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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Willsterman Sottani Coelho
T
ÉCNICAS DE ENSAIO CORAL:
reflexões sobre o ferramental do
Maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca
BeloHorizonte
2009
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Willsterman Sottani Coelho
T
ÉCNICAS DE ENSAIO CORAL:
reflexões sobre o ferramental do
Maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca

Dissertação submetida ao Programa de
PósGraduação em Música da Escola de
MúsicadaUniversidadeFederaldeMinas
Gerais como requisito parcial para a
obtençãodotítulodeMestreemMúsica.
LinhadePesquisa:PerformanceMusical
Habilitação:RegênciaCoral
Orientação:Prof.Dr.OiliamJoséLanna
Coorientação: Prof. Dr. Antônio Lincoln
CamposdeAndrade
BeloHorizonte
2009
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DEDICATÓRIA
Esta dissertação e a audição registrada no vídeo que a acompanha são
frutos de um milagre. Minha esposa, meus pais, minha irmã, minha sogra e meus
melhores amigos sabem o que quero dizer. Dedico, portanto, esses frutos a Aquele
querealizouomilagre.
ÀúnicafontedetodaVida,
OúnicovivoeEternoDeus,
OCriador,
OSoberanodetentordetodoopoder,
(PorcujaMajestadeaarrogânciahumanaseabate),
OPaiperfeito(justoepiedoso).
AEleeaSeuFilhoUnigênito
(QuerecebeuoNomequeestáacimadetodonome,
Cujofavoréderramadocomamorinfinito),
Jesus,oMessias.
AGRADECIMENTOS
A minha linda e amada esposa (Sandrinha): por seu doce amor, sua
paciênciaincrívelesuaabnegadadedicaçãoemtodasasáreas.
A meus pais (William e Aparecida), minha irmã (Jéssica), meus avós
(Wilson,Didinha,DarcyeCarmem),minhasogra(Sandra)emeuspastores(Marcelo,
Jorge,Matheus,AendereFlávioM.F.):pelasconstantesevaliosasorações.
Ameusqueridose inesquecíveisamigos(anjos!)FlávioF.S.,MarcosE.C.
Filho e Simone K. G.: por me emprestarem seus ombros e ouvidos. Também pela
cordial e salutar leitura que fizeram do texto quando eu havia perdido as
esperanças.
Aostrintaamigosquevibraramcomesedispuserama(eaosoutrostrinta
quevibraramcom,masnãopuderam)cantaremminhaaudiçãofinal,depoisdeseis
semanasdeensaiosàstardesdeDomingosemuitoestudoindividual:pelaseriedade
com que abraçaram o trabalho e pela agradável companhia nos últimos momentos
antesdadefesa.
Aos coros que regi, pelas melhores aulas de Regência Coral de que
desfrutei: Coral Cantáridas (Instituto de Ciências Biológicas da UFMG), Coro da
IgrejaMetodistaIzabelaHendrix,MadrigalMocó(MostradeComposiçõesdaEscola
de Músicada UFMG), Coral Angelus, Coro VivAvoz (Tiradentes, MG),CoroHallel
(Ministério Ensinando de Sião) e Ars Nova Coral da UFMG.Também por
toleraremomeugênioportantasvezesrompante(estoumelhorando,viu?).
Aos coros em que cantei e a seus regentes, pelos mesmos motivos:
Madrigal do Conservatório Pe. José Maria Xavier (com Adilson Cândido, São João
del Rei, MG), Coral da FUNREI (com Neri Contin, São João del Rei, MG), Coro de
CâmaradaEscoladeMúsicadaUFMG(comIaraFrickeMatteeLincolnAndrade)e
CoroMadrigale(comArnonSávio).
A Ernani Aguiar, Luiz Carlos Rocha (in memoriam), Hélcio Rodrigues,
Ângelo Fernandes, Luzia Antoniol, Leonardo Silva, Marco Verona e Suzana
Meinberg: pela inestimável contribuição como entrevistados. A Rafael Grimaldi (in
memoriam):pela disposição demonstrada em ajudar, embora os tempos não tenham
sidofavoráveis.
Ao Maestro Arnon Sávio e ao Coro Madrigale: por me haverem
proporcionadoocontatocomaobradoMaestroCarlosAlbertoepeloapoioqueme
deram,principalmenteàépocadoprocessoseletivoparaomestrado.
AoprofessorBaetaZille:pormeauxiliarnaelaboraçãodoprojetooriginal.
Aos professores Sérgio Canedo e Luciana Monteiro, na qualidade de
banca: pela leitura cuidadosa (mesmo em tempo tão estreito) e pelo apreço
demonstradoporestapesquisa.
Aos professores Oiliam Lanna e Lincoln Andrade: meu respeito e
admiraçãosincera.
A todos os que se surpreenderam com, acreditaram em, desejaram e
apoiaramestapesquisa.
RESUMO
Esta pesquisa foi realizada tendo em vista a singularidade e a importância do
trabalho desenvolvido pelo Maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca ao longo de sua
trajetória como regente titular do Ars Nova‐Coral da UFMG. Com o objetivo de
contribuir para o resgate da memória artísticocultural do Brasil e de
preencher
muitas lacunas no universo da técnica na área de Regência Coral, desenvolveuse a
coletaeasistematizaçãodosrecursosqueconstituemoferramentaltécnicodeensaio
coraldoMaestro(perfilpsicológicodo regente,preparaçãodogrupo,montagemde
repertório e artifícios técnicos), além de uma discussão acerca de
sua trajetória
(aperfeiçoamento musical e condução do Ars Nova) e das fontes originárias de seu
ferramental(especialmenteaescoladeRobertShaw).
ABSTRACTS
This research was conducted in view of the uniqueness and importance of Maestro
Carlos Alberto Pinto Fonseca’s work throughout his career as titular conductor of
Ars Nova‐Coral da UFMG. In order to contribute to the rescue of Brazil’s artistic
and culturalmemoryand to fill many gapsinthetechnique
universe intheareaof
Choral Conducting, the resources that constitute the Maestro’s rehearsal technical
tools(conductor’spsychologicalprofile,preparingthegroup,repertoiresettingsand
technical artistry) were collected and systematized, and his historical trajectory (his
musicalimprovementandArsNovadirection)andtheoriginalsourcesofthattools
(especiallytheschoolofRobertShaw)werediscussed.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................11
1.1 Problemática ..............................................................................................................14
1.1.1 Aformaçãodoscoros............................................................................................14
1.1.2 Aformaçãodosregentes ......................................................................................15
1.2 Objetivo......................................................................................................................17
2 REVISÃODELITERATURA.....................................................................................19
2.1 Autoresbrasileiros ...................................................................................................22
2.1.1 Trabalhosacadêmicos...........................................................................................22
2.1.2 Livrosdidáticos......................................................................................................24
2.1.3 Outrostrabalhos ....................................................................................................27
2.2 Autoresestrangeiros ................................................................................................30
2.2.1 Livros.......................................................................................................................30
2.2.2 Artigos.....................................................................................................................32
3 METODOLOGIA .........................................................................................................34
4 MAESTROFONSECA:TRAJETÓRIAEFERRAMENTALTÉCNICO ............42
4.1 Trajetória ....................................................................................................................42
4.1.1 Formação.................................................................................................................43
4.1.2 CoraldaUEE..........................................................................................................48
4.1.3 ArsNovaCoraldaUFMG.................................................................................50
4.1.3.1 Corosemiprofissional ...................................................................................51
4.1.3.2 Últimosanos...................................................................................................54
4.2 Ferramentaltécnico ..................................................................................................58
4.2.1 Afiguradoregente................................................................................................58
4.2.2 Apráticadoregente..............................................................................................63
4.2.2.1 Preparaçãodogrupo.....................................................................................66
4.2.2.2 Montagemderepertório...............................................................................71
4.2.2.2.1. Procedimentos genéricos.....................................................................................................71
4.2.2.2.2. Leitura de repertório novo...................................................................................................75
4.2.2.2.3. Refinamento de repertório...................................................................................................79
4.2.2.3 Artifíciostécnicos...........................................................................................80
4.2.2.3.1. Dicção..................................................................................................................................81
4.2.2.3.2. Ritmo e articulação..............................................................................................................85
4.2.2.3.3. Apoio e respiração...............................................................................................................86
4.2.2.3.4. Impostação vocal.................................................................................................................87
4.2.2.3.5. Dinâmica .............................................................................................................................88
4.2.2.3.6. Afinação..............................................................................................................................90
5 ANÁLISE........................................................................................................................92
5.1 AfiguradoMaestroFonsecaàluzdasabordagensbibliográficas ................93
5.2 FerramentaltécnicodoMaestroFonseca:fontes................................................96
5.3 AescoladeRobertShaw:influênciasemFonseca ..........................................101
5.3.1 PorHowardSwan ...............................................................................................101
5.3.1.1 DaescoladeJohnFinleyWilliamson .......................................................103
5.3.1.2 DaescoladeF.MeliusChristiansen .........................................................104
5.3.1.3 Dométodo
deHowardS.Swan ................................................................105
5.3.2 PorLloydPfautsch ..............................................................................................106
5.3.3 PorCharlesHeffernan ........................................................................................109
6 CONCLUSÃO .............................................................................................................113
REFERÊNCIAS....................................................................................................................117
Trabalhos acadêmicos...........................................................................................................................117
Livros específicos sobre Regência Coral..............................................................................................118
Outros livros..........................................................................................................................................119
Artigos...................................................................................................................................................120
Partituras...............................................................................................................................................121
Gravações de áudio...............................................................................................................................121
Manuais.................................................................................................................................................122
Obras de referência rápida ....................................................................................................................122
APÊNDICEA
Questionárioparaasentrevistassemiestruturadas....................................................123
APÊNDICEB
Exercícioparacontrolededinâmica................................................................................125
APÊNDICEC
ApráticadoMaestroFonseca:esquema ........................................................................126
ANEXO
Classificaçãodosfonemasconsonantais........................................................................129

1 INTRODUÇÃO
Em uma República com apenas 120 anos de idade e, principalmente, em
uma cidade que existe apenas 114 anos, nenhuma década transcorrida é
insignificante.Numa faseaindatão incipiente dascoisas, tudoo queseconstróiem
dezanosconhecimento,instituição,infraestruturadeveserentendidocomoparte
do alicerce social para os séculos futuros. Principalmente se qualquer coisa
construída tiver forçasuficiente para perpassar várias décadas e exerceralgumtipo
deinfluênciaemsituaçõescadavezmaisdistantesdesuaprópriaorigem.
A cidade de Belo Horizonte, fundada em 1895 e elevada ao patamar de
capital estadual em 1897, é sede de algumas das instituições mais antigas da
República em atividade ininterrupta, a exemplo da Universidade Federal de Minas
Gerais, fundada em 1927. Não é de se admirar que uma Universidade criada por
iniciativa do Governo Federal tenha crescido ao longo de 80 anos e que Unidades
Acadêmicas
tenhamnelasemultiplicadoesefortalecidonessetempo.Porém,édese
admirar muito que um Órgão Especial dessa Universidade tenha desenvolvido
tamanha autonomia e, como fruto disso, ganhado projeção nacional e internacional
inclusiveemambientesextrauniversitários:oArsNovaCoraldaUFMG,queassim
funcionou desde 1964, quando
foi incorporado à Universidade, até Março de 2009,
quandocompletouseus50anosdecriação.
Aforçadessetrabalhodeveriachamaràatençãoaquemseinteressapela
história da Capital mineira e da República. Há, sobretudo, uma classe que não
poderia deixar de interessarse de forma alguma pela trajetória desse Coro: a
comunidademusical.Quantos gruposmusicaismineiros amadores,
semiprofissionais e profissionais conseguiram sobreviver durante a Repúblicapor
12
tantotempomantendoumníveldequalidadetãoalto?ComooArsNovaconseguiu
isso? Ao se buscarem respostas para essas perguntas, deparamonos com uma
personagem essencial: o Maestr o Carlos Alberto Pinto Fonseca (1933–2006). Tendo
assumidotitularmentearegênciadaquelecoroem1964,foielequemesteveàfrente
dogrupodurante39anosnascondiçõesacimadescritas!Cumpre,portanto,analisar
não apenas a trajetória do grupo, mas, especialmente, a trajetória daquele que foi o
seupróprioeixo:oMaestroFonseca.
1
Devoocontato comnovasperspectivaspara aatividade doregentecoral
às participações que tive como Tenor no Coro de Câmara da Escola de Música da
UFMG,sobregênciadaMaestrinaIaraFrickeMatteedoMaestroLincolnAndrade,e
no Coro Madrigale, sob regência do Maestro Arnon Sávio. Especialmente, foi no
Coro Madrigale que tive contato com a obra do Maestro Fonseca e, através de uma
participaçãoefetivacomesseCoronasolenidadedelançamentodaFundaçãoCarlos
Alberto Pinto Fonseca, sentime fortemente estimulado a investigar como este
Maestrotrabalhava.
Logo que comecei a investigação, percebi o valor que os resultados
poderiamterparaouniversodaMúsicaCoralnoBrasil.Contribuiriaparasomarao
trabalho de outros que admiravam o Maestro e que se dedicaram e ainda se
dedicamaoregistrodesuamemória,umapeçaimportantíssimanomonumentoda
memória artísticocultural brasileira. Ele figura como expoente entre os mais
brilhantes regentes de coro produzidos por Minas Gerais e está entre os mais
reconhecidosmundialmentenoséculoXX.

1
Porpraticidade,tomareialiberdadedetrataroArsNovaCoraldaUFMGsimplesmentepor“Ars
Nova” e o Maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca por “Maestro Fonseca” ou simplesmente por
“Fonseca”.
13
Naspróximasseções,apresentoecontextualizooquestionamentoquedeu
origemaestapesquisaedelimitoosobjetivosdamesma.
14
1.1 Problemática
OregentecoralemMinasGeraisfreqüentementeseimpossibilitadode
realizar um trabalho artístico de alto nível com seus grupos. As razões podem ser
muito diversas, mas, a partir de um questionamento básico, destacamse duas: a
formação dos coros e a formação dos regentes. Nas próximas seções, apresento
reflexões impulsionadas por perguntas que muitos regentes de coros amadores e
semiprofissionais fazem a si mesmos: “Por que muitos aspectos do meu próprio
trabalhotêmtãobonsresultados,outrossimplesmentenãoproduzemefeito,eoutros
produzem até efeitos negativos? O que fazer para obter bons resultados
sistematicamente?”

1.1.1 A formação dos coros
O primeiro grande problema da prática coral em Minas Gerais é a não
delimitação de objetivos artísticomusicais para a atividade. A maioria dos coros é
vinculadaainstituições,eadelimitaçãoouarestriçãodeobjetivosartísticomusicais
começanessavinculação.Quemfomentaocorofornecendoespaço,materialeverba
entendese no direito de tomar decisões e de fazer escolhas que muitas vezes
comprometemoprodutoartístico.Essasdecisõeseescolhaspodemdizerrespeitoao
processo e aos critérios de seleção dos coristas e do próprio regente, à convocação
paraapresentaçõeseatéàescolhaderepertório.
Com felizes exceções, as más condições técnicomusicais da prática coral
emMinasGeraispodemservislumbradasemfestivaisdecoroseemsituaçõescom
15
coros isolados como eventos realizados pelas instituições que os mantêm. São
recorrentes as performances deficientes no que diz respeito ao equilíbrio tímbrico e
dinâmico, à dicção, à afinação e, sobretudo, ao aproveitamento expressivo dos
elementos constituintes do discurso musical. Freqüentemente, justificase essa
deficiência técnica com o argumento de que “tratase de um acontecimento social”,
preterindoseobom níveltécnicomusical. Ora,a socializaçãoeo bomnível técnico
nãoseexclueme,naverdade,devemcoexistir.
Em inúmeros casos, entretanto, o problema da nãodelimitação dos
objetivosartísticomusicaispassapelaformaçãoespecíficadosdiretoresartísticosdos
coros, ou mesmo dos eventos corais (ÖSTERGREN, 2000). OAKLEY (1999) é
categórico: “Há somente uma razão pela qual os coros cantam desafinados: alguém
permitequeeles o façam.”(p. 119) E ainda:“O regente é pessoalmenteresponsável
pela construção do instrumento coral. O instrumento coral é o resultado direto da
habilidadedoregente, oudesua inadequação,para ensaiar.” (p.113) Issoconduz a
umsegundoproblema,enunciadoaseguir.
1.1.2 A formação dos regentes
Um segundo problema da prática coral em Minas Gerais é a formação
lacunardemuitaspessoasqueatuamcomoregentes.
2
Muitosassumemafunçãosem

2
Aoapontarasdificuldadesqueseinterpõemaotrabalhodosregentes,MARTINEZ(2000)ressalta“a
distânciaaqueseencontramdosgrandescentrosondeexistemcursos”(p.13).Éclaro,issoéuma
dificuldadepararegentesquevivememcidadesdointerior,exclusivamente.Assim,nãoseaplica
aomeuquestionamento,
umavezqueestouexatamenteemumdos“grandescentrosdopaísem
que,privilegiadamente,cursosdeRegência.
16
ter de fato a formação específica ou suficiente, lançandose à prática depois de um
cursodeVerão,oudepoisdeumadisciplinacurricularperiférica
3
decursodeoutra
área do conhecimento. Isso o é de se assustar, porque mais grupos corais que
regentes formados envolvidos com esses grupos ou interessados em trabalhar com
eles.
4

Além disso, os cursos que se dirigem à formação específica do regente
apresentam, por suavez, umafalha verdadeiramente grave: a aparente ausência de
um plano de ensino sistemático unificado abordando a realidade dos processos de
ensaio, de escolha de repertório e de performance com grupos amadores
principalmente instrumentais.
O gesto tecnicamente perfeito costuma ser colocado
como carro chefe do conteúdo, embora não seja suficiente para, em se tratando de
coros amadores, comunicar em plenitude o fenômeno musical idealizado. Essa
dificuldade de unificação e de sistematização do conteúdo poderia ser justificada
pela ausência de bibliografia brasileira de nível superior que
pudesse ser adotada
como material didático base para os cursos, mas esse argumento apenas reforça o
desafio que está diante da classe universitária: a própria produção da referida
bibliografia.

3
Refirome a disciplinas como “Regência e Pedagogia do Canto Coral”, ofertada nos cursos de
Licenciatura em Música da Escola de Música da UEMG, por exemplo. O objetivo da disciplina,
com apenasum semestre de duração, não é formar regentes, mas suscitar o interesse dos alunos
peloconteúdoeestimulá
losaoaprofundamentoposterioraocurso.Umavezcursadaadisciplina,
oalunonãodeveria aindase entender em condiçõesdeassumirafunçãoderegente, masbuscar
aperfeiçoamentoespecíficoalongoprazo.
4
Embora até recentemente o Brasil tenha sido dotado de pouquíssimas orquestras, o interesse
primeiro dos regentes em formação é o trabalho com esse tipo de grupamento musical. Tal
interesse é nutrido pelos próprios cursos superiores décadas, mas somente começou a ter
reflexosnacriaçãodeváriasnovasorquestrasestáveis
agoranosprimeirosanosdoséculoXXI.Um
grandeprejuízofoiapoucaounenhumaênfasedadaaotrabalhocom bandas,quesempreforam
quasetãonumerosasquantoospróprioscoros.
17
1.2 Objetivo
O gestual é o recurso privilegiado de que o regente dispõe para se
comunicar com o coro durante a apresentação. Por outro lado, no ensaio, é
imprescindível lançar mão também de recursos da linguagem oral. Assim, é no
ensaioqueconhecemosmelhorashabilidadesdoregenteparalidarcomlinguagens
diversificadas.OAKLEYafirmaque“oensaiorepresenta,naverdade,aperformance
do regente” (p. 113, grifo nosso) e que “Não gesto no mundo que possa
compensar o ensaio inadequado” (idem). Assim, conhecer o trabalho de ensaio do
Maestro Fonseca como regente do Ars Nova não contribuiria para o resgate da
memória artísticocultural do Brasil, mas especialmente contribuiria para preencher
muitas lacunas no universo da técnica na área da Regência Coral. O objetivo desta
pesquisa, portanto, é verificar essa hipótese coletando, discutindo e sistematizando
umferramentaltécnicodeensaiocoraldoMaestro.
Chamoferramentaltécnicooconjuntoderecursosutilizadospeloregente
para estabelecer uma boa comunicação com o coro, compreendendoo e fazendose
compreendido tratamento interpessoal, procedimentos didáticos e gestual.
Consideroprocedimentosdidáticosaquelesquevisamlevarosintegrantesdogrupo
ao desenvolvimento de suas próprias habilidades para o canto em conjunto
respiração,apoio,dicção,sincronia,impostação,extensão,afinação,dinâmica,leitura
musicaleexpressãomusical.Nestapesquisanãotratareidiretamentedogestual,por
nãoseresseofocodemeuinteresseimediatoedestapesquisa.
É importante explicar a diferença entre a abordagem desenvolvida nesta
pesquisa e as abordagens de outros pesquisadores que se dedicaram a conhecer
melhor o Maestro Fonseca. Enquanto SANTOS (2001) desenvolve sobre ele uma
biografia e um catálogo de obras e FERNANDES (2004, 2005) e LAUAR (2004)
18
enfocam as questões composicional e interpretativa de obras do Maestro, eu
pretendo enfocar em minha pesquisa apenas a sua atividade como regente coral e
suaatuaçãoemensaio.
Paraefeitodedelimitação,entendereioArsNovacomoexemplardeuma
categoria de coros a que chamarei semiprofissional”, ou seja, que possui uma
estruturapessoal eumainfraestrutura organizadase cujosmembros semvínculo
empregatíciopassaramporumprocessopréviodemusicalização,sistemáticoou
não,maseficiente,mesmoquealgunsdelesnãotenhamtidomuitolargaexperiência
prévia com técnica vocal. A importância da delimitação do conceito de coro
semiprofissional para esta pesquisa reside na hipótese de que os dados obtidos
através da mesma poderão ser aplicados em qualquer caso de coro dessa mesma
categoria, embora não tenha sido meu objetivo verificar essa hipótese. Outro
exemplar de coro que eu enquadraria nessa mesma categoria é o atual Coro
Madrigale,criadoeregidopeloMaestroArnonSávioReisdeOliveiradesde1992.
Nesterelato,distribuooconteúdodestapesquisadaseguinteforma:
a) Capítulo 2 Revisão de literatura: apresentação de súmulas das obras da
bibliografia principal utilizada nesta pesquisa e apontamentos sintéticos
sobre a forma como cada uma das obras influenciou o desenvolvimento
desterelato.
b) Capítulo 3 Metodologia: descrição do percurso desta pesquisa e
argumentaçãosobreosinstrumentosdecoletadedadosadotados.
c) Capítulo4MaestroFonseca:revisãodatraje tória doMaestro,concentradaem
suaformaçãomusicaleemsuarelaçãocomoArsNova,seguidaporuma
sistematizaçãodaquiloquefoipossívelrecolherdeseuferramentaltécnico
aplicadoàpráticadaqueleCoro.
d) Capítulo 5 Análise: associação da prática do Maestro Fonseca às propostas
advindas da bibliografia e identificação das fontes de muitos recursos
técnicosadotadosporele,comparandosuapráticacomessasfontes.
e) Apêndices e Anexo: como apêndices, o conteúdo desta pesquisa que não
coube ser incluído na parte principal deste relato ou que mereceu ser
destacadodamesma,e,comoanexo,materialdeautoriaalheia.

