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Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Sociais
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Leonardo Leonidas de Brito
A Imprensa Nacionalista no Brasil: O periódico “O
Semanário” (1956-1964)
Rio de Janeiro
2007
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Leonardo Leonidas de Brito
A Imprensa Nacionalista no Brasil: O periódico “O Semanário”
(1956-1964)
Dissertação apresentada como
requisito parcial para obtenção do
título de Mestre, ao Programa de Pós
Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração:
História Política.
Orientador: Prof. Dr. Marco Morel
Rio de Janeiro
2007
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Leonardo Leonidas de Brito
A Imprensa Nacionalista no Brasil: O periódico “O Semanário”
(1956-1964)
Dissertação apresentada como
requisito para obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós
Graduação em História da
Universidade do Estado do Rio de
Janeiro. Área de Concentração:
História Política.
Aprovado em_________________________________________________
Banca Examinadora:___________________________________________
_____________________________________________________
Prof. Dr. Marco Morel (Orientador)/ Prof. Dr. Francisco Martinho
Departamento de História IFCH/UERJ
______________________________________________________
Prof. Drª. Alzira Alves de Abreu
CPDOC - FGV / RJ
______________________________________________________
Prof. Drª Eliane Garcindo Sá
Departamento de História IFCH/UERJ
Rio de Janeiro
2007
DEDICATÓRIA
À Marta, minha esposa, (e ao nosso filho - que está a caminho-)
pelo carinho. Dedico este trabalho e estas palavras que, mesmo
não sendo minhas, sintetizam aquilo que penso...
“Consta nos autos
Nas bulas
Nos dogmas
Eu fiz uma tese
Eu li num tratado
Está computado
Nos dados oficiais
Serás o meu amor
Serás a minha paz”
(Chico Buarque. Dueto).
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Dr. Marco Morel – meu orientador, à confiança
depositada nesta pesquisa iniciada há dois anos e meio.
Aos amigos Victor Tempone e João Amado – pelas profícuas
discussões acadêmicas em torno deste tema e de outros tantos mais.
Aos também amigos Marco (MAD), Jane e Nilda Robalinho - pela
convivência e apoio nas horas mais difíceis.
Aos funcionários do setor de Periódicos da Fundação Biblioteca
Nacional, em especial ao bibliotecário Jorge Luis, vulgo “Jorjão” – às
concessões e “jeitinhos” para que esta pesquisa andasse, apesar das
greves intermináveis e de outras interrupções.
Aos professores em geral deste Programa de Pós Graduação que
me acolhem com tanto carinho desde os tempos de graduação nesta
universidade.
“O Brasil continua sendo uma colônia mal disfarçada a serviço do
capitalismo estrangeiro, que aqui se faz e desfaz, como se estivesse em
casa de mãe Joana.”
(Maravilha dos Holdings, Barbosa Lima Sobrinho em sua primeira contribuição para o periódico O
Semanário. Nº.149, p. 3, Ano IV, 5-11/03/1959)
Resumo
O movimento político militar de 1964 não representou apenas a
ruptura da incipiente institucionalidade democrática nascida no Brasil
após a queda do Estado Novo, significou também o silêncio imposto a
diversos setores progressistas que passaram a postular, no início dos
anos 60, importantes reformas no capitalismo brasileiro. Neste contexto,
segmentos da imprensa brasileira que se percebiam como canais de
interlocução destes setores também foram violentamente calados pelo
dispositivo militar que sacramentou a derrubada do governo nacional
reformista de João Goulart, nos idos de abril de 1964. O presente trabalho
consiste numa tentativa de se refazer a trajetória e os momentos finais do
periódico “O Semanário”, um dos mais importantes veículos da chamada
imprensa nacionalista de esquerda que existiu no Brasil entre 1945 e
1964.
Palavras Chave: Imprensa, nacionalismo, “O Semanário”.
Résumé
Le mouvement politique militaire de 1964 n'a pas représen
uniquement la rupturede la faible institutionnalisation démocratique né au
Brésil après la chute de l' "Estado Novo ", mais il a signifié aussi le
silence imposé à plusieurs secteurs progressistes qui demandaient, au
début des années1960, des importantes réformes dans le capitalisme
brésilien. Dans ce contexte, des segments de la presse qui se
présentaient comme des éléments d'expression de ces secteurs ont été
violemment réprimés par les dispositifs militaires qui ont effectué la chute
do gouvernement national réformiste de João Goulart. Le présent travail
apporte un essai de refaire le trajet et les derniers moments du périodique
“O Semanário”, un des plus importants véhicules de la nommée presse
nationaliste de gauche que a existé au Brésil entre 1945 et 1964.
Mot-clef: Presse, Nationalism, “O Semanário”.
Sumário
INTRODUÇÃO...........................................................................................i
1 UM PANORAMA DA IMPRENSA NACIONALISTA NO BRASIL 1945-
1964..................................................................................................................1
1.1 “O Jornal de
Debates”....................................................................................1
1.2 “O
Emancipação”............................................................................................5
1.3 “A Revista do Clube
Militar”..........................................................................9
1.4 “O
Popular”....................................................................................................15
1.5 “O
Semanário”...............................................................................................21
2 O GOVERNO JK: PLANO DE METAS, NACIONAL
DESENVOLVIMENTISMO E O NACIONALISMO POPULAR DE “O
SEMANÁRIO”.............................................................................................
...30
2.1 O nacional desenvolvimentismo e Plano de Metas de
JK........................31
2.2 O nacionalismo econômico: críticas ao modelo de desenvolvimento
da Era
JK.............................................................................................................3
6
2.3 Nacionalismo econômico e mobilização
popular......................................44
3 O INÍCIO DO FIM: “O SEMANÁRIO” E O GOVERNO JOÃO
GOULART....49
3.1 A “questão agrária” na Era
Jango...............................................................50
3.1.2 As Ligas Camponesas: Um breve
histórico....................................................52
3.1.3 “O Semanário” e a “questão agrária” no Governo
Jango................................56
3.2 A Conspiração em curso: a defesa da legalidade
ameaçada....................64
3.2.1 As “Leituras” sobre a ruptura institucional
de1964..........................................64
3.2.2 A Conspiração em curso: “O Semanário” no “front” de defesa da
legalidade
ameaçada....................................................................................................
....69
3.2.3 A vitória do
presidencialismo...........................................................................77
3.2.4 Goulart em direção ao isolamento
político......................................................79
3.3 A Formação de uma “Frente Única pelas Reformas” e o
Comício da Central do
Brasil.........................................................................................
.....82
3.3.1 A busca pela unidade das
esquerdas.............................................82
3.3.2 O Comício da Central do Brasil: “As esquerdas tem novo
comandante”........................................................................................
.....85
CONSIDERAÇÕES
FINAIS......................................................................89
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS.........................................................92
ANEXO - Última Edição de “O Semanário”. Nº. 376 19/03 -
01/04/1964........................................................................................97
Introdução:
Antes mesmo de adentrarmos ao tema desenvolvido, e a forma como
este está disposto nesta dissertação de mestrado, se impõe a necessidade de
pensar algumas questões de natureza teórica relativas às idéias de “naçãoe
“nacionalismo”, fenômenos tão marcantes da contemporaneidade advinda com
a Revolução Francesa, em fins do século XVIII.
Sem dúvida, “Nação” e “nacionalismo” figuram entre os conceitos mais
controversos do vocabulário político contemporâneo. Via de regra, tais termos
quando apresentados em dicionários de política apresentam verbetes
extensos, que recorrem a diversas referências bibliográficas na busca de
definições que possam compreender, ao mesmo tempo, as variações
semânticas e as diferentes experiências históricas que, invariavelmente,
remetem a estes termos.
Não obstante, compete à Revolução Francesa o nascimento do termo
“nação” no discurso político contemporâneo. Foi, nas palavras de Pierre Nora,
“a Revolução que conferiu à palavra ‘nação’ a sua sinergia e energia, coube-lhe
ter coagulado os três sentidos. O sentido social: um corpo de cidadãos iguais
perante a lei; o sentido jurídico: o poder constituinte diante do poder
constituído; o sentido histórico: uma coletividade de homens unidos pela
continuidade, por um passado e por um futuro”.
i
A “nação” neste contexto
estaria intimamente associada ao liberalismo postulado pelos revolucionários
franceses daquela experiência histórica fundadora da contemporaneidade.
Neste sentido, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no seu
artigo 3º, ao mesmo tempo em que inaugura os inalienáveis direitos do
indivíduo, consagra a idéia de que a Soberania residiria necessariamente na
“Nação”. É a soberania do povo que a Revolução irá transformar em soberania
nacional, inscrevendo-a, como acabamos de ver, nas suas leis fundamentais.
Assim, a ordem política não mais se identificaria com a pessoa do príncipe,
como se apresentava no Antigo regime. A ordem política, a partir da Revolução
Francesa, repousaria sobre base diversa; o Estado se encarnaria e se
confundiria com a coletividade nacional politicamente organizada, e para se
alcançar este resultado, desapareceria todas as ordens anteriores, sendo
substituídas pela igualdade individual. “A fraternité é o grande ideal coletivo da
Revolução Francesa, e nela se fundamentaria a idéia de nação, reflexo
ideológico de se pertencer a uma comunidade nacional e a um Estado que
compartilharia entre todos os seus concidadãos uma unidade de língua, cultura
e ‘tradições’.”
ii
.
Dentre os conceitos mais correntes acerca da definição do que é
“Nação”, figura aquele que remete à idéia de uma comunidade ligada por “laços
naturais”, eternos ou pelo menos existentes de forma imemorável. Laços estes,
que formariam a base e a legitimidade necessária para a organização do poder
do Estado nacional. No entanto, como bem nos apresenta o verbete
organizado pelo filósofo político italiano Norberto Bobbio, as dificuldades desta
definição se apresentariam no momento em que se buscasse delimitar a
natureza destes laços, ou pelo menos, identificar critérios que permitam
delimitar as diversas individualidades nacionais, independentemente dos laços
que a determinam.
iii
Numa tentativa de buscar uma definição razoavelmente consistente para
a idéia de “nação” recorremos à teorização de Benedict Anderson que, numa
perspectiva histórica e antropológica tenta dar conta da “nação” como uma
comunidade política imaginada, limitada e soberana. “Imaginada” porque nem
mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria dos
seus compatriotas, nem os encontrarão e nem sequer ouvirão falar deles,
embora na mente de cada um esteja viva a imagem de sua comunhão.
“Limitada”, porque até mesmo a maior das nações terá suas fronteiras
delimitadas, ou seja, finitas, ainda que elásticas para além das quais se
encontram outras nações. “Soberana” porque o conceito, como já mencionado
nasce num momento em que o Iluminismo e a Revolução Francesa jogam por
terra o princípio da legitimidade dinástica e tratam de edificar uma nova ordem
balizada e assentada na vontade geral Rousseauniana. E, finalmente, a
“nação” deve ser entendida como “comunidade” à medida que, ao se
desconsiderar o antagonismo de classes, a exploração e a desigualdade, o
termo passa a carregar consigo um profundo sentido de horizontalidade e
companheirismo entre os indivíduos que a compõem.
iv
“Numa última análise, é
esta fraternidade que tornou possível, nos últimos dois séculos, que milhões de
indivíduos morram e matem, voluntariamente por imaginações tão limitadas.”
v
E no que se refere ao “nacionalismo”? Será entendido, como o fizeram
diversos teóricos, como a ideologia do Estado Nacional advindo na Europa do
século XIX? Ou ainda como o despertar das consciências das nações? Ergue-
se neste momento uma questão controversa, pois não há como desconsiderar
o papel dos Estados Nacionais, a partir do século XIX, de edificar sentimentos
e valores nacionais, nem que para isso se incorresse numa tentativa (via de
regra, com êxito) de se inventar tradições.
vi
Ernest Gellner é categórico ao
insistir que “o nacionalismo não é o despertar das ‘nações’, mas sim, cumpriria
um papel de inventar ‘nações’ onde elas não existem”.
vii
Agrega-se, tamm, a este debate as pontuações do historiador Eric
Hobsbawm acerca do termo “nacionalismo”. Quando este, em convergência
com o que fora dito por Gellner, entende a expressão, fundamentalmente,
como um princípio que sustenta a unidade política e nacional e que deve ser
congruente. No mais, buscando historicizar o nacionalismo moderno e
diferenciando-o de outras identificações grupais, Hobsbawm percebe a “nação”
como uma entidade social de um período particular e historicamente recente,
outrossim, entendida como um todo orgânico social apenas quando
relacionada a certa forma de Estado territorial moderno, o “Estado-Nação, não
fazendo então sentido pensar a nação e as nacionalidades fora desta relação.
Se há uma época histórica no Ocidente onde o “princípio das nacionalidades”,
edificado em grande parte pelos Estados Nacionais, torna-se um valor
decididamente universal, isso se faz a partir (da Europa) do século XIX, quando
o universalismo religioso (cristão), por um lado e o internacionalismo de
ideologias como a socialista, de outro, cederiam espaço para a consolidação e
“naturalização” das identidades nacionais.
No entanto, deve-se ir além da noção de que o sentimento nacional e a
própria “nação” são construções meramente “vindas do alto”. Neste ponto e aí,
compartilhamos com as conclusões de Hobsbawm, as nações e seus
fenômenos associados devem ser entendidos como “fenômenos duais,
construídos essencialmente pelo alto, mas que, no entanto, jamais podem ser
compreendidas sem ser analisadas de baixo, ou seja, em termos de
suposições, esperanças, necessidades, aspirações e interesses de pessoas
comuns”.
viii
Sobre o “nacionalismo” e os movimentos nacionalistas, a
perspectiva de modernização pelo alto como concebida por Gellner não nos
parece a mais adequada para compreensão do fenômeno à medida que se
negligencia a visão dos de baixo.
Fora do mundo anglo-saxão, o nacionalismo assumiria características
bem diversas. Naquilo que se chamou durante uma boa parte do século
passado de “Terceiro Mundo”, o nacionalismo e os movimentos de caráter
nacionalista assumiriam caráter de libertação política. No caso dos países
africanos, a luta se daria na direção da emancipação do jugo político colonial
que, atingiu aquele continente até as décadas de 60 e 70 do século XX. Da
mesma forma, a América Latina (o estudo do fenômeno no Brasil é o nosso
caso específico) do pós-guerra é um exemplo par excellence. O nacionalismo
ganharia um caráter “defensivo”, de luta antiimperialista, sendo por isso
elemento ideológico importante na elaboração e construção política de um
projeto de desenvolvimento “voltado para dentro” e de orientação claramente
industrialista.
ix
As décadas de 50 e 60, no Brasil, se apresentam como um contexto
histórico no qual o nacionalismo, a luta antiimperialista, o desenvolvimento
industrial endógeno, a rejeição ao domínio dos “trustes” e, por conseguinte, ao
“entreguismo” inserem-se na dinâmica da atuação de alguns segmentos da
esquerda do espectro político do período. Vai além, em alguns momentos, e se
torna orientação política por parte do Estado e de todo modo torna-se parte
inerente de uma cultura política popular que marcou o período histórico grifado.
Parece-nos, neste instante, muito propício o esforço do historiador Jorge
Ferreira em buscar apreender a noção de que no Brasil, daquela conjuntura,
havia uma cultura política popular em que “as esquerdas trabalhistas,
comunistas, socialistas e cristãs, além de movimentos sindicais urbanos,
organizações camponesas, estudantis e, inclusive, facções das Forças
Armadas se entendiam com participantes ativos na elaboração de um projeto
de libertação nacional”.
x
Não obstante, “naquelas décadas consideradas
(erroneamente e por muito tempo) de ‘populistas’, toda uma geração de
homens e mulheres partilhando idéias, crenças e representações, acreditou
que no nacionalismo, na defesa da soberania nacional, nas reformas das
estruturas sócio econômicas do Brasil, na ampliação dos direitos sociais dos
trabalhadores do campo e da cidade, entre outras demandas materiais e
simbólicas, encontraria os meios necessários para alcançar o tão almejado
desenvolvimento do país e o efetivo bem-estar da sociedade. Esperança,
reformismo, distributivismo e nacionalismo, tornaram-se o elemento integrante
da utopia desenvolvimentista que se constituiu como signo daquela época”.
xi
Impõe-se tamm como demasiado importante, versar sobre problemas
de natureza teórico-metodológica, que envolvem a escolha da imprensa como
fonte de estudo de uma determinada época. O que de fato os jornais podem
trazer para a compreensão do passado? Esta é a questão se lança
inicialmente. Tomando de empréstimo a definição de Vavy Pacheco Borges, a
imprensa se comportaria como um tipo de fonte que atua no campo cotidiano
da cultura, da política partidária e do conflito entre grupos e projetos.
xii
A
utilização dos jornais como fonte privilegiada de pesquisa pode, certamente,
nos auxiliar na (re)construção e análise das idéias e dos projetos políticos
elaborados e, ventilados nas páginas de uma imprensa específica, de
segmentos políticos plenamente identificados com “nacional estatismo” e,
posteriormente, com o “nacional reformismo” que ganharia espaço e fôlego nos
anos João Goulart. De uma forma ou de outra, os impressos se caracterizam
como fontes privilegiadas de pesquisa histórica, á medida que o diálogo entre
jornalistas de uma determinada época e os historiadores do futuro pode
proporcionar o resgate de lembranças, história, fatos e personagens
aparentemente sepultados nas páginas dos impressos.
xiii
Não obstante, tamm cabe ao historiador da imprensa, que ao observar
o seu objeto de pesquisa se debruça naturalmente naquilo que Fernand
Braudel chamou de curta duração, enxergar necessariamente a conjuntura, em
foco, e situá-la, no tempo longo, no processo histórico. E, neste sentido,
conhecer a história através da imprensa pressupõe um rigoroso trabalho, com
tratamento adequado da fonte e precisa reflexão teórica. Numa pesquisa
histórica que se pretende confiável ao abordar jornais como fonte documental,
algumas questões simples, porém objetivas, devem perpassar todo o texto:
Quem produziu o jornal. A quem se destina. A quem interessa. A que pretende
levar e como se sustenta. E em que condições históricas o periódico surgiu,
circulou e se extinguiu.
O interregno democrático, no Brasil, que se estende da queda do Novo à
eclosão do golpe militar de abril de 1964 observou o surgimento de uma
vigorosa imprensa nacionalista que surgiria para abrir espaço para
interlocutores que, via de regra, não tinham acesso à grande imprensa da
época. Embora apresentando matizes em relação a algumas questões pontuais
esta imprensa nacionalista mostrava-se disposta a mobilizar a opinião pública
em torno de projetos de desenvolvimento que girariam em torno da maior
ingerência do Estado brasileiro na atividade econômica. Este, de fato, o
“nacional-estatismo” a qual nos referimos há pouco. Os debates, acerca dos
rumos a serem tomados pela política de exploração do petróleo serão, por
exemplo, os que ganharão maior destaque e envergadura até 1953,
conclamando a ativa participação de setores civis e militares da sociedade
brasileira. Posteriormente, e aí mencionando exclusivamente o caso de “O
Semanário” por este ter surgido na 2º metade da década de 1950, o debate
sobre o caráter internacionalizante da industrialização em curso nos anos JK
seria centro do debate.
O 1º capítulo de nosso trabalho se propõe a realizar um panorama sobre
esta imprensa nacionalista do período acima mencionado. Abordando os
periódicos “Jornal de Debates, “A revista do Clube Militar”, “O Emancipação”,
“O Popular” e “o Semanário”, este último objeto central da pesquisa aqui
empreendida. Periódicos que, em alguns casos, não coexistiram mas se
identificam de uma forma geral por terem se engajado na defesa de postulados
que giravam em torno da idéia de desenvolvimento “voltado para dentro”, tão
em voga na conjuntura histórica em questão.
Mas, porque exatamente “O Semanário” como objeto central desta
pesquisa? A idéia de se resgatar a trajetória do periódico surgiu do edificante
convívio acadêmico com o historiador, jornalista e professor desta universidade
Marco Morel, neto do jornalista Edmar Morel, um dos mais assíduos
colaboradores do jornal, a partir de 1959 até o fechamento do jornal após o
dispositivo militar de 31 de março/ de abril de 1964. Ademais, soma-se a este
fato, a escassez de referências mais detalhadas sobre o periódico em questão.
A imprensa nacionalista, de uma forma geral, já havia sido objeto de estudo do
jornalista Plínio de Abreu Ramos, num esforço conjugado ao trabalho da
historiadora do Centro de Pesquisa e Documentação em História
Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC-FGV), Alzira Alves de
Abreu. Neste trabalho propriamente, Abreu Ramos empreende uma análise
razoavelmente detalhada sobre os jornais citados anteriormente. No entanto,
no caso de “O Semanário” seu estudo acabaria se configurando num esforço
muito mais impressionista do que propriamente analítico, talvez imbuído pelo
fato do próprio Ramos ter sido, nas décadas de 50 e 60, um emérito
colaborador de “O Semanário”.
xiv
Tal fato, de alguma forma, nos abriu a “brecha” necessária para a
confecção de um pré-projeto de pesquisa apresentado a esta universidade em
fins de 2004. Sem dúvida, a originalidade da proposta tornou viável a
aprovação da pesquisa pela banca de seleção deste programa de Pós
Graduação em História Política.
O segundo capítulo deste trabalho tem como objetivo refazer a trajetória
do jornal na 2ª metade da década de 50, exatamente num momento histórico
que o Brasil vivia uma euforia desenvolvimentista, onde “O Semanário” atuou
como um importante contraponto ao desenvolvimentismo internacionalista dos
anos “juscelinistas”. Neste contexto, a hipótese que orienta o capítulo encerra o
argumento de que o periódico deve ser entendido como um veículo de
imprensa plenamente identificado com um nacionalismo econômico de cunho
reformista e popular, e ao longo de toda a sua trajetória manteve-se coerente
com a defesa de tal projeto. Empreende-se também nesta seção o enfoque
sobre os aspectos gerais daquilo que categorizamos de “nacionalismo popular”,
e que encontrava nas páginas de “O Semanário” um espaço, por excelência,
de publicização de suas idéias. Avesso ao discurso oficial do governo JK, este
nacionalismo popular propunha para o Brasil um desenvolvimento econômico
sobre bases endógenas, reformas estruturais, rigorosa regulação do Estado e,
acima de tudo, nenhuma concessão ao capital estrangeiro.
E, finalmente, o terceiro e último capítulo dividido em dois eixos de
análise tentará dar conta dos últimos anos da trajetória do jornal, enfatizando,
em especial a sua relação com os movimentos sociais, em especial às Ligas
Camponesas engajadas naquela que foi uma das principais, senão a principal
bandeira levantada pelas “esquerdas” trabalhistas, comunistas e nacionalistas,
a Reforma Agrária. Ao longo de toda a sua trajetória, “O Semanário”
empenhou-se na promoção e destaque dos movimentos sociais, destaca-se aí
o movimento estudantil, o sindical e a luta do trabalhador rural que ganhou
fôlego e espaço político no Brasil, antes mesmo do governo Jango, com a
criação daquela que foi a principal associação de trabalhadores rurais, “As
Ligas Camponesas”. A questão agrária, e aí o corte compreenderá o governo
Jango, ganharia destaque sem precedentes na agenda política brasileira
naqueles conturbados anos iniciais da década de 1960. Ainda, obedecendo ao
segundo eixo de análise que orienta este capítulo final, empreendemos um
esforço em refazer a trajetória do periódico nos meses que precederam
imediatamente a deposição do presidente João Goulart. Neste momento a
hipótese que orienta a argumentação versa sobre a busca pela unicidade dos
“setores progressistas” em nome da defesa e manutenção da legalidade
democrática e ameaçada e desfeita pelo movimento político civil militar de
março/abril de 1964. O periódico atentava, de forma constante para o perigo da
fragmentação das “esquerdas” e para evitá-la realizava um esforço de monta
para denunciar a movimentação dos setores conservadores, civis e militares,
do cenário político brasileiro dispostos a abrir mão da institucionalidade
democrática.
A nosso ver, mais do que impedir a continuidade dos trabalhos do
periódico (sua redação foi invadida e fechada logo após o golpe) o golpe civil-
militar de 1964 representou a pulverização de uma cultura política popular
expressa nas páginas de órgãos de imprensa como “O Semanário”. Um jornal
combativo, panfletário e que sintetizou muito bem o “nacionalismo popular”
existente no Brasil nas décadas de 50 e 60.
Notas da Introdução:
i
NORA, Pierre. Verbete “Nação” IN FURET, François & OZOUF, Mona. Dicionário Crítico da Revolução
Francesa. Tradução de Henrique Mesquita. Nova Fronteira. Rio de Janeiro. 1989.
ii
ROSSOLILLO, Francesco. Verbete “Nação”. IN BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N. & PASQUINO, G.
Dicionário de Política. (organizadores) Imprensa Oficial. Editora UNB. Imprensa oficial. São Paulo. 2004.
iii
Idem.
iv
ANDERSON, B. Nação e Consciência Nacional. Ática. São Paulo. 1989. Pp. 14-16.
v
Idem.
vi
Eric Hobsbawm teceu algumas das mais importantes considerações a respeito das “tradições
inventadas”: “Naturalmente, muitas das instituições políticas, movimentos ideológicos e grupos – inclusive
o nacionalismo- sem antecessores tornaram necessária a invenção de uma continuidade histórica”.
