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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
ANA PAULA FERREIRA DA SILVA
Reprovados, indisciplinados, fracassados: as micro-relações de insucesso
escolar na perspectiva
do “aluno problema”
Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade
SÃO PAULO
2009
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II
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
ANA PAULA FERREIRA DA SILVA
Reprovados, indisciplinados, fracassados: as micro-relações de insucesso
escolar na perspectiva
do “aluno problema”
Tese apresentada à Banca Examinadora
da Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo, como exigência parcial para
obtenção do título de Doutor em
Educação: História, Política, Sociedade,
sob a orientação do Professor Doutor
José Geraldo Silveira Bueno
SÃO PAULO
2009
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Errata
1. No resumo, página VIII, décima terceira linha, onde se “além das entrevistas
realizadas com os alunos”, lê-se “além das 50 entrevistas realizadas com os alunos”.
2. Ainda no resumo, página VIII, décima sexta linha, onde se lê “um relacionado ao
Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC) e outro ao modo como os alunos...”, lê-se “um
relacionado ao Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC) e sua ação política e outro ao
modo como os alunos...”.
3. Na página 12, na segunda linha do último parágrafo, onde se “compreender o
problema sobre o ângulo daqueles que são alvos de políticas públicas”, lê-se
“compreender o problema sobre o ângulo dos próprios alunos, ou seja, daqueles que
são alvos de políticas públicas”.
4. Na página 14, parágrafo 2ª, na sétima linha, onde se “a prova de que pouco se
importam com a sua escolarização”, lê-se “a prova de que pouco se importam com a
escolarização de seus filhos”.
5. Na página 14, parágrafo 3ª, na quinta linha, onde se lê “movimentarem-se dentro do
campo social”, lê-se “movimentarem-se no campo social”
6. Na página 15, parágrafo 4º, na terceira e quarta linhas, onde se lê “questões
referentes à organização dessas turmas e à atribuição dos professores, bem como às
táticas dos alunos, às marcas e aos estigmas que professores e alunos carregam”, lê-
se “questões referentes à organização dessas turmas, à atribuição dos professores, às
marcas e aos estigmas que professores e alunos carregam”
7. Na página 15, parágrafo 5º, na segunda linha, onde se “revelarão sua percepção
sobre o mundo escolar, expressando suas opiniões sobre comportamentos e
conhecimentos”, lê-se “revelarão as táticas utilizadas para esconder suas
fragilidades e sua percepção sobre o mundo escolar, expressando suas opiniões
sobre comportamentos e conhecimentos”.
8. Na gina 16, segundo parágrafo, quarta linha, onde se “pareceu ser uma
necessidade crescente”, lê-se “pareceu ser uma exigência crescente”.
9. Na página 21, parágrafo 4º, na terceira linha, onde se “e pela possibilidade de
divulgar seus estudos”, lê-se “e pela possibilidade de propagar seus estudos”.
10. Na página 27, ultima linha, onde se “generalizações errôneas”, lê-se
“generalizações indevidas”.
11. Na página 29, segundo parágrafo, ultima linha, onde se lê, determinados
contextos”, lê-se “contextos específicos”.
12. Na página 32, parágrafo 2º, segunda linha, onde se “considerar as comunidades
como um grupo isolado, “fechado em si mesmo”, -se “considerar as comunidades
como grupos isolados, “fechados em si mesmos”.
13. Na página 61, nota de rodapé 27, onde se lê, “no capítulo III, item a”, lê-se, “no
capítulo IV, item a”.
14. Na gina 77, primeiro parágrafo, quarta linha, onde se “uma redução de mais de
10.300 mil alunos” lê-se “uma redução de mais de 10.300 alunos”.
15. Na página 84, início do primeiro parágrafo, onde se “A formulação da sala”, lê-
se, “A formação da classe”.
16. Na página 96, item d, parágrafo 4º, quarta linha, onde se lê “ao ser chamada por esta
professora”, lê-se “ao ser chamada pela professora do PIC”.
17. Na gina 98, no início do ultimo parágrafo, onde se lê, “Quanto às colegas, diz
respeito a um aluno, -se, “Já a sensação de desvalorização sentida em relação às
colegas, diz respeito a um aluno...”
18. Na página 105, na segunda linha, onde se lê, “sobre o estágio de desenvolvimento
dos alunos”, lê-se “sobre as hipóteses em que cada aluno se encontrava no processo
de alfabetização”
19. Respectivamente nas ginas 125 e 128, onde se “Sala de Apoio às Necessidades
Especiais (SAPNE) e Sala de Apoio Pedagógico (SAP)”, lê-se Sala de Apoio e
Acompanhamento à Inclusão (SAAI)”.
20. Na gina 148, ultima linha do parágrafo, onde se deixem sentarem-se em
duplas”, lê-se “deixem sentar-se em duplas”.
21. Na página 157, segunda linha do parágrafo 2º, onde se “brigando com quem se
comporta inadequadamente”, lê-se “orientando quem se comporta
inadequadamente”.
22. Na página 160, parágrafo 6º, segunda linha, onde se “apenas de discutir em que
medida”, lê-se “apenas de analisar em que medida”.
23. Na gina 166, faltou acrescentar às referências bibliográficas: Giovanni, Luciana
Maria. 2006. A opinião de alunos sobre seus professores como campo de
observação do trabalho escolar. In.: FREITAS, Marcos Cezar de. (org). 2006.
Desigualdade social e diversidade cultural na infância e na juventude. São Paulo:
Cortez
III
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IV
Ao 4º ano E,
turma de “alunos problema”
que, em 2003, me ensinou muito mais
do que ser professora
V
Agradecimentos
No prefácio da obra A interpretação das Culturas, Geertz afirma que
“aqueles que me ajudaram sabem o que o fizeram e quanto”, e é nessa
perspectiva que gostaria de agradecer, pois para aqueles que
acompanharam o desenvolvimento desta pesquisa um muito obrigada” é
sinal de imensa gratidão.
À Fundação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), que financiaram, em momentos distintos, a pesquisa.
À Biblioteca Nacional, por disponibilizar materiais microfilmados do
acervo da Fundação.
À Imatec, especialmente a Rogério Criminelli de Oliveira, por tornar
possível a consulta a esses materiais.
Aos profissionais e alunos da escola pesquisada, pela generosidade e
por me deixarem participar de um pedaço de suas vidas. Infelizmente não
posso agradecer nominalmente a cada um, mas espero ter demonstrado
minha gratidão nos três anos de convivência. Que minhas análises façam
jus à batalha que travam diariamente para ensinar e aprender.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação: História, Política,
Sociedade, pela jornada de formação iniciada seis anos, quando do meu
ingresso no Mestrado. Agradeço por aceitarem minhas propostas de
investigação e por nutrirem-nas em cada aula, em cada atividade. A todos
os professores que compuseram o corpo docente nesse tempo, por
contribuírem decisivamente para minha formação. Concluir o doutorado
significa completar um ciclo de aprendizagem o apenas intelectual, mas
também pessoal.
À professora Luciana Maria Giovanni, por me aceitar como ouvinte,
quando a Pós-Graduação ainda parecia um objetivo distante.
VI
À professora Maria das Mercês Ferreira Sampaio, pelas inquietações
apontadas desde a dissertação.
À professora Mirian Jorge Warde, por testar continuamente o limite
da capacidade de compreensão conceitual e analítica, pois ainda busco
respostas para muitas das questões que me colocou.
Ao professor Marcos Cezar de Freitas, pelos primeiros passos no
universo acadêmico, pela orientação inicial desta tese e pela amizade.
Ao professor José Geraldo Silveira Bueno, por aceitar assumir a
orientação de um trabalho iniciado e especialmente pela confiança e
autonomia concedidas.
Aos professores Alda Junqueira Marin e Marcos Cezar de Freitas,
pelas contribuições precisas na Qualificação.
À Betinha, pela competência, paciência, prontidão, agilidade e
amizade.
À querida professora e amiga Ani Martins da Silva, que, na
graduação, incentivou-me a seguir os caminhos da pesquisa acadêmica,
demonstrando-se sempre disposta a me auxiliar nesta empreitada.
Às queridas amigas Karla, Julice e Márcia, pelos cafés com
“docinhos”, pelas discussões dos textos, pelas conversas e pelo apoio, na
certeza de que juntas ainda colheremos excelentes frutos.
A todos os demais amigos e colegas, cujos nomes não me
aventurarei a citar, para não me arriscar a esquecer de alguns que foram
realmente importantes, pelas discussões em sala de aula, nos eventos e nos
corredores. Àqueles “externos ao mundo acadêmico”, pela paciência e
compreensão nas minhas ausências em momentos de lazer e pelo interesse
em saber sobre a pesquisa, sempre me incentivando.
À minha preciosa família, incondicionalmente presente e
indispensável, que jamais deixou de impulsionar-me nos mais audaciosos
projetos. À minha mãe, incansável primeira leitora de minhas produções, e
VII
ao meu pai, um bom ouvinte sempre preocupado, mas muito confiante, por
me encorajarem a não desistir diante das adversidades, mas sim a crescer
com elas, pelos cuidados e pelas noites mal dormidas, pelo carinho,
confiança e senso de responsabilidade que investiram em mim. Ao Fábio,
esposo tão presente em todos os momentos, pela assessoria técnica, pelas
conquistas compartilhadas e, principalmente, pela paciência e pelo
aconchego nos momentos mais difíceis. À minha sogra, que dedicou parte
de sua vida à escola pública, pelas inúmeras discussões sobre Educação. E,
finalmente, à minha irmã, ao meu cunhado e a minha sobrinha por me
lembrarem que o empreendimento mais complexo que o homem pode
realizar leva apenas nove meses para ser concluído.
VIII
Resumo
Esta pesquisa objetivou compreender algumas questões relacionadas ao fracasso,
à indisciplina e à evasão escolar sob a perspectiva do aluno pobre, ou seja, daquele que
efetivamente vivencia a experiência de não ter se adaptado ao sistema formal de ensino
público. Tomando a abordagem micro-sociológica (Collins, 1988, 1981) como eixo
teórico-metodológico e as ferramentas antropológicas (Geertz, 2008, 2001 e Velho,
2003, 2002, 1997) que as pesquisas do tipo etnográficas (Woods, 1999, 1987) nos
propiciam, definiu-se observar as micro-relações escolares em seis diferentes turmas do
Ensino Fundamental I, de uma Escola Pública Municipal de São Paulo, localizada na
região noroeste da cidade, durante os anos de 2006 a 2008. Tal decisão garantiu que
minha presença, paulatinamente, fosse ignorada de modo a registrar no caderno de
campo (Cubides, Laverde e Valderrama, 1998) a realidade mais próxima das relações
pessoais e escolares ali vivenciadas. As anotações referentes às sessenta e oito visitas,
além das entrevistas realizadas com os alunos do e do ano das turmas de Projeto
atendidas no período da manhã em 2008, compõem o caderno de campo, anexo
digitalmente a esta pesquisa. Os dados foram organizados em questões centrais, sob
dois grandes eixos: um relacionado ao Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC) e outro ao
modo como os alunos percebem o processo de escolarização e suas próprias interações
entre pares e com os professores. Essas questões foram discutidas à luz dos referenciais
teóricos propostos por Lahire (2004), Dubet (2008, 2003b), Charlot (2002), Certeau
(1994), Velho (2003), Goffman (2004, 1988) e Elias e Scotson (2000). Considerando
que o objetivo central era compreender as micro-relações escolares relacionadas ao
insucesso escolar, as observações buscaram encontrar indícios de práticas que
auxiliassem ou dificultassem a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos, bem
como os critérios usados por aqueles identificados como alunos problema para se
diferenciar ou corroborar o seu pertencimento a este grupo. As análises demonstraram
que, parte dos alunos, além de estabelecer ticas, a fim de minimizar a exposição de
suas dificuldades diante do grupo e da própria professora, considera-se responsável pelo
próprio fracasso, ao mesmo tempo em que identifica, nas práticas escolares e na postura
dos professores, importantes aspectos capazes de influenciar seu desenvolvimento
escolar.
Palavras-chave: micro-sociologia, aluno problema, escolarização, fracasso escolar, pobreza.
IX
Abstract
This research focused on the understanding of questions related to failure,
indiscipline and school dropouts in the view of the poor student, i.e., the student that
effectively lives the experience of not adapting to the formal system of public
education. Taking the micro-sociological approach (Collins, 1988, 1981) as the
theoretical-methodological basis and the anthropological tools (Geertz, 2008, 2001 e
Velho, 2003, 2002, 1997) that ethnographic researches (Woods, 1999, 1987) provides
us, I decided to observe the school micro-relationships in six different classes of the
elementary school in a Public School of São Paulo, located in the northwest region of
the city, between years 2006 and 2008. Such decision assured that my presence was
gradually ignored, allowing to register in my Field Notes (Cubides, Laverde e Valeria,
1998) the closest reality of the personal and school relationships observed in that place.
The notes related to the sixty eight visits, plus the interviews with the students of 3rd
and 4th grade of the Project classes in the morning period of 2008 composes the Field
Notes, attached to this research. The data were organized in central questions, under two
main basis: one related to Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC), and other related to the
way students perceive the schooling process and their own interactions among peers and
with teachers. These questions have been discussed based on the theoretical references
proposed by Lahire (2004), Dubet (2008, 2003b), Charlot (2002), Certeau (1994),
Velho (2003), Goffman (2004, 1988) e Elias e Scotson (2000). Considering that the
main purpose was to understand the school micro-relationships related to failure, the
observations sought to find evidences of practices that help or complicate the learning
process and the student development, such as the criterias used by those identified as
trouble-students to distinguish themselves or to corroborate their belonging to this
group. The analyses have shown that part of the students, in addition to establishing
tactics in order to minimize the exposure of its weaknesses in front of the group and
even teachers, considers itself responsible for its own failure, at the same time that
identifies, in the school practices and in the teachers attitudes, important aspects that can
enable its development in school.
Keywords: micro-sociology, trouble student, schooling, failure, poverty.
X
Sumário
Introdução 12
Capítulo I 16
As contribuições daqueles que se aproximaram dos “alunos problema” 16
a) Do anormal à criança problema: a contribuição de Arthur Ramos 16
b) A expansão do ensino e a criança favelada: de vítimas a culpados 29
Capítulo II 43
O esforço da aproximação: bases metodológicas e a escola pesquisada 43
a) Alguns cuidados metodológicos para o mergulho do cotidiano escolar 46
b) O entorno da escola e sua clientela 53
c) Aspectos físicos e organização escolar 55
d) Os professores e funcionários: algumas situações observadas 60
e) A escola e a criminalidade: um estigma auto-atribuído? 64
Capítulo III 69
O Projeto Intensivo do Ciclo I: um espaço escolar de desvalorização? 69
a) O que os levantamentos estatísticos nos mostram sobre a evasão e repetência:
breves considerações 72
b) Diferentes organizações para uma mesma proposta 80
c) Por que assumir uma turma desprestigiada? 90
d) Desvalorização dos professores: vários casos, um sentimento 96
e) O que é o necessário para ser aprovado? 104
Capítulo IV 117
Uma questão de perspectiva: os alunos por si mesmos 117
a) Vencendo fragilidades: as táticas dos alunos 119
b) Por que fracassamos? 124
c) Não somos dignos de confiança? 129
d) Alunos e professores: o que diferencia os bons dos maus 141
Conclusão 158
Referências Bibliográficas 163
XI
Um dos efeitos mais devastadores do fracasso escolar é
convencer os perdedores de sua indignidade; eles
acabam se recusando a intervir no debate escolar.
Na escola como na guerra, são os vencedores que
escrevem a história, jamais os vencidos.
Dubet, 2008, p.118
12
Introdução
Não são poucos os pesquisadores que, há algumas décadas, tanto no Brasil
quanto no mundo todo, empenham-se em compreender os aspectos que envolvem o
fracasso, a indisciplina, a evasão escolar. Isto desafia aqueles que se propõem a
mergulhar nesse campo de estudo a não “dizer o mesmo com outras palavras”
1
.
Um segundo desafio impõe-se, quando tais questões pretendem ser objeto de
uma tese de doutoramento, porque se espera que contribua acrescentando, de modo
renovado, dados e análises às produções já existentes.
Diante desses dois desafios, essa pesquisa pretendeu estudar tais questões na
perspectiva de quem fracassou, de quem foi considerado indisciplinado e daqueles que
pouco permaneceram na escola, por logo terem evadido.
Assumiu-se expressamente, desde o título, a abordagem micro-sociológica,
demonstrando que o esforço empreendido intenta resgatar os aspectos analíticos que
apenas a perspectiva microscópica possibilita. Isso não pressupõe, entretanto, que se
desconsidere ou abandone a concepção macro-social. Ambas m seus valores e
limitações e, como Collins (1988, p.242) nos ensina, “o objetivo é construir uma
sociologia explicativa”.
O objetivo da micro-transferência não é dedicar-se a colocar tudo no menor
nível possível, como se nós estivéssemos separando as instituições sociais das
interações sociais. A micro-sociologia – os princípios de como as pessoas
interagem como corpos humanos visíveis, sons e cheiros de cada um é a mais
sólida parte do que nós sabemos sobre o mundo social, e que nós entendemos
sobre os padrões mais amplos e de mais longo prazo quando nós vemos como
eles são compostos de tantas micro-situações.
2
Estudar as formas de insucesso escolar na perspectiva de sujeitos concretos é
uma escolha fundamentada na necessidade de compreender o problema sobre o ângulo
daqueles que são alvos de políticas públicas, de propostas e projetos sociais, de
categorias analíticas.
1
Dentre os autores que pesquisam essas questões, podemos citar Lahire, 2004; Dubet, 2008, 2007, 2006,
2003a/b; Charlot, 2002, 2001, 2000; Sampaio, 2004, 2002, 2000; Ferraro, 2004, 1994, 1982, 1980; Patto,
1999, 1981, 1973; Beisiegel,1985, 1982, 1981a/b; Ghanem, 2004; Martins, 2002, 1997, 1993; Paiva,
Guimarães, Paiva, Durão, 1998; Sposito, 1992; Grisay, 2004; Ricardo Filho, 2005. Na obra Fracasso
Escolar: uma perspectiva multicultural, de Marchesi e Hernández Gil (orgs.) (2004), temos um panorama
das pesquisas realizadas sobre esse tema em diferentes países.
2
No original: “The aim of micro translation is not to pursue everything to the smallest possible level, as if
we were to take social institutions apart into social interactions. […] Micro-sociology the principles of
how people interact as human bodies in sight, sound and smell of each other is the solidest part of what
we know about the social world, and that we understand the larger and more long-term patterns when we
see how they are composed of such micro-situations.
13
A segunda decisão foi estudar os alunos que freqüentam o Ensino Fundamental
I, por dois motivos: primeiramente, porque as marcas de insucesso escolar, para alguns,
estão presentes desde os primeiros anos de escolarização e isso acarreta uma relação
singular entre alunos e escola; em segundo lugar, porque grande parte das pesquisas
enfatiza o final dos níveis de ensino, dando destaque para o fracasso na 8ª série do
Ensino Fundamental ou no ano do Ensino Médio, onde geralmente a repetência e a
evasão são mais nítidas.
Tais escolhas fundamentam-se na inquietação de compreender a escolarização
seja em termos de aprendizagem, seja de relações sociais sob a perspectiva de quem
foi considerado fracassado, indisciplinado, reprovado. Que tipo de atendimento escolar
está disponível a esses alunos? Como é o relacionamento com a equipe escolar? Sob
quais condições são atendidos pelos professores? O que serve para caracterizá-los como
alunos problema? Como o fracasso é percebido e quais as implicações efetivas em suas
vidas? O que entendem por bons e maus alunos? E os professores, poderiam ser
classificados entre bons e maus?
Para responder a essas questões, foi necessário apreender quais critérios a equipe
escolar utilizou para diferenciar os “alunos problema”, para então conhecer
efetivamente quem são e como administram suas relações escolares. Entender a trama
em que estão inseridos demanda conversar com professores e funcionários da escola,
observar o que esses alunos fazem nas salas de aula, no recreio e nas horas livres e
perceber que posições ocupam em relação aos seus familiares, buscando compreender
de que modo suas vidas se processam dia após dia.
O objeto desta pesquisa não é novo, tampouco este é o primeiro trabalho que
empreendeu “conhecer de perto” o aluno que não se adaptou ao sistema escolar
brasileiro. Nesse sentido, tornou-se fundamental resgatar alguns estudos que se
aproximaram dos alunos e identificaram os aspectos que serviam para diferenciá-los,
como foram nomeados e renomeados e quais os impactos provocados.
Para apresentar novas análises sobre esse aluno que não se adaptou ao sistema de
ensino e fracassou, o referencial metodológico fundamentou-se em Geertz (2008, 2001)
especialmente pela contribuição analítica que o conceito de “descrição densa” ao
registro de campo e em Woods (1999, 1987), por instrumentalizar o pesquisador que
se propõe a estudar a escola na perspectiva etnográfica.
Em relação ao referencial teórico, propôs-se a utilização de algumas categorias
analíticas enfatizadas na forma interpretativa de Dubet (2008, 2003b), Lahire (2004),
14
Charlot (2002), Certeau (1994) e Velho (2003, 2002, 1997) por se aproximarem, em
escala microscópica, das questões sociais. Elias e Scotson (2000) e Goffman (2004,
1988) possibilitam o entendimento do modo como a “exclusão” engenhosamente se
processa, a ponto de garantir coesão aos incluídos.
Dubet (2008, 2003b), ao abordar a exclusão como dimensão da experiência
escolar dos alunos, expõe as ferramentas utilizadas pela escola para diferenciá-los e
hierarquizá-los, não apenas possibilitando mais oportunidades aos mais favorecidos,
mas também atribuindo o fracasso aos próprios sujeitos vencidos. De modo
complementar, mas sob a perspectiva da “relação com o saber”, Charlot (2002)
contribui para a compreensão do modo como a escola prioriza o ensino do bom
comportamento em detrimento dos saberes escolares, desvelando o sentido de “ir à
escola”, “estudar” e “aprender”, para os alunos dos meios populares franceses.
Lahire (2004) subsidia-nos a compreender o sucesso escolar daqueles que, de
antemão, deveriam ser considerados como os perdedores do sistema escolar. Ao estudar
“as razões do improvável” sucesso de crianças e jovens advindos dos meios populares,
indica, especialmente, o conceito do “mito da omissão parental”, capaz de elucidar tanto
a “nova” relação estabelecida entre as famílias menos favorecidas e a aprendizagem de
seus filhos, quanto a percepção errônea da escola, que considera a ausência física dos
pais a prova de que pouco se importam com a sua escolarização.
Um conceito fundamental para a análise de alguns dados que se referem à
relação dos alunos com a escola é o de tática”, elaborado por Certeau (1994), que
viabiliza reconhecer os artifícios usados pelos alunos diante de suas fragilidades. Outros
recursos disponíveis, que garantem a professores e alunos fazerem escolhas e
movimentarem-se no campo social, tornam-se decifráveis diante dos conceitos de
“projeto” e de “caso limite”, propostos por Velho (2003, 2002, 1997). Dentro das
possibilidades reais de elaboração da vida, a noção de “projeto” garante ao sujeito tomar
decisões, de modo que suas aspirações e desejos sejam preservados, ou seja, permite-lhe
estabelecer uma margem relativa de escolha”. Já o “caso limite” viabiliza estudar
situações em que a violência individual se torna uma estratégia de ação para que
determinado fim seja alcançado.
Goffman (1988) enriquece o debate, na medida em que identifica de que modo
estigmas o atribuídos a determinadas pessoas, tornando-as desacreditadas ou
desacreditáveis. Especialmente na obra Estabelecidos e Outsiders”, Elias e Scotson
(2000) ajudam-nos a entender como sujeitos com condições de vida tão próximas
15
conseguem atribuir, de modo engenhoso, características pejorativas a determinadas
pessoas ou grupos, de modo a torná-los distantes”, excluídos, garantindo, assim, a
coesão de seu próprio grupo.
A proposta de organização dos capítulos intenta apresentar histórica e
metodologicamente o percurso do objeto estudado, recorrendo às bases teóricas,
conforme os dados empíricos vão se apresentando. O percurso que o leitor fará em
muito se assemelha àquele feito durante a pesquisa, de modo que algumas informações
e relatos serão abordados em mais de um tópico, pois o cotidiano não se organiza de
forma a disponibilizar os fatos separadamente em categorias analíticas.
Deste modo, no primeiro capítulo serão relatadas duas pesquisas realizadas na
primeira metade do século XX, que empreenderam conhecer concretamente os alunos e
suas dificuldades escolares. A primeira, sob a coordenação de Arthur Ramos e a
segunda, realizada por Josildeth Consorte, então membro do Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais (CBPE).
No segundo capítulo, serão apresentados os cuidados metodológicos necessários
à realização de uma pesquisa etnográfica, bem como a caracterização, de modo
abrangente, da localização física da escola e do seu funcionamento geral. É necessário
apresentar ao leitor os critérios utilizados na sua seleção e os sujeitos pesquisados, para
então descrever minuciosamente o cotidiano escolar. A riqueza dos dados empíricos
torna possível apreender suas realidades, dando novamente vida e significado as suas
ações e escolhas.
O terceiro capítulo relatará o funcionamento das salas do PIC, ou seja, das
classes criadas à luz de um projeto específico aos alunos repetentes. Nele, serão
abordadas questões referentes à organização dessas turmas e à atribuição dos
professores, bem como às táticas dos alunos, às marcas e aos estigmas que professores e
alunos carregam e à relação de ambos com os demais funcionários da escola, além dos
critérios utilizados para considerá-los aptos ou não a cursar a 5ª série.
Finalmente, no quarto capítulo, essas crianças e jovens matriculados nas turmas
do PIC revelarão sua percepção sobre o mundo escolar, expressando suas opiniões sobre
comportamentos e conhecimentos capazes de caracterizar e diferenciar um bom ou um
mau aluno, quais condutas determinam e distinguem o bom e o mau professor, quais
atividades pedagógicas consideram mais agradáveis, os motivos aos quais atribuem a
sua retenção e, ao indicarem as práticas escolares que vivenciam, têm a oportunidade de
esboçar as que desejam.
16
Capítulo I
As contribuições daqueles que se aproximaram dos “alunos problema
A proposta deste capítulo é resgatar alguns estudos que, desde o início do século
XX, analisaram “de perto” os alunos que, de algum modo, não correspondiam às
expectativas da escola e de seus professores.
Como veremos, a expressão “aluno problema” é datada, mas a necessidade de
nomear quem não se adaptou à escola possibilitou diferenciar aqueles alunos que
apresentavam qualquer tipo de incapacidade ou inabilidade para a aprendizagem.
Justificar as causas desse desajuste pareceu ser uma necessidade crescente no século
XX.
Alguns estudiosos, a seu tempo e entre limites e possibilidades, empreenderam
estudos que se aproximaram desses sujeitos e averiguaram quais fatores – sociais,
biológicos e psicológicos poderiam influir no seu desempenho escolar. Entre eles,
destaca-se, neste texto, o esforço de Arthur Ramos e Josildeth Consorte,
respectivamente nos anos de 1930 e 1950, no sentido de questionar as marcas até então
atribuídas às crianças fracassadas.
Atualmente, ambos poderiam ser considerados como estudos micro-
sociológicos, pois suas análises foram realizadas a partir da aproximação concreta
daqueles sujeitos “não adaptados” ao sistema escolar. Neles encontramos fragmentos
que demonstram a maneira como a sociedade brasileira e a escola alimentaram uma
“aversão” ao aluno “propenso” ao fracasso – nomeando-os como anormal, criança
problema, criança favelada e os conteúdos que serviram para identificá-los e
diferenciá-los.
a) Do anormal à criança problema: a contribuição de Arthur Ramos
A expressão “anormal”, herdada dos países europeus (entre os séculos XVIII e
XIX), chegou ao Brasil quase que no mesmo momento em que os movimentos da
Antropometria, da Psicometria e da Psicologia Experimental ganhavam força. Por meio
da aplicação dos testes psicológicos, tornou-se possível mensurar a inteligência das
crianças e Binet e Simon, os pais dos testes de inteligência”, possibilitaram que a
“idade mental” fosse confrontada à idade cronológica, determinando, assim, o
17
“quociente intelectual” (QI). Uma criança, portanto, poderia ser avaliada e classificada,
segundo esse método, como “super-normal”, “normal” ou “atrasada mental”, sendo esta
última categoria organizada em três grupos: beis, imbecis e idiotas, respectivamente
do menor grau de atraso para o maior (cf. Ramos, 1939a, p.XIV).
No Brasil, a introdução dessas idéias de mensuração e classificação encontrou
eco na busca por explicações para o atraso do país. O homem miscigenado e a criança
passaram a ser alvos das práticas laboratoriais, fosse para verificar “os danos da
mestiçagem” ou ainda para regenerar o país” por meio da educação. (cf. Freitas, 2002,
p.351)
A psicometria e a pedagogia experimental, no Brasil, desdobravam-se das ações
laboratoriais produzidas sob a cura da antropologia que, de certa forma, era
também interpretada como uma ciência capaz de organizar a ação da medicina
enquanto “ciência da sociedade”. O encontro dessas ciências com a psicologia
experimental tornou a criança e o homem miscigenado objetos de práticas
laboratoriais destinadas a aferir possibilidades e, principalmente,
impossibilidades das pessoas diante dos imperativos da civilização. (cf. Freitas,
2002, p.349)
A Medicina, a Antropologia e a Psicologia, no início do século XX deram ao
saber pedagógico um caráter “novo, moderno, experimental e científico” (cf. Carvalho,
2003, p.291, itálico no original).
Portanto, o esforço para identificar as anormalidades e degenerescências não
ficou a cargo apenas do campo educacional. dicos e higienistas empreendiam ações
cujo objetivo era sanear o país para que fosse possível tirá-lo do atraso. Conforme
Cunha (2007, p. 450), no Brasil, a história da cientifização da escola teve um
importante marco no século XIX, que coincidiu com a campanha levada a cabo pelos
médicos higienistas para modernizar a família brasileira”. Entretanto, foi a partir de
1920 que a relação entre saúde e educação intensificou-se.
Nos anos 20 [...] saúde e educação se apresentavam, para seus agentes, como
questões indissociáveis. No campo da saúde, firma-se [...] a convicção de que
medidas de política sanitária seriam ineficazes se não abrangessem a introjeção
nos sujeitos sociais, de hábitos higiênicos, por meio da educação. No
movimento educacional da mesma década, a saúde é um dos pilares da grande
campanha de regeneração nacional pela educação. (Carvalho, 2003, p.305)
No início do século XX, as preocupações crescentes com o controle de
epidemias e a idéia de que seria possível erradicar as doenças incutindo hábitos de
higiene na população tornaram a criança e a escola não apenas os principais alvos das
campanhas higienistas, mas também possibilitaram que a saúde fosse chamada para
18
explicar as inadequações dos alunos ao sistema escolar.
Os princípios científicos pautaram muitas ações educacionais e, em
determinados momentos, serviram para explicar racionalmente” as defasagens
escolares e inclusive determinar níveis de anormalidade, por meio dos testes
psicológicos. Conforme assinalou Dante Moreira Leite, os critérios que separam as
crianças normais das chamadas retardadas podem ser muito sutis, pois
a classificação de uma criança como mentalmente retardada depende do grupo
de que faz parte, e onde foi feita a medida de inteligência. [E explica que] o
grande problema para essa delimitação refere-se ao grupo de crianças que estão
no limiar de retardamento [pois,] se considerarmos que um QI abaixo de 85
indica retardamento, nesse grupo incluiremos número muito maior de crianças
do que quando aceitamos o limite no QI de 70”. (Leite, 1972, p. 322)
Essa subjetividade esteve presente o apenas nos testes psicológicos, mas
também nos critérios utilizados pelos professores para identificar os alunos anormais.
Na obra de Arthur Ramos temos dezenas de exemplos de alunos ditos anormais
que, mediante seu levantamento, não apresentavam nenhum tipo de deficiência no
desenvolvimento físico ou mental.
No início de 1933, Arthur Ramos assumiu a Seção de Ortofrenia e Higiene
Mental (S.O.H.M.) do Instituto de Pesquisas Educacionais do Distrito Federal, a convite
de Anísio Teixeira e sob a gestão de Pedro Ernesto. Dada sua formação dica e seu
interesse pela Psiquiatria, Ramos propôs uma abordagem bastante característica da
higiene mental nas escolas. Em 1934, instalou clínicas ortofrênicas, em seis escolas
experimentais
3
, cujos trabalhos abrangiam tratamentos dicos, acompanhamento para
professores e familiares das crianças, além de orientarem os “fisicamente sãos”. Nas
suas palavras, o Serviço de Ortofrenia e Higiene Mental “auxilia a tarefa pedagógica,
prevenindo e corrigindo todas as falhas que impliquem uma inhibição momentanea ou
um defeito mais grave de carater, dificultando o trabalho educativo” (Ramos, 1934,
p.03). A proposta, portanto, era atuar de modo a conservar a criança normal e prevenir
maus hábitos, além de “ajustar a criança desajustada”.
Na obra A família e a escola conselhos da higiene mental aos pais, publicada
em 1934 pelo Instituto de Pesquisas Educacionais, afirma que
a Higiene Mental e a Ortofrenia não se ocupam somente com a criança e o
escolar. Vão mais além. Estudam a personalidade dos pais e dos mestres, o seu
comportamento no lar e na escola, a atitude em relação às crianças, o ambiente
do lar, da escola, os binomios pais-filhos, professores-alunos ou grupos sociais
3
Para mais informações, cf. Freitas e Biccas, 2009, pp. 80-83.
19
mais largos, na familia, na escola, no meio social, na vida do grupo, ajustando,
prevenindo, corrigindo, facilitando a tarefa educativa. (Ramos, 1934, p.04)
De modo geral, o texto de Ramos aborda a questão da formação psicológica da
criança e indica que de nada adianta a casa ser higienizada, se as relações humanas
existentes naquele espaço não contribuírem para o seu desenvolvimento sadio.
Entre as diferentes situações identificadas pelo autor como capazes de gerar o
desajustamento da criança, temos o caso do filho único, do filho amado ou odiado, das
relações entre irmãos, dos conflitos familiares e a interferência de outros parentes na
formação da psique infantil, todos abordados em capítulos próprios.
Em cada um deles, Ramos apresenta casos reais de crianças atendidas em sua
clínica. Esse tipo de texto – que atrela à explicação científica alguns exemplos reais e os
encaminhamentos sugeridos aos pais e/ou professores caracterizou-se pelo tipo de
levantamento e de pesquisa que desenvolvia e sua forma mais acabada pode ser
conferida na obra A creança problema, publicada em 1939. Nela, o autor apresenta as
mais diversas situações que podem gerar uma inadequação social da criança, citando
casos escolares que foram atendidos pela Seção de Ortofrenia e Higiene Mental.
Entre 1934 e 1939, cerca de dois mil alunos
4
, entre os quais aqueles
considerados “difíceis”, foram observados em escolas públicas experimentais do
Distrito Federal. Desse empreendimento resultou um grande levantamento sobre “a
creança dentro das suas constellações totaes de vida e de experiencia” (Ramos, 1939a,
p.XI)
Nas fichas de atendimentos constavam anotações sobre o sexo e a idade da
criança, a profissão dos pais, indicando se eram vivos e se dispunham de boa saúde, em
que circunstâncias se deram a gestação e o parto, se tinha irmãos e/ou outros familiares
morando na mesma casa, quais as condições de habitação, informações sobre as
atividades desenvolvidas durante o dia, as alterações do sono, seus medos e aspectos da
4
Segundo Fernando de Azevedo (1963, p.718), “no qüinqüênio de 1932-1936, o ensino primário [no
país] cresceu de 100 para 129 [...], isto é, as unidades primárias que eram 27 662, em 1932, subiram a
35 555, em 1936.[...] Em 1938 a matrícula nas escolas primárias, de ensino comum e supletivo, atingiu ao
total de 3 110 000 alunos ou, mais precisamente, 3 109 784, contra 2 860 000 no ano anterior e, portanto,
de um ano para outro, um acréscimo de mais de 232 mil alunos matriculados. [...] A matrícula subiu um
pouco mais de 2 milhões em 1932 para cerca de 3 milhões e 110 mil, no exercício de 1938, revelando um
crescimento de 50% em relação àquele primeiro total ou de 40%, se levarmos em conta o crescimento
(10%) da população total, naquele mesmo período. Por mil habitantes, em 1932, só possuíamos 50 alunos
matriculados; em 1937, êsse número subiu a 62 e, em 1938, atingiu a 70, – o que representa um
considerável crescimento da rêde escolar, de ensino primário, comum e supletivo, e o maior verificado,
em igual período, nos últimos cinqüenta anos.” Esta passagem demonstra que o total de alunos que
Ramos observou, no Distrito Federal, correspondia entre 0,06% e 0,1% da população escolar primária
do país.”
20
personalidade. Em seqüência, apresentavam os hábitos e as queixas escolares e se havia
problemas orgânicos. Finalmente indicavam os tratamentos médicos necessários e as
orientações aos pais e/ou mestres. A título de exemplo, segue um registro:
Obs. 4 (Escola “Manoel Bonfim”, ficha nº109 do S.O.H.M.). O.T., menino de
13 annos, côr branca. Pai fallecido, quando a creança tinha um anno de idade. A
mãe é professora particular, bôa saúde. Tem uma irmã de 19 annos, que trabalha
no commercio. Em casa mora ainda um tio materno solteiro. A creança é muito
mimada por todos. “Mamãe gosta mais de mim, porque sou o caçula”, diz o
menino. Moram em casa alugada, de villa, bom aspecto. Não ha
accommodações para a criança, que dorme no mesmo quarto com a mãe e a
irmã. Nada de anormal na historia obstetrica materna. Dorme no mesmo leito da
mãe. Portas fechadas. Tem medo de ladrão e de fantasmas. Tem medo da
escuridão e do isolamento. Não brinca em casa.
Na escola, gosta de ping-pong e bola. Bons habitos de limpeza corporal. É
pallido, cabellos pretos bem distribuídos. É taciturno, desconfiado e timido, às
vezes agitado. Aprendizagem fraca. O exame organico revelou lues congenita,
reflexos exaggerados, facies adenoideana.
A orientação consistiu no tratamento organico, especifico, ao lado de conselhos
à mãe, no sentido de corrigir a attitude de amparo, protecção e carinho
demasiados com o filho. (Ramos, 1939a, p.30)
Como anteriormente citado, a proposta dessas clínicas não era atuar somente
junto às “crianças desajustadas”. Para Ramos, era necessário estudar a criança normal
para compreender as questões que levam outras ao desajustamento. Da mesma forma, a
família e as professoras recebiam orientações, pois, de modo geral, pressupunha-se que
todas as questões geradoras de comportamentos inadequados eram causadas por
tratamentos inconvenientes dispensados às crianças pelos adultos.
Dentre as inúmeras situações relatadas por Ramos, destaca-se o levantamento
realizado por sua equipe para examinar quais fatores eram utilizados pelos professores
para classificar determinados alunos como “anormais”.
Verificou-se que aproximadamente 90% das crianças consideradas anormais não
tinham nenhum “[defeito constitucional, hereditário], ou de causas varias que lhes
produzissem um desequilibrio das funcções neuro-psychicas, [que lhes impedissem] de
ser [educadas] no ambiente da escola commum” (Ramos, 1939a, p. XI), entretanto,
“essas pobres creanças [eram] victimas da incomprehensão dos adultos, do seu meio, da
sua familia, da escola” (
Ramos, 1939a,
p.XVII).
Essa constatação possibilitou que, naquele momento, o aluno fosse
compreendido na sua integralidade, revelando suas condições de vida e o modo como se
davam as relações sociais entre adultos e crianças. Permitiu, também, o questionamento
do termo “anormal”, pois, na medida em que servia para nomear todo tipo de
21
inadequação infantil fosse física, mental, social, emocional ou cultural não tinha
qualquer tipo de utilidade.
Nesse sentido, Ramos (1939a, p. XII) pontua que “esta nossa tentativa é
contemporanea de outras, em varios paizes, que estão reagindo contra as velhas
concepções que vinham estudando a ‘creança anormal’ das escolas” e propõe o
conceito de “creança problema”, em substituição ao termo pejorativo e estreito
de “creança anormal”, para indicar todos os casos de desajustamento
caracterológico e de conducta da creança, ao seu lar, à escola e ao curriculo
escolar. Alguns autores tomam a expressão num sentido largo, englobando no
conceito de problema”, todas as difficuldades infantis phisicas, mentaes e
sociaes. A expressão ficou, porém, para designar mais especialmente, os casos
de desajustamentos psycho-sociaes que não cheguem aos casos-limites do
disturbio mental constitucional. (Ramos, 1939a, p.XXI, itálico no original)
Conforme Freitas e Biccas (2009, p.81) “o conceito de ‘criança problema’ foi
construído com sólida base da pesquisa empírica e desmanchou com facilidade o uso
pouco criterioso da palavra ‘anormal’ pelos professores de então.”
A criança problema, portanto, “era, antes de tudo, a criança que trazia para
dentro da escola as instabilidades de sua vida particular e os reflexos de hábitos
adquiridos em todas as suas esferas de sociabilidade extra-escolares” (Freitas e Biccas,
2009, p.81).
Pode-se inferir que a disseminação do novo conceito deveu-se à legitimidade
que sua posição de Chefe do Serviço de Higiene Mental do Departamento de Educação
do Rio de Janeiro lhe conferia e pela possibilidade de divulgar seus estudos pelo
Serviço de Publicações e pela Secção de Radiodifusão do Instituto de Pesquisas
Educacionais, cujo programa, veiculado todas as quintas-feiras, às 18h, com duração de
15 minutos, divulgava conselhos sobre higiene mental. (cf. Ramos, 1934, p.06)
Para o campo da Educação, seu principal legado foi registrar detalhadamente e
especificar as incontáveis situações sociais vividas pelas crianças, que culminavam em
comportamentos escolares considerados inadequados.
Dentre os registros, vale ressaltar as dificuldades escolares enfrentadas por uma
menina que teve queda de rendimento escolar devido à ansiedade de seu pai em obrigá-
la a estudar.
Obs. 19 (Escola “Bárbara Ottoni”, ficha nº141 do S.O.H.M.). D.F., mennina de
8 anos, côr prêta. O pae, brasileiro, côr prêta, servente da Escola Militar, alegre,
bôa saude. Castiga os filhos com chicote, principalmente quando D.F. não
aprende a grammatica que elle ensina. A mãe, brasileira, côr prêta, é cozinheira
e analphabeta; fala muito e zela pelos filhos. Dois irmãos, um menino de 13
annos, interno num collegio e uma menina de 6 annos. Todos os avós já
22
falleceram.
Moram em quarto alugado em casa de habitação collectiva. Não há
accommodação para a menina. Vizinhança má. Vão raramente a cinema e
passeios. Poucas visitas de parentes. Nada de anormal na história obstétrica
materna nem no desenvolvimento da menina. Deita-se às 22 horas, levanta-se às
6; dorme em leito commum a uma irmã de 6 annos, no mesmo quarto dos paes.
Brinca em casa sozinha; trabalha muito em casa, ajudando a mãe. Na
escola brinca com os companheiros; gosta muito de brinquedos de roda. Faz
desordens na turma, tendencia a dominar, atormenta os collegas com beliscões,
implica e briga com os collegas, conta fanfarronadas, chora facilmente, é
tagarella, mente muito. Não é asseiada; está sempre mastigando pedacinhos de
papel; tem o tic de pestanejar. É agitada, agressiva, imaginativa, bulhenta, fala
constantemente e gargalhadas espetaculares. Pêso, 24k800, altura 1m245.
Lymphantismo pronunciado. Do registro de observações:
“1935
- D., você gostava tanto de estudar, porque está ficando vagarosa?
- Eu ando cansada.
- Cansada de que? Você brinca tanto!
- Em casa eu trabalho muito.
- Que faz você?
- Ajudo a mamãe. Emquanto ella lava roupa dos freguezes, eu varro e
limpo os moveis. Depois lavo a roupa de casa e passo a ferro. Mamãe faz o
almoço de vespera, à noite e pela manhã faz o jantar. Eu também olho o fogo e
as panellas, enquanto ella faz outros serviços.
- Quando é que você brinca?
- aos domingos, à noite. Papae não deixa brincar nos outros dias.
Depois do jantar, quando guardo a louça que lavei, vou estudar com papae.
- Que ensina ele?
- Grammatica. Já sei os pronomes e quando se escreve letra maiuscula e
minuscula. Se eu não respondo direito, entro na pancada.
- Você apanha?
- Se apanho ... e de chicote!
- Como é este chicote?
- É uma correia amarrada num pau...
“Novembro de 1935 Conversamos com a mãe da menina,
esclarecendo-a sobre os inconvenientes dos maus tratos e castigos corporaes, e
ella nos prometteu amenizar os trabalhos em casa e agir junto ao pae, para não
espancar mais a creança”. (Ramos, 1939a, pp. 54-5)
Relatos como esse permitem conhecer de perto o cotidiano dessas crianças
consideradas inadaptadas ao sistema escolar. A situação desta menina em muito se
aproxima do que Lahire (2004) denomina mito da omissão parental”. Quando não
essa aproximação, explicações superficiais como, por exemplo, a pobreza, a condição
iletrada dos pais, a preguiça ou falta de esforço e interesse da criança, são chamadas
para justificar as dificuldades e inadequações. Entretanto, no momento em que suas
condições reais de vida se tornam visíveis é possível compreender quais as causas
desses desajustamentos. No caso de D.F., por exemplo, o excesso de trabalhos
domésticos somado às atividades escolares impostas pelo pai e às penalidades que lhe
23
eram aplicadas tornaram-se a causa da queda do seu rendimento.
A aproximação microscópica é capaz de desvelar condições e circunstâncias
singulares de adaptação do “aluno problema” ao mundo escolar.
A obra A creança problema”, portanto, expõe questões microscópicas
preciosas, bem como oferece diversos dados sobre o modo como a criança era tratada
no início do século XX na capital federal, que os registros esmiúçam o tratamento
dispensado por famílias de diferentes nacionalidades e condições sócio-culturais e
econômicas diversas.
Com base nas inúmeras informações que obteve sobre as condições de vida da
criança, Ramos diferenciou as dificuldades escolares decorrentes de deformidades
físicas, das inadequações comportamentais, marcando decisivamente a diferença entre
“crianças anormais” e “crianças problema”.
A grande contribuição de Arthur Ramos inscrita na década de 30 foi ter voltado
sua atenção para a criança dita anormal. Podemos, hoje, até dizer que a criação
do termo criança problema” não é bom, que nomear é fazer existir. Mas a
revisão de casos de crianças registradas nas escolas como anormais tirou 90%
de crianças dessa condição e sobretudo do tratamento a elas imposto. As
crianças com desempenho escolar insatisfatório, inquietas, mentirosas, seriam
“crianças problema” e a atenção que requeriam era outra, muito diferente
daquela que obtinham (ou não obtinham) quando portavam o título de anormais.
(Lopes 2002, pp.333-4, itálico no original)
A creança problema revelou incontáveis situações que interferiam no bom
desenvolvimento e culminavam no comportamento inadequado do aluno: a criança
mimada, a escorraçada das mais diferentes formas (pauperismo, miséria, delinqüência,
alcoolismo, o filho ilegítimo ou aquele cujos pais são separados, os órfãos, os adotados,
os enteados, a ação de madrastas e padrastos) e as condições de criação no ambiente
familiar (o caçula, o primogênito, o filho do meio, o filho único, o menino entre várias
irmãs e a menina entre vários irmãos, a ação dos avós, tias, madrinhas, amas de leite)
são alguns dos fatores indicados por Ramos.
Do levantamento realizado na rede pública da cidade do Rio de Janeiro, Ramos
identificou que as queixas dos professores referiam-se a crianças turbulentas,
agressivas, agitadas, desobedientes, indisciplinadas, desatentas, mentirosas, medrosas,
desconfiadas, dissimuladas, em geral com tendência para dominar, com sexualidade
aguçada precocemente, com aprendizagem difícil ou que furtavam. Algumas delas
ainda hoje são recorrentes nas falas dos professores, quando precisam justificar as
dificuldades e o insucesso escolar de determinados alunos, conforme será apresentado
24
nos capítulos seguintes.
Dentre as causas que poderiam gerar comportamentos inadequados, Ramos
aponta, em relação aos pais, o alcoolismo, a agressividade ou mimos excessivos, a
orfandade, a ilegitimidade e a falta de autoridade do adulto em relação à criança. Outros
fatores que também poderiam interferir eram as precárias condições de habitação ou da
vida familiar, as doenças e situações de “inquietação moral” durante a gestação, as
dificuldades de desenvolvimento desde a primeira infância e a influência negativa de
outras pessoas na formação e na educação da criança.
Embora a questão da pobreza esteja presente, não ênfase ou predeterminação
dessa questão em relação às outras. De acordo com os inúmeros fatos apresentados, o
comportamento de uma família miserável que escorraça a criança era tão inadequado
quanto à posição de famílias mais abastadas que aplicam castigos sicos ou morais, ou
ao contrário, mimam demais os filhos.
Tomemos alguns casos como exemplos: no primeiro, os problemas escolares
relacionados ao excesso de mimos; no segundo, as dificuldades na adequação de seu
comportamento escolar diante das permanentes agressões; e no terceiro as implicações
do pauperismo no desenvolvimento da criança:
Obs. 8 (Escola “Manoel Bomfim”, ficha 290 do S.O.H.M.).M.A.N., menino
de 8 annos, côr branca. Paes brasileiros, nada de interessante a registrar. Tem
uma irmã mais velha. Moram em casa alugada, de bom aspecto, com
acomodação para a criança. Nada de anormal na história obstétrica materna.
Deita-se às 21 horas, tem medo da escuridão e do isolamento. Brinca em casa
com a irmã e com os meninos da vizinhança. Gosta muito de bicicleta. Muito
mimado em casa. Na Escola, é desobediente, fanfarrão, tagarela. De sua ficha:
“1936 esta criança está desajustada ao meio escolar. o cumpre os
deveres de classe, é desobediente às ordens gerais da Escola. Ficou apurado que
os pais e todos da família o tratam com muito mimo por ser caçula, dando todas
as responsabilidades à irmã mais velha. Procuramos esclarecer a situação com a
mãe.
“Novembro de 1936 – A mãe da creança está agindo melhor, mostrando
comprehender o caso; vae procurando dar ao menino tarefas de
responsabilidade, como fazemos na Escola, diminuindo progressivamente os
mimos. (Ramos, 1939a, p. 32)
Obs. 24 (Escola “Argentina”, ficha 264 do S.O.H.M.). W.B.R., menino de 8
annos, côr branca. O pae é portuguêz, carpinteiro, energico e irascível
(informação da creança: “quando elle se aborrece, dá cada surra na gente ...”). A
mãe, portugueza, domestica, não goza de bôa saúde. 4 irmãos, do sexo
masculino, respectivamente de 14, 12, 10 e 6 annos de idade. Os avós e outros
parentes não exercem influencia sobre a creança. Moram em casa alugada, em
“villa”, com accommodação para a creança. Quintal para brincar. A mãe
prohibe-o porém de sahir e brincar na vizinhança. Nada de anormal na historia
obstetrica materna. O desenvolvimento do menino apresenta algumas
difficuldades. Defeitos da palavra: tatibitati e rhotacismo, gagueira às vezes,
25
persistindo até hoje. Deita-se às 22 horas, levanta-se às 7; dorme em leito
commum a mais 3 irmãos. Brinca em casa e na Escola; brinquedo preferido:
carrinho. Tendência a dominar.
Na Escola, é dissimulado, desobediente, atormenta os collegas,
fanfarrão, tagarella, embirrante, mente às vezes. Esgaravata o nariz, suga o
pollegar. É medroso, agitado, ironico, aggressivo, com bizarrias periodicas.
Attenção e memória íracas. Muito suggestionável. Aprendizagem má. O exame
organico revelou symptomas de verminose, anemia secundaria, lymphatismo.
Do registro de observações da sua ficha:
“1936 – É uma creança instavel. Sua attitude em casa é irrequieta,
atormenta os collegas, desrespeita a professora. Repete o primeiro anno pela
terceira vez. As informações maternas consignam que o W. é um menino
“levado, bate nos outros e é pirracento”. A mãe faz-lhe mêdo e bate na creança.
“Erra sempre os exercícios escolares, troca letras e quando se fala com
ele, fecha os ouvidos e fica rindo, numa attitude irônica... Muito teimoso, não se
convence dos enganos perpetrados”.
Da orientação aconselhada:
“Correcção do ambiente familiar: mostrar aos paes os inconvenientes
dos castigos e ameaças à creança. Jogos ao ar livre, investigar o interesse do
menino e dar-lhe tarefas em correspondência com esses interesses, nas classes e
nos jogos”.
“Tratamento orgânico intensivo (calciotherapia, iodotanicos,
antihelminticos...)” (Ramos, 1939a, pp.58-9)
Obs. 5 (Escola “Estados Unidos”, ficha 42 do S.O.H.M.). O. S., menino de
12 annos, côr parda. O pae, brasileiro, profissão de pedreiro, alcooliza-se com
frequencia; torna-se colerico nestas occasiões, e espanca os filhos por qualquer
motivo. A mãe, brasileira, lavadeira, também trata os filhos com muito rigor,
espancando-os. 6 irmãos, duas meninas de 1 e 10 annos, e quatro meninos, de 3,
5, 13 e 14 annos. Diz o menino que os avós maternos eram indios; teria muitos
parentes maternos indios; “o pae e outros parentes foram a Matto Grosso buscar
quatro tios; foram armados e conseguiram encontrá-los, mas não puderam trazê-
los porque elles não podiam ver gente e os queriam matar”. Moram em casa
alugada, habitação collectiva; não ha accommodação para a creança, que dorme
no mesmo quarto de toda a família. O menino trabalha muito em casa
carregando peso na cabeça. Nada poude ser apurado sobre a historia obstetrica
materna e a primeira infancia do menino. Sub-alimentação. Deita-se ás 22horas,
levanta-se às 4 (?); dorme com dois irmãos no mesmo leito. Levanta-se de
madrugada, vae à feira fazer carretos, para ganhar dinheiro e entregar à mãe;
arruma a casa, limpa os pratos, faz o café da manhã, encera casas.
Não brinca em casa, porque não tem tempo e a mãe não deixa. Na
Escola, brinca com os companheiros, com tendencia a dominar; gosta da
companhia das meninas e dirige-lhes gracejos. Atormenta os collegas com
empurrões e tapas; é tagarella, muito descuidado e pouco asseiado. É insociavel,
ironico, aggressivo, irascivel e fanfarrão. Pesa 31 kilos e 500 grs., tem 1m50 de
altura. Dentes bons, porem mal cuidados. Nada de anormal ao exame physico,
Da orientação aconselhada:
“17/7/1935 Instruir os paes, mostrando-lhes os inconvenientes dos
castigos corporaes e dos ralhos continuos. As atitudes de agressão na creança
exprimem uma reação psychologica à vida desajustada no lar. Mostrar aos paes
os inconvenientes do excesso de trabalho physico, produzindo a fadiga escolar.
Assistencia alimentar (merenda escolar). Ensinar ao menino habitos de higiene
dentaria e limpeza corporal.” (Ramos, 1939b, pp.08-9)
Àquela época, portanto, crianças vivendo em condição de pobreza estavam
26
presentes na escola, contudo Ramos não faz diferenças entre as “crianças problema”,
apenas aponta as questões que podem interferir em seu desempenho e desenvolvimento.
No texto intitulado Pauperismo e Hygiene Mental, divulgado em julho de 1939
na Revista Médica da Bahia nº 07, o autor ressalta que
O pauperismo carrega em seu bôjo multiplas condições de desajustamento: a
sub-alimentação, a doença, o alcoolismo, as reações anti-sociaes... É por isso
que os educadores e psycho-sociologos assignalam tanta importancia ao estudo
da creança vinda de meios pobres. (Ramos, 1939b, p.01)
No decorrer da obra, vale-se de inúmeros autores para enfatizar que a miséria e a
delinqüência caminham lado a lado e que as condições precárias de vida possibilitam a
“degradação moral, o fomento de ideias tenebrosas e sentimentos ruins e violentos, a
queda e o crime” (Ramos, 1939b, p. 02). Entretanto, ressalta que a delinqüência é
causada pela falta de afeto e não porque essas crianças são “degeneradas” ou
portadoras de [alguma] cerebrina “constituição delinquencial”. O rapaz das
ruas, o rebelde das escolas, a menina adolescente a poucos passos da
prostituição... vieram de lares desajustados, ou não tiveram lar. As creanças
“delinquentes” ou dissociaes” são na realidade creanças problema, victimas do
abandono affectivo pelos paes. (Ramos, 1939b, p.04)
E complementa que todas essas situações geram reações de “fuga e são
essencialmente elas que distinguem as conseqüências do abandono da criança pobre em
relação àquela advinda de meios econômicos melhores:
As reações da creança, os seus problemas aparecem como “fugas” de situações
afetivas affectivas. Nas creanças do meio economico baixo, essa “fuga” é real;
ellas o para a rua, e “escapam” assim da mãe e do pae que as odeiam ou as
abandonam. Na creança de meio economico melhor, as “fugas” tomam
expressões symbolicas, reacções de furto, aggressões, mentiras e outras falhas
de comportamento. (Ramos, 1939b, p.04)
Os impactos negativos do abandono ou da agressão, portanto, estão presentes em
todas as crianças, independentemente de sua situação econômica, mas as diferenças no
modo de reagir ao escorraçamento é que tornam a pobreza visível.
O atendimento à criança pobre foi alvo tanto de dicos quanto de juristas.
Entretanto, o que determinava e diferenciava o atendimento oferecido era sua condição
familiar. À criança pobre, cujo seio familiar era visto como ignorante, mas não imoral,
reservava-se o cuidado médico e o respaldo higienista. À criança que perdera sua
inocência (ou encontrava-se em perigo de...), logo pervertida, portanto criminosa a
Justiça”. (Rizzini, 2008, p.64). Sobre essa questão, um caso bastante singular
27
apresentado por Ramos (cf.1939a, pp.200-5), que demonstra tanto os impactos do
pauperismo e do escorraçamento quanto a tentativa de encaminhamento do menino a
um atendimento integral.
J.D., um menino de 10 anos, apanhava freqüentemente do pai alcoólatra e, por
vezes, ficava amarrado pelo tornozelo com uma pulseira presa a um cadeado, para não
sair de casa. Seu pai o obrigara a trabalhar forçado em uma cocheira e atualmente o
garoto aparece em casa com dinheiro. A mãe embora não saiba ao certo de onde vem
esse dinheiro, suspeita que actos de pederastia e que J... recebe dinheiro com isso
(Ramos, 1939a, p.203) Na escola é agitado, agressivo e demonstra afeição pela
professora de jogos. O exame orgânico identificou inúmeros problemas de saúde como
“Ricord e pleiades ganglionares cervical e inguinal; desnutrição; prognatismo inferior;
implantação dentaria defeituosa; reflexos tendinosos exaggerados; anemia secundaria;
lues congenita”. (Ramos, 1939a, p.201)
Tanto a mãe quanto o próprio Serviço de Ortofrenia e Higiene Mental
acreditavam que o melhor era retirá-lo do ambiente familiar e encaminhá-lo a um
internato. Entretanto, após três meses de tramitação, o pedido foi negado justificando-se
a ausência de vagas disponíveis.
Embora seja único, este tipo de caso relatado por Arthur Ramos serve para
exemplificar o apenas as dificuldades enfrentadas pela criança para se desenvolver
em condições tão adversas, quanto para demonstrar as limitações do Serviço de Higiene
Mental para atender efetivamente às crianças cujas condições de vida demandassem
atenção especial. De fato, cumpria seu papel apenas quando os encaminhamentos
restringiam-se às orientações aos pais e aos professores ou quando indicava tratamentos
de saúde.
No início do século XX, aos médicos e higienistas cabia a moralização da
família, disseminando os princípios da eugenia e divulgando os cuidados necessários
para que as crianças pudessem se desenvolver de modo saudável e pleno. Entretanto,
como a medicina o conseguia impedir que algumas vivessem em ambientes viciosos
ou escapassem dessa influência perniciosa, coube aos juristas buscar estratégias para
retirá-las do âmbito familiar. (cf. Rizzini, 2008)
Novamente os registros do Serviço de Ortofrenia são valiosos para
compreendermos de que modo as estratégias de afastamento da criança do convívio
familiar ocorriam. É certo que o caso de J.D. é singular e não pode servir para
generalizações errôneas, mas a possibilidade de afastá-lo do ambiente vicioso e das
28
influências perniciosas” foi barrada pela ausência de vagas, deixando-o à própria sorte.
Ao introduzir esse caso no capítulo dedicado à criança turbulenta e agressiva, Ramos
conclui que contra [esse menino] se formou toda uma série de circumstancias
desfavoraveis, pessimas condições de ambiente familiar, pauperismo, doença organica,
alem de uma verdadeira ‘conspiração sadica’ dos adultos, desabada sobre elle...”.
(Ramos, 1939a, p.200)
No âmbito escolar, as três obras de Ramos a que se teve acesso registram que a
relação entre os profissionais que atuaram nas Sessões de Ortofrenia e Higiene Mental e
os professores foi sempre muito tranqüila. Em geral, eram orientados a tomar
determinadas medidas no trato com as crianças, de modo a valorizá-las ou incentivá-las
a viver em grupo. Agindo sob essa orientação, ao final de algumas semanas ou meses de
trabalho, as anotações geralmente apontavam uma melhora no comportamento dos
alunos.
Há poucos registros sobre a atuação dos professores em relação aos alunos
enquanto possíveis agentes das inadequações escolares, ainda que, ao final da obra A
creança problema (Cf. Ramos, 1939a, pp.413-5), Ramos indique que atitudes
inadequadas dos professores também pudessem interferir no ajustamento do aluno e
afirma que “há o ‘professor problema’, como o ‘pae problema’” (p.413), entretanto
nenhum exemplo concreto é apresentado.
Embora retire da situação de “anormalidade” uma grande quantidade de alunos,
o autor atribui suas dificuldades escolares a fatores familiares e sociais. É preciso
lembrar que, no início do século XX, a escola era acessível a uma pequena parcela da
população e sua pesquisa foi realizada no Distrito Federal, onde a possibilidade de
educação era muito superior à oferecida na maioria das cidades brasileiras.
Ainda que consideradas “anormais” ou “alunos problema”, essas crianças faziam
parte de um seleto grupo que teve a oportunidade de chegar aos bancos escolares. A
grande riqueza da obra de Ramos é fazer conhecer as condições de vida das crianças
que tiveram acesso à escola, possibilitando questionar o ingresso apenas da elite aos
bancos escolares. Somente graças à descrição detalhada, elaborada pelo Serviço de
Ortofrenia e Higiene Mental, foi possível conhecer a precariedade das condições em que
vivia grande parte das crianças pobres com histórico de fracasso escolar.
Por outro lado, o esforço empreendido por Arthur Ramos para retirá-las da
condição de “anormais” não obteve o resultado esperado, se considerarmos que ainda
hoje estas imagens estão fortemente presentes como veremos nos capítulos a seguir
29
nas justificativas de professores e da equipe escolar quando o assunto é o fracasso.
Aspectos como a sub-alimentação, a inadequação do trato familiar em relação à
criança e as queixas dos professores quanto ao comportamento de uma parcela dos
alunos ainda estão muito próximos daqueles relatados por Ramos. Da mesma forma, o
próprio uso do termo “anormal” permaneceu no vocabulário escolar associado tanto aos
alunos que apresentam comprometimentos físicos e/ou mentais, quanto àqueles que
demonstram dificuldades para aprender ou para se adaptar às normas disciplinares.
De certo modo, acrescentou-se o conceito de “aluno problema” no universo
educacional, assim como, ao longo do século XX, outras tantas denominações foram
agregadas, como “criança favelada”, privação cultural”, “situação de risco”, portador
de necessidades especiais” de modo a diferenciar um determinado grupo dos demais
alunos, a partir de determinados contextos.
b) A expansão do ensino e a criança favelada: de vítimas a culpados
A partir de 1930, houve uma crescente preocupação com a expansão do ensino
público em âmbito nacional e, em alguns estados, ela se concretizou de modo rápido e
desordenado.
Na obra O povo vai à escola, Sposito (1992) pesquisou a ampliação de vagas
ocorrida no Estado de São Paulo a partir da década de 40. Embora o aumento na oferta
tenha sido relevante não apenas na capital, mas em grande parte dos municípios
paulistas, a população multiplicou-se em proporção maior, fazendo com que o deficit
educacional fosse sempre um problema para a administração. (cf. Sposito, 1992, p.29)
Em relação ao ensino primário, por exemplo, em 1937 a população da capital era
de 1.163.071 sendo que 12,4% estavam matriculados (correspondendo a 144.222
alunos). Vinte anos mais tarde, a população chegava a 3.318.569 de pessoas sendo
341.495 atendidas pelo sistema educacional (ou 10,3% da população). O aumento na
oferta de vagas, embora significativo, não conseguia acompanhar o crescimento
populacional. (cf. Spósito, 1992, p.32) A principal causa dessa defasagem era o intenso
movimento migratório para a cidade, decorrente do processo de industrialização.
Outro problema que mantinha grande parte da população longe da escola era a
alta seletividade, baseada na idéia de que apenas os melhores teriam sucesso e
30
mereceriam prosseguir nos estudos. Em relação a esta questão, Anísio Teixeira afirmou,
em uma palestra proferida em 1957, que
o característico da organização das escolas para finalidade seletiva é o
menosprezo às diferenças individuais, ou a utilização das diferenças individuais
apenas para eliminar os reputados incapazes. A escola fixa os seus graus ou
séries de ensino, os padrões a que devem atingir os alunos capazes de seguir o
curso. Os que não se revelam capazes, são reprovados, tornando-se, ou
repetentes, ou excluídos. Nessa organização cabe ao aluno adaptar-se ao ensino
e não o ensino ao aluno. Nada mais legítimo, se a escola visa realmente a
selecionar alguns alunos para determinados estudos. E nada mais ilegítimo, se a
escola se propõe a dar a todos uma habilitação mínima para a vida, a promover
a formação possível de todos os alunos de acordo com as suas aptidões.
(Teixeira, 1969, p.82, itálico no original)
Não foram poucas as denúncias de seletividade e ineficiência das escolas
públicas
5
. No artigo Aspectos da educação primária brasileira, publicado na Revista
Educação e Ciências Sociais, Campos (1958) aponta algumas questões cruciais que
tornaram a escola pública em expansão um fracasso.
Além dos temas evasão e repetência, por meio de comparação com dados de
outros países, demonstrou como nosso sistema de ensino organizou-se para atender, de
modo reduzido, as crianças que conseguiam permanecer na escola: enquanto nosso
período letivo compreendia 150 dias, outros países como Peru, México, Uruguai e
Cuba, já se organizavam em 180 dias letivos. A Argentina com 200, a Colômbia com
210 e Equador e El Salvador com 230 dias.
Não bastasse um calendário abreviado, seu levantamento indicava que o número
diário de horas também era muito baixo. Tal decisão visou solucionar o problema da
falta de prédios escolares, de modo a adotar o funcionamento em dois, três ou até
mesmo quatro períodos. A conseqüência foi a redução do tempo das aulas e da
permanência dos alunos na escola. Enquanto nossa média semanal o ultrapassava 20
horas, em outros países era de 25 a 30 horas (Peru, Equador e El Salvador, com 32
horas e a Colômbia com 33 horas). Totalizávamos, assim, 2400 horas ao final dos
quatro anos necessários à conclusão da educação básica; em contrapartida, e a título de
exemplo, a Argentina totalizava 7000 horas e El Salvador, 8200 horas.
Diante desses números, Campos (1958, p.127) afirmava que “com uma ação
educativa tão reduzida sobre a criança brasileira só se pode concluir [...] quanto à
5
Para mais informações a respeito, cf. particularmente o texto Padrões de Educação e Cultura, in.:
TEIXEIRA, Anísio. 1969. Educação no Brasil.o Paulo: Editora Nacional.
31
ineficiência de nossa escola primária que realiza, assim, pouco mais que a simples
alfabetização para a maioria dos menores que a procuram”.
No que tange aos problemas de ineficácia da escola brasileira, o autor
considerava a desorganização das matrículas um problema que culminava no
atendimento a crianças de diferentes faixas etárias cursando a mesma série. Outra
situação altamente relevante era o alto índice de reprovação na 1ª série do ensino
elementar: “encontram-se no ano 2.664.121, quando ali se deveriam encontrar
1.600.000 (grupo de idade de 7 anos)”. Nas demais séries, o problema da repetência se
agravava quando associado à evasão: “no [ano], [encontravam-se] 1.075.729, quando
se deviam achar 1.500.000, no 3º, 735.166, onde deviam estar outros 1.500.000 e no
4º e 5º anos, 466.957, quando aí deviam estar 1.480.000; a este fato já afila seguramente
a pirâmide [de caráter seletivo da escola brasileira]”. (Teixeira, 1969, pp.80-2)
Diante desses dados, Teixeira observava a confirmação de que a escola primária
não servia para a formação da população de modo geral, mas sim que não passava de
um curso preparatório para o ensino secundário. (cf. Teixeira, 1969) Segundo afirmava
Campos (1958, p.127), “a nossa escola primária, seletiva e propedêutica, serve, assim, a
uma minoria destinada a prosseguir os estudos em níveis pós-primários. Os que não se
revelam capazes, são reprovados, tornando-se ou repetentes, ou excluídos”.
As críticas em relação à queda da qualidade do ensino, embora duras e bem
fundamentadas, pouco ou nada recaíram sobre os governantes que, além das questões
acima indicadas, também não conseguiram manter os níveis de qualidade dos edifícios e
da formação dos professores. A principal justificativa que se disseminava socialmente
estava na abertura do sistema de ensino às classes populares, até então reservado às
elites.
Segundo salienta Consorte (1997, p.05),
A escola pública primária do Distrito Federal, unidade básica do sistema
destinado a proporcionar o mínimo de educação formal considerado
indispensável à vida na sociedade local, experimenta um estrondoso insucesso
em face da nova conjuntura e encontra um culpado por ele - a nova clientela
a que atendia, segundo ela totalmente despreparada para atender às suas
expectativas, a começar pelas condições em que se apresentava ao ingressar.
A perspectiva de análise de colocar a culpa do fracasso do sistema de ensino nas
condições do alunado fez com que crianças que apresentavam dificuldades escolares,
outrora denominadas “crianças problema”, passassem a ser identificadas como
32
“crianças faveladas”, por serem oriundas das camadas mais baixas da sociedade e
morarem em habitações bastante pobres. Aqui o componente principal de diferenciação
passou a ser a condição sócio-econômica.
Em 1955, Josildeth Consorte, então membro da equipe de pesquisadores do
Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), criado por Anísio Teixeira, teve
como função “avaliar a contribuição que os estudos de comunidade até então realizados
no país ‘traziam ao esclarecimento dos problemas de educação’
6
(Consorte, 1997, p.
04).
Devido ao modo como os dados foram coletados, qual seja o de considerar as
comunidades como um grupo isolado, “fechado em si mesmo”, a conclusão a que se
chegou foi de que
perdeu-se uma excelente oportunidade de analisar, em profundidade, como a
escola primária brasileira, pensada como uma em todo o território nacional,
modificava-se em contato com diferentes realidades, que feição assumia em
cada lugar, que papéis efetivamente cumpria, o que preservava em comum com
as demais. (Consorte, 1997, pp.04-05)
Nos dois anos seguintes (1956/1957), entretanto, Consorte, ainda como
pesquisadora do CBPE, e Pearse, como membro da UNESCO, empreenderam uma
pesquisa “sobre as relações entre a escola primária e o seu bairro”, tendo como campo
de estudo um bairro que recentemente acomodara uma favela
7
no Distrito Federal
(Consorte, 1997, p.05). Sem dúvida, esse trabalho foi importante na tradição dos
estudos microscópicos, pois, como veremos mais adiante, ao se aproximar
concretamente das relações sociais estabelecidas naquela escola, foi possível revelar as
múltiplas faces de “aversão” da sociedade como um todo e da escola em particular, em
6
São inúmeros os estudos realizados pelo CBPE e publicados pela Revista Educação e Ciências Sociais
no período da década de 1950. Em geral, os pesquisadores buscaram se aproximar das escolas, analisando
sua relação com as comunidades atendidas. Inicialmente, essas pesquisas voltaram-se para as regiões mais
afastadas; posteriormente, e diante das crescentes dificuldades das escolas dos centros urbanos atenderem
às novas demandas sociais, as pesquisas realizadas especialmente por Consorte e Pearse preocuparam-se
com a relação entre a escola primária e o atendimento às crianças faveladas. Os resultados demonstravam
que todo o esforço para construir uma escola democrática foi em vão. Para mais informações, cf.
Consorte, 1997; Freitas e Biccas, 2009, pp. 154-161; Brandão e Mendonça, 2008; Brandão, 2001.
7
Conforme resgata Pearse (1958, pp.09-11) o conceito favela enquanto “aglomerado de moradias
miseráveis” tem sua origem no nome de uma planta cujas folhas causam picadas dolorosas. Essa planta
era abundante na região onde ocorreu a Guerra de Canudos. Para que um grupo de soldados pudesse
tomar a região e vencer os inimigos, abrigou-se em um morro, cuja favela era farta. Depois de encerrada a
Guerra, os sobreviventes foram para o Rio de Janeiro solicitar ao Governo apoio e assistência, entretanto
suas requisições não foram atendidas prontamente e foi necessário que se estabelecessem no Morro da
Providência. Assim, começaram chamar de favela o Morro da Providência, o em homenagem ao
ponto estratégico que lhes possibilitou a vitória, como para estabelecer um paralelo irônico entre aquele e
este, do qual, tal como na campanha, desciam todos os dias para a conquista de um novo obstáculo: a
vontade” (p.10)
33
relação à criança e ao pobre. A condição de pobreza transformou-se em justificativa
para a não escolarização, ou ainda, para corroborar que “esse tipo de pessoa” não seria
escolarizável.
No artigo A criança favelada e a escola pública (Consorte, 1959, pp.45-6), que
resultou dessa pesquisa, a autora propõe analisar os “problemas de ajustamento da
criança favelada a uma das instituições da sociedade urbana a escola pública
elementar”. O local escolhido foi um bairro da zona norte da cidade do Rio de Janeiro,
habitado, aos anos 40, predominantemente pela classe média, mas “que nos últimos
15 anos havia sofrido mudanças consideráveis no tamanho e composição de sua
população pelo aparecimento, em suas vizinhanças, de uma favela.” (Consorte, 1959,
p.46)
Desde a libertação dos escravos, em 1888, se registrava no Rio de Janeiro a
ocupação dos morros, porém de modo escasso. A partir da década de 30, começou a
ocorrer uma migração mais acentuada do campo para as cidades
8
e as habitações
coletivas dos centros urbanos não conseguiam mais acomodar toda a população. Dada a
elevação do preço do aluguel dos cortiços do centro da cidade, essas pessoas passaram a
construir precárias casas nos morros. O número desse tipo de habitação cresceu
rapidamente: entre o período de 1940 e 1949, o total de “casas do tipo rústica” passa de
66.317 para 89.635, acomodando aproximadamente 400.000 pessoas ou 17% da
população total da cidade, conforme os números obtidos na época pelo Serviço
Nacional de Febre Amarela (cf. Pearse, 1958, pp.12-3).
Consorte (1959, p.45) indica que
embora a integração dessas populações à vida da metrópole implique num
grande esforço de sua parte e numa série de problemas para a administração
local, quase nada é feito no sentido de assisti-las. A solução dos seus problemas
tanto de moradia como de emprego, assistência médica, educação e quantos
mais defrontem, fica inteiramente a cargo de sua iniciativa. Sua incorporação à
sociedade urbana, com todas as dificuldades que envolve, faz-se por um
processo inteiramente espontâneo.
Desse modo, a escola em que foi realizada a pesquisa atendia às camadas médias
e baixas, possibilitando que a análise comparasse o rendimento escolar e o tratamento
dispensados pela escola a crianças de diferentes origens.
Os dados sobre os alunos que não estavam ajustados ao sistema de ensino
8
Entre os motivos apontados por Pearse (1958) está a queda do preço dos produtos agrícolas no mercado
internacional devido à crise de 1929 – e o processo crescente de industrialização de cidades como o Rio
de Janeiro e São Paulo
34
mostravam que a “vida escolar [da criança favelada] era uma fonte permanente de
queixas e frustrações para todos quantos nela se encontravam diretamente envolvidos
seus pais, suas professoras, a diretora da escola, a chefe do distrito educacional.”
(Consorte, 1959, pp. 46-7)
Como a pesquisa realizada “mergulhou” no universo de uma determinada escola
carioca, foi possível identificar e, em certa medida, denunciar dentre as
inadequações da criança favelada, o ingresso tardio na escola, o tratamento impróprio a
ela proporcionado, o aproveitamento insuficiente e os altos índices de evasão.
Geralmente, as crianças faveladas pertenciam a famílias que migraram para o
Distrito Federal, portanto, tiveram acesso à escola depois de completarem 07 anos.
Muitas dessas famílias demoraram a matricular seus filhos, ou por dificuldades para se
estabelecerem na cidade problemas conjugais ou questões financeiras –, ou porque os
filhos mais velhos exerciam tarefas familiares que tomavam todo o seu tempo, como,
por exemplo, cuidar dos irmãos menores.
Em outros casos, a falta de vagas, seja pelo alto índice de repetência ou pelo
número insuficiente de escolas, associada às seleções indiretas realizadas pela escola,
eram os motivos pelos quais as crianças ingressavam tardiamente na escola. Conforme o
dado levantado nessa pesquisa, 42,35% das vagas disponíveis na série estavam
ocupadas pelos repetentes. Das vagas restantes (181) havia 60 crianças que seriam
transferidas automaticamente do Jardim da Infância da própria escola. Dessas, apenas
3% eram da favela.
Para preencher as 121 vagas restantes, a escola esforçava-se para negar a
matrícula às crianças advindas da favela, pois “quanto menor [fosse] o número de
crianças faveladas na escola, tanto menores [seriam] seus problemas e tanto mais perto
[estaria a escola] de realizar suas aspirações aparentando um alto rendimento”
(Consorte, 1959, p.50).
Mas as dificuldades enfrentadas pelas crianças não eram apenas de acesso. A
proximidade da coleta de dados com o cotidiano escolar demonstrou que, uma vez
aceitas, muitos outros empecilhos surgiriam, dentre eles a necessidade da realização de
um teste para verificar a maturidade para a aprendizagem. O teste ABC
9
, elaborado por
Lourenço Filho em 1930, foi adotado para medir a prontidão para a leitura e para a
9
Em 2008, o Inep republicou (13ª edição) a obra de Lourenço Filho “TESTES ABC - Para a verificação
da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita” disponibilizando-o no sítio do Inep,
gratuitamente como arquivo digital. Cf. Lourenço Filho, 2008.
35
escrita, cujo resultado classificava os futuros alunos como imaturos ou maturos
10
. As
primeiras eram encaminhadas para uma turma chamada de “série preliminar” e as
demais poderiam freqüentar as turmas regulares da 1ª série.
[O teste ABC] acabou por se tornar o instrumento mais eficaz de exclusão de
que o sistema educacional dispunha para enfrentar a dificuldade, a
incompetência ou a incapacidade da escola em lidar com seus novos alunos. A
escola pública primária tornou-se, a partir de então, verdadeira fábrica de alunos
excepcionais
11
[AE], ou seja, alunos que identificados como imaturos pelo teste
ABC, no momento de seu ingresso na escola, em torno dos 7 anos, não
conseguiam, em tempo hábil, desenvolver a prontidão necessária para o
aprendizado da leitura e da escrita e, desse modo, continuar recebendo o
tratamento habitual oferecido aos considerados normais nas classes regulares.
Uma vez rotulado como AE, tornava-se quase impossível ao aluno superar esta
condição. Em classes separadas, o aluno classificado como AE fazia seu curso
primário, recebendo ao final, quando o completava, um diploma que, pelo
estigma de que era portador, o qualificava para ocupações menos exigentes.
Um acordo tácito entre escola e empregadores assim decidia. (Consorte, 1997,
p.07)
Consorte esclarece que esta classificação tornou-se obscura, na medida em que
grande parte das dificuldades apresentadas era fruto de uma relação distante do universo
escolar e, portanto, a maioria das crianças que compunham a série preliminar era
oriunda da favela.
Entre as causas desse distanciamento do mundo escolar pode-se indicar o
analfabetismo dos pais e, por conseqüência, muitas crianças chegavam à escola sem
saberem o que significava estudar e quais as obrigações a cumprir. A ausência de
contato com o universo letrado e a diferença entre o vocabulário e a estrutura gramatical
utilizados pela escola e pelas famílias – em geral, descendentes de escravos e de
migrantes – dificultavam a aprendizagem das primeiras letras, pois as expressões e
regionalismos correntes no seu linguajar não eram reconhecidos e, por vezes,
compreendidos pela escola.
10
O termo maturo é utilizado por Lourenço Filho na obra TESTES ABC - Para a verificação da
maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita”, para indicar as crianças que estavam
preparadas para aprender.
11
Bueno (1993, pp.31-2, negrito no original) resgata o movimento histórico americano no qual o conceito
de excepcionalidade constituiu-se e demonstra que, paulatinamente a partir de 1930, seu significado
torna-se mais abrangente: “A os anos 30 [...] a educação especial abrangia fundamentalmente os
deficiente mentais, auditivos, visuais e físicos [...] As estatísticas do biênio 37/38 mostram que, além
dessas deficiências, que continuaram sendo as mais atendidas, passaram a ser incluídas no âmbito da
excepcionalidade crianças com distúrbios de linguagem, os problemas especiais de saúde e os
superdotados. Já no biênio 57/58 [...] foi gritante o crescimento das matrículas de crianças com distúrbios
emocionais. Finalmente, os dados relativos a 1978 refletem que mais uma nova modalidade foi incluída
no rol da excepcionalidade, a dos distúrbios de aprendizagem que, se em 1958, nem constava nas
estatísticas oficiais, vinte anos depois passou a ocupar o primeiro lugar na incidência da
excepcionalidade naquele país.”
36
Outra causa recorrente era a dificuldade financeira das famílias que
impossibilitava às crianças brincarem com materiais pedagógicos, ou as impediam até
mesmo de usarem lápis e papel para rabiscarem e ensaiarem as primeiras expressões de
escrita
12
.
Por outro lado, a escola se organizava de modo que assumissem a Série
Preliminar” as professoras com prévio conhecimento de que se afastariam no decorrer
do ano letivo. Este procedimento era adotado porque as trocas constantes serviriam
como justificativa para o fracasso daquela turma, sem comprometer a avaliação das
professoras perante à escola. Dada a mobilidade docente, não se teria a quem atribuir o
baixo desempenho dos alunos. Outro critério era atribuir essas classes a professores
“pouco experientes ou de rendimento baixo”
Diante de tudo isto não é de estranhar que, como regra, as crianças consideradas
imaturas e entre as quais se encontra a maioria das crianças faveladas, repitam a
primeira série, uma, duas, três e até quatro vezes, e que constituam exceção as
crianças que ingressando na escola pela primeira vez, vençam a primeira série
num ano apenas. (Consorte, 1959, p. 56)
Não bastassem todos esses fatores, a distância social entre as professoras e as
crianças da série preliminar criava uma barreira, que muito contribuía para agravar as
dificuldades escolares, além do que poucas podiam contar com alguém para ajudá-las
nas lições e tarefas de casa.
O currículo escolar era mais um obstáculo. Considerado pelo sistema
educacional como o mínimo necessário, era avaliado pelos professores como o máximo
possível para ser ensinado no período de um ano, de modo que mínimas dificuldades
poderiam culminar em reprovações.
O programa está planejado para um certo tipo de aluno ao qual a criança das
camadas menos favorecidas em geral, e a criança favelada, sobretudo, es
longe de corresponder, por lhes faltarem as condições de vida e as experiências
comuns àquele. (Consorte, 1959, p.57)
Tantos impedimentos e dificuldades resultavam em repetências e, por vezes,
multirrepetências, aceitas pela escola e corroboradas pelas famílias como fracasso do
aluno e não do sistema. O acúmulo de reprovações gerava evasão e, segundo os dados
obtidos por Consorte, a maior parte das crianças faveladas que cursou apenas a série,
abandonou a escola depois de ter repetido duas, três ou quatro vezes. As crianças que
12 Para mais informações sobre a organização e os tipos de relações sociais existentes em algumas
favelas do Rio de Janeiro durante as décadas de 1940 e 1950, conferir Pearse (1958).
37
conseguiram superar a barreira da 1ª série, mas que evadiram antes de concluir a
educação primária, acumulavam entre cinco e nove reprovações e tinham
aproximadamente 13 anos.
Como entre os ideais da escola estava a conclusão do ensino elementar e o
ingresso no ginásio, as crianças que abandonavam o sistema, ou as que, embora
conseguissem concluí-lo, optavam pelo ensino profissional, representavam perdas e
atestavam o insucesso da escola.
Neste estudo de Consorte, fica evidente que a “criança problema” descrita por
Ramos deixou de ser a mimada ou a escorraçada e passou a ser a criança favelada:
[Estas], procedentes em sua imensa maioria de famílias migrantes dos estados
vizinhos à antiga capital federal, mas, também, e em números crescentes, dos
estados nordestinos, eram, em mais de 70% dos casos, negras, circunstância à
qual se acrescentava o agravante de sua condição de migrante. Em razão da
indigência econômica e da distância social e cultural em que se encontravam
dos habitantes da metrópole, marcadas exemplarmente pela residência
segregada, essas crianças passaram a constituir um conjunto de despossuídos,
suficientemente diverso para ser tratado como "outro." (Consorte, 1997, p. 6-7)
“Criança favelada” foi uma expressão que combinou duas razões para o
fracasso: o aluno pobre que não se adapta ao sistema de ensino. As crianças que
moravam em favelas passaram a enfrentar barreiras pedagógicas e administrativas que,
ao mesmo tempo em que dificultavam o acesso e a permanência nos bancos escolares,
justificavam seu fracasso pela condição de pobreza. Eram crianças que viviam
precariamente, cuja realidade estava muito distante do mundo letrado.
Do mesmo modo que a “criança favelada” tornou-se sinônimo de aluno
fracassado, de mau aluno ou de aluno com dificuldades escolares, o conceito “favela”
também foi se alterando. na década de 50, favela e marginalidade começaram a se
tornar termos correlatos no imaginário popular. Pearse (1958, p.30) introduz o tópico
que se refere aos “malandros” cariocas da seguinte forma:
Os malandros que, na idéia do povo, erroneamente, são associados aos
favelados, mas justamente associados às favelas, como o são também à Lapa e à
Copacabana, são igualmente amaldiçoados pelos legítimos habitantes desses
bairros. Lapa e Copacabana oferecem ao malandro um interessante campo de
atividades com uma grande área (protegida) onde contam com a conivência da
polícia (mulheres e jogo do bicho). As favelas oferecem refúgio, mas não
oportunidades de negócios.
A possibilidade de se esconderem da polícia e escaparem facilmente pelos becos
e labirintos, fazia da favela o local propício para os malandros se instalarem. Para os
38
demais moradores, pessoas honestas que viviam precariamente com o pouco dinheiro
conseguido com seu trabalho, a favela não era considerada um local adequado para
criarem seus filhos. Além do risco que corriam durante os tiroteios noturnos, os pais
tinham a preocupação de que os “adolescentes [pudessem] considerar esses elementos a
imagem viva de seus heróis de ficção e que sua importuna presença [tendesse] a
sancionar linhas de conduta rebelde, vagabunda, indolente e licenciosa entre um
pequeno número de jovens” (Pearse, 1958, pp.30-1)
Embora parte deles estivesse preocupada com a educação dos filhos e almejasse
um ambiente melhor para viver, década após cada, o crime a e marginalidade
amalgamaram-se à imagem do favelado, tornando-se intrínsecos, da mesma forma que o
fracasso escolar tornou-se correlato à “criança pobre”.
Essas condições implicam reconhecer que há, no imaginário social, um “modelo
de aluno”, que é capaz de ter sucesso no sistema de ensino, mas esmuito longe do
perfil da “criança pobre”. Na tentativa de reduzir o fracasso escolar, buscou-se sanar as
ausências (“de aptidões e conhecimentos”), características das populações em condições
precárias, todavia, a imagem da criança favelada” sintetizou-se apenas na idéia da
“deficiência cultural”, que chegou ao Brasil na década de 1970.
Inúmeras pesquisas têm mostrado que nos lares de classe baixa existe uma
deficiência de materiais instrutivos (jogos, brinquedos, livros, revistas e objetos
que possam ser olhados e manipulados), uma falta de modelos adequados de
comportamento fornecidos pelos adultos que cercam a criança em seus
primeiros anos de vida e uma ausência de ajuda efetiva dos pais no sentido de
levar a criança a um desenvolvimento perceptivo, verbal e cognitivo adequado.
(Patto, 1973, p.46)
A descrição dessas ausências, responsáveis por tornar uma criança “deficiente
cultural”, em muito se aproxima das dificuldades que afastam as “crianças faveladas”
do padrão escolar, conforme Consorte identificou em sua pesquisa (1959).
Essa nova marca, que entrou em cena para diferenciar as crianças que têm
condições de atender às expectativas da escola das que não têm, não é uma criação
nacional, mas sim um conceito importado dos Estados Unidos da América.
Bloom, Davis e Hess (1965) referem-se a este grupo [de crianças que não
conseguem progredir normalmente através das várias etapas da escolarização]
como desprivilegiados ou deficientes culturais porque acreditam que as origens
dos problemas que apresentam na idade escolar encontram-se, em grande parte,
nas experiências vividas em lares que não transmitem os padrões culturais
necessários a um desempenho adequado das tarefas propostas pela escola e pela
sociedade em geral.
Adotando uma posição semelhante, De Cesso (1968, p.186) define a criança
deficiente cultural como aquela que é criada num ambiente pré-escolar que
39
deixa de desenvolver o comportamento de entrada necessário ao início de sua
educação formal nas escolas públicas. (Patto, 1973, p.46)
13
A “teoria da deficiência cultural” foi a explicação encontrada para conter os
movimentos das minorias étnicas que, nos Estados Unidos dos anos 1960, sofriam um
intenso processo de segregação e de marginalização social e econômica” (Soares, 1991,
p.18). Um modo de conter as reivindicações, sem que as bases da desigualdade fossem
alteradas, foi justificar as diferenças de sucesso e fracasso pela “carência cultural”.
De acordo com Bueno (1993, pp.34-5), que apresenta dados relevantes a
respeito da linguagem enquanto ferramenta de identificação da “excepcionalidade”, a
teoria do deficit de linguagem foi evocada de modo a “[acobertar as] diferenças de
classe, que se consubstanciam, também em diferenças lingüísticas, tratadas como
defeitos, legitimando, assim, uma organização social que produz e reproduz a
marginalidade das camadas subalternas.”
Com base em estudo de Kirk e Gallagher (1987)
14
, Bueno (1993, pp. 79 e 35)
indica que, enquanto em 1958, nos EUA, a categoria “distúrbios de aprendizagem” não
aparecia nas estatísticas oficiais, vinte anos depois, ela não foi incluída, como se
tornou a mais incidente, englobando 985 mil alunos, que somados aos “distúrbios da
fala” (com 851 mil alunos) e à deficiência mental” (com 705 mil alunos e cuja grande
maioria se situava em limites próximos da normalidade) alcançavam um total de
2.541.000 alunos, de um universo total de 3.582.000 alunos “excepcionais”
15
, ou seja,
cerca de 72%, coincidentemente ao exato período em que as minorias étnicas e
culturais, por meio de movimentos sociais reivindicatórios, conseguiam avanços em
relação ao direito de educação de suas crianças. Soares (1991, p.19) explica que,
Na área da educação, buscou-se, inicialmente, analisar “cientificamente” o
problema das dificuldades de aprendizagem e do fracasso, na escola, das
crianças “pobres”. Dessa análise “científica” encarregou-se, sobretudo, a
Psicologia, através da caracterização dessas crianças, por meio da aplicação de
testes, realização de entrevistas, observação do comportamento no contexto
escolar. Como esses estudos partiam sempre do modelo implícito ideal de
comportamento em comparação com o qual a criança pobre era avaliada o
comportamento da classe dominante, social e economicamente privilegiada –,
os resultados apresentavam a criança como portadora de carências” e
13
As referências citadas o: BLOOM, B.S.; DAVIS, A.; HESS, R. 1965. Compensatory Education for
Cultural Deprivation. New York: Holt; De CECCO, J.P. 1968. The Psychology of learning and
instruction: educational psychology. New Jersey: Prentice-Hall.
14
A referência citada pelo autor é: KIRK, S. A. e GALLAGHER, J. J. Educação da criança excepcional.
São Paulo, Martins Fontes, 1987.
15
Termo utilizado, na época, para designar as crianças que “se afastavam da normalidade”. Maiores
detalhes sobre a utilização deste termo, consultar Bueno (1993).
40
“deficiências”: carências afetivas, deficiências perceptivas e motoras, privação
cultural, deficit lingüístico. Surge, assim, uma verdadeira “teoria da deficiência
cultural” e uma “psicologia da pobreza”, que “patologizaram” a pobreza, isto é,
responsabilizaram-na por gerar “doenças”, “defeitos”, “deficiências”.
Obviamente, essa “teoria da deficiência cultural”, ao assim explicar,
“cientificamente”, a “desigualdade” de que vinha sendo vítima a criança pobre
na escola culpando disso a própria criança e seu contexto cultural
confortavelmente dissimulou as verdadeiras razões sócio-político-econômicas
da desigualdade.
Especificamente no Brasil, com o objetivo de provar que os testes até então
aplicados em crianças pobres e/ ou migrantes (especialmente nordestinas) não eram
analisados corretamente, alguns pesquisadores especialmente psicólogos
empenharam-se em demonstrar que o problema não estava na capacidade limitada
dessas crianças, mas sim nos critérios de interpretação dos dados. Muitas eram
consideradas com QI abaixo da média e, por vezes, classificadas como “deficientes
mentais”, quando “não [eram] intrinsecamente retardadas, mas vítimas de ambiente
pobre que tem um efeito crescente sobre sua performance intelectual à medida que
crescem” (Almeida, apud Patto, 1973, p.47)
Almejando revelar os fatores sociais e ambientais que poderiam interferir no
desenvolvimento infantil, muitos pesquisadores e estudiosos aceitaram o termo
“deficiente cultural” para retirar algumas crianças da categoria de “deficientes mentais”,
entretanto, acabaram por estigmatizá-las da mesma forma:
O velho mal da escola fundamental passou a ser explicado em termos de
privação
ou carência, principalmente cultural. Culturalmente carentes ou
marginalizadas muitas crianças não têm condições de um bom desempenho
escolar. Outras formas de carência alimentar, por exemplo agravam a
situação. A terapia já está implícita no diagnóstico: programas de compensação
das carências, antes de as crianças ingressarem na escola. Assim, a educação
pré-escolar, na modalidade de educação compensatória, surge repentinamente
entre nós como uma nova solução de um velho problema: como salvação, não
da escola, mas da grande massa de crianças consideradas carentes, sem
condições de beneficiar-se da escola. E desses programas compensatórios se
espera resulte a equalização ou democratização
não quantitativa, mas
também qualitativa das oportunidades educacionais. (Ferraro, 1982, p.31 grifos
no original)
Essas carências e privações serviam, então, de justificativas para que as crianças
assumissem o papel de alunos-modelo, de modo a virem apresentar o mínimo
rendimento aceitável para que o trabalho pedagógico fosse considerado frutífero, tivesse
resultado positivo. Nesse sentido, Ferraro (1980, 1982) registra que muitas famílias
pobres e suas próprias crianças consideravam a reprovação um processo natural e até
41
mesmo saudável, justificando que poderiam usufruir melhor dos benefícios da escola,
afinal só passariam de ano quando estivessem devidamente preparadas para acompanhar
a série seguinte.
O que esses autores procuram demonstrar é que a forma como fracasso escolar,
pobreza e privação cultural se correlacionam culmina na idéia de que as dificuldades
são intrínsecas aos sujeitos que chegam à escola sem as mínimas condições culturais,
sociais e biológicas – para que o aprendizado se processe de modo “natural”.
As políticas públicas e os processos didático-pedagógicos praticamente não
foram questionados e, quando apontados pelas pesquisas, não encontraram a mesma
possibilidade de circulação que os estigmas atribuídos aos alunos ineficientes. Pouco a
pouco, a escola foi se tornando um espaço destinado a sanar as ausências que se
cristalizaram como características das populações pobres e responsáveis pelo insucesso
escolar.
Este capítulo propôs-se a apresentar dois estudos que, ao se aproximarem
efetivamente dos alunos e, especialmente do cotidiano escolar, verificaram que critérios
foram utilizados para identificar e diferenciar as crianças que não se adaptavam ao
sistema de ensino.
Não se pretendeu fazer um levantamento histórico de todos os termos e
expressões que, durante o século XX, estiveram presentes no universo escolar, mas cabe
lembrar que, durante todo o processo de expansão do ensino, políticos, professores, pais
e pesquisadores procuraram incansavelmente as causas do fracasso escolar ou suas
justificativas.
O “aluno problema” foi identificado ou como anormal, excepcional, deficiente
cultural, aluno com distúrbios de aprendizagem, ou como o que vivia em “situação de
risco” iminente, estando, por isso, praticamente fadado ao fracasso. Do mesmo modo, o
pauperismo, as privações econômicas e culturais e, mais recentemente, a teoria da
“ausência de capitais” foram chamados para o debate social, a fim de comprovar
“cientificamente” as mais variadas causas do insucesso escolar.
Conforme Pereira e Correia (2008, p.172, itálico no original) comentam:
Para além da ambigüidade desta designação [populações em risco] que
remete, antes de mais, para uma certa patologização das vítimas das “questões
sociais” –, a verdade é que esta forma de definir esta problemática induz a que a
escola produza uma concepção deficitária das populações, ao emitir a
mensagem de que estas viverão, forçosamente, uma relação negativa com os
saberes escolares.
Na realidade, esta imagem tem vindo a ser evidenciada em inúmeros trabalhos
42
de investigação sobre “A escola e a exclusão”, nomeadamente quando se
acentua o facto de que, para muitos dos professores, os alunos destas
populações em situação de risco” são, já em si, um problema para o ensino,
visto que são portadores de vários deficits (cognitivos, relacionais, culturais,
lingüísticos...).
Esta tese apresentará algumas dessas questões, ainda fortemente presentes em
nossas escolas: seja em relação às queixas dos professores quanto às precariedades
extra-escolares e familiares dos “maus” alunos, seja quanto às estratégias escolares para
oferecer um “atendimento precário para os alunos precários” como verificou Consorte
–, seja ainda com relação à aceitação das famílias e dos próprios alunos em considerar o
fracasso como algo “natural” ao processo de escolarização. Mas não isso! Dentro de
suas possibilidades, os alunos valem-se de táticas
16
para não demonstrar claramente
suas fragilidades, ao mesmo tempo em que explicitam o que esperam da escola e dos
professores, revelando de que modo aceitam ou rejeitam a reprovação e apontando o
que está “certo” ou “errado” na atuação dos professores e da equipe escolar.
O capítulo a seguir abordará os procedimentos metodológicos da coleta de
dados, a caracterização da escola observada e alguns aspectos mais gerais das relações
sociais ali estabelecidas, para então, nos capítulos seguintes, analisar as questões mais
específicas a respeito do projeto que se propõe a atender aos “alunos problema” e a
própria perspectiva desses alunos sobre si e sobre a escola.
16
Cf. Certeau, 1994
43
Capítulo II
O esforço da aproximação: bases metodológicas e a escola pesquisada
Do mesmo modo que os estudos de Arthur Ramos e de Josildeth Consorte
aproximaram-se concretamente dos alunos da escola pública, buscando compreender
em que medida as dificuldades escolares diziam respeito às inadequações do aluno, da
escola ou da família, esta pesquisa propôs-se a estudar o fracasso, a indisciplina e a
reprovação sob a perspectiva dos alunos assim identificados, em uma escola pública
paulista, durante os anos de 2006 a 2008.
Contudo, com as ferramentas analíticas propostas por Geertz (2008) e por Velho
(1997), neste capítulo apresentar-se-ão os aspectos gerais do funcionamento da escola
pesquisada, bem como a caracterização da região em que está inserida. Tal
empreendimento fundamenta-se na crença de que, para compreender as análises dos
capítulos posteriores é necessário que o leitor tenha dados suficientes para construir o
cenário observado pelo pesquisador com suas nuances físicas e com as relações sociais
ali estabelecidas, dia após dia, de modo vivo e o mais próximo possível da realidade.
O exercício da coleta de dados sob a perspectiva da Etnografia foi realizado
em outra oportunidade: na pesquisa que culminou na dissertação de Mestrado
17
(Silva,
2005), estudei a construção ideológica de um suposto papel para a escola regular de
Ensino Fundamental (no município de São Paulo), disseminado como antídoto às
implicações que são trazidas no bojo do conceito “situação de risco”. Este, cada vez
mais utilizado para demonstrar “os perigos concebidos como inerentes à pobreza”, foi
contrastado com a situação concreta de sujeitos considerados “propensos” ao risco. A
pesquisa tomou por objeto a escolarização de sete crianças e jovens, cujas famílias eram
compostas por catadores de lixo.
Para que as realidades escolar e familiar dessas crianças fossem analisadas,
empreendeu-se uma pesquisa do tipo etnográfica por aproximadamente um ano, a fim
de identificar os discursos sobre o atendimento oferecido a alunos em situação de
risco”, bem como compreender qual significado essas crianças atribuíam à escola. O
resultado obtido foi o de que, embora os educadores que compunham o quadro de
pessoal da escola não tivessem grandes expectativas em relação ao sucesso desses
17
Dissertação defendida em 2005, pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História,
Política, Sociedade, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor
Doutor Marcos Cezar de Freitas.
44
alunos catadores de lixo ou melhor, além de o acreditarem nas suas possibilidades
de êxito, justificavam o fracasso escolar pelas suas precárias condições de vida –, os
alunos atribuíam grande valor à escola e ao processo de aprendizagem, acreditando que
a oportunidade para uma vida um pouco melhor viria por meio da escolarização.
Aqueles alunos catadores de lixo acreditavam nos “benefícios” da escolarização,
enquanto a escola tornava-os socialmente desacreditados (no sentido atribuído por
Goffman, 1988).
Os dados coletados nesta pesquisa foram objeto de outras análises, a saber, Silva
(2008) e Freitas e Silva (2006).
No artigo intitulado “Escolarização, pobreza e socialização na infância e na
juventude: uma proposta de plataforma de pesquisa interdisciplinar para a educação”,
Freitas e Silva (2005, p.57) propuseram-se a debater a pesquisa de campo, enquanto
“campo de confluência entre a sociologia, a antropologia e a etnografia”.
O princípio que norteou este trabalho foi o de que
não como analisar a formação de culturas da infância e identidades juvenis
sem levar em consideração a centralidade que a experiência em instituições de
pré-escolarização e escolarização ocupa nesse processo, ou seja, o ângulo de
visada para cada uma das entradas temáticas da plataforma mantém o foco no
estudo da trajetória pré-escolar e escolar de crianças e jovens vivida em situação
de pobreza. Considera-se essa experiência decisiva à diversificação dos padrões
de infância e juventude e também uma das formas privilegiadas para “escutar” a
sociedade, verbalizando seus pontos de interação com os variados segmentos
pobres que têm na confluência entre rua, bairro e escola a formação de seus
“lugares de socialização”. (Freitas e Silva, 2005, p.59)
Conforme abordado no primeiro capítulo, as pesquisas que se aproximam do
cotidiano e da vida dos seus sujeitos possibilitam a recolha de elementos capazes de
desvelar as micro-relações estabelecidas dentro de processos maiores, como o da
escolarização.
Esse tipo de pesquisa, portanto, oferece um conjunto de dados que demonstram
as ões, as táticas, as possibilidades que os sujeitos concretos elaboram diante das
decisões cotidianas, viabilizando compreender como as grandes propostas e as políticas
públicas desenrolam-se microscopicamente; como os sujeitos apontados pelas
estatísticas lidam realmente com sua situação de precariedade de vida ou de baixo
aproveitamento escolar; o que faz com que deixem, ou o, a escola e que valor dão ao
processo de escolarização.
Acreditando que o procedimento de coleta de dados é essencial para a
elaboração da pesquisa, o caderno de campo foi anexado digitalmente à tese, a fim de
45
possibilitar a refutação das análises subseqüentes e tornar-se público para que outras
pesquisas possam se valer de seu conteúdo.
O cotidiano escolar é extremamente dinâmico e, em algumas ocasiões, manter o
foco de observação, de modo a contemplar os objetivos da pesquisa, é uma tarefa quase
impossível. Constante e ensurdecedor, o barulho impede a concentração; as faltas dos
alunos que são os sujeitos da pesquisa atrasam e dificultam a coleta dos dados;
interferência de professores que solicitam a execução de tarefas que não estão
relacionadas à investigação embora realizar pequenos favores possa significar o
acesso a dados importantes para a pesquisa, pois, por meio deles, cria-se uma relação de
confiança e troca –; existem também barreiras institucionais que precisam ser
transpostas. Enfim, não podemos controlar todas as variáveis de nossos sujeitos e
objetos de estudo e é preciso aprender a lidar com a eventualidade, pois são os pequenos
detalhes, que facilmente passam despercebidos, as grandes chaves para nossas análises.
Ao final das anotações, tem-se grande volume de material coletado e é
primordial que tudo seja organizado com precisão. Muitas questões, por mais relevantes
que sejam, serão desprezadas se não contemplarem os objetivos da pesquisa. Nesse
ponto, na realidade, tem-se um ganho e não uma perda: se a coleta foi bem feita e os
registros detalhados fielmente ou descritos densamente” (Cf. Geertz, 2008), o trabalho
de três anos poderá render inúmeros estudos, por retratar o cotidiano escolar, com suas
riquezas e dificuldades.
Outra preocupação é a busca de literatura sobre a produção de conhecimentos
referentes ao objeto, o embasamento teórico necessário para a coleta de dados, o
refinamento do referencial para a análise e para a compreensão ampla do campo a ser
estudado, condições fundamentais que devem estar presentes durante todo o processo de
construção da tese.
Portanto, a partir de experiências anteriores na realização de pesquisas de cunho
microscópico e com base na perspectiva antropológica, propôs-se descrever
densamente” as visitas realizadas na escola durante os anos de 2006 a 2008,
disponibilizar esse material e analisar os dados diretamente relacionados aos objetivos
da pesquisa.
46
a) Alguns cuidados metodológicos para o mergulho do cotidiano escolar
Ao empreender uma pesquisa do tipo etnográfica, é recorrente a necessidade de
distanciamento do pesquisador em relação ao campo pesquisado, por constituir-se na
chave principal para que a análise sociológica não se perca entre experiências pessoais.
Contudo, “a sociologia trata dos problemas da sociedade e a sociedade é formada por
nós e pelos outros. Aquele que estuda e pensa a sociedade é, ele próprio, um de seus
membros” (Elias, 2005, p.13).
A perspectiva analítica, que identifica o pesquisador como um sujeito em
relação com os outros, viabiliza o reconhecimento de sua vulnerabilidade diante da
pesquisa de fatos sociais e da necessidade permanente da vigilância e do
distanciamento, de modo a garantir que tal análise não seja determinada pelo espaço
social que o pesquisador ocupa (cf. Bourdieu, Chamboredon, Passeron, 2005, pp.91-2).
Conforme nos lembra Velho (1997, p.18),
em qualquer sociedade e/ou cultura é possível distinguir áreas ou domínios com
um certo grau de especificidade. É possível, no entanto, para o antropólogo,
verificar como os próprios nativos, indivíduos do universo investigado,
percebem e definem tais domínios para não cairmos na armadilha muito comum
de impormos nossas classificações a culturas cujos critérios e crenças possam
ser inteiramente diferentes dos nossos ou que possam parecer semelhantes em
certos contextos para diferirem radicalmente em outros. Isso não significa,
obviamente, que o pesquisador possa analisar uma sociedade a partir do
próprio sistema classificatório nativo.
O livro A família como espelho é um exemplo de investigação que contempla o
entendimento nativo e, inclusive, vale-se do conceito de “categoria nativa
18
”. Nessa
pesquisa realizada na periferia de São Paulo, Sarti buscou “a raiz da noção de família
presente em seu universo simbólico, nas condições particulares em que vivem as
pessoas e na história da qual são herdeiras” (Sarti, 2005, p.11)
Considerar o entendimento nativo nas análises, todavia, requer cuidar
metodologicamente para não tratar o objeto pesquisado como algo independente e
separado das relações sociais mais abrangentes.
Diante dessas considerações, o procedimento etnográfico proposto para a coleta
de dados baseou-se em Woods (1999, 1987), pois o autor estabelece os cuidados, as
formas e as dificuldades enfrentadas quando é necessário que o pesquisador mergulhe
no universo escolar.
18
Sobre o conceito “categoria nativa” conferir também Velho, 1997 e Geertz, 2007.
47
La etnografía, a mi criterio, presenta condiciones particularmente favorables
para contribuir a zanjar el hiato entre investigador y maestro, entre la
investigación educativa y la práctica docente, entre la teoría y la práctica. El
término deriva de la antropología y significa literalmente “descripción del modo
de vida de una raza o grupo de individuos”. Se interesa por lo que la gente hace,
cómo se comporta, cómo interactúa. Se propone descubrir sus creencias,
valores, perspectivas, motivaciones y el modo en que todo eso se desarrolla o
cambia con el tiempo o de una situación a otra. Trata de hacer todo esto desde
dentro del grupo y desde dentro de las perspectivas de los miembros del grupo.
Lo que cuenta son sus significados e interpretaciones. […] Cada uno de estos
grupos ha constituido sus propias realidades culturales netamente distintivas, y
para comprenderlos hacemos de penetrar sus fronteras y observarlos desde el
interior, lo cual resulta más o menos difícil de acuerdo con nuestra propia
distancia cultural respecto del grupo que se quiere estudiar. […] El etnógrafo se
interesa por lo que hay detrás, por el punto de vista del sujeto y la perspectiva
con que éste ve a los demás. A partir de esto, el etnógrafo puede percibir en las
explicaciones, o en las conductas observadas, pautas susceptibles de sugerir
ciertas interpretaciones. De esta suerte, la realidad social aparece como formada
por diferentes capas. […] El etnógrafo tiende, pues, a representar la realizad
estudiada, con todas sus diversas capas de significado social en su plena
riqueza. […] Dentro de los mites de la percepción y la capacidad personal,
debiera tenderse a dar una descripción rigurosa de la relación entre todos los
elementos característicos de un grupo singular, pues de lo contrario la
representación puede parecer distorsionada. […] Esto no quiere decir que no se
puedan realizar estudios limitados, sino que han de considerarse a la luz de un
marco de referencia holístico. (Woods, 1987, pp. 18-19, destaques do autor)
Como o trabalho etnográfico demanda um “mergulho” no grupo estudado e
Bourdieu, Chamboredon, Passeron (2005) e Elias (2005) salientam a necessidade do
distanciamento como condição para a análise real dos dados, alguns critérios foram
determinantes na escolha da escola que foi objeto desse estudo.
Como lecionei na rede municipal de ensino de São Paulo
19
durante o período de
2002 a 2004, excluí as escolas em que trabalhei, pois isso poderia sugerir algum tipo de
vínculo ou mesmo de vício nas futuras análises. Aproveitei, contudo, essa passagem
para identificar uma escola que fosse considerada central e de grande porte (ou seja, que
atendesse a um número elevado de alunos por período), com um quadro permanente de
professores (ou com pequena variação) e cujos alunos fossem oriundos tanto das
proximidades da escola quanto de regiões mais periféricas.
Após esse mapeamento, que ocorreu em 2005, dirigi-me à escola que parecia
atender totalmente a esses critérios. Conversei com a equipe técnica sobre a
possibilidade de realizar a pesquisa nos anos subseqüentes e, como as pessoas
19
A escolha de uma escola pública municipal deveu-se, também, à possibilidade de ali encontrar alunos
que foram reprovados mais de uma vez, visto que geralmente carregam de maneira mais acentuada a
condição de “alunos inconvenientes”. Segundo diretores da rede estadual de ensino paulista, os alunos
podem ser reprovados uma única vez e, portanto, os “problemas” são menores.
48
envolvidas disponibilizaram-se prontamente, descartei as demais que também me
serviriam como campo de coleta de dados
20
.
Iniciei as visitas em março de 2006, freqüentando a escola aproximadamente
uma vez por semana e optando por uma sala que atendia aos alunos repetentes e com
dificuldades de aprendizagem, agrupados segundo critérios da própria Secretaria
Municipal de Educação. Naquele ano foi implantado, entre outras propostas, o Projeto
Intensivo do Ciclo I (PIC)
21
.
A escolha dessa turma deveu-se à orientação recebida da equipe escolar, com a
indicação de que ali encontraria alunos reprovados uma ou mais vezes e que, no geral,
apresentavam problemas de comportamento.
As visitas mostraram que, embora a maior parte fosse repetente, havia casos de
alunos que, apesar de estarem cursando o 4º ano pela primeira vez, foram encaminhados
àquela sala por demonstrarem grande defasagem no aprendizado. Havia, portanto,
alunos com muitas dificuldades que nunca tinham sido retidos e outros, reprovados no
ano anterior que, embora já dominassem com algum grau de autonomia, a leitura, a
escrita e o cálculo, eram marcados pela indisciplina. Ao final do ano, considerei que não
poderia tomar como referência de análise apenas as relações que ocorriam nessa “sala
de projeto” e que seria preciso acompanhar uma turma regular.
Ao retomar a pesquisa, no ano de 2007, agora um pouco mais familiarizada com
o corpo docente, optei por realizar as visitas uma ou duas vezes por semana,
freqüentando diferentes turmas e ries, principalmente porque tinha como hipótese a
idéia de que a “turma do PIC” mais parecia carregar a marca da indisciplina do que
realmente ser uma sala de alunos insubordinados. Nessa escolha, contei com o auxílio
de alguns professores e da coordenadora pedagógica no sentido de identificar as turmas,
cujos comportamentos fossem considerados mais inadequados, pois, genericamente,
todos indicavam o PIC como espaço que agregava problemas de indisciplina e de
aprendizagem.
A primeira indicação que recebi da coordenadora pedagógica foi a de um aluno
que, embora estivesse com 10 anos, fora matriculado em uma turma de série, no
período (11h às 15h), por nunca haver freqüentado uma escola. Outra indicação foi uma
turma de série, no período, onde havia um aluno que no ano anterior causara
problemas disciplinares e outros dois que vieram transferidos naquele ano letivo. Esses
20
Cf. Anexo I, pp. 05-07.
21
A proposta do PIC e as suas implicações serão apresentadas detalhadamente no capítulo III desta tese.
49
três alunos, segundo a coordenadora, eram indisciplinados tanto na sala de aula, quanto
no recreio, como nas demais atividades escolares.
Optei por iniciar minha visita nessa segunda turma, mesmo porque foi a primeira
professora com quem consegui contato e seqüente autorização.
consegui apresentar-me à professora da série após algumas semanas e ela
disponibilizou-se a me dar qualquer tipo de ajuda, contudo, aquele aluno que ingressara
na escola com 10 anos havia sido remanejado extra-oficialmente para a turma do ano
do PIC no 1º período.
Na semana seguinte, iniciei as visitas na turma do PIC, interessada em
acompanhar esse aluno transferido e os demais considerados indisciplinados e/ou
repetentes.
Houve, ainda, a indicação de uma turma de ano regular, que apresentava
sérios problemas de comportamento, contudo, as visitas foram possíveis a partir do
segundo semestre de 2007, quando a professora titular, que de antemão demonstrou não
ficar à vontade com minha presença, aposentou-se.
No ano seguinte (2008), embora a proposta de intervenção do PIC previsse o
atendimento aos alunos reprovados, foi estendido aos alunos do ano, obrigando a
escola a organizar quatro turmas (duas de ano e outras duas de ano), com critérios
distintos, uma vez que a reprovação ocorre apenas ao final dos dois ciclos de quatro
anos do Ensino Fundamental.
Alguns alunos observados na turma da série em 2007 foram matriculados no
PIC do ano e os critérios utilizados pelos professores para sua organização estão
registrados na visita 46 “Formação de salas – 3ºs anos” (Anexo I, pp.123-125).
a turma de PIC do ano, diferentemente das formações anteriores, pôde
ser organizada com alunos que realmente tivessem passado pelo processo de
reprovação. Isso tornou a dinâmica da sala bastante diferente daqueles agrupamentos de
2006 e 2007.
Atendendo à solicitação dos professores que participaram do exame de
qualificação desta pesquisa, a coleta de dados prosseguiu até o início de agosto de 2008,
por julgarem necessário o acréscimo de mais elementos referentes à perspectiva dos
alunos. Nesse sentido, foram realizadas entrevistas com todos os alunos das duas turmas
de PIC, que podem ser consultadas nos anexos IV e V do caderno de campo
(respectivamente p.184 e p.219).
Minha aceitação na escola ocorreu de forma muito lenta e praticamente nenhum
50
professor, nem mesmo a equipe técnica, demonstrou compreender muito bem qual era o
meu papel. Corriqueiramente, fui confundida com estagiárias do curso de Pedagogia e,
eventualmente, quando tentava explicar que realizava uma pesquisa de campo para a
elaboração de uma tese de Doutorado, perguntavam-me se era estudante de
Psicopedagogia. Diante dessa situação e também por me deparar com alguns
professores que expressaram não se sentirem à vontade com minha presença em suas
salas, optei por não utilizar equipamentos eletrônicos, como filmadoras ou gravadores,
nos momentos de observação.
Todas as informações foram registradas dentro do espaço escolar,
preferencialmente nas salas de aula, e, quando houve oportunidade, em atividades,
como por exemplo, nas aulas de Sala de Leitura, Informática, Educação Física ou
durante o recreio. Busquei anotar as interações entre alunos-alunos e entre professores-
alunos, de forma detalhada, tentando o emitir juízos. Quando possível, as anotações
aconteceram no momento em que o fato ocorreu ou na primeira oportunidade.
Sin embargo, puede no ser conveniente ni deseable tomar abiertamente [las
notas de campo].[…] Los presentes pueden sentirse espiados, o, de alguna
manera, juzgados y evaluados. […] Los etnógrafos tienen siempre a mano
trozos de papel y habilidad para no dejar escapar las oportunidades adecuadas
para anotar palabras clave, nombres y frases capaces de agilizar luego la
memoria. […] El etnógrafo desarrolla una facilidad para escenas y parlamentos
[…] se cultiva más especialmente la capacidad para recrear escenas en la mente
y reproducir el diálogo, de modo que, en cierto sentido, se vuelve a vivir la
parte relevante de la acción.[…] Las pautas que esperamos descubrir y las
explicaciones que aspiramos introducir no llegarán hasta que nos hayamos
sumergido en fragmentos de la vida real. (Woods, 1987, pp. 60-63)
Diante da inviabilidade do uso de gravações e/ou filmagens no interior da
escola, a solução encontrada para manter a precisão dos registros, foi, ao sair da escola,
fazer uma áudio-gravação com meus próprios depoimentos sobre os fatos observados no
dia. O mesmo procedimento foi adotado quando das entrevistas com as crianças: ao
final, gravava meu comentário sobre o comportamento da criança diante daquela
situação, além de contar com as anotações referentes aos tópicos abordados.
Posteriormente, essas gravações e notas transformaram-se em textos descritivos
que compõem o caderno de campo (cf. Cubides, Laverde, Valderrama, 1998), anexo à
pesquisa.
A identificação dos “alunos problema” foi feita a partir da indicação da
coordenadora pedagógica e corroborada pelos respectivos professores. Dessa forma,
lido com os critérios estabelecidos por aqueles que atendem a esses alunos para
51
classificar “quem atrapalha e quem não atrapalha”.
Tal decisão implica observar algumas questões tais como: os alunos
identificados como indisciplinados apresentam comportamentos muito divergentes dos
demais? A marca de indisciplina atribuída à sala do PIC é construída sobre fatos e
ocorrências ou simplesmente baseia-se na idéia de que naquela sala estão matriculados
os piores alunos? Os alunos consideram pejorativo, vantajoso ou são indiferentes ao fato
de estudarem na sala de projeto?
Para responder a essas questões, é necessário observar as redes de interação
intrínsecas ao mundo escolar, pois ao mesmo tempo em que algumas são baseadas nas
relações estabelecidas entre os pares, outras que se formam independentemente do
desejo dos sujeitos envolvidos. Um exemplo é ser matriculado no PIC, pois essa turma é
genericamente conhecida como “a que sempre problemas” e esse atributo, embora
possa ser considerado pelo grupo como depreciativo, é o que os caracterizam na escola.
Todavia, isso não implica que os sujeitos assim identificados, nas relações
internas do grupo, não possam determinar diferenças ligadas a aspectos como o desejo
de pertencimento: pela idade, destacando-se intelectualmente por considerar seus
conhecimentos acima da média do grupo mesmo diante de inúmeras dificuldades de
aprendizagem, ou pelo tipo de atividades desenvolvidas, ou características que
enfatizam positivamente determinados alunos.
A chave para encontrar possíveis entendimentos para essas questões é, sem
dúvida, identificar o que, em suas conversas e em seu cotidiano, coesão aos grupos
de pertencimento e não atribuir uma importância fundamental ao conteúdo de suas falas.
Conforme Collins (1981) ressalta, o conteúdo das falas pode se tornar uma grande
armadilha na compreensão das relações daqueles que são marcados pela equipe escolar
como indisciplinados e/ou fracassados.
Ao considerarmos que devemos pensar os fatos sociais em termos de relações e
funções, ou seja, de cadeias de interação, torna-se essencial um outro aspecto analítico,
também proposto por (Elias, 2005, p. 137), a perspectiva.
[...] foi sugerido que a relação AB entre duas pessoas compreende na
realidade duas relações distintas a relação AB vista da perspectiva de A e a
relação BA vista da perspectiva de B. Ao trabalhar com conceitos que fazem as
relações regulares parecer objetos estáticos, é difícil fazer justiça à natureza
perspectivacional de todas as relações humanas.
A necessidade analítica da relação AB torna-se indispensável quando
observamos que é capaz de instrumentalizar o pesquisador de forma a “compreender os
52
fatos” a partir do ponto de análise do outro. Buscar dados que componham a perspectiva
analítica de cada um dos sujeitos sobre um mesmo evento é fundamental para que se
compreenda a rede de relações de que cada um faz parte, especialmente quando se
realiza pesquisa cujos sujeitos estão em condições sociais muito distantes da realidade
vivida pelo pesquisador, ou ainda quando há grandes diferenças hierárquicas (professor-
aluno ou adulto-criança, por exemplo)
22
.
Baseada na tese de doutoramento de Sarti (2005), pretendeu-se investigar o
“aluno problema”, o aluno que “atrapalha”, na perspectiva dos próprios alunos. Mas não
é qualquer escola ou aluno: é a escola pública marcada pelas suas ausências e
precariedades que atende ao aluno pobre que fracassou.
Propus-me, portanto, a pensar o conceito de aluno problema” como categoria
nativa.
Na pesquisa etnográfica, o “contexto” no qual se busca situar o fenômeno
estudado é o mundo de significação do sujeito pesquisado, o ponto de vista do
“nativo”. Isso implica tentar entender que outro mundo de significação a ser
desvendado, com uma lógica própria, ainda que sem garantias absolutas de
acesso a esse mundo, porque nunca deixamos inteiramente de ser etnocêntricos.
Trata-se de se abrir para a maior aproximação possível, na busca do ponto de
vista do outro, que significado ao fenômeno por ele vivido. Nesta acepção,
[...] contextualizar é ir além da explicação do pesquisador e confrontá-la com a
explicação nativa. Pressupõe o reconhecimento do discurso nativo como um
saber, o que indica pensar a pesquisa como uma relação entre dois sujeitos, o
pesquisador e o pesquisado, fazendo desta relação um problema. Traz consigo
necessariamente o diálogo, com a exigência de sair de si. O contexto do
pesquisador explica a sua interpretação, mas não necessariamente a do
pesquisado, quando forem distintas as referências de significado de uma e de
outra. [...] Nessa perspectiva, surge a crítica ao pensamento sociológico que
analisa as classes populares a partir de referências negativas, daquilo que lhes
falta. Como se a falta, assim como a dor, fosse um atributo do outro. (Sarti,
2005, pp. 13-14)
Investigar a indisciplina e a (multi) repetência a partir do “ponto de vista do
nativo” viabiliza compreender alguns aspectos da escola pública, que atende às
populações mais pobres no contexto das suas especificidades, dos seus desejos e
expectativas de estudo e de futuro, isto porque a idéia de que o estudo poderá
possibilitar uma melhora significativa na vida desses sujeitos, embora presente em
algumas falas, está cada vez mais distante da sua realidade. Contudo, e independente
desse fato, alunos denominados pela escola como fracassados, por vezes não o os que
evadem ou que apresentam baixa assiduidade.
22
Para mais informações sobre as implicações inerentes ao distanciamento entre pesquisador e sujeito
pesquisado, e a violência simbólica implícita na situação de entrevista, consultar Bourdieu, 1997.
53
Sarti (2005, p.12) trabalha com a categoria pobre como uma categoria moral, o
que abre caminho para que a condição de pobre comporte valores positivos, numa
sociedade marcada por valores (riqueza, poder e prestígio) aos quais os “pobres” não
têm acesso”. Analisar o pobre dessa forma possibilita a não homogeneidade da pobreza,
desvelando as regras e condutas que caracterizam e diferenciam o “ser pobre”.