2 REVISÃO DE LITERATURA
Discuto nesta seção apenas a bibliografia principal utilizada nesta
pesquisa. Para uma lista completa da bibliografia consultada, ver Referências.
Divido a bibliografia principal em dois grandes grupos: (1) autores brasileiros e (2)
autoresestrangeiros.Essadivisãotemumaperspectivatécnica:osautoresbrasileiros
têm um ponto de vista privilegiado sobre a Regência Coral neste país. Embora
alguns trabalhos sejam muito experimentais ou incipientes, todos os autores
brasileiros mencionados aqui servem como referencial teórico para uma
argumentação sobre a realidade nacional da disciplina e da prática da Regência
Coral.Sejapelofornecimentodiretodeinformações,sejapelaslacunasdeixadaspela
falta delas. Os autores estrangeiros, por sua vez, oferecem uma bagagem que não
deixa de lançar mão de aquisições técnicas feitas ao longo de séculos de história.
Servemparaumacomparaçãoentrerealidadesdiversasanacionaleasestrangeiras
e, o mais importante, constituem, em alguns casos, o próprio
referencial teórico
técnicodoMaestroFonseca.
À parte a questão da técnica gestual, foi possível identificar três ênfases
nas abordagens da bibliografia específica: (1) atributos do regente, (2) ética e (3)
pragmatismo. Na verdade, praticamente todos os autores apresentam as três óticas,
mas em medidas diferentes. A diferença de ênfases pode
ser reflexo, por um lado,
dasinquietaçõesprovocadaspelomomentooupeloambienteemqueseinscreverao
autor. Por outro lado, pode ser reflexo simplesmente de um forte desejo de
compartilharconhecimento.
MIGNONE (1943), MARTINEZ (2000), ZANDER (2003) e ROCHA (2004)
discutem amplamente a questão da liderança como atributo
do regente. Os autores
20
apontam sensibilidade, equilíbrio, imparcialidade, paciência, organização e
responsabilidadecomocaracterísticasbásicasqueumgrupocoraldeveriaesperarde
seu líder. São características que inspiram o grupo à confiança e que, portanto,
conferem autoridade ao regente. Em adição, para exercer de fato sua autoridade, o
regente deve possuir uma personalidade forte. No caso do regente coral, isso
significa, em primeiro lugar, ter suas próprias aspirações artísticas envolvendo o
grupo com que trabalha. Segundo, significa ser comunicativo e persuasivo para
transmitirentusiasmoaogrupoeconvencêlosobreessasaspirações.ROCHAainda
explicaaautoridadedoregente comosendoo “reconhecimentotácito [porpartedo
coro]desuacompetênciaprofissional”(p.25).
Emsetratandodecompetênciaprofissional,evidentemente,issodepende
da formação do indivíduo. MARTINEZ, ZANDER e ROCHA tratam do assunto
indicandoosconhecimentosqueconsiderammínimosparaaformaçãointelectualdo
regente embora a lista ultrapasse a vida útil de uma pessoa. À parte os
conhecimentos específicos da área de Teoria da Música Harmonia, Contraponto,
Análise,História –, oregenteteria de percorrerdiversasoutras áreas,como Direito,
Ética, Filosofia, Religião, Administração e Psicologia (ROCHA), além de ter
habilidadesbásicasemdiversosidiomaseconhecertambémoutrasartes.
Os quatro autores também são enfáticos na questão da musicalidade do
regente coral como atributo essencial e apontam características que consideram
determinantes para um nível adequado desse atributo: ouvido musicalmente
apurado,desenvolturaeminstrumentodeteclado,conhecimentosobretécnicavocal
provenientedeexperiênciapessoalcomocantor,habilidadenaleituraeinterpretação
deumapartitura.
Osdemaisautoresparecemestarmenospreocupadoscomosatributosde
um regente que com suas atribuições. De fato, MATHIAS (1986), JUNKER (1999),
ÖSTERGREN (2000) e KERR (2006), sob um ponto de vista ético, lançam luzes à
21
responsabilidade social do regente coral no Brasil. SCHULLER (1997), também sob
um ponto de vista ético, argumenta veementemente a favor de uma “moralidade
estética”queterseíaperdidogradativamenteapartir dasegundametadedoséculo
XIX. SCHULLER apregoa o respeito ao compositor e à obra como ponto de partida
paraainterpretação.
Diferentemente, mas ainda ocupados das atribuições de um regente,
ERICSON (et al., 1976), HEFFERNAN (1982), PFAUTSCH (1988), SWAN (1988),
HOLST (1995), CARVALHO (1997), FONSECA (1999 e Apostila), MOORE (1999),
NOBLE (1999), OAKLEY (1999), SILANTIEN (1999), FERNANDES (et al., 2006a,
2006b) e FIGUEIREDO (2006) têm um
olhar essencialmente pragmático sobre a
questão,discutindomeiosefetivosdeconduzirapráticacoral.Énessepontodevista
que se concentra a maior parte desta dissertação. Em especial HEFFERNAN,
PFAUTSCHeSWANserãotratadosdetalhadamentenocapítulo5Análise.
22
2.1 Autores brasileiros
Em função do tipo de abordagem dos autores, divido esta seção em três
partes:(1)trabalhosacadêmicos,(2)livrosdidáticose(3)outrostrabalhos.
2.1.1 Trabalhos acadêmicos
SANTOS (2001) fornece um catálogo de obras do Maestro Fonseca e
desenvolve uma biografia do mesmo, apresentando, além da narrativa, cronologias
separadas para prêmios e condecorações, principais participações especiais em
eventos,críticasjornalísticasecartasedeclarações.Abiografiaeascronologiassão
o ponto de partida para toda a abordagem desta pesquisa e especialmente
importantes como subsídios para uma discussão acerca do perfil do Maestro
Fonseca.
Outro importante referencial teórico sobre Fonseca é a dissertação de
FERNANDES (2004), da qual interessam especialmente os capítulos primeiro e
quintoparaestapesquisa.OprimeirofazumabrevebiografiadoMaestroFonsecae
estabelece a relação entre suas vivências e a composição de sua “Missa Afro
Brasileira(debatuqueeacalanto)”(FONSECA,1978).Aseçãobiográficadesterelato
(4.1 Trajetória) é uma revisão da obra de SANTOS (2001), com atualização das
informações. O quinto capítulo trata da “montagem e execução” da “Missa...”,
abordando, entre outras coisas, a atuação do próprio Maestro Fonseca em ensaios
daquelaobra.Oartigodomesmoautor(2005)éumasíntesedomaterialapresentado
nessesdoiscapítulosenocapítuloterceirodesuadissertação.
23
Em outra pesquisa, FERNANDES unese a KAYAMA e ÖSTERGREN
(2006a e 2006b) para discutirem a sonoridade coral como uma “somatória de
elementos técnicovocais, técnicocorais e estilísticos” (2006a, nota 1, p. 73). Em “O
regente moderno...” (2006b), apresentam uma argumentação acerca da função do
regente coral principalmente no contexto de coros amadores e do conceito de
“sonoridade coral”, discriminando duas abordagens para o trabalho dessa
sonoridade:aspectostécnicosindividuaisecoletivos.Em“Apráticacoral...”(2006a),
os autores se concentram na argumentação sobre essas duas abordagens. No grupo
de aspectos técnicos individuais, os autores discutem o uso dos registros vocais,
conhecimentos de dicção, flexibilidade de timbre e uso do vibrato. No grupo de
aspectos técnicos coletivos, aparecem homogeneidade e equilíbrio, afinação em
conjuntoeprecisãorítmica.“Apráticacoral...”pareceserumdesdobramentode“O
regentemoderno”,emboranãotenhasidopossíveldetectaroperíodoexatoemqueo
primeirofoipublicado.
Em artigo anterior, ÖSTERGREN (2000) discute as funções do regente e
sua conduta perante o grupo coral enquanto parte de uma comunidade. Seus
questionamentos acerca do perfil do regente poderiam ser entendidos como uma
versãoacadêmicadaargumentaçãodeJUNKER(1999).
24
2.1.2 Livros didáticos
MATHIAS (1986) parece ser a fonte primária para MARTINEZ (2000),
ZANDER(2003)eROCHA(2004).
5
Oconteúdoabrangeassuntoscomo:diversidade
derecursosdecomunicação;perfiléticotécnicoefunçõesdoregentecoral,incluindo
suas funções pedagógicas; relacionamento interpessoal; técnica vocal para coro e
técnicas de ensaio. Devido à pequena dimensão da obra, a abordagem é
extremamentesintética,recorrendomuitasvezesàescritaemtópicos,
masétambém
defácilleituraecomumaordenaçãomuitoclaradeidéias.
CARVALHO(1997)afirmaqueoseutrabalhotratasedeumacompilação
de “considerações feitas em sala de aula” (p. 13). Segundo o autor, tudo o que se
expõe no livro foi vivenciado por sua classe, “Desde
a terminologia peculiar da
profissão aos impasses confrontados em aula” (p. 13). O conteúdo é riquíssimo em
definições de conceitos, os quais são agrupados esquematicamente em tópicos
recorre pouco à linguagem dissertativa e em função dos quais são ordenados as
técnicas e os procedimentos abordados. Como não é
seu objetivo aprofundarse em
todos os tópicos apresentados, o livro dirige o olhar do leitor para quase todos os
ângulos sob os quais deve observar a Regência enquanto disciplina da Música.
CARVALHOétambémautorde“EsquemaEssencialdeClassificaçãoparaaMúsica
Ocidental(pesquisaemterminologiaprópriamusical)”.
6

“Regência Coral: princípios básicos” é publicado como sendo de autoria
deMARTINEZ(2000),maspossuisignificativasevolumosascontribuiçõesdeoutros

5
ZANDER(2003)chegaareverenciarMATHIASemsuaobra.
6
CARVALHO, Reginaldo. Esquema Essencial de Classificação para a Música Ocidental (pesquisa em
terminologiaprópriamusical).Teresina:ImpressãoFreireeComp.Ltda,1993.68p.
25
três autores. O conteúdo do livro apresentase em capítulostópicos, embora o
discurso de cada capítulo seja na verdade dissertativo. Interessam a esta pesquisa
especialmente os seguintes capítulos: “Tópico 5: Ser um maestro”, “Tópico 11:
Técnicasdeensaio”,“Tópico15:Voz”,e“Tópico16:Dinâmicasdegrupoparacoro”.
O“Tópico15...”divideseempartesquetratamalternadamentedefisiologia,técnica
ehigienevocal.
Concordante com a abordagem desta pesquisa, ZANDER (2003) enfatiza
quea expressão“técnica de Regência”não deveserusada apenaspara referirseao
trabalhodecomunicaçãogestualdoregente. Antes,deveseutilizálaparareferirse
a “um complexo que reúne, além do aspecto mecânico, também o estético, o
interpretativo e até o psicológico [...]” (p. 14). O livro oferece uma abordagem
honesta e melhor ainda prática daquilo a que se propõe. Trata dos seguintes
assuntos que interessam diretamente a esta pesquisa: perfil éticotécnico e conduta
doregentecoral,técnicavocalparacoroeafinaçãocoral,técnicasdeensaiocoral.
AexemplodeCARVALHO(1997),ROCHA(2004)afirmaqueseulivrofoi
inspiradonasnecessidadeselacunasqueseapresentaramnocontextodasaulasque
tem ministrado desde 1995. Todos os capítulos são permeados por aspectos que
interessam a esta pesquisa, embora a abordagem sobre Regência Orquestral
predomine em alguns deles. Os assuntos que mais interessam são: (1) liderança,
comunicaçãogestualerelaçãoregenteobra,porquetraçamumperfiléticotécnicodo
regente,e(2)ensaios.
As obras mencionadas acima são provavelmente as cinco mais
importantes do material didático sobre Regência Coral publicado no Brasil.
Infelizmente,elasnãopodemsertratadascomométododeRegênciaCoralaplicável
aoscursosdenívelsuperior,pelosmotivosqueapresentoaseguir:
a) MATHIAS (1986) é um bom livro didático e até pode ser tratado como um
método introdutório à Regência Coral, mas é incipiente para o aluno de
umcursosuperiordeRegência.
26
b) CARVALHO(1997)éumbomlivroparatodososníveisdocursodeRegência,
mas, devido à linguagem esquemática utilizada, fica claro que o seu
objetivofoiodesenvolvimentodeummaterialdereferênciaparaconsulta
enãoummétodo.
c) MARTINEZ(2000)temumaestruturageralmuitodidática,masolivrocarece
de revisão, pois, além de erros recorrentes de ortografia e de construção
sintática, falhas graves no que diz respeito à fisiologia da voz
excetuandoseoconteúdo de autoria deDenise SARTORI: “Tópico 15...”,
“ParteIII:Anatomiaefisiologiadosistemavocal”(p.155–184).
d) ZANDER (2003) oferece um sumário com uma organização muito lógica do
conteúdo, mas idéias e argumentações que parecem não se encontrar
na seção adequada, além de um equívoco primordial: apesar de afirmar
que o termo “técnica” não deve ser utilizado para se referir apenas a
gestual, o capítulo dedicado a “A técnica da regência coral” trata quase
exclusivamentedogestual.
e) ROCHA (2004) é um livro bem escrito e, mesmo sendo razoavelmente
sintético, discute amplamente a questão da liderança, embora possa ser
questionado pela ótica passional que imprime ao assunto em certos
pontos. Além disso, não trata sistemática e abrangentemente de questões
respectivas à Regência Coralefogemuitoà imparcialidade necessária ao
ensinoacadêmico.
Fica clara, assim, a necessidade de um trabalho sistemático baseado em
pesquisas científicas para o desenvolvimento de um método para cursos de nível
superior.Umasoluçãoparaessalacunaseriaatraduçãodepublicaçõesestrangeiras
queatendamaessesquesitos,masissotalveznãocontemplassearealidadebrasileira
atualdomundocoral.
Apesar dessas lacunas talvez por causa delas –, os autores até aqui
mencionados nesta seção contribuíram substancialmente para a organização do
quadrodeperguntasutilizadonasentrevistas.
7

7
Sobreasentrevistaseoquadrodeperguntas,ver3MetodologiaeApêndiceA.
27
Com relação específica à técnica vocal, foi valiosa a leitura de PÉREZ
GONZÁLES (2000). O autor faz uma apresentação autobiográfica descrevendo o
processo que o levou a deixar uma carreira de Tenor para assumir abrupta e
definitivamente sua voz de Barítono. Em seguida, narra um curso de “Iniciação à
técnica vocal” em dez aulas semanais. O formato é um roteiro teatral, do qual
participam, além do próprio autor, dois cantores, dois regentes, dois atores e uma
professora.Nodecursodessasaulas,oautorensinademaneirapráticaoselementos
básicosdesuaescoladeCanto.Pelomenosdoisdesseselementossãoadotadospelo
Maestro Fonseca como pilares de unificação da sonoridade do Ars Nova. Tratarei
desses “pilares” oportunamente (4.2.2.3.1 Dicção, alínea (a); 4.2.2.3.4 Impostação
vocal).
2.1.3 Outros trabalhos
AapostiladeFONSECA(semdata)émuitoconhecidaentreosalunosde
RegênciaCoraldaFundaçãoClóvisSalgado.Pelascaracterísticasdodiscurso,pode
seinferir que aapostila tenha sidoorganizadaa partirde uma compilaçãode notas
feitasemaulaporseusprópriosalunosaolongodealgumtempo,talvezanos.Porse
tratar de notas,geralmentesobrea experiência prática do próprio Maestro Fonseca,
não referências bibliográficas, apenas alusões a alguns nomes, a saber: Sergiu
Celibidache,KurtThomaseRoberto[Robert]Shaw.Tiveacessoàversãodigitadada
mesma, mas é possível que na década de 1980 circulasse uma versão
datilografada.
8
Na versão a que tive acesso, FONSECA dedica metade das laudas a

8
Sobre essa apostila, o professor Dr. Sérgio Antônio Canedo indica: “CarlosAlberto deu um curso,
entre1986e1987,nasdependênciasdoArsNova,noEd.Acaiacae,realmente,aquelesquefizeram
essecurso,entreosquaismelembrodoOtacílio,doMárcioMiranda,chegaramaanotareproduzir
28
técnicas de gestual e a outra metade a cnicas de ensaio e de interpretação de
repertório. A segunda metade interessa diretamente a esta pesquisa. O artigo do
mesmo autor (1999) apresenta uma fração do conteúdo da primeira metade da
apostilaemcaráterapenasintrodutório.
Emseuensaiosobreapráticacoral,FIGUEIREDO(2006)discorresobreo
assunto levantando pontos importantes para esta pesquisa, como (1) a formação de
umregentecorale(2)arelaçãoentreoregenteeocoro,relaçãoquesedesdobraem
(3)oconceitoe aimportânciadoensaio,(4)oauxílioaodesenvolvimentodocantore
(5)apreparaçãodoensaio.Essespontostambémcontribuíramparaaorganizaçãodo
quadrodeperguntasutilizadonasentrevistas.
MIGNONE (1943) faz um ensaio sobre a história da função do regente
desde a antiguidade, concentrandose, finalmente, no período de que seu texto é
contemporâneo. Embora trate especificamente da Regência Orquestral, dedica a
última parte do ensaio a uma argumentação sobre o perfil do regente. Essa
argumentaçãofoiinteressanteparaumacomparaçãoentreapráticadaquelaépocae
apráticadasegundametadedoséculoXX.
JUNKER(1999)eKERR(2006)propõemumaabordagempluraleholística
da prática coral.
Os autores não tratam sistematicamente de aspectos técnicos da
RegênciaCoral,e sua influênciaaparece nesta dissertação especialmentena medida
em queeuevito me referir ao ferramental técnico doregentecomoum conjunto de
recursos para a solução de problemas, como fazem a maioria dos autores sobre o
assunto.
Prefiromereferiraoferramentalcomoconjuntoderecursosparaauxiliaro
crescimentotécnicodogrupo,evitando,assim,otermo“problema”.JUNKERainda

umaapostilaapartirdoquetrabalhávamosemsala.Creioseramesmaapostilaaquireferida.”(em
notasdecorreçãodestadissertação)
29
enfatiza a função do regente inserida no contexto comunitário como educador
musical.
30
2.2 Autores estrangeiros
Emfunçãodo tipode abordagemdos autores,dividoestaseçãoem duas
partes:(1)livrosdidáticose(2)artigos.
2.2.1 Livros
SWAN e PFAUTSCH cooperam com outros autores fornecendo
respectivamente os capítulos 1 e 2 do Choral Conducting Symposium (DECKER e
HERFORD,1988),publicadoprimeiramenteem1973.Otítuloéumaalusãoàreunião
deváriosautoressobdiferentespontosdevista,masnãosedeveàrealizaçãodeum
evento público. SWAN analisa seis escolas de pensamento do Canto Coral nos
Estados Unidos, descrevendo suas filosofias, métodos e implicações, além de
levantar os pontos positivos e as lacunas deixadas por cada escola. Em seguida,
propõe recursos para preencher essas lacunas e, finalizando, apresenta sua própria
metodologia da disciplina. PFAUTSCH faz
uma abordagem ampla do processo de
ensaio. Dos assuntos tratados, interessam a esta pesquisa especificamente:
importância, funcionamento e preparação do ensaio, perfil e conduta do regente,
relaçãointerpessoal,técnicasdeaprimoramentodogrupo.
HEFFERNAN (1982) é fortemente influenciado por SWAN e apresenta
desdobramentos da perspectiva deste autor. De HEFFERNAN interessa
especialmente o capítulo 4, que, além de registrar algumas novidades técnicas,
confirma, nove anos depois de SWAN, a eficiência atual do ferramentaltécnicopor
esteabordado.
31
Esses três autores SWAN, PFAUTSCH e HEFFERNAN são
apresentadosemdetalhesnocapítulo5Análise.
Uma perspectiva semelhante em muitos pontos, principalmente no que
dizrespeito adicção,abordagem rítmicae algumasoutras técnicasdeensaio éa de
GALLO (et al., 2006), no Manual para la dirección de coros vocacionales”. O manual é
muito abrangente e discute desde El significado sociocultural del canto vocacional”,
passandopelacriaçãodecoros,atéadefiniçãodeparâmetrosparaainterpretaçãode
obras corais. O interesse dessa obra para esta pesquisa reside em constatar como
muitos dos recursos técnicos abordados por SWAN, PFAUTSCH e HEFFERNAN
continuam vivos e aplicáveis até os dias de hoje, mesmo fora do solo norte
americano.Noentanto,éimportantemencionarque,pelomenosnoquedizrespeito
à impostação vocal, divergências entre os autores argentinos e aqueles norte
americanos.
Metade do livro Choral Conducting (ERICSON et al., 1976) é dedicada à
técnica do gestual, e o livro todo é essencialmente prático, apresentando pouca
argumentação teórica sobre cada assunto. Nas partes que mais interessam a esta
pesquisacapítulos2,4,5eGoldenRules–,osautoresapresentamumasíntesede
suametodologia em ensaioe umaincursão detalhadapelaquestão dasonoridade e
daafinação.Aimportânciadestaobraparaestapesquisatambémestánofatodeque
osautoressuecos diferem substancialmente dosprincípiose das técnicas apontadas
por SWAN e PFAUTSCH, embora sejam contemporâneos. Essa diferença é crucial
paradesenvolvercertaargumentaçãonocapítulo5destadissertação.
A parte mais volumosa do livro de SCHULLER (1997) trata da aplicação
de um método de Análise Musical desenvolvido pelo autor, baseado no
conhecimento estilístico e no respeito pela partitura, apresentando comparações
entre diversas gravações importantes de cada obra analisada. As partes que
interessamaesta pesquisasãooprefácioeo capítulointrodutório,que éum ensaio
32
razoavelmenteextensosobreaFilosofiadeRegênciadoautor,eserveparaefeito
de comparação com a filosofia do Maestro Fonseca. Sob um ponto de vista ético,
SCHULLER argumenta veementemente a favor de uma “moralidade estética” que
terseíaperdidogradativamenteapartirdasegundametadedoséculoXIX.Oautor
apregoa o respeito ao compositor e à obra como ponto de partida para a
interpretação.
2.2.2 Artigos
SMITH & YOUNG (2003) apresentam um estudo etimológico da palavra
chorus e traçam um panorama histórico da prática coral desde a Antigüidade
Clássica.Otópico (i), parágrafo(5),concentrase na prática coraldoséculo XX efoi
muito útilparaumacontextualização mais ampla das atividade desenvolvidas pelo
MaestroFonseca,eespecialmente paraesclarecerseucontatocomaAmerican Choral
DirectorsAssociation(ACDA).
MOORE (1999), SILANTIEN (1999), OAKLEY (1999) e NOBLE (1999)
apresentam uma síntese de sua concepção sobre o conceito, a importância e o
funcionamento do ensaio coral. MOORE detémse na questão do planejamento das
atividades do coro a longo, médio e curto prazo. SILANTIEN, por sua vez,
concentrase nas questões que envolvem as atividades de um único ensaio,
considerando a preparação para o ensaio, o ensaio propriamente dito e a avaliação
pósensaio.OAKLEYcategoriza,explicaesugeremeiosdesetrabalharoselementos
que considera unificadores da técnica coral, na seguinte ordem de importância:
ritmo, afinação/entonação e dicção. NOBLE, por sua vez, aprofunda sua
argumentação na questão rítmica, apresentando uma perspectiva específica sobre o
33
tratamento do tempo musical. O conteúdo das obras destes autores foi útil
principalmenteparaaelaboraçãodoquadrodeperguntasparaasentrevistas.

3 METODOLOGIA
Estaseçãoé dedicada àdescriçãodo percurso destapesquisa. Para efeito
de exposição, dividoo em cinco fases e em vinte e dois passos. Essa disposição
pretende seguir uma ordem cronológica, mas alguns passos enunciados ocorreram
concomitantemente. Devido à natureza do capítulo, após uma breve exposição de
todoopercurso,determeeidetalhadamentenumaexplicaçãosobreaterceirafase
escolhaeaplicaçãodosinstrumentosdecoletadedados.
Primeirafase:
a) Questionamento pessoal acerca (1) da prática coral, (2) da prática do regente
coral,(3)doensinodaRegênciaedaRegênciaCoralespecificamentee(4)
do cenário da Música Coral em Minas Gerais e no Brasil. Esse
questionamentofoioprimeiroestímuloparaestapesquisaedirecionoua
elaboraçãodo anteprojeto.Alémdisso, comonão podia deixardeser, ele
permeoutodaapesquisa.
b) LeituraefichamentodabibliografiaespecíficapublicadanoBrasil.Partedesse
trabalhofoifeitaaindaantesdaredaçãodoanteprojeto.
c) Elaboraçãodetextoapresentandoparalelamenteasinformaçõesrecolhidasem
(b), organizandoas por assunto. Esse texto foi apresentado ao exame
intermediáriodequalificação.
d) Observação do comportamento dos agrupamentos de informações e
percepçãodasabordagensetendênciasdabibliografia.
e) Comparaçãoentreasquestõeslevantadasem(a)eosresultadosobtidosem(c)
e(d).
Segundafase:
f) Leitura e fichamento da bibliografia específica publicada no exterior. Esse
trabalho teve início um semestre antes do exame intermediário de
qualificação.
g) Comparaçãoentreoconteúdode(f)easquestõeslevantadasem(a).
35
h) Comparaçãoentre(g)e(e).
Terceirafase:
i) Levantamento de questões apontadas por (e), seja por muita, seja por pouca
ênfaseemcertostópicos,sejaportotalausênciadealgunstópicos.
j) Escolha dos instrumentos de coleta de dados: observação participante,
entrevistas parcialmente estruturadas e análise de gravações de áudio.
Evidentemente, no anteprojeto havia uma proposta de estratégias
incluindo análise documental e análise de vídeos mas somente neste
ponto foi possível determinar quais seriam realmente os instrumentos
utilizados.
k) Elaboraçãodoquestionárioparaasentrevistas.
l) Contactação dos participantes. Também no anteprojeto havia uma lista de
nomes de possíveis participantes. Mas foram necessárias diversas
alteraçõesacréscimosesubtraçõesem funçãodecircunstânciasquese
interpuseram.
m) Observaçãodeensaioserealizaçãodasentrevistas.
n) Transcrições.
Quartafase:
o) Primeira análise dos dados: elaboração de texto dialogando com as
informaçõesobtidasem(n),organizando
asporassunto.
p) Observação do comportamento dos agrupamentos de informações e
percepçãodasabordagensetendênciasdosparticipantes.
q) Segundaanálisedosdados:sistematizaçãodoferramentaltécnicodoMaestro
Fonseca e reelaboração do texto de (o), calçandoo com informações de
cunho histórico oriundas da bibliografia. O texto elaborado
neste passo
correspondeaocapítulo4MaestroFonsecadestadissertação.
r) ElaboraçãodetabelasintetizandooferramentaltécnicodoMaestro.
Quintafase:
s) Comparaçãoentreosresultadosobtidosem(q)e(r)eoconteúdode(f).
t) Terceiraanálisedosdados:elaboraçãodetextodialogandocomaspercepções
desenvolvidas em (s). O texto elaborado neste passo corresponde ao
capítulo5Análisedestadissertação.
36
u) Comparação entre o conteúdo de (t) e as questões levantadas em (a):
elaboraçãodegeneralizações.
v) Redação final dos capítulos 1 Introdução, 2 Revisão de literatura, 3
Metodologiae6Conclusão.
Naterceirafase concentrase o maiorinteressedeste capítulo, porquediz
respeitoàescolhadefinitivadosinstrumentosdecoletadedados.Foramnecessárias
alterações na proposta original em função da dificuldade de acesso a documentos
originais e vídeos específicos. Assim, o instrumento privilegiado para esta pesquisa
passouaseraentrevista.
Inicialmente, foi feita uma lista com dezenove nomes de possíveis
entrevistadosquetiveramcontatoprofissionalpormais dedezanoscomoMaestro
Fonseca,mascomperfisdiversificadosparapoderobterpontosdevistadife rentes
e relevantes. Não era intenção entrevistar as dezenove pessoas: a extensão
aparentemente exagerada dessa lista foi uma acertada precaução quanto à possível
dificuldadedeacessoaalgumaspessoas.Defato,nãofoipossívelfazercontatocom
sete dos dezenove nomes. Os doze nomes restantes foram contatados efetivamente,
mas cinco não chegaram a ser entrevistados, pois não foi possível encontrar data e
horárioviáveisparaaentrevistaatempodeseraproveitadanestetrabalho.Portanto,
dalistaoriginalapenassete
pessoasforamrealmenteentrevistadas:
9
a) HélcioRodrigues,musicista(regenteecantor).TendosidoalunodeRegência
do Maestro Fonseca, participou do Ars Nova entre 1981 e 2001 como
Tenorecomoregenteauxiliar.Entrevistadoaos10deDezembrode2008.
Pontos de vista: (1) o cantorregente sendoregidoeobservadordo outro
regente
atuando como tal e como professor de Regência e (2) o cantor
regentesubstituindoooutroregente.
b) Luzia Inês Antoniol, musicista (cantora e professora de canto). Participou do
Ars Nova entre 1988 e 2003 como Soprano, como chefe de naipe e como

9
Vale registrar que teriam sido muitíssimo enriquecedoras para esta pesquisa duas entrevistas que
nãochegaramaserrealizadas:MaestrinaÂngelaPintoCoelhoeprofessorEladioPérezGonzáles.
37
membro da diretoria administrativa do Coro. Entrevistada aos 14 de
Janeiro de 2009. Ponto de vista: o cantorprofessor sendo regido e
observadordoregenteatuandocomotal.
c) MarcoAntônioVerona,musicista(cantor).ParticipoudoArsNovaentre1992
e 2002 como Tenor e como membro da diretoria administrativa.
Entrevistadoaos04 deDezembrode2008.Ponto devista:ocantorsendo
regido e observador do regente atuando como tal. O diferencial deste
perfil está no fato de que o entrevistado não tem intimidade com a
pedagogiadaconduçãodeumaatividadevocalcoletiva.
d) Ângelo José Fernandes, musicista (regente e pesquisador). Conheceu o
Maestro Fonseca em 1991, foi seu aluno e acompanhou seu trabalho até
2006, quando Fonseca veio a falecer. Freqüentava ensaios do Ars Nova
parafinsdepesquisa.Entrevistadoaos09deNovembrode2008.Pontode
vista: o regente observador do outro regente atuando como tal e como
professordeRegência.Odiferencial desteperfil équeo entrevistadonão
se ocupava com o ato de cantar no Ars Nova ou com a execução das
demandasqueenvolviamaconduçãodeensaiose,porisso,pôdemanter
algum distanciamento do trabalho,facilitando tomarnotasedesenvolver
reflexõessobreomesmo.
e) Ernani Aguiar, musicista (compositor e regente), membro da Academia
BrasileiradeMúsica.ConheceuoMaestroFonsecaem1970,foiseualuno
e acompanhou seu trabalho até 2006, quando Fo nseca veio a falecer.
Nunca freqüentou ensaios do Ars Nova. Entrevistado aos 24 de Outubro
de 2008. Ponto
de vista: o regente observador do outro regente atuando
comoprofessordeRegência.Odiferencialdesteperfiléqueoentrevistado
tem uma visão do trabalho do Maestro Fonseca externa ao ensaio, na
prática.
f) SuzanaMeinbergSchmidtdeAndrade,arquiteta.ParticipoudoArsNovanos
períodos entre 1960 e
1970 e entre 1999 e 2005 como Contralto e como
membro da diretoria administrativa. Entrevistada aos 09 de Janeiro de
2009. Ponto de vista: o cantor prático sendo regido e observador do
regente atuando como tal. O diferencial deste perfil não é apenas a
perspectiva menos técnica, mas a possibilidade que apresenta de
compararépocasbemdistintas.
38
g) Luiz Carlos Rocha,
10
professor de História, expresidente da Federação
Mineira de Corais. Participou do Ars Nova no período entre 1982 e 2003
comoBaixoecomomembrodadiretoriaadministrativa.Entrevistadoaos
11 de Dezembrode2008.Ponto de vista:o cantorpráticosendoregido e
observadordoregenteatuandocomotal.Devidoàmuitasemelhançacom
o perfil (f), Rocha não é mais mencionado nesta dissertação, mas foi
importante para confirmar diversos dados recolhidos na entrevista com
SchmidtdeAndrade.
Além destes nomes, também entrevistei o musicista (cantor) Leonardo
Viana da Silva, que participou do Ars Nova no período entre 1998 e 2003 como
Tenor. Tendo se oferecido espontaneamente para participar, foi entrevistado aos 14
deJaneirode 2009 ao mesmotempo que sua esposa,a cantora Luzia InêsAntoniol.
Embora ele não se enquadre no grupo dos entrevistados pelo tempo reduzido com
que trabalhou com o Maestro Fonseca, sua participação também contribuiu muito
para enriquecer esta pesquisa. Silva apresentou um ponto de vista comparativo:
tendoparticipadomenostempodotrabalhodoArsNova,pôdecomparáloaoutros
trabalhos recentes de que participara e de que tem participado. Como foi uma
entrevista dupla, refirome aos dois simultaneamente na maior parte dos casos em
quemencionoosdadosqueelesforneceram.Silvaapresentaomesmopontodevista
queocantorMarcoAntônioVerona:ocantorsendoregidoeobservadordoregente
atuandocomotal.
A contribuição do perfil (f) foi inserida principalmente nas seções 4.1.2
Coral da UEE e 4.1.3 Ars Nova Coral da UFMG. Os perfis (a) a (e) contribuíram
substancialmentecomdados que, não apenas sãooconteúdo principal da seção4.2
Ferramentaltécnico,mas tambémforam fundamentaispara determinarexatamente

