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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE TECNOLOGIA E CIÊNCIAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU – MESTRADO EM
GEOGRAFIA
ALFRED AGACHE E O “APARELHO RESPIRATÓRIO” DA
CIDADE: CONCEPÇÕES, PROPOSIÇÕES E REALIZAÇÕES DE
ESPAÇOS PÚBLICOS DE LAZER NO PRIMEIRO PLANO DE
REMODELAÇÃO, EXTENSÃO E EMBELEZAMENTO DA
CAPITAL FEDERAL.
Autor: DANIEL VATER DE ALMEIDA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação Stricto Sensu Mestrado em
Geografia desta Universidade como requisito a
obtenção do título de Mestre em Geografia.
Orientador: Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus
Rio de Janeiro
Março de 2006
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DANIEL VATER DE ALMEIDA
ALFRED AGACHE E O “APARELHO RESPIRATÓRIO” DA CIDADE:
CONCEPÇÕES, PROPOSIÇÕES E REALIZAÇÕES DE ESPAÇOS
PÚBLICOS DE LAZER NO PRIMEIRO PLANO DE REMODELAÇÃO,
EXTENSÃO E EMBELEZAMENTO DA CAPITAL FEDERAL.
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
graduação Stricto Sensu Mestrado em
Geografia, vinculado ao Departamento de
Geografia da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro, como requisito a obtenção do título de
Mestre.
Aprovada em: ------------------------------
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________________________
Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas de Jesus – Orientador
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
_______________________________________________________________
Prof. Dr. João Baptista Ferreira de Mello
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
________________________________________________________________
Prof. Dr. Rosselvelt José dos Santos
Universidade Federal de Uberlândia
______________________________________________________________
Prof. Dr. Marcio Pinon de Oliveira
Universidade Federal Fluminense
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Em admiração à Língua Portuguesa, nobre veículo de
cultura.
À ela, devo minha alfabetização.
Por entre ela, consigo oportunizar conhecimento aos meus
alunos, diariamente.
Nela passeiam meus pensamentos e sentimentos mais
íntimos e profundos.
Com ela, me comunico com maior facilidade e desenvoltura.
Através dela, consegui produzir este humilde trabalho
acadêmico.
Por ela, tenho muito orgulho!
Para ela dedico essa homenagem:
Floresça, fale, cante, ouça-se e viva
A portuguesa língua, e já onde for,
Senhora vá de si, soberba e altiva!
(ANTÔNIO FERREIRA, Séc. XVI).
Em homenagem a esta Cidade Maravilhosa,
que a cada dia mais me encanta e fascina.
Nela “finquei pé”. Aqui tudo têm dado certo.
Por ela os conhecimentos geográficos fluem com maior
naturalidade.
Quiçá por sua beleza?
À ela permito-me reproduzir essas palavras:
Cidade notável, inimitável
Maior e mais bela
Que outra qualquer
Cidade sensível, irresistível
Cidade do amor
Cidade Mulher!
(trecho da música “Cidade Mulher” Noel Rosa/Orlando
Silva).
“A mão que balança o berço é a mão que conduz o
destino”.
Este trabalho eu dedico especialmente aos meus pais.
Mamãe e Táta: Vocês são responsáveis por mais esta
vitória!!!
À ALFRED AGACHE (In memoriam).
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AGRADECIMENTOS
O resultado final deste trabalho que ora se anuncia, é fruto de um esforço fora do
comum. Contudo, este não seria um sonho possível sem a participação dalgumas
personalidades de vital importância, a quem devo reverenciar. Aqui é o espaço para
agradecer! Vamos a elas:
- à todas as energias etéreas e espirituais que conspiram a meu favor, me guiam,
abençoam,e que, quando mais necessito, se mostram evidentes na minha
caminhada. SALVE JORGE!;
- à minha maninha, CARLA ALMEIDA, que, passando férias por essas terras, em
fevereiro de 2003, cedeu-me os R$ 50,00 para que eu pudesse efetuar a
inscrição no processo seletivo deste recém aprovado curso de Mestrado. Tudo
começou!;
- à amiga MARIA DA CONCEIÇÃO ARRUDA, perspicaz biblioteconomista. Sem
você, eu jamais teria elaborado meu primeiro pré-projeto de pesquisa. Pode não
parecer, mas sua presença foi fundamental!;
- à colega de turma e amiga SANDY REGINA JESUS, por duas razões especiais:
1ª) Sem seu espírito solidário eu jamais teria ingressado neste curso de Mestrado
(só nós sabemos as razões!);
2ª) Sem sua cooperação e sensibilidade, não seríamos vizinhos e tudo seria mais
dificultoso para mim.;
- à Profa. Dra. ZENY ROSENTDHAL, pelo notável empenho e interesse de fazer
valer a justiça acima de tudo, e também contribuir para que esse sonho se
tornasse realidade a tempo;
- ao meu orientador, Prof. Dr. GILMAR MASCARENHAS DE JESUS, que
gentilmente aceitou o desafio, prontamente disponibilizando-me sua orientação
acadêmica. Muita e muita paciência, tolerância, compreensão e sensibilidade. Os
caminhos possíveis, sugestões e diretrizes, através de sua inovadora linha de
pesquisa denominada Território e Uso do Tempo Livre, é que resultaram neste
produto final;
- ao Prof. Dr. JOÃO BAPTISTA FERREIRA DE MELLO, pelas críticas e sugestões
junto à banca de meu exame de qualificação e pela sua simplicidade como
pessoa. Com você aprendi a fascinar-me ainda mais pela Cidade Maravilhosa.;
- ao Coordenador deste curso de Mestrado, Prof. Dr. JORGE MARQUES, pela
sua atenção, colaboração e empenho profissional, no intuito de elevar cada vez
mais a qualidade desta Pós-graduação;
- ao amigo e colega de turma, Prof. MsC. PAULO BARROS, que embora resida na
Tijuca, não se trata do carnavalesco homônimo. Sua ajuda foi marcante no meu
exame de qualificação;
- à amiga DENISE, que “chegou junto” na hora que mais precisei. Esta dissertação
não teria fotos e ilustrações sem sua câmera digital de grande valia. Valeu Nêga!
O resultado está aí e tu fazes parte dele!;
- ao bolsista de Iniciação Científica do Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas, JEFERSON
PONTES, pela presteza, boa vontade e companheirismo nos “44 minutos do
segundo tempo”. Sinta-se responsável pela finalização e embelezamento desta
dissertação;
- mais uma vez ao meu orientador, Prof. Dr. GILMAR MASCARENHAS DE
5
JESUS, pelo empenho e sensibilidade, na reta final, em disponibilizar tanto seu
bolsista, quanto sua sala, computador e scanner. Sem essas coisas simples,
porém de inestimável valor, eu jamais finalizaria esse trabalho;
- ao amigo MARCOS ROBERTO RIBEIRO. Sem você o resumo deste trabalho,
em língua estrangeira não existiria. Valeu!;
- ao amigo de sempre, REINALDO SANTOS, por ter permitido que eu efetuasse
os últimos ajustes e acertos deste trabalho em seu computador. Valeu a pena a
“correria"!
- Por fim, à UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, por ainda
oferecer formação de graduação e pós-graduação de forma gratuita e de
qualidade. Se este curso fosse pago e privado, meu sonho ficaria ainda mais
distante. mesmo na Cidade do Rio de Janeiro para existir um espaço tão
democrático e acolhedor como este, apesar de tudo!
Bem, espero não ter olvidado de ninguém especial. A todos, meu sincero,
MUITÍSSIMO OBRIGADO!
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Seu Agache
(1927, Ari Kerner)
Já chegou o seu Agache
Quem quiser que fale mal
Vai fazer dessa cidade
Uma linda capital.
Seu Agache
Seu Agache anda solto e preparado
Quem for feio fuja dele
Pra não ser remodelado
A cidade está mudando
Mais mudada vai ficar
O prefeito que é de fato
Vai o povo embasbacar.
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RESUMO
Este trabalho tem por objetivo identificar as propostas e realizações de
espaços livres e públicos, que entendemos como destinados ao Lazer, previstos no
primeiro plano de remodelação, extensão e embelezamento da então Capital
Federal, intitulado Plano Agache. O autor, o arquiteto-urbanista francês Alfred
Agache, denomina de “aparelho respiratório”, suas concepções e proposições de
áreas livres e espaços públicos previstos no plano da Cidade do Rio de Janeiro.
Para tanto, torna-se indispensável conhecermos os conceitos de lazer e
espaço público, propriamente ditos, bem como, percebermos suas influências ao
longo da evolução temporal das sociedades.
Indissociável do contexto histórico pelo qual vivia o Brasil no final da
República Velha, o Plano Agache surge como um desejo unânime, tanto por parte
da decadente elite oriunda da oligarquia cafeeira, quanto por parte da emergente
burguesia industrial.
O plano é entregue no final de 1930, quando é imediatamente revogado
pelo Estado Novo. Em seguida retomado, após muitas adaptações e modificações,
são realizadas algumas obras de vulto, tais como a Esplanada do Castelo e a
abertura da Avenida Presidente Vargas.
No que tange especificamente aos espaços públicos e lazer, o maior
exemplo realizado fica a cargo da Praça Paris, fruto do primeiro aterro efetuado no
bairro Glória.
O plano, jamais efetivado por completo, possui inestimável valor em
relação às idéias, ou seja, aos regulamentos e legislações, que além de orientarem
o planejamento de cidades brasileiras a partir de então, contribuíram para
amadurecer e institucionalizar o Urbanismo no país.
Palavras-chave: Urbanismo, Planejamento Urbano, Lazer, Espaço Público.
8
ABSTRACT
This work has for aim to identify the proposals and realizations of public
and open spaces destined to Leisure, proposed in the the Agache Plan, the
first plan of remodellation, extension and embellishment of Rio de Janeiro, then
the capital City of Brazil. Its author, the French architect-urbanist Alfred Agache,
names as “respiratory system” his conceptions and propositions of open air
areas and public spaces, antecipated in the plan of the Rio de Janeiro City.
Being this way, it is indispensable to know the concepts of leisure and
public space in themselves, as well as to perceive their influences along the
temporal evolution of societes.
Inseparable from the historic context of Brazil in the end of the
República Velha period, the Agache Plan arises as a unanimous desire by a
decadent elite of the coffee oligarchy, as well as by the emerging industrial
bourgeoisie.
The plan is presented in the end of 1930, when is immediately revoked
by the Estado Novo. Soon is reconsidered, after several adaptations and
modifications, and then are made some important woks, as the Esplanada do
Castelo and the opening of the Presidente Vargas Avenue.
In relation specifically to public spaces and leisure, the best example
stands by the Paris Square, which is the result of the first earthwork effectuated
in the Glória District.
The Plan, never done completely, has inestimable value in relation to
the ideas, regulations and legislations, which besides orientating the planning of
Brazilian cities since then, also contributed to improve and institucionalize the
Urbanism in the country.
Key words: Urbanism, Urban Planning, Leisure, Public Space.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1- Foto de Agache em palestra na rádio. Arquivo Nacional ........................................ 73
Ilustração 2- Planta da Cidade do Rio de Janeiro.......................................................................... 90
Ilustração 3- Planta da Cidade do Rio de Janeiro mostrando a abrangência do Plano Agache... 91
Ilustração 4- Concepção original de Howard para a Cidade–Jardim e seu entorno rural ...........103
Ilustração 5- Concepção original de Howard para o Distrito e centro da Cidade-Jardim ............104
Ilustração 6- Anúncio publicitário. Cidade-Jardim Laranjeiras ....................................................107
Ilustração 7- Proposta original de áreas de lazer no Plano Agache ...........................................115
Ilustração 8- Jardim público previsto no Plano Agache ..............................................................122
Ilustração 9- Foto do Prédio do antigo Ministério da Fazenda ....................................................128
Ilustração 10- Foto da Praça do Expedicionário ........................................................................ 129
Ilustração 11- Concepção original da Praça Paris no Plano Agache ........................................ 130
Ilustração 12- Foto da Praça Paris. Arquivo Nacional ............................................................... 131
Ilustração 13- Foto da Praça Paris.Arquivo Nacional ................................................................ 131
Ilustração 14- Aspecto parcial da Praça Paris ........................................................................... 132
Ilustração 15- Planta de Goiânia .................................................................................................137
Ilustração 16- Foto de Agache ....................................................................................................138
Ilustração 17- Aspecto atual do busto de Agache ......................................................................139
Ilustração 18- Placa da Av. Alfred Agache ........................................................................... .....139
Ilustração 19- Placa atual da Avenida Alfred Agache ................................................................140
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................... 12
1. LAZER, GEOGRAFIA E PLANEJAMENTO URBANO ............................ 16
1.1. Lazer enquanto objeto de estudo ......................................................... 17
1.2.Dimensão Histórica do Lazer ................................................................. 21
1.2.1. O Lazer na Antigüidade ................................................................ 21
1.2.2. O Lazer em tempos medievos ...................................................... 24
1.2.3. O Lazer na Era Industrial .............................................................. 25
1.3.Discutindo o Lazer na Modernidade ...................................................... 29
1.4.Geografia e Lazer ................................................................................... 34
1.5.O Lazer na Cidade ................................................................................... 36
1.5.1. Sob o “vácuo” do planejamento urbano ........................................ 37
1.5.2.Advento do Lazer no Urbanismo ................................................... 39
1.5.3.O espaço público em questão ....................................................... 41
1.5.4.Lazer e Cidadania ......................................................................... 46
2. PLANO AGACHE: TEXTO E CONTEXTO ............................................... 52
2.1. A Concepção de um Plano Diretor: Por quem e para
quem? ..................................................................................................... 52
2.2. Um Plano para a Capital Federal: O Plano Agache e seu
Contexto ................................................................................................. 58
2.3. O Plano, o modelo de cidade e seus
objetivos ................................................................................................. 76
2.3.1. A Escola de Agache: Os Movimentos City Beautiful, Beaux-Arts e a
Zonificação ....................................................................................... 77
2.3.2. O Urbanismo Progressista ..................................................... 81
2.3.3. O Urbanismo de Agache .................................................. ..... 85
3. AGACHE E OS ESPAÇOS DE LAZER NO RIO DE JANEIRO .................. 94
3.1. A Concepção do Espaço Público antes de Agache ........................ 95
3.2. Agache e seu “aparelho respiratório” – As propostas de espaços
públicos na cidade................................................................................... 107
3.3. Aplicab. do plano – As heranças do “aparelho respiratório” ........126
APÊNDICE... ......................................................................................................... 138
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................141
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................146
11
INTRODUÇÃO
Desde que ingressei nesse programa de Pós-graduação, tinha perfeita
noção que minha produção científica basear-se-ia num estudo de evolução urbana
da Cidade do Rio de Janeiro. Nesse sentido, foram fundamentais as disciplinas
ministradas pela Profa. Dra. Susana Pacheco, que possibilitou um contato maior
com os clássicos da teoria urbana, e pelo Prof. Dr. João Baptista Mello, que muito
contribuiu para que eu pudesse visualizar a cidade no passado, fascinar-me mais
ainda com ela e definir meu objeto de estudo. Assim, através de pesquisa
bibliográfica, realizei um verdadeiro passeio pelos tempos pretéritos da Cidade do
Rio de Janeiro, tendo contato com a Geografia Histórica e ora definindo os fugazes
objetos de estudo que permearam desde as lagoas que não mais existem até os
morros da Conceição e Senado.
A decisão de estudar o Plano Agache nasceu das sugestões de grande
valia do meu orientador, Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas, frente às dificuldades que
ora se apresentavam em aprofundar o tema que já vinha desenvolvendo neste curso
de Mestrado, seja pelo prazo curto de tempo que possuía, seja pela ausência de
produção bibliográfica a respeito. O Plano Agache consistia num caminho mais fácil
e exeqüível, tanto em relação ao período histórico a ser abordado – dotado de maior
abundância bibliográfica, tempo histórico mais recente etc., quanto em relação a
viabilidade de conclusão desta dissertação dentro do prazo determinado.
O presente trabalho que aqui se principia nos reporta a uma época
passada, o que justifica recorrermos à História para fundamentarmos melhor nossa
pesquisa. O Plano Agache não está dissociado de um contexto histórico nacional e
internacional, pelo qual passava o país na época retratada. Nesse sentido, torna-se
deveras fundamental, antes de conhecermos o plano propriamente dito,
identificarmos as causas e conseqüências históricas que levaram a sua elaboração.
O Plano Agache, finalizado em 1930, consiste em ser o primeiro Plano
Diretor para a Cidade do Rio de Janeiro, bem como modelo de planejamento urbano
para todo o país. Primeiramente faz-se mister lembrar que o título desse trabalho
refere-se ao Rio de Janeiro enquanto Capital Federal, porém algumas concepções
deste plano foram realizadas em tempos posteriores, quando esta não mais era a
Capital Federal. É somente a partir dele que podemos verificar a afirmação e
12
consolidação do Urbanismo no Brasil. Na administração de Antonio Prado Junior
elabora-se o Plano Agache, ou seja, o primeiro Plano Diretor para uma cidade no
Brasil, instituindo e consolidando no país o Urbanismo enquanto Ciência.
Escolher o Plano Agache como ponto de partida para esse trabalho,
deve-se ao fato, de ser esse, um grande modelo de planejamento urbanístico de
extensão, remodelação e embelezamento que até então nenhuma cidade brasileira
ora havia experimentado. Mesmo hoje sendo considerado inexeqüível, obsoleto ou
oneroso, segue influenciando qualquer tentativa de planejamento de cidades, por
mais contemporânea que seja. Isso ocorre porque o Plano Agache, constitui
História. Não do Urbanismo em si, como da Cidade do Rio de Janeiro, que na
época sustentava com muito mais mérito o status de “vitrine do Brasil”. Alfred
Agache, seu plano, suas idéias vanguardas para a época, bem como suas
realizações urbanísticas pelo mundo afora (França e Austrália) foram tão marcantes
que constituem referência histórica. Tanto é que qualquer obra literária ou curso que
trate do tema Urbanismo no Brasil, ou ainda, História do Urbanismo, nalgum
momento, obrigatoriamente, farão menção a Agache, suas idéias e contribuições.
Como não poderia deixar de ser, somente à guisa de exemplificação, é o Plano
Agache, componente sico e introdutório, muitíssimo comum nos conteúdos
programáticos e ementas das disciplinas de História do Urbanismo ou História do
Urbanismo no Brasil, presente nos cursos de graduação em Arquitetura e
Urbanismo, espalhados pelo país.
Estudar o Plano Agache, muitos o tinham feito. Fazia-se necessário
então, definir um objeto de estudo, isto é, dar um enfoque geográfico a essa
pesquisa, caso contrário, não haveria razão de ser, uma vez que o objetivo maior
desse programa de Pós-graduação a qual pertenço é desenvolver pesquisa no
âmbito da Ciência Geográfica. Dessa maneira, foram primordiais as sugestões do
Prof. Dr. Gilmar Mascarenhas, no sentido de auxiliar-me na especificação de um
tema inserido no plano, e que consistia no enfoque geográfico a que estávamos
procurando identificar. Nesta feita, as diferentes leituras realizadas na disciplina
denominada Território e Uso do Tempo Livre, produto de sua inovadora linha de
pesquisa de mesmo nome, contribuíram imensamente na definição deste objeto.
Sendo assim, surge a idéia do lazer e, a partir dele, de que forma Agache
previa espaços públicos destinados para tal, em seu plano. Estava definido então,
nosso objeto de estudo, ou seja, o que Agache chamou de aparelho respiratório, a
13
saber, os espaços livres, os jardins, as praças, parques, enfim, todos os espaços
públicos que deveriam existir na cidade, afim de proporcionar, simultaneamente,
lazer, recreação, embelezamento, contribuindo para o pleno funcionamento e
desenvolvimento da mesma.
Todavia, antes de estudar as áreas de lazer propostas pelo Plano
Agache era cabal que aprofundássemos uma discussão acerca do conceito de lazer
propriamente dito, com o fito de obter um maior embasamento teórico a respeito, até
para melhor compreender as idéias de Agache. Para tanto, novamente recorremos
à Ciência Histórica, afim de buscarmos contribuições de como as diferentes
sociedades, ao longo da evolução temporal, conceituavam o lazer.
Findo isso, o trabalho não estava acabado, pois se tínhamos claro o
nosso objetivo com o Plano Agache e obtido pleno conhecimento do conceito de
lazer, faltava estudarmos mais sobre as idéias desse urbanista francês, leia-se a
construção do Urbanismo que ele traz para o Brasil. Para tal, era necessário
recorrermos à Escola de Chicago, aos planos de Londres e Paris do Século XIX e a
clássicos ilustres tais como Haussmann, Howard, Olmsted, Unwin, dentre outros,
que muito contribuíram para a afirmação da Ciência Urbana na época, bem como
constituíram a escola de Alfred Agache.
Em relação a estrutura, esta dissertação foi construída em três capítulos
distintos, também subdivididos. O capítulo primeiro, intitulado Lazer, Geografia e
Planejamento Urbano, trata especificamente do lazer. Nele, ao longo dos cinco sub-
capítulos, aprofundamos o conceito de lazer propriamente dito, sua dimensão
histórica, a presença do mesmo na modernidade, chegando às contribuições da
Geografia nos estudos de lazer e finalizando com a presença do lazer na cidade.
O segundo capítulo, denominado Plano Agache: Texto e Contexto,
também subdividido em três sub-capítulos, discute primeiramente a relevância de
um plano diretor, ou seja, para quê e a quem ele serve. A seguir, insere a Cidade do
Rio de Janeiro no contexto político e histórico pelo qual o país passava na época
analisada, assim como os reflexos sentidos pela capital federal, que resultam na
necessidade de elaboração de um plano diretor, pelas vias de uma elite oriunda da
oligarquia cafeeira. Esse capítulo finda então, através da apresentação do Plano
Agache em si, seus objetivos e propostas a serem implantadas na cidade.
O terceiro e último capítulo intitulado Agache e os Espaços de Lazer no
Rio de Janeiro foi subdividido em três sub-capítulos, onde o primeiro vem
14
demonstrar que a presença de espaços livres e públicos não são obras de Agache,
muito pelo contrário, são utilizados pela população como áreas de lazer, desde
séculos anteriores. Em seguida apresentamos as propostas do urbanista francês,
previstas no plano, para o embelezamento e lazer da população carioca, ou seja, o
que o mesmo denomina de aparelho respiratório, que correspondem aos
regulamentos, ordenações e delimitações à preservação e criação de parques,
praças, jardins, enfim toda ordem de áreas livres e públicas que melhor
contribuiriam ao pleno funcionamento e desenvolvimento da cidade. Por fim,
encerramos esse capítulo identificando os pequenos exemplos das realizações
efetivadas no espaço urbano da cidade, a partir das propostas originais do plano,
previstas no seu aparelho respiratório, além de reconhecermos que sua principal
contribuição não se reflete nas materialidades do espaço, mas sim no arcabouço
teórico que ele representa para a Ciência Urbana no Brasil.
Concluindo essa dissertação, procuramos, junto às Considerações Finais
fazer um aparato geral de tudo que fora pesquisado e que resultara neste presente
trabalho, bem como manifestar certa admiração à relevância dos estudos do Sr.
Alfred Agache não para esta cidade, mas para o país como um todo. Ademais,
esse é o momento para apontar que o resultado dessa pesquisa aqui não se esgota.
Tão logo, o caminho é dever ampliá-la, doravante.
15
1. LAZER, GEOGRAFIA E PLANEJAMENTO URBANO
Esse capítulo cumpre com o objetivo de discutir algumas interfaces
existentes entre a Geografia, Lazer e Planejamento Urbano. Dividido em cinco
partes distintas, inicialmente o sub-capítulo 1.1., intitulado O Lazer enquanto objeto
de estudo, apresenta o Lazer e sua importância nas diferentes áreas do
conhecimento, considerando a produção bibliográfica a respeito, tanto estrangeira,
quanto brasileira. Dentro desse sub-capítulo, procuramos fazer uma comparação do
lazer, enquanto emergência na sociedade moderna, diante de sua incipiente
discussão teórica e acadêmica. Ainda muito influenciada pelas escolas européias,
as primeiras obras literárias nacionais que discutem o tema, ficam presas ao sentido
da recreação, muito embora não devam ser desvalorizadas por tal feito.
Num segundo momento, no sub-capítulo 1.2., intitulado Dimensão
Histórica do Lazer, estabelece-se uma breve investigação sobre as possíveis
origens do lazer, ou seja, as dimensões da categoria lazer enquanto parte integrante
da vida dalgumas sociedades do passado e do presente. Nesse sub-capítulo, por
uma questão de limitação bibliográfica disponível sobre o assunto, preferimos fazer
um corte histórico e abordar o sentido de lazer a partir da Antigüidade, mais
precisamente do Mundo Ocidental, respectivamente as civilizações que mais
influenciaram-nos Grécia e Roma. Realizando um breve passeio historiográfico,
seguimos caracterizando o sentido de lazer, junto à Idade Média, Moderna, até
chegar nossos dias, onde a sociedade urbano-industrial, tem papel primordial na
escala de importância do mesmo, na vida do Homem.
Em seguida, no sub-capítulo 1.3., denominado Discutindo o Lazer na
Modernidade, julgamos necessário apresentar algumas visões divergentes dos
principais autores sobre o real significado e possíveis origens do lazer. Aqui, cabe
menção às principais referências no assunto, os autores DUMAZEDIER e PARKER,
onde o primeiro concebe o lazer após a Revolução Industrial e organização de
uma sociedade urbano-industrial, ao passo que o segundo defende a posição de
que sempre existira, em todas as sociedades, de todos os tempos, desde a pré-
história, alguma manifestação de lazer, mesmo que tais grupos sociais não tivessem
real noção ou consciência do seu sentido.
16
A seguir, o sub-capítulo 1.4., nomeado Geografia e Lazer, discute a
incipiente contribuição da Ciência Geográfica nos estudos do lazer e tempo livre,
justificada pelos diferentes objetos de estudo que abrangiam as diversas correntes
do pensamento geográfico, sempre delegando certa manifestação de menosprezo e
desimportância a esse temário. Para tanto, perspassando pelos campos
determinista, possibilista, marxista, até nossos dias, podemos ter contato com as
justificativas científicas que desconsideravam a questão do lazer como objeto de
estudo geográfico. Contudo, à luz das veias cultural e humanística da Geografia,
observamos uma retomada considerável nesses estudos, inclusive no Brasil.
O capítulo primeiro dessa dissertação se finda no sub-capítulo 1.5.,
intitulado O Lazer na Cidade, onde se espaço para à questão do lazer, no meio
urbano por excelência, e sua inserção no planejamento urbano, ou seja, como
política pública adotada no âmbito municipal, na previsão de espaços apropriados
para tal fim. Subdividido em mais quatro itens, esse sub-capítulo pormenoriza as
questões do lazer, antes do planejamento urbano, com o advento do mesmo, sua
relação com o espaço público, além de sua relevância para afirmação da cidadania.
Aqui começa a delinear-se uma discussão acerca das reservas territoriais, que
doravante serão melhor abordadas e aprofundadas, bem como uma crítica à
questão da democratização desses espaços, no que tange à acessibilidade e à
espacialidade.
1.1. O Lazer enquanto Objeto de Estudo
Durante muito tempo o lazer não despertava interesse efetivo de
produções acadêmicas. Esse tema era muito restrito, no que tange a áreas do
conhecimento, estando originalmente mais ligado à Educação Física.
Atualmente, quanto no século passado, um senso comum acerca do
conceito de lazer. A maioria das pessoas sempre faz uma associação de lazer a
atividades de recreação, passeios, teatro, cinema e, mais recentemente, a eventos
ligados a manifestações de massa ao ar livre, tais como espetáculos, shows etc. O
fato é que com o passar dos tempos, essa tem sido uma visão mantida e reforçada
pelos veículos de comunicação e até mesmo pelas instituições oficiais do governo,
utilizando o lazer sem nenhum critério definido. Dessa forma criam as
17
nomenclaturas conhecidas de Secretarias ou Departamentos de Turismo e Lazer,
Esporte e Lazer, ou ainda, Cultura e Lazer.
Tudo isso corrobora para que tenhamos uma visão muito parcial acerca
do lazer e de suas múltiplas possiblidades. MARCELLINO(2000:13) contribui com
suas palavras ao acrescentar a relevância do tempo e atitude, ao definir lazer: "Os
conteúdos do lazer podem ser os mais variados e para que uma atividade possa ser
entendida como lazer é necessário que atenda a alguns valores ligados aos
aspectos tempo e atitude."
Notadamente permeado de modismos, falta de criatividade e
compulsividade, nos dias atuais, perde o lazer, suas características básicas o
caráter "desinteressado" de sua prática e a possibilidade de escolha múltipla de
atividades diversas. O caráter social a que estamos obrigados e subordinados a
vivenciar cada vez mais na atualidade, priorizando e valorizando demasiadamente o
trabalho e a produtividade em detrimento do lazer, bem como as limitadas opções
do mesmo, que o oferecidas e apresentadas pelos meios de comunicação, ao
senso comum, como ideais, sempre cumprem com a função de postergar o prazer
que o lazer pode proporcionar. Seja em função do custo lazer de qualidade
se houver gastos excessivos, priorizando o consumo (shopping, carro, cartão de
crédito etc.), seja em função da valorização extrema que a nossa sociedade dedica
ao trabalho – excesso de obrigações, responsabilidades, lideranças, competências e
baixos salários. MARCELLINO(2000:14) demarca com exatidão esse ato de
"empurrar" o lazer sempre para depois, como nos é de costume fazer: "E o próprio
caráter social, requerido pela produtividade, confina e adia o prazer para depois do
expediente, fins de semana, períodos de férias, ou, mais drasticamente, para a
aposentadoria."
Enxergar o lazer de forma isolada, desconsiderando as demais esferas
da vida social, significa conceber o homem de maneira parcial, significa utilizar o
lazer única e exclusivamente como fuga, simples consumo ou fonte de alienação.
Sendo um campo de atividade que possui estreita relação com outras áreas de
atuação humana, o lazer não pode nem deve ser visto de forma estanque, isto é,
dissociado das insatisfações, pressões ou processos de alienação que ocorrem em
quaisquer desses campos de atuação do Homem. Nesse sentido, MARCELLINO
(2000:15) nos permite analisar essa visão reducionista que se propõe ao senso
comum acerca do lazer:
18
Dessa forma, a um trabalho empobrecedor está ligado um lazer
também empobrecedor e vice-versa. O "sentido" da vida não pode
ser buscado, como muitas vezes somos levados a crer, apenas num
fim de semana, ou numa viagem, embora essas ocasiões possam
ser consideradas como possibilidade de felicidade e formas de
resistência para o dia-a-dia.
Todavia, observa-se que tanto na questão conceitual, como em relação
ao valor que o lazer representa, há expresso um caráter meramente parcial. Sempre
são valores associados ao divertimento e descanso. Tais possibilidades,
indubitavelmente, não podem ser descartadas, entretanto, outra, que, para o
senso comum, nem sempre parece muito perceptível a idéia do desenvolvimento
pessoal e social que o lazer pode proporcionar. Esse valor, nem sempre percebido,
do lazer, é o que nos interessa mais nesse momento, no que tange a dimensão
maior do dele, ou seja, a utilização dos espaços públicos definidos para convívio
social dentro do meio urbano.
Todavia, no instante em que a sociedade moderna, como um todo, busca
uma maior e melhor compreensão de sua dinâmica, é que aprofundam-se análises
de outros objetos sociais, emergindo então os estudos sobre o lazer. Eles ganham
imponência e intensificam-se, principalmente em meados do século passado,
sobretudo no campo da Sociologia.
Diante da emergência do assunto, autores brasileiros, também no campo
da Sociologia desenvolvem alguns trabalhos, notadamente a partir da década de 70,
sob forte influência européia. Contudo, podemos observar que, apesar do espaço
que o lazer ganhava na sociedade moderna, as respectivas produções acadêmicas,
não acompanhavam essa velocidade, seja no exterior, quanto no Brasil. A esse
respeito, MASCARENHAS (2003) indica que:
(...) a atenção que lhe é dispensada na França, embora apresente
progressos recentes, encontra-se ainda muito aquém do 'lugar
dominante' que este tema ocupa na vida social contemporânea.
Acreditamos que tal julgamento se aplica também ao caso brasileiro:
basta percorrer nossas cidades, bem como seu entorno 'rural', para
averiguar a amplitude e diversidade dos espaços destinados ao
usufruto do tempo livre, instaurando novos usos e refuncionalizando
para o lazer velhos objetos geográficos.
Nesse momento, é de fundamental importância dizer que, enquanto o
19
Brasil enxergava o lazer, na maioria das vezes, vinculado ao planejamento urbano e
à qualidade de vida nas grandes metrópoles, nos países ricos ele era discutido no
âmbito social, econômico, político e cultural da industrialização.
No Brasil, as produções bibliográficas de DUMAZEDIER tiveram grande
aceitação e, o logo traduzidas, difundiram-se rapidamente, influenciando autores
nacionais tais como REQUIXA(1980), CAMARGO(1986) e MEDEIROS(1975). Não
podemos deixar de apresentar suas concepções de lazer. Para REQUIXA
(1980:35), o lazer é assim conceituado: "uma ocupação não obrigatória, de "livre"
escolha ao indivíduo que vive e cujos valores propiciam condições de recuperação
psicossomática e de desenvolvimento pessoal e social."
Na visão de CAMARGO (1986:97), o lazer constitui:
(...) um conjunto de atividades gratuitas, prazerosas voluntárias e
libertatórias, centradas em interesses culturais físicos, manuais,
intelectuais, artísticos e associativos, realizados no tempo livre
roubado ou conquistado historicamente sobre a jornada de trabalho
profissional e doméstica e que interferem no desenvolvimento
pessoal e social dos indivíduos.
Por último, cabe conhecermos a definição de MEDEIROS (1975:3),
acerca do lazer: "o espaço de tempo não comprometido, do qual podemos dispor
livremente, porque já cumprimos nossas obrigações de trabalho e de vida."
Essa mesma autora ainda afirma que possui o lazer, uma função de
diversão, descanso e desenvolvimento pessoal, para o Homem contemporâneo.
(MEDEIROS, 1975:115-6).
Enfim, apresentamos aqui sinteticamente, uma breve apresentação da
trajetória acadêmica produzida sobre o tema lazer, tanto no Brasil, quanto no
exterior. A seguir, consideramos importante, fazer um passeio ao longo da História,
com o objetivo de visualizar como era tratado o tema no passado, até chegar nossos
dias. Posteriormente, também haverá espaço para apresentar as visões divergentes
acerca do lazer, sob o ponto de vista de dois dos principais autores clássicos sobre
o tema, PARKER e DUMAZEDIER, cada qual defendendo um tempo histórico
diferente a respeito do surgimento do lazer.
20
1.2. Dimensão Histórica do Lazer
Inicialmente faz-se deveras importante apontar que a origem histórica do
lazer é tema de divergência na opinião dos teóricos mais especializados nesse
estudo. Alguns interpretam-no como um fenômeno sempre existente, desde a pré-
história. Outros, sustentam a manifestação do lazer, como pertencente
exclusivamente às sociedades denominadas urbano-industriais, surgindo o lazer a
partir da expansão da urbanização em função da crescente industrialização,
ocorrida no ocaso do Século XVIII. Dessa maneira, preferimos dividir esse sub-
capítulo em três itens distintos, que serão melhor explicados no parágrafo que
segue.
Face à impossibilidade de estudar e conhecer as diversas concepções de
lazer de todas as sociedades, inclusive desde a pré-história, preferimos dar enfoque
aqui, ao Mundo Ocidental, mais precisamente a partir de nosso maior legado
cultural, isto é, as civilizações grega e romana e suas respectivas visões acerca do
lazer. É disso que trata o item 1.2.1., intitulado O Lazer na Antigüidade, quando o
objetivo específico é justamente retratar o lazer nesse passado remoto, mas que
tanto influencia-nos até hoje. Seqüencialmente, permitindo-nos um corte histórico,
retrataremos como a sociedade enxergava o lazer na Idade Média, no item 1.2.2.,
denominado O Lazer em tempos medievos. Por último, encerramos esse sub-
capítulo, a partir de um novo corte histórico, onde discutiremos a emergência do
lazer no período industrial, assim como sua efetivação e valorização na sociedade
moderna. É isso que retrata o ítem final desse sub-capítulo, intitulado O Lazer na
Era Industrial.
1.2.1. O Lazer na Antigüidade
Na Grécia Antiga havia uma busca intensa da sociedade dos homens
livres, pela contemplação, assim como o cultivo de nobres valores, tais como a
beleza, a bondade e a verdade. Estes, eram preceitos de valor inestimável na
sociedade grega de então. O trabalho cotidiano e suas mazelas, eram para os
gregos, considerados como elementos que atrapalhavam a plenitude desses
21
valores, pelo fato de reduzirem drasticamente a oferta de tempo livre necessário
para uma real dedicação ao estado de contemplação ideal, e, o conseqüente
alcance do crescimento espiritual.