Segundo a concepção de quem assim se designa e assim é designado, ser pobre,
para além da evidência de ser destituído de riqueza, poder e prestígio, é uma
condição que se define pela adesão a um código moral distinto daquele que
norteia a lógica do mercado, dominante na sociedade capitalista, criando outras
referências positivas para quem é visto como destituído, pelo prisma da
sociedade mais ampla. Através de valores positivos do trabalho e da família,
criam, como fronteiras do mundo dos pobres e trabalhadores, a adesão a um
código de obrigações morais que delimita seu grupo de referência, como uma
família. (Sarti, 2005, p.130, itálico no original)
Nessa perspectiva, creio que seja possível e necessário pensar e analisar a
escola, com o “olhar do outro”, a partir de como o aluno se percebe dentro dos
processos pedagógicos que ora tentam incluí-lo, ora parecem excluí-lo, de forma a
compreender quais significados essa “nova” escola pública, agora acessível a
praticamente todos, tem para os sujeitos que a constroem dia após dia.
b) O entorno da escola e sua clientela
A escola pesquisada está localizada em um bairro da zona noroeste da cidade de
São Paulo e fica próxima à ligação das quatro principais avenidas da região. O bairro
possui pouco menos de 150.000 habitantes distribuídos em seus 13,3km².
Nas proximidades da escola um terminal de ônibus, um Centro de Juventude,
um Telecentro, um Hospital Geral e uma Maternidade Escola, além de Postos de Saúde
e Assistência Médica Ambulatorial (AMA). A Coordenadoria de Ensino que atende a
região é responsável por 12 Escolas Municipais de Educação Infantil (EMEI), 11
Escolas Municipais de Ensino Fundamental (EMEF), 1 Escola Municipal de Educação
Especial (EMEE) e 5 Centros de Educação Infantil (CEI).
Na mesma quadra da escola, um CEI e uma EMEI. Nas proximidades,
outras duas Escolas Estaduais que dividem a demanda do Ensino Fundamental e
acolhem a todos os alunos que cursam o Ensino Médio.
A região é marcada por forte comércio e serviços. Aos fundos do terreno, onde
estão localizados os três serviços públicos municipais de Educação, situa-se uma das
54
principais avenidas da região, com muitas lojas de roupas, calçados, acessórios de
informática, farmácias e laboratório de manipulação, mercado, quitanda, padaria,
bancos, ougue, posto da Guarda Civil Metropolitana, enfim, todo tipo de
estabelecimentos. também inúmeros ambulantes que, em suas barracas armadas na
calçada, vendem desde ervas medicinais, até roupas, utensílios domésticos e produtos
eletrônicos. O comércio de rua vai se tornando escasso à medida que se afasta da praça
central, onde se dá a intersecção das quatro principais avenidas do bairro.
São várias as linhas de ônibus que atendem à região, ligando o apenas a
algumas estações de metrô, como também a bairros mais centrais e aos mais periféricos
da cidade.
O portão utilizado pelos alunos fica em uma rua larga, de mão única,
relativamente pouco movimentada, se comparada às demais. Nos horários de troca de
turno dos alunos, vendedores de doces e de pipoca além de pequenos
estabelecimentos que também vendem esses e outros tipos de alimentos, além de
refrigerantes.
Na mesma rua, um pouco mais adiante, no sentido de quem segue até a praça,
um depósito de ferro-velho, um pequeno bar com máquinas de jogos eletrônicos
(fliperama), um salão de festas, um grande laboratório de especialidades e exames
médicos, algumas casas de alvenaria geralmente sobrados –, algumas pequenas lojas
de bolsas e “rasteirinhas” (tipo de chinelos customizados), além de vendedores
ambulantes que expõem panelas e utensílios domésticos nos porta-malas dos seus
próprios carros.
Em frente ao portão, dois condomínios residenciais com apartamentos de
aproximadamente 60m². Uma quadra adiante há construções similares e não muito
longe diversas habitações, que ora se confundem com cortiços, ora se assemelham
mais a favelas. ainda dois Conjuntos Habitacionais construídos pelo Governo do
Estado.
Grande parte dos alunos mora nos arredores, mas de acordo com informações
obtidas especialmente dos alunos que cursaram o ano PIC em 2008, uma parte vem
de regiões periféricas um pouco mais distantes. Entre os motivos da preferência por
estudar longe de casa e não optar por uma escola mais próxima, estão: a relação familiar
com a escola por irmãos mais velhos já terem estudado –; a idéia de que o ensino
e/ou os professores são melhores; a dificuldade em encontrar vagas nas escolas mais
próximas ou a opção pela rede municipal de ensino, devido aos benefícios disponíveis
55
(o leite, o uniforme completo, o material escolar, a merenda, o transporte). Por se tratar
de uma escola antiga na região (fundada em 1968), é considerada por alguns como uma
“boa escola”, mas outros a classificam como uma “escola ruim e desorganizada’
Em termos metodológicos, a escolha dessa escola possibilitou verificar que,
embora alguns alunos de uma mesma turma possam ter situações concretas de vida
bastante diferentes, a pobreza o é um critério para identificar os “piores” alunos, mas
é evocada, por vezes, para justificar suas dificuldades de aprendizagem e seus
comportamentos inadequados (cf. Anexo I, pp.119-120, respectivamente, os relatos
sobre as alunas Po e Br). Freqüentemente, a escola participa de projetos elaborados pela
Coordenadoria de Ensino, bem como por outras instituições. O volume médio anual é
de 2400 alunos matriculados.
c) Aspectos físicos e organização escolar
O prédio escolar é composto de um bloco único com dois pavimentos: no piso
térreo, ao nível da rua, estão dispostos em torno do hall - espaço onde circulam apenas
professores e funcionários, os pais quando convocados, e os alunos encaminhados à
equipe escolar a secretaria e as salas da coordenação pedagógica, dos professores e da
direção escolar, além do espaço destinado ao atendimento de alunos com necessidades
especiais (Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão - SAAI), a “sala do café”, onde
os professores se reúnem durante o recreio e os intervalos e dois banheiros restritos aos
funcionários.
Nas paredes, há cartazes com as atividades realizadas pelos alunos, boletins
informativos aos funcionários, além da foto do patrono da escola, seu pequeno histórico
biográfico e a placa de fundação do estabelecimento de ensino.
A sala dos professores, com suas janelas sempre fechadas e protegidas por
persianas quebradas, tem um aspecto de desordem, pois sobre os armários de alvenaria
estão abandonados centenas de livros didáticos, algumas caixas quebradas de giz e
objetos que os alunos esqueceram nas salas. Dividida com os armários dos professores
do nível II, é usada também durante o horário coletivo, pois a que se destinava a este
fim foi preterida, por ser considerada muito pequena e quente. Todavia, mesmo diante
de precárias condições de uso, em 2008, foi transformada em uma sala de aula,
mediante indicação da Coordenadoria de Ensino.
quatro mesas, dispostas duas a duas de cada lado da divisória, rodeadas de
56
cadeiras. Sobre as que ficam próximas à porta, estão os livros de horário coletivo e
individual, além de recortes do Diário Oficial do Município (DOM), sobre os quais os
funcionários devem tomar ciência. Na única parede desprovida de armários está o
computador, com conexão à Internet; um sofá que geralmente serve para acomodar as
bolsas, malas e materiais pedagógicos; e um grande quadro de cortiça, onde são
afixados o calendário escolar, os horários/turmas/professores de cada série/disciplina,
além de alguns cartazes divulgando eventos, concursos e informes sindicais.
Na “sala do café” há uma pia, uma cafeteira elétrica e outros utensílios e
alimentos adquiridos com a “taxa de conforto”, contribuição mensal dos funcionários.
Atrás da porta, afixados à parede, estão a prestação de contas e outros informes
“urgentes” sazonais, como a organização da festa junina, o prazo para entrega das
avaliações dos alunos à coordenação, o período de votação para o novo coordenador
pedagógico, etc.
Uma porta de vidro separa esse hall do pátio interno da escola, que abriga a
cozinha, onde é preparada e servida a merenda no horário do recreio, os banheiros
masculino e feminino e algumas mesas e bancos de alvenaria para que as crianças
possam fazer as refeições sentadas.
O pátio acesso a duas salas de aula, cuja entrada fica ao lado dos banheiros, e
a uma das salas de Informática. Há um palco, usado para as poucas peças teatrais que
eventualmente algum professor organiza e pela equipe escolar, durante a reunião de pais
que ocorre em todo início de ano, mas muito disputado pelos alunos para saltarem em
cambalhota (“dar mortal”) durante o recreio e no horário de saída. Ao lado, um
portão que dá acesso tanto para a área externa da escola, que eventualmente é usada
para a saída dos alunos, quanto para mais quatro salas, sendo uma de Leitura, outra de
Informática, a terceira para guardar os instrumentos musicais da banda e a última que,
em 2008, deixou de ser o espaço oficial para uso dos professores durante o horário
coletivo e tornou-se mais uma sala de aula.
Na área externa, um parquinho, que foi cercado por grades e mantido
trancado, de modo que seu acesso é permitido com a presença de um professor ou
funcionário da escola, com brinquedos infantis, como escorregador, balanço individual
e coletivo, tubos e barras.
Outro portão separa o espaço externo das quadras. São três, localizando-se duas
em uma área mais alta, com traves para jogos de basquete e futebol, além de encaixe
para as barras que sustentam a rede de vôlei com as respectivas demarcações no piso.
57
Na quadra inferior, há apenas a pintura no chão.
Toda essa extensão é separada da rua por um corredor de área verde, com muitas
árvores. O muro é alto, especialmente por ser um terreno desnivelado, fazendo com que
o lado externo seja mais baixo. Já do outro lado da escola, o muro que demarca o espaço
escolar é mais baixo (aproximadamente 2 metros), o que possibilita a fuga de alguns
alunos.
O andar superior do edifício concentrava 14 salas de aula que, em 2008,
tornaram-se16. Todas são amplas, bem arejadas e iluminadas. As paredes, as carteiras e
as cadeiras mostram marcas de depredação, geralmente riscadas com canetas e
manchadas por corretivos líquidos. A sala de depósito, que fica em frente à escada,
acumula muitos materiais quebrados. Ao lado, fica a Sala de Recuperação Paralela, com
mesas para trabalho coletivo, lousa e diversos armários de madeira.
Todas as salas de aula, além da fechadura da porta de ferro, possuem cadeados
que sempre são fechados assim que todos saem. Do mesmo modo, os armários de
alvenaria têm portas de alumínio e cadeados, o que não impede que eventualmente
sejam arrombados.
Nesse corredor comprido sempre alunos perambulando, seja para irem ao
banheiro ou beber água, seja porque foram colocados para fora da classe
23
.
A única sala de aula diferente é a que atendeu aos alunos do PIC da série
(manhã) e da 7ª série (tarde), em 2008.
A sala é retangular, há uma pia instalada ao lado esquerdo da porta e um armário
do lado direito. Em toda a extensão da parede do fundo havia meio armário de alvenaria
sem portas e com prateleiras em pedra ardósia, que após os primeiros meses de aula foi
retirado, deixando para trás muita poeira e um espaço sem acabamento no piso e na
parede.
Segue um esboço do espaço:
A lousa é pequena diante da largura da sala e os alunos que se sentam próximos
23
Entre os relatos sobre o corredor, cf. Anexo I, p.59- e pp.149-151.
pia
mesa da professora
armário
lousa
armário
porta
janelas
janelas
58
à porta não conseguem enxergá-la, até porque o armário ao lado diminui a visão. Em
conseqüência, levantam-se constantemente, reclamam que não conseguem copiar a lição
da lousa e, muitas vezes, contam com a boa vontade dos colegas para dividir a mesma
cadeira.
A mesa da professora colocada no canto, ao fundo da sala, dificulta o acesso dos
alunos e prejudica a visão ampla da turma.
A pia é alvo de constante cuidado, pois embora esteja funcionando
adequadamente, a professora precisa convencer os alunos de que está quebrada, para
que o resolvam usá-la, pois correm o risco de se molharem, assim como toda a sala e
seus materiais.
Como a área total da sala não comporta adequadamente as 30 carteiras ali
dispostas
, o como deixar espaço entre as fileiras, dificultando a circulação, pois
além de ter que desviar das mochilas jogadas no chão, é necessário que um aluno
levante, encoste a cadeira para que outro passe. Como pedir licença ou “por favor” o
é prática usual, o simples ato de levantar para acomodar-se melhor pode originar uma
briga. Durante as entrevistas com os alunos desta turma, Vt ressaltou que gosta de
estudar nessa turma, mas “a sala é muito pequena e não para passar” (anexo IV, p.
218)
Em 2006, quando comecei a pesquisa de campo, a escola possuía dezesseis salas
de aula e estava organizada em quatro turnos. No total havia vinte e cinco turmas para
Ensino Fundamental I, vinte e três para Ensino Fundamental II e doze para o Ensino
Fundamental II na modalidade de Educação de Jovens e Adultos
24
.
Nesse mesmo ano, o Vice-Prefeito foi empossado em lugar do então prefeito,
eleito governador do Estado de São Paulo. Teve início uma série de mudanças no
funcionamento das escolas, causando novos problemas aos professores e,
especialmente, à equipe técnica.
Em 2006 a escola foi comunicada que, em 2008, passaria a funcionar em três
períodos (7h – 12h; 13h 18h; 19h – 23h) e, para atender à demanda de alunos com um
período a menos, seriam construídas mais duas salas de aula, anexas ao prédio central.
As obras foram iniciadas em 2007 e entregues apenas em 2008, após o início do ano
24
Nos três primeiros períodos todas as dezesseis salas eram usadas, de modo que no horário das 7h - 11h
havia apenas as turmas de Ensino Fundamental I, das 11h 15h o Ensino Fundamental I ocupava nove
salas e o Ensino Fundamental II utilizava as sete salas restantes, o terceiro turno (15h 19h) atendia
apenas o Ensino Fundamental II. O período noturno (19h 23h) utilizava parcialmente o prédio,
ocupando 12 salas de aula para atender à demanda de alunos da Educação de Jovens e Adultos.
59
letivo, o que fez com que, nas primeiras semanas, as aulas tivessem seus horários
reduzidos à metade, para que todas as turmas fossem acomodadas. Após uma denúncia,
as aulas foram reorganizadas em sistema de rodízio”: todos os dias duas turmas eram
dispensadas para que outras pudessem ter aula.
Como em 2007 a escola passaria a receber os alunos de 6 anos, matriculados na
série, houve a preocupação em reorganizar o espaço escolar de modo a atendê-los
adequadamente. Para tanto, conjuntamente com a Associação de Pais e Mestres, a
direção adquiriu alguns brinquedos a fim de montar um parquinho, que só deveria entrar
em funcionamento a partir de 2007, porém, atendendo às solicitações das professoras
das 1ªs e 2ªs séries, no final do segundo semestre de 2006, sua utilização durante o
período do recreio foi permitida a todos.
Infelizmente o volume de alunos era muito grande e tornou-se impossível mantê-
lo disponível sem a presença de funcionários supervisionando seu uso. Ficou decidido,
em reunião pedagógica realizada em 29/09/2006 (cf. Anexo I, p.23), que apenas os
alunos das 1ªs, 2ªs e 3ªs séries poderiam usar esse espaço, em período determinado pela
escola e sob a responsabilidade dos professores. Tal decisão, embora corroborada pelos
professores dos 4ºs anos, causou muito descontentamento aos alunos.
25
Em 2007 a escola ainda funcionava em quatro períodos, mas com a intenção de
manter os alunos mais tempo na escola, a Secretaria de Educação determinou que as
aulas dadas em espaços diferenciados (como as de Educação Física, Informática e as da
Sala de Leitura) fossem realizadas no contra-período escolar.
A idéia causou sérios transtornos, por isso, no ano seguinte, foi encerrada em
toda a rede municipal. A principal queixa era a constante circulação de alunos que
permaneciam na escola sem qualquer atividade ou supervisão, pois algumas turmas
tinham que esperar ociosamente uma ou duas horas-aula até começar a aula de
Educação Física, por exemplo.
Os pais queixavam-se da dificuldade em levar e buscar os filhos diversas vezes
no mesmo dia ou deixá-los desocupados na escola. Para a Prefeitura, o problema
principal era encontrar um modo de atender aos que utilizavam o transporte escolar e
oferecer alimentação aos que ficavam na escola. Os contemplados com o transporte
escolar deveriam optar em voltar para casa com a perua e não participar das aulas no pré
ou pós-horário, ou ficar na escola e encontrar uma forma alternativa de voltar para casa.
25
Essa questão será detidamente analisada no item d do quarto capítulo.
60
Em 2008, quando o período escolar passou para 5 horas, essas questões foram
solucionadas e a aula de Educação Artística, com um professor especialista, foi
acrescentada à grade curricular a partir da 3ª série.
d) Os professores e funcionários: algumas situações observadas
Para atender a um grande volume de alunos a escola necessita de muitos
professores e funcionários técnicos e administrativos, o que acarreta algumas situações
ímpares do ponto de vista das relações sociais.
Durante os três anos, presenciei dois períodos de greve de professores (de 28/03
a 13/04/2006 e de 25 a 27/09/2007) e uma paralisação (14/09/2007)
De modo geral, todos sempre me trataram com muita atenção, possibilitando
meu entrosamento nas mais diferentes atividades ali desenvolvidas. Foi graças a essa
abertura, que pude participar de algumas reuniões de professores, conversas informais e
dividir espaços que me proporcionaram conhecer melhor o dia a dia dos professores e
funcionários.
Um desses momentos ocorreu em 2006, quando a diretora da escola decidiu
realizar uma reunião com os professores
26
para esclarecer as inúmeras mudanças por
que passava a administração escolar e para demonstrar que a incompreensão de alguns
apenas dificultava a adaptação da escola às novas exigências.
Conforme anteriormente citado, a Secretaria da Educação elaborou uma série de
modificações para a rede municipal de ensino, reorganizando o funcionamento das
escolas (como o pré e o pós-aula, a diminuição gradual do turno na rede de ensino, o
retorno de funcionários em cargos de comissão para as salas de aula), o que acarretou,
para a escola pesquisada, adaptações e planejamentos diferenciados para os anos
subseqüentes.
Como alguns professores o concordavam, colocavam empecilhos a todas as
mudanças e, por isso, a direção julgou necessário promover essa reunião, a fim de tornar
claro quais eram as reais possibilidades da escola e saber em que medida poderia contar
com o apoio da equipe como um todo.
Os assuntos da pauta abordavam diversas questões: o boato de que a diretora
pediria remoção de seu cargo; o elevado absenteísmo docente, em especial dos
26
Cf. Anexo I, pp.21-5.
61
professores do Ensino Fundamental II; a necessidade da escolha de apenas uma
professora para assumir a Sala de Leitura (de modo que a outra voltasse para uma sala
de aula regular); o anúncio da construção do parquinho e a apresentação da nova
organização das turmas para que, no prazo de dois anos, a escola passasse a funcionar
em três turnos.
Como os temas eram polêmicos, praticamente durante toda a reunião, os
professores mantiveram-se contrários às demandas da diretora: consideravam absurda
sua posição de não mais abonar faltas que causassem transtornos para a escola caso
não fosse possível organizarem-se de modo a não deixar alunos ociosos durante uma ou
várias aulas ou dispensá-los; negaram-se a votar ou a estabelecer critérios claros para a
escolha da professora da Sala de Leitura; e, devido à redução de turnos, muitos boatos e
supostas ameaças circulavam entre os funcionários, aterrorizando especialmente os que
estavam há poucos anos na escola, com a possibilidade de perderem seus cargos e terem
que lecionar em escolas mais distantes e periféricas.
Essa sensação de insegurança esteve sempre presente durante todo o período em
que coletei os dados, pois, embora os professores titulares tenham permanecido em suas
salas de aula – ainda que em caráter precário – sempre foi uma ameaça real.
Outra situação observada foi o descaso e desrespeito entre duas professoras.
É fundamental afirmar que foi uma situação pontual, presenciada apenas uma vez ao
longo de três anos. Conforme o registro de 06/10/2006 (anexo I, p.26-7), a professora
titular havia faltado e os quatro alunos presentes estavam com uma professora
substituta. Após retornarmos à sala de aula, a professora de outra série foi reclamar
sobre um incidente ocorrido no recreio com um de seus alunos. Ao verificar que a
professora titular estava ausente, ignorou a presença da substituta, fazendo ameaças a
um dos alunos, que sequer teve tempo de se explicar. Sua atitude causou indignação à
professora substituta, pois a impressão deixada foi a de que a sua presença e porque
não dizer o seu trabalho – era insignificante.
Ainda sobre o difícil relacionamento e convívio entre os professores, pode-se
citar o caso da transferência oficiosa de um aluno que ingressara na escola com 10 anos
de idade
27
. Matriculado na série, apresentava um comportamento inadequado e
agressivo, de modo que, em uma ação conjunta da professora da 1ª série com a
coordenadora pedagógica, foi transferido extra-oficialmente para a turma de PIC (4º
27
Esse caso será apresentado e analisado detalhadamente no capítulo III, item a.
62
ano), sem que a professora dessa sala fosse consultada. Durante as visitas realizadas
(2007), ela insistia em afirmar que não se sentia responsável por ele, justificando que,
além de não estar efetivamente matriculado em sua sala, foi obrigada a aceitá-lo, que
apenas lhe comunicaram a decisão, após efetuado o acordo entre a escola e a família.
Outra relação conflitante ocorreu em minha terceira visita à escola (20/03/2006,
anexo I, p.11). Naquele dia, a turma do PIC estava bastante agitada e, após inúmeras
intervenções da professora junto a alguns alunos que se comportavam inadequadamente,
a coordenadora pedagógica foi chamada. Sua mediação foi desastrosa, pois, além de
chamar a atenção da professora na frente dos alunos, criticando o modo como estavam
agrupados (em duplas), brigou com alguns que aparentemente não haviam feito nada,
suspendeu outro e repreendeu a classe toda, lembrando-lhes que estavam em uma turma
de projeto para “ver se aprendiam alguma coisa” e completou que “não eram burros,
mas que tinham algum tipo de bloqueio que a professora estava tentando tirar” (cf.
Anexo I, p.13)
Não cabe aqui julgar a ação da coordenadora pedagógica, considerando que são
múltiplas as pressões e dificuldades às quais é submetida e também porque, ao longo
dos registros de campo, inúmeras anotações que demonstram sua grande
preocupação em atender a todos, da melhor maneira possível.
Dois momentos servem para exemplificar: um ocorreu em 25/04/2007 (visita 21,
p.38), quando a auxiliar de período levou a sua sala um aluno que, durante o recreio,
estava “brincando de bater e dar tiros” nos colegas. Afirmou que ele “estava com a
camisa amarrada na cabeça, do jeito que os jovens que trabalham para o tráfico usam
para não mostrar o rosto”. Diante da coordenadora, o aluno apresentou-se apenas com a
camiseta do uniforme na mão, afirmando estar brincando “de guerra” com seus amigos
e que não havia feito nada de errado. Sem ter muito o que fazer, a coordenadora apenas
pediu que vestisse a camiseta e brincasse de coisas menos violentas. Assim que o garoto
foi embora, ela afirmou que era “complicada” a postura da inspetora de levá-lo para a
coordenação, pois ela não poderia fazer nada com o menino, que ele estava apenas
brincando
28
.
Mas as pressões sofridas pela coordenação o ocorrem apenas por causa dos
alunos. Em duas reuniões realizadas respectivamente em 02/10/2007 e 28/05/2008
(Anexo I, pp. 94 e 151), ela expôs aos professores que recorrentemente tem sido
28
Essa questão será analisada em outras duas oportunidades: a relação entre os alunos e a criminalidade e
as possibilidades de atuação da escola diante de comportamentos considerados inadequados.
63
chamada às reuniões da Coordenadoria de Ensino para que problemas administrativos e
falhas persistentes sejam apontados, como no caso do baixo índice de aproveitamento
da Prova São Paulo de 2006; do alto índice de alunos que concluem a série sem
dominar as noções básicas da leitura e da escrita; e nos problemas surgidos quando das
entregas dos uniformes e do material didático. Soma-se a isso o excesso de
responsabilidades que teve que assumir devido às inúmeras licenças e afastamentos
solicitados pela outra coordenadora pedagógica. Como eram períodos curtos, mas
seqüentes, o era possível nomear outra pessoa para substituí-la, de modo que seu
trabalho tornou-se sobrecarregado com questões burocráticas.
Em 2008, foi necessário trabalhar nos três períodos em dias alternados. Além de
atrapalhar sua vida pessoal, o trabalho de documentação escolar (como o
acompanhamento e o registro de participação nos grupos de trabalho coletivo) ficou
acumulado e a necessidade de participar das reuniões na Coordenadoria de Ensino,
tornava rara sua presença na escola, de modo que, aos olhos dos professores, “a
coordenadora nunca está na escola quando precisam”.
Questões como essas dificultam o trabalho integrado dos professores com a
equipe técnica, gerando mútuos descontentamentos, mas que, quando “vistos de perto”,
revelam-se situações que estão para além dos desejos de cada uma das partes. Os
professores exigem o apoio da escola quando se trata de repreender ou atender
adequadamente algum aluno, mas por não dispor de outros instrumentos, a
coordenadora vale-se de ferramentas, que geralmente não surtem o efeito esperado pelos
professores.
Embora desempenhe um trabalho exaustivo, seu esforço não é reconhecido nem
mesmo por colegas com quem convive anos, que apenas suas ausências” nos
momentos necessários são percebidas. Nesse diálogo surdo, tanto professores quanto a
equipe escolar só têm a perder, pois acumulam apenas irritação e descontentamentos.
64
e) A escola e a criminalidade: um estigma auto-atribuído?
O discurso sobre a presença da criminalidade nas escolas públicas,
especialmente nas periferias, é recorrente nas manchetes da mídia. Escolas assaltadas,
depredadas, fechadas a mando do tráfico, diretores que fazem acordo com traficantes
para garantir o funcionamento da escola ou a segurança dos alunos, são algumas das
notícias que ganham visibilidade nos jornais e revistas de todo o país.
Ao serem vistas ou lidas pelos professores, algumas condutas e comportamentos
são reconhecidos em seus próprios alunos, servindo imediatamente para caracterizá-los
como “crianças do tráfico”.
Durante os três anos em que estive na escola, jamais presenciei qualquer evento
que pudesse indicar a presença efetiva do tráfico ou da criminalidade na escola. Houve
apenas um incidente com uma professora que, ao chegar à escola, foi assaltada enquanto
aguardava que o portão do estacionamento fosse aberto automaticamente
29
. Por mais
infeliz que tenha sido, o fato em si não serve para provar a presença de criminosos na
escola, entretanto, falas registradas em diferentes momentos e contextos demonstram
que associar os “indícios” do mundo do crime aos alunos faz parte do cotidiano.
Em 20/03/2006 (Anexo I, p.12), no horário do intervalo, algumas professoras
conversavam sobre a reportagem exibida no programa Fantástico (TV Globo) sobre os
meninos que trabalham para o tráfico de drogas (“Falcão: meninos do tráfico”),
fazendo uma comparação entre eles e os alunos atendidos pela escola. Segundo elas, o
“elo de ligação” seria a maneira como cobrem o rosto com a camisa, deixando apenas
os olhos de fora. Dizia uma professora: “Eu fiquei chocada quando vi aqueles meninos
da televisão com a camisa em volta da cabeça como os nossos aqui usam ... eles
trabalham para o tráfico!”, então outra professora complementou: “Mas você não sabe
que aqui estudam os filhos de um traficante”?
Afirmar que na escola estudam “os filhos do traficante” é algo muito comum não
apenas nessa, como em todas as outras escolas em que atuei como professora ou como
pesquisadora. Todavia, esses alunos jamais são identificados ou nomeados, fato que não
seria inesperado, já que, especialmente em momentos como quando da organização das
turmas para o ano seguinte, todos os tipos de marcas são usados para identificá-los.
Conforme anteriormente relatado, em 2007, o signo da camiseta amarrada ao
29
Cf. Anexo I, p.115
65
rosto causou problemas ao aluno que a usava e, conforme a própria coordenadora
afirmou, “o pessoal associa as atitudes dos alunos com o que assiste na televisão e isso
basta para imaginar que eles também trabalham para o tráfico” (Anexo I, pp.38-39).
As generalizações disseminam-se rapidamente e encontram eco nas justificativas
para o mau comportamento de alguns, marcando-os como “as crianças que não têm
mais solução, pois estão envolvidas com a criminalidade”.
Esses pontos de vista, infelizmente, chegam a ser expressos diante dos próprios
alunos, conforme registro de 16/05/2007 (AnexoI, p.45): ao ver o aluno Hq na fila que
eu acompanhava, o inspetor afirmou: “Coitada, o acredito que isso sobrou para
você! Esse o tem mais jeito, rouba, bate nos outros, cobra pedágio, tem um destino
certo! É um verdadeiro ‘gângster’, um marginal!” Outra situação ocorreu em uma
reunião pedagógica (05/06/2006, anexo I, p.19), quando a professora da turma do PIC
do período da tarde afirmou que não organizaria uma apresentação para a Festa Junina,
argumentando: “- Os meus alunos? Eles não querem saber de dançar! Eles querem
saber de roubar!”, de modo que nenhum professor tenha se chocado com a afirmação e
a reunião tenha continuado como se sua colocação fosse uma verdade absoluta.
Assim como Hq, outros alunos carregam estigmas relacionados à criminalidade,
ainda que não haja informações concretas. Em 05/05/2006, a professora do PIC relatou
o caso de um aluno que, segundo os boatos que circulavam na escola, trabalhava para o
tráfico.
Rf era um jovem de 13 anos que passava longos períodos ausentes. Naquele dia,
a professora viu-o com o uniforme e a mochila a algumas quadras da escola, mas indo
em sentido contrário. Esse fato somou-se ao relato da professora do ano anterior: “esse
aluno é ‘aviãozinho’ do tráfico de drogas. A mãe tem 5 filhos pequenos para sustentar e
ninguém na casa trabalha”. Para a atual professora, mediante o que presenciara pela
manhã, seu vínculo com a criminalidade foi confirmado, chegando a lamentar, pois ele
“é um menino tão bonito... e está perdendo uma oportunidade... sua única
oportunidade... porque sem escola...! (silêncio)”. (cf. anexo I, p.15-6)
Sua evasão inviabilizou a constatação do motivo pelo qual se afastou da escola,
mas este caso muito se assemelha ao de outro aluno, que conheci durante a elaboração
da dissertação de mestrado.
Aquele garoto, então com 14 anos, que ainda cursava a série era filho de um
presidiário, faltava muito, demonstrava dar pouca importância à escola e sua mãe não
trabalhava porque tinha vários filhos mais novos de pais diferentes. Esse perfil, por si
66
só, já o tornava um aluno vulnerável.
A aproximação revelou que, por ser o filho mais velho, precisava trabalhar para
ajudar no sustento da família. Sua renda era garantida como guardador de carros” em
frente ao cemitério. Como afirmavam que no local havia ponto de venda de drogas,
disseminava-se, entre os professores, que ele era “aviãozinho”. Quanto ao tráfico ou ao
consumo de drogas, é difícil separar os boatos dos fatos, mas seu trabalho como
guardador de carros poderia ser facilmente constatado. Em um dos poucos dias em que
estava presente, a professora surpreendeu-o realizando uma atividade para um colega e
pôde constatar que sabia ler, escrever e resolver problemas matemáticos sem grandes
dificuldades. Muitas conversas sucederam-se a partir daquele dia, até que contou que se
negava a realizar as tarefas escolares porque seu pai, ao receber suas cartas na prisão,
sempre dizia que era burro e não conseguia aprender.
A partir dessas constatações, a imagem de jovem displicente, que não reconhecia
o valor da escola, tende a se transformar de forma bastante significativa: era
desacreditado
30
pelo pai – que parece desempenhar um papel muito forte na sua vida – e
pela escola, por ser filho de presidiário, por trabalhar na informalidade da rua e por não
demonstrar interesse pelo estudo. Na verdade, ele teve sua infância e juventude
roubadas pela necessidade de ajudar no sustento da família, o que demonstrava um alto
grau de responsabilidade que não condizia com a idéia de “jovem vulnerável”.
31
Retornando à atual coleta de dados, deparamo-nos com o caso de EA, um aluno
muito falador e imaginativo que sempre tinha uma história para contar.
Em 04/05/2007 (anexo I, p.40) a professora da rie comentou que há alguns
dias havia surpreendido Mt e EA conversando sobre um menino de seis anos que estava
“fumando no escadão” (no caso, segundo a professora, essa criança estaria usando
maconha em um local próximo à escola). Quando percebeu qual era o assunto,
perguntou-lhes se também “fumavam” e Mt desconversou, respondendo que não
“porque faz mal para o pulmão”.
Desde então, a professora desconfiou que Mt tivesse algum tipo de
envolvimento com o tráfico de drogas e seu desaparecimento da escola por alguns dias
serviu como mais um indicativo, pois, segundo ela, o garoto é criado pela avó porque os
pais são usuários de drogas e vivem nas ruas.
30
No sentido atribuído por Goffman, 1988.
31
Alguns trechos foram reproduzidos literalmente do artigo publicado por Silva, 2008 que apresenta,
além desse caso, o relato sobre o cotidiano de mais dois alunos estigmatizados por suas condições
precárias de vida.
67
Algumas semanas depois (26/06/2007), EA veio contar-me que agora estava
fazendo as lições que a professora passava, pois ganhava R$10,00 da sua mãe. E
emendou outra história: disse que na noite anterior tinha ido à farmácia comprar
pomada, porque ainda usa pomada de bebê. Mas aquela pomada não era para ele e sim
para os negócios do seu tio. Perguntei o que seu tio fazia e ele, meio sem graça, disse
que não era coisa boa, que não prestava. Respondi que, se não quisesse, não precisava
falar. Ele então veio bem perto do meu ouvido e disse que seu tio faz maconha e
“farinha”, mas para vender, pois não usa. Voltando a conversar, disse que o tio tinha
lhe dado R$50,00 para comprar a pomada e deixou que ele ficasse com o troco. Mt
chegou para participar da conversa e, ao perceber que EA tinha contado que seu tio
fazia maconha e que moram na “Favela do Rato” (próxima à escola), afirmou: “Mexe
nada, professora! É tudo da cabeça dele!” e logo afastou EA. (cf. anexo I, p.56)
Fatos como esse podem realmente indicar que algumas crianças m estreito
contato com a criminalidade e com o comércio e consumo de entorpecentes, mas é
difícil conseguir separar o real das “coisas que
os alunos falam”, assim como o que os
alunos vêem na TV e o que concretamente ocorre ao lado de suas casas quando não
dentro delas.
Na reunião pedagógica de 18/05/2007 (Anexo I, p.46), o irmão de EA foi
conversar com a professora, porque sua mãe estava trabalhando e afirmou que ele não
fica na rua durante a tarde, tampouco freqüenta a favela do “Boi Malhado”, que fica
próximo à Escola Estadual onde EA realiza atividades no contra-período escolar.
No caso de Mt, após ter fugido da escola (11/06/2007, anexo I, p.51), o
Conselho Tutelar foi acionado e poucas semanas depois foi transferido para uma
“escola de tempo integral”, segundo informações da professora. Nos registros do
prontuário não indicação sobre o motivo da transferência nem para qual escola foi
encaminhado.
Sobre a atuação do Conselho Tutelar quanto à estreita relação de alguns alunos
com a criminalidade, a coordenadora comentou, na reunião realizada em 04/12/2007,
que um conselheiro, ao saber que precisava intervir junto a um aluno que se envolveu
com o tráfico de drogas, afirmou que “não iria se meter com essa gente, pois tem filhos
pequenos para criar!” Sua postura foi reprovada pela escola, pois “se não disposição
para cumprir as funções de conselheiro de forma plena e isenta de medos e
preconceitos, não deveria se candidatar ao cargo”. Segundo os professores e a
coordenadora, atitudes como essa fragilizam os poucos recursos que a escola tem para
68
encarar problemas sérios, como o tráfico de drogas. (cf. anexo I, pp. 117-8)
Entre fatos concretos e supostos indícios de relação com a criminalidade, marcas
e medos vão se construindo dia após dia. É inegável que algumas crianças convivem
com tiroteios
32
, violência, venda e uso de drogas, mas isso não significa que façam parte
desse meio. Conforme exposto no capítulo anterior, já na década de 1950, Pearse
identificava que, embora os “malandros” habitassem as favelas, moravam muitas
famílias trabalhadoras, que não consideravam aquele um bom local para educar seus
filhos, mas os escassos ganhos impossibilitavam que pudessem morar em regiões menos
perigosas.
São essas pequenas relações que constroem o cotidiano escolar que culminam
em marcas, estigmas, preconceitos e atendimentos diferenciados a determinados alunos
considerados como “aqueles que não querem aprender”. Diante desse breve panorama,
apresentar-se-ão, a seguir, as micro-relações que compuseram, ano a ano, a organização
e o funcionamento das turmas do Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC), um projeto
aparentemente uno, que jamais se concretizou com a adoção dos mesmos critérios e
tipos de atendimento.
32
Como são os casos de AC (anexo IV, p.186), que relatou ter morado em um local muito violento, onde
havia tiroteios com freqüência; de DV (anexo V, p.234) que descreve o local onde mora com muitas ruas
de terra e lama, além de ser cheio de maloqueiros e favelados; e de CA (anexo V, p.231) cuja família está
de mudança para o interior embora aqui em o Paulo morem em uma casa grande (duas no mesmo
terreno), mas em um local muito violento.
69
Capítulo III
O Projeto Intensivo do Ciclo I: um espaço escolar de desvalorização?
Este capítulo é dedicado à apresentação dos dados coletados durante os anos de
2006 a 2008, junto às turmas de alunos atendidos pelo Projeto Intensivo do Ciclo I
(PIC), elaborado pela Prefeitura de São Paulo, e à análise das implicações desses tipos
de agrupamentos, no que tange às relações sociais entre os alunos e os professores que
pertenceram a essas salas de aula.
No total, foram observadas quatro classes, sendo que três atenderam aos alunos
do ano do Ensino Fundamental I e uma aos do ano da mesma etapa de ensino,
tendo sido cada uma delas formada com critérios próprios, embora a orientação da
Secretaria da Educação tenha sido clara ao determinar que no ano do PIC deveriam
ser matriculados apenas alunos repetentes e que os agrupamentos do ano deveriam
ser organizados de modo a atender somente àqueles que ainda não dominassem o
sistema alfabético de escrita. Todas as turmas não deveriam ultrapassar o total de 35
alunos e ter garantidas 30 horas de aula semanais.
O documento elaborado pela Diretoria de Orientação Técnica (DOT), em 2005,
ressalta que “o Projeto Intensivo no Ciclo I - PIC é uma ação da DOT/SME no ano
do Ciclo I que tem o objetivo de reverter o quadro atual de fracasso escolar dos alunos
nesta etapa da escolarização”. (PMSP, 2005b, p.07)
Propostas que visam combater o fracasso escolar e corrigir o fluxo de alunos não
são totalmente novas no sistema público de ensino do país. Em 1997, algumas redes
municipais e estaduais experimentaram o projeto de aceleração de estudo
33
, baseado no
modelo americano implantado desde 1986
34
.
Este projeto do MEC contou com a parceria do Instituto Ayrton Senna, que criou
o programa Acelera Brasil”
35
, cuja proposta principal era possibilitar que alunos com
33
A rede estadual de ensino de São Paulo é um exemplo, pois, em 1996, a Secretaria Estadual de
Educação, em conjunto com o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação (Cenpec), apresentou o
documento “Reorganização da trajetória escolar do Ensino Fundamental: classe de aceleração. Proposta
Curricular”, cujo objetivo era “recuperar a trajetória dos alunos em situação de defasagem através da
criação de classes que desenvolvam uma proposta de aceleração de aprendizagem, que lhes possibilite
avanços reais, reintegrando-os no percurso regular normal” (Arquivo eletrônico disponível em:
http://www.crmariocovas.sp.gov.br/ace_a.php?t=003
, acessado em fevereiro de 2008).
34
Cf. Prado (2000, p.53). O programa Accelerated Schools foi criado na Universidade de Stanford-
Califórnia, com a finalidade de atender a alunos em situação de risco”. Henry Levin, um dos
idealizadores da proposta visitou o Brasil em 1992, disseminando a idéia das classes de aceleração.
35
Para maiores informações sobre esse programa e um balanço do período de 1997 a 2000, cf.: Oliveira,
2002.
70
defasagem de idade em relação à série pudessem aprender, em um ano, o necessário
para alcançarem a série correspondente a sua idade.
Conforme indica Oliveira (2002), os alunos analfabetos que estivessem em
defasagem de idade/série deveriam, primeiramente, ser alfabetizados para que depois
pudessem freqüentar as classes de aceleração, isto porque, para que o programa tivesse
êxito, era necessário que os alunos dominassem a leitura e a escrita.
Ao final de um ano participando da turma de aceleração, os alunos eram
submetidos a avaliações que deveriam subsidiar a decisão dos professores para indicar
quantas séries poderiam “saltar”. Por exemplo: um aluno, que com 12 anos estivesse no
ano do Ensino Fundamental e fosse alfabetizado, deveria participar do “projeto de
aceleração” e, de acordo com o seu aproveitamento, o professor decidiria se estava apto
a cursar, no ano seqüente, a 5ª, ou série, sendo essa última correspondente a sua
faixa etária.
Segundo Prado (2000, p.54),
Ao incentivar a adesão dos sistemas estaduais e municipais ao Programa de
Aceleração da Aprendizagem, o MEC pretendeu induzir essa mudança de
mentalidade e de atitude comportamental, indispensável para a superação da
“cultura da repetência”, bem como oferecer os subsídios necessários para a
correção do fluxo escolar.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) publicou, em
2000, na Revista Em Aberto, uma coletânea de artigos sobre os programas de correção
de fluxo escolar (Setubal, 2000), abordando diversas propostas implantadas em alguns
estados brasileiros, como São Paulo, Paraná, Alagoas, Mato Grosso do Sul, entre outros.
A proposta das classes de aceleração, de acordo com Sampaio (2000, p.72),
[deveria] constituir ponto de partida e uma das dimensões a serem cuidadas, e
não uma medida isolada tida como panacéia; uma medida que se [integrasse] à
busca de caminhos para a melhoria da aprendizagem e desempenho dos alunos e
da prática pedagógica, ainda que não [fizesse] desaparecer o fracasso escolar,
que se origina e se alimenta de problemas não só escolares, mas sociais.
A maior diferença entre o “Programa Acelera Brasil” e o “Projeto Intensivo do
Ciclo I” (PIC), inserido dentro do “Programa São Paulo é uma Escola”, é que o primeiro
previa que os alunos considerados aptos pudessem “pular” algumas séries e a proposta
da Prefeitura de São Paulo (PIC), ao contrário, visou proporcionar um ensino
diferenciado nas diversas áreas do conhecimento, em princípio dirigido somente aos
alunos dos quartos anos e mais tarde também aos dos terceiros, de modo que lhes
fossem oferecidas novas possibilidades de aprendizagem, para que a reprovação não
71
significasse uma inútil e monótona repetição de métodos e conteúdos, mas se tornasse
uma oportunidade para prosseguissem os estudos, pois aqueles que concluíam com
êxito o 4º ano em uma turma de PIC eram, necessariamente, matriculados na 5ª série.
O programa São Paulo é uma Escola, segundo publicação no Suplemento do
Diário Oficial, visava proporcionar
aos educandos condições para a realização de atividades pedagógicas, culturais,
recreativas e de lazer, fora de seu período regular de aula. Esta proposta se
fundamenta em duas iniciativas importantes da atual Política Educacional: a
ampliação do tempo para o desenvolvimento do processo de ensino e da
aprendizagem; e a revitalização e uso dos espaços ociosos da cidade. Alguns
dos graves problemas detectados por esta administração. (PMSP, 2005a, p.03)
Indica também a preocupação com os altos índices de distorção idade/série
atrelados ao baixo desempenho das escolas municipais, em avaliações como as do
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) e do Programa Internacional de
Avaliação de Alunos (PISA), ressaltando que
Os resultados obtidos pelo [SAEB e pelo PISA], revelam que o desempenho
escolar dos alunos do ensino público em São Paulo é crítico, em alguns casos
muito crítico. Os estudantes com desempenho muito crítico apresentam uma
alta taxa de distorção idade-série, 58% deles estão acima da idade considerada
adequada para a 4 ª série, que é de 10 anos. Mais da metade dos alunos, 55%,
chega à 4ª série do Ensino Fundamental sem ter desenvolvido competências e
habilidades de leitura e 52% desses mesmos alunos demonstram profundas
deficiências em matemática. (PMSP, 2005a, p.03)
Em 27 de setembro de 2005, a Prefeitura do Município de São Paulo publicou a
portaria nº6328 (PMSP, 2005b), que apresentou o Programa Ler e Escrever
Prioridade na Escola Municipal”. Dentre os projetos que compõem esse programa está o
Projeto Intensivo no Ciclo I, que se volta especificamente para o atendimento dos
alunos (multi) repetentes matriculados no ano do Ensino Fundamental I. Neste
documento, pontua-se que sua elaboração deveu-se
[à] análise dos dados de retenção dos alunos ao final do Ciclo I, [que] nos anos
de 2000 a 2003 evidencia que 12% dos alunos matriculados são retidos no
ano, o que equivale a 10.000 (dez mil) alunos da rede
36
. Os estudos realizados
pela DOT/SME revelam que este Sistema de Ensino gera, por escola, pelo
menos uma sala de alunos repetentes ao final do Ciclo I, em torno de 30 a 35
alunos em média, e que para agravar ainda mais o quadro em questão podem ser
reprovados por vários anos consecutivos.
Não existe um estudo ou mesmo um levantamento preciso quanto ao perfil
destes alunos nem aos critérios para sua retenção ao final do Ciclo I. Acredita-
se que são alunos que apresentam ao longo da escolaridade dificuldades em
acompanhar o restante do grupo classe, no que diz respeito principalmente à
leitura e à escrita. Portanto são aqueles que não adquiriram o domínio do
36
Dados fornecidos pelo Centro de Informática da Secretaria Municipal de Ensino de São Paulo.
72
sistema de escrita ou têm poucas condições de fazer uso deste conhecimento de
forma autônoma. Assim, apresentam distorção idade-série de um ou mais anos,
dependendo do número de retenções que tiveram. (PMSP, 2005b, pp.7-8)
Embora a intenção explícita da Prefeitura, quanto à adoção desse tipo de projeto,
tenha sido a realização de um trabalho especialmente voltado “às necessidades e
interesses desses alunos repetentes”, a organização de turmas específicas a alunos
retidos ou com características de aprendizagem próximas já foi objeto de análises,
conforme será apresentado no item b deste capítulo.
De todo modo, projetos como o “Acelera Brasil” e o “Projeto Intensivo do Ciclo
I” reduzem estatisticamente a defasagem idade-série e os índices de evasão escolar,
porém muitas críticas a essas iniciativas, sobretudo quando o ângulo de visada está
sobre a questão da qualidade do ensino. Contudo, é necessário conhecer os dados
macro-sociais sobre a escolarização no Brasil e, no caso dessa pesquisa,
especificamente no Estado de São Paulo, de modo a verificar quais contribuições
analíticas a aproximação microscópica nos viabiliza.
a) O que os levantamentos estatísticos nos mostram sobre a evasão e repetência:
breves considerações
Não o poucas as políticas de universalização do ensino de que os governos
lançam mão para garantir a permanência de seus alunos nas salas de aula. São inúmeras
as propostas pedagógicas que visam corrigir o fluxo escolar
37
, assim como incontáveis
os programas governamentais, nas três esferas do poder, que distribuem auxílios
materiais e recursos financeiros às famílias, cujos filhos apresentam uma freqüência
regular às aulas. Entretanto, ainda há um número considerável de alunos que chegam ao
final do Ensino Fundamental I com idades muito superiores às esperadas, que é de
aproximadamente 10 ou 11 anos
38
.
Diversos documentos organizados pelo INEP/ MEC subsidiam a análise de
alguns dados relativos ao Ensino Fundamental:
37
Os dados obtidos pelo Censo Escolar 2006 (INEP, 2007) indicam que, no Estado de o Paulo, o
número total de matrículas em Programas de Correção do Fluxo Escolar no Ensino Fundamental é de
60.551 e que no Brasil a quantidade de alunos chega a 490.880.
38
No país, do total de 18.338.600 de alunos matriculados no Ensino Fundamental I, 13.230.946 estão na
faixa etária que corresponde dos 07 aos 10 anos e outros 901.279 possuem idades iguais ou inferiores a 6
anos. Isso indica que 4.206.357 de alunos têm idade superior àquela esperada para esse vel de ensino.
(cf. INEP, 2007)
73
Tabela 1
Taxa de transição de fluxo escolar no Ensino Fundamental
– Brasil – 1991-2000
1991 2000 2005
39
Promoção 60,4 73,4 79,5
Repetência 33,2 21,7 13,0
Evasão 6,4 4,9 7,5
Fonte: INEP, 2003b, p.22
A tabela 1 mostra que, em nível federal, a repetência tem diminuído e a
promoção segue aumentando, mas a evasão, que de 1991 para 2000 havia diminuído,
em 2005 cresceu 2,6%. As regiões Nordeste (12,3%) e Norte (11,1%) ainda concentram
os piores resultados, enquanto Santa Catarina (1,2%) e São Paulo (1,8%) são os dois
estados com menores índices.
Em âmbito nacional, as séries que concentram os maiores índices de abandono
são asérie, com 7,7 e a 5ª série com 10,6. É no Ensino Fundamental II (5ª aséries)
que a evasão se acentua ainda mais (5,7 no primeiro ciclo contra 9,6 no segundo). Em
relação ao Estado de São Paulo, a taxa de abandono também é maior no Ensino
Fundamental II (2,7 contra 0,8 no Ensino Fundamental I), mas a série, com 1,3 e a
série, com 4,2 são as que concentram os maiores índices
40
.
Tabela 2
Indicadores de produtividade no Ensino Fundamental – Brasil – 1991-2000
1991 2000
Tempo médio esperado de permanência no sistema 9,0 8,5
Número médio esperado de séries concluídas 6,0 6,6
Tempo médio esperado de conclusão 11,9 10,2
Taxa esperada de conclusão 42,6 59,3
Fonte: INEP, 2003b, p.23
39
Os dados referentes ao ano de 2005 foram incluídos nesta tabela, com referência às informações obtidas
em INEP, 2007, p.349
40
Cf. INEP, 2007, p.363. Diante da comparação entre as redes de ensino, São Paulo registra
respectivamente índices de abandono igual a 1,0 nas unidades municipais e 2,7, em âmbito estadual, o
que vem demonstrar que esse último sistema parece ser menos eficiente quando a intenção é manter os
alunos nas escolas.
74
Os progressos na redução dos anos de permanência dos alunos na escola são
nítidos, porém os números ainda não são satisfatórios. Como o próprio documento
salienta, esses valores ainda são elevados, que o aluno do ensino fundamental gasta,
em média, 8,5 anos para concluir 6,6 séries, devido às altas taxas de repetência. [...]
Hoje, no Brasil, existem cerca de oito milhões de alunos a mais que a população de 7 a
14 anos”. (INEP, 2003b, p.23-4)
Araújo (2005) atualiza, até o ano de 2001, os dados referentes ao tempo médio
de conclusão esperado para o Ensino Fundamental que é de 10 anos e a taxa média
de conclusão desse mesmo nível de ensino – 62,3.
Os progressos e os problemas tornam-se ainda mais evidentes quando
analisamos as taxas de distorção idade-série:
Tabela 3
Taxa de distorção idade-série no Ensino Fundamental – Brasil– 1999-2003
41
Série/ Ano 1999 2000 2001 2002 2003
1º ano 32 27,8 25,3 21,7 19,3
2º ano 40,6 35,7 31,9 29,1 26,6
3º ano 44,5 41,6 38 34,9 31,7
4º ano 42,7 42,5 39,4 36,2 33,3
5º ano 52,3 50,4 50 47,4 43,4
6º ano 49,7 47,5 45 44,5 41,7
7º ano 50,6 48,6 45,5 43,9 42,2
8º ano 49,5 48,6 45,7 43,4 40,6
Fonte: MEC/ INEP
Paulatinamente, houve redução na taxa de distorção entre os anos de 1999 e
2003, mas a 5
ª
série ainda registra o maior índice, o que pode ser melhor compreendido
se retomarmos a informação de que esta é também a série que registra as maiores taxas
de repetência e de abandono no Brasil.
Ainda sobre o fluxo escolar, outro dado disponibilizado pelo INEP/ MEC (2002,
p.7) fornece o parâmetro de análise da taxa de repetência no período de 1995 – 1999.
41
Cf. Araújo, 2005
75
Tabela 4
Taxa de repetência por série no Ensino Fundamental regular - Brasil – 1995-1999
Anos
Total
1995 30,2 45,5
32,2
23,5
19,1
33,6
27,4
22,8
17,9
1996 26,6 41,5
27,2
21,3
16,9
30,7
24,3
19,9
15,5
1997 23,4 40,3
24,0
17,5
14,4
25,8
19,4
16,4
13,4
1998 21,3 40,1
20,9
15,5
12,4
22,2
15,9
14,8
11,2
1999 21,6 39,3
21,4
15,7
13,1
23,0
16,7
15,9
14,6
Fonte: MEC/ INEP
Embora a redução da taxa de repetência no país tenha decrescido no período,
fica claro que os índices percentuais referentes à e à 5ª série (exatamente as duas
séries iniciais de cada ciclo) permanecem os mais elevados em todo o período. (Cf.
INEP, 2003b)
Em 2005, conforme indica a tabela 5, as taxas seguiram a tendência de redução,
mas, enquanto entre os anos de 1995 e 1999 a série apresentou uma das menores
reduções percentuais (6,2%), entre 1999 e 2005 foi a que registrou a maior redução da
taxa de repetência, embora ainda seja a mais elevada no Ensino Fundamental I.
Tabela 5
Taxa de repetência - 2005
Ensino Fundamental regular
Total
Brasil
13,0 16,1
14,9
10,5
10,4
16,5
13,7
11,4
10,9
São Paulo
6.0 4,0 5,0 2,4 7,2 5,5 6,2 6,5 11,6
Fonte: INEP, 2007, p.357
Ao compararmos os índices do Estado de São Paulo com os nacionais, é
possível verificar dois aspectos: as médias do estado são bastante inferiores às do país e
os dois principais anos de maior retenção não coincidem: enquanto as duas principais
barreiras da educação brasileira ainda estão na e na série, no Estado de São Paulo,
são os dois anos finais que registram os maiores índices de retenção (4ª e rie),
devido aos programas estaduais e municipais de combate à retenção e à evasão, que
prevêem o ensino em ciclos. Esse fato faz com que os alunos retidos ao final do ciclo
refaçam a ou a série. Entretanto, devido às inúmeras defasagens que
76
ocasionalmente vão se acumulando de ano para ano, não conseguem ser aprovados ao
final do ano em que cursam pela segunda vez a mesma série, tal como aponta Michels
(2006, p.409):
Se por um lado a organização por séries tem como um de seus principais
problemas a rigidez de tempo, do currículo e da avaliação, que levam a altos
índices de fracasso na escola e a conseqüente evasão, por outro lado, a
organização por ciclos flexibiliza o tempo, o currículo e a avaliação durante o
período do ciclo. Mas no término de cada ciclo essa inflexibilidade reassume o
processo ensino-aprendizagem, levando, em muitos casos, ao fracasso. Outro
ponto a ser destacado é o de que se flexibilizam tanto os componentes do
processo ensino-aprendizagem que se acaba por proporcionar educação
diferente para pessoas diferentes.
Esses alunos (multi) repetentes geralmente permanecem no ensino regular até os
14 anos, quando então devem ser encaminhados à Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A restrição da matrícula a jovens com menos de 14 anos na EJA possibilita que haja
alunos cursando a primeira rie com 10 ou 12 anos, assim como outros com 14 anos
cursando a terceira ou a quarta série do Ensino Fundamental I.
Dessa forma, duas situações distintas no ensino regular: alunos que
ingressaram com a idade considerada correta e chegaram ao final do primeiro ciclo com
idade superior à esperada, devido a retenções ou desistências e retomadas durante o
percurso escolar; e aqueles que, por inúmeros motivos, entraram na escola com idade
superior a sete anos e inferior a catorze anos.
Em outros dados do MEC/ INEP sobre o rendimento escolar no Estado de São
Paulo, temos:
Tabela 6
Rendimento escolar dos alunos de 1ª a 4ª série – Estado de São Paulo
Indicador do rendimento 2001 2005
Aprovados 2.814.391 2.845.824
Reprovados 135.715 141.285
Evadidos 32.840 14.772
Fonte: INEP, 2003b; 2007
77
Tabela 7
Número de alunos reprovados no Ensino Fundamental, no Estado
de São Paulo, por série/ano
2001 2005
Ano Inicial
42
** 190
24.422 29.863
29.836 37.887
15.354 17.609
66.103 55.736
37.368 40.800
39.380 44.557
39.429 44.649
60.233 79.317
Total
312.125 350.608
Fontes: INEP, 2003a, p.201; INEP, 2007, p.230
As tabelas 6 e 7 indicam que, embora o número de alunos reprovados tenha
aumentado em 2005, em relação a 2001, o número de evasão no Ensino Fundamental I
caiu sensivelmente (aproximadamente 55%) e que o ano, principal série de retenção
no ciclo I, também conseguiu registrar uma redução de mais de 10.300 mil alunos.
Segundo os dados disponíveis na tabela 8, entre os anos de 2001 e 2005, no
Estado de São Paulo, houve redução no número de alunos afastados por abandono no
Ensino Fundamental, entretanto, em 2005, o aumento entre o total de evadidos na
série em relação à série anterior é quase 2,7 vezes superior e o total de abandono no
primeiro ciclo é de 24.494 alunos contra 76.669 no segundo ciclo, o que corresponde a
um aumento superior a 300%.
Tabela 8
Total de alunos afastados por abandono no Ensino Fundamental,
no Estado de São Paulo, por série/ano
2001 2005
Ano Inicial ** 15
13.925 9.686
5.942 4.765
5.598 4.367
7.375 5.661
21.663 15.441
24.279 15.418
27.443 17.295
32.796 28.545
Total
139.021 101.163
Fontes: INEP, 2003a, p.256; INEP, 2007, p.277
42
O registro sobre o total de alunos no “ano inicial” refere-se à implantação do Ensino Fundamental com
9 anos de duração.
78
Em 2006, foram matriculados no Ensino Fundamental paulista 6.014.209 de
alunos, sendo que 3.128.040 no primeiro ciclo (ano inicial e a série) e desse total,
2.711.093 estavam na faixa etária esperada, que é de 7 a 10 anos; e outros 2.886.169 no
segundo ciclo (5ª a 8ª série), sendo que 2.357.301, com idades entre 11 e 14 anos.
No mesmo período, foram matriculados nos programas de correção de fluxo
escolar, do Ensino Fundamental do Estado de São Paulo, 60.551 alunos, sendo que
33.974 cursavam da 1ª a 4ª série e 26.577 estavam entre a 5ª e a 8ª série.
A exclusão, sob a ótica escolar, revela-se de formas diferentes, de modo que é
mister diferenciar a exclusão que ocorre na escola em relação àquela da escola. Sobre
esta questão, Ferraro (2004) indica que a exclusão da escola corresponde à
impossibilidade de matricular-se ou seja, o não acesso e a evasão. São os casos em
que a criança ou o jovem sequer tem garantido o direito à educação ou não consegue
permanecer nela por muito tempo. a exclusão na escola diz respeito àqueles alunos
que, uma vez matriculados, enfrentam inúmeros obstáculos em sua trajetória,
acumulando dois ou mais anos de reprovação. Essa segunda categoria remete-nos,
também, à idéia de “excluídos do interior”, de Bourdieu e Champagne (1992). Embora a
análise desses autores refira-se à realidade francesa, inúmeros aspectos comuns a
nossa escola. A lógica da exclusão no interior refere-se aos
mecanismos que, acrescentando-se à lógica da transmissão do capital cultural,
fazem com que as mais altas instituições escolares e, em particular, aquelas que
conduzem às posições de poder econômico e político, continuem sendo
exclusivas como foram no passado, E fazem com que o sistema de ensino,
amplamente aberto a todos e, no entanto, estritamente reservado a alguns,
consiga a façanha de reunir as aparências da “democratização” com a realidade
da reprodução que se realiza em um grau superior de dissimulação, portanto,
com um efeito acentuado de legitimação social. (Bourdieu e Champagne, 1992,
p.223).
O estudo de Ferraro (2004) fez uso de informações coletadas pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), especificamente dos dados do Censo
Demográfico de 1991 e da Contagem da População de 1996, portanto, o autor propôs-se
a uma análise macro-social.
A categoria “excluídos da escola” baseou-se nos dados sobre a população de 04
a 17 anos que, no momento da pesquisa (1996), não freqüentava a escola. Esse número
foi composto pela somatória dos que nunca freqüentaram a escola e dos que evadiram.
Para identificar os considerados como “excluídos na escola”, o autor valeu-se
79
dos números referentes à relação idade-série. Todos aqueles que apresentaram
defasagem superior a dois anos em relação à série cursada compuseram essa segunda
categoria.
Há, ainda, uma terceira categoria: “incluídos na escola”, formada pelos que
apresentam defasagem de até um ano, os que estão na idade esperada e os considerados
antecipados.
Penso que a conceituação excluídos da/na escola” é extremamente rica e pode
servir, com alguns cuidados, para análises mais minuciosas. O que nos mostram os
dados da pesquisa empírica portanto no âmbito micro-sociológico é que a relação
idade-série é composta de inúmeros fatores que se entrecruzam.
casos em que os alunos m uma idade avançada para as séries iniciais, ou
por terem vindo de locais distantes
43
, onde o puderam ser atendidos na idade regular,
ou por negligência dos pais
44
. Essa defasagem está relacionada à exclusão da escola,
embora, segundo o critério utilizado por Ferraro, seja considerada como excluídos na
escola.
Outros casos realmente correspondem ao seu levantamento, pois a defasagem é
ou conseqüência de um acúmulo de retenções
45
, ou fruto de um ingresso posterior à
idade esperada
46
somado às reprovações
47
.
ainda outro fator, que contempla alunos que permaneceram no sistema de
ensino por alguns anos e, devido a sucessivas reprovações ou a causas externas ao
processo educacional como, por exemplo, a necessidade de trabalhar ou de cuidar dos
irmãos mais novos –, foram afastados dos bancos escolares
48
. Estatisticamente, tanto em
um caso como no outro, são considerados alunos que evadiram”, mas, se analisarmos
43
Cf. anexo I (p.125) o caso de En, que veio da Bahia e, com 11 anos completos, estava matriculada na
série, mas tinha condições de ser reclassificada; ou o caso de Vc, que chegou do Maranhão com 10 anos,
mas com solicitação de matrícula para a 2ª série. (Anexo II, p.180)
44
Como é o caso dos alunos Hq (anexo I, p.43) e Br (anexo I, pp.119-20). Em ambos, os alunos
desaparecem das aulas, mas no início do ano seguinte estão novamente matriculados e freqüentando a
escola.
45
Esse é o caso, por exemplo, de Kt, que cursou a 4ª série por quatro vezes (anexo II, p.176); de An, El e
Pm (cf. anexo II, respectivamente p.169, 172 e 179) e de Rn e Tn (cf. anexo I, pp. 138-9) que refizeram a
4ª série por três vezes. No caso do aluno Rf, houve retenções na 1ª e na 4ª série (cf. anexo V pp.253-5).
46
Como é o caso de Pd, Rg e Tn, todos alunos do 3º ano do PIC (cf. anexo I, p.135).
47
Em 2006, registrou-se nessa condição o aluno Vc (cf. Anexo II, p.180) e, em 2008, os alunos Dv, EW,
Nt, Rf, todos matriculados na turma do 4º ano do PIC (cf. anexo I, pp. 136-8).
48
É o caso de Th (cf. anexo I, p.139) que aparentemente ficou sem estudar durante o ano de 2006; de Rf
que foi reprovado por faltas em 2006, embora constasse oficialmente como aluno desistente (cf. anexo I,
p.35); de Mr, que permanece matriculada embora nunca tenha aparecido na escola (cf. anexo I, p.121) ou
ainda de Tr, que precisou abandonar os estudos depois que sua mãe foi atingida por um tiro e, para
proteger sua vida e a de sua família, sumiu da cidade sem solicitar a transferência da aluna (anexo I,
p.120).
80
os dados “de perto”, perceberemos que a exclusão pode se expressar tanto como a que
ocorre na escola (multi) repetência quanto pode ser conseqüência da somatória de
condições desfavoráveis de vida como a necessidade precoce de ingresso na vida
produtiva –, de modo que não se pode atribuir exclusivamente ao sistema de ensino a
responsabilidade pela evasão desse aluno.
A retenção, que conforme Ferraro é um indicativo da exclusão na escola, é
freqüentemente resultante de dois fatores: o número excessivo de faltas
49
e/ ou o
aproveitamento insuficiente em termos de aprendizagem. Especificamente no caso do
município de São Paulo, as escolas são organizadas em dois ciclos de 4 anos cada. Da 1ª
à série e da à 8ª rie, salvo no caso de exceder os limites de falta, o aluno segue
sem que seu aproveitamento seja alvo de reprovações. Apenas ao final desses dois
ciclos (ou seja, na e séries) é que pode ser reprovado, caso não demonstre possuir
os conhecimentos necessários para cursar a próxima série
50
.
Diante desses dados, temos um panorama macro-social e a consideração de
como alguns desses índices se apresentam de modos diferentes quando “vistos de
perto”. O mesmo ocorre com a formação das turmas do PIC pois, se nos detivermos
apenas à proposta da Secretaria de Educação, temos uma perspectiva de análise
diferente da realidade observada no ambiente escolar.
b) Diferentes organizações para uma mesma proposta
Conforme apresentado no início desse capítulo, a proposta elaborada pela
Prefeitura do Município de o Paulo deixava claro que as turmas de PIC deveriam ser
organizadas de modo a atender aos alunos que foram retidos no ano anterior, garantindo
um atendimento específico para os que fracassaram ao concluir o primeiro ciclo do
Ensino Fundamental.
A separação de um determinado grupo de alunos em turmas organizadas por
critérios como nível o conhecimento foi objeto de estudo em diversos países. Crahay
(2007)
sintetizou os dados de uma série dessas pesquisas realizadas na Europa e nos
Estados Unidos e encontrou duas perspectivas sobre agrupamentos de alunos: o
primeiro modelo, nomeado de estudos naturais, colhe os dados em classes homogêneas,
49
Este é o caso de As (anexo I, p.136), Rn (anexo I, p.135) e seu irmão menor que estava matriculado na
1ª série (anexo I, p.117)
50
Além de todos os casos relatados, mais 9 alunos que se encontram em defasagem idade-série, mas
não há registro explícito sobre as causas.
81
organizadas pela equipe escolar, de maneira que não interferência do pesquisador;
no segundo modelo, denominado de estudos experimentais ou quase-experimentais, os
pesquisadores intervêm na organização da turma, a fim de garantir que outras variáveis
não venham a afetar a análise.
Em relação aos estudos naturais conclui-se que
A constituição de classes homogêneas quanto ao vel escolar tem, com
freqüência, efeitos prejudiciais no plano sócio-afetivo, principalmente para os
alunos situados nas classes dos fracos. [...] Os professores das classes dos fracos
têm geralmente tendência a adotar uma atitude fatalista. [...] Os alunos situados
nos grupos ou turmas dos fracos recebem um ensino de menor qualidade: nessas
turmas, o tempo dedicado ao ensino é inferior àquele registrado nas turmas
consideradas fortes, o número de unidades de conteúdo é menor, os
encorajamentos são mais raros e menos entusiasmados e os exercícios de
repetição são mais numerosos (Crahay, 2007, pp.186-7)
O resultado obtido pelos estudos experimentais ou quase-experimentais revela
que a maneira como os alunos são agrupados não afeta o rendimento” (Crahay, 2007,
p.188). Um dos dados refere-se a programas realizados nos Estados Unidos, que
prevêem o agrupamento dos alunos segundo o resultado de testes de QI. , portanto,
classes de alunos fortes, médios e fracos. O desempenho dessas turmas foi comparado a
outras heterogêneas, tendo como base o mesmo programa de estudo e, em alguns casos,
o mesmo professor foi responsável por uma classe homogênea e outra heterogênea. Os
dados demonstram que, “a hipótese segundo a qual o agrupamento em classes
homogêneas seria benéfico aos alunos fortes cai por terra” (Crahay, 2007, p.188)
Na realidade, as pesquisas experimentais ou quase-experimentais demonstram
que é a questão do prestígio que torna as turmas desiguais:
Quando os pesquisadores não intervêm para manter a qualidade e a quantidade
de ensino iguais nas diferentes classes, é possível que, ao se constituírem
trajetórias diferentes, estas sejam valorizadas de forma hierarquizada, portanto,
o ensino dispensado varia em função do prestígio social concedido a cada uma
dentre elas. A diferenciação do ensino em função da trajetória constitui assim
um componente do dispositivo escolar que o torna desigual. (Crahay, 2007,
p.189)
Essas análises demonstram que o problema maior dos agrupamentos o está na
condição real de aprendizagem potencialmente maior ou menor de grupos homogêneos,
mas sim no modo como os grupos mais fracos são subestimados pela equipe escolar.
Quando desacreditados, no sentido utilizado por Goffman (1988), suas possibilidades
efetivas de sucesso são reduzidas, não pela capacidade inferior de aprenderem, mas por
lhes ser sonegado parte do conteúdo e/ou por métodos de ensino fracos.
82
Uma segunda questão relevante apontada por Crahay, que demandou atenção
especial da Prefeitura de São Paulo, quando da elaboração das diretrizes de organização
das turmas de PIC, é o número de alunos por sala.
É recorrente a divulgação, por meio da mídia, de superlotação nas salas de aula
das escolas públicas brasileiras e, de modo especial nas localizadas na periferia dos
grandes centros urbanos. Encontrar 45 ou 50 alunos em uma sala de aula o é algo
inusitado. Nesse sentido, a proposta do PIC previa a organização de modo que o número
máximo não ultrapassasse 35 alunos; no período em que esta pesquisa foi realizada
(2006-2008), os agrupamentos de ano receberam respectivamente 25, 26 e 29 alunos
e o de 3º ano, 28 alunos.
Segundo os levantamentos de pesquisas realizados por Crahay (2007, p. 189)
o aumento do rendimento é claramente mais importante se forem eliminados
cinco alunos em uma sala de 15 do que se se eliminar o mesmo número numa
classe de 25. Mais precisamente, a redução dos efetivos mostra seus efeitos
sobretudo abaixo de 10 alunos.
O principal impacto demonstrado nas pesquisas analisadas pelo autor refere-se
às questões emocionais, de modo que a melhora no desempenho dos alunos que
freqüentam turmas menores está em seus efeitos sobre a motivação. Esses ganhos são
registrados em todos os meios, sejam rurais ou urbanos, em bairros periféricos ou em
guetos, conforme resume Crahay (2007, p.190), mas, no entanto,
Em cada nível escolar, observa-se que são as crianças mais desfavorecidas as
negras e hispânicas, aquelas dos bairros “difíceis” que se beneficiam mais da
redução do tamanho das classes. A vantagem é duas ou três vezes mais
importante para os jovens “vulneráveis” do que para os alunos brancos de classe
média. O tamanho tem tipicamente um papel compensatório”; trata-se
literalmente de uma “descriminação positiva”, que corrige certas desigualdades
devidas ao meio social de origem das crianças;
Como veremos mais adiante, os alunos que participaram do PIC podem ser
facilmente considerados “crianças mais desfavorecidas”, por inúmeras razões e, embora
seja válido o esforço da Prefeitura em manter um limite máximo de alunos por sala,
ainda está longe de ser o adequado.
Após essas breves ponderações, sobre algumas condições indicadas pelas
pesquisas como ideais para o bom desenvolvimento dos alunos que cursam os primeiros
anos do Ensino Fundamental, serão apresentadas análises referentes aos dados
empíricos coletados nas turmas de PIC, ao longo dos três anos de “mergulho” na escola.
A primeira consideração a ser feita é que, como o número de alunos retidos ao
83
final de 2005 foi elevado, houve a possibilidade da formação de duas turmas de PIC:
uma no horário das 7h às 11h e a outra das 11h às 15h.
No ano de 2006, acompanhei a turma do primeiro período, sendo sempre muito
bem recebida pela professora. Muito organizada, já no início do ano havia elaborado
uma pasta com a anamnese dos alunos.
Naquela sala foram matriculados inicialmente 25 alunos. No mês de maio,
chegou mais um, transferido de outra escola e, no mês de agosto, outra aluna, na mesma
situação, também foi encaminhada àquela sala. Por ser o primeiro ano do projeto e pelo
reduzido número de alunos, os primeiros meses foram de incerteza para a professora.
Conforme o registro de campo de 13/03/2006 (Anexo I, p.07), havia boatos de que a
Coordenadoria de Ensino redistribuiria alunos de escolas da região, de modo a atender à
demanda da rede, até chegar ao limite de 35 alunos por turma de PIC. Essa hipótese,
que o se confirmou, assustava-a pois, na sua opinião, atender a um mero maior de
alunos repetentes significaria diminuir a qualidade de seu trabalho e aumentar os
problemas de indisciplina.
A turma foi composta por 18 meninos e 9 meninas, um desequilíbrio notado
facilmente por qualquer pessoa que conheceu aquela turma. Desses 27 alunos, 16 já
haviam sido retidos uma ou mais vezes (três alunos cursavam pela vez e uma aluna
pela vez a mesma série) e os outros 11 cursavam o ano pela primeira vez, mas
foram encaminhados pelo baixo rendimento.
Entre os alunos retidos, havia três com 13 anos: um chegou do Maranhão em
setembro de 2003, sendo matriculado em caráter suplementar no ano com 10 anos,
dando início à disparidade entre a idade e a série; dos outros dois, os motivos da
defasagem não puderam ser verificados.
Segundo as anotações dos dias 13 e 20/03/2006, respectivamente, alguns alunos,
embora retidos, teriam condições de freqüentar uma turma de ano regular, mas foram
encaminhados ao PIC por apresentarem problemas de comportamento. (cf. Anexo I, pp.
07-13)
Ao final daquele ano, um aluno foi retido por faltas
51
, apenas dois repetentes
foram retidos novamente, sendo que dentre eles uma aluna que cursaria pela vez a
série e mais seis, do total de 11, foram reprovados. Desses seis alunos, quatro
foram
51
O caso desse aluno em muito se assemelha à evasão escolar, mas ele não foi assim considerado e sim,
matriculado novamente na mesma série, porém no período por apresentar menor demanda por vagas.
Para mais informações sobre o aluno, cf. anotações de campo 13/03; 05/05; 04/12 e 07/12/2006
(respectivamente, pp. 07;15; 34 e 36).
84
encaminhados para o ano de uma turma regular, porque os progressos conquistados
durante o ano garantiriam competências suficientes para acompanhar uma turma
comum.
A formulação da sala e, principalmente, os encaminhamentos do conselho
escolar, em relação à alocação dos alunos retidos para o ano seguinte, foram
contraditórios à proposta do PIC, pois alunos não retidos foram matriculados no projeto,
para que, quando efetivamente reprovados, voltassem às turmas regulares.
Em 2007, como não tive acesso aos prontuários, não dados precisos quanto
ao histórico dos alunos do PIC. A informação que recebi da professora foi de que
estavam matriculados 26 alunos com freqüência regular, sendo que um apresentava
paralisia cerebral leve (cf. Anexo I, p.44). Em visita posterior (02/10/2007, p.88),
verifiquei que havia apenas um aluno com 13 anos e outros três com 12 anos.
De acordo com as anotações de campo, a formação desse grupo ocorreu
diferentemente do ano anterior, parecendo ter levado em conta apenas as dificuldades
escolares. Os alunos eram calmos, poucos registros de indisciplina foram verificados e,
quando ocorriam, envolviam um ou dois alunos, facilitando o controle da professora.
A decisão de colocar um aluno com paralisia cerebral nesta turma poderia ser
um indicativo desse cuidado, entretanto, após algum tempo de permanência na classe,
verificou-se que, embora tivesse baixo rendimento em Matemática, não apresentava
nenhuma dificuldade em Língua Portuguesa. Por si só, esse já não seria um critério para
matriculá-lo no PIC, pois a ênfase da proposta está no ensino da língua.
Assim como esse, havia outro que também não apresentava quaisquer
dificuldades com o domínio da leitura e da escrita e, embora não possuísse laudo
médico nem características explícitas de deficiência, foi matriculado naquela sala, sob a
justificativa de que tinha problemas de socialização. No dia 06/06/2007 (Anexo I, p.47)
sua mãe veio conversar com a professora, durante o intervalo; assim que percebeu sua
presença, começou a chorar, sem conseguir explicar o motivo. No fim do dia letivo, a
professora comentou que era extremamente tímido, mal conversava com os colegas e
soubera pela mãe que até das pessoas que os visitavam, ele se escondia. A professora
solicitou que procurasse um pediatra para uma avaliação quanto à dificuldade de
relacionamento, na expectativa de que obtivesse um acompanhamento psicológico, mas
a mãe afirmou que o fizera e que, na opinião do médico, foi considerada uma atitude
normal em crianças.
Esses dois casos podem indicar que a sala foi organizada de modo a atender aos
85
alunos “com dificuldades” no mais amplo sentido da palavra, que além dos retidos,
abrigava aqueles com quem a escola “não sabe bem como lidar”.
A questão da disciplina era uma característica singular pois, ao contrário das
demais, raramente algum aluno do PIC envolvia-se em confusões e brigas nos
momentos coletivos como a entrada, o recreio e a saída. Essa condição, entretanto, não
era notado pela equipe escolar, que insistia em reiterar a imagem de “sala complicada”.
na primeira visita de 2007, em resposta à minha solicitação para identificar onde
encontraria os alunos indisciplinados, a coordenadora afirmou que “as salas do PIC têm
sempre uma turma que muito trabalho para a escola” (cf. anexo I, p.38). Em outra
ocasião (08/08/2007, p.69), ao chegarmos à sala do café, o assunto era sobre a
indisciplina de determinada sala de ano e, quando a professora do PIC afirmou “estar
feliz com sua sala, mesmo sendo um PIC, pois eles são calmos e dificilmente causam
problemas de indisciplina”, outras responderam que “às vezes é melhor uma sala
bagunceira do que uma turma que não aprende!”. Essa afirmação parece sintetizar o
desdém com que os professores tratam o PIC. Não lhes importa saber como
efetivamente são os alunos, pois o que predomina é a imagem de que estão os
piores”. Essa posição nos remete claramente à questão do prestígio identificada por
Crahay (2007).
Ao final de 2007, embora tenha participado da reunião de encerramento de ano
das 3ª séries e PICs, não me foi possível registrar os critérios adotados para determinar a
aprovação/reprovação dos alunos, porque estendeu-se até o período da tarde, tornando-
se impossível minha permanência devido a compromissos assumidos junto à PUC/SP.
De todo modo, na semana seguinte, estive presente às reuniões de formação das
turmas de e anos para 2008 (cf. anexo I, pp.123-6), registrando a organização da
primeira turma de PIC de 3º ano.
Ao iniciar, a coordenadora pedagógica colocou a posição adotada pelas
professoras da série para a formação das salas do ano de 2008. Como havia, na
série, um grupo que conseguia produzir textos com qualidade, optaram por mantê-lo
em uma sala, cujas atividades fossem mais avançadas, como forma de não desestimulá-
lo.
Delegou às professoras a decisão de formar turmas por níveis de
aprendizagem”, ilustrando com o exemplo da professora M, da 2ª série, que naquele ano
se propôs a assumir uma turma de alunos com dificuldades, cujo trabalho foi um
sucesso”.
86
Lembrou que em 2008 haveria uma turma de PIC no ano, “onde colocarão os
pepinos e abacaxis”, fazendo menção àqueles que de algum modo dão trabalho para a
escola.
Sua afirmação não deve ser analisada como uma atitude racional no sentido de
menosprezar os alunos com algum tipo de dificuldade mas sim, como uma maneira de
“descontrair” a reunião, pois ao se referir à sala dessa forma, provocou risos.
Manifestações como “pepinos e abacaxis”, entretanto, diferenciam as turmas,
marcando-as pejorativamente. Entre a equipe escolar, as salas que agrupam “alunos
problema” são comumente conhecidas por expressões depreciativas, como “a sala dos
loucos”, “o hospício” ou “a turma do mestrado”, fazendo alusão à necessidade de uma
formação quase sobrenatural para trabalhar com tais alunos.
No decorrer da formação da turma do PIC, a posição da coordenadora
evidenciou-se na medida em que precisou intervir, lembrando aos professores que
seria possível lecionar para aquela turma, evitando-se um número elevado de alunos
indisciplinados, ainda que apresentassem baixo rendimento escolar.
Ficou decidido, então, que as professoras das séries deveriam selecionar os
casos de inclusão social”, por se tratar de “fortes candidatos” ao PIC. Posteriormente,
foi elaborada outra lista, relacionando os alunos que, além de indisciplinados,
apresentavam muitas dificuldades escolares, que também deveriam ser encaminhados
para o PIC. A coordenadora alertou novamente que, se ficassem juntos, seria impossível
qualquer tipo de trabalho pedagógico.
A relação foi posta de lado para que, ao final, os alunos fossem distribuídos de
modo a manter em salas separadas aqueles que “dão trabalho”. Todavia, como a turma
do PIC deveria ser formada com aproximadamente 30 alunos, foi necessário incluir
alguns dos que estavam na “lista dos indisciplinados”.
Ao final, uma das professoras, que já leciona há muitos anos na escola, percebeu
que havia um grande número de crianças com grau de parentesco: irmãos, primos,
sobrinhos, tios, que não deveriam ser mantidos juntos. Esse fato reforçou a opinião do
corpo docente de que o fracasso escolar é culpa da família e não da escola, pois, do
contrário, não se justificaria que tantas crianças de uma mesma família tenham
dificuldades para aprender. O critério que determinou quais ficariam no PIC baseou-se
nos níveis de dificuldades escolares.
Após a organização da sala do PIC do 3º ano – ou dos “piores alunos” –
decidiram criar a sala dos melhores”, com aqueles que produzem texto com
87
excelência” (p.125), para só então distribuir os demais entre as outras três salas.
Essa decisão nos remete a afirmação de Dubet (2003b)
Pensemos nas conseqüências das escolhas das escolas, que reforçam a
concentração dos alunos menos favorecidos e com desempenho pior em certos
estabelecimentos e, no interior destes, em certas turmas, em razão das escolhas
de língua, por exemplo. Assim, a regra explícita é desviada em prol de
mecanismos que reforçam as desigualdades sociais e escolares. O mesmo se
passa com a escolha para a formação das classes homogêneas. Estas não
aumentam muito o desempenho dos melhores alunos, mas enfraquecem
nitidamente aquele dos alunos mais fracos.
Quanto à formação do 4º ano, coube aos professores das 3ª séries de 2007
indicarem os que, pelo baixo rendimento escolar, “mereceriam” freqüentar a sala de
projeto, mas, atendendo à notificação da Coordenadoria de que todos os alunos retidos
deveriam estar no PIC, aqueles seriam incluídos em caso de vagas excedentes (cf.
anexo I, p.125-6).
Em 2008, foi possível verificar algumas implicações das configurações dessas
duas turmas em relação às características das salas.
No ano, praticamente todos os alunos (28 no total) estavam com a idade
esperada para a série (09 anos), apenas três tinham 10 anos por ingressarem na série
com 8 anos, sendo que um, retido por falta, ao longo do ano foi transferido para outra
escola. Era um grupo que apresentava muitos problemas disciplinares, tanto dentro
quanto fora da sala de aula, dispondo de um espaço físico que não oferecia boas
condições, conforme apresentado anteriormente.
Em relação ao ano, tratava-se de uma turma formada, sem exceção, por 29
alunos retidos, cujos perfis eram bem variados: seis deles haviam freqüentado o PIC
no ano anterior e mostravam-se desmotivados, por conhecerem os materiais e os
procedimentos didáticos; dois cursavam a mesma série pela 3ª vez e outros cinco tinham
12 anos porque, além da reprovação, ingressaram na escola com um ano de atraso; a
respeito de outros dois, as informações disponíveis nos prontuários não esclareciam se
foram matriculados na primeira série com 8 anos ou se houve abandono ou reprovação
por faltas em seu percurso escolar.
De modo geral, a professora tinha dificuldade em lidar com as diferenças de
rendimento escolar, o que gerava problemas de indisciplina, especialmente por parte
daqueles que, se comparados aos demais, dominavam com menos dificuldades os
conteúdos.
Oferecer a turma do PIC não era opção, mas uma obrigação da escola garantida
88
pela Coordenadoria de Ensino. Considerando que, em cada um dos anos, critérios
distintos foram utilizados para indicar quais alunos deveriam freqüentar o projeto, fica a
dúvida sobre o quê poderia servir para homogeneizar alunos com tantas diferenças.
O PIC foi elaborado pela Secretaria de Educação com o intuito de atender aos
alunos reprovados, por considerar que a causa do fracasso estava na ineficiência da
proposta pedagógica da escola. Seria, então, necessário oferecer-lhes recursos e
procedimentos diferenciados, a fim de que alcançassem o rendimento esperado para
cursarem o ano. Essa posição, embora considere a atuação dos professores como a
“culpada” pelo fracasso escolar, poderia possibilitar àqueles que deixaram para trás a
infância e vivenciam as primeiras experiências da juventude, receber uma escolarização
adequada à sua faixa etária e aos seus interesses.
Mas o encaminhamento de todos os alunos retidos ocorreu após três anos da
implantação do Projeto e por ordem expressa da Coordenadoria de Ensino. Nos anos
anteriores, quando a formação das turmas ficava sob a responsabilidade da equipe
escolar, outros critérios foram utilizados.
A idéia da homogeneidade surgiu com força, fundamentando-se na ânsia de
separar os “alunos que dão trabalho para a escola”. Dentro desta concepção tudo cabe: a
indisciplina, o baixo rendimento, a deficiência, a apatia, a pobreza, o abandono.
O que coesão” a esse grupo, portanto, é a marca, ou nos termos de Goffman
(1988), o estigma de inadaptação ao sistema escolar. Naquela sala “de projeto” estão os
alunos que, antes de aprenderem os conteúdos escolares, precisam entender o que
significa “ser aluno”
52
.
A maneira como as turmas são formadas e interpretadas determina a distância
entre oferecer-lhes uma experiência pedagógica de atendimento a alunos com
dificuldade escolar e/ou segregá-los. Assim, é possível encontrar escolas em que as
salas de projeto são bem aceitas tanto por quem a freqüenta quanto pelos demais alunos,
bem como em outras, as marcas do fracasso e os estigmas de diferentes”, “favelados”,
daqueles que “não conseguem aprender”, construídos paulatinamente, em diversas
situações quase imperceptíveis aos olhos do pesquisador, inviabilizam um bom trabalho
pedagógico.
Quando ocorre um processo de diferenciação, aspectos como a cor da pele, a
52
A idéia de agrupar os alunos de acordo com o seu grau de aprendizagem encontra eco na idéia de que
misturar os alunos acaba por prejudicar aqueles que têm condições de aprender mais. Esse tema pode ser
aprofundado em Crahay, (2007, 2006, 2002) e Dubet (2008, 2003).
89
origem social, as condições familiares, o local onde moram, os cuidados com a higiene
pessoal e com o material didático, as redes de amizade, as atividades que realizam fora
da escola, são evocados para identificar o que os separam daquilo que agrupa os demais.
É uma relação muito próxima dos conceitos de “estabelecidos e outsiders”, pois o
‘estigma’, a ‘marca’, ‘o que os diferenciam’, não está nos sujeitos, mas sim nas relações
sociais, nas configurações que estabelecem de modo singular e são atribuídas pelo
grupo que encontra na diferenciação a possibilidade de sua coesão de modo a manter-se
na condição de “estabelecido”, ou de ser “melhor que os demais”.
Essas diferenças são nutridas e organizadas de modo a permitir que
determinados aspectos pejorativos ganhem visibilidade, servindo para separar o “nós”
dos “outros”. A estigmatização, portanto, o envolve apenas a comparação de
atividades ou avaliações escolares para distinguir os bem sucedidos dos fracassados,
outros fatores, geralmente externos à aprendizagem, como a indisciplina ou as questões
sócio-econômicas e familiares, que servem para “comprovar” que determinados “tipos
de alunos” não aprenderão facilmente.
Assim sendo, quando a “sala de projeto” serve para indicar aqueles que têm
pouco ou nenhum domínio sobre o conteúdo escolar, ou que são indisciplinados,
atribui-se a ela outras “imagens” capazes de garantir a diferenciação e a segregação
interna. Da mesma forma, a equipe escolar pode considerá-la como o lugar/papel de
apoio pedagógico possibilitando a realização de um trabalho que incida sobre essas
necessidades, resgatando a diversidade no lugar da diferença
53
Adjetivá-la pejorativamente, julgá-la independentemente do que os fatos
demonstram, desacreditar que dela fazem parte crianças e jovens capazes de aprender,
são posicionamentos que garantem a “normalidade” das turmas regulares e explicam”
o seu fracasso, por meio das “ausências” intrínsecas àqueles sujeitos. Conforme Elias e
Scotson (2000, p.22-3) explicam,
53
Em 19/09/2007, durante o recreio, o assunto que circulava entre os professores era o passeio que os
alunos do PIC fariam ao Parque do Ibirapuera. Enquanto as professoras das turmas da manhã e da tarde
estavam na sala do café, os comentários restringiam-se à incapacidade de os pais dos alunos entenderem
os bilhetes enviados pela escola, todavia, quando ambas se dirigiram à sala da coordenadora pedagógica,
a fim de acertar os últimos preparativos, as demais professoras passaram a questionar os privilégios
recebidos pelas turmas de PIC.
Afirmavam que, se esses alunos não queriam ser diferenciados dos demais, então todos deveriam ter as
mesmas oportunidades de realizar passeios e atividades extracurriculares, ainda que conhecessem todos
os problemas estruturais que tornam inviáveis suas solicitações.
O aspecto mais interessante dessa conversa foi a constatação de que professoras, que se sentiram
“prejudicadaspor não terem as mesmas condições de oferecer passeios culturais e/ou recreativos aos
seus alunos, eram aquelas que, em outras oportunidades, reafirmavam não desejar assumir uma “turma de
PIC”. (cf. Anexo I, pp.85-6)
90
O grupo estabelecido tende a atribuir ao conjunto do grupo outsider as
características “ruins” de sua porção “pior” de sua minoria anômica. Em
contraste, a auto-imagem do grupo estabelecido tende a se modelar em seu setor
exemplar, mais nômico” ou normativo na minoria de seus “melhores”
membros. Essa distinção pars pro toto, em direções opostas, faculta ao grupo
estabelecido provar suas afirmações a si mesmo e aos outros; sempre algum
fato para provar que o próprio grupo é “bom” e que o outro é “ruim”.
A observação demonstrou que o estigma era atribuído aos alunos por aqueles
que os atendem, mas não ocorria entre pares: de modo geral, os alunos não expressavam
satisfação ou desconforto por freqüentarem a sala de PIC, mas para a equipe escolar,
como veremos, significava carregar a marca do fracasso, seja ela fundamentada em
atributos pessoais ou familiares.
c) Por que assumir uma turma desprestigiada?
Assumir uma turma previamente caracterizada como uma das piores
raramente é uma opção. Na escola pesquisada, houve o registro de apenas dois casos em
que, pelo sistema classificatório de mérito e tempo de docência, as professoras tiveram
possibilidades de escolha e preferiram responsabilizar-se por turmas de maus alunos”:
o primeiro diz respeito à professora que assumiu a turma do PIC em 2006; o outro foi
relatado pela coordenadora, com o objetivo de exemplificar o tipo de atitude esperada
dos professores quando propõem organizar as salas por “nível de aprendizagem”
54
.
Quando a atribuição das salas vem acompanhada de um projeto de efetivo
atendimento às necessidades e dificuldades dos alunos, um professor reconhecidamente
capacitado pelos pares assume a responsabilidade de realizá-lo. Todavia, em geral, a
equipe escolar lança mão dessas propostas para retirar das salas de aula os alunos que
“dão trabalho” e, por isso, são os professores recém-chegados e inexperientes os
“premiados”. Às vezes, para que nenhum professor da casa seja sacrificado”, as salas
de projeto” são entregues aos adjuntos, comissionados ou contratados, decisão que
fatalmente resulta na descontinuidade do trabalho pedagógico inicialmente proposto
55
,
visto que, durante o ano letivo, quatro, cinco ou mais professores acabam assumindo
54
Conforme citado no item anterior, a professora M, em 2006, propôs a organização de uma turma de
ano, com os alunos que apresentavam muitas dificuldades escolares e seu trabalho foi considerado “um
sucesso, [sobretudo] porque a decisão de lecionar para a turma mais fraca partiu da professora e foi aceita
por todos os demais colegas”. (Anexo I, p.123)
55
A atribuição das piores salas aos professores menos experientes não é recente, pois conforme
apresentado no primeiro capítulo, Consorte (1959) já denunciava essa atitude. Sobre essa questão conferir
também Silva, 2008.
91
uma única sala, pois a falta de vínculo com a escola possibilita que, na primeira
oportunidade, ou procurem outras unidades ou cargos que lhes sejam mais convenientes
ou atendam a seus interesses pessoais; ou não renovem seus contratos; ou optem por
outra classe, no caso de ocorrer uma nova atribuição. Um exemplo ocorreu em 2007,
quando a turma de ano mais bagunceira” foi atribuída a uma professora que se
aposentaria no decorrer daquele ano
56
.
Esses fatores normalmente não são levados em consideração quando se busca as
causas da repetência ou evasão escolar, pois
carência de professores, absenteísmo docente
57
, etc. (conseqüência, em grande
medida dos baixos salários) [,] se o aluno não teve professor por anos seguidos
numa matéria ou se houve diversas interrupções e substituições, o resultado
cumulativo especialmente em algumas disciplinas básicas pode ser a
impossibilidade de aprender. (Paiva, Guimarães, Paiva e Durão 1998, p.92)
Isso o significa que os órgãos gestores desconheçam esse tipo de medida
corriqueiramente utilizada pelas escolas e as implicações negativas que acarreta em
termos de atendimento efetivo aos alunos pois, com o intuito de evitar que as turmas de
PIC fossem atribuídas a professores que o pudessem assumir adequadamente a
proposta, a Secretaria Municipal de Educação determinou que
Só poderão assumir as classes de 4º ano do PIC os professores que optarem pela
Jornada Especial Integral (JEI) ou Jornada Especial Ampliada (JEA). Estes
professores, ao cumprir os demais critérios a serem regulamentados em portaria,
terão pontuação diferenciada para fins de evolução funcional, se permanecerem
como regentes durante o ano letivo e alcançarem os objetivos propostos pelo
Projeto (PMSP, 2005b, p.09).
Tanto a Jornada Especial Integral (JEI) quanto a Jornada Especial Ampliada
(JEA), garantem a presença do professor no período integral de 25 horas/aula com os
alunos e, no mínimo, mais 5 horas-aula para desenvolvimento de projetos ou preparação
das aulas. Diferentemente, a Jornada Básica (JB) permite que um professor titular
lecione 18 horas/aula, sendo que as 7 horas/aula restantes devem ser preenchidas por
professores adjuntos, comissionados ou eventuais. Outra forma de incentivar os
melhores professores a assumir a turma do PIC foi atribuir pontuação diferenciada para
fins de evolução funcional.
Essas providências podem ser explicadas pela relutância em assumirem turmas
“ruins” com alunos considerados indisciplinados ou com muitas dificuldades
56
Conferir anexo I pp.44 e 70-1
57
Sobre o absenteísmo docente, conferir anexo I, p.21.
92
escolares e visaram reduzir o problema da atribuição das piores salas a profissionais
menos preparados. De todo modo, como veremos a seguir, os profissionais com
menores possibilidades de escolha continuaram a assumi-las e a enfrentar seus
estigmas
58
.
Na escola pesquisada, a atribuição das salas prevê que os professores escolham a
série e o período em que pretendem lecionar, sem saber quais serão seus alunos,
cabendo à secretaria escolar a posterior distribuição das turmas de modo aleatório.
Entretanto, na reunião de formação de turmas de 2007, a coordenadora ressaltou que
não “daria uma sala com bons alunos para qualquer professor”, pois seria necessário um
profissional que preparasse muitas atividades, de modo a evitar que a turma se tornasse
indisciplinada.
A sala do PIC, ao contrário, é organizada antes da atribuição e, segundo a
coordenadora, quem a escolhe “sabe o que está levando”, portanto, é uma escolha
consciente”. Essa afirmação funda-se na premissa de que essa sala acolhe os “piores”,
antecipando que o trabalho pedagógico exigirá do profissional a difícil missão de lidar
com os “maus alunos”, que têm dificuldade para aprender os conteúdos escolares, ou
são rejeitados nas demais salas pelo comportamento inadequado. (cf. anexo I, pp.123-4)
Entretanto,
nas turmas de repetentes geralmente quem ensina são professores com menor
qualificação, os docentes novos na escola e que também não receberam uma
formação adequada para lidar com os problemas de jovens que introjetaram a
dinâmica do fracasso. A maioria das professoras que recebem tais turmas sente-
se penalizada dentro da estrutura e do corporativismo escolar. [...] Portanto, as
professoras dessas turmas também enfrentam o seu estigma. Começam o ano,
portanto, somando estigmas que reconhecem seus alunos como os piores da
escola e elas próprias como sacrificadas e sem poder. (Paiva, Guimarães, Paiva
e Durão 1998, p.94)
Em 2006, a professora que assumiu o PIC, no período da manhã, possuía boa
pontuação na escala para a atribuição de turmas e, portanto, realmente o fez por opção
59
.
a turma do período não foi escolhida por nenhum professor lotado na própria
escola e, por isso, no início do ano letivo, ficou à disposição dos professores adjuntos da
respectiva Coordenadoria de Ensino.
Analisando os motivos que levaram cada uma das professoras a assumir as
turmas de PIC, encontramos na noção de “projeto” proposta por Velho (2003, 1997),
58
Conferir anexo I, p.47.
59
Cf. anexo I, p. 86.
93
uma ferramenta conceitual valiosa:
A noção de projeto procura [...] dar conta da margem relativa de escolha que
indivíduos e grupos têm em determinado momento histórico de uma sociedade.
[...] Implica sempre algum tipo de seleção em função de experiências,
necessidades e estratégias particulares. (Velho, 1997, pp.107-9, itálico no
original)
No primeiro caso, a professora era reconhecida entre seus pares por empenhar-se
no desenvolvimento de novos projetos pedagógicos. Tendo em vista esse compromisso
com práticas escolares inovadoras, a oportunidade de assumir uma turma, cuja proposta
de trabalho era fugir dos modelos tradicionais de ensino, pareceu-lhe atraente.
Já a professora que assumiu a turma do segundo período, levou em consideração
outros aspectos, como a boa localização da escola por estar em uma região de fácil
acesso –, a garantia da manutenção da sala no decorrer do ano, que lhe asseguraria os
rendimentos financeiros e a obtenção de maior pontuação para fins de evolução
funcional. Sua escolha, portanto, nada teve a ver com uma possível afinidade com a
proposta do projeto.
Nos três anos de observação, apenas aquela professora que por opção escolheu o
PIC organizou uma peça de teatro, apresentada não só na própria escola como em outros
espaços: na escola particular em que seus filhos estudam e na Escola Municipal de
Educação Infantil (EMEI), onde grande parte dos alunos estudou
60
.
Entretanto, seu empenho e os bons resultados obtidos, não impediram que
comentários esparsos mantivessem-na “afastada”, por ser a “professora do PIC”. Uma
situação exemplar ocorreu durante a reunião realizada em junho de 2006: as professoras
do Ensino Fundamental I organizavam as quadrilhas da festa junina e, como nenhuma
delas gostaria de ensaiar com as turmas do PIC, sugeriram que as duas turmas de
projeto se apresentassem juntas justificando pela diferença de idade. Todavia,
desconsideraram a viabilidade de um horário comum para os ensaios, que cada uma
funcionava em um período.
Em 2007, segundo explicação da própria professora, a atribuição do PIC deveu-
se à “falta de opções”, por ser “a última da escala”. Na verdade, para que permanecesse
lecionando no período da manhã, era necessário assumir essa turma, todavia após
alguns meses, era enfática ao afirmar: “ assumi porque não tinha outra opção e,
60
Para maiores detalhes sobre a apresentação na EMEI, enfatizando a reação dos alunos do PIC ao
retornarem à escola em que estudaram e reencontrarem as ex-professoras, agora na condição de atores”,
cf. Anexo I, pp.31-4.
94
diferentemente do que todos falam de minha turma, eles m dificuldades de
aprendizagem, mas nunca tive problemas sérios, como as outras salas têm”. (Anexo I,
p.71)
Retornando às palavras de Velho (2003, p.103),
O projeto não é abstratamente racional, [...] mas é o resultado de uma
deliberação consciente a partir das circunstâncias, do campo de possibilidades
em que está inserido o sujeito.
Essa professora tinha a opção de assumir uma turma regular no período mas,
movida por interesses particulares, assumiu a última turma disponível no horário,
consciente de que sua decisão implicaria em lecionar para alunos considerados “ruins”
pelos seus pares.
Sua postura em relação à turma do PIC era contraditória, pois, ao mesmo tempo
em que demonstrava preocupar-se com o desenvolvimento deles como, por exemplo;
disponibilizar atividades mais avançadas, em cadernos próprios, para duas alunas que
apresentavam dificuldades de leitura e escrita, mas com surpreendente facilidade em
Matemática –, declarava que sua sala era formada por “alunos atrasados” e suas atitudes
reforçavam essa imagem de ineficiência. Essa consideração novamente nos reporta à
questão do prestígio, que tem o poder de facilitar ou inviabilizar um bom atendimento
aos alunos, conforme indica Crahay (2007),
Na reunião pedagógica, que objetivava a finalização dos planos de ensino para
2008, justificou sua aproximação com as professoras da série alegando que “a sua
turma estava mais próxima do do que do ano”.
61
Outra ação considerada
inadequada pela Coordenadoria de Ensino foi utilizar os livros de Matemática da
série, pois, embora as crianças demonstrassem gostar de usá-lo, sua obrigação era
utilizar o material pedagógico desenvolvido especificamente para a turma do PIC e não
subestimar os alunos, dando-lhes materiais infantilizados, quando tinham 11 anos ou
mais.
No ano de 2008, a proposta do PIC foi estendida aos alunos do ano e quem a
assumiu teve menos possibilidade de escolha, pois sua condição na escola era de
professora excedente
62
. Durante a atribuição das salas, professores designados para
61
Conferir anexo I, p.78
62
Um professor titular torna-se excedente na escola quando há redução de turmas ou equívocos na
disponibilidade de vagas durante o período de remoção. No caso, o total de turmas foi reduzido, quando a
escola passou a funcionar em três períodos. Essa situação colocou-os diante de algumas opções:
permanecer na escola e assumir a sala de um professor titular que estivesse afastado; pedir remoção para
95
outras funções como assistente de direção, auxiliares de período, cargos em comissão
nas Coordenadorias de Ensino ou na Secretaria da Educação devem escolher uma
turma para que voltem a lecionar, no caso de extinções ou substituições. Como a
possibilidade de retorno à docência é mínima, geralmente escolhem as salas ruins”,
garantindo que as “turmas boas” fiquem com os professores com melhor pontuação, que
realmente as assumirão. Assim sendo, o ano do PIC de 2008 foi escolhido por uma
dessas professoras afastadas, por isso, ao final da atribuição, foi novamente
disponibilizado, de modo a contemplar os professores excedentes, ou seja, os que
estavam há menos tempo na escola.
A decisão da professora que o assumiu efetivamente foi baseada na garantia de
permanecer naquela escola, que lhe é conveniente, por acumular outro cargo na
Prefeitura de Guarulhos. O fato de ter que aguardar o início do ano para definir qual
escola seria mais adequada as suas expectativas, implicaria na incerteza de poder
conciliar as duas atividades docentes.
Também devido à redução de turnos, apesar de pertencerem à equipe há certo
tempo, alguns professores precisaram assumir as turmas “pouco desejadas”. Foi o que
ocorreu com a que assumiu a turma do ano. Suas possibilidades de escolha ficaram
reduzidas, de modo que, ao chegar sua vez, a única sala disponível no período da manhã
era o 4º ano do PIC.
Diante desses relatos, conclui-se que o determinante na escolha do PIC não é a
afinidade com a proposta pedagógica mas sim, a possibilidade de acomodar a docência
aos projetos e necessidades pessoais. Essas escolhas ocorrem mediante o enfrentamento
de barreiras e, por isso torna-se fundamental reconhecer a
dimensão consciente da ação em que o sujeito se organiza para a realização de
objetivos definidos. Portanto, [independentemente do projeto] está-se lidando
com um tipo de ato consciente, por mais que saibamos que este não surgiu do
éter, mas de possibilidades sócio-culturais determinadas. (Velho, 1997, p.107,
itálico no original
Todas essas decisões sejam os critérios adotados para o encaminhamento dos
alunos às turmas do PIC, sejam os motivos priorizados por cada professora para assumir
ou o turmas desprestigiadas culminaram em situação específicas e atendimentos
próprios, que se tornam visíveis apenas àqueles que se propõem a conhecer detidamente
uma escola onde houvesse vagas geralmente mais periféricas e precárias -; ou aguardar que todos os
professores titulares assumissem suas salas e, no início do ano, verificar junto à Coordenadoria onde
ainda haveria salas disponíveis, geralmente em escolas ainda menos prestigiadas.
96
o que é “ser um aluno da sala dos piores”, ou “o que é assumir a sala dos piores”. É uma
das possibilidades que a pesquisa etnográfica propicia: conhecer minuciosamente os
subterfúgios de que lançam mão professores e alunos, visando à conclusão, com maior
ou menor êxito, de mais um ano letivo da turma do PIC.
d) Desvalorização dos professores: vários casos, um sentimento
Os sentimentos de desvalorização e de realização de um árduo trabalho de forma
solitária fizeram-se presentes entre as professoras que assumiram as turmas de PIC. Os
motivos diferem, as expressões se alternam, os interlocutores variam, mas todas
percebiam que as obrigações e dificuldades estavam apenas sob sua responsabilidade.
Em 2006, quando da implantação do projeto “São Paulo é uma escola”, a
Secretaria de Educação divulgou que “oficineiros” e voluntários realizariam trabalhos,
de modo a garantir que o tempo excedente fosse preenchido com atividades lúdicas,
artísticas, corporais, etc., assim como professores auxiliares (ou estagiárias) seriam
disponibilizados às turmas das 1ªs séries e do PIC, de modo a possibilitar um
atendimento individualizado aos alunos, especialmente àqueles com maiores
dificuldades escolares.
Todavia, não houve nenhuma ajuda e a ausência desses colaboradores era uma
das principais queixas da professora do PIC de 2006, que questionava, inclusive, a
atuação da coordenadora, que pouco cooperava.
Como apresentado no capítulo II, eram inúmeras suas atribuições e as
dificuldades por ela enfrentadas, levando-a a cometer atitudes equivocadas,
principalmente em situações de maior tensão, como a que foi registrada em 20/03/2006
(Anexo I, p.11), ao ser chamada por esta professora, que já o dispunha de meios de
conter o mau comportamento de alguns alunos:
A turma voltou do recreio bastante inquieta e realmente era difícil não se
irritar com tanto barulho e com tantas brincadeiras”. Finalmente, a professora
decidiu retirar da sala o aluno (Vc) que insistia em chamar sua atenção,
encaminhando-se à Coordenação e voltando acompanhada da coordenadora
pedagógica.
Ao entrar na sala de aula, visivelmente irritada, dirigiu-se aos alunos quase
gritando. Sua primeira atitude foi brigar com dois que, a meu ver estavam
quietos e, portanto, não consegui entender o motivo da repreensão. Em seguida,
chamou a atenção da professora para a forma como estavam agrupados: “Mas
também... tem que separar... não pode deixar eles juntos!”.
Lembrando-os de que sabem que “estão em uma ‘sala de projeto’ para ver
se aprendem alguma coisa”, disse-lhes: Vocês não são burros, mas têm algum
97
bloqueio que a professora está tentando tirar!”
Convocou a mãe de outros três (atitude que, particularmente, também
considerei bastante arbitrária, pois não estavam fazendo nada demais), deu
suspensão para aquele que fora levado a sua sala pela professora e finalmente
concluiu: “Aqueles que não querem estudar, então que vão para outra escola!”
Ao sair, deixou o clima ainda mais pesado. A professora retomava a
correção de uma atividade, quando entrou a auxiliar de período, à procura dos
que ainda não tinham recebido suas camisetas do uniforme, mas não perdeu a
oportunidade para repreendê-los mais uma vez e lembrá-los de que “a
professora está para ajudá-los, mas eles não querem aprender”. (Cf. Anexo I,
pp.12-3)
Após sua intervenção, a professora compreendeu que era melhor trabalhar
solitariamente, do que se expor a críticas superficiais sobre a organização inadequada da
sala, quando a coordenadora sequer sabia quais tinham sido as negociações e qual a
finalidade de agrupá-los em duplas.
Os registros referentes às professoras do PIC de 2007 e 2008 são mais
contundentes quanto à desvalorização e à sensação de desrespeito, talvez até pelo fato
de não terem assumido essa turma por acreditarem na sua proposta pedagógica.
Em 2007 o aluno Ls, que já freqüentara a turma do PIC no ano anterior, pediu à
professora “um documento com suas notas para levar no Corpo de Bombeiros”, onde
fazia atividades no contra-período. A professora mandou uma carta, explicando que até
aquele momento (junho)o havia finalizado a avaliação dos alunos, por isso não tinha
como mandar as notas, mas informou o horário em que estava na escola e descreveu sua
participação em sala de aula, solicitando que também fosse informada sobre seu
desempenho nas atividades realizadas na Corporação. No dia seguinte, Ls retornou com
a carta, falando que “a moça do bombeiro disse que aquilo não servia para nada”
(Anexo I, p.48). Como a pessoa que recebeu a mensagem sequer se deu ao trabalho de
responder ao seu pedido, a professora afirmou que não mandaria mais nenhuma
informação.
Sua indignação não se restringiu somente a essa ocorrência. Durante todo o
primeiro semestre, solicitou a alguns pais que procurassem médicos pediatras ou
especialistas, como psicólogos, psicopedagogas, fonoaudiólogos, para uma avaliação
cuidadosa dos seus filhos. Os pais que atenderam à solicitação retornaram com a
afirmação de que os profissionais consultados não identificaram quaisquer dificuldades
no desenvolvimento das crianças e aconselharam-na a agir mais calmamente, dando
mais atenção a esses alunos. (cf. anexo I, p.49)
Essas ocorrências pareciam aumentar o “peso” por assumir uma “turma de
98
alunos com problemas”, cujo trabalho, além de solitário, passava a ser menosprezado
por outros profissionais, inclusive externos à escola (cf. Anexo I, pp. 47-51). Além
disso, tinha a impressão de que era mal compreendido pela Coordenadoria de Ensino e
principalmente pela coordenadora pedagógica e por uma professora da série, por
agirem como se sua sala fosse um “depósito de problemas”.
Quanto à Coordenadoria de Ensino, com o objetivo de identificar as maiores
dificuldades apresentadas pelos alunos do PIC, encaminhou uma avaliação diagnóstica a
ser aplicada individualmente e algumas orientações sobre o procedimento a ser adotado.
Em princípio, apenas os alunos com mais dificuldades deveriam ser submetidos
ao teste, composto de um ditado de quatro palavras e uma frase, outro ditado de
números, a leitura de uma adivinhação, uma atividade para reconhecimento de cores e
um quadro com o alfabeto, cuja aplicação não estava clara.
Como essa avaliação deveria ser entregue à coordenadora da escola em dois dias
e no dia seguinte ela faltaria para comparecer a uma consulta médica , não tinha
tempo hábil para preparar um exercício que entretivesse o restante da turma enquanto
realizasse o diagnóstico individualmente. Diante dessa circunstância, afirmou que “esse
tipo de atividade que a Coordenadoria organiza é sempre realizado de forma
inadequada”. Para ela, os exercícios deveriam ser entregues aos professores com
antecedência, a fim de não atrapalhar a rotina e ressaltou que “essas avaliações, até por
serem aplicadas às pressas, servem para indicar as incapacidades dos professores,
[demonstrando] que não conseguem que seus alunos façam atividades simples” (cf.
Anexo I, pp. 51-2)
No dia em que deveriam ser devolvidas, um funcionário da Coordenadoria
entrou em contato com a escola para elucidar a aplicação do exercício do alfabeto e
esclarecer que todos os alunos do PIC deveriam ser avaliados.
O motivo pelo qual se sentia desrespeitada estava no fato de ter mudado toda sua
programação para atender a uma solicitação urgente da Coordenadoria que,
posteriormente desconsiderou o trabalho realizado, obrigando-a a refazer, agora com
toda a turma.
Quanto às colegas, diz respeito a um aluno com 10 anos, que nunca freqüentara
a escola e foi matriculado na 1ª série do segundo período. As expressões de sua
inadequação àquela turma foram inúmeras: não realizava as atividades por considerá-las
infantis; batia nas crianças que, por serem menores, não tinham como reagir; xingava os
colegas e as professoras, corria pela sala de aula e gritava.
99
Depois de algumas conversas, a coordenadora e a professora da série
decidiram, extra-oficialmente, por sua transferência para a turma do PIC do primeiro
período
63
, cuja professora não foi consultada. Sempre que havia uma oportunidade,
ressaltava que, “como o levaram em conta sua posição, e o aluno não constava
oficialmente de sua lista de chamada, não teria qualquer responsabilidade em relação a
ele e estava isenta de futuras decisões que pudessem ser tomadas.” (Anexo I, p. 44)
Do seu ponto de vista, a transferência foi um equívoco, pois não estavam
atendendo adequadamente àquela criança. Afirmava: “Ele pulou fase! Deveriam tê-lo
passado para uma série”, mas também demonstrava-se preocupada com o que seria
feito no ano seguinte: “Eu quero ver o que vão fazer com ele no final do ano ... vão
passá-lo para a série? Vão retroceder o coitado? Ou aprová-lo e colocá-lo novamente
no PIC? Não adianta, não é aqui que ele deveria estar!” (anexo I, p.47).
Assim como não demonstrava muito interesse em adotar procedimentos
específicos para reduzir suas dificuldades escolares, fazia questão de externar o quanto
se sentia desrespeitada com aquela decisão unilateral, sempre afirmando que a escola
errou em tê-lo colocado na série e eximindo-se de quaisquer decisões ou obrigações,
repetindo que “aquele não era um aluno seu”.
No ano seguinte, novamente a professora do ano do PIC queixava-se da falta
de apoio aos professores que participavam daquele projeto. Em final de fevereiro, o
material pedagógico ainda não havia sido entregue e, como usava as sobras do ano
anterior, sua preocupação era de que as atividades não fossem renovadas a cada ano,
pois os alunos retidos que já tinham participado em 2007 demonstravam-se
desinteressados e alguns boatos garantiam que não seria permitido utilizar outras
propostas senão as dos livros do PIC.
Todas as sextas-feiras haveria uma reunião coletiva da Coordenadoria com as
professoras do PIC, para esclarecer dúvidas e auxiliá-las mas, como não ocorreu
nenhuma no primeiro mês de aula, temia pelo acompanhamento do projeto.
Mas o fardo carregado pela professora do ano do PIC era maior, pois sequer
uma sala de aula adequada foi destinada a sua turma.
Como apresentado no capítulo II, no final do ano de 2007, a escola passou por
uma reformulação, para funcionamento em três turnos com uma hora a mais de aula.
63
Para dados mais específicos sobre sua história de vida e os motivos que levaram a coordenadora e a
professora da série a decidirem encaminhá-lo para o período da manhã, cf. anexo I - anotações de
campo de 07/05 (p.41); 18/05 (p.45); 06/06 (p.47) e 02/10/2007 (p.88).
100
Para atender à demanda, houve a construção de mais duas salas, que não foram
suficientes, ficando “sem sala” as turmas do PIC de ano (manhã) e uma série
(tarde). A solução foi colocá-las em um espaço antes reservado ao horário coletivo dos
professores, mas que fora abandonado por ser pouco ventilado e abarrotado de caixas.
No período das férias entre 2007 e 2008, a Coordenadoria determinou que esse
espaço fosse desocupado e transformado em sala de aula. No entanto, como era
retangular, os que se sentavam próximos da porta não enxergavam a lousa e o volume
de carteiras impossibilitava a circulação dos alunos
64
.
Ao lado desta, havia outra sala, quadrada e maior, que se destinava a guardar os
instrumentos musicais pertencentes à escola. A banda faz parte de um projeto assumido
por um rapaz que mora nas proximidades, cujas apresentações já lhes renderam diversos
prêmios. Devido à má acomodação dos alunos, a professora do PIC sugeriu que as salas
fossem trocadas: os instrumentos poderiam ser adequadamente acomodados no espaço
ora ocupado por sua sala, ao passo que a outra ofereceria melhores condições para
atender aos alunos, o aos seus, mas principalmente aos da série, cujos alunos
eram bem maiores não apenas fisicamente, mas em quantidade. Para sua surpresa, a
resposta foi de que “não havia cabimento tirar
daquela sala um bom profissional que
desenvolve um projeto que tem retorno positivo para a escola para colocar os seus
alunos lá!” Sua indignação foi imediata e não se cansava de repetir aos colegas as
palavras da coordenadora, não se importando com sua presença. (cf. anexo I, p.147)
Para a professora, ficou claro que os instrumentos musicais representavam
prestígio para a escola, ao passo que ela e seus alunos não tinham qualquer valor, pois
além de ficarem em uma sala inadequada e localizada nos fundos da escola, estavam
sujeitos ao barulho dos tios interno e externo e a outros inconvenientes, como serem
alvos de restos de comida que eram atirados durante os recreios pelas janelas quebradas.
Na reunião pedagógica, realizada em 03/06/2008 (anexo I, p.154), a
coordenadora lembrava os critérios a serem observados para que, ao final do ano,
recebessem a pontuação diferenciada por terem lecionado para turmas de projeto.
Ressaltou que, por um “desencontro de informações” ficara sabendo naqueles dias
sobre a necessidade da elaboração de um semanário com os registros das atividades. A
professora da série advertiu-a que metade do ano havia passado e sua turma sequer
64
Para informações mais detalhadas sobre a organização espacial dessa sala e as conseqüências no
cotidiano dos alunos, conferir as anotações de campo de 2008 anexo I, especialmente as realizadas em
14/02/2008 (pp.127-30) e em 27/05/2008 (p.147).
101
recebera o livro do projeto ou orientações sobre os procedimentos a serem adotados. A
coordenadora reafirmou que ela deveria tentar montar o semanário com o que tinha,
concluindo que “não seria bom para ninguém que, depois de ficar um ano todo com
uma sala triste do jeito que é a sua, ainda não pontuasse por falta de registro das
atividades” (anexo I, p.154). Embora sem concordar, a professora não respondeu.
A mesma professora declarou descontentamento pelo modo como seus alunos
são vistos pelos funcionários da escola (cf. anexo I, pp.154-60), afirmando que “eram
tratados como a escória da escola” e sempre havia alguém tentando justificar suas
posturas inadequadas afirmando: “É PIC!”, como se não fosse possível esperar outra
atitude deles.
A professora do 4º ano interferiu: “também tentaram fazer isso com a minha sala
e eu não deixei.” Para ela, competia à professora ensinar-lhes “postura”, para que não se
deixassem abalar por essas falas e tampouco dessem motivos para que surgissem tais
comentários.
Tentando justificar a dificuldade da professora da série em o conseguir
mudar o comportamento de seus alunos, a coordenadora pontuou que “a turma do
ano é diferente porque é formada por crianças de ‘famílias maloqueiras’, que fazem
escândalo na escola, por isso, é mais difícil lidar com eles”.
Percebendo o rumo que a conversa tomaria, a professora da série interrompeu
para argumentar que é difícil trabalhar “postura,” quando os alunos são chamados de
“demônios” pelos funcionários. Para a coordenadora que reconheceu quem emitiu
esse tipo de comentário e em que circunstância – essa situação era diferente, pois
“durante o recreio eles não respeitam ninguém”.
Em tom de explicação, dirigiu-se à professora, enfatizando que esses alunos
“têm uma cultura que não é a da maioria”; são mentirosos, dissimulados e, por isso,
causam problemas na escola. Concordou que os funcionários não poderiam ter a mesma
postura que os alunos, chamando-os de “maloqueiros” ou de demônios”, porém era
justificável, na medida em que as crianças os colocavam em situações delicadas.
A professora do 4º ano interferiu, novamente afirmando que as pessoas da escola
“não vão conseguir mudar ninguém, porque é o mundo deles, é a educação deles, eles
vêm disso e não tem jeito, mas que preciso] ensinar [-lhes] postura para saberem que
cada lugar tem uma regra, tem um jeito”. E a coordenadora complementou: “eles
brincam aqui como brincam na favela, não têm um limite, não têm respeito, porque não
aprenderam a ter respeito por ninguém. Não têm uma educação igual a nossa. E acabam
102
fazendo essas coisinhas que não devem.”
Para diferenciar a atuação da professora dos demais funcionários, justificou: “na
sala de aula você consegue controlá-los porque são poucos, mas no recreio eles se
reúnem em 200. Eles se juntam e começam a brincar. A brincadeira deles chama a
atenção”.
A professora retomou a questão que queria colocar desde o início, qual seja,
demonstrar que essas atitudes fazem com que seu trabalho seja em vão. E afirmou
sentir-se, por vezes, constrangida, quando alguma pessoa entra em sua sala e diz:
“Nossa, essa coitada! Os alunos dela ... Deus me livre!! Ninguém merece aquilo”. Ela
reconhece que são crianças indisciplinadas mas que, como quaisquer outras, precisam
de orientação. E ressaltou que atitudes preconceituosas contribuem para que a auto-
estima deles seja cada vez menor, aumentando suas dificuldades para ensinar-lhes
aquilo que deles se espera.
Finalmente, a coordenadora reconheceu que “é ruim não pensar no que se está
falando, quando se está na frente dos alunos” e justificou que muitas vezes “as pessoas
não percebem o que estão fazendo”. (anexo I, p.158)
Eram visíveis as situações de desvalorização enfrentadas por essa professora,
especialmente por tomar para si o desrespeito aos seus alunos. Ao final dessa reunião,
ficaram claros os motivos pelos quais era alvo de comentários sobre sua ineficiência em
“controlar” aquela turma e porque não mereceria um espaço físico melhor: “eles são
maloqueiros e favelados e jamais mudarão sua forma inadequada de agir”. Nos termos
de Goffman (1988, p.51), são desacreditados, ou seja,
há uma discrepância entre a identidade social real de um indivíduo e sua
identidade virtual [e] é possível que nós, normais, tenhamos conhecimento
desse fato antes de entrarmos em contato com ele ou, então, que essa
discrepância se torne evidente no momento em que ele nos é apresentado. Esse
indivíduo é uma pessoa desacreditada.
Não importava saber efetivamente se moravam ou o na favela, se todos ou
alguns eram indisciplinados, se suas atitudes eram a expressão exata de seus lares ou se
foram aprendidas na própria escola, apenas propagava-se a idéia de que “no PIC estão
os maus alunos, aqueles que não têm solução”.
Em relação aos livros 3º ano do PIC, na verdade, foram recebidos em abril, junto
com os demais, entretanto misturaram-se aos do nível II e, como muitos professores não
os utilizam, ninguém percebeu o engano. Este “contratempo” resultou no atraso da
professora para dar início às atividades propostas pele Secretaria da Educação, que,
103
possivelmente, acabaria arcando com as conseqüências de não tê-lo utilizado
adequadamente, embora meses reclamasse em vão da sua falta. Ao comentar que
finalmente recebeu o material e as orientações, afirmou: ainda tive que ouvir que era
para começar a usá-lo imediatamente, para que a Coordenadoria não soubesse do
ocorrido!” (anexo I, p.163-4)
Essa turma tornou-se um grande depósito” de problemas insolúveis, agravados
pelo estigma que passaram a carregar, quando entendidos e denominados como alunos
“do PIC”. Quanto a essa forma de estigmatização, Goffman (1988, p.13) ressalta “que
um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar a normalidade de outrem, portanto,
ele não é em si mesmo honroso ou desonroso”. O que diferencia a normalidade da
estigmatização são as ações cotidianas que ocorrem de forma muito sutil e estão
presentes dentro ou fora da escola.
Embora o projeto fosse único, os alunos do ano do PIC não foram marcados
do mesmo modo que os da série, a quem um conjunto de características pejorativas
foi atribuído para identificá-los negativamente, estigmatizando-os e justificando todas
as suas ações como se fossem intrínsecas a “demônios”, “maloqueiros” e “favelados”.
É interessante perceber que essas “marcas” só foram destacadas, quando se
tornou necessário justificar as causas de sua inadequação. Por exemplo: a turma do
ano, que o apresentava tantos problemas, era considerada apenas mais uma classe de
alunos retidos e com dificuldades escolares; já o ano, caracterizado por ser um grupo
que “atrapalhava” a rotina escolar, rapidamente foi denominado como uma turma de
“demônios” e “maloqueiros” e bastava afirmar “É PIC!” para que todas as justificativas
já estivessem implícitas.
