na
mola propulsora de difusão do seu apelo. Algumas poucas décadas se passaram e o
hotel se manteve, agora emparedado, como símbolo dessa transformação.
184
Copacabana sagrou o novo no hotel, tanto quanto sagrou na sua própria
constituição física uma forma de louvar o futuro e apagar o passado. Diferentemente
da área central carioca, arrasada sob a premissa do novo e do moderno, em
Copacabana quase inexistiam formas urbanas, portanto houve ali uma concepção
nova e original do urbano, em considerando a cidade do Rio de Janeiro.
Se não louvou o passado, decerto Copacabana ter pouco lamentado a perda
de sua própria memória, a exceção do Copacabana Palace – nele despontou a
distinção social que tornaria o bairro diferenciado, ícone do novo e do moderno, com
o bairro polarizando uma identidade para a metrópole carioca. Este apogeu
engendrado nas décadas de 40 e 50 foi o responsável pela derradeira exaustão da
ocupação urbana do local. Os palacetes e moradias horizontais construídas à época
do hotel foram em sua esmagadora maioria demolidos; a construção desenfreada de
imensos prédios, com fachadas pouco diferenciadas, criou uma quase
homogeneização da paisagem, mas de certo que nessa paisagem o Copacabana
Palace também se diferencia.
O hotel que sagrou o novo agora resta como monumento, histórico, que louva
a distinção do passado. Resgatou, após período de franca decadência, o status
diferenciado conquanto a simbologia nele contida. Sua natureza monumental é
resultado da expressão arquitetônica com a pertinência da paisagem de entorno e,
se perdeu o referencial da Mata Atlântica por conta da multiplicação de prédios que
a fez sumir aos olhos de quem a procura, manteve à sua frente a praia e o mar,
elementos por demais característicos na confirmação da sua magnitude.
O intuito deste estudo se entende alcançado. Espera ter sido ele uma
contribuição a todos aqueles que identificam na Geografia a capacidade constante
de experimentar seus fundamentos. Aqui não se buscou nada de novo, mas apenas
185
uma releitura de um recorte espacial que já conta com farta literatura associando
dois conceitos-chave: paisagem e espaço. A contribuição, espera-se, está na
articulação de idéias que pressupõe interagir não apenas os dois conceitos, mas a
complexidade da subjetividade dos estudos culturais com a visão racional da
estruturação espacial – o homem, ser pleno de cultura e racionalidade, é todo
símbolo enquanto arquiteto de sua espacialidade.
186
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http://www.icomos.org.br/veneza.htm
http://www.mcu.es/patrimonio/cp/ccr/docs/carta_de_atenas.pdf
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194
ANEXO 1
CARTA DE ATENAS, 1931
(Disponível em:
<
http://www.mcu.es/patrimonio/cp/ccr/docs/carta_de_atenas.pdf>)
1. La Conferencia, convencida de que la conservación del patrimonio artístico y
arqueológico de la humanidad, interesa a todos los Estados defensores de la civilización,
desea que los Estados se presten recíprocamente una colaboración cada vez más extensa
y concreta para favorecer la conservación de los monumentos artísticos e históricos:
considera altamente deseable que las instituciones y los grupos calificados, sin
menoscabo del derecho público internacional, puedan manifestar su interés para la
salvaguarda de las obras maestras en las cuales la civilización ha encontrado su más alta
expresión y que aparecen amenazadas: hace votos para que las solicitudes a este efecto
sean sometidas a la Comisión de la Cooperación Intelectual, después de encuestas
hechas por la Oficina Internacional de Museos y después de ser presentadas a la atención
de cada Estado. Corresponderá a la Comisión Internacional de la Cooperación Intelectual,
después de las solicitudes hechas por la Oficina Internacional de Museos y después de
haber obtenido de sus organismos locales la información pertinente. Dictaminar sobre la
oportunidad de las medidas a tomar y sobre los procedimientos a seguir en cualquier
caso particular.
2. La conferencia escuchó la exposición de los principios generales y de las teorías
concernientes a la protección de monumentos. Observa que, a pesar de la diversidad de
casos especiales en los que se pueden adoptar soluciones específicas, predomina en los
diferentes Estados presentados, la tendencia general a abandonar las restituciones
integrales y a evitar sus riesgos mediante la institución de obras de mantenimiento
regular y permanente, aptos para asegurar la conservación de los edificios.
