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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ricardo Correia Marcondes
SEDUZIDOS PELO PROGRESSO
IDEOLOGIA, COTIDIANO E PODER: A NITRO QUÍMICA EM SÃO MIGUEL
PAULISTA (1953 – 1957)
MESTRADO EM HISTÓRIA
SÃO PAULO
2009
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Ricardo Correia Marcondes
SEDUZIDOS PELO PROGRESSO
IDEOLOGIA, COTIDIANO E PODER: A NITRO QUÍMICA EM SÃO MIGUEL
PAULISTA (1953 – 1957)
MESTRADO EM HISTÓRIA
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo PUC-SP, como
exigência parcial para obtenção do título de
MESTRE em História, sob a orientação da
Profª Drª Yvone Dias Avelino.
SÃO PAULO
2009
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2
COMISSÃO JULGADORA
____________________________________
____________________________________
____________________________________
3
Agradecimentos
Para muitas pessoas, este é simplesmente mais um de diversos outros trabalhos que
são finalizados e entregues para a obtenção de um título, mas para mim, ele representa uma
verdadeira conquista.
Gostaria primeiramente de agradecer à CAPES/PUC-SP a possibilidade de uma bolsa
de estudos para a realização dessa pesquisa.
Aos meus professores Antônio Pedro Tota, Antônio Rago Filho, Estefânia K.C. Fraga,
Fernando Torres Londoño, Vera Lúcia Vieira, Yara Aun Khoury e Maria Aparecida de Paula
Rago pelas aulas, pelas informações e pela paciência em me ajudar nos momentos de
dificuldades.
Agradeço muito ao amigo Nataniél Dal Moro, que considero um professor, que
sempre me ajudou. Também à Betinha, pelas preciosas informações sobre o curso. Aos
amigos Silvana, Danilo (revisor), Susy, Jussaramar, Joana D´Arc, entre outros.
Agradeço muito à Lilia (Maria Auxiliadora Dias Guzzo Decca), pela simplicidade e
delicadeza ao ler o meu texto na disciplina de Pesquisa Histórica. Foi graças a essa ajuda que
o terceiro capítulo conseguiu nascer.
E por fim, com muito carinho, à querida Profa. Dra. Yvone Dias Avelino, que aceitou
ser a minha nova orientadora na metade do último semestre de curso, e em tão pouco tempo
fez o milagre que eu tanto esperei, tanto com o trabalho, como também com a minha saúde.
Graças a essa pessoa consegui descobrir o significado das palavras humildade e respeito.
Muito obrigado por tudo professora, nunca esquecerei.
4
Resumo
Este trabalho tem como objetivo analisar os mecanismos ideológicos de dominação
que foram criados e vivenciados cotidianamente através das relações de trabalho e de lazer
entre o empregado e o empregador da fábrica Nitro Química Brasileira (1953-57) estendendo-
se ao bairro de São Miguel Paulista.
No intuito de entendermos melhor esse percurso histórico, se fez necessário o
aprofundamento nas relações políticas e econômicas dos diretores da empresa com os
representantes do poder da época, como Getúlio Vargas; com a religiosidade, com a política
assistencialista, com a construção do espírito harmonioso fabril, com a reprodução da
educação moral e cívica, com os esportes praticados dentro do Clube de Regatas, enfim,
estratégias que tentaram organizar uma construção ideal de “Família Nitrina”. Com as
necessidades de muitos operários e moradores sendo saciadas pelo sonho do progresso e da
civilização moderna à construção utópica de uma nova nação que representava o
desenvolvimento burguês-industrial, a propaganda foi um dos instrumentos de poder à
manutenção ideológica dos diretores da empresa através do Nitro Jornal e suas várias
linguagens utilizadas.
O controle ideológico sofreu as conseqüências do próprio domínio com o passar dos
anos e sua preparação dos chefes e dos seus operários, do maquinário velho e
ultrapassado, dos baixos salários, das explosões e dos vários acidentes, enfim, a realidade
cotidiana começou a quebrar a fantasia de crescimento rápido pela exploração vivenciada,
ocasionando assim uma luta de classes, tanto no sentido material como também no sentido
cultural.
Palavras-Chave:
Ideologia; Poder; Cotidiano; Propaganda; Década de 50.
5
Abstract
This work has as objective to analyze the ideological mechanisms of domination that
had been created and lived deeply daily through the relations of work and leisure between the
employee and the employer of the Nitro Química Brasileira (1953-57) extending it to the
quarter of São Miguel Paulista.
To understand this passage better historical, it made necessary the deepening in the
relations politics and economics of the directors of the company with the representatives of
the power of this time, as Getúlio Vargas; with the religiosity, with the welfare policy, the
construction of the harmonious spirit manufacter, with the reproduction of the moral and civic
education, with the practiced sports inside of the Regattas´s Club, at last, strategies that had
tried to organize an ideal construction of “Nitrina Family”. With the necessities of many
laborers and inhabitants being satisfied by the dream of the progress and the modern
civilization to the utopian construction of a new nation that represented the development
bourgeois-industrial, the propaganda was one of the instruments of being able to the
ideological maintenance of the directors of the company through the Nitro Periodical and its
some used languages.
The ideological control suffered the consequences of the proper domain with passing
of the years and its me the preparation of the heads and its laborers, of the old and exceeded
machinery, the low wages, the explosions and some accidents, at last, the daily reality started
to break the fancy of fast growth for the lived deeply exploration, thus causing a fight of
classrooms, as much in the material direction as well as in the cultural direction.
Key-Words:
Ideology; Power; Daily; Propaganda; 50´s Decade.
6
Aos meus pais:
Armando Marcondes dos Reis e
Rosineide Correia Marcondes
Muito obrigado por terem me ensinado a crescer
7
(...) Quando José Ermírio de Moraes, Eduardo Sabino de Oliveira e eu, tratavamos
da escolha do local onde instalar a fábrica. São Miguel surgiu como um sonho do passado. A
velha igreja evocava os tempos coloniais do Brasil, a luta contra índios. A vila tinha
adormecido com o cansaço dos séculos que por ela passaram. Na planície que vai a Itaim,
ainda se encontravam trincheiras que os jesuítas tinham construído para se defenderem dos
índios. A paisagem era calma, envolvendo as poucas casas existentes e algumas chácaras de
repouso. O sino quando bimbalhava tinha o som da saudade de tempos idos. São Miguel vivia
na história do São Paulo antigo, divorciado do progresso do São Paulo novo! E os fundadores
da Nitro Química sonharam, então, com a localisação da fábrica em São Miguel, transformar
essa vila em um centro cheio de vida e atividade, onde se trabalhasse pelo progresso do Brasil
e onde uma população dinâmica, encontrando conforto e meios de subsistência, mostrasse que
São Miguel não era o passado, mas também uma célula viva do São Paulo de hoje. Êste
sonho também se realizou e nenhum prazer eu sinto maior do que, quando atravesso as ruas
em São Miguel, verificar as casas novas que se espalharam, o movimento contínuo , o ritmo de
atividades, o trabalho da sua população que fizeram de S. Miguel uma grande oficina do
progresso dos nossos dias.
Horácio Láfer
8
E´ necessário que o país evolua para o capitalismo sadio e progressista em que todos
possam participar de todas as atividades industriais, ainda que com parcelas pequenas, e
assim chegarmos a perfeição (...).
Eduardo Sabino de Oliveira
9
“Há um quadro de Klee que se chama Ângelus Novus. Representa um anjo que
parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua
boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da História deve ter esse aspecto. Seu rosto está
dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe
única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria
de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do
paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fechá-las. Essa
tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o
amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso.”
Walter Benjamin
10
Sumário
Introdução
............................................................................................................................... 11
Capítulo 1 – A ideologia vivenciada no cotidiano político
1.1 – São Miguel Paulista a todo o vapor: a modernização e a industrialização..................... 18
1.2 – A Nitro Química Brasileira e a relação com Vargas....................................................... 31
1.3 – O progressivismo e o desenvolvimentismo na década de 50.......................................... 51
Capítulo 2 A Liberdade Controlada: a educação, a moral e a caminhando com o
progresso
2.1 – A Ordem do Progresso: uma nova educação para outra realidade................................. 70
2.2 – O Centro Cívico São Miguel Paulista na construção de um herói.................................. 80
2.3 – O padre e a vigilância moral da sociedade...................................................................... 90
2.4 – A Ideologia nos momentos de lazer: o Clube de Regatas Nitro Química..................... 102
Capítulo 3 – Experiências em novas Experiências: as conseqüências da exploração
3.1 – A Modernidade e o Trabalho: as dificuldades do progresso......................................... 115
3.2 Uma luta cultural entre a modernidade industrial e os “velhos” costumes dos
trabalhadores.......................................................................................................................... 127
3.3 – Operários x Patrões: a luta social por melhores condições de vida.............................. 146
Considerações Finais............................................................................................................ 161
Fontes.................................................................................................................................... 164
Bibliografia........................................................................................................................... 169
Anexos................................................................................................................................... 175
11
Introdução
Basta caminhar pelas ruas do bairro de São Miguel Paulista para observarmos com
sensibilidade a sua imensidão e, logo perceber que em tudo com o que nos deparamos ali
possui História, e todos aqueles personagens reais que caminham cotidianamente, com um
pouco menos de pressa, representam mais do que simples “velhos”, mas sim, foram os
agentes da construção do percurso que fazemos.
O título deste trabalho,
Seduzidos pelo Progresso. Ideologia, Cotidiano e Poder: A
Nitro Química em São Miguel Paulista (1953-1957)”,
tem como objetivo principal analisar
os mecanismos ideológicos de dominação nas relações cotidianas de trabalho e de lazer
criados pelos dirigentes da fábrica Nitro Química Brasileira para o controle de seus
empregados e moradores do bairro de São Miguel Paulista.
A chaminé da fábrica ainda continua estática diante dos vários anos que se passaram,
mas as pessoas que viram a sua construção estão vivas e ativas para contar o que foi São
Miguel Paulista e suas transformações, que compuseram esse presente não muito valorizado,
muitas vezes esquecido, ou mesmo silenciado.
Ao conversar com esses “velhos”
1
é que confrontamos a mentalidade estática de uma
parte da sociedade atual com os acontecimentos do passado, e que verificamos o quanto
somos pequenos, após simplesmente ouvir todo esse passado sendo relatado pela memória
destes agentes, fazendo-nos desta forma entender o chão que nós próprios pisamos. É que
percebemos que a História está muito além de qualquer tipo de classe social ou hegemonia,
justamente porque é através dela que podemos ter a nítida percepção de que todos nós somos
seres humanos iguais, e que
todo povo tem História
2
justamente por ser o agente de sua
própria construção no tempo e no espaço
.
As trajetórias de vida de muitos moradores se igualam em muitos pontos, como o
motivo que fez com que saíssem da terra onde moravam para vir à cidade grande. As
respostas muitas vezes foram as mesmas: eu vim em busca do progresso.
Pesquisar a cidade é encontrar-se numa encruzilhada com múltiplas possibilidades,
onde o palco de representações se amplia na experiência humana. A cidade se apresenta ao
historiador como uma rede de encontros, relações sociais e possibilidades de pesquisa, nas
1
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembrança de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, s.d. pp. 37-
39.
2
HOBSBAWM, Eric. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.185-192.
12
diversas temporalidades que a transformação do espaço físico e das mentalidades humanas
propiciam.
3
Por isso, enquanto as propagandas nas décadas de 30 a 60 mostravam a cidade
idealizada na perspectiva de um sonho a ser conquistado, ocultando a verdadeira realidade
que iriam enfrentar em um território sem nenhuma estrutura para acomodá-los e servi-los
dignamente como trabalhadores, a idealização e o sonho de crescimento impulsionaram
muitos corações migrantes a abraçarem esse progresso, mas não com aquele olhar capitalista
do lucro como fim, do desenvolvimento industrial e do nacionalismo, mas, simplesmente, por
uma oportunidade de emprego e de crescimento.
Era impossível fazer uma pesquisa fechada, voltada apenas para dentro dos muros da
fábrica, pois a grande maioria da mão-de-obra operária que compunha o chão da produção
morava na área periférica da região, que se urbanizou gradualmente, pelas várias ondas
migratórias que chegavam para realizar o mesmo sonho, de ter o próprio cantinho de vida,
mas na realidade, era ideologia como fantasia do real, em muitos casos.
Segundo Marilena Chaui, a
ideologia é um ideário histórico, social e político que
oculta a realidade para assegurar e manter a exploração econômica, a desigualdade social e
a dominação política”.
4
Desta maneira, o tempo se torna algo petrificado para a sociedade de sua própria
existência temporal, de suas próprias vontades e de sua autonomia para a transformação da
própria realidade. “A Ideologia”, complementa a autora, “forma específica do imaginário
social moderno, é a maneira necessária pela qual os agentes sociais representam para si
mesmos o aparecer social, econômico e político, de tal sorte que essa aparência (que não
devemos simplesmente tomar como sinônimo de ilusão ou falsidade), por ser o modo imediato
e abstrato de manifestação do processo histórico, é o ocultamento ou a dissimulação do
real.”
5
A exploração do trabalho fabril e as mortes que aconteciam freqüentemente em
acidentes e explosões passaram a ser “sentidas” e propagadas como um ato de amor ao
crescimento e ao desenvolvimento do bairro e do país. Ali, não existiam empregados, pois
todos estavam unidos, como se fosse uma verdadeira família nitrina”
6
, onde a relação
3
AVELINO, Yvone Dias. Uma Universidade Católica em São Paulo (1946-1984). In: Polifonias da Cidade. São
Paulo: D´Escrever Editora, 2009. p. 292.
4
CHAUI, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2006. p. 07.
5
Idem. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 15.
6
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Uma das empresas mais felizes do Brasil. In: Trabalhadores e Cidadãos.
Nitro Química: a fábrica e as lutas operárias nos anos 50.
São Paulo: Annablume, 1997. pp. 47-52.
13
interna de trabalho compunha uma “classe universal”, mas voltada totalmente aos interesses
do capital.
Para Thompson, a verdadeira classe surge como um fenômeno histórico que unifica as
experiências, como algo que ocorre efetivamente nas relações humanas. A sociedade possui
um movimento próprio em autofazer-se ao longo da história. A consciência de classe,
segundo o autor, é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais.
7
Mas a racionalidade capitalista se utiliza de todas as formas possíveis para peneirar a
cultura social e a sua liberdade para aculturá-los por métodos educacionais e pedagógicos
próprios do poder ao mercado, criando, assim, novos costumes e ritmos à reprodução
cotidiana de vida e de trabalho perante a sociedade.
A cultura do proletariado está em constante conflito com o mundo imaginário,
sustentado pela ideologia capitalista, levando-nos constantemente à percepção de uma
verdadeira luta de classes, entre a hegemonia racional burguesa e a cultura do proletariado.
A educação tem como função transmitir a tradição e os costumes à sociedade, mas,
segundo Thompson, ao analisar a sociedade industrial inglesa no século XVIII, o que poderia
ser um campo para mudança e disputa, uma arena na qual interesses opostos apresentavam
reivindicações conflitantes
8
, acabou sofrendo as conseqüências do domínio ideológico de seus
governantes.
O poder ideológico se faz amigo, convidando o indivíduo à realização de algo
grandioso, motivando-o aos caminhos dos desejos e dos sonhos a qualquer preço. O que vale
simplesmente é a satisfação imediata de algo, sem pensar em suas conseqüências futuras.
A propaganda
9
se faz globalmente no sistema capitalista, e a sua função é a de formar
idéias e convicções, orientando todos a um comportamento ideal de ser humano e de
sociedade organizada e homogênea.
7
THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. I. A árvore da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987. pp. 09-14.
8
Idem. Costumes em Comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras,
2005. pp. 13-24.
9
Se a propaganda é realizada de uma classe social para outra que tem interesses diversos, a simples difusão da
ideologia não é suficiente para gerar adesão. Nesse caso, o grupo emissor, antes de difundir suas idéias,
elabora-as para que se adaptem às condições dos receptores, criando a impressão de que atendem a seus
interesses. Mas a verdade é que as idéias contêm apenas os objetivos do emissor, e a impressão contrária é
possível se, ao se reportar para a realidade, as mensagens ocultem ou deformem alguns de seus aspectos. Nesse
caso, convencidos de que as propostas atendem às suas necessidades, os receptores não tem razão para discordar
delas. A elaboração, dessa forma, esconde quais os interesses reais existentes por trás da ideologia, ao mesmo
tempo em que oculta a realidade vivida pelos receptores, para que esses não possam formular outras idéias que
melhor correspondam à sua posição. Neste caso, a propaganda não tem mais o caráter de conscientização, mas
14
O capital se torna frágil quando alguém consegue perceber como ele se constitui, e é
constituído para manter-se como poder pela sociedade que a incorpora como uma
necessidade. Assim, segundo Mészáros, a necessidade de um exame crítico dos estratagemas
da ideologia dominante em geral desenvolvidos nos produtos aparentemente impenetráveis
de geradores de fumaça institucionalmente bem lubrificados – nunca foi tão grande quanto em
nossos dias. As apostas estão se tornando cada vez mais altas, pois os antigos instrumentos
para tratar algumas de nossas dificuldades – ainda que fossem limitados, mesmo no passado –
estão ainda sistematicamente abalados e destruídos pela força inexorável do Estado, em nome
do interesse na perpetuação do domínio do capital, com a ajuda da conformidade ideológica e
política duramente imposta. Os sinais dessa tendência para a garantia de uniformidade exigida
pela necessidade do capital de impor o Estado de ideologia única são muito perigosos. A
desejada uniformidade deve ser imposta por todos os meios, até mesmo pelos potencialmente
– e, dadas às novas guerras imperialistas, já não só potencialmente – mais violentos.
10
Com isso, podemos perceber que a realidade fantasiosa em que vivemos se faz pela
satisfação ilusória das necessidades através da mercadoria, ignorando por completo o valor do
ser humano pelo próprio ser humano.
11
Este trabalho pretende analisar a relação ideológica no cotidiano de trabalho e de lazer
entre os operários com os seus patrões da fábrica Nitro Química Brasileira, como também as
relações entre esses patrões com a Igreja, com o comércio e o Estado, objetivando controlar
suas necessidades administrativas de poder.
Essa relação corporativista do poder industrial, estruturada desde a política varguista
até o nacional-desenvolvimentismo da década de 50, se manteve ativa e alerta para a
manutenção objetiva da subjetividade da população trabalhadora, utilizando-se assim de
festas, dos Clubes, das Missas Campais, do assistencialismo e da educação moral e cívica para
seduzir o trabalhador ao prazer do mundo moderno e ao seu ritmo progressista.
O discurso empresarial e carismático dos diretores da fábrica juntos ao padre da região
compôs uma “política solidária e pacífica de viver em conjunto e em plena harmonia com a
sociedade”. Era esse o ideal propagado pelos meios ideológicos e educacionais desses
poderes, a mostrar uma realidade nova e moderna pelo desenvolvimento industrial, pela forte
de mistificação, manipulação e engano. Ver em: GARCIA, Nelson Jahr. O que é propaganda ideológica. São
Paulo: Brasiliense, 1990. p. 30.
10
MÉSZÁROS, István. O Poder da Ideologia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004. pp. 13-14.
11
MARX, Karl. O fetichismo da mercadoria: seu segredo. In: O Capital: crítica da economia política. Livro1. O
processo de produção capitalista.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, s.d. pp. 79-93.
15
urbanização e pela ampla característica nacionalista que se consolidava desde Getúlio Vargas
até o presidente JK.
Como fonte principal para a análise desse discurso empresarial pesquisamos no
Laboratório de Documentação (LabDoc), da Universidade Cruzeiro do Sul, a coleção
completa dos informativos internos da fábrica Nitro Química Brasileira, denominados Nitro
Jornal
12
, que foram meios impressos e distribuídos gratuitamente aos funcionários internos,
num total de 51 exemplares.
Através desses informativos nos foi possível analisar um pouco do que era a realidade
do bairro de São Miguel Paulista, pois neles podemos perceber a fábrica constantemente
tentando envolver o cidadão trabalhador/morador aos bons costumes cívicos, morais e
pedagógicos voltados ao trabalho técnico industrial e civilizado. Essas fontes revelaram muito
sobre os contatos políticos e administrativos que esses diretores possuíam na década de 50,
tanto no sentido nacional como também internacional.
Essa fonte foi construída e publicada mensalmente pelos diretores da empresa, que
também tinham como apoio o Padre Aleixo Monteiro Mafra e muitos comerciantes, que
participavam e contribuíam com os eventos sociais assistencialistas que foram colocados em
suas páginas. O Nitro Jornal não foi simplesmente um meio de contato entre o empregador e o
empregado, mas foi como um verdadeiro reflexo dessa conjuntura social, religiosa,
educacional, operária e produtiva industrial entre o ano de 1953 até o ano de 1957.
Esses jornais demonstraram após várias leituras e releituras o poder contido nas
relações sociais envolvidas em diversos meios de comunicação e relacionamento, a fim de
mostrar o seu poder através de várias linguagens, a informação que eles queriam que fosse a
verdadeira, a definitiva e a universal a ser seguida por todos os trabalhadores da fábrica e suas
famílias, que moravam no subúrbio, ao redor, composto com o passar dos anos com as várias
migrações que aconteceram.
Uma outra fonte muito utilizada para a constituição desse trabalho foram as entrevistas
oferecidas pelos moradores do bairro e alguns dos trabalhadores da fábrica, que vivenciaram
esses anos de trabalho, dor e esperança, onde colocaram suas vidas em um mundo
completamente diferente da que tinham quando moravam em áreas rurais, mas vieram para
tentar sobreviver próximos a uma caldeira de produção química.
12
Os dois primeiros números se chamaram apenas Jornal, mas a partir do 03 começaram e ser denominados
por
Nitro Jornal. Esse informativo foi um meio direto de comunicação, editado pelos diretores da fábrica aos
seus funcionários, e trazia como assuntos a vida política e cotidiana da Nitro Química e do bairro de São Miguel
Paulista.
16
Essas entrevistas foram coletadas também no LabDoc e foram feitas pelos alunos da
mesma Universidade, do curso de História, relacionados principalmente à disciplina de
História Oral. Justamente por serem muito boas, foram utilizadas nesta pesquisa.
Como complemento dessas entrevistas, acabamos realizando algumas outras também
no bairro do Limoeiro, em São Miguel Paulista, para sentir de perto a força do passado em
palavras e expressões.
Com essas fontes, podemos perceber a riqueza que existe na “arte de ouvir e aprender”
com aqueles que, na maioria das vezes, são vistos pela sociedade como ignorantes, mas dentro
de si carregam uma grande bagagem de experiências vivenciadas que, ao serem relatadas,
fazem de nós seres diplomados em simples aprendizes daqueles que têm muito a ensinar,
sendo alguns deles analfabetos.
Em muitos depoimentos podemos constatar a reprodução ideológica do passado ainda
contida no presente cotidiano de muitos deles, o que caracteriza a cristalização da propaganda
da época, contida em suas vidas até hoje, como a honra, o civismo, a moralidade, a e os
bons costumes.
Também foram utilizadas como simples complementos ilustrativos algumas imagens e
charges dos jornais, apenas com o objetivo de demonstrar as várias linguagens utilizadas para
atingir o público leitor da fábrica. Muitos deles eram analfabetos, por isso a necessidade de
formas diferentes para se passar a mesma mensagem.
Como complemento político e social da realidade citadina da década de 50,
pesquisamos o jornal O Estado de São Paulo, para melhor complementar a realidade do
momento. Esse jornal foi estudado no Arquivo do Estado de São Paulo e demonstrou uma
grande similaridade em linguagem e postura com os jornais da fábrica Nitro Química
Brasileira.
Após observarmos a realidade trazida pelas fontes e compará-las, alguns
questionamentos foram se reduzindo, e a clareza assumiu as referentes questões feitas
anteriormente. Com isso, muitas das problematizações parecem-nos ter sido resolvidas pela
pesquisa.
No Capítulo1 analisaremos a base política e econômica da construção da fábrica Nitro
Química e da chegada dos migrantes, mineiros e nordestinos, ao bairro de São Miguel
Paulista, dos anos 30 até a década de 50. São observadas as táticas da sedução, a ponto de
fazerem com que muitas pessoas procurassem o progresso na cidade grande e se
decepcionassem depois, pois com isso viram e sentiram uma realidade oposta da que havia
sido propagada, sonhada e acreditada.
17
A educação, a moral cívica, a e o lazer serão analisados no capitulo 2.
Demonstramos que a preocupação dos representantes da fábrica em manter um conjunto
social único e harmônico de funcionários e moradores estava além dos muros da indústria.
Para isso, a ideologia devia se apresentar viva de diversas maneiras no cotidiano do bairro de
São Miguel Paulista.
Por fim, no Capítulo 3, a luta cultural se fez em luta de classes por melhores salários e
condições de vida operária. As participações do comunismo e do sindicalismo foram uma
força para compor a imagem dos trabalhadores contra os dirigentes da fábrica, do Estado e da
polícia. Dentro desta realidade não culpas, e muito menos culpados. As razões se
justificam pela exigência de um sistema que aparentava ser “uma grande oficina de
progresso”. Por isso, esse capítulo mostrará simplesmente as suas conseqüências.
18
Capítulo 1
A ideologia vivenciada no cotidiano político
(...) desejamos ser o espelho da grande família nitrina, afim de patentear a
todos o esplendor de suas realizações, tanto no terreno material quanto no âmbito do
espírito e do coração.
José de Moraes Leme
Redator do Nitro Jornal
1.1 – São Miguel Paulista a todo o vapor: a modernização e a industrialização
O mundo no século XIX passou por transformações rápidas e rígidas perante as novas
necessidades burguesas ao controle do capital. Por isso, a produção industrial fez criar uma
nova ordem de trabalho voltada, logicamente, ao lucro do empresário.
Os países mais desenvolvidos estruturaram uma postura imperialista de comando
dessa nova conjuntura, que forçou todos os outros países capitalistas, mas sub-desenvolvidos,
a seguirem aos novos passos dessa ordem imposta, pois, na verdade, esses países coloniais
nunca deixaram de ser controlados, devida à necessidade e dependência da mão-de-obra e da
matéria-prima à construção da mercadoria e do mercado consumidor.
1
O Brasil foi só um dos diversos outros países ligado a esse jogo de produção e
dominação. Essa posição imperialista ficou mais nítida a partir do final desse século, com a
abolição da escravatura, com a chegada dos imigrantes, com o desenvolvimento tardio
industrial e a construção de uma nova organização interna, a fim de seguir os novos passos da
nova modernidade
2
, ou seja, a ditadura republicana como uma forma de governo capaz de
impor as ordens desse ao alcance do novo progresso.
Esse novo tipo de governo tinha por sua vez a finalidade de romper os quadros
conservadores da Monarquia à imposição da industrialização e à busca da eletricidade, que
tinha como um dos grandes objetivos a movimentação ferroviária para o escoamento da
produção interna, neste período, principalmente o café.
3
1
HOBSBAWM, Eric J. A Revolução Centenária. In: A Era dos Impérios 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1998. pp. 29-56.
2
SALLES, Iraci Galvão. A Política a Caminho da Civilização. In: Trabalho, Progresso e a Sociedade Civilizada.
São Paulo: Hucitec, 1986. pp. 33-53.
3
PRADO JÚNIOR, Caio. Apogeu de um Sistema. In: História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense,
1961. pp. 213-222
19
O poder hegemônico interno no nosso país era altamente dependente do poder externo
para as suas realizações industriais e comerciais, interesses esses colocados sempre como
“gerais da nação”, mas que na verdade, eram interesses altamente privados.
4
Essa estrutura político-econômica nasceu principalmente da relação entre duas
oligarquias no país, justamente os Estados que possuíam a maior parte da produção cafeeira:
São Paulo e Minas Gerais, que controlaram o país até o ano de 1930.
Com a República “proclamada”, muitos imigrantes entraram no país como força de
trabalho assalariada, não apenas em territórios imensos, onde prosperou a produção do café,
como aconteceu no oeste paulista principalmente, mas, também em territórios próximos ao
centro urbano e industrial de São Paulo, isso sem contar a periferia, onde predominava a
existência do trabalho rural e das olarias, que pertenciam às famílias de portugueses e
japoneses voltadas ao abastecimento desse centro, que estava em contínuo crescimento.
O centro, desta forma, começou a se desenvolver através das fábricas e de seus
operários, que na sua maioria era de imigrantes e, também, dos filhos desses imigrantes. Por
isso, São Paulo foi vista como uma “cidade estrangeira”.
5
A expansão territorial e a variedade
de construções e da população, entremeada de paulistanos, paulistas, brasileiros de vários
territórios, fizeram surgir novos bairros no início do Século XX.
6
Por isso, com o crescimento e o desenvolvimento da capital, as áreas suburbanas
produziam a matéria-prima necessária para a construção das casas e das fábricas desse centro,
daí a presença das olarias que escoavam a produção de tijolos através do rio Tietê, também
por ser um meio mais barato de transporte.
7
Um outro meio, os trilhos do trem, cortavam a cidade no sentido sudeste-noroeste,
marcando de certa forma os vetores do seu crescimento. Nas partes baixas (mais para a Zona
Leste), a cidade se expandiu dando origem a bairros industriais e operários (Brás, Belém,
Belenzinho), abrigando precariamente uma massa de imigrantes, operários e despossuídos.
nas zonas oeste e sul, buscando áreas mais altas, a elite foi ocupando bairros com infra-
estrutura, como Higienópolis, atingindo os altos da Avenida Paulista. A elite erguia palacetes,
4
FAUSTO, Boris. Expansão do Café e Política Cafeeira. In: III. O Brasil Republicano. 1. Estrutura de Poder e
Economia (1889-1930).
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. pp. 193-248. Ver também: MARTINS, José de
Souza.
O Poder do Atraso: ensaios de sociologia da história lenta. São Paulo: HUCITEC, 1999.
5
DECCA, Maria Auxiliadora Dias Guzzo. A Vida Fora das Fábricas: cotidiano operário em São Paulo – 1927-
1934.
Campinas, SP: Unicamp. Dissertação de Mestrado, 1983. p. 03.
6
AVELINO, Yvone Dias. Uma Universidade Católica em São Paulo (1946-1984). In: Polifonias da Cidade. São
Paulo: D´Escrever Editora, 2009. p. 295.
7
BOMTEMPI, Sylvio. O Bairro de São Miguel Paulista. São Paulo: Departamento de Cultura da Secretaria de
Educação e Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo, 1970. p. 156.
20
réplicas de construções européias; criavam-se novos loteamentos; os velhos casarões de taipas
eram demolidos. Surgia uma nova cidade.
8
Os bairros operários começaram a aparecer junto com a sua nova feição de urbanidade
e modernidade, que surgiu de forma rápida devido ao desenvolvimento econômico cafeeiro e
industrial da oligárquica na República Velha.
9
Um exemplo desse crescimento industrial junto
ao desenvolvimento do mercado cafeeiro se deu com as companhias de sacaria como a
Companhia Santista de Tecelagem no litoral paulistano.
10
O Progresso nacional estava ficando mais visível e estampado na bandeira nacional
pelas mãos daqueles que a criaram pela
Ordem
11
, mas em 1929 a Crise da Bolsa de Nova
Iorque conseguiu estabelecer uma desordem econômica mundial. O Brasil produzia, mas não
tinha para quem vender, pois o mundo estava parado. Os empresários sofreram com a grande
produção e a baixa venda, criando assim um verdadeiro caos interno.
Como conseqüência disso no cenário político do país, foi imposta em 1930 uma
“revolução”, ou melhor, a ditadura de Getúlio Vargas. Esse acontecimento foi uma
representação política moldada pelo discurso ideológico que se fez como um
fato histórico
reproduzido pela memória social e acadêmica, o que trouxe a sua legitimação silenciada e
vivenciada pelo cotidiano.
12
A política varguista tinha como um dos grandes objetivos a introdução de um novo
tipo de industrialização voltada ao progresso nacional, por isso novos territórios foram
loteados e novos trabalhadores foram sendo buscados em uma grande quantidade para atingir
esse novo ritmo de trabalho e sua eficiência na produção.
São Paulo estava se modernizando com novas máquinas e técnicas objetivando a
construção de uma estrutura mais específica para acompanhar o capitalismo mundial, mas
perante a visão externa dos países mais desenvolvidos ainda éramos vistos como um país
tardio e dependente, além de estarmos utilizando maquinários velhos e ultrapassados que eles
já tinham usado.
Como o centro da cidade possuía uma concentração de indústrias e operários muito
grande, políticos e empresários se uniram para estudarem novas possibilidades de produção
8
MATOS, Maria Izilda S. de. A Cidade Que Mais Cresce no Mundo. In: São Paulo: uma nova história. São
Paulo: CIEE, pp. 61-62.
9
DECCA, Maria Auxiliadora Dias Guzzo. Op. Cit. p. 04.
10
MATOS, Maria Izilda de. Trama e Poder: a trajetória e a polêmica em torno das indústrias de sacaria para o
café. Brasília: SESI-DN, 1994. pp. 33-70.
11
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. pp. 35-54.
12
DE DECCA, Edgar. 1930: o silêncio dos vencidos. Memória, história e revolução. São Paulo: Brasiliense,
2004. pp. 15-28.
21
em territórios estratégicos mais distantes, e um desses locais foi a escolha do bairro de São
Miguel Paulista, localizado na Zona Leste da Capital, que vivia em um ritmo lento de trabalho
executado através da agricultura, mas também rápido por apresentar algumas olarias que
ficavam próximas às margens do rio Tietê.
A simplicidade do cotidiano miguelense que estava voltado para a subsistência sofreu
uma rápida transformação devido à influência política e econômica do centro paulistano,
assim uma forte mudança começou a surgir no início da década de 30 após a “revolução” que
mudou drasticamente o sentido da política nacional pela nova ditadura imposta
13
e suas outras
propostas voltadas a um maior crescimento e desenvolvimento industrial guiadas por Vargas.
Foi justamente sobre esse bairro que o presidente conversou com dois grandes
empresários na época, José Ermírio de Moraes e Horácio Láfer, e em 1935 resolveram juntos
(re)construir uma fábrica de produção química que foi chamada Nitro Química Brasileira e a
construção de vilas operárias para se aproveitar tudo o que a paisagem geográfica suburbana
pudesse oferecer ao raciocínio burguês objetivando o lucro.
José Ermírio de Moraes
14
foi o Diretor Superintendente da fábrica Nitro Química.
Estudou no Colorado School Of Mines nos Estados Unidos, o que lhe garantiu uma forte
relação política e econômica com alguns empresários do país e graduando-se como
engenheiro de Minas em 1921. Essa racionalização de mercado trouxe a sua participação na
Votorantim e na primeira diretoria da CIESP em 1928
15
.
José Ermírio, por sua vez, possuiu um representante político na Câmara Federal,
Horácio Láfer, que além de político representando São Paulo na década de 30, também foi
empresário industrial e possuía uma indústria de celulose junto à sua família no Paraná
conhecida por
Klabin, Irmãos e Cia.
Láfer
16
, por sua vez, representou o pensamento das classes conservadoras de São
Paulo com a “reformulação” da Constituição em 1934. O Deputado Federal fez presente às
ambições industriais paulistanas através de seus discursos que priorizava a ordem prática, o
13
NASCIMENTO, Benedicto Heloiz. A Ordem Nacionalista Brasileira. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/USP,
2002. pp. 31-42.
14
RAGO, Maria Aparecida de Paula. A Práxis Política de José Ermírio de Moraes: nacionalismo sem
nacionalistas.
Campinas, SP: Unicamp. Tese de Doutorado. 2004. pp. 63-67.
15
A CIESP (Centro Industrial do Estado de São Paulo) foi criada em março de 1928 por expressivos
representantes do setor industrial do país como, por exemplo, o Conde Matarazzo. Posteriormente, com a
legislação sindical imposta por Vargas, através do decreto 19.770 de março de 1931, que regulava a relação entre
trabalhadores e produtores, tem-se a criação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo em 16 de maio
de 1931. Em 1939, adotou-se a denominação CIESP-FIESP.
16
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Trabalhadores e Cidadãos. Nitro Química: a fábrica e as lutas operárias
nos anos 50.
São Paulo: Annablume, 1997. p. 25.
22
equilíbrio do orçamento financeiro e a consciência “ética” da administração nacional. Com
essa reputação política discursou perante a Câmara:
Gostamos, portanto, nesse decurso de tempo, aproximadamente e repartindo o total
pelos anos assinalados, 20% anualmente mais do que arrecadamos. Nesse caminho
precisaremos, cada 5 anos, dobrar a arrecadação sob pena de, em cada período igual,
aumentarmos a nossa dívida interna em 60% mais ou menos. Ninguém deve pensar, porém,
que êsse aumento seja possível, para um povo que, se está certo (...) paga em impostos um
oitavo da sua renda, mais do que o norte-americano, portanto. Resta, pois, a risonha
perspectiva, continuando nos velhos erros de ver as nossas dívidas atingirem cifras
assustadoras... E não é só: uma comparação, desde logo, se impõe. Enquanto o argentino deve,
internamente, cêrca de 54% e, no exterior, 46%, o Brasil deve ao estrangeiro 67% e ao nacional
33%. Êste cálculo está baseado em elementos financeiros do ano de 1931, excluída a dívida
consolidada. Ora, dever aos seus filhos é, para qualquer país, um encargo; deve ao credor
estrangeiro, um grande perigo que se transforma, fàcilmente, numa possível ameaça. Cobrir
deficits com emprestimos estrangeiros é acorrentar, cada vez mais, ao problema cambial um
provável equilíbrio orçamentário.
17
Com essa série de dívidas e grande dependência do mercado externo, o Brasil de
Getúlio Vargas necessitava de empreendimentos financeiros e industriais para reagir contra
esses empréstimos, por isso essa união entre o presidente e esses empresários, além de outros
em outras regiões, se fizeram necessárias, também por José Ermírio ter participação e
conhecimento dentro do mercado norte-americano.
18
Com a Crise da Bolsa de Valores em 29, muitas fábricas faliram como, por exemplo, a
Tubize Chatillon Corporation que ficava na Virgínia, e era uma das fabricantes do fio raiom
Chardonnet e outros produtos químicos nos Estados Unidos. A união dos poderes do Estado
brasileiro com os seus empresários unindo-se aos norte-americanos fez com que essa fábrica
falida viesse ao bairro de São Miguel Paulista aos pedaços, sendo construída entre os anos de
1935 a 1937.
A memória de alguns trabalhadores da época revelou a proximidade que tiveram com
esse acontecimento por terem crescido junto com o desenvolvimento da empresa e do bairro,
além de uma ligação direta com o empregador José Ermírio desde a sua fundação, isso
concretizou um processo criado pelas relações políticas do período e a sua importância para o
17
SILVA, Hélio. 1934 – A Constituinte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1969. pp. 198-199.
18
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Op. Cit. pp. 23-28.
23
trabalhador em ver-se desenvolver junto à fábrica e poder fazer parte do progresso do país
daquele momento, como demonstrou Augusto Caldini:
A Nitro Química começou em 34... 33 ... 34, o Moraes comprou essa fábrica, esteve
nos Estados Unidos, e começou a montar aqui em São Miguel e com essa fábrica trouxe todo o
pessoal de Sorocaba. (...) Lá em Votorantim, onde tem a fábrica de cimento, a Votorantim é do
sogro dele, o meu pai era barbeiro do sogro dele, depois passou a ser barbeiro dele, então ele
gostava do meu pai e trouxe o meu pai pra cá. (...) E foi que São Miguel começou a crescer
(...).
19
São Miguel Paulista não foi escolhida por acaso para a construção da fábrica, mas por
possuir uma geografia perfeita para a sua instalação, como a proximidade do rio Tietê, que era
essencial para a absorção da água, e para o despejo dos dejetos industriais, os terrenos, que
eram muito baratos se comparados aos do centro da cidade, linha ferroviária próxima e uma
linha de ônibus que ligava São Miguel ao bairro da Penha. Com essa estrutura, as vilas aos
poucos começaram a aparecer:
Basta caminhar algumas dezenas de metros, além desse núcleo de velharias, para que
uma outra “cidade” apareça aos nossos olhos. São os bairros novos, de traçado preestabelecido,
com suas habitações em estilo moderno, uma vida ativa, que se patenteia no elevado número de
casas comerciais e no movimento das ruas. Não longe da estação, está a
Vila Nitro-Química,
que é prolongada, em direção ao sul, pela
Vila Americana, do outro lado da via-férrea. na
várzea do Tietê, encontra-se a chamada
Cidade Nitro-Química, destinada à população operária
e continuada, para leste, pelo
Parque Paulistano, ainda em formação. Na várzea do Itaquera,
ao longo da Rodovia São Paulo-Rio, outras “vilas” operárias também existem: a
Cidade
Nitroperária
, a Vila Curuçá. Todos são núcleos de formação recente, resultantes da instalação
ali dos estabelecimentos da “Companhia Nitro-Química Brasileira”.
20
Além da questão dos terrenos baratos no bairro, também se propiciava no local uma
ferrovia
21
, que ligava o subúrbio ao centro urbano da cidade. Assim, começava a nascer a
moderna região de São Miguel Paulista. O advento da via férrea na região foi logo
atravessado: desde 1875, pelos trens da antiga “Companhia de São Paulo e Rio de Janeiro”,
hoje a antiga Estrada de Ferro Central do Brasil, atual CPTM, que passava por Itaquera e
19
Depoimento de Augusto Caldini concedida ao LabDoc – Unicsul.
20
AZEVEDO, Aroldo de. Subúrbios Orientais de São Paulo. Tese de concurso à cadeira de Geografia do Brasil
(XXVª) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. São Paulo, 1945. p. 133
21
Idem. Op. Cit. p. 57.
24
Poá, com destino a Mogi das Cruzes. Iniciada a era do automóvel, a Rodovia São Paulo – Rio
também aproveitou a mesma via natural, passando por São Miguel (1920). Em época mais
próxima, o vale do Tietê também foi aproveitado, sendo construída a chamada Variante da
“Central do Brasil” (1932), que serve São Miguel e Itaquaquecetuba.
A fábrica, de 1935 até 1939, funcionou produzindo o fio sintético raiom, também
conhecido por Seda do Pobre” e o ácido sulfúrico, além de outros produtos químicos como
éter, soda cáustica e ácido nítrico.
O trabalho da mão-de-obra inicialmente foi realizado pelos mais de sessenta
americanos que vieram junto com os
pedaços da fábrica com a finalidade de montar, construir
e produzir, daí o nome de um dos bairros, conhecido por
Vila Americana, local exclusivo
onde moravam esses imigrantes.
Horácio Láfer construiu um discurso que refletiu todo o seu entusiasmo, para
demonstrar através de palavras sutis aos seus funcionários e operários da empresa na década
de 50 a “emoção desse passado glorioso”, isso através do boletim interno da fábrica, que foi
distribuído gratuitamente aos funcionários, Nitro Jornal
22
, que passava a imagem de luta e de
perseverança que tiveram os diretores para a construção desse grande “patrimônio nacional”
ao benefício de toda a “Nação Brasileira” rumo ao desenvolvimento moderno e industrial do
país construído pelo poder do “Destino”:
Para finalizar por hoje, mais uma esperança que se confirmou. Com a vinda da fábrica
mais de sessenta técnicos, funcionários e operários vieram dos Estados Unidos. Diziam-nos
que o trabalho era tão complicado, que no Brasil não encontraríamos gente com a competência
para executar os serviços. Moraes, Sabino, Kiehl e eu tínhamos a convicção contrária.
Confiávamos na competência e dedicação da nossa gente. Era mostrar o caminho
desconhecido entre nós, e em pouco tempo os nossos técnicos e operários trabalhariam tão bem
quanto em qualquer País. Êste sonho também se realisou. Os que vieram voltaram e a nossa
gente conduziu a indústria à vitória e mantêm hoje o seu alto padrão de produção.
Eis como, meus amigos, o Destino, ajudado pelos homens, levantou a Nitro Química e
iniciou a nova fase de progresso em São Miguel.
Os sonhos se realizam quando esforço, dedicação, espírito de sacrifício e
confiança. Esta é a moral da história, que óra contei aos meus amigos de São Miguel através
dêste jornal que eu sempre leio quando, afastado pelo dever de tantas funções que me tem
22
As tiragens do Nitro Jornal foram altamente variáveis com o tempo, assim a média em 1953 foi de 1.500
exemplares, em 1954 variava de 2.500 à 3.000, em 1955 de 2.800 à 3.200, em 1956 ficou em 3.100, e,
finalmente, em 1957 em 3.100. Esses jornais foram veiculados entre janeiro de 1953 a julho de 1957, por isso,
esse veículo de propaganda institucional interno tinha como público-alvo todos os funcionários da fábrica que
compunham em grande parte também os moradores do bairro de São Miguel.
25
cabido na vida, procuro “manter as saudades” do lugar que me deu alguns cabelos brancos é
verdade mas tanta alegria que está para sempre no meu coração.
23
O sonho da fábrica Nitro Química foi construído entre os anos de 1935 a 1937. Até
1939 a produção do tecido raiom e dos produtos químicos estava sendo realizada sob a
direção de alguns chefes americanos, que possuíam a técnica e o conhecimento da produção.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, os chefes americanos voltaram ao seu país,
deixando um grande prejuízo para a produção fabril, que foi a necessidade de mão-de-obra.
Isso obrigou os empresários da Nitro Química junto ao Governo à construção de uma
estratégia discursiva para atrair novos trabalhadores ao caminho do
sonho de crescimento e de
progresso na cidade grande de São Paulo. Desta forma, a fábrica foi obrigada, devido ao
poder da propaganda, a ser fundada ideologicamente, em funcionamento, e isso aconteceu
em 27 de abril de 1940, com o auxílio de Getúlio Vargas, que esteve presente em São Miguel,
como demonstrou o jornal
O Estado de São Paulo:
tenho motivos para felicitar-me pelo auxílio inicial que o governo do país pôde,
avisadamente, prestar para a instalação desta fábrica. O que acabo de verificar pessoalmente
ultrapassou a minha expectativa. Os produtos aqui fabricados são úteis não a defesa militar
do Brasil, como à defesa de sua economia. Mas, a obra realizada não é tudo. A potencialidade,
a capacidade de expansão de que estais dotados é ainda uma promessa maior. Apresento-vos,
por isso, as minhas calorosas felicitações e desejo declarar que os momentos dedicados a esta
visita foram bem aproveitados, deixando-me grata e forte impressão.
24
A propaganda discursiva deu uma grande potencialidade de expansão da mensagem e
da imagem produzidas, trazendo assim conseqüências imediatas ao desenvolvimento do local.
O discurso foi passado ao país inteiro, principalmente através das ondas sonoras das rádios e
escutado pelos desempregados e necessitados que estivessem buscando simplesmente a sua
sobrevivência. A linguagem sedutora em crescer rápido pelo progresso industrial envolveu o
povo ainda mais, com a utilização da imagem do presidente, que serviu como um poderoso
atrativo para virem a São Paulo trabalhar e “crescer”.
25
23
LAFER, Horácio. Sonhos Que Se Realizam. In: Nitro Jornal, nº 16, abril de 1954, p. 01.
24
Apud. FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Op. Cit. p. 24.
25
LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986. pp. 40-42. Ver também: TOTA,
Antonio Pedro.
A Locomotiva no Ar: rádio e modernidade em São Paulo 1924-1934. São Paulo: Secretaria de
Estado da Cultura/PW, 1990.
26
Pensando nesta articulação imagética à sustentação do poder como um meio de
controle “sutil” através da informação e da comunicação
26
, a imagem de Getúlio Vargas
começou a ser construída em seus primeiros anos de Governo. em 1931, foi criado o
Departamento Oficial de Publicidade
27
, com a finalidade de criar e desenvolver uma imagem
que o povo necessitasse ver, ouvir e seguir. Mas o instrumento principal do Governo foi o
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), criado em 1939, no Estado Novo, no mesmo
ano do início da Segunda Guerra Mundial. Idéias persuasivas foram passadas a fim de
envolver as pessoas a se inserirem a uma nova realidade que o poder queria que fosse
vivenciada e obedecida.
O DIP exerceu amplas funções, utilizando a aproximação do social pelo cinema, pelo
rádio, pelo teatro, pela imprensa, pela literatura e pela política. No esforço por sanear as
mentes e calar os inimigos do regime, proibiu-se a entrada no país de publicações “nocivas
aos interesses brasileiros”, agiu-se junto à imprensa estrangeira, no sentido de evitar que
fossem divulgadas informações “nocivas ao crédito e à cultura do país”.
28
Assim, com esse poder persuasivo, uma forte migração de nordestinos e mineiros
começara a vir, os empresários da fábrica conseguiram conquistar boa parte do espaço
territorial do bairro, e a maioria desses migrantes entraram imediatamente na Nitro Química
Brasileira como mão-de-obra no chão da produção.
O culto à modernidade, construído pelos meios de comunicação, seduziu muitos
trabalhadores à absorção de um novo local e meio de sobrevivência, mas também do “espírito
nacionalista de progresso”. pelo fato de muitos estarem em São Paulo significava uma
grande conquista em suas vidas. Ocorriam migrações advindas de diversos Estados do país, o
crescimento suburbano intensificou-se entre as décadas de 40 e 50, o que fez com que o
simples bairro se “congestionasse”
29
com o passar dos anos. Isso devido à população que
chegava ao bairro objetivando a fábrica na busca do emprego e da moradia tão propagada no
período.