Esses aspectos negativos não necessariamente correspondiam à realidade de
todos os membros do grupo estigmatizado, mas foram fundamentais para dar coesão ao
grupo que os excluía. “Assim, a exclusão e a estigmatização dos outsiders pelo grupo
estabelecido eram armas poderosas para que este último preservasse sua identidade e
afirmasse sua superioridade, mantendo os outros firmemente em seu lugar”. (Elias e
Scotson, 2000, p.22)
São essas relações de desvalorização que corroboram a posição dos professores
mais antigos na escola e na rede de ensino em não assumirem as salas de projeto, para
não vivenciarem situações de depreciação, descrença e desrespeito. Na verdade, cria-se
um círculo vicioso, pois, na medida em que professores e alunos carregam fortes marcas
de insucesso, o trabalho pedagógico e a possibilidade de aprendizagem vão
104
paulatinamente se reduzindo e contribuem para a disseminação de que a escola pública
é ruim pela péssima formação dos novos professores e pela entrada maciça de crianças
cada vez mais pobres e advindas de famílias que o estão interessadas na sua
aprendizagem, não valorizam a escola, onde só mantêm os filhos motivados pelos
benefícios oferecidos pelos governos.
e) O que é o necessário para ser aprovado?
Os perfis de alunos matriculados no ensino regular são bastante diversificados,
tanto em termos de idade quanto de conhecimentos escolares e experiências sociais, o
que coloca a escola diante do desafio de se organizar de forma a, pelo menos no plano
das intenções, estabelecer um atendimento que contemple a todos. As dificuldades que
se impõem no dia-a-dia dos professores fazem circular o argumento legitimador de que,
diante da “impossibilidade” de atender bem a todos, o que está em questão é a oferta de
um atendimento que, ao menos, privilegie a maioria dos alunos. Abordando essa
questão, Paiva, Guimarães, Paiva e Durão (1998, pp.72-73) salientam que facilmente o
debate esbarra na quantidade mínima de conteúdos.
... sobre as costas das classes populares é depositada toda a culpa pela queda do
padrão de ensino. Não é gratuito que em inúmeras entrevistas e em reuniões,
quando o assunto era centrado no currículo e nos objetivos a serem atingidos no
decorrer do ano letivo, a discussão terminava permeada pela lógica da
quantidade mínima.
Estabelecer a “quantidade mínima” dos conteúdos é uma decisão extremamente
subjetiva, pois o que é essencial para um professor pode não ser para outro. Diante de
critérios tão discrepantes, é difícil determinar o que separa a aprovação da reprovação,
pois quando são elaborados, levando-se em conta o “mínimo” que um aluno precisaria
ter aprendido naquele ano, utiliza-se como parâmetro o resultado geral do trabalho
realizado naquela série, ou mesmo a comparação entre pares, o que os torna imprecisos.
Por exemplo: uma escola pode decidir que, para ser aprovado para o ciclo II do Ensino
Fundamental, o aluno deva utilizar a língua oral e escrita com poucos erros e dominar as
quatro operações fundamentais da Matemática. Noutra circunstância, o critério de
aprovação pode exigir tão somente que o aluno saiba expressar-se por meio de frases
simples, ainda que com muitos erros ortográficos, desde que sejam compreensíveis,
além de efetuar somente os cálculos de adição e subtração.
Na reunião pedagógica realizada em 03/06/2009 (anexo I, p.154), registrou-se a
105
discussão entre uma professora da turma do PIC e a coordenadora pedagógica, sobre o
estágio de desenvolvimento dos alunos.
As professoras deveriam indicar quais os alunos pré-silábicos, os silábicos sem
valor sonoro, os silábicos com valor sonoro, os silábico-alfabéticos e alfabéticos. Do
ponto de vista da coordenadora, as professoras sempre os avaliam “para baixo”,
exemplificando que um aluno que escreve hlina” (galinha) deve ser considerado
alfabético, pois apenas não conhece as sílabas complexas (nha – na) e espelha o som em
outras (h=ga). Na opinião das professoras, é um aluno em transição, mas que deve ser
considerado silábico-alfabético que, no contexto geral, dificilmente alguém
reconheceria o que estava escrito.
Diante da divergência, a coordenadora afirmou que “esse tipo de atitude das
professoras mantém altos índices de repetência, fazendo com que a escola permaneça
mal avaliada pela Secretaria de Educação” (anexo I, 159).
Assim como a “quantidade mínima” pode variar de uma escola para outra, as
regras utilizadas entre professores de uma mesma escola também podem ser
discrepantes, pois o “mínimo” para um o o é necessariamente para outro
65
. É o caso
dos critérios utilizados para aprovação dos alunos do PIC e os de outras séries
organizadas por nível de conhecimento”
66
. Ao final do ano, a professora responsável
pela “melhor turma” reprova os alunos que não corresponderam às expectativas do
grupo, ao mesmo tempo em que alunos da pior sala são aprovados – ainda que
comparativamente tenham um domínio muito menor do que outros que foram
reprovados –, porque se destacaram em relação aos colegas de sala.
Essa distorção ocorre porque o parâmetro de análise comparativa é variável.
Para a professora, cujo grupo-classe apresenta poucas dificuldades, qualquer deslize
pode indicar imaturidade para prosseguir os estudos. Já entre as turmas mais fracas, o
empenho em realizar as tarefas e os pequenos progressos no processo de aprendizagem
representam grandes ganhos, podendo capacitá-los às séries mais avançadas.
O que temos aqui são dois modelos distintos de avaliação: um pautado na
comparação com o grupo-classe
67
e outro que prevê o desenvolvimento pessoal do
65
Cf. anexo I, pp.116-125
66
A observação desse tipo de relação que professores e alunos estabelecem com a avaliação se tornou
possível através do acompanhamento etnográfico realizado em escolas da periferia de o Paulo, durante
a elaboração da dissertação de Mestrado e também durante o período em que atuei como professora de
Ensino Fundamental I nesta mesma rede.
67
Sobre o critério de avaliação que se baseia na comparação com o grupo-classe, Charlot (2002) esclarece
que, na França, os “bons alunos” são chamados de Buffon (bobo da corte), chegando a serem agredidos
106
aluno (equiparando-se o vel de conhecimentos escolares que detinha no início das
aulas ao que atingiu ao final do ano).
Mas há, ainda, outros critérios bastante subjetivos, como os utilizados em 2006,
pelo Conselho Escolar para justificar a aprovação de determinados alunos que
freqüentaram o PIC:
A professora reprovou 16 alunos, mas o conselho de classe determinou a
aprovação de 7 (cf. anexo I, p.34): dois deles foram reprovados inicialmente, embora a
professora tivesse anunciado que “não os reteria para não continuarem atrapalhando os
demais alunos e professores” (p.36), desse modo, a decisão de aprová-los não seria
apenas sua, mas corroborada pela equipe do nível I. Essa estratégia provocou
comentários negativos a respeito de seu trabalho, por parte dos professores do nível II
(5ª série), que consideraram os alunos o só indisciplinados, como “sem base” para
estarem naquela turma.
Outros dois alunos foram aprovados porque fisicamente se diferenciavam dos
demais: o primeiro “era muito grande para ficar entre os pequenos” e a outra, devido à
idade (14 anos), se fosse retida, seria encaminhada à Educação de Jovens e Adultos
(EJA), de onde possivelmente evadiria, devido a um histórico familiar de abandono e
pauperismo, por isso foi aceita sua aprovação.
Houve ainda o caso de mais três alunos aprovados – com pelo menos um ano de
defasagem entre idade-série que tinham dificuldades apenas em Matemática,
dominando suficientemente bem a Língua Portuguesa para acompanhar o ano. Esse
fato chama a atenção porque uma outra aluna, que cursava o ano pela primeira vez e
também tinha dificuldades apenas em cálculos (conforme registro da própria professora,
em 04/12/2006, pp.34-5) foi reprovada.
Em 2007, havia dois alunos na turma do PIC um deficiente e outro
considerado “portador de algum problema
68
que em 2006, foram reprovados embora
com exímio desempenho em Língua Portuguesa. Esses casos demonstram que os
motivos que determinam quem será ou não aprovado são muito relativos.
Dentre os 9 alunos que permaneceram reprovados, apenas dois tinham
pelos colegas, pois são responsabilizados por aumentarem o grau de exigência dos professores. O autor
explica que a média de avaliação é 10, considerando a nota máxima 20, mas para ser aprovado, é
indiferente ter uma nota 11 ou 16. Entretanto, quanto mais alunos tirarem notas superiores a 10, maior
será a tendência de o professor exigir mais do grupo, portanto, aquele aluno que poderia ser aprovado
com 10 em uma turma mediana poderá, com a mesma avaliação, ser reprovado com a nota 09, se estiver
em uma turma de “bons alunos”.
68
Segundo as anotações referentes aos comentários da própria professora e da coordenadora.
107
histórico de retenção: Dg faria a mesma rie pela 3ª vez e Pm pela 4ª vez, pois
apresentavam grandes dificuldades em Língua Portuguesa. De acordo com as anotações
da professora:
Dg: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Não
significado na sua produção escrita (p.ex.: ‘mcarmfrmurtia’ escrito em letra
cursiva em um único bloco). É copista, pois os enunciados copiados da lousa
estão feitos de forma correta. Quanto à Matemática, faz apenas contas simples
de soma e subtração
Pm: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Escreve de
forma silábica com valor sonoro, mas no final das palavras utiliza outras letras
para aumentar a quantidade” na palavra. Não realizou nenhuma atividade da
avaliação de Matemática (cf. Anexo I, pp.37-8).
Essas variáveis demonstram como o processo de avaliação e, por conseqüência,
a condição de repetência é vulnerável a aspectos que ultrapassam as situações
estritamente pedagógicas.
Em 2007, pude acompanhar a realização da Prova São Paulo
69
, participar de
algumas reuniões de conselho de classe e formação de sala
70
, e conversar com a
professora responsável pela turma que participava do Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC),
o que possibilitou verificar as dificuldades desses alunos para realizarem as mesmas
atividades que os demais
71
.
A Prova São Paulo teve como objetivo
verificar a situação dos alunos do meio e do fim dos Ciclos I e II do Ensino
Fundamental e usar os resultados no aperfeiçoamento do ensino público
municipal. De acordo com a Secretaria de Educação, os dados obtidos nessa
prova já serão usados para o planejamento escolar do próximo ano.
72
As orientações da Coordenadoria de Ensino foram rígidas: previam a circulação
de alunos fora da sala apenas acompanhados por funcionários, não permitiam a
comunicação entre pares e com as professoras designadas para cada sala (que não
poderiam ser as titulares de cada turma), tampouco qualquer tipo de ajuda aos alunos,
com exceção aos do PIC que puderam contar inicialmente com o auxílio de dois
professores e posteriormente com mais dois funcionários da Coordenadoria.
Mesmo com quatro pessoas para ler as questões, a prova era “impossível” para a
69
Para maiores informações sobre a realização da Prova São Paulo na escola pesquisada, cf. Anexo I,
visita 43 realizada em 06/11/2007 (pp. 108-114).
70
Cf. respectivamente no anexo I as visitas realizadas em 04/12 (p.116), 11/12/2007 (p.123) e 12/12/2007
(p.125).
71
Cf. Anexo I, p.64.
72
Reportagem divulgada em 05/11/2007 no site da Prefeitura do Município de São Paulo: “Prova São
Paulo” avaliará 270 mil alunos e 470 escolas municipais. Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=19605
108
turma do PIC e, quando a notícia se espalhou, os comentários reafirmavam que se eles
não eram capazes de fazer nem as atividades das turmas regulares, quanto mais uma
prova que já estava difícil mesmo para quem não tinha dificuldade” (anexo I, p.112)
Embora a diferença entre o rendimento dos alunos das turmas regulares e do PIC
fosse reconhecida pelos professores, ao final do ano, a decisão de retê-los ou o recaiu
sobre a professora, que optou por aprovar os que apresentaram maiores progressos,
ainda que mantendo grandes defasagens em relação aos demais.
Sampaio (2004) aponta que o grande problema do fracasso não está no aluno,
mas no formato curricular que privilegia o conteúdo em detrimento da aprendizagem e
espera do aluno uma série de conhecimentos adquiridos fora da escola, que também são
considerados pré-requisitos para permanecer dentro do sistema. Diferenciar a
organização do ensino curricular do processo de aprendizagem vivenciado pelos alunos
é fundamental para compreendermos os aspectos ideológicos que permeiam a escola.
Isso porque,
uma criança que fracassa é uma criança que, em determinado momento e no
julgamento da instituição escolar, não consegue aprender o que a escola estima
ser razoável que aprendam os alunos da sua idade; por isso, é necessário fazer
algo para corrigir essa situação. Isso demonstra que o fracasso escolar não se
limita ou não se resume apenas às dificuldades de aprendizagem do aluno,
mas que, de alguma maneira, é também o reconhecimento oficial dessas
dificuldades: é o que diz a escola sobre o aluno ou o que faz a escola ao aluno
com problemas. (Grisay, 2004, p.93 destaque do autor)
Nesse sentido, deve-se considerar que o fracasso escolar, explícito pela evasão
ou pela repetência, tem como fundamento a inadequação do aluno ao sistema escolar.
Em alguns casos, a reprovação é apenas um reforço à imagem de que aquele
aluno é fracassado, até por carregar tantas outras marcas como a da indisciplina, a da
família desestruturada, ou mesmo da marginalidade –, consideradas responsáveis pela
sua incapacidade de aprender. A reprovação também pode ser entendida como uma
chance dada aos “alunos fracos” objetivando seu amadurecimento, como é o caso em
que se retém um aluno, mesmo que não tenha tantas dificuldades, mas que,
supostamente, não vai acompanhar o ritmo da série seguinte. Esse tipo de avaliação, que
extrapola os limites da aprendizagem em si, faz-nos questionar o que realmente
significa a repetência, pois “na observação do dia-a-dia das escolas não passa
despercebido [...] que [ela] nem sempre supõe não-aprendizagem” (Paiva, 1998, p.82).
Entretanto, ela é aceita por muitos alunos, que a justificam por suas próprias
falhas, corroborando a decisão escolar. As respostas dadas pelos alunos do ano do
109
PIC de 2008, em relação ao motivo pelo qual foram reprovados, demonstram
claramente essa auto-atribuição pelo fracasso.
Tabela 9
A que/quem atribuem sua reprovação
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
73
Não sabem por que foram reprovados 4
Turma é culpada – porque era bagunceira e não respeitava a professora
1
Própria culpa 11
- não estudou o suficiente 1
- não copiava a lição e bagunçava 1
- não obedecia e não fazia a lição 1
- não estudava 1
- não conseguia aprender (tudo era difícil) 1
- era rebelde, respondia, brigava com a professora e conversava muito 1
- ficou bagunçando 1
- não sabia ler 1
- tinha dificuldade e era bagunceiro 1
- não tinha estudado muito 1
- não fazia lição 1
Excesso de faltas 7
- não gostava de ir para a escola 1
- viajou por mais de um mês (família estava de mudança) 1
- necessidade de acompanhar parentes ao médico (mãe e irmão/ pai) 2
- doenças sem atestado médico 3
Professores 3
- a professora dava livros de 1ª série para a turma da 1
- a professora da 3ª série era ruim e não o ensinou a ler 1
- trocas de professor durante mesmo ano letivo (3 professoras) 1
Outras causas 2
- quando chove o local onde mora fica com lama (ruas de terra) e não dá para
sair de casa
1
- quebrou o dedo da mão direita (“que escreve”) e precisou ser operado 1
Mãe pediu a reprovação porque filho não sabia ler 2
Vê-se claramente que o mau comportamento” e as dificuldades escolares são
chamados para justificar – e de certo modo certificar – a decisão escolar.
Aqueles que associaram a retenção ao excesso de faltas, assim o fizeram, por
considerarem que tinham condições de acompanhar a turma e estarem na série, mas,
por “descuido”, foram retidos. Este argumento é muito frágil, pois quando questionados
por quanto tempo tiveram que se afastar, com exceção de uma aluna que viajou, as
ausências não ultrapassaram 5 ou 10 faltas, o que é insuficiente para se reter um aluno.
Apenas três alunos apontaram falhas dos professores. A rotatividade docente foi
73
Cf. anexo VI, pp. 275-6.
110
vivenciada por quatro alunos que pertenciam à mesma turma e foram reprovados, mas
apenas um percebeu que as trocas de professores causaram danos ao seu
aprendizado/rendimento escolar.
Justificar a reprovação por suas próprias dificuldades ou mau comportamento,
contudo, não significa aceitá-la sem questionar determinados aspectos. Alguns alunos
protestam, comparando-se com outros, como CA, Rf, Rn.
CA: “Tem aluna que nunca faltou, mas não sabe de nada, não fazia nem a lição
direito e passou porque não tinha falta e eu que sei as lições e fazia tudo
direitinho não passei”. (Anexo V, p.232)
Rf: “Por que todos os alunos do ano passado, que eram bagunceiros, passaram e
eu, que era quieto e fazia a lição, fiquei? (Anexo V, p.254)
Rn (reprovado duas vezes): “tem tanta gente que não fazia nada e passava”. Na
seqüência afirmou: “[também,] não fez diferença [ser reprovado, em termos de
aprendizagem] porque a professora está faltando”. (Anexo V, p.258)
Assim como Rn, o aluno AS também discute a validade de sua retenção,
demonstrando-se descontente com as faltas da professora:
Disse não achar justo quando “vem para a escola para brincar, porque ele tem
que aprender”. Esse comentário é porque a professora está faltando muito e eles
acabam sendo remanejados para outras salas (inclusive para a 1ª série). E
afirmou: “eu quero lição de Matemática e Ciências e a professora não vem!”
(Anexo V, p.224)
Embora insatisfeitos e questionando alguns procedimentos adotados pela escola,
não encontram outra explicação, senão a de que estão porque “mereceram”. Outros,
ao contrário, analisam-na como uma oportunidade preciosa. Dentre os que consideram a
reprovação como algo positivo, no sentido de terem a oportunidade de progredir no
domínio da leitura e da escrita, o que mais chama atenção é o depoimento de Tn, uma
aluna que tem 12 anos e cursa pela terceira vez a série. Ao ser questionada, explicou
que:
No ano passado, sua mãe pediu que repetisse e ela também acha que foi melhor
ter permanecido no 4º ano.
Nesse ano, aprendeu a ler (embora diga que ainda tem dificuldade), a escrever e
a fazer continhas. Ela não diferença entre as atividades realizadas nas s
séries cursadas em 2006, 2007 e neste ano, e afirma ter ficado feliz em saber
que iria repetir novamente “porque assim posso aprender mais!” (anexo V,
p.263)
Vistas pelo ângulo da escola, não são poucas as marcas que servem para
justificar o porquê de determinado aluno apresentar problemas escolares. Não pretendo
discutir o grau de implicações que uma realidade tão distante daquela socialmente
considerada adequada pode gerar no processo de socialização ou de aprendizagem,
111
tampouco o quanto ele se volta para tais questões ou fica arraigado a um modelo de
escola ideal. Contudo, quando esses relatos se despregam das condições concretas de
vida desses alunos e passam a ser utilizados genericamente para legitimar a
agressividade, a indisciplina, ou o fracasso escolar, geram uma forte circulação de
componentes ideológicos que contrapõem imagens negativas, que rapidamente
contrastam a pobreza com um hipotético aluno ideal.
Em 2008, houve o registro de duas passagens em que as professoras chamavam
a atenção dos alunos pelo comportamento inadequado, lembrando-os de que não
estavam em suas casas.
No dia 14/02/2008 (anexo I, pp.127- 130), a professora do 3º ano do PIC
precisou interromper a aula mais de uma vez para chamar a atenção do aluno Ax.
Tentava ensinar-lhe que na escola não se grita, que deveria ouvi-la em silêncio,
principalmente porque a sala é pequena e muito barulhenta, pela proximidade com o
pátio, e lembrou-o de que “não estava em casa”, portanto deveria comportar-se. (Anexo
I, p.129)
Ainda no mesmo dia, e também por diversas vezes, a professora chamou a
atenção de Gm porque estava comendo na sala e por desrespeitar os colegas e suas
próprias orientações, ressaltando que, “se ele não tem limites em casa, se ele acha que
pode fazer o que quiser na escola, ele estava enganado, pois ia ensinar-lhe o que pode
ou não ser feito na escola” (anexo I, p.130).
O mesmo tipo de posicionamento ocorreu em 25/02/2008 (Anexo I, pp.130-
133), mas agora na turma de ano do PIC: os alunos estavam na aula de Educação
Artística, com uma professora especialista que, até aquele ano, lecionara para o
Ensino Fundamental II. Por ser uma aula mais descontraída, alguns permaneciam em
conversando e outros aproximavam-se dos colegas, para pedirem a régua emprestada.
Como é comum, alguns simplesmente pegavam emprestados os materiais dos
colegas ou da professora, sem pedir permissão. Por isso, ela repreendia-os com frases,
como: “Tenha modos que eu não sou sua mãe”; “Se você o tiver modos, eu vou
chamar sua mãe”; “Vocês estão pensando que estão em casa? Na escola a gente pede as
coisas: Professora, a gente pode ...”; “Tá pensando que está sozinho?”(Anexo I,
pp.133-4).
Essas ponderações corroboram a idéia de que algumas crianças precisam
aprender na escola regras e condutas sociais, que deveriam ser ensinadas pelas famílias,
para que, ao se transformarem em alunos que cumpram com suas obrigações, saibam a
112
quem respeitar, e consigam administrar o tempo de maneira racional, a fim de aprender
os conteúdos.
Eles não sabem se cuidar, ocupar o tempo sozinhos, fazer sozinhos os
exercícios, se virar, começar a estudar por iniciativa própria, e dpor diante.
De repente, todos os métodos (tais como o trabalho em grupo) que requerem um
mínimo de autonomia demonstram ser dificilmente aplicáveis a estes alunos.
E caímos nos problemas de disciplina longamente desenvolvidos pelos
professores durante nossas entrevistas: problemas de crianças turbulentas,
barulhentas, agitadas, indisponíveis, instáveis, desatentas, que dizem qualquer
coisa a qualquer hora”, que não escutam, que se enganam de exercício, que
entram na classe correndo, brigam sem parar, não pensam no que estão fazendo,
fazem as lições de qualquer jeito, não se aplicam, esquecem regularmente o
material ... (Lahire, 1997, pp.65-66)
Os exemplos apontados por Lahire referem-se à realidade francesa, mas são
muito próximos daqueles descritos por nossos professores, que afirmam encontrar em
suas salas de aula cada vez mais alunos que não sabem como se comportar.
As marcas tornam-se ainda mais visíveis e reafirmam a inadequação dos
próprios sujeitos, quando os professores deparam-se com alunos que já passaram por
alguns anos de escolarização (cinco, sete ou mais, se considerarmos a pré-escola e
eventuais reprovações) e ainda comem na classe, não levantam a mão para pedir a
palavra, não pedem permissão à professora para entrarem ou saírem da sala, o fazem
as lições “com capricho’.
Os repetentes parecem ser ainda mais “desajustados” ao sistema escolar pois,
além do baixo rendimento e, em alguns casos, do mau comportamento, estão fora da
expectativa de idade esperada. A distorção idade-série induz os professores a maiores
cobranças, quanto à disciplina e ao empenho em aprender, por considerarem que, sendo
mais velhos, “deveriam dar o exemplo”.
Aqueles que lecionam para as séries finais do Ensino Fundamental I esperam
receber alunos familiarizados com as “regras sicas” de boa educação, para que não
“percam tempo” ensinando-lhes como devem se portar dentro e fora da escola.
Esse tipo de atitude apenas reforça os fatores que distanciam o bom” do “mau”
aluno. Conforme ressalta Sampaio (2004, p.102),
parece estabelecido que os pré-requisitos, as atitudes em sala de aula, os hábitos
de estudo e a falta de acompanhamento em casa são problemas dos alunos [...e
condições] indispensáveis para acompanhar a classe, uma vez que as horas
diárias passadas na escola destinam-se a ouvir explicações e exercitar as noções.
Entretanto, conforme registro do dia 26/06/2007 (anexo I, p.55), comportar-se
113
inadequadamente não significa desconhecer o tipo de comportamento que a escola
valoriza. A conversa entre a professora substituta da série e um dos alunos é
esclarecedora: ao iniciar a aula com uma oração, dois alunos adentraram a sala
correndo. Ela perguntou a um deles o que foi fazer na escola e por que não ficou em
casa dormindo. Após alguns instantes de silêncio, ele respondeu “para fazer lição”. A
professora, que retornava a sua mesa, voltou-se para trás e disse: “Ah, sim! Percebe-
se!”
Para a equipe escolar, quando não existe essa conduta escolarizada, o trabalho
dos professores torna-se mais difícil, para não dizer inviável, uma vez que os alunos não
estão preparados, “em termos de comportamento”, para realizar as atividades escolares.
“Parece que se está dizendo que essas pessoas são assim mesmo, e se o desinteresse e as
dificuldades fazem parte da reação do público, não há o que fazer com o serviço
oferecido, ele não está em discussão”. (Sampaio, 2004, p.102)
Na perspectiva da escola, esses “conhecimentos prévios” estão presentes
somente em pequena parte dos alunos e é por isso que a maioria fracassa. Esse
argumento é um instrumento valioso para se justificar a inadequação e o insucesso,
chamando à cena as defasagens familiares, sociais e econômicas. Quanto maior a
distância entre a postura do aluno em relação ao modelo imaginado, maior será a
tendência a considerá-lo propenso a “se perder” no mundo da marginalidade, ou do
crime.
A família é considerada a grande responsável pela inadequação de seus filhos ao
sistema escolar, pois “não os preparou” para viverem em sociedade, ensinando-lhes o
respeito mútuo, a organização, as posturas adequadas e tudo aquilo, cujo resultado final
faria surgir “o bom aluno”.
Foram inúmeros os registros de queixas de professores em relação aos pais, seja
por não comparecerem às reuniões pedagógicas ainda que uma das professoras tenha
se disposto a fazê-la à noite, quando a maioria teria voltado do trabalho; por
solicitarem informações que foram esclarecidas em bilhetes, cujas assinaturas
demonstravam conhecimento reafirmando que, assim como os filhos, não conseguem
compreender o que lêem; ou ainda, comparando um aluno, cuja família atendeu ao
chamado da escola o que provocou uma melhora sensível em termos de
aprendizagem e comportamento – a outro, que só piora porque a família está ausente.
Segundo Lahire,
114
Esse mito [da omissão parental]
74
é produzido pelos professores, que,
ignorando as lógicas das configurações familiares, deduzem, a partir dos
comportamentos e dos desempenhos escolares dos alunos, que os pais não se
incomodam com os filhos, deixando-os fazer as coisas sem intervir. [...] Os
discursos sobre a “omissão” dos pais são emitidos pelos professores
principalmente quando os pais estão ausentes do espaço escolar. Eles não são
“vistos” e essa invisibilidade é interpretada principalmente quando a criança
está com dificuldade escolar – como uma indiferença com relação a assuntos de
escola em geral e da escolaridade da criança em particular. Alguns professores
até parecem pensar que a ausência de relações, a ausência de contato com
algumas famílias (populares, é claro), explicaria o “fracasso escolar” das
crianças. (Lahire, 2004, pp.334-5)
Assim como Lahire identificou que, embora ausentes do espaço escolar, alguns
pais demonstram depositar esperança na escolarização dos filhos, garantindo-lhes
melhores condições de vida, entre os alunos pesquisados essas expressões foram
claramente explicitadas.
AS, aluno de 11 anos, ao explicar sua retenção pelo excesso de faltas,
acumuladas porque não gostava de ir à escola, comentou que mudou sua postura depois
que sua mãe lhe contou que “seu avô também não gostava da escola e, por isso, nunca
conseguiu trabalhar e daí morreu”. E afirmou: “para conseguir alguma coisa, tem que
estudar, para poder trabalhar! Porque tem algumas profissões que tem que estudar!”.
Na seqüência, pontuou que “quem não sabe nada deve voltar para a rie,
porque repetir de ano não serve para aprender!” e que sua reprovação o fez perceber
que, “faltar não é bom” porque “se ficar na rua, pode acontecer alguma coisa ruim e na
escola, não”. (cf. anexo V, p.223-4)
My afirma que “foi bom ter sido reprovado para ‘aprender mais’ e para se
arrepender de tudo que não tinha feito” (na verdade, de não ter feito as lições) e também
porque neste ano “liga para o que a professora fala”, faz as lições, enfatizando que
“agora eu percebo que quero ser alguém na vida”.
Outros relatos também sinalizam que os pais, dentro de suas possibilidades,
cuidam para que os filhos não tenham contato com as más influências e com os perigos
da rua, como é o caso de Fp (p.194), IE (p.201), Nc (p.210), Vt (p.217) todos do
ano e de AS (p.222) e St (p.260) do ano, evitando que saiam para brincar sem a
supervisão de adultos, ou optando por trabalhar em casa para poder cuidar dos filhos,
como a mãe de AC, que é costureira (p.189).
Mas, de todos os casos aqui citados, o de As parece ser o que melhor retrata a
74
Sobre o mito da omissão parental, no primeiro capítulo desta tese, foi apresentado o caso de DF que
mostrou-se desinteressada pela escola devido ao excesso de atividades escolares impostas por seu pai.
115
presença dos pais e sua preocupação com a aprendizagem e com o comportamento do
filho, embora mantenham-se “invisíveis” para a escola.
As mora na favela, em uma casa com dois cômodos; quando volta da escola, fica
na rua brincando com os amigos. Sua mãe é empregada doméstica e sustenta os quatro
filhos e uma sobrinha. Ele não conheceu o pai biológico e aquele que assim considerava
morreu recentemente. O namorado da mãe, que é entregador de gás, ajuda nas despesas
da família e às vezes dorme em sua casa. Esse panorama pode gerar a imagem de uma
criança que vive em condições precárias, beirando o abandono, tem uma “família
desestruturada”, sendo por isso indisciplinado e com problemas de rendimento escolar.
Sua mãe raramente comparece às reuniões, atendendo apenas às convocações da
coordenação para conversar sobre o seu comportamento. Em 2007, ao saber que o filho
tinha batido em um colega, deu-lhe uma surra e não comprou o “videogame” prometido.
No início de 2008, foi novamente chamada porque o filho subiu na carteira. Dessa vez,
ele não apanhou, mas a compra do brinquedo foi novamente adiada. Com o passar dos
meses, ao perceber que As tinha melhorado seu comportamento e estava aprendendo
mais – já que é ela quem o ajuda nas lições de casa – comprou o tão desejado
brinquedo. Suas atitudes confirmam que é uma mãe presente, que se esforça para
acompanhar o desempenho do filho, embora isso o seja facilmente percebido pela
escola.
Em contraposição, casos em que a participação dos pais pode ser até certo
ponto indesejável
75
, porque “reclamam de tudo”, denunciam à Coordenadoria ou a
Ouvidoria da Prefeitura as irregularidades da escola, como por exemplo, professores
que lêem jornais ao invés de darem aula (ocorrência relacionada à EJA); a dispensa
recorrente de alunos por falta de professores; e ainda a redução do período de aula
ocorrida no início de 2008
76
.
É certo que os problemas sociais impactam o trabalho docente, especialmente
quando questões mais agudas como o abandono, a ausência de condições mínimas de
vida, maus tratos e outras tantas ocorrências, são registradas, todavia, o que pretendeu-
se demonstrar é que essas questões, por vezes descolam-se dos sujeitos concretos para
se constituírem em imagens que vão, pouco a pouco, construindo a idéia de uma
75
Ao tratar sobre o mito da omissão parental, Lahire indica que a presença dos pais, embora requerida
pela escola, pode tornar-se inconveniente quando questionam os processos pedagógicos e a atuação
docente. (Cf. Lahire, 2004, pp.337-8)
76
Todos os dados citados constam do caderno de campo, anexo I, registros ocorridos em 29/09/2006
(p.21), 06/06/2007 (p.48), 05/09/2007 (p.75), 19/09/2007 (p.82) e 10/10/2007 (p.96).
116
“juventude perdida”, sugerindo que isso ocorre por se tratar de crianças e jovens
excluídos, cujas famílias não o valor à educação e tampouco assistência a seus filhos,
tentando demonstrar que a pobreza é intrínseca ao fracasso escolar.
Um modo de desmistificar a idéia de que pobres são fracassados e que a escola é
vítima de sua presença
77
, é conhecer os impactos e as implicações do “estar na sala de
projeto” e analisar a questão pela perspectiva dos próprios alunos, objeto do próximo
capítulo.
77
Sobre esse aspecto o trabalho de Lahire (2004) é esclarecedor.
117
Capítulo IV
Uma questão de perspectiva: os alunos por si mesmos
Aproximar-se metodologicamente de crianças e jovens ainda é uma tarefa
empreendida por poucos pesquisadores
78
, dadas as inúmeras implicações e dificuldades.
As observações e algumas conversas informais foram registradas no caderno de campo,
contudo, após os dois primeiros anos, verificou-se que apenas essas notas o seriam
suficientes para contemplar a perspectiva dos alunos sobre si mesmos.
A decisão de “entrevistar” alunos do PIC foi o caminho encontrado para que
pudessem ser ouvidos efetivamente, todavia, a possibilidade de gravar os depoimentos
foi descartada, pela complexidade em obter a autorização dos pais ou responsáveis.
Nossas conversas ocorreram em diferentes lugares da escola. Algumas se deram
em locais silenciosos e privados, outras em condições bastante atribuladas como em
corredores e pátios externos, quer porque as chaves de determinadas salas ou
funcionários que lhes permitissem o acesso não eram encontrados, quer porque outras
dependências como as salas de Leitura, Informática, Atendimento aos Alunos ou a
mesmo o depósito estavam ocupados, enfim, adversidades inerentes ao espaço escolar e
ao pouco tempo que restava para a realização desta etapa da pesquisa.
As marcas dessas questões estão presentes no caderno de campo e neste texto.
Quando da organização dos dados, foram identificadas algumas imprecisões implícitas
em entrevista com crianças e jovens. Houve dois casos de irmãos matriculados no PIC –
um na terceira série e outro na quarta cujas respostas sobre as questões familiares
divergiram:
No primeiro, a aluna JS, da série, contou que a mãe foi para o Japão quando
ela estava na primeira série (portanto, dois anos). Semanas depois, o irmão mais
velho (DC) afirmou que ela viajara apenas três meses. Nos registros do seu
prontuário consta que a mãe compareceu à escola em 2007.
No segundo, a irmã menor (Nc) informou que ae trabalha como faxineira em
uma escola particular e o pai como entregador de garrafões de água no período da
manhã e segurança em um restaurante, à noite. a mais velha (Ra) confirmou que a
mãe trabalha em uma escola, mas como cozinheira e o pai trabalha como lixeiro no
78
Entre os trabalhos publicados que se valeram da aproximação de criança de jovens a fim de conhecer o
seu cotidiano de perto temos: Corsaro (2005); Farias, Demartini e Prado (2002); Bondioli (2004); Cohn
(2005); Andre (2005a, 2005b); Rayou (2005); Freitas e Silva (2006)
118
período da manhã e à noite tem outra ocupação, que não soube precisar. Em relação à
descrição da casa onde moram também houve divergências. Nc disse que é grande, com
três quartos, sala, cozinha e banheiro. Os pais dormem em um quarto, o irmão de 17
anos no outro e ela e a irmã no terceiro. Já Ra afirmou que a casa tem apenas um quarto,
onde dormem todos, em camas separadas, além de uma sala, cozinha, banheiro e três
quintais.
Discrepâncias como estas eventualmente ocorreram em diversas entrevistas e,
possivelmente não indicam que uma das crianças esteja errada ou mentindo, mas sim
que suas impressões sobre determinadas situações são diferentes. No caso da e que
foi para o Japão, é preciso levar em conta a relação que havia entre as duas e o
sentimento de ausência que a filha vivencia, fazendo com que o tempo seja percebido
como mais longo do que realmente o é. Talvez por isso dizer que ela se foi “há dois
anos”.
no segundo caso, as discordâncias sobre o trabalho dos pais podem indicar
que, por não saberem ao certo de que se ocupam, diante da pergunta tenham respondido
o que imaginam que façam. Outra hipótese é que a mãe tenha trabalhado na escola
como faxineira em um determinado momento e como cozinheira em outro, assim como
o pai pode ter trabalhado em lugares diferentes. De todo modo, ambas confirmam que o
pai tem dois empregos e a mãe é funcionária de uma escola particular. Em relação à
descrição da casa, o número de quartos pode ser facilmente confundido se o espaço for
dividido com cortinas ou armários, dando a idéia de três ambientes a uma e de apenas
um quarto à outra.
São hipóteses que não puderam ser confrontadas diretamente com os
informantes, mas servem para ilustrar que a assimilação do mundo em que vivem é
variável. As famílias e as casas são as mesmas, mas cada um, dentro das suas
possibilidades de compreensão das situações vividas, as interpreta de modo singular.
A proposta deste capítulo, portanto, é compreender de que modo os alunos
apreendem as situações escolares e familiares que vivenciam cotidianamente. Não ouso
buscar respostas certas, acabadas, definitivas, tampouco compará-las com a finalidade
de encontrar “quem está com a razão”, mas simplesmente apreender de que maneira os
alunos entendem a sua vida especialmente a escolar diante das possibilidades que
lhes estão disponíveis.
119
a) Vencendo fragilidades: as táticas dos alunos
“É errando que se aprende”. Essa assertiva sugere pelo menos duas
interpretações: ao errar é possível verificar as dificuldades, para então superá-las; ou
ainda, quando o erro torna-se uma fonte de frustrações, aprende-se a “driblá-las”,
valendo-se de táticas, para que ele não se torne evidente.
O entendimento proposto por Certeau (1994) determina como “tática”
um cálculo que não pode contar com um próprio, nem portanto com uma
fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A tática só tem por lugar
o do outro. [...] O “próprio” é uma vitória do lugar sobre o tempo. Ao contrário,
pelo fato de seu não-lugar, a tática depende do tempo, vigiando para “captar no
vôo” possibilidades de ganho. O que ela ganha não o guarda, tem
constantemente que jogar com os acontecimentos para os transformar em
“ocasiões”. Sem cessar, o fraco deve tirar partido de forças que lhe são
estranhas. Ele o consegue em momentos oportunos onde combina elementos
heterogêneos,[...] mas a sua síntese intelectual tem por forma não um discurso,
mas a própria decisão, ato e maneira de aproveitar a “ocasião”. (Certeau, 1994,
pp.46-7)
Nos anos de pesquisa de campo, registrei diversas demonstrações de como,
desde cedo, os alunos aprendem a esconder suas dificuldades, pois essas raramente são
tratadas como possibilidades de aprendizagem, servindo, na maioria das vezes, apenas
para identificar “os incompetentes”. Aproveitar as ocasiões em que podem usar
artifícios, que sirvam para mostrar aos outros colegas ou professores suas
“capacidades”, é uma questão de “sobrevivência” e até mesmo de auto-estima.
A primeira ocorreu em 20 de outubro de 2006 (pp.28-29). A professora propôs a
realização de um “bingo de palavras” e, por se tratar de um jogo que demanda a
realização de uma série de etapas, resolveu considerá-lo como avaliação. Sentada no
fundo da sala, pude observar a tática desenvolvida por Ls, que ainda não sabia escrever.
Enquanto dobrava e vincava a folha, segundo as orientações da professora, Ls
participou ativamente, mas durante o ditado das palavras, olhava para todos os lados
sem saber o que fazer. Para dar a impressão de que estava acompanhando, escreveu a
lápis algumas letras em cada retângulo.
Assim que a professora começou o sorteio, voltou a participar, demonstrando, a
cada sorteio, que por pouco não conseguira preencher uma coluna. Quando o primeiro
aluno conseguiu completá-la, a professora pediu que as escrevesse na lousa.
Rapidamente, Ls apagou as letras que havia escrito e começou a copiar, em cada
retângulo, as palavras selecionadas marcando-as com um “X”, pois, se estavam na lousa
120
é porque já tinham sido sorteadas.
A brincadeira prosseguiu aque todas as palavras fossem sorteadas e houvesse
inúmeros vitoriosos. Ls não ganhou a brincadeira, mas ficou contente, por ter
conseguido entregar a folha totalmente preenchida e, o que parecia ser o mais
importante, com as palavras escritas corretamente.
No ano seguinte (18/05/2007, pp.45-47), esse aluno estava, mais uma vez,
matriculado no ano do PIC. Lembrou-se de que no ano anterior eu costumava ajudá-
lo com as lições, por isso geralmente vinha mostrar-me as atividades, para que indicasse
o que estava errado ou incompleto. Voltava para sua carteira, corrigia, mostrava-me
novamente até ter a certeza de que não havia erros e então mostrava à professora,
porque sabia que seria elogiado e ganharia o carimbo de “ótima lição”.
Em 02/10/2007 (pp.88-95), ao concluir uma atividade de palavras cruzadas,
dirigiu-se diretamente à professora, que o tratou rispidamente, afirmando que “era
melhor que ele voltasse para sua carteira, visse se tinha preenchido todos os quadrinhos
e verificasse se todas as palavras estavam escritas corretamente” (p.90). Ele sentou-se,
mas não sabia o que havia errado. Depois de alguns momentos, chegou–se a mim e,
mesmo sem ter feito qualquer alteração, perguntou-me se estava certo. Apontei os
espaços que estavam em branco e indiquei as palavras que estavam erradas, mas sem
mostrar os erros. Ele voltou para sua carteira e corrigiu. Depois dele, outras crianças
também me mostravam a lição antes de entregaram para a professora.
O uso dessa tática foi recorrente: sempre que havia outra pessoa na sala –
auxiliar, estagiária, pesquisadora – buscavam seu auxílio e não o da professora para que,
ao ver a lição pronta, ela confirmasse que estava correta e os elogiasse.
Outra tática ocorreu em 30/07/2007 (pp.61-63), durante a realização de um
ditado de números para os alunos do 2º ano. O aluno JC
79
havia sido transferido
recentemente e a professora comentava com os demais que ele estava mais avançado e
que sabia algumas coisas que a turma aprenderia no final do ano. Isso lhe conferia
credibilidade.
Durante o ditado, EL observava-o atentamente e, após cada número proferido,
repetia a seqüência das unidades em voz baixa, mas em tom suficiente para que o colega
pudesse ouvir. A professora ditava, por exemplo, “duzentos e trinta e seis” e ele repetia
79
Situação semelhante à vivida por JC foi a de JG. Também matriculado no decorrer do ano letivo
naquela turma de ano, seu desempenho era superior aos demais, o que o colocava na posição de
“ajudar os colegas”. (registro de 31/10/2007, p.106)
121
“dois, três, seis”. Quando errava, JC o corrigia e, ainda que meio desconfiado, alterava a
resposta afirmando: “Isso é muito fácil!”
Essas atitudes demonstram o grau de reconhecimento que têm de suas
dificuldades escolares e a tentativa de “saná-las”, ainda que apenas momentaneamente,
valendo-se da ajuda de quem estiver mais próximo seja confiando em adultos que
estejam na sala, seja em colegas reconhecidos como “os melhores” para que possam
realizar satisfatoriamente as atividades que a professora posteriormente deverá
corrigir.
Quando a lição não foi feita, a tática revelada por DV para evitar as “broncas” e
os “bilhetes para os pais”, era deixar o caderno em casa, pois “é melhor esquecer do que
não ter feito [a lição]” (p.234).
Esses fatos exemplificam a “arte do fraco”, porque demonstram, com clareza, a
forma como os alunos se valem de experiências positivas e negativas para utilizar
artifícios que lhes garantem, ainda que por um curto espaço de tempo, um elogio ou
evitem a desagradável experiência de expor aos colegas suas fragilidades.
Como lembra Certeau (1994, p.100),
a tática [...] deve jogar com o terreno que lhe é imposto tal como o organiza a
lei de uma força estranha. Não tem meios para se manter em si mesma, à
distância, numa posição recuada, de previsão e de convocação própria: a tática é
movimento, “dentro do campo de visão do inimigo”. [...] Ela opera golpe por
golpe, lance por lance. Aproveita as “ocasiões” e delas depende, sem base para
estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas. [...] Tem que
utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na
vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar
onde ninguém espera. É astúcia. Em suma, a tática é a arte do fraco.
Em uma das entrevistas realizadas em 2008, a alunas QH, do ano do PIC,
afirmou que “dá aflição no coração quando tem que ler” e, para tentar minimizar esse
sofrimento, “quando pode, decora o que os outros estão falando para conseguir “ler”
quando chegar sua vez” (anexo V, p.252). Sua declaração demonstra que as artimanhas
desenvolvidas para superar suas dificuldades, podem ser meticulosamente elaboradas e
são fruto de experiências desagradáveis, quase sempre relacionadas à descrença do
professor. Mas isso não significa que os ganhos sejam permanentes, pois bastaria que o
professor pedisse para que cada aluno lesse um parágrafo diferente do texto, para que
sua tática não mais funcionasse.
As táticas, portanto,
são procedimentos que valem pela pertinência que dão ao tempo às
circunstâncias que o instante preciso de uma intervenção transforma em
situação favorável, à rapidez de movimentos que mudam a organização do
122
espaço, às relações entre momentos sucessivos de um “golpe”, aos cruzamentos
possíveis de durações e ritmos heterogêneos. (Certeau, 1994, p.102)
Ao pensar a tática como a “arte do fraco”, temos a possibilidade de entender por
que os alunos a acionam, ainda que os ganhos não sejam sustentados, uma vez que as
professoras dispõem de muitos meios para verificar o quanto cada um deles domina um
determinado conteúdo. Entretanto, seu uso garante uma movimentação maior dentro de
suas possibilidades, assegurando-lhes benefícios compreendidos quando analisados
“de perto” e no contexto em que ocorreram.
À distância, são apenas alunos matriculados nas salas dos “repetentes”, ou os
mais fracos das turmas regulares; microscopicamente, são jovens que, cientes de suas
fragilidades, buscam, em pequenos fragmentos do cotidiano, minimizá-las perante os
mais próximos.
Esconder suas dificuldades ou tentar demonstrar que foram superadas assinala
também o valor que o aluno dá à aprendizagem. Lahire (2004) afirma que o ato de bater
nos filhos indica a importância que os pais dão à educação. Do mesmo modo, buscar
meios para tornar invisíveis suas fraquezas, revela não apenas o esforço para o se
diferenciar de seus pares – sendo considerado o “burro”, o “que não sabe” mas
também o valor que dá ao ato de aprender.
Muitos alunos com baixo rendimento em atividades escolares destacam-se em
outras que demandam diferentes tipos de habilidades, como nas aulas de Educação
Física e Informática, e isso pode garantir-lhes grande prestígio entre pares. Mas ainda
assim servem-se de táticas para demonstrar, especialmente para os professores, que
estão aprendendo ou que conseguem fazer a atividade com êxito.
As ticas, entretanto, não o os únicos recursos disponíveis para que os alunos
se esquivem das adversidades. Houve o registro de um “caso limite”, no sentido
proposto por Velho (2003)
80
.
Aos 10 anos, Hq jamais havia freqüentado a escola e, por isso, foi matriculado
na 1ª série do Ensino Fundamental. Segundo os relatos da professora que o acompanhou
durante os primeiros meses de aula, da coordenadora e de alguns inspetores, ao se
80
O conceito “caso limite” é descrito por Velho sob duas perspectivas. Na primeira, o irmão caçula de
uma jovem de 15 anos, cuja família havia se mudado recentemente da Ilha dos ores para os Estados
Unidos, vivenciou as contradições inerentes às novas possibilidades que tinha diante das experiências e
descobertas estabelecidas na escola americana contra o enfraquecido controle dos pais. Na segundo
situação, discute algumas manifestações da classe média diante da morte violenta de seus parentes. Nesta
análise o “caso limite” refere-se especialmente às relações dicotômicas entre o in-group e o out-group.
123
deparar com a turma de 05 ou 06 anos e com atividades bastante infantilizadas, passou a
se comportar inadequadamente, batia e xingava os colegas, corria pela sala de aula,
roubava o lanche das outras crianças durante o recreio e as obrigava a “pagar pedágio” –
na forma de figurinhas, dinheiro, lanche ou brinquedos para que pudessem passar de
um pátio ao outro ou usarem determinados brinquedos do parque. Considerando que, ao
ser transferido para a turma da série do PIC do período da manhã, esse mesmo aluno
mudou completamente seu comportamento, é possível afirmar que comportar-se mal”
foi uma estratégia de ação.
Este é um caso exemplar em que
A identidade é colocada permanentemente em cheque e sujeita a alterações
drásticas. O trânsito intenso e freqüente entre domínios diferenciados implica
adaptações constantes dos atores produtores de e produzidos por escalas de
valores e ideologias individualistas constitutivas da vida moderna. (Velho,
2003, p.44)
De acordo com as anotações do dia 02/10/2007, Hq sentiu-se valorizado diante
da oportunidade de “pertencer” à turma do ano, visto que a idade daquele grupo
estava de acordo com a sua. Sua postura era a de prestar atenção a todas as atividades e
explicações da professora. Esta, entretanto, diante da oportunidade de expressar seu
descontentamento com sua presença, afirmou, perante a classe, que ele não tinha
condições de freqüentar o ano, por não conhecer os números, as letras, o saber
formar palavras, de modo ao conseguir acompanhar as atividades, concluindo que tê-
lo retirado da série sem qualquer critério e um atendimento diferenciado, foi um
grande erro da coordenadora e da outra professora.
O aluno, sentindo-se constrangido, abaixou a cabeça apoiada entre os braços
cruzados sobre a carteira e, somente após ela ter concluído o comentário é que pudemos
conversar. Essa atitude seria completamente inesperada, se considerarmos a
agressividade que expressava quando estava na 1ª série.
Expliquei que faríamos outra atividade, antes daquela que estava na lousa, pois
assim logo ele saberia fazer todas as lições do ano. Embora ressabiado, escutava-
me atentamente demonstrando compreender com facilidade a explicação, entretanto, a
todo o momento perguntava se já poderíamos voltar à atividade proposta a todos,
manifestando que, naquela sala, não queria ser tratado como “diferente”.
No ano seguinte, reclassificado na 4ª série, apresentava maior interesse por
atividades que conseguia realizar sem dificuldades. Como sua letra cursiva era legível e
“bonita”, sempre que havia uma cópia, realizava com prazer. Em 22/04/2008, a auxiliar
124
de período, que cuidava da sala na ausência da professora, colocou na lousa um texto
sobre o “Dia do Índio”. Ao perceber que deveria transcrevê-lo para o caderno, Hq
afastou-se dos amigos, que conversavam no fundo da sala, para sentar-se em uma
carteira vaga na primeira fileira. Enquanto copiava, assobiava e cantarolava,
demonstrando-se satisfeito por conseguir executar a tarefa com sucesso.
Sua mudança de comportamento e sua relação com a aprendizagem, tendo como
referência esses registros, evidenciam que suas atitudes estavam relacionadas à reação
pela forma como compreendia sua relação com a escola: enquanto estava na rie,
agia com agressividade, possivelmente por sentir-se ofendido em ter que realizar
atividades infantilizadas e a conviver com crianças pequenas”. Ao passar para a
série, ainda que a professora não o reconhecesse como “seu aluno”, sentiu-se “em seu
meio”, entre iguais”, entretanto percebia suas dificuldades e facilidades, interessando-
se pelas atividades que conseguia realizar com sucesso, sendo esta a sua possibilidade
de participar do meio escolar.
Reconhecer suas dificuldades e se valer de variados recursos para solucioná-
las”, não significa que os alunos atribuam exclusivamente a si todos os problemas que
enfrentam na escola. Como veremos a seguir, suas justificativas para a reprovação e o
fracasso escolar são diversas e, por vezes, divergem daquelas elaboradas pelos
professores.
b) Por que fracassamos?
As dificuldades escolares e especialmente a reprovação repercutem de formas
diversas entre alunos, pais e professores.
De modo geral, para a equipe escolar as dificuldades de aprendizagem e de
adequação às regras escolares estão relacionadas às questões de cunho biológico
justificadas pelo encaminhamento dos alunos para diagnósticos médicos e possíveis
tratamentos especializados com pediatras, fonoaudiólogos, oftalmologistas,
psicopedagogos, psicólogos –, ou à ineficiência da educação familiar. Ambas foram
explicitadas durante a reunião de conselho de classe, ocorrida em 04/12/2007 (pp.116-
123), quando foram elaborados dois termos de comprometimento dos pais: o primeiro, a
respeito das faltas e o outro, solicitando-lhes o encaminhamento das crianças para uma
“avaliação multidisciplinar”. Segue o teor de cada um dos termos:
Comunico que o seu filho _____________________ da ____série possui_____
125
(quantidade de faltas), o que comprometeu a sua aprendizagem. Pedimos que
repense a vida escolar de seu filho em 2008 para que o mesmo consiga
acompanhar os colegas de classe e se integre com o grupo. (anexo I, p.116)
Tendo em vista a dificuldade de seu filho, pedimos uma avaliação por
psicólogo, psicopedagogo, pediatra, oftalmologista e fonoaudiólogo para
atendê-lo melhor, para que tenhamos um desenvolvimento mais significativo.
(Anexo I, p.116)
Certamente, a preocupação da escola é manter sob controle os problemas
relacionados às faltas e ao baixo rendimento escolar. Quando a direção não é
comunicada a tempo sobre essas ocorrências, medidas cabíveis deixam de ser
providenciadas e, ao final do ano, a escola vê-se obrigada a tomar para si a “culpa” pelo
fracasso dos alunos.
Segundo a coordenadora pedagógica, no que se refere às faltas, ainda que o
caso não seja solucionado pelo Conselho Tutelar, a escola isenta-se da responsabilidade
sobre o aluno e, principalmente, tem respaldo legal para reprová-lo no final do ano”
(p.117).
Com relação à avaliação multidisciplinar, a coordenadora considerava duas
medidas fundamentais para um atendimento adequado aos alunos: a primeira era pedir
aos pais que procurassem profissionais especializados capazes de identificar possíveis
limitações, deficiências ou doenças; a segunda era orientar as professoras a anotar os
nomes dos alunos que, segundo elas, “tinham algum tipo de problema”, para que, no
início do ano seguinte, esse grupo fizesse uma avaliação detalhada com a professora
responsável pela Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (SAAI)
Uma vez identificados, era necessário observar quais famílias tinham condições
de acompanhar todo o tratamento com assiduidade e responsabilidade, pois a escola
possuía poucas vagas para encaminhamentos à Coordenadoria de Ensino, que se
dispunha a oferecer apoio médico diferenciado, com consultas regulares a
fonoaudiólogos e psicólogos e/ou tratamentos médicos, oftalmológicos e odontológicos,
conforme as necessidades.
De acordo com o que foi apresentado no item d, do capítulo III, algumas
famílias que procuraram atendimento médico, a fim de identificar as causas da
inadequação dos filhos à escola, retornaram com a afirmativa de que não existiam
quaisquer dificuldades de desenvolvimento ou de socialização e com a recomendação
126
de que os professores precisavam lhes dar mais atenção e ser mais pacientes
81
.
Pais e alunos, por sua vez, relacionavam as causas do fracasso a outras questões
como, por exemplo, a postura inadequada de alguns professores.
Em 31/10/2007, durante a saída dos alunos, a mãe de um dos alunos do ano
procurou a professora, por perceber que seu filho (Ld) voltou a demonstrar interesse
maior pelas atividades escolares. A professora confirmou sua sensível melhora no
desempenho escolar, adiantando que, se mantivesse o ritmo”, estaria bem preparado
para acompanhar a rie. A mãe atribuiu-lhe o motivo desse progresso, queixando-se
que, no ano anterior, a “professora não gostava dele e sempre mandava bilhetes dizendo
que havia se comportado mal”. Como durante o período da Educação Infantil, o menino
era muito elogiado, várias vezes ela foi à escola para brigar com a professora da 1ª série,
o que gerava mais atrito. Neste ano, como Ld gostava da professora e ela também o
considerava um “bom aluno”, ele voltou a se interessar pelas atividades escolares. (cf.
p.108)
Assim como esse, outros relatos registrados entre os alunos do PIC 2008
que revelam a complexidade existente no trinômio professor-alunos-família, capazes de
explicar a queda na aprendizagem e o desinteresse pela escola.
A pesquisa que Charlot (2002, p.29) realizou com alunos de bairros populares
franceses encontrou respostas sobre as qualidades do professor que em muito se
aproximam das citadas pelos sujeitos desta pesquisa: “a primeira qualidade do professor
é explicar, sem insultar o aluno, explicar de novo, com palavras novas, aque todos
entendam.”
Sobre a necessidade de explicar “sem insultar os alunos”, temos os relatos
82
de
Ad (aluno do ano do PIC 2008) cuja justificativa para o gostar da professora da
série era o fato de que o “xingava de pamonha e gritava” (p.188) e de AS (4º ano do
PIC 2008), contando que, na série, a professora “falava um monte” e puxava sua
orelha porque demorava para copiar as lições da lousa. Disse que chegou a reclamar,
mas a direção só acreditou depois que sua mãe foi à escola. Revelou que, no ano
seguinte – em que foi reprovado –, “aprendeu porque a professora era boa” (p.223).
A professora de As (aluno do 4º ano do PIC – 2008) narrou que, depois de muito
esforço para conseguir sentar-se próximo a sua mesa, ele confidenciou: “Professora, vou
81
Essa questão foi tratada no capítulo anterior de forma mais detalhada, apontando os descontentamentos
e o sentimento de desvalorização diante desses retornos.
82
Todos os relatos a seguir constam dos anexos IV e V desta pesquisa.
127
falar uma coisa: eu achei que eu nunca ia aprender a ler! Nos outros anos a professora
pedia para os alunos lerem em voz alta e quando chegava em mim ela dizia para pular
porque eu não conseguia! você acreditou em mim!” (p.156). Agora o aluno está
silábico, consegue ler com desenvoltura e, segundo a professora, “está todo feliz porque
está aprendendo”
83
. Durante a entrevista registrada no anexo V desta pesquisa, As
afirmou que: achei bom [ter sido reprovado], porque na e na série eu fiquei
bagunçando porque sabia que eu ia passar, mas o aprendi nada. No ano passado eu
estudava, mas a professora dava livrinho e eu não copiava a lição da lousa” (p.226).
Está claro para ele que este foi o motivo de sua retenção, mas reafirma que preferiu ter
ficado no ano, já que “não dava para ir para a série, sem saber nada”. Em vários
momentos declarou que “adora essa professora” porque “no ano passado ficou quase
um mês sentado na fileira e, quando a professora viu que eu não sabia nada, ela me
colocou no fundo e eu não gostava de ficar lá” (p.226).
Outro aluno que acredita não ter conseguido passar de ano pela ineficiência da
professora é Gb (aluno do ano do PIC 2008). Ao ser perguntado sobre o que é
preciso para ser uma boa professora, ele afirmou que “tem que ser igual à professora AL
[a atual]. Não sai para bater papo com as outras professoras, se você tem alguma
dificuldade, ela ajuda. Ela é duas em uma!” (p.240). Considera que professora da
série também era boa, mas a que deu aula na 3ª série era ruim.
Não estou lendo por causa dela, pois não era uma boa professora. [Para ele, uma
professora ruim é aquela que] quando você está quase terminando a lição ela
passa com a caneta e quase rasga seu caderno, grita fala palavrão, fica ‘batendo
papo’ no corredor, depois volta, passa meia tabuada e vai novamente conversar
e ainda diz ser “a melhor professora”. (Anexo V, p.240)
Outra causa apontada como motivo de retenção é a rotatividade de professores.
O aluno Rf (4º ano do PIC 2008) justificou que, no ano anterior, a turma começou
com “uma professora idosa que depois de um tempo se aposentou” (p.255). Ficaram um
período com a professora substituta e então é que veio uma professora que assumiu a
sala até o final do ano. Considera que foi uma boa professora, mas atribuiu a essas
trocas seu baixo rendimento escolar.
Ao imputar os problemas de baixo rendimento e mau comportamento à
ineficiência dos alunos e suas famílias, a escola exime-se da análise de questões
importantes, como a avaliação dos seus procedimentos de ensino e, principalmente, do
83
Cf. registro no caderno de campo, anexo I, visita 59 de 03/06/2008, p.156.
128
tratamento dispensado aos alunos pelos professores e pela equipe escolar.
Diante das dificuldades para aprender são encaminhados para outros
profissionais internos e externos à escola que devem, implicitamente, ensinar-lhes o
que é necessário para se adaptarem ao mundo escolar. Conforme Sampaio (2004,
pp.102-3) salienta,
A expectativa é que os alunos venham prontos, com pré-requisitos, como boas
maneiras, disciplina para assistir e participar das aulas, hábitos de estudo,
competência para ler e escrever bem, e que resolvam seus problemas fora da
escola. [...] E como isto não acontece, instala-se um sutil mecanismo de
discriminação, pois nada se faz para mudar o quadro e a clientela fica sempre
aquém do esperado. [...]
Parece que se está dizendo que essas pessoas são assim mesmo, e se o
desinteresse e as dificuldades fazem parte da reação do público, não o que
fazer com o serviço oferecido, ele não está em discussão.
Encaminhamentos para atendimento multidisciplinar pela Coordenadoria de
Ensino, a aulas de reforço, à Sala de Apoio e Acompanhamento à Inclusão (SAAI), a
turmas de projeto, à recuperação de final de ano, são instrumentos que ajudam alguns
alunos a aprender o que não conseguiram em sala de aula, mas obscurecem outros
problemas que os alunos nos indicaram: como aprender a ler, se a professora não o
solicita ou, ainda pior, classifica-o como “incapaz” perante a turma? Como obter
resultados satisfatórios se o trabalho docente é descontinuado devido a seqüentes
trocas? Como é possível gostar da escola – e conseqüentemente de estudar se a
professora bate, ofende, torna-o desacreditado, não explica os conteúdos ou sequer fica
dentro da sala de aula?
Essas denúncias demonstram que os alunos embora considerados fracassados
pelo sistema conseguem perceber o que está certo ou errado, pois ao mesmo tempo
em que não gostam da professora que os chama de “pamonha”, valorizam aquela que os
incentiva e acredita em suas capacidades; da mesma forma em que professoras que
batem nos alunos, há as que abraçam e elogiam.
O resultado desta relação que pode ser conflituosa ou amigável parece ser um
fator muito importante para o sucesso ou o fracasso. A maioria dos alunos do ano do
PIC de 2008 elogia e demonstra gostar muito da professora, pois encontraram um
modelo de profissional: exigente, passa muita lição, inclusive para casa, freqüentemente
olha os cadernos, está atenta às necessidades de cada um e sempre disponível para
conversar, reconhece os avanços, incentiva-os e demonstra acreditar que serão capazes
de aprender.
129
Isso não é pouco! Como veremos, embora seja essencial, a relação de confiança
entre a equipe pedagógica e os alunos é praticamente escassa nas relações escolares.
c) Não somos dignos de confiança?
Os alunos dificilmente encontram espaço para se expressarem e, ainda menos,
para reclamarem de algo que os incomode, como na situação apresentada no item
anterior, em que AS só teve sua queixa “ouvida”, após a ida de sua mãe à escola.
Giovanni (2006) constatou, no curso de formação para o Magistério, que as
futuras professoras descrevem as suas expectativas em relação aos alunos de modo a
não identificá-los
como “crianças que são” (ou podem ser em decorrência de seus contextos e
histórias de vida), mas pelo que eles “não o”, “não tem”, ou por
características que julgam que lhes “faltam”, isto é: “...disciplina, ...autonomia,
...força física, ...‘pré-requisitos’, ...vocabulário, ...‘formação familiar’,
...conhecimento, ...condições culturais e econômicas”. E como vislumbram que
seus principais problemas em sala de aula serão os relacionados à falta de
disciplina”, preparam-se, na verdade, para se tornar “disciplinadoras” de seus
futuros alunos. Ou seja, disciplinar é a palavra de ordem em seus depoimentos e
produções acadêmicas.
Essa perspectiva corresponde exatamente ao oposto da “postura epistemológica
e metodológica” necessária, segundo Charlot (2000, pp.30-1), para analisar os alunos
em situação de fracasso: a leitura positiva. Para o autor,
uma leitura positiva se pergunta “o que está ocorrendo”, qual a atividade
implementada pelo aluno, qual o sentido da situação para ele, qual o tipo das
relações mantidas com outros, etc. A leitura positiva busca compreender como
se constrói a situação de um aluno que fracassa em um aprendizado e, não, “o
que falta” para essa situação ser uma situação de aluno bem-sucedido. [...]
Procurar compreender o fracasso como uma situação que advém durante uma
história é considerar que todo o indivíduo é um sujeito, por mais dominado que
seja. Um sujeito que interpreta o mundo, resiste à dominação, afirma
positivamente seus desejos e interesses, procura transformar a ordem do mundo
em seu próprio proveito. Praticar uma leitura positiva é recusar-se a pensar o
dominado como um objeto passivo [...] mas sem incorrer em ingenuidade e sem
esquecer que o dominado é, com certeza, um sujeito, porém um sujeito
dominado.
Em oposição a esta temos a “leitura negativa”, ou seja, aquela que
“explica” o mundo por deslocamento das faltas, postula uma causalidade da
falta. Esse tipo de leitura gera “coisas” como “fracasso escolar”, “a deficiência
sociocultural”, mas também, em outros campos, a “exclusão” ou “os sem-teto”.
[...] É a forma como as categorias dominantes vêem as dominadas. (Charlot,
2000, p.30)
130
A leitura negativa” parece predominar no entendimento escolar sobre os
alunos, pois a recusa em “escutá-los” manifestou-se com muita força nos registros de
campo, expressando exatamente essa relação entre dominados e dominantes. Não
importa o que tenha ocorrido, a premissa é de que eles sempre estão errados, que são os
culpados, sendo julgados e por vezes punidos pelo professor ou qualquer
funcionário, sem o direito de serem ouvidos.
Este item pretende apresentar algumas micro-situações que ilustram as relações
de descrédito versus confiança vividas no interior da escola: situações em que, não
importa o que aconteceu nem quais sejam os alunos envolvidos, todos são suspensos
e/ou seus responsáveis são convocados; em outras, a condição sugere que têm ainda
menos direito de contar sua versão dos fatos, pois a escola “sabe” que são culpados, por
serem “sempre os mesmos”, ou seja, aqueles “marcados” como os desobedientes e
bagunceiros, mas, em contrapartida, dificilmente sofrem algum tipo de punição; há
circunstâncias, entretanto em que os professores confiaram nos alunos permitindo-lhes
um pouco mais de liberdade; e finalmente outras em que se pode constatar o descrédito
vivenciado pela própria equipe escolar.
Desde os primeiros contatos
84
, foi possível perceber a dinâmica dos alunos na
sala de aula e verificar que o simples ato de emprestar materiais aos colegas pode iniciar
algum tipo de confusão. As canetas, borrachas, colas, tesouras, réguas, são jogadas de
para cá; o “pedir emprestado”, na maioria das vezes, é feito por meio de ameaças: me
sua caneta se não eu te bato” ou “dá se o eu te pego”. O silêncio nunca é total,
mesmo durante as explicações ou enquanto fazem os exercícios, ficam mexendo uns
com os outros (em geral, ofendendo-se mutuamente), ou fazendo uso de objetos alheios
ao universo escolar (como figurinhas, cartas de jogos, dinheiro, etc.).
Brincadeiras, ofensas, agressões físicas e/ou verbais são comuns entre os alunos
e não se constituem grandes problemas: se um ofende, o outro responde com um soco
ou um pontapé, e imediatamente voltam a agir como se nada houvesse acontecido. O
caso se agrava quando a professora ou alguém da equipe escolar interfere e o desfecho é
sempre o mesmo: ouvir “broncase as costumeiras ameaças: vou chamar sua mãe” ou
“você quer ir para a direção?”.
Para a equipe pedagógica, além de inaceitáveis o comportamentos que devem
84
registros referentes a esta questão no caderno de campo, anexo I desta pesquisa, nos dias 05 e
08/05/2006.
131
ser repreendidos e punidos e, por isso, parte da aula é utilizada chamando-lhes a
atenção, lembrando-lhes as regras da escola
85
– ou aquelas que eles próprios elaboraram
nos primeiros dias letivos. Todavia, os empurrões, ameaças e ofensas recomeçam assim
que a “bronca” termina.
Puni-los sem que possam se explicar parece ser tão corriqueiro que, durante as
entrevistas realizadas em 2008, uma das alunas do PIC afirmou que “uma má professora
é aquela que briga sem saber o que aconteceu” (p.207).
Os três relatos a seguir têm em comum a punição como ferramenta para conter a
indisciplina ou o “mau comportamento”:
No dia 26/10/2006 (pp.29-30), os alunos do PIC foram os primeiros a descer
para o recreio. Na fila do lanche registra-se grande parte das brigas, pois uns tentam
passar na frente dos outros. Neste dia, Vc ocupou o lugar de Na, que revidou com
chutes e empurrões. Sentado em um banco em frente à cozinha havia um homem, que
resolveu interferir, dizendo que Vc fazia isso porque os outros eram menores” e
que, “se fosse homem mesmo, se meteria com alguém como ele”. Imediatamente, Vc
começou a enfrentá-lo e a xingá-lo, dizendo que “ele sim não era homem para enfrentá-
lo” e que, se quisesse, “lhe daria uma surra”.
Nesse ínterim, os inspetores e todos os que estavam no pátio correram para
afastá-lo, levando-o para o hall e suspendendo seu recreio. Ali sentado, repetia que
“sempre estava errado naquela escola” e que “na rua ele faria o que quisesse e mostraria
quem era homem”.
Estava cercado por funcionários que criticavam sua atitude de desrespeitar um
“pai de aluno” e enfatizavam que alunos como ele não têm mais solução”, pois não
respeitam ninguém. Contudo, poucos sabiam o que realmente havia acontecido e
ninguém questionou porque aquele pai estava no pátio.
Quando a professora soube do ocorrido, corroborou as opiniões dos colegas,
avisando que ele não voltaria mais para a sala e entraria novamente na escola depois
que seu responsável fosse conversar com ela e com a coordenadora pedagógica.
Ao voltarmos para a classe, perguntei-lhe se o aluno havia apresentado
comportamento agressivo outras vezes e ela afirmou que “ele é sempre assim” e que
“está sempre arrumando confusão com os outros” e, completou: “mesmo que não tenha
acontecido nada, onde já se viu começar a enfrentar os pais de outros alunos”.
85
Alguns exemplos sobre o tempo que as professores utilizam para chamar a atenção dos alunos podem
ser conferidos nas visitas 03 (p.11); 29 (p.55); 32 (p.65); 34 (p.71); 40 (p.100).
132
Como tentava em vão conversar com seus responsáveis desde o início do ano,
aproveitou a oportunidade para convocá-los e poder saber um pouco mais sobre sua
vida, já que a única informação disponível é que toda sua família estava no nordeste e
apenas ele ficou em São Paulo com uma tia.
Ao final do período letivo, todos foram embora, mas Vc continuava no hall, pois
ainda não tinham conseguido contatar seu responsável.
Em 02/10/2007, (pp.88-95), assim que todos voltaram para a sala e se
acalmaram, a professora da turma do PIC chamou a atenção dos alunos La e Wl, porque
durante o recreio tentaram tirar o boné da aluna Ta. A professora lembrou-os de que, ao
tentar cortar a franja, a menina deixou-a torta, por isso, até que o cabelo crescesse o
suficiente, tinha autorização para usá-lo. Muito exaltada, afirmou que, “se a situação
voltasse a se repetir, os dois o freqüentariam mais a sua sala, pois já estava farta das
“brincadeirinhas” e das reclamações que recebia todos os dias de vocês!” (p.95).
Os garotos tentaram se justificar, mas a professora não permitiu que falassem,
interrompendo-os e perguntando se queriam sair da sala. Eles se calaram e a aula
recomeçou.
Mas dentre todos os casos em que a posição dos alunos foi ignorada pela escola,
o que mais chamou atenção foi o relatado por Kt
86
. Durante sua entrevista e
observando-a na classe, é possível afirmar que se trata de uma aluna calma, que não se
envolve em brigas e confusões, mas, ao ser questionada se alguma vez seus pais foram
convocados pela direção, afirmou que “só tomou uma suspensão” porque durante o
recreio as meninas ficam na porta do banheiro puxando os meninos para dentro”. Em
um desses dias, assim que entrou, a coordenadora pedagógica chegou e levou todas para
sua sala. Ela tentou explicar que não fazia parte do grupo, mas a coordenadora o
deixou que terminasse, e suspendeu-as. Kt afirmou que sua “mãe é tão boazinha que
acreditou na professora e nela e não a colocou de castigo” (p.206).
dentre os casos em que os alunos não são punidos com suspensões ou
convocações de responsáveis, mas também não o ouvidos pela escola “por serem
quem são”, selecionou-se outras quatro passagens:
A primeira ocorreu em 06/10/2006 (pp.25-28). Nesta data a professora titular da
sala havia faltado e os poucos alunos presentes estavam com uma substituta. Após o
recreio, ao voltarem para a sala de aula, a professora de outra série, acompanhada de
86
Cf. anexo IV – entrevista com os alunos do 4º ano do PIC, pp.204-206.
133
um de seus alunos, veio à procura da professora do PIC. Assim que soube que ela tinha
faltado, voltou-se para o aluno Jf, afirmando enfaticamente: “Você se meta mais uma
vez com esse meu aluno e você vai se ver comigo! Porque eu te conheço e sei que você
não presta. E esse meu aluno é um anjo!” (p.26).
Quando Jf ia reagir, explicando o que havia acontecido no recreio, interrompeu-
o e ameaçou: Você está avisado! Se meta com ele e você vai ver o que eu faço!”
Fechou a porta e foi embora.
Muito nervoso, Jf tentava se explicar: de acordo com sua versão o outro
começou a xingar seus familiares e, após suportar as provocações por algum tempo,
deu-lhe um soco. Chorando, o menino foi procurar uma das inspetoras e disse que tinha
apanhado do Jf. Esta, por sua vez, colocou-o de castigo, sem que ele pudesse sequer
terminar de comer o lanche com os colegas. Ao contar o fato, repetia seguidas vezes:
“Ele vai ver! Fora da escola a gente resolve”. Em resposta, a professora que cuidava da
turma disse: “Eu sei que você não é santo, mas esse aluno aí é um diabo! Eu cobri a sala
dessa professora outro dia e ele faz essa carinha de santo para ela, mas ele é terrível. Ele
responde, xinga e bate nos colegas, não tem respeito por ninguém, mas na frente dela
ele é um doce. E ela ainda o defende. Eu mesma cheguei a comentar desse
comportamento dele e ela me disse que aquele aluno é um santo e que eu devia estar
confundindo ele com algum outro” (p.27).
E, voltando-se para o Jf, completou: “Você é que é burro por não fazer como
ele! Porque todo mundo aqui na escola sabe que você apronta e, por isso, você está
sempre errado. Ele, com aquela cara de tonto, engana todo mundo e você é que se
mal na escola! Você devia ser como ele: bonzinho com a professora porque daí
ninguém ia brigar com você”. Jf respondeu: “Eu o! Se mexer comigo vai levar! Não
vou ser bonzinho e ficar ouvindo besteira para agradar a professora!” e ela finalizou:
“Então se acostuma, porque você vai sempre ser o culpado. Nunca ninguém vai te
defender aqui na escola, porque você já fez a sua fama!” (p.27).
Em outra ocasião (13/06/2007, pp.52-54), a professora do ano do PIC pediu a
Ls que apagasse a lousa. Como ele é baixo, por mais que se esticasse não conseguia
alcançar a parte superior da lousa. Para resolver o problema, começou a pular e as
outras crianças dispararam a rir. De costas para Ls, a professora advertiu-o de que
parasse de fazer “gracinhas”, do contrário, não pediria mais sua ajuda. Depois desse
comentário, os alunos ficaram quietos, mas Ls, que pareceu não ter entendido a
repreensão por não estar “fazendo gracinhas”, continuou apagando a lousa e só precisou
134
de mais alguns pulos para terminar.
Dias depois (26/06/2007, pp.55-60), novamente durante o recreio, uma das
inspetoras, ao ver um aluno chorando, veio saber o que tinha ocorrido. Ao deparar-se
com EA (2ª série), fez sinal com a cabeça para que eu não me preocupasse e não
acreditasse nele, afirmando: “Professora, pode ter certeza que alguma coisa ele fez!”
(p.57).
Ainda sobre essa questão, em 22/04/2008 (p.141-143), os alunos Gb e Gt
jogavam bolinhas de papel no cabelo das meninas e, assim que percebeu, Jn começou
uma briga, levantando-se e agredindo-os com gritos, xingamentos e palavrões. Os dois
pareciam nem se preocupar, apenas riam, enquanto todas as meninas batiam na cabeça à
procura de bolinhas. Bravas, acercaram-se deles aos gritos e tapas, obrigando-os a pedir
ajuda. A auxiliar, que estava no corredor conversando com uma professora, voltou à
sala e deu uma bronca em todos, especialmente nas meninas, pois segundo ela, “aquilo
não é atitude de moças” (p.142). Mandou que todos se sentassem e, quando os meninos
pensaram que poderiam se aproveitar da situação para se fazerem de vítimas, dirigiu-se
a eles: “se não fosse vocês dois, eu até poderia ouvir, mas sei que sempre estão
aprontando alguma e até merecem levar uns tapas dos colegas, de vez em quando!”
(p.142).
O aspecto comum a todos esses registros é a marca de indisciplina atribuída a
esses alunos, de modo que, independentemente dos fatos, eles são sempre considerados
os culpados ou os que estavam errados.
Um aspecto a ser ressaltado é que alguns conseguem “enganar o adversário”
desse intrincado jogo de estigmas e punições, de modo que a escola passe a reconhecê-
los como vítimas. Essa postura remete-nos à idéia de representação desenvolvida por
Goffman (2004).
Valendo-se da mobilidade social como fonte de dados para explicar a
representação de desempenhos, o autor afirma que
Verificamos habitualmente que a mobilidade ascendente implica na
representação de desempenhos adequados e que os esforços para subir e para
evitar descer exprimem-se em termos dos sacrifícios feitos para a manutenção
da fachada. Uma vez obtido o equipamento conveniente de sinais e adquirida a
familiaridade na sua manipulação, este equipamento pode ser usado para
embelezar e iluminar com estilo social favorável as representações diárias do
indivíduo (Goffman, 2004, p.41)
Fazendo uma análise sob a perspectiva da representação do comportamento
135
escolar, verificamos que os que conseguem perceber os elementos que compõem o
padrão de “bom aluno”, valem-se desses equipamentos convenientes”, conseguindo
encenar de tal modo que, ainda que se comportem mal, sejam considerados incapazes de
tais atos. Por outro lado, os que preferem representar o papel de “quem não aceita
desaforos”, paulatinamente vão acumulando apetrechos próprios do mau aluno” de
modo que suas ações sejam sempre interpretadas como inconvenientes.
Antagonicamente à posição de “culpar os alunos”, houve três registros que
demonstram que dialogar com os alunos e depositar confiança em suas ões pode ser
surpreendentemente positivo, ainda que o “ganho” não seja suficiente para que os
demais profissionais da escola lhes dêem credibilidade.
O mais abrangente deles ocorreu em 30/07/2007 (pp.61-3), quando foi
substituído o fornecimento da merenda. Durante o recreio das 1ªs e 2ªs séries, o
desperdício foi muito grande, por isso, uma das professoras resolveu passar em todas as
salas para conversar com as crianças.
Sua intenção era chamar-lhes a atenção para a qualidade do novo lanche duas
fatias de o de forma Pullman com queijo prato e para o desperdício que houve
naquele dia. Sem brigar ou mesmo culpá-los, explicou-lhes que se tratava de um lanche
elaborado com produtos de alta qualidade. Afirmou que os alunos que jogaram seus
sanduíches no chão o fizeram por não estarem com fome –que muitos tomam café da
manhã em casa e, por isso, não têm fome às 8h30min. –, ou por não terem como guardá-
lo para comer mais tarde. Assim, resolveu sugerir que, a partir do dia seguinte,
trouxessem em suas mochilas um guardanapo ou uma sacolinha de supermercado para
guardarem o lanche, caso não quisessem comê-lo na hora do recreio. Ressaltou que às
8h30min poderiam o ter fome, mas às 11h, quando vão embora, a fome pode
aparecer.
Nesse momento, o aluno EA interrompeu-a, para dizer que alguns podem ter
jogado o lanche no chão porque, se guardassem no bolso, sujariam a roupa. A
professora concordou e lembrou de pedir àqueles que costumam trazer de casa e aos que
não gostam do que é servido na escola, que não pegassem para jogar fora, pois poderia
servir para outra pessoa que estivesse com fome. Nos dias que sucederam esse pedido o
problema pareceu estar resolvido, pois o desperdício diminuiu sensivelmente (cf. p.65).
Os outros dois registros ocorreram em anos diferentes e restringiram-se à relação
de confiança entre as professoras e suas respectivas turmas, consideradas “terríveis” por
todos na escola. Após alguns meses de convivência, ambas ofereceram oportunidades
136
para que os alunos pudessem “agir por si mesmos” e qual não foi a resposta senão fazer
jus à confiança que lhes foi depositada.
Conforme referido no item C do capítulo anterior, a primeira turma do PIC, em
07/11/2006, apresentou uma peça teatral às crianças da EMEI. Diferentemente da
costumeira agitação em sala de aula, todos se acomodaram e, apenas conversavam ou
brincavam com seus amigos, sem muito barulho ou confusões. É imprescindível
ressaltar que os alunos considerados indisciplinados estavam presentes como “atores”
ou ajudando na organização da peça.
Diante do bom comportamento, a professora permitiu que ouvissem música
(rádio). Como muitos eram ex-alunos da EMEI, começaram a recordar das brincadeiras,
dos machucados, de colegas com quem já o tinham mais contato, de atividades que
fizeram com as professoras, demonstrando sentirem falta do espaço e do tempo que
tinham para brincar.
Quando reconheciam as ex-professoras, corriam para cumprimentá-las e às
vezes, elas próprias vinham ao nosso encontro para revê-los e para agradecer a
oportunidade de um lazer diferente para as crianças.
Quem presenciasse esse momento dificilmente compreenderia as marcas de
indisciplina e as imagens de “mal educados” e bagunceiros que muitos ali carregavam.
Ao retornarmos à escola, a professora aproveitou para mostrar as fotos tiradas
durante a primeira apresentação realizada na escola e qual não foi a surpresa de uma das
colegas, ao reconhecer que seu ex-aluno (Jf) era o narrador.
Confirmou se realmente era aquele que tinha problema auditivo” e, diante da
resposta afirmativa, declarou: “ele era uma peste, que o sabia se comportar e sempre
deu problema enquanto esteve na minha sala” (1ª série).
A professora do PIC concordou que realmente se trata de um aluno muito difícil,
que comumente arruma confusão com outros. A ex-professora completou: “Veja como
ele é! Realmente incorporou o papel de ator. Quando vi a apresentação que vocês
fizeram aqui na escola não percebi que era ele que estava narrando... eles sabem se
fingir de bonzinhos quando estão na frente de outras pessoas e, principalmente, dos
pais. Quem viu a peça não pode imaginar como ele é terrível, desobediente, mal
educado. Eles sabem fingir muito bem!” Embora aparentemente tenha discordado da
colega, sua professora afirmou: “realmente o Jf é outra pessoa quando se apresenta!”
Situação semelhante ocorreu em 10/10/2007 (pp.96-100) com uma turma regular
de ano considerada por muitos como “a pior sala da escola” em termos de
137
comportamento. Mediante prévio acordo entre a professora e os alunos, combinaram
uma confraternização pelo Dia das Crianças, com doces, salgados e refrigerantes, desde
que se comportassem bem durante as semanas que antecedessem a data. Como os
alunos cumpriram sua parte, a professora concedeu-lhes esse “prêmio”.
As carteiras foram encostadas na parede e algumas cadeiras espalhadas no centro
da sala de forma aleatória. Um grupo de meninas limpava a sala e, embora houvesse
muitas garrafas vazias de refrigerantes, pratinhos e copinhos usados, o chão não estava
mais sujo do que habitualmente.
Um grupo de alunos concentrava-se ao redor do aparelho de CD, e não havia
divergências quanto à escolha das músicas, pois o funk é quase unanimidade. No centro
da sala, em lados opostos, meninos e meninas dançavam, não se importando com o
ritmo, mas com todos os passos coreografados.
Outros conversavam em pequenas rodas, sentados sobre as carteiras ou em pé.
Às vezes via-se um empurrão ou ouvia-se um palavrão, mas não eram atos violentos, e
sim a forma de expressar a discordância de opinião.
O som alto da música e o burburinho das conversas provocavam um barulho
estridente, mas todos usufruíam desse momento de descontração.
Ao final do dia, a professora aproveitou para elogiá-los, lembrando que “essa
festa que fizeram foi porque haviam se comportado bem e que, quando comunicou à
direção da escola, que deixaria que trouxessem comidas e bebidas, muitos acharam que
seria um caos e que não conseguiriam se organizar e se comportar”. Afirmou "estar
muito feliz, pois agora poderia dizer a todos que não acreditaram nela, que sua turma
sabia se organizar e se comportar muito bem em festas e aquela experiência serviu para
que outras festas sejam organizadas. No fim, todos bateram palmas, pois estavam
realmente de parabéns! (cf. p.100)
As imagens negativas de “sala bagunceira” com “alunos indisciplinados” não se
dissiparam perante a equipe escolar, mas certamente a constatação de que são capazes
de se comportar quando confiança recíproca reforçou, de modo positivo, o vínculo
entre os alunos e a professora.
Os inúmeros exemplos apresentados demonstram a intrincada trama das relações
entre alunos e equipe escolar. A acelerada dinâmica da escola pode dificultar que todas
as ocorrências envolvendo os alunos sejam cuidadosamente analisadas pelos inspetores,
professores ou pela coordenadora, entretanto, na medida em que marcas e rótulos
determinam a decisão final de quem estava ou o com a razão, acentua-se o mau
138
comportamento de determinados alunos, ao mesmo tempo em que outros se aproveitam
do “bom status” para tirar proveito dos demais.
Outro fator que contribui para a disseminação da indisciplina é a descrença no
poder de autoridade da escola, não por parte dos alunos, como também dos
professores e dos próprios agentes responsáveis por intermediar e resolver as situações
de conflito.
Devido aos poucos recursos de que dispõe para punir os maus comportamentos,
dia após dia a autoridade dos funcionários vai se fragilizando, e sua condição de
fraqueza é logo percebida não apenas pela própria equipe, mas também pelos alunos.
Foram registradas algumas ocorrências, em que professores e alunos
expressavam claramente a ineficiência da escola, na tentativa de punir os maus
comportamentos, das quais as três mais significativas foram selecionadas:
As duas primeiras ocorreram em 26/06/2007 (p.55) e revelam o descrédito da
autoridade escolar tanto por parte dos alunos quanto pela professora substituta que,
naquele dia estava com a turma da 2ª série.
As 2ªs e as 3ªs séries terminavam o período de recreio e o aluno EA estava
encostado em um canto de parede, embaixo do telefone público, chorando e falando em
voz bem baixa que aquilo não ficaria assim... que ia chamar o seu primo e aí ele ia
ver!”. Perguntei o que tinha acontecido, mas não quis me contar. Outro garoto
aproximou-se e disse que “alguns moleques da série bateram nele e que um acertou
um tapa em sua cara”. Envergonhado EA abaixou a cabeça. Perguntei ao menino se
sabia quem eram os garotos e se tinham avisado os inspetores, mas ele respondeu: “Não
adianta falar com os inspetores porque eles não fazem nada!” EA reafirmou, agora em
tom mais alto, que iria falar com seu primo e ele acertaria as contas com aqueles garotos
que o agrediram. (cf. p.57).
Um pouco depois, na sala de aula, o aluno Ld deu falta de seu estojo. EA, Mt,
Fb e alguns outros entraram correndo por atrás e pegaram sua touca. Uma pequena briga
foi iniciada e todos saíram correndo pelo corredor. A professora não os seguiu e
continuou separando as folhas da próxima atividade. Quando voltaram, Mt e EA iam
pegando os materiais de todos os colegas e corriam pela sala, batendo-se e empurrando-
se, o que levou aproximadamente 7 minutos. A professora, bastante irritada, mandou
que devolvessem o que tinham pego e fossem para a direção. Ofereci-me para levá-los,
mas ela disse que o precisava me preocupar. Fechou a porta e, dirigiu-se a mim,
explicando que não adiantaria levá-los para a direção, porque não fariam nada e que,
139
se ficassem no corredor, já não atrapalhariam os demais.
Alguns minutos se passaram até que a inspetora trouxesse um comunicado,
acompanhada dos dois, dizendo que os havia pego brincando no corredor. A professora
agradeceu e mandou que fossem fazer a sua tarefa, mas assim que ela saiu, mandou-os
novamente para fora.
Em outra data (22/04/2008, p.141), uma relação bastante contraditória entre os
alunos do ano do PIC foi constatada. A turma estava sob os cuidados da auxiliar de
período, por não haver substituta disponível para suprir a ausência da professora.
Embora alguns alunos estivessem se comportando mal
87
, a auxiliar de período
não viu, ou preferiu não intervir, que, segundo ela, não tem muito sentido, porque
poucos se intimidam quando são mandados para conversar com a coordenadora ou
mesmo quando têm sua atenção chamada pela professora” (p.141).
De vez em quando, precisava sair da sala para atender aos chamados das
professoras ou da coordenadora. Nesses intervalos, o barulho aumentava devido às
conversas e brincadeiras, que se tornavam mais intensas, a ponto dos próprios alunos
pedirem aos colegas que falassem mais baixo. Quando essa solicitação não surtia mais
efeito, outro ia à porta, observava o corredor e então gritava: “A Dona E está voltando!”
Todos se sentavam e passavam a realizar a tarefa, mas assim que percebiam que o aviso
era “falso” voltavam à bagunça. Esse comportamento era contraditório, na medida em
que a presença da auxiliar de período não os intimidava, tampouco fazia com que
mudassem o comportamento.
Após passar pela experiência de ser enviado à coordenação pedagógica, ou de ter
seus responsáveis chamados, sem que nenhuma punição efetivamente ocorra, é possível
compreender porque as “ameaças” não sejam mais eficazes. Pouco a pouco torna-se
mais produtivo resolver as desavenças fora da escola e, por vezes, com o auxílio de
parentes mais velhos ou mais fortes.
A afirmação de que as brigas e desavenças seriam resolvidas “fora da escola”
não eram apenas promessas. Durante a entrevista realizada com os alunos do ano do
PIC (2008), As contou que, em 2007, seus responsáveis foram convocados pela
coordenadora pedagógica porque ele agrediu um garoto. Segundo As esse menino lhe
bateu e ele revidou. Ao saber do ocorrido, a mãe do menino foi à escola e bateu no As.
Ao se encontrarem, no dia seguinte, foi a vez de As descontar novamente no menino. Só
87
Conforme relatado anteriormente dois alunos jogavam bolinhas de papel no cabelo das meninas.
140
então, diante dessa troca de agressões, a mãe do garoto resolveu procurar a
coordenadora para queixar-se que seu filho estava com o olho roxo, porque apanhara do
As na escola. Sua mãe foi chamada e, após conversar com a coordenadora, deu-lhe uma
surra e não comprou o “videogame” prometido. (cf. anexo V, p.226)
O discurso de que é necessário conversar e “não fazer aos outros o que não quer
que façam consigo” não é consistente e o encontra eco no ambiente escolar, pois, o
próprio aluno, que é vítima de agressão, pode ficar com o ônus da culpa.
Uma vez estigmatizados, é difícil que os professores arrisquem sua reputação
na medida em que ocorrências como brigas, gritaria em sala de aula, sujeira, etc. o
indícios de um profissional inoperante, incapaz de controlar a própria turma – para
possibilitar espaços de maior liberdade e menor controle.
Possivelmente, a própria experiência de vivenciar momentos nos quais a
confiança depositada em si está em jogo seja a responsável pela mudança no
comportamento dos alunos que agiram de modo positivamente inesperado: a festa, que
deveria ser o completo caos, é um exemplo de civilidade; sair da escola para apresentar-
se em outro espaço, que poderia ser uma catástrofe, demonstrando para pessoas externas
ao universo escolar a inadequação dos alunos, passa a ser um exemplo de maturidade e
de autonomia.
Outra hipótese é a de que, na medida em que as marcas são mais visíveis do que
eles próprios, assumam esse papel de indisciplina e de violência, como forma de
protestar e de retribuir as agressões sofridas. Neste caso estaríamos diante daquilo que
Velho (2003) chama de “caso limite”.
Entre descrenças, punições e desconfianças, professores e alunos têm a
perder, na medida em que paulatinamente as relações o se tornando mais tensas e o
que poderia ser prazeroso torna-se objeto de conflito e rivalidade.
Sejam amparadas pelos conflitos ou pela harmonia escolar, as imagens do que é
ser um “bom” ou um “mau aluno” constroem-se ao mesmo tempo em que as atitudes
dos professores também são avaliadas e classificadas como “boas” ou “más”, sob a
perspectiva dos alunos.
141
d) Alunos e professores: o que diferencia os bons dos maus
As entrevistas realizadas com os alunos do 3º e 4º anos do PIC, em 2008, tinham
como objetivo principal compreender quais critérios eram considerados para determinar
o que era ser um bom ou um mau aluno. No decorrer das entrevistas, percebeu-se que
seria de grande valia indagar quais atividades escolares lhes eram mais agradáveis e que
fatores influíam na avaliação que faziam dos professores.
O interesse surgiu, após perceber que, embora saibam o que a escola espera de
cada um, suas condutas não são necessariamente influenciadas pela disciplina ou pelo
esforço em aprender. Todavia, os professores demonstram ter pouco conhecimento
sobre os gostos e anseios dos alunos e, principalmente, sobre o que valorizam em
relação às atitudes e posturas docentes.
Conforme ressalta Giovanni (2006, p.322), “causa impacto o desequilíbrio nas
opiniões que alunos e professores(as) expressam e nas imagens que constroem a
respeito um do outro”:
Como podem dois atores conviverem 200 dias letivos, 4 a 8 horas por dia, com
imagens tão pouco precisas um do outro? Causa estranheza principalmente o
fato de que são os alunos que conseguem realizar, com maior clareza, o esforço
de compreender e justificar as atitudes e práticas das professoras e não o
contrário! As professoras expressam, quase sempre, certezas pré-concebidas a
respeito dos (as) alunos (as) e sua família. Nenhuma delas questiona suas
próprias “impressões” sobre o universo desses (as) alunos (as). (Daher, 2004, p.
174)
De modo geral, os professores consideram que os alunos gostam apenas das
aulas de Informática e Educação Física, que no ano não se interessam mais pelo
parquinho e que seus professores “preferidos” são os que dão menos atividades e os
deixam mais “livres”.
Pelas entrevistas, podemos concluir que esse “perfil” não é assim tão linear.
diferenças notáveis entre as respostas dos alunos do ano (em média com 08 ou 09
anos) e do ano (com 11 anos), cujas repetências marcaram definitivamente suas
vidas, possibilitando-lhes compreender o significado do processo de escolarização,
evidenciando, ainda que microscopicamente, o que os alunos do ciclo I do Ensino
Fundamental valorizam na escola e o que dela esperam.
Para caracterizar um bom ou mau aluno, bem como um bom ou mau professor,
verificou-se a incidência com que determinadas expressões foram utilizadas,
142
agrupando-se, posteriormente, os aspectos relacionados à aprendizagem à parte dos que
correspondem aos comportamentos
88
.
Os dois quadros abaixo permitem examinar as condutas julgadas relevantes nos
dois grupos, bem como analisar a proporcionalidade - ou desproporcionalidade em
relação à importância da aprendizagem e do comportamento na constituição do bom
aluno.
88
Para uma descrição e análise detalhada sobre o “aluno ideal” tanto no que diz respeito às qualidades
morais quanto intelectuais – na perspectiva dos professores, cf. Lahire, 2004, pp.54-8
143
Tabela 10
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom aluno Incidência
Aspectos relacionados à
aprendizagem
Faz lição 7
Sabe ler, escrever 7
Gosta de estudar 3
Acerta tudo 1
Sabe entrar na internet 1
Presta atenção 1
Ajuda os colegas 1
É inteligente 1
Passa lição para os colegas 1
Sabe os numerais até 500 1
Total 24
Aspectos relacionados ao
comportamento
Fica quieto 10
Obedece 7
Não xinga 5
Respeita (os colegas e a
professora)
4
Não bagunça 3
Não briga 3
Não reclama 2
Não fala palavrão 2
Não bate (nos colegas) 2
Não mexe (no sentido de
incomodar os outros)
1
Empresta as coisas 1
Brinca com os colegas 1
É educado 1
Não puxa o cabelo (dos colegas) 1
É um bom menino (bom filho) 1
Não chuta (os colegas) 1
Não recebe bilhete no caderno 1
Ajuda as pessoas 1
Dá doces para os amigos 1
Total 48
Outros aspectos
A professora abraça e a mãe dá
presente
1
Irá trabalhar quando crescer 1
Total 2
Tabela 11
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom aluno Incidê
ncia
Aspectos relacionados à
aprendizagem
Faz lição 13
Estuda 8
Aprende a ler, escrever 6
Presta atenção 5
Não falta 2
É inteligente 2
Faz certo as lições 2
Se esforça 1
Faz tudo direitinho 1
Ajuda os colegas 1
Bom estudante 1
Passa de ano 1
É exemplar 1
É interessado 1
Não perde a lão (explicação da
professora)
1
É esperto 1
Pergunta dúvidas para a professora 1
Está sempre com as lições em dia 1
Treina as lições em casa 1
Sabe as coisas que a professora
pergunta
1
Total 51
Aspectos relacionados ao
comportamento
Respeita 9
Não bagunça 8
É obediente 6
Não briga 5
É educado e gentil 4
Não conversa 3
Não xinga a professora e os colegas 3
Não joga lixo 3
Brinca com os colegas 2
Não discute 2
É quieto 2
Não responde 2
Empresta as coisas para os colegas 1
Não joga as coisas 1
É calmo 1
Cuida da escola 1
Não se estressa 1
Não arruma encrenca 1
Não joga coisas no ventilador 1
Não levanta na hora da tarefa 1
Não bate nos alunos deficientes 1
Não provoca 1
Total 59
Outros aspectos
Boa pessoa 1
Mãe dá educação 1
Faz as coisas certas 1
É uma pessoa do bem 1
Bom amigo (carinhoso e “legal”) 1
Total 5
144
No ano, temos 48 respostas que indicam comportamentos adequados, 24 que
correspondem a atitudes necessárias para uma boa aprendizagem, além de aspectos
ligados à afetividade (“professora abraça, mãe presente). no ano, uma turma
marcada pela reprovação, a diferença entre o que se espera de bons alunos em termos de
aprendizagem e de comportamento é muito pequena (51 e 59 respectivamente). O tipo
de detalhamento que cada uma das turmas atribui especialmente à aprendizagem reflete
marcas das vivências durante o processo de escolarização:
Alguns alunos do ano valorizam os que conhecem os numerais até 500, os
que conseguem entrar na Internet, os que passam lição para os colegas, os que acertam
tudo e prestam atenção às aulas. Na opinião dos alunos do ano, as atitudes
necessárias para ser considerado um bom aluno são: não faltar, esforçar-se, fazer “tudo
direitinho”, ser um bom estudante, esperto, exemplar e interessado, não perder as
explicações da professora, saber o que a professora pergunta, tirar dúvidas, estar com as
lições em dia, treinar em casa e passar de ano.
As respostas em relação ao bom aluno remetem-nos à pesquisa realizada por
Charlot (2002, p.29):
Perguntamos para eles: o que é um bom aluno? Responderam: o aluno que
chega na hora certa na escola e que levanta a mão antes de falar na sala de
aula. Não disseram que era o que aprendeu muitas coisas. Ou seja, podem
definir um bom aluno sem falar do saber. A família é a causa disso? Não! A
causa é a escola. O que a escola francesa ensinou para o aluno? Ensinou que o
mais importante é respeitar as regras: chegar na hora certa e levantar a mão.
Não ensinou que o mais importante é aprender coisas na escola. Assim, o aluno
deve chegar na hora certa, ficar quietinho, não fazer muito barulho, escutar o
professor.
Diferentemente do que o autor indica, os alunos do PIC, que passaram pelo
processo de reprovação, parecem ter “entendido” ou pelo menos começaram a
perceber a importância de aprender, mas isso pode ser uma característica específica
daquela turma de 2008.
Conforme foi apresentado anteriormente, a cada ano, as turmas de PIC foram
organizadas de maneiras diferentes. Os alunos do 4º ano que participaram das
entrevistas foram os únicos a freqüentar uma sala em que todos, sem exceção, eram
retidos, de modo que a soma dessa “marca homogênea” ao desejo de serem aprovados
ao final daquele ano e à atuação da professora podem ser as causas dessa percepção de
que, na escola devem aprender pois isso é fundamental para acompanharem o ritmo da
145
série seguinte.
As características atribuídas ao mau aluno foram equivalentes nas duas séries,
todavia estavam fortemente marcadas pelo comportamento.
Tabela 12
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau aluno Incidência
Aspectos relacionados à
aprendizagem
Não faz lição 6
Brinca (durante a aula/
explicações)
2
Não quer aprender 2
Não sabe ler e escrever (ou não
aprende)
2
Não é inteligente 1
Não sabe passar lição para os
colegas
1
Dentro da sala é uma coisa e fora
é outra
1
Não sabe mexer no computador 1
Não gosta de estudar 1
Total 17
Aspectos relacionados ao
comportamento
Bate, dá soco, chuta 11
Xinga os colegas e a professora 10
Faz bagunça 6
Não respeita a professora 5
Briga 4
Não obedece 4
Fala palavrão 4
Responde para a professora 4
Pega as coisas dos outros sem
pedir
2
Sai da sala sem autorização 2
Fica irritando 2
Não é educado 1
Não faz o que a professora pede 1
Tira a cueca e mostra o negócio
para as meninas
1
Rouba 1
Grita 1
Passa a mão nas meninas 1
Conversa durante a aula 1
Se esconde 1
Coloca a culpa nos outros 1
Joga aviãozinho 1
Risca a parede 1
Não sentam 1
Dizem que não se importam 1
Tampam os ouvidos 1
Joga papel no chão 1
Cospe nos colegas 1
Joga água nos outros 1
Total 70
Outros aspectos
Vai trabalhar para os velhinhos,
trocando fraldas
1
Tabela 13
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau aluno Incidência
Aspectos relacionados à aprendizagem
Não faz a lição 9
Não presta atenção (não fica atento) 3
Conversa durante a aula/explicações 3
Não sabe das coisas (ou não sabe de nada) 2
Não quer aprender 2
Não deixa os outros fazerem a lição 2
Brinca na sala de aula durante as explicações 2
Repete de ano 1
Não estuda 1
Não pergunta as dúvidas para a professora 1
Não mostra a lição para a professora 1
Total 27
Aspectos relacionados ao comportamento
Xinga 10
Bate 10
Desrespeita 7
É bagunceiro 7
Responde para a professora 5
É desobediente (não obedece) 5
Briga 4
Grita 3
Joga lixo no chão 2
Não faz nada 2
Mexe com as meninas 2
É ruim 1
Leva suspensão 1
É preguiçoso 1
Finge que não escuta quando a professora briga 1
Fala palavrão 1
Só respeita os outros na frente da professora 1
Joga as coisas 1
Tira foto dos outros 1
Estraga as coisas da escola 1
Provoca os colegas 1
Bate na professora 1
Faz coisas de “mau caráter” 1
Dentro da sala é uma coisa e fora é outra 1
Poe papel na caneta quebrada para jogar nos
outros
1
Total 71
Outros aspectos
Acha que é rei 1
Fica na rua 1
Total 2
146
Bater, brigar, chutar, xingar, dar socos, desrespeitar, responder para a professora,
fazer bagunça, gritar e desobedecer são as principais atitudes elencadas. A associação da
marca de maus alunos” àqueles que são violentos e sem educação em muito se
aproxima da imagem construída pela escola sobre o indisciplinado, ou seja, aquele que
não aprendeu a agir como aluno. Trata-se de uma descrição que tanto pode estar ligada
ao fato de alguns alunos sentirem-se incomodados com o mau comportamento dos
colegas, como também pode configurar a própria reafirmação daquilo que a escola
convencionou como comportamentos adequados ou não.
Conforme Lahire (2004, p.55),
Os professores evocam tanto senão mais o comportamento dos alunos, suas
qualidades morais, quanto seus desempenhos ou suas qualidades intelectuais.
[...] Certas crianças são concretamente descritas como não estando escolarmente
em conformidade, tanto e até mais no plano comportamental quanto no
plano cognitivo.
O comportamento, portanto, é um aspecto relevante o apenas para a equipe
escolar, como também entre pares, quando o assunto se refere à indicação de quem são
os maus alunos.
Em termos de aprendizagem, em ambas as séries, fatores como: não fazer lição,
não querer aprender, conversar e brincar durante as explicações e o estudar são
aspectos relevantes na definição do “mau aluno”. Para a 3ª série, não saber ler e
escrever, não ser inteligente, não saber manusear o computador ou passar lições para os
colegas são indicativos de um “mau aluno”. Todavia, a turma da série revela alguns
comportamentos mais específicos que podem prejudicar a aprendizagem, tais como não
prestar atenção, o ficar atento, não esclarecer as dúvidas, não mostrar a lição para a
professora e repetir de ano.
Examinando-se os quadros, percebe-se que o processo de reprovação suscitou
uma relação diferente entre os alunos e o processo de aprendizagem, mas ela não foi
compreendida pela professora da 4ª série que, na reunião pedagógica de 03/06/2008
(pp.154-9), aconselhou sua colega da a “ensinar postura para seus alunos”. Para esta
série os significados de “escola” e “aprendizagem” são distintos, pois, segundo Charlot
(2002, p.29) a escola os ensinou ou ao menos tenta que é preciso se comportar.
Aquela turma “bagunceira” ainda não aprendeu efetivamente o significado de “fracasso
escolar”.
Do mesmo modo, as duas marcas atribuídas às turmas do PIC de 2008 podem
ser claramente explicadas pelas diferentes descrições que os alunos construíram sobre o
147
que é necessário para ser “bom” ou “mau”.
O ano, considerado pela equipe escolar como uma turma “difícil”, ainda não
apresenta um comportamento compatível com a aspiração da escola e a própria
professora faz a ressalva de que seus alunos são crianças indisciplinadas, mas que,
como quaisquer outras da escola, precisam de orientação” (anexo I, p.158)
A “orientação” a que se refere nada mais é do que ensinar-lhes as regras de
comportamento valorizadas pela escola, mostrando que a principal ferramenta usada
para marcar, definitivamente, aqueles que não se adaptaram ao sistema – seja em termos
de aprendizagem ou de comportamento – é a reprovação.
Quando perguntados sobre o que é necessário para que uma professora seja
considera boa ou má as respostas também variaram.
Tabela
14
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom professor Incidência
Passa lição 3
Leva ao parque 3
Ensina desenho 2
Estuda e faz as coisas direitinho 2
É boazinha 2
Deixa brincar 2
Dá pirulito 2
Ensina dobradura 2
Passa lição rápida/ fácil 2
Não grita 1
Não põe de castigo 1
Conversa com os alunos 1
É quietinha 1
Sabe quem não faz bagunça 1
Faz a brincadeira do silêncio 1
Brinca com os alunos 1
Leva para passear 1
Leva para brincar 1
Faz os alunos ficarem quietos 1
Trabalha 1
Deixa ficar (sentar) perto da sua
mesa
1
Dá presentes 1
Espera para apagar a lousa 1
Conta histórias 1
Consegue tornar a turma em “bons
alunos”
1
Deixa sentar em duplas 1
Faz faculdade 1
Arruma um emprego 1
Tabela
15
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom professor Incidência
Dá lição 8
Não grita 6
Ajuda os alunos 4
Usa material dourado 3
Estuda muito 2
Não xinga 2
Não briga 2
Passa muita lição 2
Pede para fazer o desenho da história que
conta
1
Faz brincadeiras 1
Briga para o aluno melhorar 1
Brinca com os alunos 1
Ensina as crianças que têm dificuldade 1
Ensina as crianças até aprenderem 1
Vai dificultando as atividades 1
Tem paciência 1
Passa lição difícil 1
Explica direitinho 1
Lê história de terror 1
Não sai para bater papo no corredor 1
Leva ao parque 1
Não bate nos alunos 1
Gosta dos alunos 1
É carinhosa 1
Dá atenção 1
Leva para a aula de informática 1
Canta 1
Não falta 1
Espera os alunos fazem a lição (para apagar a
lousa ou corrigir a atividade)
1
Pede para escrever historinhas e ilustrar 1
“Pega no pé” 1
Paga a faculdade 1
Incentiva os alunos 1
Ensina a todos a sala 1
Traz coisas para os alunos brincarem 1
Deixa sentar em duplas 1
Ensina a fazer continhas 1
Depende do comportamento dos alunos para
um professor ser bom ou ruim
1
148
Para os alunos da série, as questões relacionadas à prática pedagógica
restringem-se a “passar lição”, de preferência rápida e fácil e a esperar que acabem de
copiar o que está na lousa para apagá-la. No mais, a principal característica de uma “boa
professora” relaciona-se ao lúdico levar ao parque e a passeios, deixá-los brincar,
brincar junto com eles e fazer a brincadeira do silêncio, contar histórias e ensinar a
desenhar e a fazer dobraduras.
A afetividade também é valorizada para definir uma “boa professora”, sendo
expressa na forma de dar-lhes pirulitos ou presentes, conversar com eles e deixá-los
sentar próximos a sua mesa. Quanto ao relacionamento professor-aluno, consideram
primordiais atitudes como ser boazinha e quietinha, saber quem são os bagunceiros e
conseguir mantê-los quietos, além de deixar que se sentem em duplas, que não grite e
não os ponha de castigo.
no ano, a prática pedagógica está presente de modo mais determinante:
uma boa professora deve passar lição (muita e de preferência difícil), ajudá-los, usar
material dourado
89
, ensinar a todos os alunos e especialmente àqueles com dificuldades
até conseguirem aprender, ir gradualmente dificultando as atividades, “explicar
direitinho”, esperar que acabem para apagar a lousa ou corrigir as atividades e ensinar a
fazer continhas.
Os alunos demonstram gostar mais das professoras que o gritam, o xingam,
não batem ou não brigam, das que cantam, fazem brincadeiras e trazem jogos para que
todos possam brincar, que lêem historinhas de terror e pedem para ilustrar suas próprias
produções escritas, que não saem para “bater papo” no corredor, que os levam ao
parque e que os deixem sentarem-se em duplas .
Para o 4º ano, uma professora é boa quando “pega no pé” (ou briga) para o aluno
melhorar, incentiva-os, não falta, tem paciência, dá-lhes atenção, é carinhosa e
demonstra gostar deles.
Quando questionados sobre as atitudes que caracterizam um mau professor, a
série considera que gritar, xingar, colocar de castigo, brigar com todos quando só alguns
é que deveriam ter a atenção chamada, ou brigar sem saber o que aconteceu, bater com
89
O Material Dourado, idealizado pela médica e educadora italiana Maria Montessori, destina-se a
atividades que auxiliam o ensino e a aprendizagem do sistema de numeração decimal-posicional e dos
métodos para efetuar as operações fundamentais (ou seja, os algoritmos). Com o Material Dourado as
relações numéricas abstratas passam a ter uma imagem concreta, facilitando a compreensão. Obtém-se,
então, além da compreensão dos algoritmos, um notável desenvolvimento do raciocínio e um aprendizado
bem mais agradável. (explicação disponível em http://educar.sc.usp.br/matematica/m2l2.htm
, acessado
em 01/08/2009)
149
o apagador na cabeça ou com a régua na mesa, puxar a orelha ou o cabelo, além de não
deixar ir ao banheiro são atitudes inaceitáveis. Do mesmo modo, não gostam de
professores que passam muita lição, dos que não os deixam ir ao parque, não dão
desenho ou entregam folhas com atividades mal feitas (como, por exemplo, cachorro
zarolho”), não sabem explicar as lições, passam besteira” na lousa ou ensinam coisas
erradas.
Tabela 16
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau professor Incidência
Briga com os alunos (quando deveria
brigar só com alguns)
4
Grita 3
Xinga 2
Põe de castigo 2
Briga com a mãe por causa do leite 1
Não dá desenho 1
Passa muita lição 1
É chata 1
Bate com o apagador na cabeça 1
Bate com a régua na mesa 1
Briga sem saber o que aconteceu 1
Puxa a orelha 1
Puxa o cabelo 1
Passa “besteiras” na lousa 1
Ensina coisa errada 1
Dá desenho mal feito (cachorro
zarolho)
1
Não estuda 1
Não sabe explicar as coisas 1
Não deixa ir ao banheiro 1
Chama a atenção dos alunos que
estão ajudando os colegas, como se
estivessem bagunçando
1
Viu na TV que não se pode brigar
com as crianças
1
Não deixa brincar no parque 1
Tabela 17
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau professor Incidência
Grita 7
Briga 6
Xinga 5
Passa lição fácil ou não passa lição 4
Discute e responde para os alunos 2
Manda bilhete para os pais 2
Só passa lição 2
Fala palavrão 2
Briga quando faz a lição devagar 1
Só ensina quem já sabe 1
Não tem paciência 1
Não tem educação 1
Não estuda 1
Coloca filmes ao invés de passar
lição
1
Não gosta de brincadeiras 1
Não explica 1
Manda para a direção se a lição está
errada
1
Quase rasga o caderno dos alunos
(quando vai dar visto)
1
Bate papo no corredor 1
Não gosta dos alunos 1
É nervosa 1
É chata 1
Não passa lição para casa 1
Não olha o caderno 1
Não faz nada 1
Não sabe se os alunos aprenderam 1
Age com estupidez 1
Trata mal os alunos 1
Não deixa ir ao banheiro 1
Falta 1
Bate com a régua na orelha 1
Não ensina 1
Deixa os alunos fazerem o que
quiserem
1
Puxa a orelha 1
Faz os alunos errarem de propósito 1
Acha que é a melhor professora 1
Bate nos alunos 1
Chama a mãe na escola para falar
sobre o filho (brigas)
1
Não ajuda 1
Briga quando o aluno não sabe usar
o caderno (2ª série)
1
Não liga para os alunos 1
150
Os alunos do ano, do mesmo modo, não gostam quando seus professores
brigam, gritam, xingam, batem, falam palavrões, puxam a orelha ou batem nela com a
régua e não os deixam ir ao banheiro.
Outras posturas que desagradam àquela turma de alunos retidos são: as faltas da
professora, o ajudá-los, fazer com que errem propositalmente, deixá-los livres para
fazerem o que quiserem, não ensiná-los, tratá-los mal, agir com estupidez, não olhar o
caderno e não saber o quanto cada um já aprendeu, não passar lição de casa, ensinar só a
quem sabe, dar lições fáceis, não ter paciência e educação, não explicar, ficar no
corredor “batendo papo” ou colocar filmes ao invés de dar aula.
Os alunos do ano apresentam questões de ordem pedagógica mais diretas e
precisas que os da série, demonstrando que, se foram reprovados sob a justificativa
de que precisavam “aprender mais”, devem encontrar no professor um profissional
disposto e capacitado para ensinar-lhes o que é necessário para estarem “prontos” para a
5ª série.
Essas respostas em muito se aproximam daquelas que Giovanni (2006, p.319)
sintetizou de diversas pesquisas realizadas “individualmente ou em parceria com outras
docentes-pesquisadoras e com orientandas”, entre os anos 1990 e 2000. Os sujeitos, um
total de 142 alunos do Ensino Fundamental de escolas públicas localizadas em bairros
pobres, tinham idades que variavam entre 7 e 16 anos:
Em seus depoimentos esses alunos e alunas [...] revelaram saber o que
esperar da escola e, especialmente, de seus professores. No “retrato de sala de
aula” [...] reafirmam, com muita clareza, duas características básicas:
a) que “saber ensinar”, “ter controle da classe”, “corrigir trabalhos e cadernos”
(ou seja, avaliar desempenho escolar dos alunos) e, sobretudo, saber
explicar” constituem os elementos mais valorizados pelos alunos, mas
também a ausência mais marcante de que se ressentem no trabalho de seus
professores e professoras; e
b) que “fazer sempre as mesmas coisas”, gritos e broncas dos professores”,
“não poder fazer nada, ficar quieto” sinalizam a “homogeneidade na
forma e no conteúdo” das aulas e a “ausência de buscas, descobertas,
alegrias e satisfação atual” nas vidas escolares dos alunos, tornando a
experiência escolar, não importa o ou os grupos aos quais pertençam, um
“medicamento amargo” a ser tomado agora para lhes garantir um “depois”.
(do que nos fala Snyders, 1988 e 1993)
90
Em ambos os casos, fica evidente que não basta apenas deixá-los livres ou dar
pouca atividade para que um professor seja bem avaliado por seus alunos.
90
As obras citadas o: SNYDERS, G. 1988. A alegria na escola. o Paulo: Manole; e SNYDERS, G.
1993. Alunos felizes: reflexões sobre a alegria na escola a partir de textos literários. Rio de Janeiro/São
Paulo: Paz e Terra.
151
A afetividade e a oportunidade de expressarem sua criatividade são tão
importantes quanto o respeito e a garantia de um ambiente tranqüilo, sem agressões de
qualquer tipo, pois alguns já as vivenciam em suas próprias famílias.
Estabelecer laços afetivos demonstra-se fundamental, mas de modos diferentes
em cada uma das ries: enquanto para um aluno de ano um abraço da professora,
receber um pirulito, ou simplesmente poder sentar-se próximo a sua mesa pode garantir
uma relação de proximidade e respeito; para os alunos do ano, que foram retidos,
um incentivo, um pequeno gesto de atenção, ensinar a todos sem fazer distinção, não
segregando e ignorando aqueles que têm dificuldades, são fundamentais.
Ainda sobre a importância da afetividade, em 2007, a professora de uma série
regular contou-me sobre o “caso” de Vc, conhecido praticamente por todas as
professoras como um aluno indisciplinado, que freqüentemente criava confusões na sala
de aula e no recreio.
Quando cursou pela primeira vez a série (em 2006), negava-se a realizar as
atividades, não fazia nem mesmo as avaliações e seu comportamento piorava. Ao
assumir aquela turma, no ano seguinte, a professora E sofreu muito, pois ele a
enfrentava e testava os seus limites a todo instante. Passados pouco mais de três meses,
ele aproximou-se e disse que, por gostar dela, passaria a fazer as atividades. A partir de
então, revelou-se um aluno com poucas dificuldades em Português e com muita
facilidade em Matemática. Satisfeita com a “descoberta”, resolveu mostrar seus
cadernos aos seus ex-professores que afirmavam e de certo modo a alertavam que
ele deveria estar obrigando algum colega a fazer suas lições, ainda que ela garantisse
que os trabalhos eram de Vc.
Em termos de comportamento, Vc continuava muito violento, especialmente nos
espaços externos, onde suas marcas de indisciplina vinham sendo construídas ao longo
de quase 5 anos. Havia dias em que chegava extremamente irritado e era preciso muito
pouco para arrumar confusões, mas na sala de aula procurava controlar-se. Diante de
sua história, a professora optou por conversar, às vezes, deixava-o um tempo fora da
sala para se acalmar e não mais o mandava para a coordenação ou para a direção.
Admitia que, depois dessa aproximação, o comportamento geral da sala
melhorou, pois era ele o pide muitas brigas, por promover, direta ou indiretamente,
intrigas entre os colegas. (anexo I, p100)
Este é apenas um exemplo, mas durante a coleta de dados desta e de outras
152
pesquisas
91
, foi possível constatar o papel fundamental da afetividade na relação com
os alunos considerados agressivos ou indisciplinados.
Por vezes, registrou-se que tanto professores quanto alunos sentem-se
descontentes com a dinâmica escolar, mas nenhum dos “lados” parece disposto a
“ceder”, ou seja, a tentar tornar o espaço da sala de aula menos conflituoso e mais
agradável.
Os alunos anseiam por professores mais atenciosos, menos nervosos, cujas aulas
e atividades sejam mais dinâmicas e agradáveis, em contrapartida, os professores
gostariam que os alunos fossem mais interessados, aplicados e que não os irritassem
tanto. No contraposto do ideal está a turma que conversa o tempo todo, não ouve a
explicação, não faz as lições corretamente, não cuida do material e ainda se agride
mutuamente e a professora que grita insistentemente acreditando que é imprescindível
para ser ouvida, que explica apenas aos que “estão interessados” e que
coincidentemente são os que ela considera que “já sabem” –, que manda bilhetes,
ofende e os encaminha para a coordenação, desgastando-se muito sem ter cumprido
efetivamente sua tarefa.
Embora afirmem não gostar desse “tipo” de professor, parte dos alunos
reconhece que o se comportam do modo desejado pela equipe escolar como por
exemplo, se esconder da professora, ficar em conversando com os colegas, jogar
aviõezinhos e que é por isso que os professores brigam e fazem o que os eles próprios
não gostam.
Para os alunos, fazer bagunça não significa necessariamente que não gostem do
professor. Em 2007, ao iniciar o acompanhamento de uma turma regular de 4º ano, uma
aluna declarou que gostaria de ser professora, mas o desejava ter uma sala como
aquela. Ao perguntar para seu grupo de amigas por que se comportavam mal, afirmaram
gostar da professora e, simultaneamente, responderam que é “legal” fazer bagunça pois,
como todos fazem, não haveria razão para ficarem quietas. (anexo I, p.85)
Neste círculo vicioso de gritos, brigas e descontentamentos, os dias e os anos
vão passando e deixando tristes marcas tanto nos professores que pouco a pouco
desacreditam seu próprio trabalho quanto nos alunos que guardam lembranças e
91
A afetividade também foi determinante para que As (4º ano PIC – 2008) passasse a realizar as
atividades, diminuindo assim os problemas disciplinares causados na sala de aula. No artigo de Silva
(2008) é apresentado o caso de André que, desacreditado pela escola e por sua família, encontrou apoio
em sua professora, com quem pôde conversar sobre seus problemas e demonstrar que, embora
acumulasse várias retenções, tinha as competências necessárias para seguir seus estudos.
153
experiências de castigos e punição.
mais dois aspectos que dizem respeito à lacuna existente entre as
expectativas dos alunos e a idéia que fazem os professores e a equipe pedagógica dos
seus interesses.
Na reunião pedagógica realizada em 29/09/2006, quando da construção do
parquinho, ficou acordado implicitamente de modo unânime que os alunos dos s
anos não teriam acesso a ele, pois além de serem “grandes demais para brincar lá”,
não teriam mais interesse por esse tipo de atividade (cf. anexo I, p.23).
Nos relatos dos alunos, porém, essa suposição não se confirmou:
Em 06/10/2006 (anexo I, pp.27-8), ao informar que o parquinho não estava mais
disponível na hora do recreio, a auxiliar de período afirmou que “a 4ª série não tem mais
tamanho para brincar de parquinho”. Inconformados, os alunos diziam-se “injustiçados”
porque, quando cursaram a série não tiveram esse lazer e que ainda o consideravam
um importante espaço para brincar e ficar mais tempo com os amigos.
Dias depois (20/10/2006), alguns alunos observavam pela janela, as crianças da
rie brincando no parquinho. Logo surgiram perguntas sobre os motivos pelos quais
não poderiam freqüentar aquele espaço e demonstraram indignação por serem obrigados
a ficar trancados no pátio interno, que é pequeno, até que fosse colocado um portão que
separaria o parquinho da área externa.
Sem dar muitas explicações, a professora apenas ratificou que eram muito
grandes para usarem aqueles brinquedos e que o espaço foi destinado aos alunos que
ingressariam no ano em 2007, porque teriam apenas 6 anos. Lembrou-lhes que, se
soubessem se comportar e não o invadissem na hora do recreio, apoderiam ir para as
quadras, mas, como não sabem, têm que ficar trancados para não quebrarem os
equipamentos da escola.
Em 2008, o aluno Gb retomou essa questão durante a entrevista. Para ele, a
direção agiu de modo arbitrário, pois em 2006 – quando estava na 3ª série – o diretor foi
a todas as salas pedir uma contribuição para a construção do parquinho que, depois de
pronto, tornou-se um espaço pouco usado. (cf. anexo V, p.239)
Os quadros abaixo demonstram que o desejo de freqüentá-lo diminuiu à medida
que os alunos foram se aproximando do período da adolescência, mas ainda há interesse
neste tipo de atividade. Alguns alunos do ano, inclusive, afirmavam freqüentar um
parquinho que havia no caminho entre suas casas e a escola, expressando que eles não
eram “tão grandes assim” para utilizar esses brinquedos.
154
Tabela 18
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Do que gostam na escola Incidência
Informática 10
Parquinho 9
Educação Física 5
Levar brinquedos ou brincar 5
Aula de Artes 5
Sala de Leitura 4
Fazer lição 4
De “lição de ler” 1
Aula de Matemática 1
Escrever historinhas 1
Escrever 1
Tabela 19
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Do que gostam na escola Incidência
Informática 6
Educação Física 6
Fazer lição 6
Aula de Matemática (sendo
que dois citaram gostar do
material dourado)
6
Aula de Artes 5
Sala de Leitura 4
Parquinho 2
Língua Portuguesa 2
Brincar 1
Escrever historinhas 1
Fazer cruzadinha 1
Atividade para consultar
jornais
1
Atividade com recorte e
colagem
1
Assim como o parquinho foi lembrado quando o que está em questão são as
preferências dos alunos, a idéia de que apenas as aulas de Educação Física e de
Informática são as mais desejadas também se fragiliza.