HOBSBAWM, E. A Invenção das Tradições. Paz e Terra. São Paulo. 1997.
vii
GELLNER. E. Thought and Change apud ANDERSON, B. Op. cit. p. 14.
viii
HOBSBAWM, E. Nação e Nacionalismo desde 1780; Paz e Terra. São Paulo. 1991.
ix
Refiro-me aqui aos diagnósticos feitos pela Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) sobre
o “subdesenvolvimento” brasileiro. A CEPAL se constituiu num marco decisivo para a elaboração das
principais teses sobre o desenvolvimento econômico e que animaram a discussão teórica latina
americana no imediato pós 2ª Guerra Mundial. Tal comissão surgiu no final da década de 40, com a
preocupação básica de explicar o subdesenvolvimento latino americano, categoria que ocuparia papel
central em suas análises políticas e econômicas. Explicar o “atraso” da América Latina em relação aos
centros desenvolvidos da economia mundial enfocando, de certo, os entraves para o desenvolvimento.
x
FERREIRA, Jorge. O Imaginário trabalhista: getulismo, PTB e cultura política popular 1945-1964.
Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2005. No referido trabalho Ferreira faz um belíssimo resgate do
imaginário social e potico em torno da figura do então presidente Getúlio Vargas, em vias de ser deposto
nos últimos meses do Estado Novo. Como fonte de pesquisa Jorge Ferreira lança mão das cartas dos
eleitores enviadas para os principais jornais da época. A partir da leitura destes jornais conclui que,
paradoxalmente, a ditadura Vargas se desgastava, mas o prestígio do ditado crescia frente às camadas
populares. Explica-se neste contexto o “trabalhismo” e o “queremismo”, respectivamente como projeto e
fenômeno de uma cultura política popular da época. Outro texto interessante sobre a conjugação entre
“trabalhismo”, “nacionalismo” e “desenvolvimentismo” é o de Lucília de Almeida Neves, Trabalhismo,
Nacionalismo e Desenvolvimentismo um projeto para o Brasil (1945-1964) In FERREIRA, Jorge. O
Populismo e sua História: debate e crítica. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro. 2001. Pp.167-204.
xi
Idem.
xii
BORGES, Vavy Pacheco. Tenentismo e revolução brasileira. São Paulo, Brasiliense. 1992. A
historiadora Vavy Pacheco é citada originalmente por Jorge Ferreira em O imaginário trabalhista... A
percepção metodológica de Vavy Pacheco acerca da imprensa nos parece adequada tamm a nossa
proposta de trabalho.
xiii
BARBOSA, Marialva. Jornalismo e História. Um olhar e duas temporalidades. Anais do Colóquio de
História e Imprensa organizado por Marco Morel e Lucia Bastos Pereira das Neves UERJ/1998.
xiv
Plínio de Abreu Ramos A Imprensa Nacionalista no Brasil In ABREU, Alzira Alves et al. Imprensa em
Transição. Editora FGV. Rio de Janeiro. 1996. A mais recente referência bibliográfica que faz menção ao
periódico “O Semanário” (e mesmo assim de forma muito breve): ABREU, Alzira Alves. A Imprensa
ajudou a derrubar João Goulart. In FERREIRA, Marieta de Morais. João Goulart entre Memória e História
(org). FGV. Rio de Janeiro. 2006.
Capítulo 1
Um panorama da Imprensa nacionalista no Brasil 1945- 1964
Neste primeiro capítulo buscaremos elaborar um panorama sobre a trajetória
das publicações que compunham a chamada imprensa “nacionalista” surgida entre
o final dos anos 40 e ao longo da década de 1950. Nosso recorte abrange o
surgimento e circulação do “Jornal de Debates”, a “Revista do Clube Militar”,
“Emancipação”, “O Popular” e “O Semanário”, este último objeto central de nossa
dissertação. Com suas especificidades, estes periódicos possuíram em comum o
fato de terem aderido a teses que postulariam o desenvolvimento através da maior
ingerência do Estado na atividade econômica, sendo este um agente indispensável
na estratégia proposta de industrialização nacional, condição sine qua non para a
superação do quadro de subdesenvolvimento que marcava a realidade brasileira. O
debate a cerca da política estatal a ser adotada sobre a questão petrolífera, por
exemplo, foi o que mais obteve destaque nesta imprensa, sendo o monopólio
estatal defendido de forma veemente por tais publicações.
xiv
1.1) O “Jornal de Debates”:
Periódico com tiragem semanal começou a circular em junho de 1946, sob
direção de Matos Pimenta, Plínio Catanhede e Mário de Brito. O nome de Lourival
Coutinho figurava no cargo de chefe de redação. O “Jornal de Debates” se
entendia, inicialmente, como um periódico de inspiração voltairiana, um fórum livre
de debates, aberto às diversas correntes e orientações ideológicas. A nota de
rodapé na 1ª página da 1ª edição aludia a tal perspectiva: “Defendam através do
Jornal de Debates as idéias de seus partidos. A tribuna é livre e gratuita.
xiv
A 1ª edição do periódico preocupou-se também em refletir sobre a “liberdade
de imprensa” existente no Brasil, questionando autenticidade, de fato, e
argumentando que os meios de comunicação (grandes veículos) encontravam-se
fechados a todas as manifestações contrárias aos interesses dos grupos
controladores destes grandes órgãos da imprensa.
xiv
O periódico preocupou-se, no início de 1947, em formular previsões quanto
aos resultados das eleições diretas para os governos estaduais (realizadas em 19
de janeiro, as primeiras após a queda do Estado Novo), entendendo, inclusive, que
o eleitorado brasileiro consagraria os candidatos indicados por Vargas e pelo líder
comunista Luis Carlos Prestes. No entanto, uma diversidade de temas preenchia as
páginas do periódico no 1º semestre de 1947, dentre os mais relevantes, ataques
diretos à empresa Light, fornecedora de eletricidade para a cidade do Rio de
Janeiro. As matérias denunciavam os péssimos serviços prestados pela empresa.
Estritamente no plano político partidário, o jornal tecia vigorosas críticas a
organização dos partidos de esquerda do Brasil, as críticas da direção do jornal
voltaram-se também a decisão do Supremo Tribunal Eleitoral de cassar o registro
do PCB.
xiv
A questão da política petrolífera foi uma das preocupações centrais do
periódico nos anos subseqüentes, nas edições de janeiro a junho de 1947 surgiriam
as primeiras críticas, por exemplo, à posição do general Juaréz Távora, partidário
da abertura da exploração de petróleo à iniciativa privada. Durante todo o debate a
respeito da definição da política estatal petrolífera, o “Jornal de Debates” mostrou-
se claramente inclinado a apoiar o monopólio do Estado brasileiro sobre a
exploração deste produto. Mário de Brito e Matos Pimenta escreveriam longos
artigos criticando o posicionamento do general Távora assumido em conferência no
Clube Militar. Na edição de junho vale o destaque, tamm, para o artigo de Antonio
Rolemberg que sustentava o texto: “a indústria do petróleo deveria ser obra do
capitalismo nacional”.
xiv
O “Jornal de Debates” passaria, em 1948, à condição não declarada, mas
vigente de órgão oficial do recém criado Centro de Estudo e Defesa do Petróleo
(CEDP), órgão criado para promover uma campanha de esclarecimento da opinião
pública a respeito do monopólio estatal do petróleo, bem como congregar as forças
que compartilhavam de tal posição.
xiv
O acirramento de posições divergentes sobre determinadas questões
políticas no Brasil das décadas de 1940 e 1950 condicionaria, de fato, à intensa
utilização por parte desta imprensa nacionalista, panfletária, de expressões que
ganhariam cada vez mais espaço, termos que tamm tomariam as páginas de “O
Semanário”; Lacaio do imperialismo ou agentes do entreguismo são alguns
exemplos que configurariam bem o tipo de linguagem utilizada por esta imprensa.
O início da década de 50 para o “Jornal de Debates” foi marcado pela
contribuição do jornalista Samuel Wainer. Na edição de janeiro de 1950 o jornalista
publicaria nas páginas do periódico uma entrevista de Vargas, concedida em São
Borja, que tratava da “intervenção de Wall Street na política interna do Brasil.
xiv
O
apoio a Vargas (eleito presidente da República no final daquele mesmo ano) por
parte do jornal estaria condicionado a definição da política petrolífera a ser adotada
pelo Estado brasileiro; a orientação nacionalista assumida pelo “Jornal de Debates”
estava, claramente, centrada nesta perspectiva: pressionar o governo quanto a uma
definitiva solução para a questão do Petróleo, bem como atacar empresas
estrangeiras, principalmente as norte-americanas, que atuavam no setor e que
estariam obviamente interessadas na abertura a economia brasileira. Em edição de
junho do ano seguinte, artigos assinados por Matos Pimenta já não demonstravam
tanta convicção quanto os caminhos tomados pelo governo para fixação da política
petrolífera. No mesmo número, o jornal demonstraria incisivo apoio à campanha de
reeleição de Estillac Leal e Horta Barbosa para a presidência do Clube Militar e
denunciava, por conseguinte, o envolvimento da Standard Oil para favorecimento
da Cruzada Democrática, que venceria o pleito daquele ano com os oficiais Alcides
Etchegoyen e Nelson de Melo.
xiv
O periódico dirigido por Matos Pimenta termina o ano de 1951 voltando sua
carga de crítica à proposta de criação da Petrobrás como empresa de capita misto,
enviada ao congresso nacional no início do mês de dezembro. O artigo do próprio
Pimenta salientava que; “a política petrolífera defendida pelo Senhor Getúlio Vargas
em sua recente mensagem ao congresso não é mais conveniente aos interesses
nacionais”.
xiv
No decorrer do ano de 1952 até maio de 1953 (último mês de
circulação) os assuntos políticos de maior relevância nas páginas do jornal foram a
consolidação da lei que estabelecia o monopólio estatal do petróleo, e as críticas ao
Acordo Militar Brasil – EUA, selado em março de 1952, pelo chanceler brasileiro
João Neves da Fontoura.
xiv
Em março de 1953, segundo Plínio de Abreu Ramos, Matos Pimenta, Plínio
Cantanhede e Mário de Brito se afastam da direção do jornal. Como redator chefe e
diretor do figurariam os nomes de Gentil Fernando de Castro e Permínio Asfora,
respectivamente. Em maio do mesmo ano (a última edição foi a de nº. 353) o jornal
deixara de circular. Definitivamente, apesar de perceber como uma tribuna livre e
aberta a todas as orientações ideológicas, o Jornal de Debates nunca deixou de
transparecer para seu público leitor sua inclinação nacionalista.
xiv
Sendo assim, tal
periódico pode claramente ser claramente entendido como parte integrante daquela
imprensa nacionalista e panfletária, que se contrapunha rigorosamente a grande
imprensa, dita conservadora.
1.2) O “Emancipação”:
Segundo Ramos, o periódico “Emancipação” era ligado oficiosamente ao
Centro de Estudo e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN) e à
Liga de Emancipação Nacional.
xiv
A primeira edição data de fevereiro de 1949, de
circulação mensal o jornal tinha como objetivo estender a luta nacionalista a setores
que até então só atingira circunstancialmente e de maneira um tanto quanto
superficial.
xiv
De forma ampla, o periódico buscou abordar questões que ficaram
relegadas ao segundo plano em função do engajamento dos nacionalistas na
questão do petróleo. A internacionalização da Amazônia, a ausência de controle
das exportações de minérios estratégicos, as concessões desordenadas para a
exploração e jazidas de ferro, bem como o controle das fontes produtoras de
energia elétrica por parte de empresas estrangeiras foram temas assíduos nas
páginas do jornal. O “Emancipação” procurou tratar tais temáticas com a mesma
atenção dada aos debates a respeito da política petrolífera a ser adotada pelo
Estado brasileiro.
Acredita-se que o seu surgimento em fevereiro de 1949 tenha relação direta
com o interesse do grupo dominante do CEDP de ancorar-se a outro periódico,
tendo em vista que naquele momento o Centro rompia com o Jornal de Debates.
Atribui-se a esse rompimento o interesse por parte do CEDP de escorar-se em
outro periódico, mais fechado e mais rígido nas matérias que editava, sem
aberturas e sem concessões a colaboradores que não fossem aqueles previamente
consentidos pela direção do jornal.
xiv
À frente deste periódico estavam militares pertencentes à oficialidade, os
nomes dos coronéis Arthur Carnaúba, Hildebrando Pelágio e Felicíssimo Cardoso
figuravam como diretores. O redator chefe era o capitão Joaquim Pessoa de
Andrade. O primeiro número do jornal possuiu a colaboração de militares e civis de
destacada atuação política, sublinha-se: “A Polícia Viola a Constituição” do senador
Domingos Velasco, “Pátria e Petróleo” do comandante Alfredo de Morais Filho,
“Defender o Petróleo é lutar pela soberania brasileira e paz” de Alice Tibiriçá, “As
indústria de álcalis no Brasil, “a ação dos trustes e o entreguismo”, do engenheiro
químico Jorge da Cunha, entre outras. O artigo que mereceu maior destaque nesta
primeira edição foi o do general Raimundo Sampaio, cujo título estampava: “Pela
preservação das riquezas minerais”.
xiv
No decorrer do ano de 1950 os ataques mais virulentos do periódico se
voltavam contra o governo federal, especificamente contra o Estatuto do Petróleo e
à Lei de Segurança Nacional. Ainda é válido mencionar que o “Emancipação não
definiu posicionamento no que diz respeito à sucessão presidencial ocorrida
naquele ano, limitou-se a apontar para os militantes da campanha do Petróleo os
nomes de Lobo Carneiro para a câmara federal, e de Henrique Miranda, para
vereador, os dois disputavam o pleito sob uma legenda pouco representativa: o
Partido Republicano Trabalhista.
No ano seguinte, as temáticas anteriormente citadas continuavam a ser
abordadas com relevo, entretanto o “Emancipação” tamm dirigia suas atenções
para as pressões que o governo brasileiro viria a sofrer para enviar tropas à Guerra
da Coréia. Segundo Abreu Ramos, o periódico veiculara diversas denúncias a
respeito dos objetivos da Conferência dos Chanceleres. Tal conferência, convocada
para março daquele ano teria como real objetivo coordenar o apoio latino-americano
à intervenção dos EUA na Guerra da Coréia. Ainda no ano de 1951, o periódico
voltara a sua crítica a mensagem nº. 1516, enviada por Vargas ao Congresso
Nacional e que propunha a criação de uma empresa de capital misto para por fim a
questão da política petrolífera.
Na 1ª metade de 1952, o jornal desencadearia severas críticas ao Acordo
Militar Brasil – EUA, e contra a prisão de oficiais que participavam da campanha de
reeleição da chapa Horta Barbosa-Estillac Leal no Clube Militar. Em julho daquele
mesmo ano, as matérias publicadas destinar-se-iam à propaganda da III Convenção
Nacional do Petróleo, marcada para o mês seguinte.
xiv
O que merece destaque e
que fora retratado nas páginas do jornal no ano de 1953, se refere à tramitação
parlamentar do projeto que viria a criar a Petrobrás.
No 1º semestre de 1954 merece relevo as matérias que denunciavam a
concessão de manganês de Urucum, em Mato Grosso, à United States Steel.
Concessão esta que levaria o jornal à encetar ataques ao governo Vargas, algo
constante nas páginas do periódico. Destaque tamm para reportagem de autoria
do juiz Osny Duarte Pereira (posteriormente, tamm, assíduo colaborador de “O
Semanário”) a respeito da “Desnacionalização da Amazônia” que ocupara duas
páginas em edição de janeiro daquele ano.
xiv
De acordo com o relato de Abreu Ramos os ataques do periódico
“Emancipação ao governo Vargas eram constantes, além de agressivos. No
entanto, após o suicídio de Vargas em agosto de 1954, o jornal assumiria franca
oposição ao governo Café Filho, estampando, inclusive, a seguinte manchete:
“Derrotar o Governo golpista e o imperialismo ianque: Tudo por eleições livres em 3
de outubro”. A matéria aludia ao empenho do novo presidente em adiar as eleições
parlamentares e estaduais de 3 de outubro alegando que a população viria a votar
sob forte impacto emocional, em função da tragédia de 24 de agosto. Circulara
também nesta mesma edição a nota oficial da Liga de Emancipação Nacional sobre
o suicídio de Vargas.
xiv
Destaque, tamm, na edição de setembro de 1954 para trechos do discurso
do general Estillac Leal proferido em São Paulo, e que evidenciava suas convicções
nacionalistas:
“(...) a industrialização das matérias primas nacionais, dentro do próprio
território, mercado interno para os produtos produzidos no Brasil, bem como
na fabricação de suas próprias armas de guerra e produção da própria
energia (...)”.
xiv
O periódico tamm se dedicou na mesma edição a fazer um resumo
biográfico negativo dos elementos civis e militares que foram convidados para
compor o Ministério do presidente Café Filho. O marechal Lott fora alvo tamm de
crítica contundente por parte do jornal:
“Educado na Alemanha, tem a mentalidade formada no espírito prussiano.
Escusou-se, por germanófilo, de participar da FEB que ajudou a esmagar o
Nazifascismo na Europa. Cultor intransigente de uma disciplina cega, é
infenso por índole a que o povo usufrua as liberdades democráticas.
Perseguiu de modo mesquinho, mandando arbitrariamente cortar-lhe os
vencimentos, a um patriota da estatura do general Leônidas Cardoso,
pretendendo impedir a participação daquele ilustre militar na campanha do
povo em defesa do petróleo”
.
xiv
Entretanto, o movimento de novembro de 1955, realizado a fim de garantir a
posse do presidente eleito Juscelino Kubistchek, no qual figurava entre as
lideranças o marechal Henrique Lott, foi de significativa importância para que o
periódico alterasse de forma substancial sua opinião, expressa no editorial “Unidade
e Vigilância:
“A decisiva ação das forças armadas, sob o comando do ilustre general
Teixeira Lott, consubstanciou, na madrugada de 11 de novembro, o enérgico
repúdio dos democratas. Naquele instante souberam unir-se e repelir o golpe
nos mais diversos setores do povo brasileiro. Dos sindicatos e corporações
profissionais veio a palavra vibrante dos líderes e dos trabalhadores em geral,
exigindo respeito à Constituição e apoiando as medidas adotadas (...)
(...) O respeito as liberdades democráticas e garantias constitucionais implica
posse dos eleitos a 31 de janeiro próximo. Essa é a exigência popular da
maioria esmagadora do eleitorado brasileiro, inclusive milhões que, por uma
ou outra razão, votaram em candidatos não eleitos.”
xiv
De forma geral, as informações sobre o término da circulação do periódico
“Emancipação são imprecisas. Abreu Ramos chega a afirmar que a circulação do
jornal chegou a avançar, mesmo que de forma irregular e com precária situação
financeira, para além de 1957. Todavia, a informação que consta na base de
consulta do acervo da Biblioteca Nacional dá conta da edição de março de 1957
como a última da coleção (incompleta) deste periódico.
1.3) A “Revista do Clube Militar”
No interregno democrático entre 1945 e 1964, a oficialidade brasileira
participaria de forma incisiva dos debates referentes aos principais temas da
agenda política nacional. É neste contexto que delegamos destaque a atuação do
Clube Militar, bem como a sua publicação oficial, a “Revista do Clube Militar”, que
no período em questão preocupou-se em expor ao conjunto da sociedade a voz dos
militares a respeito dos temas mais candentes da vida blica brasileira. De fato,
entre o final da década de 1940 e início da década de 50, o Clube Militar tornou-se
o centro de debates entre “nacionalistas” – defendendo a maior capacidade de
regulação e intervenção do Estado brasileiro – e os ditos “entreguistas”, próceres da
abertura da economia brasileira ao capital estrangeiro. Outrossim, a atuação da
“Revista do Clube Militar” no período supramencionado, permite resgatar aspectos
da construção de uma corrente de pensamento nacionalista cuja atuação culminou
com a criação da Petrobrás, em 1953.
xiv
Após a queda do Estado Novo, na 2ª metade da década de 1940, a
campanha do petróleo e as discussões a respeito da política de exploração do
petróleo a ser adotada pelo Estado brasileiro seriam os temas prioritários do
periódico. Neste sentido, a divisão ocorrida no meio militar referente a esta questão
se refletiria nas páginas do periódico. Polarizavam as opiniões dos militares, duas
“teses” expostas a seguir:
a) Do general Horta Barbosa, partidário do monopólio estatal do petróleo, que
pregava como primeira etapa do projeto a construção de refinaria nacionais,
a fim de evitar o gasto de divisas na importação de derivados, “tese” esta que
sustentaria a campanha “O Petróleo é Nosso”. De fato, ponto central da
argumentação através da qual Horta Barbosa explicita a função a ser
desempenhada pelo Estado, diante das condições históricas em que se
coloca, é a consideração do petróleo como recurso estratégico e definidor da
soberania nacional.
xiv
b) Diametralmente oposta, a “tese” simbolizada no posicionamento do general
Juaréz Távora e seus partidários que eram a favor da abertura da exploração
do petróleo ao capital privado (estrangeiro, principalmente). Tal “tese” partia
da premissa da necessidade urgente e imediata de se iniciar a exploração
petrolífera. Tendo em vista a incapacidade técnica do Estado brasileiro em
garantir de imediato esta exploração, tal atividade deveria ser aberta ao
capital estrangeiro. Essa era a tônica da argumentação de Távora, que
tomava, de certo, a inevitabilidade de um terceiro conflito mundial e a
obrigação da política externa brasileira em honrar o seu alinhamento com o
ocidente. Naquele momento, num quadro de formação das alianças
geopolíticas decorrentes da deflagração da Guerra Fria, o princípio da
segurança continental se sobrepunha e se opunha em muitos momentos ao
nacionalismo predominante na orientação da direção do Clube Militar e da
Revista do Clube, entre 1947 e 1952. Desta forma o texto subjacente ao
discurso do general Távora ganhava força à medida que se identificava com
o alinhamento automático do Brasil contra o “perigo comunista”.
xiv
Em função do dissenso existente na oficialidade brasileira neste período, o
Clube Militar se predispôs a organizar um semmero de debates e conferências
com os principais expoentes das duas “teses” que figuravam na discussão a cerca
do controle e exploração das riquezas minerais. Entre maio de 1947 e junho de
1948, tanto Horta Barbosa quanto Juarez Távora e seus partidários dispuseram de
espaço nas dependências do Clube para arregimentar novos adeptos a suas
respectivas proposições. Tal situação persistiu no que se refere às páginas da
“Revista do Clube Militar”. Naquele momento se constituía como orientação da
presidência do Clube, representada na figura do general Salvador César Albino, a
não parcialização do debate sobre a política petrolífera a ser adotada. Apenas,
posteriormente, é que a “Revista do Clube Militar”, bem como o próprio Clube
adotariam posição claramente em favor do monopólio estatal do petróleo,
orientação esta que só se alteraria com a vitória da “Cruzada Democrática” para a
direção do Clube, no 1º semestre de 1952. Inequivocamente, o debate sobre a
questão petrolífera se refletira nas eleições para a direção do Clube Militar até
meados da década de 50.
xiv
No que tange a conjuntura internacional, a preocupações a cerca da
reorganização geopolítica do mundo do pós 2ª guerra mundial também ocuparia as
páginas do periódico militar. Especificamente, no limiar da década de 50, com a
eclosão do conflito entre as Coréias já no contexto da Guerra Fria, importantes
setores da oficialidade mostravam evidente desconforto com a possibilidade
ventilada por determinados setores políticos e pela imprensa conservadora
brasileira sobre a entrada do país no referido conflito. O editorial do nº. 107 de
agosto de 1950, denominado “Considerações sobre a Guerra da Coréia fora
emblemático neste sentido. O texto questionava sobre os interesses o Brasil teria
em intervir neste conflito, outrossim, lançava pesadas críticas a setores da grande
imprensa brasileira que postulavam o envio de tropas nacionais ao Extremo Oriente.
Fato este, que estaria imposto ao país em função “dos compromissos militares do
Brasil com as potências ocidentais”.
xiv
Ainda segundo a argumentação de Sá, as
polêmicas e dissensões geradas por este editorial teriam provocado a suspensão
da circulação da Revista, entre outubro daquele ano e março de 1951. Entretanto,
na perspectiva de Elisa Müller, tal suspensão teria sido parte de uma estratégia
política adotada por Estillac Leal e seu respectivo grupo político para atenuar as
dissensões presentes no meio militar. O general Estillac Leal postulava, de fato, ser
indicado sem maiores resistências por parte da oficialidade conservadora para a
pasta do Ministério da Guerra. Neste sentido, o fechamento momentâneo da revista
seria uma saída habilidosa para atenuar os ânimos cada vez mais acirrados no
meio militar.
xiv
Ao longo do 1º semestre de 1951, a conjuntura externa ainda figuraria com
destaque nas páginas do periódico, o alvo neste momento seria a 4ª Conferência de
Chanceleres Americanos realizada em março na cidade de Washington (EUA). O
periódico se posicionaria de forma rigorosamente contrária aos objetivos da
conferência que, dentre outros, buscava reiterar os compromissos do Brasil com o
Bloco ocidental. Merece relevo o artigo assinado pelo oficial aviador Salvador
Corrêa de Sá e Benevides que reafirmava a condição de neutralidade do Brasil
frente a conflitos internacionais (naquele momento a Guerra da Coréia estava no
centro do debate), bem como a defesa irrestrita do monopólio estatal para a
exploração dos recursos naturais.
xiv
A ONU tamm fora alvo de artigos que
propunham desqualificá-la, sua pusilanimidade frente aos conflitos internacionais foi
ressaltada nas páginas do periódico; “Um simples trapo de pano [a bandeira da
ONU] que deu cobertura a ação militar norte americana na Coréia”.
xiv
É notória a postura adotada pela “Revista do Clube Militar”, entre 1947 e
1952, para a defesa de posicionamentos e orientações de cunho nacionalista. A
orientação “nacional estatista” da direção do Clube se refletiria de forma óbvia nas
páginas do periódico. Como já dissemos, a questão do petróleo ocuparia espaço
predominante nas preocupações editorias da Revista. A orientação nacionalista
destes setores militares brasileiros elevaria o Estado à condição de agente
necessário e propulsor efetivo do desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Neste
sentido, por exemplo, a campanha do petróleo acabaria por encarnar o máximo da
expressão simbólica deste “nacionalismo”, que associava soberania política ao
controle das riquezas minerais por parte do Estado. Soberania entendida,
sobretudo, como autonomia na exploração de petróleo, matriz energética que,
naquele momento, ganhava cada vez mais relevância no cenário mundial. Os
militares, nacionalistas ou não, se entendiam como parte integrante e indissociável
de qualquer projeto de desenvolvimento e de Nação, daí o destaque que atribuímos
ao papel da “Revista do Clube Militar”. A “tese” de Horta Barbosa exibia a
convicção que o Estado brasileiro, ao contrário do que clamavam os opositores do
monopólio estatal, tinha claras condições de garantir o desenvolvimento da
exploração de seus recursos energéticos, fazendo evidente alusão ao petróleo.