10
Infelizmente, Luiz Carlos Rocha faleceu poucas semanas após a realização da entrevista. Registro
aquimeu apreço por aquelehomemapaixonadopeloCanto Coral que lutou pelofuncionamento
dapraticamentedesativadaFederaçãoMineiradeCorais(FEMICOR)comesforçoquasesolitário.
A fácil acessibilidade era uma característica sua, e eu pude comprovar
isso diversas vezes desde
que o conheci aos 09 de Junho de 2000, na décima segunda edição de um evento maravilhoso
organizadopelaFEMICOR:oMinasCantat.
39
a estrutura da seção. Voltarei a tratar do processo de estruturação das seções no
capítulo5Análise.
Como manual metodológico para esta pesquisa, utilizei LAVILLE &
DIONNE (1999). Dos tipos de entrevista queos autorespropõem,o mais adequado
para esta pesquisa é aquele a que eles chamam “entrevista parcialmente
estruturada”:
Entrevistas cujos temas são particularizados e as questões
(abertas) preparadas antecipadamente. Mas com plena
liberdade quanto à retirada eventual de algumas perguntas, à
ordem em que essas perguntas estão colocadas e ao acréscimo
de perguntas improvisadas.
(p.188)
A lista de questões pode ser consultada no Apêndice A. Elas foram
organizadas de maneira a contemplar de maneira abrangente o que a bibliografia
brasileirasobreRegênciaCoralapontacomoferramentaltécnicodoregente.Comoé
natural, os autores deixam muito claros os tópicos que consideram importantes. O
critério para a inclusão de um tópico no questionário foi um mínimo de ênfase no
mesmo por pelo menos um autor, ainda que o tópico fosse completamente omitido
por todos os outros autores. Aliás, omissão ou pouca ênfase e abordagens pouco
sistematizadas por parte dos autores me estimularam a questionar sobre
determinados tópicos
e, posteriormente, a desenvolver uma sistematização dos
mesmos.Asperguntasdividemseemtrêsgrupos:
a) O primeirobusca desenhara figuradoMaestro Fonseca,abordando aspectos
desuapersonalidade,desuamusicalidadeede seucomportamentofrente
aoCoroemensaioeextraensaio.
b) Osegundotrataespecificamente
deaspectostécnicosdo trabalhodoMaestro
Fonsecaenquantoregentecoral.
c) O terceiro, mais genérico, busca preencher possíveis lacunas deixadas pelos
doisgruposanteriores.
40
Como não é objetivo desta pesquisa tratar diretamente de gestual este
assunto aparece nas entrevistas de maneira periférica, sempre mencionado por
iniciativadosprópriosentrevistados.
Todasasentrevistasforam gravadasemformatowav,eosarquivosforam
convertidosposteriormenteaoformatomp3.Astranscriçõesforamfeitasapartirdas
gravaçõesenãoemtemporeal.
Outra importante fonte de dados para esta pesquisa foi a observação de
dois ensaios realizados pelo Maestro Rafael Grimaldi da Fonseca (1956–2008),
musicista(regente).
11
Tendosido aluno de RegênciadoMaestroFonseca, participou
do Ars Nova entre 1978 e 2008 como Baixo, como regente auxiliar e, finalmente,
como regente titular. Meu objetivo inicial era realizar a observação do tipo
“participante” e complementar com uma entrevista os dados obtidos. Neste caso,
Grimaldi apresentaria pontos de vista semelhantes àqueles do perfil (a). Mas
ocorreramdoisimprevistosquemencionareinosparágrafosseguintes.
LAVILLE&DIONNE(1999)definema“observaçãoparticipante”comoa
“técnica pela qual o pesquisador integrase e participa na vida de um grupo para
compreenderlhe o sentido de dentro.” (p. 178) Segundo os autores, quanto mais
ignorado o pesquisador pelo grupo, mais autênticos serão os dados recolhidos. O
primeiroimprevisto foique Grimaldi,estandocientedesta pesquisa,informou todo
oCoroacercadamesmaedemeuobjetivonasaladeensaios,alterandoseupróprio
comportamento e de todo o grupo. Ele mesmo se comportou como quem estivesse
sendo entrevistado: dado o tema, realizou os ensaios informando em detalhes e a
todo momento exatamente como Maestro Fonseca teria feito isto ou aquilo. Porém,
mesmocomessafalhametodológicaeemboratenhamsido observadosapenasdois

11
TratáloeiporGrimaldi,paraumarápidadiferenciaçãodoMaestroCarlosAlbertoPintoFonseca.
41
ensaios12e19deJunho de2008–,foirecolhidaumaboaquantidadededados.Os
ensaiosnãoforamgravados,masfizusodenotasanalíticas
12
edenotasdescritivas
13
emtemporeal.Embora Grimaldiquasenãosejamencionado,osdadosoriundos da
observação de seus ensaios serviram para confirmar muitas informações sobre
recursostécnicosqueseriamrecolhidasposteriormentenasentrevistas.
O segundo imprevisto foi o falecimento do Maestro Grimaldi, aos 7 de
Julho de 2008. Minha intenção era entrevistálo apenas depois de efetuar a
sistematizaçãodosdados recolhidosnasobservações,maseuaindanãoohaviafeito
atéadatadeseufalecimento.

12
“[...] o pesquisador fala de suas reflexões pessoais; elas compreendem as idéias ou intuições
freqüentemente surgidas no fogo da ação e logo registradas sob forma de breves lembretes.”
(LAVILLE&DIONNE,1999,p.180)
13
“[...] devem ser tanto quanto possível neutros e factuais para melhor corresponder à situação
observada.”(LAVILLE&DIONNE,1999,p.180)

4 MAESTRO F ONSECA: TRAJETÓRIA
E FERRAMENTAL TÉCNICO
ApresentonestaseçãoosdadoscoletadossobreoMaestroCarlosAlberto
PintoFonseca.Dividoaemduasgrandespartes.Aprimeiratraçaaprópriahistória
do Maestro, fortemente associada ao Ars Nova Coral da UFMG, e serve como
contextualizaçãoparaasegundaparte.Esta,porsuavez,apresentadiscussõessobre
a prática do Maestro Fonseca como regente daquele Coro, descrevendo seu
comportamento frente ao coro e os procedimentos técnicos adotados por ele em
ensaio.
4.1 Trajetória
Antes de apontar e discutir aspectos técnicos da prática do Maestro
Fonsecacomoregente coral,contextualizo essapráticadelineandoasuatrajetória,e
seriaimpossívelfazerissosemassociáloaoArsNovaCoraldaUFMG.
14


14
Para uma biografia mais detalhadadoMaestro Fonseca, podeseconsultarSANTOS (2001),epara
dadosadicionais,podeseconsultarFERNANDES(2004).
43
4.1.1 Formação
Carlos Alberto Pinto Fonseca nasceu aos sete de Junho de 1933, em Belo
Horizonte. Desde os sete anos de idade tinha aulas de Piano, e não deixou de se
interessar por outras artes durante a adolescência, principalmente a Escultura, mas
foipelaMúsicaque sesentiumaisatraído.Apartir de1954,tendocompletadoseus
vintee umanos,passouase dedicaradiversoscursosde aperfeiçoamentomusical.
Esseperíododeestudospodeserdivididoemtrêsfases:
a) Primeira fase: compreende os anos entre 1954 e 1960, tempo em que Fonseca
se aperfeiçoou em Música no Brasil, mais especificamente em Belo
Horizonte, pelo Conservatório Mineiro de Música, em São Paulo, pela
EscolaLivredeMúsicadaPróArte,eemSalvador,pelaEscoladeMúsica
daUFBA.Nessafase,fezcursosdeHarmonia,deContrapontoeFuga,de
RegênciaCoral,deRegênciaSinfônicaedeProfessordeMúsica.
b) Segundafase:correspondeaotempoemqueFonsecamudouseparaColônia
(Alemanha),entre1960e1962.eemoutrasquatrocidadesHamburgo
(Alemanha),Siena(Itália),PariseBesançon(França)fezcursosdePiano,
dePercussãoedeRegênciadeOrquestra.
c) Terceira fase: corresponde a cursos
que fez no exterior depois de voltar a
morar no Brasil. Em 1966, Fonseca voltou a Siena para cursos de
Interpretação e Direção de Ópera e de Regência de Orquestra. Em 1973,
esteve em Bolonha para curso de Aperfeiçoamento em Regência de
Orquestra.Alémdisso,ele viajoudiversasvezesaos
EstadosUnidospara
participar de eventos promovidos pela American Choral Directors
Association(ACDA),pelomenosapartirdadécadade1970.
15

O mais importante nesse percurso é compreender as influências a que
Fonseca se submeteu enquanto se aperfeiçoava: Hostílio José Soares, em Belo
Horizonte; HansJoachim Koellreutter, principalmente em Salvador; Sergiu

15
Informaçãoobtidaaos04/05/2009,emreuniãocomoProf.Dr.AntônioLincolnCamposdeAndrade,
chefedacomissãodeinventáriodoArsNovaCoraldaUFMG.
44
Celibidache, em Siena; e Robert Shaw, nos Estados Unidos. Se Fonseca se
aprofundounaquiloquehaviademaistradicional naTeoriadaMúsicacomSoares,
ele“tevecontatocom o mundo forade Minas Gerais” (ÂngelaPinto Coelho, citada
por SANTOS, 2001, p. 17) por intermédio de Koellreutter, adquiriu a essência
filosófica da sua profissão com Celibidache e os fundamentos de suas ferramentas
técnicasmaisnotóriascomoregentecoralcomRobertShaw.
Hostílio José Soares (1898–1988) nasceu e morreu em Visconde do Rio
Branco. Inclinado à Composição desde a adolescência, teve sua formação musical
superior no Rio de Janeiro, onde se sustentava tocando Violino em orquestras de
cinema.Depoisdeformado,estabeleceuseemBeloHorizonte,ondetrabalhoucomo
professor do Conservatório Mineiro de Música e onde exerceu a função de regente
em várias corporações musicais. Soares é um representante da última fase do
romantismo nacionalista na Música brasileira e, como tal, foi fortemente rechaçado
pelos compositores emergentes a partir do fim da primeira metade do século XX
(OLIVEIRA, 2001). Embora Fonseca não admita ser partidário de algum estilo
específico (FERNANDES, 2004), sua composição em essência apresenta forte
influência do estilo de seu professor e, como não podia deixar de ser, tem sofrido
críticastambémsemelhantesporpartedecompositoresdevanguarda.
HansJoachim Koellreutter (1915–2005) nasceu em Freiburg, Alemanha, e
morreuemSãoPaulo.Flautistaeregente,exilousenoBrasilparafugirdonazismo.
Aqui, trabalhou como professor de música e como compositor, especialmente em
Belo Horizonte, São Paulo e Salvador. Fundador do grupo Música Viva (1939), foi
um dos autores do Manifesto de mesmo nome (1944 e 1946), que propunha uma
revisãodaadesãodomúsicobrasileiroàideologiadavanguardamodernistavigente
na Europa (KATER, 2001). Quando professor de Fonseca, Koellreutter poderia ter
incutidoemseualunooespíritovanguardistadequeforaveementementepartidário
45
nas décadas anteriores. Mas ele mesmo, Koellreutter, diria que “o bom educador é
aquele que não educa”,
16
no sentido de que deve dar liberdade ao educando para
desenvolver suas preferências. E, mesmo tendo contato direto com as propostas
modernistas quando foi estudar na Europa, Fonseca não aderiu ao movimento
MúsicaViva etampoucoaomovimentoMúsicaNova,disparado peloManifestode
1963. De qualquer forma, ele não deixou de aprender com Koellreutter as técnicas,
suasaplicaçõeseasdireçõesdascorrentesvanguardistasexistentes.
SergiuCelibidache(1912–1996)nasceuemRoman,Romênia,emorreuem
LaNeuvillesurEssonne,França.Umdosmaisimportantesregentesdeorquestrado
século XX, Celibidache tornouse memorável especialmente (1) por sua fixação na
busca pela transcendência durante o fazer musical, (2) por o aceitar realizar
gravaçõescomerciaisdesuas performancese(3)porexigirumnúmerodeensaiospor
programa considerado excessivo pela crítica (BARBER, 2003). Fonseca nunca fez
tantasreferênciasaoutroregente.Semdúvidaalgumaeapesardotempopouco,foi
ocontatoaquemFonsecadeumaisimportânciaaolongodetodaasuavida,noque
diz respeito a seu aprendizado musical. Fonseca declarava sistematicamente que
Celibidache ensinaralhe “a técnica que possibilita tocar o coro como um
instrumento” (citado por SANTOS, 2001, p. 19. Ver também FERNANDES, 2004;
FONSECA, 1999). E, embora Fonseca geralmente estivesse se referindo
especificamenteaogestualcomapalavra“técnica”,
17
podeseagregaraessapalavra
um valor mais alto, considerandose a profunda admiração que Fonseca tinha por
Celibidache.Por“valormais alto”,refiromeàprópriafilosofiaartísticadesteúltimo:
a busca pela transcendência no fazer musical, uma herança da tradição romântica,

16
Em entrevista concedida ao jornal O Estado de São Paulo (1977), copiada no site
<http://www.movimento.com/mostraconteudo.asp?mostra=2&escolha=6&codigo=3016
>, acessado
aos29/01/2009.
17
DamesmaformacomoofazemoslivrosdidáticosbrasileirossobreRegênciaCoralemsuamaioria.
46
associada a uma meticulosidade obsessiva por influência, provavelmente, de
reminiscências da Segunda Escola de Viena –,
18
obsessão essa que se refletia na
exigênciadeumagrandequantidadedeensaios.
Robert Shaw (1916–1999) nasceu e morreu nos Estados Unidos. Em 1941,
ele fundou o Collegiate Chorale, grupo que desde cedo mereceu atenção de Arturo
Toscanini(1867–1957),paraquemShawviriaatrabalharcomopreparadordecoros.
Em 1949, Shaw criou o Robert Shaw Chorale, coro que, patrocinado pelo
Departamento de Estado dos EUA, visitaria trinta países. Mais tarde, Shaw foi
nomeado diretor de diversas orquestras e, em 1970, durante sua gestão na Atlanta
SymphonyOrchestra,criouoAtlantaSymphonyOrchestraChorus,comoqualteve
igualousuperiorsucessoquecomoRobertShawChorale(BENNETT,1983,encarte;
PARKER&SHAW,1994,encarte;SCHUBERT,1978,encarte).
19
Shawfoiaprincipal
referência nacional na área da Regência Coral e encabeçou uma das seis principais
escolas de Canto Coral do país enumeradas por SWAN (1988). Shaw não é
mencionado por SANTOS, nem por FERNANDES, nem por nenhum dos
entrevistados, mas fortes indícios de que Fonseca tenha sido influenciado
diretamentepeloregentenorteamericano.
Outro fator importante é que, coincidência ou não, os três primeiros
professores mencionados Soares, Koellreutter e Celibidache conviveram com
culturas orientais e, sem exceção, desenvolveram práticas oriundas dessas culturas.
SoaresdiplomouseCavaleirodaTávolaRedonda,
20
em1924,e,desdeentão,sempre

18
Tratase por Primeira Escola de Viena o círculo dos compositores clássicos e românticos que
tiveram,dealgumaforma,suaatividademusicalligadaàcidadedeViena,aexemplodeWolfgang
AmadeusMozart.Porsuavez,aSegundaEscoladeVienarefereseaoscompositoresmodernistas,
acomeçarporArnold
Schoenberg.
19
Vertambém<http://en.wikipedia.org/wiki/Robert_Shaw_(conductor)>,acessadoaos08/05/2009.
20
UmaordemdaTeosofia,filosofiaquesedesenvolveunomundoocidentalapartirdofimdoséculo
XIXbaseada na obrada russa Helena Petrovna Blavatsky.Essafilosofiateria origens em culturas
47
envolveu seus alunos de Música em algum nível de práticas teosóficas (OLIVEIRA,
2001). Koellreutter esteve no Japão e na Índia nas décadas de 50 e 60 e procurava
aplicarem suapráticadeprofessorosmétodosaprendidos,alémdeaproveitarem
sua composição as sonoridades exóticas que observou (KATER, 2001). Celibidache
foi introduzido ao Zen Budismo no fim da década de 1930 e, a partir de então,
aprofundouse cada vez mais naquela filosofia, buscando vivenciálas em tempo
integral (BARBER, 2003). Assim, não é de se surpreender a apreciação que Fonseca
tinha pela prática e pela filosofia da Ioga
21
e, sobretudo, pela transferência que ele
faziadosprincípiosdessafilosofiaparasuapráticacomoregente.
TenhoaindadereforçarasinfluênciasqueFonsecarecebeudosmeiosem
que viveu quando fora de Belo Horizonte: a cultura popular baiana e o cenário
musicaldaEuropaedosEstadosUnidos.
A questão da cultura popular baiana é amplamente discutida por
SANTOS(2001)eporFERNANDES(2004;2005),enfatizandooproveitoqueFonseca
tirou da rítmica popularreligiosa em sua composição. Embora Fonseca tenha
declarado “jamais ter ido a um terreiro de candomblé” (SANTOS, 2001, p. 30), não
escondiasuaprofunda admiração,nomínimo, pela musicalidadedaquele universo.
Fonsecareferiu sea“aforçaprimitiva,oimpulsoecalordoritmoafro”(FONSECA,
1978, prefácio).
22
Especialmente o sentido da palavra “warmth” do texto original
que pode ser calor ou cordialidade pode ser estendido para fora do contexto
religiosoafrobrasileiro ealcançartambém todoo universoculturalpopularbaiano.

muito anteriores desenvolvidas na Ásia, como o budismo e o lamaísmo. (OLIVEIRA, 2001;
FERREIRA,2004)
21
“Sistemaortodoxodefilosofiada Índia, [...] no qualsãoexpostosos meios fisiológicose psíquicos
que vieram a se desenvolver nos métodos de treinamento que caracterizam cada uma de suas
partes:abactiioga(nadevoção),acarmaioga(notrabalho),aadianaioga(nameditação),ahataioga
(nasposturaseexercíciosrespiratórios)eajapaioga(nadisciplina).”(FERREIRA,2004)
22
“[...]theprimitiveforce,theimpulseandwarmth,oftheAfrorhythm[…].”
48
Naturalmente, que Fonseca era concomitantemente compositor e regente, esses
três itens a força primitiva, o impulso e o calor do ritmo afro estavam tão
presentesemsuacomposiçãoquantonocernedesuaprópriapráticacomoregente.
Outro fator determinante para a essência do pensamento musical do
MaestroFonsecafoiaoportunidadequeeletevedevereouviramúsicaeuropéiain
loco e nos Estados Unidos, especialmente a música coral. Isso foi decisivo para ele
entender a sonoridade que procuraria reproduzir no Ars Nova posteriormente, e,
principalmente, para aprender o modo de se alcançar aquela sonoridade. Naquela
épocaeatéhoje–,apráticacoralnão teveum desfechotécniconoBrasilcomo na
Europa e nos Estados Unidos. Além disso, gravações não seria suficientes para
Fonsecadesenvolverumanoçãoclaradasonoridadecoral,porqueosequipamentos
de reprodução de mídias comuns não dispunham de recursos para uma boa
amplificaçãodetodaatexturadeumaorquestraoucoro.
4.1.2 Coral da UEE
AntesdetrataremespecíficodoenvolvimentodoMaestroFonsecacomo
ArsNova,apresentoumacontextualizaçãosobreasorigensdesseCoro.
Criadoem1959,oCoraldaUEE(UniãoEstadualdos Estudantes)eraum
grupodeaproximadamentevinteecincoestudantesuniversitáriosdediversasáreas,
voluntários,liderados pelaentãoestudanteÂngelaPintoCoelho. Apesardotítulo
um vínculo nominal com a UEE –, não havia um espaço fixo e apropriado para
ensaios regulares. Elespodiamacontecer nas casas dos coristas ou na sede da UEE.
Quandoaconteciaali,oespaçodisponíveleraasaladeentrada,que,nãobastasseser
apertadaparaocoro,tinhadesercompartilhadacomestudantesalheiosaointeresse
49
da Música. Mesmo nessas condições, o Coro conseguiu sustentar os quatro naipes
equilibrados e crescertecnicamente.Predominantemente de classe média, a maioria
dos integrantes tivera aulas de Música na Escola Regular. Alguns tiveram aulas
particularesdeMúsicanainfância.(SchmidtdeAndrade)
23
A convite de Ângela Pinto Coelho, o Maestro Sergio Magnani (1914–
2001)
24
assumiuaregênciadogrupocomovoluntárioatéfinsde1963.Nesseperíodo,
o coro propôsse a levar a arte coral a lugares onde o acesso a ela seria difícil.
Apresentandose principalmente na periferia de Belo Horizonte, o Coral da UEE
desenvolveu um público cativo, e, segundo Schmidt de Andrade, muitas pessoas
começaramaacompanhar otrabalho docoro, tomandonotícia de antemãosobreas
apresentaçõesparaprestigiálas.(SchmidtdeAndrade)
Nocomeçode1964,Magnanitev e demudarseatrabalhoparaSalvadore
indicou o Maestro Fonseca para substituílo. Os dois se conheciam de antes,
Fonseca até havia regido o Coral da UEE em 1961, a convite do próprio Maestro
Magnani, e este sabia que Fonseca retornara dos estudos na Europa. O repertório
daqueleprimeirosemestrede1964,“TheMessiah”,deG.F.Händelcompletopela
primeira vez em Belo Horizonte tinha apresentação marcada para fins de Março,
masessaapresentaçãotevedeseradiadaporcausadogolpemilitar.(SANTOS,2001;
SchmidtdeAndrade)

23
Para cil distinção entre os entrevistados e osautores de bibliografia, os nomes dos entrevistados
nãoaparecerãoemcaixaaltaenãoterãoindicaçãodedataaolongodotexto.Esserecursoseráútil
principalmente para o caso de Fernandes, que, além de autor de quatro itens da bibliografia,
também
foi entrevistado: quando seu nome aparecer em caixa alta, refirome ao conteúdo da
bibliografia;quandonão,refiromeàentrevista.
24
SergioMagnaninasceu em Udine,Itália,e morreu emBeloHorizonte.Mudouse paraoBrasil em
1950etrabalhoucomoprofessoreregenteemBeloHorizonte,SalvadoreSãoPaulo.Éoprincipal
responsável pelo costume das temporadas operísticas em Belo Horizonte.
(<http://www.institutosergiomagnani.org.br/sergio_magnani.html
>,acessadoaos08/05/2009)
50
À época em que Fonseca assumiu a regência do grupo, o Coral da UEE
viuse às voltas com problemas políticos dentro da própria UEE. Como é sabido, o
golpemilitardetrintaeumdeMarçodesencadeouumasériedereaçõesestudantis.
Sabendodopúblicoqueacompanhavaocoro,aalaesquerdistadaUEEaproveitava
asapresentaçõesparadistribuirpanfletoseparafazercomíciosemseguida.Comoo
coro não queria ser associado a qualquer partido, depois de discussões com a
diretoriadaUEE,decidiusepelodesligamentonominaldogrupo.Poralgunsmeses,
ocoro intitulouse simplesmente porCoralUniversitário e não pôdemaisfazer uso
dasededaUEEparaensaiar.(SchmidtdeAndrade)
AosseisdeJunhode1964,oCoralUniversitáriorealizounaIgrejadeSão
José a estréia belohorizontina de “The Messiah” em sua versão completa. A
repercussãodo concertofoi talqueoProf.Aluísio Pimenta,então Reitorda UFMG,
convidouoMaestroFonsecaparamontarumcoronaUniversidade.Fonseca,porsua
vez,propôsaincorporaçãoàUniversidadedoexistenteeentãodenominadoCoral
Universitário. Pimenta acedeu, e, para reforçar a parceria, o grupo não somente
mudou de nome, mas também recebeu o sobrenome da Universidade: Ars Nova
CoraldaUFMG.(SANTOS,2001;SchmidtdeAndrade)
4.1.3 Ars Nova – Coral da UFMG
Dois anos depois de sua segunda fase de aperfeiçoamentos, Fonseca
assumiu a regência do Ars Nova (1964) e, a não ser por algumas interrupções em
funçãodoscursosdaterceirafase,nãodeixouaregênciadaquelecoroatébemperto
de morrer, nem mesmo depois de sua compulsória como servidor público que foi.
Duranteosquarentaedois anosem queesteveà frentedoArs Nova,essafoi asua
51
principal atividade e maior fonte de inspiração. Foi nesse coro que Fonseca pôde
experimentar e aplicar em primeira mão seus conhecimentos de Regência e de
Composição.Foiparaessecoroqueelecompôsapartemaisexpressivadesuaobra
paraCantoCoral.Efoiregendoessecoroqueeletevesuasmelhoresperformancesem
palco.OArsNovafoiograndelaboratóriodeFonsecaparaasuapráticadeRegência
e de Composição, mas também foi o melhor produto dessas suas práticas.
25
(SANTOS,2001;FERNANDES,2004)
A história do Ars Nova
26
confundese com a própria história do Canto
CoralnoBrasildasegundametadedoséculoXX.Ocoroalcançoudiversosprêmios
nacionaiseinternacionais,aomesmotempoemquetornousemodeloparainúmeros
coros por todo opaíse meta para o currículo de muitos cantores mineiros.Assistiu
aoarrefecimentodogostopeloCantoCoralnosúltimosanosdoséculoXXe,enfim,
teveaoportunidadedecontemplarsuaprópriacrisenosprimeirosdoséculoXXI.
Dando continuidade ao tema da trajetória do Maestro Fonseca, procuro
apresentaroperfildoArsNovaemsuaépocaáureaeodesfechodesuahistórianas
duaspróximasseções.
4.1.3.1 Coro semiprofissional
A incorporação à Universidade de um coro existente não foi gratuita.
Houvegrandesbenefíciosparaambasaspartes.Porumlado,ocoroganhoustatuse
infraestrutura. O nome da UFMG possibilitou mais perene visibilidade fora do