En los casos en los que la restauración aparezca indispensable después de
degradaciones o destrucciones, recomienda respetar la obra histórica y artística del
pasado, sin menospreciar el estilo de ninguna época.
La Conferencia recomienda mantener, cuando sea posible, la ocupación de los
monumentos que les aseguren la continuidad vital, siempre y cuando el destino moderno
sea tal que respete el carácter histórico y artístico.
3. La Conferencia escuchó la exposición de las legislaciones promulgadas en cada país
con el fin de proteger a los monumentos de interés histórico, artístico o científico, y
aprobó unánimemente la tendencia general que consagra en esta materia un derecho de
la colectividad en contra del interés privado.
La Conferencia ha constatado que la diferencia entre estas legislaciones procede
de la dificultad de conciliar el derecho público con el derecho privado y, en consecuencia,
si bien aprueba la tendencia general, estima que estas legislaciones deben ser
apropiadas a las circunstancias locales y al estado de la opinión pública, para encontrar la
menor oposición posible y para tener en cuenta el sacrificio que los propietarios deben
hacer en el interés general.
La Conferencia desea que en cada Estado la autoridad pública sea investida del
poder para tomar medidas de conservación en casos de urgencia. Desea en fin, que la
Oficina Internacional de Museos Públicos ponga al día una lista comparativa de las
legislaciones vigentes en los diferentes Estados sobre este tema.
4. La Conferencia constata con satisfacción que los principios y las técnicas expuestas en
las diferentes comunicaciones se inspiran en una tendencia común, a saber: cuando se
trata de ruinas, se impone una escrupulosa labor de conservación y, cuando las
condiciones lo permitan, es recomendable volver a su puesto aquellos elementos
originales encontrados (anastylosis); y los materiales nuevos necesarios para este fin
deberán siempre ser reconocibles. En cambio, cuando la conservación de ruinas sacadas
195
a la luz en una excavación, fuese reconocida como imposible, será aconsejable, más bien
que destinarlas a la destrucción enterrarlas nuevamente, después, naturalmente de
haber hecho levantamientos precisos.
Es evidente que la técnica de excavación y de conservación de restos impone la
estrecha colaboración entre el arqueólogo y el arquitecto. En cuanto a los otros
monumentos, los expertos, reconociendo que cada caso se presenta con características
especiales, se han encontrado de acuerdo en aconsejar que antes de cualquier obra de
consolidación o de parcial restauración se haga una escrupulosa investigación acerca de
la enfermedad a la cual se va a poner remedio.
5. Los expertos escucharon varias comunicaciones relativas al empleo de materiales
modernos para la consolidación de los edificios antiguos, y han aprobado el empleo
juicioso de todos los recursos de la técnica moderna, muy especialmente del concreto
armado.
Expresan la opinión de que normalmente estos medios de refuerzo deben estar
disimulados para no alterar el aspecto y el carácter del edificio a restaurar; y
recomiendan el empleo de dichos medios, especialmente en los casos en que aquellos
permiten conservar los elementos “in situ”, evitando los riesgos de la destrucción y de la
reconstrucción.
La Conferencia constata que en las condiciones de la vida moderna los monumentos del
mundo entero se encuentran más amenazados por los agentes externos; si bien no
pueden formular reglas generales que se adapten a la complejidad de los distintos casos
recomienda:
1. La colaboración en cada país de los conservadores de monumentos y de los
arquitectos con los representantes de las ciencias físicas, químicas y naturales para
lograr resultados seguros de cada vez mayor aplicación.
2. La difusión por parte de la Oficina Internacional de Museos de estos resultados,
mediante noticias sobre los trabajos emprendidos en los varios países y mediante
publicaciones regulares.
La Conferencia considera, en referencia a la conservación de la escultura
monumental, que el traslado de esas obras fuera del contexto para el cual fueron creadas
debe considerarse, como principio, inoportuno. Recomienda, a modo de precaución, la
conservación de los modelos originales cuando todavía existen y la ejecución de copias
cuando estén faltando.
7. La Conferencia recomienda respetar, al construir edificios, el carácter y la fisonomía de
la ciudad, especialmente en la cercanía de monumentos antiguos, donde el ambiente
debe ser objeto de un cuidado especial. Igualmente se deben respetar algunas
perspectivas particularmente pintorescas. Objeto de estudio, pueden ser también las
plantas y las ornamentaciones vegetales adaptadas a ciertos monumentos o grupos de
monumentos para conservar el carácter antiguo.