Discute e contrapõe o argumento da incapacidade estatal utilizando a experiência
de alguns países latino-americanos:
“São sul-americanos como nós, e latinos. Possuem crescimento industrial
menos desenvolvido do que o nosso. Nada faz suspeitar que fracasse, aqui, o que
floresceu em ambas as Repúblicas do Prata [...] Admitir que, na Argentina, Uruguai,
México, Chile, Bovia, tem o Estado capacidade para exercer o monopólio do
petróleo, colhendo resultados admiráveis, e no Brasil não, é aceitar a tese da nossa
inferioridade face aos pses citados, nivelando-nos ao Irã, Iraque e outros.
Os trustes tiram da refinação os recursos para a pesquisa. Do
mesmo modo procedem a Rússia, a Argentina e o México. É o caminho
natural a seguir.”
xiv
A resposta política/eleitoral por parte dos setores de oposição no Clube
Militar não tardaria, frente à acentuação da dissensão entre os grupos políticos
antagônicos, em torno das figuras dos oficias Juaréz Távora, Cordeiro de Farias e
Eduardo Gomes, surgiria a Cruzada Democrática articulada sob a forma de
movimento político partidário dentro das forças armadas. A “Cruzada Democrática”,
através da chapa “Etchegoyen - Nelson de Mello” venceria as eleições para a
presidência do Clube, promovendo uma substancial alteração na orientação
político-ideológica da “Revista do Clube Militar”.
xiv
Em 1951 até maio de 1952 o tema prioritário da Revista foi a proposta
(projeto 1156) enviada pelo executivo para o Congresso nacional dispondo da
criação da PETROBRÁS, uma empresa de capital misto na qual o governo
controlaria 51% das ações. O Clube Militar se colocaria contrário a proposta do
executivo para definição da política petrolífera, como segue exposto na entrevista
concedida a Agência Meridional, do general Arthur Carnaúba (presidente em
exercício do clube), “O petróleo e o Clube Militar”. O general Carnaúba tratara sobre
a necessidade de um estudo atento e minucioso sobre tal projeto. A respeito da
atuação do Clube Militar nos debates a cerca questão petrolífera foi enfático:
Ao Clube Militar, que definiu sua posição no problema, adotando a tese
nacionalista de seu ilustre 1
o
Vice-Presidente, o General Horta Barbosa, cabe o dever
de discutir o problema, fiel à tese do monopólio estatal com que se apresentou aos
consócios e atual Diretoria, nas eleições de maio de 1950 e que lhe te grangeado
crescente apoio de seus milhares de camaradas. O caminho, pois, é abrir em sua sede
debate esclarecedor sobre a matéria possibilitando o seu amplo conhecimento por
parte dos consócios, a fim de que nosso camaradas possam formar uma opinião e
manifestar seu pensamento a respeito. Vários oficiais se têm apresentado desejosos
de participar dos debates a trem início, o que conduzirá o Clube ao clima patriótico de
vibração já atingido desde quando, em seus salões, foi aberta a discussão sobre o
problema, com enorme afluência de consócios interessados.”
xiv
O periódico também faria uso de iconografias para ilustrar suas matérias e
artigos publicados, as edições iniciais de 1952 evidenciariam bem isso. Para Muller
e Ramos a utilização de ilustrações por parte da Revista municiaria a ação
opositora da “Cruzada Democrática”, enfraquecendo, por conseguinte, o general
Esttillac Leal, presidente licenciado do Clube e Ministro da Guerra. Tais imagens
eram frequentemente associadas às charges veiculadas em periódicos da imprensa
comunista para representar a ação dos “grupos imperialistas” na América Latina.
xiv
A edição que marca o encerramento desta postura “nacional estatista”
explícita da “Revista do Clube Militar” é a de nº. 120, que data de março de 1952.
Nesta última edição sob a égide da bandeira “nacionalista” (ou nacional estatista) a
preocupação da Revista é fazer um balanço da gestão da diretoria do biênio
1950/52. Houve nesta edição, de fato, o esforço para se construir uma memória
através dos editoriais publicados entre 1950 e 1952, associando esta mesma
memória à defesa da orientação nacionalista que então norteara a ação política do
periódico: Consolidando o projeto de construção da memória, a seção “A Revista
através de seus editoriais” transcreve os mais relevantes editoriais publicados no
período.
xiv
No período posterior ao abordado por nós, independente do(s) grupo(s) a
frente do Clube Militar e de suas respectivas orientações políticas, a Revista do
Clube Militar optaria por uma postura editorial mais discreta, deixando de ser um
periódico de ação política/ideológica mais contundente.
1.4) “O Popular”:
Periódico vespertino de circulação diária lançado em 3 de julho de 1951 pelo
senador Domingo Velasco e pelo professor Francisco Mangabeira. Era de
propriedade da editora independência da qual faziam parte Domingos Velasco,
Orlando Vieira Dantas, deputado federal pelo partido Socialista de Sergipe, João
Pedreira Filho e Francisco Mangabeira.
A 1ª edição trazia com evidência a proposta ideológica do jornal: “insultora a
nossa soberania a solicitação de tropas brasileiras para lutar na Coréia”.
xiv
O texto
do editorial deste primeiro número expressara o pensamento político dos
responsáveis pela publicação, que embora nacionalista, entendia o capital
estrangeiro como componente associado do desenvolvimento:
“(...) Somos pela colaboração do capital estrangeiro, que mediante
remuneração razoável, queira nos ajudar a desenvolver nossas
possibilidades econômicas Seria uma estultícia que, no grau incipiente do
nosso desenvolvimento, tivéssemos o complexo contra ele. Entretanto, quase
todos os capitais estrangeiros que para aqui tem vindo não limitaram suas
ambições, mas ao contrário, monopolizaram as fontes fundamentais de
nossas riquezas e exaurem o país sorvendo todo o caldo e deixando-nos
apenas o bagaço (...).”
xiv
“O Popular” refletia claramente a atuação de um determinado segmento do
Partido Socialista Brasileiro disposto a imprimir uma nova linha política ao partido,
desligando-se desta forma a UDN, de onde originalmente havia surgido. Sendo
assim, o espaço nas páginas do periódico era preferencialmente cedido aos
colaboradores coerentes com essa nova linha.
xiv
Dentre outros pontos, o periódico buscava, no decorrer dos seus três anos
de circulação associar o governo Vargas à sustentação da legalidade democrática,
bem como fazer frente ao crescimento dos ataques da imprensa conservadora à
postura nacionalista do general Estillac Leal à frente do ministério da Guerra.
O envolvimento militar do Brasil na Guerra da Coréia (1951-53) foi um dos
temas mais relevantes do ano de 1951 e desta forma obteve amplo espaço nas
páginas do jornal. “O Popular” criticaria de forma veemente a nota oficial do
Conselho de Segurança Nacional que avaliava a solicitação da Organização das
Nações Unidas para que o governo brasileiro enviasse tropas à Coréia. O
comunicado do Conselho de Segurança Nacional versava sobre a necessidade de
novas negociações para, desta forma, definir o tipo de colaboração a ser prestada
pelo Brasil aos EUA, no conflito coreano.
xiv
Por conta disso, a edição de 12 de julho
de 1951 lançava severas críticas a tal nota por entender seu caráter dúbio. Ao
mesmo tempo que a resposta brasileira protelava a ingerência do país no conflito,
ela abria brecha para o estabelecimento de um acordo militar que obrigaria o Brasil
a intervir não apenas na Coréia, mas sempre quando necessário e solicitado pela
ONU.
xiv
Tamm ganhavam destaque nas páginas de “O Popular” as questões
inerentes ao cotidiano do Clube Militar, muito em função do apoio dado pelo jornal
ao grupo nacionalista liderado pelo general Estillac Leal. Naquele 2º semestre de
1951, “O Popular” se posicionava de forma contundente contra o esforço da
Cruzada democrática para convocar uma assembléia geral extraordinária dos
associados do Clube Militar com o objetivo de reformular os posicionamentos da
Revista do Clube. Essa tentativa de convocação por parte da Cruzada
democráticafoi definida pelo drio como um “ensaio preparatório de um golpe
militar destinado a derrubar Vargas”.
xiv
Na edição que encerrou o mês de julho de
1951, circulara matéria que ventilava a possibilidade, usando as palavras do
periódico, de uma “ditadura reacionária”, referindo-se indubitavelmente à deposição
de Getúlio por forças de oposição. O jornal não hesitava em atacar membros do
governo que acenavam à oposição, restando apenas ao general Estillac Leal,
ministro da Guerra, tratamento positivo. Na perspectiva dos responsáveis pelo
jornal, a presença do general Estillac no governo representava, de fato, um
desestímulo à atuação de grupos “reacionários antivarguistas”. Neste sentido, a
edição de 18/08/1951 é enfática:
“(...) A substituição do general Estillac Leal seria a primeira etapa [para o
golpe]. Empolgado pelos conspiradores, o ministério da Guerra e os
comandos-chaves, o Sr. Getúlio Vargas seria forçado a escolher uma dessas
soluções: ou se submeteria a um plano de governo ultrareacionário, como
imaginava Assis Chateubriand e outros jornalistas do mesmo padrão, ou seria
imediatamente deposto para formação de uma ditadura militar do tipo das
que foram impostas à Colômbia e à Venezuela (...).”
Ainda naquele mês de agosto de 1951, o periódico, em seguidas matérias,
dava destaque em conotação dramática a possibilidades de grandes grupos
financeiros estarem adquirindo grandes jornais no Rio de Janeiro: “Dólares para
comprar jornais e homens públicos”.
xiv
Tais jornais seriam colocados por estes
grupos financeiros a serviço do golpe contra Vargas, que segundo o periódico
estava em curso.
Os responsáveis pelo periódico fazem utilização constante das expressões
“nacionalismo” / “nacionalistas” associando-as às “mais genuínas aspirações
populares”, segundo a própria linguagem do periódico. O nacionalismo de O
Popular caminhava par e passo a defesa do regime democrático. Um dos diretores
do jornal, o senador Domingos Velasco, fez valer e ressaltar sua divergência de
posicionamento ideológico com os comunistas e, desta forma, respondia a Luis
Carlos Prestes, que em entrevista na época fez alusão a possível proclamação de
uma “democracia popular no Brasil”:
“(...) Ou nos enveredamos pela realização de uma política arejada, atenta às
aspirações populares, que tem no nacionalismo a sua expressão mais
patriótica e, fazemos as transformações da economia capitalista
pacificamente, por processos democráticos, num regime de liberdade, o que
constitui realmente uma obra difícil de arte política, que exige inteligência e
coragem – ou seguiremos pela estrada longa e fácil do regime de contra tudo
e contra todos, levados pelo medo ou pela cobiça, escudados no egoísmo e
na burrice, e então estaremos fazendo o jogo dos comunistas e trabalhando
pela implantação da República popular por meio da violência e do ódio
(...).”
xiv
Velasco grifa neste artigo a clara discordância de orientação política com o
comunista Luis Carlos Prestes, fazendo uso, entretanto, das expressões “interesses
nacionais”; “patrióticos” e “democracia” de forma pouco objetiva, refletindo desta
forma a moderação das posições nacionalistas que orientavam politicamente o
jornal.
Continuaria tendo destaque no último trimestre de 1951, Estillac Leal, o
Exército, bem como os debates políticos do cotidiano do Clube Militar. No entanto,
as matéria de maior relevância seriam aquelas que denunciavam a participação do
então Ministro da Fazenda Horácio Lafer e Augusto Frederico Schmidt na
elaboração sigilosa do ante-projeto de constituição de uma empresa de capital
misto para execução definitiva da política estatal em torno da questão do petróleo.
Apesar das veementes críticas a tal projeto, em dezembro daquele ano, quando
Vargas envia mensagem ao Congresso para criação de uma empresa estatal de
capital misto, o periódico mostrara-se benevolente e acabou por entender que a
“criação da PETRÓLEO S.A. era um grande passo na defesa de nossas riquezas
minerais”.
xiv
No ano de 1953, o esforço do periódico se concentraria na tentativa de
resguardar o governo Vargas da crise política em curso e que culminaria no suicídio
do ex-presidente da República.
xiv
A defesa de Vargas passou a ser o centro das
preocupações dos editoriais, naquele momento. À medida que a oposição avançava
em seus ataques ao governo o periódico, apesar de sua limitada circulação se
comparado a jornais como o “Última Hora” de Samuel Wainer, fechava rigorosa
defesa de Vargas e de setores nacionalistas do governo.
De forma geral, “O Popular” manteve-se coerente com os posicionamentos
políticos que adotou desde a sua fundação. Via de regra sua orientação nacionalista
estava associada à defesa da legalidade democrática expressa no 2º governo
Vargas (1951-54). Para o periódico, tamm, os militares possuíam um papel chave
na difusão e sustentação das posições nacionalistas nos temas mais relevantes da
agenda política nacional, daí o significativo destaque ao grupo militar nacionalista
liderado pelos generais Estillac Leal e Horta Barbosa. Outro traço que entendemos
como relevante é a visível inclinação dos responsáveis do periódico de se
distanciarem politicamente dos comunistas. Neste contexto, o jornal atribuía à
imprensa “conservadora” a culpa pela difusão errônea de identidade entre as duas
correntes.
xiv
Com o agravamento da crise política em agosto de 1954, o periódico
intensificou o seu nível de comprometimento com o governo. O destaque as ações
do governo é feito em sentido mais amplo, o apoio a Jango (ministro do Trabalho
até fevereiro de 1954) foi dado de forma mais sistemática, exemplificado no
veemente repúdio ao “Manifesto dos Coronéis”.
xiv
O editorial de 18/02/1954,
intitulado Anti-janguismo atacava:
“(...) Combatendo João Goulart, a reação [a grande imprensa e setores
políticos antivarguistas] está combatendo, na verdade os trabalhadores (...) o
inimigo é quem muitas vezes, nos aponta quem está do nosso lado (...).”
xiv
Não se sabe ao certo quando o periódico deixara de circular, a última edição
que consta na base de consulta do acervo da Biblioteca Nacional data de outubro
de 1954.
xiv
Com suas especificidades, o diário “O Popular” pode ser situado no
conjunto de publicações “nacionalistas” dos anos 50, no qual destacamos como
objeto central de nossa pesquisa o periódico “O Semanário” fundado em meados
daquela década.
1.5) “O Semanário”
O periódico “O Semanário” foi fundado pelos jornalistas Oswaldo Costa e
Joel Silveira em abril de 1956, possuindo uma tiragem de cerca de 60 mil
exemplares, circulava em todo o território nacional. Sua redação funcionava,
durante os seus primeiros anos, em dois endereços, no Rio, na Avenida Presidente
Vargas 502, 8º andar, e em São Paulo, na Rua 15 de Novembro 137, 7ª andar.
Circulando por cerca de 8 anos, foi uma das mais longas publicações nacionalistas
do período. O periódico surgiu num momento de arrefecimento da crise política
deflagrada após o 11 de novembro de 1955.
xiv
Assegurada a normalidade
democrática, “O Semanário” se debruçava sobre as mais diversas temáticas da
agenda política e econômica brasileira.
No primeiro editorial, “O Semanário” não se declarava textualmente
nacionalista, se entendia como um espaço aberto para o debate político. A edição
inaugural, ostentava os objetivos e propósitos do jornal numa espécie de “profissão
de fé”:
“Nenhum povo, numa democracia que se prese (sic) pode viver, trabalhar,
progredir, aprimorar suas instituições, corrigir as falhas de sua informação,
traçar seus rumos e decidir sobre seus destinos sem uma informação exata e
objetiva, que esclareça e oriente (...)
O Semanário surge para, livre de quaisquer influências ostensivas ou
disfarçadas de sindicatos econômicos e políticos, dizer a verdade, tal como é,
sem condescendências desfibradas (...) Seremos uma tribuna aberta ao mais
amplo debate de idéias e princípios democráticos do governo e dos
programas, planejamentos e iniciativas sérias de trabalho e produção (...).”
xiv
O 1º editorial expressava ainda a maneira como o periódico pretendia
sobreviver financeiramente. Não se entendia como uma empresa capitalista, seus
diretores se percebiam como uma “equipe de trabalhadores de imprensa que não
quiseram e não queriam fazer da profissão um negócio”, dependendo desta forma,
quase exclusivamente da vendagem das edições para cobrir seus custos.
xiv
Dentre os diversos colaboradores desta 1ª edição constam os nomes de
Alberto Pasqualini, Rubem Braga, Mario Pedrosa e Rafael Correia de Oliveira, entre
outros. Diversos assuntos figuraram nas páginas do jornal naquela edição inaugural
naquele abril de 1956. Dentre os mais relevantes, a ausência de discussão no
Congresso Nacional de reformas demandadas pela realidade brasileira.
Ocupando significativo espaço na segunda página, o artigo assinado por
Samuel Duarte trataria sobre o tema, alegando a “inércia do parlamento brasileiro
sobre a discussão de temas de maior propriedade para a vida do país.
xiv
O texto de
Samuel Duarte apontava como necessárias e urgentes, as reformas eleitoral,
agrária, administrativa, bancária e da previncia social. Para o autor tais reformas
contribuiriam de maneira essencial para a consolidação de um projeto de
desenvolvimento do capitalismo brasileiro. À reforma agrária, por exemplo, não
postulava a “socialização da terra” e sim desenvolvê-la a fim de garantir o
“redescobrimento de nossas possibilidades, condizente com o espírito de empresa”.
Quanto à reforma bancária, o mesmo constrói o seu argumento de forma ortodoxa
entendo ser necessária a “disciplina do crédito”. A inflação, no entendimento de
Duarte, seria provocada pela grande oferta de crédito. Ao mesmo tempo o autor
reivindicava por parte do Congresso Nacional a regulamentação do direito de greve,
complementando, desta forma, o subscrito na Constituição Federal no trato do
tema, segundo Duarte, a lei que vigorava sobre o assunto datava do regime
discricionário que caracterizou o Estado Novo.
O projeto de construção da nova capital federal tamm foi alvo de críticas
por parte de algumas matérias. O texto assinado por Prestes Maia intitulado:
“Nenhuma vantagem trará ao país a mudança de capital para o planalto” evidencia
tal crítica à meta síntese do Plano de Metas do governo JK.
Nas primeiras edições do periódico o tema de maior destaque no noticiário
econômico é a inflação. O periódico indagava sobre a capacidade do governo JK
em aplicar medidas “concretas de combate ao processo inflacionário que poderiam
vir a desagradar tanto o empresariado, pois implicaria a redução de seus lucros,
quanto os trabalhadores, pois tais políticas apontariam para soluções que
envolveriam medidas de arrocho/ compressão salarial”.
xiv
De forma geral, o
argumento da matéria apresenta uma inclinação significativamente ortodoxa quando
propõe ao governo a contenção da demanda agregada e a redução dos gastos
públicos, o que incluía o corte das despesas correntes e o adiamento da execução
de obras públicas, visando combater a expansão do espiral inflacionário. Em suma,
apesar de impopulares e “impatrióticas”, como diria o jornal, tais medidas tornar-se-
iam necessárias à medida que garantiria a redução nos níveis de elevação do custo
de vida. Paradoxalmente, o colaborador responsável pela seção de economia, José
Luis Almeida Nogueira Porto, nas edições subseqüentes escreveria uma série de
artigos no qual o objeto central de suas análises é a relação intrínseca entre
desenvolvimento econômico e soberania nacional. A série denominada “Segurança
Nacional e economia” se debruçaria sobre as possibilidades de desenvolvimento
economia brasileira, desenvolvimento este que passaria necessariamente por uma
política de industrialização, no qual o Estado teria um papel de amplo destaque,
promovendo inversões em setores em que o capital privado ainda não teria
condições. Uma política de orientação “industrializante, segundo o autor, proveria o
incremento e as condições necessárias para assegurar a defesa do terririo
nacional. O primeiro dos três artigos de Nogueira Porto ressaltava a importância da
implementação da indústria de máquinas e motores a fim de viabilizar o
desenvolvimento de uma indústria de material bélico. Em suma, três eixos orientam
a reflexão de Nogueira Porto: “A economia em face da soberania do povo brasileiro;
a economia nacional em face da preservação da unidade da Nação; a economia
nacional em face da preservação da ordem e da sobrevivência das instituições
vigentes”.
xiv
As edições ainda dispunham de uma seção responsável pelo noticiário
internacional, a seção “assuntos internacionais” fazia um apanhado geral sobre os
principais acontecimentos no mundo ocorridos na semana anterior. Na primeira
edição o destaque é para a nota informativa sobre o aniversário de um ano da
Conferência afro asiática de Bandung realizada no ano anterior, que nas palavras
do jornal “constituía-se no episódio mais transcendente do ano, onde pela primeira
vez em sua trágica história os povos colonizados se congregam sob a égide de um
ideal de independência e se articulam para a conquista de uma liberdade política”.
xiv
A carta aos leitores da segunda edição do jornal estampa um agradecimento
dos diretores do jornal pela venda de 60 mil exemplares do 1º número. Oswaldo
Costa persiste em suas críticas ao governo Juscelino atentando para os inúmeros
compromissos com diversos grupos políticos assumidos em campanha e que, na
prática, seriam impossíveis de serem concretizados:
“JK corre o risco de afogar-se na água dos compromissos que
assumiu como candidato. Esses compromissos foram tantos e o senhor
Juscelino Kubitschek os tomou com tão poucos (...) com a maior leviandade,
que ele não saberá governar.”
xiv
O tom das críticas se acentua nesta mesma edição com o artigo de autoria
de João Duarte (filho) à mensagem enviada pelo presidente da República ao
Congresso Nacional. Segundo o autor, vaga e que fugia dos problemas, uma
mensagem repleta de frases feitas e com inúmeros termos imprecisos e indefinidos.
Nas palavras do mesmo, pela análise da mensagem o governo fugia à
responsabilidade no que diz respeito ao tema prioritário naquele momento; o
combate ao déficit público. Para o articulista faltava lucidez para os formuladores da
política econômica do governo para traçar soluções que pusessem fim ao processo
inflacionário em ascensão. Assim termina o autor:
(...) Clara, entretanto, incontestável fica, da leitura da mensagem a
observação: o governo fixou o problema da crise material brasileira; sabe que
é necessário encontrar uma solução para ela; reconhece ser necessário um
programa imediato de realizações para atalhar a crise em desenvolvimento
rápido. Não tem, entretanto, ainda este programa, não se fixou, portanto,
solução a ser dada. O governo, portanto não começou a governar”.
xiv
Tema de destaque no noticiário internacional, a URSS pós Stalin ganha as
páginas do periódico tamm nesta segunda edição. Uma das principais chamadas
de capa chamava a atenção para a nova orientação do Partido Comunista soviético
que buscava a “desmistificação“ do ex-líder. A matéria de meia página chama
atenção para o impacto mundial provocado pela “nova tática ideológica” adotada na
URSS para enfraquecer a chamada “influência dominadora do stalinismo”. Essa
nova proposta soviética ganhava corpo no cenário internacional após a mensagem
do novo líder do Partido Comunista daquele país, Nikita Kruschev, no XX
Congresso do PCURSS. A nova orientação visava, claramente, fortalecer o
princípio da direção coletiva do partido, em franca oposição ao que fora
predominante da Era stalinista, o culto exacerbado à personalidade. A reportagem
traz além dos informes, comentários e análises de três parlamentares brasileiros
sobre o fato. Rogê Ferreira, integrante da bancada socialista na câmara dos
deputados; Bruzzi Mendonça, deputado comunista eleito sob a legenda do Partido
Social trabalhista, e de Fernando Ferrari, líder do PTB na Câmara. Excetuando-se o
comunista que se esquiva de um comentário mais profícuo, fica evidente na opinião
dos parlamentares que a figura de Stalin, naquele momento, não interessava mais
ao Partido Comunista Soviético.
xiv
Este mesmo tema da “dessantificação de Stalin
retorna com menos destaque na seção “A Semana no Mundo inteiro”, na página 7.
O Clube Militar tamm vira notícia nas páginas desta edição em função de
seu processo eleitoral, as vésperas de ser realizado. Nas eleições previstas para
maio daquele ano, enfrentar-se-iam as chapas representativas da “Cruzada
Democrática” e do Movimento Militar Constitucionalista 11 de novembro, os dois
principais segmentos políticos da oficialidade brasileira.
xiv
O terceiro número exporia de forma bastante evidente o caráter panfletário
da proposta do jornal no que tange à presença de interesses econômicos
estrangeiros no país. A primeira página desta edição buscaria chamar a atenção
dos leitores sobre “os reais interesses dos bilionários irmãos Rockfeller em visita ao
Brasil”.
xiv
“O Semanário” vê com muita desconfiança a vinda dos irmãos Nelson e
David Rockfeller ao país para a assinatura de contratos na área da indústria
alimentícia. O jornal ainda faz uma série de insinuações a respeito do interesse dos
Rockfeller em áreas com grande possibilidade de incidência de Petróleo. Embora
apresente claras restrições à inversão de capitais estrangeiros na economia
brasileira, neste momento, o periódico não apresenta uma análise objetiva a
respeito das possibilidades de desenvolvimento endógeno do capitalismo brasileiro.