O uso dos computadores é muito bem aceito, especialmente porque esse espaço
permite que acessem sites de jogos ou de relacionamentos como o Orkut. De modo
geral, as atividades pedagógicas dirigidas nas aulas de Informática restringem-se às
primeiras séries, cuja autonomia dos alunos para o manuseio do equipamento é restrita.
Dois alunos (AS e Ra, ambos do 4º ano) relataram usar os serviços de lan houses
e, portanto, tinham um domínio maior do equipamento e das ferramentas de busca e
navegação na rede mundial de computadores.
Para além da noção de que a aula de Informática agradaria porque os alunos não
teriam acesso fora da escola, está a hipótese de que, durante as aulas, teriam liberdade
para escolherem os sites em que desejassem navegar, ou poderiam jogar, inclusive
competindo entre si. Na verdade, é a garantia de um tempo de diversão e lazer, sem
cobranças dos professores e exposição de suas dificuldades escolares, principalmente
porque, nos sites de jogos, mesmo os alunos com inúmeras dificuldades em leitura e
escrita demonstram grandes habilidades e chegam a ser “campeões” em suas
competições entre pares.
Entre o grupo da série novamente a aula dirigida perde para o espaço de
liberdade: a Educação Física o é o desejada quanto o parquinho. Segundo Nery
155
(2001, p.113) isso pode ser explicado porque
O ato de brincar e o “ficar alegre” que parecem condições simples e próprias
das crianças em qualquer espaço [...] são considerados impróprios. [...] Como
alunos, as crianças não podem brincar, nem ficar alegres na escola! Eles
aprendem a dizer e se convencer de que devem se comportar direito, ficar
bonzinhos ficar quietos, não falar e daí, sim, se possível..., se sobrar tempo..., se
aprenderem direito..., vão poder brincar e ficar alegres.
Nos momentos em que pude observá-los, ficou claro que o parquinho é um local
onde se formam grupos de afinidade e as brincadeiras são organizadas por eles próprios:
os que preferem ficar nos escorregadores, os que optam por se pendurarem nas
barras, ou divertirem-se no gira-gira, mas a principal escolha é o “balanço grande”.
Trata-se de uma longa tábua suspensa por duas correntes, onde se acomodam cinco e
seis crianças que, com o movimento sincronizado dos pés o impulsionam, fazendo
balançar.
É um trabalho coletivo e tanto, pois basta que um erre o ritmo para que o
brinquedo perca velocidade ou pare. Sempre mais de seis alunos querem brincar ao
mesmo tempo e, portanto, é necessária a presença de um adulto para garantir que todos
participem e que os limites de segurança não sejam excedidos.
Brigas ocorrem a todo instante, pois um não deixa o outro brincar, um não quer
dividir o espaço com o outro, meninas e meninos não se misturam, enfim, são inúmeros
os motivos, mas em geral as questões não chegam ao conhecimento da professora que,
aproveita esse tempo para descansar ou realizar atividades que não consegue quando
esta na sala de aula, como conversar em particular com algum aluno ou com os
funcionários da escola.
Em relação ao ano, tão importante quanto às aulas de Informática são as de
Educação Física e o interesse pelas lições, ressaltando-se o gosto por Matemática.
Considerando-se que se trata de alunos retidos, agrupados em uma turma cuja
proposta pedagógica é diferenciada, pode-se inferir que, assim como valorizam as lições
e as atividades em sala de aula, por reconhecerem sua importância para que tenham
êxito ao final do ano, esperam que as propostas sejam diferentes das vivenciadas nos
anos anteriores de escolarização. Um dos alunos diz gostar das atividades de recortes e
colagem, além de poder consultar jornais; outros indicam gostar de fazer cruzadinhas e
escrever histórias.
Os que elegem as aulas de Matemática escolha ainda mais surpreendente,
que popularmente é uma disciplina que agrada a poucos alunos – ressaltam que a
156
multiplicação, o uso do material dourado e a realização de continhas são as atividades
preferidas.
Analisando conjuntamente, é possível deduzir que o motivo de satisfação está
relacionado às práticas pedagógicas que não prevêem exclusivamente o uso da lousa e
do caderno, de onde se conclui que, tão importante quanto a liberdade, é a chance de
expressarem a criatividade.
A idéia de que “maus alunos” ou “alunos problemas” não gostam da escola,
principalmente porque têm famílias desestruturadas, que não valorizam o ensino e não
os ensinaram a se comportar adequadamente é contradita pelas respostas de alguns
alunos, que indicam que o problema está no modelo de escola que lhes é oferecido.
A primeira punição de que a escola lança mão para tentar conter os “maus
comportamentos” é exatamente retirar-lhes as atividades que acredita serem suas
favoritas: o parquinho, o recreio, a Informática, a Educação Física. Mas a contrapartida
de oferecer-lhes recursos de aprendizagem diferenciados especialmente para aqueles
que fracassaram no sistema convencional fica restrita aos poucos profissionais que
se aventuram nessa tentativa.
Arriscar-se em “novas” práticas requer, em geral, um tempo para que os alunos
percebam que aquele espaço de “liberdade” é também de aprendizagem. Usar o material
dourado, por exemplo, é uma loucura” porque, nos primeiros contatos, as peças são
apenas “brinquedos” nas mãos dos alunos e, até que a professora consiga atribuir a
devida relação entre cada uma delas e a quantidade, e posteriormente sua representação
em números, ocorre muita bagunça e barulho. Uma vez habituados, o resultado é
quase certo, tanto em termos de comportamento quanto do domínio do conteúdo e do
desejo de aprender.
Conforme afirmou Gb, referindo-se às lições, houve mudança nas contas, nos
temas, nas histórias e completou “parece que está na série, porque evoluiu, as coisas
são diferentes. Tem coisas que eu nem imaginava que existia e a professora foi
conversando e a gente descobriu”. (Anexo V, p. 241)
É necessário ressaltar que, se os alunos enunciam, entre as boas práticas
docentes, o uso de materiais diversos, a afetividade e de modo especial a importância
em incentivá-los e ajudá-los a aprender –, o espaço para o lúdico e para a criatividade é
porque, em algum momento de seu percurso escolar, houve profissionais que marcaram
positivamente a experiência escolar, propondo atividades diferenciadas ou
demonstrando tais comportamentos.
157
O trabalho docente é desgastante na medida em que o barulho, as preocupações,
as demandas e necessidades dos alunos o diversas, pressões superiores e/ou
externas, mas as respostas dos alunos indicam que a afetividade e o respeito do
professor o fundamentais, tanto em termos de comportamento, quanto de
aprendizagem.
Isso não significa ser negligente ou deixar que façam o que desejam, mas sim ser
justo, brigando com quem se comporta inadequadamente, respeitando os limites e as
dificuldades, incentivando-os diante dos progressos e, ao mesmo tempo, cobrando-lhes
esforço e o cumprimento de suas obrigações, tais como fazer as lições, escutar as
explicações e procurar sanar as dúvidas com a professora.
Essa postura docente em muito diverge daquela que prioriza apenas o bom
comportamento dos alunos ou a aprendizagem “da maioria”. Conforme Charlot (2002,
p.24) bem nos questiona,
A partir de quantos alunos que não entenderam o conteúdo dado pela professora
deve continuar sua aula? Se tem 30 alunos e 25 não entenderam nada, ela vai
explicar de novo? Se 10 não entenderam nada, vai explicar de novo, ou não? E
se cinco não entenderem, vai explicar de novo, ou o? E ainda, se apenas um
não entendeu nada, vai explicar, ou não? A resposta é pedagógica, é
profissional, mas é também política porque esse aluno que não entendeu vai
mergulhar ainda mais no fracasso escolar.
Seriam esses pequenos fragmentos de confiança, respeito, comprometimento,
credibilidade, responsabilidade, afetividade, que escapam quase despercebidos no
cotidiano escolar, capazes de manter os alunos-problema” dentro do sistema e
confiantes de que a escola é muito importante em suas vidas?
158
Conclusão
A preocupação em entender, sob a perspectiva dos alunos pobres, sua relação
com a atual escola pública brasileira é a base desta pesquisa. Ao concluir a dissertação
de Mestrado, muitas indagações permaneceram, dentre elas, compreender a dialética da
rejeição com acolhimento neste lugar fascinante e contraditório que é a escola, pois, ao
mesmo tempo em que suas práticas pedagógicas e as relações interpessoais parecem
tentar afastar os alunos que não se adaptam, acabam por aproximá-los
92
.
O filho do presidiário ou do traficante, aquele que não conheceu o pai, o “órfão”,
o “aviãozinho”, o infrator, o catador de lixo, aquele cujos irmãos são “bobos” ou não
aprendem, o que a e tentou abortar ou que teve problemas no parto, o que basta
olhar para a família que você vai entender”, são algumas das marcas que facilmente
inviabilizam o mesmo atendimento oferecido aos demais alunos, pois as justificativas
para o seu fracasso foram prognosticadas antes mesmo que as dificuldades escolares
surgissem.
Os estudos de Arthur Ramos (1939, 1934) e de Josildeth Consorte (1959)
registravam que atribuir as causas do insucesso escolar aos próprios alunos não é algo
recente, assim como Anísio Teixeira (1969) questionava a afirmação de que não caberia
ao ensino se adaptar aos alunos, fortalecendo assim a seletividade escolar em detrimento
da democratização
93
.
A proposta desta pesquisa foi aproximar-se desses “alunos problema”, de modo
a identificar algumas minúcias do cotidiano escolar, que determinam aspectos capazes
de diferenciar sujeitos muito semelhantes, oferecendo-lhes atendimentos desiguais. Mas
não isso! Observá-los atentamente e entrevistá-los possibilitou juntar fragmentos que
revelam como entendem e constroem sua relação com os professores e com o processo
de aprendizagem.
A aproximação tornou-se possível a partir de algumas ferramentas etnográficas e
antropológicas. Conforme Martins (2002, p.24) indica,
Ao situar-se no fundo do abismo social que marginaliza e exclui é que o
pesquisador pode ver e interpretar os significados da crise e as irracionalidades
e contradições da sociedade contemporânea. Porque desse lugar ele pode ver na
perspectiva dos que padecem, na dimensão reveladora do que é limite e de
quem está no limite.
92
Trecho final da conclusão da dissertação de mestrado (Silva, 2005)
93
Cf. citado no capítulo I
159
No esforço de manter-me neste “abismo social” e compreendê-lo, alguns
recursos metodológicos foram essenciais, tais como observar atentamente, estranhar
aquilo que nos é “comum”, descrever densamente, almejando entender o aluno
problema” como “categoria nativa”, ou seja, perceber quais critérios os próprios alunos
utilizam para caracterizarem a inadequação ao sistema escolar.
Coletar os próprios dados, junto a sujeitos concretos e o por meio de
documentos históricos implica, necessariamente, reconhecer algumas fragilidades.
Conforme Ginsburg (2004) indica no texto “Chaves do Mistério: Morelli, Freud e
Sherlock Holmes”, entre uma “pegada” e o “indício” está a condição de cognição
humana, o que torna o conhecimento resultado do ato humano que se vale dos cinco
sentidos (tato, gustação, olfato, audição, visão) – e da abstração.
No entanto, a utilização das ferramentas de cognição são construções sociais e,
por isso, o papel do sujeito cognoscente é fundamental na elaboração do conhecimento.
Essa afirmação leva-nos à questão que Foucault (1992) problematiza na obra O
que é um autor, qual seja, em que medida um trabalho que coleta empiricamente seus
próprios dados e os analisa à luz de algumas teorias, quando se transforma em um texto,
consegue apresentar o “outro” por ele mesmo, ou somente pelos “olhos” do autor.
Ao tentar ensaiar uma resposta – e porque não dizer, procurar uma solução
provisória para essa questão latente, autores como Collins (1988, 1981), Elias (2005),
Bourdieu (2005, 1997), Woods (1999, 1987) e Geertz (2008, 2001) subsidiam-nos
pensar estratégias metodológicas capazes de garantir que as conclusões que esta
pesquisa pudesse esboçar, ainda que não definitivas, tivessem minimamente sob
controle a irracionalidade inerente ao ato humano de conhecer.
Alguns dos instrumentos que poderiam auxiliar-me neste impasse – como vídeo-
filmagens e áudio-gravações – foram descartados, pois sua utilização dependia da difícil
tarefa de recolher autorização prévia de todos os responsáveis, visto que as idades dos
alunos variavam entre 08 e 13 anos e porque seu uso poderia alterar o comportamento
dos sujeitos observados.
A solução encontrada foi verificar, nos eventos e nas falas registradas, conexões
e repetições, na perspectiva proposta por Collins (1988, 1981), de modo a estabelecer
padrões de interação social.
Verificar ocorrências semelhantes em situações e grupos diferentes foi um
recurso capaz de garantir que as análises não se baseassem em comportamentos
alterados devido à minha presença, visto que, nos primeiros contatos, era possível supor
160
que determinadas ações ocorriam, com o intuito de tentarem “fazer aquilo que eu estava
esperando que fizessem”.
Não foi à toa ou em vão minha permanência na escola por três longos anos.
Em 2006, a equipe escolar pouco entendia o que eu fazia ali, pois não era da
Coordenadoria de Ensino e nem mesmo pertencia à rede municipal e não estava ali
para sugerir mudanças em suas práticas, tampouco para criticá-las, como ocorre, por
vezes, com estagiárias do curso de Pedagogia. Apenas observava.
No decorrer dos meses, de expectadora tornei-me paisagem. As professoras
conversavam sobre suas vidas, angústias, práticas, dúvidas, mas jamais deixei de ser
alguém “de fora” ou, conforme Elias e Scotson (2000), uma “outsider”.
Neste tênue fio, que poderia ser rompido a qualquer momento, e todo o esforço
tornar-se em vão, os dados foram cuidadosamente anotados e a decisão de anexá-los
digitalmente foi a maneira de torná-los públicos, para que essas questões possam
suscitar discussões, no sentido de aprofundar o debate sobre a pesquisa do tipo
etnográfica com crianças e jovens desta faixa etária do Ensino Fundamental I, que
não são tão infantis, porém ainda não são adultos.
Organizado o caderno de campo, as questões que emergiram deram origem a
dois eixos principais que, embora complementares, eram distintos: de um lado, a sala do
PIC, enquanto organização e atendimento diferenciado a quem não se adaptou ao
sistema de ensino, com formações e atribuições próprias e singulares a cada ano; de
outro, os alunos que, ao expressarem sua compreensão da experiência educativa,
revelaram a escola que almejam e que, em pequenos fragmentos esparsos, vivenciam no
percurso escolar.
Diante destes dois eixos, a intenção foi organizar os dados, de modo a expor as
diferentes facetas ou as micro-relações que envolviam uma mesma questão,
indicando não só a perspectiva do “aluno problema”, mas também dos profissionais que
o atendem.
Não tive a intenção de apontar culpados, nem de discutir as implicações
ideológicas do conceito “aluno problema”, apenas de discutir em que medida o
atendimento e as relações escolares entre professores e alunos, ou entre pares são
afetados concretamente pelas marcas da indisciplina, da reprovação e da dificuldade em
aprender.
A marca “problema” não se demonstrou significativa entre pares, mas tornou-se
evidente quando atribuída pelos professores aos alunos matriculados no PIC e aos
161
próprios colegas, professores que assumem essas turmas, significando que ali estão os
que não se adaptam à escola”, seja em relação ao comportamento, seja à aprendizagem.
Mas, na contraposição do estigma, que atribui o fracasso ao próprio fracassado,
está a possibilidade de a escola reconhecer que seus métodos de ensino e suas práticas
pedagógicas são particularmente ineficientes, tornando-se necessária e urgente a
disposição para buscarem novas formas de ensino.
A relação dos alunos reprovados com a instituição escolar e com o processo de
aprendizagem foi decisivamente marcada e, embora a maioria se considerasse
responsável pelo próprio fracasso, diferentes falhas escolares tornaram-se perceptíveis e
questionáveis. É surpreendente a clareza com que questionam algumas situações como
as seqüentes faltas da professora e os prejuízos que acarretam em relação ao ensino dos
conteúdos: a cada ausência, são dispensados ou remanejados para outras séries,
permanecendo na escola apenas para “não ficarem na rua”, sem que desenvolvam
qualquer trabalho efetivamente produtivo.
A promessa de que com a reprovação estariam mais preparados para cursar a
série seguinte foi objeto de enfrentamento para alguns, ao perceberem que as aulas eram
iguais, sem novos conteúdos ou métodos de ensino, ou que não se tornaram mais
habilidosos no uso da leitura, da escrita e do cálculo. Quando as práticas escolares
pedagógicas ou sociais o se modificam, os alunos percebem e as criticam. Da
mesma forma, diante do seu maior domínio intelectual, reconhecem o valor da escola e
das professoras.
Corriqueira entre as explicações para o fracasso escolar, está a afirmação de que
a pobreza é a causa do baixo-rendimento, entretanto, quando as relações de ensino-
aprendizagem são “vistas de perto”, o são os alunos pobres que o aprendem mas
são os alunos que não aprendem os apontados como pobres.
À pobreza são associados o alcoolismo familiar, a promiscuidade, a
delinqüência, o abandono ou a miséria, questões resgatadas pela escola apenas no
momento em que se torna necessário justificar as inadequações do aluno. Isso não
significa que outro, vivendo em condições muito próximas, mas que se adaptou ao
sistema de ensino, carregue o mesmo estigma.
A idéia de que o pobre o aprende, ou aprende menos, perde sua força
explicativa na medida em que a maioria dos alunos das escolas públicas, de antemão, é
considerada pobre.
Dubet (2003b, p.37) salienta o modo como algumas crianças deixam de ser
162
observadas como alunos, para serem tratadas como “casos sociais”:
O problema das escolas e dos alunos “difíceis” se impôs, em poucos anos, como
o ponto no qual se focaliza o conjunto dos problemas sociais: periferias,
desemprego, imigração, delinqüência, violência, abandono escolar. No
vocabulário dos atores, o aluno proveniente da classe operária foi substituído
pelo aluno difícil e com dificuldade, que é definido menos por sua situação de
dominação do que por sua exclusão. Os professores mudaram o vocabulário: as
crianças do povo para as quais a escola deveria assegurar a igualdade de
oportunidades são substituídas pelos alunos das regiões “sensíveis”, que é
importante integrar à sociedade. Lá, onde se via um filho de operário, se um
“caso social”.
É certo que alguns alunos encontram na escola um espaço que “supre” suas
ausências: é a criança que obtém da professora o carinho que não recebe dos pais; é a
possibilidade de ter com quem conversar ou mesmo estabelecer relações de amizade,
que quando volta para casa fica sozinho e não deve sair para brincar na rua porque é
perigoso; é a oportunidade de “fugir”, por algumas horas, da realidade em que vive e
das responsabilidades que assume em sua família, como cuidar de irmãos menores,
arrumar a casa ou preparar as refeições. Ao mesmo tempo, é o lugar considerado como
possibilidade de uma vida menos sofrida que a dos pais, pois crê que os trabalhos mais
pesados são reservados àqueles que estudaram menos.
Fica claro que até mesmo a proposta de atendimento especificamente voltado
para as necessidades e interesses dos alunos com baixo rendimento escolar serviu muito
mais para identificar aqueles que não se adaptam à escola, estigmatizando-os e
ressaltando suas fragilidades, do que valorizando suas conquistas. A forma como são
tratados pelo sistema escolar reforça a naturalização das práticas escolares, como se elas
não fossem objeto de escolhas política e pedagógica.
Aproximar-se do “aluno problema”, localizado no fundo do abismo do
descrédito e da estigmatização, revela indícios de que esses sujeitos pensam a escola de
um modo bastante específico e, como um pêndulo, ora se culpam pelo fracasso,
aceitando as explicações disseminadas socialmente de que pessoas que acumulam tantas
ausências o poderiam encontrar o sucesso na escola, ora questionam o sistema e as
práticas escolares, demonstrando que são conseqüências de um processo de exclusão e
de precariedade da própria escola pública.
163
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ANA PAULA FERREIRA DA SILVA
Reprovados, indisciplinados, fracassados: as micro-relações de
insucesso escolar na perspectiva
do “aluno problema”
Anexos
Caderno de Campo
SÃO PAULO
2009
3
Sumário
Anexo I – Anotações de Campo 5
Visita 01 - Primeiro contato com a escola - conversa com a diretora 5
Visita 02 – Contato com a sala do Projeto Intensivo do Ciclo I(PIC) – 4º ano E 7
Visita 03 – Sala do PIC 11
Visita 04 – Sala do PIC e horário coletivo 13
Visita 05 – Sala do PIC e horário coletivo 15
Visita 06 – Sala do PIC 16
Visita 07 – Sala do PIC 17
Visita 08 – Sala do PIC 17
Visita 09 – Secretaria da escola 17
Visita 10 – Sala do PIC 17
Visita 11 – Reunião das Professoras do PIC 18
Visita 12 – Reunião Pedagógica 18
Visita 13 – Sala do PIC 20
Visita 14 – Reunião Pedagógica com a Diretora 21
Visita 15 – Sala do PIC – Professora Substituta 25
Visita 16 – Sala do PIC 28
Visita 17 – Sala do PIC 29
Visita 18 – Sala do PIC – Apresentação de teatro para os alunos da EMEI 31
Visita 19 – Sala do PIC 34
Visita 20 – Conselho de Classe 36
Visita 21 – Conversa com a Coordenadora Pedagógica e 2ª C 38
Visita 22 – 2ª C 40
Visita 23 – 2ª C e 1ª C (período da tarde) 41
Visita 24 – Sala do PIC 44
Visita 25 – Sala do PIC e Reunião de pais – 2ªC 45
Visita 26 – Sala do PIC 47
Visita 27 – Sala do PIC 51
Visita 28 – Sala do PIC 52
Visita 29 – 2ªC – Professora Substituta 55
Visita 30 – 2ªC 61
Visita 31 – Sala do PIC 64
Visita 32 – 2ªC 65
Visita 33 – Sala do PIC 69
Visita 34 – 2ªC 71
Visita 35 – 2ªC 75
Visita 36 – Reunião Pedagógica 78
Visita 37 – 4ª F 82
Visita 38 – Sala do PIC 88
Visita 39 – 4ª F – Festa do Dia das Crianças 96
Visita 40 – 4ª F 101
Visita 41 – Sala do PIC 104
Visita 42 – 2ªC 105
Visita 43 – Prova São Paulo (Língua Portuguesa) 108
Visita 44 – 4ªF 114
Visita 45 – Conselho de Classe dos 3ºs anos e do PIC 116
Visita 46 – Formação de salas – 3ºs anos 123
4
Visita 47 – Formação de salas – 4ºs anos 126
Visita 48 – 3ª E – Sala de PIC 127
Visita 49 – 4ª A – Sala de PIC 130
Visita 50 – Secretaria 133
Visita 51 – Sala da coordenação pedagógica 140
Visita 52 – 4ª A – Sala de PIC 141
Visita 53 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte I) 144
Visita 54 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte II) 146
Visita 55 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte III) 146
Visita 56 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte IV) 147
Visita 57 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte V) 147
Visita 58 – Reunião com as professoras dos 3ºs anos 148
Visita 59 – Reunião com as professoras do PIC 154
Visita 60 – Secretaria 160
Visita 61 – 4ª A - conversa com alunos (parte I) 164
Visita 62 – 4ª A - conversa com alunos (parte II) 164
Visita 63 – 4ª A - conversa com alunos (parte III) 165
Visita 64 – Sala dos professores 165
Visita 65 – 4ª A - conversa com alunos (parte IV) 166
Visita 66 – 4ª A - conversa com alunos (parte V) 166
Visita 67 – 4ª A - conversa com alunos (parte VI) 166
Visita 68 – 4ª A - conversa com alunos (parte VII) 167
Anexo II – Anotações cruzadas 168
Anexo III – Roteiro para a conversa com os alunos 182
Anexo IV – Conversa com os alunos 184
3º ano E – turma do PIC (2008) 184
Anexo V – Conversa com os alunos 219
4º ano A – turma do PIC (2008) 219
Anexo VI – Tabulação de algumas questões relativas 266
às entrevistas das 3ªs e 4ª série - 2008 266
5
Anexo I – Anotações de Campo
EMEF– 12/12/2005 (9h30 – 12h)
Visita 01 - Primeiro contato com a escola - conversa com a diretora
A escola tem 4 períodos com 16 salas em cada um. No total oferece 25 turmas
para Ensino Fundamental I, 23 para Ensino Fundamental II e 12 para Educação de
Jovens e Adultos (Ensino Fundamental II), que funcionam em quatro horários na
seguinte disposição:
16 salas de aula no primeiro período (7h 11h) atendendo à parte da
demanda do Ensino Fundamental I.
16 salas de aula no segundo período (11h 15h) sendo que 9 salas
completam a demanda para Ensino Fundamental I e mais 7 salas de aula
divididas entre o atendimento de 5ª a 7ª séries do Ensino Fundamental II.
16 salas de aula no terceiro período (15h 19h) atendendo ao Ensino
Fundamental II.
12 salas de aula no período noturno (19 23h) oferecendo Educação de
Jovens e Adultos (EJA) correspondente ao Ensino Fundamental II.
No ano de 2006, atendendo a uma Portaria da Secretaria Municipal de Educação
(SME), haverá a implantação do Projeto Intensivo do Ciclo I (PIC) nas escolas da rede
municipal da Prefeitura de São Paulo como parte do Programa Ler e Escrever:
Prioridade na Escola Municipal, que será desenvolvido com os anos do Ensino
Fundamental I, direcionado aos alunos repetentes, de pelo menos uma vez, desta rie.
Assim sendo, todos os alunos repetentes ou multi-repetentes estarão matriculados nessa
sala de aula.
Como é grande a quantidade de alunos atendidos pela escola, foi necessário
organizar duas salas de “PIC”. Porém, em se tratando de um programa a ser implantado,
ainda são poucas as informações que a escola disponibiliza sobre a sua proposta e a
forma como será desenvolvida.
Quanto à identificação, é fácil, pois a escola guarda o prontuário dos alunos
com o seu desenvolvimento no passar dos anos e, principalmente, porque eles estarão
separados nas salas de aula do PIC”. (Comentário feito pela diretora ao ser questionada
sobre o critério de seleção dos alunos).
6
A diretora também esclareceu que a escola atende a alunos de inclusão
(referindo-se especificamente aos deficientes) e a alunos em liberdade assistida/
reeducandos, ressaltando que estes geralmente se matriculam na EJA e chegam à escola
no decorrer do ano letivo.
Com breves informações, encerrou a conversa, colocando a meu dispor a
Portaria 6328 de 26/09/05, que regulamenta o Programa Ler e Escrever: Prioridade na
Escola Municipal.
Permitiu que eu realizasse a pesquisa, colocando-se à disposição para dirimir
quaisquer dúvidas e encaminhou-me à sala dos professores, onde fui recebida com
naturalidade, como se fizesse parte do grupo. Ali encontrei documentos e recortes de
Diários Oficiais que permitiram colocar-me a par dos trabalhos que vêm sendo
propostos às escolas da rede, a partir de 2006, tais como:
Portaria 6328 de 26/09/05 Programa Ler e Escrever: Prioridade na Escola
Municipal” (republicação em 30/11/05).
Anexo único da portaria.
“Gestão Pedagógica, aprender na escola: ponto de partida, ponto de
chegada”.
“Programa São Paulo é uma escola”.
Comunicado SME 816 de 03/08/05 “Orientações Gerais para o ensino de
Língua Portuguesa no ciclo I”.
Lei nº 14058 / Projeto de Lei 110/05MOVA.
Permaneci na sala dos professores por um bom tempo, sem despertar
curiosidade, ninguém teve a preocupação de perguntar quem eu era ou o que fazia.
Algum tempo depois, chegou uma professora que trabalhara comigo em 2003 em outra
EMEF, reconheceu-me e trocamos algumas palavras.
Neste dia, houve a reunião de encerramento do ano letivo com os responsáveis,
mas, entre os professores, os assuntos em pauta nada tinham a ver com a vida escolar
dos alunos. Bastante tranqüilos, enquanto encerravam seus diários, conversavam sobre
seus planos pessoais para 2006, sobre viagens realizadas em férias anteriores e sobre os
filmes recém-lançados na TV.
Após aproximadamente 2hs, uma professora de Educação Física perguntou o
que eu estava anotando e então falei rapidamente sobre a pesquisa que desenvolveria
7
nos próximos meses. Expliquei que no próximo ano realizaria uma pesquisa sobre
alunos multi-repetentes e a professora de Educação Física retrucou: “Muito interessante!
Gostaria de saber o resultado da sua pesquisa! Um dia eu conversava com uma aluna
que repetiu várias vezes e ela me disse que continuava vindo para a escola porque, do
contrário, teria que ajudar sua mãe nos afazeres de casa ou trabalhar como diarista e que
isso ela não queria.”
EMEF– 13/03/2006 (8h – 11h)
Visita 02 – Contato com a sala do Projeto Intensivo do Ciclo I(PIC) – 4º ano E
Chegando à escola, esperei aproximadamente 10 minutos para ser recebida.
Finalmente uma pessoa perguntou-me o que desejava e, ao tomar conhecimento de que
se tratava da realização de uma pesquisa, chamou o assistente da direção para conversar
comigo.
Assim que comecei a explicar que, no final do ano anterior, havia conversado
com ele mesmo e com a diretora, fui repentinamente interrompida com a pergunta: A
diretora autorizou?” Sendo a resposta afirmativa, sugeriu que me reportasse à
coordenadora pedagógica, indicando-me sua sala.
Aguardei mais alguns minutos para ser recebida. Ao me ver na porta, perguntou
abruptamente: Você é mãe?” Respondi que não era mãe de aluno e que estava ali
buscando autorização para realizar uma pesquisa, mas ela me interrompeu novamente:
“Ah! É estágio que você quer fazer? Respondi negativamente e voltei a explicar o
motivo de minha pesquisa. Ela então perguntou: “Mas a direção autorizou?” Como
respondi que sim, me levou diretamente à sala de aula que abriga os alunos
repetentes.
Apresentando-me à professora, a coordenadora pedagógica deixou claro que não
havia compreendido muito bem qual o meu propósito, ao me identificar como “uma
estagiária que está fazendo uma pesquisa de mestrado”. A professora foi muito
receptiva, emprestou-me sua pasta com as anamneses e com as avaliações diagnósticas;
disponibilizou a relação dos alunos (com data de nascimento), indicando-me quais os
repetentes e quais os remanejados devido a dificuldades de aprendizagem.
Transcrevo algumas dessas anotações
1
:
1
A fim de garantir o sigilo da identidade de alunos e funcionários da escola, seus nomes foram
substituídos por duas letras.
8
Repetentes Não repetentes com dificuldades
Al – 1995 Ab – 1996
An – 1994 Bi -
Cl – 1994 Db -
Dg – 1996 Ea – 1996
Ed – 1994 EI -
El – 1993 Ls – 1996
Fp – 1994 Pl – 1996
Jf – 1994 Wl -
Jl – 1994 WD– 1995
Kr – 1995
Kt – 1992
Co 1994 (foi transferido para essa
escola em 15/05/2006)
Lc – 1994
Mc – 1993
Pm – 1993
Rf – 1993
Vc – 1993
Al – já apresentou problemas de comportamento nos anos anteriores. A mãe não
aceitava a gravidez, pois passava por dificuldades financeiras. Ele tem uma irmã com 14
anos.
An tem sérios problemas de saúde, dentre eles hipertensão, por isso não pode
fazer esforço. Freqüenta o OSEM.
Ab – a mãe só descobriu a gravidez no 5º mês. É o 5º filho da família.
Cl mora com a mãe, é a filha de uma família de 6 crianças (quatro meninos
e duas meninas).
Ed possui mais 5 irmãos e freqüenta o OSEM. O pai tem problemas com
alcoolismo. A irmã de 8 anos já sabe ler e escrever e ele ainda não. Isso o envergonha.
El repete a série pela terceira vez. Possui mais duas irmãs e faz
acompanhamento psicológico.
Fp foi o primeiro filho do casal e a gravidez foi bem aceita e tranqüila. Tem
mais um irmão e uma irmã. Revoltou-se com o assassinato de seu pai, em 2001, durante
9
um assalto. A mãe mora em Taipas com a irmã mais nova e ele e seu irmão moram com
a avó. Faz acompanhamento psicológico, pois é possessivo, ciumento e chora com
facilidade.
Jfsua mãe tinha 16 anos quando ele nasceu. Hoje tem mais três irmãos. Por
causa de um problema auditivo, começou a falar com 4 anos. Faz tratamento
fonoaudiológico. Vem sozinho para a escola e apresenta problemas de comportamento.
Jl quando a mãe ficou grávida o era casada e, por isso, foi um grande susto.
Durante a gestação não teve apoio da família. Hoje mora com o marido no quintal da
sogra e tem mais dois filhos. É a segunda vez que o aluno cursa a 4ª série.
Kr adolescência precoce. Menarca aos 8 anos. Seu corpo é desenvolvido e
apresenta um comportamento muito maduro. O pai estuda para ajudar a filha nos
deveres escolares. (toma HALDOL)
Kt mora com sua mãe. Não tem irmãos e a e está desempregada. (em
conversa com a professora, fiquei sabendo que a mãe trabalha como catadora de lixo).
Lc a mãe tentou abortá-lo. Mora com a mãe e mais três irmãos e visita seu pai
de vez em quando.
Ls Teve meningite. É o segundo filho de uma família de 4 crianças, mas não
são todas filhas de um único pai. Mora no quintal da tia com seus irmãos, mãe e
padrasto. A mãe trabalha meio período. O garoto sofreu tentativa do estupro por um
vizinho, mas o rapaz não foi preso.
Mc – o pai está preso há 5 anos (cumprindo pena de 30 anos) e a e é
moradora de rua e drogada. A menina morava na casa da avó, que não cuidava dela e
colocou-a na rua (ficou com a mãe durante duas semanas). Diante dessa condição, a tia
a acolheu, mas não a ajuda porque apanhou do seu pai. Na casa da tia moram 17 pessoas
(sendo que são 10 filhos e o marido alcoólatra). Recentemente a tia sofreu um enfarte. A
garota só faz uma refeição por dia.
Pl – possui mais três irmãos.
Pm tem mais duas irmãs e é a filha do meio. O pai é alcoólatra e
desempregado. É a mãe quem cuida das meninas e quem coloca as regras na casa. Ela é
bastante tímida na escola; gostava muito de um primo que foi morto pela polícia.
Rf embora a agora ninguém tenha comparecido à escola, a professora
informou que é um aluno que falta muito, pois trabalha para o tráfico de drogas da
região. Quando vai à escola, geralmente dorme durante a aula.
10
Vc veio do Maranhão e o tem mais contato com a mãe. Seu pai é
desconhecido. Atualmente mora com a tia. Tem grande dificuldade para respeitar
limites.
WD quando a mãe engravidou ficou envergonhada, pois morava com o irmão
e não sabia que estava grávida. A família veio de Alagoas 12 anos. A mãe fica em
casa para cuidar dos sete filhos. Eles moram em bairro periférico não muito próximo à
escola e, embora haja escolas mais próximas, a mãe prefere que continue aqui por
considerar o ensino melhor.
Assim como WD, muitos alunos que, embora residam em outros bairros,
freqüentam essa escola, porque os pais consideram o ensino aqui ministrado melhor do
que o oferecido por outras instituições mais próximas de suas casas. Por isso, um
contingente grande de alunos advindos de regiões periféricas bastante violentas da
cidade de São Paulo.
Conversando com a professora, tomei conhecimento de que alunos que não
precisariam fazer parte desse projeto, mas foram remanejados por apresentarem
problemas de comportamento, motivo pelo qual não o aceitos nas salas de aula de
outras professoras.
Chama a atenção o fato de a classe ser composta por 17 meninos e apenas 8
meninas. Por se tratar de uma sala de projeto, foi possível fazê-la funcionar com 25
alunos, mas boatos de que a Coordenadoria de Ensino estuda uma redistribuição, de
forma a atender à demanda da rede. Assim, na medida em que todos os alunos
repetentes dessa escola tenham sido contemplados com a sala de projeto caso haja
demanda em outra escola - que não possua espaço físico ou número suficiente de vagas
-, seus alunos serão transferidos para esta, que eventualmente será obrigada a atender a
um número maior de alunos. Essa hipótese causa preocupação à professora, por se tratar
de uma “sala que possui características bastante peculiares”. Para ela, aumentar o
número de vagas significa não afetar a qualidade do ensino, bem como agravar os
problemas disciplinares.
Nesse dia, os alunos estavam bem calmos e reagiram bem a minha presença.
Alguns perguntaram se eu também era professora. Diferentemente deles, na sala dos
professores, alguns perguntaram à professora da turma do PIC, se eu “era da ONG”.
Infelizmente, não tive como saber o porquê do temor pela presença de pessoas
pertencentes à ONG, que, embora sendo aguardadas, pelo visto, o parecem ser bem
vindas.
11
Constatei que é comum os alunos serem retirados da sala de aula inúmeras vezes
e pelos mais diferentes motivos, mas quase sempre relacionados à distribuição dos
uniformes, seja para pegar os tênis ou as camisetas, que não receberam à época da
entrega oficial por não haver o tamanho adequado, ou apenas para confirmar números e
medidas. Essa quase rotina é prejudicial por atrapalhar a dinâmica da aula, que a
professora precisa esperar que todos estejam presentes para explicar um conteúdo ou
corrigir uma lição, mesmo assim os que entram e saem sempre ficam com as atividades
defasadas.
EMEF Santos – 20/03/2006 (8h – 11h)
Visita 03 – Sala do PIC
Como na sexta-feira passada (17/03/2006) quatro alunos (Jf, An, Vc, Ed)
envolveram-se em uma briga dentro da sala de aula, sendo que um deles (An) tentou
agredir o colega com uma cadeira, a professora resolveu começar a aula retomando as
regras de convivência estabelecidas por eles próprios no início do ano letivo.
Enquanto a conversa transcorria, Jf, um dos que se envolveram no incidente,
“desafiava” a professora, fazendo comentários em voz baixa, quase sussurrando. Após
chamar sua atenção inúmeras vezes, ela solicitou que se retirasse da sala e o levou para
a Coordenação. O aluno voltou após o intervalo para pegar o seu material e ir para a
Sala de Apoio Pedagógico (SAP).
Assim que a professora retornou, outro aluno (Vc) começou a interrompê-la e a
fazer de tudo para chamar sua atenção. Nesse dia o grupo estava bastante agitado e as
interrupções incomodavam a todos. A professora repreendeu-o inúmeras vezes,
mostrando-lhe que sua atitude não fazia sentido, já que não havia motivo para solicitá-la
tanto.
No recreio das séries, foi inevitável que as outras professoras quisessem saber
por que havia um aluno do PIC na Coordenação. Ela contou toda a história desde o
início, fazendo questão de ressaltar que, embora pertença à sala do PIC, aquele aluno
(Jf) só está devido a problemas de comportamento e não de aprendizagem. Diante
deste fato, afirmou que seria justo que qualquer uma delas propusesse uma “troca” do
aluno com problemas comportamentais por um com problemas de aprendizagem, mas
foi interessante notar a rapidez com que todas começaram a procurar justificativas que
afastassem o risco de ter que recebê-lo em suas salas.
12
Entre as razões”, lembraram que também trabalham com alunos de inclusão
(nesse caso especificamente a inclusão refere-se a alunos ditos hiperativos) e usaram a
desculpa de que em todas as salas tantos outros alunos com problemas
comportamentais quanto nas turmas de PIC.
No meio da conversa, uma professora chamou a atenção para a reportagem
exibida no Fantástico (Rede Globo) na noite anterior, sobre meninos que trabalham para
o tráfico de drogas (Falcão: meninos do tráfico), fazendo comparação dos sujeitos da
reportagem com os alunos atendidos pela escola. O “elo” entre eles seria, na sua visão, a
maneira como ambos cobrem o rosto com a camisa, deixando apenas os olhos de fora,
como forma de não serem reconhecidos. Dizia a professora: “Eu fiquei chocada quando
vi aqueles meninos da televisão com a camisa em volta da cabeça como os nossos aqui
usam... Eles trabalham para o tráfico!”, ao que outra complementou: “Mas você não
sabe que aqui estudam os filhos de um traficante?” Nisso tocou o sinal para o retorno às
salas de aula.
Enquanto voltávamos, a professora do PIC externou sua insatisfação com a
desordem, desabafando: Isso é normal! O tempo todo o barulho e a interrupção dos
alunos acabam irritando”.
Outro motivo de queixa por parte da professora é a falta de cooperação da
coordenadora pedagógica. Ao assumir teve a promessa de que, por se tratar de uma
“sala de projeto”, haveria um atendimento especial por parte da Coordenação, de forma
a dar-lhe suporte pedagógico. Dentre os compromissos, estava a presença de uma
estagiária para auxiliá-la durante todo o ano letivo, mas aagora não recebeu qualquer
tipo de ajuda.
A turma voltou do recreio bastante inquieta e realmente era difícil não se irritar
com tanto barulho e com tantas “brincadeiras”. Finalmente, a professora decidiu retirar
da sala o aluno (Vc) que insistia em chamar sua atenção, encaminhando-se à
Coordenação e voltando acompanhada da coordenadora pedagógica.
Ao entrar na sala de aula, visivelmente irritada, dirigiu-se aos alunos quase
gritando. Sua primeira atitude foi brigar com dois que, a meu ver estavam quietos e,
portanto, não consegui entender o motivo da repreensão. Em seguida, chamou a atenção
da professora para a forma como estavam agrupados: “Mas também... tem que separar...
não pode deixar eles juntos!”.
13
Lembrando-os de que sabem que “estão em uma ‘sala de projeto’ para ver se
aprendem alguma coisa”, disse-lhes: “Vocês não são burros, mas têm algum bloqueio
que a professora está tentando tirar!”
Convocou a mãe de outros três (atitude que, particularmente, também considerei
bastante arbitrária, pois não estavam fazendo nada demais), deu suspensão para aquele
que fora levado a sua sala pela professora e finalmente concluiu: Aqueles que não
querem estudar, então que vão para outra escola!”
Ao sair, deixou o clima ainda mais pesado. A professora retomava a correção de
uma atividade, quando entrou a auxiliar de período, à procura dos que ainda não tinham
recebido suas camisetas do uniforme, mas não perdeu a oportunidade para repreendê-los
mais uma vez e lembrá-los de que “a professora está para ajudá-los, mas eles não
querem aprender”.
Retirou seis alunos da sala, que voltaram depois de alguns minutos.
Finalmente era hora de ir embora e as atividades foram encerradas
rapidamente.
EMEF – 24/03/2006 (8h30 – 13h30)
Visita 04 – Sala do PIC e horário coletivo
Hoje, diferentemente da última observação, os alunos estavam bastante calmos e
o período escolar transcorreu tranqüilamente. O aluno que fora suspenso na segunda-
feira voltou na quinta-feira, mas faltou no dia seguinte e até a presente data sua mãe
ainda não apareceu na escola.
Agrupados em duplas trabalham de maneira satisfatória, mas é impossível fazer
com que meninos e meninas sentem-se juntos para desenvolverem uma atividade.
A situação mais complicada do dia foi a resolução dos exercícios propostos pelo
livro específico do PIC, pelas dificuldades que apresenta.
Durante o recreio, conversei com a professora sobre os motivos da paralisação
que ocorrerá no próximo dia 28/03. Segundo alguns professores, as atitudes que vêm
sendo tomadas em relação à Educação tornam a escola um verdadeiro caos.
Nesse ano de 2006, com o objetivo de manter os alunos por mais tempo na
escola, a Secretaria da Educação optou por oferecer atividades de Sala de Leitura,
Informática Educativa e Educação Física em um contra-horário escolar. Dissociado do
período regular das aulas, o tempo de permanência foi ampliado para além das quatro
14
horas regulares na sala de aula convencional. A elaboração desse novo cronograma
ficou a cargo de cada escola, levando em conta suas próprias características. Isso,
entretanto, não evitou a ocorrência de sérios transtornos pois a disponibilidade dos
professores e a quantidade dos espaços físicos não foram suficientes para atender
satisfatoriamente à demanda.
A primeira dificuldade foi estabelecer um horário, de modo que todas as turmas
fossem encaminhadas às atividades pré ou pós-aula em horários compatíveis com o
período escolar, sem haver lacunas; mas, na prática, alunos que saem às 11h têm que
esperar ociosos, o início de uma atividade que começará às 11h45min ou às 12h30,
por exemplo.
Essa realidade vem sofrendo fortes críticas tanto por parte dos professores como
por parte de alguns pais, por acharem que os alunos ficam expostos a situações
inconvenientes. A principal preocupação é com aqueles que dependem do transporte
escolar oferecido pela Prefeitura, que o m como se adequar à nova organização.
Como a prestação do serviço é ajustada aos horários de entrada e saída dos períodos
regulares, as famílias tiveram que buscar soluções, quer disponibilizando alguém para
levar ou buscar seus filhos nos horários intermediários: quer deixando-os na escola à
espera das atividades extracurriculares e permitindo que voltem sozinhos para casa:
quer abrindo mão dessas aulas para voltarem com o transporte escolar.
Por outro lado, o fluxo de alunos circulando pelas dependências da escola
aumentou consideravelmente, gerando maior propagação de ruídos nos corredores, no
pátio e nas quadras, atrapalhando as turmas em aula.
Essa situação leva os professores a questionarem a ausência dos “oficineiros” -
voluntários que trabalhariam com os alunos durante o tempo vago -, bem como a
reivindicarem a contratação de auxiliares diretos como, por exemplo, estagiários, que
lhes dariam suporte nas salas de aula, além de funcionários administrativos que
zelassem pela manutenção do prédio.
Por fim, uma deficiência em relação à distribuição da merenda escolar, que
tem sido insuficiente para atender à nova demanda.
***NO DIA 28/03/2006 A ESCOLA ENTROU EM GREVE, RETORNANDO ÀS
AULAS NO DIA 13/04/2006.
15
EMEF– 05/05/2006 (8h30 – 12h30)
Visita 05 – Sala do PIC e horário coletivo
Os alunos confeccionaram parte do presente do Dia das Mães (caderno de
receitas e um ímã para geladeira). Durante o período em que estive na sala de aula, pude
observar que atitudes como cantar e/ou dançar “rapse músicas afins são comuns.
alunos que param as atividades, levantam, cantam em voz baixa, dançam um pouco e
voltam à tarefa proposta. Essas manifestações são extravasadas, geralmente quando
realizam atividades mais livres. Quando estão fazendo exercícios de Português ou
Matemática, as “danças” acontecem nos momentos em que se dirigem ao lixo para
apontar os lápis ou vão pedir algum material emprestado.
Brincadeiras ofensivas e agressões físicas e/ou verbais também são bastante
comuns, mas não carregam um significado desrespeitoso: um ofende o outro, que lhe
responde com palavrões, socos ou pontapés, mas instantaneamente voltam a agir como
se nada houvesse acontecido. Geralmente o “problema” se agrava, quando
interferência da professora ou de algum funcionário, mas o desfecho é previsível: eles
ouvem sempre as mesmas repreensões e as costumeiras ameaças, do tipo “vou chamar
sua mãe!” ou “você quer ir para a direção?”
Durante o intervalo, a diretora conversou com os professores sobre as opções
para a reposição dos dias letivos referentes ao período de greve. Havia duas
possibilidades: trabalhar alguns sábados, realizando um projeto sobre a “Copa do
Mundo”, ou lecionar durante o recesso do mês de julho, quando os alunos seriam
convidados a participar de atividades a serem definidas posteriormente.
Os professores optaram por elaborar um documento solicitando a opinião dos
pais e posteriormente apresentarem um relatório referente à posição do corpo docente.
Em conversa com a professora após a aula, tomei conhecimento do caso de um
aluno que, no dia anterior, fora convocado pelo Conselho Tutelar.
Após o período de greve, Rf completou 25 faltas. Sua mãe foi chamada na
escola (03/05) para esclarecer o motivo das ausências e para tomar ciência da situação
de seu filho. Segundo ela, o menino sai cedo de casa todos os dias para ir à escola, por
isso, não imaginava que estivesse com tantas faltas. No dia seguinte (04/05), Rf
compareceu e, segundo a professora, ao ser questionado sobre por que faltava tanto,
respondeu que é porque perdia a hora de ir para a escola. Hoje (05/05), Rf faltou
novamente, mas, no trajeto para a escola, a professora viu-o com o uniforme e a mochila
16
a algumas quadras dali, indo, porém, em sentido contrário. Segundo ela baseada no
relato da professora do ano anterior –, “esse aluno é aviãozinho” do tráfico de drogas.
A mãe tem 5 filhos pequenos para sustentar e ninguém na casa trabalha”.
Finalizou a conversa com a seguinte colocação: “Eu tenho pena dele. É um
menino tão bonito... e está perdendo uma oportunidade...sua única
oportunidade...porque sem escola... !(silêncio)”. (Professora do PIC, 05/05/2006)
EMEF– 08/05/2006 (8h30 – 11h)
Visita 06 – Sala do PIC
Com a atenção focada no comportamento dos alunos, pude perceber que é muito
comum o empréstimo de materiais, principalmente nessa aula em que continuaram
confeccionando o “Caderno de Receitas”, presente para o Dia das Mães.
A proposta da professora era de que copiassem algumas receitas fáceis nas
primeiras páginas, escrevendo o título da receita e os tópicos “ingredientes” e “modo de
fazer” com caneta colorida e a receita em si a lápis para que pudessem apagar em caso
de erro.
Alguns desprezaram sua orientação e fizeram tudo à caneta, embora a todo o
momento a mesma informação fosse repetida. Muitos dos que seguiram sua indicação
não tinham canetas, por isso o “passa-passa” de materiais foi intenso. Emprestar ao
colega significa jogar o material de para cá; o simples ato de pedir algo emprestado
geralmente é por meio de uma ameaça: me sua caneta se não eu te bato” ou “dá se
não eu te pego”.
Mesmo durante as explicações de conteúdos ou enquanto fazem exercícios,
mexem uns com os outros (na forma de ofensas, apelidos, ridicularizações, etc.), ou
utilizam-se de materiais que o são do universo escolar (figurinhas, elásticos, cartas de
jogos, etc.)
No final da aula, um aluno (Jf) resolveu comer o doce que foi entregue na hora
do recreio. Como é comum em muitas escolas, na sala de aula é proibido comer, por
uma questão de higiene, limpeza do ambiente e preservação dos materiais escolares. A
professora chamou-lhe a atenção três vezes, pedindo que o guardasse, até porque em
breve iriam embora e então poderia comê-lo à vontade. Entretanto, quando a professora
desviava o olhar, dava mais uma mordidinha, mostrando aos colegas sua esperteza por
conseguir “enganá-la”. Como a professora viu-o novamente comendo (dessa vez ia ao
cesto de lixo para jogar o papel que embrulhava o doce), pegou seu caderno e escreveu
17
um bilhete para sua mãe. Jf ficou desapontado e, por algum tempo, manteve-se quieto,
sem sequer participar de uma atividade de forca” proposta pela professora. Logo o
período letivo acabou e todos foram embora.
EMEF – 15/05/2006 (8h30 – 11h)
Visita 07 – Sala do PIC
Com o objetivo de preencher um questionário que previamente elaborara, a
professora pediu-me que entrevistasse os alunos como forma de conhecê-los um pouco
mais . (vide tabela de “anotações cruzadas” – anexo II).
EMEF– 22/05/2006 (8h – 11h)
Visita 08 – Sala do PIC
Dei continuidade às entrevistas com os alunos (vide tabela de “anotações
cruzadas” – anexo II).
EMEF– 26/05/2006 (8h – 12h)
Visita 09 – Secretaria da escola
Como nesse dia muitos professores foram dispensados devido à votação do
sindicato, conversei com a Coordenadora Pedagógica sobre a possibilidade de examinar
os prontuários dos alunos. A secretária interferiu, dizendo que o encontraria nada
além de nome e endereço, mas, em face de minha insistência, a coordenadora voltou à
Secretaria para autorizar novamente a consulta salientando que neles havia também o
registro do desempenho pedagógico.
Passei todo o período lendo e anotando os dados mais relevantes referentes a
cada aluno. (vide tabela de “anotações cruzadas” – anexo II)
EMEF– 29/05/2006 (8h – 11h)
Visita 10 – Sala do PIC
A professora solicitou que eu terminasse de realizar a pesquisa e, em seguida,
fizesse uma avaliação diagnóstica (ditado de 6 palavras e uma frase) com alguns alunos.
18
EMEF– 30/05/2006 (7h – 11h)
Visita 11 – Reunião das Professoras do PIC
Nesta data estava prevista uma reunião com as duas professoras do PIC, para
que elaborassem uma avaliação diagnóstica comum para as duas turmas, referente ao
final do primeiro semestre. Contudo, precisou ser cancelada, porque outra professora
sentiu-se mal e foi encaminhada ao hospital justamente pela professora do PIC do
período. Isto fez com que somente a professora do PIC do período elaborasse a
avaliação das duas turmas. Após concluí-la, deixou para análise e concordância da
colega, para posteriormente tirarem as cópias necessárias.
EMEF – 05/06/2006 (8h15 – 11h)
Visita 12 – Reunião Pedagógica
A pauta da reunião pedagógica versou sobre três assuntos: a organização da
Festa Junina (que ocorrerá em 01/07/2006); a avaliação do Dia Feliz, evento ocorrido na
véspera e a avaliação dos livros didáticos, que a escola recebera na semana anterior,
para a escolha do material do ano de 2007.
No dia anterior (04/06), realizou-se a festividade do Dia Feliz, que consiste em
oferecer aos alunos somente atividades lúdicas. Os alunos pagam R$1,00 para
participar, porque a escola contrata brinquedos, como pula-pula, cama elástica, piscina
de bolinhas, etc., encomenda refrigerantes e cachorros-quentes e distribui pipoca
durante uma sessão de cinema.
Na opinião dos professores, o Dia Feliz foi conturbado, principalmente porque o
som o funcionou, causando transtornos e dificultando a realização de algumas
atividades. Alguns reclamaram também sobre a dificuldade para o seu uso, pois a chave
do armário onde é guardado não é de cil acesso, ou melhor, não um lugar
determinado onde possa ser encontrada.
Quanto à festa junina, por ser um evento que acontece há alguns anos, a
escolha e a organização das barracas foi bastante rápida. Alguns professores lembraram
que barracas como “Cachorro Quente” e “Pipoca” têm muita procura e, garantem
considerável arrecadação de dinheiro, muito importante para reforçar o caixa da escola,
mas outros justificaram que o lucro é possível graças à doação do milho pelos alunos
e à das salsichas por um supermercado da região.
19
Quando a Coordenadora questionou-os sobre a realização das danças de
quadrilha, muitos argumentaram que seria obrigação dos professores de Educação
Física e até poderiam ajudá-los na organização, mas não assumiriam os ensaios. Entre
os questionamentos (dificuldade de ensaiar com a turma toda no pátio: número
insuficiente de participantes que apenas alguns alunos demonstram interesse;
dificuldade para criar coreografias; falta de consenso na escolha de músicas “countries”,
etc.), o problema com o sistema de som voltou à pauta e foi o mais criticado.
Tentando estimular a apresentação das danças, a coordenadora destacava a
importância daquele momento para muitos alunos. De forma a diminuir o desgaste dos
professores quanto à exibição de uma dança por sala, propôs que fossem organizadas
por séries e por período: assim, por exemplo, as 1ªs séries da manhã fariam uma dança e
as da tarde, outra: com relação às 4ªs séries, as salas da manhã fariam uma apresentação
e as duas turmas de PIC, a outra.
Nesse momento, a professora da turma do PIC da tarde respondeu: Os meus
alunos? Eles não querem saber de dançar! Eles só querem saber de roubar!”
A frase foi recebida naturalmente, sem causar qualquer espanto ou
constrangimento. Quase simultaneamente, a professora do PIC da manhã questionava a
viabilidade da realização dos ensaios, visto que seus alunos não se encontram na escola
no mesmo horário em que os demais do segundo período. A solução apontada pela
coordenadora para o ensaio coletivo foi a de que poderiam marcar para o final do
primeiro período, antecipando a chegada dos alunos do segundo turno.
Ainda em meio aos comentários sobre a atribuição da dança ser ou não
responsabilidade dos professores de Educação Física, a coordenadora retomou a pauta
da reunião, enfatizando os contratempos a que alguns professores tinham se referido
sobre o Dia Feliz e pedindo sugestões sobre o que pode ser melhorado.
Alguns colocaram a necessidade de escolhas mais sensatas na organização das
atividades: havia salas que ofereciam tarefas quase irrealizáveis para as s ries, ao
passo que outras não conseguiam entreter as turmas de e séries. Outro problema
apontado foi a obrigatoriedade de o professor estar em dois lugares diferentes
simultaneamente, pois, assim como deveriam ficar na sala de aula oferecendo uma
atividade aos alunos presentes, teriam que acompanhar os que se encaminhassem a
outras salas, especialmente para controlar eventuais problemas, como a indisciplina.
Todas as sugestões foram anotadas pela coordenadora, que se propôs a traçar
novos planos para os próximos eventos.
20
Feita a pausa para o café, fomos para a sala dos professores, onde deveriam se
agrupar de acordo com as séries em que lecionam, para dar início à avaliação dos livros
didáticos para o ano de 2007.
EMEF– 28/09/2006 (8h40 – 12h)
Visita 13 – Sala do PIC
Os alunos realizaram uma avaliação específica para as salas do PIC. A idéia era
de que fosse aplicada nas duas turmas em um período, preferencialmente na parte da
manhã, de modo que as professoras pudessem interagir, aplicando-a para o grupo
contrário, mas como muitos pais do segundo período (11h às 15h) não aceitaram a
mudança, cada qual realizou a avaliação com a sua própria turma.
Quando cheguei, os alunos tinham recebido a prova de Língua Portuguesa,
portanto, não presenciei a forma como foi apresentada.
Às 9h a professora pediu que todos prestassem atenção, pois, a partir daquele
momento, poderiam iniciar a avaliação de Matemática. A professora leu os enunciados
de cada problema, sem prestar qualquer informação, tampouco referir-se às questões
fundamentais, de modo que eles próprios reconhecessem as operações a serem
efetuadas. Junto à folha de problemas, havia outra para os cálculos das quatro operações
fundamentais.
À medida que iam terminando, entregavam as folhas e recebiam outra para
desenharem. Em dado momento, um dos alunos (considerado bagunceiro) terminou e
falou em alto e bom som, quebrando o silêncio: “Professora, terminei!”
Outro, que estava sentado ao seu lado, retrucou indignado: “Não acredito! Você
nunca deixa eu terminar antes!” e deu um soco forte na mesa.
A professora apenas retrucou: “Então, vamos continuar fazendo?” Alguns
minutos depois, esse segundo aluno também entregou sua avaliação.
Como era dia da entrega do leite, alguns pais começaram a entrar na sala, mas
foram impedidos pela professora, com a explicação de que, como os alunos estavam
terminando uma avaliação, o leite seria entregue pela auxiliar de período, que estava
com a lista dos alunos que poderiam recebê-lo.
Conforme iam terminando, podiam desenhar e a sala foi se tornando mais
movimentada. Em dado momento, o aluno que havia dado o soco na mesa desenhou
uma folha de maconha e mostrava a todos, dizendo: “Eu posso!”. Imediatamente todos
21
começaram a fazer o mesmo desenho no verso ou em algum espaço livre da folha de
caderno.
EMEF – 29/09/2006 (8h15 – 12h)
Visita 14 – Reunião Pedagógica com a Diretora
Excepcionalmente, essa reunião foi presidida pela diretora porque, devido a
inúmeros problemas que vem enfrentando dentro e fora da escola, resolveu conversar
com todos os professores para esclarecer algumas questões.
Os assuntos mostravam-se rios e desagradáveis e referiam-se ao elevado
número de faltas dos professores, às remoções, à escolha de uma única professora para a
Sala de Leitura, à utilização do parquinho e à organização escolar para 2008 em três
períodos.
A primeira discussão da pauta dizia respeito a todos: desde o final do primeiro
semestre, a escola enfrenta sérios contratempos, com o alto índice de professores
licenciados (licença médica, licença maternidade, licença de interesses pessoais (LIP),
etc.), que se agrava com a quantidade de faltas
2
diárias dos demais. É certo que cabe à
diretora autorizar ou não o abono dessas faltas - e até o momento o havia negado
nenhum pedido -, mas deixou bem claro que os critérios não mudaram porque ainda
não havia conseguido conversar com todos para estabelecer novas regras bem claras
sobre a questão.
A determinação foi de que, caso haja prejuízo para os alunos, as faltas não mais
serão abonadas, independente de quais sejam os motivos. Os professores,
evidentemente, rebelaram-se e acharam injusto que todos paguem pela falta de bom
senso, responsabilidade e displicência de outros. Durante longa e conturbada discussão,
inúmeras sugestões eram apresentadas e contrapropostas, mas a diretora o cedeu,
justificando que alguns pais, cujos filhos chegaram a ficar praticamente uma semana
sem aula, prestaram queixa na Coordenadoria de Educação. Esclareceu que também ela
fica exposta e o se responsabilizaria por atos impensados de professores negligentes,
incapazes de programar as faltas sem prejudicar a rotina da escola. Assim foi encerrada
a polêmica apesar do descontentamento geral.
2
Na rede municipal de São Paulo, os funcionários podem ter no ano 10 faltas abonadas, sendo que o
podem exceder 2 no mesmo mês. Esse sistema foi criado para possibilitar ao funcionário público faltar ao
serviço em casos de necessidade, mas é entendido como “um direito”, por isso, em se aproximando o
final do ano, geralmente começam a ser usadas aleatoriamente, para que não sejam “perdidas”.
22
Dando seqüencia ao segundo ítem da pauta, a diretora ressaltou que, em sua
opinião, era a questão mais incômoda. Devido à reorganização proposta recentemente
pela nova gestão da Prefeitura, as escolas deveriam contar com apenas uma professora
de Sala de Leitura, pois o número total de alunos não comporta a designação de duas
profissionais.
Na verdade, segundo a diretora, a escola jamais poderia ter nomeado uma
segunda professora de Sala de Leitura, mas por reiterados desacertos (do Conselho de
Escola, da Direção, da Coordenadoria de Educação e da própria Secretaria Municipal de
Educação), o fato ocorreu e agora precisa ser corrigido.
Sua idéia era de que houvesse uma votação, que, ao longo do tempo, ambas
vêm desempenhando um trabalho sério que as qualifica como excelentes profissionais
(uma esna escola muitos anos e a outra desenvolve atividades novas e criativas).
Os professores foram contrários à sugestão, fundamentando que, se o erro foi
corroborado por diversas instâncias municipais, esses órgãos é que devem assumir a
responsabilidade e não transferi-la aos colegas.
Reiteradas vezes a diretora expôs a situação, afirmando que, embora os órgãos
municipais de ensino reconheçam sua falha, cabe à escola fazer a escolha. Por fim,
revelou que foram estabelecidos critérios que privilegiam a professora que leciona
mais tempo.
Esclareceu que já havia conversado com a professora que está menos tempo
na escola, colocando-a a par da orientação que recebera. Ponderou que, se estivesse no
seu lugar, buscaria apoio junto ao sindicato, de modo a encontrar na Legislação uma
forma de manter-se no cargo. Seguindo seu conselho, a professora buscou vários
pretextos, mas todas as tentativas foram infrutíferas, por isso coube ao corpo docente a
resolução do impasse.
Mesmo com essa explanação, os professores não estavam dispostos a cooperar.
Finalmente, ficou acertado que, caso o votassem ou anulassem os votos, a decisão
ficaria para o Conselho da Escola, se ainda assim o problema persistisse, a diretora
escreveria o nome das duas professoras em papéis e sortearia a vaga para professora de
Sala de Leitura, evidentemente a que não fosse sorteada voltaria ao cargo de origem.
Encerrada mais uma questão e muito abalada pela intransigência dos professores
diante dessa última questão, a diretora deu continuidade, ainda que em meio a muito
falatório, passando para o terceiro ponto: a construção do parquinho da escola.
23
Devido à necessidade de reorganizar os espaços, com o objetivo de atender
adequadamente aos alunos que iniciarão a série com 6 anos, a Associação de Pais e
Mestres e a Direção adquiriram alguns brinquedos (escorregador, balanço, barras, etc.)
para montarem um pequeno parquinho. Em princípio, esse parquinho seria
disponibilizado a partir de 2007, quando as crianças forem efetivamente matriculadas.
Porém, a pedido de algumas professoras do Ensino Fundamental I (especialmente das
1ªs e 2ªs séries), a utilização do mesmo foi autorizada durante o recreio. Todavia o
grande volume de alunos de todas as séries por recreio e a incapacidade de fazerem uso
adequado dos brinquedos fizeram com que o espaço utilizado durante o recreio ficasse
restrito à quadra interna da escola, até que uma cerca e uma porta sejam colocadas, de
modo a separar o parquinho dos demais espaços externos.
Embora a medida tenha sido tomada como forma de preservar o patrimônio da
escola, a diretora admitiu não estar contente com a restrição de uso do parquinho. Por
isso, propôs que os professores procurassem um meio de adequar os horários, de modo
que as turmas de a 3ª séries pudessem usá-lo separadamente e acompanhadas pelo
professor. A justificativa em não disponibilizá-lo às séries é a de que esses alunos
são muito grandes para esse tipo de recreação e acabariam quebrando os brinquedos.
Os professores foram indiferentes à restrição, alguns inclusive concordaram que
os alunos das s ries são realmente muito grandes, fortes, não se interessam por esse
tipo de atividade e acabariam por usá-los inadequadamente, podendo danificá-los.
Ficou combinado que a coordenação montaria um horário para o revezamento
das turmas, sobre o qual as professoras seriam informadas oportunamente.
Encerrado mais um tópico, houve pausa para o café e para a comemoração do
aniversário de uma professora do ciclo II. Durante o intervalo, alguns professores ainda
demonstravam descontentamento com a necessidade de votação para escolha da
professora da Sala de Leitura e justificavam sua posição, admitindo que muitos o
conhecem o trabalho realizado por ambas, em face de a escola ter quatro períodos
letivos, uns atendendo às turmas de Ensino Fundamental I e os outros, ao Ensino
Fundamental II e ao EJA.
Após aproximadamente vinte minutos, a reunião foi retomada, sendo abordado o
assunto referente à quantidade de informações que circulam sobre uma possível
solicitação de remoção da diretora. É comum, nesse período, que boatos se propaguem a
respeito de quem deseja sair, o que gera certa apreensão, no sentido de se questionar
como ficará a escola caso esse ou aquele profissional realmente se remova.
24
A diretora encerrou tal especulação, esclarecendo que está realmente sendo
muito difícil trabalhar nessa escola, especialmente porque fica a aproximadamente 30
km da sua casa. Assim, aspectos negativos, como o gasto com combustível e o desgaste
emocional do trânsito, somados às dificuldades enfrentadas cotidianamente na escola,
poderiam levá-la a solicitar remoção. Contudo, não tinha a intenção de fazê-lo, a menos
que conseguisse uma vaga em uma única escola especificamente, localizada bem
próximo de sua casa. Sua decisão, embora possa parecer contraditória, que inúmeros
são os contratempos que enfrenta no dia a dia, deve-se ao fato de já ter dado início a um
trabalho pedagógico em que acredita e também por saber que em qualquer outra escola
enfrentará os mesmos tipos de problemas, senão mais graves.
Com essas afirmações, finalizou mais um ponto, lembrando que comentários
infundados são muito perigosos, porque geram mal-entendidos capazes de estragar
relações de amizade e de trabalho e não servem em nada para a construção de uma
escola melhor.
Finalmente, o último assunto referiu-se à organização escolar para 2008. A
diretora comunicou a construção de mais duas salas de aula anexas ao prédio central,
ainda no ano de 2007. Para o planejamento do próximo ano, algumas turmas precisarão
ser reduzidas para que em 2008 a escola passe a funcionar sob o regime de três turnos.
Essa revelação causou incômodo a muitos professores, pois a redução no número de
turmas significa que alguns ficarão na condição de excedentes. É bom esclarecer que,
embora lotados na escola como professores titulares, podem ter que voltar à
Coordenadoria de Ensino (após o rmino do processo de remoção) para escolha de
outra escola (geralmente mais distante e em locais mais pobres), onde então poderão
assumir uma sala na condição de titulares.
A diretora tranqüilizou-os, lembrando que isso não ocorrerá porque, de acordo
com uma consulta prévia, constatou que muitos professores afastados por licenças
médicas e outros readaptados ou em cargos comissionados, possibilitando-lhes a
permanência na própria escola.
De toda forma, instalou-se uma sensação de insegurança, especialmente por
parte dos professores que estão menos tempo na escola, Eles sabem que, apesar das
previsões positivas da diretora, o retorno do titular implica na condição de o excedente
voltar para a Coordenadoria. Nessa situação, deve assumir a turma que estiver sem
professor e como titular, não pode se negar a assumi-la por mais distante ou indesejável
25
que seja a escola. Essa preocupação foi agravada pela desconfiança de que em 2008 as
turmas estejam superlotadas para atender à demanda.
Independentemente das dúvidas, a reunião foi encerrada, porque passava de
meio dia e vários professores tinham compromissos em outras escolas.
EMEF – 06/10/2006 (8h30 – 11h)
Visita 15 – Sala do PIC – Professora Substituta
Como a professora faltou, os alunos estavam com uma professora-substituta,
Vale salientar que, após a reunião do dia 29/09, os professores começaram a programar
suas faltas, de modo a não prejudicarem a rotina da escola. Um dos procedimentos
adotados foi avisar de véspera sobre sua ausência, assim o aluno que também não
estiver presente não recebe falta. Embora não seja um procedimento oficial, gera
resultados positivos, por garantir o comparecimento de reduzido número de alunos,
havendo, em geral, a presença somente dos que faltaram no dia do aviso.
Especificamente hoje havia apenas quatro alunos na sala e a professora-
substituta optou por deixá-los assistindo a alguns vídeos.
Assim que cheguei, a professora recebeu-me normalmente, explicando o porquê
de o poucos alunos presentes e justificando que a professora faltou devido à consulta
médica.
Sentados ao redor da mesa do professor os alunos assistiam, em um pequeno
aparelho de DVD portátil, ao filme Shrek. Sobre a mesa havia uma sacola de
supermercado repleta de outros filmes, cujos tulos variavam desde infantis até
suspense e terror.
Perguntei se o aparelho pertence à escola e ela me disse que é seu. Como
professora comissionada, dificilmente consegue assumir uma sala de aula durante o ano
todo, por isso de um momento para outro pode estar em uma escola diferente e com
turmas variadas, que tanto podem ser de Educação Infantil, quanto de Ensino
Fundamental I e II ou mesmo EJA.
Diante dessa diversidade, resolveu comprar o aparelho por dois motivos:
primeiro, porque muitas escolas o têm recursos audiovisuais que funcionem
perfeitamente ou que estejam disponíveis no momento desejado e, segundo, porque,
como é portátil, pode levá-lo para onde quiser. Qualquer que seja a disciplina ou a série
sempre tem à mão um recurso, pela quantidade e variedade de títulos disponíveis.
26
Em casos como o de hoje, em que apenas quatro alunos estavam presentes, nem
precisou solicitar uma TV, pois pela tela do próprio aparelho é possível acompanhar o
filme.
Um dos alunos presentes (Jf) tem perda auditiva e, pensando nisso, a professora
emprestou-lhe o fone de ouvido para que pudesse ouvir com mais clareza. Embora seja
considerado um dos mais bagunceiros, nesse momento estava bastante compenetrado e
era o único atento à história. Os outros três ora prestavam atenção em nossa conversa,
ora no filme, ora conversavam ou procuravam outros filmes.
Enquanto a professora me contava sua trajetória profissional (experiências como
docente e como aluna do PEC - Programa de Educação Continuada), os três alunos
saíram da sala e começaram a correr e a brincar pelo corredor, o quê não parecia
incomodá-la. Assim que o filme acabou, o aluno Jf retirou o filme e começou a mexer
no equipamento, tentando descobrir suas funções. Por duas vezes, a professora solicitou
que tomasse muito cuidado com o DVD, pois tinha pagado caro e é seu instrumento de
trabalho. O aluno respondeu que não estava fazendo nada que pudesse estragá-lo,
estava verificando quais os recursos disponíveis.
A professora, então, foi ao corredor e pediu que os outros voltassem à sala,
devido ao barulho que estavam fazendo, atrapalhando as outras salas. Eles voltaram e
começaram a procurar mais um filme na sacola de DVDs. Selecionaram filmes de
terror, como Sexta-feira Treze, Fred Gruguer, ou de ficção como Matrix. A professora
disse que não iria colocá-los por serem “filmes longos e violentos” e que “vocês não
vão entender”, complementou. Na seqüência, dirigiram-se ao recreio, que neste dia foi
mais longo do que os quinze minutos habituais.
Depois de aproximadamente 25 minutos, voltaram à sala de aula, quando a
professora de outra série, acompanhada de um de seus alunos, bateu à porta
procurando a professora do PIC. Informada de que a professora titular tinha faltado,
voltou-se para o Jf e disse: “Você se meta mais uma vez com esse meu aluno e você vai
se ver comigo! Porque eu te conheço e sei que você não presta. E esse meu aluno é um
anjo!” Quando Jf ia retrucar, explicando o que havia acontecido, mais uma vez foi
interrompido: “Você está avisado! Se meta com ele e você vai ver o que eu faço!”
Fechou a porta e foi embora.
Atônitos, tentando entender o que acontecera, começamos a conversar sobre o
ocorrido e a professora-substituta desabafou que se sentiu muito desrespeitada,
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afirmando: “Ela sequer pediu licença para entrar na sala! Não é porque eu o sou a
professora deles que ela pode me tratar dessa forma!”
Ao mesmo tempo, o Jf, muito nervoso, tentava explicar o fato sucedido.
Segundo ele, o colega da outra sala começou a xingar seus familiares e depois de
suportar muitas provocações, deu-lhe um soco. Chorando, o menino foi procurar uma
das inspetoras para dizer que tinha apanhado. Esta, por sua vez, colocou Jf de castigo,
não permitindo que terminasse seu lanche com os colegas. Ao contar, Jf repetia: “Ele
vai ver! Fora da escola a gente resolve”.
A professora replicou: “Eu sei que você o é santo, mas esse aluno é um
diabo! Eu cobri a sala dessa professora outro dia e ele faz essa carinha de santo para ela,
mas ele é terrível. Ele responde, xinga e bate nos colegas, não tem respeito por
ninguém, mas na frente dela ele é um doce. E ela ainda o defende. Eu mesma cheguei a
comentar desse comportamento dele e ela me disse que aquele aluno é um santo e que
eu devia estar confundindo ele com algum outro.” E complementou: “Você é que é
burro por não fazer como ele! Porque todo mundo aqui na escola sabe que você apronta
e, por isso, você está sempre errado. Ele, com aquela cara de tonto, engana todo mundo
e você é que se mal na escola! Você devia ser como ele: bonzinho com a professora
porque daí ninguém ia brigar com você.” Ao que Jf refutou: “ Eu não! Se mexer comigo
vai levar! Não vou ser bonzinho e ficar ouvindo besteira para agradar a professora!”
Ela insistiu: Então se acostuma, porque você vai sempre ser o culpado. Nunca
ninguém vai te defender aqui na escola, porque você já fez a sua fama!”
Ainda bastante exaltado, Jf resmungava em voz bem baixa que resolveria o
problema fora da escola e começou a olhar novamente o equipamento de DVD, mas
dessa vez a professora não se incomodou.
Por outro lado, ainda indignada com a postura da colega, a professora-substituta
comentava sobre a discriminação existente entre os professores concursados e os
comissionados ou contratados, ressaltando não ser uma característica pontual de uma ou
outra escola, mas de toda a rede pública.
Nesse ínterim, a auxiliar de período veio informar que o parquinho não estava
mais disponível na hora do recreio, mas que, mesmo sabendo dessa proibição, alguns
alunos escaparam e foram pegos pendurados nos brinquedos. Deixou claro que não se
tratava de nenhum dos alunos daquela sala, mas que estava passando em todas, para
reforçar a proibição, já que “a rie o tem mais tamanho para brincar de
parquinho”.
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Assim que saiu, a professora falou-lhes: “Está vendo! Vocês se comportam mal
e pouco a pouco vão perdendo as coisas boas que a escola faz.” Sem entenderem muito
bem porque tinham perdido o direito de usar esse espaço de lazer, os alunos começaram
a questionar porque as outras séries tinham horário para usar o parquinho e eles não.
Tentando justificar, a professora disse que é porque eles o têm mais idade
para aquelas brincadeiras. E explicou que a instalação do parquinho deve-se ao ingresso
das crianças com seis anos completos na 1ª série do próximo ano. Inconformados,
diziam-se “injustiçados” porque, quando fizeram a 1ª série não tiveram parquinho e que,
acima de tudo, além de um espaço para brincar, é um local onde poderiam ficar com os
amigos mais tempo.
EMEF– 20/10/2006 (8h30 – 11h)
Visita 16 – Sala do PIC
Quando cheguei à sala de aula, faziam uma atividade de leitura e compreensão
de texto do livro do PIC. A movimentação na sala era normal: alunos levantando para
apontar pis, para jogar papéis no lixo ou para pedir materiais emprestados, como
borracha ou apontador. A professora estava corrigindo os cadernos, mas isso o a
impedia de atender àqueles que a procuravam com dúvidas sobre o texto.
Depois do recreio, a professora propôs a organização de um bingo de palavras. A
atividade desenvolve-se da seguinte forma: ela entrega aos alunos uma folha de papel
sulfite que deve ser dobrada quatro vezes. Depois de aberto, o papel tem a marca de 16
pequenos retângulos. O ditado consiste de 16 palavras que deverão ser escritas de forma
aleatória em cada um dos espaços. Assim que toda a folha está preenchida, a professora
começa a sortear as palavras anteriormente ditadas e o primeiro aluno a marcar todas na
horizontal ou na vertical é o vencedor.
Esse tipo de jogo demanda a realização de uma série de etapas, por isso, a
professora solicitou que colocassem o nome no verso das folhas, que seriam recolhidas
ao final da atividade, servindo como avaliação.
Como estava sentada no fundo da sala, próxima ao aluno Ls, pude observar sua
tática para participar da brincadeira, já que não consegue escrever.
No momento da dobradura da folha e da sua marcação (passar uma caneta entre
os vincos de forma a marcar o espaço de cada retângulo), Ls participou ativamente
acompanhando seus colegas, mas durante o ditado, olhava para os lados sem saber o
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que fazer. Escreveu a lápis algumas letras em cada espaço, de forma a o ficar em
defasagem em relação aos colegas.
Contudo, assim que a professora começou a sortear as palavras, voltou a
participar ativamente, demonstrando, em cada palavra sorteada, que por pouco o
conseguiu preencher uma coluna. Quando o primeiro aluno conseguiu completar uma
coluna, a professora pediu que escrevesse na lousa as palavras que marcou.
Rapidamente, Ls pegou sua borracha e seu lápis, apagou as letras que havia
escrito e começou a copiar em cada retângulo as palavras selecionadas e a marcar com
um “X” cada uma delas, pois sabia que, se estavam na lousa, é porque a professora
tinha sorteado.
A brincadeira continuou até que todas as palavras fossem sorteadas e que
houvesse inúmeros vitoriosos. Ls não ganhou a brincadeira, mas estava contente, pois
conseguiu entregar para a professora a folha com todos os espaços preenchidos e, o que
parecia ser mais importante, as palavras escritas corretamente.
No tempo restante, o vaivém aumentou e vários alunos permaneceram próximos
à janela, observando as crianças da 1ª série que brincavam no parquinho. Logo surgiram
perguntas sobre o motivo pelo qual não poderiam brincar naquele espaço, bem como se
mostravam indignados por serem obrigados a ficar trancados no pátio interno da escola
(que é pequeno), até que seja colocado o portão que separará o parquinho da área
externa.
A professora apenas confirmou que já são muito grandes para brincar em
parquinho e que aquele espaço não foi feito para eles. Lembrou-lhes que, se soubessem
se comportar e não o invadissem na hora do recreio, até poderiam ir para a quadra, mas,
como o sabem, têm que ficar trancados para não quebrarem os equipamentos da
escola.
EMEF– 26/10/2006 (9h – 11h)
Visita 17 – Sala do PIC
Durante o recreio, os alunos permanecem no pátio interno. comentários de
que isso tem criado muitos problemas, pois a quantidade de brigas e alunos machucados
tem aumentado. Hoje, a turma do PIC foi a primeira a descer e eu permaneci com eles
para ver como o recreio se desenrolava em um espaço tão restrito.
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Na fila para retirar o lanche, é comum uns tentarem passar na frente dos outros -
um dos principais motivos de briga. O aluno Vc tentou passar na frente do aluno An e
logo chutes e empurrões começaram a ser trocados. Sentado em um banco em frente à
distribuição do lanche havia um homem que resolveu intervir na briga, falando ao aluno
Vc que ele fazia aquilo porque os outros eram menores. Disse também que, se fosse
homem mesmo, meter-se-ia com alguém como ele. Imediatamente, Vc voltou-se para o
homem e começou a confrontá-lo e xingá-lo, dizendo que ele sim é que não era homem
para enfrentá-lo e que, se quisesse, dar-lhe-ia uma surra. Nesse ínterim, os inspetores e
todos os que estavam no pátio correram para afastá-los e colocaram o aluno no “hall” da
escola, suspendendo o seu recreio.
Acompanhei-o e, assim que todos se afastaram, tentei conversar, mas, naquele
momento, ele não conseguia ouvir e muito menos conversar com qualquer pessoa.
Apenas repetia que “sou sempre eu que estou errado nessa escola” e que “na rua é que
vou fazer o que quiser, que vou mostrar quem é homem”.
Logo foi cercado por vários funcionários, que criticavam sua atitude,
principalmente por desrespeitar um pai de aluno dentro da escola, enfatizando que
“alunos como ele não têm mais solução, pois não respeitam ninguém”.
Na verdade, poucos sabiam o que aconteceu e, por outro lado, ninguém
questionou por que aquele pai de aluno estava sentado no pátio.
Assim que a professora do PIC soube do ocorrido, corroborou as falas dos
colegas, decidindo que ele não voltaria mais para a sala e entraria novamente na
escola, depois que um responsável fosse conversar com ela e com a coordenadora
pedagógica.
Ao voltarmos para a sala, perguntei se o aluno havia apresentado
comportamento agressivo outras vezes e ela afirmou que é sempre assim, que está
sempre arrumando confusão com os outros e que, mesmo que não tenha acontecido
nada, onde se viu enfrentar os pais de outros alunos!”. Afirmou que aproveitou a
oportunidade para convocar um responsável, afinal gostaria de saber um pouco mais
sobre ele, pois a única informação que tem é que sua família toda está no Nordeste e
apenas ele ficou em São Paulo com uma tia.
Ao final do período letivo, todos foram embora, mas Vc continuava no “hall”
porque ainda não tinham conseguido contatar um responsável.
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EMEF–07/11/2006 (8h – 12h30)
Visita 18 – Sala do PIC – Apresentação de teatro para os alunos da EMEI
Em minha última visita, a professora convidou-me para assistir à apresentação
teatral que seus alunos fariam na EMEI situada ao lado da escola. Essa exibição já havia
ocorrido na própria escola e numa escola particular onde seus filhos estudam.
Foi uma oportunidade muito interessante para me aproximar um pouco mais dos
alunos, bem como para observá-los em um espaço distinto da escola e da sala de aula.
Cheguei às 8 horas para ajudar a professora no que fosse preciso. Embora a EMEI seja
muito próxima, ela preferiu levar o cenário e alguns equipamentos de som em seu carro,
para evitar riscos de danos e facilitar a montagem. Logo que cheguei, pediu-me que
ficasse com os alunos que iriam encenar a peça, ajudando-os a se vestirem e a se
maquiarem, enquanto ela e os outros iriam montar o cenário. Foi um momento de
grande interação, em que as crianças conversavam sobre suas vidas, suas lembranças e
as emoções da primeira apresentação, que foi na própria escola. A satisfação de
apresentarem-se a seus pais e amigos, provarem que são capazes de encenar uma peça
teatral, decorarem o texto, participarem de um trabalho rio que exige concentração,
treino, técnica e organização.
Acredito que o fato de freqüentar uma sala de “projeto” (PIC) pode afetar a auto-
estima de uma criança, contudo essa oportunidade única serviu para provar que cada
uma delas é capaz de superar suas frustrações, pois revelou qualidades e talentos a
então desconhecidos pelos professores, funcionários, pelos familiares e amigos.
Os figurinos, adereços e cenários pertencem à professora que, acostumada a
realizar esse trabalho com suas turmas, na medida em que surgem oportunidades, vai
acumulando roupas, perucas, brinquedos, sapatos, enfim tudo que possa servir para a
caracterização das personagens e elaboração do espaço.
Outro cuidado da professora é o de incentivar os alunos que não conseguem
participar das aulas e os pouco entrosados a fazerem “pontas”, pequenas participações,
às vezes asem nenhuma fala. É o caso da aluna Pl, menina extremamente tímida, que
praticamente não conversa com ninguém, contudo aceitou um papel na encenação.
Acredito que tenha sido uma excelente oportunidade para fortalecer sua auto-estima,
pois na sala de aula, passa a maior parte do tempo despercebida por todos. Vale ressaltar
que sua exposição foi na medida ideal pois, se fosse mais requisitada ou se tivesse que
falar em público, a experiência poderia ter sido desastrosa.
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Aproximadamente às 8h40min., a professora retornou à escola para que
fôssemos juntos para a EMEI, onde a diretora tinha reservado um local onde todos
pudessem aguardar bem acomodados e preparou um lanche para que pudessem se
alimentar nos respectivos horários do recreio e do almoço, pois a apresentação seria
para as turmas das 7h e das 11h.
Muitos deles estudaram naquela EMEI, por isso, o fato de estarem significava
reencontrar antigas professoras, recordar bons momentos, enfim matar as saudades.
Fomos recebidos pela Diretora e pela Auxiliar de Direção, que nos indicaram o
local de espera e mostraram onde ficavam os banheiros masculino e feminino.
Os alunos logo se acomodaram e diferentemente da bagunça costumeira,
mantiveram-se tranqüilos, conversando normalmente ou brincando sem muito barulho e
sem criar confusões. É imprescindível ressaltar que os alunos geralmente considerados
indisciplinados estavam encenando ou ajudando na organização da peça.
Como estavam comportados, a professora permitiu que ouvissem música (rádio),
enquanto aguardavam a entrada em cena. Durante o tempo em que ficamos na EMEI,
foram muitas as recordações de brincadeiras, as lembranças de ferimentos que sofreram
quando menores. Falavam com saudades de colegas de quem nunca mais tiveram
notícias, voltavam à memória atividades que fizeram com determinadas professoras,
confessavam sentir falta do espaço e do tempo em que podiam brincar.
Quando reconheciam as professoras, corriam para cumprimentá-las e às vezes,
elas próprias vinham ao nosso encontro, principalmente para agradecer a oportunidade
de mostrarem aos pequenos uma peça teatral e também pela possibilidade de revê-los.
Assim que desceram, os alunos da EMEI tomaram seus lugares para assistirem à
exibição. Dando início, a professora apresentou-os como “alunos do Projeto Intensivo
do Ciclo I”, salientando que o teatro faz parte de uma das propostas desenvolvidas com
o grupo. Explicou que a peça é uma adaptação do livro “Menina bonita do laço de fita”,
de Ana Maria Machado.
Desejando-lhes uma ótima apresentação, sinalizou que poderiam começar. O
texto baseia-se na história de um coelho branquinho que conhece uma menina negra.
Achando-a muito bonita, pergunta o que pode fazer para ficar pretinho como ela. A
menina inúmeras sugestões, mas nenhuma delas faz com que o coelho fique preto.
Ele conhece, então, uma coelha pretinha, por quem se apaixona, casam-se e têm muitos
filhotinhos de várias cores.
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Os alunos apresentaram-se com desenvoltura, expondo-se sem acanhamento
embora na presença de pessoas estranhas e em outro espaço que não o ambiente escolar.
Vale lembrar, no entanto, que não foi a primeira vez e que têm ensaiado exaustivamente
a cada nova apresentação, o que contribuiu para que adquiram confiança e desembaraço.
Essas duas apresentações do período matutino foram muito elogiadas pelas
professoras da EMEI, que solicitaram a seus alunos que desenhassem a cena de que
mais gostaram.
Até o final do período, as salas que assistiram à primeira apresentação enviaram
o desenho para a professora do PIC, mas as que participaram da segunda apresentação
ficaram de enviá-los à EMEF.
Quando terminou a segunda apresentação, os alunos da EMEI pegaram o
material e foram embora enquanto os da EMEF almoçavam. Bem diferente do
comportamento habitual, pegaram seus pratos ordenadamente, sentaram-se à mesa,
comendo tranqüilamente, conversando sobre a apresentação e admirando a reação das
crianças pequenas, entretidas com a encenação. Pareciam estar muito contentes,
especialmente porque muitos foram elogiados por suas antigas professoras.
Depois do almoço, foram ao banheiro e voltamos à sala, para aguardar a entrada
da turma do período. Os alunos distraíam-se com os brinquedos e as fantasias usadas
na peça.
As crianças desse período estavam mais agitadas, por isso foi mais difícil
conseguir sua atenção para que a peça pudesse começar. Organizadas as turmas da
EMEI, recomeçou a apresentação e a professora mais uma vez destacou que era um
trabalho realizado por alunos do PIC. Assim como aconteceu no período matutino,
todos gostaram muito.
Após a representação, os alunos foram dispensados, mas alguns voltaram
conosco, ajudando-nos a guardar o material utilizado. Em seguida, dirigimo-nos à sala
dos professores, onde estava reunido o grupo de JEI. Quando a professora do PIC
entrou, estranharam sua presença, achando que tivesse faltado, pois não a viram durante
todo o período. Ela contou que sua turma foi se apresentar na EMEI, que todos tinham
gostado muito e mostrou-lhes as fotos da primeira apresentação.
Ao perceber que o narrador foi o aluno Jf, uma professora perguntou se era
“aquele aluno que tem problema auditivo”. Diante da resposta afirmativa, declarou que
“ele era uma peste, que o sabia se comportar e que sempre deu problema enquanto
esteve na sua sala” (na série). A professora do PIC concordou que realmente se trata
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de um aluno muito difícil, que comumente arruma confusão com outros alunos. E a
outra professora completou: Veja como ele é! Realmente incorporou o papel de ator.
Quando vi a apresentação que vocês fizeram aqui na escola não percebi que era ele que
estava narrando... eles sabem se fingir de bonzinhos quando estão na frente de outras
pessoas e principalmente dos pais. Quem viu a peça não pode imaginar como ele é
terrível, desobediente, mal educado. Eles sabem fingir muito bem!”
Embora aparentemente tenha discordado da colega, a professora afirmou:
“realmente o Jf é outra pessoa quando se apresenta!”
Como já chegamos no final do horário coletivo, fomos embora assim que
terminaram de ver as fotos.
EMEF– 04/12//2006 (8h30 – 11h)
Visita 19 – Sala do PIC
Estavam presentes apenas os alunos: Ab, El, Pl, Wl e AC, indicados para a
recuperação paralela, a que esta semana foi especialmente reservada.
Como a professora fazia apenas atividades específicas, a avaliação dos demais e
o fechamento da documentação dos aprovados foram colocados à minha disposição.
Seguem as anotações:
- Ab: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática.
- An: o fez as avaliações, por ter sido suspenso após uma briga. Como o
responsável não apareceu na escola, não pôde entrar e realizar as atividades.
- AC: faltou em várias avaliações. A aluna escreve com poucos erros, contudo
sua maior dificuldade é em cálculo.
- Bi: avaliada com Satisfatório em Português e com Plenamente Satisfatório em
Matemática.
- Co: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática.
- Cl: Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática.
- Db: Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática.
- Dg: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Não
significado na sua produção escrita (p.ex.: ‘mcarmfrmurtia’ escrito em letra cursiva em
um único bloco). É copista, pois as tarefas copiadas da lousa estão feitas de forma
correta. Quanto à Matemática, faz apenas contas simples de soma e subtração.
- Ed: nada conta em sua ficha.
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- El: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Assim como o
aluno
- Dg, escreve tudo em um bloco só.
- EI: Satisfatório em Português e Satisfatório + em Matemática.
- Fp: nada consta em sua ficha.
- Jf: Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática.
- Jl: Satisfatório em Português e Não Satisfatório em Matemática.
- Kr: Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática.
- Kt: Não Satisfatório + nas disciplinas de Português e Matemática. Faltou em
várias avaliações e não tem avaliação de produção escrita própria.
- Lc: Não Satisfatório em Português e Satisfatório + em Matemática. Não tem
produção escrita própria e apresenta dificuldade em multiplicação.
- Ls: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Não realiza
nenhuma atividade de cálculo. Usa as letras aleatoriamente em blocos. Aquilo que está
na lousa copia com letra de forma. Quando ensaia a escrita com letra cursiva, faz
parágrafo em todas as linhas.
- Pl: Não Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Não realizou
nenhuma atividade de avaliação de Matemática e no ditado escreveu de forma silábica
com valor sonoro. Na produção escrita, escreve em blocos.
- Pm: o Satisfatório nas disciplinas de Português e Matemática. Escreve de
forma silábica com valor sonoro, mas no final das palavras utiliza outras letras para
“aumentar a quantidade” na palavra. Não realizou nenhuma atividade da avaliação de
Matemática.
- Rf: reprovado por faltas (segundo a professora, a escola considera-o
desistente).
- Vc: constava apenas a avaliação de Português, tendo sido satisfatória. Tem
escrita corrente e com poucas dificuldades de ortografia.
- Wl: Não Satisfatório + em Português e Não Satisfatório em Matemática.
Apresenta erros gramaticais porque escreve como se fala. Usa uma linha para cada frase
e junta algumas palavras, como por exemplo, “estavasujo” e “apessoa”.
- WD - Satisfatório em Português e Não Satisfatório em Matemática. Sua escrita
apresenta alguns erros, mas é compreensível. Sua maior dificuldade é em Matemática.
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EMEF– 07/12//2006 (8h30 – 11h)
Visita 20 – Conselho de Classe
A Reunião do Conselho de Classe foi entre as professoras das 3ªs e 4ªs séries e a
coordenadora pedagógica, mas de modo que as demais ajudassem na decisão de
aprovação ou retenção de alguns alunos. No caso do 4 º ano do PIC, a professora da sala
reteve 16 alunos, sendo que desses sete foram considerados pelo Conselho aptos a
cursar o 5 º ano em 2007.
Os alunos An e El foram aprovados pois, como a professora anunciara
alguns meses, não seriam retidos para não continuarem atrapalhando tanto o professor
quanto os colegas. Por serem considerados muito indisciplinados e as famílias não
participarem de sua vida escolar, não houve objeção pelo Conselho de Classe.
O aluno Lc, embora com dificuldade em Língua Portuguesa, foi aprovado pois
“é muito grande para ficar entre os pequenos”. Não é um aluno que apresenta problemas
de comportamento como os dois anteriores, mas sua idade e aspectos físicos (altura e
primeiros sinais de adolescência, como barba) tornaram-no apto a cursar o 5º ano.
A aluna Kt, já com 14 anos, foi aprovada, se não seria encaminhada para a
Educação de Jovens e Adultos. Como o histórico familiar conhecido pela escola é de
que ou vive nas ruas com a mãe ou passa alguns tempos com a avó, cujo meio de
sobrevivência é a coleta de lixo nas ruas para venda posterior, tanto as professoras
quanto a coordenadora julgaram prudente mantê-la no ciclo regular de ensino pois,
embora com muitas dificuldades, é quieta e esforçada. No caso de transferência para a
noite (EJA), correria o risco de evadir.
As dificuldades de aprendizagem de Jl, Fp e WD estão centradas em
Matemática. Como o domínio da língua foi considerado suficiente para acompanharem
o 5º ano, os três foram aprovados.
Os outros 9 retidos passaram por uma triagem, sendo classificados” como os
que teriam condições de freqüentar um ano regular e os que deveriam permanecer no
PIC:
AC, Wl, Co e Ab, retidos pela primeira vez, freqüentarão turmas regulares de
ano em 2007 pois, embora tenham alcançado grandes progressos na aprendizagem, não
acompanhariam o ritmo do 5º ano.
Pm, que já tem 13 anos, e Dg foram retidos pela vez, ao contrário de Ls e Pl.
Todos ainda têm muitas dificuldades, inclusive no emprego do material escolar (como
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usar as linhas e as folhas: posicionar o caderno de cabeça para baixo, desprezar o verso
da folha, fazer parágrafos onde não etc.) e por isso permanecerão no PIC em 2007.
Diante da solicitação das famílias, Pm e Dg passarão a estudar no período (11h às
15h) e Ls e Pl continuarão a freqüentar o 1º horário (7h às 11h).
O aluno Rf, com 13 anos, foi novamente retido por falta. Como nenhum familiar
solicitou sua transferência, foi matriculado na turma de PIC no período, horário
menos procurado.
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2007
EMEF– 25/04/2007 (9h – 12h)
Visita 21 – Conversa com a Coordenadora Pedagógica e 2ª C
Chegando à escola para retomar a pesquisa, procurei a coordenadora
pedagógica, por quem aguardei aproximadamente 10 minutos até que pudesse me
atender, pois, naquele momento, conversava com a mãe de um aluno.
Assim que me viu foi muito receptiva e se disse feliz pelo meu retorno.
Ratifiquei que desejava retomar a pesquisa de campo e precisava da sua ajuda para me
indicar os alunos que naquele ano estavam apresentando problemas disciplinares.
Perguntei se a escola vinha fazendo algum tipo de registro dessas ocorrências, o que me
ajudaria a conhecer o histórico de cada um para determinar os sujeitos da pesquisa.
Ela respondeu que as salas do PIC têm sempre uma turma que dá muito trabalho.
Nesse ano, as professores I e K assumiram respectivamente as turmas da manhã e da
tarde. Salientou que não usam qualquer tipo de registro para os casos de indisciplina,
pois isso serviria apenas para marcar os alunos. Quando são enviados a sua presença,
prefere conversar a fazer um registro e até mesmo chamar os responsáveis não é prática
corriqueira na escola.
Nesse momento a inspetora de alunos entrou com um menino que, segundo ela,
estava “brincando de bater e dar tirosnos colegas. “Estava com a camisa amarrada na
cabeça, do jeito que os jovens que trabalham para o tráfico usam para não mostrar o
rosto”. Olhando para o aluno, que no momento tinha a camiseta nas mãos, lamentava
que “foi uma pena ele ter tirado a camisa para que você (a coordenadora) visse”. A
coordenadora disse que falaria com ele e a inspetora voltou ao pátio.
A coordenadora perguntou ao garoto o que tinha acontecido e ele respondeu que
estava brincando “de guerra” com seus amigos, mas não tinha feito nada. Ela
argumentou que poderiam brincar de muitas outras coisas menos violentas, pois “de
violência já basta a sociedade em que vivemos”, pediu que vestisse a camiseta, que
prometesse que não brincaria mais “de guerra” e voltasse para o pátio. O garoto
obedeceu e, assim que saiu, a coordenadora disse ser complicado esse tipo de postura
da inspetora, pois ela não poderia fazer nada com o garoto e que, na verdade, ele não
estava praticando nada demais, afinal, basta assistir a qualquer noticiário para ver esses
rapazes com a camiseta amarrada na cabeça”. E afirmou: “O pessoal associa as atitudes
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dos alunos com o que assiste na televisão e isso basta para imaginar que eles também
trabalham para o tráfico”. Respondi que imaginava o quão difícil deve ser lidar com
essas questões e retomei a conversa sobre os alunos indisciplinados.
Lembrei-a de que no ano anterior (2006) permaneci na sala de PIC da turma da
manhã, onde observei casos bastante difíceis em termos de aprendizagem e mesmo em
relação a questões sócio-culturais que ultrapassam os limites da escola mas, a meu ver, a
indisciplina não é um problema assim o grave. Indiquei que gostaria de me inteirar
sobre outros casos que não apenas os das séries pela dificuldade em acompanhá-los
no ano seguinte, quando supostamente serão aprovados, podendo haver mudança de
horário ou transferência para outra escola.
A coordenadora indicou-me uma lista de salas, cujas professoras freqüentemente
reclamam de seus alunos: E professora M; 4ªF professora Mr; A - professora
MJ; 2ªC - professora Ds, todas no período. No período, a sala da professora Mn -
1ªC, que recebeu um aluno com 10 anos de idade, que jamais havia freqüentado a escola
e na 6ªC, um aluno (JC) que desde as primeiras séries já dava trabalho às professoras.
Pedi sua opinião sobre qual turma seria melhor para dar início às observações e
ela indicou a 2ªC, por ser bastante desordeira.
Chegando à sala de aula, fui muito bem recebida pela professora que não
colocou nenhum empecilho para que eu realizasse minhas observações. A turma estava
bastante alvoroçada, pois havia retornado do recreio. Alguns alunos (aproximadamente
5) estavam com suas cadeiras na frente, outros andavam pela sala e todos conversavam.
Dirigimo-nos a sua mesa, e tentei explicar que as observações fazem parte de uma
pesquisa, mas com o barulho intenso, imagino que ela não tenha compreendido bem,
pois no final da aula, perguntou-me se sou estagiária do curso de Pedagogia.
Enquanto estava perto da mesa, o aluno EA perguntou à professora quem eu era,
ao que ela respondeu: “Você não sabe quem ela é, né! Pois é... e é melhor nem saber!”,
em um tom quase ameaçador. Ele me olhou novamente e continuou conversando com
seus colegas.
Como a escola está em reforma, o ruído das crianças é agravado pelo som de
martelos, serras e marretas. Trata-se da construção de mais duas salas de aula, cujo
funcionamento dar-se-á a partir de 2008, quando a escola passará a atender em três
períodos.
Sentei no fundo da sala, enquanto a professora punha ordem, mandando cada um
para o seu lugar. Disse-me que os alunos sentados na frente estavam para pensarem
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na bagunça que tinham feito até aquele momento. Aproveitou para me entregar
algumas folhas de sondagem (ditado de palavras e uma frase).
Pelo que pude observar, o aluno Mt apresenta poucas dificuldades, trocando
letras como camizeta, causa (calça), brosa (blusa) e não escreveu a frase. Já o aluno EA
não atribui qualquer relação entre letra e som, utilizando apenas as letras n, o, a, m, e, w,
u, b, z.
Enquanto verificava as sondagens, percebi que o aluno EA, (que ainda
permanecia separado dos colegas na frente da sala), observava-me. Ao notar meu olhar,
começou a fazer uma rie de movimentos com as mãos e os braços, simulando socos,
estalando os dedos e virando o pescoço, como que tentando demonstrar que estaria
pronto para me enfrentar no caso de uma suposta briga.
No final da aula, a professora perguntou se eu estava fazendo estágio. Contou
que é professora 19 anos e nesta escola es10 anos. Mas sua história no T”
(nome pelo qual a escola é conhecida na região) é longa, começou como aluna, por
sempre ter morado no bairro. Enfatizou que gosta muito da escola - até por ser muito
próxima da sua casa - e que também gosta dos alunos, mas não sabe se agüentará até o
final do ano, por serem muito agitados e barulhentos.
EMEF – 04/05/2007 (8h30 – 11h)
Visita 22 – 2ª C
Assim que cheguei, percebi que a professora estava bastante abatida. Ela disse
que não tinha uma notícia muito boa, pois, no dia 02 de maio, o aluno Mt havia
desaparecido e ninguém sabia de seu paradeiro.
As crianças permaneceram em silêncio enquanto me contava o que sabia: na
quarta-feira Mt foi à escola, mas estava muito disperso e quieto. No final do período,
quando todos foram embora, foi visto caído na rua atrás de um caminhão e depois disso
mais ninguém o viu. Na quinta-feira, sua avó foi à escola para saber se tinha ido à aula,
pois não voltara para casa desde o dia anterior, mas ele havia faltado.
Alguns alunos disseram que, embora não tivesse ido à escola, viram-no dentro
de um carro, próximo a um supermercado da região.
Para que o continuassem participando da conversa, a professora entregou-lhes
uma atividade sobre o Dia do Índio, que consistia na pintura de desenhos, culminando
na construção coletiva de uma maquete sobre o cotidiano indígena (ocas, fogueiras,
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elementos da natureza, etc.). Quando estiver pronta, fa parte da exposição dos
trabalhos realizados pelos alunos. Por ser uma atividade menos dirigida, a classe era
uma algazarra, com todos falando e circulando muito.
A professora retomou nossa conversa, contando que alguns dias havia
surpreendido Mt e EA conversando sobre um menino de seis anos que estava “fumando
no escadão” (no caso, a criança estaria usando maconha em um local próximo à escola).
Ao ouvir aquilo, perguntou-lhes se também “fumavam” e o Mt respondeu que não
“porque faz mal para o pulmão”.
Desde então, começou a desconfiar que tivesse algum envolvimento com o
tráfico de drogas e esse sumiço parece ser mais um indicativo, ainda mais que o garoto é
criado pela avó, justamente porque os pais vivem nas ruas e são usuários de drogas.
EMEF– 07/05/2007 (9h – 13h30)
Visita 23 – 2ª C e 1ª C (período da tarde)
Assim que cheguei à sala da C, a professora veio falar sobre o trabalho que o
professor de Educação Física faz com seus alunos. Nesse semestre, o professor
ingressou no curso de Mestrado da Universidade de São Paulo e sua pesquisa é voltada
para a relação entre indisciplina e consciência negra. Contou que, no ano anterior,
lecionou para uma turma de 3ª série e, como as 3ªs e 4ªs séries contam com um
professor especialista em Educação Física, organizaram juntos uma série de atividades
para auxiliar o desenvolvimento da atenção e assim melhorar o desempenho escolar e o
comportamento dos alunos. Para ela, o que difere o professor Cl dos demais professores
de Educação Física é que, por se preocupar com os alunos, “não uma bola e deixa
que as crianças fiquem se matando”. Em suas aulas práticas, inclui atividades de
coordenação e equilíbrio, além de preparar algumas aulas teóricas. Ela pensou que,
como eu também estudo indisciplina, nossos trabalhos poderiam se complementar e
poderíamos até mesmo trocar referenciais teóricos e materiais.
A professora também se propôs a me emprestar seu trabalho de conclusão do
curso de Psicopedagogia (“A construção da imagem do aluno e a afetividade no
processo de alfabetização no pensamento discursivo de Henri Wallon”), em que
apresenta alguns relatos de sua prática docente e a relação que os alunos estabelecem
com a escola.
42
Hoje o aluno Mt voltou à escola. A professora perguntou o que havia acontecido
e ele respondeu que, como gosta de “chocar” caminhão, acabou caindo, foi para a casa
de um amigo. Dormiu e esqueceu-se de avisar sua avó e também perdeu a hora de ir
para a escola no dia seguinte. A professora considera que são apenas desculpas para não
contar a verdade, mas de qualquer forma, ficou feliz por saber que estava bem e voltara
à escola.
Enquanto conversávamos, a professora viu que o aluno EA pegara um clipe de
sua mesa e desmanchara seu formato. Brava, mandou que fosse à secretaria e pedisse
outro igual àquele que ele tinha pegado”. Ele foi e depois de certo tempo voltou com
um clipe pequeno. Ela disse que não era igual, pois o seu era grande, para poder segurar
bastante folhas e mandou que o devolvesse e pedisse um igual ao seu. Depois de outro
tanto tempo, voltou com o clipe grande, mas ficou com o outro.
Mt estava no fundo da sala fazendo suas atividades e o EA em uma carteira na
frente da professora. Comecei a conversar com ele, pois veio mostrar as tatuagens
(todas feitas com caneta esferográfica vermelha), que se espalhavam por todo o seu
corpo: rosto, pescoço, braços, pernas, barriga. Na boca tinha o clipe que desmanchou (o
que pegou da professora), transformado em aparelho ortodôntico. Eu disse que era
conveniente tirar aquele grampo da boca, antes que se machucasse, mas respondeu que
precisava se acostumar, porque seu pai ia levá-lo ao dentista para colocar um aparelho
de verdade. Comentou que após a aula vai para outra escola, da qual gosta muito mas é
cansativo. Perguntei o que faz e ele respondeu que brinca e faz a lição de casa.
Emendou a conversa, contando que também gostava muito de brincar com seu irmão
que era policial e o passatempo predileto era brincar de “lutinha”, mas sente muito sua
falta, porque foi morto pelos bandidos. Depois de curto silêncio, disse: “Meu irmão era
bom, mas os homens que mataram ele eram maus. As pessoas boas o deveriam
morrer.”
Perguntei se tinha mais irmãos e ele disse que sim: um com 19 e outro com 18
anos, que mora com sua mãe e gosta muito quando vai para a casa de seu pai, que é na
Praia Grande, onde pode passar o dia todo na praia.
Ouvindo nossa conversa, a professora aproximou-se e comentou que, no período
da tarde, ele freqüenta uma Escola Estadual próxima dali, onde pratica uma série de
atividades esportivas. Confirmou que realmente tinha um irmão policial que morreu,
mas afirmou que mora com os pais e os outros dois irmãos, mas a mãe vai mudar
porque não ajuda a pagar as contas.
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Quando o dia letivo terminou, fui à procura da professora Mn, pedir autorização
para acompanhar sua classe, pois tinha interesse no caso do aluno Hq. Assim que
expliquei meus objetivos, ela comentou que aquele aluno tem uma história muito
complicada: quando os pais ainda viviam juntos, houve uma briga e o pai tentou
esfaquear a mãe. Depois disso, separaram-se e os filhos, assim como os pertences do
casal, foram partilhados. Os dois irmãos menores ficaram com a mãe e Hq, com o pai.
Embora separada, a família mora próximo, de modo que todas as crianças
estudam na mesma escola. O pai, entretanto, jamais se preocupou em colocar Hq na
escola e nesse ano a mãe decidiu matriculá-lo, ao fazer a renovação da matrícula dos
filhos menores. A conseqüência disso é que com 10 anos Hq foi inscrito na série, por
não possuir qualquer histórico escolar.
Ao chegar na série, deparou-se com coleguinhas de 6 anos, desenvolvendo
atividades infantis, em período de adaptação. Seu comportamento tornou-se péssimo,
batia em todos, xingava os colegas e a professora, corria pela sala e gritava, enfim era
impossível trabalhar com ele. Segundo a professora e os inspetores de alunos, durante o
recreio, roubava o lanche dos colegas e obrigava-os a pagar pedágio” para poderem
passar de um tio ao outro ou até mesmo para usarem alguns brinquedos (o
“pagamento do pedágio” poderia ser em dinheiro ou em figurinhas, brinquedos, lanches
que traziam de casa, ou qualquer objeto que despertasse sua atenção).
Tendo em vista a situação, a professora conversou com ele, para saber se
gostaria de passar para a 4ª série do PIC, no período da manhã. Parece ter sido
exatamente o que ele queria, pois estudando no período da manhã, poderia, quem sabe,
aproximar-se de sua mãe e de seus irmãos e ter sua companhia ao menos durante o
trajeto.casa-escola e vice-versa.
Contudo, a professora ressaltou que a mãe o lhe qualquer atenção. Quando
o no portão, o conversa, nem o cumprimenta, simplesmente o ignora, pega os
outros dois filhos e voltam os três para casa, mesmo sabendo que Hq faz quase o mesmo
percurso sozinho.
Hq ficou muito feliz com a possibilidade de ser transferido para a quarta série,
disse a professora mas, para a formalização da troca, é necessário que algum
responsável compareça à escola. Sabendo disso, Hq não apareceu mais, porém a
coordenação está procurando entrar em contato com a família para saber o que
aconteceu.
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EMEF 16/05/2007 (8h30 – 12h30)
Visita 24 – Sala do PIC
Quando cheguei à escola, a série C estava no recreio, por isso fui para a sala
do café, onde se reúnem os professores. Encontrei a professora Mr (4ª série F) que, ao
saber quem é a pessoa que faz uma pesquisa de Doutorado na escola, veio conversar
sobre meu referencial teórico e perguntar sobre a abordagem da pesquisa. Essa
professora pertence à Associação de Psicanálise Lacaniana, é doutora em Psicanálise e,
até o final do ano, devese aposentar pela Prefeitura Municipal de São Paulo. Embora
sua turma esteja entre as que a coordenadora indicou como uma das que têm problemas
de indisciplina, não se dispôs a me receber em sua sala.
Enquanto conversávamos sobre minha pesquisa, as professoras da série
desceram para o recreio. A professora I (4º ano do PIC da manhã) comentou com a
professora MJ (3ºA): “o irmão ‘daquele seu aluno’ apareceu na escola hoje”. A
professora MJ perguntou: “o Hq? Aquele que veio da rie?” A outra respondeu
afirmativamente. Tomei a iniciativa de conversar com a professora I, falando sobre
minha pesquisa e adiantando que já havia conversado anteriormente com a professora
Mn sobre aquele aluno, de modo que gostaria de observá-lo na sala de aula. Ela disse
que não havia qualquer problema, pois isso poderia inclusive ajudá-la. Ressaltou de
imediato que a decisão de mudá-lo de classe foi feita sem que fosse consultada e que, de
qualquer forma, por não fazer parte de sua lista de chamada, não tem qualquer
responsabilidade com relação a ele e mais do que isso, está isenta de futuras decisões a
serem tomadas.
Assim que entramos na classe, a professora esclareceu a todos que o Hq
estava avisado de que ali a regra era: “se bater leva em dobro”, portanto, estava ciente
de que não deveria se meter com os colegas.
Na sala há 26 alunos matriculados com freqüência regular, sendo que um deles é
deficiente (portador de paralisia cerebral leve). Segundo a professora, esse aluno (Vn)
teve algum problema no parto, mas a família é muito cuidadosa, está sempre em busca
de novos recursos e de profissionais especializados que possam auxiliar no seu
desenvolvimento. Ele é um aluno muito inteligente, sem dificuldades em Língua
Portuguesa, mas, como não consegue progredir em Matemática, foi encaminhado ao
PIC.
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Durante as atividades, o aluno Hq ficou quieto e prestando muita atenção.
Copiou e tentou fazer os exercícios propostos.
Na hora da saída, a professora lembrou que teriam aula de Educação Física no
pós-aula, por isso o podiam ir embora. Os outros garotos foram procurá-lo para saber
se queria jogar futebol e em pouco tempo já estava entrosado.
Quando saíamos do pátio interno, Hq caminhava na minha frente. O inspetor,
dirigindo-se a mim, afirmou: “Coitada, o acredito que isso sobrou para você! Esse
não tem mais jeito, rouba, bate nos outros, cobra pedágio, tem um destino certo! É
um verdadeiro “gangster”, um marginal!” Continuei andando, como se não tivesse
escutado mas sem dúvida, o comentário foi ouvido pelo próprio aluno.
Permaneci na escola ao final da aula de Educação Física, mas Hq foi embora
sem que eu tivesse percebido. Enquanto aguardávamos o início da aula, Vn chegou-se,
dizendo que é muito tímido, mas gostaria de conversar comigo. Nossa conversa foi
interrompida pelo professor de Educação Física, que o chamou para o início da aula.
EMEF– 18/05/2007 (8h30 – 12h)
Visita 25 – Sala do PIC e Reunião de pais – 2ªC
Assim que cheguei à sala do PIC, a professora perguntou se eu poderia ajudar o
aluno Hq, pois a atividade proposta era de Matemática, disciplina em que tem muita
dificuldade. Acatei a sugestão e fui para o fundo da sala sentar-me ao seu lado.
Os exercícios propostos eram de adição e multiplicação. Comecei a ajudá-lo,
mas logo percebi que não fazia qualquer relação entre a quantidade e a representação
gráfica, tampouco conhecia as dezenas (por ex.: para ler o número cinqüenta e quatro,
falava cinco e quatro). Perguntei à professora se poderia dar outra atividade, de forma a
explicar como são formados os números.
Ela concordou e, enquanto voltava, começou a expor à classe suas dificuldades e
os motivos que o levaram àquela sala: revelou que o menino não conhece os números,
as letras, não sabe juntá-las para formar as sílabas, por isso não consegue acompanhar as
atividades. Falou também sobre o fato de ter sido retirado da série e encaminhado
para a rie, sem qualquer critério ou atendimento diferenciado da escola. O aluno
abaixou a cabeça entre os braços cruzados sobre a carteira e, somente quando a
professora parou de falar, é que pudemos conversar novamente. Propus que fizéssemos
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outra atividade, afirmando que assim, em pouco tempo ele saberia fazer todas as
lições que a professora passasse.
Durante minha explicação, demonstrou fácil compreensão, entretanto, a todo o
momento perguntava se poderíamos voltar à atividade que estava na lousa,
demonstrando que não queria fazer exercícios diferentes dos demais alunos da sala.
O aluno Ls aproximou-se inúmeras vezes, perguntando se eu também poderia
ajudá-lo, pois se lembrava de que, no ano passado, eu sempre o auxiliava na sala do
PIC. Disse-lhe que hoje não seria possível, porque a professora tinha pedido para que
ficasse com o Hq, mas que, em outra oportunidade, poderia ajudá-lo. A todo o
momento, porém, Ls vinha mostrar as lições, para que eu indicasse o que estava errado,
tentava corrigir sozinho, mostrava novamente, para então levar à professora, pois
assim ganharia o carimbo de “ótima lição”.
Na saída, fui conversar com a professora sobre o Hq. Indiretamente, tentei
demonstrar o quanto ele está gostando daquela sala e como seu comportamento havia
melhorado. Entretanto, ela apenas repetia que não fora consultada sobre a transição,
deixando claro que não concordava com o procedimento da escola. Ao mesmo tempo,
demonstrava preocupação com o menino, argumentando que “ele é só uma criança que
não está sendo bem atendida” e que, para ele, “estar na sala de aula não tem significado
nenhum em termos de aprendizagem”.
Como nesse dia havia uma Reunião de Pais na C, assim que pude, dirigi-me
para lá. No momento em que cheguei, a professora conversava com o irmão do aluno
EA. Ele afirmava que o irmão não fica na rua durante a tarde, tampouco freqüenta a
favela do ‘Boi Malhado’ (próxima à Escola Estadual onde EA faz atividades no contra-
período escolar).
Na seqüência, chegou o pai da aluna Sr para falar sobre as faltas de sua filha.
Segundo ele, a garota freqüentemente fica doente, causando uma série de problemas,
porque recebem, além do leite, recursos do Programa Bolsa-Família, benefícios
atrelados à freqüência escolar. Como a Sr tem faltado constantemente, quase perderam
esses auxílios que, segundo ele, são de extrema importância, pelo fato de sua esposa
estar desempregada e ele não ter um salário fixo, porque trabalha fazendo entregas
(“motoboy”).
A professora explicou que realmente havia registrado as faltas e passado para a
secretaria. Porém, ao se darem conta de que a família perderia esses auxílios, a
secretária procurou-a, expondo a situação. Ela retirou algumas faltas por não achar justo
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tomar essa atitude sem antes conversar com os pais. Mandou um bilhete solicitando a
presença de um responsável, mas não houve qualquer retorno e a menina continuou
faltando. Quando Sr voltou à escola, a professora informou-a sobre as faltas que retirara
no primeiro bimestre, mas avisou que isso não se repetirá porque, se o caso for
descoberto, estará sujeita a perder seu emprego por cometer uma fraude.
O pai tentou interrompê-la diversas vezes, até que finalmente conseguiu explicar
que a filha tem ficado doente constantemente, mas nem sempre é necessário levá-la ao
médico, por isso não há atestado para todas as suas faltas. Por outro lado, justificou que,
como trabalha com entregas e não tem um horário fixo, pediu à esposa que
comparecesse às convocações, que ela não foi. Quando ficou sabendo, ele mesmo
deu um jeito de ir à escola, mas por três vezes, chegou por volta do meio dia e em todas
foi informado de que a professora havia saído. Ela confirmou, pois faz seu horário
coletivo (JEI) com a turma da noite. Finalmente, entre encontros e desencontros,
puderam conversar e ele pediu que tivesse um pouco mais de paciência, pois em breve
mudarão para uma casa mais próxima da escola, quando então será mais fácil a
comunicação entre ambos.
A professora deixou bem claro que não tirará mais as faltas da Sr, mas poderá
justificá-las mediante a entrega de um atestado ou mesmo de um bilhete explicando o
motivo da ausência. Ressaltou que é importante que o pai compreenda que o pode
ficar tirando as faltas de uma aluna pois, assim como a dele, muitas outras famílias
que também passam por grandes dificuldades e nem todas recebem o “bolsa-família”,
mas cujos filhos não deixam de freqüentar as aulas. Esclareceu que, além de injusto, é
um ato que pode ter conseqüências sérias para si mesma.
Embora demonstrando insatisfação, o pai agradeceu e foi embora e s também
descemos para pegar nossas coisas. A professora entregou-me seu Trabalho de
Conclusão do Curso de Psicopedagogia e saiu rapidamente, pois estava atrasada para
um compromisso.
EMEF– 06/06/2007 (8h30 – 11h)
Visita 26 – Sala do PIC
Ao chegar à sala, a professora explicava aos alunos os conceitos fundamentais
da multiplicação, utilizando para tanto a tabuada do 2. O aluno Hq passou
aproximadamente um quarto de hora, tentando apontar seu lápis e pedindo outro
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apontador emprestado aos colegas. Do outro lado da sala, o aluno Ls prestava atenção às
ameaças recíprocas de outros dois sentados um pouco mais a sua frente, até que chamou
a atenção da professora para os colegas Ad e Lo, que prometiam brigar durante o
recreio.
A professora repreendeu-os, ressaltando que estava explicando como efetuar as
contas de multiplicação e, por não estarem prestando atenção, não conseguiriam fazer os
exercícios.
Depois desse fato, a professora começou a chamar a atenção de todos os que não
estavam atentos e, de modo especial do aluno Dv, que lia uma revistinha sobre dengue.
Terminada a explicação, a professora colocou algumas contas na lousa (com a
tabuada do 2) e começou a chamar primeiro os que estavam distraídos, mas como não
conseguiam, chamou os outros para resolvê-las.
Às 9h os alunos desceram para o recreio, tempo em que permaneci com a
professora na sala do café” (espaço onde os professores ficam durante o recreio dos
alunos). Nesses 15 minutos, conversamos sobre a realidade da sala e as dificuldades que
ela tem enfrentado. Comentou que muitos pais não comparecem às reuniões realizada
durante o período de aula justificando que trabalham em horário comercial e não
podem faltar. Como o mero de presenças foi baixo, realizou outra reunião à noite,
mas mesmo assim a adesão foi baixa. A partir daí, optou por mandar bilhetes nos
cadernos solicitando que marcassem os horários que lhes fossem adequados. Seu
principal objetivo é solicitar aos pais ou responsáveis que encaminhem seus filhos a um
atendimento psicológico ou que procurem um médico especialista, que investiguem
prováveis causas físicas ou mentais capazes de dificultar a atenção e a aprendizagem
dessas crianças. Até o momento, apenas quatro alunos estão com acompanhamento
extra-escolar.
Todavia, o que mais parece incomodá-la é o fato de alguns profissionais não
darem o retorno esperado. Cita como exemplo o caso de Ls, que freqüenta o Corpo de
Bombeiros no contra-horário escolar. Foi solicitado, por meio do próprio aluno, que a
professora mandasse um documento. Ela redigiu uma carta, detalhando os horários de
estudo do aluno e pediu que explicassem sua atuação nas atividades desenvolvidas na
Corporação. No dia seguinte, Ls retornou, com a informação de que “a moça do
bombeiro disse que aquilo não serve para nada”, precisavam das notas do aluno.
Todavia, não mandaram qualquer solicitação por escrito ou sequer atenderam ao pedido
da professora.
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Como se trata de um aluno com muitas dificuldades de aprendizagem e não teve
retorno a sua solicitação, a professora não prestou mais nenhum esclarecimento ao
Corpo de Bombeiros.
Da mesma forma, outros alunos retornaram de encaminhamentos médicos e/ou
psicológicos com a avaliação de que não apresentam quaisquer anormalidades. Os
médicos deram o retorno apenas com a ressalva de que é preciso que a professora tenha
mais calma e lhes dê mais atenção.
Esses fatos parecem agravar as “frustrações” quem se acumulando. Em
princípio, a turma de PIC deveria ser composta de alunos multi-repetentes, tendo como
objetivo oferecer aos que têm alguma defasagem a oportunidade de alcançarem os
demais, contudo, do seu ponto de vista, a sala acolhe crianças com carências e
deficiências bem diversas das previamente concebidas. Esta turma foi-lhe atribuída
porque “era a última da escala e foi o que sobrou”, mas afirma que: Deus foi o bom
que me deu uma sala tranqüila!... Porque a sala da tarde não é como a minha”.
Quando fomos buscá-los no pátio para voltar à sala de aula, a mãe do aluno Lo
esperava para conversar com a professora. Por isso, os alunos permaneceram mais 30
minutos no pátio. Nesse tempo, pude observar que interagem bem, todos brincam
juntos, inclusive o Hq, que chegou há poucas semanas. No período em que estavam sem
a supervisão da professora, pude perceber que são realmente tranqüilos, apenas duas
meninas tiveram atitudes mais agressivas com alguns meninos, mas os outros
permaneceram batendo “cards”, correndo, conversando e brincando de virar
cambalhota.