La Conferencia recomienda sobre todo la supresión de todos los anuncios, de toda
superposición abusiva de postes e hilos telegráficos, de toda industria ruidosa e intrusa,
en la cercanía de los monumentos artísticos e históricos.
8. La Conferencia emite el voto:
1. Que todos los Estados, o bien las instituciones creadas en ellos y reconocidas
como competentes para tal fin, publiquen un inventario de los monumentos
históricos nacionales, acompañado por fotografías y notas.
2. Que cada Estado cree un archivo donde se conserven los documentos relativos
a los propios monumentos.
3. Que la Oficina Internacional de Museos dedique en sus publicaciones algunos
artículos a los procedimientos y a los métodos de conservación de los
monumentos históricos.
4. Que la misma Oficina estudie la mejor difusión y el mejor uso de las
indicaciones de los datos arquitectónicos, históricos y técnicos así recabados.
9. Los miembros de la Conferencia, después de haber visitado en el curso de sus trabajos
y de las giras de estudio realizadas, algunas de sus principales excavaciones y algunos de
los monumentos antiguos de Grecia, rinden homenaje unánime al Gobierno griego, que
desde hace muchos años, además de asegurar por su parte la realización de trabajos
196
considerables, ha aceptado la colaboración de los arqueólogos y especialistas de todos
los países. En eso han visto, los miembros de la Conferencia, un ejemplo que no puede
más que contribuir a la realización de los fines de cooperación intelectual, de los cuales
ha aparecido tan viva la necesidad en el curso de los trabajos.
10. La Conferencia, profundamente convencida de que la mejor garantía de conservación
de los monumentos y de las obras de arte viene del afecto y del respeto del pueblo, y
considerando que este sentimiento puede ser favorecido con una acción apropiadas de
las instituciones públicas, emite el voto para que los educadores pongan empeño en
habituar a la infancia y a la juventud a abstenerse de cualquier acto que pueda
estropear los monumentos, y los induzcan al entendimiento del significado y, en general,
a interesarse en la protección de los testimonios de todas las civilizaciones.
197
ANEXO 2
Carta Internacional sobre Conservação e Restauração de
Monumentos e Sítios
Carta de Veneza - 1964
(Disponível em <
http://www.icomos.org.br/veneza.htm>)
Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo
perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A
humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as considera
um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente
responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na plenitude
de sua autenticidade.
É, portanto, essencial que os princípios que devem presidir à conservação e à
restauração dos monumentos sejam elaborados em comum e formulados num plano
internacional, ainda que caiba a cada nação aplicá-los no contexto de sua própria cultura
e de suas tradições.
Ao dar uma primeira forma a esses princípios fundamentais, a Carta de Atenas de 1931
contribui para a propagação de um amplo movimento internacional que se traduziu
principalmente em documentos nacionais, na atividade de ICOM e da UNESCO e na
criação, por esta última, do Centro Internacional de Estudos para a Conservação e
Restauração dos Bens Culturais. A sensibilidade e o espírito crítico se dirigem para
problemas cada vez mais complexos e diversificados. Agora é chegado o momento de
reexaminar os princípios da Carta para aprofundá-las e dotá-las de um alcance maior em
um novo documento.
Consequentemente, o Segundo Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos
Monumentos Históricos, reunido em Veneza de 25 a 31 de maio de 1964, aprovou o
texto seguinte:
DEFINIÇÕES
Artigo 1
A noção de monumento histórico compreende, além da obra arquitetônica em si, os sítios
urbanos e rurais, testemunhos de uma civilização determinada de uma evolução
significativa, e de fato histórico. Compreende as grandes criações, e também as obras
modestas, que, através do tempo, adquiriram valor cultural significativo.
Artigo 2
A conservação e a restauração de monumentos constituem disciplina que apela para
todas as ciências e todas as técnicas, que possam contribuir para o estudo e salvaguarda
do patrimônio monumental.
198
FINALIDADE
Artigo 3
A conservação e a restauração de monumentos visam a salvaguardar tanto da obra de
arte, quanto o testemunho histórico.
CONSERVAÇÃO
Artigo 4
A conservação de monumentos exige, em primeiro lugar, sua permanente manutenção.
Artigo 5
A conservação dos monumentos será sempre favorecida, quando se atribuir aos mesmos
destinação de utilidade social.
Essa utilização, porém, não pode alterar a ordem dos elementos decorativos dos
edifícios. Dentro desses limites, cumpre conceituar e autorizar as reformas, que a
evolução dos usos e costumes esteja a exigir.