Ao mesmo tempo o jornal procuraria sempre valorizar o que chama de
atuação efetiva do Estado em setores estratégicos da economia. Na mesma edição
a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é destaque devido ao aumento da
produtividade ocorrido em função do incremento do ensino industrial com o
aprimoramento técnico da mão de obra da estatal. Segundo a matéria, a CSN teria
decidido realizar significativos investimentos em seu sistema de ensino industrial.
xiv
O artigo assinado por Oswaldo Costa na última edição do mês de abril, daria
seqüência ao seu intuito de criticar acintosamente o governo JK. O diretor-
presidente do periódico qualificava os três meses de administração JK como “três
meses de balbúrdia”. Costa clamava pela moralização da administração pública, na
qual entendia ser necessária a tomada de “medidas enérgicas”, sua impaciência
com este momento inicial do governo Juscelino fica evidente em suas palavras:
“O Sr. JK vai completar, dentro de quatro dias, três meses de
governo e ainda não disse aqui veio, ou para que veio. Ora por outra disse
três coisas atentamente ouvidas pela nação; primeiro que tinha um grande
plano de governo a realizar; segundo, tomaria medidas enérgicas para
moralizar a administração pública; terceiro, que tudo faria para unir a nação.
Afinal, o seu grande plano de governo não passa de uma colcha de retalhos
(...)”.
xiv
A edição tamm cede amplo enfoque à entrevista concedida por Carlos
Lacerda diretamente de Nova York a “O Semanário onde este faz acintosas
declarações de ataque ao governo JK. Ao jornal, Lacerda desmente a notícia
veiculada por alguns órgãos de imprensa de que teria a pretensão de fundar um
novo partido – O partido da Reforma -; nega também que o Brasil precisasse,
naquele momento, discutir reformas na Constituição. Ainda, conclui a entrevista
argumentando que a atual administração (o governo JK) fora resultado de uma ação
militar, sendo necessária outra ão para depô-lo.
xiv
A partir deste número, o debate a respeito da política governamental para
extração e comercialização dos minerais atômicos ganharia definitivamente as
páginas do periódico. “O Semanário” faria um detalhado acompanhamento das
atividades da Comissão Parlamentar de Inquérito responsável por examinar os
acordos assinados entre Brasil e EUA que trataria do controle da energia atômica.
“A CPI da Energia Atômica” como ficara conhecida, fora instituído pela resolução
nº49 que data de 10 de dezembro de 1955, entretanto, seu efetivo funcionamento
ocorreu apenas em abril de 1956. Formada por parlamentares de diversos partidos,
inclusive da UDN, a comissão tinha como relator o deputado Dagoberto Sales do
PSD paulista. Dentre os diversos ouvidos pela CPI, destaca-se o empresário
Augusto Frederico Schimdt, o general Juaréz Távora e os ex-chanceleres João
Neves da Fontoura e Raul Fernandes.
xiv
O relator Dagoberto Salles, falando
diretamente a “O Semanário”, apontaria de forma clara a orientação a ser adotada
pelo Estado brasileiro sobre o assunto: A criação de um órgão governamental
central que coordenasse todas as atividades referentes à energia atômica; o
controle rígido e o monopólio estatal para o comércio de materiais atômicos; o
estímulo governamental à pesquisa e prospecção, bem como a construção imediata
de usinas de separação de isótopos e metalúrgica de urânio eram medidas
entendidas como essenciais e, segundo o mesmo, “tomadas por quase todas as
nações do mundo”.
xiv
Na mesma reportagem, o deputado Seixas Dória atacava as
relações de Frederico Schimdt com a empresa transnacional ORQUIMA S.A. O
deputado alegava que o poeta e empresário era uma espécie de “testa de ferro” da
multinacional supracitada.
O trabalho da CPI centrou-se sobre as atividades da Comissão de
Exportação de Materiais Estratégicos (CEME) fundada por um dos vários acordos
referentes à questão assinado entre o Brasil e os EUA, no início da década de
1950. Acordo este que obteve como resultado concreto a restrição do acesso
brasileiro à tecnologia nuclear. O relatório final da CPI, apresentado em março de
1958, fora enfático ao propor a dissolução da CEME, bem como a maior capacidade
de intervenção do Congresso Nacional e do Poder Executivo no que se refere à
comercialização de minerais atômicos. A exportação destes minerais ficava
condicionada a acordos anteriormente assinados entre o Brasil e o país importador,
e irrevogavelmente submetido à aprovação do Congresso e da agencia/órgão
federal responsável, no caso a Comissão de Energia Atômica, ficando por último
subordinado, ainda, à expressa autorização do Conselho de Segurança Nacional.
xiv
A questão da energia nuclear é apenas um exemplo de como “O Semanário
se posicionava politicamente, comprometido com teses de cunho “nacional-
estatista”, entendendo o desenvolvimento econômico como produto final de uma
estratégia que requisitasse o Estado como agente formulador, promotor direto deste
“desenvolvimento para dentro”. Evidente, que nos falta pensar de forma
pormenorizada o horizonte de projetos, teses e posicionamentos veiculados ao
longo da trajetória do jornal. Dispomo-nos a fazer isso no capítulo que se segue, ao
analisarmos as matérias veiculadas nas páginas do periódico e associadas à
temática do desenvolvimento nacional.
Capítulo 2
O Governo JK: Plano de Metas, nacional desenvolvimentismo e
o nacionalismo popular de “O Semanário”:
O governo Juscelino Kubitschek foi, sem dúvida, aquele que, na
experiência democrática dos anos 1946-1964 melhor encarnou a idéia de
desenvolvimento e industrialização. Governando estritamente nos limites da
constituição e da democracia advinda com a queda do Estado Novo e sob a
égide de um pretensioso plano de crescimento e industrialização da economia
brasileira, o governo JK encetou transformações significativas na realidade
brasileira. Promoveu, a partir do Plano de Metas, a integração de boa parte do
território brasileiro e consolidou um modelo de desenvolvimento industrial
assentado na associação ao capital estrangeiro. Os “50 anos em 5” proposto
por JK, ainda em sua campanha eleitoral, traduz muito bem a idéia de
movimento, ação e desenvolvimento que caracterizou o Brasil da segunda
metade da década de 50.
Apesar dos percalços atravessados entre a vitória eleitoral e a efetiva
posse, o governo JK é, certamente, um período de estabilidade política.
Estabilidade que se soma a um vultoso processo de crescimento econômico
que conferiu à administração JK o epíteto de a mais bem sucedida do período.
“De um ponto de vista panorâmico, o governo JK foi quase uma ‘proeza’. A
partir de um quadro social e político tenso e com interesses bastante
divergentes, conciliou o processo democrático e a intensificação do
desenvolvimento de tipo capitalista e industrial. Não é por mero acaso,
portanto, que a Era JK tenha recebido posteriormente, o adjetivo de “anos
dourados, servindo, desta forma, de modelo para vários políticos, defensores
da ordem política e democrática no Brasil”.
xiv
O êxito do projeto nacional desenvolvimentista e a estabilidade política
da administração JK podem, sem dúvida, nos trazer a impressão de um
razoável consenso sobre a forma como se alcançaria o “desenvolvimento
econômico” entre os diversos atores sociais da cena política em questão. O
aparente consenso se desfaz à medida, que ao esmiuçar aquela conjuntura,
poderemos observar nitidamente vozes que se posicionariam de forma
reticente, quando não contrária, à euforia dos “anos dourados”. Fazendo face
ao nacional desenvolvimentismo internacionalizante juscelinista, outros projetos
despontariam no cenário político, dentre eles e à esquerda, o nacionalismo
econômico, “crescentemente reformista e abertamente popular” proposto por
amplos setores da sociedade brasileira.
xiv
Buscando apreender a dinâmica
política do Brasil na segunda metade da década de 1950, tentaremos neste
capítulo observar a inter-relação entre o projeto oficial da administração JK e o
nacionalismo econômico em voga no Brasil daquela conjuntura. Insere-se,
neste contexto (compreendendo a hipótese que orienta este capítulo), o
periódico “O Semanário” que deve ser entendido como um veículo de imprensa
claramente identificado com este nacionalismo econômico de cunho reformista
e popular, e ao longo de toda a sua trajetória manteve-se coerente com a
defesa de tal projeto. Sendo assim, buscaremos recortar tamm os aspectos
gerais deste nacionalismo popular que encontrava nas páginas de “O
Semanário” um espaço, por excelência, de publicização de suas idéias. Avesso
ao discurso oficial do governo JK, este nacionalismo popular propunha para o
Brasil um desenvolvimento econômico sobre bases endógenas, reformas
estruturais, rigorosa regulação do Estado e, acima de tudo, nenhuma
concessão ao capital estrangeiro.
2.1) O nacional desenvolvimentismo e Plano de Metas de JK:
Conforme já mencionado, o governo JK se fez sob o signo do binômio
crescimento/desenvolvimento industrial. Embora tal objetivo fosse consensual
entre os diversos atores sociais e políticos que compunham a cena brasileira, a
forma como o desenvolvimento nacional deveria ser alcançado era o que
estava efetivamente em disputa. Neste sentido, o nacional desenvolvimentismo
juscelinista além de predominante, exerceria um papel crucial de alinhavar
diferentes segmentos da sociedade em torno do modelo de desenvolvimento
capitalista proposto.
Se na primeira metade dos anos 50 o cerne do debate das questões
relativas ao desenvolvimento econômico encontrava-se na mensuração da
atuação do Estado e na expansão, ou não do grau de intervencionismo estatal
na economia brasileira, a partir de 1956 com o modelo de desenvolvimento
sugerido pelo Plano de Metas de JK, houve um evidente deslocamento na
ênfase deste debate, à medida que a participação do capital estrangeiro era
uma realidade concreta. A questão da participação do capital estrangeiro na
promoção do desenvolvimento nacional ocupava, naquele momento, papel de
destaque. “Ambas as problemáticas abrigavam-se sob um discurso igualmente
tido como nacionalista, só que, doravante, tal discurso ganharia novos
contornos. Não havia (como já dissemos), nos anos 50, somente um, mas
vários nacionalismos, pluralidade esta que se devia às diferentes elaborações
intelectuais, assim como às práticas políticas específicas dos vários segmentos
sociais e seus interesses particulares”.
xiv
A “corrente vitoriosa” dentre estas
diversas elaborações, no governo JK (época do surgimento do Semanário), foi
aquela que girava em torno do chamado “nacional desenvolvimentismo”, que
apregoava a participação do capital estrangeiro na economia brasileira,
entretanto submetido aos marcos regulatórios colocados pelo Estado. Neste
contexto, coube ao ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros) a
responsabilidade de elaborar uma ideologia desenvolvimentista de cunho
nacionalista e arregimentador de amplos setores que compunham a sociedade
brasileira.
É válido grifar, que o Instituto Superior de Estudos Brasileiros foi
preocupação central de importantes estudos dos historiadores Alzira Alves de
Abreu e de Caio Navarro de Toledo, no final da década de 1970, em suas
respectivas teses de doutoramento. Toledo em ISEB:brica de Ideologias
notabilizou-se por proceder a um exame crítico do importante conjunto
doutrinário produzido pelos intelectuais reunidos em torno do Instituto Superior
de Estudos Brasileiros. O autor em questão consegue tornar inteligível uma
produção intelectual diversa, imprecisa e em muitos momentos entrecruzada
como fora a produção intelectual do ISEB. Neste sentido, lançando mão de
uma análise minuciosa dos discursos e obras isebianas, Toledo consegue
sistematizar a atuação deste instituto na elaboração de uma ideologia que
sintetizasse o desenvolvimento almejado para a realidade brasileira. Cumpriu
este papel o nacional-desenvolvimentismo, uma construção ideológica que
através da ação planejadora do Estado e de uma frente política de aliança de
classes nortearia o desenvolvimento proposto para a superação do “atraso”
que marcava a realidade brasileira. Ainda, em recente publicação, o mesmo
autor retorna à temática, recortando precisamente o papel do intelectual
isebiano que ao discutir e diagnosticar os problemas da realidade brasileira
visava intervir diretamente no processo político do país. Discorrendo sobre o
binômio produção intelectual /intervenção na realidade concreta, o trabalho em
questão expõe, dentre outros, artigos de Candido Mendes, Helio Jaguaribe,
Joel Rufino dos Santos, José Miglioli, N. W. Sodré, Alzira Alves de Abreu, Luis
Carlos Bresser Pereira, além do próprio Toledo que atua como organizador da
publicação.
xiv
O ISEB fora criado pelo Decreto nº 37.608 de 14 de julho de 1955, ainda
na gestão transitória de Café Filho à frente da presidência da República como
órgão do Ministério da Educação e Cultura. O grupo de intelectuais que o criou
tinha como objetivos o estudo, o ensino e a divulgação das ciências sociais,
cujos dados e categorias seriam aplicados à análise e à compreensão crítica
da realidade brasileira e deveriam permitir o incentivo e a promoção do
desenvolvimento nacional.
Apesar das marcantes divergências entre os teóricos deste instituto, dois
pontos são considerados chaves na elaboração da idéia de desenvolvimento
proposta pelo ISEB: A perspectiva dualista que perpassava a configuração da
sociedade brasileira e a escolha da “burguesia industrial” como o principal
agente das transformações, “vanguarda” da “revolução” propugnada para o
país. O ISEB identificava dois setores antagônicos na sociedade brasileira, um
ligado a agro-exportação entendido como arcaico, tradicional, ligado ao
imobilismo social e que se contrapunha aos setores urbanos verdadeiramente
dinâmicos do país. O estímulo a estes últimos, segundo os teóricos do ISEB,
seria o caminho a ser percorrido para a superação do subdesenvolvimento.
Aqui, o ISEB sem formular uma análise propriamente econômica como feita
pela Comissão econômica para a América Latina (CEPAL), acabava por
compartilhar com a diagnose feita pelos economistas cepalinos para explicar as
razões do subdesenvolvimento. Neste sentido, “a solução para o dualismo
característico da sociedade brasileira naquele momento estava na via
capitalista avançada a ser atingida através do desenvolvimento econômico
industrial, a contradição básica a ser superada, para os teóricos isebianos,
estava caracterizada entre a nação e a anti-nação, o que permitia envolver a
todos os setores sociais na tarefa de promover o crescimento”.
xiv
De fato, não existia consenso entre os teóricos do ISEB quanto à
participação do capital estrangeiro na promoção do desenvolvimento
econômico nacional, embora tenha predominado a perspectiva do segmento
mais moderado encarnado, principalmente, nas formulações de Hélio
Jaguaribe e Cândido Mendes, que compreendia o nacionalismo na sua forma
instrumental, ou seja, como estratégia numa dada perspectiva de
desenvolvimento. A chamada “ala nacionalista radical” tamm possuía espaço
no instituto, embora não hegemônico. Representada por Álvaro Vieira Pinto e
Nelson Werneck Sodré “entendiam não haver lugar irrestrito para o capital
estrangeiro, caso isso acontecesse, as decisões políticas de cunho estratégico
poderiam certamente escapar ao controle da comunidade nacional”.
xiv
Sem
dúvida, à parte a divergência entre os teóricos do ISEB, estava a percepção da
necessidade de elaboração de uma ideologia que preparasse a todos para o
desenvolvimento.
Ainda no que diz respeito ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros, a
tese de doutoramento de Cecília Pires nos traz importante contribuição para a
análise da questão central para as formulações deste instituto; a questão
nacional. O trabalho supracitado consiste numa análise crítica da proposta
nacionalista do ISEB, especialmente no que se refere ao nacional
desenvolvimentismo. De forma sucinta, para a autora em questão a ideologia
nacionalista que perpassa a produção intelectual do ISEB seria, por excelência,
um instrumento inserido numa perspectiva de luta pela emancipação. O
nacionalismo seria ao mesmo tempo estruturante e estruturado nos moldes de
uma opção ideológica (o nacional desenvolvimentismo) que teria o objetivo
primacial de dirigir a nação rumo à superação de seu estado de
subdesenvolvimento. Condição de subdesenvolvimento esta, imposta, de forma
geral, por “forças colonialistas” externas ao país e superada apenas por uma
aliança de classes interessadas no pleno desenvolvimento capitalista do país.
Circunscrito a este projeto, o nacionalismo teria, antes, um papel de
mobilizador da ação política e se constituiria tamm num referencial teórico
para esta ação política necessária e almejada tanto pelas elites, quanto pelas
massas. Outrossim, Cecília Pires conclui em seu trabalho que os isebianos,
apesar de possuírem esta tarefa, “pouco avançaram em suas análises a
respeito da questão nacional, especialmente no que tange a economia política”.
xiv
Desta opinião também corrobora Caio Navarro de Toledo ao mostrar a
evidente incapacidade do ISEB de perceber a real dimensão e significado do
desenvolvimento dependente da economia brasileira na 2ª metade da década
de 1950.
O desenvolvimentismo dos anos JK traduz-se de forma programática no
ambicioso Plano de Metas. Elaborado a partir dos diagnósticos do grupo
CEPAL-BNDE para a economia brasileira, tal programa se constituiu na
definição planejada pelo Estado das bases em que se daria a associação entre
o Estado, o capital privado nacional e a grande empresa oligopolista
estrangeira na estratégia industrializante do período. Composto de 31 metas
distribuídas em seis grandes grupos o programa incorporava a noção de
planificação e planejamento da economia. Tratava-se de um documento de
caráter estritamente econômico, que estipulava metas para os setores de
energia (metas de 1 a 5; energia elétrica, nuclear, carvão, produção e refino de
petróleo); transportes (investimentos em estradas de ferro, pavimentação de
estradas de rodagem, portos, barragens, marinha mercante e transportes
aéreos – metas de 6 a 12); alimentação (metas de 13 a 18: trigo, armazéns e
silos, frigoríficos, matadouros, mecanização da agricultura, fertilizantes);
indústria de base e bens de consumo duráveis (metas de 19 a 29: aço,
alumínio, metais não ferrosos, cimento, álcalis, papel, celulose, borracha,
exportação de ferro, indústria de veículos motorizados, indústria de construção
naval, maquinaria pesada e equipamento elétrico) e educação (Meta 30).
xiv
A
meta 31, referente à construção de Brasília seria incorporada ao longo da
campanha presidencial. A construção da nova capital ao sugerir a integração
do território nacional e simbolizar a modernidade do que posteriormente seria
qualificado como “anos dourados”, ganharia contornos de “meta síntese do
governo Juscelino. Apesar das críticas iniciais de “O Semanário” à construção
da nova capital, a inauguração de Brasília foi recebida de forma positiva pelo
periódico. Osny Pereira Duarte, um dos colaboradores mais assíduos e uma
das figuras mais proeminentes do movimento nacionalista brasileiro nos anos
50, afirmava que a construção de Brasília se constituiria como “símbolo da luta
nacionalista”
xiv
. O êxito do programa de Metas é inegável e para muitos
contemporâneos o desenvolvimento econômico orientado pelo nacional
desenvolvimentismo de JK correspondia, certamente, à “revolução industrial
brasileira”.
2.2) O nacionalismo econômico: críticas ao modelo de desenvolvimento
da Era JK:
Apesar do êxito da plataforma industrialista e desenvolvimentista de JK e
de sua significativa penetração em amplos setores progressistas do
nacionalismo brasileiro, o modelo de desenvolvimento proposto não passou
incólume a contundentes críticas. Um lado mais radical e reformista do
movimento nacionalista, que pode ser qualificado como nacionalista
econômico
xiv
, não poupou críticas aos paradigmas de política econômica
formulados para aquele modelo de industrialização. A questão da presença e
da entrada do capital estrangeiro no processo de industrialização da época foi,
sem dúvida, o cerne da divergência entre os nacionalistas econômicos e os
adeptos do nacional desenvolvimentismo da administração JK.
xiv
Neste contexto, ao longo da sua trajetória “O Semanário”, exerceu um
papel de baluarte e defesa do nacionalismo econômico. Numa espécie de
“profissão de fé” incansável, Oswaldo Costa e seus colaboradores mais
assíduos, aproveitando a grande receptividade por parte do público à proposta
do jornal, ventilavam matérias, artigos e textos inúmeros que teciam a idéia de
que o desenvolvimento nacional passava, necessariamente, pela não
concessão ao capital “alienígena”, segundo a linguagem do próprio periódico. A
indústria nacional deveria ser privilegiada em todos os níveis e no que se refere
aos setores estratégicos, o controle por parte do Estado era questão
encerrada.
“O Semanário” se entendia como parte integrante de um movimento
nacionalista mais amplo. Movimento este que abarcaria, além de setores da
sociedade civil, o parlamento brasileiro. A Frente Parlamentar Nacionalista
(FPN) possuiu, via de regra, grande destaque nas páginas do jornal. Na edição
de nº. 34, o periódico cedeu relevante destaque a formação desta frente,
publicando inclusive os 11 pontos de seu manifesto de fundação:
“A Frente parlamentar nacionalista assim se denomina por entender
que é nacionalista todo movimento que vise superar os ciclos e métodos
anticolonialistas da produção e distribuição das riquezas de modo a criar
novas condições que levem o país a uma posição político/econômica de
igualdade na sua relação com os demais povos”.
xiv
Para o periódico, e aí a plena sintonia com a natureza da FPN, o
nacionalismo jamais poderia ser exclusividade de um grupo ou partido político,
por se tratar de um movimento que elevaria o país à luta consciente contra o
interesse dos “trustes” estrangeiros, agentes das “forças colonialistas”.
Oswaldo Costa, diretor responsável pelo periódico, ao escrever sobre a
convenção do Partido Trabalhista Brasileiro, ocorrida em outubro de 1958,
ressaltaria, em resposta ao discurso do vice presidente da República João
Goulart, que o nacionalismo não era exclusividade do PTB. Outros partidos
também possuíam figuras identificadas e engajadas com a luta nacionalista.
Destaca-se o deputado Dagoberto Salles (PSD/SP) e Gabriel Passos
(UDN/MG).
xiv
A discussão sobre uma política externa independente também ganhou,
por diversas vezes, as páginas do periódico. Numa das matérias de maior
relevo sobre a temática, “O Semanário” publicou uma entrevista de página
inteira com o deputado do PSD paraibano Draulty Ernani, abordando aspectos
da política externa brasileira. O parlamentar mencionado tece algumas
considerações acerca da política externa brasileira, a qual apontava a
necessidade de se adotar uma posição independente em relação aos EUA:
“Devemos rever as nossas relações com os Estados Unidos (...)
rever tudo! O departamento de Estado Norte americano acha cômoda a atual
situação. Nós é que não podemos achá-la. Precisamos negociar com todas
as nações. O nosso limite deve ser o das Nações Unidas ou um pouco mais.
Precisamos reabrir, de fato os nossos portos. Se os americanos não querem
vender algodão aos chineses, vendamo-lo nós (...)”.
xiv
A diversidade de abordagens do periódico recaía sobre uma questão
central, porém não exclusiva dos anos JK: a presença do capital estrangeiro. A
crítica ao modelo de desenvolvimento internacionalizante do período incorreu,
dentre outros aspectos, ao principal instrumento utilizado pela administração JK
para viabilizar e estimular as inversões estrangeiras para o Brasil, a instrução
113 da Superintendência de Moeda e Crédito (SUMOC). A instrução 113,
adotada ainda no governo Café Filho, permitia ao investidor estrangeiro
introduzir equipamentos sem cobertura cambial, isto é sem dispêndio de
divisas; ou seja, poderiam instalar-se no país trazendo máquinas que já
possuíssem ou que tivessem condições de adquirir no exterior por sua conta.
Esses equipamentos seriam incorporados ao ativo das empresas, que tanto
poderia ser uma filial do investidor no Brasil ou uma empresa brasileira à qual o
investidor estrangeiro ficava evidentemente associado.
xiv
Oswaldo Costa em
artigo que versava sobre as “ações políticas para o desenvolvimento
econômico”, fazendo jus ao seu estilo ácido e contundente, tecia críticas a
Instrução 113 e aos “entreguistas que ocupavam postos chaves no Catete”,
numa clara alusão aos executores da política econômica da administração JK,
em especial, o então ministro da Fazenda Lucas Lopes;
“[o Brasil precisa de uma] solução que permita que as metas do Sr.
Juscelino Kubistchek sejam atingidas- e elas podem ser perfeitamente- sem
que tenhamos para isso de vender o Brasil a preço de banana ao primeiro
gringo que por aqui aparecer com a Instrução 113 num sovaco e no outro um
saco de dinheiro para a imprensa venal e para os políticos corrompidos”.
xiv
No mesmo artigo, o diretor do periódico, além de mencionar a Instrução
113 da SUMOC, faz tamm ironias à atuação da grande imprensa brasileira,
em especial ao jornal O Globo, ao Correio da Manhã e ao Diário de Notícias,
qualificados como os principais expoentes da “imprensa sadia”, financiada
através da publicidade, pelo capital estrangeiro.