26
Informação não é um dado, mas uma produção que decorre da capacidade de inferir, da e sobre a realidade,
novos conhecimentos suficientes para provocar aprendizado e mudança de comportamento. Inferência,
aprendizado e mudança de comportamento são os fatores que caracterizam uma informação. Espaço de
informação é aquele ambiente físico, social, econômico e cultural que agasalha um tipo de comportamento
decorrente de um modo de vida, de um modo de produção. Esses comportamentos revelam-se através de uma
linguagem que tem como signos usos e hábitos. Ver em: FERRARA, Lucrecia D´Alessio.
Olhar Periférico. São
Paulo: Edusp, 1999. p. 151.
27
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso. São Paulo: Companhia da Letras, 2006. p. 115.
28
Idem. Op. Cit. p. 116.
29
BOMTEMPI, Sylvio. Op. Cit. p. 167.
27
Com o congestionamento local devido à grande quantidade de migrantes não
especializados com máquinas e com o ritmo rápido da rotina industrial, muitos acabaram
sofrendo para conseguir seus lugares onde morar, justamente porque essas pessoas que vieram
do campo direto para a cidade de São Paulo sofreram com o preço dos loteamentos, somente
os mais privilegiados possuíram casa própria nas cidades fabris.
Um desses trabalhadores que veio a São Paulo, Dionísio do Nascimento, contou um
pouco dos caminhos e dificuldades que passou para chegar até a cidade grande:
“Nóis veio” pela Rio-Bahia que era Getúlio Vargas que tava abrindo a estrada. Essa
estrada Rio-Bahia quem abriu foi Getúlio. Aqueles homens na estrada abrindo serra, fazendo a
ponte, a migração vinha, quem não tinha dinheiro ia até Belo Horizonte, pois “tavam”
esperando o carro da migração pra trazer o trabalhador pra cá, pra “catar” serviço e aqui
pedindo gente pra trabalhar na roça, pra tocar a indústria, pra quem quisesse fazer qualquer
serviço aqui em São Paulo.
30
Como complemento dessa memória, a migrante Maria das Graças Cancian relatou que
essas ondas migratórias foram muito intensas justamente por causa da fábrica Nitro Química,
mas também outras, ocasionando um inchaço populacional decorrente do êxodo rural:
Isso é verdade, por conta da Nitro Química é que houve muitas migrações, eu por
exemplo vim, nós viemos de Minas Gerais, como outros, mas a maioria veio do Nordeste, a
maioria é nordestina. E... apesar que nordestino chega ainda, até hoje chega, mesmo não
existindo mais a Nitro, mas aquele tempo foi um êxodo porque é... você tinha emprego
garantido, era certo, e uma vida melhor, porque a vida que eles viviam e vivem não tem
condições. Então a maioria de São Miguel é nordestina, então praticamente é, como São
Miguel é periferia, então eu acho que São Miguel não tem nem mais muito onde crescer, a
impressão que eu tenho é que já cresceu até onde tinha de ser. (...).
31
A expressão usada pela moradora São Miguel é nordestina” foi muito utilizada na
década de 50, era uma linguagem cotidiana em denominar São Miguel Paulista como Bahia
Nova”, pois a grande maioria dos migrantes veio do Nordeste junto com a sua cultura e suas
tradições locais. Mas aqui também percebemos um tom de preconceito criado pelos
paulistanos ao generalizar todos os nordestinos como baianos, sendo que na verdade vieram
de diversos Estados do Nordeste.
30
Entrevista concedida ao autor por Dionísio do Nascimento em 17 de janeiro de 2008.
31
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
28
Em entrevista, o migrante pernambucano Antônio Batista Neto complementou um
pouco mais sobre o motivo e o meio que usou para chegar à cidade de São Paulo em 1954:
Para melhorar de situação. Vim sozinho, oito dias de viagem. eu vim num micro-
ônibus, não vim num caminhão pau-de-arara não. A maioria dos conhecidos e do pessoal vêm
de caminhão pau-de-arara, isso não é brincadeira não rapaz. O pau-de-arara eles pegam um
caminhão e fazem um estrago nele de ponta a ponta e o banquinho é um pau, e você vai ter que
sentar naquele pau. Eu conheço colegas, bastante gente que veio de pra de pau-de-arara,
aquelas madeiras amarradas de um lado para o outro assim, pro cara sentar ele bota um forro,
um lençol pra você agüentar, e os primeiros que vieram demoraram doze dias para chegar até
aqui. Eu passei oito dias, mas eu vim de ônibus e custei pra chegar aqui. Muitas vezes, sem
conhecer nada, e sem possibilidade, sem dinheiro, “nóis” dormia aonde o caminhão parava na
estrada mesmo, aliás, eu não vim de caminhão eu vim de ônibus, aonde o ônibus parava “nóis”
dormia ali mesmo dentro do ônibus. Muitas vezes eu ia dormir embaixo do ônibus ou em
cima.
32
Os migrantes não deixavam suas casas por simples aventura, mas a condição
econômica não mostrava outras maneiras alternativas de sobrevivência para a maioria. As
terras nordestinas, em muitas regiões, foram burocraticamente tomadas por muitos
fazendeiros e pelo Estado para a produção de mercadorias, como por exemplo, o cacau.
Muitos desses trabalhadores percorreram antes várias partes do próprio Nordeste para tentar
encontrar uma oportunidade de trabalho, antes de vir ao Sudeste para chegarem até a
fábrica
33
, como aconteceu com Aloízio Vieira dos Santos, que contou um pouco sobre a causa
de sua vinda à cidade:
Necessidade. Porque eu era agricultor, trabalhava na roça e não colhia, e lá a gente era
uma família grande e não podia estudar. E a situação do agricultor no Brasil sempre foi muito
ruim, muita dificuldade, muita necessidade. Então as famílias que foram adquirindo alguma
condição de “sair fora” da agricultura e vir pra cidade, eles vinham. Mas a procura de uma
melhora econômica e foi por isso que nós viemos pra São Paulo.
34
Chegaram com a simples missão de trabalhar para sobreviver e tentar construir a vida,
mas outros, além de trabalhar, se comoveram com a imensidão do progresso proporcionado
pela imagem propagada da fábrica, e pela sua política assistencialista interna, que lhes
32
Entrevista concedida ao autor por Antônio Batista Neto em 14 de janeiro de 2008.
33
VIANA, Myrna Therezinha Rego. São Miguel Paulista. O chão dos Desterrados. (Um estudo de migração e
de urbanização).
São Paulo. 1982.
34
Depoimento de Aloízio Vieira dos Santos concedida ao LabDoc – Unicsul.
29
proporcionara o mínimo de bem-estar dessa nova realidade que buscavam vivenciar, Assim
disse o ex-funcionário Luiz Gerônimo sobre o impacto que a potência da indústria causou em
seu coração:
A Nitro Química para começar, foi a primeira indústria que eu pude contemplar sua
potência, logo que cheguei aqui naquele dia 13/07/53, eu chegando na portaria desta firma. Eu
havia chegado do Norte, naquele dia e fui esperar, esse cunhado meu, aonde eu fui morar na
casa dele, que não era meu cunhado ainda, esperava ele de frente a firma. Então naquele tempo
a Nitro Química, uma grande potência no bairro de São Miguel Paulista, eu nunca tinha visto
tanta gente quando deu 17:00 horas que era o horário do povo sair a avenida de perto da firma
de ponta a ponta de gente que saia de dentro da indústria aqui em São Miguel Paulista e por
empregar tanta gente e fiquei balanciado, o meu coração pedia pra que eu fizesse qualquer
coisa pra trabalhar.
35
A convivência cotidiana trazida pela memória através da oralidade
36
trouxe os efeitos
da propaganda criada pelos patrões da fábrica e pela ideologia do Estado getulista. Foi através
desse relacionamento direto que o funcionário/morador expressou a aceitação dessa nova
realidade, ou seja, o contato direto entre o patrão e o funcionário fez ocultar a hierarquia pela
aparência de uma nova vida. Um exemplo disso foi a relação entre os empregados nordestinos
com José Ermírio de Moraes, que se identificavam justamente porque Moraes era
pernambucano de nascimento, tornando-se símbolo de progresso e de crescimento para
“qualquer migrante” que tivesse força de vontade para trabalhar e vencer como ele fez.
A propaganda
37
conseguiu envolver ideologicamente muitos migrantes através das
palavras, das imagens, da afeição e da retórica institucional, o que garantiu à empresa uma
35
Depoimento de Luiz Gerônimo Ferreira concedida ao LabDoc – Unicsul.
36
A fonte oral possui um poder que vai além de um simples relato dos acontecimentos históricos passado, pois
ela pode ser encarada como um evento em si mesmo, submetido a uma análise independente que permita
recuperar não apenas os aspectos materiais do sucedido como também a atitude do narrador em relação aos
eventos, a sua subjetividade, a sua imaginação e ao seu desejo, que cada indivíduo investe em sua relação com a
história. Ver em: PORTELLI, Alessandro. Sonhos Ucrônicos: memórias e possíveis mundos dos trabalhadores.
In:
Projeto História. São Paulo: PUC/SP, 1993, nº 10, p. 41.
37
Segundo Nelson Jahr Garcia, a propaganda ideológica envolve um processo complexo, com termos e fases
distintas. O “emissor”, grupo que pretende promover a difusão de determinadas idéias, ao visar outros com
interesses diversos, realiza a “elaboração” de sua ideologia para que as idéias nela contidas pareçam
corresponder àqueles interesses. Feito isso, procede um trabalho de “codificação”, pelo qual transforma as idéias
em mensagens que atraiam a atenção e sejam facilmente compreensíveis e memorizáveis. Através do “controle
ideológico” o emissor manipula todas as formas de produção e difusão de idéias, garantindo a exclusividade na
emissão das suas próprias. Procura, dessa forma, evitar a possibilidade de que os receptores venham a receber,
ou mesmo produzir, outra ideologia que os oriente contra os interesses do emissor. A partir daí as mensagens são
emitidas através da “difusão”, que procura atingir o mais rapidamente possível um maior número de pessoas.
Ver:
O que é propaganda ideológica. São Paulo: brasiliense, 1990. pp. 28-29.
30
relação cooptativa
38
sobre o comportamento cotidiano do trabalhador nitrino, diante a função
determinada de disciplina na linha de produção, além de acalentar o sonho do crescimento
pessoal, objetivando o progresso individual em crescer. A vivência na cultura industrial fez
mudar o comportamento e a mentalidade de muitos operários, adaptando-os ao novo ritmo de
trabalho e aos benefícios oferecidos pela empresa. O ex-funcionário Amauri da Cunha relatou
com saudades os tempos de glória da fábrica na década de 50:
Acabou. Ah! Aquilo era toda seção funcionava, tinha muitos funcionários, em todo
setor tinha muita gente, tinha até sessão do transporte que era dela, hoje não existe mais nada,
bem dizer a Nitro acabou, né? Acabaram com ela e ela era uma firma muito boa. Dava
assistência médica, dava restaurante, cooperativa, acabou... tinha tudo.
39
A hierarquia se fez oculta e indireta nas relações de trabalho ao se naturalizar com uma
outra aparência no cotidiano. No caso da Nitro Química, a afeição do empregador no trabalho
com o seu funcionário criou um “laço de amizade”, a ponto de se sentirem como uma
verdadeira “
Família Nitrina
40
, anulando qualquer imagem de perigo ou insatisfação no
trabalho. Ao menos, foi essa a tentativa estratégica dos diretores em construir uma família
unida e produtiva. A ideologia fez do patrão um simples amigo do trabalhador, por também
mostrar-se como um trabalhador. Desta forma, o progresso institucional foi construído em
conjunto, voltado não à fábrica e ao local, mas ao Progresso de todo o país, assim como
“ajudou” o morador do bairro, Cícero Antônio:
Ajudei no progresso, eu junto com... aqui tem o nome da turma que me ajudou a fazer
São Miguel (...) A Nitro Química, família Moraes e uma... um membro da revolução de São
Miguel. Família Moraes foi a grandeza de São Miguel quase total, e com essa indústria aí, essa
indústria era do presidente Vargas, também era Vargas era acionista dessa indústria aí. E
veio a Família Moraes pra essa, essa indústria, pegou o nordestino. Vim pra e morar em
São Miguel e construí casa e a grandeza de São Miguel. Construindo casas, mas pra valer e foi
38
A cooptação tem transparência nos discursos demagógicos e cheios de promessas dos representantes ao povo.
VIEIRA, Vera Lúcia.
Cooptação e Resistência: um estudo sobre o movimento dos trabalhadores em São Paulo
de 1945 a 1950.
São Paulo: Pontifícia Universidade Católica. Dissertação de Mestrado. 1989. p. 144
39
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
40
A ideologia corporativa criava a sensação de Paz Social e Harmonia interna para inviabilizar a tentativa de luta
de classes como estava acontecendo no período em algumas fábricas com greves, manifestações sindicais e
comunistas. A linguagem interna visava a construção de uma linha de cooperação no trabalho para um melhor
desenvolvimento ao progresso produtivo. Ver: FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Uma das Empresas Mais
Felizes do Mundo. In.:
Trabalhadores e Cidadãos. pp. 47-78.
31
muitos mil operários moderados nessa Nitro Química, por isso a grandeza de São Miguel foi
total quase todo, quase todo total, foi a família...
41
A ideologia proporcionou ao trabalhador a sensação de trabalhar não simplesmente
para a sua sobrevivência, mas vivenciando algo além, que o fez sentir-se parte importante no
processo do crescimento nacional. O progresso foi sentido através das transformações do
local, como observou Francisco José Bizaco, ao relatar sobre o desenvolvimento de São
Miguel:
Ah, melhorou o bairro, teve mais progresso né? (...) O progresso veio e melhorou (...)
o desenvolvimento de São Miguel, melhorou muito né. Porque a população aumentou. E muito
comércio, abriu muito comércio.
42
São Miguel Paulista conseguiu crescer e se desenvolver seguindo o ritmo de cidade
através da indústria e da migração, mas uma coisa na mente desses trabalhadores e moradores
sempre esteve presente, que foi a satisfação em poder trabalhar e melhorar suas condições de
vida, mesmo que fossem mínimas.
1.2 – A Nitro Química Brasileira e a relação com Vargas
O poder de Getúlio Vargas com a ditadura do Estado Novo, que foi implantado em
1937, permanecendo até 1945, se articulou a um verdadeiro autoritarismo, devido a
consolidação de uma política Corporativista e Burocrática, ou seja, o presidente tinha em
suas mãos a administração do Estado.
Esse esforço de centralização político-administrativa pelo qual se manteve a
autonomia do Estado getulista se manifestou através da montagem de um complexo quadro
jurídico, que estabeleceu novos padrões de governo e criou os mecanismos necessários para
dar viabilidade à interferência do Estado nos diferentes setores da realidade social. Certos
componentes eram básicos no regime implantado como a ampliação dos poderes do chefe
Executivo Federal, que foi garantida pela Constituição de 1937, as normas regulamentadoras
das relações entre o governo central e os Estados, restringindo a autonomia dos Executivos
estaduais, os instrumentos de intervenção na economia, os meios de controle da vida política,
41
Depoimento de Cícero Antônio Pereira concedida ao LabDoc – Unicsul.
42
Depoimento de Francisco José Bizaco concedida ao LabDoc – Unicsul.
32
bem como a estrutura corporativa dos mecanismos de inserção dos diferentes grupos,
incluídos os trabalhadores urbanos, no sistema político.
43
O Estado Novo dependia de diversos poderes para a sua sustentação enquanto poder,
como o militar, o educacional, o moral e a propaganda. Getúlio representava uma liderança,
mas havia um conjunto de relações político-econômico-ideológicas que sustentava a sua
imagem e o seu planejamento.
A visão de um Estado que cumpre necessárias tarefas para uma sociedade ainda
incapaz de efetivá-las ator principal que escampa o conjunto do espaço social vem ao
encontro da auto-imagem propagada pelo Estado Novo, anunciadora da construção de uma
identidade societária e da auto-proclamação de ser agente capaz de intervir no fluxo histórico
e estancar as tensões da luta de classes.
44
Com essa centralização administrativa, a política getulista tinha como finalidade fazer
da imagem
estadonovista a constituição não somente de um povo obediente, disciplinado,
religioso e harmonioso, mas algo além, com a utilização da propaganda como arma ideológica
do Estado, em uma grande família patriótica e unida pelo amor, sacralizado à política a que
servem, trabalham e idolatram cotidianamente.
45
O Estado Novo se fez forte através da burocracia e pela lógica administrativa de
controle dos vários poderes que antes pertenciam à República Velha agro-exportadora, até a
década de 30. Desta forma, a industrialização surgiu como um grande símbolo desse novo
progresso e do desenvolvimento nacional, principalmente mais à frente, com o passar dos
anos e suas novas relações internas e externas construídas.
Vargas investiu diretamente na industrialização, mas também na modernização
agrícola, pois o país ainda não tinha base suficiente para se dedicar exclusivamente à
produção fabril. Uma das grandes preocupações do presidente com a idéia de Nacionalismo
foi justamente articular a produção nacional à sua autonomia enquanto Estado, tentando assim
43
DINIZ, Eli. O Estado Novo: estrutura de poder, relações de classes. In: O Brasil Republicano. 3. Sociedade e
Política (1930 – 1964).
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 79.
44
LENHARO, Alcir. Sacralização da Política. Campinas: Papirus, 1986. p. 20.
45
Segundo Nelson Jahr Garcia, uma tática muito empregada é a de construir a imagem de um único líder,
responsável por todas as medidas, único detentor do poder. Enquanto a população acreditar nele não percebe que
são os verdadeiros privilegiados que se encontram por trás das decisões. Além disso, sempre a possibilidade
de se substituir um líder por outro, em épocas de crise econômica ou política, convencendo a população de que o
substituto poderá solucionar todos os problemas. São os chamados líderes carismáticos, homens que parecem
possuir dotes e atributos excepcionais. A propaganda cuida de propalar insistente e repetidamente as qualidades
daquele que dirige. Gênio, político, inteligente, hábil, de inisitada memória, e superior a todos os demais, a ele
deve caber o exercício pleno do poder. Mas não bastam as qualidades excepcionais; os líderes só são seguidos se
forem capazes de compreender a condição de seus liderados. A propaganda cuida deste aspecto também,
apresentando-o como popular, simples, acessível e, portanto, capaz de compreender melhor que ninguém os
problemas da maioria. Ver em: O que é propaganda ideológica. São Paulo: Brasiliense, 1990. pp. 39-40.
33
ao máximo se desvincular dos poderes internacionais, além também de aproximar o poder
Estadual com o Federal. Como uma das bases de organização, foi criada a legislação
trabalhista, objetivando evitar a luta de classes através dos benefícios oferecidos, garantindo a
forma da unidade nacional-corporativista de política.
46
Getúlio obteve a hegemonia executiva do poder político-nacional durante alguns anos,
mas as Forças Armadas tinham um papel decisivo para a sua sustentação, isso até a metade da
década de 40, principalmente no período de pós-Segunda Guerra Mundial
47
. O pacto político-
econômico entre Vargas e Roosevelt fez com que as Forças Armadas e industriais se
organizassem para a concretização da participação brasileira na guerra ao lado dos EUA.
Como representação desse momento, o migrante e operário nitrino Benedito Leone
Nicodemus esclareceu o desespero dos “chefes de Estado” na busca de novos soldados, sem
ao menos prepará-los à função que iriam exercer:
Eu me lembro quando foram pegar a gente lá no interior da Bahia, eu era garoto ainda,
iam buscar a turma para brigar na guerra na Itália em 1941 ou 1942, pois a guerra durou
até 45. (...) A polícia ia montada a cavalo, pois naquele tempo nem carro ia lá onde eu morava,
recolhia aquela rapaziada toda, meu pai me escondeu na mata, eu fiquei por oito dias com
mais uns tios meu, porque os que eles pegavam eles pegavam e levavam direto. Eles falavam:
você pode se arrumar que você vai viajar “com nós” e levava. Ia aquela turma toda a e a
polícia montada a cavalo, levava para a cidade mais próxima e de vinha aqui pra São
Paulo, entre Minas e São Paulo, pra levar o povo lá pra guerra sem saber nada.
48
Assim como aconteceu com os soldados, as indústrias do país também tinham que
rapidamente se adaptarem às necessidades exigidas nesse novo momento da conjuntura
mundial, como aconteceu com a Companhia Nitro Química Brasileira.
No auge da produção de raiom, as Forças Armadas exigiram que essa fosse reduzida, e
que a fábrica produzisse novas matérias-primas como a pólvora, abrindo assim um setor
específico para a produção do TNT (Trinitrotolueno), para a fabricação de explosivos. O setor
tinha uma produção de cinco toneladas diárias do produto voltada ao Exército, em Piquete
(SP). Arcando com a possível perda de espaço num mercado sedento pelo fio sintético, a
Nitro atendeu a exigência e cumpriu as metas estabelecidas.
46
MUNAKATA, Kazumi. A Legislação no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984. pp. 62-82. Ver também:
GOMES, Ângela Maria de Castro.
A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005.
47
FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: o poder e o sorriso... p. 89.
48
Entrevista concedida ao autor por Benedito Leone Nicodemus em 15 de janeiro de 2008.
34
A Segunda Guerra Mundial proporcionou vultosos lucros para a Nitro Química,
devido à venda dos seus produtos químicos e explosivos, o que ajudou na compra de novos
maquinários, necessários para a realização de uma maior produção e crescimento da empresa.
Com isso, novos setores, como o TNT, começaram a aparecer e a ocupar outros espaços no
bairro. Assim relatou Augusto Caldini:
Teve uma fábrica lá no Tietê, lá em baixo, que na época da guerra fazia matéria-prima
para as Forças Armadas. no Tietê, não tem a ponte do Tietê? Era a fábrica mais antiga da
região.
49
A Nitro foi uma das maiores fábricas brasileiras de seu tempo e possuía um intrincado
processo de produção, com mais de 60 departamentos e uma extensa linha de produtos.
Entretanto, não tinha necessidade de um grande número de operários qualificados para
funcionar. Diversos setores da companhia, de fato, prescindiam de trabalho qualificado. No
dia-a-dia, para garantir a produção, eram necessários alguns engenheiros e trabalhadores
especializados, em conjunto com um número maior que havia “aprendido na prática”, e mais
um grande contingente de operários e operárias com pouca instrução.
50
O inchaço populacional do bairro e a mão-de-obra sem especialização fez com que os
administradores da Nitro perdessem o controle da imensidão do seu crescimento. O operário
não tinha um instrutor ou chefe de setor eficiente para instruí-los eficazmente onde iriam
trabalhar, assim os novos operários aprendiam a se “virar” no cotidiano fabril. Com essa
estratégia institucional, as trágicas conseqüências foram sentidas diariamente, tanto pelos
trabalhadores internos, como também pelos moradores ao redor do parque industrial nitrino.
Logicamente que os acidentes aconteciam frequentemente no trabalho, desde situações
mais simples como escorregar no chão até explosões internas, como mostrou Júlio de Souza
Nery, que foram ouvidas e sentidas por todo o bairro de São Miguel Paulista:
Olha, acontecimento mesmo assim foi muitos amigos que a gente perdeu ali
dentro foi quando explodiu a fábrica de pólvora, isso abalou São Miguel. Os amigos
que a gente perdeu ali dentro foi a maior tragédia, uma ocasião também existiu,
porém, um o engenheiro químico vinha vindo do almoço, e vinha uma parte do
esgoto e a turma desceu para ver o que estava acontecendo e com aquele gás era o
49
Depoimento de Augusto Caldini concedida ao LabDoc – Unicsul.
50
FONTES, Paulo. Migração Nordestina e Experiências Operárias. São Miguel Paulista nos anos 50. In:
Culturas de Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: Editora da Unicamp, 2004.
p. 376.
35
sulfureto, morreu mais ou menos uns quatro ou cinco e esse engenheiro, afobado
coitado, tinha acabado de almoçar e desceu e morreu também, esse foi também pra
nós lá dentro, agora o que abalou mesmo São Miguel foi o problema da Trotil.
51
Desde 1943 a fábrica possuía a CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes),
objetivando a prevenção de acidentes. Outro meio encontrado para diminuir esses
acontecimentos trágicos foi informar mensalmente sobre os perigos que circulavam o
cotidiano da fábrica através do boletim interno Nitro Jornal que possuía partes específicas de
alertas e explicações do funcionamento dos setores, expressos tanto em textos quanto em
imagens e charges. Foram linguagens estratégicas informativas variadas para tentar suprir a
irresponsabilidade de alguns chefes em não mostrar e ensinar, às vezes também por não saber,
adequadamente os empregados em como trabalhar sem correr riscos.
As experiências do campo trazidas pelos migrantes entravam em confronto com a
aprendizagem de uma nova realidade completamente diferente no espaço urbano. Ao chegar à
cidade, a necessidade de sobrevivência falava mais alto, a ponto de muitos arriscarem as
próprias vidas ao trabalhar com maquinários nunca antes vistos, assim o homem se fazia um
simples apêndice da máquina.
O estranhamento cultural do homem com o seu próprio meio de trabalho
52
foi sendo
absorvido aos poucos pelo novo ritmo de vida, até mesmo da morte, assim relatou novamente
Júlio de Souza Nery sobre os acidentes de uma explosão que aconteceu no setor de TNT e a
repercussão da mídia:
A sim... foi uma coisa muito importante para São Miguel, mas só que naquela época a
imprensa era muito fraca e até jornalista que veio para poder tirar não pôde, foi impedido de
entrar lá dentro, porque existiu uma coisa muito horrível, era pessoa sem cabeça, sem braço, foi
atirada pelos ares justamente eu não estava, eu trabalhava nesta época lá, mas como falei
anteriormente estava fui fazer alistamento militar, eu ouvi pelo rádio, mas saiu nos jornais,
assim a Nitro Química foi pelos ares, mas não a Nitro Química, foi uma seção que pertencia à
Nitro Química e foi somente na época da guerra que eles faziam pólvora, mandava as munições
para guerra, mas acabou e os jornais saiam essas coisinhas assim, mas não tinha televisão,
não existia TV naquela época, só existia rádio, foi esse um acontecimento em São Miguel.
53
51
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul.
52
MARX, Karl. Trabalho estranhado e propriedade privada. In: A Dialética do Trabalho: escritos de Marx e
Engels.
São Paulo: Expressão Popular, 2004. pp. 173-195.
53
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul.
36
O poder interno de organização e ensinamento estava nas mãos dos chefes dos setores
específicos da fábrica. Eles eram quem decidia sobre a maior parte da vida profissional dos
operários. Promoções, demissões, punições e transferências eram determinadas basicamente a
partir da sua opinião. Entretanto, esse poder das chefias era frequentemente percebido pelos
trabalhadores como discriminatório e injusto.
54
A morte foi sentida e “naturalizada” por todos os trabalhadores e moradores no bairro
como algo rotineiro. eram educados, segundo a moradora Lais Haydeé, desde pequenos a
aceitar as conseqüências que o Progresso trazia ao cotidiano. Todos estavam acostumados
por estarem condicionados com a realidade, simplesmente pelos barulhos e apitos
proporcionados diariamente pela fábrica:
(...) Então começou a população aumentar, aumentar, aumentar, a Nitro também
aumentou bastante, porque tinha a Nitro e tinha aquela uma outra fábrica deles que ficava do
outro lado do Tietê, que eu não lembro o nome, mas era da Nitro (...). Essa fábrica ela
explodiu. Como teve umas explosões nela e eu acho que uns quarenta, uns trinta anos, trinta e
cinco anos atrás, que eu lembro (...) quando deu aquelas explosões, depois fecharam ela,
ficou a Nitro e a Nitro era pequena e agora é enorme, não sei agora, mas ela fazia de tudo,
tanto que quando eu era criança que eu tava na escola era assim: tem os horários de apito né? A
fábrica não sei agora e pra entrar pra sair pra e quando ela toca três toques rapidinho e fora do
horário, as professoras mandavam a gente rezar porque tinha acontecido um acidente e todo o
povo corria lá pra ajudar. É quando eu tava no quarto ano, isso em 42, eu não sei.
55
A partir de 1942 devido às conseqüências da Segunda Guerra Mundial, com o
desequilíbrio e a estagnação econômica cafeeira e cambial
56
, os discursos e os
comportamentos políticos foram se alterando de acordo com a realidade mundial que estava
se apresentando com ao término da Segunda Guerra Mundial, concretizada através da
bipartição político-ideológica
57
com a Guerra Fria entre os poderes capitalista e socialista.
A política de Getúlio sofreu uma notável queda a ponto de ser deposto em 45,
principalmente com a ligação das Forças Armadas ao liberalismo, poder esse que antes o
sustentava no controle do Brasil. Também nas ruas várias manifestações sindicais e estudantis
se mostraram cotidianamente a favor dessa transformação de comportamento político naquele
54
FONTES, Paulo. Comunidade Operária ... p. 104.
55
Depoimento de Laís Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
56
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. pp. 286-301.
57
HOBSBAWM, Eric. Guerra Fria. In: Era dos Extremos. O breve século XX 1914 1991. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005. pp. 223-252
37
instante como a UNE (União Nacional dos Estudantes) que representava uma das vozes
antinazista para a construção da “Redemocratização” no cenário político.
58
Nessa transformação, novas representações políticas fizeram com que aparecessem
novos grupos, posições e mentalidades, dentre elas a formação da UDN (União Democrática
Nacional) demonstrando o seu oposicionismo varguista.
Getúlio foi forçado pela realidade político-econômica imposta pelo novo governo e as
manifestações sociais a oficializar uma abertura democrática à Nação. O tempo correu e o
presidente precisava retomar o seu lugar, tendo como objetivo voltar ao poder através dos
votos, se dispondo até mesmo a conceder liberdade a participação política comunista pela
Anistia. Dessa vez, as estratégias de sustentação no poder não deram muito certas e Vargas
caiu de vez.
A influência norte-americana teve efeito na manipulação dessa mobilização social e
ideológica em busca de uma nova democracia com programas de industrialização
administrados pelo Estado.
59
Assim, ficou mais visível a entrada do ex-Ministro da Guerra do
Estado Novo como o presidente do Brasil entre 1946-50: General Eurico Gaspar Dutra, que
representava o partido oligárquico pelo PSD (Partido Social Democrático).
O governo Dutra tentou organizar um sistema de hegemonia política da burguesia, por
esse motivo em 1947 ocorreu a estruturalização da “Democracia Liberal” e uma remontagem
do aparelho estatal burocrático pela nova Constituição, isso em nome dos princípios liberais,
criaram-se novas condições favoráveis à entrada e saída do capital estrangeiro.
60
Vargas ao reassumir o governo, compreendeu os “efeitos econômicos e ideológicos”
causados pelo liberalismo no governo Dutra com a ligação direta entre os empresários e o
mercado externo, mas a sua conduta política no início da década de 50 fez com que algumas
vozes se levantassem contra ele, responsabilizando-o pelas crises que o país estava passando
como, por exemplo, a comentada pelo Diretor Administrativo da Companhia Nitro Química
Brasileira Marcello Milliet Kiehl através do jornal interno da fábrica veiculado aos operários:
Nosso país está passando uma das fases mais difíceis e decisivas da sua história
econômica.
Chegamos ao maior deficit até hoje atingido nas trocas de mercadorias: em 1950 e 51,
compramos de outros países 14 biliões de cruzeiros a mais que vendemos.
58
ALMEIDA JUNIOR, Antonio Mendes de. Do Declínio do Estado Novo ao Suicídio de Getulio Vargas. In.: O
Brasil Republicano. 3. Sociedade e Política (1930 – 1964).
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. pp. 227-233.
59
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. pp. 64-71.
60
IANNI, Octávio. Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970). Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1977. pp. 81-82.
38
Internamente, apesar dos esforços do Ministério da Fazenda para equilibrar o
orçamento da nação (o que conseguiu pela primeira vez em muitos anos) e para diminuir a
inflação não foi conseguido sustar a contínua elevação do custo de vida.
Esse desequilíbrio foi causado principalmente:
1) Pela necessidade de maiores compras de materiais para atender ao enorme
desenvolvimento industrial que o Brasil está tendo; para modernizar seu parque antiquado e
construções de novas indústrias; para equipar seu sistema de transportes rodoviário e
ferroviário, gravemente atingido pelas restrições impostas pela última guerra.
2) Pela grande facilidade e abuso com que em 1951 e começo de 52 eram dadas
licenças para importar artigos supérfluos e de luxo.
3) Pela perda de mercados externos de várias mercadorias cujos preços não podiam
competir com o de outras nações que produziam mais baratos ou de melhor qualidade; assim a
exportação do algodão baixou de 83%, o cacau de 60%, enfim, de um modo geral, a não ser o
café, as outras mercadorias baixaram em média de 50%!!, isto é, aproximadamente, 6 biliões
de cruzeiros a menos em 1952 que o ano anterior!! (sem contar com mercados que já perdemos
em anos anteriores como a laranja, borracha, etc.).
61
O intervencionismo hegemônico americano deixou contrastes na conjuntura
econômica brasileira e da América Latina.
62
O país passou a importar mais do que exportar,
gerando assim um déficit cambial da moeda brasileira, daí o desespero de muitos empresários.
A linguagem utilizada por alguns personagens da imprensa esteve muito próxima a
usada pela UDN anti-getulista veiculada no período, e de alguns empresários como os da
fábrica Nitro Química, assim o jornal O Estado de São Paulo nas décadas de governo do
presidente Getúlio Vargas criticou-o ferozmente sobre a situação econômica e social do país
que estavam passando:
O café é que ao Brasil a quase totalidade das cambiais que garante a existência da
nossa importação. O café, portanto, é ainda o maior sustentáculo da nossa economia.
Paradoxalmente, porem, a lavoura cafeeira é a que mais sofre com a política financeira do País
e o produtor de café vive em constante sobressalto, sempre intranquilo, porque a sua situação
economica depende de uma série de fatores e de circunstâncias que sofrem as consequencias
nocivas de uma orientação governamental insegura, que gira ao saber de contigencias
ocasionais.
63
61
KIEHL, Marcello Milliet. Aceitemos a Luta. In: Nitro Jornal, nº 02, fevereiro de 1953, p. 01.
62
BETHELL, Leslie e IAN, Roxborough (Orgs). A América Latina: entre a Segunda Guerra mundial e a
Guerra Fria.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. pp. 17-61.
63
O Estado de São Paulo, 26 de janeiro de 1954, p. 03.
39
Com essa dificuldade econômica, o discurso empresarial de Kiehl colocou em questão
o esforço e a dedicação do Ministro da Fazenda representado pelo industrial Horácio Lafer,
que tinha como apoio João Neves da Fontoura como Ministro das Relações Exteriores.
Esse Láfer foi aquele mesmo Deputado Federal da década de 30, mas que no início da
década de 50 ganhou apoio de Getúlio Vargas para ser o seu Ministro da Fazenda devido a
necessidade do presidente em ter uma união empresarial direta. Vargas também precisava de
alguém de sua confiança para organizar o seu governo novamente, mas dentro das novas
estratégias liberais específicas para acompanhar as transformações liberais do período.
Vargas tinha uma estreita ligação com os norte-americanos, esperando financiamentos
ao desenvolvimento industrial-nacional. Essa relação se fez aproximar pela
Comissão Mista
Brasil-EUA
64
que servia para facilitar os investimentos privados externos, desde que
associados aos capitais nacionais e a adoção de uma política cambial flexível no seu primeiro
ano de Governo. Láfer se aproveitou dessa relação e foi um dos idealizadores do Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) objetivando o desenvolvimento industrial
do país.
Nesse cenário político-econômico algumas propostas de governo foram formuladas
objetivando a continuidade dos empresários liberais no poder, com isso novos planos foram
feitos com o intuito de mantê-los fortes diante a imagem de Vargas, como o Plano Láfer, que
foi o Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico anunciado em 1951 como um plano
qüinqüenal de investimentos em indústrias de base, transporte, energia, frigoríficos e
modernização da agricultura. Para a realização dos investimentos previstos nesse programa o
Congresso Nacional aprovou o Plano que seria administrado pelo Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico (BNDE) em 1952.
65
Com o objetivo de realizar as operações que tinham como finalidade o
desenvolvimento da economia nacional, o Banco propõe “financiar a realização de obras,
projetos ou programas que objetivassem a instalação, reaparelhamento ou ampliação de: I
sistemas de transportes e portos; II – sistemas de energia elétrica; III – indústrias básicas e de
agricultura; IV armazéns, silos, matadouros e frigoríficos; V outros setores definidos em
lei.
66
Com isso, o crédito foi fundamental para a realização desse reaparelhamento com a
64
ALMEIDA JUNIOR, Antonio Mendes de. Op. Cit. pp. 249-250.
65
IANNI, Octávio. Op. Cit. p. 117.
66
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, Legislação. Trecho retirado de: IANNI, Octávio. Estado e
Capitalismo.
São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 42. Ver também em: FONSECA, Pedro César Dutra. Vargas: o
capitalismo em construção.
São Paulo: Brasiliense, 1999.
40
compra de maquinaria e equipamentos estrangeiros novos para seguirem o nível de produção
mundial dos países mais desenvolvidos.
Visando essa política, o empresário nitrino Kiehl continuou seu argumento contra o
governo de Getúlio Vargas devido às fortes restrições à realização plena do financiamento às
importações:
O Governo está tomando medidas drásticas (...) para restringir ao máximo as
importações, principalmente, do que é considerado supérfluo e mesmo muita coisa essencial,
tendo conseguido nos últimos mêses de 52 um equilíbrio, mas práticamente não diminuiu as
dívidas atrazadas.
Maiores restrições que as atuais seriam contraproducentes, pois iriam entravar o ritmo
de produção industrial, transporte e mesmo a lavoura, diminuindo ainda mais as fontes
produtoras, poderia abalar a paz social, e, em última análise, diminuiria as possibilidades de
exportação, agravando ainda mais o desequilíbrio.
Essas medidas entretanto, não são suficientes para vencer a atual crise. Outras de
maior alcance estão se processando, promovidas em grande parte por industriais, homens de
grande visão, arrojo e patriotismo e outra parte pelo Govêrno.
67
Como o Ministro da Fazenda representava o poder industrial e empresarial do país,
ficou evidente que o discurso envolveu uma forte crítica ao governo e a defesa de alguns
homens “mais preparados” em visão e patriotismo para acompanhar o ritmo da nova realidade
sócio-econômica brasileira, como José Ermírio de Moraes, por exemplo.
O presidente acabou tendo a sua imagem questionada diante o público como um
governante incompetente e responsável por todas as catástrofes ocorridas no âmbito político e
econômico. Muitos jornais, tanto os de circulação interna na Fábrica Nitro Química, como
também alguns de alta circulação pela cidade de São Paulo, apoiavam a mesma postura
justamente por terem os mesmos objetivos e ideologias liberais, como foi a postura d´O
Estado de São Paulo:
Elevam-se os preços das coisas essenciais a existência do povo. Cresceu o do pão,
parece que vi crescer o do açúcar; o de carros se esguerá fatalmente a menos que se obrigue o
povo a ser vegetariano. A desordem de idéias e de atos de encarregados de velar pelas boas
condições de vida acentua-las de hora em hora. Sentem-se a falta de direção governamental em
tudo quanto diz respeito à defesa dos direitos populares. O governo é o que menos entende de
produção e distribuição das mercadorias que necessitamos. Se perguntassem se o Sr. Presidente
da República que é que a exa. Pretende fazer para conter a elevação dos preços e, exa., se
67
KIEHL, Marcello Milliet. Op.Cit.
41
quisesse ser franco, responderia que não sabe. E não sabe realmente. Nunca se viu, à frente do
governo, incompetência assinalada.
68
A linguagem liberal
69
dos jornais da cidade tentou envolver o público e “informá-lo”
sobre as transformações criadas pela modernização da conjuntura atuante na década de 50, daí
a necessidade em conscientizá-los, ideologicamente, do desenvolvimento político e social
presente no cotidiano em que vivenciavam os trabalhadores de todas as fábricas, como
também os moradores dos bairros suburbanos, como São Miguel Paulista, isso para
reproduzirem o mesmo pensamento e postura da ideologia propagada. Com um ufanismo
patriótico de desenvolvimento o
Diretor Técnico da Companhia Nitro Química, Eduardo
Sabino de Oliveira, mostrou emotivamente através de suas palavras um clima de evolução
proporcionada pelo crescimento industrial:
A indústria evoluiu nestes últimos 100 anos, de uma maneira prodigiosa, e evoluiu
tanto na técnica como na sua feição social.
A incrível perfeição a que chegaram os métodos de trabalho, permitiu produção de
centenas ou milhares de vêzes mais altas para o mesmo esfôrço humano.
As descobertas no ramo da química, metalurgia, eletricidade, etc..., abriram tais
possibilidades que faz com que o homem de hoje, mesmo o mais humilde, tenha a seu dispôr
meios com que os poderosos de outras éras nunca poderiam sonhar.
Hoje um homem do campo ou um operário das cidades pode salvar a vida de seu filho
com aplicações de penicilina ou tantos outros novos tratamentos hoje acessíveis ao grande
público.
poucos anos atráz o mais poderoso rei não teria meios para salvar a vida de seu
filho em igual situação.
Hoje as classes menos protegidas podem se divertir nos cinemas, jogos de futebol ou
praticar esportes, diversões estas que seus antepassados não desconheciam e cujo
equivalente jamais poderiam obter senão a um preço só acessível aos ricos da época.
A evolução do conceito de indústria também foi considerável. No fim do século
passado ou mesmo no começo dêste, a indústria era um meio de vida ou de enriquecimento, do
68
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1954, p. 03.
69
A linguagem contribui com a construção de visões alienadas de mundo que nascem e apóiam-se nas inversões
objetivas do mundo social. O consenso ideológico e a naturalização da exploração surgem e se alicerçam na
vigência e solidez objetivas das relações sociais de expropriação. A força das interpretações apologéticas
produzidas pelos intelectuais orgânicos do capital nasce da consciência objetiva e histórica das relações sociais
de dominação. In: CARBONI, Florence e MAESTRI, Mario.
A Linguagem Escravizada: língua, história, poder
e luta de classes.
São Paulo: Expressão Popular, 2003. p. 10.
42
industrial que a explorava. A indústria não tinha fundamento social, pois que ignoravam o
interêsse dos empregados, só visava o lucro do proletário.
70
Com esse mito
71
de evolução, o discurso envolveu os leitores a sentirem e a
(re)produzirem cotidianamente o sentimento de progresso nacional daquele momento, não
apenas como um simples ato de sobrevivência, mas também de crescimento e
desenvolvimento de si mesmos em ter o privilégio de aproveitar o que nunca nenhum outro
trabalhador conseguiu alcançar antes.
A propaganda institucional foi se difundindo na vivência cotidiana dos
trabalhadores e moradores do bairro, isso fez com que muitos operários que vieram sozinhos
para “desfrutar” desse ideal moderno ligassem ou enviassem cartas para a família no
Nordeste, e outras partes do Brasil e do mundo, com a finalidade de trazê-los à cidade para
fazerem parte dessa nova vida, assim demonstrou a moradora do bairro Elizia Moreira
Cardoso:
E em 1952, esse meu, esse Artur, meu irmão que mora aqui, adotivo, ele mandou
buscar a mãe dele, minha tia e eu “pra aqui”. ele mandou buscar nós duas, nós viemos,
chegamos aqui, fomos morar na antiga rua Quatro, hoje onde é o mercadão de São Miguel,
ali chamava rua Quatro né? Então ele tinha uma pensão.
72
A motivação desenvolvida e pensada pelo Progresso empresarial-citadino começou a
criar alguns problemas contra ele mesmo, isso no sentido da urbanização, com o surgimento
massivo de muitos loteamentos
73
em um processo que estruturou o bairro de São Miguel no
formato desorganizado em que se encontrava.
As famílias começaram a chegar e a procurar o seu “cantinho” para morar. A Nitro
Química tinha um forte diferencial de muitas indústrias do período que era a facilidade em ser
admitido para trabalhar. O emprego era algo fácil de conquistar, por isso muitas famílias
procuraram São Miguel Paulista, como relatou a moradora Maria das Graças Cancian:
70
OLIVEIRA, Eduardo Sabino de. As Nossas Responsabilidades. In: Nitro Jornal, nº 01, janeiro de 1953, p. 01
71
Ao falarmos em mito, segundo Marilena Chauí, nós o tomamos não apenas no sentido etimológico de narração
pública de feitos lendários da comunidade (isto é, no sentido grego da palavra
mythos), mas também no sentido
antropológico, no qual essa narrativa é a solução imaginária para tensões, conflitos e contradições que não
encontram caminhos para serem resolvidos no nível da realidade. Ver em: Brasil: mito fundador e sociedade
autoritária. São Paulo: Perseu Abramo, 2007. p. 09.
72
Depoimento de Elizia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
73
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. A Política dos Outros: o cotidiano dos moradores da periferia e o que
pensam do poder e dos poderosos.
São Paulo: Brasiliense, 1984. p. 65.
43
É, a minha família veio porque precisava que todos trabalhassem. Eu tenho muitos
irmãos, nós somos em onze filhos e então na cidadezinha onde eu nasci não tinha condições, a
mamãe não via, meus pais não viam perspectiva de emprego, de trabalho pra todos os filhos,
então de início a gente viria para Santo André, que Santo André também foi, iniciava as
indústrias e a gente vinha pra Santo André, tanto que eu tenho um tio que veio e toda a família
mora lá em Santo André, mas por conta da Nitro Química a gente resolveu vir pra São
Miguel.
74
Uma coisa interessante foi perceber que a imagem e a informação não possuem
fronteiras, podendo assim ultrapassar até o oceano Atlântico. Uma carta enviada a Portugal
contendo alguns objetivos como dinheiro e esperança
75
fizeram com que famílias na década
de 50 mudassem de país para morarem e trabalharem em São Miguel:
É nós viemos porque a situação financeira não era tão boa em Portugal, meu pai na
esperança de ganhar algum dinheiro no Brasil, porque o Brasil tinha uma fama que se ganhava
dinheiro, então nós viemos para cá porque um tio da gente tinha comércio em São Miguel,
trabalhou por aqui, porque ele veio rapaz pra São Miguel e eles tiveram granja, tiveram
conchas de areia e ele mandou uma carta de chamada e nós viemos, porque ele mandou uma
carta de chamada.
76
A facilidade para entrar na fábrica, segundo o morador Sebastião Adriano Mesquita,
era tão grande que em muitos casos não precisavam nem de documentos para trabalhar, o que
dificultaria para o trabalhador receber algum benefício em casos de acidentes que era algo
corriqueiro lá dentro dos muros da empresa:
ia direto. Não precisava de documento, não precisava nada. entrava lá, e entrava
direto. Também morria direto! (...) Não dava nem notícia quando morria lá. Porque entrava
sem documento, sem nada, e já ia trabalhar.
77
74
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
75
Segundo o historiador Paulo Fontes, o emprego, salários mais elevados, direitos trabalhistas, maior infra-
estrutura hospitalar e educacional compunham um cenário deveras atrativo. Paulatinamente, ganhava fôlego a
imagem de que a vida em São Paulo seria “mais facil”. Ver em FONTES, Paulo.
Comunidade Operária,
Migração Nordestina e Lutas Sociais: São Miguel Paulista (1945-1966).
p. 45.
76
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
77
Depoimento de Sebastião Adriano Mesquita concedida ao LabDoc – Unicsul.
44
Amauri da Cunha continuou com a mesma questão da facilidade de entrar na fábrica e
a não-necessidade de documentos para trabalhar. A necessidade era tão grande que a própria
fábrica mandava buscar os migrantes nordestinos através dos paus-de-arara:
que a vida ficou um pouco... nem se compara nada que naquela época num
tinha desemprego, chegava em São Miguel e a Nitro Química pegava o laço e laçava e levava
pra dentro, pegava aquele povo que num sabe lê, num sabia, pichava o dedo qualquer coisa...
era boa, era uma época muito boa em vista de hoje era ótimo né? Porque houve um tempo que
ela buscava no Norte de caminhão gente pra trabalhar. (...) Buscava de caminhão no Nordeste
pra trabalhar aqui (...) por que não tinha mão-de-obra, não tinha gente. (...) Buscava pra
trabalhar.
78
Uma vez contratados, comentou o historiador Paulo Fontes, aos trabalhadores recém-
admitidos cabia a nem simples tarefa de aprender o trabalho. Para a direção da empresa isso
significava, na maior parte das vezes, transformar ex-trabalhadores rurais em operários fabris.
Durante os anos 50, apenas 20% de seus funcionários tinham alguma experiência anterior de
trabalho no setor industrial.
79
O objetivo da moradia fácil foi na realidade um sonho para a maioria, pois as
moradias internas nos bairros operários tinham proprietários certos e estratégicos para a
produção e administração fabril. A especulação imobiliária tomou conta dos loteamentos do
bairro proporcionando a realização de casas próprias apenas para alguns trabalhadores
especializados, já a grande maioria da mão-de-obra morava de aluguel:
Pros empregados, mais isso foi no começo aqueles empregados mais classificados,
chefe né? Não era assim fácil, não era todo mundo que morava naquele conjunto. Eram as
pessoas encarregado, chefe, esse pessoal aí... contra-mestre, aquele pessoal mais (...)
classificado da companhia, não dava habitação pra ninguém.
80
A distribuição interna dos loteamentos da fábrica acabou ficando com os principais
funcionários àqueles mais graduados em suas funções desempenhadas, enquanto os operários
da mão-de-obra se viravam em aluguéis, casas de amigos, de familiares ou mesmo de
mutirões coletivos nos finais de semana com os “puxadinhos”.
78
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
79
FONTES, Paulo. Op. Cit. pp. 100-101.
80
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
45
Aos poucos, o sonho de crescimento rápido dos trabalhadores começou a sofrer com
as fortes conseqüências da verdadeira realidade desenvolvimentista e modernista da década de
50. Também os empresários se preocupavam cada vez mais em criar alternativas para evitar
revoltas internas, daí a utilização constante dos jornais em tentar informá-los sempre que às
conseqüências do sonho não realizado pertencia a incapacidade do governo, mas não dos
industriais.