A mãe do Lo nos acompanhou até a sala, para assinar a lista de presença da
reunião. Os alunos retornaram aos seus lugares e continuaram a copiar o enunciado do
exercício que estava na lousa. Em dado momento, Lo começou a chorar e parou
quando fomos embora. Vendo o colega chorar, Ls levantou-se e pediu autorização para
copiar a lição para ele. A professora deixou e continuou passando no quadro as contas
que deveriam ser efetuadas. Mesmo com inúmeras explicações, Hq perguntou várias
vezes se era para copiar as contas no caderno.
No pouco tempo restante, a professora corrigiu o livro de Matemática e indicou
atividades para casa.
Ao sairmos, a professora dizia que Lo é extremamente tímido, mal conversa com
os colegas e até em casa se esconde quando recebem visitas. pedira a sua mãe para
levá-lo a um pediatra, esperando que fosse encaminhado a um tratamento psicológico,
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porém o dico disse que ele é uma criança normal. Ela então o comparou ao Hq que,
apesar das dificuldades “porque pulou fase” (referindo-se à transição da para a
série), relaciona-se muito bem. E acrescentou que, a mesmo em relação às
dificuldades de aprendizagem, se analisarmos criteriosamente, podemos observar que
não apresenta grandes problemas, pois “se você ensina, ele aprende logo”.
Voltando ao assunto dos profissionais que lhe têm negado ajuda e o seu
descontentamento com certas ões que julga inadequadas, citou mais uma vez como
exemplo o aluno Hq e a atitude da escola com relação a ele. Na verdade, não perde a
oportunidade de declarar que não concorda com o procedimento adotado, afirmando que
ele está na sua sala de aula por estar, que não é capaz de acompanhar o ritmo da
turma que, embora fraca, está bem mais adiantada. Afirma reiteradas vezes: “Ele
pulou fase! Deveriam ter passado ele para uma 2ª série”. E completa: “Eu quero só ver o
que vão fazer com ele no fim do ano... vão passá-lo para uma segunda série? Vão
retroceder o coitado? Ou vão reprová-lo e colocá-lo novamente no PIC? Não adianta,
não é aqui que ele deveria estar”.
Essa preocupação é agravada pela questão legal: o aluno oficialmente está
matriculado na série. De fato, cursa a série, porém, da mesma forma que não foi
consultada sobre a transferência, a professora acha-se desobrigada de assumi-lo “como
seu”. Com essa ponderação, demonstra o quanto es preocupada com a questão
pedagógica e, de forma tão ou mais intensa, teme os problemas que poderá enfrentar
mais ao final do ano.
Certas atitudes tomadas em sala de aula bem manifestam sua inquietação e é
importante salientar três aspectos:
Como o conseguem acompanhar o livro do PIC, procurou livros de
Matemática da série, em quantidade suficiente para todos, de modo que se sintam
motivados por conseguirem acompanhar os conteúdos e realizar as atividades.
Como duas alunas com dificuldades em Português, mas com extrema
facilidade em Matemática, elaborou um caderno com exercícios específicos ao seu
desenvolvimento, de modo que não percam tempo com outros muito aquém de suas
possibilidades.
Em atenção àqueles que ainda se prendem à letra de forma, ao escrever na lousa,
preocupa-se em representar a escrita das duas formas, salientando sempre que é
necessário que passem a utilizar o quanto antes a cursiva.
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EMEF– 11/06/2007 (8h30 – 11h)
Visita 27 – Sala do PIC
Assim que cheguei à escola, fui informada por uma funcionária da Secretaria
que a professora titular da 2ªC estava de licença e que os alunos foram distribuídos em
diferentes salas. Decidi, então, voltar para a 4ª série (PIC).
Durante o recreio, ouvi relatos de uma inspetora de que o aluno Mt (2ªC) havia
fugido da escola. Segundo ela, “ele veio para a escola hoje, porque achou que a
professora fosse voltar de seu período de licença, mas como isso o aconteceu, ele
aproveitou o horário do intervalo para pular o muro”, que separa as quadras da rua.
Na opinião das professoras, mesmo estando na rie, esse aluno fez sua
fama de indisciplinado e bagunceiro. Referem-se a ele com frases: “Sabe aquele aluno
da professora da 2ªC...”; É aquele da 2ªC, que vive aqui em baixo” (referindo-se à sala
da coordenação); “Se na 2ª série já está assim, imagine quando chegar na 4ª!”, etc.
Quando o sinal tocou e as professoras encontraram suas turmas, encaminhei-me
à sala do PIC. Os alunos Ls e Hq haviam faltado e a professora realizava uma atividade
de recorte e colagem de palavras com algumas letras específicas. A turma estava
bastante alvoroçada, o ambiente sujo, mas não havia brigas ou algo que pudesse ser
indicativo de indisciplina, a movimentação exagerada era causada pela própria
necessidade de trocarem revistas pedir emprestados tesouras e tubos de cola.
Alguns minutos depois desceram para o recreio. embaixo, ninguém mais
falava sobre o garoto que havia fugido. A professora mencionou uma avaliação que
recebera naquele dia, destinada aos alunos com mais dificuldades. Foi elaborada pela
Coordenadoria de Ensino, visando à identificação dos maiores problemas registrados
pelos alunos do PIC.
Por não ter sido programada, estava encontrando dificuldades para aplicá-la,
principalmente pelo fato de ser individual. Mas o pior era ter que entregar ao final do
dia, porque tinha consulta médica marcada para o dia seguinte (12/06) e teria que faltar.
Dispus-me a ajudá-la. Ela agradeceu e aceitou. Comentou que esse modelo de
atividade proposta pela Coordenadoria é quase sempre realizada de forma inadequada.
Na sua concepção, deveria ser entregue aos professores com antecedência, para que
todos os alunos participassem e de modo a o alterar a rotina. Ressaltou ainda que,
principalmente por serem aplicadas às pressas, servem tão somente para apontar as
inaptidões dos professores e revelam a falsa idéia de que os alunos são incapazes de
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fazer atividades simples. E advertiu-me de que assim que visse aquele papel (a
avaliação), ia entender o que ela estava falando, pois aquilo não serve para indicar o
quanto um aluno já aprendeu”.
Chegando à sala, deu-me a sua cópia, contendo algumas poucas orientações
sobre o modo como aplicar o teste e a relação de palavras e números constantes do
ditado.
Fui para uma mesa no fundo da sala e comecei a avaliar os alunos por ela
encaminhados.
A avaliação consistia em um ditado de quatro palavras e uma pequena frase
(sobrancelha – barriga – dedo – mão - meu dedo quebrou), uma adivinhação (que
precisava ser lida pelo aluno, mas não respondida), um quadro com o alfabeto completo
(cuja proposta não foi possível entender), um ditado de números (3 7 2 9 4) e o
reconhecimento das cores, mas como não havia pis suficientes para nós duas, ela
pedia que os alunos trouxessem seus próprios lápis.
Avaliei quatro alunos: todos escreveram com muita dificuldade, alguns ainda
sem qualquer valor sonoro das palavras, reconheceram as letras do alfabeto (apenas uma
ou outra troca) e indicaram os numerais ditados adequadamente. Apenas o aluno Al
chamou muito a atenção, pois, além de uma dificuldade imensa para ler e escrever, não
conseguiu reconhecer as cores dos próprios lápis.
EMEF– 13/06/2007 (8h30 – 11h)
Visita 28 – Sala do PIC
Quando cheguei à sala de aula, os alunos estavam copiando uma atividade de
adivinhações, proposta pelo material do professor para as turmas de PIC. Hq faltou e Ls
estava na sua carteira.
Enquanto copiavam, a professora chamava alguns a sua mesa, dando
continuidade à avaliação diagnóstica descrita no relatório do dia 11/06. Na verdade, a
professora comentou que as avaliações que realizamos foram enviadas à coordenadora,
para posterior encaminhamento à Coordenadoria. Esta, por sua vez, no dia 12, entrou
em contato com a escola, para definir a aplicação do exercício com as letras do alfabeto
e determinar que todos os alunos do PIC deveriam participar.
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Ela recebeu então nova remessa das avaliações e chamava um aluno por vez em
sua mesa. Pediu novamente que a ajudasse, pois assim terminaria mais pido essa
avaliação. O aluno Fr, desde o início da aula, não parava de fazer bagunça.
Ao pegar as folhas, explicou-me que todas as letras do alfabeto deveriam ser
lidas, e não apenas uma ou outra e que, caso trocassem uma por outra, o erro deveria ser
indicado.
Realizei a avaliação apenas com um aluno, enquanto os demais terminavam de
copiar e responder as adivinhações. Assim que o aluno voltou ao seu lugar, a professora
pediu a atenção de todos, pois iria corrigir as adivinhações. Salientou que todos
deveriam participar, mesmo achando que a resposta estava errada.
A seguir, as adivinhações e as respostas dadas pelas crianças:
Quem é que vive levando pontapé? Respostas: cavalo, bola, cachorro, gato.
O que falta numa casa para formar um casal? Respostas: amor, filho, anel, um
homem e uma mulher (nenhum aluno respondeu que era a letra ‘L’)
O que está no meio da rua? Respostas: carro, lombada, moto, bicicleta, asfalto
(nenhum aluno respondeu que era a letra ‘U’)
Ao corrigir a primeira adivinhação, alguns alunos deram como resposta tipos
diferentes de animais, por isso, a professora aproveitou para lembrar que há pessoas que
maltratam os animais, o que o é correto e até é proibido. Ls argumentou que no caso
do cavalo não, pois é necessário dar pontapés para que ele comece a andar. A professora
enfatizou que não é necessário machucar um animal para que faça o que desejamos,
principalmente em se tratando do cavalo. Ls voltou para sua carteira pouco convencido
de que não é preciso dar pontapés em cavalos, até porque é o que freqüentemente as
pessoas fazem.
Assim que terminou a correção, fomos para o recreio e a professora comentou
que os alunos Dv e Hq têm dado muito trabalho, pois têm brigado bastante. Perguntei se
as brigas estavam acontecendo na classe e ela disse que apenas o Dv (que faltou naquele
dia) brigava dentro da sala de aula, mas o Hq estava voltando a criar problemas no
recreio (fazendo menção ao período em que freqüentava a 1ª série).
Ao sairmos da sala em que os professores ficam durante o recreio, encontrei com
EA (2ªC) e mais dois alunos que se apressaram em dizer que estavam ajudando a
coordenadora pedagógica nos preparativos para a festa junina e asseguraram que não
estavam lá porque tinham brigado.
54
EA contou que irá passar as férias na Praia Grande, ficando uns 15 dias com seu
pai (os pais são separados, ele mora com a mãe, mas freqüentemente passa finais de
semana na casa do pai, no litoral). Parecia estar ansioso, repetia sempre a mesma coisa e
falava que ia ‘surfar’ e brincar na praia o dia todo.
Quando o recreio acabou, voltamos à sala de aula e continuei aplicando as
avaliações.
A professora pediu que o Ls apagasse a lousa, mas, como ele é baixo, precisava
pular para alcançar a parte mais alta. Quando começou a saltar, as outras crianças
começaram a rir e a professora advertiu-o dizendo que parasse de fazer “gracinhas”, do
contrário, não pediria mais sua ajuda. Ele demonstrou não estar entendendo nada,
continuou apagando e precisou de mais alguns pulos para que a lousa estivesse
limpa.
O último aluno a ser avaliado foi Lo. Fiquei surpresa de ver que tinha escrito
todas as palavras, as frases e os números do ditado sem nenhum erro. Sua leitura é
absolutamente fluente, mesmo quando se depara com ‘ch’, ‘ss’, ‘lh’, ‘nh’. Quando
terminei, devolvi as folhas à professora, que já havia dado ordem para que todos
guardassem o material para irem embora. Enquanto acompanhávamos a classe até o
pátio, indaguei-lhe sobre o Lo, pois o entendi porque estava em uma sala de PIC. Ela
respondeu que, em relação ao domínio da língua, ele é bem melhor do que muitos
alunos que cursam as classes regulares, só que não consegue realizar qualquer operação
matemática, por mais simples que seja, por isso foi encaminhado ao PIC. Disse que, na
Reunião de Conselho, proporá que seja transferido para uma sala regular, mas com uma
professora que se comprometa a lhe dar uma atenção especial. Particularmente,
considera um absurdo mantê-lo com outros que têm muitas dificuldades, principalmente
em se tratando de Língua Portuguesa, por se ver obrigado a realizar tarefas muito aquém
de sua capacidade e de modo a perder tempo e conteúdos.
55
EMEF– 26/06/2007 (7h – 11h)
Visita 29 – 2ªC – Professora Substituta
(professora em licença médica desde 05 de junho)
O sinal para os alunos é às 7h, porém só entram na classe por volta das 7h20min.
As filas o separadas e identificadas por turma/ nome da professora. As 2ªs e 3ªs séries
fazem as filas no pátio interno da escola, enquanto que a série fica na parte externa,
entre as quadras e o parquinho. A turma do PIC (4ª rie) foi dispensada por falta de
professor-substituto para assumir a sala na ausência da professora. Assim que souberam
da dispensa, os alunos, rapidamente, procuraram sair antes que os portões fossem
fechados, quando seriam remanejados para outras classes. Pouco a pouco, as professoras
iam chegando, formavam as filas e subiam para suas respectivas salas.
De modo geral, a entrada ocorre calmamente. pouca correria, as crianças
preferem ficar conversando, sentadas ou em na fila. Apenas três meninos corriam
desordenadamente pela quadra, batiam-se mutuamente, mas, mesmo quando acertavam
um soco ou trombavam com outros colegas, não era motivo para uma briga séria.
Assim que a professora chegou, subimos para a sala de aula, onde os alunos
entraram rapidamente, acomodando-se em seus lugares. Uma aluna (Tl) participou-me
que era o dia de seu aniversário e também de outro colega (Fb), Assim que a professora
retornou com as atividades, fizeram a oração do Santo Anjo
3
, lembrando-lhes que foi
ensinada logo nos primeiros dias em que assumira a sala. Durante a oração, os alunos
Mt e EA entraram correndo e foram para o fundo da sala. Apesar da bagunça, a
professora não esboçou reação. Assim que terminou de rezar, solicitou que o Mt
sentasse na cadeira e o na carteira. Ele ainda permaneceu sobre a mesa por mais
alguns momentos e saiu correndo da sala sem pedir autorização. Enquanto entregava
aos alunos uma folha com o texto “Bate papo da roça”, o aluno EA foi levar para outra
professora as prendas que arrecadou para a festa junina, que acontecerá no próximo dia
30/06. Após terem recebido o texto, a professora orientou-os sobre as atividades que
deveriam fazer. Passados aproximadamente 10 minutos, EA voltou correndo e, assim
que entrou, começou a forçar a porta, de modo que o Mt não conseguisse entrar.
Quando entrou, recomeçaram a correria, até que EA escondeu-se atrás de mim, tentando
se proteger dos tapas de Mt. A professora interveio rapidamente, porém Mt pegou o
3
Segue a oração: “Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina,
sempre me rege, me guarde, governe, ilumine.Amém.
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gorro do EA e jogou-o para fora, ficando entre a janela e a grade de proteção. EA
pegou-o e foi sentar-se em seu lugar. A professora perguntou ao Mt o que tinha ido
fazer na escola e por que o havia ficado em casa dormindo. Após um curto silêncio,
ele respondeu: “Para fazer lição”. A professora, de volta a sua mesa, olhou para trás e
disse: “Ah, sim, percebe-se!”
Enquanto a professora lia uma poesia, Mt chamava EA insistentemente para
continuarem a disputa. Ainda que a comunicação dos dois dispersasse a atenção da
turma, a professora não interrompeu a leitura. Quando terminou, chamou-os a sua mesa
para explicar como deveriam fazer a atividade. Mt voltou rapidamente para a sua
carteira e começou a fazer a lição, enquanto EA, no caminho, bateu em dois colegas,
sem motivo aparente. Voltou ao seu lugar e começou a fazer a lição. Mais uma vez, sem
que ninguém o tivesse provocado, levantou para bater em alguns colegas, dando tapas
na nuca e golpes no ombro. A professora chamou-o para que assinasse uma advertência.
Ele foi correndo, dando cambalhotas, sem demonstrar medo ou vergonha. A professora
fez as anotações em seu caderno, ele assinou e voltou a fazer sua lição. Alguns instantes
depois, foi até a mesa em que eu estava e começou a contar que agora estava fazendo
todas as lições que a professora passa para ganhar R$10,00 da sua mãe. E emendou
outra história: disse que na noite anterior tinha ido a farmácia comprar pomada, porque
ainda usa pomada de bebê. Mas a pomada não era para ele e sim para os negócios do
seu tio. Perguntei que negócios o esses e, meio sem graça, disse que o era coisa
boa, que não prestava. Respondi que, se não quisesse, não precisava falar. Ele então
veio bem perto do meu ouvido e sussurrou que seu tio faz maconha e farinha, mas não
usa, faz para vender. Voltando a falar em tom de voz normal, disse que o tio lhe deu
R$50,00 para comprar a pomada e deixou que ficasse com o troco. Nisso, Mt chegou
para participar da conversa e, ao perceber que EA tinha me contado que seu tio fabrica
maconha e que moram na Favela do Rato” (próxima à escola), afirmou: "Mexe nada,
professora! É tudo da cabeça dele!” e foi afastando-o
Durante todo o primeiro período, os alunos fizeram apenas a atividade da poesia
e, como muitos terminaram rapidamente, as conversas e brincadeiras eram intensas.
Às 8h30min., descemos para o recreio, mas como estava muito frio, ficaram a
maior parte do tempo no pátio coberto, o que fez com que o barulho fosse ensurdecedor
e a possibilidade de brigas, maior. Os recreios da 2ª e da 3ª séries foram juntos.
Enquanto acompanhava a turma aa Sala de Leitura, encontrei EA encostado no canto
de uma parede, embaixo do telefone público, chorando e murmurando bem baixinho
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que “aquilo não ficaria assim... que ele ia chamar o seu primo e ele ia ver!” Perguntei
o que tinha acontecido, mas não quis me contar. Outro garoto aproximou-se e disse que
“alguns moleques da série tinham batido nele e que um acertou um tapa na sua cara”.
Ele ficou envergonhado e abaixou a cabeça. Perguntei ao menino se sabia quem eram os
garotos e se os inspetores foram avisados. O garoto respondeu: “Não adianta falar com
os inspetores porque eles o fazem nada!” EA resmungou, agora com a voz um pouco
mais forte, que “iria falar com seu primo e que acertariam as contas com esses garotos“.
Uma das inspetoras chegou para saber o que tinha acontecido mas, vendo quem
estava chorando, fez sinal com a cabeça para que eu não me preocupasse e nem
acreditasse no que dizia, afirmando: Professora, pode ter certeza que alguma coisa ele
fez!” EA ficou bastante nervoso e abaixou novamente a cabeça. Aconselhei que fosse ao
banheiro lavar o rosto, pois deveríamos ir para a Sala de Leitura, mas fingiu que não
escutou. Eu repeti, disse que estava indo para a aula, se quisesse ir, era me seguir e
caminhei sem olhar para trás. Ele chegou e segurou minha mão. Perguntei se não queria
lavar o rosto, mas fez um sinal negativo com a cabeça.
Chegando à Sala de Leitura, às 8h45min. a professora responsável por aquele
espaço separava-os em pequenos grupos de três ou quatro e indicava as mesas em que
deveriam sentar-se. Assim que chegou, EA foi para o começo da fila, causando um
grande alvoroço entre os colegas, que pediam à professora que não o deixasse passar na
frente. Ela disse que tinha visto, que não precisavam se preocupar, porque não o
colocaria junto com o Mt. E já começou a falar que “aqueles dois juntos não dava certo,
porque o EA não sabe se comportar, não respeita, só quer saber de brincar e de bater nos
colegas”. Ele saiu da fila, foi sentar-se em um banco que fica em frente à sala, abaixou a
cabeça e não quis mais entrar. Depois que todos estavam acomodados, a professora
foi até ele e pediu inúmeras vezes que entrasse. Depois de muita insistência, entrou e
dirigiu-se diretamente à mesa onde estava o Mt. A professora disse que ali o podia
sentar porque, na última aula, os dois causaram muitos problemas. E frisou que poderia
escolher qualquer outra mesa, menos aquela.
Ele tentou sair da sala muitas vezes, mas sem sucesso, porque a professora
colocou sua cadeira na porta, justamente para que não conseguisse escapar.
Aproximadamente uns 10 minutos da aula foram perdidos com a discussão sobre
em que lugar poderia sentar, salientando que EA e Mt juntos é sinônimo de bagunça.
Finalmente, EA sentou-se à mesa em que eu estava e, enquanto a professora
iniciava a aula, começou a folhear um livro. Fechou, pegou outro e ficou observando as
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figuras. Supondo talvez que a professora e eu estivéssemos distraídas, desceu da cadeira
e engatinhando tentou chegar à mesa onde estava o Mt. Foram mais de quatro tentativas
frustradas e, a cada uma, a professora parava a aula e dava-lhe nova advertência.
Por fim, admitindo que deixá-los separados estava atrapalhando mais do que se
estivessem juntos, a professora acabou aceitando que ficassem na mesma mesa. Tentou
retomar a aula, discorrendo sobre as características peculiares da festa junina, contudo
os dois começaram a conversar em voz alta atrapalhando mais uma vez os colegas. A
professora advertiu-os, lembrando que o EA tinha dado a sua palavra de que, sentando-
se ao lado de Mt, iria se comportar mas, como todos podiam ver, o estava cumprindo
a promessa.
Os dois ficaram quietos momentaneamente e a professora continuou a aula,
perguntando quem conhecia comidas e danças típicas de festas juninas. Os alunos
davam muitos exemplos e, em dado momento, EA começou a dançar, afirmando que era
uma dança de festa junina. Os colegas começaram a rir e a professora aconselhou-os a
não acharem graça, mas sim ignorá-lo, para que percebesse que seus “gracejos”
atrapalham. Pedindo que voltasse ao seu lugar, prometeu que, se ficasse quieto, deixaria
que a ajudasse.
Quando terminou o levantamento sobre as danças e comidas típicas, pediu que
EA passasse por todas as mesas, mostrando uma reportagem sobre a festa junina de
Caruaru (PE), que acontece anualmente durante todo o mês de junho. Ele teve o cuidado
de garantir que todos pudessem observar as fotos do evento. Quando acabou, a
professora mandou que se sentasse e avisou Mt de que, se continuasse quieto, seria o
próximo a ajudá-la.
Falou ainda sobre algumas tradições que fazem parte das festas juninas. À
medida que conversava, ia mostrando gravuras de um jornal, exposto para a sala pelo
Mt e outra aluna e perguntava se os alunos conheciam. Nesses dois momentos a
turma participou ativamente, inclusive o EA, que procurava responder a todas as
perguntas.
Porém, assim que o Mt voltou ao seu lugar, a bagunça recomeçou. A professora
fazia uma encenação com três alunos, a partir da história Sopa de pedra”, mas poucos
conseguiam prestar atenção devido ao falatório e à correria de Mt e EA.
A representação terminou às 9h30min. Ao término da aula, a professora pediu
que fizessem a fila para voltarem para a classe, mas os dois queriam permanecer na Sala
de Leitura. Depois de muito custo saíram e então a professora encaminhou-se à sala
59
de aula. Como tivemos que atravessar o recreio das 4ªs séries, alguns alunos
misturaram-se entre os demais. Quando chegamos, tivemos que esperar até que todos
entrassem.
Assim que o aluno Ld chegou à carteira, deu falta de seu estojo. No mesmo
instante, EA, Mt, Fb e mais alguns entraram correndo por trás dele e pegaram sua touca.
Uma pequena desavença teve início e todos saíram correndo pelo corredor. A professora
não os seguiu, continuou separando as folhas da próxima atividade. Quando os meninos
voltaram, Mt e EA começaram a pegar o material de todos os colegas e a correr pela
sala, batendo-se e empurrando-se. Isso durou aproximadamente 7 minutos. A
professora, bastante irritada, mandou que os dois devolvessem o que tinham pego e
fossem para a direção. Ofereci-me para acompanhá-los, mas ela disse que não precisava
me preocupar. Assim que fechou a porta, dirigiu-se a mim, dizendo que não adiantava
levá-los para a direção, por saber que não fariam nada e que se ficassem no corredor,
já não atrapalhariam os colegas.
Às 9h45min., a professora conseguiu que se acomodassem e pôde entregar uma
atividade de Ciências sobre os cinco sentidos. Foi impressionante a mudança que a
ausência dos dois provocou, em relação ao barulho e ao comportamento dos demais:
todos prestavam atenção ao que a professora explicava e a atividade foi realizada na
mais absoluta ordem. Alguns alunos chamaram-na para que pudesse observar da janela,
que fica na parte superior da parede, os pulos que EA dava. Foi o bastante para o
tumulto recomeçar, que desta vez foram os alunos Pd, Ad e Rl que começaram a
correr pela sala e a se baterem.
Depois de algum tempo, a inspetora de alunos veio trazer um comunicado e os
dois alunos, que disse ter pego brincando no corredor. A professora agradeceu, mandou-
os entrar e que fossem fazer a sua tarefa. EA pegou o apagador e começou a batê-lo na
lousa, levantando muita poeira. A professora, que ainda falava com a inspetora, tirou o
apagador de sua mão, mas ele pegou um giz e começou a fazer desenhos (círculos) na
lousa.
Assim que a inspetora foi embora, a professora colocou-os novamente para fora.
Nesse momento, outros dois fugiram sem que ela percebesse (Fb e Wl). Os quatro
ficaram fora por aproximadamente cinco minutos e depois retornaram. Como a
professora que ensaia a dança da festa junina havia combinado de retirar os que estão
participando às 10h, a professora não se incomodou com o retorno do EA e do Mt.
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Enquanto passava pelas carteiras, olhando as atividades e verificando se tinham
copiado o que passara na lousa, os dois começaram a manusear cartas de baralho.
Os alunos que iriam ensaiar já tinham feito a lição e guardado o material, porém
a professora responsável pelo ensaio foi à sala para informar que desistira porque as
turmas estavam muito agitadas e transferira mais para o final da semana.
Os alunos voltaram aos seus lugares e pegaram novamente o material. A
professora retomou a atividade sobre os cinco sentidos e entregou outro texto, “Meu
corpo”. Enquanto lia e explicava a atividade a ser feita, os alunos EA e Mt continuavam
manuseando as cartas, enquanto os outros alunos faziam a lição.
A professora indicou-me que EA sai para bater nos colegas porque alguém lhe
diz que o faça. Observações, como: “ele disse que você é fraquinho”, “ele falou que vai
te bater na saída”, “ele mexeu no seu material”, ou “vai e bate nele que eu te dou um
elástico”, fazem com que imediatamente obedeça.
No final da aula, quando muitos dos alunos que terminaram as lições tinham
sido dispensados, pude presenciar Mt mandando EA bater no Rl, o que lhe renderia um
elástico. Sem titubear, EA foi até o Rl e deu um tapa na nuca. O garoto começou a
chorar e perguntou por que havia feito aquilo. EA olhou para Mt, para se assegurar de
que ele tinha visto e foi buscar o “seu prêmio”, ou seja, o elástico. Mt disse que, no
momento, não o tinha, pois ficara na outra mochila. EA então perguntou se eu tinha um
elástico. Respondi negativamente e ele perguntou a mais alguns colegas, que também
não tinham. Notei que Mt levantou a manga de sua blusa para se certificar de que os
elásticos estavam em seu braço, onde havia aproximadamente uns 8 ou 10. Quando EA
voltou, Mt disse que lhe traria um no dia seguinte.
Ao sair da sala, a professora e eu fomos conversando. Ela contou-me que as
atividades que está fazendo com os alunos m sido elaboradas pela professora-titular,
que lhe entrega os estênceis prontos. Para ela isso é ótimo, pois além de dar
continuidade ao trabalho e ao planejamento da colega, não precisa se preocupar em
fazer as atividades, que trabalha também no segundo período cobrindo a licença de
outra professora da 1ª série.
Outro comentário foi sobre o EA dizendo que, quando está sozinho, é um aluno
facilmente controlável mas, quando o Mt está por perto fica impossível. Segundo ela,
“isso é interessante porque o Mt é bagunceiro, mas tem feito as tarefas e parece estar se
comportando melhor, mas o EA parece cada vez pior!”.
61
EMEF– 30/07/2007 (8h20 – 11h)
Visita 30 – 2ªC
A professora-titular voltou da licença dica após o recesso escolar (09 a
22/07), mas ainda está se recuperando de uma lesão no joelho, o que faz com que fique
mais em sua mesa e evite subir e descer as escadas da escola.
Assim que cheguei, comunicou-me que, durante o período de recesso, o aluno
Mt foi transferido para uma escola de tempo integral, por decisão do Conselho Tutelar.
Como ele era um dos objetos da minha observação, solicitei autorização para entrar em
contato com a coordenadora pedagógica, para averiguar em que circunstâncias ocorreu a
transferência.
Em seu lugar, foi matriculado JC que, ao que tudo indica, vem de uma escola
particular da região e aguardava uma vaga na fila de espera.
Outras alterações ocorreram no período de recesso: a pintura dos vidros das
janelas, nas cores azul, vermelho e amarelo e a terceirização do lanche.
Quando cheguei à escola, as 1ªs es séries estavam retornando do recreio e, tão
logo entraram na sala de aula, outra professora de uma turma de série, pediu licença
para conversar com as crianças.
Sua intenção foi chamar-lhes a atenção para a qualidade do novo lanche e para o
desperdício que houve naquele dia. O lanche continha duas fatias de o de forma
Pullman com recheio de queijo prato. Sem brigar com os alunos ou mesmo culpá-los
pelo desperdício, explicou que se trata de um lanche muito mais nutritivo do que o que
vinham recebendo anteriormente e ressaltou que os produtos oferecidos o de alta
qualidade. Sem discutir, disse saber que os alunos que jogaram seus sanduíches no
chão, assim o fizeram ou por não estarem com fome - que muitos tomam café em
casa e por isso não têm fome às 8h30min. - ou por não terem como guardá-lo para
comer mais tarde. Assim, ela resolveu passar em todas as salas para sugerir que, a partir
do dia seguinte, todos trouxessem em suas mochilas um guardanapo ou mesmo uma
sacolinha de supermercado para guardar o lanche, caso o quisessem comê-lo na hora
do recreio. Ressaltou que às 8h30min eles podem não ter fome, mas às 11h, quando vão
embora, a fome poderá aparecer e eles terão o sanduíche guardado. Nesse momento, o
aluno EA interrompeu-a, afirmando que, “aqueles que jogaram o lanche no chão,
também não poderiam colocar o sanduíche no bolso porque iria sujar a roupa”. A
professora concordou. Também pediu àqueles que trazem lanche de casa e aos que o
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gostam do que é oferecido pela escola que não peguem para jogar fora, pois aquilo que
vai fora poderá servir para matar a fome de outra pessoa.
As crianças pareceram concordar com a professora e comprometeram-se a pedir
aos pais que coloquem o guardanapo na mala.
Embora só houvesse 18 alunos presentes, a turma estava bastante inquieta e, de
modo especial, o aluno EA, que passeava entre as carteiras com uma nota de R$5,00 na
mão. Três vezes a professora pediu que sentasse e copiasse a atividade que estava na
lousa (o cabeçalho e o título “ditado sobre o PAN”). Finalmente, ele sentou-se e a
professora começou a ditar palavras relacionadas aos esportes representados nos Jogos
Pan-americanos, evento ocorrido algumas semanas. EA, agora sentado e quieto,
brincava com sua touca, mas não estava fazendo a lição. Quando percebeu, a professora
chamou sua atenção, então ele enfiou a touca na cabeça, pegou o lápis e começou a
escrever as palavras que foram novamente ditadas especialmente para ele. Assim que
ela retomou a atividade com toda a turma, EA abaixou a touca cobrindo parte do rosto,
apoiou a cabeça entre os braços apoiados sobre a carteira e assim permaneceu por mais
de 50 minutos (9h às 9h50min.).
Conforme ditava as palavras, a professora andava pela classe, quando percebeu
que o aluno (Pd) também não estava acompanhando, porque ainda copiava o cabeçalho,
que estava na lousa desde as 7h. Ela parou novamente e repetiu mais uma vez todas as
palavras para ele. A classe ficou quieta e ouvia-se apenas cochichos, um ou outro
perguntando aos colegas se tinha escrito todas as palavras. Depois das palavras, a
professora fez o ditado de alguns números. EA continuava com a cabeça abaixada e em
silêncio. A professora parece não ter percebido que estava dormindo, ou fez que não
viu, pois não chamou sua atenção, nem mesmo foi ver porque estava tão quieto.
Durante o ditado dos números, o aluno EL prestava atenção no aluno novo (JC),
considerado bom aluno por estar mais adiantado que o resto da turma. A cada número
ditado, EL repetia na seqüência as unidades (por exemplo: 236 duzentos e trinta e seis
–, repetia dois, três, seis) e observava a reação de JC. Quando falava alguma seqüência
errada, o colega corrigia e ele, meio ressabiado, escrevia os algarismos e depois tentava
ler, dizendo: “isso é muito fácil”.
Ao terminar, a professora passou a lição de casa na lousa, pediu licença para se
ausentar para tomar uma medicação e pediu-me que cuidasse da classe.
Ficaram sob meus cuidados das 10h até aproximadamente às 10h30min.
Enquanto copiavam a lição, andei pela classe observando seus cadernos. Havia um
63
burburinho pois, embora permanecessem copiando, levantavam-se para apontar o lápis,
para pegar materiais emprestados e para conversar.
O aluno JC perguntou se eu tinha medo de cobra. Respondi que sim e quis saber
o motivo da pergunta, questionando-o se ele também tem. Ele respondeu que sim, mas
se for de verdade. Contou que assistiu a um filme no final de semana, onde apareceu
uma cobra gigante que engolia pessoas e animais e o havia jeito das personagens
matarem-na. Enquanto me falava sobre o filme, EL aproximou-se para ouvir a conversa
e logo foi dizendo que também assiste a filmes com cobras assassinas e confirmou que
são realmente perigosas, pois podem engolir pessoas inteiras.
Nesse ínterim, outro aluno solicitou meu auxílio e o assunto da cobra foi
encerrado.
Continuei caminhando pela sala. Em dado momento, o aluno EA acordou,
levantou a cabeça e se espreguiçou. Chegando a sua fileira, perguntei se tinha dormido e
ele confirmou. Em tom de brincadeira, eu lhe disse: “Nossa! Hoje ainda é segunda-feira
e está cansado desse jeito!” Ele sorriu e disse: “É porque ontem fui dormir muito
tarde. Fiquei jogando o “game” que meu pai me deu. Fui dormir já era mais de 1 hora da
manhã.” Disse-lhe que não deveria ficar até tão tarde brincando, principalmente quando
precisa acordar cedo para ir à escola, pois fica cansado e não faz as atividades. Ele disse
que é “legal” brincar e, como o “game” está no seu quarto, sua mãe nem sabe que fica
até tão tarde acordado.
Fiz sinal que copiasse a lição da lousa, mas ele disse que não copiaria porque,
assim que chegasse em casa, ia pegar seu game” novamente e ficar o resto do dia
jogando. Ponderei que essa atitude poderia causar problemas com a professora, mas ele
não se importou, levantou-se, começou a correr pela sala e a conversar com o EL e com
o JC.
Ao retornar, a professora desculpou-se por ter demorado mais do que o previsto.
A justificativa foi de que, ao encontrar a inspetora de alunos, que voltou recentemente
de licença maternidade, começaram a conversar sobre o bebê. Desse modo,
conseguiu voltar à sala de aula naquele momento, mas disse-lhe que não havia problema
e que eles se comportaram muito bem.
Retomando, ela deu explicações sobre a lição a ser feita em casa e os que
tinham terminado foram autorizados a guardarem seus materiais.
Alguns minutos depois já estávamos formando a fila para irmos embora.
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EMEF– 31/07/2007 (7h20 – 11h)
Visita 31 – Sala do PIC
Quando cheguei à escola, observei alguns alunos entrando nas salas e outros
percorrendo o corredor, todos à procura de carteiras vagas. Essa é uma rotina. Todos os
dias alunos de diversas salas precisam sair em busca de suas mesas e cadeiras.
Ao entrar na sala do PIC, verifiquei que o aluno Hq havia faltado. Assim que se
acomodaram, a professora fez uma oração, agradecendo, entre outras coisas, o fato de
todos serem perfeitos e bonitos. Ao final, o aluno Ls disse em voz bem alta “Amém!”.
A sala estava em silêncio com apenas 16 alunos presentes. A professora deu
início, falando sobre o mês de agosto, em que é comemorado o Folclore.
De modo geral, os alunos participavam ativamente, lembrando de algumas
brincadeiras de rua, das vezes em que se machucaram, relatando histórias contados por
seus pais ou avós e, principalmente narrando algumas que compõem o folclore, como as
do Saci Pererê, da Cuca, do Curupira, etc.
Foi uma aula bastante descontraída, um momento de interação, em que a
professora e os alunos falaram sobre o que gostam de fazer e lembraram-se de fatos
passados, principalmente de músicas folclóricas que todos conhecem desde a primeira
infância. Às 8h15min., a professora encerrou o assunto e distribuiu uma atividade de
Geometria, composta por três quadrados grandes com desenhos internos, que deveriam
ser pintados com as seguintes cores: 1º quadrado de vermelho e amarelo, o 2º de verde e
amarelo e o 3º de laranja e amarelo.
Essa atividade durou aproximadamente 30 minutos, tempo em que solicitou-me
que fizesse com alguns alunos uma avaliação diagnóstica de escrita e leitura. Para tanto,
deu-me um conjunto de letras móveis feitas em cartolina e um pequeno texto sobre a
Caipora. Os alunos deveriam ler o texto e, com as letras veis, escrever algumas
palavras que estavam destacadas.
A professora escolhia o aluno a ser avaliado, indicando se deveria ler apenas as
palavras destacadas ou o texto completo, dizendo diante de toda a turma: Esse tem
muita dificuldade! Não consegue ler”.
Enquanto uns eram avaliados, os outros faziam as atividades propostas. Ao
mandar que abrissem o livro, a professora contou-me que a supervisora de ensino foi à
escola e obrigou a utilização do livro do PIC. É tão importante que as professoras sigam
essa orientação que, na próxima visita, verificarão se as determinações foram
65
cumpridas. Todavia, por considerá-lo inadequado ao nível de conhecimento dos alunos,
especialmente por conter textos longos, difíceis de serem lidos e compreendidos, não
está se prendendo à indicação, realizando os trabalhos escolares da forma que julga mais
adequada às possibilidades de sua sala. Ressaltou que “se eles não sabem ler, não
adianta dar um texto longo, mas sim dar textos que eles consigam ler. Além do mais,
eles agora estão preocupados em namorar e devo aproveitar isso para mostrar como é
importante escrever para fazer bilhetinhos”.
Assim que chegamos ao tio, notei que não havia lanches espalhados pelo
chão, como acontecera no dia anterior, com as turmas das 1ªs e 2ªs séries. A conversa
que a professora teve com as crianças parece ter dado resultado.
Ao voltarmos à sala, foi mantida a avaliação diagnóstica e a professora propôs
algumas contas de adição, subtração e multiplicação.
O aluno Ls vinha, a todo momento, mostrar-me seus lculos e perguntar se não
iria fazer a atividade que eu estava realizando. Depois de inúmeras tentativas, foi pedir à
professora para fazer “aquela atividade com a outra professora”. Finalmente, chegou sua
vez, mas como já estávamos no final do dia letivo, escreveu apenas uma palavra e
prometi que, na próxima semana, começaria com ele.
EMEF– 07/08/2007 (7h30 – 11h)
Visita 32 – 2ªC
Assim que cheguei à sala de aula, deparei-me com a professora chamando a
atenção do aluno EA, que brincava com algo que trouxera de casa, objeto esse que a
professora tinha pego e guardado no seu armário. Percebendo minha chegada, ela
mandou que me mostrasse seu caderno de recados para que eu constatasse que o bilhete
que mandara na véspera não foi assinado pelo responsável. O objetivo era informar que
ele estava comendo pasta de dente durante a aula. O alerta era para que os responsáveis
ficassem atentos ao que ele guarda na mala, pois é comum trazer objetos e/ou produtos
de casa para ficar manuseando durante a aula. EA estava sentado na 1ª carteira da
segunda fileira, próximo à porta. Enquanto mostrava o bilhete, disse que estava com
saudades de mim e mexeu em meus cabelos, gesto que entendi, de certa forma, como
um “agrado”, para que eu não brigasse, assim como fez a professora. Li o bilhete e
perguntei por que ele traz essas coisas para a escola. Ele respondeu que “é porque
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gosta”. Expliquei que, todas as vezes em a professora vir que trouxe alguma coisa
diferente, chamará sua atenção e mais um bilhete será encaminhado aos seus pais.
Respondeu que isso o é problema, pois seus pais nem veriam o bilhete, pois
pediria ao tio que assinasse, porque ele não se incomoda com as suas “bagunças”.
Depois disso, EA foi sentar-se em seu lugar para terminar a lição. A professora
passava entre as carteiras, olhando os cadernos e o que cada um estava fazendo. Alguns
alunos se dirigiam a mim ou para mostrar as lições, ou para exibir o elogio que a
professora escreve, quando as lições são feitas corretamente e com capricho.
Havia alunos sentados individualmente e outros em duplas, de acordo com a
opção de cada um, sem qualquer interferência da professora.
Todos continuavam a fazer os exercícios propostos. A professora pediu-me que
ficasse um pouco com a turma, pois precisava tomar uma medicação para controle da
pressão. Respondi que poderia ir, pois eu cuidaria deles. Ela me informou que algumas
alunas estavam autorizadas a anotar na lousa os nomes de quem o se comporta
durante sua ausência.
Durante poucos minutos, todos permaneceram atentos às atividades. Continuei
passando entre as carteiras para ajudar os que estavam com dificuldades, mas logo
alguns começaram a se levantar para apontar lápis, pedir material emprestado ou
simplesmente para conversar com os colegas. As três alunas que estavam na frente da
sala começaram a anotar seus nomes, sem fazer distinção daqueles que estavam apenas
conversando, dos que iam até o cesto de lixo.
Essa atitude começou a causar revolta e, indignados, alguns vinham questionar
por que seus nomes estavam na lousa. Minha posição foi sempre a mesma, perguntava-
lhes: “O que vocês fazem quando seus nomes são anotados e eu não estou na sala?” Eles
então iam explicar às meninas o motivo pelo qual andavam de um lado para o outro. Da
mesma forma como anotavam, mediante qualquer justificativa, apagavam.
Enquanto ajudava àqueles que me solicitavam e prestava atenção nos que
andavam pela sala, observei o aluno EA escrevendo seu nome na lousa. De início,
estranhei sua atitude, que escrevia no espaço destinado aos que não se
comportaram”, mas ao terminar de escrever o primeiro nome (E), vi que colocou a letra
“L”, identificando como bagunceiro seu colega EL, que realmente estava em com
mais quatro colegas.
Assim que viu seu nome na lousa e percebeu quem havia escrito, EL foi tirar
satisfação com EA. As meninas correram para seus lugares e afirmavam o terem
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escrito o seu nome. Os dois garotos começaram a discutir e a se insultarem, mantendo
as testas unidas e caminhando em rculos. Não intervi principalmente para observar
até que ponto chegariam apesar de os demais olharem para mim, como que
certificando-se de que eu estava vendo a briga e esperando uma atitude.
Assim permaneceram por aproximadamente 3 minutos, sem desgrudar as testas e
pronunciando bem baixinho palavras incompreensíveis. Só se separaram com a chegada
da professora, que mandou cada um para o seu lugar e pediu seus cadernos para levarem
mais um bilhete para as respectivas mães.
Despreocupado, EA entregou o seu caderno, sem qualquer demonstração de
“medo” por mais um bilhete. Já EL, muito nervoso, tentava explicar que seu nome tinha
sido escrito injustamente pelo EA. Argumentava que, embora estivesse conversando
com mais alguns colegas, seus nomes não foram anotados. A professora exigiu os
cadernos, sem levar em conta seus argumentos mas, ao fim do dia letivo, devolveu-os
sem os bilhetes.
Durante o recreio, a professora comentou o ocorrido, ressaltando que o
comportamento deles é reflexo do que vivenciam cotidianamente. Principalmente em se
tratando do EA, cujo irmão está preso e o tio posto em liberdade condicional
recentemente. Como costuma acompanhar a mãe nas visitas ao presídio, o menino
vivencia um tipo de comportamento e de atitudes, que se refletem negativamente no
convívio com os demais, ensinando-lhes práticas típicas da marginalidade, como, por
exemplo, esta de discutir aproximando as testas, como que medindo força física ou
tentando encurralar o adversário.
De fato, EA fala muito sobre o tio, que lhe muita atenção e com quem passa a
maior parte do tempo, depois do horário escolar. Também afirma que o tio vende
drogas. Algumas vezes, refere-se a um irmão, de quem gostava muito, que era policial e
foi morto no cumprimento do dever, porém jamais se refere a algum que esteja preso.
Após o recreio, encaminhamo-nos à Sala de Leitura. Como de costume, a
professora organizou-os em pequenos grupos, que as mesas de trabalho são coletivas.
Ela não permite que os alunos EL, Ad e Pd sentem-se junto com EA. Essa separação
sempre leva uns 5 minutos da aula, pois EA ou tenta fugir da sala, ou engatinha entre as
cadeiras para chegar até os amigos, ou promete que vai se comportar se ficar naquela
mesa, todavia como a professora jamais aceita alguma das propostas, faz de tudo para
interrompê-la.
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Passada essa “fase”, a professora sugeriu uma atividade para o Dia dos Pais, que
será comemorado no próximo domingo (12/08). O material usado é uma reportagem do
“Estadinho”, suplemento infantil do jornal “O Estado de S. Paulo”.
A professora leu a reportagem e pediu a EA que passasse o jornal pelas mesas,
mostrando as fotos dos “diferentes tipos de pais”. Ele ficou muito feliz e foi indicando
aos colegas certos detalhes das fotos, como diferentes tipos de cabelo ou determinados
objetos ali representados. Em seguida, a professora leu a letra de uma música e colocou
o CD para ouvirem. Sozinho em uma mesa, EA estava muito atento e ao ouvir a música,
levantou-se e começou a dançar. De início, foi repreendido, mas pouco depois, a
professora oficializou” a dança, permitindo primeiro que as meninas levantassem e
dançassem em seus lugares e depois que os meninos fizessem o mesmo.
Terminada a aula, a turma foi dispensada e ficamos no corredor entre as salas de
Leitura e de Informática, aguardando para entrar nessa última.
Coincidiu com o recreio das turmas de e séries e o ruído era intenso. Os
alunos sentaram-se em um banco de concreto que entre as duas salas, mas
começaram a se empurrar para melhor se acomodarem. Assim que percebeu os
esbarrões, a professora gritou para que parassem, senão acabariam se machucando.
Mandou que ficassem quietos para o atrapalhar a turma que usava a Sala de
Informática (como se o barulho deles fizesse alguma diferença diante de toda a
algazarra).
Alguns minutos de espera e assim que foi desocupada pudemos entrar na Sala de
Informática. Não um computador para cada aluno: alguns estão desligados porque os
“mouses” estão quebrados ou tiveram suas “bolinhas” internas roubadas, outros estão
com problemas de formatação ou sem Internet.
Diferentemente da Sala de Leitura, na de Informática podem escolher aonde e
com quem vão se sentar, contudo, os que sobram sem computador” encontram
resistência dos colegas para trabalharem em duplas. De modo geral, as meninas já se
organizam previamente, apenas as mais tímidas ou as que não m amigas precisam
procurar alguém para dividir o equipamento.
Com os meninos o problema é maior, pois cada um quer o seu computador
exclusivo e nem cogitam em dividi-lo com uma menina.
Programas de joguinhos na Internet são imediatamente abertos, mas, ainda que a
ansiedade seja grande, os alunos levam, em média, 15 minutos para se acomodarem. A
orientação é para que as duplas se alternem, mas as reclamações de que um o deixa o
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outro jogar são contínuas. A proposta pedagógica é de que fossem criados projetos
interdisciplinares, de modo que as atividades realizadas na Sala de Informática
complementassem as desenvolvidas nas salas de aula, mas isso geralmente ocorre
entre as turmas de 1ª séries, porque os alunos têm menos autonomia para usar o
computador livremente.
Os “sites” e jogos selecionados são os mais variados: desde “fliperamas” até
alguns de pintura e montagem da “Turma da Mônica”.
Durante a aula, as conversas e a livre circulação pela sala são tolerados, por isso
raramente a professora chama a atenção de alguém.
Quase ao final da aula, duas alunas aproximaram-se da professora, porque uma
delas não estava se sentindo bem: tinha dores na barriga e na cabeça. Como dali a 15
minutos todos iriam embora, a professora sugeriu que fosse ao banheiro, lavasse o rosto
e ao voltar já arrumasse seu material.
Enquanto as meninas fizeram isso, subimos a a sala e depois fomos para o
portão, onde as crianças encontram seus responsáveis. A professora aguardou a mãe da
aluna que se queixara de dores e orientou para que procurassem o Posto de Saúde.
EMEF– 08/08/2007 (8h20 – 11h)
Visita 33 – Sala do PIC
Mais uma vez os alunos Hq e Ls faltaram. A sala estava muito calma, todos
realizando as atividades propostas pela professora. Como estávamos às vésperas do Dia
dos Pais, os alunos copiavam um pequeno texto alusivo à data, em uma folha de sulfite
que tinha um desenho mimeografado, uma lembrança que levariam para seus pais na
próxima sexta-feira.
Aproveitando que a turma estava quieta e que na sala havia, além de mim, uma
professora-auxiliar, a professora solicitou que fizéssemos uma avaliação diagnóstica de
leitura e escrita com letras móveis.
Cada uma de nós recebeu um livro didático com um texto selecionado pela
professora. Os alunos deveriam ler e posteriormente escrever com as letras móveis
algumas das palavras previamente destacadas no texto.
Como procedimento de registro, a professora tem um caderno com o nome de
todos os alunos. A cada avaliação diagnóstica, as impressões da pessoa que os avaliou
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devem ser registradas, pois isso um parâmetro para que se verifique o rendimento de
cada um durante o ano letivo.
Entre os participantes dessa avaliação diagnóstica, dois alunos destacam-se por
não apresentarem quaisquer dificuldades nem com a leitura, nem com a entonação de
voz diante das pontuações, nem com a produção escrita: Lo e Vn. Segundo a professora,
ambos foram encaminhados ao PIC por motivos diferentes dos demais, que têm grandes
dificuldades de aprendizagem.
Lo é um excelente aluno em Língua Portuguesa. Suas produções o claras e a
grafia correta, porém não tem qualquer domínio quando a atividade necessita de lógica.
Em Matemática, por exemplo, não é capaz de realizar as operações mais simples. Além
disso, segundo a professora, o aluno tem o hábito de estar sempre sorrindo, é como se
nada pudesse abalar seu bom-humor, amesmo quando sente que não consegue fazer
um cálculo elementar. Todas as professoras pelas quais passou consideram o fato de
estar sempre sorrindo um sinal de imaturidade. Esses dois fatores (dificuldade em
cálculos matemáticos e imaturidade) foram determinantes para seu encaminhamento à
turma do PIC. Tal decisão baseou-se no fato de que nesta sala é feito um trabalho
pedagógico diferenciado, visando ao desenvolvimento dos alunos com dificuldades de
aprendizagem.
Vn, assim como Ld, tem muita dificuldade em Matemática, mas o que
determinou seu encaminhamento ao PIC foi a deficiência. Como foi citado
anteriormente, o garoto passou por problemas na hora do parto, levando à falta de
oxigenação no cérebro. Esse fato é usado para justificar, a todo instante, que a sua
dificuldade de aprendizagem é intransponível, apesar da facilidade em se expressar
verbal e graficamente.
Ele é um aluno que se diferencia - mesmo para os que não percebem de imediato
a sua deficiência - por não participar de desordens, ainda que os colegas o chamem
insistentemente; ao contrário, está sempre atento, é extremamente solícito, atendendo
prontamente as requisições da professora, seja para ajudá-la em algum atividade, seja
para responder a alguma questão. Quando submetido à avaliação diagnóstica,
rapidamente e de modo seguro. Sempre que pode, ajuda os colegas demonstrando ser
“mais maduro”. Gosta de se aproximar a de pessoas pouco conhecidas e consegue
conversar sobre os mais variados assuntos sem dificuldades.
Durante o recreio, as professoras dos s anos faziam comentários sobre suas
salas e uma delas, que recentemente assumiu a turma de outra, que se aposentou,
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desabafava que a sua sim era uma sala realmente muito difícil de se trabalhar. Dizia que
o tempo todo os alunos testam seus limites e demonstram não estarem dispostos a
aceitar as regras que ela tenta impor. Sua maior preocupação é não conseguir realizar o
trabalho exigido para uma série e ter que assumir as conseqüências, principalmente,
por se tratar de uma turma de final de ciclo I, sujeita a reprovações.
Assim que a professora I (PIC) entrou na sala e percebeu que o assunto era a
indisciplina, afirmou estar feliz com sua turma, “mesmo sendo alunos de um PIC”, pois
“são calmos e dificilmente causam problemas de indisciplina”. Embora seja verdade,
outras professoras refoavam que “às vezes é melhor uma sala “bagunceira” do que
uma que o aprende”. De modo geral, parecem não acreditar que uma sala de PIC
possa ser tranqüila e consideram que o depoimento da professora visa apenas enaltecer
seu trabalho em uma turma tão desvalorizada!
Enquanto subíamos com os alunos, a professora do PIC disse que a sala da
professora E pertencera anteriormente à professora Mr, que à época já se queixava
daqueles alunos. Contudo, ela conseguia “controlar” a sala, pelo fato de ser mais velha e
por não permitir que sequer abrissem a boca para responder a uma questão, quanto mais
para conversar. Com a chegada dessa outra professora (que inclusive está pouco
mais de três anos na rede), os alunos recuperaram a liberdade, principalmente por ser
mais flexível quanto à disciplina e por estar sempre propondo atividades diferentes e
mais dinâmicas.
Depois desse comentário, reafirmou que “Deus havia sido tão bom com ela
quando lhe deu essa sala de PIC!” Reafirmou que a assumiu porque não tinha outra
opção e, diferentemente do que todos falam, “eles só têm dificuldades de aprendizagem,
mas nunca teve problemas sérios, como outras salas têm, de indisciplina”.
EMEF– 14/08/2007 (8h30 – 11h)
Visita 34 – 2ªC
A turma descia para o recreio, quando encontrei com a professora da 2ªC, que ia
para a sala do café. De pronto, afirmou que eu encontraria a sala bastante agitada,
principalmente porque após o recreio iriam para a Sala de Leitura e depois para a aula
de Informática.
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Realmente foi difícil organizá-los e, como de costume, o aluno EA teve sua
atenção chamada inúmeras vezes pela professora da Sala de Leitura, pois, mais uma
vez, ela o queria separado dos outros e ele teimava em sentar-se com seus amigos.
Após mais de 5 minutos de discussão, a professora cedeu a sua insistência,
salientando que, caso começasse com brincadeiras ou gracejos, seria afastado dos
colegas. Todo feliz, EA foi sentar-se ao lado dos amigos: EL, Pd, Ad e Fb.
A aula discorreu sobre o tema Folclore e a professora perguntou o que sabiam
sobre o assunto. Alguns falaram sobre o Saci, o Lobisomem e, quando um deles citou a
Cuca, todos começaram a gritar, por conhecerem-na dos episódios do “Sítio do Pica-
Pau Amarelo”, transmitido pela TV Globo.
Alguns cantavam os temas do programa, outros imitavam as personagens
enquanto a professora tentava acalmá-los. Quando conseguiu, propôs a leitura da lenda
“Negrinho do Pastoreio”, que considera a mais triste de todas as histórias do nosso
folclore. Durante a leitura todos permaneceram calados e prestando bastante atenção.
Assim que terminou, perguntou se conheciam outras lendas e um aluno contou a
do Curupira, que fora trabalhada por sua professora do ano anterior, também por
ocasião do Mês do Folclore.
A professora sugeriu que pensassem e pesquisassem, junto aos seus pais, outros
temas folclóricos para compartilharem com a classe na semana seguinte.
O aluno EA permaneceu quieto durante toda a aula, participando tanto quanto
seus colegas, sem que fosse preciso a professora lembrá-lo do acordo que fizeram no
início da aula. Entretanto, o seu bom comportamento não foi elogiado e sequer parece
ter sido notado pelas duas professoras.
Terminada a aula, ficamos no corredor aguardando a saída da turma que estava
na aula de Informática. É comum acontecer uma pequena confusão durante a troca das
turmas, pois a série, desesperada para entrar, não deixa espaço para que a outra possa
atravessar o corredor.
Assim que todos conseguiram entrar, nova desordem começou, afinal ninguém
quer dividir o equipamento com o colega. Apenas quatro meninas vão para a sala de
mãos dadas para garantir que fiquem em dois computadores próximos. Enquanto os
demais ainda estão procurando os lugares, elas já estão jogando e realizando as
atividades propostas pelos “sites” da “Barbie” e da “Turma da Mônica”.
São necessários sempre 5 ou 10 minutos para que todos estejam acomodados e
comecem a abrir os programas que pretendem jogar. O aluno EA, depois de muito
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relutar em aceitar que JC sentasse ao seu lado, abriu o jogo de fliperama”, mas não o
deixava jogar. JC foi reclamar para a professora de informática que, por sua vez,
conversou com EA, explicando que juntos poderiam estabelecer uma disputa e, ao final
da aula, ver quem tinha feito mais pontos. Como EA o concordou, a professora
decidiu que cada um ficaria com o computador por 10 minutos e depois trocariam de
lugares. Embora contrariado, EA trocou, mas ficou o tempo todo atrapalhando o colega
que, irritado, foi procurar novamente a professora. Como se havia esgotado o seu
tempo, a professora disse que seria a vez de EA. Fez-se a troca e ele jogou durante seus
10 minutos sem ser incomodado, mas, passado o tempo, novamente não queria sair, a
que conseguisse fazer mais um ponto.
Cansada com seu comportamento, a professora mandou que EA se levantasse
imediatamente e fosse sentar-se em uma cadeira diante de uma mesa sem computador.
Entre chutes no ar e ofensas dirigidas à professora, sentou-se e começou a falar em voz
alta, para que todos ouvissem, que “não precisava daquela aula chata, porque ganhara de
seu pai um videogame” no qual fica jogando a tarde. Quando chegasse em casa,
pediria um computador para seu pai, pois assim não precisaria usar mais o da escola e
poderia ficar o tempo que quisesse jogando”.
O aluno JC não se incomodou com a ausência do colega, principalmente porque
pôde ficar jogando até o final da aula.
Levando em conta as palavras de EA, a professora da Sala de Informática
afirmou: “é por isso que as crianças não têm mais limites, pois ao invés dos pais
explicarem que os recursos de que a escola dispõe são poucos e devem ser usufruídos
por todos, eles incitam os seus filhos a não dividirem suas coisas com os colegas,
tornando-os cada vez mais egoístas”.
A professora da sala, que saíra para tomar uma medicação assim que a turma
entrou na Sala de Informática, voltou ao final da aula para formar a fila e retornar a
sua sala. Quando entrou, a professora de Informática comentou o que havia acontecido
com EA e disse que, se continuar a não querer dividir o computador com os colegas, na
próxima aula ficaria novamente sentado sem poder jogar. Ao ouvir, EA demonstrou-se
indiferente pela punição que a professora antecipadamente anunciou.
De volta à sala de aula, tínhamos mais 25 minutos até a hora da saída. A
professora passou na lousa a lição de casa. Enquanto todos copiavam apressadamente,
EA passeava trocando de carteiras os objetos dos colegas. Esses, por sua vez, tinham
que parar de copiar para devolver ao dono o objeto deixado em sua mesa. Como logo
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percebeu que ninguém estava se irritando com sua atitude, mudou de “plano”, tentando
conversar comigo só para o copiar a lição, mas eu não lhe dei atenção. Então fez uma
nova tentativa: pegou a borracha nova de uma aluna, que estava sentada ao meu lado
direito e jogou em cima do armário. Para sua surpresa, a borracha pulou e ficou presa
entre o fundo do armário e a parede.
Ao perceber o que tinha acontecido e sentindo-se incapaz de recuperá-la voltou
para a sua carteira e sentou. A aluna começou a pedir a borracha de volta. Ele contou o
que tinha acontecido, mas a colega exigiu que a devolvesse, principalmente porque
pegou sem pedir.
Ele tentou enfiar a mão entre o armário e a parede, tentou empurrar o armário,
achou que por cima conseguiria colocar o braço entre o vão e a parede, mas não
conseguiu. Finalmente, disse que traria uma borracha nova no dia seguinte, pois “apesar
de ter muitas, não estava com nenhuma na mala”. Embora pouco convencida de que
cumpriria a promessa, a menina concordou.
EA recomeçou a andar pela sala pegando objetos de uns para deixá-los na mesa
de outros. Chamei-o a minha mesa e pedi que fosse contar à professora a promessa que
fez à colega de lhe trazer uma borracha nova no dia seguinte, porque jogou a dela atrás
do armário. Ele foi sem qualquer problema. A professora mandou que tentasse de novo
pegar a borracha que tinha jogado, mas ele explicou que não conseguia arrastar o
armário porque é muito pesado e seu braço não alcançava a borracha. Mesmo assim a
professora insistiu. Ele tentou em vão e voltou a falar com a professora, explicando que
a menina havia aceito que trouxesse outra no dia seguinte.
Como as outras turmas já estavam de saída, a professora concordou, mas
também não parecia muito convencida de que cumpriria a promessa.
À medida que os alunos iam arrumando seus materiais, pedi emprestada uma
régua de 30 cm e consegui trazer a borracha para mais perto da borda do armário a
alcançá-la. A aluna ficou toda agradecida, ainda que estivesse bastante suja. Fomos
todos embora.
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EMEF– 05/09/2007 (7h50 – 11h)
Visita 35 – 2ªC
Assim que me viu, a primeira reação da professora foi colocar uma cadeira ao
seu lado para contar o ocorrido com um de seus alunos. Fb, de 10 anos, fica em casa
com seu sobrinho de 4 anos. No final de semana de 25 de agosto, os dois brincavam na
laje de casa. Ao perceber que o garotinho iria cair, correu para segurá-lo, mas perdeu o
equilíbrio e os dois caíram de uma altura de mais de 3 metros. A criança chegou ao
hospital com ferimentos leves, pois teve a queda atenuada pela proteção de Fb, que foi
quem mais se machucou. Segundo a professora, permaneceu por três dias desacordado
na Unidade de Terapia Intensiva.
Uma semana após o acidente, o médico autorizou-o a retornar às aulas, mas não
deveria se expor a muito barulho, não deveria subir e descer escadas com freqüência e
não poderia fazer qualquer tipo de atividade física. Como essas recomendações são
praticamente impossíveis de serem cumpridas no ambiente escolar e como ainda estava
com muitos hematomas pelo corpo, a professora sugeriu aos pais que ficasse em casa
até se recuperar completamente, comprometendo-se a fazer uma anotação em seu diário
para que não fosse prejudicado quanto ao recebimento do leite e de outros benefícios,
cujas concessões são atreladas à freqüência escolar.
O segundo comentário foi em relação ao aluno EL, que fora a sua mesa mostrar
a lição terminada. A professora vinha fazendo sucessivas convocações a sua mãe, que
não lhes atendia, até que um dia apareceu para saber por que não havia registro de lições
nos cadernos do filho e, quando havia, eram apenas cópias incompletas.
A professora mostrou o seu registro de atividades diárias e explicou que o
grande problema do aluno não se refere a dificuldades de aprendizagem, mas sim a
problemas de comportamento, porque passa a maior parte do tempo conversando ou
simplesmente se nega a fazer o que ela manda.
Após essa conversa, o próprio aluno admitiu que a mãe chamou sua atenção,
cortou algumas regalias pelo período de um mês, não permitindo que assistisse TV,
brincasse na rua com os amigos ou brincasse com os irmãos à noite sem antes terminar
a lição.
Essa atitude tomada pela e fez com que sua postura na sala de aula também
mudasse. A partir de então todas as atividades da lousa são copiadas e realizadas e as
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lições de casa estão sempre feitas corretamente, até mesmo sua caligrafia melhorou. De
fato, ao folhear seu caderno, é fácil perceber a mudança, inclusive tem tomado cuidado
para que as folhas não fiquem sujas, amassadas ou dobradas e constata-se que há
atividades às vezes refeitas com a letra mais caprichada. A necessidade de copiar e fazer
as lições para mostrar à professora fez com que EL permaneça quieto, só podendo
conversar depois de terminar tudo.
À medida que falava sobre sua transformação e evidente progresso, a professora
fazia comparações com o outro, EA, sentado sobre a carteira, de costas para a lousa e
com todo o seu material guardado na mochila. Segundo ela, a grande diferença entre os
dois é a família. Ainda que a mãe de EL tenha levado algum tempo para ir à escola
informar-se sobre o comportamento e aproveitamento do filho, assim que tomou
conhecimento da realidade, estabeleceu limites e cumpriu seu papel, o que é facilmente
comprovado pela melhora do aluno em termos de aprendizagem e de comportamento. Já
a família de EA, ao contrário, não demonstra qualquer preocupação com o seu
rendimento escolar. Alguém deve saber dos bilhetes que são enviados rotineiramente
para casa - sem retorno - como também de que o menino não faz absolutamente nada na
escola e ainda assim os pais lhe dão tudo que deseja, como por exemplo, o
“videogame”, que além do mais, tem feito com que dormir muito tarde e fique com
sono durante a aula. Ainda segundo a professora, sabe-se que ele não tem uma família
estruturada, da qual o pai é ausente.
Ela o chamou para que eu visse seu caderno e para que ela escrevesse um bilhete
para sua mãe. Ele apareceu com o caderno que recebera no começo do ano, no qual
poucas atividades foram realizadas. Quando olhou para o caderno, a professora mandou
que fosse buscar o mais recente, que lhe dera no início do segundo semestre, mas ele
disse que o deixara em casa, porque não tinha feito a lição do dia anterior.
Chegou a hora do recreio e descemos com a turma. No caminho para a sala do
café, a professora desabafou que tentou de tudo com esse aluno, mas nada adianta,
sejam conversas, bilhetes, repreensões, mesmo quando o coloca sentado ao lado de
sua mesa e fica constantemente de olho é que ele faz alguma coisa, entretanto é uma
solução inviável, porque outros tantos com dificuldades que também requerem sua
atenção.
Das conversas informais entre as professoras, uma chamou a atenção de todos os
presentes. A professora de Educação Física é sócia de dois clubes recreativos: um de
grande porte, que fica nas imediações da Marginal Tietê e é freqüentado regularmente
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pela família; e outro menos conceituado. A conversa teve início com o comentário de
uma professora, cuja filha foi se informar sobre as condições para se associar a esse
clube freqüentado pela professora de Educação Física e a um outro ligado ao militares.
Pelas informações recebidas, no primeiro, a taxa de adesão e as mensalidades foram
consideradas muito altas, já no outro, é necessário a indicação de algum sócio.
Discordando da colega, a professora de Educação Física disse o considerar
alta a mensalidade do clube, mas concordou que realmente é mais caro, justamente para
selecionar o público - que, teoricamente, é o mesmo, face à proximidade das duas
agremiações. Estabeleceu-se uma discussão sobre o que é “ser caro”, chegando-se à
conclusão de que o que é caro para quem tem uma família com filhos adolescentes
pode o ser para quem vive sozinho” e vice-versa, até que a professora de Educação
Física, retirando-se da sala, alfinetou: “É bem aquilo: pobre aonde chega, suja!”.
As professoras que permaneceram na sala continuaram emitindo suas opiniões,
algumas concordando com a necessidade de se cobrar taxas altas para que seja mantido
um público seleto e outras ratificando que os espaços públicos os quais são acessíveis
aos mais pobres são realmente depredados e usavam como exemplo a própria escola;
havia, porém, as que defendiam a cobrança de mensalidades acessíveis a quem pretende
freqüentar sociedades recreativas.
Em meio a essas opiniões conflitantes, voltamos ao pátio para acompanhar a
turma até a sala de aula. Chegando, a professora pediu que EA mostrasse sua mochila
para ver que materiais havia trazido, mas estavam apenas o estojo e o caderno que
mostrara anteriormente, com muitas folhas arrancadas.
Perguntou-lhe por que não estava copiando a lição e ele respondeu que “é
porque ela escreveu na lousa com aquela letra que ele não entende (letra cursiva) e que
não dava para copiar”. Ela ponderou que ele precisa se esforçar para entender aquela
letra, porque na série nenhuma professora vai parar o que estiver fazendo para que
copie as lições em letra de forma. Ele permaneceu indiferente. Mais uma vez, ela
redigiu um bilhete para a sua mãe/responsável, o que não lhe causa qualquer
constrangimento ou medo, sentimentos que ela observa comumente em outros alunos.
Ele apenas permaneceu ao lado da mesa brincando com os colegas que ainda copiavam
a lição.
Ao perceber que estava atrapalhando os colegas, ela mandou que fosse sentar-se,
levando sua mochila de volta. Ele juntou suas coisas e perguntou se já poderia pegar seu
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caderno ou se ela iria escrever mais. Ela respondeu que não tinha acabado o bilhete,
depois devolveria.
EA voltou ao seu lugar, sentou-se na mesa, de costas para a lousa e começou a
gesticular. Pelo que conseguíamos deduzir de sua mímica, ora parecia dar socos no ar,
ora fingia que estava fumando (levando à boca os dedos indicador e médio, como se
estivesse segurando um cigarro e depois soltava o ar) e assim continuou brincando e
riscando a carteira com o giz de cera a que, finalmente, tirou figurinhas do bolso,
“batendo-as” sozinho.
Enquanto escrevia o bilhete narrando seu mau comportamento e a negação em
fazer as lições durante todo o dia, além de sentar-se em cima da carteira de costas para a
lousa, a professora me disse: “Também, o que se pode esperar ... o tio está preso!”.
Quando terminou, chamou-o e entregou-lhe o caderno, deixando bem claro que
queria ver aquele bilhete assinado na próxima aula. Ele pegou o caderno e respondeu
um curto: “Tá!” Voltou para sua carteira e permaneceu até o final da aula sem fazer
qualquer atividade.
EMEF– 11/09/2007 (8h – 12h)
Visita 36 – Reunião Pedagógica
A proposta dessa reunião pedagógica era que os professores, organizados por
séries, concluíssem a reformulação do Plano de Ensino para 2008. Esse documento já
lhes havia sido entregue durante o horário coletivo (JEI), mas como alguns não
participam desses momentos e como os grupos são formados geralmente pelos
professores do mesmo período e o das mesmas ries, sua importância era garantir a
participação de todos e a finalização dos trabalhos.
Devido ao acompanhamento que faço com a turma do PIC e considerando uma
oportunidade para conversar com a professora E sobre a possibilidade de acompanhar
sua turma (devido ao comentário de 08 de agosto, durante o recreio), fiquei com as
professoras das 4ªs séries.
Ao chegar à sala, a professora do PIC sentou-se ao lado das professoras da
série. Quem chegou após a orientação da coordenadora, não sabia que havia lugares pré-
determinados porém, mesmo sendo informada de que o agrupamento deveria ser feito
por séries, a professora continuou com a turma do ano, justificando que a sua turma
está mais próxima das 3ªs séries do que das 4ªs.
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A proposta de reformulação dos planos baseia-se na necessidade de um
programa maior e mais integrado para o ano de 2008, quando os horários serão
alterados de 4h para 5h e as atividades da Sala de Informática,da Sala de Leitura e das
aulas de Educação Física deverão ser totalmente integradas àquelas realizadas nas salas
de aula.
A turma da rie praticamente havia acabado de reorganizar o plano de
ensino. Pelo que pude perceber, poucas alterações foram feitas no plano vigente e, assim
mesmo, as que foram voltam-se à inclusão de discussões acerca das mudanças
ambientais e das questões ligadas à sexualidade.
Nesse grupo, havia apenas três professoras das 4ª séries. As demais participantes
eram auxiliares de período, professoras-adjuntas, uma estagiária e eu. A última folha do
plano precisaria ser “passada a limpo” porque estava com muitas rasuras. Todavia,
como não havia mais cópias em branco, nem a matriz, após um debate de mais de 30
minutos, resolveram adaptar, usando a cópia de um outro modelo.
Outra questão que tomou algum tempo foi a que se referiu ao planejamento da
disciplina de Educação Física, que estava em branco. Como três professores que
atuam junto às 3ªs e 4ªs séries e apenas dois estavam presentes, as professoras
indicaram, em folha específica, que tal planejamento seria entregue à parte pelos
respectivos professores. Essa postura sugere um indicativo de que a proposta de
integração entre todas as áreas não tenha ocorrido, pelo menos em relação à Educação
Física, pois não houve momento em que os professores pensassem junto suas propostas.
Para a turma dos 4ºs anos, a reunião pedagógica consistiu praticamente de
2h30min., gastos em conversas sobre os mais variados assuntos, como programas de
TV, comentários sobre os filhos, passeios de finais de semana e um constante entra e
sai, com a justificativa de que “nós já terminamos o plano!
Por volta das 10h30min., duas professoras deixaram o grupo para ajudarem na
preparação do café. Pouco depois, todos foram para o pátio e lá permaneceram por mais
de 40 minutos. Os grupinhos alternavam-se com muita presteza, havendo trocas entre
professores dos veis I e II, tornando os assuntos bastante variados. Como é difícil
ocorrer uma oportunidade de se encontrarem, aproveitam para ter notícias dos colegas,
para colher opiniões sobre as mudanças previstas para o próximo ano e, principalmente,
para saber os posicionamentos individuais em relação às alterações da carreira propostas
pelo governo da cidade de São Paulo. Quanto a este assunto, em princípio todos são
contra, mas as informações que circulam são contraditórias e, por vezes imprecisas, por
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isso ainda poucos se posicionam efetivamente. Parte dos professores conversavam sobre
a reestruturação da carreira, a pauta de discussão reservada para depois do intervalo. De
modo geral, os comentários demonstravam indignação com a proposta, principalmente
porque as alterações são comparadas às que ocorreram na rede estadual de ensino que,
segundo os professores, congelou os salários e retirou direta ou indiretamente os
benefícios que a categoria já havia conquistado.
Ao voltarmos à Sala de Leitura, onde acontecia a reunião pedagógica, a
coordenadora recolheu os planos de ensino e apenas os professores do nível II
permaneceram com suas folhas, por terem maior trabalho, na medida em que tiveram
que rever suas disciplinas em todas as séries. Em seguida, a coordenadora chamou as
professoras que são representantes sindicais (principalmente as ligadas ao SINPEEM),
para que expusessem as questões levantadas na última reunião.
Duas professoras representavam esse sindicato pela própria EMEF e outra
colaborou com as informações, por também ser representante, mas pela EMEI, que fica
ao lado da escola. Outras duas professoras, representantes de outro sindicato
(APROFEM), concordavam com as informações apresentadas, mas a todo o momento
ressaltavam que não sabiam qual seria a posição do seu sindicato, pois a reunião com os
representantes só ocorreria no dia seguinte.
Genericamente, as questões levantadas referiram-se às alterações de carreira, aos
procedimentos avaliativos de desempenho docente e à alteração dos horários das escolas
de quatro para três períodos.
A maior parte das reclamações girava em torno de que, em nenhum momento, a
Prefeitura de São Paulo disponibilizou o Projeto de Lei na íntegra para que pudessem
fazer suas próprias avaliações. O material que circula é divulgado parcialmente e
sempre pelos sindicatos, o que gera descontentamento, até porque a possibilidade de
manipulação, pressupondo-se, hipoteticamente, que podem divulgar apenas excertos do
que julgarem conveniente, de modo a induzir os professores a aceitarem as propostas de
paralisações e greves gerais.
A questão que mais parece incomodá-los refere-se à reformulação da jornada de
trabalho. Àqueles que pertencem à rede de ensino cabe a possibilidade de escolha
entre aceitar as mudanças na carga horária (passando a ser uma jornada única de 30
horas/aula) ou permanecer no sistema atual (20h/a, 30h/a ou 40h/a), opção que, segundo
eles, deve ser feita num prazo considerado muito curto, impossibilitando que tenham
tempo para avaliar conscientemente, tendo em vista que é uma decisão irrevogável.
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Segundo os professores, qualquer que seja a escolha, sempre serão prejudicados: se
aceitarem a mudança, trabalharão mais tempo com os alunos e terão menos horários de
trabalho coletivo/livre, além de terem sua evolução funcional condicionada a avaliações
periódicas de desempenho. Se optarem pelo modelo atual, correm o risco de terem as
carreiras estagnadas, pois não se sabe como ou até mesmo se será feita a evolução
funcional de acordo com as regras atuais e como será o ajuste de salários.
Em votação aberta, a grande maioria concordou em paralisar as atividades na
próxima sexta-feira e, principalmente, em comparecer à assembléia que será organizada
pelo SINPEEM. Segundo uma das representantes sindicais, tão ou mais importante que
paralisar é estar presente na assembléia, onde será decidido o rumo das negociações
com o governo e será votada a possibilidade de greve.
Esse comentário gerou desconforto entre alguns professores que concordam em
paralisar, mas o querem participar das marchas organizadas pelo sindicato. Alguns
justificavam a ausência por problemas de saúde, outros por terem passado maus
momentos em outras oportunidades.
A única professora que discordou da paralisação foi fortemente hostilizada pelos
colegas que consideraram sua atitude absurda e injustificada. Em meio a muita gritaria e
desentendimentos, a professora tentava explicar que, no ano anterior (2006), concordara
em participar de todas as paralisações e greves gerais. Assim que os professores foram
informados de que todos os dias parados deveriam ser repostos ou as faltas seriam
injustificadas, ela e mais algumas colegas resolveram voltar às salas de aula. Poucos
dias depois, a greve foi encerrada e organizada uma escala para atividades aos sábados,
como compensação dos dias não trabalhados.
Ela e as outras colegas cumpriram a compensação de todas as faltas mas, com o
passar dos dias, foram percebendo procedimentos que as deixaram descontentes:
aqueles que ficaram ausentes por mais tempo tiveram uma redução” dos dias a serem
compensados, por não haver finais de semana suficientes até o final do ano; por outro
lado, escalas foram organizadas de forma que cada dia trabalhado valesse por dois ou
três dias de compensação.
Desta forma, para quem foi beneficiado em 2006, fazer uma nova greve parece
vantajoso, contudo, para ela, que se sentiu lesada e desrespeitada por aqueles que
usufruíram dessas reposições fictícias, não argumentos que a façam paralisar, porque
tem certeza de que, na verdade, apenas os alunos e alguns professores é que são
penalizados. Finalmente, os demais professores afirmavam: “Tudo bem! Deixe todos os
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alunos que vierem para a escola com ela. Porque depois, quando nós conseguirmos
mudar essa lei, ela, que ficou ‘dando uma de certinha’, também se beneficiará”.
Depois que todos se acalmaram, as representantes sindicais fizeram uma
sondagem sobre qual seria a adesão da escola, caso decidissem pela greve. Nesse
momento apenas 50% dos professores presentes demonstraram interesse em aderir,
sendo que a maioria do nível II e alguns poucos do nível I.
A reunião foi encerrada, com a retomada da discussão sobre as poucas
conquistas que resultaram da greve do ano anterior e com a posição intransigente” da
professora que garantiu não participar da paralisação prevista para a sexta-feira.
No dia 14 de setembro a escola pesquisada, assim como grande parte da Rede
Municipal de Ensino, fez paralisação devido a algumas reformas no plano de carreira
propostas pelo governo e rejeitadas pelos profissionais de ensino.
EMEF– 19/09/2007 (8h – 11h)
Visita 37 – 4ª F
Após ter conversado com a professora E, na semana anterior, para obter
autorização para acompanhar sua turma, dirigi-me a sua sala de aula, assim que cheguei
à escola.
Essa série fica em uma sala no andar rreo, cujo acesso é pelo pátio coberto.
Devido à localização, o barulho que vem de fora é intenso, principalmente durante o
recreio, por isso a porta da sala, mesmo nos dias mais quentes, tem que ficar fechada
para que os alunos não tenham a atenção dispersada por aqueles que transitam pelo
pátio. Um cuidado a ser tomado é fechar o cadeado com a porta aberta, porque, como
fica no lado de fora da porta, é perigoso alguém trancá-los dentro da sala.
Fui muito bem recebida pela professora e pelos alunos, que se mantiveram
comportados por algum tempo, acho que por não me conhecerem e não saberem o que
observava. A professora pediu que dois alunos fossem à sala de aula da frente procurar
uma cadeira para mim e sugeriu que me apresentasse e explicasse o porquê de minha
presença.
Alguns cochichavam, intrigados que estavam com minha presença e logo
fizeram silêncio para me ouvir. Apresentei-me, dizendo que alguns poderiam ter me
visto nos corredores ou no tio e que, durante alguns dias, ficaria naquela sala
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observando como cada um deles reage ao que aprende, como desenvolvem as atividades
em grupo, o que fazem e o que deixam de fazer e que estaria sempre à disposição da
professora para ajudá-la no que fosse necessário.
Encaminhei-me para o fundo da sala e lá permaneci durante toda a aula.
Os alunos que foram buscar a cadeira não me ouviram e depois perguntaram aos
demais quem eu era e se estava para ver quem fazia bagunça. Os outros tentavam
explicar, mas pelo que percebi também não haviam entendido nada.
A sala de aula é organizada de modo bastante incomum: os alunos sentam-se em
duplas, trios ou grupos de quatro a seis pessoas, todos enfileirados horizontalmente. A
disposição das carteiras não causa boa impressão, pois cria um certo ar” de desordem,
além de dificulta a passagem, sendo necessário dar algumas voltas para se chegar à
frente ou ao fundo da sala. Esse arranjo e o agrupamento em si são estabelecidos pelos
próprios alunos, mas há os que preferem sentarem-se sozinhos.
A professora deu continuidade à correção dos exercícios de Língua Portuguesa.
A orientação foi para que todos copiassem a correção em seus cadernos, pois as provas
serão guardadas pela professora até o final do ano. Ela adota este procedimento porque,
como alguns poderão ser reprovados, é necessário ter o rendimento escolar de cada um
à mão. Essa constatação pareceu não lhes causar surpresa nem desconforto e muitos
continuaram conversando, outros fazendo aviõezinhos de papel ou dobraduras que,
quando batidas com força contra a carteira, fazem barulho semelhante a um estouro.
A professora repreende-os o tempo todo, mas não permite que a algazarra
impeça o andamento da aula. Continuou sua correção ouvindo as respostas daqueles que
estavam interessados, sentados mais próximos à lousa.
Em dado momento, um aluno aproximou-se, perguntou meu nome e se eu estava
lá para observar aqueles que fazem bagunça. Ao responder que não estava lá para anotar
nomes, questionou-me quanto ao uso do caderno de campo, pois “já que não era para
anotar nomes, para que mais seria?”
Disse-lhe que registro tudo o que acontece na classe: o que os alunos e a
professora fazem. Com um ar maroto, disse que sabia o que eu estava fazendo, porque
sempre vão estagiárias, que anotam tudo porque estão aprendendo a ser professoras; em
seguida, apontando para alguns colegas, identificou os supostos bagunceiros, com os
quais, afirmou “nada ter a ver”. Agradeci a informação, perguntei seu nome (TM) e pedi
que voltasse ao seu lugar para acompanhar a correção que a professora fazia.
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Pouco depois, percebi que outro aluno sentado atrás, na minha diagonal direita,
começou a aproximar sua carteira de minha mesa. Fiquei quieta, só observando a
movimentação. Em pouco tempo sua carteira estava ao lado da minha.
Disse-me que se chama Ig e mostrou seu caderno com a cópia da correção que
estava na lousa. Elogiei o capricho, a organização e perguntei por que estava sentado
sozinho no canto ao lado do armário. Ele respondeu que não gosta de sentar-se ao lado
dos colegas porque eles copiam sua lição e ficam o tempo todo conversando, o que o
atrapalha. Embora nesse momento tenha passado a idéia de ser um bom aluno, muito
interessado em aprender, instantes depois estava estourando” em sua carteira as
famosas dobraduras de papel.
Os alunos Ig e Wl tiveram sua atenção chamada diversas vezes pela professora,
ora porque batiam-se e chutavam-se em um pequeno espaço formado entre algumas
carteiras, ora porque jogavam aviõezinhos de papel. Por duas vezes a professora pegou
aviõezinhos do chão, amassou-os e jogou no lixo, dizendo que esta seria sua atitude
cada vez que os visse. Enquanto se dirigia ao cesto do lixo, Ig arrancava outra folha
do caderno para fazer mais um.
A algazarra é intensa e constante, mesmo durante o tempo que a professora
para que todos copiem a atividade da lousa. Tem-se a impressão de que algo errado:
ou não copiam, ou é tempo demais porque terminam muito depressa. Mas não é nada
disso: quando a professora o agüenta mais o barulho e cansa de apartar alunos que
trocam socos e pontapés, retoma a aula, pedindo que abram o livro de Geografia e
começa a apagar a lousa. Nesse momento, um coro implora que espere mais um
pouquinho, que estão terminando de copiar e as vozes que mais se destacam são
justamente as dos alunos que mais conversam ou circulam pela classe.
A professora mais 5 minutos, tempo suficiente para que todos estejam
novamente em pé, conversando, brigando e fazendo aviõezinhos.
Algumas alunas vieram perguntar o meu nome e o que eu fazia lá. Perguntaram
minha idade, se eu tinha namorado e filhos. Na verdade, queriam me conhecer melhor e,
assim como os demais, saber qual o meu papel na sala de aula: se eu era estagiária ou se
tinha que anotar o nome daqueles que se comportam mal. Tentei explicar, de forma
simples, que faço uma pesquisa, que nada tem a ver com o comportamento deles, sequer
minhas anotações serão encaminhadas à direção da escola. Durante a conversa fomos
interrompidas por outra aluna (Jm), que me trouxe um desenho.
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As outras meninas olharam-na com desaprovação, mas eu agradeci, disse que
tinha achado lindo e guardei no meu caderno de campo. Uma das alunas confidenciou
que também gostaria de ser professora, mas não de ter uma sala como aquela. Perguntei
por que e ela disse que são muito bagunceiros e que dão muito trabalho para a
professora, mesmo ela sendo “legal”. Questionei o motivo desse comportamento, se eles
próprios consideram-na ”legal”, visto que respeitá-la seria uma forma de demonstrar
que gostam dela. Simultaneamente, algumas responderam que é “legal” fazer bagunça e,
como todos fazem, também não teria porquê ficarem quietas.
Ao ouvirem o sinal do recreio saíram correndo, cortando abruptamente a
conversa. Esperei que todos saíssem e fui com a professora para a “sala do café”. No
caminho, perguntou-me o que tinha achado da sala. Respondi que, comparada às
demais, trata-se de uma turma bastante afetiva, o que foi demonstrado pela curiosidade
em querer saber mais sobre mim e sobre o meu trabalho. Ela confirmou que realmente
são muito curiosos e receptivos, desejosos de tudo ver e tudo saber e conversam com
qualquer pessoa que entre na sala, mesmo que não conheçam. Afirmou que agora estão
bem mais calmos, pois ela já consegue realizar algumas atividades. O período de
entrosamento, logo após a aposentadoria da professora anterior, foi difícil, houve
semanas em que ficou sem voz de tanto gritar pedindo silêncio e tentando, sem sucesso,
dar aula.
Ao entrarmos na “sala do café”, o comentou mais nada e eu também evitei
fazer algum comentário que pudesse fazê-la sentir-se constrangida.
O assunto predominante na sala dos professores foi o passeio que os alunos das
duas turmas do PIC farão ao Parque do Ibirapuera. As duas professoras contavam que
haviam encaminhado um bilhete pedindo a autorização do responsável. No bilhete,
constavam a data e os horários de saída e de chegada, além da discriminação das
atividades a serem realizadas; chamava a atenção para a importância de que todos
pudessem participar, que é um passeio realizado sem custos para os alunos, porque a
escola providenciaria a alimentação. Contudo essas informações o foram suficientes
para um significativo número de mães, que consideraram os dados imprecisos e
procuraram-nas para saber informações mais detalhadas; outras diziam que os pais o
tinham sido avisados (em um dos casos, segundo a professora, a própria mãe que
reclamou tinha assinado o bilhete).
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A conversa deu ensejo a que algumas professoras comentassem que realmente os
pais não conseguem participar da vida escolar de seus filhos, na maioria das vezes por
não saberem ler ou também por não conseguirem interpretar o que lêem.
Quando as professoras do PIC saíram da sala para atender a um chamado da
coordenadora pedagógica, as demais (todas de séries) começaram a reclamar dos
privilégios que a turma do PIC tem em relação às demais, o que, para elas, acaba
provocando uma discriminação entre os alunos.
O assunto tomou o rumo de uma crítica à Coordenadoria e à própria direção da
escola, que não têm iniciativa de organizar passeios com todas as séries. Na opinião das
professoras, os alunos do PIC sempre são privilegiados, quando se trata de atividades
diversificadas ou extracurriculares, o que é um erro, porque, em princípio, não deve
haver diferenças no tratamento, devendo todos os alunos terem as mesmas
oportunidades.
Por outro lado, reconhecem ser quase impossível reservar os ônibus que a
Prefeitura disponibiliza para esses eventos, por exigirem um planejamento e uma
organização com muita antecedência, condição inviável na escola. Quando era lícito
cobrar dos alunos uma pequena taxa para custear o transporte, as professoras ainda se
aventuravam a promover visitas a parques, exposições, museus, etc., mas agora é
proibido qualquer tipo de contribuição por parte das famílias. Além do mais, não é
tarefa simples para a própria professora agendar as visitas, contratar o transporte,
providenciar alimentação e durante o passeio responsabilizar-se pelas ocorrências
imprevistas.
Presenciar essa conversa foi interessante: pelas informações colhidas ao longo
da pesquisa, convenci-me de que assumir uma turma de PIC é uma empreitada que
poucas assumem como opção, das quatro turmas que foram formadas (duas em 2006
e duas neste ano de 2007), apenas uma professora, que teve total liberdade para escolher
a turma e a rie, optou pelo PIC. Nos demais casos, as salas são destinadas às últimas
professoras da escala ou a professoras-adjuntas, em busca de estabilidade para o ano
letivo vigente. O curioso é constatar que nenhuma delas quer assumir o tipo de aluno”
que freqüenta essa sala (o multi-repetente, o que não aprende, o que tem algum
problema sico ou mental, o indisciplinado, etc.), mas se esquecem dessas condições e
de suas próprias opções de escolha de sala, no momento de reivindicar os benefícios”
que a Coordenadoria lhes concede.
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Voltando à sala de aula, a professora iniciou o trabalho com o livro didático de
Geografia. A proposta era de que os alunos observassem o mapa da América do Sul
identificando o Brasil, lessem dois trechos de músicas que citassem países, estados e
cidades dessas regiões e depois respondessem a algumas questões.
Como a atividade exigia mais atenção, os alunos permaneceram bem mais
calados. A professora caminhava entre as carteiras auxiliando os que tinham
dificuldades. Apenas no momento em que quatro deles foram chamados para fazer a
leitura do texto é que aumentou o falatório e mesmo os que se esforçavam para ouvir,
não conseguiam.
Nesse momento o aluno Gt começou a brigar com TM, mas a professora
interveio depressa, separando-os e repreendendo-os por estarem se desrespeitando e aos
colegas que estavam lendo.
No mais, alguns alunos me procuraram para tirar dúvidas e, no final da aula,
para mostrar as respostas. A correção desses exercícios ficou para a próxima aula, bem
como a correção de mais quatro questões que deveriam ser feitas em casa (entre elas a
confecção de um mapa do Brasil com a divisão dos estados).
Como a sala fica no térreo, a professora não os acompanha até o portão de saída.
Assim que todos foram embora, aproximei-me dela, que guardava seus materiais, para
agradecer a oportunidade. Ela enfatizou que “eles o são indisciplinados, mas sim
alunos que não têm limites, o que interfere no comportamento, por o saberem
respeitar ninguém”. E desabafou, lembrando que indisciplina ela tivera que enfrentar na
escola em que lecionou no ano anterior, contando a seguinte situação: havia naquela
escola um professor de Educação Física negro, alto, bem “grandalhão”, que, apesar
dessas características, não era respeitado nem pelas crianças das 2ª ou 3ª séries. E
emendou: A gente eles não respeitavam mesmo, mas esse professor eles deveriam ter,
no mínimo, medo pelo tamanho dele”.
Além de ser nova na rede, aparentar pouca idade (em torno de 30 anos), é magra,
baixa (+/- 1,60m) e está sempre muito bem cuidada, com as unhas esmaltadas, o cabelo
impecavelmente arrumado, sempre maquiada. Além disso, procura tratá-los até certo
ponto com carinho e compreensão. É, na verdade, o extremo oposto do protótipo da
professora de escola pública, que perdeu a vaidade e a paciência, por isso grita com
os alunos, passando a imagem de agressiva. Seu perfil justifica, de certa forma, o
comentário anterior, pois sua fragilidade, enquanto mulher com aparência franzina, dava
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ensejo ao desdém, ao pouco-caso e à má-educação dos alunos, já que nem a presença de
um professor grande e forte intimidava-os.
A impressão que tem da escola onde lecionou anteriormente é a pior possível e
deixou-lhe marcas profundas, reveladas pela lembrança de alunos constantemente se
engalfinhando, em meio a um ambiente caótico. Visivelmente magoada, contou que não
respeitavam ninguém e, se um professor ou funcionário procurasse intervir, ou fizesse
alguma menção que desagradasse aos alunos, era ofendido com palavrões e gestos
obscenos. Por isso, considera os atuais alunos até certo ponto respeitosos com os
professores e os funcionários em geral; e mesmo que haja provocações e
desentendimentos, não se comparam aos que já passou.
Nos dias 25, 26 e 27 de setembro parte da escola aderiu à greve de professores e
profissionais de ensino proposta pelo Sindicato (SINPEEM).
EMEF– 02/10/2007 (7h40 – 11h)
Visita 38 – Sala do PIC
Ao entrar na escola, encontrei a coordenadora pedagógica, com quem desejava
conversar várias semanas, para colher informações sobre a transferência do aluno Mt
(2ªC). Informou que tudo o que havia sobre o aluno estava em seu prontuário,
colocando-o a minha disposição. A secretária, após entregar-me a pasta, avisou-me que
não poderia sair da sala com tais documentos.
No prontuário, havia o cadastro do aluno, solicitação de transporte escolar, os
encaminhamentos e históricos de faltas de 2006 e algumas poucas anotações.
Mt nasceu em 06/01/1998, mas não havia informações sobre a cidade natal e sua
filiação. Em 2006 ficou retido na série por faltas: foram 23 no semestre e 42 no 2º
semestre. Havia um encaminhamento para SAPNE (Sala de Apoio Pedagógico às
Necessidades Especiais), contudo o aluno pouco freqüentou, como se constata pela
grande quantidade de faltas.
Todas as convocações foram assinadas pela apaterna, mas, de acordo com as
informações disponíveis, subentende-se que não moram juntos, porém próximos (em
torno de 5 km de distância)
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Em 28/03/2007 a avó assinou um comunicado sobre o excesso de faltas, sendo
alertada de que, caso até o final do ano letivo o aluno não atingisse a freqüência mínima,
seria novamente retido.
Em 11/06/2007, está registrado que o aluno fugiu da escola durante o recreio e
que tal ocorrência foi notificada ao Conselho Tutelar, que, por sua vez, entrou em
contato com a avó. Dezesseis dias depois, em 27/06/2007, a avó pediu sua transferência.
Não havia na pasta qualquer documento que justificasse essa transferência, mas segundo
a professora, quando o Conselho Tutelar procurou os responsáveis pelo aluno, a família
decidiu mudá-lo de escola para evitar maiores problemas como, por exemplo, perder sua
guarda.
Concluídas as anotações às 8h15min., encaminhei-me à sala do PIC. A turma
realizava uma atividade de cruzadinha: na frente do espaço reservado a cada palavra
havia um desenho e na lousa estavam escritos aleatoriamente os nomes referentes aos
desenhos.
Como de costume, a professora solicitou-me que tomasse a leitura de alguns
alunos por ela indicados, anotando seus desempenhos no caderno de registros.
Os primeiros foram os alunos Vn e Lo. Ambos lêem com bastante desenvoltura.
Escolhi um texto um pouco mais longo do livro que a professora me deu, pois os
indicados aos demais não lhes apresentam quaisquer dificuldades.
Pouco depois, a professora pediu licença para ausentar-se, deixando a auxiliar de
sala como regente, pois tinha que tomar uma medicação. Como não me foram
encaminhados outros alunos, assim que terminei a leitura com os dois, aproveitei para
examinar as anotações referentes aos demais.
Identifiquei que os alunos mais velhos da sala são: Tg, nascido em 1994, e Vn,
Lo e Ad, nascidos em 1995. As anotações, quer da professora, quer da auxiliar de sala
registram os progressos dos alunos, mas sempre procurando apontar suas deficiências.
São comuns as indicações: “ainda o consegue”, "precisa melhorar”; esporadicamente
aparecem: “já consegue” ou “houve melhora/progresso em determinado aspecto”.
Um detalhe que chamou minha atenção é que não folha de registros do aluno
Hq. Embora não esteja matriculado nessa turma (e sim na série), quando de sua
transferência, embora extra-oficial, foi criada a expectativa de que seu comportamento
melhorasse e houvesse avanços na aprendizagem. Repetidas vezes, a professora tem
deixado bem claro que o tem qualquer responsabilidade sobre ele, que a
transferência se deu sem que fosse consultada. Contudo, sempre demonstra sentir pena,
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considerando-o uma vítima de descaso que, por não ter tido a escolarização no tempo
certo, viu-se obrigado a pular fases de aprendizagem para que pudesse permanecer entre
os de sua idade.
Entretanto, a partir do momento que ela tem um caderno pessoal de anotações
sobre o desenvolvimento de cada aluno e não disponibiliza um espaço para registrar o
seu desempenho especificamente, é possível inferir que não está nem um pouco
preocupada com o seu progresso, considerando-o apenas mais um aluno que está
fisicamente na escola, mas não concretamente incluído.
Depois de aproximadamente 10 minutos, a professora retornou, encontrando
alguns alunos fora de seus lugares e a atividade proposta ainda não concluída. Irritada,
mandou-os aos seus lugares e salientou que, se o haviam terminado a atividade, não
havia motivo para conversas. Exigiu que todos retomassem seus trabalhos
imediatamente, pois logo faria a correção.
Na seqüência, voltou a encaminhar para a professora-auxiliar e para mim mais
alguns alunos para as avaliações diagnósticas
Pouco tempo depois, o aluno Ls foi a sua mesa mostrar que terminara a
atividade. Ela olhou e rispidamente respondeu que “era melhor voltar para a sua
carteira, ver se realmente tinha preenchido todos os quadradinhos e se todas as palavras
estavam escritas corretamente”.
Sem entender o que estava errado, o aluno colocou a folha sobre a mesa, foi
apontar o lápis e não voltou para rever a atividade, porque começou a passar pela mesa
de alguns colegas, ora para ajudá-los, ora para conversar.
A professora percebeu, chamou sua atenção novamente e mandou que se
sentasse, pois havia erros em sua atividade. Ele sentou, olhou a folha por algum tempo,
viu que outros começaram a se levantar para apontar lápis, pedir material emprestado
até se dar conta de que, de pouco em pouco, alguém se dirigia a minha mesa para ser
avaliado. Aproximou-se também para perguntar se sua lição estava certa. Verifiquei
que alguns espaços não tinham sido preenchidos, mostrei o que deveria ser feito e ele
voltou a sua carteira para terminar as palavras-cruzadas.
Instantes depois ouvimos o sinal do recreio. Enfileirados, desceram as escadas
para o pátio central. Enquanto nos encaminhávamos para a sala do café, perguntei à
professora sobre o Hq, pois notei sua ausência em várias observações de campo. Ela
disse que está faltando muito, que já havia até comunicado à professora da 1ª série, mas
a resposta que obtivera foi a de que ela estava colocando presença, pois de modo algum
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iria retê-lo por faltas. Em face dessa resposta, a professora afirmou: “Se a professora
que é responsável por ele não está preocupada, não serei eu que ficarei”. Ao entrarmos
na sala do café, dirigiu-se à professora da Sala de Leitura, não me sendo possível
aprofundar a conversa sobre o aluno.
O assunto do dia era a preparação para o Dia das Crianças. Por intermédio de
uma professora, a coordenadora pedagógica desejava saber se as professoras do
Fundamental I pensaram algum tipo de confraternização conjunta para a semana de 08 a
10 de outubro.
Uma delas prontamente respondeu que faria apenas algumas atividades lúdicas
com seus alunos, mas que se fosse para fazer alguma coisa fora da sala de aula, os
professores de Educação Física é que deveriam ser convocados.
Nesse exato momento, entrou na sala a professora de Educação Física das
turmas de e séries e, ouvindo a conversa, esclareceu que ela e os demais o
poderiam assumir o compromisso de organizar a Semana da Criança com atividades
esportivas, pois isso implicaria que os alunos do Fundamental II ficassem sem aulas
durante a semana, o que causaria uma reaçãodesfavorável por parte dos professores, que
não consideram justo suspender as aulas de Educação Física dos maiores para atender
aos alunos da manhã.
Outra professora contou que, como seus alunos pediram para fazer um tipo de
amigo secreto, optou por fazer um “amigo-chocolate”. No dia 12/10, as crianças trarão
um chocolate, que será embrulhado na hora e cada um sorteará seu “amigo” para
entregar o “presente”. A professora considera uma idéia justa e viável, pois
participará quem estiver presente e, caso alguém não traga, suprirá com bombons
avulsos.
No mais, todas concordaram que é melhor fazer atividades específicas nas
próprias salas de aulas, sem precisar envolver toda uma equipe para organizar uma
festividade de maior abrangência, visto que, nas últimas vezes, isso resultou mais em
problemas do que em uma efetiva confraternização.
Em meio a esses comentários, uma professora fez referência ao envio de um
bilhete chamando os pais para uma reunião no dia seguinte (03/10), a fim de
preencherem um cadastro. Como não esteve presente no dia anterior, não sabia do que
se tratava efetivamente.
Todas começaram a falar sobre o assunto, com posições bastante divergentes.
Pelas interpretações, trata-se de um cadastro elaborado pela empresa Nestlé, para que
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seja mantido o fornecimento do leite. Parece que a escola recebeu os formulários na
segunda-feira, para serem devolvidos até o sábado seguinte, quando funcionários da
empresa irão recolhê-los e fazer a entrega do leite daquele mês; ou seja, até sexta-feira
todos os formulários devem estar preenchidos.
Entre pontos de vista conflitantes e muita discussão, comentou-se que as
professoras do 1º recreio (1ª e 2ª séries) tomaram conhecimento do tal cadastro e, dada à
complexidade para o preenchimento, face ao grande número de questões, preferiram
marcar uma reunião com os pais, para que preenchessem o formulário juntos, na própria
escola. Isso também evitaria que alguns fossem entregues aos alunos e não voltassem,
além de facilitar o esclarecimento de dúvidas, diminuindo a possibilidade de erros.
Contudo, para as professoras do recreio (3ª e séries), a informação chegou
de forma incisiva: “a maioria decidiu pela reunião”. Essa imposição desagradou àquelas
que gostariam de saber de antemão de que trata o formulário para poder discernir se
realmente a melhor forma de preenchê-lo seria a convocação dos pais.
O que causou indignação a outras foi a facilidade em se marcar uma reunião
extraordinária com os pais para preenchimento de um simples cadastro de uma empresa
que passará a distribuir o leite, quando inúmeras vezes lhes foi negada essa
possibilidade, principalmente em se tratando da necessidade de uma reunião extra com
os pais de alunos dos anos para conversarem sobre o rendimento escolar de seus
filhos.
O grande problema é que algumas salas ainda não haviam recebido o tal bilhete,
o que, fatalmente, ocasionará confusão, porque a reunião está marcada para o dia
seguinte e muitos pais não teriam como ser avisados. Entretanto, na opinião geral, não é
aconselhável mudar a data, pois os pais que porventura não comparecerem, ainda terão
a feira para receberem o comunicado, encaminhando-o à escola na feira
impreterivelmente.
Em meio à confusão, decidiram que a coordenadora deveria esclarecer porque a
decisão foi tomada sem o conhecimento de todas as professoras, explicar o motivo real
da exigência desse cadastro e dar as diretrizes para a reunião do dia seguinte.
A coordenadora chegou à sala do café e, quando conseguiu se fazer ouvir,
explicou que não estava entendendo o porquê daquela reação, se nem ela mesma estava
a par dos acontecimentos.
Uma professora externou sua indignação pelo fato acima descrito de a escola
priorizar uma reunião para preenchimento do cadastro de uma empresa fornecedora de
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leite e ter-se negado, algum tempo, a acolher sua sugestão de marcar uma reunião
para falar sobre o desempenho dos alunos de séries. A coordenadora explicou que,
como muitas denúncias sobre a escola têm ocorrido junto à Ouvidoria, e sendo o
recebimento do leite assunto de interesse dos pais, nenhum deles faria oposição. Essa
colocação serviu para enfatizar que o interesse dos pais deveria ser mais pelo
aproveitamento de seus filhos do que pelo benefício do leite, mas infelizmente não é
isso que ocorre e “é por isso que a educação está desse jeito.”
A coordenadora argumentou que alguns anos tinha por hábito realizar uma
reunião mensal com os pais, porém começaram a surgir denúncias de que as crianças
ficavam sem aula. Por não estarem previstos no calendário, esses dias não eram
repostos, portanto, em face das queixas, a escola teve que abrir mão desse canal de
comunicação.
Em tom de desabafo, fez questão de frisar que no próximo bado terá que
trabalhar, fato que não a agrada nem um pouco, pois, embora tenha uma folga durante a
semana, esse descanso num dia útil de nada adianta porque sua família estará
trabalhando, ou seja não terá companhia para nenhum lazer. Por fim completou: “é bom
que se saiba que já tenho muitos dias de folga acumulados, dos quais não consigo
usufruir por não ter quem me substitua!”.
Sobre a Semana das Crianças, esclareceu que quis saber sobre a
comemoração, porque, ao assumir o cargo, a nova supervisora, chamou-a juntamente
com a diretora, para dar o aviso expresso de que, em hipótese alguma, os alunos devem
pagar por atividades realizadas dentro da escola. No caso de um funcionário municipal
desrespeitar a lei, acarretará para si um processo administrativo e a eventual perda do
cargo. A coordenadora lembrou-as de que está há 24 anos na rede municipal de ensino e
não colocará tudo a perder por causa de uns trocados para uma festa de Dia das Crianças
e frisou que aquelas que estão algum tempo na escola sabem o quanto ela sempre
gostou (e gosta) de realizar festas e promover atividades diversas para as crianças.
E aproveitou para deixá-las cientes de que, em todos esses anos de docência,
conheceu uma pessoa capaz de enfrentar os superiores em defesa de seu corpo docente:
a atual diretora, não apenas em momentos de reivindicações salariais como também nas
greves dos dois últimos anos, em questões internas e quando da terceirização da cozinha
da escola, que resultou na proibição de os professores poderem servir-se das refeições
oferecidas aos alunos. Concluiu, dizendo que escolas que oferecem esse benefício
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aos professores, não por empenho dos diretores (que tiveram a ousadia de desafiar
instâncias superiores), mas porque têm “costas largas”.
Com firmeza, ressaltou que, cientes da postura da diretora, devem pensar um
pouco antes de criticar todas as atitudes da direção, o que infelizmente não vem
ocorrendo há algum tempo.
Comunicou também que ultimamente a escola tem sido chamada às reuniões
das Coordenadorias para que problemas administrativos e falhas persistentes sejam
apontados, como no caso do baixo índice de aproveitamento da Prova São Paulo de
2006; do alto índice de alunos que concluem a série sem dominar as noções básicas
da leitura e da escrita; e nos problemas surgidos quando das entregas dos uniformes e do
material didático.
Nesse momento, foi interrompida por uma professora, que contou um fato - que
não é isolado, ao contrário, tem-se tornado freqüente, principalmente nas turmas de
primeira série - ocorrido em uma escola pertencente à mesma Coordenadoria: uma
supervisora de ensino entrou numa sala de série e perguntou aos alunos se sabiam
qual era seu nome. Diante da resposta negativa, escreveu-o na lousa e em seguida
perguntou-lhes novamente como se chamava. Evidentemente, as crianças que liam,
responderam. Desse modo, pôde identificar claramente as que sabem ler e as que
ainda não conseguem.
Com base nesse relato, a coordenadora lembrou que cada vez mais estão
aumentando as cobranças e as Coordenadorias vêm cercando as escolas e os professores
de maneiras diversas e revelou que tem sido insistentemente questionada por não entrar
nas salas de aula. Sua única justificativa que vem sendo tolerada, é a de que a outra
coordenadora, com quem deveria dividir as tarefas, está de licença por motivo de saúde,
desde o início de ano, e seu trabalho está sobrecarregado com questões burocráticas.
Mas, em sua opinião, a partir de 2008, quando a escola funcionará em 3 turnos,
provavelmente essa “desculpa” não funcionará, porque os problemas administrativos
serão sanados.
Também pontuou que, por outro lado, os pais daquela escola são “chatos”, por
reclamarem de tudo e exemplificou: “antes, se um professor ficasse lendo revista na
classe, alguns pais procuravam a coordenação e a supervisora resolvia o problema
dentro da própria escola; mas agora, os pais dirigem-se diretamente à Ouvidoria e,
quando a escola é comunicada, está tramitando um processo contra o professor e
contra a diretora. Essa atitude tem tornado o trabalho de professores e da direção muito
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mais cauteloso e, ao mesmo tempo, mais estressante, além de deixar a escola cada vez
mais vulnerável às investidas da Coordenadoria e da Secretaria da Educação. Nesse
exato momento, um processo contra a escola, porque um professor da Educação de
Jovens e Adultos (EJA) foi denunciado por passar o tempo de aula “brincando, ao invés
de passar lição na lousa”.
Finalmente, foi retomada a discussão sobre o cadastro da Nestlé. A
coordenadora confirmou que também não viu a folha do cadastro e tampouco sabia se a
escola já recebera os pacotes. Explicou que foi apenas pela escassez de tempo para que
os pais fossem informados que precisou decidir pelo 2º recreio, marcando a reunião sem
anuência das professoras; disse que no período “os professores vão ter que se virar”,
pois não há mais como marcar uma reunião para amanhã.
Como o recreio terminara vinte minutos e o sinal para retornarem às salas
fora tocado 4 vezes, a reunião encerrou-se sem que fosse tomada qualquer decisão.
Enfim, amanhã haverá a reunião para o preenchimento dos formulários, ainda que
ninguém saiba o que contêm e o que será necessário informar.
De volta à sala de aula, assim que todos se acalmaram, a professora chamou a
atenção dos alunos La, e Wl, porque durante o recreio ficaram tirando o boné da aluna
Ta. A professora lembrou-os de que a colega tem permissão para usá-lo até que o cabelo
cresça o suficiente, porque tentou cortar sua franja e ficou torta. Muito exaltada, afirmou
que, se a situação voltar a se repetir, os dois não freqüentarão mais a sua sala, pois
esta farta das “brincadeirinhas” e das reclamações que recebe todos os dias. Os garotos
tentaram se justificar, mas a professora não permitiu que falassem, interrompendo-os e
perguntando se queriam sair da sala.
Todos quietos, encaminhou mais dois para as avaliações feitas por mim e pela
professora-auxiliar. Nisso, o aluno Ad disse que estava com dor de dente e pediu para
telefonar para sua mãe vir buscá-lo. A professora respondeu negativamente, pois dali à
uma hora todos iriam embora e, além disso, havia falado muitas vezes para procurar
um dentista que investigue a causa de tanta dor de dente. Como o aluno disse que ainda
não foi, conversará com sua mãe quando ela vier buscá-lo.
A professora planejou corrigir a atividade das palavras cruzadas antes do recreio,
para que agora realizassem uma atividade com calculadora, mas como muitos ainda não
terminaram a atividade e o procedimento de entrega e recolhimento das calculadoras
demanda muito cuidado, achou melhor deixar para outro dia. Todos ficaram ao final
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da aula terminando as palavras cruzadas e quem havia concluído deveria pintar os
desenhos, conferir a escrita e ajudar os colegas.
A turma permaneceu calma até o final da aula, mas alguns alunos circulavam
pela sala, ora para pedir material emprestado, ora para ajudar os colegas. Alguns
pediram que eu conferisse antes que mostrassem à professora, pois assim garantiriam
um “parabéns”.
EMEF– 10/10/2007 (9h – 11h)
Visita 39 – 4ª F – Festa do Dia das Crianças
Hoje todas as turmas comemoraram o Dia das Crianças. Na turma da professora
da F, o combinado foi que, se todos se comportassem bem nas últimas semanas, ela
deixaria que trouxessem salgadinhos, doces e bebidas para a confraternização. Os
alunos cumpriram sua parte e a professora aproveitou a data para “premiá-los”. Quando
cheguei, a festa já estava animada. Trouxeram um “CD player” e muitos alunos levaram
seus CDs preferidos. Principalmente as meninas limpavam a sala jogando todo o lixo
fora. Havia muitas garrafas de refrigerantes, pratinhos, copinhos, mas apesar do grande
número de descartáveis, não havia muita sujeira no chão, aliás não muito maior do que
em um dia normal.
As carteiras estavam encostadas na parede e algumas cadeiras espalhadas
aleatoriamente no centro da sala. Alguns alunos permaneciam próximos do aparelho de
CD, escolhendo as músicas. A professora fez um planejamento, de forma que todos
pudessem ouvir ao menos uma de suas músicas prediletas. Foi uma tarefa bem fácil
porque grande parte gosta das mesmas músicas. O funk é quase unanimidade.
Outros conversavam em pequenas grupos, sentados sobre as carteiras ou em
formando uma roda. Às vezes saía um empurrão ou ouvia-se um palavrão, mas o
eram atos violentos, é apenas a forma de discordar da opinião de terceiros.
No centro da sala, mas em lados opostos, meninos e meninas dançavam,
indiferentes ao ritmo, mas sempre obedecendo a uma coreografia..
O som alto da música e o som das conversas redundavam em um barulho
estridente, mas todos estavam serenos e realmente aproveitando esse momento de
descontração.
Aproximadamente 30 minutos após minha chegada, tocou o sinal para o recreio.
A professora recomendou que, se o estivessem com fome pois tinham comido a
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manhã inteira não deveriam pegar o lanche, mas, se quisessem guardar para comer
mais tarde, deveriam embalar no guardanapo. Esse conselho foi dado porque a escola
ofereceu cachorro quente a todos os alunos
Diferentemente dos outros dias, hoje não tinham pressa para sair da sala e ir para
o recreio. Ficamos mais de 5 minutos esperando que todos saíssem para que
pudéssemos fechar a sala.
Ao atravessarmos o pátio, pudemos observar alunos de outras salas
desperdiçando o lanche: pedaços de pão e metades de salsichas jogados no chão e nas
lixeiras.
Na sala do café, as professoras comentavam sobre as festas em suas salas. Nem
todas permitiram que os alunos trouxessem comidas e bebidas, temendo a sujeira. A
maior parte deixou-os livres para trazer jogos e brinquedos, além de terem organizado
horários para que todas as turmas, durante a semana, pudessem utilizar as áreas externas
da escola: pátio, quadras e parquinho. Havia também um arranjo diferente nos horários
das aulas de Educação Física e para a utilização das Salas de Leitura e de Informática:
nesses três dias, o tempo de participação de cada turma é reduzido para garantir que
todas possam usufruir dos espaços.
Nesse horário de recreio, além das professoras das 3ªs e 4ªs séries, estavam as
duas professoras de Informática e de Leitura comentando que, apesar de alvoroçados e
por isso perdendo parte das atividades dirigidas, os alunos pareciam estar satisfeitos.
Como a F havia participado das atividades de Leitura e Informática e da
aula de Educação Física, respectivamente na segunda-feira e terça-feira, após o recreio
ocuparam o pátio externo.
Para as 2ªs séries houve uma sessão de cinema, com o lançamento de filmes
infantis acompanhados de pipoca.
Algumas professoras aguardavam ansiosamente que a semana acabasse,
esgotadas com o excesso de barulho e a algazarra, que eram incontroláveis. O que
tranqüilizava algumas é que no dia seguinte (11/10) haveria uma reunião extra para
avaliar o rendimento dos alunos e a festa das crianças; na verdade, o encontro será a
confraternização pelo Dia do Professor.
Os alunos voltarão daqui a 5 dias (16/10), mas, apesar dessa folga, muita
preocupação por parte das professoras das séries, pois em 06 de novembro será
realizada a Prova São Paulo e em 12 de novembro a Prova Brasil. Como são avaliações
totalmente novas e poucas informações sobre os detalhes para aplicação dos testes,
98
tais como: preenchimento dos gabaritos, presença de professores ou coordenadores nas
salas, impactos sobre os resultados, etc., os professores estão apreensivos e ansiosos,
temendo pela falta de preparação dos alunos frente a essa nova experiência. Muitos
acreditam que essas avaliações servirão para julgar o desempenho dos professores e não
dos alunos
Ouvimos o sinal do final do recreio. A professora da F, cuja sala de aula fica
no andar térreo, levou imediatamente sua turma para a classe, antes que as outras
saíssem do pátio. Pediu que juntassem tudo que trouxeram, arrumassem as carteiras em
seus devidos lugares e avisou que quanto antes acabassem, mais tempo teriam no tio
externo.
Rapidamente a sala estava em ordem e fomos para o pátio. Lá as atividades eram
livres e os grupinhos logo se organizaram: alguns meninos batiam figurinhas, outros
formados em roda, brincavam de pisar no do colega, sendo vencedor o que pisasse
mais forte, o que fazia com que os adversários desistissem. Outros sentaram no muro
que faz divisão com uma área verde e conversavam enquanto alguns brincavam de
pega-pega entre as árvores.
As meninas queriam brincar no parquinho, que é trancado à chave. A professora
mandou que a pegassem na secretaria mas, nesse meio-tempo, uma turma da série
desceu para usar aquele espaço. No primeiro momento, as meninas pediram para brincar
com as crianças da série, mas diante da negação da professora e da promessa de que,
na próxima semana, reservaria o parquinho para sua turma, algumas, começaram a
brincar de barra-manteiga, outras de desfile de modas e, assim como os meninos, havia
as que preferiam apenas conversar.
Após algum tempo, o auxiliar responsável pelo recreio veio perguntar se alguns
meninos tinham autorização para pegarem a bola. Ela disse que não, principalmente
porque o espaço é muito pequeno para os fortes chutes que costumam dar. Eles ficaram
decepcionados, mas logo voltaram a correr pelo pátio e a pedir para irem à sala pegar
alguma coisa que tinham esquecido.
Entre os que brincavam de pisar no pé do colega estava o aluno Vc, que, além de
mais velho que os demais é também fisicamente maior. De pouco em pouco, a
professora chamava sua atenção, por estar empregando mais força e machucando os
colegas.
Apesar de muitas interrupções, conversávamos sobre as escolhas de escola e as
adversidades que muitos professores enfrentarão ao final do ano, motivadas pela
99
redução de um turno. Aproximadamente seis ficarão excedentes, podendo ou não
permanecerem naquela unidade de lotação.
É o seu caso da professora. Em 2006, por não conseguir vaga na escola que
escolheu, teve que aceitar uma escola periférica situada muito longe de sua casa. É uma
situação difícil, porque acumula dois cargos: um na da Prefeitura de São Paulo e outro,
na Prefeitura de Guarulhos. Para o ter que passar pelos mesmos inconvenientes no
próximo ano, pensa em pedir remoção novamente.
Numa das vezes em que chamou a atenção do aluno Vc, contou-me seu
histórico. O comentário que circula pela escola ela mesma ficou sabendo por outra
professora é de que sua e biológica tentou abortá-lo, mas sua tia (irmã da mãe)
pediu-lhe que levasse a gravidez ao fim, comprometendo-se a cuidar do bebê. Assim
que voltou da maternidade, entregou-o à irmã e avisou que jamais queria saber da
criança, enfatizando que, por sua vontade, nem teria nascido.
Com o bebê nos braços, a tia mudou-se para uma cidade de Minas Gerais e
cuidava dele como filho, porém, depois de certo tempo o marido a abandonou e ela se
viu sozinha com o garoto. Sem o apoio financeiro do marido, a sobrevivência foi se
tornando cada vez mais difícil e, à medida que o menino crescia, as despesas iam
ficando cada vez maiores. Para conseguir um parco rendimento, tinha que pagar para
que uma vizinha cuidasse dele durante sua ausência. Depois de alguns meses (nessa
época, Vc estaria com uns 3 anos), voltou a São Paulo e tentou devolvê-lo a sua mãe
biológica. Novamente, ela deixou bem claro que não tinha nada a ver com os problemas
da irmã e, que se propôs a criá-lo, arcasse com as conseqüências. Não houve outra
solução senão a de continuarem aqui em o Paulo, onde poderia contar com a ajuda de
antigas vizinhas. Contudo, a todo o momento, passou a falar para o menino que estava
fazendo o favor de criá-lo e que, se não fosse por ela, nem teria nascido, pois sua mãe
não o queria.
Ele cresceu nesse ambiente de rejeição e, apesar de conhecê-la, não recebe da
mãe qualquer gesto de atenção ou carinho. Desde a época da EMEI, não tem o costume
de fazer as lições de casa, às vezes anda sujo, esquece o material, apresenta uma série de
problemas, embora não tenha grandes dificuldades para aprender. Quando estava na
série, sua tia foi morar com um homem que não gostava dele, por isso mais uma vez ela
tentou devolvê-lo à mãe, que novamente o rejeitou. O menino teve que continuar
morando com a tia, passou a apanhar do padrasto” cada vez que chegava reclamação
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da escola – e provavelmente não eram poucas e o garoto começou a se tornar violento
com os colegas.
Vc é conhecido praticamente por todas as professoras, seu nome está entre os
alunos indisciplinados, os que criam confusões no recreio com alunos de outras salas.
Em 2006, quando cursou pela primeira vez a série, o realizava nenhuma
atividade, não fazia nem mesmo as avaliações, em contrapartida, seu comportamento
piorava. Quando assumiu a sala, a professora E conta que sofreu muito, pois ele a
enfrentava e a todo instante testava os seus limites. Passados pouco mais de três meses,
aproximou-se um dia de sua mesa e disse que, por gostar dela, passaria a fazer as
atividades. A partir de então, a professora descobriu que é um aluno com poucas
dificuldades em Português e com muita facilidade em Matemática. Quando resolve
mostrar seus cadernos, os professores que o conhecem afirmam que ele deve estar
obrigando algum colega a fazer suas lições, mas ela garante que não é verdade.
Em termos de comportamento, ainda é muito violento, especialmente nos
espaços externos, onde suas marcas de indisciplina vêm sendo construídas ao longo de
quase 5 anos. Na sala de aula, porém controla-se mais, entretanto, dias em que chega
muito irritado e é preciso muito pouco para arrumar confusões. Diante de sua história, a
professora opta por conversar, às vezes deixa que fique um tempo fora da sala para se
acalmar, mas não o manda mais para a coordenação ou para a direção.
Admite que, depois que conseguiu se aproximar de Vc, o comportamento geral
da sala melhorou, pois era ele o pivô de muitas brigas, já que direta ou indiretamente
promovia intrigas entre os colegas.
“Também, não deve ser fácil lidar com a rejeição desde pequeno e por todos que
estão a sua volta” diz a professora, que também afirma: “mesmo que ele o faça as
avaliações vou aprová-lo, pois ele provou que tem condições de acompanhar a
série e não tem mais condições de ficar com as turmas menores”.
Ficamos no pátio por aproximadamente 50 minutos e voltamos à sala para
que pegassem o material. A professora aproveitou a oportunidade para elogiá-los,
lembrando que essa festa que fizeram foi porque haviam se comportado bem. Quando
comunicou à direção da escola, que deixaria que trouxessem comidas e bebidas, muitos
acharam que seria um caos e que o conseguiriam se organizar e se comportar”. Por
isso, afirmou: "estou muito feliz, pois agora posso dizer a todos aqueles que não
acreditaram em mim que minha turma sabe se organizar e se comportar muito bem em
101
festas”. E completou que “essa experiência serviu para que outras festas sejam
organizadas.” No fim, todos bateram palmas e estavam realmente de parabéns!
EMEF – 16/10/2007 (7h40 – 11h)
Visita 40 – 4ª F
Para essa turma as duas primeiras aulas às terças-feiras são de Educação Física.
O professor organizou-os em quatro times de futebol, para jogarem partidas de
aproximadamente 10 minutos. As turmas eram mistas e, enquanto dois grupos jogavam
em meia quadra, os outros dois tinham à disposição bola de basquete e cordas.
As meninas que estavam no intervalo do jogo brincavam com atividades de
coordenação, cantando uma música que orientava as batidas de mãos (Piu-i cabeça e
mão... piu-i e o ... piu-i cabeça e o...). Alguns meninos, no outro extremo da
quadra, batiam figurinhas e outros pulavam corda. Apenas o aluno Gb permanecia na
quadra sozinho, jogando basquete, o que não parecia incomodá-lo. Quando o professor
chamava os times que estavam descansando, Gb juntava-se às outras crianças e
participava da atividade coletiva.
Quando parou de jogar, sentou-se ao meu lado e começou a conversar. Perguntei
se gostava de jogar basquete e ele me respondeu afirmativamente, contando que tinha
uma cesta no quintal de sua casa e que, às vezes, depois da aula, ia a outra escola,
próxima dali, jogar com outras crianças.