25
Contudo,nãose podedeixardemencionarqueFonsecafundouaOrquestrademaradaUFMG
(1965) e que ele foi o regente titular da Orquestra Sinfônica de Minas Gerais mediante concurso
público (1981). Fundou também a Orquestra de Câmara do MAI (Modern American Institute) e
atuoucomoconvidadonas
orquestrasdePE,BA,MG,RJ,SP,RSeDF.(SANTOS,2001)
26
AdissertaçãodeSANTOS(2001)émuitoricaemdetalhessobreoperíodoentre1965e2001.
52
MunicípiodeBeloHorizonte,portodoopaís,etranqüilidadeparaisso,umavezque
esse nome estaria oficialmente isento de partidarismos. Também serviu para atrair
cantores com um perfil específico, a classe universitária, embora nunca se tenha
exigidovínculocomaUFMG,especificamente,oucomqualqueruniversidade.
Do ponto de vista infraestrutural, o coro passou a ter acesso a todo o
aparato logístico da Universidade, inclusive pessoal, além de sala de ensaios
personalizadaeexclusiva.Essaestruturacresceucomotempo e,emfinsdadécada
de1990,oArsNovadispunhadeumasedenumimportanteedifício
27
localizadono
centro de Belo Horizonte. A sede tinha quatro salas a principal, mais ampla, a
secretaria, a cozinha e o arquivo morto, que também eram usadas para ensaios de
naipes –, banheiros feminino e masculino exclusivos, além de contar com um
funcionáriodemeioexpedientenasecretariaecomserviçodelimpezaporcontada
Universidade.(Antoniol&Silva)
ComoÓrgãoEspecialdaUniversidade,oArsNovaforneciaumaajudade
custos a seus integrantes que chegou a atingir o valor de um salário mínimo por
cantornadécadade1990(Antoniol).Issofoiestímulo paramuitoscantoresdurante
muitosanos,e,assim,oCoroconseguiumanterentretrintaedoisequarentaedoiso
númerodeelementos,comosnaipesequilibrados.Ogrupopassouadispordevozes
maduras,oqueconfereopesonecessárioparaasonoridadebuscadaporFonseca.A
maioria dos integrantes possuía formação básica musical adquirida ainda na Escola
Regular, e alguns tiveram aulas particulares de Música na infância. Apesar disso, o
solfejo continuou não sendo uma habilidade da maioria dos integrantes. Enquanto
muitos dedicavamse à carreira musical e tinham formação de nível profissional,
outros exerciam atividades profissionais paralelas à Música (Antoniol & Silva;
Schmidt de Andrade). Mesmo assim, o coro salta do patamar de amador para o de

27
EdifícioAcaiaca,21ºandar,AvenidaAfonsoPena,867,Centro,BeloHorizonte.
53
semiprofissional, ou seja, que possui uma estrutura pessoal e uma infraestrutura
organizadasecujosmembrospassaramporumprocessopréviodemusicalização,
sistemático ou não, mas eficiente, mesmo não tendo muito larga experiência prévia
com técnica vocal. Em virtude da qualidade, da estrutura e da conseqüente
visibilidade, o Coro desenvolve facilidades para conseguir patrocínio ou arrecadar
fundosparacumpriragendadeviagens.
28

Por outro lado, a UFMG recebeu um Coro com cinco anos e meio de
experiência, com sucesso em Belo Horizonte e com um público cativo. Com a
associação do Coro à Universidade, o nome dela seria levado a uma infinidade de
lugares.Secontarmosapenaseventosnacionaiseinternacionais
degrandeexpressão
no mundo coral, teremos mais de duas dezenas. O Ars Nova foi condecorado em
quase todos esses eventos, mais da metade como primeiro colocado, incluindo um
Hours Concours Rio de Janeiro, 1978 e um GrandPrix Atenas, Grécia, 1998
(SANTOS,2001).
ParaCarlosAlberto Pinto
Fonseca,o fato de Universidade assumiro Ars
Nova institucionalmente significou a estabilidade profissional. Mais que isso,
significou a oportunidade de trabalhar com um mesmo coro ao longo de muitos
anos, o que lhe permitiu maior compreensão do Canto Coral e desse coro
especificamente em mínimos detalhes. O contato prolongado com o coro também
permitiulhe darse a conhecer e fazerse compreendido com absoluta clareza por
esse coro. A incorporação do coro à Universidade significou para Fonseca a
oportunidadedeexperimentarsuabagagemtécnicaemtodososníveisedemoldaro
coroa seu gostoapontodeimprimirlhesua assinatura. Tudo issopossibilitou que

28
em 1969, o coro faria duas viagens internacionais para concursos e seria condecorado: (1) New
York(USA)IIº Festival InternacionaldeCorosUniversitários:“Dipl.deHonraaoMérito”,e(2)
San Miguel do Tucumán (Argentina) Concurso LatinoAmericano de Coros: “Plaqueta de
Ouro”.(SANTOS,2001)
54
Fonseca apresentasse ao público os melhores reflexos de sua competência, o que,
paraoregentequetrabalhacomcorosemiprofissional,épossívelnascondiçõesde
estabilidadeemqueeleseencontrou.
Seria impossível discorrer sobre a história do Ars Nova sem associála a
Fonseca. A influência do Maestro e a qualidade do seu trabalho, associadas à
estrutura da Universidade, elevaram o nome do grupo a um patamar de
reconhecimento internacional. As pessoas que participaram do coro durante alguns
anosdagestãodeFo nsecademonstramprofundaadmiraçãoporeleeatribuemaele
conhecimentosdosmaisimportantesqueadquiriram.Naspalavrasdessaspessoas,o
Ars Nova foi uma verdadeira escola para muitos músicos de Minas Gerais e do
Brasil,entreelesalgunsexpoentesdoCantoLíricoatual,comoJoséCarlosLeal,Kátia
Kazzaz,MarcosTadeu,MarcusRibeiro,RitaMedeiros,SílviaKleineSuelyLauar.Se
oArsNovateveafamademelhorcorodoBrasil,deveoaoaltoníveldotrabalhodo
MaestroFonseca,associadoatodaaestruturauniversitária.Poroutrolado,seCarlos
Alberto Pinto Fonseca obteve como Maestro o reconhecimento que obteve, deveo
especialmenteaofatodetertidoemmãosoArsNovaportantotempo.
4.1.3.2 Últimos anos
Nas décadas de 1980 e de 1990, a procura por vagas em naipes do Ars
Nova aumentou significativamente. Entre as pessoas que procuravam o grupo, era
possível detectar no mínimo quatro interesses (Antoniol & Silva; Schmidt de
Andrade):
a) O aprendizado e o prazer de cantar que a experiência naquele coro
trazia.
Muitos cantores e regentes atuantes hoje em dia decidiram por suas
carreirasinspirados pelo trabalhocom oMaestro Fonseca.Vários haviam
ingressado no Ars Nova para exercer um hobby, pois tinham outras
profissões,massaíramdeprofissionaisdaMúsica.
55
b) O enriquecimento curricular trazido pelo nome constado em programas de
concerto do Coro mais premiado do Brasil, especialmente por parte de
estudantesdecantoeregentes.
c) AajudadecustosoferecidapelaUniversidadeemformadebolsadeextensão,
principalmente entre as pessoas com condições sócioeconômicas menos
favorecidas.
d) A possibilidade de participar das freqüentes viagens empreendidas pelo
grupo.
O aumento da procura poderia ter sido muito positivo, uma vez que o
rigor dos critérios de seleção poderia ser aumentado proporcionalmente à
concorrência pelas vagas. Mas, em Dezembro de 2000, Fonseca comenta a SANTOS
(2001)sobreoArsNovaestar“enfrentandoumperíododecrise”(p.25).Nocontexto
dadissertaçãodeSANTOS,Fonseca pareceestar falandodeumcorte nasajudasde
custoem forma de bolsasdeextensão, mas, segundoo próprio SANTOS,esse corte
aconteceu em 2001, e a entrevista citada é de 2000.Assim, é possível que Fonseca
estivesse falando de uma crise anterior, como a heterogeneidade de qualificação
técnica.
Durante a década de 1990, boas oportunidades de trabalho levaram
muitosdoscantoresmaisexperientesdoArsNovaparaRiodeJaneiroeSãoPaulo
eatéparaoexterior.Assim,noano2000,quasemetadedos membrosdocoroeram
jovens estudantes de Canto com relativamente pouca experiência, criandose,
portanto,umasituaçãodeheterogeneidade,nuncavistano Corodesde adécadade
1960(Antoniol&Silva;SchmidtdeAndrade).Naverdade,oArsNovahaviasido
um coro de estudantes pouco experientes, na época de sua criação, e isso não seria
umproblematãograveapontodesertratadoporcrise,amenosquecomparemoso
Ars Nova do ano da entrevista citada (2000) com o Coro de dois anos antes,
conquistadordeumGrandPrixnaGrécia.
Oprogressivocortedebolsasapartirde2001geroualgumaevasãoentre
os integrantes do Coro, e a fase mais dramática de dispersão de cantores começou
56
comacompulsóriadoMaestroFonsecaemmeadosde2003,quandocompletouseus
setenta anos. O Coro, trinta e nove anos sob sua regência, apresentou sérias
dificuldades para adaptarse ao novo regente (Antoniol & Silva). No princípio de
2006,comanotíciadequenãohaviamaisbolsasdeextensãodisponíveisparaocoro,
aevasãofoitotal.
29

O Maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca faleceu em Belo Horizonte aos
vinte e sete de Maio de 2006. Dez dias depois de sua morte, exatamente no dia em
que ele completaria 73 anos de idade, fezse a solenidade de lançamento da
Fundação Carlos Alberto Pinto Fonseca Casa do Canto Coral, mais tarde
renomeada paraInstituto CulturalCarlos Alberto Pinto Fonseca. O primeiro e mais
notóriofeito doInstitutofoi acriaçãodo CoroCarlos AlbertoPinto Fonseca, regido
pelaMaestrinaÂngelaPintoCoelho.Boapartedosintegrantesdessecoro,sobretudo
no período de sua criação, eramexintegrantes do ArsNova,da gestãode Fonseca.
Assim, o Coro Carlos Alberto Pinto Fonseca preservou características muito
peculiaresaoArsNova.
Ars Nova Coral da UFMG é marca registrada da Universidade Federal
deMinasGerais.Comopropósitodeviabilizaracontinuidadedahistóriaconstruída
ao longo dos últimos cinqüenta
anos, a Reitoria da UFMG abriu um processo para
colocar o Coro sob administração da Escola de Música, transformando a marca em

29
Ficaumaperguntaintrigante:Qualfoioverdadeiropapeldasbolsasdeextensãonessahistória?O
queaparenta,principalmentenosúltimosnoveanos,équeumcorosemiprofissionalrecebiauma
ajudadecustosesupunhaestarsendoremunerado.Algoquehaviacooperadoparaaestabilidade
do Coro tornouse uma
ilusão que acabou ofuscando o aspecto realmente mais importante da
práticacoral:a experiênciamusicalcompartilhada.Ocortedasbolsasfoideterminante,apesarde
nãotersidoaúnicacausadaevasãofinal.
57
um Órgão Complementar de Extensão e Pesquisa vinculado àquela Escola, sendo o
CoroumaentreoutrasatividadesdesseÓrgão.
30

30
Informaçõesobtidasaos09/03/2009emreuniãocomasprofessorasDra.ÂngelaImaculadaLoureiro
deFreitasDalben(PróReitoradeExtensãodaUFMG)eDra.PaulaCambraiadeMendonçaVianna
(PróReitoraAdjuntadeExtensãodaUFMG)ecomosprofessoresDr.LucasJoséBretasdosSantos
(DiretordaEscolade
MúsicadaUFMG)eDr.AntônioLincolnCamposdeAndrade(presidenteda
ComissãodeInventáriodoArsNovaCoraldaUFMG).
58
4.2 Ferramental técnico
Nesta seção, traço um perfil do Maestro Fonseca aplicado ao contexto de
ensaiosdoArsNovaCoraldaUFMGe,emseguida,tratodoferramentaltécnicodo
Maestro Fonseca propriamente dito, agrupando os recursos em três categorias:
preparaçãodogrupo,montagemderepertórioeartifíciostécnicos.
4.2.1 A figura do regente
O Maestro Fonseca tinha uma vivência extramusical bastante variada.
AlgunsentrevistadosindicamoseuenvolvimentocomLiteratura,História,Filosofia
mais especificamente Ioga –, Religião especificamente o Catolicismo e o
Candomblé–,Antropologia,PsicologiaeatéEsportesnatação.Defato,elepodeter
seenvolvidocomtodasessasáreasdamanifestaçãohumana,masnãosepodesupor
queeleeraumaespéciede“homemuniversal”.Oenvolvimentoqueelepossuíacom
cada uma dessas áreas variava do puramente teórico ao essencialmente prático. De
qualquerforma, é com elementos extraídos dessa vivência tão variada queele deve
terconstruídoafiguraquediscutoapartirdeaqui.
OsentrevistadossãounânimesemdizerqueoMaestroFonsecatenhasido
dotado de grande autoridade. A simples presença dele alterava o comportamento
dos cantores, sem necessidade de palavras. Verona afirma que, mesmo não tendo
Fonseca o costume de conduzir a seção de vocalises, o resultado dos exercícios era
melhor quando o Maestro estava presente na sala de ensaios. Antoniol & Silva
mencionamasituaçãoemque,havendoalgumregenteauxiliarcomeçadooensaio,o
59
Maestro Fonseca chegava em silêncio à sala e assumia a regência mesmo durante a
execuçãodeumapeça,eosomdoCoromudavacompletamente.Observandooutros
aspectosdapersonalidadedeFonseca,podemosinferircomoeleconseguiuadquirir
essaautoridade.
Havia no Maestro Fonseca uma bem sucedida associação entre bom
humor e demonstração de conhecimento. O epíteto de “O Rei dos Trocadilhos”
(Verona) não era sem propósito. Verona e Fernandes
31
afirmam que Fonseca tinha
uma habilidade muito grande para brincar com os sons das palavras e transmitir
informaçõesimportantes dessaforma.Valeregistrarcomoexemploofamoso“Iraso
éumarraso”(citadoemensaioporGrimaldi).Comosomeleganhavaaatençãoea
memóriadaspessoas,eainformaçãoeratransmitidacomfacilidade.Masaaplicação
dobomhumornãoseresumiaaostrocadilhos:oMaestrousavapiadasparaganhara
atençãodoCoro,ousimplesmenteparadiminuiratensãogeradapeladificuldadedo
repertório(Antoniol&Silva).
Fonseca não ganhava a atenção de seu público apenas por ser bem
humorado: mesmo que não fizesse gracejos, o mais importante é que ele transmitia
conhecimentocompropriedade(Fernandes,Antoniol&Silva).Elesabiaoquequeria
dizerecomofazêlo,eoquediziatinhanecessariamenteumaaplicaçãotécnicacom
resultados palpáveis. Segundo Antoniol & Silva, mesmo quando alguma ordem
vinhacomtomarbitrário,essesresultadoseramvisíveislogodepois daexecuçãoda
ordem. Por isso o Coro tinha prazer em executálas. Rodrigues, Antoniol & Silva
usam as palavras “tranqüilidade” e “calma” para se referir ao modo de ser de

31
Fernandes, normal, referese ao conteúdo da entrevista com a mesma pessoa; FERNANDES, com
caixaalta,refereseaoconteúdodabibliografiadequeeleéoautor.
60
Fonseca.
32
Os dois últimos acrescentam que ele não tinha pressa para transmitir
qualquerinformação.Fernandesfalatambémdagenerosidadeedesprendimentode
Fonseca para a cessão de informação, evidentes conseqüências de uma vigorosa
autoconfiança.
A propriedade na fala é reflexo daquela que Verona aponta como a
principalcaracterísticadeFonsecaenquantoregente:aseriedade.Fonsecadelimitava
objetivos para o seu trabalho, e esses objetivos tinham de ser alcançados. A sua
dedicaçãoàperseguiçãodessesobjetivoseranotória:Fonsecaregiatodoorepertório
de memória, e isso é uma habilidade que ele desenvolveu com muito estudo
(Aguiar). Na verdade, cada nova peça do
repertório é um novo trabalho de
memorização. Outro reflexo de sua seriedade é a franqueza para tratar de assuntos
técnicos (Antoniol & Silva). Mais uma vez: os objetivos tinham de ser alcançados, e
atropelos não eram bemvindos. Fonseca não tinha constrangimento para se dirigir
abertamenteaalguémparadizer
queapessoaestavadesafinando,ouquenãosabia
orepertório,ouqueprecisavadeorientaçãodeprofessordeTeoriadaMúsicaoude
Canto.Eleeramuitorigorosocomessesassuntos.RodrigueseFernandesmencionam
o que poderíamos considerar a raiz de tanta seriedade tanta, mas numa medida
acertada:
oespíritodecompetição.Ogostoporconcursose ainterminávelbuscapor
troféus ao longo da história do Ars Nova revelam a necessidade de autosuperação
quemoviaoMaestro.
Poderseíatambémmencionarcomofatorgeradorderespeitoadiferença
de idade que sempre existiu entre o
Maestro Fonseca e a maioria dos cantores
quandoassumiuoArsNova,Fonsecaestavapertodecompletartrintaeumanos,
e os cantores ainda eram estudantes de graduação. Fernandes acrescenta que o

32
Ao falar sobre o lado engraçadodoMaestro Fonseca,Verona lembra que o Maestrochegavaa ser
tãocalmoquepareciamesmodistraído,sendonecessárioquealguémseresponsabilizasseporseus
pertencesquandooCoroestavaemviagens.
61
simples fato de ser o regente gerava um distanciamento natural entre Fonseca e o
grupo, distanciamento que aumentava proporcionalmente ao renome do Maestro e
do Coro. Curiosamente, esse distanciamento parecia crescer unilateralmente por
iniciativa do próprio Coro, uma vez que Fonseca era muito sociável. “Sempre
cumprimentava todo mundo, sempre muito festeiro. [...] Muito educado. Fazia
piadinhasdequererficaràvontadecomtodomundo.”(Antoniol)
33
A autoridade vivida pelo Maestro Fonseca era representada por uma
cadeia de aspectos espírito de competição, seriedade, franqueza, propriedade,
tranqüilidade, generosidade, desprendimento, autoconfiança, bom humor. Essa
cadeiaeraumpadrãoparaopróprioFonsecae,exatamenteporserumpadrão,não
seriaestranhoverificarmosalteraçõeseventuaiseatémaisqueeventuais.
Em um pequeno trecho de sua entrevista, Rodrigues faz uma única e
aparentementenãointencionalalusãoa“rompantes,denervosia,dequandoacoisa
não certo, a peça desafina, os cantores faltam aos ensaios”. Antoniol & Silva
lembram de situações em que Fonseca evocava verbalmente sua autoridade de
Maestro diante do Coro. Também lembram que, embora Fonseca fosse muito
sociável, havia pouca ou nenhuma liberdade para questionamentos no que diz
respeitoaoensaioeaorepertório:oschefesdenaipeserammediadoresentreoCoro
e o regente, e muitos assuntos eram resolvidos ou esquecidos entre os próprios
integrantes de cada naipe. Segundo Antoniol & Silva, era absolutamente incomum
um corista tratálo por “você”, mesmo que fosse algum regente auxiliar:

33
Essaéaimpressãopredominanteentreosentrevistados.MasVeronaapresentaumaimpressãode
certomodooposta:“Euosentiameioreservado.[...]ecalado[...].
62
naturalmente,otratamentoadequadoparaalguémdeseupostoedesuaidadeseria
“senhor”.
34
Seriamesmosurpreendentequerompantestivessemsidotãoesporádicos
quantoteriampassadolongedeserregraaolongodetantosanosdetrabalho,como
parecemacordar todosos entrevistadospara estapesquisa. Nãosedeve descartara
possibilidadedealgumaamenizaçãodofatoporpartedosentrevistados,mesmoque
não tenham tido a intenção de fazêlo. Não é pequena a admiração que todos eles
nutrem pelo Maestro Fonseca. E indícios de que ele tenha sido muito mais
enérgico que o panorama apresentado acima, principalmente nas duas ou três
primeiras décadas de trabalho com o Ars Nova. Aguiar, que foi
aluno de Fonseca,
afirma:
Eu o conheci exatamente em 1970. Ele fica cansado depois, por
problemas de saúde. Mas quando eu o conheci, era muito
difícil estudar com ele. Eu me lembro que o primeiro dia de
aula, lá em Ouro Preto, eu tive seis horas de aula com ele. [...]
Ele exigia tudo de cor. E ele puxava a gente. Era uma
informação atrás da outra. [...] A gente saía pra almoçar, todo
mundo em volta dele, e ele falando sem parar, pegava o
bandejão, sentava na mesa e ele... Era de perder o fôlego,
rapaz. [...] Depois é que ele foi, com o passar da idade, ficando
mais calmo, [...] falar mais devagar, mas antes era uma
metralhadora.
Aguiar conheceu Fonseca enquanto professor, mas esse aspecto enérgico
tão bem ilustradonafalaacimaparece ter sido regra também na prática de regente
duranteajuventudedeFonseca.
ainda doisaspectosimportantesdoMaestroFonseca queprecisam de
ser mencionadospara concluir esta seção. Essesaspectossintetizamasuatrajetória

34
Como dito, Aguiar apresenta o ponto de vista de quem trabalhou com o Maestro Fonseca, mas
que não foi regido pelo mesmo. Em sua entrevista, Aguiar afirma que Fonseca não aceitava ser
tratadopor“senhor”.Maséumtestemunhoisoladoentreosoutrosentrevistados.
63
como regente, porque perpassam toda a sua formação e culminam na aplicação
prática dessa formação. O primeiro é sua habilidade de lidar com repertórios tão
variados quantos estilos e gêneros houvesse à disposição habilidade certamente
corroborada por sua variada formação extramusical. O segundo, mas não menos
importante, é sua competência como compositor, especialmente para Canto Coral e
mais especialmente para o Ars Nova conhecimento construído por observação e
prática.
4.2.2 A prática do regente
Quando começou seu trabalho com o Coral da UEE, o Maestro Fonseca
imediatamenteteveemmãos umgrupocomcincoanosdeexperiênciacoral.Apesar
disso,segundoSchmidtdeAndrade,elecomeçouumtrabalhovoltadoparaabusca
deumasonoridadeespecífica.Nadécadade1980epodeserquedezanosantes
o timbre do Ars Nova era constituído por vozes de extensões amplas, brilhantes e
pesadas, mas muito ágeis em todos os registros.
35
A sonoridade era “baseada na
impostaçãofacial davoz ena coberturadaregião aguda”(Fernandes,2005, pp. 69–
70). Mesmo com peso, com vozes extremamente maleáveis, os cantores
apresentavam sofisticado controle de dinâmica, vibrato, articulação e dicção.
Considero pelo menos três fatores que contribuíram para o desenvolvimento dessa
sonoridade:
a) OscritériosdeseleçãodecandidatosacantoresdoCoro;

35
Podeseconstataratravésdegravaçõesfeitasapartirde1989.Santos(2001,pp.42–44)ofereceuma
cronologia da discografia do Ars Nova. Faltalhe apenas o CD intitulado “Réquiem: First World
Recording” (DURANTE & OLIVEIRA, 2001), que foi lançado no mesmo ano da defesa da
dissertaçãodeSantos.
64
b) AsatividadesmusicaisdoscoristasparalelasaoArsNova;
c) O trabalho de aperfeiçoamento técnicomusical conduzido pelo Maestro nas
atividadesdoCoro.
O Maestro Fonseca “tinha uma fama de conduzir a sonoridade”
(Fernandes), ou seja, de modelar o som do coro no nível da sutileza, dos detalhes
imperceptíveis aos ouvidos desatentos. Isso não seria possível se ele não tomasse
certos cuidados na realização dos dois primeiros fatores. Fonseca selecionava
rigorosamente vozes que possuíssem de antemão as características acima
mencionadas (Rodrigues). Era praticamente imprescindível aos candidatos ter
alguma experiência com Canto Coral. Se um candidato aprovado apresentasse
deficiência técnica em qualquer aspecto, ele era incentivado a ter aulas particulares
de Canto, mas, em geral, todos tinham passado por aulas antes de ingressar
(Antoniol& Silva).Ahabilidadedesolfejonãoeraobrigatória,masmuitobemvinda
(Fernandes). Portanto, o Maestro Fonseca trabalhava com um grupo que, de
antemão,apresentavaumaparatotécnicoque,naopiniãodeHEFFERNAN(1982,p.
82),éessencialparaqualquertrabalhosofisticadodesonoridade.
De acordo com todos os entrevistados, Fonseca quase não falava em
questõesespecíficasdetécnicavocalduranteoensaioporcausadaformaçãoprévia
dos cantores. Como foi dito, também
não era seu costume dirigir a seção de
aquecimento, que durava entre quinze e vinte minutos. Se havia algum aspecto da
técnica vocal para ser trabalhado em grupo, geralmente ele orientava o preparador
vocalquepoderiaserumprofessordetécnicavocalcontratadoparaessefimou,na
falta
dele,umdoschefesdenaipessobreoquefazer,ousimplesmentedeixavapor
conta do preparador resolvêlo. Até durante o ensaio de repertório, as pessoas que
podiam ocupar a função de preparadores vocais tinham liberdade para interferir
nessesentido,e Fonsecaacatavasuassugestões.OMaestroatépodiaintervirquando
a homogeneidade do produto sonoro era comprometida pela diferença de escolas
técnicas dos cantores ou mesmo por alguma deficiência na formação de algum
65
cantor. Nesse caso, ele se pautava na escola técnica do professor Eladio Pérez
Gonzáles para determinar alguns pilares de unificação do som. Mencionarei alguns
desses “pilares” oportunamente (4.2.2.3.1 Dicção, alínea (a); 4.2.2.3.4 Impostação
vocal). Segundo Rodrigues, Fonseca tinha tanta confiança naquele professor, que
costumava pedirlhe para assistir a seus concertos a fim de avaliar a sonoridade do
Coro.
Considerando isso, a participação do Maestro Fonseca na condução do
trabalho de aperfeiçoamento técnicomusical não está ligada estritamente à técnica
vocalindividualdocantor.Naverdade,suaparticipaçãonessefatorapresentaoutra
abordagem, a da técnica coral do cantor HEFFERNAN (1982) também adota este
conceito –, que pode abranger aspectos da técnica vocal individual, mas que diz
respeito sobretudo à práxis daquele Coro em específico e, portanto, envolve
inclusivemodelosde interpretação aplicados a todo o seu repertório. Isso sim era
muitíssimotrabalhadoemensaios,aindaquenãofossedeclaradoverbalmente.
Nesta seção, tratarei de três grupos de recursos técnicos utilizados pelo
Maestro Fonseca: (1) recursos para preparar o coro psicologicamente para o ensaio,
(2) procedimentos básicos para montagem de repertório e (3) recursos específicos
para aprimoramento de certos aspectos da técnica coral. O primeiro grupo é o
conjunto de ferramentas técnicas que auxilia o regente no tratamento interpessoal,
conduzindo o grupo a um estado de concentração apropriado para o ensaio. Os
outrosdoisgruposconstituemsedeprocedimentosdidáticosdoregentecoral.Uma
vezcoletados, catalogados, discutidos esistematizados os recursos,desenvolviuma
tabela esquemática que pode ser consultada no Apêndice C. Três observações
importantes:
a) Vale mencionar que os três grupos de recursos técnicos aqui abordados não
são necessariamente aplicados alternadamente ou na ordem apresentada
neste texto. Eles estão presentes durante todo o ensaio, embora notese a
predominância de um ou outro conforme a demanda no momento do
ensaio.
66
b) O ferramental técnico discutido nesta seção funcionava no contexto do Ars
NovaCoraldaUFMG.Nãoéobjetivodestapesquisaumaverificaçãoda
aplicação desse ferramental técnico em outros contextos e/ou por outros
regentes.
c) A maior parte do ferramental técnico de ensaio coral do Maestro Fonseca
parecetersidoaprendidaporeleemleituraseemcursosdecurtaduração
no exterior, principalmente até a década de 1970. Não foi possível
determinar o momento a partir de quando Fonseca teria começado a
adotar sistematicamente todos os recursos aqui apresentados, uma vez
que, com exceção de Schmidt de Andrade, todos os entrevistados
trabalharamcomeleapartirdasduasúltimasdécadasdoséculoXX.
4.2.2.1 Preparação do grupo
Quando perguntados sobre como o Maestro Fonseca conseguia levar o
Coro a um estado de concentração adequado para o ensaio, a primeira reação dos
entrevistadosécategórica.Fernandesassegura:“AautoridadedoCarlosAlberto,ela
era um fato.” Verona, Antoniol & Silva lembram que a presença do Maestro era
suficiente para a transformação do ambiente de ensaio. Porém, questionamentos
secundários revelam dois fatores adicionais
36
que contribuem determinantemente
paraesseestadodeconcentraçãonapresençadoMaestroFonseca.
Primeiramente, “Todo mundo ia pra cantar mesmo.” (Antoniol) Havia
umapredisposiçãoàconcentraçãoporpartedoscantores,desdeomomentoemque
eram selecionados para cantar no Ars Nova até o momento das apresentações. Os
cantores novatos aprendiam o comportamento adequado em ensaios por imitação
dos mais experientes. No momento do ensaio, a socialização era sim um interesse,