O governo Vargas trouxe fortes conseqüências negativas ao desenvolvimento e a essa
tentativa da autonomia industrial burguesa ao poder, o que gerou revoltas entre alguns
empresários do período, isso em relação a certas desigualdades burocráticas na fiscalização do
país pelas leis, conforme colocou Paulo Amaral Palmeira (Diretor do Nitro Jornal e Chefe dos
Serviços Sociais) a sua insatisfação demonstrada através do jornal aos operários da fábrica
com a finalidade de envolvê-los também contra esse governo:
Ao nos referirmos entretanto à Legislação Social da época sentimo-nos na obrigação
de fazer uma ressalva, para protestar contra os próprios órgãos fiscalizativos governamentais,
que, não exercem uma atuação eficiente junto a algumas indústrias no sentido de fazê-las
cumprir os preceitos mínimos da Legislação Social e nem mesmo dos Textos da Consolidação
das Leis Trabalhistas, na preservação dos direitos do trabalhador. E, mais condenável é a
atitude de certos grandes industriais que menosprezando essas leis, não as cumprem e relegam
ainda a segundo plano o bem estar de seus empregados, não oferecendo-lhes o mínimo
conforto e nem assegurando-lhes o direito humano de viver que foi dado pelo Creador. Mas
não estacionemos muito junto a esse descalábrio, voltemos as vistas para aqueles que côncios
de seus deveres de humanidade muito têm feito para a preservação da raça e elevação moral do
trabalhador e assim estamos próximos do industrial que não cumpre a Legislação Social
como também executa medidas outras acima daquelas exigidas por Lei. Esses industriais de
larga visão têm a seu favor não a gratidão daqueles que consigo labutam, como também a
esperança de verem um Brasil cada vez maior.
Dizer aqui dos benefícios que traz o Serviço Social ampliado, numa indústria seria
quase desnecessário, pois a produção está em paralelo com o bem estar do trabalhador e daí a
vantagem usufruída pelo industrial esclarecido.
81
O discurso trouxe a elevação da imagem da fábrica perante o trabalhador em ser ativa
em suas ações sociais, diferindo-se desta forma de outras empresas que não cumpriam a
mesma função. Palmeira expressou o respeito às leis e ao operário em cumpri-las eficazmente
para a preservação da raça e a elevação moral do trabalhador. Mas aqui ele esqueceu de citar a
81
PALMEIRA, Paulo Amaral. A Função Social junto a Industrial. In: Nitro Jornal, nº 06, junho de 1953, p. 01.
46
que tipo de trabalhador ele estava se referindo, pois os acidentados mais pobres não
conseguiam seus direitos, justamente por nem terem a carteira de trabalho, como disse o ex-
operário Sebastião Adriano Mesquita anteriormente.
Na mesma direção de crítica contra o presidente, a imprensa divulgava cotidianamente
imagens e mensagens que atacavam de forma direta e agressiva o governo, representando um
desespero político, social e econômico do país em 1954:
em todo o mundo indisfarçável inquietação diante dos problemas sociais e
políticos da hora presente. Todos temem o futuro, por não poderem desvendá-los, e as soluções
propostas não encontram eco no consenso dos povos. Nota-se grande desorientação mesmo
entre as “elites”, que se mostram perplexas em face da nossa civilização em mudança. O
remédio, é evidente, depende do comportamento individual e coletivo, o que exige que cada
um de nós pense com serenidade, aceite os fatos e procure com isenção de ânimo enfrentá-los
dentro de um quadro moral.
O rearmamento moral, é instituição que procura aclamar os espíritos a fim de que no
torvelinhos das competições de grupos, Indivíduos, de forças políticas, de falsas promessas,
possam encaminhar os homens por si, para um mundo melhor. Nesse sentido, acaba de ser
traduzido o interessante trabalho “E agora aonde iremos?” (Where do w ego from here?) e
que é “um guia simples para compreendermos o mundo em que vivemos, as molas que os
movem e o que se deve fazer por ele.
82
Em 1953
83
ocorreu o agravamento da balança comercial em relação a exportação.
Vargas assumiu uma reformulação política do seu governo retirando Láfer e colocando
Oswaldo Aranha como o seu novo Ministro da Fazenda e João Goulart como o novo Ministro
do Trabalho.
Devido a algumas reformulações do governo e a sua crescente crise cambial e de
crédito, manifestações grevistas no centro de São Paulo nas áreas fabris se tornaram
constantes, como a famosa Greve dos 300 mil na busca de melhores condições de vida e
maiores salários.
A imagem dessas manifestações invadiram também as áreas periféricas como São
Miguel. No interior da fábrica Nitro Química Brasileira foram impressos mensalmente os
jornais contra Vargas e a sua política pelos diretores, mas esse meio foi apenas uma das
estratégias usadas pela administração para acalmar os seus trabalhadores a fim de envolve-los
82
O Estado de São Paulo, 05 de janeiro de 1954, p. 12.
83
FONSECA, Pedro César Dutra. Op. Cit. p. 393.
47
à ideologia da fábrica, assim como tentou o Presidente do Círculo Operário de São Miguel
Paulista em 1953, Salo Loebmann:
Não devemos entretanto esperar simplesmente, como assistentes, que esse milagre se
opere. Ao contrário, temos muito que fazer e lutar.
Serão anos de esforços e sacrifícios antes que esse programa seja realizado.
Precisamos reconquistar os mercados externos, para isso devemos produzir mais e de
forma mais racional, a fim de baixar o custo e podermos enfrentar a concorrência de outras
nações. É preciso evitar o êxodo do trabalhador rural, dando-lhe maior assistência e proteção;
precisamos melhorar e coordenar os transportes para não onerar o custo das mercadorias.
(...)
Sòmente uma ação conjunta do governo, das associações de classe produtoras, no
sentido de que, com a colaboração de todos nós. Desde o homem do campo, operários, mestres,
oficiais, engenheiros, industriais, etc., firmemente resolvidos a aumentar a produção, a reduzir
o custo das utilidades, a fazer economia, especialmente de artigos importados e essenciais, é
que venceremos essa batalha que se delinea.
Sòmente assim, seremos capaz de atravessar esses poucos anos que nos separam da
vergonha de sermos um país “sub-desenvolvido” para o orgulho de virmos a ser uma das
grandes potências mundiais.
84
Esse veículo tinha como finalidade atrair os funcionários e moradores à ideologia
nitrina contra Getúlio Vargas culpando-o, desta forma, por todas as catástrofes que estava
acontecendo na cidade e no país. Assim, os diretores buscavam formas variadas para tentar se
fazer de vítimas do governo por estarem sofrendo as conseqüências da crise “assim como os
seus operários”.
O Brasil acumulava uma enorme dívida externa referente ao déficit cambial e a não
obtenção de mais crédito. Os industriais, como Salo Loebmann da Nitro Química, sentiram o
perigo dessa crise e tiveram soluções práticas para a criação de novos valores para o
crescimento nacional:
As dificuldades que se apresentam atualmente no panorama econômico do país e que
são causadas pela desvalorização contínua da nossa moeda tanto no mercado interno como no
estrangeiro, com o seu reflexo altamente prejudicial para a nossa vida diária, provam que a
simples industrialização do país não é suficiente para levantar o nível de vida da coletividade.
Podia-se supôr que industrialisação signifique criação de valores reais, significa
produção de bens de consumo, aumenta a oferta destes bens e facilita portanto a cada um a
84
OLIVEIRA, Dr. Eduardo Sabino de. Op. Cit. p. 01.
48
aquisição destes bens em escala crescente. Realmente, uma economia é caracterizada por
aumento cada vez maior da produção e paralelamente aumento do consumo destes bens,
mantendo desta maneira o equilíbrio entre produção e consumo.
85
A política de Getúlio Vargas inviabilizou uma melhor relação com os Estados Unidos,
principalmente após a nomeação de João Goulart como Ministro do Trabalho, que trouxe um
maior afastamento do conservadorismo político para uma melhor relação com o PTB e os
sindicatos ao centralismo estatal, começando pela tentativa de aumento de 100% do salário-
mínimo pelo Ministro Jango.
86
A questão do Petróleo, símbolo do desenvolvimento estatal varguista em seu segundo
mandato, foi criticado pela burguesia industrial e pelos militares que ansiavam a queda do
presidente para obterem um maior controle político e uma sociedade mais “consciente” dos
valores modernos liberais, com isso complementou Loebmann a luta pela moralização dos
costumes e uma nova posição educacional para saber votar no candidato certo:
Um nacionalismo acanhado ultrapassado em todos os países civilizados, deu para a
solução do problema do petróleo, a <<Petrobrás>>, que pelo seus atuais estatutos não permite
colaboração de capitais estrangeiros.
Em outras palavras: o petróleo continua sendo nosso, porém embaixo da terra.
(...)
Para tudo isso é preciso, em primeiro lugar, que todos nos unamos numa campanha de
moralisação de costumes, de fortalecimento do caráter e educação geral, começando pelos que
estão em cima...
Compete, pois, ao povo saber eleger seus representantes. O voto é a única e grande
arma que temos, e nem sempre a usamos com o devido bom senso... Cada eleição e cada
legislatura, que seja uma nova lição para todos nós. Que aproveitemos essas lições e que
erremos cada vez menos, é o que esperamos... e parece que de fato estamos errando um
pouquinho menos...
87
Vargas impôs uma ideologia nacional-desenvolvimentista envolvendo as idéias de
autonomia do Estado, ferindo assim as propostas e ligações externas dos liberais da burguesia
industrial representada por diversos meios, um deles foi a UDN do jornalista Carlos
Lacerda.
88
85
LOEBMANN, Salo. Para Onde Caminhamos? In: Nitro Jornal, nº 07, julho de 1953, p. 01.
86
SKIDMORE, Thomas. Op. Cit. pp. 163-167.
87
LOEBMANN, Salo. Ibidem.
88
FONSECA, Pedro César Dutra. Op. Cit. pp. 428-454.
49
O Estado de São Paulo vinculava notícias contra o governo de Getúlio Vargas
freqüentemente, a fim de colocar o público leitor contra o governo, principalmente após o
atentado contra o jornalista que ficou conhecido como o “crime da rua Toneleiros”:
Essa garantia de impunidade à que se justifica a acusação ora formulada contra o sr.
Presidente da República. De tudo quanto vai mal e péssimo no Brasil, após a sua ascensão ao
governo, quer no terreno da moralidade publica quer no terreno das violências pessoais, a
responsabilidade é exclusivamente de s. exa. Se s. exe. não manda espancar nem matar os seus
adversários, outros, para lhe serem agradáveis, se encarregam desta missão. S. exa. não
praticará os crimes mas tirará deles os melhores proveitos. essa a razão que não podemos
admití-lo entre os bons servidores do País.
89
O descontentamento chegou até aos quartéis militares que ficaram irritados pela falta
de equipamento moderno, tornando-se também contrários ao governo Vargas, isso segundo
um manifesto escrito por Golbery do Couto e Silva onde demonstrava a insatisfação da
situação em geral.
90
A política de Getúlio com o apoio da classe trabalhadora produziu poucos resultados
diante do incisivo manifesto dos coronéis e da campanha udenista, assim a forte persuasão do
presidente que tanto lhe garantiu o poder em vida, mesmo sentindo a queda, fez valer através
da morte pela Carta-Testamento, manipulando o setor psicológico popular contra seus
oponentes, principalmente Carlos Lacerda.
91
O choque da morte do presidente em 24 de agosto de 1954 atingiu o país como um
todo, incluindo o bairro de São Miguel Paulista. Foi perguntado para Miguel Augusto,
morador, qual foi o acontecimento que mais ficou marcado na vida dele, e ele respondeu:
Marcou na minha vida...? Foi quando eu tava em 54, foi que mataram Getúlio
Vargas... eu tava trabalhando... pra colocar as lâmpadas aqui na Igreja, eu soube da notícia... é
a única coisa que me marcou.
92
Percebemos como as notícias foram distorcidas a ponto de fazer com que algumas
pessoas ainda hoje se manifestem da forma como foram divulgadas e manipuladas as notícias
no cotidiano vivenciado no passado, a ponto de criarem sensações como fúria, mágoa,
tristeza, pânico e revolta pela morte de um governante que se fazia representante da classe
89
O Estado de São Paulo, 07 de janeiro de 1954, p. 03.
90
ALMEIDA JUNIOR, Antonio Mendes de. Op. Cit. pp. 249-255.
91
SKIDMORE, Thomas. Op. Cit.. pp. 173-180.
92
Depoimento de Miguel Augusto concedida ao LabDoc – Unicsul.
50
trabalhadora. Vargas construiu com a Carta-Testamento uma estratégia de comoção e re-
organização social contra aqueles políticos e empresários que o odiava.
93
. Com isso,
complemou o migrante José Amaro sobre a sua chegada ao bairro em 54:
Olha é até um fato engraçado, cheguei em São Miguel Paulista no dia que mataram
Getúlio Vargas, e foi até me chamou atenção porque eu vi polícia pra todos os lados, parecia
assim uma coisa que segundo comentaram era o fim do mundo porque tinha morrido naquele
dia a maior liderança que o país pudesse já ter conhecido, segundo comentários e aquelas vozes
sempre... aquelas vozes de algumas pessoas gritando Viva! Getúlio Vargas! Viva! Getúlio
Vargas, não acredito que esse homem morreu, quem matou? Será que eu posso pegar esse
assassino? Então a gente ouvia esses comentários em todas as esquinas em todas as reuniões,
embora os policiais não interferia naqueles comentários, naquelas manifestações, naqueles
sentimentos daqueles povos, mas foi interessante, então cheguei no dia 24 de agosto de 1954,
cheguei aqui em São Miguel Paulista.
94
O udenista Carlos Lacerda nas páginas do jornal Tribuna da Imprensa se fazia
presente na condução social contra Vargas, mas com o suicídio do presidente, ele foi obrigado
a exilar-se do país tamanha a comoção sacralizada
95
através da imagem do presidente
representada pela Carta-Testamento. A sensibilidade das palavras escritas por Vargas
conduzidas perante a sociedade compôs um corpo social em luta pelos velhos ideais em uma
ideologia reorganizando pela comoção.
As pessoas ainda guardam em suas memórias os detalhes do fato ocorrido naquele
momento histórico expressando-as da forma mais sensível possível, a ponto de ainda sentirem
a dor e o desespero do líder nacional que sempre amaram. Com isso, e sem perceberem,
acabaram reproduzindo tanto as emoções moldadas como também as palavras expostas do
momento.
96
93
Como demonstrou Garcia, a propaganda adquire um papel de instrumento de conscientização, permitindo a
cada um dos envolvidos compreender melhor o contexto que cerca e orientar sua ação em sentido adequado ao
seu próprio desenvolvimento. Além disso, a propaganda se transforma em instrumento de união da classe social
em torno de metas comuns, permitindo que ela se torne mais organizada e que suas ações sejam mais coerentes.
Impede-se que os indivíduos e grupos caminhem em sentidos diversos, o que acabaria por obrigá-los a retornar
ao ponto de partida e recomeçar o trabalho. Ver em Garcia, Nelson Jahr.
Op. Cit. p. 82.
94
Depoimento de José Amaro Sobrinho concedida ao LabDoc – Unicsul.
95
Getúlio Vargas com o Estado Novo conseguiu construir uma ideologia estatal altamente eficiente voltada ao
controle social pela sua autoridade paternal. Da pátria foi feita uma família e da sociedade um único corpo ativo
e guiado pelas propostas legislativas, políticas e teológicas do Estado. Conferir: LENHARO, Alcir.
Op. Cit.
96
PORTELLI, Alessandro. O Massacre de Civitella Val di Chiana. In: Usos e Abusos da História Oral. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2001. pp. 103-130.
51
1.3 – O Progressivismo e o Desenvolvimentismo na década de 50
Com a entrada do presidente Café Filho, novos horizontes começaram a ser abertos
para a burguesia industrial e as forças armadas que unidos construíram novos acordos num
sistema de cooperação articulada que tinha por fim a reconstrução da autonomia do poder
através do Estado, antes administrado particularmente por Vargas, assim mostrou o professor
Lucas Nogueira através das páginas do jornal O Estado de São Paulo no período:
Apelo ao povo para que respeite a decisão adotada, prestigie as Forças Armadas e o
novo chefe da nação. Acima de tudo, que cada cidadão paulista seja um soldado da ordem e
trabalhe para tranquilidade do Estado. Vivemos momentos dramáticos da vida nacional, sendo
necessário, por isso, ter sempre presente a exata consciência da responsabilidade no
cumprimento do dever.
97
Novos estudos vinham sendo tomados e realizados objetivando o crescimento e o
desenvolvimento nacional-burguês, um deles foi a importância da CEPAL para a ideologia
industrial, principalmente após a saída de Café Filho e a entrada governamental do presidente
JK.
em 1948 começou a funcionar em Santiago, no Chile, a Comissão Econômica para
a América Latina (CEPAL), sob a indiferença da maioria dos governos dos países latino-
americanos e a hostilidade dos empresários e do governo dos Estados Unidos.
98
Vargas, por
sua vez, encontrou uma oportunidade e utilidade na reelaboração das concepções latino-
americanas tradicionais sobre o crescimento e desenvolvimento econômico. Assim, abriram
as portas para a discussão a propósito do Planejamento Econômico e sua Planificação por
parte do Governo.
99
Um dos representantes da CEPAL foi Celso Furtado que diante tamanhas proporções
da conjuntura econômica nacional e internacional viu a teoria se desfazer perante a realidade
dizendo “que foi necessário esperar pelos anos 50 para, com a criação do BNDE, armar-se o
Estado dos meios financeiros para promover uma verdadeira política de industrialização. Em
contrapartida, o Brasil dispunha, â diferença do Chile, de um mercado interno de dimensão
considerável. O simples protecionismo, subproduto do colapso da capacidade para importar
durante a depressão mundial e o período de guerra, fora suficiente para que a capacidade
97
Este trecho citado está na Nota dos Sindicatos Paulistas escrita pelo professor Lucas Nogueira Garcez,
referindo-se a queda de Getúlio Vargas e a ascensão ao poder do novo Presidente da República Café Filho. In.: O
Estado de São Paulo, 25 de janeiro de 1954, p. 10.
98
IANNI, Octávio. Op. Cit. pp. 111-131.
99
FONSECA, Pedro César Dutra. Op. Cit. pp. 409-413.
52
produtiva viesse a ser utilizada intensivamente em indústrias como a têxtil, o que estimulou o
espírito empresarial e valorizou a incipiente pesquisa tecnológica.”
100
O Plano Lafer partiu dessa mentalidade para organizar-se dentro do aspecto industrial
como sinônimo de desenvolvimento através do capital e da tecnologia. Assim, o BNDE e a
CEPAL em 1953 uniram técnicos, economistas e estudiosos para realizar um diagnóstico
global sobre a economia do País e propor um programa de desenvolvimento. Como
conseqüência desses acordos foi formado o Grupo Misto BNDE-CEPAL entre 1953 e
1955.
101
Várias reuniões e congressos foram realizados neste período visando o
desenvolvimento, o crescimento produtivo e tecnológico para a construção do “Progresso
Nacional” tão discutido e planejado. Entre um desses encontros e discussões esteve o Chefe
do Departamento de Controle Técnico e Custos da Nitro Química, Benjamin Solitrenick, que
se expôs no XI Congresso Brasileiro de Química com outros representantes políticos e
industriais:
As atividades do Congresso dividir-se-ão em quatro categorias distintas: Simpósios,
Reuniões das Divisões Científicas, Conferências e Visitas. Dos três Simpósios programados,
sob os títulos “Métodos especiais de Química Analítica”, “Aplicações atuais da Química
Orgânica” e “Matérias Primas básicas para a Indústria Química”, ressalta em interesse, para
uma estrutura industrial como a nossa, êste último tópico, cuja Presidência será preenchida
pelo Dr. José Ermírio de Moraes. Os temas a serem expostos, todos de momentoso interêsse e
por autoridades de elevada reputação técnica versarão sôbre “Nitrogênio”, “Soda Cáustica”,
“Enxofre” e “Celulose”, respectivamente pelos Drs. Eduardo Sabino de Oliveira, desta
Companhia; Mario da Silva Pinto, da Carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil;
Giscolo F. Dacorso, da Companhia Siderúrgica Nacional e Ludwig Rys, da Indústria Klabin do
Paraná de Celulose S. A. Os demais simpósios para escolha de seus temas e pelo renome de
seus expositores, serão, indubitavelmente do mais alto aproveitamento.
102
As conferências trouxeram novos apoios e estudos para o desenvolvimento tão
buscado pela racionalidade empresarial trazendo à discussão não apenas representantes da
América, mas também alguns europeus ligados ao setor químico:
100
FURTADO, Celso. A Fantasia Organizada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985. p. 105.
101
FONSECA, Pedro César Dutra. Op. Cit. p. 409.
102
SOLITRENICK, Benjamin. XI Congresso Brasileiro de Química. In: Nitro Jornal, 19, julho de 1954, p.
01.
53
As conferências realizadas pelos Professores Chagas Filho, do Departamento Nacional
de Pesquizas, Richard Klar, da Alemanha, Dick e Kolthoff, dos Estados Unidos e Krumholz,
da Universidade de São Paulo, expuseram temas de ordem científica, tecnica e economica,
atraindo um auditório atento que soube aproveitar bem a oportunidade de ouvir essas
notabilidades de reputação internacional.
103
O ex-Ministro da Fazenda de Getúlio Vargas, Horácio Láfer, garantiu a sua
participação no Congresso discutindo a importância do enxofre para a produção industrial
como matéria-prima essencial ao consumo da humanidade, sendo considerado por ele o “pão
da indústria”:
O ultimo tópico deste simposio versou sobre “Enxofre”, materia prima essencial e que
foi chamada, com rara felicidade pelo Dr. Horacio Lafer de “pão da indústria”. De fato o
enxofre, e seu derivado imediato o ácido sulfúrico, influi direta ou indiretamente em todos os
bens de consumo da humanidade, sendo o seu consumo per capita um índice de grau de
adiantamento de um povo. O expositor deste tema foi o Dr. Giscalo F. Dacorso, da Cia.
Siderúrgica Nacional, perfeitamente autorisado a expo-lo, pois foi membro integrante da
Comissão de Estudos de Enxofre, nomeada em 1952 pelo então Ministro da Fazenda, Dr.
Horácio Lafer, numa evidente demonstração de sua visão e compreensão dos magnos
problemas da nacionalidade, pois o Brasil é forçado atualmente a importar a totalidade de suas
necessidades de enxofre, que montam a mais de uma centena de milhares de toneladas por
ano.
104
Os EUA representados pelo presidente Eisenhower não estavam satisfeitos com o
Governo Vargas, principalmente nas questões do petróleo e dos preços do café. O próprio
Láfer se utilizou das palavras em discurso para colocar em público a sua insatisfação com o
governo e poder conquistar o ouvinte a uma nova consciência da realidade econômica,
mostrando meios de como resolvê-la, demonstrando “competência” em pleno ano de eleições
onde se candidatou para Deputado Federal novamente e foi (re)eleito como representante de
São Paulo:
Não podemos paralisar nem a produção nem os investimentos porque, com o
crescimento da nossa população, estaremos preparando a asfixia futuro da vida do povo
brasileiro.
O crédito deve servir a produção e à sua circulação e não à stockagem, especulação ou
açambarcamentos. Providências aconselháveis de cerceamento do credito devem para onde
103
Idem. O que foi o XI Congresso Brasileiro de Química. In: Nitro Jornal, nº 20, agosto de 1954, p .01.
104
Idem. Op. Cit. p. 02
54
prejudicarem a produção que o consumo anuo do povo exige. Para preparar o surto da
produção é indispensável, porém, retomar as negociações para completar o acordo que em
Washington assinei e promover assim o reequipamento das estradas de ferro, portos,
eletricidade, silos e armazéns.
105
Continuando com um discurso liberal-progressista, utilizando as páginas do jornal
interno da fábrica, Láfer esclareceu a importância da indústria e, principalmente, o poder
econômico que teve o café para a economia brasileira, representando ser o principal produto
de exportação para a regulagem cambial e a independência do Estado brasileiro:
O café e a industria são fatores inflacionários? Estou convencido do contrário e
explicarei porque. o café que fornece a maior parte das nossas divisas e estas permitem a
importação de bens que necessitamos. Sem estas divisas não poderíamos importar e com a falta
os preços subiriam mais. Logo o café é elemento deflacionário. O seu financiamento, se feito
com emissões, é inflacionário quando estas emissões não forem reconhecidas dentro do ano
agrícola. Quanto à industria, si ela não existisse, teríamos que importar tudo e como não temos
divisas, haveria falta de tudo e os preços seriam astronômicos. Café e industria são garantias de
independencia económica brasileira e fatores deflacionários.
106
Como complemento do discurso de Láfer perante os trabalhadores mais “politizados”
da fábrica Nitro Química, Loebmann mostrou a importância da exportação nacional como
elemento fundamental de avanço ao desenvolvimento industrial, criticando assim o mercado
brasileiro por estar estático diante as novas e velozes expectativas de crescimento:
<<Exportar ou morrer>>, foi sempre o lema da política de países adiantados. O
mesmo lema dava ser o nosso. O governo federal tomou últimamente várias medidas para
estimular e facilitar a exportação. Temos, no entanto, a impressão que as nossas classes
produtoras não corresponderam até agora ao apelo do governo federal, continuando preferindo
o cômodo mercado interno, ao difícil mas, para nossa sobrevivência econômica indispensável
esforço de exportação. Continuando, pois a queda das nossas exportações e consequentemente
das vendas cambiais, teremos que reduzir no estrangeiro as compras de artigos essenciais para
a nossa produção e fracassaremos na luta entre a nossa subprodução.
107
Esse desespero burguês deveu-se à grande importância do café para a economia e sua
regularidade cambial, além das relações comerciais com os EUA que era o maior importador
105
LAFER, Horácio. A situação-econômico financeira do Brasil. In: Nitro Jornal, 24, dezembro de 1954, p.
14.
106
Idem. Op.Cit. pp. 14-15.
107
LOEBMANN, Dr. Salo. Super-produção e Sub-produção. In: Nitro Jornal, nº 27, março de 1955, p. 02.
55
da matéria. O café representava ¾ do total das exportações brasileiras, principalmente no
período em que os discursos foram escritos na década de 50.
108
Por isso, a produção química foi essencial para a sobrevivência da fábrica e de seus
representantes que fizeram parte dessa hegemonia local, nacional e internacional. Um
conjunto de relações construído e mantido pela ação e planejamento político-econômico
tratando o público como um bem particular dividido entre a necessidade de alguns poderosos.
São Miguel Paulista, assim como em todos os cantos onde se mostrou o capitalismo
industrial, sofreu com a influência dessa conjuntura que foi visível e sensível cotidianamente.
Desta forma a “política” nacional-desenvolvimentista
109
também fez parte da realidade dos
trabalhadores da fábrica e dos moradores do bairro.
Os administradores da Nitro mantiveram relações políticas com os representantes dos
poderes Estadual e Municipal da cidade de São Paulo, o que lhes garantiu uma segurança na
disciplina popular e na condução de seus sonhos por melhorias e transformações, assim como
demonstrou a moradora Maria das Graças:
(...) Com relação a vida política, infelizmente São Miguel tem um vereador que foi,
entrou pra política, até com o apoio da Nitro Química (...) o pessoal deu esse apoio, apoio que
eu digo assim dos mantenedores, dos donos, dos empresários mesmo, acho que até pra São
Miguel, na verdade ele deve ter trazido, mas eu acho que poderia ter trazido muito mais, por
exemplo: ele está até hoje na política, até hoje ele é vereador. E São Miguel parece que parou
no tempo. A Nitro Química acabando, acabou, é, muitas casas da Nitro Química onde eu
morei foram vendidas né. Então São Miguel parece que não progrediu mais, parou. (...)
110
A política foi absorvida pelo trabalhador através do que ela tinha para oferecer em
benefícios e em troca dos votos nas eleições. Não uma preocupação por parte desses
políticos em resolver concretamente os problemas da localidade, pois a resolução seria a
construção de sua própria inutilidade enquanto político.
108
MALAN, Pedro. Relações Econômicas Internacionais do Brasil (1945 1964). In: O Brasil Republicano. 4.
Economia e Cultura (1930 1964).
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p 80. Ver também: FURTADO,
Celso. Análise do Modelo Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1982.
109
A política institucional limita o ser humano e o seu poder de transformação da própria realidade pelas
relações sociais em “politicagens” que fazem inverter o valor do trabalhador e a sua atividade política em um
simples participante ouvinte e distante das políticas ideológicas ao seu redor. Dentro desta lógica social, o único
meio de participação burocrática dos cidadãos se dá através do voto, ocultando assim o verdadeiro poder contido
na sociedade. MAAR, Wolfgang Leo.
O que é política. São Paulo: Brasiliense, 2006 pp. 07-27.
110
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
56
O Progresso foi absorvido como uma coisa boa por muitos moradores por estarem um
pouco melhor de vida do que antes, isso devido algumas facilidades assistencialistas que os
envolveu.
Alguns políticos famosos vieram à São Miguel Paulista e discursaram benfeitorias à
comunidade, como fez Adhemar de Barros segundo a moradora do bairro Elvira Souza de
Alcântara:
Tinha o Adhemar de Barros. Adhemar de Barros era um político que vinha fazer ...
fazer ... comício aqui. Ele prometia o “mundo e o fundo”. Era o Adhemar de Barros. (...) Ele
nunca veio fazer nada, nunca vi.
111
Também outro político muito influente no período foi Jânio Quadros
112
, rival de
Adhemar de Barros, assim disse Lais Haydeé que ele conseguiu “se destacar” perante muitos
eleitores, até mesmo persuadia os que não gostavam muito dele por pertencerem a um outro
partido:
A sim... mas eu me lembro quando começou foi o Jânio Quadros viu, foi a época
quando ele começou pra ser, acho que vereador se eu não me engano, foi a primeira vez que ele
fez aquele carnaval com a vassoura dele lá, eu votei nele, assim, foi que eu comecei a
entender do negócio de política, porque eu nunca me preocupei (...) mas aí ele vinha e olha ele
arrastava gente dos outros eu não me lembro não, que eu era mais acostumada com ele e com o
Adhemar de Barros, o velho né? Também esse eu lembro dele vir, fazer, falar de hospital
dessas coisas aí, e eu não era assim de convivência assim, porque eu tinha muito filho pra criar
né? Não dava, tudo pequeninho. Não tinha como.
113
Grande parte das análises sobre a política paulistana no período entre 1945 e 1964 tem
se destacado pelo carisma à capacidade de manipulação das lideranças dos partidos políticos
às suas relações com a sociedade. No entanto, sem menosprezar tais fatores, é preciso destacar
que essa perspectiva tem negligenciado o decisivo papel desempenhado por uma rede de
contatos local articulado e estabelecidos nos bairros suburbanos e, de modo geral, constituídos
antes da emergência de líderes “do povo” como Adhemar de Barros ou Jânio Quadros. Foi
111
Depoimento de Elvira Souza de Alcântara concedida ao LabDoc – Unicsul.
112
José Ermírio de Moraes teve uma ligação direta com a candidatura de Jânio Quadros ao Governo de São
Paulo e se consolidou com as contribuições do grupo Votorantim no financiamento da sua campanha para a
Presidência. Ver em: RAGO, Maria Aparecida de Paula.
Op. Cit. p. 118.
113
Depoimento de Laís Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
57
essa teia de organizações locais que, no cotidiano dos bairros suburbanos, muitas vezes deu a
forma e o conteúdo a essas lideranças que então se constituíam. E, nos períodos eleitorais, era
acionada uma rede de comunicações eleitoreiras que desencadeavam e forneciam o suporte
para suas campanhas nos bairros por onde passavam.
114
O PSP do representante paulistano Adhemar de Barros ficou muito forte na
memória
115
de muitos moradores em São Miguel Paulista, isso devido a sua concepção
ideológica e partidária que vinculava as propostas de benefícios aos eleitores. O contato
pessoal era uma arma fundamental para a conquista do eleitorado, assim ganhava a eleição
aquele que mais conquistasse o público, isso indiferente de partido, mesmo porque a maioria
das pessoas queria saber das propostas para votar:
Em São Miguel mesmo eu não lembro qual eram as pessoas, qual as pessoas
que representava os partidos de esquerda, no momento eu não lembro. Eu sei que
existiu o PSP do famoso Adhemar de Barros, votei em Adhemar de Barros também,
votei em Jânio Quadros pra governador e assim por diante e continuo votando até
hoje, eu gosto de votar. (...) que é difícil você acertar, é difícil você acertar num
político que tenha moral, aquele civismo e amor porque os políticos de hoje têm
interesses pessoais. (...) Eu achava mais sinceridade neles do que nos políticos de hoje,
os políticos de hoje são... prometem muito e não fazem nada. É mais a mídia, a mídia
é que orienta eles pra eles falar aquelas bobagens e eles falam e terminam ganhando
eleições, só que eles não olha pra o eleitorado que elege eles. (...)
116
O voto foi conseqüência da conquista do político perante a sociedade ao conseguir
motivar a ação do outro em acompanhá-lo fielmente até o ato de votar, para isso estratégias
diversas foram realizadas como, por exemplo, segundo o morador José Bizaco, os famosos
comícios e os shows que tanto empolgavam o público eleitor:
114
FONTES, Paulo e DUARTE, Adriano. O Populismo Visto da Periferia: adhemarismo e janismo nos bairros
da Mooca e São Miguel Paulista, 1947 – 1953.
Texto retirado da internet:
http://lanic.utexas.edu/project/etext/llilas/vrp/fontes.pdf
p. 01.
115
A sociedade proletária não possui uma identidade política, mas usufrui daquilo que está ao seu alcance. Mas,
segundo Richard Hoggart, de uma maneira geral, a maior parte dos membros das classes proletárias é apolítica e
não menifesta preocupações de ordem metafísica. Estão convencidos de que não são essas as coisas mais
importantes da vida. Por vezes dão a sua opinião sobre assuntos de caráter geral religião, política, etc. mas
essas opiniões consistem geralmente numa série de frases feitas, repetidas de uma forma mecânica e transmitidas
pela tradição oral e tais frases exprimem generalizações, preconceitos e meias-verdades, que se revestem de uma
forma epigramática e assim ascendem à categoria de máximas. Ver em:
As Utilizações da Cultura.1. Aspectos da
vida cultural da classe trabalhadora.
Lisboa: Editorial Presença, 1973. p. 124.
116
Depoimento de Francisco José Bizaco concedida ao LabDoc – Unicsul.
58
Com interesse de ver o político, ah eu quero ver o político fulano de tal pra ver como é
ele e o que ele vai prometer pra nós, existia isso. E tinha bastante freqüentadores nos shows
que eles faziam nas praças, os comícios como a gente falava.
117
São Miguel, assim como em todo o país, estava aos poucos se preparando para a
entrada de um novo governante nacional que iria mudar radicalmente a sua estrutura,
justamente num período de eleições para a mudança de deputados, prefeitos e governadores
deu-se também a eleição para a troca presidencial e sua nova conduta política da nação, desta
forma nasceu a imagem de JK.
O Governo de Juscelino Kubitschek foi representado pela forte política
desenvolvimentista, tendo como princípios básicos o transporte e a energia. Para isso JK
adotou o seu Plano Nacional de Desenvolvimento unindo o capital estrangeiro com os
investimentos privados do país.
O presidente tinha um plano que foi consolidar o seu sonho de progresso de
crescimento e desenvolvimento rápido do país, fazendo de suas idéias verdadeiras metas que
deveriam ser implantadas rapidamente ao nível industrial europeu, daí o seu objetivo de fazer
50 anos de trabalho em apenas 5 de governo.
Abriram novas perspectivas ao mercado nacional, principalmente com a proposta
desenvolvimentista industrial, como a automobilística. Assim, o Brasil complementou a
economia primária basicamente agrário-exportador com uma maior diversidade industrial em
alguns pontos do país, desta forma abrindo um forte espaço para as grandes empresas
estrangeiras.
O Estado apareceu como o articulador da economia interna e externa. A especificidade
política do Estado brasileiro, no que se refere aos seus liames com os setores produtivos, está
em que os empresários de tais setores mantêm dependência das ações do Estado. Não
constituindo formas sólidas de articulação ao nível da sociedade civil pelas quais pudessem
veicular suas demandas, os setores empresariais têm necessidade de um acesso mais direto ao
Estado, do qual dependem e dentro do qual são incapazes de estabelecer uma hegemonia
efetiva de classe ou fração de classe.
118
O governo Café Filho foi considerado fraco e “transitório” representando a aliança
política PSD-PTB, partidos esses antes ligados a Getúlio Vargas, por isso para o novo
117
Idem.
118
MARANHÃO, Ricardo. O Estado e a Política no Brasil (1954 – 1964). In.: O Brasil Republicano. 3.
Sociedade e Política (1930 – 1964). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p. 261.
59
Ministério foram chamados alguns personagens que compuseram a UDN que era um partido
antigetulista e liberal.
Como o novo Ministro da Fazenda, Eugênio Gudin sofreu ferrenhas críticas dos
industriais e empresários, além dos cafeicultores e agricultores, devido a dependência dos
créditos do Estado, mas o Ministro usava o dinheiro para áreas “mais prioritárias”. Com isso
surgiu um verdadeiro conflito de interesses tendo como conseqüência a (re)articulação da
SUMOC.
A Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC)
119
em 1953 realizou uma
reforma cambial, destinada a melhorar a capacidade de exportação de produtos brasileiros,
além de garantir prioridade para as importações de bens essenciais. A Instrução 70, da
SUMOC, que instaurou essa reforma que vigorou nos anos 1953-57.
120
Em janeiro de 1954, a SUMOC mostrava ter uma essencial importância para as
importações vinculadas à ordem técnica de produção:
Rio, 3 “Estado” Pelo telefone O Sr. Níbio Feltran que dirige internamente a
Sumoc, revelou a imprensa que será expedido aviso tornando público o novo esquema
elaborado pela comissão de aplicação e financiamento estrangeiros registráveis para
apresentação de proposta de operações dessa natureza sob a forma de conjuntos de
aparelhamentos destinados à indústria ou outros setores de produção prevista na legislação em
vigor.
Entre os quesitos a serem atendidos pelos interessados salientaram-se os que dizem
respeito às características principais da proposta, aos produtos a serem fabricados e descrição
ampla de suas propriedades e características, organização e filiação de empreendimento,
garantia de ordem tecnica e financeira, período de instalação total e etapas de realização; meios
de produção, estimativa de custo unitário de cada produto, descrição sumário do processo
tecnico e produtivo dentro do possível; balança cambial de empreendimento e finalmente
aparelhamento a ser importado e adquirido no País. São exigíveis ainda plantas das instalações,
catálogos, fotografias, comprovantes e cópia de contrato social e de fabricação.
121
A SUMOC (re)surgiu devido a necessidade de créditos da burguesia industrial, por
isso, o Governo de Juscelino Kubitschek iria ter que reparar algumas arestas dentro desse
cenário nacional-desenvolvimentista para acompanhar o ritmo do novo Progresso mundial e
119
A SUMOC, criada em 2 de fevereiro de 1945, ao fim do primeiro Governo Vargas, não foi utilizada para
evitar o desbarateamento de divisas. Entretanto, esse órgão foi criado com as seguintes finalidades, entre outras:
autorizar a compra e venda de ouro e cambiais; orientar a política de câmbio e operações bancárias, em geral.
Ver em: FONSECA, Pedro César Dutra. Op. Cit. p. 262.
120
IANNI, Octávio. Op. Cit. p. 118.
121
O Estado de São Paulo, 04 de janeiro de 1954, p. 01.
60
da expansão dos negócios ditados pela Ordem da Globalização. Dentro desta realidade
apresentada, um dos diretores do Círculo Operário São Miguel, Álvaro Ragaini,
complementou a necessidade do crédito para o novo governo e a indústria:
(...) O govêrno do Sr. Juscelino Kubitschek de Oliveira precisará dar a primeira prova
de decisão inabalável, dentro de muito pouco tempo.
E´ indispensável que se diga que essa primeira providência da Sumoc fez reagir
favoràvelmente todos aquêles que honestamente trabalham pra o engrandecimento do país. Um
grande crédito de confiança foi aberto ao govêrno federal, por essa razão.
A desvalorização de nossa moeda, iniciada em 1942 quando da mudança do padrão
<<mil réis>> para o atual cruzeiro, tem dado causa a uma série interminável de estudos que
pretendem, de um e outra forma, localizar o mal, ou os males, indicando os mais variados
remédios.
A nosso vêr, a par das indispensáveis medidas de contensão das emissões de papel
moeda, limitando-as à justa expansão dos negócios do país, uma política cambial, orçamentos
públicos equilibrados, aumento de produtividade agrícola e industrial, solução ao problema do
petróleo, deverá o Sr. Juscelino Kubitschek fazer grandes modificações na vida econômica
nacional, nos setores administrativos diretamente relacionados com nossas atividades
econômicas.
122
Não adiantava apenas ter o dinheiro em mãos com a utilização da SUMOC, mas o
novo governo junto com os empresários industriais deveria saber acompanhar as novas
necessidades do país perante a moderna conjuntura estabelecida no momento como, por
exemplo, um novo maquinário industrial e trabalhadores treinados a seguirem essas novas
transformações exigidas pelo ritmo de produção e eficiência da conjuntura mundial.
As máquinas se desenvolveram mais rápido do que os próprios homens, para isso a
necessidade de acompanhar esse desenvolvimento através de novos programas de Educação e
de Saúde que foram extremamente necessários para a produção industrial foi visto pelos
empresários como algo urgente para que seus funcionários acompanhassem adequadamente
esse novo ritmo de vida e de trabalho, assim complementa Ragaini:
Chamamos aqui a atenção de nossos leitores: além das medidas acima, paralelamente
deveriam ser adotadas as sugeridas adiante, no título Comércio Exterior. As modificações eram
introduzidas pela Sumoc poderão ser consideradas paliativas que atenderão às circunstâncias
atuais; porém, não às futuras.
122
RAGAINI, Álvaro. Conjuntura Econômica-Social do Brasil. In: Nitro Jornal, nº 39, março de 1956, p. 01.
61
As dificuldades de transportes contribuem com uma grande parcela os custos de
produção e o custo de vida em si.
A nossa rêde ferroviária, com exceção feita às instalações da Cia. Paulista e quiçá da
Santos-Jundiaí, é extremamente deficiente e incompleta. Vários tipos de bitolas agravam as
condições técnicas e econômicas da rêde ferroviária nacional, si é que se pode dar tal nome ao
amontoado de ferrovias brasileiras), tornando alto o custo do transporte ferroviário que
encontra no caminhão um seríssimo competidor.
E como as necessidades de transportes avultam, o caminhão é dia a dia mais
procurado, concorrendo para delapidar mais, a nossa balança internacional, com a compra de
combustíveis.
No que diz respeito a baixa produtividade do operariado brasileiro, a falta de instrução
adequada, aliada ao seu perene mau estado físico e a falta de um amparo social amplo, fazem
com que nossa mão de obra se torne cara em relação àquilo que consegue produzir.
As escolas primárias, os centros de saúde e de puericultura, bem como as escolas
técnicas médias e superiores precisam de um programa especial do Ministério da Educação e
Saúde.
123
Por esses motivos, uma nova educação (técnica) para um novo Progresso (industrial)
deveria ser articulada com urgência para oferecer uma nova qualificação aos operários,
tornando-os competentes para realizarem a produção dentro das normas da tecnologia, da
segurança e do novo ritmo pedido pelo mercado. José Ermírio de Moraes
124
foi um exemplo
dessa desenvoltura burguesa em saber racionalmente analisar o seu espaço e ver o que tinha
que ser transformado de acordo com os seus interesses:
Devemos aprender que é somente enfrentando os fatos que poderemos planejar o
nosso futuro. Aqueles que o irão construir são os que reconhecem e orientam o presente; e os
orientadores de hoje não podem ser aqueles que desejam viver num comodismo alarmante e
irresponsável, querendo viver melhores dias a custa do sacrifico dos que lutam pelo bem
comum.
Não é nas grandes cidades que se vive. Lembrando-nos dos nossos antepassados,
que lutaram com ardor, dedicação e coragem para começar o que hoje possuimos – sem
fruírem a técnica e os recursos que atualmente existem devemos seguir-lhes o exemplo, -
desenvolvendo, por nossa vez, as vastas regiões conhecidas e desconhecidas, dando ensejo ao
aparecimento de futuros grandes centros industriais comerciais e agrícolas.
123
Idem. Ibidem.
124
Para José Ermírio de Moraes, sua concepção de nação confunde-se com a construção da autonomia nacional,
autonomia cujo pressuposto era a existência de setores-chave amparados pelo Estado e de um planejamento
econômico pautada pela racionalidade e pela defesa de sua independência. Ver em: RAGO, Maria Aparecida de
Paula.
Op. Cit. p. 121.
62
Embora pareça exagerado, o homem que ocupa um cargo de responsabilidade, deve
saber que o mesmo, a não ser em circunstancias muito especiais, tem prioridade total sobre o
seu tempo, o que, certamente, servirá de orientação para os seus auxiliares enfrentarem os
múltiplos problemas da vida cotidiana.
125
O discurso de Ermírio de Moraes
126
tentou mostrar a construção de uma nova
dinâmica industrial imposta pela nova realidade através da necessidade que tinham com a
produção, isso para seguir os passos dos países mais desenvolvidos. Suas palavras tentaram
envolver o leitor a buscar no passado as glórias até ali foram conquistadas pelo país fazendo
criar um clima de motivação ao trabalho segundo as novas ordens da política global.
O Brasil possuía maquinários e técnicas produtivas altamente ultrapassadas, daí a
busca de uma modernização do cenário nacional, tanto no sentido da industrialização como
também em novos acordos internacionais buscando sempre alargar o mercado.
Kubitschek escolheu como símbolo desse Progresso a construção da nova capital
nacional (Brasília), com isso tentava motivar e gerar um senso de confiança entre os próprios
brasileiros, além de fugir das perturbações sociais do Rio de Janeiro. Era tanto um presidente
eleito por sua reduzida minoria em busca do alargamento de seu suporte político, quanto um
líder ambicioso tentando assegurar o seu lugar na história, tomando a liderança do caminho à
industrialização do Brasil.
127
Mesmo sendo criticado por algumas pessoas no período, JK
argumentou a sobre a necessidade da mudança da Capital para o centro, além de ser um
símbolo da “nova era” da política nacional:
Quero abordar, agora, meus patrícios, o problema da mudança da Capital para
Brasília. Conheço as críticas aos trabalhos que vêm sendo feitas pelo meu governo para
transformar em realidade a determinação da Constituição, de transferir a capital para o interior
do País. Não sou o inventor de Brasília, mas no meu espírito arraigou a convicção de que
chegou a hora, obedecendo ao que manda a nossa Lei Magma, de praticarmos um ato
125
Dr. José Ermírio de Moraes. “O Homem do Ano de 1956” In: Nitro Jornal, nº 48, fevereiro de 1957, p. 02.
126
Desta forma o discurso burguês, segundo Marilena Chauí, é legislador, ético e pedagógico. Tratava-se de um
discurso proferido do alto e que, graças a transcendência conferida às idéias, nomeava o real, possuía critérios
para distinguir o necessário e o contingente, a natureza e a cultura, a civilização e a barbárie, o normal e o
patológico, o lícito e o proibido, o bem e o mal, o verdadeiro e o falso: punha ordem no mundo e ensinava. Fazia
das instituições como Pátria, Família, Empresa, Escola, Estado (sempre escrito com maiúsculas), valores e reinos
fundados de fato e de direito. por essa via, o discurso nomeava os detentores legítimos da autoridade: o pai, o
professor, o patrão, o governante, e, conseqüentemente, deixava explícita a figura dos subordinados e a
legitimidade da subordinação. Emitia conhecimentos sobre história em termos de progresso e continuidade,
oferecendo, com isto, um conjunto de referenciais seguros fixados no passado e cuja obra era continuada pelo
presente e acabada pelo futuro. Era o discurso da tradição e dos moços, isto é, o discurso que se endereçava a
ouvintes diferenciados por geração e unificados pela unidade da tarefa herdada.In: CHAUI, Marilena. Cultura e
Democracia: o discurso competente e outras falas. São Paulo: Cortez, 2007. p. 22.
127
SKIDMORE, Thomas. Op. Cit.. p. 208.
63
renovador, um ato político, criador, um ato que, impulsionado pelo crescimento nacional a que
acabo de me referir, virá prover a fundação de uma nova era para a nossa Pátria. (...)
128
Alguns empresários envolvidos nessa conjuntura político-econômica deram apoio a
essa posição do presidente, como fez o diretor Ragaini da Nitro Química:
Ao início de um novo período governamental é justo que se aspire para o nosso País,
uma melhoria sensível nas condições econômico-sociais.
Os êrros cometidos pelos govêrnos passados deveriam servir como experiência,
fornecendo dados para a solução dos problemas que o novo govêrno deve enfrentar.
Comentaremos neste número de “Nitro Jornal” alguns dos mais cruciantes assuntos
que afligem o Brasil nesta altura.
Não temos, nem de leve, a pretensão de tentar influir na orientação de nossos
governantes. Longe disso, o nosso objetivo é o de apresentar questões com as quais
diàriamente o País se embate.
Sabemos, perfeitamente, que os problemas do Brasil, cuja solução é exigida do novo
govêrno, são tremendamente variados e complexos, e exigirão, por isso mesmo, grande
quantidade de bom senso, tato, dedicação e, acima de tudo, decisão inabalável.