Desse modo, cabia à grande massa de escravos a que possuía essa
sociedade grega, a responsabilidade pelo trabalho cotidiano e enfadonho. A
escravidão era vista com naturalidade, que se considerava, em essência, que os
escravos, por não serem homens livres, logo não poderiam ter tempo livre, de modo
que somente o homem que possui tempo livre o é de fato. Para ser livre, o homem
deve possuir obrigatoriamente, tempo livre. Na verdade, uma justificativa muito
simplista e cômoda que advinha de uma elite pensante e privilegiada, desde esses
primórdios.
O aspecto contemplativo da sociedade grega era por demais evidente,
que nem mesmo a participação política, outrossim, por eles tão valorizada, poderia
atrapalhar os princípios da contemplação. Contudo, segundo DUMAZEDIER
(1999:27), a ociosidade na Grécia Antiga não deve ser interpretada como lazer, uma
vez que era paga e muito bem, pelo trabalho escravo. Na visão do autor, o ócio
aqui, não era complemento ou compensação, mas sim um substituto do trabalho.
Seguindo-se o mesmo raciocínio, não se pode enxergar o lazer grego,
como mero sinônimo de tempo livre. Aristóteles e Platão preocupavam-se em
caracterizá-lo como algo a mais. De maneira geral, estava a concepção grega muito
ligada ao cultivo do "eu", interpretado assim como um modo de estar livre da
necessidade de trabalho. De acordo com PARKER (1978:26), o lazer era para
Aristóteles, um estado de ser no qual a atividade é executada tendo a si mesma
como causa e finalidade.
São de extrema valia as palavras de FREITAS & NACIF(2005:16), acerca
do valor reconhecido pela sociedade grega, ao lazer e tempo livre:
Para os gregos, a vida do homem livre dependia do uso adequado
do lazer, sendo que apenas duas atividades eram reconhecidas por
Aristóteles: a música e a contemplação. Esta última era valorizada
também por Platão. (...) a sociedade grega baseava-se no trabalho
escravo e que os preceitos acima se destinavam, portanto, a uma
elite privilegiada. Quanto à prática do lazer grego, destacamos a
participação nos jogos olímpicos. Enfim, as oportunidades de lazer
não eram tão diferentes para a maioria do povo, embora o ideal de
lazer fosse exclusivo de uma elite.
22
Acometendo-se de um certo "salto" cronológico, chegamos agora em
épocas de ascensão do Império Romano, quando a Grécia, enfraquecida e em
decadência, é anexada por Roma. Sendo assim, o modo helênico de vida sofre
grande modificação, sobretudo pela tradição romana de guerras e conquistas
territoriais, encarando o trabalho de forma mais positiva que os gregos. MELO &
ALVES JUNIOR(2003:4), definem melhor essa relação de trabalho e ócio, junto à
sociedade romana:
O tempo de não-trabalho passou a ser compreendido não como
oportunidade de contemplação, mas de recuperação e preparação
do corpo e do espírito para a volta ao trabalho. O conceito de otium
(não-trabalho) não se rivalizava com o de nec-otium (origem de
nossa palavra negócio), mas se ajustava a um sentido de inter-
relação, complementação e dependência.
Por outro lado, diferentemente da Grécia, em Roma havia uma
preocupação da elite com a diversão popular, justamente por uma questão
estratégica e político-ideológica do Estado. À plebe, se ofereciam práticas de
alienação, distração e diversão, manipulada pela elite governante como ação
eficiente, instrumento de dominação e controle da grande massa. Muito veiculada
hoje pelo senso comum, estamos a falar da conhecida "política do pão e circo".
Enquanto isso, às elites, cabiam as atividades reflexivas, mantendo-se assim o
status quo dessa sociedade e reproduzindo valores que perpetuam-se até nossos
dias.
Nessa mesma diretriz, podemos dizer que a utilização instrumental-
ideológica do tempo livre tem seus primórdios em Roma, porém reproduz-se de
forma muito semelhante em nossa sociedade atual, substituindo o Coliseu pelos
estádios de futebol
1
(GAFFNEY & MASCARENHAS, 2006), o circo pela televisão,
visando a alienação, efetivação da manutenção da ordem e a difusão de seus
valores, onde não espaço para a crítica e reflexão. Assim sendo, LEFEBVRE
(1978:144) afirma:
Se ha olvidado que en la vida urbana hay un juego continuo (...). En
las ciudades hubo funciones lúdicas que eran además asumidas por
edificios concretos, como el estadio en la ciudad antigua, núcleo de
1
GAFFNEY, C. & MASCARENHAS, G. The soccer stadium as a disciplinary space. Revista Esporte e
Sociedade – revista digital, 1(1), nov.2005-fev. 2006. (ISSN 1809-1296).
23
vida social como el templo y el ágora. Hubo un elemento lúdico que
ha desaparecido en el funcionalismo integral, pese a que era función
esencial de la ciudad. (...) La función lúdica, en cuanto función
activa, debe ser reconsiderada.
1.2.2. O Lazer em tempos medievos
Com o advento da Idade Média, percebemos notáveis mudanças no que
tange ao sentido e significado do real aproveitamento do tempo destinado ao o-
trabalho. A essa época, reproduziam-se determinados valores mencionados na
Antigüidade, todavia com outras características. Nesse sentido, o ócio era utilizado
pela nobreza, como um tempo livre para a exibição de seus luxuosos gostos. Ao
passo que a grande massa de plebeus, continuava a utilizar seu tempo livre para
descanso e festa, sendo esse cada vez mais diminuto e sob forte jugo da santa
igreja católica. Desse modo, mais uma vez, aos servos e camponeses, cabia a
responsabilidade pelas tarefas "mais insignificantes" e "menos dignas", enquanto a
nobreza preocupava-se em divertir-se, consumindo de maneira soberba.
O surgimento e expansão do protestantismo por toda a Europa, propaga,
outrossim, o pensamento prosperante, visando o trabalho como algo enriquecedor e
fundamental para a Humanidade. Assim sendo, também lugar para o não-
trabalho, não mais visto como um vício e passando a ser considerado um real
inimigo do trabalho, bem como um dos maiores pecados da espécie humana. É
célebre um verso dessa fase histórica, que se propaga até nossos dias "O
trabalho enobrece o homem, o ócio não." Tal pensamento ganha força com o
surgimento e conseqüente expansão do Liberalismo inglês pelo mundo, onde a
soma cada vez maior de riquezas, oriundas do trabalho "honesto", são aceitas de
forma muito positiva, tanto pela igreja protestante, quanto pela filosofia, justificando
seu acúmulo.
estamos a caracterizar a expansão do capitalismo, aumentando o
controle do tempo, notadamente o das camadas populares, evitando que elas se
dediquem a "atividades indignas" e/ou que signifiquem "perda de tempo", reprimindo
e modificando de forma veemente, as atividades de diversão e festejos, visando, é
lógico, a manutenção essencial da ordem.
Dessa maneira, se uma brusca modificação nos padrões de produção
artesanais, havendo agora, uma necessidade de se repensar o uso do tempo livre
24
durante o período medieval, provocando uma adequação deste, à cultura do
trabalhador artesão. Segundo MASCARENHAS(2003), apoiado em OLIVOLÁ(1999):
Podemos sugerir que posteriormente, quando o artesanato se
realiza sob outras condições, exigindo padronização e sujeição do
trabalhador ao controle direto de um patrão, cresce a necessidade
de compensação através de atividades lúdicas. E mesmo estas
sofrem significativa transformação, (...) a partir do século XIII, nas
cidades medievais, com o labor artesanal em plena expansão,
impõe-se uma nova realidade no mundo do trabalho, menos
dependente da brutalidade e da força física empregadas no mundo
rural. Diversões públicas relacionadas à tortura humana (herança
romana) então entram em declínio (as forcas, por exemplo, são
deslocadas para além do espaço urbano intra-muros no Século XIV),
sendo substituídas por festas nos espaços públicos animadas por
músicos, dançarinos, palhaços etc., todo um mercado de
entretenimento mais adequado às necessidades do trabalhador
artesanal, que passa o dia entre quatro paredes. (...) o advento de
relógio nas torres, a partir do Século XIV, assinala uma primeira
demarcação de limites socialmente compartilhados entre o tempo de
trabalho e o de lazer.
1.2.3. O Lazer na Era Industrial
Logicamente, essa questão de melhor administrar, e mesmo diferenciar, o
tempo do trabalho e não-trabalho, não ocorrem de maneira brusca. As rupturas se
dão ao longo de décadas ou séculos. Efetivamente vamos observar de forma veraz
essa artificialização dos tempos sociais, no ocaso do Século XVIII, através da
Primeira Revolução Industrial, quando é introduzida a organização do trabalho em
fábricas. É nesse momento que o tempo torna-se muito mais segmentado, com
aproveitamento das horas "úteis" do dia, através de uma rígida rotina no horário de
entrada, de almoço e saída, cumpridas, obediente e exaustivamente, por homens,
mulheres e crianças, uma longa jornada de trabalho, que não raro alcançavam
dezesseis horas diárias, cabendo-lhes apenas a garantia de uma parca renda.
É dentro desse contexto de artificialização do tempo de trabalho e de
não-trabalho, que surge para alguns autores, de forma mais efetiva, o que hoje
definimos como lazer, estabelecido justamente no âmbito das tensões ocorridas
entre as classes sociais em formação, inseridas no sistema capitalista em expansão:
a classe dominante, que detinha os modos de produção, e as classes dominadas,
que vendiam sua força de trabalho.
25
Opondo-se às péssimas condições de vida trazidas pelo novo modelo de
trabalho, as camadas populares, ou seja, o proletariado, começa a se organizar e a
reivindicar direitos que poderiam colocar em risco o sistema que estava em franca
expansão, gestando novas formas de consciência não identificáveis anteriormente,
bem como, conquistando direitos essenciais, mesmo para os padrões do
trabalhador atual.
Paradoxalmente, o sistema capitalista industrial busca estabelecer uma
nova ordem que melhor lhe interessava e convinha, onde contratos de trabalho
eram revistos e onde os momentos de diversão, entendidos e propagados como
perigosos e perniciosos já que acreditava-se que durante os poucos momentos de
lazer, poderiam os trabalhadores serem tomados de uma melhora de consciência e
decisões contra a manutenção do sistema opressor –, eram demasiadamente
controlados, e a manutenção da pesada carga horária vigente, mais uma vez
utilizada como eficiente instrumento de dominação. A esse respeito, MELO &
ALVES JÚNIOR(2003:9), contribuem:
Outra iniciativa das classes dominantes foi a reorientação
descaracterizadora das atividades populares originais. Isto é,
mudavam os sentidos e significados dessas atividades, oferecendo
às camadas populares uma possibilidade controlada de divertimento.
Nesse contexto, touradas e brigas de galo, entre outras formas
tradicionais de diversão, foram perseguidas em muitos países,
consideradas costumes bárbaros e atrasados.
Juntamente com um conjunto de reflexões teóricas acerca do tema,
desenvolve-se, em fins do Século XIX, uma indústria voltada para o entretenimento
e lazer. Todavia, é somente com o aperfeiçoamento dos meios de transporte e
comunicação, ocorridos ao longo do Século XX, que esse tipo de indústria recebe
uma verdadeira "mola propulsora". Formas de entretenimento e diversão tais como
o teatro, cinema, rádio, viagens e, mais atualmente o videocassete, computador e
DVD, são alguns pequenos exemplos que evidenciam como essa indústria
materializa e expande sua influência pelo mundo. Embora aponte para um
imaginário de diversão dissociado do mundo real, MELO & ALVES JÚNIOR
(2003:13) chamam-nos atenção:
Claro que esse arsenal não é uma máquina ingênua, 'simplesmente
destinada a diversão'. Por trás dela encontra-se a potencialização
26
dos velhos mecanismos de obtenção de lucros diretos e indiretos
implementados pelas classes dominantes na origem do capitalismo.
É comum encontrar, atrelada a tais produtos, a difusão de um
sentido de lazer associado a alienação: 'não pensar em nada',
'desligar a mente'.
A visão do senso comum, que o tempo livre constitui um tempo disponível
utilizado o somente para o deleite pessoal não é equivocada, como também
passível de uma discussão mais profunda. Tal visão decorre dos adventos do
mundo moderno, responsáveis por uma maior oferta da fração deste tempo livre,
seja pelo aumento da expectativa de vida da população mundial, seja em
conseqüência do avanço tecnológico que alcançamos, que elevou a produtividade
industrial, liberando mais tempo ao trabalhador. Nosso objetivo nesse momento é
certamente apresentar uma visão geral do tema mesmo. Logicamente, um estudo
de caso específico levariam-nos a outras conclusões mais apuradas. Nessa medida,
FREITAS & NACIF (2005:17) discutem a questão de como se utiliza o tempo livre:
O lazer tornou-se a atividade que mais cresceu entre aquelas que
podem ser consideradas exteriores ao trabalho ou as que ocupam o
tempo livre, como os biscates (ou segundo emprego), recreação
junto à família, afazeres domésticos, práticas socioespirituais e
sociopolíticas. Por sua vez, a extensão do tempo livre deve-se, em
grande parte, aos avanços tecnológicos e à mobilização sindical e
empresarial (neste último caso, pela necessidade de se estender o
tempo de consumo. (...) É como se o tempo livre fosse uma espécie
de tempo marginal, em que a possibilidade de se criar dobras no
sistema é maximizada, visto que sua existência depende sobretudo
do indivíduo, muito mais do que da instituição. (...) de se
considerar que, por mais que o lazer seja uma opção individual, esta
ainda está limitada pelo contexto de inserção do sujeito na
sociedade.
Dando continuidade, essa maior fração de tempo livre de que dispõe o
trabalhador da atualidade é dividida, como não poderia deixar de ser, de maneira
socialmente desigual. Ademais, sob outro prisma, constitui um tempo livre ilusório,
posto que as mudanças impostas pelo neoliberalismo acabam aumentando o tempo
necessário para a qualificação profissional, oferecendo cada vez menos postos e
garantias estáveis de trabalho, bem como, fazendo que o tempo da aposentadoria
chegue além do horizonte desejável. Somado a esses fatores, a falta de recursos,
outrossim, surge como empecilho para desfrutar do tempo ofertado, nomeadamente
para o crescente exército de desempregados espalhados pelo mundo,
27
denominados por Marx, no Século XIX, de "exército de reserva". Frente a tudo isso,
nos parece que apesar de seu grande incremento, o setor de entretenimento mais
se beneficia do desejo de diversão promovido pela sociedade capitalista do que pela
maior oferta de tempo livre de que dispõe a sociedade. Acerca dessa discussão,
MASCARENHAS(2003) aponta:
Operamos com a noção de tempo livre como um advento da
modernidade, que o institucionaliza. No modo de vida tribal, por
exemplo, embora a sazonalidade dos cultivos determine alguma
regularidade temporal, não predomina a concepção atual de uma
necessária 'reposição periódica de energias' através de atividades
consideradas prazerosas e não compulsórias. O artesanato
primitivo, por sua vez, realizado sem a padronização e a opressão da
produtividade (racionalização taylorista do tempo), permitindo a livre
expressão individual, também constitui atividade cotidiana que
dispensa, a princípio, a busca obcecada de um 'tempo livre
restaurador'.
A partir da década de 50 do século passado, dentro do contexto do
Estado do Bem-estar Social, o consumo em massa não se torna uma realidade
como também é incentivado pela indústria e pelos avanços tecnológicos. Esse
consumo massifica-se e não mais pertence exclusivamente a uma classe abastada
que buscava apenas à obtenção de produtos ou objetos exóticos, automóveis ou
roupas luxuosas. Os "sonhos de consumo" da população multiplicam-se na mesma
proporção que o avanço da tecnologia voltada para ele.
Esse novo consumo (se é que pode ser concebido assim), onde não
somente os ricos participariam, mas também direcionado às classes de menor
poder aquisitivo, surge em decorrência de um novo padrão industrial, onde a própria
produção era voltada para uma maior fatia da população mundial. Novamente,
MASCARENHAS(op.cit.) vem ratificar o que já fora supracitado:
Com o advento do fordismo, em meados do século XX, o consumo
em massa das ofertas de lazer se dissemina, muitas vezes pelo
Welfare State, nele ressaltando-se a política social 'esporte para
todos'. A regulamentação de férias e o avanço dos direitos
trabalhistas proporcionam a disseminação de práticas turísticas
populares como as colônias de férias. Todo um conjunto de
transformações que (...) se entende como uma importante faceta de
um movimento mais amplo: a terceirização da sociedade, isto é, a
inexorável expansão do setor terciário, suplantando o universo da
produção industrial como eixo estruturante.
28
Sendo assim, a mercantilização das formas de uso do tempo livre acaba
tornando-se um próprio balizador da sociedade, inclusive interferindo sobre como
ela irá melhor utilizá-lo e onde a característica social de um indivíduo fica atrelada à
modalidade esportiva que tem como hobby, incorporando, assim, o "espírito" do
esporte que pratica. Ainda acrescenta MASCARENHAS(2003): "Ao ingressar no
circuito da mercadoria, o lazer espontâneo e criativo perde espaço para rituais
contemporâneos que podemos inserir na 'sociedade burocrática do consumo
programado'."
Após apresentarmos como o lazer era concebido nas principais
sociedades do passado, bem como o desigual aproveitamento do tempo livre nas
diferentes classes sociais dessas sociedades pré e pós-industriais, é hora de
conhecermos de forma mais aprofundada o conceito de lazer propriamente dito,
atrelado à modernidade, bem como os principais estudiosos no assunto e suas
opiniões divergentes. É sobre isso que trata o sub-capítulo que segue.
1.3. Discutindo o Lazer na Modernidade
De acordo com as justificativas mencionadas no primeiro parágrafo do
sub-capítulo 1.2. deste, cabe relembrar que, dentre os principais autores desse
estudo, não consenso, tanto no que tange à sua origem histórica, quanto no que
trata de seu real significado. As maiores referências sobre o tema são Joffre
DUMAZEDIER e Stanley PARKER, ambos produzindo obras contemporâneas, de
importância inestimável acerca desse assunto, muito embora com visões
divergentes. Para tanto, é a partir do embasamento teórico desses autores,
principalmente, que apresentamos a discussão que doravante se inicia.
2
Primeiramente a respeito da definição de lazer, podemos distinguir
claramente quatro visões distintas, segundo DUMAZEDIER(1999:88). A primeira
aponta o lazer como não pertencente a uma categoria de comportamento social.
Nessa escala, até mesmo o próprio trabalho pode ser uma espécie de lazer. Essa
ótica, insere o lazer noutras atividades, o que é facilmente hoje, perceptível. Sem
embargo, ao confundir lazer e jogo, lazer e prazer etc., o mesmo autor esclarece
2
Em relação à produções bibliográficas sobre o temário no Brasil, não podemos olvidar de Nelson
MARCELLINO, a partir dos anos 70.
29
que tal definição mais se aproxima de uma análise psicológica, que sociológica.
A segunda definição aponta lazer e não-trabalho como equivalentes.
Preferida pelos economistas, tal definição está expressa nas obras de Marx e
Keynes. Seu equívoco ocorre no fato de não considerar que algumas atividades
indispensáveis à vida humana, tal como os afazeres domésticos, por exemplo,
despendem um tempo fora do comum em nossas vidas, ao mesmo tempo que não
representam, nem trabalho formal, tampouco lazer. (id., p. 89).
Para além das responsabilidades familiares e domésticas, o autor
apresenta a terceira concepção de lazer, de forma mais abrangente, ou seja,
constitui as obrigações sociopolíticas e socioespirituais.
Enfim, a quarta e última visão e, também, a mais defendida pelo autor,
caracteriza o lazer como a parcela de tempo dispendiada com o objetivo maior de
realização do indivíduo. A partir daí, conseguimos definir quatro períodos distintos
de lazer: o fim do dia (happy hour), o fim de semana (weekend), o fim de ano (férias)
e o fim da vida (aposentadoria). (ibid., pp. 91-3). DUMAZEDIER (1976:34) ainda
argumenta:
(...) o lazer concerne o conjunto mais ou menos estruturado de
atividades com respeito às necessidades do corpo e do espírito dos
interessados: lazeres físicos, práticos, artísticos, intelectuais, sociais,
dentro dos limites do condicionamento econômico, social, político e
cultural de cada sociedade. (...) O lazer é um conjunto de ocupações
às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para
repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda
para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua
participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após
livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais,
sociofamiliares e sociais. (...) o lazer representa um conjunto de
aspirações do homem à procura de uma nova felicidade, relacionada
com um novo dever, uma nova moral, uma nova política, uma nova
cultura. Prepara-se uma mutação humanística que talvez venha a
ser mais fundamental ainda do que a acontecida na Renascença.
Cabe, outrossim, referendar as considerações do mesmo, acerca do
tempo histórico em que se insere o lazer. Dessa maneira, DUMAZEDIER (1976:52)
afirma categoricamente:
(...) como ponto pacífico ser o lazer parte integrante da civilização
técnica. Não somente todas as modificações inerentes a essa
civilização influem sobre o lazer como também ele próprio é uma
criação da civilização industrial. Com efeito, "os dias sem trabalho",
30
(jour chômes) do período tradicional, não podem ser comparados
com os dias de lazer.
Também é de primordial importância, considerar a opinião desse autor,
justificando suas razões ao considerar o lazer como fenômeno inexistente anterior
da sociedade industrial. Assim, para DUMAZEDIER (1980:49):
(...) [na] sociedade pré-industrial, o lazer não existe. É o trabalho que
se inscreve nos ciclos naturais das estações e dos dias; seu ritmo
natural confunde-se com o ritmo solar do amanhecer ao anoitecer,
cortado de quando em quando por pausas para repouso, cantos,
jogos, cerimônias, a que não se pode chamar de lazer. Durante os
longos meses de inverno, o trabalho intenso desaparece para dar
lugar a uma semi-atividade, durante a qual a luta pela vida se torna
muito difícil. Tal inatividade o apresenta, evidentemente, as
propriedades do lazer moderno. Os ciclos naturais são marcados por
uma sucessão de domingos e festas: o domingo pertence ao culto,
as festas, pela oportunidade que oferecem de despender
intensamente a energia e os alimentos, constituem o inverso ou a
negação da vida cotidiana, e são indissociáveis das cerimônias – em
geral, dependem do culto e não do lazer. Assim, ainda que as
civilizações tradicionais da Europa hajam conhecido mais de cento e
cinqüenta dias por ano sem trabalho, parece-nos impossível aplicar
o conceito de lazer, em sua análise.
A emergência do lazer foi possível a partir de dois pré-requisitos
fundamentais: o corte entre trabalho e demais atividades, bem como a
fragmentação de obrigações rituais impostas pela sociedade. (DUMAZEDIER,
1999:28). Para esse autor, essas condições se dão plenamente numa sociedade
urbano-industrial. Justifica, que é somente a partir do advento da indústria, das
fábricas, que o tempo passa a ser regulado cronologicamente, de forma a
singularizar trabalho e não-trabalho, surgindo daí a concepção de lazer. E
DUMAZEDIER (1980:18-9), complementa:
Foram necessárias duas condições históricas para o aparecimento
do lazer. Primeiro, foi preciso uma laicização do tempo livre, foi
preciso que o tempo livre saísse do conjunto de atividades rituais
mágico-religiosas. Segundo, para chegar-se ao lazer em sentido
moderno, foi preciso que o advento da civilização urbana e do
trabalho urbano de tipo industrial e administrativo introduzissem um
corte nítido entre as horas de trabalho e as horas de não trabalho
(...) Tal regulamentação do tempo de trabalho cria o tempo de lazer,
enquanto que nas civilizações rurais tradicionais o tempo de lazer
era um tempo ritual de festa, de culto regulado pelas autoridades e a
natureza do trabalho era praticamente sem fim (contínua), exceto
31
quanto às condições naturais, como a chuva, a neve, as doenças, os
cataclismos, a fome, as epidemias etc. Nestas condições
tradicionais, creio que não se pode falar de lazer.
Em contrapartida, também consideramos deveras importante a
contribuição de PARKER acerca do lazer, justamente por trazer uma visão
diferenciada e por entendê-lo como fenômeno sempre existente, não importando o
tempo histórico ou sociedade analisada. Segundo ele próprio, algo semelhante ao
lazer existia nas sociedades pré-históricas dos períodos Paleolítico e Neolítico.
Contudo, não resultavam de escolhas individuais. Caso não fossem obrigatórios,
algumas festividades e rituais eram considerados como atividades de lazer.
Apesar de já praticarem a recreação, acredita-se que esses povos não tivessem real
consciência da diferença de tempos próprios ao divertimento e recreação.
(PARKER, 1978:24).
Todavia, o próprio reconhece que se torna mais cômodo enxergar o lazer
somente como característico da sociedade urbano-industrial, que ele ajusta-se
mais adequadamente ao respectivo modo de vida e estilo dessa sociedade. Para
ele, as sociedades pré-industriais já conheciam o lazer sim, porém, com
características dessemelhantes do lazer moderno, ou seja, o mesmo era
indissociável das demais atividades.
Esse autor conceitua o lazer de três formas. A primeira coloca o tempo
como variável mais importante, isto é, subtrai-se das 24 horas que compõem um
dia, os períodos que não representam o lazer, ou seja, o tempo gasto com as
necessidades fisiológicas, o trabalho, o sono e a alimentação. Aqui o lazer não
constitui um atributo da atividade. A segunda aponta o lazer como uma atitude
expressa do ponto de vista espiritual e mental, onde mais importância na
qualidade da atividade que será desenvolvida. Logicamente, essa versão
compromete-se com um julgamento de valores. Por último, podemos dizer que a
terceira definição constitui uma síntese das demais apresentadas, pois combina as
variáveis tempo e conteúdo das atividades. Quiçá por essa razão, é o conceito mais
adotado pelo autor nos seus estudos sobre o tema. (PARKER, 1978:19-21).
Também não podemos deixar de sinalizar algumas dessemelhanças
existentes entre recreação e lazer. A recreação constituiria, na verdade, uma função
do lazer, ou seja, uma terapia de recuperação do organismo, diante do desgaste
dispendiado pelo trabalho, devolvendo-nos um estado saudável que possibilite-nos
32
continuar nossa jornada diária de labor, sendo, portanto, cíclica. Noutro viés, possui
a recreação, um caráter educacional, diferentemente do lazer, que traz consigo um
sentido de liberação e prazer. (Id., p. 23).
Em relação às atividades que constituem o lazer, podemos discernir
propriedades positivas, que relacionam-se diretamente com as necessidades da
personalidade de cada indivíduo, e, negativas, que remete-nos às imposições
formais da sociedade. Resultado de uma escolha pessoal, possui o lazer um caráter
liberatório, opondo-se às obrigações institucionais (política, religião, trabalho, família
etc.). Seu caráter desinteressado não pode, nem deve submeter-se a fins
ideológicos, utilitários ou lucrativos, sob pena de descaracterizar-se. Se é feito
visando alguma lucratividade, então não mais constitui lazer, mas sim uma espécie
de semilazer
3
, que está comprometido a uma obrigação institucional. Sua grande
marca fundamental na sociedade atual, está representada no caráter hedonístico
que possui, isto é, uma busca de satisfação intensa com um fim em si. No instante
em que não encontramos essa satisfação em sua plenitude, torna-se o lazer,
medíocre. (DUMAZEDIER, 1999:93-7).
Ao tratar das relações existentes entre o trabalho e lazer, podemos
percebê-las de duas maneiras distintas. Uma aponta no lazer, um caráter
compensatório, ou seja, a realização plena do indivíduo estaria completa, ao cumprir
suas obrigações profissionais, comprometendo-se cada vez mais com a instituição
trabalho. Aqui, ocorre uma inversão desse mecanismo, fato indispensável para que
o indivíduo permaneça executando sua labuta. Outra, coloca o lazer como
determinante do trabalho, isto é, uma nova opção profissional pode surgir, a partir
de uma experiência continuada de tempo livre. A competência estritamente técnica
é deixada um pouco de lado, dando espaço a traços tais como, vocação, talento e
personalidade. Nesse momento, sintetiza-se, a finalidade do lazer, constituído pela
expressão pessoal, e a utilidade social do trabalho, constituído pela produção
material. (PARKER, 1978:80-1).
Até aqui, nosso objetivo foi discutir o conceito de lazer, dentre uma gama
de estudiosos no assunto, considerando-o como produto da modernidade. A seguir,
abrimos espaço para contextualizar o lazer no meio urbano, propriamente dito,
quando estamos cada vez mais próximos do objetivo maior desse trabalho, que,
visa estabelecer a relação existente entre lazer e espaços públicos a ele destinados
na Cidade do Rio de Janeiro. Também perfazendo uma pequena trajetória histórica,
3
Acerca do conceito de semilazer, consultar DUMAZEDIER (1999).
33
vamos percorrendo a necessidade cada vez maior de planejar e prever espaços
públicos destinados ao lazer nas cidades. A questão do acesso e democratização
dos mesmos, outrossim, será discutida no sub-capítulo que doravante se inicia.
1.4. Geografia e Lazer
A atividade lúdica, componente da própria urbanidade, parece constituir
elemento fundamental na vida social hodierna. Entretanto, segundo John Urry
(2001), teorizar sobre entretenimento sempre consistiu uma árdua tarefa para os
cientistas sociais. Obviamente, aos geógrafos não seria diferente, senão ainda mais
difícil tal empreitada.
Se as diversas manifestações do tempo livre na experiência humana
constituem alvo possível de investigação para um amplo leque de disciplinas, cabe
aos geógrafos, indubitavelmente, o estudo de suas implicações territoriais ou, no
sentido mais geral, de sua espacialidade. Entretanto, esta dimensão espacial
permanece pouco estudada, pois quando examinamos a trajetória do pensamento
geográfico, o que se percebe em seu extenso e mutante repertório temático é
justamente a escassez de preocupações quanto ao uso do tempo livre.
Sabemos que embora constitua um saber de remota origem, a Geografia
enquanto disciplina se consolida no meio acadêmico sobretudo no século XIX. Ao
definir-se como a ciência que trata da ação do Homem sobre a Terra, a imaginação
geográfica circunscreveu grande parte de suas investigações ao trabalho humano,
agente central na produção das paisagens, desprezando por conseguinte o universo
do lazer. Neste sentido, podemos notar que a tradicional escola francesa, embora
se proponha a estudar os diferentes “gêneros de vida” em sua totalidade, amiúde
direcionou seus esforços às atividades laborais, tendendo a menosprezar a festa e o
entretenimento.
Na História do Pensamento Geográfico, a abordagem de cunho
tradicional se mostrava interessada em produzir conhecimento acerca da
concentração dos fenômenos produtivos da sociedade. Ao direcionar esforços às
atividades laborais e à pesquisa de campo, de certa maneira, colocou num segundo
plano, os estudos a respeito de festas e entretenimento. Seguindo esse mesmo
raciocínio, deu prioridade à questões culturais e técnicas estratégicas de
apropriação do meio. Por essas razões, os estudos geográficos tradicionais, deram
34
mais importância às relações homem-meio, detendo-se sobretudo nas suas
atividades produtivas, olvidando as demais facetas dessas relações homem-meio,
ou seja, da sociedade como um todo.
Na New Geography, a maneira pragmática de produzir o pensamento
geográfico priorizou estudos tais como a lógica locacional da industrialização, o
mapeamento de recursos naturais ou os pólos de desenvolvimento, caracterizando
uma Ciência Geográfica subserviente ao modo de produção capitalista.
Particularmente no Brasil, percebe-se essa característica junto aos estudos
produzidos para os diversos projetos desenvolvimentistas do período militar.
Segundo MASCARENHAS(2003):
Um exame superficial de nossa produção acadêmica nos anos 1960
e 1970 revela claramente a preponderância de estudos relacionados
ao progresso material, como evolução de transportes,
industrialização, crescimento urbano, planejamento regional etc.
Teorizar a respeito do entretenimento tem sido uma tarefa deverasmente
difícil para os cientistas sociais, entre eles, os geógrafos, muito embora ocorra uma
crescente importância da atividade lúdica junto ao contexto da vida social da
atualidade. De fato uma lacuna existente na produção geográfico-científica sobre
o lazer. Nesse sentido, MASCARENHAS (op.cit.), afirma que:
Se as diversas manifestações do tempo livre na experiência humana
constituem alvo possível de investigação para um amplo leque de
disciplinas, cabe aos geógrafos, indubitavelmente, o estudo de suas
implicações territoriais ou, no sentido mais geral, de sua
espacialidade. Entretanto, esta dimensão espacial permanece pouco
estudada, pois quando examinamos a trajetória do pensamento
geográfico, o que se percebe em seu extenso e mutante repertório
temático é justamente a escassez de preocupações quanto ao uso
do tempo livre. (...) Entretanto, a tônica nos assuntos econômicos
não chega a isolar completamente o uso do tempo livre no temário
geográfico. Registre-se, ao contrário, que é justamente neste
mesmo contexto da 'geografia aplicada' que surge uma ramificação
direcionada ao turismo e se esboça uma outra, voltada aos esportes,
em falar numa genérica geografia da recreação, (...) que, existindo
desde 1930, se propõe mais tarde a abranger turismo e esportes. A
razão fundamental para esta aparente contradição é o fato de que
tais estudos de turismo, esporte e recreação se articulam como
tributários da geografia econômica, e que sua emergência reflete
sobretudo o acelerado processo de mercantilização alcançado por
estes ramos de atividade naquele momento, envolvendo elevadas
35
cifras. Tais esforços se inserem justamente numa das preocupações
centrais da geografia pragmática, a de verificar os padrões e
modelos espaciais de diferentes atividades humanas.
Na Geografia Marxista, onde o enfoque principal do pensamento
geográfico, estava em analisar a dinâmica territorial do capital, na geração de
desigualdades, nos conflitos sócio-espaciais, e na busca da transformação radical
do sistema, motivadas pelas diversas frentes de lutas sociais, mais uma vez, a
produção científica acerca do lazer é vista num plano secundário. Sobretudo, por
sua incapacidade, segundo a escola crítica vigente, de criar estratégias
revolucionárias, muito pelo contrário, vista sobre um prisma perdante e alienante,
tornava sua veracidade científica, tarefa cada vez mais difícil e distante. Nas
palavras de MASCARENHAS(2003):
Em síntese, a contribuição dos geógrafos ao entendimento das
atividades relacionadas ao tempo livre permanece muito aquém da
magnitude destas, conferindo ao que neste campo habilitam a
desconfortável oscilação entre a abordagem superficial e a
escuridão errante.
Finalizando esse sub-capítulo é possível perceber então a incipiente
contribuição da Ciência Geográfica sobre o temário lazer, principalmente, diante de
sua importância nos dias atuais. Contudo, a partir da profusão de conhecimentos
que pode emergir do lazer, nos mais diversos campos do conhecimento, inclusive
na Geografia, cabe aos geógrafos da atualidade, maiores contribuições de peso
nesse estudo específico.
4
1.5. O Lazer na Cidade
Para falar sobre o lazer na cidade se faz necessário subdividir o sub-
4
As considerações elaboradas por Mascarenhas se amparam em autores tais como:
SMITH, Stephen. Recreation Geography. London: Longman, 1983.
MITCHELL, L. & SMITH, R. The geography of recreation, tourism and sport. In: GAILE & WILLMOTT
(orgs.) Geograpy in America. Toronto/London/Melbourne/Columbus: Merril Pub. Co., pp.387-
407, 1989.
LAVERY, Patrick (org) Recreational Geography. London & Vancouver: David & Charles, 1971.
GAY, Jean C. A propos du hors travail. Géographie et Cultures, 26, pp. 136-38, 1999.
GAMA, Antônio. Notas para uma geografia do tempo livre. Cadernos de Geografia, Coimbra, 1988, 7:203-217.
36
capítulo 1.5.. Primeiramente, no item 1.5.1., intitulado Sob o "vácuo" do
Planejamento Urbano..., tentamos mostrar como o lazer se estrutura na vida
urbana, num período anterior ao advento do Urbanismo e Planejamento Urbano,
propriamente ditos, isto é, mostrar o lazer antes mesmo dos urbanistas refletirem
situações sobre sua importância e o quanto a cidade industrial organiza
espontaneamente as estruturas do lazer, bem como as particularidades do caso
brasileiro. Posteriormente, o item 1.5.2., denominado O advento do Lazer no
Urbanismo nos possibilita perceber como surge o lazer no pensamento urbanista,
ou seja, na concepção organizada do planejamento urbano. Dando seqüência,
procuramos apresentar algumas visões acerca do que afinal representa o espaço
público em si. Isso é tratado no item 1.5.3., intitulado O espaço público em questão.