36
O próprio Fernandes acrescenta posteriormente: “Parece que eles foram treinados pra acatar a
autoridade dele quando ele estava diante do Coro. [...] Eu acredito que isso é uma coisa que foi
construídaaolongodosanos.”(grifomeu)
67
mas muito secundário quando comparada à produção artística ao contrário de
muitoscorosamadores.
Em segundo lugar, como o Maestro Fonseca não tinha o costume de
conduziraseçãodeaquecimento,elegeralmentechegavaàsaladeensaiosdepois
dequinzeouvinteminutosdeatividadedoCoro.EssetempoemqueoCorointeiro
é impedido de conversar, uma vez que todos os naipes estão cantando
simultaneamente, em uníssono para quase todos os exercícios, é suficiente para
algum redirecionamento da atenção do grupo lembremos que quase todos os
cantorestinhamatividadesextraensaioequeessasatividades,emgrandepartedos
casos,nãoerammusicais.Tendosuasatençõesredirecionadas,oscantoresofereciam
poucosproblemasparaoestadodeconcentraçãonecessárioaoensaio.
Contudo, como se trata de um grupo de pessoas, é possível encontrar
situaçõesforadopadrão.Veronaafirma:“Eelenãocomeçavaenquantonãotivesseo
silêncioea concentração.”Fernandestambém indicaquenemsempreosilêncioera
naturaleperene.Àsvezeseranecessáriosolicitálo,e,outrastantasvezes,oMaestro
FonsecatinhadealteraravozparachamaraatençãodoCoroouparalembrarque
a regra é “Não admito conversa!” (Silva). Em alguns casos, chegava a gritar, como
efeitosinalizador.Nãoimportavaexatamenteapalavragritada,massimqueogrupo
percebesse não ser o momento para distrações. Segundo Fernandes, Fonseca não
fazia discursos aos gritos. Logo depois de conseguir a atenção do grupo, ele
retomavaseutomdevoznaturalparafalardoqueinteressava.
Umaoutrasituaçãoatípicaeramosatritosentrecoristasouentrecoristae
regente. Segundo Rodrigues, essas situações eram muito raras, porque, embora a
socializaçãofossesecundáriaaofazermusical,elatambémeraumforteinteressedo
grupo. Apesar disso, o Coro não estava isento de choques entre personalidades.
Quando aconteciam atritos extraensaio, geralmente o Maestro Fonseca não
procurava tomar conhecimento a menos que o atrito fosse com ele mesmo –,
68
porque o Coro possuía uma diretoria administrativa que se ocupava também desse
assunto. Mas se a desavença viesse à tona durante o ensaio, o Maestro acabava se
envolvendo, por estar na direção da atividade, mas, segundo Antoniol & Silva,
geralmente ele apenas exigia silêncioedeixavaqueos coristas o resolvessem por si
mesmosdepoisdoensaio(Antoniol&Silva).Oimportantedissoéqueeleprocurava
deixar muitoclaro que o ensaio não era momento para divergências e que o tempo
tinha de ser melhor aproveitado de outra forma. Mesmo quando a divergência
envolviadiretamenteoMaestro,emboraelenãofosseinerte,eleprocuravaignorare
dar prosseguimento ao trabalho (Verona). Contrários a esta impressão, Antoniol &
SilvadizemqueoMaestroFonsecanãorecuava.Seoopositornãoofizesse,corriao
riscodeserconvidadoasedesligardoCoro.SeAntoniol&Silvaestiveremcorretos,
podeseinferirquetratavasedeumrecurso,umtipodedefesanatural,paranunca
colocaremriscooconceitodaautoridadedoMaestro.
Na opinião de Rodrigues, o Maestro Fonseca conseguia a unidade do
grupo por causa qualidade do trabalho musical como eu disse, esse era o
principalinteressedocorpode cantores.OCorotinhaprazernisso,equestõesextra
musicaispodiamserdeixadasdelado.Omesmoaltoníveldeexigênciaeraaplicado
e bemvindo em pequenos exercícios tanto quanto na própria performance em
palco.
De fato, Fonseca adotava algumas estratégias para conseguir do grupo
mais concentração e reatividade, ou simplesmente para fazer o grupo relaxar,
principalmente através de exercícios musicais mas não dispensava algum tipo de
dinâmicadegrupo.Eisalgunsexemplosdessasestratégias:
a) Vocalise com alterações improvisadas (ver Figura 1). Fonseca usava este
vocalise para exercitar a atenção e a
reatividade do Coro ao gestual do
Maestro.Semexplicarverbalmente,apenasatravésdogestual,eledividia
o coro com entradas alternadas gerando cânones e mudava parâmetros
como dinâmica, andamento e articulação. Devido à grande dificuldade
parasealcançara perfeiçãonoexercício,os errosindividuaiserammuito
freqüentes, e Fonseca aproveitava a situação para transformála em algo
69
engraçado. Isso dava ao exercício um efeito secundário, a diminuição da
tensãopsicológica(Rodrigues,Antoniol&Silva).
Figura 1
b) Regência sem braços. O exercício consistia em deixar de reger com os braços
paradarapenasalgumasindicaçõescomoolharenquantoocoroestivesse
cantando alguma peça lida (Antoniol & Silva). Podemse supor duas
finalidades, pelo menos: (1) a concentração da atenção na sonoridade da
música,umavezqueoprincipalcondutorpassaaserosomdoconjunto,e
(2)o aumento da sensibilidadeao gestodo Maestro,poisesperase que o
Corosintafaltadessegestuale,portanto,percebaadiferençaquefazlo
àfrente.
c) Quartetos. Segundo Antoniol & Silva, em quase todos os ensaios, Fonseca
costumava convidar sem aviso prévio uma pessoa de cada naipe para
executar o repertório diante de todo o Coro. Tendo conhecimento da
iminênciadeserconvidado,cadacoristaseresponsabilizavapessoalmente
por um trabalho extraensaio de assimilação do repertório. Esse trabalho
podiaserindividual,
masgeralmentegeravamuitamobilizaçãodogrupo
no sentido de os coristas se ajudarem uns aos outros e até de marcarem
ensaios extraordinários para aprimorar o repertório. Portanto, o efeito
desse exercício era muito superior a uma constrangedora avaliação do
corista:geravacrescimentoindividual,mobilizaçãodogrupoeaumentava
a prontidão
para as atividades. Tratase de um tipo de exercício
fortementerecomendadopelabibliografiasobreRegênciaCoral.
d) Figuras. O Maestro Fonseca não era apenas proficiente em trocadilhos.
Também era muito hábil no uso de figuras, objetivando produzir
mudanças no estado de espírito do Coro que redirecionassem a sua
atenção para algum efeito na interpretação da música. Apresento dois
exemplos mencionados por Verona, Antoniol & Silva. (1) Quando queria
diminuir a tensão do grupo, ou, mais especificamente, quando queria
sorrisos, simplesmente mostrava ao grupo uma escova de dentes ou um
tubo de creme dental. (2) Quando queria que um pianíssimo extremo,
70
falavaaogrupocomoéleveumapena,ou,tendolevadoapena,lançavaa
aoar.
e) Improvisação musical com luzes apagadas. A presença de muitas pessoas
numa única sala, em silêncio e com as luzes apagadas é uma maneira de
levar as pessoas à desinibição e à confiança mútua. Rodrigues e Schmidt
deAndrade falamdessaprática acontecendoao final,ou, menoscomum,
antes do ensaio. Fonseca convidava os presentes a se sentarem
relaxadamente, em silêncio, apagava as luzes da sala e improvisava ao
Piano por alguns minutos. Naturalmente, esse exercício tinha efeitos
diferentes,conforme fosseexecutado antesoudepois doensaio.Se antes,
servia para direcionar a atenção dos presentes para o ensaio, para
aumentar a concentração. Se depois, principalmente se o repertório
trabalhado durante o ensaio fosse muito difícil, servia para relaxar. Nos
doiscasos,oexercíciotinhatambémumefeitodeinteraçãogrupal.
f) Passaapertodemão.Osintegrantes dogrupo,inclusiveo Maestro,ficamem
círculo,voltados paraocentroedemãosdadas.OMaestroaperta amão
dapessoaqueestáàsuadireita,porexemplo,elafazomesmocomquem
está à sua direita, e assim por diante, até o apertodemão chegar ao
Maestropelaesquerda.Alémdeserumexercíciodeatençãoereatividade,
um efeitoque se alcança subliminarmente através do círculo: unidade
do grupo. Tocar as mãos e olhar os olhos dos colegas o grupo está em
círculo também coopera para o desenvolvimento da desinibição e da
confiança mútua. Rodrigues diz que este exercício era feito
freqüentemente no fim do ensaio de camarins, em que o grupo estava
prestesairparaopalco.
Fonsecatambémapregoavacuidardesuaprópriaconcentração:ensinava
que,antesdasatividades,oregentedeviaserecolherdurantetrêsouquatrominutos
emlugarisoladopara,deolhosfechados,daratençãoàrespiração(Aguiar).Tratase
de um procedimento que havia aprendido com Celibidache, e pode ser que tenha
sido regra prática para apresentações em público (Verona). Mas não se deve supor
queissofosseumhábitoparaosensaios.SegundoAntoniol&Silva,Fonsecatinhao
costume de chegar para o ensaio até antes do horário, mas, durante o tempo
dedicado à seção de aquecimento, geralmente ele se ocupava de aspectos
burocráticos da administração do Coro ou de outras questões não musicais de
demandainesperada.
71
Dequalquermaneira,
Ele falava muito da importância da concentração. Ele falava
que um coro que não tem o hábito de se concentrar, no
momento de uma performance, quando ele realmente precisa
ficar concentrado, ele não consegue, porque fica nervoso.
Então a concentração precisava de ser exercitada no dia-a-dia,
pra que, no momento da performance, apesar do nervoso, o coro
conseguisse manter aquele estado de concentração.
(Fernandes)
Umestadodeconcentraçãointegral,portanto,eraacondiçãobásicaparao
bomresultadodasatividadesdoArsNova.

4.2.2.2 Montagem de repertório
Nesta seção, discuto as técnicas gerais de ensaio do Maestro Fonseca. O
título Montagem de repertório diz respeito à meta final de todo ensaio coral. Não
tratareipropriamente daescolhadepeçaspara constituiro repertório,pois erauma
prática extraensaio, que envolvia acordosentreeleeoMaestro Grimaldi, além das
imposições feitas pelas organizações de concursos, festivais, encontros e outros
eventosdosquaisoArsNovaparticipasse(Rodrigues,Antoniol&Silva).Tratareido
trabalhoqueerafeitoem ensaiocomasobrasescolhidasemfunçãodeeleválasao
nível de serem apresentadas em público. Aponto três
aspectos desse trabalho: (1)
procedimentos genéricos, (2) leitura de repertório novo e (3) refinamento de
repertório.
4.2.2.2.1. Procedimentosgenéricos
O Maestro Fonseca adotava o roteiro tradicional para os ensaios do Ars
Nova, que duravam cerca de duas horas: (1) seção de aquecimento, de que não
72
tratareiaqui,poroserpráticadoMaestr o;e(2)seçãodemontagemderepertório,
quepodiaserdivididaemtrêspartes.Eilas:
a) Repertórionovo(quandohouvesse);
b) Refinamentoderepertório;
c) Repertórioassimilado.
Fernandesexplicaaescolhaporessaordemdeeventos:
Ele começava com as obras que ele estava lendo, porque ele
precisava que o coro estivesse descansado nesse momento.
Quando você está começando uma obra nova, você precisa de
um nível de concentração muito grande pra memorização, pra
própria leitura em si. Você ainda não está fazendo música de
verdade, você ainda está montando a peça. [...] Por outro lado,
deixar uma obra madura pro fim, depois que você já está
cansado de ler, ou de trabalhar detalhes que ainda estão sendo
construídos, era muito motivador. [...] E esse cantar do
começo ao fim dava pro cantor essa sensação de realização. É
naquele momento que o cantor tinha uma verdadeira
experiência estética da obra. [...] E, se ele colocasse essas obras
no começo, o coro não estaria aquecido para realizar bem.
Aqui, Fernandes não se refere ao aquecimento vocal apenas. No começo
do ensaio, a própria concentração do grupo ainda o está ativa o suficiente para
realizaracontentoassutilezasdeinterpretaçãopertinentesaumaobramadura.
Segundo Fernandes, pelos mesmos motivos apresentados na citação
acima, Fonseca começava a seção de refinamento de repertório com as passagens
mais complicadas. Não era necessário trabalhar a obra em sua totalidade, mas
concentrarse nos trechos que precisavam de ser melhorados. Em muitos ensaios,
algumas obras não chegavam a ser cantadas da capo al fine. O Maestro também era
muitoobjetivocomrelaçãoaquantosequaistrechosdeveriatrabalharnaquelaseção
do ensaio e, por isso, tinha em mente o tempo aproximado de trabalho com cada
trecho musical. Mesmo que um trecho não ficasse pronto tendo esgotado o seu
tempo, Fonseca deixáloía de lado naquele ensaio para poder trabalhar em outro
73
tópico. No ensaio seguinte, retornaria ao trecho problemático. “A não ser que fosse
umúnicoproblema que ocorotivesse que resolver [aolongo de todo oensaio],ele
sempre ia alternando [as peças] e acreditava” (Fernandes) que com o passar dos
ensaios, o Coro amadureceria e os problemas seriam solucionados. Ao longo dessa
seção do ensaio, Fonseca procurava trabalhar trechos com cada vez menos
problemas,atépoderpassarparaaseçãofinal.
Na seção de repertório assimilado dez ou quinze minutos finais do
ensaio–,Fonsecanãointerrompiaas peças.Quandodetectavaproblemas,reservava
osparaserem ensaiadosnaseção de refinamentode repertório do ensaio seguinte.
Assim,procuravasempreterminaroensaiocomumdacapoalfine(Fernandes).
Umquesitobásicoparaobomresultadodetodasasseçõesdoensaioeraa
profundidade com que Fonseca conhecia as partituras que estava a ensaiar e a
clarezaquetinhadesuaprópriainterpretaçãodaspartituras.Todososentrevistados
afirmam que o Maestro Fonseca decorava tudo o que ia reger, mesmo que viesse a
usar as partituras no ensaio. Associado a sua boa percepção, isso davalhe muita
liberdadeparatransitarentreoselementosinterpretativosqueaplicavaàsobras.Por
isso, embora a seqüência dos trechos que pretendia ensaiar fosse definida com
precedência,aseqüênciade abordagemdosaspectosinterpretativosdecadatrecho
eradeterminadapelapercepçãoqueeletinhadademandaapresentadanomomento
doensaio(Rodrigues).
De qualquer forma, no fim do trabalho com uma peça, depois de vários
ensaios,todosos aspectosdainterpretação teriamsido exaustivamente trabalhados,
inclusivequestõesacústicas, porque Fonsecainsistiaem realizar ensaiosnolocal da
apresentação. Não se trata somente de interpretar a obra através do Coro, mas
tambémdetreináloparacorresponderàprópriaconduçãodoregente. OArsNova
era absolutamente condicionado a reagir ao gestual do Maestro Fonseca conforme
ele esperava (Fernandes). Isso apresenta duas implicações (Antoniol & Silva): (1)
74
Comoainterpretaçãoeratãobemtrabalhadaebuscavaconsiderartodososfatores
quedizemrespeitoàperformance,nãoeranecessáriofazeralteraçõesnomomentoda
apresentação em público; (2) apesar disso, quando o Maestro decidia por pequenas
alteraçõesnomomentodaapresentação,oCoroestavahabilitadoacorresponderao
seucomandopormeiodogestual.
Juntamentecomseusartifíciostécnicospararefinamentoderepertório,os
entrevistados consideram o gestual de Fonseca um grande diferencial de seu
trabalho. Com os braços sempre muito relaxados e, portanto, refletindo sujeição à
gravidade necessária para marcar os pontos de inflexão –, seus gestos eram
pequenos, precisos e objetivos, comunicavam com clareza e em detalhes o que
pretendiam comunicar. Mesmo assim, segundo Fernandes, o Maestro Fonseca
treinava o Coro para compreender seus sinais, e, em raras ocasiões, chegava a
explicarseusgestosverbalmenteparaoCoro.
Fonseca não se privava de falar para explicar ou de cantar para
demonstrar. Ele o fazia com freqüência, mesmo não tendo boa voz de cantor, com
poucosgraves(Fernandes),epossivelmenteatéusavaofalsete.Elenãopermitiaque
dúvidas fizessem história. Quando uma dúvida aparecia entre os cantores, ele
procurava descobrir exatamente qual era sua origem
e tratavaa desde o começo.
Cada correção era uma nova oportunidade de exercitar o trecho em que a dúvida
aparecia.FernandesobservaqueFonsecanãodiziaapenas“Nocompassotal,façam
isso.” O Maestro tinha a paciência de repassar o trecho com o Coro e conferir se o
naipe ou
o indivíduo haviao compreendido. Verificada a não compreensão, ele
repetiaaoperação.
Os entrevistados se contradizem quanto ao uso do falsete como recurso.
Antoniol diz que Fonseca usava o falsete para demonstrar melodias das vozes
femininas. Fernandes diz que o Maestro preferia cantar as partes femininas oitava
abaixo, e o falsete ficava reservado aos trechos em que teria de cantar melodias no
75
registro agudo do Tenor. Rodrigues, por sua vez, diz que Fonseca nunca usava
falsete, porque os cantores eram muito experientes e não precisavam de
demonstrações com exatidão de registro. Mas não dúvidas de que ele cantasse
parademonstrar.
TudooqueoMaestroFonsecaqueriaeramuitobemdefinido.Mesmonão
ditos por meio de palavras, todos os aspectos interpretativos eram definidos
cuidadosamente por ele. Muitas coisas ficavam explícitas em seu gestual ou
implícitas na práxis do Coro. Segundo Antoniol & Silva, muitas coisas eram
ensinadaseaprendidassemnecessidadedeexplicações.Osnovatostambémpodiam
aprender muito pela imitação dos cantores mais experientes, vários dos quais
cantavam no Coro quinze, vinte anos, ou mais.
37
Para assegurar que o
aprendizado pela imitação acontecesse, era o Maestro quem determinava a
disposiçãodoscantoresnaformaçãodoCoro,tantoemensaiosquantoemconcertos,
edesignavaumcantorexperienteparacuidardecadanovatoatéqueesteadquirisse
desenvoltura(Antoniol&Silva).
4.2.2.2.2. Leituraderepertórionovo
O primeiro contato do Ars Nova com uma obra musical envolvia
necessariamente uma contextualização, e o Maestro Fonseca contou muito com o
auxíliodo MaestroGrimaldi nessapartedotrabalho. Fonsecaprocuravainformar o
Coroacercadocompositor,doestiloedaobraemespecífico,eGrimaldicuidavade
uma contextualização histórica mais abrangente (Antoniol & Silva). Em seguida, a
leituraprocedia.Fonsecaadotavatrêsabordagensdiferentes,dependendodaobraa
serlida:

37
ocasodeumacantoraquepermaneceunogrupoporquarentaecincoanos!
76
a) Homofonia barroca, clássica e romântica. Como o Coro possuía muita
desenvoltura com esse repertório, a leitura era feita com todos os naipes
cantandosimultaneamente,cadaumemsuaprópriaparte(Rodrigues).
Nosdois próximos casos,era necessáriorealizar ensaiosdenaipes paraa
leitura. Cada naipe dirigiase a uma sala para ensaiar separadamente e por um
tempo determinado, conduzidos pelos chefes de naipes, exceto Sopranos, que
geralmente permaneciam com o próprio Maestro. Fonseca não costumava prevenir
os ensaiadores sobre o repertório, de modo que faziam de fato leitura à primeira
vista. De qualquer maneira, eles tinham a liberdade de recorrer ao Maestro para
sanardúvidassobreomaterial(Rodrigues,Antoniol&Silva).Depoisdosensaiosde
naipes, o grupo se reunia na sala principal e fazia uma segunda leitura, com a
presençadetodasasvozes,masFonsecanãopediadeimediatoaoCoroparacantar
as vozes simultaneamente (Fernandes). A formulação das combinações de naipes
para a o processo de leitura dependia das características próprias da obra musical
quefossetrabalhada:
b) Homofonia com harmonia complexa. Segundo Fernandes, ele agregava os
naipes um a um, do mais grave até o mais agudo, até completar o Coro.
Assim, numa peça a quatro vozes, por exemplo, passava os Baixos uma
vez,umavezB+T,umavezB+T+C,eumavezB+T+C+S.
c) Polifonia.Nestecaso,FernandesexplicaqueFonsecaagregavaosnaipesuma
um, seguindo a ordem de
entradas na partitura, até completar o Coro.
Assim,seasentradasnapartiturafossemnaordemCSTB,elefaria
C+S,depoisC+S+Te,finalmente,C+S+T+B.
Se forem mesmo essas as abordagens utilizadas por
Fonseca, podemos
identificarumaspectomuitopositivoedoisaspectosnegativos.Oaspectopositivoé
odesenvolvimentodaconcepçãoedacompreensãodanaturezadapeçaporpartedo
Coro, harmônica pela escuta insistente da voz do Baixo ou polifônica pela
escuta insistente da entradas alternadas. Os aspectos negativos são (1) a saturação
dos primeiros naipes a cantar e (2) a ociosidade dos últimos, o que possibilita a
geração de certa inquietude. Adapto os mesmos exemplos apresentados nas alíneas
(b)e(c)comoalternativasparaamenizaroproblema:
77
b) Mantémse o mesmo princípio de primeiramente estabelecer a base
harmônica passando os naipes desde o mais grave até o mais agudo,
porém alternadamente: B + T, depois B + C, depois B + S. Em seguida,
descansando os Baixos para exercitar os outros naipes por igual: T + C,
depois T + S, depois C + S. Por fim, passando as quatro vozes
simultaneamente.
c) Mantémse o mesmo princípio de primeiramente estabelecer a ordem das
entradas passando os naipes nessa ordem, mas em pares. Portanto, se a
ordemforCS T B, passamseC +S,depoisS+ T,depois T+ B.Em
seguida, C + B, para evitar que estes naipes se exercitem menos que os
outros.
A passagem de pares de naipes também traz consigo um problema:
aumentaseem(b),duplicaseotempodafasedeleituracomapresençadetodas
asvozes.Issopodesermaisoumenosrelevante,dependendodasdimensõesdaobra
ensaiada.
Nos três casos, a leitura poderia ser feita com nomes de notas, com
vocalização, com sílabas ou até mesmo com o próprio texto literário indicado na
partitura,dependendo dograu defacilidade desseselementos(Rodrigues, Antoniol
eFernandes),emboraissonuncafosseexigidoporFonsecanumprimeiromomento.
Os cantores e os ensaiadores também tinham a liberdade de executar a leitura
aplicando as indicações de dinâmica, de articulação e de agógica, embora também
isso não fosse exigido. Essa
prática de leitura simultânea de diversos elementos da
partitura refletia a larga experiência dos cantores, não apenas com o Canto Coral,
mas com aquele Coro em específico e com o Maestro Fonseca. Devido ao contato
prolongado, os chefes de naipes e muitos cantores tinham condições de supor de
antemão qual
seria a interpretação de Fonseca sobre muitos daqueles elementos.
SilvacitaoMaestro:
Ele dizia que uma característica dele no ensaio era esculpir a
música no momento em que o Coro ainda estava aprendendo.
Não ensinar a música toda, fazer a leitura, pra depois ir
colocando a interpretação. Ele já trabalhava tudo ao mesmo
tempo.
78
É verdade que Fonseca tivesse o cuidado de induzir o Coro a aplicar
elementos expressivos ainda na fase de leitura e também que ele o esperasse dos
ensaiadores de naipes.Porém, não devemos entender que ele trabalhasse
sistematicamente“tudoaomesmotempo”mesmoqueopróprioMaestrodissesse
isso. Pelos depoimentos dos outros entrevistados, fica claro que Fonseca evitava a
sobrecarga de informações simultâneas e concentrava a fase de leitura apenas nos
aspectos mais básicos. As duas primeiras preocupações de Fonseca para a fase de
leitura eram a precisão das notas e do ritmo (Verona) com alguma expressividade
(Antoniol&Silva).
ParatrabalharasnotascomoCoro,FonsecafaziausoconstantedoPiano
e de teclados eletrônicos nos ensaios de naipes em toda a fase de leitura. Na
opinião de Rodrigues, isso tornava a afinação do Coro um pouco dependente do
instrumento, e, se Fonseca fizesse menos uso do mesmo, provavelmente o Coro
reagiria mais rápido às dificuldades de afinação quando viesse a cantar a cappella.
Quando surgiam dificuldades em trechos específicos, seja por complicações
melódicas, seja por complicações harmônicas, Fonseca repassava esses trechos
quantas vezes fossem necessárias e em quantos ensaios fossem necessários até que
funcionassem
com perfeição e pudessem ser considerados como lidos (Verona,
Antoniol& Silva).Tantarepetiçãotinhaumfundoteórico.SegundoAguiar,Fonseca
dizia: “Uma primeira leitura tem de fracassar.” (sic)
38
A idéia é manter por muito
tempoaexpectativadoscantorespeloresultadosonorofinal,demodoaevitaruma
diminuiçãodaatençãologonocomeçodaleitura.