Depois dos acontecimentos que tumultuaram por várias vêzes nos últimos anos, a vida
da nação, o Brasil precisa urgentemente , de um clima de paz e de tranqüilidade, para que o
trabalho fecundo de sua população se traduza na criação de riquezas e no bem estar da
coletividade.
Preciso será para que tal objetivo seja alcançado, que as lutas políticas por cargos e
situações; as questões pessoais e por vêzes partidárias, dêm lugar a debates superiores nos
quais os interêsses da Nação e da coletividade sejam sinão os únicos, os principais.
O aumento da produção, a expansão das relações comerciais internas e externas, a
expansão material e cultural devem predominar para o engrandecimento do país.
O nosso país tem diante de si um período decisivo em sua história. O futuro da pátria
está na dependência direta daquilo que fomos capazes de realisar. Jamais como hoje, o destino
do país esteve em nossas próprias mãos.
Comecemos pois, nosso comentário pelo setor que mais extritamente nos interessa. O
da Indústria.
129
Esse fenômeno político-ideológico chamado desenvolvimentismo nasceu através do
Programa de Metas (1956-1960) que se desencadeou em uma ampla campanha de formação e
orientação da opinião pública, de modo a criarem-se as “expectativas e disposições” coletivas
128
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1957, p. 12.
129
RAGAINI, Álvaro. Op. Cit.
64
para a realização do esforço nacional destinado a implantar a indústria de base. Associa-se o
progresso material com o bem-estar coletivo, poupança, investimentos produtivos e elevação
geral do nível de vida. Identifica-se o desenvolvimento com a industrialização, a
modernização e a maquinização. Nessa corrente de acontecimentos e interpretações do
presente e do futuro da sociedade nacional, o aparelho estatal é posto a serviço da
industrialização, para que se realizasse em cinco anos uma tarefa de cinqüenta.
130
O Plano de Metas foi uma adaptação moderna do que foi o Grupo Misto BNDE-
CEPAL em sua atuação governamental.
131
O Plano de Metas foi estruturado como o principal
instrumento de política econômica do governo. Dentre os seus objetivos mais gerais,
destacavam-se os seguintes: a) abolir os pontos de estrangulamento da economia, por meio de
investimentos infra-estruturais, a cargo do Estado, pois que esses investimentos não atrairiam
o setor privado; b) expandir a indústria de base, como a automobilística, indústria pesada e de
material elétrico pesado, estimulando investimentos privados nacionais e estrangeiros.
132
Desta forma, pretendeu eliminar os pontos de estrangulamento que asfixiavam a
economia, visando dar a esta um forte impulso capaz de assegurar o seu subseqüente
crescimento auto-sustentado. Seria preciso alcançar, nos setores estratégicos, os níveis
mínimos de produção requeridos para a satisfação do consumo previsíveis.
133
A popularização dos eletrodomésticos, especialmente da televisão, e a emergência de
uma versão brasileira da “civilização do automóvel” fazendo-se aqui uma analogia com o
que ocorreria com os Estados Unidos nas década de 1930 e 1940 -, contribuíram para dar aos
brasileiros a idéia de identificação dos anos de Juscelino Kubitschek como a era de
prosperidade “os anos dourados” -, marcada pela vivência no país de um surto de
desenvolvimento sem precedentes, que as vezes real, as vezes imaginariamente colocava o
Brasil em pé de igualdade em relação às nações industrializadas do Ocidente.
134
A inspiração cultural-consumista norte americana se fez presente no Brasil (American
Way of Life), assim como também as indústrias européias se fizeram construindo fábricas no
território nacional, isso iria diminuir custos para a política de JK, por isso a publicidade de fez
presente no cotidiano da população para sutilmente seduzi-los as mercadorias modernas do
novo mundo que estavam aparecendo:
130
IANNI, Octávio. Estado e Capitalismo. pp. 98-99.
131
Idem. Op. Cit. p. 14.
132
Idem. Estado e Planejamento Econômico no Brasil. p. 153.
133
ZAUITH, Chamissi. Desenvolvimento Econômico e Mudança Social no Governo Juscelino Kubitschek. São
Paulo: Pontifícia Universidade de São Paulo, 1978. Dissertação de Mestrado. p. 51
134
AGGIO, Alberto; BARBOSA, Agnaldo de Souza e COELHO, Hercídia Mara Facuri. Política e Sociedade no
Brasil (1930-1964).
São Paulo: Annablume, 2002. p. 122.
65
Prosseguindo firmemente na realização de um grande destino.
Os dois fatos econômicos ocorridos no Brasil são: o bandeirismo de ontem, que
dilatou as nossas fronteiras e o surto industrial do presente, que protegerá o país no plano
internacional.
Palmilhando – brasileira como sempre – os caminhos que já desbravou, e mantendo-se
na continuidade do programa que se impôs, desde a sua fundação, em 1945, a Cia.
INDUSTRIAL E COMERCIAL BRASMOTOR orgulha-se da sua posição de vanguarda no
cenário do desenvolvimento industrial da Nação, alcançada ao criar este novo padrão de
qualidade e refinamento na fabricação de refrigeradores domésticos – BRASTEMP –
O que
de melhor.
Consciente dos seus deveres, para com o público consumidor brasileiro, cogita, com
relação a 1957, de grandes planos de ampliação de sua indústria de aparelhos domésticos, de
modo a melhor integrar-se no esforço nacional, em benefício do progresso econômico, do
conforto e do bem-estar social do povo brasileiro.
Cia. Industrial e Comercial BRASMOTOR
São Bernardo do Campo – S.P.
135
A política Nacional-Desenvolvimentista de JK prometia avanços por financiamentos
nunca antes visto com investimentos privados e estrangeiros. O Brasil tinha que crescer e
modernizar-se para tentar se igualar com as grandes potências, por isso a indústria deveria
também se adequar ao sistema tecnocrata que representava o progresso em produção:
136
Uma análise preliminar da evolução das atividades industriais no ano que ontem
terminou demonstra que a sua ascensão continua. Em verdade o prosseguimento da
industrialização alicerçou-se no poder aquisitivo externo e interno da moeda. As receitas
cambiais provenientes da exportação permitiram a aquisição de todas as matérias-primas
necessárias ao funcionamento do parque fabril, mas não foram suficientes para ampliar e
modernizar em grau desejável, as instalações, falha que foi compensada em parte pela entrada
de capitais estrangeiros. Esse movimento intensificou-se graças aos seguintes fatores: 1) a
instabilidade política do Velho Mundo; 2) as amplas perspectivas que, a longo prazo, oferece o
mercado interno; 3) os efeitos da Instrução 113, que favorece os capitalistas estrangeiros em
detrimento dos nacionais e das empresas “naturalizadas.
137
A direção da fábrica Nitro Química tomou partido dessa política na construção de
novas fábricas pertencentes ao domínio de Ermírio de Moraes para se adequar a essa nova
135
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1957, p. 03.
136
SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. pp. 203-230.
137
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1957, p. 04.
66
realidade mundial. O crescimento industrial fez com que criassem uma preocupação maior: a
importância pela educação técnica voltada ao “crescimento da nação” e sua nova organização
no trabalho industrial:
Já é tempo das nossas escolas tecnicas atingirem o maximo das suas matriculas,
provendo os diversos ramos das profissões com gente competente e especializada.
Precisamos angarar fundos entre os que podem prestar sua colaboração – e nisto posso
afirmar que muito milhares para criar bolsas de estudos e, assim, dar uma oportunidade
àqueles que têm vontade de aprender, e que não possuem meios financeiros para poderem
contribuir com o nosso programa de salvação nacional.
é tempo, igualmente, de fazermos o juramento solenede que utilizaremos o nosso
tempo, a nossa inteligencia e a nossa capacidade de trabalho na direção construtiva de uma
nação que precisa resolver, dentro de um curto prazo, inúmeros problemas de maior
importancia.
Precisamos tambem acabar com a ilusão de que o prestígio de uma nação é obtido por
discursos coloridos, por conferencias internacionais ou pratica semelhantes. A fortuna e a
posição economica equilibrada de um povo reside fundamentalmente, na educação e saúde dos
seus filhos e no seu trabalho eficiente e tecnicamente organizado.
Insto demonstra que temos que levar uma vida de sacrificios e vivê-la condignamente.
assim poderemos ter a certeza que estamos dando tudo, ao nosso alcance, para a
consolidação de um país excepcionalmente rico em matérias-primas, imensamente grande em
território todo aproveitável e com uma população que ultrapassa a casa dos 60 milhões de
habitantes.
138
Antes mesmo do Plano de Metas, os empresários da Nitro Química se uniram em
forma de cooperação para fazer “evoluir” o cenário produtivo nacional. Entre uma dessas
“evoluções” particulares está a Rilsan Brasileira S/A que foi construída em Osasco. Assim,
com muito orgulho e satisfação, discursou em público o diretor Antônio Gonçalves sobre o
potencial fabril nacional em fazer nascer uma nova indústria:
Para nós que, apesar de modestos colaboradores de uma das maiores indústrias de
Química pesada da América do Sul, somos daqueles que acreditam piamente na evolução e
capacidade realizadora do parque manufatureiro paulista e brasileiro, foi sem dúvida com
grande júbilo que comparecemos no passado dia 10 de Abril, ao vizinho município de Osasco a
fim de participarmos da cerimonia alusiva a cobertura do primeiro pavimento de uma nova
138
Dr. José Ermírio de Moraes. Op. Cit.
67
Fábrica que surge e que sob o nome de RILSAN BRASILEIRA S/A., será um novo coração a
pulsar em solo pátrio, contribuindo para o nosso progresso e independência econômica.
139
O coração realmente pulsou, mas não como deveria ter pulsado segundo seus
planejamentos. A fabricação do
nylon tinha como matéria-prima o óleo da mamona e o clima
local proporcionava uma grande quantidade dessa matéria-prima e por isso ansiavam pelo
lucro de milhões de dólares antes mesmo de abrirem a fábrica:
A Rilsan Brasileira S.A., foi incorporada em 1951 pela Cia. Nitro Química Brasileira,
assinalando assim mais um passo dado no setor industrial pelo grupo: Nitro, Klabin, Votorantin
e tem uma area construída de 60 mil metros quadrados e deverá estar em funcionamento no
próximo mês de Setembro. O seu programa de fabricação consiste no fio NYLON, do qual o
consumo nacional atual vai além de 4.000.000 de dólares, não sendo maior pelas dificuldades
de importação e mesmo preço de custo. A margem dessa produção teremos sub-produtos
como: glicerina, ácido sebácico e três notáveis plastificantes, que são hoje totalmente
importados e cujo custo onera a balança comercial brasileira em cerca de 2.000.000 de dolares
por ano e são aplicados em larga escala como mistura: com plásticos, borracha e tintas; sendo
considerados pelos americanos superiores aos de suas industrias, isso por serem derivados de
óleo de rícino.
140
O coração pulsou de tanta felicidade que ocasionou um ataque cardíaco pelo fiasco
que foi essa fábrica, comentou o historiador Paulo Fontes que “o projeto entrou em crise.
Rapidamente, a tecnologia utilizada tornou-se obsoleta e, se o óleo de mamona era de fácil
aquisição, o mesmo não podia ser dito de outros componentes necessários a produção como
o brumo.”
141
Em 1955, um outro empreendimento foi idealizado e mostrado pelo boletim interno da
fábrica, demonstrando sempre a visão do lucro e do crescimento em dimensão global a partir
de uma nova matéria-prima que foi o alumínio, decorrente do seu crescimento em consumo
devido a rápida urbanização que estava acontecendo no país e no mundo incentivando uma
frenética cultura consumista na década de 50:
O NITRO JORNAL não poderia estar ausente quando tôda a imprensa nacional saúda
a inauguração a 4 de junho p.p. da usina metalúrgica da Companhia Brasileira de Alumínio.
139
SILVA, Antonio Gonçalves da. Avante, Brasil. In: Nitro Jornal, nº 17, maio de 1954, p. 01.
140
Trilhando o Caminho do Progresso... In: Nitro Jornal, nº 27, março de 1955, p. 06.
141
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Op. Cit. p. 45.
68
Seguindo de perto nossa norma, não nos entusiasma apenas uma vitória do Dr. José
Ermírio de Moraes. Isto poderá constituir uma satisfação para seus amigos que, por numerosos
que sejam, nada representam em face do interêsse de 50 milhões de brasileiros que justamente
devem se alegrar com esta vitória.
A implantação da indústria de alumínio no Brasil é tão importante e representa uma
conquista tão valiosa, que os interesses pessoas e mesmo os interesses de grupo que nos ligam
à C.B.A.
142
. desaparecem em face do interesse nacional.
O uso do alumínio no mundo moderno cresce ràpidamente e mais especialmente nos
últimos anos, incentivado pelas necessidades de guerra. Naturalmente no caso do alumínio deu-
se o mesmo que se verifica em relação a tantos outros produtos; os meios quase ilimitados
postos em ação no campo de pesquizas, reequipamento etc, fez em anos aquilo que em regime
de paz levaria muitos decênios.
(...)
A produção mundial de alumínio está nas mãos de muitos poucos grupos industriais,
que detém a exploração desta rendosa indústria. Embora não estejam financeiramente ligados,
êstes grupos agem em comum acôrdo para evitar lutas que prejuízos poderiam acarretar,
pois que nenhum deles é suficientemente poderoso nem suficientemente dotado de condições
naturais (minas de matéria prima; bauxita; fôrça elétrica; mercado próximo) para sufocar o seu
competidor.
143
Mesmo diante de tanto prestígio e crescimento, o essencial ainda não fora alcançado: o
trabalhador industrial. Não adiantava ter um mundo maquinário se as mãos que as fazem
funcionar estão travadas pela cultura que trouxeram, por não saberem adequadamente
manipular as máquinas e obedecer a regras que fugiam ao seu cotidiano de vida e de lazer. A
desobediência a ordem expressava diariamente a luta de classes dentro e fora da fábrica.
A educação para José Ermírio de Moraes foi um fator essencial para os seus negócios,
daí sua política fabril altamente assistencialista e paternalista para consolidar uma “Família
Nitrina” e solidária, visando evitar principalmente os prejuízos e desacordos com os seus
empregados:
Precisamos concretizar, essencialmente, a industrialização das nossas materias-primas,
para que estas sirvam de base sem onus exagerados, para a nossa emancipação economica.
Precisamos educar os nossos filhos dentro de uma vida bem mentada de forma a não criar
exageros tão comuns em nossos meios, onde o individuo, que tem toda possibilidade de ser um
142
Indústria italiana do período do governo de Mussolini conhecida como Montecatini. A indústria falida e seus
operários técnicos vieram ao Brasil para trabalhar devido a técnica que já possuíam.
143
Oliveira, Eduardo Sabino de. Perseverança e Patriotismo ... In: Nitro Jornal, nº 31, julho de 1955, p. 01.
69
grande cooperador e criador de nossas riquezas, torna-se um irresponsavel pela facilidade de
vida que encontra na fantasia que lhe proporcionam os seus pais e seus amigos.
144
A motivação no trabalho e a disciplina moral e cívica foram desenvolvidas em
conjunto entre a Igreja, o comércio e a Indústria na década de 50 para o desenvolvimento na
produção industrial e para a reprodução rotineira de valores e costumes dos moradores do
bairro, mas esse planejamento de condução da força de trabalho não conseguiu atingir o seu
objetivo na realidade, pois mesmo no silêncio a luta de classes está presente e se manifestou
culturalmente a cada dia e cada vez mais forte com o tempo. Devido a essa pressão contra a
ideologia pregada pelos grandes homens como os diretores da fábrica, outras formas de poder
foram buscadas para conter alguma reivindicação do trabalhador/morador no chão do
cotidiano miguelense.
144
José Ermírio de Moraes. “O Homem do Ano de 1956”. Op.Cit. pp. 01-02
70
Capítulo 2
A Liberdade Controlada: a educação, a moral e a caminhando com o
progresso
Para melhor falarmos do grande valor que ha função social junto a indústria,
precisaríamos voltar às vistas aos tempos primitivos, na era da pedra lascada ou na do
bronze, então, ao fazermos a comparação, verificarmos o quão evoluímos na esfera social ou
melhor, na legislação social, o qual apezar de não acompanhar o desenvolvimento industrial
também não ficou em gráu muito retrogrado. Assim podemos observar que apezar de existir
alguns socialistas que pedem a ociosidade como um ideal humano, verificamos que isso é
contraproducente; a ociosidade leva um povo a extinção. Em vista disso não deve haver pais
que queiram dar aos seus filhos uma vida ociosa e excessivamente confortável, pois o trabalho
é uma necessidade orgânica e humana. Mas, devemos nos lembrar que, se para uma máquina
existe um limite de estafa, limite êsse que não deve ultrapassar, seria absurdo que ao homem
não se deva aplicar o mesmo critério. A capacidade de trabalho do homem, depende de seu
desenvolvimento muscular, do exercício prático, da vontade, além de outros fatores, tais como
o clima, o ambiente, a raça e a educação.
Paulo Amaral Palmeira
Diretor do Nitro Jornal
2.1 – A Ordem do Progresso: uma nova educação para outra realidade
O discurso ideológico traz em sua linguagem a necessidade de atingir todos os
corações e sentimentos daqueles que se deixam envolver na mensagem veiculada em público.
Isso traz a sensação de participação do trabalhador em estar “contribuindo” para o progresso e
o desenvolvimento da empresa e do país.
Dentro desta lógica, os empresários e os diretores da fábrica Nitro Química Brasileira
tiveram a “sensibilidade” em tentar atrair e envolver os trabalhadores e os moradores do
bairro de São Miguel Paulista utilizando várias estratégias de persuasão no cotidiano como as
campanhas políticas, as assistencialistas e as educacionais.
Dentro da fábrica os 51 exemplares do Nitro Jornal possuíam vários fins, um deles foi
ajudar a sustentar a fantasia de “nação” através da participação do trabalhador na construção
71
do desenvolvimento histórico do país à glória do Progresso moderno simbolizado pela
bandeira nacional
1
:
Sob a égide da bandeira Nacional vive hoje, como viveu no Brasil-Colônia e
no Brasil-Império, um povo laborioso e bom, que acredita na paz e na fraternidade.
Preside a nossa Bandeira os destinos de uma Nação voltada para o Trabalho e para o
Progresso, tendo se coberto de glórias no passado como se cobrirá de glórias no
futuro.
2
Sob a sutileza das palavras, o trabalhador sentia a sua utilidade, tanto local como
também histórica, e percebia que a sua tarefa não significava um simples ato de
sobrevivência, mas também por estar contribuindo com algo maior como desenvolvimento do
próprio país.
Os textos que circulavam internamente tinham a finalidade de informar o trabalhador
sobre as novidades e acontecimentos da realidade político-industrial, para isso várias
linguagens foram colocadas justamente para atingir diversos públicos leitores do espaço
fabril. O jornal como veículo informativo só tinha utilidade se fosse um meio de uso cotidiano
entre essas pessoas que ao ler admiravam e sonhavam sobre a grandiosidade do local onde
trabalhavam.
A percepção como controle da experiência urbana surge como aquela dimensão da
linguagem responsável pelo desenvolvimento da capacidade de apreender o cotidiano da
cidade e extrair, daí, os elementos capazes de estimular a ação, o comportamento e a
intervenção sobre ela. Aprendizado e mudança de comportamento são os fatores que
caracterizam apreensão e produção de informação, percepção enfim.
3
A voz do discurso empresarial soa de maneira dócil e atraente para camuflar seu
interesse político, ideológico e econômico. O conflito capital x trabalho aparenta resumir-se
na maior parte das vezes às queixas individuais e a propaganda passa a chamar a atenção
muito mais pelo seu caráter estético/criativo para manter uma relação com o receptor da
mensagem.
4
1
A bandeira e o hino nacional possuem uma simbologia para a legitimação de um novo regime em um novo
tempo. Com a introdução da República no século XIX esses símbolos se tornaram fundamentais para a
concretização simbólica no imaginário social. Ver em: CARVALHO, José Murilo de.
A Formação das Almas...
p. 109-128.
2
Nitro Jornal, nº 23, novembro de 1954, p.05.
3
FERRARA, Lucrécia D´Aléssio. Olhar Periférico: informação, linguagem e percepção ambiental. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo, 1999. p.107.
4
PICCARDI, Tatiana. A Construção do Sentido em Textos Empresariais Institucionais: confronto de vozes e
ideologia.
São Paulo: Universidade de São Paulo – USP/SP, 1999. p. 09.
72
A fábrica Nitro Química incorporou muito bem essa política em seu discurso interno
com a criação de um ambiente fraterno, harmonioso e paternal com a constituição de uma
“Família Nitrina”. Essa política interna tinha como base ideológica a centralização do poder
empresarial e a homogeneidade cultural operária contra as manifestações contrárias às regras
e à moral impostas.
Essa política surgiu de uma necessidade própria para a utilização de mecanismos
estratégicos de divertimento, de assistencialismo, de educação e de para melhor
“acomodar” a todos os trabalhadores na (sobre)vivência no local e evitar conturbações, assim
demonstrou uma das moradoras do bairro Elízia Moreira sobre a vida cotidiana em São
Miguel Paulista:
Era diferente, era muito bom, era tudo gente, era muita gente na Nitro, nessa Nitro
Química trabalhava, quase todo mundo que morava em São Miguel trabalhava na Nitro
Química, era muito bom naquela época, era tudo gente amiga, gente direita, não tinha essas
coisas que tem hoje, droga, não existia nada disso né? Então era muito bom, então fui, posso
dizer que criada ali.
5
Em uma comunidade tão fortemente marcada pela presença de uma fábrica como São
Miguel entre os anos de 30 a 60, foi previsível que a divisão no local de trabalho entre chefes,
técnicos especializados e de operários tivesse repercussão na vida cotidiana do bairro. A face
mais visível dessas distinções expressava-se com relativa clareza nos locais de moradia dos
trabalhadores nas diversas vilas e localidades da região,
6
ao conviver e dividir as experiências
nas relações de trabalho.
São Miguel Paulista sofreu um grande inchaço populacional pelas migrações
nordestinas e mineiras, principalmente, que continuaram e isso fez com que o bairro não
comportasse estruturalmente em moradias bem estruturadas para todos os habitantes, a
solução foi a construção de “puxadinhos” aonde em um mesmo terreno várias casas foram
construídas para assegurar moradia para toda a família.
Mas a propaganda que persuadiu uma parte da sociedade local para o trabalho e para a
urbanização do bairro, sofreu fortemente as conseqüências do próprio progresso industrial
pregado. Eles, os diretores da fábrica, não conseguiram articular rigidamente a política que
tanto queriam para construir e comover os operários ao trabalho silenciado e disciplinado.
5
Depoimento de Elízia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
6
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Comunidade Operária, Migração Nordestina e Lutas Sociais: São Miguel
Paulista (1945-1966).
p.237.
73
Para isso utilizavam-se como um meio educacional-pedagógico o jornal interno para
relembrar a postura fabril de trabalho e de sua organização contra o comodismo e a
indisciplina cultural trazida pelos migrantes, criticando desta forma os seus costumes:
costume entre nós, pobres seres humanos, sofismar por meio de muitos
malabarismos e imprevistos, desperdiçando assim bastante energia vital, afim de obter a
prolongação indefinida dêsse comodismo muito brasileiro que manda deixar como está para
ver como fica... Gastam-se energia, tempo e dinheiro para que tudo fique nesse mesmo
marasmo cômodo, nesse <<chove não molha>> de: <<p´ra que pensar?...>>, <<p´ra que
reagir...>>, <<p´ra que trabalhar?>>.
E, entoado em tôdas as notas e em todas as latitudes, em clara demonstração de
entorpecimento, que muitas vezes é errôneamente preguiça, êsse <<p´ra que>> perdura em
fatos e se perpetua na raça. Dizem alguns que o brasileiro é preguiçoso, o que não é verdade,
porquanto tôdas as vezes que êle se dispõe e levar a têrmo um empreendimento, êle é
concluído e coroado de êxito. O que realmente existe entre nós são vícios de educação e
disciplina, são doenças provenientes da falta de conhecimentos, pois grande é o número de
analfabetos entre nós; de falta de alimentação suficiente e farta, pois é imenso êste Brasil, onde
<<plantando, dá>>, mas... Entretanto, o que mais nos entristece é a falta de disciplina física,
moral e intelectual, pois cada um faz o que bem entende, o que quer e o de que gosta, visando
apenas sua satisfação individual, sem se importar, muitas vezes, que tal o qual ato possa
prejudicar alhures; seu desejo, seu apetite satisfeito, embora lhe impressão de bem
alimentado, não corresponde a realidade do indivíduo estar mal nutrido, e, por isso, mal
humorado! E´ errado comer somente o de que se gosta e, infelizmente, confundirmos desordem
com liberdade. Queremos ter todos os direitos, sem cumprir nossos deveres. Somos um povo
que ainda temos muito que aprender.
7
A cultura do campo trazida para a cidade fabril praticamente do “dia para a noite” foi
completamente diferente e oposta àquela ditada pelo ritmo da produção capitalista do período
desenvolvimentista da década de 50. Os trabalhadores tinham autonomia e o controle próprio
de trabalho em suas terras, articulando desta forma o tempo e o esforço de acordo com o seu
conhecimento e experiência de vida pela cultura e tradição local, contradizendo a ordem
moderna da cidade.
Muitos dos jovens trouxeram a liberdade de poder ser crianças e brincar a vontade, até
mesmo em locais perigosos. Eles não enxergavam regras, como entrar em áreas proibidas,
desta forma, relembra Maria Fernanda dos Santos Gomes, que os acidentes aconteciam
frequentemente nestas brincadeiras:
7
SOUZA, Emília Soares de. Para Quê? In: Nitro Jornal, nº 26, fevereiro de 1955, p.11.
74
Era atrás da Nitro Química, era uma lagoa muito bonita, onde o pessoal tirava a areia,
eles tiravam a areia e faziam, é escoravam o barranco para ele não vir desbarrancando, e depois
mais tarde chovia e a lagoa se enchia mais e aí o pessoal ia nadar lá, e nadando mergulhavam e
ficavam presos, porque eles escoravam com madeiras e arame farpado, e morriam muito
jovem na lagoa verde, mas era porque era uma lagoa atrativa, ela era linda, sabe, eles aterram
para fazer esse projeto da SABESP que tem aí embaixo, eles aterram tudo.
8
O discurso empresarial se comprometia a trazer os funcionários a encararem o “ritmo
produtivo” contra a ociosidade. Esse apelo tinha como princípio demonstrar a vitalidade e a
longevidade da vida através do trabalho contínuo. Para isso, o “tempo do relógio” deveria ser
praticamente cultuado, respeitado e seguido rigorosamente pela sociedade e contradizer a essa
regra, além de ser um grande desperdício de forças, seria também um grande motivo para a
velhice precoce e a perda da beleza dos corpos:
A preocupação de parecer mais jovens e ocultar a própria idade, que se manifesta, às
vêzes, também nos homens, leva frequentemente as mulheres à prática dos mais variados
estratagemas. Mas, iludem-se os que procuram iludir os outros recorrendo aos artifícios dos
institutos de beleza.
Os efeitos da ação inexorável dos anos, no entanto, podem ser retardados mediante
cuidados especiais com a saúde, hábitos morigerados de vida, exames médicos periódicos,
tratamento rigoroso aos menores indícios de enfermidades, alimentação adequada e a prática
sistemática de demorados exercícios físicos.
(...)
O desleixo consigo mesmo e o são mais positivas e comprometedoras manifestações
de velhice. E alheiamento das coisas circundantes como a ociosidade conduz naturalmente a
êsses estados de despreocupação, as pessoas mais idosas, quando afastadas de seus deveres
profissionais, devem fugir à ociosidade, procurando afazeres que preencham os longos
períodos de lazer, despertando novas curiosidades. Descobrir novas distrações não é tarefa
difícil desde que elas venham satisfazer certos pendores e inclinações naturais, anteriormente
sopitados por uma sempre alegada falta de tempo. Muitos se fizeram escritores, músicos,
pintores ou se tornaram notáveis exercendo algum ofício que não era o que de fato tôda a vida
lhes garantiu a subsistência, e em cuja prática chegaram a demonstrar as mais pronunciadas
aptidões, além de alcançarem o desejado rejuvenescimento espiritual.
9
8
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
9
Página Feminina In: Nitro Jornal, nº 38, fevereiro de 1956, p.05.
75
O tempo é um agente precioso para a disciplina do trabalhador no trabalho, como
também para a produção em seguir a sua quantidade certa ao ser produzido diariamente. O
relógio é um instrumento regulador das ações e das emoções do ser no mundo capitalista.
Tudo possui hora marcada. Esse recurso foi utilizado desde que o capitalismo industrial
começou a aparecer na história mundial, o que aconteceu no século XVIII com a Revolução
Industrial.
É bem conhecido que a mediação do tempo está comumente relacionada com os
processos familiares no ciclo do trabalho ou das tarefas domésticas.
10
O ciclo do relógio
demonstrava o crescimento industrial e o progresso nacional através da produção, desta forma
o batimento do instrumento está sempre no ritmo do batimento dos corações dos funcionários
que pela própria natureza já estavam induzidos ao trabalho contínuo e forçado.
Assim complementou o ex-funcionário da empresa Amauri da Cunha sobre a
exploração do tempo na relação entre o proletário e a burguesia utilizando a força da
linguagem para expressar a fuga do pessoal nas horas de folga:
É, era sábado porque a gente que trabalhaia na Nitro não tinha esse direito também de
‘as veis’ sábado e domingo vir pra festa porque... porque você trabalhava em três horários. (...)
Cada seis semanas cê folgava um sábado e um domingo, mas tinha aquele pessoal que
trabaiava das sete as quatro, podia ir pras festas. Aquele pessoal que trabaiava três
horários era tudo setor de produção mais a nível, tinha mais setor de produção do que setor
fixo, então o pessoal de três horários só folgava depois de sete semanas, folgava um final de
semana, não era folga direta não, mas na folguinha que tinha o pessoal todo saia.
11
Mas mesmo dentro desse progresso desenvolvimentista na década de 50, o poder do
relógio não conseguiu penetrar completamente na estrutura da cultura do campo que as
pessoas traziam consigo do lugar de origem. Algumas pessoas, como a moradora Elvira de
Souza Alcântara, estavam quase que totalmente adversas a essa realidade moderna e
consumista, utilizando-se da tradição que aprendeu em sua terra para a sua sobrevivência na
cidade:
Eu cozinhava no carvão. Comprava carvão e fazia no fogareiro. Gente do norte
sabe se ‘virá’ né ? Tinha um fogareiro assim... A gente fazia... punha o carvão dentro e fazia
um fogãozinho e cozinhava lá. Feijão com jabá. Cansei de cozinhar foi muito. Era difícil a
10
THOMPSON, E. P. Tempo, disciplina de trabalho e capitalismo industrial. In: Costumes em Comum: estudos
sobre a cultura popular tradicional.
São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.267 – 304.
11
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
76
coisa heim ? Nóis ia cortá aquelas ‘taboa’ lá. Não tinha o que fazer mesmo. Ia cortá’ aquelas
‘taboa’, trazia pra secá tudo esticadinha. Secava, depois eu fazia... Eu sei fazê, cumê. Negócio
que fazia esteira. Fazia, fazia aquelas esteirona pra por no quintal pras crianças deitá e
‘brincá’.
12
A memória de Elvira se concretizou através da linguagem que expressou a sua cultura
educacional demonstrando, desta forma, a condição de vida e de sobrevivência do local
específico de onde nasceu. Muitos moradores conservaram a tradição rural
13
em território
industrial, assim como aconteceu em São Miguel.
Além do tempo, uma comunidade operária também depende de uma família que esteja
acoplada ao mesmo ritmo de trabalho e de vida proporcionados pela realidade fabril. Essa
preocupação institucional estava muito evidente também com a educação dos filhos dos
operários, eles que seriam mais tarde os novos funcionários da empresa, para isso deveriam
ser fortes e estarem preparados ao trabalho. Uma das recomendações educacionais da
instituição é fazer os pais tomarem cuidado com o mimo e a criação de um ser frágil:
O excesso de mimo é sempre prejudicial. São inúmeros os exemplos de filhos
mimados que nada conseguiram na vida. Fazendo todas as vontades e atendendo a todos os
caprichos das crianças, os pais criam personalidades fracas, incapazes de enfrentar com decisão
a luta pela vida. Eduque seu filho para a vida evitando o excesso de mimo. Contribua para a
formação sadia da sua personalidade.
- Qualquer vida plenamente vivida é uma vida cheia de riscos. Aquêle que levantar
cêrcas para evitar riscos acaba se abrigando da própria vida.
14
O objetivo institucional era de fazer reproduzir o grau de alienação
15
na educação para
que servissem apenas para trabalhar e para obedecer. Os trabalhadores educavam os seus
12
Depoimento de Elvira Souza de Alcântara concedida ao LabDoc – Unicsul.
13
A vida do proletariado é parte de uma cultura muito marcada, a qual, nalguns aspectos pode ser considerada
tão formal e estilizada como aquela que é atribuída às classes superiores. O proletariado seria incapaz de
respeitar a etiqueta de um jantar de sete pratos; mas o homem da alta burguesia seria igualmente incapaz de
respeitar a etiqueta das classes proletárias e, na maneira como conversasse (não só no assunto da conversa, ou no
vocabulário empregado, mas ainda no ritmo imprimido a essa conversa), na maneira como movesse as mãos e os
pés, mandasse bebidas ou tentasse oferecê-las, revelaria indubitavelmente que não era aquele o seu meio. Ver
em: HOGGART, Richard. As Utilizações da Cultura.1. Aspectos da vida cultural da classe trabalhadora. Lisboa:
Editorial Presença, 1973. p.40.
14
DAVIS, Kenneth S. Educando para a vida. In: Jornal, nº 02, fevereiro de 1953, p.04.
15
Num primeiro momento, o fenômeno da alienação parece transcorrer na esfera da consciência e, portanto, no
modo pelo qual os sujeitos representam as relações sociais tais como lhes aparecem, sendo-lhes impossível
reconhecerem-se nos objetos sociais produzidos por sua própria ação. Neste nível, fala-se em “falsa
consciência”. Contudo, desde que passemos da noção de falso para a de ilusão necessária à reprodução de uma
ordem social determinada, o conceito de alienação vai gradativamente perdendo sua conotação imediatamente
subjetiva, para emergir como determinação objetiva da vida social no modo de produção capitalista, apoderando-
77
filhos a seguirem os seus passos por também terem sido educados à determinada realidade,
como demonstrou a memória da moradora Elvira de Souza Alcântara ao relatar sobre a sua
infância e as suas conseqüências em sua vida:
Não tive infância não... Minha vida era trabalhar. Meu pai... meu pai era muito rígido
? Ninguém ia em baile, nem em festa, porque ele não deixava. Quando ele morreu eu não
tinha aqueles costumes mais de... de andar atrás das coisas, de bailinho, essas coisas... Minha
vida foi trabalhar. É tanto que quando ele morreu fiquei trabalhando, trabalhando, de lá eu vim
pra cá, pronto. Já casei e comecei a criar filho.
16
Segundo a visão institucional as crianças brincavam além dos limites por eles
impostos através das regras morais do local e muitos pais mantinham uma relação direta com
a família ainda dentro das tradições vivenciadas de onde migraram. Esse conflito cultural de
tempo e de disciplina compunha uma luta de classes de maneira indireta, mas foi sentida pelos
diretores da fábrica por não alcançarem o nível exato de perfeição moral que esperavam dos
trabalhadores na educação dos seus filhos para induzindo-los ao trabalho.
A Nitro Química Brasileira, assim como a maioria das outras fábricas na década de 50,
estava produzindo com base em metodologias industriais de décadas passadas como, por
exemplo, o fordismo e o taylorismo, na condução da organização e do ritmo na produção.
Com a evolução dos sistemas de comércio e de todo o aparato tecnológico, vieram as
exigências de precisão nos prazos e na qualidade dos produtos (com a competição por novos
mercados se alastrando para além das necessidades locais), de modo que o conhecimento
envolvido no âmbito da produção passou a ser assumido como prioridade estratégica pelos
capitalistas empregadores.
17
A evolução técnica envolveu cada vez mais o mundo bipartido
ideologicamente pela Guerra Fria a ponto de conquistar mercados pela concorrência e pela
sempre atualização tecnológica e pedagógica, como demonstraram os diretores da Nitro
Química através de alguns textos por eles colocados no jornal:
se tanto da cultura dominante quanto da dominada, pois ainda que seu conteúdo e finalidade sejam diversos nos
dois casos, sua
forma é idêntica em ambos. Os movimentos das relações sociais geram para os sujeitos a
impossibilidade de alcançar o universal através do particular, levando-os a criar uma universalidade abstrata que
não passa pela mediação do particular, mas por sua dissimulação e contra ele. A sociedade (e, portanto, as
classes sociais) encontra-se impossibilitada de relacionar-se consigo mesma, a não ser recusando aquilo que ela
própria não cessa de repôs, isto é, a particularização extrema de suas divisões internas. Este movimento
denomina-se alienação. Verificar em: CHAUI, Marilena.
Cultura e Democracia... p. 72-73.
16
Depoimento de Elvira Souza de Alcântara concedida ao LabDoc – Unicsul.
17
PINTO, Geraldo Augusto. A Organização do Trabalho no Século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo. São
Paulo: Expressão Popular, 2007. p.20.
78
Lemos recentemente uma palestra do vice-presidente da Texas Company, Sr. H. W.
Dodge, onde encontramos alguns conceitos originais sôbre o fator tempo na vida das pessoas.
Em noventa por cento dos casos diz êle as pessoas que alegam a falta de tempo não
apresentam argumentos razoáveis. “Dispomos de mais tempo do que qualquer outra coisa na
vida. Todo o momento em que estamos de mais tempo em que estamos despertos constitui um
potencial de realizações”. E diz que, muitas vêzes, devíamos confessar que determinado
trabalho deixou de ser realizado não porque houvesse falta de tempo, mas porque preferimos
executar primeiro outro, adiando o que era menos do nosso agrado. Estaria a razão da nossa
maneira de justificar “muita falta de tempo”
É que, no desempenho das nossas funções, somos impelidos, contràriamente, por uma
fôrça moral – o dever, e por uma tendência muito humana – a comodidade. E, em muitos casos,
o impulso desta última é superior ao da primeira. Um meio de refrear essa inclinação é
assumirmos um estado de espírito com relação aos nossos deveres, procurando cumprí-los
prontamente, sem considerar o quanto nos deveriam ser agradáveis ou desagradáveis. Tomando
essa atitude, será mais fácil fazer uma seleção das nossas tarefas, estabelecendo um método
correto e no qual se deve considerar o tempo necessário para o desempenho de cada serviço.
(...)
18
A escola para a ideologia liberal tem como missão preparar o aluno a enfrentar desde
cedo a realidade futura que irá construir através do trabalho, por isso a função da pedagogia
interna acaba sendo a de organizar e homogeneizar gosto e comportamentos a seguirem as
necessidade exigidas pelo mercado. Com isso, o Presidente do Clube de Regatas Nitro
Química Armando Righetti tinha a intenção de fazer das salas de aula um criadouro de mão-
de-obra à continuidade do cotidiano estabelecido no local:
A escola conserva ainda hoje a estrutura geral que o positivismo lhe imprimiu:
primário, o ensino do concreto; gráu médio ou secundário, ensino do abstrato; e o gráu
superior, ensino das profissões liberais, acompanhando o ensino ao desenvolvimento
harmônico dos fenômenos fisiológicos e intelectuais. Segundo a Sociologia, a função principal
da escola, como de tôda educação, é integrar a geração imatura na sociedade em que vai viver.
Acontece, entretanto, que a escola é apenas uma das fontes educacionais, em existência com os
demais fatores educativos, o lar doméstico, a Igreja, o recreio, o esporte, o clube, o cinema, o
rádio, a leitura do livro e da revista. À escola cabe especialmente a educação formal, isto é, o
ensino das disciplinas intelectuais essenciais para cada gráu.
19
A integração educacional se deu em conjunto entre a fábrica e o Estado na condução
pedagógica das crianças do bairro de São Miguel Paulista. Como relatou a moradora da Vila
18
Nitro Jornal, nº 38, fevereiro de 1956, p.14.
19
RIGHETTI, Armando C. Educação Moral e Cívica. In: Nitro Jornal, nº 42, julho e agosto de 1956, p.01.
79
Nitro Química Maria das Graças Cancian, a fábrica possuía uma participação direta na escola,
a ponto de fornecer a merenda como um ato de amor e atenção ao próximo:
Ah! Eu tenho lembranças boas, foi uma infância muito boa, estudei em uma escola... o
meu grupo escolar foi feito na... quer dizer, eu morava na Vila Nitro Química, porque a Nitro
Química fornecia a moradia para os empregados. E eu morava na vila e a gente estudava na
rua, na escola subsidiada pela Nitro Química, era escola do Estado, do governo, porém no
prédio a merenda era tudo fornecida pela Nitro e eu estudei nessa escola, essa escola muito
boa, que hoje em dia não tem uma escola particular como foi a escola que eu fiz, o meu grupo
escolar. Tinha apenas quatro salas de aula, muito grande, muito bem estruturada e o prédio
existe até hoje.
20
Uma outra aluna, Laís Haydeé, que estudou no mesmo período relatou sobre a mesma
merenda oferecida pela Nitro Química aos alunos da escola:
Não, eu não tenho colégio, grupo escolar. fiz grupo escolar, e a gente estudava
ali, a professora chamava Silvia Latema, era uma senhora, todo mundo estudava juntos, assim
as pessoas mais melhor de situação do que a gente também tudo na mesma escola, e na hora do
recreio a Nitro Química mandava pra gente um copo de leite e um pedaço de pão pra todas as
crianças que estudavam na escola.
21
Muitos jovens ainda acompanhavam as suas tradições e experiências de vida rural,
com isso a assimilação fácil da nova realidade pretendida pelo poder local não foi alcançada
com privilégio, justamente por considerar a liberdade de brincar como uma imoralidade e uma
comodidade que devia ser reparada:
Conclamamos todos os homens de bem apelamos a tôda autoridade constituída, para
que convoque educadores, psicólogos, estudiosos de moral de sociologia, sacerdotes, políticos
honestos, pracistas, médicos, a fim de, em mesa redonda encontrarem, porque não encontrar, e
principalmente porque precisamos encontrar urgentemente, o meio adequado e capaz de salvar
a juventude de preservar-lhe os sentimentos altruísta e bons.
22
Esse desespero fabril em consolidar ou “salvar” a juventude que estava se perdendo
ficou mais nítido devido a liberdade que possuíam os funcionários após o horário de trabalho
20
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
21
Depoimento de Lais Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
22
RIGHETTI, Armando C. Ibidem. p.02.
80
cumprido, ou seja, muitos tinham meios de diversão completamente oposta ao ditado pela
moralidade local, como por exemplo fazia o funcionário Josué Pereira da Silva e seus
companheiros ao receber o seu dinheiro na saída do seu trabalho:
Em primeiro lugar uma coisa que eu gostava muito de fazer depois que eu
trabalhava era por o dinheiro no bolso, daí por diante eu saia fazendo aquelas farras,
tomava cerveja bastante barato e quando não aquentava mais o estômago abria a
cerveja de terno e gravata e jogava na cabeça e me molhava todinho de cerveja, essa
era a maior farra que eu fazia na época, eu e os companheiros que me
acompanhavam.
23
O esforço fabril em tentar organizar e disciplinar a sociedade nitrina foi muito grande,
mas sentiram na prática cotidiana que a luta para essa conquista era muito forte, justamente
por terem esquecido que dentro dos funcionários existiam valores, costumes, tradições e
visões muito diferentes da realidade que pretendiam construir. Enquanto para o empresário o
dinheiro significava a vida, para muitos empregados isso apenas representava um meio
material para sobreviver e se divertir.
2.2 – O Centro Cívico São Miguel Paulista na construção de um herói
A República brasileira após ter sido “proclamada” precisava de um mito para se
assegurar ideologicamente perante a sociedade e como conseqüência disso devia concretizá-lo
como a imagem de um herói nacional, como aconteceu com a de Tiradentes.
Heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de
referência, fulcros de identificação coletiva. São, por isso, instrumentos eficazes para atingir a
cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos. Não há regime
que não promova o culto de seus heróis e não possua seu panteão cívico. Em alguns, os heróis
surgiram quase espontaneamente das lutas que precederam a nova ordem das coisas. Em
outros, de menor profundidade popular, foi necessário maior esforço na escolha e na
promoção da figura do herói.
24
Nas escolas, o ensino moral e cívico fazia parte das aulas dos jovens que aprendiam as
datas mais importantes do calendário nacional. Também foram muito observados os grandes
nomes e heróis que ajudaram a construir a história da nação, fazendo dessa forma a aula uma
23
Depoimento de Josué Pereira da Silva concedida ao LabDoc – Unicsul.
24
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas... p.55.
81
estratégia propagandística do Estado em fazer renovar a sua imagem e seus valores políticos e
ideológicos perante as gerações que passavam, assim se preocupou o Estado Novo.
A educação
25
foi um instrumento fundamental para os planos culturais dessa política
do Estado Novo e ela estava sendo focalizada em vários aspectos e entre eles a necessidade do
ensino profissional e de moral e civismo. A primeira justificava-se pela necessidade de
preparar para o trabalho, qualificar a mão-de-obra e aumentar a produtividade entendidos
como verdadeiro pré-requisito para o aumento de salários e melhor distribuição da riqueza. A
segunda revestia-se de forte cunho ideológico, como despertar a juventude para o
nacionalismo e para o amor à Pátria, revivendo os valores de tradição, de família e de
religião.
26
Essa política pós-Getúlio foi dada a sua continuidade dentro dos novos valores
modernos da década de 50 com o ideal de nacional-desenvolvimentismo. Esta foi justamente
a década em que o seu ex-Ministro da Fazenda,
Horário Lafer, foi retirado do cargo. Os
industriais tinham uma necessidade urgente em ter os seus representantes no Congresso e no
Senado para poderem assegurar os seus poderes no cenário político.
Não por menos em 1954, ano de eleições para Deputado Federal, o bairro de São
Miguel Paulista foi motivado a “entrar no clima de eleição”, e esse clima foi construído pela
fábrica Nitro Química de várias formas, dentre elas os
Jogos Desportivos “Dr. Horácio
Lafer”, disputados no Clube de Regatas Nitro Química e envolveu quase todo o bairro, não
por menos o título Avante, Brasil que foi escrito pelo secretário de redação do Nitro Jornal,
Antônio Gonçalves da Silva, para complementar a emoção desse momento nitrino:
De qualquer modo a Cia. Nitro Química Brasileira, por intermédio de sua
administração, o Clube de Regatas Nitro Química, por meio de sua Diretoria, a Comissão
Organizadora dos Jogos Desportivos “Dr. Horácio Lafer”, propriamente dito, deseja agradecer
a todos que deles participaram, agradecimentos êsses extensivos a população de São Miguel
que acompanhou os festejos desde as primeiras horas até a noite dêsse tão memorável dia 25 de
Abril de 1954, dia em que foram realizados os JOGOS DESPORTIVOS “DR.HORÁCIO
LAFER”, com uma saudação amiga a pessoa eminente precursor de nossa indústria e tão
renomado político.
27
25
CUNHA, Célio da. Educação e Autoritarismo no Estado Novo. São Paulo: Cortez, 1989. p.45-62.
26
FONSECA, Pedro César Dutra. Op. Cit. p.300-301.
27
SILVA, Antonio Gonçalves da. Avante, Brasil. In: Nitro Jornal, nº 17, maio de 1954, p.04.
82
Como um grande auxílio para essa jornada de conquista de votos e das mentes
populares, a educação moral e cívica
28
foi fundamental para corporificar a população a
absorver o ritmo de luta e de mudanças no país, colocando desta forma Horácio Láfer como o
novo herói (ou um novo Tiradentes?) para a realização desses feitos prometidos ao bairro e
caminhando pelas ruas junto aos seus eleitores sem “distância hierárquica” alguma.
Os jovens se tornaram fonte de preocupação aos diretores, assim, aquela distância
política desses eleitores tinham culpados pelo desleixo social apresentado, o público se tornou
uma forte preocupação para ao poder privado, como relatou o diretor Armando Righetti que
foi o Presidente do Centro Cívico São Miguel Paulista:
bastante embaraçoso fazer afirmação em torno da moralidade e civismo da
juventude, em nossa época, em que a geração adulta, com honradas excepções não prima pelo
exemplo. Não é, nem de longe, nossa intenção recriminar jovens ou adultos; não é nossa
intenção criticar.
Constatamos apenas um fato, fato que não nos honra do nosso afastamento dos
verdadeiros conceitos de valores, nós todos, jovens e velhos.
E, si o panorama moral e cívico de nossa juventude não oferece a promessa, ao menos,
de estabilidade e aperfeiçoamento, é porque a geração adulta descuidou da formação
conveniente da infância e da mocidade.
29
O privado não reduz ou nega o espaço público, mas é o espaço da publicidade da
posse e do poder, um reconhecimento público do valor privado, ou seja, o máximo de
publicidade pelo máximo de privacidade. O apelo à intimidade da vida privada é suporte e
garantia da ordem pública, os códigos de conduta da vida pública passam a ser definidos pelos
padrões da vida privada: público e privado não se distinguem.