Artigo 6
A conservação do monumento implica a de sua área envoltória. Quando o quadro
tradicional subsiste, ele deve ser conservado, sendo proscritas as construções,
demolições ou reformas que alterem suas relações de volume e colorido.
Artigo 7
O monumento é inseparável do ambiente em que se situa e do qual é testemunho
histórico.
A remoção total ou parcial de um monumento do sítio original para outro local não pode
ser tolerada, salvo se sua conservação assim o exigir, ou se razões de grande interesse
nacional ou internacional a justificarem.
Artigo 8
Os elementos decorativos de escultura e de pintura, que fazem parte integrante de um
monumento, não podem ser retirados, a não ser como única medida possível de garantir
sua conservação.
RESTAURAÇÃO
Artigo 9
A restauração, uma operação que deve manter caráter excepcional, tem por finalidade
conservar e revelar os valores estéticos e históricos do monumento, fundamentando-se
no respeito à substância antiga e na autenticidade dos documentos. Deve deter-se onde
começa a hipótese, e no plano das reconstituições conjunturais, o trabalho
complementar, considerado indispensável por razões estéticas ou técnicas, deverá se
destacar da composição arquitetônica, levando consigo a marca de nosso tempo.
199
A restauração sempre será precedida e acompanhada de estudo arqueológico e histórico
do monumento.
Artigo 10
Quando as técnicas tradicionais se revelarem inadequadas, a consolidação de um
monumento será assegurada, com o recurso de todas as técnicas modernas de
conservação e de construção, cuja eficácia tenha comprovação científica e garantia
firmada pela experiência.
Artigo 11
Os acréscimos à construção de um monumento são marcas respeitáveis de todas as
épocas, e devem permanecer, uma vez que a unidade do estilo não constitui a meta final
da restauração. Quando em um edifício vários acréscimos se superpõem, o resgate de
um estágio subjacente não se justifica, senão excepcionalmente, e, sob a condição de
que os elementos retirados não sejam representativos, a composição descoberta deve
constituir testemunho de grande valor histórico, arqueológico ou estético, e seu estado
de conservação considerado suficiente. O julgamento sobre o valor dos elementos em
questão e a decisão das eliminações a operar não poderão depender somente do autor
do projeto.
Artigo 12
Os elementos destinados a substituir as falhas existentes devem integrar-se
harmoniosamente ao conjunto, distinguindo-se nitidamente das partes originais, para
que a restauração não falsifique o documento de arte e história.
Artigo 13
Os acréscimos não serão tolerados, a não ser que digam respeito a todas as partes do
edifício, sua área envoltória, o equilíbrio de sua composição e suas relações com o meio
ambiente.
SÍTIOS MONUMENTAIS
Artigo 14
Os sítios monumentais devem ser objeto de cuidados especiais, para salvar sua
integridade, assegurar seu mapeamento, sua localização e valorização.
Os trabalhos de preservação e restauração neles executados devem inspirar-se nos
princípios dispostos nos artigos precedentes.
ESCAVAÇÕES
Artigo 15
Os trabalhos de escavação serão executados segundo as normas definidas pela
"Recomendação relativa às escavações arqueológicas", adotadas pela Unesco em 1956.
A ordenação das ruínas e as cautelas necessárias à sua conservação, à defesa
permanente dos elementos arquitetônicos e dos objetos descobertos serão asseguradas.
200
Além dessas, outras iniciativas serão tomadas com o objetivo de explicar o monumento
descoberto sem deturpar seu significado. Deve-se excluir, a priori, qualquer trabalho de
reconstrução, sendo admitida somente a anastilose – recomposição de partes
encontradas desmembradas. Os elementos de integração devem ser claramente
reconhecíveis, e constituirão o mínimo necessário destinado a garantir a conservação do
monumento e a continuidade de suas formas.
DOCUMENTAÇÃO E PUBLICAÇÃO
Artigo 16
Os trabalhos de conservação, de restauro e de escavações serão sempre acompanhados
pela elaboração de uma documentação precisa em forma de relatórios, analíticos e
críticos, ilustrados por desenhos e fotografias.
Todas as fases do trabalho de resgate, consolidação, recomposição e integração, bem
como os elementos técnicos e formais identificados ao longo dos trabalhos, ficarão, dessa
maneira, assentados. A documentação será depositada em arquivos públicos e colocada
à disposição dos pesquisadores, sendo recomendada sua publicação.
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