Finalizando o sub-capítulo 1.5., temos o item 1.5.4., sob o título Lazer e Cidadania
que busca fazer uma reflexão sobre a função que o lazer deve exercer na vida do
cidadão, isto é, se o mesmo atende as necessidades de todos os cidadãos na
cidade, de forma democrática.
1.5.1. Sob o "vácuo" do Planejamento Urbano...
YURGEL nos auxilia a sinalizar que enquanto sociedade contemporânea
e praticamente urbana em sua totalidade, perdemos pouco a pouco algumas formas
tradicionais e populares de manifestar o lazer, tais como jogos, procissões etc. E
segue: "A cidade contribuiu também para que a classe dominante se excluísse de
alguns processos, para fechar-se nos seus próprios quarteirões culturais, cada vez
mais vitimada pela acídia"
5
.
Paradoxalmente a cidade prevê espaços destinados ao lazer,
manifestando a gestão pública de territórios urbanos, bem como produz espaços
fechados, excludentes, interiores, próprios para o lazer das classes dominantes.
Reconhecendo a importância da Geografia, de modo a desenvolver a
retomada de tais práticas, são cabíveis as palavras de YURGEL(1983:13): "...à
necessidade de instituir o lazer como programa urbano, ou melhor, criar no urbano a
geografia apropriada ao exercício das atividades próprias para o tempo livre."
5
Sinônimo de negligência ou desleixo. Abatimento do corpo e do espírito; moleza, frouxidão. (Fonte:
FERREIRA, Aurélio B. H. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Nova
Fronteira S.A. 2ª edição, 1986. (p.30)).
37
As necessidades e discussões acerca da importância do lazer e de
espaços públicos provenientes para tal, no meio urbano, decorrem justamente ao
apagar das luzes do Século XIX, quando se com maior veemência a profusão da
Urbanização e de seus conseqüentes problemas em função da Revolução Industrial.
O modo urbano de vida e a conseqüente institucionalização em massa do
tempo livre ficam, assim, atrelados e imbricados à forte opressão sofrida pelos
trabalhadores nas bricas. Surge, não por acaso, na Inglaterra vitoriana (1851
1901), uma nova política de difusão de espaços recreativos para os trabalhadores,
política essa que insere-se num contexto mais amplo de novas formas de
reprodução da força de trabalho do capitalismo industrial, materializados nos
famosos parques vitorianos, que se espalham pela cidade e consolidam todo um
conjunto de novas práticas sociais de uso disciplinado e "legítimo" do tempo livre,
destinado ao recreio ativo e em espaços abertos.
A proximidade existente entre áreas de lazer e prática do desporto não
resulta de uma preocupação recente do planejamento urbano, também remonta ao
oitocentismo essa associação entre desenvolvimento do esporte e os parques
londrinos, tal como o presente autor nos chama atenção:
O desenvolvimento dos modernos parques de Londres está também
intimamente ligado ao desenvolvimento do esporte inglês, sua forma
é determinada pela demanda de esportes públicos. Ligados à
tradição, os esportes na Inglaterra têm origem muito antiga e
adquirem sua foram atual durante o reinado da Rainha Vitória.
No caso brasileiro, a necessidade de criar ou reservar espaços livres no
meio urbano destinados ao lazer, no Brasil, é de certa forma, configurada com a
chegada de D. João VI ao país. É a partir de iniciativas do próprio príncipe regente,
bem como de preparativos da municipalidade proporcionando rápidas melhorias
urbanísticas na cidade para receber a família real e causar boa impressão, é que
percebemos os primeiros sinais da materialização de espaçoslivres destinados ao
lazer no meio urbano. As formas e práticas de lazer no Brasil são fomentadas
justamente com o advento de uma vida urbana, ainda incipiente no país até a
chegada de D. João VI, em princípios do Oitocentismo. YURGEL(1983:13) ratifica o
supracitado:
38
O estudo das origens das diversas formas de lazer na história do
povo brasileiro tem sido feito considerando duas grandes estruturas
econômico-sociais.(...) A segunda,decorrente do surgimento da vida
urbana como tal, que se pode datar da vinda de D. João VI para o
Brasil (...)
1.5.2. O advento do Lazer no Urbanismo
Hebenezer HOWARD em seu clássico Cidades Jardins de Amanhã,
coloca a necessidade em valorizar o humano, ou seja, em priorizar o
desenvolvimento do Homem ao construir e planejar cidades. Para HOWARD
(2002:16), a idéia fundamental da cidade-jardim é a de "salvar" a cidade do
congestionamento populacional e, ao mesmo tempo, ocupar o campo abandonado.
Todavia esse ato de "ocupar o campo abandonado" numa tentativa de
planejar urbanísticamente o espaço público e destiná-lo ao lazer, nada mais é que
privilegiar uma ascendente classe dominante quanto à aquisição dos espaços
urbanos imediatamente próximos de tais benefícios para melhor desfrutá-los. Mais
uma vez evidenciando que tal modelo de lazer promove tanto a valorização do solo
urbano do entorno quanto a desigualdade de oportunidades na utilização de tal área
de lazer a ser construída. O autor fala:
O êxito da anterior política mercantilista na Inglaterra produz o
crescimento econômico de sua burguesia. Esta, juntamente com
parte da nobreza, irá alojar-se em Londres, nos novos bairros
residenciais elegantes, abertos por nobres em suas terras, no
entorno da cidade. Aparecem, então, as atraentes praças
arborizadas. A continuidade desse processo de alojamento da
próspera e crescente burguesia londrina se em dois
empreendimentos de êxito e alta qualidade de espaço urbano (...)
bairros planejados entre o último quartel do séculoXVIII e a metade
do século XIX, a noroeste da cidade. (...) correspondem a lucros da
Revolução Industrial e da política do Liberalismo. Constituem
admiráveis trechos da cidade, suas casas unifamiliares e extensa
vegetação se dispõem em feliz e harmoniosa integração. O verde,
em especial árvores jamais podadas e gramados, é elemento
básico. As árvores preenchem também ruas e jardins (...) Dão
continuidade à tradição de uso do espaço aberto verde na cidade e
remonta em Londres, (...) à abertura ao público do antigo campo de
caça da Coroa. (...) Seus caminhos, árvores e gramados, dispostos
de maneira naturalista, com desenho sinuoso e acolhedor, pleno de
39
recantos, onde o indivíduo, a família, os amigos, encontram seu
espaço próprio, independente de qualquer referencial ao poder
central absoluto e controlador; é a afirmação do pensamento liberal
e da livre iniciativa (...)
Na visão de HOWARD(2002:16), lazer e cidade-jardim estão intimamente
interligados. Correspondem a prática vitoriana de um ideal anglo-saxônico, isto é, o
jardim oscilando entre o ideário industrial e a escala medieval da cidade.
Permitindo-se a um salto no tempo, A Carta de Atenas, elaborada em
1937, visando um ordenamento para o futuro de cidades, apresenta dois, de seus
quatro princípios, objetivando e priorizando o lazer na cidade Habitar e Recrear
ambos estudados de forma dual, sempre ligados ao conjunto da cidade, onde LE
CORBUSIER teve participação fundamental, sendo o primeiro arquiteto a apontar
soluções urbanísticas para o problema da recreação.
Para o mesmo, lazer é o tempo-espaço no qual o homem se nutre de
novas forças, recuperando as gastas no trabalho. Essa idéia remete-nos ao
racionalismo francês, ao comparar trabalho e lazer com maldição e bênção oriundas
do pecado original. Nessa medida, LE CORBUSIER, ao teorizar o lazer, propõe
soluções contraditórias que, simultaneamente, divide a alma humana e segrega os
indivíduos. Sua visão desordenada e caótica das cidades torna-se organizada em
funções, e perfeitamente arrumada. Sobre o autor e sua correspondente visão de
lazer, YURGEL(1983:41) afirma:
O homem passa a ocupar uma posição predeterminada e perde até
mesmo o contato com o mundo maior. É isolado, numa escala de
pedestre, na célula de habitar, e próximo do trabalho, sem mesmo
ter de sair para suas diversões, que estão ao alcance de uma
caminhada pequena. (...) o problema do lazer, aqui tratado de uma
maneira contrária ao desenvolvimento do homem como participante
da sociedade.
A ênfase dada ao arquiteto LE CORBUSIER nos estudos do Lazer é
resultado de duas condições muito peculiares: primeiro, por ser o teórico mais
importante e que maior influência exerceu na Arquitetura moderna e, segundo, por
ter sido o único a tratar tão profundamente tal assunto. É a partir dele que o tema
lazer expande-se para toda a arquitetura e urbanismo contemporâneos.
A cidade, por ser o locus por excelência, de diversas atividades humanas,
40
deve ter como metas primordiais, questões como lazer e recreação. A estética do
meio ambiente também constitui um importante elemento da recreação. Compete
portanto à esfera administrativa dessa cidade, a missão de organizar e difundir uma
política estatal que promova e amplie espaços livres destinados à recreação e uso
do tempo livre, dentro do meio urbano. Nesse contexto, são elucidativas as palavras
de YURGEL(1983:42), tanto ao teorizar sobre recreação, quanto ao valorizá-la
dentro da cidade:
A utilização do tempo livre tem de ser considerada como critério de
riqueza social, indivisível das possibilidades do homem para
expressar voluntária e livremente suas forças criadoras; a recreação
é um fenômeno social, vinculado à possibilidade de uma total
utilização do tempo livre (...) Os entornos que requerem a recreação
não podem estar à margem dos demais problemas complexos da
humanidade, para o que é necessário obter uma integração positiva
entre as questões da arquitetura e demais esferas científicas e
criadoras: os diversos problemas que impõe o meio ambiente
destinado à recreação devem ser o objetivo de uma política estatal.
Este meio ambiente para recreação terá de ser considerado como
um sistema único, íntegro e dinâmico, em harmonia com os demais
sistemas funcionais da vida, existindo uma clara inter-relação entre a
recreação e as demais esferas da vida. (...) O problema da
recreação deve resolver-se em relação a problemas gerais, tais
como são a distribuição da população e a habitação, esta escolhida
em presença de uma rica variedade de formas habitacionais, sobre a
base de um sistema urbano de áreas verdes, de um sistema eficaz
de transporte motorizado e de uma segurança efetiva para os
pedestres.
1.5.3 O espaço público em questão
Como era de se esperar, o espaço público é a praça, rua, shopping,
praia, enfim, qualquer tipo de espaço que não represente obstáculos à
acessibilidade e participação de qualquer tipo de pessoa. Na visão de GOMES
(2002:162):
Poderíamos dizer que o espaço público é o lugar das indiferenças,
ou seja, onde as afinidades sociais, os jogos de prestígio, as
diferenças, quaisquer que sejam, devem se submeter às regras da
civilidade.
41
Sobre esse espaço se constitui e se desenvolve assim um certo código
de conduta, estabelecido pelo bom relacionamento na co-presença e na coabitação.
Neste espaço público, civilidade e sociabilidade tem de ser sinônimos. Nele, valores
como a "etiqueta" , ganham uma nova dimensão, ou seja, um universo de trocas e
de encontros. O autor ainda sinaliza:
Civilidade, urbanidade ou polidez. Estas denominações não deixam
dúvidas a propósito da origem espacial desse tipo de
comportamento, a cidade, este universo de trocas cotidianas e
reguladas. É por intermédio da civilidade, seu emprego ou uso que
surge a possibilidade de diálogo e que se opera a transformação
desse lugar de contato e de mistura em espaço público, terreno
fundamental da vida social democrática. O espaço público é assim a
mise-en-scène da vida pública, desfile variado de cenas comuns
onde nos exercitamos na arte da convivência. O lugar físico orienta
as práticas, guia os comportamentos, e estes por sua vez reafirmam
o estatuto público desse espaço, e dessa dinâmica surge uma
forma-conteúdo, núcleo de uma sociabilidade normatizada, o espaço
público.
6
Todavia não podemos deixar de destacar que no espaço público, também
ocorrem os conflitos. Nele espaço para o diálogo e debates do interesse público
sobre dinâmicas e transformações da vida social. Qualquer cidade, por menor que
seja, sempre dispõe desses lugares públicos que correspondem à sua imagem e
sociabilidade. Nesses pontos de encontro e comunicação, realiza-se consciente ou
inconscientemente um resumo da diversidade socioesapcial daquela população.
Acerca disso, GOMES (2002:164-5) ainda afirma:
Sobre esse espaço se desenrola a cena pública, que é composta de
uma multiciplidade de manifestações que variam bastante, segundo
a localização espacial e o período de tempo no qual ocorrem. De
fato essa cena é uma espécie de discurso que se constrói por meio
de gestos, pela maneira de se apresentar (em grupo, sozinho, com a
familia etc), pelas atividades desenvolvidas; pelas imagens criadas e
lidas a partir de certos elementos, como roupas e acessórios; e
pelos comportamentos, a maneira de falar e se conduzir em face da
diversidade de circunstâncias oferecidas nesse espaço. Os
itinerários, os percursos as paradas são igualmente significativos,
demonstrando uma escolha, uma forma de particularizar e valorizar
diferencialmente esse espaço. Em suma, essas manifestações são
formas de ser nesse espaço.
Não devemos, portanto, confundir o espaço público com o conceito de
6
GOMES (2002:163-4).
42
espaço coletivo, sendo esse último existente a partir de uma coletividade
estruturada por uma identidade originária de uma afinidade repartida de maneira
uniforme sobre o espaço.
7
O espaço público, obrigatoriamente, respeita leis e limites
preestabelecidos e a cidade privilegia essas relações, na medida em que o tecido
urbano multiplica esses elementos por toda sua extensão. Aliás, não cidadania
sem espaços públicos, assim como estes não podem existir sem uma dimensão
física, oportunizada através do planejamento urbano no espaço geográfico.
Contudo, na atualidade, temos novas facetas de espaços públicos, que
se diferenciam das propostas advindas dos primeiros anos da modernidade, que
prezava em organizar a cidade em torno da cidadania e convivência social. Essas
novas imagens físicas e sociais da cidade são o que GOMES (2002:174) classifica
de "recuo da cidade":
(...) um confinamento dos terrenos de sociabilidade e diversas
formas de nos extrairmos do espaço público (telefones celulares,
fones de ouvido etc.), os modelos de lugares se redefiniram,
shopping centers, ruas fechadas, paredes "cegas" etc. (...) Trata-se
assim do recuo do projeto social e espacial que está em processo de
"encolhimento", muito embora ele ainda subsista como imagem
mental em diversos segmentos pensantes da sociedade.
Também é importante destacarmos a questão da apropriação privada de
alguns espaços comuns da atualidade, notadamente em grandes cidades, e
particularmente no Rio de Janeiro. Sua escala vai desde a ocupação de uma
simples calçada até o fechamento de ruas ou bairros inteiros. Manifesta-se através
de estruturas físicas fixas ou pelo simbolismo. Nesse caso é o setor informal da
economia, provocado dentre outras causas pelo crescente desemprego que assola
o país, um dos fomentadores desse tipo de apropriação do espaço público.
Os locais de livre acessibilidade, por serem, geralmente, valorizados
comercialmente, incitam à exploração de atividades lucrativas, em áreas de grande
fluxo, justamente por serem públicas e abertas (calçadões, praças, estações de
metrô etc.). Ocorre, então, uma apropriação desses espaços indevidamente. Ao
"privatizar" esses espaços, do ponto de vista físico, restringe-se seu uso original,
gradativamente. Nesse caso, os maiores exemplos dessa dinâmica, estão na ação
dos camelôs, independente do tamanho da cidade. Novamente, se fazem
concordantes as palavras de GOMES (2002:177):
7
GOMES (2002:166).
43
toda uma estratégia de ocupação que começa sempre por uma
ocupação física mínima, pequebnas malas abertas sobre o solo e
depois, (...) vão incorporando estruturas mais fixas, podendo se
transformar em verdadeiros assentamentos permanentes. Os
terrenos o muito disputados, e sobre o espaço público são
estabelecidos verdadeiros loteamentos controlados por pessoas,
inúmeras vezes vistas com verdadeiros "proprietários", que algum
tempo depois passam, como legitimos locadores, para recolher o
fruto dos "aluguéis". Praças transformam-se assim em grandes
mercados, e as principais ruas da cidade tornam-se estreitas, pois
restam apenas pequenas passagens para os transeuntes. Os
lugares da vida pública, da deambulação, do passeio, do espetáculo
da coabitação, da idéia de vida urbana, que construíram os grandes
projetos urbanísticos do final do Século XIX e começo do XX,
desaparecem, dando lugar a um emaranhado de balcões de
mercadorias. A dimensão do homem público se estreita,
restringindo-se à de um mero passante ou no máximo se limitando à
de um eventual consumidor.
Entretanto, não é de responsabilidade do setor informal a ocupação
dos espaços públicos. Na justificativa da insegurança, podemos perceber que a
partir da década de oitenta, diversos condomínios de classes mais abastadas,
gradativamente, fecham ruas e ocupam calçadas, na maioria das vezes, sem
qualquer consulta à prefeitura ou população local:
A estratégia consiste em colocara grades de ferro que delimitam um
espaço adicional ao prédio. Muitas vezes vasos de plantas ou
colunas com correntes de ferro também são usados nessa
estratégia. O importante é ocupar uma áreas adicional, ganhar
espaço, privatizar o público, deixando o mínimo necessário à
circulação.
Em muitas ruas, sobretudo as pequenas vias sem saída,
disseminou-se também o uso de barreiras, com seguranças
particulares, em guaritas controlando a entrada e a saída das
pessoas e dos carros, como se estivéssemos de fato diante de um
espaço privado, onde seria lícito estabelecer critérios diferenciados
de acesso. Os ritos de invasão dos espaços públicos são muito
numerosos para ser todos descritos neste breve relato (...).
8
Outro aspecto fundamental, no que tange aos espaços públicos abertos
da atualidade, pelo menos no caso brasileiro, é sua constante desvalorização, em
detrimento dos fechados e privados, por parte da população, provocados por
abandono e descaso das sucessivas administrações municipais. Cada vez mais,
8
GOMES (2002:179:80)
44
presenciamos a população recusando-se a compartilhar um território coletivo de
vida social, oferecido pelo espaço público. Preferem refugiar-se em espaços que
não deixam de ser, também públicos, porém controlados e selecionados pelo poder
aquisitivo.
Justamente devido ao descaso e abandono, os espaços abertos
constituem verdadeiros pontos de encontro das mazelas da sociedade, infelizmente.
Nesse sentido afirma GOMES (2002:185):
(...) os espaços públicos se transformam cada vez mais numa
espécie de passarela para o espetáculo da pobreza. Mendicância,
prostituição, comércio ambulante de mercadorias baratas ou
contrabandeadas são assim tolerados, sem muitas queixas, em
alguns dos principais eixos da vida pública carioca, ao longo das
prias, no centro da cidade, em parques, jardins etc. As classes
populares também comumente sãoas usuárias majoritárias,
sobretudo nos finais de semana, dos grandes centros de lazer ou
das grandes praças da cidade, (...) Mais uma vez, as classes médias
procuram sempre por espaços de lazer mais protegidos e de mais
difícil acesso, onde o filtro exercido pelo poder aquisitivo ou pela
acessibilidade seja efetivo na seleção social.
Infelizmente não podemos omitir que existe no Brasil uma preconceituosa
idéia de que o bem público é sinônimo de baixa qualidade e de uso exclusivo do
extrato da sociedade, tal como vemos nas áreas de saúde e educação,
principalmente. De fato, isso em parte ocorre, e é refletido nos espaços públicos,
que por serem áreas livres e abertas, recebem majoritariamente, elementos
oriundos das camadas populares. Outra característica evidente nesses espaços de
nossos dias, refere-se à situação de desrespeito, quanto ao seu uso:
Abandonados pelos poderes públicos e pela população que mais
efetivamente dispõe dos meios de exercer e reclamar a cidadania,
os espaços públicos se convertem em terra de ninguém, sem regras
de uso, perdem sua característica fundamental, ou seja, a de terreno
de convivência, associação social, encontro entre diferentes, ou, em
uma palavra, espaço democrático. Desgaste, sujeira, desrespeito e
invasões são, pois, algumas das características freqüentes nesse
tipo de espaço, sem que isso gere de fato uma reação efetiva da
população.
9
9
GOMES (2002:185-6).
45
Sendo assim, compreendemos que o espaço público é o instrumento
onde são sinalizados os conteúdos da vida social urbana. Esse espaço permanece
sendo um terreno que prioriza a comunicação social, mesmo quando as práticas
tentam negar o seu estatuto fundamental, ou seja, um espaço de convivência e de
respeito social entre diferentes. Indubitavelmente, o desrespeito no seu uso resulta
na perda de sua essência, reduzindo-se gradativamente as possibilidades de
exercício pleno da cidadania, pelo simples fato de que o próprio espaço físico do
espaço público está cada vez mais limitado. (GOMES, 2002:191).
1.5.4. Lazer e Cidadania
A quem o lazer serve dentro da cidade? Os espaços destinados a ele
estão distribuídos de forma equânime por toda a cidade? Pode-se dizer que
democratizar o lazer implica, obrigatoriamente, em democratizar o espaço, bem
como não podemos negar que o espaço para o lazer é o espaço urbano por
excelência. Cumprindo com o objetivo de analisar somente espaços públicos ao ar
livre (parques, praças, jardins etc.) percebemos a desigualdade histórica de sua
distribuição, não na Cidade do Rio de Janeiro, mas em qualquer espaço urbano
densamente ocupado, seja Buenos Aires ou Paris. Os sucessivos planos de
remodelação e embelezamento aplicados nos centros urbanos hoje em dia e no
passado, não são democráticos no que tange à previsão de espaços destinados ao
lazer ao ar livre, haja vista a realidade de cidades exclusivamente planejadas da
atualidade tais como Palmas e Brasília. De maneira genérica, os melhores e
maiores parques, bosques, jardins e praças arborizadas sempre localizam-se em
bairros mais elitizados dos grandes centros urbanos, proporcionando mais qualidade
de vida ao seu público mais direto, leia-se, à seleta população que reside nos seus
arredores. É ela quem usufrui mais e melhor desses espaços (exercícios físicos,
corridas, caminhadas, práticas de esporte etc.) que são públicos, não podemos
negar, porém de forma indireta e por questões de mobilidade física e social, a
grande massa populacional é naturalmente alijada de seu acesso. Basta verificar
quem são os freqüentadores habituais (não ocasionais), sobretudo pela manhã,
durante a semana útil, do Central Park de Nova York, Ibirapuera em São Paulo,
Parque da Redenção em Porto Alegre ou Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro.
46
Não podemos negar que, majoritariamente, é uma elite local, que de maneira
privilegiada, pode desfrutar de tais espaços públicos ao ar livre com maior
veemência, pelo simples fato de habitar o seu entorno. Os espaços são públicos,
destinados às mais diversas formas de lazer, entretanto nada democratizados
quanto ao seu efetivo uso.
O quê falar então dos espaços fechados e privados? Também destinados
ao lazer, são cada vez menos democráticos, no que diz respeito à sua distribuição
geográfica (localização) pela cidade. As opções e formas de lazer, cada vez mais
excludentes e ditadas por modismos, já citadas anteriormente, reflexos da
globalização e modelo neoliberal a que estamos inseridos, padroniza e torna cada
vez mais homogênea também as opções de lazer dentro do meio urbano,
nomeadamente essas opções privadas de lazer, onde é incitado de forma mais
agressiva a questão do consumo.
À guisa de exemplificação, não podemos fugir de nossa realidade, nosso
espaço urbano por excelência, a Cidade Maravilhosa e sua relação entre espaços
privados destinados ao lazer e democratização de uso, ontem e hoje. Justamente
por priorizarem o consumo, tornam-se cada vez mais desiguais e concentrados em
bairros elitizados, que podem pagar e sustentar tais formas de lazer. Acerca disso,
são de grande valia as palavras de MELO & PERES(2005:88), exemplificando a
discrepância, quanto à localização e acesso às salas de cinema da cidade:
Outro exemplo notável é o declínio dos cinemas de rua. Em 1955, o
Rio de Janeiro atingiu o número máximo de cinemas, em sua
história, cerca de 190, espalhados por quase cinqüenta bairros.
Eram cinemas com uma sala de exibição (alguns com grande
disponibilidade de lugares) e que tinham como público-alvo a
população da comunidade ao redor. (...) Hoje, temos 150 salas de
cinema, porém distribuídas por cerca de vinte bairros, normalmente
organizadas no modelo de complexos cinematográficos (várias salas
em um cinema), localizando-se, na maior parte dos casos, em
shopping centers. Os antigos cinemas, em sua grande maioria,
viraram igrejas evangélicas e supermercados ou foram divididos em
diversas pequenas salas. (...) São ampliados os complexos de
diversão (com o surgimento de shoppings, parques temáticos, casas
de shows, entre outros), mas, aparentemente, cada vez mais são
organizados locais públicos para privilegiados, onde, implícita ou
explicitamente (por motivos diversos, entre eles, o preço e a
distância), definem-se as possibilidades (restritas) de acesso.
Hierarquiza-se (e privatiza-se) o espaço urbano.
Devido ao advento das novas tecnologias em segurança e
47
proporcionalmente ao medo propagado pela mídia, incentivando cada vez mais o
enclausuramento da sociedade, aliado à utilização excessiva dessas novas técnicas
de segurança, multiplicam-se em nossa sociedade, espaços confinados de lazer,
ocupados por pessoas que, por insegurança abandonam e/ ou gerações que
desconhecem opções de lazer tradicionais ao ar livre. Esses espaços, a que
CALDEIRA(2000) denomina de "enclaves fortificados", transforma totalmente a vida
em sociedade, na medida que alguns princípios do espaço público tradicional, tais
como a acessibilidade, a abertura e a livre circulação, estão gradativamente sendo
rompidos, isto é, desaparecendo ou sendo desvalorizados.
Ocorre em nossa sociedade atual, verificadas com maior veemência,
quanto maior e mais dinâmico é o espaço urbano, algumas iniciativas efetivas que
delimitam a acessibilidade ao espaço público como um todo. CALDEIRA(2000:259)
complementa tais restrições observadas nos espaços públicos das cidades da
atualidade, bem como demonstra o que os "enclaves fortificados" provocam na
sociedade e na cidade:
(...) os enclaves fortificados são exclusivamente propriedades que
valorizam o que é privado e restrito, ao mesmo tempo que
desvalorizam o que é público e aberto na cidade. São fisicamente
demarcados e isolados por muros, grades, espaços vazios e
detalhes arquitetônicos. São voltados para o interior e não em
direção à rua, cuja vida pública rejeitam explicitamente. São
controlados por guardas armados e sistemas de segurança, que
impõem as regras de inclusão e exclusão. São flexíveis (...)
independentes de seu entorno, que podem ser situados
praticamente em qualquer lugar. (...) tendem a ser ambientes
socialmente homogêneos. Aqueles que escolhem habitar esses
espaços valorizam viver entre pessoas seletas (ou seja, do mesmo
grupo social) e longe das interações desejadas, do movimento, da
heterogeneidade, do perigo e da imprevisibilidade das ruas. Os
enclaves privados e fortificados cultivam um relacionamento de
negação e ruptura com o resto da cidade e com o que pode ser
chamado de um estilo moderno de espaço público aberto à livre
circulação. Eles estão transformando a natureza do espaço público e
a qualidade das interações públicas na cidade, que estão se
tornando cada vez mais marcadas por suspeita e restrição.
Como uma tendência muito forte na atualidade, de aliar o lazer à
habitação, os condomínios fechados cumprem com o apelo publicitário de oferecer
às classes mais abastadas, a "salvação" de todos os problemas urbanos, assim
como, a solução dos seus, sempre com o objetivo de priorizar, é claro, o consumo.
Todas as formas de lazer oferecidas então, levam exclusivamente, e não existem
48
sem ele. Nessas novas opções de moradia, cotidiano, lazer e consumo,
obrigatoriamente coabitam os mesmos espaços. Tais habitações são exemplos
típicos dos "enclaves fortificados", de que fala CALDEIRA(2000). Em se tratando de
Rio de Janeiro, eles se multiplicaram junto à famosa Barra da Tijuca, denotando
uma ilustração visível de concepções "modernosas" e fórmulas importadas de "bem
morar", aliando sempre, habitação e lazer como sinônimo de consumo. Acerca
desse bairro, o valiosas as palavras de FREITAS & NACIF(2005:12), não pela
sua caracterização, como também para dar um exemplo desses "enclaves
fortificados" na Cidade do Rio de Janeiro:
(...) o caso dos condomínios fechados da Barra da Tijuca, região
cuja fórmula arquitetônica privatiza espacialmente o tempo livre. (...)
Constitui-se como um conjunto de espaços urbanos recentes na
história da cidade, reterritorializando um espaço que há poucos anos
se traduzia visualmente em formas de dunas e praias limpas. Em
menos de quatro décadas, transformou-se na esperança da classe
média de se esconder dos problemas da cidade em construções
muradas que tentam reproduzir o lazer típico dos equipamentos
urbanos públicos. Isso é sensivelmente notado nos shopping
centers, condomínios fechados, centros empresariais e parques
temáticos existentes no bairro.
A grande questão está no fato de que, cada vez mais, vivemos um tempo,
onde a qualidade de vida e, conseguintemente, o lazer, notadamente nos países
pobres, é artigo de luxo. Por possuir características e formatos, cada vez mais
privados, a um custo cada vez mais elevado, impossibilitam ao trabalhador, exercer
seus direitos de liberdade, de cidadão, podendo administrar cada vez menos, seu
tempo livre. Ora, se agora o lazer é incluído na dinâmica do mercado, logo as
opções serão para poucos, onde o salário do trabalhador jamais será suficiente para
proporcionar-lhe prazer no seu tempo livre e, conseqüentemente impossibilitando-o
de praticar o lazer. Esse prazer, ou seja, essa auto-realização, se através do
consumo. Nesse âmbito, se fazem necessárias as palavras de FREITAS & NACIF
(2005:13), justamente por tratarem dessa questão desigual em relação às ofertas de
lazer:
(...) as opções de lazer são relativamente restritas, ainda mais se
considerando as desigualdades em termos de ofertas de
equipamentos públicos, centralização dos espaços de lazer nas
regiões mais privilegiadas das cidades e os custos das atividades.
(...) Poderíamos argumentar que o lazer é o espaço de consumo da
49
realização individual tanto quanto o trabalho. Contudo, sabemos que
este último não é um espaço de consumo. O lazer constitui posse.
Ainda no sentido da democratização de espaços públicos, verificamos
facilmente que um descompasso na relação lazer/espaço urbano, fruto da
natureza recente de crescimento de nossas cidades, caracterizado pela aceleração
e imediatismo, principalmente nas grandes metrópoles dos países periféricos,
marcadas mais violentamente por fenômenos de "inchaço", êxodo rural etc. A
urbanização desenfreada produziu uma periferização ou suburbanização, onde as
instituições públicas se mostraram e permanecem insuficientes na oferta de infra-
estrutura, frente ao crescimento da população urbana, sobretudo no que tange à
opções de lazer, sempre vistas por administrações e gestões municipais como
supérfluas e colocados num segundo plano, que não representam gênero de
primeira necessidade. MARCELLINO(1996:25) explica também essa relação
desproporcional entre lazer/espaço urbano, apontando as desigualdades:
O aumento da população urbana o foi acompanhado pelo
desenvolvimento da infra-estrutura, gerando desníveis na ocupação
do solo e diferenciando marcadamente, de um lado as áreas
centrais, concentradora de benefícios, e de outro a periferia,
verdadeiro depósito de habitações. Mesmo quando nestes espaços
estão localizados equipamentos tais como shoppings, a população
local não tem acesso privilegiado a eles. (...) Essa situação é
agravada sobretudo se considerarmos que, cada vez mais, as
camadas menos favorecidas da população vêm sendo expulsas para
a periferia e, portanto, afastadas dos serviços, dos equipamentos
específicos; justamente as pessoas que não podem contar com as
mínimas condições para a prática do lazer em suas residências e
para quem o transporte adicional, além de economicamente inviável,
é muito desgastante.
Essa acessibilidade se efetiva com melhores condições sociais
(distribuição de renda, educação, emprego etc.) dentro do meio urbano. Pelo fato de
ser um problema muto mais amplo, não atinge somente a dinâmica citadina, assim
como não pode ser solucionado apenas através do planejamento urbano em si.
Contudo, é o planejamento urbano, a partir de políticas públicas, que
materializará, para todo o sempre, a ferta e acesso dos espaços livres destinados ao
lazer, dentro das cidades. Uma simples iniciativa, ou a falta dela, realizada por uma
breve administração municipal, pode definir o futuro de uma cidade, deixando
50
seqüelas materializadas no espaço físico, fruto de ações maléficas ou benéficas do
poder público.
Dito isso, cumpre-nos obrigação, dar seguimento a esse trabalho,
discutindo o planejamento urbano, isto é, o ato de planejar cidades, inclusive
objetivando contextualizá-lo à nossa cidade. No capítulo seqüencial então,
analisaremos o primeiro esforço de planejamento urbano para a totalidade de uma
cidade, realizado no Brasil O Plano Agache. Símbolo de uma época, serve como
modelo e fonte de pesquisa quando o assunto é planejar cidades, até nossos dias.
Nesse próximo capítulo então, analisaremos esse plano detalhadamente,
o contexto histórico-social cujo qual esteve inserido, bem como os reflexos dele
sentidos em nossa cidade até os dias de hoje, isto é, a efetivação e materialização
dalguns espaços públicos, presentes na Cidade do Rio de Janeiro da atualidade.
51
2. PLANO AGACHE: TEXTO E CONTEXTO
Neste segundo capítulo cumpre-nos analisar de que forma é concebido um
plano diretor, bem como todo o contexto que envolveu a elaboração do Plano
Agache. O sub-capítulo 2.1., intitulado A concepção de um Plano Diretor: Por Quem
e Para Quem? reserva-se a esclarecer de que modo e maneira e, simultaneamente,
a quem serve um plano diretor, estabelecendo uma crítica ao tratamento que é
dado à cidade como um todo, determinando a vida de seus habitantes a partir de
cálculos, fórmulas matemáticas etc., sem prever suas particularidades, promovendo
dessa forma a segregação sócio-espacial. Além disso, aqui também faremos uma
distinção entre Urbanismo e Planejamento Urbano.
O sub-capítulo 2.2., denominado Um Plano para a Capital Federal: O Plano
Agache e seu Contexto, apresenta o contexto histórico pelo qual passava o país no
período estudado, isto é, final da década de vinte do mesmo século, e seus reflexos
sentidos na sua cidade-capital. É esse o momento para identificarmos, através de
uma retrospectiva histórica, os bastidores de gestões anteriores e um pouco
posteriores ao Plano Agache, no intuito de conhecermos como surge o discurso
urbanista no país, fazendo emergir o Urbanismo como Ciência no Brasil e chega-se
ao consenso da necessidade de um plano diretor para a capital federal. É no sub-
capítulo 2.3., sob o título O Plano, o modelo de cidade e seus objetivos, que
conheceremos as principais influências e idéias de Agache, incorporadas na
elaboração de seu plano, expressas separadamente nos itens 2.3.1., 2.3.2. e 2.3.3.
O capítulo dois finaliza no item 2.3.4. com a versão própria de Agache acerca do
Urbanismo e da sua importância para a cidade.
2.1. A Concepção de um Plano Diretor: Por quem e para quem?
O Plano Diretor está vinculado ao planejamento racional e compreensivo e,
portanto, pressupõe a pretensão de um conhecimento completo do objeto de estudo
e uma implementação perfeita por parte dos órgãos executantes desse plano. Essa
abordagem científica do objeto coincide com a crítica feita à Ciência sob o ponto de
vista ideológico. Pois aqui, podemos também reduzir o conhecer, a dominar.
52
O objetivo é que a cidade seja totalmente reduzida a leis e teorias, para que
não aconteçam surpresas e o planejamento alcance os seus objetivos. Além disso,
qualquer comportamento que não se enquadre nas leis estabelecidas vai ser
considerado um desvio dotado de irracionalidade.
Um plano como esse programa alterações desejadas nos usos dos espaços e
dos equipamentos urbanos, sempre visando alcançar a cidade ideal, sem problemas
de habitação e congestionamentos de trânsito. Supõe, também, que as vidas dos
habitantes da cidade são determinadas pelo entorno físico e, dentro de seu
determinismo físico, se faz acreditar capaz de modificar o homem através da
transformação do ambiente. O plano diretor tenta fazer crer que a cidade seja um
conjunto de construções e usos do solo que podem ser arranjados e rearranjados,
através de planejamento, sem levar em conta os determinantes políticos, sociais e
econômicos. Sua utopia é evidenciada na proposta de desenho físico, como capaz
de ordenar padrões de relações sociais e até de subverter a estrutura de classes ou
ainda, como modelo de sociedade sem classes. GANZ (1960) faz uma referência ao
supracitado:
(...) mais importante do que esse plano contém é o que ele deixa de
fora. As estruturas sociais, econômicas e políticas e suas reações,
que irão determinar o tipo de uso e ocupação da terra, não são
consideradas relevantes (...).