30
Como um meio estratégico e pedagógico de trazer a juventude mineira e nordestina ao
clima político-industrial da cidade de São Paulo foi criado e desenvolvido o Centro Cívico de
São Miguel Paulista com a finalidade de instruí-los à participação das eleições guiada pelo
28
A escola em princípio, tem o objetivo de orientar o desenvolvimento dos alunos, ao mesmo tempo que fornece
as informações e fórmulas práticas que lhes permitirão integrar-se ao meio. Nesse processo, acabam por receber
o conteúdo da ideologia aceita por seus professores ou imposta pelos administradores escolares. Aprendem as
normas de disciplina que devem cumprir e os conhecimentos que os levarão a integrar-se na sociedade,
observando o estritos limites definidos pela ideologia dominante. São condicionados a respeitar hierarquias e
obedecer os superiores, aprendem qual é o “seu lugar” e o papel que devem exercer. Há, inclusive, as matérias e
disciplinas criadas e programadas com o fito exclusivo de transmitir determinadas ideologias de forma direta. É
o caso de cursos como os de “Educação Moral”, “Prática de Civismo” etc. Ver em: GARCIA, Nelson Jahr.
Op.
Cit.
p. 80-81.
29
RIGHETTI, Armando C. Educação Moral e Cívica. .In: Nitro Jornal, nº 42, julho e agosto de 1956, p.01.
30
FERRARA, Lucrécia D´Aléssio. Ibidem. p.120.
83
sentimento pátrio de mudança, crescimento e transformação do local e do país, daí a
importância da educação para a manipulação do poder:
O CENTRO CIVICO DE SÃO MIGUEL PAULISTA, constitue-se em entidade civil,
sem finalidade lucrativa, com os seguintes objetivos:
a) proporcionar aos moradores do distrito de São Miguel Paulista meios para
coordenar os esforços conjuntos de todos os movimentos benéficos a coletividade;
b) procurar esclarecer o eleitorado na Indicação de candidatos aos cargos públicos
eletivos, que pelas suas ligações a São Miguel Paulista e pela sua personalidade, capacidade,
procedimento público e privado, sejam merecedores de ocupar posições para benefício do
Município, do Estado e da Nação;
c) manter completo serviço de alistamento eleitoral;
d) incrementar tôdas as atividades cívicas para o maior desenvolvimento de São
Miguel; propugnar pela melhoria cultural do povo de São Miguel Paulista, mantendo cursos de
alfabetização, etc...
e) procurar cooperar, de maneira adequada, com os poderes públicos, no sentido de
acelerar e ampliar os melhoramentos que esta localidade carece;
f) proporcionar Assistência Social aos moradores necessitados de São Miguel Paulista,
influenciando ao máximo a ampliação de facilidades públicas nêsse setor; procurar ampliar as
oportunidades de colocação e avanço econômico pelo progresso das organizações industriais,
agrícolas e comerciais aqui sediadas.
A Direção do CENTRO CIVICO DE SÃO MIGUEL PAULISTA será exercida por
um Conselho Deliberativo e por um Conselho Executivo, eleitos para o primeiro exercício por
aclamação.
31
O bairro de São Miguel tinha ainda na década de 50 uma característica rural em que
aos poucos começava a ser construído de uma forma desorganizada a sua urbanização, isso
devido as fortes migrações que não paravam de acontecer. Esse bairro periférico possuía
muitas necessidades estruturais como água, esgoto e luz, mas os bairros pertencentes à fábrica
possuíam uma infra-estrutura mais adequada aos seus habitantes, justamente por serem
trabalhadores mais especializados em suas funções.
As propostas organizadas pelo Centro Cívico São Miguel Paulista envolveu,
principalmente, as melhorias para as condições de vida dos moradores desse bairro e
justamente essas necessidades e que fazia crescer cada vez mais a esperança. Conforme
relatou Amauri da Cunha que foi operário da Nitro Química na década de 50, ele mostrou um
pouco mais dessa realidade estrutural do bairro:
31
Nitro Jornal, nº 17, maio de 1954, p.11.
84
Não! São Miguel não tinha energia elétrica não. (...) Não existia energia naquela
época e asfalto não existia. São Miguel era uma coisinha ? Não tinha, não existia nada. São
Miguel tinha um jipe, a polícia e três policiais. Três policiais tinham naquela época. Era um
jipe velho, um carro, um sargento e dois ou três soldados.
32
O mesmo Amauri complementou dizendo sobre a situação das ruas em dias de chuva
na região miguelense, demonstrando que o progresso estava um pouco distante do alcançado
pelo centro urbano da capital:
E quando, e quando a gente estava de chuva ocê levava um sapato pra calçar na
Nitro, perto do Clube ou você se estrepava. Tinha que arregaçar as calças até o joelho. (...)
É! Ou você ia de bota, qualquer coisa até lá, ou levava dois sapatos. Um pra calçar lá pra poder
ir trabalhar, pegar condução porque não tinha ônibus, não existia ônibus pra cidade. Existia
ônibus pra Penha, o “poeirinha” daqueles rebaixado que passou na novela aquelas jardineira.
33
Mesmo os moradores vivendo em uma contradição, as comemorações moral e cívica
continuaram em 1954, mas devido ao suicídio do presidente Vargas alguns encontros foram
transferidos para outros meses, como aconteceu em um encontro marcado em agosto que foi
transferido estrategicamente para o dia 7 de setembro, ano da “Independência” do Brasil, para
as comemorações e homenagens aos operários representados como os construtores da
grandeza
” motivados pelos discursos e complementados com chopp e salgadinhos:
(...) Finalizando a parte oratória sob aplausos gerais ouvimos o Dr, Horácio para em
brilhantes palavras fazer uma explanação da situação atual do Brasil. Disse S.S. inicialmente da
perda que sofreu a Pátria com a morte do Presidente Getulio Vargas de quem fóra Ministro das
Finanças, episódio lamentável na vida de um homem público. Frizou ainda haver o Centro
Cívico associado (...) ao luto oficial, paralizando a inauguração de suas sub-sédes até aquela
data e cancelando as festividades programadas para o dia 7 de Setembro.
Externou ainda a satisfação ao ver naquela Vila o simbolo do progresso e da evolução
do povo brasileiro, ali simbolizado na centena de residências construídas, e quase todas de
propriedade dos próprios trabalhadores de nossa terra e que são os verdadeiros construtores da
nossa grandeza. Suas palavras bem timbradas tiveram a melhor acolhida por parte da enorme
assistência que ali se imprimia e que o aplaudiu deliradamente. A esta altura foi servido
<<Chopp>> e salgadinhos a todos. (...).
34
32
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
33
Idem. Ibidem.
34
Nitro Jornal, nº 22, outubro de 1954, p.10.
85
Interessante foi o
Nitro Jornal ter editado no mês seguinte informações precisas à
construção homogênea do sentimento de voto. O espírito verdeamarelismo
35
apareceu
encarnado no “herói miguelense” Horácio Láfer, como o símbolo do futuro e a necessidade de
todos à modernidade, daí a utilização da propaganda ideológica na persuasão social em
simbolizar a sua imagem com a do Progresso e transformação local:
a) – S. Miguel precisa de homens que estejam ligados ao trabalho de S. Miguel
permanentemente e não só em épocas de eleições;
b) foi HORACIO LAFER como um dos fundadores da Nitro Química que trouxe
o progresso desta zona, conhecedor que é dos seus problemas e que por isso pode auxiliar a
resolve-los;
c) foi um dos maiores estimuladores de tôdas as obras de assistência social e de
melhoria das condições de vida de S. Miguel;
d) foi um dos maiores ministros que o Brasil teve na sua história, lutando pelos
interesses do povo;
e) – facilitou o progresso da indústria e criou oportunidades de trabalho para o
operariado, pois na sua gestão deu à São Paulo mais de cinco bilhões de cruzeiros em novas
máquinas e fábricas;
f) porque combatendo a corrupção e a desonestidade, como homem público entrou
com mãos limpas em todos os cargos e dêles saiu com mãos limpas;
Não sòmente o Brasil precisa de HORACIO LAFER mas também S. Miguel e o seu
povo.
36
Por toda parte e em todos os momentos foram propagadas as idéias que interferiram
nas opiniões e escolhas das pessoas no bairro. Desse modo, foram levadas a agirem de uma
maneira que foi quase que imposta subjetivamente, mas que pareceu por elas escolhida
livremente, acabaram os eleitores sendo envolvidos a pensar e agir de acordo com o que o
discurso e a sua estratégia pretendia.
37
O índice de modernização é legível nos processos acumulativos e interativos: a
mobilização de recursos, o desenvolvimento das forças produtivas e aumento da
produtividade, a necessidade de expansão econômica pela ampliação do mercado consumidor,
a tecnologia da comunicação de massa que unifica a informação e sua seleção no impacto da
35
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000.
p.31-45.
36
Idem. Op. Cit. p. 10.
37
GARCIA, Nelson Jahr. Op. Cit. p.12-13.
86
quantidade e da rapidez, submetem as aspirações individuais e seus hábitos e padrões que se
mimetizam em todas as habitações e constituem o valor que as unifica.
38
Mesmo com tanto discurso, o bairro possuía graves necessidades para a sobrevivência
dos moradores, principalmente para àqueles que estavam chegando. Um dos únicos
transportes “rápidos” que existia na região e ligava bairro-centro foi o trem, mas não existia
uma estrutura eficiente para a sua utilização. As promessas faziam parte desse jogo político
aonde às necessidades foram trocadas pelos votos em um acordo assistencialista e temporário.
A via férrea dependia apenas de uma linha de ida e de volta que continuou em
funcionamento até o início da década de 60, com isso o risco de acontecer uma tragédia
poderia acontecer em qualquer momento, e foi o que aconteceu e muito chocou a moradora
Elvira Souza de Alcântara que acompanhou de perto o terrível desastre:
O trem que tinha aqui. A única condução que tinha de São Miguel pra cidade. Pra
outras era a única condução que tinha. E essa trem, ele descarrilhou, bateu, não sei... Daqui do
Itaim pra cá. ‘Ai meu Deus’, uma coisa horrível. (...) Foi um desastre! ‘Meu Pai do céu’, só via
correndo gente, e correndo gente. Diz que ficava aquele monte de gente assim tudo morto
assim. Esse povo ia lá, via e corria. Mas foi uma coisa terrível, terrível. Depois de uns três dias
eu passei de trem, na mesma linha aí, eu vi aqueles ‘capim’ tudo amassado, amassado. Parece
que derramou um caminhão de sangue assim... Aquela enxurrada. Digo: ‘meu Pai do céu!’...
Mas eu fiquei tão impressionada com aquilo, mas ‘diz’ que morreu gente, gente, muita gente.
39
Amauri da Cunha complementou a situação ao explicar o modo como funcionavam
esses trens no cotidiano do transporte público e o acidente:
Bateu de frente com outros dois trens, foi quando começou esse trem elétrico. tava
funcionando que não tinha a linha duplicada, era uma linha pra correr aí, um chegava na
estação tinha que esperar o outro pra poder... e soltava o trem. Pra fazer o cruzamento nessa
estação eles soltavam o que ia daqui pra lá, e o nosso aí vinha da cidade lotado, bateu de frente.
Foi uma coisa horrorosa. Foi feia, foi horrível aquilo lá, nunca vi tanta gente empiado assim.
(...) Foram muitas pessoas porque o vagão inteiro em cima do outro, ele abriu e ali era assim. É
igual funciona hoje o metrô, o trem era a mesma coisa do metrô de manhã, era super-lotado,
não podia nem levantar os braços nem abaixar.
40
38
FERRARA, Lucrécia D´Aléssio. Op. Cit. p.122.
39
Depoimento de Elvira Souza de Alcântara concedida ao LabDoc – Unicsul.
40
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
87
O bombardeio de imagens e de mensagens políticas para a solução dos problemas
foram cada vez mais visíveis em qualquer canto do bairro unido pelo mesmo ideal de ver a
população em primeiro plano desse momento através das urnas, pelo menos este foi o plano
persuasivo a ser alcançado pelo Centro Cívico São Miguel que tinha como missão re-colocar
o seu representante Láfer no poder através de uma certa intimidade social-educativa:
Ao observar o desenvolvimento das atividades do Centro Cívico de São Miguel
Paulista, fortalece-se a convicção de seus fundadores que as organisações dêsse gênero
constituem, depois do voto, a mais segura arma de uma população na defesa ou no incremento
dos interêsses de uma coletividade. Com efeito, que é um Centro Cívico si não uma reunião de
homens interessados nas coisas e destinos de uma comunidade, e que pela sub-divisão cada vez
maior das funções orientadoras e fiscalizadoras, podem, chamando a si algumas atribuições das
autoridades eleitas, levar às mesmas , os resumos dos maiores anseios ou das mais imediatas
necessidades da coletividade que representam. Pode um Centro Cívico por meio de seus
Conselhos, comissões e sub-comissões, congregar indivíduos de interêsse nas cousas públicas,
selecionando-os mesmo conforme suas melhores aptidões que agirão como verdadeiros fiscais
ou advogados do eleitorado desde o núcleo central de uma localidade, até às suas esferas
periféricas mais longínquas. Que é, por exemplo, o Centro Cívico de São Miguel, si não a
nossa personalisação como entidade jurídica com direitos de exprimir em nome da população,
junto aos Poderes Públicos, tudo aquilo que São Miguel requer e necessita ter.
Estamos vendo que, com a colaboração de todos, pessoas, firmas e indústrias de São
Miguel, está se desenvolvendo um trabalho sadio e construtor, e que a população de São
Miguel tem no C.C.S.M. um ponto de referência, uma proteção àquele sagrado direito
democrático de fazer-se ouvir pelas autoridades eleitas depois de dar-lhe o voto de eleição.
41
Após uma forte e cotidiana presença da propaganda, o líder Horácio Láfer apareceu
perante seus eleitores como o novo Deputado Federal em outubro de 1954, ou seja, o ser
supremo conseguiu voltar ao trono novamente:
Na tarde do dia 23-10-54, o Tribunal Regional Eleitoral fez a proclamação oficial dos
candidatos a cargos eletivos do Estado e Deputado Federal.
Assim sendo, fomos encontrar na relação de Deputados Federais, o nome do Dr.
Horácio Lafer, que registrado sob a legenda política do PSD-PR obteve esplêndida vitória com
31.717 votos.
Creador da admiração pública que é, conseguiu assim o Dr. Lafer a sua eleição para
aquele alto cargo político do país, por intermédio do qual será a partir de agora, representante
do povo, naquilo que lhe diga interesse.
41
Nitro Jornal, nº 22, outubro de 1954, p.10.
88
Está de parabens o povo de São Paulo e mais ainda de São Miguel, por ter como
representante na Câmara Federal, um homem da têmpera dêsse político, que pelo seu passado,
demonstrou o muito que se pode fazer ao povo e à nação, aquele que, ao par da desenvoltura
intelectual, visa ampla, isenção de ânimos, tem o caráter reto, inabalável no seu desejo de mais
e mais servir a pátria e à sua gente.
42
A educação moral e cívica e a sua prática pedagógica no cotidiano social serviram
como um instrumento político e ideológico de persuasão ao seguimento de algo proposto em
troca da esperança de crescimento e do assistencialismo. O voto dos moradores de São Miguel
não representava simplesmente um ato político, mas a fantasia em depositar a esperança em
uma transformação local que tanta necessidade tinha para viver.
Uma das práticas assistencialistas no cotidiano foi assegurar o voto dos trabalhadores
internos da fábrica com a criação da Cooperativa da Nitro Química que introduzia o direito
aos seus funcionários de adquirir alimentos, como comentou Amauri da Cunha, na compra
com “tickets” oferecidos pela fábrica:
É, e quando eu me casei a Nitro Química tinha uma cooperativa, era a cooperativa da
Nitro Química. A Nitro Química dava tudo, então a gente comprava, parceiro comprava na
cooperativa da Nitro Química, ali tinha de tudo. (...) Descontava em folha, ela dava o vale
assim de papel assim, uma espécie, esses talõezinhos assim de rifinha. Uma folha de dez, uma
folha de cinco. (...) E pra compra na cooperativa, você ia lá, comprava cinco, comprava
vinte, comprava cinqüenta. (...) É, ali ele gastava de acordo com que ele ia precisando, ele ia
comprando depois, destacava, o cara do balcão destacava aquela... aqueles ‘tikets’ que
precisava e ocê ia... aquele resto ia outra vez ? ‘Mais’ tinha de tudo, tinha roupa,
tinha tudo. era cooperativa completa, tudo que você precisava existia lá. Calçado, arroz,
tudo, tudo, tudo,tudo, tudo que você necessitava a cooperativa tinha, era completa.
43
O próprio funcionário que vivia com um salário mínimo complementou a fala ao
relatar os dias de se fazer as compras e a organização do local:
Porque ali era pra atender os empregados ? o pessoal da Nitro Química
mesmo. Era horrorosa viu ? Pra comprar. Pô, seis mil pessoas. Seis mil pessoas pra uma
cooperativa, chegava sábado e domingo... É chegava o fim de semana era triste pra você...
Ficava lotado de gente pra comprar, era ruim, era nessa parte era um pouco difícil que as
42
Nitro Jornal, nº 23, novembro de 1954, p.13.
43
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
89
coisas era mais barata, a vida era outra, porque pensou “cê” ganhar um salário mínimo,
pagar aluguel, se manter, família e prestação e tudo num salário mínimo ?
44
A Nitro Química conseguiu absorver o monopólio do comércio local e a administração
da vida financeira dos seus trabalhadores. Todo tipo de compra estava sendo controlado
burocraticamente pelo cotidiano administrativo fabril:
(...) então o giro financeiro de São Miguel girava assim em torno da fábrica, girava tudo em
torno dela né ? Quer dizer que ela segurava o rojão de tudo aqui viu. Todo comércio, toda parte
ela que segurava. Tinha um Clube, tinha um Clube aqui embaixo que quase tudo era
dela funcionou São Miguel por causa da Nitro Química, agora ela acabou mas São Miguel
ficou.
45
A fábrica tinha uma participação direta no consumo local também por ter relações
diretas com os comércios da região por estarem juntos dentro de uma mesma política de
harmonia e segurança nos negócios como, por exemplo, a compra na farmácia:
É, e tinha as duas mais a Drogaluz é que na época que existia que imperava que
vendia a prazo pra descontar na Nitro. Tinha uns turcos aí, comprava, descontava na Nitro,
mandava fazer terno, comprava relógio... (...) aquela loja do turco, ali era quase tudo de turco
aqui em São Miguel, tinha uns turquinho aí. Eles vendiam a prazo pro pessoal da Nitro, tinha
um conceito ? Então vendia pra você se você trabaiava na Nitro ele vendia, se você não
trabalhasse era sem chance. Já ia descontado na folha.
46
A fábrica possuía uma ligação direta com os grandes comerciantes do local que faziam
parte também nas campanhas assistencialistas, muitas mercadorias que foram doadas em dias
festivos por eles, além de terem ligação direta com o Centro Cívico São Miguel. Foi uma
verdadeira organização moral e de costumes a fim de normalizar a consciência dos
trabalhadores e dos moradores ao caminho certo do voto e da glorificação dos grandes feitos
históricos, cultuando desde a sala de aula os grandes heróis.
Esses imigrantes, como os turcos, por exemplo, que participavam da vida econômica e
política do bairro junto a Nitro Química, ajudavam a conduzir a vida cotidiana do comércio.
44
Idem. Ibidem.
45
Idem. Ibidem.
46
Idem. Ibidem.
90
Não existiam muitas lojas no local, por isso certo monopólio eles construíram justamente pela
falta de opções dos moradores para adquirir suas mercadorias, como os móveis e as roupas:
Tinha um, tinha uns comércios duns turcos de casa de móveis, na rua Salvador
Medeiros que é a rua da estação sabe ? Ali perto onde pega o trem. Ali tinha uns comércios de
loja de roupas e móveis dos turcos. Tinha o Miguelão e outros, e outros, tudo turco.
47
São Miguel Paulista estava estruturado e organizado, isso segundo o planejamento
institucional, pelos diretores da fábrica e pelo comércio a seguirem civilizadamente os
caminhos do progresso e da moral nacional, mas na verdade para esses moradores e
trabalhadores o que interessava mesmo foram as coisas úteis que poderiam aproveitar como as
festas, os tickets, entre outras coisas que necessitavam para o seu cotidiano.
2.3 – O padre e a vigilância moral da sociedade
A Igreja Católica foi diminuída do cenário político durante a República Oligárquica do
café-com-leite, mas com a Revolução de 30 ela acabou sendo reintegrada novamente ao poder
junto ao Estado com o Cardeal Dom Sebastião Leme, arcebispo do Rio de Janeiro com a
política do presidente Getúlio Vargas.
Essa ligação foi uma necessidade eclesiástica em poder acompanhar melhor a
realidade social, política e econômica, ou seja, do mesmo modo que as elites dirigentes do
país se subordinam às ideologias dominantes na Europa e nos Estados Unidos, ao liberalismo
ou ao positivismo, assim a Igreja vai seguir um caminho paralelo, na sua reforma. Se as elites
se tornam “estrangeiras” na sua cultura, também a Igreja, fazendo vir da Europa uma centena
e meia de congregações e ordens religiosas masculinas e femininas, num curto período de
trinta anos, vai se europeizar e romanizar, tornando-se estranha à religião luso-brasileira, até
então praticada pelo povo e veiculada pela própria Igreja.
48
No período de 1930, o Rio Grande do Sul nas regiões de colonização alemã e italiana
foi que a Igreja Católica se fez absoluta na sociedade civil, com diversos sacerdotes, com
redes de cooperativas de crédito, produção e consumo entre os colonos, uma sólida classe de
pequenos proprietários, pequenos industriais e comerciantes inteiramente ligados à Igreja,
uma rede de escolas, colégios e hospitais que não encontravam concorrente nem mesmo no
47
Depoimento de Cícero Antônio Pereira concedida ao LabDoc – Unicsul.
48
BEOZZO, José Oscar. A Igreja entre a Revolução de 1930; O Estado Novo e a Redemocratização. In: O
Brasil Republicano. 4. Economia e Cultura (1930 – 1964)
. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. p.279.
91
Estado, jornais e boletins e finalmente laços bastante importantes de militares e políticos com
a Igreja.
49
Por isso, essa “união” começou a ter efeito em 16 de julho de 1930, ano em que o
Papa Pio XI, a pedido do episcopado brasileiro, declarou Nossa Senhora Aparecida padroeira
do Brasil,
50
até então, o padroeiro
51
era São Pedro de Alcântara por força do nome do
primeiro e do segundo imperador no século XIX.
Uma outra reforma que aconteceu também a partir de 1930 foi o surgimento do
Movimento Circulista, que tinha como proposta criada pela Igreja Católica de organizar o
movimento operário como se fosse um verdadeiro sindicato.
52
Com esse movimento circulista
53
colocado em quase todas as áreas fabris do país, foi
trazido o pensamento conservador do Governo e a postura anticomunista, se fazendo
aproximar mais dos trabalhadores para a consolidação da nova ordem social republicana. O
circulismo não nasceria distante do Estado brasileiro, pelo contrário, complementaria o poder
estatal com a criação em 1931 do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio se dedicando
ao assistencialismo, a orientação religiosa do povo e ao anticomunismo.
Outro ponto comum foi a consideração da propriedade privada como um direito
natural sobre as coisas, pois os homens, diferenciando-se dos demais animais pelo uso da
razão e da inteligência, não desejariam apenas o uso mas também a posse do mundo que lhe é
exterior. Dessa forma, possuir bens faria parte da natureza do próprio homem, com suas
indústrias e instituições, estabelecesse a propriedade particular, para que o ser humano fizesse
dela uma extensão do próprio corpo, com que glorifica a Deus. Considera-se ainda o
49
Idem. p.275.
50
DIAS, Romualdo. Imagens de Ordem: a doutrina católica sobre autoridade no Brasil (1922-1933). São
Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1996. – (Prismas). p.129-130.
51
Independente dos detalhes de sua iconografia, a imagem passa a ser definida pelo seu uso e pelas expectativas
depositadas na intervenção do santo. Ela pode estar significando proteção, agradecimento, referencial de
identidade, etc. Presente no quotidiano do devoto, a imagem aponta para a existência de um vínculo, de uma
memória, que bem pode ser a obtenção de uma graça ou a lembrança de alguém morto. Estas variadas
significações exigem muitas vezes que a imagem adquira denotação através de um texto, que, no caso dos
santinhos de papel, pode ser a oração ao santo ou as circunstâncias da impressão, como nas estampas de
falecimento. Ver em: TORRES-LONDONÕ, Fernando. Imaginária e Devoções no Catolicismo Brasileiro. In:
Projeto História. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, 2000. nº 21. p.261.
52
O movimento circulista no Brasil baseava as suas ações nos fundamentos filosóficos e teológicos da chamada
Doutrina Social da Igreja Católica. Oficialmente essa doutrina iniciou-se com a encíclica Rerum Novarum do
Papa Leão XIII, de 15 de maio de 1891 sobre a questão operária. Ver em: ZAMPIERI, Wilson João e
IMAMURA, Avelar Cezar.
Padre Aleixo Monteiro Mafra: o pastor de almas de São Miguel Paulista. São Paulo:
Universidade Cruzeiro do Sul, 2000. p. 77.
53
Em 1937, quando foi constituída a Confederação Nacional dos Círculos Operários, o movimento contava
com trinta e quatro Círculos organizados e cerca de 31.000 membros, em cinco estados brasileiros. Ver em:
SOUZA MARTINS, Heloísa Helena Teixeira de.
Igreja e Movimento Operário no ABC: 1954-1974. São Paulo:
HUCITEC; São Caetano do Sul: Prefeitura de São Caetano do Sul, 1994. p. 86.
92
patrimônio de um homem como o prolongamento de sua vida, aquilo que ele constrói para
deixar para sua família; assim, a propriedade é sagrada.
54
A doutrina circulista é muito simples e de muito fácil absorção. Suas bases foram
sistematizadas num documento intitulado Manual dos Círculos Operários, cuja primeira
edição data de 1948.
55
Mas antes mesmo da criação desse documento existiam vários Centros
Operários Católicos espalhados pela cidade de São Paulo.
Dois anos antes desta data surgiu o Círculo Operário São Miguel Paulista, que tinha
como um dos principais poderes organizadores a Igreja, e a finalidade atrair as mulheres para
a realização de cursos como os de Corte e Costura e o de Arte Culinária para que ocupassem
melhor o tempo, mesmo aquelas que trabalhavam nas máquinas de tecelagem dentro da
fábrica Nitro Química.
No dia 2 de março de 1941 a população de São Miguel Paulista viu chegar a praça
Campos Sales onde se localizava a Igreja Matriz um padre de batina, de feição enérgica e
austera, aparentando ser uma pessoa madura. O seu nome era Aleixo Monteiro Mafra e vinha
acompanhado de sua família. Ele vinha tomar posse da sua paróquia e conhecer o seu
“rebanho”.
56
Esse Círculo, por sua vez, teve veiculação nas páginas do Nitro Jornal aos operários
intitulado como Página Circulista, tendo como presidente Pedro Redoschi que foi um aliado
direto da diretoria e ligado ao Padre Aleixo que conhecia bem a sociedade miguelense,
além de ter uma grande influência entre as famílias:
Realizaram-se com todo o brilhantismo, no dia 7 de fevereiro ultimo, as solenidades
comemorativas da entrega dos diplomas às alunas que concluiram os cursos de Corte e
Costura, Arte Culinária e Curso Popular, mantidos pelo Círculo Operário São Miguel.
As 8 horas foi resada missa de ação de graças, na matriz local, sendo celebrante o
revmo. vigario, padre Aleixo Monteiro Mafra.
A´s 20 horas, na sede do Clube de Regatas Nitro Química, teve lugar a sessão solene,
grandemente concorrida, e que se realizou sob a presidencia do Sr. Pedro Redoschi, presidente
do Circulo Operário, o qual se abrir a sessão, começou fazendo um retrospecto do que foi São
Miguel Paulista no passado e do que é atualmente, fazendo ressaltar o papel que, nessa
evolução, coube á Cia. Nitro Química Brasileira, comandada pelos srs. Drs. José Ermírio de
Moraes, Marcelo Milliet Kiehl e Eduardo Sabino de Oliveira; além desses, eram tambem
54
FARIAS, Damião Duque de. Em Defesa da Ordem: aspectos da práxis conservadora católica no Meio
Operário em São Paulo (1930-1945). São Paulo: HUCITEC, 1998. p. 167-184.
55
STEIN, Leila de Menezes. Trabalhismo, Círculos Operários e Política: a construção do sindicato de
trabalhadores agrícolas no Brasil (1954 a 1964).
São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008. p.176-181.
56
ZAMPIERI, Wilson João e IMAMURA, Avelar Cezar. Op. Cit. p. 34.
93
homenageados da noite o sr. Antonio D´Almeida D´Eça, cujos relevantes serviços ao Circulo
foram salientados pelo orador, estendendo-se também sobre os benefícios que distribuem os
cursos mantidos por essa sociedade, permitindo aos filhos de seus associados desenvolverem
seus conhecimentos, assim conseguindo elementos para melhorarem seu padrão de vida.
57
O Círculo Operário São Miguel Paulista (COSMP) tinha uma estrutura política
que contava com a união da Igreja com os trabalhadores da Nitro e os seus diretores em
atividades assistencialistas que atingia a todos no bairro, possuía também eleições anualmente
para recompor a administração dos eventos empregada no local.
Também tinha como objetivo ser um complemento cultural e educacional religioso,
em Educação Moral e Cívica e ao assistencialismo social que envolvia tanto os moradores
como também a manutenção da harmonia interna dentro da fábrica, além de ter uma grande
preocupação em relação a conduta dos jovens:
O C.O.S.M., fundado a 24 de Janeiro de 1946 nesta localidade teve como primeira
Diretoria, os Snrs. Rafael Gonçalves Fuentes Filho, Presidente; Avelino Assis Cardoso, Vice-
Presidente; José Ferraz de Oliveira e Silva Filho, Secretário; Waldey José de Oliveira, Segundo
Secretário; Benedito Pires Eustachio, Primeiro Tesoureiro; Julio José de França, Segundo
Tesoureiro e Revmo. Padre Aleixo Monteiro Mafra, Assistente Eclesiastico e, tem por objetivo
coordenar a atividade de seus associados dentro de uma organização forte e perfeita, para os
seguintes fins:
1 – Prestar-lhes todo o gênero de benefícios e defesa a saber:
a) Cultura moral, intelectual, social e física, pela fundação ou adesão de escolas,
pela realização de conferências, pela imprensa, pelo rádio, cinema educativo, teatro,
esportes, escotismo, etc...
b) Proteção social, por uma assistência carinhosa e eficiente nas oficinas, escolas e
lares, advogando os interêsses legítimos da classe.
c) Auxílio Jurídico, médico, farmacêutico, dentário e material, pelas várias formas
de beneficência e mútuo socorro.
2 – Colaborar com o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, consoante o
decreto-lei n. 7.164, de 12 de Maio de 1941, e em entendimento com as entidades circulistas
hierarquicamente superiores, visando a realização, progressiva do programa de ação com
respeito à legislação social contido na 2ª parte do Manual do Círculo Operário.
3 – Fundar e incentivar a fundação de cooperativas ou armazéns circulistas, bem como
favorecer a sindicalização das classes.
57
Nitro Jornal, nº 03, março de 1953, p.04.
94
4 Promover à formação de Núcleos do Círculo e a sub-divisão em zonas e,
igualmente, a formação de grupos nas Fábricas, oficinas e estabelecimentos em geral bem
como de centros da Juventude Operária Católica.
5 Restaurar a paz no mundo do trabalho, pelo respeito aos direitos recíprocos e pelo
restabelecimento de relações harmoniosas entre operários e patrões.
58
A educação moral e cívica foi uma das estratégias político- nacional que tinha como
objetivo a vigilância dos velhos costumes através de sua reprodução social. O padre, por sua
vez, foi um grande vigia
59
nas propriedades dos moradores de São Miguel para verificar a
forma como viviam e se comportavam perante as regras e as doutrinas que deveriam ser
seguidas no cotidiano.
Essa instituição também aparecia como um Sindicato Alternativo aos trabalhadores
associados, evitando assim maiores contatos com os sindicatos representativos dos químicos e
futuras tentativas de aproximação à ideologia comunista tão propagada no período da década
de 50, tentando evitar assim conturbações grevistas contra essa ordem “estruturada”.
A ordem mantinha o equilíbrio e a harmonia social, isso tanto no trabalho quanto na
convivência cotidiana no bairro, repudiando assim qualquer tipo de violência contra a
naturalidade de trabalho imposta pelo domínio do capital:
Para coordenar êstes ideais, o Círculo apoia-se nos seguintes princípios, adotados com bases
firmes e inabaláveis:
1 A doutrina moral do Evangelho de Cristo, Código divino e inegualável de justiça, respeito
mútuo, amôr e harmonia entre os homens.
2 – A orientação sociológica contida nas encíclicas: - “Rerun Novarum” de Leão XLII,
“Quadragésimo Ano”, de Pio XI e outros documentos pontifícios.
3 – Repudio a luta sistemática e violenta de classes.
4 A fórmula de Tiniolo: “O Trabalho cada vez mais dominante, a natureza cada vez mais
dominada, o capital cada vez mais proporcionado.
5 A necessidade de intervenção moderada do Estado na questão social no sentido de
controlar e regular o justo salário, a justa produção e o justo preço.
6 – Conservar-se acima e fóra da política partidária.
60
Com essa posição eclesiástica dentro da realidade político-social a que está atrelada,
esses ideais estão colaborando com o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e
58
Nitro Jornal, nº 05, maio de 1953, p.04.
59
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.
60
Idem. Ibidem.
95
comportando-se como um Sindicato apartidário aos interesses “pacíficos” dos poderosos da
indústria. A naturalização da realidade fez com que muitos operários não tivessem motivos
para reclamar, mas apenas seguir o destino imposto pelo poder.
Essa posição alternativa tinha como objetivo evitar as manifestações que aconteceram
frequentemente em São Paulo entre as décadas de 40 e, principalmente, na de 50, para afastar
as fortes manifestações comunistas em troca de festas e benefícios conduzidos pela política
assistencialista eclesiástica e nitrina. Conforme disse a ex-funcionária da fábrica Elízia
Moreira Cardoso que trabalhou no setor têxtil, esse sindicato não dava tanto espaço assim
para quem não trabalhasse lá dentro:
Sempre com o grupo, é uma gente que estudava no Círculo Operário, eles,
eles chamavam Círculo Operário, porque era o sindicato né? E a turma que
estudava naquela escola de Corte e Costura era tudo operário da Nitro Química.
Aquela época trabalhava nessa Nitro Química sete mil pessoas, se imagina como
São Miguel era assim, tudo gente trabalhava, sete mil pessoas trabalhavam naquela
época entre 1959, 60, 58, por aí, essa data aí.
61
A proposta para a consolidação dessa “sociedade circulista” ainda continuava a ser
expressa também pelo Nitro Jornal, com a finalidade de deixar bem claro os direitos dos
sócios, mas principalmente os seus deveres de associados em cooperar para desenvolver o
espírito circulista de paz e produção no trabalho:
São deveres dos sócios:
- Cultivar as vistudes que dignificam sua classe; assiduidade ao trabalho, espírito de ordem,
sobriedade, economia, etc...
- Respeitar e fazer respeitar os estatutos e os varios regulamentos do C.O. adatando-se ao
espírito circulista.
- Acatar as ordens legitimamente dadas pela Diretoria do Círculo e da Comissão Executiva do
Núcleo a que pertencer.
- Guardar os domingos, dias santificados e festas nacionais, quando possível.
- Pagar dentro do prazo determinado a mensalidade e as contribuições do departamento e
seções, em que se houverem inscrito.
- Prestar o seu concurso para maior florescimento do Círculo e informar a administração
qualquer ocorrência que possa vir prejudicar os interesses e o bom nome do Círculo.
62
61
Depoimento de Elízia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
62
Nitro Jornal, nº 07, julho de 1953, p.05.
96
O Estado possuía uma séria deficiência no campo da assistência social, assim, o
circulismo agia exatamente nestes setores “deixados a descoberto”. Contudo, se aqui estava a
possibilidade de seu vertiginoso crescimento, talvez estivessem também as perspectivas de
seu declínio, à medida que o Estado Nacional “cumprisse” a sua tarefa. A Igreja Católica,
atuando através do movimento circulista e de acordo com os objetivos da Ação Católica
Brasileira, desejando restaurar a sociedade por meio da doutrina cristã, queria também exercer
no operariado maior influência, combatendo outras concepções ideológicas, notadamente o
comunismo, mantendo sob controle o campo religioso e, com isso, legitimando-se perante as
classes dominantes.
63
Esse controle ideológico estava também atrelado ao poder empresarial com o da Igreja
com o objetivo de assegurarem a ordem social através da manipulação da subjetividade do
operário em vigilância constante até mesmo nas horas de lazer. O medo de sofrer algum tipo
de punição foi constante, tanto no chão da fábrica como no chão das ruas do bairro, em
quebrar de algum tipo de regra ou mandamento que desrespeitasse a origem social implantada
pelo poder que se mantêm através da racionalidade no controle do outro.
64
A Igreja não estava somente representada pelo Círculo Operário, sendo ele voltado
principalmente aos trabalhadores da Nitro Química, mas ela estava universalmente nos
corações das pessoas cristãs de todo o bairro localizado na praça Campos Sales
65
que envolvia
o centro das relações cotidianas das pessoas.
A praça não era simplesmente um ponto específico para se rezar na capela, mas
também para se encontrarem uns com os outros, principalmente os jovens que se
preocupavam muito com o visual da moda para poderem conseguir uma “paquerinha”, o que
poderia ser mais tarde a concretização de um casamento, como bem esclareceu a moradora
Lais Haydeé:
A moda assim de roupa ? Era tudo simples, pra baixo do joelho quatro dedos, manga
comprida, a gente também passeava pra ir na Igreja, procissão, essas coisas assim. E
depois que eu casei também não viajei por que naquele tempo não era moda viajar, eu não,
63
FARIAS, Damião Duque de. Op. Cit. p. 211.
64
FOUCAULT, Michel. Op Cit, p.09-29.
65
São Miguel Paulista, segundo Bomtempi, foi fundado em 1560 pelo Padre José de Anchieta. Neste local vivia
uma aldeia de índios fortes e guerreiros chamada
Aldeia de Ururay. Com a aculturação católica no período
colonial a imagem desses índios foi representada pela do Arcanjo guerreiro São Miguel, do surgimento de um
novo nome para a região:
São Miguel de Ururay. Com a República Velha a praça aonde se localiza a Igreja
Velha
ou a Igreja dos Índios passou a ser denominada politicamente por Campos Sales. Ver: BOMTEMPI,
Sylvio.
Origens Históricas de São Miguel Paulista. São Paulo: Unicsul, 2000.
97
também era pobre né? Não tinha pra onde ir mesmo. A gente, quando muito, minhas colegas
que casavam, junto, que tinham mais dinheiro, ia pra Aparecida do Norte, só isso.
66
O espaço da praça, muitas das vezes, foi utilizado como ponto de encontro pelos casais
para poderem namorar ao ar livre. Serenatas cantadas, beijos e abraços
67
eram vistos com
olhos de imoralidade pelo sacerdote que pregava pelos bons costumes e criticava aquela
juventude que se perdia a cada dia, isso segundo os costumes pregados. Ali na frente da praça
observando esses acontecimentos, mas trancada em casa por ter um pai muito rigoroso, Maria
Fernanda dos Santos Gomes revelou algumas de suas lembranças da época sobre o bairro
trazido pela sua memória daqueles momentos:
É... a lembrança de São Miguel é das festas, é nas praças aí, na Praça de São Miguel, é
quando tava fazendo a Igreja, eu não saia e ficava em casa ouvindo o Padre reclamar que o
pessoal estava namorando atrás da Igreja, quebrando as telhas e ofereciam música, tinha os
parquinhos que eles ofereciam música, um oferecia música pro outro e eu estava sempre em
casa ouvindo, não saia, meu pai não deixava.
68
A relação cotidiana na sociedade jovem de São Miguel Paulista começava aos poucos
a demonstrar algumas quebras de costumes e regras contra o conservadorismo de alguns pais
e da Igreja. Os jovens nesse tempo estavam demonstrando através das atitudes e de novos
gostos um comportamento diferente, complementado pela moda trazida pela mídia da época,
como as rádios e a televisão.
Uma outra moradora do bairro, Maria das Graças Cancian, falou sobre a postura do
padre perante os jovens e a sua influência moral perante a sociedade miguelense:
Agora quanto a religião era, olha, na minha lembrança era o Padre Aleixo, esse padre
que todo mundo respeitava muito porque era um senhor, um velhinho, e muito bravo, e a gente
tinha que ir as Missas, e a gente tinha que prestar atenção, não podia ir de roupa curta porque
ele brigava, ele era uma gracinha e então ele comandava muito a vida do pessoal de São
Miguel.
69
66
Depoimento de Lais Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
67
DEL PRIORE, Mary. Anos 30, 40 e 50. In: História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2005. p. 282-
289.
68
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
69
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
98
Uma parte da população tinha a imagem do padre em suas vidas como um ser comum
que compartilhava vários momentos importantes recuperado pela memória de muitos
moradores, como relatou Elízia Moreira Cardoso sobre a imagem do seu casamento e da
construção da Igreja Nova devido ao grande aumento populacional na década de 50:
nós se casamos na igrejinha dos índios né? (...) Casamos lá, Padre Aleixo fez o
casamento. (...) O Padre Aleixo fez o casamento e tiramos foto no Cine Lapenna. (...) Nossa,
muito bom amigo né? Muito bom, trabalhava muito, pra construir aquela Igreja, foi ele que
começou né? que depois ele ficou doente, não deu pra ele terminar nem chegar na metade,
mas foi ele que iniciou ne? A construção da Igreja tudo, alicerce tudo, foi ele que fez.
70
A Igreja possuía um papel chave no cotidiano social justamente porque a grande
maioria da população migrante era católica. Por isso, vários meios para integrá-los a
moralidade cristã foram proporcionados, dentre eles as procissões em datas específicas que
fazia com que os moradores passassem de casa em casa nas vilas para rezar o terço, mas
Maria Fernanda dos Santos Gomes foi clara e direta em dizer que para ela e para muita gente
a festa mesmo era após o terço rezado onde os comes e bebes envolvia todos em uma grande
festa:
Antigamente tinha as procissões nas vilas, eles visavam os terços nas casas, tinha
aquele terço, saia a procissão é que ia ser rezado outro terço na outra casa na semana seguinte,
então incentiva os jovens a participar desse terço que no final desse terço tinha comes e bebes,
então todo mundo ia, era um divertimento.
71
O ritual das procissões, com a presença dos fiéis nas ruas e a passagem pelas casas dos
devotos, exigia necessariamente maior participação das pessoas que a missa dominical,
naquele período ainda se rezava em latim e era celebrada com o padre de costas para o
público. Além disso, o caráter lúdico e muitas vezes festivo das procissões era bastante
atraente para os moradores, particularmente para as crianças.
Mas São Miguel mesmo tendo a maioria de sua população católica também tinha
espaço para outros tipos de religiões que conviviam juntos como o protestantismo, a umbanda
e o candomblé. Um dos moradores que pertencia a Igreja Batista, Aloízio Vieira dos Santos,
70
Depoimento de Elízia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
71
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
99
relembrou de alguns desses momentos do invocado padre em um duelo retórico com um
pastor em plena praça Campos Sales no centro urbano do bairro:
O Padre Aleixo era... ele era muito conhecido. Ele comandava essa região toda. Ele
pegava tudo isso aqui, era como se ele fosse um cardeal aqui em São Miguel. Ele comandava
tudo né. (...) Eu lembro dele. Era um senhor... um velhão, forte, alto, brigava muito com o
pastor Mário Valadão que era pastor de um lado e ele de outro. É da Igreja Batista, primeira de
São Miguel. (...) É Batista, a primeira Batista de São Miguel. Então eles eram muito eloqüentes
no discurso certo? Eles ligavam o microfone e o outro ligava de (...) de conflito
religioso.
72
Apesar da imensa maioria de católicos migrantes que compunham o bairro, poucos
freqüentavam a Igreja ou encontravam-se sob a direta influência dos preceitos religiosos e de
suas regras. É evidente, de um lado, que em momentos importantes das vidas dos moradores,
como batismos e casamentos, ou ainda em momentos lúdicos, como festas e procissões, a
religião e a Igreja faziam-se presentes. Para muitos migrantes, entretanto, a vinda para a
cidade significava um claro enfraquecimento da influência da Igreja e da figura do padre
sobre sua vida cotidiana.
73
O padre se utilizava também das páginas do Nitro Jornal para se comunicar com os
leitores e fiéis da fábrica objetivando seduzir os sentimentos católicos à doutrina e a
obediência em comunidade. Mensagens voltadas às mulheres, às mães e às crianças foram
circuladas para incorporá-las ao modelo ideal de educação entre a família, a sociedade e a
Igreja, como ele se refere neste texto ao explicar o gosto da maternidade:
Dizem que Nossa Senhora enxuga a fronte da mãe que acaba de ter um filho, e parece
ser assim; pois, tendo sofrido, às vezes, o máximo que pode sofrer, esquece, logo tudo, para
contemplar, extasiada, a criança que será desde então a razão de sua vida.
O gosto de ser mãe excede em muito, as angústias da maternidade. A princípio o bebê
é admirado como um ente frágil, pequenino, que inspira desvelos e cuidados; é algo que agrada
à vista, que distrai, é quasi como um brinquedo. uma festa para os olhos, ver as faces
rosadas e sadias, as mãozinhas , os pés pequeninos, quando balbucia sozinho, quando boceja
sonolento ou quasi sorri aos agrados que recebe; um enlevo, na vida da mãe, empolgada pela
maternidade.
72
Depoimento de Aloízio Vieira dos Santos concedida ao LabDoc – Unicsul.
73
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Op. Cit. p.205.
100
Mas se a creança adoece, tudo muda; vem o pavor de perder aquele ente, que nem
siquer sabe onde dizer onde lhe doe e seguem-se as vigílias ao pé do berço, em longos
cismares, em que tudo lá fora desaparece para ceder lugar às doridas preocupações maternas.
Aos primeiros sinais de melhora é como se rompesse a alvorada de um novo dia,
como se tivesse nascido um novo sol.
E depois vêm os primeiros dentinhos, as primeiras palavras, os primeiros passos e
tudo é festa, porque o filho para a mãe é a mais robusta, a mais bonita, a mais inteligente de
todas as creanças que existem.
São estas as glórias da maternidade.
O amor materno é uma razão profunda no importante papel, que lhe é dado na
educação. Amar e fazer-se amar pela creança, será sempre o grande motivo de progresso, nessa
tarefa que exige muito de abnegação e sacrifício. “Tudo que sou devo à minha mãe, dizia o
grande Santo Agostinho; ela não deu somente a vida corporal; transmitiu-me, também, a vida
da alma”. São Bernardo, homem belo e de espírito fulgurante, sempre rodeado pelas ilusões de
uma vida mundana, assevera que um pensamento irresistível o impede de precipitar-se na
perdição; o pensamento de sua mãe.
74
Através desse veículo interno a também foi muito propagada através das palavras e,
também, das imagens, isso com a finalidade de envolver e comover o público leitor à reflexão
das datas religiosas ou mesmo dos erros que cometiam os trabalhadores todos os dias. Por
isso, a imagem infantil foi muito usada nas páginas dos jornais, criando um clima intenso de
sensibilidade aos seus pais para que prestassem mais atenção no cotidiano em suas tarefas:
NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna.
Ano III. São Paulo, Junho de 1955. Nº30. p. 11.
74
MAFRA, Pe. Aleixo Monteiro. Para o Dia das Mães. In: Nitro Jornal, nº 17, maio de 1954, p. 08.
101
O padre se manifestava nos jornais da fábrica em datas comemorativas como a páscoa,
o natal, entre outras, para garantir através das palavras o espírito festivo e religioso que
envolvia todos os trabalhadores àqueles momentos de amor e confraternização através da
caridade:
A exemplo dos anos anteriores, o C.O.S.M. patrocinará este ano mais um Natal das
Creanças pobres de São Miguel Paulista. Para tanto a Diretoria já está programando a execução
de dois “Shows”, em benefício dessa nobre campanha, e desde apela para os corações
generosos que sempre prestaram seu apoio à estas iniciativas para minorar o sofrimento e dar
um pouco de alegria aos menos afortunados.
“Comparecendo aos festivais, você estará contribuindo para um ato de caridade.
75
Após a realização da festa que garantiu um momento de felicidade para “diminuir o
sofrimento” da comunidade, o Nitro Jornal foi utilizado para mostrar o resultado dessa festa
realizada em conjunto entre a fábrica, a Igreja e o Comércio, isso com a finalidade de mostrar
que o espírito de solidariedade pertence a todos em conjunto, assim não como ver
hierarquia se a atitude harmoniza o ambiente:
Conforme divulgamos em nosso número anterior, foi realizada, no dia 25-12 p.p., na
Praça de Esportes do Clube de Regatas Nitro Química, a distribuição de brinquedos às crianças
pobres desta localidade. Como acontece anualmente, tivemos uma frequência enorme e grande
entusiasmo por parte da petizada, a qual mercê da boa vontade da população, do comércio e da
indústria local, vem conseguindo umas horas de satisfação e alegria, no dia de confraternização
universal.
Muitos comerciantes do bairro se uniram na contribuição de dinheiro para a realização
das festas religiosas e também ajudaram na construção da Sede do COSMP. Em um bairro
onde a maioria da população estava composta por migrantes alguns imigrantes também
faziam parte do cenário social de São Miguel. Muitos desses eram comerciantes que vieram
do Oriente como, por exemplo, os libaneses e as suas lojas de tecidos e de móveis. Eles foram
sócios do Círculo e também dependiam da Paz e da Harmonia miguelense para que os seus
negócios não fossem perturbados pelas influências ideológicas externas da região.
A religiosidade fazia parte da vida cotidiana da sociedade miguelense. A cada ano o
bairro crescia mais devido as fortes ondas migratórias que não paravam de acontecer, para
75
Nitro Jornal, nº 11, novembro de 1953, p.07.