Assim que as meninas que estavam no intervalo do jogo perceberam nossa
conversa, aproximaram-se para contar que haviam ganho a partida por 3 gols contra 2.
Como já estava no final da aula, o professor de Educação Física organizou-os em fila
para que pudessem ir ao banheiro e beber água antes de voltarem para a sala de aula. Os
meninos que ganharam o último jogo gritavam insistentemente “- É campeão!!!”.
Chegando à sala de aula, encontraram na lousa os exercícios que levaram para
casa no dia anterior. A turma estava muito excitada e demorou mais de 10 minutos para
conseguir se acalmar. A professora, durante todo esse tempo, chamava a atenção,
pedindo que se sentassem e que fizessem silêncio, mas sem sucesso. Ainda em meio à
agitação, começou a fazer a correção, chamando os alunos mais inquietos à lousa, de
modo que os outros fossem copiando em seus cadernos.
O aluno Vc levantou-se para contar à professora que, durante a aula de Educação
Física, algumas meninas brigaram e que o professor chamou a atenção delas. Seu
102
objetivo era fazer com que a professora brigasse novamente com as alunas, mas, como
ela ignorou o comentário, ele pediu para fazer um dos exercícios de Matemática na
lousa, frisando que queria fazer a conta 58x23 por ser a mais difícil.
Enquanto os exercícios eram resolvidos, Gb virou-se para trás para falar comigo
sobre sua vida familiar. Disse que gostava de ir para a escola, não para fazer as
atividades, mas sim para conversar. Isso tem uma explicação: durante todo o resto do
dia fica sozinho em casa, sem ter com quem interagir e, como sua mãe sai tarde do
trabalho, às vezes, quando chega em casa, ele já está dormindo.Disse, também, que é ele
quem cuida da casa e esquenta a própria comida, que ou é preparada à noite pela mãe ou
deixada em cima da mesa por uma vizinha.
Gb mora longe da escola e, por isso, volta sozinho de ônibus. Quando perguntei
se o havia uma escola mais próxima de sua casa, respondeu que há mais do que uma,
mas não são tão boas, por outro lado, todos os seus irmãos (mais velhos e que não
moram mais com ele) estudaram nessa escola, por isso ae preferiu matriculá-lo onde
já conhecia.
Contou que sai de casa com autorização da e e para ir àquela outra
escola mais próxima, no período da tarde, para jogar com os amigos. Geralmente, fica
em casa brincando com o “videogame” ou com a cesta de basquete que tem no fundo do
quintal, ou fazendo o serviço rotineiro da casa, como arrumar as camas, passar um pano
nos móveis, limpar o banheiro e lavar a louça.
Questionei-o por não ter feito a lição de casa, que fica tanto tempo sozinho e
ele reafirmou que não gosta das lições e que, se pudesse, iria à escola para conversar
com os colegas.
Na seqüência fomos para o recreio (9h30min. - 9h45min.)
Sempre que a turma sai da sala, seja para o recreio, seja para as aulas de
Educação Física, Informática ou Sala de Leitura, a professora tem muita dificuldade
para retomar o ritmo. depois de quase 10 minutos após o recreio, começaram a se
sentar, rendendo-se aos muitos gritos e às inúmeras solicitações da professora. Como
todos os exercícios estavam corrigidos, ela seguiu explicando um novo conteúdo:
noções de dobro, triplo e quádruplo, ressaltando que quem o sabe a tabuada, deve
decorá-la, pois do contrário não conseguirá fazer os exercícios.
A conversa e a agitação da sala são constantes, em alguns momentos parece
haver uma trégua, mas, de repente, sem motivo aparente, o falatório intensifica-se e
103
basta, por exemplo, que um aluno se levante para pedir um material emprestado para
que as conversas e as reclamações recomecem.
Os alunos dispõem-se do modo que melhor lhes agrada: sentam-se sozinhos, em
duplas, em trios ou em grandes grupos que se estendem ao longo da sala de aula,
formando uma barreira de carteiras postas lado a lado. Como a sala fica muito
desorganizada, a professora não consegue observar todos, embora, sempre que possível,
passe entre as carteiras para tirar dúvidas e ver se todos estão copiando ou realizando os
exercícios.
Como eu estava sentada no fundo da sala, pude ver o aluno Wn escrevendo com
o compasso. Perguntei se tinha lápis e ele disse que sim, mas que preferia escrever com
“aquilo”.
Durante as atividades propostas, os alunos se levantam constantemente e, numa
dessas vezes, o Rf veio até mim para contar que treina futebol em duas escolinhas e que
no próximo ano sua mãe tentará matriculá-lo na escolinha do São Paulo. Atualmente,
treina todas as tarde para que esteja bem preparado para os jogos, que almeja ser
selecionado por um “olheiro” (pessoas que vão assistir aos jogos das escolinhas da
periferia a fim de selecionar jogadores com potencial para se tornarem grandes
profissionais). Rf comentou que fica bem cansado e muitas vezes, quando chega em
casa, não tem ânimo nem para fazer as lições, mas sua mãe diz que, se não se esforçar,
não conseguirá atingir seu sonho, que é ser um jogador famoso.
Durante nossa conversa, a professora repreendia alguns alunos que estavam
falando demais ou fazendo coisas que distraíam a atenção dos colegas. Realmente,
embora grande parte estivesse fazendo as atividades propostas, o barulho das conversas
era constante e alto. Depois de muito pedir para que parassem de importunar os colegas,
a professora resolveu mudar de lugar os alunos Gt, Vc e TM, pois além de atrapalhar os
outros, não estavam fazendo a lição.
Essa atividade foi até o final da aula e, à medida que o tempo passava, maior era
a algazarra, de modo que, mesmo aqueles que ainda não haviam terminado, deixavam
de fazer os exercícios para conversar com quem já tinha acabado.
A cada pouco, o aluno Gb virava para trás para conversar comigo, mas como
percebi que mal tinha começado a copiar o que a professora colocara na lousa, fui
incentivando-o a terminar tudo depressa para mostrar para a professora.
Quando faltavam aproximadamente 15 minutos para terminar o horário escolar,
a professora pediu a atenção de todos, pois, no Dia das Crianças acabou esquecendo de
104
entregar-lhes a lembrancinha que preparou. Foi chamando um por um, em ordem
alfabética e entregando “saquinhos surpresa”, que foram preparados para atender tanto
aos interesses das meninas quanto dos meninos. De todos os que receberam, apenas os
alunos Rb, Jm, Am, Sl e Gs agradeceram-lhe com um beijo.
EMEF– 29/10/2007 (8h40 – 11h)
Visita 41 – Sala do PIC
Como sempre, para que minha entrada na escola fosse possível, ao chegar no
guichê de atendimento, precisei dizer que iria fazer estágio, que já tinha autorização da
coordenadora pedagógica e para qual sala eu iria. Nesse dia, fui para a turma do PIC.
Assim que entrei na sala, o aluno Ls solicitou-me que tomasse a sua leitura,
que considera que agora sim sabe ler. Falei para esperar que a professora indicasse o
que deveria fazer.
Ela, então, entregou-me um livro e pediu para que tomasse a leitura de alguns
alunos, ressaltando que para os alunos Vn e Lo, poderia pedir que lessem frases, mas
para os demais deveria mostrar apenas palavras. Deixou comigo também, o caderno em
que anota o desempenho de cada um nas atividades diagnósticas realizadas por ela, pela
professora de apoio e por mim. O aluno Hq novamente havia faltado. Mas, antes mesmo
de começar, fomos para o recreio.
Assim que voltamos comecei a chamar os previamente selecionados: Vn, Lo, Wl
e Ls, sendo que os dois últimos pediram à professora que deixasse “fazer a atividade
com aquela outra professora?”.
Como foi citado, tanto Vn como Lo são exímios leitores, só estão nessa turma
porque apresentam problemas de outras ordens. Todas as vezes que a professora pede
para tomar a leitura, infalivelmente me são encaminhados, acho que para dar a
impressão de que toda a sala está progredindo na mesma proporção. Somente em termos
de comportamento, sua sala demonstra-se muito mais tranqüila do que a outra série
que freqüento.
Os outros dois alunos (Wl e Ls) apresentam dificuldades na leitura. Ls consegue
reconhecer as letras e, aos soquinhos, vai juntando os sons. Por exemplo, para ler a
palavra “cavalo” ele fala baixinho: C – A... c/a/c/a/c/a/c/a/c/a – é “Ca”. V...v/v/v/v/v - A
V-A ... é então, é Ca-va. L O... La, le, li, lo é Ló, né?!! Então a palavra é Ca-
va-lo... cavalo!!!
105
Percebendo que o livro dado pela professora era pouco adequado ao Ls e ao Wl,
devido a textos longos - que se esforçavam para ler porque os colegas conseguiram -,
resolvi mudar a atividade: pedi que procurassem escrever os nomes de seus familiares.
Foi uma atividade bem mais demorada que a de leitura, mas pareceu despertar-lhes bem
mais interesse, por se tratar dos nomes dos pais e dos irmãos.
Ls apresentou menos dificuldade do que na leitura, pois alguns nomes sabia
escrever, sem contudo, reconhecer as letras isoladamente. Wl apresentou muita
dificuldade, tanto em uma quanto na outra avaliação, demonstrando-se cansado e com
intenção de desistir.
Enquanto eu realizava essas atividades, a professora fazia um exercício de
palavras cruzadas com os demais alunos. Como ao final do dia a aluna Lr não havia
terminado a lição porque ficou conversando, a professora chamou sua atenção de modo
que todos ouvissem, mas a menina não se acanhou.
Ao devolver o livro, informei à professora que tinha proposto outra atividade
para os dois alunos com mais dificuldade em leitura, mas ela não demonstrou interesse
em saber qual o resultado alcançado.
Na saída da escola, perguntei se havia algum tipo de registro ou controle de
freqüência do aluno Hq. Ela afirmou que tem avisado a professora Mn sobre os longos
períodos de ausência do aluno, mas que, mesmo assim tem registrado presença. Esse
procedimento é adotado segundo orientação da coordenadora, para que no próximo ano,
caso venha a se matricular, possa ser reclassificado para a 4ª série.
A professora o concorda com a maneira como foi feita essa remediação e,
como o aluno não está oficialmente matriculado em sua sala, não se sente responsável
pela sua freqüência, participação e aprendizagem, embora afirme sentir pena dele, por
considerá-lo apenas uma vítima da irresponsabilidade dos pais e da desorganização da
escola.
EMEF– 31/10/2007 (9h – 11h)
Visita 42 – 2ªC
Assim que entrei na sala de aula, a professora chamou a atenção dos alunos, que,
como sempre, estavam muito agitados e falando bastante, afirmando que, se
continuassem com aquele comportamento inadequado, a professora que vocês gostam
106
nunca mais vai querer voltar nessa sala”. E voltou-se para mim, justificando que
estavam inquietos por causa da Prova São Paulo, que fariam na semana seguinte.
Algumas professoras conseguiram materiais didáticos com questões que
possivelmente poderão ser cobradas na prova. Ela tenta prepará-los para a Prova,
adequando alguns daqueles exercícios às atividades de classe. Corre o boato de que
todos os alunos, além de resolverem as questões e independente da série que
freqüentam, deverão preencher um gabarito com as respostas e isso assombra as
professoras, por se tratar de um processo totalmente novo, jamais realizado.
Um grupo de professoras reuniu-se para elaborar um estêncil com atividades de
múltipla escolha, cujas respostas devem ser preenchidas no gabarito, simulando a Prova.
Enquanto isso, os alunos faziam atividades de Matemática (três contas de divisão), que
depois seriam corrigidas na lousa.
O dia estava muito quente e as crianças pediam, a todo o momento, para beber
água e para ir ao banheiro, mas como outras séries estavam no horário do recreio, não
podiam sair da sala. A cada um que pedia para sair, a professora respondia
negativamente e argumentava que tinha avisado para, nesses dias de muito calor,
trazerem de casa uma garrafinha com água e que a enchessem novamente no recreio.
Durante a correção das continhas, a turma participava respondendo às questões.
Depois da correção, explicou que, agora que sabem fazer divisões exatas, explicaria
as divisões que não são exatas. Para exemplificar, pegou 5 canetas coloridas e chamou
dois alunos que estavam conversando, demonstrando que, para que a divisão aconteça,
cada um vai receber duas canetas e sobrará 1.
Na seqüência, colocou mais algumas continhas na lousa resolvendo junto com as
crianças. Depois pediu que pegassem o livro de Matemática propondo alguns
exercícios.
De lado, confidenciou-me: “Só agora eles m condições de acompanhar as
atividades que o livro propõe, que elas são do começo do livro e nós já estamos no
final do ano”.
Como o manuseio do livro didático ainda era uma novidade, a classe estava
quase em silêncio e todos se empenhavam em copiar o enunciado e as continhas para
responder no caderno.
Nesse dia, também, conheci um aluno que fora transferido para a escola
naqueles dias. JG veio transferido de outra escola municipal porque sua família mudou
107
de bairro e a escola ficava muito longe para que pudesse ir sozinho. Era um bom aluno
com rendimento superior aos colegas, por isso, muitos o procuravam para tirar dúvidas.
Durante o período em que faziam os exercícios de divisão, fui passando entre as
carteiras para ajudá-los, enquanto a professora preparava mais uma atividade referente à
Prova São Paulo.
Depois de aproximadamente 25 minutos, a professora começou a corrigir os
exercícios, ressaltando que todos deveriam resolver as continhas montando a operação
(ela não aceitaria mais a resolução mental ou por desenho). Essa decisão foi tomada
para que, na medida do possível durante a Prova São Paulo, soubessem sinalizar as
contas com indicação, solução e resposta.
Ao terminar a correção, fez a chamada, dando tempo para que todos
conseguissem copiar as soluções da lousa e indicou mais alguns exercícios do livro para
serem feitos.
Durante todo o tempo, os alunos levantam-se para pegar materiais emprestados,
jogar coisas no lixo, conversar com os colegas, enfim, para fazer qualquer coisa que não
os exercícios. Na medida em que a professora se irrita com o barulho, bater com a régua
na sua mesa, o que causa um barulho ainda mais ensurdecedor e grita com o primeiro
aluno que vê fora do lugar ou que não esteja fazendo o exercício, mas ninguém se abala.
Alguns tentam discutir, mas em o, isso piora a tensão, até que, em dado momento,
tanto a professora quanto os alunos retomam o que estavam fazendo e a bagunça
permanece.
Faltando 35 minutos para o fim do dia letivo, a professora começou a pedir
que alguns alunos levassem seu material para a sala dos professores. O aluno EL pedia
insistentemente para ir, mas ela não deixou, alegando que o havia se comportado
bem. Revoltado, saiu chutando tudo que encontrava pela frente. A professora reagiu,
dizendo que no próximo ano o vai aceitar alunos transferidos de outra escola porque
“só vem coisa ruim”. E afirmava que “provavelmente foi expulso da escola onde cursou
a 1ª série, por isso estava ali”.
Ele voltou chateado para seu lugar e ficou quieto.
A professora comentou que teve a idéia de fazer uma atividade de Ciências, em
que plantariam feijões, mas teve que desistir, porque não poderia deixar as mudinhas na
sala de aula, pois os alunos dos demais períodos estragam qualquer coisa até mesmo as
portas dos armários. E por outro lado, na sala dos professores houve reclamação de mau
cheiro e da presença de mosquitinhos.
108
Seria viável se a escola disponibilizasse um espaço de terra onde as crianças
pudessem plantar uma horta, porém, de todo modo, neste momento nenhum projeto tem
chance de ir para frente, porque é preciso parar tudo que estava programado para dar
conta de trabalhar os conteúdos que provavelmente serão cobrados na prova São Paulo.
Inclusive, foi por isso que ela ensinou tão rapidamente a divisão simples e com resto,
insistindo que todas as contas fossem montadas corretamente.
Pouco antes de sairmos, começou a chamar a atenção da turma, dizendo que não
sabem se comportar, que a sala estava imunda e que, como professora daquela escola há
10 anos, traria fotos da época, em que todos compravam o uniforme e usavam. Naquele
dia apenas sete crianças estavam uniformizadas, sendo que todos receberam
gratuitamente os “kits” com duas camisetas.
Dada a hora, saímos da classe em fila (uma de meninos e outra de meninas).
No pátio, a mãe do aluno Ld veio conversar conosco para saber sobre o
aproveitamento do filho, porque tem chegado em casa muito animado e falando muito
sobre as atividades realizadas. A professora confirmou que realmente ele melhorou
bastante em relação ao início do ano e prognosticou que, se mantiver esse ritmo, com
certeza chegará à 3ª série bem preparado.
A e contou que no ano anterior o filho estava em uma turma cuja professora
não gostava dele, corriqueiramente mandava bilhetes chamando atenção para seu mau
comportamento, o que a levou a criar várias confusões na escola, pois sabia que ele era
um bom aluno e não se comportava mal. Tinha essa convicção porque durante o período
da Educação Infantil todas as professoras gostavam de seu filho e nunca recebeu uma
reclamação, ao contrário apenas elogios. A atual professora ratificou as qualidades do
Ld e justificou que a dificuldade que ele estava enfrentando na aprendizagem poderia
ser conseqüência da relação turbulenta vivida no ano anterior, que agora parecia estar
superada.
EMEF– 06/11/2007 (7h – 11h)
Visita 43 – Prova São Paulo (Língua Portuguesa)
Hoje todos os alunos das 2ª, 4ª, e ries da Rede Pública Municipal de São
Paulo realizaram a Prova São Paulo referente à Língua Portuguesa, cujo objetivo,
segundo os organizadores, é
109
verificar a situação dos alunos do meio e do fim dos Ciclos I e II do Ensino
Fundamental e usar os resultados no aperfeiçoamento do ensino público
municipal. De acordo com a Secretaria de Educação, os dados obtidos nessa
prova já serão usados para o planejamento escolar do próximo ano.
4
No primeiro período o turma de primeira série, mas para não dispensarem
seus alunos, as professoras das 3ª séries optaram por elaborar uma avaliação para
verificar seus desempenhos, nos moldes do que ocorrerá com as outras séries.
O resultado foi um grande tumulto logo no início do período letivo, porque todos
os alunos ficaram no pátio até receberem os lanches, uma vez que entregue a Prova São
Paulo poderiam sair da sala ou para irem embora ou para usarem os sanitários, mas
sempre acompanhados de um funcionário.
Assim que possível, solicitei à coordenadora consentimento para o meu trabalho
de observação, que me foi dado sem maiores problemas, que com a ressalva de que
não poderia ficar em nenhuma sala de aula, onde apenas os profissionais da escola
tinham permissão para permanecer por estarem habilitados a aplicar as provas.
Agradeci e acompanhei o transcorrer dos trabalhos pelos corredores e na sala de
café, onde entravam e saíam professoras para um rápido intervalo.
Face à falta de clareza e de ordem, a prova prevista para começar às 8h, teve
início às 8h30min. Enquanto as crianças permaneciam no pátio em tremenda algazarra,
as professoras foram convocadas para uma reunião com a equipe da Coordenadoria,
responsável pela aplicação da prova. Foram dadas as orientações e as explicações sobre
os procedimentos quanto à distribuição das provas e à disposição dos alunos.
Nas turmas do PIC foi permitido que as professoras prestassem alguma ajuda
aos alunos, pois havia 32 questões de múltipla escolha e mais 8 dissertativas, quase
impossíveis de serem realizadas, principalmente pelos que têm dificuldade para ler.
para as outras salas, as professoras não poderiam prestar qualquer tipo de auxílio.
Os alunos deveriam sentar-se em ordem alfabética. As provas também estavam
assim dispostas para facilitar ao professor que não conhece a turma a identificação dos
ausentes ou dos que saíram para ir ao banheiro. Junto com os envelopes lacrados, cada
professor receberia uma lista com os nomes de todos os alunos para organizá-los nas
carteiras. Assim que fosse autorizada a abertura dos envelopes, deveriam fazer a
4
Dados obtidos no site da Prefeitura do Município de São Paulo: “Prova São Paulo” avaliará 270 mil
alunos e 470 escolas municipais. Reportagem divulgada em 05/11/2007. Disponível no site:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/portal/a_cidade/noticias/index.php?p=19605
110
conferência do conteúdo para garantir a confiabilidade, verificar se houve número
suficiente de cópias, anotar os nomes dos alunos ausentes e outras ocorrências.
A coordenadora apresentou o caso de uma aluna do PIC, que está matriculada no
período da tarde, mas foi remanejada oficiosamente para a turma da manhã, pois sofreu
um acidente e todas as consultas e sessões médicas de fisioterapia são à tarde. Segundo
os representantes da PMSP, a menina deveria receber uma prova excedente, que não
poderiam abrir os envelopes da tarde e o ocorrido deveria ser registrado tanto na ata da
sala onde fizesse a prova, quanto na da sala em que está oficialmente matriculada.
Quanto aos horários, foi definido que os alunos poderiam sair da sala para ir
ao banheiro ou após entregar a avaliação, transcorridos 20 minutos do início da prova.
As professoras deveriam agrupá-los em 5 ou 6 alunos de cada vez para irem ao banheiro
ou beber água, visto precisarem da companhia de um inspetor.
Assim que as instruções foram passadas, as professoras tiveram seu intervalo
antecipado, pois só poderiam sair das salas quando todos os alunos terminassem a
prova.
A todo instante, funcionários me alertavam que não poderia entrar em nenhuma
sala de aula, nem me aproximar dos alunos. Assim como eu, as professoras que
cumprem dupla jornada e aplicariam a prova no período vespertino também não
poderiam ter qualquer contato com as crianças e as provas.
Encaminhamo-nos para o corredor onde ficam as salas de aula. Os alunos que
terminassem o lanche poderiam subir, até para ajudarem na arrumação das carteiras.
Não foi necessário mais do que 10 minutos para que se percebesse que não havia
carteiras suficientes. Na maioria das salas grande quantidade de mesas e cadeiras
quebradas, fato que passa despercebido devido ao grande número diário de ausências.
Nas semanas que antecederam a Prova São Paulo, as professoras avisaram que
ninguém poderia faltar, lembrando que o não comparecimento poderia acarretar o
cancelamento do leite ou a suspensão dos benefícios financeiros concedidos pela
Prefeitura às famílias de baixa renda. Em vista dessa possibilidade, houve pleno
comparecimento e a rápida constatação da escassez de carteiras e cadeiras.
As salas que servem como depósitos de materiais em conservação foram
abertas para a busca de móveis que pudessem ser postos em uso ainda que avariados.
Era intensa a circulação de alunos à procura e as professoras observavam de longe,
tomando conta para que as carteiras de suas salas não fossem levadas.
111
Segundo a professora comissionada MC, a situação estava a tal ponto crítica
devido à presença das 3ª séries, que teriam sido dispensadas não fosse a idéia das
professoras de aplicarem uma prova para o se sentirem discriminadas. Embora
algumas tenham sido contra, a coordenação apoiou e, ao invés de dispensá-los,
convocou-os. Comentava também que as informações não foram claras pela falta de
uma reunião geral, com o objetivo de definir os procedimentos de aplicação da prova e a
rotina no transcorrer do evento. Ao contrário, os esclarecimentos chegavam dispersos,
às vezes nos horários de JEI e na hora do recreio, quando nem sempre todas as
professoras estão presentes.
Questionava ainda o estado de espírito das crianças que, de repente se vêem às
voltas com situações inéditas: nunca fizeram avaliações desse tipo, tinham noção de que
fariam uma prova a ser corrigida pela Prefeitura e não por suas professoras, tiveram o
recreio alterado para o início do período, ficando mais de 1h30min. no pátio e muitos
temendo que o resultado possa determinar a continuidade ou a suspensão dos benefícios
que a família recebe.
Vendo-nos no corredor, a coordenadora pediu que passássemos em todas as
salas para verificar se estava tudo em ordem e avisar que poderiam entregar as provas às
8h30min., pois o sinal da escola não estava funcionando. Entrando nas salas, reparei que
a professora da 2ªC deixou um recado de “boa prova” aos seus alunos. Em outras, as
professoras escreveram orientações como: verifiquem se todas as questões foram
preenchidas” “coloquem nome na folha” e, “caso haja tempo, confiram as respostas”.
De repente, ouviu-se a comemoração dos alunos ao receberem a prova.
Imediatamente o barulho foi substituído pelo silêncio e a prova teve início. Como não
podíamos participar, ficamos na sala do café.
Não demorou mais do que 30 minutos para que algumas professoras descessem
para tomar água ou café e fazer suas considerações. As professoras das 2ª séries
estavam com as turmas das séries e vice-versa e esse foi o primeiro motivo para
reclamações: para as das 2ªs séries não houve muitos problemas, pois os alunos das 4ªs
séries, em geral, têm maior autonomia. Mas, para quem assumiu as turmas de séries,
o trabalho não foi fácil. Como nunca fizeram nada similar, passados os primeiros
minutos de empolgação, a prova tornou-se desinteressante e exaustiva. Os alunos
começaram a conversar e a perguntar a todo instante se não poderiam entregar a prova
incompleta. As professoras esforçavam-se para mantê-los sentados e sem conversar e
não cansavam de explicar a importância de responderem a todas as questões.
112
Quando perceberam que poderiam ir ao banheiro, não sossegavam até serem
chamados pela professora. Mal entregava um grupinho, o responsável tinha outro
para acompanhar.
Além do cansaço, os menores o entendiam porque estavam proibidos de pedir
ajuda à professora ou aos colegas, procedimento comum durante as aulas. Até o fim do
dia, praticamente todas as professoras que ficaram nas 2ªs séries reclamaram da forma
como foi proposta a avaliação.
Uma professora estava tão nervosa que, praticamente gritando, afirmava que “na
quinta-feira não ficaria com aqueles monstros. Que as professoras da rie, que
estão acostumadas, aplicassem a prova de Matemática!”.
Por fim, a coordenadora veio perguntar se havia em nosso grupo alguma auxiliar
de período e professora-adjunto, que não fossem trabalhar no período da tarde, dispostas
a prestar ajuda aos alunos do PIC. Embora a professora tivesse autorização para ler as
questões, não dava conta porque havia nove tipos de questões/alternativas diferentes, o
que inviabilizava a leitura para toda a sala.
Em seguida, ficamos sabendo que, além da professora, havia mais quatro
pessoas lendo para os alunos, pois praticamente nenhum conseguia dar conta da prova e
todos demandavam atenção ao mesmo tempo.
Assim que a notícia se espalhou, os professores comentaram que não se poderia
esperar uma atitude diferente no PIC, pois “eles não são capazes de fazer nem
atividades das outras turmas regulares, quanto mais uma prova que já está difícil mesmo
para quem o tem dificuldade!” O resultado foi que a maior parte dos alunos deixou
inúmeras questões em branco, os mais ansiosos entregaram a prova com as respostas
assinaladas aleatoriamente, preferindo ir embora a aguardar a ajuda de alguém.
Como a maioria das crianças em todas as classes fazia a prova de qualquer jeito,
na ânsia de irem embora, a direção modificou a orientação inicial, ao invés de poderem
sair após os 20 primeiros minutos, teriam que aguardar o final do período letivo para
serem liberados. Mais uma vez o rebuliço foi grande, muitos dos que já tinham saído
tiveram que retornar à sala e, à medida que mais alunos iam terminando, mais difícil era
manter o silêncio e a ordem.
Por volta das 9h40min. algumas professoras desceram revoltadas, porque não
tiveram seu intervalo respeitado. Ao ouvir a reclamação, a coordenadora afirmou que
todas puderam tomar lanche antes da prova e permaneceram mais de uma hora sem
nenhum compromisso aguardando o início das instruções por parte da Coordenadoria.
113
As professoras demonstravam cansaço físico, esgotadas com o barulho e exauridas pela
incapacidade de manterem silêncio. Uma professora, que desceu mesmo ciente de que
deveria permanecer na sala, comentou que, não bastasse a apatia das crianças da série
pelo tipo de atividade com muitas questões, os exercícios propostos eram muito
complicados, por exemplo: num deles havia a necessidade de encontrar informações em
um modelo de conta de luz/água, em outro era preciso entender o sentido implícito de
uma “charge”, além de proposições nunca vistas, enfim uma série coisas novas acima de
tudo sem a intervenção da própria professora.
Às 10h15min., atendendo a insistentes pedidos, a coordenadora solicitou que
substituíssemos as professoras das salas de aula para que pudessem descer por pouco
tempo. Teoricamente, ficaríamos 10 minutos em cada sala e depois trocaríamos, pois
éramos quatro pessoas para atender a 16 salas.
Fui para turma da série F, após outras três professoras terem aberto mão da
minha ajuda, dispensando o intervalo que lhes foi proposto. Finalmente nessa sala a
professora agradeceu minha presença, pois embora ainda houvesse apenas 7 alunos, os
que tinham terminado (31) não ficavam em silêncio e estavam atrapalhando os colegas.
Como é professora da Sala de Informática, ameaçou-os de suspender a utilização
dos computadores nas próximas aulas, se o ficassem quietos. O anúncio do castigo
serviu para acalmá-los por alguns instantes, mas logo a inquietação e a necessidade de
conversar superaram a preocupação com a punição. Vendo a reação deles, a professora
comentou em voz baixa: “Também, não adianta nada falar que vou tirar a Informática
deles. Sei o nome de poucos e na semana que vem nem vou mais me lembrar do que
disse aqui. Depois eles vão na Coordenadoria e me denunciam!”
bastante irritada, especialmente com o aluno Vc, a professora acompanhou-o
até a coordenação, pois previu que tentaria sair da escola, mas a coordenadora não
estava. Mandou que ele a aguardasse, pois assim a sala ficaria livre de sua presença por
algum tempo. Realmente, assim que saiu a sala ficou bem mais calma. Comecei a andar
entre as fileiras e três meninas, que ainda faziam a prova, aproveitavam a balbúrdia para
tirarem dúvidas entre si. Adverti-as de que, enquanto estivessem com a prova, não
poderiam conversar e uma delas entregou-me a folha com as últimas questões
dissertativas em branco, sendo que uma delas solicitava apenas o endereço do aluno e a
sua data de nascimento.
114
Avisei-a de que não tinha terminado, ela respondeu que “já estava cansada e que
não sabia o que era pra escrever, mas que não tinha problema e que eu poderia guardá-la
junto com as dos demais alunos.”
A professora voltou com a informação de que os que tinham entregue a prova
poderiam ir embora. Foi uma grande correria, por toda a escola se ouvia gritos dos
alunos, que desciam apressadamente as escadas.
Apenas três alunos permaneceram com a prova, mas logo entregaram também
com algumas questões não respondidas.
Quando todos terminaram, começamos a conferi-las, a organizá-las em ordem
alfabética e a preencher a papelada. Aproximadamente 20 minutos depois (10h50min.),
um funcionário da Coordenadoria veio conferir o material e encerrar os trabalhos.
EMEF– 26/11/2007 (8h – 11h)
Visita 44 – 4ªF
Os alunos estavam bastante tranqüilos nesse dia, e praticamente todos
realizavam os quatro exercícios de divisão do livro de Matemática. Após colocar as
páginas e os números dos exercícios na lousa, a professora explicou que deveriam
copiar o enunciado no caderno para depois resolvê-los e que, para tanto, teriam 30
minutos. Alguns alunos demonstraram espanto (“Caramba, prô!”), achando que era
muito tempo.
Enquanto resolviam os exercícios, como de costume havia falatório e alguns
andavam pela sala para pegar materiais emprestados, para apontar lápis, jogar papéis no
lixo, etc., mas apesar da movimentação, a turma estava calma.
Em uma das vezes que o aluno Vc levantou para ir ao lixo, passou pelo Gl e deu
um tapa na sua cabeça, porque havia cortado o cabelo. Geralmente a professora
interfere quando alguma das partes reclama ou quando que um aluno “bagunceiro”
está incomodando outro quieto.
Por falar em cabelo, os meninos geralmente estão sempre com o corte em dia,
entretanto os alunos Vc e Ig possuem cortes artísticos – formando algum tipo de
desenho, geralmente geométrico que necessitam ser aparados com maior freqüência,
pois o crescimento deforma os detalhes.
115
A professora intercalava o preenchimento do diário de classe com a correção de
cadernos e atividades, ora examinava determinados papéis, às vezes caminhava entre as
carteiras tirando dúvidas ou ajudando-os na resolução das contas.
Em dado momento, chamou a sua mesa o Gb, com o caderno para enviar um
recado a sua mãe. Aparentemente, não houve qualquer motivo, mas conversando mais
tarde com ela, fiquei sabendo que haviam feito um acordo no dia anterior, para que ele
começasse a realizar todas as atividades e diminuísse as conversas para que tenha
condições de passar de ano. Como até aquele momento, transcorridos mais de 40
minutos, ele sequer havia aberto o caderno e copiado os enunciados, achou por bem
mandar o bilhete.
Como já eram quase 9h, todos se aprontaram para o recreio. Durante esse
período, os que estavam na sala do café só falavam sobre a professora que fora assaltada
na porta da garagem da escola, enquanto aguardava que o portão automático abrisse.
De volta à sala, estavam todos bem agitados e, quando a professora disse que iria
corrigir os exercícios, gritaram em coro que não haviam terminado. Ela chamou a
atenção da sala, lembrando-os de que no próximo ano, quando estiverem na 5ª série, não
poderão pedir mais tempo, pois o período de cada aula é de 50 minutos, depois entrará
outro professor de uma matéria diferente, com dinâmica e atividades próprias. E
lembrou mais uma vez que quem ainda não decorou a tabuada terá enormes problemas,
pois não conseguirá fazer os exercícios e não terá tempo para ficar pensando como
resolver cada conta.
Enquanto se acalmavam, foram voltando aos seus lugares e continuaram a fazer
seus exercícios. Como de costume, a disposição da sala estava de acordo com o desejo
deles. Havia quem estivesse sozinho, quem estivesse em duplas ou em trios.
Disposição dos alunos:
-- --- --
- --
-- - -
- - --
- --- --
--
--- --
O aluno Ig caiu da cadeira e começou a fazer a lição no chão. Na seqüência, seu
colega Rn foi se sentar e ele puxou a cadeira fazendo com que também caísse.. Vendo a
116
algazarra dos outros, Vc jogou todo seu material, a mesa e a cadeira no chão. A
professora interveio chamando a atenção dos três.
De repente, ouviu-se um barulho muito forte do lado de fora e, sem pedir
licença, os alunos TM e Vc saíram correndo para ver o que havia acontecido. Sem
respostas, voltaram para a sala de aula e a professora repreendeu-os, por entrarem e
saírem sem dar satisfação.
Até que todos se arrumassem para a aula de Informática, o aluno Vc ficou com
os óculos escuros de Ig.
Foram para a sala de Informática com todo o material escolar. Lá, como de
costume, todos queriam ficar sozinhos nos computadores, mas como não é possível,
sentam-se em duplas e começam a fazer buscas na Internet, sem maiores orientações,
dando preferência aos “sites” de jogos, de revistas juvenis, de redes de relacionamentos
e de músicas.
Na sala de Informática geralmente não problemas de comportamento, a não
ser quando não há consenso entre a dupla sobre o tempo em que cada um poderá
permanecer “dirigindo” o computador.
EMEF– 04/12/2007 (7h20 – 12h30)
Visita 45 – Conselho de Classe dos 3ºs anos e do PIC
A reunião teve início com a elaboração de um comunicado que será enviado aos
responsáveis pelos alunos que tiveram um número excessivo de faltas, mas não o
suficiente para serem retidos.
Segue o teor do termo de comprometimento dos pais:
“Comunico que seu filho ___ da ___série possui _____ (quantidade de faltas), o
que comprometeu a sua aprendizagem. Pedimos que repense a vida escolar de seu filho
em 2008 para que o mesmo consiga acompanhar seus colegas de classe e se integre com
o grupo”.
Além desse, foi elaborado outro termo, solicitando aos responsáveis que
encaminhem as crianças para uma avaliação multidisciplinar. Como os professores
julgaram que muitos pais não compreenderiam o termo “multidisciplinar”, preferiram
especificar quais profissionais deveriam avaliá-los. Segue o texto:
117
“Tendo em vista a dificuldade de seu filho, pedimos uma avaliação por
psicólogo, psicopedagogo, pediatra, oftalmologista e fonoaudiólogo para atendê-lo
melhor, para que tenha um desenvolvimento mais significativo.”
Na elaboração destes termos, a coordenadora afirmou que os alunos que faltam,
mas não vão tão mal com relação à aprendizagem, poderiam ter desempenho ainda
melhor se fossem assíduos e que a ausência prolongada gera falta de integração, pois,
segundo ela, “aluno que não se integra fica constrangido”.
Esses dois bilhetes serão entregues ainda este ano para que os pais se
comprometam oficialmente com a escola. Entretanto, é necessário que os professores
fiquem mais atentos, apressando-se a informar à direção sobre as faltas e as dificuldades
dos alunos, para que assim a escola possa tomar as devidas providências a tempo.
Durante os Conselhos de Classe, a coordenadora propôs-se a anotar os nomes
dos alunos que parecem ter mais necessidade de uma avaliação multidisciplinar para
que, no início de 2008, a professora MN, responsável pela Sala de Apoio às
Necessidades Especiais (SAPNE) faça uma avaliação mais detalhada. Uma vez
identificados, os alunos que devem receber um apoio dico diferenciado, serão
encaminhados para a Coordenadoria de Ensino.
Esse cuidado é relevante, porque a escola possui poucas vagas para
encaminhamentos e, principalmente, porque é preciso ter certeza de que, caso haja
necessidade de algum tipo de tratamento oferecido pela Prefeitura, a família tenha
condições de levar o aluno a todas as consultas/sessões.
Outro informe referiu-se à pré-matrícula, que ocorrerá das 7 às 9 horas, e no
período seqüente serão organizadas as salas para 2008. Depois dessas observações, a
coordenadora deu início ao Conselho de Classe, lembrando que esse deveria ser bem
anual, mesmo!”, deixando bem claro que as professoras o deveriam apresentar o
desempenho de cada aluno, mas apenas daqueles que julgam mais relevante.
Começamos pela A: a professora iniciou o conselho apresentando o caso de
um aluno que teve 78 faltas no ano. Ao ouvir o nome do aluno, a coordenadora
exclamou: “É a família Rl! O pequeno da série também estourou em faltas e vai ficar
retido, mas o seu aluno não, porque você tinha que ter nos avisado antes, para que nós
encaminhássemos o caso para o Conselho Tutelar. Como não encaminhou... não para
reprovar!”
Esse caso serviu para que a coordenadora apresentasse a idéia proposta pelas
professoras das 2ª séries: elaborar uma planilha mensal referente às faltas, facilitando a
118
identificação precoce dos casos mais graves. Esses alunos seriam encaminhados para o
Conselho Tutelar se completassem mais do que três faltas no mês (ou 15%) e os
responsáveis não respondessem a três convocações.
Segundo a coordenadora, ainda que o caso não seja solucionado pelo Conselho
Tutelar, a escola isenta-se da responsabilidade sobre o aluno e, principalmente, tem
respaldo legal para reprová-lo no final do ano.
Sobre a atuação do Conselho Tutelar, a coordenadora comentou sobre um
conselheiro que, ao saber que precisava intervir no caso de um aluno que se envolveu
com o tráfico de drogas, afirmou que “não iria se meter com essa gente, pois tem filhos
pequenos para criar!” Sua postura é reprovada pela escola, pois se não há disposição
para cumprir as funções de conselheiro de forma plena e isenta de medos e
preconceitos, o deveria se candidatar ao cargo. Atitudes como essa fragilizam os
poucos recursos que a escola tem para enfrentar problemas tão sérios, como o tráfico de
drogas.
Retomando o conselho da A, a coordenadora solicitou que a professora
nomeasse o único aluno que foi transferido no ano, o total de alunos pré-silábicos
(nenhum); silábico sem valor (nenhum); silábico com valor (5 alunos: Dg, GS, Hb, Pl e
Sn) para então ouvir um breve comentário sobre cada um:
Dg: “não sabe se é menino ou menina”, fica chutando a porta das outras salas. A
mãe não cuida dele e é a avó paterna quem tenta colocar limites, mas a mãe a
desautoriza. Segundo a coordenadora, o menino está vivendo uma crise de identidade.
Examinando uma de suas atividades, concluíram que está em uma fase de transição,
quanto aos níveis de aprendizagem, mas devido a um problema que tiveram no ano
passado com a Coordenadoria, tentarão nivelar os alunos por baixo, porque do
contrário, as turmas ditas “homogêneas” terão alunos em todas as fases de
aprendizagem.
GS: tem dificuldade porque não enxerga. Isso faz com que não consiga ler nem
escrever direito. A coordenadora questionou porque o responsável o o leva para uma
avaliação médica e a professora respondeu: “Não adianta! O pai não vai levar!”
Hb: segundo a professora, não tem nenhum problema de saúde, é apenas
preguiçoso e nem a mãe consegue lidar com ele. Para a coordenadora, deve haver algum
problema, pois está na escola três anos e, pelo tempo que passou, deveria estar
mais adiantado. Segundo ela, uma criança normal aprende, mesmo sem professor. O
professor é só um facilitador.”
119
Po: assim que a professora afirmou que é da família da Pl (que está pelo
segundo ano consecutivo no PIC), todas as professoras exclamaram um longo
“ahhhhh”, como se isso, por si só, já explicasse suas deficiências: o toma banho,
chega suja na escola e não leva o material. Segundo a professora, a família trabalha com
coleta de resíduos sólidos e, como a casa não tem chuveiro, as crianças tomam banho no
tanque. Quando convocada, a mãe afirmou que “a única desajustada na família é a Pl,
porque ela não faz nada”. Várias professoras confirmaram que a Po é muito agressiva e
mais de uma vez chamou a irmã mais velha para bater naqueles que a incomodavam.
Sn: é ausente. A professora Dn, ao revelar que é “prima do Gt”, afirmou que “ele
é uma encrenca danada”. Segundo a professora, a mãe aparece no fim do ano pedindo
desculpas por tudo e acha que todos os problemas causados pela filha podem ser
facilmente esquecidos.
Rn: muito ausente, não tem problemas de saúde, mas sua defasagem é
conseqüência de tantas faltas. Isso o torna candidato à sala do PIC.
Nt: tem idade mental de 3 anos, precisa de avaliação da APAE.
Gs: é alfabético, mas não consegue fazer as atividades, não sabe o que tem que
fazer... é devagar.
Segundo a professora, esses alunos deverão ser encaminhados ao PIC, mas a
coordenadora esclareceu que no fim desse ano é que a escola recebeu mais
informações sobre como proceder na formação da turma do PIC (tanto de quanto de
ano). Para o PIC da série poderá ser matriculado o aluno que foi retido e, no
máximo, dois alunos “de inclusão”. Nesse momento, uma professora completou: “na
verdade, todos eles são de inclusão”.
Retomando o conselho, a coordenadora perguntou quais apresentam problemas
de indisciplina: Dg e Po, salientando que não é aconselhável deixar a Nt com a Po; e
quais os que faltam demais: Rn. A coordenadora sugeriu que a professora tentasse com
a mãe um acordo para a reprovação por faltas, mesmo sem a documentação que deveria
ter sido enviada para o Conselho Tutelar, esclarecendo que, com o consentimento dos
pais, o aluno poderá ser retido.
Iniciamos, então, o conselho de classe da 3ª B – Professora Ld.
O primeiro caso foi o da aluna Br: matrícula suplementar vai fazer 12 anos e
parece que ficou o ano de 2006 sem estudar. A mãe veio à escola uma única vez. A
professora conseguiu saber que tem mais 4 ou 5 irmãos, a mãe tem pouco mais de 20
anos e envolveu-se com um ex-aluno daquela escola, que está preso. Enquanto
120
moravam juntos, ele batia nas crianças, porém, mesmo diante das péssimas condições
de vida, Br preferiu ficar com a mãe, porque a tia também é muito para as crianças.
Na escola, seu progresso foi em termos de socialização, pois no começo não falava nem
um a”, agora pelo menos consegue conversar. Entretanto, é excluída por todos, por
não tomar banho e exalar um cheiro muito forte. A família não tem chuveiro em casa e,
ao que se sabe, depende de uma torneira que nem sempre está disponível. Como a mãe
estava grávida, faltou às aulas para ajudar na coleta de materiais recicláveis, o único
sustento da família. O nenê já nasceu mais de três semanas e ainda não tem nome.
Ela é muito carente e tenta ganhar carinho de todos.
Segundo a coordenadora, não ter chuveiro não significa falta de higiene, mas
pobreza. Para ela, “uma bacia e uma lata é o suficiente para tomar banho” e “se eles têm
água para fazer o arroz com feijão, têm para tomar banho”. A professora interveio,
justificando que eles nem sempre têm acesso à água, pois contam com a boa-vontade
dessa tia que é muito má e às vezes impede que usem a torneira.
Com muito cuidado, a professora lembrou que a escola não sabe que tipo de vida
a aluna leva, pois no início do ano esteve internada e comentou que todos os meses
toma uma injeção. O cruzamento dessas informações levam-na a crer que a menina
pode ter sido vítima de estupro, mas isso nunca foi confirmado.
Tr: a Secretaria conseguiu entrar em contato com sua mãe solicitando que venha
regularizar sua transferência. Segundo o Conselho Tutelar, ae levou um tiro e diante
do perigo, fugiu com as crianças para o bairro de Perus, que é distante da escola, mas a
família ainda não solicitou a transferência, por não ter certeza de onde as crianças
ficarão.
Ig é considerado um aluno para inclusão. A mãe é falecida e o pai trabalha o
dia todo. O menino é criado por um casal de idosos a quem trata como pais, mas nem
parentes o, apenas vizinhos. A senhora que cuida dele é cega, mas faz todo o serviço
da casa. É a única pessoa por quem ele tem respeito. “Precisa de psicólogo e fono”, mas
“o pai não vai levar”. A professora da Sala de Apoio às Necessidades Especiais
(SAPNE) reitera que ele precisa de acompanhamento fonoaudiológico, pois está
babando muito e tem dificuldade para falar. Quando a professora-regente falta, vai para
Sala de Informática e bagunça tudo.
VS: é ótimo aluno, mas muito agressivo.
Bo às vezes consegue fazer alguma atividade, mas logo regride. É considerado
pré-silábico.
121
Segundo a professora Ld, “meus alunos não faltam muito, ainda que eu
preferisse que não viessem para a escola. Eles não fazem as lições e ficam se batendo o
tempo todo”.
3ª C
Mr: embora matriculada nunca foi à aula.
Rq: pré-silábica. A e é muito solícita, muito presente. Sempre leva a filha em
tudo o que a professora solicita.
Vn: silábico sem valor sonoro. O aluno entrou em agosto e está fazendo
acompanhamento com a professora MN (Sala de Apoio às Necessidades Especiais).
Não faz seqüenciação, reconhece apenas algumas cores.
No semestre em que freqüentou as aulas teve 29 faltas e não as justificou.
Quando vai para a escola, só quer brincar, não fica no lugar.
Mc: está com 46 faltas e no ano anterior quase foi retido pelo mesmo motivo.
Segundo uma aluna, cuja mãe namora o seu primo, Mc não gosta da escola. A mãe o
chama cedo, mas ele volta a dormir e prefere ficar na rua. Como ela trabalha, pouco se
preocupa com o que o filho faz e, às vezes, nem sabe sobre as faltas. Segundo o próprio
aluno, a e disse que “se ele repetir é melhor”. A coordenadora sugeriu à professora
que volte a colocar as faltas que foram retiradas, para que possa ser reprovado e
“aprenda”, que o é a primeira vez que acabam passando um aluno que além das
faltas não teve progressos na aprendizagem.
Ax: é agressivo, veio transferido esse ano porque machucou uma menina na
outra escola, cuja mãe foi à delegacia dar queixa. Sabe ler, tem ótima produção de texto,
mas na sala “pensa em bater, xingar, socar”. Ele ficou um tempo com o pai, depois a
mãe resolveu assumi-lo, mas fala na frente dos filhos que “o irmão é maravilhoso, faz
lição, é obediente, etc. mas que ele o presta, não faz nada, é um demônio!” Certa vez
começou a fazer ameaças a outro da série que, segundo a professora, “tremia como
rato quando gato!” Os responsáveis foram à escola e ao sair o padrasto disse à
professora para não se preocupar, porque no dia seguinte viria pianinho”– gíria usada
para expressar que estaria bastante tranqüilo, bonzinho.
A professora imaginou que o menino iria apanhar e no dia seguinte o garoto
estava realmente mais calmo, mas não tinha marcas de agressão.
LN: no ano anterior, era um aluno calmo, mas nesse ano o ficava na carteira,
mexia no material dos outros, perdeu muitas aulas (54 faltas) e, na opinião da
professora, a causa do seu mau comportamento é o desinteresse. Gosta de atividades de
122
recortar, pintar, colar, que os deixam mais calmo. No fim do ano, depois que a
professora alertou-o de que, se continuasse faltando, seria encaminhado ao Conselho
Tutelar e perderia o ano, apresentou piora no comportamento.
Com relação à faltas temos: Ax - 34; Ac 40, ótima aluna; Ad - 49; Jt - 33; Ll -
30; Lt - 40; Lc- 54; Lo - 32; Mc - 46; Tg - 31; Vs- 36; Vt - 29. Os alunos Lc, Vn, Lo e
Vt não devem ficar na mesma sala.
D devido ao grande barulho na sala dos professores e como estávamos
sentadas em sentidos opostos, foi muito difícil ouvir os comentários da professora em
relação aos seus alunos.
Ig e Rn– indisciplinados, não fazem as atividades, são agressivos.
Ad lê, mas não faz absolutamente nada, é agressivo, violento, não gosta de ser
contrariado (chuta, bate). A mãe é ausente. O garoto veio com uma marca de mangueira
nas costas e o pai afirmou “que bate mesmo, que foi educado assim e que é dessa forma
que irá educar o filho.” Ele é muito maltratado.
Diante desse fato, a professora resolveu fazer um relatório detalhado para
encaminhar ao Conselho Tutelar, mas a diretora solicitou que retirasse várias anotações.
Quando a e foi à escola, em um momento infeliz do qual até hoje se
arrepende, a professora disse que, se continuasse assim, tornar-se-ia um marginal. A
mãe quase bateu nela, ficou muito ofendida e nunca mais apareceu em nenhuma
convocação.
Diante dessa declaração, a coordenadora lembrou-se do caso de JC. Na infância,
a mãe não admitia críticas às atitudes de seu filho. Nesse ano, cursando a série, veio
desesperada pedir sua ajuda, pois não consegue mais controlá-lo. Quando cursava o
Ensino Fundamental I, os professores pararam de se queixar dele e de convocar a e,
pois sempre que era chamada, dizia que “o filho era vítima de preconceito por ser
negro”.
GR – agora é que está começando a aprender. É muito lento. A mãe é presente.
3ª E
foi ainda mais difícil ouvir a professora durante o Conselho, pois o
barulho durante a troca de professoras/turno intensificou-se.
Gt a mãe tem problemas de saúde e quando fica sem medicação perde o
controle. O material do menino chega encharcado de urina que a professora imagina que
seja da mãe. Ela cuida de um bebê para uma vizinha. O aluno é muito indisciplinado.
123
Kr precisa de acompanhamento. Toma Gardenal e agora diminuiu a dose.
Quem cuida da garota é a avó, que é idosa e tem muitos problemas de saúde. A mãe
teve mais um filho recentemente e é violenta com as crianças.
Bt e Rnsão silábicas com valor sonoro.
Ao meio dia e meia, a reunião foi interrompida para que as professoras
almoçassem. À tarde seria realizado o Conselho das duas turmas de 4ªséries do PIC, que
me seria de grande valia. Embora tivesse decidido participar, principalmente para
colher os depoimentos das professoras, não pude ficar, devido a uma reunião de
orientação na PUC às 14h.
EMEF – 11/12/2007 (7h20 – 11)
Visita 46 – Formação de salas – 3ºs anos
A reunião de formação de salas com as professoras das s séries começou com
a discussão sobre um impasse ocorrido no dia anterior com a turma da 1ª série.
Neste ano, uma turma de alunos que está alfabetizada e produz textos com
qualidade. Para alguns professores, o mais indicado seria agrupá-los em uma única sala
com um professor que trabalhe com atividades mais avançadas, de modo a não
desinteressá-los. Outros professores, entretanto, não acham a idéia adequada porque as
turmas ficarão separadas por nível de conhecimento.
Segundo a coordenadora, essa o é a proposta, tampouco se pode crer que será
“uma sala fácil de se trabalhar”, pois “alunos com muita facilidade, rapidamente
terminam suas atividades e, se ficarem ociosos, começarão a fazer bagunça”. Ela acha
que essa sala tem duas facetas: é boa de aprendizagem, mas indisciplinada.
Conforme os professores iam apontando as dificuldades em trabalhar ou com
turmas mais fracas ou com alunos em níveis de aprendizagem muito diferentes, a
coordenadora salientava que isso deveria ser levado em conta quando da organização
das salas, pois a seleção é de quem conhece os alunos, ou seja, do corpo docente.
Lembrou que, nesse ano de 2007, a professora M propôs-se a assumir uma sala
de série com todos os alunos que tinham mais dificuldades e o resultado foi um
sucesso, sobretudo porque a decisão partiu dela mesma.
Anunciou ainda que, em 2008, a escola terá uma turma de PIC na terceira série,
onde os professores colocarão “os pepinos e os abacaxis”, ou seja, os alunos que de
alguma forma dão trabalho.
124
Várias professoras pediram sigilo absoluto quando da atribuição das salas, para
que umas não sejam beneficiadas em detrimento de outras. Em resposta, a coordenadora
expôs que as letras usadas para a formação das salas não serão as mesmas atribuídas às
turmas para a escolha e que estas serão nomeadas por sorteio ou pela secretaria. Apenas
as professoras que escolherem as turmas de PIC é que saberão o que estão levando”.
“É uma escolha consciente”, afirmou a coordenadora.
Ressaltou que, caso essa sala com os melhores alunos da primeira série seja
formada, não colocaqualquer professora, pois é necessário um profissional “durão”,
que “dê muitas atividades para a sala não se dispersar com bagunça”. E aproveitou para
lembrar que, no primeiro dia “tem que chegar com ‘cara de bicho’! Porque se chegar
sorrindo, não consegue mais controlar a sala”.
A proposta para a organização das salas foi identificar em listas próprias os
alunos de inclusão e os indisciplinados. Serão cinco turmas de terceiros anos, sendo que
uma é PIC.
Entre os alunos considerados de inclusão estão: CY, Sl Mc, GC e EA (da C),
este último, embora sem qualquer problema físico ou mental, foi considerado como de
“inclusão social”.
Quanto à questão de indisciplina, foram indicados: As, Jf, IC Cr, Tg, Pb Ax, EL,
Gm, EA, Gt e IJ.
Segundo as professoras, a grande maioria dos alunos considerados
indisciplinados, deveria ficar no PIC, porque acumulam dificuldades de aprendizagem,
entretanto, a coordenadora argumentou que, se fossem colocados em uma única sala,
tornar-se-ia impossível trabalhar com um grupo que não quer saber da escola.
Separá-los em outra lista foi a solução encontrada para que fossem colocados
conscientemente em diferentes turmas. Segundo a indicação de uma professora, em
todas as 2ªs séries apenas um aluno foi reprovado por faltas (Dn).
Depois de muitas discussões e entre encontros e desencontros de informações, a
sala do PIC foi formada de modo a atender apenas aos alunos silábicos com ou sem
valor sonoro. Depois foram acrescentados alunos de inclusão (1) e indisciplinados (3).
Segue a lista:
PIC:
Ax bobão ... vai na onda dos outros – falta muito, a mãe é anã); AK; Ad; AC;
Co; DD; Em; Gr: Gv; Gm IC (o problema é a avó, a menina é uma amor); IE; Iv; Ji
125
(possibilidade de transferência); JS; Kt; LB; Lt; Lc (vai mudar de escola); Ls; Mc; Nc;
Pd; Rl; Rg: Sl; Tn: Ct; Vt.
Os alunos, Jf, IJ e Ít são primos; Kr e Pb são irmãos, assim como Pd e As, mas
apenas um membro de cada família pode ficar na sala do PIC. Entre o corpo docente,
esse grau de parentesco serve para corroborar a imagem de que a culpa do fracasso
escolar é da família e não da escola.
Assim que a turma do PIC foi concluída, a coordenadora deu continuidade à
formação das salas. A proposta era dividir proporcionalmente todos os silábicos-
alfabéticos, os alfabéticos e os que produzem texto, de modo que todas as salas
pudessem desenvolver condições semelhantes de trabalho. Outra preocupação era
equilibrar o número de meninos e meninas, já que se acredita que salas com mais
meninos tendem a ser indisciplinadas.
Entretanto, prevaleceu a opção por identificar aqueles que produzem texto
com excelência, de modo a formar uma sala que seria a antítese do PIC, ou seja, a sala
dos melhores”:
En TJ, Ml, Lo, Sh, Db, Nt, LC, Am, Hl, Lr, Lt, Rf, Kl Ln, Ps, JC, Th, Jn, El, Br,
Is, Lt, Vt, Zd, Gb, AG, Rs, Gb, Jl, Vc, Hq, Th, Wl, Ed.
A menina En, embora matriculada nessa sala, passará pelo processo de
reclassificação. Ela veio da Bahia e já tem 11 anos completos, é uma excelente aluna,
que se destaca dos demais colegas, por isso, a escola supõe que seja possível, mediante
o consentimento dos pais, transferi-la da para a ou série (a depender do seu
desempenho na prova de reclassificação).
Finalmente, fizeram o levantamento dos alunos que não se enquadraram em
nenhum dos dois grupos para que fossem distribuídos pelas outras três salas.
126
EMEF– 12/12/2007 (7h30 – 11)
Visita 47 – Formação de salas – 4ºs anos
Assim como já havia procedido nas demais séries, a coordenadora começou
perguntando aos professores, quais os alunos pré-silábicos, quais os silábicos sem valor
sonoro, com valor sonoro e assim por diante. Outro critério usado foi equilibrar o
número de meninos e meninas e começar a organização separando os indisciplinados,
de modo a garantir que todas as salas recebam “o mesmo número de problemas”.
Diferentemente da formação de salas para as 3ªs séries de 2008, não houve formação de
PIC, que englobatodos os alunos retidos da série. Os professores puderam indicar
somente quais alunos mereceriam cursar o PIC, caso haja vagas.
Apesar dos inúmeros critérios adotados pela coordenadora, de modo geral, as
salas foram formadas respeitando as turmas de 2007. Apenas alguns poucos casos foram
revistos/trocados.
Outra questão foi a redução do número de salas. Como a escola passará a atender
em três turnos, o número de salas será temporariamente reduzido, até que as duas salas
em construção sejam entregues, propiciando que as turmas da série sejam
organizadas com aproximadamente 37 alunos.
A organização para 2008 prevê o mesmo número de salas de aula que havia
neste ano para as 3ªs séries, mas há uma turma inteira a mais: os retidos do 4º ano.
127
2008
EMEF – 14/02/2008 (9h10 – 12h)
Visita 48 – 3ª E – Sala de PIC
Retomando a pesquisa de campo, cheguei à escola e mais uma vez, como de
costume, precisei identificar-me na portaria. Fui muito bem recebida pela
coordenadora, pela professora da sala de Informática e pelas demais que estavam em
intervalo de aulas
A coordenadora perguntou que turma eu teria interesse em acompanhar.
Reiterando que minha pesquisa volta-se aos alunos que cumulam dificuldades de
aprendizagem e comportamento, explicou que, como nesse ano as turmas do PIC foram
organizadas essencialmente por dificuldades de aprendizagem, possivelmente os objetos
da minha pesquisa estariam naquelas duas salas de 3º e 4º anos.
Fomos então à sala do café, onde a coordenadora apresentou-me às duas
professoras que assumiram as turmas de PIC.
A professora que assumiu o PIC do ano foi a mesma que, no ano anterior, era
professora da série F, portanto nosso entrosamento foi imediato. a professora do
PIC de ano conhecia apenas de vista, mas demonstrou interesse e abertura para que
eu possa acompanhar sua turma.
Como a escola está em reforma (ampliação de duas salas de aula), os alunos têm
feito o horário de meio turno, de modo a poder atender a toda a demanda. Por isso, a
sala do PIC do 4º ano havia sido dispensada naquele dia.
Optei por acompanhar a professora do ano, que iniciaria seu turno com os
alunos às 9h30min. A coordenadora preveniu–me de que estavam em uma sala em
caráter precário, para que eu não me assustasse com o lugar, pois tudo foi improvisado
às pressas. A professora aproveitou a oportunidade para cobrar um posicionamento da
Coordenadoria quanto ao local destinado à sua turma, principalmente porque muitos
alunos estão faltando por alergias e doenças respiratórias. A coordenadora afirmou que
na próxima reunião com a Coordenadoria na semana seguinte colocará novamente essa
questão em pauta.
Ao toque do sinal, formamos a fila com os alunos e nos dirigimos à sala de aula.
128
As condições são realmente péssimas. Em princípio, aquele espaço fora
reservado aos professores para o horário de trabalho coletivo, mas por ser muito quente
e pouco arejado, foi transferido para a própria sala dos professores.
No final de 2007, pela necessidade de acomodar todas as turmas em três turnos,
visitando o ambiente escolar, a Coordenadoria decidiu transformá-lo em sala de aula.
A sala é retangular, há uma pia instalada ao lado esquerdo da porta e um armário
do lado direito. Em toda a extensão da parede do fundo meio armário de alvenaria
sem portas e com prateleiras em pedra ardósia.
Segue um esboço do espaço:
A lousa é pequena diante da largura da sala e os alunos que se sentam próximos
à porta não conseguem enxergar, até porque o armário ao lado diminui a visão. Em
conseqüência, levantam-se constantemente, reclamam que não conseguem copiar a lição
da lousa e, muitas vezes, contam com a boa vontade dos colegas para dividir a mesma
cadeira.
A mesa da professora colocada no canto, ao fundo da sala, dificulta o acesso dos
alunos e prejudica a visão ampla da sala.
A pia é alvo de constante cuidado, pois embora esteja funcionando
adequadamente, a professora precisa convencer os alunos de que está quebrada, para
que o resolvam usá-la, pois correm o risco de se molharem, assim como toda a sala e
seus materiais.
Como 30 carteiras, não como deixar espaço entre as fileiras. A circulação
é muito difícil, pois além de ter que desviar das mochilas jogadas no chão, é necessário
que um aluno levante, encoste a cadeira para que outro passe. Como pedir licença ou
“por favor” não é prática usual, o simples ato de levantar para acomodar-se melhor pode
originar uma briga.
Todas essas dificuldades são facilmente percebidas. Para chegarem aos seus
lugares, os que se sentam próximos à janela lateral precisam incomodar os demais para
pia
mesa da professora
armário
lousa
armário
porta
janelas
janelas
129
chegarem aos seus lugares. A fim de evitar reclamações e constante circulação, a
professora evita usar a lousa, dando prioridade a atividades mimeografadas. Além dos
custos e do trabalho extra, essa solução não tem dado muito resultado, pois os alunos
fazem os exercícios de qualquer jeito para terminar rapidamente e ela percebeu também
que muitos não colam as folhas no caderno, extraviando-as.
Naquele dia, a proposta era que preenchessem uma “ficha pessoal”. A professora
explicou-lhes o que é uma ficha pessoal e leu todas as questões, ensinando-os a
preenchê-las (lembrando que todos têm o nome completo no crachá). Essa atividade
deveria ser feita individualmente para que ela pudesse avaliar o nível de conhecimento
que eles têm de si mesmos.
Para tanto era necessário saber seu próprio nome completo, o nome dos pais, da
escola e da professora. Deveriam especificar quais as atividades e os alimentos que lhes
são mais agradáveis, escrever os nomes dos melhores amigos e revelar seu maior
desejo.
Embora fossem questões aparentemente simples, os problemas começaram
imediatamente. A professora dispôs-se a ler as questões para os alunos que tivessem
dificuldade, mas deixou claro que o os ajudaria a escrever as respostas. Quando foi
orientar como colocar a data, percebeu que poucos sabiam em que ano estávamos.
Durante as explicações, precisou interromper mais de uma vez para chamar a
atenção do aluno Ax, ressaltando que na escola não se grita, que ele deveria escutá-la
em silêncio porque a sala de aula é pequena e muito barulhenta (pela proximidade
com o pátio). Lembrou-o de que “não estava em casa” e, portanto deveria comportar-se.
Mas assim que a repreensão terminava, o aluno começava novamente a fazer barulho.
Como muitos começaram a ter dificuldades, a professora começou a ler uma
questão de cada vez, dando tempo para que fosse respondida.
Às 10h15min., uma professora chegou à sala com o aluno Rl, que estava
indevidamente na sua sala. Ao perguntar-lhe em que sala estudava, ele deu o nome de
sua professora do ano anterior. Ela então o acompanhou à coordenação para que fosse
identificada sua turma atual. Percebendo para onde seria encaminhado, avisou à
professora e à coordenadora que era da turma do PIC do 3º ano.
A professora recebeu-o, perguntando se ele não sabia onde ficava sua sala. Ele
respondeu com a cabeça que sabia, mas demonstrava estar insatisfeito. Sentou, pegou
sua atividade e começou a retirar seu material da mala.
130
A professora retomou a atividade com a turma mas, quando foi necessário
escrever o nome da escola, percebeu que o conseguiriam responder, porque além de
longo, poucos sabem o nome completo. Resolveu então escrevê-lo na lousa.
A partir daí, as crianças começaram a perguntar como escreviam sílabas ou
palavras e em poucos minutos a professora estava ajudando-os a escrever e pouco
depois me autorizou a ajudá-los também.
Isso fez com que a classe ficasse mais inquieta, pois todos queriam ajuda e a
impossibilidade de locomoção irritava os que estavam esperando.
Nesse ínterim, os alunos Ax e Gm começaram a fazer bagunça. Ax não pára
quieto, incomodando muito, a ponto de os próprios colegas reclamarem da desordem e
chamarem a sua atenção sem recorrer à professora. Segundo ela, Ax o reconhece
sequer as letras.
Gm, em sua avaliação, não tem limites em casa. Por diversas vezes, chamou
sua atenção por estar comendo na sala, por não respeitar os colegas, nem seguir suas
orientações. Inúmeras vezes a professora repetiu que “se ele não tem limites em casa, se
ele acha que pode fazer o que quiser na escola, ele está enganado, pois vou ensinar-lhe o
que pode ou não ser feito na escola”.
Como a atividade saiu do controle, muitos copiavam as respostas uns dos outros
e a própria professora ajudou alguns a escrever, por isso acabou desconsiderando-a
como uma atividade diagnóstica, embora tenha recolhido as folhas.
Por volta das 11h40min., começamos a organizar a sala e os alunos guardaram o
material para irmos embora.
EMEF– 25/02/2008 (8h40 – 12h)
Visita 49 – 4ª A – Sala de PIC
Devido a uma denúncia encaminhada à Coordenadoria de que as aulas estavam
se restringindo a meio período, a escola mudou a estratégia para conciliar a falta de
espaço à necessidade de respeitar o período integral. Assim, a cada dia duas turmas não
têm aula para que o espaço possa ser usado por outros alunos que estão sem sala. De
todo modo, os alunos que vão no dia em que sua turma foi dispensada são acomodados
em outras salas de aula.
Cheguei à escola durante o período do recreio e aproveitei para conversar com a
professora AL sobre a possibilidade de acompanhar sua sala. Ela se dispôs a me receber
131
e explicou que, embora a coordenadora tenha pensado em montar sua sala apenas com
alunos com dificuldade de aprendizagem, a Coordenadoria reformulou o agrupamento,
colocando todos os alunos retidos no ano anterior independentemente do motivo de
sua reprovação. Tal decisão causou um perfil bastante diferenciado das demais
formações, pois alunos reprovados por faltas, sem dificuldades de aprendizagem;
alunos reprovados com muitas dificuldades em Matemática e que dominam os
conhecimentos básicos de Língua Portuguesa e vice-versa; e alunos reprovados na
turma do PIC do ano passado que têm realmente muitas dificuldades para aprender (São
eles: Al, Ad, EW, My, Rn e Vn).
A turma é formada por 29 alunos, mas segundo a professora, geralmente em
torno de 24 presentes.
na sala de aula, a professora realizava atividades de Língua Portuguesa e os
alunos participavam ativamente respondendo às questões e copiando no caderno os
exercícios realizados. A turma conversava e se movimentava, mas silenciosamente,
demonstrando ser calma. Apenas o aluno Mc brincava e conversava o tempo todo, cada
hora com um colega.
Sentam-se em duplas e enquanto fazem as atividades, a professora aproveita
para realizar a avaliação diagnóstica individual, que consiste em um ditado de palavras e
números e a leitura de um pequeno texto.
Em um pequeno intervalo, a professora dirigiu-se a mim para comentar alguns
aspectos da turma e falar sobre procedimentos da Prefeitura em relação ao PIC que, se
implantados conscientemente, fariam muita diferença no aproveitamento escolar.
Infelizmente, a realidade é outra: como o material ainda não foi entregue,
professores e alunos trabalham com as sobras do ano anterior, inclusive com o livro do
PIC; embora tenha sido acordado que todas as sextas-feiras as professoras do PIC
participariam de uma reunião coletiva, até agora nenhuma ocorreu. Essa falta de
planejamento faz com que o método fique comprometido, e a professora, sem saber qual
caminho seguir. Por exemplo, no caso da obrigatoriedade do uso do livro do PIC,
questiona-se como proceder se ainda não o receberam e se é permitido aplicar
dinâmicas e atividades diferentes; outra preocupação é saber se o livro é reformulado
anualmente. Se não for, os alunos matriculados no PIC no ano anterior terão que
percorrer o mesmo trajeto, que já não deu resultados.
Retomando a aula, a professora pediu que o aluno Ax me mostrasse o caderno.
Ela chamou minha atenção para o fato de que, embora esteja há tantos anos na escola,
132
ainda pula folhas. Com relação a Al, disse que nesse ano começou a freqüentar uma
fonoaudióloga, mas como poucos horários disponíveis no hospital, tem saído mais
cedo da escola para não perder a vaga.
Outra novidade desse ano foi a inclusão da aula de Educação Artística na grade
curricular. uma professora com habilitação específica que começou a atender aos
alunos do Ensino Fundamental I.
Essa era a última aula do dia (11h10min às 12h). Entre a troca de professores, os
alunos Mt e Ax foram perguntar o que eu fazia na sala, já que o era nem aluna nem
professora e se eu permaneceria durante a aula de Educação Artística. Quando a
professora chegou, fui me apresentar e pedir sua autorização para permanecer. Ela
aceitou, mostrando-se muito solícita e interessada em saber mais detalhes da minha
pesquisa.
Assim que entrou, fez a chamada, pediu que abrissem o caderno de Educação
Artística e entregou folhas de sulfite para quem não tinha. Passou quatro exercícios de
coordenação motora na lousa: os alunos deveriam fazer quatro retângulos no caderno,
com as medidas especificadas, depois realizar traços retos na horizontal e na vertical e
depois traços em forma de arco e seta, à mão livre. Ao terminar a explicação, a
professora disse que queria ver os cadernos, assim que “a lição estivesse feita inteirinha
e muito bonita!”.
Os alunos tiveram dificuldades para começar, pois sem régua os traços ficavam
muito tortos, mas a professora foi mostrando, na lousa, que a cada traço a qualidade
seria maior e que ao final estaria tudo lindo.
A professora passava pelas carteiras para ajudá-los e verificar se todos estavam
desenhando. Quando chegou ao meu lado, disse que estava com dificuldades para
planejar as aulas para os “pequenos”, pois sempre trabalhou apenas com Ensino
Fundamental II, mas que, em conversas com outras professoras, chegou à conclusão de
que o melhor seria trabalhar coordenação motora fina, que os ajudaria na aprendizagem
da escrita. Falou que com as outras séries tem trabalhado atividades diferentes, mas
que, por ser aquela uma sala de “projeto”, preferiu começar por atividades mais básicas.
Durante essa aula, os alunos sentiram-se mais livres e alguns conversavam em
pé, ao lado dos colegas, especialmente quando precisavam da régua emprestada para
fazer mais um retângulo. A professora chamava-lhes a atenção com frases como:
“Tenha modos que eu não sou sua mãe”; Se você não tiver modos, eu vou chamar sua
133
mãe”; “Vocês estão pensando que estão em casa? Na escola a gente pede as coisas: “-
Professora, a gente pode...” “Tá pensando que está sozinho?”.
EMEF– 12/03/2008 (8h – 12h30)
Visita 50 – Secretaria
(anotações referentes aos prontuários dos alunos dos 3º e 4º anos do PIC)
Logo que entrei na escola, encontrei com a Coordenadora Pedagógica e
aproveitei para solicitar autorização para ler os prontuários dos alunos das turmas do
PIC de 3º e 4º anos.
Os prontuários dos alunos da série E estavam fora de ordem alfabética e, por
isso, verificamos se todos os nomes das pastas constavam na “lista piloto”. O meu
primeiro trabalho foi organizar alfabeticamente o arquivo e conferir se todas as pastas
correspondiam à relação de alunos matriculados. Apenas o prontuário do aluno Rl não
constava no arquivo. Avisei à secretária, que me mandou fazer uma anotação e arquivar
junto com as demais fichas para que posteriormente pudesse procurar nos arquivos.
Segue as anotações referentes à turma do 3º ano E (PIC):
Ax: (11/1999) aluno com dificuldades em Português e Matemática, caderno
desorganizado, segundo anotação da professora da série. Poucas faltas e nunca foi
retido.
AK: (06/1999) tem dificuldades na escrita (considerada silábica sem valor
sonoro), poucas faltas e mora em outro bairro não muito próximo à escola.
Ad: (02/1999) iniciou sua vida escolar em 2005, cursando o estágio na
Escola de Educação Infantil ao lado da escola. Segundo a professora dasérie, precisa
dedicar-se mais aos estudos. Mora em um bairro próximo da escola.
AC: (03/1999) consta em seu histórico apenas que cursou o estágio da
Educação Infantil.
Co: (08/1999) fez a Educação Infantil em uma escola particular, ingressando
na rede pública no ano. Mora em um bairro mais periférico, longe da escola. Tem
poucas faltas, pois em 2006 teve apenas 13 faltas justificadas, porque estava com
catapora. A família informa que o garoto tem problemas cardíacos e a professora da
série indica que ele “causa problemas” na sala de aula.
134
DD: (12/1999) mora próximo à escola e o registro da professora da série
indica que é imaturo.
Em: (11/1999) possui poucas faltas e tem muitas dificuldades para aprender,
mas a professora da série ressalta que não é falta de interesse ou indisciplina”. Não
mora próximo à escola.
EJ: (03/1999) Veio para a escola em setembro de 2005, transferida de uma
escola de Alagoas. Em 2006 teve 35 faltas no semestre. Consta em seu prontuário
que em 2008 não está freqüentando, mas a escola ainda não havia entrado em contato
com a família.
Fp: (12/1999) consta apenas que está na fase silábica com valor sonoro e que
mora em um bairro periférico longe da escola.
Gr: (10/1999) veio para a escola em abril de 2006, transferida de uma escola
em Cotia. Nasceu na Bahia e mora em bairro bastante periférico distante da escola.
Gv: (10/1999) a mãe faleceu em 2007. Na época, a aluna estudava em uma
escola municipal bastante periférica. Como seu irmão estudava nessa escola e diante das
dificuldades enfrentadas pela família, a garota foi aceita em junho de 2007.
Gm: (03/1999) – o irmão tem hidrocefalia. Apresenta número excessivo de
faltas em 2007 (14 no 1ª semestre e 30 no 2º semestre). Segundo anotação da professora
da 1ª série, ao final do ano, ainda não conseguia escrever o próprio nome.
IC (06/1999) – foi transferida para a escola em março de 2006. Nesse ano
acumulou 28 faltas, o que fez com que a professora a indicasse uma “aluna boa, mas
suas faltas atrapalham sua aprendizagem”. Em 2007 teve 22 faltas no total e apresenta
aproveitamento não satisfatório em Português e Matemática.
IJ: (06/1999) – em 2006 teve 34 faltas no total e não consta sua ficha de
avaliação de 2007.
IE: (11/1999)mora em bairro distante da escola e acumulou 33 faltas em 2006
e 17 faltas em 2007.
JS: (09/1999) cursou a Educação Infantil desde o estágio. Nada consta
sobre seu aproveitamento/freqüência nos anos de 2006/7.
Kt: (11/1999) mora próximo à escola. Veio para a escola transferida em junho
de 2006 de outra escola municipal da mesma Coordenadoria, pois mudou de residência.
LB: (07/1999) em sua documentação constava apenas suas faltas em 2006 (46
no total) e 2007 (30 no ano).
135
Lz: (04/1999) havia a anotação de que fala excessivamente. Possui poucas
faltas.
Mt: (12/1999) – mora em região periférica bastante distante da escola. Nas
anotações de 2006, consta que é um aluno com dificuldade de aprendizagem, mas que
não tem problemas de indisciplina. Foi encaminhado à Sala de Apoio e
Acompanhamento à Inclusão (SAAI). Consta em seu prontuário que em 2008 a aluno
está faltando muito, mas a escola ainda não entrou em contato com a família.
Nc: (12/1999) mora em região periférica bastante distante da escola. Em 2007
acumulou 38 faltas.
Pd (03/1998) não fez Educação Infantil, entrando na escola em 2006. Nesse
ano cursou a 1ª série e acumulou 48 faltas. Em 2007 foram 46 faltas no total.
Rn: (06/1998) o aluno veio transferido para a série, em janeiro de 2006, de
uma escola estadual de região periférica distante dessa escola. Teve acompanhamento
na Sala de Apoio Pedagógico (SAPNE) em 2007, quando cursou a série, mas ficou
retido por faltas (78 no total), (é da família Ruela – cf. visita 46).
Rg: (12/1998) teve meningite com 3 anos de idade. Cursou a 1ª série em 2006.
Em seu prontuário havia o seguinte bilhete escrito pela secretária da escola: “O aluno
Rg, da E (2008), foi advertido pela direção em 10/03/2008, pois agrediu um aluno.
Falei com a avó, dona A, que ficou de mandar a mãe até a escola, para conversar com a
direção”.
Tn: (11/1998) não consta o ano de ingresso da aluna na escola, nem seu
histórico de aproveitamento escolar. Em 2006 teve 47 faltas e, em 2007, 27 faltas.
VH: (03/1999) veio transferido em 2007, para a série e teve, no total, 23
faltas. Aos 7 anos sofreu um acidente de bicicleta.
Vt: (10/1999)mora próximo à escola.
Ao concluir as anotações referentes ao ano, solicitei à secretária que
guardasse os prontuários e me disponibilizasse os da turma do PIC do 4º ano.
Segue as anotações referentes à turma da 4ª série A:
Ad: (03/1997) Em 2007 cursou o PIC e foi retido. Em 2004, a professora da
série fez a seguinte anotação sobre o aluno: “desatento, passeia pela sala o tempo todo,
conversa muito, se preocupa com conversa e brincadeiras”. No prontuário há guia de
“Atendimento Multidisciplinar em Grupo de Terapia”, que declara -lo atendido por
136
apresentar rebaixamento cognitivo leve e transtorno de aprendizagem. Em dezembro de
2007, o aluno recebeu alta e foi sugerido que participe de centros recreativos, de
integração social e/ou esportivos e reforço escolar.
Al: (11/1997) Em 2007 cursou o PIC e foi retido. Em 2004, a professora fez a
seguinte anotação: “gosta de brincar o tempo todo, conversa muito, é desatento, não tem
responsabilidade”. Em 2005 foi encaminhado para a Sala de Apoio Pedagógico.
Segundo a família, o aluno faz acompanhamento fonoaudiológico.
AS: (05/1997) reprovado em 2007 na série por aproveitamento insuficiente.
A mãe é analfabeta e em 2007 não compareceu às reuniões. Em 2006, foi convocada
por três vezes, mas nunca respondeu aos chamados. O aluno tem muitas dificuldades e
foi encaminhado para a Sala de Apoio Pedagógico, mas não freqüenta.
As: reprovado em 2007 na série. No semestre de 2007 teve 48 faltas,
ultrapassando o limite máximo, contudo, em seus documentos não fica claro se foi
reprovado por faltas ou por aproveitamento. Segundo relato escrito pela mãe, no final
do ano de 2007 o aluno conversou com o vice-diretor sobre disciplina e ficou
desestimulado ao saber que poderia ser retido por faltas. Alegou não saber que ele não
estava freqüentando as aulas. Em um formulário preenchido pelos responsáveis, a
indicação de que o aluno é agressivo e que tem pouca atenção.
Segundo a professora da 1ª série (2004), ele não se envolve com o trabalho dos
outros, briga e precisa cuidar melhor das suas coisas”.
Ad: (04/1997) reprovada em 2007, na rie, por aproveitamento
insuficiente. Possui apenas duas faltas registradas no ano de 2007. Em 2004, na 1ª série,
apresentava bom aproveitamento. Nada mais consta em seu prontuário.
Bc: (04/1997) – reprovada em 2007, na 4ª série, por aproveitamento insuficiente,
ainda que, segundo a professora, tenha tido melhora após freqüentar reforço escolar.
Nada consta sobre sua reprovação.
CA: (04/1997) – Em 2007 cursou o PIC e foi retida. A aluna possui problema no
coração. Sua permanência na escola foi bastante intermitente: em 2004 cursou a série
em uma escola da Prefeitura de São Paulo próxima a essa escola. Em 2005 e 2006
cursou as 2ª e séries, respectivamente, nessa escola. Em abril de 2007 solicitou
transferência para uma escola do interior, mas retornou em setembro. Nada consta sobre
sua reprovação.
Dv: (09/1996) reprovado em 2007, na rie, por aproveitamento
insuficiente. Veio transferido para essa escola em setembro de 2005, para cursar a
137
série. Segundo a professora, é um aluno esforçado, mas com grandes dificuldades e que
não foi encaminhado para a Sala de Apoio Pedagógico por problemas disciplinares.
Dn: (10/1996) o aluno veio transferido para a escola em março de 2008 (veio
do Maranhão – verificar se é retido/histórico escolar) – nunca cursou.
DC: (09/1997) reprovado em 2007, na série, por aproveitamento
insuficiente. Segundo a professora, o aluno “revela falta de autodisciplina e de
organização”. Segundo a mãe, ele tem problema cardíaco, de estômago e, durante o
parto, teve sua clavícula quebrada.
EW: (11/1996) Em 2007 cursou o PIC e foi retido. O aluno veio para essa
escola em dezembro de 2004, para cursar a série (em 2005). Seu histórico demonstra
desempenho fraco durante todo o percurso escolar. Em 2007, passou mais de 60 dias
ausente das aulas, devido a uma cirurgia na mão. A professora mandava lições para que
fizesse em casa. Durante o período de afastamento, as lições foram realizadas com
sucesso, mas quando retornou à sala de aula, não conseguia realizá-las novamente, o
que levou à suspeita de que alguém fez as lições ou lhe deu as respostas.
Gb: (05/1997) reprovado em 2007, na série, por aproveitamento
insuficiente. Cursou a 4ªF em 2007. Segundo a professora, não faz as lições. Fez
Educação Infantil e o seu aproveitamento escolar sempre foi baixo. Há um bilhete da
mãe, escrito em 2006, autorizando que, quando ninguém vier buscá-lo, pode voltar para
casa sozinho, pois ela e o pai trabalham e o irmão nem sempre pode. Conforme o
endereço da ficha cadastral, o aluno mora a aproximadamente 2,2km da escola e
outras escolas municipais mais próximas de sua residência.
Gt: (09/1997) reprovado em 2007, na série, por aproveitamento
insuficiente. Veio transferido em 2004, de outra Escola Municipal próxima da escola,
para cursar a série em 2005. a indicação no seu relatório de desempenho de que é
um aluno indisciplinado. Embora tenha sido encaminhado para cursar a recuperação
paralela, não freqüentou nenhuma aula. Da mesma forma, o comparecimento dos pais
aos chamados da escola não significou melhora no seu desempenho/comportamento. De
acordo com seu histórico escolar, nas séries anteriores apresentava dificuldade apenas
em Matemática.
Jm: (04/1997) Em 2007 cursou o PIC e foi retido. Veio transferido de outra
escola da mesma Coordenadoria, em março de 2005, para cursar a série. Segundo
anotação da professora (2007), o aluno participou do reforço, a família é presente, mas
não conseguiu atingir as metas para uma 5ª série”.
138
Jn: (01/1997)reprovada em 2007, na 4ª série, por aproveitamento insuficiente.
Teve 47 faltas no total anual e seu histórico escolar indica baixo desempenho em todas
as séries.
Mc: (01/1996) reprovado em 2007, na série, por aproveitamento
insuficiente. Teve poucas faltas em 2007 (12 no total). Segundo anotação de sua
professora, “é disperso e conversa muito”. No seu prontuário, não consta se o aluno foi
reprovado em outro momento ou se entrou tardiamente na escola.
Mt: (07/1997) – reprovado em 2007, na 4ª série, por aproveitamento insuficiente
e, segundo a professora, “é agitado e agressivo”.
My: (04/1997) reprovado em 2007, na série, por aproveitamento
insuficiente. Nasceu no Maranhão, mas veio transferido de outra escola da mesma
Coordenadoria em 2004, para cursar a 2ª série em 2005.
Nt: (11/1996) veio transferida em abril de 2007 para cursar a série nessa
escola, pois mudou de bairro. Foi reprovada ao final do ano, por aproveitamento
insuficiente. Tem sopro no coração.
Pt: (07/1997) nasceu na Bahia e veio para a escola em agosto de 2007 para
cursar a rie, mas como não histórico, não é possível saber em qual
escola/município estudava anteriormente e qual o seu desempenho. Foi reprovada, na
série, por aproveitamento insuficiente.
QH: (10/1997) nasceu em Minas Gerais, mas veio para a escola em 2004,
transferida de outra escola da mesma Coordenadoria, para cursar a série. Segundo a
professora, na série teve melhora significativa no seu desenvolvimento, contudo, foi
reprovada em 2007, na 4ª série, por aproveitamento insuficiente,
Rf: (10/1996) reprovado em 2007, na 4ª série, por aproveitamento insuficiente.
Segundo seu histórico referente a 2005, quando cursou a 2ª série, a professora salientava
que “precisa mudar seu comportamento na sala de aula, conversa muito”.
Ra: (01/1997) cursou Educação Infantil e durante a e a séries, as
avaliações indicam aproveitamento satisfatório. Na 3ª série (2006) foi encaminhada para
a Sala de Apoio Pedagógico, mas não pôde freqüentar, pois no contra período escolar
cuidava da irmã menor. Em 2007 novamente foi encaminhada e freqüentou
regularmente as aulas de reforço e a Sala de Apoio Pedagógico. Houve melhora no seu
desempenho, mas não obteve aproveitamento suficiente para que pudesse ser aprovada.
Rn: (12/1995) é a terceira vez que cursa a série (2006-8). Em 2005 o seu
aproveitamento era insatisfatório em todas as disciplinas e, embora não conste o total
139
anual de faltas, o aluno foi para a região norte de Alagoas em fevereiro, pois sua avó
estava internada na UTI. Em 2006, quando cursou a série pela primeira vez, foi
encaminhado para a Sala de Apoio Pedagógico, mas não freqüentou. Em 2007, foi
encaminhado para a recuperação paralela, mas novamente não participou.
Sh: (11/1996) Em 2007 cursou o PIC e foi retido. Há solicitação para
avaliação com a professora da Sala de Apoio ao Aluno de Inclusão (SAAI), pois indica
que o aluno é apático, disperso e que não apresentou melhora, mesmo cursando a Sala
de Apoio Pedagógico. Todas as vezes que os pais foram convocados apenas o irmão
compareceu.
St: (04/1997) veio para a escola em março de 2006, para cursar o ano. Foi
reprovada em 2007, na série, por aproveitamento insuficiente e, segundo anotações
da professora, a mãe não autorizou que freqüentasse as aulas de reforço nem a Sala de
Apoio Pedagógico. A aluna é desatenta e tem muitas dificuldades.
Tn: (02/1996) é a terceira vez que cursa a série. Seu histórico não contém
muitas informações, apenas que tem muitas dificuldades e que em 2007 teve 42 faltas
no total, pois viajou.
Th: (04/1996) o consta o histórico da aluna. Há apenas a informação de que
em 2005 cursou a série em uma escola da Prefeitura de uma Coordenadoria próxima
dessa escola e que em 2007 estava matriculada em outra escola da Prefeitura, onde foi
retida. Não é possível, pela documentação, saber se cursou alguma série/escola em
2006.
Tg: (11/1996) teve 39 faltas em 2007 por problemas familiares de saúde. No
histórico consta que na 1ª série o aluno era desorganizado, distraído, mas não era
indisciplinado. Na 2ª série já era considerado indisciplinado, sem interesse e os pais não
compareceram às convocações.
Vn: (04/1997) em 2004, quando cursou a série, foi considerado pela
professora como um aluno desatento e agitado. Em 2005 e 2006, respectivamente
cursando a e a 3ª séries, todas as suas avaliações foram satisfatórias. Em 2007,
embora não haja qualquer comentário da professora, todas as disciplinas indicaram
aproveitamento não satisfatório, causando sua retenção.
140
EMEF – 26/03/2008 (8h40 – 12h)
Visita 51 – Sala da coordenação pedagógica
Como muitos professores tinham faltado, entre eles as duas professoras das salas
que eu estou acompanhando, a coordenadora pediu-me ajuda para a conferência de
alguns dados e projetos que precisam ser enviados até o final da semana à
Coordenadoria de Ensino.
Entre os relatórios, estava a conferência da relação de professores em cada um
dos grupos de projeto de trabalho coletivo, lançando a sua presença nas planilhas de
cada atividade coletiva.
Depois de todos os grupos conferidos, pediu que eu lesse os projetos de trabalho
coletivo de cada um e arrumasse os textos”, pois “você sabe bem escrever projetos e
pesquisas e essas coisas!”.
Li os textos elaborados pelos professores, mas ao invés de mudar diretamente
nos arquivos, preferi fazer anotações no documento impresso para que eles próprios
avaliassem se tais alterações realmente fariam sentido para o grupo.
Essa abertura por parte da coordenadora demonstrou claramente a mudança de
posicionamento das pessoas da escola em relação a mim. Quando cheguei, em 2006,
poucas pessoas conversavam comigo e muitas vezes senti que minha presença na sala
dos professores ou na sala do café causava incômodo.
Hoje sinto uma sensação diferente, até mesmo por parte de alguns funcionários
da secretaria que me conhecem e, assim que me vêem, já abrem a porta, sem que
precise me apresentar.
Em dado momento, a coordenadora precisou receber a mãe de um aluno,
deixando-me sozinha em sua sala, com todas as suas anotações e com todos os arquivos
escolares disponíveis. Isso certamente não teria acontecido alguns anos, ou mesmo
há alguns meses.
141
EMEF– 22/04/2008 (7h30 – 12h)
Visita 52 – 4ª A – Sala de PIC
A professora da sala faltou e quem estava cuidando dos alunos era a auxiliar de
período. Quando cheguei, havia acabado de realizar a chamada e passava alguns
exercícios de Matemática na lousa (oito contas de adição, oito de subtração e oito de
multiplicação com números simples).
Os alunos poderiam sentar em duplas ou trios e, como a professora da sala não
mais os deixa trabalhar juntos, essa possibilidade foi motivo de grande alegria.
Passada a algazarra para que as carteiras fossem dispostas em outra formação, os
alunos sentaram-se e começaram a copiar a atividade da lousa, em folhas avulsas
entregues pela auxiliar de período. Apesar de poderem trabalhar em grupo, ao final, as
atividades deveriam ser individuais, para que ela pudesse justificar para a professora o
que estudaram na sua ausência.
Enquanto realizavam a tarefa, a auxiliar de período e eu conversávamos sobre
alguns alunos. Ela chamou minha atenção para o Hq, que estava sentado com os colegas
Mc e Rf. Possivelmente imaginou que eu não soubesse da sua situação e contou que era
o único aluno daquela sala que o fora retido, mas, como foi remanejado da para a
série devido à idade, a Coordenadoria aceitou que fosse incluído naquela turma de
projeto. Particularmente, ela tem a impressão de que nesse ano está mais interessado em
aprender, por ter reduzido bem o número de faltas, se comparado ao ano anterior. A
preocupação da escola parece ser com a sua freqüência no segundo semestre, pois
sempre depois das férias ele praticamente não freqüenta mais as aulas.
Enquanto conversávamos, o aluno Gb jogava pequenas bolinhas de papel, que
ficavam presas no cabelo das meninas. Ou a auxiliar de período não viu, ou preferiu não
chamar sua atenção, que, segundo ela, “não tem muito sentido, porque poucos alunos
se intimidam quando são mandados para conversar com a coordenadora ou mesmo
quando têm sua atenção chamada pela professora”
Como de costume, os alunos, embora realizando a atividade, ficavam parte do
tempo conversando, levantando para apontar o lápis ou jogar fora o lixo da borracha que
se amontoava nas mesas. Alguns realizavam as atividades e, a cada cálculo resolvido,
vinham nos mostrar e perguntar se estava correto.
Depois de algum tempo, Gt juntou-se ao Gb para jogarem as bolinhas de papel
no cabelo das colegas. Eles faziam a atividade da Matemática, mas entre uma conta e
142
outra, pegavam as rebarbas da folha arrancada de cadernos para fazer as bolinhas e
atirar com o auxílio de uma caneta sem carga.
A todo instante a auxiliar de período precisava sair da sala para atender aos
chamados de uma ou outra professora. Nesses momentos, fiquei sozinha com a turma,
mas minha presença parecia o interferir no comportamento. Quando o barulho das
conversas e brincadeiras se tornava mais intenso, um dos colegas pedia para que
falassem mais baixo, outro ia até a porta e observava o corredor, gritando que a Dona E
(auxiliar de período) estava voltando e todos se sentavam e retomavam a lição, Mas
assim que percebiam que o aviso era falso retornavam à bagunça.
Essa reação era contraditória, pois nem mesmo a presença da auxiliar de período
intimidava-os. Ao perceberem que estava distraída conversando com alguém (comigo,
ou com algum funcionário, ou mesmo com algum aluno), voltavam a conversar e a
passear pela sala.
Depois de muito jogar papéis, os alunos Gb e Gt foram descobertos pela Jn, que
estava com o cabelo cheio de bolinhas. Dirigiu-se a eles gritando, xingando e falando
palavrões, mas os dois garotos nem se preocuparam com isso, apenas riam, ao ver todas
as meninas batendo em seus cabelos para ver se havia bolinhas. Elas se juntaram ao
redor dos dois e eles resolveram gritar pela ajuda da auxiliar de período, quando
começaram a apanhar.
A auxiliar estava no corredor conversando com outra professora e quando
voltou, deu uma grande bronca em todos, especialmente nas meninas, considerando que
“aquela o é uma atitude de moças”. Mandou que todos se sentassem e, quando os
meninos pensaram que poderiam tirar proveito da situação para se fazerem de vítimas,
ela complementou: “se não fosse vocês dois, eu até poderia ouvir, mas sei que sempre
estão aprontando alguma e até merecem levar uns tapas dos colegas, de vez em
quando!”
Após esse incidente, todos ficaram quietos até o horário do recreio, porque
foram avisados de que, quando retornassem, a lousa seria apagada e as atividades
recolhidas, por já estarem há mais de uma hora e meia resolvendo as continhas.
Quando saíram em fila para o lanche, meninos e meninas trocavam ameaças,
mas tudo não passou de ofensas e intimidações.
Depois do recreio, a auxiliar de período recolheu as folhas e foi novo rebuliço,
porque aqueles que passaram o primeiro período brincando, não tinham sequer copiado
todas as contas. Ela simplesmente juntou os trabalhos, apagou a lousa e argumentou que
143
“houve tempo mais que suficiente” para terminar a atividade de Matemática e, se não a
fizeram, foi porque ficaram conversando e arrumando confusão com os colegas.
Todos estavam quietos e sentados em seus lugares. Ela pegou um texto de livro
didático e começou a escrever na lousa uma história sobre o Dia do Índio”. Depois
explicou que a próxima atividade consistia em ouvir a leitura do texto, depois copiarem
no caderno, tentarem ler sozinhos e então fazer uma ilustração.
Eles continuavam sentados em pequenos grupos e, como sabiam que o texto
ocuparia a lousa toda, começaram a copiá-lo apressadamente. De vez em quando,
alguns alunos levantavam para perguntar em que caderno deveriam copiá-lo, embora ela
já tivesse orientado que deveria ser no caderno de Língua Portuguesa.
Depois que todo o texto estava na lousa, não demorou muito para que
começassem a conversar com os colegas mais próximos e levantassem para fazer
qualquer coisa que não fosse copiar e ilustrar a história.
O aluno Hq deixou seu grupo, organizado no fundo da sala, sentando-se em uma
carteira vaga na primeira fileira. Enquanto copiava empolgadamente o texto, assobiava
e cantarolava, demonstrando ser uma atividade que lhe causa prazer, pelo fato de
sempre receber elogios pela grafia bem legível.
Um pouco mais para o sentido da porta, as alunas QH e CA também copiavam o
texto entre pequenas pausas para conversar. Em dado momento, QH olhou para mim
dizendo-se cansada de copiar aquele texto o grande e, virando para trás, perguntou
para o Sh se ele não terminaria a cópia para ela. Ele apenas olhou para ela e voltou a
copiar. Ao mesmo tempo, a CA retrucou: “Não pede para ele! Você não que ele é
lerdo!” Novamente, ele levantou a cabeça e apenas olhou para a colega, sem emitir
qualquer palavra e continuou a cópia.
Depois de algum tempo, os alunos que haviam terminado, ou seja, realizado a
cópia e a ilustração, começaram a conversar e pediram para ficar no fundo da sala
batendo figurinhas. Ela concordou desde que não saísse briga. Mas, com o passar do
tempo, o barulho aumentava e, de pouco em pouco, ela passava entre as carteiras
observando quem já tinha terminado e pedindo para ver o caderno.
Essa atividade foi realizada até as 11h45min., quando os alunos foram
autorizados a guardar o material para irem embora.
144
EMEF– 28/04/2008 (8h40 – 12h)
Visita 53 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte I)
Cheguei à escola no horário em que as professoras do Ensino Fundamental I
estavam em recreio e junto estava a coordenadora pedagógica, passando algumas
informações que recebera em reunião com a Coordenadoria de Ensino. Entre elas,
estava a questão da necessidade de a equipe técnica estar mais próxima dos trabalhos
realizados pelos professores. Ela explicou aos supervisores de ensino que não está
presente nas salas de aula devido aos procedimentos burocráticos que tomam todo seu
tempo, já que é a única coordenadora em exercício nesse momento.
Comemorou o fato de ter conseguido que a coordenadora atendesse à
“reivindicação antiga dessa escola” de poder encaminhar para o atendimento
especializado da coordenadoria os alunos que não têm laudo médico, mas que
demonstram ter algum tipo de problema ou comprometimento. Salientou inúmeras
vezes que precisava ao final da semana o número de alunos sem laudo de cada sala
para encaminhar o número total de atendimentos.
Um das professoras apresentou o caso de um aluno da série que o conhece
as cores nem sabe contar até 10. A coordenadora exemplificou com o caso de um aluno
da série que não consegue aprender nada. Disse ela: “Coitadinho, é um amor, mas é
um aluno que não sabe nada, que não faz nada”. E completou que o que está ocorrendo
é que não há um currículo diferenciado capaz de atender a esses alunos.
Diante da indignação dos professores que reafirmavam insistentemente que é
impossível pensar em um currículo diferenciado, visto a quantidade de casos difíceis
encontrados em suas salas, a coordenadora afirmou que é essa a colocação da
Coordenadoria: a discussão sobre as omissões, como a falta de apoio pedagógico, a
carência de material, o número excessivo de alunos por salas, a falta de formação dos
professores para atender a esses alunos. Afirmou também que “a falta de um projeto
sério de inclusão na Prefeitura gera esse tipo de coisa que cobra do professor e da escola
um atendimento que não têm condições de realizar”.
Lembrou que no mês de fevereiro pedira aos professores que entregassem
avaliações de Português e Matemática, mas aa presente data muitos não entregaram e
outros entregaram apenas as avaliações de Português. Como no mês de maio haverá
novas avaliações das duas disciplinas, deixou claro que então encaminhará à
Coordenadoria o nome dos professores que estiverem em falta.
145
Outro informe foi que, no dia 25 de abril, a professora que lecionou para a turma
da manhã do PIC em 2006 foi eleita para assumir o cargo de coordenadora pedagógica
provisoriamente e que as auxiliares de período já tiveram seus cargos extintos e
voltaram a assumir suas respectivas salas de aula.
Por fim, verificou as turmas que já receberam os livros paradidáticos e organizou
a entrega para mais algumas, priorizando os PICs, confirmando que deveriam vir direto
do recreio para a sua sala.
Saí junto com a professora para formar a fila e, no caminho, solicitei autorização
para conversar particularmente com alguns alunos sobre sua vida dentro e fora da
escola. Ela não criou objeção.
Após todas as turmas se dirigirem as suas respectivas salas, o que demanda um
tempo razoável, encaminhamo-nos à sala da coordenadora para que os alunos
recebessem uma pasta com dois livros paradidáticos. As crianças estavam alvoroçadas,
querendo ver quais livros os colegas receberam. Muitas sentaram-se no último degrau
da escada, dificultando a passagem dos alunos do 4º ano A, para examinar o material,
algumas diziam que a pastinha seria usada para trazer o material para a escola, outras
pretendiam deixá-la em casa para guardar os seus outros livros paradidáticos. Essa
atividade durou cerca de dez minutos até que voltássemos para a sala de aula. Nesse
tempo, alguns alunos vieram conversar comigo. A aluna AC contou que tem muitos
livros no seu quarto, que suas bonecas já estão até perdendo espaço e a IJ confirmou que
ela realmente tem muitos livros. Perguntei se moravam próximas, responderam que não,
mas uma já foi na casa da outra para brincarem.
Outros alunos corriam pelo pátio, às vezes se empurrando e se batendo. Apesar
das inúmeras vezes que Ax teve sua atenção chamada pelas pessoas que estavam ao
redor, acertou um chute na pasta de uma colega, que começou a chorar. Quando viu o
que fez, correu para o outro lado do pátio e entrou no banheiro masculino. Quem
presenciou o fato, afirmava que ele deveria entregar a sua pasta para a menina e ficar
com a quebrada. Logo a professora interveio e, como havia tocado o sinal para o
recreio do Ensino Fundamental II, esse impasse ficou para ser resolvido na sala de aula.
Embora contrariado, o aluno Ax entrou na sala de aula e, quando a professora
mandou-o trocar de pasta com a colega, jogou-a no chão, abaixou a cabeça e não
respondia às ordens da professora, que o mandava pegar a pasta no chão e trocar.
Depois de muita briga, pegou-a e deu-a à colega, afirmando que os livros que estavam
dentro não seriam trocados.
146
Como a sala estava muito entusiasmada com a entrega dos livros, a professora
deixou que os folheassem por uns 10 minutos, mas isso se estendeu até o final da aula.
Houve até a intenção de corrigir uma atividade que estava na lousa e passar a lição de
casa, mas não foi possível, tamanha a agitação das crianças.
A professora explicou-lhes que eu gostaria de conversar com eles fora da sala de
aula e para isso iria chamá-los um por vez. Minha intenção era entrevistar apenas alguns
mas, como todos ficaram muito interessados em saber o conteúdo das conversas, decidi
chamar os 28 alunos da sala.
Como comecei aproximadamente às 9h30min., conversei apenas com 5 alunos
Ax, AK, Ad, AC e DD. Logo no início, expliquei que as perguntas que faria seriam para
conhecê-los um pouco melhor tanto na escola quanto em casa e que essa entrevista
era para uma pesquisa particular, sem relação alguma com a escola e com a professora.
(Verificar o roteiro base das questões no anexo III) e que também poderiam fazer
perguntas para que me conhecessem melhor.
EMEF – 06/05/2008 (9h – 12h)
Visita 54 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte II)
Nesse dia, não fiz observação na sala de aula. Utilizei o pátio externo da escola
para conversar com os alunos: Co, IE, IC e Mt, por ser o único local disponível, embora
muito barulhento e movimentado.
EMEF– 12/05/2008 (9h – 12h)
Visita 55 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte III)
Comecei a realizar as entrevistas com as alunas: Gv, JS, Kt, Lz e Nc depois do
recreio e, portanto, o tive possibilidade de observar a sala de aula. Como a sala de
leitura estava vazia, a professora ofereceu-me a chave para que eu pudesse usá-la. É um
ótimo espaço para fazer as entrevistas, por ser silencioso e calmo.
147
EMEF– 26/05/2008 (9h – 12h)
Visita 56 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte IV)
Entrevistei os alunos: Pd, Rg, VH e Vt na sala de leitura e não realizei
observações em sala de aula.
EMEF– 27/05/2008 (9h – 12h)
Visita 57 – 3ª E – Sala de PIC e conversa com alunos (parte V)
Após o recreio, conversei com os alunos: Gm, IJ e LB, não fazendo nesta data
observação em sala de aula. Como a Sala de Leitura estava ocupada com a turma do
nível II, realizei as entrevistas em locais coletivos: o corredor do andar superior; o pátio
externo; e no banco em frente à sala do PIC. A atenção dos alunos era constantemente
desviada dada a grande circulação de pessoas em todos os ambientes, o que provocava
muito barulho. A última entrevista foi interrompida pela aula de Educação Física, e
retomada posteriormente.
A professora comentou que mais uma vez reclamara sobre as péssimas
condições de sua sala de aula e que havia proposto à coordenadora a troca dela pela sala
de música, situada ao lado, que, além de ser quadrada, é maior e mais reservada, pois
apenas um dos lados tem janelas voltadas para o pátio externo. Como serve apenas para
guardar os instrumentos, ela supôs que não haveria problema em se efetuar a troca.
Entretanto, ao expor a sugestão, decepcionou-se com a resposta da coordenadora: “que
não tinha cabimento tirar daquela sala um bom profissional que desenvolve um projeto
que tem retorno positivo para a escola, para colocar seus alunos lá!”. Indignada, a
professora não cessava de repetir esse fato lamentável, sempre reforçando que a
coordenadora não a considera o boa profissional quanto o professor de música,
priorizando instrumentos musicais em detrimento dos alunos.
148
EMEF– 28/05/2008 (9h10 – 12h)
Visita 58 – Reunião com as professoras dos 3ºs anos
A primeira parte da reunião foi sobre assuntos não relacionados aos alunos:
condições de precariedade dos professores; possíveis solicitações de remoção; proposta
de organizar o ciclo I com rodízio de professores; dificuldade da coordenadora de
atender sozinha a toda a demanda.
Segundo alguns professores, a política atual da Prefeitura é diminuir o número
de funcionários nomeados para a Coordenadoria ou para outros cargos dentro da própria
escola (auxiliares de período, professores das salas de Leitura e Informática e a própria
coordenação pedagógica), o que fará com que alguns professores titulares em situação
precária percam suas salas, se os titulares deixarem seus cargos de nomeação.
Caso a idéia se concretize, ao final do ano alguns professores talvez optem pela
remoção ainda que para escolas mais distantes e periféricas, garantindo porém uma
vaga, o que é melhor do que correr o risco de passar um ano na condição de excedente.
Apesar de o professor titular não sofrer variações em sua jornada de trabalho e no
salário, caso perca a sala, é obrigado a assumir a primeira que estiver disponível,
independentemente do local. Para os professores que acumulam cargos ou que têm uma
organização familiar que implique trabalhar próximo de casa ou do local onde os filhos
estudam, essa condição é bastante desconfortável.
Mas isso, segundo a coordenadora, “é caso a ser pensado no final do ano!”
Enquanto algumas professoras conversavam, outra comentava que seus alunos
até conseguem escrever um texto, mas é quase impossível compreender a grafia. A
coordenadora sugeriu que usasse caderno de caligrafia para os casos mais graves, pois
isso “realmente resolve o problema”. Algumas professoras argumentaram que,
dependendo de quem as vissem usar o caderno de caligrafia, seriam crucificadas. A
coordenadora respondeu que a questão é “usar direito”, pois “não traumatiza e resolve o
problema da letra ilegível”.
A coordenadora retomou a reunião, confirmando a necessidade de os professores
aplicarem, a partir desse fim de semestre, uma avaliação diagnóstica de Matemática.
Essa avaliação é uma cobrança da Coordenadoria que, na última reunião, deu
uma apostila e fez uma explanação para os coordenadores, que deveriam repassar o
material e as informações aos professores. Segundo o texto apresentado pela
coordenadora, o objetivo é que a Matemática seja trabalhada no Ensino Fundamental I
149
não apenas com cálculos e contas, mas com problemas de raciocínio, cujas resoluções
exijam dos alunos soluções não apenas encontradas na Matemática tradicional.
No meio da reunião, um funcionário veio comunicar à coordenadora que,
embora tivesse tentado entrar em contato com a família de um aluno inúmeras vezes
naqueles dois últimos dias, não houve nenhum retorno.
A coordenadora agradeceu e, assim que o funcionário saiu, contou que um aluno
do ano da manhã era “abandonado” todos os dias na escola, pois os pais não o
deixavam voltar para casa sozinho e tampouco vinham buscá-lo ao final do período
letivo. Na segunda feira daquela semana, ao chegar, às 19h, encontrou o aluno ainda
sentado no pátio à espera da mãe. Solicitou que a secretaria entrasse em contato com a
família para verificar o que estava acontecendo, mas somente algum tempo depois é que
um irmão mais velho (que possivelmente não teria mais do que 13 anos) chegou para
buscá-lo.
Desde então a escola tentava entrar em contato com os responsáveis, mas sem
sucesso. Como a atual professora e a do ano anterior estavam presentes, ambas
afirmaram que tinham comunicado a situação do aluno mais tempo, mas nenhuma
atitude foi tomada. Segundo a professora de 2007, isso já vem ocorrendo muito
tempo e garantiu que, em uma reunião em que a mãe do garoto estava presente,
registrou o fato, conversou com ela e aconselhou-a. Esse registro foi feito no diário de
classe, por isso na ficha da secretaria não havia qualquer informação.
A professora deste ano afirmou ter avisado a direção que, por sua vez, disse
que tentaria resolver o caso. Porém, até a presente data, a mudança percebida foi que o
aluno passou a receber alimentação no recreio dos outros turnos e pode transitar
livremente, ao invés de ficar restrito ao pátio ou ao “hall”.
A coordenadora aproveitou o caso para mostrar aos professores a importância
dos registros de ocorrências e que sejam arquivados nos prontuários dos alunos e não
nos diários de classe ou em cadernos particulares dos professores. Essa recomendação é
para facilitar o controle e o conhecimento desse tipo de situação, afinal, é no prontuário
que deve estar o histórico escolar do aluno e não apenas as suas notas.
Aproveitando a questão sobre a necessidade de serem comunicados fatos
irregulares à direção, a professora do ano do PIC ressaltou que já chamou inúmeras
vezes a atenção para a situação crítica de sua sala e não tomaram sequer uma
providência. Suas solicitações referem-se às precárias condições materiais (vidros
quebrados, armários constantemente arrombados, excesso de pó, etc.), bem como aos
150
problemas criados pelos alunos do Ensino Fundamental II, quando da hora do recreio,
que incluem desde namoros na porta de sua sala de aula até atos de vandalismo, com
alunos atirando pedras, pedaços de pau e restos de frutas, que entram pelas janelas
quebradas, principalmente quando ela faz algum tipo de reclamação.
Outra professora da série corroborou suas afirmações, por ter presenciado
essas situações e concorda que é impossível dar aula em uma sala como aquela.
A coordenadora, possivelmente porque pouco ou nada pode fazer para resolver
as questões estruturais (troca de janelas, cadeados e portas quebradas, etc.) ateve-se à
questão dos namoros no local. Como a sala do PIC fica no final de um corredor escuro e
reservado, mas com passagem para o pátio, é difícil controlar o acesso dos alunos,
especialmente porque não poderiam “ser trancados” enquanto todas as turmas não
terminassem seus recreios. A solução talvez seja colocar um funcionário naquele “canto
escuro” para evitar os namoros ou mesmo um possível ponto de venda de drogas
(embora a direção não admita que haja esse problema lá dentro).
Como o assunto passou a ser o recreio e a necessidade de regulamentar a
circulação dos alunos nos espaços comuns da escola, outros professores começaram a se
queixar da dificuldade em dar aulas em meio ao barulho que vem do corredor. É
costume alguém bater na porta e sair correndo, é normal a ocorrência de brigas e,é
comum, no “empurra-empurra”, a porta se abrir abruptamente e cair um aluno dentro de
uma sala, machucando alguém que esteja próximo.
Outra queixa é em relação à dificuldade em formar as filas para voltar para sala
de aula, seja pelo grande número de alunos em cada intervalo, seja pelo encontro com
outras turmas descendo a escada, enquanto uma professora sobe com a sua. Quando a
questão é a fila para pegarem a merenda ou para ir ao banheiro durante o período de
intervalo, muitos professores ratificaram o descontentamento dos alunos. Uma delas
disse que tem descido alguns minutos antes do seu horário para garantir que todos
consigam pegar a refeição, que, quando as turmas de alunos mais velhos descem,
muitos empurrões, quem é mais forte fura a fila e come várias vezes, enquanto os alunos
menores nem conseguem chegar ao balcão para retirar o seu lanche. Ela sugeriu a
colocação de “alambrados como aquele que o Metrô instalou na estação Sé! Porque
assim os pequenos vão conseguir comer!”
Diante de tantas reclamações, a coordenadora chamou os inspetores de alunos
para propor uma nova organização durante o recreio. São três pessoas para cuidar de
muitos espaços, sendo que uma delas está em período de readaptação. Após um longo
151
período de afastamento, devido a um problema na perna conseqüente de diabetes, esta
deve ficar a maior parte do tempo sentada.
A nova” organização prevê que o inspetor (homem) cuide do corredor superior
durante todo o período letivo, desde a entrada dos alunos. A outra inspetora, deveser
responsável por abrir e fechar o portão para a entrada e saída dos alunos e a outra, em
período de readaptação, ficará no pátio interno, onde sempre haverá outras pessoas que
possam auxiliá-la. Durante o recreio, as duas inspetoras deverão permanecer no pátio,
de modo que uma observe a área maior e a outra possa circular por todo o local,
inclusive pelo corredor da sala do PIC do 3º ano e pelos banheiros.
Os inspetores dispuseram-se a trabalhar respeitando essa organização, mas
lembraram que é quase impossível que apenas três consigam evitar todos os problemas
que ocorrem fora das salas de aula. O inspetor que cuidará do corredor afirmou que a
quantidade de alunos que permanecem fora da sala é grande, porque são retirados pelos
professores, e ele, como inspetor, não tem autonomia para mandá-los de volta. Por outro
lado, na medida em que se aproxima o período de férias, os professores começam a
faltar mais, o que faz com que os inspetores tenham também que cuidar das salas, além
de cumprirem todas as suas outras funções.
Esses questionamentos têm mais a ver com os professores do nível II, embora
quase todos tenham o hábito de faltar sem avisar com antecedência, mas de todo modo
são os alunos e professores do nível I que acabam sendo mais prejudicados.
Os inspetores voltaram a seus postos e os professores retomaram a reunião, com
a coordenadora, que reconheceu que realmente está difícil controlar todos os alunos,
principalmente pelo fato de agora o nível I e o nível II estudarem no mesmo período.
Oficialmente, a escola possui duas coordenadoras, mas só uma está efetivamente
trabalhando, porque a outra está em constantes períodos de licença. Como nenhum
turno pode ficar sem diretor ou coordenador, essa tem trabalhado em todos os horários
o que a deixa exaurida e contribui para um déficit de seu desempenho. Como antes
cuidava apenas do nível I, alguns professores comentam inadvertidamente que “a
coordenadora nunca está na escola quando precisavam”, culpando-a de uma ausência”
que não procede.
Finalmente, a reunião foi retomada com a proposta de uma avaliação
diagnóstica, que deverá ser realizada a partir desse semestre.Todos receberam uma folha
com alguns exemplos de exercícios que devem ser aplicados aos alunos das 2ª, e
séries. Segue abaixo:
152
Sondagem – Resolução de problemas do campo aditivo (Maio)
Para as turmas do 2º ano
1- Pedro tinha 15 figurinhas em seu álbum. Ganhou algumas e agora
tem 33. Quantas figurinhas Pedro ganhou?
2- Estão em um lago 35 peixes de cores amarela e vermelha. Se 17 são
amarelos, quantos são os peixes vermelhos?
3- Marcos começou um jogo com 31 bolinhas de gude. Na primeira
partida ganhou 19 e ao terminar a segunda partida estava com 40
bolinhas. O que aconteceu na segunda partida?
4- Paulo tem algumas balas e Mariana tem 18 balas a mais que ele.
Sabendo que Paulo tem 36 balas, quantas balas tem Mariana?
Para as turmas do 3º ano regular, 3º ano PIC, 4º ano PIC
1- Mário tinha 36 carrinhos na sua coleção, ganhou alguns no seu
aniversário e ficou com 51. Quantos carrinhos ele ganhou?
2- Em uma excursão estavam presentes 46 alunos. Desses, 28 eram
meninos. Quantas eram meninas?
3- Durante uma partida de videogame, Marcelo olhou para o visor e
percebeu que tinha certa quantidade de pontos. No decorrer do jogo
ele ganhou 76 pontos e logo depois perdeu 35 pontos. No final do
jogo ele estava com 234 pontos. Com quantos pontos ele estava
quando olhou no visor?
4- No final de uma partida de bafo” José e Sérgio conferiram suas
figurinhas. José tem 83 e Sérgio, 115. Quantas figurinhas José tem
que ganhar para ficar com a mesma quantia que Sérgio?
Para as turmas do 4º ano
1- O número de alunos matriculados nos 4ºs anos de uma escola era de
187 no mês de fevereiro. No final de maio esse número foi para 220.
Em quanto alterou o número de alunos matriculados nessa escola, de
fevereiro a maio?
2- Fátima foi contar a sua coleção de adesivos. No total são 95, sendo
que 35 são do Garfield e 30 da Hello Kitty. Quantas são da Turma da
Mônica?
3- No jogo do bafo, Renato iniciou com 109 figurinhas. Ganhou 18
figurinhas na primeira partida. No final do jogo contou novamente e
percebeu que estava com 87 figurinhas. O que aconteceu da
partida até o final do jogo?
4- Marcela nasceu no ano de 1999 e Carla no ano de 1995. Quem é mais
velha? Qual a diferença de idade entre as duas meninas?
Todas as atividades foram baseadas na teoria desenvolvida por Gérard Vérgnaud
e podem ser classificadas em problemas de composição, de transformação, de
transformação composta e de comparação.
153
Conforme a coordenadora ia apresentando a proposta, as professoras
entreolhavam-se e por vezes houve interferências de uma delas, esclarecendo que na sua
sala aqueles exercícios dificilmente poderiam ser realizados, pois na semana anterior ela
fizera uma atividade simples de Matemática e o retorno foi catastrófico.
A idéia é propor aos professores uma nova forma de investigar de que maneira
os alunos aprendem Matemática. Geralmente, o professor limita-se a corrigir as
avaliações considerando apenas os resultados corretos, mas é necessário verificar seu
raciocínio, a fim de identificar quais “bloqueios” estão interferindo no aprendizado.
Sobre um dos pontos apresentados, a coordenadora afirmou que os professores
precisam parar de ensinar aos alunos a maneira de achar pistas” no problema: por
exemplo, supor que a palavra “perdeu” indica uma subtração, repartiu” sugere uma
divisão, “ganhou” implica numa soma e assim por diante.
As atividades propostas pela Coordenadoria não poderão ser feitas com todos ao
mesmo tempo, porque, após cada resolução o aluno terá que explicar como chegou
àquele raciocínio, àquela solução e resposta, não cabendo ao professor apenas verificar
o resultado. É uma proposta quase impossível para algumas turmas, o pela
complexidade da aplicação, como pela dificuldade de se manter a disciplina, em se
pensando em dar atividades diferentes para o resto da sala e supor que os colegas
respeitem os que estão resolvendo os problemas de Matemática.
A professora do PIC, inclusive, colocou uma questão importante: a de que
alguns de seus alunos sentir-se-ão inaptos a realizar a avaliação. Quanto a esse
sentimento de incapacidade, ela vem desenvolvendo um trabalho, desde o início do ano,
no intuito de afastar a idéia de que não conseguem”, “não sabem”, “não são capazes”.
Foi categórica na afirmação de que não fará nada que possa estragar isso.
A discussão acabou seguindo pela linha de que o professor acaba sucumbindo
em meio à rotina diária e deixa de perceber as pequenas conquistas de seus alunos. Se o
professor tiver percepção do pensamento do aluno, a possibilidade de ajudá-lo a
progredir é maior e os resultados, conseqüentemente, melhores, além de notar que seu
trabalho está se concretizando.
Essa proposta da Coordenadoria preque os professores preencham uma ficha,
para no final contabilizar o aproveitamento de sua sala como um todo. Nessa ficha não
se usaria os conceitos (“PS”, S”, “NS”), mas as indicações “A” para o aluno que
acertou, E” para quem errou e “NR” para não realizou. A correção prevê três
avaliações para o mesmo exercício: se o aluno acertou ou não a idéia de como resolver o
154
problema; se o modo como o resolveu foi satisfatório ou não e, finalmente, se o cálculo
foi realizado de modo correto ou o. Nessa estrutura, um aluno que “descobriu” que
para resolver determinado problema precisava realizar uma operação de subtração,
montou a conta corretamente, mas errou o cálculo seria avaliado com dois “A” (idéia e
forma) e um “E” (cálculo).
Esse tipo de avaliação demandará tempo e trabalho, pois não basta o professor
perceber como o aluno apreende os conceitos de Matemática, mas implica em ajudá-lo a
avançar.
Os professores fizeram muitas objeções, principalmente porque, embora mais
completa e aeficiente, é um tipo de avaliação impraticável diante das condições de
trabalho que têm (muitos alunos e poucos recursos). No mais, outros argumentavam que
é irreal a escola ensinar aos alunos que basta a intenção para que se saiam bem, que
saber a Matemática enquanto resolução final da conta,é “apenas um detalhe”, pois
quando participarem de uma seleção de emprego ou mesmo aqueles que chegarem a
prestar vestibulares não serão avaliados desse modo.
No fim, os professores desistiram de discutir e começaram a anotar os
procedimentos que deveriam adotar para a entrega correta da ficha.
Quando a reunião acabou, enquanto guardávamos os materiais, a coordenadora
dirigiu-se a mim: “E aí, está conseguindo entender por que os alunos o sabem nada?
Quando você terminar seu trabalho, eu gostaria de ler!” Os professores riram, foram
saindo e eu pude abster-me de responder.
EMEF– 03/06/2008 (8h30 – 12h)
Visita 59 – Reunião com as professoras do PIC
Por um desencontro de informações, a turma do PIC da série não foi
dispensada e a professora viu-se obrigada a permanecer na sala até o início da reunião,
deixando atividades para que permanecessem ocupados, em companhia da auxiliar de
período, até que ela pudesse voltar.
Isso fez com que a reunião, que deveria começar às 8h30min., começasse às 9h.
A primeira questão colocada referiu-se, novamente, a certos atos, presenciados
pela professora da 3ª série do PIC pela professora de Informática, nos corredores
localizados entre suas salas. Esses dois espaços encontram-se no fundo da escola, ao
nível do tio e, por serem mais reservados e escuros, durante o recreio são os
155
preferidos por casais de namorados. Em outras ocasiões, alguns funcionários haviam
alertado sobre o problema, mas nenhuma ação foi tomada pela escola.
Em seguida, a coordenadora passou informações da Coordenadoria sobre o
procedimento que as professoras do PIC devem adotar, para que, ao final do ano, seu
trabalho seja pontuado para fins de evolução funcional. Desde o início do ano, havia a
necessidade da organização, de um semanário com as atividades propostas e, se
possível, com alguns exemplos dos resultados obtidos pelos alunos.
A professora do 3º ano retrucou que metade do ano já tinha passado, nem o livro
havia recebido da Coordenadoria, assim como também nenhuma orientação. A
coordenadora sugeriu que ela tentasse montar o semanário com as atividades de que tem
registro, pois não seria bom para ninguém” que, depois de ficar um ano inteiro “com
uma sala triste do jeito que é a sua”, não recebesse a devida pontuação por causa do
registro de atividades. Embora demonstrando contrariedade, a professora não
respondeu.
Dados os informes gerais, começou a parte especifica dos alunos:
4º ano PIC – 29 alunos com freqüência regular.
A professora iniciou suas considerações sobre a sala afirmando que “todos ali
têm medo de ler. Falta confiança”.
Al a professora considera-o pré-silábico, pois ele escreve com letra cursiva
totalmente ilegível. Não conhece as cores e, embora faça acompanhamento
fonoaudiológico, ela não identifica troca de letras ou dificuldade na fala. dificuldade
de organizar o caderno e dispor o material no espaço da carteira.
Hq silábico sem valor sonoro tem muita dificuldade. A professora
conversou com a mãe, falou sobre as dificuldades e deixou claro que é necessário que
tenha ajuda em casa, não para acompanhar as lições, mas também para garantir uma
regularidade de horários para estudar, brincar, ajudar, etc., mas a mãe diz que o auxilia
com as lições. Falta muito e é indisciplinado. A professora perguntou sobre a
possibilidade de inscrevê-lo no reforço, mas a coordenadora lembrou que, como está
inscrito em uma sala de projeto, não tem direito a usufruir de outras atividades paralelas
de ensino, como o reforço ou a Sala de Apoio Pedagógico.