É necessário deixar claro que todo e qualquer plano diretor é excludente
socialmente, à medida que não prevê a incorporação da totalidade da sociedade
que habita aquele espaço geográfico a ser planejado.
Vem a ser um senso comum a todos os planos diretores ignorar, ou tender a
colocar em áreas consideradas de múltiplas atividades, muitos dos usos e
instituições das classes econômicas mais baixas e de outros grupos étnicos. Casas
de cômodo, indústria caseira e atividades consideradas cultural ou moralmente
indesejáveis também não são previstas. Mais grave ainda é pretender uma vida de
classe média para todos os habitantes.
Podemos dizer, de certo modo, que se reproduz na cidade moderna
republicana, o mesmo tipo de exclusão social ocorrente no meio rural dos períodos
imperial e colonial, sempre tentando limitar o livre acesso e trânsito, da classe social
menos favorecida. NETO (2003:227) faz uma correta correspondência ao comparar
53
o surgimento das vilas operárias na cidade com as casas enfileiradas do meio rural,
avaliando toda uma reorganização do espaço urbano:
No projeto das elites, a modernização significou também um
reordenamento geral dos espaços da política, com a manutenção da
exclusão popular da mesma, como no Império, e a reorganização
dos espaços urbanos e rurais: às casas enfileiradas das colônias
rurais corresponderam as vilas construídas nas cidades para
confinamento e disciplinarização dos operários urbanos. À nova
disciplina de trabalho imposta pela implantação do colonato no
campo corresponderam as novas disciplinas de trabalho e de
sociabilidade instauradas nas fábricas, nas escolas, nos teatros, nas
ruas da cidade, na intimidade da casa.
Planos Diretores acabam sendo uma alternativa demasiadamente bem-vinda,
no que tange à manutenção da exclusão social, imposta pelas elites burguesas, em
nome da modernidade. As comunidades ou unidades em que é dividida a cidade
não refletem áreas organizadas naturalmente por grupos sociais e, como
conseqüência, muitas vezes é ignorada a formação espontânea de bairros
existentes. Os processos comuns de mudança como invasão e sucessão são
também deixados de lado na tentativa de ignorar a mobilidade residencial e, se
possível, controlá-la. GANZ (1960) ratifica:
(...) o próprio modelo de cidade deve ser questionado, pois muitas
vezes, valores individuais são transformados em padrões arbitrários.
Os residentes da cidade em geral, não estão interessados na ordem
espacial que se obtém da sua implantação (...).
O zoneamento, a divisão do espaço em zonas de usos específicos consta em
qualquer plano diretor. Inspirado no desenho urbano e de arquitetura, na Europa,
em fins do Século XIX, cresceu, e vem a ser mais usada e maior arma dos
planejadores. Contudo, quando se propõe não misturar diferentes usos do solo,
muitas vezes está presente o temor de contaminação de áreas mais valorizadas, por
grupos de baixa renda ou usos não-convenientes.
A própria adoção do plano diretor típico como instrumento de planejamento
pressupõe um conteúdo ideológico não-explícito, cujo objetivo é conhecer o objeto e
ordenar a cidade sem, contudo, resolver os problemas essenciais. Ignora-se assim,
a maioria dos conflitos urbanos. Ignorando-os, não se obrigam, portanto a resolvê-
los.
Todavia, na atualidade, não podemos sustentar essas mesmas
54
conclusões, quando o assunto é planejar cidades, até porque, não é mais usual
planejar uma cidade inteira, tal como realizado em Brasília ou Goiânia, seja por
questões financeiras, seja por questões político-ideológicas.
Hoje, podemos dizer que nos países que possuem uma vasta cultura e
tradição de planejamento urbano, o mesmo torna-se interdisciplinar, ao congregar
as mais diferentes áreas profissionais, na sua elaboração. Aos arquitetos, soma-se
uma gama de cientistas sociais, inclusive geógrafos, além de biólogos e
especialistas em Direito Urbano, integrados na missão de promover um melhor
futuro ao meio urbano de que se propõe. (SOUZA, 2002:55-6).
No caso brasileiro não podemos concluir da mesma maneira, já que é hábito,
relacionar o planejamento urbano somente com a arquitetura. E mais, é comum no
Brasil, ainda associarmos Urbanismo como sinônimo de planejamento urbano, o
que constitui um grave equívoco. À guisa de exemplificação, SOUZA (2002:56)
ratifica:
É sintomático, (...) que o livro Maniére de penser l'urbanisme, de
Charles-Édouard Jeanneret, mais conhecido como Le Corbusier,
principal figura do urbanismo modernista, tenha sido publicado no
Brasil sob o título Planejamento Urbano (cf. LE CORBUSIER, 1984).
Este é um duplo equívoco, pois não apenas os arquitetos (ou, mais
particularmente, arquitetos-urbanistas) constituem tão-somente um
dos vários grupos de profissionais potencialmente ligados ao
planejamento urbano, mas, além disso, devido à sua formação,
praticam uma modalidade específica de planejamento urbano.
Urbanismo e planejamento urbano não são, portanto, sinônimos,
nem o primeiro esgota o segundo. Infelizmente, mesmo planejadores
comprometidos com um pensamento socialmente crítico, quando
arquitetos, costumam, no Brasil, confundir as duas coisas.
Não podemos, entretanto, discordar, que constitui tradição do campo
arquitetônico, a essência do Urbanismo, diferentemente do planejamento urbano,
congregando na sua confecção engenheiros, sociólogos, geógrafos, estatísticos...
Na defesa da arquitetura, como ciência que possui o direito de melhor explorar o
Urbanismo, LE CORBUSIER (1984:14) exprime:
O urbanista nada mais é que o arquiteto. O primeiro organiza os
espaços arquiteturais, fixa o lugar e a destinação dos continentes
construídos, liga todas as coisas no tempo e no espaço por meio de
uma rede de circulações. E o outro, o arquiteto, ainda que
interessado numa simples habitação e, nesta habitação, numa mera
cozinha, também constrói continentes, cria espaços, decide sobre
circulações. No plano do ato criativo, são um o arquiteto e o
55
urbanista.
Indubitavelmente, a formação do arquiteto é mais completa no que diz
respeito às habilidades técnicas, diferentemente de um sociólogo ou geógrafo. Leia-
se, habilidades técnicas aqui, como sinônimo de uma maior visão estética, própria
da formação desse profissional citado primeiramente. Enquanto o arquiteto possui a
desenvoltura de lidar com aspectos estéticos e funcionais de ruas, bairros ou
cidades, o cientista social preocupa-se mais com as relações e processos sociais e
espaciais (sob as dimensões econômica, política e cultural), tentando extrair ou
propor vias para uma mudança social positiva, junto ao meio urbano. Acerca dessa
propriedade do profissional arquiteto, se faz novamente deveras importante a
contribuição de SOUZA (2002:57):
De um modo geral, assuntos concernentes ao traçado e à forma de
logradouros públicos e conjuntos espaciais intra-urbanos em geral
(volumetria, relacionamentos funcional e estético de um objeto
geográfico com seu entorno etc.), bem como ao mobiliário urbano,
são principalmente da alçada dos arquitetos; são eles que possuem
a formação acadêmica e o treinamento profissional apropriados:
uma sensibilidade estética aguçada e cultivada e uma bagagem
técnica acerca da funcionalidade dos traçados e objetos geográficos.
Isso não significa que os planejadores que não sejam arquitetos não
precisem cultivar a sensibilidade estética ou aprender a raciocinar
considerando a funcionalidade dos objetos geográficos ou formas
espaciais. (...) Mas o fato, o qual não se pode ignorar, é que as
formações e as sensibilidades dos arquitetos (cuja identidade
aproxima-os, em parte, das engenharias e, parcialmente, das artes
plásticas) e dos cientistas humanos e sociais são e permanecerão
diferentes – o que não quer dizer que sejam incompatíveis.
Em décadas mais recentes, arquitetos considerados pós-modernos, vem
sistematicamente relacionando o Urbanismo muito rotulado ao modernismo.
Querendo então desvencilhar-se desse viés, adotaram a expressão urban design,
cuja tradução literal para a língua portuguesa, Desenho Urbano, não corresponde à
essência real do conceito, pelo fato do significado inglês associar ao traçado
urbano, um olhar ambiental, o que não ocorre na tradução para a nosso idioma.
(SOUZA, 2002:57-8).
O fato é que, seja Urbanismo, seja Desenho Urbano, ambos representam um
contexto infinitamente menor daquele expressado no termo Planejamento Urbano,
56
cujo qual deve estar obrigatoriamente associado à gestão, o que não
necessariamente ocorre com os primeiros. A esse respeito, SOUZA (2002:58)
afirma:
O Planejamento Urbano inclui o Urbanismo (ou o Desenho Urbano,
como preferirem); o último é um subconjunto do primeiro. No
ambiente intelectual alemão essa distinção fica bem caracterizada,
pois Städtebau (Urbanismo) quase sempre é entendido como
correspondendo a algo mais restrito que Stadtplanung (planejamento
urbano). No mundo anglo-saxão, onde o termo urbanism, com o
sentido de um campo de saber, não conquistou direito de cidadania
(quando muito, o termo é empregado para se referir a um modo de
vida: Urbanism as a way of life é, a propósito, o título de um texto
clássico da Sociologia Urbana), as expressões urban planning e
town planning apresentam-se, de todo modo, bastante abrangentes,
comprendendo subcampos específicos como landscape architecture,
o site planning, o urban design e o campo das public policies para o
meio citadino. no ambiente intelectual francês, que nos inspirou o
termo Urbanismo, é freqüente o termo urbanisme ser tomado como
sinônimo de planejamento urbano (aménagement de la ville,
planification urbaine), embora isso nem sempre ocorra. O
importante, seja como for, é naõ confundir as duas coisas,
tomando a parte (o Urbanismo) pelo todo (o campo interdisciplinar
do planejamento urbano).
Partindo-se do princípio que, diferença não corresponde a antagonismo,
tampouco a rivalidade, tanto cientistas sociais, quanto arquitetos, necessitam
intrínsecamente, ampliar conhecimentos interdisciplinares. A saber, cientistas
sociais que estudam o meio urbano não podem permanecer ignorantes frente à
questões arquitetônicas. Os mesmos precisam conhecer a funcionalidade dos
objetos geográficos, bem como a sua dimensão estética, o que perspassa por
estilos arquitetônicos, sua análise visual e morfológica, até a história do Urbanismo.
No caso dos arquitetos engajados no planejamento urbano, torna-se indispensável
aprofundarem conhecimentos e familiarizarem-se com discussões teórico-
metodológicas da Geografia, Antropologia, Sociologia etc. Em suma, cabe salientar
que tanto arquitetos quanto cientistas sociais terão especificidades diante do
planejamento urbano, que possuem visões e aplicabilidades distintas. Porém,
mal nenhum nisso. Muito pelo contrário, constitui elemento rico para um
planejamento urbano mais eficaz. (SOUZA, 2002:59).
57
2.2. Um Plano para a Capital Federal: O Plano Agache e seu Contexto
Esse que fora o primeiro plano diretor da Cidade do Rio de Janeiro não pode
ser estudado de forma desvinculada da realidade política, econômica e social do
Brasil à época, bem como da situação da urbe carioca com status de capital federal.
A idéia de planejar a cidade não passava de um reflexo direto da ideologia política
vigente. Para tanto, no presente momento, estudar o Plano Agache requer algum
ordenamento na sua apresentação, tal como a seguir:
1º) A descrição do cenário brasileiro no período que vai do ocaso do
Oitocentismo até 1930, quando é finalizado o Plano Agache;
2º) A situação da cidade e a identificação do prefeito como um membro da
oligarquia dominante e à posterior identificação da ideologia dessa classe, sob o
aspecto de gestão do planejamento da cidade;
3º) A manifestação dessa ideologia no plano. A adoção do plano diretor
típico, os elementos valorizados dentro do próprio plano, seus objetivos e seu
modelo de cidade ideal.
A despedida do Século XIX é marcada no Brasil pelo apogeu da economia
voltada para a larga e não-diversificada produção agrícola de exportação. No campo
político e social dominam os grupos vinculados ao setor cafeeiro e a formação de
oligarquias.
O governo de Floriano Peixoto (1891-1894) é marcado pela unificação dos
senhores da terra. É inaugurada uma nova ordem social e política, onde a classe
media torna-se alijada do poder. Período conhecido como florianismo, ele é o retrato
da classe média protegida e favorecida pelo apoio militar que resiste às pressões
das oligarquias em torno da defesa do latifúndio.
É a partir da Constituição de 1898 que o Imperialismo instala-se no Brasil sob
a forma de empréstimos externos para efetivar a política de proteção ao setor
cafeeiro. É nesse período que o capital internacional adentra as atividades
brasileiras, haja vista a abertura de várias filiais de bancos internacionais no país.
São os primeiros sinais da subserviência crescente da economia brasileira a serviço
do capital estrangeiro caracterizado pelo aumento de investimentos vindos de fora e
situação tranqüila do comércio exterior, devido ao lucro gerado pelo café.
58
A Constituição de 1898 responde a esses interesses com a descentralização
federativa. Essa permite que os estados sejam autônomos com organização de
exércitos próprios e aquisição de empréstimos no exterior sem intervenção do poder
central. Tal período ficara conhecido como política dos governadores, com
supremacia de Minas Gerais e São Paulo conhecida como política do café-com-
leite, uma alusão às oligarquias.
Até então nenhuma inovação na economia brasileira, isto é, assim como
todas as demais economias ibero-americanas, permanecíamos presos à tradição do
Século XIX, ou seja, agrícola, exportadora e tradicional. A dependência dos centros
dominantes reflete-se no crescimento e dinamismo da economia, tornando-se
vulnerável às flutuações dos preços internacionais e taxações dos produtos
primários.
10
O início do Século XX é um "paradoxo" para nossa economia, que,
coincidente com toda essa crise e dependência econômica internacional
(particularmente da Inglaterra), ocorre, outrossim, a modernização dalguns setores.
À guisa de exemplos, trata-se do período de construção de pontes, ferrovias, de
remodelação da Cidade do Rio de Janeiro e a fase de intensificação do
estabelecimento de empresas estrangeiras. É nesse momento histórico que,
lentamente as importações vão sendo substituídas pela produção interna,
notadamente nos bens de consumo não-duráveis, tais como os setores alimentício e
têxtil, na capital federal e em São Paulo.
É a acumulação do capital agrícola que possibilita o surto industrial e
ascensão da burguesia brasileira no início do Século XX. A “mola mestra” da
economia brasileira à época, ou seja, o setor agrícola voltado para o mercado
externo possibilitou o surgimento dum mercado interno que acabou por favorecer a
existência dum setor industrial. O café, através de seu protecionismo moderniza
vários setores, permite o desenvolvimento ferroviário, a rede bancária, embasando
cada vez mais o crescimento industrial. Ademais, através das sucessivas crises do
café, montantes de capital eram transferidos para o setor industrial. (SODRÉ, 1976).
É com a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) que ocorre o grande
impulsionamento da indústria nacional, já que a importação de manufaturados torna-
se cada vez mais cara e rara. Aliado a isso diminuiu-se a concorrência estrangeira
10
Particularmente no Brasil as conseqüências da dependência econômica são sentidas no café, que passa
por sucessivas crises de superprodução, chegando ao ápice em 1929 (ano da crise mundial) com grande
estocagem. O excedente em 29 era tamanho, que fazia o preço despencar, inclusive com estoques jogados ao
mar, pelo fato de não poderem ser comercializados. (SODRÉ, 1979).
59
com a simultânea redução da taxa de câmbio.
Quando a guerra finda, inicia-se a decadência das oligarquias, processo que
se acentua com o crescimento industrial. No período pós-guerra, o capital externo
faz-se atuante no país através da instalação de indústrias estrangeiras.
Outrossim, é no período pós-guerra que ocorrem tensões nos planos político
e social. Consolida-se uma nova classe a operária, manifestada através das
primeiras grandes greves de 1918, negada pelo domínio oligárquico e ainda com
uma consciência muito ingênua, devido à origem rural. A reação maior advém da
classe média ou pequena burguesia, levando a acontecimentos internos
importantes, sob a forma de levantes militares conhecidos como Tenentismo.
Todavia, é indubitavelmente importante ressaltar que durante a chamada
República Velha, período vigente até 1930, não tivemos no país a participação da
classe média e operária nas decisões governamentais e sua devida
representatividade. Até então, é a cúpula do café que constitui-se como classe única
capaz de reunir condições para representar e governar o país, ou melhor, integrá-lo
em torno de seus interesses.
11
As palavras de SEGAWA (2002:24) se fazem importantes para analisarmos a
realidade brasileira à epoca retratada:
No final dos anos de 1920, a população do Brasil era da ordem de
37 milhões de habitantes, com cerca de 70% vivendo na área rural.
Em 1940, esse total atingia mais de 41 milhões, com a mesma
proporção de brasileiros vivendo no campo. Novas frentes de
expansão agrícola pelo território geraram migrações internas
intensas, assim como, em regiões de incremento econômico mais
dinâmico (sobretudo São Paulo e Rio de Janeiro), as tendências
apontavam para o deslocamento de populações da área rural para a
urbana a confirmar a caracterização das cidades como locais de
estruturação do poder e organização das atividades comerciais e
financeiras, bem como das instituições burocráticas do Estado.
No alvorecer do Século XX a capital federalpossui uma população superior
a meio milhão de habitantes. Em 1920, conta com uma população de 1.147.559
habitantes e se constitui na grande metrópole nacional.
12
A Cidade do Rio de
11
Interesses divergentes de setores agrários e industriais opõe-se ao domínio dessa oligarquia, ao passo
que a crise econômica de 1929 concebe o cenário ideal à Revolução de 30, quando pequenos grupos da classe
dominante rompem, insatisfeitos com a política protecionista do café. (SODRÉ, 1979).
12
Censo, 1920 – Rio de Janeiro.
60
Janeiro é o grande centro comercial e industrial do Brasil, além de concentrar as
decisões administrativas da União. Praticamente 70% de sua população (790.823
habitantes) reside nas freguesias urbanas, somado a um acelerado crescimento das
freguesias suburbanas.
13
Possui o principal porto exportador, recém implantado,
onde escoa grande parte da produção nacional de açúcar e café.
O Rio de Janeiro, enquanto Capital Federal, possuía algumas especificidades
no que tange à administração municipal. Durante a República Velha ficava a cargo
do presidente a escolha do prefeito, que geralmente era nomeado. Dessa maneira,
seu poder de ação e atuação era muito limitado e subjugado a satisfazer as
demandas do governo federal. SILVA (2003:29) explica essa relação subserviente
da gestão municipal em relação à União: "Os prefeitos e os chefes de polícia
geralmente eram pessoas dissociadas da vida da cidade, pois suas nomeações se
davam em função das respectivas articulações políticas em nível federal."
Nessa cidade uma burguesia dominante que reivindica condições mais
confortáveis de vida e uma aparência mais bela, de inspiração européia, ou seja,
transformações essenciais (segundo a visão dessa classe dominante) no seu
quadro urbanístico que proporcionem –lhe a “dignidade de uma capital”. Essa elite
citadina era formada pelos grandes comerciantes e pelos empresários ligados aos
setores de serviços urbanos. Além disso, NETO (2003:227) afirma que o projeto de
modernização que a elite previa para a cidade possuía objetivos mais intrínsecos,
ultrapassando as questões de embelezamento e remodelação:
No projeto das elites, a modernização significou também um
reordenamento geral dos espaços da política, com a manutenção da
exclusão popular da mesma, como no Império, e a reorganização
dos espaços urbanos e rurais: às casas enfileiradas das colônias
rurais corresponderam as vilas construídas nas cidades para
confinamento e disciplinarização dos operários urbanos. À nova
disciplina de trabalho imposta pela implantação do colonato no
campo corresponderam as novas disciplinas de trabalho e de
sociabilidade instauradas nas fábricas, nas escolas, nos teatros, nas
ruas da cidade, na intimidade da casa.
A idéia de uma cidade embelezada e civilizada não data a partir de Agache e
seu plano. Apesar de estar evidente essa questão de uma cidade bela, digna do
13
Ibidem.
61
título de capital de um país, no pensamento das elites das décadas de 20 e 30, essa
ideologia é manifestada por essa mesma elite e amplamente difundida pelos meios
de comunicação, desde o final do Século XIX.
14
Apontada como modelo de civilização a ser alcançado, a sociedade européia,
moderna e branca era fonte de inspiração, sobretudo para as administrações
municipais da Cidade do Rio de Janeiro no despertar do Século XX. Diante desse
contexto, ao invés de denotar fator de civilização, a cidade era vista como índice de
civilidade, uma vez que adequar-se e incorporar-se ao modelo civilizatório europeu,
significava, obrigatoriamente, preocupar-se sobremaneira com o embelezamento. A
cidade, vitrine de um modo de vida que se desejava instaurar-se, deveria servir
então como uma espécie de termômetro de civilidade. (SILVA, 2003:30-1).
Nesse momento desponta a Reforma Passos, projeto de remodelação e
embelezamento da Cidade do Rio de Janeiro encomendado pelo Presidente
Rodrigues Alves nos primeiros anos do novo século, ao Prefeito vigente, Francisco
Pereira Passos, que retorna da Europa, repleto de sonhos e inspirações, pois havia
presenciado as grandes reformas urbanísticas implementadas por Haussmann, na
Paris de meados do Século XIX.
15
Nesse sentido, SILVA (2003:31) acrescenta:
A Reforma Passos (1902/1906) foi acompanhada da elaboração de
várias posturas municipais que visavam regular desde o comércio
nos quiosques, até a forma como a população deveria apresentar-se
na Grande Avenida. Aproximar-se da estética européia era
assegurar uma vida civilizada nos moldes europeus. (...) Nessa
14
Acerca do fato, MASCARENHAS (1999) afirma:
Tal atitude se vincula diretamente ao fato destes representarem não apenas uma via
para a vida saudável, mas sobretudo por constituir um elemento civilizador do
ideário burguês importado da Europa, numa conjuntura em que ser moderno é
desejar ser estrangeiro.
15
Sobre os feitos deste prefeito na capital francesa são indispensáveis as palavras de PICON (2001:86-9):
À ambição de regenerar a sociedade por intermédio dos indivíduos sucedeu um
desejo de pacificação social fundada no reconhecimento de segmentações
irredutíveis complexas do corpo social. (...) Os parques, os squares, as avenidas
arborizadas da Paris haussmanniana, essa natureza domesticada à qual os
higienistas atribuem virtudes curativas estão entre esses recursos. Do oeste ao leste,
da Paris burguesa aos bairros populares, deve então estender-se um único sistema
de jardins e paisagismo. (...) Equipada e pensada nos seus mínimos detalhes,
fundamentada em ideais de regulação que condicionam tanto seus grandes
traçados quanto suas áreas de lazer, a Paris que sai das mãos de Haussmann e de
seus engenheiros, paradoxalmente, parece uma vasta máquina. (...)
Paradoxalmente, também, porque a gestação complexa da Paris moderna poderia
ter aparelhado a harmonia dos órgãos concebidos pelos engenheiros.
62
perspectiva, a cidade não poderia ser vista como um lugar de
normas. Sendo cenário, não tinha vínculo profundo com a vida da
população. Lugar de desordem e irracionalidade, o espaço urbano
não poderia ser utilizado como elemento educador, pois era usado
como instrumento punitivo. A coibição relacionava-se com a
necessidade de ratificar a õa embelezadora e o processo de
moralização que estavam contidos nas reformas. A título de exemplo
de como o espaço foi utilizado como elemento punitivo/coercitivo,
vale lembrar que, após a conclusão da Av. Central, nela podiam
transitar pessoas que estivessem calçadas, o que marginalizava
grande contingente da população. (...)
16
Trata-se de uma gestão municipal amplamente conhecida, difundida e objeto
de vasta produção científica acadêmica devido às radicais transformações
urbanísticas que causou à cidade, presentes nela até hoje tais como a Avenida
Central (hoje Avenida Rio Branco), sendo a primeira diagonal que “rasga” o centro
da capital da República e liga-se a duas radiais, a Avenida Beira-Mar em direção à
Zona Sul e a Avenida Rodrigues Alves em direção à Zona Norte, que margeia o
novo porto do Rio de Janeiro, também construído nessa administração.
O país era alvo do capital estrangeiro e todas essas transformações refletidas
e sentidas na cidade não passam de uma conseqüência natural do processo de
modernização pelo qual o Brasil vinha passando. Logo, no espaço geográfico da
capital do país
17
que verificar-se-ia a materialização, a concretude como reflexo do
momento histórico vigente.
Em 1920 ocorrem mais alterações no cenário urbano da Capital Federal,
quando Prefeito é Carlos Sampaio. Tornar a cidade, bela, era uma tônica, e, mais
fudamentada do que nunca, constituía elemento legitimador das ações da prefeitura.
Encaminhavam-se as comemorações para o Centenário da Independência e isso foi
motivo para efetuar um velho projeto tão desejado pelas classes dominantes o
arrasamento do Morro do Castelo, cujo aterro cria novos solos urbanos entre a praia
de Santa Luzia e enseada da Glória até a ponta do Russel. A idéia do
embelezamento a qualquer preço é evidente, inclusive no discurso de posse do
próprio SAMPAIO (1923:5):
(...) o momento presente é de ação, porque é essencial dar à cidade
o asseio indispensável, comparticipar tanto quanto o possível do
governo federal para o seu saneamento, terminar as obras de
16
A respeito da Reforma Passos, é fundamental a consulta de BENCHIMOL, Jaime L (1990). Pereira Passos:
Um Haussmann Tropical. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal, coleção Biblioteca Carioca, vol.11.
17
Sede, centro das decisões etc.
63
embelezamento desta cidade.
Malgrado o discurso acerca do embelezamento da cidade permanecesse
como prioridade junto à elite que decidia o futuro da Capital Federal, podemos
afirmar que possuía um sentido um pouco diferenciado daquele preexistente no
início do século. Sendo assim, SILVA (2003:44) complementa:
A idéia de uma capital embelezada com os “vernizes de metrópole
européia” ainda era a concepção dominante às vésperas do
Centenário. Havia consenso em torno da necessidade de
melhoramentos na cidade, já que esta seria palco de uma exposição
Universal e o olhar do mundo inteiro estaria voltado para o Distrito
Federal, porta de entrada e “vitrine” do País. (...) Com o apoio das
elites as citadinas e as nacionais ,que se mobilizavam em torno
do amorfoseamento da cidade, Carlos Sampaio procurou articular,
desde o seu discurso de posse, o embelezamento com a
reorganização da cidade. Mas, diferentemente do início do século,
em que a idéia de embelezamento relacionava-se somente às
tranformações estéticas da cidade, havia uma outra, que mesmo de
forma incipiente, se articulava aos melhoramentos indispensáveis à
cidade, no sentido de “aparelhar a cidade de modo que ela possa
desempenhar, tão perfeitamente quanto possível, as suas funções”.
(...) Era em torno da concepção de cenário, isto é, as
transformações estéticas na cidade assegurando a cópia do modelo
europeu de civilização, que Carlos Sampaio tinha seu apoio político,
pois as elites, ainda que ligadas às formas tradicionais de
acumulação, desejavam que esteticamente a cidade fosse a
expressão de um projeto de modernidade. Essa estratégia era muito
parecida com aquela da Reforma Passos no início do século.
A cidade possuá problemas sérios de crescimento urbano acelerado, até
então mascarado ou negado pelas gestões municipais anteriores. É grande a
migração campo-cidade e o processo de favelização é crescente. A taxa de
crescimento da população é de tal forma elevada que o Rio passa de 1,1 milhão de
habitantes em 1920 para 2,3 milhões de habitantes em 1930.
18
Antes de Agache a presença do urbanista como profissional especialista em
planejamento de cidades, bem como as discussões acerca do Urbanismo no Brasil
eram praticamente inexistentes. Tanto a Engenharia quanto a Arquitetura carioca da
época, não sustentavam um discurso plausível que justificasse o planejamento da
cidade. Sempre buscavam embasamento e experiência na Medicina Social, que
mostrava-se mais eficaz na interpretação dos problemas da cidade, através de seu
discurso sanitarista. (SILVA, 2003:19).
18
SILVA (2003:26). Consultar também o Recenseamento do Brasil – 1930.
64
O discurso urbanista propriamente dito surge no Rio de Janeiro, na gestão
Carlos Sampaio, no início da década de 20. Havia nesse momento uma política de
melhoramentos, objetivando preparar a cidade para as comemorações do
Centenário da Independência, em 1922. O ensejo foi então o elemento que tornou
possível as primeiras discussões sobre a necessidade da confecção de um plano
para a cidade inteira. Todavia, é somente na administração seguinte que essa
discussão consolida-se, devido a questões internas de disputa entre a
aplicabilidade, ora da Arquitetura, ora da Engenharia.
Tais questões internas entre Engenharia e Arquitetura, que somente
dificultaram a formação de uma consciência interdisciplinar para o futuro urbanístico
da cidade, são explicitadas por SILVA (2003:69):
Na arquitetura, urbanismo estava ligado às questões estéticas do
conjunto de edificações da cidade. Logo, a solução dos problemas
urbanísticos da cidade passaria pela resolução dos problemas
relacionados à sua realidade edilícia. (...) A Engenharia discutia
timidamente os problemas urbanos de acordo com a nova “ciência”,
dava ênfase à utilização dos novos materiais de construção, como o
concreto armado.
É no final da gestão Alaor Prata (1922-1926) que começa a “engatinhar” tais
anseios e preocupações, ou seja, planejar o futuro da urbanização da então Capital
Federal. Segundo STUCKENBRUCK (1996:60), nesse período a presença do
Urbanismo como Ciência e do urbanista como profissional é muito vaga, aporque,
sequer havia no Brasil uma formação adequada nessa área do conhecimento:
A articulação de diversos engenheiros e arquitetos conhecidos da
comunidade, (...) como Paulo de Frontin, (...) Edison Passos, (...)
propiciou um ambiente de discussões e difundiu a concepção da
cidade como organismo um todo composto por várias partes que
devem se articular em sincronia. Foi desta ambiência que surgiu a
Comissão do Plano da Cidade, com intuito de racionalizar o espaço
onde se viam multiplicar os problemas (...) As comissões criadas
neste período (...) foram fundamentais na formação do nosso corpo
de especialistas da cidade os urbanistas. Até então o termo era
pouco utilizado, e não havia propriamente um profissional do
urbano. (...) A aglutinação dos poucos profissionais, que com suas
especialidades particulares discursavam sobre a cidade, nesses
fóruns oficiais de debate e deliberações, trouxe para o Poder Público
a coordenação desse novo campo de atuação de engenheiros e
arquitetos sobre a cidade – o Urbanismo.
Malgrado a administração Alaor Prata tenha sofrido duras críticas e
65
reprovações da sociedade carioca à época, é somente nesse momento que o Poder
Público passa a gerenciar as diretrizes futuras da urbanização da Cidade do Rio de
Janeiro. Para tanto, fazia-se cabal a elaboração dum plano de melhoramentos para
a urbe carioca. (STUCKENBRUCK, 1996:60).
Essas severas críticas da opinião pública acerca da gestão Alaor Prata foram
manchete de vários jornais da época, apontando justamente os “buracos” da cidade,
que o prefeito anterior mandou abrir e depois não havia verba para fechá-los:
Assim se pode affirmar que o nosso illustre hospede viu, da
capital, desse magnanimo paiz, o que ella possue de mais
caracteristico em materia de calamidades: os buracos abertos pelo
sr. Alaor Prata, a lama, a difficuldade do transporte barato.
19
O próprio Alaor Prata justificava sua atuação, considerando que a
administração anterior, deixara a cidade muito endividada e era mister saneá-la o
mais rapidamente possível. (SILVA, 2003:61).
(...) nessas condições de crise financeira, entre tapar buracos de rua
e tapar buracos nas finanças municipais, indubitavelmente, duas
tarefas de grande importância, nunca hesitaria em começar pela
segunda.
Mas o grande trunfo dessa gestão foi justamente conseguir aglutinar idéias
tão difusas por parte de engenheiros e arquitetos e chegar a um consenso entre
esses profissionais, de que se fazia necessário a confecção de um plano. Embora
nada de prático tenha se efetivado nessa administração, ao menos no campo das
idéias, ficava como herança ao prefeito subseqüente, a conscientização dessa
equipe multidisciplinar de enxergar, organizar e planejar a cidade como um todo.
Não bastava discussões e práticas isoladas. Tornava-se deveras necessário uma
discussão mais abrangente, organizada e pública, sobre o futuro urbanístico da
capital. O trecho a seguir, permite-nos verificar o real momento em que o Urbanismo
torna-se um dever público, de responsabilidade da administração municipal:
Foi nesse período que o termo Urbanismo começou a circular entre
os técnicos municipais. Atrelado à nova concepção de gestão, o
19
Jornal Correio da Manhã, 1º/07/1927 Pág. 4. Tal reportagem expressa indignação à dita
administração municipal e faz menção ao “illustre hospede”, que vem a ser Agache, quando da sua estada na
cidade.
66
Urbanismo seria utilizado pelo grupo, (...) como elemento que os
diferenciariam dentro da máquina administrativa.
20
Antonio Prado Junior é nomeado prefeito da capital federal pelo então
Presidente Washington Luís, que governou o país durante o período de 1926 a
1930, justamente o espaço de tempo em que seu prefeito indicado administrava a
Cidade do Rio de Janeiro. Trata-se do último presidente da República Velha e a
representatividade máxima da manutenção dos interesses oligárquicos e da política
do café-com-leite, que, como todos nós sabemos, alternava no poder, presidentes
de SP (café) e MG (leite).
Paulista, e sem jamais ter exercido cargo público anteriormente, além de
inexperiente politicamente, Antonio Prado Júnior é nomeado prefeito da Cidade do
Rio de Janeiro. A administração municipal encontrava-se em perfeita consonância
com a União, isto é, a manutenção e importância política das oligarquias mineiras e
paulistas, inclusive comprometendo a realidade urbana do Rio de Janeiro.
STUCKENBRUBCK (1996:61) enfoca diretamente a trajetória de Prado Júnior para
tornar-se prefeito da cidade:
Filho de uma tradicional família paulista, até assumir a prefeitura do
Distrito Federal, em novembro de 26, Prado Junior não havia
administrado nada além de um clube de futebol. (...) Diante do
quadro de otimismo que parecia se instalar no país, mais uma vez
as amizades e os acordos intra-elites prevaleceriam na escolha da
direção do Distrito Federal. Antonio Prado Junior era amigo pessoal
de Washington Luís há mais de trinta anos.
A administração municipal de Prado Junior (1926-1930) é um reflexo da
ideologia da classe dominante no país, ou seja, a oligarquia cafeeira. A República
Velha é marcada pela exclusão das classes médias e populares ao processo
político, inexistindo eleições democráticas. O governo de Washington Luís torna-se
um ponto crítico quanto às tensões sociais crescentes na década de 20, uma vez
que a oligarquia cafeeira representa cada vez menos os interesses da nação.
Motins, manifestações de massa etc., caracterizam a insatisfação com a situação
econômica e política do período.
De caráter extremamente repressor, o governo Washington Luís caracterizou-
se pela política tradicional de transferência dos ônus às classes populares,
privilegiando as classes altas, onde revoltas populares eram reprimidas com
20
SILVA (2003:69).
67
violência. Tal governo é percebido pela total ausência das classes média e
populares na administração municipal, reflexo sentido diretamente na gestão do
plano e no consumo coletivo, a não ser pela manutenção da ordem urbana pública,
mais que a social.
Então de que forma insere-se um plano municipal, circunscrito à área urbana,
dentro da disputa setor industrial X setor agrário e desempenhado por um
representante da oligarquia? A resposta a essa dá-se quando o plano municipal
representa uma acomodação entre os interesses da burguesia industrial nascente e
crescente e oligárquicos dentro dum mesmo espaço urbano. A essa emergente
burguesia interessava adequar a cidade à existência dum considerável setor
industrial que demandava crescentes investimentos na infra-estrutura de
saneamento e viária, assim como remodelação e embelezamento a partir de valores
estéticos impostos por essa mesma burguesia.
Tal qual a acumulação agrícola resultou no surgimento do setor secundário,
esse mesmo capital inicial agrícola provocou e permitiu a reestruturação urbana da
cidade no espaço.
A modernização pregada pela República e seus ideais positivistas de ordem
e progresso provocam o surgimento de grandes e muitas obras, portos, ferrovias
etc., que acabaram por refletir-se diretamente na dinamização urbana. Trata-se de
intensos investimentos externos no setor público de serviços. Tal modernização
republicana oriunda do setor primário num primeiro momento e, posteriormente do
capital estrangeiro, diga-se o inglês, torna-se necessário uma remodelação da
cidade, adequando-a aos padrões ditos modernos pela burguesia urbana crescente.