102
isso a imagem do padre em ser severo e rígido tinha a finalidade de organizar o
comportamento dos fiéis na forte urbanização que estava acontecendo desenfreadamente. O
inchaço populacional fez com que fosse construído no dia 13 de janeiro de 1952 a Nova Igreja
Matriz de São Miguel Paulista que teve como apóio a Nitro Química que doou boa parte do
material químico necessário para a construção. O Padre Aleixo assentou a pedra fundamental,
mas não conseguiu ver a obra acabada, falecendo em 11/02/1967, anos antes do término da
obra.
2.4 – A ideologia nos momentos de lazer: o Clube de Regatas Nitro Química
Uma indústria forte depende de corpos que estejam no mesmo ritmo de produção
perante a grandiosidade das máquinas e das caldeiras, para isso o exercício físico foi
fundamental para que os operários desenvolvessem melhor, e mais rápido, as suas habilidades
e os seus reflexos tão necessários para enfrentarem o cotidiano pesado e perigoso dos setores
químicos.
Em uma comunidade operária como a de São Miguel entre os anos 40 a 60, os padrões
de lazer estavam claramente condicionados pelas opções culturais e de entretenimento da
própria população, daí a preocupação de uma empresa como a Nitro Química diante o ‘tempo
livre’ de sua mão-de-obra em se preocupar com essa liberdade. No entanto, foi possível
perceber como os moradores do bairro aproveitavam dos espaços e das poucas opções
existentes de lazer na região, assim uma gama relativamente variada de divertimentos para
seus momentos de folga do trabalho foram fornecidos e incentivados no local.
76
Segundo a visão dos diretores da fábrica, o local proporcionava poucas opções de
lazer, daí o surgimento do
Clube de Regatas Nitro Química que foi muito utilizado tanto pelos
operários como também pelos moradores e um dos grandes momentos de diversão foi o
Campeonato de Futebol da LECI (Liga do Comércio e da Indústria) que acontecia entre os
trabalhadores da Nitro contra os trabalhadores de fábricas vizinhas:
Tendo o nosso quadro de Juvenil vencido brilhantemente e invictamente o
Campeonato da LECI, não podia a Diretoria do Clube deixar passar despercebido esse feito
sem tecer os maiores elogios a essa entusiasta rapaziada.
O Juvenil Nitro com galhardia trouxe para o Clube o brilhante título de Campeão
invicto da LECI do ano de 1952.
76
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Op. Cit. p.169.
103
Disputando 14 partidas, não conheceu adversários que pudessem quebrar a sua
invencibilidade.
Dos jogadores do Juvenil que souberam honrar as cores do Clube de Regatas Nitro
Química, a Diretoria sente-se cheia de orgulho e congratulou-se com esses jovens que tanto
fizeram para a conquista desse tão invejado título, e estimulando-os a continuar sua jornada
futebolistica.
Fazemos votos portanto, para que no correr do presente ano, esta mesma pleidade de
jovens que tão alto elevou as cores do Clube no último campeonato, mantenha seu título de
Campeão Invícto, concorrendo assim para maior brilhantismo de nossas atividades esportivas.
77
O nome do time Nitro Química que os jogadores carregavam estampado no peito junto
ao coração, tinha que ser honrado com suor e amor em suas camisetas, isso através de vitórias
e de glórias que nem sempre foram alcançadas devido a alguns comportamentos, pois em um
jogo de futebol onde o espírito de competição foi muito grande, os jogadores muitas vezes se
olhavam como verdadeiros inimigos, consequentemente, a pancadaria entre os times
acontecia e desestruturava a organização dos clubes e do próprio campeonato:
Afim de apurar os responsáveis por lamentáveis acontecimentos ocorridos entre os
visitantes e jogadores do nosso quadro, houve por bem esta Diretoria suspender todos os seus
atletas, até segunda ordem.
Após contornar a situação e eliminar os responsáveis, a Diretoria deliberou a volta ao
cenário esportivo da nossa representação, sempre dentro das normas sadias do esporte. Dirigirá
o time o Snr. Afonso Bruno Neto, veterano das nossas canchas até, poder contar com o diretor
efetivo, o popular <<Carlinhos>>, o qual se acha enfermo. Para tanto espera continuar
contando com a colaboração de todos para que o Juvenil C.O.S.M. volte às lides esportivas
com o prestígio e o bom nome de que sempre foi possuidor.
78
Mas o time de futebol da Nitro Química sempre foi muito bem estruturado no período
a ponto de conseguir ganhar alguns campeonatos como, por exemplo, o da LECI, patrocinado
pela Liga do Comércio e Indústria, que foi um dos principais disputado entre os trabalhadores
de diversas indústrias. O time após ser campeão e levantar a taça conseguia conquistar o
respeito dos outros times que representavam outras fábricas de vários lugares da cidade:
77
Nitro Jornal, nº 04, janeiro de 1953, p.07.
78
Nitro Jornal, nº 06, junho de 1953, p.04.
104
Correspondendo plenamente à expectativa, sagrou-se o C.R.N.Q. campeão de futebol
da categoria de aspirantes do certame patrocinado pela Liga do Comércio e Indústria
<<Leci>>.
Realmente, o conjunto nitrino no confronto com os seus adversários despontava, no
início e no decorrer do campeonato, como o provável vencedor, previsão essa que veio a
confirmar-se para gáudio dos diretores, sócios e simpatizantes do Nitro Química. Não foi, no
entanto, sem superar grandes obstáculos que os pupilos do técnico Ivo Tossi chegaram à meta
final ostentando merecida e orgulhosamente o título de campeões. Êles tiveram pela frente, em
jogos sensacionais, os melhores quadros do futebol menor de São Paulo filiados à Leci e, em
todos os prélios, souberam defender com dedicação, desprendimento e classe as gloriosas cores
do C.R. Nitro Química para, no final da jornada, enriquecê-lo com mais um título de valor
inestimável: Campeão da liga do Comércio e Indústria do ano de 1955.
Congratulamo-nos com a Diretoria do C.R.N.Q. pelo brilhante feito, e apresentamos
aos jogadores, lídimos campeões da Leci, as nossas felicitações pela magnífica conquista. São
êles os seguintes: Pantera, Zé-Café, Lampeão, Lauro, Julião, Miguel, Julinho, Levy, Humberto,
Nelson, Antoninho, Luizinho, Celso e Mineirinho.
79
O nome e a força da fábrica cresciam de acordo com as conquistas dos campeonatos,
isso para propagar o seu alto grau de eficiência, raciocínio e agilidade que aqueles
trabalhadores possuíam tanto na produção quanto no lazer. A seriedade e o compromisso com
os afazeres foram demonstrados através das glórias e das conquistas no campo para todos, que
fazia também representar o poder das máquinas no mercado.
A popularidade do time da Nitro nos campeonatos que participava era muito grande,
isso fortalecia a imagem da empresa como grandiosa por ter pessoas que sabiam honrar a
bandeira do Clube. O time, segundo a torcedora Maria Fernanda dos Santos Gomes, tinha
uma boa imagem perante o público a ponto de ser representado como o “Corinthians de São
Miguel”:
O que vinham disputar de de cima, da Vila Pedroso é com o pessoal de debaixo,
tinha aqui na Vila Siqueira porque aqui (...) tinha um monte de time que era uns, tem o mais
famoso era a Nitro Química que todo mundo, todo mundo não via a hora de marcar uma
partida pra ir jogar lá, é pra ir jogar, pra todo mundo fazer uma caravana pra ver os gelas,
assistir o pessoal da Nitro, porque o pessoal da Nitro era o Corinthians hoje, por exemplo, era o
Corinthians de São Miguel, então todo mundo ia pra Nitro ver os jogos.
80
79
Nitro Jornal, nº 37, janeiro de 1956, p.09.
80
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
105
Um dos jogadores do time, Júlio de Souza Nery, explicou a preparação física e
alimentar dos jogadores para agüentar a rotina de jogos, fazendo demonstrar também o
esforço para defender a camiseta da empresa onde trabalhavam e tanto se orgulhavam:
Nós não ganhava dinheiro naquela época, nós tinha um lanche. Acabava o jogo e
nós tomava um lanche, alguma cervejinha, depois nós passamos a ganhar 5 cruzeiros. Naquele
tempo era cruzeiro, cinco cruzeiros por jogo e tinha muita arregalia, treinava terça e quinta
no Clube, eles dava leite com aveia e davam 1 litro, mais ou menos, de leite com aveia,
injeções, vitaminas, fazia treinamento, tinha ônibus que carregava a gente, era essas coisas,
tinha boa regalia, tinha... sei que Clube foi uma grande coisa.
81
O poder do entretenimento, através do esporte e dos seus campeonatos, preenchia os
horários livres dos trabalhadores e dos moradores do bairro em seus finais de semana para a
construção de uma grande torcida que levantava a mesma bandeira. As contradições, os
baixos salários, o cotidiano em si foram temporariamente esquecidos, justamente nos
momentos de torcida e de descontração.
Além do futebol existiam outros modos de diversão, como por exemplo, a natação.
Mas um fato da época foi a falta de piscina para os campeonatos, por esse motivo alguns
Clubes fabris de várias regiões da cidade de São Paulo dependiam de meios e de lugares
alternativos para serem realizadas as provas, como o rio Tietê, assim falou Júlio de Souza
Nery que trouxe o processo de crescimento do Clube de Regatas Nitro Química:
É porque o Clube de Regatas Nitro Química foi fundado em 1939. Começou a ter o
Clube, tinha basquete, vôlei, natação, não tinha piscina naquela época, o clube e os diretores
naquela época eles faziam um “coche” de madeira e amarrado com corda e punha e a turma
ia nadar naquilo como se fosse uma piscina porque o Clube ali da Nitro Química é cercado
todinho em volta do Clube é o Tietê que passa, então vai daqui, começa e vai até a Marginal,
vai pra eles fazia esse “coche” e a turma ia lá, mesma coisa que tivesse na piscina. Aí começou
a surgir o futebol, boxe, tivemos muita a parte do futebol, boxe aí. Tivemos bons lutadores até
como tal de Tim Santana que é o atual, é... atual campeão mundial pesado né, ele foi da Nitro
Química, depois ele foi trabalhar na força pública e ali ele se destacou mais (...) e surgiu a parte
do futebol, começou a disputa, começou a disputar o Campeonato da Leci. Leci é disputa,
time de indústria foi passando o tempo e nesse decorrer do tempo chegou 1955, nós fomos
campeões da Leci, depois fomos campeões do Estado de São Paulo da Capital, fomos
campeões do Estado de São Paulo amador e aí nós passamos disputar a 2ª divisão.
82
81
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul.
82
Idem.
106
Com o tempo a piscina do Clube de Regatas Nitro Química foi construída, mas devido
ao desconhecimento cultural por parte de muitos migrantes da sua verdadeira utilidade, as
crianças e os adolescentes a usavam como um local de banho público, sujando a água e
causando um sério problema higiênico a todos aqueles que se banhava no mesmo lugar:
As piscinas de natação vieram, evidentemente, criar uma série de condições favoráveis
à prática de um dos mais completos e salutares esportes. Vieram também, entretanto, constituir
um grave problema higiênico, pela facilidade com que podem se transformar em focos de
terríveis infecções.
(...)
A piscina é uma reminiscência do banho público. A sua função, entretanto,
transformou-se inteiramente: não é feita para banho, mas para a prática de um esporte.
imprescindível, consequentemente, que os que se servem de uma piscina sejam perfeitamente
alucinados disso: toma-se banho na banheira ou no chuveiro; nada-se na piscina.
Quem vai à piscina, portanto, precisa antes de mais nada, estar limpo de corpo. Não
basta que não apresente moléstia passível de transmissão: é imprescindível que tenha deixado,
no banho prévio, que é o que se toma antes de mergulhar na piscina, exatamente aqueles
agentes de infecções que se encontram na sua pele e nas suas fezes. E esses agentes podem ser
afastados com bastante água e sabão, num banho de corpo, mas nunca com uns pinguinhos de
água, sem sabão, que molham ligeiramente o nadador já vestido no seu “maillot”
83
O Clube de Regatas Nitro Química possuía várias atividades esportivas e
assistencialistas para estar sempre interagindo com o funcionário, motivando-o sempre a ação
e eficiência da raça, mas os moradores também foram convidados a participar das festas, dos
carnavais, das missas e algumas homenagens. Isso fazia garantir alguns momentos de alegria
e de ajuda aos mais necessitados, tentando evitar malefícios ideológicos externos contra o
poder hierárquico local mantido no período, como estava acontecendo em outras regiões da
cidade, com o comunismo e as greves que devastava o centro da cidade de São Paulo:
Em comemoração à passagem de seu 1aniversário de fundação, o Clube de Regatas
Nitro-Química fez realizar, no dia 12 p.p., em sua majestosa praça de esportes, grandiosas
festividades sociais-esportivas, destinadas exclusivamente aos seus associados e beneficiários.
83
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Março de 1953.
Nº 3. p. 06.
107
O programa, carinhosamente elaborado, constou de inúmeras provas, as mais
interessantes, com farta distribuição de prêmios aos vencedores, culminando com enfusiante
baile que se prolongou até às 22 horas. Assim, sob ambiente cordial e festivo, em regozijo à
querida data, a população mais uma vez afluiu em massa à praça de esportes, emprestando ao
acontecimento, com sua presença e participação nas provas, o êxito que era de se esperar. Hoje,
dotado de modernas instalações, com os seus vários departamentos em estético e harmonioso
conjunto, o Clube de Regatas Nitro-Química é um monumento à capacidade criadora de uma
plêiade de homens, entre os quais os dinâmicos diretores da Cia. Nitro-Química Brasileira, que
jamais negaram seu apôio aos grandes empreendimentos, em favor dos trabalhadores.
Fruto do trabalho daqueles que, aceitando a responsabilidades de cargos diretivos, ou
colaborando direta ou indiretamente, só o fizeram por vez, na prática do esporte, um dos
princípios básicos da evolução de uma raça. Impressionando sobremodo a quantos o visitam,
quer pelo trabalho ali realizado, quer pela privilegiada situação geográfica em que se localiza,
mercê da oficina portentosa da natureza, o Clube de Regatas Nitro-Química impõe-se, ainda,
no campo da luta, pois cultiva inúmeras modalidades esportivas, fazendo-se representar,
sempre, por equipes de respeitável e indiscutível poderio técnico, entregues que são à
reconhecida competência de homens abnegados...
84
Segundo José Amaro Sobrinho que trabalhou na Nitro Química neste período, os
sócios do Clube de Regatas eram todos os funcionários da própria empresa, e mais, ao entrar
para trabalhar já eram obrigados também a fazerem parte dessa sociedade, mas mesmo
obrigado acabava gostando por ser considerado o seu lugar de lazer:
Olha, o lazer é o seguinte: eu fui fazer a adaptação de vagarinho porque a gente chega
e estranha tudo, tudo é estranho pra gente, mas eu fui descobrindo amigos e fui fazer amizade,
que eu tenho uma facilidade de fazer amigos, aliás é um do que todos nós devíamos de fazer
(...) com muita sinceridade de fazer essa amizade a gente tem que enriquecer. Eu nessa
época comecei a trabalhar na Nitro Química e logo a gente entra de sócio, era obrigado entrar
de sócio na praça de esporte, Clube, e tinha bastante lazer, inclusive era gostoso que todos os
domingos a gente ia, dominava as brincadeiras.
85
Os sócios do Clube participavam dos esportes, dos desfiles e das festas realizadas
internamente. Eles eram os próprios trabalhadores que eram obrigados a fazer parte da
associação do Clube de Regatas Nitro Química, além de terem as mensalidades todas
descontadas em folha de pagamento de maneira direta e automática. O mecanicismo do lazer
84
Clube de Regatas Nitro-Química: dezesseis anos de realizações e glórias. In: Nitro Jornal, 31, julho de
1955, p.07.
85
Depoimento de José Amaro Sobrinho concedida ao LabDoc – Unicsul.
108
“empurrava” burocraticamente o trabalhador à rigidez de um divertimento controlado e
vigiado dentro dos próprios muros da empresa.
Ermenegildo dos Santos, que foi um dos sócios, adorava participar dos bailes junto a
sua esposa, mas diante tanta diversão apenas uma coisa o incomodava que era a bebedeira de
alguns participantes:
Ah sim, bastante vezes, eu, minha mulher, meus familiares sempre freqüentavam e era
bastante divertido. Inclusive fui sócio muitos anos do Clube da Nitro, freqüentava com as
crianças e freqüentava também sozinho com minha esposa, dançamos muitas vezes nos bailes.
(...) É que a Nitro Química promovia, era muito bom naquela época, pois quase não existia
violência, existia assim um que ultrapassava na bebida, às vezes arrumava uma arroaçazinha,
mas fácil de se controlar.
86
Em tempo de festa havia também os desfiles onde as mulheres mais bonitas
representavam a imagem feminina da fábrica através da votação para a escolha da Rainha da
Primavera
que acontecia justamente, como disse Maria das Graças, no Baile da Primavera,
que foi muito elogiado pelo público da época. Qualquer mulher que trabalhasse internamente
poderia se inscrever para participar, para isso, tinha que passar por uma verdadeira burocracia
para ser aceita no concurso:
“Art. 1) Inscrição
Poderão inscrever-se sócias internas e externas, em número ilimitado. Também poderão ser
inscritas candidatas por comissão, desde que autorizada por escrito pela candidata. A inscrição
poderá ser feita em qualquer um dos membros da Comissão abaixo mencionados. Si uma
candidata inscrita desejar cancelar sua inscrição, deverá dirigir um pedido por escrito à
Comissão, sem o que a mesma não será cancelada.
§ único) O clube ou a Comissão encarregada do concurso não terá preferência sôbre
nenhuma candidata.
Art. 2) Venda dos votos
Os votos, impressos e numerados tipograficamente que serão vendidos a CR$ 1,00 (um
cruzeiro) cada, poderão ser procurados com os menbros da Comissão ou com pessoas por ela
designada e ainda nas Sédes do Clube e do Círculo Operário. Somente concorrerão ao concurso
as candidatas inscritas.
Art. 3) Localização das Urnas
As urnas numeradas de 1 a 3 e estarão colocadas nos seguintes locais: Bar do Sr.
Mário Rodrigues (antigo do Orfeu), Armazém e Séde do Clube.
Art. 4) Apurações
86
Depoimento de Ermenegildo dos Santos concedida ao LabDoc – Unicsul.
109
As apurações serão públicas e feitas semanalmente (sexta-feira à noite, na Séde do
Clube) e seus resultados irão sendo afixados na própria Séde. A essas apurações deverão
comparecer as candidatas e representantes, para que haja fiscalização em torno das mesmas. A
apuração final será feita uma semana antes do Baile, ou seja, no dia 18 de Setembro de 1953, e
seus resultados serão afixados na Séde. Essas apurações serão procedidas por comissão
especial, que será nomeada pela Diretoria do Clube de Regatas Nitro Química.
Art. 5) Início das eleições
A venda de votos, bem como as votações, tiveram início em 17 de Agôsto de 1953.
Art. 6) Prêmios
A Rainha e Princesas eleitas, serão conferidos valiosos prêmios.
Art. 7) Os casos omissos do presente regulamento serão resolvidos pela Comissão.
87
A rainha e as princesas eleitas deveriam manter uma postura elegante e vaidosa, mas
nem por isso deixavam de se divertir como os demais moradores e trabalhadores, assim
relatou Maria Fernanda que foi rainha do clube e que assistiu alguns dos jogos de futebol com
a sua turma para se divertir:
Era esse divertimento assistir um jogo de futebol, é eles usavam a linha do trem como
arquibancada e assistiam o jogo da Olaria lá embaixo, que eu fui na época, eu tinha 15 anos, eu
fui até a Rainha desse clube.
88
Várias opções de lazer foram estrategicamente organizadas aos funcionários que foram
sócios do Clube de Regatas Nitro Química, isso para que passassem seus finais de semana
sossegados, ativos e em constante divertimento dentro dos muros da empresa. Em uma região
que ainda possuía uma paisagem e uma estrutura rural, esse local passou a ser um meio
moderno de lazer e de sociabilidade, por isso muitas pessoas que freqüentaram o local ainda
guardam boas lembranças daquele momento, como aconteceu com a moradora Maria das
Graças Cancian que participou e conhecia o Clube e a sua diversidade de atividades
proporcionadas ao público local:
E ... mais, tinha o Clube que era muito bom, e o que eu mais lembro da minha infância
era... tinha o Clube de campo, por sinal muito bonito, um dos melhores que eu conheço, era
muito grande, era muito bem cuidado e a gente tinha várias opções de lazer dentro desse Clube
de campo, e as piscinas, tinha quadra, campo de futebol, tinha... tinha aqueles ... barcos né? O
pessoal pegava, alugava e navegava ali pelo rio Tietê, quando o rio Tietê era limpo, descente e
87
Rainha da Primavera. In: Nitro Jornal, nº 09, setembro de 1953, p.07.
88
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
110
... então além do Clube de campo tinha o Clube da Sede Social, então a gente, por exemplo, no
sábado e no domingo todo mundo tinha lazer, todo mundo ia pro Clube da Nitro, lá embaixo ao
Clube de campo, então uns nadavam, outros corriam, tinha até boxe, o ringue, tudo direitinho.
Outros Jogavam bola, outros... jogavam tênis., outros jogavam, que dizer, tênis naquele tempo
se chamava... Não era tênis, era aquela bolinha, frescobol, frescobol, isso, e quadra de futebol
ou salão que eles jogavam muito. À tarde tinha matinê dançante e tinha uma orquestra, do seu
Toninho que era empregado da Nitro, morava numa das casas da Nitro que era da Vila Nitro
Química, aliás onde eu morei muitos anos e ele tinha uma orquestra, então seu Toninho que
alegrava essas tardes nossas. Independente desse Clube de campo tinha o Clube da Sede Social
onde se, é... se realizavam os grande Bailes, eram muito bons, então a gente também tinha o
Carnaval, a gente tinha o Baile das Bandeiras, o Baile da Primavera, o Reveillon que a gente
passava na Nitro nesse Clube e era freqüentado pelas famílias mesmo, ia pai, ia mãe, os
filhos, as tias e era muito gostoso, todo mundo conhecia todo mundo, todos os domingos, é
nesse, nessa Sede tinha a
suare dançante, a gente até às dez horas. Então às vezes a gente ia ao
cinema velho, porque São Miguel tinha dois cinemas que era o “cinema velho”, esse daí eu não
freqüentei muito porque logo ele acabou, e o Cine Lapenna, esse eu freqüentei bastante, então a
gente ia ao cinema e depois do cinema dava uma passadinha no Clube pra dançar um pouco.
Então a gente saia depois, eu tinha muitos irmãos, então ia com meus irmãos, minhas irmãs, era
muito bom.
89
O bairro de São Miguel Paulista aos poucos começou a receber também meios
diversificados de lazer para complementar os eventos fornecidos pela fábrica. Um dos grandes
locais de encontros entre as pessoas foram os cinemas, como o destacado Cine Lapenna que
ficava de frente a Igreja na praça Campos Sales, por isso a moradora Elízia Moreira Cardoso
tentou buscar em sua memória alguns personagens dos filmes que marcou a sua infância:
Se acha que eu vou lembrar, aqueles filme é, com... a não vou lembrar dos nomes dos
atores, é Oscarito, e aquele outro como é que se chama? Aquele que morreu? Engraçado? (...)
Grande Otelo e o outro, não aquele que de vez em quando passa ainda, Charlie Chaplin,
também Mazzaropi, esses filmes assim mais antigos, muito bons né?
90
Maria Fernanda fala sobre o seu gosto pela “telinha” também, mas por ter uma
educação rígida e vigiada na infância relatou que existiam algumas formas para ultrapassar as
barreiras da vigilância e conseguir assistir os filmes que tanto ouvia o povo comentar nas ruas:
ou saia escondida ou implorava para que a mãe a levasse:
89
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
90
Depoimento de Elízia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
111
É o cinema da rua da Fábrica não era tão bonito, que era o Central né? (...) São Miguel
e o Lapenna eram bonitos pra época, é um cinema bonito. (...) Tinha, era comum as matinês, às
vezes a gente dava uma fugidinha de casa ia até pra ver o pessoal saindo. Sabe as matinês
eram assim, sem contar que eu fui algumas vezes quando passava um filme que o pessoal
falava: “ah! Aquele filme do Tarzan é bonito”, então a gente pedia pra mãe: “Vamos a senhora
também leva”, porque senão a gente não ia. (...) A sim, acho que foi o filme do Mazzaropi que
fui umas duas vezes, no Cine Lapenna.
91
Assim como os filmes, muitos deles também foram de produção americana, novas
mercadorias começaram a seduzir e ganhar espaço em São Miguel aos poucos, conforme
relatou a assustada moradora Elvira Souza de Alcântara após ter visto pela primeira vez uma
televisão:
na... Era em um bar na Vila Nitro Química. Um colega me ‘chamô’...
Um amigo me ‘chamô’, disse: “Elvira, chegue aqui. Aí tem um aparelho ali que
parece um cinema. Ou você vai comigo pra você ‘vê’... que você... não tem... por
aqui não tem. É um aparelho igual a uma tele... igual a um cinema”. Daí eu vou
que aparelho é esse. Era a tal da televisão. Era em um bar e na parede lá no alto. Mas o
que tinha... Eu acho que uns dois... quase um quarteirão de gente tudo ali olhando pra
aquela televisão.
92
Um outro produto que impunha a imagem de progresso e civilização foi o cigarro que
possuía uma influência muito grande na vida tanto dos moradores de São Miguel como no
mundo inteiro. Por isso, até campanhas de solidariedade, disse Lais Haydeé Romano
Assunção, foram realizadas para a doação dessa mercadoria aos soldados da Segunda Guerra
Mundial:
Era fila pra poder comprar tudo que a gente precisava viu, porque não tinha nada
mesmo. Aquele tempo era difícil. Aqui seria o interiorzão ? Mas de resto não, assim de
medo de guerra, essas coisas não. A gente também não tinha rádio, não tinha, não via nada,
ninguém falava nada então deixava pra lá. A única coisa que tinha é que eles punham aqueles
sacos grandes nas praças pras pessoas jogar cigarro que era pra mandar pros pracinha, pra
ajudar eles naquela... mandar pra guerra. Diz que mandava, sei lá se mandava mesmo.
93
91
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
92
Depoimento de Elvira Souza de Alcântara concedida ao LabDoc – Unicsul.
93
Depoimento de Lais Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
112
A fábrica tentou ser o ponto central de todas as atividades físicas e comemorativas
para acomodar quase toda a região a plena convivência harmônica de uma civilização
disciplinada, feliz e sempre ativa. Mas a cultura nordestina estava se corporificando aos
poucos fora dos muros e conseguindo construir a sua própria identidade que foi contrária a
essa civilidade institucional.
Para além da fábrica, o bairro foi um espaço fundamental para a articulação de redes
sociais e de experiências comuns entre os trabalhadores e os moradores de São Miguel
Paulista. Foi no bairro que se situava toda uma gama de relações pessoais com familiares,
amigos e conterrâneos, que municiava os migrantes com conhecimentos e contatos essenciais
para a sua sobrevivência. Na vizinhança e vilas, nos bares, pensões e ruas, os trabalhadores de
São Miguel conservavam suas relações familiares e de amizades trazidas do Nordeste,
criavam novas relações e aprofundavam contatos, muitas vezes iniciadas na fábrica. O bairro
foi, assim, o lugar decisivo para a ressocialização do migrante na cidade e um espaço de
trocas de experiências e “produção de cultura”.
94
Por ser um bairro praticamente migrante onde o predomínio nordestino estava visível,
não poderia faltar no lazer dos operários/moradores do bairro em seus encontros e festas o
forró. Madrugadas eram varadas para a música e a dança que eram predominantes no bairro
considerado nordestino, com isso nem mesmo a luz do lampião e as brigas no salão ou bares
incomodavam a diversão de muitos habitantes, como a de Amauri da Cunha:
Ah! Tinha diversão, existia, tinha o Clube da Nitro, forró, lampião. Tinha, tinha
melhor do que hoje, pra isso era melhor porque tinha os forrós aí, forró rodava. São Miguel
sabe é Nortista, aqui tudo Nortista, num faltava forró. (...) Aí, sábado e domingo tinha forró lá,
lampião no meio do salão assim e o pau comia viu. Mais lampião de querosone mesmo, num
era nem a gás não, era de querosene.
95
O lazer fora dos muros possuía uma distância das regras do comportamento civilizado
da família nitrina ao encontro de uma liberdade totalmente oposta. O limite dos encontros se
dava através do próprio corpo em agüentar a dançar e a beber sem se preocupar com horário
ou mesmo vigilância. A cultura nordestina se fazia presente em São Miguel Paulista através
da realidade que eles construíam e vivenciavam.
Nem todos os trabalhadores fabris gostavam de participar assiduamente dos bailes
oferecidos pela fábrica, muitos moradores nos finais de semana gostavam de descer para a
94
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Migração Nordestina ... p.383.
95
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
113
praia de Santos também, mas a cerveja e o forró, para Josué Pereira da Silva, foi um grande
divertimento quando não viajava:
Eu falei no começo um baile né, quando tinha um feriado não tinha Santos, então a
gente caia matando no baile e fazia dois, três dias de baile. Aquilo pra nós era o maior
divertimento e cerveja bem barato, a gente caia mesmo naquela farra uns três, quatro dias de
feriado se tivesse feriado grande e por ali todos que moravam nessa região faziam iguais o
baile e a sanfona em qualquer bar você encontrava uma sanfona gemendo, o cara tocando
com aquele gosto e por aí a fora a gente ia se divertindo e trabalhando.
96
A sanfona e a dança faziam parte da cultura nordestina em São Miguel Paulista que
predominava em cada esquina do bairro. Para a maioria deles aquilo que era festa por estarem
livres
97
para fazerem o que bem entendiam e sem se preocupar com horários, regras e limites
para poderem aproveitar o próprio tempo. A moradora Lais Haydeé Romano Assunção se
realizava nestas noites varadas pelo entusiasmo de estar com os amigos e juntos fazer a
“farra” que tanto gostavam justamente por não haver
ordem e vigilância alguma:
Fazia festa, que era assim: lampião, alguns amigos tocavam um violãozinho, uma
sanfoninha e varava a noite inteira dançando e cantando, não tinha esse negócio de bolo, bolo
tinha sim porque eu ganhei o bolo de casamento, mas um bolo e pão com carne e varava a
noite inteira dançando, fazendo farra. Era assim que era a festa.
98
Os moradores tinham suas próprias relações pessoais e culturais que lhes davam
autonomia e intimidade de se conhecerem e se comunicarem aproveitando o tempo da
maneira que bem entendiam, conforme mostrou Amauri da Cunha a sua articulação com os
comerciantes do local onde se realizava junto aos seus amigos:
No fundo dela na esquina ali era o André, o mercado dele, um mercadinho, um
barzinho de vender pinga e tal aquele mercadinho malandro, marcadinho das marafa. (...) E o
Rufino, esse que tem aqui em frente... E nessa região toda aqui tinha três botecos que os caras
bebiam aqui sábado e domingo. Era o Rufino, o André e o Baranguzinho no fim da Santa
96
Depoimento de Josué Pereira da Silva concedida ao LabDoc – Unicsul.
97
A liberdade, segundo Portelli, significa a possibilidade de escolhermos nossas próprias diferenças, mas essa
escolha se torna viável em um estado igualitário. A diferença se transformará em hierarquia e em opressão, a
menos que essa liberdade de escolha seja compartilhada por todos, nas mesmas proporções: as diferenças
universais têm como base os direitos universais iguais (exceto, é claro, se estivermos nos referindo apenas a
“liberdade” individualista e competitiva de fazer prevalecer a diferença de um ser humano sobre os direitos de
outros. Ver em: PORTELLI, Alessandro.
Op. Cit.p.19.
98
Depoimento de Lais Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
114
Rosa. Não tinha mais nada aqui, comércio, isso, agora compra melhor tinha que ir
naquela esquina que era o mercado do japonês.
99
Por mais que a Nitro Química tentasse controlar e vigiar os trabalhadores e os
moradores para tentar evitar greves ou outros tipos de perturbações contra a sua ordem, a
cultura nordestina prevaleceu forte no bairro por ter um outro tipo de pensamento e
comportamento, construindo assim o seu próprio espaço a cada dia.
99
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
115
Capítulo 3
Experiências em novas Experiências: as conseqüências da exploração
A evolução do homem, sob o ponto de vista do seu progresso material, vem marcada
por diversas etapas, caracterizadas nessa escala ascencional pela tecnologia mais
desenvolvida durante esse período; assim o homem atravessou Idade da Pedra Lascada, do
Bronze e atravessa agora a Idade dos Plásticos. Nesta senda de evolução material, em todas
as categorias industriais, o homem-técnico preenche o seu destino de transformar as matérias
primas ao seu alcance, em bens de consumo e utilização para melhor desenvolvimento da
espécie
Benjamin Solitrenick
Redator do Nitro Jornal
Chefe do Departamento de Custos
3.1 – A modernidade e o trabalho: as dificuldades do progresso
Atualmente, ao observarmos algumas publicações sobre o desenvolvimento ou a
“evolução” do passado urbano e industrial, percebemos através das linguagens utilizadas nos
veículos de comunicação um conteúdo que demonstra uma grandiosidade sobre a
modernidade construída na década de 50.
Como um desses exemplos está a Revista do Museu da Cidade de São Paulo
1
que tem
na capa o título “Histórias e Memórias da Cidade de São Paulo no IV Centenário”, distribuída
em pleno mandato do prefeito Paulo Maluf.
A revista traz as imagens do progresso como o Parque D. Pedro, a Cinelândia dos
cines Marrocos, os restaurantes, os bondes elétricos, o Ibirapuera, os automóveis, enfim, o
desenvolvimento sentido e vivenciado no período.
O ensaio de Cláudio Willer conseguiu demonstrar um pouco essa euforia do momento
que foi a transformação do Brasil, mais especificamente a cidade de São Paulo, após sentir o
crescimento e o luxo implantado no cotidiano:
Ruas de terra é claro que todas as ruas de São Paulo, ou quase todas, em algum
momento foram de terra. Apenas no Morumbi e algum outro loteamento de luxo foram
primeiro construídas as vias asfaltadas, naqueles meados de anos 50, e depois formou-se o
1
CIDADE. Revista do Museu da Cidade de São Paulo. Histórias e Memórias da Cidade de São Paulo no IV
Centenário.
Ano I. 1994. Nº1. Esta revista foi publicada e distribuída gratuitamente ao público paulistano.
116
bairro, ampliando a fronteira que até então chagava ao Jóquei Clube, que, concorridíssimo,
também atendia pelo nome de Hipódromo Paulista. Ou nem isso, até o Pandoro, mesmo, na
confluência da Nove de Julho com Avenida Europa onde está até hoje. (...)
2
A palavra Progresso tem história que vem sendo construída desde a Grécia Antiga até
os nossos dias, sempre representando a dominação e a violência cultural para a concretização
de algum desenvolvimento ou mudança planejada como moderna.
Assim, o progresso com suas metamorfoses à consolidação de uma modernidade
acabou sendo valorizada e cultuada por parte de uma sociedade como se fosse um verdadeiro
mito através das novas artes, arquiteturas, idéias e a ciência.
3
A racionalidade aristocrática para a construção desse mito acabou conseguindo
envolver a sociedade a uma renovação contínua de seguimento aos novos caminhos e aos
novos sonhos objetivando a felicidade
4
. Desta forma, essa cultura se fez ideologia a partir do
momento que houve a aceitação da maioria, mesmo que de maneira inconsciente.
Juscelino Kubitschek soube muito bem, assim como Getúlio Vargas, em fazer-se
“esperança” em um Mito social da transformação da realidade brasileira, tendo no seu
discurso a motivação necessária dos eleitores ao imaginário de contínuo crescimento e
superação das dificuldades.
Uma nova compreensão sobre a mídia e o apoio de estudos de outras áreas o
auxiliaram a entender que essa linguagem “não distorce a realidade”, como era costume
pensar, mas sim, participa na constituição dos elementos e fatos que expressa e reflete; passou
a entender que narrativas sobre questões tensas ou censuradas funcionam mais como mitos,
representado, em forma de narrativa, o que não pode ser resolvido na vida real.
5
A renovação freqüente do discurso e de suas imagens propagadas pelos meios de
comunicação de massa trouxe a sobrevivência e a inovação freqüente da idéia de Progresso à
sociedade. O passado deveria ser esquecido e superado como uma simples forma de
aprendizagem para um melhor futuro que seria construído e repensado, isso segundo as
palavras de Juscelino:
2
Idem. Ibidem. p. 07.
3
DUPAS, Gilberto. O Mito do Progresso: ou progresso como ideologia. São Paulo: Editora Unesp, 2006.
4
GIANNETTI, Eduardo. Felicidade: diálogos sobre o bem-estar na civilização. São Paulo: Companhia das
Letras, 2008.
5
KHOURY, Yara Aun. Muitas Memórias, Outras Histórias: cultura e o sujeito na História. In: Muitas
Memórias, Outras Histórias.
São Paulo: Editora Olho d´Água, 2004. p.119.
117
Nesta hora, tenho a sensação de que vou proceder a colheita de que foi plantado e
cultivado durante esses trezentos e sessenta e cinco dias acabam de se tornar, magicamente, de
vida presente que o eram ainda poucos minutos, em tecido da história, em passado. No
espaço que alguns minutos, esse ano de 1956 deixou de ser substância palpitante e passou a ser
matéria de meditação, de balanço, de aferição, de cálculo.”
6
As estratégias do capital no trabalho na década de 50 envolveram novas tecnologias
para seguirem a velocidade, a produtividade e a capacidade reprodutiva da ação, coisas que
sempre foram preocupações constantes aos dirigentes da fábrica Nitro Química.
A racionalidade no controle de um operário visava grandes produções, mesmo com
equipamentos e máquinas ultrapassadas, daí o “valor” do operário ao poder institucional, em
conseguir superar essa realidade estrutural da empresa através da exploração excessiva da sua
mão-de-obra:
“Quanto vale um operário?
Qual é a medida pela qual pode ser aferido o valor de um homem de trabalho?
Para fazer tal verificação, podem-se tomar em consideração quatro condições
essenciais:
1ª – a perícia do operário;
2ª – a sua produtividade;
3ª – a economia de tempo na realização da obra; e
4ª – a poupança da matéria prima.
1ª – Da perícia decorrem a qualidade e a perfeição da obra.
2ª – A eficiente produtividade traz como resultado maior quantidade de produto
elaborado.
A economia de tempo na execução da obra conduz, igualmente, à mais copiosa
produção.
A poupança de matéria evita o desperdício de dinheiro, trazendo como resultado
maiores lucros para a indústria e também para os operários.”
7
Com esse discurso impresso e distribuído como um meio de comunicação interno da
fábrica, o Nitro Jornal, o operário tinha sempre a preocupação contínua de não falhar para não
ser despedido e ficar desempregado. Até mesmo aos que não sabiam ler, os boatos e
6
Principais realizações do Governo da República em 1956. Mensagem do Presidente Kubitschek ao povo, na
passagem do ano. In: O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1957, p. 12.
7
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano II. São Paulo, Julho de 1954.
Nº19. p.05
118
conversas traziam o conteúdo escrito pela oralidade, assim todos ficavam informados dos
acontecimentos.
O reaparelhamento maquinário sempre foi uma necessidade em todas as indústrias da
cidade de São Paulo e do país. Os empresários necessitavam de altas produções ao
aprimoramento ou Progresso de seu capital usando a imagem do país. Para isso, o ensino
interno deveria acompanhar a mesma velocidade dessa “evolução” com a construção de
escolas técnicas para o aprimoramento e especialização dessa mão-de-obra à seguir
exatamente o planejamento institucional.
O Brasil precisava de 20 mil técnicos estrangeiros
8
, por serem especializados, para
ensinar os trabalhadores não preparados como produzir adequadamente junto as funções de
cada máquina. Um desses meios de comunicação foi a utilização do Serviço Nacional de
Aprendizagem Industrial (SENAI).
Desta forma, particular função dentro da companhia ocupava a escola Senai. A Nitro
foi uma das primeiras empresas a aderir ao sistema Senai, criado no governo de Getúlio
Vargas em janeiro de 1942. Já em 1943 era instalada uma primeira escola deste órgão em São
Miguel. Ministrava cursos principalmente na área mecânica (ajustador, torneiro, fundidor,
eletricista, etc.) A partir de 1948, a empresa instituiu cursos rápidos no período noturno. Em
geral os professores destes cursos eram os poucos técnicos e operários especializados da
Nitro, responsáveis pela formação de montadores, chumbistas, eletricistas, encanadores
industriais, caldeireiros, entre outros. Anualmente eram concedidas as bolsas de estudo “Dr.
Moraes” para os melhores classificados nos concursos de admissão para a escola Senai.
9
Um dos diretores do jornal e ao mesmo tempo Chefe dos Serviços Sociais da fábrica,
Paulo Amaral Palmeira, demonstrou bem a necessidade e a preocupação da fábrica em
absorver essa mão-de-obra especializada que deveria se dedicar aos estudos com amor,
carinho e paixão:
8
VIEIRA, Vera Lúcia. Cooptação e Resistência: um estudo sobre o movimento dos trabalhadores em São
Paulo, de 1945 a 1950.
São Paulo: Pontifícia Universidade de São Paulo, 1989. Dissertação de Mestrado. p.192.
9
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Trabalhadores e Cidadãos. Nitro Química: a fábrica e as lutas operárias
nos anos 50.
São Paulo: Annablume, 1997. p.85.
119
“Outro passo na evolução social, temos na organização “SENAI” pois ha muito
vivemos clamando que o Brasil precisa de tecnicos especializados, de um maior
aperfeiçoamento da nossa indústria, de nossos métodos de produção e de reequipamento do
maquinário nacional.
A criação das Escolas de Aprendizagem Industrial é um começo, si bem que
meritório, da grande tarefa que nos cabe levar avante, sem esmorecimento. Estamos nela,
preparando os futuros profissionais, ensinando-lhes na juventude a amar a profissão e a se
dedicarem com carinho e paixão ao estudo da técnica profissional. Mas, não devemos deixar o
nosso trabalhador adulto sem a oportunidade de aperfeiçoar-se e de progredir a par do ensino
ministrado aos filhos dos nossos operários deverá ser dado também a oportunidade aos adultos
da indústria, de no período noturno, aperfeiçoar sua profissão, seus conhecimentos, de
participar dos problemas e dificuldades da sua oficina, recebendo aulas eficientes numa escola
SENAI. Outros serviços ainda poderiam e devem ter o campo social; êle está na vanguarda nos
problemas de outros trabalhadores em cada dia que passa, graças ao espírito empreendedor de
uma bôa administração deve-se ampliá-lo e assim ter em vista, especialmente, planejar, realizar
ou operar nas iniciativas que contribuam para o bem social dos trabalhadores, desenvolvendo,
cada vês mais a educação moral e cívica e o espírito de solidariedade entre empregador e
empregado. A finalidade do serviço social, em uma indústria, se desdobra, principalmente, em
providências de bem estar, da melhoria das condições de habilitação, alimentação, higiene e
assistência médica hospitalar; ensino, orientação e recreação. E´de seu programa a assistência
em relação aos problemas domésticos decorrente das dificuldades de vida, de pesquisas sociais
ou econômicas, longo é o programa e poderá ser desenvolvido ainda mais se contar com a
colaboração da administração empregadora mas, precisando também da cooperação
expontânea dos empregados e então poder com toda a certeza afirmar que o serviço social
não está em vão e que estará então emprestando o modesto apoio à elevação do nível técnico,
cultural e social do trabalhador praticando a verdadeira função social junto à indústria.
10
Diante desse grande espírito de solidariedade entre empregador e empregado em
forma de ideologia assistencialista propagada sensivelmente a evolução do trabalhador, a
empresa conseguiu através das ações no cotidiano conduzir de maneira sutil muitos
trabalhadores ao novo ritmo e mentalidade do período, até mesmo famílias inteiras, como foi
o caso da moradora e professora do bairro Maria da Graças Cancian que teve todos os seus
irmãos trabalhando na Nitro:
10
PALMEIRA, Paulo Amaral. A Função Social junto a Industria. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química
Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Junho de 1953. Nº 6. p.01 - 02.
120
Ah! Foi muito importante, porque a Nitro ofereceu assim... ela é uma indústria muito
grande, era, e então ela foi, ó, você vê, a Nitro tinha o Berçário onde o pessoas deixavam os
filhos, alguns para trabalhar. Além do atendimento médico que tinha. Tinha também o Hospital
Santa Terezinha que era da Nitro, tinha o Senai que o pessoal entrava para estudar, o Senai, e
fazia o estágio na Nitro. A hora que acabava ela era praticamente contratado pela Nitro,
então... e tinha um restaurante onde oferecia as refeições para os empregados e tinha o que
mais? Eu não trabalhei na Nitro Química, mas todos os meus irmãos trabalharam. Eu não sou a
mais nova e não trabalhei, eu estudei, depois eu já comecei dando aula.
11
A fábrica oferecia todo o tipo de suporte assistencialista aos seus trabalhadores,
principalmente aos mais especializados com o intuito de educá-los à permanência no local e
dar continuidade ao trabalho de seus pais. Os diretores carregavam a idéia de “família nitrina”
muito a sério e que deveria ser (re)construída permanentemente no cotidiano.
Um outro caso a ser colocado em questão foi a do Miguel Augusto que estudou na
escola nos anos 40 e anos depois voltou na década de 50 para estudar e, também, lecionar no
local:
Meu primeiro emprego foi na Escola SENAI. Entrei como aluno na escola SENAI em
1947 e me formei em 1949. Fiquei dois anos numa oficina da própria empresa em 1950, eu
voltei pro SENAI como instrutor, aproximadamente uns vinte anos fui instrutor da Escola
SENAI.
12
O próprio Miguel complementou depois com palavras de saudades e de boas
recordações. Como funcionário e professor, ele tinha os benefícios que a grande maioria não
possuía daí o sentido da linguagem saudosa que trouxe pela memória:
A sim, ultimamente quem estudava no SENAI dava a bolsa de estudo, até o que
pegava o quinto colocado, nós temos o médico Dr. Assis foi formado pela Nitro Química.
dentro oferecia almoço, café, tinha o Clube para turma se divertir, no Natal dava brinquedos
para os filhos dos operários, a Nitro Química em si foi muito ótima.
13
Neste clima de euforia magicamente construída pela harmonia interna, o redator do
Nitro Jornal e presidente do Círculo Operário São Miguel Paulista, Pedro Redoschi, fez um
discurso hierárquico em um encontro “simpático” e festivo convocando a todos os presentes
11
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
12
Depoimento de Miguel Augusto concedida ao LabDoc – Unicsul.
13
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul
121
os agradecimentos do Progresso até ali conquistado pela condução da sociedade de São
Miguel Paulista:
Snrs. Diretores da Cia. Nitro Química Brasileira.
Snr. Revmo. Padre Aleixo Monteiro Mafra.
Snrs. Dr. Felipe de Menezes.
Meus Companheiros de Diretoria.
Estimados Diplomandos.
Minhas Senhoras.
Meus Senhores.
Para quem, como nós, trabalha na direção de uma sociedade, é sempre uma satisfação
reunirmo-nos para premiar aqueles que sabem aproveitar os nossos esforços nas organisações
que procuramos realizar em benefício do povo, cooperando para o progresso de São Miguel
(...)
Como conseqüência desse progresso, vieram as escolas, farmácias, serviços médicos,
restaurante, berçário, Escola SENAI, praça de esportes, sede social, tudo isso construído não
para atender aos que trabalham na Fábrica, mas também à coletividade. Não faltou tambem
quem se lembrasse de que São Miguel deveria ter um Círculo Operário, que foi fundado a
princípio modesto e tendo hoje sua sede com diversos cursos escolares anexos, quais seja, os
de córte e costura, arte culinária, alfabetização, desenho, preparatório ao ginásio, biblioteca,
etc.. Como prova de tudo isto, reunimo-nos hoje, para fazer a entrega de diplomas às alunas e
alunos que terminaram seus estudos.
14
Até mesmo no discurso podemos perceber pela construção das palavras a organização
social vivenciada subjetivamente dentro e fora da empresa. A entrega de um diploma
significava a entrada de mais um funcionário qualificado para trabalhar nas máquinas e sofrer
com a poluição, com o barulho e com os baixos salários. O diploma era quase um convite
festivo para seduzir o trabalhador a “escravidão do cotidiano fabril”.
Os salários da Nitro eram, em geral, muito baixos para garantir a permanência destes
profissionais em um mercado carente de mão-de-obra especializado, particularmente a partir
da segunda metade da década de 50, com a instalação no Brasil das multinacionais, como a
indústria automobilística e de outros setores de ponta.
15
O discurso empresarial da Nitro com o tempo começou a sofrer com as deficiências da
própria realidade. Com o tempo, a escrita e a comunicação entre o patrão e o trabalhador
começou parecer até mesmo cenas de filme americano diante de tanta comoção e ufanismo ao
14
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Janeiro de 1953.
Nº 4. p.04.
15
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Ibidem.
122
desenvolvimento do Brasil, colocando o operário como o proprietário imaginário dos recursos
burgueses a fim de fazê-los defender pelo suor do trabalho:
A estes, os melhores cumprimentos e o nosso estímulo para que estudem cada vez
mais para a elevação cultural de nossa gente.
E´, pois, com razão que sentimo-nos jubilosos. Sim, todos nós nos ufanamos, quando
sabemos que o Brasil conta, no seu seio, com técnicos, para enfrentarem as grandes
deficiencias, no organismo funcional das Industrias básicas, que são a siderurgia e a mecânica.