A coordenadora sugeriu que a professora aproveite as aulas de Educação Física e
Artística para propor atividades individuais ao aluno.
Silábicos com valor sonoro
156
DC o aluno falta muito. Depois que a avó foi chamada à escola, as faltas
diminuíram. É irmão da JS, que está na turma da série do PIC. Às vezes, sua escrita
indica nível alfabético e ele já consegue ler algumas palavras, portanto deve ser
considerado alfabético, na opinião da coordenadora.
EW – é indisciplinado e falta muito. Tem muita facilidade em Matemática.
Jm tem muita dificuldade e é indisciplinado. Conversou com a mãe e pediu sua
ajuda para que o aluno possa se desenvolver mais. A professora acha que ele não por
falta de confiança. A coordenadora pediu para avaliá-lo.
Jn desinteressada, tem muita dificuldade, inclusive não usa o “t”. A
coordenadora também fará uma avaliação diagnóstica.
Tn tem dificuldade para aprender, mas o maior problema são as faltas. Parece
que agora está faltando menos. A coordenadora também pediu para fazer uma avaliação
diagnóstica.
Sh o fala nada. Para quem não o conhece, parece um autista. Estava
começando a ler, quando foi atropelado e faltou muito, embora não tenha esse hábito.
Demais casos
Rf está em atendimento na Sala de Apoio Pedagógico. Como seu horário é às
15h, a mãe veio conversar, porque, embora queira que faça o acompanhamento, não tem
quem possa vir buscá-lo às 12h e depois trazê-lo de volta às 15h, sugerindo a
possibilidade de mudança de horário. A professora pensou em indicar também o
reforço, de modo a preencher esse tempo. A coordenadora ficou de verificar a mudança
de horário, mas garantiu que não há como colocá-lo no reforço.
Rn é alfabético, não tem troca na fala, mas na escrita confunde-se muito. Foi
encaminhado para uma avaliação diagnóstica na Coordenadoria de Ensino para ver se é
caso de encaminhamento médico (fono).
As estava desesperado para sentar próximo à professora. Numa aula em que a
professora trabalhava com material dourado no ensino de Matemática, ele disse:
“Professora, vou falar uma coisa: eu achei que eu nunca ia aprender a ler! Nos outros
anos, a professora pedia para os alunos lerem em voz alta e quando chegava em mim ela
dizia para pular porque eu o conseguia! você acreditou em mim!” Agora o aluno
está silábico e consegue ler com desenvoltura; “está todo feliz porque está aprendendo”
– segundo a professora. No começo do ano, fazia bolinhas de papel e as engolia.
157
3º ano PIC
Alunos com muitas faltas:
Rn a professora disse à coordenadora que falta demais, desde 07 de maio não
apareceu mais na escola e não qualquer justificativa por parte da família. A
coordenadora verificou os registros e confirmou que foi transferido de escola em 08 de
maio, mas a professora não foi avisada.
EJ nunca apareceu na escola. A secretaria ficou de verificar a situação da
aluna. É desistente.
Pd - tem muitas faltas (16 faltas no semestre) e a professora desconhece o
motivo. As faltas não são seguidas, mas constantes.
DD– falta muito por problemas familiares (18 faltas no 1º semestre).
A coordenadora avisou que na Reunião de Pais os responsáveis por esses alunos
deverão assinar o Termo de Responsabilidade de Faltas.
Quanto aos indisciplinados, acha que vale a pena fazer uma reunião apenas com
seus pais, para que percebam que a situação não é geral, mas sim restrita a alguns
alunos. Considera necessário chamar a atenção desses pais que deixam os filhos na rua,
que não se preocupam com as crianças. Segundo a professora, apenas sete crianças têm
famílias que efetivamente se preocupam elas.
Segundo a coordenadora, parece que o interesse é o fato de a criança estar
dentro da escola e o leite que recebe pela assiduidade. Afirmou que essa sala do PIC é
muito característica, pois foi formada por muitas crianças que moram na mesma região,
que “são parentes”, dividem os mesmos valores, a mesma cultura. Elas o são
exatamente faveladas, parece mais que moram em uma “favela encortiçada”
referindo-se aos seus laços de proximidade e os de suas famílias. Na sua opinião, a
formação dessa sala é totalmente diferente do que já houve na escola.
Diante desse posicionamento, a professora da série reclamou que sua turma
tem sito tratada “como escória”, referindo-se a pessoas que tentam justificar qualquer
coisa errada com a expressão: “É PIC”.
A professora da série reafirmou e completou: “mas com os meus também
tentaram fazer isso e eu o deixei!” Para ela, “é necessário ensinar postura para os
alunos, pois assim eles não vão se deixar levar pelo que os outros dizem, tampouco dar
motivo para que outras pessoas falem da sala como um todo”.
158
A coordenadora interferiu, dizendo que a turma do ano é diferente porque é
formada por crianças de famílias maloqueiras”, que fazem escândalo na escola e, por
isso é mais difícil de lidar.
A professora da 3ª série rebateu, afirmando que é difícil trabalhar postura com as
crianças, quando são ofendidas por funcionários da própria escola, na hora do recreio. A
coordenadora respondeu que no recreio a situação é diferente porque os alunos não
respeitam ninguém. A professora reagiu, dizendo que isso não legitima que os
funcionários os chamem de “demônios”, por exemplo.
Em tom de explicação, a coordenadora dirigiu-se à professora, enfatizando que
esses alunos têm uma cultura que não é a da maioria. Eles são mentirosos, dissimulados,
vícios que causam problemas na escola. Evidentemente, não se justifica a reação
inadequada de funcionários, chamando-os de “maloqueiros” ou de “demônios”, pois
eles o podem ter a mesma postura que os alunos, mas é compreensível que o façam,
na medida em que as crianças os colocam em situações delicadas.
A professora do ano interferiu, afirmando que as pessoas da escola “não vão
conseguir mudar ninguém, porque é o mundo deles, é a educação deles, eles vêm disso e
não tem jeito, mas que tem que ensinar postura para saber que cada lugar tem uma
regra, tem um jeito”.
Então a coordenadora complementou: “eles brincam aqui como brincam na
favela, o tem um limite, não tem respeito, porque o aprenderam a ter respeito por
ninguém. Não tem uma educação igual a nossa. E acabam fazendo essas coisinhas que
não devem.”
Para não criticar a atuação da professora, a coordenadora justificou que “na sala
de aula você consegue controlá-los porque o poucos, mas no recreio eles se reúnem
em 200. Eles se juntam e começam a brincar. A brincadeira deles chama a atenção”.
A professora retomou, no ponto que queria colocar desde o princípio, qual seja
demonstrar que esse tipo de atitude faz com que seu trabalho seja em vão. E afirmou
sentir-se por vezes constrangida, quando alguma pessoa entra em sua sala e diz: “Nossa,
essa coitada! Os alunos dela ... Deus me livre!! Ninguém merece aquilo”. Ela reconhece
que são crianças indisciplinadas mas que, como quaisquer outras da escola, precisam de
orientação. E ressaltou que a atitude preconceituosa faz com que a auto-estima dos
seus alunos seja cada vez menor e que ela tenha cada vez mais dificuldades para
ensinar-lhes aquilo que deles se espera.
159
Finalmente, a coordenadora reconheceu que “é ruim não pensar no que está
falando quando se está na frente dos alunos” e justificou que muitas vezes “as pessoas
não percebem o que estão fazendo”.
E a reunião foi retomada.
Kt – o faz absolutamente nada e tem o respaldo da mãe, que justifica seu baixo
desempenho pelo problema de visão. É pré-silábica. Não enxerga, mas também não usa
os óculos. Ela tem baixa visãopossivelmente devido a glaucoma. Não conhece todas
as letras (só as vogais a e o) e algumas consoantes.
Mt – é pré-silábico. Ele é “um bebê,” só quer brincar, desenhar e recortar.
Co É do mesmo jeito que Mt, mas está evoluindo melhor. É silábico com valor
sonoro.
Rg parece que não se concentra, está sempre “no mundo da lua”. Conhece
todas as vogais, mas não todas as consoantes. Não é um aluno indisciplinado ou
bagunceiro.
Silábicos sem valor sonoro
Ax, AK, Co (tem resistência para aprender, “só faz quando tem vontade”), DD
(muitas faltas), Em, Gv, Gm, IC, Vt.
Silábicos com valor sonoro
Ad, Fp, Gr, IJ JS, Rl, Tn
Silábicos alfabéticos
AC, IE, LB, Lz, Nc (é irmã da Ra do 4º ano PIC), Pd, VH.
Os meninos indisciplinados são: Ad, Em, Gm, Pd e VH a queixa da
professora é em relação à agressividade.
As meninas indisciplinadas são: IC IJ e JS – muito inquietas.
Durante as indicações do nível de desenvolvimento dos alunos, as professoras
mostravam suas atividades, que geralmente causavam pareceres controversos: enquanto
as professoras, em regra, consideram seus alunos menos desenvolvidos, a coordenadora
faz outra avaliação. Por exemplo, para as professoras, um aluno alfabético é aquele cuja
grafia é compreensível a todos, já para a coordenadora, se a criança escreve “hlina” para
expressar galinha, é considerada alfabética que não conhece as sílabas complexas e
espelha o som em alguns casos (ga=h; te=t).
Na sua opinião, é necessário que as professoras compreendam que, como ela vai
a reuniões com demais representantes das escolas da região, observa que, em geral, os
critérios de avaliação são considerados sempre inferiores àqueles estipulados pelos seus
160
professores, o que faz com que a escola sempre acabe sendo mal avaliada, porque os
índices de reprovação ainda são altos.
Tanto quanto tentava persuadi-las da necessidade de avaliar os alunos com
critérios menos rígidos, a professora da série questionava sua posição. Para ela, não
adianta a “estatística” indicar que todos os alunos de uma escola são aprovados, se eles
efetivamente não conseguem redigir um pequeno texto e, especialmente quando tiverem
que procurar trabalho, o certificado terá valor a que sejam submetidos a um teste
simples de conhecimentos e não consigam sequer identificar onde colocar o nome.
A discussão acabava sempre na questão de que “a política educacional agora é
assim! Não interessa saber ou não, interessa o dado em si!”.
EMEF – 09/06/2008 (8h40 – 10h)
Visita 60 – Secretaria
(anotações referentes aos prontuários dos alunos Hq e Rl)
Nesse dia, deveria haver Reunião de Pais do PIC (3º e anos), mas com a
entrega dos uniformes de inverno, todos os alunos foram dispensados, a reunião
remarcada e apenas a presença de um responsável era necessário para retirar os pacotes.
Desse modo, depois de aguardar aproximadamente 20 minutos, consegui falar com a
coordenadora que, ainda que muito atarefada, acompanhou–me à secretaria para que eu
pudesse ler o prontuário dos alunos Hq e Rl, por não estarem disponíveis no dia em que
consultei os demais.
Hq nasceu em 02 de outubro de 1996, portanto fará 12 anos. Mora no mesmo
bairro da escola. De acordo com a certidão de nascimento, a pessoa que assinou sua
documentação escolar foi a mãe.
Em 2005, foi matriculado em uma escola estadual localizada no extremo
noroeste da cidade de São Paulo, próximo ao Parque do Jaraguá. No registro do
cadastro escolar impresso pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo consta
que “o aluno abandonou”. Em novembro de 2006, há um documento registrando que foi
“reincluído” na escola em que a pesquisa é realizada.
Embora não haja qualquer informação a respeito, é possível inferir que a criança
mudou de residência nesse período, pois as duas escolas são distantes uma da outra.
161
Nos seus registros consta que entrou na escola em 2007 e foi reclassificado em
2008.
Em outubro de 2007, a escola comunicou à Prefeitura de São Paulo e ao
Conselho Tutelar a situação de evasão do aluno.
Comunicado de Freqüência
Sr. Responsável pelo aluno Hq.T.B.
A freqüência às aulas é uma obrigação do aluno. Portanto, a família
e a
escola devem estar atentas, para que se cumpra a determinação legal
prevista na Lei 8069 de 13/07/1990. Quando isto ocorrer, por motivo
justo e o aluno ausentar-se das aulas, deverá justificar ou apresentar
atestado dico referente ao período que estiver ausente, dando o direito
de compensar suas ausências, de acordo com orientação dos seus
professores.
O aluno que não obtiver freqüência igual ou superior a 75% das aulas
dadas e não realizar as compensações ficará retido por faltas
.
Informamos que seu filho (a) ultrapassou o limite de faltas nas
disciplinas todas
e não fez as compensações de ausência.
Tendo em vista ainda o o comparecimento do responsável, estaremos
encaminhando o nome do aluno para o Conselho Tutelar, de acordo com
a legislação em vigor.
Estamos à disposição dos senhores para qualquer esclarecimento.
(03/10/2007)
Segue a resposta da mãe: “Eu F.T., mãe do aluno Hq.T.B., informo à escola que
sou separada. O Hq.T.B. está sob a responsabilidade do pai R.D.B.” E disponibilizou
um telefone para contato de uma tia por parte de pai.
A escola, por sua vez, elaborou outro documento, direcionado ao Conselho
Tutelar, explicando detalhadamente a situação do aluno:
Carta de encaminhamento para o Conselho Tutelar a/c de V.L.
Relatório sobre o aluno Hq.T.B.
A mãe relatou que não é casada legalmente com o pai do mesmo. O casal
tem três filhos e, durante a separação, ela escolheu ficar com os dois
filhos menores, de modo que o H. ficou com o pai. Assim, a mãe ficou
sem contato com o filho e somente tem notícias dele por meio de
terceiros, embora traga as duas outras crianças para a escola todos os
dias.
O pai o matriculou a criança na escola, a mãe fez a matrícula do aluno
de 10 anos no 1º ano do 1º ciclo, mas afirmou que o pai era o responsável
pelo aluno.
Na sala de aula, o aluno se mostrava agressivo, alegando que “era grande
para estar junto com as crianças de 6 anos, que não queria fazer a lição de
bebezinho!”. A professora M. conversou com a Direção da Escola, que
entrou em um consenso de que o aluno poderia freqüentar o ano PIC.
Ele começou a freqüentar e “está adaptado, não mostrando agressividade.
162
Ele gosta de fazer as atividades”. O aluno apresenta muitas faltas, embora
a sua mãe traga os outros dois filhos na mesma escola e horário. Ao
conversar com a mãe, ela alegou que o aluno é responsabilidade do pai.
A mãe da criança relatou que ficou sabendo por terceiros que o aluno não
está vindo para a escola e está freqüentando um bar durante a noite.
A escola alertou que o caso seria enviado para o Conselho Tutelar, pois
ela deveria cuidar do H. por ser responsável por ele, pois a separação dos
filhos foi decidida apenas verbalmente pelo casal. Ela concordou que o
caso deveria ser enviado para o Conselho Tutelar, mas não concorda que
o aluno é responsabilidade dela e sim do pai.
[A carta foi assinada pela professora Mn. da série e pela
Coordenadora Pedagógica].
Não há qualquer documento do Conselho Tutelar sobre o caso.
Nos registros sobre o desenvolvimento do aluno obtivemos os seguintes dados:
Sondagem – fevereiro 2007:
AOAO – apontador
OAA – borracha
AI – lápis
I – giz
Sondagem – 27 de maço de 2007:
AIEJ – patinete
OEA – boneca
AO – bola
A-
Sondagem – sem data:
HEOC – mandioca
AIA – farinha
EA – gema
OU – sal
A I A I A – A tia usa farinha
**Aluno classificado como silábico com valor sonoro.
Em todas as sondagens o aluno escreve seu primeiro nome corretamente
em letra de forma.
No primeiro semestre de 2007, o aluno obteve conceito “não satisfatório” em
Língua Portuguesa e em Matemática. Nas demais disciplinas, o conceito foi
“satisfatório”. Foram registradas apenas 6 faltas. Entre os motivos selecionados pela
professora para explicar seu baixo aproveitamento nessas duas disciplinas, temos:
“atitude inadequada; falta de assiduidade; falta de material para participar da aula; falta
de autodisciplina; muita brincadeira em sala de aula e problemas de relacionamento com
163
os colegas”. A recomendação da professora para o aluno: “modificar sua conduta em
sala de aula” e para os pais: participar da vida escolar do filho”. As providências da
professora e da escola selecionadas foram: “comunicação aos pais através de bilhetes”.
A única observação que partiu efetivamente da professora foi sinalizar que “Hq. precisa
executar todas as atividades e não faltar”.
No segundo semestre suas faltas chegaram a 34. A ficha indica que o aluno “tem
dificuldade de relacionamento, pois não aceita ficar na série inicial. Será reclassificado
para o PIC. Recomendo que não falte e seja aplicado aos pais que acompanhe o estudo”.
Todas essas observações foram feitas pela professora da rie, sendo que ele
passou o ano letivo de 2007 freqüentando a turma do PIC (4º ano).
Em sua ficha de anamnese não indicação de qualquer problema de saúde ou
durante o parto. Nunca foi internado. Também não está inscrito em nenhum programa
social do Governo (em nenhuma instância).
Em 20 de fevereiro de 2008, o aluno foi reclassificado para o ano. A
justificativa foi a seguinte: “O aluno não tem condições de freqüentar um 2º ano com 12
anos de idade”. – A assinatura é da coordenadora pedagógica.
Não há registros referentes a 2008 em seu prontuário.
Rl – nasceu em 15 de outubro de 1999. Mora em um bairro periférico, próximo à
escola. Cursou a 1ª série em 2006, a 2ª em 2007 e, em 2008, foi matriculado na turma de
3º ano do PIC.
Em seus registros consta:
2006 – 1º ano:
Não comentários da professora sobre o aluno. Obteve avaliação “não
satisfatória” apenas em Matemática.
9 faltas no 1º semestre e 3 faltas no 2º semestre.
uma declaração de responsabilidade para que o aluno não traga
materiais diversos para a escola.
2007 – 2º ano:
O aluno apresentou várias dificuldades de aprendizagem e precisa de
muita atenção da família para prosseguir.
5 faltas no 1º semestre e 2 faltas no 2º semestre.
** Essa declaração de responsabilidade e as fichas de acompanhamento
escolar do aluno estão assinadas pela mesma pessoa, que não é a mãe,
tampouco suas avós.
164
Ao finalizar as anotações, encontrei a professora do ano do PIC que fez o
seguinte comentário: após a reunião realizada em 03/06, a coordenadora entrou em
contato com a Coordenadoria para obter informações sobre o envio dos livros didáticos
para sua sala. Eles afirmaram que de todos os livros foram enviados juntos em abril.
A coordenadora encontro-os misturados aos livros destinados aos alunos do
Ensino Fundamental II. Como poucos professores utilizam esse recurso e as inúmeras
queixas da professora do PIC foram ignoradas, ninguém notou que o material estava na
escola há meses sem ser entregue.
Demonstrando-se descontente com toda a situação que vivencia neste ano, a
professora afirmou que “ainda tive que ouvir que era para começar a usá-lo
imediatamente, para que a Coordenadoria não soubesse do ocorrido!”
EMEF– 10/06/2008 (8h –12 h)
Visita 61 – 4ª A - conversa com alunos (parte I)
Comecei a realizar as entrevistas com a turma do ano do PIC. Solicitei à
professora que me indicasse os alunos que geralmente são alvos de queixas por
indisciplina e ela passou alguns nomes, ressaltando que o dão trabalho na sala de
aula, mas sempre recebe reclamações dos funcionários que cuidam do recreio.
Da lista que me passou não estavam presentes a Jn e o Hq, os demais foram
entrevistados: EW, Gb e Jm. Dando continuidade, preferi chamar os dois alunos cujos
irmãos estudam no PIC do 3º ano: Ra e DC.
As entrevistas foram realizadas na sala de depósito de materiais perdidos e
quebrados, pois era o único espaço disponível no andar da sala de aula e que nos
permitia um pouco mais de silêncio.
EMEF– 16/06/2008 (9h – 12h)
Visita 62 – 4ª A - conversa com alunos (parte II)
Nesta data, disponibilizaram-me a sala de reforço, que não seria utilizada
naquele dia/horário. É uma pequena sala de aula com carteiras para trabalho em grupo,
alguns materiais pedagógicos e dois armários pertencentes a cada uma das professoras
do reforço escolar. Fica ao lado do depósito que utilizei na visita passada e bem próxima
da sala de aula do 4º ano PIC. Os alunos chamados foram: Ad, CA, Rf e Mt.
165
EMEF– 18/06/2008 (9h – 12h)
Visita 63 – 4ª A - conversa com alunos (parte III)
Continuei a realizar as entrevistas com a turma do ano do PIC na sala de
reforço. Os alunos entrevistados foram: As, Jn, Dv e My.
EMEF– 20/06/2008 (9h30 – 11h15)
Visita 64 – Sala dos professores
Chegando à escola, fui diretamente à sala do PIC do ano para retomar as
entrevistas com os alunos, entretanto, a professora solicitou que eu aguardasse o
término da avaliação a que estavam sendo submetidos, para a seguir irem conversar
comigo.
Aguardei na sala dos professores até às 11h15min., sem que nenhum aluno fosse
me procurar e, como a saída é às 11h45min., fui embora pois o haveria mais
possibilidade de entrevistá-los.
Durante o período que permaneci na sala dos professores olhei duas pastas
recentemente criadas para que os professores possam fazer anotações referentes à
“ocorrências pedagógicas ou disciplinares”. uma pasta para as turmas do período
e outra para o 2º período.
Na pasta do período, apenas duas anotações sobre o aluno Pd E (PIC)
e não há espaço destinado para a turma do 4º A (PIC). É possível que o esquecimento se
deva ao fato de ser a única turma de 4º ano no período.
Segue as anotações referentes ao aluno Pd (3ª E - 2008):
18/06 O aluno Pd está muito agressivo e desobediente, Chutou as costas do
aluno Ad no parque. Respondeu à professora e saiu sem autorização pela escola.
Solicitei à funcionária para que o trouxesse de volta ao parque. Ele respondeu com
agressividade e palavras inadequadas. Rasga e não entrega os bilhetes e convocações
aos responsáveis.
19/06 O aluno Pd bateu no aluno Co, chutou e deu murros na cabeça dele com
o braço engessado. Precisei separá-los e levei alguns chutes do aluno Pd. Mais tarde,
166
quando retornamos da aula de Educação Física, ele havia dado um murro no aluno Ax,
no rosto, e recusou-se a entrar na sala de aula. Chamei a coordenadora, que presenciou o
aluno Pd me desrespeitar verbalmente, até com xingamentos. O aluno Pd está agressivo
e faz o que quer. A secretária Ml solicitou, por telefone, a presença da mãe do aluno
para hoje às 12h.
EMEF– 23/06/2008 (10h30 – 12h)
Visita 65 – 4ª A - conversa com alunos (parte IV)
Como nesta data a sala de reforço estava ocupada, realizei as entrevistas com os
alunos Al e Bc no espaço ao lado, ou seja, no depósito.
EMEF– 06/08/2008 (8h30 –12 h)
Visita 66 – 4ª A - conversa com alunos (parte V)
Retomando as entrevistas, ao chegar à escola fui informada de que o pai da
professora dessa sala havia falecido, por isso ela tem faltando bastante e também por
problemas de saúde (possível depressão) e estava pleiteando uma licença para que outra
possa assumir efetivamente a turma. Foram realizadas entrevistas com os alunos Rn
(que só voltou de viagem nesse segundo semestre), QH, Sh e AS
EMEF– 12/08/2008 (7h35 – 12h)
Visita 67 – 4ª A - conversa com alunos (parte VI)
As entrevistas foram realizadas na sala de reforço com as alunas Tn, An e Nt.
Como a professora faltou, foi difícil encontrar os alunos distribuídos em várias séries e
turmas. Dentre os que ainda não tinham sido entrevistados, consegui encontrar essas
três.
167
EMEF– 19/08/2008 (7h40 – 11h30)
Visita 68 – 4ª A - conversa com alunos (parte VII)
As entrevistas foram realizadas na sala de Informática, pois todas as outras
estavam ocupadas: a de reforço para a avaliação diagnóstica de alguns alunos que
iniciariam esse acompanhamento no 2º semestre e, na sala de depósito, alguns
funcionários guardavam materiais, aproveitando para fazer uma arrumação.
A sala de Informática é um espaço muito barulhento por causa do tipo de janelas
e pela disposição das mesas. Em todas as entrevistas houve interrupções devidas a
entradas inoportunas de turmas que deveriam se dirigir a outra sala com menos
computadores quebrados.
Foram entrevistados os alunos: St, Tg e Vn.
Dada a dificuldade em encontrar os alunos Gt, Mc, Pt e Hq, devido ao elevado
número de faltas e considerando as ausências da professora titular, o que acarreta a
dispensa dos alunos ou o remanejamento para outras salas, decidi encerrar nesta dada a
coleta de dados.
Ontem a professora titular entrou em licença e a sala foi assumida por uma
professora-substituta, mas os alunos foram dispensados devido à falta de energia
elétrica, hoje a nova professora teve consulta médica e amanhã também não haverá aula
para essa turma, mas não consegui saber o porquê.
168
Anexo II – Anotações cruzadas
NOME ENTREVISTA COM PAIS
5
ENTREVISTA COM OS ALUNOS
6
REGISTRO NO PRONTUÁRIO
Al (11 anos)
menino
apresentou problemas de
comportamento nos anos
anteriores. A mãe não aceitava
a gravidez, pois passava por
dificuldades financeiras. Ele
tem uma irmã com 14 anos.
Moram quatro pessoas na casa: seus pais,
ele e a irmã. Os pais trabalham fora e ele
fica durante o dia com a irmã, que é quem
o ajuda. A convivência em casa é boa e
disse não ter dificuldades.
Desde a série o aluno apresenta
dificuldade de aprendizagem. Foi
encaminhado para a sala de SAPNE e de
SAP na e séries, mas o
compareceu. Na série foi
encaminhado para recuperação, mas
também não compareceu.
Ab (10 anos)
menino
A mãe descobriu a gravidez
no mês. É o filho da
família.
Na casa moram 6 pessoas. Os pais
trabalham e ele fica com a irmã de 18
anos em casa. Ele faz as lições de casa
sozinho. Sua maior dificuldade é ler.
Foi encaminhado para SAPNE, mas a
mãe não autorizou. Na ficha consta que
o aluno “precisa criar o hábito de
estudo” e que problemas familiares
que atrapalham seu desempenho, mas
não são especificados.
5
Entrevista realizada pela professora com os pais ou responsáveis que compareceram à escola. Há também algumas informações passadas por outros professores e/ou que são
“falas correntes” entre eles.
6
Essas entrevistas foram realizadas por mim, mas de acordo com o formulário elaborado pela professora.
169
An (12 anos)
menino
Tem sérios problemas de
saúde, entre eles hipertensão e
por isso não pode fazer
esforço. Freqüenta o OSEM
(instituição ligada a uma
mantenedora, que proporciona
atividades de lazer e recreação
para as crianças e jovens da
região, no contra-período
escolar).
Moram 4 pessoas na casa: seus pais, sua
irmã e ele. A mãe é diarista e o pai faz
bico”. Sua mãe voltou aos estudos (EJA)
na mesma escola em que ele estuda.
Durante o dia fica com a irmã. O aluno
diz ter problema no rim e que faz
tratamento no Hospital Mandaqui.
Aluno transferido de uma escola
estadual com aproveitamento baixo até a
3ª série. É a terceira vez que cursa a
quarta série.
Bi (10 anos)
menina
Mora com os pais e não tem irmãos. Sua
mãe é faxineira e seu pai lavador de
ônibus. Após o horário da aula, a aluna
vai para o trabalho da mãe e retorna para
casa às 18h. Sua maior dificuldade é ler.
Na série, sua avaliação era não
satisfatória em todas as disciplinas. Na
série, apenas em Português e
Matemática e na série não satisfatório
em Português e satisfatório em
Matemática.
170
Co (12 anos)
menino
Mora com os tios, com 3 irmãos (no total
são 5) e a avó. Na casa apenas a tia
trabalha como enfermeira. Visita sua mãe.
Quem o ajuda a estudar é a sua avó.
Entrou na escola em 15/05/2006. Não
consta histórico ou qualquer relato da
outra escola em seu prontuário, apenas o
termo de transferência.
Cl (12anos)
menina
Mora com a mãe, é a filha
de uma família de 6 crianças
(quatro meninos e duas
meninas)
Não conhece o pai. Mora com a mãe e
mais 5 irmãos. Apenas um dos irmãos
trabalha no Extra Hipermercados. Durante
o dia, fica com a mãe que é quem a ajuda,
pois estudou até o 1º colegial.
Dificuldade desde a série. Foi
encaminhada para SAPNE começou a
freqüentar e a registrar progressos, mas
as faltas atrapalharam muito. Até 2005,
quando cursou a série pela primeira
vez, tinha aproveitamento não
satisfatório em Português e Matemática.
Db (10 Anos)
meninq
Mora com 6 pessoas. Seus irmãos têm
respectivamente 21, 20 e 18 anos. Duas
irmãs são perueiras e o irmão trabalha na
Sabesp. Às vezes, briga com eles. A mãe e
uma irmã ajudam nas lições. Suas
dificuldades são: as lições de Matemática,
leitura e escrita.
Foi encaminhada para a SAP na série,
mas a mãe não autorizou a freqüência.
Em todos os anos a sua avaliação é não
satisfatória.
171
Dg (10 anos)
menino
Tem 4 irmãos mais novos. Mora com seus
irmãos e com seus pais. Sua mãe é
depiladora e seu pai cabeleireiro. Eles
voltam para casa às 22h e é ele quem
cuida dos irmãos. Faz suas lições sozinho
e diz não ter dificuldades.
Teve muitas faltas na série (60 faltas
no ano, sendo que 34 foram nos dois
primeiros meses de aula). Foi
encaminhado para a recuperação
paralela, mas a distância da casa e a
necessidade de a mãe trabalhar,
impossibilitaram sua freqüência. Nos
dois anos posteriores, seu
aproveitamento foi não satisfatório
Ed (12anos)
menino
Possui mais 5 irmãos e
freqüenta o OSEM. O pai tem
problemas com alcoolismo. A
irmã de 8 anos sabe escrever
e ler e ele ainda não. Isso o
envergonha.
Mora com os pais e irmãos. Fica em casa
com os 2 irmãos mais novos e com uma
pessoa que cuida deles. O pai é polidor, a
mãe é faxineira e o irmão mais velho (21
anos) é feirante. Sua maior dificuldade é
buscar a irmã na escola (Oswaldo
Quirino).
No registro da série, consta que tem
problemas de dicção e que foi
encaminhado à Fonoaudiologia e à SAP.
Na série foi convocado para reforço,
mas não freqüentou. A mãe é analfabeta.
172
Ea (10 anos)
menino
Mora com os pais e com a irmã mais
nova. A mãe é vendedora de loja. Fica
com o pai e com a irmã, mas faz suas
lições sozinho. Quando a lição é muito
difícil, pede ajuda para o pai. Sua
dificuldade são as contas de dividir.
Na série, sua avaliação é plenamente
satisfatória em todas as disciplinas. No
ano seguinte, nasérie (2005), todas as
suas avaliações são não satisfatórias.
Observando algumas atividades
anexadas ao seu prontuário, é possível
verificar que escreve com letra cursiva
sem dificuldades, contudo, parece que
uma “negação” em fazer a atividade
proposta.
El (13anos)
menino
Freqüenta a série pela
terceira vez. Possui mais duas
irmãs e faz acompanhamento
psicológico.
O pai é segurança. Fica com a mãe e com
as irmãs. A mãe estudou até a 5ª série. Sua
maior dificuldade é ler e escrever.
É a terceira vez que o aluno cursa a
série e suas avaliações são todas não
satisfatórias. foi encaminhado para
SAP, mas não há quem o possa trazer.
EI
(11 Anos)
menino
Quando a família veio da Bahia, dois
filhos ficaram lá. Mora com seus pais e
mais 3 irmãos. Faz as lições sozinho e, às
vezes, os irmãos ajudam. A e se
preocupa muito com o seu desempenho.
Sua dificuldade é ler as tarefas de casa.
Aluno veio da Bahia, mas todos os seus
anos de estudo foram realizados em São
Paulo. Desde a série sua avaliação é
não satisfatória.
173
Fp (12anos)
menino
Foi o primeiro filho do casal e a
gravidez foi bem aceita e tranqüila.
Tem mais um irmão e uma irmã.
Como o seu pai foi assassinado em
2001 durante um assalto, ele se
revoltou. A mãe mora em Taipas
com a irmã mais nova e ele e seu
irmão moram com a avó. Faz
acompanhamento com psicóloga,
pois é possessivo, ciumento e chora
com facilidade.
Mora com o irmão, o tio e a avó
paterna. A renda da família é a
pensão que o falecido avô deixou.
A avó estudou a a série. Sua
dificuldade é ler.
Foi transferido para essa escola no 2° ano,
vindo de uma escola localizada em Taipas
(possivelmente foi transferido depois que
o pai faleceu). Em todos os seus registros
seu aproveitamento é não satisfatório.
Jf (12anos)
menino
Quando nasceu sua mãe tinha 16
anos. Hoje tem mais três irmãos. Por
causa de um problema auditivo,
começou a falar com 4 anos. Faz
tratamento fonoaudiológico. Vem
sozinho para a escola e apresenta
problemas de comportamento.
A mãe trabalha no Posto de Saúde
e o pai na Johnson& Johnson. Fica
com os dois irmãos mais novos
durante o dia, sendo responsável
por eles. Possui dificuldades
auditivas e vai usar aparelho no
próximo ano.
Possui 50% da audição. Desde a série
apresenta problemas de agressividade e
relacionamento. Possui encaminhamento
para psicólogo e fonoaudiólogo. uma
declaração da terapeuta ocupacional que o
atendia em 2002, relatando que sua
freqüência era irregular, que a dificuldade
auditiva dificulta sua aprendizagem e
relacionamento e que algumas
174
características apontadas pela mãe, como
nervosismo, agressividade e agitação
também são percebidas nela, que necessita
de apoio psicológico. Na escola foi
encaminhado para SAPNE e sua
freqüência, de maneira geral, foi regular.
Jl (12anos)
menino
Quando a mãe ficou grávida não era
casada e, por isso, foi um grande
susto. Durante a gestação não teve
apoio da família. Hoje mora com o
marido no quintal da sogra e tem
mais dois filhos. É a segunda vez
que o aluno cursa a 4ª série.
O pai é entregador de jornal e a
mãe está terminando o EJA. É ela
quem o ajuda nas tarefas da escola.
Durante o dia fica com a mãe e
com os irmãos. Sua dificuldade é
aprender a ler.
O aluno possui registros a partir de
2005, quando foi transferido para essa
escola. No ano passado, quando cursou a
rie pela vez, seu aproveitamento
foi não satisfatório em todas as
disciplinas.
175
Kr (11 anos)
menina
Adolescência precoce.
Menarca aos 8 anos. Seu corpo
é desenvolvido e apresenta um
comportamento muito maduro.
O pai estuda para ajudar a filha
nos deveres escolares. (toma
HALDOL).
Mora com os pais e com seu irmão de 2
anos. Nos fundos moram os avós e tios. A
convivência na sua casa é boa, mas
quando o avô e o tio bebem brigas. O
pai estuda e a ajuda nas tarefas escolares.
A mãe é diarista e só às terças-feiras é que
fica sozinha em casa. Sua dificuldade é
não entender as coisas como elas são (não
apenas em relação à escola, mas também
em relação à vida)
Em 2003 recebeu encaminhamento para
fonoaudiólogo, psicólogo e reforço
escolar. Em 2005, como seu
aproveitamento foi não satisfatório, foi
encaminhada para a SAP e para o
reforço, mas não freqüentou porque não
tinha quem a trouxesse.
176
Kt (14anos)
menina
Mora com sua mãe. Não
tem irmãos e a mãe está
desempregada. (Segundo
conversa com a
professora, a mãe
trabalha como catadora)
Mora com a mãe. Tem um irmão mais
velho, que é casado. A mãe faz bicos e
o irmão também ajuda
financeiramente. A convivência é boa
e a aluna estuda sozinha. Sua
dificuldade é não conseguir ler.
É a 4ª vez que a aluna cursa o 4° ano (2003 a 2006).
Pelos registros o pode ser considerada uma aluna
com muitas faltas. Em 2002 há a seguinte indicação
da professora sobre o seu baixo rendimento: “Falta
de pré-requisitos, não esclarecimento de dúvidas
com a professora. Não execução dos exercícios de
fixação e verificação na sala de aula e em casa”.
Essa é a única aluna que mantém o seu registro de
desempenho encaminhado pela EMEI. Segundo
essas anotações, desde o primeiro ano, a aluna
apresentava agressividade e dispersão durante as
atividades. Em 1992, quando estava no terceiro
estágio, começou o ano não se relacionando com os
colegas e, quando começou a estabelecer contatos,
agia de maneira agressiva e com palavrões e se
tornou ainda mais desinteressada (durante as
atividades não não fazia como ainda atrapalhava
os demais colegas) Os pais nunca apareceram na
EMEI.
177
Lc (12anos)
menino
A mãe tentou abortá-lo.
Mora com a mãe e mais três
irmãos e visita seu pai de vez
em quando.
Veio para a escola em 2005. Seu
aproveitamento foi não satisfatório em
todas as disciplinas. Havia a seguinte
anotação em seu prontuário: “Grande
dificuldade para ler e escrever. Há uma
recusa, uma inibição de ordem emocional.
Necessita de encaminhamento para apoio
pedagógico.
Ls (10anos)
menino
Teve meningite. É o segundo
filho de uma família de 4
crianças, mas as crianças não
são filhas de um único pai.
Mora no quintal da tia com
seus irmãos, mãe e padrasto.
A e trabalha meio
período. O garoto sofreu
tentativa do estupro por um
vizinho, mas o rapaz o foi
preso.
Mora com a mãe, 5 irmãos e com os
namorados da mãe. No quintal moram mais
11 pessoas (entre avós, tios e primos). Os
tios trabalham como engraxates nos bairros
da Lapa e Barra Funda e ele às vezes
acompanha-os. Outras vezes vai para o
“bombeiro” (Corpo de Bombeiros), onde
seu primo trabalha. A convivência é boa.
Diz ele: “faz churrasco no sábado”. Tem
contato com seu pai. A tia e a avó ajudam
nas lições. Sua dificuldade é ler. Às vezes é
responsável.
No relato de 2003, quando cursou a
série e teve o seu desempenho não
satisfatório, a seguinte anotação:
“Houve encaminhamento ao psicólogo do
posto. OBS.: Criança com “história
familiar relevante”, contudo não é
especificada. É a primeira vez que cursa a
série, mas seu aproveitamento é
insatisfatório.
178
Mc (13 anos)
menina
O pai está preso 5 anos
(cumprindo pena de 30 anos) e
a mãe é moradora de rua e
drogada. A menina morava na
casa da avó, que além de não
prestar-lhe cuidados, colocou-a
na rua (ficou com a mãe
durante duas semanas). Diante
dessa condição, a tia a acolheu,
mas não a ajuda porque o seu
pai bateu nela. Na casa da tia
moram 17 pessoas (sendo 10
filhos e o marido alcoólatra).
Recentemente, a tia sofreu um
enfarte. A garota só faz uma
refeição por dia.
Perdeu 1 irmão com 18 anos. Mora com
os avós paternos. um outro irmão nos
fins de semana. O pai está preso e a mãe
mora no centro da cidade. Não tem
contato com os pais. O avô trabalha como
mecânico em Pinheiros. Fica com a avó
mas faz as lições sozinha. Sua maior
dificuldade é viver sem os pais.
Veio para São Paulo em 2004 da cidade
de Mongaguá, para cursar a série. Em
2005 seu aproveitamento foi não
satisfatório e o seu número de faltas foi
muito alto (69 no semestre e 91 no
segundo semestre), chegando a ser
encaminhada ao Conselho Tutelar.
Segundo o relato, “a mãe abandonou a
filha, deixando-a com a tia que, depois
de algum tempo, levou-a para a a
paterna. Neste período a aluna o
compareceu às aulas. Está ausente
durante o s de agosto até o presente
momento”. (18/08/04)
179
Pl (10 anos)
menina
Possui mais três irmãos.
Em sua casa moram 6 pessoas: os pais, 3
irmãos e ela. Fica em casa com a mãe e
com a irmã mais velha que é quem a
ajuda. O pai é pedreiro. Tem problema no
joelho (dor). Sua maior dificuldade é vir
para a escola. Quando perguntada se
acredita que é capaz de aprender, disse: “é
difícil”.
É uma aluna extremamente calada e
limita-se a fitar a pessoa que lhe faz
perguntas.
Desde a série a aluna apresenta
aproveitamento escolar não satisfatório.
Em 2005, na terceira série, a aluna foi
encaminhada para a SAP mas a mãe
recusou a oferta.
Pm (13 anos)
menina
Tem mais duas irmãs e é a
filha do meio. O pai é
alcoólatra e desempregado. É a
mãe quem cuida das meninas e
coloca as regras na casa. Ela é
bastante tímida na escola.
Gostava muito de um primo
que foi morto pela polícia.
É a terceira vez que cursa a 4ª série.
Veio para a escola em 2002 transferido
de uma Escola Estadual próxima a esta.
Em 2005 freqüentou a SAP, mas foi
reprovada novamente.
180
Rf (13 anos)
menino
Embora ninguém tenha comparecido
à escola até agora para conversar
sobre o garoto, a professora me
informou que é um aluno com
muitas faltas, pois trabalha para o
tráfico de drogas da região. Quando
vai à escola, geralmente dorme
durante as aula.
Não constava seu prontuário na pasta do
4º ano E.
Vc (13 anos)
menino
Veio do Maranhão e não tem mais
contato com a mãe. Seu pai é
desconhecido. Atualmente mora
com a tia. Tem grande dificuldade
para reconhecer limites.
Mora com a mãe, que trabalha em
um restaurante. Às terças-feiras
fica sozinho e ninguém o ajuda nas
tarefas. A convivência é “mais ou
menos” quando ele faz coisas
erradas. Sua dificuldade é quando
brigam com ele (disse que os
outros é que começam a mexer
com ele) e em Matemática, mas
está melhorando. Disse que
começou a estudar em São Paulo
com 9 anos.
Veio do Maranhão em 01/09/2003,
ingressando na escola como matrícula
suplementar na série. Seu histórico da
s demonstra um aproveitamento
correspondente entre 7,0 e 9,0; na série
entre 5,0 e 6,0 nas disciplinas de
Português, Matemática e Ciências. Em
2004, na série teve aproveitamento não
satisfatório somente em Matemática e em
2005 seu aproveitamento foi o
satisfatório em Português e Matemática,
sendo retido no final daquele ano.
181
Wl (10 anos)
menino
Tem 10 irmãos, todos mais velhos. Não
conhece o pai. A mãe é costureira e
estudou até a série. Suas dificuldades
são: contar, dar respostas, construção de
frases, produção de textos e fazer as
atividades do PIC.
WD
(11 anos)
menino
Quando a mãe engravidou
ficou envergonhada, pois
morava com o irmão e não
sabia que estava grávida. A
família veio de Alagoas 12
anos. A mãe fica em casa para
cuidar dos sete filhos. Eles
moram em um bairro distante
e, embora haja escolas mais
próximas, prefere essa por
considerar o ensino melhor.
Moram 10 pessoas na casa. Não
respondeu como é a convivência, disse
apenas que ajuda a mãe e tem dificuldade
para ler.
Consta apenas o histórico de 2005,
quando cursou a rie, tendo
aproveitamento não satisfatório em
todas as disciplinas.
182
Anexo III – Roteiro para a conversa com os alunos
Dados gerais/ familiares
Nome, idade.
Para onde vai quando sai da escola e quem o (a) acompanha.
Alguém fica com o aluno.
Quem mora na mesma casa (se os pais são separados, se vê o pai com regularidade).
Onde e com quem dorme.
A que horas vai dormir. A que horas acorda.
Tem irmãos. Qual idade. Brinca com eles. De que. (se não tem irmãos brinca com
quem).
Do que gosta de brincar.
Que atividades faz no período da tarde e com quem.
Ajuda nos afazeres da casa. Como.
Pais ou responsáveis trabalham. Em que. Já os acompanhou no trabalho. O que
achou.
Trabalha (para ajudar a família ou ter o próprio dinheiro). Em que, quanto tempo
e em que horário.
Gostaria de mudar algo na casa/ família.
Tem algum sonho. Qual. Por que.
Dados escolares:
Amigos
O que faz antes de vir para a escola.
Qual série mais gostou de cursar. Por que.
Tem amigos na escola. Quem são.
Encontra esses amigos fora da escola. Brincam em algum lugar. foi à casa de
algum deles ou vice-versa. O que fizeram.
Amigos estudam na mesma classe (se não em que sala/série estão).
183
Relação com a escola
De que mais gosta na escola. Por que.
algo que gostava de fazer na escola e agora não pode mais (ex. parquinho, levar
brinquedo).
Gostaria de mudar alguma coisa na escola. (o que/ por que)
O que é ser um bom aluno. Se houver, quais são os bons alunos da sala. O que fazem
para serem assim considerados.
O que é ser mau aluno. Se houver, quais são os maus alunos da sala. O que eles
fazem para serem considerados dessa forma.
Como se considera (bom ou mal) e por que.
Como é uma boa professora. O que faz.
Como é uma professora ruim. O que faz.
Histórico escolar (apenas para os alunos do 4º ano por serem repetentes)
Sempre estudou nessa escola. (se não, por que se transferiu)
Em que série estudou no ano passado.
Como era estudar naquela turma. Gostava de que (ou de que não gostava).
Já repetiu o ano. Sabe o por quê.
Como foi saber que ficaria na 4ª série. (gostou ou não).
Nesse ano, gosta da turma com quem está estudando.
Se pudesse escolher, gostaria de estar em outra turma. Qual. Por que.
Tem alguma diferença (ou semelhança) entre a série do ano anterior e desse ano.
Quais.
Você gosta de estudar em uma turma de PIC. Por que (verificar se sabe o que é isso).
Relação família-escola
Pais freqüentam a escola. Em que momentos (festas/ reuniões/ convocações/ APM,
etc.).
Gosta (ou gostaria) que os pais freqüentem a escola. Por que.
Alguém em casa ajuda nas lições. Quem. Gosta da ajuda ou prefere fazer sozinho.
Pais já foram chamados na escola. Por que. Como foi. O que aconteceu.
Já foi mandado para fora da sala de aula. Por que. O que aconteceu.
184
Anexo IV – Conversa com os alunos
3º ano E – turma do PIC (2008)
Ax menino 08 anos (No início da conversa, mostrou-se bastante ressabiado,
respondendo às questões com voz tão baixa que mal dava para ouvir,mas ao final
começou a se soltar mais).
Quando sai da escola espera a irmã e vai para casa com um menino (Al), que não
sabe em que série está. Afirma que vão juntos porque são amigos, mas ressalta que sabe
voltar para casa sozinho. Quando chega em casa, tira o uniforme e vai para a rua brincar
de bicicleta com seus irmãos. A bicicleta é do irmão, por isso, quando brincam juntos,
ele anda atrás e o irmão na frente. Seus irmãos são uma menina de 4 anos e um menino
de 10 anos. Mora com o pai, a mãe e esses dois irmãos.
Descreve sua casa da seguinte forma: “tem uma escada, depois tem outra e daí é a
casa”. Perguntei se tinha quarto e disse que sim. Perguntei se tinha sala e disse que tem
um quintal e um armário de colocar sapato e um balde de roupa” e que uma laje onde
empina pipa. É a mãe quem cuida da casa, diz que ela está procurando emprego, mas não
sabe o que ela faz. O pai trabalha na feira como bananeiro e à noite trabalha de
“motoboy”. Ax foi ajudá-lo na feira, mas isso já faz algum tempo. A feira em que
trabalha é próxima de sua casa.
Na escola tem alguns amigos: Al, Vn e a Bc. Ele não sabe em que séries estudam,
mas são do mesmo período.
Ele vem para a escola com um ônibus de linha e quando chega, fica esperando a
professora para entrar.
À noite, ele come e vai dormir por volta das 20h, às vezes assiste a um filme.
No ano passado fez a série, mas gosta mais da turma desse ano, embora não
saiba explicar por que. Diz gostar de fazer lição, “qualquer uma”.
Na sua opinião, um bom aluno é aquele que “faz lição”, “acerta tudo”, “não
reclama de nada” e o mau aluno é aquele que “não faz lição”, “brinca”, “briga”. Para ele,
a Gr é uma boa aluna. Não se lembrava do nome do mau aluno que, segundo ele, “faltou
hoje”.
Quando perguntei como ele próprio se considera, disse que “um mau aluno”, mas
não conseguiu explicar o motivo. como filho, disse que acha que “é um bom filho”,
mas também não justificou. Seu sonho é ter uma bicicleta só dele.
185
AK menina 8 anos (a aluna pareceu gostar do espaço que teve para falar um pouco
sobre si mesma. Falou bastante e com desenvoltura. Não se sentiu constrangida, ao
contrário, tomou a iniciativa de abordar questões particulares, como apanhar, saber que a
irmã não gosta dela e admitir que o local onde mora seja muito violento).
Na casa moram a mãe (Jô=MJ), a tia (Vv, que é sogra da mãe) e uma irmã mais
velha (Cr, que tem 12 anos). Depois que sai da escola vai para casa de ônibus, se troca e
vai “para outra escola” (OSEM), onde fica até às 17h. No OSEM entra às 13h. ela
“brinca, tem o recreio, come e vai para a biblioteca”. De sai e vai para casa sozinha. O
OSEM é próximo a sua casa.
Suas amigas Bl (da mesma idade), Nc e Cm (mais velhas) vão com ela para o
OSEM. Nos fins de semana, quando estão em casa, brincam de escola e de boneca e às
vezes vão à quermesse na “12” (presumo que seja alguma rua próxima).
Ela e a irmã cuidam da casa. Têm um cachorro chamado Nn. A tia agora está em
casa porque quebrou o pé. Ela trabalha em uma padaria grande da região. Quando está
no trabalho, a tia acorda às 9 horas e sai de casa no fim da manhã. Volta entre 22h e 23h.
Sua mãe trabalha em casa de família e sai de casa a 1h e volta às 21h. AK o soube me
dizer se a casa onde a e trabalha é muito longe da escola. De toda forma, ela e a irmã
passariam grande parte do tempo sozinhas, se não freqüentassem o OSEM.
Na escola, AK considera amigas a Tn, a Kt, a AC e a Nc (que não é a mesma que
mora perto de sua casa) todas da sua sala: a Jl (que também está na série mas com
outra professora) e a AL (que não sabe em que série está).
Diz gostar dessa sala, mas a professora de quem mais gostou foi a I. Na rie
estudou com a professora M, na com a professora S e novamente com a professora I
(que cobriu licença) e na 3ª está com a professora E.
A aluna conta que, no ano passado, quando ainda não conseguia ler, gostava da
professora I porque ela não gritava, o punha de castigo, ela conversava. Como gostava
da professora não fazia bagunça. Apenas o aluno Mc (2ª série de 2007) é que fazia
bagunça na sala e, durante o recreio, tirava o lanche dos colegas e exigia dinheiro.
Quando perguntei do que ela mais gostava no ano anterior respondeu que da Jl (colega),
porque, “ela me ajudava muito em tudo, me dava até dinheiro”. E também da professora
I, pois “eu amava muito ela”. E sempre que pode vai para a sala dessa professora.
186
Ao contrário, não gostava da professora M, porque ela xingava e um dia brigou
com a sua mãe por causa do leite. Elas brigaram e a sua mãe quase bateu na professora.
Naquele ano, foi com a mãe ao cabeleireiro, pois ela ia tingir o cabelo. Lá, AK “caiu e
abriu a barriga”. (A menina mostrou-me uma grande cicatriz). Devido ao machucado, foi
necessário ficar alguns dias em casa, por isso excedeu as faltas e a professora não queria
entregar o leite. (De acordo com os registros no seu prontuário, não costuma faltar).
Contou que recentemente mudaram de casa, pois onde moravam tinha muito
tiroteio. A casa possuía dois cômodos, a cozinha e o quarto onde os pais dormiam. Um
dia entraram na casa deles e todos ficaram muito assustados. Mudaram então para a casa
da ae agora para uma outra casa. Nesta, a mãe e a tia dormem na sala e ela e a irmã
dormem na cozinha. Ela acha que, em breve, a mãe construirá mais um quarto sobre
esses cômodos onde ela e a irmã poderão ficar.
Na sua opinião, ser bom aluno é “saber ler, escrever, saber de tudo, numerais até
500, entrar na Internet, jogar jogo na Internet das Rebeldes”. E emendou, contando que,
como a TV fica no local onde dormem, as duas irmãs assistem à novela “Caminhos do
Coração” – “que é aquela novela dos mutantes, sabe, professora?” Como a novela
começa às 23h, às vezes vão dormir por volta da 1h. Disse, também, que quando a mãe
está em casa, vão dormir cedo, mas quando estão sozinhas, vão dormir assim tarde
porque ficam na rua brincando de pega-pega com a Lc e a Bc que são mais próximas a
sua irmã – e a Rl – sua amiga mais chegada.
AK acha que sua irmã não gosta muito dela porque um dia a jogou da escada. Na
verdade, ela não empurrou, mas sim tropeçou no cadarço, provocando sua queda.
Perguntei se tinha explicado isso à irmã, disse que sim, mas a menina diz que é
mentira e que não gosta dela. AK, porém, diz gostar da irmã.
Contou que no sábado (25/04) foi com a tia e com a irmã a uma festa. Saíram de
lá às 23h e seguiram para a Cantareira onde tinha pagode e churrasco. Chegaram em casa
mais de 1h e a mãe só não foi porque tinha que acordar cedo para trabalhar.
Retomei nossa conversa perguntando o que era, para ela, um mau aluno. Ela
respondeu que é aquele que não obedece, que xinga a professora, que não é educado com
as pessoas, que bate nos outros. E complementou dizendo que sua mãe havia lhe dito que
“se mexerem com ela é para bater, que não é para dar mole”. Após uma breve pausa,
completou: “mas não na escola, só se mexerem comigo na rua”.
AK considera-se uma boa aluna porque respeita a professora e faz o que ela pede.
Acha que o Ad é o mais bagunceiro da sala, porque bate nas meninas durante o recreio,
187
pega as coisas dos outros e na hora de ir embora não devolve. Tn (da sua sala), Cm e
Bl (com quem volta para casa) são consideradas boas alunas porque lhe dão coisas e
quando precisa de ajuda estão sempre à disposição (note-se que as duas são consideradas
boas alunas porque AK gosta delas).
Sua mãe foi chamada na escola apenas uma vez, quando ela cursava a série,
porque derrubou um amigo no chão. Embora não tenha acontecido nada ao garoto,
apanhou da mãe.
Afirma: “minha mãe não sabe bater, minha mãe sabe espancar!”. Perguntei se
apanha com freqüência, ela disse que o e completou: mas ela não espanca muita
gente. Ela arranha, porque tem a unha grande! Já a minha tia, põe a gente de castigo sem
TV e faz escrever no caderno: eu não devo ser teimosa”. Mas é bom porque a gente
tem o OSEM”. Perguntei por que a tia põe de castigo e ela disse que é porque elas não a
obedecem.
Perguntei se havia mais alguma coisa que gostaria de me contar e ela disse que,
quando se separou da mãe, o pai além de não dar pensão, arrumou uma madrasta que
“batia na gente com pau”. Logo eles se separaram e o pai foi morar com uma irmã (tia da
AK). Agora, quando vai visitá-lo, ele compra rojão para estourarem juntos na laje. Quase
todos os dias o pai fica no portão da escola para lhe dar dinheiro. E emendou, outro
assunto, contando que precisou cortar o cabelo porque estava caindo muito e agora os
meninos ficam mexendo com ela, o que a incomoda.
Perguntei, então, qual seria seu sonho e ela respondeu prontamente que gostaria
de ter um quarto dela decorado com motivos da Bela e a Fera e sua irmã gostaria de
um quarto da Pequena Sereia. Falou que agora a mãe conseguiu comprar a laje da
vizinha (com quem a a mora) e vai construir um quarto. Ela gostaria de morar em
outro lugar, porque “ali tem muita droga, ontem mesmo a polícia entrou armada e
prenderam um cara lá no beco”. Como ela estava na rua, correu para a casa da Ra para se
proteger. A mãe não gosta que elas freqüentem o parquinho sozinhas e só vão quando ela
ou a tia podem levar, por isso como a tia está com o pé quebrado e a mãe trabalha muito,
faz tempo que não vão.
Quando voltávamos para a sala, AK ainda me disse que a mãe quer ir embora
para o Norte. Sua irmã inclusive morou um tempo com a avó, que precisou voltar
para São Paulo porque estava com problema no ouvido.
188
Ad menino 09 anos (o aluno conversou bem, respondendo a todas as questões.
Assim que eu terminava a pergunta, ele fazia “humm”, demonstrando que o havia
entendido, mas assim que eu repetia, ele respondia prontamente. Outra coisa que notei
foi que misturou aspectos de ser bom/mau aluno com ser bom/mau filho).
Mora com a mãe, o pai e uma irmã mais velha (17 anos).
Quando sai da escola vai para casa e fica brincando de correr, jogar bola, andar
de patins. Brinca com Em, As e com o negão”, amigos que moram perto da sua casa.
Mas não é sempre que sai para brincar, pois tem que fazer a lição e, às vezes vai
trabalhar com o pai. O pai vende churros na praia (Praia Grande) e vai para às 12h e
fica vendendo até às 21h. Voltam para casa toda noite e chegam por volta das 24h. Outro
dia chegou às 1h e “isso cansa, cansa, cansa” - afirma. Acorda às 6 horas para entrar às
7h na escola. Perguntei se vai sempre com o pai e disse que “não, só de vez em quando,
mas agora tenho ido todo dia junto com meu pai”.
É a mãe quem cuida da casa e a irmã trabalha em um mercado.
A casa dele é um quintal grande.o tem um quarto para ele, mas afirma que vai
construir uma laje. Disse que tem garagem. Perguntei onde ele dorme e respondeu que
em um beliche (ele embaixo e a irmã em cima) no mesmo quarto que os pais.
Quando vão para a Praia Grande, o pai leva roupa para ele tomar banho de mar.
Ele ajuda o pai e se diverte um pouco. Outro dia se afogou e o salva-vidas resgatou-o,
porque não sabe nadar e já estava com dificuldade para respirar.
No ano passado estava na série. Ele não gostava dessa série porque a
professora xingava-o de “pamonha” e gritava. Esse ano gosta mais de vir para a escola.
Entre as coisas de que mais gosta de fazer está o parquinho, a Educação Física (basquete,
bambolê, corda) e as lições, principalmente de pintar e de ler.
Na turma desse ano, o Em é seu amigo e a IC é sua prima mas diz que às vezes
ela o irrita. “Ela é chata!.Fica batendo, chutando, dando tapa na minha cabeça.” O Ax,
segundo ele, “é o mais chato da sala porque ele fica bagunçando”.
Um “bom aluno é aquele que fica quietinho, obedece a professora, vai tomar
banho quando a mãe mandar, quando estiver na rua e a mãe mandar entrar é para entrar”
eu entro rapidinho senão ela me bate (com a mão, chinelo e com a cinta). O “mau
aluno é aquele que não respeita o pai, não obedece a mãe, a professora, a tia, o tio”.
189
Na escola, uma boa aluna é a AC e um mau aluno é... “a prima da AC, de quem
não lembro o nome” (LB), a IC, a IJ e o Jr (Pd), que chuta a porta para sair, chuta a
mochila dos outros.
Seu sonho é ter um quarto só seu, “acertar a vida da minha mãe e do meu pai...”
Perguntei: - O que precisa para acertar a vida deles? Respondeu: “- Precisa de dinheiro
para pagar as vidas”, “arrumar a casa...” Insisti: - O que tem que arrumar na casa? Ele
disse: “- Tem que consertar a parede, que está toda rachada, que tem vários buracos”.
Considera-se um bom aluno porque gosta de obedecer as pessoas, mas diz que o
que faz de errado é ficar demais na rua e é por isso que apanha da mãe. Disse que quando
crescer gostaria de trabalhar como policial.
AC menina 09 anos (antes de nossa conversa, comentou sobre sua família e sobre
seus livros (cf. caderno de campo, visita 55), mas durante a conversa mostrou-se mais
inibida e respondia concisamente às questões).
Mora com o pai, a mãe e a irmãzinha de 03 anos. Nos fins de semana vão para
Mairiporã. Volta para casa com a perua da escola e gosta de brincar no quintal de casa de
boneca e de casinha. Brinca com a LB (estudam na mesma sala e moram no mesmo
quintal), com sua irmãzinha e com o irmão da LB, que tem 12 anos. Na rua sai para
andar de bicicleta.
AC diz que sua casa é bonita. Perguntei por quê e respondeu que é porque tem
quadros com a foto do pai, da irmã, de passarinhos. No mesmo quarto dormem ela e sua
irmãzinha. Como tem medo de dormir sozinha na cama de baixo, dormem juntas na
mesma cama, mas quando sua irmã vai para o quarto dos pais, passa para a cama de
cima. Os pais dormem em outro quarto e a casa tem sala e cozinha.
Ela tem ainda uma irmã mais velha que é casada. Uma amiga diz que a irmã
mais velha é mais mimada pelo pai e que ela é mais mimada pela mãe, mas acha que
ambas não são mimadas, que são criadas da mesma forma.
A mãe é quem cuida da casa e, às vezes, quando sai, é ela que arruma tudo. A
mãe trabalha como costureira em casa, pois tem medo de deixar as crianças sozinhas. O
pai é motorista de ônibus e sai de casa por volta das 12h e volta às 24h/01h30min. Ela
vai dormir tarde para esperá-lo, mas quando tem que acordar cedo para ir à escola, vai
deitar quando acaba “Chiquititas” (novela do SBT).
190
Na escola, gostaria que os meninos parassem de mexer com ela, pois querem
beijá-la e ela não gosta disso. Esses meninos não são da sala. Da turma, não gosta do Ad
que fica xingando e dizendo que vai bater nela, mas “eu não tenho medo dele!”.
No ano passado estava na série. A 1ª série foi a de que mais gostou porque
podia brincar, ganhava monta-monta, levava brinquedo no dia certo. Dessa sala gosta
porque tem as amigas. Já teve amigos que repetiram (como o Rg) e por isso tem medo de
repetir.
O bom aluno é aquele que fica quieto, que obedece a professora, que não xinga os
professores e os pais. E o mau aluno é aquele que xinga a professora, que não obedece,
que não faz lição e o que a professora manda.
Um bom aluno da sala é a LB (mas agora elas estão de mal) e um mau aluno é o
Ad.
Considera-se uma boa aluna porque obedece, faz as lições, não xinga a
professora.
Seu sonho é ter um celular V3, atualmente tem um mais simples, mas nesse dia
estava sem bateria.
Seus pais nunca foram chamados na escola.
Co - menino – 08 anos (respondeu a todas as perguntas de forma interessada. Quando se
refere aos colegas que o irritam, utiliza expressões que não o comuns entre os demais
alunos creio fazer parte do linguajar de sua família que é oriunda da Bahia –, como
“pirraçando”, “cabuco”, estupor”. Ao final de nossa conversa, perguntou se eu tinha
brinquedos e me pediu um carrinho de presente.
Co volta para sua casa com a perua da escola. Mora com o pai, a mãe e “com o
irmãozinho que vai nascer”. É a mãe quem cuida da casa e que fica com o garoto no
período da tarde. Embora afirme brincar sozinho de bicicleta e de carrinho, diz que tem
alguns amigos na rua em que mora: Lc (5 anos), Hq (10 anos) Jn (5 anos) Lz, Sm, Mr e
Br de quem não sabe as idades.
O pai trabalha com limpeza, mas não sabe onde. Na escola, gosta de correr e de
tentar pegar os pombos (contou isso fazendo movimentos para cima e para baixo com os
braços) na hora do recreio. Disse gostar de brincar sozinho e de correr, mas, como tem
um problema no coração, ouve-o bater muito forte e sente dores no peito. Contou que
poucos dias fez um exame em que ficou com um aparelho na cintura. (na semana
191
anterior, ao final do dia, a professora comentou que, ele faria um exame no coração e
estava muito nervoso. Ela tentou acalmá-lo, dizendo que seria para ajudar no tratamento
e que tudo correria bem. Ele respondeu que seus pais diziam o mesmo, mas não podia
deixar de estar nervoso.)
Se pudesse, Co moraria com os avós na Bahia. Gosta muito de lá, pois é onde
está toda sua família, mas quase todo ano vão para lá nas férias.
Nos finais de semana fica em casa ou visita um primo do pai, que também mora
em São Paulo.
Quando perguntado sobre o que gosta na escola, disse que do parquinho, da Sala
de Leitura e de Informática. Gostava também da professora do ano passado que “brigava
com a gente, mas ensinava desenho”.
Gosta da professora E, mas complementou que “o Gm, o pretinho e o outro
pretinho batem em mim... mas outro dia eu enforquei um deles que ficou me
pirraçando”. Afirma não gostar de ser atormentado.
Para Co, o bom aluno é aquele que “faz a lições que a professora passa, obedece a
professora, o pai, o avô, a tia” e completou que ele tenta “fazer as lições da professora,
mas que preguiça”. E o mau aluno é aquele que não faz as coisas que a professora
pede.
Considera-se um bom aluno, pois obedece a professora, faz o que a professora
manda, às vezes fica de baixo da mesa (para se esconder), mas sai quando a professora o
vê.
Na sua opinião, a Nc e a IJ o boas alunas e o Mt,o Gm, o pretinho grande de
cabelo arrepiado e o pretinho pequeno são maus alunos, porque mentem e batem nos
outros”.
Quando perguntei se seus pais já foram chamados alguma vez na escola, disse
que sim, porque “bati no nariz de um menino que estava me pirraçando” (isso foi na
série, na turma da professora de que gostava).
Sobre o que é necessário para ser uma boa professora, Co afirmou que é
necessário “estudar e fazer as coisas direitinho”.
Contou-me que, quando era pequeno, queimou-se com leite e até hoje ainda tem a
marca em parte do peito e no braço (mostrou-me a cicatriz). Disse que vai dormir depois
da novela “Caminhos do Coração” e demora para pegar no sono.
192
DD menino 08 anos (embora tenha respondido a todas as questões, às vezes parecia
confundir o espaço escolar com o familiar. Outras vezes, pedia que repetisse a pergunta
ou porque não tinha entendido, ou porque não tinha ouvido).
Quando sai da escola, vai sozinho para a casa da avó, que fica situada na rua de
baixo da escola, onde moram: ele, a mãe, o primo, a prima, a avó, o avô, a irmã, seus
dois irmãos e uma sobrinha. Ele brinca com a sobrinha, com a prima e com os irmãos.
A ae a prima cuidam da casa e um irmão e um primo trabalham. O pai mora
em Caieiras, onde ele nasceu. Veio para São Paulo com 4 anos. Quando fez EMEI,
estudou com a IC.
O irmão trabalha em uma adega e o primo trabalha, mas não sabe em que.
Não o pai com muita freqüência. Normalmente, ele vem para festas, para o
seu aniversário e em alguns fins de semana.
DD gosta de brincar de esconde-esconde, pega-pega e de dar mortal (virar
cambalhota). Ele gostaria de ter uma bicicleta.
Estudou com a professora I na série, com a Rt na rie (que foi a série de
que mais gostou) e com a E neste ano, mas essa turma é muito bagunceira.
Principalmente os alunos Ad, Ax, IC e Gv.
O que é um mau aluno? Ser chato, não aprender nada. E bom aluno é aquele que
fica com alegria, que todos dizem que ele sabe, que presta atenção. Ele considera maus
alunos o Ax e a Gv e bons alunos o Ad, a Lz, a AC e ele próprio.
Considera-se um bom aluno porque faz as coisas certas, nunca faz bagunça e
porque a professora nunca mandou bilhete. Os pais nunca foram chamados.
Gosta muito de ir ao parquinho e das aulas de Educação Física. Ele não gosta de
correr porque dá dor de cabeça.
DD vai dormir depois da novela “Duas caras” e acorda às 6h. Dorme com a mãe
na mesma cama e com outros irmãos no mesmo quarto. Seu sonho é ter um patinete
motorizado.
Em menino 08 anos (o sobrenome F não consta no seu registro escolar. Ele é um
garoto muito baixo e magro, o que faz com que pareça ser mais novo. Muito agitado,
respondeu às questões de forma bastante descontraída, em alguns momentos rindo das
minhas perguntas).
193
Volta para casa à pé acompanhado dos primos Am e Gm, mas ressalta que voltam
juntos porque moram no mesmo quintal, pois ele sabe andar sozinho pelas ruas.
Ele tem mais quatro irmãos sendo dois mais velhos (12 e 10 anos) e dois mais
novos (05 e 04 anos). Toda a família dorme no mesmo cômodo: “a minha mãe com os
namorados em uma cama de casal, eu em cima em um beliche e os [dois irmãos]
menores dividem a cama de baixo”. Por mais que insistisse, não conseguiu me explicar
onde os dois irmãos mais velhos dormem.
Ele brinca com os primos e os irmãos no quintal onde moram. Suas brincadeiras
favoritas são: carrinho, motinho e andar na sua bicicleta, comprada na feira do rolo, que
ocorre aos sábados, próximo à sua casa.
Ele tem uma noção estendida de família. Quando perguntei quem trabalhava em
sua casa, respondeu que a mãe, a tia e a irmã trabalham como domésticas e os primos
mais velhos são pedreiros e caminhoneiros. Como moram todos no mesmo quintal, é
possível que se ajudem mutuamente. Disse ver o pai com regularidade, pois ele mora
próximo.
Perguntei se vai com os irmãos visitar o pai e ele respondeu dando risada, como
se tivesse sido a pergunta mais absurda que ouviu: “Claro que não, professora! Vou
com minha mãe! Ele é meu pai.” E completou: “A minha mãe é sozinha. O Pl é o pai
dos meus dois irmãos mais velhos, o meu pai é o Jk e o Ax e o Fb são pais dos outros
dois.
Afirmou que quando crescer quer “trabalhar de escola como você!”. Disse que
gosta de ir na casa das primas e de ir à praia, como fizeram em março. Contou que a mãe
chegou em casa, pegou os filhos e foi para a praia de ônibus passar o final de semana.
Disse que dorme cedo, pois fica na rua e, quando entra, toma banho, come e
vai dormir. Acorda às 6h para ir para a escola. Ele ajuda em casa lavando o banheiro e o
quintal, mas quem cuida da casa é a mãe e o irmão mais velho.
A série que mais gostou de cursar foi a terceira, pois “são todos pequenos e são
todos amigos”. Seu primo estuda na mesma sala (Gm). Gosta de brincar de esconde-
esconde, pega-pega e de macaco (ficar pendurado nas coisas). Lembrou que um dia a
mãe colocou-o de castigo, porque seus irmãos menores foram brincar de macaco” com
ele, mas não conseguiram ficar pendurados muito tempo, caíram e se machucaram.
Perguntei como foi o castigo e ele disse que “é ficar virado para a parede, pois a
minha mãe nunca bateu em nós”.
Na sua opinião, uma boa professora precisa trabalhar e passar lição.
194
O bom aluno é aquele que fica sem bagunçar, sem xingar, obedece a professora,
a mãe, a tia, o “vô”, a “vó”, o tio, fica fazendo lição, falando sozinho”. Perguntei como é
esse aluno que fica falando sozinho e ele disse “fazendo as coisas, sem reclamar”. Disse
que ele e seus amigos são todos obedientes.
O mau aluno é aquele que xinga, bate, soco, como acontece no recreio. O Ad,
o Gm e o Ax são assim, ficam chutando a mochila dos outros.
Considera-se um bom aluno, pois faz a lição, fica quieto, pede a borracha e o
lápis e poucas vezes vai para o canto”, que é o castigo adotado pela professora para
quem atrapalha a aula.
EJ menina segundo a professora e os colegas, jamais apareceu na escola, embora
sua matrícula esteja regular.
Fp menino – 08 anos (o aluno respondeu às questões de forma concisa e muito
ressabiado. Parece ser tímido).
Felipe volta para casa com a perua . Quando chega faz a lição, almoça, e fica
vendo TV. Os pais não o deixam brincar na rua, por isso ou está vendo TV ou fica
desenhando. Fica em companhia da irmã mais velha, que cuida da casa, porque seu
irmão mais novo (5 anos) estuda à tarde.
A mãe trabalha de faxineira e o pai também trabalha fora, mas Felipe não sabe o
que ele faz.
Disse que sua casa é branca com portão marrom. Tem uma estante com a TV e a
sua cama fica perto da cozinha. Ele dorme na parte de baixo do beliche e sua irmã em
cima. Seu irmãozinho dorme no berço, em outro quarto com os pais.
Disse ter saudades de seus avós, mas nem a mãe, nem os avós têm dinheiro para a
passagem de ônibus, por isso não se visitam.
Na escola, é amigo do Jr (Pd), do Mr, do Mt, do Jf. Gosta da professora E, pois
“ela é quietinha, as outras gritavam e me punham de castigo quando os outros colocavam
a culpa em mim”. Gosta da aula de Informática.
Para Fp, o bom aluno “fica quieto olhando a professora mandar lição, não fica
bagunçando na sala”. E o mau aluno é quem fala palavrão.
Considera-se um bom aluno e nunca foi para a direção.
195
Gr menina 08 anos (como me conhecia do ano passado porque acompanhei sua
turma, desde o começo das entrevistas, sempre perguntava quando seria sua vez.
Respondeu às questões de modo tranqüilo, embora parecesse ansiosa com a próxima
pergunta).
Gr vai para casa com a perua escolar. Em sua casa moram o pai, um tio, o irmão,
ela e a mãe. Gosta muito de passar as rias na Bahia, pois moram a avó, a prima, o
avô, o tio. Em São Paulo, diz que apenas a madrinha e o padrinho moram perto.
Quando chega da escola troca de roupa, come o e vai para a casa da vizinha,
que tem dois filhos (07 e 12 anos), onde brinca com o “videogame” dos meninos e
também de boneca e de fogão. O pai e o tio trabalham juntos consertando antenas e sua
mãe é empregada doméstica.
A mãe chega por volta das 15h e então ela vai para casa com a e. Enquanto a
mãe cozinha, ela arruma a casa sozinha. A casa tem três quartos: os pais dormem em um,
ela e o irmão dormem em outro, que tem um armário e uma cama de casal marrom e o
tio em um outro. Além disso uma cozinha, dois banheiros e uma sala com um rack,
uma TV, um vídeo, um DVD, um sofá e uma mesinha. Disse que costuma dormir entre
21h ou 22h.
Na rua tem três amigos: Gm, Ek e Vt. Na escola é amiga da Gv, da IC, da AC e
da Nc (de quem teve dificuldade de lembrar o nome, embora pareça ser sua amiga mais
próxima). Gosta de brincar de pega-pega, esconde-esconde, duro ou mole.
Para Gr, o bom aluno é aquele que presta atenção na professora e fica quieto (Nc
e IE). O mau aluno é quem fica bagunçando e não faz a lição (Ad)
Considera-se uma boa aluna, pois fica quieta e faz toda a lição. Seus pais nunca
foram chamados na escola.
teve três professoras: na série, na série e na 1ª série. Disse gostar da
professora desse ano (3ª série), pois “ela é boazinha. Quando ela briga com a sala, nós
vamos pedir desculpas e ela sempre diz que não somos nós que temos que pedir
desculpa, pois não fazemos bagunça”.
Seu sonho é ganhar uma geladeirinha para brincar.
196
Gv menina 08 anos (quando fui chamá-la, a professora, que voltava com a fila do
recreio, deu conta de que ela, a IC e uma outra não tinham voltado. Mais tarde, ao ser
questionada, não sabia dizer quantos anos tinha, mostrou os dedos da mão e depois
contou.
A aluna volta para casa com a perua escolar e fica com o irmão (mais velho) com
a avó e o avô (paterno), pois perdeu a mãe recentemente. Quando chega, troca de roupa e
brinca de “videogame”. Não sabe o nome dos jogos, pois o aparelho é do irmão, mas ele
não briga quando ela brinca com o seu “videogame”. Quando não está jogando, assiste à
TV. Às vezes, ajuda a avó nos afazeres domésticos como lavar e secar a louça, varrer a
casa e tirar o pó. Quando tem lição, faz depois de jogar o “videogame”.
O pai mora com os filhos e com os pais. Ele trabalha arrumando máquinas, mas
ela não sabe que tipo de máquinas. Não sabe a que horas vai dormir.
Perguntei se gostaria que alguma coisa fosse diferente em sua casa ou na escola e
ela respondeu que não.
A rie que Gv mais gostou de cursar foi a primeira, pois podia levar brinquedos
que dividia com as amigas. Nesse ano, tem algumas amigas, mas não soube dizer seus
nomes (depois de muito esforço, lembrou-se da IC) e disse que gostam de brincar de
restaurante.
De manhã, o pai vai acordá-la, ela se arruma, escova os dentes, toma café, penteia
o cabelo e vai para a escola. Não tem amigas na perua nem fora da sala.
Na turma desse ano, gosta quando a professora faz a brincadeira do silêncio, que
consiste em “ficar bem quietinho e um colega escolhe para ir para frente e senta”.
Para a Gv, ser um bom aluno é ficar quietinho e um mau aluno é aquele que fica
bagunçando.
Ela se considera uma boa aluna porque fica quieta e faz lição. Outra boa aluna
para ela,é a Nc e mau aluno é o primo da IC (Ad), porque é chato.
Uma boa professora é aquela que passa desenho e que pouca lição e uma
professora chata é aquela que não dá desenho e que passa muita lição.
Gosta muito de ir ao parquinho, principalmente do balanço grande.
No final de semana, vai passear, vai até a casa da tia de bicicleta e brinca nos
parques perto da sua casa.
197
Gm – menino – 09 anos (estava com um machucado grande no rosto e disse ser
conseqüência de um tombo. Como a Sala de Leitura estava ocupada, fomos para o andar
de cima, mas havia muito barulho e além disso foi difícil encontrar um local limpo. A
constante movimentação de pessoas, fez com que o aluno se dispersasse durante a
entrevista, de modo que tive que retomar algumas perguntas. As questões sobre o que é
ser um bom ou mau aluno foram respondidas de forma rápida. Quando voltávamos para
a sala, desceu a escadaria pelo corrimão).
Ao sair da escola, volta para casa com os amigos (Em, Vc) e, ano chegar,
encontra com a e e o pai, se eles não esiverem trabalhando. A mãe é faxineira e o pai
é pintor de prédios. Tem mais dois irmãos: uma menina de 10 anos e um menino de 12
anos. Em relação à irmã, disse que ela é mais alta, mas acha que logo conseguirá
alcançar sua altura.
Quando chega em casa come um pão” - que compra com o dinheiro que o pai
deixa - ou almoça - se a e deixou comida. Depois deita, descansa, vai tomar banho e
sai para brincar. Brinca na rua e no parquinho que fica perto de casa com os amigos Em
e Vc, permanecendo até às 19h, quando volta para jantar, retornando depois até às
22h, quando finalmente retorna para casa para dormir.
No parquinho, gosta de brincar de balanço e na rua de esconde-esconde.
Sua casa tem um quarto, uma cozinha, quintal. Todos dormem no mesmo quarto,
onde uma cama para os pais, um beliche que ele divide com o irmão mais velho, que
dorme em cima e um colchão no chão para a irmã.
É a mãe quem cuida da casa, mas ele a ajuda varrendo o quintal.
A série que mais gostou de cursar foi a 2ª, porque a professora deixava brincar na
sala e no parquinho. Seus amigos naquele ano eram o Ld e o Rf.
Nesse ano seus amigos são: Ad, Pd, Em e o Vc. Ele diz gostar da professora,
porque ela deixa que brinquem enquanto faz a chamada e também brinca com eles.
Quando ela não está na sala, ele e os amigos gostam de brincar de pega-pega.
A aula que prefere é a de Informática, porque entra na Internet e pode jogar o
“Batman” e o “Homem Aranha”. Prefere ficar sozinho em um computador mas, quando
não tem como, fica com o Em.
Quando perguntei se gostava de fazer alguma coisa na escola, respondeu: não
gosto de fazer nada! ... quer dizer, gosto de brincar no recreio”.
198
Em relação à questão: “O que é um bom aluno para você?”, perguntou: “- Como
assim?” Eu expliquei e então respondeu: “-É quem faz lição, respeita, obedece. Em
relação à questão sobre o que é ser um mau aluno, respondeu imediatamente: “É o Ax!
Porque ele tira a cueca e mostra o negócio para as meninas!”
Considera-se um bom aluno porque brinca com a professora e a obedece.
Para Gm, uma boa professora é aquela que brinca com os alunos e uma
professora é aquela que briga com eles.
Ele cursou a pré-escola, mas diz que só ficou 3 meses e logo foi para a 1ª série.
Ao perguntar se tem sonhos, respondeu: “quando eu brinco bastante no parquinho
eu sonho e caio da cama. E sonhei também que um caminhão caiu em cima de mim”.
Tentei retomar a questão sem sucesso, não conseguiu compreender que eu me referia a
aspirações.
IC – menina – 8 anos (respondeu às questões sem muitas dificuldades, entretanto,
quando perguntada sobre o que é ser um bom ou mau aluno, citou apenas nomes de
colegas e atitudes que considera boas ou ruins).
Volta para casa com seu primo Ad e disse morar “na rua dos predinhos”. Quando
chega em casa, troca de roupa, come pão e vai brincar de esconde-esconde e de barra-
manteiga com as amigas da rua.
Passa a tarde toda na rua e volta para casa quando sua avó chama para jantar.
Disse que “senta, pega o prato, come e volta para a rua” onde fica aas 20h. Vai dormir
por volta das 21h. Outras vezes fica no computador jogando “bolo” e “jogo da velha”
com seu primo.
Atualmente, apenas o avô e o tio trabalham dirigindo respectivamente, um
caminhão “de pegar terra” e um ônibus.
Na casa da avó, moram também a mãe, o avô, um tio e uma tia, além de suas duas
irmãs de 2 e 4 anos, respectivamente. É a avó quem cuida da casa, faz a comida e guarda
a louça, mas ela a ajuda, dobrando a coberta e lavando a louça.
IC conhece seu pai, mas não o muito tempo “porque ninguém sabe dele”.
Comentou que o pai da irmã de 2 anos mora perto delas e eles se vêem sempre. O pai da
irmã de 4 anos também mora perto e sempre que encontra a filha R$3,00 ou R$10,00
só para ela, deixando magoadas a mais velha e a caçula.
199
A casa em que moram “tem uma sala com uma estante, TV, uma cômoda com o
ventilador em cima, cozinha com fogão, geladeira e pia, um banheiro e um quarto com o
guarda-roupa e a cama”. Nesse quarto, dormem a avó e a tia em uma cama de casal e no
beliche dormem o tio em cima e ela em baixo. Na sala, dormem o avô, a mãe e suas
irmãs.
Ela comentou que a tia “é como a Sl”, referindo-se a uma aluna com paralisia
cerebral.
Nos finais de semana vai para a casa da Gr, cujas mães são amigas e onde pode
brincar de casinha. A série de que mais gostou foi a porque “a professora é muito
legal” com os alunos. Ela diz gostar de fazer lição e das aulas de Computação e
Educação Física. Na escola, suas principais amigas são a JS, a Gr, a Lz e a Nc.
Para a IC, boas alunas o: a Nc, porque “fica quietinha, não mexe com
ninguém”, a Vt, a Lz e a Gr, “porque empresta as coisas”. Entre os maus alunos estão a
Gv, porque rouba e pega as coisas dos outros sem pedir” e o Ax, “porque rouba as
coisas dos outros”.
Ela se considera uma boa aluna, pois “faz muita lição”.
Em relação aos professores, acha que uma boa professora é aquela que passa
muita lição. “Eu sempre gostei de fazer lição”. E não gosta quando um professor grita
com os alunos.
IJ menina 8 anos (teve dificuldade para responder a algumas questões, como por
exemplo, descrever a casa, explicar como volta da escola e definir o que é um bom aluno
e uma boa professora).
Como de costume, comecei perguntando para onde vai ao sair da escola, mas ela
fez um gesto com a cabeça, dando a entender que o sabia. Perguntei, então, se ela sai
da escola com a perua, se vai a pé, em companhia ou não de alguém e ela respondeu que
a pé. Parece que só então entendeu a pergunta.
Ela volta sozinha para casa, onde não ninguém esperando. Quando chega
arruma a casa, lava a louça, arruma as camas, lava o fogão e vai a para a casa da avó,
que mora perto. então almoça e fica brincando com a prima de 8 anos, estuda um
pouco (faz a lição) e mais tarde chega um outro primo de 7 anos, com quem fica
brincando também.
200
Em sua casa moram a mãe e mais dois irmãos de 02 e 11 anos. A casa tem uma
cozinha, um quarto e uma sala. A mãe e o irmãozinho dormem no quarto, cada um em
uma cama. Ela e o outro irmão dormem na sala em camas separadas. A e trabalha
“como empregada de arrumar casa”.
Ela conhece o pai e o vê sempre. Ele não trabalha.
Seus primos moram com a avó porque sua tia morreu atropelada. Lá moram ainda
mais três tias, sendo que uma tem um bebê. A avó trabalha aos bados, arrumando a
casa de uma vizinha.
IJ gosta de brincar de casinha em cima da laje da casa da avó. volta para casa
à noite, quando a mãe chega.
Gostou de cursar a 2ª série porque “a professora era legal”, deixava que os alunos
ficassem na sua mesa e dava presentes. Naquela série, tinha como amigas a Is, a AC e a
LB, sendo que as duas últimas estudam novamente com ela neste ano.
Da sala atual, diz gostar apenas da professora, da Lz e da AC. Da LB não gosta
mais, porémo soube explicar por quê. Também não gosta de todas as outras meninas.
A aula de que mais gosta é a de Informática, porque pode entrar no “site” da
Barbie. Prefere ficar sozinha no computador, mas quando não dá, prefere ficar com a LB.
Respondeu à questão: “o que é ser uma boa aluna”, com um sinal das os e da
cabeça, indicando que não sabia. Depois respondeu: - Não sei ... ajudar?” Perguntei: “-
Ajudar quem?”, ao que respondeu: “- Os colegas, a professora”.
em relação a “o que é ser um mau aluno”, respondeu mais rapidamente: faz
bagunça e xinga a professora”.
Considera boas alunas a AC e a Nc. As más alunas são a LB e a IE, porque ficam
brigando. Entre os meninos, acha que o Em e o Ad são os maus alunos, porque batem
nas meninas.
Considera-se aluna porque bate nas meninas quando brigam. Sua mãe foi à
escola porque havia lhe dito que, se alguma pessoa pegasse alguma coisa sua, era para
avisá-la. Como um dia uma menina pegou o seu apontador, fez o que a mãe lhe
recomendara. Sua e realmente foi à escola, conversou com a professora e com a
menina, que devolveu o apontador e a mãe não bateu nela.
Em sua opinião, uma boa professora é aquela que leva os alunos para passear e
para brincar na escola.
Uma professora é aquela que é chata, que briga com todo mundo, quando
deveria brigar com quem fez algo errado.
201
Seus dois sonhos são: ter uma piscina e ganhar uma bicicleta, pois ela usa
emprestada a bicicleta do primo.
IE – menina – 08 anos (respondeu às questões sem demonstrar timidez).
Quando perguntei para onde vai após a aula, prontamente respondeu que para
outra escola, mas depois retificou que vai para a casa da avó, explicando que se
confundira com as aulas de reforço oferecidas pela escola no contra-turno.
Ela vai a para a casa da avó, onde moram dois tios, uma tia, um priminho de
dois anos, além dos avós. Ela não brinca na rua, fica em casa e ninguém brinca com ela.
Ao chegar diz que “a avó coloca a comida, eu digo obrigado, depois eu vou para o
quintal ver o meu tio ouvindo música e, às vezes fico no sofá assistindo TV”.
No período da manhã, a avó trabalha limpando uma igreja. O tio e o a são
feirantes e vendem, respectivamente, limão, batata, cebola, mandioca e alho; e abacaxi,
banana, tomate, mexerica e laranja. Eles saem de madrugada para montar as barracas,
mas a IE não sabe se a feira é longe ou perto da casa, pois foi uma vez com eles.
Recorda-se que nesse dia ficou ora com o tio, ora com o avô e, quando a feira acabou,
passaram na padaria, compraram uma coxinha para ela e tomaram uma cevada.
Desde que o priminho nasceu, sua tia saiu do trabalho (loja de roupa) e agora está
procurando emprego. O outro tio tem 18 anos e é quem cuida da casa.
Sua mãe vai buscá-la às 17h, mas têm que aguardar a chegada de sua irmã (10
anos) que estuda à tarde, na série. Por volta das 18h, as três voltam para a casa.
Trocam de roupa, geralmente fazem um lanche, viram o rack com a TV para assistirem
ao Jornal e às novelas deitadas na cama (novelas: “Duas Caras”, “Caminhos do
Coração”, “Amor e Intriga” e “La Lola” e, às vezes, o programa Troca de Famílias”).
Há, ainda uma outra irmã de 2 anos, que fica o dia inteiro na creche e raramente vai para
a casa. A mãe prefere que ela fique na casa dos avós, por ser de acesso mais fácil para a
creche.
Elas estão dormindo na sala ao lado da cozinha, pois a casa ainda está em
reforma. Quando terminar, a mãe vai comprar outro guarda-roupa e um “quarto todo rosa
com branco” para ela. A mãe e as três filhas dormem em uma cama de casal, geralmente
por volta das 24h, porque ficam assistindo TV.
202
IE conhece o pai e o às vezes. É o avô quem avisa que seu pai está no bar. Ela
vai até e, embora sempre diga que não tem dinheiro, acaba comprando um salgado ou
um pacote de bolacha para ela. Ele faz limpeza em um prédio.
Ela gostaria de ter um quarto para ela. Gostaria também de não precisar ir para
a casa dos avós ao sair da escola, porque a avó é evangélica e não a deixa assistir novela,
nem desenho e quer que use o cabelo preso e o tio é muito chato. o vai direto para
casa porque é longe da escola.
Na escola, gosta da sala de Informática porque é bem sossegado e brincam no
“site” da Barbie. Normalmente divide o computador com a Lz, a Gv ou com a IJ. Ela
também considera a Nc, a Gr e a JS.
No recreio, brinca com outras amigas com quem estudou em anos anteriores (Rq,
Rb e Br).
A série é a melhor série em que estudou, porque antes não se comunicava
com muitas pessoas, considerava algumas muito chatas, mas nesse ano é diferente.
Embora não goste de fazer lição, afirma fazê-las.
A professora quase nunca passa lição de casa, passou duas vezes, mas quando
dá é para escrever os nomes. Ela gosta também das aulas da Sala de Leitura.
“Ser bom aluno é ser obediente com a professora, fazer toda a lição, ficar quieto
sem falar palavrão, sem brigar, essas coisas...” “E o mau aluno fala palavrão, não
obedece a professora, é desobediente, grita, sai da sala de aula, não faz lição”.
Considera-se uma boa aluna porque faz as coisas que a professora fala, mas
quando a professora manda sentar ela não senta. “Às vezes os alunos se escondem e a
professora vai atrás, fica nervosa e manda para a direção”. Ela afirma que seus pais
nunca foram chamados na escola, mas acha que se forem a mãe dará uma surra. Depois
contou que uma vez levou um bilhete, mas a mãe continuou deitada na cama e nem
ligou.
No quintal onde mora mais três famílias e sua mãe cuida de duas meninas.
Uma vez essas “meninas estavam bagunçando tudo” na sua casa, ela brigou com elas e a
mãe bateu nela. Normalmente é à noite que sua mãe fica com as meninas, cuja mãe “vai
para a balada, vai para a aula de dança, para a academia e a sua mãe leva as meninas para
casa”.
Ela considera que a IJ, o Gm o Ax e o Ad são maus alunos e que a Nc, a Kt, a Vt
e a Gr são boas alunas.
203
Para IE, uma boa professora é aquela que lição, pirulito e que os leva ao
parquinho. O que as professoras não deveriam fazer é bater com o apagador na cabeça
das crianças ou bater a régua na mesa. Ela sabe disso, porque outros colegas contam ou
porque as professoras falam que vão fazer isso para que os alunos fiquem quietos, mas é
de brincadeira.
JS menina 8 anos (não apresentou dificuldades para responder às questões. Sempre
que podia comentava que a mãe está no Japão).
No trajeto entre a casa e a escola, ela e avó vão e voltam a pé. Moram em um
prédio preto próximo à escola, onde vivem com dois tios e o irmão de 10 anos. Tem
algumas amigas, com quem brinca de boneca, dentro do prédio (Tn, Br e Mr). De todas
as bonecas, a que mais gosta é uma japonesa, que a mãe mandou.
A mãe foi para o Japão, em busca de trabalho, quando estava na 1ª série, mas não
sabe o que ela faz. Elas conversam por telefone. Encontra-se com o pai às vezes, quando
vem visitá-la, pois é a avó quem tem a sua guarda e a do seu irmão.
A avó cuida da casa e trabalha como cozinheira, das 9h às 12h, em uma igreja
que ainda está em construção.
JS dorme no mesmo quarto com a a e um tio (a a dorme em cima, a JS
embaixo e o tio em uma cama auxiliar (“que puxa de baixo”). No outro quarto, dormem
o irmão e o outro tio (antes os dois tios dormiam juntos, mas brigaram e por isso um
deles agora esdormindo no quarto delas). Ela vai dormir às 22h e acorda às 6h30min.
Quando acorda, toma café, arruma-se, escova os dentes e vai para a escola.
Na sala de aula, suas principais amigas são; a IE, a Lz, a IJ, a Vt e a Nc. A IJ é a
única amiga da escola que foi em sua casa. Elas brincam, curtem” (curtir é “fazer
coisas que gostam muito”), fazem amizade com as outras pessoas. Diz gostar muito de
fazer lições (todas) e gosta de tudo que se faz na escola.
Quando perguntei o que é ser um bom aluno, ela não entendeu e pediu que eu
explicasse. Quando comecei a falar, ela completou: “a AC!” Elas brincam, conversam na
sala, mas quando a professora pede silêncio ficam quietas e conversam na hora da saída.
Sem titubear, considerou o Em um mau aluno e afirmou que ele é o mais chato”
porque “fica batendo, chutando, passando a mão nos outros e falando palavrão”.
Perguntei se havia outros bons alunos e ela disse que não; apenas a AC. Mas com
relação aos maus, ela complementou: o Pd, outro menino que não lembra o nome, mas a
204
professora sabe quem é, porque ele falta muito, o VH e o Ax. Os motivos pelo quais
foram lembrados são: o Pd xinga, o VH fica irritando e o Ax fica chutando.
Sua aula preferida é a de Artes, embora diga que não essa disciplina na escola.
Na verdade, a aula de Educação Artística faz parte do currículo. Ela gosta muito das
atividades artísticas que a avó lhe ensina. De todas, esta é a série de que mais gostou.
Quando perguntei se tem algum sonho, respondeu que, às vezes, quando vai
dormir, fica com medo de escuro e tem pesadelo. Retomei a pergunta e então respondeu
que gostaria de ver a mãe. Às vezes sonha com a aquando ela briga e completou que
“quando ela briga muito, passa mal e desmaia”.
Ela levou bilhete para casa porque “fez malcriação”: chutou uma menina nesse
ano. A a conversou que não pode fazer isso e que era para pedir desculpa para a
professora.
Kt menina 8 anos (quando mencionei seu nome ela corrigiu a pronúncia; “fala-se
como em Inglês: Kt”. Respondeu às questões com desenvoltura).
Ela e o irmão (9 anos), que também estuda na escola voltam para casa a com
uma irmã mais velha (17 anos). Quando chegam em casa, ela vai brincar com a prima,
que é sua vizinha, com o irmão e com a sobrinha (filha da irmã de 17 anos).
Em casa moram a mãe, a irmã, o irmão e a sobrinha. A casa está localizada em
uma das principais avenidas próximas à escola. É uma casa grande, com dois quartos,
uma sala, cozinha e quintal, nos fundos, brinquedos: balanço, escorregador e piscina.
Ela gosta de brincar no balanço e quando tem sol, na piscina. A casa da prima é tão
grande quanto a dela. Perto de casa um parquinho com vários brinquedos, onde vão
todos os dias depois da escola.
Há ainda mais duas irmãs, que não moram na mesma casa: uma é casada e a outra
tem 13 anos, mas pediu para morar com a avó e a mãe deixou. Vêem-se sempre porque
moram bem perto.
A e trabalha como faxineira, mas atualmente está procurando emprego. É
quem leva as crianças para a escola, mas, quando está empregada, sai cedo e volta à
noite e, por isso, é a irmã quem cuida da casa e das crianças. A irmã já trabalhou lavando
roupa para fora, mas parou durante a gravidez.
Essa irmã de 17 anos brigou com o namorado e voltou para a casa da mãe com a
filha de aproximadamente 10 meses.
205
A Kt conhece o pai, mas agora ele está morando “em outro lugar”, que ela não
soube informar onde.(se é um bairro ou cidade). Contou que, às vezes, ele vai buscá-los
de carro para irem dormir em sua casa. Geralmente, isso acontece nos feriados, nas
férias, mas, às vezes, até nos finais de semana e por isso acabam faltando às aulas e até
em consultas médicas.
A casa do pai é “bem grande”. Tem três piscinas, duas lajes, três quartos, sala,
cozinha, dois banheiros em cada quarto... lá é tudo grande. “O quintal é grande e tem um
monte de brinquedo”. Quando o pai vai buscá-los, vão todos os irmãos e primos,
inclusive a irmã que vive com a avó.
A Kt disse que vai com freqüência ao médico, pois tem problema de vista e não
enxerga direito. Ela faz tratamento e o médico pede para tampar um olho de cada vez e
olhar aqui e ali” e ela não enxerga. Tem uma consulta depois de amanhã para pegar os
óculos e acredita que isso ajudará na escola.
As duas séries que mais gostou de cursar foram a 1ª e a 3ª.
Na série, porque podia ir todo dia ao parquinho, a professora só dava lição
rápida e mandava as lições um pouquinho mais difíceis para casa.
Nesse ano (3ª rie), ela gosta das aulas porque a professora espera para apagar a
lousa e não passa “lição muito rápida”. Perguntei o que era “uma lição rápida” e ela disse
que é aquela que a professora passa e quando os alunos estão copiando a metade, a
professora já está passando outra lição
Da rie gostava porque tinha muitas amigas.
Nesse ano, suas amigas o: a Gv, a Lz, a Tn, a JS, a IJ (“que faltou hoje”).
Depois de uma pequena pausa para pensar, completou: a Vt e a AC.
Para ela, um bom aluno é aquele que já sabe ler e escrever. “Que já sabe de tudo”.
“É aquele que quando aprende a professora abraça, a mãe presente... Que na série
já sabe ler e escrever tudo.”
O mau aluno é o que não faz lição, que não quer tentar fazer lição, que fica
brincando e conversando na sala. Não quer aprender. Não faz a lição que a professora
manda e quando pede para aprender a ler, a professora diz que não para ele aprender
porque fica o tempo todo brincando”.
Esse aluno a que se referia é o Ad, pois, segundo ela, “fazia bagunça, mas
aprendeu a ler”. Depois completou que seu irmão também aprendeu a ler porque
começou a fazer toda a lição.
206
Considera-se uma boa aluna porque faz toda a lição e faz rápido. Quando a
professora vê seu caderno, ela lhe “dá beijo porque tudo que ela manda eu faço”.
Acha que são boas alunas: a Lz, a Nc, a Gv e ela. E más alunas são: a AK, a JS, a
IJ e a Tn, porque “não fazem lição, o sentam, dizem que o se importam, tampam os
ouvidos, respondem para a professora e tentam fugir da escola”.
Dentre os meninos, disse que são maus alunos: o Em, Ax, Gm e o Pd, porque
“jogam papel no chão e embaixo da mesa dos colegas, pegam as coisas dos outros e
dizem que é deles”.
Nunca levou bilhete para casa, mas às vezes, a mãe lhe pede alguma coisa e ela
não faz porque está brincando com a sobrinha. Aí a mãe coloca-a de castigo. São poucas
as vezes que fica de castigo. Os castigos são: não assistir TV, não poder brincar, só poder
fazer a lição. A irmã não a deixa de castigo.
Ela dorme pelas 19h porque tem que acordar cedo. Nas férias pode dormir
mais tarde. Ela não sabe a que horas acorda, mas é “bem cedo porque está escuro”. Antes
de ir para a escola, ela toma banho, escova os dentes e toma café.
Ela gostaria que pudessem ir ao parquinho e que a professora contasse histórias.
Ela não gosta quando a professora não deixa ir ao banheiro e quando ela está ajudando
um amigo e a professora manda sentar, como se ela estivesse fazendo bagunça. Em casa
gostaria que a mãe não a colocasse mais de castigo, pois é o irmão que bate nela.
A Kt só tomou uma suspensão em sua vida escola, injustamente porque, durante
o recreio as meninas ficam na porta do banheiro puxando os meninos para dentro. Em
um dia desse semestre, estava entrando no banheiro quando a Coordenadora chegou e
levou-as para a direção. Ela tentou explicar que não fazia parte da bagunça, mas a
coordenadora nem quis ouvir as explicações. Então levou a suspensão, mas afirmou:
“minha mãe é tão boazinha que acreditou na professora e em mim e não me colocou de
castigo”.
LB – menina – 8 anos (essa foi a entrevista mais conturbada de todas, pois não
tínhamos onde ficar, o único local foi um banco em frente à porta da sala, mas os colegas
ficavam interrompendo a todo momento. Além disso, precisamos parar a entrevista para
que ela pudesse participar da aula de Educação Física. Apesar de tantos contratempos,
respondeu prontamente às questões, demonstrando estar incomodada com a indisciplina
da sala. A todos os alunos, ao final das questões, eu perguntava se tinham alguma
pergunta a me fazer. Apenas a LB questionou-me sobre minha família, sobre minha vida
207
particular (se tenho filhos, onde moro e estudo), como é uma faculdade e quais
professoras da escola são minhas amigas).
Ao sair da escola volta para casa com a mãe. Moram com a avó, a tia e o irmão
de 12 anos. Às vezes é ele que vem buscá-la. À tarde, deita no sofá, assiste TV e faz a
lição. Às vezes, sai para brincar de casinha com a AC, pois dividem o mesmo quintal.
Também ajuda a mãe a cuidar da casa, arrumando o quarto e lavando a louça.
A mãe trabalha como manicure, às vezes em casa e outras na casa das clientes.
Sua casa tem um quarto, sala, cozinha, área nos fundos e duas áreas embaixo.
Nesse quarto, dormem a mãe, a avó, ela e o irmão, cada um em sua cama.
Foi da série que mais gostou, porque não xingavam tanto, um respeitava o
outro, respeitavam a professora, não bagunçavam na aula de Educação Física. Ela diz
que a professora desse ano é boa com os alunos, mas a sala é muito bagunceira. No
começo do ano, quando a professora mandava, eles paravam, mas agora não.
A LB gosta das aulas de Matemática e particularmente de Educação Física,
porque o professor mantém a classe em ordem. Se fizerem bagunça, ele dá aula teórica e
eles não vão para o pátio. Esse professor também não deixa que os alunos falem
palavrão. Gosta também das aulas de Informática e de Artes, porque não tem tempo de
desenhar em casa por ficar fazendo a lição.
Com a Gr, brinca de pega-pega, esconde-esconde e no parquinho. Além dela,
considera a Nc, a AC e a professora como suas amigas. Apesar de amigas, com a AC
“fica de mal”, às vezes, porque ela é muito mimada (elas são primas).
Para ela, um bom aluno é “aquele que obedece e respeita a professora e o que ela
fala, que obedece todos os professores, que é educado, faz as lições direitinho, que não
fala palavrão e não xinga os outros”.
O mau aluno é “aquele que xinga a professora, responde, fala palavrão,
desrespeita”. E afirmou: “essas coisas eu nunca vou fazer”.
Os alunos mais bagunceiros são: Ad, Em, Ax, IC, IJ (que gosta de bater nos
outros) e Gr (que em vez de pedir, pega as coisas e começa a brigar com os outros).
Considera-se, portanto, uma boa aluna porque não xinga a professora pelas
costas, não age com violência ou ameaça os outros, “como faz a IJ”, e também se
considera educada.
208
A LB diz que a professora é boa, mas “os alunos é que têm problemas. A
professora sempre dá pirulito”. Para ela, uma má professora é aquela que briga sem saber
o que aconteceu.
Quando perguntei se tem algum sonho, respondeu que gostaria de uma sala de
aula maior e que os alunos obedecessem a professora, “porque os alunos que são bons
não conseguem entender nada!”
Lz menina 9 anos (respondeu com facilidade às questões pessoais, demonstrando
um pouco de dificuldade apenas nas questões referentes a o que é ser um bom ou um
mau aluno”).
Ao término das aulas, vai para casa em companhia da IE (sua colega da sala).
Embora more mais longe, fazem o mesmo caminho. Ao chegar em casa, troca de roupa,
assiste TV e brinca de casinha com as irmãs (uma de 12 anos e a outra de 5 anos). A
irmã de 12 anos estuda na mesma escola e no mesmo horário mas não voltam juntas
porque a irmã não gosta.
A e e o pai estão em casa quando chegam. O pai trabalha à noite, “cuida dos
carros dentro do trabalho dele”. A mãe não trabalha.
Sua casa tem dois quartos, um banheiro, uma cozinha e um guarda-roupa para
toda a família. Todos dormem juntos. Em um beliche, dormem a irmã de 12 anos em
cima e ela embaixo e a irmã menor dome na mesma cama que os pais. O outro irmão
(filho apenas do pai) dorme sozinho no outro quarto. O pai doou a parte inferior da casa
para esse meio-irmão, que é adulto e tem dois filhos, mas ele prefere a companhia
deles a morar com sua família ou sozinho.
Assim que chega em casa, almoça e vai brincar. Assiste “a novela dos mutantes”
e quando acaba vai dormir. De manhã, toma café, toma banho, arruma-se, veste o
uniforme e vai para a escola.
Na escola, diz gostar de fazer todas as lições. A série em que mais gostou de
estudar foi a 2ª, quando tinha aula com a mesma professora desse ano, mas podiam ir ao
parquinho, pulavam corda, iam à quadra jogar bola e brincavam de bambolê.
Nesse ano, não gosta porque apanha do Em, que também fica xingando e
chutando. Suas amigas são a Gr, a Nc, a AK e a Vt. No ano passado, estudou com o Fp.
Quando perguntei-lhe o que é ser um bom aluno, ela me respondeu com outra
pergunta: “- de menino ou de menina?” Disse que dos dois.
209
Ela pensou um pouco e respondeu: “A Gv e o VH – eles não batem, não xingam,
não puxam o meu cabelo”.
Quanto aos maus alunos, pensou bastante e disse: “os alunos que me batem”.
Perguntei se lembrava do nome de algum e ela respondeu: o Pd e o DD.
A pergunta seguinte foi sobre o que achava que uma professora o deve fazer e
o que deve fazer e o que os alunos gostam que uma professora faça. Ficou pensando por
alguns momentos e respondeu que viu na TV que não se pode brigar com as crianças.
Mt – menino – 8 anos
Volta para casa com o transporte escolar, diz morar perto da escola e não ter
amigos na perua.
Sua família é composta por seu pai, sua mãe e mais quatro irmãos, sendo que um
mais velho e três mais novos, mas não soube precisar a idade de cada um.
Sua mãe não trabalha, por isso pode ficar com os filhos. Seu pai “carrega trator
em cima da carreta” e viaja bastante, ficando alguns dias fora de casa. Seu irmão mais
velho estuda à noite e trabalha durante o dia, mas não sabe em quê. Os outros irmãos
menores estudam todos à tarde.
Quando chega em casa, toma banho, almoça e dorme um pouco. Depois vai
brincar “na calçada”, com os amigos, de pega-pega, duro ou mole, esconde-esconde.
Esses amigos são da vizinhança e há algumas crianças que não moram tão perto, mas que
gostam de ir brincar lá. Outras vezes, convida os amigos para brincar de “videogame” na
sua casa. Geralmente só entra em casa à noite e vai dormir por volta das 22h. Na TV
gosta de assistir a desenhos animados, especialmente o “Pica-pau”.
Quando pedi para descrever sua casa, logo afirmou que “ela é bonita. Não é velha
e tem três cachorrinhos chamados Bb, Xx e Bl” e que brinquedos. Mesmo
encaminhando as perguntas para que contasse como é a disposição dos cômodos, não
conseguiu entender. Respondeu apenas que seus pais dormem no mesmo quarto, os
irmão menores dormem em colchões espalhados na sala e o mais velho, no sofá. Ele tem
uma namorada, mas a mãe não o deixa dormir na casa dela.
A rie que mais gostou de cursar foi essa (3ª) porque tem amigos com quem
brinca de pega-pega antes do início da aula e “porque alguns colegas se escondem da
professora para não ir para a sala”.
210
Na escola seus principais amigos são: Ax, Co, “um que nunca falou o nome” e o
Ad. Ele não gosta desse que “não disse o nome” porque ele bate e xinga. Não se lembra
dos amigos dos outros anos.
Na escola, gosta de desenhar, fazer lição, conversar e brincar.
Para Mt, um bom aluno é aquele que gosta de estudar, que aprendeu a escrever,
que o briga com os outros, que aprende a ser um bom menino. o mau aluno é quem
bate, xinga os colegas e a professora, coloca a culpa nos outros, se esconde e responde.
Nomeou como bons alunos o Co, o Ad e o Ax. Quando perguntei se havia outros,
revelou que há vários meninos dos quais não sabe os nomes. Na verdade, só sabe o nome
desses três, por isso não foi possível indicar quais seriam, na sua opinião, os “maus
alunos”.
Considera-se um bom aluno, pois gosta de estudar, não quer responder para as
pessoas e porque quando crescer quer trabalhar em um serviço como o do seu pai.
Seu sonho é viajar para a Bahia, pois considera “um lugar muito bom”. esteve
uma vez com seus pais. Por fim, confessou que a pessoa que tratam como pai, não o é
realmente de nenhum deles, mas é quem cuida da família e os leva para passear de carro.
Nc menina 8 anos (respondeu às questões de forma abreviada. Não demonstrou
dificuldade em respondê-las, porém no final, pareceu sentir-se mais à vontade,
inclusive comentando por iniciativa própria a situação de separação dos pais).
Quando ela sai da escola, vai para casa com a perua escolar, em companhia da
irmã (11 anos), da Gv e do Js.
Ela e a irmã ficam sozinhas em casa. Moram com o pai, a mãe e um irmão de 17
anos. A mãe é faxineira de uma escola particular e o pai, durante o dia, entrega garrafões
de água e à noite trabalha como segurança em um restaurante. O irmão estuda em outra
escola.
A e deixa o almoço pronto para a irmã esquentar. Depois, limpam a casa (ela
varre e cuida da louça, mas não gosta) e a irmã faz mais coisas. A lição é feita depois que
a casa está arrumada. A mãe sai às 8h e volta para casa às 19h30min.
Elas brincam apenas dentro de casa, pois a mãe não as deixa saírem. Quando está
em casa, elas podem levar amigas para brincar.
Ela costuma dormir às 22h. Gosta de assistir programas como Bom dia e Cia”
como só passa na TV pela manhã, assiste poucas vezes – e “X Men Evolution”.
211
A casa onde mora é grande. Tem três quartos, é branca, tem piso. (deu uma
risadinha, pois não sabia mais o que falar). Ela e a irmã dormem em um quarto, o irmão
dorme em outro quarto e os pais em outro. Mediante minhas perguntas, respondeu que
uma cozinha, uma sala e um banheiro.
Na escola, gosta do parquinho, especialmente do balanço grande. Também gosta
de escrever histórias.
Para ela um bom aluno é aquele que fica quieto, não briga, não chuta as pessoas e
(pausa para pensar) não briga com a professora. Revelou que alguns alunos na sala
sempre brigam com a professora: a IJ, a JS, a Tn, o Ad, o VH, o Em, “muita gente da
minha sala”. O mau aluno briga, chuta, xinga.
Considera-se boa aluna porque fica quieta, não briga. Outras boas alunas são a
“minha amiga Gr”, a IE (pensou um pouco porque não lembrava o nome), a LB, a AC,
que considera ser “mais ou menos uma boa aluna”, porque o briga com a professora,
mas briga com alguns alunos – só com os meninos, porque eles merecem.
Uma boa professora é “aquela que estuda bem as crianças, faz com que consigam
ficar quietos, tornarem-se bons alunos”. Uma professora não deve brigar, puxar a orelha
de um aluno, (pensou um pouco) puxar o cabelo ... “é feio fazer isso! Eu vi uma
professora fazer isso”.
A série de que mais gostou foi essa, porque a professora é boazinha com ela, mas
não gosta da sala porque não é quieta.
Ela não lembra mais das amigas da primeira série, apenas da 2ª série.
Gostaria muito que seus pais voltassem a ficar juntos. Eles se separaram e o pai
foi embora em janeiro para Fortaleza. Ele trabalha como motorista de caminhão de
cimento. Ela não gosta do padrasto (a quem chamou de pai no início desse relato),
porque ele mente, falando que ela fez coisas erradas. A mãe acredita no padrasto, mas
não bate nela, apenas conversa.
O pai também mentiu para ela, dizendo que iria para o mercado, mas contou ao
seu irmão que estava indo embora e deixou uma carta. Foi ele quem deixou a família.
Depois de um tempo,voltou e queria levá-la embora, mas ela não quis ir com ele.
Seu sonho é cursar uma faculdade e ser cantora. Sua mãe vai pegar o telefone de
uma agência para que faça comerciais.
No final da entrevista, disse que gostou muito de mim, “porque eu sou legal”.
212
Pd menino 10 anos (assim que o encontrei, deixou claro que gosta de ser chamado
de Jr. Muito falador, teve facilidade para responder às questões).
Ao chegar em casa, toma café e vai descansar. Depois vai para a rua, onde
encontra com seus amigos para empinar pipa, pois seu pai só vai construir uma laje no
final do ano”. Volta para almoçar, descansa mais um pouco e retorna à rua onde fica até
a noite, quando a mãe o chama para tomar banho, lanchar e dormir. Não sabe ao certo a
que horas, primeiramente disse que às17h, depois corrigiu, dizendo que vai dormir à
meia noite.
Em casa moram sua mãe, seu pai, uma irmã de 17 anos e um irmão de 02 anos. O
pai trabalha com um caminhão aqui em São Paulo mesmo e é nesse meio de transporte
que chega à escola todas as manhãs. Depois volta a para casa. Tem uma outra irmã de
23 anos, que mora na casa de cima e trabalha, mas ele não sabe o que ela faz. A mãe tem
uma doceria dentro de casa e “o irmão caçula ataca os doces”.
Quando ele está em casa e alguém quer comprar um doce, se a mãe não puder
atender, é ele que faz a venda.
Ao sugerir que descrevesse sua casa, pôs-se a falar sem pausas: “casa, geladeira,
fogão, mesa, cadeira, TV, área, doceria, sala, sofá, comida, guarda-roupa, cômoda,
chinelo, armário, prato, panela, colher, faca, desodorante, celular, rádio, controle,
colchão (2), tapete, escada, parede, quarto (2), banheiro”.
Ao terminar, perguntei quantos colchões e quantos quartos havia e quem dormia
em que local. Ele respondeu que os pais dormem em um quarto que possui cama de
casal, os irmãos dormem em outro quarto, mas a irmã mais velha tem cama. Ele e o
irmão dormem em colchões e, por isso, às vezes vão dormir no quarto dos pais.
Quando o pai construir a laje, pretende fazer também mais um quarto e um
banheiro, mas ele ainda não sabe se esse novo espaço será dele ou se terá que dividir
com o irmão.
Sua idade incompatível com a série deve-se ao ingresso tardio na escola, pois
“fiquei muito tempo no prezinho”, mas garante que nunca repetiu um ano.
A série que mais gostou de cursar foi a 2ª, pois as professores eram legais e
levavam os alunos para a sala de brinquedos, para o parque, para a Informática, para a
Leitura. De todas as aulas, prefere a de Informática, pois pode acessar os jogos da
Internet. Prefere ficar sozinho no computador, mas se não puder, agrada-lhe dividir o
espaço com o Gm.
213
Seus principais amigos são: o Ad, o Gm, o Em, o Ax, o Fp, o Rl e o DD. Ele e o
Fp gostam muito de brincar de pega-pega e, no recreio, interagem com colegas de outras
salas.
Para o Jr, um bom aluno é aquele que respeita a professora, que faz a lição, que
não bagunça e fica quieto quando a professora mandar. o mau aluno é bagunceiro,
desrespeita a professora, joga aviãozinho pela sala, rabisca a parede, vai ao banheiro
mesmo quando a professora não autoriza.
Considera que, na sala, apenas ele próprio e o DD são bons alunos e que todos os
demais são maus por fazerem bagunça e contou que o Ad e a IC já ficaram sem
Educação Física por causa do mau comportamento.
Considera-se um bom aluno, pois fica quieto, obedece a professora, não bagunça
e vai ao banheiro quando tem autorização. Seus pais nunca foram chamados na escola
por causa de seu comportamento.
Quando perguntei o que é necessário para ser uma boa professora, respondeu que
gosta muito da professora de Educação Artística, pois ela ensina a fazer barquinho, casa,
cachorro (dobraduras). uma professora ruim, para ele, é aquela que “fica passando
besteiras na lousa, ensina coisa errada e dá desenho de cachorro zarolho”.
Jr disse que gostaria de ganhar um “videogame”, além de estar ansioso para que o
pai construa logo a laje para que possa empinar pipa.
Rl – menino – 08 anos (é um aluno bastante infantil, fala baixinho, entretanto respondeu
às questões de forma tranqüila).
Rl volta para casa com o transporte escolar e não ninguém em casa para
recebê-lo. Ele toma banho e almoça o que seu tio deixou preparado. Depois dorme e,
quando acorda, vai para a casa da avó, que considera ser longe da sua.
Lá, pode brincar de bicicleta e “videogame” e jogar bola com a prima de 07 anos.
Às 16h, seu irmão chega da creche e, à noite, antes da mãe ir buscá-los, é preciso tomar
banho novamente, “mas não tem roupa lá”.
Ele mora com sua mãe, seu tio e o irmão. Sua casa tem um corredor, laje, escada,
porta e três quartos: um da mãe, um do tio e o outro dele e do irmão. Como sua cama
quebrou na mudança, está dormindo com a mãe. É no quarto da mãe que fica o banheiro
da casa e na laje dois cachorros: o Ng”, cão da sua vizinha e o “Je”, seu próprio cão.
Quando perguntei quem cuidava da casa, disse que ninguém cuida. Quando perguntei se
214
alguém da família trabalha, respondeu que a mãe “faz chocolate e brigadeiro” e o tio tem
uma esposa e três filhos que moram na casa da avó, porque são separados.
Seus pais também são separados e tem mais três irmãos por parte de pai. Ele
os vê quando vai para a casa do pai. Não sabe precisar a idade das crianças, apenas disse
que são dois meninos mais novos do que ele e uma irmãzinha que é bebê e todos
brincam juntos quando ele está lá.
Para Rl a professora da primeira série era mais legal do que a da 2ª, porque
levava-os à Sala de Leitura, à de Informática, para o campo quadra de esportes) e ao
parquinho, mas, na 2ª série, embora ainda freqüentassem esses espaços, a assiduidade era
menor. Gostava tanto da 1ª série que afirmou não ter faltado um só dia naquele ano.
na série, machucou o joelho e teve que ficar três dias no hospital porque
sentia tontura. Depois disso, sempre que tem dor de cabeça toma “dipirona”.
Seu único amigo é o Fp (disse que não tinha amigos nas séries anteriores). É com
ele que divide o computador nas aulas de Informática, quando brincam com o jogo da
moto”, disponível na Internet.
Para Rl, um bom aluno,é aquele que respeita a professora e que o bate nos
outros e que, nessa turma, ele age assim. os maus alunos são todos os outros da
sala, pois não respeitam a professora.
Apesar disso, diz gostar dessa sala e que o que o desagrada é quando a professora
passa muitas continhas.
Ao perguntar se tem algum sonho ou se gostaria que algo fosse diferente,
respondeu que “está tudo como ele gosta”.
Rn – menino – o aluno foi transferido da escola em 07 de maio de 2008.
Rg menino 9 anos (durante a conversa, respondeu às questões concisamente, não
demonstrando estar à vontade. Não entendeu algumas perguntas. Balançava as pernas
insistentemente, durante todo o tempo em que estivemos juntos).
Na saída, Roger fica no portão da escola, esperando que seu pai chegue para
buscá-lo. Em seguida, vão pegar sua irmã, que estuda em uma Escola Estadual próxima,
para voltarem juntos para casa. Não soube precisar a idade dos irmãos, disse apenas que
são mais novos do que ele. Em casa todos almoçam juntos, mas logo depois seu pai e sua
215
mãe voltam ao trabalho. Seu pai é pedreiro e sua mãe faz renda. Ambos trabalham em
período integral, mas têm a possibilidade de almoçarem juntos.
Quando chega em casa, troca de roupa, almoça e vai assistir ao desenho
“Naruto”. Gosta de brincar com seu irmão de pega-pega, duro ou mole e de esconde-
esconde. Às vezes, dorme à tarde, outras vezes, assiste a filmes. Aos domingos assiste ao
programa do Gugu com sua mãe.
Sua casa tem um quarto, sala, banheiro e cozinha. Seus pais dormem no quarto.
Na sala, dormem ele e o irmão em um beliche em frente à TV e sua irmã no sofá.
Segundo ele, veio para essa escola no ano passado, mas não soube dizer o porquê
da mudança. Quando perguntei qual série mais gostou de cursar, respondeu opinando
sobre suas professoras: gosta da professora de Educação Artística, porque ela ensina a
fazer dobraduras: a professora da série brigava muito, e disse que gostava da pré-
escola porquetinha parquinho. As aulas que Rg mais gosta são as de Educação Física,
por gostar de jogar bola e de Educação Artística, porque tem desenhos e pintura.
Para Rg, um bom aluno estuda, aprende a ler e fica quieto fazendo a lição.
Aponta como um bom aluno da sala o Fp. O mau aluno faz bagunça, não faz a lição e
não respeita a professora, assim como o Ad, o Ax e o Gm.
Considera-se um bom aluno porque não bate em ninguém e não fica xingando.
Seu pai foi chamado apenas uma vez na escola, no ano passado, porque ele machucou
um menino. Seu pai conversou com o diretor e lhe disse para nunca mais fazer aquilo. E
completou que, quando as professoras não gostam de alguma coisa, colocam bilhete no
caderno.
Tn – menina – 9 anos (a coleta de dados não foi realizada com essa aluna, porque segui
a ordem alfabética, dando preferência aos que estivessem presentes, principalmente em
se tratando dos que costumam faltar. Como seu nome consta do final da lista de chamada
e por não ser conhecida pelo número excessivo de faltas sua entrevista estava
programada para o último dia, quando, por motivo de doença, precisou se afastar).
216
VH – menino 9 anos (embora estivesse ansioso para ser chamado, respondeu de modo
abreviado às questões. Ainda que eu tenha insistido, perguntando se gostaria de falar
mais alguma coisa, apenas sinalizava que não com a cabeça).
Ao término das aulas, vai até uma escola estadual próxima, para encontrar com
um primo, que mora na casa da avó e para onde juntos dirigem-se.
Seus pais o estão em casa durante o dia, pois trabalham em locais distantes: o
pai é funcionário de uma empresa de “telemarketing” em Guarulhos e sua e trabalha
no bairro da Penha,pegando crianças na rua para tomar banho e dormir”. Ele nunca foi
ao trabalho deles. Hoje o pai está de folga e VH gostaria que ele trocasse de emprego
para que pudesse ficar mais tempo em casa.
VH tem uma irmã de 8 anos que estuda na mesma escola. Ele gosta de jogar
“videogame” e futebol com ela. Quando estão na casa da avó, a prima que mora na
casa de cima – vem brincar de “Barbie” com ela.
Quem cuida da casa é a mãe, mas ele ajuda lavando a louça, varrendo a casa
enquanto a irmã limpa os móveis e passa o rodo.
A casa tem três salas em baixo, onde fica a TV e o colchão. Há armário e
geladeira na cozinha. Tem uma escada e um quarto onde todos dormem juntos. À noite,
ele dorme na parte de baixo de um beliche, sendo que em cima dorme uma outra irmã, só
por parte de pai, que tem aproximadamente 13 anos. Ao seu lado, em outra cama dorme
sua irmã. Essa irmã mais velha não mora com eles, vem de vez em quando e “ajuda a
tia que faz bolo”.
A série foi a que ele mais gostou de cursar, pois deixavam brincar e não
passavam muita lição. Podiam sentar em duplas e uns brincarem com os outros.
Gosta de desenho e quando a professora “passa lição da lousa de pintar”. Não
gosta quando saem brigas, ou quando xingam. Também não gosta quando a professora
põe de castigo ou não deixa brincar no parque.
Para VH, um bom aluno é inteligente, sabe ler e escrever, passa lição para os
outros colegas quando a professora não está. o mau aluno é quem não é inteligente,
não sabe ler ou escrever e que não sabe passar a lição na lousa ou mexer no computador.