Ideologicamente falando, o plano de remodelação representava uma espécie
de permissão da oligarquia à burguesia poderosa, próxima do poder e residindo
na cidade, empreender modificações necessárias ao desenvolvimento urbano,
adequando-se ao sistema capitalista. A oligarquia decadente não podia mais negar
atenção para a cidade numa época em que faziam-se as reivindicações e agitações,
decidindo então por colocar em prática essa remodelação.
O planejamento a que se pretendia deveria ser traçado com os objetivos de
ampliar a infra-estrutura e proporcionar o embelezamento à capital federal. Pelo fato
de ainda ter sido elaborado e financiado pela oligarquia, mais uma vez as classes
populares são alijadas do processo de planejamento. Outro objetivo, quiçá o mais
importante, era restaurar a ordem, resolvendo os conflitos com a burguesia e
68
escondendo aqueles advindos das classes médias e baixas.
21
A principal justificativa em importar um urbanista francês para tal empreitada,
está no fato de que a comissão nacional responsável por tal feito era um fracasso
no que tange a objetivos práticos. Muitas e amplas reuniões da “nata” de arquitetos
e engenheiros da cidade foram insuficientes para deixar o campo teórico e elaborar
efetivamente o plano, após anos de discussões. São elucidativas as palavras de
GODOY (1943:39), chefe dessa comissão, justificando a ineficiência do grupo e a
necessidade de importar um urbanista capaz para tal feito:
O nosso meio social, devido a sua orientação, da nossa elite,
sobretudo no que diz respeito à engenharia e à arquitetura, não
ao técnico, em geral, toda autonomia necessária (...) Um dos fatos
que mais se devem lamentar relativamente à expansão desta capital
é a ausência inconcebível de um plano completo de remodelação e
desenvolvimento, capaz de bem resguardar e presidir a seus
aumentos e acréscimos, sistematizando-os de acordo com as luzes
do urbanismo. (...) Para conseguir tão elevado desideratum cumpre
fazer vir um urbanista de nome, com luzes indispensáveis e
independência necessária para traçar e conceber um plano completo
de remodelação, compreendendo todas as faces do nosso problema
urbano. (...)
A imprensa também denunciava, declaradamente, tal deficiência. Sem chegar
a nenhuma eficácia, ficava a sociedade carioca, a mercê de uma comissão de
engenheiros e arquitetos nacionais, que segundo os jornais, mostrava-se negligente
em relação à confecção do plano, como pode-se verificar abaixo:
O embellezamento do Rio
... a Prefeitura Municipal não possue uma secção de architectura,
encarregada de delinear o conjuncto da edificação de uma rua, de
um bairro, de maneira que nelle as construcções apresentassem
harmonia. Realmente tal coisa não existe entre nós, e homens como
esses, habituados á physionomias architectonicas de cidades como
Paris onde é exactamente o conjuncto que majestade e belleza
ás suas ruas, terão forçosamente de espantar-se ante a informação
de que nossa prefeitura, absorvida com o problema hoje
anachronico de cubagem e de outras inutilidades, esquece de que a
sua funcção essencial é cuidar do embellezamento da metropole. O
sr. Antonio Prado Junior, ante as suggestões que certamente lhe
serão apresentadas pelo urbanista francez, poderá preencher essa
grande falta...”
22
21
REZENDE, 1982.
22
Jornal Correio da Manhã, 1º/07/1927 – Pág. 4
69
GODOY sempre chamava a atenção que, para confeccionar o plano, era
nececessário uma espécie de convencimento unânime por parte da elite da cidade,
que pelo fato de desconhecer ou ignorar as facetas do Urbanismo, ainda confiava
demasiadamente na figura de Paulo de Frontin, engenheiro responsável por uma
visão obreira/estética produzida até então, justamente o que se desejava superar.
(SILVA, 2003:78). Propunha então GODOY (1943:321), uma reeducação
urbanística no sentido de uma nova visão social, dessas mesmas elites:
A falta de disciplina e educação social de uma parte de nossa elite,
que o quer compreender que relações de dependência entre
prédios, as quais, quando são respeitadas, acarretam grandes
prejuízos e dificultam a solução dos problemas urbanos.
Nesse momento, começam a veicular com veemência nos meios de
comunicação da épóca, notadamente nos jornais, severas críticas a Paulo de
Frontin e Carlos Sampaio, e, ao mesmo tempo, elogios a administração Prado
Júnior. GODOY (1943:329) é o principal mentor:
O Sr. Antonio Prado, apesar de não ser engenheiro, atacou dois
problemas de alta relevância, que professores notáveis da
politécnica, quando prefeitos não buscaram resolver: a planta
cadastral e o plano de remodelação.
Como não poderia deixar de ser, alguns jornais, cumprindo o “papel” de
causar polêmica, na tentativa de mais faturar, incitavam tais críticas, ao divulgarem
as informações:
A esta hora a população do Distrito Federal tem conhecimento da
tremenda ameaça que durante algumas horas, felizes fugazes,
pesou sobre seu destino. ontem ela teve notícia do imenso risco
que correu com a divulgação que o nome do senador P. De Frontin
indicou para o desventuroso posto de prefeito desta metrópole (...).
O Sr. Antonio Prado Junior, embora não conheça o Rio, estará em
melhores condições de servir a sua população do que o Sr. Sampaio
Correia. (...) E terminamos dizendo que o nome de A. Prado Júnior
só devia ser recebido com expectativa simpática por não haver saído
do envelope no qual Frontin enfiara o candidato de sua preferência.
23
A desgraça do Distrito Federal, provém exatamente de ter
encontrado, nas horas de fartura, prefeitos empreiteiros de obras.
24
23
Jornal O Jornal, 29/10/1926
24
Idem, 31/10/1926
70
Mesmo antes de Prado Júnior ser empossado prefeito, algumas instituições
privadas, tais como o Automovel Club, o Rotary e o Touring, de que fazia parte essa
elite técnica da cidade, discutiam amplamente acerca de como e quem faria o
plano. A tônica estava no fato de realmente se a prefeitura estava estruturada o
assaz para viabilizar tal plano. (SILVA, 2003:79).
Ao assumir seu posto em 16/11/1926, o novo prefeito logo trata de aliar-se às
elites locais e atender suas sugestões, que desconhecia a fundo a realidade
carioca. Prado Júnior encontra a prefeitura em tempos de “bonanza”, que as
imensas dívidas haviam sido saneadas pelo gestor anterior (Alaor Prata), enquanto
o país experimentava um crescimento econômico sem igual, provocado pela injeção
de capital estrangeiro, somado a política de valorização do preço do café, junto ao
mercado externo. Diante desse contexto, SILVA (2003:72) afirma: "Essa situação
favoreceu a opção de Prado Júnior em fazer grandes gastos, até porque eram esses
os desejos da população e das elites que o apoiavam."
Se havia uma certa consensualidade, tanto na urgência de elaboração
do plano, como na contratação de um urbanista importado, fazia-se vital então,
elaborá-lo o mais rapidamente possível. GODOY (1943:33), enquanto chefe daquela
comissão, recomendava ao prefeito:
Antes de tudo, mister é que se organize um plano completo de
remodelação, compreendendo o aperfeiçoamento de todos os
órgãos urbanos, plano que pode ser traçado por um urbanista
com competência técnica e o bom gosto de um Stübben, de um
Bennet, de um Jaussely, de um Agache, o glorioso autor da capital
da Austrália.
A decisão, então tomada pelo prefeito vigente, é de importar um urbanista
para a elaboração do plano para a cidade. A inspiração do modelo de cidade
européia desenvolvida e bela, aliado à aspirações burguesas, levam a opção de um
francês para a elaboração do plano. A França, à época, muito mais que na
atualidade, era uma referência central no Brasil, determinando os valores
burgueses, notadamente quanto à estética e unificando aspirações tanto da
burguesia urbana, quanto das decadentes oligarquias rurais.
Em janeiro de 1927, Alfred Agache e sua equipe assinam o contrato com o
embaixador brasileiro em França, após um pequeno processo burocrático que
decorria desde novembro de 1926. Acerca dessa contratação, SILVA (2003:80)
71
acrescenta:
Considerando-se somente as fontes oficiais, a contratação de
Agache se deu, aparentemente, sem muitos conflitos. Porém, a
análise de outras fontes indica que o processo de escolha do
urbanista francês resumiu os conflitos internos da área, que não
podiam ser claramente detectados na comissão.
Ao chegar no Brasil, estabelecendo-se na urbe carioca, Alfred Agache,
inicialmente, chega com a missão de realizar uma série de palestras e conferências
acerca do Urbanismo, muito divulgadas pelos meios de comunicação da época.
Havia interesse, por parte de Prado Júnior, de que o urbanista francês se tornasse
conhecido do grande público, na tentativa de sanar dúvidas a respeito da
contratação de um estrangeiro para tal feito, quanto para trazer novos
conhecimentos sobre a Ciência que o referendava – o Urbanismo.
Seqüencialmente, à guisa de exemplicação, logramos importante elucidar esse
trabalho com algumas reportagens de jornais da época, que servem para
demonstrar o quão importante e comentada foi a presença do arquiteto francês na
Capital Federal:
O Urbanismo pelo sem fio O sr. Alfred Agache esteve no Radio
Club, realizando ali uma rapida conferencia.
No estudio do Radio Club do Brasil, o urbanista francez Alfred
Agache proferiu, hontem á noite, ligeira palestra dissertando sobre
“Minhas primeiras impressões no Rio de Janeiro”.
25
25
Jornal Correio da Manhã, 13/07/1927 – Quarta-feira – Pág. 5
72
Ilustração 1 - Fonte: Arquivo Nacional, Jornal Correio da Man, 13/07/1927
O Urbanismo A próxima conferencia do sr. Agache no Automovel
Club
Realiza-se segunda-feira, 25 do corrente, ás 9 horas da noite, no
Automovel Club do Brasil, mais uma conferencia da interessante
serie que aqui está sendo feita pelo sr. Alfredo Agache. Essa
conferencia, que é dedicada principalmente aos architectos e
engenheiros terá por thema, Como se ensina o urbanismo. Os novos
methodos de photo-topographia, applicados ao estudo dos planos de
cidades... Deste modo o público que se interessa por questões de
urbanismo poderá unir-se aos technicos, para apreciar as idéas que
ahi serão explicadas. Não bilhetes nem convites pessoaes. A
entrada do Automovel Club, á rua do Passeio, estará franqueada a
todas as pessoas que se interessarem em ouvir a palavra do
eminente urbanista francez. No decorrer da conferencia serão
exhibidas vistas photographicas de Paris, tiradas de aeroplanos,
pelos processos mais modernos da photo-topographia.
26
Vão remodelar a cidade?
Vão remodelar o Rio?...O problema apparece, então, como um
26
Ibidem, 27/07/1927 – Sabbado – Pág. 3
73
problema do momento... E o urbanista surge, alvoroçando nossos
technicos, provocando uma porção de opiniões, desentroncadas, ás
vezes, acertadas, outras, mas, de qualquer modo, attrahindo todas
em torno do prof. Agache, que o prefeito mandou vir de Paris.E o
prof. Agache fala, discute o assumpto em suas conferencias, os
commentarios fervilham, os pareceres se entrechocam, mas, daqui a
alguns annos, a remodelação do Rio continuará a ser a mesma
questão de hoje. O proprio Dr. Prado Jr. declarou que nada
pretende fazer; seu intento é, apenas deixar a remodelação
delineada, ao seu sucessor...
27
Após a realização do supracitado ciclo de palestras e, outrossim, de viajar
pelo país, afim de conhecer a dinâmica urbana dalgumas cidades brasileiras,
Agache finalmente estabelece-se no Rio de Janeiro, com o fito de elaborar o plano
para o qual fora contratado. Para tal feito, o urbanista necessitava consultar material
de pesquisa, tais como mapas, plantas, cartas, ralatórios, trabalhos anteriores,
justificando uma interação maior sobre a realidade da cidade a que se pretendia
planejar. Segundo consta, tais consultas somente foram plenamente atendidas a
partir de iniciativa de seu amigo pessoal e chefe da antiga comissão de
melhoramentos, Armando Godoy. (SILVA, 2003:73). ALBUQUERQUE FILHO
(1959:16) também afirma que graças a esse esforço pessoal de Godoy, Agache
teve contato direto com:
63 trabalhos, livros, relatórios e revistas sobre os assuntos da obra,
além de dezenas de cartas, mapas, fotografias e mais de 30 plantas,
projetos e desenhos diversos. Foram igualmente consultados e
analisados cinco projetos, anteriores ao estudo do projeto Agache.
Em novembro de 1928, Agache e sua equipe finalizam o plano de
urbanização para o Castelo, que deveria tão logo ser executado, uma vez que essa
era condição determinante no acordo feito entre Agache e a administração
municipal. Em 1929, demais áreas centrais da capital entram em obras, a partir
desse plano de remodelação. Nesse ínterim, cabia à imprensa o papel de protestar
a respeito do andamento do plano, cujo qual se tinha notícia após Agache
publicar seus artigos em França, pois os técnicos nacionais permaneciam alijados
do processo de confecção do mesmo, por ordem expressa do próprio prefeito.
(SILVA, 2003:74). Aqui, torna-se deveras importante conhecermos a fala anual de
Prado Júnior, em 1929, justificando ao grande público o andamento do plano até
27
Ibidem, 28/07/1927 – Domingo – Pág. 8
74
então, sendo considerado por ele mesmo como bem adiantado:
está organizado o esboço geral (...). Eis os principais trabalhos e
estudos feitos no escritório do Plano de remodelação do Rio de
Janeiro: I. Estudo Geral, II. Ante-projeto da zona central, III. Novos
quarteirões na área resultante do desmonte do Castelo e ponta do
Calabouço, IV. Aterro do Saco da Glória, V. Parte este da cidade, VI.
Luta contra inundações e VII. Regulamento para construções e
divisões de lotes.
28
No instante em que são apresentados tais resultados, Agache é rapidamente
acusado de plágio pela imprensa, pois ao mostrar suas maquetes, mostrava-se
idêntica aos projetos dos arquitetos brasileiros José Cortez e Angelo Bruhns,
publicados pela Revista da Semana em 1921, notadamente em relação à Porta de
Entrada do Brasil, isto é, uma praça interseccionada por três avenidas, muito similar
à projetada pelos arquitetos locais. (SILVA, 2003:82-3). Pelo fato desse mesmo
projeto de 1921 ter sido acusado de plágio de outro, de 1919, o próprio Cortez
passa a defender Agache nos jornais:
Se houve antes a idéia da praça à beira mar, esta não foi publicada,
e os deles sim, tanto que mais tarde gerou o plano. A comparação
entre os dois é diferente, porque o projeto foi feito antes do
desmonte, e o aterro estava sendo previsto de outro modo. (...) Mas
mais: quando o senhor Agache aqui chegou, no ano passado
manifestou logo o desejo de obter todos os projetos que tiveram sido
elaborados, pois ele como élèment catalysateur desejaria aproveitar
as boas idéias.
29
Posteriormente, em 1930, realizando publicamente sua última prestação de
contas, faz-se interessante conhecermos a opinião do prefeito, aprovando fielmente
a produção do urbanista francês, bem como, justificando a necessidade de grande
soma de recursos financeiros provenientes dos cofres públicos para a confecção
desse plano. Nas palavras de Prado Júnior:
Através de sua existência de cerca de quatro séculos, o Rio de
Janeiro, numa imprevisão total das necessidades futuras, foi se
28
Anaes do Conselho Municipal – jun/jul de 1929, pág. 37
29
Jornal O Paiz, 29/12/1928
75
desenvolvendo sem ordem, sem sistema coerente, sem traçado
harmonioso, sem concepção de conjunto, guiado apenas pela mão
do acaso. Daí os graves defeitos de crescimento, defeitos que hoje
se fazem sentir do núcleo central aos arrabaldes longínquos. (...) No
intuito de remediar esses erros do passado e evitar a continuidade
duma expansão viciosa, mandei executar por um especialista de
renome o estudo de extensão e remodelação da cidade com os
respectivos projetos concernentes a todos os problemas urbanos.
(...) Neste particular, nada havendo encontrado, deixo um plano
regulador completo, assentado sobre bases científicas. Ele
estabelece não abertura de novas avenidas com perspectivas
monumentais e a reserva de espaços livres, como também a
localização higiênica de zonas de domicílios, de zonas industriais e
zonas mistas, com as caracterizações necessárias e as respectivas
linhas de transportes. (...) Os sacrifícios financeiros feitos agora são
amplamente compensados dentro do tempo relativamente curto.
30
Ao longo do transcurso do triênio 1927-1930 é elaborado então o primeiro plano
diretor da capital da república, pelo urbanista francês Albert H. Donat Agache,
auxiliado por uma junta de técnicos, todos estrangeiros.
2.3. O Plano, o Modelo de Cidade e seus Objetivos
Assim como ele próprio se autodenominou, o Plano Agache priorizava a
remodelação e embelezamento da cidade, respondendo aos anseios da burguesia
urbana que visava um modelo europeu de capital, nomeadamente o francês.
Consistiu em ser um plano apenas físico-territorial sem visar um plano de
desenvolvimento.
31
O aspecto visual é marcante no Plano Agache, influenciado pelo estilo
Beaux-Arts a partir de critérios definidos pela Ecóle de Beaux-Arts de Paris, tais
como a monumentalidade e o academicismo. Contudo, observa-se, outrossim, um
zelo com a funcionalidade, o que não constitui característica da obras Beaux-Arts.
São também observados fortes traçados dum movimento denominado City
Beautiful, cuja influência advém do Plano de D. Burnham para a cidade de Chicago
datado de 1909. Tal movimento caracteriza-se pela suntuosidade arquitetônica e
ancestralidade clássica, expressas pela grandiosidade dos prédios e refinamentos
30
Anaes do Conselho Municipal, jun/jul de 1930 – Pág. 5
31
REZENDE, 1982.
76
dos parques públicos, conforme veremos mais adiante. O maior exemplo desse
estilo ainda presente na paisagem do centro da cidade é o prédio situado à
Esplanada do Castelo, mais precisamente junto à Avenida Presidente Antônio
Carlos construído para sediar o Ministério da Fazenda.
2.3.1. A Escola de Agache: Os Movimentos City Beautiful, Beaux-Arts e a
Zonificação
O movimento denominado Cidade-Bela floresceu na primeira quinzena do
Século XX, extinguindo-se lentamente depois. O principal expoente desse
movimento foi Daniel Burnham, autor do Plano Diretor de Chicago, em 1909,
revelando a influência das suas impressões sobre capitais européias, mais
precisamente a Paris de Haussmann, que visitou pessoalmente para assimilar idéias
sobre planejamento.
O seu objetivo principal com esse movimento está expresso em suas próprias
palavras, onde relata: "estabelecer uma beleza que estará presente para
desempenhar a sua função pura e nobre para sempre entre nós."
Para chegar a tal objetivo final fazia-se necessário realinhar ruas, transformá-
las em largas avenidas arborizadas e destinadas a serviços de utilidade pública.
Nessas enormes ruas estariam presentes os museus, teatros, bibliotecas, edifícios
governamentais e câmaras municipais para registro do progresso da civilização
humana juntamente com fontes e estátuas renascentistas com linhas de cornija
uniformes tal qual as usadas em Paris.
Após muita ponderação, Burnham publica seu plano em 1909 para Chicago.
Pelo fato de prever um futuro para o desenvolvimento regional da cidade e de
responder a questões consideradas mais funcionais, tais como o comércio, indústria
e transportes, aos parques e o crescimento populacional, não pode ser considerado
meramente como um plano de embelezamento. Como RELPH (1989:55) o define:
(...) Foi o primeiro plano diretor à escala de cidade a definir,
pormenorizadamente, como seria a cidade num determinado ponto
do futuro, estabelecendo um objetivo para o qual o desenvolvimento
podia caminhar (...).
É a partir desse momento que o pensar em transformações na forma urbana,
77
através dum plano, torna-se uma prática generalizada na maioria das cidades com a
ressalva de que até a década de 50 eles foram utilizados mais como linhas diretrizes
do que fielmente seguidos à risca. As sucessivas metas estabelecidas e previstas
num plano diretor, tornam-se, mais dia menos dia, desatualizadas, dadas as
conseqüentes transformações tecnológicas e sociais. O próprio plano de Burnham
para Chicago, no alvorecer do Século XX, ao ser posto em prática, se encontrava
com grande parte de suas propostas inviáveis para uma era de arranha-céus e
automóveis, logo jamais efetivadas.
A maior crítica que se faz ao movimento Cidade-Bela, bem como aos planos
diretores de maneira geral, refere-se à pouca atenção direcionada às reformas
sociais e habitação.
O caso Burnham é um típico exemplo. Seus projetos eram apoiados somente
por industriais e homens de negócios, que pouco ou nenhum interesse tinham por
questões desse caráter. Em contrapartida fascinavam-se com grandes planos para
as heróicas cidades da democracia industrial.
As palavras ditas por Burnham vêm ratificar o que fora supracitado e
influenciam diretamente Alfred Agache ao elaborar seu plano para a Cidade do Rio
de Janeiro, ou seja, um discurso carregado de ambições e soluções grandiosas e
dotado de amplo poder de visibilidade e repercussão, malgrado simultaneamente
excludentes: "Nada de planos acanhados. Nada de planos pequenos. Eles o tem
o privilégio de atingir os nervos dos homens e quase sempre ficam inacabados.
Levantai, pois, planos grandiosos!"
32
A realidade é que, por razões financeiras aliadas a questões práticas e mais
emergenciais, o movimento intitulado Cidade-Bela, por onde foi adotado, foi
extremamente fragmentário, o passando de ações isoladas dentro da paisagem
urbana.
33
Avenidas exageradamente largas, suntuosos edifícios do Renascimento
clássico, canteiros simetricamente floridos, enfim, as diversas propostas do
movimento Cidade-Bela foram aos poucos abandonadas pelos gestores municipais,
notadamente pela questão financeira, que eram muito onerosos. Ademais, o auge
do Capitalismo Industrial no princípio do Século XX, clamava por urgentes reformas
sociais, melhoramentos nas condições básicas da vida urbana, etc., fato que leva os
prefeitos a abandonarem, de certo modo, o movimento Cidade-Bela e investirem na
32
AGACHE (1930:19).
33
RELPH, 1987.
78
praticidade e funcionalidade de pavimentação de ruas e instalação de sistemas de
esgoto, por exemplo.
O movimento Cidade-Bela teve espaço nos EUA durante quinze anos,
especialmente em sedes de governo e centros cívicos que, além de não estarem
totalmente construídos, careciam de idéias inovadoras e de embelezamento,
portanto muito bem-vindas.
Posteriormente temos que falar do movimento denominado Beaux-Arts,
que consistiu numa forma de expressão artística que manifestou-se tardiamente,
somente a partir do Século XVIII. Ela vem designar as artes, que em oposição às
artes mecânicas e às artes decorativas, são desprovidas de qualquer praticidade.
Em contrapartida, inspiram as finalidades morais e espirituais. De maneira geral as
Belas-artes abrangem a poesia, a literatura, a música, a dança, a pintura e a
escultura, a arquitetura e, por vezes, a jardinagem. A hierarquia nas Belas-artes
modifica-se conforme as épocas e os autores. Todavia, no que diz respeito ao
caráter prático da arquitetura, essa é quem fica com o primeiro lugar, pois é ela a
única expressão artística capaz de integrar todas as outras.
Dantes com sentido restrito, hoje generalizado em todas as línguas, a
expressão “beaux-arts” designa a qualificação das atitudes espirituais, assim como
as mais variadas formas de arte oriundas dos ensinamentos da Escola de Belas
Artes de Paris. Esta escola foi oficialmente fundada com esse nome em dezembro
de 1816. Porém, sua verdadeira origem remonta às academias dos séculos
clássicos, coincidindo com a criação da Academia real de pintura e escultura em
1648. A expressão belas-artes é freqüentemente considerada como sinônimo de
acadêmica.
As três formas de arte ensinadas na Escola de Belas Artes de Paris eram
a pintura, a escultura e a arquitetura. Nos três casos, a pedagogia fundamentava-se
na imitação de modelos antigos, cujo valor está no fato deles mesmos apoiarem-se
em precedentes clássicos. Esse princípio explica a uniformidade e a continuidade
observadas nessa escola.
Ao longo do Século XIX, os ensinamentos da Escola de Belas Artes
foram rejeitados e desprezados, pelo fato de estarem totalmente desprovidos de
bases práticas. No Século XX esse movimento aparece como sinônimo de
mediocridade e conformismo. Os trabalhos da escola eram a expressão de fórmulas
preestabelecidas e, por isso, menosprezados pelo conjunto de artistas vanguardas.
79
Os movimentos modernos foram todos de reação contra essa instituição e sua
produção.
A Escola de Belas Artes deveria, portanto, sobreviver até 1968. Certos
aspectos de seus ensinamentos não sobreviveram sequer nas instituições
acadêmicas. No caso da arquitetura, por exemplo, sua contribuição inicial no
desenho e papel foi gradativamente sendo substituída. Paradoxalmente, os críticos
atuais, adeptos duma arquitetura tão fixada em valores práticos, tem conduzido à
revalorização e reafirmação dos valores beaux-arts. A expressão então deixa de ter
um sentido pejorativo.
É hora então de mencionarmos a importância da Zonificação, como
tendência que também influenciou e muito a confecção do Plano Agache. Consiste
na prática de localizar diferentes áreas de cidades a partir de diferentes funções,
comparado às divisões existentes dentro duma residência. Sua origem dá-se no
final do Século XIX na Califórnia, com o objetivo discriminatório de limitar a
abrangência e proliferação de lavanderias chinesas e, simultaneamente na
Alemanha, com o fito de retirar matadouros de áreas residenciais.
34
Los Angeles ampliou a adoção deste método entre 1909 e 1915
utilizando-o como forma de distinguir áreas industriais de residenciais. A adoção
generalizada dá-se em 1916, após a aprovação dum regulamento em Nova York,
que visava o controle do desenvolvimento de arranha-céus e que separava a cidade
em áreas residenciais, de abastecimento e comerciais. O resultado foi uma Nova
York zonificada, onde apenas determinadas atividades eram permitidas para cada
zona e havia várias restrições quanto à altura dos prédios.
BOYD (1920:193) reconhece o valor da zonificação ao referir-se da parte
velha de Nova York como um “fungo” e a parte nova, já zonificada, como uma marca
da eficiência. O referido autor enaltece as vantagens atribuídas a zonificação, tais
como:
- Reduz a instabilidade dos valores dos imóveis;
- Protege os interesses dos proprietários de terrenos contíguos;
- Controla as infrações ao direito ao ar e luz solar;
- Organiza a cidade num sistema coerente de zonas de utilização do solo
urbano.
Após 1926 são aprovados regulamentos de zonificação para a maioria
das cidades estadunidenses. Praticada desde a década de 20 do Século XX, a
34
RELPH, 1987.
80
zonificação é utilizada de forma muito arbitrária e abusiva, provocando a segregação
às vezes intencional, para impedir a integração social ou através da especulação
imobiliária, manipulando os valores das propriedades.
O que é inegável é o impacto que ela causa ao aspecto visual e social da
cidade, determinando a distribuição da utilização do solo. Estilos de construção,
largura de ruas, altura máxima permitida para edifícios, etc., podem, por exemplo,
ser os limites da paisagem urbana que distinguirão uma zona residencial duma
industrial. O fato é que, de qualquer forma, a zonificação por si só, produz paisagens
segregadas.
Nas cidades planejadas, projetadas, novas, ou ainda, cidades onde o
respeito ao patrimônio histórico foi olvidado em nome da modernidade e, a partir
daí, tudo o que é antigo foi “cuidadosamente erradicado”, a zonificação contribuiu
para produzir uma paisagem urbana coesa, onde as zonas de utilização delineadas
nos planos foram exatamente projetadas no cenário urbano.
Para tanto, não é possível inserir o Plano Agache dentro duma escola
específica. Além de elementos City Beautiful e Beaux-Arts ocorrem estreitos laços
com o planejamento urbano da década de 20, ou seja, ênfase na engenharia
urbana, saneamento e tráfego que definem o modelo ideal de cidade eficiente para
tal época. Ademais, é outro aspecto relevante no plano, a funcionalidade.
2.3.2. O Urbanismo Progressista
Essa escola, oriunda do Século XIX, principalmente adotada em Paris e
Londres para suas reformas urbanísticas, vai também influenciar demasiadamente
Agache na elaboração de seu plano para a Cidade do Rio de Janeiro.
Dimensionada a partir das obras de Owen, Fourier, Richardson, Cabet, Proudhon e
Wells, essa escola traça ponto em comum entre tais autores, quanto a sua
concepção de Homem, determinando suas propostas relativas à cidade. Trata-se
duma visão otimista orientada para o futuro e dominada pela idéia de progresso.
35
A presença do Urbanismo Progressista na elaboração do Plano Agache
fica evidente quando nos deparamos com a declaração de CHOAY (1979:9):
A análise racional vai permitir a determinação da ordem-tipo,
35
CHOAY (1979:8)
81
suscetível de aplicar-se a qualquer agrupamento humano, em
qualquer tempo, qualquer lugar. (...) 1º) O espaço do modelo
progressista é amplamente aberto, rompido por vários vazios e
verdes. Essa é a exigência da higiene (...) O verde oferece
particularmente um quadro para os momentos de lazer, consagrado
à jardinagem e à educação sistemática do corpo (...) 2º) o espaço
urbano é traçado conforme uma análise das funções humanas. Uma
classificação rigorosa instala em locais distintos o habitat, o trabalho,
a cultura e o lazer (...) Essa lógica funcional deve traduzir-se numa
disposição simples, que impressione imediatamente os olhos e os
satisfaça.
Encontrados os elementos acima em consonância com a elaboração de
Agache, que seu plano previa muitos ajardinamentos e valorizava áreas verdes,
arborizadas e dadas ao lazer, podemos concluir que se tratava dum plano que
seguia fielmente o Urbanismo Progressista. Todavia há aí uma conclusão
equivocada. Ao compreendermos mais esse modelo progressista, deparamo-nos
com realidades difusas entre a proposta dessa escola e a elaboração do plano. A
dissonância está no fato de Agache ter se utilizado de várias escolas, estilos,
influências e idéias e das particularidades existentes somente na Cidade do Rio de
Janeiro. À guisa de elucidação, faz-se cabal a contribuição de CHOAY (1979:9) para
exemplificar as diferenças entre a cidade progressista e a prevista por Agache:
A cidade progressista recusa qualquer herança artística do passado,
para submeter-se exclusivamente às leis de uma geometria
“natural”. Arranjos novos, simples e racionais, substituem as
disposições e ornamentos tradicionais (...) A ordem específica da
cidade progressista é expressa com precisão de detalhes e uma
rigidez que eliminam a possibilidade de variantes ou de adaptações
a partir de um mesmo modelo.
O plano da cidade progressista não vem preocupar-se com questões que
fogem ao local ou de caráter cultural. Ele vem exprimir uma liberdade racional
urgente, que serve o somente à estética e à eficácia essa vem a ser a
característica particular do modelo progressista. A importância dada às questões de
higiene e saúde marcam a preocupação com a eficácia. A questão higienista chega
a ser obsessiva, priorizando o “sol” e o “verde”, reflexo de avanços contemporâneos
ligados à fisiologia e medicina.
82
Tal obsessão higienista mencionada acima pôde ser verificada na cidade,
a partir da Reforma Passos, justamente porque Pereira Passos teve uma influência
muitíssimo maior desse modelo do que de qualquer outro.
Esse espaço fragmentado gerado permanece rigorosamente governado
por uma ordem que responde à eficácia da atividade produtora. A cidade
industrializada é para o urbanista progressista “um instrumento de trabalho”. A
cidade precisa ser “classificada”, analisada; deve possuir áreas especializadas para
cada função. A partir de influências de Tony Garnier, os urbanistas progressistas
vão separar detalhadamente as zonas residenciais, das zonas de trabalho e estas
dos locais dados ao lazer.
Cada zona, por sua vez, será desmembrada em subzonas, também
ordenadas e classificadas, onde cada uso recebe sua atribuição, seja ele industrial,
comercial ou burocrático. Já, em se tratando de circulação, essa é
contraditoriamente vista de forma separada, sendo abstraída do conjunto construído
onde está inserida. A título de exemplificação, se fazem importantes as seguintes
citações de Le Corbusier, um dos maiores representantes do Urbanismo:
(...) independência recíproca dos volumes edificados e das vias
de circulação (...).
36
(...) As auto-estradas (voies autoroutes) recortarão o espaço de
acordo com a rede mais direta, mais simplificada, inteiramente ligada
ao solo, (...) mas perfeitamente independente dos edifícios ou
imóveis que podem estar a maior ou menor proximidade. (...).
37
Ao classificar a cidade em zonas e subzonas específicas, percebemos
mais do que nunca a aplicabilidade do Urbanismo Progressista no Plano Agache.
O Urbanismo Progressista, além de propagar um modelo de Cidade-
Instrumento a cidade eficaz, útil, prática, apresenta-se, outrossim, como Cidade-
Espetáculo. Agora a estética encontra-se num patamar de importância similar ao da
eficácia para os tais urbanistas-arquitetos com formação artística de tradição
européia. Não obstante, uma espécie de rejeição para qualquer sentimentalismo
que evoeque algum legado estético do passado, em nome da modernidade.
Dessa maneira então, preserva-se tão somente o alinhamento original
36
LE CORBUSIER (1963:27).
37
Ibidem.
83
das cidades medievais, aplicando o urbanismo de forma intransigente e onerosa, tal
como refere-se CHOAY (1979:23): "Das cidades antigas, que devem ser
replanejadas, mantêm o alinhamento, praticando o urbanismo de ponta de faca
que também satisfaz as exigências do rendimento."
Aqui uma referência ao desperdício de dinheiro público, quando da
destruição dum vasto patrimônio histórico e imposição dum planejamento descabido
em seu lugar. de se gastar para destruir e gastar ainda mais para construir algo
“moderno” em seu lugar. A crítica de LE CORBUSIER (1923:255) em relação às
reformas urbanas implantadas por Haussmann em Paris vem ratificar o que acaba
de ser exposto: "Quanto mais Haussmann cortava, mais dinheiro ganhava."
A prancha de desenho está para o urbanista, tal como a tela para o pintor
ou o quadro para o artista plástico. É ali que ele compõe sua obra de arte a
cidade. Essa composição é demasiadamente infestada pela fragmentação,
lembrando o cubismo sintético. Paradoxalmente, a geometria cubista utilizada pelos
urbanistas progressistas difere da dos artistas cubistas, que aplicavam uma
geometria instintiva, onde não havia lugar exato para a matemática. Utilizando-se do
cubismo, porém contraditoriamente, o urbanismo progressista propõe a arte regida
por uma lógica matemática, aonde a geometria vem a ser o ponto de encontro entre
o belo e o verdadeiro.
38
As palavras de LE CORBUSIER (1923:35) vão ao encontro da visão de
geometria adotada pelos progressistas, haja vista que é esse autor, seu expoente
máximo:
A geometria é a base (...) Toda a época contemporânea é, pois, da
geometria, eminentemente; ela orienta seus sonhos para as
satisfações com a geometria. As artes e o pensamento moderno,
depois de um século de análise, procuram para além do fato
acidental e a geometria os conduz a uma ordem matemática.
Porém sabe-se que a geometria aplicada pelo modelo progressista é
deveras elementar. Trata-se da adoção sistemática do ortogonismo, ou seja,
dispondo elementos cúbicos ou paralelepípedos segundo linhas retas que se
cruzam em ângulo reto. Disso resultará as relações que as vias de circulação farão
com os prédios e construções. O modelo de cidade-objeto complementa o de
cidade-espetáculo na medida em que o primeiro vem a ser um espaço fragmentado,
38
CHOAY (1979:23)
84
mas ordenado, enquanto o segundo corresponde a um espaço dissociado
geometricamente composto.
39
2.3.3. O Urbanismo de Agache
Após apresentarmos as principais influências que inspiraram Alfred
Agache na elaboração de seu plano de extensão, remodelação e embelezamento,
não podemos desprezar a própria visão do autor acerca do Urbanismo enquanto
Ciência e de sua especialidade.
Iniciemos então com o significado do Urbanismo, afirmado pelo próprio
autor nas páginas inicciais de seu plano:
(...) O Urbanismo é uma Sciencia e uma Arte, e sobretudo uma
Philosophia social. Entende-se por Urbanismo o conjuncto de regras
applicadas ao melhoramento da edificação, do arruamento, da
circulação e do descongestionamento das arterias publicas. E’ a
remodelação, a extensão e o embellezamento de uma cidade
levados a effeito mediante um estudo methodico da geographia
humana e da topographia urbana sem descurar as soluções
financeiras. (...).