O diretor responsável de “O Semanário”, em artigo publicado já no início
de 1958, tecia considerações mais gerais a respeito do modelo de
desenvolvimento industrial em curso àquela época. Em outra resposta a um
discurso do presidente JK, em janeiro daquele ano, Oswaldo Costa argumenta
no sentido defesa intransigente da indústria nacional, contradizendo o
presidente da República que afirmara que; “se a indústria nacional já era o que
era [na 2ª metade da década de 50] unicamente o devia à ajuda da indústria
estrangeira”. De forma contumaz, o diretor e editorialista de “O Semanário”,
rebate:
(...) O nosso presidente é um moço talentoso, vivo e dinâmico e,
queremos crer, bem intencionado, mas não só é o homem pior informado
deste mundo como não tem uma noção precisa e exata daquilo que tanto
enche a boca: o desenvolvimento econômico (...) Deixa-se o sr. Juscelino
Kubitschek deslumbrar pelas exterioridades e aparências que lhe põem
diante dos olhos e não penetra no âmago da questão. Ignora que o
desenvolvimento é uma função da independência econômica e não tem maior
sentido se não se processa vigiando o interesse nacional, isto é a que seus
resultados se revertam de forma direta em benefício do país e do povo, e não
em benecio de grupos estrangeiros, indiferentes, senão hostis a esse
objetivo (...).”
xiv
Na edição subseqüente, no artigo intitulado Crítica ao discurso do
presidente e crítica à critica da oposição, Oswaldo Costa retoma a discussão
sendo ainda mais incisivo. Ao mesmo que tempo que, no universo de
possibilidades oferecidas pela dinâmica da correlação de forças daquela
conjuntura histórica específica alimentava uma “esperança pelo caminho
correto a ser seguido pelo desenvolvimento industrial”, afirmava tamm que
aquele modelo desenvolvimentista proposto e em curso “tripudiava o interesse
nacional” e atendia diretamente aos “prestamistas de Wall Street”;
“(...) Com o que não estamos e nunca poderemos estar de acordo é
com a política de desenvolvimento falsa, errada e sumamente perigosa
seguida pelo chefe da nação. Outra deve ser esta política e, por isso nos
batemos na esperança de que o presidente enverede pela trilha certa, que é
a do interesse nacional e não a dos vorazes prestamistas de Wall Street.”
xiv
Fazendo coro aos editoriais assinados pelo diretor responsável pelo
jornal, outro colaborador assíduo, o jornalista Antônio Luis Araújo, assinava
matéria que ganharia amplo destaque na edição de nº.92 e que alardeava a
internacionalização da economia brasileira em curso nos anos JK. Qualificando
o Brasil como “colônia dos trustes e dos cartéis internacionais”, a matéria
chega a quantificar empresas em atuação no Brasil e controladas por grupos
norte americanos.
xiv
Grifa-se que a crescente internacionalização da economia brasileira se
constituía como fator central de preocupação do nacionalismo reformista e
popular encarnado pelo periódico. Neste contexto, a elaboração de uma
legislação que melhor amparasse a indústria brasileira e sua relação com o
capital estrangeiro recebeu grande apoio por parte do jornal. Foi o que, de fato,
aconteceu em relação ao projeto de lei elaborado e redigido pelo deputado
trabalhista pelo Distrito Federal, Sérgio Magalhães. “O Semanário” não poupou
esforços para chamar a atenção da opinião pública para o projeto de lei do
referido parlamentar e que o próprio Oswaldo Costa qualificava-o como “um
dos mais importantes da atual legislatura”. O projeto não chegava a ser tão
radical a ponto de negar a presença do capital estrangeiro no Brasil, entretanto
estabelecia restrições rigorosas e reajustava em 100% o imposto de renda
sobre a remessa de lucro de filiais de empresas estrangeiras sediadas do país.
Numa exposição comentada sobre o Projeto de Lei, o diretor responsável pelo
periódico reproduz a fala do deputado supramencionado:
“(...) Os capitais estrangeiros não devem ser aplicados em compra
do que já possuímos e isso por um motivo decorrente da realidade brasileira,
pois os esforços conjugados do capital nacional e do capital estrangeiro deve
ser no sentido de aumentar os fatores de produção e de emprego e, não
utilizados para a compra do que já existe (...).”
xiv
No mesmo artigo, Oswaldo Costa enfocaria a internacionalização em
curso da economia brasileira, retomando novamente, as costumeiras críticas à
Instrução 113 da SUMOC e aos executores da política econômica da
administração Kubitschek:
“(...) A culpa do que está acontecendo é, em primeiro lugar da
famigerada Instrução 113, discriminatória do capital nacional, em favor do
estrangeiro. Cabe, em segundo lugar, aos homens que o governo coloca em
certos postos-chave, como a CACEX, por exemplo, onde o Sr. Inácio Costa
faz timbre em contrariar sistematicamente os nossos interesses em benefício
dos alheios (...).”
xiv
A temática em questão seria objeto de reflexão de um semmero de
artigos e matérias veiculadas pelo periódico, ao longo dos anos de 1958 e
1959. De maior relevo, vale destacar o esforço de “O Semanário”, em fazer
uma exposição detalhada de conferência do próprio deputado Sérgio
Magalhães proferido no auditório do ISEB, em janeiro de 1959. O periódico
cedeu duas páginas de sua edição de nº 147, transcrevendo na íntegra o texto
da referida conferência. As palavras do parlamentar petebista refletiam com
precisão as noções de “entreguismo” e o postulado nacionalista defendido pelo
periódico desde suas primeiras edições. Sérgio Magalhães, coerente com sua
posição de negar o modelo de industrialização em curso naquela 2ª metade da
década de 50 foi enfático;
“(...) Desejaríamos, portanto estabelecer como principal postulado
desta conferência a seguinte tese: a implicação política básica da conjuntura
presente de nosso país reside na eleição de recursos para financiar este
processo. Uma opção cega, incoerente e irracional pelo capital estrangeiro,
eis o que chamamos de entreguismo, hoje não apenas teórico como
sobretudo prático, desde que vai aplicando em amplas esferas de nossa
economia (...).”
xiv
As conseqüências dos privilégios concedidos ao capital estrangeiro
também são alvo de críticas textuais no discurso do parlamentar petebista.
Novamente, retorna-se aos efeitos negativos da Instrução 113 para o
empresariado nacional;
“(...) Mas, eis que, criado o mercado interno para os bens de
produção (a partir de 1930), asseguradas a condições precípuas ao
desenvolvimento desse ramo de indústria em nossas fronteiras, surge em
começo de 1955 a instrução 113 da SUMOC de efeitos desastrosos para
toda a economia nacional. Ora, se depois de instalado o parque
manufatureiro de bens de consumo, abríssemos as alfândegas para a livre
entrada de produtos estrangeiros com similares fabricados no país,
debilitaríamos, sem sombra de dúvida, a indústria
montada para depois
liquidá-la em conseqüência da falta de encomendas, ou desnacionaliza-la no
interesse do concorrente estrangeiro. Pois o que ocorre com a instrução 113
é justamente isto: os importadores de equipamento sem cobertura cambial
não encontram por parte de nossas autoridades monetárias e cambiais
restrições de espécie alguma quanto aos similares. É livre, portanto a
importação de máquinas e equipamentos pela Instrução 113 (...) que
conseqüências imediatas trazem para a sociedade brasileira a criação de
privilégios de tal natureza? (...) o industrial brasileiro precisa licitar câmbio
segundo taxas, às vezes proibitivas, enquanto o empresário estrangeiro pode
trazer do exterior, sem cobertura de câmbio os bens novos e usados que
desejar, mesmo que a indústria nacional produza similares. (...). Na
impossibilidade de licitar câmbio impõe-se ao capital nacional que se associe
a empresa estrangeiras cuja exigência primeira reside no pedido de 51% do
capital da empresa (nacional) postulante, prevendo, inclusive, a entrega do
controle administrativo”.
xiv
Encerrando a sua conferência, o deputado Sérgio Magalhães trataria
sobre os efeitos desta crescente dependência econômica sobre a burguesia
brasileira, ressaltando, outrossim, o enfraquecimento da mesma frente às
“pressões” de empresas estrangeiras em processo de instalação no Brasil. O
parlamentar atentava tamm para os efeitos desta “dependência colonial”
sobre o regime constitucional do país, que poderia, inclusive, reforçar a
possibilidade de conjunturas de instabilidade do poder, “instabilidade do regime
representativo e descaracterização dos partidos políticos”
xiv
, segundo as
palavras do próprio Magalhães. Neste sentido, caberia tamm aos defensores
do nacionalismo reverter o processo de desnacionalização e restringir a “esfera
de influência dos ideólogos do “entreguismo”.
xiv
Seja pela crítica à dependência, atribuída à crescente presença do
capital estrangeiro na economia brasileira, pelo apelo aos interesses populares
ou ainda pela plataforma das reformas sociais e políticas, o nacionalismo
econômico foi a perspectiva das esquerdas do período.
xiv
Nesta conjuntura,O
Semanário” pela sua linguagem panfletária e coloquial, acabou por representar
importante instrumento de circulação deste ideário e de arregimentação de um
segmento importante da opinião pública brasileira que, segundo o próprio
periódico, cada vez mais se identificava com ummovimento nacionalista”.
Nacionalismo este que se constituiu, sem dúvida alguma, como importante
elemento de uma cultura política popular que marcou intensamente o Brasil
entre 1945 e 1964.
2.3) Nacionalismo econômico e mobilização popular:
Tomado como relevante aspecto desta cultura política do período, o
nacionalismo econômico na busca por adesão em larga escala lançou mão de
formas de comunicação de amplo alcance. Insere-se, portanto, neste contexto,
“O Semanário” que se percebia como um veículo de comunicação na luta
contra as forças “entreguistas” e, ainda, se atribuía o papel de arregimentar
amplos setores da sociedade civil na “defesa intransigente do interesse
nacional”. Sendo assim, além de veicular as questões consideradas de relevo
para o “movimento nacionalista”, como denúncias da atuação dos “Trustes”, o
apoio a iniciativas que garantissem o desenvolvimento econômico e que não
passassem por concessões ao capital estrangeiro, ou de forma mais geral, as
questões relativas à defesa e integridade da soberania nacional, o periódico
chamava para si a responsabilidade de organizar debates acerca da
necessidade de divulgação do nacionalismo, concedendo-lhe maior
capilaridade social. Desta forma, o objetivo dos diretores e colaboradores de “O
Semanário” era de buscar cada vez mais uma sistemática mobilização de
amplos setores da sociedade em torno daquela opção de desenvolvimento
proposta pelo nacionalismo econômico postulado e evidenciado nos editoriais e
matérias que circularam ao longo dos oito anos de existência do periódico. A
linguagem panfletária presente nos textos do jornal evidencia tal propósito de
se fazer entender ao maior publico leitor possível. A direção do jornal exibia
com destaque a seção destinada aos leitores, que enviavam correspondências
de diversas regiões do Brasil e que se mostravam identificados com os
propósitos do periódico. Leitores que reconheciam “O Semanário” como um
instrumento na busca pela consolidação de um movimento de caráter
nacionalista, reformista e popular, à medida que tratava também de questões
relativas aos problemas sociais e ao custo de vida. O periódico recebia dos
leitores alguns epítetos elogiosos, dentre eles; “Jornal que usa a linguagem
expressiva da verdade”; “jornal que se tem pautado pela defesa dos interesses
nacionais”; “um oásis na imprensa brasileira”, são os mais comuns e que foram
exibidos com amplo destaque pelos diretores do periódico.
xiv
Algumas
iniciativas de caráter mais lúdico refletiam o propósito do jornal de possuir
reconhecimento e identificação popular, fazendo anedotas do noticiário político.
Podemos tomar como fato para exemplificar este esforço do jornal, a
enquête elaborada pelos diretores de “O Semanário” para escolher entre os
leitores os “dez mais entreguistas do Brasil”. O “concurso”, que tomaria
algumas páginas do periódico ao longo das edições de nº. 70 a 80, e que teria
como resultado a elevação do empresário Assis Chateubriand como o maior
“aliado” do “entreguismo” no país. O nome do proprietário dos “Diários
Associados” figuraria numa lista onde estavam presentes tamm figuras como
Carlos Lacerda, Jânio Quadros e até economistas como Eugênio Gudin e
Roberto Campos. O “concurso” era, sem dúvida, uma tentativa (bem sucedida)
de permear o imaginário popular com o nome dos políticos e figurões da
República que eram alvos constantes do periódico e que estavam diretamente
associados à defesa dos “Trustes” e aos que conspiravam contra o “interesse
nacional”.
xiv
O periódico, nos últimos anos da década de 50 tamm tentou dar
publicidade ao surgimento de organizações nacionalistas e populares que
surgiam em diversas regiões do Brasil, bem como a eventos e seminários que
girassem em torno da temática do nacionalismo econômico. Na edição nº. 57
(09-16/05/1957) “O Semanário” cederia meia página para o noticiário sobre
surgimento de “movimentos nacionalistas” no nordeste Brasileiro, em especial
nesta edição, em Natal e São Luís do Maranhão. Destacando, nesta ultima
cidade a organização da 1ª Semana Nacionalista do Maranhão que contaria
com a participação de parlamentares da FPN e do então presidente da
Petrobrás Coronel Janari Nunes. “O Semanário” tamm fora convidado para o
evento, fazendo na edição seguinte cobertura completa do mesmo.
xiv
Igualmente, na capital do país, o periódico, conjugando esforços com
União Nacional dos Estudantes, trabalhadores e parlamentares da FPN,
engajou-se na formação e ampliação do chamado “Movimento Nacionalista
Brasileiro” (MNB).
xiv
. Tal movimento ensejaria a criação de “comandos
nacionalistas” que percorreriam vários bairros da cidade do Rio de Janeiro e
teriam a tarefa de denunciar o “embuste do entreguismo”, bem como os
propósitos da luta nacionalista. A tentativa de dialogar com a população com
“objetividade” e com a linguagem mais “simples possível” se colocava como
elemento central na criação de tais “comandos”;
“(...) As equipes dos comandos nacionalistas serão estruturadas de
acordo com os assuntos a serem debatidos, de forma a que seus membros
compareçam diante do povo carioca devidamente preparados para esclarecê-
lo, com objetividade e linguagem simples (...) É imperativo e urgente
desmascarar o plano de assalto dos entreguistas através do contato direto
com o povo, esclarecendo-lhe o jogo dos inimigos do Brasil. as equipes dos
comandos nacionalistas não farão discursos, os encontros com o povo serão
realizados em conversa direta, objetiva e simples, em forma de debate,
explicando, ouvindo e respondendo (...)”.
xiv
Aliando-se, sem tergiversações, a essa proposta esclarecedora do
movimento nacionalista, “O Semanário” declarava estar sempre aberto a
garantir publicidade às atividades dos “companheiros nacionalistas”, não
apenas do Rio de Janeiro, mas de todos os Estados que enviassem noticiários
e fotografias de iniciativas similares.
xiv
Ainda no intuito de forjar uma determinada visão sobre os problemas
brasileiros, bem como de precisar ao público em geral a opção tomada frente
às questões nacionais, “O Semanário” buscaria tamm difundir o trabalho
daquilo que ele mesmo qualificava de “intelectualidade nacionalista”. Isto é,
engajada com os propósitos da luta nacionalista e que deveria se constituir
como leitura obrigatória para todos aqueles que estivessem identificados com a
perspectiva do nacionalismo econômico. Num texto que é quase uma ode ao
nacionalismo brasileiro, o jornalista José Frejat, colaborador assíduo do
periódico, enfatiza a importância do papel desta intelectualidade para a leitura e
sistematização dos problemas brasileiros. Expondo uma concepção tradicional
de intelectual, Frejat considerava, “que competia aos intelectuais captar as
forças configurativas da realidade sócio econômica do país e teorizar em
linguagem acessível, num trabalho de esclarecimento capaz de por a
disposição das diferentes classes sociais os instrumentos de análise da
situação brasileira”.
xiv
O articulista mencionaria tamm o papel do ISEB como
de elaborador e fomentador das principais análises acerca do desenvolvimento
brasileiro.
No entanto, (é necessário fazer este adendo) a relação do periódico com
o Instituto Superior de Estudos Brasileiros era muitas vezes contraditória, à
medida que não compartilhava como já fora exposto, com boa parte das
análises e conclusões produzidas pelo ISEB acerca da realidade brasileira.
Apesar disso, o ISEB é constantemente citado pelo periódico como importante
lócus de leitura e interpretação dos problemas da realidade brasileira.
Interessante notar é que os responsáveis pela linha editorial do periódico
pareciam não ter a percepção desta contradição. Atento, ainda, ficaria o
periódico, ao dissenso entre os intelectuais daquele instituto em função do livro
publicado pelo sociólogo Helio Jaguaribe, Nacionalismo na Atualidade
brasileira. Neste livro Jaguaribe trataria do “caráter instrumental” do
nacionalismo brasileiro e por isso seria execrado pelo periódico. O artigo de
Leonides Alves Filho intitulado O ISEB e a confusão nas fileiras do
nacionalismo seria o primeiro de muitos textos publicados pelo periódico para
responder às teses de Jaguaribe
xiv
.
Voltando ao artigo de José Frejat, mencionado anteriormente, este ainda
destacaria aqueles títulos nos quais os nacionalistas não poderiam prescindir.
Figurariam nesta lista os nomes de Josué de Castro, Geografia da Fome (a
fome no Brasil); Gondim da Fonseca, Que sabe sobre Petróleo?; Joel Silveira e
Lourival Coutinho, Petróleo no Brasil: Traição e Vitória; Alberto Guerreiro
Ramos, Introdução Crítica à Sociologia Brasileira e Osny Duarte Pereira,
Desnacionalização da Amazônia. Vale lembrar, que todos os citados foram
eminentes e assíduos colaboradores do periódico até seu fechamento em abril
de 1964.
Capítulo 3
O início do fim: “O Semanário” e o governo João Goulart
A rigor, o governo João Goulart foi, em termos políticos e ideológicos,
muito significativo, pois nele se processariam intensos debates e, com as mais
diversas orientações, sobre as possibilidades de desenvolvimento do país.
Noutras palavras, o debate acerca dos rumos e das direções que deveriam
orientar a economia e o Estado brasileiro marcaria a cena política no inicio dos
anos de 1960. Nesta conjuntura, o movimento político militar de 1964 não
representou apenas a ruptura da incipiente institucionalidade democrática
nascida no Brasil após a queda do Estado Novo, significou tamm o silêncio
imposto a diversos setores progressistas que passaram a postular, no início
daquela década, importantes reformas no capitalismo brasileiro. Neste
contexto, segmentos da imprensa brasileira, como o periódico “O Semanário”,
que se percebiam como canais de interlocução destes setores, tamm foram
violentamente calados pelo dispositivo militar que sacramentou a derrubada do
governo nacional reformista de João Goulart nos idos de abril de 1964.
Naquela conturbada conjuntura política que culminou com o golpe de
abril de 1964, “O Semanário” centraria suas forças na defesa intransigente das
chamadas “Reformas de Base”, atentando principalmente para a “reforma
agrária” – um dos temas centrais da agenda política nacional naquela
conjuntura - assim como da legalidade democrática ameaçada pela
conspiração civil-militar em curso. O periódico realizaria, neste contexto, um
premente esforço em denunciar a movimentação de setores políticos, civis e
militares, que se encontravam plenamente dispostos a abrir mão da ordem
democrática então vigente. Ademais, “O Semanário” não hesitaria em chamar a
atenção dos “setores progressistas” para o perigo da fragmentação das
esquerdas, conforme salientava Barbosa Lima Sobrinho em artigo publicado na
última edição que circulara do periódico.
xiv
Observar-se-ia, naqueles últimos
meses da administração Jango, a crescente unidade e organicidade dos
posicionamentos políticos daqueles que redigiam, dirigiam e colaboravam com
“O Semanário”, à medida que a conspiração política contra Jango ganhava
corpo e crescia a possibilidade de um golpe de Estado por parte de grupos
conservadores, o que de fato viria a ocorrer.
3.1) A “questão agrária” no governo Jango:
Antes mesmo de adentrarmos ao debate político acerca da questão
agrária no Brasil da década de 60, lancemos luz às representações e imagens
acerca do mundo rural brasileiro, principalmente no que se refere ao homem do
campo. As representações acerca do homem do campo passariam ao longo
das décadas de 50 e 60 por uma radical transformação. “Até então, os dramas
e dificuldades das populações rurais eram vistos, predominantemente como
decorrências de causas naturais, desde biológicas - como mestiçagens ou
doenças –a climáticas- como as secas. Os adjetivos comumente empregados
para fazer referência ao homem do campo, como campônio, rurícola, sertanejo,
caipira, capiau, jeca tatu, eram percebidos de forma evidentemente pejorativa,
como estigmas.”
xiv
Diante de forças que não poderia controlar, o homem do
campo era forçosamente obrigado a aceitar passivamente o seu destino. No
entanto, já no limiar dos anos 60, operar-se-ia uma mudança desta percepção,
à medida que tais dificuldades, agora, passariam a ser compreendidas como
decorrências de problemas históricos, ou seja, de ordem social, passíveis de
serem resolvidos através da luta política. E na esteira destas mudanças, “o
conjunto de termos que outrora eram empregados cederia espaço para outros,
como camponês, trabalhador rural, lavrador, posseiro”
xiv
, categorias que
permeariam as falas dos diversos setores da esquerda brasileira naquela
conjuntura, incluindo-se aí, a esquerda nacionalista. Desta forma, não apenas
as discussões sobre o mundo rural vinham à tona, como tamm se observou
a emergência de um novo ator, o camponês, cujas reivindicações, bandeiras e
lutas ganhavam significativo espaço no cenário político brasileiro.
Pensar os problemas do mundo rural brasileiro significava tamm falar
dos destinos da nação. Prevalecia no Brasil, em especial no ideário da
esquerda nacionalista, na qual “O Semanário” está situado, a noção que
consagrava a existência de dois “brasis”, um arcaico, “feudal
xiv
agro-
exportador e profundamente identificado com o latifúndio e outro moderno,
urbano, dinâmico e que caminhava em direção ao pleno desenvolvimento
industrial. Nos anos iniciais da década de 60, em especial durante o
conturbado governo João Goulart, se consolidaria a percepção de que havia
uma “questão agrária” a ser resolvida e, é neste contexto que a temática
“reforma agrária” é alçada à situação privilegiada no debate das grandes
questões em torno do desenvolvimento nacional. Ou seja, insere-se nesta
perspectiva dualista de nação, a defesa intransigente de transformações
estruturais na estrutura fundiária brasileira. “Para alguns, o desenvolvimento
proposto seria apenas alcançado pela modernização da produção do campo
através elevação do padrão de vida das populações rurais, via rendimentos e
educação, integrando-as ao circuito de consumo de produtos industrializados,
para outros, não havia como alcançar esse resultado sem a extinção do
latifúndio, algo que só se concretizaria através de uma ampla reforma
agrária.
xiv
Os processos de desconstrução das relações tradicionais no mundo
rural brasileiro e de questionamento da autoridade dos grandes proprietários se
acelerariam no curto, porém conturbado governo Jango. A intensificação das
lutas no campo é algo evidente, com a ocupação de terras, manifestações em
vários estados e a consolidação de organizações camponesas, “que
contribuiriam de forma significativa, mas não exclusivamente, para a produção
do novo ator que representavam. Elas consolidaram a presença do
campesinato no espaço político, construindo-lhe uma imagem pública, fazendo
com que esse fosse percebido como grupo, com interesses específicos, com
porta-vozes próprios”.
xiv
E, na esteira deste processo, torna-se quase que
obrigatória referência àquela que seria a principal organização de
trabalhadores rurais no período, as “Ligas Camponesas”, indiscutivelmente
associadas à figura do advogado Francisco Julião.
“O Semanário”, ao longo de sua trajetória, se mostraria bastante atento
às problemáticas do mundo rural. O periódico se engajou naquela que seria
uma das principais lutas da esquerda brasileira no limiar dos anos 60, em
especial no período João Goulart: a Reforma Agrária. Assim sendo, torna-se
imprescindível lançar luz sobre a atenção dada pelo periódico àquela que foi
uma dos principais (senão a principal) organizações de trabalhadores rurais da
conjuntura histórica em questão, as Ligas Camponesas. Por isso, recortar o
espaço dado nas páginas do periódico a este movimento, sua trajetória,
reivindicações e lutas, bem como as eventuais contribuições que Francisco
Julião deu a “O Semanário” é um dos propósitos do corrente capítulo.
3.1.2) As Ligas Camponesas: Um breve histórico.
As “Ligas Camponesas” foram associações de trabalhadores rurais
surgidas inicialmente em Pernambuco, mas que, entre os anos de 1955 e 1963
se espalhariam por outros estados da federação, em especial na Paraíba, Rio
de Janeiro e Goiás, exerceram intensa atividade política nos governos JK,
Jânio Quadros e, principalmente no governo João Goulart. Fundado em janeiro
de 1955, o movimento que posteriormente seria conhecido nacionalmente
como “Ligas Camponesas”, tem seu surgimento associado à luta pela posse da
terra de trabalhadores do engenho Galiléia em Vitória de Santo Antão, região
limite entre a Zona da Mata e Agreste de Pernambuco. Autodenominado,
originalmente, Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de Pernambuco
(SAPPP), caberia, à imprensa e a setores conservadores da região qualificá-la
como “liga” em alusão a outras ligas que haviam proliferado na periferia do
Recife e em cidades satélites no final da década de 40 e que estavam sob forte
influência do Partido Comunista Brasileiro.
xiv
A relação do advogado Francisco Julião, notabilizado por já ter
defendido uma declaração que garantia direitos aos trabalhadores rurais, com
a SAPPP iniciou-se quando este fora convidado pelo movimento para atuar
judicialmente na pendência em torno da desapropriação do engenho da
Galiléia. A chamada “questão da Galiléia” arrastou-se até 1959, quando o
engenho foi desapropriado judicialmente, caracterizando, desta forma, a vitória
do movimento. “A questão deu notoriedade aos camponeses de Galiléia e,
ainda mais, transformou o primeiro núcleo das “Ligas Camponesas” no símbolo
da reforma agrária que os trabalhadores postulavam. Essa vitória localizada do
movimento teve, entretanto, efeitos contraditórios, pois se por um lado, ela
conseguiu apaziguar os ânimos e alimentar a esperança de acomodação
através de soluções legais, por outro, estimulou as lideranças a prosseguirem
na mobilização em favor de uma reforma agrária radical que atendesse as
reivindicações camponesas como um todo”.
xiv
A partir desta vitória diversos núcleos das “Ligas Camponesas” se
formariam pelo estado de Pernambuco. Após 1959, núcleos surgiriam na
Paraíba, no Rio de Janeiro (na região do município de Campos) e no Paraná,
ampliando, desta forma, o “peso” político do movimento, projetando-o
nacionalmente.
xiv
No início da década de 60, comitês regionais em dez
estados representavam as “Ligas”. Concretizou-se tamm a formação de um
periódico próprio, o jornal A Liga, que pretendia ser o porta-voz do movimento
em âmbito nacional, mas que jamais chegara a atingir público fora daquele
próprio à existência do movimento (seus próprios militantes).
