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mulher.
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Talvez o empuxo-à-mulher seja o que restou da metáfora delirante para Lacan.
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Pois, se se concebe o delírio como uma solução assintótica
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, vê-se que a idéia de empuxo-à,
ou seja, de empurrar-à também se fia na concepção de infinito.
2.2.1 O delírio paranóico como defesa contra a homossexualidade
Após analisar as memórias de Schreber, Freud explicita sua tese de que a fantasia de
desejo homossexual constitui o centro do conflito na paranóia. Tal hipótese é defendida por
ele a partir da dedução gramatical da origem das principais formas do delírio paranóico, que
se constituiriam, sem exceção, como uma defesa contra as pulsões homossexuais, por meio da
negação da seguinte proposição: eu (um homem) o amo.
Segundo Freud, a negação pode se referir ao verbo, de modo que a proposição passe
pela seguinte transformação: Eu não o amo. Eu o odeio. No entanto, essa afirmação, por ser
inaceitável pela consciência, necessita ser substituída por uma percepção vinda do exterior.
Opera-se, então, um mecanismo de projeção que intervém por meio de uma operação que
transforma o Eu o odeio em Ele me odeia e, portanto, me persegue. Segundo Freud, estaria aí
a lógica do delírio de perseguição.
Outra maneira também possível de negar tal proposição é por meio da mudança do
objeto. Assim, o Eu o amo se transforma em Eu a amo. Aqui, o mecanismo de projeção
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O empuxo-à-mulher é uma expressão forjada por Lacan, em 1972, quando comenta as fórmulas da sexuação.
Trata-se de uma noção construída a partir das elaborações sobre o caso Schreber e que se refere à orientação
feminina do gozo na psicose. Pois, se há forclusão da significação fálica, como o caso Schreber permite
vislumbrar, depara-se com uma significação feminina dominante. Nesse sentido, se o sujeito não se inscreve na
função fálica, por meio da lei comum da castração, prevalece um gozo, cuja significação feminina exige uma
perpétua construção delirante que seja capaz de alojar o sujeito. Sob essa perspectiva, pode-se pensar a metáfora
delirante como um tratamento dado pelo sujeito ao empuxo-à-mulher.
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Conceber o empuxo-à-mulher como o resto da metáfora delirante não implica equiparar as duas noções, como
se uma tivesse substituído a outra. Mas, certamente, as duas formulações, apesar de terem sido elaboradas em
períodos diferentes, foram extraídas do mesmo ponto: a feminização de Schreber. Se a metáfora delirante vai,
aos poucos, sendo deixada de lado no ensino de Lacan, o empuxo-à-mulher torna-se uma noção de grande
aplicação e de um alcance clínico inquestionável.
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O termo assintótico, que Lacan retoma de Freud, é também uma leitura do “pousse à” da expressão “pousse-à-
la-femme”. A concepção do delírio como uma solução assintótica será investigada no item 2.4.