40
Adiante, Agache faz nova referência ao Urbanismo como ciência e arte
simultaneamente, aliando a técnica da primeira com o embelezamento que a
segunda pode proporcionar a cidade:
Mas, se o urbanismo é uma sciencia, é também uma arte. Cabe com
effeito, ao urbanista interpretar as observações scientificas e as
necessidades technicas, em um conjuncto de harmonia e belleza (...)
E’ preciso para ser urbanista ter a sensibilidade, sentir como um
artista e poder exteriorisar, plasticamente, o quadro onde todos os
effeitos sociaes da vida se manifestam em immediata coordenação
(...) Se o urbanismo fosse apenas uma sciencia, o problema das
cidades se limitaria a livros e formulas. Ora, a experiência tem
demonstrado que isso é impossível.
41
O interessante é que Agache não olvida a Geografia. Ao contrário, ela faz
parte de seu significado de Urbanismo. Ela está presente no plano, através de seu
prévio estudo antropogeográfico, influenciado diretamente por Paul Vidal de La
39
Ibidem..f
40
AGACHE (1930:3).
41
Ibidem (1930:8).
85
Blache, tal como cita MELEMIS (1998:102):
(...) a geografia humana, tal como Paul Vidal de la Blache a concebe
quase paralelamente, estuda a emergência no tempo de tipos de
estabelecimentos humanos diante da necessidade de apropriação
do meio físico. A geografia humana engendra, aliás, uma forma de
estudo geográfico especificamente urbano que, a partir de 1900,
origem a numerosas “monografias de cidade” (...).
Ele considera-se o criador do termo Urbanismo e expressa isso no
próprio plano, talvez como uma forma de adquirir credibilidade diante da sociedade
carioca:
Este vocábulo: urbanismo, do qual fui o padrinho, em 1912, quando
fundei a “Sociedade Franceza dos Urbanistas”, foi, durante algum
tempo, como um barbarismo; posteriormente, porém, tendo sido
adoptado, adquiriu “foros de cidade”. Em todo o caso, é agora
universalmente empregado, sendo mais expressivo do que o
vocabulo allemão Staedtebau e o inglez Town-planning, por serem
estes últimos mais applicaveis ás construcções (...) Muito me apraz,
quando me refiro ao urbanismo, comparar uma cidade ao organismo
humano. No organismo urbano, como no humano, encontramos uma
anatomia e suas funcções (...) A anatomia da cidade é o seu próprio
plano que a define: é o conjunto de terrenos, edificados ou o, a
divisão de quarteirões, os espaços livres (...).
42
Agache assemelha a aglomeração urbana a um organismo vivo,
vinculando o plano à idéia de eficiência. Podemos perceber claramente isso no
próprio texto do plano: "Nenhuma imagem poderia representar melhor a constituição
e a vida nas cidades. Essas nascem, crescem, vivem e, como os seres animais,
enfraquecem e morrem."
43
A partir dessa análise o autor faz uma analogia entre o corpo urbano e o
corpo humano, onde o plano enfoca três funções principais: Circulação, digestão e
respiração.
Agache chama de sistema respiratório a todos os espaços livres,
avenidas, praças e jardins, ou seja, os pulmões da cidade. A disposição viária ele
chamou de sistema circulatório, que possui a função de repartir para todos os
pontos do corpo urbano a substância necessária à vida e convergindo para o
coração urbano, isto é, o centro da cidade. Por último, classifica como aparelho
42
Ibidem (1930:6).
43
Ibidem.
86
digestivo, toda a rede de esgotos. O plano também é marcado pela estética,
enfatizando o embelezamento em praticamente todos os capítulos. A tônica ao
embelezamento é percebida no trecho que segue, à guisa de exemplo: "Esta cidade
que goza da mais encantadora moldura tem radiante e imenso futuro, merecendo
tornar-se, sob o ponto de vista da remodelação, a mais bela cidade do mundo."
44
Trata-se do Rio de Janeiro visto a partir dum olhar estrangeiro, onde a
preocupação com imagem da cidade é uma tônica. Essa visão é descrita no capítulo
intitulado Entrada do Brasil:
O Rio de Janeiro oferecerá assim à admiração do visitante chegado
por mar, uma entrada monumental, correspondente à importância e
aos destinos da capital. É que as autoridades receberão as
personalidades eminentes que chegam por vapor ou por hidroavião,
as quais poderão desembarcar por meio de lanchas diante da
escada de honra emoldurada por duas grandiosas colunas.
45
Tal visão estrangeira, outrossim, é sentida no capítulo intitulado Bairro
das Embaixadas, lugar onde não há espaço para próprio habitante da cidade: "neste
bairro, palacetes e apartamentos de luxo, local dos turistas e dos estrangeiros, que
vêm participar da estação mundana de inverno ou admirar os encantos do sítio
carioca."
46
Podemos considerar o Plano Agache como um plano diretor típico, a
partir dos seguintes critérios:
a) Traça um futuro para a cidade a partir do planejamento, podendo esta
alcançar o patamar de cidade ideal, caso o plano seja seguido à risca;
b) Parte do princípio de que as modificações no espaço físico é que
possibilitam modificações sociais;
c) A remodelação física da cidade, bem como a existência de saneamento e
habitação para todos pode suprimir comportamentos marginais.
O Zoneamento (zoning) e a legislação urbanística, até então inexistentes no
Brasil, são sinais evidentes da intenção de ordenamento da cidade, expressos no
Plano Agache.
47
Interferindo no sistema viário, ou seja, modificando-o, alterando-o, é
possível alcançar a funcionalidade típica duma cidade eficiente. A partir da garantia
44
Ibidem (1930:56).
45
Ibidem (1930:161).
46
Ibidem (1930:166).
47
REZENDE, 1982.
87
de moradias confortáveis disponibilizadas a toda população o plano considera-se
capaz de alterar padrões e relações sociais.
Para a Cidade do Rio de Janeiro, o Plano Agache previa duas funções
essenciais: Político-administrativa (Capital do país) e econômica (porto e mercado
comercial e industrial), sendo a segunda citada como muito crescente, à medida que
o país industrializava-se.
Estava prevista no plano uma cidade estruturada a partir de elementos
funcionais espacializados no espaço urbano, ou seja, o espaço passa a
desempenhar diferentes funções, essas definidas previamente pelos elementos
funcionais.
Aqui podemos visualizar com clareza uma essência geográfica
48
no Plano
Agache, que o autor afirma acerca das funções que devem ser plenamente
desempenhadas dentro de um espaço previamente planejado. Corrêa (1995) aponta
o significado da função no espaço geográfico:
A noção de função implica uma tarefa, atividade ou papel a ser
desempenhado pelo objeto criado, a forma. Habitar, vivenciar o
cotidiano em suas múltiplas dimensões trabalho, compras, lazer
etc. - são algumas das funções associadas à casa, ao bairro, à
cidade e à rede urbana.
O instrumento de intervenção mais utilizado nesse plano será o chamado
zoneamento que consiste na tônica da espacialização do espaço urbano. Resulta
dividir o perímetro urbano da cidade em zonas de utilizações diversas que recebem
específica legislação para cada uso, o mesmo procedendo para os investimentos.
Para Agache o zoneamento era uma forma de impor “ordem” às cidades,
evitando o “caos” que ocorreria no fato de deixar a evolução urbana a cargo da livre
iniciativa:
(...) durante muito tempo acreditou-se que era sufficiente
estabelecer, para uma cidade, um regulamento unico e uma policia
geral de construcção. A pratica dos estudos urbanísticos fez
comprehender que as cidades se dividem em diferentes bairros
tendo todos elles determinado papel a preencher: centro de
negocios, bairro do grande e pequeno commercio, bairro industrial,
bairro residencial... Desenhou-se pouco a pouco a differenciação
desses bairros entre si pelo seu preparo e pela sua funcção própria
48
Não podemos saber com exatidão a real preocupação de Agache em inserir a teoria geográfica no seu
plano, nem mesmo se ele julgava importante tais conhecimentos. Contudo, o que é inegável, é que no seu
Urbanismo da década de 20, é possível claramente verificarmos a presença da Geografia.
88
(zoning), impuz-se por si mesma (...).
49
Por outro lado, o autor também o defende como forma de proteger partes
valorizadas do espaço urbano contra usos não-previstos, mantendo o alto valor do
solo urbano. Agache tinha uma preocupação quanto à desvalorização de áreas e
imóveis causados pela miríade de usos e grupos socioeconômicos difusos:
Ella tem por fim evitar que os bairros, que satisfazem a
determinadas necessidades, sejam invadidos por construcções que
mudariam completamente o seu caracter. O zoning deve, pois,
salvaguardar o valor da propriedade particular sem deixar de
proteger a economia e a saúde públicas... O nosso projecto de
remodelação e extensão suppõe uma divisão em cinco zonas:
a) zona central com parte commercial;
b) zona industrial e do porto;
c) zona de residência
d) zona suburbana
e) zona dos espaços livres e reservas arborisadas.
50
Segundo o Plano Agache, os elementos funcionais dividem-se em:
- posto de comando (centro da cidade);
- bairros de intercâmbio ou grandes negócios;
- bairros de abastecimento ou comércio com ocorrência de residências;
- bairros de produção (áreas para indústrias, áreas rurais e agrícolas);
- bairro universitário;
- centros recreativos;
- bairros residenciais de luxo – Copacabana, Ipanema, Gávea, etc;
- bairros residenciais burgueses – Tijuca e Flamengo;
- bairros residenciais operários – margeando a zona industrial.
49
AGACHE (1930:219).
50
Ibidem.
89
90
O plano possui, portanto, uma visão estrutural especializada e funcional
com cada elemento, a partir daí, desempenhando uma função específica dentro do
organismo urbano, articulando-se e integrando-se à cidade como um todo.As
especializações são espacializadas, todavia não formam comunidades autônomas,
já que o plano é estrutural e centralizado.
Apresentado de forma estrutural, intitulado pelo autor de ossatura,
algumas partes da cidade são privilegiadas intencionalmente, promovendo-se a
apropriação e divisão do espaço urbano, tendo como “pano de fundo” o uso do solo
urbano como mercadoria, não explícitos no plano.
O local onde as alterações mais incidem acaba sendo a área central da
cidade. é que localiza-se o posto de comando, ou seja, o centro administrativo e
legislativo. É sugerido então a construção duma monumental praça resultante do
arrasamento dos morros do Castelo (já realizado) e Santo Antônio (por realizar),
completando o ciclo de expansão do centro da cidade e descongestionando a
Avenida Rio Branco com a criação de novas vias.
Ilustração 3 - Planta da Cidade do Rio de Janeiro mostrando a abrangência do Plano Agache.
No detalhe, a ênfase dada ao centro da cidade. Fonte: REZENDE (1982:111).
91
Outrossim, na área central, o Plano Agache prevê o Bairro das
Embaixadas, local privilegiado intencionalmente que ocuparia parte dos terrenos
surgidos a partir dos aterros da Baía de Guanabara. Agache descreve-o dessa
maneira:
(...) é o local das embaixadas, palacetes e apartamentos de luxo (...)
lugar de turistas e estrangeiros, na linha de frente da Baía de
Guanabara (...) o loteamento e o zoning desse bairro são estudados
de modo a excluir o comércio em proveito da habitação suntuosa.
51
Tal como o saneamento básico, o sistema viário é visto de forma muito
profunda no Plano Agache, ligando-o à engenharia urbana, objetivando aumentar
sua eficiência. Paralelo a isso também são previstas algumas soluções estéticas,
onde a funcionalidade é complementada com o embelezamento.
A proposta do plano é atingir a cidade em toda a sua extensão, porém
não como omitir que ele deteve-se mais no coração urbano, ou seja, a área
central da cidade, traçando ruas e prevendo ligações, sobretudo nas esplanadas
que resultaram dos arrasamentos dos morros do Castelo e da previsão do de Santo
Antônio. As chamadas praças rótulas serviriam de interligação das vias principais,
bem como seriam, além duma solução técnica, também estética.
A circulação, dentro dessa visão orgânica do plano, vem a ser uma das
funções principais. Os bairros, zonas de diversos usos e elementos funcionais são
conectados a partir dum conjunto bem estruturado de vias (artérias).
Para Agache, o centro deveria ser integrado e reformulá-lo fazia-se
urgentemente necessário, haja vista o transtorno causado pelos bondes. Essa
integração seria possível somente através da construção duma extensa rede de
metropolitano, criação de vias de comunicação entre bairros e abertura de artérias
principais que atingissem a área central rapidamente.
A proposta do plano de prever a abertura da Avenida Presidente
Vargas (Avenida Independência) e também de interligar a Estrada Rio-São Paulo
(antiga Avenida Paulista) à Rio-Petrópolis (antiga Avenida Petropolitana) caracteriza
o momento histórico por que passava o país, onde era intensa a atividade
rodoviária nacional, muito incentivada pelo então Presidente Washington Luís, autor
da famosa frase: “... Governar é abrir estradas...”.
51
AGACHE (1930:166).
92
O capítulo seguinte procura mostrar mais especificadamente um dos
sistemas funcionais do Plano Agache, ou seja, o seu aparelho respiratório. De
acordo com o objetivo maior deste trabalho, que visa aliar Geografia, espaços
públicos e lazer junto ao Plano Agache, faz-se mister analisar suas proposições em
relação à disposição de áreas livres para a prática do lazer, bem como suas
propostas de regulamentação para implantações futuras. Nesse capítulo próximo,
que finaliza essa presente dissertação, espaço também para conhecermos as
concepções de áreas de lazer anteriores à Agache, bem como apresentar as
realizações do plano na cidade, materializadas até nossos dias, no espaço urbano
do Rio de Janeiro.
93
3. AGACHE E OS ESPAÇOS DE LAZER NO RIO DE JANEIRO
No capítulo final deste trabalho, procuramos nos deter nos espaços
públicos destinados ao lazer, previstos na elaboração do Plano Agache, ou seja, o
que o mesmo denomina de elementos do aparelho respiratório ao conceber a
cidade como um organismo vivo, de que tratamos num momento anterior. Esse
aparelho respiratório, do ponto de vista empírico, nada mais é que as áreas verdes,
parques, praças e jardins, enfim, toda a modalidade de espaços públicos destinados
à prática do lazer, previstos nesse primeiro plano de remodelação, extensão e
embelezamento da Cidade do Rio de Janeiro, ora materializados e presentes na
paisagem urbana da cidade até nossos dias, ora idealizados, mas imediatamente
vetados através de posteriores gestões municipais ao plano, sob diversas alegações
e justificativas.
Esse presente capítulo cumpre com o objetivo maior desta dissertação,
que, após discutir os mais diferentes aspectos do lazer propriamente dito (tratados
no capítulo primeiro), situar a Cidade do Rio de Janeiro dentro do contexto histórico
pelo qual passava o país no período retratado, bem como apresentar o Plano
Agache, como primeira tentativa de Plano Diretor de um espaço citadino no Brasil e
suas mais variadas influências (de que trata o capítulo segundo), é hora de
verificarmos exclusivamente as proposições que Agache destinara para o lazer
público em seu plano, bem como o que fora de fato realizado e presente na
paisagem citadina da atualidade, suas contribuições e repercussões.
Dividido em três partes distintas, esse capítulo final trata da metodologia
que Agache adota ao propor intervenções urbanísticas de embelezamento e
valorização do solo urbano, junto à elaboração de seu aparelho respiratório.
Contudo, a concepção de espaços públicos na cidade não constitui uma idéia
original de Agache. Aliás, é uma idéia materializada no meio urbano, muito anterior
ao advento da modernidade. É disso que trata o sub-capítulo 3.1., intitulado A
Concepção do Espaço Público antes de Agache.
O sub-capítulo 3.2., sob o título Agache e seu "aparelho respiratório"
As propostas de espaços públicos na cidade, busca apresentar as diferentes
previsões que o urbanista propõe em relação aos espaços livres, na elaboração de
seu plano para a capital federal, bem como os regulamentos necessários à sua
94
aplicabilidade.
Dando seqüência, o sub-capítulo 3.3., denominado Aplicabilidades do
plano As heranças do "aparelho respiratório", traz à tona as materialidades
realmente efetivadas, isto é, postas em prática em administrações municipais
subseqüentes ao plano, no Estado Novo, no que diz respeito a espaços públicos
próprios ao lazer, propostos por Agache e presentes na cidade de nossos dias. Aqui
também encerramos com uma discussão sobre a relevância das contribuições de
Agache, principalmente no campo teórico.
3.1. A Concepção do Espaço Público antes de Agache
Nesse sub-capítulo, mostraremos que Agache não foi o primeiro a
delegar atenção aos espaços públicos. Estes, podemos considerar, não da mesma
maneira que os dias de hoje, mas eram dotados dalgum valor, tanto por parte da
administração pública, quanto pela população que os utilizavam para o lazer e
recreação. Mesmo no Brasil, eles ocorriam esporadicamente. Agache contribui
sim, para a sua regulamentação e preservação.
Anterior ao Século XVII, e mesmo em tempos posteriores, é difícil pensar
num espaço público destinado ao lazer na cidade, uma área verde pública
desabitada própria ao uso comum dentro do meio urbano, pois a cidade
representava a conquista do Homem sobre a Natureza, o domínio do ser humano
sobre o seu meio. As áreas verdes, os grandes descampados poderiam e deveriam
localizar-se fora dos limites citadinos. À Urbe cabiam somente os arruamentos,
construções, ofícios, mercados, comércio, serviços etc., a ponto de quão maior
fosse tal rede de infra-estrutura disponível, maior era o grau dessa rudimentar
urbanização que se esboçava. Ajardinamentos ou parques tanto eram
desnecessários, quanto dispensáveis junto ao meio urbano.
52
Acerca do que fora
supracitado, M. MARX (1980:64) acrescenta:
(...) esse quadro natural, exuberante às vezes, que acolhe nossas
cidades e que foi por elas desprezado e ferido seguidamente. A
52
Não podemos falar da mesma maneira acerca da praça, que possui uma relação muito antiga e íntima com a
população urbana, mesmo em períodos medievos. Logradouro público, por excelência, sempre esteve ligada
diretamente aos adros das igrejas. Se hoje é tida como sinônimo de jardim, não pode ser definida da mesma
forma no passado. No Brasil, comumente estiveram atreladas às frentes de capelas, igrejas, conventos ou
irmandades religiosas, ou ainda, símbolo de poder imperial e militar. Sobre o tema, ver MARX (1980:49-57)
95
vegetação densa, e toda a vida que abrigava, era vista pelos
habitantes dos núcleos pequenos e isolados como perigosa. As
ruas, os largos e as construções deveriam compor um cenário que
fosse a negação da paisagem próxima. As roças deveriam limpar o
entorno das cidades e preparar a sua futura expansão. Os (...)
jardins públicos (...), nesse contexto, além de lugar de recreação
como entendemos hoje, eram também ambiente de ensaio e
pesquisa de plantas. (...) Representaram, portanto, essas áreas
verdes pioneiras uma mudança de atitude também em relação à
nossa flora;o que justifica seus nomes caídos em desuso, como
Horto Botânico. Embora afastado do Rio de Janeiro de então, o
Jardim Botânico, (...) é um marco basilar nesse interesse científico
organizado. Teve, com os que lhe seguiram, papel importante na
valorização do nosso reino vegetal igualmente na paisagem urbana.
E segue:
(...) a imagem urbana desconhecia árvores e canteiros nas vias e
nos largos. (...) O que pode parecer hoje uma atmosfera árida e
causticante ao sol do meio-dia era então a expressão clara da vida
não rural e muito menos sertaneja. As matas, os matos, os campos
e as roças ficavam fora do perímetro urbano que guardava o chão
limpo batido de terra.
53
Durante o absolutismo inglês do Século XVII, temos registro histórico
da permissão restrita de acesso ao público ao Hyde Park, localizado em Londres, de
propriedade da Coroa. Em meados do Século XVIII, em eventos grandiosos de
comemoração pública, registra-se também a abertura ocasional de parques reais.
Na mesma Inglaterra deste tempo, podemos encontrar devidas referências às áreas
privadas e abertas ao público por algumas horas em determinados dias da semana,
os chamados Pleasure Gardens, muito populares por essa razão. No ocaso deste
mesmo século, em França, já podemos observar a abertura de antigas propriedades
ao uso comum, tal como o jardim das Tuilleries localizado em Paris. Além desses
espaços de origem particular, algumas cidades européias, e mesmo brasileiras,
anterior ao crepúsculo do oitescentismo, contavam com os denominados Hortos
Botânicos, oriundos de interesse científico do Iluminismo, proporcionando
ocasionalmente à população sua utilização para passeios e contemplação
(BARTALINI, 2001:1106-7).
A emergência do jardim moderno no Brasil, e, mais particularmente no
Rio de Janeiro, constitui um movimento anterior à independência. Logo após seu
surgimento, em 1808, destinara-se a outros fins, que não a proposta científica
53
M. MARX (1980:67).
96
inicial de preservação e pesquisa de espécies, dentre eles, como um espaço dado a
passeios e lazer. No último quartel do culo XVIII, são criados os primeiros jardins
públicos voltados para esse mesmo objetivo. M. MARX (1980:58) afirma:
Todos vão ensaiar não só muitas plantas exóticas, como também, as
representantes de nossa flora exuberante, até então, quase
despercebidas ou desconsideradas. Este florescer da jardinagem se
revela muito importante para a introdução de espécies vegetais de
outras terras, para a valorização das nativas, para o enriquecimento
da paisagem urbana e sua conseqüente transformação.
Iniciativas européias eram rapidamente refletidas na capital da colônia,
quando a monarquia portuguesa contempla a Cidade do Rio de Janeiro com a
construção do Passeio Público. Traço marcante na paisagem urbana da cidade até
nossos dias, resultante de aterros sobre a extinta lagoa do Boqueirão (que fora
saneada e arborizada) em fins do Século XVIII, com o objetivo de embelezar a
cidade e oferecer à população urbana uma opção de lazer. Somente à guisa de
comparação justificativa de uma época, o Passeio Público fora inaugurado em 1783,
assim como na cidade de Leicester localizada na Inglaterra, era criado, em 1781,
um Public Walk, também destinado ao desfrute da população urbana, embora com
formas, dimensões e funções diferentes das do seu similar no Rio de Janeiro.
54
São
de fundamental importância as palavras de M. MARX (1980:61), tanto
complementando as contribuições de BARTALINI, quanto ratificando a emergência
do Passeio Público como remota opção de área de lazer no Rio colonial:
O jardim público aparece entre nós, como reflexo do iluminismo e da
expansão dos maiores centros urbanos, no fim do período colonial.
Instala-se, como nas antigas cidades européias e como quase todas
as nossas áreas verdes posteriores, nas bordas da cidade e em
terras muito ruins para o arruamento ou a construção. O Passeio
Público do Rio de Janeiro foi o primeiro e o mais elaborado jardim de
uma série de outros como os de Belém, de Olinda, de Vila Rica e de
São Paulo. Foi inaugurado muito pouco tempo depois da criação do
seu homônimo metropolitano durante a reconstrução de Lisboa. Na
então capital do Vice- Reino, uma lagoa junto à orla serviu se sítio
para a implantação deste requinte de civilização urbana, que
mereceu o trabalho de artistas como Mestre Valentim e, mais tarde,
Glaziou.
O trecho acima citado elucida, sobremaneira, como alguns dos
54
BARTALINI (2001:1107)
97
logradouros públicos de hoje, nada mais são que herança de antigos terrenos, onde
a presença da natureza sobrepujava a força do homem, ou seja, terras de difícil
acesso e ocupação, lodosas, pantanosas, charcos, banhados, e que, por isso, não
podiam ser loteados, vendidos ou ocupados, permanecendo, por essa razão,
públicos ao longo de séculos, urbanizados somente a partir do evento da
modernidade. Somente a título de exemplificação, podemos falar do Largo do
Machado, Praça Tiradentes, Campo de Santana, Largo da Carioca, Praça da
Bandeira etc., típicos exemplos de logradouros que mantiveram-se públicos ao
longo do tempo, simplesmente por uma resistência da natureza sobre a paisagem
urbana.
Os poucos exemplos dantes citados vêm comprovar, a título de
ilustração, que mesmo anterior a uma época onde os parques tornam-se
componentes praticamente obrigatórios do planejamento urbano, possuía parte
da população urbana, certo costume de desfrutar espaços ajardinados ou
arborizados como opção de lazer. Outrossim, evidenciam a coincidência dalguns
hábitos ligados ao uso, bem como a semelhança nas formas de provimento destes
espaços, em realidades deveras díspares, presentes nas colônias e nas
metrópoles.
55
A origem de espaços livres e áreas verdes intimamente ligadas aos
objetivos do planejamento urbano está na Inglaterra do Século XIX. Como não
poderia deixar de ser, são resultado do crescimento desenfreado das cidades
industriais, atrelado às condições insalubres de vida dos trabalhadores, fazendo
surgir um movimento reformador que conciliava a questão do lucro individual e o
bem coletivo, buscando implementar a adoção de áreas verdes públicas nas
cidades. Desse movimento é que se propaga o pensamento de que só resultaria em
mais lucratividade, o fato da cidade infecta ser saneada, proporcionando aos
trabalhadores nela residentes maior satisfação e qualidade de vida. Em 1833, fora
publicado um relatório produzido pelo Select Committee on Public Walks, cujo qual
aqui reproduziremos um trecho, que justamente enfatiza os benefícios que podem
trazer aos trabalhadores, os espaços livres:
Não é necessário salientar quão indispensáveis os Passeios
Públicos ou Espaços Abertos podem ser nas vizinhanças das
grandes cidades; para quem considera as ocupações das classes
trabalhadoras que ali moram, confinadas como são durante os dias
55
Ibidem
98
da semana (...) em fábricas excessivamente quentes, é evidente que
é de primeira importância para sua saúde no seu dia de descanso
aproveitar o ar fresco e poder passear com o mínimo de conforto
com suas famílias; se privados de tais meios é provável que seu
único escape dos estreitos pátios e becos (nos quais tantos das
classes pobres residem) venham a ser os botequins, onde gastam
os recursos de suas famílias, e também freqüentemente destroem
sua saúde. Nem este comitê deixaria de notar as vantagens que os
Passeios Públicos (devidamente controlados e abertos para as
classes médias e pobres) oferecem na melhoria do asseio,
arrumação e aparência pessoal daqueles que os freqüentam. Um
homem passeando com sua família entre vizinhos de distintas
categorias, naturalmente desejará estar adequadamente vestido e
que sua mulher e filhos também estejam; mas este desejo
devidamente dirigido e controlado é tido pela experiência como o de
mais poderoso efeito em promover a Civilização e estimular o
empenho no trabalho.
56
Somente na segunda metade do oitecentismo é que começam a se
multiplicar pela cidade, as áreas ajardinadas e arborização dos espaços públicos,
passando a constituir elementos de ponderação necessários entre espaços vazios e
conjuntos edificados, época também, em que se difunde como nova exigência pelo
mundo. Nesse momento, sofremos influência direta da Era Vitoriana, que entre
outras coisas, dispendiava considerável atenção ao embelezamento das cidades
inglesas, através dos ajardinamentos e demais intervenções urbanísticas de caráter
remodelador. Para tanto, são indispensáveis as contribuições de M. MARX
(1980:58):
Surge um novo tempo urbano para a prática e para o gozo da
jardinagem. Depois daqueles poucos casos excepcionais, não foram
tantas nem tão marcantes as primeiras conquistas do paisagismo.
Representaram, no entanto, o trato ou o desejo de algo a partir de
então imprescindível na paisagem urbana. Correspondentemente
deve ser compreendida a introdução, naquele momento histórico, da
arborização dos espaços públicos.
Inicialmente pela via do privado e, posteriormente, através do poder
público com a criação de diversas leis acerca do assunto a partir de 1840,
fundamenta-se na Inglaterra esse movimento que implementa parques públicos nas
cidades inglesas, resultando numa efetiva provisão destes espaços no meio urbano.
Paralelamente nos EUA, é possível percebermos movimento similar, buscando no
inevitável crescimento das cidades, a possibilidade de estender os princípios da
56
CHADWICK, George F. The park and the town. Londres: The Architetural Press, 1966.
99
utopia social às partes mais pobres e menos exploradas do país.
Tendo como base a cientificidade e a democracia social, esse outro
movimento norte-americano expressava-se através do território em espaços
organizados, social e fisicamente, cujos quais as áreas naturais e os parques
possuíam um primordial papel. A partir dessa visão, os parques passaram a ser
inseridos na paisagem urbana e não mais vistos como espaços periféricos e
distantes do núcleo urbano. Segundo esse movimento norte-americano,
encabeçado por Olmsted
57
, o parque seria o lugar onde valores fundamentais para a
democracia, tais como justiça social e igualdade poderiam ser reafirmados. Por essa
razão, deveriam ser parte integrante das cidades, proporcionando acessibilidade a
todos, e não encarados como fato excepcional dentro do meio urbano. Nesse
sentido, é fundamental conhecermos as importantes modificações introduzidas por
Olmsted no Urbanismo norte-americano:
Olmsted reverte a tendência iniciada com os 'rural cemetery',
colocados fora da cidade e concebidos como uma espécie de Éden
arcádico contraposto ao materialismo representado pela rigidez da
malha urbana. Em Olmsted, como depois nos sucessivos
paisagistas americanos, deste movimento em diante a idéia de
'naturalizar' a cidade prevalece sobre a tendência de interpretá-la de
um modo romanticamente artificial.
58
Na visão de Olmsted, a planificação do ambiente, prevalecendo
exigências estéticas, sociais e ecológicas sobre aquelas de ordem técnica e
econômica, era fator primordial, para fins de formação do caráter nacional, bem
como na resolução de problemas sociais. A partir desse momento, aos sistemas de
espaços livres públicos então, são relegados vital importância:
Era de fato nos espaços públicos de recreação passiva parques,
ruas, campus que o cidadão experimentaria a realidade da vida
democrática, assim como naqueles de recreação ativa destinados às
atividades esportivas e do tempo livre: um sistema de recreação
organizado como parte dos recursos de instrução de uma cidade
sem o qual a criatividade individual e a produtividade teriam
encontrado sérios obstáculos.
59
57
Sobre este autor e respectivo movimento norte-americano ver PETTENA, Gianni. Frederick Law Olmsted.
In: Storia Urbana, nº 60, 1992.
58
Acerca das contribuições de Olmsted, ver também ZOPPI, Mariella. Dal parco della borghesia a quello
della cultura tecnologica. In: Storia Urbana, nº 60, 1992.
59
PETTENA, Gianni. Frederick Law Olmsted. In: Storia Urbana, nº 60, 1992.
100
Os conceitos elaborados por Olmsted resultaram em importantes obras
realizadas, notadamente a partir de 1860, nos sistemas de parques de Boston.
Diferentemente de um parque isolado, o "sistema de parques" é um conceito que
objetiva propor uma espécie de amenização nas condições do ambiente citadino.
Segundo Olmsted, deveriam interrelacionar-se, preferencialmente conectados
através de informais e estreitos alongamentos dos próprios parques e, quando
impossível de fazê-lo, produzir os formais parkways. Tais ligações deveriam
obrigatoriamente articular-se com demais vias de similar função, de maneira que a
partir de qualquer ponto da cidade, houvesse possibilidade de acesso a elas em
poucos minutos de caminhada. Olmsted ainda acrescenta:
É um erro comum ver o parque como algo que se completa em si
mesmo, como uma pintura numa tela. Ele deveria ser planejado
mais como se fosse um afresco, com a consideração constante dos
objetos exteriores ainda que distantes ou mesmo só existentes na
imaginação do pintor.
60
Na visão de Harvey, propor a natureza dentro da cidade é uma típica
reação da "consciência burguesa", ao levar em consideração que a relação entre a
natureza e o trabalhador passava por um momento deveras degradante, resultado
do avanço do capitalismo industrial, somado a um desejo da sociedade burguesa de
consumir uma paisagem que pouco ou nada lembrasse aquela que ela própria
organizava para os outros na esfera da produção. Harvey lembra que justamente a
partir dessa idéia é que surgem as casas de campo e os subúrbios verdes para as
classes médias e a burguesia, bem como trabalhadores passam a freqüentar com
mais assiduidade os parques públicos e os passeios fora da cidade na busca pela
natureza. Com mais freqüência, busca-se inserir a natureza no seio da cidade, a
exemplo de Howard na Inglaterra e Olmsted nos EUA, ainda no Século XIX, sendo
retomadas por Lewis Munford e Ian Mc Harg, no princípio do Século XX,
atestando o que Harvey chama de continuidade deste tema no pensamento e na
prática burguesas.
61
Através dessas influências e estigmas é que chegam e/ou ampliam-se
antre nós os parques urbanos. Diferentemente de cidades norte-americanas ou
européias, aqui, a industrialização, ao invés de oportunizar a criação de áreas
60
Texto original de 1870, intitulado "Public parks and the Enlargement os Towns" e publicado em
CHADWICK, George F. The park and the town. Londres: The Architetural Press, 1966.
61
HARVEY, David. O trabalho, o capital e o conflito de classes em torno do ambiente construído nas
sociedades capitalistas avançadas. In: Espaço e Debates, nº 6, 1982.
101
verdes ou parques, contribuiu para destruir o que existia. Sobre o fato,
BARTALINI (2001:1109) ainda afirma:
É possível até cogitar que, entre nós, os parques tenham saído de
um modismo, de uma tendência à imitação de modelos das
metrópoles sem que houvessem as condições ou necessidades
semelhantes às que motivaram seu surgimento lá.
Afora tudo isso, podemos constatar que havia certa dose de sintonia com
o que ocorria no exterior e seu reflexo aqui no país. À guisa de exemplificação está
o fato dalguns jardins públicos brasileiros serem inicialmente cercados de grades,
semelhantes aos jardins ingleses, para posteriormente, no final do Século XIX,
serem substituídos pelos jardins abertos, com canteiros desenhados e estilos novos,
agora influenciados por um modelo norte-americano de paisagismo.
62
Não podemos
olvidar também as influências recebidas pelo movimento City Beautiful, surgido em
Chicago no final do Século XIX.
63
Não se faz demasiado afirmar que as repentinas modificações que se
processavam no cenário urbano norte-americano, assim como as insalubres
condições a que viviam as cidades industriais inglesas, resultaram no movimento de
ampliação dos parques públicos em ambos os países, a partir do final do Século
XIX, onde áreas verdes inseridas na paisagem urbana repercutiam diretamente na
regeneração do ambiente moral e físico. Nesses países, o desenfreado e rápido
crescimento das cidades, provocado justamente pelo processo de industrialização
são uma tônica. Decorrem daí, algumas tentativas para solucionar esse desafio pela
via do Urbanismo. No ocaso do oiticentismo, a mais famosa delas, a saber, a
proposta das Cidades-Jardins de Ebenezer Howard, propõe uma fusão entre a
cidade e o campo, e, semelhante as propostas de Olmsted, deveriam existir parques
centrais interligados à forma urbana, facilmente acessíveis a pé, tal como nos
demonstra BARTALINI (2001:1110):
Uma grande avenida circular, de 25m de largura, formaria como que
um parque complementar um cinturão verde ainda interno à area
urbanizada ao longo do qual estariam dispostas escolas, igrejas,
áreas esportivas e jardins. Todos os equipamentos seriam
interligados por avenidas e boulevards arborizados."
62
BRUNO, Ernani da S. História e tradições da Cidade de São Paulo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.
63
Acerca do movimento City Beautiful, vide o ítem 2.3.1., constante no capítulo segundo deste presente
trabalho.
102
Ilustração 4 - Figura que destaca a concepção original de Howard para a Cidade–Jardim e seu
entorno rural. Cidade com 400 ha, zona agrícola com 2000 ha. Fonte: Howard (2002).
Na concepção de Cidades-Jardins, as áreas verdes agora são dotadas de
um novo papel, isto é, o de delimitar as áreas urbanas, princípio que fora
amplamente adotado em planos posteriores nas mais diferentes cidades de vários
países.
103
Ilustração 5 - Figura que destaca a concepção original de Howard para o Distrito e centro da
Cidade-Jardim. Fonte: Howard (2002).
Na Cidade do Rio de Janeiro, é Agache quem nos apresenta essa
concepção muito conhecida e adotada nos EUA e Europa, propondo em seu
plano de 1930, duas Cidades-Jardins de fato (uma na Ilha do Governador e a outra
na Ilha de Paquetá, porém jamais efetivadas), bem como, vários outros loteamentos
que incluíam somente alguns elementos dessa concepção, sem constituir
verdadeiramente uma Cidade-Jardim, esses sim realizados na cidade. É o caso dos
loteamentos realizados no Jardim Botânico, Gávea e Laranjeiras, muito valorizados
na década de trinta e que foram beneficiados pelo Decreto-Lei 6000/37, que impedia
nesses bairros a expansão da indústria.