Os anos iniciais da década de 60 ficariam marcados, para as “Ligas
Camponesas” por um duplo movimento paralelo e contraditório, ao mesmo
tempo que as reivindicações camponesas pela terra ganhariam força (ganhado
inclusive destaque na imprensa brasileira), as pretensões políticas da cúpula
do movimento se esvaziariam diante de uma crescente pressão por parte do
Estado ao regulamentar a ação de sindicatos rurais, vistos como possibilidades
alternativas às “Ligas”. Embora desde 1944 a CLT reconhecesse a existência e
atuação dos sindicatos rurais, é apenas após 1961 que tais sindicatos
passariam a ser efetivamente reconhecidos, como proposta alternativa e,
porque não, mais institucionalizada, às “Ligas” identificadas com as idéias de
Francisco Julião.
xiv
De certo, o ponto culminante de divergência entre as “Ligas
Camponesas” e o governo João Goulart configurou-se no I Congresso de
Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil realizado em novembro de
1961 na cidade de Belo Horizonte. O grupo de Julião, em tal oportunidade,
radicalizaria seu posicionamento político dificultando entendimentos com o
governo João Goulart, na tentativa de se estabelecer um razoável consenso no
que tange à proposta de “Reforma Agrária”. A vitória política do grupo de
Julião, que encarnava a idéia da “reforma agrária na lei ou na marra”, não se
consolidaria de forma plena neste congresso, pois o governo intensificaria o
movimento de incentivo à sindicalização dos trabalhadores rurais como objetivo
de diminuir o espaço de legitimidade das “Ligas”. O embate entre as “Ligas” e
os sindicatos oficiais rurais dar se ia ao longo do governo Goulart, as posturas
radicais do grupo de Julião tornaram, é verdade, as “Ligas” mais próximas das
postulações mais autônomas da base camponesa, entretanto cediam
crescentemente aos sindicatos maior poder de controle sobre o movimento
camponês no período.
xiv
Há uma significativa gama de referências historiográficas e verbetes sobre
as “Ligas Camponesas”. Importante para reconstituição da trajetória política
da Ligas foi o verbete organizado por Aspásia Camargo no Dicionário
Histórico Biográfico Brasileiro Pós 30 da Fundação Getúlio Vargas.
xiv
Noutro
trabalho acadêmico, já clássico e amplamente citado, o sociólogo Fernando
Antonio Azevedo, em sua dissertação de Mestrado, traz à tona a importância
histórica e política do movimento camponês no Nordeste brasileiro da
década de 60. De fato, se discorre no trabalho de Azevedo sobre a
dimensão histórica e o papel político da “questão agrária” na conjuntura em
questão. Dentre outros objetivos, Azevedo tenta dar conta do processo de
modernização capitalista conservadora do campo, abarcando para isso, as
formas de poder e controle social exercidos pelos grupos dominantes, bem
como a relação entre setores (dominantes) agrários e não agrários que
permitiram no Brasil, a manutenção do monopólio da terra, a sobrevivência
das grandes propriedades e das “oligarquias”, além da exclusão política do
campesinato. Da mesma forma, Azevedo se volta precisamente às
mudanças ocorridas na área canavieira de Pernambuco que levaram ao
despojamento e à expropriação produtor direto da terra, condicionando-o à
“proletarização”. Na seqüência de seu trabalho, o referido autor refaz a
trajetória política e ideológica das Ligas Camponesas situando-a no contexto
da luta do campesinato na segunda metade da década de 1950 e início dos
anos 60, coube, de certo, o exame do posicionamento das Ligas
Camponesas com o movimento social agrário, partidos políticos e os
governos do período em questão.
xiv
Em termos biográficos, a trajetória do principal líder político das Ligas
Camponesas, Francisco Julião, foi refeita em publicação recente do
jornalista Vandeck Santiago.
xiv
O trabalho supracitado mostra as nuances
do envolvimento de Julião com o movimento camponês, bem como o
posterior radicalismo assumido por seu grupo dentro das “Ligas”, ao
defender a idéia de que a reforma agrária deveria vir na lei ou na marra. Não
obstante, a proposta central de Santiago é a de refazer a vida do advogado
Julião que, desde a sua formação, já defendia trabalhadores camponeses, e
que, posteriormente, se transformaria no agitador “agrarista” bem expresso
na famosa palavra de ordem “reforma agrária na lei ou na marra”. Uma
expressão que, anos depois, em 1994, Julião explicaria como um
“radicalismo” que significava “ir à raiz do problema”.
xiv
3.1.3) “O Semanário” e a “questão agrária” no Governo Jango:
Não obstante, no esforço em dar publicidade às bandeiras de
movimentos agrários, o periódico contribuiu, de forma relevante, para a
construção deste novo “ator” no cenário de lutas dos movimentos sociais dos
anos iniciais da década de 60; o camponês. Igualmente, ao mostrar-se
atento, garantindo espaço em suas páginas para as reivindicações destes
movimentos, “O Semanário” com a sua já consagrada popularidade
corroborava para inserir em definitivo a temática “reforma agrária” nas
grandes questões da agenda política nacional da época. No Brasil, já se
tornava um “imperativo político e social a alteração seus sistemas agrários”,
afirmavam os diretores e colaboradores do jornal.
Mesmo antes do governo Jango, ainda no final dos anos 50, “O
Semanário” já se mostraria atento às questões relativas aos problemas do
campo. Alguns artigos de notórios colaboradores já versavam sobre as
problemáticas inerentes ao mundo rural brasileiro. Plínio de Abreu Ramos,
colaborador assíduo já citado e responsável por relevante relato à posteriori
sobre a trajetória do jornal, já escrevia em 1957 sobre os problemas que
“afligiam o homem do campo”, dentre eles a realidade de miséria e as
possibilidade latente de convulsões sociais em virtude destas condições de
vida. Ramos não pouparia críticas à administração JK e ao Congresso
Nacional, apontando a ausência de uma política agrária sistemática por parte
do governo e a “paralisia” do parlamento brasileiro em relação ao projeto de
reforma agrária do deputado da UDN da Bahia, Nestor Duarte, apresentado em
1947 e sem tramitação desde então.
xiv
Em outro artigo, de autoria do então deputado, futuro governador de
Sergipe, João de Seixas Dória (UDN), observa-se uma espécie de síntese da
percepção do periódico acerca da questão agrária. O referido parlamentar
identificava a estrutura agrária brasileira como “causa primaz e fundamental” do
atraso brasileiro, apontando ainda que, já naquele momento, o conceito de
reforma agrária “não se restringia [apenas] a melhorar a relação entre rendeiros
e proprietários mas em criar a propriedade do camponês”.
xiv
Ademais, o
parlamentar udenista centraria sua argumentação na crítica ao sistema de
parceria, no qual qualificava como “sobrevivência de relações feudais que não
se coadunavam com o estágio capitalista da sociedade e que entravavam o
seu desenvolvimento”.
xiv
Assim como, na ausência de investimentos em
técnicas agrícolas pelos proprietários de terras, já que, ao possuírem mão de
obra barata e abundante, a colheita seria feita mesmo sem qualquer
investimento de monta. Apreende-se, também, no texto do parlamentar
sergipano a clássica noção dualista tão ventilada nos discursos da esquerda
nacionalista. Dois “Brasis” que se entremeavam e se chocavam, um marcado
pelo pauperismo rural, pelo “latifundismo absenteísta” e por relações de
trabalho não capitalistas; e outro, capitalista, dinâmico, “caminhando
rapidamente para alcançar o estágio capitalista, avançando inclusive pelos
caminhos da ‘indústria de base’ e pesadas como Volta Redonda, a
‘Manesmann’ e a ‘Fábrica Sorocabana de Alumínio’”.
xiv
E, em virtude deste
atraso no campo, a própria indústria estaria sendo prejudicada, porque, ainda
incapaz de concorrer no mercado internacional, não encontraria internamente
um mercado consumidor que lhe garantisse o desenvolvimento, segundo as
palavras do próprio deputado.
Entre 1961 e abril de 1964, muito embora as principais organizações
estudantis e de trabalhadores urbanos tamm possuíssem destaque nas
páginas do periódico, o carro-chefe da atuação de “O Semanário” junto ao
movimento social é o enfoque à crescente organização camponesa existente
no Brasil. Os responsáveis pelo periódico, bem como seus colaboradores mais
proeminentes mostravam-se entusiasmados com a emergência deste novo ator
do cenário político brasileiro. As “Ligas Camponesas” de Julião seria alvo de
um sem número de matérias, artigos e referências. Tudo que se tratasse sobre
“reforma agrária” e luta camponesa passaria, necessariamente, por alguma
menção à atuação do líder das “Ligas”. A atenção do periódico ao movimento
liderado por Julião seria de tal monta que, em meados de 1961,
especificamente a partir da edição nº. 269 se observaria o surgimento de uma
“seção” voltada exclusivamente para matérias e artigos sobre a movimentação
política das “Ligas” e o crescimento de sua atuação por todo o Brasil.
xiv
No
editorial do mesmo número, sinalizando o esforço de publicizar a atuação das
“Ligas”, o diretor do periódico, Oswaldo Costa, buscaria “chamar a atenção dos
‘nacionalistas’ sobre as ‘Ligas Camponesas e Francisco Julião, recortando as
reações do reacionarismo nacional ao movimento camponês no Nordeste.
xiv
O artigo de Oswaldo Costa seria enfático ao tratar as “Ligas” como
representantes legítimas das aspirações do homem do campo;
“Legalmente constituídas [as Ligas Camponesas] expressam um protesto
natural e justo das populações rurais espoliadas deste país e,
particularmente, da região nordestina. Exprimem a angústia dos
trabalhadores do campo secularmente abandonados à própria sorte.
Traduzem a revolta contra o sistema de cambão, da terça e da meia , do
barracão e do vale, esses terríveis elementos daquele ignomioso sistema de
exploração do Homem pelo Homem (...)”.
xiv
O mesmo texto tamm trataria sobre o projeto de Lei do deputado do
PTB piauiense, membro da Frente Parlamentar Nacionalista, Clidenor de
Freitas, que autorizaria o registro das “Ligas” no Ministério do Trabalho e seu
financiamento por parte do governo para a aquisição de terras agrícolas pelos
camponeses. O periódico se engajaria na luta pela aprovação do PL 3107/1962
apresentado no Congresso Nacional pelo referido deputado, que versava sobre
o financiamento por parte da Superintendência para o desenvolvimento do
Nordeste (SUDENE) para a aquisição de terras e custeio da produção agrícola
pelas “Ligas Camponesas”. Tal projeto fora detalhado nas páginas 10 e 12 da
mesma edição do periódico. Tramitando na câmara até 1964, esta proposição
fora arquivada pela Mesa Diretora nos termos do regimento interno da Casa
em 12 de maio de 1964, pouco mais de um mês após o golpe militar.
Cerca de um mês e meio depois, na edição de nº. 276, a reforma agrária
voltaria a ser tema de destaque, através da transcrição integral da conferência
proferida pelo deputado Josué de Castro na Paraíba. Figura fácil nas páginas
de “O Semanário”, o autor de A Geografia da Fome se debruçaria sobre os
“problemas relativos à questão agrária na realidade brasileira, bem como a
impropriedade do regime feudal [vigente no Brasil] em meio ao século XX”.
xiv
Prosseguiria o intelectual, que dedicaria boa parte de sua vida à compreensão
dos problemas inerentes à realidade brasileira:
“(...) O Brasil com sua enorme extensão territorial possui o mesmo número de
propriedades agrícolas que a França (...) Ao lado desta nociva tendência ao
latifundismo, irmão siamês do arcaísmo técnico, encontramos a pulverização
anti-econômica da propriedade, o minifúndio. Quinhentas mil propriedades,
ou seja, uma quarta parte dos estabelecimentos agrícolas no Brasil ocupam
apenas 0,5 % das extensões das terras das propriedades agrícolas (...)
Do latifúndio decorre a ínfima percentagem de área cultivada no país – a
penas 2% do território nacional - as práticas agrícolas primitivas, de baixo
rendimento e de alto grau de destruição de fertilidade dos solos. Decorre
também a existência de grandes massas de sem terra, dos que trabalham na
terra alheia, como assalariados ou como servos explorados por esta
engrenagem econômica do tipo feudal (...). ”
xiv
Subjacente ao texto do deputado Josué de Castro está a concepção de
que a “Reforma Agrária” se constituía “ num processo de revisão das relações
jurídicas e econômicas entre os que detêm a propriedade agrícola e os que
trabalham nas atividades rurais”, se configurando como algo muito além de um
mero processo de redistribuição de terras desapropriadas pelo governo.
xiv
Responsabilizando os altos custos do papel, elevados como
conseqüência da vigência da instrução 214 da SUMOC, “O Semanário” ficaria
meses sem circular. Exatamente entre outubro de 1961 e maio de 1962. Após
seis meses de recesso forçado, o periódico voltaria à carga com suas
temáticas de praxe e, novamente, destaque para a questão agrária. Destaca-
se, neste sentido, na edição nº. 281, a transcrição integral da palestra do
próprio Francisco Julião na Faculdade Nacional de Direito, na qual aponta
como caminho necessário para a revolução socialista no país, o campo, bem
como o papel do camponês neste processo. Recortando a fala do líder das
Ligas; “a Reforma agrária está no bojo da revolução brasileira, não se trata
apenas de distribuir terras, se trata tamm de outras medidas.”
xiv
Medidas
mais profundas. “As lutas no Nordeste se acirravam. Comparações com Cuba
eram inevitáveis para o líder das “Ligas”. Julião passaria a interpretar a
realidade rural nordestina pelo processo revolucionário cubano. A miséria dos
camponeses, a economia açucareira e o latifúndio permitiam que Francisco
Julião comparasse o interior pernambucano com a Cuba pré-revolucionária.”
xiv
Reiteradamente, a principal liderança do campesinato nordestino era citada
pelo periódico como aquele que falaria com mais propriedade sobre os
assuntos relacionados à “questão agrária” no país.
A necessidade de realizar uma reforma agrária no Brasil, através de
meios pacíficos, estava tamm na fala do deputado José Joffily, do PSD, que
em meados de 1962, exercia a presidência interina a FPN. Apesar de ser uma
agremiação conservadora, nitidamente ruralista, o PSD possuía políticos como
José Joffily, da chamada “ala moça” do partido. Nas palavras de Moreira, “José
Joffily foi um exemplo típico de político progressista da era democrática,
construindo uma rede de relões com intelectuais, políticos de diferentes
tendências partidárias e movimentos sociais em ascensão.”
xiv
O parlamentar
pessedista frisava em seu artigo que a abolição do monopólio da terra poderia
ocorrer por caminhos democráticos, “a partir do momento, em que formada
uma consciência nacional da necessidade de Reforma Agrária, todos os
setores não comprometidos com o latifúndio se disponham a defender a
legitimidade da ação dos camponeses”.
xiv
No mesmo texto, Joffily já falava
tamm a respeito da possibilidade real do congresso não aprovar a lei que
regulamentaria a desapropriação por interesse social, tema em voga naquele
momento;
“(...) o primeiro passo a meu ver consiste em ‘desossar’ o latifúndio,
regulando a desapropriação por interesse social, nos termos da constituição.
Fiel a esse pensamento, apresentei o substitutivo divulgado há cerca de um
ano atrás (...) certamente aquela proposição não será aprovada pelos atuais
representantes, porém o povo alimenta esperança de vê-la transformada em
lei pelos senadores e deputados escolhidos no próximo dia 07 de outubro [de
1962].”
xiv
Ainda na mesma edição, as Ligas Camponesas voltariam a ser notícia.
A cobertura do periódico atentava apara a “definitiva instalação das ‘Ligas’ no
estado do Rio”, especificamente no norte fluminense. A inauguração da
chamada “Liga Matriz do estado do Rio de Janeiro” no município de Campos
contou, com a participação de camponeses, estudantes e operários aliados em
torno das postulações camponesas.
xiv
Criticava-se também, abertamente nas páginas de “O Semanário” o
projeto de reforma agrária preconizado por algumas lideranças que
compunham o governo Jango. Dentre elas, destaca-se o então novo ministro
da agricultura Costa Lima.
xiv
Costa lima, que antes de ser ministro fora
presidente da “Rural” de São Paulo, entidade que segundo o periódico se
constituía “como umas das mais poderosas e reacionárias entidades de
latifundiários do Brasil”. A nota publicada na edição de 28 de julho de 1962, não
apontava aos leitores os termos da proposta apresentada pelo ministro,
entretanto desqualificava-a, bem como a ação do próprio ocupante da pasta,
adjetivado, de acordo com a linguagem ácida do periódico, de “rockfelleriano
ministro”.
xiv
“O Semanário” mostrava tamm disposição em apoiar a “noção de
reforma agrária profunda” defendida por setores do PTB liderados pelo
deputado Almino Afonso, então líder do partido na câmara. A liderança
petebista numa palestra no sindicato dos bancários (com trechos transcritos
pelo periódico) apontava que o Brasil possuía dois problemas fundamentais: “a
realização de uma reforma agrária profunda e a eliminação do processo
espoliativo, sem as quais tudo continuará como antes. Não há divergência
alguma quanto à necessidade de se realizar uma reforma agrária, todos estão
de acordo, mas ninguém, até agora fez absolutamente nada para realizá-la.”
xiv
A necessidade de se apressar a reforma agrária, e por meios legais, era
uma preocupação do periódico e que pode ser evidenciada no artigo de
Oswaldo Costa da edição seguinte. Aliás, no período, o diretor responsável por
“O Semanário” foi o que mais debruçou sobre a temática. Costa alertava no
texto de abertura daquela edição a respeito do depoimento anônimo de um
fazendeiro publicado dias antes por “O Globo”, que mencionava o fato de que
nenhum grande proprietário de terras no país havia pagado imposto de renda
alguma vez. Argumentava o diretor de “O Semanário” que pelo fato desses
grandes proprietários serem, na prática, sonegadores poderiam quitar seus
débitos em terras; “O governo poderia receber terras destes fazendeiros
sonegadores”.
xiv
A repressão ao movimento dos camponeses tamm era denunciada
com vigor pelo periódico, e o texto de abertura, assinado por Costa, na capa da
edição nº.294 aludia a isso: “à medida que cresce em todo o país o movimento
pela reforma agrária, mais os gorilas fardados ou não, se assanham contra os
camponeses. O alvo principal desta onda ‘macartista’ é, como não poderia
deixar de ser, o deputado Francisco Julião, a quem os retrógrados não
perdoam o crime de haver dinamizado uma questão que permanecia
praticamente congelada no gabinete dos doutores e nos arquivos de comissões
técnicas do Congresso, trazendo para o amplo debate, nas assembléias
sindicais, nas reuniões estudantis, nos comícios populares, conquistando para
ela o apoio de elementos de todas as classes sociais e, sobretudo, criando
entre os diretamente interessados uma consciência clara do problema. Era
natural, portanto, que, contra Julião confluíssem os ódios dos gorilas.”
xiv
A 2ª metade do ano de 1962 ficou marcada pelo gradativo envolvimento
do periódico com as eleições que seriam realizadas em outubro daquele ano. À
medida que o pleito se aproximava, “O Semanário” indicava, aos seus leitores,
o nome de candidatos entendidos como a favor da luta pela emancipação
econômica do Brasil e pelas reformas necessárias e vislumbradas pela
sociedade brasileira. Dentre as candidaturas para o legislativo federal, a de
Julião para a câmara ganhava destaque significativo, meia página na edição
nº.298. “Reforma agrária radical na lei o na marra”, o lema do líder das Ligas,
segundo o periódico, reverberava pelo país, tanto no meio rural, quanto no
meio urbano. Alertava o periódico que pela derrota de Julião se organizavam
sistematicamente as “elites” de Pernambuco, juntamente com o já atuante
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD): “Contra Julião aliaram-se os
setores reacionários de Pernambuco, sua derrota é uma questão de honra para
os usineiros, latifundiários e tubarões. À frente de uma caríssima campanha
anti-popular encontra-se o IBAD que, segundo Julião, nem, é brasileiro porque
é financiado pelo imperialismo norte-americano, nem é democrático porque
serve de instrumento para o golpismo”.
xiv
As eleições de outubro de 1962, no
que se refere ao legislativo federal, apesar de UDN e PSD possuírem juntos, a
maioria das cadeiras, o PTB obteria uma expressiva vitória dobrando a sua
representação no parlamento. Nas palavras de Bandeira, “Brizola obteve uma
votação excepcional, Miguel Arraes vencera em Pernambuco e, apesar dos
conservadores dominarem os estados mais importantes da federação, São
Paulo (Ademar de Barros), Guanabara (Carlos Lacerda) e Minas Gerais
(Magalhães Pinto), o nacional reformismo se avantajou nas eleições de 1962.”
O Semanário” na edição nº. 303 fez esta mesma avaliação: “Não há dúvida que
o trabalhismo e o nacionalismo saíram reforçados deste pleito”.
xiv
Antes mesmo do término da legislatura que se encerrava em dezembro
daquele ano, o PTB buscaria a aprovação na câmara do Estatuto do
Trabalhador Rural. De autoria do deputado Fernando Ferrari, e que previa a
extensão dos direitos já garantidos para o trabalhador urbano, um esforço claro
por parte do governo para restringir o espaço de radicalização política do
movimento camponês e que Julião, habilidosamente, explorava desde o início
da década de 60. Sem perceber, o sentido da atuação do governo por
intermédio do deputado petebista, “O Semanário” noticiaria com destaque, e de
forma positiva, o projeto de Lei de Ferrari.
xiv
O 2º semestre de 1962 foi, certamente, o período em que “O Semanário”
mais cederia espaço para o tema referente à “questão agrária” no país. Nos
anos posteriores, até o seu fechamento em março de 1964, as temáticas mais
correntes no periódico faziam menção, por motivos óbvios (a instabilidade
crescente), às nuances da conjuntura política do governo Jango.
3.2) A Conspiração em curso: a defesa da legalidade ameaçada.
3.2.1) As “Leituras” sobre a ruptura institucional de 1964:
O processo histórico que culminou com a queda do presidente João
Goulart e com a subseqüente instauração do regime militar é um dos temas
mais abordados da historiografia sobre a recente história republicana
brasileira. Não apenas por historiadores, mas tamm por cientistas políticos
e sociólogos que nos últimos quarenta anos se lançaram pos diversos vieses
para explicar a conjuntura política no início da década de 60. Portanto, em
função da miríade de leituras sobre o golpe e o regime militar que se seguiu,
buscaremos apenas remontar algumas das teses explicativas mais correntes
sobre a crise que culminou com a ruptura da legalidade democrática em abril
de 1964. Os trabalhos mais sólidos podem, segundo Fico, ser agrupados em
três correntes: as teorizações da ciência política, as análises marxistas e a
valorização do papel dos militares.
xiv
O cientista político Wanderley Guilherme dos Santos revisita em recente
publicação sua tese de doutoramento apresentada nos EUA em fins da
década de 70.
xiv
Santos empreende um esforço teórico a fim de evidenciar o
que ele chama de “paralisia deciria” do governo João Goulart. Paralisia
esta que teria sido provocada pela polarização política entre os diferentes
agentes daquela conjuntura histórica. Assim sendo, a perda de capacidade
operacional do governo Jango teria sido decorrência da fragmentação do
apoio político que deveria ter sido consubstanciado pelas coalizões
parlamentares.
xiv
Lançando mão de empirismo singular em suas análises,
Wanderley Guilherme dos Santos chegaria à conclusão que o sistema
político brasileiro havia ficado profundamente abalado em função da
radicalização de determinados agentes e que as reformas no capitalismo
brasileiro postuladas naquele momento ensejariam alterações substanciais
na ordem constitucional, impossível sem uma ampla base de apoio no
parlamento.
xiv
O mesmo autor tamm chama a atenção para as sucessivas
trocas dos titulares do 1º escalão do governo, incluindo-se ministros,
presidentes e diretores de estatais como Petrobrás, o BNDE e o Banco do
Brasil, algo que evidenciaria a fragilidade do governo frente ao seu amplo
leque de compromissos assumido com diferentes forças.