38
EsteprincípioaparecetambémnaapostiladeFONSECA(semdata,p.8).
79
4.2.2.2.3. Refinamentoderepertório
Segundo Fernandes, o Maestro Fonseca somente começava a abordagem
sistemática de uma peça a nível de detalhamento depois de uma leitura que ele
considerasse satisfatória, que consistia em o coro entender claramente os aspectos
rítmico, melódico e harmônico da peça trabalhada. Depois disso, o primeiro passo
erafazeroCoroentenderclaramenteafonéticadoidioma,levandoemconsideração
não apenas o país de procedência, mas também a época. Para isso, Fonseca
costumava solicitar a intervenção do Maestro Grimaldi. Em seguida, Fonseca
exercitavaoCoronapronúnciacorretacomadevidaacentuaçãotônicadaspalavras
e com as inflexões corretas das frases. Isso era importante porque Fonseca extraía
todos os outros aspectos da interpretação exatamente do texto do significado
semântico e da própria sonoridade das palavras e frases. Para viabilizar sua
interpretaçãodorepertório,Fonsecaaplicavaalgunsrecursosgenéricos:
a) Cor do naipe. Fonseca tinha liberdades para modificar o timbre do coro
atravésda permutação deelementos entre osnaipes eatémesmoatravés
dasubtraçãodeumapartedonaipe.Porexemplo,paraescurecerotimbre
do naipe de Sopranos, ele podia transferir para aquele naipe um ou dois
Contraltos. Ou,se quisesse que onaipede Sopranossoasse mais leveem
determinado trecho, poderia pedir que todos os Sopranos II não
cantassem.(Antoniol&Silva)
b) Fluência no estilo. Para conseguir isso, Fonseca podia criar uma distorção e
pedir ao Coro que cantasse aquela distorção como exercício. Verona
lembradecasosemqueoMaestrotransformavapeçaslentasesolenesem
jazz, por exemplo.A prática da distorção permitia a comparação entre os
estilos e exercitava o discernimento de características específicas dos
mesmos,imperceptíveisàescutanãocomparada.
c) Inflexãodafrasemusical.Mesmonoslongosmelismasemqueotextoliterário
praticamente se perde, Fonseca cobrava do Coro a clareza da inflexão de
frases musicais. ‘A frase tem que abrir e fechar’, isso ele falava muito.”
(Fernandes) Ou seja, ela começava com um crescendo natural e suave em
direção ao ponto culminante e, em seguida, apresentava um diminuendo
tambémnaturalesuave.Amenosqueapartituradissesseocontrário.
d) Andamento. Os andamentos fixos e sobretudo as mudanças de andamento
eram rigorosamente determinadas pelo Maestro Fonseca e ensaiadas à
80
exaustão.SegundoVerona e Fernandes,o principalrecurso erao gestual,
que o Coro estava muitíssimo habituado a interpretar, mas, como foi
dito,oMaestrotambémpodiacantarparademonstraroquequeria.
e) Expressão corporal e facial. Embora o Ars Nova não abrisse mão da
formalidade (Antoniol & Silva), não era proibido de se exprimir
corporalmente. Não que chegasse a dançar, mas podia apresentar certo
balanço como reflexo do ritmo, métrica, frases e seções da música.
SegundoAntoniol&Silva, Fonsecamesmodançava defatodiantedo
Coro para exemplificar e, segundo Verona, estimulava muito o Coro a
desenvolver a expressão facial, para com o rosto transmitir ao público o
sentido da música. Antoniol & Silva lembram que, para o Maestro, a
expressão corporal e facial tinha de ficar patente inclusive nas pausas
longas, que ele chamava de “pausas de expressão”. O naipe não canta,
masestápresenteeatuantenofazermusical.
Não somente como exercício para o Coro, Fonseca adotava a expressão
corporal e facial para si mesmo, ao tratar verbalmente de interpretação. Enquanto
explicava, oMaestroFonsecatransformavase numa espécie de ator diante do Coro
Afimdedemonstrarocaráterqueesperavaquefosseimpressonamúsica,elepodia
parecermuitoeufóricooumelancólico.Nessescasos,eleatémesmodeixavadelado
seu perfil brincalhão (Fernandes). Mas devese mencionar que ele não recorria a
efeitosgratuitos.SegundoAntonioleFernandes,todasasdecisõesinterpretativasdo
Maestrotinham umfundamentorealmente musical,seja oestilo deépoca,o gênero
daobraouotexto.
4.2.2.3 Artifícios técnicos
Nesta seção, trato dos recursos utilizados pelo Maestro Fonseca para
aprimorar alguns aspectos específicos da técnica coral dos cantores. Embora cada
recursocoopere parao desenvolvimentode umagama de habilidades,sendo quase
81
impossíveltrabalharqualquerhabilidadeisoladamente,dividoessesrecursosemseis
grupos, conforme a habilidade sobre a qual cada um atua predominantemente:
dicção;ritmoearticulação;apoioerespiração;impostaçãovocal;dinâmica;afinação.
4.2.2.3.1. Dicção
Esta era uma das maiores preocupações de Fonseca. Nas opiniões de
VeronaedeFernandes,eraoprincipalaspectodotrabalhodaqueleMaestro.Eleera
extremamentecuidadosoparaquetodootextofosseentendido pelopúblicofalante
do idioma, independente do registro ou da dinâmica em que o Coro estivesse
cantando (Antoniol). Schmidt de Andrade afirma que, na cada de 1960, o Ars
Nova era capaz de fazer o público dar risadas com “Galo Garnizé” (FONSECA,
1963a,sic).
39
Osucessodeviaseaalgomaisqueinterpretaçãoeperformance:aclareza
da articulação do texto permitia ao público compreender exatamente o que estava
sendo dito. Aparentemente, Fonseca partia do princípio de que deveria haver
equilíbrio entre todos os fonemas executados, de modo que nenhum ficasse mais
audível ou menos audível que os outros, mas, ao mesmo tempo, conferindo às
palavrasadevidaacentuaçãotônicaeàsfrasesainflexãocorreta.
Para o referido equilíbrio, Fonseca adotava procedimentos muito
peculiares, e alguns consistiam inclusive em acrescentar fonemas às sílabas para
reforçar o som de consoantes fracas, ou simplesmente em trocar um fonema por
outro.SegundoVerona,“muitoscantoresnãoconcordavamcomisso,maseraoque
elepediaequetinharesultado.”Listoosexemplosqueconseguicoletar.Contudo,é
importanteobservarquesãopadrõesadotadosporFonseca napráticadoArsNova

39
O arranjo pede semínima equivalente a 126bpm, e o texto é articulado silabicamente em
semicolcheiaspraticamenteininterruptas.Otextoapresentatrêsestrofesquefazempiadassobrea
“muiécasada”,a“meninamoça”ea“muiéviúva”eumrefrãoqueadverte:“Tomecuidadoco’este
galopequenino,viu?”
82
e, como padrões, podiam ser adaptados e até evitados, por exemplo, em função de
algum aspecto interpretativo que o Maestro julgasse necessário ressaltar. Para uma
melhorcompreensãodestetópico,convémaleituradoAnexodestadissertação,que
fazumbreveestudodaclassificaçãodeconsoantes.
a) Vogais. Neste ponto estava um dos pilares da unificação da sonoridade do
Ars Nova, pautado na escola do professor Eladio PérezGonzáles
(Rodrigues;PÉREZGONZÁLES, 2000).
40
Todas asvogaistinham deter a
mesma abertura, para não haver diferença de impedância.
41
Entendo de
Fernandes que essa abertura era definida pela mandíbula, e a medida
mínimaeraencontradapelamordeduradaspontassobrepostasdosdedos
médioeindicador,medida,segundoele,aplicadaatodooregistrograve,
médio grave e médio agudo. Mantendo os lábios relaxados, fechandoos
lateralmente apenas para formar as vogais |u|
42
e |o|, evitavase a
aberturalateralquelembraumsorriso.Algumasadaptaçõespoderiamser
feitasemfunçãodoregistroquantomaisagudo,maisaberto–,mas,em
cada registro, todas as vogais deveriam manter essa mesma abertura. É
importante observar que isso é uma opção do Maestro ele poderia ter
escolhidooutraescoladeCantoe,nãosomentecontribuiparaunificara
sonoridadedoCoro,mastambémdefineumaspectomuitopeculiardesua
sonoridade.
b) |s| em fim de sílaba seguido de pausa. Como consoante da categoria das
fricativas surdas, o |s| é muito brilhante, pois produz freqüências muito
agudas, muito acima dos registros da voz humana e, por isso, pode ser
ouvida com facilidade num contexto de música coral. Como se não

40
VeronaafirmaqueFonsecaapresentassemaispreocupaçãocomasconsoantes,umavezque,emsua
opinião, as vogais são mais audíveis e, portanto, precisam de menos cuidado. Justificase sua
opinião pelo fato de que a escrita rítmica tradicional indique a duração das vogais, deixando
implicadoqueasconsoantesdevem
duraromenortempopossível,antesoudepoisdasvogais.
41
Apesar de este termo ser originalmente aplicado à Engenharia Elétrica (veja o verbete
correspondenteemFERREIRA,2004),façousodelecomsignificadobemdiverso:indicaquantoo
fechamento dos bios ou da mandíbula impedem a saída do som pela cavidade bucal. Aprendi
este conceito com o professor Neri Rodrigues Contin,
regente do Coral da FUNREI (hoje UFSJ
UniversidadeFederaldeSãoJoãodelRei),noperíodode1996a1999,ecomaMaestrinaAngélica
Faria,emoficinadePráticaCoraleemcursodeRegênciaCoralministradosnoIXInvernoCultural
da FUNREI, em Julho de 1996. Angélica Faria
trabalhara com o professor Eladio PérezGonzáles
(citada em PÉREZGONZÁLES, 2000, p. 3), que também adota o mesmo conceito para o termo
impedânciaaolongodeseulivro.
42
Fonemasserãoindicadosentrebarrasverticais.
83
bastasse,elapodeserprolongadapormuitotempo,semodesconfortoda
associação ao uso das pregas vocais, como aconteceria em |z|. Embora
Fonsecaquisesseconsoantesmuitoclaraseaudíveis,o|s|oincomodava,
especialmente por esta última característica no caso mencionado nesta
alínea,umcantordistraídopoderiaexcedermuitoaotempodeequilíbrio.
Por isso, ele usava uma metáfora como ilustração de quanto aquela
consoante deveria durar: “Molhou o dedo, colocou no ferro [quente],
acabou. Ninguém segura o dedo no ferro.” (Antoniol) Certamente ele
teriaomesmocuidadocomasdemaisconsoantesfricativassurdas|sh|
e|f|seelasocorressememfimdepalavra.
c) |l|, |m| e |n| em fim de sílaba, seguido ou não de pausa. Como sonoras,
43
estas consoantes acabam confundindose à reverberação produzida pelas
vogais e, como contínuas, estas consoantes têm a característica de não
apresentar necessariamente uma articulação de finalização. Por isso, elas
quase se perdem, dependendo da reverberação do ambiente em que se
executa uma obra musical, pois podem confundirse com a própria
reverberação,uma vezquesão cantadasnamesma alturadas vogaisque
asprecedemequenãoapresentamumaarticulaçãodefinalização.Verona
eFernandesafirmamque,parasolucionaroproblema,Fonsecapediaaos
cantores que simultaneamente articulassem uma vogal neutra para
finalizar a consoante algo entre o |ê| e o |á|, semelhante ao shwa
hebraico.
d) Encontros consonantais. Nos casos em que a consoante menos audível
precedesse a mais audível, a solução de Fonseca também era acrescentar
uma vogal neutra entre elas, geralmente aproximando essa vogal neutra
da vogal real que constituísse a sílaba. Verona cita o exemplo
da palavra
christeque,apesardegrega,geralmenteécantadacompronúncialatina
nocontextodaMissacantase|k
ĭ
ri’ste|.Issoconferemelhor articulação
eaudibilidadeao|k|.
e) |g| em registro agudo.Fernandes menciona o recurso que Fonseca usava
parafacilitaraemissãonessecaso.Citaoexemplodapalavralatinagratia,
em que Fonseca pedia para se substituir o |g| por um |k|. O recurso,
portanto, consiste em transformar uma oclusiva sonora não contínua em
sua equivalente não sonora, evitando assim a vibração das pregas vocais
num registro que exigiria alguma abertura da cavidade oral.

43
Como as contínuas têm ação das pregas vocais, elas devem ser cantadas preferencialmente na
mesmaalturadasvogaispróximas.
84
Considerando isso, o mesmo recurso poderia ser estendido para outras
duassubstituições:(1)|b|por|p|e(2)|d|por|t|.
f) |p|seguidodevogal,emregistroagudo.Paraevitarumgolpemuitofortena
passagemdo|p|paraavogal,Fonsecapediaqueocoroinserisseum|f|
muito sutil entre os dois fonemas (Fernandes). Este recurso permite um
mínimo de abertura da cavidade oral necessário à vibração das pregas
vocaisnaqueleregistro.Omesmorecursopoderiaserestendidoàsoutras
oclusivassurdas:emsílabasiniciadascom|t|ou |k|,podeseinserir um
fonemafricativoantesdavogalcomamesmafinalidade.
Oproblemadaemissãonoregistroagudoépatenteemtodasasoclusivas,
porque elas restringem a abertura da cavidade ora l, dificultando o começo da
vibraçãodas pregas vocais. Atravésdasentrevistas, foi possívelidentificarsoluções
muitoeficazesutilizadasporFonsecaparacasosdasoclusivassonorasnãocontínuas
e das oclusivas surdas. Porém, não foi possível identificar soluções para o caso das
oclusivassonorascontínuas|m|,|n|,|nh|.
g) |r|. Verona e Fernandes estão de acordo que, para Fonseca, esta consoante
deveria ser sempre alveolar
44
em idioma estrangeiro possivelmente
incluindo o Português lusitano. A liberdade para usar o |r| velar
45
no
Portuguêsbrasileiroindicaqueessenãoeraapenasumrecursodedicção,
masumaopçãointerpretativaquepadronizavaapráticadoCoro.Mesmo
assim,pareceque,em registros agudos,Fonseca sempre optasse pelo |r|
alveolar. Neste caso, tratase de um recurso de dicção, que a vibração
gutural
é muito difícil no agudo. Entretanto, vale lembrar que Verona e
Fernandes conheceram o trabalho de Fonseca na década de 1990. No
vinil“Missaemaboio”(MARINHO etal.,1966), oArsNova canta“Muié
Rendera” (FONSECA, 1963b) com |r| alveolar sempre. No CD
“Antologia” (SCARLATTI et al., 1999),
o Ars Nova canta a mesma obra
compermissãoparao|r|velar,comoapronúnciadoPortuguêsfaladona
Capitalmineira.Assim,ficaevidenteque,emalgummomento,oMaestro
mudoudeopiniãoquantoaousodo|r|velarparaoPortuguêsbrasileiro.
Quandoinformadodisso,Fernandeslembrade“ummovimentodocanto
coral brasileiro que buscou uma sonoridade mais popular” na década de
1980eque,emsuaopinião,podeserofatorqueinfluenciouFonseca.

44
Quandoapontadalínguavibranaregiãodosalvéolosdentais(FERREIRA,2004).
45
Quandoabasedalínguavibranaregiãodovéupalatino,oupalatomole(FERREIRA,2004).
85
Fonseca adotava pelo menos três exercícios para levar o Coro ao uso
corretoefluentedosfonemas:
a) Antecipação das consoantes. Segundo Fernandes, um desses exercícios
consistia em declamar o texto literário de uma peça e, para cada sílaba,
antecipar a(s) consoante(s) da sílaba seguinte. O exercício era praticado
independentementedequantooCorohouvesseassimiladoaquelapeça,
principalmente em obras muito silábicas ou com forte caráter rítmico.
Depois disso, o mesmo exercício era feito com a peça cantada, de modo
queos cantoresfossemobrigados aexagerarapronúnciadas consoantes.
Emandamentosrápidos,oefeitoresultanteeraostaccato,quegeralmente
acabava deixando o caráter de exercício e passava a fazer parte da
interpretação (Silva). Mas, apesar desse exercício de antecipação, uma
consoante final seguida de pausa era executada exatamente no momento
onde esta deveria começar em todo o repertório para garantir a
sincroniadoCoro(Fernandes).
b) Tonicidade e inflexão. A declamação era também um exercício adotado por
FonsecaparadesenvolverosensodefraseadodoCoro.Àparteoexercício
deantecipaçãodasconsoantes,oCorodeviadeclamarotextoacentuando
comclarezaassílabastônicas,paragarantiracompreensãodas palavras,e
flexionandoo em pontos específicos, para garantir a compreensão das
frases. Em seguida, o mesmo efeito tinha de ser transferido para a obra
cantada. Segundo Fernandes, Fonseca também insistia muitíssimo nestes
aspectosatonicidadeeainflexão–,mesmoemobrasbemassimiladas.
c) Fluência rítmica. Outro exercícioera a leitura rítmicado texto. Fonseca pedia
ao Coro para falar o texto sem alturas definidas no ritmo
correspondente à partitura (Verona e Antoniol). O exercício permitia ao
Coro perceber e praticar a dimensão exata de cada fonema dentro do
tempoquelheéreservadopelamúsica.
4.2.2.3.2. Ritmoearticulação
Eis alguns exercícios que o Maestro Fonseca adotava para desenvolver o
senso e precisão rítmicos do Coro, além da habilidade de transitar entre diversos
modosdearticulação.
a) Precisão no ataque. Fonseca criava sílabas percussivas e pedia ao Coro que
cantasse essassílabas,ao invés do texto literário ou dos nomes das notas
(Rodrigues). Este exercício permitia aos cantores sentirem com mais
86
clareza o ataque de cada nota e, portanto, desenvolverem a precisão na
sincroniadessesataques.
b) Precisão no ataque. Com vocalização, com sílabas, ou com o próprio texto
literário, Fonseca pedia ao Coro para mudar a articulação das notas,
geralmenteparaseparálasportatooustaccato(Rodrigues).Esteexercício
tem efeito semelhante ao anterior, e ainda permite a prática do texto
literárioedesenvolveodiscernimentodearticulaçõesdiferentes.
c) Peças decaráterrítmicoforte.Apenas comoexercício,Fonsecapediaao Coro
para“cantarcomosenãotivessevogais,comosetivesseasconsoantes”
(Fernandes). Na ocorrência de células rítmicas constituídas por figura
pontuada,Fonsecapediaaocoro quefizessepausa emlugarde pontode
aumento (Verona; FERNANDES, 2004 e 2005). Por ser geralmente curta,
essa pausa acaba não acontecendo de fato, principalmente em ambientes
com alguma reverberação no tempo em que haveria pausa, ainda se
ouveodecaimentodanotaanterior.Oobjetivoédarmaisrelevoaoinício
dosomseguinte,tantoparaoouvinte,quantoparaocantor, diminuindoa
imprecisãodoataquedecorrentedograndenúmerodeexecutantes.
d) Melismas rápidos. O Maestro Fonseca designava um ou dois indivíduos do
naipe para articular em cada mudança de nota a consoante |l|. Isso era
ensaiadoeexecutadoem concertodefato.Oefeitofinaléumaarticulação
melhordefinidadamudançade nota.O públiconão percebeaconsoante
adicional(Rodrigues).
e) Melismas lentos escritos em colcheias ou em semicolcheias. O Coro podia
tendera
acelerarinfluenciadopelaescrita.Quandoissoacontecia,Fonseca
convidava o grupo a “sentir” cada colcheia, “imaginando” na verdade,
sabendo “que elas são lentas” (Antoniol). Esse simples estímulo era
suficienteparaobteroresultadoesperado.
f) Legato. Apenas como exercício, Fonseca pedia ao Coro para “cantar como se
nãotivesse
consoantes,comosefosseapenasasvogais”(Fernandes).
4.2.2.3.3. Apoioerespiração
Como apoio e respiração são aspectos básicos da técnica vocal, não era
necessáriooMaestroFonsecaentraremdetalhessobrecomoproduzilos.Noscasos
em que houvesse necessidade, o Maestro Fonseca intervinha apenas lembrando o
87
Coro de reforçar o apoio.
46
Para transmitir a mensagem apenas dizia com ênfase a
palavra“apoio”,semmaioresexplicações.(Fernandes,Antoniol&Silva)
Fonsecaprezavamuitíssimopelarespiraçãocoral.Nãoapenasondefosse
estritamente necessário, devido a uma frase longa, mas também ligando as frases
umasàsoutras,principalmenteemobraspoucoritmadas.SegundoVerona,Antoniol
& Silva, ele praticamente proibia a respiração simultânea nesses casos. Uma
característica importante de sua abordagem sobre a respiração coral, é que ele
recomendava insistentemente a quem fosse respirar que não pronunciasse a última
consoantedasílabaemqueaconteceriaarespiração(Antoniol&Silva).Essecuidado
evita antecipações individuais
da consoante soando como erro. Em outros tipos de
repertório, ele próprio definia e demonstrava cantando ou explicando ao Coro
exatamente onde deveriam ser as respirações, fazendo diferença entre respiração
plena,respiraçãocurtaecesurasemrespiração(Fernandes,Antoniol&Silva).
4.2.2.3.4. Impostaçãovocal
Na impostação vocal
47
encontravase outro pilar da unificação da
sonoridade do Ars Nova, pautado na escola do professor Eladio PérezGonzáles
(Rodrigues; ver também PÉREZGONZÁLES, 2000). Os cantores do Ars Nova
tinham de apresentar ou desenvolver uma técnica que fosse baseada “na
impostaçãofacialdavozenacoberturadaregiãoaguda”(FERNANDES,2005,p.69).
Quantoaosgraves, “eram gerados apartir dos espaços deressonânciano fundo da
boca, trabalhados com rebaixamento da laringe, com palato alto” (Fernandes).

46
Porapoio,refirome a um estado decontraçãodosmúsculosvoluntáriosdoabdômen,estadoesse
quepermiteaocantorumcontrolesistemáticodaentradaedasaídadoar.
47
Por impostação vocal, refirome ao fenômeno sonoro gerado pela configuração muscular do
aparelhofonador,podendoessaconfiguraçãoserproduzidavoluntariamentepelocantormediante
acontraçãoeorelaxamentodecertosmúsculosvoluntários.
88
Embora Fonseca não tivesse o hábito de exercitar esses itens, essas características
eramexigidaspeloMaestro.
VeronalembraqueFonsecapodiavirapediramudançadecordealguma
vogal,eFernandesacrescentaqueoMaestrochegavaadizerexatamentecomofazer
isso, embora não fizesse exercícios específicos para alcançar aquelas metas tudo o
que se pedia nesse sentido era aplicado diretamente ao repertório. Se havia
diferençasdesonoridadeentrecantores,Fonsecanãoseprivavadepedir“procantor
cantar de novo, ou abrir um pouco mais a boca, se fosse o caso, ou modificar
levemente a vogal. [...] Ou subir o palato mole para conseguir uma leveza maior e
umavozumpoucomaisredonda”(Fernandes).
Dequalquermodo,havia umfocoqueFonsecaadotavacomoprincipale
queocantornãotinhaliberdadeparavariar:“Elepediaprocantorsempredirecionar
o som da voz contra o palato duro.” (Fernandes) Isso garantia uma sonoridade
sempre brilhante, mesmo nas dinâmicas mais sutis. Embora pudesse conseguir isso
explicando como fazer, Fonseca podia também simplesmente estimular o Coro
pedindo insistentemente um som “brilhante”: “[...] depende das composições,
dependedo estilo,mas vocêtemque deixarsua vozsair naturalmenteedeixar que
realmentebrilhe. Nada deesconder avoz.”(Antoniol)É exatamenteestaa fontede
energiaparaosgrandiosos trechos em fortissimo,e a mesmapara os trechos emum
pianissimosutil.Mesmocomumfocoespecífico,oArsNovaconseguiaumaamplae
variadagamadesonoridades,aplicáveisaosmaisdistintosrepertórios(Fernandes).
4.2.2.3.5. Dinâmica
As dinâmicas extremas apresentam dificuldades intimamente ligadas ao
apoio e à impostação vocal: um pianissimo pode induzir o Coro a negligenciar o
apoio,e umfortissimopodeind u ziloaumfocodiferentedofocopadrão.Emambos
os casos, provocase uma alteração indesejável no timbre e/ou na afinação. Além
89
disso, os extremos também oferecem dificuldades do ponto de vista da dicção. O
pianissimo dificulta uma emissão equilibrada das vogais abertas, por apresentarem
pouca impedância (4.2.2.3.1 Dicção, alínea (a), nota), e das consoantes sonoras não
contínuas, por apresentarem um golpe como articulação de finalização. O fortissimo
dificultaumaemissãoequilibradadasvogaisfechadase/ounasais,porapresentarem
muita impedância, e das consoantes nasais, pelo mesmo motivo. Temos de
consideraraindaaslimitações oferecidaspelaprópria naturezadosregistrosdavoz
humana: o registro agudo oferece mais facilidades para o fortissimo e menos para o
pianissimo,enquantooregistrograveofereceocontrário.Fonsecafaziausodealguns
recursosparaamenizaressesdesequilíbrios,massuaênfaseestavanocuidadocomo
pianissimo.Foipossívelcoletartrêsdessesrecursos:
a) Controle de dinâmica com mudanças de registro e de vogal. Segundo
Antoniol, Fonseca aplicava ao Coro um vocalise desenhado em saltos de
oitava, em pianissimo, com mudanças arbitrárias da vogal cantada. Como
foi dito, pela natureza dos registros da voz humana, este vocalise
privilegia o treinamento do registro agudo, uma vez que o pianissimo no
graveémaisnatural.Porém,seinvertermosadinâmica,omesmovocalise
poderáser aplicadoparao treinamentodoregistro grave. Seadaptarmos
uma dinâmica intermediária, os dois registros serão exercitados
simultaneamente.(VerApêndiceB)
b) Caráterdadinâmica.Fonsecafreqüentementefaziausodeumaimagempara
ilustrar o caráter do pianissimo queria do Coro. Verona, Antoniol & Silva
lembram que ele fazia certo suspense
ao colocar a mão em um bolso e
vagarosamenteretirarde uma pena deave mesmo ou mesmouma
linha da própria roupa. Levantava e soltava aquilo acima do nível da
cabeça e dizia suavemente: “Então, gente, é esse o piano que eu quero.”
(Antoniol) Segundo os
entrevistados, a ilustração era suficiente para
mudarosomdoCoro.
c) Outros casos. Fonseca não se privava da informação verbal. Mesmo não
necessariamente aplicando exercícios específicos, não deixava de cobrar
do Coro o efeito exato da dinâmica que ele queria e refutava todos os
casosdedesequilíbriomencionadosnoparágrafoqueintroduzestetópico.
Quando o problema fosse dicção, ele podia aplicar os recursos
mencionados no respectivo tópico. Se fosse apoio, respiração ou
impostaçãovocal,podiasimplesmentecobrardoCoroumamaioratenção
ourecomendaraospreparadoresvocaisexercíciosparaopróximoensaio.
90
4.2.2.3.6. Afinação
A boa afinação do Coro depende de uma profundidade da compreensão
do repertório por parte do próprio Coro, e esse nível de compreensão requer a
automatização dos mais diversos aspectos do próprio repertório. Qualquer aspecto
não automatizado, seja a nível individual ou coletivo, compromete a afinação.
Mesmo elementos automatizados podem comprometer gravemente a afinação caso
haja simples diferenças técnicas entre os cantores opções de foco, forma vocálica,
vibrato, modo de ataque, dinâmica, apoio, respiração (Fernandes, 2008;
FERNANDES, 2006). Por isso, o primeiro passo adotado por Fonseca para a
consolidaçãodeumaboaafinaçãoéaunificaçãodessesaspectos.Nessesentido,ele
recorriaatodososrecursosapresentadosatéagora.
Para tratar especificamente da afinação, o Maestro Fonseca lidava com
uma imagem do movimento melódico, ilustrando com a figura de uma escada,
principalmentenosentidodescendente.ElepediaaoCoroqueimaginassenãoestar
descendo a altura exata dos degraus, mas metade dela. Em movimentos melódicos
ascendentes, o Coro tinha de pensar não estar subindo a altura exata dos degraus,
masalgoexcedenteaela.“Pensesempreparacima”,dizia(Antoniol).Ailustraçãoé
muitoboa,porqueocantoéumaatividadeprimeiramentementaledepoismuscular.
Assim
comosubiroudescerumaescada.Nasubida,emambososcasos,énecessário
darimpulsoouoindivíduo/vozficanamesmaaltura–,e,nadescida,énecessário
terfirmezaouoindivíduo/vozcorreoriscodeseprecipitarabaixo.
Empassagensem queoCoroapresentasse muita
dificuldadeparaafinar,
mesmo depois de aplicados todos os recursos, Fonseca tratava de verificar as
dificuldades individuais dos cantores. Chegava a pedir a cada cantor que cantasse
individualmente sua parte. Detectado o problema, podia resolvêlo usando algum
91
outrorecurso,oupediraocantorquesimplesmentenãocantassedeterminadotrecho
atéseacostumarcomamúsica.
Quantoàautomatizaçãodoselementosparaasseguraraafinação,Fonseca
nãoseprivavadarepetição.Nãosetrataapenasdemontagemderepertório,masde
um exercício com função específica. Mesmo que pareça muito simples, este era o
mais importante recurso dentre os utilizados por Fonseca para garantir a afinação
(Verona). Uma vez resolvidos todos os problemas de um trecho ou de uma peça,
cumpria repetir até ser possível cantar de memória. Isso não apenas garante a
fluência do Coro no palco, mas, sobretudo, que os coristas tenham a imagem
completa da obra em suas mentes, evitando qualquer distração com elementos não
assimilados.
5 ANÁLISE
Este capítulo cruza os dadosobtidosnasentrevistasenaleitura de parte
da bibliografia adotada. Com isso, (1) verifico as semelhanças entre a figura do
regente pretendida pela bibliografia e a figura do Maestro Fonseca, discutindo as
atribuições e os atributos de um regente coral, (2) desenvolvo a argumentação que
associa o ferramental técnico do Maestro Fonseca a seu contato com a American
ChoralDirectorsAssociation(ACDA)eaonomedeRobertShawe(3)demonstrocomo
aescoladesteregenteteriainfluenciadodiretaeindiretamenteotrabalhodeFonseca.
93
5.1 A figura do Maestro Fonseca à luz das abordagens
bibliográficas
Emboraliderançaemusicalidadepareçamatributosóbviosdeumregente,
levantar questionamento sobre eles foi importante, uma vez que possibilitou a
verificação na figura do Maestro Fonseca de quase todas as características
pretendidaspelosautores.Digamosapenasqueelenãofosseimparcialemtodosos
casosdeatritopessoal,porexemplo,ouqueelenãofossetãoorganizadoapontode
prescindir de alguém para cuidar de seu material de ensaio (Verona). Digamos
tambémque,emboraaformaçãointelectualdeFonsecapercorressediversasáreasdo
conhecimentohumano, oenvolvimentoque elepossuíacom cadauma dessasáreas
variava do puramente teórico ao essencialmente prático, como disse
anteriormente. Mesmo assim, a abordagem da bibliografia sobre os atributos do
regentesuscitou oquestionamentoque levouaumainteressantedescrição doperfil
do Maestro Fonseca. Fique dito que não estou com este parágrafo buscando
demonstrarqueFonsecateria aprendidoliderançacomesses autores,
emabsoluto
issoserianomínimoanacrônico,excetoporMIGNONE.
Oquestionárioadotadoparaasentrevistas(ApêndiceA)nãocontemplou
diretamente as questões éticas uma vez que a abordagem desta pesquisa tem um
olhar pragmático sobre a Regência Coral –, embora alguma informação possa ter
vindo à tona
espontaneamente. Sob o ponto de vista da ética social, por exemplo,
AntoniolfalasobreoMaestroFonseca:
Mas eu cheguei a pegar uma fase dele que ele falava muito
nessa volta da Música para a escola. [...] Um ano inteiro a
gente [o Ars Nova] fez apresentações nos Caíques, concertos
didáticos [...] E teve um trabalho paralelo com pessoas do
coral [...] de trabalhar, tentar ajudar as pessoas [...] a entender
94
um pouquinho de Música. [...] E ele queria que isso fosse
muito pra frente. [...] E acabou não dando certo.
Além disso, é sabido que, nos últimos anos de sua vida, Fonseca
desenvolveu voluntariamente um trabalho coral com crianças e adolescentes
moradores de favelas de Belo Horizonte. Essas práticas, ainda que com décadas de
defasagem,refletemas influênciasde HostílioSoares ede H.J. Koellreutter.Soares,
como teosofista, sentiase na obrigação de transmitir todo o seu conhecimento
intelectual e espiritual a seus alunos de Música, a ponto de ensinarlhes inclusive
práticas alimentares específicas (OLIVEIRA, 2001). Ko ellreutter deu a partida no
movimentoMúsica Viva 1939emdiante –,que, entre outrascoisas, propunhaum
plano de educação musical de alcance popular (KATER, 2001). Foi sob essa
perspectiva que introduziuse no Brasil o famoso método Kodály de musicalização.
Fonseca,porsuavez,sempredemonstroumuitagenerosidadeparaatransmissãode
conhecimentos, segundo os entrevistados, e ainda se dispunha a trabalhos
voluntários em prol da difusão musical entre as classes menos favorecidas
economicamente.
Sob o ponto de vista da ética musical, é explícita a influência de Sergiu
Celibidache. Quando perguntados acerca de referências bibliográficas mencionadas
por Fonseca, os entrevistados são unânimes em citar Celibidache embora tratese
de uma referência pessoal e não bibliográfica, como pretendia a pergunta 1.2.a do
questionário(ApêndiceA).Acapadaapostila“CursodeRegência”(FONSECA,sem
data)éumafotografiadoregenteromeno.Emseu artigo,FONSECA(1999)fazsuma
deferência a Celibidache. Como foi mencionado, Celibidache exigia uma grande
quantidade de ensaios para a montagem de seus programas de concerto. Não sem
propósito: suacontínua busca pelatranscendência passava prioritariamente pordar
tempo a cada indivíduo da orquestra e do coro para perceber em detalhes todas as
sutilezas das obras executadas, resultando num claro discernimento de todos os
estratos da textura musical (cf., por exemplo, VERDI, 1993). Para Celibidache, isso
95
incluía a possibilidade de, em função da acústica do ambiente, realizar alterações
drásticas nos andamentos propostos pela partitura. É uma postura condenada por
SCHULLER(1997).Dequalquerforma,emessência,aintençãodeCelibidacheeraa
mesma de SCHULLER: tão profundo era o respeito pela composição, que valia
sacrificaroparâmetroandamentopelobemtotaldetodososoutrosparâmetros.Para
SCHULLER,melhorserianãoapresentarapeça,ouentãoescolherumambienteque
nãorequeressedistorçõesnoandamentoporrazõesacústicas.
Fonseca era adepto da mesma visão de Celibidache no que concerne ao
respeitopelapartitura:cadamínimodetalhetinhadeserouvidoe,paratanto,tinha
deserensaiado à exaustão,atéque todos os indivíduos participantes distinguissem
claramente todos os estratos da textura musical. Ouvir tudo, distintamente. Assim,
umenormenúmerodeensaiosdomesmoprogramaerasempremuitobemvindo
mesmotendooArs Novalarga experiência, eexperiência comrepertório realmente
difícil.
96
5.2 Ferramental técnico do Maestro Fonseca: fontes