64
Destinado ao público de considerável
poder aquisitivo, um típico exemplo é a Cidade-Jardim Laranjeiras, de 1936,
cumprindo ser estritamente residencial, impedindo a instalação de estabelecimentos
industriais ou comerciais, porém fugia um pouco da idéia central de Howard, ao
64
ABREU, Maurício de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 3ª edição, 1997.
104
permitir a construção de casas de até três andares. A denominação Cidade-Jardim
denota então, status a diversos empreendimentos da época.
65
Entretanto, não podemos expressar as idéias e práticas de Howard, sem
nos remeter a outro autor chamado Raymond Unwin. Na sua obra, editada
originalmente em 1909 e intitulada Town planning in Practice, o mesmo trata de
forma bem variada, temas tais como o desenho urbano e o planejamento de
cidades.
66
Para ele, no desenho urbano, a beleza é primordial, elemento que vai
novamente de encontro ao movimento City Beautiful.
No que tange às areas verdes urbanas e aos parques, suas idéias não
diferem das concepções de Olmsted ou Howard, conhecidas aqui, ou seja, a
utilização da vegetação como elemento do meio urbano a serem inseridos nos
projetos. Somente no capítulo que trata dos acessos e limites da cidade, é que
Unwin apresenta a integração cidade-campo como um real obstáculo a ser vencido,
ao defender a idéia da necessidade objetiva de definir de forma clara os limites
entre eles. Os parques poderiam ter uma função semelhante aos antigos muros,
delimitando a área urbana, ressaltando-se ainda suas amenidades e utilidades para
os passeios, repouso e funcionando como refúgio para a fauna e flora, e, ao mesmo
tempo diferenciando-se, inclusive no aspecto visual, à area edificada da cidade.
(BARTALINI, 2001:1111).
As áreas verdes de dimensões menores, Unwin afirmava que poderiam
servir como marco nos pontos em que ruas e avenidas atingem os limites da cidade.
Dessa maneira, observa-se sua preocupação formal com essas áreas verdes.
Contudo, sua maior contribuição está no tratamento de pequenos espaços livres de
uso público junto às áreas residenciais, ou ainda, das praças centrais. Unwin foi um
dos responsáveis pelo planejamento urbano de Londres, realizado em 1932, onde
propôs, no entorno da cidade, uma zona verde, que objetivava, simultaneamente, a
recreação pública e a limitação à expansão urbana. Nesse sentido, WHYTE(1972)
acrescenta:
Este plano difere do atual cinturão verde em vários aspectos
importantes. Embora a superfície em hectares não fosse grande, os
espaços a serm obtidos estavam destinados à aquisição com vistas
ao uso público. Os espaços não formavam um cinturão ininterrupto;
grosso modo, o traçado era circular, mas fundamentalmente estava
65
OTTONI, Dacio A. B. "A influência da idéias de Cidade-Jardim: Reflexos no Brasil". In: HOWARD,
Ebenezer. Cidades-Jardins do Amanhã.o Paulo: Ed. Hucitec, 2ª edição, 2002.
66
UNWIN, Raymond. Town planning in practice – an introduction to the act of designing cities and suburbs.
London: T. Fischer Unwin, 1913.
105
constituído por uma série de espaços baseados na rede de
drenagem e estavam entrelaçados com as zonas edificadas. Por
esta razão a quantidade linear do espaço ou borda teria sido
maior do que o do atual cinturão verde.
67
Em suma, buscamos até aqui, apresentar algumas das principais
contribuições teóricas e iniciativas que tentam explicar como nasce a necessidade
de inserção de áreas verdes públicas no ínterim do meio urbano. Como podemos
perceber, a presença de parques e jardins nas cidades, utilizados como forma de
lazer não são adventos da modernidade. Esta, somente corrobora para sua
expansão, legalização, e no caso brasileiro, como influência e modismo do que vem
de fora.
Tratando-se mais precisamente de influências estrangeiras no
Urbanismo, não devemos olvidar que ao pensar em Plano Agache no Rio de
Janeiro, tais influências estão diretamente aplicadas na concepção desse plano.
Notadamente no que tange aos espaços públicos, cujos quais Agache denomina de
aparelho respiratório é que evidentemente aparecem todas as idéias e propostas
anteriormente supracitadas, justamente pelo fato de que foram a escola de Alfred
Agache, ou seja, eram o conhecimento mais direto a que o urbanista francês teve
mais contato e aprendizagem. Logo, deveriam refletir-se em grande número no seu
plano para a capital do Brasil à época.
67
WHYTE, Willian H. El paisage final. Buenos Aires: Infinito, 1972.
106
Ilustração 6 - Anúncio publicitário publicado na Revista da Semana em 09/09/1939. Fonte:
ABREU, Maurício de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: IPLANRIO, 1997. (p.
101).
Avançando então, no sub-capítulo 3.2., intitulado Agache e seu "aparelho
respiratório" As propostas de espaços públicos na cidade, entraremos mais
diretamente no Plano Agache afim de conhecermos o que o urbanista pensa
efetivamente, para a Cidade do Rio de Janeiro, em relação a áreas livres destinadas
ao lazer.
3.2. Agache e seu "aparelho respiratório" As propostas de Espaços Públicos
na Cidade
Primeiramente faz-se necessário relembrar, tal como tratado no
capítulo antepassado, que Agache concebia a cidade como um organismo vivo, ou
seja, o corpo urbano era dotado de capacidades, habilidades e fragilidades,
semelhantes às do corpo humano. Tal abordagem sistêmica (organismo, sistema,
aparelho etc.) remete-nos ao pensamento positivista, deveras aplicado e aceito
107
cientificamente pela comunidades acadêmica e científica do final do Século XIX e
início do Século XX.
Agache, influenciado diretamente por esse pensamento ideológico
dominante, ao tentar afirmar a posição do Urbanismo enquanto Ciência, reproduz o
discurso da Teoria Geral dos Sistemas, aplicando-a ao seu Urbanismo, refletindo-
se, conseqüentemente, na elaboração de seu plano para a Cidade do Rio de
Janeiro. Essa concepção da cidade como um organismo vivo, também se faz
presente noutras obras de Agache, tal como se verifica nas propostas de
planejamento de Sidney ou Curitiba, concebidos pelo urbanista francês em
momentos distintos.
Outrossim é necessário frisar que conceber a cidade tal como Agache a
concebia, ou seja, como um organismo vivo, constitui uma abordabem inspirada na
Escola de Ecologia Urbana de Chicago. Dentro dessa escola inscreveu-se toda uma
maneira de refletir acerca do papel a ser desempenhado pelo meio na análise de
uma cidade, bem como nas proposições e ações recomendadas. É
verdadeiramente uma ecologia urbana que se configura aqui, e Agache, um dos
admiradores dessa reflexão, aborda a cidade dentro dessa visão, inspirando-se
nessa escola em todos os seus planos. As propostas do urbanista francês para o
estudo do meio, não do Rio de Janeiro, mas nos demais planos realizados no
Brasil e mundo afora, constituem uma verdadeira ecologia urbana, tal como nas
palavras de BERDOULAY (2003:125):
Seu percurso privilegiava (...) estudos detalhados do meio físico e
humano. (...) Ao constituir um verdadeiro tratado de urbanismo, ele
reúne uma quantidade considerável de informações ambientais,
sociais e jurídicas, sem que o espaço público, certamente presente,
pareça constituir uma entrada particularmente importante na
problemática. (...) Mais de cem páginas são dedicadas ao estudo
das condições físicas de saúde: sítio, temperatura, correntes
marinhas, pluviosidade, pressão atmosférica, natureza dos solos,
drenagem das águas pluviais etc, assim como existiam também
dados sobre a mortalidade e o fornecimento de água. Tratava-se,
em suma, de um estudo detalhado da ecologia natural e sanitária da
cidade.
Ao assemelhar o corpo urbano ao corpo humano, Agache utiliza-se de
metáforas, muitas das vezes até munidas de uma considerável carga de bom-
humor, tal como segue:
108
Digo caso pathológico, porque Mlle Carioca, que acabo de visitar,
está certamente doente; não temais, porém, porquanto a sua
moléstia não é congênita é daquellas que são passíveis de cura,
pois o seu mal consiste em uma crise de crescimento.
68
A Senhorita Carioca, deante do rápido desenvolvimento da sua
circulação, disso se ressente. A sua respiração, a sua circulação e a
sua digestão dentro em pouco, estarão ameaçadas. Que fazer? O
médico precisa lhe prescrever um regime severo, uma norma de
progresso e de disciplina, e dar-lhe com urgência um plano
regulador que lhe permita desabrochar favoravelmente.
69
A metáfora é aqui utilizada, também como elemento de conscientização,
procurando instigar no leitor uma imagem de cidade viva, um organismo completo,
suscetível também de “adoecer” se não for corretamente ou adequadamente
tratado.
70
A prática que Agache possuía de Urbanismo dava-nos uma idéia das
razões que o levaram à metaforização. Assim como o clínico está para o corpo
humano, está o urbanista para o corpo urbano, isto é, numa posição de poder
somente ajudar ou auxiliar, tal como o próprio descreve em seu plano, o urbanista:
(...) deve traçar um diagnóstico preciso sobre os casos que lhe são
submetidos, trazer remédios aos males que se apresentem e
sobretudo indicar o regime a seguir para que o corpo urbano se
desenvolva o melhor possível.
71
Metaforizar o organismo era orientar, definir o papel do urbanista,
justamente porque a cidade é, simultaneamente, naturalizada e personalizada.
Nesse sentido, o urbanista torna-se impotente diante dessa tendência natural de
crescimento da cidade. Novamente recorremos ao plano para identificarmos essa
impotência do profissional urbanista:
Assim como o ser humano, uma cidade se desenvolve, se
enfraquece ou morre por razões definidas e certas.
72
A saúde, o desenvolvimento, a existência do corpo urbano são
regidos pelas mesmas leis que as do corpo humano. Assim como
um ser vivo, a aglomeração urbana está exposta a indisposições, a
68
AGACHE (1930a:5).
69
Ibidem (1930b:21).
70
BERDOULAY (2003:126).
71
AGACHE (1932:XIX).
72
Ibidem:73.
109
doenças ou a crises. (...) Uma cidade que se desenvolve passa,
como um ser humano, por sua crise de crescimento e, se não
tomermos cuidado, se não intervirmos a tempo, as conseqüências
para o futuro podem ser desastrosas.
73
Dessa maneira, ao metaforizar, Agache reduz o espaço público a duas
das três funções do organismo: a circulação (ruas, avenidas, travessas etc.) e a
respiração (os espaços livres, parques, jardins, passeios, campos de esportes etc.).
Particularmente nesse capítulo, essa última função relatada é a que mais nos
interessa, pois é a que trata diretamente dos espaços públicos destinados ao lazer e
também das questões de embelezamento da cidade. Aliás, a preocupação com a
beleza é a única idéia que parece fugir um pouco dessa sua lógica terapêutica.
A beleza para ele estaria intimamente ligada com a harmonia, com as
proporções, com as qualidades paisagísticas do espaço público como um todo
(perspectivas, estilo das ruas, localização de edifícios e parques etc.). Enfim, o
manejo do espaço público dependia exclusivamente do temperamento artístico do
urbanista. (BERDOULAY, 2003:128).
O Urbanismo de Agache era amplamente futurista, bem como deveras
preocupado com as questões funcionalistas e econômicas, muito característico do
urbanismo progressista em voga na época. Por essa razão, a riqueza da vida social,
sua complexidade e as diversas formas que ela manifestava no espaço urbano não
foram devidamente observadas pelo urbanista. Sendo assim, o funcionalismo
persistia em detrimento da atenção dada ao espaço público. (BERDOULAY, 2003).
Os mesmos existiam, mas eram ainda submetidos à especialização funcional dos
bairros.
No plano eleborado para a Cidade do Rio de Janeiro são descritos
detalhadamente os serviços e equipamentos necessários, que foram notados no
espaço público: praças, corredores viários, espaços livres, terrenos de jogos, jardins,
parques e mesmo estádios, escolas e bibliotecas. Porém, tudo isso era justificado
em termos de necessidades funcionais para a cidade. A justificativa era sempre
econômica, mas não podemos descartar uma relação com questões sociais.
Surge então uma espécie de "filosofia social", quando Agache torna
interdependentes quastões econômicas e sociais, ao exprimir uma necessidade de
assegurar o bem -estar da população urbana. E é sob esse prisma que os espaços
públicos são diretamente abordados, ou seja, é dada uma atenção particular às
73
Ibidem:XVIII.
110
intervenções que facilitavam a saúde pelo exercício corporal
74
: "a cultura do físico, o
desenvolvimento ao ar livre das forças vivas dos nossos corpos se tornaram
elementos indispensáveis do nosso dia-a-dia"
75
Os espaços públicos são vistos também sob o ângulo do simbolismo,
com o fito de transmitir certos valores sociais. Ao constatar que a Cidade do Rio de
Janeiro estava despossuída na época de uma "dignidade" de capital de um país,
isto é, ao identificar os contrastes existentes entre sua função político administrativa
e o estado patológico a que se encontrava no instante em que fora convidado a
intervir, Agache propõe imediatamente, para a parte central, o monumentalismo e o
ordenamento dos grandes prédios públicos e dos jardins, juntos aos edifícios
comerciais no intuito de expressar os "ideais econômicos e sociais que caracterizam
nossa época"
76
Daí surge a idéia de uma ampla praça pública em forma circunferencial,
aberta sobre a Baía de Guanabara, que constituiria a "porta de entrada" do Brasil.
Assim Agache colocava que:
(...) em face á bahia e no logar de honra, se instalará o governo
federal num conjuncto que dará á obra do homem na cidade a nota
grandiosa que lhe falta. O Rio de Janeiro offerecerá assim á
admiração do visitante chegando do mar uma entrada monumental
reffletindo a importancia e os destinos da cidade
77
(...)
Sem mais a acrescentar, os espaços públicos cumpriam o papel de
74
A respeito do uso de espaços públicos para a prática do esporte no Rio de Janeiro modernista, são
fundamentais as palavras de MASCARENHAS (1999):
"Foi sem dúvida muito grande a receptividade da população carioca aos esportes na virada
do século. Tal atitude se vincula diretamente ao fato destes representarem não apenas uma via para a vida
saudável, mas sobretudo por constituir um elemento civilizador do ideário burguês importado da Europa,
numa conjuntura em que ser moderno é desejar ser estrangeiro. Quanto às camadas populares, estas
parecem ter se mantido inicialmente reticentes ao surto esportivo, até por que a adesão a este modismo
implicava custos materiais elevados (todo o equipamento era importado) e mesmo a assimilação de
estranhos códigos de conduta. A adesão maciça aos esportes responde a um conjunto geral de profundas
transformações na vida urbana, relacionadas ao advento da modernidade. (...) Mais do que imaginar as
inúmeras intervenções e adaptações sofridas pelo espaço urbano para adequar-se às novas demandas
sociais, pretendemos atentar para o fato de que as próprias transformações na espacialidade, com o
advento da modernidade, propiciaram a concretização de tais demandas. Em outras palavras, a abertura de
amplos espaços públicos e sobretudo a mudança simbólica e de uso, via dessacralização destes espaços,
configuram um novo contexto no qual se insere aqui a adesão geral à prática esportiva. De uma cidade
colonial, alheia aos esportes e marcada por fortes restrições de uso dos escassos espaços públicos,
passamos a uma outra cidade, onde fervilha a prática esportiva e os espaços públicos, novos ou ampliados,
são socialmente preenchidos de forma bem mais intensa."
75
AGACHE (1932:84)
76
Ibidem (1932:85)
77
Ibidem:116
111
suporte de saúde, bem-estar e símbolos de ordem e poder estatal, contribuindo para
o bom funcionamento da cidade. A concepção prospectiva de Agache, aliado ao
funcionalismo exacerbado, contribuíram para desvalorizar a transversalidade do
espaço público, e, conseqüentemente, o seu potencial para o debate e surgimento
de novas idéias sociais, políticas ou culturais. No espaço público de Agache,
definitivamente não havia lugar para novidades, emergência de idéias ou
comportamentos inovadores. Sua tônica era a manutenção da continuidade,
impedindo, sob certo aspecto, uma criatividade particular, própria do espaço público.
Após introduzirmos essas questões mais gerais do plano em si, cumpre
analisarmos mais a fundo o aparelho respiratório de Agache. O mesmo está inserido
no que o urbanista francês convencionou chamar de zoning, explicado por ele
mesmo da seguinte maneira:
A divisão em zonas (zoning), impuz-se por si mesma. Ella tem por
fim evitar que os bairros, que satisfazem a determinadas
necessidades, sejam invadidos por construcções que mudariam
completamente o seu caracter. O zoning deve, pois, salvaguardar o
valor da propriedade particular sem deixar de proteger a economia e
a saúde publicas. (...) O nosso projecto de remodelação e extensão
suppõe uma divisão em cinco zonas: a) zona central com parte
commercial; b) zona industrial e do porto; c) zona de residencia; d)
zona suburbana; e) zona de espaços livres e reservas arborisadas.
78
Vamos nos deter, respectivamente, na zona "e" proposta pelo plano, que
trata especificamente do nosso objetivo maior, que são os espaços livres e áreas
arborizadas. Seguindo uma ordem de centralidade, Agache adapta a seu plano os
critérios adotados por urbanistas conhecidos de épocas anteriores, tais como
Olmsted e Howard, reservando aos espaços livres, o limite da área urbana, e
também, utilizando as áreas verdes na função "natural" de separação entre os
meios urbano e rural, muito semelhante ao que os urbanistas ingleses denominaram
de parkways, já mencionados neste trabalho, em capítulos anteriores.
79
Vejamos:
A concepção á qual se chega, não permitte distribuir um jardim
particular a cada familia; d'ahi resultou a necessidade de intensificar
a creação de espaços livres, afim de favorecer as pessoas privadas
de jardins, e isso, de um modo mais racional e mais comprehensivel
78
AGACHE (1930:18).
79
O interessante até aqui é observarmos o quão Agache se apropria de projetos urbanísticos aplicados em
cidades européias e norte-americanas e como tudo isso era visto como algo de novo no Brasil, muitas vezes até
pela própria elite intelectual.
112
do que tem sido até agora. Não é sufficiente repartir un numero
determinado de largos, campos para jogos, parques, etc.; é preciso
juntal-os e compôl-os numa rêde de avenidas arborisadas, que
permittam ao habitante dos predios altos de passearem ao ar livre,
num logradouro differente da rêde de grande circulação. Esse
systema de "pakways" tende a conduzir, não sómente ás mattas e
aos parques exteriores, mas tambem aos grandes espaços, que
devem constituir a zona rural intangivelmente reservada á agricultura
e á criação, sem que seja nunca permittida a sua transformação em
terrenos edificaveis, mantendo-os como reserva de ar puro
destinada á respiração da grande agglomeração.
80
É importante percebermos a questão social inserida no plano, quando da
previsão de áreas verdes públicas para a parcela da população que não possui um
jardim privado, bem como o regulamento que limita as construções e edificações em
áreas específicas, priorizando espaços livres e abertos e uma certa qualidade do ar.
Jamais devemos olvidar que uma das ênfases expressas neste plano é o
embelezamento da cidade. Para tanto, esses espaços livres e arborizados,
outrossim devem cumprir esse papel, ou seja, existir para tornar a cidade, bela.
Agache também evidencia no plano, por diversas vezes, sua admiração pela cidade,
por suas características peculiares, o que chama de privilégios. Ao tratar
especificamente dos espaços livres, menciona atenção para a questão da
necessidade de regulamentação, criando novos, e preservando os existentes,
mantendo assim a cidade, cada vez mais bela. E acrescenta:
Entre todos os tentaculos da agglomeração edificada, entre todas as
cidades satellites, a propria configuração do relevo e a existencia de
riquezas sylvestres maravilhosas, permittiram prever-se e reservar-
se um conjuncto de jardins, avenidas arborisadas, parques e mattas
cujos bemfeitos alliam-se aos privilegios que offerece a vizinhança
da bahia immensa e das margens prestigiosas do Oceano para
garantir aos habitantes da agglomeração carioca o beneficio de
terrenos de esportes, de espaços livres para repouso e os passeios
unicos no mundo pelo seu numero, a sua variedade e belleza
soberana.
Se até estes ultimos annos, os jardins publicos, pequenos ou
grandes, embora não fossem excuidos dos editaes, pareciam
apresentar um interesse secundario como logar de passeio
agradavel ou elementos de embellezamento da cidade, hoje, com a
extensão do territorio urbano, parques, jardins, terrenos de esportes
e de jogos, reservas arborisadas, terras abertas ao sol, não podem
mais ser consideradas como um luxo, mas como um elemento
indispensavel ao desenvolvimento são da cidade e á propria vida
dos habitantes.
81
80
Ibidem:128.
81
Idem (1930:203).
113
Para Agache, os espaços livres, indispensáveis no planejamento urbano,
possuem também a função de garantir higiene à população, no momento que
oferecem uma melhor qualidade do ar, menos poluição sonora e temperatura mais
agradável. No seu aparelho respiratório, o urbanista define duas categorias distintas
de espaços livres, melhor explicadas por ele mesmo:
Os espaços livres reservados em quantidade sufficiente devem
garantir, ao habitante, o que faz a superioridade hygienica das
pequenas agglomerações, isto é, a possibilidade de se eximir,
durante certas horas febris, da poeira e barulho dos centros a partir
do instante em que o trabalho não o retem mais, e attingir o logar
claro e arejado onde possa repousar entre a serenidade das
folhagens e das flores, envolvido na sombra das grandes arvores.
Para satisfazer a hygiene physica e mental da cidade, são
indispensaveis duas categorias de espaços livres: parques e campos
de jogos para uso diario da população e distribuidos nas partes
edificadas; reservas arborisadas destinadas ás visitas domingueiras
e ao "camping" nas tardes quentes, vastas extensões que confinem
mais ou menos com a agglomeração, conservadas no seu quasi
estado natural e que deverão incorporar-se ao restante da
agglomeração á medida da sua extensão, permittindo satisfazer
facilmente ás novas necessidades de parques urbanos emquanto
serão reconstituidas as reservas exteriores mais distantes.
82
82
AGACHE (1930:204).
114
115
Dando seqüência a esse sub-capítulo temos de conhecer uma das
tônicas do aparelho respiratório de Agache, que vem a ser a reserva territorial, isto
é, uma espécie de incentivo à valorização do solo urbano público, por meio de
investimentos da municipalidade em áreas verdes, parques, praças, jardins etc.,
vetadas à iniciativa privada, que objetivavam além dessa valorização do solo,
também uma vitrine de afirmação da ordem e poder estatal.
A idéia de uma reserva territorial não é original de Agache. Ela é na
verdade, inspiração de planejamentos urbanos já realizados em cidades européias e
norte-americanas, cujas quais o urbanista fez escola.
Podemos averiguar certa preocupação em planejar cidades, bem como
destinar espaços públicos próprios ao lazer, ainda no passado colonial. Foi deveras
importante a:
(...) influência da lei principal responsável pelo sistema xadrez, que
regulou o urbanismo em tôda a América Latina, as "Ordenanças
reais para construir cidades no novo mundo", expedidas em 1573 po
Felipe II da Espanha, uma lei que era certamente bem pensada, na
época, e que, além das instruções sôbre dimensão de quadras e
ruas, continha parágrafos que obrigavam as comunidades a reservar
espaço suficiente para a recreação do povo.
83
Podemos considerar essa como a primeira recomendação oficial que
previa reservas territoriais destinadas ao lazer. Quando da fundação de cidades e
vilas da América Hispânica, essa lei visava regulamentar oa primeiros loteamentos,
divisão e destino das terras e chãos. Embora sendo uma lei do Reino de Espanha,
não podemos descartar a hipótese de que teve também repercussão no mundo
lusófono.
Em veracidade, não podemos afirmar que um planejamento urbano é
democrático, se o mesmo não prevê uma considerável parcela das terras da
municipalidade destinadas a espaços públicos. REIS (1950:65) deflagra sua opinião
83
REIS (1950:45).
116
acerca da aparência das cidades da atualidade:
Uma coisa é bem certa: a aparência da cidade democrática deve ser
diferente das cidades dêste último meio século. Em caso algum,
poderemos admitir que se cubram extensas terras com casas e
asfalto, sem jardins e lagos. A terra, sufocada debaixo do concreto,
vinga-se da humanidade incauta.
O arquiteto espanhol chamado Arturo Soria e MATA foi o criador do
projeto "Ciudad Linear", inspirado para Madrid em 1892, e que fora parcialmente
executado entre 1893 e 1896. Nesse projeto, o autor prevê uma justa distribuição do
solo entre os habitantes, havendo para cada família uma casa, jardim e horta, num
total mínimo de 400m². Apenas uma quinta parte da cidade é ocupada pelas
construções, sendo 4/5 da superfície reservados para seus jardins e agricultura.
A preocupação em reservar áreas destinadas ao lazer os espaços
públicos são uma tônica no ideário do planejamento de cidades no Século XIX,
como percebemos no parágrafo anterior. Não podemos deixar de verificar então que
essas foram as influências teóricas disseminadas no discurso científico urbanista
europeu de então, e que já preconizava a preocupação por espaços livres e públicos
no espaço urbano planejado.
São essas, algumas das influências que Agache recebe na sua Escola de
Urbanismo em França e as traz para a Cidade do Rio de Janeiro.
LE CORBUSIER afirma em seu "Três Estabelecimentos Humanos", o
primeiro e mais importante estabelecimento humano: A grande reserva de terra.
Para esse autor, se fazia importante a administraçaõ pública conservar em seu
poder, alguns lotes urbanos, marcando assim fortemente a presença do Estado,
leia-se esfera pública, seja ela federal, estadual ou municipal.
No caso do Plano Agache, o mesmo também preocupava-se com essa
grande reserva de terra, cuja qual denomina em seu plano de grandes reservas
territoriais. Sob a justificativa de preservar e, conseqüentemente, valorizar espaços
na cidade, de poder da prefeitura, é interessante as contribuições de REIS, em
artigo publicado em 1944:
Parece tão aconselhável que a administração municipal adquira
terrenos extensos, atualmente zonas rurais, como os campos de
Sernambetiba, as restingas de Jacarepaguá e Itapera, que, uma vez
saneados, constituirão terrenos valiosos para habitações. A
117
aquisição dêstes seria importante como reserva de terrenos para
troca, se o plano regional determinar a transformação que parece
indispensável.
84
Muitos arquitetos e urbanistas justificam a reserva de terras como forma
de manutenção de poder e valorização por parte da municipalidade. O urbanista de
nome Bernoully defende:
(...) a aquisição de todos os terrenos das cidades pelas autoridades
municipais, para que os mesmos sejam alugados aos proprietários
de imóveis por limitado espaço de tempo (por exemplo 100 anos),
obrigando-os a construir de acôrdo com os planos de conjunto
municipais. O sistema de propriedades proposto é mais ou menos o
que chamamos de "enfiteuse" ou terreno foreiro, conservando em
mãos do dono do fôro, direitos mais extensivos do que o previsto
pela prática no Brasil.
85
Dessa maneira, Agache vai novamente adaptar essas idéias estrangeiras
de reservas territoriais, ao seu plano. Não é demasiado afirmar que no Plano
Agache, uma das maiores preocupações é com a funcionalidade da cidade.
Portanto, prescrever no plano, áreas livres que podem servir ao lazer, nada mais
são que elementos fundamentais para que a cidade funcione plenamente, tal como
um organismo vivo, de que Agache tanto ratifica. A defesa de que os espaços livres
devem ser públicos por excelência e de responsabilidade e prioridade da prefeitura,
merecem considerável apreço no plano, uma vez que o urbanista justifica que
demais preocupações tais como transporte ou abastecimento de água sempre
foram alvo de interesse de particulares, por isso, os investimentos em melhorias
poderiam ser privados. Diferentemente dos espaços livres, que, praticamente, não
despertam atenção dos empresários. Assim Agache afirma:
A circulação, os meios de transporte, os exgottos, as adducções
d'agua, podem fazer o objecto de grandes emprezas, e o interesse
particular das pessoas que d'ellas se occupam, é um poderoso
estimulo para garantir seu melhoramento e desenvolvimento. Os
espaços livres, os parques e os jardins, pertencem a outra ordem.
Elles so têm os defensores do interesse geral. Eis uma razão para
pensar em salvaguardar e dar a este assumpto muito grave, um
logar preponderante no estabelecimento do plano de remodelação.
86
84
Trecho de artigo de José de Oliveira REIS, publicado na Revista da Prefeitura do Districto Federal em
janeiro de 1944.
85
REIS (1950:38-9).
86
AGACHE (1930:205).
118
Na justificativa de que cidades de países ricos planejam e valorizam
espaços públicos desde o Século XIX, o urbanista cita alguns exemplos em termos
de porcentagem, evidenciando a proporcionalidade ideal de espaços livres em
relação à extensão total do município, levando também em consideração o número
de habitantes. Dessa forma, considera que, ao reservar e regulamentar espaços
livres em seus respectivos planos diretores, essas cidades e capitais européias e
norte-americanas, além de valorizar o patrimônio público e contribuírem ao perfeito
funcionamento da área urbanizada, ainda demonstram-se modelos ideais de
urbanização plena e desenvolvida, típicas qualidades de cidades de países ricos.
Logo, deveria ser um exemplo a ser seguido pelo Rio de Janeiro. Nesse sentido, o
urbanista francês relata no plano:
Fazemos notar, que numerosas municipalidades comprehenderam
este dever, muito particulararmente nos paizes anglo-saxões e nos
Estados-Unidos. Londres possue 9% do seu territorio preparado em
parques. Paris tem 3% de parques interiores, o bosque de
Bolonha e o de Vincennes, porém, representam 23% da superficie
intra-muros e o plano levantado para o "Paris-Maior" prevé uma
reserva geral de 15% do territorio urbanisado. Em Nova-York e em
Chicago, esta proporção não é senão de 4%, estas cidades, porém,
fazem, actualmente, um grande esforço afim de augmentar as
superficies de parques. Algumas cidades inglezas possuem até 32m²
de jardins publicos por habitante: exemplo Edimburgo e até 59m²
como em Stirling.
Os estudos recentemente emprehendidos nos Estados Unidos pela
Commissão do Plano Regional de Nova-York concluem que um
plano de remodelação e de extensão deve comportar uma reserva
de 40m² de terreno livre por cada habitante, dos quaes, 21m² devem
fazer parte dos parques urbanos e suburbanos propriamente ditos, e
o restante deve ser representado pelas reservas arborisadas
exteriores confinantes com agglomeração.
87
Assim, Agache recomenda o que seria ideal para o Rio de Janeiro, a
partir das experiências estrangeiras anteriormente relatadas:
Com a densidade média de 125 habitantes prevista para o conjuncto
do Rio de Janeiro Maior, estas considerações levaram-nos a
reservar cerca de 10% da superficie urbanisada aos jardins e
parques interiores.
88
87
Ibidem.
88
Ibidem.
119
Note-se que o urbanista se utiliza de termos tais como Paris-Maior e Rio
de Janeiro Maior, algo semelhante ao que usamos atualmente como Grande Rio ou
Grande Belo Horizonte, quando nos referimos à área metropolitana e densamente
urbanizada, composta também pelos subúrbios. Em seguida, o mesmo demonstra
como devem ser e estar dispostos, os espaços livres nesta capital:
Os jardins de bairros, simples campos de jogos ou parques mais
extensos, devem ser facilmente accessiveis. Elles deverão ser
traçados nas proximidades das grandes vias de circulação sem no
emtanto as atravessar: a sua capacidade, a sua efficacia e agrado
serão consideravelmente diminuidos por um tal corte que não
permittiria mais possuir jardins ao abrigo da poeira e protegidos
contra as degradações de toda a especie resultantes de uma
circulação intensa.
89
Dispostos dessa maneira, Agache aplica de forma fiel, as concepções de
espaços livres elaboradas por Howard, Olmsted e Unwin, por nós conhecidas
neste presente trabalho e realizadas em cidades inglesas e norte-americanas do
Século XIX. (Vide 3.1.1.). A seguir, aponta a questão da utilidade das áreas verdes
na cidade:
Afim de proporcionar effeitos uteis, estes espaços verdejantes
deverão ser ligados entre si por avenidas arborisadas, as quaes,
todas as vezes que a tal se prestarem, não serão consideradas
simples estradas, mas verdadeiros passeios livres das correntes de
maior circulação ou bastante espaçosas para serem protegidas
contra os excessos de barulho, de poeira e de perigos. Dest'arte,
chega-se a constituir um ou varios systemas de "parkways" ligando,
não somente os parques entre si, mas conduzindo egualmente para
as mattas e os passeios exteriores, assim como para os grandes
espaços da zona rural consagrados á cultura ou a criação,
reservatorios d'ar puro indispensavel á respiração da grande
agglomeração.
90
É interessante observarmos que quão mais Agache descreve suas
intenções em relação aos espaços livres no seu plano, mais semelhanças, para não
dizer compilações, de planos ingleses e norte-americanos, vamos encontrando nas
suas propostas para a Cidade do Rio de Janeiro, inclusive apropriando-se do
exemplo dos parkways, ou seja, extensos parques a serem localizados nos
89
Ibidem.
90
Ibidem.
120
subúrbios das cidades, servindo simultaneamente como áreas de lazer e
interligação da malha urbana com reservas florestais ou áreas rurais, tal como vimos
citado no trecho acima.
Agache, ao assemelhar o corpo urbano ao corpo humano, além da falar
de aparelho respiratório, refere-se também aos espaços livres como pulmões da
cidade. Essa idéia nos reporta a uma sensação de salubridade e insalubridade,
conforme a cidade é tratada pelos seus administradores. E afirma:
A cidade é geralmente representada como extendendo seus
tentaculos para o campo. Mas é egualmente indispensavel que pelos
seus espaços livres, o campo faça penetrar tentaculos no interior da
agglomeração edificada, levando-lhe em toda a parte o ar fresco e
puro afim de substituir o viciado; de modo que os espaços livres
formem o que poderiamos chamar de pulmões da cidade. E'
inspirando-nos nestes principios que distribuimos os espaços
arborisados necessarios ao grande Rio do futuro.
91
Nunca é demais frisar a preocupação que o urbanista tinha com o futuro
da cidade, e também, em como o plano diretor a que se propunha, serviria ao futuro
desta cidade. Também é possível destacarmos, à medida que as propostas são
apresentadas, que as áreas verdes forram desigualmente distribuídas ao longo da
malha urbana, privilegiando alguns espaços, anteriormente valorizados:
O estado actual dos sitios offerece grandes possibilidades, que se
forem salvaguardadas, garantirão uma excellente repartição de
espaços livres satisfazendo ás exigencias da população prevista
para o futuro. Naturalmente, a densidade e o caracter da rêde de
jardins e parques varia conforme os bairros.
92
Esse "variar" conforme os bairros constitui uma maneira velada de
privilegiar espaços livres dentro da cidade. A partir disso, Agache define três tipos
distintos de áreas verdes, visando tanto o lazer, quanto o embelezamento:
Distinguiremos tres conjunctos principaes: o primeiro systema de
parques, de caracter accentuadamente urbano, está constituido pelo
conjuncto de cáes arborisados e ajardinados comportando, a partir
da avenida Pasteur e Praia Vermelha, as avenidas Beira-Mar e Ruy
Barbosa em volta do Morro da Viuva remodelado e cercado de
taboleiros com flores, vindo o cáes do Flamengo alcançar os novos
91
Ibidem (1930:206).
92
Ibidem.
121
jardins preparados entre o Largo da Gloria e o Passeio Publico, e os
jardins em via de execução da Ponta do Calabouço.
93
Ilustração 8 Jardim público previsto no Plano Agache, que propunha áreas de lazer e
embelezamento em local próximo, onde hoje temos o aeroporto Santos Dumont. Fonte: Agache
(1930:208).
O segundo sistema, em direção à zona norte da cidade, e também
priorizando outro tipo de público:
(...) sempre continuando pela avenida do Mangue
94
(...) alcançar-se-
á, (...) a Quinta da Bôa Vista, começo de um segundo systema de
parques, este ultimo, muito particularmente destinado aos recreios
da população operaria.
Este systema comporta uma faixa continua, (...) de espaços livres
que emglobem, além da Quinta da Bôa Vista, o Morro do
Telegrapho, (...). Finalmente, vem alcançar e se unir ás encostas
arborisadas do Massiço da Tijuca na Bocca do Matto. Este
conjuncto, (...) comportará, ora taboleiros verdes para jogos, ora
93
Ibidem.
94
A avenida Independência é o projeto original de Agache, que constituía um prolongamento da avenida do
Mangue, ao que fora posteriormente realizado e denominado de Av. Presidente Vargas, durante o Estado
Novo e sob a administração municipal do Sr. Henrique Dodswoth. Segundo REIS (1950:40), a avenida do
Independência, do Sr. Agache, já é fruto de um projeto ainda mais antigo, sugerido em 1904 por Heitor de
Melo.
