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armava o presépio, e eu cuidava da festa, das cantigas, das danças. A minha festa
começava antes mesmo da festa do povo. Eu ia de casa em casa, combinar quem ia dá
o bolo, o cuscus, o peixe, o licor. Essa é festa antiga, festa de tradição. Antes eu
participava hoje eu só assisto. Antes era eu e Coló que organizávamos a festa, hoje
quem organiza é Valda, Jô e Déia. Mais eu lembro que eu gostava de cantar, hoje eu
ainda canto, mas não tenho peito para dá o tom grave. Antes eu fazia presépio em
casa, hoje, como não enxergo direito, colaboro com o presépio da igreja. Quem não
arma mais o presépio em casa, ajuda a montar o presépio da igreja. O presépio da
igreja sempre foi o maior. A gente visita os presépios de casa em casa, pega o
catecismo e lê o bendito. Quando passa a festa de aniversário do Senhor Menino, a
gente faz uma festa e queima as palhinhas dos presépios, cantando e dançando
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Ao falar da festa, D. Zilda Merice do Rosário se assemelha ao sujeito benjaminiano e,
ao mergulhar no oceano de suas memórias, trabalhando numa vasta temporalidade, vai ao
encontro de outras fazes de sua vida, numa relembrança dos registros significativos da sua
experiência como festeira. Em sua narrativa, uma comparação entre as temporalidades da
festa, no passado - organizada pela informante em parceria com Dona “Coló”, no presente,
“Valda, Jô e Déia”, simbolizam uma nova geração de festeiros na organização do evento. Em
outra narrativa é Dona Amaurina Oliveira do Rosário que informa sobre o festejo:
Sou natural da comunidade de Boitaraca, casei cedo e vim morar em Jatimane.
Jatimane e Boitaraca são comunidades irmãs, as pessoas daqui e de lá têm hábitos
parecidos. A festa das palhinhas é muito antiga, não sei dizer quando começou... no
dia 06 de janeiro a gente desarma os presépios, junta todas as palhas que usou na
ornamentação dos presépios, leva para a igreja, junta com as palhinhas do presépio
maior que é armado na igreja. À noite, após a reza na igreja, a gente leva as
palhinhas para rua e põe fogo para queimar as palhas, neste momento a gente canta
e dança se despedindo do presépio, e como em toda festa tem comida e bebida. É
um momento de diversão
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O relato de Dona Amaurina é complementado pela informação de Sr. Otávio do
Rosário, que diz:
Toda essa região aqui comemora o Menino Deus e os Reis. E aqui segue a tradição
de fazer a queima das palhas, os antigos diziam que esse costume era do tempo dos
escravos. A festa das palhas é uma tradição dos mais antigos. No dia de desarmar o
presépio, você junta as palhas que abrigou o Deus Menino, leva para a igreja e só à
noite, depois de agradecer ao Senhor, é que essas palhas devem ser queimadas.
Você sabe, é como se essas palhinhas tivesse protegido o Menino Divino, então
elas não podem ser jogadas fora. Então, aqui a gente queima essas palhas, elas
viram cinza, e aí você pode espalhar essas cinzas. Algumas pessoas até guardam
um pouco das cinzas
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D. Zilda Merice do Rosário. 77 anos, natural de Jatimane, catadeira e marisqueira aposentada. Entrevista a
Maria de Carmem Rodrigues Fernandes, em Jatimane, no dia 10.12.2008.
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Amaurina Oliveira Rosário. 45 anos, natural da comunidade de Boitaraca, funcionária pública municipal.
Entrevista concedida a autora, em Jatimane, no dia 06.05.2006.
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Sr. Otávio do Rosário. Entrevista concedida a autora em Jatimane, no dia 06.01.2007.