Dentre os colegas da sala, considera a Gr, a Nc, a Vt e o Fp bons alunos. Agora os maus
alunos são: o Pd, o Ad, o Rl, o Em, que fica irritando os outros e o Ax que bate, xinga a
professora, cospe, joga água nos outros.
217
interessante notar que o critério usado para identificar os maus alunos não é
inteligência, mas comportamento.)
Considera-se um bom aluno porque “fica quieto, não xinga os alunos nem a
professora, mas reconhece que, às vezes, bate em outros alunos porque eles ficam
brigando”.
Na escola gosta de brincar, pintar, escrever e adora ir para os micro” porque
pode entrar nos joguinhos do “Batman” e do “anãozinho” pela Internet.
Seus sonhos o: tornar-se um nadador, ganhar um “game” e que o pai troque de
trabalho.
Vt menina 8 anos (respondeu às questões com interesse, mas algumas respostas
foram contraditórias. Quando eu pedia para confirmar, lendo as duas respostas
conflitantes,sempre ratificava a segunda versão que correspondia a sua primeira
resposta.).
Ao sair da escola, Vt vai de perua para casa, toma banho, tira o uniforme e vai
para o OSEM (instituição que desenvolve atividades lúdicas e profissionais com as
pessoas carentes da região). pode desenhar, aprende a fazer crochê, além de almoçar,
tomar lanche à tarde e ganhar “muitas coisas, como Danone, bolacha, leite, suco”.
Ela vai para todos os dias e antes de sair toma banho. Volta para casa às 16h.
Se não freqüentasse essa instituição, poderia ir para a casa da tia, onde a avó cuida de sua
irmã de 2 anos, mas ela não gosta de ficar lá.
Na sua casa moram a avó, ae, o pai, a irmã de 2 anos e ela. E na casa de cima
moram a tia com seus dois filhos: uma menina de 15 anos e um menino de 06. A e
trabalha com telefone (suponho que seja “telemarketing”) e o pai é garçom em um
restaurante, mas ela não sabe onde. Ambos voltam para casa tarde, por volta das 21h.
Como ela deita às 20h, às vezes nem encontra os pais.
Quando está em casa, brinca de boneca, de loja, de mercado e de telefone com a
irmã. Só brinca dentro de casa ou na casa de amigas, como a Nc ou a Gv.
Disse que sua casa é azul com janela branca, muro e tanque. Tem máquina de
lavar roupa, tanquinho e muitos baldes. dois quartos, cozinha, banheiro. Quando
perguntei quem dormia nos dois quartos, respondeu: “minha a dorme em um, eu e
minha irmã dormimos no quartinho, cada uma em uma cama, e meus pais no outro
quarto”. Então perguntei: o três quartos? E ela respondeu, “não, são dois!” e repetiu a
218
mesma distribuição. Imagino que haja algum tipo de divisão em um dos quartos, como
por exemplo um guarda-roupa, dando a impressão de que o dois espaços distintos no
mesmo cômodo.
A prima (15 anos) é quem a ajuda com a lição de casa.
Na escola, seus amigos são: Nc, IC, VH, Gv, IJ, Kt, Gr, Ad. Com eles, gosta de
brincar de pega-pega e esconde-esconde. Gosta das aulas de Matemática e Língua
Portuguesa, pois pode aprender mais.
Essa é a turma com quem mais gostou de estudar, pois podem brincar bastante.
Ela gostava também da série. Reclamou apenas que a sala é muito pequena e que não
dá para passar.
Para Vt, um bom aluno é aquele que gosta de estudar, aprende a ler, a escrever e
quando cresce vai trabalhar. O mau aluno, ao contrário, não gosta de estudar, não
aprende a ler nem a escrever e “fica trabalhando para os velhinhos, colocando fraldas”.
(suponho que tenha essa impressão por freqüentar a OSEM, instituição que atende
indiscriminadamente a toda a população carente e não apenas crianças)
Entre os bons alunos, indica a Nc, a IJ e o VH, porque lhe o doces e ajudam as
pessoas. a Gv, a IC, o Ad e o Pd ficam batendo, chutando e respondendo para a
professora, por isso considera-os maus alunos.
Acredita ser uma boa aluna, pois não faz bagunça, não recebe bilhete no caderno
e fica brincando com as amigas.
Em relação ao que é ser uma boa professora, disse que é aquela que estuda muito,
faz uma faculdade, arruma um emprego de professor e vai ao mercado e à restaurante.
(perguntei o porquê de o professor poder ir ao mercado e ao restaurante, mas ficou
calada, sem saber explicar). um professor ruim é aquele que não estuda e o sabe
explicar as coisas.
Seu sonho é conhecer seu pai verdadeiro, pois o padrasto é pai apenas de sua
irmã, embora o trate como pai desde pequena. Outra coisa que gostaria muito de fazer é
de viajar para o Nordeste para conhecer seus avós e porque nunca foi para lá. Perguntei
sobre a avó” que mora em sua casa e ela explicou que os que moram no Nordeste são
seus bisavós (pais de sua avó). O seu avô verdadeiro morreu no Nordeste e ela não o
conheceu.
219
Anexo V – Conversa com os alunos
4º ano A – turma do PIC (2008)
OBS.: Os alunos: Gt, Mc, Pt e Hq não participaram da coleta de dados, por estarem
ausentes todas as vezes que estive na sala.
Ad menino 11 anos (respondeu a todas as questões, mas é calado e pensa bastante
antes de falar. Parecia desanimado).
O aluno volta com o transporte escolar, quando chega em casa troca de roupa e
vai para a casa da cunhada, onde se encontra o irmão e a sobrinha, com quem almoça e
depois seca a louça.
Ele brinca na rua sozinho, pois os amigos estudam no período da tarde. Faz a
lição de casa por volta das 15h, pois assim sua cunhada pode ajudá-lo. Volta sozinho
para casa às 16 horas, quando a mãe chega do trabalho.
Em casa, moram ele, o pai e a mãe. O pai trabalha em obra (chega por volta das
17h) e a mãe, em casa de família. Quando chega, assiste ao programa do Chaves (TV) e
janta lá pelas 18h. Toma banho, assiste mais um pouco de TV e vai dormir, mas não sabe
dizer a que horas.
tem um irmão mais velho (22anos), que é casado e tem uma filha de 3 meses.
Ele gosta de ficar com ela.
Ao perguntar como era sua casa, disse que tem dois quartos, sendo que os pais
dormem em um e ele no outro, que “tem cômoda, microondas, guarda-roupa e três TVs
(uma em cada quarto e outra na sala). Fui indagando se tem cozinha, sala, banheiro e ele
respondendo afirmativamente e no final completou: “e tem tábua de passar roupa”.
Gostaria que o pai trocasse a TV “por uma grandona”.
Na escola seus amigos são: o Vn, o Al, o Sh, o EW, o As, o Gt, o My e o DC.
brincam juntos na escola, pois não moram perto. No recreio gostam de brincar de pega-
pega e só depois vão buscar a merenda. Gosta muito da aula de Educação Física,
especialmente quando jogam futebol, voleibol e basquete.
Sempre estudou nessa escola e a série de que mais gostou foi a 3ª, porque a
professora fazia brincadeiras e cantavam. Na série não gostava dos colegas, “porque
eram chatos e falavam para a professora que ele estava batendo”. (não lembrou o nome
da professora da 3ª série, mas lembrou o nome da professora da 2ª).
220
Para o Ad, um bom aluno estuda, aprende a ler, é esforçado, tem educação e
respeita os outros. Já o mau aluno não respeita e é bagunceiro.
Ele considera o As bom aluno, pois ele obedece e respeita os outros e considera o
Rf um mau aluno “porque ele é chato!”.
Acha que é um bom aluno, mas ressalta que eu preciso estudar”. (respondeu
depois de ficar um tempo calado).
Um bom professor é aquele que faz brincadeiras, que brinca com os alunos” e
um mau professor briga e responde para os alunos.
Ele repetiu o ano (2007) e achava que a turma era bagunceira e não respeitava
a professora. Ele não gostava daquela turma.
Foi a mãe quem lhe contou sobre sua reprovação: explicou-lhe que ele tinha
passado de ano, mas ela própria pediu que fosse reprovado porque não sabia ler.
Ele ficou muito triste porque “queria passar” (silêncio), “é muito ruim fazer a
série de novo”. Ele não gosta porque tem que repetir tudo, mas quando perguntei se as
tarefas eram iguais, disse que o. A única indicação foi: “o São Paulo é diferente”
(referia-se ao cabeçalho).
Ele tem idéia de que na série as atividades seriam um pouco mais difíceis, mas
acha que seria possível acompanhar.
Diz não gostar de nada nessa turma de PIC, com exceção de quatro amigos: O Al,
o Sh, o Gt e o Vn.
Nunca teve problemas de comportamento, portanto seus pais nunca foram
chamados. Sua mãe participa das reuniões escolares.
Gostaria de ficar sozinho na escola, sem ter “ninguém para encher o saco”, mas
não conseguiu me dizer quem o importuna (se alunos ou professores).
Al menino 10 anos (o aluno respondeu a todas as questões, mas algumas vezes
apenas dizia que tinha esquecido. Depois ficava quieto e, à medida que eu propunha
opções de resposta, concordava ou não. É infantil. Fala extremamente baixo,
prejudicando a compreensão, principalmente porque o barulho no corredor é intenso e
constante e independe de os alunos estarem ou não nas salas de aula). .
O aluno disse que todas as segundas feiras, ao sair da escola, vai ao dico para
aprender a ler. Na verdade, este acompanhamento teve início no começo desse ano e se
221
trata de atendimento fonoaudiológico. As atividades que realiza com a fono o de
papelzinho e de brinquedo para conhecer as palavras”.
Quando a consulta termina, vai para casa com o seu pai, almoça e depois vai
brincar com sua prima, andam de bicicleta (cada um tem sua). Nos outros dias da
semana, ele e o pai voltam de ônibus, porque moram em uma região periférica próxima à
escola.
Em casa moram a mãe, que é faxineira, o pai, que trabalha à noite, mas não sabe
em quê, o irmão, que entrega folhetos na rua, o sobrinho e o primo. o soube informar
as idades deles, sabe que o irmão e o primoo mais velhos e o sobrinho é mais novo
do que ele.
Na casa de cima, moram alguns parentes dos quais apenas soube me dizer o
nome. Desconhece o parentesco com estas cinco pessoas relacionadas, sabe apenas que
uma delas é sua sobrinha.
Sua casa tem TV na sala, cozinha, banheiro e dois quartos: em um quarto
dormem os pais e no outro, duas camas onde dormem ele, o irmão, o primo e o
sobrinho (esse primo é pai do sobrinho). Às vezes, ele dorme em cima com o irmão, às
vezes em baixo. Ele vai dormir sempre após a novela “dos mutantes”.
Quem cuida da casa é o pai. Ele o ajuda lavando a louça e o quintal.
Na escola, seus amigos são o Ad, o Vt e a Bc. Brincam de pega-pega “e outra
coisa que eu esqueci”. Eles só se encontram na escola.
Gostou de fazer o 4º ano em 2007, porque a professora passava muita lição.
Depois de mais uma vez dizer esqueci”, pedi que se esforçasse um pouco para lembrar
das respostas, mas disse que estava com sono.
Quando perguntei o que é ser um bom aluno, respondeu que a Bc era uma boa
aluna, porque brincava e não implicava com as meninas da sala. Diz que o maus
alunos, mas vezes em que, por exemplo, o Wl responde para a professora e não faz a
lição. Ele se considera um bom aluno porque os outros brincam com ele.
Para o Al, uma boa professora é aquela que briga e uma professora xinga e
manda bilhete.
Sempre estudou nessa escola, disse não lembrar em que rie estava no ano
passado (2007), mas soube dizer que repetiu quando estava na sala da professora I. Acha
que repetiu porque o estudou o suficiente (“porque o fiquei estudando”). Foi a
própria professora quem lhe falou que no próximo ano não iria para a 5ª série. Ele ficou
triste e preferia estar na 5ª série.
222
Nesse ano ele gosta porque podem ir ao parquinho. É o irmão quem o ajuda nas
lições de casa e a mãe participa das Reuniões de Pais, mas quando festas, ele vem
para a escola sozinho.
Seus pais já foram chamados na escola, mas desconhece o motivo, sabe apenas
que o foi por causa de comportamento (possivelmente foram chamados para receber o
encaminhamento para a fonoaudióloga).
Uma vez levou bilhete para casa porque bagunçou durante a aula. A mãe veio na
escola e depois conversou com ele.
AS - menino 11 anos (queria muito participar da “entrevista”, porque achava que
depois das férias eu não voltaria para continuar, por isso, assim que me viu, pediu para
ser chamado. Ele respondeu muito bem a todas as questões e parece muito maduro.
Nesse segundo semestre, a professora tem faltando bastante por problemas de saúde, o
que está incomodando alguns alunos e ele expõe muito bem as razões pelas quais se
mostra descontente).
Ele e o My moram perto, por isso voltam juntos de ônibus. Quando saem da
escola, passam antes por um parquinho próximo e só depois vão para casa.
Em sua casa moram a mãe e seus três irmãos (um menino de 8 anos, e duas
meninas de 7 e 1 ano, respectivamente). ainda mais dois que o moram com eles:
um irmão de 12 anos que está com a adele” e uma irmã de 17 anos que mora com
uma tia.
O pai trabalha como “gesseiro” e a mãe não trabalha para cuidar da casa.
Sua casa está situada em uma região periférica próxima da escola, mas não
para saber se é em favela. Sua avó, que mora perto da sua casa, vive em uma favela.
“Quando chego em casa, eu tiro o sapato e vou comer meu pão”, disse ele,
Depois vai arrumar a casa e o que mais gosta de fazer é lavar o banheiro, que
normalmente está sujo porque tem três gatas que o sujam muito.
Também gosta muito de usar computador e, como próximo de casa tem uma “lan
house”, a mãe dinheiro para que se distrair. Ele assiste TV e gosta da novela dos
“mutantes”.
Nos finais de semana, brinca na rua com os amigos, mas às vezes o pai não o
deixa sair porque é perigoso.
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Na escola, seus amigos são: o My, o DC e a An. Eles gostam de Informática, de
brincar de pega-pega no recreio e, quando é possível, fazem as lições juntos.
Ele também gosta de ler na Sala de Leitura e nas aula de Informática gosta de
pesquisar sobre escolas antigas (www.lendasurbanas.com.br
) e jogar
(www.clicjogos.com.br
).
Gostaria que o parque da escola tivesse gira-gira, que o balanço não estivesse
sempre quebrado e que a sala de computação fosse vigiada, para que os alunos da
série parassem de quebrar os equipamentos.
Na opinião do AS, um bom aluno faz a lição de casa todos os dias, vem para a
escola, respeita a professora, não briga com ninguém, faz tudo direitinho, aprende e
estuda Língua Portuguesa e Matemática”.
E completou: “Eu repeti por falta. Eu não gostava de vir para a escola, mas agora
estou gostando”. Sua mãe contou que o seu avô também não gostava da escola e por isso
nunca conseguiu trabalho e daí ele morreu. E afirmou: “Para conseguir alguma coisa,
tem que estudar, para poder trabalhar! Porque tem algumas profissões que tem que
estudar!” E foi por isso que ele mudou.
O mau aluno, portanto, não obedece a professora, não faz a lição de casa, fica na
rua, não sabe as coisas, pode repetir, leva suspensão porque bate nos pequenos, xinga as
professoras, não sabe nada e passa de ano. Ele acha que “quem não sabe nada deve voltar
para a 1ª série, porque só repetir de ano não serve para aprender!”
Considera que sua amiga An e ele são os bons alunos da sala, porque “sabem das
coisas”, perguntam as dúvidas para a professora (“professora, isso aqui está certo? Isso
está errado? Enquanto os outros colegas ficam conversando e não perguntam nada”) e
sempre obedecem.
Os maus alunos são: o As, o Gb e o Vn, porque batem nos alunos da série (e
uma vez um deles o empurrou, ele bateu as costas e se machucou), desrespeitam e fazem
“coisas de mau caráter”.
Um bom professor “estuda muito, paga uma faculdade, ensina as crianças e vai
dificultando as atividades conforme a série”.
um mau professor é como aquela que ele teve na série. Ele fazia as lições
devagar e a professora “falava um monte”, puxava sua orelha. Ele foi reclamar para a
diretora, que só acreditou nele depois que sua mãe veio na escola. No ano seguinte, na
série, ele aprendeu porque a professora era boa.
224
Ele não considera que foi bom ter repetido de ano, porque “tem muita gente má”
e “a professora falta um monte”. Ele gostaria de estar na série e “estou estudando um
monte para isso!”
Ele gosta de vir para a escola e ter repetido de ano serviu para que aprendesse
“que faltar não é bom”. Ele também aprendeu a ler mais rápido e a fazer contas de
multiplicação e de soma. E completou: porque se fica na rua, pode acontecer alguma
coisa ruim e na escola não”. Agora só falta quando realmente é necessário.
Ele sempre estudou nessa escola e gosta daqui porque tem amigos novos e es
aprendendo outras coisas (como multiplicação), mas tem alguns meninos “que são muito
chatos”.
Seus pais nunca foram chamados por causa de seu comportamento e a mãe vem
sempre às reuniões, mas não nas festas da escola.
Disse não achar justo quando “vem para a escola para brincar, porque ele tem que
aprender”. Esse comentário é porque a professora está faltando muito e eles acabam
sendo remanejados para outras salas (inclusive para a série). E afirmou: “eu quero
lição de Matemática e Ciências e a professora não vem!”
Descobriu que foi reprovado, ao ver a listagem que a escola afixa no final do ano.
Quando viu seu nome na lista de reprovação, chorou porque não queria ficar retido.
Ele, a Bc, o Gb e a Ra repetiram juntos (eram da mesma 4ª série de 2007).
As menino 11 anos (respondeu às questões espontaneamente, inclusive antecipando
algumas informações. Expressa-se com clareza e demonstra compreender os motivos que
levam sua mãe e a escola a assumirem determinadas posturas: porque houve
convocações, porque a mãe adiou a compra de seu “videogame”, porque esnaquela
escola e não em outra).
Depois da aula, diz voltar para casa “só com Deus”. Ele vai de ônibus e mora no
“Sem Terra” (favela que fica próxima a uma reserva ecológica, a aproximadamente 5km
da escola pesquisada). Disse que fez a Educação Infantil em uma escola próxima “à
escola de lata que tinha perto de casa” e quando terminou foi encaminhado para essa
escola. Depois, não tentou mudar para uma escola mais próxima “porque gosta dali”.
Quando chega em casa, encontra a prima (13 anos) e o irmão (14 anos) que
estuda em uma escola mais próxima de casa. À tarde, joga bola e vai a uma parte
225
gramada “dar mortal” (salto em que a pessoa uma cambalhota). Às 16 horas vai à
creche buscar seus irmãos gêmeos, que têm 5 anos.
Em sua casa moram os três irmãos, a mãe e a prima, que veio morar com eles
para poder estudar nessa mesma escola. Às vezes, o namorado da mãe, que é entregador
de gás, também dorme lá. Ele ajuda nas despesas da família. Sua mãe trabalha como
empregada doméstica e atualmente faz curso de cabeleireira (das 15h às 17h).
Ele não conheceu o pai biológico, mas considerava como pai outra pessoa, que
faleceu recentemente. É a prima quem cuida da casa, mas “cada um tem uma tarefa” e a
dele é limpar o quarto e o quintal.
Sua casa tem dois cômodos. Todos dormem no mesmo quarto, que tem três
camas: em um beliche dormem a irmã e a prima em cima, ele e os dois irmãos embaixo e
na outra cama a mãe.
Ele brinca com dois primos e com alguns amigos da rua de esconde-esconde e de
chutar garrafa.
Nas férias, participa das atividades do projeto “Recreio nas Férias”, do
campeonato de futebol organizado pelo representante do Conselho Tutelar da região e
vai visitar a Escola Nacional da CET.
5 meses, vem fazendo parte do time “Garotos de Ouro”, cujo treino é aos
sábados, patrocinado possivelmente por uma pessoa da comunidade, que ele não soube
explicar se é algum comerciante da região. O treinador é um jogador de futebol, ex-
morador da região, que agora dispõe de um tempo livre para treinar as crianças carentes.
O campo em que treinam é próximo de sua casa.
Na TV, gosta de assistir aos desenhos do Pica-Pau, Chaves, Jovem Titã, Liga da
Justiça, XM Evolution.
Os amigos da escola são: o Co, Vn, Mc, DC, My, EW e Ad. Eles gostam de “dar
mortal” no palco da escola (saltam da parte de cima do palco, que fica no pátio interno, e
caem na parte de baixo) e jogar futebol na quadra (hoje ganharam o jogo).
Gosta de fazer cruzadinha (junto com os amigos, “mas a professora o deixa”) e
da aula de Matemática. Nenhum amigo da escola foi em sua casa e ele foi apenas uma
vez na casa do Jm, para levar um bilhete sobre o reforço escolar, porque ele tinha
faltado.
Na 1ª série, estudou junto com o Jm, na 3ª com o Ad e na 4ª série com o EW.
226
Para ele, um bom aluno não conversa quando a professora fala, não fica fazendo
bagunça na sala, presta atenção quando a professora está ensinando. Acha que a Ra, o
Mc e o Dv são bons alunos.
O mau aluno fica conversando, põe papel na caneta quebrada e joga nos outros,
bate nos outros durante a explicação, joga papel no chão. Considera todos os outros não
citados maus alunos, pois ficam brincando enquanto a professora ensina, não estão
atentos.
Ele acha que quando presta atenção é bom aluno, mas às vezes é mau aluno
porque brinca na sala de aula.
Gosta das aulas de Educação Física, mas prefere quando podem jogar futebol,
não gosta, porém, quando precisam ficar na sala, quando então jogam dama.
Não vê diferenças entre as duas 4ªs séries, mas gosta mais desse ano por causa da
professora, segundo ele, “a outra professora dava livro da série em vez de ensiná-lo
com o livro da 4ª série. Não gostou de nada da 4ª série que fez em 2007.
Nesse ano, a professora usa o material dourado (de que ele gosta), agora está
escrevendo “com letra de mão”, sabe fazer frases e já consegue ler mais ou menos.
Ao perguntar como soube que teria que refazer a 4ª série, respondeu:
“Eu achei bom, porque na e na série eu fiquei bagunçando porque sabia
que eu ia passar, mas não aprendi nada. No ano passado eu estudava, mas a professora só
dava livrinho e eu não copiava a lição da lousa”. Foi por isso que ficou retido, mas não
se lamenta, pois acha que foi melhor ter ficado no 4º ano, já que “não dava para ir para a
série, sem saber nada”. Repetiu várias vezes que “adora essa professora”, porque, no
ano passado, ficou aproximadamente um mês sentado na 1ª fileira e quando a professora
viu que ele não sabia nada, colocou-o no fundo e ele não gostava de estar lá.
Para ele, uma boa professora deve ter paciência, o falar gritando e uma má
professora é aquela que não ensina ou só ensina quem sabe mais, grita e não tem
paciência para ensinar.
Seus responsáveis já receberam uma convocação da escola. No ano passado
(2007), um menino bateu nele e ele revidou. O menino contou para a mãe, que foi na
escola e bateu nele. No dia seguinte, ele bateu novamente no menino, cuja mãe foi
procurar a coordenadora, porque seu filho ficou com o olho roxo. A coordenadora
chamou sua mãe que, ao chegar em casa, deu-lhe uma surra e o lhe deu de presente o
“videogame” que havia prometido.
227
No começo desse ano, houve outra convocação porque ele subiu na carteira.
Perguntei qual a razão desse procedimento, mas disse que não lembrava. A e veio
novamente na escola, dessa vez não apanhou, mas a compra do “videogame” foi
novamente adiada.
Mas, com o passar dos meses, vendo que sua aprendizagem e seu comportamento
estavam melhorando, finalmente a mãe comprou o jogo que ele tanto queria. Pelos
comentários do aluno, sua mãe parece ser muito presente em sua vida escolar, inclusive
ajudando-o nos deveres de casa, “mas quando é fácil eu faço sozinho”. Ele acha que as
lições de Matemática são fáceis, mas as de Geografia são difíceis porque “tem que copiar
muito texto e fazer desenho”.
Sempre estudou nessa escola e diz conhecer muitos funcionários, pois
freqüentou todos os períodos, não estudou ainda no horário das 19h às 23h porque é
só supletivo. Na 1ª, na 3ª série e nesse ano estudou de manhã (7h-11h); na 2ª estudou das
11h às 15h e na 4ª série do ano passado estudou das 15h às 19h.
Quando terminou a entrevista, como de costume, perguntei se tinha alguma
pergunta para mim e ele pediu que repetisse meu nome. Quando falei, comentou que é o
mesmo nome de sua prima, que mora perto de sua casa.
An – menina – 11 anos
Volta para casa com o transporte escolar, almoça sozinha, arruma a casa (passa
pano, arruma as camas e lava o banheiro) e vai para a casa de uma tia (paterna), onde
assiste à novela da tarde da TV Globo (Cabocla), faz a lição de casa com a ajuda da tia e
depois ficam conversando.
Às 16 horas sua mãe chega do trabalho e ambas voltam para casa. Então, ela
toma banho e fica conversando com sua mãe até a hora de outra novela no SBT
(Chiquititas). Vai dormir assim que a novela acaba.
A mãe trabalha em um “buffet”, repondo a comida e servindo os clientes. Sai de
casa às 6h da manhã.
Gosta muito de ler, especialmente livros como Sítio do Pica-pau Amarelo, que
ganhou da escola neste ano. Também gosta de andar de bicicleta com as amigas, além de
brincarem de pega-pega, esconde-esconde e jogar bola.
Mora com os pais, um irmão de 12 anos e outra tia. O pai trabalha em Guarulhos,
“faz peça de carro”, sai de casa às 5 horas retornando por volta de 22h. Seu irmão estuda
228
à tarde, em uma escola estadual próxima da sua, juntos gostam de jogar voleibol e
brincar de esconde-esconde.
Sua casa tem três quartos, sala, cozinha, banheiro, lavanderia e área. Ela e o
irmão dormem em um quarto com beliche, no outro quarto dormem os pais e no terceiro,
a tia, que trabalha em um mercado em frente de casa. Nos fins de semana é a mãe quem
cuida da casa.
Na escola, suas amigas são a St e a Bc. Gostam de conversar e de realizar as
atividades de Artes e de Língua Portuguesa juntas. Conheceram-se neste ano e
brincam na escola. Na rua, tem mais três amigas.
Gosta das contas de multiplicação e de copiar textos, mas o gosta muito das
aulas de Ciências.
Se pudesse mudar algo na escola, não deixaria que os computadores ficassem
tanto tempo quebrados.
Para ela, um bom aluno é obediente, educado e sabe respeitar. Um mau aluno
desrespeita e xinga a professora. A CA, a St, a Bc, a QH, a Jn, a Nt, a Ra, o AS, o Rf e o
Mc são bons alunos porque fazem a lição e mostram para a professora com educação.
o As, o Gb, o EW e o Rn ficam aprontando, gritam e não mostram a lição para a
professora e, portanto, são maus alunos.
Considera-se uma boa aluna porque “não deixa uma lição sem fazer” e é educada
com a professora.
Uma boa professora, para ela, lição e não grita. uma professora ruim grita,
xinga, não tem educação.
Sempre estudou nessa escola e a série que mais lhe agradou foi a 1ª, porque
gostava da sala e dos colegas. Enfatizou: “foi a primeira série que eu fiz”. (embora tenha
cursado a pré-escola, admite ter gostado daquela primeira série talvez por considerar que
só então tenha entrado efetivamente na escola).
Ela não percebe diferenças entre a série atual e a do ano passado. Considera
que repetiu de ano porque “eu não obedecia, não fazia as lições”, afirmando que tinha
dificuldade. Acha que foi bom ter sido retida, “senão repetiria a 5ª série”.
Acha que aprendeu mais nesse ano e acredita que no ano que vem conseguirá
acompanhar a 5ª série.
Foi sua mãe quem contou que teria de fazer de novo a mesma série. Contou que,
no início, ficou triste porque “ficou o ano todo vindo para a escola e repetiu”, mas depois
viu que foi bom.
229
Ela gosta dessa turma e a única coisa que a desagrada são algumas pessoas que
ficam gritando. Diferente das outras, a professora atual usa material dourado, o que a
agrada.
Seus pais nunca foram chamados na escola por causa de seu comportamento. Nas
reuniões é a tia quem comparece.
Bc – menina – 11 anos (respondeu às questões resumidamente, fazendo uso de pequenas
frases e completando com “é só isso!”).
A aluna volta para casa com o transporte escolar. Ela tem dois irmãos, que
estudam em escolas públicas estaduais próximas a sua escola, mas afastadas de sua casa.
Quando chega em casa, encontra a mãe, a irmã (9 anos que estuda à tarde) e o irmão (15
anos, que estuda de manhã), com quem conversa um pouco e faz a lição sozinha.
Depois almoça e vai dormir, acordando por volta das 18h. Vai pegar a irmã na escola e,
na volta, fica assistindo TV. Gosta do desenho do Pica-Pau e da novela dos “mutantes”.
Vai dormir novamente por volta das 21h.
Ela e o irmão cuidam da casa: lavam a louça, varrem a casa, passam pano e lavam
o banheiro.
A mãe trabalha em casa de família, no período da tarde e o pai é carpinteiro e
trabalha de manhã. Sua casa tem quatro cômodos: dois quartos, cozinha, banheiro. Em
um “triliche”, dormem os três irmãos e no outro quarto dormem os pais.
Na escola, suas amigas são a An e a St, com quem, no recreio, gosta de conversar
sobre a novela (frisou que não conversam na sala de aula). Na sala de aula, o realizam
atividades juntas.
Está nessa escola desde a série, sendo esta a de que mais gostou, porque “foi
divertido”. A professora dava muito desenhos e escreviam palavrinhas. Atualmente, a
disciplina de que mais gosta é Língua Portuguesa, pela oportunidade que tem de escrever
textos (tipo de histórias e faz desenhos).
Na sua opinião, um bom aluno é “uma boa pessoa”, que presta atenção quando a
professora explica. Um mau aluno não obedece a professora, é aquele que responde.
Apontou como boas alunas da sala suas amigas, confessando que gosta mais da
An. Justificou sua escolha “porque elas são legais e não arrumam encrenca”. Maus
alunos para ela “são alguns meninos, lá!”, mas não soube me dizer nomes.
Acha que é uma boa aluna porque presta atenção no que a professora explica.
230
Para ser uma boa professora é preciso estudar muito e se não estudar, será uma
professora ruim.
Disse gostar mais da turma de ano de 2007, mas o soube me dizer o porquê.
Acredita que repetiu de ano porque não estudava”. Foi a professora quem conversou
com a sua mãe na Reunião de Pais. Quando soube que repetira, ficou triste e revelou que
preferia estar no ano, até porque acha que seria capaz de acompanhar a turma. Para
ela, a única coisa boa nesse ano é a amizade com a Br e o diferenças entre a turma
de 2007 e a atual.
A mãe participou de algumas festas, mas o lembra de quais ou quando. Nas
reuniões, sempre está presente.
Seus pais nunca foram chamados na escola, levou uma vez um bilhete para
casa (4ª série de 2007) porque não havia feito a lição de casa, mas não aconteceu nada.
CA – menina – 11 anos
Quando sai da escola, volta para casa a pé, sozinha. Ela mora com seus pais, a
irmã, a sobrinha e o irmão. Nos fins de semana, a namorada do irmão também fica na sua
casa. Atualmente o pai está morando em Piracicaba, para onde todos pretendem se
mudar para ficar perto da família de sua irmã.
Ao chegar em casa, limpa tudo, faz a comida, à tarde faz a lição e, às vezes, sai
com a mãe para visitar a tia ou outros parentes. Tem poucas amigas na rua, pois “são
todas falsas”.
O irmão (28 anos) tem uma loja de alarme e som e a irmã (26 anos) é casada e
tem uma filha de 5 anos. Ela mora em Piracicaba aproximadamente 2 anos. A mãe
vendia “Danone” em um carrinho, mas atualmente não está trabalhando.
CA tem algumas amigas em Piracicaba, onde costuma passar as férias. De vez em
quando, sua e conversa com a professora sobre a possibilidade de ela poder faltar
alguns dias para viajar (fica lá entre uma semana e um mês).
Ela gosta de Piracicaba, porque pode ir tomar banho de rio e pescar. Acredita que
até o final dessa semana já possam se mudar e completou que repetiu de ano devido ao
grande número de faltas. Segundo ela, como sua mãe não conseguiu falar com a
professora sobre o motivo da ausência, ela acabou colocando faltas. Mas garantiu que já
saber ler um pouco, embora tenha dificuldade para escrever.
231
Sua casa em Piracicaba tem dois quartos, um “banheiro enorme”, uma cozinha e
quintal. Como a casa é muito grande, o pai vai fazer mais um quarto para ela e para a
sobrinha, colocar um muro e uma piscina. Em São Paulo, eles têm duas casas (no mesmo
terreno), com duas garagens, três quartos, um banheiro, sala e cozinha. Embora grande, a
casa é “muito violenta”.
Eles vão se mudar porque o custo de vida aqui é muito alto. Seu pai tem
problema no coração e vai se aposentar por isso. Ele trabalhava “com placas de plástico
muito grandes”. Atualmente, ele recebe R$2500,00, mas paga R$1015,00 para a
advogada que está cuidando do seu processo de aposentadoria e, quando sair, ele deverá
pagar mais R$7000,00. Apenas o irmão não se mudará para Piracicaba, pois além da loja
que tem em São Paulo, acha aquela cidade “muito parada”. Depois que se mudarem, o
pai vai obrigá-lo a se casar, pois já namoram há 8 anos.
Seu pai biológico mora em Alagoas e foi embora quando ela tinha uns 5 ou 6
anos. Desde então, ela não o viu mais. Recentemente, ele mandou uma carta, mas é
difícil ir visitá-lo, pois a passagem é cara e a viagem de ônibus demora dois dias. Ela diz
que os dois são meus pais”. (o pai” com quem mora é o pai biológico de seus irmãos
mais velhos)
Em Alagoas, moram também seus avós e uma tia. O pai dela tem outros filhos lá,
mas como não os registrou, o é aceito como pai (uma irmã e um irmão de quem ela
não sabe as idades e só conhece por fotos).
Sua melhor amiga na escola é a QH, que ficou triste ao saber que a amiga em
breve iria mudar de cidade. Gostam de todas as brincadeiras, mas só das que não
machucam. Não se encontram fora da escola porque moram longe. Perto de sua casa,
tem uma outra amiga, que esna rie, mas são amigas apenas por serem vizinhas,
pois nunca estudaram juntas.
Gostaria de estar na série e esse é também um dos motivos pelos quais vai sair
dessa escola, pois em Piracicaba o ensino é considerado bem melhor. Ela diz já estar
matriculada lá, porque a mãe nunca pediu sua transferência.
No ano passado, a auxiliar de período disse que ela, o As,“um menino que tem a
letra bonita” e a An iriam passar de ano, mas nenhum deles passou.
Acha que não há diferenças entre a turma do ano passado e a atual 4ª série, porém
afirma que, quando sua irmã estudava aqui, a escola, era muito melhor do que agora.
Tanto a irmã quanto o irmão conheciam muita gente na escola (funcionários), mas
atualmente todos trabalham no período da tarde.
232
Ela freqüenta essa escola desde a 2ª série, sua mãe nunca foi chamada por
problemas de comportamento e vem sempre às Reuniões de Pais.
Acredita que dava para ter passado de ano, pois as faltas não a atrapalharam em
termos de aprendizagem (ela acha que ficou aproximadamente 2 meses sem vir à escola
em 2007). E rebateu “tem aluna que nunca faltou, mas o sabe de nada, não fazia nem
lição direito e passou porque o tinha falta e eu que sei as lições e fazia tudo direitinho
não passei”.
Nesse ano, achava que estava com 10 faltas, mas a professora disse que ela já está
com 26.
Para ela, um bom aluno é aquele que sabe ser um bom estudante, que respeita a
professora, faz sempre as coisas certas, a mãe educação, aprende, sabe ler, sempre
presta atenção na aula. O mau aluno, entretanto, desrespeita a professora, não faz a lição,
xinga os outros.
Considera a Ad, o AS, o Mc e a QH como bons alunos, mas “a QH só um
pouquinho, pois não sabe ler e escrever muito bem”.
Em relação aos maus alunos, acha que quase não na sala. Faz uma ressalva
apenas quanto ao As, pois “ele sabe ler e escrever, mas não quer aprender”.
Acha que é uma boa aluna pois “conversa, mas faz as coisas direitinho, mostra o
caderno para a mãe e mostra o que está fazendo de certo e errado”. Está com avaliação
“satisfatório +” e “A-” em Matemática.
Para ela uma boa professora é aquela que passa lição (“pode ser difícil que eu não
ligo, eu faço. Porque é assim que vamos aprender”) e que ajuda os alunos nas lições e
uma professora ruim é aquela que coloca filmes todos os dias e passa lição “muito baba”.
Dv menino 11 anos (respondeu a todas as questões com tranqüilidade, mas
confundiu-se ao responder a idade dos irmãos que moram na casa, pois não se lembrava
de duas irmãs. Foi preciso explicar muito e contar nos dedos mais de cinco vezes para
que se desse conta de que faltavam essas irmãs. Em algumas outras questões, teve
dificuldade para lembrar o nome de alguns colegas, embora não tenha desistido
facilmente. Sempre procurava descrevê-los fisicamente para que eu o ajudasse a lembrar
dos nomes).
233
Volta para casa de ônibus e desce no ponto final. Sua casa fica em uma região
periférica o muito próxima da escola. Chegando em casa, encontra a mãe, o irmão (15
anos e estuda na mesma escola que ele), a irmãzinha (1 ano) e o sobrinho (3 anos).
Mora com a mãe, o sobrinho e três dos seus cinco irmãos: dois irmãos de 27 e 15
anos respectivamente e a irmãzinha de 1 ano. Suas irmãs de 23 e 20 anos
respectivamente m filhos e moram em outra casa para ficarem mais próximas do
local de trabalho. Ele só soube dizer que a irmã de 20 anos é a mãe do sobrinho que mora
em sua casa e que trabalha na rede de lanchonetes McDonald’s.
Segundo o Dv, sua mãe não pode trabalhar fora por causa da irmãzinha e apenas
o irmão de 27 anos é quem trabalha com “bebidas e coisas de churrasco”. A irmã de 20
anos, às vezes, ajuda-o nesse trabalho.
É a mãe quem cuida da casa. Quando chega da escola, toma banho, almoça,
dorme, faz sozinho a lição de casa e seu tempo para brincar é partilhado com sua irmã e
seu sobrinho.
A casa tem um banheiro e três cômodos: uma sala, uma cozinha e um quarto. O
irmão de 27 anos dorme no sofá da sala e os demais dormem no mesmo quarto, de modo
que a mãe e a irmãzinha dividem uma cama de solteiro e, em um beliche, dormem o
irmão de 15 anos, na parte superior, sendo a cama de baixo dividida por ele e seu
sobrinho.
A casa é alugada e o quintal é dividido com outras quatro famílias, cujas crianças
são todas meninas, por isso ele brinca de escolinha e ditado, ou brincam com o cachorro
que mora na garagem, ou vão à casa de uma delas, onde tem computador e brincam com
“videogame”.
Ele veio transferido no 2º ano, porque a casa em que morava estava muito velha e
a família teve que mudar. Todos os anos sua mãe tenta transferi-lo para uma escola mais
próxima de casa, mas não consegue.
Na escola, seus amigos são o Rf, o Tg, o Gt, o My, a Ra, a Nt, a Jn, o Mc e o As.
No recreio, brincam de pega-pega com os meninos da e da séries e na saída ficam
chutando garrafas na rua. Sempre que possível, fazem as lições de classe juntos.
Foi da série que mais gostou, porque faziam muitas atividades com pinturas.
Da série, o gostou porque a “professora era muito chata”. Ele diz que errava tudo
“porque ela fazia de propósito”. Perguntei se lembrava de um exemplo, mas não soube
responder.
234
Estudou com o As na série, com o AS na série e com a Ra e com o Gt na
e na 4ª série de 2007.
Para o Dv, bom aluno é aquele que ajuda os outros, não briga, não discute e
empresta as coisas quando os outros pedem. Um mau aluno, briga, “tem preguiça de
fazer lição e, quando a professora lição de casa, ele guarda para evitar que a
professora brigue” (deixa a lição sem fazer em casa, pois é melhor esquecer do que não
ter feito).
Considera a Ra a Bc, a An e alguns outros de que não lembra os nomes bons
alunos. Quanto aos maus alunos, reforçou várias vezes que são “todos os outros”.
Considera-se um bom aluno porque fica quieto e presta atenção, mas ressalta que
“quando os outros mexem e eu falo alguma coisa ai briga”. Ele diz fazer todas as
lições que a professora manda.
Uma boa professora é aquela que o grita, explica direitinho e faz palhaçadas e
brincadeiras. Uma professora grita, não gosta de brincadeiras, não explica e se o
aluno faz a lição errada, manda para a direção.
Ele acha que repetiu de ano por causa do número excessivo de faltas. Justificou,
explicando que precisa ir com a mãe ao dico para cuidar da irmãzinha e do sobrinho,
além de ele próprio também ter ficado doente no ano passado. Outra explicação para as
faltas foi a de que, quando há chuvas muito fortes, fica tudo cheio de lama e o para
sair de casa.
Complementou, explicando que o bairro onde mora tem muitas ruas de terra e
lama, além de ser cheio de maloqueiros e favelados. Gostaria de morar na rua onde mora
o seu pai (relativamente próxima da sua casa), mas vai nos finais de semana. O pai
vai buscá-lo de moto na sexta-feira à noite ou na manhã do sábado e leva de volta no
domingo. Na companhia do pai, ele assiste DVD, os tios e brinca com os amigos da
rua.
Apesar de achar que acompanharia o ritmo do ano, diz que não gostaria de
estar em um ano regular porque gosta da professora, conhecia alguns amigos e as
atividades são diferentes do ano passado: fazem recortes e colagens de palavras,
consultam jornais e sente que está aprendendo mais nessa sala.
É sua mãe que vem às reuniões, mas nunca foi convocada por problemas
comportamentais, assim como ele jamais foi colocado para fora da sala de aula.
235
DC menino 10 anos (respondeu às questões timidamente, sendo necessário que eu
insistisse para que as respostas fossem mais precisas).
Quando sai da escola,vai para casa, faz a lição, dorme um pouco e depois brinca
de pega-pega, no balanço e na piscina.
Em sua casa, moram a avó, o tio, a irmã (JS, que estuda no ano PIC), mais um
tio e uma tia. A avó é cozinheira, o tio está procurando emprego, pois voltou
recentemente do Japão, o outro tio trabalha em uma firma de confecção de uniformes e
tem uma filha de 5 meses e a tia trabalha como atendente em uma pizzaria.
A e foi para o Japão três meses, pois não conseguia emprego aqui. ,tem
dois empregos: de dia, trabalha na montagem de bicicletas, mas à noite não lembra o que
ela faz. Conversam por telefone freqüentemente. Ele conhece o pai, que mora em uma
cidade da grande São Paulo, por isso só se vêem, às vezes, nos finais de semana. Quando
estão juntos vão ao parque, acompanhados da tia, da avó e do primo. Ele não tem irmãos
por parte de pai.
A família mora em um apartamento, mais ou menos próximo da escola. Este
trajeto é feito a pé, em companhia da avó, que, como trabalha próximo de casa e da
escola, consegue buscar os netos, almoçar com eles e voltar ao trabalho.
Ele vai dormir por volta das 20 horas. No prédio em que mora, brinquedos e
salão de festas. O apartamento tem dois quartos, cozinha, banheiro, sala, Em um quarto
dormem ele e um tio e no outro, a avó, a irmã e o outro tio.
São o tio e a aque cuidam da casa, com a ajuda dele e da irmã: ele limpa o
quarto e a irmã limpa a mesa da sala.
Na escola, seus amigos são o Mt, o AS, o My, “os outros não falam mais
comigo”. Perguntei se sabia por que e ele disse que não. Esses amigos moram no
caminho de sua casa, o Tg começou a dizer que ia bater nele, mas agora já está voltando
a conversar. Eles gostam de brincar de pega-pega e futebol e de fazer as lições de Língua
Portuguesa, Matemática, Artes.
Está nessa escola desde a primeira série e achou que “todas as séries foram
legais”.
Para o DC ser um bom aluno significa estudar e respeitar os mais velhos, um
mau aluno é aquele que responde para as pessoas, não estuda e fala palavrão.
236
Ao perguntar se achava que na sua sala tem algum bom aluno, respondeu que
“alguns, como o Sh, pois ele está sempre quieto, é só ele”. Maus alunos o: o EW, o
“Cm” (apelido de alguém que não consegui identificar) e o Gb.
Considera-se um bom aluno porque não desrespeita a professora, faz a lição, não
conversa muito com os outros.
Uma boa professora é aquela que pede para que eles façam desenhos das histórias
que ela conta. Uma má professora só passa lição, briga e grita.
Repetiu o 4º ano (2007) e, para ele, isso se deveu à dificuldade que tinha em fazer
as lições, “não conseguia aprender, era tudo difícil”. Nesse ano, acha que está
melhorando.
Gosta de estudar no PIC e não gostaria de estar em uma outra turma de ano,
mas de todo modo, preferia ter passado de ano. A única diferença que aponta em relação
as duas 4ªs séries é que, no ano passado os alunos eram melhores” do que os dessa
turma, entretanto não soube explicar exatamente em que sentido, concordando comigo
quando perguntei se em comportamento ou em aprendizagem.
Ficou sabendo da retenção pela própria professora que disse “que uns foram
péssimos e que os outros passaram e eu não passei”. Seus amigos passaram de ano e ele
ficou triste.
A a participa das reuniões escolares e das festas, quando é possível. É ela
também quem ajuda nas lições, quando são bem difíceis.
Ele nunca foi para a direção por causa de comportamento, portanto sua avó nunca
foi chamada.
EW menino 11 anos (o aluno respondeu às questões, apresentando dificuldades em
algumas que, quando direcionadas ou novamente explicadas, foram respondidas com
desembaraço. No meio da entrevista, perguntou “para que estou falando isso tudo?”.
Mais uma vez expliquei a proposta e ele disse que poderíamos continuar. No final,
possivelmente por estar cansado/entediado, começou a perguntar se estava na hora do
recreio).
Quando sai da escola, volta sozinho para casa, de ônibus. Chegando, encontra a
mãe e as irmãs. Troca de roupa, almoça e depois fica brincando com seu cachorro e com
suas irmãs. Também gosta de ficar com sua irmãzinha recém-nascida.
237
Mora com sua mãe, seu pai e seus irmãos (três irmãos: 20, 18 e 16 anos e três
irmãs de 10, 5 anos e a caçula, recém-nascida). O pai trabalha com entrega de areia e
pedra (motorista de caminhão) e seus dois irmãos mais velhos trabalham com transporte
escolar. Sua mãe é aposentada por invalidez, porque precisou operar a mão e não pode
mais trabalhar.
Ele, a mãe e o irmão de 15 anos é que cuidam da casa. Suas tarefas são: varrer a
casa, lavar a louça, e arrumar as camas. A e e os irmãos que o ajudam nas lições de
casa.
Quando pedi para descrever sua casa, a primeira frase foi: Ela é legal!” A casa
tem cozinha, dois quartos, banheiro, sala, quintal, laje e lavanderia. No quarto dos pais,
dormem as meninas (cama de casal, triliche e berço) e no outro quarto dormem os
meninos (dois beliches: os dois irmãos mais velhos dormem em cima e os mais novos
em baixo).
Sua irmã de 10 anos estuda na mesma escola à tarde e a outra, de 5 anos estuda
em “uma EMEI que fica ao lado da escola dos mudo” referindo-se à Escola Especial
para Deficientes Auditivos da Prefeitura de São Paulo.
Suas brincadeiras prediletas são: empinar pipa, jogar bola, brincar com os primos
que moram próximo de sua casa mas não para ir a pé. Os primos moram bem perto
da sua avó e só nos fins de semana é que se vêem e brincam juntos.
foi trabalhar uma vez com seu pai e “foi bem legal”. Eles foram fazer as
entregas, em um bado, e conheceu uma região que tem sítios, onde podem ir aos
sábados pela manhã. Ele não lembra o nome desse lugar.
Embora goste de acompanhar o pai, é muito raro fazê-lo, porque tem que sair de
casa muito cedo (por volta das 4h da manhã), para entrar nas filas para carregar o
caminhão.
Ele gosta de sua vida e não mudaria nada.
Seus principais amigos na escola são: Jm, Ad, Al (estavam na mesma sala do ano
passado) e o As, Gostam de brincar, conversar sobre os amigos, futebol, etc. Na sala de
aula não podem fazer as atividades juntos, reúnem-se apenas nas aulas de Educação
Física.
Às vezes ele vai à casa do Jm, que é próxima a sua, para empinar pipa.
A aula de que mais gosta é a de Educação Física, quando jogam “handball”.
Para o EW, não há diferenças entre as aulas do ano passado e as desse ano.
238
Justifica sua retenção pelo acidente que sofreu no ano passado, quebrando um
dedo em dois lugares, ao jogar bola com seu pai, mas afirma que foi sem querer!”.
Precisou ser operado e teve que faltar por uma semana.
Algo comum às duas turmas da 4ª série é fazer lição e ele gosta disso.
Um bom aluno é aquele que aprende a estudar, que é inteligente e que passa de
ano. Já mau aluno é quem não sabe nada, que não quer aprender e que não passa de ano.
Ao perguntar sobre os bons alunos que porventura existam na sala, pensou um
pouco e respondeu: “As meninas... algumas das meninas”, mas não soube nomeá-las. Em
relação a maus alunos, afirmou não haver nenhum na sala.
EW considera-se um bom aluno, pois faz as lições e sabe que “se não estudar não
vai trabalhar”.
Uma boa professora é “a desse ano e a do ano passado”. Perguntei por quê e
respondeu apenas que são legais”. Perguntei o que elas fazem para serem assim
consideradas e a resposta foi “as lições” e “porque elas lêem historinhas de terror”.
uma má professora é “a da 1ª série porque ela mandava bilhete todo dia porque
ele bagunçava”. Quando chegava em casa com os bilhetes, apanhava do pai. essa
professora é que mandava bilhete.
Agora, quando ele faz alguma coisa errada, o pai não bate mais, porém conversa.
Ele veio para essa escola na 2ª série porque sua família mudou de casa.
Ele diz que gostou de ter repetido de ano, porque como quebrou o dedo, tinha que
“fazer tudo de novo”, mas que se pudesse, preferia estar na série, à tarde, com seu
amigo Ad e com um outro de quem não lembrou o nome.
Diz gostar de estudar no PIC “porque é bem legal”.
Sua mãe só vai à escola para as reuniões. Seus pais foram chamados uma vez pela
direção, porque ele quebrou um dente, mas não lembra em que ano foi nem o que
aconteceu.
Gb – menino – 11 anos (aluno muito solícito. Tem grande desenvoltura para conversar e
explicar o que pensa sobre as questões propostas. Suas respostas foram completas e
muitas vezes antecipava as informações. Durante a entrevista, fez várias propostas de
melhoria para a escola e esorganizando a turma para ser escolhido representante de
sala. Sua postura em relação ao ano anterior mudou sensivelmente e isso se percebe com
clareza).
239
Volta para casa de ônibus, pois mora em um bairro periférico, próximo ao ponto
final do ônibus. Sempre moraram no mesmo lugar e, embora haja escolas mais próximas,
sua mãe prefere mantê-lo nesta, “pois acha que aqui é melhor”. Sua posição tem como
referência do tempo em que seus outros irmãos estudaram nessa escola.
Ele tem dois irmãos: um de 21 anos e outro de 26 anos. Em sua casa, moram ele,
a mãe e esse irmão de 21 anos. O outro irmão é casado e mora próximo deles. Seu pai
também mora perto e se vêem todos os dias.
Fica sozinho em casa e gosta de jogar “videogame” e empinar pipa. À tarde, faz
as lições de casa não tem lição na sexta-feira. Geralmente faz sozinho, mas quando
tem alguma dificuldade, pede ajuda ao irmão.
Dividem o quintal com a casa da ae como tem uma tia (irmã da mãe) que
mora perto, ela sempre vai para vê-lo e levar o seu almoço. É ela também quem cuida
da casa. Ele a ajuda e “quando eu não faço, ela faz”.
Tem contato com os familiares paternos (dois tios e uma tia), mas não os
sempre porque não moram tão perto quanto a família da mãe. Sua avó paterna,
atualmente, está na Bahia, onde já esteve uma vez e gostou muito.
A mãe e o irmão trabalham: a mãe é costureira em uma firma e o irmão tem um
grupo de samba. Nas quintas e sextas-feiras e aos finais de semana, tem apresentação (na
Vila Madalena) e às segundas, terças e quartas, faz curso de música. O pai não trabalha.
Sua casa tem “quatro cômodos: três quartos, cozinha, sala, um banheiro e duas
escadas e laje”. No corredor há os três quartos, sendo que todos dormem sozinhos.
O que ele mais gosta de fazer em casa é jogar “videogame”. Nos finais de semana
vai andar de bicicleta com seu sobrinho (7 anos – filho de seu irmão mais velho).
Geralmente, vai dormir às 23h30min., mas diz que nunca perdeu a hora e que se
sente disposto o dia todo. Quando não consegue dormir, vai jogar “game”.
Duas coisas gostaria que mudassem em sua vida: melhorar a casa e as condições
de seu pai e ter um “videogame” novo.
Na escola, diz gostar de tudo, mas “se pudesse, pediria para que colocassem
cobertura na quadra, porque quando está chovendo não tem Física nem podem jogar
bola”. Outra coisa que gostaria é que a escola colocasse segurança no recreio, para que
diminuíssem as brigas. “Se alguém trouxer uma faca ou um pedaço de vidro e machucar
alguém, a culpa é da gente, porque não tem ninguém olhando”, disse ele. O Gb também
não acha certo que não possam usar mais o parquinho porque, quando estava na série
o diretor foi na sala e disse que se quisessem um parquinho teriam que ajudar. “Todo
240
mundo ajudou e agora ninguém brinca, fica abandonado”. Ele diz ter ido duas vezes
ao parquinho: no dia em que foi instalado e na segunda semana.
Ele gosta da aula de Língua Portuguesa, “porque tem textos e histórias legais,
essas coisas...”. Em Matemática, ele gosta das contas de multiplicação.
O Mc, o Rn e o Rf “são os [amigos] mais próximos”. Gostam de jogar e
conversar sobre futebol e já se conheciam desde a 3ª série, pois estudaram juntos,
também se encontram fora da escola, porque o Mc e o Rf moram perto de sua casa e a
avó paterna de Rn, mora próximo da sua casa.
Um bom aluno “deve ser exemplar: fazer a lição, não fazer bagunça, estar com as
lições em dia. É uma pessoa do bem!”. O mau aluno, entretanto, “não faz a lição, acha
que é o rei, quer bater em todo mundo”.
São bons alunos: a Ra, a St e a Bc. Os maus alunos da sala o: a Jn, o “Cm”, o
My, e o Jm, porque “não fazem lição, não obedecem a professora. Dentro da sala eles
são uma coisa e fora da sala são outra, porque falam mal dos outros.”
Não se considera nem bom nem mau aluno: “Cada um tem seus defeitos e nisso
eu tenho os meus”.
Em relação ao que é necessário para ser uma boa professora, diz: “tem que ser
igual a professora AL (a atual professora). Não sai para bater papo com as outras
professoras, se você tem alguma dificuldade, ela ajuda. Ela é duas em uma!” A
professora da série também era boa, mas a professora que deu aula na série era
ruim. Acha que ainda não está lendo por causa dela, pois não era uma boa professora.
Uma professora ruim é aquela que “quando você estava quase terminando a lição,
ela passava com a caneta e quase rasgava seu caderno, grita, fala palavrão, ficava
batendo papo no corredor, depois voltava, passava meia tabuada e ia novamente
conversar. E ainda dizia que era a melhor professora”. Alega que “ela melhorou um
pouco depois que sua mãe foi na escola reclamar”.
Ele gosta dessa turma, mas preferia estar na turma da série. Repetiu a rie
por causa de faltas, segundo o que a professora lhe disse. Explicou que ”no ano passado,
o pai ficou doente e ele o acompanhava no médico, mas eles não davam atestado. Como
as faltas não eram justificadas, ele repetiu”.
O pai tem 45 ou 46 anos e trabalhava na área de construção, mas depois de algum
tempo começou a ter problema nas costas, não podendo mais trabalhar, mas também não
conseguiu se aposentar.
241
As aulas do ano passado são diferentes das aulas desse ano. As lições são iguais
“não aumentou nem diminuiu”, mas o que está diferente é a professora. “Essa incentiva,
a outra era calada”. Depois disse que, em relação às lições, houve mudança nas contas,
nos temas, nas histórias e completou parece que está na série, porque evoluiu, as
coisas são diferentes. Tem coisas que eu nem imaginava que existia e a professora foi
conversando e a gente descobriu”.
No começo do ano, ele estava pior. A professora conversou com seu pai e sempre
fala com ele e isso fez com que fosse melhorando, tanto em termos de comportamento
quanto em relação à aprendizagem. Agora sempre faz as lições e às vezes o irmão
precisa ajudar.
Quem vem às reuniões é a tia ou o pai, pois a mãe está sempre trabalhando.
Quando perguntei se seus pais foram chamados na escola, perguntou: para bronca?
Muitas vezes por causa de brigas!” Nos anos anteriores seus responsáveis eram sempre
convocados porque “ele arrumava muitas brigas”, mas nesse ano “até a tia tem
estranhado” porque ele não se meteu em mais nenhuma confusão. Ele atribui essa
mudança a “ter pensado na situação da sua mãe, ela trabalha tanto!”
Sua ultima “aventura” foi comprar 6 ovos para tacar nos moleques.
Sempre que foi chamada, sua mãe lhe dava uma bronca, mas desde os 8 anos que
não apanha. Explica: “É na conversa que ela tenta convencer! Porque também tem
uma chance. Ela é boazinha até demais!” Perguntei se gostava da mãe e ele disse com
intensidade: Amo!!! Eu trocaria tudo nessa vida por ela!!” E completou: “Não sou
como meu outro irmão de 26 anos. Ele foi embora e voltou para deixar o filho para
minha mãe cuidar. Depois voltou para buscá-lo e ir morar com a família. Agora, ele
aparece para pagar a mãe.” Segundo o Gb, a mãe empresta o cartão de crédito para todos
e, às vezes, nem voltam para pagar. Agora o irmão mais velho vem todo mês para acertar
as contas.
No meio da entrevista, perguntou: Se você anotar uma coisa aí, será que a
diretora aceita?” Perguntei o que seria e ele respondeu: “Colocar um farol e uma faixa de
pedestre, na frente da porta da escola, porque outro dia uma moto, ao invés de parar e
nos dar passagem, pegou uma menina na perna e isso é comum”. Falei que anotaria
separadamente e passaria a reivindicação para a direção, porque essas minhas anotações
não têm nada a ver com a escola.
242
Assim que terminamos, perguntou se eu gostaria que chamasse o próximo colega.
Respondi afirmativamente, voltou à sala, pegou o colega e o acompanhou aonde eu
estava.
Jm menino 11 anos (respondeu timidamente às questões, sendo necessário que eu
perguntasse mais de uma vez a mesma coisa para que me desse respostas curtas).
Jm volta para casa a pé, às vezes sozinho, outras com o As. Quando chega em
casa, encontra sua irmã (18 anos). Ele gosta de jogar “videogame” e, às vezes, de
empinar pipa. Na casa moram mais dois irmãos (de 17 e 14 anos) e sua mãe.
Sua mãe trabalha como empregada doméstica, a irmã mais velha “olha uma
menina em casa” e o irmão trabalha no mercado. O outro irmão, de 14 anos, estuda à
tarde na mesma escola que As. É a irmã quem cuida da casa e ele disse que não a ajuda.
Seu pai faleceu há algum tempo, mas não sabe precisar quando.
Sua casa tem quarto, cozinha, banheiro, varanda e sala. Todos dormem juntos no
quarto. Ele divide a cama com a mãe e os demais irmãos m suas próprias camas. A
casa tem laje, onde a mãe não o deixa brincar. Ele vai dormir por volta das 23h.
Nas quartas e nas sextas–feiras faz aula de reforço na escola às 16h30min.
Seus amigos, na escola, o o As, o Tg, o Vn, mas considera quase todos como
amigos. Apenas o Tg mora perto da sua casa e, às vezes, o brincar na casa um do
outro.
A série que mais gostou de cursar foi esse quarto ano. “A professora é a mais
legal e passa mais lição”. Ele adora jogar bola e gosta da aula de Informática, por causa
dos joguinhos da Internet.
Na série estudou com o Tg, na e na séries com o As e com o EW no
prezinho. No primeiro ano, estudou em outra escola municipal próxima, mas mudou para
essa porque sua mãe quis, embora não saiba o motivo.
Para o Jm, um bom aluno o faz bagunça, obedece a professora, não joga as
coisas. Um mau aluno “faz tudo ao contrário”, faz bagunça, joga as coisas.
Os bons alunos da sala são Dv, Rf e Mc, pois não respondem e fazem a lição. Já o
EW, às vezes fica brincando de pegar na cabeça e ficar girando.
Considera-se um bom aluno, porque acha que “não faz muita bagunça”.
Em relação ao que uma boa professora deve fazer, acha que deve passar lição e
levar no parque, mas não deve xingar os outros e não pode bater nos alunos.
243
Ele repetiu o ano. Quando perguntei se sabia por quê, fez um sinal com a
cabeça de “mais ou menos” e ficou em silêncio. Perguntei novamente e, depois de um
silêncio, respondeu: “não sei. A professora conversou com a minha mãe.” Disse que
ficou triste por saber que teria que fazer tudo de novo.
Não considera que esse ano seja igual ao ano passado porque a professora ensina
melhor. Ele gostaria de estar na 5ª série, mas outros amigos também foram retidos, como
o EW, o La, o Fr. Declarou que apenas uns três amigos é que passaram de ano.
Se pudesse, gostaria de ficar em uma série regular e não no PIC, mas não sabe
explicar por quê. No ano passado gostava porque eles iam mais vezes à sala de
Informática.
É seu irmão de 14 anos (7ª rie) quem o ajuda nas lições, mas é a mãe quem
participa das reuniões escolares, embora só algumas vezes tenha podido ir às festas.
Sua mãe já foi chamada na escola por causa do irmão, mas nunca por sua causa.
O que ele não gosta na escola é que os alunos do período da tarde riscam as
cadeiras e as paredes.
Jn menina 11 anos (a aluna participou ativamente, ficando feliz quando a chamei
“para conversar”).
Volta para casa de ônibus e quando chega ajuda a mãe a arrumar a casa e a olhar
o irmão recém-nascido. Por parte de mãe, ela tem uma irmã de 15 anos. Por parte de pai,
tem mais duas irmãs de 18 e 19 anos, respectivamente e além dessas três meio-irmãs,
tem outra, com 2 anos e mais quatro irmãos, com 12, 8, 5 anos e 3 meses,
respectivamente.
Em sua casa moram a mãe, o pai, os 7 filhos e um primo (20 anos) que veio do
Norte (é da família do pai).
O pai é pedreiro e mestre de obras, o primo é pedreiro e a mãe vende rasteirinhas
em casa (compra e revende).
A sua casa “é grande”. Tem três cômodos: um quarto grande, uma sala grande e
uma cozinha grande e banheiro”. Todos dormem no mesmo quarto, mas como é grande,
a mãe dividiu com um guarda-roupa e uma cortina. São duas camas de casal, sendo que
em uma dormem todos os irmãos juntos e na outra, os pais. Logo o pai comprará uma
bicama de solteiro para ela e a irmã de 15 anos dormirem sozinhas. O dinheiro virá da
244
aposentadoria do seu irmão de 12 anos, pois “como ele passou da hora de nascer, ele fala
enrolado e vai ser aposentado.”
A irmã de 15 anos estuda na mesma escola, no período da tarde e na EMEI, que
fica ao lado, sua irmã de 5 anos. O irmão de 8 anos estuda à tarde em uma Escola
Estadual próxima de sua casa. Os demais irmãos não estão na escola (o de 12 anos, que é
deficiente, e a de 2 anos).
Seu pai e seu primo atualmente estão trabalhando em Cajamar e, portanto,
passam apenas os finais de semana com a família. Ela e a mãe cuidam da casa e, às
vezes, precisa faltar para olhar os irmãos ou para acompanhá-los ao médico.
A mãe a ensina a fazer comida e a fazer compras. A Jn diz ter tempo para fazer as
lições de casa no final da tarde (entre as 17h e 18h).
A Cr a Ln a Fb, a Tl são as amigas que moram perto de sua casa. Depois que
termina a lição, encontram-se e conversam sobre a escola, ajudam-se mutuamente com
as lições de casa e, às vezes, uma ajuda a limpar a casa da outra. Também gostam de
passear juntas como, por exemplo, ir ao Horto Florestal (que é próximo de sua casa),
para brincar e falar sobre as amigas.
na escola, suas amigas o a QH a CA, a Tn, a An, a Bc e a Nt. Durante o
recreio, passeiam pela escola e conversam com a professora sobre a construção do
cenário da peça que estão montando.
Na sala de aula, quando têm permissão fazem juntas as lições, mas agora a
professora não deixa mais fazer a lição de Matemática com a ajuda dos colegas.
A Tl e a CA estudaram com ela na série. A Ln, a Ág, o DC e a Tn fizeram a
série juntos, mas apenas a Ág foi aprovada.
Estuda nessa escola desde a série e a de que mais gostou foi a série do ano
passado. A professora era boa, sempre a ajudava e a entendia. da 2ª e da séries não
gostou, porque a professora brigou com sua mãe e “eu também o dava certo com ela”.
Segundo a Jn, as meninas da sala brigavam com ela e a professora chamava sua mãe para
falar que era ela a culpada pelas brigas. Essa professora não a ajudava.
Outra professora de quem gosta muito é a da Sala de Leitura, porque “ela me
considerava como uma filha”. Essa professora deu aula na pré-escola e na rie e
sempre a ajudou.
Nesse ano ela gosta da professora e da turma.
Para a Jn, um bom aluno deve ser obediente, saber ler, estudar, ser interessado na
escola. Um mau aluno ela disse ser “como o As”, que a xinga a sua família. Quase
245
ninguém da sala gosta dele, pois não obedece a professora, fica tirando fotos dos outros
dentro da sala, a professora pede para ele guardar e ele não guarda. Apenas o Mc, o Gb e
o Rf falam com ele.
Outro mau aluno é o DC, porque às vezes briga com ela.
Já as boas alunas são: a CA, a QH a Pt, a Nt.
Considera-se uma boa aluna porque “eu não sou igual aos outros”. Ela diz que
não bagunça e não é de conversar dentro da sala (apenas às vezes).
Um bom professor é aquele que gosta dos alunos e ajuda na hora em que é
preciso. Já o mau professor, briga, fala palavrões às vezes, não gosta dos alunos.
Ela soube que seria retida na reunião do final do ano, em que sua mãe estava
presente e foi avisada pela professora, mas também viu seu nome na relação de alunos
reprovados, que é afixada na escola.
Ficou triste, porque gostaria de estar na série. Também porque seu pai disse
que só lhe daria um computador quando ela passasse de ano e aprendesse a ler.
Diz ter ficado retida por causa de faltas. A justificativa é de que ficou doente e,
como a professora não sabia, colocou as faltas. Achou que estava com caxumba, mas era
só amigdalite.
Reconhece que “tinha um pouco de dificuldade para ler e escrever”, mas acha que
seria possível acompanhar a 5ª série.
Duas coisas de que gosta nesse ano são as lições e a amizade com a professora, o
que a faz preferir a sala do PIC à outra série, mas em relação à aprendizagem, o
diferenças.
Além das amigas que moram próximo a sua casa, o pai e a mãe ajudam-na com
os deveres escolares.
Seus pais já foram chamados várias vezes na escola. A última ocorrência foi no
dia 06/06/2008: o aluno Mc disse aos colegas que eles eram namoradinhos, ela negou e
disse que contaria ao seu irmão de 5 anos, pois até ele conseguiria bater no Mc. Como
ele duvidou, ela disse que cortaria um pedaço do cabelo dele. Ele novamente duvidou e
nessa brincadeirinha”, ela acabou cortando sua orelha, embora afirme que não chegou a
cortar, fez apenas uma pequena marca com a tesoura. Quando a professora viu, ficou
muito brava e chamou sua mãe.
No dia 10/06, estive acompanhando essa turma e a professora contou-me o
ocorrido, ressaltando que é uma aluna indisciplinada, que sempre deu trabalho aos
agentes que cuidam do recreio e que, na última sexta-feira, aprontou em sala de aula.
246
Levou uma convocação para casa e desde então não apareceu na escola Disse também
que falta muito. nesse semestre, acumula mais de 23 faltas e justifica que ficou
doente: com febre e dor de garganta.
A Jn diz que sua mãe só bate quando o problema é sério. Lembrou que a
professora sugeriu a sua mãe que apenas conversassem pois não é bom tratá-la com
agressividade.
Seus pais são presentes em sua vida escolar e sempre participam das Reuniões de
Pais e das festas.
Mt – menino – 10 anos (fala muito baixo, mas melhorou depois que pedi que falasse um
pouco mais alto por causa do barulho do corredor. A entrevista terminou rapidamente,
porque a professora mandou chamá-lo para a aula de Educação Artística),
Quando sai da escola, volta para casa com a mãe e, às vezes, no caminho, passam
no parque e no mercado. Ele ajuda a mãe nos afazeres da casa, lavando a louça, varrendo
a casa, retirando as coisas da mesa. A mãe ajuda-o a lavar o banheiro e a roupa,
explicando como se faz. Quando acaba, brinca um pouco com a bicicleta que divide com
o irmão e assiste TV (seu programa preferido é o Chaves). Na rua em que mora tem
muitos amigos (Lo, Br, Jf, Jg, Gt Dd, Jn, Rm, Fp, Qq, Dg e Ls), com quem brinca de
esconde-esconde nos finais de semana.
Mora com o pai, que trabalha próximo de casa arrumando sofás, a mãe, o irmão
de 08 anos, uma irmãzinha de 03 anos e os avós paternos. Ele gosta de brincar com os
irmãos.
Na sua casa tem uma TV na sala, um banheiro, o quarto dos pais e da irmãzinha,
o quarto que ele divide com o irmão (cada um tem uma cama), a cozinha, a lavanderia e
a área para brincarem. Os avós dormem em uma casa ao lado, no mesmo terreno.
Seus amigos da escola são: AS, My, Rf, Mc, Vn, Gt, QH, An, Bc, St e Pl (amigo
com quem estudou na 4ª série, mas que agora está na 5ª).
Ele gosta de brincar de pega-pega no recreio e das aulas de Matemática e Língua
Portuguesa.
Para ele, um bom aluno é calmo, quieto e não xinga. um mau aluno é ruim “e
fica me xingando”. Quando perguntei quem considera como bons alunos, respondeu que
o AS o My, o Gt, o Vn e o Ad. Os maus alunos são: o Mc e o Rf.
247
Acha que é um bom aluno porque não fica xingando, é um bom amigo (carinhoso
e legal).
Uma boa professora não briga, é legal, passa um pouco de lição, principalmente
de Matemática. uma professora é aquela que é nervosa, chata, não passa lição,
briga toda hora, não passa lição de casa.
Estuda nessa escola desde a série e repetiu a série em 2007. Não ficou
sabendo que estava retido, veio a descobrir este ano, quando o encontrou seu nome
na lista da série. Não sabe por que repetiu de ano, nem faz idéia do motivo, mas
preferia estar na turma da 5ª série.
My menino 11 anos (estava muito ansioso para participar da “entrevista”. Teve
dificuldade para responder às questões, ficando em silêncio em alguns momentos ou
pedindo que eu falasse o nome dos colegas para que me indicasse os bons e maus
alunos).
Terminada a aula, vai até uma Escola Estadual próxima para encontrar sua irmã
(9 anos). Pegam um ônibus e vão até bem próximo do ponto final. uma escola mais
próxima de casa, mas a mãe prefere que estudem nessa região, embora o saiba dizer
porquê.
Os dois ficam sozinhos em casa, pois sua irmã mais velha (13 anos) estuda na
mesma escola que ele, no período da tarde e sua irmã caçula (2 anos) fica o dia todo em
uma creche próxima ao trabalho da mãe.
A e trabalha como empregada doméstica e o pai atualmente está “fazendo
bico”. Ele pinta uma casa, enquanto espera que uma rede de supermercados ligue
chamando-o para trabalhar (Pão de Açúcar).
É a irmã mais velha quem arruma a casa e faz o almoço e o jantar. Quando ele e a
irmã chegam, tomam café e não precisam fazer nada, porque estudo arrumado. Eles
assistem TV, brincam, desenham, acabam pegando no sono e quando acordam tomam
lanche. Ele gosta de empinar pipa. Os pais chegam por volta das 20h, o pai vai buscar a
mãe e a filha, porque no caminho uma subida íngreme e uma escadaria e a mãe
sempre volta cheia de sacolas.
Sua casa tem três cômodos: sala, quarto, cozinha e banheiro; um quintal grande
com cobertura de telha (e não laje) e em baixo é tábua (telheiro). Ele dorme na sala em
um colchão que é da tia (antes dormia no sofá). Na cama com os pais dorme a irmã
248
caçula e há ainda um triliche, mas a ultima cama não abre por causa da mesa do
computador. Na parte de cima do beliche dorme a irmã de 9 anos e a de 13 anos, em
baixo.
Na escola, seus melhores amigos são o AS e o Mt. o DC também brinca com eles
mas o é tão amigo.Como moram perto, vão nas casas uns dos outros e brincam de
pega-pega. Nas aulas de Artes e Leitura, podem sentar juntos.
Ele veio transferido para essa escola na 2ª série, porque a escola em que estudava
fechou.
O ano que cursou em 2007 foi a série de que mais gostou, porque brincavam e
estudou junto com o Mt. da série ele não gostou (isso depois de pensar um pouco),
porque a professora era muito ruim” e a “diretora é que foi a professora”. Ela gritava,
brigava, ele não sabia que precisava usar caderno e ela brigou. Depois isso parou.
Para ele, um bom aluno presta atenção, sabe ler e escrever, treina em casa, o
faz bagunça, faz todas as lições, não conversa com a pessoa que fica chamando toda
hora para não perder a lição”.
Um mau aluno fica brincando na sala de aula, não presta atenção, conversa com
os outros, fica brigando e respondendo para a professora ou finge que não escuta quando
a professora chama a atenção.
Considera bons alunos: a Bc, a An, a Ra, a St o Mt, o AS e ele próprio, pois acha
que, apesar de conversar às vezes, presta atenção, não fica brincando, faz as lições e
respeita a professora. Depois de transcorrido um tempo, lembrou-se de outro colega e
disse: “Ah, lembrei de outro menino inteligente!” e pediu que eu lesse novamente a lista
com o nome dos meninos – era o Dv
Uma boa professora ensina quem tem dificuldade, ensina os alunos até eles
aprenderem e ensina a todos da sala. Uma professora ruim não liga para os alunos,
passa lição e não sabe se os alunos sabem ou não fazer, não olha o caderno.
Desconhece o motivo pelo qual repetiu de ano, mas reconhece que até o ano
passado era muito rebelde, respondia e brigava com a professora, conversava muito,
muito, muito na sala”, não sabia muita coisa e só foi começar a aprender no final do ano.
Foi encaminhado para a recuperação no final do ano letivo, mas não pôde participar,
porque ficou internado com dor no peito e no corpo todo quando respirava.
Acha que foi bom ter sido reprovado para “aprender mais” e para se arrepender
de tudo que tinha feito (na verdade, de não ter feito as lições), mas gostaria de ter
passado de ano.
249
Foi procurar o nome na lista de recuperação (listagem dos aprovados e dos
retidos, divulgada após a recuperação) achou que a professora tinha esquecido dele, mas
o Mt explicou que, como ele não compareceu às aulas de recuperação por estar
internado, ficou retido.
O que acha diferente entre uma série e outra é a professora, porque agora ele
“liga para o que a professora fala”, faz as lições e “agora eu percebo que quero ser
alguém na vida!”.
Perguntei o que gostaria de ser: “queria ser cantor. Eu e o AS sabemos cantar e
inventamos músicas!”.
Quando consegue ler, faz a lição de casa sozinho, mas geralmente a irmã o ajuda.
Nt - menina – 11 anos
Como sua irmã (13 anos) estuda na mesma escola/período, voltam juntas para
casa a pé. Chegando em casa, encontra as outras irmãs, o irmão e a sobrinha (uma irmã
de 18 anos, outra de 17 anos, que tem uma filha de 5 meses, um irmão de 5 anos e uma
irmã de 2 meses). Troca de roupa, deixa a bolsa e vai olhar a irmã e a sobrinha para fazê-
las dormir. Depois vai limpar a casa e arrumar a louça. Ela fica mais tempo em casa
assistindo TV Globo, SBT e Record. Durante a semana vai dormir por volta das 22h,
no sábado à 1h da manhã e no domingo às 23h, por isso às vezes sente sono nas aulas.
Em sua casa, moram seu pai, que trabalha “com máquina”, bem longe de casa,
por isso tem que sair cedo (por volta das 4h ou 5h e não sabe que tipo de quina), sua
mãe, que trabalha como diarista, seus irmãos e sua sobrinha.
A casa tem um quarto, uma sala, cozinha, uma lavanderia no quintal, que tem
grade e banheiro.
Todos dormem no mesmo quarto e dividem as camas. Em um triliche, dormem
ela e a irmã de 13 anos em cima: a de 17 anos com a filha no meio: e na cama de baixo, a
de 18 anos com o irmão de 5 anos. Em outra cama, dormem os pais com o bede 2
meses.
A mãe cozinha para a família, a irmã de 18 anos é quem cuida da roupa e da
louça. Ela faz um curso, mas a Nt não sabe qual. A irmã de 17 anos está no colegial, é
responsável por cuidar das crianças e também lhe cabe a limpeza da casa.
250
A família pretende, em breve, mudar-se para Curitiba, pois todos os outros tios
estão lá. Os avós paternos não são vivos e a avó materna mora em São Paulo, mas ela
não conhece o avô.
Gosta de viajar, mas nessas rias ficaram com a avó, que estava hospitalizada
por problemas relacionados à diabetes. Depois foi para a casa dos tios, que é próxima da
sua casa.
Ela gosta de ficar em Curitiba porque tem bastante coisa para fazer, como ir a
um rio e descer a cachoeira na bóia. Já morou lá, na casa do padrinho mas, como ele teve
um derrame, ficou cego e com um problema na perna, voltou para São Paulo.
Até os 9 anos morou na casa da madrinha, em outro bairro da mesma região,
porém mais central. No ano passado, eles se mudaram, por isso veio para essa escola
(para cursar o 4º ano).
Suas amigas na escola são: a QH, a CA, a Jn, a Jq, a Sl, a AC e a Bt e gostam de
brincar de pegar os meninos (Dv, Rf, Gt e Gb).
Em 2007, estudou com a Jq e já foi brincar na casa da Nt.
Um bom aluno, para ela, é esperto, inteligente, brincalhão, faz “certo as lições” e
não discute com a professora. um mau aluno é bagunceiro, bate nos amigos e grita
com a professora.
O Dv é um bom aluno porque é legal e não responde, o Gb “é um chato, que
xinga os outros e mexe com as meninas”. Ela se considera uma boa aluna porque faz a
lição. Às vezes, consegue terminar mais rápido que os outros, mas geralmente faz
devagar porque já machucou o braço e não tem muita força na mão.
Uma boa professora é carinhosa, é legal, dá atenção aos outros, enquanto uma
professora discute com os alunos e xinga.
Repetiu de ano “porque ficou bagunçando”. Então, a mãe lhe disse que, se não
mudasse de comportamento não veria mais os padrinhos, então ela ficou com medo e
resolveu melhorar, mas às vezes ainda faz bagunça na escola.
Continua com a mesma professora que lhe deu aula no ano passado, por isso
mais diferenças entre os colegas. No ano passado, brincavam e se divertiam mais. Nesse
ano é “mais ou menos chato”, porque não se divertem tanto e a professora às vezes fica
brava, manda que fiquem quietos, chama a auxiliar de período e os meninos respondem
para a professora. Outra diferença é que as inspetoras do recreio do ano passado eram
chatas e essas são mais legais.
251
Foi a professora quem disse que tinha repetido porque fazia muita bagunça.
Antes, sua mãe tinha avisado que, se não passasse, apanharia . Ela reconhece que tem
dificuldade para ler e escrever, mas acha que já está um pouco melhor. Não vê diferenças
entre as duas turmas (4º ano e PIC).
Normalmente ninguém comparece às reuniões da escola, mas às vezes vem a
irmã com a sobrinha.
A professora entrou em licença dica e agora uma professora substituta. No
próximo dia 21 de agosto, irá num “passeio de livro”, mas não sabe onde é. Explicou que
dois alunos de cada sala foram sorteados mas, como o menino escolhido não quer ir, em
seu lugar irá o Gb. Eles sairão da escola às 9h30min. e voltarão as 14h30min.
QH menina 10 anos (estava muito ansiosa para participar. Sempre pedia para ser
chamada. Durante a entrevista, sentiu-se bem à vontade, contando várias histórias sobre
coisas que acontecem no recreio, na sala de aula durante a ausência da professora e sobre
as brigas em que os meninos se envolveram. Para cada questão tinha algo a contar.
Logo no começo,perguntou por que eu estava fazendo aquilo. Quando expliquei que se
tratava de uma pesquisa, tive a impressão de que ficou ainda mais empolgada. Ao
término, perguntei se tinha algo mais a acrescentar ou se gostaria de fazer alguma
pergunta e ela disse: “Você não vai me perguntar se meus pais me batem?” Eu disse que
não, mas completei: “Você quer falar alguma coisa sobre isso?” ela respondeu que o,
disse que eles sempre conversam. A entrevista foi interrompida por causa do recreio,
mas retomada em seguida).
Volta para casa sozinha e chegando encontra a avó, a mãe, o pai, uma irmã de 8
anos e um irmão de 5 anos. Logo troca de roupa e vai lavar a louça, para depois descer
para a doceria loja da família. Passa a maior parte do tempo na doceria, pois prefere
trabalhar do que cuidar da casa, deixando essa tarefa para a sua mãe, sem se importar
de ficar sozinha. Fecham a loja às 18 horas porque o evangélicos e nesse horário vão
para a igreja. Apenas durante o período de verão é que a loja permanece aberta amais
tarde. Às 21h ela janta, toma banho e vai dormir (por volta das 23h).
Sua casa fica longe da escola, é próxima ao Horto Florestal. Ela gosta de ir
passear de carro com a avó, porque “a casa é gelada”. Às vezes a avó pega os cinco netos
e leva a um restaurante “fast food” (Esfira Chic) “onde a gente come um negócio bom!”.
252
Os primos não moram muito perto de sua casa, mas de carro é mais fácil de
encontrá-los.
Na rua em que mora tem várias amigas (Sb, Th, Lc Vt, Ba, Tl, El, etc.), com
quem passa momentos agradáveis: conversam, brincam de várias coisas como pega-
pega, esconde- esconde, duro ou mole, “big brother”.
Na escola tem muitos amigos também: CA (de quem é mais próxima), a Jn, a Nt,
Mc, Rf, EW, Gb, Dv e tem mais um de quem não lembrou o nome. Como todos moram
longe de sua casa, não se encontram fora da escola.
Acha que essa é a série que mais gostou de cursar, porque “a gente se diverte
muito” “essa é mais da hora diz isso por causa dos amigos. No ano passado
estudou com o As.
Gostaria que as carteiras fossem mais limpas, que a educação fosse melhor, que
não houvesse computadores estragados, que o banheiro dos meninos não fedesse tanto,
que melhorasse o recreio (menos lixo no chão, como cascas de bananas e restos de maçã,
que uns jogam nos outros) e que os professores fossem melhores, pois alguns não
ensinam nada.
Para ela, um bom aluno é aquele que respeita a professora, que é educado, que
cuida da escola, que é gentil com os tios, não joga lixo, cuida da sala de Informática e da
quadra, cuida dos brinquedos que tem na escola (não quebra, não estraga).
um mau aluno faz bagunça, responde para a professora, xinga, bate, bagunça,
joga lixo na escola, não respeita, quebra as carteiras, os “mouses” e a quadra.
Considera que a An, a Bc, a St e a Ra (de quem custou a lembrar o nome) são as
boas alunas e o Dv é o único bom aluno. Eles fazem a lição, sabem mais das coisas”
que a professora pergunta (“são CDFs”) e não fazem bagunça.
o As e o Gb o os dois piores alunos da sala; o EW aprende com os outros e
“o mais ou menos capetinha de todos é o Jm”. Todos da sala respeitam as tias quando
estão na frente da professora.
De pronto, não admitiu efetivamente considerar-se boa ou má aluna, apenas
respondeu que respeita as professoras, faz toda lição, nunca levou um bilhete, mas
reconheceu que “tenho as minhas horas!” e que na frente da professora é santa”, mas
que faz bagunça no recreio e fala alto. Por fim disse: “eu acho que eu sou uma boa
aluna”.
253
Uma boa professora é legal, não grita muito, não fica xingando, leva ao
parquinho, lição, leva na Informática. Ir para a escola é para aprender”. E uma má
professora é aquela que fica xingando, trata mal os alunos, grita e age com estupidez.
Gosta dessa turma porque é mais divertida, lembrou que no ano passado ela as
amigas brigavam muito entre si e esse ano não brigam.
Acha que repetiu de ano porque não sabia ler nada. “Dá aflição no coração
quando tem que ler”. Quando pode, diz decorar o que os outros estão falando para
conseguir “ler” quando chegar a sua vez. Segundo ela, foi a mãe quem pediu para que
repetisse e acha que foi bom porque “assim não vou passar vergonha na 5ª série”.
Acredita que até o fim do ano estará preparada e não ficará mais tão nervosa para ler.
Sua tia e sua mãe ajudam-na com as lições: sua e vai à escola na festa do
Dia das Mães. Nas outras, vão apenas os irmãos. Seus pais nunca foram convocados por
causa de seu comportamento, mas nas reuniões a professora sempre fala “ela está
conversando muito ... dá um jeito nela!”.
Sempre estudou nessa escola e lembra de ter feito Educação Infantil. Sua mãe
acha que a escola é boa e por isso a mantém aqui, embora seja distante de sua casa. Por
outro lado, não quer colocar a filha em uma Escola Estadual “porque não nada”
(referindo-se ao leite, ao uniforme e ao kit de material escolar, que é mais completo).
Rf menino 11 anos (o aluno respondeu às questões de forma muito completa, tanto
que muitas vezes antecipava algumas informações. Durante a entrevista, perguntou
“para que são essas perguntas?”. Percebi que tinha receio de que suas respostas fossem
lidas pela professora ou por alguém da escola. No final, pediu que eu olhasse se a
quantidade de folhas que usei para suas anotações foi a maior da turma.,Ficou
desapontado, quando viu que as respostas de uma colega tinham ocupado um espaço um
pouco mais longo (aproximadamente um quarto de página).
O Rf mora longe da escola, vem com o pai e volta para casa de ônibus, em
companhia de alguns colegas da sala (QH Jn, Dv). escolas mais próximas de sua
casa, mas a família prefere mantê-lo aqui porque todos os primos estudam nessa escola.
No próximo ano, entretanto, uma escola recém construída próximo a sua casa oferecerá o
Ensino Fundamental II e todos serão transferidos.
Em sua casa, moram a mãe, o pai, uma irmã de 3 anos e um irmão que ele acha
que tem 16 anos. Durante o dia, uma prima de 3 anos também fica com eles.
254
O pai trabalha em uma rede de supermercados que atendem a região norte da
cidade, a mãe cuida de crianças e o irmão já está na faculdade.
Assim que chega em casa, toma banho, almoça, brinca com o cachorro, leva-o
para dar uma volta na rua e depois joga “videogame (Play Station II)”.
É a mãe quem cuida da casa, mas ele a ajuda, arrumando os quartos e quando
termina, desce para ver se ela precisa de mais alguma ajuda. A casa tem três andares:
dois quartos em cima, o banheiro é no meio e a “casa é embaixo”, referindo-se à sala e à
cozinha. Ele e a irmã dormem em um quarto, os pais no outro e o irmão mais velho
dorme em um beliche na sala.
Nos finais de semana gosta de visitar a madrinha e a tia, que moram perto da sua
casa.
Gosta de estudar e também da comida que recebe no recreio, dos funcionários da
escola e dos amigos: Mc, Gb, Dv Vn, Gt, QH, Nt, CA e da professora.
A aula de que mais gosta é Matemática. Não gosta de correr, de mexer com os
outros, de brigar (só quando o provocam), assim como não gosta de bater na porta das
outras salas porque, quando estava na 1ª série, um garoto fez isso e acabou quebrando “o
braço que escreve” (direito). Seus pais tiraram-no daquela escola, transferindo-o para
esta. o sabe por que, mas precisou fazer novamente a 1ª série (fa 12 anos em
outubro).
Para o Rf um bom aluno deve estudar muito, não desobedecer, fazer todas as
tarefas, o bagunçar, não agredir os outros, não se estressar, não xingar a professora,
não jogar coisas no ventilador (muitos da sala fazem isso), não levantar na hora da tarefa,
não brincar de arremessar papel no lixo, não bater nos alunos deficientes ou ficar
provocando (“dá da menina que fica no recreio” , referindo-se à aluna com paralisia
cerebral).
O mau aluno bagunça, briga, bate, provoca, atravessa a rua e bate em quem está
no ponto de ônibus, o faz a lição, não deve bater na professora (na série um aluno
fazia isso).
Após responder a essas questões, indagou-me: “Por que todos os alunos do ano
passado que eram bagunceiros passaram e eu, que era quieto e fazia a lição, fiquei?”
Perguntei se tinha muitas faltas e sua resposta foi negativa, mas reconheceu que tinha
dificuldade para aprender e admitiu que era bagunceiro.
Para o Rf, depende dos alunos o fato de uma professora ser boa ou ruim, pois a
princípio, não más professoras, todas são boas. É necessário que os alunos obedeçam,
255
não xinguem, não batam em animais nas ruas nem nas outras pessoas, não pulem o
portão da escola, não briguem durante as brincadeiras, respeitem os mais velhos, não
briguem dentro da sala de aula, não apaguem a lousa, não discutam, nem fiquem jogando
coisas na professora. “Não é ser bom só dentro da escola. É ser bom em todos os
lugares”.
Não se considera nem bom nem mau aluno, pois às vezes conversa e não faz a
lição: quando alguém o chama e ele já acabou a lição, fica conversando e faz bagunça.
no recreio diz não bagunçar, porque uma vez o As jogou uma casca de banana no
chão e ele recebeu uma convocação para que seus pais viessem na escola.
Se pudesse, gostaria que os alunos bagunceiros da escola melhorassem seu
comportamento ou saíssem da escola.
Disse ter ficado triste quando soube que teria que repetir o ano, mas “eu não
chorei”. Mais três amigos também ficaram retidos: o Rn, que foi o único a chorar quando
soube da notícia, o Gb e o Mc.
Sua mãe veio na reunião do final de ano e a professora conversou com ela. Ele
ficou magoado porque os outros foram para a 5ª série e gostaria de também estar, embora
“eu nem sei como é lá!”.
Uma diferença entre as duas turmas de ano é que em 2007 “só tinha
bagunceiro na sala” e nesse ano o pessoal é mais tranqüilo. Outra coisa é que ele acha
que sua atual “professora é mais legal”.
Justifica sua reprovação pelas inúmeras mudanças de professores em 2007. Sua
turma começou o ano letivo com “uma professora idosa que depois de um tempo se
aposentou”. Depois ficaram um período com a professora-substituta e só então veio a
professora que assumiu a sala até o final do ano, que considera tenha sido uma boa
professora, mas essas mudanças todas prejudicaram seu aproveitamento.
Uma característica percebida é que no ano passado havia várias matérias e agora
só estudam Língua Portuguesa e Matemática, com o diferencial de que a professora atual
utiliza o material dourado para ensinar a divisão.
Quando festas e reuniões seus pais vêm à escola. Ele já levou dois bilhetes
para casa por não ter feito a lição. Quando “falam mal de mim meu pai me bate, mas esse
ano ainda não teve reclamações.”
256
Ra menina – 11 anos (a aluna parecia ressabiada com as perguntas, entretanto
participou bem, respondendo tudo de modo a demonstrar sinceridade. É muito madura).
Enquanto nos dirigíamos à sala, perguntou se eu era professora nova na escola,
porque não me conhecia. Disse-lhe que não, estava ali fazendo uma pesquisa.
Expliquei como seria a entrevista e ela concordou em participar. Lembrei-a de que,
desde o início do ano, estivera algumas vezes em sua sala, assistindo às aulas. Ela
respondeu que não deveria ter me visto, porque começou a freqüentar depois que as
aulas já tinham começado, por estar sem o material escolar (teria começado a partir de 18
de fevereiro).
Utiliza-se do transporte escolar para retornar à casa, juntamente com a irmã. Ao
chegarem, almoçam (a e deixa a comida pronta), arruma a casa, descansa, faz a lição
de casa, estuda e vai dormir. Faz suas lições sozinha e ajuda a irmã. A mãe volta tarde
(22h30min.), pois trabalha como cozinheira em uma escola de Educação Infantil.
O pai trabalha como lixeiro no período da manhã, saindo de casa no mesmo
horário em que as meninas vão para a escola.
Elas vão dormir às 22h30min.
Às 13h, o irmão de 17 anos volta da escola. Em casa moram a ir(07 anos), o
irmão (17 anos), a mãe, o pai e ela.
Sua irmã estuda na turma do PIC da 3ª série (Nc). Elas não brincam juntas, pois a
Ra não gosta muito de brincar”: assistem TV, mas também não tem um programa
preferido.
Sua casa tem um quarto, sala, cozinha, banheiro e três quintais. Todos dormem
juntos no mesmo quarto e cada um tem uma cama.
Gostaria de mudar de bairro, “porque é muito chato lá! dois bares próximos
que ficam tocando música até de manhã”.
As amigas da escola são: Nt, Jn, QH,e Pt. Gostam de ficar andando e
conversando sobre casa, preferem brincadeiras como pega-pega, boneca e “Orkut” (que
acessa em uma “lan house”).
Gosta das aulas de Informática, porque pode entrar no Orkut” e no “Fliperama”.
Também gosta de jogar basquete na Educação Física.
Para a Ra, um bom aluno é aquele que faz as lições, não falta, não briga e
obedece a professora, não joga lixo no chão durante o recreio. O mau aluno é aquele que
não faz nada, não faz lição, bate nas pessoas.
257
Considera que todos os colegas de sala são bons alunos, mas quando insisti se
não havia alguém que poderia considerar um mau aluno, respondeu que sim, mas não
lembrava seu nome e descreveu-o: “é um pouco careca, magrinho”.
Considera-se uma boa aluna porque faz a lição, falta quando imprevistos,
como, por exemplo, quando a mãe chega tarde e perde a hora de chamá-las.
Na sua opinião, uma boa professora não briga com os alunos e não grita. uma
professora ruim, o deixa ir ao banheiro e briga com as crianças por não fazerem a
lição, por se baterem no recreio, por não fazerem a lição de casa.
Ela gostou de todas as séries que freqüentou e estuda nessa escola desde a
primeira série.
Repetiu de ano em 2007 porque “tinha muita falta”. Justificou, contando que teve
catapora, mas foi tratada em casa pela mãe, sob os cuidados do irmão, que ficava durante
o dia. Como o foi ao médico, porque a mãe não gosta e o tinha tempo para levá-la,
não apresentou atestado para justificar a ausência.
Ela gosta de tudo nesse ano, mas preferia estar na série. Uma diferença entre a
série do ano passado e essa é que, em 2007 tinha várias matérias e nesse ano tem
Língua Portuguesa e Matemática. Ela gostava das aulas de História.
Também não gosta de estar na turma do PIC, pois “as atividades parecem ser
para criança e não para quem tem a minha idade. Eu não deveria estar aqui!”
A e participa das festas da irmã (a Ra optou pela o participação) e vem
sempre nas Reuniões de Pais. Seus pais nunca foram chamados por mau comportamento
e, mesmo em casa, não faz nada de errado que os eles levem a brigar com ela.
Rn menino 12 anos (quando comecei a conversar com os alunos de sua turma, o
freqüentava a escola, porque estava em Alagoas. Por isso, quando o chamei, ficou muito
assustado, achando que se tratava de advertência. Ao explicar o motivo, tranqüilizou-se e
quis participar. Fomos para a sala de reforço, onde a entrevista transcorreu com
tranqüilidade. Demonstrou estar à vontade, fazendo algumas observações, como dizer
que é amigo do Gb, “o bagunceiro”, dando risada).
O aluno volta para casa com o pai e todos almoçam juntos. Tem dois irmãos de 3
e 6 anos respectivamente. Ajuda a mãe a arrumar a casa (a mãe chega às 15h), depois vai
para a casa da tia, volta às 18h, toma café, assiste desenhos ou filmes, mas o tem
nenhum preferido. Ele vai dormir por volta das 20h.
258
Seu pai é frentista, trabalha das 13h as 22h e a mãe é balconista em uma padaria.
Em casa, gosta de jogar “videogame” com os irmãos e às vezes tem
autorização para brincar na rua.
Sua casa tem dois quartos, sala, cozinha, uma área no fundo, tem quintal. “É uma
casa em cima da outra”. Em cima, moram alguns amigos da família e em baixo é a casa
dele. Os pais dormem em um quarto e ele e os irmãos dormem no outro quarto.
Não tem computador, apenas um “videogame”.
A família da mãe é de Alagoas (Santa Terezinha), apenas ela e a tia estão em São
Paulo. Ele ficou mais de ums lá, de onde diz gostar muito, por ter com quem brincar:
ele e os primos andam de bicicleta na rua. A família viajou para Alagoas de carro
(Corsa) e, como o pai dirige, a viagem levou dois dias. Em outro carro foram alguns
amigos do pai.
Na escola, gosta das lições de Língua Portuguesa. É a mãe quem o ajuda a fazer a
lição de casa (15h). Também gosta de Ciências, quando tem exercício para escrever as
respostas.
Seu amigo na escola “é o Gb, o bagunceiro”. Já estudaram juntos na série.
Diz não fazer bagunça junto com ele. Gostam de trabalhar juntos na sala de Informática e
entrar no “site do Orkut”: se pudesse, trocaria os monitores por “tela plana”.
Acha que um bom aluno tem que estudar. Um mau aluno não obedece e não faz
lição.
Diz ter bons alunos na sala, mas “não para lembrar” ... “são muitos e também
muito poucos”. os maus alunos o: o Gb, o As, o Jm e o EW, pois não obedecem e
não fazem a lição.
Considera-se um bom aluno. Quando perguntei porque, respondeu: “tem tanta
coisa!” (risos e depois silêncio para pensar). Porque ele obedece e faz a lição.
Para ele, uma boa professora não falta e passa lição e uma professora falta e
não passa lição.
Está na escola desde a série e a que mais gostou de cursar foi a 3ª, porque as
lições eram mais fáceis para fazer sozinho e as professoras eram boas. No ano passado,
estava na quarta série e já foi reprovado duas vezes. Quando perguntei se sabia por quê,
ficou quieto e depois respondeu bravo: “tem tanta gente que não fazia nada e passava!” –
nas duas vezes em que repetiu. Afirma com segurança que dava para ter cursado a
série.
259
Em 2007, a professora disse que não tinha passado, mas ele também achava que
não tinha estudado muito. sentiu-se mal por isso e gostaria de já estar na 6ª série.
A única diferença que entre as demais séries e o ano é que “na repete,
mas nas outras não!” E completa, em tom de indignação, que “não fez diferença (em
termos de aprendizagem) porque a professora está faltando!” Todavia só retornou à
escola no segundo semestre (nos meses de junho/ julho estava em Alagoas).
Gosta de fazer parte do PIC porque tem bastante lição, mas não diferença nas
atividades.
Seus pais nunca foram chamados na escola por mau comportamento, sempre
participam das reuniões, só não vêm às festas.
Sh – menino 11 anos (o aluno é muito quieto em sala de aula. Na entrevista,
respondeu a todas as questões objetivas de modo sucinto, mas aquelas em que era
necessário um pouco mais de raciocínio – como, por exemplo, dizer porque gosta ou não
gosta de algo ou o que é ser um bom/mau professor ou aluno – respondia: “não sei”, sem
sequer pensar numa resposta plausível).
Volta para casa de ônibus, com o irmão mais novo, mas o sabe o nome do
bairro onde mora. Chegando em casa, troca de roupa, vai jogar “videogame” com os
irmãos e depois faz a lição de casa. Na TV, gosta de assistir o programa “Bom dia e
Cia”, não saindo para brincar na rua.
Mora com os pais e com dois irmãos (de 14 e 9 anos). ainda uma irmã bem
mais velha”, que mora em Minas Gerais.
Diz que sua casa “é bonita”: tem 4 cômodos, sendo dois quartos (um dos pais e
outro dos irmãos), a sala, a cozinha e um banheiro.
A mãe trabalha como diarista e, como o pai está desempregado, cuida da casa. O
Sh ajuda-o arrumando a cama.
Ele e os irmãos estudam na mesma escola. O irmão de 14 anos esna série e
estuda à tarde e o outro de 9 anos estuda de manhã na 3ª série.
Na escola, os amigos são o Fr (que não é da mesma sala), o My, o AS e o Mt e
gostam de brincar de pega-pega. Na sala de Informática, divide o computador com o AS
A aula de que mais gosta é Educação Física, pois gosta de jogar bola. Sempre
estudou nessa escola e não nenhum colega dessa turma com quem tivesse estudado
em outra série.
260
Quando perguntei-lhe o que é ser um bom ou um mau aluno e depois um bom ou
mau professor, disse não saber. Repeti a pergunta, mas não se esforçou para responder.;
apenas confirmava que o sabia. Quando perguntei se ele se achava um bom ou mau
aluno, afirmou ser bom, mas não soube explicar porquê.
Cursou o ano em 2007 e não diferença daquela turma para essa. Não sabe
porque repetiu e foi a professora quem falou com ele. Disse que não sentiu nada
(indiferença). Gosta de estar na série, não gostaria de estar na 5ª, mas também não
soube explicar o porquê.
Acha que durante esse ano aprendeu um pouco mais a ler e que ,em 2009 estará
preparado para cursar a 5ª série.
Seus pais nunca foram chamados na escola e é seu irmão quem o ajuda nas lições
de casa. O pai sempre participa das reuniões, mas ele e a esposa não vão às festas.
St – menina – 11 anos (respondeu às questões, demonstrando muita impaciência).
A mãe vem buscá-la e, chegando em casa, encontra as irmãs de 7 e 4 anos
respectivamente e seu passarinho chamado Nn. Ele assobia, ela alimenta-o e limpa sua
gaiola.
O pai é carregador em uma empresa de creme e a mãe é diarista. Quando está
trabalhando, a vizinha, cujos filhos estudam na mesma escola, vem buscá-la.Nesse caso,
esquenta a comida no microondas e depois faz pequenas tarefas, como arrumar o quarto,
o banheiro, etc...Quando trabalha, a mãe geralmente chega por volta das 19h.
Ela e as irmãs gostam de brincar com a boneca Barbie e assistem TV (Bom dia e
Cia, Pica-Pau e alguns desenhos de que não lembrou os nomes, mas que passam na TV
Cultura). A mãe não a deixa brincar na rua. Ela faz a lição depois do almoço
Sua casa tem um quarto, sala, cozinha, banheiro, quintal. Todos dormem juntos:
os pais e a irmã menor na cama de casal, ela e a irmã em um beliche.
Suas amigas são: a Bc, a An a Kt, a El e sua irmã Sn.
Foi da série que mais gostou, porque a professora trazia coisas para os alunos
brincarem e na festa junina, ganharam um passeio ao Parque da Xuxa, por conseguirem
juntar o maior número de prendas.
Mudou de escola, após a mãe conseguir transferência. Antes estudava à tarde “e
ficava ruim”.
261
Gosta da aula de Informática (“site do Google”, onde procura jogos de
menina”).
Pensa que uma boa aluna estuda e faz a lição de casa, como por exemplo: a An, a
Bc, o Mc e o Gb “que é chato, mas faz a lição” . Um mau aluno faz bagunça e não faz
nada, como o EW , o Ad, o Jm e o As, porque fica passando a mão, brigando, xingando
(de macaca) e batendo.
Considera-se uma boa aluna. Perguntei por quê e a resposta foi: “porque sim”.
Depois disse que é porque faz o dever de casa todos os dias.
Contou que amanhã haverá um passeio a uma biblioteca e ela, o Gb, a Nt e a An
foram os escolhidos da sua sala.
Uma boa professora passa muita lição e não grita muito com os alunos, uma
professora bate com a régua na orelha dos outros (como fazia uma professora de sua
antiga escola).
Veio para essa escola na série e repetiu o ano, mas não sabe por quê. A
professora conversou apenas com sua mãe. Reconhece que em 2007 tinha dificuldade.
Perguntei se acha que agora está aprendendo mais e respondeu: “Eu não sei, a professora
é que sabe disso!” Não vê diferença entre as duas 4ªs séries.
Quando perguntei se gostaria de mudar alguma coisa, respondeu: “Eu queria
estar adulta. ... Andar de carro, ser médica ...”
Sua mãe participa das reuniões e seus pais foram chamados uma vez por causa
de uma menina que lhe deu uma rasteira. A mãe falou com o diretor, mas não aconteceu
nada. Quando há festas, vem sozinha.
Tn – menina – 12 anos
Volta para casa a pé, com uma amiga da 6ª série. Ao chegar, encontra sua avó,
que já a espera com o almoço pronto. Depois, vai assistir TV (gosta de desenhos
animados), faz a lição e vai brincar na rua com seus amigos. Conversam, pulam corda e
brincam de “roubar bandeira”. Por volta das 18h, entra em casa para assistir “Malhação”
(programa juvenil), depois janta e vai dormir.
Em casa moram com ela ,a mãe, seus dois irmãos (menino de 15 anos e menina
de 18 anos). Na casa de baixo moram os avós, uma tia e dois primos.
262
Sua casa tem um quarto (onde dorme com a mãe), cozinha, banheiro e sala (onde
dormem em um beliche os irmãos mais velhos). Na parte de fora, uma área para
brincar.
Nas férias, foi para Minas Gerais “passear na casa do padrinho”.
Sua irmã de 18 anos está na série e é quem cuida da casa: limpa, lava roupa e
faz comida. A mãe trabalha “de esterilizar alicate” (suponho que seja manicure),sai de
casa por volta das 5h e geralmente chega às 18h, mas às vezes vem mais tarde.
Seu irmão de 15 anos está no 1º colegial.
Para ajudar a irmã, lava a louça e arruma as camas.
Na escola, suas amigas são: a QH, a Jn,a Adn, a Nt e a Al, mas nenhuma delas
mora perto da sua casa. Gostam de brincar de pega-pega, conversar e de correr atrás dos
alunos da 1ª série, “porque eles ficam querendo pegar a gente”.
Nas aulas de Educação Artística, a professora deixa formar duplas e ela gosta de
ficar com a QH. Gosta dessa professora, porque “ela é legal, espera a gente fazer para
apagar a lousa e deixa sentarem juntas. Ela também gosta da aula de Matemática,
especialmente de resolver continhas, mas de modo geral, gosta de todas as lições.
A série que mais gostou de cursar foi essa, mas não soube explicar porquê.
Para ela, um bom aluno presta atenção, faz as lições, respeita a professora, acerta
as lições e não faz bagunça. Um mau aluno não respeita a professora, bate nos colegas,
não faz a lição e não presta atenção.
São bons alunos: An, QH, ela e o Rf, porque prestam atenção na professora. O
Gb, o Mc e o Jm são maus alunos porque respondem para a professora, ficam xingando
os outros, gritam na sala de aula e não deixam os outros fazerem a lição.
Do mesmo modo, uma professora ruim não respeita os alunos e fica xingando.
Um bom professor espera que os alunos façam a lição, não grita, ensina bem, explica
direitinho e quando um aluno não sabe, chama na sua mesa para explicar.
Estuda nessa escola desde a 1ª série. No ano passado, sua mãe pediu que repetisse
e ela também acha que foi melhor ter permanecido no 4º ano.
Nesse ano, aprendeu a ler (embora diga que ainda tem dificuldade), a escrever e a
fazer continhas. Ela o diferença entre as atividades realizadas na série cursadas
em 2006, 2007 e nesse ano, alegando ter ficado feliz em saber que iria repetir novamente
“porque assim posso aprender mais!”
263
Ou mãe ou o avêm às reuniões de pais. Do mesmo modo, a mãe e a irmã
ajudam-na a fazer as lições. Nunca foi colocada para fora da sala e jamais levou
convocação por causa de mau comportamento.
Tg – menino – 11 anos (respondeu a todas as questões sem dificuldades).
Sai da escola e vai sozinho, a para a casa da avó. Chegando, troca de roupa e
descansa um pouco após o almoço. Quando acorda, assiste TV e brinca de carrinho no
quintal. Quando a prima também está, enquanto ela brinca de boneca, ele brinca de
motoca.
Em sua casa, moram a avó paterna, o tio de 29 anos e ele. Sua mãe mora em um
bairro mais distante com seus dois irmãos (um menino de 13 anos e uma menina de 10
anos). A maior parte da família da mãe mora no Norte, mas não sabe o local. Seu pai
morreu quando tinha 6 anos. Segundo o Tg, mora com a avó por causa da escola. Desde
o tempo da EMEI, o queria mudar, pois “os professores dessa escola passam mais
lição”.
Seu tio trabalha, ele não sabe em que, mas geralmente está em casa por volta
das 16h.
Sua casa tem três quartos, sala, cozinha, banheiro e quintal. Às vezes, dorme no
quarto do tio e vai se deitar por volta das 20h.
Seus amigos são: o DC, o AS e o Vn, que é de quem ele gosta mais, porque não o
fica chamando para conversar durante as lições, “ele não me atrapalha”.
Gosta de todas as aulas e de fazer lição. Às vezes é seu tio quem o ajuda nos
deveres de casa. Também afirmou que não houve uma série de que gostasse mais, todas
foram boas.
Para ele, um bom aluno faz lição, não desrespeita os professores e fica quieto.
Um mau aluno não faz lição, desrespeita o professor e fica bagunçando.
Os bons alunos da sala são: “Eu, Vn, Gb, St, Bc e An, porque fazemos lição e
ficamos quietos.
Já o As e o EW ficam bagunçando, mexem com a professora e ficam “zuando”.
Um bom professor ajuda as pessoas a fazer a lição e um professor ruim não
lição, não faz nada, deixa os alunos fazerem o que quiser.
Para ele, a causa de sua reprovação foi o número excessivo de faltas. Como
explicação, disse que ficou doente no começo do ano: estava com catapora, precisou até
264
ficar internado um dia, mas esqueceu de pedir atestado e, por isso, a professora teve que
colocar faltas. Não sabe ao certo quantos dias esteve ausente , mas acha que foi quase um
mês. A professora conversou com sua avó.
Ficou triste, quando soube que teria que fazer novamente a série, pois queria
ter passado de ano. Admite ter dificuldade para ler, mas acha que nesse ano aprendeu
mais: “No ano passado eu não conseguia ler e nesse ano eu consigo ler algumas
coisas”.
É sua aquem participa das reuniões,. Ele não gosta de ir às festas porque é
muita ‘zueira’”.
Vn – menino – 11 anos
Volta para casa a pé com seu primo, que está no 3º ano.
Em sua casa moram seu pai, sua mãe, sua irmã de 7 anos, e dois irmãos de 13 e 4
anos respectivamente Sua mãe trabalha de faxineira em um asilo e seu pai, atualmente
desempregado, é quem cuida da casa: limpa, faz a comida, leva a irmã à escola. Vn
ajuda-o lavando a louça e comprando pão. Ele vai dormir às 22h e faz a lição de casa
sozinho.
Quando perguntei como é sua casa, respondeu que “é arrumada”. São quatro
cômodos, sendo dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Em um quarto, dormem ele, o
irmão de 13 anos e a irmã de 7 anos e no outro, dormem seus pais e seu irmão menor.
Seus amigos da escola são: o Rf, o EW, o As, o Gb o Dv e o Tg. No ano passado,
estudou com o Tg, o Mt, a An e a Nt.
Gosta da aula de Informática para entrar no “site do Youtube”.
Para ele, um bom aluno deve estudar e não fazer bagunça. É aquele que aprende a
ler e a escrever. Já um mau aluno bate nos amigos, xinga a professora, não faz lição.
São bons alunos: a Ra e o Dv e maus alunos o As e o EW. Ele se acha um bom
aluno porque faz a lição, não xinga e sabe ler e escrever.
Com relação aos professores, um bom profissional é aquele que “pega no pé”,
ensina continhas, passa lição de Língua Portuguesa, enquanto um mau professor não
ensina.
Pensa que repetiu de ano porque não fazia lição. Foi a mãe quem soube, quando
veio à reunião de final de ano, ficando com raiva. Ele gostaria de estar na série, pois
265
acha que sabia ler e escrever o suficiente para passar, mas nesse ano ele aprendeu mais e
conseguirá acompanhar melhor a 5ª série em 2009.
É a mãe quem vem às reuniões e ele vem sozinho às festas.
Gostaria que, no horário do recreio, ao invés de comida, recebessem lanche (café
com leite) porque é muito cedo para almoçar.
266
Anexo VI – Tabulação de algumas questões relativas
às entrevistas das 3ªs e 4ª série - 2008
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom aluno Incidência
Aspectos relacionados à aprendizagem
Faz lição 7
Sabe ler, escrever 7
Gosta de estudar 3
Acerta tudo 1
Sabe entrar na internet 1
Presta atenção 1
Ajuda os colegas 1
É inteligente 1
Passa lição para os colegas 1
Sabe os numerais até 500 1
Total 24
Aspectos relacionados ao comportamento
Fica quieto 10
Obedece 7
Não xinga 5
Respeita (os colegas e a professora) 4
Não bagunça 3
Não briga 3
Não reclama 2
Não fala palavrão 2
Não bate (nos colegas) 2
Não mexe (no sentido de incomodar os outros) 1
Empresta as coisas 1
Brinca com os colegas 1
É educado 1
Não puxa o cabelo (dos colegas) 1
É um bom menino (bom filho) 1
Não chuta (os colegas) 1
Não recebe bilhete no caderno 1
Ajuda as pessoas 1
Dá doces para os amigos 1
Total 48
Outros aspectos
A professora abraça e a mãe dá presente 1
Irá trabalhar quando crescer 1
Total 2
267
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau aluno Incidência
Aspectos relacionados à aprendizagem
Não faz lição 6
Brinca (durante a aula/ explicações) 2
Não quer aprender 2
Não sabe ler e escrever (ou não aprende) 2
Não é inteligente 1
Não sabe passar lição para os colegas 1
Dentro da sala é uma coisa e fora é outra 1
Não sabe mexer no computador 1
Não gosta de estudar 1
Total 17
Aspectos relacionados ao comportamento
Bate, dá soco, chuta 11
Xinga os colegas e a professora 10
Faz bagunça 6
Não respeita a professora 5
Briga 4
Não obedece 4
Fala palavrão 4
Responde para a professora 4
Pega as coisas dos outros sem pedir 2
Sai da sala sem autorização 2
Fica irritando 2
Não é educado 1
Não faz o que a professora pede 1
Tira a cueca e mostra o negócio para as meninas 1
Rouba 1
Grita 1
Passa a mão nas meninas 1
Conversa durante a aula 1
Se esconde 1
Coloca a culpa nos outros 1
Joga aviãozinho 1
Risca a parede 1
Não sentam 1
Dizem que não se importam 1
Tampam os ouvidos 1
Joga papel no chão 1
Cospe nos colegas 1
Joga água nos outros 1
Total 70
Outros aspectos
Vai trabalhar para os velhinhos, trocando fraldas 1
268
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom professor Incidência
Passa lição 3
Leva ao parque 3
Ensina desenho 2
Estuda e faz as coisas direitinho 2
É boazinha 2
Deixa brincar 2
Dá pirulito 2
Ensina dobradura 2
Passa lição rápida/ fácil 2
Não grita 1
Não põe de castigo 1
Conversa com os alunos 1
É quietinha 1
Sabe quem não faz bagunça 1
Faz a brincadeira do silêncio 1
Brinca com os alunos 1
Leva para passear 1
Leva para brincar 1
Faz os alunos ficarem quietos 1
Trabalha 1
Deixa ficar (sentar) perto da sua mesa 1
Dá presentes 1
Espera para apagar a lousa 1
Conta histórias 1
Consegue tornar a turma em “bons alunos” 1
Deixa sentar em duplas 1
Faz faculdade 1
Arruma um emprego 1
269
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau professor Incidência
Briga com os alunos (quando deveria brigar só com alguns) 4
Grita 3
Xinga 2
Põe de castigo 2
Briga com a mãe por causa do leite 1
Não dá desenho 1
Passa muita lição 1
É chata 1
Bate com o apagador na cabeça 1
Bate com a régua na mesa 1
Briga sem saber o que aconteceu 1
Puxa a orelha 1
Puxa o cabelo 1
Passa “besteiras” na lousa 1
Ensina coisa errada 1
Dá desenho mal feito (cachorro zarolho) 1
Não estuda 1
Não sabe explicar as coisas 1
Não deixa ir ao banheiro 1
Chama a atenção dos alunos que estão ajudando os colegas, como se
estivessem bagunçando
1
Viu na TV que não se pode brigar com as crianças 1
Não deixa brincar no parque 1
3º ano PIC – 2008 – entrevistas
Do que gostam na escola Incidência
Informática 10
Parquinho 9
Educação Física 5
Levar brinquedos ou brincar 5
Aula de Artes 5
Sala de Leitura 4
Fazer lição 4
De “lição de ler” 1
Aula de Matemática 1
Escrever historinhas 1
Escrever 1
270
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom aluno Incidência
Aspectos relacionados à aprendizagem
Faz lição 13
Estuda 8
Aprende a ler, escrever 6
Presta atenção 5
Não falta 2
É inteligente 2
Faz certo as lições 2
Se esforça 1
Faz tudo direitinho 1
Ajuda os colegas 1
Bom estudante 1
Passa de ano 1
É exemplar 1
É interessado 1
Não perde a lição (explicação da professora) 1
É esperto 1
Pergunta dúvidas para a professora 1
Está sempre com as lições em dia 1
Treina as lições em casa 1
Sabe as coisas que a professora pergunta 1
Total 51
271
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom aluno Incidência
Aspectos relacionados ao comportamento
Respeita 9
Não bagunça 8
É obediente 6
Não briga 5
É educado e gentil 4
Não conversa 3
Não xinga a professora e os colegas 3
Não joga lixo 3
Brinca com os colegas 2
Não discute 2
É quieto 2
Não responde 2
Empresta as coisas para os colegas 1
Não joga as coisas 1
É calmo 1
Cuida da escola 1
Não se estressa 1
Não arruma encrenca 1
Não joga coisas no ventilador 1
Não levanta na hora da tarefa 1
Não bate nos alunos deficientes 1
Não provoca 1
Total 59
Outros aspectos
Boa pessoa 1
Mãe dá educação 1
Faz as coisas certas 1
É uma pessoa do bem 1
Bom amigo (carinhoso e “legal”) 1
Total 5
272
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau aluno Incidência
Aspectos relacionados à aprendizagem
Não faz a lição 9
Não presta atenção (não fica atento) 3
Conversa durante a aula/explicações 3
Não sabe das coisas (ou não sabe de nada) 2
Não quer aprender 2
Não deixa os outros fazerem a lição 2
Brinca na sala de aula durante as explicações 2
Repete de ano 1
Não estuda 1
Não pergunta as dúvidas para a professora 1
Não mostra a lição para a professora 1
Total 27
Aspectos relacionados ao comportamento
Xinga 10
Bate 10
Desrespeita 7
É bagunceiro 7
Responde para a professora 5
É desobediente (não obedece) 5
Briga 4
Grita 3
Joga lixo no chão 2
Não faz nada 2
Mexe com as meninas 2
É ruim 1
Leva suspensão 1
É preguiçoso 1
Finge que não escuta quando a professora briga 1
Fala palavrão 1
Só respeita os outros na frente da professora 1
Joga as coisas 1
Tira foto dos outros 1
Estraga as coisas da escola 1
Provoca os colegas 1
Bate na professora 1
Faz coisas de “mau caráter” 1
Dentro da sala é uma coisa e fora é outra 1
Poe papel na caneta quebrada para jogar nos outros 1
Total 71
Outros aspectos
Acha que é rei 1
Fica na rua 1
Total 2
273
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Bom professor Incidência
Dá lição 8
Não grita 6
Ajuda os alunos 4
Usa material dourado 3
Estuda muito 2
Não xinga 2
Não briga 2
Passa muita lição 2
Pede para fazer o desenho da história que conta 1
Faz brincadeiras 1
Briga para o aluno melhorar 1
Brinca com os alunos 1
Ensina as crianças que têm dificuldade 1
Ensina as crianças até aprenderem 1
Vai dificultando as atividades 1
Tem paciência 1
Passa lição difícil 1
Explica direitinho 1
Lê história de terror 1
Não sai para bater papo no corredor 1
Leva ao parque 1
Não bate nos alunos 1
Gosta dos alunos 1
É carinhosa 1
Dá atenção 1
Leva para a aula de informática 1
Canta 1
Não falta 1
Espera os alunos fazem a lição (para apagar a lousa ou corrigir a atividade) 1
Pede para escrever historinhas e ilustrar 1
“Pega no pé” 1
Paga a faculdade 1
Incentiva os alunos 1
Ensina a todos a sala 1
Traz coisas para os alunos brincarem 1
Deixa sentar em duplas 1
Ensina a fazer continhas 1
Depende do comportamento dos alunos para um professor ser bom ou ruim 1
274
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Mau professor Incidência
Grita 7
Briga 6
Xinga 5
Passa lição fácil ou não passa lição 4
Discute e responde para os alunos 2
Manda bilhete para os pais 2
Só passa lição 2
Fala palavrão 2
Briga quando faz a lição devagar 1
Só ensina quem já sabe 1
Não tem paciência 1
Não tem educação 1
Não estuda 1
Coloca filmes ao invés de passar lição 1
Não gosta de brincadeiras 1
Não explica 1
Manda para a direção se a lição está errada 1
Quase rasga o caderno dos alunos (quando vai dar visto) 1
Bate papo no corredor 1
Não gosta dos alunos 1
É nervosa 1
É chata 1
Não passa lição para casa 1
Não olha o caderno 1
Não faz nada 1
Não sabe se os alunos aprenderam 1
Age com estupidez 1
Trata mal os alunos 1
Não deixa ir ao banheiro 1
Falta 1
Bate com a régua na orelha 1
Não ensina 1
Deixa os alunos fazerem o que quiserem 1
Puxa a orelha 1
Faz os alunos errarem de propósito 1
Acha que é a melhor professora 1
Bate nos alunos 1
Chama a mãe na escola para falar sobre o filho (brigas) 1
Não ajuda 1
Briga quando o aluno não sabe usar o caderno (2ª série) 1
Não liga para os alunos 1
275
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Do que gostam na escola Incidência
Informática 6
Educação Física 6
Fazer lição 6
Aula de Matemática (sendo que dois citaram gostar do material dourado) 6
Aula de Artes 5
Sala de Leitura 4
Parquinho 2
Língua Portuguesa 2
Brincar 1
Escrever historinhas 1
Fazer cruzadinha 1
Atividade para consultar jornais 1
Atividade com recorte e colagem 1
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Quem ajuda nas lições
7
Incidência
Irmão/irmã 6
mae 4
Tia/tio 4
Sempre faz só 4
cunhada 1
avó 1
Amigas da rua 1
Total 21
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
Quem participa da reunião de pais Incidência
Mãe 13
Pais 3
Pai 2
Avó 2
Tia 1
Avô 1
Ninguém 1
Total 23
7
Nem todas as crianças responderam a esta questão e aqueles que disseram fazer só, mas que tem a quem
recorrer em caso de necessidade, só considerei com quem podem contar.
276
4º ano PIC – 2008 – entrevistas
A que/quem atribuem sua reprovação
Não sabem por que foram reprovados 4
Turma é culpadaporque era bagunceira e não respeitava a professora
1
Própria culpa 11
- não estudou o suficiente 1
- não copiava a lição e bagunçava 1
- não obedecia e não fazia a lição 1
- não estudava 1
- não conseguia aprender (tudo era difícil) 1
- era rebelde, respondia, brigava com a professora e conversava muito 1
- ficou bagunçando 1
- não sabia ler 1
- tinha dificuldade e era bagunceiro 1
- não tinha estudado muito 1
- não fazia lição 1
Excesso de faltas 7
- não gostava de ir para a escola 1
- viajou por mais de um mês (família estava de mudança) 1
- necessidade de acompanhar parentes ao médico (mãe e irmão/ pai) 2
- doenças sem atestado médico 3
Professores 3
- a professora dava livros de 1ª série para a turma da 4ª 1
- a professora da 3ª série era ruim e não o ensinou a ler 1
- trocas de professor durante mesmo ano letivo (3 professoras) 1
Outras causas 2
- quando chove o local onde mora fica com lama (ruas de terra) e não dá
para sair de casa
1
- quebrou o dedo da mão direita (“que escreve”) e precisou ser operado 1
Mãe pediu a reprovação porque filho não sabia ler 2
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