Reconhecemos, caros alunos, que com os conhecimentos básicos adquiridos na
Escola, pouco podeis fazer diante de tão complexos problemas, que afligem nossa terra, no
entanto, dentro de parcela mínima, podeis contribuir, até que vossos conhecimentos se
ampliem e concretizem na perseverança do trabalho, no cumprimento do dever, na elasticidade
de vossas funções irão dando margem, para que a vossa parcela seja ampliada cada vez mais e,
assim tornarmo-nos livres das garras daqueles que pretendem monopolisar conhecimentos
técnicos, cultura, maquinarias e até mesmo aquilo que é muito nosso: o minério de ferro.
(...)
E, quando, porventura sentir-vos desalentados, voltai a esse momento e recordai a
figura inolvidável do grande Brasileiro, Estadista e Industrial, Dr. José E. de Moraes, ao qual
peço seja hoje prestada a nossa homenagem e tenho certeza, guindados nesse nome, havereis
de vencer.
16
Com esse culto ao progresso aonde o deus é o lucro privado, a imagem do trabalhador
novamente se fez presente como a representação da vitória das dificuldades do mercado
diante qualquer tempestade, por isso invoca-lo ou mesmo motiva-lo a sentir essas conquistas
por ele nunca alcançado, mas apenas servido.
Como um forte complemento assistencialista e industrial do SENAI construiu-se o
SESI (Serviço Social da Indústria) no país e em São Miguel Paulista:
Constitui motivo de justo orgulho para todos que laboram no parque industrial
brasileiro, constatar a existência em nosso país dessa Organisação Social <<sui-generis>>, qual
seja o Serviço Social da Indústria, conhecido por todos nós como o SESI.
Para se ter uma idéia rápida de suas realizações é de oportuna leitura o pequeno e
despretencioso editorial, sob o título 7.o Aniversário do SESI, publicado no número de junho
deste ano, do <<O EDUCADOR SOCIAL>> um dos úteis e interessantes meios de divulgação
distribuídos pelo SESI.
16
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano II. São Paulo, Fevereiro de
1954. Nº14. p.11.
123
<<Criado em 25 de junho de 1946, o Serviço Social da Indústria iniciou suas
atividades no dia 3 de julho do mesmo ano, nos diversos Estados da Federação, espalhando por
todo o país seus serviços assistenciais destinados aos trabalhadores da indústria, transportes,
comunicação e pesca.>>
17
A racionalidade disciplinar do poder político e econômico vai se incorporando
estrategicamente dentro do cotidiano do trabalhador brasileiro
18
a ponto de criar imagens e
sensações de satisfação e de momentos de lazer, que na verdade tem um objetivo específico
de segura-lo e amarra-lo contra qualquer tipo de manifestação contrária a
ordem estabelecida,
com isso o discurso empresarial inverte ideologicamente a realidade ocultando seus interesses
e criando meios específicos para satisfazer as necessidades dos trabalhadores:
O SESI não visa quaisquer fins políticos; não exige qualquer compromisso de carácter
econômico, religioso ou social. O SESI pretende apenas que o trabalhador brasileiro não perca
a sua condição de cidadão brasileiro, que seja bom chefe de família, consciente de seus deveres
e de suas responsabilidades, que tenha maior capacidade técnica e produtiva, que aumente suas
possibilidades intelectuais e a de seus filhos e que encontre os meios indispensáveis à
satisfação de todas as suas mais urgentes necessidades.
19
por terem colocado o trabalhador como um cidadão chefe de família e consciente
de seus deveres e de suas responsabilidades trouxe em si a manifestação dos interesses
políticos. Ele demonstra a intenção racional burguesa de limitação do ser pelo trabalho
assalariado e pela satisfação em consumir a sua liberdade, ou seja, o trabalhador, em sua
maioria, acabou vivenciando o planejamento e a estratégia político-ideológica do poder
estabelecido através da reprodução e da alienação cotidiana.
Essa limitação do ser em obediência e disciplina se complementa com o próprio texto
do Nitro Jornal que expressa muitos dos acontecimentos internos na fabrica e as relações
sociais construídas. Para essa relação familiar a “paz social” é algo fundamental para que o
convívio esteja pleno em um verdadeiro entendimento cordial entre empregado e empregador,
tentando evitar dessa maneira conflitos ou distúrbios contra a ordem implantada:
17
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Agôsto de 1953.
Nº 8. p.06.
18
VIEIRA, Vera Lúcia. Op. Cit.. p.18.
19
Nitro Jornal. Ibidem.
124
Agora, quando se comemora mais um ano de vida dessa benemérita instituição é justo
render homenagens aos nossos fundadores, pelo idealismo que os animou na criação do SESI, e
aos atuais dirigentes, que tudo vêm fazendo, espontaneamente, para a melhoria do padrão de
vida e bem estar do trabalhador brasileiro, propiciando um entendimento cordial entre
empregados e empregadores à consecução da Paz Social.
20
A ligação com os Estados Unidos na década de 50 foi intensa, principalmente pela
política de aculturação consumista e pela inovação tecnológica fabril que o Brasil teria que
realizar para seguir os novos passos da modernidade.
Uma dessas inovações para a metodologia do trabalho ficar mais rápida e produtiva foi
a vinda do método TWI introduzido no Brasil:
Não obstante tenha sido introduzido no Brasil, sistematicamente, apenas cinco
anos, o método “TWI” “Training Within Industry” ou na forma portuguesa, “Treinamento
Dentro da Indústria” vem influindo, de maneira acentuada, no aumento da produtividade
industrial de S. Paulo.
Os curso do “TWI”, vem sendo ministrados sob a supervisão do Escritório STIC-
CIBAL, órgão resultante de convenio celebrado entre a Secretaria do Trabalho, Indústria e
Comércio do Estado de São Paulo e a Comissão Brasileiro-Americana de Ensino Industrial.
A instrução desenvolveu-se em três fases sucessivas, de dez horas cada, e espaçadas
de 60 dias, denominadas, respectivamente, “Ensino correto de trabalho”. foram treinados até
agora, nas várias fases do método, segundo informou o prof. Marcos Pontual, representante do
CBAI em S. Paulo e chefe do Escritório STIC-CBAI, exatamente 16.750 supervisores da
industria paulista.
21
A Nitro Química, por sua vez, assim como a maioria das grandes indústrias, introduziu
esse método aos chefes de setores em 1957 conduzindo-os ao melhoramento de suas ações no
trabalho, para isso todos deveriam complementar o conhecimento que tinham junto às
novas técnicas a serem implantadas, ou seja, todos os chefes deveriam voltar a estudar:
Iniciamos, no primeiro dia de Agosto, a difusão, na Fábrica, do método de
Supervisão T.W.I., sob a direção e o patrocínio do Escritório Conjunto da Secretaria do
Trabalho, Indústria e Comércio da Comissão Brasileiro-Americana de Educação
Industrial, responsável pela ampliação do método no Estado de São Paulo.
I – Origem do T.W.I.
20
Idem. Ibidem.
21
O Estado de São Paulo, 20 de janeiro de 1957, p. 23.
125
Uma das lições da segunda guerra mundial grandemente aceita e desenvolvida nêstes
anos de após guerra, nos países industrialmente mais adiantados, é a da importante influência
que uma bôa supervisão ou condução de trabalho tem na eficiência produtiva, quer da empresa
ou fábrica quer seja do trabalhador.
Em consequência disso, tem crescido grandemente o interêsse pela função do
Supervisor ou Mestre e, òbviamente pelo seu treinamento.
Na Europa e nos Estados Unidos o sistema de recrutamento dos agentes de mestria
(Supervisores, Mestres, Contra-Mestres, Capatazes, Encarregados, Feitores etc.) se fazia até
poucos anos simplesmente pelo sistema de promoção dos operários melhor capacitados no seu
ofício. No período bélico em que a produção era condição essencial, a investigação científica
provou que ordinàriamente êsse sistema em si mesmo, era defeituoso, pois o conhecimento
seguro do ofício não corresponde necessàriamente à capacidade dirigir pessoal e de conduzir a
produção. Em consequência, na maioria dos casos, essa promoção simples acarretava dois
inconvenientes: a perda de um bom operário e a aquisição de um Mestre ou Supervisor
deficiente.
(...)
O treinamento pode ser feito por um ou mais métodos, sendo que o mais simples,
rápido e bastante eficiente é o “Treinamento Dentro da Indústria”, mundialmente conhecido
pela sigla T.W.I. (Método de Supervisão), iniciais de “Training Within Industry”.
O referido método realizou verdadeiros prodígios no erguimento da produtividade
durante a guerra e está hoje difundido por todos os países industriais do ocidente.
Nos Estados Unidos 1.7000.000 de supervisores foram preparados por êsse método e,
ainda hoje a “T.W.I. Foundation” em New Jersey, nos Estados Unidos, promove permanente
programa de treinamento em tôdas as partes do país. Na França, o instituto científico CEGOS o
vem difundindo sistematicamente. Nos países escandinavos e no Japão, o método tem
alcançado excelentes resultados. No Brasil, foi êle introduzido de modo sistemático pela
“Comissão Brasileiro-Americana de Educação Industrial CBAI” que o traduziu e adaptou
às nossas condições. Em São Paulo, já algumas firmas o haviam aplicado isoladamente, quando
a Comissão de Mão de Obra, da Secretaria do Trabalho, Indústria e Comércio o recomendou
como medida a ser adotada pelo Govêrno, reafirmando assim o que fizeram anteriormente
especialistas que estudaram o assunto no II Congresso Brasileiro de Organização, Científica,
promovido pelo I.D.O.R.T. em 1951.
II – Objetivos e conteúdo do método T.W.I.
O método se destina aos agentes de mestria, termo que inclui os vários graus e
denominações com que se situam nas diferentes organizações das emprêsas os componentes
dos quadros médios: Mestres, Supervisores, Contramestres, Capatazes, Feitores, Chefes de
Secções, Encarregados, Divisionais, Líderes etc. Êle é extremamente útil a todos quantos, na
126
Indústria ou no Comércio, no Transporte ou na Construção Civil, dirigem o trabalho de outros.
Compõe-se dos elementos essenciais da capacidade de supervisionar trabalho.
22
A adoção por parte da Nitro do método TWI significava uma mudança de postura em
relação ao papel das chefias no chão da fábrica. A antiga valorização da prática como um dos
critérios de perfil de uma boa chefia começava a ser questionada. As antigas qualidades de
chefes e operários, embora ainda importantes, não eram suficientes. Tornava-se, mais do que
nunca, necessário treiná-los.
23
A cultura e os costumes dos empregados da Nitro Química tinham obrigatoriamente
que seguir o ritmo da grande e rápida Modernidade construída na década de 50, com isso
percebemos que as máquinas “evoluíram” mais rápido do que os seres humanos que estavam
nelas trabalhando, não por serem ignorantes no trabalho, mas por não estarem adequadamente
preparados a essa nova realidade de vida.
Até mesmo muitos dos chefes dos setores de produção desconheciam o funcionamento
dos novos maquinários colocados dentro da indústria, sem contar a formação institucional
que tiveram em instruções técnicas.
Com a implantação da metodologia TWI a esses funcionários e, principalmente, aos
chefes que foram obrigados a ferir o seu orgulho por terem que sentar em uma cadeira escolar
para aprender o que achavam que sabiam, acabaram sofrendo mais ainda com o aparecimento
de jovens mais qualificados que ocupariam os seus lugares.
O temor pela desvalorização do trabalho e do status de poder interno dos chefes diante
dos trabalhadores tomou conta do cotidiano fabril. Muitos desses homens nunca freqüentaram
as aulas em uma escola, alguns deles, por exemplo, nem mesmo sabiam escrever o próprio
nome.
Aqui começou, de forma mais visível e drástica, o início das manifestações internas e
contrárias às ordens e aos discursos dos diretores da fábrica Nitro Química e de outras
empresas em São Paulo.
O ano de 1957 foi o ano em que a São Paulo industrial-empresarial como um todo
sofreu com as conseqüências do acúmulo de abusos que construíram com a exploração do
proletário, principalmente, pela sua desvalorização cultural. Aos poucos, a classe operária em
22
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano III. São Paulo, Setembro de
1955. Nº33. p.01.
23
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Ibidem.p.92-93.
127
um mesmo discurso e ideologia “contrária” a ordem vivenciada começaram a se unir, pois,
como diz Hobsbawm, no capitalismo a classe é uma realidade histórica.
24
3.2 Uma luta cultural: a modernidade industrial e os “velhos” costumes dos
trabalhadores
A Nitro Química na década de 50 conseguiu que a sua mensagem de “trabalho e
prosperidade” alcançasse quase todo o território nacional
25
a ponto de sofrer as conseqüências
desse progresso então proclamado através das formas de mídia no período.
O bairro de São Miguel Paulista sofreu um forte inchaço populacional e uma
desestruturalização urbana devido à chegada de várias famílias que vieram à busca do tão
propagado emprego, da casa própria e da felicidade citadina.
Com isso, os “puxadinhos” foram crescendo a cada ano que se passava, colocando em
um mesmo terreno várias moradias para acomodar toda uma família migrante na busca de sua
sobrevivência, com isso, várias pessoas começaram a morar em um mesmo terreno e a
dividirem força e tempo para a construção de suas casas.
As vilas operárias, que foram locais melhor planejados e estruturados para a moradia,
possuíam moradores específicos (os chefes, os patrões, os diretores...) estrategicamente
colocados dentro dos muros da fábrica, enquanto a mão-de-obra barata se aglomerava a cada
dia fora dos muros. Por causa disso, muitos moradores começaram a buscar o emprego no
centro da cidade de São Paulo com o auxílio do trem ou do ônibus da CMTC (Companhia
Municipal de Transporte Coletivo) que ligava São Miguel à Penha e, depois disso, o morador
pegava o bonde elétrico até o bairro Dom Pedro II.
As grandes empresas não limitaram o seu controle ao perímetro da fábrica
26
, mas a
propaganda em alguns meios estratégicos de comunicação começou aos poucos a se tornar
insustentável em manter as promessas diante tal realidade que estava se estruturando.
Devido a constante falta de trabalhadores e aos baixos salários, a Nitro tinha um forte
ritmo de rotatividade de empregados, ou seja, da mesma forma que era fácil entrar, era
também fácil de sair, com isso podemos perceber que a preparação dos chefes e dos operários
era uma questão verdadeiramente precária, daí o grande e constante número de acidentes. A
24
HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho: novos estudos sobre História Operária. São Paulo: Paz e Terra,
2005. p.37
25
VIEIRA, Vera Lúcia. Op. Cit.. p.135-136.
26
PERROT, Michele. Os Excluídos da História: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1988. p.71.
128
fábrica começava a “pegar” os trabalhadores a partir dos 15 anos, justamente devido ao
pagamento de um salário mais baixo, como relatou a ex-funcionária Elizia Moreira:
A um salário, equiparado com o de hoje né? Era uma merrequinha, mas dava pra
gente pagar as contas né? Dava pra sobreviver, pagava um aluguelzinho. fiquei com meu
irmão, quando foi fevereiro, ele nasceu em janeiro, fevereiro, eu fui na Nitro Química
arrumei, entrei pra trabalhar, aí comecei a trabalhar com quinze anos né? Aí fiquei trabalhando.
(...) Só com quinze anos que eles pegavam.
27
Após algumas explosões, a empresa se viu pressionada a tomar sérias medidas
preventivas. O conselho de segurança contra o fogo e os fiscais de segurança que existiam
desde de 1943 foram transformados em uma Comissão Interna de Prevenção de Acidentes
(CIPA) e uma série de ações preventivas começaram a ser adotadas.
28
Com o intuito de mostrar ao empregado a preocupação interna dos patrões em relação
aos acidentes, o Redator do Clube de Regatas Nitro Química e Chefe do Serviço Médico José
de Moraes Leme, tomou a frente do discurso para demonstrar aos funcionários a obra
empregada ao bem e a segurança comum a todos da fábrica:
Realmente, antes mesmo que a assistência social ao trabalhador fosse considerada
atividade rotineira das atividades laborativas das classes produtoras, muito antes que a lei
viesse tornar obrigatória a prevenção do infortunio do trabalho e a readaptação profissional do
acidentado, creando as CIPA (Comissões Internas de Prevenção de Acidentes) de cujo
boletim mensal, distribuindo vários anos, constitue este jornal a continuação e o
desenvolvimento – já instituía a Nitro na sua fabrica o Serviço Social, e fazia erigir os edifícios
primeiros em que a sua atividade se iria desenvolver. Datam, de fato, de 1942 e 1943 os
primordios da obra assistencial desta empresa, e desde então não tem feito ela sinão avantajar-
se e extender-se, numa ação calada, porém persistente, profícua e incansável, levando o auxílio
e o estímulo a quantos deles se fazem merecedores e necessitados.
29
Para concretizar uma plena confraternização interna objetivando a Paz e a Harmonia
entre o empregado, o chefe e o empregador, os diretores apelavam muito às charges com a
intenção de garantir através de outras linguagens a simplicidade da cooperação sem
27
Depoimento de Elizia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
28
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Ibidem.p.42.
29
LEME, José de Moraes. Nosso Programa. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição
Interna. Ano I. São Paulo, Março de 1953. Nº 3. p. 01.
129
hierarquia. Foi uma das formas de tentar cristalizar a culpa do mau andamento da produção e
dos acidentes nas costas do chefe:
NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna.
Ano II. São Paulo, Abril de 1954. Nº16. p.14
Como o Nitro Jornal foi um dos instrumentos de controle interno, publicavam os
jantares e as reuniões dos diretores como grandes momentos de união e de igualdade ao
sentarem à mesma mesa alguns chefes de setores e poderem comer juntos o mesmo alimento
servido, vivenciando a plenitude que foi a CIPA presidida pelo diretor Marcello Kiehl e
outros:
Tivemos no dia 19 de Novembro de 1953 p.p., a realização de mais um jantar de
confraternização de Diretores e empregados desta Cia.. A exemplo do que ocorre
habitualmente, o ambiente era de alegria, camaradagem e igualdade, e dele tomaram parte:
além dos 15 superiores e 65 representantes que integram o quadro da nossa CIPA, os seguintes
senhores: Dr. Marcello M. Kiehl, Diretor Administrativo e Presidente da CIPA; Cândido Pinto
de Almeida, chefe dos Serviços Administrativos; Paulo A. Palmeira, chefe dos Serviços de
Previdência Social e Secretário da CIPA; Dr. Salo Loebmann, Sub-Diretor Técnico; Dr. Palle
G. Tonsem, engenheiro eletricista da Fábrica; Drs. José De Platô, Irany N. Moraes, José M.
130
Neves, Georgiev Pop, do nosso corpo Clínico; Antonio Gonçalves da Silva, Inspetor de
Segurança.
30
Os jantares, os discursos e os jornais representavam momentos de descontração para
que todos percebessem e sentissem a segurança interna construída e vigiada pelos diretores e
outros superiores, mas na verdade eles tentavam esconder, ou mesmo amenizar, através das
festas a realidade do chão da fábrica.
Com isso percebemos o poder que exercia a representação na cultura de um grupo
social. Como complemento das linguagens utilizadas ao controle no trabalho, uma delas não
poderia deixar de ser citada para complementar o discurso então difundido que foi a
estatística.
Os números acabam possuindo uma forma de persuasão muito grande a ponto de criar
a sensação de melhoria e de crescimento, tanto no trabalho como também nas relações
cotidianas:
Ao findar mais um ano de labor, é com satisfação que levamos ao conhecimento de
nossos amigos leitores os resultados estatísticos do ano de 1953, comparados aos do de 1952,
que diga-se de passagem, já haviam melhorado bastante em confronto com 1951.
Tivemos em 1952: 41% dos acidentes com afastamento e 59% sem afastamento; em
1953; 33% dos acidentes com afastamento e 67% sem afastamento.
O comparecimento anual aumentou 4,7% em 1953, sendo que as admissões
diminuíram 18,2 % e as saidas 6,4%.
Não tivemos nenhuma morte a lastimar, havendo consequentemente uma diminuição
de 100%.
Pelos dados acima facil será verificar que aumentou a frequência, diminuindo a
admissão, bem assim como os acidentes com afastamento apesar do critério médico em forçar
o afastamento para cicatrização mais rapida e mais perfeita, o que atesta o interêsse de todos na
campanha em que a indústria brasileira acha-se empenhada, a fim de que melhorem as
condições de vida e de trabalho do nosso empregado.
Não poderiamos finalizar esta nota sem agradecer à Administração da Fábrica, na
pessoa dos seus Diretores, graças ao apoio de quem tem sido possivel levar avante esta
espinhosa missão de prevenir acidentes; êste agradecimento é extensivo aos srs. medicos,
engenheiros, quimicos e chefes administrativos a quem cabe uma bôa parcela deste resultado e
30
MELLO, Fausto C. de. Jantar de Confraternização dos Membros da CIPA. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro
Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Dezembro de 1953. Nº 12. p.01
131
aos representantes e supervisores da CIPA, que tudo vêm fazendo para se desincumbirem
satisfatoriamente de seu patriótico mister.
31
O discurso empresarial criado pelos diretores em agradecer a eles mesmos pelos
“grandes” feitos vivenciados dentro da fábrica é uma forma de comprovação do próprio
trabalho. Esses dados ocultam realidades diversas que afetavam a saúde do funcionário como:
o despreparo ao serviço realizado, a forte fumaça que encobria todo o ambiente diariamente, o
número de horas trabalhadas, a baixa remuneração, etc.
Muitos estavam morrendo vivos, mas o que valia como a representação de uma
verdadeira morte seriam as explosões ou outros acidentes trágicos que teriam mais
visibilidade. Daí, aos poucos, novas estratégias retóricas vinculadas pelo
Nitro Jornal aos
funcionários foram circuladas a fim de criar um clima político de “vitimização da empresa”,
colocando a culpa de muitos erros internos diretamente no funcionário, sendo que muitos
deles não foram preparados ao cargo.
Como forma de aproximação desta culpabilidade dos transtornos da empresa ao
empregado e a sua irresponsabilidade, utilizaram a voz de um dos chefes, bem remunerado
por sinal, para dialogar diretamente com os colegas-operários e esclarecer sobre o mau zelo e
o descuido perante a utilização das novas máquinas:
Transcrevemos abaixo, em inteiro teôr, a colaboração que vimos de receber do nosso
empregado Sr. Jerônimo Pires Moraes, chapa 192-46 para o Nitro Jornal:
Aos distintos Senhores operários, meus colegas de serviço. Leiam com atenção êste
artigo, que é para o bem da Companhia, chefes, encarregados e mais ainda para você.
Uma fábrica de máquinas vende uma instalação com uma garantia. Suponhamos, de
30 anos de vida. Essa mesma instalação, na mão de operários cuidadosos poderá trabalhar mais
uns 20. vantagens para o patrão e nossos chefes e também para você, eis que se o nosso
chefe reconhece, poderá levar o reconhecimento ao patrão e ele a você, que estará sujeito a
uma promoção.
Agora a quem você agradece?
Agradeça a vossa idéia, ao vosso cuidado. Portanto vamos zelar. Não deixe que se
desperdice material, pois fará falta à produção. O empregador não aumentou seu salário porque
não houve renda no caixa. O lucro produzido foi empregado na compra de novas máquinas que
o operário descuidado deixou se estragar. A produção grita: viva o patrão, o chefe, o
encarregado e vivam os que zelam, que são simples empregados.
31
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano II. São Paulo, Fevereiro de
1954. Nº14. p.06.
132
Zelemos pelo interêsse da fábrica. Porque trará harmonia entre os patrões e a todos
que tem responsabilidade.
32
As chefias cumpriam assim uma função essencial no disciplinamento de uma mão-de-
obra em geral pouco adaptada ao trabalho industrial. Para o pleno funcionamento da produção
foi decisivo que se combatessem as “transgressões” às normas da empresa: os jogos, as
brincadeiras, o sono e conversas “fora de hora”, etc. Assim, justificava-se o poder conferido
aos chefes na gestão e controle dos subordinados.
33
Essa política foi se desenvolvendo internamente com o tempo devido a uma
necessidade dos diretores da fábrica para cobrir os erros educacionais e pedagógicos de
muitos chefes de seção que eram até mesmo analfabetos. Eles tinham o conteúdo da prática,
mas com a mudança dos meios de produção devido a chegada de novas máquinas, esses
chefes começaram a não querer seguir o ritmo da tecnologia do período, ficando assim
atrasados perante a exigência da modernidade na década de 50. Até mesmo informações
simples que poderiam evitar acidentes foram muitas vezes negadas por muitos chefes, daí
uma das preocupações dos diretores em utilizar o jornal:
NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna.
Ano I. São Paulo, Março de 1953. Nº 3. p.05.
32
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Junho de 1953.
6. p.07.
33
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Ibidem. p.89.
133
A falta de atenção e de interesse no trabalho por muitos desses chefes de setores
começou a se agravar com o tempo, isso fez com que o jornal interno fosse também utilizado
para mostrar a irresponsabilidade que tinham em não conduzir devidamente os seus operários
ao manejo correto das ferramentas e das máquinas:
NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna.
Ano I. São Paulo, Junho de 1953. Nº 6. p.02
Por isso, a posição de muitos chefes começou a ser questionada pela
irresponsabilidade no cargo que exerciam:
Um dos assuntos de maior interêsse em Prevenção de Acidentes é o cuidado em que
se deve dispensar ao empregado recém-admitido, por ser o mesmo uma vítima fácil dos
infortúnios do trabalho.
O grande número de indivíduos que procura emprêgo em nossas indústrias não tem
uma profissão definida. Buscam qualquer ocupação que lhes o ganho necessário ao seu
sustento. Não estão, assim, familiarizados com o manejo das ferramentas, o funcionamento da
maquinaria e desconhecem os riscos das várias operações e serviços.
É principalmente para êstes que devemos voltar as nossas vistas e atenções, no que diz
respeito à Prevenção de Acidentes.
Cabe ao mestre, ao encarregado, ao chefe da equipe, ao receber o novo empregado,
fazer-lhe as recomendações necessárias à segurança do Trabalho que terá que realizar,
reforçando o que já lhe foi dito na entrevista coletiva de Segurança.
134
Compete-lhes indagar do novo empregado, dos seus antecedentes profissionais, de
onde veio, onde trabalhou anteriormente, quais as suas habilitações, para dar-lhe serviço
compatível com suas aptidões.
É dever ainda dos mestres, encarregados e chefes de equipe chamar a atenção do novo
empregado para os acidentes que podem acontecer ao operar a máquina que lhe foi destinada,
ao utilizar certas ferramentas ou a manipular determinadas substâncias.
Recomendar-lhe o uso obrigatório dos equipamentos de proteção individual como
medida para Prevenção de Acidentes e conciliá-lo a cooperar com a Comissão de Segurança do
seu Departamento.
Não devem ser dadas aos empregados recém-admitidos na fábrica, tarefas que devam
ser feitas em máquinas perigosas, sem que lhe seja proporcionado um período de adaptação ao
ambiente de trabalho e de aprendizagem de serviço.
Neste período de adaptação e aprendizagem o novo empregado conhecerá melhor o
serviço, aprender o perfeito funcionamento da máquina recebendo instruções a respeito dos
acidentes que possam ocorrer.
Nunca se deve dar ao novo empregado tarefas ou serviços que coloquem em perigo a
sua segurança, nem jogá-lo abruptamente, para operar prensas ou serras-circulares, etc.
O resultado desse gesto é sempre desastroso e de resultados lamentáveis, com a
responsabilidade daqueles que assim agiram, esquecidos de que também foram aprendizes e de
que estão sob as suas ordens e responsabilidade.
Mutilações e ferimentos graves têm por causa falta de atenção mesmo de humanidade
para com aqueles que procuram serviços industriais.
Procuremos, pois, olhar com mais interesse para êsse aspecto da Prevenção de
Acidentes que é a orientação e o aproveitamento de novo empregado, no ambiente de
trabalho.
34
Alguns chefes assumiram uma imagem de supremacia no cargo que possuíam negando
a sua participação em reuniões e outros tipos de obrigações fundamentais para a condução do
ritmo da produção, isso para fugirem de regras ou mesmo por não aceitarem a realidade de
terem chefias acima deles na hierarquia interna de trabalho:
No dia 28-1, foi levada a efeito a reunião mensal da Comissão Interna de Prevenção
de Acidentes, que contou com a presença do Dr. Thomson (do Depto. Engenharia) e de 35
representantes. Faltaram com justificação os Srs. Abelardo E. Silva (TNT), Mario A. Martins
(03), Juvencio Abranches (TV), José Andrade (32), Rubens Galdino (FF-2), Benedito Correa
(01), Antonio Joaquim (61), Antonio Abreu (44), Antonio L. da Silva (37), e Hans J. Frohn
(Engen.), e sem justificação: Srns. Benedito P. Eustachio (F-5), Nelson Paes (30), Manoel F.
34
REIS, Dr. Brandão. Uma palavra sobre segurança. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira.
Distribuição Interna. Ano II. São Paulo, Abril de 1954. Nº16. p.04.
135
Montenegro e José A. Moreira (A-20), Balduino V. Netto (D-1), Atilio M. Almeida e Antonio
Bertini (FSD), Aurides Carini (10), Domingos A. Vincos e Baldino A. Barbosa (BC)
(Circular 28-52 de 17-12-52).
35
O diálogo entre a diretoria e os funcionários através das páginas do jornal também
serviu estrategicamente como uma forma de suprir essa necessidade educacional e de
supervisão aos novos trabalhadores, principalmente, aos que não sabiam utilizar nem mesmo
os óculos de proteção. outros funcionários não utilizavam os equipamentos de proteção por
acharem desnecessários.
O Nitro Jornal, segundo o operário Júlio de Souza, foi também pensado como uma
forma de relatório interno dos acontecimentos no cotidiano da fábrica. Ele defende a postura
fabril e mostra que muitos acidentes aconteciam por causa dos próprios funcionários:
Teve, teve, porque ali tinha a segurança, eles faziam o jornal de todo acontecimento,
tinha um relatório como a pessoa devia ter segurança nesse ponto a gente não pode dizer
nada porque eu tinha às vezes, a pessoa é que provocava o acidente, não queria usar. Não
queria usar o aparelho, então também eles ali não iam ficar em cima, eles não iam chegar em
você, você tem que usar isso assim em tal setor a hora que você usar o esmerilho você usa o
óculos, a hora que você afiar uma broca tem que usar os óculos, você vai pegar a parte rústica
usa luva, não deixa de usar sapato.
36
Alguns funcionários preferiam arriscar a própria vida a usar as roupas e os
equipamentos de segurança. Isso contribuiu muito para que acontecessem muitos dos
acidentes no local.
Por isso o apelo altamente objetivo pelos diretores da fábrica em informar
continuamente sobre os setores, os equipamentos e os perigos em praticamente todas as 51
edições ao trabalhador, ou seja, tentavam assumir através das páginas a postura informativa de
muitos dos chefes que não informavam ou se dedicavam a realizarem exatamente as suas
tarefas do cargo:
35
Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Fevereiro de 1953. Nº02.
p.08.
36
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul
136
Se as máquinas falassem, meu caro amigo, você ouviria coisas desagradáveis sôbre a
falta de cuidado em seu trabalho. O esmeril, por exemplo, chamaria você de imprudente por
utilizá-lo sem óculos de segurança. Diria, até, que, você tem cabeça dura, tão dura quanto a
pedra do esmeril. E, para castigá-lo por sua falta de segurança, mandaria para seus olhos
fagulhas abrasivas, que cegariam você.
E que diria a serra elétrica, quando você trabalhasse sem a proteção devida? E que
fariam contra você dínamos e geradores, cujas correias, fôssem desprotegidas de seus guardas,
porque você acha a proteção elemento sem valia no funcionamento da máquina e na segurança
do trabalho? E a perfuratriz, que oferecia a falma de suas mãos desprotegidas?
Ah!, meu amigo, se as máquinas falassem elas protestariam o fato de você tingi-las de
sangue, sangue que você, inutilmente, derramaria sôbre suas partes móveis em acidentes
perfeitamente evitáveis! Sim, acidentes perfeitamente evitáveis, porque o acidente decorre
muito mais da falta de proteção e do descuido, do que de outras quaisquer causas,. E acidente
meu amigo, é prejuízo para você e sofrimentos e luto para você e sua família.
O trabalho sem proteção é caminho para a invalidez, para a dor, para a morte.
Ninguém pode fugir às ofensas físicas e materiais do acidente.
Portanto, se o acidente do trabalho resulta de nossa imprevidência , se nós nos
acidentamos porque recusamos ou esquecemos a proteção e a segurança que oferecem a
máscara, a luva, os óculos, as guarda protetoras de correias, de serras e de partes móveis
perigosas de máquinas, cumpre-nos reagir contra o crime da mutilação e da morte por
acidentes. Porque é crime trabalhar-se desprotegido, uma vez que, sem a proteção, o acidente
não tarda.
Assim, não despreze nem esqueça a proteção. Não peça, mas exija a luva, os óculos,
os cinturões de segurança, a bota, a máscara.
Para cada trabalho há proteção adequada e obrigatória por lei.
Não queira confiar sua segurança à fôrça bruta das máquinas, que não tem capacidade
para distinguir seu corpo de uma coisa sem vida.
Lembre-se de que o acidente persegue sua valentia e é companheiro do seu
esquecimento e de sua falta de atenção no trabalho.
Colabore com aquêles que defendem você do acidente, como essa brilhante equipe de
médicos, engenheiros e técnicos da Divisão de Higiene e Segurança do Trabalho, para que
você não sofra as dores físicas e morais do acidente, como a mutilação, a invalidez e a falta do
chefe de família.
37
Percebemos um confronto cultural de costumes entre a empresa com seu padrão de
segurança e a sua forma de organização para evitarem os acidentes contra o estilo de trabalho
que a maioria desses funcionários possuía no lugar onde moravam. No campo o homem tem a
liberdade de trabalhar à sua maneira sem depender de itens de segurança, mas essa
37
GYRÃO, Pedro Poppe . Se as máquinas falassem. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira.
Distribuição Interna. Ano V. São Paulo, Outubro de 1957. Nº51. p.15.
137
privacidade foi negada pelas instituições visando a segurança da empresa, com isso um
confronto cultural se fez cotidianamente no chão da fábrica.
Esse confronto cultural se fez nítido internamente através dos sinais que garantiam os
ritmos de almoço, entrada e saída. Após qualquer barulho a correria foi algo generalizado
entre os empregados, principalmente na hora da saída o que acabava ocasionando acidentes
devido ao forte empurra-empurra à liberdade de suas casas:
NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna.
Ano IV. São Paulo, Julho e Agosto de 1956. Nº42. p.02
Júlio de Souza complementa esse clima mostrando a insegurança que havia dentro dos
setores, mas principalmente sobre a teimosia de alguns funcionários que ainda continuavam a
persistir em não querer utilizar os equipamentos necessários ao trabalho químico:
era pequena nossa segurança, era terrível porque tinha departamento que a pessoa
precisava usar luvas, óculos para esmerilhar o tornear a peça pra não bater o cavaco na vista,
tinha segurança, deram botina, macacão de roupa no vestiário, tinha segurança, foi
aperfeiçoando, começou em 1937, até enquadrar ver o que tava errado o que não estava errado,
eles procuravam corrigir.
38
Nesse sentido, devemos compreender um pouco a necessidade de comunicação direta
com o funcionário, principalmente o recém-chegado que na maioria das vezes era
38
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul
138
empurrado para as caldeiras ou para as máquinas que nunca tinha visto antes na vida. Em
muitos casos, a precariedade de chefias em auxiliar seus operários era algo preocupante
justamente por não saberem passar as instruções adequadas.
Não só dentro da fábrica, mas no cotidiano social como um todo a diferença cultural se
fez presente, por exemplo, o desconhecimento dos instrumentos do “mundo moderno” por
muitos migrantes, que vieram diretamente do campo para a cidade, assim podemos observar o
do uso do ferro elétrico por muitas mulheres:
PERIGO DO FERRO ELETRICO: O ferro elétrico constitui, sem dúvida, uma grande
conquista da vida moderna, mas no seu uso encerram-se muitos e vários perigos. Um deles é o
caso, bem freqüente, de donas de casa ou empregadas que ficam no dever de, ao mesmo tempo,
cuidar das crianças e trabalhar com o ferro elétrico, afim de passar fraldas e outros panos.
Neste caso, terminado o serviço, a senhora desliga, cuidadosamente, o ferro elétrico, mas
muitas vezes se esquece de que êle esfria tão rapidamente quanto seria desejável, constituindo
verdadeiro perigo para as crianças, que tendo-o ao seu alcance naturalmente procuram tocá-
lo.
39
Os choques elétricos foram acontecimentos constantes no cenário doméstico e
industrial e, segundo Júlio de Souza, até mesmo corriqueira devido a má preparação e a pouca
atenção dos funcionários com as máquinas:
Tinha muitas outras coisinhas que eram corriqueiras, lembra assim, momento é coisa
que passou na oficina onde eu trabalhava. Tinha um colega que trabalhou no torno e tomou
uma descarga elétrica torneando uma peça, dessa peça desceu o cavaco como se fosse a casca
da laranja e desceu, encostou no motor. Ele estava com o cotovelo no barramento da máquina e
com a mão aqui (no rosto) e recebeu uma descarga elétrica e morreu na hora.
40
A energia elétrica chegou até a periferia por intermédio do Conselho Nacional de
Águas e Energia no ano de 1946 no Governo Dutra.
41
Em São Miguel Paulista a energia
elétrica já estava instalada na fábrica desde a década de 30, devido a necessidade na produção
e na iluminação interna.
Em quase todas as edições a preocupação com a utilização correta da eletricidade,
tanto na fábrica como também nas casas, foi algo constante. Os choques elétricos foram vistos
39
Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Janeiro de 1953. 1.
p.01.
40
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul
41
VIEIRA, Vera Lúcia. Op. Cit.. p.13-14
139
e sentidos cotidianamente por todos que ali trabalhavam daí uma das causas de haver sempre
medo por onde andavam. O jornal também servia como guia de precaução contra esses
acidentes, ensinado até mesmo noções básicas que qualquer um deveria ter aprendido logo
ao entrar na empresa:
Levando em consideração a elevação constante da voltagem em nossa fábrica,
deliberamos transcrever uma série de normas e recomendações para evitar acidentes nas
cabines de alta tensão, aproveitando para isso um trabalho original da Light e Power Co. Ltda.;
chamando portanto a atenção de nossos leitores, principalmente para ultima fase desta
publicação, onde abordamos a aplicação da respiração artificial para socorro a vítimas de
choque elétrico e asfixias em geral (afogamento, engasgamento ou intoxicação por gazes
venenosos).
As instalações elétricas devem ser inspecionadas frequentemente. o modo mais
seguro de evitar acidentes.
Todo contato com condutores ou aparelhos elétricos com fôrça oferece perigo.
Precauções para as manobras usuais
1. Procure concentrar a atenção sôbre o que vai fazer e raciocinar calmamente; antes de executar
qualquer manobra tenha certeza de que ela não poderá causar acidentes.
2. Para todas as manobras, mesmo as que são feitas por meio de volante ou alavanca, empregar
sempre o estrado isolado e também as luvas de borracha, pois um destes utensílios de
proteção é considerado insufuciente.
3. Antes de usar o material de proteção (luvas de borracha, alicates isolados, estrado isolado ou
bancos), verificar primeiramente o estado em que se acham e se são apropriados para o serviço
a executar.
4. Nunca desligar chaves de faca, quando houver corrente (carga) nos fios.
5. Para ligar a fôrça, na cabine, começar pela ligação das chaves de faca, depois ligar as chaves a
óleo de alta tensão e, por fim, os interruptores de baixa tensão.
Para desligar a fôrça proceder na ordem inversa. (...)
42
O despreparo institucional por parte dos diretores e da organização fabril de suas
atividades teve como reflexo o despreparo de seus chefes e funcionários que foi algo evidente
a cada dia.
O jornal serviu como um meio de conscientizar os leitores/operários a metodologia
geral de trabalho, dos equipamentos, das ferramentas e da racionalidade em como realizar
determinadas tarefas, como, por exemplo, socorrer um amigo vítima de uma carga elétrica:
42
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano III. São Paulo, Setembro de
1955. Nº33. p.12
140
A primeira condição de socorro às vítimas de eletricidade é haver dentro da
organização fabril, gente treinada, que haja recebido instruções apropriadas e não fique em
panico (como é comum, mesmo entre os eletricistas), quando assistem desastres produzidos por
descargas elétricas. fácil ver se um operário quando colhido pela corrente elétrica, mesmo
estando em lugar elevado, pedir êle próprio ou os companheiros o desligamento da corrente. E
quando a corrente é interrompida, o trabalhador precipita-se das alturas e vai morrer, não pelo
efeito elétrico, porém pela fratura do craneo causada pela queda. E´ claro que se houvesse uma
turma orientada, enquanto uns cuidassem de desligar a corrente, outros tratariam de amparar o
operário vitimado, evitando a queda, salvando-o da morte.
43
O conflito cultural entre o campo e a cidade foi sentido e vivenciado de maneira muito
intensa internamente na fábrica, tanto é que alguns trabalhadores ainda usavam a faca como
instrumento para mexer em equipamentos de alta voltagem elétrica. O desconhecimento do
equipamento fazia com que ele usasse a criatividade do campo para consertar os problemas à
sua maneira diante a modernidade das máquinas.
Infelizmente a “imagem de macho” se fazia presente após algum acidente, pois alguns
funcionários se negavam a receber os cuidados médicos essenciais a saúde e a continuidade
do trabalho, por isso a fábrica se armava com as leis da CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho)
44
para se ausentar das responsabilidades daqueles que não queriam ajuda médica:
Alguns dos importantes artigos do Decreto Lei 7036, de 10 de Novembro de 1944:
Artigo 13 Recusando-se o acidentado a submeter-se ao necessário tratamento médico, ou
fazendo-o desidiosamente, a responsabilidade do empregador ficará limitada às conseqüências do
acidente, e não se estenderá às suas agravações ou complicações.
Parágrafo único Para o efeito do disposto no presente artigo, o empregador comunicará
sempre à autoridade judiciária competente, para a devida verificação, a recusa do acidentado em
submeter-se ao tratamento médico indicado, ou a sua negligencia na observância do mesmo.
Artigo 45 Todo o acidente, do trabalho será obrigatòriamente comunicado ao empregador
pelo acidentado ou por qualquer pessôa que dele tenha conhecimento imediatamente, após a
ocorrência, não podendo essa comunicação exceder do prazo de 24 horas, salvo impossibilidade
absoluta.
Parágrafo único Se, no caso de inobservância do que dispõe o artigo anterior, resultarem,
pelo conseqüente retardamento da prestação de uma conveniente assistência médica, farmacêutica e
hospitalar, agravações ou complicações da lesão inicial, por elas não responderá o empregador.
43
Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Fevereiro de 1953. Nº02.
p.02.
44
FRENCH, John D. Afogados em Leis: a CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo:
Editora Fundação Perseu Abramo, 2002.
141
Artigo 79 Os empregadores expedirão instruções especiais aos seus empregados, a título de
“Ordens de Serviço”, que estes ficarão obrigados a cumprir rigorosamente, para a fiel observância
das disposições legais referentes à prevenção contra acidentes do trabalho.
45
Para que as notícias circulassem perante todos os funcionários, tanto aos analfabetos
quanto aos alfabetizados, linguagens simples atraíam as atenções dos trabalhadores a
entenderem de formas variadas a mesma mensagem passada por textos ou imagens, por isso
dentre elas existiam os ditados como verdadeiras brincadeiras voltadas a interatividade do
leitor com o jornal, mas sempre com as mesmas propostas objetivas do discurso que era o
cuidado com os acidentes e a produtividade no trabalho:
DITADOS
“Não há eficiencia sem segurança.
O descuido é o himã que atrai os acidentes.
Quem dorme no serviço, acorda no Ambulatório.
0 % acidente, 100 % produção.
Lembre-se que a preservação de acidentes não é só para os outros.
A gravidade dos acidentes não é julgada pela quantidade de acidentes, mas sim pelo tempo
perdido por cada acidentado.
A mudança de ambiente e o local do trabalho é fator de observação que muito influe para evitar
o acidente, assim como aumenta a produção.
Pense antes de fazer as cousas <<onde está o homem está o perigo>>.
A prudência nunca é de mais.
<<O álcool é inimigo da segurança no trabalho>>. Evitá-lo é evitar acidentes.
Não jogue com a vida. Lembre-se de que <<a sorte tambem falha>>.
Ao deixar o trabalho, lembre-se <<acidentes tambem acontecem lá fora. Cuidado sempre>>.
Cautela e caldo de galinha, não fazem mal a ninguem.”
46
Uma outra preocupação dos diretores com o cotidiano de trabalho estava no abuso da
bebida alcoólica entre os empregados, até mesmo em horário de serviço.
Essa preocupação dos patrões com o alcoolismo vem desde o início do século XX com
a instalação das primeiras fábricas no país. Em resposta o controle público higiênico-
45
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Março de 1953.
3. p. 06.
46
Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Fevereiro de 1953. Nº02.
p.03.
142
sanitarista tentava envolver a população em campanhas a uma verdadeira cruzada de combate
a esse mal.
47
A Companhia Nitro Química Brasileira, assim como quase todas as indústrias da
cidade de São Paulo, foi um alvo certeiro desse “mal” reproduzido cotidianamente pelos
trabalhadores. Vários acidentes decorreram justamente pelo descuido que tiveram na hora de
manejar alguma máquina e tropeços dentro dos setores. Essa preocupação levou a utilização
freqüente das páginas como uma forma de alertá-los a essa realidade.
Para saber se o trabalhador tinha uma forte tendência a ser considerado um alcoólatra
foram trazidos dos EUA testes e textos que sempre foram utilizados para criar uma sensação
de vigilância constante do ser sobre si mesmo. A bebida, os amigos e as conversas dentro da
fábrica prejudicavam os objetivos de produção dos diretores, mas eles não tinham a mesma
mentalidade justamente por terem ritmos e costumes diferentes da exigida pelo ambiente e
suas ordens:
Dezoito perguntas sôbre o Alcoolismo
1 – Será que você perde tempo de trabalhar, por causa da bebida?
2 – A bebida está tornando infeliz a sua vida doméstica?
3 – Você bebe porque fica tímido na frente dos outros?
4 – A bebida está afetando a sua reputação?
5 – Você, alguma vez, sentiu remorsos depois de beber?
6 – Você experimentou dificuldades financeiras como resultado da bebida?
7 – Você procura companhias <<baixas>> e meio inferior quando bebe?
8 – A sua bebida torna-o descuidado da felicidade da família?
9 – As suas aspirações decresceram com a bebida?
10 – Você sente necessidade de beber numa hora definida, diàriamente?
11 – Você deseja uma bebida na manhã seguinte?
13 – A sua eficiência decresceu desde que você bebeu?
12 – A bebida traz-lhe dificuldades para dormir?
14 – A bebida está arriscando seu emprêgo ou negócio?
15 – Você bebe para escapar de preocupações?
16 – Você sentiu, alguma vez, perda completa de memória em consequência da
bebida?
17 – O seu médico já o tratou, em qualquer tempo, por causa da bebida?
18 Você esteve internado num hospital ou em qualquer instituição em virtude do
uso da bebida?
47
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncora de Emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru, SP:
Edusc, 2005. (Coleção História). p.63.
143
De acordo com a apuração da C.N.C.A. dos Estados Unidos, se você responder
<<sim>> a uma das perguntas tem tendência para o abuso das bebidas alcoólicas; se disser
<<sim>> a duas, tem probabilidades de você ser um alcoólatra e, se você responder <<sim>> a
três ou mais perguntas então você é definitivamente um bêbedo.
48
A fábrica tinha uma necessidade extrema de dependência desses funcionários, como os
seus motoristas para fazer o escoamento da produção aos bairros vizinhos ou ao centro da
cidade, sem eles toda a produção ficaria parada dentro dos galpões da empresa resultando em
prejuízo. Mas muitos motoristas davam “trabalho no trabalho” em relação ao consumo
excessivo da bebida e, como conseqüência disso, os desastres e atropelamentos em acidentes
se tornaram acontecimentos rotineiros no bairro.
O automóvel representava uma extensão da imagem e da força do homem ao
demonstrar-se superior aos demais seres que não possuíam determinada mercadoria. A
ideologia da modernidade
49
se fazia cotidianamente pela cultura do consumo e da
propriedade, assim o usuário trazia a visão de superioridade diante os pedestres fazendo da
velocidade a sua força a ser sempre demonstrada aos outros.
Os acidentes com o transporte traziam mortes e prejuízos consideráveis na escoação da
produção, por isso alguns meios de aproximação com esse motorista foram realizados com o
intuito de motivá-lo a prestar mais atenção ao realizar o trabalho:
NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna.
Ano IV. São Paulo, Outubro de 1956. Nº44. p.19
48
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Junho de 1953.
6. p.08.
49
ORTIZ, Renato. Memória e Sociedade. In: A Moderna Tradição Brasileira. Cultura brasileira e indústria
cultural.
São Paulo: Brasiliense, 2006. p.77-110.
144
Com o avanço da tecnocracia, do desenvolvimento urbano e a grande produção
automobilística, os aventureiros alcoólatras se metiam em enrascadas colocando a vida dele e
a dos outros em risco sobre a responsabilidade da empresa, daí um dos motivos da grande
preocupação institucional que foi a de preservar-se:
Tanto se tem falado e escrito sôbre os efeitos maléficos do álcool e sôbre seus
supostos benefícios à saúde, que a verdade a esse respeito ainda se mantém enublada na mente
popular. Eis o grande mal.
