debaixo da represa da barragem, quer dizer que ficou debaixo da água esse lugar.
38
{grifos
nossos}
O relato informa, situa, problematiza, e mais, deixa entrever não só os elementos étnicos e
econômicos, mas a violência, as referências dos lugares em comparação a outros e duas certidões de
nascimento: o Cristal de Camamu e o Camamuzinho de Ibirapitanga.
Como recortes, são mostradas duas versões sobre o Cristal sendo uma à moda antiga, um
bilhete, escrito por um empresário local, o Sr. Erotildes Herculano de Souza, 85 anos, dono de uma
siderúrgica no Camamuzinho, que teve negócios no Cristal, e em virtude de não querer dar seu
depoimento, preferiu enviar, através de sua filha, um bilhete com a declaração de que “ele gostou muito
de relembrar”. E dessas tessituras e memórias, ele também ajuda a apresentar o início da
Comunidade:
“O distrito de Cristal, na época era distrito de Camamu, havia aproximadamente mil
habitantes. Alguns nomes de moradores: Maneca Ferreira da Paz, soldado; Irineu Araújo,
delegado municipal; Furtado, açougueiro. Na época houve uma chacina da família Longo,
sendo o causador um soldado que se chamava Jesus. O movimento comercial: açougue,
padaria, armazém de compra de cacau, bar, farmácia, posto fiscal, pensão, cabaré
(proprietária Julitão esposa de Cícero);restaurante (proprietária Mulata e suas duas
irmãs).Na época também existia uma grande lagoa onde era freqüentada por muitas pessoas
da região para tomar banho.Foi desativada em 1961 com a inundação da barragem central
do Funil,onde inundou uma ponte construída pelo Dr.Eunápoles com a estrutura semelhante
à de Gongogi.O cemitério deste povoado era do outro lado do rio,na fazenda do Senhor
Antônio Querino,que era registrada no cartório com o nome de Fazenda Cristal que tinha
esse nome porque a cachoeira do Rio das Contas,com a queda d’água e a luz
solar,formavam uma luminosidade semelhante a de um Cristal.Daí então o nome do lugar e
do povoado
”.
Essas caracterizações feitas por quem lá viveu, em outra narrativa ganha ares de inspirações
amadianas e ficcionais e viraram crônicas na versão de Ferreira,
39
que romanceia essa fase, embora
no prefácio de seu livro deixe bem claro: “Esta não é uma obra de ficção”, e traz à memória antigas
denominações das vilas que compunham a região, além de narrar o cotidiano do Cristal, Camamuzinho
e suas relações com cidades circunvizinhas: Ubatã, Ibirapitanga, Gongogi, Ipiaú, e de trabalhadores do
cacau, atuação de fortes mulheres, até a construção da Barragem do Funil que encerra essa primeira
fase e então, e as atenções, populações e construções se voltam para o Camamuzinho. Lá entram em
cena de modo mais acentuado, mulheres, trabalhadores, dono de venda, lavadeiras, fateiras, etc.
São histórias comuns, como o saldo sempre devedor do trabalhador que o prendia à fazenda
do coronel, as tocaias, os jagunços, as festas juninas, a Serra Pelada perto de Cachoeira do Pau, os
perigos da mata perto da Cachoeira do Funil, a cidade de Ilhéus como o grande centro e o seu porto
38
ANDRADE, Maria Luiza Nora de. Assim falaram os trabalhadores do cacau, pp.248- 249. in: Identidade cultural e
expressões regionais: estudos sobre literatura, cultura e turismo. Maria de Lourdes Netto Simões (Org.), Editus, 2006.
39
FERREIRA, Ivan Estevam. Ponte do Cristal. Edições UESB, Vitória da Conquista, 2001.