A crítica mais corrente a tese de Santos diz respeito à grande ênfase
dada pelo autor ao plano político institucional, secundarizando
condicionantes estruturais que também seriam elementos explicativos
fundamentais para a compreensão da crise do governo João Goulart. De
fato, a tentativa de Santos de atentar para paralisia operacional do governo
acabaria por delegar menor atenção para as mudanças estruturais que
ocorreram no capitalismo brasileiro desde a segunda metade da década de
50. De certo, o objetivo central de Santos é a análise empírica da forças
parlamentares de apoio ao governo, mostrando que a “paralisia decisória”
descrita antes por algumas narrativas impressionistas não era um mero
recurso alegórico para compreensão das fragilidades do governo João
Goulart.
xiv
No bojo das análises marxistas sobre o golpe de 1964, assinalamos os
textos de João Quartim de Moraes e de Francisco de Oliveira, presentes na
coletânea organizada por Caio Navarro de Toledo, 1964: Visões críticas do
golpe. Dermocracia e Reformas no Populismo.
xiv
O primeiro sublinha o
papel dos militares na deposição de Jango, apontando para o fato de estes
terem sido meros instrumentos de uma burguesia reacionária, sem muita
capacidade organizativa autônoma. O segundo aponta para as
transformações gerais do capitalismo que haveriam de condicionar ajustes
institucionais no Brasil e, neste sentido, o golpe seria o mote para tais
ajustes. Prioriza-se na análise de Oliveira as dimensões da expansão
capitalista, o papel do capital internacional e a relação de setores
internacionalizantes e “cosmopolitas” da burguesia brasileira. Para Francisco
de Oliveira, “a tentativa de se restabelecer o cálculo econômico diante da
crise que se avolumava e, portanto, manter a continuidade da acumulação
capitalista, sem penalizar os trabalhadores, constituiu a grande contradição
que liquidaria não apenas a política econômico-financeira de Celso Furtado
e San Tiago Dantas representada pelo Plano Trienal, mas tamm o
governo Goulart e o próprio regime democrático.”
xiv
Numa análise marxista mais “dura”, de caráter estritamente político -
conjuntural destacamos a de Jacob Gorender, onde se faz uma análise
substancial do período do governo João Goulart que imediatamente
antecedeu o golpe. Num momento qualificado por Gorender de “pré-
revolucionário, o movimento de março/abril de 1964 teria uma natureza de
ação preventiva por parte da “classe dominante”, utilizando expressão do
próprio autor.
xiv
Não obstante, para ele, havia no biênio 1962-64 ameaças
concretas edificadas pelas esquerdas radicais contra as forças imperialistas
e as “classes dominantes brasileiras”. O autor atribui o fracasso da esquerda
à “hegemonia da liderança da burguesia nacionalista, à falta de unidade de
várias correntes, a competição entre as chefias personalistas, as
insuficiências orgânicas, aos erros desastrosos, às ilusões “reboquistas” e às
incontinências retóricas”.
xiv
Além disso, Gorender superdimensiona a
capacidade organizativa por parte da esquerda em responder a ação
golpista à altura, atribuindo quase que unicamente a Jango a fragorosa
derrota no movimento de abril de 1964, argumento este que não se sustenta
historicamente.
Numa proposta analítica marxista de muito maior densidade situamos o
trabalho do cientista político uruguaio René Armand Dreifuss em sua tese de
doutoramento defendida no final da década de 70 em Glasgow, na Escócia,
e que se transformou numas das principais referências para o debate
historiográfico sobre o golpe militar. 1964: A conquista do Estado engendra
detalhada análise de opção teórica gramsciniana sobre a formação de
agências de propaganda ideológica e anéis tecnoburocrático-empresariais
que ensejariam uma sistemática e, muito bem articulada, operação de
desestabilização civil do governo João Goulart. Dreifuss atenta para o fato
de que frações da burguesia brasileira ligadas ao capital transnacional
haviam alcançado a liderança econômica, mas que não encontravam uma
liderança política à altura. O bloco multinacional e associado através do
complexo IPES/IBAD procurou mobilizar ideologicamente as classes médias
e segmentos conservadores da oficialidade para desestabilização do
governo. Neste sentido, o bloco “modernizante conservador”, representado
por estas frações internacionalizadas da burguesia brasileira buscava
solapar a hegemonia política do chamado “bloco histórico-populista” no
poder. Na perspectiva de Dreifuss, o movimento de abril de 1964 constitui-se
efetivamente num golpe de classe (civil), de caráter conspiratório e que
lançou mão de um eficiente dispositivo militar e, no qual setores da
burguesia brasileira já economicamente hegemônicos lançaram as bases de
uma ruptura institucional que viria a erigir sua hegemonia no plano político.
Outro inserido nesta perspectiva e que deve tamm ser citado é Moniz
Bandeira e o seu já clássico O Governo João Goulart e as Lutas sociais no
Brasil (1961-1964). Embora possua um viés analítico pouco refinado, o
trabalho de Bandeira disponibiliza ao leitor uma magnífica massa
documental e de depoimentos dos principais personagens daquela
conjuntura histórica. A tese que orienta o trabalho deste autor aponta para o
aguçamento do conflito de classes como condição sine qua non para a
crescente instabilidade e posterior deterioração da legalidade democrática,
naquele triênio 1961-64. O golpe que derrubara Goulart, na perspectiva de
Bandeira, se constituiria, inegavelmente, de um caráter contra
revolucionário, antinacional e antipopular, “não se contendo nos limites de
uma legalidade já estuprada e derivando no amordaçamento dos
trabalhadores e suas organizações.”
xiv
Outro viés analítico para compreensão do golpe civil-militar de 1964
daria ênfase aos estudos sobre o papel dos militares no acionamento do
dispositivo militar que destituiu João Goulart. Desta forma, estritamente,
como teria se desenvolvido a montagem do efetivo militar, que acionado
pelos golpistas provocou a ruptura da institucionalidade democrática então
vigente. Qual o papel atribuído aos militares na construção daquela nova
ordem? A produção historiográfica do Centro de Pesquisa e Documentação
em História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas forneceu enorme
contribuição para compreensão da atuação dos militares no movimento e no
regime político subseqüente. No resgate da memória dos militares realizado
pela equipe do CPDOC-FGV, fica evidente o caráter disperso da articulação
das forças militares para deposição de Jango, no limite uma clara
desorganização. A percepção dos militares naquela conjuntura remete ao
anticomunismo presente no seio da oficialidade e ao incomodo provocado
pela quebra (suposta) da hierarquia militar no episódio dos sargentos em
1964 e na revolta dos marinheiros no sindicato dos metalúrgicos no Rio de
Janeiro, dias antes da queda de Jango.
xiv
Notório no trabalho Gláucio
Soares e Maria Celina do Araújo a visão que os militares possuíam de sua
própria ação naquela específica conjuntura de crise; a iniciativa “saneadora
das instituições”. E, neste sentido, a deposição do presidente e a quebra da
legalidade democrática seriam os marcos iniciais para se colocar fim à
desordem administrativa em voga no Brasil.
xiv
Aspectos institucionais, a conjuntura política e as condicionantes
estruturais devem ser levados em conta para a compreensão no movimento
civil-militar que viria a instaurar no Brasil um regime discricionário. Mas, e os
objetivos para a quebra da legalidade democrática? Em artigo publicado no
quadragésimo aniversário do golpe militar, Caio Navarro de Toledo afirma
enfaticamente que a ruptura político institucional encetada em 1964 teve
como protagonistas as facções duras das forças armadas e o empresariado
nacional através de seus “partidos”, entidades de classe e aparelhos
ideológicos e teve como objetivo maior o impedimento de reformas no
capitalismo brasileiro ensejado por setores progressistas, bem como abortar
a incipiente democracia política advinda no Brasil em 1945.
xiv
3.2.2) A Conspiração em curso: “O Semanário” no “front” de defesa da
legalidade ameaçada.
Após a apresentação das principais “linhas explicativas” sobre a ruptura
institucional de 1964 remontemos, neste momento, à conjuntura de crise e
instabilidade que culminou com a deposição do governo João Goulart. Neste
contexto, em especial, a atuação do periódico “O Semanário” na defesa
intransigente da legalidade democrática prescindida pelas forças
conservadoras do cenário político brasileiro naqueles anos iniciais da
década de 1960. O periódico de Oswaldo Costa, apesar de divergências
pontuais, manteve-se, via de regra, como um aliado do governo,
denunciando sistematicamente a movimentação de lideranças civis e
militares que articulavam a conspirão e, ao mesmo tempo aglutinavam,
naquele triênio 1961-64, uma ampla base social para levar a mesma adiante.
Desde a crise deflagrada com a súbita renúncia de Jânio Quadros, em
agosto de 1961, “O Semanário” manteve numa linha de defesa da
Constituição, inserindo-se no conjunto de forças progressistas que
reivindicavam o respeito à legalidade transgredida, naquele momento pelos
ministros militares e por grupos conservadores no Congresso que se
opunham à posse de João Goulart. Já solucionado o impasse, “O
Semanário” publicaria as primeiras referências sobre a crise deflagrada com
a renúncia de Jânio Quadros. Há certa discrepância entre a cronologia da
crise e o primeiro texto significativo sobre o impasse político então em voga.
O texto assinado pelo jornalista Edmar Morel e publicado na edição nº. 276,
de 15 de setembro de 1961, clamava ainda pela posse imediata de João
Goulart, embora a questão já estivesse resolvida desde os primeiros dias
daquele mês, com a aprovação da Emenda Constitucional nº. 4, que criara o
parlamentarismo, e a posterior posse de Jango no feriado de 7 de setembro.
xiv
Já no editorial da edição seguinte, Oswaldo Costa teceria uma análise
mais pormenorizada sobre a “posição dos nacionalistas em face à crise”,
bem como a respeito da “solução de compromisso” adotada. Condizente à
sua linha moderada, o periódico veria de bom grado a saída encontrada para
o impasse político. Neste sentido, dando menos atenção para a diminuição
dos poderes presidenciais de Jango e mais ênfase para a natureza legalista
da solução da crise, Oswaldo Costa teceria comentários elogiosos às
diferentes agremiações partidárias que compunham o Congresso Nacional,
fazendo acreditar que estas haviam suprimido suas divergências eleitorais
aliando-se na defesa de uma saída legalista para o impasse. De certo,
naquele contexto de crise institucional, para o periódico a manutenção da
democracia se colocava como compromisso primaz, acima dos matizes
ideológicos inerentes àquela correlação de forças da cena política brasileira.
Nas palavras do diretor responsável de “O Semanário”:
(...) Estamos assim diante de um fato novo na política brasileira: os partidos
sobrepondo às rivalidades eleitorais a fidelidade ao regime, à obediência ao
espírito e à letra da constituição (...) Assim com esse editorial, “O Semanário”
reafirma seu profundo amor à causa das liberdades públicas e reitera seu
julgamento de inabalável e invariável devoção ao regime democrático, o
único compatível com os sentimentos liberais do povo e os interesses do país
(...).”
xiv
O desfecho da crise sucessória não iria, todavia, imprimir uma
estabilidade política ao governo recém empossado. Sabe-se que logo após
entregarem seus cargos, os três ministros militares de Jânio Quadros,
sobretudo o marechal Odílio Denys, “começaram a conspirar contra o
governo Jango com o apoio de um grupo de empresários cariocas.
Figuravam também neste grupo embrionário os nomes dos generais
Cordeiro de Farias e Olimpio Mourão”.
xiv
Iniciava-se aí a conspiração civil-
militar que anos mais tarde deporia o presidente, e que naquele momento,
buscava ampliar as suas bases políticas e sociais tanto na sociedade civil,
buscando adesão de políticos conservadores de outros estados da
federação, quanto entre a oficialidade militar. E, neste instante, uma
dificuldade se impunha: buscar a adesão maciça desta oficialidade ao
golpismo proposto. “De fato, para grande parte da oficialidade das três
Armas uma coisa era não concordar com a política reformista de Goulart;
outra, bem diferente, era derrubar um governo legítimo que alçou o poder
dentro das regras democráticas e constitucionais”.
xiv
O periódico retomou suas atividades, no 1º semestre de 1962,
denunciando justamente esta conspiração civil-militar, que, naquele
momento, ainda se encontrava em caráter embrionário.
xiv
Citando
nominalmente o general Cordeiro de Farias, a matéria cedera amplo
destaque para esta movimentação golpista, existente, nas palavras de “O
Semanário”, desde a crise sucessória deflagrada com a renúncia de
Quadros:
“A Frente deste [movimento] encontra-se o general Cordeiro de Farias, cuja
atuação nos preparativos para a derrota do regime, no ano passado, primeiro
juntamente com o Sr. Jânio Quadros e depois para impedir a posse de João
Goulart, é bastante conhecida por todos os brasileiros. O general Cordeiro de
Farias tem estado ultimamente em grande atividade. Semanalmente vai a
São Paulo para prolongadas conferências com Jânio, que é quem dará
coloração popular à nova tentativa de subversão tentada pelos ‘gorilas’ (...)”.
xiv
Além de denunciar a movimentação “direitista” por parte de civis e
militares, o perdico se engajaria tamm numa cobrança pública pela
nomeação de um “gabinete nacionalista” comprometido com as “reformas
exigidas pelo país”. Iniciava-se um período em que “O Semanário” elevaria o
tom das críticas ao governo Jango, exigindo, por exemplo, o fim da
orientação conciliatória que o marcava desde a posse.
xiv
Também, ao
mesmo tempo em que o periódico orientaria sua crítica no sentido de cobrar
do governo Jango o fim de uma posição conciliatória, incitaria tamm
setores trabalhistas a apresentarem uma defesa mais incisiva em relação ao
governo. É o que revelava o artigo assinado pelo diretor responsável pelo
jornal, em setembro daquele ano: “dispersar as forças progressistas, na
atual conjuntura, era fazer o jogo do ‘imperialismo’ e dos ‘gorilas da reação’”,
alertava Costa.
xiv
A denúncia da atuação irregular dos “gorilas da reação” ligados ao IBAD
preencheria muitas páginas do periódico após as eleições de outubro
daquele ano. De fato, “a participação eleitoral deste instituto na campanha
eleitoral de outubro de 1962 foi tão ostensiva que levou parte considerável
do Congresso a suspeitar da origem dos recursos utilizados”.
xiv
Em função
disso, mesmo antes do pleito foi sugerida por setores de esquerda a
instalação de uma Comissão parlamentar de Inquérito para apurar as
atividades deste instituto. “O Semanário” encampou com vigor a idéia,
observando já naquele momento a ação desestabilizadora planejada por
poderosos setores do empresariado nacional através do IBAD. O texto do
requerimento do deputado Elói Dutra, subscrito por 120 parlamentares,
solicitando a instalação da referida comissão fora transcrito nas páginas do
periódico da edição nº.299 e afirmava: “Considerando que o IBAD está
financiando candidatos do legislativo da Guanabara e demais estados de
forma faustosa que até gera dúvidas sobre a origem dos respectivos
recursos (...)”.
xiv
Como já mencionado a atuação tanto do IBAD quanto do IPES, fora alvo de
larga pesquisa empreendida pelo cientista político René Dreifuss em 1964: A
Conquista do Estado. O “complexo IBAD/IPES” se constituía num esforço de
monta do empresariado nacional associado ao capital estrangeiro, que
possuía evidente objetivo de gerar um clima de crescente instabilidade.
Estas entidades, que nas palavras de Bandeira; “em estreito contato com a
CIA, que lhes forneceu orientação, experiência e recursos financeiros,
abundantemente, para influir em eleições (como ocorrera no pleito de 1962),
impor diretrizes ao Congresso, carcomer os alicerces do governo e derrocar
o regime democrático.”.
xiv
Segundo o próprio Goulart, à época, “estas
instituições que, explorando rendosa indústria de combate aos extremismos
ou desfraldando falsas bandeiras de legalidade pretendiam manter o país
em clima de constante intranqüilidade e perigosa agitação”.
xiv
“O
Semanário” faria uma cobertura detalhada dos trabalhos da CPI, no decorrer
da atuação da comissão, ao longo do ano de 1963. Edmar Morel, o
“Morelof”, (nas palavras do também jornalista Joel Silveira) assinaria uma
série de reportagens sobre as origens dos recursos utilizados pelo IBAD na
campanha de 1962 e, neste contexto, a ingerência direta da Embaixada
Norte-Americana na gestão e distribuição destes recursos utilizados naquele
pleito.
xiv
No segundo semestre de 1962, seria também ponto de destaque na
agenda política brasileira a discussão em torno do plebiscito que devolveria
a Jango seus plenos poderes presidenciais. A edição de 20 de setembro
cederia amplo destaque a aprovação, pelo Congresso Nacional, da “Emenda
Valadares” que fixava a realização da escolha popular para janeiro do ano
seguinte. De acordo com a cobertura apresentada, apesar das pressões
exercidas pelas cúpulas partidárias, a maior parte dos parlamentares da
UDN e do PSD votou a favor da realização do plebiscito. Na perspectiva do
periódico dissolvia-se com esta derrota a aliança PSD/UDN/PSP que “se
constituía um fator de perturbação para a vida do país, por sua hostilidade
sistemática ao governo, insuflada pela UDN lacerdista”.
xiv
Com esta vitória,
prossegue a reportagem: “PSD e PSP recompõem-se com o governo,
isolando a UDN. Contribuiria para tal êxito, a atuação das lideranças
sindicais e a atitude decisiva dos chefes militares, Osvino Alves, Jair Dantas
Ribeiro e Peri Bevilácqua na solução da crise.”
xiv
A aprovão da medida
que previa a consulta popular foi entendida pelo periódico como um episódio
que reabilitaria o Congresso Nacional perante a opinião pública e
evidenciaria, destarte, a força das lideranças sindicais e “vocação
democrática, bem como a plena identificação das forças armadas com o
sentimento popular”.
xiv
Apesar do grande vulto dado pelo periódico à
atuação das “esquerdas” para a aprovação da emenda que previa o
plebiscito, o parlamentarismo já era um regime em descrédito e até mesmo
veículos da imprensa brasileira, marcadamente conservadores como “O
Globo”, mostraram-se favoráveis ao governo, “vendo na volta ao regime
presidencialista a possibilidade de Goulart enfrentar a crise política e atacar
a inflação. Havia tamm uma expectativa de grupos conservadores de
atrair Goulart para o centro político e afastá-lo da influência de grupos
políticos de esquerda. O ‘Diário Carioca´ em 31 dezembro de 1962, tamm
defendeu o plebiscito e a volta ao regime presidencialista como a melhor
opção para o país”.
xiv
O apoio dado ao governo, no que tange ao retorno ao presidencialismo
era irrestrito, muito embora, o compromisso com a realização de reformas
fosse uma cobrança primaz do periódico sobre o próprio governo e sobre os
setores de centro, aliados, naquela conjuntura pelo retorno ao
presidencialismo. Reivindicando-se como a voz das “esquerdas” na
campanha pelo presidencialismo, “O Semanário” alertava que a campanha
pelos plenos poderes empolgaria apenas a “esquerdas” se associadas à
realização de tais reformas:
“O pensamento dominante entre os líderes mais influentes do conjunto de
forças da esquerda na política brasileira e no sentido de que a campanha do
plebiscito não representará qualquer interesse nacional se, em contrapartida,
outras forças interessadas no retorno ao presidencialismo não se
comprometam com a efetivação – em prazo fixado – de pelo menos três
reformas fundamentais e urgentes: a agrária, a a bancária e a tributária (...)
do contrário, o plebiscito só empolgará àquelas pessoas e esquemas
diretamente beneficiados pelo retorno do presidencialismo – seja pelo poder
de recuperar poderes perdidos, seja pelo interesse na eleição direta do
presidente da República a que pretendem concorrer”.
xiv
O texto detalhava também tais propostas de reformas, elencando a
reforma da estrutura fundiária brasileira como prioritária. Assim sendo, uma
reforma agrária que “garantisse terras aos camponeses, libertando-os da
opressão feudal que ainda subsiste. Bem como uma ação concreta que lhe
assegure educação, assistência técnica e crédito”.
xiv
A realização de tais
medidas, segundo Carlos Alberto Wanderley, não solucionaria apenas “o
problema humano do camponês, mas também abriria perspectivas para a
ampliação de um mercado interno para a indústria nacional.”
xiv
Quanto às
reformas bancária e tributária, a primeira estaria associada a uma
planificação da distribuição do crédito disponível, tendo em vista o interesse
do desenvolvimento nacional. Assim, previa-se a transferência de “recursos
que são predominantemente aplicados na especulação e na agiotagem para
o esforço do desenvolvimento e produção. Possibilitando inclusive a
existência de crédito para os camponeses que receberem terras”. E quanto à
segunda, seria estabelecido sistema de arrecadação tributária que
obedecesse a um critério social, exigindo dos que possuíam maior renda
encargos maiores.
xiv
Às vésperas da realização do plebiscito, “O Semanário” faria questão de
frisar seu apoio à proposta de não continuidade do regime parlamentarista
então em voga. Entretanto, o periódico já expressava a sua incredulidade
sobre a capacidade do governo em imprimir a realização das reformas
postuladas pelas “esquerdas”. Tal descrédito fundamentava-se nas posições
tradicionalmente conciliatórias adotadas por Jango, bem como na
participação de figuras não propriamente progressistas no governo como
Roberto Campos e Miguel Calmon.
xiv
Assim, vaticinaria o periódico:
“O Sr. João Goulart diz que fará tudo isso [as reformas] e ainda se votarmos
não a 06 de janeiro. Os precedentes, entretanto, não nos autorizam a avalizar
esta promissória em branco. Aconselham, pelo contrário, uma posição de
moderada expectativa, pois todos nós somos gatos escaldados por achar que
reformas de base possam ser realizadas com ‘Robertos Campos’, ‘Otávios
Bulhões’, ‘Miguéis Calmons’, etc (...)”
.
xiv
No mesmo texto, desta vez sem identificar com precisão seus artífices,
“O Semanário” novamente faria alusão à conspiração política em curso:
“(...) Por outro lado, vemos a reação organizar-se por toda parte. No
Congresso, com a Ação democrática parlamentar do IBAD, financiada pelo
dólar americano (...) no setor militar, com as campanhas contra os ministros
da Marinha e da Aeronáutica e os comandantes do 1º, 2º e 3º Exércitos e do
Corpo de Fuzileiro Navais. As intrigas com que a imprensa dos trustes
estrangeiros procuram envenenar diariamente seus leitores, as tentativas de
destruição da UNE e do ISEB. Os ataques aos sindicatos operários (...) Mal
com Jango, pior com Lacerda. A vitória de Jango no plebiscito abre, pelo
menos, perspectivas de realização de reformas. A vitória de Lacerda seria o
fim de todas as esperanças.”
xiv
A campanha pelo não encetada pelo periódico faz ainda um registro
relevante sobre a atuação do ISEB, em favor do retorno ao presidencialismo.
Em sua última edição de 1962, o periódico citaria o “panfleto proibido”
publicado pelo referido instituto, que mostraria o alinhamento dos isebianos
à proposta de plenos poderes presidenciais. Vale destacar, que tal
documento fora alvo de uma tentativa de confisco por parte da polícia
política da Guanabara, circulando, segundo “O Semanário”, graças a um
hábeas corpus cedido pela justiça à direção daquele instituto.
xiv
3.2.3) A vitória do presidencialismo:
“O Semanário”, coerentemente com o que apontava nas últimas edições
de 1962, contemplou a vitória, assim como os demais setores progressistas.
Todavia, retomaria a crítica às posturas conciliatórias anteriormente
adotadas pelo governo. De qualquer maneira, apesar das desconfianças já
mencionadas, o periódico viu a vitória de Jango como uma “revolução
branca”, incitando o governo a reagir ao que qualificava de “conspiração
crônica” organizada pelas forças reacionárias:
“(...) O Sr. João Goulart, grande beneficiário desta revolução branca, que foi o
Plebiscito do dia 06, tem, portanto, na mão tudo para garantir a soberania do
país, promover a sua emancipação econômica e eliminar de vez esta
conspiração crônica dos gorilas.”
xiv
Apesar da esmagadora vitória alcançada pelo governo no plebiscito, nove
entre dez eleitores fizeram a escolha pelo retorno do presidencialismo,
Jango não assumiria a vitória em sua plenitude. Segundo Darcy Ribeiro,
ministro da Educação à época, Jango propôs uma atitude moderada em
relação ao êxito alcançado, este considerada por muitos, uma eleição para a
presidência. “Seu propósito era deixar que a onda [de euforia] passasse,
para depois retomar, firmemente, o caminho das reformas, por isso buscou
dividir sua vitória com o PSD.”
xiv
Após a maciça vitória no plebiscito de janeiro, a estratégia política de
Goulart orientar-se-ia para a tentativa de consolidação da aliança PTB/PSD,
fato este que na avaliação do próprio presidente garantiria governabilidade
ao país, bem como o êxito de seu governo. “A união das duas agremiações
garantiria ao executivo a maioria necessária no Congresso – sobretudo com
os pessedistas- mas tamm, o apoio para as reformas, particularmente
com os trabalhistas. A estratégia de Goulart era a de, através de acordos,
negociações e compromissos entre o centro e a esquerda implementar as
mudanças econômicas e sociais por meio democráticos.”
xiv
O esforço conciliatório de Jango orientaria a formação de seu primeiro
ministério presidencialista. Composto por Hermes Lima, San Tiago Dantas,
Celso Furtado, Almino Afonso, entre outros, notabilizava-se por ser um
ministério eminentemente de centro esquerda. Destaca-se neste esforço de
aliança a elaboração do Plano Trienal, que sintetizava no plano econômico
uma tentativa de conciliar medidas econômicas estabilizadoras, tal qual
exigidas pelos credores internacionais, e propostas reformistas. O Plano
Trienal elaborado ainda no último gabinete parlamentarista de Hermes Lima
“tinha como escopo a continuidade do desenvolvimento do país, dentro de
um programa antiinflacionário, cuja essência consistia na preparação e no
desencadeamento de uma recessão atenuada.”
xiv
Neste contexto, o
sucesso do programa elaborado por Celso Furtado dependia da capacidade
do governo em formar uma coalizão multiclassista, com base em acordos e
concessões de ambas as partes.
xiv
No entanto, a estratégia de persuadir
tanto lideranças sindicais, quanto empresários não lograra êxito. Segundo
Argelina Figueiredo, o Plano Trienal como tentativa de pacto se mostrava
frágil, sofrendo de um lado forte oposição dos sindicatos (contrários às
medidas recessivas); de outro, a divisão do empresariado, com o apoio dos
paulistas e a recusa dos cariocas e de outros estados (devido aos cortes no
crédito).
xiv
Nesta questão, “O Semanário” faria “coro” com as demais
frações das “esquerdas”, desfechando também algumas críticas às medidas
estabilizadoras e recessivas previstas no planejamento elaborado por
Furtado.