A ciência entretanto, tem procurado pôr os pontos nos <<i i>>, mostrando que os
pequenos e imediatos efeitos estimulantes do álcool são transitórios e paliativos, ao passo que
os prejuízos causados pelo seu uso imoderado e continuo são, realmente, tremendos. De fato, é
o álcool responsável por grande número de degenerações de órgãos e, principalmente pela
depressão moral e pela demência, conduzindo à degradação do indivíduo, com toda a escala de
desvios e até de crimes. Ultimamente, porém, nova espécie de malefícios do álcool vem
ocorrendo em grande escala. E´ dessa classe de males que vamos tratar.
O progresso das novas capitais trouxe desmedido aumento de veículos motorizados,
que, nas mãos de irresponsáveis, agora em notável proporção, constitui em verdadeiras
máquinas de destruição humana. Não dúvida de que as defeituosas condições urbanísticas
da maioria das nossas cidades concorrem para promover os desastres; mas justamente esse fato
deve obrigar o condutor do veículo a maior senso de responsabilidade , e, portanto, a maior
prudência. (...)
50
Para tentar evitar o grande número de acidentes foi utilizado o jornal como um meio
de preparação aos cuidados que o motorista/empregado deveria ter ao dirigir. Nem mesmo
informações básicas alguns deles sabiam, pois o que prevalecia a empresa era o trabalho
realizado sob um custo mínimo de mão-de-obra, mas aos poucos começaram a sentir que o
barato começava a sair caro diante o despreparo que tiveram em educá-los adequadamente:
Sr. Motorista:
1. Por mais interessante que seja a conversa dos seus amigos no carro, não vire a
cabeça para participar dela
2. Não tire as mãos do volante para fazer gestos.
3. Concentre sua mente no manejo.
4. Atenção nos cruzamentos das estradas. Bem pode acontecer ir você em sua mão e
o outro carro não.
50
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano IV. São Paulo, Março de 1956.
Nº39. p.10.
145
5. Obedeça os regulamentos de trânsito e os sinais nas ruas e estradas.
6. Esteja atento quando passar em frente a saída de escolas, oficinas, garagens, etc.
7. Diminua a velocidade antes de chegar a uma curva ou cruzamento e “tóque a
buzina” (menos na zona de silêncio).
8. Utilize o espêlho de retrovisão e em posição adequada.
9. Não passe adiante de carros nas curvas ou cruzamentos.
10. Mantenha limpo os farois e parabrizas.
11. Pare o carro, e observe antes de dar uma volta completa.
12. Constate que os freios de seu carro estejam bem ajustados e que a direção não
tenha jôgo demasiado.
13. Especialmente quando anoitecer, deve manter a mão. Não ilumine com seus
farois o outro carro que vem em sentido contrário. Faça jôgo com as luzes.
14. Vigie o estado de sua bateria. Recorde que déve manter a um determinado nível a
água distilada do acumulador.
15. Vigie a pressão e o estado geral de seu pneumáticos.
16. Esteja atento nos dias de chuva com as patinadas nas curvas.
17. Nunca presuma ser um grande “volante” e como tal “demonstre” suas habilidades
à custa dos outros.
18. Nunca realize manobras espetaculares. Você pode ser uma maravilha de precisão,
porém o outro condutor pode não saber.
19. Não ande pelo meio das ruas transitáveis.
20. Não passe adiante de outro carro pela direita.
21. Seja prudente; se o caminho estiver mais ou menos bloqueado não tente passar
pelo espaço que deixam dois carros entre si.
22. Não passe a toda velocidade adiante de outro carro, lembre-se que si nêsse
momento estourar um pneumático você não terá tempo de manobras e evitar uma colisão.
23. Não se distraia olhando a paisagem quando viaja guiando. Se é amigo da
natureza, é preferível que pare o carro para admirá-la.
24. Não guie com uma só mão para mostrar que sabe guiar.
25. Não transite contra a mão.
26. Não procure, nem aposte corrida com nenhum veículo.
51
Os diretores da fábrica Nitro Química não tiveram uma noção clara em organizar
adequadamente os seus funcionários. O custo de uma mão-de-obra qualificada foi muito alta
no período, consequentemente sofreram com o despreparo dos funcionários que simplesmente
reproduziam o que não sabiam em alguns casos.
51
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Agôsto de 1953.
Nº 8. p.09.
146
3.3 - Operários x Patrões: a luta social por melhores condições de vida
A industrialização conseguiu avançar fortemente no país com o apóio governamental
às várias empresas multinacionais que se instalaram no território nacional na década de 50.
Trata-se da desnacionalização da indústria nacional, que envolve não apenas novas
técnicas de evasão do excedente econômico como também a transformação do Brasil numa
nação “associada” do capitalismo internacional. Em outras palavras, ao mesmo tempo realiza-
se e frustra-se a revolução burguesa no Brasil.
52
Nesse período a dinamização e a diversidade das atividades produtivas requeriam uma
mão-de-obra altamente especializada para seguir o mesmo ritmo de produção no trabalho,
estamos em pleno cenário desenvolvimentista onde a agilidade e a racionalidade comandavam
a expansão da empresa no mercado dependendo intimamente da qualificação do funcionário.
Essa política industrial ou programa nacional-desenvolvimentista, iniciada por Getúlio
Vargas na década de 30, foi se desenvolvendo com o tempo pela necessidade de
sobrevivência do próprio Estado em ter que acompanhar o mercado, esse era um dos grandes
argumentos que os diretores faziam circular constantemente dentro da fábrica, como aqui
demonstra o diretor administrativo Marcello Milliet Kiehl:
Serão anos de esforços e sacrifícios antes que esse programa seja realizado.
Precisamos reconquistar os mercados externos, para isso devemos produzir mais e de
forma mais racional, a fim de baixar o custo e podermos enfrentar a concorrência de outras
nações. É preciso evitar o êxodo do trabalhador rural, dando-lhe maior assistência e proteção;
precisamos melhorar e coordenar os transportes para não onerar o custo das mercadorias.
(...)
Sòmente uma ação conjunta do governo, das associações de classe produtoras, no
sentido de que, com a colaboração de todos nós. Desde o homem do campo, operários, mestres,
oficiais, engenheiros, industriais, etc., firmemente resolvidos a aumentar a produção, a reduzir
o custo das utilidades, a fazer economia, especialmente de artigos importados e essenciais, é
que venceremos essa batalha que se delinea.
Sòmente assim, seremos capazes de atravessar esses poucos anos que nos separam da
vergonha de sermos um país “sub-desenvolvido” para o orgulho de virmos a ser uma das
grandes potências mundiais.
53
Desde o início da década de 50 uma grande quantidade de migrantes que chegavam
em busca da felicidade” começou a incomodar a política administrativa- ideológica da Nitro,
52
IANNI, Octávio. Estado e Capitalismo. São Paulo: Brasiliense, 2004. p.35.
53
KIEHL,Dr. Marcello Milliet. Aceitemos a Luta. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira.
Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Fevereiro de 1953. Nº02. p.01.
147
tanto internamente na fábrica como em todo o bairro. O inchaço populacional trazia certo
receio da perda do controle social diante os vários contrastes que se construíam e se
vivenciavam todos os dias.
Mas a fábrica possuía um grande apoio político de controle social principalmente
contra os ativistas que traziam do centro da cidade de São Paulo os efeitos das manifestações
grevistas, esse apoio fabril se dava pela união com o Sindicato dos Químicos.
A organização sindical oficial foi criada pela ditadura Vargas (1937-1945) no espírito
do corporativismo fascista italiano e dotado de uma articulação rigidamente vertical. A cada
setor da produção (indústria, comércio, etc) corresponde, tanto para os patrões como para
empregados, uma estrutura hierarquizada de sindicatos (base), federações (nível
intermediário) e confederações (cúpula). A organização oficial proíbe a formação de uma
central operária, do mesmo modo que qualquer tipo de “frentes” ou “pactos” inter-sindicais.
Desde suas origens esta organização foi mais um fato burocrático-assistencial que
propriamente uma estrutura sindical efetiva e começou a ganhar alguma eficácia sobre as
bases políticas do populismo dos anos 50.
54
Esse controle sindical fez de sua força ativista uma força retroativa de controle do
operariado. Ele conseguiu articular o movimento sindical/anarquista ao sentimento
nacionalista de mobilização, aculturando o operariado em ver o sindicato como um simples
meio assistencialista às suas necessidades.
55
O redator do Nitro Jornal, Eduardo Sabino de Oliveira, colocou essa política de união
em suas palavras no sentido de demonstrar os sindicatos e o seu reconhecimento social:
Hoje os sindicatos têm seus direitos reconhecidos e os mesmos tribunais que ontem os
condenavam, hoje os defendem.
As indústrias cada vês mais se aparelham para a elevada missão que lhes cabe no
mundo moderno que é de produzir cada vêz melhor e mais barato, visando um tempo o lucro e
a justa retribuição do capital nela empregado, do bem estar dos que nela trabalham e do público
que ela serve.
56
54
WEFFORT, Francisco C. Participação e Conflito Industrial: Contagem e Osasco. São Paulo: CEBRAP, 1972.
(Cadernos CEBRAP,5). p.07
55
GOMES, Ângela Maria de Castro. A Invenção do Trabalhismo. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. p.246-
253.
56
OLIVEIRA, Eduardo Sabino. As Nossas Responsabilidades. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química
Brasileira. Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Janeiro de 1953. Nº 1. p.01.
148
O Sindicato dos Químicos e a Companhia Nitro Química possuía uma grande relação
no complemento do controle do operariado, principalmente no sentido de evitar as greves que
foram tão temidas pelos empresários.
Em 1953 fortes greves (como a dos 300.000 mil) abalaram algumas indústrias no
centro da capital
57
, mas em São Miguel Paulista acordos foram negociados com os
funcionários para que evitassem tal constrangimento à sua imagem. Com isso, a propaganda
institucional passada aos funcionários em ser uma verdadeira empresa-modelo em educação e
disciplina constituía a grande imagem de “família nitrina”, isso segundo o redator Ragaine:
Foi para nós motivo do mais intenso júbilo constatar que, enquanto no centro da
cidade, milhares de operários estavam em greve, com enormes prejuízos pessoais dos grevistas,
com perda dos empregadores, e com atrazo ao progresso de S. Paulo; enquanto se tornava
indispensável a intervenção da Polícia para evitar atentados à propriedade particular; enquanto
choques ocorriam; violências e arbitrariedades se sucediam de ambos os lados, esta pleidade de
empregados da Cia. Nitro Química Brasileira dava, de público, uma lição de ordem, de
disciplina, de ponderação, demonstrando alta confiança na Nitro, certos de que a Diretoria
desta última, como sempre o fez, compareceria, no devido tempo, com o prêmio justo e
merecido a todos os obreiros do progresso da CNQB.
58
Para expressar-se como uma fábrica “completamente diferente” das outras, por possuir
um forte espírito paternalista de trabalho e convivência mais próxima no chão de trabalho, o
discurso continuou revelando a felicidade interna construída pelos acordos que tiveram
empregados e empregadores, selando assim esse belo momento com uma chopada oferecida
pelos diretores, além de anteciparem o jogo de futebol que ia ser realizado no domingo, uma
representação perfeita da harmonia geral construída pelos diretores:
Ultimados os entendimentos, na Assembléia Geral, todos contentes, satisfeitos, eis que
são obsequiados os empregados novamente, de forma simples, mas que tocou fundo, pela
Diretora da Fábrica. Esta ofereceu, na sede de campo do Clube, uma chopada após um jogo de
futebol entre Escritório e Fábrica, que seriam realizados no domingo.
Neste dia, numa manhã bela de sol, em festa de confraternização geral, após o jôgo,
antes da chopada, outra surpresa ocorreu.
Os empregados agradecidos, haviam se cotizado e adquirido dois mimos, que foram
entregues, em cerimônia simples, mas enternecedora, aos dois líderes nesse grande movimento:
57
WEFFORT, Francisco C. Ibidem p.10.
58
RAGAINE, Álvaro. Evolução da Paz Social no Brasil. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira.
Distribuição Interna. Ano I. São Paulo, Maio de 1953. Nº 5. p.01.
149
um nosso diretor, Dr. Marcello Milliet Kiehl; outro, o Sr. Vinicius R. Bueno, DD. Presidente
do Sindicato dos Trabalhadores nas Ind. Quim. e Farm. do Estado de São Paulo.
Encerrando o dia houve a chopada, enormemente concorrida e que selou com fêcho de
ouro os entendimentos fêlizes entre empregados e empregadores, resultando daí uma magnífica
lição de quanto vale o respeito mútuo, a harmonia, a boa vontade e a dedicação entre uns e
outros.
“Nitro Jornal” se congratula com os empregados; com o Sindicato dos Trabalhadores
e com a Diretoria da CNQB augurando que o seu exemplo seja copiado pelos demais.
59
Com o tempo, os efeitos da propaganda ideológica mantida pela empresa visando o
controle dos trabalhadores e dos moradores através de uma racionalidade administrativa dos
valores e dos costumes estava começando a sofrer com as constantes mobilizações dos
operários em querer ter exatamente aquilo que foi antes prometido.
A conscientização da realidade se fez aos poucos pela própria realidade em que
estavam vivenciando. A política assistencialista não mais comportava as necessidades dos
funcionários que começaram a reivindicar fortemente a partir de 1956.
O movimento operário não pode ser visto apenas como dependente da história da
sociedade mas também como sujeito de sua própria história e, como tal, capaz de influir sobre
a sociedade.
60
Por isso, aos poucos, as fortes contradições começavam a se fazer voz através
da própria realidade vivenciada.
Os efeitos dos protestos reivindicatórios contra a fábrica foram sentidos através das
páginas do Nitro Jornal, pois a partir de Abril de 1956 a diagramação desse meio de
comunicação sofreu uma desestruturalização com os abalos realizados pela pressão da
população trabalhadora.
As páginas foram diminuindo. Começaram então, os diretores-redatores, a colocar
mais imagens e menos textos político-econômicos direcionados ao progresso nacionalista e
desenvolvimentista.
Os jornais começaram a ser usados simplesmente como escudos contra os acidentes
internos e os incidentes grevistas e comunistas externos. Como exemplo desse impacto, os
diretores circularam algumas manifestações populares tentando ideologicamente ocultar
certos acontecimentos, isso com o objetivo de tentar safar-se das manifestações e tentar
quebrar o seu sentido de protesto:
59
Idem. Ibidem.
60
WEFFORT, Francisco C. Ibidem.
150
... - Snr. Presidente, Snrs. Vereadores:
A Nitro Química está tirando sangue dos operários e vendendo aos
acidentados!!!
... “- Snr. Presidente, nobres Vereadores:
Pretende-se instalar o Posto de Puericultura numa dependência da Nitro
Química, em lugar onde gazes venenosos, apélo para o Snr. Governador para sustar tal
instalação...
“... “- Snr. Presidente, nobres colegas:
A Nitro Química está em seu hospital cobrando as diárias extorsivas de seus
operários...
“... “- Snr. Presidente, nobres pares:
A Nitro Química “giletes” e etc. para os seus operários comer no seu mal
instalado Restaurante...
“... “- Snr. Presidente, Snrs. Vereadores:
A Nitro Química etc. etc.”
Tais e tantas como estas ouviram-se na Câmara Municipal que, vereadores
mais conhecedores desta Companhia teleforam-nos:
- Alô... Alô... é da Cia. Nitro Química Brasileira que falam?
.............................
Ah! É o Chefe do Serviço Social?
.............................
- Aqui é o vereador .....................
.............................
- Várias vezes essa Fábrica tem sido citada aqui na Câmara, e como eu,
(apesar de superficialmente) conheço vossa organização, sei que injustamente, gostaria de ter a
oportunidade de pessoalmente visitá-la e mostrar a alguns colegas a verdade sobre a Nitro. É
possível?
- Com grande prazer presado vereador, sempre recebemos com real interêsse
a esclarecida visita dos nobres representantes do povo. Pode crer que nos serão bastante úteis
as vossas presenças, e reafirmo mais uma vez que aqui estamos sempre às ordens.
- Muito obrigado pela referência, então vou convidar alguns dos meus
colegas e oportunamente marcarei a data da nossa visita.
61
Os diretores da fábrica por terem uma proximidade muito grande com os deputados,
alguns deles eleitos pelos próprios moradores do bairro, se uniram estrategicamente para
tentar consolidar as palavras como verdades, para isso utilizaram alguns meios de
comunicação de massa para a divulgação de uma “verdade” institucional como realidade:
61
Esclarecendo a Verdade. In: Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano IV.
São Paulo, Abril de 1956. Nº40. p.06.
151
Confirmando plenamente as nossas considerações, tivemos a satisfação de ouvir no
mesmo dia, aos microfones da Radio Nacional de São Paulo, o locutor-vereador Snr. Pedro
Geraldo Costa que enaltecendo o nosso serviço, foi categórico, dizendo entre outras palavras
de elogios. <<
Estão de parabens os empregados da Nitro Química por trabalharem em
uma empresa em que o Serviço Social é uma realidade>>.
62
Aos poucos, algumas manifestações grevistas e comunistas em São Miguel Paulista
estavam acontecendo simultaneamente com todo o Estado e em quase todas as grandes
empresas. O mundo estava passando pelo período da Guerra Fria, que também foi uma guerra
de imagens, de representações, de mercados e de ideologias.
A imagem do socialismo invadia cada vez mais forte o mundo e os setores sindicais de
São Paulo que aos poucos se mostravam instrumentos subjetivos de luta, mas também
possuíam uma grande afinidade política com as empresas.
O líder soviético Kruschev estabeleceu a sua supremacia perante o poder da URSS e
disseminou uma representação de líder bondoso, acabando com alguns feitos antes
construídos por Stálin, entre eles o esvaziamento dos campos de concentração.
63
Esse líder
perante o mundo proletário começou a criar um ar de esperança ideológica aos outros países,
mas a mídia fazia de tudo para limitar essa esperança:
Em 1956 foi o ano das grandes esperanças, dos grandes sonhos, do otimismo
exagerado, da euforia dos que sempre acreditaram na coexistência pacífica e na superação, por
caminhos pacíficos, dos obstáculos que vem mantendo a humanidade, dos que se obstinavam
em não encarar a realidade procurando no refugio precário da credulidade excessiva a
segurança que a realidade inquietante dos fatos jamais poderia proporcionar. O mundo cansado
e deprimido, desesperado de ver resolvidos os problemas que a segunda guerra mundial nos
legou, consolava ante a perspectiva enganadora de, pelo menos, não ter de enfrentar novas
convulsões violentas desde que o medo, o medo físico absurdo, antinatural e, sobretudo, imoral
por sacrificar os direitos legitimos de milhões de pessoas submetidas pela força, o meio de
prolongar uma “paz” que foi, sem duvida, a maior conquista da propaganda soviética. O
primeiro semestre de 1956 parecia justificar os crentes, principalmente depois da espetaculosa
oração de Kruchev, perante o XX congresso do PC soviético, por meio da qual procurou
acalmar ainda mais as consciências pesadas dos que tinham renunciado ao direito de reagir
contra a monstruosidade de um regime mil vezes mais execrável que o nazista, atirando sobre
62
Idem. p.01.
63
HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos... p.239.
152
os ombros de um morto a responsabilidade completa pelos crimes desse regime que
nenhuma máquina de propaganda conseguia esconder.
64
No âmbito interno de cada uma destas concepções, o padrão de racionalidade estaria
dado por juízos, supostamente objetivos, sobre a realidade do mundo “desenvolvido”,
“moderno” ou “capitalista”, e aparentemente nada teria a ver com a crença em valores
políticos ou morais que se busca defender ou que se aspira realizar. Diante dos manifestos
contrastes entre “países avançados” e “países atrasados” parece embotar-se a sensibilidade
ideológica em geral para adquirir relevo uma “sensibilidade moderna” que se pretende
fundada puramente em juízos racionais e científicos.
65
A discussão sobre os problemas dos trabalhadores nas empresas e as ações do
sindicato para enfrentá-los praticamente inexistiam nas reuniões da diretoria química. A
prática de assembléias por empresa autorizando a abertura do dissídio coletivo foi mantida,
relegando as ações por melhoria salarial e de condições do trabalho exclusivamente ao
aspecto jurídico por intermédio do advogado do sindicato. Algumas vezes eram concedidas
ajudas monetárias a associados em dificuldades financeiras, no entanto, nenhuma discussão
era feita sobre problemas coletivos da categoria.
66
Os funcionários começaram se unir a fim de criar suas próprias reivindicações contra
os abusos da Nitro Química, para isso foram guiados pelo sindicato e criaram um jornal
próprio para circular entre eles chamado “O Reivindicador”, com o propósito de unir as
atenções contra os patrões com a força ideológica comunista partidária, relatando todos os
acontecimentos e desastres dentro fábrica:
Noticiando o lamentável acidente ocorrido em nossa fábrica no dia 27 de agosto
último, o número inicial do periódico “O Reivindicador” órgão do Conselho Distrital desta
localidade – fez algumas considerações que não correspondem à verdade, e que por isso
precisamos retificar.
A primeira informação errônea é de que “... o sr. Comendador Ermirio de Moraes
mandou oferecer à viúva a ínfima importância de Cr$ 5.000,00, como indenização pela perda
da vida do seu esposo, tendo a mesma, recusado esta proposta da Nitro Química, entregando o
caso a um causídico”.
Inicialmente, devemos informar que a viuva não recusou a aludida importância;
recebeu-a, e dela deu recibo. Mas não se trata da indenização pelo acidente: tal importância
64
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1957, p. 16.
65
WEFFORT, Francisco C. Classes Populares e Política (Contribuição ao estudo do “populismo”). São Paulo:
Universidade de São Paulo, 1968. Tese de doutorado. P.16
66
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro. Trabalhadores e Cidadãos. p.126.
153
representou apenas um donativo, oferecido à família para as despesas de luto; a Companhia,
apesar de nada a isso obrigar, vai conceder uma pensão mensal à viúva e bolsas de estudos a
dois de seus filhos, isso tudo levando em conta os serviços prestados pelo empregado falecido.
(...)
67
Os operários se sentiram representados através de outras ideologias e lideranças
políticas que traziam na bandeira de luta algumas palavras voltadas por melhorias das
condições de vida e de salário. Mesmo sem os sindicatos e a presença do comunismo
partidário, como o PCB, muitos empregados estavam dando a resposta reivindicatória aos
chefes-diretores pelo próprio cotidiano de trabalho.
Alguns funcionários ligados a Nitro Química acabavam relatando todos os desastres e
imprudências do empregador ao empregado, desta forma também aproveitavam para espalhar
a ideologia partidária sindical contra os chefes-diretores. Segundo Elizia Moreira, os patrões
tentavam de qualquer jeito segurar seus funcionários dentro da empresa através da repressão
salarial:
Acho que eles queriam aumento. Eles queriam aumento e uns iam trabalhar e os
outros iam escondidos e eles prendiam o povo dentro pra ficar trabalhando que as máquinas,
têm máquinas que não podiam parar né? Era dia e noite ficar rodando, não podia parar de jeito
nenhum.
68
Uma greve pode ser considerada espontânea quando a massa operária decide e realiza,
por si própria, um movimento de defesa de interesses econômicos e sociais. Os operários,
nestes casos, contam certamente com líderes, embora desconhecidos do público e das
autoridades, e com alguma forma circunstancial e elementar de organização, mas não com
uma organização corporativa (ou política).
69
O que essas ideologias trouxeram de novo as suas reivindicações foi a vivência da
manifestação com o auxílio da justiça, que por sua vez representa o Estado na intermediação
entre o capital e o trabalho, que é morosa e cheia de artimanhas quando se trata da defesa do
trabalhador e ágil quando se refere ao capital; mas que sabe agir sumariamente, quando trata
de penalizá-lo.
70
67
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano IV. São Paulo, Outubro de 1956.
Nº44. p.01
68
Depoimento de Elizia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
69
WEFFORT, Francisco C. Participação e Conflito Industrial: Contagem e Osasco. p.22
70
VIEIRA, Vera Lúcia. Op. Cit.. p.20
154
Reuniões foram agendadas para discutir as formas que iriam dar as manifestações ou
mesmo continuar as que começaram até encontrarem um acordo (não uma solução definitiva)
salarial para todos os empregados:
Dirigentes da Federação e do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e
Tecelagem, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias, Metalurgicas, Mecanicas e de
Material Eletrico, do Sindicato dos Trabalhadores nas Industrias Gráficas e do Sindicato dos
Mestres e Contra-Mestres na Industria de Fiação e Tecelagem, e associados de todas essas
entidades reuniram-se ontem para tratar do problema do reajustamento salarial.
Depois da reunião, distribuíram o seguinte comunicado à imprensa, no qual expõe as
diretrizes que, doravante, nortearão sua campanha em prol do aumento dos salarios:
“A Federação dos Trabalhadores Têxteis e os Sindicatos dos Trabalhadores Texteis,
Metalurgicos, Graficos e dos Mestres e Contra-Mestres da Fiação e Tecelagem reunidos, após
analisarem a atitude que vem sendo tomada pelos empregadores, concluíram que continuam
eles demonstrando a mais absoluta intransigência. Assim, usam os patrões as mais variadas
manobras para protelar os empreendimentos e não assumem qualquer compromisso. Sabem os
trabalhadores, os estudantes e o povo de São Paulo que os empregadores argumentam com
acumulação de estoques e em outras dificuldades da indústria, mas sabem também que grande
número de empresas trabalha horas extras e que os lucros dos empregadores crescem de mês
em mês (...)”
71
A pressão social e sindical fez com que os diretores se manifestassem através do Nitro
Jornal a fim de “amenizar a dor” daqueles que estavam precisando urgentemente de auxílio,
para isso, os seus contatos políticos se fizeram necessários com o intuito de persuadir a
população revoltada a esperança imediata de soluções rápidas. Um desses meios foi a
comunicação que os diretores tiveram com o prefeito do Município de São Paulo:
Srs. Empregados:
Para conhecimento geral temos o prazer de transcrever abaixo o ofício que esta
Companhia acaba de receber da Prefeitura da Capital, sôbre o Programa de Melhoramentos
Públicos de São Miguel Paulista, melhoramentos êsses solicitados por comissão composta de
funcionários desta Cia. E que depois de reiterados pedidos, foram agora despachados pelo M.
D. Prefeito Municipal:
“São Paulo, 11 de março de 1954.
Ofício N.o 1012
Proc. 13.052/51
71
Ameaça de greve em importante setor da indústria paulista. In: O Estado de São Paulo, 04 de Outubro de
1957, p. 12.
155
Senhor Diretor:
Tenho a satisfação de encaminhar a Vossa Senhoria, anexas ao presente,
cópias das diversas determinações constantes do Programa de Melhoramentos Públicos de São
Miguel Paulista, que esta Administração pretende levar a efeito na vizinha localidade.
evidente que, para a concretização dêsse Programa, se torna indispensável a
colaboração de todos, maximo da Companhia Nitro Química Brasileira.
Nessas condições, apelo desde já, para Vossa Senhoria, a fim de que o esfôrço desta
municipalidade seja eficientemente auxiliado pela iniciativa particular, bem representada por
essa Indústria.
Valho-me do ensejo para apresentar-lhe os protestos de minha mais alta consideração.
a) Jânio Quadros
Prefeito
Para melhor conhecimento de todos, damos abaixo os itens relativos às melhorias,
segundo as cópias dos ofícios recebidos:
a) - Construção do Grupo Escolar.
b) - Ajardinamento da rampa existente diante da fábrica, desde os trilhos da Estrada
de Ferro.
c) Instimação aos proprietários p/ executarem pesseios, construirem muros de
fecho e limpeza de terrenos não construídos.
d) – Reparação de calçamentos.
e) – Despêjo irregular de águas servidas na via pública.
f) – Despejo ou remoção do Parque de Diversões.
g) – Criação de Cemitério.
h) – Instalação de mais aparelhos telefônicos ou subestação geral.
i) – Regulamentação e oficialização do Pronto Socorro.
j) – Funcionamento do Posto de Puericultura.
k) – Extensão dos serviços de Limpeza Pública.
l) – Ajardinamento dos principais logradouros públicos.
m) – Iluminação Pública.
n) - Emplacamento numérico e nomenclatura das ruas.
o) – Instalação de água e esgotos.
p) Ofícios ao Departamento de Saúde do Estado p/ melhorar o estado sanitário de
São Miguel.
q) – Ofício à Secretaria da Segurança Pública p/ intensificar o policiamento.
r) Ofício à Guarda Noturna p/ destacar alguns homens para reforço do
policiamento noturno.
s) – Criação do Mercado Distrital em São Miguel.
t) – Atribuições da Agência Municipal de São Miguel.
156
u) – Unidades do Convênio Escolar programados para São Miguel.
v) – Linha de ônibus da CMTC, partindo do Parque D. Pedro II.
w) – Abuso de Ruídos.
x) – Poço Profundo
Além dos itens acima, deve ser incluida a Pavimentação das principais Ruas e a
inclusão de outras no Plano de Emergência.
72
Os comícios faziam parte desse plano de amortecimento do clima grevista social,
pregando melhorias rápidas e necessárias ao bem comum dos moradores do bairro de São
Miguel, assim relatou o morador Nélson Dias sobre essa propaganda nesse período que tanto
marcou a sua vida:
Marcante que achei, foi uma espécie de comício, a inauguração da rede de água, a
rede que a caixa d´água não tinha em São Miguel, depois de muitos anos que foi ter a rede. A
água em geral, era água de poço, então os políticos fizeram aquela propaganda toda, que a
caixa d´água era na Cruzeiro do Sul; uma caixa d´água pequena que tinha, que formava a rede
dali pra lá, mas vinha mais não chegava até as casas. Não, não ali, era mais alguma casa de
comércio daquela gente, mais ou menos que tinha, e a água que tinha mais, era na beira da
fábrica mas só pra casas da Nitro Química era assim, Cooperativas, açougues, farmácias...
73
As promessas demoraram muito para serem cumpridas a ponto de darem espaço às
interligações entre os bairros periféricos e o centro para se articularem politicamente contra
essas promessas empresariais e políticas nunca cumpridas. A tentativa de progresso para a
sociedade passou do trabalho fabril para a sua representatividade enquanto grevista com o
intuito de alcançar as suas melhorias de vida:
Chegou ao conhecimento da Diretoria do Serviço de Trânsito que alguns motoristas
profissionais do centro estão percorrendo os bairros periféricos a fim de arregimentar os
colegas para a greve, que pretendem iniciar contra as enérgicas medidas que estão sendo
tomadas por aquela repartição, objetivando moralizar a classe e pôr cobrar aos abusos até aqui
praticados.
74
Em março de 1957, pela primeira vez desde os anos 40, a diretoria começava a
estruturar uma nova campanha de sindicalização procurando aproximar mais a categoria da
72
Nitro Jornal. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano II. São Paulo, Abril de 1954.
Nº16. p.13.
73
Depoimento de Nélson Dias concedida ao LabDoc – Unicsul
74
Motoristas ameaçam entrar em greve contra exigências da DST. In: O Estado de São Paulo, 04 de janeiro de
1957, p. 10.
157
vida sindical e ampliar o número de sócios. Temas da conjuntura política, até então nunca
debatidos nas assembléias, passaram a ter importância crescente nas reuniões dos
trabalhadores químicos. Logo no início de 1957, a diretoria propunha a adesão do sindicato ao
Pacto de Unidade Intersindical (PUI) sob o argumento da necessidade de ampliar e unificar a
luta dos trabalhadores. A proposta foi aprovada por unanimidade em assembléia.
75
Em outubro de 1957 as vozes dos trabalhadores paulistanos faziam-se ouvir mais altas,
questionando o aparente consenso e estabilidade que pretensamente o governo do presidente
Juscelino Kubitschek trouxera para o país. Durante dez dias, várias categorias profissionais
alteraram a rotina da cidade paralisando suas atividades num amplo movimento grevista que
ficou conhecido como “Greve dos 400 mil”.
76
O efeito dessa grande greve que mobilizou toda a cidade de São Paulo chegou até São
Miguel, como disse em entrevista Nélson Dias:
A greve foi em 57. Sim, na Nitro mesmo, chegou até a parar o comércio de São
Miguel nessa época porque foi muito violenta. Os três primeiros dias, aí veio a cavalaria, veio a
polícia, veio tudo, foi uma confusão tremenda, chegou até a pararem ônibus que ia de uma vila
pra outra. Quem dependia de passar na parte da fábrica, então os piqueteiros não deixava as
pessoas passar.
77
A insustentabilidade da greve pelo poder fabril fez com que a polícia tomasse a frente
para impor a ordem e a disciplina a todos aqueles que estavam perturbando o patrimônio
privado de realizar as suas funções produtivas.
78
Somente nesse momento é que os patrões
encararam seus funcionários como seres rebeldes por estarem desrespeitando suas regras e por
estarem quebrando a harmonia da “família nitrina”.
A violência se tornou o meio de diálogo entre os empregadores e os empregados para
a imposição da ordem perdida, desta maneira, a polícia utilizou como um instrumento de
controle a cavalaria, assustando e machucando a todos no bairro e, segundo Luis Gerônimo,
até mesmo mulheres grávidas:
O fato que marcou a minha vida foi o seguinte: quando eu tava com quatro anos de
serviço dentro da firma, a Nitro Química, aí o nosso Sindicato e fez uma preparação de greve, é
75
Apud. Livro de Atas das Assembléias Gerais do STIQFSP, nº2, 24 de janeiro de 1957, folha 18a. In:
FONTES, Paulo Roberto Ribeiro.
Trabalhadores e Cidadãos. p.145
76
Idem. Ibidem; p.148.
77
Depoimento de Nélson Dias concedida ao LabDoc – Unicsul
78
CANCELLI, Elizabeth. O Mundo da Violência: a polícia da era Vargas. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1994. p.17-47
158
o seguinte, uma preparação de greve, porque o patrão não chegava a querer dar um salário
melhor para nós trabalhadores, então estourado uma greve espantosa, eu nunca tinha visto
aquilo e para mim ficou marcado na vida porque eu vi muito movimento, coisas que eu nunca
tinha visto no Norte e a polícia, a cavalaria, os homens do governo, tudo correndo atrás da
gente e descendo a borracha de vez em quando, quando precisava na Rua da Fábrica ali na
Arlindo Colaço. A cavalaria chegou ao ponto de se jogar em cima de mulher, até grávida,
mulher que trabalhava na firma e pra mim isso daí ficou marcado, pra mim foi um evento na
minha vida.
79
As mobilizações deram resultados satisfatórios, mas não a solução dos problemas. Os
trabalhadores migrantes por falta de uma consciência plena da realidade a ponto de se unirem
racionalmente, acabaram procurando representantes e ideologias distantes que fizessem isso
por eles, o que demonstrou a fragilidade do movimento operário em São Miguel Paulista e em
muitos outros lugares.
Essa fragilidade vinha da necessidade extrema do assistencialismo construído e
mantido pela fábrica, isso, pois muitos funcionários dependiam do restaurante para fazer suas
refeições, pois não tinham outro lugar. Essa vontade revolucionária foi aos poucos sendo
vencida, como relembrou Nélson Dias, pelas necessidades dos trabalhadores para a sua
simples sobrevivência:
Assim, a turma com o Sindicato queria uma quantidade de aumento e a fábrica não
queria dar, como de fato não deu, então a greve ficou mais ou menos 15 dias, a greve então, a
greve por si foi fracassando porque a companhia jogou com a cabeça, muita gente dependia da
cooperativa para sobreviver e a turma que era solteira, como a maioria era solteira, eu e muitos
outros era solteiro, dependia, aquele que não almoçava na pensão dependia do restaurante para
almoças e tudo. Até o café na parte da manhã, o que é que ela fez, fechou a cooperativa,
fechou a farmácia, criou um açougue e um restaurante, o restaurante, só aquele que tava
trabalhando. Então ali completamente deixou a turma toda sem recurso nenhum pra poder
continuar a greve, fomos, terminou e a gente ia voltando ao serviço sem aumento nenhum.
(...) Os dias foram descontados e muita gente foi mandada embora.
80
A direção sindical acabou sendo vista com grande desconfiança por muitos
trabalhadores da Nitro. A intervenção e os acontecimentos posteriores haviam deixado marcas
profundas. As suspeitas em relação ao sindicato reforçavam ainda mais a imagem cultivada
pelos patrões de grandiosidade da empresa. A Nitro Química seria tão poderosa que
79
Depoimento de Luís Gerônimo Ferreira concedida ao LabDoc – Unicsul
80
Depoimento de Nélson Dias concedida ao LabDoc – Unicsul
159
controlava até o próprio sindicato dos trabalhadores. Embora permanecesse com a maior base
de associados, o número de sócios da Nitro diminuiu no início dos anos 50.
81
A propaganda que ajudou a trazê-los ao caminho dos sonhos acabou novamente
iludindo-os ao caminho das reivindicações ideológicas e partidárias. O controle social se
manteve forte perante a burocratização do mecanismo dos sindicatos:
Realiza-se hoje, às 20 horas, na sede do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias
Metalurgicas, Mecanicas e de Material Eletrico de São Paulo, à rua do Carmo, 171, uma
reunião dos principais sindicatos filiados ao Pacto de Unidade Intersindical para debates do
Programa de “Mobilização Geral dos Trabalhadores para o Aumento Salarial”. Deverão estar
presentes, entre outros, os representantes do Sindicato dos Trabalhadores Gráficos, dos
Metalúrgicos, dos Têxteis, dos Trabalhadores em Carnes e Derivados, dos Bancarios etc.
No proximo dia 6 estarão reunidos os membros da Comissão de Propaganda dos
vários sindicatos do Pacto de Unidade, quando então será enviado a cada diretoria das
entidades o programa de ação, inclusive a da designação da comissão de Greve, formada pelos
principais sindicatos de São Paulo.
82
Após alguns anos de protestos, a fábrica Nitro Química sofreu muito para conter essas
manifestações, mas a política e a força da polícia salvaram-na desse desastre. Os patrões se
entenderam com os sindicalistas que logo se entenderam com os operários.
O capitalismo se torna cada vez mais forte e preciso perante a fragilidade e
inconsciência do ser na realização dos seus atos e reflexões. O progresso intelectual se faz
poder através da realização cultural de domínio e se transformando a cada dia.
83
O ex-funcionário Amauri da Cunha resumiu a força da propaganda ideológica e da
política assistencialista da fábrica em sua observação sobre o passado vivido, com isso
podemos perceber que ao mesmo tempo em que ele critica também sente saudades através da
memória:
Ah! Deixou, a Nitro Química acabou com o pessoal, que a maior parte desse
pessoal que saiu da Nitro não trabalha mais, não consegue emprego. Tão tudo parado esse
pessoal mais velho. É, tudo acabou. os meus filhos se formaram tudo na Nitro, no
Senai. O meu filho mais velho, o terceiro. (...) Fizeram estágio, fizeram tudo, começaram a
vida deles aí, então acabou com a vida de muita gente. A Nitro acabou, foi uma destruição,
que não tem Senai, não tem berçário, não tem hospital, não tem mais nada, não existe mais
81
CANCELLI, Elizabeth. Ibidem p.129.
82
O Estado de São Paulo, 01 de outubro de 1957, p. 16.
83
HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital 1848-1875. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. p.77.
160
nada, não tem restaurante, não tem cooperativa, não tem nem mais clube, já vai demolir
também.
84
A Nitro Química Brasileira é lembrada por muitos funcionários com carinho e
saudades daquele tempo, ela representou a vida em funcionamento de muitos trabalhadores,
justamente àqueles que construíram as suas no bairro de São Miguel Paulista.
O próprio Amauri resumiu bem o sentimento de muitos moradores ao dizer que não
tem mais nada nos dias de hoje como tinha antes, realmente a partir do final da década de 50
em diante a fábrica passou por uma história não tão grandiosa como foi à construída até
ali.Até hoje o bairro e seus moradores sofrem com as conseqüências do passado, mas o
capitalismo conseguiu refazer-se constantemente com outras estratégias de poder sempre
seduzindo novos trabalhadores ao contínuo caminho do Progresso.
O sonho de Horácio Láfer ao atravessar pelas ruas de São Miguel Paulista e observar o
progresso nas casas novas que se espalharam, o movimento contínuo do bairro, o seu ritmo de
atividades foi se acabando de acordo com o desenvolvimento da cidade, assim a oficina do
progresso que tanto imaginou se desfez diante um bairro desestruturado que junto com os
outros diretores da fábrica ajudou a construir.
84
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
161
Considerações Finais
Foram alguns anos de pesquisa para a construção deste trabalho, e somente após esse
caminho é que conseguimos perceber o universo que é a história quando observadas as fontes
e o seu conteúdo oferecido, com isso o que antes parecia pequeno e simples tornou-se algo
gigantesco e com uma grande profundidade.
Aos poucos, as fontes foram se interligando umas com as outras como verdadeiras
teias, se encorpando com a bibliografia e com isso criando um diálogo do conteúdo consigo
mesmo, isso trouxe uma dimensão tão grande que acabou fazendo do pesquisador um simples
aluno do próprio trabalho.
O que era uma simples cidade se tornou um verdadeiro palco de acontecimentos e
relações diversas que trouxeram conseqüências múltiplas à construção de uma realidade
vivenciada por todos no período e sentidas até os dias de hoje pelos atores sociais que na
verdade representaram os agentes construtores da própria história.
Interessante foi perceber o progresso industrial e empresarial que criaram estratégias
diversas para seduzir os novos trabalhadores migrantes ao sonho de prosperidade e de
crescimento rápido, assim como foi propagada a imagem da cidade de São Paulo para todo o
país.
A política para a sua própria sobrevivência acabou necessitando de fortes relações que
envolveram sempre a satisfação dos seus objetivos próprios enquanto políticos para
sobreviverem da reprodução do próprio poder. Não foi por menos que Horácio Láfer, um dos
representantes da burguesia industrial e também empresário, sempre esteve grudado ao
Governo Federal junto às leis e as suas reivindicações de empréstimos contínuos à produção
fabril e ao reaparelhamento maquinário, ou seja, uma re-organização dos meios particulares
com a utilização de fins públicos.
Os meios de comunicação foram essenciais para que essa divulgação ideológica se
expandisse, para isso foram utilizadas imagens poderosas como a de Getúlio Vargas e a do
“amigo” nordestino José Ermírio de Moraes para atrair novos trabalhadores ao caminho do
sonho de enriquecimento fácil.
A modernidade que vinha sendo construída desde a década de 30 se fazia
gradativamente pela tecnologia industrial, pela rapidez na produção, pela mão-de-obra
especializada, por novos métodos educacionais e pedagógicos, tudo isso a fim de criar uma
identidade local e nacional de trabalho à reprodução de sua própria cultura fabril operária
passada de geração para geração.
162
A utilização do Nitro Jornal como um meio de comunicação interno entre os
empregadores e os empregados na tentativa de tentar criar um “laço” familiar e não apenas
um cotidiano hierárquico de ordens, horários e produção foi construído pelos diretores, além
também de ter sido uma estratégia empresarial em tentar evitar custos dando informações
contra os acidentes e outros danos institucionais, tentando assim através de diversas
linguagens (escrita, iconográfica, charges, piadas...) trazer o trabalhador ao seu ideal de
vivência e de ritmo de trabalho capitalista e civilizado.
Aos poucos, o bairro de São Miguel Paulista começou a crescer e a perder o seu
formato agrário e estático de subsistência e tranqüilidade de início de século para se
apresentar como uma extensão territorial-suburbano do centro da cidade, uma posição muito
diferente de muitos outros bairros que estavam ao seu redor. O progresso trouxe a indústria, a
água encanada, o asfalto, o trem, o ônibus, as casas construídas de maneira desorganizada,
trouxe uma nova realidade na vida de muitas pessoas que fugiram de um sofrimento para
sonharem em progredir em outro. A necessidade trouxe-os ao caminho dos sonhos, como
disseram os próprios entrevistados.
A geografia do local sentiu essas rápidas transformações, a começar pelo rio Tietê e a
sua gradativa poluição pelos dejetos químicos jogados em suas águas. A especulação
imobiliária foi um outro acontecimento no período que ficou marcada na memória de muitos
moradores, principalmente quando descobriram que as casas construídas pela empresa
possuíam donos específicos.
A estratégia assistencialista como manutenção do poder fabril foi essencial em
medicamentos, mantimentos e diversão em datas comemorativas como o Natal. A Igreja e o
comércio sempre estiveram unidos à fábrica nesse sentido para que juntos mantivessem uma
satisfação mínima dos desejos dos moradores e dos trabalhadores da região, foi uma
verdadeira tentativa em tentar aculturar as necessidades culturais internas dos migrantes
nordestinos e mineiros.
O padre Aleixo Monteiro Mafra teve uma participação fundamental no andamento
dessas relações fábrica-Igreja-bairro com o Círculo Operário São Miguel objetivando o
controle social para e permanência contínua da ordem social contra manifestações externas
que pudessem colocar em risco a organização social criada.
A ideologia fabril também proporcionou alguns momentos de lazer, principalmente
aos seus funcionários, com o Clube de Regatas Nitro Química, a Rainha da Primavera, o time
de futebol, os campeonatos e suas choppadas, além das piscinas, almoços, enfim, meios
163
estratégicos criados para envolver as pessoas a sentirem-se unidos num ambiente familiar,
além de segura-los no próprio local para a continuidade do serviço no dia seguinte.
Mas um confronto cultural foi construído e mantido durante todo esse tempo também,
pois a Nitro Química representou um meio social civilizado e moderno, mas a maioria dos
trabalhadores que viviam do lado de fora dos muros não gostavam muito desse ritmo de
diversão, desta forma, os bailes foram trocados pelas cervejadas e noitadas no bar embalados
pelo forró. As culturas, interna e externa dos muros da fábrica, começaram a dar sinais de
diferenças em gosto e ritmos, isso também atingiu diretamente na produção industrial por não
darem o mesmo valor na produção e rapidez da mercadoria produzida como muitos chefes e
diretores davam e queriam.
Acidentes internos fizeram parte do cotidiano fabril com máquinas ultrapassadas,
chefes irresponsáveis e sem o preparo adequado para tal função, funcionários acidentados por
não saberem manejar os instrumentos, enfim, o diálogo cultural e valorativo dos mundos e
suas mentalidades não estavam na mesma sintonia de trabalho.
As conseqüências foram sentidas pelos diretores da Nitro Química na metade do
ano de 1956 até a greve geral em São Paulo no segundo semestre de 1957, com a presença
ideológica de movimentos sociais dos sindicalistas e socialistas, que com o decorrer da
paralisação da produção acabou piorando a situação em alguns pontos, fazendo com isso a
vinda da polícia e a sua cavalaria para trazer a ordem novamente com a utilização da violência
na cidade e, lógico, São Miguel Paulista estava inclusa.
Com isso a ordem voltou a ser instalada, a maioria dos trabalhadores voltaram ao
trabalho forçado e assalariado, mas a fábrica sentiu os efeitos das manifestações e da
modernidade ao ter que aumentar o salário dos funcionários e a perder a sua mão-de-obra
especializada para outras empresas do centro da cidade.
Enfim, São Miguel Paulista é um simples bairro localizado na Zona Leste da capital
paulistana, mas traz dentro de si uma história viva e fácil de ser sentida através dos seus
moradores que sorridentes contam e choram ao trazer para presente alguns fatos vivenciados
no passado. 28 anos moro nesse local, mas somente hoje consegui perceber que não sabia
praticamente nada sobre o chão em que pisava.
164
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167
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NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano V. São
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NITRO JORNAL. Companhia Nitro Química Brasileira. Distribuição Interna. Ano V. São
Paulo, Outubro de 1957. Nº51.
b) - Arquivo do Estado de São Paulo:
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1954
O Estado de São Paulo, 04 de janeiro de 1954
O Estado de São Paulo, 05 de janeiro de 1954
O Estado de São Paulo, 07 de janeiro de 1954
O Estado de São Paulo, 25 de janeiro de 1954
O Estado de São Paulo, 26 de janeiro de 1954
O Estado de São Paulo, 01 de janeiro de 1957
O Estado de São Paulo, 04 de janeiro de 1957
O Estado de São Paulo, 20 de janeiro de 1957
O Estado de São Paulo, 04 de outubro de 1957
B - Entrevistas
a) Laboratório de Documentação da Universidade Cruzeiro do Sul – LabDoc
Depoimento de Augusto Caldini concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Aloízio Vieira dos Santos concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Amauri da Cunha concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Cícero Antônio Pereira concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Elvira Souza de Alcântara concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Elizia Moreira Cardoso concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Ermenegildo dos Santos concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Francisco José Bizaco concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de José Amaro Sobrinho concedida ao LabDoc – Unicsul.
168
Depoimento de Josué Pereira da Silva concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Júlio de Souza Nery concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Laís Haydeé Romano Assunção concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Luiz Gerônimo Ferreira concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Maria das Graças Cancian concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Maria Fernanda dos Santos Gomes concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Miguel Augusto concedida ao LabDoc – Unicsul.
Depoimento de Nélson Dias concedida ao LabDoc – Unicsul
Depoimento de Sebastião Adriano Mesquita concedida ao LabDoc – Unicsul.
b) Entrevistas feitas pelo autor
Entrevista concedida ao autor por Antônio Batista Neto em 14 de janeiro de 2008.
Entrevista concedida ao autor por Benedito Leone Nicodemus em 15 de janeiro de 2008
Entrevista concedida ao autor por Dionísio do Nascimento em 17 de janeiro de 2008.
169
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175
ANEXOS
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Mapa
Localização do bairro de São Miguel Paulista
Retirado de: www.mudancasbrasil.com.brimagesmap_34.gif
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Capas de Jornais
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