122
estadios athleticos, gymnasios, velodromos, escolas ao ar livre,
centros de hygiene infantil, etc.
95
Por último, ele descreve onde e como deveria ser o terceiro sistema de
parques:
Um terceiro systema de espaços livres favorecendo as mesmas
vantagens nos bairros riccos da beira do Oceano, extende-se em
volta da Lagôa Rodrigo de Freitas. A propria lagôa constitue uma
bacia muito agradavel para o remo e o exercicios de regatas. A
avenida Epitacio Pessoa, preparada, arborisada e acabada de modo
a dar a volta completa da lagôa, constituirá um passeio muito
agradavel que ligará o estadio do Flamengo com o centro dos
esportes, o hippodromo do Jockey-Club e, ao do Morro do Pires,
o Jardim Zoologico.
96
Novamente não podemos deixar de perceber um resgate aos planos
originais de Howard, Olmsted ou Unwin, em que prescrevem esse
dimensionamento na localização dos espaços livres em direção aos subúrbios, indo
de encontro ao meio rural e à mata fechada. Impressionante é o fato do Rio de
Janeiro, enquanto uma cidade dos trópicos, encaixar-se, praticamente, de forma fiel
aos projetos ingleses e norte-americanos. Nesse contexto, a casualidade favoreceu
o Sr. Agache, isto é, no sítio da cidade são facilmente aplicadas as propostas
estrangeiras.
Após descrever estes três conjuntos de parques, o urbanista apresenta
algumas disposições de outras pequenas áreas de lazer a serem inseridas junto à
área mais urbanizada, propriamente dita:
Independentemente destes tres conjunctos principaes de parques,
tivemos o cuidado de repartir numerosos jardins, largos, campos de
jogos pequenos e grandes, conforme as disponibilidades offerecidas
por cada bairro, de modo a se approximar do rhythmo reclamado
pela sciencia urbana: um terreno de repouso de 400 ou 500 em 400
ou 500 metros e um terreno esportivo de 1.500 em 1.500 metros
cerca.
97
Finalizando as propostas para seu aparelho respiratório, Agache prevê
a construção do Autódromo de Jacarepaguá, bem como recomenda
95
Ibidem (1930:208-9).
96
Ibidem (1930:209).
97
Ibidem.
123
incessantemente a necessidade do poder público priorizar espaços livres como
reserva de terras. Chama-nos atenção que à medida que a cidade cresce, desperta
maior interesse por parte de setores privados, portanto é mister que a administração
pública regule, defenda e amplie suas áreas livres, como forma de proporcionar o
pleno desenvolvimento do futuro da cidade. Acerca de suas recomendações finais,
AGACHE (1930:211) afirma:
(...) insistiremos novamente sobre a necessidade, para os poderes
municipaes, de applicar com vigor uma politica territorial de espaços
livres, de estabelecer um orçamento exclusivo a este fim e não
discurar de exprimir topographicamente o programma e os projetos
previstos a este respeito.(...) E' em nome do interesse geral que os
poderes publicos devem estabelecer, manter e defender os terrenos
livres e os jardins indispensaveis, não por causa do agrado e do
luxo que offerecem, como por causa da hygiene da cidade, do
desenvolvimento e da vida de seus habitantes. Todo o projecto de
melhoramento ou de extensão deve ser considerado incompleto se
não fôr acompanhado da acquisição dos terrenos indispensaveis a
sua respiração.
Consideramos de extrema valia, ao término deste sub-capítulo, reproduzir
alguns trechos específicos do Plano Agache, intitulado Projectos de Legislação e
Regulamentos, justamente nas partes que tratam das prioridades de reserva de
terras, embelezamentos e criação de áreas de lazer, sobretudo para que no sub-
capítulo a seguir, possamos fazer uma análise comparativa do que realmente fora
respeitado e efetivado na cidade após a entrega definitiva do plano:
TITULO III
CREAÇÃO DE UMA RESERVA TERRITORIAL NO RIO DE
JANEIRO
CONSTITUIÇÃO DE UMA RESERVA TERRITORIAL
ART. 1º. O Districto Federal deverá constituir uma reserva
territorial, da qual 33% deverão ser conservados como terrenos não
construidos. A constituição dessa reserva será baseada em
compras, expropriações, trocas, cessão pelo Estado e doações.
ADMINISTRAÇÃO
ART. 2º. A Directoria do Patrimonio Municipal administrará essa
reserva territorial. Será egualmente encarregada de compras,
expropriações, trocas ou cessão dos terrenos da dita reserva. (...)
98
98
AGACHE (1930:LXXXII).
124
(...) UTILISAÇÃO DA RESERVA TERRITORIAL
ART. 7º. A Municipalidade poderá utilizar a reserva territorial da
seguinte maneira:
1º constituir reservas arborisada ou não;
2º crear parques, espaços livres e terrenos de esportes;
3º construir edificios destinados aos serviços publicos;
ceder terrenos a serem construidos sob fórma de contracto a
longo prazo:
a) ás associações publicas de habitações modicas ou outras
sociedades e pessoas particulares que tenham em vista o mesmo
fim para a creação de cidades-jardins ou grupos de habitações
modicas;
b) ás pessoas pouco afortunadas, para que se construam habitações
individuaes ou "parques operarios" e casas de "week-end";
c) ás sociedades ou organisações para a construcção de edificios
publicos ou semi-publicos (clubs esportivos, organisações
philanthropicas, intellectuaes, etc.);
ceder, sob fórma de contracto temporario, terrenos devolutos a
explorações agricolas, horticulas, pastoris e mesmo a certas
industrias que não causem prejuizos ao sólo ou á vegetação;
explorar ou ceder por contracto a utilisação das pedreiras que se
acharem nos seus terrenos. (...)
99
(...)TITULO VI
CAMPOS DE JOGOS, DE ESPORTES E DE REPOUSO
OBRIGAÇÃO
ART. 1º. – O Districto Federal deverá possuir uma rêde adequada de
parques, campos de esportes ou de jogos e outros espaços livres
arborisados ou não, no perimetro urbano assim como na zona rural.
Essa rêde será administrada pela Directoria de Arborisação e
Jardins.
SUPERFICIE INTANGIVEL
ART.2º. A superficie dos parques e espaços livres determinada
pelo plano de remodelação não poderá ser, sob nenhum pretexto,
diminuida. Se por uma absoluta necessidade uma parte do parque
ou do espaço livre fôr construida, esta parte deverá ser préviamente
substituida por uma parcella não edificada tendo as mesmas
dimensões e podendo normalmente servir o mesmo bairro.
PROPRIEDADE DA RÊDE
ART. 3º. A rêde dos parques e espaços livres representa um
conjuncto de propriedades pertencentes ao Estado, a Municipalidade
e aos particulares se os jardins destes ultimos fôrem reservados.
JARDINS-RESERVAS
ART. 4º. Todo e qualquer jardim particular que pertencer a rêde
dos parques e espaços livres deverá ser conservado sem
modificações e em bom estado até a ocasião da expropriação pelo
Estado ou pela Municipalidade.
ART. 5º. Quando um jardim particular reservado não fôr tratado
pelo seu proprietário, e isto apesar da notificação feita, a
municipalidade deverá encarregar-se de o pôr em bom estado por
99
Ibidem (1930:LXXXIII).
125
conta do mesmo.
100
PROPORÇÕES – DENSIDADE
ART. 6º. A rêde urbana dos parques e espaços livres será
calculada da seguinte maneira:
Para os novos bairros 10% da superficie total, pelo menos, deverá
ser reservada a esse fim (as ruas, praças, etc., não serão contadas
na superficie reservada). Este algarismo corresponde a densidade
de 125 habitantes por hectare, no maximo. Para uma densidade
maior, a proporção dos terrenos livres e jardins será augmentada
afim de não exceder á densidade de 1.250 habitantes por hectare de
terreno livre.
5% serão destinados ao recreio activo;
5% ao recreio passivo (repouso).
Nos bairros situados a beira de grandes extensões de agua, a
superficie dos espaços livres poderá ser diminuida de 17%.
101
DISTANCIA
ART. 7º. Qualquer campo de jogos ou jardim local deverá ser
situado de 400 a 500 metros de cada moradia, no maximo.
JARDINS PERTENCENTES AS ESCOLAS
ART. 8º. Os jardins pertencentes ás escolas que podem estar
abertos fóra das horas de estudo farão parte da rêde dos parques e
espaços livres.
102
No sub-capítulo a seguir, intitulado 3.3. Aplicabilidades do plano As
heranças do "aparelho respiratório", procuramos brevemente mostrar alguns
exemplos de obras previstas no plano original, e que, após certas modificações,
foram efetivadas na cidade, bem como, resistem na paisagem urbana do Rio de
Janeiro de nossos dias. Convém também encerrarmos não esse sub-capítulo,
mas este trabalho como um todo, com uma discussão que visa refletir sobre a
relevância das influências, idéias, contribuições teóricas, enfim, o conhecimento
disponível acerca do Urbanismo, que Agache deixa no Brasil, e que,
indubitavelmente, são mais importantes que suas materialidades presentes no
espaço urbano.
3.3. Aplicabilidades do Plano – As Heranças do "aparelho respiratório"
O Plano Agache é entregue nos últimos meses da administração que o
empreende. Em outubro de 1930 é deposto o Presidente Washington Luís e
100
Ibidem (1930:LXXXVII).
101
Ibidem (1930:LXXXVII).
102
Ibidem (1930:LXXXVIII).
126
conseguintemente o prefeito Antonio Prado Junior. A conseqüência disso é que
todas as medidas da administração anterior sofrem descontinuidade e são olhadas
com desconfiança. Sobre o feito, acrescenta ABREU (1997:86):
O Plano propriamente dito jamais foi implementado, ainda que várias
obras ali sugeridas fossem realizadas nas décadas seguintes.
Concluído após a Revolução de 1930, foi visto com extrema
desconfiança por um novo governo que pretendia revogar tudo
quanto proviesse da República Velha, (...) Além do mais, nas
palavras de (...) Pedro Ernesto, "nem em cinqüenta anos ele seria
exeqüível."
Tal como explicitado, a Revolução de 30 "engaveta" o Plano Agache.
Contudo, as discussões acerca do Urbanismo, assim como as contradições urbanas
por ele levantadas não tinham como serem arquivadas tão facilmente. Faziam parte
de uma realidade que deveria ser enfrentada por uma nova forma de organização
social que se instaurava no Brasil. Porém, mesmo negando a importância do plano,
pelo fato de ter sido fruto da República Velha, coincidência ou não, ele afirmava de
forma muito contundente a ação forte do poder público na gestão urbana. Como a
ação de um Estado forte era uma marca do governo Vargas, o plano é novamente
retomado. Assim sendo, afirma ABREU (1997:90):
Paradoxalmente, a fórmula apresentada por Agache para a
resolução dos problemas da República Velha ou seja, a
intervenção do Estado no processo de reprodução da força de
trabalho urbana – se constituirá na mola mestra do novo regime que
Getúlio Vargas implanta no país.
Na gestão municipal que sucedeu Prado Junior (1930-1931), o Plano
Agache é novamente reestruturado por uma equipe de profissionais, dentre eles,
Lúcio Costa. O Plano é aceito com algumas modificações que ocorreriam ao longo
de sua implantação. É criada a Comissão do Plano da Cidade do Rio de Janeiro.
Na administração de Pedro Ernesto Baptista (1931-1936), tanto o plano
quanto à comissão são revogados. Quando Henrique Dodsworth (1937-1945)
assume a prefeitura, é reestabelecida a Comissão do Plano da Cidade e criado o
Serviço Técnico do Plano, retomando os estudos e readaptando-os.
Algumas marcas do Plano Agache, presentes na paisagem urbana do
centro da cidade até nossos dias, foram às proposições que chegaram a ser
executadas. São elas, a Esplanada do Castelo com parte das quadras dotadas de
127
pátio central, e o traçado viário das principais ruas. Após sucessivas modificações
da proposta original de Agache, elabora-se um Serviço Técnico que aprova o PA
3.085 de 06/02/1938, juntamente com o decreto 7.078 de 12/08/1941, dando à
esplanada do Castelo sua configuração atual.
103
103
SILVA (2003:121).
128
129
Ilustração 9 - Prédio do antigo Ministério da Fazenda, localizado na Esplanada do Castelo.
Realizado a partir do Plano Agache. Fonte: Foto do Autor (Março de 2006).
Esse Serviço cnico tenta aproveitar todas as sugestões de Agache,
porém a maioria delas são inviabilizadas, pois a área era alvo de muitas disputas
políticas. Na construção do aeroporto Santos Dumont, por exemplo, a intervenção
do governo federal compromete a área projetada. Segundo SILVA (2003:124):
(...) a eletrificação da Central e o aeroporto Santos Dumont,
acabando com a possibilidade de construção da Porta do Brasil
projetada por Agache, representaram as maiores derrotas do
Serviço Técnico.
Dessa maneira, somente poucas quadras do Castelo foram respeitadas
como no plano original (com galerias internas e passagens). Nas demais áreas da
esplanada, esses pátios internos foram abolidos. (SILVA, 2003).
Ilustração 10 - Praça do Expedicionário localizada na Esplanada do Castelo. Realizada a partir
de obra original do Plano Agache. Fonte: Foto do Autor (Março 2006)
Em se tratando da abertura da avenida Presidente Vargas, as polêmicas
130
foram inúmeras. Aqui, queremos somente mencionar que fazia parte do plano, um
prolongamento da Avenida do Mangue, que existia. De acordo com a proposta
original, chamar-se-ia de Avenida Independência, estabelecendo o prolongamento
da Avenida do Mangue sem a presença do canal que está. Mais uma vez, o
Serviço Técnico do Plano da Cidade concebeu diversamente o projeto da
abertura.
104
Pensando mais diretamente nos espaços livres dados ao lazer, nosso
objetivo maior, as propostas foram também diversas, tal como vimos
anteriormente, porém poucas materializadas. O maior exemplo, realizado e presente
até nossos dias é a Praça Paris
105
, localizada no bairro Glória, fruto do primeiro
aterro feito na área, visando o prolongamento de avenidas que interligassem a zona
sul ao centro, dentre elas a avenida Beira-Mar, que também fazia parte do plano.
Ilustração 11 - Concepção original da Praça Paris no Plano Agache. Exemplo de proposta de
104
LIMA (1990:29).
105
STUCKENBRUCK (1996:112).
131
espaço livre destinado à prática do lazer, posteriormente realizado a partir do primeiro aterro
efetuado no Bairro Glória. Fonte: AGACHE (1930:204).
Ilustração 12 - Fonte: Arquivo Nacional, Jornal Correio da Manhã. S/Data.
Ilustração 13 - Fonte: Arquivo Nacional, Jornal Correio da Manhã. S/Data.
132
Ilustração 14 - Aspecto parcial da Praça Paris hoje. Fonte: Foto do Autor (03/2006).
Não podemos olvidar, outrossim, a sua proposta de construção de um
autódromo em Jacarepaguá
106
, o que fora realizado muito tempo depois, a partir de
suas sugestões. Muito embora possa provocar divergências em relação ao uso
público, constitui, indubitavelmente, uma área de lazer e recreação possibilitada
segundo o Plano Agache.
Enfim, se nem todas as materialidades foram efetivadas no espaço
urbano, ficaram as idéias. Devemos sempre lembrar que a tônica desse plano foi
justamente o seu arcabouço teórico, ou seja, uma série de legislações,
regulamentações e recomendações, presentes num único documento (o plano
diretor) que viabilizasse uma diretriz à evolução urbana e futuro da cidade. O que
até então era inexistente no Brasil, e que serviu de modelo para sucessivos
planejamentos urbanos que se deram posteriormente, não no Rio de Janeiro,
como em diversas cidades pelo país afora. O Plano Agache, ainda hoje é uma
referência para arquitetos e urbanistas, pois muito do que temos presente nos
planos diretores da atualidade, remontam à Agache.
Ideologicamente, a cidade era vista na sua totalidade, embora houvesse
106
ABREU (1997:86).
133
diferentes direcionamentos quanto às soluções viárias, variando de acordo com o
espaço urbano e o público que dele usufruía. Logo, combinações perfeitas entre
estética e funcionalidade eram previstas apenas para áreas da cidade destinadas às
classes média e alta, onde o transporte individual era mais freqüente. À época,
tais áreas eram o Centro da Cidade e bairros da Zona Sul. Aos Subúrbios,
denominados pelo plano de bairros operários, foram previstas apenas soluções de
funcionalidade, referindo-se apenas a ampliação dos sistemas ferroviário e mais
timidamente do metroviário, proporcionando acessibilidade a centros de emprego.
Agache propõe a criação da Comissão do Plano da Cidade. Anexas ao
plano a reserva territorial e a legislação vem a ser os instrumentais necessários para
efetivar tal implementação.
Para que o plano pudesse ser realizado ou possivelmente modificado,
Agache previa a formação duma comissão de coordenação e execução. Impossível
de ser implementado de cima para baixo, o autor colocava a necessidade de que
todas as companhias de serviços públicos o tivessem como modelo, dessa forma
possibilitando a integração também a nível horizontal.
Agache também preocupava-se com a necessidade de reserva territorial
que a cidade sempre deve manter para poder auto-financiar-se, evitando assim o
valor excessivo do solo urbano. Esse conceito foi utilizado noutros países que o
adotaram e obtiveram resultados positivos.
107
A reserva territorial se fazia necessária para Agache, que muitas vezes
o alto valor da terra é que impede atuações do poder blico em proporcionar
melhoramentos de saneamento, lazer, habitação, etc. Ela controla o valor da terra e
evita a especulação imobiliária. Na verdade esse é um ponto contraditório do plano
que, de um lado privilegia áreas e valoriza o solo urbano através de seus
zoneamentos e de outro, cria mecanismos para frear ações especulativas.
Por último, a legislação, parte anexa ao plano, consiste na
regulamentação. Sem ela torna-se impossível executá-lo e implementá-lo. Para
Agache, recorrer à legislação é fundamental, uma vez que na ausência da mesma,
nenhuma realização de planta de remodelação e extensão seria viável.
Não se pode afirmar que é um plano que leve em consideração o aspecto
financeiro, ou seja, não está explícito no seu texto. Do ponto de vista aplicativo,
teoricamente é um plano muito pragmático, pois traz consigo uma legislação bem
elaborada e pronta para ser aprovada.
107
REZENDE (1982).
134
Finalizando esse capítulo, cumpre-nos dizer que a importância do
urbanista Agache não se reduz somente a esse plano elaborado para a então
capital federal. Durante o Estado Novo, Agache retorna ao Brasil e amadurece o
Urbanismo entre nós, principalmente pela sua forma de fomentar a gestão blica
sobre o território, ação muito simpática à Ditadura Vargas.
Sendo assim, é convidado então a elaborar vários planos de remodelação
em cidades do norte fluminense, tais como Araruama, Campos dos Goytacazes,
Cabo Frio e São João da Barra. O Estado Novo favorecia o seu trabalho, pois além
de estar a serviço do poder vigente, eram seus amigos pessoais que encontravam-
se diretamente ligados ás esferas de decisão. Ademais, numa época ditatorial, não
havia muito espaço para críticas dos opositores, tal como ocorrera na década de 20.
Dessa forma, sua prática urbanística torna-se dominante e sem concorrências.
108
Por
fim, trabalhando como consultor técnico para o escritório de Coimbra Bueno
(1939/45), sua experiência e notabilidade são tamanhas, que elabora os planos de
Petrópolis (1940/42), Curitiba (1940/43) e Vitória (1942/44).
109
Somente à guisa de exemplificação faz-se necessário complementar que as
idéias trazidas por Agache e projetadas no seu plano primeiro para a Capital
Federal, vão se disseminar, sobremaneira, pelo país afora nos anos subseqüentes
do Estado Novo (décadas de 30 e 40).
O Urbanismo de Agache é difundido tanto por ele mesmo, no caso dos
planos de cidades por ele elaborados,de que mencionamos aqui, quanto por
engenheiros e arquitetos brasileiros a ele muito ligados e que procuravam colocar
em prática suas idéias urbanísticas.
É o caso de Armando de Godoy e Atílio Correa Lima, assim como os irmãos
Abelardo e Jerônimo Coimbra Bueno. No caso destes últimos, eram os proprietários
do escritório Coimbra Bueno & Cia Ltda., sediado no Rio de Janeiro. Os irmãos
Coibra Bueno foram os responsáveis pela elaboração e construção de Goiânia
(1932-38), auxiliados por Godoy e Correia Lima.
Ao mesmo tempo que Agache, ao retornar ao país, trabalhava como
consultor cnico no escritório supracitado, imcumbido na elaboração de planos de
prefeituras do norte fluminense, Curitiba, Vitória etc., era elaborado o planejamento
de Goiânia, pelo mesmo escritório.
Interessante é saber que, mesmo sem participação direta no Plano de
108
SILVA (2003:127).
109
Ibidem.
135
Goiânia, as idéias de Agache erm intensamente aplicadas por seus companheiros
nacionais.
Nunca é demais relembrar que o Estado Novo favorece a difusão das idéias
de Agache e do Urbanismo pelo país. O maior exemplo é a própria elaboração e
criação de Goiânia, símbolo do poder de Vargas, denominada de “Cruzada Rumo ao
Oeste” (SILVA, 2002:135).
Havia uma intrínseca relação entre a Capital Federal e a atuação desses
engenheiros e arquitetos, na elaboração de Goiânia. Primeiro pelo fato de quase
todos serem cariocas ou formados pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro,
referência do Brasil na época. Segundo por estar aqui concentradas as decisões e o
poder nacional, tal como afirma MACIEL (1996:639-40):
Depois do início das atividades de instalação da cidade, as idéias de
Godoy passaram a vir ao conhecimento das autoridades goianas
sobretudo através de volumosa correspondência (aí incluídos
inúmeros relatórios) enviada a instâncias do governo estadual pelos
irmãos Jerônimo e Abelardo Coimbra Bueno. Eles eram
proprietários da firma Coimbra Bueno e Cia. Ltda. sediada na
cidade do Rio de Janeiro. (...) Em 6 de julho de 1933, pelo Decreto
Nº 3547, o interventor federal em Goiás encarregou o urbanista Atílio
Correa Lima, representante da firma P. Antunes Ribeiro e Cia, da
cidade do Rio de Janeiro, de organizar o projeto da futura capital
deste Estado.(...) Após a assinatura daquele contrato, empenharam-
se os Bueno em que o plano de Correia Lima para Goiânia fosse
submetido à avaliação de uma comissão de especialistas da área.
Inicialmente, pensaram em envolver nesta atividade a Escola
Politécnica, a Escola Nacional de Belas Artes, o Clube de
Engenharia, todos sediados na cidade do Rio de Janeiro, então
Capital federal, e também a própria Prefeitura desta cidade. Esta
iniciativa representava, para eles, sobretudo, uma estratégia
propagandística a ser utilizada para chamar a atenção sobre a nova
cidade – entre as muitas de que se valeu o governo de Goiás.
Logicamente então, vemos refletidas algumas previsões do que não se
conseguiu realizar na Cidade do Rio de Janeiro. Não queremos aqui muitas
delongas em relação à fundação de Goiânia. Esta cidade serve tão somente como
exemplo para percebermos quão rapidamente eram absorvidas e aplicadas as
idéias de Agache nas décadas de 30 e 40.
Segundo a plano de Correa Lima para Goiânia, de que mencionamos, é
proposto a Zonificação, utilizada anteriormente por Agache: "O zoneamento de
Goiânia procurava satisfazer às tendências modernas em matéria de urbanismo, de
136
localizar os diversos elementos da cidade em zonas demarcadas."
110
No que se refere aos espaços públicos e áreas livres, nosso objetivo
maior, também encontramos verossimilitudes entre o Planos Agache e de Goiânia.
A título de exemplificação então, acrescenta MACIEL (1996:641-2):
Todas as ruas, segundo o plano, seriam arborizadas, sendo que as
principais avenidas, ademais, seriam ajardinadas: “Os passeios
parte de sua área gramada, tudo de acordo com os desenhos
apresentados...”. (...) o uso da Av. Goiás (...) como jardim (...)
Apresenta esta com seus 45% de área ajardinada e
convenientemente arborizada, o aspecto monumental e pitoresco. “E
será futuramente o local onde a elite fará o footing à tarde e à noite.”
(...) o urbanista classifica os espaços livres em diversas categorias,
estabelecendo mediadas para cada uma delas.
Correa Lima, tratou os espaços livres como “função higiência e
recreativa”, e tal como no Plano Agache, havia uma relação de proporcionalidade
entre número de habitantes e áreas de lazer, consideradas por ele mesmo como
muito inferiores, comparando-se a demais cidades:
(...) os parques, os park-ways, os jardins, os play grounds e os
campos de esportes –, esclarece que formamum total de 162
hectares. Isto corresponde a 14% da área total projetada,
representando uma proporção de 308 habitantes para cada hectare
de parque ou jardim. Esta relação ficava bem aquém, (...) da
encontrada em vários centros urbanos; (...) entre outros: Detroit
660 habitantes por hectare de parque ou jardim -, New York – 943 -,
Londres – 1000 -, São Paulo – 1075 -, Paris – 1354.
111
110
MACIEL (1996:641).
111
Ibidem (1996:643).
137
Ilustração 15 Planta original de Goiânia, apartir do Plano de Atílio Correa Lima. 1933. Fonte:
BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil, 1981.
O exemplo supracitado nada mais é que a reserva de terras, também
previstas no Plano Agache. Enfiim, logramos necessário finalizar esse capítulo com
as palavras de MEDEIROS (1975:213), acerca da importância que Agache delegava
ao embelezamento:
Após anos de estudo, o engenheiro francês apresentou em 1930 o
seu projeto, que entretanto iria ser parcialmente executado.
Aindfa assim conseguiu remodelar a capital, marcando época na
história das suas transformações em termos de embelezamento
urbano, pois adotava concepções avançadas para aquela fase. Em
conseqüência de tal plano arborizaram-se muitas ruas e se fizeram
jardins, alguns retilíneos, do tipo francês, como os da praça Paris.
Contudo, embora fossem previstos outros jardins em áreas a obter
por aterro na orla da baía, as acomodações para recreação pública
ainda não logravam merecer maior cuidado, continuando o
paisagismo acadêmico.
138
APÊNDICE
Referências à Agache materializadas no espaço urbano da Cidade do Rio de
Janeiro.
Ilustração 16 - A gravura mostra a mais recente foto de Agache, colhida pouco antes de falecer.
Fonte: Jornal Correio da Manhã, 1º/07/1959
139
Ilustração 17 - Aspecto atual do busto de Agache.
Praça Paris. Fonte: Foto do Autor (Março de 2006).
Ilustração 18 - Placa em bronze situada na Av. Alfred Agache, Castelo. No detalhe, há uma
referência ao ano de nascimento e morte do urbanista, e a seguinte frase: “Urbanista Francês,
autor de Projeto de Remodelação do Rio de Janeiro.” Fonte: Foto do Autor (Março de 2006).
140
Ilustração 19 - Placa atual da Avenida de mesmo nome. Fonte: Foto do Autor (Março de 2006).
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na finalização deste estudo, podemos, à guisa de conclusão, ratificar que
após um aprofundamento teórico específico acerca do lazer, percebe-se um vínculo
deveras intenso deste com o meio urbano. Tal relação íntima decorre, mormente a
partir da evolução da industrialização. Nesse aspecto, não seria demasiado afirmar
que a cidade como um todo, constitui por excelência, o lugar próprio para a sua
afirmação e desenvolvimento. Ademais, dotado de práticas e valores sociais, é o
lazer um dos elementos fundamentais que possibilitam significado e sentido à vida
urbana.
Neste estudo, procuramos mostrar inicialmente as diversas
manifestações do lazer em diferentes sociedades e classes sociais, mesmo que elas
próprias jamais tivessem uma perfeita noção de distinção entre tempo destinado ao
trabalho e ao não-trabalho.
Conceber o lazer na Antigüidade, nos tempos medievos, no advento da
industrialização etc., fazia-se necessário frente a importância que a modernidade
delegava ao lazer no princípio do Século XX. Precisávamos ter noção de onde se
originava essa valorização do tempo livre. Era fundamental reconhecermos que
quão maior o nível de industrialização e urbanização de uma sociedade, maior era a
preocupação em criar, destinar espaços cada vez mais amplos, regulados, limpos,
livres etc., dentro da cidade, proporcionando uma relação de equilíbrio para seus
habitantes. Essa talvez, seja a grande marca da modernidade. Nesse instante, e
não com essa finalidade, nasce o Urbanismo, justamente no sentido de
regulamentar o lazer e torná-lo alvo de políticas públicas.
E esse Urbanismo chega até nós. Pequenos reflexos dele vinham
sendo sentidos pela cidade, ainda no Brasil Imperial. Posteriormente, através das
intervenções "cirúrgicas" de Pereira Passos, essa Ciência inicia seu processo de
amadurecimento no país. Porém, é somente após a definição da vinda de Agache
que as idéias de arquitetos e engenheiros, mediante muita polêmica, finalmente
aglutinam-se, em concordância da necessidade de elaboração do plano. Esse é o
grande momento de afirmação do Urbanismo no Brasil.
E como não poderia deixar de ser, é a capital desse país que mais
142
rapidamente materializadas tais influências estrangeiras. O Rio de Janeiro, então, é
a cidade escolhida para ter o seu futuro urbano regulado através de um
planejamento moderno e eficaz, semelhante ao que ocorria em capitais
européias. O plano surge como conseqüência “natural” do processo que ocorria no
Brasil, sob o impacto do capital estrangeiro.
Dessa maneira, fora empreendido então, o Plano Agache, por meio de
um representante da classe oligárquica no poder, em função de uma burguesia
urbana. Sua existência pode ser considerada como a solução para as questões
ligadas à funcionalidade e embelezamento da cidade, de que muito reclamava a
elite, oriunda tanto da oligarquia cafeeira decadente, quanto da burguesia industrial
emergente. Sua aplicação promoveria a adequação da cidade à expansão do
capitalismo e aos valores estéticos burgueses.
Ademais, o plano simbolizou um elemento legitimador e aglutinador de
vários grupos que o viam como instrumento que potencializaria em sua própria
concretude, a nova ordem técnica desejada. Se até então, as incipientes ações
urbanísticas efetuadas na cidade possuíam caráter privado, agora serão de
preocupação primordial de ação do Estado. O plano serviu, antes de mais nada,
para construir uma cultura técnica dentro da administração municipal. Surgem daí as
esferas burocráticas estatais representadas pela Comissão do Plano da Cidade, o
Serviço Técnico Municipal e o Departamento de Urbanismo, até então inexistentes
junto ao corpo burocrático da prefeitura.
A organização do estado liberal não priorizava dignamente a presença de
um corpo técnico junto à prefeitura, pois as principais obras eram somente
realizadas pelos notáveis a convite exclusivo dos prefeitos. Embora o Plano
Agache também seja fruto dessa velha dinâmica, contribui para o início da
tomada de consciência da necessidade de ação estatal, representado pela
prefeitura, na tomada de decisões acerca do futuro da cidade, coisa que outrora era
feita por particulares. A reorganização do Estado após 1930, não terminou com
tal prática, como foi estabelecendo novas demandas, através da especialização das
atividades municipais.
Essa nova realidade configurada pelo Urbanismo e pelos "tempos da
modernidade" serviram para privilegiar interesses coletivos em detrimento dos
interesses pessoais, descartando a promoção do personalismo, praticados até
então, à exemplo de figuras como Paulo de Frontin, dentre outros.
Caminhando em relação às especificidades do plano, observamos que
143
quanto à estrutura urbana, a cidade constitui um organismo vivo, onde seus
elementos funcionais se justapõem para melhor integrá-la. Ao elaborá-lo, seu autor
faz uma analogia entre corpo humano e corpo urbano, concebendo tais elementos
funcionais como cérebro e coração (o centro da cidade), aparelho respiratório (as
áreas verdes, parques e jardins), aparelho circulatório (ruas, estradas e grandes
avenidas), aparelho excretor (os esgotos, o saneamento da cidade), dentre outros.
Sendo assim, ela é, portanto, centralizada e pode ser implementada através do
zoneamento.
Ainda de maneira mais específica, estudamos seu aparelho respiratório,
no intuito de estabelecer uma ligação direta entre o plano e suas propostas para o
lazer. Ao delegar importância aos espaços públicos e áreas livres próprias à prática
do lazer, à funcionalidade e embelezamento, objetivos maiores do plano seriam
plenamente atingidos, contribuindo para um futuro desenvolvimento saudável da
cidade, segundo Agache.
Nesse momento, segundo a sua concepção de aparelho respiratório, é
possível evidenciarmos uma relação muito própria entre o plano e o espaço
geográfico, no instante que Agache fala da necessidade de reserva territorial,
promovendo sua regulação, legislação e conseqüente valorização do solo urbano ao
priorizar espaços públicos e esteticamente urbanizados.
No que tange às heranças de Agache na cidade, podemos verificar sua
presença na área central da cidade. A Esplanada do Castelo, alvo de muitas
disputas políticas, em tempos de Vargas, foram executadas algumas obras
previstas em seu plano e retomadas mais tarde, como no caso da Praça do
Expedicionário ou o prédio do Ministério da Fazenda. Também a Praça Paris e Av.
Presidente Vargas estavam previstas no plano original.
Executar o plano na sua totalidade seria deveras difícil, tanto por onerar
demasiadamente os cofres públicos, quanto pela questão política que dele
demandava. Mesmo após ser retomado, no Estado Novo, fora totalmente
modificado. As materialidades que dele resultaram foram diminutas se comparadas
à sua grandiosidade, porém o que ficaram foram as idéias.
Todos os regulamentos e legislações efetuados a partir de então
tomaram como ponto de partida o Plano Agache, no que diz respeito ao
planejamento da cidade. Planos que surgiram no Rio de Janeiro em décadas
posteriores, tais como Doxiadis ou Pub-Rio, também nele se basearam.
144
Mesmo sem ser executado, o plano de remodelação, extensão e
embelezamento do Rio de Janeiro fez com que Agache ficasse conhecido em todo o
Brasil, elaborando trabalhos de planejamento em vários municípios do interior
fluminense, Vitória e Curitiba, além de intervenções urbanísticas em Santos, São
Paulo e Porto Alegre.
Principalmente, o podemos olvidar a importância de Agache na
questão da regulamentação do Urbanismo enquanto Ciência no Brasil, e desta,
estar a serviço da esfera blica. Se hoje temos as diversas Secretarias Municipais
de Urbanismo regulamentadas em qualquer prefeitura, por menor que seja, em
parte, devemos isso ao Plano Agache.
Por último, exclusivamente falando de espaços públicos da atualidade no
Brasil, se, da mesma forma, temos regulamentos e legislações para criar uma nova
praça, parque etc., por menor que for a esfera municipal, elas constituem reserva
territorial das diversas prefeituras atuando no seu espaço urbano, e isso se deve ao
primeiro plano diretor elaborado para uma cidade no Brasil, o Plano Agache.
O Plano Agache ensejou uma seqüência de propostas para várias
cidades brasileiras. Em maior ou menor número, foram inspiradas a partir de
experiências deste plano primeiro. É certo também que o arcabouço teórico de
Agache baseava-se em experimentos urbanísticos norte-americanos e europeus.
Propostas concretas foram poucas, limitando-se a esquemas de circulação com
novos sistemas viários sobrepostos a tecidos urbanos antigos.
Entretanto o ato de planejar cidades, funcionalizar seus espaços urbanos
e organizar uma hierarquia viária eficiente constituiu uma tônica modernista
presente no Rio de Janeiro a partir de Agache. Tentar “varrer” as referências da
cidade colonial ou imperial, substituindo-se a paisagem “atrasada” por avenidas
arejadas e largas e construções vultuosas não principiaram com Alfred Agache, mas
no seu plano estava incutida uma extensão dessa ideologia vigente. Afinal, o que
não foi possível concretizar (aniquilar) em administrações anteriores, deveria estar
previsto neste plano.
Todavia, será que a sociedade brasileira da época, representada por uma
elite conservadora, dominante e com poder de decisão econômica e política estava
realmente preparada a receber a modernidade? Os significados dessa
modernização não foram corretamente assimilados pelos cidadãos, tampouco pelos
governantes. Além disso, a dimensão de um corpo urbano é de tal forma complexa,
que se faz impossível executar planos em prazos limitados à boa vontade política de
145
autoridades e autoritarismos.
Em suma, com maior ou menor sucesso, o planejamento urbano no país,
iniciado por Agache, sinalizava o desejo de nossas elites, de inserir o país no rol de
nações desenvolvidas. Para tanto, fazia-se cabal utilizar plenamente o Urbanismo,
na tentativa de materializar no espaço urbano as marcas da modernidade, cujas
quais Alfred Agache ofereceu considerável contribuição.
146
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VALENTE, Luis Paulo. Lazer e Vida Urbana em Presidente Prudente SP.
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