Cruzando os dados coletados nas entrevistas e na bibliografia, é possível
identificar as principais fontes do ferramental técnico do Maestro Fonseca como
regente coral. Na verdade, alguns recursos técnicos adotados pelo Maestro não são
originais, sendo amplamente mencionados, discutidos e recomendados por
praticamente toda a bibliografia adotada. Há, porém, recursos de fato originais e
outros aparentemente originais, dos quais é possível identificar as fontes. É nestes
últimosqueseconcentraestaseçãoeaseguinte.
A principal pista para chegar às fontes foi exatamente um nome não
mencionado por todos os entrevistados, por SANTOS (2001) e FERNANDES (2004;
2005)equasenãomencionadopelopróprioFONSECA,nãofosseumabrevealusão
em sua apostila “Curso de Regência” (sem data). Na apostila, FONSECA faz
referênciaaapenastrêsnomes:SergiuCelibidache(1912–1996),KurtThomas(1904–
1973)e“Roberto”Shaw(1916–1999).AlémdeterinfluenciadoFonsecaporsuaética
musical, Celibidache é claramente a fonte mais importante de sua técnica gestual.
Isso é aberta e repetidamente declarado por este. FONSECA (1999; sem data)
reverenciatambémThomas,quefoiprofessordeCelibidache(BARBER,2003)eautor
do famoso “Der Lehrbuch der Chorleitung” [O livro de ensino da Regência Coral],
em três volumes. Mas o próprio FONSECA (1999) considera a técnica gestual de
Thomas ultrapassada pela técnica de Celibidache. Quanto a Shaw, FONSECA (sem
data)omencionaemmeioadiscussõessobredicção.
Outras menções diretas ou indiretas ao ferramental técnico deRobert
Shaw me estimularam a buscar mais informações sobre ele. Nos mesmos anais em
queencontraseoartigodeFONSECA(1999),maisduasmençõesaRobertShaw.
NOBLE (1999), afirma que, desde que conheceu o trabalho de Shaw, passou anos
97
intrigado com a abordagem deste regente. SILANTIEN (1999) toma Shaw como
exemploaotratardanecessidadedededicaçãoextraensaio.
TambémchegueiaShawporoutravia:emseusartigossobreaconstrução
dasonoridadedocoro,FERNANDES(2006a;2006b)usafreqüentementeargumentos
muito consistentes retirados de HEFFERNAN (1982). A força dos argumentos me
levaram à leitura deste autor, que, por sua vez, dedica seu livro “a HOWARD
SWAN,DeãodosRegentesCoraisAmericanos”(p.iii,caixaaltadoautor).
48
Howard
S.Swan(1906–1995)tambéméopróprioautordoprefácio.Finalmente,SWAN(1988)
contribuicomocapítulo 1,“TheDevelopmentofaChoralInstrument”,em“Choral
Conducting Symposium”, publicado pela primeira vez em 1973. Em seu capítulo,
SWAN analisa as seis mais importantes escolas norteamericanas de prática coral,
49

apontando de cada uma a filosofia, os métodos e os resultados. Entre essas escolas,
estáadeRobertShaw,pelaqualoautormanifestaespecialentusiasmo.
Uma vez identificado Robert Shaw em SWAN, sua forte influência no
método deste autor ainda em 1973 e ainda no método de seu admirador,
HEFFERNAN,em1982,cumpriaverificarocontextoemqueShawseinseria.Assim,
no próprio texto de SWAN, estudando as outras escolas de prática coral norte
americanas,encontreialgumasfontesdeimportantesrecursostécnicosadotadospelo
MaestroFonseca.JohnFinleyWilliamson(1887–1964)influenciaRobertShaw(1916–
1999); F. Melius Christiansen (1871–1975) e Shaw influenciam Howard S. Swan
(1906–1995);Williamson,ChristianseneShawinfluenciam PFAUTSCH(1988);Swan
influencia HEFFERNAN (1982); SWAN (1988), PFAUTSCH (1988) e HEFFERNAN
(1982)testam,julgam, registram, discutemeampliam o ferramental técnico doqual
RobertShawéoeixoprincipal(Figura2).

48
“toHOWARDSWAN,DeanofAmericanConductors”
49
Esteautornãochegaamencionarnocorpodotextoosnomesdosfundadoresdasescolasdeprática
coralqueanalisa:apenasofazemnotasderodapé.
98
Figura 2
Antes de associar o ferramental técnico do Maestro Fonseca às fontes, é
necessárioesclarecercomoeleteriatomadocontatocomasmesmas.SANTOS(2001,
p.74–75)mencionatrêsviagensdoMaestroFonsecaaosEstadosUnidos1975,1977,
2001 para participar de eventos promovidos pela American Choral Directors
Association(ACDA),fundadaem1959.E,segundooprofessorCamposdeAndrade,
50
noacervodoArsNovadocumentosquecomprovamqueeleteriaparticipadode
congressospromovidospelaACDAdiversasvezes,pelomenosapartirdadécadade
1970 certificados de participação em concursos, cursos e oficinas.
Campos de
Andrade afirma que,
até o final da década de 1990, Robert Shaw era o centro das
atençõesnessescongressos,eteriasidoimpossívelparticipardecursoseoficinassem
tomarconhecimentodométododeShaw.

50
Informaçãoobtidaaos04/05/2009,emreuniãocomoProf.Dr.AntônioLincolnCamposdeAndrade,
chefedacomissãodeinventáriodoArsNovaCoraldaUFMG.
JohnFinleyWilliamson
(1887–1964)
WestminsterChoir
HowardS.Swan
(1906–1995)
“Deãodosregentesamericanos”
PFAUTSCH(1973)
RobertShaw
(1916–1999)
RobertShawChorale(1949)
AtlantaSymphonyOrchestraChorus(1970)
HEFFERNAN(1982)
F.MeliusChristiansen
(1871–1975)
St.OlafChoir
99
AparticipaçãonoscongressosdaACDAéseguramenteumadasmaneiras
como o Maestro Fonseca veio a conhecer Shaw. Contudo, não se deve supor que
ShawfosseaúnicaatraçãodoscongressosdaACDA:outrasescolasdepráticacoral
também eram e são colocadas em pauta. Em suas visitas àqueles congressos, o
Maestro Fonseca adquiriu recursos técnicos desenvolvidos por Shaw e também de
outras escolas isso pode ser constatado quando se comparam o ferramental
catalogado na seção 4.2 Ferramental técnico com SWAN (1988) e HEFFERNAN
(1982). É possível que Fonseca tenha lido esses autores lembrando que SWAN
(1988)foipublicado pela primeiravez em 1973 –,masnão é possívelafirmálo com
osdadosquepossuo.TendoFonsecalidoessasobrasounão,razõesparacrerque,
pelo menos no que diz respeito a técnicas de ensaio, ambos os autores além de
PFAUTSCH (1988) um dos colaboradores em “Choral Conducting Symposium”
influenciaramoMaestroFonsecaatémesmoanteriormenteàprimeiraediçãodeseus
textos,comopalestrantes emcongressos, porexemplo,ouindiretamente, atravésde
seuspartidários.
Além dessas considerações acerca de outras influências que o Maestro
Fonseca poderia ter recebido, é importante mencionar que parece ter sido uma
escolha dele seguir esta ou aquela escola de prática coral. Contemporaneamente ao
trabalho desenvolvido por Shaw e seus partidários nos Estados Unidos, havia
também outras escolas muito fortes sendo adotadas em outros lugares do mundo e
mesmo nos Estados Unidos. A escola do regente sueco Eric ERICSON (et al., 1976),
por exemplo, é muito difundida entre os coros do Leste Europeu e difere em
princípios e recursos técnicos da escola de Shaw. Fonseca certamente teve contato
também com a escola de ERICSON nos Estados Unidos, mas deve la preterido
para o trabalho com o Ars Nova, devido à imposição que essa escola faz da
necessidadeabsolutadosolfejoaprimoradoportodososcantores.
Apresento a seguir apenas princípios e recursos que foram adotados por
Fonseca e cujas fontes puderam ser identificadas. Não me deterei em apontar
100
diferençasepontosconflitantesentreastécnicasdasváriasescolas,dosautoresedo
próprio Maestro Fonseca, devido às dimensões que este texto poderia tomar. Pelo
mesmo motivo, naquilo em que as escolas e os autores forem concordantes, farei
referênciaapenasaocasomaisantigo.
101
5.3 A escola de Robert Shaw: influências em Fonseca
Nesta seção, demonstro (1) como algumas escolas de regência norte
americanasseinfluenciaram mutuamente predominandoaescoladeRobert Shaw
–, (2) como SWAN (1988), PFAUTSCH (1988) e HEFFERNAN (1982) foram
influenciadosporesteregenteepelasoutrasescolase(3)comoShaweestesautores
ouseuspartidáriosteriaminfluenciadooMaestroFonseca.
5.3.1 Por Howard Swan
Robert Shaw agrupava os recursos da técnica coral em cinco categorias:
afinação,sonoridade,dinâmica,enunciaçãoeritmo.SWAN(1988)lembraquemuito
dificilmentealgumrecursotécnicocontemplariaapenasumaspectodatécnicacoral,
mas agrupa os recursos em categorias às quais eles atendem predominantemente.
Assim, a maneira como ele apresenta
a escola de Robert Shaw assemelhase
estruturalmente à organização de tópicos que proponho para a seção 4.2.2.3
Artifícios técnicos, em que dicção equivale a enunciação em SWAN. Este autor
lembra também que os recursos técnicos geralmente eram aplicados durante o
trabalhocomrepertório.Nãonecessariamentehaviaumaseçãodo
ensaiodedicadaa
eles.OmesmoaconteciacomamaioriadosrecursosadotadospeloMaestroFonseca.
Para Shaw, são três as forças musicais (SWAN, 1988, p. 39) que
influenciamasonoridadedocoroaqualquermomento: afinação,enunciaçãoeritmo.
Dessas três forças, o ritmo é a mais poderosa. Para se obter precisão rítmica, é
fundamentalmente necessária a correta sensação dos pulsos. Considerandose
102
inclusive as pausas como ritmo, todo instante musical é dramático. Essas
considerações assim refletemse no ferramental do Maestro Fonseca: (1) acentuar a
força do ritmo era uma de suas predileções na construção da sonoridade do Ars
Nova;(2) desdeomomentodaleituradeumapeça,eledeixavaabsolutamenteclara
para o Coro a pulsação; e (3) as pausas eram continuamente trabalhadas como
recursodeexpressãoemqueocantordeviaseposicionarativamente.Shawadotava
alguns recursos para aumentar a precisão rítmica do coro. Dois deles destacamse
pelagrandesemelhançacompráticasdeFonsecamuitoreconhecidas:
a) Separar uma figura pontuada da figura seguinte, praticando uma “parada
completaantes de cantara próxima nota”
51
(SWAN, 1988,p.43). Fonseca
diriaparafazerpausaemvezdepontodeaumento.
b) Cantar vogais principalmente nos ditongos e consoantes determinando
ritmo,ouseja,momentodeentradaeduraçãoparacadafonema.
Considerando a alínea (b), podese partir para uma discussão específica
sobredicção.Sobreotextoliteráriodeumaobracoral,Shawapregoava,entreoutros,
osseguintesprincípios(ShawcitadoporSWAN,1988):
a) “Ele existe em termos da urgência de comunicação do executante para o
ouvinte.”(p.41)
52

b) “Nãopronunciepalavras;pronuncietodosossonsdaspalavras.”(p.40)
53

c) “Ameossonsdaspalavras[...]”(p.40)
54

EmFonseca,épossívelperceberosseguintesreflexos,respectivamente:
a) Otextodeveser entendidopelopúblico falantedo idioma,
independentemente do registro ou da dinâmica em que o Coro estiver
cantando.

51
“[…]acompletestopbeforesingingthenextpitch[…]”
52
“Itexistsintermsoftheurgencyofcommunicationfromperformertolistener.”
53
“Don’tpronouncewords;pronounceallthesoundsofthewords.”
54
“Lovethesoundofwords[…]”
103
b) Deve haver equilíbrio entre todos os fonemas executados, de modo que
nenhumfiquemaisaudíveloumenosaudívelqueosoutros.
55

c) “[...] tirar partido do texto. [...] tirar partido de suas propriedades sonoras
(percutivas,sibilantes,aspiradas,etc...)”(FONSECA,semdata,p.8e10)
Apesar dessas coincidências de pensamento, não se pode descartar a
possibilidade deoMaestro Fonsecateraprendido estes princípios comCelibidache.
Embora Celibidache tenha sido um proeminente regente orquestral , o princípio
adotadoporelenoquedizrespeitoàabsolutaclarezadaarticulaçãoinstrumentalera
aplicadotambémnamúsicavocal(cf.,porexemplo,VERDI,1993).
Shaw apresenta diversas implicações para os princípios mencionados
acima. Um deles é o seguinte: “[...] o som principal de cada sílaba deve coincidir
exatamente”(citadoporSWAN,1988,p.40)
56
com oiníciodovalorrítmicomarcado
na partitura. Por isso, encontros consonantais em início de sílaba devem ser
antecipados, funcionando como uma apojatura branda. Fonseca, por sua vez, diria
que consoantes que iniciam sílabas devem ser antecipadas para uma melhor
pronúnciaeparaqueasvogaisprincipaispossamacontecerexatamentenoiníciodo
tempodeterminadopelapartitura.
5.3.1.1 Da escola de John Finley Williamson
Emsuaapostila,FONSECA(semdata)doisexemplosde recursosque
seriamadotadosShawparamelhoraradicção.Umdosexemplossugereacrescentar
um leve |a| para finalizar o |m| da palavra Deum (p. 10). Mas, comparando as
escolasdepráticacoralanalisadasporSWAN(1988),foipossívelconstatarque,
pelo

55
É claro que aqui se está levando em conta que clareza inclui reconhecerse a acentuação das
palavras,suastônicaseátonas,segundoocaso.
56
“[…]theprincipalsoundofanysyllablemustcoincideexactly”
104
menosnoquedizrespeitoàdicção,ShawfoifortementeinfluenciadoporJohnFinley
Williamson(1887–1964),fundadordoWestminsterChoirecabeçadeoutraescolade
práticacoral.Provavelmente,orecursoaqueFONSECAsereferiaeradeWilliamson,
e não de Shaw: nos registros médio e grave, as consoantes |m|, |n|, |ng| e |l|
recebem shwa quando no fim de palavra, exatamente como adotado por Fonseca.
Aliás, também não foi possível identificar soluções para a pronúncia dessas
consoantesnoregistroagudo,assim comonoferramentaldo MaestroFonseca.Para
oagudoespecificamente,FonsecaadotadeWilliamsonorecursodetransformarem
surdas as consoantes oclusivas sonoras trocar |b| por |p|, |g| por |k|, |d| por
|t|.
Um importante princípio técnico de Williamson adotado por Fonseca é
que o regente preocupase muito com as c onseqüências musicais do uso de certos
aspectos técnicos da voz, principalmente registros e foco de ressonância, e pouco
com os meios para desenvolver esses aspectos. A preocupação reside, na verdade,
em equalizar os aspectos.
57
Em Fonseca, esse princípio é mesclado com outro
princípioadotadoporumcontemporâneodeWilliamson:F.MeliusChristiansen,de
cujaescolatratareiaseguir.
5.3.1.2 Da escola de F. Melius Christiansen
F.MeliusChristiansen(1871–1975)foioprimeiroregentedoSt.OlafChoir
e cabeça de outra escola de prática coral. Eis o princípio que Fonseca adotava
mesclado com Williamson: a equalização dos elementos da técnica vocal é feita
no momento da seleção dos cantores, ou seja, somente podem integrar o coro

57
O professor Eladio PérezGonzáles censura os regentes de coros por cultivarem “o vício do
resultado”.(Informaçãoobtidaemconversainformalcomoprofessoraos30/06/2009,naFundação
deEducaçãoArtística,BeloHorizonte.)
105
cantorescomumaparatovocalespecífico.ParaChristiansen,aequalizaçãonãopode
esperar um tempo de maturação para cada cantor recémingresso, como seria para
Williamson.E, ainda paraChristiansen e Fonseca–,se pequenasdiferençasforem
detectadas, o cantor deve mudar sua concepção de técnica vocal para adaptarse à
sonoridadegeraldocoro.
Na escola de Christiansen e no Ars Nova do Maestro Fonseca em
função de acelerar o processo de montagem de repertório, a imitação tanto entre
cantores de um mesmo naipe quanto entre naipes é adotada sistematicamente
como recurso para o aprendizado de diversos aspectos do trabalho coral.
Christiansen ainda adota dois recursos que parecem ter reflexo na técnica de
Fonseca:
a) Para Christiansen, a maioria dos vocalises deve ser feita em baixo nível de
dinâmica.
b) Christiansenenfatizaousodoslábiosedalínguaparadesenharasvogais.
Em Fonseca estes dois recursos aparecem respectivamente da seguinte
forma:
a) Um dos raros casos mencionados pelos entrevistados em que Fonseca
realizava vocalises é exatamente um exercício para mudança de registro
commanutençãodadinâmica pp.Alémdisso,Fonsecademonstravamais
cuidadoscomoppquecomoff.
b) Fonseca estabelece uma abertura fixa da mandíbula e delega a diferenciação
dasvogaisaoslábioselíngua.
5.3.1.3 Do método de Howard S. Swan
Finalmente, SWAN (1988) apresenta seu próprio método, desenvolvido a
partirdetestesejulgamentosdosrecursosdasseisescolasporeleanalisadas.Alguns
recursos adotados por ele coincidem também com recursos adotados pelo Maestro
Fonseca.ConsiderandoqueSWANtevesuaprimeiraediçãoem1973eque,portanto,
tratase da sistematização
de uma prática anterior amplamente testada por ele,
106
creioqueFonsecarealmentefoiinfluenciadotambémporesteautor,nomínimopelo
contato anterior ou posterior em congressos na ACDA. Quanto aos recursos
específicosdeSWANoupelo menosnão mencionadosporeleemsuaanálise das
seisescolasdepráticacoral–,eisaquelesadotadosporFonseca:
a) Usarfigurasmetáforasparaestimularacompreensãodefatoresdiversos.
b) Instar para que o coro demonstre sua compreensão do texto através de
expressão facial. Isto melhora a comunicação com o público e deve ser
ensaiado.
c) Explicaraocorooporquêdasassociaçõestextomúsica.
d) Levar o coro a exagerar os elementos importantes. Se necessário, podese
atenuaralgoemsegundomomento.
e) Levarocoroamemorizarosníveisdedinâmicaparaqueoscantorestambém
sesintamresponsáveispeloprocessodainterpretação.Fonsecatrabalhava
pelamemorização emgeral e,com isso,também objetivavaa sustentação
daafinação.
5.3.2 Por Lloyd Pfautsch
Entre os colaboradores de SWAN em “Choral Cunducting Symposium”,
está PFAUTSCH, que escreve o capítulo 2, “The Choral Conductor and The
Rehearsal”. Valem para este autorasmesmas considerações sobre data de edição e,
conseqüentemente, suas implicações sobre influências do autor no ferramental do
Maestro Fonseca. Assim como SWAN, PFAUTSCH (1988) parece ter sido muito
influenciado por Shaw, o que pode ser constatado pelos muitos indícios ocorrentes
nométododeensaioqueapresenta,emboraopróprioPFAUTSCHdigaque“Não
107
uma autoridade ou uma escola que tenha descoberto todo o conhecimento
pertinenteàartecoral”(p.71,grifodoautor).
58
Poroutrolado,pelapróprianatureza
docapítulo,PFAUTSCHapresentaseuprópriométodocom muitomaisdetalhesque
os métodos analisados por SWAN este analisa não menos que seis escolas de
práticacoral,alémdeseuprópriométodo,tudoemapenasumcapítulo.Apresento,a
seguir, alguns princípios gerais de PFAUTSCH sobre o trabalho coral adotados por
Fonseca:
a) Desenvolver uma relação de dependência, interdependência e independência
entre o regente e o coro, devendo este ser treinado para aumentar
progressivamenteocontatovisualcomaquele.
b) Trabalhar umrepertóriovariadoeoaperfeiçoamentodedetalhespara fazer
crescerointeressedocantor respectivamentepelapráticacoralepelapeça
específica.
c) Começar o ensaio pelas peças mais difíceis e trabalhar os detalhes
começandopelasseçõesmaisdifíceisdeumapeça.
d) Dar tempo para o refinamento acontecer, não pretendendo alcançálo em
apenas um ensaio. Embora Fonseca tivesse aprendido isso com
Celibidache,PFAUTSCHé específicoemimplicar quenãosedevetomar
todo um ensaio com o trabalho de uma única peça, e que ela deve ser
ensaiadaaospoucos,ensaioapósensaio.
e) Interromper o coro enquanto ele canta deve ter um propósito claro, e esse
propósitodeveserexplicadoaocoro.
f) Ao demonstrar cantando, o importante é o acerto da demonstração, não a
qualidadedavozobviamente,desdequeoobjetodemonstradonãoseja
aprópriaqualidadedavoz.Podemseusartambémgestosedança.
g) Reconheceraimportânciadobomhumornosensaios,sabendotirarvantagem
das gafes e até colecionando “anedotas, piadas e ‘frases de efeito’
(PFAUTSCH,1988,p.83)
59