3.2.4) Goulart em direção ao isolamento político:
No decorrer do ano de 1963, paralelamente à crise econômica que se
avolumava, a situação política se deteriorava, tanto no campo civil, quanto
na esfera militar. O episódio dos sargentos em Brasília, em setembro
daquele ano, se constituiria num fato político que surpreenderia as
“esquerdas” e atemorizaria a oficialidade dada a facilidade na qual os
sargentos amotinados tomaram a capital federal. A rebelião provocada pela
decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar inelegíveis os
suboficiais eleitos no ano anterior foi sufocada rapidamente pelas forças
legalistas, mas possuiu o efeito de espalhar entre a oficialidade o temor de
uma quebra de hierarquia generalizada. Contribuía para tal ambiência a
cobertura do episódio pela grande imprensa que, segundo Oswaldo Costa,
aliava-se às forças reacionárias “ao ocultar as causas mais profundas do
levante dos sargentos, tentando reduzi-lo a um ato gratuito de subversão e
indisciplina.”
xiv
“O Semanário” apoiava e buscava, sobremaneira, garantir ao
movimento dos Sargentos uma amplitude maior do que de fato possuía. Na
mesma edição, Plínio de Abreu Ramos assinara artigo tecendo
considerações gerais que expressariam a visão do periódico sobre a
insurreição dos sargentos: “Não vamos consentir que a direita venha a
servir-se do levante dos sargentos para pressionar o governo no sentido de
obter leis de exceção, restrições constitucionais ou a interrupção na devassa
que os nacionalistas do Exército e da Câmara vem empreendendo nos
submundos da corrupção ibadiana.”
xiv
No entanto, o que se tem de concreto
é que, embora as “esquerdas” apoiassem o movimento (Brizola, a FPN, a
UNE, o CGT e o PCB se manifestaram plenamente a favor do movimento),
as conseqüências políticas da insurreição de Brasília foram as piores.
“Muitos oficiais que simpatizavam com a causa nacionalista e, daí certa
tolerância com as organizações dos sargentos, recuaram, exigindo que a
disciplina e a hierarquia fossem mantidas de forma severa e rigorosa.”
xiv
No que se refere aos setores civis o periódico prosseguia a “sua
profissão de fé”, denunciando a movimentação da conspiração em curso. O
“ademarismo” seria alvo contumaz da “pena” do jornalista Edmar Morel na
edição nº. 352. Segundo ele, não deveria mais restar dúvidas sobre os
propósitos do governo de São Paulo em romper com a legalidade, se
necessário pegando em armas. A matéria assinalava a disposição e
declaração do próprio governador Ademar de Barros, publicada no “Correio
da Manhã” e resgatada por “O Semanário”, “de lutar pelas instituições livres”.
Diante de tal declaração, Morel suplicava por uma atuação mais incisiva por
parte do governo Goulart: “esperamos que em face dessas declarações, o
governo federal saiba exercer a sua autoridade.”
xiv
Na mesma reportagem,
o jornalista aludia, ainda, à apreensão de armas feita pela polícia do
Exército, “farto suprimento de armas semi-automáticas fabricadas em São
Paulo”, e que serviriam para a logística inerente à movimentação golpista
arquitetada pelo governo daquele estado.
Quanto à tríade de governadores de oposição formada pelos chefes dos
executivos estaduais da Guanabara, de Minas Gerais e de São Paulo (e que
conspiravam às claras contra o governo) sem dúvida, Carlos Lacerda era o
que mais figurava nas páginas de “O Semanário”. O ponto alto das críticas
desfechadas pelo periódico nacionalista ao então governador da Guanabara
culminou com as reações dos setores progressistas à bombástica entrevista
dada por Lacerda ao “Los Angeles Times”. Lacerda, um dos principais
líderes civis da conspiração que buscava a todo custo desestabilizar o
governo federal, solicitava abertamente a intervenção militar norte-
americana no país. A reação de “O Semanário” seria proporcional ao
entusiasmo de Lacerda em solicitar e sugerir a ingerência imediata dos EUA.
Oswaldo Costa postularia o impeachemnt do governador da Guanabara em
face de suas declarações. Não obstante, o periódico, no “calor dos
acontecimentos” já faria coro aos demais setores das “esquerdas” no sentido
de pressionar o governo Goulart por uma postura decidida contra a “reação”:
“(...) A última crise na qual ainda estamos [referência à Revolta dos
sargentos e à entrevista de Lacerda ao ‘L. A. Times’] veio provar por ‘a mais
b’ que só há uma força real: a do povo. Não queremos entrar na análise dos
acontecimentos que ainda se desenrolam e cujo desenlace ao escrevermos
esta nota, ainda não se consumou. O que por enquanto temos a dizer ao
presidente da República que ele só tem um caminho a seguir: ou governa
com os nacionalistas, os democratas e patriotas, afrontando corajosamente a
‘reação’ e o imperialismo, ou governa com o IBAD, com o que há de podre,
venal e apátrida em nosso país (...)”.
xiv
O argumento de Costa faz tamm clara menção à política de frente
única pelas reformas tal qual preconizada pelo periódico; “A política que
defendemos aqui não é uma política estreita, fechada, isolacionista,
sectária, mas longe disso, é uma política ampla, larga, arejada de
verdadeira frente única que englobe todos que se dispuserem a lutar pela
emancipação do Brasil ...”.
xiv
A crise, de certo, parecia colocar Jango numa encruzilhada, nas
palavras de Costa. Impunha-se ao presidente, naquele momento histórico a
escolha definitiva de um dos lados. Diante do fracasso da orientação
conciliatória, do impasse político e do insucesso da tentativa de se impor o
Estado de sítio buscado pelo governo, e rejeitado pelo Congresso Nacional
(inclusive pelo próprio PTB)
xiv
, vislumbrava-se como opção única no
horizonte político de Goulart aderir sem tergiversações às “esquerdas”. De
fato, “acreditar na força que elas diziam dispor e, embora contrariando o
seu estilo, partir para a radicalização e para o embate.”
xiv
Essa foi sua
última opção e o comício da Central do Brasil no ano seguinte, naquela
histórica e decisiva sexta-feira 13 de março, representou o aceno público
do presidente às postulações das “esquerdas nacional-reformistas”.
3.3) A formação de uma “Frente Única pelas Reformas” e o
Comício da Central do Brasil:
3.3.1) A busca pela unidade das esquerdas:
Nas últimas edições de 1963, ganharia espaço cada vez maior nas
páginas do periódico o argumento pela unificação das esquerdas em face à
crise e à mobilização dos “gorilas da reação”. A defesa das reformas e a luta
pela aprovação da Lei de Remessa de Lucros tamm seriam temas
amplamente abordados. No editorial intitulado Frente única ou a tragédia, o
periódico remontava mais uma vez a movimentação de “grupos reacionários
que contemplam abertamente a hipótese de uma aglutinação com a ‘direita’.
Eleitoralmente se possível e golpista sempre que se crie ou apareça a
oportunidade.”
xiv
Dessa maneira, postulava o periódico, a formação de uma
frente única nacionalista contra “imperialismo” e “seus agentes internos”.
Conjugado a este esforço de unificar as “esquerdas” contra o inimigo
externo, estava tamm a tentativa de unificá-las em torno das reformas
almejadas pelos setores progressistas. A aprovação da lei que
regulamentava a remessa de lucros para o exterior era a bandeira da hora. A
regulamentação da remessa dos dividendos das multinacionais instaladas
no país apresentava-se, na visão do periódico, “no estopim de uma reação
em cadeia, que reabilitaria Jango dentro das perspectivas históricas em que
foi colocado [no poder].
xiv
Esse seria o caminho inevitável, segundo o
periódico, a ser percorrido por Goulart após a aprovação da medida que
regulamentava e restringia a remessa de lucros para o exterior.
A proposta de regulamentação da legislação de remessa de lucros que,
naquela conjuntura, encontrava-se em andamento foi, sem dúvida,
responsável pela saída de Carvalho Pinto do Ministério da Fazenda. “O
Semanário” destacara tal episódio e ponderava em favor do ministro
demissionário, ressaltando que embora conservador, vinha assumindo
posições em favor do controle estatal sobre o capital estrangeiro. Desta
forma, expunha, na capa da última edição daquele ano:
“O Professor Carvalho Pinto foi demitido do ministério da Fazenda porque
não cedeu às pressões para fazer um regulamento da Lei de Remessa de
Lucros, no estilo imposto pelos Trustes, que conseguiram que o diretor da
SUMOC, o entreguista Otávio Dias Carneiro, elaborasse seu próprio projeto
de decreto de regulamentação colidindo com o trabalho em equipe do ex-
ministro. Com a demissão do Sr. Carvalho Pinto, o governo pretende fazer do
Sr. Ney Galvão [então diretor do Banco do Brasil] um instrumento dócil para a
acomodação dos Trustes.
xiv
Ao mesmo tempo, o periódico lançava também contundentes críticas aos
setores “mais radicais”, que buscavam a nomeação de Brizola como
substituto de Carvalho Pinto. Sobravam críticas ao líder da FMP. Oswaldo
Costa, em artigo direcionado especialmente ao líder trabalhista, reconhecia
a liderança do mesmo diante do conjunto das forças populares, porém
argumentava que em alguns momentos, Brizola possuía uma clara “atuação
divisionista” frente às “esquerdas”.
xiv
Sob a ótica do periódico, naquele início de 1964, o governo Goulart
ainda oscilava entre atender as demandas históricas das “esquerdas” ou
enveredar para alguma saída conciliatória que arrefecesse tanto o golpismo
da direita, quanto a radicalização de alguns setores de esquerda. Neste
contexto, o periódico denunciava o recuo do próprio governo em relação à
regulamentação da legislação sobre a remessa de lucros e na questão da
desapropriação de terras por interesse social. O periódico publicava, com
amplo destaque, o que chamava de “capitulação do governo na Remessa de
Lucros”. O novo projeto que buscava substituir o do ex-ministro Carvalho
Pinto, estava, de acordo com a orientação do próprio presidente, sob tutela
de Jorge Serpa, homem forte da Mannesman no Brasil. Sobre este novo
projeto de regulamentação, “O Semanário” qualificava-o de
“verdadeiramente entreguista”.
xiv
O recuo do governo seria denunciado
tamm, no que tange ao decreto da Superintendência para a Reforma
Agrária (SUPRA), que tornaria de interesse social, para fins de
desapropriação, terras situada às margens de rodovias e ferrovias federais.
Além daquelas beneficiadas por investimentos federais em obras de
irrigação, drenagem e açudes, ponto este central no projeto de reforma
agrária ventilado por boa parte das “esquerdas” naquela conjuntura.
Cedendo às pressões das cúpulas de PSD e UDN, o governo esboçava o
intuito de arquivar a minuta do decreto da SUPRA, ressaltava o jornalista
Edmar Morel.
xiv
A defesa por um programa mínimo de reformas, sem apelos a
radicalismos, defendida por “O Semanário”, ficou muito evidente quando
este publicara relevante artigo em apoio ao esforço do ex-chanceler San
Tiago Dantas de organização de uma Frente de apoio e realização das
Reformas de Base. No referido artigo, transbordavam críticas àqueles que
apelavam para uma estratégia radical a fim de impor ao governo uma
estratégia maximalista de reformas. “Com ou sem o Congresso”, como
bradava Leonel Brizola, este alvo fácil das críticas do periódico. O líder
petebista era citado sempre que feita alguma alusão à “esquerda radical”.
Repousava sobre Brizola a alcunha de “principal líder das esquerdas
radicais”, estas que, obviamente, não englobavam apenas os trabalhistas.
Contudo, o alvo predileto era o ex-governador gaúcho. Na visão de “O
Semanário”, Brizola com o personalismo inerente à sua prática política mais
do que unificar as “esquerdas”, rachava-as. O nacional-reformismo
moderado e cauteloso do periódico identificava-se plenamente com o que
estava sendo proposto por Dantas. Ponderava, desta forma, o texto
intitulado A Nova Frente Política:
“Os esforços que o Sr. San Tiago Dantas está desenvolvendo no sentido de
unir todas as forças progressistas numa ampla frente de luta pelas reformas
de base coincidem inteiramente com os pontos de vista deO Semanário”
vem sustentando de longa data, conforme os nossos leitores são
testemunhas.
Por isso sempre nos opusemos ao rompimento com o Sr. João Goulart,
preconizado pelos nossos pequeno burgueses enfurecidos, embora
criticando-o com severidade habitual de nossos julgamentos. E, sempre
combatemos o sectarismo em nosso meio, fruta da incompreensão do
caráter da revolução brasileira, e o seu irmão siamês, o radicalismo
exacerbado dos partidários do oito ou oitenta e do já rapidamente que os
fizeram escorregar na casca de banana da derrubada do Sr. Carvalho Pinto
da Pasta da Fazenda.
Entendemos que se deve passar por cima de todas as restrições, seja quanto
a Goulart, seja quanto aos nossos pequeno burgueses enfurecidos para
acumular o máximo de forças em torno de um programa mínimo de reformas.
Mas também entendemos - e essa é a única ressalva, perfeitamente justa
como se verá - que o movimento de San Tiago Dantas está promovendo não
pode e nem deve transigir, de maneira alguma, com qualquer espécie de
caudilhismo, vedetismo ou personalismo (...).”
xiv
Posteriormente, as críticas a Brizola se arrefeceriam em face da
conjuntura de confronto aberto com os grupos conservadores, que
caracterizou os últimos meses do governo Goulart. “O Comício da Central do
Brasil” foi, sem dúvida, o início da caminhada unificada das “esquerdas”
pelas Reformas de Base, há muito tempo almejadas pelas forças
progressistas.
3.3.2) O Comício da Central do Brasil: “As esquerdas tem novo
comandante”:
A disposição do governo Goulart em levar adiante o programa de
reformas, a partir de uma estratégia de confronto aberto, animou o conjunto
das “esquerdas”. O presidente agora se dispunha a impelir o Congresso
Nacional, mediante a pressão das massas, a mudar alguns artigos da
Constituição federal, de modo que o Executivo passasse a dotar de poderes
legislativos, o que possibilitaria o governo de empreender as reformas
postuladas, sobretudo a da propriedade rural, que seriam referendadas em
plebiscitos. “Com esse ânimo, Goulart determinou a elaboração de uma
mensagem que enviara ao Congresso, por ocasião da abertura da sessão
legislativa de 1964.
xiv
Paralelamente, convocara, como o apoio das
principais lideranças sindicais, um comício para o dia 13 de março no Rio de
Janeiro. A estratégia de realizar grandes concentrações populares previa
também a realização comícios em Porto Alegre, Recife, Belo Horizonte e
São Paulo, onde a campanha pelas Reformas de Base culminaria com a
concentração de mais de um milhão de trabalhadores para a comemoração
do 1º de maio.
xiv
“O Semanário” não tardaria a aderir com entusiasmo à nova tática de
Goulart e um mês e meio antes da realização do comício do dia 13 de
março, na Central do Brasil, o periódico já convocava seus leitores para
comparecerem ao evento. O diretor responsável, Oswaldo Costa, num texto
entusiasmado compara o comício a ser realizado com as campanhas pelo
“monopólio estatal do petróleo” realizadas uma década antes. O artigo de
Costa buscava resgatar o contorno popular adquirido por aquela campanha,
resgatando os diversos setores da sociedade brasileira que se engajaram
naquela proposta e exemplos de lideranças nacionalistas, militares e civis,
engajadas na defesa da tese do monopólio: Estillac Leal, ex-presidente do
Clube Militar e Matos Pimenta fundador do periódico “Jornal de Debates” são
mencionados no texto de Costa. O diretor de “O Semanário” encerraria o seu
argumento, tratando da importância do Comando Geral dos Trabalhadores,
o CGT, naquela conjuntura de ameaça à legalidade ensejada pelos grupos
de direita e de luta pelas Reformas de Base, encampadas, agora, sem
conciliações ou tergiversações pelo governo Goulart. Costa finaliza seu
texto, conclamando o povo às ruas:
“(...) foi nas ruas que demos os primeiros passos para a emancipação
econômica. É nas ruas, enfrentando Lacerda e o imperialismo, que devemos
completá-la.
xiv
Na mesma direção, a capa da penúltima edição a circular ostentava
palavras de ordem convocando o povo a comparecer maciçamente ao
Comício do dia seguinte: “O Povo nas ruas para dizer sim às reformas e não
ao fascismo.”
xiv
Da mesma forma, em tom de ameaça, alertavam “às forças
conservadoras que as forças populares não aceitariam, e reagiriam de forma
enérgica à guerra psicológica desencadeada pelos gorilas, bem como a
qualquer ameaça ao presidente da República”
xiv
, no decorrer do Comício da
Central do Brasil.
Não obstante, perante uma multidão de cerca de duzentas mil pessoas,
arregimentadas pelos sindicatos e por outras organizações para aquele
comício, Goulart proclamaria a necessidade de mudanças na Constituição.
Anunciava, tamm, a adoção de importantes medidas, que vieram através
de decretos; a encampação das refinarias particulares, o tabelamento dos
aluguéis dos imóveis desocupados e a desapropriação das terras
valorizadas pelos investimentos públicos. Arraes e Brizola pulverizaram suas
divergências com Jango e compareceram convictos ao ato, dotados do claro
objetivo de consolidar a formação e unidade de uma Frente Popular de apoio
às Reformas de Base
xiv
, alavancadas naquele histórico daquela sexta feira,
13 de março de 1964. Ciente das conquistas alcançadas naquele ato
público, a edição seguinte do periódico reservaria significativo espaço para
festejar o sucesso do comício. Uma nova fase começava, com as
“esquerdas” acreditando que as Reformas seriam empreendidas com ou
sem o aval do Congresso dominado pelos conservadores. O entusiasmo dos
setores progressistas se insuflara e “O Semanário” faria coro a esta euforia,
sobretudo, reconhecendo o esforço político de Goulart. O editorial daquela
última edição era emblemático neste sentido:
“Ao nosso jornal, que jamais transigiu ou transigira com seu programa ou com
pessoas (...) cabe o dever de afirmar hoje a face do país – e afirma-o como o
mais letimo contentamento cívico – que o presidente João Goulart acaba de
cumprir, até os extremos limites das suas faculdades constitucionais e de
suas possibilidades políticas, aquela que se poderia esperar de um chefe
responsável. Os seus últimos atos, os referentes à SUPRA, as refinarias de
petróleo e o tabelamento dos aluguéis, - todos eles devido a sua iniciativa
direta, à sua determinação e coragem de decidir – elevaram inegavelmente e
ao mais alto nível sua natural condição funcional e suas qualificações
pessoais de liderança (...).”
xiv
Circulara tamm naquela última edição do periódico uma relevante análise
de Barbosa Lima Sobrinho sobre o Comício das Reformas e suas
conseqüências. Explícito no argumento de Sobrinho o fato, agora, das
“esquerdas” estarem diante de um novo comandante. Jango se habilitara
para isso, após as medidas tomadas durante o evento que representavam o
atendimento às demandas históricas das esquerdas nacional-reformistas
que buscavam, principalmente, a modificação da estrutura fundiária como
condição sine qua non para um desenvolvimento endógeno do capitalismo
brasileiro. Jango acenara para essa possibilidade, naquele histórico comício
e por isso fora alçado à condição de mais novo comandante das
“esquerdas”, por Barbosa Lima Sobrinho:
“(...) O efeito de todas estas medidas adotadas [o decreto da
SUPRA, a encampação das refinarias particulares de petróleo, o tabelamento
dos aluguéis] foi instantâneo. A popularidade do Sr. João Goulart se renovou
e cresceu com uma força e confiança que recordam os dias e vitórias de
Vargas. Até mesmo os adverrios do governo atual não escondem as suas
apreensões quando verificam que o comício de 13 de março revelara o líder
que o próprio plebiscito não chegara a apresentar, o líder que também não
conseguira aparecer na restauração do regime presidencialista. O comício de
13 de março revelou, assim, um líder, um comando.
xiv
Grifa-se, tamm, no argumento de Barbosa Lima Sobrinho em sua
última colaboração para “O Semanário” a expectativa que tomara conta dos
setores progressistas, que naquela conjuntura de confronto, acreditavam
que lograriam êxito no embate político iminente com os “gorilas da reação”.
Ao leitor contemporâneo daquela última edição do periódico ficava a
impressão de que as “esquerdas”, lideradas por Goulart e impulsionadas
pela grande concentração popular da ocasião do Comício da Central do
Brasil venceriam qualquer tentativa o embate com as “forças reacionárias”.
No entanto, para nós, leitores, curiosos e historiadores do presente, uma
infeliz certeza: a de que perderam.
Considerações Finais:
Ao final daquele março de 1964, a legalidade constitucional era rompida
e o governo Goulart deposto por setores, civis e militares, que em nome das
“tradições cristãs e democráticas do povo brasileiro” mergulhavam o país num
regime de exceção que colocara um ponto final nas aspirações nacional-
reformistas das forças populares. Pelo golpe de 31 de março/ 1 de abril calava-
se as “esquerdas”, vaticinadas por um movimento que não se conteria nos
limites formais de uma legalidade já violentada, e que buscaria erradicar todos
os focos de contestação, existentes no país, no Congresso Nacional, nas
Forças Armadas e na sociedade civil. Nos primeiros dias do mês de abril,
enquanto a maior parte da imprensa brasileira e, expoentes relevantes da
imprensa internacional, celebravam o êxito do movimento político que
derrubara Jango, o país era cenário de perseguição e expurgos às lideranças
identificadas de alguma forma com o nacional-reformismo.
A grande imprensa brasileira, alcunhada de “imprensa de balcão” por “O
Semanário” (devido aos seus compromissos com os grandes grupos
empresariais nacionais ou não), se não foi a principal responsável, teve
atuação decisiva na crescente instabilidade política que marcou os últimos
momentos do governo Jango, bem como na sua deposição dias depois do
Comício das Reformas de Base. “A imprensa foi um dos vetores da divulgação
do fantasma do comunismo, e esse fantasma foi utilizado como umas das
principais justificativas para a derrubada do governo. Ao mesmo tempo, essa
mesma grande imprensa exacerbou a divulgação de notícias sobre a existência
de um caos administrativo e, participou, em seguida, da divulgação da idéia de
quer era imperiosa a necessidade do restabelecimento da ordem mediante
uma ‘intervenção militar’.”
xiv
De fato, a maior parte dos jornalistas que atuavam
nas redações dos grandes veículos na época, embora não tenha apoiado o
regime militar que se instituiu posteriormente, foram próceres da queda de um
presidente legalmente constituído. Muitos que bradam, nos dias de hoje, em
todos os cantos, a bandeira da democracia não hesitaram em ajudar a depor
um presidente que ocupava de forma legítima o poder. Destarte, cito a título de
exemplo, jornalistas do porte de Carlos Castelo Branco, Antonio Callado e
Alberto Dines, atuantes, na época, na redação do “Jornal do Brasil”. Todos,
rigorosamente todos, apoiaram o movimento político civil-militar de março/abril
de 1964. Especialmente, para este último, golpe “tratava-se de uma eleição,
um ato heróico”.
xiv
Destaque, “tamm à marcha da vitória realizada no dia 2
de abril, bem como aos aplausos recebidos pela redação do JB, na época sob
sua direção”.
xiv
A pesquisa que aqui se encerra, além de buscar reconstituir a atuação
de um periódico que, ao longo da sua existência, mostrou-se um fórum de
debates em torno de projetos e perspectivas em torno do desenvolvimento e da
“emancipação nacional” se propôs também a resgatar, pelo menos em parte, a
memória (esquecida) de jornalistas como Oswaldo Costa e Edmar Morel.
Personagens importantes, que evidenciam uma parte da imprensa brasileira
violentamente calada pelo dispositivo civil-militar de abril de 1964. “O
Semanário”, logo após o golpe, foi invadido tendo sua redação destruída pelas
forças de repressão que se instalavam naquele momento. Deixava de existir
um periódico que, ao longo de seus oito anos de existência engendrou uma
incansável luta e defesa da institucionalidade democrática, ameaçada em
alguns momentos por setores conservadores, e pelo desenvolvimento
autônomo e não dependente do país. Assim como a inserção de emergentes
setores na cena política brasileira; estudantes, intelectuais, camponeses,
trabalhadores urbanos e uma parte da oficialidade engajada na tentativa de
ampliar os limites da incipiente democracia brasileira inaugurada após a queda
do Estado Novo, em 1945. Neste sentido, vale dizer, a experiência democrática
de 1945-64, outrora rotulada (pejorativamente) de populista, caracterizou-se
em linhas gerais por ter sido um esboço de “promessas de um novo tempo
para as classes trabalhadoras na história de nossa elitista República”.
xiv
Um
novo tempo, encerrado por aqueles que se diziam intransigentes defensores da
ordem democrática, mas que não hesitaram em abrir mão dela quando a
mesma passaria a representar o atendimento às demandas históricas das
forças populares e do nacional-reformismo em voga naquela dada experiência
histórica abortada pelo Golpe de março/abril de 1964.
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ANEXO - A última edição de “O Semanário” – Nº. 376
19/03 – 01/04/1964
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