58
“There is no one authority or one school that has discovered all the knowledge pertinent to the
choralart.”
59
“anecdotes,jokes,and‘cleverphrases’”
108
Para manter aumentar a atenção e manter o interesse dos cantores,
evitando o desgaste do repertório pelo muito ensaio e simplesmente para manter a
afinação, PFAUTSCH apresenta os seguintes recursos, também adotados pelo
MaestroFonseca:
a) Ensinar os cantores a pensar nos intervalos ascendentes mais abertos e nos
descendentesmais fechados.Fo nsecausa aimagem deumaescada para
ilustraresserecurso.
b) Transporapeçaparaumsemitomouumtomacima.Emboranãotenhasido
mencionadopelosentrevistados,nemporFERNANDES(2004;2005),nem
por FONSECA (1999; sem data), este recurso costuma ser citado por ex
alunosdoMaestroFonsecacomoensinadoporele.
c) Mudar o andamento da peça. Fonseca chegava a adicionar a este recurso a
mudançadeestilo,alterandoaconfiguraçãorítmicabásica.
Com relação à leitura de repertório novo, PFAUTSCH apresenta os
seguintesprincípiosadotadosporFonseca:
a) Antes da leitura, apresentar informações pertinentes à obra de maneira
atraente,esclarecedoraesucinta.
b) Usarsílabasinventadasparaaleitura departesparaqueosintervalossejam
dominados sem as complicações oferecidas pelo texto. Fonseca fazia uso
desse recurso para desenvolver a precisão rítmica do coro, mas dava
liberdadea quemquisessee tivesse
maisdesenvoltura paracantarcom o
própriotextodamúsica.
Para melhorar o equilíbrio entre os naipes , PFAUTSCH sugere os
seguintesrecursosadotadosporFonseca:
a) Pediraumoumaiscantoresdenaipesdominantesparanãocantar.
b) Trocar de naipe um ou mais cantores, aumentando o potencial dinâmico
do
naipemaisfraco.
Especificamente sobre dicção, PFAUTSCH apresenta os seguintes
princípios,tambémadotadosporFonseca:
a) Otextocantadodevesertãoclaroqueopúblicosejacapazdecompreendê
lo, desde que falante daquele idioma. Este é um princípio de Shaw,
enunciado por PFAUTSCH de maneira ainda mais coincidente com o
109
princípiodeFonsecaenunciadopelosentrevistados,noquedizrespeitoà
dicção.
b) “[...] as possibilidades para inexatidões são multiplicadas pelo número de
cantoresqueconstituemqualquercoro.(PFAUTSCH,1988,p.102)
60
Daí
a necessidade de estabelecer uma uniformização para os elementos de
dicção, que acabam por refletirse em todos os outros parâmetros da
música. Este princípio, também adotado por Fonseca, é mencionado por
Fernandes.
c) Auniformizaçãodaformaçãodasvogaisentreoscantoreséútilpara(1)criar
umamálgamaentreasvozes,(2)melhoraraafinaçãoeacordanotae(3)
facilitaraimpostaçãovocaladequada.
d) Auniformizaçãoeaadequaçãodaarticulaçãoconsonantalsãoúteispara(1)
deixar o texto mais audivelmente inteligível, (2) dar mais apoio e
vitalidade à afinação, (3) conferir mais cuidado e precisão ao ritmo e (4)
asseguraraimpostaçãovocaladequada.
5.3.3 Por Charles Heffernan
Noveanosdepois deSWANePFAUTSCH,apareceHEFFERNAN(1982),
comumimpressionantementebemsistematizadoedetalhadométododetécnicasde
ensaio coral: “Choral Music: Technique and Artistry”. Endossado por um prefácio
dopróprioSWAN(p.ix–x),ométododeHEFFERNANéumaprimoramentoeuma
ampliação de técnicas recolhidas de escolas anteriores, principalmente de Shaw,
citadodiversasvezespeloautor.Ocapítulo 4,“ChoralTechnique”,éconstruídocom
base no princípio dess e regente que agrupa os recursos da técnica coral em cinco
categorias:afinação,sonoridade,dinâmica,enunciaçãoeritmo.Porisso,assimcomo

60
“[...] the possibilities for inaccuracies are multiplied by the number of singers making up any
chorus.”
110
em SWAN (1988), a maneira como HEFFERNAN dispõe os tópicos abordados
também assemelhase à organização que proponho para a seção 4.2.2.3 Artifícios
técnicos, em que dicção e impostação equivalem respectivamente a texto e
sonoridade em HEFFERNAN. Apresento aqui apenas os recursos novos ou re
elaboradostrazidosporHEFFERNANeadotadosporFonseca.
Se PFAUTSCH afirmara que o regente deve trabalhar um repertório
variado para fazer crescer o interesse do coro, HEFF ERNAN acrescenta que, com o
mesmo objetivo, o repertório novo deve apresentar dificuldades. A superação dos
desafios do repertório e a própria variedade de estilos presente nesse repertório
sempre
foram louros exibidos pelo Ars Nova. Outro princípio de HEFFERNAN
inspiradoemShaweadotadoporFonsecaéaimportânciadadaaqueoscantores
tenhamummínimodeleiturarítmica:“Lerpartituraemumgrupocoralémaisuma
questão de quando cantar que qual altura fazer
soar.” (HEFFERNAN, 1982, p. 65,
grifo do autor)
61
Além disso, o coro deve ser capaz de reconhecer intuitivamente o
movimentomelódicoindicadonapartitura.Defato,paraparticipardoArsNovanão
eraexigidomaisqueissodoscantores,noquedizrespeitoàhabilidadedeleitura.
Umdos princípios geraisadotadospor PFAUTSCHera começaroensaio
pelaspeças mais difíceis.HEFFERNAN, por suavez,acrescentaque oregente deve
trabalhar por um clímax no final do ensaio. Esse princípio, também adotado por
Fonseca, implica em trabalhar peças cada vez mais familiares ao longo do ensaio,
terminandocomalgumaemqueocorotenhamuitadesenvoltura.Isso
trazsatisfação
paraogrupo,econfirmaodesejoderetornaraopróximoensaio.
Como recurso para facilitar a leitura de repertório, HEFFERNAN (1982)
sugereomesmoquePFAUTSCH(1988),ousodesílabasinventadas,masacrescenta

61
“Reading music in a choral ensemble is much more a question of when to sing rather than what
pitchistobesounded.”
111
quecadanaipecanteusandoumasílabadiferente.Issoressaltaasdiferençasentreas
partes,reforçandoaconcentração.Paradestacarapenasumadasvozes,fazendoque
o naipe ganhe confiança, HEFFERNAN sugere que o naipe a ser destacado cante
umasílabapercussivaeosoutroscantemoutrasílaba,ouviceversa.Rodriguesusaa
palavra “truques” para fazer referência a esses mesmos recursos adotados por
Fonseca.
HEFFERNAN (1982) apresenta uma lista de fatores que interferem na
afinação.Entreeles,cita (1)aposiçãodos cantoresdentrodonaipee(2)a noçãoda
frase musical por parte dos cantores. No Ars Nova, era o Maestro Fonseca quem
definia a disposição dos cantores no naipe e até mesmo nomeava alguns cantores
paraseresponsabilizarpelaeficiênciadeoutros.Quantoànoçãodefrase,oMaestro
erainsistentepara que ocoro a desenvolvessecom firmeza, indicandoinício,ponto
culminanteeterminação.
Para reforçar os aspectos rítmicos de uma peça, HEFFERNAN (1982)
sugere cantar como se todas as notas fossem muito curtas seguidas de pausa
staccato –, substituindo o texto por sílabas formadas por consoantes oclusivas e
vogaisclaras.ParaoMaestroFonseca,esserecursopodiaseraplicadotambémcomo
texto,
através da antecipação das consoantes. Desta forma, atingese também outra
meta:oaprimoramentodapronúnciadotexto.
Quantoàdicção,pelomenos trêspontos apresentadosporHEFFERNAN
(1982)coincidemcomFonseca:(1)nãopermitiralteraçõesnopercursodeumavogal;
(2) |s| pode requerer redução em coros muito grandes
e (3) no registro agudo, as
vogaisdevemsermodificadas.OprimeiropontoéumreflexodoprincípiodeShaw
dedeterminarotempodeduraçãodecadafonema.Umaveziniciadocertofonema,
eledevepermanecerigualatéofinal.Modificálotambéminterferirianaafinação.
Devo enfatizar novamente que HEFFERNAN (1982) faz releituras,
compilaçõeseampliaçõesdetécnicasdeescolasamplamentetestadasepraticadas
112
anteriores a ele, com forte e explícita influência da escola de Robert Shaw. Assim,
mesmo que o Maestro Fonseca não tenha sido diretamente influenciado por
HEFFERNANoquedigoagoravaletambém paraSWANePFAUTSCH–,podese
afirmarqueelefoiinfluenciado,pelomenos,porseuspartidários.
6 CONCLUSÃO

Trêsforam osconjuntosdefatoresquemeimpulsionaramaestapesquisa,
pelomenos:(1)osproblemasinerentesàformaçãodoscorosedosprópriosregentes
coraisemMinasGerais;(2)aemergentenecessidadederegistrodediversosaspectos
da História da Música Brasileira; e (3) meu interesse pessoal pelo trabalho do
Maestro Carlos Alberto Pinto Fonseca. Em função de contribuir para amenizar os
problemas apresentados no primeiro conjunto de fatores, delimitei minha
abordagemconsiderandodoisfiltros:
a) Umavezqueexistemmuitostiposdecoros, cumpririarealizarumapesquisa
específicaparacadatipo.Porconveniência,escolhiestudararealidadede
umcorosemiprofissional.
b) Comootrabalhodoregenteéumtrabalhoqueenvolveumavariadagamade
atividades, conhecimentos e técnicas, também cumpriria realizar uma
pesquisa para cada caso. Escolhi estudar especificamente técnicas de
ensaio,dasquaisnãotrateidiretamentesobreaquestãodogestual.
Através desses filtros e em função de atender em alguma instância à
necessidadeeao interesse apresentados nospontos segundo e terceiro, considereia
trajetóriadoMaestro Fonseca,vinculandoo todoo tempoaseutrabalhocom oArs
Nova,eoferramentaltécnicodeensaiodesseMaestrocomoregentedaquelecoro.
No que diz respeito à trajetória pessoal de Fonseca, fiz uma releitura de
SANTOS(2001),discutindo:
a) AquestãodasinfluênciasdiretasouindiretasqueoMaestroteriarecebidoao
longo de sua formação musical, sobretudo dos Maestros Hostílio Soares
(1898–1988), HansJoachim Koellreutter (1915–2005), Sergiu Celibidache
(1912–1996) e Robert Shaw (1916–1999). O ponto mais importante desta
discussão foi a associação de Fonseca à escola de Robert Shaw essa
associaçãoaindanãohaviaaparecidoempesquisasanteriores.
114
b) AhistóriadoArsNova,descrevendoeanalisandooseuperfilemtrêsfasesde
suahistóriacriação,consolidaç ãoecriseecomoasevoluçõesdoperfil
teriaminfluenciadonaqualidadedotrabalhodesenvolvido.Odadomais
importantedessasanálisesfoiconstatardefinitivament equeacrisequese
instalou progressivamente desde o início deste século não pode ser
associada a técnicas de ensaio possivelmente ultrapassadas pelo tempo .
Essa constatação confirmase pela leitura da bibliografia recente sobre
Regência Coral, em que repetemse inúmeros princípios e recursos
técnicos amplamente discutidos, testados e registrados em bibliografia
anterior.
Noque diz respeitoao ferramentaltécnico doMaestroFonseca, trabalhei
em:
a) Coletae análisederecursostécnicosapartirdaleituraediscussãodosdados
obtidos nas entrevistas. A aquisição mais importante desse trabalho foi a
catalogação sistemática desses recursos agrupandoos em categorias
específicaseacriaçãodeumatabelaesquemática.Dessaforma,facilitase
ageneralizaçãodasinformações.
b) Associação de seu perfil às pretensões da bibliografia para o perfil de um
regente coral, levantando os pontos de convergência e de divergência. O
aspecto mais significativo dessa associação foi a possibilidade de
desenvolver e analisar um quadro do Maestro para efeito de registro
histórico.
c) Associação das técnicas de ensaio adotadas por ele a suas possíveis fontes
primárias. O mais importante dessa associação foi constatar uma cadeia
de nomes que se influenciaram uns aos outros até chegar ao registro de
um ferramental técnico ao qual o ferramental do
Maestro Fonseca é
idênticoeminúmerosaspectos.
Ao longo da pesquisa, foi possível constatar que o trabalho baseado na
escoladeRobertShawpodetersidoumaescolhadoMaestroFonsecadepoisdeter
começadoatrabalharcomoArsNova,devidoaofatodeascaracterísticasessenciais
deste coro
serem muito adequadas aos princípios e recursos propostos por aquela
escola. Embora não tenha sido objetivo desta pesquisa verificar a aplicação do
ferramental técnico do Maestro Fonseca em outros contextos e/ou por outros
regentes, não razões para crer que o ferramental aqui catalogado não possa ser
aplicado por outros regentes a outros coros semiprofissionais, que todos os
115
recursos têm sido testados e julgados como eficientes por várias gerações, sendo
novamente publicados como proposta metodológica em alguns autores da
bibliografiarecente.Valelembrar,contudo,queaestabilidadeoferecidaportodasas
circunstânciasenvolvendootrabalhodoMa estroFonsecacomoArsNovae olongo
períododetempoemqueissosedeusãofatoresquecontribuíramsubstancialmente
paraosucessodaaplicaçãodesseferramentaltécnico.
Ainda importa aprofundamento de pesquisadores em diversos aspectos
do trabalho do Maestro Fonseca: lacunas deixadas por esta e outras pesquisas,
devido à dimensão monumental daquilo que estamos tratando. Do ponto de vista
biográficomuitosdetalhesqueaindamerecemsermelhoresclarecidos:formação
musicalelementar;cronologiaeinfluênciasprecisasdasviagensrealizadasaestudos
e a trabalho, seja individualmente ou acompanhado do Ars Nova; outros trabalhos
realizados pelo Maestro fora do Ars Nova, seja como professor ou como regente;
últimos anos de sua vida. Especificamente sobre o Ars Nova, urge desenvolver
pesquisas detalhadas de sua história para publicação, uma vez que tratase de um
dosmaisimportantesgruposmusicaisbrasileirosdoséculoXX.Alémdisso,ainda
pontos não abordados academicamente no que diz respeito ao ferramental técnico
doMaestro.
Éclaro,portanto,queaindaestamosnumafaseinicialnoquedizrespeito
aoconhecimentoacadêmicoproduzidosobre todootrabalhoartísticodesenvolvido
peloMaestroFonsecaaolongodeseusquasesetentaetrêsanosdevida.Noquediz
respeito à prática coral, considerando sobretudo seu ferramental técnico e sua obra
paracoro,FonsecafoipioneironoBrasil.Emboraelemesmonuncatenhapublicado
comercialmente bibliografia cnica sobre Regência Coral ou sobre Composição
Coral, a sofisticação de seu trabalho inspirou inúmeros regentes, cantores e
compositoresemtodoopaís.OMaestroCarlosAlbertoPintoFonsecaéreferênciana
práticacoraldoBrasil.Elenãofoioúnicoregentebrasileirodadécadade1960,mas
foi o primeiro que conseguiu aplicar sistematicamente o ferramental de uma escola
116
de prática coral específica e consolidada em um trabalho consistente, estável e a
longoprazo.

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Vinil.
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MúsicaColonialMineira.BeloHorizonte,1996.CD
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SCARLATTI,Alessandro(etal.).Intérpretes:CarlosAlbertoPintoFonseca(regente)e
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Manuais
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123
APÊNDICE A
Questionário para as entrevistas semi-estruturadas
1 Afiguradoregente
1.1 Atributos
a) Sobre o Maestro Fonseca. Durante o ensaio coral, que características se
ressaltavam:
desuapersonalidade?
desuamusicalidade?
1.2 Faculdades
a) O Maestro Fonseca costumava referirse a algum tipo de conhecimento ou a
algumlivroespecíficocomoessencialparaoRegenteCoral?
b) Queáreasdosconhecimentosextramusicaiserammaisapreciadasporele?
c) A que áreas do conhecimento musical ele dava mais importância? Como ele
pregavaquedeviaseraformaçãomusicaldoregente?
1.3 Frenteaocoro
a) Emensaioeextra ensaio,comoeraocomportamentodoMaestroFonseca?
2 Apráticadoregenteemensaio
a) Quais eram os princípios técnicos que se percebiam na forma de o Maestro
Fonsecaorganizarseusensaios?
2.1 Concentração
a) Até que ponto e como o Maestro Fonseca conseguia um estado de
concentraçãointegralporpartedoCoro?Oqueissosignificavaparaele?
b) Comoelecontornavasituaçõesdeatrito?
124
2.2 FerramentastécnicasdoCantoCoral
a) Considerando que os cantores precisam de possuir ferramentas técnicas para
umaboaperformanceemcoro,masqueoCantoCoralapresentadiferenças
comrelação aoCantoSolo, quaisferramentas técnicaso Maestro Fonseca
consideravacomoimportantesparaapráticacoral?
b) Comoeleabordavaemensaioasquestões:
doapoioedarespiração?
daformabucaledadicção?
demovimentoeritmo?
deimpostaçãoeextensãovocal?
deafinaçãoedinâmica?
2.3 Montagemderepertório
a) ComooMaestroFonseca conduzia aleituradeumanovaobradorepertório?
b) Eadinâmicadeburilamentodeumaobralida?
3 Geral
a) Emsuaopinião,oquelevouoArsNovaaopatamartécnicoaquechegou?
b) OquedistinguiaoMaestroFonsecadeoutrosregentes?
c) Oquedistinguiaoseutrabalhodotrabalhodeoutrosregentes?
d) OqueV.Sa.considerariacomopontosmaisimportantesdatécnicade
ensaio
doMaestroFonseca?
e) AlgomaisqueV.Sa.achaquedevesseficarregistradonestapesquisa?
APÊNDICE B
Exercício para controle de dinâmica
Produziosquatroexemplosabaixoporinferência,apartirdasexplicações
presentes na seção 4.2.2.3.5 Dinâmica, alínea (a). Os modelos do tipo A são mais
convenientesparacomeçar,porquenãoapresentamosaltodenonaeaindapossuem
grausconjuntos,queservirãoaoscantorescomopontosparaexercitarorelaxamento
dos músculos do pescoço mesmo em meio aos saltos amplos. Se a intenção for
exercitaropianissimonoregistroagudo,osmodelosdotipo1sãomelhores,porque,
começando no grave, oferecem um bom referencial desse nível de dinâmica aos
cantores.Oinversoéválidoparaosmodelosdotipo2.Paraambososcasos,podem
se criar variações rítmicas e combinações entre os modelos. Outra possibilidade, a
fim de viabilizar uma primeira abordagem é explorar os mesmos movimentos
melódicoscomintervalosmenosamplosterças,quartas,quintas,sextasesétimas.
Figura 3
APÊNDICE C
A prática do Maestro Fonseca: esquema
A tabela abaixo esquematiza a prática do Maestro Fonseca em ensaio
coral.Sãoquatrocolunas:(1)categoriasderecursostécnicosnumeradasconformeas
seções desta dissertação, (2) objetivos a serem alcançados, (3) recursos para se
atingirem os objetivos e (4) notas explicativas sobre os recursos ou sobre a
conseqüência dos mesmos, demonstrando a razão de sua eficiência. Na coluna
“Recurso”,ascélulasbrancascorrespondemaaçõesdocorosobordemouinfluência
doMaestro.AscélulassombreadassãoaçõesdoMaestroparaocoro.Estatabelanão
pretende ser autoexplicativa, dependendo em alguns pontos das explicações no
corpoprincipaldadissertação.
Categoria Objetivo Recurso Nota
Predisposição
Estado de concentração
básico
Aquecimento vocal
Período de tempo sem
conversas
Reatividade a estímulos
gestuais
Vocalises com alterações improvisadas
controladas pelo gestual
Controle através do gesto
Reatividade a estímulos
musicais
Canto sem regência gestual
Atenção para o som do
grupo
Reatividade a estímulos
psicológicos
Metáforas
Criação de situações engraçadas
Relaxamento
Improvisação musical com luzes apagadas
Prática de quartetos
Estímulo a ensaios
extraordinários livres
Espírito de cooperação
Passa aperto de mão
Atenção para a ação do
outro
Unidade do grupo Trabalho de qualidade Prazer de participar
Exigência de silêncio
4.2.2.1
Preparação do
grupo
Otimização do tempo
Sufocação de atritos
127
4.2.2.2
Montagem de repertório
Diminuição da disposição ao longo do
ensaio
Aproveitamento
da disposição
física e mental
dos cantores
Atividades com repertório na seqüência do
menos assimilado para o mais assimilado
Satisfação de concluir o ensaio com
execução de trecho musical
amadurecido
Abordagem conforme demanda em tempo
real
Explicações e demonstração através do
canto
Condicionamento ao gestual
Possibilidade de executar alterações
sem dependência de explicação verbal
– otimização do tempo
4.2.2.2.1
Procedimentos
genéricos
Aspectos
interpretativos
Aprendizado por imitação da práxis do Coro Otimização do tempo
Primeiro contato Contextualização Criação de identidade
Peça
homofônica séc.
XVII–XIX
Leitura simultânea (cada naipe sua parte):
com nomes de notas, com vocalização, com
sílabas ou com o texto
Ensaio de naipe: leitura com nomes de
notas, com vocalização, com sílabas ou
com texto
Peça
homofônica com
harmonia
complexa ou
peça polifônica
Ensaio tutti aglutinando as vozes na ordem
B S ou na ordem das entradas
Otimização do tempo
Aspectos
interpretativos
Abordagem da práxis do coro espontânea e
concomitante à leitura
Prazer na musicalidade da peça
Fracasso forjado na primeira leitura Manutenção da expectativa
4.2.2.2.2
Leitura de
repertório
novo
Exatidão de
notas e ritmo
Repetição
Permite pensar em itens diferentes a
cada vez e evita sobrecarga de
informações
Fonética do
idioma
Exercícios de dicção
Permutação de cantores entre os naipes
Cor do naipe
Subtração de vozes
Fluência do
estilo
Exercício de execução com distorções no
estilo
Escuta comparada e discernimento de
características específicas
Inflexão da frase
musical
Crescendo em direção ao ponto culminante,
seguido de diminuendo.
Andamentos
fixos e
mudanças de
andamento
Repetição à exaustão Memorização
Expressão
corporal e facial
Aplicação espontânea estimulada pela
demonstração
Performance visualmente mais
expressiva
4.2.2.2.3
Refinamento
de repertório
lido
Caráter da obra
Demonstração cênica
128
Escolha de cantores em condições
previamente estabelecidas
4.2.2.3
Artifícios
técnicos
Sonoridade geral
Aprendizado por imitação da práxis do
Coro
Otimização do tempo
Fixação da abertura da mandíbula pela
mordedura das pontas de dois dedos
sobrepostas
Equilíbrio entre os fonemas
vocálicos
Restrição da abertura horizontal dos lábios
Unificação do timbre e da
intensidade (1) entre os
cantores e (2) entre as
vogais
Redução da emissão de |s| [,|sh| e |f|]
Acréscimo de shwa após |l|, |m|, |n| [e |ng|]
finais
Acréscimo de som vocálico (igual a uma
redução da vogal principal da sílaba) entre
os fonemas de encontro consonantal.
Destaque para fonemas de
emissão sutil
Em registro agudo, substituição de |g| por
|k| [, |b| por |p| e |d| por |t|]
Em registro agudo, acréscimo de |f| após o
|p| [, |s| após o |t| e |h| após o |k|]
Facilitação da emissão
Equilíbrio entre os fonemas
consonantais e clareza dos
mesmos
Declamação com antecipação das
consoantes (exceto a consoante final, que
deveria cair na pausa)
Precisão da emissão
Tonicidade e inflexão
Declamação enfática ressaltando a
prosódia e o sentido semântico do texto
4.2.2.3.1
Dicção
Fluência rítmica Leitura rítmica do texto sem alturas
Percepção da dimensão
exata de cada fonema
dentro do tempo musical
Exercício cantado substituindo o texto
original por sílabas percussivas
Precisão no ataque
Exercício cantado substituindo a
articulação original por staccato ou portato
Aumento da atenção para a
sincronia
Canto imaginando que o texto só tivesse
consoantes
Reforço do caráter rítmico
Em figuras pontuadas, substituir o ponto de
aumento por pausa
Relevo ao início do som
seguinte
Melismas rápidos
Articulação das notas com |l| por um ou
dois indivíduos de cada naipe
4.2.2.3.2
Ritmo e
articulação
Legato
Canto imaginando que o texto não tivesse
consoantes
4.2.2.3.3
Apoio e
respiração
Respiração coral
Não pronunciar a(s) consoante(s) de fim de
sílaba da sílaba em que houver a
respiração alternada
Impostação facial da voz Voz direcionada para o palato duro 4.2.2.3.4
Impostação
vocal
Cobertura na região aguda
Rebaixamento da laringe, palato alto,
ressonância no fundo da boca
Controle com mudança de
registro
Vocalise específico com saltos
4.2.2.3.5
Dinâmica
Caráter
Estímulo psicológico através de figuras
Afinação geral Repetição de trecho ou do todo
Automatização de aspectos
diversos
4.2.2.3.6
Afinação
Movimentos melódicos
específicos
Subir como se os intervalos fossem
maiores que de fato o são e descer como
se fossem menores
Tabela 1

ANEXO
Classificação dos fonemas consonantais
Adaptação de conteúdo do verbete “consoante”, de FERREIRA (2004), o
textoabaixotrata especificamentedefonemaspresentesnaLíngua Portuguesa,mas
osconceitospodemseraplicadosaocontextodeoutrosidiomas.
1)Quantoaotipodeobstáculoopostoàcorrentedoar
oclusivas,fricativas,lateraisevibrantes
Oclusivas.
uma aproximação completa ou fechamento momentâneo de dois
órgãos da cavidade bucal. Segundo a região em que este se processa, as oclusivas
podemser:
a) bilabiais(lábiocontralábio):p,b,m,comoempote,bote,mato;
b) linguodentais(pontadalínguaearcadadentalsuperior): t,d,n,comoemtal,
dama,nada;
c) palatais(dorsodalínguaepalatoduro):nh,comoemninho,ganho;
d) velares(parteposteriordalínguaevéupalatino):k,g,comoemcata,gata.
Fricativasouconstritivas.
uma aproximação incompleta de dois órgãos da cavidade bucal, e a
corrente de ar comprimese, o que lhe permite passar por uma fenda estreitada.
Segundo a região em que a compressão se processa, dando lugar a um contato
parcial,asfricativaspodemser:
a) labiodentais(lábioinferiorearcadadentalsuperior):f,v,comoemfaca,vaca;
b) alveolares(pontadalínguaealvéolos):s,z,comoemsapo,cego,zelo;
130
c) palatais (dorso da língua e palato duro): x (também representado por ch), j ,
comoemxale,cheque,jacto.
Laterais.
uma obstrução resultante do contato da língua com algum ponto da
regiãocentraldacavidadeoral,escapandooarlivremente porumouporambosos
ladosdalíngua.Segundoazonaondeocorreaobstrução,aslateraispodemser:
a) alveolar(pontadalínguaealvéolos):l,comoemlago;
b) palatal(dorsodalínguaepalatoduro):lh,comoemgalho.
Vibrantes.
uma vibração da língua, provinda do contato intermitente desta com
certa zona da boca. As vibrantes podem ser: alveolares ou velares, conforme a
vibraçãosenaregiãodosalvéolosounaregiãodovéupalatino,respectivamente:
a) alveolar(rfracoemposiçãointervocálica):aro,tiro;
b) velar(avibranternasdemais posições):rato,régua
;carro,certo,guelra;lar,ser.
2)Quantoàzonadearticulação
bilabiais,labiodentais,linguodentais,alveolares,palataisevelares
3)Quantoàaçãodascordasvocais
62
surdasesonoras
Surdas

62
Atualmente, têmse evitado esta expressão, por não se adequar a uma descrição objetiva da
anatomiadoórgãoaqueserefere.Emlugardela,prefereseaexpressão“pregasvocais”.
131
Nãovibraçãodascordasvocais:
a) aoclusivabilabialp;
b) aoclusivalinguodenta lt;
c) africativalabiodentalf;
d) aoclusivavelark(c,antesdea,o,u;qu,antesdeeei);
e) africativaalveolars(ss,entrevogais;c,antesdeeei;ç,antesdea,o,u;x,como
empróximo,sintaxe);
f) a fricativa palatal x (quando equivalente a ch, como em xale, peixe, e também
representadaporch,comoemchave,chuva).
Sonoras
vibraçãodascordasvocais:
a) aoclusivabilabialb;
b) aoclusivalinguodenta ld;
c) aoclusivavelarg(guantesdee e i);
d) africativalabiodentalv;
e) a fricativa alveolar z (também representada, em posição intervocálica, por s:
casa,uso,ex:exemplo,exato);
f) africativapalatalj(tb.representadaporg,antesdeeei,comoemgemer,gíria);
g) avibrante velarr (forte),comoemrei,tenro,terra.
132
4)Quantoàressonâncianascavidadesbucalenasal
oraisenasais
Nasais
Acorrentedearressoa,emparte,nacavidadenasal:
a) aoclusivabilabialm,
b) aoclusivalinguodenta ln;
c) aoclusivapalatalnh.
5)Quantoàduração
contínuasenãocontínuas
Contínuas
Produzidas pelo fechamento incompleto da passagem do ar. [Portanto,
podem ser oclusivas nasais, fricativas, laterais e vibrantes. As oclusivas orais são as
nãocontínuas.]

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